SUMÁRIO - Professor José Norberto
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SUMÁRIO - Professor José Norberto
IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO SUMÁRIO 1 2 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Apresentação 11 Pronunciamentos na abertura solene 12 José Aristodemo Pinotti PALESTRAS DIA 17.11.05 A Cidade e a Escola numa Era de Transformação, Informação e Globalização 17 Peça: Dona Escola 24 A Evolução da Educação Básica no Brasil 25 Educação e Desenvolvimento Humano – o Foco no Aluno e na Aprendizagem 33 Avanços e Desafios do Ensino Médio 37 Indicadores da Qualidade na Educação 43 Mysterium 46 Paradoxos na Profissão de Professor 48 Educação e Cultura 49 A Parceria entre a Instituição Cultural e a Escola Pública 54 A magia do cinema na educação 56 Educação Escolar: o que trouxemos do Século XX? 57 O Tempo e o Espaço na Educação Infantil 65 Brincar como Conteúdo de Ensino 69 A especificidade da alfabetização na educação infantil 75 Educação e Cultura 76 Mariano Fernández Enguita Direção: Paulo Bottos e Cristiane Coelho Paulo Renato Souza Eduardo O. C. Chaves Maria Helena Guimarães Castro Vera Masagão Lygia Fagundes Telles Nuno Rebelo dos Santos Danilo Santos de Miranda Rosa Iavelberg Carla Camurati Guiomar Namo de Mello Telma Vitória Gisela Wajskop Heloísa Dantas Tonia Carrero 3 O professor numa sociedade midiática: novos modos de compreender, novos modos de comunicar 77 Educação para o Século XXI e os Clássicos da Cultura 78 A importância da educação para o desenvolvimento do Brasil e redução de desigualdades 83 Educação e diversidade étnico-racial 90 Ensino Fundamental de 9 anos 91 Ensino Fundamental de 9 anos 92 Ensino Fundamental de 9 Anos 93 Ensino Fundamental de 9 anos 96 Sarau de Poesia 97 Ismar de Oliveira Soares Leandro Karnal Gustavo Ioschpe Hédio Silva Júnior Iara Glória Areias Prado Jeanete Beuchamp Dagmá Brandão Silva Mitsuko Aparecida Makino Antunes Silas Corrêa Leite PALESTRAS DIA 18.11.05 “A Mídia e a Educação” e “O Ensino Socialmente Construído – O tempo Integral na Visão de Darcy Ribeiro” 102 A Mídia e a Democracia, a Mídia e a Cidadania, a Mídia e a Educação 103 A invisibilidade do ser humano 107 FUNDEB – suas características e possíveis conseqüências para a educação no Brasil 108 Comunidade e Utopia 109 Educação e Imunidades Tributárias 116 A Situação educacional da juventude paulista 126 O amor pela Leitura 127 Carlos Heitor Cony Paulo Henrique Amorim Gilberto Dimenstein César Callegari Eduardo Almeida Acosta Ives Gandra da Silva Martins Julio Jacob Waiselfisz José Mindlin 4 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Afro-Brazilian Culture and History is African Culture and History 128 O Crescimento Infantil 129 Promoção à Saúde no Contexto da Educação Infantil 140 Como construir uma escola para todos? Lino de Macedo 143 Formação de Leitores no Ensino da História 144 O Ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos 147 Educação de Jovens e Adultos 152 Os Filhos do Futuro 153 A Escola às Escuras: Uma Crítica Radical à Educação Brasileira Atual 156 O Projeto Pedagógico como Expressão da Autonomia na Escola 162 Gestão Escolar 169 Administração Escolar: Desafios do Cotidiano 173 Novos Caminhos da Inclusão 178 Educação de Qualidade: o entorno, os atores e processos 181 Ações sócio-educativas no âmbito da política educacionall 187 Educação e o Terceiro Setor 190 Educação e profissionalização na cidade de São Paulo 194 A Experiência Pedagógica da Universidade Livre do Circo 199 Mwalimu Shujaa José Augusto de Aguiar Carrazedo Taddei, Vanda Mafra Falcone, Vânia Vieira Costa, Denise Ely Bellotto de Moraes, Luiz Anderson Lopes, Fernando Antonio Basile Colugnati, Gisela Paraná Sanchez Damaris Gomes Maranhão Antonia Terra Sandra Mutarelli Maria Inês Fini Rodolfo Konder Julio Groppa Aquino Francisco Aparecido Cordão Ilona Becskeházy Zacarias Pereira Borges Rossana Regina Guimarães Ramos Eduardo Almeida Acosta Maria do Carmo Brant de Carvalho David Saad Almério Melquíades de Araújo Marcos Frota 5 Leitura e Escrita nas áreas do conhecimento 209 Maria José Nóbrega Alfabetização e metodológicas Letramento: Desafios e perspectivas Antônio Augusto Gomes Batista 210 Peças: Mémorias de um Educador 211 Origens Históricas do Elitismo 212 A Formação Docente e o Conhecimento Científico 218 Formação de Professores 220 A Formação do Professor de Educação Infantil 224 Como Desenvolver a Paixão pela Leitura 227 Interface entre Mídia e Educação 232 A Literatura como espelho de identidades sociais 233 Os Índios e nós. A questão indígena revisitada 236 Literatura Indígena: escrita pelo próprio índio 239 Capacitação dos Professores e Especialistas de Educação 240 Classificação Indicativa de Programas de TV e Diversões Públicas 248 A Questão da Educação Informática para Crianças e Adolescentes 251 Missão do Educador: Arte e Educação 253 Silvionê Chaves Nelio Bizzo Cleide Nébias Neide Nogueira Zilma de Moraes Ramos de Oliveira Anna Maria Martins Marcos Ferreira Heloísa Pires Lima Adrian Ribaric Olívio Jekupé João Gualberto de Carvalho Meneses Anderson de Oliveira Alarcon Alessandro Dell’Aira Maria Aparecida Alcântara Hoje Quem Conta a História Sou Eu Deborah Santos Soares da Silva 6 257 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PAPERS CEI Vereador Aloysio de Meneses Grenhalgh 260 CEI Casa Verde 262 CEI CECI Jaraguá 265 CEI CEU Perus 266 CEI Ma José de Souza 269 CEI Parque Edu Chaves 270 CEI Parque Guarani 272 CEI Parque Sabará 274 CEI Vila Santa Inês 275 CEU São Mateus 277 CIEJA Butantã 281 CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo 285 CIEJA Ermelino Matarazzo 288 CIEJA Mandaqui 289 CIEJA Mandaqui 291 CIEJA Santo Amaro 292 Coordenadoria de Educação do Itaquera 293 Coordenadoria de Educação do Itaquera 297 Coordenadoria de Educação do Ipiranga 299 EMEF Vereadora Anna Lamberga Zéglio Vereadora 302 EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré 305 EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré 308 EMEF Prof. Antonio Duarte de Almeida 312 EMEF Padre Antonio Vieira 315 EMEF Arlindo Caetano Filho 318 EMEF Prof. Aurélio Arrobas Martins 320 7 EMEF Cacilda Becker 324 EMEF Cândido Portinari 326 EMEF Cândido Portinari 328 EMEF Cândido Portinari 331 EMEF Carlos Chagas 335 EMEF CEU Atlãntica 337 EMEF CEU Perus 342 EMEF Dona Chiquinha Rodrigues 344 EMEF Cleomenes Campos 347 EMEF Fazenda da Juta A-7 352 EMEF Geraldo Sesso Jr. 354 EMEF Guimarães Rosa 355 EMEF João Pinheiro 356 EMEF Padre José de Anchieta 358 EMEF Prof. José Ferraz de Campos 361 EMEF Prof. José Ferraz de Campos 364 EMEF Prof. José Ferraz de Campos 368 EMEF José Honorio Rodrigues 371 EMEF José Kauffmann 374 EMEF Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. “Gonzaguinha” 376 EMEF Arquiteto Luis Saia 379 EMEF Marcos Mélega 381 EMEF Conde Pereira Carneiro 383 EMEF Plinio de Queiroz 385 EMEF Raul Pompéia 386 EMEF Major Silvio Fleming 388 EMEF Rodrigues Alves 392 8 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO EMEF Synésio Rocha 396 EMEF Teófilo Benedito Ottoni 402 EMEF Vianna Moog 405 EMEF Comandante Vicente Amato Sobrinho 407 EMEFM Vereador Antonio Sampaio 408 EMEFM Vereador Antonio Sampaio 410 EMEFM Prof. Derville Allegretti 413 EMEFM Oswaldo Aranha Bandeira de Melo 415 EMEI Catulo da Paixão Cearense 417 EMEI Dr. Enzo Silveira 419 EMEI Eurípedes S. Paula 421 EMEI Francisco Manuel da Silva 425 EMEI Jardim Monte Belo 427 EMEI Manuel Bandeira 430 EMEI Maria Aparecida Vita Piante 433 EMEI Miroel Silveira 436 EMEI Profa Neyde Guzzi de Chiacchio 440 EMEI Perola Ellis Byington 442 EMEI Ricardo Gonçalves 444 EMEI São Lucas 446 EMEI São Lucas 449 APRESENTAÇÃO DE PÔSTER 452 9 10 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Apresentação É com alegria que apresentamos os Anais do IV Congresso Municipal de Educação. O evento atingiu seus objetivos: tivemos cerca de 5000 participantes presenciais e outros tantos nos CEUs e na Internet; os assuntos se relacionaram mais proximamente aos projetos em andamento - Leitura & Escrita e SÃO PAULO É UMA ESCOLA - e foram escolhidos pela Comissão Organizadora. Com isso, tivemos oportunidade de discuti-los com a rede e aprimorar nossa Política Educacional. Chamo a atenção para o relevante conteúdo cultural e intelectual do programa que criou um ambiente de reflexão e deleite merecido pelos profissionais da SME que contribuíram com 60 trabalhos e 70 posteres da melhor qualidade. Difícil foi escolher os premiados. O Congresso só se concretizou, entretanto, graças à colaboração de um grupo de pessoas da Secretaria que se dedicou, dia e noite, à sua estruturação. Deixo aqui meus agradecimentos a: Teruyo Ogihara Hayakawa (SME/GAB), Adelina Messura Martins (SME/ATP), Ana Rita da Costa (DOT/Multimeios), Aurora Maria Fernandes (SME/Gab), Conceição Aparecida Baptista Carlos ( DOT/Multimeios), Eliana Maria Reis Araújo Marques Duarte (CONAE-31), Eliana Mingues (DOT/Circulo do Livro), Elizabete dos Santos Manastarla (C.E.Itaquera), Emilia de Oliveira Araújo (DOT/Certificados), Flávio José Tirico (DOT/Multimeios), Hatsue Ito (C.E. São Mateus), Helenita Neli Beber (DOT/Ensino Fundamental), Hilda Martins Ferreira Piaulino (Chefe da Assessoria Técnica e de Planejamento), Iraildes Meira Pereira Batista (C.E.Penha), Isaias Pereira de Souza (C.E.São Miguel), Jácomo Facio Neto (C.E.Capela do Socorro), José Valdo de Souza Santana (C.E.Campo Limpo), José Waldir Grégio (SME/ATP), Lílian Regina da Silva Borges (DOT/ Multimeios), Lourdes da Silva Freitas (C.E. Jaçanã/Tremembé), Luciana Miranda (DOT/Certificados), Luz Marina Moreira Correia de Toledo (SME/ATP), Maria Ângela Gianetti (C.E.Guainazes), Maria Antonieta Carneiro (C.E.Freguesia/Brasilândia), Maria Cândida Tostes Stamm (SME/ATP), Maria Clara Junqueira de Mello (SME/ATP), Maria Lúcia V.A.A. Tojal (Chefe de Gabinete), Maria Luiza Sardinha de Nóbrega (SME/ATP), Mariângela Ravena Pinheiro (DOT/Multimeios), Nelma Cristina Dias Moreira (SME/Gab), Poliana Belém Falcão (SME/ATP), Rachel de Oliveira (SME/Sala CEU), Regina Célia Lico Suzuki (DOT/ Ensino Fundamental), Rosely de Fátima dos Santos Arrojo (C.E.Pirituba), Rui Lopes Teixeira (SME/ATP), Selma Viana (SME/Imprensa), Silmara Gubeissi Sallum Cassab (SME/ATP), Silvana Ribeiro de Faria (C.E. Santo Amaro), Solange Gonçalves de Lima (C.E.Ipiranga), Sônia Regina Amaral Caldas Medeiros de Sá (C.E.Butantã), Waldecir Pelissoni Navarrete (SME/ATP), Waltair Martão (DOT/Multimeios) e a todos os professores que, com sua presença e discussão, abrilhantaram o evento. Espero que estes Anais sirvam para todos aqueles que não puderam assistir ao Congresso ou a determinadas sessões ou até para recordar o que foi visto e discutido e prolongar uma reflexão crítica necessária para o urgente aprimoramento de nossa política educacional, base e cadinho do desenvolvimento do País. São Paulo, novembro de 2005. José Aristodemo Pinotti Secretário Municipal de Educação 11 Pronunciamentos na abertura solene José Aristodemo Pinotti Secretário Municipal de Educação de São Paulo Bom dia a todos. Queria cumprimentar, em primeiro lugar, e agradecer a presença do nosso vice-governador, representando o nosso governador nesse evento, professor Cláudio Lembo, o que muito nos honra. Queria agradecer, também, a presença do secretário Gabriel Chalita, que abrilhanta este evento. Queria agradecer a presença dos professores estrangeiros que estão aqui. Quero fazê-lo, agradecendo ao professor Nuno Rebelo, de Portugal, que representa os demais professores estrangeiros que estão aqui presentes, da Espanha, dos Estados Unidos, do México e da França. Quero, também, agradecer a presença do diretor da PRODAM, e dizer que, graças ao trabalho da PRODAM, este congresso está sendo passado simultaneamente para todos os auditórios dos CÉUs e, também, um presente da PRODAM, para a Internet, e para todas as televisões neste estado ou neste país que tiverem uma antena parabólica. Queria agradecer a presença do sr. Tasso Gadzanis, presidente do São Paulo Turismo; do sr. Carlos Flori; da professora Marisa Lage Albuquerque, do SINESP, que substitui aqui a sua presidente; do Ismael Nery Palhares Júnior, do APROFEM; do Cláudio Fonseca; do Sindicato dos Profissionais de Educação – SINPEEM. Quero agradecer a presença do presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Estadual de Educação, professor Pedro Kassab, que foi meu professor no cursinho quando eu fiz vestibular para Medicina. - isto é para dizer que tem alguém aqui que tem um pouquinho mais de idade que eu –, da sra. Loretana Panchera, representando o presidente do Centro do Professorado Paulista. Do nosso querido professor José Augusto Dias, presidente do Conselho Municipal de Educação. Da sra. Madalena Paraméz, que representa aqui a Embaixada da Espanha. Dos vereadores aqui presentes: do José Police Neto, o Netinho; da Claudete Alves, que preside o Comitê de Educação da Câmara Municipal; do vereador Adolfo Quintas, do José Francisco Janene, representando o Coronel Alberto Silveira Rodrigues; da Ruth Cremonini, representando o Secretário do Verde; do Antônio Rolim Rosa, representando a Secretaria Municipal de São Caetano. Quero agradecera presença do dr. Roberto Siniscalchi. E dizer a todos vocês que eu tenho certeza que o dr. Roberto Siniscalchi vai levar o Hospital Municipal à altura das necessidades dos trabalhadores municipais. Acho que eu devo fazer aqui uma menção ao dr. Roberto, que nós tivemos uma tragédia na Rede. Uma das nossas meninas faleceu, num acidente de ônibus, e outra ficou gravemente ferida, e o dr. Roberto que, naquele então, trabalhava como cirurgião do Hospital Jabaquara, se dedicou de dia, de noite, domingos e feriados para que essa menina tivesse lá o melhor atendimento. E hoje, essa menina, que se chama Roberta, está andando, está completamente curada na sua casa, com sua mãe. De maneira que uma pessoa como essa, seguramente, vai colocar em ordem o Hospital Municipal. Quero agradecer a presença do nosso querido vereador Juscelino Gadelha, do Carlos Gianazzi também e de todos os professores, professoras, coordenadores, enfim, todos aqueles que nos brindam com sua presença. Um congresso é uma feira de conhecimento, é uma feira de saber. Eu espero que todos possam usufruir desta feira do saber. Um congresso é um local para um diálogo informado, um diálogo científico, um diálogo intelectual. Eu tenho certeza que todos os nossos professores da rede vão participar ativamente desse diálogo informado. Aliás, uma coisa, vice-governador, que me surpreendeu ao organizar este congresso, e abriu um espaço para apresentação das pesquisas dos trabalhos bem sucedidos e criativos da rede foi verificar, não só a quantidade de trabalhos criativos de pesquisa pedagógica na rede, como também, e principalmente, a qualidade desses trabalhos. Nós selecionamos 70 pôsteres e outros 70 papers, que serão apresentados durante o Congresso. E espero que a gente possa publicar esses pôsteres e esses papers nos anais do Congresso. Isto demonstra a vitalidade e a criatividade da rede que, realmente, é uma coisa muita importante. Um congresso também é uma forma da gente encontrar velhos amigos, refazer amizades, fazer novas amizades. É um momento de reflexão, é um momento de alegria, é um momento de arte, é um momento de música. Por isso mesmo, todos os senhores e as senhoras vão ver pelos corredores uma série de apresentações artísticas, musicais, inclusive da nossa rede, que é farta em criatividade artística, em criatividade musical. Eles estarão, não nos períodos de apresentação de trabalhos, mas estarão nos intervalos, nos alegrando com as suas músicas. Eu queria cumprimentar também as professoras que estão aqui na mesa, professora Iara Prado, professora Lucia Tojal, professora Hilda e professora 12 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ana Quadros, que nos alegram com a sua presença. Um congresso tem que ter um resultado muito bom. O resultado do congresso é a apropriação do conhecimento. É uma questão de ampliar os nossos saberes, de difundir as nossas experiências, de trocar as nossas experiências. Eu fico muito contente que nós pudemos organizar este Congresso. E pudemos organizá-lo com gente da casa. Não houve nenhuma firma especializada em congresso para organizar este Congresso. Foi o nível central da Secretaria que trabalhou de uma maneira árdua, denodada, para que tudo desse certo. E eu espero que dê certo! Eu quero aqui agradecer de coração estes colaboradores que doaram o seu tempo, todo o seu esforço, para fazer deste Congresso um momento realmente alegre, feliz, e um momento de importante aquisição de conhecimento por parte de todos nós. Eu não vou citar nomes, mas houve pessoas que vararam madrugadas. Houve pessoas que não diziam nem “Bom dia”, nem “Boa noite”, porque não tinham esse desencontro do período noturno, era um trabalho continuado, mas seguramente todos eles sabem o quanto eu, o quanto o prefeito José Serra, o quanto todos nós da Educação estamos agradecidos por aqueles que vararam as noites e as madrugadas organizando este Congresso. Nós temos uma dívida muito grande com a educação no nosso país. Uma dívida, não só com as crianças, não só com os jovens, não só com aqueles que passam pelas nossas escolas e, que, são nossos alunos, e que realmente tem o maior crédito porque ainda nós estamos no nosso País com um nível de analfabetismo inaceitável. Sem falar do analfabetismo funcional, mas falando do analfabetismo verdadeiro. Se nós compararmos os nossos 12% de analfabetismo com os países do Norte, sejam da Europa, sejam da América, nós vemos que esses mesmos 12% de analfabetismo existiam nesses países 100 anos atrás. Portanto, estamos defasados 100 anos dos países que desenvolveram a sua educação. A nossa dívida de educação para com os nossos alunos é muito grande. Mas a dívida não é só com os nossos alunos. A dívida é também com a Sociedade, porque a escola é um lugar para ensinar, mas a escola é a instituição, é o agente social mais importante, às vezes, o único que pode mudar a cultura da sociedade onde esta escola está inserida. E nossa dívida também é com a sociedade. Nossa dívida também é com os professores, porque os professores sempre estiveram, e continuam estando, nos discursos, mas o atendimento dos professores, na prática, está muito longe daquilo que ele deve ser no concreto. É muito fácil dizer, e é um lugar-comum, que a educação é prioridade nacional, que os professores devem ser prioridade na educação, depois dos alunos, mas é muito difícil fazer com que essas prioridades se concretizem. Nós estamos, nesse momento, sob a orientação do prefeito José Serra, e depois de um diagnóstico que, ao mesmo tempo, é um diagnóstico preocupante e que nos permite ter uma grande esperança tentando solucionar e abrir as estradas para que tudo aconteça, porque meu caro Cláudio Lembo, meu caro Chalita, nós temos, na educação de São Paulo, excelentes professores, e não é por estar na frente deles que eu falo, porque são de fato. Nós temos ótimas escolas, e serão todas ótimas dentro de alguns meses, porque as escolas de lata estão acabando. E nós temos 31% do orçamento municipal. Com esses predicados, com essas qualidades, com essas possibilidades, nós temos que ter uma escola que cumpra sua função com os alunos, que cumpra sua função com a sociedade, que cumpra sua função com os professores. Portanto, entendo que o papel de um secretário é abrir as estradas para que isto aconteça, é gerenciar adequadamente o sistema municipal de educação para que todos esses ótimos condimentos possam ter um bom resultado final. E é esse o grande esforço que nós estamos fazendo. Nós, se Deus quiser, vamos começar as aulas do ano que vem sem falta de professores. Recentemente, obtivemos uma autorização do prefeito para a nomeação de mais 1.958 professores concursados, e vamos nomeá-los nos próximos dias. Nós vamos começar as aulas, se Deus quiser, sem escolas de lata e sem escolas de madeirite, com mais 2 mil salas para poder aumentar o espaço e diminuir essa coisa perversa que são os três turnos diurnos em 70% das nossas escolas. E nós esperamos poder começar as aulas, também, prestigiando mais e criando melhores condições para os professores trabalharem. Nós vamos começar as aulas sem dificuldades com o pessoal de apoio, porque não é possível gerenciar uma escola, com faltas tão grandes e tão graves de pessoal de apoio. Mas, acima de tudo, eu quero dizer que este não é um momento nem para prestar contas, nem para fazer promessas, nem para discutir questões deste tipo. Este é um momento de troca de saberes, este é um momento de refazer amizades, este é um momento de uma reflexão crítica sobre a educação, este é um momento de nós apresentarmos as nossas experiências, ouvirmos as críticas e sairmos deste Congresso com a sensação de liberdade que os professores e as escolas devem ter. 13 Penso que, talvez, a coisa mais importante que nós conseguimos fazer nesses 10 meses foi fazer com que o orçamento da educação saísse das subprefeituras e fosse para os coordenadores de educação, ou seja, na mão de educadores, e fazer, também, com que a lei do vereador Paulo Frange, fosse aprovada na Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito para podermos passar recursos para as APMs e nos permitissem descentralizar ainda mais, ou seja, colocar os recursos nas mãos das APMs, na mão do diretor da escola, na mão da escola para que a liberdade pedagógica, a autonomia pedagógica, saísse do discurso e fosse para a prática. Eu não tenho dúvida, nenhuma dúvida, que os professores, as autoridades que passarem por aquele corredor e puderem observar os pôsteres que estão lá, das experiências pedagógicas, criativas, que 70 escolas apresentaram, que puderem ficar nas salas onde serão apresentados os temas livres, outros 70 temas livres de escolas que tem experiências pedagógicas corretas, vão nos apoiar, no sentido que a autonomia da escola deve ser cada vez mais preservada. Eu quero dizer que gostaria de fazer muito mais, mas quero dizer a todos os senhores professores que contem comigo, contem com o núcleo central da Secretaria de Educação para advogarmos em benefício do prestígio e do reconhecimento que o Município deve ter pelo trabalho dos professores. Eu desejo, antes de encerrar, aproveitar a oportunidade para fazer um ou dois esclarecimentos, que acho que os professores merecem. Não há qualquer intenção nossa de criar qualquer prejuízo para a sala de leitura, muito pelo contrário. Nós acabamos de nomear 1.958 professores, com a autorização do prefeito, exatamente para não faltar o professor da sala de leitura. Não há qualquer intenção de mexer com a carreira do professor, nem modificar as formas estatuídas, regimentais, legais da sua forma de trabalhar. Tampouco temos muito clara a questão dos seis anos e dos nove anos. Este Congresso repartiu e deixou uma ou duas mesas redondas para discutir isto. E nós todos estamos ansiosos para saber qual será a discussão, quais serão as conclusões, até para que a gente possa interferir na forma de fazer isto, mesmo que seja uma lei federal. Nós queremos muito ouvir a opinião de todos vocês sobre esta questão, inclusive a opinião do Cláudio Fonseca, das entidades etc., para que a gente possa atuar de uma forma, a melhor possível para as crianças, para a escola e para os professores. A questão da redução do número de alunos, eu devo confessar, é uma coisa complexa. Tem duas formas, ao meu ver, de reduzir o número de alunos: é não recebê-los ou aumentar os espaços. A rede municipal tem sido generosa a ponto de aceitar os alunos, aumentar o número de alunos por sala de aula, nas diferentes gestões e arcar com as dificuldades que são colocadas nos ombros dos professores em função disto. O que nós queremos agora é aumentar os espaços, por isso vamos construir, já estamos construindo, 200 salas de aula adicionais, que significam 20 escolas. Estamos construindo todas as escolas, substituindo as escolas de lata, com 30% a mais de espaço para os alunos. E, mais do que isto, no primeiro ano já se decidiu, os professores já sabem, vamos tentar colocar um auxiliar para o professor, em vez de diminuir o número de alunos, colocar um professor titular e um auxiliar do professor titular para garantir a alfabetização. Então, estas medidas – retomamos todas as construções que estavam paradas, encontramos recursos para retomar todas as construções – são as medidas que estamos tomando para diminuir o número de alunos por sala de aula e diminuir o número de escolas com três turnos diurnos. E isto vai continuar ao longo dos quatro anos do governo do prefeito José Serra. Queria fazer estes esclarecimentos porque achei muito adequada toda a fala do Cláudio Fonseca, que representou muito da esperança dos professores, mas podem estar certos que estes esclarecimentos vão ser, e estão sendo colocados na prática. Muito obrigado e um bom Congresso para todos. 14 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PALESTRAS 17.11.05 15 16 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Cidade e a Escola numa Era de Transformação, Informação e Globalização Mariano Fernández Enguita Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Salamanca, Espanha. Bom dia. Vocês ouviram que eu sou catedrático de Salamanca. Normalmente moro lá, mas agora não estou vindo de Salamanca e sim da cidade de Lyon, na França. Fiquei lá no começo do mês, vou voltar para lá, o que me permitiu ver de perto acontecimentos que vocês, com certeza, devem ter acompanhado, de uma certa maneira, pelos meios de comunicação. Algo que surpreendeu muita gente, sobretudo os franceses, e algo que preocupou toda a Europa. Os distúrbios, nos quais jovens e adolescentes, de 12, 13, 14 anos, acabaram queimando quantidades maciças de carros, mas, também, atacando algumas escolas, instituições sociais de vários tipos. Poucos ataques às pessoas, é mais uma manifestação relativamente espontânea de raiva, uma manifestação que nos faz pensar um pouco. O que detonou essa situação foi o discurso muito agressivo, muito conservador, do Ministro do Interior, que quer chegar à Presidência do país, dizendo que ele vai resolver os problemas de ordem e de delinqüência. Só que, além, desse fator detonador, os próprios jovens dizem que estão se mobilizando contra Sarkozy, que é o Ministro, todo mundo, inclusive os próprios jovens e as forças políticas, estão de acordo que há também outros problemas de fundo. E parte desses problemas de fundo, talvez a parte mais importante, é que nós podemos dizer que duas grandes instituições, a escola e a cidade fracassaram. Pelo menos uma grande parte delas fracassaram. Falo das cidades nas quais existem bairros cuja mera imagem, cuja mera visão, e o próprio fato de estar lá, implica um futuro totalmente sem esperança. E há escolas, depois de mais de um século da escola única republicana traduzindo a idéia de uma educação básica para todos, e depois de 25 anos do que se chama College Unique, colégio único, ou seja, um ensino secundário básico igual para todos, continua havendo bolsões de fracasso, continua havendo um grande número de abandono, de absenteísmo, e um setor da população, que não é majoritário mas que é maciço, um contingente que sai da escola sem nenhum tipo de qualificação que permita entrar no mercado de trabalho. Existe um acordo implícito de que o que está em jogo não é o maior ou menor acerto do partido que está no governo agora, do que veio antes, do que virá depois, o que está em jogo é a própria idéia da sociedade, a própria continuação da sociedade, como um marco de convivência no qual nós possamos resolver os problemas, as diferenças de valores, sem necessitarmos recorrer à negação do sistema, ou à violência indiscriminada. Se tivesse que dizer que ainda há um problema mais de fundo do que esse, eu diria que estamos num momento de mudanças, em processos sociais, que são difíceis de serem entendidas. Isso é algo fantástico para os sociólogos. Nós vivemos disso. Nós vivemos de problemas que necessitem melhor análise. Ou quando alguém faz uma ação “a” para conseguir o resultado “b”, na verdade, acaba sempre conseguindo um terceiro resultado “c”, que não estava previsto. Mas, isto que pode ser bom para a nossa profissão, não é necessariamente bom para a sociedade. É a partir dessas mudanças que gostaria de falar, sobretudo, das suas implicações para a Educação. Intitulei minha palestra: “A Cidade e a Escola numa Era de Transformação, Informação e Globalização”, porque, a meu ver, são as três grandes mudanças que estão alterando radicalmente as coordenadas do trabalho, da escola, dos professores que exigem uma nova relação entre a escola e da sociedade, e, especificamente, entre a escola e as cidades. A primeira nova coordenada é que nós vivemos numa sociedade de mudanças. Quando digo uma sociedade de mudanças não quero dizer, simplesmente, a trivialidade de que as pessoas e as sociedades transformamse , como o fizeram sempre, mas que agora o fazem em nível impensável, algo que afeta radicalmente a ação da escola. Uma sociedade que não muda não precisa de escolas, não precisa de professores, não precisa de um sistema educacional, porque quando não se muda, os adultos já sabem tudo, e os próprios adultos são suficientes para ensinar tudo aos jovens. Nas sociedades primitivas, que eram sociedades praticamente estanques devido a mudanças lentas, não precisavam de uma instituição, ou de uma profissão escolar. A escola foi um produto da modernidade, ou da modernização. A escola foi o produto do fato que durante várias gerações, a partir de certo momento, cada nova geração, as crianças, os adolescentes, os jovens tiveram que se inserir num mundo diferente 17 do mundo dos adultos. E esses adultos não poderiam criar esse mundo para eles. E como não poderiam formar esse mundo precisavam de uma instituição específica, e de uma profissão específica. Até então, as novas gerações haviam sido educadas e formadas ou por suas famílias, ou pors suas comunidades. E desde então, famílias e comunidades foram deslocadas por essa nova instituição, ou seja, a escola. Em sociedades que ainda estão nessa fase de transição, e dessa transição vem toda a metodologia heróica da escola, o período no qual a escola representa a modernidade em comparação à tradição, a cultura escrita em comparação à cultura oral, a racionalidade frente aos costumes, a industrialização, a cidade, a legalização da vida, o desenvolvimento do estado de direito frente às formas tradicionais de comunidade. Mas isso mudou. Isso mudou quando o ritmo das mudanças foi tão intenso que já não havia tempo para que uma elite, ou uma vanguarda gerasse novas formas culturais. Todo profissional aprende, no início de sua vida útil, o que deverá ensinar durante o resto dessa vida a uma população que simplesmente receberá aprendizagem. Nós rompemos essa seqüência na nossa vida pessoal. Não podemos mais nos limitar a aprender para trabalhar depois, e então nos aposentarmos. Quebrou-se a seqüência da trajetória profissional dos educadores. O que um educador aprende hoje, recebe hoje, na sua formação inicial é uma pequena parte do que vai precisar durante toda sua vida profissional. Uma conseqüência disso é que, assim como a escola no seu momento deslocou o papel da família, a cidade, num sentido amplo, como concentração humana de grande densidade, com uma divisão de trabalho desenvolvida que está constantemente gerando essa inovação, também substitui, em parte, a escola. E, assim como a família precisou aprender, em determinado momento, a cooperar com a escola, esta deve aprender, agora, a cooperar com a comunidade. A segunda grande mudança é que nós entramos numa sociedade da informação. Nós passamos por aquilo que poderíamos denominar “A Terceira Revolução Industrial”. Não quero discutir se nós deveríamos considerar a terceira, a quarta, a oitava. O que gostaria de salientar para vocês é que a economia e a sociedade, em termos de produção e distribuição dos bens e serviços, conheceram três grandes revoluções. A primeira tornou possível o emprego de meios de produção em grande escala. É o que, normalmente, chamamos de “Revolução Industrial” propriamente dita. Aconteceu, sobretudo, no século XIX, no final do século XVIII, com o epicentro na Europa, gerou uma nova forma de poder, a propriedade, e dividiu a sociedade em termos de posse, ou nãoposse dessa forma de poder. Uma Revolução Industrial que consistiu em permitir o emprego numa escala muito maior nos meios de produção, dividiu a sociedade entre os que tinham e os que não tinham esses meios de produção, ou seja, proprietários e não proprietários, burgueses e proletários capitalistas e trabalhadores, como vocês quiserem denominar. No segundo terço do século XX, houve uma segunda grande revolução, não na escala do emprego, dos meios de produção, mas na escala da organização do trabalho. Foi, o que nós poderíamos considerar, um processo de burocratização universal, um processo de revolução organizacional, um processo de multiplicação, crescimento espetacular das organizações, e com elas, também, um crescimento das suas hierarquias internas, criando uma nova divisão social diferente da de proprietários e não proprietários. Criou a diferença entre os que dirigem essas organizações e os que são dirigidos, ou os que ocupam um lugar subordinado nessas organizações. Hoje nós vivemos uma terceira revolução. Hoje o que muda total e radicalmente é a escala em que empregamos, a intensidade e a amplitude com que aplicamos o conhecimento na produção. Podemos observar isso manifestado na curta duração das tecnologias, que são substituídas por outras rapidamente. Também vemos isso no valor relativo do conhecimento em comparação ao do material que é incorporado a qualquer produto. O que determina hoje a diferença de valor na produção, na economia, é, antes de qualquer outra coisa, o conhecimento. Isso cria uma nova divisão social. Uma divisão entre os que detêm esse conhecimento e aqueles que não detêm esse conhecimento. Uma divisão para a qual nem temos um nome. Poderíamos chamar de profissionais e leigos, os qualificados e os não qualificados, os inforricos e os infopobres. Mas, de qualquer maneira, uma nova divisão cada vez mais clara, cada vez forte, com uma diferença em comparação com as anteriores. Nessa divisão a escola tem uma importância preponderante. A instituição escolar não é a única, mas é o principal instrumento de distribuição das oportunidades de acesso a esse conhecimento. Isso quer dizer que, se a estrutura de classes, ou a estratificação de classes, a desigualdade de classes do século anterior dependeu, essencialmente, do modo de distribuição da propriedade, e cada um poderia ou não herdar da sua família terras, lojas, dinheiro, no futuro, 18 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO hoje, e no futuro ainda mais, as pessoas vão depender ainda mais da possibilidade, da oportunidade de conseguir ou não uma boa educação. A terceira grande mudança é que nós vivemos numa sociedade global. Vivemos numa sociedade em que derrubamos, não totalmente, parcialmente as fronteiras nacionais e entenderemos melhor o que isso significa para a escola, se compararmos, também, essa sociedade com as anteriores. E nós poderíamos pensar em três grandes estágios. O estágio das sociedades mais tradicionais, pré-modernas, em que as pessoas viviam, basicamente, na sua comunidade local. O estágio, ou a fase, das sociedades nacionais, os Estados-Nação, algo do qual estamos saindo. E o estágio de uma sociedade global. Uma sociedade tradicional, local, é, basicamente, uma sociedade marcada pela homogeneidade. As pessoas que formam parte de uma comunidade são basicamente iguais. Em uma tribo primitiva, as diferenças entre o homem e a mulher esgotam, praticamente, as diferenças sociais. Não há outras diferenças. E culturalmente essas sociedades também são homogêneas internamente. As sociedades nacionais, as sociedades dos Estados-Nação, foram sociedades, e continuam sendo, mais heterogêneas economicamente devido ao desenvolvimento da divisão do trabalho, divisão em classes, etc., mas, ao mesmo tempo são sociedades homogêneas em termos culturais. Só têm uma cultura. Diferentes camadas da população podem ter mais ou menos acesso, podem ser refletidas ou não, mas só há uma cultura para a qual as instituições trabalham. E o papel das escolas, nesse tipo de sociedade, é homogeneizar, integrar a todos nessa cultura. Uma sociedade global implica duas coisas. Primeiro, uma heterogeneidade muito maior em termos econômicos, por que, o Estado é cada vez menos capaz de combater as diferenças e igualdades introduzidas pelo mercado global. Não quero dizer incapaz, mas menos capaz. E, em segundo lugar, são sociedades mais heterogêneas do ponto de vista cultural, porque os fluxos migratórios, as influências trans-nacionais geram esse desenvolvimento, permitem a chegada de grupos com diferentes tradições culturais, e levam ao reconhecimento dessa diversidade cultural, como uma fonte de riqueza. E assim, o papel da escola muda radicalmente. A escola que havia sido um instrumento de unificação e homogeneização cultural, hoje tem que aprender a viver e a conviver com essa diversidade. E se depara com a difícil tarefa de delimitar o que é comum e o que é diferente. Qual deve ser o acervo comum a todos e qual deve ser o acervo diverso de cada grupo, de cada setor, de cada comunidade, que deve ser respeitado. Isto para a sociedade e para a escola envolve riscos e oportunidades. Não sou um apocalíptico da sociedade da informação, e também não sou inimigo da globalização. A mudança social não me assusta, mas acho que esses processos oferecem riscos e oportunidades, e nós temos que detectar ambos para apoiar (aproveitar) as oportunidades, e nos prevenirmos contra os riscos. É verdade que a entrada em uma sociedade do conhecimento nos torna uma sociedade capaz de entender e de controlar, não dominar arbitrariamente, mas de saber como nos ajustarmos ao nosso meio ambiente natural e ao meio ambiente social. Nós só podemos ganhar conhecendo o nosso meio melhor. Só que, ao mesmo tempo, temos que nos perguntar em termos sociais, sobretudo, em termos de desigualdade social, onde essa maior importância da educação nos leva? Na verdade, a sociedade, ou parte da sociedade, sobretudo, a profissão de professores, alimentou durante séculos uma utopia meritocrática consistente em acreditar que, quando a posição das pessoas dependesse só da educação, a sociedade seria mais justa. Esse é o argumento central da “República” de Platão. Esse é o centro, o núcleo, de, praticamente, qualquer teoria meritocrática da sociedade. Entretanto, um século e meio atrás, vou mencionar uma pessoa descrente, Karl Marx, que, comentando a obra de Platão disse: “A República de Platão não passa de uma idealização de um ser, uma idealização de sistema de castas egípcio ”. Nós temos que nos perguntar, se realmente é mais fácil distribuir e redistribuir, o conhecimento e as capacidades, que distribuir e redistribuir, por exemplo, o dinheiro, o emprego, ou as terras? Acho que quem acreditar que uma sociedade, cuja estratificação, cuja distribuição das posições, dos empregos, está baseada no conhecimento, aqueles que acreditam que esse tipo de sociedade será a mais justa, está equivocado. Essa é uma idéia dos professores. Uma idéia daqueles que passamos pelo sistema escolar, que transitamos muito bem por esse sistema, e gostamos tanto do sistema que ficamos com ele. Tornamos isso a nossa profissão. Só que é duvidoso que seja uma idéia válida para todos. Na verdade, diria que numa sociedade de aprendizagem, como nós chamamos hoje, numa sociedade em que temos que aprender, constantemente, já não estamos mais diante de uma fase de preparação, que torna melhores alguns e piores outros, e depois vamos trabalhar. E aqueles que se derem mal terão uma segunda oportunidade. Não. Estamos numa jornada que não termina nunca. É possível que estejamos num processo que chamamos de “Efeito Mateus”. É aquela frase do Evangelho que diz: “Ao que tem será dado, e ao que não tem, o pouco que tem lhe será tirado”. Para expressar isso em termos educacionais: quem recebe, inicialmente, uma 19 boa educação, provavelmente, vai conseguir um bom emprego, que vai ser promovido nesse emprego, que vai aprender mais, que vai ter uma oportunidade de acessar uma educação contínua, que vai ter mais informação ocupacional, profissional, etc., que seja capaz de voltar ao sistema educacional depois, se for necessário, para aprender outras coisas. E essa pessoa terá um alto nível de autoconfiança que lhe permitirá aprender de maneira autodidata tudo que quiser. Por outro lado, quem recebe uma má educação inicial não vai ter um emprego, ou vai ter um emprego pior, vai ter acesso a empregos que são becos sem saída, becos nos quais ninguém aprende nada, simplesmente, esquece o que se aprendeu, ou uma pessoa que fica desempregada, e que não terá oportunidade de acessar uma educação continuada, uma pessoa sem autoconfiança. Portanto, nem acredita na sua própria capacidade de autodidata, não acredita na possibilidade de voltar ao sistema educacional. Com isso, quero dizer que nós não podemos alimentar falsas ilusões dizendo que a importância do conhecimento vai nos trazer uma sociedade com mais igualdade de oportunidades. Pelo contrário. Essa nova situação exige estarmos muito mais atentos frente às desigualdades educacionais, e frente às maneiras de abordarmos essas diferenças. Em segundo lugar, diria que uma sociedade global, uma economia global, oferece maravilhas. Acho que todos nós as temos e desfrutamos delas em nossas casas, nos restaurantes, nas casas de espetáculos. Mas, essa sociedade também oferece riscos. Muitos riscos. Esta experiência francesa recente, devido aos distúrbios juvenis, acho que é uma experiência que denota exatamente isso; esses distúrbios começaram na área de Saint-Denis, que é um Município colado a Paris. Saint-Denis é, ao mesmo tempo, um foco de autodesenvolvimento tecnológico, e um palco de miséria. As duas coisas ao mesmo tempo. Porque, qualquer que seja a comunidade que nós adotemos como referência, pouco importa o bairro, o município, ou o país; globalizar significa romper as redes internas e fortalecer as redes externas. Ou seja, fortalecer as redes entre comunidades, aqueles que ultrapassam as fronteiras da comunidade, e, por outro lado, nós debilitamos, enfraquecemos, as redes internas da comunidade. O processo não é novo. Não precisamos nos assustar com isso. Estamos hoje num processo de crise dessas fronteiras nacionais. Globalização econômica acelerada que não é acompanhada por uma globalização política correspondente. Agora, isso não é um fenômeno novo. É o mesmo processo a partir do qual surgiram os Estados-Nação. O que acontece com os Estados hoje, também, aconteceu com as comunidades locais. As pessoas que viviam em comunidades, mais ou menos protetoras para todos, de repente se depararam com a divisão dessas comunidades, devido ao desenvolvimento dos mercados. Muito além dos ambientes comunitários, os mercados que se desenvolveram no âmbito do que logo seriam as nações. O que surgiu foi uma coisa que não foi uma velha comunidade em grande escala, foi algo totalmente diferente. Os Estados-Nação não são uma reprodução das paróquias, dos povoados ou das pequenas comunidades locais e o que surgirá para substituí-los não será um Estado-Nação mundial. Acho que nem é isso que queremos. Mas acho que algo terá que surgir. E nós temos que nos esforçar para que isso surja, que faça com que a política acompanhe o desenvolvimento da economia. E aí, mais uma vez, a escola tem um papel fundamental. A mesma escola que cria uma consciência, uma identidade, uma identificação nacional, deve trabalhar hoje para criar uma consciência e uma comunidade globais. Na sociedade transformacional, uma sociedade em mudanças rápidas, intensas, em mudanças, inclusive, imprevisíveis, é algo fantástico. Acho que há quatro, cinco, seis, sete séculos uma pessoa que chegava aos 60, 70, 80 anos de idade podia pensar: “já vi de tudo, já posso ir embora, estou cansado, chegou a minha hora”. Hoje, eu posso dizer que estou cansado, mas não posso dizer que já vi tudo, e o pior ainda é tudo que nós deixaremos de ver quando já não estivermos aqui. Essa é a conseqüência de uma sociedade de mudança, uma sociedade onde questionamos tudo, discutimos tudo, onde nós temos que mudar. Agora tudo tem o seu preço. O preço é, basicamente, o preço em termos de insegurança. Ou seja, tudo que era sólido se desvanece no ar, como dizia Marx. As posições pessoais, os projetos pessoais, as biografias, que antes poderiam ser vistas em termos de estabilidade, previsibilidade, etc., hoje já não podem mais ser assim. Nós sabemos que o que nos espera à frente é algo incerto, inseguro, embora bastante promissor, sob certos aspectos, em termos de oportunidades, mas, também, pleno de riscos. E é função da escola formar as pessoas para transitar, para passar por esse período de incerteza, sem se enfraquecer. Essas grandes mudanças têm conseqüências que gostaria de salientar, conseqüência sobre a política, e a ação educacional. Vou fazer um apanhado geral, mas não gostaria de deixar de mencionar alguns pontos. A primeira é uma mudança do sentimento da política educacional. Não estou falando aqui do conteúdo da política educacional, não estou falando aqui se a política educacional, ou se as políticas educacionais devem ir nesse ou naquele sentido, estou falando de qual é o lugar dessa política educacional. E nós entenderemos melhor 20 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO pensando em termos históricos. Quando não havia educação, não havia políticas educacionais. Vocês podem procurar, por exemplo, textos gregos, e podem encontrar textos do século V, a.C., que falam da Educação. Mas nenhum desses textos fala de projetos educacionais, só falam das crises da Educação. Os textos de Sólon, de Platão, que nós conhecemos, são textos de uma sociedade que não precisava pensar sobre a sua educação, porque era uma sociedade estável, e eles acreditavam que o que eles tinham era válido. E eles só questionam a educação nos momentos de crise, nos momentos das grandes derrocadas militares, dos grandes conflitos das Repúblicas, etc, não em termos de política educativas, embora houvesse um pensamento educacional. A modernidade, a modernização foi exatamente o oposto. Desde o século XVI, um pouco mais forte no XVII, no XVIII, sobretudo, nos séculos XIX e XX, todos fizeram política educacional. Faz 20 anos, 30 anos, todo mundo tinha um plano para Educação, a esquerda, a direita, os movimentos de renovação pedagógica, os movimentos dos jovens, todos tinham uma política. Isso correspondia a um modelo de sociedade, à própria idéia da modernidade, que nós pudéssemos conduzir a sociedade para um sentido, para a riqueza, para o liberalismo, para o socialismo, para o comunismo, ao fascismo, ao que seja. E em função disso existe um projeto. Por isso não existe, praticamente, governos que não tenham tido um plano educacional. E quanto mais quis transformar a sociedade, mais precisava de um plano de educação, ou um projeto educacional, uma política educacional que pudesse indicar como deveria ser a Educação em todos os recantos. Essa é uma versão tecnocrática, própria de uma sociedade que acredita conhecer a si própria e que acredita saber como deve fazer as coisas. Em função disso, pode fazer planos e projetos de todos os tipos para o futuro. Acredito que hoje sabemos que nos encontramos em outra situação. Nos encontramos em uma situação, em que, em primeiro lugar, o futuro é imprevisível. Não totalmente, mas, há tantos buracos de previsibilidade, e os públicos das escolas são tão diversos entre si, e mudam tanto em pequenos períodos de tempo, que nenhuma autoridade, nem Ministério, nem Secretaria Estadual, nem Municipal, nenhum grupo de especialistas de uma universidade, nenhum sindicato, nenhum projeto pedagógico, ninguém consegue dizer qual é a boa educação para todos os lugares, porque é impossível saber disso, porque é preciso administrar uma informação, e um conjunto de variáveis que se encontram naquele lugar específico. E isso implica que as próprias organizações, os próprios centros educacionais, e os próprios profissionais são aqueles que devem tomar as decisões sobre aquele local. Claro que seguindo as orientações, coordenadas gerais, daquilo que a sociedade quer, ou daquilo que foi instituído democraticamente. Mas o papel da política hoje, portanto, não é dar receita somente para todos, e dizer como deve ser realizada a educação. Devemos seguir Freinet, Freyre, Pestalozzi? Uma coisa não se aplica a todos os lugares. Não vamos ensinar o mesmo em todos os lugares. Devemos, sim, restabelecer as condições para que os centros e os profissionais sejam capazes de tomar essas decisões e tenham que fazer isso. Duas coisas: tenham que tomar as decisões e possam tomar as decisões, e tenham os conhecimentos, a capacidade e os meios para tomar as decisões, e, ao mesmo tempo, que possam e saibam responder, prestar conta daquilo que fizeram ou deixaram de fazer perante a sociedade: os alunos, suas famílias, as comunidades nas quais trabalham, as sociedades democráticas, o Estado para o qual trabalham. Isso implica uma nova relação com o ambiente, ou uma relação específica com o ambiente, com a comunidade onde se realiza o trabalho, algo que deve ser levado em consideração sempre. Antes, como dissemos, devido à rapidez das mudanças, muitas das novidades que se incorporavam à escola não conseguiam passar por aquele ciclo, de que o professor aprendesse aquilo em inúmeros anos de prática. Não. Aquilo entrava diretamente para a escola, pelo fato de ser uma sociedade da informação, e o processo de globalização, a escola vê-se obrigada a cooperar com a cidade. Contanto, essa visão do meio ambiente que tem o educador, nem sempre facilita essa colaboração. Eu diria que há três grandes tipos de visão do meio ambiente. Aquele, segundo o qual o meio ambiente é o inimigo ou o meio hostil, ou seja, quando sairmos da escola e falarmos com os pais, ouviremos críticas, seremos questionados por que isso foi feito dessa forma. Ou o contrário, será o lugar de onde vem a violência, onde estão os meios de comunicação que impedem que as crianças estudem, etc. E não se chega muito longe com essa visão. Há uma segunda visão, que poderíamos chamar de assistencialista, ou carencial. Vemos o ambiente como um meio carente, há crianças pobres, famílias desestruturadas, vários problemas, e nós, a partir da escola devemos resolvê-los. Cuidado. Nós é que devemos decidir como, nunca, jamais, perguntaremos a eles. Ou, sim, perguntamos, mas não damos ouvidos realmente. Há dois séculos e meio existia um nome, era o que falavam os iluministas: “tudo para o povo, mas sem o povo”. O despotismo ilustrado. Isso restrito ao âmbito da escola poderia chamar-se de iluminismo despótico. Creio que melhorou sim, a educação, mas não muito; é 21 melhor à medida que procura localizar essas carências e trata de ajudar, mas isso reforça o papel do profissional apenas, ainda não chegamos à visão adequada. Para mim, a visão adequada é aquela que vê o ambiente, não só como ambiente de risco, mas, também, de oportunidade. Aquela que realmente tem consciência que a família dos alunos tem conhecimentos, tem capacidades, tem profissões, etc., é a que tem consciência que no bairro existem empresas, associações de interesses diversos, entidades governamentais que se dedicam a isso ou àquilo, a pessoas, a instituições públicas, a toda uma gama de entidades, grupos, pessoas, etc., com quem podemos e devemos colaborar. Portanto, apresenta-se a educação não como algo restrito à escola. E, portanto, o centro educacional é proposto não como um recinto isolado, o qual deveria estar protegido do mundo externo, mas, ao contrário, a educação é proposta como uma iniciativa em rede. Poderíamos dizer hoje que a escola não é o centro. E falamos que a escola não está no centro, a escola é a rede. A escola de cada criança, cada grupo de criança, não é o centro onde as crianças passam 5, 6 horas por dia, 5 dias por semana, 30 semanas ao ano. Sim, é isso também. Mas são também as instalações municipais, a igreja que as pessoas freqüentam, a empresa que patrocina o time de futebol, a associação de mulheres contra a violência doméstica, ou a energia solidária do bairro, o grupo ou associação juvenil. Tudo isso é a escola. Esse conjunto que forma a escola. E a conseqüência deve ser aquilo que seu nome diz: um centro. O centro dessa rede é escola. A diferença entre o centro de ensino e a empresa, a iniciativa, a igreja, a associação de mulheres e qualquer outro grupo, não é quem ensina mais. Pode ensinar mais. Pode ensinar menos. Pode ensinar, talvez mais algumas coisas, menos outras. A diferença está nos profissionais da educação, aqueles que deveriam procurar articular essa escola-rede conjunta. Isso também implica em um certo tipo de projeto educacional. Cada vez mais, no mundo todo, chega-se à conclusão, e eu aqui também, que os centros precisam ter um projeto específico, adaptado às características do ambiente onde atuam. Não humilhado perante as características do ambiente, mas partindo daquelas características e conjugando-as com as suas bases, as suas diretrizes. Sempre deve ser um projeto com objetivos comuns, e deve ser algo compartilhado com as famílias, e algo que também deve ter a participação dos alunos. Há muitas formas de fazer o projeto. No meu país, a Espanha, neste momento é o país dos projetos. Vários tipos de projetos. Há aqueles que são puramente retóricos. E fazem o que? Resumem um pouco da literatura oficial, dizem que, então, as crianças serão cada vez mais altas, mais bonitas, mais felizes, e tudo bem. Ou podemos usar linguagem mais completa dizendo que somos construtivistas, queremos fomentar atitudes, valores, etc, mas, ainda assim, é algo retórico, teórico. O segundo tipo de projeto é aquele puramente assistencialista porque, além de tudo, temos crianças muito pobres. Temos um grupo de ciganos na Espanha, ou de crianças da favela no Brasil, precisamos, então, de mais dinheiro, mais professores, mais apoio. Então, geralmente, essas reclamações são acompanhadas de solicitações por mais fundos. Os bons projetos são outros. São aqueles que procuram fazer um inventário dos meios e recursos potenciais e acessíveis, além daquele mero inventário da escola, os bons projetos são aqueles que tentam e conseguem envolver a comunidade, ou parte dela. Concentram-se na colaboração entre a escola e a comunidade que a rodeia. São os projetos de trabalho em rede. E para concluir, gostaria de destacar, frisar, que o que temos diante de nós é o papel protagonista. É o papel essencial da instituição escolar na formação da cidadania. É comum falarmos e, às vezes há protestos, reclamações dos professores do por que reivindicar essa responsabilidade da escola. Por que pedimos tudo para a escola? Por que exigimos coisas que, na verdade, caberiam à sociedade e à família? Muitas dessas tarefas são compartilhadas, mas em todas essas tarefas compartilhadas o papel da escola não é simplesmente de um participante a mais, e sim de uma instituição com características especificas, únicas nesse aspecto, que fazem com que ela seja insubstituível. Por exemplo, poderíamos dizer que as famílias, ou a sociedade devem educar para a tolerância e o respeito às diferenças culturais, a aceitação do outro, etc. Mas, não devemos nos esquecer que nenhuma família pode refletir a diversidade e a heterogeneidade da sociedade. E não teria porque fazê-lo. Não é obrigação sua. Algumas, sim, o fazem. Ótimo. Outras não. O lugar onde pode existir o microcosmo, o lugar que poderia ser o microcosmo da comunidade, da cidade em que vive, é a escola. Não outro. E, por isso, não é a família que é insubstituível pela escola. Quem é insubstituível é a escola. Numa sociedade homogênea, onde todos sejamos iguais, nossos gostos, crenças, interesses culturais, não precisaríamos de uma escola, a sociedade poderia transmitir sua cultura exclusivamente através da família. Uma sociedade heterogênea, diversa, multicultural, precisa, mais que outra, da instituição escolar para ensinar e aprender a convivência. A escola não pode 22 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO ser também substituída pela comunidade. É verdade que devemos aprender a conviver com as pessoas de outros credos, raças, procedências, que falam outros idiomas, tem outro estilo de vida, na rua, no trabalho, etc. Mas, nenhum desses lugares de encontro é um lugar de encontros organizados e reflexivos. Por exemplo, os jovens que se revoltaram na França provêm de diferentes grupos étnicos, tem essa multiculturalidade, se encontram todos os dias nas ruas, e eles estão se revoltando contra aquilo que encontram nas ruas, no trabalho, no contato com algumas instituições públicas. O único lugar onde essa convivência pode ser organizada de forma reflexiva, de forma que não desemboque em um conflito, mas para que resulte em aprendizagem é, e somente pode ser, a escola. As escolas tornam-se, cada vez mais, instrumentos de criação da comunidade. Em sociologia, dizia-se que o professor era um “estranho sociológico”. Com a expressão, “um estranho sociológico”, procurava-se designar o processo típico, através do qual chegava a um pequeno povoado, a uma pequena aldeia em qualquer lugar, onde as pessoas haviam vivido por gerações juntas, em que todas se conheciam e conheciam seus antecessores, sabiam tudo que eles haviam feito, uma nova instituição, num dado momento, e um professor, mais freqüentemente uma professora, que vinha de outro lugar, de outra cultura, de outro estilo de vida, era chamado de “um estranho sociológico”. Na verdade, a escola seria uma derivação da comunidade. À medida que a comunidade se fortalecesse, se o convívio da comunidade fosse forte, a escola também seria. Ou será que a escola deveria romper os laços com a comunidade para que os alunos não se identificassem tanto com a cultura geral que viesse de fora? Hoje é totalmente o contrário. O processo típico de hoje não é o da chegada de uma professora, ou professor, a uma cidade onde todos se conhecem, menos o professor. Hoje o processo típico é que qualquer casal jovem que vá morar em qualquer lugar, os primeiros amigos que fazem são os pais dos amigos dos seus filhos, a primeira associação que freqüentam é a associação dos pais de alunos, e assim sucessivamente. Hoje a escola é um foco gerador de comunidade, não o contrário. De forma que, escolas integradas com seu bairro, com sua comunidade, poderão gerar, ou ajudar a gerar, comunidades em coesão. Mas as escolas concebidas como recintos, como fortalezas fechadas para a comunidade somente conseguirão não gerar nada, não contribuir de nenhuma forma para consolidação da comunidade. E finalmente, hoje, a escola é o grande distribuidor do capital humano, conseqüentemente, o nível de igualdade básica da sociedade, de oportunidades para todos provirá disso. Ou, ao contrário, quanto mais avancemos para a chamada sociedade dos dois terços, ou seja, dois terços vivem mais ou menos, mas um terço está totalmente excluído, isso dependerá da forma como será distribuído esse capital humano. O mínimo que uma pessoa precisa, hoje, para viver em sociedade não é, simplesmente, a sua força de trabalho. Temos um longo caminho a percorrer. A escola deixou de ser, simplesmente, uma instituição a mais. É a grande porta de entrada para a sociedade. Acontece que é uma porta que pode abrir-se para muitos e fechar-se para outros, isso dependerá principalmente de nós, profissionais da educação. Isso é tudo. Muito obrigado. 23 Peça: Dona Escola Direção: Paulo Bottós e Cristiane Coelho Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 24 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Evolução da Educação Básica no Brasil Paulo Renato Souza Foi Ministro de Educação no governo de 1995 a 2002, é economista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Estado de origem, tem Mestrado pela Universidade do Chile, Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas. É professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, ministrou cursos na Universidade Federal do Rio, Universidade do Chile, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Chile. Foi, na década de 80, reitor da Universidade de São Paulo e Secretário Estadual de Educação do governo Montoro. Foi responsável, no governo Montoro, pela implantação do Ciclo Básico no Estado de São Paulo, pela reformulação do Estatuto do Magistério, uma das coisas que marcou a administração. Foi, na década de 70, especialista das Nações Unidas em questões de empregos e de salário, diretor-adjunto do programa para empregos na América Latina e Caribe, e foi vice-diretor do BID - Banco Internacional de Desenvolvimento. Foi o criador e o implementador do FUNDEF - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, do programa “Dinheiro Direto na Escola” e do grande sistema de avaliação institucional posto em prática pelo MEC. Boa tarde. É uma satisfação muito grande estar com vocês, hoje, aqui neste Congresso da Educação Municipal de São Paulo. Quero saudar a Maria Auxiliadora, que trabalhou comigo na Secretaria de Educação de São Paulo, trabalhou comigo no Ministério da Educação e está agora trabalhando com a professora Iara Prado na Secretaria Municipal. Eu preparei uma apresentação que procura resumir um pouco a evolução da educação no nosso país, em um contexto em que a educação no mundo ganha uma nova dimensão, a educação no mundo assume um novo papel e enfrenta novas exigências de parte da sociedade. Então, a primeira constatação que nós temos a fazer, quando falamos de Educação, é que estamos vivendo uma nova era. Nos últimos 25 anos, o mundo mudou radicalmente. Se no passado nós podíamos pensar que a educação era algo que se desenvolvia, ou que nós professores trabalhávamos com as pessoas durante uma etapa das suas vidas, hoje isto mudou radicalmente. A sociedade hoje exige que as pessoas todas aprendam permanentemente, aprendam ao longo das suas vidas. Isto não apenas para aqueles que fizeram o curso do ensino básico na idade certa, entraram na faculdade na idade certa, e depois vão fazer o mestrado, o doutorado, o pósdoutorado etc., para as pessoas educadas. A educação deve ser permanente e ao longo da vida, para todas as pessoas, independente da sua escolaridade prévia. Isto é algo absolutamente novo no mundo e exige do sistema educacional mudanças porque o sistema educacional, como nós o conhecemos hoje, foi pensado para trabalhar com as pessoas durante uma etapa das suas vidas, até os 25, 30 anos de idade. E, neste novo mundo, essas novas exigências, impõem mudanças e impõem a redefinição do papel da educação nas suas várias etapas. Na minha visão, nós podemos separar e distinguir dois segmentos do sistema educacional que passam a ter papéis muito específicos neste mundo de educação permanente. De um lado, a missão do ensino básico hoje é muito clara, é a de desenvolver nas pessoas a capacidade de aprender, desenvolver nas crianças e jovens a capacidade de aprender. É apenas isso. Há uma consciência no mundo de hoje de que o papel da educação básica é o de desenvolver as habilidades e competências básicas de aprender. Mas vejam, os países mais avançados do mundo reunidos na OCDE – que não é uma organização de educação, é uma organização de cooperação econômica – organizaram o PISA, um sistema de avaliação comparativa entre alguns dos principais países do mundo. O que é o PISA? Na essência, o PISA procura avaliar jovens de 15 anos de idade. O PISA 2000, o primeiro que foi realizado, avaliou essencialmente a capacidade de leitura, a habilidade de ler e compreender textos, exclusivamente. O PISA 2003 focalizou o raciocínio matemático. Isso é muito importante porque isso sinaliza para nós aquilo que, hoje, nos países mais avançados do mundo se está esperando que o sistema escolar faça e que desenvolva até os 15 anos de idade nas pessoas, que todas as pessoas tenham essas habilidades. E o PISA e os seus resultados têm provocado um debate muito intenso no mundo inteiro, especialmente nos países desenvolvidos, porque há uma consciência, não no mundo da educação apenas, mas na sociedade em geral, de que a educação precisa desenvolver as habilidades básicas de aprender. Se vocês olharem o que nós fizemos ao longo dos oito anos que estivemos no Ministério da Educação na área da educação básica teve, basicamente, este objetivo. Se vocês olharem os parâmetros curriculares nacionais, para todos os níveis de ensino que foram desenhados a reforma do ensino médio que nós formulamos; o siste25 ma de avaliação que nós montamos, com o SAEB e o ENEM; todos eles apontam nessa direção e apenas nessa direção. Tudo foi organizado em torno desta idéia de que a educação básica precisa desenvolver nas pessoas a capacidade de aprender. Uma outra dimensão deste requisito é a necessidade de nós universalizarmos o acesso à educação básica, a toda educação básica, ou seja, todas as pessoas precisam passar pela educação básica e desenvolver as suas habilidades de aprender. Então, o mundo de hoje exige a universalização, não apenas do ensino fundamental, mas do conjunto do ensino básico. No caso de um país como o nosso, nós precisamos dar importância à educação de jovens e adultos para complementar, para poder fazer com que aquelas pessoas que não tiveram a oportunidade de concluir seu ensino básico na hora correta o façam e possam, continuar os seus estudos. Então esse é um ponto essencial, ou seja, a população toda precisa ter oportunidade de educação permanente. E quem vai oferecer essas oportunidades de educação permanente é a outra parte do sistema educacional, o Sistema de Educação Pós-Média. Antes de falar do ensino superior, eu prefiro falar da educação pós-média para que se entenda que este é um sistema heterogêneo, um sistema diversificado porque todas as pessoas têm que ter a oportunidade de aprender permanentemente. As universidades tradicionais são importantes, são a espinha dorsal desse sistema pós-médio, mas não são a única parte do sistema. A universidade tradicional não pode oferecer toda a diversidade de cursos e oportunidades que são requeridos hoje pela sociedade do conhecimento. Aquela pessoa que não terminou seu ensino médio precisa ter a oportunidade de ter acesso ao ensino supletivo e concluir, pela via da suplência, o seu ensino básico, e precisa ter a oportunidade de um curso profissionalizante, que certamente não será numa universidade que exige tempo integral. É preciso que ofereçamos cursos de curta duração para essa população, para que a pessoa continue a viver, para que continue a estar inserida na sociedade, para que mantenha seu empregp, para que não se marginalize na sociedade. Então, é preciso que o sistema de educação pós-média responda a essa necessidade de oferecer as oportunidades de aprender permanentemente, ou seja, ampliar as oportunidades através do ensino técnico, da educação tecnológica, do ensino superior, da pós-graduação lacto sensu, da pós-graduação stricto sensu e algo que é muito importante também, da educação corporativa. Hoje, todas as grandes empresas têm as suas “universidades corporativas”. O que é isso? É uma universidade no sentido tradicional? Não é. São os antigos departamentos de Recursos Humanos das empresas de treinamento que agora cresceram e se sofisticaram, e têm que oferecer educação permanente aos seus empregados, senão eles estão fora também. A empresa perde competitividade. Então, essa é uma parte do ensino pós-médio, a educação corporativa. Precisamos ter a diversificação com carreiras curtas, carreiras longas, o uso de novas tecnologias aplicadas à educação e uma coisa muito importante, a flexibilização do sistema educacional para permitir freqüentes idas e vindas entre o mundo do trabalho e o mundo da educação, permanentemente. Não vou entrar em detalhes sobre o que nós fizemos no ensino pós-médio, porque não é o objeto, nem a evolução que tivemos recentemente, esse não é o objeto da nossa palestra, apenas gostaria de deixar esta orientação para que se entenda o conjunto das políticas que procuramos implementar no Ministério da Educação. Vamos ver um pouco os números. Vamos falar, agora, mais especificamente de educação básica e vamos dar uma olhada, em primeiro lugar, nos números da educação no nosso país. O primeiro gráfico é um gráfico muito impressionante e muito triste, que é gráfico da taxa de analfabetismo ao longo do século XX. Na primeira coluna temos 1900 e a última coluna do gráfico é o ano de 2002. Vocês vejam que em 1900 nós tínhamos 60% da população com mais de 15 anos analfabeta. Todos nós temos uma certa nostalgia da escola pública dos anos 50 e 60, como o Caetano de Campos e outras existentes no município. Entretanto, em 1960 nós tínhamos 40% de analfabetos na população brasileira. Tínhamos 40% de crianças fora da escola em 1960, crianças de 7 a 14 anos, ou seja, o sistema educacional brasileiro, ao contrário de outros países, nunca buscou ou nunca conseguiu universalizar o acesso à educação básica, e por isso as taxas de analfabetismo vergonhosas que nós tivemos durante quase todo o século XX. 26 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Esse é um outro dado muito interessante: se nós tomarmos a taxa de 2002, vemos que ela se decompõe, em termos de grupos de idade e regiões, de uma maneira bastante peculiar. A taxa de 2002 de analfabetismo é de 12%. Na população de 50 anos ou mais, a taxa de analfabetismo em 2002 era de 26%. Para uma média nacional de 12%, era de 26% na população de 50 anos ou mais. Um de cada quatro brasileiros de 50 anos ou mais é analfabeto. Entre os jovens, já estamos com taxas bem mais aceitáveis: na população de 15 a 19 anos, estamos com 2,9%, que são taxas que já se aproximam de países um pouco mais avançados que o nosso. Ou seja, a nossa população hoje é uma população que será, certamente, muito mais educada que a população daqui para frente. Em termos de regiões: no Nordeste, nós tínhamos em 2002, 25% de taxa de analfabetismo, ou seja, 1 de cada 4 nordestinos, sem importar a idade, é analfabeto. Essas proporções diminuem bastante nas outras regiões: nós temos no Sul, 6,7%; no Sudeste, 7,2%; no Centro-Oeste, 9% e no Norte 9,8%. Ou seja, o analfabetismo é uma questão concentrada, em termos de idade e em termos regionais no nosso país. Quais foram as grandes tendências desencadeadas nos anos 90? Eu acho que o papel central dos anos 90 cabe ao FUNDEF - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. E nós vamos ver por que ele teve impactos, tanto no acesso quanto na qualidade. O FUNDEF provocou uma brutal expansão de acesso ao ensino fundamental. O FUNDEF trouxe as crianças para as escolas, especialmente as de nível de renda mais baixo. Por outro lado, até 98, nós tivemos uma clara melhoria nas taxas de transição, que levou muitos jovens ao ensino médio. Então, expandiu-se o ensino médio. Houve um significativo processo, portanto, de incorporação de novos segmentos da população, seja ao ensino fundamental, seja ao ensino médio. Ou seja, pessoas que pertencem a famílias que não tinham acesso ao ensino fundamental, passaram a ingressar no ensino fundamental, e pessoas que pertencem a famílias que não tinham acesso ao ensino médio, passaram a ingressar no ensino médio. Então, nós tivemos essa ampliação no acesso, tanto no ensino fundamental quanto no ensino Médio. Esses processos tiveram importantes conseqüências, vamos ver, tanto no fluxo escolar quanto nos resultados dos processos de avaliação. O gráfico do qual mais orgulha nós todos da equipe do Ministério da Educação nesse período, mostra como nós conseguimos universalizar o acesso ao ensino fundamental para as crianças de 7 a 14 anos. Este gráfico mostra a freqüência à escola das crianças de 7 a 14 anos, independente do nível educacional, a freqüência à escola, entre 1992 e 2003. Na primeira linha vertical, a linha vermelha significa os 20% mais pobres da população. Em 1992, 1 de cada 4 crianças de 7 a 14 anos, dos 20% mais pobres da população estava fora da escola. A taxa de escolaridade era de 75%, enquanto que entre os mais ricos já tínhamos 97%. Então, vocês vejam como foi possível, já em 99, nós fazermos esse processo de incorporação, porque o FUNDEF foi aprovado em 96, entrou em vigor de fato em 98, mas a partir de 97 todos os prefeitos e governadores saíram atrás de alunos para colocar nas escolas porque mais alunos significaria mais dinheiro para os cofres das prefeituras. Foi o ano que a Maria Helena teve o trabalho, no INEP, de enfrentar o tema dos alunos-fantasmas, porque todo mundo queria registrar mais alunos, pois sabia que em 98 o dinheiro da educação ia ser distribuído de acordo com o número de alunos em escolas estaduais e municipais. Então, você tem mais ou menos presente o mecanismo do FUNDEF: 15% da verba da educação iria para o ensino fundamental, esses 15% se distribuem entre estados e municípios, de acordo com o número de alunos. E como o FUNDEF entrava em vigor em 98 e a distribuição era feita com base na matrícula de 97, já em 97 se produziu a grande incorporação de alunos. Além disso, em 97 também nós desenvolvemos, em todo Brasil, a campanha “Toda Criança na Escola”. Aquilo estimulou mais ainda a trazer as crianças para a escola. Então, nós tivemos esse resultado já em 99, entre os mais pobres saltamos de 75% de escolarização para 93%, e em 2003 chegamos a 95%. Portanto, o que nós conseguimos foi eliminar as diferenças no acesso à escola por nível de renda, ou seja, aquilo que é mais importante do ponto de vista de combate à pobreza e à desigualdade de renda: a igualdade de oportunidades. Este é um aspecto, é o aspecto mais importante, do que aconteceu nesses anos, a partir de 96 e 97, quando houve a implementação do FUNDEF. Só pra destacar, aqui nós temos a educação básica regular, o crescimento da matrícula no ensino fundamental e no médio, entre 1995 e 2003 e aqui temos as conclusões do ensino médio, entre 1994 e 2003, e a educação de jovens e adultos. Ou seja, o crescimento da matricula no ensino fundamental não foi tão grande, apesar de haver essa grande incorporação, foi de menos de 10%, porque houve uma grande melhoria nas taxas de transição escolar, ou seja, uma maior proporção de jovens deixou o ensino 27 fundamental ingressando no médio, do que aqueles que entraram, seja aos 7 anos de idade, seja por retornar à escola em função do FUNDEF. A matrícula não cresceu tanto, mas a conclusão do ensino fundamental cresceu 100%. No ensino médio, ao contrário, a matrícula cresceu 86% e a conclusão, 111%. Ao observarmos os gráficos que mostram a Educação de Jovens e Adultos, verificamos que a população se deu conta da necessidade de voltar a estudar, precisa completar o ensino fundamental e precisa ir e concluir o ensino médio completo. Então, a matrícula, na educação de jovens e adultos, cresceu, no fundamental 57%, no médio 327%, as conclusões, 117% e 435% respectivamente, ou seja, houve um grande processo de volta à escola e de conclusão, pela via da suplência, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. É interessante verificar como, em um período tão curto de tempo, já houve um impacto muito grande na escolaridade média da população brasileira. O que nós estamos falando é apenas o avanço da escola nesses anos. Aqui nós temos, entre 1992 e 2003, a proporção, em toda a população, dos que não tinham instrução ou até um ano de instrução, que caiu de 18% para 12%; de 1 a 3 anos, caiu de 22% pra 15%; de 4 a 7 anos, caiu de 34% para 32%; e aumentou, de 8 a 10 anos, de 11% para 16%; de 11 a 14, de 11% para 20%; e 15 anos ou mais, de 3% para 5%, ou seja, já provocou um impacto importante na escolaridade média da população brasileira. Vamos falar um pouco do fluxo escolar. Embora o Brasil tenha quase alcançado a conclusão universal da quarta série, ainda está longe de alcançar a conclusão universal do ensino fundamental e do ensino médio. Este é um problema que persiste. A PNAD indica que 89% dos alunos estão cumprindo a quarta série do ensino fundamental, 65% a oitava série e 45% a terceira série do ensino médio. Essas são as taxas de transição, agora vocês vejam como a estrutura do nosso ensino básico era, realmente, muito concentrada nos primeiros anos, em termos de número de alunos. Já entre 1996 e 2003, no primeiro ano, caiu o número de alunos, porque mais alunos passaram para o segundo ano do que entraram no primeiro ano. A mesma coisa aconteceu no segundo ano, no terceiro ano ficou igual, e já na quarta, quinta e oitava séries, e também no ensino médio, tivemos aumentos, ou seja, começou a se regularizar o fluxo escolar ao longo deste período. Este é um gráfico muito interessante que mostra a evolução das taxas de promoção no ensino fundamental. As taxas de promoção, pelo menos na quarta série e na oitava série, vinham melhorando até 99, a partir daí estabilizam e em algum momento caem um pouco. Elas estão melhores que no começo dos anos 90, mas houve uma certa inflexão, porque, é claro, quando nós trazemos novos contingentes da população à escola e isso aconteceu tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, há uma tendência a piorarem as taxas de fluxo escolar, porque nós estamos trazendo novos contingentes, portanto, crianças e jovens que vêm de famílias com menor educação, e isso tem um impacto tanto no desempenho nas avaliações quanto no desempenho escolar. Todos estão melhor, os que estão na escola podem estar melhor, os que entram na escola estão melhor, mas a situação média do sistema diminui. A mesma trajetória podemos ver, ao inverso, nos gráficos de repetência: há uma queda e depois estabilidade. Na evasão escolar ocorre o mesmo, há um aumento da evasão na oitava série, possivelmente porque trata-se de um segmento da população que tem idade mais avançada, devido ao retorno à escola que houve, então, possivelmente, são pessoas que saem diretamente da escola, na oitava série, para o mercado de trabalho. Vocês vejam, as taxas de promoção caem a partir de 98, mas o número da promoção, dos que concluem o ensino fundamental, aumenta. A mesma coisa no ensino médio, as taxas caem, mas o número, o volume da promoção aumenta, porque aumentou muito o número de alunos. Qual é o resultado das avaliações, especialmente o SAEB? Primeiro lugar, o resultado do SAEB é muito ruim. O que acontece em todas as regiões brasileiras? Em geral, apenas 10% dos alunos têm as competências e habilidades adequadas, por exemplo matemática na oitava série do ensino fundamental, em quaisquer das regiões. O que acontece é que nas regiões mais avançadas, Sul e Sudeste, a proporção dos que estão no nível intermediário é maior do que a proporção dos que estão no nível crítico, enquanto que no Norte, Nordeste e Centro-Oeste a proporção dos que estão no nível crítico é maior do que a dos que estão no nível intermediário. Entretanto, no nível satisfatório a proporção é de cerca de 10% em todas as regiões. Portanto, a avaliação mostra uma situação muito ruim do ponto de vista da aprendizagem dos alunos. Esses números se repetem, mais ou menos, nessas proporções no caso de português e no caso das outras séries avaliadas. 28 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Aqui eu tenho agora a série histórica do SAEB, de língua portuguesa, entre 1995 e 2003, vocês vejam também aquele fenômeno que já observávamos em relação ao fluxo escolar. Quando se dá o processo de incorporação, basicamente neste período até 99, de novos contingentes da população ao sistema escolar, há uma queda, até pequena diante do esperado, no rendimento médio. É uma média pequena porque ficou, mais ou menos, no intervalo de confiança da amostra, e o que é importante, há uma estabilidade ao longo dos anos e algum sinal de melhora nos resultados da última avaliação. O SAEB permite identificar quais os fatores associados ao desempenho dos alunos. O primeiro fator é a escolaridade dos pais. Quanto maior a escolaridade dos pais, melhor é o desempenho dos alunos. Há fatores negativos também: por exemplo, a defasagem idade-série. Quanto maior a defasagem idade-série, pior o desempenho do aluno. O uso do livro didático e da sua utilização em sala de aula é um fator positivo. A infra-estrutura e a condição de funcionamento da escola é fator positivo. O projeto pedagógico, o “clima” da escola é um fator positivo. O uso de computadores e vídeos é um fator positivo. A dedicação exclusiva do professor ao magistério é um fator positivo. O nível sócio-econômico do professor diretor é um fator positivo. A expectativa de aprovação dos alunos é fator positivo. O desenvolvimento do conteúdo é positivo. O gênero do aluno também conta: as meninas têm melhor desempenho que os meninos. A participação dos pais na escola é fator positivo no desempenho dos alunos. O nível da formação do professor é positivo. Os alunos cujo professor tem nível superior têm melhor desempenho que os alunos cujo professor não tem nível superior. O aluno cujo professor trabalha com leitura em sala de aula tem melhor desempenho que o contrário. O aluno cujo professor trabalha com os pais tem melhor desempenho. Há fatores positivos que atuam também e o fato de termos tido aquele movimento de queda lenta, com aquela brutal e maciça incorporação de novos segmentos da população à escola, significa que estes fatores positivos começam a atuar na escola no sentido de evitar uma queda maior. Em 2003 inicia-se já uma certa recuperação no desempenho dos alunos. Nesse período, houve um processo muito importante de melhoria na formação dos professores. Em 1995, um de cada quatro professores da educação infantil e de primeira à quarta série no Brasil era leigo. Essa proporção caiu para 2% em 2003, por duas razões: pelo FUNDEF, que beneficiou especialmente as regiões onde os leigos eram muito importantes (nessas regiões, o FUNDEF ajudou a financiar a formação dos professores) e pela LDB, que passou a obrigar o concurso público e o nível superior. Isso levou certamente os municípios das regiões do Nordeste, Centro Oeste a fazer concurso e admitir professores formados, capacitados. Os professores com formação superior, em 1995, eram apenas 44% do total no ensino básico. Em 2003 são 61% com nível superior em todo o ensino básico. Ainda é um número insuficiente, porque temos 40% dos professores no ensino básico sem formação superior, mas é melhor que a situação anterior. Isso também levou a uma queda não tão acentuada com a incorporação de novos contingentes da população ao sistema escolar. Quanto à distorção idade-série, os alunos que têm maior defasagem idade-série apresentam pior desempenho em relação aos alunos que estão na idade correta nas várias séries. Outras ações que tiveram impacto na qualidade de educação básica: • Todos os censos escolares mostram, ano a ano, uma evolução positiva na questão da infra-estrutura escolar mesmo que ainda deficiente; • Hoje temos a TV Escola implantada em 60 mil escolas de todo o país; • O programa do livro didático expandiu e melhorou com a sua avaliação; • O programa “Leitura em Minha Casa” distribuiu 80 milhões de livros para as crianças de 4a e 5a séries, de 2000 a 2002; • A merenda escolar foi ampliada; • O número de Associações de Pais e Mestres passou de 11.000 para 70.000; • Houve 60% de presença no “Dia Nacional Para Pais” nas escolas. 29 Todos os fatores identificados como positivos no desempenho dos alunos foram objetos de políticas nesse período. Desafios da educação básica: • Melhorar a qualidade da educação básica – é o grande desafio. Focar a escola no desempenho do aluno e melhorar o desempenho desse aluno; • Universalizar o acesso ao ensino médio; • Aumentar o acesso à educação infantil; • Aprimorar os mecanismos de financiamento da educação básica; • Utilizar os resultados do Sistema de Avaliação na gestão da rede pública e no planejamento escolar, ou seja, focar a escola na aprendizagem do aluno; usar o sistema de avaliação no planejamento da rede e da escola; • Investir na formação inicial e continuada do professor; • Investir mais recursos em educação. FUNDEF e FUNDEB Aqui gostaria de conceituar o FUNDEF e a proposta atual do FUNDEB, de extensão do mecanismo de financiamento do FUNDEF para toda a educação básica, e tratar dos cuidados que devemos ter em relação à definição do próprio FUNDEB. Primeiramente, o Brasil gasta pouco per capita com o aluno no ensino fundamental e médio. Em comparação com outros países, temos uma proporção maior da população na faixa etária dos 5 aos 19 anos e uma proporção relativamente pequena nas outras, em termos de investimento público em educação como proporção do PIB. Outros países que gastam proporcionalmente tanto quanto nós, como a Irlanda, o Reino Unido, a Espanha e o Chile, têm que fazer um esforço educacional menor, porque sua população é mais velha. Nosso gasto médio é de US$ 900,00 no ensino básico, considerando a população na faixa etária dos 5 aos 19 anos, e temos 31% da população nessa faixa etária. Um dado muito importante é o gasto público por aluno no ensino básico e na universidade. Temos o segundo gasto, US$ 1.300,00 na universidade, US$ 900,00 no ensino fundamental e US$ 1.100,00 no ensino médio. Dos outros países, o único que tem um gasto médio por aluno na universidade maior que o nosso é o EUA, mas seu gasto no ensino fundamental e no ensino médio é, também, muito maior. Ou seja, nosso país é o que tem a maior desproporção, a maior diferença de gasto entre o valor per capita que se gasta por aluno no ensino superior e no ensino básico. Os princípios do FUNDEB são os mesmos do FUNDEF: • Há uma redistribuição de recursos entre estados e municípios, de acordo com o número de alunos nas redes estaduais e municipais. Isso era o FUNDEF e agora foi incorporado ao FUNDEB. • Há uma garantia de um valor mínimo nacional por aluno com recursos federais. Este item estava no FUNDEF e está no FUNDEB. • Há garantia de um percentual mínimo para salários dos professores. Isso estava no FUNDEF e está, agora, no FUNDEB. O que temos que entender, entretanto, são as várias competências e responsabilidades do setor público em relação aos três níveis de educação: • A educação infantil é uma responsabilidade exclusiva dos municípios. • O ensino fundamental é uma responsabilidade compartilhada entre estados e municípios. • O ensino médio é responsabilidade exclusiva dos Estados. 30 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Assim, ao criar um fundo único para o ensino básico, estamos misturando recursos e responsabilidade das esferas estaduais e municipais em relação aos três níveis de ensino. É possível que tenhamos, em conseqüência da implantação de um sistema como esse, transferência de recursos da educação infantil para ensino fundamental ou médio; do fundamental para o infantil ou médio e do médio para o infantil ou fundamental. Tudo vai depender do ritmo de incorporação de novos alunos a esses três níveis de ensino. Eis minha crítica básica ao FUNDEB: na creche, a taxa de atendimento nacional está abaixo de 10%; na préescola está em torno de 50%; no ensino fundamental, temos 130% de taxa bruta de participação. Isso significa que temos 30% a mais de alunos do que população de 7 a 14 anos, em razão da repetência. Na medida em que o sistema escolar do ensino fundamental tenha sua qualidade melhorada, o número de alunos no ensino fundamental vai diminuir. Perderemos até 30% de alunos do ensino fundamental no país nos próximos anos a medida em que regularizarmos o fluxo de aluno, porque teremos, então, apenas os alunos na faixa adequada à sua série correspondente. No ensino médio, temos uma taxa líquida de participação de 43% e uma taxa bruta de 86%. No ensino médio já temos um número de vagas mais ou menos equivalente à população da faixa etária, mas há 50% de alunos fora da faixa etária. No ensino fundamental, 30% das pessoas estão acima dos 14 anos. Quando essas pessoas, acima da faixa etária, concluírem o ensino fundamental, irão, certamente, para o ensino supletivo e não para o ensino regular. Então o ensino regular médio deve se manter nesse tamanho ou crescer pouco. O que vai crescer é a educação dos jovens e adultos com a melhoria do sistema. Essa é a média nacional. Além disso, há muita desigualdade nas taxas de escolaridade brasileiras. Há grandes diferenças regionais entre as taxas de escolaridade nos três níveis de ensino. Dentro das regiões há diferenças entre estados e municípios nessas mesmas taxas de participação. O que vai acontecer basicamente? Qual é a tendência de evolução do número de alunos? Na educação infantil, sem dúvida, a tendência é aumentar. No ensino fundamental vai cair até 30% o número de alunos nos próximos anos. No ensino médio vai manter-se ou ter um pequeno aumento. No ensino médio, voltado para educação de jovens e adultos, a tendência é aumentar. A principal conseqüência de um fundo único é que ele tende a retirar recursos do ensino fundamental, que será, teoricamente, o grande perdedor. A proposta que se faz para a educação infantil tem um problema muito sério. Estão sendo retirados recursos da educação infantil: na situação atual, não podemos considerar o financiamento da educação infantil sem analisar conjuntamente o FUNDEF e a LDB. Segundo o FUNDEF, 15% dos recursos dos recursos municipais vão para o ensino fundamental e segundo a LDB os recursos municipais só podem ser aplicados na educação infantil e/ou fundamental. Portanto, 10% de todos os recursos municipais são exclusivos da educação infantil. Assim, a educação infantil, que estava estagnada até 1998, com o FUNDEF passou a crescer também. Houve um aumento de 31% na matrícula na pré-escola, de 1999 a 2003 e de 62% nas creches, no mesmo período. Portanto, na proposta do FUNDEF, reserva-se 20% das receitas estaduais e municipais para todo ensino básico e inclui-se apenas a pré-escola, excluindo as creches. Então, serão mais alunos, com a mesma verba ou menos, porque na prática isso equivale a dizer que 5% da receita municipal e estadual estão livres para serem aplicados em qualquer nível de educação. Recebi muitos pedidos dos prefeitos para mudar a LDB, para liberá-los da obrigação de aplicar apenas na educação infantil. Se o prefeito queria expandir a educação fundamental, ele não subtraía dos 10% restantes no seu orçamento, mas do próprio FUNDEF. Os 10% eram somente da educação infantil. Agora, 5% apenas vão ficar liberados. Diminui-se, em 5% da receita municipal da educação, a verba da educação infantil, o que pode provocar efetivamente a diminuição dos recursos para a educação infantil. Então, a melhor solução sob o meu ponto de vista é que haja no FUNDEF, três fundos específicos. Deve 31 haver um fundo para educação infantil, apenas entre os municípios e a União; um fundo para o ensino fundamental, entre estados, municípios e a União (porque desta forma a responsabilidade será compartilhada entre estados e municípios) e um fundo para o ensino médio com recursos do estado e complementação da União. Assim, conseguiremos evitar que um nível de educação tire verba de outro. É muito sério aprovar um programa com essas características, sem considerar o que pode acontecer para os três níveis de ensino de educação básica. Temos, de certa forma, que preservar os recursos específicos de cada nível de ensino dentro do âmbito em que eles têm responsabilidade assinada. 32 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Educação e Desenvolvimento Humano O Foco no Aluno e na Aprendizagem Eduardo O. C. Chaves Professor Titular de Filosofia da Educação da UNICAMP (Aposentado) e Coordenador da Cátedra UNESCO de Educação e Desenvolvimento Humano no Instituto Ayrton Senna É com prazer e satisfação que atendo ao convite do professor José Aristodemo Pinotti para falar sobre educação e desenvolvimento humano. Tive o privilégio de ser seu colega na UNICAMP durante vários anos e de trabalhar com ele, na década de oitenta, na Reitoria da UNICAMP e nas Secretarias Estaduais da Educação e da Saúde. Como minha formação básica é em filosofia, vou concentrar minha atenção mais nas finalidades da educação do que nos meios que usamos para educar. A educação é um processo histórico, econômico, social, político e cultural que tem lugar em sociedades específicas em momentos específicos da história. A educação que era apropriada na época de Ramsés II no Egito não é a educação que seria apropriada na época de Sócrates, Platão e Aristóteles. A educação que era adequada para os gregos certamente não é a educação que seria apropriada durante a Renascença, nos séculos XIV e XV. A educação adequada na Renascença certamente não é a que seria adequada durante a Revolução Industrial, nos séculos XVII e XVIII. E a educação que era adequada durante todo o período da Revolução Industrial não é, necessariamente, a mais adequada para a época em que vivemos, em pleno século XXI. Esse é o primeiro ponto: se o contexto histórico, econômico, social, político e cultural em que a educação ocorre sofre mudanças radicais, é de esperar que a educação que se ministra naquele período, naquele lugar da história, também sofra mudanças. O segundo ponto é o seguinte: aquilo que chamamos de educação é um fenômeno complexo. Ouvimos, dos palestrantes anteriores, em especial do ex-ministro da Educação e meu colega na UNICAMP, Paulo Renato Costa Souza, uma série de considerações importantes sobre educação, especialmente durante os oito anos do governo FHC, que descreveram programas de financiamento da educação, de aumento do salário dos professores, de formação e de aperfeiçoamento de professores, de melhoria do fluxo de alunos pela rede escolar, de distribuição de livros e tecnologia para as escolas, de recuperação da infra-estrutura das escolas, etc. Tudo isso certamente tem relação com a educação, mas esses são apenas meios para que se possa educar as pessoas, especialmente as crianças, os adolescentes e os jovens. Consta que Einstein teria dito que vivemos em uma época de meios cada vez mais aperfeiçoados e fins cada vez mais confusos. Vou, então, procurar concentrar minha fala na questão dos fins, deixando um pouco de lado a questão dos meios. Atualmente, fala-se muito sobre a necessidade de melhorar a qualidade da educação, introduzir reformas na educação. Nos últimos anos vimos, aqui no Brasil, reformas que afetaram o ensino fundamental e o ensino médio, e está em curso um processo de reforma do ensino superior. Ouvimos, hoje, o tempo todo, falar na necessidade de melhorar a qualidade da educação. Parece-me que a razão principal para essa ênfase atual na necessidade de reformar a educação, melhorar a sua qualidade, se relaciona com o fato de que nosso mundo mudou, e mudou substancialmente, nesses últimos 60 anos, desde o final da 2a Guerra Mundial em 1945. Por isso, muitos analistas do cenário contemporâneo não hesitam em dizer que estamos vivendo numa nova era. Peter Drucker, recém-falecido, escreveu o livro “Novas Realidades”, no qual comparou a época atual com a Renascença, afirmamos que vivemos, no tempo atual, uma nova, uma segunda Renascença. Para ele, as mudanças que ocorreram nestes últimos 60 anos, que não pararam de acontecer e que continuarão acontecendo foram, são e serão tão drásticas, que os próximos anos serão mais diferentes dos anos da primeira metade do século XX do que o período moderno foi diferente da Idade Média. 33 Vários autores têm batizado essa nova era com nomes variados: Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento, Sociedade Pós-Industrial ou até mesmo Sociedade Pós-Moderna. O nome não importa tanto quanto nosso entendimento da natureza dessa nova era em que estamos entrando, na qual já estamos vivendo. A essência dessa nova era talvez seja captada pelo conceito de mudança. Em 1970, Alvin Toffler escreveu a obra “Choque do Futuro” na qual afirmava que mudança seria o fator essencial dos anos seguintes e, hoje, todos temos consciência do fato de que mudanças estão acontecendo em grande quantidade e em ritmo e intensidade cada vez mais acelerados. Elas estão afetando todo os aspectos de nossa vida: pessoal, lazer, trabalho, tudo está sendo afetado por uma onda gigantesca de mudanças que faz com que nossa maneira de ser, de trabalhar, de divertir-nos e, naturalmente, de aprender esteja sendo radicalmente alterada, sem que o percebamos, às vezes (porque estamos no meio do processo). Gostaria de salientar quatro mudanças importantes que vêm ocorrendo nesses últimos 60 anos e que são relevantes para a educação. Primeiro, a informação, que era escassa, tornou-se algo que talvez tenhamos em excesso. Eu freqüentei a escola pública na década de 50 e me lembro de como era difícil, por vezes, encontrar informações sobre tópicos acerca dos quais tínhamos que escrever trabalhos. Cursei, no segundo grau, o “Clássico” e me lembro de que, em 1961, meu professor de literatura portuguesa solicitou que eu escrevesse um trabalho sobre as cartas de amor de sóror Mariana Alcoforado, de quem nunca ouvira falar. Não havia nada sobre sóror Mariana Alcoforado na biblioteca da escola, em Jandira. Encontrei somente na biblioteca pública de São Paulo um livro com suas cinco cartas, sem nenhum comentário sobre a autora ou a obra. Recentemente, encontrei meu trabalho, amarelado pelo tempo, na minha casa e resolvi entrar na Internet para procurar referências sobre Mariana Alcoforado. Encontrei, no Google, a indicação de mais de 16.000 referências sobre ela. Isto significa que, em 50 e poucos anos passamos de uma situação de total escassez de informações para uma situação em que há excesso de informações. Com esse excesso de informações, fica-se tão perdido quanto na situação em que há deficiência delas. O excesso de informações, às vezes, está produzindo grande ansiedade em nós. Que relevância tem isso para a educação? Em 1950, quando entrei na escola, era perfeitamente justificável que a instituição concentrasse grande parte de seu esforço na transmissão, na disponibilização de informações para seus alunos, porque as informações eram escassas e o acesso a elas, difícil. Mas, 55 anos depois, não faz mais sentido que a escola concentre parte significativa de seu esforço no processo de transmitir informações aos alunos. Tenho um amigo australiano, um grande educador, que diz: “Se os alunos podem encontrar as informações relevantes no Google, não ensine. Deixe que eles procurem”. A segunda grande mudança, relacionada à primeira, relaciona-se com a comunicação. Lembro-me de que, em 1950, para fazer um telefonema de Santo André a Campinas, onde morava minha avó materna, era preciso ir à central telefônica, pedir a ligação à telefonista, e esperar de duas a três horas para que se completasse – e, o que é pior, às vezes não se conseguia completar a ligação. Nestes últimos 50 anos, o processo de comunicação mudou de forma tão radical que nem percebemos como isso tem afetado nossa vida. Em 1950, nós tínhamos o costume de fazer visitas aos amigos e parentes. Nem avisávamos porque não havia como avisar. Hoje, perdeu-se o hábito de fazer visitas e, certamente perdeu-se o costume de fazer visitas sem avisar, porque podemos telefonar, mandar um e-mail; mantemo-nos em comunicação o tempo todo com pessoas que nos são importantes, e essa comunicação é, em geral, quase instantânea. Qual o impacto que isso tem para a educação? O impacto é o seguinte: há 50, 60 anos, o professor era, em muitos locais o único especialista ao qual o aluno tinha acesso. O professor, supunha-se, devia saber a resposta de todas as perguntas que as crianças pudessem fazer. Hoje, através da tecnologia, temos acesso a inúmeros especialistas, podemos, através de grupos de discussão pela Internet, trocar informações o tempo todo, fazer perguntas até a notórios especialistas em suas respectivas áreas. Portanto, a tecnologia da comunicação fez com que se tornem facilmente disponíveis a todos as opiniões de especialistas, que podem ser contatados, em geral, 34 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO do ponto de vista técnico, com grande facilidade. Isso certamente afeta, também, o tipo de trabalho que fazemos na escola. Há, então duas mudanças relacionadas à tecnologia: uma relacionada à quantidade de informação e à facilidade de acesso a essa informação, outra relacionada à natureza de nossa comunicação com pessoas que nos são importantes. Vou mencionar mais duas mudanças que não estão, necessariamente, relacionadas à tecnologia: a primeira tem a ver com nosso entendimento do conceito de conhecimento. Fala-se muito, atualmente, em construtivismo. Há pouco consenso sobre o que seja construtivismo, mas parece-me que há um núcleo central importante nessa noção: conhecimento é diferente de informação. Informação pode ser armazenada em papel, disco, fita, transmitida a outras pessoas, transferida de um lugar para outro, mas conhecimento não, é um tipo de informação especial, privilegiada. Conhecimento tem que ver com estruturas mentais, modelos mentais, com os esquemas mentais que construímos e que nos permitem fazer sentido da realidade, que nos permitem fazer sentido da quantidade enorme de informação com a qual temos de lidar. Conhecimento é algo que existe dentro da nossa cabeça e cada um tem que construir seus próprios modelos e esquemas; não há como transferir meus conhecimentos, nesse sentido, para outras pessoas. Posso tentar elucidá-los, explicá-los, mas cada um tem de construir os seus conhecimentos por si mesmo. Assim, se no caso da informação não é necessário transmiti-la, porque ela está tão acessível, no caso do conhecimento não é possível transferi-lo, porque cada um tem de construí-lo por si próprio. Acho que essa mudança no nosso entendimento do conhecimento é muito significativa e vai alterar profundamente a nossa concepção e a nossa visão da educação. A quarta e última mudança que quero destacar – e a segunda que não é relacionada à tecnologia – tem que ver com mais um conceito importante na área da educação: o conceito de aprendizagem. Tradicionalmente, aprender era tido como equivalente a assimilar, absorver informação, memorizar e, assim, reter informação por determinado período. Atualmente, a maioria dos entendidos em aprendizagem nega que esse processo de mera absorção, de mera assimilação de informação seja aprendizagem. Edgard Morin escreveu um livro no qual contrasta uma cabeça cheia com uma cabeça bem feita. Rubem Alves critica, em muitas de suas crônicas, o esforço das escolas de tentar enfiar informação na cabeça dos alunos, tornando-os mentalmente obesos. (A obesidade mental faz-nos perder a agilidade mental, da mesma forma que a obesidade física faz-nos perder a agilidade física). Parece-me que Paulo Freire, quando criticava a educação bancária, aquela educação que é vista como um processo de transferência de informações da cabeça do professor para a cabeça do aluno, estava criticando exatamente essa idéia de que aprender é assimilar, absorver informações. Hoje, há razoável unanimidade em entender a aprendizagem como um processo de aquisição e expansão de capacidades, de construção e aperfeiçoamento de competências. Aprendo na medida em que me torno capaz de fazer aquilo que não era capaz de fazer antes. Aprendo na medida em que desenvolvo competências e as habilidades que lhes são vinculadas. Destaquei quatro mudanças importantes que estão ocorrendo na nova era em que vivemos e que tornam imperativo um novo entendimento da educação. E quando tivermos um novo entendimento da educação deveremos, obrigatoriamente, rever todos os meios que temos usado para educar: a própria escola, o papel do livro, o papel do professor, o currículo, as matérias didáticas, o papel da tecnologia. Por essa razão, envolvi-me, nos últimos anos, com a tentativa de definir uma nova visão de educação, necessária para essa nova era. Venho chamando esse projeto, em parte pelo meu trabalho no Instituto Ayrton Senna, nos últimos oito anos, de “Educação para o Desenvolvimento Humano”. Ela parte do pressuposto de que educamos, não porque a sociedade precisa de pessoas educadas, não porque a economia digital precisa de pessoas cada vez mais bem preparadas, não porque sem educação o país 35 não cresce do ponto de vista econômico: educamos porque o ser humano nasce incompetente e dependente, mas nasce com uma incrível capacidade de aprender no sentido que realcei: de expandir capacidades, construir competências. Portanto, a educação de que precisamos, hoje, é a que vai concentrar seus esforços no processo de transformar o ser humano, que nasce incompetente e dependente, num adulto competente e autônomo. Isso é importante, porque o ser humano, diferente de outros animais, também tem a possibilidade de definir o que quer da vida, que vida deseja para si próprio. A partir de um certo momento, ele pode definir um projeto de vida e procurar construir as competências necessárias para transformar aquele projeto em realidade. E essa noção de educação, como um processo de desenvolvimento humano, e não como um processo de transmissão de herança cultural ou de perpetuação da estrutura social de uma geração para outra, vai colocar de cabeça para baixo tudo que fazemos na escola. Entretanto, a julgar pelas críticas que a escola tem recebido nos últimos tempos, isso é não só necessário, mas bem-vindo. Quanto mais cedo tivermos consciência desse fato, melhores serão os resultados em termos da aprendizagem das crianças, dos adolescentes e dos jovens que hoje freqüentam nossas escolas. 36 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Avanços e Desafios do Ensino Médio Professora Maria Helena Guimarães Castro Secretária de Estado de Assistência Social de São Paulo – até março de 2006 Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico Professora do Departamento de Ciência Política da UNICAMP Ocupou vários cargos no Ministério da Educação Foi presidente do UNEP Foi Secretária da Educação de Campinas entre 1992 e 1994 Destacou-se em Avaliação no Ministério da Educação. Abordarei nesta oportunidade a reforma do ensino médio no Brasil. Os resultados colocados referem-se a uma pesquisa realizada na UNICAMP. Serão mais enfatizados os aspectos conceituais e substantivos da reforma do ensino médio no País e menos às tendências de expansão do mesmo. A apresentação está organizada por tópicos: 1. O crescimento do ensino médio; 2. A reforma do ensino médio de 1998, mostrando como era a situação antes da reforma, a proposta da reforma e o que aconteceu posteriormente; 3. As Novas Diretrizes Curriculares – o que isso significa do ponto de vista do ensino médio; 4. As principais avaliações, SAEB e ENEM, basicamente apontando os fatores associados à aprendizagem e não aos números do SAEB e ENEM; 5. Os principais resultados;; 6. Os novos desafios. De l970 a l980, o ensino médio dobrou em tamanho. De l980 a l990, cresceu 50%; de 1990 a 1994 cresceu mais 50%; de 1994 a 2002 mais do que dobrou de tamanho. O ensino médio brasileiro é considerado um dos níveis de ensino que cresceu de forma mais rápida e intensa. O ritmo de incorporação de novos alunos foi muito rápido e isso, obviamente,traz problemas para a escola, que não está preparada do ponto de vista de infra-estrutura técnica, trabalho, laboratórios, biblioteca, material didático e professores, sem falar da carreira docente. Esse crescimento acelerado do ensino médio no período recente, que parece colocar o Brasil num ritmo mais rápido de crescimento do ensino médio que outros países, tais como México, Coréia e Argentina, que também tiveram crescimento acelerado em determinados momentos, trouxe problemas. O primeiro problema, já apontado pelo prof. Eduardo Chaves e pelo dr. Paulo Renato, é que o mundo mudou. Como a escola vai enfrentar essas novas mudanças? Tínhamos um ensino médio concebido para ser de elite. Era um passaporte para o ensino superior e apenas os interessados em ingressar no ensino superior, também restrito, prosseguiam no ensino médio. A maioria apenas concluía a 8a série, quando concluía. A mudança é muito recente. Quanto ao currículo, antes da reforma ele era pesado, enciclopédico, muito calcado na capacidade de memorização dos alunos e totalmente voltado para o vestibular, o que aliás ainda acontece, infelizmente. Ainda há a questão da repetência e a evasão escolar. Sabemos que o ensino médio no Brasil e no estado de São Paulo tem como característica uma forte participação do período noturno. Nossos alunos são de baixa renda, trabalhadores, e nós não temos um número suficiente de escolas para oferecer ensino médio a todos. Muitas vezes, somos obrigados a oferecer matrícula no período noturno mesmo para os que não estão trabalhando, por falta de vagas. Se observarmos com cuidado, veremos que o turno escolar é muito pequeno no estado de São Paulo e no Brasil em geral; os alunos ficam, em média, pouco tempo na escola e a predominância da oferta do noturno faz com que o ensino médio sofra o peso do ensino noturno. O aluno que já trabalhou o dia todo, terá maior dificuldade à noite, na escola. 37 Por fim, as escolas não estariam preparadas para enfrentar os novos desafios, especialmente o mundo pósrevolução industrial, ou terceira revolução industrial, sociedade do conhecimento, não importa o nome que se dê. Há profundas mudanças em andamento. Há uma agenda internacional nas reformas educativas. O que se observa é que as agendas de reformas, o debate, os problemas são muito parecidos. Argentina, Chile, México, Uruguai, EUA, Coréia assemelham-se muito, embora alguns países sejam mais ricos ou convivam com outras questões. O contexto da reforma A Lei de Diretrizes e Bases, ou LDB, trouxe um ponto novo para o ensino médio, que foi permitir e reforçar a idéia da interdisciplinaridade, a idéia de que o currículo não precisa ser estanque, as disciplinas devem integrar-se e, ao invés de termos um currículo fortemente pautado na informação, pesado, elitista, devemos voltar-nos para o desenvolvimento das competências gerais dos alunos. A LDB abriu essa possibilidade e reforçou a importância do desenvolvimento das habilidades gerais. O objetivo é formar um cidadão com as competências básicas parta exercer sua cidadania, desenvolver-se para que possa, no futuro, optar por dar continuidade aos estudos ou ir para o mercado de trabalho se for essa sua necessidade ou opção. Esse é o Desafio. Não estamos mais dizendo que o ensino médio existe para preparar para o ensino superior. Estamos dizendo que o ensino médio tem terminalidade. Significa o final da educação básica; a educação básica precisa ser universal, ter qualidade, garantir o exercício da cidadania, da participação plena na vida para todas as pessoas. E, ao mesmo tempo, precisa lidar com o jovem. O jovem quer ser protagonista, acha a escola tediosa, está motivado por tudo que está fora dela e por quase nada do que está dentro. O ensino médio é difícil de ser resolvido do ponto de vista curricular e da abordagem pedagógica, que não se estabelece, das interações, das formas de sociabilidade que a escola tem que desenvolver para fazer com que o aluno realmente permaneça, se interesse, aprenda e se desenvolva como pessoa. O que a reforma propôs diante dessa realidade? - Novo desenho organizacional do ensino médio; - Separação do Ensino Médio acadêmico e Educação Profissional; - Novas diretrizes curriculares. Impasse: o financiamento do ensino médio O mais importante foi afirmar que a educação básica é formação geral para todos. Isso é importante porque o Brasil tem, hoje, 8 anos de escolaridade obrigatória. A Argentina tem 12 anos; o Chile tem 12 anos; o México tem 12 anos; a Coréia e a Alemanha têm 13 anos; os EUA têm 12 anos; a Espanha tem 13 anos. Portanto, o Brasil não pode se restringir aos 8 anos de escolaridade obrigatória. O ensino médio, como etapa final de educação básica, deve ser assegurado para todos os alunos. Portanto, pensar no ensino médio hoje é revê-lo. Por isso, o desenho organizacional buscou contemplar não somente a formação das competências gerais, como também abrir 25% das grades curriculares, para atividades ligadas ao mundo do trabalho e, especialmente, à capacitação do aluno às novas tecnologias. Entretanto, na prática, isso não ocorreu. A idéia que embasava a reforma, da flexibilidade de 25% do currículo, não se concretizou. As novas diretrizes curriculares e o financiamento do ensino médio, na verdade, o que mais cresceu e que é competência dos Estados, sofre dificuldades, especialmente no que se refere à ampliação do quadro docente, à carreira do magistério e à abertura de novas escolas para que possa diversificar a oferta no período diurno. As diretrizes: 1. Flexibilidade - está presente, hoje, em todas as reformas do ensino médio. No mundo inteiro há discussões e a idéia de que é preciso rever o currículo, ver o que é fundamental e, ao mesmo tempo, combinar esse currículo com atividades ligadas, ou ao mundo do trabalho, ou às novas tecnologias. Ao mesmo tempo, é necessário entender que o currículo deve atender pessoas em situações muito diferentes. 38 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 2. A diversidade como eixo da reforma procurou trabalhar a idéia do pluriculturalismo: a diversidade no atendimento dos diferentes segmentos, dos diferentes contextos, contemplando os diferentes grupos e, ao mesmo tempo, entendendo que a escola deve ter liberdade na organização de seu currículo. As diretrizes são gerais, mas a forma como a escola vai organizá-las, tem a ver com se projeto pedagógico, com a forma pela qual a escola se insere nos contextos local e global, porque essas coisas não estão mais separadas. 3. Contextualização: a aprendizagem tem que estar o tempo todo contextualizada para que o próprio processo de aprendizagem aconteça. Uma aprendizagem abstrata, uma aula magistral, uma abordagem pedagógica frontal, distante do mundo real dos alunos, distante do mundo real da escola, obviamente dificultam muito o processo de aprendizagem. Por exemplo: no ensino médio, em Cálculo II, a primeira pergunta dos alunos é: “Por que preciso aprender isso?” “Vou usar isso para quê?” “Para que vai adiantar?” Há muitos conteúdos curriculares presentes, ainda, em nossas grades, que não fazem o menor sentido para nossos alunos. É preciso rever, flexibilizar e, ao mesmo tempo, identificar o que é importante, para que o aluno desenvolva seu raciocínio, sua capacidade de comunicação e de fazer leituras diferenciadas do mundo, sua percepção de solução de problema, a forma como desenvolve sua argumentação; é isso que vai interessar no novo currículo e não a memorização. 4. Para desenvolver esse currículo, além do programa de formação de professores e do seu material de apoio, iniciamos a montagem do sistema de avaliação, em particular, o ENEM, que foi implantado em 1998 com a reforma do ensino médio. O Brasil entrou nas avaliações internacionais e todas as avaliações mostraram resultados muito semelhantes, tanto SAEB, ENEM como PISA, embora sejam avaliações diferentes: o ENEM avalia o aluno, em suas competências gerais e habilidades; o SAEB avalia o sistema de ensino e o PISA avalia pessoas de 15 anos, independentemente da escolaridade prévia, com o objetivo de qualificar sistemas nacionais de ensino e não desempenho do aluno. O que mostram os resultados do SAEB, do ENEM e do PISA do ponto de vista dos alunos que estão no ensino médio e concluindo o ensino médio? Primeiramente, há uma diferença muito clara entre o público e o privado. Isso é assim no Brasil e em todos os lugares. O achado mais básico e rudimentar nas técnicas de avaliação é que os alunos, filhos de pais com maior escolaridade, em geral apresentam melhor desempenho. Esse resultado, não nos ajuda porque não temos como interferir na escolaridade dos pais de nossos alunos. A escola precisa identificar aspectos que possam ajudá-la a melhorar seu dia a dia, o trabalho dos professores e o da própria escola. Neste caso, a escolaridade dos pais é uma explicação que pouco contribui. Finalmente, mostram um dado sobre o qual a escola, sim, tem poder que interferir: a repetência, o atraso escolar, a distorção idade-série, tem, sempre, um impacto negativo. Para cada série que o aluno repete, ele perde, em média, 10 pontos no ENEM e 20 pontos no SAEB. Não adianta reprovar pois os alunos continuam a aprender pouco. A questão é prover os recursos para que o aluno tenha acesso a reforço escolar, hora-atividade, tempo para o professor planejar as aulas, dedicar-se, estudar, atender individualmente o aluno, elementos que, muitas vezes, faltam em nossas escolas. Os outros fatores associados diretamente à escola: Projeto Pedagógico: independentemente de os pais serem ricos ou pobres, terem maior ou menor escolaridade, se a escola tiver um bom projeto pedagógico, um clima favorável à aprendizagem, um bom sistema de gestão e equipe integrada, o desempenho dos alunos é melhor. A infra-estrutura da escola também é fator importante. Numa escola feia, apertada, superlotada, sem ventilação, desagradável, degradada, os alunos não têm condições de aprendizagem, e os professores não têm as mesmas condições de trabalho de que usufruem se a infra-estrutura for adequada. As habilidades acadêmicas e, sobretudo, didáticas do professor: o professor é o animador central da vida escolar, da escola, da educação. Por isso, necessita desenvolver habilidades de comunicação, interação, percepção e sensibilidade para articular todo o processo de aprendizagem e mediá-lo com os alunos. 39 O comprometimento do professor com o trabalho: quando o professor compromete-se com o trabalho de aprendizagem do seu aluno e que uma expectativa de sucesso em relação ao futuro dele, esse aluno terá melhor desempenho. Por fim, uma pesquisa realizada pelo prof. Creso Franco, da PUC do RJ, mostra que no Brasil, 25% do que o aluno aprende, daquilo que realmente faz diferença na aprendizagem, deve-se unicamente a fatores internos da escola. A pesquisa foi feita no Canadá, onde a escola acrescenta só 10% para os alunos, porque todos os pais são escolarizados, quase todos têm nível superior, a renda per capita é elevada, os alunos têm acesso a bens culturais; o mesmo acontece na Austrália, na Finlândia, na Nova Zelândia. No Brasil, onde há situações de desigualdade, pobreza, miséria, baixa escolaridade, a escola conta muito mais, faz uma diferença muito maior. Assim, nosso trabalho tem um valor muito maior que nos países ricos. Ainda fatores internos à escola: Consta nas pesquisas que o aluno que estuda e faz a lição de casa apresenta melhor desempenho escolar. Quando a escola e/ou as turmas são grandes demais, o resultado é pior. A adequação das instalações faz diferença Os recursos didáticos: se a escola tem biblioteca ou não, se tem cantinho de leitura ou não, todos esses pontos fazem diferença. Há, no Brasil bastante preocupação com a segurança na escola. Os alunos e os professores têm uma forte sensação de insegurança. Os professores convivem, muitas vezes, em escolas onde a violência urbana é muito alta. Este fato, além de prejudicar muito o trabalho do professor e da escola, prejudica o aluno, que percebe esse ambiente, sofre com isso e aprende menos. A participação dos pais mostra-se, também, importante. Para encerrar, vou discorrer brevemente sobre os resultados da nossa pesquisa com relação ao Brasil, ao Ceará e a São Paulo. Ceará O ensino médio cresceu muito mais que no estado de São Paulo, entre 1998 e 2002: 70% em quatro anos, em escolas muito pequenas, sem condições de desenvolver o ensino médio. Nessas escolas, os professores foram orientados a desenvolver o novo currículo da reforma. Entretanto, não tinham nenhuma experiência prévia com o ensino médio, nem com o segmento da 5a à 8a série. Portanto, esses professores, que não tinham nível superior, experiência em ensino médio, ou no segmento de 5a à 8a série, não conseguiram implementar o novo currículo. Conseqüentemente, a escola sofreu uma paralisia: nem tinha o modelo anterior à reforma, pautado pelo vestibular, nem como implementar o novo currículo, porque não contava com materiais didáticos adequados e formação adequada de professores. Assim, o Ceará mostrou uma situação que, do ponto de vista quantitativo, vimos em toda região NE e Norte: crescimento monumental em escolas muito pequenas, professores sem formação. Apenas no estado do Ceará, entre 2000 e 2004, surgiram 155 novas escolas, todas com menos de 100 alunos e todas sem corpo docente em todas as disciplinas. Com relação ao SAEB, no Ceará, assim como no Brasil, em língua portuguesa, em 2003, a nota média está no nível 5, quando o nível esperado no SAEB é 7; isso significa que os alunos da 3a série do ensino médio aprendem o que seria esperado como aprendizagem mínima na 8a série. Isso é o que demonstra o resultado do SAEB no Ceará, para língua portuguesa e matemática, considerando o currículo existente nos estados brasileiros. 40 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Revela-se, assim, por um lado, um fracasso da implantação da reforma curricular e, por outro lado, que os alunos estão terminando o ensino médio sem atingir os conteúdos mínimos de aprendizagem que estão previstos para a 8a série. São Paulo Houve um crescimento menor que no Ceará; no mesmo período, o crescimento foi de 22% da matrícula, enquanto no Ceará foi de 70% da matrícula. Ao contrário do Ceará, em São Paulo a rede física estadual tinha condições de absorver essa nova demanda, porque a grande expansão da rede havia ocorrido antes da reforma, 97% dos professores tinham nível superior completo, as escolas possuíam infra-estrutura melhor: cerca de 90% das escolas eram integradas à Internet, com bibliotecas, livros, materiais didáticos e de apoio. A rede estadual de São Paulo não implementou o novo currículo porque resolveu fazê-lo aos poucos: aderiram aos 25% da grade curricular flexível; esses 25% ficaram para que escola organizasse o seu currículo, com ênfase em informática e língua estrangeira. Não houve mudança de conteúdo curricular, não se enfocaram as competências gerais, não houve diminuição do currículo enciclopédico tradicional; a escola continuou orientada para os programas do vestibular. E o que acontece com relação aos resultados do estado de São Paulo e Ceará? São Paulo apresenta desempenho muito melhor do que o Ceará e a média do Brasil, mas está muito aquém do esperado, considerando o currículo implantado tanto em língua portuguesa quanto em matemática. O estado de São Paulo, atualmente, tem uma das melhores situações educacionais do Brasil, apesar de não adequada. O SAEB mostra que o estado de São Paulo tem o melhor índice de evolução em qualidade de ensino. Quais são os desafios? A reforma foi feita, mas não foi implantada. O que aconteceu foi expansão, sem reforma curricular. É importante mudar a cultura no uso de informação sobre a educação. Parece haver um distanciamento entre quem faz pesquisa e quem está “com a mão na massa”, com a “batata quente” todos os dias na escola. A escola sub-utiliza os resultados das avaliações e os das pesquisas, porque eles não chegam à escola. Acho que não são necessárias mais avaliações. Essa avaliação, agora, destina-se ao monitoramento da rede, para gestores da rede etc. Precisamos aprender a usar os resultados da pesquisa para melhorar o projeto pedagógico e o material didático e trabalhar esses aspectos em programas de formação continuada. As diretrizes curriculares do ensino médio Faço uma afirmação e ao mesmo tempo uma pergunta: Temos que disseminar as diretrizes curriculares que não foram implementadas ou será que elas não foram implementadas porque não foram compreendidas pelas escolas? Estávamos certos, quando essa reforma foi discutida, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, discutida por especialistas? A direção está correta? Por fim, a questão da leitura, algo que aparece nos relatórios do ENEM e no PISA como um problema central do desenvolvimento dos nossos alunos. Devido a problemas graves no processo de alfabetização, nossos alunos têm dificuldade de leitura, o que dificulta o processo de aprendizagem ao longo de sua escolaridade. Parece-me que o grande desafio atual é insistir na melhora do processo pedagógico dentro da escola, na melhora do material didático, na formação dos professores. Talvez nem interesse mais, para o ensino médio, a discussão curricular. Precisamos, realmente, a partir dos conteúdos básicos e das competências já definidas pelo 41 ENEM, estabelecer formas de trabalho, programas de capacitação e de formação que tornem a escola mais efetiva e eficaz. Creio que cabe ao governo federal implementar uma série de ações no que se refere ao fomento e à assistência técnica da rede básica, algo de difícil efetivação e extremamente necessário. 42 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Indicadores da Qualidade na Educação Professora Vera Masagão Especialista na educação de jovens e adultos em questões de alfabetização e analfabetismo. Faz parte da Ação Educativa Assessoria e Pesquisa Educacional.Formada pela PUC/SP, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Educação Vou contar uma experiência que se refere ao problema do baixo uso feito pelas escolas e pela população em geral das informações produzidas pelas grandes avaliações de sistemas educacionais. O projeto que vou relatar iniciou-se a partir desta reclamação e constatação. Envolveu várias organizações governamentais e não governamentais, coordenadas pela Ação Educativa. Na década de 90 fez-se grande esforço para organizar um sistema de informação e avaliação educacional no país. O INEP realizou avanços importantes no trabalho de organização da informação educacional no país. Temos hoje dados sobre cada escola, quantos alunos há, além de dados básicos sobre equipamentos, professores, instalações. Efetivaram-se, também, as avaliações periódicas de aprendizagem, o SAEB e o ENEM, além da participação no projeto internacional do PISA. Houve um impulso e um investimento grandes na geração de dados e elementos avaliativos sobre o desempenho dos sistemas de ensino, mas constatou-se que as pessoas usavam pouco esses dados, tanto os professores, quanto as comunidades escolares, para melhorar a qualidade; a população, em geral, entendia pouco sobre o significado dos indicadores. O PNUD já vinha desenvolvendo um projeto com o objetivo de popularizar os indicadores educacionais que o Brasil possui, a idéia era que as pessoas passassem a usar esses indicadores como um elemento de mobilização social para melhorar a qualidade da educação. É verdade que há um problema de entendimento, pois alguns indicadores, tais como a taxa bruta de matrícula e distorção idade-série, por exemplo, não são triviais. Mas talvez não fosse só um problema cognitivo; talvez esse tipo de indicador não tivesse o mesmo interesse para todos. Por exemplo, os macro-indicadores são essenciais para os gestores que estão pensando no sistema ou para a população em geral que está pensando na educação brasileira como fenômeno social. Mas as pessoas que estão no dia-a-dia da escola não estão pensando nos problemas naquela escala. São visões diferentes. Começamos a pensar que, se quiséssemos que esses indicadores chegassem ao cotidiano das escolas, aos pais e aos professores, talvez não fosse suficiente simplificar os indicadores do INEP. Mais interessante seria criar a cultura da avaliação e de uso de indicadores partindo da lógica dos atores que estão no cotidiano da escola e não da lógica dos gestores. Nenhuma visão é errada, mas elas se complementam. Outro problema que cerca a avaliação de escolas e sistemas é que fica implícito que existe um consenso sobre o que é qualidade desejável. Por exemplo, é desejável que não haja distorção idade-série. Mas esse consenso não é tão consolidado nem compartilhado por todos facilmente. É interessante, porque o Ministério das Comunicações fez uma pesquisa recentemente sobre o problema que os brasileiros acham mais grave no país e que vai mais demorar a ser resolvido. O consenso entre os formadores de opinião (empresários, intelectuais etc.) foi que o principal problema era a qualidade de educação e que seria o que mais o Brasil demoraria a resolver. Mas isso não é consenso na população, entre os que não são os chamados formadores de opinião. O INEP fez uma pesquisa de opinião com a população em geral e obteve uma visão positiva da escola. Por exemplo, na prefeitura de Sobral, CE, o secretário municipal da Educação, conversando com os pais de alunos de uma escola, percebeu que eles falavam bem da escola, apesar de o prefeito apontar que os alunos não estavam aprendendo e mais da metade saía da 4a série quase como analfabetos. Então, a crítica, em relação ao ensino, não é consensual. Um pai que não foi à escola usa um critério diferente de um pai universitário para julgar a escola. 43 Ao desenvolvermos os Indicadores da Qualidade, pensamos em como contemplar todas essas perspectivas a partir do pressuposto de que todos têm sua razão. Há razões para que nos assustemos com os dados do SAEB, mas devem ser entendidas as razões dos pais que não compreendem um indicador como esse ou que acham que a escola é boa, pois deve haver algum fundamento na percepção desses pais em relação à escola. Optamos então pela criação de indicadores cujo público prioritário não fosse não o gestor, mas a própria comunidade escolar, entendida com um espaço plural, que integraria tanto os profissionais como os usuários e mesmo as organizações que estão no entorno, tais como associações do bairro e universidades com alguma ação direta com aquela comunidade específica. A medida que definimos a comunidade escolar como público-alvo, pudemos definir alguns princícios que estariam por trás desse sistema de indicadores que iríamos construir. 1. Trabalhar com um conceito amplo de qualidade educativa abrangendo múltiplas dimensões. O SAEB mede leitura, escrita e matemática, que são aprendizagens fundamentais. Entretanto, sabe-se que a escola ensina muito mais que isso, que as famílias esperam da escola uma formação mais ampla. Aprendizagens importantes não são mensuráveis com uma prova de lápis e papel, como a utilizada pelo. Quando se quer fazer uma avaliação institucional da comunidade escolar, não é preciso limitar-se ao que é mensurável por um teste padronizado. Procuramos, então, abarcar mais dimensões da prática educativa. Há estudos que mostram que classes mais altas, mais escolarizadas, tendem a valorizar os aspectos acadêmicos da escola; as classes populares tendem a valorizar os aspectos afetivos e sociais. Para as classes populares, certas condições básicas que indicam respeito à dignidade não estão garantidos pelos serviços sociais a que tem acesso, por isso elas valorizam isso: dão valor quando a diretora é respeitosa, a professora é carinhosa, o banheiro está limpo etc... Resolvemos, assim, trabalhar com uma concepção ampla que contemplasse os conceitos de qualidade de todos os segmentos. 2. Reunir pessoas e instituições envolvidas com a educação para estabelecer consensos sobre a qualidade desejada, porque não existe um conceito a-histórico e 100% válido do que seja qualidade, mas é possível criar-se um consenso, está na base de uma sociedade democrática. Para começar, há uma legislação aprovada por mecanismos democráticos que estabelece certos parâmetros para esse consenso. 3. Criar um sistema de fácil compreensão, do qual toda a comunidade escolar pudesse se apropriar. Por isso, abrimos mão que qualquer pretensão de usar os indicadores para comparar escolas. No caso de exames como SAEB e do ENEM, por exemplo, que são padronizados, é possível comparar escolas porque é o mesmo critério que está sendo usado para comparação. Mas quando se usa um sistema de indicadores em que a população escolar vai ser avaliada com seus critérios, não se pode usar um para comparar com outros porque estão sendo usados diferentes critérios; cada comunidade escolar está usando sua própria medida. Assim, se fosse para efeito de premiar a escola ou repassar verba, esse tipo de indicador seria inútil. Para gerar clima de confiança na escola e para que ela fizesse uma avaliação autêntica, a escola deveria entender que aquele dado era só para ela, que ela leva os resultados para a secretaria da educação se for de seu interesse. 4. Nossa aposta foi que, participando de uma avaliação institucional, com esse tipo de indicadores, mais qualitativos, a comunidade escolar fosse criando a cultura da avaliação, fosse se interessando e capacitando para dialogar com os índices oficiais, os que as secretarias e o INEP geram. É importante estabelecer uma cultura de avaliação, o interesse em saber como está uma escola em relação a outras. Procuramos divulgar, no material, informações sobre os dados escolares disponíveis no INEP e nas secretarias. Procuramos popularizar os macro-indicadores. O processo começou a se desenvolver em 2003. Houve uma reunião com várias organizações importantes do campo educacional, entre elas o MEC, a Undime e o Consed. Construiu-se uma primeira versão dos indicadores e fizemos um teste preliminar em mais ou menos 15 escolas espalhadas pelo país; com base nesse experimento, fechamos uma versão final. Em 2004, fizemos uma disseminação ampla entre os conselhos escolares, acompanhamos algumas escolas, houve reformulações. Em 2005 continuamos a disseminação, fizemos uma edição revisada e, atualmente, estamos desenvolvendo um novo módulo dos Indicadores da Qualidade na Educação, focalizando a alfabetização, leitura escrita. 44 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Além dessa nova dimensão, que estamos desenvolvendo, os Indicadores abarcam os seguintes aspectos da escola: 1. Ambiente educativo – ambiente humano da escola; 2.Prática pedagógica e avaliação – em linhas gerais, a preocupação com o planejamento e acompanhamento do desenvolvimento dos alunos; 3. Gestão escolar democrática – o princípio que está afirmado na LDB e por isso tomamos como critério de qualidade; 4. Formação e condições de trabalho dos profissionais da escola; 5. Espaço físico da escola; 6. Acesso, permanência e sucesso, dimensão que abarca as ações da escola em relação à evasão, ou daqueles educandos em potencial que estão fora da escola, como os jovens e adultos da comunidade e não têm ensino fundamental, enfim, a questão da escola com as demandas de serviços educacionais da comunidade. Para cada dimensão criamos um conjunto de indicadores, que funcionam como sinais que indicam uma dada situação. Criamos uma série de perguntas para qualificar aquele indicador. A proposta metodológica é que se formem grupos mistos de pais, alunos, professores, funcionários; cada grupo discute e atribui um qualificativo para os indicadores de sua dimensão e depois todos se reúnem numa plenária, a fim de tentar chegar a um consenso. Tudo se baseia na idéia de debate e de consenso. Para facilitar, não trabalhamos com percentuais, mas com qualificativos mais fáceis de compreender: o vermelho simboliza uma situação emergencial, amarelo é mais ou menos e verde está satisfatório para um determinado elemento. Nessa plenária aparecem “os vermelhos” no painel e é com base neles que deve surgir um plano de ação assumido por um grupo de trabalho representativo do coletivo dessa comunidade escolar. Vou dar um exemplo de indicador, tomado da Dimensão Prática Pedagógica. O indicador é “projeto pedagógico definido e conhecido por todos. Pergunta-se: a Proposta está escrita? Os professores participaram ativamente da elaboração? Todos os que trabalham na escola conhecem a proposta? A partir desse questionamento, os grupos vão qualificando, com as cores, cada uma das perguntas para chegar ao consenso. Às vezes não há consenso e a pergunta vai para a plenária. Gera-se um contexto interessante de debate na escola. O material foi feito coletivamente assim, quem quiser pode reproduzir sem pagar direitos autorais, desde cite a fonte. Pode-se baixar o PDF do material sem custos O site é: www.acaoeducativa.org/indicadores. O esforço de mobilizar a sociedade para a melhoria da qualidade é fundamental e acho que os profissionais que estão na escola precisam esforçar-se para trazer comunidade, pais, organizações, empresas, universidades para dentro dela, no intuito de somar forças para essa missão porque, com as condições que os professores têm, torna-se difícil, por vezes, viabilizar a qualidade que almejam, às vezes de forma mais crítica que a visão de pais e alunos. O objetivo é que a crítica da sociedade ajude a melhorar a escola. 45 Mysterium Lygia Fagundes Telles Contista e romancista, membro da Academia Brasileira de Letras. Tem livros publicados em Portugal, França, Alemanha, Itália, Suécia, República Tcheca e China. Recebeu prêmios literários diversos: Prêmio Instituto Nacional do Livro, Prêmio Guimarães Rosa, Prêmio Coelho Neto, da ABL, Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, Prêmio Pedro Nava e Prêmio Camões, Portugal/Brasil. “Eu vi ainda debaixo do sol que a corrida não é para os mais ligeiros, nem a batalha para os mais fortes, nem o pão para os mais sábios, nem as riquezas para os mais inteligentes, mas tudo depende do tempo e do acaso” Eclesiastes A esse tempo e acaso, acrescento o grão do imprevisto. E o grão da loucura, a razoável loucura que é infinita na nossa finitude. Vejo minha vida e obra seguindo trilhos tão paralelos e tão próximos e que podem (ou não) se juntar lá adiante. Mas sem nenhuma explicação, não tem explicação. Os leitores são curiosos, fazem perguntas. Respondo. Mas quando me estendo demais nessas respostas, pulo de um trilho para outro, misturo a realidade com o imaginário e acabo por fazer ficção em cima da ficção. A constante vontade de seduzir esse leitor que gosta do devaneio. Do sonho. Quero provocar sua fantasia, mas agora ele está pedindo lucidez, quer esclarecimentos. Não sei teorizar, me embrulho inteira. Faço um esforço, fico fria e me aventuro em busca de descobertas, chego ao requinte dos detalhes, me encorajo e avanço por entre signos e símbolos do processo criador. O indefensável. O que era claro fica escuro, me perco. Insisto. A nebulosa pode se iluminar e tenho revelações. Na tentativa de desembrulhar personagens, me desembrulho e me deslumbro. Para me obumbrar de novo no emaranhado dos fios. Então a invenção vira verdade na viragem-voragem de ofício e vida. A temática existencial da minha paixão. Quase peço desculpas por não ser mais otimista quando trato da crueldade. Do sofrimento. Do medo, Mas o amor (e desamor) não está sempre presente? Recorro ao humor que é a nossa salvação, ninguém é prefeito – e a loucura? Com suas infiltrações na rejeição, Um perguntador me olha agora com desconfiança, que saber por que falo tanto na morte. Não sou inocente (o escritor não é inocente) e começo dourar a pílula substituindo a perda, enveredo para o mistério. Mais misterioso ainda nas suas raízes latinas mysterium. Vai, repete agora comigo e em voz alta, mysterium. Pare na Y que é a boca aberta do abismo (abysmo) e mergulhe repetindo mysterum, mysterium até ouvir lá no fundo do fundo o eco que se prolonga num rolar de pedras, ummmmmmmm............ Perguntei à minha mãe se podia escrever o meu nome com i, seria mais fácil. E ela respondeu que tinha que ser mesmo com y. Por quê? perguntei. Não soube explicar mas tinha que ser assim. Pronto, mudei de trilho quando deveria estar falando apenas na razão (ou desrazão) dos meus textos. Levanto a pele das personagens que é a pele das palavras, quero o mais íntimo, o mais secreto e nessa busca me encontro. E desencontro, chego a me lembrar para em seguida esquecer. É um jogo. Fico fascinada, meu pai era um jogador, herdei o vício do risco, a diferença é que ele jogava com fichas. Meu jogo é com palavras, perdi? Ainda bem que neste país de raros leitores não fico pensando em lucros mas em alimentar esta viciosa esperança. Meu pai ficava apenas com o dinheiro da passagem de volta ( o cassino era em Santos) mas como brilhava seu olho: hoje perdemos mas amanhã agente ganha. Recuso meus primeiros livros que considero prematuros, não serão reeditados. Começo a contagem dos títulos a partir do romance Ciranda de Pedra. 46 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ano de 1954. Um divisor de águas dos livros vivos e dos outros. Não espero ser compreendida, espero ser lida. Se possível, amada – confessei a um leitor que parecia preocupado, gostava dos meus livros, mas muita coisa não conseguia compreender. Não tem importância, respondi. Afinal, ninguém compreende ninguém, dificílimo conhecer pessoas, coisas. Quero que meu leitor seja parceiro cúmplice nessa ambigüidade de que é o ato criador. Ato que é desespero. Ousadia e insegurança. Ansiedade e celebração. A curiosidade em torno do livro que prefiro, dentre os que escrevi, do qual gosto mais? Do mais recente, respondo. Como acontece no amor, é o último que prevalece e agora estou falando nesse que foi publicado recentemente. A estrutura da bolha de sabão. Lamber a cria, a gente dizia no mundo dos cachorros e gatos. Esse é precisamente o título de um conto que escrevi por volta de 1973. Paulo Emílio e eu falávamos sobre discos voadores quando, no meio da conversa, ele disse que um amigo em Paris estudava a estrutura da bolha de sabão. Estranhei. Ele deu de ombros, não sabia dos pormenores, sabia apenas que esse físico estudava a estrutura da bolha de sabão. Não pensei mais no caso. Aparentemente. As bolhas que eu soprava com o fino canudo do mamoeiro, tanto cuidado. Tanta paciência porque se o sopro saísse muito forte, estourava a bolha no nascedouro e uma cascata espumosa escorria pelo meu queixo. O sopro muito fraco também não funcionava, as bolhas subiam tímidas, não chegavam à plenitude. A medida exata. Então lá iam elas coloridas e trêmulas com sua bela superfície transparente refletindo a romã madura, a nuvem...Ficávamos íntimas nos meus dias de gripe, prisioneiras no mesmo espaço do quarto. Aumentava o perigo, tantos objetos, móveis, eu subia na cama para protegê-la com meu sopro, olha o armário! Sua tonta, olha a janela! Não olhava. Tinha mil olhos e era cega. Ficava no vidro um leve círculo de espuma. Salvei tantas. E de repente tinha que destruí-las quando corria atrás da maior, daquela bola mais perfeita. Ficava olhando a espuma fria escorrer pelo meu dedo. Quando me sentei para escrever o conto, já intuía que a imagem da bola de sabão era a imagem do amor. E a estrutura? Isso vou descobrir (ou não) através desse amor. No caldeirão, a criação. O antigo caldeirão instalado no fogão de lenha. E Matilde soberana, preparando a sua sopa. Os morcegos dependurados no teto, ela também esfumaçada e escura na sua ronda sem pressa. Os ingredientes. Estendia o braço até o caldeirão fervente e deixava cair o punhado de cheiro-verde. Agora a vez daquelas ervas estranhíssimas, havia alguma hierarquia na entrada disso tudo? Mais uma aragem de sal. Nunca pude saber que grãos seriam aqueles que ela deixou cair do alto num gesto de quase desdém. Não tem receita, respondeu à minha mãe. Faço como me dá na telha. Na noite da tempestade, o fogo resistia, intratável. As goteiras. Mascava fumo e frase – mas o que ela dizia enquanto baixava a cara esbraseada para soprar o fogo? Ela é louca, pensei e fugi espavorida. A sopa sem receita e sem cálculo. Matilde e Macbeth sugerindo que a vida “é história narrada por um idiota, cheia de som e de fúria e que não quer dizer nada”. A criação literária. E o escritor que pode ser louco, mas não enlouquece o leitor, ao contrário, pode até desviá-lo da sua loucura. O escritor que pode ser corrompido, mas não corrompe. Que pode ser solitário e triste, mas ainda assim vai alimentar o sonho daquele que está na solidão. 47 Paradoxos na Profissão de Professor Nuno Rebelo dos Santos Professor na Universidade de Évora (Portugal) RESUMO: Partindo das polaridades que caracterizam as sociedades ocidentais atuais, o autor apresenta uma panorâmica geral sobre aspectos relevantes da educação em Portugal, e uma perspectiva das contradições com que o professor se depara no exercício da sua atividade profissional, face a esse contexto. Essas contradições tomam por vezes a forma de paradoxos entre diferentes pedidos incompatíveis que a sociedade faz ao sistema educativo e à ação profissional do professor. Os pontos sobre os quais as contradições são analisadas são o papel e função do professor, o conteúdo curricular, a articulação da função do professor com o contexto social, os resultados esperados da ação do professor, a formação do professor, as condições de trabalho do professor, o comprometimento do professor. O autor finaliza com reflexões sobre os efeitos dos paradoxos e diferentes caminhos para a sua solução construtiva. 48 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Educação e Cultura Danilo Santos de Miranda Sociólogo, Diretor do SESC no Estado de São Paulo e Presidente do Conselho diretor do Fórum Cultural Mundial em 2004. Boa tarde a todos. É com honra e alegria que participo deste Congresso e na qualidade de gestor de políticas culturais e socioeducativas procurarei contribuir nas reflexões sobre Cultura e Educação, a partir de definições, conceitos, história e experiências. Para essa exposição sobre a articulação da Educação e Cultura em ações públicas, mas não governamentais, como é o caso do SESC, pretendo abordar quatro aspectos que considero mais relevantes: • O SESC como agência educativa e o contexto histórico de sua criação; • O vínculo permanente da entidade com as transformações culturais do país; • Educação comunitária e educação permanente – por uma sociedade educativa inspirada pela Paidéia ateniense; • A atualidade da ação cultural como estratégia socioeducativa. O SESC como agência educativa e o contexto histórico de sua criação O SESC completa 60 anos de existência no próximo ano de 2006. Desde suas origens, atribuiu-se a missão de uma agência educacional não formal. Por meio do lazer socioeducativo como campo prioritário de ação, a entidade reafirmou com maior clareza o mundo dos direitos do trabalhador, ao priorizar o tempo livre como pleno de possibilidades para a formação e o desenvolvimento humano. O final dos anos 1940 no Brasil está marcado pela re-democratização e pelo pacto dos empresários com o Estado, em vista do bem-estar social dos trabalhadores tanto da indústria, quanto do comércio. Com o objetivo de atender às necessidades sociais mais urgentes para o desenvolvimento econômico, foi inicialmente criado um Fundo Social, que posteriormente tornou-se SESI, SESC e SENAI. Por meio desse Fundo atendia-se os empregados de todas as categorias, em assistência social, repartindo com os Institutos de Previdência da época, a responsabilidade pela melhoria física e cultural da população. (“ ... O objetivo do Fundo Social é promover a execução de medidas que, não só melhorem continuamente o nível de vida dos empregados, mas lhes facilitem os meios para seu aperfeiçoamento cultural e profissional...” – Trecho da Carta da Paz Social) Naquele momento, a assistência socioeducativa que passa a ser prestada pelas entidades “S” volta-se, primeiramente, aos cuidados nutricionais, à saúde da infância, à organização e às atividades domésticas femininas rentáveis, às atividades recreativas e esportivas. As unidades do SESC não tinham a atual concepção arquitetônica e atendiam uma população muito menor do que a atual, tanto no Brasil, quanto em São Paulo. Com esse breve panorama sobre a atuação original do SESC pretendo chamar a atenção para alguns dos aspectos mais específicos do surgimento do SESC e da conjuntura brasileira, 49 - primeiro – a parceria público-privado no atendimento social; - segundo - o modelo pioneiro de uma atenção educativa, não formal, e cultural para as massas; - terceiro – estabelecimento do lazer como tempo “oficial” de aprendizado e cultura. Naquele momento, a própria escolarização oficial experimentava as novidades de sua expansão com a reforma educacional Francisco Campos a partir de 1930. O esforço para uma política nacional de educação e a sistematização do ensino secundário e universitário são mudanças importantes no período. No entanto, a reforma deixou lacunas, no que se refere ao ensino médio profissionalizante, pois privilegiou as profissões liberais pela via da formação universitária. Esse espaço acabou ocupado, em parte, pelo SENAI e pelo SENAC, a partir da criação destas entidades e seus cursos técnico profissionalizantes. De modo geral, podemos dizer que as entidades “S” se ocuparam da formação dessa mão-de-obra jovem, do bem estar do trabalhador no lazer com atividades físicas e recreativas, e da educação nutricional para a saúde. Mesmo tendo contribuído para formar uma cultura do trabalho e de determinadas profissões, e também para estabelecer a cultura dos direitos do trabalhador em seu tempo livre, os “S” , no entanto, só podiam atender uma parcela restrita da grande massa de trabalhadores brasileiros. Se a reforma Francisco Campos afastou do sistema oficial de ensino a profissionalização de nível médio, ação que foi posteriormente assumida pelos empresários, o movimento da escola nova com seus ideais de ensino laico e democrático, contribuiu na transformação cultural própria ao pós-guerra, que forjava o Brasil urbano e em industrialização. O vínculo permanente da entidade com as transformações culturais do país Sem querer enaltecer o SESC, posso afirmar que a instituição sempre esteve afinada com as transformações sociais e culturais do país. Parte de sua cultura interna e funcional está diretamente voltada para as condições sociais e culturais de seu público. E isso não é talento, mas missão. Para isso, o SESC sempre contou com a contribuição de um corpo técnico voltado às ciências humanas, educação e serviço social, e ainda, com a colaboração/consultoria de intelectuais/especialistas como Joffre Dumazedier, Domenico De Masi, Edgar Morin, entre outros. Para relembrarmos algumas das metas requeridas pelo movimento da Escola Nova na indicação de Anísio Teixeira 1. democratização do ensino – de modo que todo cidadão possa viver a igualdade de oportunidades em relação aos demais 2. ensino obrigatório – como única forma de extirpar o analfabetismo e a ignorância que não podiam coexistir com a evolução industrial 3. ensino gratuito – conseqüentemente, pois, resultaria injusto obrigar sem oferecer os meios; afinal, a educação tinha de ser efetivamente vista como um direito; 4. técnicas didáticas modernas – interessadas em uma aprendizagem participada (não passiva) e em uma quebra do distanciamento autoritário entre o professor e o aluno; 5. ensino laico – pois que o saber não devia estar envolto em sectarismos, distanciando-se das disputas de credo; 6. ensino misto – desde cedo socializando sem estabelecer barreiras entre as realidades masculina e feminina, apresentando vantagens financeiras e maior adequação aos tempos atuais; 7. ensino de prática profissionalizante – na tentativa de se superar uma formação ornamental e romântica, criadora de desajustados sociais; 8. ensino comunitário – enfatizando o trabalho em grupo, socializado e solidário, visando ao partejar de uma consciência de cooperação social. 50 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Pelo papel que vem ocupando no contexto brasileiro, o SESC é chamado a participar de diversas iniciativas, tanto dos poderes públicos, quanto das entidades não governamentais. Essa sintonia com a realidade explica as transformações na atuação do SESC, que costumo resumir em 4 etapas: • Primeira – Assistencial (ações de atendimento nutricional, médico, odontológico, orientação puerinatal e ações de lazer/higiene mental para o trabalhador); • Segunda – Orientação Social e Comunitária (trabalho de ação em comunidades nas cidades do interior, sem unidades do SESC); • Terceira – etapa de expansão física das unidades e ênfase no lazer do trabalhador; • Quarta – Política de ação sociocultural /educativa , que se mantêm até a atualidade. Educação comunitária e educação permanente – por uma sociedade educativa inspirada pela Paidéia ateniense O SESC passa a desenvolver seu atendimento em educação comunitária, também inspirado pela efervescência social e cultural e pela renovação que marcam as propostas do início dos anos 1960. É também desse período uma das importantes experiências de educação popular, desencadeada pela Ação Católica, que foi o Movimento de Educação de Base. Transformador e original por ter instalado um ideal educativo voltado às bases sociais, tão relegadas pela nossa história. Nesse contexto também, a educação comunitária passa a ser empregada pelo SESC para alcançar grupos em cidades diversas, particularmente sem unidades. Implementar programas culturais, recreativos, de educação para saúde era a meta de nossos agentes denominados orientadores sociais. Essa foi uma etapa importante pois nos permitiu desenvolver uma ação socioeducativa própria e adquirir uma tecnologia social de acordo com nossas características e demandas locais. A maneira encontrada para articular educação e cultura foi estabelecermos os princípios do que seria o desenvolvimento das potencialidades de todo e cidadão em suas diversas idades. Dessa forma, fortalecemos no SESC a ética educativa, não formal e voltada à cidadania e democracia. Como uma agência educativa não formal, pudemos criar e re-criar estratégias, adotar conceitos, de modo a atender as transformações culturais e sociais, as quais me referi. Nosso objetivo nunca foi o de criar pessoas brilhantes, segundo um ideal estético elitista, para despontar no cenário cultural, mas, de provocar e estimular um processo de auto-formação permanente, segundo a idéia do “aprender a aprender”. Por esses objetivos que queríamos alcançar, a “educação permanente” foi tão bem assimilada pelo SESC. E, para os que não se recordam.... A “educação permanente” desponta no final dos anos 1960, por meio do filósofo e pedagogo suiço Pierre Furter e outros pesquisadores, como o Italiano Ettore Gelpi. No Brasil teve boa repercussão até que o período autoritário tivesse desestimulado e até suprimido ações e propostas alternativas de educação (Centros de cultura, propostas de Paulo Freire...) Inspirado pelo fato de que as pessoas precisam de formação contínua ao longo de suas vidas, o SESC apostou na adoção dessas bases para “legitimar” seus processos educativos, que para alguns pareciam sem sentido nem poder de transformação. 51 Em Atenas, a educação constituía o próprio objetivo da sociedade. Não era uma atividade isolada, realizada em locais específicos e durante uma época restrita da vida. O ateniense formava-se pela PAIDÉIA – o que podemos traduzir como o esforço educativo continuado, durante praticamente toda a vida. A possibilidade de uma sociedade educativa experimentada pelos gregos inspira, enquanto estratégia, a ação geral e convergente dos diversos agentes sociais que compõem a proposta da comunidade educativa. Agentes como a escola, os centros culturais e desportivos, os Institutos de atendimento e serviço público, entre outros, cabendo a cada um deles atenção educativa para com seus usuários e contribuintes segundo a ética da formação integral cidadã. A incorporação dos princípios da Educação Permanente pelo SESC conviveu e convive com os princípios da educação pelo lazer e de animação cultural. São referências que não se excluem, somam-se. Vejamos alguns: - Com o propósito da continuidade, a educação tende a fazer do indivíduo o senhor de seu próprio progresso cultural; - A perspectiva da educação permanente procura valorizar o assunto e o interesse por este, sem os critérios de seleção e as hierarquias que marcam outros grupos de formação; - Estimular nos indivíduos atitudes criadoras em determinadas situações, para que novos valores sejam suscitados; - Proporcionar a cada cidadão referências socioculturais que lhe aumentem a capacidade analítica de sua realidade. A atualidade da ação cultural como estratégia socioeducativa. Com outro alcance da ação comunitária ou popular, que vigorou até o início dos anos 1970 e que tinha a mobilização popular como princípio, a ação sociocultural em sua proposta de democratizar a cultura, privilegiou os centros culturais/desportivos como locais de ação socioeducativa. A proposta de ação sociocultural procura abranger o maior número possível de possibilidades, em sua perspectiva democrática de cultura. A começar pela arquitetura dos espaços. Oficinas, espetáculos, cursos, seminários, entre outros, são formatos muito empregados nessa intervenção localizada nos Centros, que transformam a qualidade de vida das pessoas. As vias para essa ação cultural são múltiplas: por meio de difusão, criação e animação, as práticas corporais se unem à cultura enquanto um conjunto de atividades ofertadas em nossas unidades. A ação sociocultural no Brasil, que pretenda ser abrangente, encontra facilidades pela enorme riqueza de elementos do movimento, dos ritmos musicais e expressões visuais, componentes de nossas manifestações culturais tradicionais e populares. O objetivo da ação cultural não é construir um tipo de sociedade, mas provocar as consciências para que criem suas próprias condições na prática social e cultural. 52 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O que é vital na intervenção educativa da ação cultural é o tipo de operação e de prática, que consiste em aproveitar, para o processo, tudo o que interessar. Seguindo alguns princípios, mas sem as justificativas que legitimam a educação formal. E é por isso que em nossas unidades podemos encontrar a convivência de tantas áreas: cultura, artes, esporte e atividade física, educação ambiental, debates sobre cultura e sociedade, etc... Nessa proposta incentivada pela criatividade e com um pensamento organizado pela possibilidade do vir-a-ser, a sensibilização estética, artística, intelectual e corporal são oferecidas enquanto condições cidadãs para o despertar da autonomia cultural. Nós sabemos que, a obrigação de todos nós profissionais que lidamos com questões públicas, é também buscar instrumentos mais adequados para o cumprimento de nossos objetivos. No caso da missão educativa do SESC é permitir que os cidadãos sejam capazes de ampliar sua compreensão sobre as coisas do mundo e da cultura, tornando-se agente e criador de novas possibilidades culturais, que o retirem de uma possível postura de consumidor passivo. Muito obrigado. 53 A Parceria entre a Instituição Cultural e a Escola Pública Rosa Iavelberg Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Diretora do do Centro Universitário Maria Antonia.Trabalhou por oito anos no Ministério da Educação, desenvolvendo os parâmetros curriculares nacionais de arte para o ensino público. Autora do livro Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Editora Artmed, 2003. Sejam todos bem vindos a este Congresso. Estou muito honrada em participar desta mesa, e quero agradecer ao convite da Secretaria Municipal de Educação, com a qual eu já venho trabalhando em muitas gestões, colaborando com o ensino da arte. Hoje, eu vou falar de um seguimento muito específico que é a parceria entre a instituição cultural, no caso o Centro Universitário Maria Antônia, mas que pode ser estendido para outras ações e instituições culturais, e a escola pública. Sou professora da Faculdade de Educação e promovo junto aos alunos de Pedagogia, por intermédio de projetos de arte contemporânea, este vínculo entre a formação inicia - o trabalho de formação continuada, que a gente realiza no Centro Universitário Maria Antônia, que é um programa de extensão - e a escola pública. O acesso à Arte Contemporânea na escola costuma ser restrito, e este é o problema. Tem um público muito pequeno de pessoas que conhecem, podem desfrutar, gostam e, inclusive, compreendem as poéticas da produção contemporânea, que, de alguma maneira, são instigantes e fortes mobilizadoras do ensino do jovem, pela aprendizagem da Arte. Por quê? Porque são poéticas que estão próximas. Os artistas contemporâneos falam de coisas próximas da vida e da vida contemporânea, da vida cotidiana que envolve rápido e facilmente o público jovem, o aluno do ensino médio, mesmo o aluno do ensino fundamental, porque ele se identifica com estes objetos de arte. Para o professor é importante promover projetos no recorte da arte contemporânea.Por quê? Em geral, nas escolas se ensina Pré-História, Idade Média, Renascimento, Barroco, Modernidade e, muitas vezes, os professores não incluem o segmento da Arte Contemporânea. Outra questão é que se dispõe de muito pouco material de apoio didático para o professor trabalhar. E o professor precisa deste tipo de apoio, de um ponto de partida, que vai favorecer com que ele possa desenvolver as atividades de uma maneira própria, com adequação. O que costuma acontecer quando temos os primeiros contatos com o mundo da Arte Contemporânea? Em geral, nós estranhamos os objetos que nos são apresentadas, e a primeira pergunta que vêm na cabeça do professor e do aluno é se aquilo que está se vendo pela frente é Arte. Em entrevistas, realizadas junto ao público em geral sobre Arte Contemporânea, é muito comum que as pessoas não saibam se ela está num lugar que está sendo reformado, por exemplo, ou se aquilo é uma obra de arte. Inclusive, a palavra “obra” deixou de fazer sentido. Porque as obras contemporâneas, digamos assim, não dão mais conta de serem definidas pelos conceitos das obras clássicas como: beleza, equilíbrio, proporção. Então, são outros conceitos que envolvem essas produções, surgindo novas categorias como, por exemplo, a categoria de objeto. Tomando um objeto feito pelo Rubem Valentim, um artista brasileiro, importante, significativo porque ele integra à poética a cultura dos Orixás. Toda essa simbologia dos Orixás está integrada na consolidação deste objeto. Por que objeto? Porque é uma caixa que, ou ele mandou construir, ou ele se apropriou. Hoje é possível que você se aproprie de um objeto para criar um trabalho de arte. Você não transforma, por exemplo, uma pedra em um corpo, uma pedra em uma perna, como se fazia nos moldes escultóricos renascentistas ou mesmo modernos. Mas você pode se apropriar de objetos e re-significá-los poeticamente, colocando-os em outros lugares, ou seja, em sítios expositivos especificos. Um fato bem conhecido é do começo do século XX, quando Marcel Duchamp inscreveu um mictório de porcelana comprado e assinado com um pseudônimo em uma exposição, afirmando-o assim como arte. Com essa atitude o artista desafiou o conceito de obra como coisa feita pelo artista. Abriu uma grande discussão sobre quem decide o que é e o que não é arte. E com isso instala-se uma nova modalidade de objeto artístico, o readymade, que desafia a cocepção de obra feita pelo artista, pode-se escolher e selecionar entre objetos prontos. 54 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O artista muitas vezes transgride, mas também se apóia na História da Arte, pensando dentro de um tempo, nele inaugurando novas formas. Para que a gente possa aprender das proposições poéticas da arte contemporânea, é interessante, e importante que se conheça a produção dos artistas, o pensamento dos historiadores, o pensamento dos filósofos e críticos que refletem de maneira organizada sobre essa produção para que na escola não se invente um currículo de arte que não tenha conexão com as práticas sociais. Uma outra modalidade de produção contemporânea é a instalação. Uma instalação pode ser uma obra pública. Existe uma obra, muito interessante, que está instalada na cidade de Chicago e foi feita por dois artistas, um homem e uma mulher. A instalação de Denise Milan e Ari Perez foi realizada com pedras encontradas na divisão do continente americano com o continente africano. Vejam que interessante. É uma proposta poética de integração dos povos através da forma circular, da forma de mandala, que é integradora, simbolizando a harmonia. A Arte sempre carrega essa natureza simbólica, seja contemporânea, moderna, ou antiga. O mais interessante dessa instalação, que é uma obra pública, é que nós, como apreciadores, podemos interferir no desenho dessa instalação, a partir do site dos artistas “America’s Courtyard” (Páteo das Américas), que é o nome da obra, e propor novos desenhos. Mas isso também é real, na medida que, efetivamente, esta obra pode ser montada de outras maneiras aqui, no mesmo lugar ou em outros lugares, porque ela foi projetada para ser móvel. E tem uma ‘mãe’ dessa obra, que foi feita 10 anos antes, na frente do Museu de Arte Moderna, no Ibirapuera, e vocês podem visitar. É uma mandalinha um pouco menor. Um fato importante na produção do Páteo da Américas é seu processo produtivo, no qual o operário que trabalha na pedreira, que implode a pedra, também faz parte, participa das decisões, tal abertura é própria da contemporaneidade. Quando Lygia Clark faz “O Bicho”, que são vários triângulos de metal articulados por dobradiças, o espectador participa da poética porque também constrói “O Bicho”, de alguma maneira. Isso não é possível, por exemplo, com a “Monalisa” de Da Vinci. Apesar de que já mexeram bastante com a imagem, com a Monalisa original não se é convidado a interagir físicamente. Para terminar nossa conversa eu gostaria de reiterar a necessidade de inclusão de arte contemporânea na educação das crianças, dos jovens e dos adultos e de visitação a espaços expositivos de arte contemporânea como meio de formação, incentivo a participação social e atualização dos estudantes junto às idéias e produções do próprio tempo. 55 A magia do cinema na educação Carla Camurati Cineasta. Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 56 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Educação Escolar: o que trouxemos do Século XX? Guiomar Namo de Mello formadora de formadores, dirige a EBRAP – Escola Brasileira de Professores – uma empresa dedicada às aprendizagens de quem ensina. Em seu livro Seis Propostas Para O Próximo Milênio, Ítalo Calvino afirmou que a caminho do milênio não deveríamos esperar encontrar lá, nada além daquilo que fôssemos capazes de levar. No nosso caso estamos às voltas, ainda, com heranças do século XVIII, porque na educação brasileira, os séculos não vão embora, estão todos superpostos. Em algumas coisas estamos no Século XXI, usando metodologias e tecnologias de ponta na educação, mas em outras temos resquícios quase medievais no sistema de ensino. Chegamos ao limiar do Século XX com 25% das crianças do nordeste rural ainda excluídas do ensino fundamental dito obrigatório; o mesmo ocorria com 20% das crianças negras. Essa exclusão era sócio-econômica, pois quando plotamos os dados por quintil de renda, em 1992 eram 23% das crianças que pertenciam ao quintil das famílias mais pobres que estavam fora da escola. O processo de incorporação dos excluídos do ensino fundamental caminhou muito lentamente. Pode-se situar seu início lá pelos anos 1970, mas só se acelerou na década de 1990. Vale a pena destacar: levamos 500 anos para universalizar um nível de ensino, que pelas Constituições, era obrigatório desde 1946! Hoje, de cada três brasileiros, um está na escola, e provavelmente carrega consigo a esperança dos outros dois. São 60 milhões de almas, quase uma França, uma Argentina e meia, mais de quatro Chiles, matriculados na escola. É muita gente. Só de professores de educação básica, sem contar os do ensino superior, o Brasil já tem mais de 2.300.000. O gráfico a seguir é auto explicativo. De 1992 a 1999 a inclusão em massa ocorrida no ensino fundamental foi daqueles antes excluídos, ou seja, os quintis mais baixos de renda. O final da década apresenta índices de matrícula de todos os quintis de renda muito próximos. ����������������������������������������������������������� �������� ��������� �� �� �� �� �� �������� �� �� �� �� �� �� ��������� �� ���� ���� A camada social à qual as crianças do quintil mais pobre pertencem, nunca antes tivera acesso à escola. Isso é menos visível em São Paulo, mas nos bolsões de pobreza existentes aqui, bem como nos grotões de pobreza no Norte, Nordeste ou Centro Oeste do país, essa inclusão em massa é bastante evidente. 57 O Gráfico 2 mostra que a mesma coisa aconteceu com as raças. A inclusão é totalmente estratificada por raça: o indígena, depois o negro, depois o pardo, depois o branco e depois os orientais. ����������������������������������������������������� �������� �� ������ �� �� �� �� �� ����� ����� �������� �� �� �� ���� ���� No ensino médio a tendência é a mesma: a expansão está ocorrendo no público e no noturno. Quem está chegando ao ensino médio hoje, pertence a uma classe social que antes mal chegava a concluir o ensino fundamental. Esse novo aluno do ensino médio noturno é um trabalhador que estuda ou um estudante que trabalha. Seu pai não foi médico, muito menos seu avô. Ele ganha a vida, não vive de mesada dos pais. É um jovem que tem as mesmas características da juventude em geral, mas que as vive de maneira muito distinta dos jovens de elite, porque são responsáveis por sua própria manutenção; tomam decisões sobre seu corpo e sua vida afetiva; sua interlocução com a família pode ser afetiva, mas é em geral mais preparado intelectualmente que seus pais; são autônomos para decidir uma relação de subordinação ou rebeldia com a ordem social e jurídica. Nada a ver com a juventude de elite que há menos de duas décadas tinha acesso quase exclusivo ao ensino médio público ou privado. E observe-se que o ensino médio privado estacionou, tendência que só vai se acentuar daqui em diante. Quanto melhor for resolvido o fluxo do ensino fundamental com programas de aceleração, progressão continuada ou outros, mais o ensino médio vai se expandir. ������������������������������������������������������������������� ���������������������������������� ������������������������������ ���� ���� ������� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ���� ������� �������������������� 58 ���� ��������������������� IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Há 15 anos, cada criança que terminava as oito séries do ensino fundamental havia permanecido na escola de 11 a 12 anos em média. Portanto, a maioria dos concluintes do fundamental já tinha anos de escola suficientes para ter concluído o ensino médio! Nada mais lógico portanto, que busquem ingressar no médio se conseguirem concluir o fundamental em menos anos. Isso sem falar naqueles que estão voltando para a escola porque haviam ido para o mercado de trabalho logo que terminaram o fundamental. Esse ensino médio é de má qualidade, noturno, não tem professor, nem livros acessíveis. Não tem materiais de apoio à docência. Mas tem aluno e isso é uma esperança. Calcula-se que por volta de 2011 o Brasil vai ter mais professores de ensino médio do que de ensino fundamental. Isso coloca desafios inéditos para a formação de professores que saibam ensinar para adolescentes e jovens. Também na educação de adultos os dados apontam 6 milhões de jovens que estão na escola, muitos deles voltando depois de interrupções prolongadas. A leitura mais imediata que se pode fazer desses dados é a de que a população escolar brasileira será cada vez mais heterogênea e que o “presente do futuro” nos apresenta esse enorme desafio de atender a diversidade com qualidade. Como será esse mundo no qual teremos de ter uma qualidade na diversidade da educação brasileira? 70% das carreiras que vão existir daqui a 30 anos ainda não existem Portanto, qualquer pretensão de preparar a criança ou jovem para um posto de trabalho, está prejudicada; podemos preparar para o mundo do trabalho no sentido amplo mas dificilmente poderemos preparar para um emprego. Aliás já vivemos nesse tempo. Imaginem como causaria estranheza a nossos avós ou bisavós saberem que seu neto ou bisneto seria um web designer” Para avaliar o ritmo frenético das mudanças tecnológicas vale lembrar que nossos avós ou bisavós, tão próximos em termos de tempo histórico, pertenceram à geração na qual muita gente nunca acreditou que o homem efetivamente chegou a Lua! Menos da metade das pessoas que estão ingressando agora no mercado de trabalho vão terminar suas carreiras na mesma área ou ocupação O mercado hoje tem um dinamismo que não permite mais carreiras como as de duas décadas atrás nas quais a pessoa ingressava e permanecia pelo resto de sua vida. O conhecimento acumulado, que hoje dobra a cada 05 anos, em 30 anos estará dobrando a cada 73 dias. Não dá para ter mais a ilusão de que a escola ensina tudo. Ou ela ensina a continuar aprendendo ou poderá ser fechada. Porque a caduquice do conhecimento escolar será cada vez maior. O paradigma dedutivo-indutivo das ciências clássicas será substituído pelo paradigma sistêmico como o da Ecologia, um conhecimento cada vez mais em formato de rede. Ninguém conhece um movimento dos físicos pela conservação dos metais, mas com certeza, conhece muitas ONGs ou movimentos ecologistas para conservação do meio ambiente. O que a Ecologia tem que as Ciências Clássicas não têm? É um outro paradigma. Ela é interdisciplinar, não é apenas uma área acadêmica confinada; é área de estudos acadêmicos e de militância; reúne num único enfoque aquilo que a Física, a Química, a Biologia todas juntas não têm, que é uma prática social. Processo similar já se insinua, por exemplo, na fronteira das pesquisas biológicas, onde questões de ética e filosofia se tornam cada vez mais presentes. Há menos de uma década a pesquisa sobre células-tronco era ainda incipiente e estudos sobre células em geral não eram de interesse público. Hoje isso é tema político a ponto de o governo norte-americano ter passado uma lei específica sobre a pesquisa com células-tronco. Não é pesquisa pura, mas, ainda não é uma área de militância política; mas, já há grupos que defendem e grupos que condenam a pesquisa com células-tronco. Como vamos preparar a cabeça das crianças para trabalhar com este paradigma novo? 59 O Nacional - Internacional cede lugar para o Local-Global. Hoje ninguém mais fala de imperialismo nem de multinacionais; nem mesmo de dominação de países. O que as pessoas falam hoje? Da globalização. Faz-se reuniões enormes, faz-se o Fórum oficial e o Fórum extra-oficial, para discutir a questão da globalização, sobretudo na Economia, mas também nas outras áreas. A Ecologia também é pioneira nessa questão. Foi na militância ecológica que surgiu a estratégia expressa na famosa frase “Pense globalmente e aja localmente”. A mão de obra vai migrar das grandes corporações para as micro empresas e destas para as empresas-pessoa. Este movimento já é muito claro e se iniciou com a terceirização de serviços como, por exemplo, os de pessoal ou de contabilidade. À alta direção corporativa cabe pensar e decidir estrategicamente sobre seus recursos humanos. A administração cotidiana do pessoal pode ser feita melhor por outra empresa especializada. A divisão das nações ricas e pobres será também e sobretudo uma divisão entre nações que “sabem” e nações que “não sabem” Porque não conseguiram promover uma revolução nos seus sistemas educativos para ter educação de massa, de qualidade na diversidade. E não vai adiantar ter meia dúzia de sumidades, iluminados que dão show de inteligência e cultura para o mundo. O mundo no qual Rui Barbosa fez isso não existe mais. Daqui em diante o grande patrimônio serão as competências, os valores, as disposições de conduta da grande massa. Hoje, na sociedade da informação e do espetáculo, ou a nação tem educação de qualidade para todos, ou, na prática, não tem educação nenhuma. Para ilustrar o que é esse “saber” comparem um trator com um chip de computador. O trator é basicamente matéria prima é pouco projeto. O chip de computador só tem projeto, cabe na palma da mão, não tem matéria-prima quase nenhuma, é pura massa cinzenta. Mas os tratores de hoje não andam sem ele. Diante desse mundo desafiador, a educação brasileira, cronologicamente instalada no Século XXI, ainda está com os mesmos problemas que assombraram a educação em vários países do mundo ao longo do Século XX. E ainda estamos tentando solucioná-los com as mesmas verdades consagradas, buscamos os mesmos consensos, geramos as mesmas controvérsias e disputas. Esse auditório parece ser jovem, mas quem sabe alguém aqui compartilha comigo de um sentimento de deja vu diante do cenário educacional de hoje. A impressão que a gente tem é que já viu tudo, nada mais é novidade. Escrevi sobre isso na Revista “Nova Escola” do mês passado. Tudo que nós estamos propondo para melhorar a Educação hoje, já existe há quase 80 anos e nós ainda não conseguimos implementar. Como sair dessa situação? Não tenho a resposta, mas vou levantar algumas perguntas. Pelo menos saio mais aliviada, por dividir minhas inquietações com um muita gente. Primeiramente é preciso questionar algumas verdades. Depois desconstruir alguns consensos e duvidar das controvérsias. Vou tentar falar um pouco sobre essas coisas, questionando, desconstruindo, duvidando. Comecemos com um problema que já virou mantra na sociedade brasileira: “A qualidade de ensino hoje é ruim, caiu muito”. Já se ouviu muito essa afirmação. A pergunta é: “Caiu de onde?” Em que altura estava para cair? Para quem a Educação é ruim hoje? Pra mim, para o intelectual, para o secretário, os coordenadores, a Universidade, ela pode ser ruim. Mas é ruim para quem está esperando o metrô? Para os que só agora estão chegando no ensino médio e no superior, a qualidade é boa. Vocês não imaginam a ânsia, o afã, que a gente vê nessa juventude, que trabalha de dia e vai estudar de noite. É uma grande vontade de saber. Lembro então da ironia de um jornalista quando entrevistava o Ministro Paulo Renato no Programa Roda Viva da TV Cultura. Ele perguntou e afirmou: “Quando o MEC vai fechar uma faculdade privada? Quando a gente vai poder festejar isso? Porque eu quero comemorar esse dia!” Lembro-me de ter pensado e dito: “Eu não. Vou ficar de luto toda vez que for fechada uma escola. Só vou fazer festa no dia em que a gente fechar uma cadeia ou uma unidade da FEBEM!”. É preciso descobrir por que essa gente acha a qualidade boa. 60 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O que significa entrar na UNICSUL, na São Camilo, na UNIBAN à noite para fazer um curso de enfermagem ou de magistério? O que significa para essa pessoa? Se não for possível trabalhar esses significados, a política educacional vai ao desencontro, não ao encontro das expectativas de nossa juventude. Nenhum país construiu educação de qualidade sem garantir acesso para todos. Enquanto política pública, a educação só tem qualidade se tiver qualidade para todos. Façamos um exercício elementar só para ilustrar esse conceito. Digamos que agora nessa avaliação universal que o Governo Federal vai fazer, apenas metade das crianças da cidade de São Paulo estivesse na escola. E que a nota obtida por essa metade fosse a nota máxima, 100, por exemplo. A verdadeira média de desempenho das crianças paulistanas seria 50, porque para cada uma que tirou 100 tem uma que não estava lá. E se todas estiverem e sua média for 70 ainda é melhor que uma média de 100 só para a metade. Não estou com isso defendendo que qualquer educação é boa, apenas colocando as coisas em perspectiva. Na verdade a escola brasileira nunca foi boa. Desde que temos estatísticas educacionais constatamos uma repetência de 40% a 50% na primeira série do ensino fundamental. Se hoje temos menos analfabetos, a verdade é que o nível de letramento da sociedade como um todo não é bom, porque não se lê e com isso não se constrói competência leitora. O problema é que hoje a má qualidade ficou muito visível. Não dá para esconder que o Rei está nu. A gente antes se iludia porque tinha meia dúzia de “iluminados’ que passavam no vestibular. Não existe mais essa homogeneidade de minorias. Para concluir quero ler uma frase de Álvaro Crispino, ex Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, que coloca muito bem a questão: “A massificação trouxe, para o bem do Universo escolar, o conjunto diferente de alunos, sendo certo que a escola atual, da maneira como ela está organizada e da maneira como os professores foram formados, só está preparada para lidar com alunos de formato padrão e perfil ideal. A massificação ampliou o número de alunos e trouxe um aluno de perfil diferente daquele com o qual a escola está preparada para lidar, isto acarretou uma desestabilização da ordem interna histórica. Está criado o campo de conflito”. Abençoado conflito, digo eu! A reclamação com a queda da qualidade em geral associa esse fato ao aumento quantitativo da população escolar. Mas será mesmo que o crescimento quantitativo é o responsável? Poucos se lembram que esse discurso sobre a má qualidade do ensino tem 50 anos. E há 50 anos o Brasil só tinha metade de suas crianças na escola, quase só ricos e classe média. E mesmo assim, com metade das crianças na escola, havia mais de 40% de repetência! Há estudos assustadores sobre esse fenômeno nas escolas particulares. O critério de avaliação muda e a repetência muda de modo a manter a porcentagem histórica. Um aluno, que pelo critério anterior seria aprovado, pelo novo critério é reprovado ou vice versa! Então não deve ser exatamente o fato de ter democratizado o acesso que supostamente fez cair a suposta qualidade. Deve ser alguma outra coisa, o buraco deve ser mais embaixo. Uma explicação plausível é a de que a cultura da escola brasileira rejeita a democratização. No discurso há unanimidade, mas no âmbito do valor, no âmbito simbólico, a democratização é mal vista. Nelson Rodrigues lembra que toda unanimidade é burra. Neste caso pode não ser burra mas é perigosa. Qual será a cultura dessa escola que impregnou a todos nós que passamos por ela? Vamos ver um pouquinho de história. Ajuda a entender o presente. O sistema educacional brasileiro começou por cima. Pombal mandou embora as únicas almas que ensinavam a ler e escrever, que eram os jesuítas, e isso foi pelo fim do Século XVIII. No começo do Século XIX, Dom João VI transfere a Corte. Ao chegar, funda a Casa da Moeda, abre os portos e manda vir uma missão francesa para criar a Imperial Academia de Belas Artes, nas quais aconteciam as “Aulas Régias”. O edifício está até hoje na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, tombado pelo patrimônio histórico. Quem quiser pode ir lá ver e fazer reverências. E não é só isso não, até hoje no Conselho Nacional de Educação quando se fala em Direito, Medicina e Engenharia, a corporação insiste em lembrar que não se pode mexer nesses cursos porque eles são imperiais! Deve ser por isso que a universidade pública não forma professores! 61 Há uma cultura elitista, que recebemos de berço. • É centrada no ensino, não na aprendizagem. • Inspirada na liberdade de ensinar, não pelo direito de aprender. Não só do aluno, mas do professor também. Que liberdade de ensino é essa em que as pessoas não aprendem? • Cultiva o currículo enciclopédico e sobrecarregado de disciplinas o qual, para caber no tempo da escola, é esquartejado em aulas que ficam cada vez mais curtas, com 50, 45 até 35 minutos de duração. • É verbalista, teórica, e de uma retórica pedante, onde aprender serve para subir na hierarquia escolar e social. Foi só depois do FUNDEF que acabaram as malditas classes de alfabetização do Nordeste, onde o menino ficava estacionado até ser alfabetizado, para depois entrar na primeira série. Porque criança pobre não pode entrar na escola para aprender. Tem que saber antes de entrar na escola. Essa era a filosofia embutida nas classes de alfabetização. Isso só acabou quando o prefeito e o governador descobriram que na pré-escola não tinha FUNDEF. Aí todo mundo entrou para a escola. A lástima é que, nos anos seguintes, 1998 e 1999, por exemplo, no Estado de Pernambuco, 47% das crianças da primeira série repetiram. O estacionamento de alunos nas classes de alfabetização se transferiu para dentro da escola de ensino fundamental. E se não forem adotadas políticas para impedir, vai acontecer a mesma coisa na primeira série do ensino fundamental de nove anos. Eu mesma, quando terminei a quarta série do ensino fundamental (chamada de primário), tive que fazer exame de admissão. Ouvi nessa ocasião uma pessoa dizer que era muito bom ter exame de admissão, porque continuar estudando não era para qualquer um! Isso faz apenas 50 anos! Depois de concluir as oito séries do ensino fundamental havia (e ainda há em muitos lugares), que fazer vestibulinho. Enfim, a escola continua preocupada em preparar para continuar na escola, não para a vida. • Uma cultura de avaliação que sempre privilegia o que já está aprendido. Como ela é seletiva, tem que ter um ponto de corte para fazer alguns entrarem e outros ficarem de fora. Num mundo em que o que eu vou aprender amanhã é mais importante do que o que aprendi ontem, nossa cultura avaliativa ainda olha apenas pelo espelho retrovisor. Algumas manifestações dessa cultura elitista são sugestivas. Já perceberam que nos jornais brasileiros, as notícias sobre ensino superior saem no primeiro caderno, junto com as notícias nacionais e internacionais, de economia e de política, e que, quando se trata de educação básica sai no caderno Metrópole, Cidades ou Cotidiano? Sabem que por essa decisão editorial, o mesmo repórter que cobre o carro que caiu num buraco da rua, o caminhão que perdeu o breque, ou o crime da noite anterior, também cobre Educação. Não é por acaso que as notícias aparecem só quando caiu o muro da escola ou houve um surto de sarampo... É mais fácil cobrir esses fatos do que a adoção de um método de alfabetização ou o mau uso de uma biblioteca. Enfim, a educação superior tem um lugar editorial nobre porque os jornalistas fizeram ensino superior e as pessoas que lêem jornal também. Com certeza ninguém que fez ensino superior vai concordar com isso, o que significa a mesma coisa: continuamos sendo um pequeno povo mui feliz. A primeira lei de fato nacional sobre o sistema de ensino no Brasil aconteceu na década de 1940, com as leis orgânicas, e depois em 1961 com a primeira Lei de Diretrizes e Bases. Durante 400 anos o Brasil funcionou sem ter uma Lei Nacional, porque nesse âmbito só se tratava de ensino superior. E até hoje as pessoas identificam a educação toda com o MEC e o Ministro, embora apenas as universidades e as Escolas Técnicas Federais sejam gerenciadas pelo MEC. Para a imprensa, os intelectuais, os homens de negócio, os formadores de opinião, a Educação é do MEC, embora a educação básica tenha sido criada e consolidada pelos Estados e, agora, pelos Municípios. Uma parcela pequena do ensino superior público se apropria de um montante proporcionalmente muito maior do que os quase 50 milhões de alunos que estão na educação básica. O custo aluno no ensino superior público é, por baixo, 10 mil reais por ano. O per capita nacional do FUNDEF não chega a 600 reais por ano. Ou seja, a elite continua se apropriando da fatia do leão. Isso não acontece por causa da maldade ou bondade de 62 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO ninguém. Não é uma história de bandido e mocinho. Acontece assim porque o processo histórico de formação do país levou a isso. Os mais pobres estudam na escola pública, mas vão para a universidade privada. Quer dizer, eles pagam para estudar no ensino superior. Uma das medidas mais importantes do atual governo é o ProUni – Programa Universidade para Todos. Existem várias coisas a aperfeiçoar no ProUni, começando com um condicionamento das bolsas à avaliação de resultados das instituições. Mas mesmo sem mudar nada o programa é bom porque é uma medida que vai ajudar quem quer estudar a pagar a faculdade. É muito mais barato do que ampliar vagas nas universidades públicas onde o custo aluno é muito maior do que o valor da bolsa do ProUni. O elitismo na educação brasileira se manifesta até sob o discurso vanguardista. Assim que as crianças pobres começaram a chegar na escola inventamos que a boa pedagogia era a “pedagogia da rua”! Analfabeto passa em vestibular e vira notícia, desqualificando a escola em que o analfabeto conseguiu entrar. É óbvio que não se trata de aceitar que o analfabeto passe no vestibular. Trata-se de entender como isso ocorre no nível simbólico. Em conversas com professores de escolas públicas de periferia, vários me disseram que há dois, três, até oito anos fazem seleção para o Mestrado na USP porque não têm dinheiro para pagar um curso particular. Nunca conseguiram ser selecionados, mas isso não é notícia. Finalmente a cultura escolar brasileira gosta muito de diluir a missão da escola, inventando sucedâneos para uma aprendizagem que não conseguimos fazer acontecer. O discurso passa pelo fato óbvio de que escola não é só ensinar conhecimentos. Faz uma parada para rotular objetivos de aprendizagem de tecnicismo neo-liberal. E termina dizendo que mais importante que educar é formar; mais importante que conhecimento é sentimento e afeto. Esse discurso não pode ser questionado porque é óbvio. Qualquer um sabe que na vida qualquer coisa que se faça sem afeto sai mal feita e oprime. Mas há uma pergunta a ser feita. Por que só agora, quando todos estão na escola, o afeto ganhou essa dimensão? Será que os pobres precisam mais ser amados do que respeitados por suas competências e conhecimentos? O discurso do amor e do assistencialismo encobre nossa incapacidade, talvez nossa angústia, de definir o que deve ser uma boa escola para todos agora que todos estão na escola. Porque agora o futuro chegou e todos os futuros estão na escola: o gari de limpeza urbana, o técnico de televisão, o comandante de aviação, a médica e o futuro presidente da República, o advogado criminalista, a especialista em estética, a empregada doméstica, a secretária executiva, a caixa de supermercado, o executivo de grandes corporações. Como é que se educa e ensina a todos? Existe uma maneira única de aprender? Os conteúdos curriculares seriam os mesmos? Separados por tipo de aluno, região ou zona? E a didática para ensinar a alunos tão diferentes? Sabemos como? Há pouca pesquisa nas universidades sobre essas questões. Os cursos de pós-graduação não se dedicam ao ensino de conteúdos específicos. Conheço poucas pós-graduações sobre ensino de alguma coisa. A maioria dos cursos se volta para as questões gerais dos fundamentos sociológicos ou psicológicos da educação. E como preparar os professores para enfrentar essas situações tão diversas? Também aqui a investigação é pobre. Precisamos urgentemente fazer uma agenda de trabalho para o Século XXI. Um plano estratégico para desconstruir/reconstruir a cultura escolar brasileira a fim de que ela tenha foco na aprendizagem, inspiração no direito de aprender, adoção de um currículo mais enxuto e por competências, práticas com projetos interdisciplinares onde os alunos apliquem e dêem sentido ao que estão aprendendo. Precisamos uma escola voltada para o que vai ser importante neste século: conhecimento aplicado, linguagens da contemporaneidade, aprendizado para a vida, não apenas para continuar na escola; avaliação sem espelho retrovisor, onde o ritmo e o valor que cada criança consiga alcançar ao longo do ano seja acolhido e valorizado para empurrá-la para a frente, não para fazê-la voltar para trás e recomeçar tudo novamente do ponto em que estava no início do ano. Precisamos de uma cultura escolar diversa e inclusiva e não homogênea e excludente. Mas não diversa por modismo de responsabilidade social empresarial. Diversa porque acolhe e não desiste de propiciar aprendizagem a nenhum aluno. O quadro normativo institucional está elaborado; a LDB é uma lei flexível com uma visão contemporânea de educação; o FUNDEF, se não resolve a escassez de recursos, permite uma distribuição muito mais eqüitativa. Em resumo, nos últimos 10, 15 anos, construímos um marco político e institucional que abre caminho para 63 o trabalho pedagógico de qualidade. Na área pedagógica também fizemos avanços com as diretrizes e parâmetros curriculares. É como se o sistema educacional brasileiro estivesse bem colocado no grid de largada de uma corrida pela qualidade. Antes não havia nem o carro. Agora estamos posicionados para a largada; esquentando os motores. Mas temos de começar a corrida. Nesse jogo não adianta as cartas estarem na mesa nem o carro na largada. É preciso jogar e jogar para ganhar. Para jogar temos de convocar o time, porque é aos sistemas e às escolas que caberá, em última instância tomar as decisões importantes para melhorar a qualidade: educação continuada dos professores, recursos didáticos tanto para os alunos aprenderem, como para os professores aprenderem a ensinar, mais tempo de permanência na escola tanto na duração maior do dia escolar como no máximo aproveitamento do ano letivo. Primeiras coisas primeiro, reconheçamos que Calvino tinha razão. Chegamos no século XXI e o que encontramos? A Era de Gutemberg, nos esperando para nos desafiar a preparar nossas crianças para superá-la! Já não basta disputar se os analfabetos têm mais de 50 anos ou não, nem qual a porcentagem deles. Isso valia para o início do século passado. Agora, para superar a Era de Gutemberg ler e escrever é pouco. As tarefas são muito mais complexas: todos têm que ter competência leitora e escritora – ou letramento no dizer dos especialistas – para desenvolver as capacidades cognitivas superiores requeridas pela sociedade da informação; domínio das linguagens para aprimorar a comunicação humana; discernimento ético e articulação verbal para o exercício da cidadania. 64 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O Tempo e o Espaço na Educação Infantil Telma Vitória Psicóloga, Mestra em Saúde Mental pela Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, trabalhou como consultora do Ministério da Educação, do Programa Auxiliar de Desenvolvimento Infantil Magistério (ADI município de São Paulo), da Secretaria Estadual de Educação do Paraná e do Centro de Cultura e Educação Infantil da CAASP/OAB, em programas de formação de professores. Foi coordenadora técnica administrativa do Centro de Cultura e Educação Infantil, vinculado à Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo – CAASP. Atualmente é Coordenadora Geral dos Centros de Educação Infantil da Associação Santo Agostinho. Boa tarde a todos. Eu me formei em Psicologia, mas durante a minha trajetória nesses últimos 20 anos, trabalhei basicamente na educação infantil, em especial nas creches. Há 10 anos, nós tivemos uma mudança de nomenclatura. Creche é uma instituição que atende crianças de até 3 anos e 11 meses, e pré-escola é a instituição que atende crianças a partir dos 4 anos. Chamamos de Centros de Educação Infantil, as instituições que atendem as crianças de 0 a 6 anos. Com 20 anos trabalhando nas creches, muitas vezes, eu me confundo e acabo falando creche quando estou falando de atendimento de criança de 0 a 6 anos. Tento me disciplinar com a nova nomenclatura. Antes de tudo, eu gostaria de agradecer muitíssimo à Secretaria Municipal pelo convite. E por poder compartilhar com vocês algumas reflexões sobre a organização do tempo e do espaço na educação infantil. São questões fundamentais, quando pensamos que, hoje em dia, estamos todos investindo no aprimoramento da qualidade da educação infantil. Quando me formei, no início da década de 80, as creches tinham uma conotação assistencialista. E nesses 20 anos, que é bem pouco tempo do ponto de vista histórico, nós temos sofrido muitas mudanças, no que diz respeito ao que é importante nesse trabalho da educação infantil. Se antigamente nós priorizávamos a demanda, o atendimento do maior número possível de crianças, hoje em dia tentamos construir coletivamente critérios mínimos de qualidade. Dentre eles está a questão do número de crianças que é possível atender em cada instituição. Quem trabalha no cotidiano sabe as dificuldades das famílias que chegam pedindo vaga para seus filhos serem atendidos, e o quanto isso pode comprometer a qualidade das crianças que já estão sendo atendidas. A organização do tempo e do espaço tem tudo a ver com isso. Porque para poder garantir algumas condições, que nós estamos tentando acertar como condições mínimas de direito da criança, temos um limite sobre o número de crianças que podemos atender. Essa é a primeira questão que temos que pensar muito seriamente, apesar de sofrermos muitas vezes com os pedidos de vaga que nos chegam diariamente na instituição. Com relação a esses pedidos de vaga, eu acho que outras ações precisam ser feitas. Mas antes, precisamos defender as condições que tão dificilmente vamos conseguindo criar, de qualidade de vida para as crianças que estão sendo atendidas, e melhorar com o tempo essas condições. Essa é uma primeira questão que eu acho importante, entre outras que sabemos que dizem respeito diretamente à qualidade de vida da criança dentro da instituição. Existem também as questões relacionadas à qualificação dos educadores, a forma de participação das famílias e outras. Hoje eu vim aqui para falar da questão da organização do tempo e do espaço. Primeiro é preciso deixar clara a diferença entre espaço e ambiente. É um pouco artificial isso, mas nos ajuda no dia-a-dia no trabalho. Quando você faz essa separação, pensa o espaço em sua parte física, como a forma de organização dos objetos, se tem parede, se não tem, o que é um espaço quando tem árvore, areia, sol, fileiras de cadeiras dispostas, mesas, chuveiros etc. Depois pensa o ambiente, considerando outros aspectos que também estão presentes nesse espaço físico, que são as pessoas que organizaram esses espaços, os tempos em que são ocupados, as finalidades com que são organizados, o clima emocional que gera, as características das pessoas que estão presentes nesse ambiente, as relações que se estabelecem entre essas pessoas. Então, quando falamos de ambiente, falamos de tudo isso, de espaço, de tempo, de relações, das finalidades, dos objetivos, das condições daquele momento de cada uma das pessoas. É muito importante, quando você entra numa sala, observar aquela sala enquanto espaço físico e 65 enquanto ambiente. O que acontece naquele ambiente? O que ele está retratando, enquanto vida das pessoas ali presentes? Isso nos ajuda a avaliar qual é a qualidade das relações que estão sendo estabelecidas naquele espaço / ambiente. A questão do tempo também está presente dentro desse olhar. Por exemplo, quando você pensa em um espaço organizado para atividades de higiene: a maneira como aquele espaço está organizado permite pensar quanto tempo é possível estar com um grupo de crianças ali. Ou quando você pensa em uma sala de refeições para as crianças pequenas: quanto tempo você programa, naquela jornada de atividades, para que as crianças permaneçam naquele espaço? Fazendo o quê? Então, espaço e tempo estão completamente misturados quando se fala de ambiente. Ambientes retratam as nossas representações, nossos valores, nossos objetivos. Os ambientes são, de certa maneira, retratos, fotografias, uma cara das pessoas que os organizaram, que os freqüentam, que os habitam. Isso não é só para a educação infantil. Você visita uma casa, uma igreja, aquele ambiente fala com você, ele já te informa algumas coisas sem você precisar fazer contato com outras pessoas. Só o retrato que ele apresenta já te dá algumas pistas sobre as representações, valores e conceitos das pessoas que compõem aquele ambiente. Por exemplo, há 20 anos freqüentávamos creches cujas salas, onde as crianças ficavam, eram salas grandes, ficava um número grande de crianças, e as salas eram completamente vazias de mobiliário e objetos. Depois de um tempo que muitos pesquisadores estudaram a respeito, nós percebemos que por trás da organização de uma sala para criança pequena estava uma representação de que a criança não tinha condições de ter objetos. Acreditava-se que ela precisava de espaço livre para correr e se movimentar. Nesses 20 anos, uma mudança vem ocorrendo nessa nossa concepção: esse espaço completamente aberto para crianças pequenas propicia mais conflitos entre elas. E se você compõe o espaço em zonas delimitadas, se coloca objetos ao acesso das crianças, isso estrutura e ajuda a organizar as interações das crianças. Faz 20 anos que essa mudança aconteceu, é pouco tempo. E hoje em dia, ainda encontramos muitas instituições de educação infantil organizadas com salas completamente abertas. Além disso, nós fomos descobrindo que as crianças pequenas têm competências, que elas têm mais capacidades do que pensávamos. A criança não é um ser destruidor, a priori. À medida que você trabalha com grupos de crianças e organiza espaços com carinho, com cuidado, criando ambientes de interação, elas são capazes de interagir entre si sem brigar, de ficar longos períodos brincando numa mesma temática com determinados objetos. Para isso acontecer, vai depender do nosso olhar de educadores para este ambiente, e para aprendermos cada vez mais sobre as capacidades que essas crianças têm para se apropriar desses ambientes que nós organizamos. Porque elas também transformam os ambientes. É o adulto que determina inicialmente, mas depois começa a ter a carinha das crianças nesse ambiente. Elas vão se apropriando e vão se organizando conforme seus interesses. Uma vez eu fui visitar uma creche que tinha uma sala basicamente composta por mesinhas. Eram crianças em torno de 4 anos e as mesinhas estavam vazias. Em um canto da sala tinha a mesa da professora, que ficava próxima da janela. Essa janela tinha cortina e perto dela tinha uma lousa, uma mesinha com alguns enfeites e um armário. Era o pedaço mais atrativo da sala. Quando eu cheguei, a professora me disse: “Eu não sei mais o que eu faço com essas crianças, porque eu as mando se sentarem nas suas mesas e elas vêm o tempo inteiro querer se sentar na minha mesa”. Os ambientes atraem conforme a maneira como são organizados. Eles sugerem que coisas nós podemos fazer, orientam a nossa ação. Logicamente, nesta sala, as crianças eram atraídas pela parte melhor organizada e mais acolhedora da sala, que era o espaço da professora. Por isso venho trazer uma proposta para vocês, de pensar essa organização do tempo e do espaço das crianças, dentro das instituições infantis com vistas aos seus objetivos educacionais. Como promover um ambiente que organiza as ações da criança, para que ela mostre suas competências, suas capacidades? Como ele precisa ser para permitir as interações das crianças entre si? E como fazer para que esse ambiente tenha um clima de prazer entre as pessoas, não só entre as crianças, mas para os adultos que estão presentes ali? 66 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Quanto à rotina, a organização do tempo, ela não precisa ser aquela coisa de “todo dia ela faz tudo sempre igual”. Alguns marcos da organização do tempo são importantes para as crianças, mas as novidades também marcam situações que enriquecem as experiências de todo mundo. Ninguém consegue viver só na monotonia e ninguém consegue viver só em grandes desafios. Essas coisas têm que ser temperadas no dia-a-dia das crianças. Pensando essa organização do tempo das crianças, dentro da instituição de educação infantil, precisamos prestar muita atenção na institucionalização, nas práticas que muitas vezes repetimos sem ter mais o entendimento do que elas significam ou representam. Repetimos muitas práticas sem pensar nelas. Quando pensamos em ambiente para promover o desenvolvimento das crianças, pensamos em ambientes que favoreçam experiências significativas para as crianças e não essa repetição institucionalizada de práticas. Eu vou apresentar alguns exemplos através de fotos, e aproveitar para trazer algumas idéias que eu tive o privilégio e a oportunidade de desenvolver junto com outras pessoas nessa minha trajetória. Especialmente, quando nós montamos o Centro de Educação Infantil da CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo), aqui no Centro da cidade. Foi uma proposta inovadora que me seduziu e eu acabei vindo para São Paulo para desenvolver esse projeto, principalmente, pelo desafio que ele representava. É uma instituição de educação infantil que está instalada no alto de um prédio. Ela ocupa o 12o e 13o andares, e o 14o é cobertura desse prédio, onde fica a área livre das crianças. O prédio se localiza a poucos metros da Praça da Sé. Então, pensar essa questão de tempo e espaço para crianças nesse local foi um grande desafio. E acho que conseguimos desconstruir e reconstruir alguns conceitos muito interessantes, para poder perceber as capacidades das crianças de apropriação dos espaços e dos tempos. Para isso, estudamos e procuramos nos fundamentar teoricamente em Wallon, que desenvolve um conceito muito útil na educação infantil: o conceito de meio. Wallon diz que é na interação com o meio que se dá o desenvolvimento da criança. O meio que, em grande parte, está construindo a identidade da criança e a partir dele ela está construindo seus conhecimentos. Ao mesmo tempo, a criança também está intervindo nesse meio, que é biológico, social e psicológico. Também procuramos estudar bastante o conceito de zona e desenvolvimento proximal, do Vygotsky. Zona nos remete a uma imagem de espaço também, só que é um espaço meio abstrato, definido não por fronteiras, mas por significados. Aqui eu gostaria de fazer uma provocação para vocês. Quem trabalha com grupos de crianças, quando olha uma cena acontecendo, seja qual for ela, como identifica uma zona de desenvolvimento proximal ali? Ou como nós, educadores, podemos gerar zonas de desenvolvimento proximal para as crianças com as quais trabalhamos? A entrada do Centro de Cultura e Educação Infantil da CAASP é uma escada. O pessoal sobe de elevador até o 10o andar, depois precisa subir mais dois lances de escada. Por isso, resolvemos transformar essa escada num ambiente de acolhimento para quem chegasse. A participação das crianças na construção desse ambiente, ter as marcas das crianças nas paredes, foi uma experiência que enriqueceu profundamente as relações que passaram a ocorrer entre as pessoas que passavam por essas escadas. Todo mundo tem medo que crianças pequenas sofram acidentes ao andar por escadas. O que nós fizemos? Criamos, na organização do tempo e dos espaços, uma forma para que as crianças desenvolvessem mais rapidamente a habilidade de utilizar as escadas. Nesse projeto chamamos a participação dos pais, para estarem junto com as crianças. Uma dica para gerar versatilidade nos espaços: o uso de toldos cria ambientes diferentes conforme a proposta que você vai desenvolver. Nós vimos também que quanto mais versátil, quanto mais você pode mudar a cara de um mesmo espaço, de uma mesma sala, e transformá-la em diferentes ambientes, mais ele enriquece as experiências das crianças. Outra dica é, na medida do possível, instalar rodinhas em móveis e brinquedos grandes para poder mudá-los de lugar. 67 Nesse Centro, o espaço de refeição era o mesmo onde ficava o computador. Algumas coisas não são possíveis de serem implementadas sem um investimento financeiro grande. Por exemplo, dar para as crianças o acesso ao computador, porque o computador também é um ambiente. Mas essas alternativas só funcionavam com outro grande investimento na formação continuada dos educadores, para desenvolverem condutas adequadas na orientação das crianças. No projeto de retirada de fraldas das crianças criávamos a possibilidade das crianças experimentarem diferentes texturas. Por que criança tem que estar sempre limpinha? O que para o adulto pode representar, meleca, sujeira, para a criança pode representar uma experiência muito rica. E enriquece todo o seu desenvolvimento sensorial. Essa experiência física que a criança pode ter no contato com diferentes objetos, texturas, cores, formas de organização do espaço permite a ela desenvolver a fantasia, que nós sabemos que a criança precisa. Permite a ela desenvolver a imaginação, conforme nos ensina Vygotsky, e, ao mesmo tempo, conhecer as formas de organização da nossa sociedade. Os projetos que eram desenvolvidos vinham de temas que nós identificávamos como temas de interesse das crianças, e nessas faixas etárias nós procurávamos mostrar as formas de organização da nossa sociedade. Por exemplo, nós levamos as crianças para andar no Centro de São Paulo e fomos até a Praça da Sé. Coisa que para nós, durante uns dois, três anos, parecia ser uma grande loucura, pensando na questão da segurança das crianças. Mas como trabalhávamos com elas essa questão de intervir no espaço. Precisávamos mostrar a elas que espaço era esse ao nosso redor. Por isso, aos poucos fomos procurando ampliar esse espaço. Na cobertura do prédio elas tinham uma vista privilegiada do Centro da cidade, mas achávamos importante que elas tivessem um contato mais próximo com ele. Portanto, entendíamos que o espaço da criança não era somente a sua sala dentro da instituição, mas também aquele prédio onde ela estava, aquela cidade e as coisas que circulavam ao seu redor. Bom, gente, muito obrigada. Teria o maior prazer de continuar, mas também vou ter o maior prazer de ouvir minhas colegas. 68 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Brincar como Conteúdo de Ensino Gisela Wajskop Socióloga pela USP, Mestre pela PUC e Doutora em Metodologia e Educação Comparada pela USP, em parceria com o Departamento de Pesquisas sobre Material Pedagógico da Universidade de Paris XIII - Villetaneuse. É diretora do Instituto de Ensino Superior de São Paulo/Singularidades. Publicou, entre outros, os livros “Acertando o Passo”, pela Editora Callis, e “Brincar na Pré-Escola”, pela Editora Cortez. Este artigo foi escrito por ocasião do IV Congresso Municipal de Educação, promovido pela Secretaria Municipal de Educação, que coincide com o aniversário de 70 anos das escolas municipais de educação infantil e, por isso, merece uma deferência especial. Há 70 anos, nossos primeiros parques infantis foram criados por Paulo Duarte nas grandes praças paulistanas, no auge do Movimento Modernista. Nesse período, inspirados e influenciados pelas pesquisas de Mario de Andrade, os Parques Infantis buscaram propiciar para crianças e jovens espaços públicos nos quais se pudesse ora brincar livremente ora cantar e dançar folguedos e brinquedos de nosso acervo popular. Hoje, a cidade mudou! Está ocupada por carros que expulsam suas crianças da rua; a cidade expulsa suas crianças dos espaços públicos que, por sua vez, estão cercados, impedindo-as da convivência lúdica espontânea que, talvez para muitos de nós, povoa nossa memória da infância. Na medida em que não estamos vivendo mais no período em que ocorreu o Movimento Modernista e que São Paulo não é mais nossa, no sentido simbólico, nossas crianças, também, não povoam mais as ruas com seus brinquedos e trocinhas1 espontâneas. As crianças estão, todas, quando há vagas, nas Escolas Municipais ou nos Centros de Educação Infantis. Ou seja, são esses os espaços onde elas podem conviver com seus pares, com seus semelhantes, com as pessoas mais velhas, com os objetos socioculturais que lhe são produzidos e ofertados para que sejam inseridas na sociedade atual. Nesse sentido, é no lugar de quem tem compartilhado a construção de infâncias urbanas paulistanas que a autora desse texto busca contribuir com a educação das crianças institucionalizadas em alunos. Assim, trata de uma brincadeira que não é mais a brincadeira do “café com leite”, ou seja, do tempo que era dado ao menino que levava a sacola do irmão mais velho para poder aprender as regras e ter a chance de brincar na rua, nos parques, nas praças públicas. Trata-se, portanto de refletir sobre o brincar como conteúdo de ensino, ou seja, um comprometimento, um compromisso do professor em criar condições socioculturais prazerosas de inserção das novas gerações na cultura adulta universal sistematizada. Esse trabalho parte de quatro pressupostos: O primeiro deles é que há uma relação interdependente entre ensino e aprendizagem, nenhum vem antes ou depois do outro, mas ambos estão absolutamente enredados e interdependentes. O segundo pressuposto, talvez, seja um pouco piegas, mas eu acho que vale a pena recuperar, é que a escola é o lugar, por excelência, da transmissão sistematizada da cultura universal humana para as novas gerações. Ou seja, é o lugar do ensino. Nesse sentido, vou tratar da brincadeira, não como alguma coisa que acontece naturalmente por obra do Divino, mas que é uma atividade simultaneamente de ensino e de aprendizagem. Nessa perspectiva, a brincadeira é uma linguagem que tem de ser ensinada, especialmente, porque as crianças não estão mais na rua, e nós não estamos mais no início do século XX. O terceiro pressuposto afirma que a brincadeira é definida histórica e socialmente como um ofício da infância. Então, evidentemente, pode-se imaginar a quantidade de outros conceitos que há por trás dessa afirmação. Apenas para iniciar, pode-se afirmar que a brincadeira, para mim, está associada à idéia de que a criança nasce, socialmente, pela possibilidade que a sociedade ocidental Moderna lhe oferta de viver a infância. 1 - Trocinha é o nome dado aos grupos de brinquedos infantis que se organizavam nas ruas do Bom Retiro no início do século XX e que foram bem retratados e analisados, em livro, por Florestan Fernandes (vide bibliografia) 69 É na invenção de um espaço do não-trabalho, associado ao brincar que a infância moderna nasce, propiciando às crianças tempo e espaço social para experimentar, arriscar, errar, imaginar, rasgar, quebrar, lambuzar, enfim, viver sem restrições situacionais imediatas e literais. O quarto pressuposto, talvez, seja um pouco provocativo: arrisco afirmar que apesar disso tudo há muito não se brinca nas escolas de educação infantil em nosso país. Pelas mais diferentes razões: Uma delas, cuja força discursiva é muito reiterada por professores e diretores, está baseada na crença de que o brincar é um comportamento inato, transmitido geneticamente de geração em geração. Por causa dessa crença, nós, professores não fazemos nada para que as crianças brinquem, ou porque achamos o brincar um estorvo, e temos coisas mais importantes para fazer, ou porque não sabemos o que fazer com as brincadeiras, com as temáticas, com as invenções, com as idéias, com as lambuzações das crianças. No geral, as proibimos de brincar. Esses são, portanto, os quatro pressupostos que me fizeram pensar em refletir sobre a idéia do brincar como conteúdo de ensino. Nessa perspectiva, a brincadeira deve ser planejada pois é permeada de objetivos socioculturais que definem expectativas de aprendizagem e conteúdos particulares que devem ser trabalhados em sala. Retomando o pressuposto que admite a brincadeira como ofício da infância, ela se constitui, também, como a primeira forma de ensino infantil não-formal, tanto do ponto de vista histórico como na ontogenia individual. Quer dizer, do ponto de vista histórico, foi por meio das brincadeiras tradicionais tais como “Senhora Dona Sancha”, “Mãe da Rua”, “Polenta”, Mamãe, filhinha”, “Jogo da Amarelinha”, brincadeiras, enfim, que a memória nos aguça, que as crianças foram sendo inseridas na cultura geral humana por meio do exercício do faz de conta e da compreensão dos valores e atitudes impregnados em cada brincadeira. Por outro lado, cada criança no seu próprio desenvolvimento é introduzida na cultura geral humana pela sua mãe, ou por relações precoces com a figura de maternagem, pela educadora da creche, pela pessoa que cuida no berçário, pela babá, etc. que ensinam às crianças uma linguagem da substituição a gestos, que quem olha, e não está naquela relação, não compreende. Proponho que se pense na idéia que se tem dessa atividade: Não será esta mais uma forma de interpretar e sentir determinados comportamentos humanos, do que eles próprios? Mais do que um comportamento a ser observado, o brincar requer uma forma de pensamento para poder existir. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar através de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras podem desenvolver-se algumas capacidades importantes tais como: a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas competências para a vida coletiva, através da interação e da utilização e experiência de regras e papéis sociais. É sabido, enfim, que ao brincar as crianças exploram, perguntam e refletem sobre as formas culturais nas quais vivem e sobre a realidade circundante, desenvolvendo-se psicológica e socialmente. Apesar de ser identificado, normalmente, com alguns comportamentos, o brincar é uma forma de linguagem. A maior parte das características desta linguagem pode ser constatada nos primeiros contatos das crianças com seus pais ou com aqueles que cuidam delas. As mães ou as pessoas responsáveis pelos cuidados dos bebês ajudam-nos a brincar, desde muito pequeninos, quando interagem com eles. Através de uma atitude e uma linguagem segura, esses adultos estabelecem com os bebês laços de confiança que possibilitam o início do brincar. Este é considerado como uma linguagem pois permite que as crianças se comuniquem com as outras pessoas e iniciem a compreensão, desde muito cedo, de que podem suportar e representar a ausência temporária das pessoas que amam substituindo-as pelas primeiras brincadeiras de esconder e achar. Quando adultos ou crianças mais velhas brincam com bebês de esconder ou achar a si mesmas atrás de panos ou cobertas; fazem aparecer e desaparecer objetos; lançam e resgatam um objeto determinado estão promovendo condições para os bebês brincarem. Isto os auxilia, pouco a pouco, a elaborarem a construção mental da imagem de um objeto ou pessoa ausente. O mundo interno da criança pode, assim, através do brincar, ser expresso e comunicado para as outras pessoas. Estes procedimentos mentais, internos, são a base da construção de sistemas de representação pelas crianças. 70 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO As interações no brincar permitem, também, através da oferta de objetos e brinquedos que os adultos fazem às crianças, que elas entrem em contato, precocemente, com as propriedades e os usos sociais dos objetos, aproximando-se das múltiplas formas de ser e pensar da sociedade. Nessa perspectiva, a criança aprende a brincar, como aprende a se comunicar e a expressar seus desejos e vontades. Nas creches, nas pré-escolas e instituições afins, os adultos e as crianças mais velhas tem, assim, um papel importante nesta aprendizagem quando se dispõem a brincar com os bebês e as outras crianças. Se concordarmos que as crianças aprendem a imaginar, aprendem a se comunicar, aprendem a interagir e, por último, elas aprendem aquilo que é particular da sociedade e da cultura na qual elas vivem quando são pequenas, as instituições de educação infantil têm uma função particular no ensino dessas competências. Porém, são competências a serem aprendidas pelas crianças, cujo ensino está associado à possibilidade do estabelecimento de uma relação verdadeira de vínculo com o adulto envolvido. Nessa medida, ensinar a brincar está imbricado na maneira como se aprende a brincar e, portanto, o adulto envolvido na relação, ou seja professor(a) ou educador(a) de creche não apenas organizam espaço e material mas precisam disponibilizar-se, internamente, a brincar. A natureza lingüística e sociocultural da brincadeira, portanto, é uma das razões para que se pense essa atividade como conteúdo de ensino. Então, se a gente concorda com essa idéia, a brincadeira também terá objetivos de aprendizagem. Se considerarmos que o brincar tem todas as características enumeradas acima, definidoras de conteúdos de ensino, é preciso definir objetivos de aprendizagem para as crianças para que elas se apropriem desses conteúdos. Isso é uma inversão importante, porque não se está falando de objetivo do ensino, no que se refere à ação do professor, mas se está afirmando um objetivo de ensino referido à possibilidade de aprendizagem das crianças – trata-se aqui de uma possibilidade, porque nós não temos, nunca, garantia nenhuma daquilo que as crianças irão aprender. Nessa perspectiva, se criarmos espaços de faz de conta, deixarmos virar a cadeira de ponta cabeça, se estendermos um pano e transformarmos a sala em um circo, se criar mos uma situação para o faz de conta, o que se espera que as crianças aprendam?. No meu entender pode-se arriscar alguns objetivos associados à brincadeira, agrupados por faixa etária, como detalhado a seguir: Objetivos a serem atingidos com crianças de zero a três anos, a partir do trabalho com a brincadeira livre de faz-de-conta: Os bebês e as crianças pequenas deverão ser capazes de: • manipular objetos e brinquedos, descobrindo suas características e propriedades principais - sons, cores, texturas, cheiros, formas - e suas possibilidades associativas: empilhar, rolar, transvasar, encaixar, etc. com atenção; • agir sobre objetos, imitando ações que representam diferentes pessoas, personagens ou animais. Por exemplo: embalar uma boneca; engatinhar como gatos, cachorros, bezerrinhos, etc.; cavalgar; consertar um trem; empurrar uma carroça; etc.; • interagir com uma ou mais crianças compartilhando um mesmo objeto, tal como entrar em uma caixa e ser empurrado; jogar bola; vestir uma boneca; etc.; • brincar com ações simples, aceitando as regras inerentes ao papel que desempenham tais como pentear-se; vestir bonecos e dar-lhes de comer; fantasiar-se junto com uma ou mais crianças, conversando sobre os diferentes significados que atribuem aos objetos; • aceitar ajuda mútua e compartilhar objetos com mais crianças. 71 Objetivos a serem atingidos com crianças de três s seis anos, a partir do trabalho com a brincadeira livre de faz-de-conta: As crianças deverão ser capazes de: • agrupar-se em pequenas equipes criando um enredo ou tema, brincando, comunicando-se e atribuindo significados diversos a ações e objetos; • interagir através da utilização de uma linguagem simbólica explicitada pelo uso verbal diferenciado ou de sinais e gestos corporais próprios ao brincar; • interagir com base na ajuda mútua, atento às ações dos colegas e respeitando as diferentes idéias criadas durante a brincadeira; • imitar e representar as interações presentes na sociedade na qual vivem, escolhendo papéis que lhe sejam mais interessantes; • brincar de forma alternada com papéis que representem o bem e o mal, a força e a fraqueza, a coragem e a covardia, o homem e a mulher, a criança e o adulto, a bela e a fera, etc.; • aceitar a liderança e ser líder quando necessário; • explicitar sentimentos, alternando a representação de papéis e manipulando os pares de ausente/presente, bom/mau, feio/bonito, grande/pequeno, forte/fraco/, etc.; • questionar e refletir sobre assuntos trabalhados em outras áreas, acionando a memória voluntária para estabilizar seus conhecimentos prévios; • respeitar regras, mudando-as e negociando-as de comum acordo com os colegas; • resolver os conflitos surgidos através do diálogo com os colegas ou pedir ajuda para o educador de forma a manter a continuidade da brincadeira. A partir das expectativas de aprendizagem listadas acima, é preciso, portanto, planejar espaços, oferecer matériais, dispor de um tempo na rotina, para que as crianças brinquem livremente de maneira que possam desenvolver conteúdos, que como já foi discutido são basicamente atitudinais e do tipo procedimental, são muito pouco conceitual. Isso ocorre por que, no meu entender, os conceitos tem uma outra forma, uma outra didática própria de serem apropriados pelas crianças. Com isso quero dizer o seguinte: quando as crianças brincam, por exemplo, com Loto de Letra, Bingo de Palavras, elas não aprendem as letras naquele bingo, elas não aprendem as palavras naquele bingo. Elas usam conhecimentos prévios que elas têm, elas se aproximam dos conhecimentos para jogar. E se o Bingo de Palavras tiver, por desafio, completar primeiro a cartela, o bingo será um sucesso. Porém, se bingo for usado para aprender a escrever, é possível que, depois de 5 minutos a turma já virou uma bagunça, ninguém está mais interessado no jogo.Nessa perspectiva, é importante considerar que, apesar de sistematizarem conhecimentos a respeito da língua escrita quando jogam um Bingo, essa brincadeira tem apenas um sentido intrínseco para as crianças, ou seja, elas brincam por brincar. Evidentemente, aprendem a ler e escrever, mas apenas quando já possuam conhecimentos prévios sobre a língua escrita. Eu dou outro exemplo a respeito do jogo de estratégia denominado War. Ninguém aprende a capital dos países quando joga War. O que acontece é que os jogadores usam alguns conhecimentos que têm da Geografia, para se transformaram em bons jogadores de War. Então, as pessoas que estão implicadas, quando jogam War, perdem nas primeiras 10 partidas, porque elas ficam no lugar do aprendiz. Depois de um tempo é que entram no jogo, a partir da seguinte lógica: “Já domino aquele mapa. Já sei quem está do lado de quem. Já sei o que é fácil fazer”. O que eu estou tentando mostrar com esse outro exemplo é que, muitas vezes, a gente faz uma certa confusão ao usar um jogo em sala de aula. Ou seja, quando as crianças brincam, elas apenas estão brincando. E brincar mesmo dá um pouco de medo nos 72 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO professores, porque nem sempre a gente tem controle sobre os temas com os quais as crianças conhecem e com os quais elas vão brincar. E nem sempre são coisas que nós gostaríamos que elas tivessem tido conhecimento, mas elas conhecem. Nesses casos, paciência, não tem jeito! A intervenção pedagógica terá de ser em um outro lugar, na roda de conversa, na ampliação cultural por meio da leitura, na audiência de um filme, na colocação de alguns limites. Elas vão brincar daquilo que elas conhecem, ou elas vão brincar daquilo que elas gostariam de conhecer, levantando hipóteses. Para terminar e, incitando professores e diretores a refletirem sobre os espaços que têm propiciado em suas escolas para a brincadeira livre e espontânea de seus alunos, sugiro alguns conteúdos que poderão ser trabalhados em sala, no pátio e nos diferentes espaços escolares. São eles: Para crianças de zero a três anos • utilização do espelho para imitação de gestos ou movimentos; • combinação de objetos que se associem em relações funcionais, em situações que permitem, por exemplo, juntar a xícara de café, o pires e a colher; • criação de situações ou objetos ausentes mas apropriados para suas brincadeiras, quando por exemplo, mexe uma xícara de café imaginário com uma colher; • elaboração de seqüências de ação para formar um todo mais coerente, associando, por exemplo, carregar a boneca, levá-la para passear e dar-lhe de mamar, imitando ações de maternagem e de situações domésticas; • imitação de ações que representam diferentes pessoas, personagens ou animais em situações ou cantos arrumados tais como casinha, trem, posto de gasolina, fazenda, etc. que propiciem a interação com uma ou mais crianças compartilhando um mesmo objeto, tal como empurrar o berço como se fosse um meio de transporte, levar bonecas para passear ou dar de mamar, cuidar de cachorrinhos, etc. Para crianças de três a seis anos: • criação de brincadeiras compostas de vários papéis complementares, assumidos durante o processo, que se organizam e interagem em torno de um enredo comum, tais como o circo, a casinha, o casamento, uma viagem interplanetária, o posto de saúde, a livraria, o rodeio, a pescaria, etc.; • inclusão de objetos reais cujo significado é modificado em função dos enredos com os quais se brinca como por exemplo, na utilização de uma mesa virada de cabeça para baixo fazendo de conta que é um barco; • inclusão de trajes e acessórios para caracterização dos papéis, tais como fantasias, chapéus, luvas, panos, carteiras, vestidos, calças, sapatos, colares, etc. assim como material para maquiagem; • organização do espaço em função dos enredos com os quais se brinca, criando cenários particulares, tais como um palco para o circo, uma arena para cavalos, salão de cabeleireiro, presídio, guichê de correios e de banco, etc.; • manipulação de pequenos bonecos e/ou fantoches e marionetes para a criação de brincadeiras imaginadas; • construção de objetos, brinquedos, fantoches e/ou marionetes para a brincadeira; • imitação de situações complexas e mais próximas das situações reais, tais como brincar de fazer uma peça de teatro, organizar uma venda ou mercearia, brincar de casar, etc.; 73 • discussão sobre a brincadeira, efetuando autocrítica para o aperfeiçoamento dos papéis e dos enredos criados; • agrupamentos baseados na ajuda mútua e na complementaridade de ações simbólicas e reais; Espero, com esse material, contribuir para, entre outras coisas, pautar reuniões pedagógicas e auxiliar no planejamento diário do trabalho com as crianças dos CEIs, EMEIs e EMEFs paulistanas. 74 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A especificidade da alfabetização na educação infantil Heloísa Dantas Faculdade de Educação da USP Por problemas na transcrição não foi possível a publicação do texto. 75 Educação e Cultura Tonia Carrero Atriz Por problemas na transcrição não foi possível a publicação do texto. 76 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O professor numa sociedade midiática: Novos modos de compreender, novos modos de comunicar Ismar de Oliveira Soares Professor da ECA (USP) Por problemas na transcrição não foi possível a publicação do texto. 77 Educação para o Século XXI e os Clássicos da Cultura Leandro Karnal Professor-Doutor, Chefe do Departamento de História da UNICAMP Boa tarde! É um grande prazer falar com colegas educadores. Passei a manhã dando aula e estou aqui feliz. Tal como praticamente todos vocês, eu trabalho, vivo, estou no meio da Educação há muito tempo, e é o que eu gosto de fazer. Preparei uma reflexão a partir dos meus últimos livros e daquilo com o que eu trabalho na UNICAMP: “Educação para o Século XXI e os Clássicos da Cultura”. Tal como vocês, sofri muitos anos com conselhos de coordenadores que me diziam sempre que a aula tinha que ser dinâmica, a avaliação tinha que ser progressiva, o tratamento com o aluno tinha que ser holístico, totalizante, humanitário. Tal como vocês, participei muito do Conselho de Classe, na maioria inúteis, como toda reunião em escola. O que se planeja em reunião raramente se executa e quase nunca se cobra ao final do ano. Isso ajuda a explicar nosso descaso como educadores para reuniões e planejamentos em geral. O que vamos trabalhar hoje são conselhos concretos de um professor como vocês. Já fui coordenador, diretor e sou chefe de departamento, vivo os dois lados do problema, para a gente tentar trabalhar coisas muito concretas para a sala de aula. O primeiro problema, em relação aos clássicos, que quero analisar, todos os professores, todos os alunos, todos reclamam a mesma coisa. Os professores da UNICAMP reclamam que os alunos no Doutorado não lêem, os professores do Estado (eu coordeno o “Teia do Saber” na Secretaria Estadual ) reclamam que os alunos do estado não lêem. E eu acho que os professores do município reclamam que os alunos não lêem. Então, estamos diante de um fator universal. A grande questão a refletir, sobre esse aluno que não lê é, primeiro, constatar que a leitura, segundo os especialistas, implica treino físico e mental. O que significa isso? Ao contrário do que alguns acreditam, leitura não é natural, nós não lemos há muito tempo. A primeira constatação que eu vou fazer é que, de alguma forma, está falhando o treino que oferecemos a este respeito. Então, de alguma forma nós estamos fixos numa metodologia que, talvez, não seja exatamente o que esteja oferecendo resultado. Vou lembrar, como historiador que sou, que a leitura não foi criada para que se incluísse socialmente alguém. Quando surgiu no sul da Mesopotâmia, atual Iraque, a leitura foi criada para excluir pessoas. Nos cinco berços de escrita do mundo, ou seja, a Mesopotâmia, o Egito, o Vale do Rio Indo, a China e a Mesoamérica - quando a leitura surge nesses cinco lugares de forma autônoma e sem contato uma com a outra ela sempre foi uma forma de exclusão. A leitura surgiu, quando surgiram pessoas com mais dinheiro, com mais poder para controlar impostos, controlar compra e venda, controlar a quantidade de escravos. Não há escrita formal em sociedades igualitárias. Então, o primeiro dado, talvez, surpreendente para nós que somos formados numa ética de escola pública é que a leitura foi criada não para a escola pública, a leitura não foi inventada nem por Piaget, não foi inventada por Paulo Freire, a leitura foi inventada para dizer quem é quem, tal como a gramática. Nossa primeira gramática moderna é de 1492, feita pelo espanhol Nebrija. Lá ele já advertia: “a língua é companheira do Império” – língua e dominação andam juntas, escrita e poder, leitura e desigualdade. Em primeiro lugar, nós professores precisamos criar o que não existe por tradição, em especial no Brasil, que é o hábito da leitura. Em segundo lugar, contrariar uma tradição muito antiga, uma tradição de 5 mil anos, que a leitura é para excluir pessoas. Como conto sempre, se eu vou entrevistar uma servente para a escola, e ela, ao entrar na minha sala, começa a dizer, “Posso tomar da cadeira e assentar-me para o colóquio, ó diretor?”. Se ela usar o vocativo, eu vou acreditar que ela é uma ladra disfarçada para assaltar a escola. E se eu for entrevistar um candidato a diretor, e ele me disser, “Dá pra mim fazer menas coisa porque já houveram mais probrema”. Eu vou dizer que ele não serve para diretor. Por quê? Porque eu continuo achando que falar bem é um atributo social, e não um atributo de comunicação. Falar de acordo com a chamada norma culta. Não vou entrar na discussão do Marcos Bagno sobre o preconceito lingüístico. Nós precisamos quebrar uma tradição que é a escrita que aprisiona. E essa tradição é aquela que, através de um texto, através de uma fala, através de um programa humorístico, através de 78 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO uma reportagem, os meios de comunicação adoram mostrar como as pessoas simples não lêem ou falam errado, e como essa baixa auto-estima é uma característica desses meios. A leitura tem servido para reforçar uma sociedade hierarquizada, ou seja, uma leitura que serve para dizer quem é quem e justificar o motivo de alguns não serem nada. E essa tradição, se revela em cinco habilidades que os professores destacam nos alunos: Os alunos escrevem errado, o vocabulário é pobre, a velocidade de leitura é baixa, o sentido não é captado, a capacidade de síntese também é muito baixa. Através dessas cinco habilidades não apresentadas pela média dos nossos alunos, constatamos que eles são assim. E depois de algum tempo passamos a dizer que eles não querem nada com nada. E é um mistério profundo como podemos ter gênios do porte de um Machado de Assis, que é certamente, em prosa, um dos maiores gênios da Língua Portuguesa, como podemos, na escola, trabalhar no ensino médio e fundamental com Machado de Assis e ao final de 11 anos o aluno odeie Machado de Assis. O texto é curto, a fala não tem vocabulário erudito, o sentido é alegre, o sentido é inteligente, os alunos gostam porque os parágrafos de Machado são muito curtos, a concisão é muito grande, e ao final eles odeiam. Então, é um processo muito curioso: como nós podemos produzir raiva, inclusive, em relação a esses clássicos? Ao final de uma experiência dessas de leitura o que temos é um professor reforçado na sua autoridade. Eu sou professor porque eu sei escrever e você não sabe. E aí nós acabamos criando ódio à leitura, e acabamos salvaguardando a nossa função de professor. E formando, em geral, no estado isso se revela na prática da progressão contínua, alunos que conseguem completar 11 anos de escola com problemas estruturais de alfabetização. Alunos que chegam ao terceiro ano do ensino médio passando por osmose e chegam ao terceiro ano com problemas estruturais de alfabetização. É claro que alfabetização, domina a vida inteira, a gente morre aprendendo a ler e a escrever, mas ao final de 11 anos, pelo menos, a fase fonética da alfabetização já deveria ter sido superada. Nós sabemos que não é isso que ocorre. Todo professor é um professor de leitura sempre. Todos somos alfabetizadores. Não importa que eu trabalhe matemática ou Educação Física: sou um alfabetizador. Vocês sabem que o lugar mais difícil para dar aula são as séries iniciais. O lugar mais fácil é o doutorado. Eu já dei aula para a 5a. série, não dou mais. Quem dá aula para a 5a. série, durante 50 minutos, numa escola quente, sem cortina na janela, batendo sol, na sexta-feira, pode fazer qualquer coisa na vida. Não há nada mais difícil do que ter um grupo de crianças ou adolescentes durante uma ou duas horas. É o que eu digo em reuniões com autoridades da educação que sempre têm excelentes idéias, eu adoro ouvi-los, 5 minutos na 5a C, que eu dava aula, 5 minutos dissolvem qualquer preferência pedagógica democratizante. Uma chamada numa 5a.série dissolve nosso Projeto Piaget e substitui, como se diz, por Pinochet. É uma tradição na área de educação isso. Existe um livro de um educador judeu da Polônia durante o Holocausto, que chama “Como amar uma criança” (Janusz Korczak) . se alguém escreve um livro com este título é porque é um conhecimento que requer reflexão. Pais e professores devem responder à questão do dr. Korczak com sabedoria. Um professor que vai ensinar a ler, ou seja, todos nós, da primeira série, a área mais delicada e nobre de qualquer ação educacional que é a primeira série do ensino fundamental, esse professor tem que escolher sempre, até o fim do processo de alfabetização, textos curtos. Textos curtos sempre menores do que eu acho que seja o mínimo. Pensem no mínimo, reduzam à metade, usem 10% disso na sala de aula. O texto curto e bem lido. Um texto curto que tenha tensão narrativa e bom humor. Um texto curto que seja chamativo, que seja trabalhado, que tenha gradação de dificuldade e que seja um gancho. O professor é um sedutor, é um ator e um sedutor. Ele tem que seduzir para o conhecimento. Quando eu falo em gancho, em link, é porque o professor seduz para o conhecimento. Ninguém nasceu lendo “A Divina Comédia”. Ninguém nasceu lendo “A Montanha Mágica”,. Ninguém nasceu lendo uma obra densa. Todos que chegaram lá tiveram uma gradação. A diferença entre remédio e veneno é a dose. Então, é preciso trabalhar. O aluno não consegue ler um parágrafo? Eu digo, “Nosso objetivo é que ele leia um parágrafo”. Atingido esse objetivo, passo a dois parágrafos . Atingido esse objetivo estabeleço uma página inteira, do início ao fim, lida e entendida. A maioria de nós constata: o aluno é analfabeto! Pronto. Acabou. Tem que constatar, meu aluno é analfabeto, então daqui onde eu chego? O que eu quero? Eu só posso falar da nossa parte professor, eu não tenho controle sobre verbas da educação, não tenho controle sobre associação de pais, então, só falo daquilo que nós professores, por ora, podemos fazer. Todo professor precisa estabelecer como meta, é preciso dizer isso, reforçar, colocar na nossa cabeça que a nossa função é alfabetizar. Nossa função é ensinar a ler e a escrever. Nosso número oficial de analfabetos no Brasil é relativamente baixo se 79 comparado com o Haiti, por exemplo, ou outros pólos. Mas o número de analfabetos funcionais passa desses 10 a 15% oficiais para quase, talvez, 50% da população. Pessoas incapazes de ler e escrever um texto simples. E fazer da leitura, como técnica básica da minha vida é o principal desafio. Eu perguntei há poucos dias a uma turma de professores num projeto de capacitação: “Quantos livros foram lidos este ano?”. A primeira coisa que eu escuto, “Eu não tive tempo”. Faço outra questão: “Quantas horas de televisão foram assistidas?” Curiosamente o tempo é sempre seletivo. Tempo é aquele que o nosso aluno também usa contra nós. Então, primeira coisa, o professor tem que ser apaixonado por leitura. O professor tem que ter compulsão por leitura. O professor tem que tomar o café da manhã lendo a embalagem de margarina. Tem que estar no banheiro lendo o shampoo. O professor deve ser compulsivo com leitura. O professor que vai às férias sem livro, professor que vai ao final de semana, usufruir das suas férias ou do seu final de semana sem um livro tem algum problema estrutural. Professor tem compulsão por leitura. E os alunos não gostam, em parte, de leitura porque sentem que não é indispensável para nós. Como ele pode acreditar na professora de Português que disse que Camões é indispensável para entender nossa língua se ele percebe, porque ele é muito inteligente, que ela nunca leu “Os Lusíadas” inteiro? Como ele pode ter certeza que seja importante se ela sempre cita só a proposição, só cita os versos iniciais? Então, professor tem que ler e tem que ser visto lendo, tem que elogiar livro, tem que levar livros para a sala de aula. Esse é o primeiro passo, é o nosso. Só posso falar daquilo que cabe a nós professores. Também sei que o Estado tem de fazer muito mais, sei que os pais têm de fazer muito mais. Hoje, aqui entre colegas, quero pensar o que nós temos de fazer, nós professores. Mas para o Século XXI há um outro passo que eu quero tocar. Além do texto formal, funcional, o Século XXI, mais do que qualquer outra época está crescendo uma tendência à leitura de imagens. E o professor também é um analista de imagens. E isto é muito importante para a sala de aula e funciona muito, especialmente nos projetos em que eu me envolvo com turmas problemáticas. Hoje está virando um pleonasmo, turma problemática, porque não há mais turma fácil. Mas o professor, especialmente com alunos difíceis, pode ensinar a ler imagens. E ler imagens pode significar decodificar o mapa de metrô de São Paulo, que o aluno conhece. Vocês podem dar uma aula, por exemplo, numa 5a. série de Geografia Urbana através do mapa de metrô de São Paulo. Por que existem essas linhas e não outras? Por que foi inaugurada primeiro a Norte-Sul, e não a LesteOeste mais povoada? Por que algumas linhas têm obras de arte em todas as estações e outras não? A partir dessa distribuição geográfica e de poder o aluno começa a entender como circula na cidade de São Paulo e aí ele vai começar a entender certas funções inclusive de geografia urbana. Estimular os alunos. Esta parece ser a chave. Parte da educação é sensibilizar o olhar do aluno para ler não apenas textos que são óbvios, que é o nosso objetivo, mas também imagens. O professor do Século XIX era um alfabetizador apenas de texto, nós somos alfabetizadores de imagens também. Ele tem que aprender que há uma proposta estética contida na propaganda, no supermercado, no programa de televisão, e nós fazemos parte do processo dessa leitura do mundo. E arte funciona muito com turmas difíceis e alunos difíceis. Alunos que nunca conseguiram abrir um livro têm uma habilidade com relação à imagem e à música geralmente maiores do que têm com o texto. E a função do professor, o que eu vou fazer todos os dias para seduzir esse aluno, trazê-lo para o mundo do conhecimento, fazê-lo pôr o pé na sala de aula. O que eu vou fazer pra isso? A arte pode ser um caminho, da mesma forma Picasso pintou mais de 40 versões de Velásquez, e essa famosa versão das “Meninas”, em que Picasso homenageia o mestre, que é chamada teologia da pintura, Foucault analisa brilhantemente nas palavras e as cores no capítulo , “As Meninas”. Como o mundo clássico, o mundo do Século XVII interpretou a perspectiva, e há o foco entre Felipe e a rainha Mariana, o camareiro-mor da rainha, a infanta Margarida, e as sobreposições extraordinárias de perspectiva que esse quadro provoca. Velásquez pinta, Picasso comenta a leitura Cubista decompondo o plano em partes. É claro que eu não vou dizer isso para um aluno de terceira série. Vejam como Picasso através do Cubismo, a partir da leitura da arte celta e africana faz uma decomposição do plano, pois isso provocará a destruição da sala de aula e do professor. Mas a primeira tarefa é sensibilizar a nós educadores, para depois atingir o aluno. A primeira tarefa é que eu entenda aquilo que eu estou trabalhando. E o aluno que estava até então olhando para a janela, ao ver um quadro ele tem, finalmente, uma reação bovina, “hummmm”. Finalmente ele põe o pé na minha sala de aula e começa a entender. A minha função não é divertir um aluno na sala de aula. Não é tornar aquelas horas agradáveis para que eles passem. Por mais que alguns achem, ensino médio e fundamental não devem virar creche ... 80 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Minha função não é divertir o aluno, mas a diversão, conforme vocês sabem há muito tempo, é uma maneira de seduzir para trazê-lo para análise, para o aprofundamento e para introdução aos clássicos, sejam da literatura, ou sejam da história da arte ou um clássico da área da música também. Eu posso lançar, e isso é muito provocativo, um quadro do suprematismo de Malevich, eu posso lançar para ele simplesmente esse quadro e fazer a pergunta mais clássica de curso de história da arte, “Isso é arte?”. E aí, geralmente, eu vou ouvir bastante senso comum, “Isso até eu faço”. Eu sempre digo, “Isso é falta de auto-estima, né?”. Se é ruim porque você faz é falta de auto-estima. Então, começa a discussão sobre arte. A partir disso eu posso dar um texto, e a partir disso eu posso provocar uma redação, a partir disso eu posso provocar uma atividade, e posso fazer uma das coisas mais difíceis que é um debate organizado numa sala de aula. É muito difícil. Uma questão importante é notar que os alunos são muito inteligentes mas não tem disciplina para tornar essa inteligência formal, na base da cultura formal e esse é o nosso desafio. Aliás vocês sabem que os alunos mais rebeldes têm um desempenho intelectual superior aos outros. Raramente o rebelde é limitado. A aluna que está na frente, esperando a gente de caderno aberto, geralmente, no meu caso, ela sempre se chama Ana Cláudia. Ela está na primeira carteira, caderno aberto, “O senhor parou aqui, professor”. Geralmente é mais limitada que o Rafael que senta no fundo. Porque todo Rafael que senta no fundo é problemático. Numa concepção tradicional de educação, vocês estão cansados de ouvir em reuniões pedagógicas, a educação é para formar pessoas disciplinadas, como eu fui formado. A educação mudou muito. A sociedade mudou muito. Dominar um vocabulário para distinguir socialmente e enfatizar a repetição. Era esse o objetivo da educação há um tempo. E esse objetivo formava essa idéia que causa horror nos que trabalham com educação renovadora, mas no fundo da nossa alma de professor essa sala causa uma certa alegria, porque eu imagino inclusive carteiras aparafusadas no chão como eu tive na minha infância. Já imaginou? Ninguém poder arrastar carteira na sala de aula. Porém, há uma mudança enorme, só para lembrar vocês, tivemos a universalização do ensino fundamental, estamos perto da universalização do ensino médio. Isso foi uma mudança muito boa. Temos uma ampliação quantitativa da educação. E, ao mesmo tempo, aumentaram muito as fontes de conhecimento. O conhecimento não é mais a “Barsa”, passou a ser o “Google”. O Google é o deus onisciente e os alunos sabem a esse respeito. Ampliou-se o número de alunos, decaíram salários, mudou a nomenclatura e o mundo mudou ainda mais. O que fazer? Uma das mudanças diz respeito a fornecer um trabalho problema e não um trabalho com um título apenas. Os campos de Roraima, ou então, a industrialização brasileira, que aí basta acessar o Google. Quer dizer, o trabalho tem que ter um problema. Se ele não tiver um problema o aluno tem obrigação moral de copiá-lo porque não é inteligente o trabalho. Quando eu entrego um trabalho assim, “Pesquisem o Feudalismo”, eu estou dizendo “Por favor, copie, porque eu não vou ler mesmo”. É isso que eu estou dizendo ao aluno quando forneço um tema chato ou bobo para pesquisa. Ensinar e aprender significa que o conhecimento hoje não é mais fixo, como era no XIX. Começou a entrar numa volatilização enorme, ele é cada vez mais dinâmico, e tudo que ele aprendeu precisa esquecer numa determinada fase. Então, eu ensino a responder perguntas, a fazê-las mais do que a responder. Como disse o homem que trocou meu computador essa semana, “Seu computador ele já tem dois anos”, e eu disse, “Nossa, que absurdo, dois anos” (e eu tenho 42...). A educação tem conteúdo, mas o conteúdo é hoje visto como um meio e não como um fim. Não se trata mais da prova oral ou final, sorteio de pontos, não trata mais de um conteúdo fixo. E aí, o essencial para dar aula, utilizando todos os recursos que eu possa, é ter consciência de qual é o eixo daquilo que eu faço, e não o esgotamento do conteúdo. Como me disse uma professora semana passada, “Este ano eu não consegui dar Tundra, em Geografia”. E eu disse, “Nossa, mas que falta vai fazer para esse aluno a tundra. Só falta não ter dado a taiga e a estepe, aí esse aluno vai ter um buraco na formação dele que ele nunca mais vai suprir”. O eixo da disciplina Geografia é interpretar a interação dos homens no espaço; o eixo da disciplina história é analisar o homem no tempo; o eixo da disciplina artes é analisar visualmente e produzir a questão da arte. Ou seja, esse é o eixo, o conteúdo é um acessório deste eixo. E parece que nós professores, ficamos angustiados porque os livros didáticos são maiores que meu ano letivo. E ainda o professor no final do ano ainda diz, “Não está enfatizando China”. É só o que falta, depois de tudo, ainda mais conteúdo. 81 Pensem em trabalho problema. Pensem no desafio de questões que podem nascer a partir da aula. O resto é uma concepção de erudição vazia e ultrapassada, de repetição de capitais e fatos, de decorar palavras e princípios. Esta era a educação bacharelesca que deu origem à parte dos problemas do nosso mundo. Apesar das enormes mudanças em todos os campos a escola ainda é muito tradicional. O sistema continua fechado e o professor ainda, é raro a gente conseguir entender que nós somos não mais o conhecimento mas a ponte, o elo, o link entre o conhecimento formal acumulado pelas sociedades e o aluno. Ou seja, nós somos facilitadores e não obstáculos. Nós somos o canal de acesso e não o destino. Desejei despertar em vocês uma reflexão, saber que é difícil, mas especialmente vocês estão na base do problema mais difícil que é a educação fundamental. Volto a insistir com vocês, eu já dei aula para 5a série, já dei aula para o ensino médio, dou aula hoje para doutorado. O lugar mais difícil é a 5a série. Então, vocês estão no lugar mais difícil. E todo mundo que não dá aula está cheio de idéias de como dar aulas. Você sabe que quanto menos se dá aula, mais a gente tem idéias de como a aula deve ser boa. Então, está na hora de nós, professores, dialogarmos mais para saber inclusive as nossas, ou das nossas dificuldades. Nós merecemos esta discussão entre nós como profissionais e nosso alunos merecem também nossa inquietação. O Brasil precisa desta inquietação hoje mais do que nunca. Muito obrigado. 82 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A importância da educação para o desenvolvimento do Brasil e redução de desigualdades Gustavo Ioschpe Escritor Em primeiro lugar, eu agradeço à Secretaria da Educação pelo convite para estar aqui. Eu sou economista; a minha formação é na área de economia da educação e o meu trabalho é muito voltado à análise de dados, a estatísticas, fórmulas, gráficos, etc. Então, é sempre bom ter a oportunidade de vir a campo e ouvir dos próprios professores se o que vemos nos números se coaduna com a prática no dia-a-dia. Por que achamos importante a discussão sobre a educação, o desenvolvimento econômico e as desigualdades no Brasil para professores da rede pública de ensino, que não poderão mudar as políticas públicas brasileiras? Eu acho importante porque ela contextualiza o seu trabalho: ele não só vai mudar a vida dos seus alunos, mas tem também uma importância fundamental no bem-estar e no progresso do país. Hoje eu digo com tranqüilidade que o desenvolvimento, o crescimento econômico, o progresso do Brasil nas próximas décadas, se houver (e esperamos que haja), não será conseqüência do trabalho de políticos, de empresários, de economistas ou de banqueiros, mas de professores. Hoje, é consenso entre as mais variadas escolas de economia que uma das maiores carências e um dos fatores mais impeditivos ao desenvolvimento do Brasil é justamente o que, no jargão econômico, chamamos de “falta de capital humano”. Ou seja, a falta de uma população que tenha passado por um bom sistema de educação e que consiga usar o que lhe foi ensinado para decodificar o mundo e funcionar nele. Sem essa capacidade, não importa qual política monetária, taxa de juros, carga tributária ou todos os outros problemas que são discutidos nos jornais. É preciso haver uma população capaz de produzir, de trabalhar e fazer com que o Brasil consiga competir internacionalmente numa época de “hipercompetição” e de abertura comercial entre os países. Em primeiro lugar, as pesquisas dos últimos 30 ou 40 anos mostram que, dentre todas as variáveis importantes para se entender e se prever o crescimento econômico de um país, a variável mais robusta, que aparece sempre, em todos os estudos com destaque é a educação. Mais do que o nível de investimento, mais do que a abertura comercial e do que todas essas variáveis meio exóticas, a educação, o nível de capital humano e a preparação da população são sempre importantes. Não só essa é uma variável sempre importante, mas é também uma das variáveis de maior impacto. Para se ter uma idéia, o impacto da educação sobre o crescimento econômico é da seguinte ordem: o aumento de um ano na escolaridade da população (por exemplo, aumentar a atual escolaridade média da população brasileira de 6,3 anos para 7,3 anos) gera um crescimento econômico anual de até 8% a 10%. No Brasil, estamos lutando para obter um crescimento de 2%; considera-se 3% um crescimento maravilhoso. Na primeira metade do século XX, o Brasil foi um dos campeões mundiais de crescimento econômico, crescendo de 5% a 6% ao ano. Na época do milagre econômico brasileiro, tivemos alguns anos com 10% de crescimento. Pois esse mesmo valor é obtido com o aumento de um ano na escolaridade média da população. Mantido durante alguns anos, uma década, esse crescimento faria o Brasil chegar ao nível de riqueza de países do primeiro mundo, como os da Europa e os Estados Unidos. Uma notícia melhor ainda para o caso brasileiro é que o pico da importância da educação para o crescimento econômico ocorre quando a população atinge aproximadamente 7,5 anos de escolaridade. No Brasil, como eu já disse, estamos com 6,3 anos, ou seja, estamos ainda na parte ascendente da curva. O efeito da educação sobre o crescimento no Brasil é ainda maior do que nos países desenvolvidos, que já possuem um nível educacional muito alto e a diferença com um aumento adicional é marginal. 83 E por que a educação gera crescimento econômico? Basicamente, por duas razões. Em primeiro lugar, ela aumenta a produtividade em todas as áreas. Quando falamos em produtividade, logo pensamos no operário da fábrica que passa a colocar três parafusos em vez de conseguir colocar dois. Não se trata somente disso. Falamos de profissionais liberais, médicos, advogados, professores, da própria classe política (que carece enormemente de uma educação que dê resultados) e também de prestadores de serviços, operários, etc. Ao tornar a pessoa mais produtiva, no mínimo porque sabe escrever e fazer contas, além de adquirir uma capacidade de abstração e raciocínio mais desenvolvida, ela também passa a receber um salário maior. Se isso ocorre em todo o país, o país todo enriquece mais, ou seja, ocorre o crescimento econômico que o Brasil vem perseguindo há tanto tempo. A segunda razão é muito mais importante para os professores e profissionais da educação que estão na sala de aula no dia-a-dia é o que, em economia, se chama de “externalidade”. Não é um nome muito positivo, mas o jargão de economistas é assim mesmo. As externalidades são todos os efeitos da educação não mensuráveis através dessa melhora de produtividade e desse aumento salarial. Aí entram o maior cuidado com a saúde que a mãe escolarizada tem com o seu filho e atitudes democráticas, ambos já demonstrados em pesquisas, a capacidade de diálogo, a maior propensão à filantropia, a fazer doações para causas filantrópicas (particularmente nos países mais ricos), etc. Há uma série de fatores que não são diretamente salariais, mas que também acabam fazendo o país crescer mais, pelas vantagens que conferem. Outra observação muito interessante, que também é chamada de externalidade em educação, é o aumento da produtividade mesmo das pessoas que não foram educadas. Eu vou tentar explicar essa situação um pouco melhor. Se tomarmos um país, ou mesmo uma cidade, ou mesmo um escritório, que conta com pessoas qualificadas, pessoas instruídas, não somente aquela pessoa vai produzir mais por ter passado pela instrução, mas as outras pessoas que trabalham com ela, e não necessariamente passaram pela instrução, renderão mais. Talvez seja mais fácil entender se pensarmos o que ocorre quando trabalhamos com pessoas incompetentes. Uma pessoa extremamente incompetente prejudica o trabalho, de todo o grupo à sua volta. Isso é fácil entender. Fazendo o caminho oposto, é possível entender o reverso: quando trabalhamos com uma pessoa extremamente competente, instruída, que tem um alto nível de educação e rende mais, também rendemos mais. Assim, essas são as duas maneiras através das quais a educação gera crescimento econômico: por um lado, melhorando diretamente o salário e a produtividade da pessoa e, por outro, através dessa enorme área que a economia não consegue medir como deveria, sobre a qual há muitas incógnitas (sobre exatamente quais efeitos acontecem, como e quando), mas, a partir de medidas da educação e do crescimento econômico, sabe-se que há um grande efeito da educação sobre o crescimento econômico que não se deve somente ao maior rendimento, à maior produtividade. Eu trouxe um gráfico que procura demonstrar essa relação entre a educação e o salário. Para quem trabalha com ciências sociais ou humanidades em geral, é muito interessante, porque a relação entre a escolaridade e o salário forma uma linha praticamente reta na diagonal. Um ano a mais de educação gera um aumento de renda, na maioria dos países, de 8% a 10% . Esse achado é muito interessante, pois a linha reta significa que não importa qual o ano de educação, o aumento na renda é o mesmo. Tanto faz se é a sétima ou a oitava série do ensino fundamental, ou se é um curso de mestrado ou de doutorado. Em todos os níveis, a educação tem uma importância fenomenal sobre a renda ou o salário do trabalhador. Há uma questão que se refere não só ao volume de renda, mas também aos valores relativos, ou seja, de igualdade ou desigualdade de renda. Todos nós, quando ouvimos falar de educação, temos uma concepção de que a educação é a grande ferramenta para a redução das desigualdades de renda. Essa é uma grande preocupação, especialmente para um país como o Brasil, um dos campeões mundiais de desigualdade de renda. Essa idéia é verdadeira: na maioria dos casos, a educação tem a capacidade de reduzir a desigualdade de renda. Como? Quando se educam aqueles estratos populacionais que têm menos educação e que também são os mais pobres, os marginalizados, o salário dessas pessoas aumenta. Mantendo-se tudo o mais constante, aquelas pessoas que eram pobres recebem um salário maior e, assim, diminui o vão entre elas e as pessoas mais ricas, diminuindo a desigualdade dentro do país. 84 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O caso mais notável, eu acho, é o da Coréia do Sul, talvez o grande sucesso educacional do século XX, mas existem vários outros países como exemplo. No Brasil, curiosamente, acontece o contrário: nos últimos 20 anos, a expansão educacional está associada a um aumento da desigualdade. Em termos numéricos, nesse mesmo período, a expansão educacional na Coréia reduziu a desigualdade em 22%, enquanto no Brasil a desigualdade aumentou em 4%. Obviamente, isso é meio estranho. Temos que tentar entender o porquê desse efeito de aumentar a desigualdade de renda, ao contrário da experiência internacional, de vários outros países. Como se explica isso? No Brasil, ocorreu um fenômeno interessante: um aumento muito grande da matrícula no nível fundamental, a chamada inclusão dos marginalizados, dos estratos socioeconômicos mais baixos, ao mesmo tempo em que houve um excesso de demanda, uma demanda reprimida no setor universitário. O que isso acaba provocando? Enquanto aumenta a educação nos anos com menor retorno, que geram menor ganho financeiro (os anos da educação fundamental), há uma demanda reprimida nos anos com maior retorno financeiro (os anos de educação universitária). Ao mesmo tempo que estamos atraindo um número muito grande de pessoas para o sistema educacional, proporcionando-lhes uma educação nos níveis com menor retorno no mercado de trabalho, o “mercado” universitário brasileiro continua muito fechado, muito exclusivista, não abrindo vagas para ampliar a sua participação na população. Isso fez aumentar o retorno dos universitários, mais ainda do que aumentou a inclusão das crianças pobres no ensino fundamental. Por que isso ocorreu? Porque nos últimos 20 anos, especialmente, houve uma explosão de demanda, da necessidade de conhecimento universitário no mundo. À medida que o mundo progride e as economias se tornam mais complexas, é maior a necessidade de pessoas com diploma universitário. O prêmio, o que se paga ao aluno universitário, aumentou fenomenalmente, e o que se paga ao aluno do ensino fundamental no caso brasileiro até decaiu um pouco, mantendo-se estável em outros países. “Retorno da educação” é o termo econométrico que expressa o que o aluno que foi educado recebe a mais de salário pelos anos de educação que ele teve. No começo da década de 80, por exemplo, o retorno de um ano da 1a à 8a série, ou seja, do ensino fundamental, estava próximo dos 10%, o retorno do então chamado segundo grau estava próximo de 16% a 17% e o ensino universitário também ficava em torno de 16%. Dezesseis anos depois, o prêmio pago ou “retorno” dos alunos do ensino fundamental caiu, o retorno dos alunos do ensino secundário permaneceu mais ou menos o mesmo (foi de 16,7% para 13,5%) e houve um aumento muito grande justamente no retorno dos alunos universitários. O retorno ao ano de educação universitária já era muito alto, de 16% (ou seja, em 1972 uma pessoa que fizesse somente um ano de universidade tinha no Brasil um salário 16% mais alto do que uma pessoa que só houvesse concluído o ensino secundário). Essa situação, que já era ruim, ficou pior ainda no final da década de 90, por causa dessa explosão de demanda de universitários e um número pequeno. É uma relação de procura e oferta: quando a procura é muito grande e a oferta é pequena, o valor sobe. Foi o que aconteceu: o valor do universitário aumentou, se podemos falar assim. Hoje, o universitário que faz um ano de ensino universitário tem um salário 20% maior do que a pessoa que só concluiu o ensino secundário. Nesse movimento de queda do retorno da educação básica e aumento do retorno da educação universitária, vemos porque a educação no Brasil só piorou a situação de desigualdade. [intervenção da platéia, não audível] Questionam-me sobre o fato de os universitários terem esse retorno tão grande, ao mesmo tempo em que há um número muito grande de universitários desempregados. É verdade que há um número grande de universitários desempregados, mas esse índice de desemprego já está considerado no número de retorno que eu apresentei. Isso é mensurável e eu sei que ele foi considerado, porque eu conheço bem esse estudo. Todos os outros estudos apresentam mais ou menos a mesma situação. Se às vezes existem quadros negativos para os universitários, os bacharéis - e eles ocorrem, essas pessoas não estão imunes a esses problemas (nós já não vivemos numa época em que um diploma representa uma garantia contra o que quer que seja) - a situação é muitíssimo pior para aqueles que têm somente o diploma do ensino fundamental, do ensino médio, ou que não têm diploma nenhum. O índice de desemprego é muito mais baixo entre os universitários do que os de outros níveis. Eu não tenho esses números aqui, mas é muito fácil obtê-los. O mesmo vale para os salários. No Brasil, inclusive, há um estudo comparando fatores de risco para pobreza e desemprego. [Segundo esse estudo,] ter um diploma de 85 ensino secundário no Brasil é praticamente uma apólice de seguro contra a pobreza absoluta e contra o desemprego continuado. É claro que há momentos de desemprego, mas a pobreza, a miséria, praticamente não ocorre. O diploma de ensino secundário no Brasil é praticamente uma garantia contra a pobreza. É claro que há uma pequena porcentagem de pessoas que acabam também sofrendo da pobreza, da indigência, mesmo nesse grupo. O Brasil é um país de 180 milhões de pessoas, portanto uma porcentagem pequena significa ainda um número grande de pessoas. Vamos procurar entender por que houve esse crescimento da desigualdade e qual é o papel da educação nessa questão. Basicamente, enquanto o mundo estava crescendo, se sofisticando e se “tecnologizando”, o Brasil, na área de ensino universitário, patinava. Quando observamos o crescimento de matrículas no setor universitário em diversos países, entre o começo da década de 1980 e o final da década de 1990, percebemos que alguns países como a Coréia e a Turquia mais que quadruplicaram a sua taxa de matrículas (por exemplo, de 10% para 40% ou de 5% para 20%). O aumento foi muito grande. Vários outros países, que não são nenhuma potência, como a própria Turquia, Portugal, Chile e Nova Zelândia, tiveram aumentos muito grandes. Alguns, de mais de 300%, outros, de mais de 200% ou de 100%. Nesse panorama, onde está o Brasil? O aumento das matrículas no ensino universitário brasileiro, nesses quase vinte anos, foi de apenas 36%. Aumentou somente um terço o número de pessoas, como porcentagem da população, matriculadas no ensino universitário no Brasil, enquanto no mundo houve esse grande aumento da demanda. Com esse dado, podemos entender o porquê desse impacto da educação na desigualdade. Se em todo o mundo está havendo essa maior demanda e o Brasil está inserido nesse mundo, o Brasil também teve uma demanda maior por universitários. O Brasil também se sofisticou, também evoluiu. Se há essa evolução e essa demanda, já que não há oferta, que não há matrícula no ensino universitário, é óbvio que vai se pagar muito mais por um aluno universitário, que o salário do bacharel ou do graduado na universidade será muito maior. É interessante notar que há um movimento de divergência nessa série histórica: comparando-se o índice de matrículas dos países da OCDE (Europa e Estados Unidos), mais industrializados, com a matrícula universitária brasileira, a relação era de 2,2 vezes no ano de 1980. Ou seja, se a matrícula nos países da OCDE era, digamos, de 30%, a nossa era de mais ou menos 15%. Em 1997, essa relação tinha passado para 3,6 vezes. Uma relação de duas vezes maior passou a ser de quase quatro vezes maior. Até em relação à América Latina, nós perdemos terreno. Hoje, a média da América Latina é quase o dobro do índice de matrículas universitárias do Brasil. Eu estou apresentando dados que vão até 1997, mas se fossem até 2004 ou 2005, a situação seria muito pior., Hoje, nós temos uma taxa de matrículas de 15% no setor universitário brasileiro, enquanto há países em que ela é o oposto: na Coréia e na Finlândia, por exemplo, ela está em 85%! [falha na gravação] Todos os estudos dizem a mesma coisa: a desigualdade educacional é o principal fator na explicação da desigualdade de renda do país, e por uma larga margem, de 40% a 50%. Por que existe essa relação negativa? Nesse ponto, esperamos ter chegado a uma discussão um pouco mais concreta. Fundamentalmente, o grande problema é o da qualidade de ensino. Vamos citar alguns exemplos. O Brasil tem apresentado, nos últimos anos, um dos piores ensinos do mundo. Normalmente, não falamos sobre isso. Algum tempo atrás, eu mostrei esses dados a um diretor de uma das grandes escolas privadas do Brasil, uma pessoa que convive na área da educação há 30 ou 40 anos. Ele me disse: “Você está muito pessimista, a educação no Brasil progrediu muito nos últimos 10 anos, nós universalizamos o ensino fundamental. Isso é catastrofismo...” Infelizmente, não é verdade. Eu gostaria que a situação educacional brasileira fosse muito melhor, mas ela é, efetivamente, um dos piores sistemas educacionais do mundo, não por acaso gerando todas essas desigualdades. Um recente ranking da UNESCOcolocou o Brasil em 87o lugar em termos de qualidade de ensino, de um total de cento e vinte e poucos. Na verdade, esse 87o lugar é generoso, porque a medida usada para avaliar a qualidade foi a sobrevivência até a 5a série. Ou seja, não é efetivamente um critério qualitativo, usou-se um critério quantitativo para medir a qualidade. 86 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Quando efetivamente medimos a qualidade da educação brasileira, há um teste chamado PISA, realizado pela OCDE (Organização e Cooperação de Desenvolvimento Econômico, que reúne países do Primeiro Mundo), no qual o Brasil ficou em último lugar em matemática, penúltimo em ciências e 37o (de um total de 40) em leitura. As pessoas dizem que não se pode comparar, que o estudo inclui países ricos e que não dá para comparar país rico com país pobre... Esse teste, por acaso, institui também um controle do nível de renda, ou seja, há uma variável considerada que é o nível de renda, permitindo equalizar os resultados para os diferentes países, com diferentes níveis de renda. Mesmo após essa equalização quanto aos níveis de renda, os resultados no ranking são os mesmos no que se refere ao Brasil. É um estudo muito considerado e bem-visto internacionalmente, e o Brasil ocupa nele essas posições. Uma pesquisa do Instituto Paulo Montenegro, um “braço social” do IBOPE, digamos, tem um dado que talvez seja o mais aterrorizador de todos. Essa pesquisa é feita bianualmente, a última foi feita neste ano e divulgada há pouco tempo. Segundo essa pesquisa, 74% dos brasileiros não conseguem entender um texto (não é um livro). Infelizmente, Leandro, quanto àqueles números de que falávamos, de quase 50% de analfabetismo funcional, num teste mais detalhado como este, chegamos a conclusões bem piores: praticamente três quartos da população brasileira não conseguem ler e entender um texto. O SAEB, que todos conhecem, o teste do MEC que avalia a qualidade do ensino básico, com exceção do teste de 2003, vem mostrando um declínio constante, apontando que mais da metade dos alunos está em situação crítica ou muito crítica, muito abaixo do mínimo esperado. Onde começa esse problema? Ele começa no começo, na primeira série do ensino fundamental. O índice de repetência no Brasil como um todo (e não somente da cidade de São Paulo, sobre a qual eu nem tenho os dados) na primeira série é de 32% dos alunos que iniciaram o ano letivo. Esse valor se compara a um índice, nos países desenvolvidos, de 0 a 3%. Dificilmente se acha um país que tenha mais de 3%. Na maioria dos países, esse dado nem é muito solicitado, pois já é de zero. De qualquer forma, é de 0, 1%, 1,5%, 2%, 2,5% e 3% é meio que o máximo. Olhem a diferença: enquanto nos países desenvolvidos a primeira série é quase que uma obviedade, a criança entra e passa, pois vai aprender a ler e a escrever (ninguém está ensinando Física Nuclear na primeira série), no Brasil um terço das pessoas que entram na primeira série repetem de ano. Outros 15% repetem na segunda série. Assim, temos um quadro em que, nos primeiros dois anos do ensino, quase a metade dos alunos está condenada ao atraso, à repetência, aos problemas de baixa auto-estima que a repetição gera. Uma coisa que eu não sei se é boa ou ruim, vocês me digam, é que a má qualidade é de todo o sistema educacional. Não é um privilégio exclusivo do setor público, não é um problema de descaso com o ensino público, é um problema de todo o sistema educacional brasileiro. É interessante: o teste PISA, por exemplo, permite identificar os alunos de acordo com o seu nível de renda. Quando observamos os alunos de colégios de elite, alunos do mais alto nível socioeconômico, vemos que o Brasil, também nesse nível, também tem um desempenho educacional muito abaixo do desempenho de outros países. Em termos da porcentagem de alunos que chegaram aos dois níveis mais alto da prova do PISA, o Brasil fica novamente em último lugar. Nos países desenvolvidos, mais da metade dos alunos de alto nível socioeconômico vai bem nas provas: esse nível chega a 55%, 57% ou até mais de 60%. No Brasil, essa porcentagem é de somente 21%. Isso é prova de que não se trata de um problema dessa ou daquela escola, de um sistema ou de um estado ou município, e nem só do sistema público. É um problema estrutura. até porque o sistema educacional é um só. O problema é qualitativo. Ainda ouvimos muito no Brasil uma conversa que era pertinente 10 ou 20 anos atrás e que não é mais pertinente hoje, de que faltam coisas, de que é preciso mais. Sempre se precisa de mais dinheiro, mais escolas, mais isso ou aquilo. Essa discussão, felizmente, já está encerrada, pois hoje colocamos basicamente 100% das nossas crianças na primeira série. Hoje a discussão é simplesmente de qualidade. É uma discussão muito mais difícil, pois não adianta somente se colocar mais e mais; é preciso fazer melhor. 87 Alguns dados evidenciam que o problema é realmente qualitativo. Primeiramente, a tal taxa de atendimento na primeira série, de quase 100%. Não faltam mais escolas na primeira série. Podem faltar na educação infantil, mas não faltam no ensino fundamental. Quanto aos gastos com a educação, infelizmente essa é uma discussão em que as pessoas falam muito sem ter dados. O Brasil hoje gasta, proporcionalmente, quase o mesmo (em alguns casos até mais) do que os países mais ricos do mundo. Gastamos entre 4% e 5% do nosso PIB em educação, e vem sendo assim há muito tempo. A China, por exemplo, que está tendo uma evolução educacional tremenda, passou em 5 anos (de 1998 a 2003) de uma taxa de matrículas no setor universitário de 5% para 15%, que é a taxa brasileira hoje. Os chineses conseguiram fazer em 5 anos o que no Brasil se faz há várias décadas, pelo menos. Talvez séculos, dependendo de como pensamos no início do ensino universitário. A China gasta em educação 2% do PIB, o que é o teto daquele país. Nos últimos 20 anos, ela vinha gastando de 1% a 1,5%. O Brasil gasta o dobro disso. Portanto, efetivamente, não é um problema de falta de recursos. Pode ser (e é) um problema de recursos mal aplicados. Em que áreas os recursos são colocados, quais áreas são priorizadas. Mesmo quando vão para as áreas certas, há o problema de como os recursos são gastos e como saem do lugar de onde devem sair e não chegam ao lugar a que devem chegar. Essa é outra discussão, uma discussão qualitativa, e não quantitativa. Não é falta de recursos. Os recursos existem, só que não chegam onde deveriam. Eu tenho ainda um dado que eu sei que não é muito popular. O salário dos professores no Brasil como um todo (é claro que há diferenças regionais), comparado ao nível de PIB per capita, no ensino fundamental (o mesmo vale para o ensino médio) está em linha com o que se faz nos países mais ricos do mundo, os países da OCDE, ou até um pouco acima: nos países da OCDE, o salário do professor equivale a 1,3 vezes o PIB per capita e, no Brasil, essa relação é de 1,56 vezes. Quando comparamos o salário do professor brasileiro ao dos nosso vizinhos latino-americanos, que têm sistemas educacionais bem melhores que os brasileiro (para se ter uma idéia, Argentina e Chile, por exemplo, já estão chegando a índices de matrículas de universitários de 40% a 50% e o Brasil está em 14% a 15%), os outros são números mais baixos. Na Argentina, gasta-se 0,85, no Uruguai, 0,75, no Chile, 1,25. Portanto, mais uma vez, certamente há problemas de remuneração em alguns lugares e problemas de estrutura de incentivos aos professores, certamente há professores que deviam ser mais bem pagos, mas eu sempre digo que o professor brasileiro não é mal pago porque é professor, é mal pago porque é brasileiro. Todo mundo no Brasil mereceria um salário maior do que o que recebe, mas vivemos em um país onde nem as pessoas nem o governo têm recursos para pagar aquilo que seria um salário digno, o salário que desejamos. Mas esses dados mostram que não há uma discriminação contra a carreira de professor. Nessa situação, o que é bom é que, assim como o problema é de qualidade, a solução também é de qualidade, especialmente no ensino fundamental e especialmente nas primeiras séries do ensino fundamental. Sem isso, a escola, que é um grande investimento, um grande benefício para a criança, passa a ser um fardo (porque o aluno repete, não aprende, etc.) e primeiro o aluno começa a faltar às aulas, depois ele começa a repetir de ano, até que por fim ele abandona a escola e por isso nós temos esses índices de matrícula, que não chegam aos índices dos países desenvolvidos. Temos o problema de a universidade pública ser menor do que o que gostaríamos que fosse, tem menos cursos e menos vagas, mas o problema fundamental não é que há uma porta fechada, uma lei proibindo as pessoas de chegarem à universidade. O problema é que, no percurso educacional, essas pessoas se evadem, essas pessoas saem do sistema educacional, porque via de regra estão recebendo um ensino que não compensa o tempo que elas ficam fora do mercado de trabalho. O “canto da sereia” do mercado de trabalho torna-se irresistível - indireta e diretamente, por pressão dos pais, etc. - e essa criança é retirada da escola e não chega aos níveis mais altos que permitiriam solucionar a questão da desigualdade no Brasil. Bem, eu falei de muitos problemas aqui, até porque, infelizmente, não podemos falar com muita alegria do sistema educacional brasileiro, mas eu quero terminar com uma mensagem que, eu espero, seja de um pouco de otimismo. Especialmente para vocês, que estão no dia-a-dia da sala de aula, dando a qualidade da educação, vale a pena pensar que o problema, na verdade, é uma oportunidade de mostrarmos o nosso valor, de mostrar o nosso talento, de fazer alguma coisa melhor. É verdade que os professores do Primeiro Mundo têm condições melhores, têm uma educação melhor e instalações melhores, etc. Eles têm tudo melhor, mas isso também faz 88 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO com que os professores do Brasil tenham a oportunidade de fazer uma diferença muito maior do que os seus congêneres, do que os seus colegas dos países de Primeiro Mundo. Eu acho que a minha mensagem seria: não deixe que o problema te abata. Transforme-o num desafio. Muitas vezes, ouvimos o seguinte discurso: “Eu não tenho como fazer isso melhor no Brasil, está tudo uma porcaria, não é aqui que as coisas vão dar certo”. Pelo contrário. Justamente pelo fato de o Brasil ter todos os problemas que tem e o sistema educacional ter todos os problemas que tem, é que se torna muito mais importante, mais indispensável que o professor na sala de aula consiga transmitir uma educação de qualidade para o seu aluno e transforme aquele aluno. Especialmente vocês, que trabalham no ensino público, com alunos favelados, de estratos econômicos marginalizados, que resgatem esses alunos. Esse quadro de carência só torna esse trabalho mais indispensável. Nessa situação de grande pobreza e de grande dificuldade que o país vive, mais ainda o aluno depende do professor para fazer com que educação, que deveria ser esse elo entre uma vida sem esperança - uma vida de pobreza, contra cuja viabilidade e bem-estar todo o Universo conspira - nessas condições é que o papel do professor se torna ainda mais importante. É aí que o papel do professor é ainda maior e que o professor tem ainda mais capacidade de resgatar esse aluno e fazer com que as promessas da civilização sejam entregues aos alunos que mais precisam delas. Vocês realmente têm esse desafio, têm esses grandes problemas a enfrentar, mas têm essas grandes oportunidades. São oportunidades enormes. Eu volto a dizer o que disse no começo: ninguém tem mais responsabilidade e ninguém tem mais condições de fazer com que esse país se desenvolva - mais do que empresários, políticos, banqueiros, intelectuais, etc. - do que o professor. E do que o professor das primeiras séries, que está formando o nosso aluno, que está formando as nossas gerações. Então, em primeiro lugar, muita força, muita garra! E muita sorte, também. Obrigado. 89 Educação e diversidade étnico-racial Dr. Hédio Silva Júnior Secretário de Estado da Justiça Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 90 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ensino Fundamental de 9 anos Iara Glória Areias Prado Secretária Adjunta – SME Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 91 Ensino Fundamental de 9 anos Jeanete Beuchamp Diretora do Dpto. De Políticas de Ed. Infantil e do Ensino Fundamental MEC Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 92 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ensino Fundamental de 9 Anos Profa. Dagmá Brandão Silva Diretora do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação Gostaria de agradecer o convite. É sempre uma alegria encontrar esse movimento: 5.000 professores. A Secretaria da Educação do Município de São Paulo está de parabéns. Vou relatar a experiência de Belo Horizonte, que já inclui as crianças de 6 anos desde 1994. Desde 1994, Belo Horizonte tem uma diretriz política que constitui uma das políticas públicas de educação talvez mais polêmicas e comentadas no Brasil, que é a Escola Plural. Implantamos a Escola Plural com base em algumas experiências de transgressões que já existiam na rede municipal e na tentativa de incluir e fazer uma escola para todos. Tendo escutado muito dos pais: “No meu tempo a escola era melhor”, começamos a fazer uma reflexão sobre a procedência dessa frase. Dados apontam algumas evidências: em 1820, apenas 0,1% da população era alfabetizada. Em 1955, apenas 4 entre 10 crianças de 7 anos iam à escola. Em 1970, de cada 10 crianças que começavam o primeiro ano, apenas uma chegava à 8a série sem nenhuma reprovação. Será, então, que essa escola era para todos? Era boa? Será que é essa a escola que queremos fazer? Nesse quadro, introduzimos a Escola Plural em Belo Horizonte, com os seguintes eixos: 1. Não se pode ter um projeto de escola para todos que garanta acesso, mas também permanência e aprendizagem sem pensar que isso exige uma intervenção coletiva radical. Todos devem participar: comunidade, alunos, professores, funcionários, direção. É preciso trabalhar com a sensibilidade da totalidade da formação humana; pensar na autonomia; olhar, realmente para o educando, desejar estar ali. 2. A Escola como tempo de vivência cultural: é importante ter uma escola que exige estética e ética, que respeite os saberes do educando, que perceba a identidade cultural de cada aluno. 3. Uma escola que tenha em vista uma vivência de cada idade de formação sem interrupção. Essa é a grande coluna que sustenta a Escola Plural: cada pessoa que está dentro da escola tem um processo de construção interna, de desenvolvimento biológico, sociológico, psicológico que a escola não pode desconsiderar. Temos que formar professores que sejam capazes de lidar com idades de formação. Então, a Escola Plural adota os ciclo de formação, que dividem os 9 anos em 3 ciclos: • 1o ciclo: 6, 7, 8 anos – ciclo da infância • 2o ciclo: 9, 10, 11 anos – pré-adolescência • 3o ciclo: 12, 13, 14 anos – adolescência A proposta é que sejam 9 anos de ensino fundamental ininterruptos, de aprendizagem contínua, sem retenção. A concepção de ciclo pressupõe que o aluno tem direito à formação contínua. Então, é preciso organizar uma escola de forma mais flexível, coletiva, pensando tempos e espaços. O que significa a permanência na escola e que desafio nos traz? Antes, com a reprovação, os alunos que ficavam para trás, depois de algumas reprovações, acabavam desistindo da escola. Hoje, não há esse precedente; aquele aluno está lá. Sabemos que garantir a permanência não pode significar empurrar o aluno ao longo de sua escolarização sem nos comprometermos com sua aprendizagem, perpetuando antigos mecanismos de exclusão. Então, como fazer? É o grande desafio. Temos alguns pensamentos a respeito: • É preciso criar mecanismos que garantam que os professores acompanhem os alunos ao longo de cada ciclo. Mudanças freqüentes de professores nas turmas de cada ciclo, principalmente em todo final de ano, não contribuem para alcançarmos nossos objetivos. 93 • Quebrar ciclos é quebrar séries. Assim, agora nós nos organizamos a cada ciclo: a cada 3 anos. Pensamos que é importante formar o coletivo dos ciclos. O professor que trabalha com o primeiro ciclo, que se apropria da linguagem da infância, como a criança aprende e se relaciona, e o professor que possa acompanhar esse aluno por 3 anos. • A organização do tempo na escola para garantir que haja tempo para pesquisar, estudar, planejar, estar na regência. Em princípio, temos uma proposta de dupla de professores por turma, atendimento individualizado, oficinas, seminários, horários pedagógicos de estudo acompanhado, às vezes 2 professores na sala, às vezes 2 turmas com 3 professores, enturmar, por vezes não por idade mas por conhecimentos, construir outros coletivos na escola. A proposta curricular dessa escola deve explicitar com clareza as competências que serão trabalhadas com os alunos, ao longo do ciclo. Deve explicitar que tempo, que profissionais, que projetos, que metodologias, que avaliações deverão orientar a formação dos sujeitos. É importante pensar o currículo da escola e é importante que o coletivo defina como este deve ser: Qual o conhecimento que o aluno do 3o ciclo deve ter? O que é importante para o aluno do 1o ciclo? O que é essencial que o aluno do 2o ciclo conheça? Qual é a prioridade para o aluno do 3o ciclo? Qual é a metodologia mais adequada? Não importa que sejam atividades significativas ou projetos. É preciso que conheçamos, que demos sentido, que façamos a relação interessante com a vida, com os saberes, com a cultura, com a identidade. Processos, instrumentos e registros de avaliação A análise da avaliação deve dizer-nos que aluno é esse, qual é sua história de vida e escolar, o que ele já sabia, o que aprendeu, o que não aprendeu e por quê. Quais são suas potencialidades? Quais são suas dificuldades? Quando se tem um tempo maior com o aluno, pode-se fazer uma avaliação que não seja por nota. Se acompanho o aluno por 3 meses, posso avaliá-lo por outras formas além da nota de prova. A Escola Plural não propõe a promoção automática, uma vez que entende a formação como um processo que requer acompanhamento contínuo. A promoção automática não significa incluir, pois podemos correr o risco de não garantir o aprendizado necessário ao sujeito. A Escola Plural propõe o acompanhamento permanente do aluno. E se o aluno, apesar de tudo, não aprende? A escola deve elaborar um projeto pedagógico específico de ampliação da carga horária daquele aluno ao longo do ciclo: em atividades extra ou intraturnos, em acompanhamentos individualizados, em agrupamentos diferenciados e, em casos excepcionais, no final do ciclo. E, então, a Escola Plural pode reter o aluno no final do ciclo. Mas, é preciso que haja um projeto para o aluno que foi retido; hoje, trabalhamos mais sob a perspectiva da ampliação do tempo do aluno na escola, às vezes numa turma, dependendo da escola e dependendo da necessidade de intervenção. Por que a Escola Plural? Porque acreditamos que a inclusão, a cidadania e a dignidade só se efetivam com paixão, com conhecimento, com curiosidade, com acolhimento. E é isso que procuramos na construção de uma escola pública onde todos aprendam. Inclusão das crianças de 6 anos Em 1997, a Escola Plural incorporou crianças de 6 anos na medida da disponibilidade das vagas, mas ainda priorizando crianças de 7 anos. Em 1997, atendeu 3.079 crianças de 6 anos. Em 1998, atendeu 8.142 crianças de 6 anos. Em 1999 define-se politicamente a garantia de cadastro de inclusão de crianças de 6 anos. Nesse ano, incluímos 11.776 crianças. Atualmente, toda a rede recebe crianças de 6 anos no Ensino Fundamental. A criança pode entrar com 5 anos e 8 meses: o Estado de Minas Gerais recebe crianças com recorte em abril. 94 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O que significa incluir as crianças de 6 anos no Ensino Fundamental? Para nós, garantir mais tempo para formação escolar não significa ingresso precoce na escola. Significa, sobretudo, o direito a este nível de educação básica. Quando dizemos que estamos incluindo a criança de 6 anos nesse nível de educação básica, dizemos, também, que estamos estabelecendo uma lógica que para a Escola Plural e a lógica dos ciclos de idade de formação. A criança de 6 anos está mais próxima da de 7 ou 8 anos. Dentro da lógica biológica, acreditamos que a criança de 6 está mais próxima da de 7 e anos, do ponto de vista do desenvolvimento humano. Neste caso, trabalhando no primeiro ciclo as crianças de 6, 7 e 8 anos, estamos garantindo o ciclo da infância. Construir uma prática pedagógica que respeite as crianças, uma nova relação com o conhecimento: não é uma lógica perversa, nem uma lógica que acelera ou antecipa a aprendizagem. Ao contrário, garante às nossas crianças o tempo da infância, que é o tempo de aprender regras, de brincar de roda, de esperar a vez, de ensaiar o coral, de ler histórias, de ouvir histórias, de estabelecer rotinas, de respeitar o outro, de descobrir o nome, as letras. O fato de a criança entrar aos 6 anos no Ensino Fundamental não significa que se comece a ensinar nesse mesmo momento a decifração do código lingüístico. Respeita-se o tempo da infância. Entendemos que a Escola para crianças de 6 anos é por excelência um tempo de socialização, local que cada vez mais tem se constituído como um dos poucos espaços de vivência com outras crianças. 95 Ensino Fundamental de 9 anos Prof. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes Secretária Municipal de Guarulhos Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 96 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Sarau de Poesia Prof. Poeta Silas Corrêa Leite Escritor, Poeta e Ficcionista, Prêmio Lígia Fagundes Telles Para Professor Escritor. Autor de Porta-Lapsos, Poemas, 2005 Autor do e-book free “O Rinoceronte de Clarice”, no site www.hotbook.com.br/int01scl.htm Quando falo sobre poesia, começo com uma quadrinha: “Eu sou pobre, pobre, pobre/De marré, marré, marré/Mas eu tenho a alma nobre/Pois eu sou de Itararé...”. Sou de Itararé e sempre fui apaixonado por todas as minhas professoras! Aquele amor platônico. Fui bóia-fria, vendi sorvete, fui engraxate; vim para São Paulo, passei fome, ganhei ficha nos porões da ditadura, fiz Direito, passei anos na área e um dia fui fazer Geografia e descobri que era isso que eu queria ser: Professor!. Sempre escrevi, desde guri; como professor poeta agora, passei a escrever para vários sites, inclusive os que discutem a Educação, criticando a educação brasileira do ponto de vista do professor. É fácil dizer: “Trabalho 80 horas por semana”. Onde? Num gabinete, ganhando 10.000,00 por mês! Realmente, é um grande sacrifício! Nós, que trabalhamos lá na ponta do ensino, ganhamos menos do que um terço desse valor, por isso estamos, como se diz, “ralando!” O Prof. Dr. Pinotti, que me surpreendeu, em sua gestão, no trato da educação, disse: “Deve ser bom ser professor, se é poeta”. Eu respondi: “Sofre mais!” O professor, como o poeta, carrega a realidade nacional. Você, na ponta da escola sente o que foi o plano econômico, sente o que foi o jogo de ontem, sente o que foi a migração, a imigração... Tudo o que se planeja nos gabinetes, visto na ponta da escola, transforma-se em outra realidade: o aluno que não tem pai, que não tem mãe; as drogas, a impunidade - que é o grande mal deste país, pois tudo aparece na escola. E o aluno quer fazer justiça com as próprias mãos, porque a mãe foi morta, porque o pai está desempregado. E quem recebe o aluno assim? O professor. E eu, como professor, vou escrevendo essas “acontecências” do dia-a-dia, e vou fazendo os meus poemas; e vou lançando os meus livros e assim vou dando o meu testemunho. Vou começar este sarau lendo um micro-conto: “Renatinha, ali na esquina da Praça 3 Poderes, pedindo ajuda, todo dia, numa ladainha pegajenta, sonha uma outra realidade: “- Moço, dá um tostão pro café?” Na tristice da viajosa realidade, Renatinha podia dizer: “-Moço, dá uma esmola pra eu cheirar cola?” Não, Renatinha, coitada, mal sabe que pode morrer a qualquer momento – uma bala perdida. Então, a coitadinha sonha um novo céu e uma nova terra e, do fundo do seu coração triste, pensa em parar o cidadão de terno e gravata e dizer: “-Ser humano, me dá um abraço?” A questão, agora, do professor: “Que espécie de professores somos? Que espécies de alunos queremos? - Ou vice-versa: O que somos como alunos?” Vocês já se viram em cada sala de aula, no antigo primário, no ginásio, no colégio, na faculdade? Você era quietinho, você era santinho? Você estava numa “cela de aula” ou você pintava e bordava, como faz como professor? Infelizmente ou felizmente, a criança não vai deixar de ser criança porque é aluno. E a poesia pergunta: “-Que aula deve ser arquitetada para essa criança-ser-humano?” 97 Coloque-se no lugar da criança e diga: “Eu quero uma aula que tenha teatro, música, poesia, balé, história em quadrinhos, gibis”. Mas, no ensino fundamental? No ensino fundamental sim! Mas, no ensino médio? No ensino médio sim! Eu dou aula no ensino fundamental e médio, e começo uma história em quadrinhos. Eu faço o balão, faço os versos rimados e, se bobear, ainda canto um Rap meu para os alunos. “Professor, o senhor dá Geografia?” Sim!. Qual é a coisa mais importante do planeta Terra? -O ser humano. Nós modificamos o espaço, nós fazemos o espaço e nós temos esse espaço. A poesia do professor termina assim: “Faça a chamada do seu coração. Use a tarjeta da boa vontade. E pense, sendo o professor, o que você faria se estivesse ali, sendo aluno?. Você gostaria da aula que está dando?” Essa é a questão. Uma vez, numa palestra, perguntaram porque sou professor. Pensei em escrever um texto. E escrevi. E o texto diz: “Sou professor porque amo a vida, amo as pessoas, amo servir e trocar conflitos e esperanças. Sou professor porque creio na fé, creio no conhecimento, creio no amor. O amor move moinhos, montanhas e é para dentro do coração que se produz uma aula. Sou professor porque sei que pássaro que pode voar mais longe tem que partir primeiro. Sou professor porque acredito na distribuição do pão e da água além da vontade de viver intensamente. Sou professor porque confio na produção do conhecimento e da pesquisa. Sou o professor porque a alma da ciência é perseverança. Sou professor porque a palavra é doce, o livro é estandarte e a troca de bagagem é um elo de exaltação à vida. Sou professor porque sempre me encontro comigo mesmo em sala de aula. Sou professor porque lecionar é da lavra do humanismo. Sou professor porque acredito na vida e dar aulas é oferecer a mão estendida dizendo para o aluno: ‘Venha, venha... Vamos comigo para o futuro!.’ Sou professor porque, realmente, a docência é missão, é dádiva, é semeadura de tantas estradas que vão dar na alma humana. Sou professor porque faço parte da orquestra dos sensíveis. Sou professor porque me respeito e gosto de fazer o que faço. Sou professor porque descobri a fórmula de dar aula: Eu inspiro o aluno e o aluno inspirado vai receptar melhor minha didática, meu conteúdo, minha teoria. Sou professor também porque ser professor é a minha melhor melodia. Enfim, sou professor porque acredito no amor e sei que, como diz o poeta, “Toda madeira, quando tocada vira flauta” e o aluno é a madeira que vou fazer um ser cidadão, cheio de luz, cheio de amor. Por isso, sou professor”. A cada dia que volta para casa, o professor precisa ter a sensação do chamado “dever cumprido”. A propósito dessa idéia, escrevi um poema que está no site “Ao Mestre com Carinho” (procurando num buscador da web “Silas Corrêa Leite” há mais de trezentos sites com trabalhos de minha autoria, sempre sob a ótica do professor e, às vezes até criticando a ótica rasa do acadêmico): “Levanto-me todo dia para ir trabalhar Mas já sabendo que estarei dividido O péssimo salário, a condução, o lugar Além da desesperança, do sonho perdido 98 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Mas sigo em frente, buscando me encontrar Com a alma tristonha e o coração partido Não tenho casa, talvez nem tenha um lar Só Deus sabe o quanto eu tenho sofrido Cada sonho, cada busca é um pesar Que abala o meu espírito oprimido Mas, mesmo assim, eu tenho que lecionar E encorajar sonhos; tristezas, não divido E quando, à noite, chega a hora de voltar Tenho que estar consciente e é o que tenho sido Porque bem tarde, na hora de descansar Tenho que ter a certeza do dever cumprido!.” O poema ilustra muito bem o dia a dia do professor, sob a ótica daquele que precisa sobreviver, e vemos, na escola, professores que vendem Avon, salgadinhos, livros, tupperware; todos vendendo tantas coisas para complementar o salário e, no fim do mês, pagarem as contas que os 2 ou 3 salários das 2 ou 3 escolas já não pagam... Há a questão da mídia: quando a mídia critica o professor, faz isso sem provas. E quando o professor ganha a ação na Justiça ou mostra ter estado certo, a mídia não noticia; ignora. A mídia neoliberal está contra a educação pública?. O professor deveria estar ganhando 50% a mais na Prefeitura e a 150% mais no Estado. Não abordo essas questões na classe, claro, porque aquele é o lugar de aula e eu faço meu trabalho honradamente. Mas, nos fóruns de discussão, nos sindicatos, sou palavra forte e não tenho medo, porque estamos numa democracia. Quando me pedem conselhos, digo que o professor deve procurar seus direitos, fazer boletim de ocorrência, procurar um advogado. Quando o professor é agredido na escola, acabou a hierarquia. Não há prefeito, governador, presidente ou secretário da Educação, neste caso, porque o direito privado, pessoal está acima disso tudo, até do próprio estatuto ou regimento. Voltando à poesia: é difícil falar de poesia e Cazuza dizia muito bem: “Enquanto houver burguesia/Não vai haver poesia”. Eu digo: “Enquanto houver poesia ainda há de haver esperança...”. O professor é, sim, aquele que muda a história. Mas o professor está organizado? Vemos paralisações de professores em que poderia haver 200.000 professores e há 500. Por quê? Porque o professor não está conscientizado. Escrevo desde os 8 anos e fui descoberto por uma professora dentro da sala de aula. Aos 16 anos escrevia para o jornal da cidade, sempre estudando e admirando os professores e a educação como um todo. Digo que, depois do pai e da mãe, a pessoa mais importante da vida do aluno é o professor. Se o aluno não tiver consciência de que a pessoa mais importante na vida dele é o professor, fica muito difícil. É preciso discutir o dia-a-dia do professor. Discute-se muito nos fóruns, mas não o dia-a-dia do professor. Mais uma poesia: “O telefone toca e eu fico ligado/Preocupado, assustado/Em casa não tem telefone/E eu sou só mais um número errado”. 99 Às vezes estou escrevendo a matéria e vem a idéia da poesia. Estou escrevendo, encho a lousa, abro o caderno, leio os textos e vem uma poesia assim: “Pedagogia/O giz do professor feliz/Assobia”. Eu paro o texto que estou criando ali, fecho o parágrafo, faço um quadrinho no meio da matéria e coloco a poesia. A poesia de encerramento: “Pra que tanto celular/Com tanta falta do que falar?”. Perguntam-me quando aparece a idéia. Às vezes, estou no ônibus lotado e ouço alguém falar: “Estamos todos sozinhos”. Essa frase inspira-me e surge a poesia. Chego em casa e faço o poema: “Estamos todos sozinhos Além do que percebemos. Somos sempre tão mesquinhos Quem sabe até merecemos. Estamos todos sozinhos Basta olhar para nós mesmos”. Alguns dias após ter escrito esse poema, Cazuza faleceu. Compus um rock (fiz a música) com essa mesma letra. Expliquei isso aos alunos e sugeri que eles cantassem em sala de aula. Eles dizem que sou louco, mas prestam atenção, se interessam por todas as aulas. Louco? Ser professor não é fácil e ser poeta é mais difícil ainda, porque você sente a dor do outro, tem problemas. Porque você vê que o aluno pode não ter futuro, ou aquele aluno está condenado, ou aquele ser humano pode não ir longe. Isso dói porque você possui intuição, percepção. O professor tenta resgatar o aluno. Consegue? Nem sempre, mas vai fazer sempre o impossível. Site pessoal: www.itarare.com.br/silas.htm E-mail direto: [email protected] 100 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PALESTRAS 18.11.05 101 A Mídia e a Educação” e “O Ensino Socialmente Construído – O tempo Integral na Visão de Darcy Ribeiro” Carlos Heitor Cony Escritor Academia Brasileira de Letras Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 102 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Mídia e a Democracia, a Mídia e a Cidadania, a Mídia e a Educação Paulo Henrique Amorim Jornalista, escritor e apresentador do programa “Tudo a ver”, da Rede Record. Acaba de lançar o livro “Plin Plin”. Muito bom dia, professora Hilda Piaulino, secretário Pinotti, a quem devo este honroso convite e a possibilidade de nos reencontrarmos; secretário Callegari; meu colega Gilberto Dimenstein; e o grande escritor, romancista e jornalista Carlos Heitor Cony. As peripécias do cupido não permitiram que ele fosse meu sogro, mas eu tenho a honra de ter trabalhado com o Cony na TV Manchete, quando pudemos conviver e conversar ao longo de intermináveis almoços preparados pelo cozinheiro do Adolfo Bloch. É uma das memórias mais interessantes da minha vida de jornalista. Eu gostaria de dar dois lembretes, antes dessa minha breve exposição. O primeiro lembrete é que tenho a honra de vir aqui falar com professores e professoras e, lamentavelmente, devo dizer aos professores que a Ana Hickmann não veio. E às professoras devo lamentar também que, apesar de meus esforços redobrados, o Olivier Anquier não veio. Então, as senhoras e os senhores serão obrigados a conviver com este modesto repórter. Quero dizer também, diante do que vou expor agora – o tema do meu livro – que eu não fui, não sou nem serei brizolista. Embora o meu livro trate de um episódio da política carioca de 1982, eu não fui brizolista e não serei brizolista, até porque o Brizola já morreu. Mas esse livro, que eu acabei de escrever na companhia da jornalista Maria Helena Passos, de título “Plim Plim - A peleja de Brizola contra a fraude eleitoral” pretende ser uma discussão sobre o papel da mídia na democracia, o papel da mídia na cidadania e, por extensão, a questão da mídia e da educação. Eu tive a honra, também, de trabalhar com outro acadêmico, como o Cony, que foi o escritor mineiro Otto Lara Resende. Eu trabalhei com ele na Globo, e o Otto dizia que nós, jornalistas, entendemos de tudo, portanto, não entendemos de nada. Eu não sou especialista em mídia nem em educação. Mas eu acho que com esse livro aqui eu levanto alguns tópicos que gostaria de oferecer à reflexão dos senhores e senhoras. E esse livro ajudou a mim mesmo a refletir sobre alguns temas que me perseguem há muito tempo. O livro reconta um episódio de 1982, na primeira eleição direta para governador, depois do regime militar, quando o Leonel Brizola, depois de voltar do exílio, se candidatou a governador do Rio de Janeiro. Ele conta uma versão diferente da versão que aparece no livro “Os 35 anos do Jornal Nacional”. E foi o livro “Os 35 anos do Jornal Nacional” que me motivou a escrever o “Plim- Plim”. Naquela época, em 1982, eu era editor-chefe do Jornal do Brasil, o jornal que fazia oposição ao jornal O Globo, e o Jornal do Brasil e a Rádio Jornal do Brasil tiveram uma participação nesse episódio, que eu achei importante registrar. O que aconteceu foi: o SNI, que hoje se chama ABIN; uma parte importante da Justiça Eleitoral, que contratou uma empresa de computação chamada Proconsult; uma parte da Polícia Federal; e as Organizações Globo, através da televisão, do jornal e da rádio – todas essas instituições, através de um instrumento chamado “diferencial delta”, que consistia em pegar no computador votos para o Brizola, especialmente na Baixada Fluminense e na zona oeste do Rio, e convertê-los em votos brancos e nulos. Essa operação, essa fraude eleitoral, tinha como objetivo impedir a eleição do Brizola e eleger o candidato dos militares, o então deputado federal Moreira Franco. A operação levaria a um impasse entre a apuração feita por essa empresa Proconsult, e apurações alternativas, como a apuração feita pela Rádio Jornal do Brasil, que o Jornal do Brasil usava. Naquela altura, no Rio, era um fato muito interessante os cariocas irem para a banca de jornal e viam O Globo pendurado, dizendo que o Moreira Franco ia ganhar a eleição. E do outro lado o Jornal do Brasil dizendo que o Brizola ia ganhar a eleição. Qual era o objetivo dessa fraude? 103 O objetivo era criar um impasse. Esse impasse teria que ser arbitrado pela Justiça Eleitoral, e a Justiça Eleitoral daria vitória ao candidato dos militares. Isso não é uma especulação irresponsável. Todos nós vimos o que aconteceu no ano 2000, nos Estados Unidos, quando houve um impasse entre vários tipos de apuração, e uma emissora de televisão, a FOX, saiu na frente e disse que o Bush ganhou a eleição, as outras emissoras foram atrás e disseram que o Bush ganhou a eleição. Criou-se o fato consumado. Depois de instâncias e instâncias de decisão judicial, a Suprema Corte decidiu, com juizes de maioria republicana, dar a vitória ao candidato George Bush. O papel da TV Globo era, efetivamente, o da FOX: coonestar a fraude e criar um clima de “já ganhou” para o candidato dos militares. É importante observar que na história da Justiça Eleitoral no Brasil, quando se fala em eleições passadas e na utilização da urna eletrônica e do voto por computador, a história começa em 1985, quando foi feito o primeiro recadastramento eleitoral do Brasil no computador. Não há referência a essa tentativa de fraude em 1982. É importante observar que essa eleição de 82, no Rio, foi a primeira em que se usou o computador para somar todos os votos. Esse é o aspecto que esse livro tenta discutir. O segundo aspecto, evidentemente, é o papel da mídia na democracia. Eu vou usar aqui alguns dados que eu considero muito significativos, e se sustentam em dados oferecidos numa entrevista por Octávio Floresbal, presidente da Rede Globo de Televisão. Vejam só: a Rede Globo de Televisão tem 70% nos piores anos, nos melhores anos 78%, de toda a verba publicitária gasta em televisão. A Rede Globo consegue 70% de toda a verba publicitária gasta em televisão com 50% da audiência. Segundo Octávio Floresbal, a mídia televisão tem 60% de toda a publicidade do país, computando, jornal, rádio, outdoor, revista, anúncio classificado, flyer que se distribui na rua. Ao se somar toda a publicidade no Brasil percebe-se que 60% da verba vai para a mídia televisão. Se a Globo tem 70% de 60%, a conclusão a que se chega é que para cada 1 Real investido em publicidade no Brasil, nos piores anos da Rede Globo, 42 centavos vão para a Rede Globo de Televisão. Evidentemente que essa é uma concentração incompatível com o regime democrático pleno. Essa concentração não existe em nenhum tipo de democracia madura, não existe em nenhum tipo de democracia jovem, não é assim no México, não é assim na Argentina, não é assim no Chile, talvez seja assim na Rússia, onde o regime não pode ser exatamente qualificado de regime democrata. Isso é assim hoje, estamos falando de números de hoje, 2005, 2004. Imaginem como não era a força da Globo em 1982, no Rio de Janeiro onde fica a sede da Globo, quando a hegemonia da Globo era ainda maior que hoje. É importante observar também que essa situação que havia em 82 se reproduz hoje com uma pequena diferença. E se olharmos para o ambiente político em que nós vivemos, essa é uma situação que provavelmente não se alterará. E a mim como jornalista e como cidadão, que trabalhou na Globo e viu qual foi o tratamento que a Globo dispensou ao PT e ao então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, para mim foi um choque profundo quando vi que o primeiro ato do presidente Lula, depois de eleito, foi ancorar ou co-ancorar o Jornal Nacional ao lado dos meus colegas – e competentes – William Bonner e Fátima Bernardes. Um outro aspecto, já que falei no presidente Lula e no PT, que eu acho que esse livro pode contribuir para discutir, é que talvez valesse a pena fazermos um pouco a genealogia, a história, a biografia do movimento trabalhista no Brasil. Hoje existe uma percepção, ou uma impressão, de que há um monopólio do trabalhismo no Brasil, das idéias trabalhistas que, evidentemente, não nasceram no Brasil, nasceram fora do Brasil, mas seguramente não nasceram em São Bernardo do Campo. Esse livro talvez ajude a chamar a atenção para o fato de que existiu no Brasil durante muito tempo uma linha de pensamento trabalhista que nasceu com o Partido Republicano do Rio Grande do Sul, que vem lá de trás de Júlio de Castilhos, de Borges de Medeiros, de Getúlio Vargas, passa por João Goulart e chega a Leonel Brizola. 104 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Devo dizer também que aqui em São Paulo, é bom ressaltar, houve um partido chamado MDB, que foi onde de fato nasceu o moderno trabalhismo na região do ABC, e foi um partido que existia antes da existência do próprio PT. Acho que essas são questões que meu livro ajuda a discutir. Não que ele trate exatamente da genealogia do PT nem da genealogia do movimento trabalhista, mas chama a atenção para o trabalhismo que existia, as dificuldades que o trabalhismo teve para se implantar no Rio, com a intervenção do general Golbery do Couto e Silva, que não deu a sigla do PTB ao Brizola. E preferiu dar a sigla aos antecessores do ilustre deputado Roberto Jefferson. A outra questão para a qual eu gostaria de chamar a atenção, e já me aproximo do final, é a questão do voto no Brasil. Vamos falar dos mitos brasileiros. Faz parte da mitologia que nós, brasileiros, gostamos de acalentar e de alimentar, a mitologia da cordialidade, do brasileiro cordial. Embora, como todos sabem, senhores professores e senhoras professoras, o Brasil tenha a pior distribuição de renda do mundo, fora três ou quatro países da África. E eu não consigo perceber qual é a cordialidade que exista exista nessa desigualdade. Mas, enfim, somos uma nação cordial... Outro mito: somos também a nação que tem o voto mais seguro do mundo, o voto eletrônico do Brasil é motivo de inveja, de admiração em todo o mundo. Isto é uma mentira! O voto no Brasil não é seguro. E já que falamos de democracia, já que falamos de cidadania, vamos falar do elemento primordial, da origem, da semente da democracia que é o voto. O voto no Brasil é perfeitamente manipulável. Ontem na OAB, aqui de São Paulo, houve um seminário sobre a questão da segurança do voto no Brasil. Eu tive a honra de participar da mesa com o professor Jorge Stolfi, ilustre catedrático de Ciência da Computação da Universidade de Campinas, que, certamente, o professor Pinotti conhece. O professor Stolfi disse com toda a naturalidade: “Hoje, quando você vota no computador no Brasil, tudo o que você faz é entregar o seu voto ao arbítrio do programador do software daquela apuração”. Desde essa eleição de 1982, o Leonel Brizola defendeu a tese do “cadê o papelzinho?”. Cadê o papelzinho? O que o Brizola queria dizer naquela linguagem rústica dele, de engenheiro formado em Porto Alegre mas que usava uma linguagem de agricultor do interior do Rio Grande do Sul – ele preservava isso provavelmente por motivos políticos –, Brizola dizia que, sem o papelzinho, a eleição não pode ser recontada. Muito se disse que o Brizola era jurássico, era pré-paleocênico. Não é verdade. Não há nenhuma possibilidade de se conferir uma eleição no computador, se não tiver o papelzinho, se não tiver a comprovação física do voto dado pelo eleitor. Essa não é a opinião só do Brizola, não é a opinião só do professor Stolfi da UNICAMP, não é só a opinião só do professor Amílcar Brunazo, que é especialista na matéria, com quem eu participei desse seminário ontem. Como nós brasileiros gostamos de citar os americanos, como se fosse a comprovação definitiva da verdade que pretendemos afirmar, recentemente, nos Estados Unidos, uma comissão bipartite, liderada pelo expresidente Jimmy Carter, como se sabe do Partido Democrata, e por James Baker, um ilustre republicano que foi ministro do governo Reagan, ministro do governo George Bush pai, advogado do George Bush, filho, na pendência, no litígio da Flórida ... pois, Carter e Baker, o democrata e o republicano, contrataram o MIT – Massachusetts Institute of Technology - que é uma das principais universidades americanas, e fizeram uma série de recomendações para mudar a forma de votar e apurar eleições nos Estados Unidos, de tal maneira que os americanos evitassem o que aconteceu no ano 2000, na primeira eleição de Bush. Carter e Baker chegaram à conclusão de que precisavam acontecer, pra começar a conversa, duas coisas: primeiro, a Justiça Eleitoral não podia ser uma função política – não sei se sabem, mas nos estados americanos, o presidente do chamado Tribunal Regional Eleitoral é indicação do governador. Evidentemente, nós brasileiros criamos uma Justiça togada como Justiça Eleitoral e percebemos que isso que há nos Estados Unidos é uma aberração. A outra coisa que Carter e Baker dizem é que qualquer sistema eleitoral americano que deva ser um sistema eleitoral moderno, que possa enfrentar a fraude de maneira convincente, tem que ter o que eles chamam de paper track, o papelzinho do Brizola. 105 Como é que o papelzinho funciona ? Você aperta o botão na urna, imediatamente a urna imprime aquele voto num papelzinho, como se fosse o rol da lavanderia, como no jogo do bicho, como na compra com o cartão de crédito: você pega o papelzinho, confere se aquele, de fato, é seu voto, e deposita numa caixinha que fica embaixo da mesa. Quando o resultado eleitoral é contestado, você abre o resultado do computador e confere com a prova física, que são os papeizinhos que estão lá na caixinha. O Jimmy Carter fez isso na Venezuela. A oposição a Chavez não aceitou o resultado do referendo. Com a concordancia da oposição e do governo, Carter escolheu 4 ou 5, ou 40 ou 50 seções eleitorais, abriu o computador, conferiu o resultado do computador com o resultado do papelzinho, e Chavez ganhou. O Carter entronizou, botou a coroa de rei na cabeça do Chávez, foi embora e a oposição calou a boca. Então eu quero dizer aos meus amigos, professores e professoras, se tiverem a possibilidade de tratar dessa questão, que tem a ver com a democracia, em suas salas de aula, digam, por favor, digam que o voto do Brasil NÃO é seguro. E eu gostaria de agora encerrar as minhas palavras aqui com uma espécie de ficção política. Quero me despedir inquietando, lançando a semente da inquietação em todos aqui. Vamos admitir, de novo fazendo aqui um pouco de ficção política, que na semana que vem acabe definitivamente a blindagem do ministro Palocci, e o ministro Palocci caia. Vamos admitir que, daqui um mês, dois meses, três meses, acabe a blindagem do presidente Lula e a oposição consiga atingir o seu objetivo final, o impeachment. Toda oposição, a certa altura, tem esse como um dos objetivos, como aconteceu com o presidente Bill Clinton nos Estados Unidos, não estou falando nenhuma barbaridade –, que a oposição decida que está na hora de mandar o presidente Lula pra casa, e se abrevia o mandato do presidente Lula. Assume o vice-presidente José Alencar. E teremos, no ano que vem, uma eleição com os seguintes candidatos (também estou fazendo aqui mera especulação com o que eu leio nos jornais, porque eu não tenho nenhuma informação de cocheira, e não acredito que muita gente tenha a essa altura do campeonato): José Serra, Ciro Gomes, Garotinho, José Alencar, Cristóvão Buarque, pelo PDT, e Heloísa Helena, pelo PSOL. Eu não tenho nenhum compromisso com nenhum desses candidatos; estou querendo estabelecer um quadro hipotético para chegar à minha tese. A minha tese é a seguinte: com José Serra, Ciro, Garotinho, José Alencar, Cristóvão Buarque e Heloísa Helena é possível que tenhamos uma eleição razoavelmente apertada. Vamos supor que a diferença entre o segundo e terceiro candidatos, no primeiro turno seja, pelo computador, inferior a meio ponto percentual. A diferença entre o Brizola e o Lula em 89, para ver quem ia para o segundo turno com Collor, foi de meio ponto percentual. Vamos imaginar que isso se repita, agora, em 2006. Meio ponto percentual de diferença. Aí, o terceiro colocado diga: “fraude!”. E aí? Como garantir que a eleição não foi roubada no computador? Cadê o papelzinho? Muito obrigado. 106 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A invisibilidade do ser humano Gilberto Dimenstein Jornalista da Folha de São Paulo Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 107 FUNDEB – suas características e possíveis conseqüências para a educação no Brasil César Callegari Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE e Séc. Municipal de Educação de Taboão da Serra. Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 108 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Comunidade e Utopia Eduardo Almeida Acosta PhD em Psicologia Social pela Universidade de Cornell, Professor da Universidade Ibero-Americana de Puebla, atualmente é Presidente da ONG “Projeto de Animação e Desenvolvimento”. Desde 1977 tem colaborado com os conflitos interculturais, que envolvem a crise de identidade mexicana e o anseio por autonomia do povo indígena. Em 1989, fundou a Comissão de Direitos Humanos, em Sierra Norte de Puebla, para ajudar a população mais vulnerável a entender e lutar por seus direitos fundamentais. Atuou como Professor pesquisador em comunidades de Psicologia Social na Universidade Nacional do México. Suas áreas de interesse são: Psicologia Social, Direitos Humanos, Educação Popular e Métodos de Pesquisa Seus trabalhos acadêmicos levaram-no por todo o México, Coréia do Sul, Índia, Israel, Hungria, França, Estados Unidos, Brasil e Chile. Obrigado por essa apresentação. O tema que vou tratar esta tarde tem a ver com a Educação, mas, de alguma maneira, é um tema que abrange mais que a Educação. Intitulei-o de “Comunidade e Utopia”, porque, como eu dizia na apresentação de hoje de manhã, existe termos que, de alguma maneira, saem de moda, ou que se referem a aspectos que já não são importantes. E eu penso que dois desses termos são, precisamente, comunidade e utopia. Vou conversar sobre uma experiência de 33 anos de trabalho. Preferia chamar de fraternidade, mas também é trabalho de promoção e trabalho de Educação. Três décadas de vida e trabalho em comunidade. São cenários e cotidianidades locais e regionais na Serra Norte de Puebla. Infelizmente não tive tempo de preparar um mapa para que vocês pudessem ver onde fica o estado de Puebla. A cidade de Puebla fica a 120 quilômetros ao sul da Cidade do México, e eu trabalho em um dos 217 municípios deste estado. E esse município se divide em 8 jurisdições, eu trabalho em uma dessas oito, com uma população de aproximadamente três mil pessoas. Sob esses cenários locais e regionais incidem os projetos nacionais e internacionais. Nada do que acontece numa sala de aula ou do que acontece numa comunidade deixa de ser afetado pelo que acontece a nível nacional e internacional, como poderei demonstrar. Nessa comunidade, como em toda comunidade, há expectativas das pessoas que aí vivem. E junto a essas expectativas, que tem a ver com a Utopia, há um grupo de pessoas do qual eu faço parte, que viemos da cidade e decidimos migrar para o campo com algumas instituições com a finalidade de provocar, não mudanças, mas, intercâmbios com a comunidade. Essas são as perguntas, e acho que são perguntas vigentes a tudo que estamos tratando nesse Congresso: É possível uma sociedade mais justa? O que é possível a partir de uma microexperiência comunitária? (Vou falar dessa experiência, essa microexperiência, mas uma sala de aula, uma escola também são exemplos de microexperiência comunitária). Vale a pena sonhar neste mundo que está desencantado de horizontes utópicos? (Pois parece que tudo já foi feito, e muitas coisas não funcionam). Este é o sonho, ou como dizem os franceses “a aposta”, de um povoado chamado San Miguel Tzinacapan. Tzinacapan, como todos os lugares - como o de vocês aqui, Anhembi, como muitos outros lugares - têm esse nome porque tem a ver com características do local. Tzinacapan quer dizer “fonte de morcegos”, porque quando chegaram os fundadores da comunidade buscavam um lugar onde houvesse água e descobriram uma fonte e umas grutas. E quando entraram para ver o estado dessas grutas saíram de lá alguns morcegos, e daí vem o nome. Este é o sonho, esta é a aposta, e esta é a utopia. Pode-se interagir e propiciar um diálogo intercultural. E, para mim, este é um dos problemas mundiais atualmente, agora que há tanta migração em termos humanos de sul americanos, centro americanos e mexicanos para os Estados Unidos, para o Canadá e para a Europa, mais importante do que nunca se tornou o diálogo intercultural. E é importante para nossos países, que por definição são interculturais. 109 A outra aposta é que se podem criar estilos de vida mais humanos. Não justo este mundo, onde há um país na África que mede a metade da França, que tem nove milhões de habitantes, e que tem o mesmo orçamento que a Ópera de Paris. Não é justo. Como não é justo que um país como Haiti, aqui na América Latina, tenha um orçamento que é o mesmo que o da Universidade Autônoma do México. Por falar nesse mundo injusto que estamos, e este mundo injusto, além do mais, é um mundo de assimetrias. Nossa História Nacional no México, e creio que a do Brasil também, tem sido de interações assimétricas. A aposta, a utopia é que isso pode mudar. É necessário, e possível, um diálogo intercultural para enfrentar a crescente polarização social. Há cada vez mais pobres, há cada vez mais ricos. Os ricos são poucos, os pobres são muitos. E também para enfrentar o racismo vigente. No México demoramos muito para reconhecer que somos um país racista. Se lermos toda a literatura liberal do Século XIX, veremos, com toda a clareza, que a famosa “mestiçagem”, de que tanto falamos na América Latina, era uma forma racista de acabar com povos que tinham Cultura, Língua, e tradições. E, também, a aposta é, e isso eu digo também para a Educação e para todo o trabalho acadêmico ou educativo que realizamos, que devemos ir além da investigação, além da intervenção, além do acadêmico, porque os problemas não são acadêmicos, são problemas da vida, são problemas da realidade. Eu vou agora descrever dois grandes “protagonistas” dessa experiência. Primeiro, os povos da Serra, uma comunidade indígena que é uma das oito jurisdições de um município chamado Cuetzalan, que se caracteriza por expressões, intercâmbios e interpretações de sobrevivência e de celebração. Se há algo que distingue essa comunidade, como as comunidades tradicionais, é a necessidade de superar a fome. É por esta razão que os homens se reuniram no início, para evitar que morressem de fome. A sobrevivência. Não somente sobreviver, mas também celebrar a vida, a festa, que é algo tipicamente latino americano e eu diria que mais que de nossos povos é uma tradição brasileira. Sobrevivência e celebração. Trabalhamos num cenário de grupos domésticos, multifuncionais e de parentesco ritual que são fontes de relações próximas que se auxiliam em caso de necessidade. O seguro social já estava inventado há muito tempo, e essa função quem desempenha nessas comunidades são os “compadres”, os vizinhos. Aí também as relações pessoa/outro implicam símbolos, significados e comunicações de caráter dialógico e hierárquico. E aí uma explicação, porque um de nossos grandes obstáculos são as hierarquias em que vivemos em todas as nossas culturas. Há o que está em cima, há o que está embaixo, há o que manda, há o que obedece. Não sou contra um trabalho conjunto e racional, em que se aceitam outros pontos de vista. O que eu estou me referindo aqui é que temos que acabar com essas relações hierárquicas que impedem o desenvolvimento das individualidades. A sobrevivência coletiva nessas comunidades descansa em formas de superar os conflitos... [pausa] ... o conflito é humano. E, infelizmente, sempre falamos de resolver os conflitos, administrar os conflitos e não de vivê-los. Eu penso que temos que enfocar diferentemente este conceito de conflito. A utopia, então, nesses povos da Sierra é a esperança deles, a sobrevivência coletiva da comunidade e as celebrações cíclicas. A festa do Carnaval aqui no Brasil é uma festa cíclica também, é uma celebração. E vejam vocês que essas celebrações são realizadas pelas pessoas mais pobres das cidades do Brasil. Essas pessoas mantêm sua esperança graças a modesta revolução multicultural que dura 500 anos, uma dialética de resistência e apropriação. Esse é um dos “protagonistas” dessa experiência: os povos da Sierra. Agora falo aqui dos “Narodnikis de Novo Cunho”. Os Narodnikis eram intelectuais, profissionais que no Século XIX, na Rússia Tsarista, imigravam para o campo, para o meio rural, para criar uma nova sociedade. Foram os Narodnikis que combateram durante muito tempo Lênin porque se opunham à Revolução Mundial. E um amigo nosso que foi nos visitar, e havia lido essas histórias, nos chamava de Narodnikis de novo cunho porque éramos um grupo de urbanos que havíamos ido conviver com a comunidade indígena. O que somos, então, como equipe? Somos um espaço comunitário e uma comunidade de aprendizagem de um novo tipo de relações. Uma equipe, como há muitas ONGs no Brasil, como há muitas experiências iguais a esta que estou descrevendo. É uma experiência de convivência, reuniões mensais, avaliações e planejamentos anuais, e férias comuns. Por nossa experiência, projetos de vida, decisões comunitárias se processam, estou falando dessa pequena comunidade, em situações cara-a-cara de uma inquietação permanente, é a qualidade dos processos, que um professor meu chamava de “proximales”, uma palavra bonita que se refere a próximo, ao 110 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO que está mais perto de nós. Nós descobrimos que os obstáculos para a esperança compartilhada nós teríamos de enfrentá-los também, através de revisões de vida, diálogos interpessoais e apoio psicológico, para os casos de necessidade. Qual é a utopia? Qual foi a utopia deste pequeno grupo? Uma utopia de relações horizontais, onde um ser humano se relaciona com outro, e para dizê-lo de uma maneira gráfica, todos somos o mesmo tipo de chimpanzé. Relações horizontais, diálogos interculturais, e bem-estar modesto para todos. Todos somos o mesmo tipo de chimpanzé, mas temos culturas diferentes. Não é possível que haja um continente como a África e uma situação de tanta pobreza, ou a América Latina quando há riqueza acumulada em poucas mãos. E esta utopia precisa ser reajustada segundo condicionamento espaço-tempo. Falei de dois “protagonistas”. Como foi a inter-relação dessas duas comunidades? Uma pequena comunidade urbana que acreditava na vida, e uma comunidade que vive há anos sendo uma comunidade indígena tradicional. A vida é relação, o trabalho é relação. Corre-se o risco de inculcar utopias, de querer que o outro adote a nossa utopia, mas, também, corre-se o risco de depreciar utopias, a própria e a do outro. E aqui entra em jogo esta questão, que muitas vezes se conduz quando as pessoas querem fazer alguma coisa. Uma acusação quase imediata é a de paternalismo, mas nunca ouvi a outra acusação que é a de orfanismo, que é a parte dialética do paternalismo. E é a melhor maneira de dizer: “Eu não faço nada, porque não se pode mudar nada, e prefiro ficar tranqüilo na minha vida comum sem me meter em problemas”. O projeto foi de intervenções recíprocas, e esta é uma idéia importante entre comunidades. Finalmente, é importante na sala de aula que haja uma intervenção recíproca, e em pedagogia dizemos de muitas maneiras, do professor com o aluno, mas, também, do aluno com o professor. O aluno também pode intervir. Buscamos juntos, comunidade pequena e comunidade grande, novas formas de nos relacionarmos com a sociedade e de abrirmos horizontes. Todo este trabalho tem uma metodologia, que eu chamo de investigação-ação. Vocês no Brasil tem muitas experiências de investigação participativa, de investigação coletiva, os nomes variam, mas a nossa forma de realizar o trabalho foi de investigação e ação. Sabendo, contudo, que a vida vai além da investigação e além da ação. Para eles o que fizemos foi registrar e documentar a vida, as atividades comunitárias, a comunidade e a equipe permanentemente. O resultado deste trabalho, não é marketing, é este livro, que pesa um quilo, são 480 páginas que relatam os 30 anos desta experiência. Não é “Harry Potter”, nem “O Código Da Vinci”, mas é um livro que foi editado por oito instituições no México, nós o distribuímos e hoje está praticamente esgotado. É uma aproximação multimetodológica de investigação compromisso-participação. Insisto muito na palavra “compromisso”, porque é a palavra que está relacionada ao envolvimento. Em Ciências Sociais falamos muito em explicação, que são as teorias, em aplicação, mas poucas vezes falamos em envolvimento, que é esta parte do compromisso. E como disse Kenneth Gergen, um psicólogo muito atual, o que é a Psicologia e o que são as Ciências Sociais? “São construções retóricas comuns de conhecimento como um sucesso de relações”. Como disseram Sternberg e Grigorenko, numa tentativa de unificar a Psicologia. Eles propõem estudos multidisciplinares e integrados, enfocados em fenômenos específicos através de operações convergentes. E sem saber dessas definições, era exatamente o que estávamos fazendo. Nesta experiência, divido os 30 e tantos anos em 6 períodos. De 1973 a 1976, estou falando, portanto, de 33 anos, se forma a equipe. O interessante é que a equipe não foi iniciada por mim, foi iniciada pela que é, atualmente, minha esposa e trabalhou muito neste livro. Ela estudava Sociologia em Paris, era filha de um industrial da cidade de Puebla, e ao conhecer a situação do Estado em que vivia, decidiu estudar Sociologia. Então, é uma experiência iniciada por uma socióloga, de uma família rica de uma cidade muito conservadora, que é Puebla. Dizemos, e não sei como irão traduzir, uma experiência que foi iniciada por ‘meninas ricas’, ‘beatas’, de um catolicismo muito conservador, mas que tinham a intenção de transformar o mundo. O grupo inicial era formado por cinco mulheres. Combinando essas cinco primeiras, com as expectativas de 500 anos deste povo nativo, se inicia a equipe. De 1976 a 1981, cria-se a infra-estrutura, porque chegamos nós, os homens. Minha esposa costuma dizer que os homens não ficam tranqüilos, se tem 40 anos e não colocam um tijolo sobre outro. Temos que construir algo que seja visível. Mas, contudo, criou-se uma infra-estrutura, criaram-se quatro organizações camponesas e seguiu-se um pouco essa linha feminina tranqüila, passo a passo, em um projeto aberto e cheio de impaciência. 111 De 1982 a 1985, reforçaram-se essas quatro formas jurídicas: uma sociedade de produção rural, uma sociedade de solidariedade social, uma associação civil e uma cooperativa. Mas começam as tensões na equipe e na comunidade frente ao futuro. E as tensões aconteceram por culpa da nossa equipe, porque queríamos acelerar as coisas e não seguimos o ritmo da comunidade. Aparecem obstáculos locais, regionais e nacionais com relação à utopia em ação. Como eu dizia sempre, se você está fazendo alguma coisa que está bem, que está funcionando, não tarda a começar a ter dificuldades. Em 1983, vou contar rapidamente, tivemos uma acusação em um Juízo Público, onde estavam representantes de muitas organizações do Estado, a comunidade e nós no meio, a comunidade defendeu o que estávamos fazendo juntos. Em julho deste mesmo ano, em uma reunião de acadêmicos, ecologistas, antropólogos, sociólogos de toda a região, em um Congresso como este, uma das conferências era para nos atacar. Curiosamente, aqueles que nos defenderam foram nossos companheiros marxistas da Faculdade de Economia da Universidade de Puebla. E no final do ano, no Congresso Nacional Indígena, uma nova acusação que, também, não prosperou. Então, vendo como as coisas caminhavam bem, dizíamos que a nossa utopia era de autodesenvolvimento, etno-desenvolvimento e eco-desenvolvimento. Ou seja, uma sociedade que se constrói a si mesma, de acordo com sua Cultura, sua Educação, e de acordo com a defesa e proteção ao Meio Ambiente. Mas, já em 82, havia começado essa corrente econômica internacional, que conhecemos como neoliberalismo, e os efeitos dessa corrente nós começamos a sentir três anos depois. Vimos que aumentava a polarização social, crescia a vulnerabilidade das pessoas, começava o desânimo, e o que chamam hoje de dupla tentação. A dupla tentação é, ao ter uma ideologia muito clara, onde nós somos os bons e todos os outros são os maus, como os da Al-Qaeda e todos os grupos integristas que povoam o mundo. A outra tentação é a que fala Lipovetsky, a de ter o presente pragmático vazio, ou seja, se já teve a oportunidade e é um dos privilegiados, já não te importa se o mundo chegou ao seu limite. Já não há História, já não há ideologia, e se você está na parte privilegiada, está bem. Se, infelizmente, estiver na parte desprivilegiada, o eterno presente vazio, já não há mudança. Essas são as duas tentações: adotar uma ideologia e uma postura muito clara e, aparentemente, muito boa, mas que exclui os outros, ou deixar passar tudo. De 1993 a 2005, desestruturam-se as comunidades, porque começou a haver muita migração. Nossa equipe teve que migrar, a metade ficou na comunidade e a outra metade foi para as Universidades. Nós fomos para as Universidades por várias razões, mas, entre outras, para não depender nem do dinheiro empresarial, nem do dinheiro religioso, nem do dinheiro de Fundações Internacionais, nem do dinheiro de Fundações Nacionais. A partir de 89, praticamente, a experiência sustenta-se economicamente com o trabalho que desenvolvemos alguns nas Universidades e com o trabalho que os outros fazem nas comunidades. Houve ajustes interculturais necessários, quando as pessoas das comunidades quiseram ir para a cidade, e é onde ocorrem as contradições. Um amigo meu historiador estudou o Estado de Colima, nossa população de origem negra se disseminou e ocupou muitos espaços do país, a ponto de parecer que o México não tem essa parte africana, junto com a indígena e a européia. Este historiador me dizia que quando estudou os sobrenomes da população negra de Colima, correspondia exatamente à elite da cidade. Fala-se de um pequeno povoado na cidade de Colima, que se chama Suchitlan, que chamam de “o povo dos curandeiros”. E ele me disse que há 3 curandeiros, e na cidade de Colima há 100 curandeiros, ou seja, temos idéia de que o mundo indígena é um mundo que está fora das cidades e não é urbano, e já não é mais assim. Então, este autodesenvolvimento, este etno-desenvolvimento, e este eco-desenvolvimento de que falávamos, um pouco pomposamente, agora preferimos falar, mais modestamente, ao invés de autodesenvolvimento de sobrevivência digna, equalizão de culturas e prevenção de desastres. Como falar em autodesenvolvimento se temos Tsunamis, Furacões Katrina e Stan, enfim, tantos problemas do tipo ecológico? Quais foram esses caminhos de utopia? Criar um sistema intercultural de expressões, intercâmbios e interpretações onde duas culturas, bastante diferentes, começam a interatuar. Uma utopia de não-violência na condução do conflito. Uma utopia, que aprendemos com eles, compartilhada de sobrevivência digna. 112 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Quais foram as lições? Essas são algumas, que me parecem as mais importantes: construir uma utopia de fraternidade, como solidariedade intercultural e reconhecimento mútuo, que vai além da filantropia, do assistencialismo e, inclusive, do interesse científico. A necessidade, e isso eu digo em parte pessoalmente, de elaborar aspectos importantes da psicologia comunitária, tais como o conceito de realidade e utopia, de conflito e interação. A necessidade de projetos de envolvimento de vida para gerar outro conhecimento. Eu asseguro a vocês que se alguém tem o desejo de envolver-se com essa experiência educativa, da qual eu falava hoje de manhã, de professores envolvidos durante muitos anos com crianças, que se preocupam com sua saúde, com sua nutrição e com sua interação, esse envolvimento vai além da explicação e da aplicação. E a medida que tínhamos professores envolvidos, quer dizer, contentes consigo mesmos e fazendo na sala de aula o que sentem vontade, o que gostam. É o que eu sempre digo, nós somos bons, temos sucesso, realizamos coisas quando fazemos o que gostamos. Mas, uma utopia que não desvie atenção dos níveis macroestruturais da sociedade para a promoção do desenvolvimento humano e da capacidade coletiva de poder atuar. Eu me conformaria com essa forma do famoso empoderamento, que nossas comunidades não tem a capacidade de poder atuar. E aqui dou uma definição rápida do que entendo por comunidade. Comunidade é um processo de espaço comum, e digo espaço comum porque não falo mais de território nem de geografia. O espaço comum pode ser um espaço virtual também. Um processo cabe a cada comunidade de avaliar as coordenadas de seus espaços temporais, porque muda o espaço e muda o tempo em cada experiência, de rasgos utópicos variados. Interação, conflito e utopia são, finalmente, categorias psicossociais que nos ajudaram a analisar a experiência comunitária que vivemos. De maneira ideal, a qualidade de uma comunidade, de uma sala de aula, de uma escola, deve ser medida pela qualidade de seus laços sociais próximos e virtuais. E aqui usei a palavra virtual, ainda que a considere dentro do espaço comum como equivalente. E isso depende da qualidade, da interação, da condução do conflito, e da visibilidade da utopia. Em síntese, do que quero dizer hoje, qual seria a mensagem? A primeira mensagem é a implicação. Se o que vocês fazem implica que as coisas adquiram matizes diferentes e vocês aplicaram a sua ação, a possibilidade, além do sucesso, a possibilidade da fecundidade é muito grande. Fecundidade é uma palavra mais forte e mais rica que sucesso. Falamos muito de sucesso e falamos pouco de fecundidade, o envolvimento está ligado à fecundidade. A consciência macroestrutural, eu insisti muito essa manhã em política, a política nacional, a política internacional, afeta a tudo que fazemos. Precisamos renovar as analises e propostas comunitárias com essa nova definição de comunidade que é a dependência social necessária para que sejamos capazes de desenvolver nossas individualidades. Uma conquista do mundo ocidental, mas eu acredito que de todo o mundo, foi a conquista da individualidade. A idéia de comunidade era quase oposta a de individualidade, agora eu prefiro falar de uma comunidade de indivíduos. Essas três coisas: a implicação, a consciência do macroestrutural e a necessidade permanente de analise e de proposta. Isto é, também, obviamente utópico, porém são fatores decisivos para novas aproximações, para confrontar a polarização econômica e social, para criar valores positivos de realismo, desfrute e bem-estar coletivo. E finalmente, isso me parece mais ambicioso, para reestruturar toda a sociedade. Muito obrigado Debate Uma excelente pergunta: Por que tratou o tema da não-violência como utopia? Eduardo Almeida: Porque eu imagino que, aquilo que, de alguma maneira, eu experimentei, é que vivemos em tempos de violência e que, de alguma maneira, não tivermos alguma esperança de que isso pode mudar. E é isto que quer dizer utopia, uma insatisfação com o que se vive atualmente e um desejo de mudança. E neste sentido, se não estou satisfeito com a violência que impera no mundo e se desejaria que fôssemos criando um mundo onde as coisas se resolvem sem a violência. Aqui uma pergunta de grande atualidade: Se existe algum trabalho com os zapatistas nesse sentido. Eduardo Almeida: Não sei se chegam até aqui algumas publicações feitas pelos zapatistas, mas eles falam de um Estado que permanentemente cria formas de Governo. Os Caracoles Zapatistas dizem, precisamente, por essa idéia e as coisas que se fazem bem, são feitas com tempo e espaço. Eles falam de uma nova forma de pensar e de fazer, e de uma nova forma de conduzir o poder. De alguma maneira, e por essa experiência pessoal, nosso grupo esteve envolvido com eles, não no aspecto de guerrilha, embora o exército mexicano, quando se rebelou o comandante Marcos juntamente com os zapatista, imediatamente mandou o Exército para a nossa região, mas não 113 pode encontrar nada. Não houve nenhuma intenção de guerrilha naquela zona. Mas, de fato, essa migração de metade do nosso grupo, agora assim ao revés do campo para a cidade, foi provocada porque necessitávamos nos relacionar mais com o grupo acadêmico. A tal ponto que quando veio “A Marcha da Terra”, há 2, 3 anos, quando chegaram a Puebla, os zapatistas não foram para a Universidade Pública, eu digo isso com tristeza, porque lhes fecharam as portas. E para onde foram? Foram para nossa Universidade Ibero-Americana em Puebla, que é uma universidade jesuíta, particular. E encontraram tantos automóveis no estacionamento que pensaram que se tratava de uma fábrica. E aí se estabeleceu o diálogo entre os estudantes de uma universidade paga, pessoas ricas, digamos, com os zapatistas. A partir daí, começaram uma relação bastante direta, e há muitos intercâmbios, e a experiência que eles tem dos Caracoles zapatistas tem elementos bastante parecidos aos que temos vivido. Este livro fala sobre o comandante Marcos, não para que aprendam sobre nós, mas para que troquemos experiências. Também temos que dizer, porque vocês falaram da outra campanha, agora estamos preparando a eleição do Presidente da República, e infelizmente, os três partidos políticos se encontram em uma situação, onde os três estão envolvidos em denúncias de corrupção nos três. Então, os zapatistas disseram, por enquanto, o sistema partidário não deve ser levado muito em conta. Eu penso que é um erro, porque necessitamos dos partidos políticos, necessitamos de uma institucionalidade, mas, também, é necessário fazer alguma coisa quando o sistema não funciona. E essa é a proposta que eles tem agora, sair por todo o México, percorrer todo o país apresentando uma proposta de outro tipo de campanha política, não é para agora, não é para a eleição presidencial, e sim para o desenvolvimento do país. É uma experiência utópica. Quando houve o levante zapatista, me convidaram a uma reunião com a Câmara Britânica de Comércio, e estava um dirigente de uma associação empresários, um jornalista do Financial Times e eu. Todos disseram: “É uma experiência focalizada, que já tem 11 anos”. E eu disse: “Não. É uma experiência que se inicia com foco em um lugar pequeno, mas que vai perpetuar”. Se ouve falar pouco dos zapatistas, mas em geral, eu penso que essa definição de comunidade implica este aspecto importante. Há que se romper com os cerceamentos. Tenho um amigo que dizia que os homossexuais, quando se definem, com sua família e seus amigos, saem do armário. Eu não sou homossexual, acho que devemos respeitar as preferências, e esse professor dizia: “Quando os heterossexuais vão sair do armário?”. Isso é, basicamente, para falar da horizontalidade das relações. Tem mais uma questão: “As crianças dessa comunidade iam à escola? Como era essa escola? Como a escola recebeu esse trabalho? A escola mudou?”. Eduardo Almeida: Quando chegamos à escola de Tzinacapan, houve resistência à colaboração. Mas é uma resistência muito natural, quase sempre “as propostas” dos mestiços, foram contra eles. Se vocês lerem a História do México, é uma história de que cada avanço que dava o país, na Independência, na Revolução, ultimamente nessas mudanças que tem lugar, os perdedores sempre foram os indígenas. E parece que cada vez perdem mais. O que acontecia com os professores da escola? Era uma escola tradicional, era uma escola federal. Esta manhã eu expliquei algumas das mudanças que ocorreram no local. Vários professores se envolveram em parte da experiência, agora sim, com essa Universidade privada e paga, organizamos diplomados para as pessoas do povo indígena. E muitos professores pegaram esses diplomados e começaram a usar essa idéia do envolvimento. Professores que amam seu trabalho, que desfrutam de seu trabalho. Como eu dizia, hoje de manhã, há uma comunidade a 5 km de Tzinacapan que se chama Ayotzinapan, que querem declarar patrimônio da Humanidade pela UNESCO, porque os professores aprendem, as crianças aprendem, as crianças comem. Quando foram tirar fotos, o responsável nacional pela Educação bilíngüe e bicultural, encontrou com crianças alertas, que respondiam, que dominavam duas línguas, o espanhol e o indígena, que faziam artesanato, recuperavam suas tradições e que, segundo me falou uma psicanalista que estava fazendo pesquisas na região, não encontrou uma criança com baixa auto-estima. Tudo isso parece marketing, mas eu estou falando de uma experiência muito concreta. Pergunta da Cibele, da Escola Municipal de Educação Infantil. Ela diz o seguinte: “Os efeitos neoliberais levaram a desinstitucionalização da comunidade? Como reconstruir o sentimento de “pertencer” da comunidade naquela instituição, por exemplo, na escola? Eduardo Almeida: É uma pergunta que não é fácil de responder, porque vocês sabem que há um problema muito forte de imigração. No estado onde estive trabalhando, Puebla, há 500 mil pueblanos vivendo em Nova Iorque. Imagine se este fato não provocou uma mudança nas condições de vida das pessoas. A verdade é, como tudo isto afeta a escola? De muitas maneiras, mas, na medida em que, por exemplo, hoje a diretora nacional 114 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO de educação bilíngüe e bicultural, quando os supervisores, os coordenadores se dão conta que a parte do poder é criar uma atitude positiva para as mudanças. E que a parte de baixo, a base, também há uma atitude para a mudança, as partes intermediárias começam a reagir. Eu não me atreveria a falar do Brasil, mas na minha experiência, muitas vezes, infelizmente, os obstáculos se dão em níveis intermediários. Ou seja, não é a autoridade, não se pode falar dos presidentes e demais, mas muitas vezes há muito desejo da parte de cima, e muito desejo da parte de baixo, mas há pouco desejo de mudança nas instâncias intermediárias. A minha experiência mostrou que este é um problema interessante a levar em consideração. 115 Educação e Imunidades Tributárias Ives Gandra da Silva Martins Professor Emérito da Universidade Mackenzie, em cuja Faculdade de Direito foi Titular de Direito Econômico e de Direito Constitucional e Presidente do Centro de Extensão Universitária. Tem-se discutido, nos últimos tempos, a conformação das imunidades para instituições de educação e assistência social, razão pela qual este estudo será dedicado à minha pessoal inteligência do instituto constitucional e sua implementação legislativa. Tecerei variadas considerações, objetivando demonstrar que o artigo 150, inciso VI, letra “c”, ao falar de lei referiu-se à lei complementar e que tal lei complementar não pode criar restrições que não foram perfiladas na Carta Maior. A primeira delas diz respeito ao veículo legislativo adequado a explicitar a imunidade constitucional de impostos e contribuições, referentes ao § 7o do artigo 195 da Constituição Federal, das entidades de educação e assistência social. O Tribunal Federal de Recursos, antes da Constituição de 1988, em decisão do pleno, em cujo recurso fiz a sustentação oral, decidiu que a lei para definir as imunidades das instituições fechadas de previdência privada teria que ser necessariamente complementar. O argumento essencial residia no fato de que, estando a imunidade entre as limitações constitucionais ao poder de tributar, a Constituição passada definia como sendo função da lei complementar estabelecer tais limitações, por força do artigo 18, § 1o, da E.C. n. 1/69, assim redigido: “1o. Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar” (grifos meus). E se compreende a finalidade dessa disposição, visto que, se a regulação ao poder de tributar devesse necessariamente surgir da lei complementar explicitadora da Constituição, não se poderia admitir que leis ordinárias da União, de todos os Estados e de todos os Municípios definissem, no âmbito de suas competências impositivas, quais seriam as condições mediante as quais as imunidades poderiam ser usufruídas pelas instituições elencadas na lei suprema. O Ministro Moreira Alves, em conferência no XXIV Simpósio Nacional de Direito Tributário, claramente mostrou que nem mesmo cabe à lei complementar definir as condições ou requisitos para tanto, mas apenas explicitá-las, ao interpretar voto de Soares Munhoz dizendo: “Mas o Ministro Soares Muñoz não decidiu isso. Ele não estava tratando, aqui, de saber se era lei complementar ou não era lei complementar. Tanto que ele disse o seguinte: “Esse decreto-lei, anterior à Constituição Federal em vigor, não pode, no particular, ser aplicado. Porque ele impõe uma restrição à imunidade, a qual não se confunde com isenção; uma restrição que não está no texto constitucional”. Isso significava dizer o que? Dizer: “Nem lei complementar, nem lei nenhuma, pode impor uma restrição a uma imunidade que decorre da Constituição” (grifos meus). Como se percebe –o princípio é elementar e de conhecimento de qualquer estudante de Direito— é a lei ordinária que se subordina à Constituição e não a Constituição à lei ordinária, demonstrando, o Ministro Moreira Alves –até com certa irritação—, que não se pode aceitar a interpretação conivente de certas autoridades, de que a lei ordinária tudo pode, inclusive definir quais requisitos a que as entidades imunes devem subordinar-se, visto que se pudesse, à nitidez, sujeita estaria a Constituição aos humores do legislador de cada uma das entidades federativas, podendo elevar e reduzir os requisitos, conforme suas conveniências. 116 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Na referida decisão, o Tribunal Federal de Recursos declarou que: “Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível n. 101.394-Paraná - Registro n. 7174675. Rel. Sr. Min. Ilmar Galvão - Remetente: Juízo Federal da 3a. Vara - Apelante: União Federal - Apelada: Fundação C. de Previdência e Assistência Social - Suscitante do Incidente: Egrégia 4a. Turma do TFR - Advs.: Dr. Agnaldo Mendes Bezerra e Ives Gandra da Silva Martins. Ementa: Tributário. Entidades privadas de previdência social fechada. Instituições complementares do sistema oficial de previdência e assistência social (art. 35 da Lei n. 6.435/77). Inconstitucionalidade dos §§ 1o e 2o, do art. 6o, do DL. 2.065/83, que consideraram sujeitos ao imposto de renda os rendimentos de capital auferidos pelos entes da espécie. A assistência social, hodiernamente, não se resume à caridade pública, podendo também realizar-se por meio da previdência, que corresponde à assistência preventiva, destinada aos impossibilitados de continuarem trabalhando e à família dos que sucumbem. As entidades em tela, por isso, são beneficiárias da imunidade prevista no art. 19, 111, ‘c’, da CF, regulamentado pelo art. 9o, IV, ‘c’, c/c o art.14, do CTN, que não condiciona o beneficio à gratuidade dos serviços prestados, nem exige que sejam acessíveis a todas as pessoas indistintamente (RE 70.834-RS, RE 89.012-SP, RE 108.796-SP e RE 115.97O-RS). Argüição procedente. Acórdão: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas. Decide o TFR, em Seção Plena, por maioria, declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1o e 2o, do art. 6o, do DL 2.065/83, na forma do relatório e notas taquigráficas cons¬tantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Custas, como de lei. Brasília, DF, 30/6/88 (data do julgamento)” (DJ, 31 out. 1988)”, lembrando-se que, na Carta atual, não mais um único artigo cuida das limitações constitucionais ao poder de tributar, mas toda uma seção (II), do Capítulo I, do Título VI, assim denominada: “Das limitações do Poder de Tributar”. E é de se lembrar que o inciso II do artigo 146 da Constituição Federal declara que: “Art. 146 Cabe à lei complementar: ... II. regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”, estando, o inciso VI letra “c” do art. 150, dedicado às limitações constitucionais ao poder de tributar, assim redigido: “Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... VI. instituir impostos sobre: .... c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. A interpretação sistemática do art. 146, inc. II, com o artigo 150, inc. VI, letra “c” constante da seção das limitações constitucionais ao poder de tributar, não admite, portanto, que possa, cada legislador ordinário com competência impositiva de impostos --vale dizer, da União, dos 26 Estados, do Distrito Federal e de 5.500 municípios-- definir quais seriam as condições, de acordo com seus “interesses” e “necessidades”, para que tais entidades pudessem gozar da imunidade. Poderíamos chegar ao absurdo de ter um legislador municipal determinando que uma instituição de assistência social não seria imune de IPTU, com base em requisitos pelo burgo criados e União considerá-la imune, por força de requisitos conformados em legislação federal. Exatamente para impedir que 5.500 entidades federativas pudessem produzir 5.500 leis ordinárias definidoras dos requisitos necessários para a concessão da imunidade foi que, sabiamente, o constituinte exigiu que lei complementar (inc. II do art. 146) regulasse as limitações constitucionais ao poder de tributar das quais a imunidade é uma delas. 117 O Ministro Moreira Alves, na já mencionada ADIN n. 2028, prestou a devida relevância à reserva da lei complementar, no que foi acompanhado por outros nove ministros. Eis o trecho de seu voto: “É certo, porém, que há forte corrente doutrinária que entende que, sendo a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar, embora o § 7o do art. 195 só se refira a “lei” sem qualificá-la como complementar –e o mesmo ocorre quanto ao art. 150, VI, “c”, da Carta Magna--, essa expressão, ao invés de ser entendida como exceção ao princípio geral que se encontra no art. 146, II (“Cabe à lei complementar: ... II. regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”), deve ser interpretada em conjugação com esse princípio para se exigir lei complementar para o estabelecimento dos requisitos a ser observados pelas entidades em causa”. Tal matéria só não decidiu, na ocasião, porque havia outras inconstitucionalidades evidentes na lei 9732/99. E se tivesse que, no processo cautelar, declarar a necessidade de lei complementar, isso implicaria declarar, também, a inconstitucionalidade da lei 8212/91, que não fora objeto da ação. Considerou, todavia, de tal relevância o argumento e a poderosíssima corrente doutrinária –é a esmagadora maioria dos tributaristas— que preferiu transferir a discussão da tese para a decisão definitiva, ainda não ocorrida. S. Exa., todavia, proferiu a palestra inaugural no XXIV Simpósio Nacional de Direito Tributário do CEU, em que se discutiu o tema. Após suas considerações para aproximadamente duzentos especialistas em direito tributário, entre os quais, representantes do Poder Judiciário, Ministério Público, Universidades, Administração Pública e Advocacia, concluiu que a lei complementar é necessária para definir as condições para gozo das imunidades. O Ministro Moreira Alves, todavia, deixou claro que não cabe à lei infra-constitucional impor requisitos não constantes da Constituição, cabendo-lhe apenas explicitá-los: “O problema, aqui, não é saber se é só lei ordinária ou se é só lei complementar ou se é lei ordinária para os requisitos da estrutura da entidade e lei complementar para regular a limitação da competência tributária. Mas aqui é uma quarta posição. Diz: “Aquela lei é apenas a referente aos requisitos para se saber se uma entidade é ou não aquela entidade, que, pela Constituição, goza de imunidade”. Agora, fora daí, em se tratando de matéria que diga respeito a limi¬tação de imunidade, nenhuma lei pode estabelecer estas restrições. Por quê? Porque estas restrições são estritamente aquelas que estão na Constituição” (grifos meus). E as conclusões do referido Simpósio Nacional foram as seguintes: “2) Como deve ser interpretada a cláusula “atendidos os requisitos da lei”, constante do art. ISO, VI, c, da CF? Como significativa necessidade de lei complementar, remetendo, pois, ao art. 14 do CTN ou, pelo contrário, de que mera lei ordinária pode fixar os requisitos, extrapassando, inclusive, aqueles fixados pelo CTN?” Proposta da Comissão de Redação aprovada em Plenário: Comissão 1: Comissão 2: Comissão 3: A favor 74 62 26 162 Contra 6 6 A expressão constante do art. 150, VI, c, da CF - ‘atendidos os requi¬sitos da lei’ refere-se àqueles que, necessariamente, devem constar de lei complementar, veículo competente para regular as limitações constitucionais do poder de tributar (CF art. 146,11, e CTN, art. 14). 118 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Comissão 1: Decisão por maioria: - A favor: 74 votos. - Contra: 6 votos. Sendo a imunidade tributária uma limitação ao poder de tributar, a cláusula “atendidos os requisitos da lei” constante do art. 150, VI, c, da CF, deve ser interpretada sistematicamente, exigindo-se, por conseqüência, a estrutura exclusiva de lei complementar, em atenção ao disposto no art. 146,11, da CF e art. 14 do CTN. Comissão 2: - Decisão unânime: 62 votos. Os requisitos subjetivos e objetivos para o gozo de imunidade têm que ser instituídos por lei complementar, por força do art. 146, II, da CF. Comissão 3: - Decisão unânime: 26 votos. A cláusula “atendidos os requisitos da lei”, constante do art. 150, inc. VI, alínea c, da CF/88 deve ser interpretada sistematicamente em consonância com o disposto no art. 146, inc. II, da CF/88, eis que impõe a necessidade de lei complementar para dispor sobre imunidade, que consubstancia limitação constitucional ao poder de tributar e exige uniformidade de critérios. Entende, ainda, a Comissão que a lei complementar vocacionada é o Código Tributário Nacional (art. 14), que foi recepcionado nos termos do § 5.° do art. 34 do ADCT da CF/88”. Não tenho dúvida –em face da ADIN n. 2028, em que o Ministro Moreira Alves sinalizou a relevância da corrente que sustenta a necessidade de lei complementar para veiculação das imunidades e detectou a impossibilidade de termos 5.500 leis ordinárias das 3 esferas da Federação, cada uma delas regulando, conforme os humores do legislador, as imunidades dos impostos insertos em suas esferas respectivas de competência impositiva –que somente lei complementar pode explicitar o conteúdo da norma constitucional. Um segundo aspecto de relevância diz respeito ao conceito de entidade beneficente. Na já mencionada ADIN, S.Exa. o Min. Moreira Alves acompanhado por outros 9 ministros, declarou que a entidade filantrópica é espécie do gênero beneficente, que pode acobertar instituições filantrópicas e não filantrópicas - considerando estas até mais úteis, por terem maiores disponibilidades - desde que sem fins lucrativos. Escreve S.Exa. que: “Aliás, são essas entidades –que, por não serem exclusivamente filantrópicas, têm melhores condições de atendimento aos carentes a quem o prestam — que devem ter sua criação estimulada para o auxílio ao Estado nesse setor, máxime em época em que, como a atual, são escassas as doações para a manutenção das que se dedicam exclusivamente à filantropia”. (grifos meus) No voto do Min. Moreira Alves, cabe realçar aspecto relevante, qual seja, o de que considerou as entidades sem fins lucrativos não filantrópicas não suscetíveis de sofrerem por parte da lei limitações não existentes na Constituição: “De outra parte, no tocante às entidades sem fins lucrativos educacionais e de prestação de serviços de saúde que não pratiquem de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, a própria extensão da imunidade foi restringida, pois só gozarão desta “na proporção do valor das vagas cedidas integral e gratuitamente a carentes, e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial”, o que implica dizer que a imunidade para a qual a Constituição não estabelece limitação em sua extensão o é por lei”, o que considerou inconstitucional. 119 Um terceiro aspecto mister se faz considerar, ou seja de que as instituições educacionais são consideradas de assistência social, se forem sem fins lucrativos. É, ainda, S.Exa. quem esclarece: “Do exame sistemático da Constituição, verifica-se que a Seção relativa à Assistência Social não é exauriente do que se deve entender como Assistência Social, pois, além de não se referir a carentes em geral, mas apenas a família, crianças, adolescentes, velhos e portadores de deficiência sem sequer exigir de todos estes que sejam carentes, preceitua, em seu art. 203, que ela se fará independentemente de contribuição à seguridade social, a indicar que será gratuita, o que só se compatibilizará com o disposto no § único do art. 149 –que permite que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam contribuição cobrada de seus servidores para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social — se se entender que, para a Constituição, o conceito de assistência social é mais amplo não só do doutrinário, mas também do adotado pelo art. 203 para a disciplina específica prevista nele e no dispositivo que se lhe segue” (grifos meus), demonstrando que a interpretação possível do artigo 203 implica sentido mais abrangente da imunidade. Pessoalmente, considero que, por ser a imunidade uma vedação absoluta ao poder de tributar, sua exegese só pode ser extensiva, visto que, outorgar a faculdade, ao ente tributante --com seus permanentes problemas de caixa—, de definição do que seria o instituto, poderia transformar, em verdade, o poder regulador, em poder aproveitador, reduzindo o intuito constitucional de permitir que instituições sociais ou educacionais façam o que o governo deveria e não faz com seus tributos. Em outras palavras, como no passado salientou o Ministro Thompson Flores, no RE n. 80.603-SP: “PAPEL DE IMPRENSA - ATO INEXISTENTE - INTERPRETAÇÃO LITERAL. Não são as dimensões (variáveis segundo o método industrial adotado) que caracterizam o papel para impressão. Ao contrário da isenção tributária, cujas regras se interpretam literalmente, a imunidade tributária admite ampla inteligência” (grifos meus), a imunidade tem que ser interpretada extensivamente --como de resto o foi na ADIN 2028-- para evitar a mutilação do desiderato constitucional, de permitir que tais instituições façam pelo país, o que o governo não faz. Infelizmente, as Universidades Federais, apesar de receberem 18% de impostos federais (artigo 212 da C.F.) arrecadados e agregarem apenas cerca de 30% do alunado, estão quase sempre em crise. O certo é que a imunidade tributária, constantemente, tem recebido interpretação extensiva –e sempre quando se faz necessária— para atalhar a ânsia e voracidade dos fiscos. No caso das instituições de ensino, foi reconhecida por S.Exa., o Min. Moreira Alves e mais 9 ministros, ao dar uma inteligência abrangente do art. 203 da C.F., conforme transcrição anterior. Um quarto aspecto é de se considerar. O artigo 213 da C.F. declara que: “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I. comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II. assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades”. Ora, o requisito I, alargado, encontra-se no artigo 14 do CTN, cuja redação repito: 120 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO no seu resultado; II. aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III. manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. abrangendo, pois, até mais do que a Constituição exige. São, de resto, os únicos requisitos possíveis para que o Brasil tenha sua regulação das limitações ao poder de tributar, fundamentada em uma única concepção de imunidade e de condições, e não 5.500, como seria o caso, se fosse a lei ordinária, e não a complementar, a explicitar a Constituição. Quanto ao inciso II, quase todas as instituições sem fins lucrativos, filantrópicas ou não, têm o dispositivo colocado em seus estatutos. Ora, o que o art. 213 está determinando, é que as instituições de educação imunes por força dos artigos 150, inc. VI, letra “e” e 195, § 7o, filantrópicas ou não, desde que sejam sem fins lucrativos e preencham os requisitos dos seus incisos I e II, não só gozam de imunidades, como podem receber recursos públicos. De qualquer forma, o art. 213, em nenhum momento, cuida de imunidades, sendo, portanto, imprestável para sustentar argumentação no sentido de que a imunidade é um recurso público colocado nas escolas. E, aqui, já cuido do quinto ponto preambular. Que é uma imunidade tributária? É a vedação absoluta ao poder de tributar. Ao Poder Público está interditado entrar em determinadas áreas para tributá-las. Não há que se falar em renúncia fiscal, nas imunidades, visto que nada se pode tributar em relação a estas situações, pessoas ou bens, constitucionalmente protegidos da imposição fiscal. Não há, portanto, renúncia a nada e se não está renunciando a nada, não está versando “recursos públicos” decorrentes da imunidade, nas instituições mencionadas no art. 213. O artigo 213 cuida, portanto, de recursos efetivos, e não de “renúncias” ao que não existe, ao que o Poder Público não tem, à proibição do “direito de tributar”. Em palavras definitivas, não pode o Poder Público considerar a imunidade uma renúncia fiscal, visto que não pode renunciar àquilo que nunca teve e nunca terá, visto que as imunidades são cláusulas pétreas da lei maior. Com efeito, nem lei ordinária, nem lei complementar, nem emenda constitucional podem alterar as imunidades tributárias, por serem cláusulas pétreas, por força do art. 60, § 4o, inc. IV da C.F.: “§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ... IV. os direitos e garantias individuais”. E para a constatação de que as imunidades são cláusulas pétreas, basta atentar para o “caput” do art. 150 da C.F. que diz: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II- instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 121 “O disposto na alínea “c” do inc. IV do art. 9o é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I. não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação III- cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; IV- utilizar tributo com efeito de confisco; V- estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”, (grifos meus) sendo, seu inciso VI, totalmente dedicado às imunidades. O que diz o art. 150 “caput” é que, além de todas as garantias expostas nele, há outras asseguradas na Constituição. As imunidades, entretanto, estão expressamente contempladas. Um sexto ponto merece consideração e diz respeito à autonomia das Universidades. O art. 207 da Constituição Federal declara que são autônomas as Universidades, estando assim redigido: “As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (grifos meus). Não há condicionamento a esta autonomia, nem pode haver restrição legal a turvar a eficácia dessa autonomia. Se a lei ordinária ou complementar pretender reduzir a ampla autonomia que a Constituição assegura, será uma lei complementar ou ordinária inconstitucional. É interessante que o art. 207 não condiciona a autonomia aos termos da lei, mas apenas declara que as Universidades e os institutos de pesquisas são autônomos e, neste particular, a lei não pode reduzí-la. Um sétimo ponto merece consideração, a saber: o art. 209 da C. F. só impõe ao ensino privado duas condições, ou seja, cumprir as normas gerais de educação, que não podem ser restritivas, e ser avaliado pelo Poder Público. Está assim redigido: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I. cumprimento das normas gerais da educação nacional; II. autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”. Ora, preenchidas as duas referidas condições, a Universidade privada, constitucionalmente, deve ter autonomia nos termos do art. 207 e se for beneficente (filantrópica ou não filantrópica sem fins lucrativos), não pode sofrer qualquer restrição não existente ou admitida pela Constituição. Um oitavo aspecto há de ser considerado. O artigo 170, § único, da C.F. declara que: 122 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”, mostrando que não pode haver restrição – e a Constituição não a impõe, no capítulo da educação—às instituições universitárias, desde que preencham exclusivamente a lei de diretrizes e bases, devendo ser reconhecidas e não obstaculizadas. Qualquer restrição que implique limitar sua atuação, passando a ter que responder por ações próprias do ensino público universitário, é manifestamente inconstitucional. É de se lembrar que, obedecidas as condições constitucionais dos arts. 207, 209, 213 da lei suprema, as instituições sem fins lucrativos (filantrópicas ou não) não podem ser impedidas de atuar, em virtude de restrições não constitucionais. O dispositivo está, de resto, vinculado ao disposto no artigo 174, “caput”, segundo o qual, quanto à iniciativa privada, o planejamento econômico é meramente indicativo, estando assim redigido: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. (grifos meus) Ora, qualquer planejamento econômico oficial que imponha ônus ao segmento privado é inaceitável, principalmente se a não adesão ao planejamento econômico meramente indicativo acarretar sanções ao que não desejar nele ser incluído. Em outras palavras, sendo livre à iniciativa privada o ensino universitário, desde que respeitados os parâmetros do artigo 209 e 213, quando se trata de instituições filantrópicas, à evidência, aplica-se a tais instituições os arts. 170, § único e 174 da Carta Maior, que impedem o planejamento econômico obrigatório, para o segmento privado - o que, no caso das instituições universitárias privadas, ocorreria com o PROUNI, ao condicionar a sua não adesão a determinadas sanções. Um nono aspecto é de ser considerado. E é elementar. Imunidade não se confunde com isenção. Embora seja sempre desagradável a auto-citação, mas por questão de facilidade, em face da urgência requerida, explico, de forma didática, a diferença entre isenção, não-incidência e imunidade, transcrevendo trecho do livro “Direito Empresarial”: “A imunidade é o mais relevante dos institutos desonerativos. Corresponde vedação total ao poder de tributar. A imunidade cria área colocada, constitucionalmente, fora do alcance impositivo, por intenção do constituinte, área necessariamente de salvaguarda absoluta para os contribuintes nela hospedados. A relevância é de tal ordem que a jurisprudência tem entendido ser impossível a adoção de interpretação restritiva a seus comandos legais sendo, obrigatoriamente, a exegese de seus dispositivos ampla. Compreende-se o desenho pretoriano, visto que os crônicos “déficits” públicos, cujo mérito não nos cabe examinar na área específica do direito tributário, eis que de reflexo jurídico apenas no campo do direito financeiro e econômico, terminam por gerar tentações ao poder tributante de reduzir o espectro de atuação da norma vedatória. A fim de fulminar tais conveniências exegéticas, o Supremo tem, reiteradamente, insistido que a imunidade só se pode interpretar extensivamente. A publicidade obtida pelos próprios jornais, apesar de não constar expressamente do art. 19, inc. III, letra “d” da E.C. n. 1/69 nele foi incluída por força de decisões da mais alta Corte.. Na imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal, nem do conseqüente crédito, em face de sua substância fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional. Independe, portanto, das vontades legislativas das competências outorgadas pela lei maior. 123 A não-incidência, materialmente, se reveste da mesma estrutura. Não há nem nascimento da obrigação tributária, nem do crédito respectivo, em face de que as pessoas ou situações postas fora da imposição não geram, por seus atos ou ocorrências fáticas, nem obrigação, nos termos dos arts. 113 e 114 do CTN, nem crédito correspondente (arts. 139 e 142), que é o ingresso para o universo administrativo, em nível de conhecimento e ação, do vinculado fato gerador. A diferença reside, todavia, na origem do instituto. Na hipótese de não-incidência impede-se o surgimento da obrigação e do crédito, porque o Poder tributante, que pode, não deseja poder. Tem a faculdade constitucional de impor, mas abdica do exercício de sua capacidade. Na imunidade, o Poder tributante não tem qualquer poder. Não abdica do exercício de nenhum direito, porque não tem nenhum direito à imposição. Na não-incidência, o Poder tributante poderá preencher a área não acobertada por sua ação, sempre que o desejar, através de atos oriundos de suas casas legislativas, direta ou indiretamente. Desta forma, a não-incidência se constitui no abandono do exercício da competência impositiva, não por falta de capacidade, mas por ato de príncipe, enquanto na imunidade tal exercício está definitivamente proibido. A não-incidência cria área provisória de afastamento da obrigação tributária, enquanto a imunidade, área definitiva. Embora com conseqüências semelhantes, no concernente aos efeitos sobre o sujeito passivo da relação tributária, a isenção difere das duas outras figuras legislativas. É que na isenção nasce a obrigação tributária, sendo apenas excluído o crédito correspondente. Tal colocação decorre do art. 175 do CTN, assim redigido: “Art. 175. Excluem o crédito tributário: I. a isenção; II. a anistia. § único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüentes”. O STF adotou a interpretação acima (nascimento da obrigação tributária e eliminação do crédito), a partir dos polêmicos casos de créditos escriturais de ICM nas importações de matérias-primas antes da E.C. 23/83. Negou, por outro lado, direito ao mesmo nas hipóteses de diferimento da incidência. É que, no primeiro caso, a hipótese configurava-se como de isenção (nascimento da obrigação tributária e exclusão do crédito), razão pela qual a obrigação nascida gerava direito a crédito escritural, que não se confunde com crédito tributário. No segundo, a hipótese ganhava a tonalidade de não-incidência, com o que a inexistência de nascimento da obrigação tributária acarretava o afastamento de pretenso direito a crédito escritural, inviável por força da não-incidência. Desta forma, na isenção nasce a obrigação tributária, não nascendo o crédito tributário, vale dizer, a obrigação tributária existe, mas o Poder Tributante concede o favor ao contribuinte de não convertê-la em crédito tributário. O que o governo não pode é confundir a imunidade - que é uma vedação absoluta ao poder de tributar, ou seja, área interditada à ação impositiva do Fisco - com isenção, que os governos podem conceder –e aí é concessão — em face de determinados preceitos de interesse da comunidade, e com “não-incidência”, que corresponde ao não-exercício do poder impositivo. No que diz respeito às entidades imunes de educação, não se trata de entidades isentas, visto que não é a lei ordinária que outorga a isenção, mas sim a Constituição que proíbe a tributação. E um último ponto de extrema relevância diz respeito ao princípio da igualdade. A Constituição proíbe que brasileiros sejam tratados desigualmente. O aluno universitário, seja ele qual for, deve ter os mesmos direitos, não podendo a lei discriminar dizendo que as minorias têm mais direitos que as maiorias, inclusive o direito de ingressar com menor qualificação técnica, nas universidades públicas e privadas. Estou convencido de que por força do art. 3o, inciso IV, da Constituição, assim redigido: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV. promover o bem de todos, sem 124 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. não pode haver discriminação de qualquer natureza. Em outras palavras, o branco não pode ser discriminado em relação ao preto, por ser branco, risco de se ferir o art. 3o da C.F. É de se lembrar que o constituinte usa expressão de indiscutível densidade, ao dizer “quaisquer outras formas de discriminação”, além das enunciadas. Entendo que as políticas públicas, os recursos públicos –nas imunidades não há recursos públicos—podem ser direcionados às minorias, através de ações afirmativas. O que não pode haver é discriminação das maiorias, por força de uma concepção errônea do princípio da igualdade e “da não-discriminação”, que leva o branco a ser um cidadão inferior ao negro, em face de estes estarem privilegiados por técnicas e qualificações a que aqueles não têm acesso. Enfim, não pode a lei ordinária criar qualquer discriminação, em relação a todas as imunidades, até porque, por força do “caput” do artigo 5o da C.F., assim redigido: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...”. (grifos meus) No Brasil, todos são iguais perante a lei, não podendo ser discriminados, por preconceitos ou ideologias, alguns cidadãos em relação aos outros. E no ensino universitário, principalmente, visto que, as ações afirmativas deveriam levar o Estado a dar ensino básico de igual qualidade às minorias despreparadas, e não pretender que, no ensino universitário, se outorguem privilégios não técnicos ou em decorrência da má qualificação, àqueles a quem o Estado negou-se a dar, no ensino básico, a qualificação necessária. Não se constrói um prédio sem alicerces. Um prédio de 3 andares não se começa a construir pelo 3o andar, mas pelas fundações. Todo o projeto que pretende nivelar, no ensino universitário, o que o governo se omitiu em fazer, no ensino básico, é discriminatório e desisonômico, não merecendo, pois, a albergagem da Constituição. E, à evidência, proibir que determinados cidadãos tenham acesso a financiamento para cursar universidades privadas, a não ser que cursem as Universidades que o governo escolha --o que implica planejamento obrigatório para o setor privado, que é inconstitucional-- é forma não só discriminatória, como fere fantasticamente o princípio da igualdade. Em face dos 10 pressupostos atrás examinados, tenho entendido, em pareceres, conferências, artigos e escritos que todos os projetos de lei ou leis –há no Rio de Janeiro lei estadual impondo ações afirmativas— que buscam turvar a clareza da distinção entre imunidade e isenção, ou criar discriminações e desigualdades inexistentes na Constituição, são inconstitucionais, merecendo, pois, a matéria melhor reflexão de todos os operadores do direito tributário, nas Universidades, Magistratura, Advocacia, Ministério Público e Administração Oficial. IGSM/mos a2006-053 EDUC E UNIVERS 125 A Situação educacional da juventude paulista Professor Julio Jacob Waiselfisz Coordenador do Setor de Pesquisa e Avaliação da UNESCO – Brasil Por motivos técnicos, não foi realizada a gravação. 126 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O amor pela Leitura José Mindlin Presidente da Sociedade de Cultura Artística de São Paulo e do Conselho Editorial EDUSP (Editora da USP) Por motivos técnicos, não foi realizada a gravação. 127 Afro-Brazilian Culture and History is African Culture and History Mwalimu Shujaa Fort Valley State University – EUA Por problemas na transcrição, não foi possível publicar o texto. 128 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O Crescimento Infantil José Augusto de Aguiar Carrazedo Taddei, Vanda Mafra Falcone, Vânia Vieira Costa, Denise Ely Bellotto de Moraes, Luiz Anderson Lopes, Fernando Antonio Basile Colugnati, Gisela Paraná Sanchez A importância do estudo do processo de crescimento e desenvolvimento deve-se ao fato de que a forma como esse processo se realiza pode ser usada como indicador de saúde individual e coletiva. O crescimento do indivíduo depende de seu próprio organismo e do ambiente onde vive; o primeiro representado principalmente pelos sistemas nervoso e endócrino, e o segundo, pelas condições ambientais, físicas e psicossociais, favoráveis ou desfavoráveis, e que podem atuar antes ou depois do nascimento (Marcondes & Setian, 1989; Siqueira, 1991). Nutrição e crescimento estão intrinsecamente associados, já que, se as crianças não forem atendidas em suas necessidades nutricionais básicas, não conseguirão atingir seus potenciais genéticos de crescimento, o que acarretará déficits estaturais para sua idade (Sigulem & Taddei, 1998; Engstrom & Anjos, 1999). O avanço do conhecimento sobre o crescimento dependerá de interações entre disciplinas ligadas à Biologia, como a Medicina e a Nutrição, e às Ciências Humanas, como a Sociologia e a Psicologia, e mesmo às áreas que, per si, já são interdisciplinas, como a Saúde Pública e a Epidemiologia (Siqueira,1991). Os fatores psicológicos e de estimulação social há muito são considerados de grande importância no desenvolvimento neuropsicomotor e intelectual da criança. Só recentemente, no entanto, se reconhece a importância dos referidos fatores para o crescimento físico. O crescimento humano caracteriza-se por fases nitidamente diferentes: o intra-uterino, de grande velocidade de crescimento, da concepção ao nascimento, que sofre grandes influências maternas; primeira infância ou de lactente, do nascimento aos 2 anos de idade aproximadamente, caracterizada pela desaceleração da velocidade de crescimento; segunda infância ou idade pré-escolar e escolar, período de equilíbrio e crescimento uniforme; adolescência, que se estende mais ou menos entre 10 e 20 anos de idade, marcada pela aceleração de crescimento induzida pelos hormônios de crescimento e pela idade adulta, em que ocorre a parada do crescimento com a fusão das epífises (Marcondes & Setian, 1989; Martins, 1993). Fatores Emocionais Envolvidos na Gestação A decisão de ter um filho é um passo complexo hoje, mais do que no passado, porque os métodos anticoncepcionais e as técnicas de procriação artificiais permitem que se evite ou que se escolha um nascimento. Ter um filho está na sociedade moderna, muito mais ligado à escolha e aceitação da responsabilidade por parte dos pais (Garbar & Theodore, 2000; Szejer & Stewart, 1997). Antigamente, quando uma mulher tinha um filho, a família podia ajudá-la, substituí-la, pois outros membros da família viviam sob o mesmo teto que o casal. A geração das famílias nucleares acrescentou muitas dificuldades materiais, sobretudo, nas grandes cidades. Para gerar filhos hoje é preciso ser capaz de assumir e de arcar inteiramente com as necessidades da família. É cada vez mais raro que um homem jovem, sozinho, possa sustentar mulher e filhos. Essa é uma das razões por que, muitas vezes, a mulher é obrigada a assegurar uma posição profissional antes de assumir a maternidade (Szejer & Stewart, 1997). A chegada do primeiro filho é um dos eventos mais desafiadores da vida. É uma oportunidade para o crescimento pessoal em direção à maturidade. Um bebê presenteia uma pessoa com a oportunidade de “tornarse uma família” (Brazelton, 1988). Desejar uma criança é, em primeiro lugar, responder a uma necessidade instintiva e visceral de reprodução. Mas é, também, expressão do amor e do desejo de criar, com a pessoa que se ama, uma célula familiar. O desejo de ter um filho representa etapa importante na vida dos pais. Tornando-se pais deixa-se de algum modo 129 de ocupar o lugar de filhos, criando-se nova relação com os próprios pais e modificando-se a percepção deles mesmos. É uma grande dinâmica de enriquecimento e maturidade. Dessa forma, é do encontro dos desejos do homem e da mulher que vai nascer o projeto de um filho, que pode ser consciente ou não e sofrer diferentes configurações: como ele foi concebido, em qual contexto, se foi previsto, planejado, longamente esperado, desejado. Seja qual for a configuração, essa origem marcará a criança e fará parte de sua história. Mas qualquer que seja seu lugar no imaginário do casal, o filho representa sempre objeto de desejo ou de afastamento. Quando o filho não é desejado, os sentimentos dos pais em relação a ele podem ser muito contraditórios e levar a risco de dificuldades psico afetivas tanto para a criança quanto para os pais (Garbar & Theodore, 2000; Szejer & Stewart, 1997). A criança incorpora-se a um mundo formado por uma díade que progressivamente vai ampliando-se desde o útero materno, passando pelo ambiente familiar, a escola, o trabalho e outros. Esta experiência psico biológica se repete em cada par, que se constitui para fazê-la nascer, na gravidez de cada mulher, em cada comunidade a qual pertença e, em cada momento histórico-social que lhe toca viver. A supervisão física é por suposto, fundamental. A criança cresce com poderosos impulsos dirigidos à realização dessa humanidade. Estes impulsos constituem a harmoniosa necessidade de amor, não só de ser amado, mas também, de dar amor. Na hierarquia das necessidades, o amor é o supremo agente do desenvolvimento da humanidade da pessoa (Cusminsky, 1994). A gravidez tem aspectos hormonais, físicos e psicológicos, que encerram desafios, segredos e incertezas do ser humano. Apesar de todos os avanços técnicos, e conhecimentos adquiridos que possibilitam a superação de inúmeros problemas de infertilidade para a realização do desejo da maternidade, a gravidez uterina continua sendo essencial e insubstituível para a viabilização de um novo ser humano. Ainda não se criou um substituto do útero, capaz de albergar a gravidez e a relação materno-fetal (Caron, 2000). Hoje, se conhece a importância que tem para a criança sua vida intra-uterina. O feto reage aos movimentos físicos da mãe, às suas excitações psíquicas e emocionais, bem como, aos elementos sensoriais que a cercam. Ele vai mexer-se, ter sobressaltos e, por volta do terceiro mês, a mãe começa a perceber seus movimentos, e a senti-lo vivo. Há muito que as mães são testemunhas dessas inter-reações e inter-relações. Sabe-se das trocas privilegiadas que ele tem diretamente com a mãe e de forma mais ou menos direta com o pai, seja pelo som de suas vozes, seja pelos influxos nervosos ou químicos. A vivência da mãe, durante a gestação, de experiências e sentimentos positivos em relação à criança, bem como o apoio recebido do pai, e dos familiares, auxiliam a sua adaptação ao papel da maternidade (Caron, 2000; Maldonado, 1994; Szejer & Stewart, 1997). Hall, Wulff, White & Wilson (1994), estudando a dinâmica familiar no terceiro trimestre de gravidez, na Dinamarca, destacam que, o exercício da paternidade se inicia desde a gestação e que a qualidade do relacionamento marital neste período é um bom preditor da dinâmica familiar nos anos seguintes, após o nascimento do bebê. Desnutrição Intra-Uterina Inúmeros autores enfatizam a desnutrição intra-uterina como a principal influência no comprometimento do crescimento das crianças, perpetuando suas influências após o nascimento e no decorrer do crescimento e desenvolvimento das habilidades motoras, sociais e emocionais. Dentre os fatores de risco estudados atualmente, tem-se a baixa condição socioeconômica, a idade materna inferior a 16 anos, a multi paridade, a estatura materna, as doenças crônicas maternas, o tabagismo, o uso de drogas, o alcoolismo, a ausência de prénatal (Cacciari, Salardi, David, Casa, Pilu, Mainetti, Gualandi, & Bovicelli, 2000; Hogan & Park 2000; Lopes, Vitalle, Azevedo, De La Torre, Moraes & Fisberg,1992; Nóbrega, Brasil, Vitolo, Lopez, & Lopes, 1991; Picanço, 1999; Queiroz & Nóbrega, 1998). Tais fatores podem levar algumas gestantes a estresse psicológico. Sentimentos como “não sou amada”, “não sou querida”, “não sou acolhida”, “não sou capaz”, reproduzem em outro nível a angústia e o abandono 130 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO emocional sentidos pela mãe por ocasião da gestação da criança, não permitindo o desenvolvimento do potencial afetivo entre mãe e filho que pode ocasionar a desnutrição intra-uterina (Lester & Miller-Loncar, 2000; Nobrega & Campos, 1993). Desnutrição Energético-Protéica No campo da Nutrição e da Saúde Pública, nenhuma enfermidade infantil se compara em importância à desnutrição energético-protéica. Esta entidade patológica resulta do suprimento insuficiente das necessidades de proteínas e energia determinando amplo espectro de manifestações clínicas condicionadas pela intensidade do déficit de nutrientes, da idade da criança e do agravamento por infecções repetidas de vias digestivas e/ou respiratórias (Garibay, Lozano, Velarde & Lamolte, 1999). A etiologia da desnutrição energético-protéica primária tem como base a pobreza e a ingestão alimentar inadequada qualitativa e quantitativamente. Como regra geral, a desnutrição traz como complicações adicionais os processos infecciosos gastrintestinais e as doenças infecciosas próprias da infância (Sigulem &Taddei, 1998). Fernandes, Jerônimo & Leone (1996), analisando artigos de 1986 a 1993 sobre os fatores de risco para desnutrição, identificaram 18 artigos científicos importantes que ao todo analisaram 74 fatores potencialmente associados à desnutrição energético-protéica, que foram categorizados em quatro grupos: vinculado às características familiares, de cuidados e condições de saúde da criança, de condições econômicas e de condições de moradia. Segundo os autores, considerando a freqüência e a associação com a desnutrição, as variáveis mais importantes foram: nível educacional materno e paterno, renda familiar, história de diarréia, aleitamento materno, número de filhos, peso ao nascimento, idade da criança, tipo de água no domicílio, situação econômica, falta de cuidado pré-natal e doenças preveníveis por vacina. Os diversos fatores biológicos, sociais e psicológicos que levam à desnutrição energético-protéica estão inter-relacionados e partem, na maioria das vezes, de um ponto comum, que é o baixo nível socioeconômico (Brasil, 1991). Ela pode ser entendida como a interação de ordem biológica e social no estado nutricional, considerando-se a criança em seu contexto social e tendo na figura materna um forte interlocutor criança-ambiente (Engstrom & Anjos, 1999). Assim, qualquer lista de indicadores de risco deve procurar captar a complexidade de interações entre os fatores. É essa complexidade que pode explicar por que, em um mesmo macroambiente de alto risco, a desnutrição ocorre em algumas famílias e não em outras, ou atinge somente uma criança na família. (Zeitlin, Ghassemi & Mamsour, 1990). O termo psicossocial tem sido usado na literatura médica para indicar a interação entre os fatores psicológicos e sociais que influem no estabelecimento da desnutrição energético-protéica. Geralmente, os fatores de risco psicossociais na desnutrição estão relacionados à estrutura familiar e às características da mãe ou responsável pelos cuidados da criança. O comportamento emocional da mãe e as interações com a sua criança desnutrida foram estudados por diversos autores, os quais revelam as características da personalidade materna que comprometem o estado nutricional da criança (Araya, Espinoza, Zegers, Cruchet, Brunser, Humphreys & Fernadez, 1996; Di Iorio & Rodrigo, 1996; Graves, 1976; Islam, Rahman & Mahalanabis, 1994; Pollitt, 1975; Wurgaft, Carrasco & Alvarez,1984). Valenzuela (1997), estudando a sensibilidade materna, entendida como aquela em que a mãe percebe as necessidades vitais de amor, nutrição e cuidados adequados à criança, entre lactantes desnutridas e eutróficas de baixa renda, observou que ela é mais diretamente influenciada pela qualidade de saúde da mãe ou responsável pela criança, nível educacional e relações sociais, do que por indicadores externos de pobreza. Segundo a autora, no contexto da pobreza, a sensibilidade materna adquire grande relevância como fator de proteção ou de risco para o desenvolvimento físico e social da criança. Em um povoado da África, foram estudadas longitudinalmente, por três anos, 20 crianças desnutridas, menores de 36 meses, e suas famílias, comparando-as com crianças eutróficas do mesmo local. 131 Os autores investigaram a história de vida destas crianças desde a gestação e concluíram que o fator de risco básico para a desnutrição foi a relação de apego entre a mãe e a criança.Em alguma fase da interação mãe-filho fenômenos sociais, familiares, individuais e econômicos se combinaram para produzir esta “falha de ligação”, tendo como conseqüência o comprometimento nutricional(Dixon, LeVine & Brazelton, 1982). Uma boa relação é aquela em que há a possibilidade de trocas afetivas, quando mãe e filho alimentam o afeto recíproco, e estimulam progressivamente o desenvolvimento do comportamento de apego com (Bolwby,1989),. Para que esses processos se desenvolvam, é necessário que a mãe possa exercer seu papel materno, que envolve vários fatores, como a sua história de vida pregressa e os cuidados e afeto recebidos de seus pais, assim como a qualidade da relação conjugal e a dinâmica familiar atual (Debray, 1988). Nóbrega & Campos (1993) estudaram a presença desse comprometimento no relacionamento de mães e crianças desnutridas, o qual denominaram “fraco vínculo mãe-filho”, que é conseqüente às dificuldades maternas sofridas na infância, que inconscientemente tornam a gravidez um acontecimento conflitivo, pelo medo de ser incapaz, de não ser boa mãe. Ocorre, portanto, a rejeição à gravidez e ao filho. Após o nascimento, estes sentimentos se intensificam pela constatação de que seu filho não lhe oferece nenhuma gratificação, mas, ao contrário, atesta sua própria incapacidade no papel materno. À presença de características maternas de crianças desnutridas, como imaturidade, baixa auto-estima e insatisfação somam-se as dificuldades em desenvolver ligações afetivas com o filho e estabelecer relacionamentos maduros e sólidos. Baixa Estatura A baixa estatura, um aspecto do crescimento e do desenvolvimento, ao ser relacionada à desnutrição e aos distúrbios nutricionais, emerge como um fator complexo e multi carencial e ainda em processo de investigação por parte de profissionais das diversas áreas da saúde. Neste sentido, o processo de crescimento vem sendo ligado a uma série de fatores hormonais, nutricionais, genéticos, ambientais, sociais, psicológicos e familiares que individualmente ou em conjunto pode levar ao cumprimento do um máximo potencial genético ou a sua falha, como, por exemplo, os fatores (Lopes et al.,1992; Fisberg, 1998). A baixa estatura em escolares de pouca renda traduz as dificuldades experimentadas nos primeiros anos de vida das crianças, freqüentemente associada à dieta inadequada, associada à repetidas infecções (Ricci & Becker, 1996). Eisenstein (1999), utilizando dados do Wold Bank, 1995, e inquéritos nacionais (INAN 1990), constatou que a desnutrição é a causa mais prevalente da baixa estatura, em âmbito mundial, atingindo dois terços da população em mais de 90 países e sendo responsável por 40 a 60% da taxa de mortalidade de menores de 5 anos. Dados da população adulta brasileira até 25 anos indicam prevalência de 19,63% de baixa estatura devido à causa nutricional. Sigulem &Taddei (1998), utilizando informações coletadas na Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, um inquérito nutricional brasileiro, realizado pelo INAN/IBGE/IPEA, em 1989, encontraram 26,2% de prevalência de desnutrição por déficit estatural em crianças com idade inferior a 10 anos, no terço inferior de renda. Em um estudo sobre a influência do peso ao nascimento, e de variáveis maternas e socioeconômicas na determinação da estatura, com crianças entre 3 meses e 12 anos e 11 meses de idade, de nível socioeconômico baixo, chegou-se à conclusão de que o peso inadequado ao nascimento é um fator importante de baixa estatura e desnutrição futura e que os mesmos fatores que determinaram a desnutrição intra-uterina estão presentes na fase pós-natal (Nóbrega, Brasil, Vitolo, Lopez & Lopes, 1991). Torna-se, assim, evidente que as causas mais freqüentes do atraso estatural em crianças, são as privações social e nutricional. Estes atrasos de crescimento, que não são constitucionais, associam-se a carências múltiplas e interferem no crescimento e desenvolvimento mediante a hipoalimentação crônica e infecções. O uso habitual do termo desnutrição crônica, para referir-se aos atrasos em altura em populações, induz a considerar a hipoalimentação como fator causal genérico e, possivelmente mascare casos em que o limitante do crescimento se 132 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO encontre na qualidade do vínculo que se estabelece nas famílias com suas crianças (Morasso, Jordan, Vojkovick, Apezteguia & Cusminsky, 1997). A qualidade do vínculo mãe-filho é um dos fatores centrais da desnutrição, e as dificuldades são freqüentemente constatadas em crianças e adolescentes que apresentam atrasos de crescimento. A interação entre mãe e criança de baixa estatura, é assinalada por sentimentos de culpa, o que muitas vezes resulta em superproteção e controle excessivo. A superproteção aparece, então, como um meio de forjar a rejeição anterior, e visa recompensar a criança pelo conflito interno vivido pela mãe. Esta atitude propicia a formação do círculo vicioso, já que é tratada pela mãe e por todos da família, de acordo com sua aparência física e, portanto, subestimada em relação à sua capacidade, levando-a a infantilização (Skuse,1987 e Nóbrega & Campos,1993 e 1996). Muitos autores estudam os atrasos de desenvolvimento neuropsicomotor de crianças, decorrentes da desnutrição nos primeiros anos de vida, e as dificuldades afetivas, sociais e de aprendizagem daquelas com baixa estatura em idade escolar, os quais discutem a qualidade da relação materna decorrente da saúde mental materna, presente nesses distúrbios nutricionais (Brozek, 1978; Brozek, 1990; Fernald & Grantham-Mcgregor, 1998; Grantham-Mcgregor, Powell, Walker & Himes,1991; Puckering, Pickles, Skuse, Heptinstall, Dowdney & ZurSzpiro, 1995; Skuse, Gilmour, Tian & Hindmarsh,1994) Tradicionalmente, os atrasos de crescimento quando envolvem o relacionamento inadequado mãe-filho, estão associados à “síndrome de privação materna”, denominada baixa estatura psicossocial. Esta entidade psicopatológica baseia-se na premissa de que as crianças recebem ingestão adequada de calorias, e que seu déficit de crescimento foi diretamente relacionado à privação materna. A baixa estatura, associada à carência afetiva mostra-se, geralmente, acompanhada de distúrbios de alimentação: ruminação, polidipsia, bulimia, coprofagia; distúrbios do sono e de outros setores de conduta como enurese, agressividade e crises de birras (Boddy & Skuse, 1994; Boulton, Smith & Single, 1992; Gohlke, Khadilkar, Skuse & Stanhope, 1998; Riviera, Pijem & Mirabal, 1998). Skuse, Albanese, Stanhope, Gilmour & Voss (1996) sistematizaram uma entidade clínica dentro da síndrome da privação psicossocial, denominada “baixa estatura hiperfágica”. Esta síndrome é caracterizada por atraso no crescimento, hiperfagia, distúrbios de apetite e baixos níveis do hormônio de crescimento. São crianças submetidas a alto nível de estresse familiar, como abuso ou negligência psicossocial, e que têm uma provável predisposição genética. Crianças com “baixa estatura hiperfágica”, raramente apresentam desnutrição crônica e não há associação com baixo peso ao nascer. A separação das crianças do meio familiar conflitivo produz normalização espontânea de secreção hormonal e catch-up (aceleração do crescimento). O termo failure to thrive é usado na literatura científica para indicar quando o lactente e a criança avaliados por medidas de peso, altura e circunferência encefálica não atingem o crescimento esperado, apesar da inexistência de causa orgânica, (Hobbs & Hanks, 1996). Alguns autores identificam as deficiências dos cuidados maternos como a influência mais forte no desenvolvimento da failure to thrive, observando-se baixos níveis de respostas de interação mãe-filho, conflitos alimentares ou hipoalimentação baseada em costumes nutricionais errôneos (Drotar,1991). Entretanto, alguns estudos começam a demonstrar a relação entre os problemas alimentares e os fatores emocionais envolvidos na instabilidade conjugal, ausência de rotina e atributos familiares, advindos das novas formações familiares (Wright & Talbot, 1996; Moores, 1996). Influência do Funcionamento Familiar no Crescimento Infantil A revisão bibliográfica específica sobre os fatores psicossociais relacionados à dinâmica familiar e associados à desnutrição e ao crescimento infantil aponta que tanto na literatura científica médica como na psicológica há uma restrição na abordagem destes temas. A maioria desses estudos trata do assunto sempre de forma unilateral, apresentando as características maternas ou do responsável pelos cuidados da criança, sem considerar o funcionamento familiar. A expressão funcionamento ou dinâmica familiar, consiste em um conjunto de forças positivas e negativas que afetam o comportamento de cada membro, fazendo com que esta funcione bem ou mal. A dinâmica 133 familiar pode ser afetada por diversos fatores como: trabalho materno, desemprego dos pais, psicopatologia parental, separações dos pais, entre outros (Cerveny, 1997). As mães de crianças desnutridas, tendem a relatar mais conflitos com seus próprios pais e sentimentos de não serem amadas. Elas também relatam com maior freqüência problemas em suas famílias atuais, especialmente conflitos com o pai da criança e o fato de sua presença ser intermitente (Altemeier, Vietze, Sherrod, Sandler, Falsey & O’Connor, 1979; Altemeier, O’Connor, Sherrod & Vietze, 1985). A problemática não elaborada em sua própria história com as figuras parentais, e a ausência de modelos afetivos, levam a dúvidas e temores quanto à capacidade de ser boa esposa e boa mãe e as conseqüentes ambivalências em relação à concepção do filho (Nóbrega & Campos, 1993, 1996). Nelson & Edgil (1998), estudando a dinâmica familiar de crianças nascidas de baixo peso, acharam que a posição que a mãe ocupa dentro da família (esposa, amiga ou filha) contribui para certas dimensões da saúde familiar. Poucos estudos têm examinado empiricamente as conseqüências do estado civil da mãe no crescimento da criança. A maioria das famílias estudadas consta de mulheres que têm o apoio do marido e/ou pai da criança. Àquelas mães que se encontram na condição de chefes de família ou únicas responsáveis pelas necessidades materiais e emocionais dos filhos e que contam com poucos recursos para exigir seus direitos legais, como pensão e responsabilidade do homem pela paternidade, são estudadas em sociedades rurais, nas quais o trabalho materno se torna um fator de risco para a desnutrição (Radebe, Brady & Todd, 1996). As conseqüências da maternidade assumida por mulheres desacompanhadas, mas com diferente estado civil (solteiras, viúvas ou divorciadas), bem como a poligamia paterna, foram estudadas e analisadas por Gage (1997) em pré-escolares de baixa renda do Quênia. Segundo o autor, a poligamia paterna dificulta o suporte múltiplo financeiro, uma vez que a fonte de renda do pai é diluída entre várias famílias, o que acarretará indiretamente a saúde física e mental das crianças. A criança é um ser com potencial para crescer e se desenvolver, porém, necessita de ambiente adequado para amadurecer todas as suas potencialidades genéticas. A existência de uma família que atenda as necessidades biológicas e afetivas é condição básica para o crescimento e desenvolvimento normais. Assim, o bom funcionamento da família deve ser considerado como variável de maior relevância nesse contexto (Cusminsky, 1994). Famílias com conflitos parentais e mães mais estressadas psicologicamente influenciam as condições de saúde das crianças (Drotar, 1997). O crescimento e o desenvolvimento da criança não dependem isoladamente dos cuidados e dos alimentos que ela recebe, mas das características e dos comportamentos da própria criança e de sua família, em que o comportamento de um influenciará o do outro. A criança bem nutrida é mais ativa, e explora melhor o ambiente, tendo maior habilidade social e emocional, obtendo maior interação com seus pais e conseqüentemente recebendo mais alimentos. Por outro lado, a família que se preocupa com a alimentação adequada da criança,tende a promover-lhes situações psicológicas mais estimulantes. As famílias que demonstram comportamentos disfuncionais durante a alimentação, também os são em outras situações. Dessa forma, a melhor interação entre a criança e a família resulta em habilidades sociais e cognitivas adequadas, bem como em melhor estado nutricional (World Health Organization, 1999). Estudos como o de Sigel & Parke (1987), já sugeriam que o relacionamento entre pais e filhos, na determinação da desnutrição e do crescimento da criança, é bidirecional, no qual a prematuridade, as doenças e o próprio temperamento da criança contribuem para o tipo de cuidados oferecidos pelos pais. Segundo Drotar (1991), as influências familiares no estado nutricional da criança não se restringem somente aos efeitos da disponibilidade dos alimentos, mas, aos modelos de relacionamentos familiares, como as crises e as desorganizações presentes entre os membros familiares. Assim, o padrão disfuncional de relacionamento familiar, leva às dificuldades alimentares e conflitos na hora da alimentação, o que pode resultar em ingestão calórica inadequada. Estudos clínicos como o de Bruelin (citado por Drotar, 1991) demonstraram problemas de relacionamento entre os pais de crianças com distúrbios de crescimento, que influenciam a qualidade dos cuidados maternos em relação à alimentação, porém, o impacto de tais problemas não foi bem documentado em estudos. 134 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O estudo de Heptinstall, Puckering, Skuse, Start, Zur-Spiro & Dowdney (1987), realizado no centro urbano de Londres, com famílias de pré-escolares portadoras de déficit de crescimento, e eutróficas de baixa renda, observou que não houve diferenças significativas na ingestão diária de energia ou proteína dessas crianças. O autor constatou que as famílias de crianças com baixa estatura tinham uma dinâmica familiar inadequada, provocando alto número de fatores que criavam tensões, e conflitos, além de atitudes negativas no momento das refeições. Foram observadas cenas agressivas, fornecimento irregular das refeições, e crianças que tinham que se alimentar sozinhas, em idades precoces. Esses fatores denunciavam a dificuldade dos pais nos cuidados com seus filhos, sugerindo que a disfunção familiar é um indicador do atraso crônico do crescimento. Informações retrospectivas obtidas pelos entrevistadores sugeriram que esses fatores adversos estavam presentes há muito na vida dessas famílias. Conclui-se que as novas formações familiares em populações urbanas de baixa renda e as dificuldades emocionais decorrentes dos novos papéis parentais são consideradas aspectos importantes no comprometimento da disponibilidade materna em relação aos cuidados e na condição nutricional da criança (Engle, 1993; Lamontagne, Engle & Zeitlin,1998; Tunçbilek, Unalan & Coskun,1996;Valenzuela,1997). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Altemeier, W.A., Vietze, P. Sherrod, K.B., Sandler, H.M., Falsey, S. & O’Connor,S. (1979). 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Formadora do Instituto Avisa-lá e Consultora do CEDUC / Creches Natura e Unilever. Em 1986, no Canadá, elaborou-se a Carta de Otawa, que amplia a concepção de Promoção à Saúde, passando a compreendê-la como um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde. Os princípios que caracterizam a Promoção à Saúde são: • Emponderamento: processo que permite que as pessoas exerçam controle sobre os determinantes da saúde, melhorando e fortalecendo habilidades e capacidades pessoais, grupos e comunidades. • Eqüidade: o reconhecimento das diferenças para que haja igualdade no direito à saúde. • Construção da consciência sanitária, por meio do envolvimento de todos os atores envolvidos, refletindo sobre o papel de cada um e da sociedade na gênese e na resolução dos problemas de saúde. • Inclusão social, no sentido de priorizar grupos que estejam mais vulneráveis, ou excluídos do sistema de saúde. As estratégias básicas são a interdisciplinaridade, ou seja, ações de saúde além da atuação paralela de médicos, enfermeiros e outros terapeutas, a intersetorialidade que significa a construção compartilhada de saberes e ações; a mobilização das parcerias para avaliar a eficácia das ações e sustentabilidade dos projetos e a avaliação envolvendo todos os participantes. Assim, a promoção à saúde não pode ser restrita à prevenção especifica de doenças, mas constitui-se uma estratégia que envolve diferentes setores sociais na busca de um modo de vida mais saudável. Dentro do setor saúde, por meio da identificação dos problemas de uma região ou comunidade, reorganizam-se os serviços de saúde pública, que buscam envolver os outros setores sociais, focar o cuidado e não apenas a doença, desenvolver atitudes pessoais protetoras da saúde, por meio do projeto Políticas Públicas Saudáveis. Inclui-se nesse projeto o que a Organização Mundial de Saúde denomina de Escolas Promotoras da Saúde, que integram ações das unidades de saúde com as educacionais e que visam, sobretudo, desenvolver nos professores, crianças e adolescentes a consciência sanitária, assim como projetos que tenham impacto no crescimento e desenvolvimento saudável. Ao focar essas ações nos Centros e Escolas de Educação Infantil é preciso considerar as especificidades da criança menor de seis anos de idade e que ainda depende, no período em que está na instituição educativa, de cuidados diretos prestados pelos professores, integrados ao projeto pedagógico. Na história de creches e pré-escolas, por muitos anos se confundiu ação promotora com ações preventivas especificas de vigilância nutricional, das doenças transmissíveis e acidentes. Essas ações, embora importantes e requeiram parceria entre professores e profissionais de saúde, são, em primeiro lugar, de competência das Unidades Básicas de Saúde que assistem as famílias. Qual seria, então, as ações de saúde, de competência exclusiva da instituição educativa, e que outra instituição não poderia executar por ela? O cuidado cotidiano. A base da saúde da criança é o cuidado cotidiano que é tanto responsabilidade da família como do professor, sua organização no contexto coletivo difere daquela do contexto doméstico e requer atitudes e procedimentos fundamentados pelas ciências humanas e da saúde. 140 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Que cuidados são esses? • A comunicação e organização para dar continuidade aos cuidados prestados no âmbito da família; • O acolhimento diário; • Os cuidados com a segurança, estética, limpeza, conforto dos diversos ambientes da escola e alternância entre atividades internas e externas; • As atitudes e procedimentos de troca de fralda ou no processo de aprender a usar os sanitários, tomar banho, beber água, alimentar-se, limpar o nariz, lavar as mãos, dormir sozinho, cuidar da própria segurança e conforto; • O apoio às mães que aleitam no peito ou que estão em processo de introdução da alimentação complementar, o planejamento, preparo e distribuição das refeições para as diversas faixas etárias; • As condições ambientais para brincadeiras e aprendizagens que promovam desenvolvimento integral; • As interações entre crianças-crianças, crianças-adultos, adultos-adultos. No que se refere às interações é preciso superar o antigo paradigma de que o cuidado é de competência apenas da mulher-mãe, pois o cuidar está integrado ao educar, compete tanto à família como um todo como às instituições de educação infantil. A partir das interações entre quem cuida e quem é cuidado constrói-se a identidade, a autonomia e a socialização, eixos do âmbito da Formação Pessoal e Social que constitui o Currículo da Educação Infantil (MEC, 1998). A creche ou Centro de Educação Infantil, por atender um duplo direito, previsto na Constituição, à educação e dos trabalhadores que precisam compartilhar cuidados de seus filhos, presta seus serviços em período integral, assume assim a responsabilidade por um cuidado partilhado com os pais, e que precisa ser isento de riscos à integridade da criança. Surge a necessidade do planejamento de atitudes e procedimentos com foco tanto nas ações pedagógicas quanto de promoção ao crescimento e desenvolvimento saudável, em contexto coletivo. Por exemplo, ao oferecer-se refeições para as crianças na escola busca-se não apenas nutrir o corpo, mas, ensinar as regras de convívio social. O mesmo ocorre com o uso do sanitário, os cuidados corporais e com o ambiente. Assim, o grande desafio para os coordenadores e professores de educação infantil é organizar a rotina, as atividades permanentes e eventuais, externas e internas, integrando os cuidados com conforto, proteção, alimentação e bem estar das crianças das diversas faixas etárias. Para tanto é preciso que os projetos de formação dos coordenadores e professores incluam a construção de conhecimentos sobre cuidados com a saúde, partindo dos seus conhecimentos prévios que trazem para dentro da escola a cultura existente sobre determinação do processo saúde-doença, des-construindo mitos e estigmas que servem para perpetuar a exclusão de crianças que precisam de cuidados diferenciados. Essas reflexões com os educadores que podem ser extensivas às famílias têm como objetivo o “emponderamento” dos envolvidos no cuidado da criança, possibilitando que identifiquem os riscos à saúde e possam interferir na realidade, priorizar ações, visando à melhoria da qualidade de vida e, portanto, da saúde. 141 A seguir apresenta-se um quadro com os indicadores de uma Escola ou Centro de Educação Infantil Promotor da Saúde: Indicadores de Escolas e Centros de Educação Infantil Promotores da Saúde. 1. Compartilham cuidados com as famílias ouvindo suas demandas e registrando as recomendações sobre a saúde da criança que requeiram observação ou cuidados especiais durante o período em que estará na instituição. 2. Identificam e atendem as necessidades de conforto, bem estar e proteção das crianças nos diversos grupos, sem tolhê-las em suas brincadeiras e aprendizagens. 3. Auxiliam e ensinam as crianças a se cuidarem organizando ambiente adequado para cada faixa etária, de forma que a autonomia seja construída sem risco à integridade física e psíquica. 4. Oferecem alimentação aos bebês atendendo suas necessidades nutricionais, afetivas e de aprendizagem de novos paladares e texturas, seguindo as orientações especificas para o processo de desmame. 5. Acolhem as mães dos lactentes e oferecem condições para que mantenham o aleitamento materno. 6. Oferecem as refeições em ambiente higiênico, seguro, confortável, belo e que propicie autonomia, socialização e boa nutrição para todos os grupos etários. 7. Ajudam as crianças que recusam alimentos ou que apresentam dificuldades para se alimentarem sozinhas. 8. Orientam as famílias e encaminham ao serviço de saúde crianças que aparentemente estejam com problemas. 9. Disponibilizam água potável e utensílios limpos individualizados para beber água durante todo o dia. 10. Organizam a rotina contemplando os horários de banho de sol (até as 10 e após as 15 horas), sobretudo dos bebês que dependem dos adultos para transportá-los para o solário. 11. Estão atentos ao conforto da criança, adequando o vestuário e calçados das crianças às brincadeiras, atividades e clima. 12. Mantêm as salas ventiladas e alternam atividades internas e externas, evitando confinamento. 13. Seguem as recomendações do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação e Cultura para razão espaço versus numero de crianças. 14. Trocam as fraldas, ensinam as crianças a usarem o sanitário e fazer higiene intima pessoal, com atitudes acolhedoras, com respeito às necessidades de cada faixa etária, utilizando precauções padrão para evitar transmissão de doenças e quedas do trocador. 15. Registram e oferecem medicação e cuidados especiais prescritos para as crianças durante o período em que estejam na instituição educativa, de acordo com a competência do educador infantil. 16. Observam, identificam, informam e procuram ajuda para as crianças que apresentem alterações no estado de saúde (febre, acidentes, dor, mal estar) seguindo protocolo estabelecido pela gerência em parceria com profissionais de saúde. 17. Notificam a Unidade Básica de Saúde da suspeita de crianças ou profissionais da unidade educativa com doenças transmissíveis para que se possam tomar medidas de controle coletivo. 18. Asseguram condições de higiene e segurança dos brinquedos, almofadas, lençóis, trocadores, banheiras, objetos e materiais de uso pessoais e coletivos, integrando as ações de toda a equipe. 19. Asseguram que a área interna e externa seja organizada e mantida em boas condições de uso pelos diversos grupos etários, evitando acidentes e disseminação de doenças, desenvolvendo na equipe e nas crianças o respeito com o ambiente e o espaço público. 142 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Como construir uma escola para todos? Lino de Macedo Professor no Instituto de Psicologia da USP Por problemas na transcrição, não foi possível publicar o texto. 143 Formação de Leitores no Ensino da História Antonia Terra Professora do Departamento de História na PUC-SP Doutora em História Social pela USP Pesquisadora, Assessora em História do Projeto Ler e Escrever da Secretaria DOT Sou historiadora e professora de história e, há algum tempo, venho trabalhando com algumas situações experimentais. Tornou-se muito prazeroso trabalhar com a questão de leitura e escrita no ensino de história. Como responsável pela formação de professores de história, tenho constatado que o professor de história pode contribuir, efetivamente, para formar leitores e escritores. Lerei alguns trechos de um texto que elaborei que, acredito, auxiliarão a clarear o tema com exemplos: “No século XIX, com a expansão do Império Britânico na Ásia, alguns homens, com perfil entre aventureiros, caçadores de tesouros e cientistas, encontraram em Nínive, na remota Mesopotâmia, nas ruínas da biblioteca de Assurbanipal, imperador assírio que viveu entre 668 e 627 a.C., várias versões, de diferentes épocas, da epopéia de Gilgamesh, um poema escrito em tabuinhas de argila com escrita cuneiforme, e as enviaram para o Museu Britânico. Outras versões foram encontradas em ruínas de antigas cidades da Babilônia. Produzidas em outras épocas, arqueólogos encontraram também, nas ruínas de Ur, traduções da epopéia para o hitita e na terra de Canaã”. “Quem, porém, já leu a epopéia de Gilgamesh? O que essa epopéia narra? Por que teve tanta importância na Antigüidade? Por que essas tabuinhas foram tão preservadas? Quem foi Gilgamesh? Ele existiu? Por que sua história tem sido recontada por milhares de anos? E hoje, há leitores para essa epopéia? Pode ser contada nas escolas? Tem sido lida pelos jovens atuais?” Há muitas versões, lindas, da epopéia de Gilgamesh, em linguagem para crianças pequenas e há uma versão em história em quadrinhos. A leitura de epopéias antigas ou produções literárias modernas na escola normalmente se faz na aula de literatura. Poucas vezes são identificados textos literários em aulas específicas de história e, quando nelas se lê, o foco é a aquisição unicamente do conteúdo histórico e não, também, a apreciação efetiva da obra literária ou o prazer de ler. Todavia, criar boas situações de leitura com textos literários em aulas de história possibilita o contato dos alunos com conteúdos históricos, presentes em outros estilos de textos, em outras linguagens, em outras fontes, que são distintos dos tradicionais manuais didáticos, diversificando seus domínios para questionarem obras variadas do presente. A idéia é que essas obras literárias estejam no seu dia-a-dia e que, na medida em que as observamos com olhar histórico, possam contribuir para que os alunos aprendam a questionar outras obras freqüentes em seu cotidiano: filmes, TV, jornal, obras literárias em geral. Essas situações de leitura dos textos literários, com olhar histórico, possibilitam também formar leitores capazes de realizar leituras cada vez mais interpretativas, que auxiliam reciprocamente no estudo da História. Gostaria de debater, aqui, a possibilidade de associar as situações de ensino e aprendizagem da leitura ao ensino de história, especialmente através do trabalho com textos literários. A premissa é de que ser um bom leitor significa realizar, também, leituras compreensivas, importantes tanto para uma formação histórica, quanto para lidar mais criticamente com as diferentes vivências sociais. Além disso, como os alunos aprendem história na escola através de situações de leitura (como no caso do trabalho com freqüência com o livro didático), tornase fundamental considerar a necessidade de orientá-los na análise, compreensão, interpretação e aquisição de conhecimentos através da leitura e análise crítica de textos. Muitas vezes, os alunos copiam textos da lousa. Mas, quando questionados, descobrimos que não compreendem o texto copiado. Existindo a preocupação em formação o leitor-escritor, deve haver a atenção do professor para averiguar como o texto está sendo compreendido e interpretado. 144 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Partimos da concepção de que a leitura é um meio de aprendizagem de conteúdos históricos e, portanto, aprender a ler e questionar historicamente um texto deve ser encarado como um objeto de ensino e aprendizagem. Entretanto, algumas vezes, os conteúdos escolares têm sido entendidos apenas como informações e conceitos. Todavia, é necessário avaliar como grande parte das informações históricas depende do domínio da leitura e interpretação de texto. Essa dimensão de conhecimento escapa da esfera da simples informação – pertence à aprendizagem de procedimentos. Saber ler e escrever é fundamental, mas, para que o professor de história possibilite a seus alunos o acesso ao conhecimento histórico, ele deve encarar esse conhecimento como conteúdo – procedimental -, a ser inserido no seu planejamento; e considerar a construção de estratégias e intervenções didáticas. Com isso, está contribuindo para a formação de leitores-escritores e para que aprendam a pensar historicamente: a ler, questionar e interpretar, a identificar marcas textuais, a discernir o real do ficcional, a se preocupar com o autor e o contexto histórico da obra, a tornar relativos os valores, etc. Essa escolha metodológica baseia-se no princípio pelo qual a disciplina de história, na escola, é entendida na sua especificidade, com objetivos e métodos próprios que se articulam com outros saberes, mas não perde sua autonomia na construção de suas finalidades educativas. Um trabalho com leitura e escrita associa-se, assim, a uma metodologia de trabalho com documentos, na qual se questiona quem produz, em que época produz, em que contexto produz, com quais outros contextos se relaciona, etc.. O texto literário, considerado como documento histórico, requer o reconhecimento da importância, tanto de ensinar o procedimento de leitura ativa, quanto de colocar o aluno diante de determinadas questões que revelam sua historicidade. A questão é pensar historicamente: tudo tem seu contexto, sua autoria e seus diálogos no tempo. São diversas as possibilidades de aprendizagem de história com textos literários e delas dependem situações didáticas criadas pelo professor. Por exemplo, a simples apresentação de um texto para ser lido e debatido na sala de aula amplia o repertório dos estudantes sobre obras e autores de certa época. Quanto mais diversificadas e variadas as informações sobre certo período, melhor ele pode ser caracterizado em sua especificidade e maior é a probabilidade de ser diferenciado de outras épocas, por suas características históricas. Essa é a premissa: quanto mais informações históricas e quanto mais reflexões construídas a respeito das relações entre elas, maior a probabilidade de se diferenciar uma época da outra. Quanto mais literatura e autores são conhecidos, maior será o repertório histórico, o que possibilita conhecer melhor outras obras. Por princípio, se lê a partir daquilo que já se sabe: quanto mais se lê e mais se souber, mais profundamente é possível mergulhar na compreensão de outras obras. O acesso ao texto possibilita, ainda, debater diferentes suportes contemporâneos que podem ser diferentes daqueles usados originalmente pelos autores da obra. Na questão do livro, podemos explorar a produção editorial. Tenho trabalhado muito com a idéia de que existem várias edições e é muito importante questionar não só o ator, a época em que ele escreveu a obra, mas as inúmeras edições que são produzidas, e as versões adaptadas para as diferentes idades. Isso pode ser discutido com os alunos, porque permite avaliar a historicidade do livro dentro da sociedade contemporânea. Há ainda outros trabalhos que podem ser feito com os alunos: confrontar o texto com outros textos, sendo esses frutos de pesquisas e análises realizadas por outros autores. Por exemplo, na epopéia de Gilgamesh: “Existiu Gilgamesh?” Há arqueólogos e historiadores que procuram comprovar a existência desse rei da antiga Mesopotâmia. Essa é uma discussão importante, por exemplo, para distinguir o ficcional do real. A proposta é que o professor de história aproprie-se de estratégias de procedimento que contribuam para formar leitores ativos: como é possível ler para e com os alunos? No caso de estudantes com poucos domínios de leitura, o professor de história pode ser o leitor, desenvolvendo atitudes de um bom leitor. Pode questionar o grupo, no processo de leitura: “Quem está escrevendo? Que época é essa? Que lugar é esse? Por que está acontecendo isso? O que vai acontecer? O que o autor está querendo dizer?”... 145 Sendo recorrentes nas aulas, esses procedimentos de leitura instigam os alunos no desenvolvimento do costume de fazer o mesmo diante dos textos que lêem e, assim, ajudamos a serem questionadores e a criarem hipóteses para avançar nos textos e nos estudos históricos. 146 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO O Ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos Sandra Mutarelli Assessora da área de ciências do Projeto Ler e Escrever da SME/DOT Doutora em Química pela USP Pertence ao Grupo de Estudos de Alfabetização e Letramento da USP Participou do Projeto “Mão na Massa” das Secretarias Estadual e Municipal de Educação Foi coordenadora do Curso de Ciências Naturais do EJA da Escola Vera Cruz É imenso o prazer de falar sobre este trabalho que desenvolvo com adultos, não é só o curso de ciências naturais na educação de jovens e adultos, mas, também, a produção de textos em cursos de ciências naturais na educação de jovens e adultos. Entrei na educação de jovens e adultos como voluntária ministrando aula de ciências naturais. Percebi que os alunos decodificavam as palavras, mas não compreendiam bem o que estavam lendo. Comecei a perceber que, na situação experimental, tornava-se muito mais simples eles enunciarem o que estava acontecendo e começarem a escrever. Continuamos precisando pensar em como trazer esse público para a cultura letrada, para aprender a ler e escrever, expressar-se e participar do mundo. A mesma coisa acontece em matemática. Por isso, fiz algumas reflexões e trouxe algumas citações: Paulo Freire dizia: “Para ser um ato de conhecimento, o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relação de diálogo”. Isto significa que aquilo que o professor expressa tem que ser entendido pelo aluno e vice-versa, senão haverá ruído na comunicação, o que, me parece, tem acontecido muito. Dizia ainda: “Sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido”. No meu caso, o objeto é a ciência, é a situação experimental, e nós nos debruçamos muito sobre a prática. É necessário saber quem é o aluno, de onde ele vem. Na verdade, são os excluídos. Martha Kohl diz que o adulto não letrado é “o não-criança”. É preciso saber em que etapa de aprendizagem está esse adulto, qual seu nível de letramento. O adulto percorreu sua história e tem uma relação com o mundo letrado. Como é essa relação? Então, é necessário decidir que metodologia e material serão utilizados Que sintonia existe com esse público? De novo, de acordo com Paulo Freire, trata-se da questão do diálogo. Diz a profa. Vera Masagão que o alfabetismo é, necessariamente, heterogêneo, comportando práticas em que se utiliza escrita, intensidade e orientação diversas. Por isso, entrei com força em ciências, porque percebi que é uma atuação em que podemos usar a enunciação, o discurso etc... A profa. Magda Soares fala sobre enunciação: “Os modos de usar a língua, de se relacionar com ela, desenvolvem processos de socialização diferentes, ou seja, modos diferentes de agir, de perceber, de pensar, de sentir.” Na heterogeneidade existente na sala de aula, percebemos os diferentes modos presentes nos nossos adultos. Continuando: “A idéia básica é que a língua estrutura a realidade e a cultura e configura o pensamento e os processos cognitivos de aprendizagem”. Novamente, Magda Soares: “É no processo de enunciação que se constituem os sentidos. Este processo e, portanto, esta constituição de sentidos é determinada pelo contexto em que aquele, o processo de enunciação, envolve, entendendo por contexto, aqui, não apenas as condições pragmáticas imediatas, mas, sobretudo, as condições circunstanciais, sociais”. 147 Eu trabalho com a condição prática, a ciência, mas é nesse processo de emancipação (e trabalhamos muito com o enunciado), que o aluno vai se apropriando da língua. Comecei a trabalhar no “Projeto Mão na Massa”, concebido pelo físico George Charpak; ele acredita que o raciocínio científico oferece um meio poderoso para aumentar as capacidades de reflexão, argumentação e julgamento dos estudantes. Na sala de educação de jovens e adultos, atuo como professora polivalente e é minha proposta que o professor polivalente ministre aulas de ciências. Isso angustiava muito o professor polivalente no “Projeto Mão na Massa”, mas, o processo experimental é de observação, de uma racionalidade diferente. Não é melhor nem pior: ela se constrói com outro tipo de ferramenta. Bachelard argumenta: “Como se constrói o conhecimento na contemporaneidade? Com diferentes racionalidades e, nesse ponto, é importante instrumentalizar o aluno nas diferentes racionalidades para que ele saiba fazer diferentes leituras do mundo”. “Romper com o saber de ontem, negá-lo, mas, também, reagrupá-lo e hierarquizá-lo em um contexto de conhecimento ampliado”, para Bachelard, é tarefa assumida pela ciência, pois dentro da ciência existem rupturas. As racionalidades da própria ciência somam-se e alocam-se dentro de seus contextos experimentais. E os saberes do senso comum também têm seu lugar. No “Projeto Mão na Massa”, com os adultos, era proposto um problema inicial e eles tinham que resolvê-lo experimentalmente. Eles sugeriam vários procedimentos. Depois, fazia-se uma discussão coletiva sobre as observações deles, cada um contando o que observara, à sua maneira, com suas palavras. Anotavam tudo, num bloco amarelo, para depois elaborarem um relatório. Após a discussão e observação eles faziam uma síntese escrita, individual, mas assistida. Os resultados preliminares que observei no Ciclo 2 – de 5a a 8a séries – onde trabalhei de 2002 até 2005 foram uma melhora na capacidade de levantar hipóteses e de organização de texto em forma de relatório. Os resultados preliminares que observei na Alfabetização onde trabalhei em 2005 foram a capacidade de estruturar uma frase contendo um pensamento complexo. A seguir alguns dados de alunos do Ciclo 2 e da Alfabetização: Primeiros resultados : EJA ensino fundamental ciclo II Relatório Final – Fevereiro/2002 Questão problema: Quais são as características da água? (Primeira Aula) 148 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Relatório Final – Junho/2002 Questão problema: A água da represa é a mesma que chega à nossa casa? Primeiros resultados: EJA Alfabetização Questão problema: O que acontece com a temperatura de uma porção de gelo quando deixada exposta ao ar por 35 minutos? Respostas que surgiram durante a discussão coletiva: 1) O gelo derrete. 2) A temperatura aumenta. 3) A temperatura fica em torno de 0oC durante 9 minutos. 4) A temperatura se mantém em torno de 0oC enquanto tiver gelo. Depois da fusão a temperatura sobe. 149 150 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Estudo preliminar do Ciclo da água Texto coletivo – Ditado para o professor – 20/10/05 Questão problema: 1) De onde vem a umidade que se junta do lado externo de um copo de água gelada? 2) Como aparecem gotas de água no plástico filme utilizado para vedar um copo que estava com água quente? 3) Depois de responder essas perguntas, levante uma hipótese de como ocorre o ciclo da água. Bibliografia CHARPAK, Georges. La Main à la pâte. Les sciences a l’ecole primaire. Paris: Flammarion. 1996. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2002. ____________. A importância do ato de ler. 40. ed. São Paulo: Cortez. 2003. ____________. Educação como prática da liberdade. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1984. OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, n. 12. São Paulo: ANPED. 1999a. ____________________. Vygotsky. Aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione. 1997. ____________________, OLIVEIRA, Marcos Barbosa (orgs.). Investigações Cognitivas. Porto Alegre: Artes Médicas. 1999b. SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto. 2003. ______________. Letramento. Um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica. 2004. ______________. Diversidade Lingüística e pensamento. In: MORTIMER, E. F., SMOLKA, A. L. B. Linguagem, Cultura e Cognição. Belo Horizonte: Autêntica. 2001. 151 Educação de Jovens e Adultos Maria Inês Fini Assessora da área de Ciências do projeto Ler e Escrever de SME/DOT Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 152 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Os Filhos do Futuro Rodolfo Konder Conselheiro do Conselho Municipal da Educação Jornalista e Escritor Ganhador do Prêmio Jabuti em 2000 com “Hóspede da Solidão” Secretário Municipal da Cultura de 1993 a 2000. Diretor Cultural do UNIFMU Cronista na Rádio Cultura FM Vou fazer algumas reflexões no campo da “Futurologia”. Fui comunista durante muitos anos e exilado 2 vezes: em 1964 e 1976 e, percebi, depois que foi um terrível equívoco. Minhas previsões políticas têm falhado muito. Tenho sido escritor, num país que tem 74% de analfabetos. Hoje, sou diretor cultural da UNIFMU e faço palestras, levo o pessoal ao teatro, levo escritores para fazer conferências e procuro estimular o pessoal mais jovem a interessar-se pela palavra escrita, porque estamos vivendo um período de empobrecimento: o ser humano já falou 150.000 línguas. Hoje, são 6.000 línguas e 4.000 desaparecem, à razão de uma língua a cada 15 dias. Se pensarmos em tudo aquilo que uma língua contém, em termos de experiências, vivências, coisas peculiares a um determinado povo, perceberemos a importância da linguagem mas, manter essas línguas não é uma prioridade da ONU, por exemplo. Li, recentemente um ensaio de Alvin Toffler em que ele diz que o jovem de hoje vive aprisionado no agora. Os jovens dedicam-se muito pouco a pesquisar o passado, a saber que percurso, que estrada nos trouxe até aqui e não planejam o futuro: não têm planos, não têm sonhos, então, não só não resgatam o passado, como não planejam o futuro, não perseguem uma estrela. Como enfrentar isso? Tenho algumas idéias mas é claro, para mim, que estamos vivendo um período de desumanização, no mundo. Vemos, por exemplo, esse nível de violência; o Brasil, como campeão de desmatamento, o aquecimento do planeta terra, provocado pelo homem. As desigualdades sociais aumentam a cada dia; temos lideranças cinzentas, incompetentes. Sou da época em que havia um Churchill, um De Gaulle, etc. Lembro-me de um poema do dramaturgo de Bertold Brecht em que ele fala do processo de desumanização que caracterizou a vida na Alemanha um pouco antes de Hitler chegar ao poder; e Hitler, só chegou ao poder, porque houve esse período de desumanização: “Muito antes de as bombas caírem sobre nossas cidades, caminhávamos pelas ruas que ainda existiam mas já vivíamos mergulhados na insensatez; muito antes de tombarmos em batalhas sem sentido, nossas mulheres já eram viúvas e nossos filhos já eram órfãos e já não tínhamos amigos; e a carne que os vermes devoravam já não era carne humana”. A Alemanha estava desumanizada e, por isso, Hitler chegou ao poder. Digo ao pessoal mais jovem que estamos vivendo um novo período de desumanização que pode nos levar a um novo holocausto que pode estar nos empurrando para o abismo. Não sabemos, mas vejo o narcotráfico: bilhões e bilhões de dólares, com poder de corrupção fantástico, a juventude constantemente acossada por essa praga, vejo a criminalidade crescendo, bem como desrespeito aos direitos humanos. Mesmo como comunista eu sempre tive simpatia pelo socialismo de face humana. Minha vida sempre foi uma aventura política. Em 1964 eu era dirigente sindical numa área de segurança nacional: o petróleo. Eu era dirigente na Petrobrás e era recebido pelo Presidente João Goulart. Aí veio o golpe de 64, fui cassado e fui buscar abrigo na Embaixada do México. Fiquei num apartamento grande, mas com 60 brasileiros derrotados, amargurados, que se odiavam uns aos outros. Então recebi um salvo conduto e fui para o México, onde tive casa e comida. 153 Depois, resolvi transferir-me para o Uruguai e, com a ajuda do Ministro do Exterior do Uruguai, um ex-dirigente sindical, conseguimos eu e mais dois bancários, descer pela costa do Pacífico porque não podíamos sobrevoar o território brasileiro. Chegando ao Uruguai, estive com todos os exilados: Jango, Eloi Dutra, Brizola. Conseguimos organizar uma reunião para ver se conseguíamos unir os exilados brasileiros, mas a reunião foi um fracasso porque Jango e Brizola não se entenderam. Eu quis voltar ao Brasil e, em outra aventura, atravessei a fronteira clandestinamente. Cheguei ao Rio e, como não tinha profissão, tornei-me jornalista porque sabia ler e escrever. Em 1968, já estava novamente visado pela repressão, então vim para São Paulo logo depois do AI-5. Para nós, do Rio, em 1968, São Paulo era um exílio. Vim sem me imiscuir em política mas pensando em Antonio Gramsci, que dizia “Não existe nada fora da história”. É isso que precisamos estimular em nossos jovens: que eles pensem dialeticamente; o pensamento dialético é muito anterior a Marx. Heráclito já dizia: “Nenhum homem entra duas vezes nas águas de um mesmo rio”. A idéia de que estamos num rio e que tudo está fluindo, transformando-se permanentemente, que nós mesmos estamos nos transformando, é dialética. “Que rio é esse, por onde corre o Ganges”, diz Jorge Luiz Borges. “Não importa que durmas, ele corre, no sonho, do sótão ao porão. Ele me arrebata. Eu sou esse rio”. Nós somos esse rio também. Então, o jovem precisa pensar dialeticamente. Precisa aprender que é parte de um processo e, se ele conhece aquilo que nos antecedeu e não tem previsões sobre o que vai fazer da vida, daqui para frente, ele está morto. O que nos ensinou a 2a. Guerra? Felizmente, o nazi-fascismo foi derrotado. Mas, vamos olhar com realismo: a 2a.Guerra mostrou-nos que os demônios estão dentro de nós. Não foi só a morte de 49 milhões de seres humanos; foram as atrocidades, não só do lado alemão nazista, mas também do lado vitorioso. Se pensarmos no bombardeio de Dresden: foi um crime. Os americanos destruíram mais de 50 cidades japonesas com bombas Napalm, além das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. As atrocidades aconteceram por todos os lados. Quando caiu o muro de Berlim, eu já tinha consciência de que o socialismo era um pesadelo e não um sonho. Tinha consciência de que Fidel, que havia sido meu herói desde a década de 60, havia se transformado nessa patética figura que manda fuzilar os jovens que ousam tentar sair do paraíso cubano. Ao longo dos anos, a partir do meu segundo exílio, fui preso, em 1975, aqui em São Paulo. Fui submetido a torturas, testemunhei o assassinato de Wladimir Herzog, prestei um depoimento, comecei a receber ameaças do braço armado da repressão e tive que fugir de novo. Através da Foz de Iguaçu fui para a Argentina, depois para Lima e depois para o Canadá, porque não podíamos entrar nos EUA. A viagem ao Canadá fazia conexão em Miami, onde fiquei preso até ir para o Canadá. Fiquei 2 anos no Canadá e depois fui para Nova York por 1 ano. Foi um tempo muito bom. Devo dizer que sou contra os patriotas e sinto-me um cidadão do mundo. Em nome do patriotismo, temos tido muitas guerras; acho que devemos ver-nos como seres humanos e cidadãos do mundo. Nesses dois anos de Canadá, meus sonhos foram mudando. Comecei a pensar mais nos direitos humanos. Acabei sendo, no Brasil, presidente da Anistia Internacional. O fato é que estamos atravessando uma fase complicada e os jovens devem ser alertados para isso. Devem aprender a pensar dialeticamente. Digo que não se entende como vive a árvore, se não se entende como vive o bosque . Não podemos entender o que foram as ditaduras militares, inclusive no Brasil se não entendermos como era o mundo naquela época. Quando terminou a 2a. Guerra, logo em seguida, começou uma 3a. Guerra, que foi a Guerra Fria, que empobreceu nossos corações e nossas mentes, porque simplificava as coisas, 154 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO tornava tudo mais pobre. Tratava-se dessa simplificação grosseira de um mundo dividido entre mocinhos e bandidos; os golpes da América Latina só podem ser entendidos como episódios da Guerra Fria. Houve uma série de golpes na América Latina, porque em 1959 aconteceu a Revolução Cubana e Fidel, depois de tomar o poder, declarou-se socialista. Para os americanos, a presença de um país socialista ali, era um desafio assustador. Os americanos estimularam, então, golpes de ultra direita. No Brasil, primeiramente tomou o poder um grupo moderado, o de Castelo Branco, mas a partir de 68, com o AI-5, o pessoal que chegou ao poder era mais radical e o poder ficou dividido em 2 alas: o mais moderado e o mais radical, o qual controlava o aparelho de repressão. Em 75 fomos presos, porque o Partido Comunista era a única organização de esquerda que continuava viva; as outras organizações, mais radicais, já haviam sido dizimadas e o pessoal da repressão precisava mostrar ao público interno que a subversão estava viva porque queria impedir o projeto de Geisel e Golberi de abertura lenta, gradual e segura. Golberi e Geisel já queriam devolver o poder para os civis, porque o modelo militar estava falido. E eles vieram sobre o PCB; eu fui preso em casa. É preciso dizer aos jovens, como falava Churchill, que “A democracia é uma porcaria, mas não existe nada melhor”. Durante aquele período qualquer um podia ser preso sem um mandato; ninguém tinha direitos. Fui preso em casa, colocaram-me um capuz, houve um interrogatório ridículo e, logo depois, uma sessão de tortura que me deixou marcado, evidentemente. Trabalhei com essa questão de tortura quando fui dirigente da Anistia Internacional: o mandato da Anistia estabelecia a libertação imediata e incondicional dos presos de consciência; também estabeleci um processo rápido e justo para os presos políticos e o combate à tortura e pena de morte. Há instituições no Canadá e Dinamarca que, desde a década de 80, se dedicam ao estudo da tortura e das seqüelas da tortura e já configuraram uma Síndrome do Torturado, semelhante à do prisioneiro de guerra. A conclusão é que a pessoa que passa por essa experiência é, normalmente, mais triste e solitária, tem muitas angústias e deixa de ver nos outros, presenças solidárias, passando a ver neles ameaças. No meu caso, consegui exorcizar esses demônios, escrevendo. A escrita foi meu analista. Precisamos lembrar aos jovens que não viveram essa experiência, que o pior é a falta de liberdade. Se não conseguirmos motivar os jovens para aprender a pensar dialeticamente e aprender a valorizar a democracia e a liberdade, poderemos estar caminhando para um novo holocausto. Eu diria que “Os Filhos do Futuro” terão a responsabilidade de impedir um novo holocausto. Os habitantes do séc. XXI receberam uma herança pesada. Não podemos nos orgulhar do que estamos deixando para os jovens. Foi uma fase de muita violência, que está piorando, está-se agravando. Imagino que vocês , como pessoas ligadas ao ensino, possam ajudar a disseminar essa mensagem, plantar essas sementes e, talvez, é uma esperança, jamais uma certeza, impedir que nós caminhemos para um novo abismo. 155 A Escola às Escuras: Uma Crítica Radical à Educação Brasileira Atual Julio Groppa Aquino Prof. da Fac. de Educação da USP Gostaria primeiramente de agradecer à Secretaria Municipal de Educação pelo convite. Aproveito também a ocasião para dizer do sentimento paradoxal que me toma nesse momento: a honra de me defrontar com a linha de frente da educação brasileira aqui representada, e também um sentimento de infâmia, pois nada tenho a ensinar a quem se dispôs a me ouvir. Nada tenho nada a dizer de novo. Ao contrário, estou fadado a me repetir, pelo que peço desculpas antecipadas. Além disso, devo reafirmar que não estou aqui para vender idéias, mas para compartilhá-las tão-somente. Eis o que, para mim, designa o ofício docente, de fato. O título geral de minha fala, “a escola às escuras”, deriva de uma entrevista que concedi recentemente à revista CartaCapital. Muito me alegrou poder oferecer uma visão distinta daquela à qual estamos acostumados, no que diz respeito ao estado de coisas na educação brasileira atual. Essa entrevista gerou uma polêmica imensa e uma receptividade igualmente insuspeita, especialmente entre os não educadores. Eis aí, creio, a razão primordial de minha estada aqui, hoje. Mas, antes de iniciar o percurso que imaginei percorrer hoje, gostaria de ressaltar algumas coisas subliminares que remetem à possível legitimidade, ou não, do lugar do qual falarei hoje. Como vocês devem saber, sou um docente pesquisador universitário. Não me intitulo apenas docente, já que a docência é a primeira de muitas funções de um profissional universitário. Há varias outras. Por ora, consigo reconhecer pelo menos oito funções distintas, mas complementares. Além da docência, outra função primordial é a da orientação, isto é, a responsabilidade pelo acompanhamento de trabalhos de pesquisa em nível de pós-graduação e, também, pela avaliação de outros trabalhos da mesma natureza, por meio das bancas. Em suma, trabalhos de mestrado e doutorado, e também de iniciação científica. A terceira função é a gestão universitária, isto é, a administração da Universidade por meio das comissões estatutárias ou de trabalho, os colegiados, os processos seletivos etc. A quarta função é a da pesquisa, cujo objetivo fundamental é o da geração de novos conhecimentos. Há modalidades de pesquisa individual e coletiva. Há também pesquisas que são realizadas de forma indireta, pelos orientandos. A quinta função é a da prestação de serviços, por meio dos trabalhos de extensão, das mais diferentes ordens. Minha estada aqui é um pequeno exemplo disso. Na sexta função, começamos a sofisticar ainda mais o trabalho. Trata-se da difusão, da circulação das idéias, por meio das conferências, das comunicações, do diálogo enfim com as práticas empíricas de um determinado campo de conhecimento. A sétima função, absolutamente nobre, é a da publicação, tanto aquela ligada ao mercado editorial mais geral, quanto aquela dos periódicos especializados. A oitava e última função remete à representação daquilo que a sociedade cultiva a nosso respeito: o trabalho de ponta que, no caso das Humanidades, poderíamos chamar de pensamento crítico. Tenho comigo que essa é a função mais nobre do docente universitário, mais sofisticada e mais difícil de garantir. 156 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Trata-se, em linhas gerais, de fomentar o pensamento crítico, o que implica uma atitude de espreita, de alerta, à moda de um caçador. É tarefa do pensamento crítico, portanto, duvidar daquilo que se nos apresenta monoliticamente. Trocando em miúdos, trata-se de interpelar a ditadura do presente. Tal posicionamento nos leva a um questionamento básico: O que estamos fazendo de nós? Por que nos transformamos naquilo que somos? E aquilo que somos nos basta? Essas são as perguntas fundamentais que embasam uma crítica radical do tempo presente – razão do subtítulo de minha fala. Essas me parecem perguntas de fundo que deveriam, ou poderiam, orientar uma vida. A vida daquele que se devotou a trabalhar no campo das idéias só faz sentido como algo da ordem da filiação ao pensamento crítico. A crítica, na perspectiva que estou defendendo aqui, acaba gerando um estado perene de dúvida e de insatisfação consigo mesmo. Mais do que insatisfação com relação ao mundo, insatisfação com relação àquilo que permitimos que o mundo fizesse de nós, principalmente nas escolas. E isso não é pouco. Falo de uma atitude de indignação constante que pouquíssimos conseguem angariar pela vida: uma atitude que julgo absolutamente necessária não apenas ao pensamento crítico, mas ao viver crítico. Antes de mirar um futuro redentor, penso que é nossa tarefa interpelar o presente, sem trégua. Mas por que fazê-lo? Penso que se trata de uma atitude que vai diametralmente contra essa onda de auto-ajuda e de outros modismos cientificistas que vêm tomando conta do mundo e, em particular, da escola. Os pregadores e os burocratas da educação grassam em qualquer canto. Daí que tenho me convertido num sujeito completamente avesso a esse tipo de gente. E eles estão presentes em todos os lugares, mas o centro de sua reprodução, onde eles se mais mostram, são os congressos de educadores. Eles agem de maneira muito explícita: pelo riso frouxo, pela comoção descabida, pela adulação exagerada. Sua estratégia fundamental é o convencimento piedoso, relegando o trabalho escolar a um estado de petição de miséria ética e política. E, o pior: por meio da estratégia do “bom mocismo”, eles são bastante bem-sucedidos, angariando a adesão de 99% das pessoas, em particular daquelas que freqüentam congressos. Frente a esse tipo de oferta discursiva, eu gostaria de propor um contraponto cabal. Em oposição frontal a esses pregadores e burocratas da educação, tenho a oferecer nenhuma teoria self-service, nenhuma alternativa pret-a-porter, nenhuma saída. Nada disso. Pior ainda, nenhum consolo à vista. Apenas sobriedade crítica, apenas o gosto de interpelar sem, necessariamente, esperar respostas confortáveis. O descanso é um luxo que nossa geração, infelizmente, não pode se dar de presente. Mas fiquemos tranqüilos. Realizar uma crítica radical da educação brasileira não serve para muita coisa. Daqui a dez anos, as escolas brasileiras estarão no mesmo ponto. Então, apaziguemo-nos. A atitude crítica nos dá apenas a possibilidade de indagar o que fizemos de nossas vidas ou o que fizeram dela por nós. Trata-se da hipótese embutida no título “a escola às escuras”. Isto é, a de que somos protagonistas de uma geração que está testemunhando o fim de uma era cultural, social, política e econômica. Uma era de transformações sem precedentes. Uma das questões fundamentais desses nossos tempos relaciona-se com a idéia de que as instituições se encontram num nítido processo de desregulamentação. Trata-se de processos intensos de desinstitucionalização das formas de vida: do trabalho, da política, das relações afetivas, da família, da escola, da nossa vida enfim. Estamos conhecendo formas absolutamente novas e voláteis de reordenação da vida, tal como pudemos pensá-la e vivê-la nas últimas décadas. Especialmente a partir da década de 1990, testemunhamos uma aceleração profunda desses processos de desencaixe, de desordenamento das formas de vida que nos ensinaram, um dia, a ser quem éramos e não somos mais. Esses processos de desinstitucionalização, os quais nublam nossas perspectivas de vida em comum, têm como expressão máxima o fato de que, hoje, a subjetividade desponta antes do lugar social que as pessoas ocupam. Ela age antes do papel, sobrepondo-se a ele. Um exemplo disso é a alegação constante de que “antes de sermos professores, somos pessoas”. Ou seja, gostamos de pensar a nós mesmos como entidades privadas, singu157 lares, individuais, que são obrigadas a ocupar lugares institucionais anônimos, os quais nos oprimem na maior parte das vezes. Esse movimento produz um conjunto de desdobramentos complicadores da vida em comum, cujas conseqüências estamos começando a testemunhar também nas escolas. Com o objetivo de tangenciar esse processos de desinstitucionalização escolar, eu gostaria de propor cinco grandes tensões, sob a forma de fraturas ético-políticas, que geram repercussões sensíveis no cenário escolar. Trata-se de cinco tensões com as quais todo e qualquer profissional da educação brasileira terá de deparar em algum, ou em vários momentos, de sua carreira. Cinco grandes perguntas que exigem alguma resposta de nossa parte. Dessas cinco tensões, ou fraturas, no ideário educacional contemporâneo derivam cinco efeitos concretos. Gostaria então de apresentar esse conjunto de tensões, depois os efeitos delas resultantes e, por fim, apontar as instâncias responsáveis por tais processos de desinstitucionalização das práticas escolares. A primeira tensão poderia ser expressa de acordo com a imagem de uma “escola do faz-de-conta”. Isso se expressa do seguinte modo: por um lado, temos a normativa política de universalização do ensino básico; por outro lado, diametralmente oposto mas complementar, temos um crescente analfabetismo funcional de uma parcela enorme da população brasileira. Disso deriva um insuportável paradoxo: segundo dados de pesquisas, 50% da população brasileira não entende o que lê, apesar da universalização do ensino básico, ou derivado dele. A segunda tensão gira em torno da imagem de uma “escola de fantoche”. Ela apresenta-se da seguinte forma: por um lado, temos a convicção de que, por meio da vivência escolar, poderia haver mobilidade sócioeconômica. Se, por um lado, ainda temos a ilusão que a escola promoveria a necessária ascensão sócio-econômica de uma parcela da população, por outro, temos uma escola que talvez represente o dispositivo cultural mais fiel de reprodução das injustiças sociais. Então, a mesma prática social a que se delega a idéia de promoção da equidade é aquela que mais bem opera a conservação do estado de coisas sociais. E vemos isso acontecer todos os dias nas escolas. As injustiças se reproduzem, se não com nossa autoria, ao menos com nossa anuência. São duas faces da mesma moeda. “A escola na berlinda” representa a terceira tensão. A mesma escola que é considerada a instituição nuclear dos conceitos democráticos, uma vez que ela seria o epicentro da vida democrática, é também acusada de ser uma instituição em decadência, ou em extinção, já que estaria fadada a ser substituída, paulatinamente, por outras formas de transmissão do conhecimento. Eis aqui o paradoxo: trata-se de uma instituição axial dos contextos democráticos, ou uma instituição-fantasma, que teria se transformado num mero depósito de crianças? A quarta tensão, “a escola em estado de sítio”, remete à cisão irreconciliável entre, de um lado, um ensino estatal de qualidade indigente e, de outro, um ensino privado de qualidade farsesca. Estou aqui opondo a indigência à farsa. A farsa refere-se a teatralização pedagógica que temos assistido em nome da suposta qualidade do ensino privado brasileiro. Se, de um lado, há a deserção intelectual dos alunos pobres, de outro, temos o falseamento intelectual dos alunos ricos e de classe média. Trocando em miúdos, educação não é objeto nem de mercantilismo, nem de assistencialismo. E isso é o que vimos acontecer no Brasil das últimas décadas: de um lado, nas escolas estatais, a idéia de conhecimento fracionado, aligeirado, uma sombra pálida da idéia de legado cultural; de outro, o conhecimento como um produto de grife, negociado a preços nada módicos pelas escolas privadas. Para acabar com isso, não vejo outra saída a não ser a desapropriação imediata e irrevogável de todas as escolas privadas do país. Por fim, a última tensão: “a escola em ruína”. Isso significa o seguinte: de um lado, a explosão absoluta das atribuições escolares por meio do aumento das demandas pedagógicas, a tal ponto que acabamos crendo que, aqui, “se ensina tudo”. De outro, a desrritualização paulatina e crescente das salas de aula, o que acaba redundando no esmorecimento da ambiência pedagógica das salas de aula, esta que deveria obrigatoriamente sediar vínculos sólidos entre professor e aluno. Agora, aqui “já não ensina quase nada”. Nesse sentido, não há mais relação professor-aluno nas escolas brasileiras. As salas de aula transformaram-se em lugares quaisquer, onde se desenrolam muitas coisas de diferentes ordens, mas poucas com sentido propriamente pedagógico. Ou seja, é recorrente a idéia de que os profissionais não mais conseguem levar a cabo seu ofício, uma vez que a ambiência das salas de aula não permitiria. 158 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Essa última tensão remete à constatação de que a relação professor-aluno se encontra num estado alarmante de esgarçadura, ou, dito de outro modo, em eminente dissolução. A relação professor-aluno lastreada por vínculos precisamente intelectuais está desaparecendo do cenário escolar. Não somos mais professores dentro das salas de aula; agimos com um punhado de boas intenções, e efeitos nulos. Dessas cinco tensões, em meu entendimento, derivarão cinco efeitos de fundo. Vejamos um a um: 1) Do ponto de vista dos profissionais, naturaliza-se uma alegação onipresente de desgaste ocupacional crônico. A imensa maioria dos professores da educação declara ser vítima de estresse profissional, sem saída, sem solução. Esse desgaste crônico do profissional deriva, a meu ver, da percepção de que a profissão recomeça sempre do zero, a cada dia, a cada vez que o profissional entra na sala de aula – como se não pudéssemos mais contar com os ritos institucionais do passado, nem próximo, nem distante. 2) Do ponto de vista da profissão, o efeito imediato é a alegação determinante e perigosa de que o campo profissional é regulamentado, tão somente, pela experiência prática de cada um, uma experiência da qual acabam despontando docências múltiplas, infinitas, personalizadas, que não dialogam entre si. Uma dos problemas fundamentais do meio pedagógico contemporâneo remete ao slogan tosco, pueril, de que a experiência prática de cada um é seu tesouro maior, de que apenas ela ensina. Mas devemos então nos perguntar: O que somos nos basta? Por isso, o necessário estranhamento da crítica. Essa idéia, de que a experiência prática é a mãe de todos os saberes pedagógicos, tem uma contra-partida perigosa: a transferência das responsabilidades pedagógicas a outros segmentos, especialmente aos profissionais parapedagógicos – se não de fato, ao menos como demanda. É a eles que recorremos quando a experiência se cala. Onde a experiência termina, começa a deserção profissional. Temos no contexto escolar, atualmente, uma tecnologia bastante refinada do que poderíamos chamar de intervenções parapedagógicas. Trata-se da atuação dos profissionais paramédicos: psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos etc. que se alimentam e engordam suas contas bancárias com os restos que lhes atiramos, todos os dias, para fora dos muros escolares. Aquilo que era motivo de honra profissional tornou-se objeto de despojo. Aquilo que poderia representar o grande desafio da profissão foi, definitivamente, abandonado nas escolas: o desafio humano representado por nossos alunos em situação de vulnerabilidade pedagógica, em particular os ditos “problemáticos”, e sua potência de vida. Abrimos mão disso e relegamos os mistérios da profissão aos profissionais parapedagógicos e suas invencionices estapafúrdias, que nada têm a ver com os mistérios da relação professor-aluno. 3) O terceiro efeito, agora do ponto de vista propriamente educacional, é o advento generalizado da espontaneísmo e do vale-tudo pedagógicos. Ambos são resultado da idéia de que “a experiência prática assim mostrou”. O curioso é que a experiência prática, individualizada, revela sempre as mesmas coisas para todos: “as famílias não colaboram; há uma porção de alunos que não estão aptos para o trabalho pedagógico; que bom seria ter um psicólogo de plantão em cada sala de aula; que bom seria trabalhar três meses por ano”, e daí por diante. Esses chavões, em geral, têm a ver com apropriações indébitas de algumas palavras-de-ordem conceituais, geralmente psicologizantes, sociologizantes, ou mesmo moralizantes, que apenas justificam o malogro escolar, jamais o sucesso. Este é invariavelmente pedagógico; o oposto, nunca. 4) Do ponto de vista político, assistimos a um efeito assustador que eu denominaria como escuridão escolar. Refiro-me a um processo crescente de deslaicização do ensino. Existe hoje, nas escolas estatais, uma espécie de seitalização das salas de aula. Em oposição ao apreço ao conhecimento acumulado, laico por excelência, surge uma onda de catequização dos alunos. Ora, quando abandonamos a magnitude do conhecimento humano, só nos resta nos apegar à idéia de crença no transcendental. Isso acarreta, no meu entendimento, a agonia da utopia do ensino democrático para as massas. A idéia de democracia está em declínio pelas mãos da mesma geração que, neste país, tanto lutou por ela. Portanto, o que está em questão aqui, fundamentalmente, é o atentado à liberdade de pensamento e de ação de todos nós. Onde houver deslaicização do ensino, o que está em risco é a liberdade de toda uma geração. E o preço por isso é alto demais. 5) Ainda, do ponto de vista ético, o efeito é o desapego, perigosíssimo por sinal, do cuidado e da proteção das novas gerações. Não mais pensamos que um professor é responsável por cuidar e proteger integralmente seus 159 alunos dos perigos do mundo. Assim, acabamos abandonando-os ao “deus dará”, aos chavões da propaganda, à implacabilidade da cultura de massa. Os personagens televisivos, por exemplo, estão proibidos de entrar nas salas de aula, porque são incompatíveis com Portinari, Carlos Gomes, Guimarães Rosa, Machado de Assis etc. E é certo que, infelizmente, temos optado pela mediocridade intelectual de nossos alunos e, muitas vezes, pela nossa própria. Ainda nos emocionamos com as idéias sofisticadas que nos foram legadas pelos antigos? Ou preferimos a comodidade do presente? Por fim, as quatro instâncias sociais fomentadoras desse estado de coisas: 1. Os empresários do ensino privado, entrincheirados nos bunkers pedagógicos dos bairros elegantes das capitais. Trata-se dos donos de cursinhos, das faculdades privadas, das escolas privadas etc. que torcem para a derrocada do ensino público; 2. A mídia educativa mal-intencionada e seus comentadores toscos da realidade educacional brasileira; 3. Os especialistas parapedagógicos, detratores das crianças e jovens e sua infinita potência de vida; 4. Os gestores e profissionais inescrupulosos, sejam eles ingênuos ou cínicos; estejam eles nos gabinetes dos ministérios ou nas secretarias de educação; ocupem eles os gabinetes de direção, de coordenação ou as salas de aula – o que, em certo sentido, abrange todos e cada um de nós que aqui estamos, mesmo aqueles que ainda se designam educadores. Todos nós estamos comprometidos, em alguma medida, com o abandono paulatino da educação pública brasileira. Ao final de nosso percurso, resta uma velha e recorrente questão: Qual a saída possível? Temo dizer que não sei, que ninguém sabe. Mas ela está por se fazer, pedindo passagem. Nesse sentido, um dos autores mais respeitáveis no campo educacional atualmente, o Prof. Alfredo Veiga Neto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tem um trecho, em um de seus livros, que eu gostaria de compartilhar com vocês: “Se quisermos um mundo melhor teremos de inventá-lo, já sabendo de antemão que, conforme vamos nos deslocando para ele, ele vai mudando de lugar”. Essa me parece uma das sínteses mais sóbrias e geniais que ouvi nos últimos tempos. Temos de saber que, quanto mais nos aproximamos da utopia que elegemos, mais ela muda de perspectiva. Impossível tomá-la nas mãos. Por isso, essa possibilidade de pensar a vida criticamente, principalmente nas escolas, me parece a opção mais serena, mais correta e mais justa em direção a uma vida boa. Eu dizia, no início de meu trajeto aqui, que não iria oferecer consolo algum nessa breve hora que passaríamos juntos. Mas, para encerrar, eu gostaria de oferecer, sim, um consolo. Do velho Drummond, “Consolo na praia”. 160 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Antes ainda, toda a minha gratidão por terem me ouvido com tanta atenção e paciência. Eis o poema. Vamos, não chores. A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado. Devias precipitar-te − de vez − nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho. 161 O Projeto Pedagógico como Expressão da Autonomia na Escola Francisco Aparecido Cordão Conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Diretor-presidente da Consultoria Educacional Peabiru Ltda – Consultores Associados em Educação e Consultor Educacional do Departamento Nacional do SENAC Primeiramente, quero deixar registrado que é um prazer muito grande estar aqui hoje, discutindo e debatendo com educadores paulistanos sobre o projeto pedagógico da escola, expressão de sua autonomia. Uma das grandes, e na minha opinião a maior inovação da atual LDB, é que ela, ao tratar da organização da escola, ela chega até a escola e o docente. A Lei no 9.394/96 trata a proposta ou o projeto pedagógico da escola como a expressão da autonomia da escola. A escola é autônoma na medida em que consegue, efetivamente, trabalhar o seu projeto pedagógico. E como é que a LDB trata desta questão referente à proposta ou ao projeto pedagógico da escola? A LDB trata dessa matéria especialmente nos seus artigos 12, 13 e 14. Neste debate, nos deteremos de modo especial nos artigos 12 e 13. Preparei algumas transparências para facilitar a minha apresentação. Se vocês quiserem, depois, cópias destas transparências, basta encaminhar um e-mail para mim. O meu endereço eletrônico é o mesmo endereço do meu escritório, que fica no no 820 da Rua Santa Cruz, na Vila Mariana, aqui no Município de São Paulo. Então, o e-mail é [email protected]. É fácil de decorar, guardando na memória, ao mesmo tempo o meu e-mail e o meu endereço comercial. Podem solicitar que eu as enviarei por e-mail, imediatamente. Vejamos, agora, qual é a primeira incumbência definida pela LDB para os estabelecimentos de ensino, em seu Artigo 12. De acordo com essa Lei, incumbe à escola, respeitadas as normas comuns, tais como as Normas da própria Lei a as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação, e as normas dos seus respectivos sistemas de ensino, o seguinte: Primeiramente, incumbe à escola elaborar e executar a sua proposta pedagógica. Esta é uma grande inovação da atual LDB, pois, de acordo com a legislação educacional anterior, o currículo, por exemplo, era todo ele praticamente pré-definido. A Lei no 5.692, que implantou a reforma dos ensinos de primeiro e de segundo graus, só para ficar num exemplo, previa para o atual ensino médio, o qual, à época, tinha caráter profissionalizante, um currículo escolar pré-definido e todo compartimentado. A estrutura curricular do então segundo grau era toda dividida. Tinha 50% de componentes curriculares da chamada educação geral e 50% de parte profissional, ou como era chamada, de parte especial do currículo. A parte da educação geral, por sua vez, era dividida entre o núcleo comum e a parte diversificada, sem falar dos componentes curriculares aí agregados pelo Artigo 7o da Lei. A parte da formação especial, de natureza profissionalizante, incluía os mínimos profissionalizantes e uma parte diversificada ou instrumental à educação profissional. Então, nestes termos, a escola tinha plena liberdade para organizar o seu currículo, desde que o mesmo tivesse, na parte de educação geral, aquela que garantia a continuidade de estudos em níveis superiores de ensino, um núcleo comum e uma parte diversificada, para atender as necessidades locais ou regionais, além dos componentes curriculares legalmente agregados, e contemplasse, ainda, na parte da formação especial, os mínimos profissionalizantes e a parte diversificada ou instrumental à habilitação profissional técnica ou, ao menos, no nível de auxiliar técnico. Isto quer dizer, a liberdade da escola era mínima, era quase nada. Com a nova LDB, este panorama alterou-se profundamente. Agora, o Conselho Nacional de Educação já não tem mais a competência de definir currículos mínimos para os diversos cursos, nos respectivos níveis e modalidades de ensino. Não existe mais currículo mínimo para nenhum curso, nem para o ensino fundamental, nem para o ensino médio, nem para a educação profissional, nem para educação superior. As competências dos Conselhos, agora, estão voltadas para a definição de Diretrizes que orientem as Propostas Pedagógicas dos Estabelecimentos de Ensino. No contexto deste novo ordenamento legal, no Conselho Nacional, quando começamos a discutir as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os diversos níveis e modalidades de ensino, tivemos que vencer uma tentação muito grande, que era, ao mesmo tempo, uma tentação nossa, do Conselho e de seus conselheiros, e uma tentação que vinha da cobrança das escolas, que insistiam na necessidade do Conselho Nacional de Educação definir currículos mínimos. Eu sofri essa tentação quando estava elaborando e discutindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional. A Professora Guiomar idem, quando estava tratando das 162 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio. Idem a Professora Regina de Assis em relação às Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e para a educação infantil. Nas audiências públicas nacionais era comum ouvir: vocês vão deixar as escolas abandonadas à própria sorte? Normalmente, respondíamos que não, que nós estávamos definindo diretrizes e orientações. Enfatizávamos que agora a competência pela definição curricular é da própria escola ou pelo menos das redes de escolas. Dizíamos que era importante entender que a intenção da Lei era a de que o máximo pudesse ser definido no nível da escola e que a expressão da autonomia da escola é o seu projeto pedagógico. O artigo 13 da LDB trata das incumbências dos docentes. A primeira delas é, justamente, a de participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino. É essencial essa participação do docente. Projeto pedagógico como expressão de sua autonomia é incumbência da escola, mas não apenas dos seus dirigentes ou dos seus orientadores e técnicos. Ele deve contar, de modo muito especial, com a efetiva participação dos docentes. Por isso mesmo, quando entra um docente novo na escola, a primeira providência a ser adotada pelos dirigentes da escola é prestar a esse novato todas as informações disponíveis sobre o projeto pedagógico da escola. É direito e dever de todo o docente que ingressa numa escola, conhecer perfeitamente o seu projeto pedagógico. Este é o primeiro nível de participação; mínimo, mas indispensável. É claro que se espera muito mais, em termos de participação docente. A LDB exige uma participação mais efetiva dos docentes na concepção, definição, elaboração, execução, avaliação e revisão da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, pois o projeto pedagógico é a expressão da autonomia da escola na execução de seu ato educativo. Tanto é assim, que a segunda incumbência dos docentes, tal qual prevista no Artigo 13 da LDB é a de elaborar e cumprir seu plano de trabalho segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, orientado pelo princípio de zelar pela aprendizagem dos seus alunos, buscando, continuamente, estabelecer estratégias de recuperação daqueles alunos de menor rendimento, para que todos aprendam e, ao aprender, aprendam a aprender, e tenham efetivas condições de continuar aprendendo. O Artigo 14 da LDB, ao definir os princípios orientadores da gestão democrática do ensino público na educação básica, apresenta como princípio definidor de normas para essa gestão democrática do ensino público o primeiro princípio da participação de todos os profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola. Estas são as normas e diretrizes principais em termos de orientação quanto ao projeto pedagógico dos estabelecimentos de ensino. É nessa mesma linha que as Organizações internacionais vinculadas à ONU, tanto em relação à educação, como a UNESCO, quanto em relação ao trabalho, como a OIT, vem tratando a matéria, em termos de caracterização dos pilares da educação na sociedade do conhecimento. O século 21 está sendo chamado de o século do conhecimento. Neste século presente, é o conhecimento que vai ser o grande diferencia e o grande referencial para nações, empresas, organizações e pessoas, para distinguir entre os incluídos e os excluídos. Em nossas escolas, já está passando da hora de darmos prioridade ao conhecimento, colocando a informação curricular à serviço do desenvolvimento do conhecimento, pois estamos vivendo no século do conhecimento. O Relatório Jaques Delors, da Unesco, enfatiza que o conhecimento tem que ser tratado dentro de quatro dimensões: a do aprender a conhecer, do aprender a fazer, do aprender a conviver e do aprender a ser. Ao debater sobre essa orientação da Unesco à luz dos dispositivos normativos da LDB, por ocasião da definição de Diretrizes Curriculares Nacionais para os diversos níveis e modalidades de ensino, no Conselho Nacional de Educação, traduzimos essa orientação como significando promover o desenvolvimento de competências. Aí caçamos uma briga com muitos educadores de boa cepa que entendiam o conceito de competência de maneira restrita, como se competência fosse sinônimo de habilidade. Essa redução de conceito não foi aceita pelo Conselho Nacional de Educação. Desenvolver competência, para o Conselho Nacional de Educação, significa desenvolver a capacidade do indivíduo de articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e valores, isto é, os seus vários saberes, para resolver os desafios do dia-a-dia da vida do cidadão, da vida profissional, atendendo os requerimentos do dia-a-dia da vida pessoal, profissional e comunitária, os novos desafios, que vão exigir respostas novas e criativas a cada dia. 163 Este entendimento é muito importante, pois nesta sociedade do conhecimento, na qual vivemos, é impossível conhecer tudo. Ninguém conhece tudo, mas é importante que aquilo que a pessoa conhece possa servir de alavanca para novos conhecimentos. Tanto os conhecimentos (dimensão do aprender a conhecer), quanto as habilidades (dimensão do aprender a fazer) e as atitudes (dimensões valorativas do aprender a conviver e,sobretudo, do aprender a ser), devem servir de alavanca para o desenvolvimento de novos saberes a serem desenvolvidos neste mundo do conhecimento. Essa mesma orientação foi assumida pela OIT – Organização Internacional do Trabalho. Eu tive a honra de participar dos debates conclusivos, no mês de junho do ano passado, na Reunião Anual da OIT, a qual definiu e aprovou a Resolução OIT no 195, de 17 de junho de 2004, a qual substituiu a antiga Resolução OIT no 150/1965 sobre orientação e formação Profissional. A nova Resolução Internacional da OIT enfatiza como orientação básica a promoção da aprendizagem permanente. É essencial que as pessoas, na medida em que aprendem, elas aprendam a aprender. É óbvio, como diria o nosso saudoso mestre, Prof. José Mário Pires Azanha, que para aprender a aprender, um bom começo é o ato de aprender. Ninguém aprende a aprender senão aprendendo e é importante que aprendam. É importante que aprendam a conhecer, a fazer, a conviver e a ser, ao longo da sua vida. Essa aprendizagem é o que mais se espera do tempo passado numa escola. O que se espera é que as pessoas tenham condições de continuar desenvolvendo esta competência de aprender e esta capacidade de articular, mobilizar, e colocar em ação seus conhecimentos, suas habilidades e seus valores, para responder aos constantes desafios da vida pessoal, da vida cidadã e da vida profissional de maneira original, criativa, eficiente, eficaz e efetiva. Compromissos que significam, em última instância, desenvolver uma educação básica de boa qualidade. Quanto melhor for a educação básica, mais as pessoas terão condições de articular e mobilizar os seus saberes para resolver os desafios da sua vida no dia-a-dia, tanto em termos de vida cidadã, quanto de sua vida profissional, na sociedade do conhecimento. A OIT recomenda que governantes, empregadores e trabalhadores se unam em torno de três objetivos essenciais, quais sejam o de garantir a educação básica a todos os cidadãos, a formação profissional inicial a todos os trabalhadores e a aprendizagem permanente como meta integradora.. Estes devem ser os grandes compromissos de governantes, empresários e trabalhadores na busca do desenvolvimento profissional dos cidadãos. E para trabalhar nesta perspectiva, quais são as orientações básicas da LDB? Para poder entender esta mudança de ordem cultural proposta pela atual LDB, a qual foi longamente discutida no Congresso Nacional, a partir da Constituição Federal de 1988. A LDB é de 1996, mas ela foi discutida desde 1988. Muita gente que participou dos debates em torno dessa Lei, desde os idos de 1988 até a sua aprovação e promulgação no ano de 1996, comentou: Mas não era bem isso que eu esperava. A minha primeira reação em relação a esta atual LDB foi a mesma que teve o mestre de todos nós, o Prof.Anísio Teixeira em relação à primeira LDB. Foi uma meiavitória, mas foi vitória. E para entender qual foi essa vitória, ainda que pela metade, precisamos entender quais são as desculpas efetivas que a LDB está nos dando para promover a reforma de ensino que o Brasil exige, porque nessa sociedade do conhecimento, ou nós melhoramos efetivamente a qualidade do nosso ensino na perspectiva de desenvolvimento do conhecimento e do desenvolvimento de competência para articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e valores, para respondermos aos desafios do dia a dia da vida do cidadão trabalhador na sociedade do conhecimento, ou seremos excluídos do cenário internacional cada vez mais competitivo e exigente de qualidade. Durante muito tempo se acreditou que a escola tinha por missão essencial informar. Na verdade, até tinha mesmo uma missão importante, no sentido de bem informar os seus alunos e por extensão os seus familiares. Hoje, a informação está aí, cada vez mais democraticamente colocada à disposição de todos. Tudo o que acontece nos quatro cantos desse planeta redondo a gente fica sabendo imediatamente, em tempo real. Eu sou da época em que, para fundamentar minha pesquisa de mestrado sobre inovação em educação, necessitando encontrar documentação internacional, para fazer um estudo comparativo, tive que escrever cartas para algumas Universidades selecionadas, esperar que os responsáveis pelas bibliotecas e centros de documentação lessem as minhas cartas, torcer para que tivessem boa vontade para atender à minha solicitação, enviando o material solicitado. Os que tiveram boa vontade, felizmente vários, acabaram enviando o material por navio, demorando mais de 40 dias para chegar às minhas mãos. Isto porque tive muita sorte. Hoje a situação é bem outra. Quando a gente precisa ter acesso a um texto de algum pesquisador da Europa, ou do América do Norte, ou da Ásia ou da África, da Oceania ou do Caribe, de qualquer parte do mundo, basta ligar o computador e solicitar o texto desejado a qualquer dos bancos de dados disponíveis, que você, imediatamente tem acesso ao texto desejado. 164 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ainda mais. Reclamamos diante de qualquer demora. Basta demorar uns dez minutos que você já diz: como está lento este meu computador. Isto porque estava demorando uns dez minutos. Nem nos lembramos mais daqueles quarenta dias de espera. Nos dias de hoje, temos acesso a todas as informações disponíveis praticamente em tempo real. Caso você tenha uma assinatura de um desses provedores como Skipe ou outro similar, você pode conversar diretamente sobre seus estudos e pesquisas com um pesquisador que lá da Europa ou em qualquer outro País, praticamente em tempo real. Por conta de tudo isso, podemos dizer que não corremos mais o risco de ser uma nação mal informada. Qual é o risco, então ? Certamente não é mais o da falta de informações, pois esta falta está sendo suprida perfeitamente pelos meios de comunicação de massa e pela informática associada à telemática.O risco não é mais o de ser mal informado, mas sim, o de ser muito bem informado, porém ignorante. O risco está em não saber o que fazer com essa informação, em não ter condições de articular, mobilizar e colocar em ação, os conhecimentos, as habilidades e os valores, para colocá-los em ação e responder, de maneira eficiente e eficaz, aos requerimentos do dia a dia. Agora, para conseguir isso, quais são as linhas mestras propostas pela LDB? A primeira delas é justamente a do projeto pedagógico como expressão de autonomia da escola, com efetiva participação dos docentes. A segunda é a de que a educação escolar, de acordo com o artigo primeiro da LDB, deverá estar vinculada ao trabalho e à prática social do educando, assim contextualizada, para fazer sentido ao aluno. A escola tem que organizar suas atividades de ensino de tal forma que faça sentido para o educando. A terceira é a de que o currículo é meio para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, Não é o essencial. Na lógica do currículo mínimo, ele até era considerado essencial. Vejam, por exemplo, a importância que ainda hoje é dada aos Diários de Classe, que registram o conteúdo ensinado, o que nem sempre corresponde ao conteúdo aprendido.A atual LDB valoriza mais o currículo aprendido que o currículo ensinado. Currículo é meio para o desenvolvimento da capacidade de aprender, para a constituição de competências. Vejam o primeiro artigo do capítulo referente ao ensino fundamental, aquele que trata do primeiro objetivo do ensino fundamental. Qual é esse objetivo ? É o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da linguagem, da escrita e do cálculo. É claro que é importante o domínio da linguagem, da escrita e do cálculo, mas é essencial que, ao aprender a ler, a escrever, a calcular, o aluno desenvolva sua capacidade de aprender, para continuar aprendendo, num esforço contínuo de aprendizagem permanente. O trabalho educacional é, necessariamente, multidisciplinar e interdisciplinar. É importante contar com a participação de todos os docentes na concepção, elaboração, avaliação e execução do projeto pedagógico da escola. Não dá mais para dizer:“Ah, eu sou professor de português, não me interessa o resto”. Interessa sim. Não dá para falar:“Sou professor de história, o resto não me interessa”. Interessa sim. Isto vale para a geografia, a matemática, enfim, todos. O trabalho é conjunto, é interdisciplinar. O conhecimento não é estanque e as várias áreas do conhecimento mantêm permanente diálogo entre si. É importante esse diálogo das várias áreas do conhecimento, pois o conhecimento é global, holístico. Autonomia intelectual é outra linha mestra. É importante e essencial, como resultado do trabalho educativo, buscar o desenvolvimento da autonomia intelectual dos nossos alunos, tanto das nossas crianças, quanto dos nossos adolescentes, dos nossos jovens e dos nossos adultos. Só assim eles, efetivamente, ao aprender, terão condições de aprender a aprender. Para tanto, a escola deverá migrar de uma posição antiga, da escola entendida como auditório da informação e passar a assumir o papel de laboratório da aprendizagem. Todas as informações, todo o conhecimento trabalhado no interior da escola terá que ser trabalhado em forma de laboratório de aprendizagem. O professor organiza situações de ensino para melhor possibilitar a aprendizagem dos seus alunos. O professor utiliza recursos de ensino adequados à melhor aprendizagem dos seus alunos. Ele não vai usar computador simplesmente porque é um recurso mais modernoso; não vai usar vídeo porque está meio 165 cansado ou com preguiça de dar aula expositiva naquele dia. Vai usar um vídeo, quando o vídeo for o recurso mais importante para tratar aquele assunto. Idem com o computador. Idem em relação a qualquer outro recurso didático. Todas as atividades de ensino devem ser planejadas em situação de laboratório. A escola tem que se tornar um laboratório de aprendizagem, e não se limitar à situação de simples auditório de informações, porque são inúmeros os auditórios de informações colocados à disposição dos nossos alunos, vários até mais eficazes. Todas as atividades de ensino devem ser avaliadas pelos resultados de aprendizagem. Se o aluno não aprendeu, não significa que o professor não tenha dado aula, mas significa que esta aula foi ineficaz. Só tem sentido a existência de escola, de professor, de Secretarias de Educação, de Conselhos de Educação e similares em função da aprendizagem dos alunos. Todo o ambiente escolar só tem sentido em função da aprendizagem dos alunos. Só tem sentido a aula, em função da aprendizagem dos alunos. Então, todas as atividades de ensino devem ser avaliadas pelos resultados de aprendizagem. O objetivo da avaliação é verificar o grau de aprendizagem dos alunos para planejar novas atividades de ensino, novas atividades de estudo com vistas a novos resultados de aprendizagem, para, assim, possibilitar a progressão contínua do aluno. Esse assunto, aqui em São Paulo, foi muito mal interpretado. Quando um parecer meu e do Prof. Nacim foi aprovado no Conselho Estadual da Educação de São Paulo, enfatizando que o objetivo da avaliação não era o de reprovar o aluno e sim de possibilitar a sua progressão contínua, muita gente disse: “ah, então não é para reprovar mais, então não vamos mais avaliar”. Essa atitude equivocada vem provocando grande bagunça no sistema de avaliação da aprendizagem. Mas, pergunto eu: Quem disse que não é para avaliar? Estou dizendo que o objetivo da avaliação não é o de reprovar. A avaliação não é um substitutivo da palmatória. A avaliação não é instrumento de pressão à mais na mão do professor. A avaliação é um valioso instrumento de verificação daquilo que o aluno aprendeu, para possibilitar um re-planejamento das atividades de ensino, para definição de programas de estudos, objetivando novas aprendizagens. A avaliação é um instrumento útil para medir o desenvolvimento efetivo dos alunos no processo de aprendizagem. É oportuno registrar alguns motes constantes ao longo de todo o texto, na redação da atual LDB, que aparecem em vários artigos da Lei. Se vocês forem lendo a LDB e anotando o que sempre aparece, irão verificar a freqüência de alguns motes, tais como: desenvolver a capacidade de aprendizagem; constituição de competências; aprender e aprender a aprender, para continuar aprendendo; crescentes graus de autonomia intelectual; educação para a cidadania, o que implica em desenvolvimento do pensamento crítico, autônomo; vínculo com o mundo do trabalho e a prática social do cidadão; preparo do cidadão para ver o mundo com perspicácia e nele atuar; compromissos éticos da nova escola e dos seus docentes, quais sejam : resultados de aprendizagem, constituição e desenvolvimento de competências para a cidadania e para o trabalho. Analisem, de maneira especial, o conteúdo dos artigos 12 e 13 da LDB, o primeiro tratando das incumbências das escolas, e o segundo tratando das incumbências dos docentes e de sua ação educacional. Primeira incumbência da escola: elaborar e executar a sua proposta pedagógica. A proposta pedagógica e a expressão da autonomia da escola. Administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros. É interessante que a LDB não coloca isto como competência do diretor da escola. È competência da própria escola. Vocês verão esta orientação lendo mais atentamente outros artigos da LDB, que tratam da questão de “administrar o seu pessoal”, não é apenas no sentido de tomar conta da folha de pagamento, de faltas, presenças, etc, mas no sentido de, essencialmente, propiciar o desenvolvimento pessoal e profissional da sua equipe de trabalho, da equipe de trabalho da escola, dos educadores da escola, e quando registra educadores da escola, significa todos os funcionários da escola, o professor, o diretor, os assistentes, os bedéis ou sei lá quem mais, o quadro de apoio, pois todos participam daquilo que a UNESCO já caracterizou muito bem em 1975 no relatório que ficou conhecido pelo título “Aprender a Ser”, redigido pelo educador francês Edgar Faure - Comunidade Educativa. A escola tem que ser uma comunidade educativa. Assegurar o cumprimento dos dias letivos e das horas aulas, mas com que orientação ? Zelando pelo cumprimento do plano de trabalho docente. Percebam que a LDB utiliza a expressão plano de trabalho do docente. Não é utilizado mais a expressão plano de ensino. É claro que o professor ensina, mas o plano de trabalho do docente inclui uma série de atividades, inclusive as atividades de ensino. 166 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento escolar. Compete ao professor decidir as estratégias de ensino para obter os melhores resultados de aprendizagem. Mas compete à escola prover meios para que estas estratégias sejam executadas e assim produzam seus efeitos. Interessante é que primeiro aparece a questão da recuperação dos alunos de menor rendimento e a outra face da mesma moeda, enriquecimento curricular dos alunos de maior rendimento. Isto até parece o título daquele filme chinês “nenhum a menos”. A escola tem que ter esta preocupação,de buscar atingir a meta do nenhum a menos. Na escola, o professor deve ficar triste quando um aluno não consegue assimilar a matéria e, pos isso mesmo, tem que buscar alternativa para que ele aprenda, buscar apoio da sua comunidade escolar para que ele aprenda. O objetivo da escola é desenvolver a capacidade de aprendizagem dos alunos, para isso ele precisa, ao aprender, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Articular-se com as famílias e a comunidade criando processos de integração da sociedade com a escola – é muito importante isso, até para que a escola tenha melhores condições de contextualizar o seu currículo e vincular a sua atividade escolar à prática social do cidadão e ao mundo do trabalho. Informar pais e responsáveis sobre a freqüência do rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica. É direito do pai, do responsável, conhecer a proposta pedagógica da escola e cobrar a sua execução Isto é muito importante. Quanto às incumbências dos docentes - olha que interessante, a primeira incumbência dos docentes que aparece na LDB não é dar aula, é participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento. A segunda também não é dar aula, é elaborar e cumprir o seu plano de trabalho segundo a proposta pedagógica do estabelecimento. Se a proposta pedagógica é a expressão da autonomia da escola, o projeto pedagógico do docente tem de estar vinculado à proposta pedagógica da escola. Ele não é simplesmente professor de matemática, é professor de matemática da Escola Municipal X, da Escola Estadual Y. Ele é professor de uma determinada escola, contextualizada, que tem aquela equipe de docentes, aquela equipe de educadores, aquela clientela. Quando falo em clientela da escola, não estou falando apenas de alunos, estou falando dos pais, dos responsáveis. Estou falando, sobretudo, na sociedade que se beneficia do trabalho educativo da escola. Zelar pela aprendizagem dos alunos – todo mundo sabe o que é que é cuidar com zelo de alguma coisa - zelar pela aprendizagem dos alunos. Antes de aparecer a incumbência de dar aula, aparece a incumbência de estabelecer estratégias de recuperação dos alunos de menor rendimento escolar. Esta é uma das dimensões do zelo pela aprendizagem dos alunos. Compete à escola dar condições para que as estratégias definidas pelos professores sejam cumpridas, mas compete aos professores definir e estabelecer estratégias de recuperação dos alunos de menor rendimento, quer dizer, nenhum a menos. Só depois disso é que aparece, na LDB, a incumbência dar aula. Se você está imbuído desse zelo pela aprendizagem dos alunos, preocupado, definindo estratégias para que todos efetivamente acompanhem o desenvolvimento do processo de ensino, conseguindo resultados adequados de aprendizagem, aí sim, aí vale a pena dar aula. Então aparece a incumbência ministrar os dias letivos e as horas aulas estabelecidas. Mais duas outras incumbências ainda aparecem. Participar integralmente dos períodos dedicados a planejamento e avaliação do projeto pedagógico da escola, bem como participar de alternativas de desenvolvimento pessoal e profissional promovidos pela escola. A LDB considera essencial que a escola promova o desenvolvimento pessoal e profissional de sua equipe de trabalho. Colaborar com as atividades de articulação da escola com a comunidade é outra das atribuições dos docentes apontadas pela LDB, dentro dessa política de zelo pela efetiva aprendizagem dos alunos. Alguns dos princípios norteadores das ações pedagógicas na educação básica, que estão por trás de todas as diretrizes curriculares nacionais que foram definidas pelo Conselho Nacional de Educação para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Educação Profissional etc. São três conjuntos de princípios. Os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum. Os princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais. Antes de vir para esta sala, eu estava assistindo, no Plenário, a uma apresentação da orquestra sinfônica do CEU 167 de Perus. Fantástico, dentro dessa perspectiva do desenvolvimento dos princípios estéticos da sensibilidade. Tenho certeza de que outras alternativas podem ser desenvolvidas e estão sendo desenvolvidas por esse município, estado e país afora ou adentro. A missão essencial da escola não é a de transmitir a informação cada vez mais disponibilizada, cada vez mais democraticamente disponibilizada, ainda que não tão democrática assim, mas cada vez mais democraticamente disponibilizada. A missão essencial do professor, não é de simplesmente dar aula, é importante que ele dê aula, mas a sua missão essencial é a de conduzir os seus alunos nas trilhas da aprendizagem, para isso é que ele dá aula. A aula é meio, a aula é ferramenta que o professor utiliza para conduzir os seus alunos nas trilhas da aprendizagem. Escolas e professores só se justificam pelos resultados de aprendizagem dos seus alunos, e pelas competências profissionais desenvolvidas pelos seus alunos. O currículo escolar é meio essencial para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem de seus alunos e para constituição de competências profissionais, entendidas como essa capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e valores, para responder os desafios do dia-a-dia da vida pessoal e da vida profissional, de maneira eficiente e eficaz, atendendo aos requerimentos da vida pessoal e profissional, que exige, sempre, respostas originais. O conhecimento é individual e exige um esforço intencional para aprender e, ao aprender, aprender a aprender e aprender a pensar. Só assim ele terá autonomia intelectual, só assim ele terá condições de desenvolver o pensamento crítico autônomo, só assim ele terá condições de ver o mundo com perspicácia e orientar a sua ação. Isto quer dizer que o conhecimento, portanto, é cooperativo e quem sabe efetivamente têm condições de colocar em ação o seu conhecimento, que é social e se não é partilhado ele não serve para nada. O conhecimento, portanto, é pessoal e social, no sentido de partilha, onde não basta aprender a conhecer e aprender a fazer, mas é preciso aprender a conviver como condição para aprender a ser. O objetivo que nós devemos buscar nesse planejamento pedagógico que é a expressão da autonomia da escola é o do desenvolvimento da competência, como capacidade individual e partilhada, de mobilizar, articular e colocar em ação os valores, as habilidades, as atitudes e os conhecimentos para responder aos novos desafios profissionais e aos novos desafios da nossa vida diária, de maneira original e criativa. E para concluir esta minha apresentação, trago um pensamento de Jean Piaget. A mesa anterior concluiu com Drummond e eu vou concluir com Piaget. “O principal objetivo da educação é criar homens capazes de fazer novas coisas, não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram, homens criativos, inventivos e descobridores.O segundo objetivo da educação é formar mentes que possam ser críticas, que possam verificar e não aceitar o que lhes é oferecido. O maior perigo hoje é o dos slogans das opiniões coletivas, das tendências de pensamentos. Temos que estar aptos a resistir individualmente, a criticar, a distinguir entre o que está aprovado e o que não está. Portanto precisamos de discípulos ativos que aprendem cedo a encontrar as coisas por si mesmos em parte por sua atividade espontânea e em parte pelo material que preparamos para eles (pelas nossas aulas, etc), que aprendam cedo a dizer o que é verificável ou o que é simplesmente a primeira idéia que lhes veio. Obrigado e bom trabalho a todos. 168 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Gestão Escolar Ilona Becskeházy Diretora Executiva da Fundação LEMANN As escolas de pedagogia, de licenciatura de psicologia sabem muito bem educar a classe média, agora não estamos conseguindo educar o aluno de classes sociais mais baixas. Esse estudante de baixa renda tem mais dificuldades. A escola e os professores, na maioria das vezes, são a única fonte de conhecimento deles. Este é um dos desafios que temos que vencer no Brasil. A Legislação brasileira é brilhante, moderna, atual e a base de tudo, mas infelizmente não cumprimos a lei. Os resultados do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) no Brasil são algo assustador, o retrato do caos. O Brasil investe em torno de R$ 40 milhões em educação, mas investe mal. O nível de adequação é na média menor do que 10%. Como é que nós colocamos os sistemas estaduais, municipais e federal para funcionar e menos de 10% dos alunos aprendem o que deveriam? A boa notícia é que só temos espaço para melhorar porque pior que isso é muito difícil. Ver por essa vertente mostra que já estamos olhando para uma perspectiva positiva. Outros países competem pelos empregos que queremos ter. Se queremos crescer economicamente, ter ascensão econômica e desenvolvimento precisamos de uma educação de qualidade. Os outros países estão competindo com os nossos empregos. Olhem a Coréia! O país pulou do 7o lugar no último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, no qual participam mais de 40 países) para o 2o, em três anos. Eles estão querendo os nossos empregos. Precisamos parar para pensar e tomar decisões pragmáticas. Nós estamos no fundo do poço com um problema muito grave. Em geral, as primeiras soluções são de grande impacto e muito simples e eu vou provar para vocês, porque temos uma experiência positiva num projeto nosso. Então, não é ideológico, temos países capitalistas, socialistas, no meio do caminho e todos estão preocupados. Esqueçam a ideologia, porque não é este o problema. Quem gosta de povo ignorante é político corrupto, não é elite, esqueçam isso. Não tem elite com uma teoria conspiratória querendo acabar com a educação do povo brasileiro. Não tem nada disso. Para a elite interessa sim, lógico, desenvolver o país. Quem gosta de ignorante, repito, é político corrupto, quem quer manipular a massa, mas isso não é elite. Olhem bem a diferença, acho importante. O Brasil está em último, enfim, ganhou uma posição porque o México conseguiu ficar atrás, no exame do PISA. O legal do PISA é que a cada ano – a avaliação é feita a cada três -- existem mais países se juntando, então se forma um observatório de qualidade importantíssimo para poder ver o que está se fazendo e identificar o que nós podíamos fazer também para melhorar a qualidade do ensino. Por que o Brasil está numa posição tão atrasada em relação a educação? Primeiro o investimento per capita é baixo. Gastamos mais com ensino superior do que com o básico. Porque o sistema de gestão das secretarias, das escolas é antiquado. A maioria dos diretores de escolas pelo Brasil afora, exceto São Paulo, é escolhido pelo político local. Como é que vocês querem que a escola funcione se o político aponta o diretor, e até mesmo os professores são indicados muitas vezes? Fica muito difícil. A clientela, ou seja, os alunos não têm condição. Para os pequenininhos – de 1a a 4a séries – fica ainda mais difícil. Os pais de alunos, não têm noção do que é educação de qualidade, em alguns casos nem tiveram a oportunidade de freqüentar a escola. Como é que vão cobrar? Basicamente, o que identificamos depois de meio milhão de vezes são estes três problemas. O investimento é baixo, como já falei. Compare com outros países, como Chile e Argentina. Gastamos menor per capita, do que nossos vizinhos, menores e mais pobres do que nós. Olhem o que gastamos de ensino superior! Nós subsidiamos a educação da classe média em detrimento do investimento do aluno pobre. O ensino público é gratuito, nós doamos o dinheiro e educação de alta qualidade para a classe média, enquanto não temos dinheiro para colocar os alunos pobres na escola, com material didático dentro da sala de aula, o que precisa para educar. É uma opção política que fizemos há muito tempo e que não queremos sair dela. 169 Outra coisa, o sistema, todo processo de educação é ineficaz e ineficiente. Como é que temos essa quantidade de distorções nas séries? Isso aqui é o grito da má qualidade. O aluno não pode ter 3, 4, 5 anos de distorção, isto acaba, mina qualquer processo educativo. Só para ilustrar o que eu disse em relação aos pais: estimamos que apenas 6% dos pais dos alunos no ensino básico tenham ensino superior. Provavelmente os filhos deles estão estudando em escolas particulares, em escolas boas. Então os pais dos alunos com os quais os senhores se relacionam, não conseguem fazer o mesmo que um aluno de classe média faz. Ele ajuda em casa nas tarefas, a responsabilidade é 100% da escola, é muito peso, é um fardo que tem que ser carregado ou o Brasil não vai se desenvolver. Eu só fiz um resumo aqui de tudo o que falei, para mostrar para vocês a estratégia da nossa Fundação. Escolhemos três linhas de trabalho: a gestão da aprendizagem, a gestão administrativa e o controle social. O que a Fundação Lemann faz? Na gestão de aprendizagem fizemos a opção de apoiar os diretores de escolas públicas. Nós temos hoje, tanto no treinamento, na formação de novos líderes, o estímulo e a variação de desempenho dos alunos e seu uso qualificado. Nós temos dois “produtos”, digamos assim: o curso Gestão para o Sucesso Escolar, que já está em sua 2a edição, e o Formação do Gestor Escolar. O Gestão para o Sucesso Escolar é um curso à distância para diretores de escolas públicas. O Formação do Gestor Escolar é um curso presencial, espécie de um MBA em gestão escolar. É um curso totalmente inovador para formar um gerente, digamos assim, de escola. Como gerenciar pessoas, como auto-gerenciar o desenvolvimento pessoal. Temos atualmente duas turmas em Fortaleza e pretendemos expandir para o resto do Brasil para aqueles diretores de escolas públicas que quiserem se desenvolver. Na parte de gestão administrativa temos uma parceria com o CONSED (Conselho Nacional de Secretário de Educação) eles estão fazendo uma série de estudos sobre a gestão administrativa das secretarias estaduais, que é o organismo que se reflete nas secretarias municipais, e nós estamos atuando como patrocinadores. O controle social é fundamental hoje no Brasil. Tenho conversado com bastante gente, sociedade brasileira, formadores de opinião, a tal da elite. Não dá. O Brasil terá que melhorar a qualidade do seu ensino. Então, está começando a haver uma preocupação generalizada com relação a isto. Na Fundação Lemann nós estamos fazendo alguns estudos de caso sobre a gestão da escola pública. São nossos parceiros escolas renomadas, como a Fundação Getulio Vargas (FGV), daqui de São Paulo, e o Ibmec. Também criamos um prêmio para jornalistas: o Prêmio IGE de Jornalismo. Essa iniciativa tem um site que reúne vários materiais sobre Educação. O objetivo é disponibilizar uma ferramenta para que estes profissionais informem-se mais sobre o tema antes de escrever suas matérias. Dessa forma poderão ajudar a sociedade a promover o desenvolvimento da qualidade de ensino. O endereço do site para quem quiser acessar é: www.premioigedejornalismo.org.br. O que é, então, a gestão de processo escolar? É a tal da boa notícia que eu vim trazer aqui. Com muita simplicidade conseguimos um excelente resultado no ano letivo. Qual era a hipótese que tínhamos? Se ajudarmos o diretor a ser um melhor gestor, teremos impacto no rendimento dos alunos, que é o que o professor acabou de dizer aqui: Não há escolas se não para o rendimento dos alunos. Não pode haver! Inclusive eu quero fazer um parênteses. Nos Estados Unidos há uma lei há 4 ou 5 anos chamada “Nenhuma criança deixada para trás”. A base dessa legislação é uma legislação federal dos estados. Quando essa lei foi enfim outorgada foi a maior gritaria, a maior choradeira. Todo mundo chiou e o pessoal da educação também, mas é o seguinte: as escolas que têm os maiores desafios, os alunos mais pobres e os piores indicadores recebem dinheiro extra durante uns 3 ou 4 anos. Se elas não melhorem, são fechadas. A escola não pode existir se não for para educar os alunos. O curso Gestão para o Sucesso Escolar dura 9 meses com 320 horas de atividades. Então o que fizemos neste projeto? Tínhamos essa premissa, se ajudarmos o diretor em um ano letivo teremos o resultado. O curso é feito à distância, e estimula o cursista a assumir um papel de gestor pedagógico, de ser o maestro da suas escola. Eu sei que é difícil ser maestro de uma equipe que muda todo ano. Para minimizar este problema, toda vez que fazemos esse curso assinamos com as secretarias um termo de compromisso, que garante que o diretor e a equipe permaneçam no mínimo aquele ano inteiro na escola. Fomos visitar algumas escolas na Argentina com os dire170 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO tores premiados na 1a edição do GSE e descobrimos que lá as equipes ficam 20 anos nas escolas. A escola é da comunidade. Sabe por quê? Porque todo mundo está envolvido. Mudar todo ano a equipe vai contra a qualidade de ensino. Como é que se dirige uma escola sem saber o que seus alunos sabem ou não sabem? É impossível. A avaliação não é para punir, mas para crescer! Parceiro Ideal Não é em toda secretaria que a gente consegue fazer esse projeto. Tem que ter vontade política, reconhecer a importância da gestão, valorizar o diretor e já tem que estar realizando a avaliação dos alunos ou passar a investir nisso, senão não dá para fazer o projeto. Bom, tínhamos a hipótese de que iríamos ter impacto no desempenho dos alunos, com o curso a distância temos controle total da participação dos bolsistas: quem entrou e não entrou na ferramenta, quanto tempo ficou etc. Então sabemos do rendimento exato, de quem está realmente engajado. No final fazemos uma avaliação para saber qual foi o impacto do projeto na escola. O que foi que conseguimos na 1a edição em São Paulo e Santa Catarina? Em São Paulo atuamos no interior do estado, escolas municipais, e em Santa Catarina fizemos uma parceria com a secretaria estadual. Eram 100 mil alunos, um ano letivo e na média a prova de compreensão de texto melhorou. Ao final da primeira edição do GSE, nas escolas de São Paulo e Santa Catarina, a nota média em língua portuguesa dos alunos de 4a série aumentou 18%. Foram avaliados pelo Gestão, no fim e no início do ano letivo,16.739 que aumentaram as notas de 24,2 para 28,6, em um total de 40 pontos. Nas 8as séries o ganho foi de 13%, com a média atingindo 29.7 pontos. Foram provas aplicadas com todo rigor técnico, com aplicadores externos, pré-testes, passou-se por todas as etapas, todos os check lists de técnica. Queríamos saber se estava correto o que estávamos fazendo. Então a boa notícia é que, não demos um tostão para as escolas, apenas mobilização. Vou mostrar para vocês rapidamente o currículo. Não tem mágica, é algo simples, é o básico e muito trabalho. Então vou contar para vocês o segredo: primeiro ponto mobilização da equipe escolar e da comunidade. O curso foi projetado de uma forma muito leve, os textos são muito interessantes, todo mundo que participou gostou muito, as pessoas para quem mostramos o conteúdo do curso, ficaram muito interessadas. Então, a primeira coisa, parte-se dos indicadores daquela escola, internos e externos. Toda escola tem os dados do seu senso mínimo e no caso dessas turmas de secretaria municipal de avaliação externa tem o boletim da escola. Uma coisa que me assusta muito quando eu vejo avaliações externas, é que elas custam uma fortuna, elas são feitas e a escola não recebe o seu boletim e quando recebe, o diretor tem acesso, mas não divide com a equipe. Para que serve uma avaliação se não for para melhorar? E a equipe tem que ter conhecimento da avaliação, senão não consegue fazer o seu plano de trabalho e definir metas com base nos indicadores, além das áreas de atuação prioritárias. Foi o que essas escolas fizeram. Óbvio que o problema delas, em muitos casos, era de que os alunos não sabiam ler nem escrever direito. É sempre o mesmo problema. No fundo do poço que estamos, o aluno está saindo da 8a série sem saber escrever direito. Esquece a 4a. Então todas as escolas trabalhavam com a direção de fazer com que os seus alunos lessem mais, basicamente. Utilizaram os indicadores para estabelecer o plano de ação da escola, identificaram fatores facilitadores para mudança e pontos críticos a serem combatidos. Na ferramenta tem uma série de textos dos autores mais atuais, uma biblioteca eletrônica, e quando você quer aprofundar o conhecimento naquele tema específico, está tudo lá na biblioteca, é só puxar e imprimir. Propor ações de desenvolvimento das habilidades refletidas nas comunidades, depois esses outros módulos, qualidade da escola, tempo, espaço físico, tinha escola de todo tipo, super-arrumada, bagunçada, suja etc. O espaço da escola pedagógica tem que aderir, é lógico que as coisas acontecem na sala de aula, mas aquele ambiente agradável para o aluno faz toda a diferença. Inclusive nós demos um presente, um livro registrado pelo CEDAC para todos os diretores, que é brilhante mesmo, não sei se vocês já viram, é um livro que é o manual do diretor. O CEDAC que fez, é um manual, como deixar sua escola mais bonita, qual a participação de todos. É obvio que é obrigação do estado dar o básico, mas aquela caprichada extra, cabe a equipe da escola. 171 Desenvolvimento da comunidade do trabalho voluntário, construção de parcerias Meu tempo está acabando, mas deixa eu fazer um comentário pessoal sobre o desenvolvimento de trabalho voluntário. Eu concordo com a palestra anterior, na qual o Professor da USP disse que todo mundo se mete, todo mundo tem coisas para dizer na escola. Isso é um pouco demais realmente. Virou moda... amigos na escola todo muito quer dar palpite na escola. Não dá e cabe ao diretor pegar o que é bom e agradecer, mas dizer não obrigada ao que não é bom para a escola. É importante trabalhar com a comunidade, é importante trabalhar com o voluntário, mas é para agregar, para dividir. Já temos problema demais. E construção de parceria com soluções simples. Por exemplo, uma das escolas que, passaram pelo curso na primeira edição, o que eles perceberam? Que nossos alunos não conhecem todos os tipos de leitura, não conhecem... [pausa na gravação] ...enfim, com aquilo a escola conseguiu que os alunos, numa escola municipal de 1a a 4a série, tivessem acesso ao jornal, que era o tipo de texto que eles não estavam acostumados a trabalhar. Parceria é isso, enquanto se agrega para escola e não é tão difícil de conseguir. Aprofundar o conhecimento sobre a avaliação, reflexão e aperfeiçoamento das ações implementadas e planejar um bom futuro. Rapidamente não fizemos algumas modificações para a 2a edição. Esse é o impacto que a gente teve até agora. A 1a edição mais ou menos 100 mil alunos e a 2a um pouquinho mais de 140 mil nos estados do Ceará e Tocantins... Estamos nestes estados, abrangendo muitos municípios e isso só é possível pela maravilha que é a educação à distância. A educação à distância principalmente nos níveis das crianças pequenas, ela não substitui obviamente a presencial, mas para esse nível de uma pós-graduação, de um curso de aperfeiçoamento, fizemos esta opção clara, porque não queríamos tirar ninguém de dentro da escola. O diretor acessa o curso no seu ambiente de trabalho, sem tem que se ausentar, não perde tempo com o deslocamento, não tem diária, não tem nada, é um curso para fazer funcionar! Obrigada. 172 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Administração Escolar: Desafios do Cotidiano Zacarias Pereira Borges Professor Doutor do Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais da Faculdade de Educação da UNICAMP Muito se tem escrito sobre a diferenciação entre administração ou gestão, atribuindo cunho tecnicista à administração e democrático à gestão. Também sobre as formas de provimento dos cargos na administração escolar, especificamente de diretores de escola, muitas vezes concluindo pela eleição como mais adequada, quase que desqualificando as demais formas, inclusive a via do concurso público. É certo que não se pode atestar como perfeito o mecanismo do puro concurso, mas também não se pode deixar de considerá-lo como um meio eficaz de se afastar do clientelismo, do nepotismo e do coronelismo. Não é o propósito aqui discutir estas duas questões: a primeira levaria a uma discussão terminológica inoportuna neste momento e a segunda a considerar igualmente necessária a participação dos pais e alunos na escolha de professores e demais funcionários. Assim opta-se pelos termos administração e administradores para se referir ao trabalho e àqueles que o exercem na escola, sejam os diretores, supervisores, coordenadores pedagógicos, antes chamados especialistas, agora suporte pedagógico. O século XXI teve seu início num cenário político e social definido: idéias neoliberais adotadas apesar da oposição das esquerdas, que passam, então, a defender o welfare state e seus derivados; a globalização numa escala de realidade irreversível, bem como o aumento do fosso entre ricos e pobres. A escola pública, bem como todo o sistema educacional, sofre diretamente o reflexo desse quadro: deixa de ser aquela escola risonha e franca das antigas elites, com a chegada dos antes dela excluídos, mas não consegue corresponder às expectativas da classe trabalhadora e ainda perde as elites que agora optam pelas instituições privadas. Assim, o trabalho desenvolvido, o serviço prestado pela escola pública, precisa ser repensado, e isto à luz dos ares democráticos que voltam, se bem que à custa da derrota das classes populares (ANDERSON, 1988). Mazelas sociais como pobreza, fome, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, endemias e epidemias, insuficiência de saneamento básico, drogas, são, entre inúmeros outros, temas presentes no currículo escolar, exigindo que o professor seja, mais do que nunca, um educador inserido na comunidade, desenvolvendo o trabalho de sala de aula de forma política, fazendo e ensinando opções com competência para ensinar, reavaliando o seu poder de aprovar ou reprovar. Para criar condições de trabalho aos professores e para personalizar a escola uma equipe se forma, tendo no topo o que se convencionou chamar de diretor e auxiliares denominados coordenadores pedagógicos, professores-coordenadores, orientadores pedagógicos, e alguns outros. A legislação brasileira exige que estes sejam formados nos cursos de pedagogia ou em nível de pós-graduação, bem como tenham experiência docente mínima de dois anos, podendo os sistemas optar por tempo maior. Do ponto de vista formal a escola está montada: Diretor (e vice, ou assistente), Coordenador Pedagógico, Professores-coordenadores, Professores e Alunos, tendo como auxiliares viabilizadores os funcionários: Serventes, Vigilantes, Escriturários e Secretário, além de ‘Seguranças’. Associações de pais e professores, caixas escolares, são implantadas para auxiliar a escola a desenvolver convenientemente o seu trabalho. Os alunos criam o grêmio estudantil, como forma de representação política e também podem participar da formulação do projeto pedagógico da escola. Por outro lado a administração da escola conta com o conselho de escola, que deve ser consultivo, normativo e deliberativo atuando assim na determinação das diretrizes administrativas e pedagógicas da unidade e tendo como integrantes pais, alunos, professores, funcionários e especialistas da unidade. Prevê a legislação que à escola seja progressivamente concedida autonomia. Melhor seria que essa autonomia fosse conquistada pela escola, por meio de sua competência demonstrada junto à população usuária. Há algo a ser feito, para que a escola cumpra o seu papel, realize o seu trabalho, preste o seu serviço à população. Aqui está o exercício da administração: planejamento, organização, comando, coordenação e controle, que não eliminam democracia, pelo contrário, podem assegurá-la, se utilizados em função de seus objetivos. 173 Democratizar não significa garantir que cada uma faça o que quiser, mas que todos (professores, alunos, pais) tenham os seus direitos garantidos, e possam também cumprir os seus deveres para consigo mesmo e para com a sociedade. Também não é necessário que haja planejadores de tarefas que serão executadas por outros, mas deve haver momentos em que todos planejam as atividades que serão co-responsabilizadas. A administração escolar deixa de ser atividade-meio para ser atividade-fim, porque ela se inicia e termina na e para a sala de aula. Alguns pontos serão destacados como fundamentais a uma administração escolar democrática, democratizadora, comprometida com a transformação da sociedade, porém capaz de trabalhar com a realidade, mesmo que adversa. A administração escolar exige preparo Já foram explicitadas as exigências legais quanto ao preparo do administrador escolar. O que se quer ressaltar aqui é que os que vão se incumbir da tarefa de administrar a escola precisam de uma sólida formação para realmente estarem gabaritados ao enfrentamento dos problemas cotidianos, sem perder de vista a visão educacional maior. O comando geral exige liderança junto aos colegas professores, compreensão dos objetivos gerais e específicos da escola, do projeto pedagógico, capacidade para prever e solucionar problemas, conhecimento de finanças públicas e domínio da legislação pertinente. Há os que atribuem as habilidades de governância aos que nasceram para isso, como também aqueles que acreditam nos dons especiais, no carisma. Preferimos a linha do preparo, acreditando ser possível aos que desejam se dedicar à governância que se qualifiquem para isso, aproveitando, é claro, suas preferências e habilidades pessoais. A falta de preparação técnica do administrador educacional pode prejudicar seriamente sua função política e comprometer os interesses e aspirações dos professores, estudantes e funcionários (SANDER, 1984). Portanto, estudos de psicologia, especialmente psicologia infantil e da adolescência, possibilitando o conhecimento do alunado, estudos de sociologia, buscando entender a sociedade com vistas à comunidade escolar, visão conceitual das disciplinas ministradas nos mais diversos cursos e séries da escola, entendendo assim todo o currículo, condições para análises estatísticas, são imprescindíveis aos administradores escolares. Além de uma visão ampliada da educação e do ensino é necessária uma visão organizacional aguçada, pois a escola é um sub-sistema do sistema escolar, que, por sua vez é um sub-sistema do sistema educacional e assim sucessivamente. Nesse contexto surgem as relações verticais e horizontais que complexificam a unidade escolar. Disso resulta a necessidade de uma sólida formação profissional inicial, que se completará com uma profícua formação continuada, que incorporará as inovações e o desenvolvimento tecnológico. Portanto, afirmamos que o administrador escolar é um professor devidamente preparado, instrumentado, ou seja, qualificado para a administração escolar, quer para a direção da unidade, quer para a coordenação pedagógica ou supervisão. É necessário ter o foco na tarefa Em que sociedade se atua? Onde se quer chegar? O que é necessário fazer, comprar, modificar? Onde é necessária uma atuação mais forte? Com que e com quem se pode contar? São, entre inúmeras outras, questões que devem preocupar o administrador escolar. Muito se tem falado do excesso burocrático que sobrecarrega a escola e seus administradores. Muito embora os levantamentos, os questionários devam ser respondidos por serem necessários à compra de materiais, às análises estatísticas, que são importantes, os administradores devem, de forma criativa e inteligente munirem-se desses dados de forma que estejam sempre à mão em banco de dados facilmente consultados. A secretaria da escola deve se utilizar dos recursos da informática para isso. A administração da escola deve estar preocupada com sua tarefa principal: as crianças precisam aprender, e é isso que a escola vai fazer. As escolas não existem para ser administradas ou inspecionadas, mas para que os alunos aprendam (SILVA JUNIOR, 1990). Hoje, por força de lei, as escolas precisam fazer o seu projeto pedagógico, ou sua proposta pedagógica. Podemos afirmar que há muitas escolas que elaboram seu projeto, sua proposta com base nas diretrizes e nos parâmetros curriculares nacionais sem contextualizá-los à comunidade local e regional. E, às vezes somente um pequeno grupo participa da elaboração. E, muitas vezes, essas propostas ou projetos ficam guardados, não sendo sequer manuseados. Colocar em prática, reformulando sempre que necessário, é tarefa que os coordenadores, diretores, vice-diretores devem ter como prioridade. Os Conselhos de Escola, nos quais se representam os professores, os funcionários, os alunos e os pais, precisam ser acionados de forma a terem uma efetiva participação. Criados por lei, são mecanismos que ainda não se firmaram. É preciso que a escola encontre meios para que eles funcionem porque são, indubitavelmente excelentes canais pelos quais pode florescer uma visão democrática de 174 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO educação escolar. Não devem ser vistos com desconfiança, nem como forma de desrespensabilização dos que dirigem a escola. Devem opinar, decidir sobre o que lhes diz respeito, funcionando como linha auxiliar segura da administração da escola, como viabilizadores de uma administração democrática. Mecanismos devem ser buscados para uma melhor institucionalização desses conselhos, a exemplo do que se já conseguiu nas universidades públicas, onde a administração está baseada nos conselhos departamentais e congregações. Não se pode generalizar a apatia das massas, lembrando que participação é algo inerente ao ser humano, podendo ser melhor trabalhada pelos administradores escolares, de tal forma que se transforme em um poderoso meio de organização da sociedade civil em benefício de todos. É preciso conhecer bem o campo de atuação Desde os tempos de Maquiavel já se aprendeu que o Príncipe deve conhecer bem o seu território. Com as devidas ressalvas e adaptações aqui deve-se considerar que o administrador escolar é um pedagogo ( o que conduz à educação), é um chefe ( tem em seu encargo o pessoal, recursos físicos, materiais e financeiros) e sobretudo é um político, cuidando de estratégias e relações, além de autoridade educacional, representando o Estado, confere certificação etc. Muito se tem falado na gestão democrática da escola pública, e, especialmente em suas manifestações: desconcentração, descentralização, delegação, co-gestão, auto-gestão. Ser pedagogo na administração da escola é um pouco de tudo isso: ao mesmo tempo em que é capaz de delegar, de descentralizar decisões, é necessário também não perder o ponto, ou seja, sem desconfianças, é necessário estar “por dentro” de tudo, não perdendo o foco do trabalho. Processos há na escola nos quais deve predominar a posição dos professores, outros a dos pais e da comunidade, outros dos alunos, outros ainda dos funcionários e serviçais e, assim por diante. Importante considerar que a escola existe em função dos alunos, e é em prol desta causa maior que todo o projeto pedagógico deve ser elaborado e executado. Mas, os professores, os docentes, estes são os que mais especificamente se encarregam da tarefa educativa, e, precisam como tais ser considerados. Os administradores precisam ser capazes de estabelecer linhas modais que permitam essas nuanças, sem perder de vista os aspectos legais e institucionais, pois a democracia é o governo das leis (BOBBIO, 2000). Assim, a administração escolar não apenas cria condições, mas tem sua mão forte empenhada no processo do ensino. Como chefe o administrador, principalmente o diretor, tem responsabilidades sobre o pessoal: pessoas, suas vidas funcionais, seus direitos estatutários (trabalhistas), envolvendo suas promoções, matéria sobre a qual deve haver impecabilidade. Membros do corpo docente ou funcional insatisfeitos por motivos de procrastinações de seus direitos se tornam ácidos, o que dificulta o trabalho pedagógico. Além disso, considere-se que o magistério e o funcionalismo público não podem suportar prejuízos causados no seu próprio local de trabalho. Esforços devem ser feitos no sentido de se plenizar o atendimento aos seus direitos, não se esquecendo os administradores de que também fazem parte dessa carreira. Aspecto importante que não pode ser olvidado é a atualização constante tanto dos administradores como dos docentes, como fator de motivação para o trabalho. Os administradores tem nas suas mãos os recursos físicos: prédios, instalações e equipamentos que precisam ser cuidados de forma inteligente, procurando-se entender os seus mecanismos, montando acervos de suas plantas e manuais, instruindo os servidores que deles cuidam para a preservação e manutenção necessárias. Muito embora os recursos financeiros repassados às unidades escolares ainda não sejam os suficientes, não se pode negar o avanço das últimas décadas, que pode ser considerado como prenúncio de uma futura autonomia financeira da escola. Urge que os administradores deles encarregados prestem-se diligentes, exatos e conhecedores de noções necessárias ao bom uso do erário público em benefício da educação. O administrador escolar é um político. Muito embora sejam os partidos políticos o locus da democracia (BORGES, 2002), e, portanto, o ideal seria que todo o cidadão fizesse parte de um partido, não é da política partidária que se trata aqui. Evoca-se a função política do administrador escolar: as estratégias que a equipe diretiva da escola precisa se ocupar para conseguir os objetivos propostos, a interação com a comunidade local e com a sociedade para propiciar um processo educativo transformador sem perder de vista o perfil local e as possibilidades de atuação. Assim os administradores escolares deverão ser profissionais da articulação entre a escola e a sociedade, estabelecendo a teia de comunicação tanto no plano vertical como no plano horizontal: 175 autoridades superiores e forças da comunidade; autoridades educacionais, da saúde, da segurança, da justiça, sindicais, eclesiais, entidades esportivas, meio ambiente... Ressalte-se também o relacionamento necessário entre os administradores escolares com as autoridades políticas e institucionais formalmente estabelecidas, o chamado mundo político: prefeito, vereadores, deputados que atuam na região da escola, independentemente de questões partidárias ou posições ideológicas. O sentido político da função também é perceptível pelas opções pedagógicas junto ao corpo docente, bem como junto aos alunos no tocante ao desenvolvimento da cidadania na escola. Assim, a atuação dos administradores das escolas as tornam diferenciadas junto à população e às autoridades educacionais. A administração escolar é um processo de mediações Os administradores escolares trabalham com pessoas, estabelecendo relações, organizando esquemas de trabalho interativo, envolvem comunidades em prol da escola. Nesse embate exercem um papel moderador, aceitando posições divergentes para evitar antagonismos inviabilizadores da ação educativa. Nesse desiderato também exercem sua influência, modificando posições de outrem, aparando arestas, deixando indeléveis marcas de suas atuações. Podem ser criativos, necessitam de uma visão cosmopolita, precisam saber ousar, munem-se de intencionalidade e estabelecem objetivos a curto, médio e longo prazos. Buscam auxilio nas teorias e também se alicerçam na prática do cotidiano. Tomam decisões em decorrência de apelações para garantir a saúde da organização escolar. Administram decisões originárias dos escalões superiores, adaptando-as à realidade escolar. Tomam decisões criadoras, personalizando suas gestões nas unidades. Às vezes precisam tomar decisões inusitadas para solucionar problemas inesperados (GRIFFTHS, 1971). Quer seja estabelecendo consensos, quer seja trabalhando as contradições, a administração escolar define-se como processo de mediação, intencional e deliberado (SANDER, 1984). Resta salientar que muitas vezes a escola acaba por legitimar as diferenças sociais, reproduzindo a injustiça, a dominação e o sofrimento das classes trabalhadoras e das minorias em favor do capital e dos dominantes. É de se esperar que a mediação seja feita no sentido inverso, e, para isto os administradores precisam ter consciência aguçada e tenacidade política para agir no sentido de inverter tendências muitas vezes manifestas nas atitudes administrativas: recursos precisam ser disponibilizados ou conseguidos, comportamentos precisam ser modificados. A mudança de atitudes quer seja de membros da equipe como de professores, funcionários, dos alunos e pais não é tarefa fácil. Inclusão dos excluídos, oferecimento de oportunidades aos portadores de necessidades especiais, abertura da escola à comunidade, abolição de preconceitos, são excelentes discursos que encontram muita resistência na prática. O certo é que não se pode, em pleno séc. XXI conviver com tais antagonismos dentro do ambiente escolar que se pressupõe educativo. Os educadores precisam aceitar este desafio, sanando os prejuízos de milênios. Não se pode laborar o erro da ingenuidade, mas não há como continuar a maldizer a chuva como faz a rã dentro da água. É necessário que os administradores escolares assumam a competência que os educadores tem, de trabalhar em prol da transformação social, muito embora conscientes de que trata-se de uma busca persistente e a longo prazo. Na teoria e na prática a administração pode ser um momento fundamental no processo de transformação social (PARO, 1996). Finalizando este pequeno texto, considere-se que os administradores escolares, além do preparo tecno-político-pedagógico, necessitam de lições aprendidas em leituras outras que não as específicas. Bom lembrar o que escreveu Italo Calvino para as conferências americanas, que não chegou a proferir, nos rascunhos coletados por sua viúva, intitulados Seis propostas para o próximo milênio, que aqui aproveitamos: Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade, Multiplicidade e Consistência (BORGES, 2005), como marcas de uma escola que serve ao povo brasileiro no sentido de uma sociedade mais justa e democrática. 176 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO BIBLIOGRAFIA: ANDERSON, P. – in Neoliberalismo, qualidade total e educação, Petrópolis, RJ, 1995, pág. 117/118. BOBBIO, N. – O futuro da Democracia, Trad. De Marco Aurélio Nogueira, São Paulo, Paz e Terra, 2000. BORGES, Z. P. – Política e Educação: análise de uma perspectiva partidária, Campinas-SP, FAEP/UNICAMP/ Hortograff, 2002. ____________ - Seis propostas de Italo Calvino para o Séc. XXI adaptadas à administração da educação, texto de apoio, digitado, Campinas/SP, 2005. DROR, Y. – A capacidade para governar: informe ao Clube de Roma, trad. Carolina Andrade, São Paulo, FUNDAP, 1999. GRIFFTHS, D. E. – Teoria da Administração Escolar, trad. José Augusto Dias, São Paulo, Ed. Nacional, 1971. MENDONÇA, E. F. – A Regra e o Jogo: democracia e patrimonialismo na educação brasileira, Campinas-SP, FE/UNICAMP/Vieira, 2000. PARO, V. – Administração escolar: introdução crítica, São Paulo, Cortez, 1996. SANDER, B. – Consenso e Conflito: perspectivas analíticas na pedagogia e na administração da educação, São Paulo, Pioneira, 1984. SILVA JÚNIOR, C. A. – A escola pública como local de trabalho, São Paulo, Cortez: Autores Associados, 1990. 177 Novos Caminhos da Inclusão Rossana Regina Guimarães Ramos Doutora em Língua Portuguesa pela PUC-SP, dirige a Escola Viva, de Cotia. É autora de 101 livros nas áreas infantil e Pedagógica [email protected] O programa de Educação Inclusiva consiste em pôr em prática um novo conceito que tem como base tornar a educação acessível a todas as pessoas e, com isso, atender às exigências de uma sociedade que vem combatendo preconceitos, discriminação, barreiras entre seres, povos e culturas. A inclusão, em termos gerais, consiste em uma ação ampla que, sobretudo em países em que há diferenças sociais muito grandes, propõe uma educação com qualidade para todos. Na idéia de “todos” incluem-se também as pessoas com deficiências físicas e mentais. Especificamente, neste artigo, tratarei sucintamente de questões práticas e teóricas que dizem respeito à inclusão dos alunos com evidentes limitações físicas e mentais, no espaço da escola. Um breve histórico da deficiência no mundo aponta para uma triste realidade, cujos fatos revelam um longo período de exclusão. Benjamin Rush, médico norte-americano, do final da década de 1700, foi um dos pioneiros a introduzir o conceito da educação de pessoas com deficiência. Nos Estados Unidos, até 1800, os alunos com deficiência não eram considerados dignos da educação formal. Ao longo do tempo, apesar de algumas iniciativas, a evolução dos programas de educação para deficientes não apresentou grandes avanços. Somente no inicio do século XX começam a surgir escolas destinadas a pessoas com necessidades especiais. Essas escolas, contudo, segregavam os deficientes pelo simples fato de serem exclusivas a estas pessoas. Em muitos lugares do mundo, surgiram escolas para surdos, cegos e portadores de outras deficiências. A educação pública, em uma perspectiva um pouco adiante, criou as chamadas “classes especiais” que, embora estivessem dentro de escolas regulares, eram destinadas a alunos portadores de deficiências, sobretudo, de aprendizagem. Somente por volta dos anos 90, com base na Psicologia e na Epistemologia Genética do psicólogo genebrino Jean Piaget, começam a ser feitas novas leituras da deficiência mental e, por conta disso, evidencia-se uma nova maneira de compreender o desenvolvimento dos portadores de deficiências mentais e/ou físicas – neste último, incluem-se os deficientes visuais e auditivos –, ou seja, daqueles que têm formas diferentes de apreensão do mundo. Resumidamente, a teoria de Piaget, bem como de seus seguidores versa sobre a idéia do desenvolvimento de um sujeito psicológico, individualizado, que constrói conhecimento tendo por base um outro conhecimento que vai sendo pouco a pouco sintetizado e integrado, de modo a formar esquemas sucessivos de novos conhecimentos que revelam através do tempo sua autonomia intelectual. Esse último dado, o da autonomia intelectual, é o que se torna relevante como conhecimento, principalmente para os professores que ainda crêem que é possível se ter uma classe homogênea em que todos aprendem as mesmas coisas ao mesmo tempo. É preciso, portanto, em uma perspectiva didática inclusiva, considerar os diferentes modos e tempos de aprendizagem como um processo natural dos indivíduos, sobretudo, daqueles que têm evidentes limitações físicas ou mentais. As modernas concepções pedagógicas propõem que pensemos a aprendizagem como um processo interativo em que as trocas feitas pelos sujeitos são determinantes na construção ou reconstrução do conhecimento. 178 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Desse modo, considerando os diversos graus de potencialidade entre os indivíduos, surgem novas perspectivas como a da inclusão de pessoas com deficiências físicas e mentais no processo educacional regular. Assim, o que antes que era explicado à luz, fundamentalmente, da Medicina, da Psicologia e da Terapêutica passa a ter novos horizontes, ou seja, os da perspectiva social. No campo de uma Pedagogia que leva em conta as interações entre os indivíduos, passam a ser incluídas pessoas com deficiências físicas e mentais que, anteriormente, estavam em classes especiais sendo submetidas a tratamentos também especiais. O novo modo de ver a construção do conhecimento implica uma nova conduta. O modelo mental criado no âmbito da especificidade das deficiências deve ser substituído por um outro que considera as interações base da aprendizagem. Contudo, o que se faz pontual atualmente nas inclusões escolares é a dificuldade dos profissionais da Educação em modificar suas concepções em relação ao que consideram como “problema”. Em face desta questão, cremos que os direcionamentos das capacitações de professores do ensino regular devem ter vistas para os aspectos teóricos que envolvem uma severa mudança nas concepções e procedimentos pedagógicos. Contudo, o que nos parece mais complexo nesta mudança é o entendimento por parte dos professores de que a pessoa com deficiência no espaço da escola, deve estar incluída de forma ampla, sem nenhum tipo de tratamento especial ou conduta que possa vir a excluí-la das dinâmicas escolares. Assim sendo, os procedimentos devem observar aspectos importantes como os que sugerimos aqui. 1. Ter como Filosofia da Educação a base teórica construtivista que considera as diferenças na aprendizagem dos indivíduos. 2. Conscientizar a comunidade sobre o fato de que o deficiente não vai atrapalhar a aprendizagem dos outros e sim ajudá-los a vivenciar uma nova experiência como ser humano solidário. 3. Ter uma equipe de professores e funcionários preparada para lidar com situações inusitadas como, por exemplo, um aluno que necessita de ajuda para usar o banheiro ou outro que prefira estar a maior parte do tempo fora da sala de aula. 4. Matricular os alunos portadores de deficiência nas classes correspondentes a sua idade cronológica para que construam, ainda que em defasagem mental, uma idade social. 5. Não priorizar a aprendizagem dos conteúdos educacionais em detrimento da aprendizagem da vida. 6. Elaborar o plano didático não mais mediante parâmetros pré-estabelecidos, mas levando em conta a realidade dos alunos da classe. 7. Não esperar “respostas” imediatas dos alunos com deficiências. 8. Contudo, não deixar de apresentar determinados temas ao aluno com deficiência, supondo que ele não vá “aprendê-los”. 9. Avaliar a aprendizagem considerando o potencial do aluno e não as exigências do sistema escolar. 10. Em casos extremos, como alta agressividade ou passividade absoluta, solicitar à família ou aos órgãos competentes o auxílio médico. 11. Fazer da observação atenta o seu mais importante instrumento de tomada de decisão. 12. Não ter medo de, muitas vezes, aliar a intuição aos conhecimentos de natureza psicopedagógicas. 179 Na contra-mão deste evidente avanço da ciência moderna, ainda se encontram alguns grupos de terapeutas – médicos, psicólogos, fonoaudiólogos etc – que entendem a educação do deficiente como algo isolado, tendo em vista a chamada Educação Especial. Seria o caso das escolas especiais que oferecem terapias médicas e ocupacionais a pessoas com deficiências, levando em conta as especificidades de cada um. Não quero dizer aqui que o apoio terapêutico é totalmente desnecessário. Principalmente, em se tratando de deficiências físicas ou mentais severas, muitos indivíduos necessitam deste apoio. Todavia, o contato com um grupo de pessoas sem deficiência é um componente efetivo para o seu desenvolvimento físico e mental. Crianças deficientes que têm sido incluídas já nos primeiros anos de vida apresentam avanços significativos em relação àquelas que permanecem fora da escola regular ou em escolas especiais. Retomando à questão da escola, especificamente à postura dos professores, podemos observar as mais diversas reações quando se trata de incluir nas escolas regulares alunos com deficiência. O que vemos é que muitos profissionais compreendem esta nova perspectiva e desenvolvem com bastante facilidade o seu trabalho. Já outros apresentam uma série de barreiras, sobretudo, com relação a “não saber o que fazer” com o aluno deficiente. Há também aqueles que alegam “a falta de estrutura” dos sistemas escolares – salas lotadas, espaços reduzidos, falta de assistência psicopedagógica etc. Esses mesmos argumentos são utilizados quando são tratadas as questões do fracasso escolar. O que se observa de fato é que se de um lado estão profissionais que, nas mesmas condições, atendem a seus alunos de forma eficiente, do outro estão aqueles que ainda precisam ser sensibilizados para compreender a perspectiva da inclusão escolar. No presente artigo, o objetivo principal é o de chamar atenção para uma realidade que se apresenta em nosso país no âmbito educacional, já que fora dele diversos setores da sociedade começam a operar mudanças, ainda que lentas, em direção a um processo de inclusão. Haja vista, as empresas que vêm destinando cotas de empregos para pessoas com deficiências, bem como oferecendo a elas uma série de benefícios sociais – transporte, equipamentos apropriados, terapias especificas etc. O fato é que não podemos perder a oportunidade de avançar na perspectiva de uma nova revolução social, em cuja base estão as concepções interacionistas formuladas pelos grandes mestres da humanidade. Podemos, com isso, também afirmar que uma verdadeira revolução educacional faz-se necessária para de fato possamos dizer que estamos fazendo uma Educação Inclusiva. BIBLIOGRAFIA BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1990. FERREIRO, Emilia & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A integração de pessoas com deficiência : contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon, Editora SENAC, 1997. PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, INL,1975. RAMOS, Rossana. Passos para Inclusão. São Paulo: Cortez Editora, 2005 REILY, Lucia. Escola Inclusiva: linguagem e mediação. Campinas: Papirus, 2004. SALLES et ali. Ensino de Língua Portuguesa para surdos. V.I e II. Secretaria de Educação Especial. – Brasília: MEC/SEESP, 2002. SKLIAR, Carlos. A surdez:um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. STAINBACK, Susan & STAINBACK, William. Inclusão : um guia para educadores : Trad. Magda França Lopes. Porto Alegre : Artes Médicas Sul, 1999. VIGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 180 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Educação de Qualidade: o entorno, os atores e processos Eduardo Almeida Acosta PhD em Psicologia Social pela Universidade de Cornell, Professor da Universidade Ibero-Americana de Puebla - México, atualmente é Presidente da ONG “Projeto de Animação e Desenvolvimento”. Desde 1977 tem colaborado com os conflitos interculturais, que envolvem a crise de identidade mexicana e o anseio por autonomia do povo indígena. Em 1989, fundou a Comissão de Direitos Humanos, em Sierra Norte de Puebla, para ajudar a população mais vulnerável a entender e lutar por seus direitos fundamentais. Atuou como Professor pesquisador em comunidades de Psicologia Social na Universidade Nacional do México. Suas áreas de interesse são: Psicologia Social, Direitos Humanos, Educação Popular e Métodos de Pesquisa Seus trabalhos acadêmicos levaram-no por todo o México, Coréia do Sul, Índia, Israel, Hungria, França, Estados Unidos, Brasil e Chile. Resumo: Entendo por educação de qualidade, o resultado da própria educação na formação de sujeitos que se caracterizem por sua habilidade para a leitura, por sua capacidade de expressão oral e escrita, por sua facilidade para a abstração matemática. Além disso, que, também se distingam pela maneira de lidar com sua realidade de forma reflexiva, responsável e afetiva. Idealmente, isso exige um ambiente definido por uma socialização amorosa, levada a efeito suficientemente cedo, escolaridade cuidadosa, inclusiva, um universo de trabalho e de lazer acessíveis, uma sociedade cidadã. Requer, ainda, processos quotidianos de atenção à nutrição e saúde com relação aos sujeitos, relações estreitas entre os professores e seus alunos e um ambiente de disciplina positiva, de estabelecimento de padrões altos de desempenho e seu acompanhamento, de preocupação com o fortalecimento do caráter do aluno, interiorizando valores através de experiências-chave, privilegiando a reflexão e a argumentação acima da memorização. Tudo isso implica, necessariamente, a possibilidade da auto formação permanente do docente e um sistema educativo e de uma cultura magistral e favoreçam essa auto-formação. ABAIXO A TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DA APRESENTAÇÃO POWER POINT Educação de Qualidade É uma intencionalidade É um processo É um resultado Intencionalidade Condições necessárias para que São Paulo possa ter, cada vez mais, educação de boa qualidade para seus habitantes. Condições do contexto e protagonistas Condições dos processos Condições de continuidade Processos • Reforçamento. Saúde e Nutrição, mas também INTERACAO. • Modelagem. Acompanhamento e Seguimento. • Atribuição. Valorização e Proteção. • Apego. Segurança e Autonomia. (Bronfenbrenner, U., 1970) (Fundación Este país, 2005: 4-62) Atores nos processos Suas condições materiais de existência. Comunitárias e Sociais. Suas relações sociais 181 O Sistema Educativo Seus processos reais de trabalho. A Cultura do Magistério Suas condições intra e interpsíquicas. A Auto-formação (Oltra, G., 1998: 351-359) Ambiente dos Sujeitos nos Processos Socialização primária Atividade recíproca, complexa, regular, prolongada, com pessoas com apego emocional forte e mútuo. Escolaridade afetuosa Sensibilização a traços do ambiente físico, social e cultural que incitam a exploração, a manipulação, a elaboração e a imaginação. Vizinhança aberta à aceitação. Dependência social necessária para o desenvolvimento da individualidade e da possibilidade de atuação coletiva. A utopia comunitária de reconhecimentos, emancipações e projetos. (Touraine, A., 2005: 202-205) Trabalho e ócio construtivos. As formas de enfrentamento do conflito entre as necessidades da família e as demandas do trabalho. Sociedade cidadã Políticas públicas e práticas que ofereçam e propiciem as coordenadas espaços-temporais necessárias para a qualidade dos processos educativos. (Bronfenbrenner, U., 1999: 83-102) Educação de Boa Qualidade Habilidade para leitura criativa. Capacidade para expressão e intercâmbio oral e escrito. Facilidade para abstração matemática. Responsabilidade diante dos interesses próprios, dos outros e dos institucionais. Capacidade reflexiva de assimilar e analisar, aplicar e criar conhecimento. Caráter para identificar, definir, enfrentar e programar soluções, formular e monitorar estratégias, avaliar resultados diante dos problemas da vida quotidiana. Leitura criativa Importância da alfabetização funcional (Ybarra, M.J., 2005: 75-78) O papel fundamental da leitura: – Para se informar; – Para aprender a refletir; – Para aprender a se expressar. “Se não se sabe ler se dificulta muito a profissionalização dos líderes camponeses”. 182 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO “Se não se sabe ler não podemos ensinar inglês”. “Ler nos torna, fisicamente, mais reais” (Beck, 2004: 53) Expressão e Intercâmbio A capacidade de expressão oral e escrita é condição chave para a apropriação daquilo que as novas tecnologias podem facilitar para se aproveitar dos efeitos do acesso e da comunicação. É fundamental para se reconhecer e por em jogo na educação e na luta contra a miséria, os saberes de vida, de ação e do espírito que os explorados e os excluídos possuem. A formação do espírito matemático Pode-se contar ainda que não se saiba ler nem escrever. Antes de possuir a escrita, os homens das sociedades arcaicas tinham criado diversos sistemas de cálculo. A aptidão para cálculo se manifesta de maneira inata. Mais do que um conhecimento, a matemática, tal como a ciência, é um modo de pensar. É uma forma do pensamento racional, que difere do pensamento intuitivo. Desenvolve facilidade para a abstração. A responsabilidade Como pode alguém preparado ser tão ingênuo? Quatro enganos: o egocentrismo, a onisciência, a onipotência e a invulnerabilidade. Necessita-se de sabedoria Sabedoria é o uso da própria inteligência e criatividade para o bem comum, tomando-se em conta os interesses próprios, os interesses dos outros e o desenvolvendo da ética (realização de valores). (Sternberg, R.J., 2003A: 5) (Yurén, T., 1995) A reflexão Viver é pensar. Experimentar a alegria do pensamento. A inteligência de sucesso é a habilidade para se desenvolver adequadamente na vida capitalizando fortalezas e compensando fraquezas. Isso é conseguido, graças à combinação de habilidades mnemônicas, analíticas, criativas e práticas para se adaptar, configurar e escolher contextos. Para tanto, a escola deve ser o lugar no qual se garante e exercita a liberdade incondicional da palavra e do questionamento. 183 (Steiner, G., 2004: 102-108) (Sternberg, R.J., 2003B:5) (Derrida, J., 2002) O Caráter (a resiliência) Há um conjunto de habilidades que se começa a aprender na infância e que devem seguir sendo aprendidas como adultos: a resiliência. Toda trajetória de vida inclui obstáculos difíceis, as vezes insuperáveis. Para o bem ou para o mal isso parece ser a normalidade. Trata-se do enfrentamento da vida e do desenvolvimento do caráter frente as às humilhações, derrotas e contratempos de todos os tipos. A questão não é sofrer tudo isso, mas superar e seguir em frente. (Sternberg, R.J., 2003c: 5) Duas experiências A auto formação e a formação dos professores da escola primaria no Estado de Durango, no México (2002 – 2004) 136 professores das zonas rural e urbana, homens e mulheres. O projeto de inovação educativa intercultural na Serra Norte do Estado de Puebla, no México. (2002-2005) 7 professores da zona rural, 3 homens e 4 mulheres Autoformação, ou heteroformação? Uma pesquisa no Estado de Durango. As práticas autoformativas dos professores ocorrem em espaços muito restritos. Transitam por um caminho marcado por crescentes incertezas, elevados riscos e formas restritivas de controle da ação e formação do docente. Internalizaram hábitos heteroformativos numa rede de disposições marcadas na cultura dos docentes e do sistema educacional. Sua auto formação se da, quando se da, graças à sua experiência na aula, com relacionamentos formativos com os colegas. São autoformados na clandestinidade, no anonimato, à margem do sistema. (Navia, C. 2005: 321-338) Inovação Educativa Intercultural Uma experiência no Estado de Puebla. 184 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ayotzinapan. Uma comunidade indígena Náhuatl em zona de alta marginalidade. Condições educativas deploráveis. Consciência. 1992. Inicia-se uma aventura pedagógica: Um programa de nutrição, saúde e interação. Acompanhamento e seguimento através de um programa de leitura-escritura a partir da língua materna. Valorização e projeção: Um projeto de desenvolvimento cultural. Segurança e autonomia: Um programa de formação em direitos humanos. Um programa de atenção a famílias vulneráveis. “Temos um horizonte. Nos serve para caminhar” (Acevedo, B. et al. (2005) Condições de Continuidade Não perder de vista o “regional”. Buscar e destacar o diverso, a diferença, o particular de uma educação de qualidade para São Paulo: Atenção às tentações autoritárias centralizadoras, ampliar os espaços de liberdade, escutar as vozes daqueles que normalmente não são escutados. (Tapia, M. y Yuren, T., 2002) Canalizar as energias, a cólera e as esperanças das grandes maiorias. (Touraine, A., 2005a: 13-16) Evitar a fugacidade das reformas educativas A estabilidade pedagógica é uma das características dos bons sistemas educativos. Evitar as mudanças baseadas nas necessidades políticas e não educativas. É requerida a continuidade dinâmica, ir se ajustando as necessidades educativas dos sujeitos, mas dando aos professores a possibilidade de ir se interiorizando através desses ajustes necessários. (OECD, 2004) Lula: “A esperança vence o medo”. Não é somente que a esperança vença o medo no Brasil, mas que a esperança desperte esperança em todo o mundo. (Wallerstein, I., 2005: 187-190) Recomeçar sempre Retomar a última palavra do que a esperança espera: Que tal recomeçarmos? (Desroche, H., 1976:437) 185 REFERÊNCIAS Acevedo, B., Payno, L., Vázquez, E., Juárez, M.F., Payno, G., González, A., y Gómez, F. (2005). Proyecto de Innovación Educativa Intercultural en la Sierra Norte de Puebla. Ayotzinapan, Pue.: Mecanograma. Beck, H. (2004) Gabriel Zaid. Lectura y conversación. México, D.F.: Jus. Bronfenbrenner, U. (1970). Two worlds of childhood: U.S. and U.S.S.R. New York: Russell Sage Foundation. Bronfenbrenner, U. (1999). ¿Quién se preocupa por los niños? Magistralis, 17, julio-diciembre, 83-102. Derrida, J. (2002). Universidad sin condición. Madrid. Trotta. Desroche, H. (1976). Le Projet Coopératif. Paris: Editions Economie et Humanisme. Fundación Este País (2005). Valores y Creencias en la educación. Encuesta Nacional a maestros y padres de familia. Revista Este país, 169: 4-62. Navia, C. (2005). La autoformación y la formación de maestros de primaria en México (321-338). Tesis de Doctorado en Educación. Cuernavaca, Mor.: Universidad Autónoma del Estado de Morelos. Instituto de Ciencias de la Educación Oltra, G. (1998). Une école qui tient parole. (351-359). Paris: L’Harmattan. OECD (2004). Education at a glance 2004. Paris: Autor. Steiner, G. (2004). Lecciones de los maestros. (93-119). Madrid y México, D.F.: Ediciones Siruela y Fondo de Cultura Económica. Sternber, R.J. (2003). Responsibility, Reasoning, Resilience. Monitor on Psychology, 34 (3, 4, 5) p. 5. Tapia, M. y Yurén, T. (2002). Introducción. En Tapia, M. y Yurén, M.T. Los actores educativos regionales y sus escenarios. (9-46). Cuernavaca, Mor.: UNAM-CRIM. Touraine, A. (2005a). Un nouveau paradigme pour comprendre le monde d’aujourd’hui. (202-217). Paris: Fayard. Touraine, A. (2005b). Prólogo. En Estrada, G. 1968, Estado y Universidad (13-16). México, D.F.: Plaza y Janés. Wallerstein, I. (2005). La crisis estructural del Capitalismo. (187-196) México, D.F.: Contrahistorias. Ybarra, M.J. (2005). Universal Literacy. Sky. August, 75-78. Yurén, M.T. (1995) Eticidad, valores sociales y educación. México, D.F.: Universidad Pedagógica Nacional. 186 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ações sócio-educativas educacional no âmbito da política Maria do Carmo Brant de Carvalho Primeira doutora em Serviço Social no Brasil, tem vasta experiência na gestão pública, entre suas experiências destacamos a participação no programa de pós-graduação em Serviço Social da PUC de São Paulo, no setor de pós-graduação do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, Portugal. Integrou o Instituto de Estudos Especiais da PUC de São Paulo, participou do Conselho Nacional da Comunidade Solidária da Presidência da Republica, Casa Civil e atualmente preside o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC. Boa tarde a todos, estou feliz de estar aqui com vocês para refletir ações sócio educativas, desenvolvidas tanto pela própria política de educação elas políticas de cultura, assistência social e esporte quanto por iniciativa das comunidades e organizações da sociedade civil. Muito se tem falado sobre o desempenho da educação brasileira como excludente quando referida às classes populares, as mais vulnerabilizadas pela pobreza. Tem-se colocado com insistência no debate público e acadêmico a importância da educação pública no enfrentamento das enormes desigualdades sociais que assolam a sociedade brasileira. Para enfrentar desigualdades e pobreza faz-se necessário pensar sobre o conjunto da política social e não apenas na educação. Uma política social desenhada na sua inteireza, pelo prisma da multisetorialidade, com forte protagonismo do Estado mas também da sociedade civil. E, ainda mais, buscar com total radicalidade, a efetividade de seus resultados. É perverso para a nossa população simplesmente reafirmar o quanto a estrutura social e a política econômica brasileira reduzem as possibilidades de resultados eficazes no enfrentamento das iniqüidades sociais. Há um inegável contributo das políticas sociais. Já não são mais toleráveis a descontinuidade da política, os desenhos centralizadores e setorizados na condução da política social, os conceitos corporativos de seus agentes que inibem a maior inovação e densidade de respostas da política social. É absolutamente prioritário buscar a maior efetividade e eqüidade da ação pública. Neste contexto situo minha reflexão sobre as ações sócio educativas no âmbito da política educacional. 1. Os projetos sócio-educativos voltados às crianças e adolescentes vulnerabilizados pela pobreza, no contraturno escolar, nasceram nas comunidades brasileiras por iniciativa da sociedade civil e não pela mão do Estado. Aliás, é assim que nascem as respostas públicas às demandas da população. As prioridades contempladas pelas políticas públicas são decididas pelo Estado, mas nascem na sociedade civil. Por isso mesmo estão em permanente conflito e negociação. Elas adentram na agenda do Estado quando se constituem em demanda fortemente vocalizada por grupos e movimentos da sociedade que adensam forças e pressões, introduzindo-as no campo da disputa política. Demandas e necessidades se tornam prioridade efetiva quando ingressam na agenda estatal, tornando-se interesse do Estado e, não mais apenas, dos grupos organizados da sociedade civil (Draibe, 2000). É preciso insistir que os milhares de programas de pós-escola, hoje existentes no Brasil, são ainda iniciativas da sociedade civil, cunhados pelas próprias organizações da comunidade. A pesquisa que estamos realizando no Cenpec, por conta do Prêmio Itaú-Unicef (um prêmio que busca dar visibilidade a estas iniciativas no Brasil), constatou ate o momento a presença de aproximadamente 15.000 organizações que operam tais programas no país, das quais cerca de 1.500 estão na cidade de São Paulo. Dentre essas, cerca de 450 mantêm convênios com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, pois são reconhecidas como programas/serviços de proteção social. Tendo nascido nas comunidades e adentrado no Estado pela porta da Assistência Social, não são reconhecidas como projeto educacional. As alianças e parcerias de complementaridade com a escola, quando ocorrem, têm origem no próprio interesse de cada escola-ONG, não sendo costuradas e assumidas enquanto política pública da cidade. 187 2. A ações sócio educativas desenvolvidas no contraturno escolar surgiu como iniciativas da comunidade e só muito recentemente entrou na agenda do Estado. Expandem-se ainda como políticas da comunidade, constroem-se no microterritório e são promovidas por organizações não-governamentais que, em parceria com a prefeitura, a igreja, as empresas e os membros da comunidade oferecem um serviço de atenção à infância e juventude. Os microterritórios em que estão instaladas têm, em sua maioria, poucos serviços e oportunidades destinados à proteção, educação e lazer de crianças, adolescentes e jovens. Estas ações são um bem público comunitário e se constituem em um capital social das próprias populações vulnerabilizadas pela pobreza e escassez de oportunidades e serviços. Ofertam atividades lúdicas, artísticas e esportivas que contribuem para o desenvolvimento de competências e habilidades, ampliação do universo cultural e convivência em grupo na perspectiva de inclusão social. 3. No estudo sobre estas iniciativas constata-se a oferta de um mosaico de ações sócio-culturais, lúdicas e de convivência infanto-juvenil. Sem dúvida, constituem-se como serviço de proteção social, mas vão além, compondose como programa multisetorial que abarca, em seu mosaico de atividades, cultura, educação, esporte, lazer e saúde. Neste sentido, elas indicam uma inovação da maior importância: são ações realizadas nos microterritórios da cidade, construídas com olhar multisetorial capazes de responder ao leque de aprendizagens sócio-educativas que o grupo infanto-juvenil precisa e deseja. Nesta perspectiva já se torna obsoleta a idéia de compor o pós-escola apenas com iniciativas internas da própria política de educação. O fundamental é concebê-las como políticas da cidade, articulando aí o mosaico de ofertas de aprendizagem disponibilizadas pelo conjunto das políticas públicas setoriais de assistência social, educação, cultura, esporte e das ações originárias nas próprias comunidades. Abarcam o conjunto de sujeitos e espaços de aprendizagem construídos nos microterritórios e operados/conduzidos por organizações sociais e poder público. 4. O termo sócio-educativo é tomado como um qualificador, designando um campo de múltiplas aprendizagens para além da escolaridade, voltadas a assegurar proteção social e oportunizar o desenvolvimento de interesses e talentos múltiplos que crianças e jovens aportam. Tem também como finalidade a convivência, sociabilidade e participação na vida pública comunitária, entendendo este campo como privilegiado para tratar de forma intencional valores éticos, estéticos e políticos. Minha reflexão problematiza e propõe que o pós-escola resulte da articulação do conjunto de esforços/ respostas multisetoriais já existentes nos micro territórios da cidade e tomem a realidade local, seus sujeitos e identidades como pauta inicial das situações de aprendizagem oferecidas à população infanto-juvenil. 5. Pensar em políticas de proteção e desenvolvimento voltadas ao grupo infanto-juvenil é problematizar a ausência de oportunidades para esta população. No caso brasileiro, proteção social é, sobretudo, oportunizar! como condição de conquista de eqüidade. Dessa forma, falamos em proteção social pela via da oportunidade de acesso a serviços e programas sócio-culturais e lúdicos disponíveis nos microterritórios das cidades. Dito de outra forma, um programa sócio-educativo tem intenção protetiva e educacional. Conjuga em sua ação objetivos de duas políticas setoriais: a da assistência social - responsável pela oferta de serviços de proteção social - e de educação - responsável por garantir o acesso e apropriação dos saberes sistematizados. Esta chamada às duas políticas centrais no fazer pós-escola não abdica, porém, da articulação orgânica com as demais políticas sociais. Este é o traço inovador: realizar de forma convergente propósitos intersetoriais de desenvolvimento e proteção integral de crianças e adolescentes, objetivos esses que compartilham a intenção máxima do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, julho de 1990). 6. É preciso aprofundar os sentidos desta ação sócio-educativa. Primeiro, ela produz oportunidades de aprendizagem sem ser repetição do espaço escolar. Não possui um currículo e uma programação pedagógica padrão. 188 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Ao contrário, sua eficácia educacional está apoiada num currículo-projeto que nasce nas comunidades, de suas demandas, interesses, particularidades, potencialidades e por seu próprio protagonismo. 7. Como conclusão, resta ainda uma última problematização ou dilema dos tempos atuais: o tempo integral exigido pela LDB pode ser feito exclusivamente na escola? Não. Por que? Uma primeira resposta é pragmática: A rede escolar opera com dois ou até mesmo três turnos para atender à demanda por vagas, situação que não se resolverá no médio prazo, o que inviabiliza propostas de escolas em tempo integral. Assim a busca do tempo integral exige uma articulação orgânica entre escola pública e programas sócioeducativos realizados por ONGs nos próprios microterritórios. A expansão dessa articulação irá pressionar o maior debate e gerar proposições sobre a educação integral e não apenas de tempo integral. Uma segunda resposta é definida pela intencionalidade educacional: A sociedade que nos toca viver é caracterizada pela sua complexidade: uma sociedade multifacetada, tecida pela velocidade de mudanças, constantes e cumulativas, provocadas pelos avanços científicos e, sobretudo, pelo aumento das possibilidades de acesso à redes de informação e de consumo. Uma sociedade movida pelo conhecimento e pela informação. Uma sociedade-rede com novos atores e movimentos sociais que incindem seu papel protagônico não só na revolução cultural, mas também e cada vez mais, na definição da agenda política dos Estados. As organizações não-governamentais, com todas as suas contradições e mesmo particularismos, alargam e revitalizam a esfera pública. Nossa sociedade é também marcada pela transformação produtiva: quebra da sociedade salarial, precarização do trabalho, extinção de postos de trabalho e introdução de novas ocupações no mercado que exigem um novo perfil de trabalhador. A sociedade complexa de hoje aumentou o grau de incerteza dos indivíduos e das organizações. Por isso mesmo a educação tem que avançar nas aprendizagens que este novo cidadão está a exigir. Por isso mesmo não é possível mais se pensar na escola enquanto o único espaço de aprendizagem. Este novo cidadão requer, para seu trânsito no exercício da cidadania, circular em diversos espaços de aprendizagem visando à sua maior sociabilidade, o desenvolvimento da capacidade de estabelecer trocas e o exercício da tolerância na pluralidade. Há uma riqueza de possibilidades contida na complementaridade mais orgânica entre o sistema escolar e as oportunidades de aprendizagem implementadas por outros sujeitos e espaços de aprendizagem da cidade. Potencializam as oportunidades de escolhas de trajetórias de desenvolvimento, de trânsito e de circulação de crianças e adolescentes em diversos espaços. Sintonizam com o modo peculiar de aprendizagem, difuso e descentrado, constitutivo desta sociedade complexa, ampliando as oportunidades de sociabilidade e convivência. Vários municípios no Brasil já estão operando ou buscando implementar uma rede de serviços pós-escola multisetoriais envolvendo, sobretudo, educação, cultura, esportes e assistência social para constituir a jornada de tempo integral exigida pela LDB. Contudo, para responder às demandas de aprendizagem e sociabilidade requeridas na contemporaneidade, há um outro avanço democrático e irrecusável nos tempos que nos tocam viver: articulações e convivência mais orgânica entre programas e serviços públicos estatais e serviços públicos não estatais - de iniciativa da comunidade e sociedade civil – como uma tendência à expansão de ações de educação pública. Essas tendências podem e devem trazer em seu escopo compromisso político com: a inclusão e a equidade social; a qualidade da educação e da escola pública; a gestão democrática e partilhada com a comunidade; a participação e o fortalecimento da sociedade organizada e seus diferentes segmentos. 189 Educação e o Terceiro Setor David Saad Especialista em consultoria de gestão e gerenciamento de projetos, é formado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP, trabalhou por sete anos na Accenture, uma das mais conceituadas empresas de consultoria. Trabalhou dentro do Grupo Promon, coordenou projetos de ensino à distância e, na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, foi coordenador geral do Programa de Cultura e Cidadania, para inclusão social, sendo responsável pela interlocução do órgão público com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Atualmente é diretor da Fundação Victor Civita, entidade responsável, entre outras iniciativas, pela Revista “Nova Escola” e o prêmio “Professor Nota 10”. Boa tarde a todos. Como foi dito, meu nome é David, eu sou diretor da Fundação Victor Civita. Para quem não sabe, a Fundação Victor Civita é responsável pela revista “Nova Escola”, também pelo prêmio “Professor Nota 10”, dentre uma série de outras iniciativas na área de responsabilidade social, e voltadas para a educação. No meio deste ano, iniciamos um processo de mudanças na Fundação Victor Civita, que começou com a entrada da ex-secretária da Cultura, Cláudia Costin, e esse processo de mudança nos levou a repensar um pouco quais seriam as missões e os objetivos da Fundação. Nós percebemos que era necessária uma reflexão, anterior a isso, sobre qual seria o papel do terceiro setor, quais seriam as missões do terceiro setor relacionadas à educação e, para conseguir fazer essa reflexão, nós conversamos com todas as pessoas da própria Fundação, colaboradores externos, educadores internos e externos, professores, através da nossa revista e de nossos contatos, e tivemos uma série de entendimentos sobre essa questão. O objetivo da minha apresentação hoje é, justamente, dividir com vocês alguns desses entendimentos, muitas das coisas que vou colocar aqui são tendências e não necessariamente já estão ocorrendo hoje, mas achamos que seria interessante ter essa conversa sobre esses assuntos. Bom, obviamente, esse assunto é extremamente complexo e seria impossível discuti-lo completamente, e em detalhes, em 30 minutos, então escolhemos alguns temas que serão abordados de forma até abrangente, mas, desde já, eu me coloco à disposição, e coloco a Fundação Victor Civita à disposição, para o caso de alguém querer entrar em mais detalhes sobre esse assunto, ou sobre qualquer outro assunto. Os temas sobre os quais vamos tratar hoje são algumas mudanças que vêm ocorrendo no terceiro setor, quais seriam as missões deste terceiro setor e, por último, alguns casos bem sucedidos relacionados à educação no terceiro setor, e já adianto que a gente não quer dizer que sejam os melhores casos, mas são casos emblemáticos que nos auxiliam a explicar o que queremos dizer. Algumas mudanças que entendemos que estavam acontecendo no terceiro setor: acho que é claro pra todo mundo, principalmente nessa área de educação e na área de gestão ambiental, o papel que o terceiro setor vem tendo em influenciar as transformações da sociedade e do país. Essa repercussão toda que o terceiro setor traz com ele é também fruto de algumas mudanças desse terceiro setor na forma de operar e na forma de se relacionar com o entorno. Algumas mudanças que esse grupo da Fundação Victor Civita identificou que ocorreram foram as seguintes: primeiro, há algum tempo, 5, 10 anos atrás, a gente tinha técnicas muito pouco profissionais de gestão. O que quer dizer isso? Não estamos falando da técnica, por exemplo, de um educador, ou da capacidade de executar o que o terceiro setor precisa fazer, o que estamos falando é de gestão administrativa, avaliação, mensuração de resultado, então essa parte de técnica de gestão era pouco adiantada, pouco atualizada. Hoje isso já está mudando, a gente tem técnicas de gestão muito atuais, utilizando as melhores práticas de mercado, dentro do terceiro setor. Hoje acho que é muito difícil alguém pensar em um projeto social de grande porte que não tenha avaliação, seja qualitativa, seja quantitativa. Isso advém dessas técnicas de gestão que o terceiro setor começa a trabalhar fortemente. Uma outra questão é o investimento no setor. Eu, sendo do terceiro setor, através da Fundação Victor Civita, acho que o investimento é sempre pequeno, óbvio, mas ele vem aumentando ao longo do tempo. Outro dia eu estava lendo um material sobre o Fórum de Responsabilidade Social feito pela “Exame”, e lá havia um comentário de que os investimentos para este terceiro setor nunca foram tão altos, o que é bom para nós todos aqui, especificamente para a área de educação, porque os financiadores identificavam que era uma forma de romper o ciclo de exclusão social, em que um grande contingente de brasileiros ainda permanece. 190 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Uma outra questão é a diversidade profissional. Até algum tempo atrás a gente tinha profissionais muito focados em suas áreas no terceiro setor, então se havia uma organização da educação, a havia apenas educadores, se era da gestão ambiental, a gente tinha ecologistas. Hoje aumentamos essa diversidade. Eu pego o exemplo da Fundação Victor Civita, e vejo que temos especialistas em políticas públicas, educadores, especialistas em gestão, como eu, jornalistas, artistas, então essa diversidade profissional permite que o terceiro setor seja um pouco mais polivalente e consiga atuar com mais eficiência nas suas missões. E um último, que é uma tendência, ainda não é uma realidade, mas acho que é bastante claro para o terceiro setor como um todo, que antigamente o foco era muito específico no atendimento das demandas da população, uma coisa mais em busca de resolver problemas urgentes. E hoje temos um pensamento focado em sustentabilidade, resultados mais perenes, que efetivamente impactem de alguma forma as políticas públicas, e aí eu não estou querendo dizer que façam as políticas públicas, obviamente não, mas que de alguma forma impactem através da sociedade, ou através dos próprios projetos, para que os resultados alcançados sejam mais perenes e sejam incorporados às políticas públicas. Eu vou falar desse tema específico, do foco, quando eu falar aqui um pouco sobre as missões do terceiro setor. Aqui também seria muita pretensão, por parte da Fundação Victor Civita, querer exaurir ou definir quais são as missões do terceiro setor. Então, nós listamos algumas, que julgamos ser efetivamente as missões principais, mas aí fica, obviamente, em aberto, porque podem existir outras que outras pessoas considerem tão importantes quanto estas. A primeira delas é gerar conhecimento sobre assuntos de interesse, e aqui eu estou falando de forma genérica do terceiro setor, então, se estivermos falando de um terceiro setor focado em educação, obviamente estamos falando de educação. O que significa gerar esses conhecimentos? Significa que o terceiro setor, por ser uma instância muito ágil, é capaz de agrupar especialistas das mais diversas tendências e tem a possibilidade, em parceria com financiadores, de gerar estudos, pesquisas e metodologias que posteriormente possam ser replicadas e, de certa forma, mudarem alguma coisa no quadro da educação no país. Então, essa seria uma das missões importantes. A segunda, que, talvez, seja a mais natural e comum, é promover melhorias locais. Eu acho que essa é a mais óbvia, então, quando eu tenho uma questão local e uma certa organização deseja fazer alguma alteração, ela promove, de diversas formas, melhorias localmente. A terceira, que foi muito bem feita pela área ambiental, tocando nesse assunto novamente, é sensibilizar a sociedade para questões importantes. Eu acho que é muito claro para todos, pegando esse exemplo do ambiental, que uma das fontes da sensibilização da sociedade em relação à questão ambiental foi o papel do terceiro setor em sensibilizar, constantemente, a sociedade e mostrar as questões, mostrar os problemas e mostrar os caminhos. Acredito que na educação seja muito parecido, também é papel do terceiro setor, da sociedade, do Estado, de uma série de áreas, mas também do terceiro setor, tentar sensibilizar a sociedade para as principais questões relevantes dentro da área educacional, E por último, que na verdade acreditamos que é a conseqüência de todas as outras e, talvez, a missão principal, que é efetivamente impactar as políticas públicas. Eu quero falar um pouco sobre isso, porque pode soar meio pretensioso querer impactar as políticas públicas, mas, de fato, isso já é uma coisa que acontece. Então, cada vez que o terceiro setor gera algum projeto interessante, consegue definir uma metodologia que faça sentido, ele efetivamente está impactando as políticas públicas. Então, impactar as políticas públicas significa que, na verdade, o terceiro setor tem sempre que pensar em como, ao iniciar um projeto, fazer com que esse projeto se torne perene, fazer com que essa mudança, que às vezes ele realizou de forma local, efetivamente impacte a política pública daquele local, daquele estado, daquele município ou daquele país, impacte a comunidade para que, quando o terceiro setor parar de se envolver nesse projeto, isso tenha alguma continuidade. Então isso vai naquele caminho da sustentabilidade, que é hoje um dos focos principais do terceiro setor, quando faz projetos sociais. E na educação não deixa de ser assim. Eu vou falar de alguns casos mais tarde, e vamos ver que todos os casos que a gente listou (e por isso eu os listei aqui), além de fazerem mudanças interessantíssimas, se preocuparam com essa questão de impactar a política pública para que a mudança realizada se tornasse perene e definitiva. 191 Aqui listei algumas ações do terceiro setor relacionadas à educação. Essas ações novamente não são exaustivas, são algumas só pra identificar como elas estão relacionadas com as missões ou não. A primeira delas é capacitação de professores, e esse é um termo perigoso, porque em nenhum momento estamos querendo dizer que é responsabilidade do terceiro setor capacitar o professor, mas efetivamente o terceiro setor pode ajudar de diversas formas, principalmente das maneiras não formais, a ajudar a capacitar o professor. Um exemplo que temos disso é a própria revista “Nova Escola”, sobre a qual eu vou conversar um pouco mais pra frente, que tem a intenção, de alguma forma, de ajudar a atualizar e trocar idéias com o professor, no sentido de melhorar a capacitação dele para que ele exerça melhor suas funções. Acho que é muito claro, tem várias iniciativas relacionadas ao incentivo à leitura, muitas vezes locais e pequenas, mas que trazem resultados impressionantes e muitas vezes envolvem metodologias replicáveis para outros projetos interessantes também de incentivo à leitura. A questão da reforma de instalações é um tanto quanto polêmica, porque, em tese, o terceiro setor não deveria entrar nessa questão. Sobre isso vamos falar um pouco mais pra frente, quando eu questionar o papel do Estado versus o papel do terceiro setor. Vou dar um exemplo que aconteceu na Fundação. Nós queríamos fazer um projeto de formação de professores em uma cidade da Bahia. Fomos lá, montamos um esquema de formação de professores com educadores, planejamento, e quando íamos iniciar o processo, vimos que as instalações da escola não permitiam que fizéssemos esse trabalho de maneira razoavelmente bem feita. A decisão que se tomou naquele momento foi, em parceria com a prefeitura, ajudar na reforma das instalações. Então foi uma condição que tivemos que fazer para realizar o projeto, que não era o fim, não era o objetivo principal do projeto, mas foi uma atuação nesse sentido. A outra questão é a valorização dos educadores, que é uma questão muito maior que a capacidade do terceiro setor de influenciar fortemente nesse item, mas eu acho que é uma coisa que o terceiro setor vem trabalhando com premiações, por exemplo, o “Prêmio Professor Nota 10”, para os melhores trabalhos de professores do Brasil inteiro, e outros casos em que se atua nessa valorização do educador. Temos o fornecimento do material escolar, que também é feito, principalmente acesso a novas tecnologias. Eu tenho ouvido muito falar, e acho que 2006 vai ser o ano da inclusão digital, porque têm muitas empresas privadas, empresas estatais, governos estaduais, municipais e federal, que irão trabalhar fortemente para a inclusão digital. Eu acho que no terceiro setor, e já está claro para todo mundo da área de educação que a melhor forma de incluir digitalmente a sociedade, se o caminho de entrada for a escola, não é só fornecer computadores, e sim trabalhar uma metodologia, trabalhar conteúdo, de forma que efetivamente esse acesso à tecnologia possa ser incorporado ao dia-a-dia da sala de aula. Então, esse vai ser um desafio do terceiro setor, porque vai ter gente colocando computador em todas as escolas e vamos ter que conseguir trabalhar isso. Por último, naquela linha da geração de conhecimento, está a produção de pesquisas e estudos que, devido àquela congregação de especialistas que o terceiro setor pode fazer, é muito interessante. Muitas dessas ações são pontuais e não estão voltadas especificamente a impactar as políticas públicas, como eu comentei, mas nós, da Fundação Victor Civita, acreditamos que, futuramente, todas essas ações serão efetivamente focadas em impactar esse dia-a-dia, essa política pública, não isoladamente, mas em parceria com a comunidade e com o órgão de direito naquela questão, realizar esse impacto, realizar essa influência, realizar essa transformação. Uma dúvida que fica, que é constante, que nos perguntamos é como não confundir as responsabilidades do Estado com a responsabilidade do terceiro setor, e aí fizemos um esqueminha que, sozinho, quer dizer muito pouco, mas eu vou tentar esclarecer qual foi o nosso entendimento. Nosso entendimento é que o terceiro setor não deve substituir o Estado em suas responsabilidades. Acho que isso é claro para todo mundo, nem o Estado quer isso, nem o terceiro setor quer isso. É fato que, às vezes, isso pode acontecer involuntariamente, mas isso não é o que nenhum dos lados busca. Só que é muito difícil estabelecer limites claros entre o que deveria ser obrigatoriamente tarefa do Estado e o que deveria ser obrigatoriamente responsabilidade do terceiro setor. É muito complicado. A gente consegue colocar objetivamente os grandes pontos, mas quando se olha o detalhe e se vê caso a caso, percebe-se que essa fronteira entre um e outro, às vezes, é muito tênue. Então, o que entendemos é que existe uma área pela qual o Estado é pleno e totalmente responsável, e essa área obviamente vai além da educação formal, e existe uma área que está fora dessa área do Estado, que seria a área de atuação do terceiro setor. Só que quando vamos colocar aquelas ações que são realizadas hoje pelo terceiro setor, vemos que elas não estão em só 192 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO uma dessas áreas, elas permeiam as duas áreas. O que significa isso? Significa que o terceiro setor está entrando na área de responsabilidade do Estado? Não deveria. O que deveria significar é que algumas atividades são emergenciais, e que para realizar a ação do terceiro setor, que seria impactar de alguma forma, ajudar a transformar a sociedade através de projetos perenes, eficientes, e ajudar a montar políticas públicas consistentes, essas tarefas emergenciais, às vezes, são feitas pelo terceiro setor. Eu acho isso muito natural e acho até positivo no momento que vivemos no Brasil, mas eu acho necessário cada vez mais olhar sempre e tomar esse cuidado para que as políticas públicas sejam definidas pelo Estado, com participação do terceiro setor e da sociedade, que a educação formal seja realizada pelo Estado e assim em outros pontos também. Mas sabemos que são muito tênues essas fronteiras e, no dia-a-dia, apesar de querermos no escritório escrever, não é tão simples fazer essa separação. Vou falar de alguns casos considerados bem sucedidos relacionados à educação no terceiro setor. O primeiro deles é “Escola que Vale”, esse projeto é um projeto realizado sob a responsabilidade da Fundação Vale do Rio Doce, com o objetivo de colaborar no desenvolvimento social das comunidades onde a Vale está presente de alguma forma. Esse projeto é focado na formação continuada do educador; ele foca, em última análise, a melhoria de aprendizagem dos alunos da rede pública de educação. Então, como resultados numéricos, podemos dizer que ele já tem mais de 28 mil beneficiários. O que eu acho que é importante desse caso? O importante do caso da “Escola que Vale”, para mim, são obviamente as melhorias locais que ele produziu, a formação de professores, quem efetivamente tiver oportunidade de conhecer é um projeto muito interessante; eles efetivamente pensaram em impactar a política pública. Então, esse projeto, originalmente, pensado para dois anos em cada município ou em cada região, foi transformado em cinco anos para poder fazer uma transição correta e para poder deixar esse legado para a comunidade e para os órgãos competentes darem continuidade. Um outro projeto interessante é “Além das Letras”, que é basicamente uma premiação de projetos desenvolvidos pela rede pública nos diversos municípios e na formação desses técnicos participantes para que se discutissem idéias, se fizesse uma supervisão sobre esses projetos. Mais uma vez o interessante é que um dos critérios utilizados para esse prêmio foi efetivamente a continuidade dos projetos, do ponto de vista administrativo e técnico. Por último, queria falar um pouquinho da revista “Nova Escola”, que é um projeto da Fundação Victor Civita. A revista “Nova Escola”, acredito que a maioria dos professores deva conhecer, é uma revista que já está sendo distribuída há 20 anos, hoje a sua circulação é de 680 mil exemplares, é a segunda revista mais distribuída no país. O seu objetivo é efetivamente trocar idéias com o professor, tentar auxiliá-lo nas questões do seu dia-adia e, de alguma forma, ajudá-lo a exercer melhor as suas tarefas e ser um canal de comunicação informal com o professor. Essa revista é distribuída pelo MEC, por algumas secretarias de Estado, algumas secretarias municipais, isso já é feito há 20 anos, e isso de alguma forma já está inserido na política desses organismos. No futuro, mesmo que não seja a revista “Nova Escola”, mesmo que sejam outras revistas, ou mesmo que seja um outro canal de comunicação que não a revista, o importante é que já está inserido na política pública que é importante ter esse canal de comunicação com os professores. Como falei, esses projetos que levantei são alguns dos muitos projetos que considero bem sucedidos pelo terceiro setor. Só levantamos esses, em particular, porque achamos que era interessante dividi-los com o grupo, mas tenho que deixar claro que se eu pudesse colocaria 15, 20 projetos, no lugar de só três. Para finalizar, gostaria de colocar um pensamento que foi, mais ou menos, unanimidade dentro do grupo que se formou para discutir esse assunto: é que o terceiro setor hoje tem muitos ingredientes que permitem que ele seja um forte agente transformador da educação no país, em outros setores também, mas na educação em particular, dentro do Brasil. Eu acredito que o terceiro setor já vem tendo um papel importante, mas que agora, com essa nova forma de operar e com esse novo foco, vai ter um papel muito forte na transformação da educação do país. Bom, eram esses os pensamentos que eu queria passar para vocês, sei que eles não são muito detalhados, em alguns momentos são genéricos, são idéias do grupo que discutiu isso na Fundação Victor Civita. Agradeço a atenção de todos. 193 Educação e profissionalização na cidade de São Paulo Almério Melquíades de Araújo Professor e Coordenador do Ensino Técnico do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, licenciado em Física pela PUC São Paulo e mestre em Educação pela PUC São Paulo Boa tarde a todos. Inicialmente, em nome do Centro Paula Souza, gostaria de agradecer aos organizadores deste evento e à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo pelo convite, e cumprimentá-los pelo esforço e pelo sucesso deste encontro. Considero este processo extremamente importante, e ele já é o quarto de uma seqüência de eventos que promove o encontro de professores com o objetivo de possibilitar uma troca de experiências entre esses profissionais do ensino. Essa, talvez, seja a melhor forma de atualização e de confraternização. Em relação à questão da educação e sua relação com a formação profissional, podemos fazer as seguintes reflexões: A formação geral já é em si mesma uma formação profissional, uma educação para a inserção do jovem no mundo do trabalho. Até que ponto essa formação geral é uma preparação para essa educação profissional, que, no Brasil, ainda se dá, basicamente, a partir das experiências reais? De fato, a educação profissional formal no Brasil ainda acontece, majoritariamente, no ensino superior. Temos hoje no Brasil cinco vezes mais alunos em faculdades, no nível superior, do que no nível médio ou no nível técnico, sem mencionar níveis de qualificações profissionais para aqueles que não alcançaram o nível médio. Como grande parte da população brasileira não alcançou a escolarização média, ela fica excluída tanto de uma educação profissional no nível superior, que se dá por intermédio de vestibulares que exigem o ensino médio completo, quanto dos cursos oferecidos pelas escolas técnicas de nível médio, que exigem como condição de ingresso que o aluno esteja matriculado no ensino médio e, para diplomação no ensino técnico, a conclusão desse ensino médio. Constatamos, portanto, que a educação profissional no Brasil ainda é um privilégio. Chegar a uma escola técnica e chegar a uma faculdade ou a uma universidade ainda é algo inacessível para a maioria da população, ou seja, a educação profissional no Brasil (e eu estou falando na cidade de São Paulo, mas poderia estar dizendo isso em Guarabira, na Paraíba, ou em uma cidade do interior de Minas Gerais) ainda se dá na prática profissional, no dia-a-dia, no emprego, na fábrica, no hospital, na fazenda, no hotel e assim por diante. É assim, dessa maneira empírica, que se desenrola o processo educacional, é assim que os profissionais, os trabalhadores vão construindo seu itinerário formativo, combinando-o com a sua escolarização básica, ou contínua, por intermédio de diferentes cursos, buscando a complementação da educação. Penso que qualquer escolarização hoje, qualquer educação formal já traz em si a construção de um conjunto de competências gerais que vão subsidiar e garantir o itinerário profissional dessa ou daquela maneira. É impossível hoje a inserção profissional sem a existência dessa ou daquela escolarização. Nós somos de opinião que, quando o jovem freqüenta uma escola, ele já está somando o conjunto de conhecimentos, de informações e até de desenvolvimento cognitivo que permitirá seu desenvolvimento profissional. Quer dizer, não há formação escolar absolutamente separada de uma futura ação social e profissional, não há como dizer que até tal idade se faz apenas educação no sentido puro, uma formação para a vida em geral. Não. Você já está, de uma certa forma, desenvolvendo processos cognitivos que vão subsidiar o desenvolvimento de um conjunto de competências específicas. No mundo do trabalho de hoje, quando se desenvolve, a partir de uma determinada ocupação, um conjunto de atividades, essas atividades sempre estarão associadas a três grandes funções produtivas: a capacidade de planejar, de executar e de controlar a qualidade daquilo que foi planejado e que está sendo executado. De uma certa forma, no dia-a-dia, no seu cotidiano, seja como professor, seja em qualquer atividade profissional, você está sempre desenvolvendo atividades que estão associadas a essas funções. Até para você atravessar uma rua, de alguma forma, você tem que fazer um plano. Você não atravessa a rua de qualquer maneira. Você tem que ver qual é o fluxo de carros naquela rua. Você tem que, mais ou menos, estimar qual é a velocidade que tem que imprimir para atingir o outro lado da rua antes que o carro chegue ao ponto em que você está. E, se houver alguma alteração na velocidade daquele carro, você tem que mudar, também, aquele seu plano. Isso acontece também na vida profissional do professor. 194 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO No início de cada período letivo, o professor é obrigado a entregar o seu plano de trabalho docente ou plano de ensino, no qual se estabelece um cronograma e um conjunto de conteúdos e atividades que se pretende desenvolver ao longo de um semestre, de um bimestre ou de um ano letivo. Entretanto, isso é apenas uma estimativa, pois, quando o professor passa a conhecer a sua turma, no momento em que há essa relação professor-aluno, ele pode ser obrigado a redefinir esse plano. Ou seja, o professor não deve ser escravo do seu próprio plano. É necessário que nós, professores, tenhamos bom senso para medir qual é a capacidade daquele coletivo, daquela turma, daquela classe para acompanhar com sucesso aquele projeto, aquele plano de trabalho feito antes de conhecermos aqueles alunos. E o processo de avaliação da aprendizagem também são avaliações, são indicadores de que seu plano está sendo adequado ou não àquele conjunto de alunos, ao interesse daqueles alunos. O ato de planejar, de executar e de avaliar aquilo que foi feito é próprio de qualquer atividade humana, desde uma mais simples, que é sair de casa e usar a roupa adequada à temperatura ou à previsão do tempo, até o desenvolvimento de um plano de trabalho docente que foi previsto para um certo período. Esse exercício inteligente é o que hoje estamos definindo como competências, ou seja, o que traz para a educação esse novo paradigma educacional que é a construção de competências no processo de ensino e aprendizagem. Até que ponto isso inova ou traz uma maior complexidade em relação ao paradigma anterior que se baseava em processos de transmissão de conhecimentos e de avaliações estanques e em avaliações escritas ou orais pré-determinadas? Ou seja, aquele conjunto de conhecimentos que nós chamávamos de conteúdo do curso passa de fim a meio, para que o aluno atinja determinadas competências. Essas competências no nível médio terminam sendo resumidas naquelas cinco grandes competências, a partir das quais é elaborado o exame do ENEM. Na relação das cinco grandes competências há vinte e uma habilidades. São esses conjuntos de competências que estão normalmente associados a uma idéia de capacidade e análise que o ser humano vai desenvolvendo, enxergando essa grande competência que é fazer análise como um conjunto de capacidades de pesquisar, de projetar alguma coisa, de executar e de controlar. Quer dizer, todo o conjunto de conhecimentos e habilidades que se constrói para o exercício de uma determinada função está sempre associado a essa grande competência. Não se quer mais um profissional que simplesmente tenha habilidade, que tenha o domínio de um determinado equipamento ou de uma determinada habilidade pessoal. O que se quer é que um profissional detenha um conjunto de conhecimentos teóricos, que ele domine uma série de equipamentos e instrumentos, mas que ele saiba, diante de determinados projetos, de determinados desafios ou situações e problemas, mobilizar de uma forma apropriada essas informações e essas habilidades para alcançar um determinado fim. Ou seja, a educação profissional tem caminhado no sentido de combinar as competências gerais cognitivas que o jovem desenvolve com a capacidade de utilizar conceitos, de fazer análises, de formular propostas, de fazer projetos, de refinar isso em determinada área de atuação profissional, seja na área da saúde, na área mecânica, na área química, na área agropecuária, na área cultural e assim por diante. O que estamos fazendo no Centro Paula Souza, que é uma autarquia do Estado de São Paulo vinculada à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, é todo um esforço no sentido de promover a integração desse conjunto de competências gerais, que o aluno vai adquirindo ao longo do ensino fundamental e do ensino médio, com as competências profissionais específicas que o habilitam para uma ação profissional nessa ou naquela área, nessas ou naquelas ocupações, funções ou cargos. Esse tem sido todo o nosso esforço nos últimos anos: combinar a educação profissional com esse aprendizado geral que acontece ao longo da educação básica, por intermédio do ensino fundamental e do ensino médio. Voltando à colocação inicial, de como acontece a formação profissional, mencionei que ela é, em geral, desenvolvida empiricamente. Para consolidar a informação que apresentei no início, eu trouxe alguns números relativos ao ensino médio e ao ensino técnico. Estou falando agora, especificamente, do ensino médio e do ensino técnico, que nos dão, em termos percentuais, uma idéia da relação entre a educação geral, a educação básica, e a educação profissional. Eu trouxe uma distribuição da cidade de São Paulo, da região metropolitana, em relação à oferta de unidades de ensino, e já é possível notar que a educação profissional é algo diminuto. Existem apenas 13 escolas técnicas públicas em uma cidade como São Paulo, de 10 milhões de habitantes. Está evidente a deficiência da chamada educação profissional formal na cidade de São Paulo, que é a maior e a mais desenvolvida e com maior tradição industrial e comercial do Brasil. E vemos como a educação profissional é reduzida, basta comparar o número de escolas que oferecem ensino médio e ensino fundamental com as que oferecem ensino técnico. 195 Tenho alguns números, por intermédio dos quais isso fica mais evidente: na cidade de São Paulo, temos 559 mil matrículas no ensino médio, e apenas 77 mil no ensino técnico, ou seja, menos de 15%. Essa estatística exclui os milhões de habitantes da cidade de São Paulo que já têm o ensino médio e que não têm nenhuma formação profissional regular devidamente certificada. A partir dos dados que eu mostrei agora, fiz algumas relações de percentagem: dentro do ensino médio, nós temos 85%, aproximadamente, da matrícula na escola pública, majoritariamente na rede estadual, que atende de uma forma muito maior o ensino médio, e apenas 15% a 16% em escolas particulares. Ou seja, apesar do crescimento nos anos de 1970 e 1980 da escola particular, esse ciclo se esgotou no final de 1980 e todo o crescimento do ensino médio no Brasil e, particularmente, na cidade de São Paulo, se deu na rede pública. ���������������������������������������������������������� ���������������������� �������������������������� ������������ �������������������������������� ������� ������� ������ �������� ����� ����� ��������� ����� ����� ������� ������ ������ ����� ������� ������ ����������������������������������������� ���������������������������������������������������������� ������������������������������������� ����������������� �������������� ����������������������������������������� O crescimento da escola particular foi negativo quando comparado ao crescimento real do ensino médio na cidade de São Paulo. No que diz respeito ao ensino técnico, temos uma equação inversa: nesse caso predomina a escola particular. Temos 80% dos alunos matriculados em ensino técnico nas escolas particulares e apenas 196 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 20% em escolas públicas, o que agrava mais o problema da regularização da certificação e da formação regular no nível técnico para o jovem da escola pública. Além de a oferta ser escassa, ela ainda se dá majoritariamente na escola particular, o que torna mais difícil para o jovem e para o trabalhador ter acesso a uma formação técnica regular. Dentro do ensino técnico público há uma desproporção: praticamente 85% da oferta concentra-se na Secretaria de Ciência e Tecnologia, por intermédio do Centro Paula Souza, ou seja, não temos uma oferta significativa nem no plano federal, que oferece apenas o CEFET, que tem uma escola técnica e um centro de formação profissional, nem no plano municipal, que oferece apenas algumas unidades de ensino técnico por intermédio da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. ���������������������������������������������������������� ��������������������������������������� �������������� ����������������� ����������������������������������������� ���������������������������������������������������������� ������������������������������������������������� �������������� ��������������������� ������������������������� ���������� ����������������������������������������� ��������������������������� Recapitulando, temos uma oferta pequena, oferecemos poucas condições para que o jovem possa complementar a sua formação básica no ensino técnico, situação agravada, ainda, pelo fato de 80% dessa oferta estar nas escolas particulares, que não são gratuitas, e também ampliada pelo fato de a oferta de vagas no ensino técnico estar concentrada na Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Comparando-se a situação em outros Estados, vemos, por exemplo, que a maior oferta de educação técnica em Minas Gerais é oferecida pelo governo federal, pelo MEC, e não pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais. Há 197 uma participação grande do governo federal em Minas Gerais, no Paraná, no Nordeste, entretanto em São Paulo essa participação é diminuta. A situação é complicada, ao mesmo tempo em que constatamos ao longo desses últimos anos, uma demanda crescente por formação profissional. Há um conflito: o jovem é hoje o maior desempregado da cidade de São Paulo. Hoje, o desemprego é muito maior na faixa dos 16 aos 24 anos do que na faixa daqueles que têm mais de 40 anos. Por que? Por conta da falta de escolarização, da falta de formação profissional, já que as empresas em São Paulo atualmente exigem, para qualquer função, o ensino médio e experiência de trabalho. Como as empresas sabem que existe pouca gente com formação profissional, nos anúncios de emprego, geralmente, é exigida experiência profissional. Como fica a situação dos jovens que terminam o ensino fundamental ou o ensino médio, e que não têm acesso a uma educação profissional? Hoje vivemos esse problema, e o crescimento de vagas de matrículas iniciais na cidade de São Paulo não é muito alvissareiro. Vejam que a oferta da maior instituição de educação técnica no Estado de São Paulo, e a maior do Brasil em termos de rede estadual, teve um crescimento significativo ao longo de 5 anos: foi de 9.600 matrículas para 13.000. Mais o que são 13 mil diante dos números do ensino médio? ��������������������������������������������������������������������� �������������������������������������������������������� ����������� ����������� ����� ����� ���� ������ ������ ���� ������ ������ ���� ������ ������ ���� ������ ������ ���� ���������������������������������� Potencialmente, os candidatos ao ensino técnico são pessoas de origem humilde, que não tem condições reais de freqüentar um curso superior de 5 anos, ainda mais porque o ensino superior é majoritariamente composto por instituições particulares. Às vezes, o jovem passa no vestibular, mas desiste no primeiro ou no segundo ano. Infelizmente, temos um número significativo de pessoas que começam e não terminam o curso superior. Bom, esse é o quadro, e eu lamento não poder trazer informações melhores sobre a questão da educação e da formação profissional. Estamos diante de um gargalo, e o Estado e a iniciativa privada terão que se debruçar sobre o problema e oferecer sugestões. Muito obrigado pela atenção. 198 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Experiência Pedagógica da Universidade Livre do Circo Marcos Frota Ator Alô, São Paulo! Professores e educadores, vamos conversar um pouquinho, prometo que não vai ser muito demorado e vai ser interessante, também porque tenho muitos filhos pra criar e só saio de casa quando as coisas são pra valer. Eu queria só chamar o coordenador da Universidade do Circo, que vai sentar aqui comigo. A música é para lembrar que a novela terminou, mas a minha missão está apenas começando. Vamos falar um pouquinho sobre educação, sobre a minha experiência à frente da Universidade Livre do Circo, por que escolhi o Jatobá para comemorar 25 anos de carreira, 50 anos de idade. Trouxe um vídeo que está passando aí no telão, que é uma experiência da Universidade Livre do Circo, é um espetáculo que a gente faz todo dia 3 de dezembro e se chama “Somos todos brasileiros”. Um espetáculo de inclusão, na sua maioria realizado por pessoas com deficiência. Trouxe comigo José Carlos Piccolo, coordenador pedagógico da Universidade do Circo. Primeiro, boa tarde a todos, é muito bom estar aqui. Acho que esta é uma guerra que estamos perdendo, não adianta tapar o sol com a peneira e nem ficar em tom de celebração, porque, é claro que as conquistas são visíveis, mas, infelizmente, a guerra a gente está perdendo. Um dos homens mais conscientes e mais brilhantes do Brasil na atualidade, de uma lucidez absoluta, de uma sabedoria plena, é o Dr. Dráuzio Varella, e ele, numa sessão no palácio do Planalto para a pré-estréia do filme “Carandiru”, disse essa frase que me marcou muito: “É uma guerra que a gente está perdendo”. Temos para cada 10 crianças dentro de escola, quase 20 fora. E mesmo aquela que está dentro da escola, a condição que ela tem de um desenvolvimento normal, em busca da realização dos seus sonhos, é muito precária. Então, um Congresso como esse, com essa dimensão, com essa magnitude, esse envolvimento todo, em uma cidade como São Paulo, é obrigação. Acho que é através do diálogo que vamos descobrir possibilidades, para que se consiga encaminhar propostas e situações para tentar reverter. Tenho uma formação em Pedagogia, fiz Pedagogia na PUC de São Paulo junto com meu colega e companheiro da Universidade do Circo na década de 80, quando a PUC de São Paulo era uma instituição absolutamente efervescente e o curso de Pedagogia, o curso de Educação dentro da PUC, era um curso bastante significativo. Infelizmente, lamento muito, ter interrompido a faculdade no meio porque comecei a fazer aquela peça, “Feliz Ano Velho”, do Marcelo Rubens Paiva. Do segundo para o terceiro ano a peça começou a excursionar pelo Brasil inteiro e não pude cumprir o requisito básico para poder terminar o curso, que é a freqüência acima de 75% das aulas, mas a semente do educador sempre ficou dentro de mim. Sou formado pelo Colégio Vocacional Oswaldo Aranha, talvez uma das melhores e mais importantes experiências educacionais públicas do Brasil recente comandado pela Maria Nilde Mascelani, um colégio estadual. Ali, nos nossos sonhos, nas nossas reuniões, sempre sonhei em ser educador, sempre quis ser um pedagogo, um professor, um diretor de escola estadual, escola pública, sempre trabalhei muito na possibilidade de me tornar um professor da Rede Pública de Ensino, e o que me interessava, o que me encantava era a molecadinha, o primeiro momento, a primeira fase escolar que na minha época chamava primário, hoje é educação fundamental. Não é à toa que escolhi o circo como atividade complementar, como exercício de cidadania. Sempre acreditei que, através da arte, poderia realizar alguns dos meus sonhos. Lendo Paulo Freire, conversando com Darcy Ribeiro, estando com meus amigos da Universidade, ou com os meus colegas do Colégio Vocacional, eu achava que o circo poderia me aproximar um pouco de tudo que eu sonhei ser, desenvolvi, antes de abraçar a carreira de artista. Então, para mim, estar presente num congresso como este, podendo falar algumas coisas, é uma oportunidade e tenho feito isso pelo Brasil todo e estou aberto aqui para as perguntas, para as colocações, pra gente transformar esse papo numa coisa mais dinâmica, mais orgânica. O que fica, em primeiro lugar, é o sentimento constante que gera uma certa inquietude, um certo inconformismo íntimo, pessoal, algumas noites de sono que são perdidas. Não está dando mais para você ser 199 plenamente feliz apenas com as suas coisas, com o seu umbigo, com a sua família, com seus filhos. Não está dando. Terminei a novela agora - a novela foi um sucesso, também porque as novelas da Globo são um sucesso mesmo, um sucesso de público, digamos assim, as pessoas param na frente da televisão para acompanhar a teledramaturgia proposta pela TV Globo – a novela propôs vários assuntos e se transformou em um grande êxito de audiência, mas sabe, quando a novela estava terminando, eu não conseguia curtir a felicidade, o sucesso, tomar uma garrafa de vinho para comemorar. Gozado, os tempos, os dias não são mais assim, eu pelo menos não consigo mais. Não tem mais graça. O Brasil, “pátria amada, terra adorada, mãe gentil”, precisa do melhor de cada um, e tudo que tem acontecido, recentemente, na área política, na área social, na área econômica e mesmo na área artística, não dá mais pra você ficar com nenhum tipo de reivindicação ou protesto, ou aquele inconformismo, bater no peito, vamos às ruas, vamos apontar os culpados e ficar de dedo em riste, aquela postura acusatória também não é mais isso. Agora é aqui. “Porque o Lula, o prefeito, o diretor da escola, meu pai...”, não dá mais. Agora o movimento é daqui pra cá, tem que inverter, a gente tem que vir pra dentro, o mundo muda muito, as coisas giram, a velocidade é muito grande, e agora a consulta tem que ser interna e constante, buscar, realmente, de que maneira eu posso contribuir, como posso participar. Eu teria todos os motivos do mundo para estar muito feliz, o lado pessoal, o lado profissional, os amigos todos, desfrutando da popularidade que a carreira artística oferece e proporciona ao artista, todas as regalias resultantes. O mundo começa a ficar pequeno, porque você pega uma passagem e vai para qualquer lugar, as coisas estão muito próximas. Eu tive tantos sonhos que não realizei, tantos lugares que queria conhecer, tantas atividades que queria desenvolver ou participar, e hoje tenho todas as oportunidades do mundo, mas não consigo mais. Eu vejo meus colegas, acabei de encontrar aqui o Murilo Rosa que fez o Dinho na novela América, curtindo o sucesso. O papo no final da novela era: “Vou tirar férias”, “Vou para Nova York”, “Acho que vou pra Fernando de Noronha”, “Vou curtir um pouco”... Eu sou daqueles que não consigo, eu não tenho pra onde ir, não tenho mais o que fazer, não tenho mais onde estar que não seja caminhar, estar na luta, estar próximo, contribuir de alguma forma. Então, estar aqui nesse congresso hoje, conversar um pouco com vocês é, em primeiro lugar, tentar compartilhar essa minha inquietude, esse meu de desejo de “não está dando mais pra ser feliz sozinho”, “não está dando mais pra entrar no carro e curtir uma praia”. Eu estou falando sozinho, mas preciso compartilhar essa minha vontade de estar junto, pavimentando, preparando talvez não para nossa geração, nem para os nossos filhos mais velhos – e eu tenho quatro filhos pessoais e dezesseis filhos adotivos –, pelo menos para os filhos dos nossos filhos. Cada um tem que fazer a sua parte, eu queria abrir falando isso. Acho que cada um tem que fazer a sua parte. Não cabe dentro dos meus dias pensar em férias, é o que eu sinto hoje em dia. Quando eu falei que a novela está terminando, mas na verdade a minha missão está começando, é porque não posso movimentar o que a gente movimentou com esse personagem e depois sair pelo país fazendo jabá, ou fazendo baile de debutante, ou uma série de comerciais. Não dá. A minha modéstia só não é maior que a minha consciência. Eu sei o que significa você estar durante 10 meses no horário nobre na televisão tratando de um assunto delicadíssimo e depois parar e achar que está bom, sendo que agora é que a semente foi plantada, sendo que agora o diálogo foi proposto, sendo que agora as possibilidades explodiram. E aí, eu digo, “Ah, não, a minha parte foi só aquilo ali. É claro que poderia ser só aquilo ali, porque cada macaco no seu galho, mas aí é que eu falo: a gente está perdendo essa guerra, e a gente tem que tentar estar alinhado com seu exército. Hoje, estou me preparando pessoalmente, intimamente, organizando a minha família, organizando a minha atividade profissional, tanto na televisão quanto no teatro, quanto no circo, para poder estar 100% disponível para essa causa que eu levantei que é (essa palavra está meio gasta já) a inclusão das pessoas com deficiência. Eu, em 2003, estava passando por um problema pessoal, delicado, interno, difícil lá dentro de casa e alguém na rua virou pra mim e disse: “Marcos será que tudo isso que está acontecendo na tua vida, na verdade, não está te preparando para uma missão que está prestes a se aproximar de você?”. E não é que é verdade! Em 2003, quando chegou, eu estava pronto, preparado, distante, ausente de mim mesmo, da vaidade, dessa coisa que é pertinente à carreira artística para estar disponível para essa história. 200 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Em 2003, então, nós realizamos aqui em São Paulo um evento chamado “Somos todos brasileiros”, só com deficientes, cegos, cadeirantes, tetraplégicos, síndrome de Down, todos eles num palco ao lado de artistas consagrados. Quando eu olhei para aquilo ali, falei “Puxa, é por aí que eu vou”. Aí bati na porta da TV Globo, como não sou empresário e também não sou político, nesse sentido de profissão, de escolha, restava a mim a contribuição como ator, e nada melhor do que estar no horário nobre discutindo essa questão, e aí bati na porta da Globo e pedi pra fazer um personagem assim. Como pedi em 85, pra fazer o circo, a novela era “Cambalacho”. Fui lá, bati, e falei “Vamos fazer uma novela sobre o circo, o circo está acabando no Brasil”. Sou do interior e entendia toda a magia circense e descobria o meu destino e a minha vocação através do circo, achava que a televisão devia permitir um espaço, e aí fizemos a novela “Cambalacho”e o circo explodiu, quer dizer, o circo ganhou um novo fôlego e eu acabei me apaixonando perdidamente pelo circo, e essa paixão se transformou em amor para sempre, inteiro. E depois de realizar todos os meus sonhos como trapezista, como malabarista, viajar o Brasil inteiro, de Manaus a Porto Alegre algumas vezes, e viver um exercício de cidadania que poucos colegas da minha profissão viveram, pois esse trabalho desaguou, teve um desdobramento e criamos esse programa sobre o qual vou falar daqui a pouco, que é a Universidade Livre do Circo. A Pedagogia da Convivência – eu trouxe o Zé Carlos pra falar um pouco sobre esse tema e é sobre isso que a gente quer tratar com vocês, educadores e pensadores da educação que aqui estão. Pelo menos o congresso é para isso. Com aquele mesmo ímpeto, com aquela mesma coragem – coragem. O que é coragem? O significado da palavra “coragem” qual é? É agir com o coração – aquilo que me levou a realizar um sonho meu, que era mergulhar no universo circense, foi esse mesmo sentimento que me levou à porta do diretor da TV Globo para pedir para fazer uma novela tratando da inclusão das pessoas com deficiência. No início houve uma certa rejeição porque o público mesmo rejeita um personagem assim no horário nobre. As pessoas, no fundo, estão mais para se divertir, é muito mais interessante ver a trajetória de um Dinho ou de um Feitosa do que de um cara deficiente na hora do jantar. E a TV Globo, então, fez uma pesquisa sobre de que maneira se poderia tratar desse assunto, e aí, como tudo é um querer terreno e uma vontade divina, tudo acontece assim, um querer terreno, que é essa coisa humana nossa, essa garra, raça, coragem, determinação, sonhos, essas coisas que se aproximam da gente – hoje eu estava lendo uma crônica do Leonardo Boff sobre a questão da crise. Leonardo Boff é aquele franciscano que durante um tempo foi conselheiro do presidente Lula, e ele falava que vale tudo, menos o sonho que não pode acabar. Foi esse tipo de sentimento que me levou a encontrar com a Glória Perez. E quis Deus que fosse a Glória Perez a escrever esse personagem. Olha, vou falar uma coisa pra vocês, eu me identifico muito com as pessoas que são forjadas na dor, que vêm carregadas de uma humildade, de um sentimento de gratidão por tudo. Incrível como foi, de repente, escalada pelos anjinhos a Glória Perez para escrever essa novela. Fiz de tudo um pouco, mas o que mais me preparei foi pra não perder a sintonia com ela. E me debrucei sobre um assunto que envolve 25 milhões de brasileiros. E se você colocar, pelo menos, um pai, uma mãe, e um irmão apenas, num grupo da família, já vai para 75 milhões de pessoas envolvidas com a questão da deficiência, nem sei se chamo mais de deficiência. Rapidamente compreendi o refinamento espiritual que passa uma pessoa com deficiência. Quando a pessoa deixa de perguntar o ‘por que’ e começa a perguntar o ‘pra que’, aí foi uma cachoeira de benção que recebi por esse trabalho todo. Primeiro, porque conheci pessoas maravilhosas, depois porque mergulhei num universo absolutamente humano, uma busca de divindade incrível. E em terceiro, porque me permite, mais uma vez, me perguntar como cidadão o que eu posso e devo fazer, de que maneira eu posso contribuir para isso tudo. Discutindo a questão das pessoas com deficiência, a gente pensa sobre a educação como um todo, porque começa dentro de casa, começa no relacionamento, você resgata determinadas palavras como tolerância, como compreensão, como olhar, como paciência, como diálogo, como respeito e por aí vai, generosidade, bondade, fraternidade, disponibilidade. Eu não sei como vocês estão, mas eu estou cansado de palavras como carisma, atitude. Eu já estou cansado disso. Estava aqui na sala VIP conversando com alguns amigos e aí o pessoal disse, “Marcos, não esquece de falar sobre ética”. É claro, tudo é ética, hoje em dia, então, com tudo que está acontecendo, mas o que é ética, na verdade? O que cerca esse conceito?”. Aí, rapidamente ligou para a assessoria e a resposta veio assim, do ser, daquilo que a gente é, o que é ético na gente: honestidade, coragem, tranqüilidade, auto-estima, disciplina, fidelidade. E o que a gente compartilha, o que é da gente para o outro: lealdade, respeito, sensibilidade, bondade, perdão e amor. Dessas e outras palavras, desses e outros conceitos, me aproximei 201 definitivamente por causa do Jatobá. O Jatobá recebeu algumas críticas, principalmente aqui em São Paulo, de um certo lugar-comum, li algumas críticas na Veja e na Folha de São Paulo. A Veja está aí para criticar mesmo e a Folha de São Paulo também, não tenho problema com crítica, acho legal, tudo é bem-vindo. E no caso do Jatobá até aquelas brincadeiras do tipo “Enxerga, Jatobá!”, aquelas coisas do pessoal do Casseta & Planeta e todas as brincadeiras achava legal porque a missão era ampliar a discussão, então, tudo que pudesse falar era bom porque despertava o assunto, e quem quiser aprofundar cai em coisas bem bacanas. Eu acho que no Jatobá estava ali a honestidade, principalmente evidenciada no relacionamento dele com a Vera, a coragem de ser feliz, de não se incomodar com nada e partir em busca da felicidade, a auto confiança porque sem isso a gente não caminha, a disciplina, a fidelidade, a busca interna de paz, de tranqüilidade, de equilíbrio, a lealdade. Isso me lembra de uma cena com o Feitosa, um dos maiores elogios que recebi por causa do Jatobá foi de uma pessoa da técnica, ele falou assim “Marcos impressionante como no seu núcleo todo mundo fez sucesso”. Eu parei e pensei “Não é que é verdade! A Totia Meirelles era uma atriz mais experiente que fez a Vera, hoje está consagrada. O casal Feitosa e Islene, o Feitosa de São Paulo, Aílton Graça, do cinema, acabou se tornando uma das unanimidades da novela. A Cléo Pires, que era minha enteada, acabou se transformando em uma estrela, iluminou o trabalho do Édson Celulari. Aquele menino Radar encontrou seu espaço e caminhou. A Flor não precisa nem dizer. “É impossível jogar luz sobre a sua própria vida, sem iluminar a dos outros”, escreveu Simone de Beauvoir naquela peça “Cerimônia do Adeus”, que fiz com a Cleide Yáconis. Essa questão do quanto o olhar e a ação a respeito desse tema que envolve os deficientes pode iluminar o momento em que a gente busca identidade para saber quem a gente é, para onde a gente vai, em termos de sociedade brasileira. Acho que esses valores contidos internamente na questão da deficiência podem se desdobrar para todos os outros assuntos. É por isso que estou tão empenhado. Eu estava falando para vocês que a novela terminou, mas a minha missão começa agora. Estou me preparando para fazer uma grande caminhada pelo Brasil inteiro, nas universidades, nas ONGs, nas instituições, nos trabalhos voluntários, principalmente aqueles que incluem a questão artística para não deixar que esse assunto desaqueça. A novela das oito é moda, muito bem, mas essa “moda” da inclusão das pessoas com deficiência, esse tiro de canhão foi disparado e cabe a mim não deixar essa semente secar, porque acredito como cidadão que esse é um assunto importantíssimo, suficientemente capaz de iluminar questões essenciais a respeito do Brasil que todos nós queremos construir. Vou falar um pouquinho sobre o circo agora. Chegou uma frase aqui na mesa: “Educação só acontece, e acontecerá, porque ainda há professores que acreditam e sonham. É bom estar aqui. Parabéns pelo seu trabalho e por esse desafio que você assumiu”. É aquela coisa que falei no início, o nível de preocupação e de amor pelos meus é tão grande que não me permite curtir o sucesso de uma carreira artística. Com 50 anos de idade, com o espaço que tenho, se coloca no meu lugar, com tudo que já passei, com o grau de maturidade que tenho, de espiritualidade que a vida me propôs, sou viúvo, já entendi que as coisas são muito mais embaixo, deixar essa estória do Jatobá virar apenas uma novela, uma capa de revista, é muito pouco. É tudo que eu recebi, de respeito, de carinho, de espaço, de cada abraço que recebo por causa do Jatobá. Falava para a Glória: “Glória, o Jatobá não veio só para fazer sucesso”. Eu, com 25 anos de carreira, com 50 anos de idade, cair na cilada do sucesso quando explodiu o casal com a Vera, a música do Roberto Carlos, algumas coisas vieram me mostrar se eu fosse por esse caminho ia desperdiçar uma grande oportunidade e o fato de ter sido “escolhido” para tratar desse assunto. As crianças brincando de cego não tem preço que pague. Casais assumindo relacionamentos com pessoas com deficiência. Aqui mesmo, hoje no restaurante, veio uma moça bonita e me falou: “Eu assumi meu relacionamento com uma pessoa com deficiência”. Dr. Pinotti e a Chefe de Gabinete estão na platéia! Eu achei que estava falando besteira, que ele não estava aí. Eu sou do seu time, Pinotti, conta comigo, me usa. A gente caminha por aí com a coisa do circo, e o que vejo, não sei se vocês têm o mesmo sentimento, mas hoje existe na sociedade brasileira um grande ponto de interrogação, “E agora?”, “O que fazer com todos os nossos sonhos, com todas as nossas expectativas?”. O sentimento de amor por esse país não diminuiu. Agora, canalizar pra onde? Canalizar e achar, sinceramente, uma maneira séria, contundente, efetiva, de participar, de ajudar, de estar junto desse exército. 202 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Universidade Livre do Circo. O circo aonde chegava era uma festa, um sucesso total de público e, é claro, o ator da novela com o circo, eu era trapezista, então tinha essa curiosidade. Levei para dentro do circo atores e diretores de teatro, coreógrafos, figurinistas, cenógrafos. Sou daqui de São Paulo, toda a minha formação é de teatro, ganhei alguns prêmios importantes de teatro em São Paulo, logo no início da minha carreira, prêmio Molière, prêmio Mambembe, APCA, a minha companhia de teatro era Antônio Abujamra, Cleide Yáconis, Laura Cardoso, Sônia Guedes, Antonio Calloni, Ângelo Antônio, Cássia Kiss, toda uma geração de novos e eternos ídolos faziam parte da minha companhia de teatro. O que leva um ator com esse espaço, numa arte tão nobre como o teatro, a ir pro circo, uma coisa tão brega? O que me levou para o circo foi a vontade de me encontrar com a população, com o povo, ao contrário do teatro. Nós estamos em um teatro, vocês vieram até aqui, o circo vai onde vocês estão, nas festas, nas feiras, nas praças, nas cidades grandes, nas cidades pequenas, nos bairros. O circo é, talvez, o mais importante segmento cênico popular, o circo é o berço do teatro, e queria canalizar a popularidade que a televisão oferece ao artista para o desenvolvimento da arte popular do meu país. Como não era cantor e também não queria ficar dando uma de cantor – sabe aquele ator que fica famoso e grava um disco – não era a minha, a minha formação era muito forte, a minha família muito exigente comigo, meus colegas, os meus amigos, fui para o circo. Inventei o circo, aboli a presença dos animais no circo para buscar uma nova estética, uma nova linguagem. Esse é um assunto polêmico até, eu respeito a presença dos animais enquanto tradição do universo circense, faz parte do circo, mas a minha opção era muito mais artística do que essa posição ecológica ou politicamente correta da ausência dos animais no picadeiro. Quero deixar bem claro que não sou contra e que se eu respeito, amo o circo, eu amo as suas contradições, a sua tradição, as suas raízes, e a raiz do circo, a história do circo é contada pelas grandes companhias que sempre tiveram a presença dos animas. Só que não sou de circo, sou do teatro e a minha equipe é gente de dança, de artes plásticas, de teatro, de cinema, vieram com um outro olhar, com uma outra contribuição para esse segmento. E aí criamos o grande circo popular do Brasil. Vivi momentos maravilhosos por esse país todo, dividi a minha carreira na televisão e no teatro com o circo. O circo está em cartaz até hoje, são 20 anos ininterruptos. Circo é como mercado, não fecha nunca, é como igreja, a porta está aberta de segunda a segunda. Então, hoje, com 20 anos, desde 85 até 2005, o circo já deixou de ser uma cerveja para ser um vinho, curtido. É uma beleza, vocês nem imaginam as gerações que a gente formou, e comecei a Universidade Livre do Circo com esse fato. Estava com meu circo em Recife, entrou um garoto, vendeu maconha para um funcionário... [pausa na gravação] ... no Rock in Rio, no Rio de Janeiro, falei: “Gente, prepara o circo, vamos para o Rock in Rio!”. Quando estou no Rock in Rio, três, quatro semanas depois, armando a tenda com aquela dificuldade, preparando o espetáculo para uma platéia de Rock, imagine, dividindo espaço com as grandes atrações internacionais do mundo do show business, olho do lado e quem está ali: Wellington, de Pernambuco. Falei, “Gente, esse menino veio para cá! Quem trouxe?”. Esse menino se apresentou no Rock in Rio e aquele Cirque du Soleil estava fazendo uma audição na época para selecionar valores, como eles fazem no mundo afora, aqui, na África, no Japão, para o novo espetáculo que eles iam fazer. Todo o meu grupo de artista foi para essa audição, o único que passou foi o Wellington. Esse menino foi levado para Quebec, no Canadá, e acompanhei a formação desse garoto. Por dois anos esse menino recebeu aulas de francês, inglês, espanhol, italiano, história da arte para chegar à história do circo, e na história da arte ele aprenderia um pouco da história do cinema, das artes plásticas para chegar à história do circo, um pouco de balé, um pouco de geografia, um pouco de história., e aí aquela coisa do encontro dos interesses com os princípios. Acompanhei periodicamente o trabalho desse menino com o Cirque du Soleil, aquele circo canadense. E o resultado foi que esse brasileirinho, de uma favela lá de Recife, foi se transformando em protagonista do primeiro espetáculo latino do Cirque du Soleil, que inaugurou o circo fixo em Orlando. Quando fui ver o espetáculo, que vi aquele menino, com aquela ginga brasileira, aquele sorriso que, de uma certa forma, exala uma desobediência civil, por isso que ele foi protagonista, por isso que ele enfeitiçava a platéia. Fui à casa dele e vi que parte daquele dinheiro que ele ganhava, 4 mil dólares por semana, ele começou a reverter para os projetos sociais lá de Recife, e começou a descobrir novos “Wellingtons”. 203 Juntei um grupo de pedagogos, educadores e, através do professor Luiz Maurício Carvalheira, formatamos, formalizamos, organizamos o que seria uma Universidade de Circo, para formar uma nova geração de artistas, técnicos e professores circenses. Mas como, de que maneira? Para iluminar, como um disco voador que chega em um terreno e ilumina, o circo chega em um terreno de bairro de periferia, ou das grandes cidades, ou do centro, ou dos shoppings, quando ele chega, ele não deveria se concentrar apenas na atividade do picadeiro, mais do que isso, abrir o picadeiro para que a gente se encontrasse com novos “Wellingtons”, conhecesse as famílias desses “Wellingtons”, e descobrisse a vocação que o circo tem que é a convivência. No circo, em círculo, tudo pode acontecer. No circo ninguém é mais importante, o trapezista não é mais importante que o palhaço, e nem o palhaço é mais importante que o barreira porque, na verdade, a necessidade de um do outro é tanta que não dá pra você falar, “Aquele lá é a estrela”. Não. Por isso que tudo acontece no circo. E descobrimos, então, e desenvolvemos, a Pedagogia da Convivência. Hoje, com esse projeto implantado, acredito que ele pode se transformar em uma grande revolução (pra nós já é), a revolução do amor. Você acompanhar a vinda de uma criança das ruas para dentro de uma escola de circo, perceber que aos poucos ela vai se conhecendo, se respeitando a partir do outro, o outro se torna para ela o grande protagonista do seu destino, da sua história, e ela começa a desenvolver valores como respeito, cumplicidade e daqui a pouquinho essa criança é diferente, ela não quer mais para ela, ou para o umbigo dela, a felicidade dela só é plena e completa no momento que ela participa e constrói a felicidade do seu próximo, pois sem o seu próximo ela também não é nada. É sobre essa história da convivência que vim conversar um pouco aqui com vocês. A escola tem que descobrir novos caminhos para despertar o melhor de cada ser humano, de cada aluno. O professor é um cientista social, tem que estar imbuído da invenção de novos espaços, novas técnicas, o que importa é abraçar o aluno, é transferir para ele essa responsabilidade de ser responsável pelo seu próprio destino, pela sua própria felicidade. O que todos nós queremos, enquanto professores e educadores, é formar ou ajudar na formação de seres inquietos, de seres participativos, protagonistas. Sobre essa Pedagogia da Convivência, que é a base do sucesso da Universidade Livre do Circo, eu trouxe o José Carlos Piccolo, que é um técnico, para falar um pouquinho para vocês. José Carlos Piccolo: Bom, gente, boa tarde. Eu queria falar bem rapidinho, porque ficar aqui do lado do Marcos é sacanagem. Ele é que é famoso, eu só sou um educador, como todos nós aqui. Queria continuar a frase do Dráuzio Varella que diz que nós estamos perdendo a guerra, mas não deixamos de lutar, vamos continuar lutando porque acreditamos que essa guerra pode ser vencida, é por isso que está todo mundo aqui. Educador é louco, não tem jeito, acredita, vem conversar. E é isso que eu acho que a nossa escola, e quando a gente se propõe a pensar em um espaço como o circo é porque o espaço da escola tem alguma coisa de atraso, aquelas estruturas de caixote. As escolas por aí são muito parecidas, só que o mundo mudou, literalmente mudou, a gente não reinventa o espaço. Tem umas historinhas que já li sobre o cara que adormeceu, voltou depois de tanto tempo, e o único lugar que ele achou igual foi a escola. Só que o mundo é diferente, a escola precisa reinventar o seu espaço, reinventar o seu objeto. A gente fala muito que a escola é o espaço do conhecimento, e fala muito pouco que a escola é o espaço da vivência, são coisas diferentes, cada coisa no seu lugar. Temos ações e espaços para todas as coisas, podemos exigir melhores salários se realmente conseguirmos mostrar que somos bons educadores, que somos efetivamente responsáveis por aquilo que fazemos. Eu como educador também entendo isso, acho que a gente ganha muito mal, mas acho que tem espaço e espaço, e como aqui estamos discutindo o espaço do nosso trabalho, o fazer pedagógico, a percepção do outro, e é isso que é conviver. É perceber o outro, o outro é tão importante quanto eu, e se a gente exacerba o indivíduo, o sucesso, o mérito, é tudo muito individualizado. Nós estamos em uma sociedade que está pensando em indivíduo, temos que mudar o ‘eu’ para o ‘nós’, nós somos importantes, isso é ser sócio. Ninguém vai a lugar nenhum sozinho, a gente depende do outro, a gente precisa do outro, a gente só existe como pessoa se existe o outro, sem o outro não somos nada, nem conseguimos viver. Essa foi a coisa que talvez a escola, ao longo de sua história, mais perdeu, porque a gente está sempre olhando o outro como adversário, alguém que a gente quer tirar da frente, e para isso precisamos reinventar o nosso ato educativo. 204 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Não sei se vocês aqui, todos devem trabalhar com Ensino Fundamental, com crianças da primeira à quarta, a gente anda com uma pressa, falta tolerância, falta olhar, falta perceber outros sentidos, não somos só fala, somos visão, somos tato, precisamos sentir o outro, precisamos receber o outro. Isso é conviver. Conhecimento, já temos evoluído, a Internet está aí, é clicar no computador, tem muita coisa para pesquisar, mas convivência se faz no dia-a-dia, no cotidiano, no olhar, no ato de agachar e olhar no olho do outro, ver o que ele está trazendo, o que ele tem. E em uma sociedade tão estratificada como a nossa, nós temos um modelão de escola, tudo é para todo mundo. “Péra lá”! Tem necessidades diferentes, gostos diferentes, sentidos diferentes, percepções diferentes, então precisamos movimentar a escola, eu diria que é uma desobediência, vamos quebrar as amarras da escola, vamos reinventar aquele espaço, mudar a carteira de lugar. Que tal dar aula sem carteira? Todo mundo sentado no chão. Será que ninguém tem o que dizer? Todo mundo tem o que dizer. Por que a gente sempre fala que aprender é um ato que tem que ter significado, tem que ter sentido, e muitas vezes a gente fala tanta coisa sem sentido para as crianças, sem nenhuma relação com aquilo que ela vive, e a escola tem que perceber um pouco o seu meio. Como eu também compactuo que a gente tem que olhar o social, a gente tem que olhar para o nosso entorno. Quem são aquelas crianças que vão ali? De onde elas vêm? Que histórias elas trazem? Será que a gente já se perguntou isso seriamente, cientificamente? A gente faz na escola, e eu não sou diferente muitas vezes, porque os educadores do cotidiano, como somos, vivem uma situação extremamente delicada e muito difícil, porque todo dia a gente está ali com as nossas angústias, com as nossas coisas, e vem o Joãozinho, a Jéssica, o Pedro, o Paulo, a Maria e a gente tem que estar ali com eles, partilhar a vida. Aí a gente pode construir bons projetos, boas coisas, mas, principalmente, se a gente der oportunidade para o outro de fato se conhecer, a gente sai um pouco desse jargão, dessa postura rígida, a escola é uma coisa muito rígida, precisa relaxar um pouco, ser tolerante com a dificuldade do outro. Não é só o deficiente, não. Quem é igual aqui no mundo? Não existe ninguém igual. Somos todos, na essência, seres humanos, na compreensão do mundo, no olhar, muito diferentes, mas temos que conviver juntos. Então é isso que uma Pedagogia da Convivência, da percepção do outro, propõe, e a gente vai aprendendo a se gostar, a se respeitar, porque tudo isso não é discurso, é vivido. Não dá para falar de amor, a gente vive o amor. A gente não fala de respeito, a gente respeita. Isso que tem que mudar. Temos que dar “Bom dia”, todos os dias, desejar de fato “Bom dia”, mas vivemos correndo, atropelados. Vamos parar. Nós somos, por obrigação, como educadores, pelo exercício da reflexão. É obrigação, é dever do educador, refletir sobre a sua prática sempre, senão a gente não muda, não altera. E aí a gente chora, fica falando de salário, não que não se deva falar de salário, tem que falar também, mas não é só isso, tem uma ação ali que é mais gratificante, que tem a ver com a felicidade, senão a gente vai ficar, como o Marcos estava dizendo no início, com essa sensação que estamos perdendo, que o outro não é ninguém, que a gente só aumenta presídio. O desafio está na nossa mão, a gente fez isso por opção, ninguém que está aqui está aqui porque não escolheu, está aqui porque escolheu, então vamos pensar, vamos ousar, vamos brigar com as autoridades constituídas, eles têm obrigação também, não foram eleitos à toa, têm que cumprir as coisas. A gente tem que saber reinventar a nossa luta, porque senão a gente vai continuar perdendo a guerra. Marcos Frota: Olha uma frase que recebi, “Trabalho em uma escola, sou educadora, mas não soube educar. Onde eu errei?”. É para pensar, essa. Essa é a reflexão diária sobre a qual o professor José Carlos falou, é isso aí. Rapidinho, o que é Universidade do Circo? Tem uma base fixa hoje, dentro do Parque Hopi Hari, e tem uma itinerante, que está atualmente em Salvador, e tem feito o Nordeste todo. Onde o circo chega, através dos projetos sociais já cadastrados pela prefeitura, ou alguns loucos e corajosos que se aproximam, o circo estabelece parcerias, os monitores desses projetos vêm até o circo, tomam contato sobre o que é a “Pedagogia da Convivência”, a pedagogia da Unicirco, fazem eles mesmos as primeiras oficinas, voltam para os seus projetos e aí preenchem as vagas com os alunos e as crianças dos seus projetos. Essas crianças vêm até o circo e, durante o período em que o circo fica na cidade, elas têm a oportunidade não só de aprender alguma coisa dentro do circo como de participar do espetáculo circense à noite, como conviver com o universo do circo através de seus artistas, técnicos e funcionários, mas acima de tudo conviver umas com as outras, trazer suas famílias e poder ter alguns momentos de protagonista, porque ali dentro da Unicirco ela pode falar de si mesma, da sua vida, da sua 205 família, dos seus sonhos, entre um exercício e outro isso é provocado, essa oportunidade é dada, um novo espaço é oferecido a elas, um novo espaço educacional, ou educacional-artístico, ou artístico-educacional. É provocado um encontro entre os nossos artistas e educadores, nossos arte-educadores com os professores deles nas escolas que eles freqüentam. De uma maneira ou de outra, quando esse circo vai embora, ele deixa na cidade um grupo de monitores prontos e formados para dar seqüência aos trabalhos da Universidade Livre do Circo, Unicirco, naquele bairro ou naquela cidade, ou com aquele grupo de pessoas que participaram das nossas oficinas. Aqui no Hopi Hari a coisa é um pouco mais a longo prazo, ali é feito anualmente, você tem a oportunidade de abrir o espetáculo da inclusão no começo do ano e a avaliação desse trabalho é no final do ano, então você tem um ano inteiro para poder acompanhar o aluno e ver de que maneira refletiu na vida dele o trabalho que ele desenvolveu ali dentro. O que eu tenho sentido e acompanhado é que aquela adrenalina que o jovem busca nas drogas é imediatamente substituída, quando o cara pisa no palco e descobre as suas possibilidades artísticas – porque é o seguinte, às vezes, o cara não é bom de dança, o cara é bom de desenho, o cara é bom de produção, ou o cara tem um sentido tão participativo, tão coletivo, que ele vai atuar na feitura do espetáculo, ou então o cara tem um espírito de liderança e vai para a produção, ou o cara tem uma verve de comunicador, de comunicação ele vai trabalhar na área de comunicação do espetáculo que os alunos da Unicirco vão realizar ao final de cada oficina – quando você consegue que eles se enxerguem assim, se descubram assim participativos e protagonistas, você inverte o eixo de expectativa, eles ficam satisfeitos com eles mesmos, felizes, experimentam um sentimento de paz interno, acabam se encontrando, essa aura que se aproxima deles, eles começam a querer dividir com a família. Quantos espetáculos de final de ano de rua fui convidado a assistir, que foi organizado por um alunozinho nosso da Unicirco. “Vamos brincar de circo? Aqui na rua, eu tenho aprendido lá no circo do Marcos Frota. Você é isso, você é aquilo, você é aquilo, eu sou isso aqui”, “Mas precisa de uma roupa”, “Acho que lá em casa tem!”, “Precisa pintar a boca do palhaço. Traz o batom da sua mãe!”, e por aí vai, e daqui a pouco explode um espetáculo de rua. Acho que é essa a função que a escola deve ter. Tenho um profundo respeito pelos professores, educadores, Secretários de Educação, a negada que segura uma onda de educação em um país onde, infelizmente, ainda não caiu a ficha. Os governos vêm e vão, não estou aqui querendo fazer crítica a ninguém, a nada, a partido nenhum, a nome nenhum, mas enquanto não cair mesmo essa ficha, que nós só temos essa chance, nós somos, na minha opinião, a reserva humana, criativa, natural, espiritual do planeta Terra, mas a gente está distante desse próprio destino porque a ficha da educação ainda não caiu. Se a gente não parar e educar, a gente não vai ter nenhuma geração capaz de transformar o país naquilo que ele realmente vai ser um dia. Ou vocês têm dúvida disso? Que o Brasil é realmente a grande nação esperada no Terceiro Milênio. Agora, se não preparar na base, se não preparar o lado humano de cada um, a gente não vai conseguir caminhar. Então, a escola deveria descobrir meios, políticas, projetos para que ela desabrochasse na comunidade e não ficasse tolhida, com medo como ela está. É claro que tem todos os grandes problemas, o professor é super mal remunerado, as condições de trabalho são dificílimas, o material disponível para o professor, as verbas são pequenas, mas o dia em que a escola for transformada nesse ponto de luz e iluminar a vida das pessoas que estão ao redor, realmente acho que a gente pode atingir uma revolução, que é o que todos nós esperamos. Há coisas muito legais que são escritas aqui pra mim, eu queria agradecer muito a maneira como vocês me vêem, que não é só um ator preocupado em beijar as moças bonitas na novela. Não que eu não goste, mas não dá mais para ficar olhando o seu próprio umbigo. Então, para terminar, www.unicirco.com.br. É facílimo entrar na página da Unicirco, o projeto da Unicirco está com a sede nacional no Hopi Hari, porque o parque proporcionou condições pra gente desenvolver os três lados da Unicirco. O aspecto cultural, que é o resgate do segmento artístico do circo, o lado artístico é colocar espetáculos cada vez mais criativos, renovadores, revolucionários em cena, e o lado educacional, pedagógico que é o desenvolvimento e a implantação da Pedagogia da Convivência. O professor Pinotti está aí, e gostaria que ele viesse aqui para encerrar, ficar com a gente um pouquinho. “Sou de Recife, tenho 16 anos, tenho sonhos e objetivos. Sou escritor, poeta. Quero fazer mais ‘Wellingtons’”. 206 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Valeu, Felipe, já recebi sua carta, vamos conversar um pouco. O professor Pinotti, presente, talvez um dos grandes. Sou suspeito para falar porque sou muito fã dele. Eu queria terminar aqui passando para o Dr. Pinotti. Queria dizer uma coisa sobre a Glória Perez. Acho que a coisa mais importante que a novela teve, disparada, foi, a novela é aquilo ali mesmo, não dá para ficar pensando em muitas outras questões, mas fazer a inclusão do Jatobá através do amor, acho que iluminou todas as outras questões, empregabilidade, acessibilidade, exercício pleno de cidadania, porque todos nós queremos amar e ser amados, deficientes ou não, o grande objetivo, a grande meta das nossas vidas é essa: amar e ser amado. E a poesia que a Glória Perez descobriu é a coisa mais linda do mundo, quando o Jatobá recebe a Vera naquela igreja vazia, mostrando que o sagrado do casamento é o sentimento. O Jatobá manda assim: “A vida, manso lago azul, algumas vezes mar fremente, tem sido para nós constantemente um lindo lago azul sem ondas, sem espuma sobre ele. Quando, desfazendo as brumas matinais, rompe um sol vermelho e quente, nós dois viajamos indolentemente como dois cisnes de alvacentas plumas. Um dia, por certo, um cisne morrerá e, quando chegar este momento incerto, do lago onde, talvez, a água se tisne, que o cisne vivo, cheio de saudade, nunca mais cante, nem sozinho nade. Nem nade nunca ao lado de outro cisne. Oh, Vera, te amo para sempre!”. Professor Pinotti, um dos grandes batalhadores pela educação e pela inclusão neste país. A única coisa que a gente pede ao professor é para ele manter essa juventude toda, porque a missão é muito grande, a tarefa é árdua, mas esse Brasil que todos nós sonhamos só é possível através da educação. Professor Dr. José Aristodemo Pinotti: Eu vou usar um chavão e um lugar-comum, mas acho que nós estamos encerrando esse congresso com chave de ouro, graças ao Marcos Frota e ao Zé Carlos Piccolo que estão aqui, e graças a vocês que ficaram aqui até o último momento. Eu só queria dizer que o Marcos Frota é um professor, porque ele usou uma metáfora, que é o personagem dele, o Jatobá, e transformou isso em uma aula de ética, e em uma aula de afeto e amor, de maneira que, realmente nós estamos muito felizes com o final desse congresso. Além do mais, Marcos, você descreveu o seu circo, e eu tenho certeza que cada um dos professores e professoras que estão aqui, ao ver você descrever o circo, se sentiram na sua escola, porque o sentimento é exatamente o mesmo de uma escola e do seu circo. E quero dizer ao José Carlos Piccolo, que você fez uma fala muito interessante, estimulando a criatividade dos professores para que a escola mude. Realmente a escola tem que mudar. Esse congresso foi inteiro um hino à mudança da escola, mas foi também uma demonstração de que esses professores que estão aqui têm toda a capacidade e a criatividade para mudar a escola, porque nós tivemos 70 pôsteres e 70 temas-livres da melhor qualidade, todos feitos pelos nossos professores, mudando as suas escolas. De maneira que nós estamos terminando realmente com chave de ouro. Quando o Marcos falou da incerteza no amor, eu lembrei de um verso, que eu vou recitar. É um verso bonito do J.G. de Araújo Jorge, que diz assim: “Um dia, ela me olhou indiferentemente. Perguntei-lhe o que era, não sabia. Desde então, transformou-se de repente, A nossa intimidade correntina, em saudações de simples cortesia. E a vida foi andando para frente. Nunca mais nos falamos, vai distante. Mas quando a vejo, há sempre um vago instante, Em que seu mudo olhar no meu repousa. Eu sinto sem, no entanto, compreendê-la. Que ela tenta dizer-me alguma coisa, Mas que é tarde demais para dizê-lo.” 207 Finalmente, quero agradecer a vocês que ficaram aqui o tempo todo e que deram brilho a este congresso e agradecer, mais uma vez, a todos os nossos colaboradores que organizaram esse congresso. Vou contar uma coisa para vocês muito importante, nós não contratamos nenhuma firma para organizar este congresso. Este congresso foi organizado pelas pessoas da Secretaria, da administração da Secretaria, e nós não gastamos nem um real da educação para organizar este congresso, nós pedimos doações e as doações foram dadas, de maneira que é com muita emoção que agradeço a todos aqueles que nos ajudaram. Eu até pediria à Lucinha para dizer duas palavras de agradecimento para a equipe, porque a Lucinha varou madrugadas e sabe muito bem dizer o que deve ser dito agora. Professora Lúcia Tojal: Olha gente, eu realmente fui pega de surpresa. Estou muito feliz, é um sucesso, foi um trabalho imenso e tivemos um tempo muito curto. A Secretaria é alguma coisa que motiva, que faz a gente acontecer, esse mérito não é só nosso do nível central, é de todos vocês. As coordenadorias todas colaboraram muito e nós temos, como vocês sabem, muita gente nos CEUs assistindo a este congresso, então, para nós foi uma honra muito grande poder ter certeza de que isto ia acontecer com esse sucesso, mas o medo era muito grande que não fosse. Obrigada por vocês estarem aqui agora, esperarem esse fim que a gente sabia que ia ser com chave de ouro com o Marcos Frota. Marcos Frota: Bom, acho que um congresso como este deixa marcas profundas na gente. A gente volta para o nosso local de trabalho com mais esperança, porque acho que vale tudo menos perder a esperança de que a gente pode contribuir, e que a escola no Brasil realmente é a grande esperança que a gente tem de mudanças efetivas. Parabéns a todos vocês, que Deus abençoe cada professor, que é na verdade um anjinho. A gente que tem filhos sabe o que significa deixar os filhos da gente na responsabilidade de um professor, quer seja no Ensino Básico, no Fundamental, até a Universidade. Parabéns a todos vocês. Não vamos desistir, a luta continua. 208 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Leitura e Escrita nas áreas do conhecimento Maria José Nóbrega Pesquisadora na área de Língua e Escrita – Consultora SME/DOT Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 209 Alfabetização e Letramento: Desafios e perspectivas metodológicas Antônio Augusto Gomes Batista Professor da Faculdade de Educação da UFMG – Centro de Alfebetização, Leitura e Escrita Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 210 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Peça: Memórias de um Educador Silvionê Chaves Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 211 Origens Históricas do Elitismo Nelio Bizzo Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Esta palestra pretende abordar dois aspectos constitutivos do que se poderia chamar de elitismo educacional paulista. De um lado, nosso sistema educacional é tributário de uma história de exclusão, que tinha por base um sistema produtivo escravista e uma escola que tem no bacharelismo verdadeira marca de nascença. Mas, de outro lado, nosso sistema educacional foi profundamente influenciado pelo ideário eugênico, que via na pobreza a expressão de características de cunho biológico. Origens Históricas Até os idos de 1759, a tradição educacional brasileira dependia fundamentalmente dos jesuítas e das diretrizes da Companhia de Jesus. Com as reformas pombalinas, Portugal introduziu uma profunda modificação na maneira pela qual a educação era vista pela Coroa. A expulsão do Brasil infligida a cerca de 600 jesuítas trouxe a necessidade de orientações explícitas do poder central sobre educação, assunto de efetivo exercício privativo daqueles. A tradição lusitana diferia radicalmente da espanhola em relação ao letramento das elites nas colônias. A coroa espanhola tinha criado universidades nas colônias já no século XVI, como a de S. Domingos (1538), a de S. Marcos, em Lima, e da Cidade do México, em 1551. Nada disso ocorreu no Brasil em todo o período colonial, que proibia inclusive a instalação de manufaturas. A República encontrou o país com apenas duas faculdades de medicina, mesmo assim, criadas quando da vinda da Família Real ao Brasil. No entanto, seus diplomas dependiam de chancela de Portugal, expedidos que eram em Lisboa, pela Junta do Protomedicato, criada em 17821, situação que seria modificada apenas em 1822, com a Independência, quando foi constituída junta similar no Brasil. A Escola Nacional de Engenharia foi fundada em 1810. A educação era escassa na Colônia e mesmo no Império. O disciplinamento do exercício profissional dos professores no Brasil antecedeu até mesmo a fundação da primeira escola normal. O Imperador D. Pedro I promulgou, em 15 de Outubro de 1827, a Primeira Lei Geral do Ensino, data que constitui efeméride emblemática em nossos dias. No esteio da criação dos cursos jurídicos no Brasil, em 11 de agosto daquele ano, estipulava a igualdade de salários pagos a mestres e mestras. Ele atribuía às províncias o dever de oferecer escolaridade elementar aos cidadãos brasileiros. Essa lei é considerada muito avançada para a sua época, pois além da igualdade entre sexos e sua perspectiva descentralizadora, dizia, entre outras coisas que a instrução deveria ser pública e gratuita para todos os cidadãos, reafirmando a concepção da Constituição de 1824. Assim, podemos dizer que o descompasso entre documentos legais e a realidade efetiva acompanha a educação brasileira desde seu berço, desde a primeira Lei Geral do Ensino, no início do Império. Quando escrevem, os educadores se atiram destemidamente em direção àquilo que há de mais avançado; no entanto, quando põem os pés no chão, se dão conta de uma realidade dura, difícil, na qual nada se identifica com o vanguardismo de certas propostas. A utopia e a realidade convivem na educação brasileira desde sua origem, em uma relação simbiótica, dado que quanto piores os resultados dos sistemas educacionais, mais utópicas são as propostas e teorias que para eles se dirigem. 1 - Na metade do século XVIII Portugal dispunha de pouco mais de 100 médicos e o Brasil, de apenas quatro, segundo queixa do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Souza contra as condições sanitárias do país. A junta portuguesa tinha estabelecido a precedência dos médicos formados na Universidade de Coimbra. Na sua ausência, poderiam outros médicos licenciados tratar de “luxações, fraturas, contusões, feridas aplicar bichas, ventosas, sangrar e sarjar.”(Cf. E. Souza Campos, História da Universidade de São Paulo, EDUSP, 2004:61) 212 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Lei Geral do Ensino de 1827 instituiu um novo método obrigatório para o ensino no Brasil, o método Lancasteriano2. Ele significava adotar as idéias e as práticas que já existiam na Inglaterra daquela época, que educava grandes quantidades de alunos. Em vez de cada aluno ter seu preceptor, o seu tutor, um grupo de alunos tinha um professor. E o professor elegia alguns dos alunos para serem monitores; daí a aura de solidariedade com a qual esse método vinha acompanhado, também chamado de “método mútuo”. Para alguns, tratava-se apenas de uma escolha que viabilizava, inclusive do ponto de vista econômico, a educação em curto prazo de grande número de alunos. Isso se explica pelo fato de estar baseado em multiplicação de ajudantes e supervisores (os “monitores”) para ajudar reduzido número de professores. Para outros, o método estava baseado em normas militares que, acima de tudo, domesticavam os alunos ensinando-lhes a obediência à hierarquia. O método era apropriado para a ampliação da educação, incluindo as classes subalternas, dado ter claro objetivo disciplinador. O processo pedagógico visava à construção de um ser humano militarmente disciplinado e socialmente ajustado. O projeto das elites pretendia evitar a fragmentação do grande estado nacional e a ampliação da educação teria papel central nesse sentido.3 O Bacharelismo Paulista Essa mesma Lei Geral do Ensino criou os cursos jurídicos, voltados para a elite propriamente dita. Um deles em São Paulo, no Largo São Francisco. Ele trará repercussão profunda na educação de São Paulo. Por quê? Porque em certa medida a Faculdade do Largo São Francisco passou a ser a referência para o ensino secundário. O ensino secundário paulista chegou durante muitos anos a se resumir aos cursos preparatórios para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Não havia outra alternativa para quem quisesse prosseguir seus estudos. Logo após a Independência, a Constituição de 1824 transferiu, via descentralização, a responsabilidade pelas ações educacionais no Brasil, pelo menos daquilo que chamamos hoje educação básica. À primeira vista, poder-se-ia identificar a iniciativa com o reconhecimento da autonomia das províncias; não seria irrelevante, no entanto, notar que se descentralizava algo que não existia: era transferida a responsabilidade, sem nenhuma contrapartida efetiva de recursos humanos ou materiais. E, o que é muito importante, essa tendência se pereniza até hoje, pois a República não vai alterá-la, antes ao contrário, com exceção do período Vargas. Sem entrar nesse detalhe, que é importante, mas foge ao escopo de nossa palestra, só podemos entender o fato de a cidade de São Paulo ter criado uma rede de escolas em 1957, a partir da tendência que se instituiu no Império e que sobreviveu à República. Essa tendência de conferir autonomia cada vez maior às províncias, sempre queixosas da centralização do poder, a fim de protelar o fim do Império, fazia da educação terreno particularmente fértil, dado não implicar expensas adicionais às finanças de Pedro II. Em um contexto no qual as poucas instituições de ensino superior dependiam de nomeações diretas do Imperador – a exemplo do que ocorria na Europa - a Reforma Leôncio de Carvalho (1878)4, permitiu certa liberdade de docência, mesmo que tenha sido extremamente efêmera: “Que possam ensinar todos aqueles que para isso se julgarem habilitados, sem dependência de provas oficiais de capacidade ou prévia autorização; e que a cada professor seja permitido expor livremente suas idéias e ensinar doutrinas que repute verdadeiras pelo método que melhor entender.” O Ministro Carlos Leôncio de Carvalho, que era professor da faculdade de Direito do Largo São Francisco, vivia em um Brasil de cerca de 9 milhões de habitantes (escravos excluídos), sendo que apenas 2% freqüentavam escola. Na capital Imperial, a cidade do Rio de Janeiro, o censo de 1870 tinha indicado 400 mil pessoas, sendo que 70 mil eram escravos. E os alunos atingiam 12 mil, a metade deles freqüentando escolas primárias públicas. Acreditava-se que seria apenas a partir do aumento da participação da iniciativa privada que se poderia aumentar 2 - V. NEVES, F. M. O método Lancasteriano e o projeto de formação disciplinar do povo (São Paulo, 1808-1889). 2003. 293 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2003. 3 - Idem. 4 - Cf Pereira, W. C. (coord). Educação de Professores na Era da Globalização. Nau Editora (2000). 213 significativamente a escolaridade no País, sobretudo a formação de quadros na educação superior. No Rio de Janeiro, havia 211 escolas primárias, sendo 116 particulares e apenas 95 públicas. Para que a instrução pública funcionasse na cidade de São Paulo foi criada, pelo governo provincial, a primeira Escola Normal de São Paulo em 1846. Seu diretor e único professor, foi o bacharel de Direito Manuel José Chaves, primeiro formador de professores do Estado de São Paulo5. Ele era tido como o melhor professor na escola de preparação de jovens para a Faculdade de Direito. Sendo um professor da Faculdade de Direito, passou a ser o único professor dessa Escola Normal, que funcionou de 1846 até 1867. Quando o Professor Manuel Chaves se aposentou em 1867 a escola fechou suas portas, porque não havia substituto. E nos setes anos seguintes, São Paulo ficou sem nenhuma Escola Normal, sem nenhum centro de formação de professores. Foram sete anos sem produção de novos professores. Quantos professores foram formados nos 21 anos de funcionamento dessa Escola Normal? Mesmo soando inacreditável, foram formados 40 professores, o que perfaz uma média de quase dois por ano. Sem professores formados e com o crescimento de sua demanda, os jornais da época falam da prática do “filhotismo”, que hoje chamamos nepotismo. Por que nepotismo? Porque era preciso designar professores e deles havia extrema carência. Então os governantes, genitores atenciosos, sabiam admirar o trabalho dos próprios filhos, o aquilatavam condignamente. Nomeados normalmente ainda adolescentes, eram jovens alfabetizados que se tornavam professores de crianças. Essa prática, cuja fundação se perde no tempo, tem arquitetos até os dias de hoje e nem mesmo o judiciário repeliu a tradição completamente. Vejamos o que se ensinava nas escolas que funcionavam próximo ao Largo São Francisco dessa época. Havia um colégio chamado Colégio Emulação6, que ficava ao lado do Pátio do Colégio, que, em folheto de 1867, dizia o seguinte: “Nesse Colégio lecionam-se aos meninos todas as disciplinas que são a base da moralidade e instrução necessárias para matrícula no curso jurídico: religião cristã, leitura, escrita, gramática da língua portuguesa, latim, francês, inglês, aritmética e geometria, retórica, filosofia, história e geografia e música”. Mais adiante, se estendia às meninas: “Às meninas, além da religião cristã, leitura, escrita, gramática portuguesa, aritmética, francês, geografia e música, o colégio lhes ensinará a costurar, marcar e bordar”. A educação secundária tinha um único ímã na cidade de São Paulo, que era a Faculdade de Direito, a qual não aceitava mulheres. Assim, não havia razão em o ensino secundário se aprofundar em todas as disciplinas que eram oferecidas aos meninos. Essa era a prática que vemos na São Paulo de 1860.7 Em 1894, a inauguração de prédios escolares desvelava a importância da educação para o projeto republicano das elites paulistas. Até hoje, o prédio do Caetano de Campos, emblematicamente situado na Praça da República, é marco importante. Outra construção que pode ser admirada até hoje se situa no Brás, na Avenida Rangel Pestana. Trata-se do Primeiro Grupo Escolar do Brás, atualmente Escola Estadual Romão Puiggari, inaugurado em 1898. Em ambos, como em outros da mesma época, pode-se ver a imponência da arquitetura de Ramos de Azevedo. As fotos das primeiras turmas do Caetano de Campos, desde o Jardim da Infância, mostram crianças brancas (nenhuma criança negra), da elite paulistana da época, impecavelmente vestidas. Mesmo nas crianças pequenas é possível perceber o requinte das vestes, o charme de chapéus com funções que iam para muito além 5 - Marcílio, M. L. História da Escola em São Paulo e no Brasil. Imprensa Oficial (2005). 6 - Atualmente o termo “emulação” ganhou significado técnico, designando imitação de parte ou todo de um sistema, feito por uma combinação de hardware e software, que permite a sistemas previamente incompatíveis trabalhar e comunicar-se. O termo deriva do latim aemulatione, que significa “desejo de igualar, rivalizar” 7 - Na época imperial não há registros de mulheres ocupando cargos na polícia, para os quais dava-se preferência aos acadêmicos de direito. Apenas em 1914 foi aprovada pela Câmara Paulista lei que aprovava o ingresso de mulheres em cargos administrativos do funcionalismo, desde que não envolvesse “qualquer parcela de autoridade”. V.http://www.usp.br/nemge/textos_relacoes_juridicas/acesso_delegada_pol_civil.pdf 214 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO da simples proteção do sol. Assim, as fotografias já permitem perceber certos nuances do projeto republicano paulista, que reservava a educação a uma elite, ao mesmo tempo em que pregava a ampliação de sua oferta.8 Lembremo-nos que os republicanos paulistas não eram abolicionistas fervorosos. De certa forma, podemos perceber aquele descompasso entre uma belíssima utopia e uma realidade cujas precariedades óbvias são enfrentadas apenas com lamentos. É bem verdade que na Primeira República existiram diversos movimentos educacionais dignos de nota, que procuram modernizar a educação, integrando os imigrantes e diminuindo o analfabetismo, como as reformas levadas a cabo em São Paulo, seja em 1892, seja mais tarde, com Sampaio Dória (1920). No Ceará, a partir de 1922 há destacada atuação de Lourenço Filho. Em 1924 desponta o jovem Anísio Teixeira na Bahia; em Minas Gerais, com Mário Cassassanta, e no Rio de Janeiro, em 1927, se destaca Fernando de Azevedo, já com grande projeção no campo educacional. Mas foi sobretudo no período getulista (1930-1945) que movimentos de dimensão nacional modificarão o cenário educacional. De certa forma, se inverteu a tendência inaugurada em 1827 de descentralização das ações educacionais, delegando às províncias atribuições normativas e executivas concernentes à educação básica e à instauração de normas para a instalação de universidades. De fato, um dos primeiros atos dos insurgentes vitoriosos no movimento de Outubro de 1930 será a criação, já em novembro daquele mesmo ano, do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, por meio do decreto 19.402, de 14 de Novembro de 1930.9 Foi a partir dele que normas passaram a transitar no sentido do centro para a periferia, adotando o que logo foi chamado de postura autoritária, e que alguns erroneamente confundem com o fascismo10, do qual havia uma indisfarçável admiração nos altos escalões do poder. No entanto, a educação da época não adotou a estrutura fascista, mas incorporou valores de respeito à hierarquia e do conservadorismo católico. A inauguração da estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, com Getúlio e a capital logo abaixo recebendo as bênçãos do bispo Mendes, em 12 de outubro de 1931, é particularmente emblemática. Ela representa a aproximação da Igreja Católica, que defendia o papel do ensino privado e confessional, com o novo governo. Além disso, centralização dos atos educacionais conjugados com os da saúde, sinalizava um claro alinhamento com as prescrições do movimento eugênico brasileiro, que aliava educação e higiene como fórmula de revigoramento racial, sem que isso fosse aprovado pela hierarquia católica.11 A educação esteve, nesse período, imersa em um debate onde se confrontavam perspectivas opostas. De um lado, os reformadores liberais, que pregavam a educação pública, gratuita e laica, sem distinção de sexo, com métodos modernos de ensino. Esta posição tomou forma no Manifesto dos Pioneiros da Educação de 1932, tributário dos movimentos reformadores da década de 1920, que reunia a contribuição de Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, entre outros. De outro lado, os pensadores católicos tradicionais, defensores do ensino confessional, com normas centralizadas e iguais em todo o país12, que se opunham a uma escola única, para meninos e meninas entre sete e quinze anos, estatal, gratuita, aberta a todos, contando com grande autonomia.13 8 - Logo após a Proclamação da República, São Paulo votou sua constituição, que preservou o princípio da obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, “princípios esses silenciados na Constituição Federal da República de 1891” (cf. Marcílio,op cit, p. 137) 9 - Desde 1926 o jornal “O Estado de São Paulo”, porta-voz das elites paulistas, defendia a criação de “ministério de saúde e instrução pública” no âmbito do governo federal, como parte de um inquérito da Associação Brasileira de Educação. Alguns de seus principais artífices morreram em um desastre aéreo. Ironia trágica, o avião os levava para receber o navio no qual chegava Santos Dummont! (cf. Campos, op cit: 75) 10 - Deve-se apontar que havia uma convicção disseminada que Plínio Salgado, líder dos integralistas, seria designado Ministro da Educação (substituindo Gustavo Capanema) logo após a implantação do Estado Novo, o que não se concretizou. 11 - Apesar da simpatia governamental, sobretudo no período do Estado Novo, desde o início o programa eugênico contou com a desaprovação da Igreja Católica. Com a oposição frontal e oficializada da Igreja, consubstanciada na promulgação da encíclica Casti Connubi por Pio XI, em 1930, o governo getulista ficara com o campo de ação bastante limitado. Dessa forma, prosperaram as iniciativas de entidades não-governamentais, atuantes lobbistas junto ao Congresso antes de 1930 e mesmo na Constituinte de 1934. [cf. Vilhena, C.P.S., Práticas Eugênicas, Medicina Social e Família no Brasil Republicano. Revista da Faculdade de Educação 19(1): 79-92, (1993)]. 12 - É obrigatório o livro do professor Carlos Roberto Jamil Cury, “Ideologia e Educação Brasileira: Católicos e Liberais”, São Paulo, Cortez,2a. ed. (1984). 13 - O Manifesto dizia, a esse respeito: “A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão.” 215 O Componente Biológico Para entender o elitismo paulista não basta entender a forma como a educação foi oferecida à população. A educação modifica a pessoa. O elitismo parte do pressuposto que essa modificação não vai além de um certo limite, imposto pela natureza. Temos agora pela frente o componente biológico, que foi alvo de muitas reflexões – e também de ações – na Primeira República. Essa época coincide com o ápice da propaganda e da prática dos movimentos eugênicos do Brasil. Os movimentos eugênicos pregavam entre outras coisas a seleção racial para a ocupação de cargos públicos, a seleção racial para a ocupação das vagas nas escolas, enfim, aquilo que nós hoje chamamos de racismo. A eugenia deriva em larga medida do trabalho de um matemático e geógrafo inglês chamado Francis Galton. Ele escreveu em 1869, um livro chamado “Hereditary Genius” e teorizou matematicamente a classificação, a formação de raças, a partir de fundamentos matemáticos. Alguns deles são utilizados até hoje, na forma de ferramentas estatísticas, como a regressão, e correlação. É a partir dessas ferramentas que a Biometria começa a ser praticada. Medições do crânio poderiam supostamente revelar o caráter do indivíduo, inclusive uma suposta propensão para a prática do crime. No final do século XIX e começo do século XX, houve grande desenvolvimento da eugenia, não apenas na Europa (não apenas da Alemanha), mas também nos Estados Unidos. Francis Galton era inglês, mas teve seguidores na França, na Itália e em outros países. No Brasil, encontramos uma repercussão algo defasada, mas igualmente importante. Sua expressão não ocorreu em políticas públicas – felizmente – mas deitou raízes profundas em diversos campos, inclusive em nossa literatura. Dois pequenos trechos, reproduzidos a seguir, mostram como obras absolutamente fundamentais na cultura brasileira foram impregnadas pelo movimento eugênico: “A mistura de raças mui diversas é na maioria dos casos prejudicial, ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre um produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. Um mestiço, traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares, é quase sempre um desequilibrado. Foville compara-os de um modo geral aos histéricos, mas o desequilíbrio nervoso em tal caso, é incurável, não há terapêutica para esse embater de tendências antagonistas, de raças repentinamente aproximadas, fundidas num organismo isolado. É um mestiço, mulato, mameluco, cafuzo, menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores, contrastando com a fecundidade que acaso possua, ele revela casos de hibridez moral extraordinários, espíritos fulgurantes, às vezes mais frágeis, irrequietos, inconstantes, deslumbrando um momento e extinguindo-se prestes, feridos pela fatalidade das leis biológicas, chumbados ao plano inferior da raça menos favorecida, uma moralidade rudimentar em que se pressente o automatismo impulsivo das raças inferiores “. Muitos se surpreenderiam ao se lembrar que este é um trecho de Euclides da Cunha – Os Sertões! Um cadete expulso da escola militar no final do Império devido a seu declarado pendor republicano e anti-monarquista. Um outro ícone da nossa cultura, assim escreveu: “O pai dessa pobre criatura, um opilado, já foi um bichado como foi o avô e o bisavô. Deles recebeu uma vitalidade menor, uma tonicidade orgânica decaída. Um índice fraco de defesa natural que por sua vez transmitirá ao filho a má herança acrescida da sua contribuição pessoal da degenerescência consecutiva a ação do verme em seu organismo. Isso explica porque, como dos Fernões Dias Paes Leme de outrora, terríveis varões enfibrados de aço, ressurtiu uma geração avelhentada, anemiada, feia e incapaz”. Seu autor: Monteiro Lobato! Não há como se lançar um julgamento sobre esses autores, projetando os valores de hoje no passado, perpetrando o que os historiadores chamam “anacronismo”. Não podemos julgar os autores daquela época com os valores que nós temos hoje, mas é preciso entender os valores dominantes a cada tempo, expressão de uma classe social que pensava a ampliação da educação no Brasil republicano. O que esperar que a educação pudesse fazer com os “híbridos”, que demonstravam um suposto “decaimento biológico”, sem 216 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO o vigor físico dos “inferiores”, tampouco com a altitude intelectual dos ancestrais “superiores”, portando um “desequilíbrio nervoso” tido como verdadeiramente “incurável”? Esse era o Brasil republicano que viu Getúlio Vargas tomar o poder e, logo em seguida, criar o Ministério da Educação. A partir de Getúlio houve mudanças profundas, mas o elitismo de nosso sistema educacional permanece praticamente o mesmo em sua essência. Admite-se a expansão da escola, mas isso só ocorre se a escola for de má qualidade para as massas, identificadas por uma suposta “moralidade rudimentar em que se pressente o automatismo impulsivo das raças inferiores”. Para muitos, ainda hoje, uma escola sofisticada para os pobres que vivem nos grotões da periferia, é verdadeiro desperdício a ser combatido. Mesmo diante do discurso da eficiência gerencial na educação, não há como deixar de lembrar dos escritos do início do século XX. Talvez seja bem verdade que a grande revolução educacional, o grande assalto ao elitismo colonial, ainda está por ser feito no Brasil do século XXI. 217 A Formação Docente e o Conhecimento Científico Cleide Nébias Pedagoga e Mestre pela PUC de São Paulo, doutora pela ECA-USP. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade São Marcos. Eu separei o poema “Ou isto ou aquilo” da Cecília Meireles para começar. Ou se tem chuva e não se tem sol ou sem tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares naõ fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares! Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou quilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se isto ou aquilo. O poema trata de situações excludentes e expressam os nossos conflitos cotidianos que exigem que façamos escolhas; as escolhas sempre excluem; nas escolhas sempre há perdas. No entanto, há situações nas quais não precisamos pensar por exclusão; não precisamos escolher “isto ou aquilo”, mas responder as perguntas: Por que não sol e chuva? Por que não luva e anel? Então, a idéia que eu defendo e que desejo compartilhar com vocês é a de que assim como na vida diária, na profissão docente há situações de escolha, mas há, também, falsas dicotomias e uma delas é a que trata da atividade docente e da atividade investigativa como escolha entre ser professor ou ser pesquisador. No meio acadêmico, ouvimos com freqüência: “Ele é um ótimo pesquisador, mas um mau professor” ou “Ele é um bom professor, mas não pesquisa”. Por que não um ótimo pesquisador ser, também, um ótimo professor como pude ver, recentemente, no curso “Física para a Poetas” ministrado pelo físico Marcelo Gleiser, na Universidade São Marcos. O título anunciava que os temas de física seriam tratados de forma acessível às pessoas de outras áreas do conhecimento interessadas, entre as quais eu me inclui. E isto de fato ocorreu. De Copérnico à física quântica, os conteúdos foram tratados pelo pesquisador e autor de várias obras com tal clareza que era impossível imaginar alguém não conseguindo se apropriar das idéias apresentadas. Neste caso, não só exemplifico a possibilidade de conciliar as duas funções como defendo a idéia de que é possível tornar um conhecimento científico acessível na proporção em que é dominado e adequado à situação de ensino. Na educação, nomeamos esta característica como a de transposição didática, ou seja a capacidade do docente de tratar os complexos conceitos científicos de forma a oferecer situações de ensino favorecedoras de aprendizagens por parte dos sujeitos envolvidos. Reunir boa atuação científica com bom desempenho docente é um privilégio. Mas, neste espaço, com vocês, professores da rede pública municipal de ensino, quero tratar de outra concepção de pesquisa. A meu ver, em qualquer nível de ensino, para ser um bom professor, o profissional precisa ser um pesquisador; não um pesquisador no sentido estrito de quem produz novos conhecimentos, têm publicações significativas e contribui para o desenvolvimento da ciência, mas um pesquisador porque é curioso, porque problematiza as suas práticas, porque questiona o que sabe, porque põe em dúvida as respostas habituais e não se acomoda, mas busca os novos conhecimentos para aperfeiçoar o seu trabalho docente, reafirmando-o, modificando-o ou redirecionando-o. Vou comentar duas situações para argumentar sobre esta tese. É esperado dos professores da educação infantil e das séries inicias do ensino fundamental que eles introduzam os alunos nos conceitos científicos. Muitas vezes, esta tarefa é tratada, até mesmo pelos livros didáticos, de forma “tão didática” que as informações são acientíficas. Um bom exemplo, são as histórias do Joãozinho da Maré, personagem criado pelo professor Rodolpho Caniato para ilustrar os equívocos cometidos pela professora de Ciências, que repete informações sobre os movimentos da terra ao redor do sol e os efeitos 218 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO desses movimentos. Ao afirmar que o movimento da terra ao redor do sol faz com não haja sobra no sol a pino do meio dia. Ao testar esta afirmação e não obter o resultado esperado, Joãozinho questiona a professora. As informações e os esclarecimentos da professora não resistem aos “como” e “porques” do Joãozinho, que a obrigam a rever o que “vinha ensinado há anos, exatamente daquele jeito”. A segunda situação data do início da década de 90, quando a teoria de Ferreiro e Teberosky sobre a aquisição de língua escrita colocava em questão as práticas pedagógicas de alfabetização apoiadas no uso de cartilhas, que entre outros equívocos criava uma seqüência didática artificial . Em decorrência dessa crítica, adotar cartilhas se tornou sinônimo de professora conservadora. Nesse período uma professora alfabetizadora, respondendo a uma pesquisa sobre o seu trabalho, orgulhosamente afirmou: “Eu não uso mais cartilha”. Ao ser indagada sobre tal fato, esclareceu: “ Ela (a cartilha) está todinha aqui na minha cabeça” ; uma manifestação clara de negar o que a rotulava, desconhecendo o que estava negando. Estas situações nos auxiliam a compreender sobre a necessidade do professor considerar as contribuições da produção científica como imprescindíveis para o seu trabalho docente, no que diz respeito a tornar os conteúdos de ensino consistentes e a tomar decisões conscientes sobre suas opções metodológicas. Geraldi, na obra, Portos de Passagem (1997), ao abordar a identidade do professor e a relação que ele estabelece entre a produção de conhecimento e o ensino, identifica três momentos na histórica: da antiga Grécia até o início da modernidade, segundo ele, quem ensina é, também, aquele que produz conhecimento; com o mercantilismo e a divisão social do trabalho, surge uma nova identidade – o mestre, o qual não se constitui pelo saber que produz, mas pela transmissão do saber produzido, bem descrita na obra Didática Magna de Comenius; o terceiro e atual momento - um profissional professor nem produtor nem transmissor – mas que domina um certo saber, produto do trabalho científico, e cuja competência será avaliada pelo acompanhamento e atualização que tiver deste conhecimento. Essas identidades, construídas historicamente, não se excluíram; convivem e entrecruzam – se no dias atuais, mas é sobre o terceiro modelo que estou tratando e o qual acredito atender melhor as preocupações que estou apontando. O acompanhamento e a atualização sobre a produção científica, que deve constituir a atividade docente, a meu ver, pode se dar de duas maneiras: pela pesquisa teórica e pela pesquisa de campo. Em ambos os casos, o conhecimento produzido deve fundamentar e dar consistência ao que ensinamos e nos auxiliar na solução de problemas que propomos aos alunos ou que são levantados com/por eles como desencadeadores das situações de ensino-aprendizagem. Alguns autores quando falam do professor enquanto um pesquisador no campo, referem-se ao professor que trabalha na pesquisa de situações dessa realidade que está sempre em transformação. Estive, por indicação do professor Fernando Hernandez, da Universidade de Barcelona, em uma escola que trabalhava com uma metodologia de projetos. Passei lá alguns dias e pude observar como essa metodologia se concretizava: no início de períodos pré - estabelecidos, toda a comunidade (alunos, professores, funcionários e pais) formulavam perguntas sobre assuntos do seu interesse; essas perguntas eram categorizadas e organizadas por série de acordo com as temáticas e grau de complexidade. Que perguntas podem ser respondidas, por que série, por que grupo de alunos que está aprendendo o quê? E a partir dessas perguntas é que se desenvolviam os projetos nas diferentes séries. Muitas das perguntas que os professores recebiam, nem eles tinham as respostas. Porque poderia haver, por exemplo, uma pergunta sobre um inseto muito específico que não estava incluído na taxonomia conhecida pelo professor. Este fato, ao invés de excluir a pergunta, inclui o professor na descoberta. A escola, torna-se, portanto, um espaço de aprendizado e de investigação para o professor. Sintetizando, não há dicotomia entre pesquisa e docência e eu reafirmo que o professor deve se ver como professor - pesquisador no sentido lato, que busca na produção científica precisar os conceitos científicos que ensina e respostas às perguntas desencadeadas na/para a escola, na/para a comunidade estendida. Obrigada! 219 Formação de professores Neide Nogueira Socióloga formada pela USP com mestrado em Educação no IESAE da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Mantém consultoria às Secretarias de Educação, Organizações não Governamentais e escolas, participa da Coordenação da Equipe de Formadoras do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, Letra e Vida, da CENP, na Secretaria de Educação do Estado. Coordenou e elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais, os Referenciais para Formação de Professores e os programas Parâmetros em Ação do Ministério da Educação. Profa. do Curso de Arte e Temas Transversais do Centro Universitário Maria Antonia da USP. Antes de mais nada, por favor me desculpem a confusão do atraso, houve aí um desentendimento de horário. Eu vou dar continuidade às falas sobre formação de professores e sobre formação continuada, mas mudando um pouco o foco. Como a Professora Zilma disse, sempre falamos um pouco a partir de histórias vividas. Nas várias experiências de trabalho, tenho percebido que existe uma questão dentro da formação continuada de professores, que tem sido pouco tratada, pouco vista como sendo do âmbito da formação de professores: é a questão da gestão. Quando se fala da necessidade de mudança de concepção de formação para trazer a prática, a atuação profissional do professor, para o centro da formação, coloca-se isso como questão metodológica, como questão de definição de conteúdos, de prioridades, mas muito pouco se fala do quanto isso se relaciona com o âmbito da gestão em suas várias instâncias: a gestão da escola, dos organismos intermediários e dos organismos centrais da secretaria da Educação, que são os responsáveis pela ação educativa e pela formação que se realiza em cada sistema de ensino. Eu gostaria de refletir um pouco com vocês sobre a relação que existe entre a concepção de formação de professores que se quer implementar e o papel dos diferentes gestores nesse processo, partindo da idéia de que todas as ações, e a própria forma como a secretaria e os sistemas são organizados, refletem, ou concretizam, uma concepção de formação.Portanto existe uma concepção de formação que é dada, isto é, que está posta na instituição. No desenvolvimento de processos de formação muitas vezes formadores e professores se defrontam com essa organização pautada numa outra concepção, isto é, numa concepção de formação diferente daquela que norteia a referida ação. Vocês com certeza já viveram situações como a que eu vou citar, reproduzindo a fala de uma professora. Ela pensa que o trabalho em equipe é ótimo, está aprendendo a valorizar a interação entre as crianças como promotora da aprendizagem, mas o diretor de sua escola não deixa mudar as carteiras de lugar. Nesse caso não adianta o estudo realizado, que subsidia teoricamente o trabalho em equipe, a sua atuação, que refletiria o seu desenvolvimento profissional esbarra na questão da gestão. Por quê? Porque para o diretor, segundo a concepção de aprendizagem que o orienta, o trabalho em equipe entre os alunos não é tão importante. Há, nesse caso, um grande distanciamento entre o seu trabalho como gestor e o que essa professora está vivendo na formação, o que não permite a ele entender, com a devida profundidade as mesmas idéias. Essa distância, assim como a perspectiva do seu cargo e da sua função, fazem com que ele as entenda de modo completamente diferente. O mesmo se repete nos órgãos intermediários do sistema. As práticas de formação se dão no contexto de uma cultura institucional que se constitui a partir da legislação que regulamenta o sistema e também do ‘costume’, daquilo que vai se tornando tradição. Essa cultura faz com que cada um veja o seu lugar, e o lugar do outro de uma determinada maneira. Se o diretor vê o seu lugar no processo de formação de professores de uma determinada maneira, o professor também vê da sua perspectiva o lugar do diretor. Assim como as equipes técnicas, assim como as equipes dos órgãos centrais. Desse modo, quando se pretende intervir na formação de professores acaba-se esbarrando com todas essas questões. O que eu tenho pensado e vou colocar a seguir, é que, para que haja uma mudança significa220 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO tiva num sistema que favoreça a prática de professores criativos, interessados, investigadores, é preciso que se provoque mudanças em toda a hierarquia do sistema. Ou seja, é preciso criar espaços de formação dentro do sistema que interajam entre si e que envolvam os diferentes níveis. Colocando de outra forma: se os professores precisam da formação continuada para garantir a aprendizagem dos alunos, os diretores também precisam, os coordenadores pedagógicos também precisam, os supervisores também precisam, os coordenadores também. Se é outra a concepção que ser quer, se a mudança deve ser radical a este ponto, é preciso que essa mudança vá sendo construída nos diferentes espaços e que as pessoas, sujeitos das mudanças e das resistências, se envolvam em processos, cada um do seu lugar, cada um de acordo com aquela que é a sua tarefa neste grande processo que é garantir a educação das crianças. O mais comum, mesmo na formação continuada, é uma concepção pautada na idéia de formação conceitual, teórica, voltada para informar, organizada na forma de cursos, ou na forma de assessorias pontuais, que estão de acordo com a visão mais tradicional da aprendizagem, que não leva em conta por exemplo, a necessidade da interação como uma forma essencial de aprender; que é muito mais voltada para o falar e o ouvir e muito pouco para o interagir. A meu ver, informação e teoria não são dispensáveis; pelo contrário o estudo, a exposição teórica são essenciais, mas para que se garanta uma formação que faça avançar a aprendizagem dos alunos, essas práticas de formação são insuficientes. A mudança de concepção a que me refiro (e aqui eu estou falando da formação continuada) tem duas vertentes: - uma que se refere à própria natureza da profissão: uma formação continuada que tivesse como perspectiva o desenvolvimento profissional permanente dos professores, permanente pela vida toda. Entendo que isso não é uma questão de ter lacunas na formação, é uma necessidade intrínseca à profissão de professor. Hoje não é possível ser bom professor sem se dispor ao desenvolvimento profissional. - a outra que se refere à metodologia: uma formação articulada às situações de trabalho, ou seja, à atuação profissional dos professores. A formação continuada, para além da atualização e do aprofundamento de conhecimentos precisa incluir a formação para o desenvolvimento do projeto político pedagógico da escola e para a intervenção promotora da aprendizagem dos alunos, para o que a tematização da prática é essencial. É claro que toda aprendizagem é válida mas, como política de formação, se não houver um sistema que garanta aos professores, diretores, coordenadores, enfim, aos responsáveis pela educação um processo permanente de aprendizagem e de desenvolvimento profissional, não será possível manter o processo de aprendizagem contínua e cada vez maior dos meninos, dos alunos. Isso então remete à idéia colocada no início, à necessidade de construir os espaços de formação e repensar qual é o papel de cada um desses sujeitos nesse trabalho maior de formação do professor. Essa outra concepção pensa a escola como um espaço de formação, um lugar privilegiado de formação de professores. Se houver a possibilidade de criar dispositivos de formação muito próximos das escolas, por meio dos quais se faça a reflexão sobre a prática; e de modo que a aprendizagem dos professores garanta o desenvolvimento permanente do projeto político-pedagógico da escola, então as outras ações como os cursos, como as palestras, os seminários, enfim, todas as outras ações pontuais, serão muito mais significativas porque terão, na disponibilidade dos professores, um terreno extremamente fértil. Portanto a concepção de desenvolvimento profissional rearticula as diferentes ações de formação de modo a potencializá-las e, principalmente, de modo a fazer com que respondam às questões da promoção da aprendizagem dos alunos. Para colocar essas idéias em prática é preciso que os gestores assumam a tarefa de acompanhamento desse processo de formação dos professores para promover as mudanças necessárias à concretização das ações dela decorrentes. E que não se coloquem como tarefa apenas a contratação de ações externas, como tem acontecido em diferentes sistemas de ensino. Percebe-se neles que há uma preocupação com a formação dos professores, e 221 inclusive bastante investimento nisso, mas a articulação entre as ações que são feitas e a gestão do sistema como um todo fica muito falha, fica muito lacunada. Com isso, raramente a formação realmente responde às necessidades do sistema, às necessidades dos professores e dos alunos. Os gestores têm com certeza, uma tarefa pedagógica importante. Para exerce-la bem é preciso que compreendam em profundidade a concepção que orienta as ações de formação, o porquê da formação ser desta ou daquela maneira; que participem da definição das prioridades da formação articulada à necessidade de aprendizagem dos alunos e atuem não apenas como entes administrativos, como alguém que contrata e paga trabalhos exteriores, mas como alguém que gerencia acompanhando o desenvolvimento de uma maneira bastante íntima para poder avaliar, participar e buscar novas demandas se for o caso. No sistema educativo, qual é o trabalho por exemplo, de um supervisor pedagógico, que faz o elo entre o órgão central e a escola? O que é acompanhar o trabalho da escola? A discussão do papel de supervisor, que já vem de há bastante tempo - e eu vejo isso em diferentes Secretarias de Educação. Ao mesmo tempo que se diz que o supervisor deve ter um perfil pedagógico, que um supervisor não deve ser um mero burocrata, pouco existe de aprofundamento sobre a definição de qual é e deve ser esse trabalho. Qual é a dimensão pedagógica do trabalho do supervisor? O que é acompanhar o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico? Quais são as tarefas? Quais são as competências que têm a ver com isso? Onde os supervisores vão discutir isso? Quais são os espaços de formação que o supervisores têm para discutir isso? A mesma coisa se repete se pensarmos nos coordenadores pedagógicos. Também já é bastante comum a afirmação de que os coordenadores pedagógicos muitas vezes acabam auxiliares de diretores. Mas qual é o espaço de formação dos coordenadores pedagógicos? Onde está sendo discutido isso, como é que vão aprofundar essa discussão, o que é ser coordenador pedagógico de uma escola? A mim parece que uma das principais funções do coordenador pedagógico é a formação de professores, ou seja, é manter o grupo de professores ‘alimentados’ no seu processo permanente de formação e ser um interlocutor do órgão gestor para ir definindo dentro da política de formação quais são as prioridades da escola. Nas estruturas tradicionais, esses espaços não existem, ou então existem pontualmente. Então não garantem que o sistema funcione da forma aqui proposta. A questão que se impõe então é como muda-las, o que seria necessário para transformar os diferentes espaços educacionais de um sistema, em espaços de formação interligados. É claro que é preciso criar dispositivos institucionais para que isso aconteça, mas também é claro que os dispositivos institucionais não serão criados se não houver uma pressão para que o sejam. Então me parece que seria interessante que nós profissionais iniciássemos um movimento em prol dessa formação, ou seja, que cada um do seu lugar institucional seja como professor, seja como diretor, seja como coordenador, ou como supervisor, nos propuséssemos a criar esses espaços de formação - o que por sua vez, pede que nos disponibilizemos a também entrar em processo de formação. Aí vamos nos deparar com outro problema que são os papéis introjetados, papéis que correspondem a cada um desses lugares institucionais. Muitas vezes, por conta da cultura que institui esses lugares ser pautada numa idéia de saber estático, cristalizado, e superior, a disponibilidade para aprender fica restrita, obstaculizada pela impossibilidade do sujeito tomar contato com o ‘não-saber’. Fica muito difícil realmente entrar em contato com o não-saber, estando num determinado lugar institucional, quando se espera que quem o ocupe, tenha um saber acabado que lhe serve de autoridade. Entretanto, sem entrar em contato com o não saber, é difícil aprender, é difícil vivenciar um processo de formação. Chegamos com isso a um outro aspecto que é a questão das relações de poder, que perpassam o sistema. Como é que eu supervisora, ou eu coordenadora pedagógica, ou eu coordenador, ou eu diretor de escola, posso desvelar o meu não-saber frente ao professor ou a outras pessoas com quem eu trabalho. Como é que eu posso me colocar como alguém que está continua em desenvolvimento profissional e que às vezes não dá conta de coisas básicas? - porque a formação que tivemos não deu conta de coisas que hoje nós consideramos básicas. Entretanto isso não é só uma questão para quem está num lugar hierarquicamente superior, porque relações de poder são construídas em relação, quer dizer, é preciso pelo menos dois sujeitos para construir uma relação de 222 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO poder. É preciso que eu me veja na obrigação de exercer determinado papel e alguém com quem eu trabalho também me veja nessa posição, ou seja, legitime essa relação de poder, senão ela não acontece. Portanto é bastante complexa essa questão e não se modifica o sistema com tanta facilidade. É uma questão pedagógica que tem uma dimensão política, ou, se quiserem, uma questão política que tem uma dimensão pedagógica. É preciso instalar um movimento em que cada um de nós, do lugar onde está, promova mudanças para que elas possam vir a ser mudanças estruturais. Não estou dizendo que a boa vontade de cada um é que vai fazer as coisas acontecerem, não é isso que estou dizendo, mas sim que a força de cada um e a força de um movimento podem fazer com que as coisas venham a entrar também num movimento de mudança. Tomar como objetivo a implementação de uma formação que realmente dê conta de fazer avançar a aprendizagem dos alunos, é um projeto que pode dar sentido a um trabalho a longo prazo e que vai além do nosso trabalho cotidiano, mas que não se descola dele. É isso que eu gostaria de dizer para vocês. Se tiverem perguntas eu estou à disposição. Muito obrigada. 223 A Formação Do Professor de Educação Infantil Zilma de Moraes Ramos de Oliveira Licensiada em Pedagogia pela FFLC da USP, Mestre em Psicologia da Educação pela PUCSP, Doutora em Psicologia pelo IPUSP, Livre-Docente em Desenvolvimento pela FFCLRP-USP. Professora Associada junto ao Departamento de Psicologia e Educação da FFCLRUSP, membro da CEE (1997-2003) Tenho tido muitas oportunidades de refletir, atuar e falar sobre a formação docente que entendo constituir um processo complexo de apropriação de formas de sentir, pensar e agir nas situações educativas e de atribuir significados a seus diversos componentes. Agradeço assim mais essa oportunidade para fazê-lo. A formação docente pode ser compreendida, usando uma linguagem vygotskiana, como um contexto que deve visar a criação, pelo sujeito de uma zona de desenvolvimento proximal que promove aprendizagens que revolucionem sua forma de agir, decidir e significar a situação didática. Nem sempre essa criação é possibilitada e, nesse caso, o sujeito esconde-se atrás da repetição de formas de atuação docente por ele vivenciadas, repetindo modelos de forma não espontânea, não criativa, não respondendo a singularidade de cada situação educativa em uma sociedade em permanente mudança. Socialmente construída e pessoalmente reconstruída pelo professor ao longo de sua vida profissional, a formação docente o marca, lhe confere uma identidade e o orienta (ou não) a tomar decisões sobre as melhores formas de mediar aprendizagens e revolucionar o desenvolvimento de seus alunos. A formação docente inicial e a continuada são aspectos centrais no currículo profissional de cada professor, atuando sobre sua história de vida, suas formas de reagir às circunstâncias que cercam seu trabalho com as crianças e as famílias a partir de metas, princípios e valores. Já da perspectiva dos sistemas de ensino, a formação de seus profissionais é indicador importante da qualidade da Educação neles exercitada. Na educação infantil a formação docente foi assumindo diferentes características conforme foram se definindo as funções da pré-escola e, mais recentemente, da creche como instituições ligadas ao sistema educacional. Nesse caminho foram sendo traçadas muitas concepções sobre o que significa cuidar da criança desde bebê em um ambiente coletivo de educação. Para tanto tivemos que superar, só para ficar em dois exemplos, a idéia de que basta ser mulher, e de preferência mãe, para se poder cuidar de crianças pequenas, e a idéia de que o professor cuida de aprendizagens racionais pela criança, não podendo ocupar-se de tarefas ligadas a dar a ela conforto físico e sanitário – trocá-la, alimentá-la, banhar-lhe, etc. Essas concepções foram ultrapassadas pelas novas concepções sobre o que significa educar e cuidar a criança. Cuidar não é um ato isolado, mas um conjunto de atitudes em benefício do outro. Cuidar da criança não significa somente atender suas necessidades físicas oferecendo-lhe condições de se sentir confortável em relação a sono, fome, sede, higiene, dor, etc. Ele inclui criar um ambiente que garanta também a segurança psicológica das crianças e apoios para elas explorem o ambiente e construam sentidos pessoais ao mundo e a elas mesmas. Nesse processo as crianças vão se constituindo como sujeitos singulares com formas de agir, sentir e pensar culturalmente determinadas, embora apropriadas de modo inovador. Dessa perspectiva, cuidar da criança requer planejar situações que ofereçam acolhimento, conforto, segurança, atenção, estímulo, desafio, à criança de modo que esta satisfaça suas necessidades de diversos tipos e aprenda a fazê-lo de forma cada vez mais autônoma. Já educar a criança é criar condições para ela apropriar-se de formas de agir e de significações presentes em seu meio social, formas estas que a levam a constituir-se como um sujeito histórico. Uma educação que cuida da criança seleciona experiências de aprendizagem socialmente relevantes e pessoalmente significativas, propõe metas valiosas para sua aprendizagem e desenvolvimento e organiza situações onde ela participa de atividades e se apropria de saberes e valores elaborados em seu meio sócio-cultural. 224 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO É possível pensar que hoje, o professor de educação infantil: – coordena situações de interação de modo a que elas sejam comunicativas, significadoras e que revolucionem o desenvolvimento da criança. – gerencia tempos e espaços coletivos (roteiros de atividades, campos de experiências) em creches e pré-escolas, articulando tempos e espaço individuais (necessidades, desejos e projetos). – interage com as famílias das crianças tomando-as como parceiros na tarefa de educar. A partir dessas ações esperadas do professor que trabalha com as crianças na creche e na pré-escola, buscase garantir que ele, em sua formação inicial, se aproprie de conceitos e habilidades necessários para uma atuação promotora da aprendizagem e do desenvolvimento das crianças, na perspectiva de que elas tenham assegurado o direito à infância e a uma educação de qualidade como forma de construção de uma sociedade mais justa. A formação docente inicial deve: - fortalecer no futuro professor atitudes de acolhimento e respeito mútuo às crianças e seus familiares, dentro de uma prática pedagógica que integra educar e cuidar. - promover sua apropriação de itens significativos do conhecimento historicamente construído, de modo a capacitar-lhe para mediar a curiosidade e a construção de saberes pelas crianças sobre o mundo das ciências, das artes, sobre o fantástico e sobre si mesmas. - mediar a apropriação pelo professor em formação de diferentes linguagens presentes na expressão artística e na brincadeira infantil para ele atuar como mediador do processo de desenvolvimento da criatividade e imaginação da criança. - criar oportunidades para o professor em formação refletir sobre os conflitos surgidos na relação professor-criança e professor-família de modo a abordá-los de maneira cada vez mais profissional e menos impulsiva. Sobre a formação continuada Uma formação profissional, como sabemos, não se encerra com a diplomação do profissional, mas estende-se ao longo da vida, desafiada pelas experiências concretas vividas. Daí a importância de programas de formação continuada para todos os professores, não para suprir eventuais lacunas na formação inicial, mas para estimular a renovação de saberes em ambiente de aprendizagem coletiva e auto-motivada. Em programas de formação continuada, os professores devem ser estimulados a articular os vários conceitos trabalhados em sua formação anterior ou atual com sua prática profissional cotidiana. Isso envolve problematizar sua prática, pesquisar alternativas de ação, sistematizar suas reflexões em várias formas de registro e reconstruir conhecimentos historicamente elaborados. Tais programas devem criar um ambiente em que o professor se sinta acolhido e possa examinar seus próprios modos de agir diante de situações que foram historicamente construídos a partir de condições concretas e perceber o quanto tais formas de reação e as concepções que as justifiquem podem ser modificadas. Para poder estabelecer uma relação segura com a criança e com ela co-construir conhecimentos em clima afetuoso, o professor precisa aprender a lidar com os próprios desejos e imaginação, trabalhar certos sentimentos que a atuação profissional lhe desperta, analisar continuamente suas próprias frustrações e agressividade. De modo a ampliar sua iniciativa e a autonomia intelectual, os professores necessitam participar de experiências formativas diversificadas que lhes ofereçam oportunidades de construir conhecimentos, habilidades e valores, fortalecer seu pensamento crítico, seu raciocínio argumentativo, sua sensibilidade pessoal e sua capa225 cidade para trabalhar em equipe, bem como o desenvolvimento de competências para a tomada de decisões nas situações interativas que estabelecem com as crianças, seus familiares e colegas de trabalho. Eles devem ser estimulados a investigar, comparar, discutir, anotar e justificar suas respostas. Por sua vez, o estudo e a reflexão devem voltar-se à construção de novas práticas junto às crianças, completando o processo de formação pessoal e profissional, além de buscar estabelecer uma relação lúdica e criativa do professor com o saber, particularmente com a leitura e com as artes. Em resumo, tanto na formação inicial quanto na continuada é preciso: - trabalhar a auto-estima dos futuros e atuais professores e dar-lhes oportunidade de serem ouvidos e de se assumirem como protagonistas de seu processo de mudança, condição imprescindível para aprender e ensinar. - garantir o exame das dimensões éticas da atuação docente. - ampliar a consciência profissional dos professores sobre a importância da instituição que cuida da educação coletiva de crianças de 0 a 6 anos, filhas de famílias das camadas populares matriculadas na rede pública, superar a histórica exclusão que tem marcado a escola brasileira e cujas raízes já se colocam na educação infantil. 226 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Como Desenvolver a Paixão pela Leitura Anna Maria Martins Escritora, Diretora da “Oficina da Palavra”, na Casa Mário de Andrade, Diretora da União Brasileira de Escritores, Diretora da Academia Paulista de Letras. Recebeu os prêmios: “Jabuti”, da Câmara Brasileira do Livro; “Afonso Arinos”, da Academia Brasileira de Letras, e o “Prêmio do Instituto Nacional do Livro”. Boa Tarde. Eu sou a escritora Anna Maria Martins e quero começar dizendo que é um prazer participar deste Congresso de Educação, grandioso por sua relevância, e estar aqui no meio de professores e alunos. Vou falar sobre uma experiência que tive e julgo importante: as oficinas culturais como um subsídio ao conhecimento e ao incentivo à leitura. Sendo o tema que me foi proposto como incentivar a paixão pela leitura, fiz anotações que gostaria de ler para vocês. Em seguida, ponho-me à disposição para uma conversa mais informal ou alguma pergunta que tentarei responder. Trata-se de um projeto pioneiro da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, na área da literatura. O local escolhido foi a Casa Mário de Andrade, situada à Rua Lopes Chaves, 546. O tombamento do imóvel, pelo Condephat, deveu-se não propriamente a seu valor arquitetônico, mas em função de seu proprietário, pois lá morou o intelectual que é um ícone da nossa Literatura, o escritor Mário de Andrade. Um ícone do Modernismo. A idéia do projeto partiu do jornalista Fernando Moraes, que era então Secretário de Estado da Cultura, assessorado pelo editor Pedro Paulo de Senna Madureira. O primeiro Diretor da Casa Mário de Andrade foi o escritor Roniwalter Jatobá, cujo órgão de origem era a Eletropaulo, e encontrava-se comissionado à Secretaria de Estado da Cultura. Algum tempo após exercer o cargo de Diretor da Casa Mário de Andrade, Roniwalter foi chamado de volta à Eletropaulo para editar a revista “Memória”. Essa revista é uma publicação excelente, não tratava apenas do arquivo e do patrimônio da Eletropaulo; havia a inclusão de artigos de temática literária, comemoração de datas relevantes na cultura e abordagem a assuntos de interesse geral. Quando Roniwalter foi chamado de volta à Eletropaulo, eu trabalhava com ele como Vice-Diretora e fiquei incumbida da direção da “Oficina da Palavra”. O objetivo da “Oficina da Palavra” era incentivar a criação de textos literários, divulgar a literatura, formar leitores e, eventualmente, formar escritores. Tive o prazer de ver alunos de faixas etárias diferentes publicarem livros, como uma senhora de certa idade que publicou um livro de memórias e jovens que publicaram livros de poemas. Os nossos coordenadores eram excelentes. Tínhamos uma verba que nos possibilitava trazer também escritores de outros estados. As atividades desenvolviam-se em oficinas, em workshops, cursos, seminários, depoimentos, balanço da literatura. Realizavamos, procurando ampliar o interesse, depoimentos e cursos de literatura ligada a outras áreas da cultura, como por exemplo, literatura e cinema, literatura e futebol, roteiro de cinema, dramaturgia, literatura e jornalismo. Os projetos eram solicitados ou enviados por pessoas que pretendiam coordenar alguma oficina. Avaliados por uma equipe técnica, esses projetos passavam pela diretoria e eram remetidos à Secretaria de Estado da Cultura, ao Departamento de Formação Cultural (DFC) para serem referendados. Escritores renomados coordenavam as oficinas, ou faziam depoimentos no programa “A Arte de Criar”. Havia também o “Pronto Socorro Literário”, isto é, o aluno que estivesse participando da oficina trazia seu próprio texto, e um coordenador o orientava, dava instruções para a modificação do texto, para um melhor cuidado com a linguagem, ou conversava a respeito da temática. Essa foi uma oficina bastante procurada. A Casa Mário de Andrade funcionava em co-atividades à tarde e à noite. Procurava-se diversificar a programação para se chegar ao maior interesse do público. A freqüência era constituída de uma faixa etária que ia do jovem à terceira idade. Em certa fase da programação instituiu-se também uma oficina para crianças, realizada no porão, devidamente adequado para tal atividade. Era coordenada por Toni Brandão, que fazia essa oficina com estórias, jogos lúdicos, despertando o interesse pela leitura e estimulando a crianças a ficar ligada ao livro. 227 Para “A Arte de Criar” convidava-se um escritor de São Paulo ou de outro estado, que discorria sobre seu processo criativo, sobre sua carreira profissional e suas obras. No término do depoimento, o autor colocava-se à disposição da platéia para eventuais perguntas. Nessa ocasião a Secretaria disponibilizava verba, o que era muito importante para se poder trabalhar. Tínhamos a oportunidade de trazer escritores de outros estados, pagar a passagem, o hotel e o cachê pelo trabalho do escritor. Havia verba para isso. Trouxemos escritores de vários estados do Brasil, Rio Grande do Sul, Rio, Bahia, Minas. Às vezes o auditório ficava lotado, como por exemplo quando Lygia Fagundes Telles foi fazer um depoimento. Lygia é uma escritora muito conhecida, muito querida por seu público leitor e admirada pela crítica e pela mídia. Colocamos o som para fora da sala para que as pessoas, que estavam fora, pudessem acompanhar o depoimento. Cito alguns escritores que foram convidados para a “Arte de Criar”: Rachel de Queirós, Fernando Sabino, Moacyr Scliar, Antonio Callado, Antonio Torres, Antonio Houaiss, Ruy Castro, João Antonio, Mário Chamie. Nos sábados, na Casa Mário de Andrade, os alunos formaram um grupo para falar sobre poesia. Apareceram poetas que publicaram livros, continuando com oficinas próprias em outros lugares. Uma outra atribuição que tínhamos era a realização do “Prêmio Pedro Nava”. Um prêmio muito importante, promovido pela Secretaria e instituido, primeiramente, pelo Museu da Literatura que, antes da Oficina da Palavra, localizava-se na Casa Mário de Andrade. Esse prêmio recebeu o nome de Pedro Nava, vencedor com o livro “O Círio Perfeito”, na primeira vez em que o prêmio foi outorgado. Era escolhido, a cada ano, o livro de um autor. Os escritores premiados foram Carlos Drumond de Andrade, Fernando Morais, João Antonio, Ignácio de Loyola Brandão, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles. No último ano em que o prêmio foi outorgado, quem o recebeu foi João Cabral de Melo Neto, com a obra “Sevilha Andando”. E, desde então, infelizmente, o prêmio foi desativado. Em nossas reuniões da União Brasileira de Escritores, à qual pertenço, temos tratado desse assunto. Reivindicamos a volta do “Prêmio Pedro Nava”. Que se destine verba para essa premiação relevante. A “Oficina da Palavra” fez da Casa Mário de Andrade um centro vivo de literatura. Foi um pólo de divulgação cultural, com características específicas. Constituia-se num espaço onde o autor se tornava mais próximo do público, revelando-se ao leitor já conquistado ou em potencial; estimulava o interesse pela palavra, abria caminho para a leitura e a escrita. Éramos subordinados ao Departamento de Formação Cultural (DFC), um dos departamentos da Secretaria de Estado da Cultura. Tudo era realizado através das oficinas. Havia oficinas na periferia e em algumas cidades de São Paulo, como por exemplo, São Carlos, Campinas, Santos. Mas elas lidavam com a cultura de um modo geral, não se tratava apenas de literatura, trabalhavam com artes plásticas, dramaturgia, outras áreas da cultura. Outro projeto que vivenciei e que significa um incentivo à leitura, à paixão pelo livro, foi o projeto “ Mapa Cultural Paulista”. Essa programação da Secretaria de Estado da Cultura dividia São Paulo em 12 regiões, se não me engano. Havia uma coordenação em cada região. Os interessadas, professores ou pessoas que almejavam escrever, que ambicionavam tornarem-se escritores, mandavam seus textos, que eram selecionados na própria região e depois enviados para São Paulo. Para cada área da cultura eram convidadas três pessoas, que integravam um júri, que analisavam e escolhiam os textos. O Prêmio era a publicação em livro. Outro motivo que se poderia usar para incentivo à leitura são revistas com temáticas específicas, como a “Leituras Compartilhadas”. Autores conhecidos como Affonso Romano de Sant’Anna, Marina Colasanti, Gerardo de Mello Mourão, escreveram sobre temas como rios, mares. Esses textos servem como incentivo à leitura, motivam o leitor. Aprecio muito a narrativa curta, como leitora e escritora. Falando um pouco sobre o meu próprio trabalho, tenho me dedicado à narrativa curta, acho que minha ficção é de fôlego curto. Meus livros publicados são todos de contos, não me aventurei ao romance, talvez um dia ainda venha a fazê-lo. O conto, ou a crônica, pode ser lido praticamente de um só fôlego. Serve, portanto, de incentivo à leitura. Há ótimos livros de crônicas recém editados, que trazem textos antológicos de Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Luís Martins, entre outros excelentes cronistas. 228 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Refiro-me agora a um assunto pessoal: fui casada com o escritor e jornalista Luís Martins, que trabalhou como cronista no jornal “O Estado de São Paulo” durante 34 anos. Saiu recentemente um livro de crônicas dos melhores cronistas brasileiros e me pediram autorização para publicar meia dúzia de crônicas de Luis. Acho que esse tipo de leitura é um incentivo para desenvolver a paixão pelo livro. Precisamos ver se conseguimos tirar um pouco o jovem da televisão, mostrando-lhe um texto que possa interessá-lo. Não sei se vocês teriam alguma pergunta, para iniciarmos um diálogo. [Pergunta inaudível] Pois não. Chama-se “Leituras Compartilhadas”. Tenho até o no 5. Ignoro se continuou depois disso. Era uma revista muito bem feita, ilustrada, projeto de uma ONG, Leia Brasil, editada em Brasília. Colaborei no número cuja temática é Mares. A revista era distribuída gratuitamente em escolas. Outro modo de incentivar a leitura é presentear as crianças com livros. Tenho esse hábito. No aniversário compro um livro, por exemplo de Ruth Rocha, Ana Maria Machado, ou outra escritora que se dedique a texto destinado a essa faixa etária, e presenteio o aniversariante. A criança, que cresce em uma casa onde há uma biblioteca, vai sentindo, manuseando o livro desde a mais tenra idade. Isso desperta o interesse pela leitura. È necessário mostrar o livro à criança que não desfrute desse benefício, isto é, a convivência com o livro em seu próprio domicílio. À guisa de exemplo, cito minha filha, Ana Luisa Martins, autora do livro Ai vai meu coração. Foi privilegiada, desde criança, porque tínhamos uma biblioteca imensa. Meu marido, o escritor e jornalista Luís Martins, e eu lidávamos diariamente com a palavra escrita. Leitores contumazes, os livros transbordavam em nossa casa. Hoje, nossa biblioteca encontra-se na Universidade Federal de São Carlos, que a adquiriu. Constitui-se, especificamente, de edições literárias de autores expressivos, como Carlos Drumond de Andrade, Cecília Meirelles, Ribeiro Couto e vários outros que se destacam no panorama literário nacional. Quanto à documentação que Luís Martins possuía referente a jornalismo e artes plásticas, minha filha e eu a doamos para o Museu de Arte Moderna (MAM), que criou o “Centro de Estudos Luís Martins”, onde o pesquisador encontra informações sobre 50 anos de vida cultural do país. (Pergunta Inaudível) Na minha juventude, não se tinha essa solicitação enorme de televisão e Internet. Lia-se bastante. Hoje é necessário ter criatividade para levar o livro ao jovem, estimular a vontade do adolescente, desenvolvendo sua paixão pela leitura. (Pergunta inaudível) Quando eu estudava, havia o primário, de primeiro ao quarto ano; quem estava um pouco atrasado fazia o quinto ano, em seguida cursava os quatro anos de ginásio. Eu me preparei para ingressar na universidade, sempre gostei muito de idiomas, pretendia fazer inglês, francês e alemão. Entrei na Sedes Sapientiae, mas fiquei só um ano porque logo me casei e larguei a faculdade. Complementei a minha cultura com cursos na Cultura Inglesa, na Aliança Francesa, com muita leitura, palestras, viagens. Mas, sinto não ter terminado a universidade, embora, modéstia à parte, fale muito bem inglês e francês e tenha lido, no original, muitos autores desses paises. Mas, gostaria de ter completado a universidade. (Pergunta inaudível) Nós tínhamos uma fazenda, perto de Indaiatuba, onde passávamos as férias. Na época de minha infância e juventude, não havia luz na fazenda, usávamos lampião a querosene e velas. Lembro-me de que meus pais e tios jogavam pif paf e eu ficava lendo perto do lampião. Se não tinha terminado a leitura à hora de ir para o 229 quarto, punha uma ou duas velas no criado-mudo e continuava a ler. O gosto pela leitura me vem da infância. Sempre tive paixão pelo livro. Meu pai lia bastante e minha mãe lia poetas franceses. Comecei muito jovem a ler certo tipo de literatura que, mais tarde, considerei piegas. Quando descobri os escritores do Nordeste, Raquel de Queirós, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, e os grandes poetas Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, o meu amor pelas letras foi aumentando. Cito apenas alguns; ao longo dos anos, a descoberta de bons autores alargou-se. Li também, no original literatura inglesa e francesa. Já me referi ao apreço que tenho por idiomas. Aprecio muito a narrativa curta. O conto insere-se num gênero de minha predileção. Assisto de 2a a 6a feira, na TV Cultura, o programa “O Conto da Meia-Noite”. Trata-se de um texto literário interpretado por um ator. Tive a satisfação de ver um dos meus contos, “A Rede”, levado ao ar na interpretação de Paulo César Pereio. Já assisti “ A Caçada”, de Lygia Fagundes Telles, com Abujamra: “Pequenas Distrações” de Gregório Bacic, com Beth Goulart: “A Invasão” de Rodolfo Konder, com Lazaro Ramos. E inúmeros outros. Sou telespectadora assídua desse excelente programa produzido por Fernando Barros Martins que, entre outras qualidades, estimula o interesse pela boa literatura. (Pergunta inaudível) Sou contista assumida. Acho que a minha ficção é de fôlego curto. No livro “Mudam os Tempos”, o conto que abre o livro é um pouco mais longo do que os outros, tem quase a extensão de uma pequena novela. Publiquei cinco livros de contos, trabalhos em revista, em antologias, em periódicos. A epígrafe que escolhi para “Mudam os tempos” é um trecho de um depoimento do escritor norte-americano William Faulkner, em que ele diz; “Quando seriamente explorada a estória curta é a mais difícil, e a mais disciplinada forma de escrever prosa”. A narrativa curta parece fácil; trata-se, entretanto, de uma impressão equivocada. Tem-se um limite para o texto, tem-se que expor a idéia dentro desse limite, fazendo um relato, contando uma história ou, algumas vezes, lidando com a palavra sem tema específico. Lembro-me do cronista Luís Martins, andando de um lado a outro em busca de assunto. Quando não vinha o assunto, ele começava a lidar com a palavra, a borboletear com ela, e conseguia escrever uma bela crônica que, muitas vezes, saia lírica, mais leve, ou um comentário sobre algum livro ou um fato cotidiano. [Pergunta inaudível] Os outros estão esgotados, mas eu posso dizer que esse livro, “Katmandu”, me trouxe muita satisfação. Recebi um prêmio do Instituto Nacional do Livro, por essa obra, que foi muito bem aceita pela crítica. Com meu primeiro livro, “A Trilogia do Emparedado”, eu recebi um Jabuti, revelação de autor e o Prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras. Depois escrevi “Sala de Espera” e “Retrato sem Legenda”. O meu primeiro conto publicado foi no Suplemento Literário do jornal “O Estado de S. Paulo”. Trabalhei bastante com tradução. Quando traduzia, lia todo o livro primeiro, para saber do que se tratava, depois marcava umas palavras a respeito das quais eu tivesse dúvida e anotava vários sinônimos, para verificar qual palavra traduziria perfeitamente a idéia do autor. É importante, quando se traduz, não querer melhorar o estilo do autor, e cuidar bem do significado para não deturpar o que ele expressa. [Pergunta inaudível] Não. Era a editora que me solicitava algum trabalho. Mas, parei há algum tempo de traduzir, porque era um trabalho muito mal remunerado e árduo. Certa vez eu peguei um livro de autor norte americano, um escritor com um estilo muito difícil. Como o pagamento era demasiado pequeno, vi que não compensava. Não valia a pena ficar em cima daquele texto tanto tempo. Seria só pelo prazer de estar traduzindo um bom escritor. 230 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO [Pergunta inaudível] “Katmandu” está esgotado, foi publicado pela “Global”. “Mudam os tempos” saiu pela “Girafa”. O editor Pedro Paulo de Senna Madureira, que gosta muito do que escrevo, modéstia à parte, me telefonou, disse que queria publicar um livro meu. Gostaria que eu fizesse uma seleção de contos dos meus livros anteriores e acrescentasse um conto inédito. Foi o que fiz. Do primeiro livro creio que reproduzi só um conto. Não sei se outros escritores pensam assim, mas acho que no primeiro livro raras vezes se atinge a maturidade necessária. Sou muita crítica comigo própria, sempre acho que poderia melhorar o texto. [Pergunta inaudível] A Casa Mário de Andrade está aberta ao público, mas tem outro tipo de atividade, não apenas a literária: faz eventos, dedica-se também à dramaturgia. Uma das oficinas que funciona com várias atividades e inclui a área da literatura é a Oswald de Andrade, na Rua Três Rios, no Bom Retiro. Obrigada. Espero ter trazido algo que sirva para vocês refletirem, para incentivar a leitura e desenvolver no jovem o gosto e a paixão pelo livro. Foi um prazer estar aqui e participar deste significativo Congresso de Educação. 231 Interface entre Mídia e Educação Marcos Ferreira Professor Livre Docente da Faculdade de Educação da USP Por problemas na transcrição não foi possível publicar o texto. 232 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Literatura como espelho de identidades sociais Heloísa Pires Lima Mestre e Doutora em Antropologia Social pela USP Criou e foi Editora de “Negro Edições” Autora de “Histórias da Preta” e “A Semente que Veio da África” Vamos iniciar nosso encontro remexendo memórias. Fechem os olhos, respirem, soltem os ombros e o corpo na cadeira. Assim relaxados, busquem lembranças de vocês mesmos aos 15 anos; aos 12 anos, aos 10, como era a casa onde moravam, a rua. E aos 8 anos, os amiguinho(a)s quando tinham 8 anos, 5 anos. Lembrem da família, se recordam de alguma festa de aniversário. Agora, busquem detalhes nessa memória, um brinquedo que foi muito importante para vocês, uma roupa, uma caneca. Procurem, então, nesse ambiente em que vocês estejam, um livro. Que livro ficou guardado nessa memória? Abram esse livro do passado, relembrem as cores da capa, folheiem essa obra até encontrarem aquele personagem inesquecível. E, finalmente fechem o livro e, apanhem o exemplar para traze-lo para cá, agora. Abram os olhos e contem para todo mundo, que livro é esse? (A platéia interage, respondendo) O que podemos perceber é o quanto cada uma dessas obras, aparentemente esquecidas, modelaram muitos de nossos desejos, ou o quanto influenciou na nossa vida atual. Vou propor um segundo exercício: gostaria que vocês buscassem, novamente, nesse universo da infância e da adolescência ou do magistério, personagens particulares. Procure um oriental, depois um indígena, um modelo de mulher. E então, um personagem negro. (A platéia cita Peri, Ceci, Ubirajara, Iracema. A platéia cita Saci Pererê, Negrinho do Pastoreio, etc.) Tais referências indígenas foram criadas no séc. XIX, partindo de um projeto gerado por D. Pedro II, para comporem uma identidade nacional. Isto quer dizer que há um contexto sócio-político relacionado à criação. Chegamos, portanto a um aspecto importante acerca dessa produção e, para enfatiza-lo busquem na memória, um personagem que habitou o imaginário de vocês, que esteja associado à origem européia As bibliotecas nos informam sobre o mundo. Mas percebamos a diferença quantitativa relacionada aos repertórios disponíveis nos acervos, seja dos lares ou institucionais. Se os personagens negros, indígenas ou árabes cabem nos dedos das mãos, isto significa que estiveram ausentes enquanto repertório de referência. Ou ainda, uma presença notada com o agravante de serem representados através de estereotipias recorrentes. O caso da origem européia, ao contrário, apresenta uma diversidade infinitamente maior de modelos. São monarcas, carpinteiros, heróis, bandidos, gordos, magros, ricos, pobres, enfim com uma complexidade de parâmetros para os processos de identificação dos leitores. Se cada história, com a qual entramos em contato traz chaves emocionais que nos permitem a elaboração de uma série de questões, são os protagonistas, que muitas vezes, auxiliam as elaborações emocionais. Como presença constante ele se torna o protótipo do que, inconscientemente, deve ser exemplar. O modelo europeu não é parte dessa humanidade, ele é a humanidade de referência. Uma conseqüência importante desse espelho ofertado é a construção da auto imagem partindo dessa europeização tão fortemente presente e bem avaliada pelos mais diferentes enredos. Vamos explorar um pouco mais o caso do modelo negro de humanidade. Podemos citar o exemplo da Tia Nastácia, de Monteiro Lobato (por volta de 1912). No início e meados do séc. XIX entraram no Brasil muitas editoras francesas; a educação privilegiada disponibilizava obras para as crianças lerem no original francês. No início do século XX, a revolução lobatiana marcou a dissidência com essa tradição arraigada, historicamente, 233 que valorizava unicamente o universo literário francês. Lobato, como todos conhecem, focou sua criação nacionalizando figuras estrangeiras e integrando repertórios brasileiros. Como projeto, e isso é uma interpretação, a Tia Nastácia e Dona Benta representavam o comando de uma república, o sítio do pica-pau amarelo, sob a sabedoria do saberes popular e erudito. Nas primeiras edições, o ilustrador da proposta representou as duas personagens tendo o cuidado de mantê-las diferenciadas, mas com equidade na expressão das faces, das vestes, na postura corporal. Estou chamando a atenção para a importância da ilustração e isto não significa que uma análise da escrita também não resguarde as concepções de época e, aliás, nesse caso terríveis. Mas, a primeira edição tratou o desenho de uma forma e a ela seguiram várias edições. A Nastácia vai sofrendo mudanças bastante reveladoras do contexto de sua produção.Ela vai ficando gorda, muitas vezes suja, adquire aspecto monstruoso e, sobretudo a construção de sua figura pode, facilmente, ser associada à figura de animais. Ela é bestializada, perde a humanidade. Outro caso, também relevante, delimitado na referência ao modelo de humanidade negra, está na representação da África encontrada nos livros para crianças. A África também é uma idéia construída sob determinados ângulos. Cada um de vocês possui uma imagem inicial sobre a África. Se eu, nesse momento, pedir um relato sobre o que veio à cabeça assim que falei África, teremos a África como é percebida por cada um para trabalharmos. A cartografia demonstra esse mesmo processo dimensionado na história da humanidade. Senão, imaginemos um chinês elaborando um mapa sobre essa região na antiguidade. Senão um chinês, então um árabe e sua experiência com aquele pedaço de continente que hoje chamamos África. Os gregos e romanos também deixaram os seus registros. Alguém já imaginou a comunicação de um grupo étnico do coração da África com outro do sul ou norte do mesmo continente, durante a idade média? Devia haver formas próprias de localização. Mas, enfim, a ótica envolvida na representação é um fator relevante quando falamos de representação. Trata-se de uma interpretação do real. Anualmente, temos uma África representada em nossas casas: por ocasião do Natal. São os 3 Reis Magos e, um deles, Baltazar, remete a uma realeza africana e a uma África cristã. Há equidade entre os reinos envolvidos. Exemplo contrário poderia ser a série de imagens produzidas pelos imperialismos que tomaram conta do continente no início do século XX. Uma dessas vertentes também de fundo religioso, pois foram feitas por missionários ardilosos na conversão dos mundos preocupados em difundir notícias sobre as diferentes regiões ocupadas. Essas imagens não poupam os habitantes africanos marcando-os como boçais submetidos a culturas exóticas. Na tradução desses contextos para a infância e juventude, temos o caso exemplar da obra Tintin, bastante conhecida até os dias de hoje. Um dos números da coleção recebeu o título “Tintin na África”. Seu autor é o belga Hergé, e a época em que foi escrita, a década de 30, faz parte do contexto de possessão do Congo pela Bélgica. Essa relação de investimentos econômicos e políticos relacionados ao Congo precisava ser divulgada aos súditos do reino belga que pouco ou nada sabiam a respeito do potentado. Os africanos do Tintin receberam uma pele cujo preto é literal, tornando-as grotescas, e ainda traços estereotipados, como os lábios extremamente grossos e o corpo arcado. O Tintin heróicizado a partir da imbecilidade atribuída aos congoleses infantilizados. Uma das mensagens contidas no enredo conduz o leitor a concluir que todos os africanos desejam ser como Tintin. Essa é uma divulgação da África para os europeus que se soma a outros clichês tão bem reforçados pelo universo da literatura. São Áfricas quase sempre associadas ao canibal com o ossinho na cabeça, cujos africanos comumente aparecem desumanizados na aproximação com o macaco. Nessas análises são importantes os detalhes. Por exemplo, o Tintin não recebe uma pele de cor branca literal. Ela é roseada conforme mostra a imagem. Se saltarmos para o momento o governo de Nelson Mandela após sua prisão, temos outro caso interessante. Frente ao histórico apartheid, uma de suas primeiras políticas públicas considerou a literatura como recurso auxiliar na inversão cultural necessária no país. O racismo da África do Sul só poderia ser erradicado a médio e longo prazo e as investidas nesse sentido se voltaram para próximas gerações. Os livros didáticos passa234 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO ram a receber um cuidado especial na representação da África e dos africanos, sobretudo para a equidade entre a imagem branca e negra que circulavam nas obras. Portanto, esses casos todos demonstram a importância de uma biblioteca e nela, a garantia da representação adequadas das mais diversas humanidades, que fazem parte e enriquecem nosso mundo. Voltando a atenção para a imagem relacionada ao modelo de humanidade negra, as populações negras reais oferecem um campo muito mais vasto de referências do que o encontrado freqüentemente nos livros de nossas bibliotecas. O problema não é o personagem ser escravizado, menino de rua ou figura folclórica. O problema está em ser apenas estes. Existe, portanto, a necessidade de ampliarmos esse repertório de referência, de atentarmos para a abordagem na construção das figuras e termos consciência de que há um ponto de vista envolvido nessas construções. Mais do que isso, que elas agem como espelhos para a arquitetura de auto-imagens e mesmo da percepção do outro. Esta percepção começa por nossa vida pessoal, pelo quanto estão sedimentados informes que atuaram na nossa infância. Se soubermos que as notícias chegam, entram e permanecem, temos a oportunidade de agirmos em perspectiva. Por quê não remodelarmos os ambientes oferecidos para nossas crianças e adolescentes? 235 Os Índios e nós. A questão indígena revisitada Adrian Ribaric Antropólogo Prof. da PUC/SP Vivemos numa sociedade perversamente desigual e essa desigualdade está presente na economia, na organização política da sociedade e também na forma como os contingentes culturais são distribuídos na sociedade. Nos últimos dias foi divulgado mais um relatório do IBGE no qual a distribuição de renda é relacionada com as origens étnicas e culturais da população. As condições de desigualdade sócio-econômica que normalmente já são alarmantes no Brasil tornam-se escandalosas quando observamos como elas se apresentam em contingentes específicos como os afro-descendentes por exemplo. Se por acaso considerássemos as populações indígenas então, teríamos que nos confrontar com uma realidade que fere toda consciência cidadã deste país. Mas, no entanto, isso não acontece. Por que? Por outro lado, quando olhamos para nossa cidade, nossa grandiosa metrópole, mega povoada, hiperurbana e moderna, parece que não conseguimos ver a incrível diversidade cultural que pulsa vivamente em seu interior. Dificilmente sabemos ou aceitamos que entre nós vivem grupos indígenas sobreviventes da hecatombe civilizacional que se abateu sobre eles no último meio milênio. Qual de nós já passou por alguma aldeia indígena aqui em São Paulo? No entanto eles existem, e exibem uma realidade econômica, política e cultural que nos desafia enquanto educadores e cidadãos. Não é que eles não existam, tem sido mais cômodo torná-los invisíveis. Quando falamos em grupos indígenas, o que vêm em nossas mentes são aquelas imagens de livros e documentários de sociedades tribais que, em sua nudez e inocência selvagem, nos remetem as origens de nossa civilização brasileira. Quando temos notícias de índios andando de automóveis, falando em celulares e reclamando seus direitos nas cidades, pensamos baixinho ou não: Não são mais índios. No entanto o que vem ocorrendo nas últimas décadas e em todo o Brasil, é que estas sociedades (assim como todas as outras sociedades rurais ou rústicas brasileiras), estão rapidamente sendo conduzidas para uma realidade urbana. Muitos migram para os centros urbanos à procura de melhores condições de existência como os Pankaruru, indígenas originários do nordeste brasileiro que vieram para São Paulo como milhões de outros nordestinos, e hoje vivem na região de favelas do bairro do Morumbi, tentando recriar formas de sociabilidade e cultura que sustentem sua identidade enquanto pessoas diferentes, que se vêm diferentes, que desta forma se sentem no meio do anonimato urbano. Outros, ao contrário, embora escondidos em seus refúgios, foram encontrados e engolidos pelo crescimento da malha urbana da metrópole. Na cidade de São Paulo existem três aldeias Guarani, duas na região de Parelheiros e uma no pé do Pico do Jaraguá, à beira de uma das mais movimentadas estradas do país e totalmente envolta na realidade da periferia paulistana que todos nós conhecemos muito bem, marcada pela precariedade sócio-econômica e pelo descaso institucional. Dificilmente passamos por ali e conseguimos ver que ali existe uma aldeia indígena. Nossos olhos não conseguem decifrar aquela realidade. Suas casas são semelhantes as mais pobres construções de nossas favelas, vestem-se como os mais pobres de nós, de longe muito pouco há o que os diferencie. Eles são visivelmente invisíveis. Trabalhei, durante muitos anos, com populações caiçaras do litoral sul de São Paulo. Procurávamos uma formulação de políticas institucionais que contemplassem um tripé: preservação do meio ambiente, melhoria de qualidade de vida e respeito aos padrões e personalidade cultural daquela população. Durante aqueles meus anos caiçaras, fomos envoltos por uma espinhosa polêmica sobre a preservação da cultura deles. Como preservar uma cultura? Qual era o nosso direito de dizer o que e como deveria ser preservado? Preservar ao custo de mantê-los afastados do mundo moderno e do desenvolvimento e mesmo contra a sua vontade? A mesma questão pode ser colocada hoje quando abordamos a questão indígena no Brasil e particularmente na cidade de São Paulo. Parece-me que estas questões que tentei alinhavar agora com vocês estão relacionadas e estão profundamente conectadas com uma visão preconceituosa e ignorante que temos da cultura indígena e que tem origens profundas e longínquas. 236 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Vamos falar um pouco sobre o imaginário. A figura do índio é uma figura clássica no imaginário ocidental. Quando o europeu chega na América pela primeira vez, encontra uma paisagem humana e natural paradisíaca, que vai servir de matéria prima imaginária para as construções ideológicas que carregamos até hoje. As utopias modernas de direita ou esquerda, tudo isso é modelado pelas imagens que constrói com o mundo que ele encontra na América. Esse europeu, cansado da Idade Média e de universo de pecados e castigos divinos, encontra de repente um mundo onde tudo é exuberante, colorido, belo. A figura do indígena aparece como um ser puro , um homem bom, que não necessita de trabalhos aviltantes para sobreviver, que convive em paz com o outro, não está vilipendiado pelas estruturas de poder, não tem vergonha de si ou de sua própria existência. Podemos lembrarnos de Rousseau, falando do “bom selvagem”. Mas, se por um lado, há essa idéia de pureza, por outro, há também a imagem do canibal selvagem, que precisa ser civilizado como dizem Montesquieu e Montaigne.Na realidade, isso não tem nada a ver com o indígena de carne e osso, com os homens e mulheres que encontraram aqui, mas com a nossa própria necessidade de construir quem seria o Homem. Nesta Antropologia ingênua (e que permanece profundamente arraigada em nossa cultura), inventa-se o homem bom e puro em estado de natureza, ou seja ainda não contaminado pelas idiossincrasias da civilização, para podermos justificar a idéia de liberdade que deveríamos conquistar na modernidade. Por outro lado, sendo um selvagem canibal, precisamos urgentemente estabelecer regras, leis e governos para podermos viver em sociedade. No Brasil, na literatura, essa ambivalência do bem e do mal, dificilmente vai ser encontrada, como em Hobbes: “O Homem é o Lobo do Homem” . O que vemos é uma idealização romântica do indígena, que quer construir uma natureza brasileira pura, bela, generosa, como encontramos em Gonçalves Dias e José de Alencar. O indígena é aquele a quem podemos imputar imagens preconceituosas, mesmo que de “bonzinho”. Isso se revela em idéias, tais como: “o índio não se pode modernizar porque vai deixar de ser índio”. Só recentemente há uma virada nessa visão indígena. Na metade da década de 80, Antonio Calado, em “Quarup”, ou Darcy Ribeiro em Mayra se esforçam em mostrar o indígena como um ser humano concreto, complexo, como qualquer um de nós. Na verdade, se pensarmos como a Antropologia construiu a idéia do que é ser brasileiro, ficaremos horrorizados com o que já foi reconhecido como a melhor ciência social da sua época. Se observarmos a história do pensamento social brasileiro, veremos que 90% dos autores justificam a miséria e a desigualdade social, a miséria cultural que supostamente existiria no Brasil, baseado na idéia de que haveria um conluio entre o índio preguiçoso, que só fica balançando na rede, o negro que só trabalha se apanhar, e o pior tipo de branco que é o português, católico, barroco. Juntando os três, chegava-se à conclusão de que o Brasil não poderia chegar a lugar algum e estava condenado a viver às margem da civilização mundial. Pelo menos grande parte do Brasil, não nós, brancos, bonitos e inteligentes, mas o resto sim. Pode parece engraçado, mas essa já foi a melhor Ciência Social do Brasil. E esse era o espelho que as Ciências Sociais ofereciam ao brasileiro. Esse pensamento perdurou do século XVIII até a década de 30 do século XX. Até então, tínhamos somente essa visão do homem brasileiro e o Brasil era um lugar onde a civilização não floresceria jamais. Isso continuou até o aparecimento de Gilberto Freyre. Ele desconstruiu a idéia de que somos um povo e uma sociedade, uma cultura à míngua, no subsolo da civilização. Ele mudou essa composição ideológica e colocou a idéia, bastante discutida, da miscigenação. Graças a essa miscigenação, o brasileiro seria a etnia e a cultura mais apta a poder criar uma civilização nos trópicos. Seríamos uma espécie híbrida que se apropriaria das qualidades mais interessantes de cada etnia: todo o conhecimento e sabedoria indígenas, toda a voluptuosidade africana e toda a “malandragem” portuguesa e construiríamos, aqui, os pilares da civilização do terceiro milênio, agora. 237 Se fixa desde então no imaginário da cultura e ideologia brasileiras, a idéia da miscigenação, que reproduz a idéia de uma sociedade pura, os contingentes étnicos e culturais só tem sentido como matéria prima que deverá diluir-se em um grandioso futuro longínquo. Mas a sociedade brasileira é perversa, é desigual. É fruto de 400 anos de escravidão e a idéia da miscigenação subestima isso. Observando a história e a atualidade da sociedade brasileira, fica evidente como a nossa elite não se importa com o destino da população. A concentração de renda a que me referi no início de nossa conversa é fruto direto desta raiz escravocrata, embora nunca olhemos para ela dessa forma. Por isso, é necessário tomar cuidado com a idéia de miscigenação: porque escondemos isso. Darcy Ribeiro dizia: “O Brasil sempre foi e ainda é uma grande máquina de gerar riqueza e essa máquina de gerar riqueza teve como produto indesejável, um povo”. Esse é o melhor retrato da sociedade brasileira e de sua hipocrisia étnica, racial e cultural. Na verdade, é muito cômodo para o antropólogo, falar do indígena, do caboclo, do quilombola....porque evita falar de si mesmo, de sua sociedade. É como observar os costumes exóticos de outros povos, abstendo-se de tentar desmascarar a estrutura de minha própria sociedade. O Brasil nasceu com europeus que vieram para organizar um lugar que achavam que era deles. Então, é da própria natureza da América Latina e, especialmente, do Brasil, ser fruto da globalização, a qual não deveria assustar-nos. O que é interessante perceber com a globalização e com os processos culturais que a acompanham, é que o Estado como o conhecemos até ontem começa a sair de cena. Isso traz consigo, um hiato no processo de identidade. Num lugar como o Brasil, cuja cultura e identidade é algo volátil, onde não existe um grupo étnico dominante, hegemônico, isso significa que devemos reformular nossas idéias de nacionalidade e identidade. No Brasil, desde Getúlio Vargas, o Estado se encarregou de formular as bases imaginárias da identidade nacional. Mas, na verdade, ser brasileiro (como ser Espanhol, Iugoslavo, Alemão), é ficção. Na Espanha, por exemplo, se for tirada sua capa nacionalista, o que sobra? Sobram catalães, bascos, madrilenos, etc. E aqui? Se tirarmos a nossa capa, o que sobra? Vemos como o preconceito pode ser mais melindroso do que imaginamos. Hoje, já não podemos pensar num estado cultural e étnico único. Hoje, claramente, os Estados estão tentando construir uma nova identidade étnica plural, que seja capaz de abarcar uma idéia de componentes ideológicos, culturais, étnicos e raciais diferentes sem com isso perdermos nossa singularidade de brasileiros. É neste sentido que se coloca a importância de despovoarmos nossas consciências de falsas imagens sobre as populações indígenas. Os índios (se é que esta categoria realmente existe), não são bons ou maus, são seres humanos como nós, com defeitos e virtudes e cujo maior desejo e continuar criando seus filhos em sua língua e costumes, continuando a existir em meio a um mundo que lhe nega o direito de ser o que são, com ou sem celulares ou automóveis. É este índio que devemos nós aprender a conhecer e respeitar. Mesmo em uma sociedade etnicamente complexa como a nossa, posso dialogar com as diferenças, respeitar e reconhecer essas diferenças sem julgá-las ou desejar que elas deixem de existir (pelo extermínio ou pela miscigenação). Viver em Democracia é percebê-la existindo em todos os âmbitos; Democracia é diálogo e diálogo significa respeitar a diferença e ser capaz de ouvir, de incorporar a diferença no nosso discurso e nossa própria existência. 238 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Literatura Indígena: escrita pelo próprio índio Olívio Jekupé Escritor Indígena, escritor e poeta e presidente da Associação Guarani Nhe’e Porã, aldeia indígena Krukutu. ([email protected]) Para a sociedade, é uma novidade encontrar, hoje, um escritor indígena. Eu sempre disse para os Guaranis e outras etnias que é importante escrever. Desde a década de 70, foi uma luta grande, conseguir construir escolas nas aldeias indígenas. E não havia literatura escrita por índios. Agora, começou uma nova fase, a dos índios escritores, que ainda são poucos, aproximadamente 100. Nas aldeias, o índio é contador de histórias, na prática. Assim, o índio contava as histórias para o branco e o branco as escrevia; mesmo não tendo ido à aldeia e visto de perto os costumes, o branco escrevia as histórias. Tenho 7 livros publicados e vou fazer um pequeno resumo sobre eles: • De Obras Inesquecíveis: como José de Alencar tinha um livro sobre os índios, eu escrevi um livro sobre os brancos. • Quinhentos Anos de Angústia: é um livro de poesia, como uma forma de relatar como penso muitas coisas e mostrar os problemas indígenas. • O Saci Verdadeiro: o protetor da floresta é o Camba-I. O personagem é indígena. Eu mostro como é esse personagem. O Camba-I é imortal, é eterno. Tem poder. O Saci, de Monteiro Lobato, morre a cada 7 anos, então não tem poder. • Iarandu – O Cão Falante: essa é uma criação. Já não é mais uma história de pai para filho. Então, essa é uma criação minha. Tenho dito que não é suficiente recontar só o que é contado na aldeia. Criei uma história em que o cachorrinho, ganho da avó, aprende a falar com o menino, seu dono. Iarandu quer dizer gênio, grande inteligência. É uma forma de valorizar o animal. • Xereckó Arandu: a morte de kretaã, esse livro relata os problemas sociais indígenas, uma vez que Ângelo kretaã foi um líder indígena, assassinado. Os brancos nunca escreveram as histórias dos líderes que foram assassinados, mas somente as dos mitos. As histórias dos líderes também não podem ser esquecidas. E a literatura escrita pelos índios é importante para não deixar morrer, na memória, os grandes líderes. É importante que os professores disseminem entre as crianças estas histórias. É importante trabalhar com a criança as histórias escritas pelos próprios índios pois, os escritores brancos acabam escrevendo histórias sob sua ótica européia e, muitas vezes, confundem as crianças com conceitos e a cultura divulgada não é a correta: há confusão de costumes de uma tribo para oura e, na verdade, as informações passadas são incorretas. Atribuem-se falsos costumes, equívocos lingüísticos, etc... E as crianças, tanto as indígenas como as brancas, recebem informações equivocadas sobre os acontecimentos, sobre a cultura, sobre os costumes. Além disso, a tradição oral acaba fazendo com que se percam muitas historias. O registro escrito dessas histórias ajuda a preservá-los, em sua inteireza, para várias gerações. Gostaria de registrar que minha filha é a mais jovem escritora indígena do Brasil; tudo começou quando ela me pedia que lhe contasse histórias. Posteriormente, ela aprendeu a ler e depois, passou a escrever. A visão, sob a escrita do indígena, permitirá que as pessoas, realmente, conheçam a realidade dos indígenas e, não, a ficção criada pelos escritores brancos, tais como José de Alencar, o que permitia uma ficção sobre a ficção. 239 Capacitação dos Professores e Especialistas de Educação João Gualberto de Carvalho Meneses Presidente da Academia Paulista de Educação; Professor Aposentado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo; Professor de Políticas Públicas de Educação no Programa de Mestrado em Educação da UNICID – Universidade da Cidade de São Paulo; Exerceu os cargos de Secretário Municipal de Educação de São Paulo e de Conselheiro e Presidente dos Conselhos Estadual e Municipal de Educação de São Paulo. Foi Presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação e Fundador e Presidente da União Paulista de Conselhos Municipais de Educação. Sumário O tema é desenvolvido a partir das mudanças ocorridas na escola na segunda metade do século passado (XX), principalmente em decorrência das políticas públicas de democratização da educação. A escola passa a assumir novas funções sociais com o advento da Constituição Federal de 1988, da Emenda Constitucional No14/96, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei No 9.394/96) e do Plano Nacional de Educação. Nesse período é criada uma nova estrutura didática para o sistema nacional de ensino. A Educação Básica passa a ser constituída pela Educação Infantil, com creches (para crianças de até 6 anos de idade) e a Pré-Escola (de 4 a 6 anos de idade); o Ensino Fundamental (Direito Público Subjetivo para todos, inclusive para os que não o tiveram na idade própria); e o Ensino Médio e a modalidade da Educação Profissional. Um capítulo especial trata da Formação e Capacitação de Professores e Especialistas da Educação. São apresentados, a cada passo da palestra, comentários sobre os desajustes entre as propostas filosóficas e políticas da educação e os procedimentos administrativos e pedagógicos, ao mesmo tempo em que são relatados projetos inovadores nos sistemas de ensino. A palestra apresenta algumas produções acadêmicas que estudam a questão de formação e capacitação em serviço do magistério. Especialmente, são citados trabalhos baseados em experiências de vida escolar ou na realização de programas desenvolvidos com sucesso nas redes escolares públicas. Conclui com observações sobre as perspectivas frente aos desafios da capacitação dos educadores para o século XXI. Preliminares É um prazer estar aqui com vocês mais uma vez. Tenho acompanhado as atividades da área de educação há algum tempo. Antes mesmo de formado no Curso Normal dei aulas em cursos noturnos de alfabetização de adultos e fui professor primário, diretor de escola, inspetor (supervisor) escolar, diretor regional de educação, professor do ensino médio e superior e, ainda hoje, após aposentado como docente da Faculdade Educação da Universidade de São Paulo dedico-me ao magistério e à administração educacional. Sinto-me bem entre vocês, colegas do magistério. Quando estudei na Escola Normal o curso realmente formava professores. Na minha turma havia 59 professorandos, dos quais, 12 eram homens. Nas rodas do magistério não se falava em Professor Primário; falava-se em Professora Primária. E não era uma discriminação de gênero. Os homens estavam fazendo o curso para terem uma habilitação profissional ou para iniciar a carreira de magistério. Iam lecionar durante 2 ou mais anos e, depois, prestar o concurso para diretor de escola e prosseguir na carreira administrativa de inspetor e de delegado de ensino. E a Escola Normal formava tanto os profissionais para a docência quanto para o exercício de cargos administrativos. Como todas as atividades do magistério estavam minuciosamente previstas em leis e regulamentos o curso praticamente treinava os alunos para o desempenho da rotina escolar. Havia uma programação completa para todas as matérias do curso primário e os docentes de Metodologia e Prática de Ensino ensinavam as técnicas e processos didáticos para que as aulas ministradas fossem eficazes. Assim, o aluno saia formado professor primário. Durante muitos anos esse esquema didático funcionou de modo satisfatório, ao contrário do que ocorre hoje. Atualmente, não funcionam nem a Escola Normal, que praticamente não existe mais, nem aquela metodologia milagrosa que conseguia, no final do 4o ano do Grupo Escolar, ensinar meninos e meninas a ler, escrever e contar. 240 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO No projeto de reforma da educação na França é proposto o que as crianças, ao final do Ensino Fundamental devem saber. Leitura, que é saber ler e entender um texto simples. Escrever: o quê? Algo como um bilhetinho, convidando o colega para uma festa em sua casa. Contar; dominar as operações fundamentais, alguns cálculos de relações, porcentagens, dados comparativos. E isso é o mais importante porque é o que a criança vai fazer pelo resto da vida. Agora é necessária uma outra aprendizagem a respeito do mundo repleto de siglas, de novos nomes, de palavras estrangeiras, nomenclaturas que têm um significado próprio. Quem não domina tais significados transforma-se em um analfabeto funcional. Analfabeto funcional não é só a criança que saiu da escola e não aprendeu a ler e escrever; é, também, a pessoa adulta que está vivendo numa cidade como São Paulo e não tem informações do sistema de transportes, na sinalização do trânsito e das vias públicas e do comércio. A Capacitação de Professores para essas novas situações está na pauta da necessidade de estudo permanente para atualização constante em um mundo em mudança. Nestes mais de cinqüenta anos acompanhei de perto a fertilidade legiferante dos governos e assisti a inúmeros valores proclamados contrapondo-se a valores reais nas instituições escolares brasileiras. Vi ótimas políticas prometidas, algumas efêmeras, já esquecidas e outras adiadas. Sem voltar muito no tempo, basta relembrar as campanhas de alfabetização que ainda não conseguiram resolver a questão do analfabetismo e está no rol das políticas adiadas. A proposta constitucional que estabelece a educação primária (que hoje constitui o Ensino Fundamental) obrigatória e gratuita, como direito público subjetivo dos sete aos catorze anos de idade e que é assegurado a todos que não o tiveram na idade própria, também está para ser realizada na dimensão quantitativa e de qualidade. Nem se fale da valorização do magistério e das condições salariais dos profissionais da educação, também, sem soluções satisfatórias. É verdade que no ano 2000 o Censo Escolar do IBGE demonstrou a universalização do ensino fundamental na cidade de São Paulo. Foi um trabalho de escolas da Prefeitura feito em conjunto com o Estado e que resultou na taxa de 99,4% da matrícula de alunos, na faixa dos 7 a 14 anos. Neste Congresso que tem o tema “Contextos e Protagonistas”, vocês - do magistério municipal - são os Protagonistas do Contexto Educacional da cidade de São Paulo. A matéria a ser apresentada é da maior importância, pois, a Formação e a Capacitação do Magistério estão a sofrer profundas mudanças e deve permear a vida toda. 1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO INTRODUZIDAS A PARTIR DE 1988. O ano de 1988 foi um marco em mudanças sociais. Terminava um período conturbado do regime militar com uma série de leis e regulamentos que determinava o funcionamento do ensino. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 4.024, de 21 de dezembro de 1961), já estava sendo aplicada em 1964 quando ocorreu o movimento militar e a edição dos atos institucionais. O próprio Governo Militar construiu uma política baseada no binômio desenvolvimento e segurança. Além da edição dos Atos Institucionais uma nova Constituição Federal (República Federativa do Brasil) é outorgada em 1969. Também uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é aprovada (Lei no 5.692, de 19 de setembro de 1971), que criou uma nomenclatura para o sistema nacional de ensino. Substitui o Ensino Primário ao instituir o ensino de 1o grau, com 8 (oito) anos de duração. Altera o ensino médio ao criar o 2o grau de caráter profissionalizante com as habilitações profissionais. O Exame de Madureza que concedia diplomas de ensino primário e médio é substituído pelo ensino supletivo com modalidades de suplência e suprimento. Ainda não se falava em ensino a distância, mas era admitido o ensino supletivo não presencial. Com o fim do regime militar é retomada a luta pela redemocratização do país e pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para a elaboração de uma Constituição Federal democrática. 241 Em outubro de 1988, finalmente, é promulgada a nova Constituição Federal, que em seu 1o artigo estabelece que: “A República Federativa do Brasil se organiza como um Estado Democrático de Direito”. Este artigo aplica-se por toda a vida do cidadão e a formação da cidadania começa por aí: pelo respeito ao direito do nosso colega, do nosso vizinho, do nosso familiar. A democracia, diz Hanna Arendt (Rio, Bertrand, 1998), é o regime em que todos os cidadãos tenham a possibilidade de participação. Democrático significa que todos os cidadãos têm voz e participam das decisões do governo, sem excluídos desse processo por preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação. Os princípios constitucionais gerais repercutem no sistema de ensino, como, por exemplo, o sistema de gestão participativa na administração dos sistemas e das unidades escolares. Hannah Arendt diz que um estado democrático é um estado em que todos os cidadãos falam, devem se expressar. Mas falar, não basta; é preciso ser ouvido. É preciso falar e ser ouvido e ser respondido. Daí o regime democrático ser um regime de solidariedade. Cabe à escola criar um ambiente de diálogo que incentive a solidariedade humana. 1.1. A Educação Após 88 A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a competência da União Federal para legislar sobre Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Após a apresentação de inúmeros projetos e discussões a Lei é aprovada no final do ano de 1996 (Lei Federal No 9.394, de 20 de dezembro de 1996) com as mesmas características democráticas preconizadas na Constituição. No interregno (88-96) várias Emendas Constitucionais foram introduzidas na Constituição, algumas se referindo, direta ou indiretamente, à educação. A mais importante delas é, certamente, a Emenda Constitucional No 14/96 que modificou artigos da Constituição (34, 208, 211 e 212) e deu nova redação ao artigo 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa Emenda criou o FUNDEF- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. A Lei Federal No 9.424, de 24 de dezembro de 1996 regulamentou os dispositivos introduzidos pela Emenda 14. Este conjunto legislativo destinou-se, como a denominação está a indicar, a propiciar a universalização do ensino fundamental (inclusive para jovens e adultos) e a valorização do magistério, entendida como melhor formação e maior salário. Em 2001 é aprovada a Lei Federal No 10.172, de 9 de janeiro que “Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências”. O PNE dedica o Capítulo IV ao Magistério de Educação Básica com propostas para a formação profissional, condições de trabalho, salário e carreira e formação continuada. 2. A ESTRUTURA DIDÁTICA DO SISTEMA DE ENSINO E A CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO 2.1. O Sistema Nacional de Ensino Como o nome está a indicar é a organização responsável pela formação da nacionalidade brasileira. A União tem a competência para organizar o sistema nacional e o federal de ensino. Existem normas aplicáveis a todas as instituições escolares brasileiras que vão caracterizá-las como pertencentes ao sistema nacional de ensino. Para consolidar a nacionalidade é que se tem uma estrutura didática comum a todos os sistemas de ensino. A obrigatoriedade do ensino na Língua Portuguesa é fator que identifica a unidade do sistema nacional. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são autônomos para organizarem seus sistemas de ensino. O princípio geral que norteia a organização desse grande número de sistemas de ensino é o regime de colaboração entre eles. 2.2. A Formação dos Profissionais da Educação no Título VI da LDB A formação de docentes para atuar na Educação Básica far-se-á em ensino superior; mas, é admitida a formação em nível médio, na modalidade Normal para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. A LDB tratou, novamente, da Década da Educação que teve 242 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO início em 1997. E determinou que, ao seu final (2007) “somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”. São previstos cursos para a formação de profissionais da Educação Básica e programas de educação continuada em Universidades e em Institutos Superiores de Educação a serem desenvolvidos no Curso Normal Superior. A Prática de Ensino de, no mínimo, trezentas horas é incluída na formação docente. 2.2.1. A Formação de Professores Para Instituições de Educação Infantil. Como está previsto na LDB “a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social complementando a ação da família e da comunidade.” A Educação Infantil é oferecida em duas etapas: em creches, ou entidades equivalentes; em pré-escolas. A formação de pessoal para o exercício nessas instituições pode ser realizada em nível médio. Uma das principais mudanças introduzidas pela LDB foi a concepção educacional que deve preponderar para as crianças de até três anos de idade assistidas nas creches. Até então as instituições que acolhiam essas crianças tinham um papel principalmente assistencialista; nem tinham, necessariamente, propósitos educacionais. Tal mudança na Lei provoca a necessidade da formação de professores de creche. De pajens, passaram a ser educadores com uma formação de educadores. São pessoas que devem ter formação pedagógica, capazes de dar orientação para essas crianças que estão iniciando um seu contacto com o mundo, se educando. A Educação Básica que começava com o Ensino Fundamental aos sete anos de idade passa a ter início com o nascimento da criança. A “educação” infantil, além de seu componente sócio-cultural contém aspectos de um processo pedagógico. Quem ensina, educa. Mas, ensinar é um processo pedagógico. Dizer à criança: “Tire o dedo da boca”, “Mastigue dessa maneira”, etc. são instruções que contribuem para a formação de hábitos de higiene e informações para a preservação da saúde; mas, comunicam às crianças os modos e costumes sociais, isto é, educam-nas. A inclusão dessas crianças na estrutura didática do sistema escolar muda a concepção de “tomar conta da criança” para a de exercício de uma atividade em um processo educacional e pedagógico para o qual há necessidade de uma formação especial. Portanto, a formação desse pessoal é obrigatória, não podendo ser-lhes dispensada uma formação técnica. Ao ser promulgada a LDB, as pré-escolas mantidas pela Prefeitura do Município São Paulo já possuíam uma organização pedagógica que vinha se aperfeiçoando nos últimos cinqüenta anos. Tinham prédio, equipamento e pessoal capacitado. Eram consideradas entre as melhores instituições de educação infantil do país. Certamente, elas competem com as melhores escolas privadas. Mesmo porque havia instituições privadas que recebiam crianças pequenas e que não tinham autorização de funcionamento emitido pelas autoridades escolares, isto é, estavam (e ainda estão?) fora do sistema escolar. De acordo com a legislação não mais se pode aceitar tal irregularidade. Pessoal (administrativo, técnico e pedagógico) e todo o equipamento material devem estar adequados às finalidades educacionais a que essas instituições se propõem. A normatização exarada pelos órgãos do sistema escolar tem dado prazo para que a formação de docentes e profissionais da educação seja completada. Mas, passados quase dez anos da vigência da LDB muitas dessas instituições são, pejorativamente, chamadas pela imprensa “depósitos de crianças” ou “escolinhas de fundo de quintal”. É uma situação que precisa mudar, com urgência. 2.2.2. O Ensino Fundamental de 8 Anos A formação dos docentes para o Ensino Fundamental tem sua orientação geral no Título VI da LDB. Entretanto, a regulamentação dos dispositivos ainda está sendo discutida no Conselho Nacional de Educação. –Quais as formas de organização de formação de pessoal docente das 1as. Séries, da 1a. à 4a? da 5a. à 8a? e de Ensino Médio? Ainda há muitas proposições a respeito: formação em Curso de Pedagogia? Formação em Curso com ou sem Habilitações? - Quantos são os Institutos Superiores de Educação? Muito poucos. Mas essa situação deve sofrer mudanças. Enquanto elas vão acontecendo vive-se, ao mesmo tempo, com a convivência da legislação e de formação de profissionais, anteriores às novas propostas. Então, há um descompasso entre os 243 professores já formados e que estão trabalhando e o que a LDB está pretendendo.Encontra-se em discussão no Congresso Nacional Projeto de Lei que amplia o ensino fundamental para 9 anos de duração, a partir dos seis anos de idade. 2.2.3. A Formação De Especialistas Em Educação A Lei de Diretrizes e Bases introduz novos termos para se referir à formação de profissionais da educação para administração (administradores escolares, diretores de escola, dirigentes, gestores), planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional. São novos termos (apenas palavras que mudaram) para atividades educacionais existentes nos sistemas de ensino. Estabelece que a formação desses profissionais deva ser realizada em cursos de pós-graduação (lato sensu). Cada sistema de ensino estabelece a habiltação ou qualificação e as condições exigidas para o provimento das funções de especialista em educação. 3. ALGUMAS QUESTÕES REFERENTES AO TRABALHO NA ESCOLA A LDB propõe algumas normas bem claras para a sua organização. São três regras gerais que devem ser consideradas por aqueles que vão trabalhar na escola: • Proposta pedagógica; • Participação da Comunidade, decorrente do regime democrático; • Autonomia da Escola. 3.1. Proposta Pedagógica (Art. 12. I) Conforme o Professor José Mário Azanha sempre dizia: “Proposta pedagógica é o que nós queremos que a escola faça neste ano letivo. Qual o perfil que desejamos desenhar hoje para a nossa escola? Para fazer o quê? Quais são os objetivos que temos e como queremos ou podemos atingi-los? Estas questões cabem numa folha de papel”. Como se vê, é um trabalho coletivo. Geralmente, o que acontece na escola, no início do ano letivo, na reunião de planejamento escolar, após breve discussão sobre proposta pedagógica é deixar a tarefa para um colega ou um grupo de colegas. Ou utilizar um programa padrão (gravado em disquete). Subscrito por todos, aprovado e mandado para a Diretoria. È uma “proposta pedagógica” puramente formal sem compromisso de concretizá-la. Também se confunde Proposta Pedagógica com projetos ou planos de órgãos da administração (executar o Plano da Secretaria); ou com programas governamentais que podem ser incluídos como tarefas da rede escolar. 3.2. Participação da Comunidade (Art. 12. Vi). A LDB dá aos estabelecimentos de ensino a incumbência de “articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola”. A escola não pode mais desconhecer a comunidade onde se encontra. Então, não se trata de derrubar os altos muros que a cerca, tornando-a inacessível à população e, ao mesmo tempo, protegendo-a contra invasores em final da semana, depredando-a ou subtraindo-lhe equipamentos e materiais como os computadores. Envolver a comunidade, trazer pais e instituições sociais para colaborar com a escola de tal maneira que se tornem seus parceiros, não é fácil. Exige por parte dos dirigentes uma formação técnica que eles não têm. Trabalhar com o público pressupõe conhecimentos especializados de Relações Públicas e Humanas e de Comunicação, entre outros. Além disso, há por parte de certos educadores restrições à presença de “estranhos” (família e membros de organizações não-governamentais) nas atividades escolares, especialmente, nas pedagógicas. Consideram a educação como uma atividade técnica e que o seu exercício exige uma formação em curso profissional – que o magistério tem. E quem não é profissional da educação desconhece. Mas, apesar das dificuldades, são conhecidas inúmeras iniciativas de profissionais da educação que mobilizam a comunidade para participar do processo educacional e do ensino-aprendizagem e para atividades de preservação do equipamento escolar (edifício, móveis e utensílios escolares). Elas têm apresentado muito sucesso na melhoria das condições de funcionamento da escola, inclusive nos resultados pedagógicos referentes à questão do ensino-aprendizagem. 244 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 3.3. Autonomia da Escola (Art. 15) A LDB estabelece que “Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”. Este artigo decorre dos princípios constitucionais que dispõem sobre o regime democrático. Uma de suas características é a descentralização do poder. Os regimes totalitários são centralizadores; a democracia, por definição, tem que acreditar nas instituições e nas pessoas que nelas atuam. E por isso, devem ser dadas condições de autonomia às escolas, aos professores e aos que nelas atuam. Nossas escolas públicas ainda não conseguiram atingir o grau de autonomia que as escolas privadas têm. A herança centralizadora ainda inibe a conquista da liberdade obtida pelas unidades escolares de educação básica para a gestão democrática. Outro dispositivo que favorece o exercício da autonomia da escola está proposto no parágrafo 1o, do Art. 88 da LDB que determina: “As instituições educacionais adaptarão seus estatutos e regimentos aos dispositivos desta Lei e às normas dos respectivos sistemas de ensino, nos prazos por estes estabelecidos”. O Conselho Municipal de Educação de São Paulo estabeleceu as diretrizes para a elaboração do Regimento Escolar das instituições escolares jurisdicionadas ao Sistema Municipal de Ensino (Indicação CME No 04/97 e Deliberação CME 03/97). Logo no primeiro item dessa Indicação se lê: “O uso dessa competência faz com que os princípios da autonomia e da flexibilidade pedagógica de cada escola se realizem na prática”. A responsabilidade para a implantação da escola autônoma não é dos órgãos administrativos do Sistema, nem dos órgãos técnicos como a supervisão e a coordenação pedagógica. Não! Ou os estabelecimentos de ensino, seus docentes e seu corpo técnico-administrativo assumem as incumbências que lhes dá a LDB (arts. 12 a 15) ou então nunca será instituída a autonomia. Não existem normas para a autonomia. A Lei estabelece para as escolas públicas uma única restrição, de ordem orçamentária e financeira, para a qual existe legislação específica. Mas, já se têm providências para que a escola possa gozar de autonomia financeira. É o caso do Programa de Dinheiro Direto à Escola. Também neste assunto as escolas particulares não possuem total liberdade: obtida a autorização de funcionamento e obedecidas às normas educacionais elas são autônomas, para a execução de sua proposta pedagógica e de todas as suas próprias atividades. 4. OS PROGRAMAS DE CAPACITAÇÃO DO MAGISTÉRIO Tendo em vista a necessidade de se ampliar o nível de formação do magistério e prover a sua constante atualização, a legislação e as políticas públicas de educação vêm propondo a realização de cursos de longa e curta duração, presenciais, semi-presenciais e a distância, com a utilização de técnicas específicas. A realização desses cursos não fica restrita a iniciativas do Poder Público. Associações do Magistério têm promovido reuniões (Congressos, Seminários) de Educação; Instituições de Ensino Superior mantêm Cursos de Especialização; Organismos governamentais proporcionam bolsas de estudo ou condições para freqüência aos cursos. Mas, cada professor deve se responsabilizar por seu preparo, a cada dia. Acompanhar pela imprensa os artigos especializados sobre a educação, como os do Gilberto Dimenstein e da Rosely Sayão e outros. Habituar-se às leituras sobre os fatos que acontecem nas escolas. E hoje não há mais a possibilidade de não se ler jornais diariamente. Pois, o que acontece no mundo interfere em nosso cotidiano escolar. Os programas de formação preconizados em Declarações educacionais compreendem, obrigatoriamente, programas de capacitação ao longo da vida toda. 4.1. Alguns Recentes Programas de Capacitação A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo tem desenvolvido Programas de Capacitação de seu Magistério pelos seus órgãos técnicos e, também, com instituições conveniadas, com universidades públicas e privadas. Muitos desses Programas têm produzido importantes Relatórios e Livros que se encontram à disposição de professores, pessoal técnico e administrativo da rede escolar. 245 A SME em convênio com a FIA – Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo desenvolveu diversos cursos de treinamento de diretores de escola, no denominado Programa de Melhoria do Desempenho da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Esses cursos resultaram em trabalhos publicados como “O Papel Gerencial da Escola”, (SME/FIA-USP, s/d) e “A Participação da Comunidade na Escola” (SME/FIAUSP) elaborado por professores e diretores de escolas municipais. Esse Programa, coordenado pelo Professor Hélio Janny Teixeira da Faculdade de Economia e Administração da USP, também proporcionou a publicação de seu livro “Da Administração Geral à Administração Escolar-Uma revalorização do Papel do Diretor da Escola Pública” (São Paulo: Edit. E.Blücher, 2003). Com o objetivo de contribuir para a formação continuada dos quadros dirigentes da Secretaria, em colaboração com a FAFE-Fundação de Apoio à Faculdade de Educação da USP foi realizado Seminário cujas palestras estão publicadas no livro “O Ensino Municipal e a Educação Brasileira” (FAFE-SME, 1999). Em convênio com a Faculdade de Educação da USP foram realizados diversos cursos, alguns com o objetivo de preparar os profissionais das escolas para a elaboração de seus Projetos Político-Pedagógicos. As atividades desenvolvidas nesses cursos estão publicadas, especialmente, em duas obras, ambas coordenadas pela Professora Doutora Anna Maria Pessoa de Carvalho, da FEUSP. “Formação Continuada de Professores-uma Releitura das Áreas de Conteúdo” (São Paulo: Thomson, 2003). “Ensino de Ciências-Unindo a Pesquisa e a Prática” (São Paulo: Thomson, 2004). Outros programas foram desenvolvidos com entidades privadas, como a PUC-Universidade Católica de São Paulo. Na UNICID-Universidade de São Paulo desde 1999 vêm sendo realizados cursos de extensão universitária destinados ao pessoal da rede escolar com a finalidade de promover a sua capacitação com a atualização de temas educacionais. As palestras apresentadas nesses cursos pelos docentes do Programa de Mestrado em Educação estão publicadas. “Interdisciplinaridade-Formação de Profissionais da Educação”, organizado pela Professora Doutora Ana Gracinda Queluz (São Paulo: Pioneira, 2000); “Revisitando a Prática Docente-Interdisciplinaridade, Políticas Públicas e Formação” (São Paulo, Thomson, 2003) coordenado por Meneses J.G.C. e Batista, S.H.S.S, ; “Revisitando o Saber e o Fazer Docente”, coordenado por Peterossi, H.G. e Meneses, J.G.C. Além dessas obras, frutos dos cursos de capacitação ministrados, o Professor Doutor Jair Militão da Silva publicou “Como fazer trabalho comunitário?” (São Paulo: Paulus, 2003) e o Professor Doutor Júlio Gomes Almeida” Como se faz Escola Aberta ?- experiência de abertura de uma escola na periferia de São Paulo” (São Paulo: Paulus, 2005). Como se nota há grande número de iniciativas visando à capacitação continuada do magistério. 5. CONCLUSÃO - O MAGISTÉRIO EM BUSCA DE NOVAS PERSPECTIVAS 5.1. Ultimamente os termos capacitação e valorização do magistério têm aparecido juntos. Certamente, a valorização salarial, que todos consideram da maior importância, dependerá, cada vez mais, de sua maior e melhor capacitação. As propostas governamentais, dos programas dos partidos políticos e das associações de classe sempre foram válidas. Mas, possivelmente, a luta pela valorização do magistério não depende exclusivamente nem de órgão público, nem das associações e sindicatos profissionais Depende muito mais do trabalho e do desempenho individual. Então, - Quais são as perspectivas que se apresentam no momento para o magistério? Tudo está a indicar que as perspectivas são estas: quanto mais eficiente for a escola, mais valorizados serão os profissionais de educação. Assim, a questão da capacitação do magistério não é apenas uma questão da aplicação da Constituição Federal, de Emendas Constitucionais e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 5.2. Os mais recentes estudos sobre a valorização profissional e salário do magistério apontam para a correlação entre formação diferenciada do magistério e o reconhecimento social da importância de seu trabalho. A valorização social virá antes da valorização profissional e será cada vez mais reforçada na medida em que a escola for, também, valorizada pela comunidade. 246 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Evidentemente, isso vai exigir esforço. Todos vivem dizendo: “Estamos numa sociedade de mudança!”. Mas, mudar é muito difícil. Pois exige mudanças de comportamento pessoal e de arraigadas convicções. É muito fácil dizer: “Eu preciso mudar. “Você precisa mudar”. “A escola precisa mudar”. Mas se não mudarmos a nós mesmos, não conseguiremos mudar nada. 247 Classificação Indicativa de Programas de TV e Diversões Públicas Anderson de Oliveira Alarcon Ministério da Justiça Quero agradecer o convite da Secretaria. Estamos no Ministério da Justiça realizando um amplo processo de regulamentação da nova Classificação Indicativa. Como sabemos, a censura foi abolida definitivamente, o que não significou emprestar ao direito de liberdade de expressão a categoria de direito absoluto. A Constituição, para atuar em defesa das crianças e dos adolescentes, previu, em seu texto, o dever do Estado de exercer a classificação indicativa de diversões públicas e de programas de rádio e televisão. O processo de regulamentação da Nova Classificação Indicativa desenvolve-se em 4 etapas: • Constituição de um Grupo de Trabalho em Brasília, composto por especialistas em comunicação, criança e adolescente; educadores; representantes das emissoras de televisão aberta e por assinatura; e membros do Estado que, debateram algumas questões, resultando daí alguns subsídios. • Um amplo processo de consulta pública, por todo o país, ouvindo a população sobre as novas regras de classificação indicativa, ainda em curso e com término previsto para dezembro de 2005. • Especialização dos dados e subsídios resultantes das demais etapas, com a participação de educadores e outros especialistas que vão ajudar na consolidação de uma minuta de texto normativo válido para todo o país, estabelecendo as novas regras da classificação indicativa. • Publicação das novas normas e Campanha de Divulgação. A classificação não se confunde, em nenhum momento, com a censura. É importante ressaltar que no estado democrático de direito, devem existir formas de controle sobre a comunicação social para atendimento das finalidades constitucionais, educativas, artísticas, informativas, culturais etc. a fim de, sobretudo, promover a cultura nacional, respeitando valores éticos e sociais. Quais são os critérios que norteiam esse controle? Se toda censura é controle, nem todo controle é censura. É preciso compreender que a distinção entre um e outro não está na substância, nas intenções de quem os pratica, mas na forma, no procedimento. É o procedimento que garante o contraditório, a ampla defesa, e que as pessoas participem do processo. A classificação é indicativa: é apenas sob essa condição que está na Constituição. A classificação indicativa é uma norma constitucional, processual, que resulta do equilíbrio entre outras duas normas: o direito à liberdade de expressão e o dever de proteção absoluta a crianças e adolescentes. Resulta daí um duplo comando: pesa sobre o Ministério da Justiça o dever de exercer a classificação indicativa e exige-se da sociedade e emissoras que se respeite e veicule essa classificação. Alguns aspectos normativos que regem essa atividade: • Há um decreto autônomo do presidente da República, que delega ao Ministério da Justiça, que tem o compromisso histórico de defender e proteger a criança e o adolescente, a responsabilidade de organizar as atividades do Ministério, entre elas, a classificação indicativa. • Ligado a esse decreto, há um conjunto de portarias que regula essa atividade. 248 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO • Ao lado desse decreto, há a lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que disciplina o que determina a Constituição Federal (já reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 392-5 DF), há também a lei que nos possibilita, neste momento, a promover esse debate, qual seja a Lei 10.359 de 2000, que trata da necessidade dos aparelhos de TV possuírem um dispositivo de bloqueio (o V-Chip - violence chip), bem como a necessidade de proceder à classificação indicativa ouvindo as emissoras interessadas. A questão que se coloca é: Que critério é usado para classificar? Como classificar um programa dizendo que ele e inadequado? Para responder a esse desafio, a nova gestão dedicou-se à qualificação do trabalho, reformulando seus critérios. Anteriormente, a classificação se fazia da seguinte forma: existia uma tabela com um conjunto de descrições e se, no filme, ou programa aparecesse uma cena que se identificasse com alguma descrição da tabela, fazia-se uma correspondência direta com uma faixa horária e uma faixa etária para aquele programa. Antigamente, classificavam-se programas por critérios do tipo “desvirtuamento de valores morais e éticos e conflitos psicológicos”. Isso além de não funcionar, mascarava preconceitos. Essa tabela não existe mais e deu lugar a um método triangular de análise. Por isso, a classificação indicativa configura-se por um método que pode oferecer uma análise objetiva qualificada, com a subjetividade controlada e que passa necessariamente por um procedimento. Atualmente, os procedimentos para classificação indicativa são 3: • Descrição fática: a análise descritiva e figurativa do conteúdo; • Descrição temática: contextualiza o conteúdo e identifica temas; • Gradação. Ao observar como esses temas são tratados, é possível avaliar de que forma estão expressos na obra, no espetáculo, os princípios constitucionais que regem o nosso país e a gradação, constituindo-se por tendências, que podem ser relativizadas. A tendência para indicação para 18 anos, por exemplo, está contida na definição a seguir: “tendem a ser considerados como inadequados para menores de 18 anos obras e espetáculos que contenham sexo explícito, pornografia, violência excessiva, tortura, estupro, apologia ao consumo de drogas, assassinato, mutilação, exposição detalhada de cadáver, suicídio etc.” Tratando-se de TV, essa tendência representa, também, a classificação, a indicação como programa não recomendado para antes das 23:00 horas e, no caso de sexo explícito e programa pornográfico, para antes das 24:00 horas. A classificação indicativa também abrange teatro, jogos eletrônicos, filmes para cinema, DVD, vídeo, jogos de RPG. Perguntamos em nossa consulta pública: a população quer que, na televisão, assim como no cinema, se acrescente a faixa etária de 10 anos? Esta questão representa uma novidade para a TV. Finalmente, quem analisa? A responsabilidade é do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, que pertence à Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, vinculado à defesa e proteção da criança e do adolescente. É composto por um grupo multidisciplinar de 20 analistas, entre eles, advogados, psicólogos, administradores, comunicadores sociais, filósofos, publicitários, especialistas em letras, artes cênicas, pedagogos. 249 A seleção é feita inicialmente pela análise de currículo. Não há concurso. A vantagem é ter uma equipe sempre renovada e qualificada. Os analistas participam de um treinamento e assumem uma série de compromissos, tais como não reproduzir fitas ou jogos pra uso pessoal, participar de oficinas de reciclagem, aplicar como critério de classificação a proteção e defesa da criança e adolescente. As atribuições complementares da classificação indicativa são a classificação propriamente dita (a emissora submete o programa para a classificação do Ministério) e o monitoramento de todo horário livre da TV aberta. Ainda não monitoramos a TV por assinatura, pois não temos estrutura para tal. Verificar a ocorrência de novas e eventuais inadequações, se os programas que são exibidos estão de acordo com o horário para serem transmitidos e se estão divulgando a classificação atribuída. Hoje, sabe-se que isso não está ocorrendo como deveria, o que dificulta às pessoas o entendimento de nosso trabalho. O questionário que está veiculado pela Internet faz uma pergunta bastante importante para a população: se o horário de proteção à criança, que hoje vai das 06:00 às 21:00 horas, deve ser ampliado. Há, também a questão do fuso horário: hoje isso ainda não está regulamentado; assim, um filme com conteúdo pornográfico que é exibido em São Paulo às 23:00 vai passar, em Manaus, às 21:00. Essa questão é colocada ao público. A classificação indicativa é nada mais que um instrumento de informação de utilidade pública, de caráter pedagógico dirigido à sociedade, educadores, pais, professores. Não é proibitiva, mas somente indicativa. Sugere o debate, entre os educadores, dos pais com seus filhos etc. Há uma novidade: a classificação, além de sinalizar a tendência, explicita o conteúdo do programa. Por exemplo: “O programa é inadequado para menores de 18 anos porque contém cenas de violência excessiva e relação sexual. O tema é violência contra a mulher”. Precisamos inserir esse tema nas escolas, entre os educadores e a população em geral. Está em debate, atualmente, quando deve ser colocado o símbolo indicativo: se no início do programa, nos intervalos, com que periodicidade, se deve ou não aparecer durante o programa etc. A classificação indicativa não tem o poder de suspender o programa ou aplicar multas, não tem poder sancionador, de punição. Isso nos distingue da censura e nos caracteriza como um instrumento pedagógico. Ela também contribui para o debate da democratização das comunicações sociais e, indiretamente, para a qualificação dos programas de TV. Neste novo modelo de classificação, a atuação em rede e a presença dos educadores é essencial para que a natureza pedagógica, democrática e educativa da classificação seja a verdadeira característica e utilidade colocada em prol da sociedade para uma melhor promoção e defesa dos direitos de nossas crianças e adolescentes. O Ministério da Justiça está à disposição para atuar em conjunto com escolas e educadores do País. www.mj.gov.br/classificacao 250 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Questão da Educação Informática para Crianças e Adolescentes Alessandro Dell’Aira Consulado Geral da Itália Diretor do Departamento de Educação Primeiramente, tenho que explicar o que é pós-escola: trata-se do tempo escolar no qual a prática e a teoria da informática e da telemática podem ser ensinadas e as respectivas competências desenvolvidas facilitando muito a aprendizagem, fora do tempo escolar regular. A informática é a elaboração digital de informações de forma ordenada, de textos, imagens, hipertextos. A telemática é o intercâmbio de arquivos, é a transmissão, à distância, dos arquivos. O professor é um facilitador e assim deve ser, sobretudo no caso do pós-escola. O futuro da tecnologia de informação fica nas mãos dos meninos de hoje. Eles serão, depois, os usuários, os experimentadores. O problema é que a escola fica sempre nas mãos do educador. Portanto, o educador não pode desconhecer essa temática, essa teoria, a prática e a filosofia do uso dessa tecnologia. O Conselho Europeu é um organismo do qual fazem parte os chefes de Estado e de governo de cada País da União Européia, cujo objetivo é, também, intercambiar idéias, harmonizar e integrar, em alguns casos, experiências e competências nas escolas. Houve em Lisboa, em 2000, um Conselho Europeu extraordinário para uma Europa da inovação e do conhecimento, muito importante para a harmonização e a integração dos sistemas de educação europeus, sobretudo sobre a tecnologia informática. Discutiu-se a modernização dos sistemas de educação europeus, investindo no capital humano e na constituição de um estado de bem-estar. Isso quer dizer que a escola não pode ser mais somente uma instituição que pertence rigidamente a um sistema: tem que ser autônoma e, ao mesmo tempo, integrada com o sistema nacional e com o sistema europeu; tem que fazer propostas, tem que ter a participação da comunidade. Anotei, aqui, algumas questões importantes que podem ser úteis para a modernização de um modelo social da escola, para o investimento em capital humano e, sobretudo, para a constituição de um estado de bemestar. As escolas e os centros de formação conectados à Internet deveriam: • Transformar-se em centros locais de aprendizagem polivalentes, acessíveis a todos. O tempo da escola é o tempo da formação contínua, até dos idosos. Não se pode falar em desescolarização, não se pode fechar as escolas. • Utilizar os métodos mais adequados para dirigir-se a um grupo amplo de destinatários, não somente a crianças e adolescentes. • Estabelecer, para benefício mútuo, comunidades de aprendizagem entre escolas, centros de formação e de investigação , agências educativas, empresas, com vistas à criação, no entorno escolar, de um sistema formativo integrado, em que a escola não seja o centro, pois um sistema não tem centro, mas ocupe o seu lugar e desempenhe o seu papel apropriado. A tecnologia é uma influência positiva ou negativa na aprendizagem? Na verdade esta é uma pergunta falaciosa, porque cada coisa pode influenciar positiva ou negativamente a aprendizagem. O uso da tecnologia que se faz na escola é o que determina a boa qualidade da educação, da instrução e da formação. A educação é uma capacidade para transmitir e elaborar valores, envolve a família e a comunidade inteira. A formação é muito complexa, específica: são capacidades e habilidades aplicadas à solução de problemas. Solucionar problemas, e transmitir os métodos da solução de problemas, é muito importante. O que as crianças pretendem dos educadores? Esta pergunta é mais importante do que definir o que são educadores. O mau uso da tecnologia é o verdadeiro perigo. O mau uso do tempo, no computador, é um problema sério na escola. 251 Associar-se é muito importante entre os alunos, e a tecnologia pode ajudar na socialização. Para a escola primária, as operações são simples: colocar em função o computador, a apresentação e instalação do software, a elaboração de pequenos textos e desenhos, sem esquecer as operações manuais. E, sobretudo, a recomendação de transmitir o know-how sem matar a criatividade dos alunos. Há o momento em que a escola tem que decidir qual é o educador que vai acompanhar o aluno na faixa do 7 e 8o ano de escolaridade. É melhor que seja um professor de ciências, porque a aprendizagem deve ser formal, sucessiva. Nesta fase, deve-se transformar os saberes em saber que deve ser compartilhado. o Qual e quanta informática deve ser introduzida na escola? A informática deve ser uma disciplina em si, ou de apoio às outras? Deve ser usada a informática teórica ou a aplicada? Como deve ser a formação dos docentes? Como atuar na escola? • É um método estruturado: “Não há gramática, há prática”. É importante que o aluno perceba seu papel de autonomia e criatividade. • Deve-se promover o autocontrole. Isso quer dizer que deve haver o uso produtivo do computador, lembrando que é um instrumento interativo. O uso deve acontecer sem prejuízo do tempo. Por isso, deve haver um responsável pelo uso ou mau uso do computador. • É necessário fazer a manutenção do equipamento. • Não se deve esquecer a manualidade, apesar de se incentivar o uso do computador. Como deveriam ser os educadores na visão dos jovens? Diz uma pesquisa aplicada ao pós-escola: • Para 23%, deve ser “uma pessoa com quem eu possa falar à vontade” • Para 20%, “uma pessoa que me ajude a aprender as coisas” • Para 20%, “uma pessoa que me ajude a me divertir” • Para 19%; “um bom organizador de festas” • Para 18%, “uma pessoa que seja um exemplo para mim” O educador deve ser muito controlado, mas também muito espontâneo, e a informática educativa deve ser, para nós, educadores, em qualquer ponto da carreira, sistemática, embora divertida e não formalista. 252 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Missão do Educador: Arte e Educação Maria Aparecida Alcântara Coordenadora do Programa Especial de Formação de Professores e do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Agradecemos o convite recebido pela Secretaria da Educação do Município da Cidade de São Paulo, para apresentar algumas experiências profissionais de Arte e Educação na área da educação pública da capital. Inicialmente neste nosso encontro faremos a apresentação de algumas experiências profissionais no magistério públicos estadual decorrentes da realização dos cursos em Licenciatura em Desenho e História da Arte, Licenciatura em Educação Artística e História da Arte, e Pedagogia, entre outros, sendo o mestrado foi realizado nas áreas da Educação Arte e Cultura. Profissionalmente atuamos como alfabetizadora, professora de Desenho, Artes Plásticas na Educação Básica, e no ensino superior, exercemos a função docente nas disciplinas pedagógicas em diversos cursos de licenciatura e de especialização. No transcorrer de nossas atividades profissionais nos inserimos numa trajetória contínua de aprendizagem, até quando Deus assim o permitir!. Apaixonamos-nos cada vez mais pela profissão, assumindo sempre que possível, os desafios que ela nos proporciona, e que não são poucos. Aprendemos continuamente a buscar o entendimento sobre fundamentos conceituais da área educacional fundamentais para o exercício profissional do educador que sempre pretendemos exercer. Os questionamentos naturalmente foram surgindo: como criar processos inovadores voltados para a promoção da aprendizagem, da organização das informações, da construção de conhecimentos e da criatividade pelos nossos estudantes? Como viabilizar um processo de aprendizagem que possa despertar produções criativas por parte dos alunos? Com construir um repertório teórico-prático, conceitual e educacional que possa dar o suporte necessário às minhas ações docentes? São questionamentos como estes e tantos outros, que nos sempre estimularam o exercício profissional. Procuramos refletir continuamente sobre a construção do papel do professor, educador. Cury1, é muito feliz quando ressalta que os desempenhos de bons professores concorrem para educar para uma profissão, enquanto os professores fascinantes educam para a vida. O educador transcende ao conceito de atuação de professor, já que em sua atuação há constante preocupação voltada não apenas para possibilitar a aprendizagem de conteúdos necessários, mas, especialmente visa contribuir para a formação da cidadania do sujeito. Segundo Perrenoud2, educar para a cidadania é fundamental a promoção da apropriação dos saberes, da razão crítica e o exercício democrático responsável. O professor enquanto educador é uma espécie de artista em sua atuação visando desenvolver criativamente um trabalho educacional interativo, dinâmico, sensibilizador, instigando a participação dos alunos, tendo estes como coadjuvantes de um trabalho a ser produzido com as marcas singulares da sua criação. Para criar, o aluno precisa ser estimulado por conteúdos geradores da promoção de leitura crítica e reflexiva de mundo, da realidade observada, e, com as marcas de sua sensibilidade, capacidade crítica e criativa, passando pela observação, análise e interpretação expressiva, traduzindo expressivamente estes conteúdos pelos caminhos da arte, pela linguagem presentacional. Para a efetivação deste processo, o professor criativo, recorre à construção de processos estimuladores sensibilizadores, para o aluno realizar prazerosamente a leitura, releitura e interpretação da realidade, deixando em suas produções as marcas de sua concepção criativa. A escola deve proporcionar de forma possível, o máximo de intercâmbios entre as diferentes áreas do conhecimento. Como continuar a trabalhar de forma compartimentalizada, quando o ser humano tem a necessidade de inter-relacionar os conteúdos para a construção de seus conhecimentos, já que quanto mais aberto 1 – in Augusto Cury em Pais brilhantes, professores fascinantes, Sextante,p.79, 2003. 2 – in Philippe Perrenoud em Escola e cidadania: o papel da escola na formação para a democracia, ARTMED p.30, 2005. 253 estiver aos inúmeros estímulos, tanto poderá ampliar a riqueza de suas criações expressivas na linguagem proposta como desenhar, pintar, cantar, dançar, escrever, representar etc. Entendo que não há existência dom, para criar, mas sim que todos trazem um potencial humano a ser estimulado por estímulos geradores para desvelar o seu potencial criativo. O estímulo gerador pode ser um toque, uma palavra, um som, um aroma, um sensação, levando o aluno a pensar, a imaginar e criar. “Um olhar atento sobre a vida e o tempo revela as inúmeras linguagens que acompanham o cotidiano, mas a escola, em geral, aprisiona-se nos limites estreitos de uma ou, quando muito apenas duas linguagens.” 3 O trabalho docente sempre que possível deverá propiciar ao aluno, o sentir, a distinguir cheiro, sabor; sons, sabores, estimular os sentidos a serem despertados para a leitura de seu ambiente pelas diferentes formas de linguagens expressivas. Há pessoas “enrijecidas” tendo dificuldades em se expressar em determinadas situações. É pelo estímulo do diálogo com a realidade, que o ser humano passa a interagir com a realidade, construindo processos expressivos e contribuindo para à superação das dificuldades. A construção do conhecimento resultante da interação entre o sujeito e o “sujeito-objeto”4 foco da atenção do aluno, desperta as possíveis trocas do organismo com o meio, pela abstração reflexionante e progressiva, predominando sobre o processo de leitura mecânica, construindo gradativamente a leitura perceptiva. Assim sendo, o saber não vem simplesmente da prática, mas decorre da prática reflexionante. Segundo Becker seria uma ingenuidade pensar que o saber tem a sua origem da prática, pois de fato é decorrente da práxis reflexiva. Praticar, refletir, tornar a analisar a expressão, explorar o uso da palavra, do gesto, da solidariedade, representam algumas das condições imprescindíveis para acionar no ser humano a percepção, razão e emoção de forma mais sensível e produtiva. A intervenção do professor deve sempre estar visando adotar procedimentos didáticos para proporcionar informações significativas à construção de conhecimentos, a partir de estímulos, situações que concorrem para o repensar da prática, da reconstrução contínua dos conhecimentos, já que as informações gradativamente organizadas vão passando para a fase da construção do conhecimento. A organização da sala de aula é outro fator relevante para facilitar a interatividade, a integração, as intervenções, os questionamentos, quando numa disposição circular facilitadora do processo participativo e criativo. Qual o desafio do professor de arte em especial? Ao nosso entender, facilita a comunicação, o processo interativo professor e aluno, a sensibilização, na construção de um clima propício para o aluno sentir, imaginar, interiorizar, questionar, interpretar, trocar, e melhorando a sua participação nas propostas do professor. Esta organização associada ao desempenho docente adequado, facilita as inter-relações necessárias, atendendo ou mesmo promovendo os interesses dos alunos, com o foco das essencialidades previstas. No curso de formação de professores que coordenamos, o trabalho docente é resultante da construção gradativa da interatividade, favorecendo, a inter-relação entre os componentes curriculares, despertando o interesse para o estabelecimento das relações pertinentes entre as disciplinas, representando passos iniciais de um processo que esperamos consolidar, a desejada interdisciplinaridade. Embora exista por parte do estudante sempre uma tendência para esta ou aquela disciplina, o que é muito normal a sadia relação aluno-professor, facilita de forma oportuna a inter-relação entre as disciplinas. Ao iniciarmos as nossas atividades docentes na Escola Estadual Gonçalves Dias, como professora de arte e desenho, reorganizamos a programação das séries iniciais do então ginásio, começando a pleitear o uso da sala-ambiente destinada a arte, que estava ociosa, preservando a sua conservação. Assim que tivemos a possibilidade de realizar as nossas aulas na sala ambiente, reunimos pais e mães para ouvirmos as sugestões no sentido de garantirmos a preservação do ambiente e mobiliário. Sugeriram a confecção de capas para a proteção das pranchetas, que estavam sem uso há um bom tempo. 3 – in Celso Antunes em Como transformar informações em conhecimento, Vozes, p.21, 2.001. 4 – Expressão utilizada por Fernando Becker em Educação e construção do conhecimento, Artmed, p.59, 2001. 254 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Começamos a desenvolver processos de sensibilização, relaxamento, ao som de músicas clássicas inicialmente, e no transcorrer do processo, os alunos passaram a trabalhar ao som de músicas de suas preferências, atendendo as solicitações, para incluirmos além das músicas clássicas as da preferência da turma. O ambiente ia se tornando cada vez mais propício para o desenvolvimento das atividades de criação e interpretação expressiva. Prevíamos para o ano letivo uma programação com as necessidades de materiais que seriam utilizados nas aulas de artes plásticas, nas diferentes séries procurando evitar o transtorno em trazer e levar materiais que contribuíam para aumentar o peso do material escolar a ser transportado. Organizamos numa saleta junto à sala de aula, uma espécie de acervo de materiais a serem utilizados nas aulas, facilitando o acesso pelos alunos, e que em suas pranchetas, eram colocados antes da aula, contando com a colaboração de alunos voluntários, para nos ajudar nesta tarefa. Os materiais disponibilizados de acordo com a natureza do conteúdo do dia a ser desenvolvido, davam muito trabalho, mas um bom grupo de ajudantes voluntários tornaram viável o processo. Organizamos o acervo, para facilitar o acesso aos materiais pela organização classificada por categoria de material, como tintas, pincéis, tipos de papel, etc., Embora o processo sobrecarregasse o professor, a colaboração de voluntários, foi fundamental para o processo. Colegas que exerciam atividades artísticas, em seus momentos disponíveis, e quando da existência de lugares disponíveis na sala, traziam seus trabalhos para realizar a sua produção. O processo de uso dos materiais tornou-se uma espécie de material comunitário solicitados para o cumprimento da programação. Tínhamos o controle da entrega dos materiais, com a data de entrega. Os materiais eram disponibilizados de acordo com o tema das aulas contando com a colaboração dos alunos voluntários. A colaboração das mães foi muito importante na adequação das salas, confeccionando capas para as pranchetas evitando causar danos ao mobiliário. Após deixar as aulas para assumir a direção, a sala permaneceu ativa, possibilitando aos colegas dar continuidade à organização. Criamos e montamos exposições de arte e depois se transformaram em Feira de Artes e Ciências. Os resultados quanto aos eventos merecem um capítulo à parte. O processo de criação e expressão realizado pelos alunos em Artes Plásticas, ou mesmo Desenho, era constituído de relaxamento, sensibilização ao som de músicas clássicas inicialmente trazidas por mim, e que no transcorrer do processo, os alunos passaran a sugerir as músicas Em busca da expressão dos alunos, começamos a instigá-los: “Como é seu quarto? A cama, os móveis? Desenhe seu quarto, sua cama etc” ao som de músicas de Beatles e Rolling Stones, e outras atendendo as suas preferências. Gradativamente, estabelecemos uma feliz interação professor-aluno. Exploramos temas: desenhar as fachadas de suas casas, passeios preferidos etc. Integramos com Português na apresentação de obras de escritores brasileiros pelas expressões das artes plásticas e cênicas desenvolvendo obras de literatura trabalhadas na disciplina de português. A técnicas e criatividade foram diversificando-se, de acordo com as experiências obtidas nas visitas às Bienais e Pré-Bienais (estas existiram num bom período!), visitas aos museus como o MAC, MASP, Galerias de Arte, cidade de Embu das Artes, Galerias, etc. Quanto às técnicas foram sendo introduzidas as dificuldades de forma gradativa, como lápis preto e coloridos, canetinhas hidrográficas de várias cores, de fácil uso evitando maiores dificuldades. Depois passamos para guache, aquarela, tela e pintura a tinta óleo de acordo com a opção dos alunos, ate �mesmo chegar em escultura em madeira. Entraram pela escultura de forma surpreendente. Em 1972, ganhamos três prêmios no Concurso Anchieta promovido pela Secretaria de Estado da Educação. Provocávamos sempre a criatividade da turma, explorando experiências do cotidiano.Nessa época, uma jornalista da Espanha realizou uma reportagem sobre os trabalhos dos alunos das séries iniciais do ginásio, ressaltando as vivas cores, as leituras criativas da realidade vivenciada, e o colorido acentuado, vivo e alegre dos jovens próprios de um país tropical e cheio de luz. Realizávamos viagens virtuais como a que especialmente agora passamos a comentar. Saímos da sala de aula, com lápis, borracha, prancheta e fomos nos reunimos numa área entre os corredores do prédio do ginásio, onde 255 havia alguns arbustos ou mesmo pequenas árvores que ainda cresceriam mais. Sentamos ao redor de uma das pequenas árvores e solicitamos que mantivessem os fechados, relaxassem ao som da suave música e liberassem a imaginação. Primeiramente solicitei se imaginassem estar encolhendo até ficarem bem pequenos, até podendo entrar num pequeno buraquinho numa das folhas, escorregando primeiramente pelo galho e depois pelo tronco da árvore, descendo, descendo, descendo até chegar na raiz. Suavemente perguntei-lhes o que sentiam, viam ou mesmo se havia algum cheiro. Pedi que observassem bem o que estavam encontrando. Deixamos uns poucos minutos somente com a música suave, e sussurrando estimulava-os a “observarem o ambiente que visitavam”, para não esquecerem nada. Muito pausadamente fomos orientando para que retomassem o caminha da volta, descrevendo o percurso inverso da vinda. Assim que puderam voltar à condição normal, aos poucos e muito lentamente abrissem os olhos e conforme estavam se sentindo a vontade, fossem um por vez tentando descrever as suas sensações, comentassem o seu passeio virtual. As revelações e opiniões de cada um foram diferenciadas, revelando uma “libertação” e “imaginação” decorrente dos estímulos recebidos. As revelações foram muito ricas, evolvendo sensações, emoções, que variaram desde a resistência e dificuldades de uma pequena minoria, até revelações impressionantes, como a visão de um rio lá embaixo da terra. Uma outra proposta fizemos em sala de aula , mas oposta a primeira proposta. Resumidamente era a de ficar muito mais leve, flutuar, voar, até enxergar a terra, mas passando por etapas, e depois retornarem e contarem as suas experiências virtuais, vendo a terra do espaço, etc. Estávamos estimulando os jovens a pensar, imaginar, criar, saindo um pouco da realidade, mas nunca deixando de relacionar posteriormente com a realidade, para que soubessem imaginar, criar, sem perder a noção da realidade vivida. As atividades eram muito valorizadas concorridas, mas muito conscientes da realidade, e a relação com a imaginação. Fomos a museus, ao Embu, apresentávamos slides de História da Arte, trouxemos e traziam artistas para comentar o processo de criação de suas obras.. As montagens e desmontagens de trabalhos para a feira de ciências e artes da escola Gonçalves Dias eram realizadas pelos alunos, e inauguradas no dia 10 de Agosto, dia do Patrono da Instituição. Os jovens desenvolviam temas criativos, diferente em todos os anos, tanto referente às instalações da sala, que gerava expectativa e se constituía sempre numa agradável surpresa, tornando-se um fator de expectativa da comunidade escolar. A professora que não devia saber antecipadamente de como seria a organização, decoração da sala projetada e efetivada por comissões de alunos, envolvendo criatividade e inovações em todos os anos da existência das Feiras de Arte e Ciências (FAC) do Gonçalves Dias, situado na zona norte de São Paulo. O evento fazia muito sucesso na tanto área das artes como das ciências. As escolas da região agendavam horários de visitas nos dias em que exposição estava programada, despertaram interesses da comunidade do entorno, dos bairros vizinhos, e especialmente dos alunos da instituição. Foram dias inesquecíveis àqueles vividos no Gonçalves Dias, e aqui apresentamos apenas um dos aspectos dessas experiências. 256 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Hoje Quem Conta a História Sou Eu Deborah Santos Soares da Silva Ganhadora do prêmio “Professor Nota 10” da Fundação Victor Civita Profa. da EMEI Jardim Monte Belo A escola situa-se numa região muito carente, na periferia de São Paulo. Começou como escola de latinha, passou a madeira e, há duas semanas ( inaugurada em 27/10/05) passou a ser de alvenaria. A população aposta muito na escola, que é a única opção de lazer da região e a comunidade lhe atribui grande valor como referência de cultura. Meus alunos são crianças de 4 anos, pela primeira vez na escola, chegando assustadas, inseguras, tentando acreditar no que suas famílias disseram sobre a importância da escola. Meu objetivo, primeiramente, era que as crianças criassem um vínculo comigo e com a escola e, usei para isso os contos de fadas. No momento em que se junta o grupo e começa a contar histórias, o medo fica menos intenso, baixa a ansiedade e, a curiosidade dirige a atenção para o mundo da imaginação. O olho no olho – os olhos de quem conta nos olhos de quem escuta – estabelece um vínculo que se fortalece à medida em que se constrói uma certa cumplicidade nas emoções.A magia dos contos de fadas foi meu ponto de apoio neste primeiro momento. Além dessa aproximação e confiança, queria que as crianças aprendessem a escutar atentamente uma história - escutar é uma habilidade a ser desenvolvida, ao contrário do que pode parecer – despertassem e alimentassem a imaginação, desenvolvessem o raciocínio e atentassem para a narrativa e a seqüência lógica de fatos. Queria também, que essas crianças se aproximassem da língua escrita. Considerando que a linguagem oral é o grande foco nesta fase da Educação Infantil, a próxima etapa foi orientada pelo objetivo de romper barreiras de comunicação – sentidas e observadas no grupo - e trabalhar para desenvolver a oralidade. Combinamos construir uma caixa de histórias para que, a partir da caixa, elas começassem a reproduzir oralmente as histórias conhecidas. Aquelas histórias que eram contadas passaram a ser lidas - quando contamos, nós transmitimos o conteúdo da história, mas colocamos as nossas marcas pessoais e quando lemos o texto se mantém constante e além do conteúdo, transmitimos características e propriedades da língua escrita – para que as crianças desenvolvessem um comportamento leitor e se apropriassem da linguagem escrita. Os contos de fadas foram apresentados em várias versões, sendo oferecido a elas a oportunidade de escolher. Começaram, então, a se tornar críticas e a estabelecer e identificar diferenças entre as versões. Houve uma votação e a história de que foi eleita para ser o tema da caixa de histórias foi “Chapeuzinho Vermelho”. Começamos a construir a caixa... Minha proposta foi que começassem pelo cenário, procurando estimular a imaginação delas com perguntas como: “Vamos fechar os olhos e pensar: Como é uma floresta ?/ O que existe na floresta?/ Como é a árvore?/ Tem mais alguma coisa ?/ Como é o céu da floresta? ”. Produzidas as ilustrações para o cenário, tivemos que ser seletivos. A princípio todos queriam colar tudo na caixa, mas após uma discussão sobre a questão de espaço, as crianças selecionaram o material, que foi recortado e colado na caixa de papelão. Abrimos aqui um parêntese para lembrar que as crianças não tinham experiência com os materiais como: giz de cera, caneta hidrográfica, cola, tesoura, etc... O primeiro passo antes da produção, propriamente dita, foi a apresentação do material e orientação de uso. 257 Durante as produções de desenho e ilustrações, os materiais ficavam disponíveis para que fossem utilizados segundo escolha das crianças. Aconteceu o mesmo com a produção e construção dos personagens, que foram depois recortados e colados em palitos de sorvete. Então, passamos a contar a história... Primeiro eu contei a história “Chapeuzinho Vermelho”, utilizando os fantoches de palito e usando a caixa a como cenário e depois, as crianças começaram a contar a história para o grupo: candidatavam-se e contavam a história respeitando os combinados. Posteriormente, deixei a caixa disponível nos cantinhos, para brincar de contar histórias, mas... Começaram as brigas: uma única caixa disputada por 35 crianças, no momento em que todas as atenções estavam voltadas para o mesmo objeto. Por essa razão, surgiu a proposta de que fizéssemos uma nova caixa. Desta vez, a história escolhida foi “João e Maria” e repetiu-se o processo de construção, agora com maior facilidade: as crianças já eram conhecedoras dos procedimentos envolvidos. Quando este trabalho foi classificado entre os 100 finalistas para o prêmio “professor nota 10”, uma das selecionadoras da Fundação Victor Civita solicitou que eu enviasse o material para ser analisado. Conversei com as crianças explicando que o que aconteceria com as caixas que haviam construído. Partimos então, para a construção de uma terceira... Na terceira caixa houve uma inovação: combinamos fazer uma caixa que servisse para todas as histórias. Após uma análise dos contextos onde a maioria dos contos de fadas conhecidos por eles se desenrolava, percebemos que o cenário de base poderia ser o mesmo. Foram construídos personagens variados e alguns lugares de referência para algumas histórias como a casinha de doces de “João e Maria”, a torre da “Rapunzel” e colocamos tudo dentro da mesma caixa. Na hora de contar a história, cada um escolhia de acordo com sua preferência. Foi muito bom perceber durante o percurso, que a participação das crianças aumentava efetivamente e a autonomia na utilização e escolha de materiais estava cada vez mais presente. Na medida em que produziam e o seu trabalho era valorizado, eles adquiriam autoconfiança. A ampliação e apropriação de vocabulário, a escuta atenta, o prazer de ouvir histórias, a escolha dos livros e o comportamento leitor, podem ser facilmente observados. Hoje, embora sem ler convencionalmente, ao manusear um livro procuram o índice, o autor, as páginas, e já têm um repertório, apesar da idade (4 a 5 anos). Por sugestão de uma das crianças, esta última caixa começou a ser levada para casa por elas. Fizemos um sorteio e uma lista com os nomes da turma para que todos pudessem levar a caixa pelo menos uma vez para sua casa. O inesperado foi o retorno das famílias: algumas entusiasmadas, outras emocionadas, outras “corujas”, falando-me sobre sua criança contando histórias para os pais e irmãos. A caixa está levando arte e literatura para as famílias. Nossos pequenos contadores de histórias são multiplicadores de cultura. 258 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PAPERS 259 O Papel da Leitura no Centro de Educação Infantil: Parlendas e Cantigas, Brincadeiras Rítmicas que Encantam, Divertem, Ensinam e Integram a Escola e a Família Professora: Deblas Pereira Silva Tavares de Souza – Grupo I Manhã. Coordenadora Pedagógica: Abigail Silva CEI Ver. Aloysio De Menezes Greenhalgh - Coordenadoria de Educação do Butantã Agosto mês do Folclore, mês em que devemos privilegiar o ensino das tradições que permeiam a nossa infância, e a nossa memória atávica, memória que nos une ao passado de nossos bisavós, avós e pais, memória perpetuada com ações e atividades que resgatam e constróem a identidade cultural do povo brasileiro. Mês em que dedicamos o nosso fazer pedagógico para festejar e resgatar um pouco das nossas tradições através das lendas, das cantigas de roda, das adivinhas, dos trava línguas e das parlendas. Época em que os aromas dos chás das vovós perfumam o ar misturados aos cheiros dos pratos típicos que havíamos degustado nas festas juninas e julinas e que permaneceram guardados em nossa memória gustativa e sensorial. Tempo de dançar ritmos com as sutilezas das cores da chita, das tramas dos chapéus de palha e das camisas xadrezes multicoloridas. Envoltos nesse clima de continuidade e busca das tradições, iniciamos o nossa trabalho sobre o folclore, em junho, cantando músicas de santos, entoando nossas vozes para fazer com que o balão subisse, enquanto a garoa ia caindo, outras vezes fazendo-o cair em nossa mão. Casando Antônio com a filha de João, ou pulando a fogueira com cuidado para não se queimar. Ao mesmo tempo ensaiamos os passos da tradicional quadrilha, então dançamos festejamos com as famílias em espaços cobertos com bandeirinhas de papel de seda das mais variadas cores e matizes. Então, agosto chegou e decidimos continuar resgatando as tradições brasileiras. Primeiro foram as lendas que povoaram o imaginário dos pequenos. Os sacis fizeram estripulias amarrando as crinas dos cavalos, roubando os cachimbos até serem presos na peneira ou em pirulitos de papel. A Iara, sereia lendária que encanta os jovens levando-os para o rio, se fez presente. Moças fotografadas e expostas nas revistas da moda emprestaram parte (tronco) de seus corpos para que completássemos com um rabo de peixe, ao qual cobrimos com escamas de papel laminado colorido. Ainda do mundo das águas emergiu dos rios brasileiros o boto cor-de-rosa, que na lenda contada se transformou em homem e se enamorou das jovens. Para que não saísse de nossas lembranças, foi por nós resgatado em sua forma original, e assim como fizemos com as sereias, foi coberto por escamas de isopor e depois pintado com guache cor-de-rosa e pincel. A mula sem cabeça, moça que namorou o padre, foi transformada em molde, contornada e pintada com as cores vibrantes dos gizes-de-cera. O Curupira afugentou os caçadores da mata, o Caipora defendeu a floresta, o Negrinho de Pastoreio de vela acesa ajudou a encontrar objetos perdidos, suas imagem foram personificadas em forma de desenhos aos quais olhávamos todos os dias, como quem olha um álbum de fotos antigas, efeito de um recurso mnemônico. Monteiro Lobato também se fez presente e a máscara da Emília, tradicional boneca de pano, também povoou o nosso estudo e contato com as tradições e as criações do imaginário popular. Entramos então, numa fase nova após uma reunião coletiva, onde decidimos continuar desenvolvendo o projeto folclore resgatando as tradições orais dando ênfase às cantigas, parlendas, trava-línguas e brinquedos populares (peteca, pipa de jornal, manipulação de fantoches). 260 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Passamos a recitar as parlendas e a cantar com gestual, cantigas conhecidas e outras desconhecidas que nos foram ensinadas pela professoras Aura e Luzia que haviam freqüentado o curso do Grupo Colméia, com Renata Meirelles, e muito tinham a nos repassar sobre o tema. As crianças passaram a dar atenção especial a recitação de parlendas revelando encanto e gosto ao fazê-lo, acompanhando num 1o momento a leitura feita em cartaz com imagens e letras das mesmas. Eram incentivadas a cantarem em casa para seus pais e a recitarem para que os seus familiares também aprendessem. A cada dia líamos e repetíamos dez parlendas, coletivamente formando um grande coro, outras vezes cada um repetia individualmente a parlenda que mais lhe agradava, acompanhadas ou não das ilustrações com trabalhos práticos com pintura, colagem, dobradura e desenho. Passados alguns dias as parlendas já faziam parte da vida de todos nós da sala e, mesmo sem serem solicitadas, eram recitadas durante algum momento da nossa convivência diária. Da mesma maneira as cantigas. Nelas o sol ia nascendo, a velhinha com a trouxa enorme de roupas lavava, torcia, secava, dobrava, passava, guardava a roupa que quanto mais limpa mais cheirava, outras vezes apresentavam a igrejinha com sua torrezinha a o sacristão tocando o sino ao som do bambalalão, noutras batíamos à porta do castelo da princesinha que desmaiava ao ver e sentir o cheiro do xixi de rato, em seguida sacudíamos nosso pé, coxa, bumbum, barriga, mão, nariz, cabeça para afastarmos a formiguinha teimosa que não se cansava de subir, logo depois cirandávamos, namorávamos com a pombinha branca, fazíamos doce de maracujá, procurávamos o galinho que se perdera, cantávamos o alecrim dourado que nascera no campo... e assim passávamos nossas manhãs brincando e cantando. Aprendidas, parlendas e cantigas foram ensinadas aos pais pelas crianças no dia da Festa da Primavera. As crianças vestidas com as cores do Brasil, cobertas com chita colorida estampadas com flores, afloraram convidando os pais para juntos comungarmos e valorizarmos a tradição cultural oral do povo brasileiro cantando cantigas e repetindo as parlendas. Batatinha quando nasce..., Serra, serra serrador..., Pisei na pedrinha..., O ursinho tem pata de veludo..., Uni duni tê..., Um dois feijão com arroz..., A galinha do vizinho bota ovo amarelinho..., Quem cochicha o rabo espicha..., Fui passar na pinguelinha..., Janela, janelinha..., Hoje é Domingo pé de cachimbo..., ecoando vozes com os sons da terra, com o tom das tradições culturais passadas de pai para filho saudamos o folclore brasileiro nas matizes das flores da primavera. Com essas ações procuramos resgatar valores, unir a comunidade à escola e valorizar a máxima que norteia a filosofia educacional no CEI, “Quem educa cuida, quem cuida educa” inserindo os cidadãos brasileiros desde a mais tenra idade a diversão rítmica, à ampliação do vocabulário, treinando habilidades e a motricidade individual e coletivamente, reunindo-nos para sociabilizar a cultura que nos pertence, colocando em prática nosso Projeto Estratégico de ação: “A leitura de mundo antecede a leitura da palavra”. As crianças do Cei. Ver. Aloysio de Menezes Greenhalgh ampliaram de forma lúdica seu acervo de palavras, conhecendo a estrutura de parlendas e as brincadeiras de roda, mesmo antes de conhecerem todas as letras, onde ampliaram a coordenação motora, ampla, fina e grossa, através de atividades plásticas que foram expostas nas paredes da escola e das cantigas e brincadeira do folclore brasileiro, que apresentaram à comunidade convidando-a a fazer parte da roda. Com a música “A Lavadeira” construíram oralmente uma seqüência didática cantada, ordenando os fatos, pois a lavadeira esfrega, depois enxágua, torce, pendura para secar, recolhe, dobra, passa e no final guarda, ampliando assim seu conhecimento sobre a estrutura da nossa língua portuguesa. Configuramos desta forma um contexto de letramento, para que as crianças ampliassem a visão de mundo, estimulando o desejo por outras leituras, exercitando a fantasia e a imaginação, desenvolvendo estratégias de leitura através de imagem, ampliando a familiaridade com os textos, ampliando os repertórios textuais, orais e de conteúdo para a produção própria de textos orais (recontos ou criação) e futuramente escritos ou reescritos. Esperamos que com todo este acervo literário interiorizado nas crianças de forma tão prazerosa, o processo definitivo de alfabetização seja tranqüilo, e ocorra de forma natural. 261 Acantonamento: “Uma Vivência Noturna” Alessandra Borges Norinho Maria Aparecida Leal Puccio CEI Casa Verde PROJETO: UMA VIVÊNCIA NOTURNA NUM CEI MUNICIPAL ATIVIDADE Acantonamento “Uma Vivência Noturna” TURMA Crianças de 4 a 6 Anos OBJETIVO • Promover a autonomia, a socialização e a integração das crianças. • Propiciar o desenvolvimento global das crianças: cognitivo, afetivo e psicomotor. • Despertar a criatividade, a imaginação e prazer, através do lúdico. DESENVOLVIMENTO A criança permanece no CEI durante a noite, participando de jogos, brincadeiras, histórias e músicas. Realizam refeições e dormem no CEI e vão embora pela manhã. RECURSOS UTILIZADOS • Fantasias, • Músicas, • Lanternas, • Livros, • Recursos Humanos. LOCAL E MOMENTO DO DIA CEI CASA VERDE (área interna e externa) Durante a noite. DURAÇÃO das 19:00 hora às 10:00 horas (do dia seguinte) CRONOGRAMA 19:00 20:00 21:00 22:00 24:00 00:30 01:00 262 : RECEPÇÃO (cantigas de roda com violão) : JANTAR (pizza) : BAILE : CAÇA AO TESOURO COM A PARTICIPAÇÃO DA FADA. : LANCHE : PREPARAÇÃO PARA O SONO (pijamas,arrumação das camas) : HORA DA “HISTÓRIA” IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 01:30 : DORMIR 08:00 : ACORDAR 09:00 : BRINCADEIRAS 10:00 : SAÍDA RELATO DA EXPERIÊNCIA A idéia do acantonamento surgiu com o questionamento de duas professoras (Alessandra e Puccio) sobre um evento noturno, que proporcionasse experiências diferenciadas das vivências das crianças. A partir das possibilidades de colocar em práticas com recursos possíveis para nós e ao CEI, começamos a planejar nosso acantonamento. Haviam no princípio impedimentos, como a autorização da direção e pais(não havia registros de um evento noturno em CEI municipal e por ser uma prática desconhecida por parte dos pais); os recursos financeiros (para a realização de atividades extras: decoração, alimentação, preparativos em geral).; e a colaboração de outros funcionários. No primeiro momento, fomos expor a idéia a diretora do CEI, que em todo momento apoiou, incentivou e participou. Assim como outras funcionárias apoiaram e conseguimos o consentimento dos pais. Com os impedimentos resolvidos, começamos a dar vida ao nosso acantonamento. Primeiramente escolhemos um tema, uma história para conduzir a nossa “aventura”, seria uma caça ao tesouro, com a presença de uma fada para despertar o encanto das crianças. Preparamos todo o ambiente, começamos pelo”teto”, abaixamos o teto com panos e enfeitamos com estrelas para caracterizar um céu. O acantonamento realizou-se no dia 10/12/2004, com 45 crianças, e começou às 19:00 horas, com as crianças sendo recepcionadas com cantigas de roda e músicas tocadas no violão pela diretora. Em seguida houve um jantar,foram várias rodadas de mini-pizzas e refrigerante! Após o jantar, houve o “BAILE”, que contamos com a presença da supervisora, que ficou satisfeita com o evento e a dedicação das funcionárias, ela participou durante toda a caça ao tesouro, contribuindo com toda nossa aventura. Enquanto ocorria o baile, a fada se preparava....a professora PUCCIO. Com o CEI todo escuro, a fada surgiu e as crianças observam deslumbradas as primeiras aparições da fada. Orientamos para que as crianças não corressem até a fada “pois ela iria embora” a fada jogava estrelinhas com as pistas para continuar a busca e recadinhos para as crianças. A fada ia aparecendo em vários lugares, e era iluminada pelas lanternas trazidas pelas crianças, foram momentos mágicos vividos pelas crianças, que se encantavam sempre que encontravam a fada,esta que circulou por todo o CEI, nas salas, nas áreas externas e internas. Decidimos por as crianças não entrarem em contato direto com a fada , para que não descobrissem sua verdadeira identidade e que dessa forma a magia e o encanto daqueles momentos permanecessem em suas lembranças. 263 Na primeira parada, após a aparição da fada, a mesma deixou um presente a cada criança, “um colar de néon”. E com esse colar, seguimos pelo CEI, na busca da fada e do tesouro, trazido por ela. Coordenamos toda essa “busca” com muito cuidado, para que as crianças não “encontrassem” a fada de perto. Toda a caça levou mais de uma hora,quando uma criança finalmente encontrou o “tesouro”, que era um “baú de moedas de chocolate”, quando ela foi abrir o “baú” e disse surpresa e espantada na sua inocência que eram moedas de chocolates, foi o maior alvoroço,todas as crianças ao redor queriam seu tesouro. O “BAÚ DE CHOCOLATE’ foi dela, mas todas acabaram ganhado algumas moedas...”. Foi muito bacana, essa busca pelo tesouro, esses momentos mágicos trazidos pela fada ! Com o fim da caça, ficamos mais alguns momentos na área externa, dançando e brincando com as crianças, entramos para um breve lanche e fomos nos preparar para dormir. Cada criança havia trazido seu pijama, cobertor...depois de todo preparo, houve uma guerra de travesseiros entre eles e com os ânimos mais calmos, aconteceu a “hora da história”. Com todos já deitados, a professora Puccio contou histórias para embalar o sonho das crianças, seguido por músicas de ninar. Ao acordar na manhã seguinte, após o café-da-manhã, iriam ocorrer momentos de brincadeiras e jogos, o que não foi possível, devido às condições do tempo e principalmente as condições de professoras e crianças. Ocorreu uma roda de história com todas as crianças, enquanto elas esperavam o momento dos pais chegarem . A saída seria a partir das 10,00 horas, mas algumas crianças permaneceram no CEI até ás 12 horas. Foi uma experiência muito rica e divertida que nos trouxe momentos de prazer e alegria. E que com certeza, ficará na lembrança de cada criança que participou do nosso primeiro Acantonamento. Primeiro, porque virão muitos outros... 264 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A Experiência da Educação Infantil Indigena: Cuidar e Educar. Um Antigo Ensinamento Sob um Novo Enfoque! Profa Soraia Zanzine CEI CECI Jaraguá A rede municipal de ensino da cidade de São Paulo, introduziu em seu patrimônio um novo paradigma de educação: a educação escolar indígena infantil. Lideranças das três aldeias guaranis das regiões de Parelheiros e Pirituba, procuraram o poder público para conseguir apoio na construção de centros culturais que teriam por objetivo inicial oferecer à população interessada na cultura indígena um espaço acolhedor para conhecer a fundo a diversidade cultural dos primeiros habitantes deste continente. Sensibilizada com a questão, em especial a da falta de recursos para garantir a qualidade de vida nas aldeias, no que se refere à confecção de artesanatos e produção de alimentos, dada a escassez de terra produtiva e perda de territórios, a Secretaria Municipal de Educação instituiu um grupo de interlocutores formado por especialistas em educação com a finalidade de manter um diálogo que pudesse responder às principais questões mediante tal solicitação: qual o objetivo da construção do Centro Cultural? Como seria constituído? Quem deveria atuar no trabalho cotidiano? Como seria o projeto arquitetônico? Enfim, perguntas que no desdobramento das reuniões que ocorreram ao longo de dois anos, ininterruptamente, foram aos poucos sendo respondidas de modo a procurar atender às solicitações das lideranças guarani. Com o diálogo, percebeu-se que havia grande numero de crianças que padeciam por doenças, que não raro, às levaram à mortalidade. A constatação pelo grupo de trabalho do precário quadro de subsistência, mediante o empobrecimento do solo para o plantio de agricultura tradicional foi uma das questões que mais chamaram a atenção dos interlocutores, aliada à constatação da renda familiar em torno de dez dólares por mês, levaram à sugestão da criação da escola de educação infantil, que acabou sendo agregada à proposta inicial foi acatada pela comunidade indígena como um novo desafio. A partir das premissas calcadas na defesa da cultura tradicional indígena, que tem no ensino da língua materna uma das principais estratégias de resistência e manutenção dos valores e ensinamentos dos antepassados, a proposta pedagógica dos três Centros de Educação e Cultura Indígenas, CECIs, que foram construídos abarcou os desejos das comunidades atendidas: entre os quais prevalência do ensino da língua guarani, monitores indígenas conhecedores da língua e da cultura, atividades voltadas para o fortalecimento e valorização da cultura indígena. Assim, a partir das diretrizes emanadas pela comunidade indígena, aliadas aos saberes que a Educação Infantil perpetua, através do paradigma cuidar e educar, as comunidades indígenas atendidas puderam constar ao longo destes dois anos de inauguração do projeto o aumento do repertorio e do vocabulário das crianças, o aumento da auto-estima das crianças e ainda o aumento de peso em cerca de três quilos por parte das crianças que ainda passaram a apresentar um quadro de saúde significativamente melhor em relação ao quadro inicial que se encontravam. A rotina das atividades desenvolvidas, pautada pelo calendário indígena tem procurado garantir o aumento do conhecimento que a cultura indígena manteve, apesar dos quinhentos anos de colonização. Através do saber ancestral preservado pode-se conceber o convívio com o meio ambiente em sintonia com o eco sistema e devemos à cultura indígena o reconhecimento de um modo de ser e de vida capaz de preservar a vida na mata que vem sendo hoje sistematicamente violentada. As visitas e os encontros propiciados por educadores envolvidos com a questão da diversidade cultural e do meio ambiente tem propiciado a possibilidade de reflexão sobre o processo de reorientação curricular para uma história da formação do povo brasileiro que vai para alem dos livros didáticos. 265 Organização dos espaços Profa Célia Pereira da Cruz Profa Márcia Cordeiro Prof. Bruno L.Becheli CEI CEU PERUS INTRODUÇÃO Nosso trabalho foi organizado na “aprendizagem ativa”, valorizando as experiências diretas das crianças com pessoas, materiais, eventos e idéias. O espaço foi organizado em áreas de interesses definidas. As crianças foram encorajadas a explorar e trabalhar com uma diversidade de materiais, elaborar planos e fazer escolhas, seguir interesses, desenvolver projetos, interagir entre si e com adultos. As educadoras criam um ambiente positivo e desafiador, apóiam suas iniciativas, compreendem suas ações, colocam expectativas e limites claros e adotam uma atitude de incentivar a solução de problemas pelas próprias crianças. OBJETIVOS PARA ÀS CRIANÇAS • oferecer às crianças experiências sistemáticas de estabelecer seus próprios objetivos e os passos necessários para atingi-los; • encorajar as crianças a pensar de forma sistemática sobre suas decisões e as possibilidades e conseqüências relacionadas às escolhas que fazem; • fortalecer na criança a capacidade de refletir sobre seus planos e ações; • desenvolver a iniciativa, autonomia, independência, responsabilidade e sentido de empreendimento; • desenvolver a capacidade de articular idéias, escolhas e decisões e de lidar com desafios de forma criativa; • desenvolver a capacidade de planejar e expressar intenções, executar e aprimorar projetos; • trabalhar as diferentes linguagens: corporal, musical, plástica, dramática, literária de forma integrada OBJETIVOS DO PROFESSOR Encorajar a criança à: • elaborar planos cada vez mais complexos; • expressar seus planos utilizando-se de gestos, materiais, verbalizações simples ou complexas; • desenvolver brincadeiras e atividades progressivamente mais complexas: imaginativas, prolongadas, concentradas e engenhosas; • rever seus planos e ações de forma reflexiva; • para o prazer de estar juntos; a participar de atividades de forma lúdica e imaginativa, expressando emoções e sentimentos; • a dar sugestões, expressar opiniões e trocar pontos de vista em situação de construção e/ou negociação de regras; • a participação ativa com idéias. 266 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Observar • como as crianças elaboram e expressam seus planos; • os níveis de dificuldades e ajuda necessária; • a distribuição espacial ou áreas preferidas ao longo do tempo; • a composição do grupo: dinâmica, organização, preferências; • a adequação dos materiais e equipamentos; • a evolução da capacidade de planejamento, ação e revisão; • atitudes grupais, como lidam com regras e conflitos sociais; • as atividades que lidam com fantasias; • se ficam presas ao real ou se permitem um mergulho no imaginário; • o desempenho das crianças em atividades de movimento. Planejar • antecipadamente as atividades e ter presente diversas alternativas no caso da atividade não correr bem. ESTRATÉGIAS Sensibilização das educadoras: Dinâmicas com relatos de memórias Roteiro de leituras Cap.V “Arranjo, organização e equipamentos dos espaços destinados às crianças em ação” p.161-222. In:Hohmann,M:Weikart,D. Educar a criança, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1997 • Confecção da planta do espaço físico de sua atividade contendo maior número possível de detalhes, • Elaboração de uma proposta de reorganização do espaço; Estratégias junto às crianças Planejamento Apresentação de crachás com os respectivos desenhos das áreas a serem escolhidas pelas crianças ( vídeo, casinha, artes, faz de conta, jogos) Essa atividade é feita pela educadora junto a sua turma, permitindo que as crianças expressem opções e tome decisões, tenha consciência de seus interesses. As crianças, portanto, decidem o que vão fazer no tempo de trabalho, em que área irão trabalhar, se vão trabalhar sozinhas ou com outras crianças, de sua turma e/ou de outras turmas, pois nas áreas escolhidas as turmas estão misturadas. Em cada turma a educadora ajuda e apóia as crianças a planejarem, usando várias estratégias de interação, como conversar individualmente, ouvir com atenção a cada uma, fazer perguntas abertas, interpretar gestos e ações. 267 Trabalho Este é o momento mais longo da rotina diária, durando em torno de 45 à 60 minutos; A medida que cada criança acaba o seu plano, começa a realizar aquilo que se propôs a fazer sozinha ou com outras crianças na área escolhida, através do crachá correspondente. Em cada área terá uma educadora responsável em observar e registrar as ações das crianças, incentivando-as a conversarem e colaborarem umas com as outras, ajudá-las a concretizar os seus planos. Organização Terminado o tempo de trabalho, as crianças e as educadoras recolhem os materiais usados e os trabalhos acabados. Revisão As crianças voltam para sua turma com sua educadora para falar, refletir ou mostrar o que fizeram ao longo do tempo de trabalho. Essa conversa pode se estender ao longo de outros momentos da rotina. A tarefa da educadora é de observar e registrar o desenvolvimento da criança e do grupo. E a partir daí planejar atividades dirigidas e significativas às crianças, que podem estar integradas em projetos que serão realizados na unidade. Acreditando que enquanto a criança se diverte, brinca, interage com pessoas e materiais, ela realiza experiências que lhe permite construir um conhecimento do mundo que a cerca. Conclusões As experiências realizadas pelas crianças em áreas diferentes permitiu às educadoras compreender que tipo de conhecimento as crianças construíram em um determinado momento. O ato da observação e registro pelas educadoras direcionou o olhar para os interesses, talentos e dificuldades emergentes, e a partir daí planejarem as atividades educativas de maneira a apoiar individualmente cada criança. FONTES BIBLIOGRÁFICAS Zabalza, Miguel A. Qualidade em educação infantil,Trad. Beatriz Affonso Neves, Porto Alegre, ArtMed, 1998. Hohmann,Mary, W.P.David, Educar a Criança, Trad.Helena A.M.,Luís,M,N.Fundação Calouste. G.Lisboa,2003. 268 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Oficina de Arte: Trapocatas Profa Raquel Evangelista dos Santos CEI Maria José de Souza HISTÓRICO Criada em 2000 pela professora Raquel Evangelista dos Santos. A oficina tem o nome de TRAPOCATAS, pois é a junção de duas importantes palavras que revela todo o trabalho com trapos e sucatas. JUSTIFICATIVA A OFICINA DE ARTES TRAPOCATAS teve seu início por uma brincadeira folclórica “Os Escravos de Jô”, realizada com um grupo de crianças de seis anos. A brincadeira foi feita com caixinhas de fósforo. No decorrer desta, uma criança juntou caixinhas para construir uma casa. Ao observar a criatividade da criança e com o objetivo de estimulá-la, forneci outros materiais que proporcionassem a construção. Observando que o trabalho com sucatas proporciona às crianças a aprendizagem significativa, expressada através do prazer que demonstram ao concretizar um brinquedo/objeto. A atividade trabalha também com elementos, como a criatividade, a solução de situações-problema, o jogo simbólico, a coordenação motora, autoestima e principalmente o lúdico. A partir de então o trabalho com sucatas é realizado freqüentemente com o grupo de crianças com seis anos, no CEI Maria José de Souza. Ao término da atividade, as crianças levam o trabalho para casa para ser apreciado pela família e poder brincar com sua construção. OBJETIVO 1- Despertar a criatividade e o potencial de cada criança; 2- Valorizar os materiais aparentemente desprezíveis; 3- Envolver profissionais e crianças do CEI, na busca de materiais recicláveis para a confecção de brinquedos; 4- Resgatar o ato de educar e brincar com brinquedos não industrializados; 5- Serve como exemplo: garrafas plásticas, tampinhas, caixa de papelão de vários tamanhos, retalhos de tecidos, jornais, rolo de papel higiênico, etc; ESPAÇO UTILIZADO De acordo com o clima, pode-se usar a sala de aula ou solário externo. DURAÇÃO Cada atividade tem uma duração de tempo Todas as atividades são colocadas em exposição no próprio CEI e também em Reuniões Gerais de Pólo (RGP), sendo que após a exposição às crianças podem levar para casa. 269 Recriando Espaços Através da Arte Profa Maria do Rosário Ferreira de Souza Glicelaine Caraça Peramos Alves CEI Parque Edu Chaves JUSTIFICATIVA A representação gráfica da escola feita pelos alunos de 5 a 6 anos, pertencentes aos Grupos III e IV, nesta CEI, era preocupante. Uma caixa, dentro de outra caixa maior, com um labirinto de caminhos. Assim as crianças viam a instituição, um lugar com uma divisão rígida de espaços e muitas portas, com muitas trancas... Em situações de crise, alunos de 5 e 6 anos tornavam-se agressivos e chutavam as portas, destruindo-as. As educadoras também reclamavam da feiúra do prédio e da opressão que sentiam dentro dele. Uma das reclamações era de um painel pintado num corredores – uma tentativa mal-sucedida de alegrar o ambiente, feita por um pintor anônimo, com cores escuras e proporções desastrosas. Partindo da necessidade de uma maior identificação dos alunos com o espaço escolar, paralela à intenção de proporcionar uma melhor acolhida a todos que freqüentam a instituição, propusemos uma intervenção no espaço do refeitório, escolhido por ser um dos espaços comuns mais utilizados, seja nas refeições diárias dos alunos, nas reuniões entre educadores e gestores, de pais e mestres, nas comemorações ao longo do ano e até em aulas que demandam um espaço mais amplo. Escolhemos a obra do pintor Romero Brito por ser brasileiro e seu trabalho estar voltado para o universo infantil, além do regional, e nos auxiliará no resgate da cultura brasileira. A respeito do artista escolhido, Romero Brito, seu “website” é bastante completo. Captamos algumas imagens e a biografia do pintor, que foi recontada em forma de história para as crianças. Conseguimos outras informações através da imprensa, em revistas e jornais. Após o estudo da obra do pintor Romero Brito, será construído, de forma coletiva, um painel com as representações dos alunos e da comunidade. OBJETIVOS Com este projeto pretendemos iniciar os alunos no conhecimento das artes;no desenvolvimento da oralidade através da participação do aluno; conhecer e valorizar os artistas brasileiros; favorecer a expressão individual e melhorar o espaço escolar proporcionando um ambiente bonito, agradável e acolhedor; ampliar o conhecimento dos educadores sobre Artes e estabelecer relações com a música, a dança, o movimento e a escrita; favorecer a expressão individual. ESTRATÉGIA Nossos primeiros encaminhamentos foram no sentido do planejamento e sistematização das idéias. O projeto foi escrito e, após alguma reflexão, sentimos a necessidade de definir o plano de curso, ou seja, as atividades, passo a passo. Isto ficou claro desde i início, revelando-se importante para que o projeto inicial não “transbordasse” com tantas idéias novas que surgiam. Desta forma, calculamos 30 aulas por semestre para o seu desenvolvimento. As “aulas de Arte” têm a duração aproximada de 30m minutos e acontecem duas vezes por semana. Procuramos alternar as aulas ligadas à apreciação de obras e domínio de materiais, com aulas de arte ligadas ao corpo e seus movimentos. O projeto envolve, ainda, o conhecimento de representações espaciais, como: leitura e construção de mapas, além da contextualização histórica, como a confecção da linha de tempo com eventos da vida de Romero Brito. 270 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Esta intervenção envolve os alunos na construção de um painel mural, medindo 5 x 1 m, a partir do estudo das obras do pintor pernambucano. A metodologia desenvolvida baseia-se na apreciação de obras do artista, segundo roteiro prévio, além de: leitura e procedimentos de pesquisa, exibição de vídeos; expressão individual e coletiva dos alunos; desenho, pintura e escultura, com técnicas e suportes diversos: jogos envolvendo obra de arte, audição e canto de música popular brasileira; apresentação de danças regionais: frevo, bumba-meu-boi, cavalo-marinho, pastoril, marujada; jogos dramáticos, resultando num Auto de Natal. Registro do processo através da observação, da escrita do professor, do desenho do aluno, das fotos das ações e exposição do material produzido. Todo processo é acompanhado por audição de música popular brasileira e aulas de dança regional. O projeto foi embasado na Proposta triangular para o Ensino de Arte, difundida no Brasil pela arteeducadora Ana Mãe Barbosa. Utilizamos o “Roteiro de apreciação estética e crítica da obra de arte”, proposto por Amanda P.F. Toja, do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, adequando-o ao repertório e faixa etária dos alunos. Realizamos pesquisas sobre a Cultura Popular Brasileira – nordestina, principalmente pernambucana, encontrado no livro de Silvio Romero: Cantos Populares do Brasil – EDUSP – um rico acervo a ser explorado. A culminância do projeto acontecerá numa apresentação aberta à comunidade, com a exposição dos trabalhos, apresentação de um Auto de Natal baseado na cultura nordestina e a inauguração do novo mural. RESULTADOS Maior identificação dos alunos com os espaços do CEI. Ambiente mais agradável e bonito. Respeito, valorização e preservação dos trabalhos expostos dos alunos, o que antes não acontecia. A criança passou a expressar-se de outras formas, além da oral. Os próprios autores fazem sua auto-avaliação. Isto proporciona um exercício do olhar para além do “certo ou errado”, comuns em situações escolares. Para os professores que acompanham o processo, alguns detalhes saltam aos olhos: os alunos estão mais concentrados, passaram a valorizar o trabalho e a opinião dos colegas, estão mais atentos a detalhes, seu vocabulário melhorou e crianças arredias se aproximam de forma inesperada. A auto-estima de todos os envolvidos aumentou significativamente, e, de alguma forma, a escola já está mais alegre. AVALIAÇÃO A avaliação prevê a observação e registro pelos professores, possibilitando diagnosticar se o aluno apresenta interesse pelas atividades; interage em momentos coletivos; modifica seu comportamento em relação ao ambiente; despertou o interesse pelas obras de arte; utiliza bem o material apresentado; se expressa com clareza; percebe a evolução de sua expressão ao longo do tempo. 271 Curso de Formação de Pais Enquanto Protagonistas no Processo Educativo dos Filhos no CEI Alvarina Fernandes Naves Coordenador Pedagógico Aparecida de Jesus Rocha Carezzato Diretor de Escola - Coordenadoria De Itaquera CEI Parque Guarani JUSTIFICATIVA • Os pais por uma série de fatores afetivos, sociais, históricos, não atentaram para a importância de reconhecer o valor dos progressos de seus filhos. Esquecendo de elogiar, incentivar, estimular. Esqueceram o quanto eles mesmos sentem a carência do reconhecimento. OBJETIVOS • Sensibilizar e envolver os pais no processo educativo do filho; • Subsidiar tecnicamente no processo de contar estórias, fazer artesanato e pintura (o uso de tesoura, cola, sucata); • Orientar os pais sobre os cuidados básicos de saúde (diarréia, piolho, alergias, febres e vacinações) e doenças corriqueiras; • Subsidiar tecnicamente no processo de contar estórias, usando fantoches; • Subsidiar tecnicamente no processo de confeccionar objetos com “Pet” (sucata). CONTEÚDO • Contação de estórias; • Artesanato; • Pintura; • Sexualidade, relação escola e família; • Saúde – Alternativas – Colaborativas. METODOLOGIA • O curso foi realizado em forma de palestra e oficinas. 10 MOMENTO As Oficinas foram dividas em temas; e os funcionários do CEI se distribuíram pela oficina de sua simpatia e das quais tinham habilidade reconhecida por todos em administra-las: • Artesanato; • Pintura; • Sexualidade; • Saúde; • Contação de estórias. 2o MOMENTO Foi montado as salas ambientes com os materiais e decoração atraentes; 272 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 3o MOMENTO Confecção e distribuição de convites aos pais. 4o MOMENTO As oficinas foram divididas em módulos temáticos de 50 minutos, cada uma; tendo 5 minutos de intervalo para que cada grupos de pais se deslocassem para próxima oficina, para que se acomodassem e inciassem as práticas. 5o MOMENTO Procurou-se a parceria do Posto de Saúde de Vila Ramos, que nos ofereceu uma caixa de preservativos para serem distribuídos aos pais, folders sobre o uso do mesmo; e lamentaram não terem o preservativo feminino e funcionários para dar a palestra, mas orientaram no que puderam as nossas PDI’s. 6o MOMENTO Para as outras oficinas foram usados recursos do CEI, como: papéis crepon, papéis espelho, contact transparente, tesouras, tintas guache, colas, papel pardo, e outros recursos. As “Pets” foram doações dos funcionários que foram recolhidas durante a semana. 7o MOMENTO Ao término dos trabalhos, foi oferecido bolo e refrigerante para comunidade, para que confraternizasse com os funcionários do CEI e nas conversas informais foram levantados os dados de apreciação e elogios pela iniciativa, e como, eles ficaram surpresos com o próprio desempenho diante das oficinas. Os subsídios dessas conversas informais forma norteadores que indicaram sucesso da nossa iniciativa e apontaram a necessidade de se estar fazendo no 2o semestre o mesmo trabalho acrescentando o tema: “Obesidade Infantil” na Oficina de Saúde e apresentar novas técnicas de pintura e artesanato. PÚBLICO ALVO • Pais ou Responsáveis das crianças matriculadas no CEI BIBLIOGRAFIA • Revista Nova Escola; • Revista Super Interessante; • O Cotidiano da Creche: Um Projeto Pedagógico / Autor: Durlei de Carvalho Cavicchia / Editora Loyola. 273 Novas Tecnologias na Educação Infantil Luciane Alessi de Almeida CEI Parque Sabará A chegada dos computadores no Centro de Educação Infantil Parque Sabará - CEI gerou mudanças na organização do espaço e inquietação não só nos educadores, mas também nos pais e alunos pelo motivo dos equipamentos, instalados em uma sala de uso coletivo, permanecerem sem uso. Com a convicção de que o uso das tecnologias favorece a inclusão e contribui para uma prática pedagógica mais dinâmica e diversificada, buscamos na formação dos educadores uma solução para a utilização dos computadores. É de fundamental importância que todos os educadores possam refletir sobre as tecnologias aplicadas à educação, bem como desenvolvam habilidades no uso dos equipamentos (computadores, máquinas fotográficas, filmadoras e outros). Em virtude do curso para a formação dos educadores ter sido autorizado recentemente, a aplicação desta linguagem computacional será realizada somente com as crianças do Grupo II (crianças com a idade de 4 anos a 4 anos e 11 meses), pois estas não estarão conosco no próximo ano, ampliando suas possibilidades de expressão para a finalização do projeto desenvolvido desde o início do ano. 274 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Projeto Brincar Elizabete Izidoro Gonçalves CEI Vila Santa Inês OBJETIVOS • Valorizar a importância do brincar na vida das crianças; • Favorecer a aprendizagem através do lúdico; • Incentivar as brincadeiras tradicionais, cooperativas, corporais e construção de brinquedos; • Favorecer o lazer como fonte de prazer; • Resgatar brincadeiras através da sensibilização dos pais para recordarem como brincavam quando eram crianças; • Propiciar o desenvolvimento da identidade e autonomia das crianças, através das escolhas, resgates sócio-culturais e exercício da cidadania. ETAPAS DO TRABALHO • Roda de conversa com as crianças; • Frases espalhadas pelo CEI, como: “VOCÊ JÁ BRINCOU HOJE?”, “DESPERTE A CRIANÇA QUE EXISTE DENTRO DE VOCÊ.”, “VENHA BRINCAR COM A GENTE.”, “NÃO IMPORTA SUA IDADE, BRINQUE.”, “QUANDO VOCÊ ERA CRIANÇA GOSTAVA DE BRINCAR DE...” • Oficina de brinquedos; • Resgate de brincadeiras, músicas, estórias e brinquedos; • Produção de texto coletivo - carta ao Suubprefeito de São Miguel Paulista - solicitando uma rua de lazer; • Entrega da carta ao subprefeito; • Abaixo-assinados - crianças colhem assinaturas dos moradores da rua indicada; • Encaminhamento de um ofício ao Subprefeito, onde em anexo segue o abaixo-assinado. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA As atividades do PROJETO BRINCAR ocorreram de forma satisfatória, pois participaram crianças, pais e funcionários do CEI. No dia 23/05/05, início do Projeto, as professoras colocaram frases pelos corredores do CEI, com o objetivo de todos resgatarem suas brincadeiras de infância. Explicamos para as crianças sobreo Projeto e foi solicitado que pedissem a seus pais para que os ensinassem algumas brincadeiras da época em que eles eram crianças, contassem como eram os brinquedos que usavam e onde costumavam brincar. Durante a semana brincaram de roda, amarelinha, pular corda, mímica no espelho e muitas outras brincadeiras. Construíram alguns brinquedos com sucata (jornal, papelão, garrafas pet, etc.) e levaram esses brinquedos para casa no fim do dia. Uma das crianças, Gustavo, ensinou aos colegas uma brincadeira e uma música da infiancia de sua mãe. Alguns funcionários fizeram coreografias, ginástica e cantaram, o que envolveu bastante todas as crianças. Outros relembraram o palhaço Arrelia, como homenagem pelo seu falecimento. Foi explicada a importância desse artista brasileiro para a infância de muitas crianças, que hoje são adultos. As crianças souberam quem era o autor do famoso cumprimento: “COMO VAI? COMO VAI? COMO VAI? MUITO BEM, MUITO BEM, BEM, BEM.” As crianças do G2 receberam a visita da mãe Jubeneide, natural do estado da Bahia (cidade Ibiquera), que veio fazer espontâneamente uma apresentação de como ela brincava. Relatou para as crianças que dividia 275 o tempo entre o trabalho na roça, os alfazeres de casa e as brincadeiras de menina. Trouxe milho para mostrar como era feita a plantação, trouxe bonecas e brincou de casinha com as crianças. Fez comidinha e improvisou o batizado de uma boneca. Algumas crianças buscaram àgua no rio (lousa) para que fosse feita a comida, enquanto outras preparavam o bolo de limão, arroz doce e gelatina. Em outro momento tivemos a presença da mãe, a Sra. Lucimara, que veio contar uma história para as crianças. Recebemos também o Luciano, morador da região, que trouxe seu violão e passou uma manhã tocando e cantando com as crianças. A Sra. Solene, mãe de outra criança, também esteve presente para brincar de roda, cantar e contar história. Destacamos a integração desses adultos e crianças e a alegria das mesmas em tê-los participando de uma parte da rotina diária do CEI. Em roda de conversa, as crianças relataram onde e com quem brincam quando estão no CEI. A maioria das nossas crianças reside em quintais de pouco espaço, os quais são divididos com muitas outras famílias. Sendo assim, dizem que brincam com seus vizinhos ali mesmo sem muito espaço, outras ficam trancadas dentro de casa e algumas ficam na rua. As crianças reconhecem que é muito perigoso ficar na rua, pois, segundo elas, passam muitos carros e motos e, por esse motivo, têm que parar as brincadeiras a todo o momento, pois não existe espaço para o lazer. Daí surgiu a idéia de fazer uma carta coletiva ao Sr. Subprefeito de São Miguel Paulista, pedindo uma rua de lazer. As crianças foram os relatores/autores e coube a professora escrever. Para terminar a carta todos assinaram seus nomes e enveloparam a mesma. Próximo passo? Marcamos e levamos essa carta ao subprefeito. Assim foi feito. No dia 15/07/05, fomod recebidos pelo Sr. Subprefeito de São Miguel Paulista, que se sensibilizou com o resultado daquele trabalho e com o pedido das crianças. Dias depois fomos procurados por um dos assessores do Subprefeito que nos orientou sobre quais as etapas para conseguirmos a rua de lazer. Entre as orientações, está a coleta de assinaturas dos moradores da rua indicada, sua localização e um ofício endereçado ao Subprefeito. As crianças entram em ação novamente e, desta vez, para colher assinatura dos moradores para o abaixoassinado, reivindicando a rua de lazer. Ao andarmos de casa em casa, descobrimos que esse movimento em prol da ria de lazer, já existia na comunidade e, então, resolvemos unir as forças - comunidade e CEI RESULTADO/ CONCLUSÕES Ao iniciarmos esse Projeto, o qual era para ser realizado no período de uma semana, não pensamos que fosse tomar esse rumo. Tinhamos apenas a intenção de resgatar algumas brincadeiras infantis e fazer com que os pais percebessem o quanto é importante a brincadeira para as crianças Estamos felizes com o resultado que o trabalho tem dado e irá dar. Ira dar sim, pois está tudo encaminhado e existe um movimento de união entre CEI e Comunidade, que irá resultar na RUA DE LAZER e facilitará o BRINCAR. As crianças do CEI e as da Comunidade realmente precisam desse espaço seguro e tranquilo para brincar, pois são desprovidas de recursos financeiros para irem a outras localidades para se divertirem. Cabe ao Poder Público garantir e proporcionar o lazer, pois para essa faixa etária é principalmente através do BRINCAR que a aprendizagem acontece. Através desse trabalho efetivamos de fato o exercício da cidadania, estreitamos os laços com a comunidade em prol de um interesse comum, envolvemos a família que pôde vir e participar dos nossos trabalhos. Enfim, essa é a ESCOLA que queremos. ESCOLA capaz de favorecer a construção do conhecimento de forma dinâmica, que promove e integra CRIANÇAS - EQUIPE ESCOLAR - COMUNIDADE. 276 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Protagonista Aprendiz: construindo aminhos por meio da Educação Física Infantil Adriano Valdir Giovani Clayton Vieira Lira Cristiane da Silva de Oliveira Gisely Aparecida de Souza José Ricardo dos Santos Karen Karpusenko Márcia Regina Antonia Sacco Silvio Roberto Negrão Thiago Lemes de Queiroz CEI São Mateus O período de 1920 e 1928 marca a importância da Educação Física por passar a ser um componente curricular do ensino primário e secundário (FILHO, 1988), porém, somente em 1937, na elaboração da Constituição é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física em textos constitucionais federais, incluindo-a no currículo como prática educativa, obrigatória, e não mais como disciplina curricular. Grandes mudanças e influências foram ocorrendo depois deste período até à referência da Lei de Diretrizes e Bases, a qual promulgou em 20 de dezembro de 1996, artigo 26, parágrafo 3o que “a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.” (PCN’s :6) Passou-se então a relacionar a educação física à cultura, pois desde suas origens o ser humano produziu cultura, ou seja, sua história é uma história de cultura (entendendo o conceito de cultura como “produto da sociedade, da coletividade à qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e transcedendo-os”, PCN’s :7) Portanto, hoje a Educação Física contempla múltiplos conhecimentos produzidos e usufruídos pela sociedade a respeito do corpo e do movimento. “Entre eles, se consideram fundamentais as atividades culturais de movimento com finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos, e emoções, e com possibilidades de promoção, recuperação e manutenção da saúde.” (PCN’s : 7) Ensinar a praticar esporte (entendendo o conceito de esporte como prática corporal) é preparar o aluno para executar determinadas habilidades por meio da descoberta do prazer de se exercitar. É conscientizá-los de suas capacidades e limitações. É mostrar diferentes maneiras de aprender um movimento. A ludicidade da proposta pode ser o caminho dessa conscientização. (PICOLLLO, 1999 : 11) Já no âmbito da Educação Infantil, a Constituição do Brasil de 1988 trouxe consigo pela primeira vez referências sobre os direitos específicos das crianças, não no que diz respeito ao Direito Familiar, mas o direito da criança de 0 a 6 anos de idade e dever do Estado, “o atendimento em creche e pré-escola.” (Art.208, inciso IV). Tornando-se assim um avanço significativo para o desenvolvimento integral da criança, pois deixou-se de se enfatizar expressões como “assistir” à criança, para se focar em uma educação voltada para a criança, para o aprendizado e não mais para o assistencialismo. No decorrer desta trajetória sobre a educação infantil, foram surgindo diversas propostas com intuito de focar mais o conceito de educação para as crianças pequenas. Sendo assim, notou-se que as propostas e programações que foram surgindo estavam deixando de considerar fatores importantes como: o universo da cultura da criança; privilegiando assim o desenvolvimento cognitivo, organizando-o em áreas compartimentadas e com 277 ênfase na alfabetização; dicotomizou-se o conhecimento e o desenvolvimento; desvalorizou-se os jogos e as brincadeiras como atividades fundamentais para as crianças; antecipando-se a escolaridade; deixando de esclarecer as articulações entre as atividades de cuidado e a função pedagógica preconizada.” (KUHLMANN, p. 200) A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), houve um reconhecimento da educação infantil tornando-a primeira etapa da educação básica. Sendo assim, acreditamos ser importante salientar que a citação da LDB associada à citação descrita anteriormente no sexto parágrafo sobre a Constituição do Brasil, no que se refere a Educação Física e a Educação Infantil, enfatiza que ambas pertencentes a Educação Básica, são asseguradas por lei. No entanto, elas não acontecem nos dias de hoje. O que seria de fundamental importância, pois a Educação Física poderia auxiliar a Educação Infantil na construção do conhecimento dos educandos. Seria importante que a Educação de um modo geral, pudesse enfatizar o desenvolvimento de um trabalho que tivesse em seu ensejo o cuidado, o afeto e o amor, presentes no processo assistencialista, fossem incluídos na proposta educacional, buscando maior qualidade e proporcionando um aprendizado mais qualificado, significativo e prazeroso. A Educação Física Infantil aliada à Educação Infantil auxilia na busca desse caminho, pois incentiva o aprendizado por meio da prática corporal, proporcionando aos educandos um processo educacional mais significativo. Isto ocorre, porque o lúdico encontra-se muito presente no decorrer dessas práticas e, portanto, permite ao aluno um aprendizado mais espontâneo, prazeroso e alegre. Isso acontece porque os jogos e as brincadeiras sempre estiveram presentes em nossas vidas, caracterizando e exercitando a paixão humana, pois eles se desenvolvem de forma lúdica dentro do contexto do lazer. O jogo, enquanto conteúdo, constitui matéria prima para a consecução dos objetivos tanto de ordem motora, como cognitiva e sócio-afetiva, levando em conta que, o ser humano é uma totalidade sob esses aspectos. As crianças devem ter liberdade de agir por suas próprias características e interesses, facilitando o seu desenvolvimento de maneira prazerosa, passando a inserir-se mais nas suas atividades, pois as mesmas sentem a necessidade de explorar o material e o espaço que utilizam,, usufruindo da sua criatividade. Ou seja, ela executa tudo o que lhe é solicitado, através do lúdico, podendo compreender melhor os seus próprios movimentos. As crianças que compreendem as faixas etárias entre 3 e 7 anos são capazes de perceber o seu próprio corpo, tomando consciência das suas características e verbalizando-as, pois primeiramente os seus movimentos são executados voluntariamente, de modo global, tornando-o posteriormente intencionais favorecendo o controle dos segmentos corporais. Jean Le Boulch (1983), entende que a melhor maneira de levar uma criança a conquistar e consolidar sua lateralidade é promover exercícios de motricidade global. Esse controle dos movimentos só iniciará por volta dos 6 e 7 anos, onde a criança encontrarar-se-á no período de maturação neuro-perceptivo-motora. (ARAÚJO, 1992). O professor de Educação Física pode oferecer cada vez mais estímulos as crianças para que elas possam aperfeiçoar os seus movimentos, mas isso só pode ocorrer quando não há interferência na seqüência natural de suas atividades. Compete ao adulto compreender a criança, e não o contrário, pois, como escreve Wallon: “A criança só sabe viver a sua infância. Conhecê-la cabe ao adulto. O problema é partir do ponto de vista da criança, e não imporlhe o referencial adulto.” 278 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO A atividade motora desenvolvida de forma lúdica e bem estruturada pode fazer com que as crianças passem a executar melhor os movimentos, facilitando posteriormente o aprendizado de atividades mais complexas. O movimento corporal pode e deve ser considerado um recurso pedagógico valioso, particularmente na primeira infância. Na primeira infância, a criança apresenta características cognitivas que levaram Piaget a chamá-las préoperatória. A psicomotricidade auxilia o professor, pois se caracteriza por ser a educação do homem pelo movimento e desenvolvimento do comportamento da criança, sendo que o exercício físico é capaz de estimular o desenvolvimento total da criança e estimulá-la no conhecimento de si mesma e do mundo que a rodeia (MUTSCHELE, 1988). A criança quando joga aprende de forma espontânea e criativa, pois o jogo representa para a criança o que o trabalho representa para o adulto, pois ela se sente forte por suas obras e cresce através de suas proezas lúdicas (FREIRE, 1994), Isto porque, por meio do jogo a criança antecipa suas condutas, conscientizando-se do seu esquema corporal e suas possibilidades e potencialidades, pois para a criança o jogo é algo muito sério. Entendendo o jogo infantil enquanto cultura e educação por excelência, não constitui uma forma pura de assimilação descomprometida com o contexto da realidade das crianças da primeira infância. O desenvolvimento da criança para Wallon ocorre em seus domínios afetivos, cognitivos e motores sendo o organismo a condição primeira do pensamento, para ele a criança aprende estabelecendo relações com o meio ambiente, sendo o ritmo de seu desenvolvimento descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, pois cada etapa traz profundas mudanças nas formas de atividade do estágio anterior. Portanto, o foco mais importante na teoria de Wallon são as emoções, pois essa revela que é na ação sobre o meio humano e não sobre o meio físico que se busca o significado das emoções. Para Piaget o sujeito aprende através de suas relações com os objetos físicos, priorizando os processos cognitivos e os fatores internos na construção desse conhecimento. Já Vygotsky considera com maior ênfase a influência dos fatores externos na construção do conhecimento da criança, pois os fatores externos interferem nos fatores internos. Sendo assim, notamos que “... Piaget busca compreender as estruturas do pensamento através do mecanismo interno que as produz, Vygotsky procura compreender de que maneira se dá a interferência do mundo externo no mundo interno, ou como a natureza sócio-cultural se torna a natureza psicológica.” (GARCIA, 2001. p. 111). O projeto desenvolvido pelos Técnicos de Educação Física (TEFs) do Núcleo de Esporte e Lazer do CEU São Mateus juntamente com a EMEI, tem por objetivo mediar o aprendizado dos alunos da educação Infantil na busca da construção dos seus conhecimentos. Visando facilitar a aquisição das informações que são adquiridas pelas crianças. As aulas realizadas têm duração de quarenta e cinco (45) minutos por semana onde são trabalhadas atividades de práticas corporais, por meio de brincadeiras, jogos, vivências corporais, atividades de agilidade, coordenação, manipulação, equilíbrio, velocidade, locomoção, condução, consciência corporal, orientação espacial, expressão corporal, atividades rítmicas, atividades coletivas que visam a interação e integração com o outro, além do respeito mútuo, o convívio com outras pessoas, respeito as regras, construção de regras entre outras propostas. Estas atividades são desenvolvidas de forma lúdica e recreativa. 279 As atividades são realizadas em espaços variados como sala de ginástica, ginásio com quadra coberta, quadra externa, campo de areia, rua de lazer, piscina, espaços alternativos como: espaço fama, estúdios, sala multiuso, entre outros. Este projeto é experimental, é um pré-projeto onde estamos todos envolvidos em mostrar sua importância pedagógica, criando uma educação de maior qualidade para os nossos educandos, proporcionando um direito constitucional do sujeito-cidadão desde sua mais tenra idade. A avaliação do projeto é realizada de forma: diagnóstica: para conhecimento dos alunos; contínua/ progressiva: no decorrer do processo; formativa: nos auxílios cotidianos e diários; somativa: para nova análise das atividades e elaboração do próximo plano; auto-avaliação: para compreensão individual dos movimentos e mútua/cooperativa: quanto um colega auxiliou o outro. A avaliação do projeto é realizada de forma contínua pelos Técnicos e Coordenadores. Pela Unidade, por meio de reuniões pedagógicas na qual relatam-se o desenvolvimento da prática educativa e onde são direcionados e redirecionados novos parâmetros. Essa avaliação dar-se concomitantemente pela equipe docente e coordenação da EMEI que discorre sobre mudanças e avanços dos educandos na educação propriamente dita. Portanto, tem sido possível notar melhoras significativas no desenvolvimento e aprendizado dos alunos, pois os mesmos reagem melhor às regras, respeitam as atividades solicitadas com mais facilidade, compreendem melhor as informações que lhe são passadas, refletem sobre as aulas colocando suas opiniões, reagem bem ao trabalho coletivo, e outros fatores. Infelizmente, este projeto não é aplicado em diversas unidades educacionais, pois seu desenvolvimento seria muito importante para os educandos, podendo tornar o aprendizado mais qualitativo e significativo. Além de contribuir e muito para com a relação do sujeito (criança) com o objeto, isto é, a construção do conhecimento que deve ter seu enfoque multidisciplinar, visando sempre uma educação de maior qualidade. BIBLIOGRAFIA FILHO, L. C. Educação Física no Brasil: A história que não se conta. Campinas, SP: Papirus, 1988 – Coleção Corpo e Motricidade, 5° ed. 2000. Ministério da Educação e do Desporto/ Secretaria do Ensino Fundamental SEF – Parâmetros Curriculares Nacionais/ Educação Física. GALVÃO, I. Henri Wallon: Uma concepção dialéticas do desenvolvimento infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. PEREIRA, D. K. R. Inteligência Expressiva: à partir da teoria psicogenética de Henri Wallon. São Paulo: Summus, 1995. KUHLMANN Jr. M Infância e Educação Infantil: Uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998. CAMPOS, M. M. Creches e pré-escolas no Brasil. São Paulo:Cortez; Fundação Carlos Chagas, 3 ed. 2001. GARCIA, R L. Reinventando a pré escola. São Paulo. Cortez. 5 ed. 2001. Projeto Político Pedagógico do CEU SÃO MATEUS. LE BOULCH, J. A Educação pelo movimento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1983. WALLON, H. Psicologia e Educação da infância. Lisboa, Estampa, 1975 280 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Inclusão de Jovens e Adultos Portadores de Necessidades Especiais: um Aprendizado Necessário Edeli Gonçalves Saba Roseli Aparecida de Oliveira Pereira CIEJA Butantã “Nada jamais será tentado, se todas as objeções possíveis tiverem de ser superadas antes”. Samuel Johnson UMA QUESTÃO NOVA QUE NOS REMETE A PROBLEMAS ANTIGOS Uma grande preocupação dos educadores da Rede Municipal de Ensino de São Paulo tem sido a inclusão de portadores de necessidades especiais em salas regulares. Muitas questões surgem nas relações cotidianas: o que fazer? como fazer? o que é preciso saber? quais expectativas temos em relação à aprendizagem desses alunos? Algumas iniciativas para orientar os educadores foram realizadas pelas Coordenadorias de Educação em parceria com entidades como APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), CIAM (Centro Israelita de Assistência ao Menor), Universidades e outros setores da Saúde Pública e da Promoção Social. Nos últimos anos, equipes de educadores especialistas em Educação Especial passaram a compor os quadros dos Grupos de Acompanhamento da Ação Educativa (GAAE) nas Coordenadorias, cursos foram oferecidos aos professores e aos coordenadores pedagógicos e fóruns de discussão permanente foram criados. Contudo, o atendimento a essa clientela ocorreu paralelamente ou até mesmo anteriormente às iniciativas de SME, por isso a sensação de que não estávamos preparados para atender esses alunos que procuravam as escolas era dominante. No caso do Cieja-Butantã, iniciamos o atendimento de alunos jovens (em sua maioria) e adultos portadores de necessidades especiais, ainda na estrutura de CEMES (Centro Municipal de Ensino Supletivo)1 nos módulos I e II, cujo atendimento se dava através de aulas presenciais ministradas por professoras do Ciclo I. Naquele momento, como a preocupação central era um atendimento mais individualizado, em grupos pequenos, pudemos perceber que, além das dificuldades de aprendizagem decorrentes de pouca ou nenhuma escolarização, alguns desses alunos também apresentavam dificuldades diferenciadas. Certos fatores favoreciam essa percepção. Um deles se dava no momento da inscrição dos alunos. Durante o preenchimento da ficha de inscrição, conversávamos com o aluno e/ou familiares, levantando dados de sua escolaridade anterior e de suas expectativas em relação aos estudos. Outro aspecto era a avaliação diagnóstica realizada através de uma prova escrita e de uma pequena entrevista no momento da correção da mesma. Um terceiro fator que proporcionava um maior conhecimento dos alunos que nos procuravam era que, no início das aulas, todas as equipes docentes realizavam a orientação inicial que consistia na apresentação da proposta do curso, bem como no diagnóstico inicial dos conhecimentos que alunos trazem para a sala de aula. Nesse momento, os professores procuravam detectar as necessidades do grupo para, nas reuniões coletivas, definir melhor como os objetivos seriam desenvolvidos. A equipe de professoras de Módulos I e II que atendiam alunos portadores de necessidades especiais discutia, nas reuniões de equipe, as dificuldades encontradas 1 - No segundo semestre do ano de 2000, o CEMES-NAE 12 iniciou o atendimento aos alunos. A estrutura da época oferecia aulas presenciais apenas para o Ciclo I do Ensino Fundamental nos Módulos I e II. O ciclo II do Ensino Fundamental, ou seja, o Módulo III era desenvolvido à distância, através de estudo individual orientado por professores e da realização de avaliações para a eliminação de matérias. 281 e iniciativas realizadas no dia-a-dia. Podemos afirmar que partilhar com o grupo as experiências foi o primeiro passo para a compreensão de nosso papel no trabalho com as diferenças. Tivemos que desvelar nossas limitações, preconceitos e, ao mesmo tempo, nossos desejos de superá-los, reformulando e formando nossa intervenção pedagógica. [...] As diferenças constituem soluções e não problemas, desde que sejam reconhecidas, valorizadas e consideradas como ponto de partida para a construção do conhecimento, orientando o processo de ensino, aprendizagem e avaliação. (SME, EducAção 4: 2003, p. 5). Com a implantação do Cieja (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos), que veio substituir o antigo Cemes, não abandonamos as práticas citadas.Elas têm sido determinantes para o desenvolvimento de nosso trabalho. Cabe ressaltar que a organização da intervenção coletiva da equipe só foi possível porque todos os professores dispõem de horário coletivo comum realizado às sextas-feiras. Um outro fator preponderante refere-se ao Projeto Especial de Ação (PEA) definido por nosso Centro que prioriza, desde aquela época, o desenvolvimento da autonomia de docentes e discentes. Esse projeto foi incorporado por todos os funcionários. Apesar de nem sempre encontrarmos respostas às questões cotidianas, temos como orientação ao nosso trabalho o desenvolvimento da autonomia construída nas relações interpessoais e na formação permanente. Algumas professoras de módulos I e II relatam seus questionamentos e dúvidas advindos do trabalho com portadores de necessidades especiais: Professora 1 - “Quando iniciei meu trabalho com inclusão, confesso fiquei insegura e cheia de dúvidas. Temia não saber ajudá-los, foram dias de angústia, questionava todos os colegas do Centro, como se, de repente, alguém aparecesse com uma poção mágica e pronto, tudo resolvido... Eles seriam apenas mais um na sala? Não, isso eu não queria... Hoje me sinto mais segura e com eles vou aprendendo o caminho a seguir.” Professora 2 - “Passado o primeiro impacto, com o apoio e a troca com algumas colegas, o aprendizado em alguns cursos, me senti mais confiante. E hoje tenho clareza de que este é um trabalho desafiante, mas vou dia-adia me superando pela experiência como educadora e também pelos insights que recebo dos próprios alunos”. Professora 1 - “A inclusão social não deve ser pensada somente para os portadores de necessidades especiais, mas também para a aceitação geral das diferenças individuais. Mas ela se dá com a valorização de cada indivíduo e com a convivência em meio à diversidade humana, investindo na aprendizagem por meio da cooperação.” AFINAL, O QUE É INCLUIR? Não fugimos de uma conceituação de normalidade, que não foi explicitada e nem discutida, mas se desvela nas queixas acerca de como lidar com as pessoas que apresentavam comportamentos destoantes do grupo. Por isso, incluímos também, nesse grupo, alunos adolescentes que trazem “hábitos cristalizados”2 de outras experiências escolares, tais como, a não realização da atividade proposta, do questionamento sobre a validade ou importância de determinada atividade. Assim, ampliamos o sentido que se faz de “inclusão”. Skliar, referindo-se às diferenças em educação, afirma que elas não podem ser apresentadas ou descritas em termos de melhor ou pior, bem ou mal, superior ou inferior, positivas ou negativas. São simplesmente diferenças. Mas o fato de traduzir algumas diferenças como ‘diferentes’- e já não, simplesmente, como diferenças 2 - Referimo-nos a hábitos cristalizados que foram desenvolvidos no ambiente escolar, ou seja, foram aprendidos na escola; apesar de seu aspecto negativo, são frutos da aprendizagem nas relações de poder entre professor e aluno, como também nas relações entre alunos, decorrentes da tentativa de homogeneização do ensino e, conseqüentemente, da aprendizagem. 282 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO – volta a posicionar essas marcas como contrárias, como opostas e negativas à idéia de ‘norma’, do ‘normal’ e, então, daquilo que é pensado e fabricado como o ‘correto’, como o ‘positivo’, como o ‘melhor’. O diálogo entre professores da área de Ciências da Natureza e Matemática ilustra um pouco a preocupação que temos em relação à inclusão e o trabalho com as diferenças: Professor 3 - “O que quer dizer ser incluído? Eu acho que quando usamos este termo estamos dizendo que há um padrão de normalidade e o resto é que são os excluídos... Incluir é considerar todos os aspectos, todas as cores da vida que a gente trabalha aqui dentro. Em algumas escolas, há uma tentativa de tornar as relações impessoais, há um distanciamento. E eu acho que a gente trabalha com vida”. “O desafio é trabalhar com uma gama muito variada de interesses e de vivências; por exemplo, um aluno que vem procurar a escolaridade por razões profissionais, porque a empresa em que ele trabalha está exigindo a escolaridade. Parece que, nesse caso, ele é menos excluído do que outros”. Professor 4 - “Muitas escolas privilegiam a avaliação, o desempenho do aluno através das notas e dos conceitos, e isso acaba dificultando muito o relacionamento com a pessoa; aqui, por exemplo, não existe essa preocupação com a questão desta nota que vai levar, ou não, a uma promoção e isso facilita a relação com as pessoas”. Professora 5 - “Nem sempre podemos afirmar que os alunos do CIEJA saem com as competências e conhecimentos esperados, ou, pelo menos, com o que almejamos que eles saibam. Então, o desafio é não ter só esse lado humano trabalhado, mas o humano que incluísse, de fato, essa perspectiva de ser competente”. Em nosso caso específico, trabalhamos com pessoas que trazem consigo o estigma da exclusão escolar, seja por não terem tido o acesso à escola na idade apropriada, seja pelo fracasso em sua vida escolar anterior. O grupo de educadores do CIEJA compreende como tarefa primordial trabalhar os aspectos que envolvem essa exclusão. Os eixos temáticos definidos confirmam essa prioridade; os objetivos e conteúdos tratam das questões que envolvem a identidade cultural e social do aluno e também dos aspectos relacionados à qualidade de vida. A seguir, professoras da área de Linguagens e Códigos, considerando tal perspectiva, buscam identificar elementos facilitadores de seu trabalho: Professora 6 - “No início, eles chegam introspectivos, não se comunicam muito, são fechados como conchinhas mesmo, mas, com o tempo, a própria dinâmica do grupo, do atendimento às pessoas, faz com que esses alunos se soltem e mostrem suas potencialidades. Só que isso leva um tempo. A estrutura do CIEJA facilitou (esse processo) e os amigos (também) [...]”. Professora 7 - “A aceitação da classe facilita, eles acolhem”. Professora 8 - “Eu imagino esse universo que a gente tem aqui multiplicado, numa sala maior, deve ser muito difícil trabalhar”. Professora 9 - “Uma estrutura como essa permite que a gente conheça mais sobre o aluno. Numa estrutura maior, a professora não vai ter condições de conhecer o aluno”. “A estrutura da sala facilita, essa coisa da gente estar se olhando... As salas voltadas para o pátio interno, um espaço que também é compartilhado por todos”. Professora 8 - “Nosso centro não parece com escola”. Professora 9 - “Lembro também de um aluno que não conseguia perceber que tinha hora para falar, porque quando ele chegou aqui ele falava o tempo todo. Foi na convivência com o grupo que ele encontrou os limites necessários”. 283 Um dilema que nós educadores enfrentamos em relação à aprendizagem de nossos alunos é o ponto de chegada. Até concordamos que os pontos de partida são diferenciados, mas nos angustiamos ao saber que ao final da etapa, nem todos os alunos irão apresentar as mesmas competências e habilidades daquelas trabalhadas e por nós esperadas. Dizemos dilema porque ainda não fomos capazes de problematizar, encaminhar ações que auxiliassem a compreensão desse processo. Argumentamos que, ao analisarmos a aprendizagem de determinado aluno, comparando o diagnóstico inicial (como ele chegou) com o que ele construiu no processo, podemos apontar seus avanços e limitações. Contudo, quando analisamos o que ele construiu comparando, por exemplo, com a competência da leitura e compreensão daquilo que se lê, constatamos que essa construção nem sempre é suficiente. Outra argumentação usual é que, às vezes, não podemos apontar muitos avanços na construção do conhecimento, mas que, se analisarmos as mudanças de atitudes e comportamentos, somos capazes de reconhecer muitos avanços. É nesse último aspecto que, talvez, devamos focar, em primeiro plano, nosso trabalho de inclusão. O indivíduo capaz de interagir satisfatoriamente com seus pares e de lidar adequadamente com as mais diversas situações-problema, será, espera-se, um indivíduo mais apto também cognitivamente. Tal processo só é possível, entretanto, em meio à diversidade de natureza sócio-cultural. Há, portanto, de se considerar esses aspectos dentro da escola, em especial a escola voltada à educação do jovem e do adulto. Encerramos estas considerações com as palavras da Profa. Marta Kohl, as quais consideramos pertinentes aos fatos relatados: A escola voltada à educação de jovens e adultos, portanto, é ao mesmo tempo um local de confronto de culturas (cujo maior efeito é, muitas vezes, uma espécie de “domesticação” dos membros dos grupos pouco ou não escolarizados, no sentido de conformá-los a um padrão dominante de funcionamento intelectual) e, como qualquer situação de interação social, um local de encontro de singularidades. BIBLIOGRAFIA OLIVEIRA, Marta Kohl de. Jovens e Adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Trabalho encomendado pelo GT “Educação de pessoas jovens e adultas” e apresentado na 22a.Reunião Anual da ANPED – 26 a 30de setembro de 1999, Caxambu. SME / DOT (Secretaria Municipal de Educação – Diretoria de Orientação Técnica). Cidade Educadora - Educação Inclusiva, um sonho possível. Caderno EducAção 4. São Paulo: 2003. SKLIAR, Carlos. Outras alteridades, outras perguntas: outras políticas educacionais? In: Currículo e Diversidade - Educação Especial - Novas Perspectivas em uma Educação Inclusiva. Caderno Temático de Formação 3. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica, São Paulo: 2004. 02 284 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Projeto - 1o Sarau Cultural Helena Krupinsk Marlene Elias da Silva Marlene Alves Silva Robles CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo OBJETIVO (COMPARTILHADO COM OS ALUNOS) Apresentação do primeiro sarau cultural dos alunos de Educação de Jovens e Adultos dos módulos III e IV para os demais módulos, funcionários e convidados. PRODUTO FINAL Criação de um livro com os textos, fotos, ilustrações e trabalhos realizados para documentar e valorizar toda a produção de nossos alunos-artistas-músicos-criadores e trabalhadores. JUSTIFICATIVA A escolha do tema partiu de uma proposta feita à equipe dos professores para realizar atividades em homenagem ao Dia Internacional da Alfabetização - Oito de setembro. Reunidas por área de conhecimento, nós, professoras de Linguagens e Códigos, achamos que o “Sarau Cultural” seria uma oportunidade para nossos alunos manifestarem sua capacidade criativa, através da produção de “textos diversos”, poemas, narrações, músicas, artes plásticas, artes cênicas, etc. A partir da escolha do tema do projeto, planejamos as etapas do trabalho, como, quando e onde seria realizado o primeiro Sarau do CIEJA, pois a mesma atividade contemplaria todos os alunos dos módulos III e IV, nos três períodos de funcionamento de nossa unidade: Manhã – Profa Helena, Tarde – Profa Marlene Elias e Noite – Profa Marlene Robles. Os alunos foram sensibilizando-se, através da leitura de poemas de autores consagrados, observando a forma, a expressividade, os aspectos sonoros da linguagem, como ritmo, rimas, melodia e jogo de palavras e escreveram sobre diversos temas, tais como: infância, saudades da terra natal, amor, tristeza, trabalho e questões sociais, alegrias, pessoas queridas, histórias verdadeiras ou inventadas. Sempre com liberdade de criação, usando rimas ou não, utilizando desenhos, ilustrações, sem nenhuma restrição ou preconceito, apenas uma tarefa: escrever, soltar a imaginação, “viajar”, sem pensar no resultado, preocupados apenas em expressar-se e soltar-se nesse infinito mundo das palavras escritas e faladas, imprimindo sua visão de mundo, baseados em suas histórias de vida, respeitados e valorizados o seu jeito próprio de falar e de expressar os sentimentos verdadeiros. OBJETIVOS • Ler e escrever significativamente; • Ler, escrever, desenhar, criar, dramatizar e expressar-se com liberdade; • Familiarizar-se com a escrita e leitura de textos diversos: poemas, narrações, dissertações, etc. ; • Escutar poemas lidos pelos professores e pelos colegas; • Entrar em contato com as características do texto poético: musicalidade, ritmo, diagramação, interpretação; • Conhecer um repertório variado de poemas de autores dos diversos movimentos literários; • Organizar o espaço da sala, de forma que os alunos sintam-se convidados a ocupar o papel de autores, leitores, músicos, artistas e criadores; • Ampliar o repertório de textos que se sabe de cor; • Valorizar os saberes dos mais velhos e dos mais novos e a interação significativa entre eles; 285 • Planejar, executar e valorizar o trabalho em grupo; • Divulgar e envolver todos os funcionários das demais áreas de trabalho da unidade escolar, socializando conhecimentos; • Pesquisar autores, textos, temas, etc. ; • Gostar de ler e ouvir histórias; • Gostar de cantar e ouvir música de vários gêneros; • Valorizar suas próprias histórias de vida, suas visões de mundo e sua maneira de expressar-se; • Apreciar e interpretar obras de arte; • Revelar talentos; • Interagir e trocar experiências entre si, com os professores e demais envolvidos; • Elevar a auto-estima; • Surpreender e superar expectativas. CONTEÚDOS • Participação em situações nas quais o aluno é o autor e leitor; • Pesquisa e manuseio de materiais impressos, como livros, textos e telas de autores e artistas consagrados; • Audição de vários gêneros musicais: ópera, valsa, samba, chorinho, moda de viola, canções clássicas e contemporâneas do Brasil; • Pesquisa na “internet” sobre os temas trabalhados: geradores e transversais; • Valorização da leitura e da escrita como fonte de prazer; • Características e recursos do texto poético; • Musicalidade e sensibilização através dos textos poéticos e da própria música; • Sensibilização, através da leitura e interpretação de obras de arte, de vários autores consagrados; • Manifestação de sentimentos e suas histórias de vida, através da liberdade de criação e expressão; • Valorização e respeito à visão de mundo e produções de cada aluno, como ser autônomo, criativo e capaz. ETAPAS • Apresentação da proposta de trabalho aos alunos e discussão sobre as possibilidades de realização do mesmo; • Leitura de diversos autores e estilos literários; • Debate sobre a interpretação das idéias do poema e ilustração individual, através de desenhos e / ou colagens; • Pesquisa em diversos meios, tais como, livros e Internet sobre o que são e como surgiram os saraus e como são realizados atualmente; • Oficina de poesia em sala de aula, com fundo musical, inspirados em vários temas; • Oficina de releitura de obras de arte conhecidas com interpretação livre; • Ensaios individuais de leitura e interpretação das poesias de suas próprias autorias e em grupo dos jograis com textos conhecidos; • Técnicas de leitura com emoção e treinamento de respiração e relaxamento; • Estudo sobre “O que é poesia, poema, verso, estrofe, prosa, formas de criação e composição”; • Ensaio de músicas conhecidas e de suas próprias autorias, apresentadas, cantadas e tocadas durante o “Sarau”; • Planejamento das apresentações, elaboração de roteiros e organização; • Elaboração e distribuição de convites; • Arrumação da sala, utilizada como palco e platéia, com clima de casa noturna e salão de exposição de artes para a “festa literária”; • Apresentação do “Sarau” por períodos ou turnos, dada a dificuldade de realizar em outros horários, pois a maioria são alunos trabalhadores; • Documentação através de fotos e filmagem; • Elaboração de um livro do “Primeiro Sarau Cultural do Cieja”, com as suas criações e digitado pelos próprios alunos; • Exposição na Mostra Cultural de 05.11.2005: livro, fotos, a fita editada, os poemas manuscritos e desenhados e as obras de releitura de vários artistas; 286 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO • Acordo com os alunos: o livro e os demais trabalhos pertencerão ao grupo e serão utilizados sempre que houver interesse ou necessidade; • A leitura e a escrita de literatura poética, narrações, dissertações, crônicas, etc. continuam como práticas constantes em sala de aula e no seu dia-a-dia, como forma maior de expressão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A educação pela pedra, João Cabral de Melo Neto, Editora Nova Fronteira; A importância do ato de ler, Paulo Freire, Moderna; Canções do Brasil, Laura Bacellar e Sâmia Rios (org.), Editora Scipione; Como ler poesia, José de Nicola e Ulisses Infante; Educação como prática da liberdade, Paulo Freire, Paz e Terra; Fernando Pessoa, Adolfo Casais Monteiro, Agir; Na boca do povo, Ana Maria Filipouski (org.), L± O que é método Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Editora Brasiliense; Os cem melhores poemas brasileiros do século, Ítalo Moriconi, Objetiva; Ou isto ou aquilo, Cecília Meireles, Civilização Brasileira; Poemas para a infância, Henriqueta Lisboa, Edições de Ouro; Poemas que contam a história, Ana Maria Machado (org.), Editora Nova Fronteira; Poesia romântica brasileira, Marisa Lajolo (org.), Moderna; Simplesmente Drummond, Carlos Drummond de Andrade, Record; Trabalhando com poesia, Alda Beraldo, Editora Ática; Três homens falam de amor, Affonso Romano de Sant’ana, Manuel Bandeira e Olavo Bilac, Rocco. OBRAS DE ARTE PESQUISADAS Rio de Janeiro, Urutu, Sol Poente e Abapuru, Tarsila do Amaral; Carnaval, Di Cavalcanti; Bananal, Lasar Segall; Atirador de Pedras, Miro. ELABORADO POR Helena Krupinsk REVISADO POR Helena Krupinsk Marlene Elias da Silva Marlene Alves Silva Robles APOIO Equipes técnica, administrativa, pedagógica e equipe de apoio COORDENADORA GERAL Maria Helena Ramos Watanabe 287 Festival de Paródias – Festicieja Professores de Linguagens e Códigos e alunos dos III e IV Módulos CIEJA Ermelino Matarazzo À primeira vista, pode-se ter a impressão de ser apenas um festival como qualquer outro e “Paródia?”, quem nunca propôs? Porém, nosso trabalho tem um diferencial. A idéia de realizar esse Festival de Paródias foi amadurecida durante um processo iniciado no início deste ano. Conforme decidido pelo coletivo, nosso PEA (Projeto Especial de Ação / 2005) traz como tema gerador a “Pluralidade Cultural” e eixo temático a “Diversidade”, visto que em atividades desenvolvidas no ano anterior, alguns depoimentos de alunos, professores e funcionários reproduziram preconceitos historicamente construídos em nossa sociedade. Assim, percebemos a necessidade de proporcionar momentos de reflexão que envolvessem a problemática social, cultural e étnica, no sentido de contribuir, gradativamente, para a transformação da sociedade. Com esse propósito, iniciamos nossos trabalhos a partir da reflexão “Quem sou eu?” e “Como os outros me vêem?”, ou seja, a “Identidade”. Posteriormente, uma a uma, fomos introduzindo as “Diferenças”: lingüísticas, étnico-raciais, estéticas, sociais, com o intuito de conhecê-las; a fim de respeitá-las. E foi ao trabalharmos as questões étnico-raciais, que o Festival surgiu como um presente dos alunos para a equipe. Acreditando que eles são protagonistas do seu aprendizado, através de pesquisas e discussões enriquecedoras travadas em sala de aula, tanto na área em questão, quanto nas demais áreas (Ciências Humanas e Ciências da Natureza), as paródias foram nascendo e tomando corpo. Em Linguagens e Códigos, a proposta começou com a leitura do texto “Um novo aluno na classe” (Márcia Kupstas), que traz a figura de um aluno negro, vindo de um outro estado, discriminado pela turma, a princípio; e que, posteriormente, após conhecê-lo, passa a respeitá-lo; aberto um debate com questões dirigidas, os alunos puderam colocar suas opiniões e iniciar a reflexão a cerca do preconceito, discriminação e racismo, bem como à tolerância. A seguir, apresentamos a música “Ilê Ayê” (O Rappa), que mostra o valor do negro; visando à valorização, para o respeito. Aproveitando a empatia que os alunos têm para com a música, a equipe achou interessante abordar o conceito de paródia e sugerir que os alunos produzissem uma sobre as questões étnicoraciais, que levasse o leitor / ouvinte a refletir, propondo uma mudança de atitude, já que a sociedade reproduz, ainda que velado, um grande preconceito com relação ao negro. Assim foi feito. Em equipes, elaboraram suas paródias. Posteriormente, sentiram a necessidade de um acompanhamento, usando os próprios latões de lixo da sala de aula. Dessa maneira, propusemos, então, que confeccionassem instrumentos musicais com sucata, para que pudessem fazer o acompanhamento. Aproveitando o entusiasmo que tomou a todos, brincamos “Que tal um FESTICIEJA?”. E, quando menos esperávamos a escola toda já estava mobilizada. Organizamos, então os procedimentos para o Festival: decidiu-se que cada sala teria uma paródia que a representaria e, depois, a que representaria cada período. Foram, assim, elencados os critérios para a escolha: letra abordando tema, instrumentos musicais, harmonia/ritmo, participação. Os próprios alunos escolheram, em suas respectivas classes, a paródia que os representaria e, no Festival, que foi realizado por período, um júri escolheu a que melhor se enquadrava nos critérios estabelecidos. Os ensaios tornaram-se aulas ministradas por nossos alunos, visto a riqueza das letras que compuseram e o Festival foi um grande evento em que puderam, não competir uns com os outros, mas compartilhar conhecimentos. Como saldo, tudo foi positivo: o empenho do coletivo, a alegria dos alunos em aprender com prazer, o encontro aos objetivos do nosso grande projeto visando minimizar as diversas formas de preconceito, valorizando o convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural, desenvolvendo uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminação e compreendendo a desigualdade social como problema de todos e como passível de mudança; tendo o conhecimento como fundamento para essa transformação, possibilitando reconhecer o verdadeiro valor do que é “ser humano”. 288 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Valorizando a Terceira Idade Roseli da Costa Sol Mônica Paraiso Collado Sabatim CIEJA Mandaqui Desde o princípio do mundo o homem tem a curiosidade de conhecer a mente humana e entender as diversidades que cada uma apresenta. Hoje, um número maior de profissionais se dedica a compreender e explicar o comportamento nas diversas faixas etárias do homem. Um dos períodos mais complexos e mais estudados do ser humano até hoje, sempre foi a adolescência, mas isso vem mudando dia após dia. Há algum tempo, as pessoas não se preocupavam tanto com a velhice, pois não se chegava a uma idade avançada. Hoje, pelo contrário, cada vez mais pessoas pensam no futuro e tentam chegar à 3a idade da melhor maneira possível, sempre com dignidade e qualidade de vida. Atualmente os estudos estão direcionando seus olhares para a fase mais madura, a terceira idade, onde a personalidade, o caráter, os valores e experiências pessoais que nortearam as suas vidas, deveriam ser uma das parcelas de contribuição pessoal mais importante dentro da família. Há ainda uma análise do papel da escola na formação não acadêmica, com a preocupação da re-inserção do idoso na sociedade, fazendo um paralelo com a educação das gerações posteriores. O projeto em questão visa preparar os idosos, nosso protagonista e como conseqüência suas famílias para enfrentar as dificuldades atuais nos campos profissional, afetivo e pessoal, através da conscientização de seus direitos legais e as opções oferecidas para a melhoria da qualidade de vida. Nosso público alvo são os alunos de EJA, desde adolescentes até idosos. Através de palestras e vídeos os alunos são convidados a dar uma volta pelo mundo, conhecendo a valorização ou não dos idosos nas diferentes culturas. Buscamos com esse trabalho, quebrar preconceitos, pois na maioria das vezes, o idoso é tratado como incapaz, inútil, um estorvo na família, um peso para a sociedade. Nesse caso, o aluno, como protagonista é levado a observar os comportamentos nas diversas sociedades e fazer um paralelo com a nossa, comparando a qualidade de vida em todos os segmentos sociais. Em um segundo momento do trabalho, foi proposto um questionário e também uma pesquisa sobre a legislação que ampara o idoso no Brasil, seus direitos e deveres. Nessa mesma fase, os alunos formularam seus questionamentos sobre a aplicabilidade do Estatuto do Idoso. Já em uma terceira etapa, os alunos são convidados a relatar suas experiências de vida, comentar sobre a palestra, discutir sobre os pontos de vista dos vídeos, divulgar suas pesquisas, dar opiniões, questionar e sanar dúvidas. É um momento enriquecedor, onde a troca de experiências é o nosso maior propósito, pois é assim que surgem novas idéias e paradigmas são quebrados. Em uma quarta etapa, os alunos, produziram sugestões de leis que consideram importantes para o Idoso, mas que ainda não constam no Estatuto e outras que deveriam ser revistas ou reformuladas para que realmente funcionem e tragam melhores resultados. Já em uma etapa final, os trabalhos foram expostos e cada aluno relatou o que sentiu e a sua visão sobre a realização desse projeto, passando assim por mais um momento de troca de experiências. 289 Ao final da realização dos trabalhos, pudemos concluir que o projeto foi pertinente a realidade local, pois o nosso aluno mesmo que não seja um idoso, teve a conscientização que prolongar a juventude é desejo de todos, mas desfrutar de uma velhice sadia e com qualidade ainda é sabedoria de poucos, pois o idoso só conserva suas faculdades se mantiver o interesse pela vida, se for reconhecido e obtiver respeito da e na sociedade e principalmente sendo atuante e fazendo valer os seus direitos. 290 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Sexualidade - História e Arte Mônica Paraiso Collado Sabatim Roseli da Costa Sol CIEJA Mandaqui O projeto visa abordar o assunto em questão de uma forma diferente da convencional. Para isso, voltamos no tempo e fomos buscar recursos na História, na Mitologia Grega e nas Obras de Arte que retratam a sexualidade de uma forma tão sensível e enriquecedora. Sexualidade inclui sentimento, saúde, erotismo, e principalmente, sexo. O sexo é tratado de maneira diferente em cada cultura, em todas as partes do planeta. Mas, em todas elas, o amor é citado como o princípio de tudo. A origem do mundo cita a formação do Homem e da Mulher, a tentação e o livre arbítrio. Na arte Rupestre já havia registros de vida sexual e acasalamento. A Mitologia Grega retrata histórias de amores impossíveis e seus Deuses. Mas existe ainda o lado da sexualidade como pecado, como imoralidade, e com visão apenas para a procriação. O objetivo maior do projeto é mostrar a sexualidade vista por um novo ângulo, de forma abrangente e diversificada, não esquecendo que o amor é a base da vida. Nosso público alvo são alunos de EJA, desde adolescentes até idosos. Através de palestras sobre o tema, os alunos são convidados a dar uma volta ao passado, conhecendo a sexualidade através dos tempos, de forma sensível, fora da convencional. Buscamos com esse trabalho, quebrar paradigmas e mitos, pois na maioria das vezes, sexualidade é tratada como algo proibido, cheio de regras, pecados e comportamentos impostos pela sociedade. Nesse caso, o aluno é levado a observar a beleza que é o corpo humano, retratado de pinturas a esculturas e até mesmo símbolos fálicos. Em nenhum momento citamos regras de comportamento, o certo ou o errado, o que é ou não permitido. O aluno, nosso protagonista, é que deve seguir o seu caminho e buscar a melhor forma de se expressar em relação a sua própria sexualidade. Na segunda etapa do trabalho, foi proposta uma pesquisa sobre a sexualidade na Literatura em geral, na Arte, na História enfim, em todos os momentos da humanidade. Nessa mesma etapa o aluno optou qual a melhor forma de expressar a sua sexualidade na arte: esculturas em argila ou biscuit, pinturas em tela, utilizando aquarela, tinta óleo, grafite, lápis de cor, giz de cera, mosaico, enfim, todos os instrumentos disponíveis . Na terceira etapa os alunos são convidados a relatar suas experiências sobre o assunto, comentar sobre a palestra, divulgar suas pesquisas, dar opiniões, questionar e sanar dúvidas. É um momento muito enriquecedor, onde a troca de experiências é o nosso maior propósito. Na quarta etapa, os alunos como protagonistas, produziram suas próprias obras de Arte, retratando sua visão de sexualidade, onde alguns se identificaram com reprodução de obras pré-existentes e outros retrataram seus próprios sentimentos. Na etapa final, os trabalhos foram expostos e cada aluno relatou o que sentiu e a sua visão sobre a realização desse projeto, passando assim, por mais um momento de troca de experiências. Ao final da realização de todas as etapas, pudemos concluir que o projeto foi bastante pertinente a realidade local, pois o nosso aluno tem muita dificuldade de se expressar sobre o assunto em questão. Observamos que eles antes introspectivos passaram a se sentir mais à vontade quanto ao tema, tanto para a discussão como a exposição de suas idéias e sentimentos. 291 Na Teia de Novos Saberes : Competência e Inclusão Uma História Especial Marizilda Escudeiro de Oliviera e Zenaide da Costa CIEJA Santo Amaro O Centro Integrado de educação de Jovens e adultos-CIEJA-SANTO AMARO concretiza uma ação pedagógica buscando realizar um sonho coletivo: o sonho de uma educação solidária, ética e inclusiva na articulação do mundo da cultura e do trabalho. A construção de uma teia de novos saberes resgatando competências necessárias para o cidadão do século XXI resgata a idéia de uma educação inclusiva pelo saber. Muitas histórias especiais passam pelo CIEJA todos os dias. Histórias de conquistas, de superação, de felicidade , de inclusão, de respeito e dignidade.Relatamos como exemplo a história de uma turma de móduloI ( referente à 1a e 2a série do ensino fundamental)para representar toda a vida que perpassa pelo CIEJA-Santo Amaro 292 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Projeto Meio Ambiente Coordenadora : Elizabete dos Santos Manastarla Supervisora Técnica: Maria Elisa Frizzarini Diretoria de Orientação Técnica Pedagógica: Francisco José Pires e Equipe Diretoria de Programas Especiais: Adalcina Helena Magalhães e Equipe Representante do Meio Ambiente: Margarete Louzano da Silva Coordenadoria de Educação de Itaquera INTRODUÇÃO Para se entender historicamente o significado do despertar para a necessidade de preservação do Meio Ambiente e da busca por leis que amparem esta questão faz-se necessário tomar por base o contexto dos esforços das Nações Unidas, preocupadas em identificar as questões fundamentais relativas à segurança mundial. Quando da criação da ONU, em 1945, entre os temas da discussão, destacavam-se a paz, os direitos humanos e o desenvolvimento eqüitativo. Durante os primeiros anos de existência da ONU, a questão ambiental ainda não se colocava como uma preocupação comum, da mesma maneira que era dada pouca atenção ao bem-estar ecológico. Não obstante, desde a Conferência de Estocolmo, sobre entorno Humano em 1972, a segurança ecológica passou a ser a quarta preocupação principal das Nações Unidas. Face ao exposto, os movimentos pela legalidade de ações que permeiam o bem estar do Meio Ambiente arfam asas em prol de um desenvolvimento sustentável, dentre os quais podemos destacar os mais recentes. Em 1987 a CMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) conhecida por Comissão Brundtland, recomendou a criação de uma nova carta ou declaração universal sobre a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. Em 1992 a Eco-92 iniciou o processo e chegou a um primeiro consenso sobre a “Declaração de Princípios do Rio”. Formou-se uma secretaria internacional incumbida de dar prosseguimento ao projeto Carta da Terra. Em 1995 o Seminário Internacional sobre a Carta da Terra, realizado em Haia, na Holanda. Ali foram definidas as necessidades, os elementos principais e a forma de elaboração da Carta da Terra. Baseada em princípios e valores fundamentais, que norteiam pessoas e Estados no que se refere ao desenvolvimento sustentável, a Carta da Terra serve como um código ético planetário. Em 1997 durante a Rio+5 foi constituída uma Comissão da Carta da Terra. Naquela ocasião chegou-se ao texto da primeira minuta de referência, que baliza hoje as discussões em todo o mundo. Em 1996 Inicia-se, com vários grupos, o processo de consulta, como parte da preparação para a Rio+5, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1997, cinco anos depois da Eco-92. Em 1998 realizou-se em Cuiabá, Mato Grosso/Brasil, a primeira conferência regional, envolvendo os países da América Latina e Caribe e da América do Norte. Essa conferência abriu o processo das sistematizações continentais. Além dos acontecimentos específicos destacados temos a Constituição da República de 05/10/1988 em que o Artigo 225, Capítulo IV trata do MEIO AMBIENTE, ‘”Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” Assim sendo, cabe a todos os cidadãos brasileiros, o cumprimento dos deveres aqui atribuídos os quais lançamos como dever da comunidade educacional, educar a sociedade para um futuro melhor. Pautados ainda, na Lei Orgânica do Município de São Paulo -04/04/1990 Artigos 180 a 190 capítulo V do Meio Ambiente (ver documento na sua integra nos anexos a este projeto) que trata das responsabilidades do Município com as 293 questões do Verde e Meio Ambiente e a própria Legislação Ambiental de São Paulo em que assegura que a vegetação no município de São Paulo vem sendo sistematicamente suprimida ao longo de todo processo de ocupação urbana, restando apenas porções preservadas no extremo sul, na Serra da Cantareira ao norte e em manchas isoladas, como as APAs do Carmo e Iguatemi, na zona leste e que a vegetação urbana restringe-se a existente nos parques e praças municipais, na arborização viária e em terrenos particulares isolados. Sendo assim, propomos que a educação assuma o papel de divulgar, esclarecer e conscientizar a comunidade educativa, educadores e educandos, para um despertar humano em relação à necessidade de ações que visem harmonia entre o Homem e a Natureza para a sustentabilidade da vida no planeta. * Assumindo a postura de uma cultura em defesa do Meio Ambiente em nossa região, a Coordenadoria de Educação de Itaquera será mais uma parceira nesta jornada com o objetivo de ampliar e dar continuidade aos trabalhos já desenvolvidos pelas Unidades Educacionais a ela jurisdicionadas, incentivando projetos em consonância com as necessidades locais, destacando a coleta seletiva do lixo, trabalhos com a fauna e a flora, estudos das bacias hidrográficas e das APAs da região, a revitalização das praças locais, o consumo consciente e uso racional da água e da luz, as possibilidades de trabalho com o Planetário e a participação na Agenda 21 da Zona Leste. OBJETIVOS Geral: Levar a comunidade educativa a despertar para a necessidade do trabalho de conscientização com o Meio Ambiente para uma vida de hábitos e de possibilidades de sustentabilidade, visando um mundo de PAZ entre o Homem e a Natureza. Específicos: • Identificar os Projetos de Educação Ambiental existentes nas Unidades Educacionais da Coordenadoria de Itaquera e organizar ações de divulgação e socialização dessas vivências entre as escolas. • Proporcionar à comunidade educativa possibilidades de conhecimentos sobre as necessidades de uma interação sadia entre o Homem e o Meio Ambiente. • Possibilitar e favorecer o desenvolvimento de trabalhos que levem ao hábito de seleção e coleta de lixo, preservação da fauna e da flora, bem como da Natureza em si para garantir a qualidade de vida e a harmonia entre o Homem e a Natureza. • Incentivar o consumo responsável, visando a diminuição da produção do lixo. • Incentivar o consumo consciente e uso racional da água e da luz, as possibilidades de trabalho com o Planetário e a participação na Agenda 21 da Zona Leste. • Colaborar com a implementação do processo da Agenda 21 Local oferecendo e disponibilizando espaço físico para as reuniões mensais. • Incentivar os trabalhos com o Projeto PraçAção – lançado pelo prefeito em setembro de 2005. • Possibilitar que a comunidade educativa descubra e crie ambientes e materiais adequados e de qualidade relacionados às atividades com o Meio Ambiente junto com educandos e comunidade. • Proporcionar aos educadores momentos de reflexão, análise e critica sobre suas ações do dia-a-dia, sensibilizando-o a orientar seu trabalho sobre o Meio Ambiente, por meio de Projetos. JUSTIFICATIVA Justificamos a edição deste II volume ( que mantêm o conteúdo do I Projeto, criado no início deste ano de 2005) pela necessidade de acrescentar trabalhos fundamentais tais como, a água e a luz, o Planetário e a participação na Agenda 21 da Zona Leste. A Legislação Ambiental afirma que os instrumentos legais existentes desde a década de 50 não foram eficientes para preservar a cobertura vegetação, nem garantir a criação de novas áreas verdes em número sufi294 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO ciente para a qualidade ambiental da cidade, como demonstram inúmeros estudos já realizados e os primeiros resultados obtidos pelo Projeto Atlas Ambiental. Neste sub-tema são apresentados as principais leis, decretos e portarias no âmbito federal, estadual e municipal de proteção ambiental, relacionados com a vegetação (Código Florestal, Lei de Crimes Ambientais, Legislação Estadual de Recursos Hídricos e de Proteção aos Mananciais), bem como a legislação mais específica, que disciplina a preservação, criação e o corte/poda de vegetação. Temos também um importante plano de ação lançado no mundo todo, o qual tem como objetivo a sustentabilidade do planeta. Estamos falando da Agenda 21 que é um plano de ação para ser adotado global, nacional e localmente, por organizações do sistema das Nações Unidas, governos e pela sociedade civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente. Constitui-se na mais abrangente tentativa já realizada de orientar para um novo padrão de desenvolvimento para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia da sustentabilidade ambiental, social e econômica, perpassando em todas as suas ações propostas. Justifica-se portanto, este Projeto, pelas demandas advindas da realidade contemporânea em função da degradação ambiental no mundo, além de outras questões como chuva ácida, falta de água potável no planeta, desmatamento, poluição dentre outras as quais necessitam de cuidados urgentemente e de serem discutidas pela humanidade sobre pena de provocar um caos no habitat humano. Na prevenção desse caos, faz-se necessário ações locais as quais dependem do envolvimento das comunidades. PÚBLICO-ALVO Comunidade Educativa CRONOGRAMA Projeto para ser desenvolvido em um espaço de 4 anos METODOLOGIA Para alcançarmos os objetivos estabelecidos neste projeto trabalharemos com a pesquisa e o levantamento das Unidades Educacionais jurisdicionadas à esta Coordenadoria de Educação que já possuem Projetos Pedagógico direcionados ao Meio Ambiente incentivando e apoiando tal iniciativa. Em relação às Unidades que ainda não possuem nenhum Projeto específico do Meio Ambiente buscaremos inserir a idéia sensibilizando a comunidade educativa quanto à importância e a necessidade de se construir um projeto que trabalhe a questão ambiental com educandos e comunidade, de acordo com a realidade local. Buscaremos ainda, promover parcerias e possibilidades de troca de experiência entre as escolas, a comunidade, entidades, empresas e da próprias Coordenadorias de Educação. RESULTADOS ESPERADOS Que todas as UEs desta Coordenadoria tenham, até 2008 ao menos 1 Projeto sobre o Meio Ambiente. Que a comunidade Educativa se envolva e que assuma a responsabilidade da Educação Ambiental. Que as ações dentro dos Projetos do Meio Ambiente sejam significativas para os educandos, que envolvam a comunidade local e que transforme a realidade no sentido de melhoria na qualidade de vida e da sustentabilidade. Obs: na apresentação temos registros e imagens dos avanços na Ed. Ambiental das Escolas, envolvimento e adoção de Projetos neste ano de 2005. 295 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: Agenda 21. Brasília, 02 Ago. 1994. Tradução do Ministério das Relações Exteriores. KRANZ, Patrícia. Pequeno Guia da Agenda 21 Local. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 1995. SÃO PAULO (Cidade). Comissão Municipal de Defesa Civil. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Empresa Municipal de Urbanização. Agenda 21 Local: Relatório Geral de Propostas. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal do Abastecimento. A Importância da Higiêne dos Alimentos na Manutenção da Qualidade de Vida. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal da Administração. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal das Administrações Regionais. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal de Cultura. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal de Educação. Projeto de Educação Ambiental. São Paulo, 1995. ________________. Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal da Família e Bem Estar Social. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. . São Paulo, 1995 __________________. Secretaria Municipal da Saúde. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal de Serviços e Obras. Departamento de Limpeza Urbana. Manejo Ambientalmente Saudável dos Resíduos Sólidos. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal de Transportes. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal de Transportes. Companhia de Engenharia de Tráfego. São Paulo Transportes. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. __________________. Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Diagnóstico Cartográfico Ambiental do Município de São Paulo. São Paulo, 1992. __________________. Secretaria Municipal de Vias Públicas. Agenda 21 Local. São Paulo, 1995. 296 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Educação de Jovens e Adultos “Um Olhar Para o Currículo” Douglas Sanches da Silva Coordenadoria de Educação de Itaquera JUSTIFICATIVA: Em tempos de significativas mudanças, de progressos tecnológicos e desenvolvimento científico, acreditamos viver num mundo sem fronteiras, numa grande “aldeia global”. Entretanto, e principalmente, nos grandes centros urbanos, uma parcela da população encontra-se excluída e impossibilitada de exercer seu pleno direito à cidadania através da educação. Cabe, fundamentalmente, ao poder público e a sociedade civil organizada resgatar desta marginalidade milhões de brasileiros. Conscientes da necessidade de atrair essas pessoas e de garantir sua integração e emancipação, devemos proporcioná-las, dentro de nossas escolas, um currículo que atenda as suas necessidades, pois a Educação de Jovens e Adultos possui especificidades e deve ser observada como uma modalidade diferente dentro do Ensino Fundamental. Porém, justificados pelos argumentos dos professores de nossa rede, os estudos acadêmicos dentro das Universidades que habilitam o magistério, não propiciam a formação de educadores voltados à estas questões, assim como a organização dos espaços nas Unidades Educacionais não foram projetados à esta camada social. Vemos, na discussão junto aos educadores, a possibilidade de construção de um currículo adaptado a realidade dos jovens e adultos, projetando a superação dos entraves mencionados. OBJETIVOS Discutir, conscientizar e construir junto aos educadores da rede, a possibilidade de um currículo que atenda as necessidades do jovem e do adulto, compreendendo e relacionando a educação formal e permanente a toda gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e multicultural, na qual se reconheçam os enfoques teóricos relacionando-os com a realidade do educando. Reconhecer os impactos que o retorno ao processo de escolarização causa a estes educandos que, por anos ausentaram-se das escolas. Investir em discussões que apresentem as áreas de conhecimento como linguagens para a compreensão do mundo,contextualizando e relacionando os conhecimentos. Apropriar-se da Metodologia Dialógica, que propõe investigar, problematizar e sistematizar os conhecimentos para que se alcance uma educação com significados e apreensão crítica; metodologia que aproveita a experiência acumulada dos educando, valoriza a cultura local e possibilita a ampliação à chamada cultura erudita ou dominante. Utilizar e explorar as múltiplas linguagens e diferentes portadores de textos. Garantir a compreensão, por parte dos educadores, da relação entre currículo, poder e cultura e aplicálo como prática de significações. Apresentar como produto final, propostas de atenção e ações para que a Educação de Jovens e Adultos seja plenamente integrada e contemplada nos Projetos Pedagógicos que norteiam as Escolas. 297 METODOLOGIA A proposta de utilizarmos a Metodologia Dialógica, tem por finalidade vivenciá-la nos encontros para explicitar suas possibilidades de aplicação nas escolas. Diferentemente do que muitos viveram nos meios acadêmicos, os encontros partem sempre de uma situação problema sobre o tema a ser estudado no dia. Para isto, buscamos utilizar nos momentos de investigação e problematização, diferentes linguagens e portadores de textos que se relacionam com as tarefas executadas pelos educadores em suas salas de aula. Assim, essas tarefas garantem, não só a aplicação prática do curso, como também fornece material para a problematização das práticas para o encontro seguinte. A sitematização é trabalhada com suportes teóricos elencados de texto e bibliografia sobre currículo. A avaliação é processual e a cada encontro voltamos aos registros das tarefas executadas para a conclusão e apreensão crítica. Foram abertas 40 vagas para participação de Educadores (professores e Coordenadores Pedagógicos) que trabalham diretamente com a Educação de Jovens e Adultos. O tempo determinado em lauda para o curso foi de 20 horas, divididos em 5 encontros de 4 horas, ocorrendo mensalmente no auditório da Coordenadoria de Educação de Itaquera. BIBLIOGRAFIA: SOARES, Leôncio. Aprendendo com a diferença. Estudos e Pesquisas em EJA. Belo Horizonte: Autêntica, 2003 SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo, documento de identidade.Belo Horizonte: Autêntica, 2004 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Ed. Cultrix, 1982 GARCIA, Regina Leite. Currículo: pensar, sentir, diferir. São Paulo: DPA Editora, 2004 FURLANETTO, Ecleide Cunico. Como Nasce um Professor? São Paulo: Paulus, 2000 COSTA, Marisa Vorraber. O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DPA Editora, 2003 IMAGENS Fotografias de Sebastião Salgado O Olho do Tempo – Salvador Dali A Persistência da Memória – Salvador Dali O Móvel Antropomórfico – Salvador Dali Pelourinho – Jean Batista Debret O Mercado de Valongo - Jean Batista Bebret Pelourinho – Paulo Harro Haring Mercado de Escravos – Paul Harro Haring Manipulação – Rogério Teruz Resistência – Alessandro Buzo TEXTOS O que é a CRISE? – Leonardo Boff Crise de identidade, crise de sentido. – Moacir Gadoti 0 Currículo como prática de significação – Tomaz Tadeu Silva FILME Narradores de Javé MÙSICAS Paciência – Lenine O Sal da Terra – Beto Guedes Intuição – Osvaldo Montenegro 298 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Desenvolvendo as Competências leitora, escritora e discursiva através da Lógica como Arte de Pensar Cezira Bianchi Cecília Aparecida Cocco Coordenadoria de Educação do Ipiranga Este tema foi desenvolvido na Coordenadoria do Ipiranga, no segundo semestre de 2005, como Curso Optativo de Formação de Professores e teve 23 educadores inscritos, dos quais apenas 18 freqüentaram o curso. Destes, seis eram Coordenadoras Pedagógicas e as outras doze restantes eram professoras de Português, Inglês, Matemática, Geografia, História, Ciências, Educação Artística. Como se pode ver, era um grupo bem diversificado, apesar de nenhum elemento masculino. Todos os cursistas vieram movidos pela curiosidade com o tema, e pela mudança que tem havido na Educação, que aponta para a necessidade de busca de novos caminhos. JUSTIFICATIVA O enfrentamento das questões relacionadas às dificuldades da escola tem sido uma preocupação constante de pesquisadores, gestores e educadores da educação. Avaliações externas têm apontado um descompasso entre o aumento das oportunidades educacionais e a persistência de índices altíssimos de fracasso escolar. Esta proposta de formação procurou oportunizar a professores das áreas curriculares do ensino fundamental II e coordenadores pedagógicos a conscientização da responsabilidade coletiva pela alfabetização e dar-lhes subsídios para o desempenho da tarefa contributiva para o desenvolvimento das capacidades leitora, escritora e discursiva, tendo como foco principal a construção e crítica de textos argumentativos. Para se pensar logicamente, há que se detectar e atentar bem para relações (quantitativas, espaciais, hierárquicas, estruturais, etc), para processos e conexões lógicas e saber descrevê-las. A linguagem natural (informal) é boa para exprimir o significado geral de uma situação, as linhas mestras de uma argumentação, ou dizer “do que se trata”. Mas para entendermos todo o contexto que nossa sociedade abarca, precisamos de diversas linguagens formais - sistemas simbólicos, linguagens de computador, vocabulários do discurso matemático ou científico – que nos habilitam a argumentar com clareza: devemos ser capazes de exprimir o sentido geral do que queremos dizer e acrescentar precisão a esse sentido em contextos variados. OBJETIVOS 1- compreensão de fatores contributivos a uma prática pedagógica comprometida com o desenvolvimento das competências leitora e escritora dos educandos. 2- ampliar possibilidades e competências de: • Compreender como se processa a apreensão da leitura e a construção da escrita, sob o ponto de vista argumentativo, identificando quais fatores favorecem ou dificultam esse processo; • Contribuir cotidianamente para o avanço dos alunos nas capacidades crítica, criativa e argumentativa; 3- Levar o professor a perceber e discutir com seus alunos nuances e ambigüidades, que devem ser muito bem cuidados, não só na matemática, mas também no direito, na fala e na escrita. Os alunos devem ter oportunidade não apenas de usar definições, mas também de analisá-las e criar as suas próprias. Para comunicar e pensar com clareza, há que se levar os alunos à reflexão sobre o que querem dizer com os termos que usam e ver como o contexto afeta o significado. 299 4- O professor deve usar esquemas de classificação e definições que possam exprimir o que há de comum ou de equivalente entre elementos não idênticos, porque a noção de invariância é essencial. Não podemos falar sobre a história de um país ou de uma pessoa sem identificar o que foi preservado e o que mudou. 5- A demonstração é característica matemática, mas o hábito dela derivado – o de mostrar como uma idéia deriva de outras – é uma disciplina central na literatura, na argumentação jurídica, na ciência, etc... Podemos encadear nossos pensamentos coerentemente, em qualquer disciplina. 6- Ensinar modos de pensar, otimizando a capacidade de análise e interpretação de quaisquer textos. 7- Preparar crianças e jovens para pensar e estabelecer relações produtivas com as informações que, hoje em dia, podem acessar facilmente, via informática e modos de pensar como refletir, indagar, estabelecer hipóteses, pesquisar, organizar idéias, duvidar, testar, criar, re-elaborar, reorganizar, demonstrar, argumentar, contextualizar, mudar, experimentar. METODOLOGIA As atividades de formação se orientaram por duas finalidades básicas: ampliação do universo de conhecimento dos professores sobre a arte de pensar e a reflexão sobre a prática profissional. O curso apoiou-se na crítica e construção de textos argumentativos, análise da adequação de textos a seu público-alvo, aplicação, análise dos resultados da discussão com os alunos, discussão das implicações pedagógicas das conclusões. A pergunta crucial a ser respondida foi: “é possível inserir a Lógica no currículo?”. Além dos encontros presenciais, o curso foi complementado com horas adicionais (uma por encontro), em trabalho individual de realização dos estudos, tarefas e registros das análises feitas pelos alunos dos cursistas. PÚBLICO ALVO Professores de Ensino Fundamental II, em regência no ciclo II de todas as áreas de conhecimento ou no 1o ao 4o termo da Educação de Jovens e Adultos, de Salas de Apoio Pedagógico, de Salas de Leitura e de Informática Educativa e Coordenadores Pedagógicos das EMEFs, EMEFMs e CIEJAs. CONTEÚDO 1 Willian Blake: leitura da imagem escolhida para capa do material e comparação com o poema do poeta que enfoca contrários. 2. Noções sobre a Lógica como arte que dirige o ato da razão; as três operações do espírito humano: apreensão, juízo e raciocínio; a Lógica menor, ou lógica da Razão Correta; as Leis da Inteligência. A lógica Aristotélica, história e a Lógica Aristotélica recuperada por Chaim Perelmen. Conexão com a Linguagem; conectivos, quantificadores. 3. Regras de Inferência da Lógica. 4. Silogismos Bem-Humorados: raciocínios válidos ou falácias? 5. Poesia “Consideração do Poema”, de Carlos Drummond de Andrade: relações com a Lógica. 6. Texto lido em casa, de Rubem Alves, “Moluscos e Homens”: qual a tese que o artigo defende e com quais argumentos se fundamenta? Quais são as palavras chave? O autor usa metáforas no texto? 7. Discussão dos resultados obtidos pelos alunos com um texto de opinião escolhido por eles. 300 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 8. Raciocínio Dedutivo e Indutivo: distinções e conexões. 9. Falácias e Paradoxos. Lista de Falácias. 10. Descrição de alguma situação em que foi obrigado a parar para pensar. Colocação desta experiência em texto. 11. Discussão de algumas falácias e paradoxos com os alunos, dentre as da lista de “pérolas” que recebeu no fim do encontro. Questionamento de como os alunos se apropriaram destes conceitos e como se sentem com este exercício de pensar sobre o pensar. Registro das reflexões sobre os resultados. 12. Sensibilização com o tema Terra representando a passagem do todo para a parte (raciocínio dedutivo) e Água representando a passagem do todo à parte (raciocínio indutivo). 13. A Arte de Argumentar, com figuras de linguagem e técnicas argumentativas. 14. Escrita e discussão de textos argumentativos escritos pelos cursistas, sobre o referendo. CONCLUSÃO Pudemos constatar a sede dos educadores da Rede Municipal de Ensino por novos conhecimentos e por novas didáticas, motivados pelo fato do tema nunca ter sido abordado em curso de formação de que tenhamos conhecimento. A relação entre raciocínio e linguagem, conforme se pôde constatar, é uma busca de professores de todas as disciplinas do currículo do Ensino Fundamental. Esta proposta de ensinar usando a Lógica pretende ressaltar o trabalho indispensável do professor como “arquiteto da aprendizagem”, ao observar a seqüência de temas, a interdependência entre eles e a participação ativa e criativa dos alunos, que devem ser desafiados a refletir, discutir com o grupo, elaborar hipóteses e estratégias e a enfrentar situações inusitadas. A necessidade de valorização dos conteúdos, apesar de não ter sido abordada explicitamente, aparece subjacente, visto a relação entre forma e conteúdo ser imprescindível na prática pedagógica. Procurei estabelecer um paralelismo entre o método tradicional, que enfatizava o raciocínio dedutivo e o método mais atual, que privilegia o raciocínio indutivo, sugerindo que o caminho correto é começar pelo método heurístico, onde se desenvolve o raciocínio indutivo, mas dando continuidade, para que o aluno possa formalizar a teoria subjacente, desenvolvendo o raciocínio dedutivo. A análise aqui realizada não se esgotou, apenas visou contribuir para que os educadores possam planejar, desenvolver e analisar experiências de ensino que utilizem intencionalmente a Lógica como elemento articulador da forma-conteúdo e como elemento de interpretação de textos, ampliando assim a capacidade argumentativa do aluno. Temos que aprender a identificar as razões lógicas que se encontram na base das respostas errôneas de nossos alunos, dando-lhes, no momento certo, o remédio certo. De outra forma, estaremos sonegando-lhes não só a ajuda a que têm direito, como também a que esperam e precisam de nós. Lógica, pensamento, linguagem e discurso, são termos estreitamente associados. Só temos acesso ao pensamento dos outros e ao nosso próprio através da fala e da escrita, ou seja, do discurso. Pensar é estabelecer relações. A aquisição da linguagem marca a entrada da criança na sociedade e na cultura, é a partir dela que ela recorda, tem expectativas, fala e pensa. Que este trabalho possa ser um embrião para a Lógica passar a ser meio e método de transformação do conhecimento real pela análise crítica, contribuindo para o aprender, desaprender e reaprender. 301 Projeto Adole-ser: Uma Proposta Para Orientação Sexual No Espaço Escolar Maria de Fátima de Castro e Silva Natanael Bispo de Souza Paulina Fernandes de Souza E.M.E.F. Vereadora Anna Lamberga Zéglio INTRODUÇÃO O Projeto Adole-ser foi concebido levando em consideração o número de adolescentes grávidas em nossa região, que chega a índices alarmantes, o que evidencia a necessidade da criação de espaços de aconselhamento para a juventude no que se refere à promoção da saúde, prevenção à gravidez precoce e orientação para uma sexualidade saudável, tendo em vista o jovem como protagonista no processo de ensino-aprendizagem através da tomada de consciência e transformação de sua realidade. Assim como a família à escola tem papel fundamental para a construção deste processo tanto nas questões cognitivas como as de relacionamento humano e é no espaço escolar onde as relações humanas e afetivas durante a infância e adolescência são mais latentes. A sexualidade dos jovens fica “a flor da pele”, são os hormônios em pleno exercício o que deve levar a escola a pensar meios de contribuir a esse número significativos de jovens que precisam de orientação para poder vivenciar sua sexualidade de forma responsável. EDUCAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE E SEXUALIDADE RESPONSÁVEL Neste projeto temos por objetivo oferecer uma parcela de contribuição para a formação de uma autoestima positiva que possibilite aos jovens vivificar sua sexualidade de forma espontânea oferecendo informações e formação que os auxiliem no conhecimento do corpo e na compreensão de que ele faz parte de um todo, compondo uma harmonia. Ao desmistificar idéias relativas a sexualidade e esclarecendo as questões que permeiam as fantasias sobre o corpo e DSTs, relações de gênero procuramos, através da reflexão, criar condições para o diálogo em grupo, sobre opiniões e valores, evitando comparações que enfatizem a supremacia ou inferioridade de um sobre o outro. Com este trabalho esperamos que os jovens passem a refletir mais sobre sua sexualidade e prevenção as DST/AIDS e a gravidez na adolescência com condições de a partir daí escolher o melhor momento para iniciar sua vida sexual. A base metodológica do projeto vem pautando os conceitos de vulnerabilidade e de situações de riscos com uma proposta pedagógica que oriente a desmistificação de conceitos que só vem a oprimir, contrapondo-se às práticas que em nome da “educação”, acabam por reproduzir métodos autoritários e moralistas. Além dos objetivos apresentados acima, pretendemos a partir desse momento formar jovens que possam atuar como monitores / facilitadores nos demais grupos da escola bem como na comunidade de forma que estes possam protagonizar a realidade de sua geração. As oficinas desse tipo podem ser realizadas de duas formas: Grupos com no máximo 25 alunos cada para garantir assim um bom rendimento e assimilação dos assuntos a serem tratados, criando em formato de curso e possibilitando que só participem os alunos interessados no assunto. Lembrando que neste formato poderão surgir alunos multiplicadores em prevenção. Porém optamos por trabalhar os assuntos com as turmas / série envolvendo todos os alunos como um todo e a partir daí instigá-los a participar de grupos específicos e fora do horário de aulas. 302 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Temos a preocupação de desenvolver discussões partindo de conteúdos e estratégias que estão de acordo com a faixa etária de cada turma utilizando uma linguagem que respeite o estágio formativo de cada educando. TEMAS EM QUESTÃO Os temas propostas estão divididos por faixa etária sendo que a 1o e 2o anos do Ensino Fundamental estão sendo trabalhados: • Conhecimento do corpo (órgãos reprodutivos); • Vulnerabilidade; • Corpo afetivo (afetividade, amizade, namoro e ficar); • Auto-estima; • Prevenção as DST/AIDS. No caso dos jovens dos anos seguintes que teoricamente, na sua maioria, estão os anseios sexuais mais voltados ao ato sexual propriamente dito, propomos a seguinte reflexão. • Auto-estima; • Afetividade (corpo sexual, afetivo e erótico); • Gênero e Sexualidade (papéis sexuais); • Sexo seguro (prevenção HIV / AIDS / DST); • Gravidez na adolescência; • Uso abusivo de drogas. Para desenvolver este projeto estamos com uma equipe formada por três professores de diferentes áreas de atuação que tem em comum o carisma e objetivo de contribuir nesta reflexão junto aos estudantes da Unidade. A avaliação do projeto vem ocorrendo ao final de cada oficina / encontro possibilitando assim a autoavaliação constante do processo educativo. Como visto o projeto Adole-ser está em pleno andamento e estamos mapeando os postos de saúde dos arredores da escola e os serviços que oferecem aconselhamento em DST / AIDS e sexualidade do distrito como o CTA e casa de atendimento a vítimas de violência doméstica e saúde da mulher para assim criar uma rede de compromissos e responsabilidade à saúde sexual dos jovens de nossa comunidade. O Projeto Adole-ser teve início no segundo semestre de 2005, sendo realizado durante uma semana a cada mês para assim desenvolver melhor os temas e criar um vínculo com as turmas. DIFICULDADES ENCONTRADAS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES Ao trabalharmos com toda a turma enfrentamos problemas com os jovens que possuem faixa etária diferente e que estão na mesma série / ano e, portanto possuem interesses diferenciados, indicando a urgência de mudar a estratégia, formando grupos de interesse e por faixa etária desconsiderando a série e valorizando a idade. Para atender a essa necessidade na 2a fase do projeto estaremos agrupando esses jovens por idade e fora do horário de aula. Temos observado nas oficinas que muitos jovens apresentam grande dificuldades em conversar sobre temas voltados a sexualidade, em se oferecer como voluntários para o desenvolvimento de algumas dinâmicas, demonstrando uma grande timidez em lidar com o corpo. Por outro lado apresentam muita tranqüilidade em dançar e cantar músicas que abusam dos movimentos eróticos e palavrões como o Funk e o Axé. Sabemos que isso reflete a pressão da mídia e o apelo sexual dessas músicas que estão sendo consumidas por grande parte de jovens e os dos adultos das periferias de nosso país. 303 Essa questão merece uma atenção especial e estamos chamando a atenção dos jovens para este assunto e para desenvolvermos e/ou fortalecermos uma cultura de valorização do corpo e das relações humanas sem cair no risco de recorrer aos tabus historicamente construídos em nossa cidade. BIBLIOGRAFIA AQUINO, Julio Groppa (Org.) Drogas na Escola: alternativas teóricas e Práticas. São Paulo: Summus, 1998. AQUINO: Júlio Groppa (Org.) Sexualidade na Escola: Alternativas Teóricas e Práticas. São Paulo: Summus, 1997 FREIRE: Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. CONSENTINO, Edson Noel Urizar. Para educar é preciso pensar! Reflexões dirigidas a pais e educadores de adolescentes. São Paulo: Organon, 2000. OZELLA, Sérgio (Org.) Adolescências Construídas: Uma visão da psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2003. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Políticas de Saúde – Coordenadoria Nacional de DST e AIDS – Manuel do Multiplicador: Adolescente. Brasília, 2000. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, Programa Prevenção Também se Ensina – Fala Garoto, Fala Garota! – São Paulo, 2002. 304 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Comunivência Aparecida M. Lellis Carlos Santana Doselene Carvalho de Oliveira Eliane Ap M. da Cruz Gilmara B. França da silva Ivone Ap Vilas Boas Friscio Lílian Ap. Pistori Maria Shirlei Vallone Mikiko Matsumoto Nelson M. Zilig Regiane Maciel Renata Cavaci Rogelia P. C. Machado Ronaldo Latorre Grupo de JEI da EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré BREVE HISTÓRICO Esse projeto é uma continuidade do projeto iniciado no ano de 2004. Desencadeado após análise da avaliação da U.E no final de 2003 , percebemos a necessidade de estreitar as relações entre a comunidade escolar,equipe docente e pais. O grupo então norteado por esses indicadores estabeleceu algumas etapas a serem seguidas para que estes objetivos fossem atingidos,visando maior participação da comunidade e privilegiando a relação entre pais e filhos.A partir daí,o grupo estabeleceu algumas ações que viabilizassem o objetivo. Planejaram um calendário de ações ,trabalharam a legislação enfocando a importância da participação dos pais no conselho de escola.Assim encaminharam as ações sob a forma de oficinas que envolvessem a participação de pais e filhos.As oficinas realizadas foram: Legislação e Conselho de Escola,Conversando com os pais sobre Drogas ,Cinema e Pipoca na escola,Oficina de Brinquedos,Noite do Videokê, Diversidade na escola, Arte com areia colorida, Rede Solidária (arrecadação de 30 cestas alimentares para famílias carentes de alunos da escola). ELABORAÇÃO DO PROJETO 2005 Para a elaboração do projeto foram utilizadas todas as informações recebidas e os conhecimentos adquiridos através de diversas literaturas indicadas.Nosso objetivo principal para este ano era estreitar ainda mais as relações já iniciadas no ano anterior.Visávamos com isso as relações pessoais e maior envolvimento dos pais no processo de formação de seus filhos. ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO Os encontros acontecem sempre no período noturno,visando atender as necessidades dos pais trabalhadores.O grupo procurou diversificar as palestras/ oficinas, utilizando diferentes espaços da U.E.para que os pais pudessem se apropriar desses espaços.Foram realizados encontros na sala de leitura,sala de artes,sala de vídeo e pátio da escola .Tendo ainda previsto a utilização de outros espaços disponíveis entre eles a sala de informática e arte. 305 ELABORAÇÃO DE FORMULÁRIOS Elaboramos questionários avaliativos de cada palestra,com o objetivo de avaliar a receptividade e receber sugestões para os próximos encontros. MONTAGEM DOS ENCONTROS Após a leitura das avaliações feitas em 2004 do próprio grupo e dos pais partimos para a seleção dos temas 1o Encontro: Contadora de História (parceria com a contadora de história da Biblioteca infantil de Santo Amaro); 2o Encontro: Brigada de Incêndio(palestra ministrada por pai de aluno que , voluntariamente se ofereceu para ministrar a palestra); 3o Encontro: Cine-Família (exibição de um filme que suscite a discussão sobre relacionamento familiar);4o Encontro: Sexualidade na Adolescência(palestra ministrada por dois professores da U.E.); 5o Encontro: Rede Solidária(ações a serem desencadeadas pelo grupo). DIVULGAÇÃO DO INÍCIO DOS ENCONTROS Para cada encontro ficou estabelecido um público alvo.A divulgação aconteceu na sala de aula do público pertinente.Este se inscreve e recebe um convite. RECEBIMENTO DOS PAIS Esse procedimento ocorre sempre de duas formas : 1o) inscrição dos interessados; 2o)Participação nas oficinas.Tal procedimento visa estabelecer um mínimo de conforto e acolhimento aos pais, podendo prever espaço físico adequado mediante números de inscritos. Sempre nestes encontros recebemos os mesmos com uma mesa de lanches e em alguns dos encontros também recebem uma lembrança do grupo como imã de geladeira com data e tema do encontro. EXECUÇÃO DO PROJETO Com o objetivo de atender as necessidades dos grupos, partimos para as ações. Estipulamos como primeiro encontro a oficina “Contadoras de História”, onde nossa proposta era integrar este trabalho ao da Sala de Apoio Pedagógico . Convidamos então, os pais dos alunos desta sala para este encontro e tendo como destaque a necessidade da criação do vínculo. A partir daí as outras oficinas foram realizadas mediante as sugestões dos pais participantes , dadas as avaliações. Percebemos que a cada encontro o entusiasmo dos pais aumentava pois, saíam motivados e satisfeitos, sugerindo a continuidade através de outros temas. Tomamos o cuidado de atingir um público alvo diferente, contemplando pais de alunos do Fundamental I e Fundamental II . ACOMPANHAMENTO DOS AVANÇOS A partir das avaliações e sugestões dos pais tabulamos os resultados para planejar uma nova ação , procurando superar aspectos negativos identificados no encontro anterior. 306 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO CONSIDERAÇÕES FINAIS O grupo escolheu o nome “COMUNIVÊNCIA” sendo uma mescla da convivência da vida escolar com a comunidade, ou seja propiciando momentos de orientações através de encontros/oficinas com a comunidade. Acreditamos muito que os resultados alcançados só foram possíveis até o momento devido ao trabalho coletivo desenvolvido na escola pelo grupo e, principalmente pela colaboração e apoio que recebemos da direção, coordenação, professores , demais funcionários e familiares. Notamos que ao final do 20. projeto os pais participaram com mais entusiasmo percebendo que a escola está visando cada vez mais sua participação. Na última Reunião de Pais foi realizada em todas as salas de aula uma pesquisa onde os pais deveriam apontar quais temas gostariam que a escola abordasse através de encontros/oficinas para pais . Percebemos pelas respostas o grande interesse dos mesmos em estarem envolvidos em atividades diversas na escola , visando a melhor orientação para os filhos. “Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura que marcha, que não tem medo do risco, por isso recuso o mobilismo. A escola em que se pensa , em que se atua, em se fale, em que se ama, se adivinha , a escola que apaixona da mente diz sim à vida”. Paulo Freire 307 Ninguém é Igual a Ninguém Professora Sueli de Paiva Grillo EMEF Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré ELABORAÇÃO DO PROJETO A partir das orientações recebidas da Coordenação e ex-professoras da Sala de Apoio da escola, da Equipe Pedagógica da Coordenadoria de Santo Amaro em 2004 e as informações recebidas durante o estágio, foi possível entender melhor o funcionamento da Sala de Apoio, identificando quais procedimentos precisariam ser adotados para início das atividades. A primeira providência foi agendar uma reunião com a coordenação, estabelecendo etapas para concretização do trabalho, como segue: 1. Reunião com as professoras informando o funcionamento da sala de apoio reorganizada e os critérios para encaminhamentos dos alunos. 2. Apresentação da professora da Sala de Apoio aos pais na reunião do início do ano, informando a existência deste recurso na escola no ano de 2005. 3. Entrega do formulário de encaminhamento aos professores/Montagem dos grupos. 4. Convocações das famílias para esclarecimento dos objetivos do trabalho e autorização para que os alunos participassem da Sala de Apoio Pedagógico. 5. Elaboração do Projeto de Apoio Pedagógico 6. Organização da sala / Início do trabalho/ Conhecimento dos alunos 7. Elaboração do Plano de Ação pautado nas necessidades dos alunos. Para a elaboração do projeto, utilizei todas as informações recebidas, e os conhecimentos adquiridos através de diversas literaturas indicadas, que vieram contribuir muito para o entendimento de como melhorar a relação do aluno com o processo de ensino-aprendizagem, numa sala com as características da sala de apoio pedagógico, procurando fazer com que o projeto também estivesse integrado ao Projeto Pedagógico – “Comunicação, Expressão e as Inter-relações”, oferecendo aos alunos um atendimento mais adequado as suas necessidades, possibilitando avanços significativos, porém o plano de ação só seria elaborado após o conhecimento do grupo de alunos, através do contato pessoal, do levantamento dos conhecimentos prévios, da sondagem individual, das entrevistas com familiares e dos contatos com os professores das salas regulares, determinando quais seriam as melhores estratégias para trabalhar com cada grupo. REORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO A Sala de Apoio Pedagógico já estava formada, porém para o ano de 2005 contou com a colaboração da Direção e da Coordenação para a realização de algumas modificações, como pintura, decoração, troca de mobiliário, mesa com cavalete e bancos, para uma melhor adequação do ambiente, quando se torna necessário ampliar o espaço, foi também disponibilizado um aparelho de som, e a colocação de prateleiras para exposição de trabalhos realizados pelos alunos, estante de ferro para organização do material da sala e dos jogos, armário, troca do computador, instalação da mesa para o jogo “Alfabeto”, impressora, novos jogos e materiais necessários para o desenvolvimento das atividades durante o ano. A preocupação com a reorganização do espaço, teve como objetivo preparar um ambiente acolhedor, e um lugar bom de se ficar, nos momentos necessários, proporcionando a criança o prazer de estar ali. MONTAGEM DOS GRUPOS / HORÁRIOS / AUTORIZAÇÃO DOS PAIS Respeitando o horário pós-aula ou pré-aula, os grupos foram montados os de forma que cada aluno recebesse 2 atendimentos semanais com 2 horas-aula em cada encontro, respeitando a quantidade de alunos 308 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO determinado na portaria por turma, adequando ao nosso espaço físico, favorecendo a otimização do trabalho. Outro aspecto que contribui para a formação dos grupos foi a própria organização dos anos/ciclo da escola, que possibilitou agrupamentos adequados à faixa etária, tornando o planejamento mais eficiente para cada grupo, devido a proximidade de idades. Para que os responsáveis pelos alunos tomassem conhecimento do porquê da indicação e de como o trabalho seria desenvolvido e permitissem a participação dos alunos, realizamos uma reunião no dia 15/03/2005, às 19:30 horas na escola. Encaminhamos bilhete por escrito pelo aluno e comunicamos também por telefone. A reunião foi realizada em conjunto com a Coordenação Pedagógica e durante o encontro foi ressaltado a necessidade e o direito da criança a este atendimento diferenciado, apresentamos a proposta do trabalho e formalizamos a participação dos alunos, tivemos um número pequeno de ausências, já que o horário favoreceu. Conseguimos aprovação de 99,9% das famílias, pois os que faltaram neste dia compareceram para uma segunda reunião, apenas tivemos um caso que não conseguimos a presença e a participação da família, porém este foi encaminhado ao conselho tutelar. A criança começou a freqüentar a sala de apoio no 2o. Semestre, apresentando hoje freqüência e bons avanços, relatados pela própria mãe e a professora da sala regular, se interessando pelas lições de casa e atividades da sala de aula. DIVULGAÇÃO DO INÍCIO DOS ENCONTROS Para receber o apoio dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, montei um aviso informando a data de início das atividades e anexei uma lista com os nomes dos alunos e horários dos grupos, entreguei pessoalmente para direção, coordenação, professores, secretaria, auxiliares de direção, inspetores e agentes de apoio, deixando-os bem informados do que estaria acontecendo na escola, tendo assim a colaboração dos colegas na adaptação dos alunos à nova rotina, pois eram crianças que estariam fora do seu período de aula e precisariam da ajuda de todos. RECEBIMENTO DOS ALUNOS Organizei os grupos por turmas e cores, os alunos foram recebidos com entusiasmo, bilhete e bombom de boas vindas, demonstrando a alegria que sentia de estar na presença deles, para que a partir daquele momento, pudéssemos fazer e aprender muitas coisas. Fizemos apresentações, falamos sobre expectativas, contamos novidades, falamos sobre o que já sabíamos, conhecemos a sala e o porquê de estarmos ali, para aprender mais do que já sabíamos, falamos sobre conseqüências de nossas atitudes e estabelecemos três grandes combinados para um bom convívio: respeito ao outro, respeito a rotina e aos combinados do dia e ainda andarmos sempre juntos, fora da sala de apoio para respeitar e não interferir no período de aula dos demais colegas. Neste primeiro encontro expliquei que para realizarmos grandes conquistas, nem sempre poderíamos fazer tudo o que quiséssemos e que aprenderíamos muito e de diversas formas: brincando, jogando, lendo, conversando, discutindo, ouvindo e participando. Defini com as crianças como o horário seria dividido, percebi que apesar da aceitação do grupo, houve certa desconfiança, perguntando se não ia ter caderno, que se podiam mesmo brincar com o que estava ali, outros não falavam nada, alguns diziam que não gostavam de brincar, outros que a mãe jogou todos os brinquedos fora, alguns diziam já ter freqüentado a sala, mas que esta estava diferente, era legal, podiam jogar e brincar. CONHECENDO OS ALUNO O processo para conhecimentos dos alunos se deu através de atividades que proporcionassem conhecer em que ponto estava o desenvolvimento das crianças, em relação ao afetivo: observando como procuravam resolver suas dificuldades, como era seu humor, autonomia, quanto a linguagem: como estava a construção do seu vocabulário, se apresentava fluência se tinham boa articulação e como era a organização do pensamento, 309 depois o neurossensório-motor : esquema corporal, lateralidade, estruturação espacial, orientação temporal, tônus, postura, equilíbrio, coordenação dinâmico-manual, coordenação visual-motora, escolar : em contato com a professora da sala regular, anotando a relação com a organização de estudo, estética, limpeza, participação nas aulas, disciplina, conhecimento adquirido, caligrafia, acompanhamento das aulas, social : construção do relacionamento grupal e familiar, e intelectual : tempo de concentração, nível de leitura, nível da escrita e raciocínio lógico. Depois, de estabelecer uma relação maior com os alunos, comecei a sondagem individual, em relação a leitura e a fase da escrita, utilizando critérios adquiridos no curso do Programa de Professores Alfabetizadores. Em paralelo realizava o contato com as professoras da sala regular e fazia as entrevistas individuais com os responsáveis. Com os resultados das avaliações, preparei um relatório descritivo relatando as observações feitas durante o processo de investigação e montei um caderno de sondagem com a escrita da criança, que foram utilizadas para definir como as ações deveriam acontecer. EXECUÇÃO DO PLANEJAMENTO Com o objetivo de atender as necessidades dos grupos, o trabalho da sala de apoio ficou dividido em uma rotina que proporcionasse desenvolver as habilidades, favorecendo o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando consequentemente o desenvolvimento da leitura e escrita. A rotina foi se estabelecendo de acordo com as necessidades e o andamento da sala, ficando, portanto da seguinte forma : atividades iniciais – roda para conversa, trabalhando aspectos afetivos, agradecimento pelo dia, música, brincadeira que trabalhe atenção e concentração; atividades de mesa – recebeu este nome, pois nas primeiras atividades que precisei da mesa como recurso facilitador para realizar o trabalho planejado, senti que as crianças apresentavam uma certa fobia não pela mesa, mas por aquilo que ela representava, pois eram momentos que exigiam atividades de reflexão, concentração, em que a criança precisasse mostrar o que já sabia muitas vezes em relação a escrita e leitura, apesar de ser atividades desenvolvidas a partir de jogos, ocorria resistência, recusa e desinteresse. Em discussão com a coordenação percebemos que isto acontecia por ser momentos que se aproximavam das atividades desenvolvidas em sala de aula, que exigia da criança conhecimentos os quais acreditava não saber e realizar, portanto o nome surgiu pensando em tornar aquele momento diferente, ressaltei para as crianças que aquela atividade seria muito importante como qualquer outra dentre as combinadas desde o princípio, pois iríamos aprender de diversas formas. Hoje as crianças já não apresentam mais recusas, e quando pergunto o que mais gostam de fazer na sala de apoio muitos dizem que são as atividades de mesa; depois atividades externas - trabalhando esquema corporal, lateralidade, orientação espacial e outros, como o dia da pizza que foi formidável para melhorar a relação com o grupo, explorar outras formas de organização, de procedimentos, seqüência, raciocínio-lógico, concentração, e muito mais, foi realmente ótimo; depois atividades de informática – utilizando recursos que são oferecidos pela sala de informática planejado em conjunto com a POIE, onde a professora busca através das necessidades das crianças as atividades mais adequadas para seus avanços, apenas dois grupos por enquanto contam com esta atividade, devido a falta de horário livre neste espaço, porém para os demais utilizo o computador da sala de apoio, inclusive com o recurso da mesa do jogoalfabeto, aproveitando o lúdico que esta ferramenta nos oferece. Hoje percebo na execução das ações realizadas em toda rotina, a excelente participação dos alunos, pois as características desta Sala de Apoio Pedagógico permitem resgatar o prazer de aprender, rompe com a questão da sala de aula, onde muitos acabaram por desenvolver “fobia por pela leitura e escrita”, e por “não aprenderem”, é muito interessante perceber que o rompimento destas questões são também percebidos pelos familiares e professores das salas regulares, quando dizem que as crianças participam mais, demonstram mais entusiasmo, ficam mais aberta para o aprendizado, se aproximam mais para perguntar, tirar dúvidas, realmente é maravilhoso e gratificante, pois percebo que o mérito e da própria criança, só que ela não sabia o quanto era capaz, só foi permitido que ganhasse confiança e segurança, poderia ser ainda bem melhor se não fosse por tantos 310 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO problemas que estas crianças acabam enfrentando no meio em que vivem, só sinto porque esta mudanças ainda não são totalmente suficientes para compensar rapidamente o que ficou durante o processo, permitindo que o avanço seja enorme em relação a ela mesma, mas ainda não o necessário para o ano/ciclo que se encontra. ACOMPANHAMENTO DOS AVANÇOS/ REPLANEJAMENTO/ RESULTADOS Os avanços são registrados em relatório descritivo bimestrais, apontando as conquistas realizadas durante os encontros e os resultados da sondagem individual referente a evolução da leitura e escrita, que são registradas em caderno próprio os quais podem ser acompanhadas. O replanejamento é realizado em virtude das evoluções apresentadas pelas crianças e dos relatos feitos, principalmente pelos professores da sala regular relatados constantemente e durante as reuniões de conselho de classe. A observação destes resultados mais o entusiasmo das crianças, o índice de freqüência na sala de apoio, e a dispensa de alunos, são indícios de que o trabalho oferece possibilidades verdadeiras de resultados. Acredito muito que os resultados alcançados até o momento, só foram possíveis em conseqüência do trabalho coletivo desenvolvido na escola, e principalmente pela colaboração e apoio que este projeto recebe da direção da coordenação, dos professores e demais funcionários, e dos familiares. É importante ressaltar que a reunião feita no início do ano com os responsáveis pelos alunos, para conseguir o apoio e garantir a presença das crianças foi decisiva, pois sem eles não existiria o projeto, e as crianças não teriam o benefício que estão tendo, e os pais não estariam comprometidos como estão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sei que é do conhecimento coletivo, e até óbvio, que problemas emocionais afetam o pedagógico, porém só realmente passei a ter noção da gravidade, conhecendo os problemas sociais/familiares e a relação aluno/escola, relatados pelas famílias nas entrevistas individuais, muitas vezes alheios as suas próprias vontades, como: moradia, acomodação, problemas financeiros, separação, ausência de familiares, violência, desemprego, vícios, discussões, falta de organização, inexperiência, ausência de limites, hábitos do lar, falta de convívio com outros ambientes, solidão, falta de incentivo, e ainda a imaturidade, só agora percebo com tanta convicção o quanto estas dificuldades causam os problemas emocionais encontradas nos alunos, acabam prejudicando o desenvolvimento pedagógico. Vivencio o quanto às crianças acabam reproduzindo exatamente no ambiente externo o modelo vivido no lar. Portanto a realização de um trabalho coletivo que oriente os familiares se faz necessário e urgente, para que a realidade não seja tão nociva, ajudando as crianças a enfrentarem melhor suas dificuldades emocionais, ajudando as crianças a voltar a ter prazer de aprender, ter esperanças, crer, romper barreiras e fobias, pois como sabemos existem crianças em famílias, que enfrentam situações semelhantes, mas que, no entanto a interferência acaba não sendo tão prejudicial ao seu desenvolvimento, pois de alguma forma recebem meios para se tornarem saudáveis, capazes de conviver e respeitar diferenças, diferentes relações e os diversos espaços, mesmo não tendo vivido um modelo tão satisfatório no lar, pois aprende que suas atitudes levam as conseqüências positivas ou negativas, e que os limites colocados precisam ser respeitados e os combinados seguidos, e que muitas vezes na nossa vida precisaremos fazer coisas pelas quais não temos tanta preferência. 311 Alfabetização construtivista-interacionista 1o ano do ciclo I Nádia Nunes da Silva EMEF Antonio Duarte de Almeida JUSTIFICATIVA Durante muitos anos trabalhei com 2o ano, nunca havia alfabetizado antes, mas estava em processo de estudo da concepção construtivista . Percebia que vários alunos, que recebia, eram trabalhados de forma tradicional e chegavam nas demais séries com dificuldades de aprendizagem , muitos na hipótese pré-silábica, outros retidos por vários anos. Observando alguns trabalhos, realizados dentro da proposta construtivista, percebi que os alunos obtinham melhores resultados. Senti, então, a necessidade de pôr em prática os estudos teóricos que ainda estava realizando. Iniciei este trabalho na EMEF “ Antônio Duarte de Almeida “ visando melhores resultados na aprendizagem da leitura e escrita, na diminuição dos índices de retenção e do fracasso escolar. Objetivos: Alfabetizar os alunos tendo-os como um sujeito que tem um papel ativo em sua aprendizagem, que pensa, que estabelece relações e elabora informações. Elaborar estratégias que ajudem os educandos a serem alfabetizados dentro da concepção construtivista e que ao final do 1o ano do ciclo I o maior número esteja além de alfabetizados, letrados. METODOLOGIAS E ETAPAS DO TRABALHO - diagnóstico no início do ano para saber o que os alunos pensam sobre como funciona o sistema de escrita; - trabalho com o alfabeto e com a listagem dos nomes próprios; - elaboração de atividades (intervenções) para que os alunos avancem em suas hipóteses de escrita; - elaboração do contrato didático junto com os alunos ; - registro diário da rotina de trabalho na lousa(agenda); - criação de um ambiente alfabetizador ; - agrupamento produtivo ( dupla) desde o início do ano para que os alunos possam trocar informações entre si promovendo avanços na aprendizagem; - leituras diárias feita pelo professor de diversos gêneros; - rodas de conversas; - leituras compartilhadas; - leituras feita pelos alunos, circulo de leitura; - escritas feitas pelos alunos mesmo sem estarem alfabetizados, de textos que eles tenham de memória; - acompanhamento, através do registro em portifólio , das hipóteses em que se encontra cada aluno; - registro em ficha de acompanhamento individual por bimestre; - registro dos resultados obtidos e montagem de gráfico do rendimento da sala; - encontros mensais para avaliação do processo com a coordenadora pedagógica e os demais professores primeiros anos; - elaboração de um quadro de programação de trabalho com os diversos gêneros; - atividades diversas de leitura e escrita que envolvam todos os gêneros trabalhados, de modo que o aluno seja capaz de utilizar a estrutura textual corretamente e diferenciando um gênero do outro,apropriando-se da função social da escrita; 312 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO - utilização da sala de leitura como espaço diferente para realização de leituras diversas e contato com matérias de leitura; - utilização da sala de informática como espaço para pôr em prática a escrita de textos diversos; DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA O trabalho realizado na EMEF Professor Antônio Duarte de Almeida é fruto de um longo estudo sobre alfabetização que tenho realizado há 16 anos, em cursos, leituras e trocas de experiências com profissionais que utilizam esta prática. Durante os sete anos que atuo nesta unidade, tenho realizado um trabalho de alfabetização, dentro da proposta construtivista, a princípio sozinha, mas no decorrer dos anos, fui procurando divulgar meus conhecimentos, transmitindo-os, o que se tornou mais fácil com meus pares no trabalho coletivo. Devido ao conhecimento teórico construído, colocá-los em prática não foi difícil. Minha meta agora é trocar essas experiências com outras professoras para que um maior número de alunos possa ser alfabetizado dentro desta proposta e que juntas possamos melhorar ainda mais nossa prática. Com a incorporação de novas formas de registro, alcancei meus objetivos de forma mais rápida, obtendo melhor qualidade no processo de alfabetização. Utilizar outros espaços na escola possibilitou um trabalho coletivo significativo, assim, os alunos puderam usufruir ainda mais do conhecimento da leitura e da escrita. RESULTADOS Tenho conseguido excelentes resultados no decorrer do trabalho que realizo, muitos alunos chegam présilábicos e, apenas em alguns meses, já estão alfabéticos. Poucos ou quase nenhum, como é o caso deste ano, não atingem a base alfabética. Neste ano, com uma classe de 36 alunos, 33 estão na hipótese alfabética, apenas um se encontra na garatuja, aluno este de inclusão e dois se encontram na hipótese silábica alfabética, mas são alunos novos que recebi no 2o semestre. Este é um dos maiores desafios que enfrento: integrá-los à rotina da classe com mais rapidez e deixá-los mais confiantes para que, ao final do ano, cheguem juntos com os demais que estão alfabéticos. As leituras diárias feitas pelo professor influenciaram, ao longo do processo, os alunos a lerem, em voz alta, com naturalidade, sem medo ou vergonha. Da sala de leitura, semanalmente, os alunos levam livros para lerem em casa. Isto fez com que eles tivessem ainda mais prazer nesta atividade, e, na roda de leitura, utilizam até equipamentos como o microfone para o sarau com livros escolhidos por eles. Em relação a escrita, temos atividades diárias e diversas com escritas de músicas de memórias, listagem, carta, bilhete, receitas, parlendas , entre outras resultado este que foi atingido, pois os alunos escreviam mesmo sem saber escrever e hoje o fazem com tamanha competência escritora. Através das escritas coletivas, tendo o professor como escriba, eles puderam aperfeiçoar suas escritas individuais ou em dupla, onde um aluno interagia com o outro. Após as escritas realizadas o professor com esse material, pôde fazer revisões juntos com os alunos, utilizando-se de diversas estratégias para revisão de texto. Com a utilização da sala de informática para a escrita de textos, o trabalho ficou ainda mais rico. Como todo o processo de evolução dos alunos está registrado, ficou fácil elaborar estratégias e interferências para que os objetivos fossem atingidos. 313 CONCLUSÃO Os avanços que tenho adquirido no decorrer do meu trabalho só tem ajudado ainda mais meus alunos. São por eles, que procuro melhorar sempre a minha prática. As dificuldades têm sido superadas junto com eles, nas intervenções, conversas, rodas de conversas, conversa com os pais nas reuniões, explicando-lhes as hipóteses de escrita pela seus filhos passam no processo de aquisição da leitura e da escrita. Com o curso, Programa de Formação de Professores Alfabetizadores , o PROFA, meus conhecimentos sobre o processo de alfabetização se confirmaram e minha prática se ampliou, possibilitando-me fazer um registro do processo com mais eficiência. Hoje posso dizer que planejo melhor minhas aulas e tenho tido melhores resultados no processo de ensino e aprendizagem. Os alunos precisam de bons ensinamentos, para se constituírem em sujeitos da construção de seu conhecimento e participantes da riqueza do mundo que os cerca, pois São Paulo é uma cidade-escola, onde todos podem aprender. Sei que ainda precisa ser feito muito para que outros profissionais desenvolvam suas práticas pedagógicas numa perspectiva construtivista. Numa escola que tem registrado fracasso na alfabetização de seus alunos, é importante que os educadores incorporem a prática do construtivismo e acreditem que os alunos têm condições de aprendizagem, podendo assim serem alfabetizados e letrados num menor período de tempo. BIBLIOGRAFIA CURTO, MORILLO & TEIXIDÓ -Escrever e ler vol.I – Como as Crianças Aprendem e como o Professor pode ensiná-las a Escrever a Ler.Porto Alegre, Artmed editora, 2000 CURTO, MORILLO 7 TEIXIDÓ- Escrever e ler vol.II - Materiais e recursos para a sala de aula. Porto alegre. Artmed Editora, 2000 FERREIRO, E & TEBEROSKY, A - Psicogênese da Língua Escrita FERREIRO, E- reflexões sobre alfabetização, São Paulo, Cortez Editora, 24a edição, 2000 CURSOS - PROFA –Curso Optativo do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, módulo I,II,e III , Proposta de Ensino e Aprendizagem da Língua Escrita, Ministério da Educação, SME/DOT/DOT-2/PROFA,2003/2004 - Curso de extensão cultura l- Da Teoria a Prática de Alfabetização e de Leitura nas Séries Iniciais, módulos I,II,III. Cenp, 1989 - Curso de extensão cultura l- Literatura infanto-Juvenil.Cenp,1989 - Curso de extensão cultural- Metodologias de Ensino dos Componentes -Curriculares: Ciclo I – Ensino Fundamental, Centro Universitário Nove de Julho-UNINOVE,2003 - Curso -A criança e o conhecimento, Cenp, 1990 - Curso – Dinamizando Leituras em sala de aula, Programa de leitura da Petrobrás, 2000 314 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Academia Estudantil de Letras Profa. Maria Sueli Fonseca Gonçalves – Presidente – idealizadora do Projeto Profa. Rosane Martins da Cruz – Vice Presidente – Assessora Geral Profa. Sueli Gonçalves de Medeiros – Secretária Profa. Iara Veneziano Fraga – Assistente de Cerimonial Telma Cristina A. Evangelista – 1a Representante da Comunidade e Orientadora de Artes Cênicas EMEF Padre Antonio Vieira OBJETIVOS • Desenvolver o gosto pela leitura nos alunos que já possuem uma vocação literária e despertar naqueles que não possuem o desejo de adquirir essa competência, promovendo a inclusão social na aquisição da linguagem e da leitura do mundo, propiciando a elevação da auto-estima como fator preponderante para a aquisição de outras habilidades; • Apresentar textos, poéticos ou não, atuais ou não, de reconhecidos de valor literário, que sirvam de mote à criação de produções autênticas; • Relacionar diretamente a biografia dos autores, no contexto histórico de cada um, com o entendimento da realidade estudada, em comparação com o momento atual; • Contribuir para a edificação do espírito de solidariedade, na medida em que os conhecimentos adquiridos são compartilhados e as pesquisas acerca dos diversos autores e sua obra são discutidas e assimiladas coletivamente; • Incentivar o hábito da disciplina do estudo, por meio do cumprimento de horários às reuniões acadêmicas; • Preencher de maneira salutar o tempo ocioso do jovem estudante, evitando que se perca em divagações errôneas, nessa fase delicada de sua formação; • Realizar excursões de caráter notadamente cultural, promover concursos literários e vivenciar a efervescência literária no ambiente escolar; • Convidar escritores, poetas, artistas de toda a gama, como forma de incentivo e desmistificação, tornando real uma aproximação entre esses e os acadêmicos; • Promover a desenvoltura do ato de falar em público, num processo gradativo de autoconfiança e realização; • Possibilitar o exercício efetivo do protagonismo infantil; • Favorecer a replicação da Academia de Letras em outras escolas da Rede Municipal de Ensino, como facilitadora nos processos de alfabetização e de letramento dos estudantes do Ensino Fundamental. ETAPAS DO TRABALHO 1. Os alunos interessados em participar da Academia começam a freqüentar as reuniões semanais, como simpatizantes (1o estágio); 315 2. Num 2o estágio, os alunos simpatizantes podem vir a interessar-se, eventualmente, por estudar a vida e a obra de algum escritor ou poeta. Se a cadeira já existir e estiver ocupada, eles deverão aguardar pela vacância, quando o titular deixar a escola por motivo de conclusão de curso. Nesse caso, continuarão freqüentando a Academia como suplentes, estudando juntamente com o titular a vida e a obra do patrono escolhido. Se a cadeira não existir na Academia, os alunos simpatizantes poderão vir a criar uma nova cadeira, porém, isto só acontecerá uma vez por ano, quando do aniversário da fundação. Nesse caso, freqüentarão a Academia como aspirantes. 3. Os acadêmicos participam das reuniões semanais, trocam entre si as informações obtidas sobre os patronos, lêem trechos de suas obras, dramatizam-nos, ensaiam, expõem suas opiniões, escrevem, organizam álbuns, desenham, elaboram autobiografias literárias e tomam conhecimento dos eventos agendados. Na reunião mensal, dois acadêmicos são escolhidos para apresentarem o resultado de seus estudos a todos os presentes, contando com a participação de outros acadêmicos, simpatizantes e aspirantes para ilustrarem o seu trabalho. Essa é uma reunião especial, realizada sempre às últimas quintas-feiras de cada mês e conta com a presença de um escritor, poeta ou artista convidado, além de representantes da equipe técnica, parte do corpo docente, alguns pais e alunos da escola. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA A “Academia Estudantil de Letras Padre Antônio Vieira” é um Projeto que evoluiu naturalmente de um outro trabalho: “Poesia – um atalho para a Paz – desde 2002”. O nome é uma homenagem ao patrono da nossa escola – Padre Antônio Vieira – notável orador e exemplo de vida a serviço da igualdade social. Foi fundada em 30.05.2005, na EMEF PADRE ANTÔNIO VIEIRA, à Rua Antonino Bacaeri, 171, Jardim Nordeste, São Paulo, Capital. A Academia foi constituída, a princípio, por 25 alunos-acadêmicos, que tomaram posse no dia da fundação, e que ocupam 25 cadeiras literárias, escolhidas por eles próprios, a partir da identificação com textos oferecidos em sala de aula. A exemplo da Academia Brasileira de Letras, pretende-se que o número de cadeiras chegue a 40, gradativamente, ao longo do tempo necessário para “cativar” novos alunos, que hoje ainda freqüentam a educação básica. RESULTADOS / CONCLUSÕES 1. As alunos estão muito motivados, procuram a sala de leitura para empréstimo de livros e o Laboratório de Informática para realizarem pesquisas, por livre iniciativa; 2. Percebemos que muitos melhoraram a postura em sala de aula, sentem-se valorizados e felizes; 3. Em pouco tempo já constatamos que os alunos dos anos mais adiantados preparam suas apresentações sozinhos, organizando-se em grupos fora do horário das aulas, criando textos, ensaiando, produzindo; 4. É relevante o progresso na escrita: os textos apresentam maior criatividade e coerência. Muitos estão escrevendo poemas, espontaneamente; 5. Os alunos “defendem” os seus autores com entusiasmo; tornaram-se “amigos” de seus patronos; 316 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 6. Alguns já se posicionam como futuros escritores, atores, atrizes e professores de Língua Portuguesa; 7. Os alunos do 4o ano do Ciclo II “ensaiam” os mais jovens; preparam-nos para as apresentações; 8. Muitas vezes as citações feitas pelos escritores convidados nas reuniões mensais são repetidas por eles em momentos oportunos na sala de aula; 9. Muitos alunos do Ciclo I perguntam “o que fazer para se tornarem “Acadêmicos”... 317 Alfabetização e letramento para todos? Profa Suzete de Souza Borelli Profa Simone Rosa Xisto EMEF Prof. Arlindo Caetano Filho JUSTIFICATIVA Ao iniciarmos o ano, nas reuniões de organização da EMEF Prof. Arlindo Caetano Filho, discutimos com os professores e com os demais funcionários da unidade o que de dados reais a escola dispunha para saber sobre as condições de alfabetização e letramento dos alunos. Tínhamos os dados das comissões de classe do ano anterior e o depoimento dos professores que já trabalharam na escola em anos anteriores. Nada que estivesse sistematizado e disponível para nos ajudar a tomarmos uma decisão sobre a continuidade ou não do projeto que a escola estava desenvolvendo. Havia inferência sobre tais condições, poucos registros para que pudéssemos avaliar se a temática Valorização da Vida tendo como eixo a Leitura do Mundo, Alfabetização e o letramento era ainda pertinente ao trabalho que seria desenvolvido durante o ano. Discutimos com o grupo uma investigação mais profunda onde envolveríamos não só os alunos, mas também, o conhecimento leitor e escritos dos docentes da unidade. Os professores responderam a um questionário e aos alunos foi solicitada uma produção de texto. Após a avaliação das produções de textos, os docentes preencheram uma planilha com observações simples como o no de alunos pré-silábicos, silábicos, alfabéticos e quantos produziam textos, no Ciclo I. Através desta pesquisa constatamos que um número significativo de alunos não dominavam ainda a base alfabética cerca de 33% e 37,7% ainda não produziam textos. Diante dos resultados constatados decidimos dar maior investimento na aquisição da base alfabética, na leitura e produção de textos. OBJETIVO GERAL Diminuir em pelo menos 20% o número de crianças não alfabetizadas no Ciclo I. Melhorar a produção textual dos alunos do Ciclo I. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Subsidiar o trabalho de formação dos professores no que diz respeito a aquisição da base alfabética (conhecer melhor a Psicogênese da língua escrita); - Ampliar os momentos de leitura em sala de aula; - Fazer circular o maior número de gênero/portadores textuais na escola; - Contribuir na organização da rotina de trabalho dos professores para que efetivamente os objetivos gerais pudessem ser alcançados. METODOLOGIA A metodologia utilizada é a dialógica, ou seja, é a partir do conhecimento real das dificuldades que se pensa as estratégias e o suporte teórico que será utilizado para superação das mesmas. ESTRATÉGIAS O primeiro investimento foi no convencimento dos professores em participar do horário coletivo, mais especificamente do PEA, onde acreditamos que este espaço é favorável a formação, discussão, aplicação de conhecimentos. A partir das discussões conseguimos um grande número de professores participantes, apenas três professoras do Ciclo I, de 16 não participaram do PEA (uma do 2o ano, uma do 3o ano e uma do 4o ano) que tem como temática Leitura do mundo, alfabetização e letramento. 318 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 1) Leitura e discussão de texto: - de suporte para a compreensão da psicogênese da língua escrita; - que mostrem a importância de ampliar o conhecimento leitor das crianças para repertoriá-las nos momentos de escrita. 2) Discutir com os professores as práticas desenvolvidas em sala de aula, a partir das rotinas de leitura e de escrita que estão sendo trabalhadas na nossa escola. 3) Mapeamento periódico dos avanços e das dificuldades enfrentadas com relação a aquisição da leitura e da escrita no Ciclo I. 4)Levantamento da rotina de leitura de alguns professores e discussão delas nos horários coletivos, pensando se os textos trabalhados contribuem para ampliação do conhecimento leitor e escritor das crianças. 5) Análise das atividades desenvolvidas em sala de aula, verificando se as mesmas são pertinentes ao objetivo proposto pelo professor. 6) Ampliação do conhecimento do professor sobre as reais condições de leitura e escrita que se tem em cada sala e, portanto, maior clareza da intervenção necessária para ampliar as competências leitoras e escritoras dos alunos. AVALIAÇÃO A avaliação se dá continuamente, através dos mapeamentos periódicos solicitados pela coordenação pedagógica, no intuito de acompanhar os avanços relativos ao processo de aprendizagem dos alunos no que se refere a leitura, escrita e produção de textos, repensando novas estratégias para superar as dificuldades e alcançar as metas traçadas. RESULTADOS ALCANÇADOS Tínhamos em fevereiro, 30 alunos do 2o ano ao 4o ano do Ciclo I, pré-silábicos não alfabetizados; em junho este número caiu para 17, incluindo as salas do 1o ano, que não haviam sido mapeadas em fevereiro. Os alunos silábicos passaram de 41 para 72, incluídos aqui as crianças do 1o ano. O número de crianças alfabéticas passou de 212 para 294, incluídos os alunos dos 1o anos. A produção de textos melhorou sensivelmente, passamos de 141 alunos produtores de textos para 216, incluindo também alunos do 1o ano, tudo por causa do trabalho efetivo de leitura realizado pelas professoras, através de caixas volantes de livros e da ida das professoras na Sala de Leitura, mesmo não tendo o OSL na escola. A organização de horários e da rotina das professoras para que as caixas volantes de livros circulassem e as professoras pudessem ocupar efetivamente a Sala de leitura, contribuíram para que o número de crianças alfabetizadas aumentasse já no final do 1o semestre e conseqüentemente almejássemos uma meta ainda maior para o 2o semestre. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 1- Lerner, Delia – Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário – Porto Alegre, ARTMED – 2000 2- Weisz, Telam – O diálogo entre o ensino e a a prendizagem – São Paulo- Ed. Ática – 2002 3- Ferrero, Emília – Psicogênese da Língua escrita -Porto Alegre – ARTMED 4- Sole, Isabel – Estratégias de Leitura. Porto Alegre – ARTMED 5- Curto, Luís Maruy – Escrever e Ler: Como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler- Vol. 1 e 2 – Porto Alegre – ARTMED - 2000 319 Conheça a África, Suas Histórias, Sua Cultura, Sua Gente... Coordenadoria de Educação de Itaquera Diretora: Elcia Dias Francisco Coordenadora: Eliane dos Santos Nore Profa. Marisa da Conceição Palopoli EMEF Professor Aurélio Arrobas Martins JUSTIFICATIVA Desde os tempos mais remotos, vivemos em uma sociedade repleta de preconceitos e estereótipos. O que, de fato, se passa com o ser humano? O que tem havido com o homem desde o início de sua vida no planeta Terra? Quem determina e escolhe o que é certo e o que é errado, o que é bonito e o que é feio, o que pode e o que não pode, quem é melhor e quem é pior, quem tem direito e quem não tem, o que é de um e o que é de outro? Enfim, como as situações vêm sendo estabelecidas através dos tempos, quem é o dominador, quem é o dominado na raça humana? Como são vistas as diferenças entre os seres humanos, o que os une e o que os separa? Como lidar e entender todas essas questões e muitas outras... Preferimos não falar em “raça”, escolhemos falar sobre “povos”, sobre “gente”. O que tem acontecido na história há humanidade? Se nos aprofundarmos na literatura a respeito, faremos grandes descobertas, descobertas estas, que nos levarão a repensar sobre os estereótipos e preconceitos que vêm fazendo parte da nossa história. Com certeza ficaremos surpresos e estarrecidos diante da nossa ignorância. Este nosso trabalho teve por pretensão abrir um caminho para a busca do conhecimento dos nossos alunos, priorizando, neste momento, um olhar mais atento para o Continente Africano, para conhecer e entender a sua cultura, sua gente e sua história, bem como, conhecer um pouco mais sobre a sua influência na cultura e formação do povo brasileiro, reconhecendo e valorizando essa herança cultural e étnica. Conhecedores que somos de toda a violência e injustiça social que permeia a História da África, quisemos, através deste trabalho, proporcionar aos nossos alunos a oportunidade de conhecer melhor o sentido da palavra cultura e descobrir que em cada dia, em cada palavra, em cada flerte, em cada emoção, em cada jeito de ser, entre inúmeras outras coisas, as culturas dos povos se manifestam e se perpetuam. Cantigas, gestos, cheiros, danças, lendas, histórias, sotaques, roupas, culinária, arte, sonhos, imaginário... Tudo isso e muito mais, espalha-se, mescla-se em cores, tamanhos e formas e, a todo instante, vão fazendo, refazendo e continuando a nossa História... Portanto, para entender a História da humanidade e suas múltiplas manifestações culturais é preciso começar a se perceber e a perceber o outro... OBJETIVO GERAL Proporcionar aos nossos alunos condições de conhecerem a história da África, sua cultura e o seu povo e, a partir desse conhecimento, levá-los a refletir sobre a influência da cultura africana em nosso país e sobre a 320 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO sua real importância. Ao conhecer a nossa herança africana, esses alunos poderão transportá-la para o nosso cotidiano e reconhecê-la nos mais diferentes usos e costumes brasileiros, em toda a nossa cultura no seu sentido mais amplo, e reconhecer o seu valor, uma vez que, mesmo estando presente no nosso dia-a-dia, tende a passar despercebida, pela grande falta de conhecimento histórico e sócio-cultural. Por outro lado, dentro dessa contextualização, também refletir sobre a condição humana, sua criação e seus direitos de igualdade, enquanto seres semelhantes, embora diferentes, como ocorre em outras espécies da natureza. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Apresentar as diversas versões para a criação do mundo e dos seus seres, a fim de que se possa refletir na criação do homem, como um ser semelhante e diferente ao mesmo tempo. - Despertar a consciência da diversidade racial/étnica, como riqueza e não como um problema. - Levar aos alunos um conhecimento sobre a história da África, sua cultura e o seu povo. - Mostrar a grande influência da cultura africana na cultura brasileira e estimular o reconhecimento dessas influências no nosso cotidiano, usos, costumes e artes em geral. - Tratar sobre o assunto da escravidão de forma que o indivíduo possa perceber a sua violência e injustiça, por outro lado enfatizar a soberania e a resistência da raça negra que, mesmo dentro dessas condições, pôde deixar para sempre a sua grande contribuição para a nossa cultura. - Levar os alunos a conhecerem melhor a Literatura Africana, suas histórias, seus mitos e lendas que, durante séculos, foram abafados pela proibição, desvalorização e pelo descaso, atestando a ignorância, soberania e arrogância de boa parte do mundo. - Perceber que a crença religiosa é uma questão cultural, que difere de um povo para outro. - Dar suporte para que os nossos alunos tenham condições de interagir com as informações que forem recebendo ao longo de sua formação escolar e se interessem em pesquisar e ampliar os seus conhecimentos sobre a cultura africana. - Provocar uma sensibilização para que, sendo detentores de conhecimentos, os nossos alunos possam ser sujeitos que reflitam e estejam conscientes de suas condições e das condições dos outros, respeitando-os e valorizando-os no que há de mais importante na condição humana: a essência. METODOLOGIA Este trabalho foi realizado em três etapas, que se apresentaram da seguinte forma: I – A partir das versões que se tem sobre a criação do mundo, bíblica e científica, foram discutidas as condições do homem como ser humano, criado e nascido em condições reais de igualdade e como sujeito capaz de transformar e modificar sua vida, sua sociedade e sua história, o que nos leva aos seguintes questionamento: O que é ser humano? Existe mais de uma raça humana? II – Após a discussão supra citada, o nosso trabalho foi voltado para o Continente Africano, que foi apresentado aos alunos, de forma que estes puderam situá-lo geográfica e historicamente, de forma mais específica e detalhada do que se tem feito ao longo da História. III – Num terceiro momento, o que foi o nosso objetivo maior, por tratar-se de um Projeto de Sala de Leitura, através da literatura, os alunos tiveram acesso a conhecimentos mais específicos da cultura e da tradição africana, suas histórias, suas lendas, seus mitos e, sobretudo, sua gente. Intercalando esses conhecimentos, foi abordada a situação da colonização e escravidão no Brasil, bem como em outros países, de maneira mais superficial. 321 As aulas foram contempladas e ilustradas com: histórias, lendas, poesias, músicas, filmes, documentários, manifestações artísticas, jornais, revistas, textos em geral. Foram utilizados todos os recursos tecnológicos dos quais a Unidade Escolar dispõe, tais como: multimídia, vídeo, som e retro-projetor. Além de uma visita ao museu Afro, no Parque do Ibirapuera. A nossa proposta também acolhe a idéia de provocar e estimular, em todos os momentos possíveis debates, discussões e reflexões sobre os temas abordados. Todos os conteúdos trabalhados em Sala de Leitura contaram com um suporte interdisciplinar, abrangendo os alunos dos 2o, 3o e 4o anos do Ciclo I e os alunos do 1o ano do Ciclo II, contando com o apoio e participação dos professores de sala de aula e Língua Portuguesa e com atividades desenvolvidas em parceria com a Informática Educativa em um projeto de pesquisa temática. AVALIAÇÃO A avaliação ocorreu de modo contínuo, durante o transcorrer das atividades. Os resultados mostraram, através da surpresa, do interesse e da participação dos alunos, que os objetivos foram atingidos conforme o que havia sido proposto no início do trabalho. O tempo previsto para a realização do projeto foi para o ano letivo de 2005, porém, como já havia sido previsto, será prorrogado e estendido se preciso for, em virtude da sua relevância neste momento em que se procura tratar as questões de igualdade racial e justiça social, bem como, pela riqueza de materiais que estão disponíveis para a busca do conhecimento e da reflexão. BIBLIOGRAFIA AGOSTINHO, Cristina e ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Alfabeto Negro. Maza: Belo HorizonteMG, 2001. BARBOSA, Rogério Andrade. Histórias Africanas para contar e recontar. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. BRAZ, Júlio Emílio. Felicidade não tem cor. São Paulo: Moderna, 2003. ________. Pretinha, eu? São Paulo: Scipione, 2003. CABRAL, Gladir. Cada Dia, Volume Especial – Coração de Estudante. Campinas - SP: LCP Comunicações. CAMPOS, Flávio de e outros autores. O jogo da História – de corpo na América e de alma na África, 6a e 7a séries. São Paulo: Moderna, 2002. CHAIB, Lídia e RODRIGUES, Elizabeth. Ogum o rei de muitas faces e outras histórias dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. CRUZ, Nélson. Chica e João. Belo Horizonte: Formato, 2000. DEL PRIORE, Mary e VENÃNCIO, Renato Pinto. Ancestrais – uma introdução à história da África Atlântica. Rio de Janeiro-RJ: Campus, 2004. HALEY, Gail E. O baú das Histórias. Petrópolis-RJ: A&A&A, 1998. JACQUARD, Albert. Todos Semelhantes, Todos Diferentes. São Paulo: Editora Augustus, 1993. LIMA, Heloísa Pires. Histórias da Preta. São Paulo: Cia. das Letrinhas, 2002. LUSTOSA, Izabel. A história dos escravos. São Paulo: Cia. das Letrinhas, 2001. MIGUEZ, Fátima. Em boca fechada não entra mosca. São Paulo: DCL, 1999. PINTO, Ziraldo Alves. O menino Marrom. São Paulo: Melhoramentos, 2004. PRANDI, Reginaldo. Ifá, o adivinho. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2002. PRICE, Leontyne. Aída. São Paulo: Ática, 2002. PRUDENTE, Celso. Mãos Negras – Antropologia da Arte Negra. São Paulo: Panorama do Saber, 2003. SANTOS, Joel Rufino. Gosto de África – histórias de lá e daqui. São Paulo: Global, 2001. SCHMIDT, Mário Furley. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2001. 322 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO VIDEOGRAFIA - “ATLÂNTICO NEGRO – A ROTA DOS ORIXÁS” – filme de Renato Barbieri, com pesquisa e projeto de Victor Leonardi e Renato. - CONTOS DE CINDERELA – “A Gata Borralheira” (França), “A menina com a estrela na testa” (Chile) e “A menina, o sapo e o filho do chefe” (Nigéria) Enciclopédia Britânica do Brasil. - “O POVO BRASILEIRO” - filme idealizado e dirigido por Grinspum Ferraz, baseado na obra de Darcy Ribeiro. - “VISTA MINHA PELE” – Coordenação geral: Hédio Silva Jr., Maria Aparecida Silva Bento e Bel Santos. CEERT- Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. - “NARCISO RAP” – Prefeitura de São Paulo – Secretaria Municipal de Educação – Projeto Vida – Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra. 323 EU: protagonista da transformação do espaço Profa Rosa R. Simão Profa Ma Alice B. Batista EMEF Cacilda Becker OBJETIVOS E FUNDAMENTAÇÃO Um dos primeiros conteúdos que trabalhamos na disciplina de geografia em 8a série, é a questão da evolução no modo de produzir produtos. Iniciamos pelo artesanato, seguimos com a manufatura, e com as várias fases da Revolução Industrial. Nosso objetivo é construir o conceito de que a produção de produtos evolui em uma constante, e que a fase atual de evolução tecnológica não é a final.. Pretendemos também, que o aluno compreenda e reconheça, que esta tecnologia influi e contribui para que o espaço seja constantemente alterado, seja pela extração de matérias-primas, seja pela construção de novos prédios, ou outros elementos facilitadores da vida humana. Finalmente, o objetivo principal, é que o aluno ao final do processo tenha construído a concepção de que é ele, o protagonista destas transformações e mudanças, e de que as elas começarão a acontecer, a partir do momento em que cidadão agir em seu meio com responsabilidade social. Do despertar da consciência ao protagonismo social temos apenas um pequeno passo. CONTEÚDO Evolução tecnológica e transformação do espaço Procedimentos: Pesquisas sobre o tema, e os sub-temas escolhidos; Produção de histórias sobre os sub-temas; Animação das histórias no laboratório de informática Atitudes: Cooperação e participação na realização do trabalho Construção da consciência de responsabilidade social ETAPAS DO TRABALHO E ESTRATÉGIAS: Partimos do princípio de que com o uso de estratégias que agradam ao aluno, ele se torna mais produtivo. Esse é o caso da informática. Depois de muitas discussões concluímos que o trabalho deveria ser realizado com GIFs ANIMADOS. 1o MOMENTO: Em sala de aula estudamos os conceitos. 2o MOMENTO: Em duplas os alunos escolhem um sub-tema, para pesquisar como sua transformação se deu ao longo do tempo EX: a cidade ontem e hoje. 3o MOMENTO: Pesquisas em sites de busca, sobre o produto escolhido. 4o MOMENTO: Montagem de pequenas histórias, e desenhos no Paint. 5o MOMENTO:Foi baixado da Internet o programa “MICROSOFT GIF ANIMATOR” (FREE). 324 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 6o MOMENTO: Animação em Gif. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA Os alunos se sentiram imediatamente motivados, quando lhes comunicamos que trabalharíamos o conteúdo da evolução tecnológica e da transformação do meio, com pesquisas e animações com GIFs. Seguimos os passos descritos nos item anterior. Todas as semanas, tínhamos uma aula no laboratório de informática, o que viabilizou a realização do trabalho. Como em todos os trabalhosurgiram momentos de dificuldades: ficamos sem rede, alguns computadores deram problemas, mas ao final tudo deu certo. O mais importante, foi a mudança nas atitudes dos alunos, se tornando parceiro e comprometido, para que nosso produto final fosse perfeito.É fundamental ressaltar: todo trabalho realizado, com estratégias agradáveis a faixa etária em questão, é feito com muito mais dedicação. RESULTADOS Observação: todos os trabalhos contam com vários desenhos, feitos pelos alunos, e que no final foram animados. As imagens acima são apenas duas, de uma seqüência de imagens de um dos trabalhos realizados. Nosso objetivo aqui, é o de ilustrar parcialmente o que foi feito pelos alunos. Caso nosso trabalho seja selecionado, levaremos em power point as animações. CONCLUSÃO No final, como tudo que é feito com empenho e dedicação, deu certo. Os alunos atingiram aos objetivos propostos. Compreenderam que a tecnologia se encontra em constante evolução, e que a transformação do espaço é de sua responsabilidade, esse o maior passo para que ele possa atingir o protagonismo. Tudo, de maneira lúdica. Concluímos, que quando a estratégia escolhida atende as expectativas do aluno, os objetivos são atingidos mais facilmente. 325 Uma Experiência de Ensino e de Aprendizagem: Partindo do Cotidiano Escolar Francisco Antônio Moreira Rocha Maria Helena Bertolini Bezerra EMEF Cândido Portinari O objetivo do presente artigo é relatar e discutir uma das experiências de ensino e aprendizagem junto aos alunos que acontece no espaço escolar público, mais especificamente, em uma das Escolas Municipais – EMEF Candido Portinari – localizada em Perus, na Região Noroeste do Município de São Paulo. Umas das experiências, pois o espaço escolar é repleto de ações desencadeadas pela equipe escolar, visando uma melhoria do ensino, em um contexto desfavorável para muitos, pois Perus, é uma região extremamente carente, constituída de dois públicos bem distintos. O primeiro é representado pelas famílias tradicionais, com características de uma cidade do interior e que vivenciou o crescimento acelerado do bairro, principalmente no que diz respeito às ocupações e uso do solo desordenado. Outro público é formado por pessoas que foram ocupando o bairro recentemente através de programas de moradia do Governo do Estado e do Município de São Paulo, os famosos CDHU e COHAB, além de vários núcleos de ocupação/invasão de terras até então ociosas. Exemplo dessa realidade desordenada é o famoso Recanto dos Humildes, que abriga centenas de famílias e com poucas condições dignas de moradia. É neste contexto que o espaço escolar existe. Com o desafio permanente de criar junto aos nossos alunos, um ambiente favorável para ensinar e aprender, formando assim, alunos que percebam e que possam no futuro próximo, intervir nessa diversidade espacial existente, na busca de uma melhoria na qualidade de vida, respeitando o meio ambiente ainda existente e recuperando áreas abandonadas pelo poder público. A EXPERIÊNCIA Ao longo dos meses de agosto e setembro de 2005, realizamos durante as reuniões de JEI e PEA, várias reflexões e proposições sobre o currículo escolar. Discutíamos como trabalhar os problemas de indisciplina e aprendizagem em sala de aula. Buscávamos alternativas didáticas pedagógicas no nosso fazer docente que tivesse uma metodologia diferenciada e que fugisse da famosa organização tradicional das disciplinas escolares. Conversávamos sobre o currículo e ousávamos a discorrer sobre alternativas, buscando dialogar com as áreas de conhecimento, com experiências existentes em outros espaços escolares e com teorias, através de estudos e reflexões permanentes durante as reuniões. Dentre essas reflexões, destacamos: a constituição do currículo escolar, a relação entre currículo e sociedade, a profissão e profissionalização do professor. Atrelado a essa vontade de querer fazer diferença no ensinar e aprender pedagógico encontramos em uma das propostas governamentais, a possibilidade de concretização dos nossos ideais. No material encaminhado às escolas pela equipe do MEC “II Conferência Nacional Infanto Juvenial pelo Meio Ambiente: vivendo a diversidade na escola”, foi o diferenciador para implementação de um currículo alternativo. Os temas presentes para a realização da conferência, contemplaram as problemáticas existentes no bairro, como a existência do Aterro Sanitário Bandeirantes, bem como a proposta de instalação de mais um na Chácara Maria Trintade, muito próximo e com a mesma capacidade do existente. Outra problemática diz respeito ao Rio Ajuá que é jogado no Rio Juqueri, encontram-se totalmente poluídos, sendo o segundo a principal via de acesso dos esgotos da região até desaguar no Rio Tietê, no Município de Pirapora do Bom Jesus. Não descreveremos a proposta do Mec, mas sim, as possibilidades a partir dela, que foram se configurando em um projeto interdisciplinar em que todas as áreas de conhecimento interagiram sobre um tema maior, o 326 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO meio ambiente, especificamente o lixo e o crescente número de famílias, que aumentam ainda mais os grandes problemas ambientais dessa região. O tema da II Conferência Nacional aceito pela plenária realizada no dia 06 de outubro de 2005 foi o “lixo” e que será trabalhado até o final do ano letivo. A experiência que destacamos, teve início durante a segunda quinzena de setembro de 2005, ocorre ainda no mês de outubro e tem como pretensão, continuar durante o mês de novembro, culminando num grande evento denominado de feira cultural, que acontece todos os anos no espaço escolar. Logo, entendemos projeto como um processo, mesmo tendo claro o produto final, prazos e etapas, desdobramentos, enfim... No primeiro momento, foi cumprido todas as etapas propostas para a realização da conferência, os professores Apresentaram a proposta aos alunos, discutiram, elaboraram cartazes que representava a proposta da turma, levaram para a plenária e votaram. No segundo momento, os professores começaram a ousar junto aos alunos, foram além do simplesmente proposto para a conferência. Organizaram diferentes materiais didáticos como textos, pesquisas na internet, debates, assistiram a vídeos temáticos e palestras, elaboraram e apresentaram teatro, confeccionaram quebra-cabeça, promoveram oficinas, elaboraram questões, participaram de um questionário abordando os conhecimentos prévios sobre o bairro onde moram, confeccionaram cartazes e histórias em quadrinhos. Todas essas atividades voltadas a questão ambiental do bairro para depois pensar o mundo. RESULTADOS PRELIMINARES Como resultados preliminares, entendemos o que foi realizado e as possibilidades decorrentes desse processo, o que vivenciamos e pudemos verificar nas atitudes e nas proposições dos professores e alunos. Quanto aos professores percebemos em suas práticas cotidianas a flexibilidades criada para atender as expectativas de ensino, diferente do antes realizado. Tiveram que respeitar outros tempos/espaços de aprendizagem, aceitando o que antes era utópico, deixar um pouco de lado o conteúdo programático e investir em outras necessidades mais latentes. Discutir o realizado isoladamente, perguntar/ouvir se é esse o caminho, o que falta e no que posso ajudar, foram/são atitudes percebidas até então. Um espírito de eterno colaborador nos diferentes momentos de partilhar as práticas docentes. Nos alunos notamos atitudes muitas vezes idênticas as dos professores, como companheirismo na realização das atividades, questionam constantemente o que estão fazendo, se é dessa, ou daquela forma que devem iniciar e findar. Estão mais próximos dos professores, são mais amigos. Observa-se também, que aqueles alunos que não realizam as atividades durante as aulas, começam a participar, pois o assunto está mais próximo deles, o bairro não é estranho, é interdisciplinar, logo possuem conhecimentos e o que relatar. Alguns assumem a responsabilidade na organização, outros se encarregam de desenhar e apresentar as atividades para o grupo. Os alunos conseguem perceber uma interação entre as disciplinas, pois os professores falam a mesma linguagem, assumem uma postura única, trabalhar o meio ambiente do bairro a partir dos diferentes olhares existentes nas áreas de conhecimento e dos conhecimentos prévios dos professores e alunos sobre a temática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEZERRA, Maria Helena B. (2002). História e Memória: a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus na prática pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental Cândido Portinari. PUC/SP. ROCHA, Francisco A. M. (2005). Uma Pesquisa Participante no Ciclo I: professores em formação e propostas em discussão. Dissertação de Mestrado, FEUSP. 327 Uma Sala de Ciências Como Um Espaço Alternativo Maria Nizete de Azevedo EMEF Cândido Portinari Este trabalho relata uma experiência de ensino de Ciências, desenvolvido com crianças em idade escolar, na faixa etária de 7 a 11 anos, numa escola pública, em um bairro periférico da cidade de São Paulo. O projeto iniciou-se há cerca de 7 anos, a partir de iniciativas individuais de alguns professores, com a montagem de um laboratório-oficina de Ciências que, além de inovar com uma prática metodológica diferenciada, acabou por tornar-se um elemento integrador na U.E. Desde então, apresenta o grande desafio que é despertar os professores do Ensino Fundamental I para a busca de práticas educativas que valorizem o Ensino de Ciências no que tange à elaboração conceitual por parte das crianças, buscando entrelaçar esse ensino com outras áreas do conhecimento, bem como o processo de alfabetização. Como educadores há vários anos no ensino público, nós precursores deste projeto, temos consciência do quadro sócio-político da educação em nosso país. Estudos e pesquisas apontam para uma crise no ensino que sabemos não se restringir à área de Ciências e nem se circunscrever no território brasileiro. As dificuldades que se apresentam são abrangentes e, ao nosso ver, não decorrem apenas de causas localizadas na esfera metodológica e epistemológica. Se olharmos para as nossas escolas com a preocupação de não isolá-las do contexto social e político do país e do mundo, perceberemos o quanto são um universo complexo e o quanto as relações estabelecidas neste cotidiano refletem a situação de crise, não só do sistema de ensino, mas do sistema social como um todo. As contradições sociais inerentes a esse sistema estão presentes em nossas salas de aula e convivem com o processo de ensino e aprendizagem. Além do mais, presenciamos cotidianamente o desprestígio da educação pública perante a escala de prioridades dos poderes públicos. Com relação ao ensino de ciências, constatamos uma enorme defasagem entre o avanço científico e tecnológico existente no mundo e a prática desenvolvida em sala de aula. Esse ensino ainda é caracterizado pela transmissão de conhecimentos, tidos como prontos e inquestionáveis, referendados pelo livro didático, que, em muitas situações, consiste em única fonte de referência teórica para o professor. Apesar das várias pesquisas terem levado a muitas propostas metodológicas, há o reconhecimento de que essas “propostas inovadoras pouco alcançam a maior parte das salas de aula, onde, na realidade, persistem velhas práticas” (PCN, Ciências Naturais, 1998). Esses documentos oficiais indicam a continuidade dos debates, afirmando que tais mudanças exigem uma nova forma de compreensão do processo de educação na sua totalidade, não ocorrendo apenas a partir de novas teorias construídas em um mundo exterior ao ambiente escolar. A experimentação, quando praticada, na maioria das vezes não extrapola a condição de demonstração, realizada com o único intuito de comprovar teorias, não levando à reflexão, à investigação e, conseqüentemente, à construção dos conceitos. No Ensino Fundamental I, o ensino de Ciências também passa por esses problemas e ainda é acrescido com outros agravantes. Estão sob responsabilidade dos professores do ensino fundamental I, principalmente na escola pública, a educação conceitual em todas as áreas e a articulação dessa educação com a alfabetização na língua materna portuguesa. Ou seja, os alunos, ao final desse ciclo de ensino devem estar capacitados à leitura e à escrita, e, além disso, alfabetizados em ciências. Estas não são tarefas simples e, pelo que posso observar, a formação inicial desses profissionais, apesar da polivalência, não os capacita para que cumpram esses objetivos. Este desafio “ainda representa para muitos docentes um problema, sobretudo em termos do conteúdo a ser ensinado e o modo como este deve ser ensinado” (Brandi & Gurgel, 2002). Entretanto, não compartilhamos com aqueles que, diante desse quadro, ficam inertes e nada contribuem para superar tal situação. Acreditamos que a escola pública, apesar de todas as dificuldades existentes, ainda permite questionamentos, experimentações, pesquisas, se constituindo em um ambiente fértil ao desenvolvimento de novas concepções, desde quando, é lógico, hajam grupos de professores dispostos e organizados. 328 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Foi a partir dessa avaliação e imbuídos deste corpo de concepções que, há cerca de 07 anos atrás, alguns professores, com a cooperação de alunos, direção e pais e contando apenas com recursos advindos da comunidade escolar, implementaram o projeto de estruturação de um espaço alternativo de aprendizagem, ao qual denominamos de “laboratório-oficina de Ciências”. A área era muito pequena, pois se tratava de um banheiro desativado, onde se depositavam carteiras velhas. Além do mais, dispúnhamos tão-somente de dois bancos grandes, duas bancadas, algumas vidrarias e um microscópio. Foi nestas condições que atuamos durante seis meses, quando já podíamos dizer que possuíamos um equipamento de apoio pedagógico ao ensino de Ciências na U.E., onde muitas ações significativas já eram experimentadas. O sucesso deste trabalho garantiu, dois anos mais tarde, a substituição deste laboratório por um outro, amplo e razoavelmente equipado com recursos, neste momento, garantidos pela Secretaria Municipal de Educação. Se essa conquista, por si só, já era algo relevante dentro das circunstâncias, mais relevante ainda era a concepção de trabalho que norteava essa nova estrutura dentro da escola. As atividades eram elaboradas nas horas das reuniões coletivas, que contava com a participação da coordenação pedagógica, professores e com o meu apoio, enquanto especialista na área de Ciências Naturais. As atividades a serem desenvolvidas no laboratório, eram planejadas, de forma que houvesse a continuidade dos conteúdos estudados na sala de aula, na sala de leitura e no laboratório de informática (equipamento instalado posteriormente), evitando a fragmentação entre os fazeres nos diversos espaços. Os conhecimentos prévios dos alunos já eram, por nós, bastantes valorizados, bem como a participação de todos através de observações, levantamentos de hipóteses, criação de experimentos para testar suas hipóteses, reformulações, comparações, desconstruções, reconstruções, com o grande intuito de estabelecer constantemente uma relação de troca e de co-produção. Em diversos momentos eram instaurados processos investigativos a partir de algum fato constatado em experimentos, ou mesmo numa rápida saída ao jardim da escola, ou num estudo do meio mais elaborado em algum local significativo do bairro. Essa prática de Estudo do Meio, que costumeiramente adotamos, além de se constituir em um grande instrumento fecundo em situações problematizadoras nas diversas áreas do conhecimento, possibilita o resgate da nossa memória na perspectiva de construir a identidade da comunidade. Faz-se necessário dizer que a fantasia e a magia, próprias das crianças, não foram esquecidas, fazendo com que buscássemos o uso freqüente de brincadeiras, músicas, histórias infantis, teatro, enfim tudo que é lúdico e que as atraiam, permitindo, de forma agradável, uma maior aprendizagem. Ao longo desses anos tivemos condições de refletir e ampliar a nossa visão. Hoje, 07 anos após a construção do laboratório, avaliamos que essa experiência trouxe vida ao ensino de ciências naquela escola. Revelou que, apesar da carência material, foi e é possível desenvolver um trabalho capaz de despertar o entusiasmo de todos aqueles que se envolveram e que se envolvem; que a escola pode vir a ser um lugar no qual a brincadeira e o lúdico convivem com a atenção e concentração que a aprendizagem exige; que estudar não é memorização de conteúdos do livro didático; que instigar a criança a problematizar, a levantar hipóteses, a buscar respostas, cria nela o espírito da investigação, da pergunta, da dúvida do que vem pronto e acabado e envolto na aura da “verdade”; que é possível, também, articular o processo de alfabetização na língua materna com a educação científica. Avaliamos que a persistência do projeto demonstra o seu valor e a sua importância. O envolvimento das crianças é, para nós, o principal indicador. Esse trabalho é, sem dúvida, alimentado e enriquecido com o encantamento desprendido por elas. É impressionante a alegria e a curiosidade com que todas se voltam para qualquer situação problematizadora nova. Demonstram a todo instante, surpresa, espontaneidade, ausência de timidez ou medo de errar e a vontade explícita de explicar as coisas da natureza. São capazes de observar detalhes que passam despercebidos pelos adultos. Perguntam, relatam e narram com desenvoltura. Essas características chamam a atenção dos professores, direcionando, de certa forma, suas ações e servindo também como estímulo à continuidade. 329 O desenrolar dessa experiência tem levado ao amadurecimento de uma nova concepção de ensino e nos proporcionado resultados positivos, não só do ponto de vista da aprendizagem dos alunos, mas também do nosso crescimento e aprendizado enquanto educadores. É claro que todas as conquistas exigiram muitos esforços. Temos consciência de que participamos de um movimento, onde cada um, apesar do esforço coletivo, se encontra em um grau diferenciado de atuação e aprendizagem. Muitas são as reflexões e sabemos da importância do estudo e da pesquisa para a teorização e fortalecimento de nossa prática. De tudo isso, fica para nós, a vontade de prosseguir, garantindo a continuidade do projeto, na perspectiva de ampliá-lo e de estendê-lo a outras escolas. Participam do projeto na Unidade Escolar Professores do Ensino fundamental I Regina Célia Soares Bortoto (Língua Portuguesa). Coordenadora pedagógica – Maria Helena Bertolini Bezerra (Ciências Humanas); Professora orientadora do Laboratório de informática – Maria Cristina Marinelli de Oliveira Professora responsável pelo Laboratório de Ciências e coordenadora do projeto – Maria Nizete de Azevedo (Ciências e Biologia); 330 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Crianças e professores em situações de aprendizagem: Investigando e aprendendo com os animais que vivem em nossa escola Maria Nizete de Azevedo (Formadora) Marisa De Mari (Professora 2oE) Sara da Silva Bezerra Lima (Professora 2oC) Adelina Rodrigues Pires (Professora 2oD) Suami G. Navarro (Professora 2oB) Irene Santos(Professora 2oA) Rosângela A. M. Lima e Maria Helena B. Bezerra (Coordenadoras Pedagógicas) EMEF Cândido Portinari Este trabalho relata uma experiência de ensino de Ciências, desenvolvido com crianças na faixa etária de 7 a 8 anos que cursam o 2o ano do ciclo I, planejada e organizada por seus respectivos professores envolvidos no projeto “ABC da Educação científica- mão na massa”. Trata-se do desenvolvimento de vários ciclos didáticos ou ciclos investigativos inseridos no eixo temático “animais que habitam o espaço escolar”. Este eixo temático abrange investigações bastante pertinentes e adequadas para crianças de todas as idades. Por meio dele é possível estabelecer relações nítidas com o estudo da natureza, com os seus movimentos, além de propiciar um amplo processo de Educação Ambiental. Isto é possível a partir do momento em que levamos a criança a olhar a natureza com cuidado e com afetividade. Aliado ao processo de Educação Ambiental está a construção das noções de ecossistema, garantida ao se tomar a escola enquanto um meio para estudo, ao se considerar todas as inter-relações perceptíveis neste ambiente e ao se optar em estudar os animais que habitam esse espaço, indo até eles, observando-os, preocupando-se em estabelecer relações entre a forma de vida destes seres e o ecossistema no qual está inserido. Alem do mais, é um tema de fácil contextualização, já que se trata de escolher ou delimitar um espaço para investigações, que pode ser a própria escola ou parte dela ou qualquer área do entorno. Como pode ser também áreas maiores e mais distantes, como parques, praças, etc. Optamos pela metodologia investigativa por acreditarmos que por meio dela tudo isso seja possível. Além do mais, o planejamento dos processos investigativos, bem como o seu desenvolvimento e interpretação exigem de nós professores a atenção redobrada para que consigamos, de fato, encorajar as crianças para que estas atuem ativamente como sujeitos protagonistas do processo de ensino-aprendizagem. O exercício desta metodologia constitui, portanto um processo de aprendizagem não só das crianças, mas também dos professores. O ciclo didático consiste em um processo pelo qual organizamos e sistematizamos o trabalho realizado por meio desta opção metodológica. Cada ciclo é estruturado por um conjunto de seqüências didáticas ou processos investigativos inter-relacionados, onde um dá continuidade ao outro, ou um gera o outro, compondo um ciclo de investigações. Toda seqüência didática é iniciada por um problema de aprendizagem ou situação problema, sendo este o elemento que garante a instauração do processo investigativo. O problema é, para as crianças, uma situação relativamente nova e difícil, cujas respostas são desconhecidas para estas. Quando as crianças se deparam com uma situação problematizadora, e se esta for de fato uma boa situação, presencia-se a profusão de hipóteses e de novas perguntas dos alunos. Perguntas, muitas vezes, orientadoras, indicadoras e sugestivas. Cabe ao professor transformar estas perguntas em possibilidades investigativas. Temos consciência, no entanto, do grau de dificuldade que geralmente enfrentamos para isto. O problema deve ser “uma boa pergunta”, e isto não é fácil de elaborar. A boa pergunta é: concisa, clara, objetiva, capaz de estimular a criatividade e de fazer emergir as representações da criança, o seu pensamento livre e espontâneo. 331 As hipóteses levantadas são discutidas e coletivizadas no grupo para em seguida comporem o plano de ação. É por meio de uma experimentação ou de qualquer outra estratégia de investigação, que as crianças testam suas hipóteses e colocam em prática seus planos de ações, buscando, com isso, a resolução do problema, bem como a superação dos conflitos instaurados. A experimentação – estratégia comumente utilizada, pode assumir diversos papéis, ora como elemento problematizador, ora como elemento resultante de um momento de criação diante de um desafio ou um problema. Ao se deparar com determinados resultados observados ao final das experimentações, imediatamente as crianças recorrem às suas representações, às suas hipóteses, usando-as como parâmetros comparativos, chegando então, a refutá-las ou a confirmá-las. Este é um momento em que as crianças, ao se colocar diante de um conceito científico desconhecido interagem com ele, estabelecendo relações entre este e os seus conhecimentos previamente elaborados. Pode, aqui ocorrer, a possibilidade de extrapolação das visões de mundo imediatas e de alcance de níveis de abstrações crescentes e superiores, ou seja, de construção de novas generalizações e de reestruturações dos esquemas mentais. Essas reestruturações ou construções de novas generalizações são resultantes de um processo de construção de novos significados e também de ressignificações de conceitos, inclusive daqueles que já foram construídos e acumulados historicamente pela humanidade. Os conceitos que temos como universalizados não podem ser tidos enquanto verdades absolutas, embora sejam referenciais e muito contribuem na explicação de muito do que acontece ao nosso redor. Por este motivo falamos em ressignificação. O processo experimental investigativo potencializa as situações de comunicação e interação, pois a todo instante surgem perguntas, novas hipóteses e a necessidade de socializar as pré-conclusões. O momento de finalização da seqüência didática é um bom exemplo de reflexão coletiva, pois o processo precisa ser retomado, desde a sua instauração até as conclusões. O professor refaz o problema e suscita a participação do grupo classe na rememoração de toda a vivência. As falas das crianças, mediadas com novas perguntas formuladas pelo professor, vão, pouco a pouco, compondo o quadro das ações realizadas. Este é o instante muito rico, em que se percebe com clareza a interação dos conceitos científicos com os conceitos trazidos pelas crianças. Gradativamente novos conceitos e novas atitudes são construídos: a linguagem da criança se amplia com o ganho de mais palavras, de mais gestos e de mais argumentos; palavras desconhecidas vão se tornando conhecidas e já aparecem nas falas; as crianças, embora falem sem medo de errar, se preocupam em falar explicitamente, de forma que todos compreendam; além do mais, é preciso saber ouvir e esperar a vez de falar. Finalmente, conclui-se a investigação com as produções escritas, onde, individualmente, são registradas as percepções e as relações estabelecidas por cada um. Evidencia-se, neste instante, o esforço da criança na transformação das reflexões coletivas, das falas anteriores em texto escrito. Cada criança escreve e/ou desenha o que foi significativo para ela, o que conseguiu elaborar em todo o processo desenvolvido. A pretensão é transformar a aprendizagem coletiva em aprendizagem individual, onde a criança, dialoga consigo mesma, rememoriza, reelabora e interioriza muito do que teve oportunidade de vivenciar. Um ciclo didático é assim finalizado para dar início imediatamente a outro, na maioria das vezes desencadeado pelas necessidades construídas anteriormente. Estas reflexões, construídas e acumuladas ao longo de muitos anos de trabalho, podem ser demonstradas no relato que aqui trazemos. Os ciclos de investigações aos nos referimos, possuem metas pré-estabelecidas, todas elas direcionadas para a construção de conhecimentos relacionados ao reconhecimento dos animais que habitam a escola, suas características e formas adaptativas de sobrevivência e perpetuação da espécie. Pretende-se também construir um movimento de aprendizagem, onde as crianças são levadas a pensar, a planejar, a buscar saídas coletivas. Pretendese que nesse movimento de aprendizagem, as crianças, em interação com outras crianças, construam habilidades próprias, desenvolvam autonomia e autoconfiança para buscar formas de raciocínio para planejar suas ações. 332 IV CONGRESSO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Iniciamos com a investigação do espaço escolar, processo que foi instaurado pelo seguinte problema: “que animais você imagina que vivem na escola”? Embora pareça uma questão sem muita importância, tem um grande potencial mobilizador. Ao recebê-la, a criança imediatamente se põe a pensar, a se localizar espacialmente na escola, a lembrar dos espaços que a compõem, a se perguntar sobre o que é realmente um animal, a listar tudo que considerava animal e que vive naquele ambiente tão “aparentemente” conhecido. O segundo desafio é escrever e/ou desenhar estes pensamentos, primeiro individualmente, para em seguida ser coletivizado junto ao grupo classe. As hipóteses coletivizadas são agora publicadas. Entre os resultados, temos algumas surpresas: a lista compunha animais como tigre, leão, tartaruga que fazem parte do imaginário da criança e não necessariamente do habitat escolar; nós, seres humanos não fomos considerados animais; e para muitos, insetos, como baratas, moscas, por serem “nojentos”, também não eram animais e sim “bichos”. Após a discussão dos resultados, inicia-se o planejamento e preparação para a saída à campo. Esta etapa é fundamental, pois concomitante ao planejamento do que se vai fazer durante a saída (o quê e para quê?), constrói-se coletivamente as atitudes e comportamentos que serão adotados por todos no percurso. Durante a saída a campo, a habilidade mais necessária foi a observação cuidadosa e apurada de todos os detalhes. É surpreendente o comportamento das crianças diante daquele espaço já conhecido, mas que parecia nunca ter sido visto antes. E de fato nunca tinha sido enxergado, nunca tinha sido notado ao mesmo tempo, por tantos olhos, por tantos sentidos. Era uma explosão de alegria, a cada animal encontrado. Todos se voltavam para vê-lo, registra-lo e fotografá-lo. Não era permitido tocar no animal. Caso estivesse morto, o professor o coletaria para futuras investigações. Os animais encontrados fora do seu habitat natural, como minhocas, por exemplo, eram imediatamente “socorridos e salvados” pelos professores. Ao retornar a classe, inicia-se o processo de organização e sistematização das informações coletadas. Várias estratégias foram elaboradas para este fim. Uma delas foi a projeção de todas as fotos tiradas ao longo da saída, onde as crianças tiveram a oportunidade de reverem os animais encontrados e de também se verem. As crianças gostam muito de serem fotografadas e isto traz efeitos muitos positivos para o processo de aprendizagem. As fotos também contribuíram na produção da lista dos animais vistos, na comparação destes com as hipóteses levantadas previamente e no planejamento das futuras investigações. Para concluir a seqüência anterior sentimos a necessidade de verificar melhor a concepção das crianças sobre os animais: “como sabemos que a aranha que vimos é realmente um animal?” ”quais são as principais características dos animais?” E nós somos animais?” os objetivos destas questões eram simplesmente organizar melhor as idéias do grupo classe sobre o conceito de animal e nos inserirmos neste conjunto. Bem, na verdade, esta seqüência didática, além de ter sido um processo investigativo, foi também o elemento desencadeador das várias outras seqüências realizadas subseqüentemente. Como não será possível descrevê-las, apenas demarcaremos o início de cada uma com o problema que a desencadeou. Os primeiros animais investigados foram os insetos: “ o que é um inseto e como é o seu corpo”? A estratégia de investigação foi a observação pormenorizada, realizada com a ajuda de instrumentos especializados ( lupas de mesa, por exemplo) dos vários insetos coletados (pernilongos, borboletas, besouros, etc). Contamos com o constante apoio do laboratório de informática e da sala de leitura em todos os momentos em que isto se fez necessário. Nesta mesma semana recebemos de uma mãe um galho de “fícus” com uma bela lagarta de borboleta. Organizamos rapidamente uma seqüência, por meio da qual levantamos as nossas expectativas quanto ao ciclo de vida da borboleta e iniciamos o acompanhamos do processo de metamorfose. No processo de conclusão do e