Dr. José Roberto Ferraro
Transcrição
Dr. José Roberto Ferraro
depoimento Dr. José Roberto Ferraro RAS – A UNIFESP, por ser uma universidade que iniciou focada na área da saúde, é uma experiência ímpar em nosso meio. Considerada uma Universidade de ponta, goza de excelente reputação e seus cursos de graduação e pós-graduação são disputadíssimos. Mas ainda é uma Universidade de poucas vagas, elitista. Qual seu futuro? José Roberto Ferraro – A história da UNIFESP está ligada à criação da Escola Paulista de Medicina. A escola surgiu como alternativa aos vestibulandos da Faculdade de Medicina em São Paulo, porque os que não passavam na Faculdade de Medicina tinham que ir ao Rio de Janeiro. Não havia outra escola de medicina em São Paulo. Por isso, em 1933, um grupo de jovens médicos criou a Escola Paulista de Medicina. Em 1936 começou a ser feito o Hospital São Paulo, o primeiro hospital escola, especialmente construído para essa finalidade. A EPM foi uma escola privada até 1954, quando foi federalizada, e a lei pela qual a Escola Paulista de Medicina passou a ser uma entidade federal estipula que o Hospital São Paulo passa a ser o seu hospital escola. Porém o hospital não foi federalizado, sendo mantida a figura jurídica de 1933, que é a SPDM, Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. Em 1954 a EPM foi incluída no organograma do MEC, como uma escola médica federal isolada. Daí, até mais ou menos 1960, outros cursos da área de saúde foram criados em torno da Escola Paulista de Medicina – enfermagem, fonoaudiologia, ciências biomédicas e ortóptica. Em 1993, a direção da Escola encaminhou projeto de transformação da então Escola Paulista de Medicina numa universidade da saúde. Em 1994 nos transformamos em universidade e ficamos assim muito tempo, com poucas vagas, você 114 Dr. José Roberto Ferraro, é médico cirurgião e gastroentereologista, formado pela Escola Paulista de Medicina atua também em atividades de organização e gerenciamento hospitalar. Em 1982, no início da carreira, foi coordenador do pronto-socorro do Hospital São Paulo. Desde 1995, é diretor superintendente deste hospital. Durante seis anos presidiu a ABRAHUE (Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino), entidade agrega 112 dos 150 hospitais escola do Brasil e se dedica a mostrar as diferenças entre esses hospitais e outros que prestam apenas assistência. Tendo encerrado seu mandato em 2006. tem razão. Ofertando cinco cursos, com altíssima produção científica, porém todos focados na área da saúde... RAS – Pós-graduação forte... JRF – Pós-graduação fortíssima, o que foi sufocando a graduação e, portanto, uma quantidade de alunos de graduação restrita. Uma taxa de evasão baixa, pois os cursos são bons e muito procurados. RAS – E a expansão? JRF – Mesmo antes da proposta do governo de expansão da universidade pública federal, nós fomos para Santos, onde montamos cinco cursos ainda na área da saúde, porque o Conselho Universitário aprovou a expansão de mais cursos, mas dentro da área da saúde. Crescemos, deixamos de ser uma universidade de 1 campus para 2 campi. Aí surge o projeto do governo, e somos chamados novamente. Discutimos muito e, devidamente aprovado pelo Conselho Universitário, assumimos novos campi em Guarulhos, em Diadema e em São José dos Campos. Portanto, não estamos mais somente na área da saúde, avançamos para as áreas de humanas e de exatas. Agora, a partir dessa expansão, nós passamos a ser uma universidade bem diferente do que éramos... A tal ponto que houve necessidade de se revisar as normas e as regras... Quando a universidade passou de 1 campus para multicampi, precisou criar regras novas e elaborar um estatuto adequado à nova si- tuação. E a universidade desde dezembro está vivendo o que chamamos de “estutuinte”. Hoje nós estamos em plena discussão da representação dos vários campi, de como vão ser administrados esses campi, etc. É uma necessidade essa construção de novas regras, pois estamos em processo de transformação... Dentro de algum tempo poderemos ter um reitor fora da área da saúde, fora da Medicina. Nós estamos observando os modelos das grandes universidades, como a USP, por exemplo, que é a maior universidade brasileira e está entre as 200 maiores do mundo. A UNIFESP vai nesse caminho. RAS – A UNIFESP é a maior universidade federal em termos de produção científica na área da saúde? JRF – Eu diria o seguinte... A Federal do Rio de Janeiro, Federal de Minas Gerais, Federal do Rio Grande do Sul são as 3 maiores federais... Porém, se você usar o filtro “produção científica na área da saúde”, aí nós aparecemos, entre as primeiras. Enquanto não tivermos produção científica de pós-graduação e trabalhos publicados em todas as áreas do conhecimento, nós não podemos dizer que somos uma grande universidade. Agora... a universidade está caminhando para isso. RAS – Então, em relação ao hospital. Se discute muito a questão da flexibilização dos hospitais, criar as RAS _ Vol. 9, No 37 – Out-Dez, 2007 fundações hospitalares. Aqui vocês já têm essa vantagem da flexibilidade da SPDM, desde a origem... JRF – Desde a origem. RAS – Me fale o que você acha das Organizações Sociais de Saúde. E das Fundações Estatais? JRF – As Organizações Sociais são sem sombra de dúvida um avanço nas questões de gestão, principalmente na área da saúde. O poder público estabelece um contrato de gestão com a Organização Social e passa a controlar os resultados. Existe agilidade nos processos técnicos e administrativos, governabilidade com relação ao pessoal e financiamento adequado. O modelo autárquico está completamente esgotado frente às necessidades de gestão de um serviço de Saúde. A grande vantagem num modelo diferente da autarquia é ter mais agilidade e mais autonomia com relação à gestão de pessoal, por exemplo. Eu preciso substituir e contratar na medida em que o hospital precisa. Se o plantonista da UTI de sexta-feira pediu demissão, na sexta-feira seguinte eu tenho que ter outro plantonista, certo? Para abrir concurso precisa da autorização do Ministério do Planejamento, que encaminha para o MEC, o MEC publica e vem pra cá, demora meses. E quando acontece o concurso, o salário oferecido de R$ 1.500,00, R$ 1.800,00, não segura o profissional. Entendo que está completamente ultrapassado o modelo autárquico para gestão de hospitais. Compras, eu preciso ter agilidade de compras, claro, seguindo todo o rigor legal das compras, mas preciso ter agilidade. Como eu não posso prever tudo dentro de um hospital, esse regime jurídico da organização social me permite essa agilidade. E terceiro, eu tenho um orçamento adequado a isso que eu disse que eu vou fazer, o gestor vai dizer pra você “eu quero que você faça tantas internações, que a taxa de ocupação seja tanta, que a taxa de infecção seja no máximo de...” RAS – É o contrato de gestão... JRF – É contrato de gestão que direciona a Organização Social. E, para fazer RAS _ Vol. 9, No 37 – Out-Dez, 2007 isso, vai custar 2 milhões de reais. E 2 milhões de reais, todo mês, sem nenhum estresse, a gente recebe o valor estipulado em contrato. E as unidades geridas pela SPDM não têm criado nenhum passivo em relação a seu financiamento e tem cumprido as metas... RAS – Parte da comunidade acadêmica, inclusive da UNIFESP, tem-se manifestado contrária ao gerenciamento de novos hospitais pelo modelo das OSS. Quais as perspectivas disso? JRF – Uma parte pequena. Pessoas que defendem a saúde e educação totalmente estatizadas, não só estatal do ponto de vista da responsabilidade de financiamento, mas também da execução... Talvez ligada a convicções ideológicas, que respeito... porém, como já disse, entendo que o modelo autárquico não é mais solução. Mas como estava explicando, até aqui a gestão na área da saúde tem sido pelo modelo da administração direta ou pelas autarquias e o resultado é o que vê. E o Governo Federal, percebendo que o modelo de autarquia não está dando mais respostas, foi em busca de um outro modelo. E aí, depois de vários simpósios, encontros e reuniões de trabalho, o Ministério do Planejamento propôs a Fundação Pública de Direito Privado. Essas fundações deverão dar conta da gestão dos hospitais do Rio de Janeiro, ligados ao Ministério da Saúde. E mais do Grupo Hospitalar Conceição lá do Rio Grande do Sul. O Governo já encaminhou para o Congresso Nacional essa nova figura jurídica e, pelo projeto, não só para dar conta dos hospitais, pois ampliou para mais áreas, inclusive o IBAMA. RAS – Deixa eu te provocar. Como a ABRAHUE vem discutindo a questão da autonomia dos hospitais de ensino, dos hospitais escola? Você foi presidente durante quatro anos? JRF – Fui até dezembro. Hoje faço parte da Diretoria. Estive na Presidência durante três mandatos (seis anos) não consecutivos. Faço parte da Diretoria desde 1995. RAS – Como é que vocês discutiram e como trouxeram a questão da administração em saúde para a pauta da ABRAHUE? Ou foi aquela mesmice do “mais verbas, queremos mais verbas”? JRF – Não, de jeito nenhum. Nós rompemos com isso, em 2003, na transição do Fernando Henrique para o Lula, ainda naqueles seis meses após a eleição... no período de transição, a ABRAHUE procurou o Humberto Costa, que era o responsável por organizar o Ministério da Saúde, depois ele veio a ser o Ministro da Saúde na primeira gestão Lula. A ABRAHUE propôs uma discussão ampla, criar-se uma comissão interministerial onde todos colocaríamos todas as cartas na mesa. O governo dizendo “vocês, hospitais, só vêm aqui chorar que não tem dinheiro, mas vocês não avançam isso em gestão, vocês têm muitos problemas de gestão”. E nós respondíamos que tínhamos mais problemas de dinheiro do que de gestão. Bom, passados seis meses dessa discussão, todos nós entendemos que tínhamos problemas de gestão, mas que era inegável que existiam também problemas de financiamento. Criou-se uma Comissão onde todos os atores envolvidos então presentes, MS, MEC, MCT, MPOG, reitores, alunos, diretores de hospitais entre outros. A comissão foi instalada e a crise dos Hospitais de Ensino foi enfrentada quando da Criação do Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino. Entendemos que deveríamos melhorar nossos mecanismos de gestão através de capacitação do corpo diretivo e gerencial e os Ministérios entenderam que o financiamento norteado pela tabela SUS não dava conta das três grandes missões dos hospitais de ensino: Ensino, Pesquisa e Assistência. Saímos da lógica do Quantitativo e nos direcionamos para a lógica do Qualitativo. Passamos a pactuar com os gestores da saúde participando assim do sistema mais intensamente. Hoje somos avaliados trimestralmente pelos gestores e o não cumprimento da metas pode comprometer a receita pactuada. 115 Com relação à ABRAHUE, o tema principal nesse último congresso em dezembro passado... bem... foi tema único, a qualidade na gestão. Porque entendemos que se queremos ser bem financiados, temos que dar respostas adequadas. Mas reafirmo que a principal pauta da ABRAHUE é a questão da gestão dos hospitais de ensino. RAS – Os hospitais escola e os serviços assistenciais ligados às universidades sempre foram a principal retaguarda do antigo INAMPS , hoje do SUS. Mas a formação de mão-de-obra, nos hospitais escola, acaba não contemplando as necessidades do SUS. Você forma um profissional pouco ligado com a realidade em torno dele. Vai estar preocupado com lipoaspiração, com medicina estética, ele vai para um outro campo. Como é que você articula a formação de mão-de-obra, não só médico, mas enfermeiro, da área da saúde com a necessidade do SUS? Como gestor do hospital escola, como você compatibiliza ensino, pesquisa, tabela SUS, desperdício, exames desnecessários, controle de custo, etc.? JRF – Na verdade a responsabilidade maior da formação do profissional da área da saúde é do aparelho formador, é da escola médica, ou da escola de enfermagem ou da escola de psicologia. O vínculo, a grade curricular, não está de posse da diretoria do hospital de ensino. Está de posse da universidade. Porém foi também, não sei se só, mas também os diretores de hospitais, que alertaram em vários fóruns, inclusive no MEC e na saúde, de que o aparelho formador estava produzindo profissionais inadequados para o sistema, como você colocou no início da pergunta. Estamos formando, sim, os hiperespecialistas. Precisamos de profissionais que conheçam nosso Sistema de Saúde em todos os níveis de complexidade, primária, secundária, terciária, prevenção, etc. 116 Nosso sistema necessita não só de generalistas mas também de profissionais capazes de dar conta de toda a Complexidade do Sistema. Não se pode esquecer que o SUS prevê Transplantes de Órgãos, Cirurgia para Epilepsia, Tratamento de Cardiopatias Congênitas, etc. Então há que se avançar nas discussões entre o Ministério da Educação, as universidades federais e estaduais, inclusive com a participação do Ministério da Saúde, para definir que tipo de profissional queremos formar. Segunda coisa, Ivomar, é a remuneração desses profissionais. O setor público não consegue fixar pelo modelo atual esses profissionais. Mesmo que você forme um profissional na área, o sistema público não remunera adequadamente. E é por isso que agora, e só agora, através de Organização Social, através do Programa de Saúde da Família e de outros programas, a remuneração desses profissionais tem melhorado. Claro que também tem problemas de gestão interna. Se eu não controlo a quantidade de exames, dentro de um limite ético evidentemente, se o meu professor de clínica deixa o aluno pedir exames sem critério, estamos gastando dinheiro desnecessário na saúde. Agora, a questão de você absorver toda a atividade de ensino, junto nas unidades hospitalares, o que ela acrescentar de desperdício e o que acrescentar de morosidade, isso é um ônus a ser pago... RAS – Protocolos? JRF – Resolveria em parte. Acredito que sim. Nós brigamos aqui muito por conta disso. Para que a gente se adapte, que a gente se previna, por exemplo no estoque de qualquer material. Se tivéssemos protocolos para, não para todos os procedimentos, isso é bobagem, a gente tiver protocolo para todos os procedimentos, mas para os mais prevalentes, para os mais caros, para os tratamentos especiais, sim, a gente deveria ter. Eu acho que ajudaria, acho não, tenho certeza, que ajudaria muito a área administrativa no sentido de você pelo menos prover o estoque para aquela quantidade de pacientes e garantir o tratamento. RAS – Mas é muito complicado controlar a prescrição do professor titular, protocolizar as condutas... JRF – Tem sido muito complicado. Por exemplo, esse programa de reestruturação dos hospitais de ensino do MEC precisou ser internalizado pelo diretor. Foi preciso pegar, trazer aqui pra dentro da sala de reuniões, chamar os professores titulares e dizer “olha, agora as nossas consultas estão com o SUS, eles é que vão marcar a consulta. Eles não, nosso sistema vai marcar a consulta e nós vamos ter que nos adaptar a isso”. Segundo... RAS – Nós fazemos parte do SUS. JRF – Fazemos, nós somos o SUS. Há certa dificuldade para falar isso para o setor acadêmico, porém aqui houve muita compreensão. A ferramenta para isso foi uma conversa clara e franca com os departamentos acadêmicos. Se nós não sentarmos para conversar, e o gestor também, não se pactua absolutamente nada. E nós temos feito isso, desde a criação desse plano, as chamadas reuniões de pacto acadêmico. É um nome interno que nós demos. Com isso eu consegui estabelecer cota de órteses e próteses e materiais especiais, a cirurgia cardíaca tem tantos x mil reais de órtese e prótese, a ortopedia tem outro tanto, a otorrino tem outro tanto. Conseguimos avançar esse trabalho dentro das cotas e quando elas estouram nós analisamos. Dissemos que acompanharíamos a taxa de ocupação, a média de permanência, a taxa de infecção e mortalidade, e temos feito isso. Houve um avanço e eles têm compreendido as necessidades administrativas e gerenciais. Estamos melhorando nas relações da Administração e a Academia. RAS – Deixa eu te provocar. Aqui tem dupla porta também. Dupla porta não fere o princípio de eqüidade do SUS? JRF – Não, eu não acredito nisso. Acho que devidamente organizada, não fere. RAS – Como é que você gerencia essa dupla porta, como é que você diz para o paciente que não tem RAS _ Vol. 9, No 37 – Out-Dez, 2007 vaga para ele na UTI, mas tem vaga para o indivíduo do Plano de Saúde da Petrobrás, na mesma UTI? JRF – Um brasileiro que trabalha na Petrobrás internado na UTI. RAS – Mas pelo fato dele ser funcionário da Petrobrás, ele entra pela outra porta? JRF – Temos aqui a seguinte situação: temos a diferenciação para o setor de convênios. São 45 leitos para convênios e 700 leitos destinados ao SUS. E uma UTI que preferencialmente interna doentes desse sistema, mas não exclusivamente. Tanto é que ela nunca fica vazia, porque tem muitos pacientes do SUS. É a única diferença. Toda a outra agenda... por exemplo, você pode perguntar ressonância magnética... pergunta, por que para o paciente SUS você marca ressonância magnética daqui a dois meses e para o setor privado quase não tem espera... RAS – No dia seguinte? JRF – Na semana seguinte... Quando se criou isso, o sistema público não comprava toda capacidade instalada, então destinamos nossa capacidade ociosa aos convênios. Quando trabalhávamos com FPO, Ficha de Previsão Orçamentária, eu chegava para o gestor e dizia: “temos capacidade de fazer mil ressonâncias, mas a FPO só permite fazer 600 ou 700 para o SUS”. O que eu faço com o restante? Então, ou ela era consumida com pesquisa ou alguma outra fonte financiadora absorvia isso. E foi assim, com uma outra agenda, sem diminuir em nenhum dia e nenhum exame do atendimento da cota do SUS que abrimos uma agenda de diagnósticos para os convênios... RAS – Grande parte dos residentes do SUS em São Paulo é mantida pela Secretaria do Estado da Saúde, via Fundap. A maioria dos hospitais públicos estaduais possui algum programa de Residência Médica... JRF – Nós apoiamos muito a residência médica. E também pelo fato de os órgãos financiadores avaliarem a qualidade RAS _ Vol. 9, No 37 – Out-Dez, 2007 da prestação do serviço dos hospitais. Quanto mais entidades vierem nos fiscalizar, melhor. Agora, o foco dos programas de residência médica deve ser o aprendizado. Não é só porque tem muita demanda de pacientes ou muita consulta para atender que esses programas devem ser criados ou ampliados. Porque daí estamos distorcendo completamente o programa, um dos melhores programas de treinamento na área da saúde que é o programa de residência médica. RAS – Um tempo atrás vocês estavam com problema de resíduos hospitalares e no fluxo do lixo? JRF – É, temos alguns problemas que são de estrutura. E a direção de um hospital, e principalmente de um hospital de ensino, é algo muito complexo. Se eu pudesse fazer uma comparação com aquele equilibrista dos vários pratos, você vai aqui, de repente que ir ao outro lá, outro lá, porque não tem um braço, que significa financiamento, para manter todos os pratos rodando ao mesmo tempo. Então, manter todo o hospital, que foi construído em 1940, dentro das regras sanitárias e de segurança atuais, precisa de muito dinheiro. Temos feito isso aos poucos, porque nossa primeira prioridade é o custeio, é o remédio dos doentes, o pagamento de folha e a comida dos doentes. Estamos aos poucos recuperando toda a estrutura, colocando-as de acordo com as normas sanitárias vigentes. RAS – No Brasil discute-se a questão de médicos por mil habitantes. O Brasil tem hoje menos médico por mil habitantes do que a Itália, Israel, Cuba e Chile. Ainda é um mercado que, primeiro, exerce um grande fascínio nos jovens; veja os vestibulares de medicina altamente concorridos. Segundo, talvez seja a única profissão em que o indivíduo se forma, termina a residência e tem emprego garantido. Como você vê a proliferação das faculdades de medicina? JRF – Sou totalmente contra a proliferação de Escolas Médicas, sem critérios. É preferível a gente ter uma relação quantidade de médico por população menor do que procurar ampliar essa relação com profissionais mal preparados e faculdades improvisadas. RAS – Faltam médicos em Tocantins. Tocantins não têm médicos em número suficiente. Em Rondônia eles contratam médicos peruanos porque não têm nacionais disponíveis. Os alunos da UNIFESP não vão pra lá... JRF – Faltam médicos. Se você olhar os dados do IBGE, observa que tem crescido o numero de estabelecimento de saúde. E qual o grande contingente que cresce? São as clínicas diagnósticas. Por quê? Por que crescem clínicas de laboratórios, de radiologia, de anatomia patológica? Porque a remuneração é melhor. Não existe médico pediatra para fazer consultas nas UBS na periferia de São Paulo, por exemplo. Não existe médico para tocar prontosocorro. Não existe médico para atender o plantão das UTIs, embora existam muitos médicos na área diagnóstica... RAS – Ninguém quer fazer pediatria? JRF – Nem pediatria nem clínica médica. Ivomar, pediatria, clínica médica, o profissional não vai conseguir viver disso. Vai ter que procurar quatro ou cinco empregos. O setor público e talvez até o setor privado não remunera esses especialistas a ponto de atrai-los. Não vai mesmo. Mas se você abrir um concurso para oftalmologista, radiologista, dermatologista, cardiologista... RAS – Medicina estética... JRF – Lipoaspiração, plástica, medicina estética. Então, na verdade o problema de pediatria é um problema sério. Agora por conta de um salário um pouco melhor é que as OSS conseguiram atrair alguns pediatras, porém se isso não acordar o aparelho formador, em breve não vamos mais formar esse profissional. Então outros especialistas irão atender crianças. Então a saída não é criar escolas de medi- 117 cina sem o controle de qualidade necessário. Porque também não se consegue medir o custo do intangível. O custo de um profissional mal formado... Como se mede isso? Como que se mede as mortes evitáveis. Eu digo que tem um contingente de mortes evitáveis e morbidade evitável dentro dos hospitais de ensino das grandes escolas. Deve ter aqui, deve ter no HC, deve ter na Santa Casa. Imagine as mortes evitáveis em todo o país. RAS – Hoje se discute muito, nos EUA, os óbitos causados pela medicina. Erro de diagnóstico, erro de medicamento, tratamento introduzido fora de tempo... JRF – Isso é a morbidade causada, boa parte, pelo sistema. Uma parte pode ser atribuída ao profissional. Porque até do ponto de vista, não do ato objetivo, mas pode ser o seguinte, Ivomar, eu deixo de atender um doente na minha enfermaria porque eu fui para um congresso e não deixei ninguém no lugar, e só voltei uma semana depois para ver o mesmo doente, ele pode ter piorado por conta disso. RAS – Ou adquiriu uma infecção hospitalar... JRF – Ou pegou uma infecção hospitalar. Ou não tinha ninguém com a minha experiência para avaliar, ou então, evoluiu para um quadro mais complexo... Então isso são todas as mortes evitáveis ou morbidades evitáveis do sistema. Temos que produzir profissionais com qualidade, remunerá-los adequadamente e também avaliálos. Outra coisa que esse país não faz é avaliar profissional. Não avalia. Formado, passa na residência médica e nunca mais. E se ele for um professor, então... Agora fala-se na revalidação de títulos de especialista... RAS – O volume de recursos proporcionais ao PIB que o Brasil destina à saúde é muito parecido com o de outros países como Chile, Costa Rica, percentual do PIB. JRF – É menor. 118 RAS – Parecido... No entanto, Chile e Costa Rica, por exemplo, têm indicadores de saúde melhores que os do Brasil. Enquanto vivemos nessa eterna discussão sobre falta de recursos, CPMF, preciso de uma nova CPMF. Na sua opinião, qual o principal problema enfrentado pelo setor saúde no Brasil? É a má gestão dos poucos recursos existentes, é falta de recurso, falta de gestão, falta de compromisso, ou somos mesmo uma esculhambação tropical? JRF – Discordo, não somos uma esculhambação tropical. Não é isso... Nosso sistema de saúde é um dos mais bem elaborados do mundo. O sistema é mal financiado, também não há muita discussão com relação a isso. Sabemos que o dinheiro é insuficiente, e que existe má gestão desses recursos. Porque não há avaliação, há pouco controle dos nossos gastos. Estima-se, com algum risco, que em torno de 20%, por exemplo, do orçamento do Ministério da Saúde poderia com medidas de gestão, inclusive do Ministério da Saúde, e de controle do gestor, nós poderíamos economizar em torno de uns 20%. Isso, não sei quanto no Estado, não sei quanto nos municípios, não sei quanto no setor privado. De desperdícios que você acabou de citar. E também de incorporação tecnológica, eu mostro um gráfico na minha aula, que indica a quantidade de recursos que você tem que investir no sistema, e o respectivo ganho em saúde. Às vezes você faz um negocinho desse tamanho, investe pouca coisa, mas tem um ganho de saúde elevado. E às vezes você precisa fazer um investimento enorme para ter um ganho de saúde não tão elevado. Quem vai tomar essa decisão? O PET-SCAN. Hoje, bastante divulgado e a indústria de tecnologia forçando. Que incremento de saúde vai dar para a população depois dele instalado? Será que no lugar de fazer diagnóstico de 20 metástases, fazer o diagnóstico de 25 metástases traz uma mudança significativa no nível de saúde na população brasileira, neste momento de poucos recursos? Então o incremento de novas tec- nologias, tanto no campo de equipamentos como de remédios, precisa ser olhado com muita cautela e seriedade. RAS – E a questão dos fornecedores... JRF – Parte dos equipamentos que estão colocados na tabela SUS, as órteses, próteses e materiais especiais, o preço que está lá, as empresas vendem para os hospitais, em alguns casos com descontos de até 50%. E elas não estão tomando prejuízo. Por que foi negociado aquele preço com o Ministério da Saúde? O dólar flutuou? Existem oportunidades. Se você fizer gestão em cima da tabela, porque hoje se fala mal da tabela do ponto de vista médico, dos procedimentos mais e dos menos rentáveis. Agora se você observar especificamente o que o ministério paga para os laboratórios e órteses e próteses, os valores desses procedimentos, penso que ali tem uma oportunidade de economia. RAS – O que é isso? Preço médio? Prazo de pagamento? Lobby ? JRF – É lobby. O prazo de pagamento contribui para um preço mais acessível, mas não pode chegar a 40%, 50%. Eu não posso, pagando uma relativa regularidade o fornecedor que me vender a 40, 50% da tabela SUS. RAS – E a avaliação externa do atendimento? JRF – Outra coisa que nós não temos é um sistema de avaliação e controle adequado. Não avalio adequadamente, mesmo com esse novo programa. Porque vem aqui uma comitiva da Secretaria do Estado e do Município trimestralmente, eles vêm aqui, com reunião no anfiteatro. Eles vêm olhar as metas. Isso ocorre no Brasil como um todo. Além de existir uma equipe Ministerial que a cada 2 anos vem reclassificar o hospital e dizer se nós somos ou não um hospital de ensino. Então eu tenho algumas, e se eu conseguir alguma entidade que me certifique com selo de qualidade, por exemplo a ONA, que eu ainda não consigo porque eu tenho probleRAS _ Vol. 9, No 37 – Out-Dez, 2007 mas de estrutura muito sérios, esse mecanismo vem me auditar a cada 2 anos. Isto é saudável. Portanto voltando, todos os órgãos que venham nos fiscalizar para ver se a gente está prestando bom serviço assistencial, ou de ensino, ou de pesquisa, são ótimos. RAS – Toda avaliação é saudável... JRF – Toda avaliação é saudável. E a gente precisa se submeter. Até as pessoas têm que se submeter. Eu falo aqui, não adianta você querer avaliar o outro. Você tem que também estar dentro do processo de avaliação. E se nós tivermos isso, e nossos gestores também. Na verdade, os gestores da saúde, o conjunto dos secretários estaduais, o conjunto dos secretários municipais, e o gestor federal, esses principalmente... constituem um conjunto de pessoas muito volátil. Os secretários de saúde... RAS – Desde o final do Governo Montoro, o diretor da Maternidade Leonor Mendes de Barros, é o mesmo. Isso já tem mais 20 anos. Já passaram Quércia, Fleury, Covas e Alckmin, e agora Serra. Nesse período a Maternidade conseguiu os prêmios CQH , UNICEF e Hospital Amigo da Criança... JRF – A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo tem uma massa crítica ligada ao sistema único de saúde muito maior do que muitos municípios, inclusive o município de SP. Nós não tínhamos o SUS municipal, o SUS é recente na capital, e isso criou inúmeros conflitos porque esta é a maior cidade do país. Mesmo porque RAS _ Vol. 9, No 37 – Out-Dez, 2007 sofre com a imigração de outras cidades, Estados, países e até continentes... A continuidade administrativa quando a gestão é feita com seriedade é algo muito importante... mas eu queria falar um pouco sobre uma certa confusão que existe sobre as atribuições nos vários níveis de governo, estados e municípios. Questão de cinco dias atrás, tivemos o caso de um paciente paraguaio que veio passear, e aproveitou para fazer um teste ergométrico, teve uma fibrilação ventricular, parada e foi atendido por um hospital privado. E saiu. Só que precisava passar um desfribilador interno que custa em torno de 50 mil reais. Uma determinada manhã, ele amanheceu aqui na enfermaria do PS. Com todas as conseqüências em relação a isso. RAS – Seria absurdo dizer que, se nasceu do lado de lá do rio Paraná ou do rio Iguaçu, e por ser paraguaio não vai ser atendido... JRF – Ao contrario, existem convênios internacionais. O que precisa é haver clareza desses convênios e dos atendimentos e financiamento para isso. Definir grades de atendimento... veja por exemplo... Recebi do Dr. Nilson Ferraz, secretário adjunto da Secretaria de Estado da Saúde, um relatório sobre vagas para pacientes. Tudo começou porque o secretário de Saúde de um Estado da região norte mandou um ofício para o Secretário de Saúde de São Paulo, com uma lista de pacientes para tratamento nos principais hospitais daqui, indicados pelo critério da complexidade. Esse paciente deve ser atendido na Santa Casa, esse no HC-FMUSP, esse outro na UNICAMP em Campinas, esse no Hospital São Paulo. Aí a SES chamou o Hospital São Paulo e perguntou: “por que vocês não estão marcando esses atendimentos?”. Perguntamos, como atender esse morador de outro Estado, quando temos nossa demanda por atender, inclusive com fila de espera em algumas especialidades? Esses encaminhamentos devem ser programados, pactuados... Nos informaram que, como lá eles não têm essas especialidades. E que existe o tratamento fora de domicílio no SUS... RAS – Referência e contra-referência é por região. Estados da região norte, a retaguarda é Manaus e as regiões de apoio são: Nordeste e Distrito Federal. JRF – Foi isso que eu disse. Enfim, existe essa questão do fluxo entre os vários municípios, que apesar das grades, ainda não está muito bem estabelecido. É uma questão de financiamento, mas é uma questão de também de conhecer o sistema. Os secretários de Saúde ficam chateados quando falamos isso na ABRAHUE. Assim como os diretores de hospitais, precisam aprender o funcionamento do sistema, eles também precisam. Nós, diretores, não mudamos tanto quanto mudam eles. Veja no Município de São Paulo quantos secretários já passaram em três anos? O Claudio Lottemberg, a Maria Cristina Cury, a Aparecida Orsini, e agora o Januário Montone. Daqui a pouco muda de novo, porque virá outro prefeito. A descontinuidade administrativa é um dos males de que o sistema público padece. E aí, para fechar tua pergunta, por que o Chile, com porcentagem semelhante do PIB, tem melhores resultados que a gente? Porque eles, possivelmente, são mais organizados do que nós e fazem melhor gestão do recursos públicos. 119
Documentos relacionados
JRF Group, uma empresa socialmente responsável
100 ovos entre os bairros rurais Serrinha e Barro Preto. No mesmo dia, acompanhado da esposa Érica Ianov de Faria e convidados, veio para a cidade participar da Festa da Páscoa Jesus Vive! organiza...
Leia mais