Ricardo Abramovay • Tasso Azevedo • V andana Shiva • Nelton
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Ricardo Abramovay • Tasso Azevedo • V andana Shiva • Nelton
Ricardo Abramovay • Tasso Azevedo • Vandana Shiva • Nelton Friedrich ISSN 0104-0030 Ano XXVI • Nº 237 • Agosto 2016 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21 Victoria T. Corpuz • Sergio Trindade • Álvaro dos Santos • Júlio Ottoboni ECO•21 w w w. e c o 2 1 . c o m . b r ECO•21 A n o X X V I • A g o s t o 2 016 • N º 2 3 7 Diretora Lúcia Chayb Editor René Capriles Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles Colaboradores André Trigueiro, José Monserrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo Evaristo Eduardo de Miranda Sergio Trindade Fotografia Ana Huara Correspondentes no Brasil São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil Correspondentes no Exterior Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles Representante Comercial em Brasília Minas de Ideias Serviços Informativos Argentina: Ecosistema Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile) México: Archipiélago Direção de Arte ARTE ECO 21 CTP e impressão Gráfica Colorset Jornalista Responsável Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108 Assinaturas Anual: R$ 130,00 [email protected] Uma publicação mensal de Tricontinental Editora Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro Tel.: (21)2275-1490 [email protected] www.eco21.com.br Facebook www.facebook.com/revista.eco21 O legado, o impeachment e as mudanças climáticas As mudanças climáticas são implacáveis para com a fauna, a flora e os seres humanos. A história dos eventos extremos, a partir da antiguidade, registra a extinção maciça de animais e, mais recentemente, de sociedades organizadas. Um exemplo clássico são os maias que, no primeiro século de nossa Era, quase sucumbiram pela falta de uma boa gestão da água, assim como os assírios, há 27 mil anos. A inclemência do clima gerou a Revolução Francesa motivando a revolta dos camponeses que sofriam com a seca e falta de comida. Hoje o perigo é maior ainda. Já estão desaparecendo países-ilhas no Pacífico e, em algumas décadas, se não adotarmos medidas radicais para controlar o aquecimento global, inúmeras metrópoles e terras baixas ficarão sob as águas dos oceanos. Felizmente há uma crescente consciência do problema climático e iniciativas como as do Presidente Obama, que deixa como principal legado o tombamento de uma área do Oceano Pacífico do tamanho do Estado do Amazonas e a Lei do Ar Limpo. Soma-se a isso, a diplomacia ao ter articulado com os chineses a assinatura do Acordo de Paris. Durante seus 7 anos e meio no cargo promulgou leis que afetam a economia dos EUA ao exigir o corte das emissões de CO2, desde nos carros até nas usinas de carvão. Em plena campanha eleitoral, agora a maioria dos estadunidenses entendem que a mudança climática é real. As sociedades não se desestabilizam somente pelo clima, mas também a corrupção faz estragos que levam à queda de governos consolidados como o da União Soviética, que acabou não por uma perestroika ética, mas econômica. O Partido Comunista ruiu entre outras razões pela enorme despesa gerada na corrida espacial e pela manutenção da estação espacial MIR, que custou bilhões de rublos. Só um acordo internacional como o da ISS pode manter um programa espacial semelhante em funcionamento. Já no Brasil, a corrupção derrubou uma estrutura de poder consolidada durante 14 anos dos governos do PT. Fora da quase falência da Petrobras, a disponibilização de um alto volume de crédito para a agricultura (R$ 202 bilhões para o Plano Safra) foi o estopim para gerar uma denúncia por crime de responsabilidade que levou à queda da Presidenta Dilma Rousseff. O legado ambiental que deixa a era PT não é nada animador. O famigerado novo Código Florestal, a questionada obra de transposição das águas do Rio São Francisco, o projeto de sete usinas nucleares, os discutíveis investimentos das usinas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, as oscilações no controle do desmatamento, a falta de rigor fiscalizador no setor minerário, fato que levou ao maior desastre ambiental mundial ao poluir o Rio Doce devido ao rompimento da barragem de Mariana. Fora das ações do Executivo, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado anunciam preocupantes ações legislativas como o novo Código Minerário e o enfraquecimento do Licenciamento Ambiental para obras de impacto nos diversos biomas. A isso se soma a destruição do Cerrado, que foi convertido num sério candidato à desertificação, fato que levará à falta de água na maior parte do Brasil, tudo para plantar soja transgênica e favorecer as Monsanto da vida. Também o descontrole do uso de agrotóxicos proibidos gerará graves problemas na saúde pública. É bom lembrar que a corrupção é um mal maior que derrubou governos de países como Itália, Espanha, Portugal e a Grécia. Ainda há tempo de corrigir o rumo. O primeiro passo pode ser dado nas eleições municipais elegendo vereadores e prefeitos identificados com os valores da ética e do respeito para com o futuro das cidades e dos cidadãos. Gaia viverá! 4 René Capriles - Obama cria a maior área marinha protegida do mundo 6 Mauro Arbex - Ambientalistas manterão pressão ao Governo Temer 7 Tasso Azevedo - Ratificar o Acordo de Paris 8 Lyndal Rowlands - ONU debate melhor gestão dos recursos do alto mar 10 Ricardo Abramovay - Desperdício e destruição na era dos plásticos 12 Mariana Kaipper Ceratti - Vamos mesmo precisar de dois novos Planetas? 14 Sergio C. Trindade - Mudança climática ameaça o agronegócio brasileiro 16 Lúcia Chayb - Entrevista com Nelton Friedrich 20 Ana Maria Almeida - Muitas espécies de plantas estão a caminho da extinção 22 Camila Faria - Diversidade faz Amazônia resistir ao clima 24 José Monserrat Filho - O espaço do ser humano 28 Baher Kamal - Os direitos indígenas e o clima 30 Victoria Tauli Corpuz - Os desafios dos povos indígenas são enormes no Brasil 36 Cimone Barros - O licenciamento ambiental no Brasil está ameaçado 38 Tim Radford - A história ensina o que é a força destrutiva da seca 39 Álvaro R. dos Santos - O Código Florestal ignora a geologia das nascentes 42 Denise David - COP-22: meta de prédios com energia própria até 2050 43 Leandro Duarte - A eólica precisa do governo para se expandir no Brasil 44 Washington Novaes - O primo pobre pede socorro 46 Vandana Shiva - Monsanto desafia a Índia 48 Júlio Ottoboni - Analfabetismo ambiental 49 Guilherme Afif Domingos - O compromisso do Sebrae com a sustentabilidade 50 Elisa Oswaldo-Cruz - Jornal científico homenageia o acadêmico Liu Hsu Lúcia Chayb e René Capriles Capa: Ouriço-lápis-vermelho na Reserva Marinha Papahanaumokuakea, no Hawai Foto: James Watt | política ambiental | René Capriles | Editor da revista ECO•21 James Watt Obama cria a maior área marinha protegida do mundo No último dia 26 de Agosto, o Presidente Obama ampliou a Reserva Nacional Marinha Papahanaumokuakea localizada no Oceano Pacífico, na região do Havaí, criando a maior área marinha protegida do mundo. Consolidando uma liderança global dos Estados Unidos na conservação marinha, a determinação mais do que quadruplicará o tamanho da atual reserva marinha existente, protegendo permanentemente recifes de coral, os hábitats marinhos de alto mar, e recursos ecológicos importantes nas águas das ilhas havaianas do noroeste. Para assinar essa ação histórica de conservação, o presidente Obama viajou ao Havaí para participar do Congresso Mundial da União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) que, pela primeira vez, aconteceu no território dos Estados Unidos. Ele também viajou para o Atol de Midway, localizado dentro da Reserva Papahanaumokuakea, para marcar o que representa a criação desta Reserva Marinha e destacar em primeira mão como a ameaça das mudanças climáticas torna a proteção das terras e águas públicas mais importante do que nunca. 4 A Reserva foi originalmente criada em 2006 pelo Presidente Bush e classificada como Patrimônio Mundial da UNESCO em 2010. Desde aquela época, explorações científicas e pesquisas revelaram novas espécies e hábitats de profundidade, bem como conexões ecológicas importantes entre a existente Reserva e as águas adjacentes. A decisão expande a área de 1.146.798 km2, para um total de 1.508.870 km2. A expansão fornece proteção crítica para mais de 7.000 espécies, incluindo baleias e tartarugas marinhas que estão na Lista de Espécies Ameaçadas e as espécies marinhas de maior longevidade no mundo, como o coral preto, que pode viver mais de 4.500 anos. Além disso, como a acidificação dos oceanos, o aquecimento, e outros impactos das mudanças climáticas que ameaçam os ecossistemas marinhos, a expansão da Reserva melhorará a resiliência oceânica, ajudará os diferentes recursos físicos e biológicos da região a se adaptar e criar um laboratório natural que permitirá aos cientistas monitorar e explorar os impactos das mudanças climáticas sobre esses frágeis ecossistemas. Ag o s t o 2016 ECO•21 A tradição local diz ainda que através do mana (poder espiritual) do nome Papahanaumokuakea incentiva-se a abundância e as forças de procriação da terra, do mar e do céu, da mesma forma, os havaianos esperam que seus valores culturais e espirituais continuem sendo preservados. A ação do Presidente Barack Obama responde a uma ambiciosa proposta de conteúdo ambiental apresentada pelo Senador Schatz e destacados líderes havaianos nativos, além de uma significativa participação e apoio local de políticos, grupos culturais, organizações de conservação, cientistas, acadêmicos e pescadores. James Watt A área da Reserva Marinha de Papahanaumokuakea também contém recursos de grande significado histórico e cultural. A área expandida, incluindo o arquipélago e suas águas adjacentes, é considerada um lugar sagrado para a comunidade havaiana original. Ela desempenha um papel significativo na história dos ancestrais havaianos nativos, e é usada para a prática de atividades importantes, como a tradicional navegação de longa distância. Todas as atividades de extração de recursos comerciais, incluindo a pesca comercial e qualquer extração mineral futura, estão proibidas. | política ambiental | Pesca não-comercial, como os torneis de pesca recreativa, a coleta de peixes e outros recursos para as práticas culturais havaianas, é permitida na área, como também é a pesquisa científica. A jornalista Suzana Camargo informa que, o nome Papahanaumokuakea celebra a união de dois ancestrais: Papahanaumoku e Wakea. Segundo a lenda, a primeira seria a Deusa Terra que teria dado à luz as ilhas do arquipélago e o segundo, era seu marido, o Deus do Céu. É considerada uma área sagrada para os havaianos. Eles acreditam que nestas águas nasce toda a vida e após a morte, os espíritos retornam à elas. ECO•21 Ag o s t o 2016 Esta etapa também se baseia em uma rica tradição de proteção das águas havaianas, a pesca bem gerida, incluindo uma frota de pesca de alto mar. Além de proteger mais terra e água do que qualquer administração na história dos EUA, o Presidente Obama tem procurado dar um exemplo na conservação marinha através do combate à pesca ilegal, à não declarada, não-regulamentada, além da revitalização do processo de criação de novos santuários marinhos, instituindo a Política Nacional para o Mar, e promovendo a responsabilidade para com o mar através de decisões embasadas cientificamente. 5 | política ambiental | Mauro Arbex | Jornalista José Cruz - Agência Brasil Christian Hartmann Ambientalistas manterão pressão ao Governo Temer O Governo de Michel Temer, agora efetivo, com a aprovação do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, não será pressionado por resultados apenas na economia. Os ambientalistas e a sociedade civil pretendem manter uma vigilância permanente por melhorias na política do setor pelo novo governo e, principalmente, por maiores controles em áreas urbanas hoje densamente povoadas. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), Carlos Bocuhy, falta ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) uma política clara e efetiva para as grandes metrópoles. “A metodologia aplicada hoje em regiões pouco povoados, como o Pantanal e Amazônia, que cumprem inclusive regras internacionais, não se repete nas chamadas grandes metrópoles, que reúnem imensa quantidade de população”, diz Bocuhy. Essa situação vem colocando em risco a sustentabilidade em quesitos como qualidade da água, ar e solo, e se deve à ausência total de indicadores ambientais para as regiões metropolitanas. “Não há metodologia ou estudo nesse sentido; é impossível saber qual a capacidade de suporte dessas regiões para novos projetos industriais, o que cabe ou não e de que tamanho”, afirma o ambientalista, que é também conselheiro do CONAMA. 6 Ele lembra que as macrometrópoles, como as de São Paulo e cidades vizinhas, que têm uma população total de cerca de 34 milhões de pessoas, ficam reféns dessa falta de ferramentas claras de proteção ambiental. “Se houvesse maior capacitação dos órgãos ambientais e indicadores ambientais precisos, o sistema de gestão permitiria a agilização do licenciamento ambiental, como querem o governo e o setor empresarial”, diz o Presidente do PROAM. A entidade tem sido uma das maiores defensoras da criação dessas ferramentas de gestão para as áreas urbanas e já implementou um grupo de trabalho para essa discussão no CONAMA, protocolando também um pedido para agilização do processo ao Governo, logo após a posse do novo Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. Pouco, porém, avançou nesse sentido. “Além da inexistência de indicadores ambientais, órgãos participativos vitais para a transparência da gestão, como os comitês de bacias hidrográficas estão sucateados e sem condições de fazer uma fiscalização eficiente”. Bocuhy acredita que essa política para áreas urbanas é ainda incipiente no País e dificulta, inclusive “o cumprimento pelo Brasil do Acordo sobre o Clima assinado em Dezembro do ano passado em Paris e do qual somos signatários, sem essa perspectiva em regiões metropolitanas, não temos como atingir as metas do Acordo”, afirma. Ag o s t o 2016 ECO•21 Tasso Azevedo | Engenheiro florestal. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG). Foi Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro e Diretor Executivo do Imaflora Arquivo É a hora do Brasil ratificar o Acordo de Paris No dia 12 de Setembro será sancionada no Brasil a ratificação do Acordo de Paris, o mais abrangente acordo sobre clima desde que a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi aprovada, em 1992. EUA e China, os dois maiores emissores de Gases de Efeito Estufa, e mais duas dezenas de países anunTasso Azevedo ciaram a intensão de ratificar ou confirmar o Acordo ainda em Setembro. Na toada, o Acordo de Paris poderá atingir o limite mínimo de 55 países, representando pelo menos 55% das emissões globais, para entrar em vigor em menos de um ano, após o encontro em Dezembro de 2015 em Paris. Em processos oficiais da diplomacia, é uma velocidade estonteante. Para efeito de comparação, o Protocolo de Kyoto – o primeiro instrumento criado no guarda-chuva da Convenção sobre o Clima e que gerou a obrigação de redução das emissões para os países desenvolvidos – demorou oito anos para entrar em vigor. Foi aprovado em 1997 e entrou em vigor apenas em 2007, quando a Rússia finalmente ratificou o Protocolo, permitindo atingir o mínimo de 55% das emissões. Mesmo no caso do Brasil, que não tinha obrigações vinculadas ao Protocolo, e sim potenciais benefícios com os créditos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a ratificação aconteceu apenas em Abril de 2002, cinco anos após a aprovação. ECO•21 Ag o s t o 2016 O Acordo de Paris é muito mais ambicioso que os instrumentos anteriores, apontando como meta limitar o aumento de temperatura global bem abaixo de 2ºC, de preferência próximo a 1,5ºC. Mesmo assim, ou talvez justamente por isso, no Brasil conta com amplo apoio em universidades, sociedade civil, empresas e movimentos sociais, o que acabou dando o tom da tramitação do projeto de ratificação tanto na Câmara quanto no Senado em tempo recorde em meio ao turbulento processo de impeachment. Neste contexto, nada mais adequado que a inclusão da agenda de clima e floresta na abertura da Olimpíada no Rio, que alertou para os desafios das mudanças climáticas, aliados à esperança nas ações práticas para enfrentá-los, como reflorestar, usar fontes renováveis de energia e nos livrarmos da dependência do petróleo e carvão. A hora é de arregaçar as mangas e promover as revoluções necessárias para zerar as emissões líquidas de Gases de Efeito Estufa até meados deste século. Nesse sentido, as noticias das últimas semanas são alvissareiras: a FAO anunciou que a perda de florestas desacelerou nos últimos cinco anos; a primeira gigafábrica de baterias de íons de lítio da Tesla começou a produzir em Nevada, nos Estados Unidos, e vai derrubar em 30% o preço das baterias no mundo; a China instalou impressionantes 20.000 MW de capacidade de geração solar apenas no primeiro semestre de 2016 (equivalente a duas usinas de Belo Monte); e as vendas de carros elétricos dispararam, devendo a frota mundial chegar a dois milhões de veículos este ano. Que venham mais boas notícias! Temos que nos mover rápido. Muito rápido. 7 | legislação ambiental | Lyndal Rowlands | Jornalista da Envolverde/IPS na ONU ONU debate melhor gestão dos recursos do alto mar A gestão do mar aberto, ou alto mar, que fica fora da jurisdição dos países e representa dois terços dos oceanos e metade da superfície total da Terra, é um assunto delicado que os Estados membros da ONU tratam de negociar. Na sede do Fórum Mundial em Nova York, os negociadores debatem como compartilhar, conservar e usar de forma sustentável os recursos marinhos e a biodiversidade dessas vastas extensões de água. Para além do conteúdo da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (CDM), que entrou em vigor em 1994, os governos ainda devem acordar alguns elementos precisos sobre como vão administrar os recursos marinhos em alto mar. Os interesses sobre o que pode ser encontrado aumentam e, com eles, a necessidade de contar com um acordo bem preciso, opinou Elizabeth Wilson, Diretora de Política Internacional de Oceanos do The Pew Charitable Trusts. “O que vemos agora é que, com o atual estado da tecnologia, o mar aberto se torna cada vez mais acessível e aparecem muitas ideias sobre como utilizá-lo”, explicou Wilson. Além de decidir como serão compartilhados os benefícios de alto mar, os governos também devem debater sobre as possíveis consequências de sua exploração, acrescentou. “E também aumenta a preocupação sobre como os usos acumulativos podem chegar a ter um significativo impacto negativo no mar aberto e que, portanto, precisamos de uma forma melhor de administrá-los”, prosseguiu. Na reunião de Nova York (26/8 a 9/9), um Comitê Preparatório avaliará o texto que terminará por se converter em um instrumento internacional vinculante para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha em áreas fora de toda jurisdição nacional. O Comitê considera quatro temas fundamentais: os recursos genéticos marinhos, incluindo a questão de compartilhar os benefícios; as medidas como ferramentas de gestão baseadas em zonas, como as áreas marinhas protegidas; as avaliações de impacto ambiental e a construção de capacidades; a transferência de tecnologia marinha. “Até agora se falou mais sobre ideias gerais. Realmente esperamos que nessa reunião já surjam mais detalhes”, disse Wilson. “Houve um trabalho muito mais técnico desde a última reunião do comitê preparatório (Março de 2016) e esperamos que essa realmente seja uma oportunidade para se aprofundar em como deverá ser o acordo e como poderá ser estruturado”, acrescentou. 8 A presidência do Comitê Preparatório criou uma lista com 120 perguntas que devem ser debatidas pelos negociadores na segunda rodada de duas semanas, das quatro que haverá. A terceira e a quarta acontecerão no próximo ano, 2017. As questões que o comitê examinará são: 1) Como levar em conta os desafios especiais e as necessidades dos países em desenvolvimento, especialmente dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento (relacionada com a questão da divisão dos recursos genéticos marinhos)? 2) Como um instrumento internacional poderia facilitar a participação de cientistas dos países em desenvolvimento nas pesquisas (relacionada com a construção de capacidades e a transferência de tecnologia marinha)? 3) Como respeitar o direito dos Estados costeiros sobre sua plataforma continental, nos casos em que se aplique, inclusive além das 200 milhas náuticas (relacionada com as áreas marinhas protegidas e com as ferramentas de gestão dessas áreas)? Durante a primeira reunião do Comitê Preparatório, em Março, Prim Masrinuan, assessora da missão da Tailândia na ONU, divulgou um comunicado detalhando a posição do Grupo dos 77 (G-77), que reúne mais de 134 países em desenvolvimento mais a China, sobre as ferramentas de gestão de áreas, que inclui as zonas marinhas protegidas. “Embora seja importante que o novo instrumento não prejudique as áreas marinhas protegidas já existentes, sejam organizações regionais ou setoriais, somos defensores da ideia de que é necessário que haja um mecanismo institucional para coordenar as ferramentas de gestão existentes em escala global”, pontuou Masrinuan. O G-77 mais a China queriam princípios como um enfoque cautelar, baseado na ciência, transparente e responsável para realizar considerações informadas. “Esses princípios também são importantes no processo de criação das áreas marinhas protegidas”, ressaltou Masrinuan. A favor da importância de um enfoque cautelar, o embaixador da Tailândia na Organização das Nações Unidas, Virachai Plasai, que também preside o G-77, disse: “Nossa opinião é a de que os membros da ONU, incluídos os integrantes do G-77, devemos estar conscientes de nossas responsabilidades comuns em relação às futuras gerações. Dependemos dos oceanos, e a saúde deles depende de nós”. Ag o s t o 2016 ECO•21 | poluição marinha | Ricardo Abramovay | Professor Sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP Priscila Zambotto Desperdício e destruição na era dos plásticos É preciso reconhecer, claro, que os plásticos (o termo deve ser sempre empregado no plural, dada sua imensa diversidade de materiais, composição e usos) trouxeram benefícios imensos, ampliando as possibilidades de armazenagem de alimentos e medicamentos, tornando mais leves os automóveis (dos quais, em média, hoje, cerca de 50 por cento do volume e de 10 por cento a 15 por cento do peso vêm desses materiais) e aviões (que possuem 50 por cento de plásticos em seu peso) e permitindo engradados mais duráveis: sem eles, o uso de recursos materiais, energéticos e bióticos seria ainda maior que o atual. Em muitos setores, os plásticos são sistematicamente reutilizados. Mas a reciclagem desse material é baixa. Só nos Estados Unidos, de 10 milhões a 15 milhões de carros saem de circulação anualmente. As partes metálicas dos veículos são razoavelmente bem reaproveitadas, mas, como reconhece um estudo recente, a reutilização dos plásticos está na sua infância. Daniel Taylor Os oceanos recebem hoje um caminhão de plásticos por minuto. Isso significa anualmente 8 milhões de toneladas que vêm acrescentar-se aos 150 milhões de toneladas ali presentes. Para cada 3 quilos de peixe, há 1 quilo de plásticos nos ambientes marinhos. A continuar nesse ritmo, em menos de 35 anos a proporção Ricardo Abramovay será de 1 para 1, como mostra relatório da Ocean Conservancy. Um estudo publicado na prestigiosa revista científica PNAS estima a existência de 580 mil peças de plástico por quilômetro quadrado nos mares. A produção vem dobrando a cada 11 anos, desde 1950. Entre 2015 e 2026, a sociedade fabricará mais plásticos do que tudo o que foi feito até hoje. 10 Ag o s t o 2016 ECO•21 | poluição marinha | Erik de Castro O setor mais crítico, nesse sentido, é o das embalagens plásticas. É aí que se concentra o recém-lançado relatório da Fundação Ellen MacArthur (The New Plastics Economy Rethinking the future of plastics), cuja questão básica é: como permitir que um produto tão útil e ao mesmo tempo de tão difícil reaproveitamento, uma vez utilizado, seja parte da economia circular? A resposta vai em três direções: redução no uso de embalagens plásticas (desde que não sejam comprometidas as funções de conservação de alimentos e medicamentos que os plásticos hoje propiciam, bem entendido), melhoria nos sistemas de coleta pública e, sobretudo, muita pesquisa para que possam ampliar-se as raras iniciativas de destinação dos plásticos para biocompostagem ou reciclagem. O desperdício é o principal chamariz capaz de atrair o setor privado para uma “nova economia dos plásticos”. Hoje 95% do material que compõe os plásticos usados para embalagens (num valor que oscila entre US$ 80 e US$ 120 bilhões anualmente) são perdidos após um primeiro uso. Passados 40 anos do lançamento do símbolo da reciclagem, somente 14% dos plásticos são reciclados. Isso é muito menos que o papel (58%), o ferro e o aço (70% a 90%). E essa reciclagem distancia-se dos princípios da economia circular. Na maior parte das vezes destina-se a produtos que, uma vez utilizados, só poderão terminar suas vidas úteis em aterros ou incineradores. A virtuosa reciclagem de embalagens PET no sistema de garrafa a garrafa (bottle-to-bottle), por exemplo, só beneficia 7% da produção global. Esta é uma das razões que alarmam especialistas diante da notícia de que hoje há no mundo mais água vendida em embalagens plásticas do que refrigerantes, conforme um estudo canadense. ECO•21 Ag o s t o 2016 Pesquisa, o maior desafio Ao desperdício do não reaproveitamento junta-se a destruição: no mundo, um terço das embalagens plásticas ou não são coletadas pelos sistemas públicos de limpeza ou escapam dos caminhões responsáveis por seu recolhimento, sobretudo nos países em desenvolvimento. Se as empresas (e os consumidores, claro) tivessem de pagar pelos custos impostos ao meio ambiente por essa destruição, o valor superaria os lucros globais da indústria do plástico, segundo estudo publicado pela Organização das Nações Unidas em 2014. Mas o maior desafio é o da pesquisa. O relatório da Fundação Ellen MacArthur mostra que não existem normas internacionais definindo o que são plásticos compostáveis. Os chamados “plásticos verdes” atuais contam com biomassa em sua produção (emitindo menos Gases de Efeito Estufa que os advindos do petróleo), mas nem de longe, em sua esmagadora maioria, são passíveis de compostagem. Não são materiais “biobenignos”. Experiências de plásticos que, misturados a restos de alimentos, se decompõem, transformando-se em fertilizantes, são raríssimas e localizadas, ainda que promissoras, como mostra o caso da cidade de Milão. Qualquer tentativa de flerte com as técnicas anteriores à idade dos plásticos é irrealista e indesejável. Ao mesmo tempo, conformar-se com os danos socioambientais de sua crescente produção será cada vez menos aceito. Limites – como no caso das águas engarrafadas e das sacolas plásticas –, educação do consumidor e inovação tecnológica são os caminhos para enfrentar este tão difícil desafio. 11 | análise | Mariana Kaipper Ceratti | Jornalista do Banco Mundial Vamos mesmo precisar de dois novos Planetas? Se a população global de fato chegar a 9,6 bilhões em 2050, serão necessários quase três Planetas Terra para proporcionar os recursos naturais necessários a fim de manter o atual estilo de vida da humanidade. A voracidade com que se consomem tais recursos fez as Nações Unidas incluírem o consumo em sua discussão sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030. A meta número 12 dos ODS não poupa os países desenvolvidos nem os em desenvolvimento. Insta todos a diminuir o desperdício de alimentos – um terço deles é jogado fora anualmente –, repensar os subsídios aos combustíveis fósseis e reduzir a quantidade de resíduos lançados sem tratamento no meio ambiente, entre outras tarefas urgentes. A América Latina e o Caribe têm desafios importantes a cumprir nesses e em outros quesitos. Atualmente, a região joga fora 15% da comida que produz. Conseguiu diminuir de 1% para 0,68% o percentual do Produto Interno Bruto gasto em subsídios para os combustíveis fósseis entre 2013 e 2015, mas alguns países ainda dedicam cerca de 10% do PIB a eles. Finalmente, cada latino-americano produz até 14kg de lixo por dia, dos quais 90% poderiam ser reciclados ou transformados em combustível caso fossem separados por origem. A seguir quatro metas de consumo sustentável que valem para a região e para todo o mundo até 2030. 1 - Reduzir à metade o desperdício mundial de alimentos per capita na venda a varejo Estima-se que a cada ano cerca de um terço dos alimentos produzidos – o equivalente a 1,3 bilhões de toneladas, avaliadas em cerca de US$ 1 trilhão – acaba apodrecendo no lixo dos consumidores ou dos varejistas, ou estraga devido a métodos ineficientes de coleta e transporte. A degradação e queda de fertilidade dos solos, o uso insustentável da água e a pesca excessiva estão reduzindo a quantidade de recursos naturais disponíveis para produção de alimentos. Por isso, é essencial não só pensar em formas de preservar e recuperar tais recursos, mas também de reduzir o desperdício para alimentar as 8,3 bilhões de pessoas que o planeta deverá ter até 2030. Erró 2 - Alcançar uma gestão sustentável e uso eficiente dos recursos naturais A voracidade com que os recursos naturais estão sendo usados fica clara quando se observam alguns números relativos a consumo de energia. Em 2013, apenas um quinto da energia utilizada no mundo veio de fontes renováveis, como água, vento e luz solar. Todo o resto foi gerado com petróleo, carvão, gás natural e urânio. ECO•21 Ag o s t o 2016 E quais setores avançam mais rapidamente no consumo de energia? Em primeiro lugar, o de transportes: até 2020, o transporte aéreo global deve triplicar, enquanto as distâncias percorridas pelos carros aumentarão 40%. Já o uso de energia para comércios e residências fica em segundo. A boa notícia é que as medidas para poupar podem facilmente começar dentro de casa. Segundo estimativas da ONU, se toda a população mundial começasse a usar lâmpadas de baixo consumo, seria possível economizar US$ 120 bilhões anualmente. 3 - Racionalizar os subsídios aos combustíveis fósseis Segundo o estudo Indicadores de Desenvolvimento Global (WDI), do Banco Mundial, os países mais ricos do mundo são os que mais gastam com subsídios ao petróleo, carvão e gás natural (quase 14% do PIB). Depois, vêm as economias de renda média-baixa, que incluem países da América Central como Guatemala e Nicarágua e gastam em média 11% do PIB com subsídios. Para a ONU, os subsídios ineficientes incentivam o consumo perdulário. Para racionalizá-los – e estimular, portanto, o uso de fontes de energia que impactem menos o meio ambiente –, é preciso adotar medidas que removam as distorções do mercado, como reestruturar os sistemas tributários nacionais, segundo a instituição. 4 - Alcançar uma gestão ambientalmente racional dos produtos químicos ao longo de seu ciclo de vida Ao incluir essa meta no ODS 12, as Nações Unidas buscam minimizar o impacto dos resíduos químicos tanto na saúde quanto no meio ambiente. A geração de lixo tóxico per capita praticamente dobrou no mundo inteiro entre o fim dos anos 1990 e da década de 2000. Nos países de renda média, como o Brasil, a quantidade subiu de 17 kg per capita entre 1996 e 2000 para 42 kg entre 2006 e 2011. Mas nem de longe eles são os mais poluentes: os de alta renda, mas que ainda não se uniram à OCDE (a qual exige boas práticas nas políticas públicas) despejaram 981 kg de lixo tóxico per capita entre 2006 e 2011. Outro dado preocupante é que cerca de 200 milhões de pessoas podem ser afetadas pelos resíduos presentes em 3,000 locais em todo o mundo. Para reverter o quadro, a ONU destaca a importância de incentivar indústrias a buscar formas sustentáveis de gerenciar seus resíduos. E, ainda, de estimular os consumidores a reduzir o consumo e reciclar o lixo. Como se vê, o conceito de consumo vai muito além do simples gesto diário de fazer compras, e torná-lo sustentável passa por uma série de desafios que envolvem toda a sociedade. É uma meta que precisará ser levada cada vez mais a sério para não causar novos danos aos limitados recursos do Planeta. 13 | opinião | Sergio C. Trindade | Consultor de negócios sustentáveis em New York. Membro do IPCC Prêmio Nobel da Paz 2007 Lúcia Chayb Mudança climática ameaça o agronegócio brasileiro O agronegócio brasileiro é um dos raros setores com destaque positivo na economia brasileira recente. Nesse artigo busco mostrar como foi possível alcançar esse desempenho em um ambiente e momento tão negativos no Brasil como um todo. Procuro evidenciar a importância de um processo de cinco décadas de mudança Sergio Trindade de paradigma na agricultura brasileira pela via de iniciativas governamentais e privadas que enfatizaram a promoção de educação pós-graduada de qualidade, a criação de um novo e amplo arcabouço de pesquisa conduzindo à inovação tecnológica, o apoio em crédito orientado para responder à demanda doméstica e, sobretudo, internacional por alimentos. O agronegócio brasileiro representa cerca de 20% do PIB nacional e é gerado por uma fração cada vez menor da população brasileira. A atividade torna-se cada vez mais intensiva em tecnologia com ênfase em informação nos equipamentos agroindustriais e na gestão e uso de robôs e drones, que dispensam mão de obra menos qualificada. Para se ter uma ideia da dimensão dessa atividade, basta mencionar que a produção total de grãos alcança hoje cerca de 200 milhões toneladas por ano. Também é bom lembrar que, depois dos Estados Unidos e da União Europeia, o Brasil é o terceiro maior exportador agrícola mundial. Além disso, o nosso país é o maior exportador mundial de carne bovina (30% do total), frangos (40%), açúcar (45%), suco de laranja (86%), etanol (52%), café (32%). É o segundo maior exportador de soja (40%), o terceiro de milho (10%) e o quarto de carne suína (12%). Marcos Bergamasco A mudança climática é risco para o agronegócio A continuidade do êxito do processo até agora, não está garantida. Na verdade há sérios riscos na sequência dessa caminhada. A mudança climática e o aquecimento global e seus efeitos constituem já um risco sério ao crescimento e à lucratividade do agronegócio brasileiro. Esse risco tende a se acentuar, se os signatários do Acordo de Paris – Conferência das Partes COP-21 - inclusive o Brasil, não levarem a sério as obrigações que contrataram em Dezembro de 2015. A mudança climática e o aquecimento global são para valer e ameaçam gravemente a continuidade do crescimento e da lucratividade do agronegócio brasileiro. 14 Apesar da descrença de alguns, a mudança climática e correspondente aquecimento global são uma realidade desafiante. Especialmente para a faixa de latitude em que se encontra o Brasil. A consequência poderá ser menores produtividade e lucratividade. Uma vez que o fenômeno escapa em grande parte ao controle do agronegócio, postulo que a agregação de valor ao agronegócio é parte importante da gestão dos riscos impostos pelos vários impactos do clima mutante. O agronegócio pode também se mobilizar, nacional e globalmente, para promover políticas que promovam mitigação de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e adaptação aos efeitos da mudança climática. Segundo modelos desenvolvidos no contexto do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), se não houver nenhuma ação humana proativa, a temperatura global média em 2100 poderá subir 4,5ºC! Parece pouco, mas será catastrófico para a vida na Terra tal como a conhecemos hoje. Se forem adotadas propostas apresentadas pelos países à 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas (COP-21), o chamado Acordo do Clima, essa temperatura subirá 3,5ºC em 2100, o que ainda é temerário. O objetivo proposto aos países que se reuniram em Paris (Dezembro de 2015) era de uma elevação em 2100 de 2ºC, e melhor ainda se fosse 1,5ºC. O Brasil se comprometeu, em Paris, a reduzir emissões em 37% até 2025 e considerou redução de 43% até 2030, em relação aos valores em 2005. Na perseguição dessa meta o país propôs reduzir a zero o desmatamento ilegal na Amazônia, a recuperar 12 milhões de hectares de áreas desmatadas e a elevar a proporção de energias renováveis em uso. Ag o s t o 2016 ECO•21 No contexto de promover energias mais limpas, o Brasil prometeu na COP-21, em Paris, consumir 50 milhões de metros cúbicos por ano de biocombustíveis até 2030. Será que conseguirá cumprir essa promessa? Para entrar em vigor, a partir de 2020, o Acordo de Paris requer que um mínimo de 55 países representando pelo menos 55% das emissões globais a ratifiquem. O Senado brasileiro já encaminhou à sanção presidencial sua ratificação do Acordo de Paris. Entretanto, será necessário transformar essas aprovações em políticas públicas e acordos mais amplos entre os “stakeholders” relevantes na sociedade brasileira para que resultem em contribuição efetiva. As latitudes mais elevadas, aproximando-se dos polos da Terra mostram uma velocidade maior na elevação da temperatura média anual. O degelo de parte da permafrost traz imensos riscos ambientais, como a liberação de metano e dióxido de carbono à atmosfera e ao reingresso de bactérias e outros micro-organismos aos ecossistemas com danos à saúde pública e animal. Nas latitudes intermediárias poderá até haver benefício do aquecimento global pela extensão do tempo de produção e colheita. Nas latitudes brasileiras, o aquecimento global poderá ter efeito negativo sobre o agronegócio. Terra mais quente, menor produtividade Agricultura de Baixa Emissão de Carbono Uma das formas de se organizar estrategicamente em nível de fazenda, empresa e país para arrostar os efeitos da mudança climática é construir, implementar, gerir e modificar Planos de Negócios de Carbono. Isso mitigaria e reduziria impactos e promoveria a transição para uma economia baseada em energia mais limpa, como os 50 milhões m3/ano de biocombustíveis que o Brasil se comprometeu em Paris a consumir até 2030. No Brasil, o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) ou agricultura de baixo carbono, resultou das promessas do Brasil na COP-15 em Copenhague em 2009. Merece todo o apoio, mas requer a nível político uma capacidade rara no Brasil de priorização e execução. Um caminho para um futuro mais sustentável requer foco em energias mais limpas, não emissoras de GEE, para reconstruir a economia mundial e evitar os efeitos mais graves do aquecimento global. Nesse sentido, o aprimoramento de práticas agrícolas pode reduzir as emissões globais de Gases de Efeito Estufa, incorporar mais carbono aos solos e recompensar os trabalhadores rurais por seu esforço em prol da estabilização climática. Os desafios ao agronegócio estão em constante mutação ao longo do tempo. Portanto, o agronegócio exitoso no futuro será aquele que conseguir se antecipar aos desafios que certamente virão, adaptando-se à mudança e sendo, portanto, proativo e resiliente diante das circunstancias mutantes. Dentre a pletora de desafios a enfrentar, o agronegócio deverá considerar com especial atenção a mudança climática e seus impactos na sustentabilidade. Cleverson Beje - FAEP Conforme já mencionado, as mudanças climáticas são uma ameaça real e atemorizadora. Além da temperatura mais elevada, uma maior frequência de tempestades destruidoras, pestes, ervas daninhas, doenças, poluição pelo ozônio e outros fenômenos, como a seca, poderão causar maiores danos à agricultura e pecuária. | opinião | ECO•21 Ag o s t o 2016 15 | entrevista | Lúcia Chayb | Diretora da Revista ECO•21 Estamos diante de um novo jogo a ser jogado Entrevista com Nelton Friedrich Nelton Friedrich é Diretor de Coordenação e Meio Ambiente da Itaipu Binacional, Coordenador do Programa Cultivando Água Boa (CAB). O CAB recebeu diversos prêmios como o Water for Life 2015 da ONU. Na COP-21 ele mostrou as conquistas do programa e sua projeção internacional. Hoje atua na interação do CAB com a Agenda 2030. Jayme de Carvalho Jr Diretor de Meio Ambiente da Itaipu Binacional, Coordenador-Geral do Cultivando Água Boa Uma vez que a Agenda 21 foi praticamente esquecida no Brasil, acredita que existe espaço no âmbito das decisões políticas para implementar os objetivos da Agenda 2030? A Agenda 21 nasceu na RIO-92 com um horizonte promissor, mas funcionou apenas em alguns locais. Só em 1996 ela tomou certo corpo no Governo com a Comissão de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 e mais tarde teve certa presença em algumas políticas públicas. Na verdade, houve pouca vontade política, raro investimento, baixo empenho e pouca ação prática. Se você não atuar no concreto, mexer com o cotidiano das pessoas, se não aterrissar nas instituições, empresas, governos, se não tocar corações e mentes para valores e novas atitudes fica muito difícil – para não dizer, impossível – promover iniciativas transformadoras. A Agenda 21 não foi apropriada pelos governos, corporações. Falhamos. A consequência é a ampliação dos desafios: mais emissões, menos biodiversidade, mais concentração de renda e poder e menos paz e tolerância, injustiças, mais quantidade e menos qualidade. Hoje, vivemos outro momento em relação à situação planetária. Existe mais consciência, as pessoas estão mais sensibilizadas e há certeza científica em relação aos impactos gerados pela civilização humana. Também aumentaram os movimentos pela sustentabilidade, dispomos de algumas tecnologias – inclusive sociais – mais apropriadas, vivemos a revolução das ferramentas virtuais com redes organizadas em todas as partes prontas para apontar soluções inovadoras, boas práticas ou omissões. Também se discutem bloqueios comerciais a produtos oriundos de cadeias produtivas com pegadas sociais, ambientais ou hídricas comprometedoras, ou facilidades, inclusive de financiamento, para os mais saudáveis e sustentáveis de se produzir. Vale dizer, a grave crise estrutural, multifacética (de valores/ética, socioambiental, econômica, cultural, política, de governança e até espiritual) começa a aflorar o senso de urgência. Já perdemos muito tempo. 16 Nelton Friedrich com o Prêmio Water for Life 2015 da ONU Nesse contexto, o Acordo do Clima e a construção dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) emergem do inédito compromisso com metas firmado por todos os 193 Estados-membros da ONU. Não há como tergiversar. Indicadores, observatórios, monitoramentos, balanços sobre ODS e emissões apontarão o estágio de cada região ou país. Ninguém vai poder se esconder atrás de discursos ou justificativas. Ou o país – governos, empresas e sociedade civil – cumprem ou fracassam. Neste contexto de macro decisões e movimentos globais, é mais prático – e até estratégico – fazer o global com os locais. Por exemplo, o Brasil tem o compromisso de reduzir as emissões nacionais em 37% até 2025 e 43% até 2030. São metas ousadas quando sabemos que mais de 90% das emissões são geradas pelo uso da terra, desmatamento da Amazônia, pela energia não renovável, pela agropecuária, indústrias, resíduos, etc. Para realizá-las, é necessário construir de forma participativa, articulada e proativa a “Agenda 2030: Transformando nosso Mundo Local/Regional”, em que governos, empresas e sociedade definirão iniciativas concretas, com metas relacionadas aos compromissos brasileiros quanto à redução das emissões dos gases de efeito estufa e consecução dos 17 ODS. Ag o s t o 2016 ECO•21 O senhor propõe urgência na construção de uma Agenda 2030 Local/Regional, mas observando a realidade das prefeituras que, na sua grande maioria, não lograram implantar a Lei sobre Resíduos Sólidos eliminando os lixões nem mesmo obras mais custosas como as de saneamento básico, qual o caminho institucional em nível local para garantir os 17 ODS? Exatamente à luz do que se deu com a Agenda 21 e a implementação acanhada da Lei sobre Resíduos Sólidos é indispensável envolver os atores locais, construir alianças para ação entre diferentes segmentos da sociedade e ajustar a forma como os locais se organizam (por exemplo, instrumentos permanentes de implementação das metas climáticas e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, via Fóruns ou Observatórios). A efetividade da Agenda 2030 Local mais facilmente se dará num diálogo sobre tendências sócio-econômica-ambientais-culturais, estimulo a padrões de produção e consumo sustentáveis e na costura de consensos éticos mínimos sobre valores, cuidados e providências setoriais e multissetorias, compartilhando responsabilidades (governos, empresas e sociedade) e tudo sendo mensurado e comunicado por indicadores, balanços anuais, banco de boas práticas e ampla transparência. Consensos mínimos podem acontecer na governança inovadora, gestão integrada, sistêmica; na identificação das áreas de impacto das cadeias locais de valor (matérias primas, fornecedores, logística de entrada, operações da empresa, distribuição, uso do produto, fim da vida do produto); na adesão à Plataforma de Cidades Sustentáveis; na implementação do Programa ABC local (Agricultura de Baixo Carbono); na gestão de resíduos e adoção do modelo de economia circular; na mobilidade urbana; na consideração aos segmentos em desvantagens e nas políticas públicas e incentivos à acessibilidade, à equidade social; na educação e cultura para sustentabilidade (inclusão da Agenda 2030 e Acordo do Clima nos currículos escolares); no incentivo ao cultivo, uso e reuso da água, à auto geração, geração distribuída e energia e eficiência energética; nas compras públicas com critérios de sustentabilidade; nas construções sustentáveis; na arborização e restauração ecológica; no avanço do saneamento básico; na mobilização para o consumo consciente e o novo jeito de habitar “Nossa Casa Comum”; na alimentação saudável e segurança alimentar; na capacitação de agentes e lideranças para a sustentabilidade; na instituição de bônus ou incentivos para quem cumprir. Evidente, sobre o acima ou outras propostas, definindo prioridades. Já existe alguma estimativa brasileira sobre o custo para a implementação de cada uma das ambiciosas metas propostas na Agenda 2030? Desconheço uma estimativa sobre esses custos. Mas tão ou mais importante do que quanto falar de custos, é falar e exercer o papel articulador de energias locais. Articular forças vivas das comunidades, compartilhar sonhos, somar esforços e dividir responsabilidade antecedem o “quem entra com dinheiro”. É comum estragar uma boa ideia porque a primeira questão é “e o dinheiro?”. Só com a convergência de esforços, de estímulo à cidadania individual e coletiva, dos recursos já carimbados das esferas de poder (nacional, estadual e local), do apoio de instituições, corporações públicas e privadas já oferecem um bom começo. ECO•21 Ag o s t o 2016 | entrevista | Caio Francisco Coronel Itaipu Binacional Canal de Piracema na Usina de Itaipu Há que se garimpar, também, recursos ou mecanismos em instituições financeiras que dispõem de fundos específicos para iniciativas voltadas à sustentabilidade, como o BNDES, Fundos Multilaterais, outros conectados ao Mercado de Carbono/ incentivos ao Carbono Zero ou Neutro em Carbono, os Green Climate Fund ou o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, Green Bonds (títulos de dívida com atributos socioambientais), Creating Climate Cities, Encouraging LowEmission and Climate, CRA (Cotas de Reserva Ambiental), entre tantos outros, inclusive que vão surgir. Para se ter uma ideia, os recursos alocados pelo sistema financeiro à economia verde no Brasil em 2013 e 2014 alcançaram R$ 217 bilhões (18% do total de financiamentos). Por certo, estão em gestação muitas iniciativas agregadoras de critérios de sustentabilidade ao nosso sistema tributário com objetivo de reduzir emissões de gases de efeito estufa. Vão desde o potencial dos incentivos positivos (tributários e creditícios) nas áreas relevantes como a agropecuária, indústria e energia, até o papel dos indicadores (que apontam, por exemplo, a intensidade carbônica e energética da atividade produtiva). É importante buscar e divulgar essa disponibilidade de recursos e capacitar para a elaboração de bons projetos para acessá-los. 17 Lúcia Chayb | entrevista | Coleta de água de chuva para agricultura orgânica 18 O CAB mereceu reconhecimento mundial, tanto da ONU quanto de diversos países que desejam adotar a sua metodologia. Os excelentes resultados obtidos sob o seu comando fez do CAB um exemplo de soluções para resolver problemas de geração de renda e exploração sustentável. Este seria um caminho para ser replicado? De que forma poderá contribuir a Rede de Gestão Participativa da Água? Nosso movimento tem proposto a construção urgente da Agenda 2030 Local e Regional, em especial nos territórios da Bacia do Paraná 3 (área de influência do reservatório da Itaipu) e toda Região Oeste do Paraná para que mantenha a vanguarda conquistada nos últimos tempos em diversos campos da atividade econômica, social, ambiental e cultural e obter um salto ainda maior como municípios e região exemplares na consecução, em nosso pedaço do planeta, das metas brasileiras compromissadas globalmente. Felizmente, num esforço exemplar de milhares de parceiros e Itaipu, superamos obstáculos e alcançamos um patamar de iniciativas bem sucedidas, referenciais e que atestam o progresso rumo à sustentabilidade. Na abrangência do Cultivando Água Boa, como também em outras atividades da Itaipu, cumprimos muitos componentes dos objetivos previstos nos ODS. Hoje, contamos com ações presididas pela Ética do Cuidado, cooperação, solidariedade, vitalidade comunitária, governança inovadora (abordagem sistêmica e ampla participação social), territórios sustentáveis, inclusão social e produtiva. O programa, atualmente presente em 217 microbacias da região, atua no cuidado com o solo, a água, o ar, a biodiversidade, a justiça social, as comunidades, a vida (através – por exemplo – de recuperação de passivos socioambientais, com recuperação de nascentes, práticas conservacionistas, readequação de estradas, matas ciliares, plantio direto de qualidade, diversificação produtiva na agricultura familiar e estímulo ao processamento para agregar valores, com educação ambiental para transformação de olhares e atitudes e edificação da cultura de sustentabilidade); programas de construções sustentáveis; de destinação adequada de resíduos; plataforma de energias renováveis/geração distribuída, com ênfase na biomassa residual e busca de eficiência energética; cultura da água, multiuso, governança hídrica, cooperação e distribuição equitativa e otimização do seu uso e reuso; ações de inclusão social e produtivas com pescadores, catadores, comunidades indígenas, quilombolas, juventude, agricultores familiares, assentados; vinculação ao Cultivando Água Boa do Programa Cidades Sustentáveis, hoje em 38 municípios; Compras Públicas com Critérios de Sustentabilidade; equidade de gênero; entre outras medidas. Outras iniciativas premiadas pela ONU-Água, a exemplo do CAB, também contam com uma gama ampla de ações em consonância com os ODS. A ideia é que passemos a atuar em uma rede global, fomentando outras iniciativas semelhantes e, assim, ajudando a promover a Agenda 2030. Para isso, é preciso atuar, com muita ênfase e articulação, em um pacto ético mínimo entre governos, empresas e sociedade. De forma articulada, propositiva e dinâmica, contendo etapas e metas contributivas (por área e no conjunto da região), alcançaremos em nosso pedaço do planeta o que foi assumido em Paris. Envolvendo as forças locais e regionais, com sensibilização de corações e mentes para a ação e alicerçados na responsabilidade compartilhada, teremos pró-atividade para erigir a transformadora Agenda 2030. Ag o s t o 2016 ECO•21 Qual a sua opinião sobre os megaprojetos realizados nos últimos anos de geração de energia e fornecimento de água como a construção da usina de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco? No caso de Belo Monte, existem estudos que demonstram que com o capital investido (mais de R$ 30 bilhões pra gerar 11 GW no pico) poderia ser gerada mais energia se esse capital tivesse sido aplicado em eólica, solar e ondomotriz. O Diretor Executivo do PNUMA, Achim Steiner, num artigo publicado na ECO•21, informa que a Iniciativa Africana para Energias Renováveis tem um plano de alcançar 300 GW de geração de energia renovável até 2030 investindo US$ 10 bilhões. De que forma políticas de estado semelhantes à brasileira podem ser aplicadas à Agenda 2030? A energia hidráulica realmente é uma energia cara para se instalar, mas é barata quanto à operação. Uma usina hidrelétrica que preserva o meio ambiente em torno de seu reservatório e tem manutenção em dia pode operar por 200 anos ou mais. Outras energias podem ser mais baratas quanto à instalação, mas dificilmente se equiparam à hidrelétrica quanto aos custos operacionais. Há que se notar também que, quando se pensa na infraestrutura elétrica de um país em desenvolvimento como o Brasil, há a necessidade de grandes potenciais para garantir a chamada energia firme e ter disponibilidade de grandes cargas que podem ser administradas conforme a necessidade (para atender a um parque industrial, por exemplo) e essas são demandas que, infelizmente, fontes como a eólica, solar e ondomotriz ainda não têm capacidade para atender. Em uma hidrelétrica, podemos estocar energia na forma de água, mas ainda não temos tecnologia para fazer o mesmo com os ventos, o sol ou o mar. É claro que essas energias têm o seu papel e o Brasil precisa seguir investindo nessas modalidades. Agora, grandes projetos de infraestrutura, como Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco, realmente têm impacto equivalente a seu porte nas comunidades e no meio ambiente e, por isso, é preciso evoluir no diálogo com todos os públicos envolvidos para que se consiga produzir projetos de excelência, com mínimo impacto e as melhores medidas compensatórias possíveis. Essa é uma realidade que pode ser viabilizada pela Agenda 2030 e pelo Acordo do Clima, que podem ser a última oportunidade de mudar. Estamos diante de “um novo começo” como expressa a Carta da Terra. Não estamos diante de mudanças no jogo; trata-se de um novo jogo a ser jogado. Transformar o mundo requer nova ética, a começar pela Ética do Cuidado. Mais do que conquistar, dominar, ter, é necessário cuidar. Lúcia Chayb Primeiro, reafirmo o que há muito defendo: empreendimentos de médio ou grande porte devem ter iniciativas antes de começar a construção, durante a construção e depois da construção. Se transformar num ente vivo e envolvido com o entorno que influenciará e sofrerá influência. Com a máxima mitigação de todo e qualquer impacto. E, sempre num amplo e fecundo diálogo e agenda de interesse comum com os locais. É preciso destacar que a matriz brasileira é majoritariamente limpa na comparação com os países ricos. Estamos fazendo um dos maiores investimentos em eólica (46% da energia consumida no Nordeste já provêm dessa fonte). E os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável poderão contribuir para expandirmos ainda mais as energias limpas no Brasil. Só a eficiência energética pode, até 2030, ter a equivalência a uma nova Itaipu, sem a construção de nenhuma nova usina. Não sei exatamente o que está sendo considerado nessa conta de Achim Steiner. | entrevista | Desidratador para plantas medicinais, um dos projetos do CAB ECO•21 Ag o s t o 2016 19 | flora ameaçada | Ana Maria Almeida | Bióloga do Instituto de Biologia/UFBA; California State University East Bay/Hayward Muitas espécies de plantas estão a caminho da extinção Fabio Colombini - CI Um documento recente produzido pelo Royal Botanical Gardens, localizado em Kew, subúrbio de Londres, a respeito do estado atual das plantas vasculares, chamou a atenção do mundo. De acordo com o Relatório, o Brasil é o país de maior diversidade de plantas vasculares do Planeta, com mais de 32.000 espécies descritas, das quais 18.423 são endêmicas da flora brasileira. As plantas vasculares formam um grande grupo de plantas terrestres, incluindo as samambaias, os pinheiros ou gimnospermas, e as plantas com flores, também conhecidas como angiospermas. As plantas vasculares constituem a vasta maioria das plantas utilizadas pelos seres humanos. O Relatório do Royal Botanical Gardens traz outras informações curiosas, como o fato de que o Brasil lidera, desde 2008, o ranking de países com maior número de novas espécies descobertas de plantas vasculares, com aproximadamente 200 novas espécies descritas anualmente. Esse número perfaz um total de 2.220 novas espécies descritas desde 2006, seguido da Austrália, com 1.648, e China, com 1.537. Em média, desde 2004, 2.000 novas espécies de plantas vasculares são descritas todos os anos. 20 O relatório aponta dados alarmantes: das aproximadamente 390.000 espécies conhecidas de plantas vasculares, 50.000 estão em risco de extinção. Já a International Union for Conservation of Nature (IUCN) estima que, no ano de 2016, 21% das espécies de plantas vasculares estão em risco de extinção, o que significa que uma em cada 5 espécies pode desaparecer do Planeta em breve. Números semelhantes foram produzidos na década de 1990, a partir de modelos baseados em perda de hábitat. Há 25 anos, cientistas estimaram que enfrentaríamos uma perda de 4.000 a 30.000 espécies de plantas até o ano de 2015, baseados principalmente na velocidade de destruição de hábitats, isoladamente a principal causa de perda de biodiversidade no Planeta. Entretanto, uma análise cuidadosa da Lista Vermelha da IUCN mostra que apenas 142 espécies de plantas vasculares são consideradas extintas na natureza. Assim, uma pergunta óbvia se coloca: qual o motivo de tamanha discrepância? Por que apenas 142 espécies são consideradas extintas, quando os modelos baseados em perda de hábitat previam números 10 a 100 vezes maiores? Mesmo se considerarmos 142 espécies extintas como uma medida conservadora, este número ainda está muito distante das estimativas feitas pelos ecólogos no início da década de 1990. Como aponta um estudo recente (The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration), a discrepância entre as estimativas e o número observado de espécies extintas não pode, infelizmente, ser explicada por uma redução das taxas de destruição ambiental. Nos últimos 25 anos observamos um aumento das taxas de destruição de áreas naturais, incluindo florestas tropicais, por exemplo, principalmente devido à expansão da agricultura industrializada. Em Julho último, o ecólogo Quentin Cronk, em um comentário recente (Plant extinctions take time) na revista Science, levantou uma hipótese interessante: apesar da discrepância entre os números estimados e os números observados, afirma Cronk, podemos estar em meio a uma extinção em massa, um fenômeno em andamento, cujos efeitos apenas serão observados no futuro próximo. Ou seja, estaríamos caminhando para a extinção permanente de milhares de espécies de plantas vasculares, apesar de poucos indivíduos dessas espécies ainda sobreviverem na natureza. Esse período é o que ecólogos chamam de “extinção latente” (extinction lag time), também conhecido como “tempo de relaxamento” de extinção (relaxation time). Durante esse período, os indivíduos sobreviventes a um evento de extinção, como a destruição de uma floresta, representariam os últimos sobreviventes das suas espécies, que estariam, no entanto, funcionalmente extintas, visto que esses poucos indivíduos estariam incapacitados de perpetuar a espécie na natureza. Ag o s t o 2016 ECO•21 Alguns ecólogos consideram esses sobreviventes como “mortosvivos” (the living dead), os últimos de uma linhagem em extinção latente, incapazes de restabelecer populações viáveis das suas espécies, que se tornariam permanentemente extintas com a morte desses indivíduos. Em plantas vasculares, esse período de extinção latente, aponta Cronk, é relativamente longo, quando comparado à extinção latente da maioria das espécies animais. Diversos fatores contribuem para um aumento no período de latência em plantas vasculares. Dentre eles, podemos citar os bancos de sementes presentes nos solos, a capacidade de reprodução assexuada e de autofertilização em muitas espécies, além de uma maior sobrevida, quando comparadas à maior parte dos animais. Dessa maneira, temos fortes razões para acreditar que o período de latência de extinção em plantas vasculares excede aquele observado para a maior parte dos animais, e chega, em florestas temperadas, a ultrapassar 100 anos. Se levarmos em conta essas considerações, podemos estar em maus lençóis: muitas das espécies de plantas vasculares estariam em período de extinção latente, com indivíduos isolados ainda sobrevivendo por algumas décadas, mas fadadas à extinção permanente com a morte desses indivíduos. ECO•21 Ag o s t o 2016 | flora ameaçada | Se as atividades humanas nos últimos 25 anos causaram um evento de extinção em massa, seus efeitos em plantas vasculares apenas serão sentidos nos próximos 100 anos, devido ao seu longo período de extinção latente. As previsões de extinção elaboradas para a década de 1990 estariam refletindo, assim, a extinção latente de milhares de linhagens, sendo que uma em cada cinco espécies de plantas vasculares estaria representada por poucos indivíduos que não passariam de “mortos-vivos”, os últimos representantes dessas espécies em extinção. Vivemos, assim, a Era dos “mortos-vivos”, ao menos quando tratamos de plantas vasculares. Apesar de sombrio, esse aumento do período de latência de extinção de plantas vasculares suscita questões interessantes. Seríamos capazes de identificar os “mortos-vivos” na natureza? Caso consigamos, o que deveríamos fazer? Além disso, poderíamos entender esse período de latência como a última chance para que esforços de conservação tentem evitar a extinção permanente dessas espécies. No pior dos casos, o longo período de extinção latente de plantas vasculares nos dá um pouco mais de tempo para conhecermos os organismos que perderemos no próximo século. 21 | pesquisa | Camila Faria | Jornalista do Observatório do Clima - OC Diversidade faz Amazônia resistir ao clima “É um modelo muito interessante. Revela que, além da biodiversidade numa floresta, devemos olhar para a diversidade de características e funcionalidades das plantas para a manutenção do serviço cumprido por elas”, afirma o ecólogo Daniel Piotto, da UFSB. O modelo biogeoquímico desenvolvido, que simula ambientes florestais diversos, mostrou que a diversidade permite que a floresta se ajuste a novas condições climáticas e mantenha seu potencial de sumidouro de carbono: enquanto árvores acima de 30 m, atuais maiores contribuintes para a biomassa, seriam reduzidas no médio prazo, a vegetação do sub-bosque, de tamanho médio e árvores mais jovens, teria oportunidade de receber mais luz e se regenerar para as novas condições. No modelo, essa mudança melhorou o equilíbrio de carbono e a taxa de sobrevivência das árvores, o que causou recuperação de biomassa e estrutura para as espécies. “É nítido que a biodiversidade não é um benefício adicional, e sim um aspecto fundamental para a sobrevivência em longo prazo das grandes reservas de biomassa da Terra, como a floresta amazônica”, afirmou Boris Sakschewski, do Instituto de Pesquisa de Impactos Climáticos de Potsdam, que liderou o trabalho. “A diversidade vegetal pode permitir que o maior ecossistema tropical do mundo se ajuste a certo nível de mudança climática – árvores que hoje são espécies dominantes, por exemplo, poderiam dar lugar a outras que seriam mais adaptadas às novas condições”. Para estudar como a diversidade funcional de plantas contribui para a resiliência de florestas tropicais, o grupo primeiro investigou uma pequena área de floresta no Equador, com base em sua resposta, realizou simulações em computador para toda a Bacia Amazônica. A notícia, porém, não representa um alívio de preocupações: enquanto, num cenário de cumprimento das metas do Acordo de Paris e emissões moderadas, a taxa de recuperação seria em torno de 84% após alguns séculos, o dano causado por emissões em massa, sem respeito ao Acordo ou aumento de ambição das propostas sobre a mesa, permitiria que apenas 13% da área se recuperasse pelas mesmas condições. O novo estudo é mais um de uma série de trabalhos recentes mostrando relações importantes entre biodiversidade florestal e clima. Desde o ano passado, por exemplo, pesquisas chefiadas pelo ecólogo Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, e pelo biólogo Mauro Galetti, da UNESP, têm mostrado, entre outras coisas, que a caça de mamíferos como queixadas e antas ajuda a reduzir a dispersão de árvores grandes, diminuindo a fixação de carbono pelas matas na Amazônia. Claudio Angelo A floresta com tipos diferentes de plantas se recupera melhor após ser submetida a um aquecimento moderado, conclui uma pesquisa, que amplia entendimento da importância da biodiversidade. Um grupo internacional de cientistas pôde, pela primeira vez, demonstrar em larga escala que florestas com maior diversidade de características e funcionalidades de plantas têm também maior potencial de adaptação a mudanças no clima, utilizando a Amazônia como estudo de caso. O estudo “Resilience of Amazon forests emerges from plant trait diversity”, publicado na edição de Agosto no periódico Nature Climate Change do Nature Publishing Group (NPG), reforça a importância da preservação da biodiversidade como instrumento de políticas públicas contra o agravamento da crise climática. 22 Ag o s t o 2016 ECO•21 | ecologia humana | José Monserrat Filho | Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA)* “... o sistema de privilégios e privilegiados, para se impor à humanidade, deve antes de mais nada adormecê-la.” Milton Santos Arquivo O espaço do ser humano “Com a mundialização da sociedade, o espaço, tornado global, é um capital comum de toda a humanidade”, salienta Milton Santos, e adverte: “Entretanto, sua utilização é efetiva e reservada àqueles que dispõem de um capital particular. Com isso, a noção de propriedade privada de um bem coletivo é Mestre Milton Santos (1926reforçada”. A novidade é que essa noção está englobando tam2001) lançou, em 1982, o bém o espaço exterior. Basta ver a Lei (HR 2262) sancionada livro “Pensando o Espaço do pelo Presidente dos EUA em 25 de Novembro de 2015, que Homem”, do qual já se publioutorga às empresas norte-americanas o direito de propriedade caram várias edições e reimsobre as riquezas minerais e outros recursos naturais por elas pressões. Graduado em direito, extraídos de asteroides e demais corpos celestes. José Monserrat Filho Milton Santos é um dos nomes “Num mundo em que as determinações se verificam em mais respeitados da geografia no escala internacional, num mundo universalizado, os aconteBrasil. Seus estudos sobre a urbanização nos países do terceiro cimentos são comandados direta ou indiretamente por forças mundo tiveram grande repercussão acadêmica e política. Em mundiais”, afirma Milton Santos. A ideia de domínio das 1994 ganhou o Prêmio Vautrin Lud, considerado o Nobel grandes corporações globais aplica-se igualmente ao espaço da Geografia, e em 2006 foi agraciado postumamente com exterior e às atividades lá exercidas, hoje oligopolizadas em o Prêmio Anísio Teixeira, da CAPES, por suas contribuições grande parte, embora sejam essenciais à vida cotidiana de ao desenvolvimento da pesquisa e da formação de recursos todos os povos da Terra. Para Milton Santos, “hoje, humanos no país. São dele também os livros quando se fala de espaço total, “Espaço e sociedade” (1979); fala-se de uma multiplicidade “O espaço dividido. Os dois de inf luências superpostas: circuitos da economia urbana mundiais, nacionais, regionais, dos países subdesenvolvidos” locais”. Cabe acrescentar as (1979); “O Espaço do Cidadão” inf luências espaciais, que só (1987); “Técnica, espaço, tempo fazem crescer. – Globalização e meio técnicoEle também diz que “o espaço científico informacional” (1994); é maciço, contínuo, indivisível”. entre muitos outros. O espaço exterior realmente não é maciço, mas tende a ser, cada Em “Pensando o Espaço do vez mais, virtualmente contínuo Homem”, esse baiano de Brotas de Macaúbas, que lecionou e e indivisível. Isso, porém, não Milton Santos pesquisou em importantes unianula a necessidade de se fixar versidades do mundo, fala do a delimitação entre o espaço espaço globalizado em todo o Planeta Terra, cujo processo aéreo, onde vigora o princípio da soberania dos Estados, e o espaço exterior, onde esse princípio não tem vigência. de formação iniciou-se nos primórdios do capitalismo em Não pode haver continuidade entre dois sistemas jurídicos meados do Século 16, há mais de 400 anos. inteiramente distintos. Ocorre que, a partir da segunda metade do Século 20, Ainda segundo o professor Milton Santos, “com o o espaço global começa a expandir-se pelo espaço exterior, graças a notáveis avanços científicos e tecnológicos, que ensedesenvolvimento das forças produtivas e a extensão da divijaram os voos espaciais com a criação de foguetes, satélites, são do trabalho, o espaço é manipulado para aprofundar as diferenças de classes. Essa mesma evolução acarreta um sondas e estações espaciais. Iniciaram-se, então, a exploração movimento aparentemente paradoxal: o espaço que une e e o uso do novo ambiente pela espécie humana. Em quase separa os homens”. 60 anos, milhares de objetos construídos pela mão humana O espaço exterior, por sua vez, une a humanidade, real ou já foram lançados ao espaço, sobretudo às órbitas da Terra, potencialmente, pelos serviços vitais que é capaz de prestar mas também à Lua, além de Marte e outros planetas, e ao ou vender, e, ao mesmo tempo, a separa, pela desigualdade espaço profundo. crescente que produz. Tal movimento, inaugurado em 1957 e chamado de Era Espacial, tem imensos efeitos econômicos, políticos, sociais e culturais, que vêm ampliando a globalização terrestre para * José Monserrat Filho é também Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) o que tem sido denominado de nosso oitavo continente – o e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB) sem limites, incomensurável. 24 Ag o s t o 2016 ECO•21 | ecologia humana | Neste tema complexo, Milton Santos frisa: “O que une, no espaço [terrestre], é a sua função de mercadoria ou de dado fundamental na produção de mercadoria. O espaço, portanto, reúne homens tão fetichizados quanto a mercadoria que eles vêm produzir nele. Mercadorias, eles próprios, sua alienação faz de cada homem um outro homem. O espaço, como ponto de encontro (…) é uma reunião de sombras ou, quando muito, um encontro de símbolos”. Milton Santos diz mais: “Como o espaço se tornou também um produto no mercado, é sua raridade que une os homens... Trata-se de um contra o outro, da separação e não da união.” E conclui: “A unidade dos homens pelo espaço é, pois, uma falsa unidade... É dessa falsa unidade que a separação se alimenta. Os progressos de nossa infeliz civilização conduzem mais e mais a uma sociedade atomizada por um espaço que dá a impressão de reunir”. E também: “O espaço [terrestre], habitação do homem, é também o seu inimigo, a partir do momento em que a unidade humana da coisa inerte é um instrumento de sua alienação.” E ainda: “Os homens vivem cada vez mais amontoados lado a lado em aglomerações monstruosas, mas estão isolados um dos outros”. Se Milton Santos tiver razão, estaremos levando para o espaço exterior, junto com nossa ciência e tecnologias de ponta, as maiores mazelas sociais desenvolvidas aqui na Terra – paradoxalmente, talvez o único planeta habitado por seres inteligentes. Daí a recomendação e o apelo de Milton Santos sobre o que fazer do espaço terrestre, mas, a nosso ver, igualmente válido para o espaço exterior, se suas críticas à situação atual se confirmarem e nada for feito para superar os dramáticos problemas apontados: “Devemos nos preparar para estabelecer os alicerces de um espaço verdadeiramente humano, de um espaço que possa unir os homens para e por seu trabalho, mas não para em seguida dividi-los em classes, em exploradores e explorados; de um espaço matéria-inerte que seja trabalhada pelo homem mas não se volte contra ele; um espaço Natureza social aberto à contemplação direta dos seres humanos, e não um fetiche; um espaço instrumento de reprodução da vida, e não uma mercadoria trabalhada por outra mercadoria, o homem fetichizado”. Na visão do geógrafo, “desfetichizar o homem e o espaço é arrancar à Natureza os símbolos que ocultam a sua verdade, vale dizer: ...é revalorizar o trabalho e revalorizar o próprio homem, para que ele não seja mais tratado como valor de troca”. Não será isso o que mais inspiram aos humanistas “as vastas perspectivas que a descoberta do espaço cósmico pelo homem oferece à humanidade”, como diz a primeira linha do preâmbulo do Tratado do Espaço, de 1967 – a Lei maior das atividades espaciais? ECO•21 Ag o s t o 2016 25 | direitos indígenas | Baher Kamal | Jornalista da Envolverde / IPS Marcello Casal Jr - ABr Os direitos indígenas e o clima Já não se trata de restabelecer os direitos legítimos dos mais de 370 povos indígenas em 70 países, muitos dos quais vivem em condições precárias, mas de seu papel fundamental na luta contra a mudança climática, destacou Victoria Tauli Corpuz, relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e dirigente indígena do povo kankana ey igorot, das Filipinas. “Pouquíssimos países assumiram um compromisso claro com um requisito do Acordo de Paris, pelo qual os países que empreendem atividades contra a mudança climática devem garantir os direitos dos povos indígenas”, afirmou. A relatora recorda “a grande quantidade de mortes violentas de pessoas que protegiam as florestas e o direito à terra em 2015” (o ano mais mortal já registrado para os defensores do ambiente), ressaltou. “É uma situação grave em termos de respeito dos direitos dos povos indígenas”, acrescentou aos participantes do Comitê Florestal da FAO, reunido em Roma entre os dias 18 e 22 do mês passado (Julho 2016). “Os povos indígenas de todo o mundo experimentaram as consequências da colonização e a invasão histórica de seus territórios, e são objeto de discriminação devido às suas diferentes culturas, identidades e formas de vida”, apontou Tauli Corpuz. “Os governos devem fazer muito mais para que os povos indígenas, as comunidades locais, os pequenos produtores e suas organizações recuperem as paisagens degradadas e consigam a mitigação e adaptação à mudança climática na prática”, recomendou a FAO. 28 De concreto, René Castro Salazar, Subdiretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO, alertou que o tema dos direitos indígenas à terra e aos territórios é “fundamental” para o êxito das iniciativas referentes à mudança climática. “A menos que ajudemos os povos indígenas a terem uma posse segura da terra e um governo melhor, será muito difícil alcançar soluções de longo prazo. Estamos ficando para trás, temos que fazer mais”, enfatizou. Um terço das florestas do Planeta é administrado de alguma maneira por famílias, pequenos agricultores, comunidades locais e povos indígenas, e representam algumas das maiores reservas de carbono, informaram os especilistas da agência da ONU para a agricultura durante a reunião do Comitê Florestal da FAO. Só as florestas comunitárias reconhecidas pelos Estados abrigam aproximadamente 37,7 bilhões de toneladas de reservas de carbono. “Os pequenos produtores familiares, as comunidades locais e os povos indígenas têm um papel fundamental a desempenhar na preservação dessas reservas de carbono, mediante redução do desmatamento, gestão sustentável das florestas e recuperação de árvores como parte das economias rurais produtivas, particularmente quando pertencem a organizações de produtores fortes”, afirma a FAO. Além disso, foi constatado que cerca de 1,5 bilhão de hectares têm o potencial para os pequenos produtores combinarem a agricultura com árvores. Ag o s t o 2016 ECO•21 “Mas se não for encontrada a melhor maneira de interagir com os atores locais e alinhar seus interesses com a conservação florestal, podem ficar significativamente comprometidas as possibilidades de se alcançar as metas de captura de carbono e mitigação”, alertou a mencionada agência da ONU. Em uma declaração divulgada ao final da reunião de Roma, os participantes exortam os governos a criarem condições propícias necessárias para que as comunidades, os povos indígenas e os produtores locais “administrem territórios maiores, garantindo e fazendo cumprir os direitos de posse, além da criação de incentivos comerciais favoráveis e oferta de serviços de extensão técnica, financeira e empresarial”. Também pedem aos mecanismos de financiamento globais, às políticas estatais e aos investidores privados que dirijam os investimentos e o apoio às comunidades locais, aos povos indígenas, aos pequenos produtores e às organizações de agricultores. Por fim, solicitam que as iniciativas sobre mudança climática deem “uma importância maior às comunidades locais, aos povos indígenas, aos pequenos produtores e às organizações de produtores, para que participem da avaliação qualitativa da cobertura florestal e das árvores nas explorações agrícolas que administram”. Por ocasião da reunião de Roma, a FAO divulgou um novo estudo que ajuda a preencher um vazio de conhecimento sobre a presença e a extensão das florestas e das árvores nas zonas áridas do mundo, onde a segurança alimentar e os meios de vida de milhões de pessoas, por si só já precários, se veem cada vez mais ameaçados pela mudança climática. Os resultados preliminares do estudo indicam que as árvores estão presentes com enormes diferenças de densidade em quase um terço dos 6,1 bilhões de hectares de zonas áridas do Planeta, o que representa uma área mais que duas vezes superior ao tamanho da África. ECO•21 Ag o s t o 2016 | direitos indígenas | Calcula-se que dois bilhões de pessoas (90% delas nos países em desenvolvimento localizados no hemisfério Sul) vivem em zonas áridas. Estudos recentes indicam a necessidade de recuperar essas terras para lidar com os efeitos da seca, da desertificação e da degradação da terra. Em particular, se espera que a disponibilidade de água nas terras áridas diminua ainda mais devido às mudanças no clima e no uso do solo, alerta esse novo estudo. “As pessoas pobres que vivem em zonas rurais remotas serão as mais vulneráveis à escassez de alimentos, o que, combinado com a violência e a agitação social, é um fator importante que leva à migração forçada nas regiões áridas da África e Ásia ocidental”, segundo o estudo. Até agora, houve pouco conhecimento de base estatística sobre árvores de regiões secas, em particular as que crescem fora das florestas, apesar de sua importância vital para os seres humanos e o ambiente. As folhas e os frutos das árvores são fonte de alimentos para os seres humanos e forragem para os animais. Sua madeira fornece combustível para cozinhar e aquecer a moradia e pode ser uma fonte de renda para as famílias pobres. As árvores protegem os solos, as plantações e os animais contra o sol e o vento, enquanto as florestas costumam ser ricas em biodiversidade. As terras áridas se dividem em quatro zonas. A zona subsumida é a menos árida das quatro e consiste, sobretudo, na savana sudanesa, nas florestas e pastagens da América do Sul, nas estepes da Europa oriental, no Sul da Sibéria e na pradaria canadense. A maioria das florestas áridas se encontra nessa zona, da mesma forma que grandes superfícies de agricultura intensiva submetidas a irrigação, ao longo dos rios perenes. No outro extremo, a zona hiperárida é a mais seca e está dominada pelo deserto. O Saara representa 45% do total, e o deserto da Arábia é outro componente de grande tamanho. 29 Victoria Tauli Corpuz | Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Antonio Cruz - ABr Claudia Andujar IISD Os desafios dos povos indígenas são enormes no Brasil Em minha capacidade de Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas realizei uma visita ao Brasil, de 7 a 17 de março de 2016, para identificar e avaliar as principais questões atualmente enfrentadas pelos povos indígenas do país e para fazer um seguimento das importantes recomendações apresentadas, em 2008, por meu Victoria Tauli Corpuz antecessor James Anaya. Ao longo dos últimos dez dias, estive em Brasília e percorri os Estados de Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará. Na capital, me encontrei com representantes dos três Poderes do Governo, e participei de reuniões nos escritórios nacionais e locais do Ministério Público Federal, da FUNAI e do Vice-Governador do Mato Grosso do Sul. Da mesma forma, conversei com diversos membros da FAMASUL, delegados da União Europeia e diplomatas da Embaixada da Noruega, assim como com funcionários da ONU e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), além de autoridades do BNDES, representantes dos povos indígenas e de organizações da sociedade civil e de direitos humanos que atuam no âmbito dos direitos dos povos indígenas, além de outros atores cujas atividades impactam sobre esses direitos. ECO•21 Ag o s t o 2016 No Mato Grosso do Sul, visitei o povo Guarani-Kaiowá nas terras indígenas Kurussu Ambá, Guayviry, Taquara e na Reserva de Dourados, bem como o Conselho Terena. Na Bahia, visitei os Tupinambás nas aldeias Serra do Padeiro e Tikum e conversei com representantes dos Pataxós que falaram sobre a terra indígena Comexatiba. Na região da Volta Grande no Pará, visitei os Juruna, da terra indígena Paquiçamba na aldeia Muratu e me reuni com representantes dos Parakanã de Apyterewa e com os Arara, um povo de recente contato da terra indígena Cachoeira Seca. Estive, igualmente reunida, com representantes dos povos Curuaia e Xipaya em Altamira. Os Munduruku, Arara Vermelha, Apiaká, Arapiun, Borari e Tapuia também me explicaram a situação dos povos indígenas na bacia do rio Tapajós, no Pará. Participei, ainda, de reuniões com membros da APIB, uma articulação nacional de povos indígenas. No total, estive com representantes de mais de 50 povos indígenas, incluindo os Yanomami, Maxakali, Manoki e Ka’apor, bem como com a Rede de Cooperação Amazônica. Recebemos muitos pedidos de visita por parte de comunidades indígenas de todo o País, as quais nos relataram as dificuldades que estão enfrentando, mas devido ao tempo limitado de que dispunha não pude estar com todas elas. Agradeço ao Governo Brasileiro pelo convite e pela plena cooperação prestada, e por me permitir levar a cabo esta visita livremente e de forma independente. 31 | documento | Gostaria de expressar minha profunda gratidão aos representantes dos povos indígenas que me convidaram para visitar suas comunidades, às organizações indígenas e a todos aqueles que me auxiliaram na organização de partes de minha agenda, e àqueles que viajaram de suas comunidades para reunirem-se comigo em diversas localidades. Queria, também, manifestar meu apreço pela equipe das Nações Unidas residente no país por seu apoio de modo a assegurar o sucesso de minha visita. No decorrer da visita, representantes dos povos indígenas, da sociedade civil e do Governo forneceram-me um grande volume de informações. No transcurso das próximas semanas, revisarei esse material de modo a elaborar meu relatório que será submetido, em setembro, ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O propósito do citado relatório é ajudar os povos indígenas e o Governo a encontrarem soluções para os desafios contínuos enfrentados por essas comunidades no Brasil. Em antecipação a esse relatório, gostaria de apresentar algumas observações e recomendações com base no que vi durante a minha visita. Esses comentários não espelham toda a gama de questões que foi trazida à minha atenção, nem refletem todas as iniciativas do Governo Brasileiro. Primeiramente, gostaria de cumprimentar o Governo do Brasil por uma série de medidas e de iniciativas que tomou com vistas a assegurar a realização dos direitos indígenas. Estas incluem, dentre outras: • O papel construtivo e proativo da FUNAI e do Ministério Público, apesar de terem de atuar em circunstâncias difíceis, em particular os que trabalham em escritórios locais; • O estabelecimento de um quadro jurídico e administrativo internacionalmente reconhecido para a demarcação de terras, e a oposição do governo à Proposta de Emenda à Constituição, PEC 215, que colocaria em causa esse quadro; • O conjunto de decisões do Supremo Tribunal Federal para evitar os despejos dos povos indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná; • A organização da Primeira Conferência Nacional de Política Indigenista e a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista; • O engajamento construtivo do Ministro da Cultura com povos indígenas, baseado no reconhecimento da relação simbiótica entre suas culturas e seus direitos territoriais e a necessidade de políticas que sejam fundadas no entendimento de seus modos de vidas diferenciados; • Os esforços envidados no sentido de implementar serviços diferenciados para os povos indígenas em matéria de saúde, educação e assistência social, tal como recomendado pelo Relator Especial da ONU em 2009, inclusive o reconhecimento da necessidade de aprimorar o programa Bolsa Família a fim de evitar que este provoque efeitos negativos sobre o modo de vida dos povos indígenas; e • O apoio dado pelo Brasil no cenário internacional para a proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. Cabe-me ressaltar, igualmente, a dedicação dos povos indígenas às boas práticas e aos enfoques proativos de modo a prosseguir na efetivação de seus direitos. Dentre essas ações se incluem: a elaboração de protocolos de consulta, a autodemarcação de terras, o estabelecimento de alianças com as comunidades quilombolas e ribeirinhas com vistas ao fortalecimento de seus direitos à terra e à auto governança; e a autoproteção de territórios. 32 Todas essas ações constituem passos importantes para a autogestão e regulamentação de seus territórios e para o exercício de sua autodeterminação e autonomia, tal como previsto na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Gostaria de saudar, também, a atuação da rede de organizações da sociedade civil que auxilia os povos indígenas na afirmação de seus direitos e a criação de uma Relatoria Nacional sobre Direitos Humanos e Povos Indígenas. Considerações Gerais Minha visita ao Brasil é um seguimento à vinda de meu predecessor, James Anaya, em 2008. Ela também foi precedida por uma série de solicitações por parte dos povos indígenas e por um conjunto de comunicações entre a Relatoria Especial e o Governo do Brasil, entre 2010 e 2015, referentes ao Mato Grosso do Sul, à decisão judicial no caso Raposa Serra do Sol, à construção da hidrelétrica de Belo Monte e às preocupações relativas à taxa de demarcação de Terras Indígenas e aos assassinatos de defensores dos direitos humanos. Em termos gerais, minha primeira impressão após esta visita é de que o Brasil possui uma série de disposições constitucionais exemplares em relação aos direitos dos povos indígenas, e que no passado o País deixou patente sua liderança mundial no que se refere à demarcação dos territórios indígenas. Entretanto, nos 8 anos que se seguiram à visita de meu predecessor, há uma inquietante ausência de avanços na solução de antigas questões de vital importância para os povos indígenas e para a implementação das recomendações do Relator Especial. Ao contrário, houve retrocessos extremamente preocupantes na proteção dos direitos dos povos indígenas, uma tendência que continuará a se agravar caso não sejam tomadas medidas decisivas por parte do governo para revertê-la. No Brasil, os desafios enfrentados por muitos povos indígenas são enormes. Dentre eles é possível destacar a Proposta de Emenda à Constituição, PEC 215, e outras legislações que solapam os direitos dos povos indígenas a terras, territórios e recursos; a interpretação equivocada dos artigos 231 e 232 da Constituição na decisão judicial sobre o caso Raposa Serra do Sol; a introdução de um marco temporal e a imposição de restrições aos direitos dos povos indígenas de possuir e controlar suas terras e recursos naturais; a interrupção dos processos de demarcação, incluindo 20 Terras Indígenas pendentes de homologação pela Presidência da República, como por exemplo, a Terra Indígena Cachoeira Seca, no Estado do Pará; a incapacidade de proteger as terras indígenas contra atividades ilegais; os despejos em curso e as ameaças constantes de novos despejos de povos indígenas de suas terras; os profundos e crescentes efeitos negativos dos megaprojetos em territórios indígenas ou próximos a eles; a violência, assassinatos, ameaças e intimidações contra os povos indígenas perpetuados pela impunidade; a falta de consulta sobre políticas, leis e projetos que têm impacto sobre os direitos dos povos indígenas; a prestação inadequada de cuidados à saúde, educação e serviços sociais, tal como assinalam os indicadores relacionados ao suicídio de jovens, casos de adoção ilegal de crianças indígenas, mortalidade infantil e alcoolismo; e o desaparecimento acelerado de línguas indígenas. Assim sendo, os riscos enfrentados pelos povos indígenas estão mais presentes do que nunca desde a adoção da Constituição de 1988. Ag o s t o 2016 ECO•21 Leticia Leite - ISA | documento | Represálias, ameaças e assassinatos Victoria Tauli Corpuz com o cacique Giliarte Juruna Esses riscos e desafios tendem a escapar da atenção e do escrutínio internacionais devido aos avanços significativos logrados, no passado, pelo Brasil no âmbito dos direitos dos povos indígenas – especialmente no que diz respeito à demarcação de terras na região amazônica – e à postura progressista que o País apresenta no cenário mundial no que tange à promoção desses direitos. Há uma representação errônea sobre o que realmente acontece com a demarcação das terras dos povos indígenas em áreas fora da Amazônia, e esse fato embasou minha decisão de visitar essas regiões. Preocupa-me, sobretudo, a apresentação distorcida da mídia e de outros atores que retratam os povos indígenas como detentores de grandes extensões de terra em comparação com suas populações, quando na verdade é o setor do agronegócio que detém um percentual desproporcional do território brasileiro. Mesmo onde os povos indígenas possuem terras demarcadas na região amazônica, eles não disfrutam do efetivo controle sobre seus recursos devido às crescentes invasões e atividades ilegais, tais como mineração e extração de madeira. Nesse contexto, gostaria de expressar especial preocupação relativa aos impactos sobre a saúde provocados pela mineração ilegal e pelo uso de mercúrio em terras Yanomami. A situação dos Yanomamis é reflexo da intrincada relação entre os direitos dos povos indígenas à saúde, educação e cultura e a efetivação de seus direitos territoriais e de auto-governança. Além disso, os esforços envidados por esses povos para recuperar suas terras, evitar os despejos e proteger seus territórios contra atividades ilegais os coloca, frequentemente, em situações de conflito, como é o caso dos Guarani-Kaiowa e Terenas no MS, dos Pataxós na Bahia, dos Arara e Parakanã no Pará e dos Ka’apor no Maranhão. ECO•21 Ag o s t o 2016 Uma questão de preocupação premente é a grande quantidade de ataques documentados e relatados contra povos indígenas. Em 2007, segundo o CIMI, 92 líderes indígenas foram assassinados, ao passo que em 2014 o número havia aumentado para 138. O Estado de Mato Grosso do Sul foi o que registrou o maior número de mortes. Com frequência, os ataques e assassinatos constituem represálias em contextos nos quais os povos indígenas reocuparam terras ancestrais depois de longos períodos de espera da conclusão dos processos de demarcação. Eu considero extremamente alarmante que uma série desses ataques, que envolveram tiroteios e feriram populações indígenas nas comunidades de Kurusu Ambá, Dourados e Taquara, no Mato Grosso do Sul, tenham ocorrido após minhas visitas a essas áreas. Ainda mais alarmante é o fato que os povos indígenas têm relatado que nenhuma autoridade estatal esteve nas áreas até agora. Eu condeno enfaticamente tais ataques e conclamo o Governo a pôr um fim a essas violações de direitos humanos, bem como investigar e processar seus mandantes e autores. Nessas visitas, muitos indígenas de comunidades do Mato Grosso do Sul me mostraram ferimentos de bala, levaram-me aos lugares onde seus familiares foram mortos e relataram incidentes envolvendo prisões arbitrárias e criminalização de seus líderes. A aprovação da Lei Antiterrorismo no Congresso, criticada por muitos Relatores Especiais da ONU, aumenta o risco de tais atos de criminalização. Da mesma forma, na Bahia recebi relatos detalhados de práticas de tortura e prisões arbitrárias. Funcionários e membros de órgãos estatais e organizações da sociedade civil que trabalham em cooperação com povos indígenas também fizeram relatos perturbadores sobre um padrão sistemático de ameaças e intimidação. Embora seja notório o reconhecimento, por parte do Estado, da necessidade de proteger os defensores de direitos humanos, inclusive os líderes indígenas e os defensores dos direitos dos povos indígenas, as informações que recebi de comunidades em todo o país indicam que os programas para realizar tal proteção permanecem inadequados no contexto dos povos indígenas. Há, também, certa falta de confiança nas forças policiais, principalmente em relação às polícias civil e de fronteiras e, em alguns casos, da polícia federal, decorrente do envolvimento de policiais em casos de violência contra povos indígenas. Em todos os casos, a impunidade permite que a prática de violência por parte forças de segurança privadas, pistoleiros e forças estatais permaneça inalterada. Também foram relatados inúmeros casos de violência contra povos indígenas em ambientes urbanos – um caso emblemático e particularmente perturbador foi a decapitação de um bebê Kaingang em Santa Catarina em 31 de dezembro de 2015. O fato de a grande mídia não ter relatado esse horrível episódio é considerado, por muitas pessoas com quem conversei, sintomático do crescente preconceito contra povos indígenas entre o público em geral. Mesmo em contextos nos quais a violência física direta não foi relatada por indígenas, eles enfrentam ameaças profundas à sua existência. Isso deriva de ações e omissões do Estado e de atores privados no contexto de projetos de desenvolvimento impostos aos povos indígenas sem qualquer consulta ou tentativa de obter seu consentimento prévio, livre e informado, conforme prevê a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. 33 | documento | A gravidade da situação se reflete no caso de etnocídio apresentado em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) em Altamira. Em relação a esses grandes projetos, algumas das principais questões levantadas pelos povos indígenas que visitei e cujos representantes eu encontrei foram: A não implementação das condicionantes estabelecidas e das medidas mitigatórias necessárias com relação ao projeto de Belo Monte, tais como o fortalecimento da presença local da FUNAI; a demarcação da terra indígena Cachoeira Seca, bem como a regularização e plena proteção das terras indígenas Apyterewa e Paquiçamba; a compensação pela perda de seus meios de subsistência; e a criação de bases de fiscalização para proteger terras indígenas. O efeito acumulativo de tal inação foi a ameaça à própria sobrevivência dos povos indígenas impactados; O uso do instituto da suspensão de segurança pelo Judiciário em um crescente número de projetos de desenvolvimento para evitar questionamentos legais por parte de povos indígenas; A licença emitida, sem consultas, para o projeto de mineração de ouro de Belo Sun, próximo à usina de Belo Monte, e a falta de uma avaliação acumulativa dos impactos ambientais, sociais e de direitos humanos sobre os povos indígenas; A falta de consultas e a ausência de demarcação de terras indígenas afetadas pelo complexo da represa no rio Tapajós. A falta de consultas em relação à extração de bauxita e as usinas hidrelétricas associadas, que, juntas, representam um enorme complexo industrial, envolvendo povos indígenas e comunidades quilombolas em Oriximiná, no Pará; A poluição do Rio Doce causada pelo rompimento da barragem em Minas Gerais e seu impacto sobre povos indígenas, como os Krenak, que dependem do rio para seu sustento e subsistência. A ausência de consultas e consentimento para a instalação de grandes linhas de transmissão dentro de terras demarcadas protegidas pela Constituição, tais como as dos Waimiri-Atroari em Roraima. Esses e outros casos demonstram uma falta de compreensão, por parte do Governo, sobre a natureza da consultas de boa fé, prévias, livres e informadas com povos indígenas, que são exigidas a fim de obter seu consentimento e proteger seus direitos em conformidade com as obrigações do Estado afirmadas na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Demarcação de terras Um refrão recorrente entre todos os povos indígenas que visitei e encontrei foi quanto à urgente necessidade de concluir os processos de demarcação, fundamental para todos os outros direitos dos povos indígenas. A urgência de demarcar esses territórios é exacerbada pelos índices de desmatamento, destruição de rios e empobrecimento dos solos decorrentes da prática intensiva de monoculturas e atividades de mineração, o que impede as terras e as águas de garantir a sustentabilidade alimentar dos povos indígenas no futuro. Os atrasos consideráveis na demarcação e a rápida destruição da capacidade de sustento de suas terras vêm, efetivamente, forçando os povos indígenas a uma situação na qual a única opção considerada disponível, por tais povos, para garantir sua sobrevivência física e cultural em longo prazo é a retomada de suas terras antes da conclusão dos processos de demarcação. 34 A atual estagnação dos processos de demarcação foi atribuída, pelas pessoas que encontrei, a um conjunto de fatores, tais como: Atrasos resultantes do enfraquecimento e falta de pessoal da FUNAI; A judicialização de quase todos os processos de demarcação por pessoas não indígenas com títulos concedidos pelo Estado; O precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal no caso de Raposa Serra do Sol, consolidado pela Advocacia Geral da União por meio da Portaria 303; A falta de vontade política por parte do Executivo para ratificar e proteger as terras demarcadas; e As ameaças constantes e de longa data por parte do Legislativo no sentido de introduzir reformas aos processos de demarcação e de modificar a legislação ambiental, com impactos sobre terras indígenas que se sobrepõem a áreas de interesse para exploração. Um dos temas comuns que emergiram de minhas conversas com diferentes atores no poder Executivo foi o fato que as autoridades se sentiam impedidas de exercer suas atribuições relativas à proteção dos direitos dos povos indígenas, e que tal paralisia seria causada pelos poderes Judiciário e Legislativo. Embora tais impedimentos certamente existam, eles não constituem uma desculpa aceitável para a paralisação dos processos de demarcação e o enfraquecimento da FUNAI. O Executivo deveria, em vez disso, desenvolver suas próprias propostas proativas para fazer valer os direitos indígenas à terra por meio de uma avaliação rigorosa de todas as vias disponíveis, em colaboração com os povos indígenas e uma FUNAI significativamente fortalecida e empoderada. Perspectivas e conclusões O Brasil está passando por um período de intensas turbulências políticas e econômicas. Um dos temas que contribuem para essa crise é a alegação de que mega projetos como Belo Monte são significantemente impulsionados por ganhos econômicos e políticos individuais. Tais ganhos individuais se efetivam em detrimento dos direitos dos povos indígenas e potencialmente sobre sua sobrevivência cultural e física. Além disso, a crise política e econômica tende a invisibilizar e tornar menos relevantes, aos olhos do público, os direitos e questões dos povos indígenas. Tal fator está aliado a tentativas do Congresso de enfraquecer as proteções constitucionais e legislativas aos direitos dos povos indígenas. Ao mesmo tempo, o Judiciário vem, cada vez mais, invocando uma doutrina jurídica do período militar (as suspensões de segurança) e restringindo, assim, o acesso dos povos indígenas aos tribunais no contexto de projetos que têm impactos significativos sobre seus direitos. Embora não seja necessariamente vinculante, a decisão judicial do Supremo Tribunal sobre o caso de Raposa Serra do Sol vem dificultando significativamente a demarcação de terras. A impunidade em relação a graves violações dos direitos dos povos indígenas, incluindo assassinatos de seus líderes, é disseminada, ao passo que a capacidade e presença local da FUNAI, a única instituição do Estado que goza da confiança dos povos indígenas e atua proativamente para defendê-los, vêm sendo enfraquecidas ao ponto que, em breve, talvez esse órgão seja incapaz de cumprir seu mandato. Ag o s t o 2016 ECO•21 Antônio Cruz | documento | Recomendações gerais Na verdade, as medidas atualmente propostas em relação à FUNAI contrariam completamente as recomendações do Relator Especial anterior, que, ecoando as demandas de todos os povos indígenas que encontrei durante minha visita, enfatizou a importância fundamental de fortalecer a FUNAI para que o Estado pudesse cumprir suas obrigações legais em relação à proteção dos direitos dos povos indígenas. Povos indígenas do país inteiro repetidamente enfatizaram que, devido à ausência prolongada de uma proteção eficaz do Estado, eles se veem forçados a retomar suas terras para garantir sua sobrevivência. Muitos até declararam que, caso recebam ordens de despejo ou reintegração de posse, não deixarão suas terras e, se necessário, morrerão por isso. Efetivamente, por meio de sua paralisia, o Estado brasileiro parece estar criando as condições para um conflito que terá, em última análise, um efeito devastador para os povos indígenas e a sociedade como um todo. Muitos dos povos indígenas também expressaram sua preocupação com a situação de povos indígenas isolados no Pará, Mato Grosso, Maranhão, Rondônia e Amazonas, principalmente à luz das ameaças à FUNAI, que desenvolveu uma abordagem internacionalmente reconhecida em relação à proteção de povos altamente vulneráveis. Parece haver, portanto, uma tempestade perfeita no horizonte, na qual a convergência desses e outros fatores pode levar à busca de interesses econômicos de uma maneira que subordinaria ainda mais os direitos dos povos indígenas. O risco de efeitos etnocidas em tais contextos não pode ser desconsiderado nem subestimado. ECO•21 Ag o s t o 2016 Caso haja vontade política para tal, uma janela de oportunidade ainda existe para que o Brasil reverta essa tendência e demonstre estar à altura do padrão global estabelecido pela Constituição Federal de 1988 para a proteção dos povos indígenas. Um ativo importante deriva da riqueza de conhecimento em relação aos direitos e questões dos povos indígenas, tanto em esfera governamental (principalmente na Fundação Nacional do Índio e no Ministério Público Federal), quanto entre organizações da sociedade civil que trabalham com povos indígenas, bem como na dedicação de tais organizações e suas equipes à causa indígena. Além disso, a determinação manifestada por todos os povos indígenas que encontrei de manter suas culturas e suas línguas e determinar seu próprio futuro, bem como as medidas proativas que vêm tomando para esse fim, oferece motivos de esperança para os povos indígenas e a sociedade brasileira como um todo. Tendo em vista isso, apresentarei uma série de recomendações em meu relatório ao Conselho de Direitos Humanos para ajudar a encontrar soluções para os desafios atuais enfrentados pelos povos indígenas. Considerando a natureza urgente de algumas dessas questões, gostaria de propor algumas recomendações preliminares com base no que observei durante minha visita. • Medidas imediatas devem ser tomadas para proteger a segurança dos líderes indígenas e concluir as investigações sobre todos os assassinatos de indígenas; • Devem ser redobrados os esforços para superar o impasse atual relativo à demarcação de terras, pois as soluções urgentes e vitais são possíveis caso exista a necessária vontade política; • Há uma necessidade premente e imediata de rever os cortes propostos ao orçamento da FUNAI e garantir que as representações locais da FUNAI não sejam alvo de tais medidas, e que sejam, na verdade, fortalecidas para poder fornecer os serviços básicos dos quais dependem os povos indígenas e outros órgãos do Estado; • Devem ser revistas e observadas a jurisprudência dos órgãos de supervisão da Organização Internacional do Trabalho e a orientação do Relator Especial sobre a implementação do direito a consultas prévias em relação a políticas, legislação e projetos com impacto potencial sobre os direitos de povos indígenas. Tais consultas devem ser conduzidas de forma a atender as especifidades de cada povo indígena, conforme estabelece a Convenção 169 da OIT e a Declaração da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas; • O Estado deve reconhecer e apoiar as medidas proativas que vêm sendo tomadas por povos indígenas para exercer seus direitos na prática, em conformidade com seu direito à autodeterminação; • Diálogos devem ser iniciados com povos indígenas em relação à possível realização de um Inquérito Nacional para sondar alegações de violações de seus direitos, promover conscientização e oferecer reparação para violações de direitos humanos; • Deve ser viabilizada a efetiva participação de povos indígenas na determinação de como as minhas recomendações e as de meu predecessor podem ser implementadas e supervisionadas. 35 | licenciamento ambiental | Cimone Barros | Editora da Revista Ciência para Todos do INPA O sistema de licenciamento ambiental no Brasil está sob a ameaça de propostas de novas Leis e Emendas Constitucionais. A afirmação é do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA/MCTIC), Philip Fearnside, em artigo recentemente publicado, na revista Science (www. eurekalert.org/pub_releases/2016-08/nifr-bel081716.php). Fearnside explica que a atual situação brasileira coloca em risco o ambiente no país mais biologicamente diverso, que é o lar da maior floresta tropical e do maior rio do mundo: a floresta amazônica e o Rio Amazonas. Doutor em biologia, o estadunidense Fearnside estuda problemas ambientais na Amazônia brasileira há mais de 40 anos. Realiza pesquisas ecológicas, incluindo a estimativa de capacidade de suporte de agroecossistemas tropicais para populações humanas e estudos sobre impactos e perspectivas de diferentes modos de desenvolvimento na Amazônia e sobre as mudanças ambientais decorrentes do desmatamento da região. Uma das ameaças citadas no artigo na seção Fórum de Políticas Públicas é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC-65), que estava pendente desde 2012 e de repente foi aprovada por uma comissão do Senado em Abril deste ano. Pela PEC-65, praticamente acabaria o licenciamento ambiental para infraestruturas, como barragens e rodovias tornando a mera apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) uma aprovação automática, permitindo a construção de qualquer projeto até a sua conclusão sem a possibilidade de ser parado. Para o pesquisador, sem licenciamento ambiental, projetos de desenvolvimento, que muitas vezes têm impactos ambientais e sociais, terão pouca ou nenhuma consideração sobre estes mesmos impactos antes de serem implantados. Segundo Fearnside, o desmatamento e a perda de serviços ambientais afetam a população brasileira mais diretamente, mas também os habitantes do Planeta. Os serviços ambientais são os benefícios que as pessoas obtêm da natureza, como o papel da floresta amazônica no ciclo hidrológico, o estoque de carbono na floresta e no solo e a manutenção da biodiversidade. “As decisões políticas sobre as questões ambientais muitas vezes não refletem os interesses da população como ficou claro em 2011, quando a Câmara dos Deputados votou por uma margem de 7 a 1 para reduzir as proteções ambientais do Código Florestal, apesar de 80% da população brasileira ser contra qualquer mudança no Código na época”, diz o pesquisador. Ele cita outras ameaças que incluem uma proposta de lei (PL-654/2015) do Senado, que também fragilizará significativamente o licenciamento ambiental e que aguarda votação do plenário do Senado. 36 Paulo Mindicello O licenciamento ambiental no Brasil está ameaçado Philip Fearnside A proposta permite que qualquer projeto “estratégico”, como usina hidrelétrica, tenha aprovação ambiental simplificada e rápida. Pela proposta, a sequência normal de três licenças (preliminar, instalação e operacional) será condensada em uma só com um prazo de 8 meses para o órgão ambiental aprovar a licença, que leva normalmente de 4 a 5 anos. Após o prazo, o projeto será automaticamente autorizado a prosseguir. Outro Projeto de Lei pendente (PL-1.610/1996) é uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC-210) que abrirá as Terras Indígenas à mineração, enquanto outra proposta de emenda (PEC-215) elimina o poder dos órgãos ambientais e indígenas do Governo para criar novas áreas protegidas, incluindo terras indígenas. O artigo de Fearnside também sinaliza que o clima político atual fará com que outras propostas “adormecidas” surjam e que tenham chances aumentadas de serem aprovadas. “Uma proposta apoiada pelos governos estaduais (Processo 02000.001845/2015-32) está progredindo através do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para permitir um “autolicenciamento” para muitos projetos de desenvolvimento”, destaca. De acordo com o pesquisador, a comunicação por parte dos cientistas aos tomadores de decisão é essencial, apesar de um histórico dessas informações serem ignoradas, como no caso da revisão do Código Florestal. Para ele, os cientistas têm contribuído para documentar os serviços ambientais dos ecossistemas brasileiros e os impactos da destruição. “Estas informações são mais importantes do que nunca para fornecer uma base para o debate sobre a multiplicidade de propostas legislativas que ameaçam as políticas ambientais”. Ag o s t o 2016 ECO•21 | recursos hídricos | Tim Radford | Jornalista e co-fundador do Climate News Network A história ensina o que é a força destrutiva da seca Resposta à seca Adam Patterson O papel da seca na queda da antiga civilização Maia destaca hoje a necessidade vital para a gestão da água no combate aos impactos das mudanças climáticas. A civilização Maia no que hoje é o México desapareceu há mais de mil anos, não apenas por causa da seca, mas talvez por causa da dependência exagerada da água nos reservatórios. A história da ascensão e queda de civilizações antigas tem ressonância ainda hoje. Pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Viena, na Áustria, modelaram o que eles calculam que tenha sido o padrão de eventos; confirmaram, mais uma vez, que a seca prolongada, provavelmente, levou uma cultura e um povo ao colapso. Mas advertem: a história não é simples. Os Maias podem ter sido, de certa forma, vítimas de seu sucesso no enfrentamento à seca. A sua própria tecnologia de irrigação pode tê-los feito mais vulneráveis em um momento de crescimento da população e de seca prolongada. “A água influencia a sociedade e a sociedade influencia a água”, diz Linda Kuil, uma sociohidróloga do Centre for Water Resource Systems (Centro de Sistemas de Recursos Hídricos) de Viena e principal autora de um estudo publicado na revista Water Resources Research. “O estoque de água determina quanto de comida estará disponível, de modo que por sua vez afeta o crescimento das populações. Por outro lado, o aumento da população pode interferir no ciclo natural da água, por exemplo, através da construção de reservatórios”. Ela e seus colegas se organizaram para modelar não apenas o padrão de chuvas, mas também o padrão de respostas de uma sociedade à precipitação e à seca. Eles não foram os primeiros a fazê-lo. A seca e as mudanças climáticas foram associadas ao colapso do Império Assírio há 2.700 anos e ao desastre que se abateu sobre os governantes da Idade do Bronze do Mediterrâneo oriental. As mudanças climáticas foram associadas também à tomada do Império Chinês e ao avanço das hostes mongóis no Século 13. E a mudança climática também tem sido implicada nos conflitos modernos. Na atualidade o controle dos recursos hídricos transformou-se num instrumento quase bélico em diversas regiões do Planeta, principalmente no Oriente Médio e África. Mas, civilizações europeias e asiáticas caíram e deixaram testemunhos na forma de registros escritos ou de mitologia. Os Maias deixaram apenas suas estruturas de pedra em Yucatan no México como prova de que tinham estado aqui. A água na torneira Os pesquisadores de Viena acreditam que o povo Maia lidou com a seca através da construção de reservatórios para ajudá-los ao longo da crise. Poderia se esperar que populações diminuíssem com a seca, mas continuariam a crescer se a água estivesse na torneira. Paradoxalmente, isso pode introduzir vulnerabilidade: se a população cresce, mas o sistema de gestão da água permanece o mesmo, então um período de seca prolongada poderia ser devastador. E isso, os pesquisadores acreditam, poderia ser suficiente para explicar o declínio. O seu próprio modelo oferece o que eles chamaram de “feedbacks plausíveis” entre a sociedade e os recursos hídricos que se acredita estar gerindo, para mostrar que uma redução modesta das chuvas pode levar a um colapso da população de 80%. “Quando se trata de recursos escassos, as soluções mais simples podem vir a ser superficiais e nem sempre as melhores”, diz Kuil. “Você tem que mudar o comportamento das pessoas, reavaliar a dependência da sociedade sobre este recurso e reduzir o consumo, caso contrário, a sociedade pode, de fato, ser mais vulnerável a catástrofes em vez de mais segura, apesar destas soluções técnicas inteligentes”. 38 Ag o s t o 2016 ECO•21 | recursos hídricos | Álvaro Rodrigues dos Santos | Geólogo. Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas ABGE O Código Florestal ignora a geologia das nascentes Há nessa matéria um relativo consenso técnico em torno do essencial, o que nos permite assumir conceitualmente que toda nascente corresponde a uma manifestação em superfície do lençol freático, entendido esse como a água contida em zona subterrânea de saturação, normalmente sustentada por uma camada geológica inferior impermeável. Cumprindo importante função no ciclo hidrológico, as nascentes colaboram para a alimentação da rede hidrográfica de superfície. Quanto à sua disposição no terreno, faz-se distinção entre uma nascente pontual, quando a surgência de água se dá de forma concentrada, e uma nascente difusa, quando vários são os pontos de surgência, como no caso das veredas dos cerrados brasileiros. As nascentes caracterizam-se ainda quanto à continuidade de seu fluxo, como perenes, intermitentes (ou temporárias) ou efêmeras. Sendo que as intermitentes seriam aquelas de caráter sazonal, que se mantém ativas somente durante e logo após o período mais chuvoso, e as efêmeras, aquelas de curta existência, ou somente como resultado imediato e breve de um determinado episódio pluviométrico, ou aquelas cujo período inativo de intermitência se estende por anos. Ana Huara Já em sua versão anterior (1965), e persistindo em sua atual versão (2012), o Código Florestal tem sido pródigo na geração de intrincados conflitos técnicos e jurídicos decorrentes dos diferentes entendimentos e tratamentos sugeridos por suas disposições sobre as nascentes. Como parte dessa interminável novela discute-se hoje na Álvaro Rodrigues dos Santos Câmara de Deputados um Projeto de Lei que altera o atual Código retornando a obrigatoriedade de delimitação das Áreas de Proteção Permanente (APPs) no caso de nascentes intermitentes. Essas confusões tem origem básica na insuficiência do suporte conceitual e científico com que o Código tem contado para estabelecer suas definições a respeito. Importante de início, portanto, fixarmos algumas questões conceituais e científicas associadas à essa feição hidrogeológica conhecida como nascente. ECO•21 Ag o s t o 2016 39 | recursos hídricos | O atual Código Florestal sugere acompanhar basicamente esse entendimento, mas promove uma distinção pouco clara entre nascente e olho d’água: Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: XVII nascente: afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água; XVIII – olho d’água: afloramento natural do lençol freático, mesmo que intermitente. A seguir o Código determina: Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: ... IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 metros; O que permite interpretar que o atual Código distingue nascente de olho d’água pelo fato desse ser uma surgência do lençol freático que não gera um curso d’água, mas pode ter caráter de perenidade. Ao que se deduz, é justamente esse caráter temporal de perenidade no afloramento do lençol freático, seja ele uma nascente ou um olho d’água, o fator que implicou na obrigatoriedade de delimitação de uma APP associada. Fato é que ficaram fora dessa obrigação as nascentes e olhos d’água não perenes, ou seja, intermitentes ou efêmeros, uma novidade em relação ao Código anterior. Mas, enfim, como concluir-se sobre qual seja a melhor determinação, a do Código anterior, que incluía as nascentes intermitentes na obrigatoriedade de delimitação de respectiva APP, ou a do Código atual, que excluiu essa inclusão? Necessário, para tanto, acrescermos mais alguns elementos a esse exercício analítico, e sublinhar, por sua importância na matéria, o seguinte entendimento hidrogeológico: toda nascente e olhos d’água representam sangramentos do lençol freático, ou seja, constituem pontos de rebaixamento forçado do nível freático. Continuemos então nossa análise. Considerando a referida relação das nascentes com o nível freático, e tendo em conta que é raro e incomum o fato de ser interessante para o Homem e para o Meio Ambiente um rebaixamento do nível do lençol freático, é hoje de suma importância que se traga em consideração um outro fator de enorme importância: a natureza das nascentes ou olhos d’água, o que, no caso sugere distingui-los enquanto de origem natural ou de origem antrópica; ou seja, nesse último caso, aquelas surgências do lençol freático que tenham sido originadas de ações diretas ou indiretas do homem. Tomemos o exemplo de uma bossoroca, que se trata de uma ravina de erosão profunda que atingiu o lençol freático, e tem sua evolução remontante a ele associada. Pois bem, as bossorocas – terríveis feições erosivas responsáveis por graves problemas urbanos e rurais, incluindo o assoreamento de drenagens - tem essencialmente origem antrópica, ou por desorganização/concentração de drenagens superficiais, ou por desmatamento generalizado... A nascente produzida por uma bossoroca implica o sangramento do lençol freático e seu respectivo rebaixamento em sua área próxima. O que se dirá de um campo de bossorocas. Outro exemplo de uma nascente antrópica: uma escavação vinculada a uma atividade de mineração, ou a uma terraplenagem para instalação de uma obra civil, ou a uma simples área de empréstimo, muitas vezes atinge o nível freático, o que implica a instalação de uma surgência não natural. Tem essa a mesma decorrência negativa e problemática de rebaixamento do lençol freático próximo. 40 Em áreas urbanas e peri-urbanas essas surgências induzidas, além de graves problemas geotécnicos associados, acabam por retirar uma considerável quantidade das reservas estratégicas de água subterrânea de ótima qualidade e lançálas desperdiçadamente logo à frente em algum córrego de águas poluídas. Ou seja, não faz o menor sentido o entendimento que leve a considerar nascentes ou olhos d’água de origem antrópica como feições hidrogeológicas a serem conservadas e protegidas por Áreas de Proteção Permanentes. Pelo contrário, muito mais interessante para a sociedade e para o meio ambiente uma decisão de proteção das águas subterrâneas, a ser obtida ou por ações de tamponamento dessas nascentes, reconformando no que for possível a topografia original para o caso das bossorocas e escavações a céu aberto, ou pela completa impermeabilização/estanqueamento de escavações profundas, como no caso de pavimentos de subsolos de edificações urbanas, nas duas situações fazendo com que o lençol freático local retorne à sua posição e volumes naturais. Voltando à questão temporal, e mais especificamente, às nascentes intermitentes. Não faz sentido pretender-se estabelecer uma regra comum a todas as situações para se decidir se esse tipo de nascente deva ou não implicar a obrigatoriedade de uma APP. Há no caso que se ter em conta, primeiramente, a localização geográfica/físiográfica da nascente intermitente considerada, o que vai determinar o grau de sua importância social e ambiental. Exemplificando, uma condição é avaliarmos o papel de uma nascente intermitente na Amazônia ou no Sul-sudeste pluvioso, onde não expressam contribuição notável aos recursos hídricos de superfície ou ao abastecimento humano, outra condição é avaliarmos essa nascente em um clima semiárido, onde, apesar de sua intermitência, pode representar recurso hídrico inestimável às necessidades humanas por sua capacidade de alimentar sistemas construídos de reservação hídrica duradouras. Outro aspecto fundamental a ser observado é justamente a temporalidade da referida intermitência. Não há qualquer sentido social e ambiental em se determinar a interdição de aproveitamento de uma área por essa apresentar o histórico de uma nascente com intermitência da ordem de anos. Esse período longo de intermitência nem permite a configuração de nichos ecológicos associados a esse tipo de nascente. Talvez um bom parâmetro temporal para essa diferenciação seja o intervalo de 2 anos. Por fim, há que se avaliar a natureza do meio em que estaria instalada nossa nascente intermitente. Meio rural ou espaço urbano? Esses ambientes são tão diversos em suas características, funções e demandas que, na verdade, estão a sugerir há muito tempo a necessidade de formulação de um Código Florestal específico para as cidades. Mas enquanto a inteligência brasileira não nos provê essa virtuosa providência, fiquemos no contexto do atual e generalizante Código. Pelo que, diante das necessidades urbanas típicas, também carece de sentido imobilizar uma área, pela adoção de uma APP a ela associada, pelo fato de haver testemunhos que ali esteja instalada uma nascente intermitente com período de intermitência, por exemplo, superior a um ano. De todos esses aspectos considerados, talvez se possa ter como diretriz de melhor bom senso e conteúdo científico as seguintes orientações a serem adotadas e explicitadas claramente pelo Código Florestal: Ag o s t o 2016 ECO•21 | recursos hídricos | Jefferson Rudy - MMA - surgências do lençol freático originadas de ações antrópicas não devem ser consideradas nascentes a serem protegidas. A melhor indicação no caso estaria na estratégia de proteção dos aquíferos subterrâneos com o tamponamento das referidas surgências; - nascentes intermitentes deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente quando situadas em regiões de clima semiárido e com período de intermitência inferior a dois anos; - nascentes intermitentes situadas em espaço urbano deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente caso apresentem período de intermitência inferior a um ano; - nascentes efêmeras não deverão ser objeto de delimitação de APP correspondente. Cumpre ainda chamar a atenção para um fator hidrogeológico importantíssimo: a dinâmica de uma nascente não está associada restritamente ao que possa acontecer no círculo de 50 metros definido por sua APP correspondente. Essa dinâmica está associada a toda a bacia de contribuição a que a nascente está vinculada. Ou seja, uma política de proteção de nascentes envolve tão mais essencialmente do que uma providencial delimitação de uma APP, um amplo programa de recuperação da capacidade de infiltração de águas de chuva em toda a bacia de contribuição. Consideradas essas questões conceituais, resta para os profissionais da área o grande desafio técnico prático de, quando chamados a decidir sobre o caráter da presença de água livre ou de umedecimento na superfície de algum terreno, diagnosticar corretamente se essa água corresponde a uma nascente, ou seja, a uma manifestação da água subterrânea em superfície, ou não, e de perfeitamente caracterizá-la quanto à sua diversificada tipologia. ECO•21 Ag o s t o 2016 Bom reconhecer que essa não é uma tarefa simples, que prescinda de conhecimentos teóricos e práticos sobre o tema. Vale a pena chamar a atenção, a título de exemplos, para duas situações que normalmente confundem os observadores e os têm muitas vezes levado a equivocadamente as caracterizar como nascentes, com decorrente aplicação das disposições legais de uma APP. A primeira refere-se a terrenos localmente de topografia plana ou bastante suave, com dificuldade natural de escoamento superficial de águas de chuva. Há nessas situações a possibilidade de formação de camada sub-superficial de argilas hidromórficas que, por sua grande impermeabilidade, dificultam a infiltração e proporcionam a sustentação de uma camada superficial saturada ou úmida, especialmente em períodos chuvosos. São situações que sugerem, erroneamente, uma classificação como nascente difusa. Outro caso controverso diz respeito a olhos d’água intermitentes originados de águas de infiltração que, ao atravessar a zona superior do solo (zona de aeração) encontram obstáculos com menor permeabilidade ou mesmo impermeáveis, decorrentes da existência de variações geológicas internas horizontais ou sub-horizontais (uma lente argilosa, por exemplo, ou algum tipo de estrutura geológica). Nessas condições, e em dependência de feições topográficas, essas águas de infiltração podem resultar na formação de “lençóis suspensos” ou “empoleirados” e acabam aflorando à superfície de um terreno declivoso antes de atingir o lençol freático propriamente dito. Uma situação que, pelas definições conceituais estabelecidas, também não pode ser caracterizada como uma nascente, ainda que sugira cuidados especiais de proteção. Percebe-se do quadro descrito que a melhor e indispensável ferramenta para o exame de nascentes é o bom conhecimento da geologia, da hidrologia e da hidrogeologia da região investigada. 41 | energia| Denise David | Jornalista COP-22: meta de prédios com energia própria até 2050 Zhome O Green Building Council (GBC) Brasil, ONG parte do World Green Building Council, está apoiando uma das metas divulgadas para discussão na Cúpula do Clima, a COP-22 da Convenção sobre Mudanças Climáticas a ser realizada em Novembro em Marrakech, de tornar todos os edifícios do mundo Net Zero Energy até 2050. Isso significa que os empreendimentos deverão produzir a energia que consomem com implantações de técnicas e sistemas de geração de energia renovável e sustentável. O lançamento do projeto converte em ação um comprometimento do World GBC e seus 74 Green Building Councils, incluindo o do Brasil e 27.000 empresas membros em todo o mundo, para a redução de emissões de CO2 pelos edifícios em 84 gigatoneladas através de edifícios Net Zero e reformas profundas, comprometimento já em discussão desde a COP-21, ocorrida em Dezembro, em Paris. Edifícios e construções são responsáveis por mais de 30% das emissões globais de CO2. As estimativas da Agência Internacional de Energia sugerem que o modelo atual as emissões provenientes do setor contribuirão para o aumento de 6°C do aquecimento global. Dessa forma, as edificações Net Zero são fundamentais para reduzir 84 gigatoneladas das emissões de CO2, o equivalente a não construir 22.000 centrais de carvão até 2050 e manter o aquecimento global em menos de 2°C. Pensando nesse cenário e em como acelerar esse processo no Brasil, que já possui alguns projetos Net Zero, o tema será discutido na Greenbuilding Brasil que acontece em São Paulo, de 9 a 11 de Agosto. 42 “Reconhecemos a importância de acelerar as discussões sobre edificações Net Zero com as empresas associadas, respeitando os compromissos assumidos durante a COP-21 Paris junto ao WGBC e demais Green Building Councils, em direção ao avanço das edificações Net Zero. Vale ressaltar que já temos cases de grande importância para o país, como o Eco Commercial Building, a Catuçaba Ecovila e o Estádio do Mineirão.” comenta Maíra Macedo, Coordenadora de Relações Institucionais e Governamentais do Green Building Council Brasil. Anunciando o projeto na cúpula de negócios e clima em Londres, no Acordo de Paris, Terri Wills, CEO do World GBC disse: “O sucesso de nossas ambições de manter o aquecimento global entre 1.5 ou 2°C dependerá da nossa habilidade de avançar com relação aos edifícios Net Zero – aqueles que geram energia limpa e não produzem emissões. Edifícios Net Zero serão uma contribuição definidora para nossos esforços de combater as alterações climáticas. Reduzir à zero não será fácil, mas contaremos com a dedicação e expertise de nossos grupos e parceiros para criar um mercado promissor a esses edifícios altamente eficientes e torna-los uma nova realidade”. No projeto a será apresentado na COP-22, os participantes desenvolverão planos de ação para verificar a viabilidade de uma certificação para Net Zeros. Objetivos em longo prazo incluem: • Todos novos edifícios e grandes reformas devem ser Net Zero, começando em 2030, o que significa que nenhum edifício deve ser construído abaixo do padrão Net Zero a partir deste ano. • 100% dos edifícios deve ser Net Zero até 2050. • 75.000 profissionais serão treinados em construção Net Zero até 2030, e 300 mil até 2050. • Todos os Green Building Councils que operam certificações terão uma ferramenta Net Zero funcionando até 2030 para validar essas construções sustentáveis Apesar de o projeto focar inicialmente em certificação e treinamento, é esperado que também estimulará empresas e governos a adotarem objetivos ambiciosos com relação a edifícios Net Zero. A implantação também contará com a experiência e consultoria da Arquitetura 2030, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para reduzir as emissões de edifícios. Ag o s t o 2016 ECO•21 | energia | Leandro Duarte | Jornalista da Agência Gestão CT&I A eólica precisa do governo para se expandir no Brasil A energia eólica é cada vez mais uma realidade tanto do ponto de vista energético como econômico. Este segmento atualmente é responsável por 7% da matriz energética brasileira, mas até 2020 a expectativa do mercado é que ela possa alcançar 12%. Em termos financeiros, o setor recebeu investimentos superiores a R$ 4 bilhões, com potencial de atingir patamares ainda maiores. Contudo, para elevar os investimentos privados no setor, a orientação estatal é fundamental. Esta foi a avaliação de Elbia Gannoum, Presidente-Executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). Durante audiência pública organizada pela Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado neste mês, a dirigente explicou que o principal desafio para a expansão da energia eólica hoje é o sinal de investimentos para o setor produtivo. “Nosso desafio não é busca por mais recursos. Recursos nós temos em grande quantidade. Precisamos fazer uma política adequada para cumprir esse objetivo. Construímos uma cadeia produtiva relevante e ela precisa ser sustentada. O setor privado está muito disposto a investir, mas é preciso ter o sinal de investimento. Estamos aqui para colaborar, mas precisamos de sinais adequados”, explicou Gannoum. Dados da Bloomberg News Energy Finance mostram que de 2006 a 2015 o investimento em energia eólica saltou de US$ 110 milhões para US$ 4,93 bilhões – um aumento superior a 4000%. Tal número coloca o Brasil na quarta posição entre os países que mais injetam recursos nessa fonte. O estudo, no entanto, revela também uma queda no patamar de investimentos. Em 2011, eles alcançaram R$ 5,07 bilhões e em 2012, R$ 6,03 bilhões. Estes números estão atrelados ao sucesso do setor em leilões de energia nestes anos. Esta modalidade de contratação foi um dos fatores que estimularam a expansão eólica. Segundo a presidente da ABEEólica, o anúncio feito pelo governo da realização de dois leilões para contratação de energia de reserva direcionada para fontes renováveis, entre elas a eólica, é um sinal de posicionamento do governo. Outro estímulo para as empresas aumentarem seus investimentos virá do Acordo de Paris já ratificado pelo Senado. Pelo documento, o Brasil se compromete a diminuir 37% das emissões de gases de Efeito Estufa até 2025 e 43% até 2030. Para alcançar as metas, uma das diretrizes é ter, em 2030, 33% de participação das chamadas novas energias renováveis (eólica, solar; biomassa) na matriz energética nacional. ECO•21 Ag o s t o 2016 “Para tal, é necessário fazer muito investimento, fazer muita contratação. Precisa realizar muitos leilões ou criar um programa de incentivos para geração. Hoje, nós temos uma forte participação de eólica e biomassa, as duas somando são 11,5%. Se a gente quer chegar lá em 2030 com 33%, nós temos um longo caminho a percorrer”, disse Elbia. Além do patamar financeiro, ela também valorizou a evolução da capacidade instalada; capacidade instalada acumulada; capacidade instalada nova; geração; e fator de capacidade da energia eólica. Em 2005, a capacidade instalada era de 27,5 megawatts (MW). Hoje passou para 9,98 gigawatts (GW) – aumento de mais de 360 vezes – com projeção de atingir 18,4 GW em 2020. Dados de 2015, quando ainda a capacidade instalada no Brasil era de 8,72 GW, levaram o país à 10ª posição no ranking das nações com maior produção de energia eólica. No que se refere à capacidade instalada nova, também houve evolução. Em 2012 o Brasil foi 8º no ranking mundial deste indicador com 1,08 GW. Em 2015 produziu 2,75 GW de energia eólica, saltando para a 4ª posição, atrás da China (30,5 GW), EUA (8,6%) e Alemanha (6,01%). Um dos maiores saltos no ranqueamento veio do indicador geração de energia. Há três anos, estávamos em 15º lugar com a produção de 6,43 terawatt-hora (TWh). No ano passado, pulamos para 8ª colocação, com 21,6 TWh. A evolução nos indicadores também está diretamente relacionada a pujança da indústria eólica. Hoje, o Brasil conta com sete fabricantes de aerogeradores que produzem 80% dos componentes. Na avaliação de Gannoun, toda essa transformação no setor eólico nacional foi viável em virtude do potencial dos ventos do país. “A média mundial de fator capacidade ou produtividade é em torno de 24%. A média aqui é superior a 38%. Isso que torna a fonte eólica tão competitiva”, destacou Elbia Gannoun. Apesar do crescimento do setor nos últimos dez anos, ainda há desafios a serem trabalhados. Para Gannoun, o principal obstáculo é a crise econômica. “Pelo fato da demanda por energia ter caído, a gente percebe uma sinalização de não muita contratação, pelo menos em 2015. Acredito que, na medida em que o cenário econômico mude, voltaremos a contratar energia”. A dirigente ainda apontou a transmissão de energia, a atração de novos atores, disponibilização de recursos para bancos de fomento, tributos e políticas de incentivos como desafios a serem trabalhados. 43 Washington Novaes | Jornalista Arquivo O primo pobre pede socorro Há sinais extremamente preocupantes no horizonte – e não se trata de forma simbólica de expressão. O panorama visível no País até a olho nu mostra com extrema clareza o aumento das queimadas, que somadas a outros fatores de devastação apontam para perdas alarmantes. E principalmente naquele considerado ao longo Washington Novaes do tempo o “primo pobre dos biomas brasileiros”, o Cerrado. Como se se tratasse de um bioma imenso, mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, mas coberto por campos sem fertilidade e sem valor. O jornal Estadão tem mostrado (3/8/2016), com base em informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que os focos de incêndio no País, desde o começo do ano até fins de Julho, cresceram 57% comparados com igual período de 2015 – foram 40.765 (28/7). E poderão chegar a um aumento de 80%, com uma situação de extrema gravidade também na Amazônia. No mês de Julho as queimadas no Estado de São Paulo (687) aumentaram 361%, comparadas com Julho de 2015. São os maiores números de uma série histórica que começa em 1998. Desde o começo do ano foram 1.702. 44 O Ministério do Meio Ambiente dizia desde o ano passado (Estado, 26/11/15) que “o desmatamento já atinge metade do Cerrado”, mais exatamente 54,6%. Num dos Estados mais atingidos, Goiás, os incêndios, que foram 172 em 1998, chegaram a 1.374 em 17 de julho deste ano. Lá “só sobraram 34,5% do Cerrado (no Estado de São Paulo, 9,8%; no Piauí 83,1%)”. Da Mata Atlântica, no Estado de Goiás, restaram 2,7%, ou 290 quilômetros quadrados, de acordo com o IBGE (O Popular, 20/6/15). As perdas no Bioma Cerrado têm um dos efeitos mais graves na redução das águas ali nascidas e que correm para as principais bacias hidrográficas brasileiras: Araguaia-Tocantins, Paraná e São Francisco. Essas águas podem reduzir-se em até 40 por cento, afetando também a produção das usinas hidrelétricas. Tão graves quanto são as perdas na área da diversidade biológica. O bioma (Revista ECO•21, Maio de 2016) “é uma das mais ricas regiões de savana tropical do mundo e abriga comunidades biológicas altamente diversas, com muitas espécies únicas e variedades”. Parte delas, endêmicas. De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), 1.629 espécies terrestres e de água doce estão ameaçadas – entre elas, peixes e plantas raros. Mas também pesam ameaças sobre a pecuária, a agricultura e a produção de biocombustíveis. Ag o s t o 2016 ECO•21 Ana Huara ECO•21 Ag o s t o 2016 Valter Campanato - ABr Começam a ser cada vez mais frequentes os estudos científicos sobre a importância do Cerrado. Stephanie Spera, da Brown University, por exemplo, (Eco-Finanças, 18/4), mostrou num deles o impacto da devastação no Cerrado no ciclo de chuvas – e os efeitos na área da agricultura. O bioma é um hotspot da biodiversidade, com mais de 4 mil espécies endêmicas. E “a vegetação do Cerrado recicla água para a atmosfera, que é essencial também para a sustentabilidade da Amazônia”. Outro cientista, Paulo Tarso Sanches Oliveira, doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento, autor da tese “Water balance and soil erosion in the brazilian Cerrado”, afirma que a substituição da vegetação nativa do Cerrado por áreas destinadas à produção agrícola tem causado intensas mudanças nos processos hidrológicos e acelerado a erosão dos solos. Essas mudanças são “fundamentais na tomada de decisão de uso e manejo do solo da região”. Segundo o mencionado Paulo Tarso, o desmatamento no Bioma Cerrado está ocorrendo “mais rapidamente” que na Floresta Amazônica – e com isso pode até “desaparecer nos próximos anos”. E “a substituição do Cerrado para o uso agrícola tem o potencial de intensificar a erosão do solo de 10 a 100 vezes”. Pode haver “alterações no balanço hídrico, intensificação dos processos erosivos, perda da biodiversidade, desequilíbrios no ciclo do carbono, poluição hídrica, mudanças no regime de queimadas e alteração do clima regional” (amazonia.org, 2/3/2015). Outro estudo relevante é o Perfil do Ecossistema Hotspot da Biodiversidade do Cerrado ([email protected]), coordenado por Donald Sawyer e do qual participaram mais de cem instituições. A região é uma das maiores e biologicamente mais ricas entre as de savana tropical do mundo; abriga comunidades biológicas “altamente diversas”; muitas espécies e variedades únicas. É vital para o abastecimento de água e geração de energia no Brasil; para o controle da erosão e para a redução no País da emissão de Gases de Efeito Estufa. O desenvolvimento de um perfil do ecossistema, diz o sumário executivo, relaciona 1.629 espécies terrestres e de água doce classificadas pela UICN como globalmente ameaçadas, bem como peixes e espécies de plantas raros. E a melhor forma de conservação para muitas espécies é a proteção de “áreas adequadas de hábitat apropriado”. No Brasil, 761 áreas-chave foram identificadas. O Bioma Cerrado tem 43 milhões de habitantes em áreas urbanas, mas cerca de 12,5 milhões ainda dependem de terras agrícolas, ecossistemas naturais e zonas úmidas. As mudanças são aceleradas e acentuadas com o processo de ocupação da fronteira agrícola “no coração do Cerrado”, após a construção de Brasília. O estudo entende que “as principais ameaças” ao Bioma no presente e no futuro próximo são a pecuária, as culturas anuais (principalmente soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar), carvão vegetal, fogo e “silvicultura de monoespécies”, junto com erosão, espécies invasoras, culturas permanentes, suínos, transporte e aquecimento (local e global). Tudo isso leva um desmatamento anual de 6 mil km2 e já produziu a perda de 50% da cobertura natural. Não faltam, portanto, informações científicas respeitáveis. Mas faltam políticas nacionais, regionais e locais adequadas que permitam a sobrevivência de um hotspot de biodiversidade – garantia de futuro. Que precisam ser formuladas e executadas sem perda de tempo. 45 | ogm | Vandana Shiva | Física, ambientalista, feminista, escritora e ativista política Monsanto desafia a Índia O Dia Internacional da Biodiversidade pela ONU (22/5) oferece a oportunidade de tomar consciência da rica biodiversidade desenvolvida por nossos agricultores, como cocriadores junto à natureza. Também permite conhecer as ameaças que as monoculturas e os monopólios de Direitos de Propriedade representam para nossa biodiversidade e nossos direitos. Assim como nossos Vedas e Upanishads não possuem autores individuais, nossa rica biodiversidade, que inclui as sementes, desenvolveu-se cumulativamente. Tais sementes são a herança comum das comunidades agrícolas que as lavraram coletivamente. Estive recentemente com tribos da Índia Central, que desenvolveram milhares de variedades de arroz para o seu festival de “Akti”. Akti é uma celebração do convívio entre a semente e o solo, e do compartilhamento da semente como dever sagrado para com a Terra e a comunidade. Além de aprender sobre as sementes com as mulheres e os camponeses, tive a honra de participar e contribuir com leis nacionais e internacionais sobre biodiversidade. Trabalhei com o governo indiano na RIO-92, quando a Convenção sobre Biodiversidade (CDB) foi adotada. Os três compromissoschave da CBD são a proteção dos direitos soberanos dos países sobre sua biodiversidade, do conhecimento tradicional das comunidades, e da biossegurança, no contexto de alimentos geneticamente modificados. A ONU indicou-me para integrar o painel de especialistas encarregado de pensar o Protocolo de Biossegurança, adotado como Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Fui membro do grupo de especialistas que fez a Lei Nacional sobre Biodiversidade, assim como a Lei sobre Variedade de Plantas e Direitos dos Agricultores, na Índia. Em nossas leis, garantimos o reconhecimento dos direitos dos agricultores. “Um agricultor deve ser considerado capaz de conservar, usar, semear, ressemear, trocar, compartilhar ou vender seus produtos agrícolas, incluindo as sementes de variedades protegidas por esta Lei, do mesmo modo que estava autorizado antes da vigência dela”, diz o texto. Trabalhamos nas últimas três décadas para proteger a diversidade e a integridade de nossas sementes, os direitos dos agricultores, e resistir e desafiar os monopólios de propriedade intelectual ilegítimos de empresas como a Monsanto, que faz engenharia genética para exigir patentes e royalties. Patentes de sementes são injustas e injustificáveis. Uma patente ou qualquer direito de propriedade intelectual é um monopólio garantido pela sociedade em troca de benefícios. Mas a sociedade não se beneficia de sementes tóxicas e não renováveis. Estamos perdendo biodiversidade e diversidade cultural, estamos perdendo nutrição, sabor e qualidade em nossos alimentos. Sobretudo, estamos perdendo nossa liberdade fundamental de decidir quais sementes plantaremos, como iremos cultivar nosso alimento e o que iremos comer. De bem comum, as sementes transformaram-se em commodities de empresas privadas de biotecnologia. Se elas não forem protegidas e colocadas novamente nas mãos de nossos agricultores, corremos o risco de perdê-las para sempre. 46 Em todo o mundo, as comunidades estão armazenando e trocando sementes, conforme cada contexto. Criam e recriam liberdade – para as sementes, seus protetores e para a vida. Quando conservamos uma semente, também renovamos e restauramos o conhecimento da reprodução, da conservação, do alimento e da agricultura. A uniformidade é usada como medida pseudocientífica para criar monopólios de propriedade intelectual sobre sementes. Quando uma empresa tem patente sobre sementes, ela empurra para os agricultores suas produções patenteadas para receber royalties. A humanidade tem se alimentado de milhares de espécies de plantas. Hoje estamos condenados a comer milho e soja geneticamente modificados. Quatro culturas – milho, soja, canola e algodão – são cultivadas às custas de outros cultivos, porque geram royalties por cada hectare plantado. A Índia cultivava 1.500 tipos diferentes de algodão, e agora 95% é Algodão Bt, geneticamente modificado, pelo qual a Monsanto recebe royalties. Mais de 11 milhões de hectares de terra são empregados no cultivo de algodão. Destes, 9,5 milhões são usados para cultivar a variedade Bt da Monsanto. Uma pergunta comum é: por que razão os agricultores adotam o algodão Bt, já que os prejudica? Os agricultores não escolhem o algodão Bt, são obrigados a comprá-lo, já que todas as alternativas estão destruídas. O monopólio de sementes é imposto pela Monsanto através de três mecanismos: 1- Fazer com que os agricultores desistam das velhas sementes, o que no jargão da indústria é chamado de “substituição de semente”; 2- Influir junto às instituições públicas para deter a reprodução das sementes tradicionais. O Instituto Central de Pesquisa do Algodão (CCIR) da Índia não liberou variedades de algodão para a região de Vidharba, depois que a Monsanto entrou com suas sementes de algodão Bt; 3- Manter as empresas indianas presas a acordos de licenciamento. Esses mecanismos coercitivos estão caindo por terra. A Rede Navdanya criou bancos de sementes comunitários onde os agricultores têm acesso para obter sementes nativas orgânicas e polinizadas. O CCIR, sob a liderança de Keshav Kranti, está desenvolvendo variedades nativas de algodão. Finalmente, o Governo também interveio para regular o monopólio da Monsanto. Em Março, baixou uma ordem de controle do preço da semente sob a Lei de Commodities Essenciais. A Monsanto e a indústria de biotecnologia desafiaram a ordem do Governo. Entramos com uma ação na Corte Superior do Estado de Karnataka. Em 3 de Maio, a Justiça de Bopanna baixou uma ordem reafirmando que o Governo tem o dever de regular os preços das sementes e a Monsanto não tem o direito ao seu monopólio. A biodiversidade e os pequenos agricultores são a base da segurança alimentar, e não corporações como a Monsanto, que estão destruindo a biodiversidade e levando os agricultores ao suicídio. Esses crimes contra a humanidade precisam parar. Essa é a razão pela qual em 16 de Outubro, Dia Internacional da Alimentação, vamos organizar em Haia um Tribunal da Monsanto para “julgar” a corporação por seus vários crimes. Ag o s t o 2016 ECO•21 | ecofilosofia | Júlio Ottoboni | Jornalista científico. Colaborador fixo da Agência Envolverde Arquivo Analfabetismo ambiental Adrian Paci Uma quantidade imensa de pesquisas, de diversos cantos, inclusive da academia, colocam a questão ambiental entre as 5 maiores preocupações atuais da humanidade. Há momentos que ela alcança o terceiro lugar neste ranking, só sendo superada por questões ligadas ao cotidiano humano, como a insegurança e a economia. Embora esses estudos Júlio Ottoboni apontem a saúde do Planeta como algo crucial, ela é – sem dúvida – a que menos recebe atenções e intervenções diretas, tanto por parte de governos ou da própria sociedade. O jornalismo sob enfoque científico ou ambiental se esforça em colocar uma lupa e, por vezes, uma lente macro em ações pontuais na esperança de sensibilizar as pessoas sobre ações positivas. Ou parte para exemplos trágicos como os fenômenos extremos ligados ao clima. Mesmo com esse esforço comunicacional, nota-se que entre a sensibilização e a ação prática há um abismo. Há um latente analfabetismo ambiental e científico fundamental para que os barbarismos da antropização no ambiente natural acabem mitigados pela própria mídia ao apresentar soluções individuais, de pequeno alcance. A resposta inconsciente – ou consciente – é simplória e indolente: já há gente trabalhando nesta mudança planetária. Como se isso aplacasse a culpa e a inoperância de grande parte da sociedade. A situação piora se isso mexer com algum interesse particular ou com a alteração do status quo do indivíduo. É a dicotomia do “precisamos mudar, mas, por favor, não altere nada”. O homem ainda não se apercebeu do óbvio: o risco de extinção envolve a própria espécie. Ele passará e permanecerá sobre o modificado Planeta como um registro fóssil, unindo-se assim aos seres marinhos, grandes répteis, dinossauros e a megafauna – a qual incluiu diversos mamíferos. Em 500 milhões de anos de evolução da vida planetária e de extinções em massa (essas ocorridas diariamente em menor escala), a melhor definição do que venha ser a espécie humana é do jornalista e naturalista David Attenborough: “Somos muito mais filhos de desastres naturais do que da própria evolução natural”. 48 Para uma parcela da população, a busca por informação ambiental cresce proporcionalmente a sua importância e gravidade. O assunto ganha espaço desde os debates acadêmicos até as conversas de bar, criando um paradoxo curioso: a humanidade precisa da informação, de compreendê-la dentro de uma linguagem acessível ao leigo, mas não está disposta a bancá-la. Precificá-la, como qual outro produto informativo. Os sites e publicações especializadas no tema vivem à mingua para manter-se e vários já encerraram suas atividades. A sociedade, em sua esquizofrenia mercantilista, paga altos preços, direta ou indiretamente, para ter informações de ordem econômica. Mas não parece disposta a fazer o mesmo pela ambiental. Para a maioria preocupada com a situação planetária (embora haja uma significativa parcela que sequer atente para a gravidade do quadro) compreender o alerta sobre a elevação de um ou dois graus na média térmica mundial pode esfacelar dramaticamente esse modelo econômico. Mais difícil ainda se aperceber que as estruturas sociais se transformarão em questões de dias ou mesmo horas, num colapso fatal. Existe aí um autismo das sociedades urbanas movidas pelo consumo apregoado por uma economia desenfreada, autofágica e narcisista. Sem a compreensão do problema e sentindo os feitos do colapso se abre espaço para o surgimento de salvadores do mundo, que se utilizam da prostração geral, para difundir seus discursos céticos e redentoristas, livrando de culpa a humanidade em seu rastro de atrocidade. Vários acreditam na figura de um Deus redentorista, difundido pelas religiões monoteístas. Os mais pragmáticos buscam as respostas em governantes com ares messiânicos. Ou no empresariado ávido por ser o timoneiro da construção de uma nova ordem mundial. Em todos esses casos há a redenção dos desastres ambientais provocados pelo homem, sua perpetuação como espécie soberana sobre os demais seres e numa tentativa fracassada – e hoje entendida suicida – de controlar o Planeta. Para completar o cenário, parte do segmento científico procura desqualificar os movimentos ambientais num exercício de supremacia, num distante e obtuso discurso de decanos da erudição. Os pesquisadores diminuíram sensivelmente a divulgação de informações científicas e poucas vezes estabelecem vínculos entre seus trabalhos e de colegas ‘concorrentes’. Infelizmente essa ainda é uma prática comum no meio acadêmico e tão provinciana quanto as tiranias do conhecimento que condenaram Galileu, Pasteur, Darwin e outros que ousaram enfrentar as organizações detentoras do saber. Só haverá real esperança em alterar a dramática situação planetária quando o volume de conhecimento e de informações cruciais destinadas à criação de uma massa crítica saltar das dissertações e teses, pesquisas mantidas sob o anonimato e estudos, inclusive inconclusos, deixarem o mofo de seus escaninhos e saltarem para a democratização do conhecimento. Enquanto o império do egoísmo, fomentador de sistemas enclausurados e sectários, não superar a falta de visão universal estamos fadados a sermos os autores da mais cruel e programada extinção em massa do que chamamos hoje de Terra. Ag o s t o 2016 ECO•21 | iniciativas | Guilherme Afif Domingos | Presidente do Sebrae Nacional Arquivo O compromisso do Sebrae com a sustentabilidade Trata-se da mais importante certificação internacional para construções sustentáveis, com uma classificação inédita para uma edificação da América Latina. O CSS foi concebido para ser referência em difusão de conhecimento e também em termos de estrutura. Seus conteúdos online já foram acessados por mais de 5,5 milhões de pessoas. As técnicas utilizadas na construção permitem economia de cerca de 50% em água e energia. Entre as medidas adotadas, estão o aproveitamento de iluminação natural, captação e aproveitamento da água da chuva, coleta seletiva e reciclagem. O empreendedor deve compreender que as razões para defender a sustentabilidade vão além da responsabilidade ambiental. A escassez de recursos naturais para os atuais padrões de consumo e a conscientização crescente de consumidores e fornecedores sobre essa questão deixam evidente que a adoção de práticas sustentáveis é um fator-chave para sobrevivência e crescimento no mercado. No último mês de Julho, o Sebrae lançou o Termo de Referência em Sustentabilidade, que reúne diretrizes para orientar nossa atuação, junto aos pequenos negócios, em relação a esta temática. Convido os empreendedores a contar com o Sebrae para se aprofundar nessa estratégia. Ganharão, assim, as empresas, a sociedade atual e as gerações futuras. Rai Reis Em 1972, a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano – Conferência de Estocolmo – reconheceu o conceito de desenvolvimento sustentável. Crescimento econômico e meio ambiente não poderiam mais ser vistos de forma dissociada. Desde então, a sustentabilidade ganhou força não apenas como Guilherme Afif Domingos pressuposto de qualidade de vida da sociedade, mas também como fator de competitividade empresarial. Devido a essa convicção, o Sebrae investe cada vez mais na orientação para a adoção de práticas sustentáveis em pequenos negócios. Um marco nessa estratégia foi a criação, em 2010, do Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), em Cuiabá (MT). No início de Setembro, o prédio do CSS conquistou um importante reconhecimento: a classificação “Excelente” do Building Establishment Environmental Assessment Method (BREEAM) In-Use, da Building Research Establishment (BRE), certificadora do Reino Unido. Centro Sebrae de Sustentabilidade em Cuiabá, no Mato Grosso ECO•21 Ag o s t o 2016 49 | homenagem | Elisa Oswaldo-Cruz | Editora de Notícias da ABC (Academia Brasileira de Ciências) Jornal científico homenageia o acadêmico Liu Hsu Arquivo O acadêmico Liu Hsu, professor do Programa de Engenharia Elétrica do Instituto Alberto Coimbra de Pós-Gradução e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) foi homenageado na edição de Julho do International Journal of Adaptive Control and Signal Processing (Jornal Internacional de Controle Adaptativo e Processamento de Sinal). Liu Hsu no morro da Urca A homenagem foi idealizada por Tiago Roux Oliveira, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, de quem Liu Hsu foi orientador no mestrado e no doutorado; Leonid Fridman, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Nacional Autônoma do México e Romeo Ortega, membro do Conselho Nacional de Pesquisa da França (CNRS) e tem um editorial assinado por Petar Kokotovic, professor do Departamento de Engenharia da Universidade da Califórnia, e Vadim Uktin, professor do Departamento de Engenharia Elétrica e da Computação da Universidade do Estado de Ohio, ambas nos Estados Unidos. Nos artigos da revista, são destacadas pesquisas marcantes desenvolvidas pelo professor da COPPE nas áreas de Teoria do Controle Adaptativo, incluindo a prova da existência do fenômeno de surto (bursting) causado pela modificação sigma no Controle Adaptativo por Modelo de Referência (MRAC). Também desenvolveu um filtro notch adaptativo globalmente estável para determinar on-line a frequência de um sinal senoidal de amplitude desconhecida com resultados práticos em uma larga variedade de aplicações em engenharia. Também, com seus coautores, resolveu um problema de longa data de controle MRAC multivariável com ganho de controle desconhecido. 50 Biografia Liu Hsu é o sexto dos sete filhos de Liu Tze Liang e de sua esposa Chang Swai Ching, nascido em Fuzhou, Província de Fujian, China, em 1946. Fez seus estudos secundários em Curitiba (PR), inicialmente na escola pública Grupo Escolar Conselheiro Zacarias e em seguida no Colégio Santa Maria. Passou em engenharia elétrica da Universidade Federal do Paraná em 1963 e, em 1964, foi aprovado para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), São José dos Campos (SP), onde obteve o diploma de engenheiro em eletrônica no ano de 1968. Realizou seu mestrado no ITA, orientado por Yaro Burian Jr., na área de análise de oscilações não-lineares. Com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), iniciou em 1971 o doutorado no Laboratoire d’Automatique et d’Analyse des Systèmes (LAAS/CNRS) de Toulouse na área de sistemas dinâmicos não-lineares discretos no tempo, sob orientação de Christian Mira, obtendo o título de Docteur d’Etat pela Université Paul Sabatier de Toulouse, em 1974. Ingressou na COPPE/UFRJ, em 1975, como professor adjunto do Programa de Engenharia Mecânica. Em 1983, pediu transferência para o Programa de Engenharia Elétrica onde é professor titular desde 1989. Sua área principal de atuação é Controle e Automação. Dirige o Grupo de Simulação e Controle em Automação e Robótica (GSCAR) que fundou em 1990. Suas áreas atuais de pesquisa incluem Sistemas de Controle Adaptativo, Sistemas a Estrutura Variável, Estabilidade e Oscilações de Sistemas Não-Lineares, Aplicações a Processos Industriais, à Robótica Industrial e à Robótica Submarina. Desde 1997, é o representante do Brasil na International Advanced Robotics Programme (IARP). Presidiu o International Workshop on Underwater Robotics for Sea Exploitation and Environmental Monitoring, IARP, realizado no Rio de Janeiro em 2001. Na UFRJ, foi Presidente da CPPD no período de 1993 a 1995. Na COPPE, foi Presidente da Comissão de Avaliação de Docentes na qual, em 1990, introduziu reformas sobre os métodos de avaliação que vigoram até o presente. Foi vice-Presidente do Conselho Deliberativo da COPPE de 1999 a 2001. Atualmente está aposentado e mora no Rio de Janeiro. Ag o s t o 2016 ECO•21