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APOSTILA 2016 HISTÓRIA PROFESSOR: MARCOS HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 1 Índice Capitulo 1 .................................................................................................... P.4 Capitulo 2 .................................................................................................... P.13 Capitulo 3 .................................................................................................... P.19 Capitulo 4 .................................................................................................... P.28 Capitulo 5 .................................................................................................... P.36 Capitulo 6 .................................................................................................... P.45 Capitulo 7 .................................................................................................... P.55 Capitulo 8 .................................................................................................... P.66 Capitulo 9 .................................................................................................... P.72 Capitulo 10 .................................................................................................. P.80 Referencias Bibliográficas ............................................................................P.90 HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 2 Objetivos Pedagógicos Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito; Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania; Saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; Questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 3 CAPITULO 1 Centralização das Monarquias Europeias A trágica Noite de São Bartolomeu (1572), quando milhares de huguenotes foram massacrados, relaciona-se com as lutas religiosas ocorridas na França durante o século XVI. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 4 A Centralização do poder nas monarquias europeias França, Inglaterra, Portugal e Espanha. Hoje é difícil imaginar a Europa sem esses países. Mas eles só começaram a se consolidar a partir da Baixa Idade Média, paralelamente ao desenvolvimento do comércio e das cidades. Até então, nos diversos reinos formados na Europa com a desagregação do Império Romano do Ocidente, os reis exerciam, principalmente, funções militares e políticas. Sem cumprir atividades administrativas, o rei tinha seus poderes limitados pela ação da nobreza feudal, que, por também serem senhores de terra, controlava de fato o poder. Essa organização do poder é chamada monarquia feudal e sua principal característica era a fragmentação do poder. A partir do século XI, em algumas regiões da atual Europa as monarquias feudais iriam servir de base para a formação de governos centralizados: é o caso de Portugal. da França, da Inglaterra e de Castela (atual Espanha). Os reis começaram então a concentrar grandes poderes, em parte por causa do apoio e do dinheiro recebido dos burgueses. Ao longo do processo de centralização do poder, a aproximação entre o rei e a burguesia colocaria fim à fragmentação política. Entretanto, isso não significou a exclusão da nobreza feudal do poder. Ela se manteve ligada ao rei usufruindo de sua política e de privilégios. Além dos reis, ganharam importância nesse processo os burgueses, que se tornaram mais tarde o grupo social de maior poder político e, sobretudo, econômico. A formação das monarquias Durante quase toda a Idade Média não existiam países como os que conhecemos hoje. Assim, morar em Londres ou em Paris não significava morar na Inglaterra ou na França. As pessoas sentiam-se ligadas apenas a uma região, a um feudo (ou senhor) ou ao lugar onde nasceu. O processo de formação de monarquias com poder centralizado na Europa iniciou-se no século XI e consolidouse entre os séculos XIV e XVI. Ao final de alguns séculos, esse processo deu origem a muitos dos países atuais da Europa, como França, Portugal e Espanha. Entretanto, ele não ocorreu ao mesmo tempo e da mesma maneira em todos os lugares do continente. Em regiões como a península Itálica e o norte da Europa nem chegou a se consolidar. Quase sempre estiveram envolvidos nesse processo de centralização do poder os mesmos grupos sociais: os reis, a burguesia e os nobres feudais. Cada um desses grupos era movido por interesses próprios. Muitas vezes, esses interesses eram convergentes; outras vezes, radicalmente opostos. Para a burguesia, novo grupo social que se formava, a descentralização política do feudalismo era inconveniente. Isso porque submetia os burgueses aos impostos e taxas cobrados pelos senhores e dificultava a atividade comercial pela ausência de uma moeda comum e de pesos e medidas padronizadas. Essas circunstâncias acabaram aproximando os burgueses dos reis, interessados em concentrar o poder em suas mãos. Nessa aliança, a burguesia contribuía com dinheiro e o rei, com medidas administrativas que favoreciam o comércio. O dinheiro da burguesia facilitava aos reis a organização de um exército para impor sua autoridade à nobreza feudal. Essa mesma nobreza feudal, por sua vez, encontrava-se enfraquecida pelos gastos com as Cruzadas e tinha necessidade de um apoio forte, até mesmo para se defender das revoltas camponesas, que se intensificavam. Desse HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 5 modo procurou apoio nos reis, apesar de muitas vezes se sentir prejudicada com a política da realeza em favor da burguesia, que colocava fim a vários dos privilégios feudais. Dividido entre a burguesia e a nobreza feudal, o rei serviu como uma espécie de mediador entre os interesses dos dois grupos. Ao final de um longo tempo, esse processo acabou possibilitando a formação de um poder centralizado e a consolidação de uma unidade territorial. Com isso, formaram-se em diversas regiões da Europa monarquias com poder centralizado, nas quais os reis detinham grande parte do poder. Assim, a monarquia centralizada foi à forma de governo sob a qual se organizou a Europa entre o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. “[...] O rei fora um aliado forte nas cidades na luta contra os senhores. Tudo o que reduzisse a força dos barões fortalecia o poder real. Em recompensa pela sua ajuda, os cidadãos estavam prontos a auxiliá-lo com empréstimos em dinheiro. Isso era importante, porque com o dinheiro o rei podia dispensar a ajuda militar de seus vassalos. Podia contratar e pagar um exército pronto, sempre a seu serviço, sem depender da lealdade de um senhor. Seria também um exército melhor, porque tinha uma única ocupação: lutar. Os soldados feudais não tinham preparo, nem organização regular que lhes permitisse atuar em conjunto, com harmonia. Por isso, um exército pago para combater, bem treinado e disciplinado, e sempre pronto quando dele se necessitava, constituía um grande avanço” (HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro, 1977, p. 80 - 81) HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 6 A Monarquia Francesa Em 843, o Império Carolíngio foi dividido em três reinos, que, por sua vez, já estavam subdivididos em feudos governados por duques, marqueses e condes. Os reis eram suseranos, que dependiam dos nobres locais para a obtenção de soldados e rendimentos. Em 987, com a subida ao trono de Hugo Capeto, um desses reinos, o da França, passou a ser governado pela dinastia dos capetíngios. Um seu descendente, Filipe Augusto é considerado o primeiro rei a iniciar o processo de consolidação da Monarquia francesa. Em seu reinado (1180-1223), as cidades começaram a ser libertadas do domínio dos senhores feudais, o que favoreceu a consolidação da burguesia. Apoiado por ela, Felipe impôs sua autoridade aos nobres. Durante seu governo, Paris passou a ser a capital do reino da França. O processo de consolidação da Monarquia na França foi impulsionado por Luís IX (1226-1270). Ele criou uma moeda única, cuja aceitação tornou-se obrigatória em todo o território do reino. Contribuiu, assim, para o comércio, facilitando a circulação das mercadorias. Durante o reinado de Filipe IV (1285-1314), mais conhecido como Filipe, o Belo, os mercadores e banqueiros estrangeiros chegaram a ser expulso da França para evitar a saída de dinheiro, o que fortaleceu ainda mais a burguesia francesa e o próprio rei. Seu governo entrou em conflito com a igreja porque queria cobrar imposto do clero. Com a morte do papa Bonifácio VIII, foi escolhido para substituí-lo o francês Clemente V. Em 1309, Filipe, o Belo, pressionou-o para que transferisse o papado de Roma para a cidade francesa de Avignon (sudeste da França). Assim, a Igreja ficou sob o controle do rei francês. A sede da Igreja só voltaria para Roma em 1377. A Monarquia francesa se consolidou nos séculos XIV e XV, durante a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra. Aliás, esse conflito seria importante também para a Inglaterra consolidar seu poder central. Carlos VII e Filipe IV: personagens centrais do processo de formação da monarquia na França. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 7 A Monarquia Inglesa Nas Ilhas Britânicas, em meados do século XI, havia quatro reinos: Escócia, País de Gales e Irlanda, formados pelos celtas, e Inglaterra, formada por povos anglo-saxões. Em 1066, o duque Guilherme, da Normandia (região do norte da França), invadiu e conquistou a Inglaterra. Guilherme, O Conquistador, como ficou conhecido, era vassalo do rei francês. Ele dividiu a Inglaterra em condados, para os quais nomeou um funcionário a fim de representá-lo. Esse funcionário (xerife) tinha autoridade sobre todos os habitantes, fossem eles senhores ou camponeses. Com isso, Guilherme acabou fortalecendo seu poder. Em 1154, um nobre francês, Henrique Plantageneta, parente de Guilherme, herdou a Coroa do Reino da Inglaterra, passando a chamar-se Henrique II (1154-1189). Nesse período ocorreu de fato a centralização do poder na Inglaterra. Henrique II foi sucedido por seu filho, Ricardo Coração de Leão (1189-1199). Dos dez anos de seu governo, Ricardo ausentou-se da Inglaterra por nove anos, liderando a Terceira Cruzada e lutando no continente europeu para manter seus domínios na França. Essa longa ausência causou o enfraquecimento da autoridade real e o fortalecimento dos senhores feudais. No reinado de João Sem-Terra (1199 - 1216), irmão de Ricardo, o enfraquecimento da autoridade real foi ainda maior. Após ser derrotado em conflitos com a França e com o papado, João Sem-Terra foi obrigado, pela nobreza inglesa, a assinar um documento chamado Magna Carta (1215). Por esse documento, a autoridade do rei da Inglaterra ficava bastante limitada. Ele não podia, por exemplo, aumentar os impostos sem prévia autorização dos nobres. A Magna Carta estabelecia que o rei só poderia criar impostos depois de ouvir o Grande Conselho, formado por bispos, condes e barões. Henrique III (1216-1272), filho e sucessor de João Sem-Terra, além da oposição da nobreza, enfrentou forte oposição popular. Um nobre, Simon de Montfort, liderou uma revolta da aristocracia e, para conseguir a adesão popular, convocou um Grande Parlamento em 1265, do qual participavam, além da nobreza e do clero, representantes da burguesia. No reinado de Eduardo I (1272-1307), oficializou-se a existência do Parlamento. Durante os reinados de Eduardo II e de Eduardo III, o poder do Parlamento continuou a se fortalecer. Em 1350, o Parlamento foi dividido em duas câmaras: a Câmara dos Lordes, formada pelo clero e pelos nobres, e a Câmara dos Comuns, formada pelos cavaleiros e pelos burgueses. Como podemos ver, na Inglaterra o rei teve seu poder restringido pela Magna Carta e pelo Parlamento. Mas isso não significou ameaça ao poder central enfraquecido, muito pelo contrário. Comandada pelo rei, conforme os limites impostos pelo Parlamento, a Inglaterra tornar-se-ia um dos países mais poderosos da Europa, a partir do século XVI. Até hoje, a Inglaterra é uma monarquia parlamentarista. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 8 A Guerra dos Cem Anos Guilherme, o Conquistador, ao dominar a Inglaterra, acabou ligando-a aos franceses, já que ele era vassalo do rei da França. Joana d´Arc No início do século XIV, o rei Eduardo III da Inglaterra manifestou a intenção de ocupar o trono francês, do qual se julgava herdeiro. Ao mesmo tempo, desejava dominar a região de Flandres (atuais Bélgica e Holanda), grande produtora de tecidos. Essas ambições acabaram provocando um conflito entre a Inglaterra e a França: a Guerra dos Cem Anos. Ela tem esse nome porque, com pequenas interrupções, prolongou-se por mais de um século: de 1337 a 1453. O início do conflito é marcado pela invasão do território francês pelos exércitos da Inglaterra. Os ingleses venceram as batalhas iniciais, apoderando-se de grande parte do território francês. Mas essas vitórias intensificaram a união e a resistência da população francesa. O principal símbolo dessa união foi Joana d' Arc, uma jovem camponesa que obteve vitórias contra os exércitos ingleses, reanimando os franceses. Assustados com a jovem camponesa, os ingleses conseguiram aprisioná-la. Julgada por heresia foi condenada à morte numa fogueira. Mas isso não impediu que os franceses retomassem os territórios perdidos e expulsassem os ingleses. O desfecho da Guerra dos Cem Anos contribuiu para estabelecer os limites territoriais tanto da França vitoriosa quanto da Inglaterra derrotada, além de ter suscitado nos dois lados a formação de um importante sentimento nacionalista A Monarquia Portuguesa Portugal foi um dos primeiros países da Europa a consolidar um governo forte, centralizado na pessoa do rei. A formação da Monarquia portuguesa iniciou-se nas lutas dos cristãos pela expulsão dos árabes islâmicos que, desde o século VIII, ocupavam a península Ibérica. Essas lutas ficaram conhecidas como guerras de Reconquista Durante o domínio árabe, os reinos cristãos ficaram restritos ao norte da península - como Navarra. A partir do século XI, pouco a pouco eles conseguiram ampliar seu território. Foram fundados, então, vários reinos, entre os quais Aragão, Leão, Castela. Com isso, os árabes começaram a recuar em direção ao litoral sul. Durante as guerras de Reconquista, destacou-se o nobre francês Henrique de Borgonha. Como recompensa, ele recebeu do rei de Leão e Castela, Afonso VI, a mão de sua filha e terras que constituíram o condado portucalense. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 9 O filho e herdeiro de Henrique de Borgonha, Afonso Henriques, proclamou-se então rei de Portugal em 1139, rompendo os laços com Leão e Castela. Tinha início, assim, a dinastia de Borgonha. Afonso Henriques, o Conquistador, estendeu seus domínios para o sul, até o rio Tejo, e fez de Lisboa sua capital. Em 1383, com a morte do último rei (sem herdeiros diretos) da dinastia de Borgonha, D. Fernando, o Formoso, a Coroa portuguesa ficou ameaçada de ser anexada pelo soberano de Castela, parente do rei morto. A burguesia, por sua vez, temia ver seus interesses comerciais prejudicados pelos nobres castelhanos. Para evitar a perda da independência, os portugueses aclamaram D. João, meio-irmão do rei morto, como novo rei. João, mestre da cidade de Avis, venceu a disputa e assumiu o trono em 1385. O apoio financeiro da burguesia foi decisivo nessa vitória. Assim, durante toda a dinastia de Avis, os reis favoreceram e apoiaram as atividades burguesas. A Monarquia Espanhola A Península Ibérica, durante o século VIII, teve grande parte de seus territórios dominados pelos árabes que, inspirados pela jihad muçulmana, empreenderam a conquista de diversas localidades do Oriente e do Ocidente. Na porção centro-sul, os árabes consolidaram a formação do Califado de Córdoba, enquanto a região norte ficou sob controle dos reinos cristãos de Leão, Castela, Navarra, Aragão e o Condado de Barcelon. Por volta do século XI, esses reinos católicos resolveram formar exércitos que – inspirados pelo movimento cruzadista – teriam a missão de expulsar os “infiéis” muçulmanos daquela região. A partir de então, a chamada Guerra de Reconquista se alongou até o século XV. Com o desenvolvimento desses conflitos, os diferentes reinos participantes do combate conseguiram reduzir a presença dos muçulmanos e conquistar novas terras que enriqueceram tais governos. Durante essas guerras, os reinos ibéricos conseguiram a participação do francês Henrique de Borgonha, nobre que participou da guerra em troca do controle sob as terras do Condado Portucalense. Anos mais tarde, essa região HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 10 deu origem à Monarquia Nacional Portuguesa. Já no século XV, a hegemonia dos reinos católicos era garantida pelo reino de Castela, que controlava a grande maioria das terras da Península Ibérica nesse período. Em 1469, a presença muçulmana estava restrita ao Reino Mouro de Granada. Nesse mesmo ano, os territórios do Reino de Castela e Aragão foram unificados graças ao casamento entre os monarcas cristãos Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Depois disso, novos exércitos foram responsáveis por expulsar os muçulmanos definitivamente com a tomada de Granada, no ano de 1492. A partir de então, esse reino passou a fortalecer-se com franco incentivo ao comércio marítimo. Fernando de Aragão e Isabel de Castela HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 11 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 12 CAPITULO 2 As Cruzadas CRUZADAS CRUZADAS, EXERCITO CRUZADOS, JERUSALEM. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 13 No final do século XI, a sociedade feudal começava a apresentar sinais de mudanças. A Igreja, principal instituição da Europa ocidental, enfrentavam problemas com muitos de seus bispos e abades, que levavam uma vida luxuosa e abandonavam suas obrigações religiosas. Nos feudos, uma população cada vez mais numerosa não encontrava meios de produzir alimentos suficientes para todos. Neste contexto, surgiram as CRUZADAS, uma espécie de guerra santa empreendida pelos católicos contra os muçulmanos que dominava Jerusalém e outras regiões consideradas sagradas pelos cristãos no Oriente Médio. Nobres, camponeses, crianças, mendigos, enfim, grande parte da sociedade cristã se envolveram, por diversas razões, nesses confrontos que duraria mais de duzentos anos. Entretanto, a importância maior das Cruzadas está no fato de eles terem iniciado um processo que colocaria fim no isolamento da sociedade feudal. Ao mesmo tempo em que cruzavam o continente e o mar Mediterrâneo e estabeleciam contato com outros povos, os católicos europeus faziam comércio. Isso resultou por favorecer o abandono da vida rural aumentando a busca pelas cidades para fazer negócios. Assim, as Cruzadas, que de inicio podem ter representado uma alternativa para a manutenção da sociedade medieval, com o tempo acabaram por ser responsável pela formação de uma outra ordem social. A CONVOCAÇÃO PARA AS CRUZADAS Durante a idade média, muitos cristãos costumavam ir a peregrinação aos locais onde Jesus Cristo teria nascido, vivido e feito suas pregações (Belém, Nazaré, Jerusalém, etc...). Esses locais, conhecidos como Terra Santa, eram considerados sagrados para os cristãos. Em consequência do expansionismo do povo árabe, Jerusalém foi tomada no ano de 638 d.C. O povo árabe havia se convertido ao islamismo (religião monoteísta criada pelo profeta Maomé) mais tolerava os peregrinos cristãos. Em 1071, entretanto, Jerusalém foi tomada pelos Turcos, também muçulmanos, porém mais radicais. Desde então se tornaram muito perigosas às peregrinações a Terra Santa. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 14 Os turcos estavam expandindo os seus domínios e ameaçavam conquistar Constantinopla capitã, do império Bizantino, também de tradição cristã. A tenção havia tomado conta dos feudos, naquela época. Ondas de ataques e saques ás aldeias cresciam de maneira ameaçadora. Essas razões, associadas à dominação de Jerusalém pelos turcos, levaram o Papa Urbano II a convocar uma expedição de retomada da Terra Santa. O papa, que acusava os turcos de assassinarem os peregrinos e profanarem os lugares santos, procurou encorajar os cristãos do Ocidente à guerra. Para viabilizar a expedição, convocou senhores feudais, bispos, cavaleiros e toda a população. PAPA URBANO II Trecho do discurso do Papa Urbano II, feito em Clermont, na França no ano de 1095 d.C. “Deixai os que outrora estavam a se baterem, impiedosamente contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis(...). Deixai os que até aqui foram ladrões tornarem-se soldados. Deixai os se bateram contra seus irmãos e parentes lutarem agora contra os bárbaros como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixo salários, receberem agora a recompensa eterna. Uma vez que a terra que vós habitais, fechada por todos os lados pelo mar e circundada por picos e montanhas, é demasiadamente pequena para vossa grande população: a sua riqueza não abunda, mal fornece o alimento necessário aos seus cultivadores (...). Tomai o caminho do santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos (...).” 1 Os primeiros voluntários escolheram como símbolo da expedição uma cruz costurada em suas roupas, daí o nome Cruzadas para esse movimento. MOTIVOS ALÉM DA FÉ O movimento das Cruzadas deve ser compreendido como parte do processo de mudanças do feudalismo durante a Baixa Idade Média. As sociedades feudais eram agrícolas, autossuficientes, voltadas apenas para subsistência. Tal tipo de organização passou a não atender às necessidades de uma população crescente. Assim, se para a igreja católica as Cruzadas se apresentaram como uma oportunidade de reconquistar a Terra Santa e fortalecer o poder do Papa, para muitos outros elas representavam uma alternativa tanto econômica quanto social. Algumas pessoas, por exemplo, aderiram às Cruzadas porque viam nela uma oportunidade de sair da vida miserável que levavam. 1 (Papa Urbano II. Citado em Leo Huberman. Historia da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1993, p. 28.). HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 15 Entre os nobres, grande parte via nas Cruzadas uma oportunidade de aumentar suas fortunas, já que a região da Palestina era considerada de grande riqueza. Muitos jovens entre os nobres viam a oportunidade de conquistar algo para si, já que, por não serem filhos primogênitos, não herdariam feudos, mas desejavam terras. Clero e Nobres junto ao Papa Urbano II OS CAMINHOS DAS CRUZADAS Foram realizadas ao todo oito Cruzadas oficiais, num período de duzentos anos. A primeira convocada pelo Papa Urbano II obteve algum êxito. Para essa cruzada, organizaram-se exércitos vindos de inúmeros lugares da Europa. Oficialmente, ela reuniu-se em Constantinopla em novembro de 1096. Essa Cruzada expulsou os turcos de grande parte da Terra Santa e fundou o reino de Jerusalém. Dos 300 mil cruzados que partiram de Constantinopla, apenas 40 mil chegaram à Palestina. Os demais morreram no caminho, em combates ou vitima de doenças, fome, sede e calor; outros voltaram à Europa. Da parte dos turcos, as perdas também foram imensas: cerca de 10 mil acabaram massacrados em Jerusalém. Após a derrota, os turcos atacaram os cruzados com frequência e conseguiram reconquistar a Terra Santa. Novas expedições foram então convocadas pelos cristãos. Entretanto, elas não tiveram o mesmo êxito da primeira. Mal organizadas e divididas internamente por rivalidades entre nobres, várias Cruzadas não conseguiram chegar à Palestina. Na segunda Cruzada, por exemplo, os combatentes de diversas regiões da Europa formaram grupos isolados e foram facilmente derrotados pelos Turcos. Os participantes da Quarta Cruzada, financiada por comerciantes da região do Mediterrâneo, ao chegarem a Constantinopla saquearam a cidade, chegando a invadir as igrejas para tirar objetos de valor. Os saques provocaram o enfraquecimento do comércio de Constantinopla e o fortalecimento das cidades mediterrâneas, que passaram a monopolizar o comércio de especiarias. A Cruzada das crianças Diante das constantes derrotas das Cruzadas, difundiu-se a lenda de que o Santo Sepulcro - local onde, segundo o Novo Testamento, Jesus Cristo foi sepultado - só poderia ser conquistado por crianças, pois elas eram isentas de pecados. Em 1212, 20 mil crianças germânicas e 30 mil francas foram encaminhadas a Jerusalém. Muitas acabaram morrendo pelo caminho, outras foram assassinadas ou aprisionadas e vendidas como escravas nos mercados do Oriente. Em resumo, a expedição foi um enorme fracasso. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 16 MAPA DAS PRIMEIRAS CRUZADAS Consequências das Cruzadas Apesar de não terem alcançado totalmente seu objetivo religioso, as Cruzadas promoveram grandes mudanças em toda a Europa, como a reabertura do Mediterrâneo à navegação e ao comércio europeu. Isso possibilitou a intensificação do comércio entre o Ocidente e o Oriente, interrompida em grande parte pela expansão muçulmana. Sobre esse processo, o historiador Leo Huberman afirmou: “Do ponto de vista religioso, pouco duraram os resultados das Cruzadas, já que os muçulmanos, oportunamente, retomaram o Reino de Jerusalém. Do ponto de vista do comércio, entretanto, os resultados foram tremendamente importantes. Elas ajudaram a despertar a Europa de seu sono feudal, espalhando sacerdotes, guerreiros, trabalhadores e uma crescente classe de comerciantes por todo o continente; intensificaram a procura de mercadorias estrangeiras; arrebataram a rota do Mediterrâneo das mãos dos muçulmanos e a converteram, outra vez, na maior rota comercial entre o Oriente e o Ocidente, tal como antes”.2 2 (Leo Huberman. Historia da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1993, p. 30). HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 17 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 18 CAPITULO 3 Reforma Religiosa O processo de reformas religiosas teve início no século XVI. Podemos destacar como causas dessas reformas: abusos cometidos pela Igreja Católica e uma mudança na visão de mundo, fruto do pensamento renascentista. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 19 Reforma Religiosa O que foi a Reforma Religiosa? No século XVI a Europa foi abalada por uma série de movimentos religiosos que contestavam abertamente os dogmas da igreja católica e a autoridade do papa. Estes movimentos, conhecidos genericamente como Reforma, foram sem dúvida de cunho religioso. No entanto, estavam ocorrendo ao mesmo tempo em que as mudanças na economia européia, juntamente com a ascensão da burguesia. Por isso, algumas correntes do movimento reformista se adequavam às necessidades religiosas da burguesia, ao valorizar o homem “empreendedor” e ao justificar a busca do “lucro”, sempre condenado pela igreja católica. Os fatores que desencadearam a Reforma. Uma das causas importantes da Reforma foi o humanismo evangelista, crítico da Igreja da época. A Igreja havia se afastado muito de suas origens e de seus ensinamentos, como pobreza, simplicidade, sofrimento. No século XVI, o catolicismo era uma religião de pompa, luxo e ociosidade. Surgiram críticas em livros como o Elogio da Loucura (1509), de Erasmo de Rotterdam, que se transformaram na base para que Martinho Lutero efetivasse o rompimento com a igreja católica. Moralmente, a Igreja estava em decadência: preocupava-se mais com as questões políticas e econômicas do que com as questões religiosas. Para aumentar ainda mais suas riquezas, a Igreja recorria a qualquer subterfúgio, como, por exemplo, a venda de cargos eclesiásticos, venda de relíquias e, principalmente, a venda das famosas indulgências, que foram a causa imediata da crítica de Lutero. O papado garantia que cada cristão pecador poderia comprar o perdão da Igreja. A formação das monarquias nacionais trouxe consigo um sentimento de nacionalidade às pessoas que habitavam uma mesma região, sentimento este desconhecido na Europa feudal, Esse fato motivou o declínio da autoridade papal, pois o rei e a nação passaram a serem mais importantes. Outro fator muito importante, ligado ao anterior, foi a ascensão da burguesia, que, além do papel decisivo que representou na formação das monarquias nacionais e no pensamento humanista, foi fundamental na Reforma religiosa. Ora, na ideologia católica, a única forma de riqueza era a terra; o dinheiro, o comércio e as atividades bancárias eram práticas pecaminosas; trabalhar pela obtenção do lucro, que é a essência do capital, era pecado. A burguesia precisava, portanto, de uma nova religião, que justificasse seu amor pelo dinheiro e incentivasse as atividades ligadas ao comércio. As doutrinas protestantes, criadas pela Reforma, satisfaziam plenamente os anseios desta nova classe, pois pregava o acúmulo de capital como forma de obtenção do paraíso celestial. Assim, grande parte da burguesia, ligada às atividades lucrativas, aderiu ao movimento reformista. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 20 Por que a Reforma começou na Alemanha? No século XVI, a Alemanha não era um Estado politicamente centralizado. A nobreza era tão independente que cunhava moedas, fazia a justiça e recolhia imposto em suas propriedades . Para complementar sua riqueza, saqueava nas rotas comerciais, expropriando os mercadores e camponeses. A burguesia alemã, comparada à dos países da Europa, era débil: os comerciantes e banqueiros mais poderosos estabeleciam-se no sul, às margens do Reno e do Danúbio, por onde passavam as principais rotas comerciais; as atividades econômicas da região eram a exportação de vidro, de metais e a “indústria” do papel; mas o setor mais forte da burguesia era o usurário. Quem se opunha à igreja na Alemanha. A igreja católica alemã era muito rica. Seus maiores domínios se localizavam às margens do Reno, chamadas de “caminho do clero”, e eram estes territórios alemães que mais impostos rendiam à Igreja. A Igreja era sempre associada a tudo que estivesse ligado ao feudalismo. Por isso, a burguesia via a Igreja como inimiga. Seus anseios eram por uma Igreja que gastasse menos, que absorvesse menos imposto e, principalmente, que não condenasse a prática de ganhar dinheiro. Os senhores feudais alemães estavam interessados nas imensas propriedades da Igreja e do clero alemão. Os pobres identificavam a Igreja com o sistema que os oprimia: o feudalismo. Isto porque ela representava mais um senhor feudal, a quem deviam muitos impostos. Às vésperas da Reforma, a luta de classes e política acabou assumindo uma forma religiosa. Senhor Feudal Alemão e membro da igreja Católica HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 21 Lutero e a Reforma Martinho Lutero era um monge agostiniano, de origem pequeno-burguesa, da região da Saxônia. Um homem pessoalmente angustiado e com tendências ao misticismo. Seu rompimento com a igreja católica deu-se em razão da venda de indulgências. Para concluir a construção da Basílica de São Pedro, o papa Leão X (1513-1521) determinou a venda de indulgências para toda a cristandade e encarregou o dominicano Tetzel de comercializá-las na Alemanha. Lutero protestou violentamente contra tal comércio e, em 1517, afixou na porta da igreja de Wittenberg, onde era mestre e pregador, 95 proposições onde, entre outras coisas, condenava a prática vergonhosa da venda de indulgências. O papa Leão X exigiu uma retratação, sempre recusada. Lutero foi excomungado e reagiu imediatamente, queimando em público a bula papal (documento de excomunhão). Frederico, príncipe eleito da Saxônia e protetor de Lutero, recolheu-o em seu castelo, onde o pensador religioso desenvolveu suas idéias. As principais foram: • A justificação pela fé, pela qual as aparências têm valor secundário. A única coisa que salva o homem é a fé. Sem ela, de nada valem as obras de piedade, os preceitos e as regras. O homem está só diante de Deus, sem intermediários: Deus estende ao homem sua graça e salvação; o homem estende para Deus sua fé. • Por isso a Igreja não tem função, o papa é um impostor, a hierarquia eclesiástica, uma inutilidade. • Outra idéia de Lutero era o livre-exame. A Igreja era considerada incompetente para salvar o homem; por isso sua interpretação das Sagradas Escrituras não era válida: Lutero queria que todos os homens tivessem acesso à Bíblia (por isso a traduziu do latim para o alemão). Todo homem poderia interpretar a Bíblia segundo sua própria consciência, emancipando-se no plano da ideologia religiosa. À esquerda, imagem de Lutero pregando as 95 teses na Igreja de Wittenberg. A baixo a queima da “Bula Papal”, marcando o rompimento com a Igrja HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 22 A REBELIÃO DOS NOBRES E DOS POBRES Os nobres alemães viram nas propostas de Lutero uma oportunidade para se apoderarem dos ricos domínios da igreja católica na Alemanha, Assim, o grão-mestre da Ordem Teutônica, uma ordem religiosa, converteu-se ao luteranismo e secularizou (confiscou) os bens da ordem; além deste, outros nobres também se converteram, como os senhores do Saxe, de Brandemburgo e de Hesse. Em 1522 os cavaleiros do império, camada social que se achava em processo de decadência, resolveram atacar vários principados eclesiásticos para se apossarem das terras e fortalecer sua posição na sociedade alemã. A nobreza católica reagiu, apoiada inclusive por alguns nobres luteranos, que se sentiam ameaçados em seus interesses. Em 1523 a rebelião foi esmagada. Aproveitando a derrota dos cavaleiros, os camponeses da Alemanha central e meridional iniciaram, em 1524, uma rebelião. Lutavam pelo fim da servidão camponesa e pela igualdade de condições dos camponeses com o clero e a nobreza. Nestas lutas destacou-se Thomas Münzer, que, influenciado pelas doutrinas de Lutero, clamava pelo extermínio dos ateus, dos sacerdotes e da nobreza fundiária. Lutero, entretanto, repudiou este levante, recomendando aos nobres que derrotassem os camponeses, exterminando-os como “cães raivosos”. A nobreza alemã organizou um grande exército, composto por católicos, protestantes, burgueses e padres e, em maio de 1525, eliminou mais de 100 mil camponeses, inclusive Thomas Münzer. As idéias deste homem geraram uma nova seita, mais radical que a luterana: os anabatistas. Os elementos mais conservadores da sociedade alemã saíram fortalecidos desta repressão aos camponeses, o que ajudou a manter o atraso na região, impedindo a formação de uma monarquia forte e centralizada. Martinho Lutero HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 23 A difusão da Reforma as Guerras Religiosas A rápida difusão dos ensinamentos de Lutero pela Alemanha acirrou uma disputa já existente: a disputa entre os nobres e príncipes e o império dos Habsburgos, que, apoiado pela igreja católica, dominava boa parte das terras alemãs, além da Espanha, dos Países Baixos e de vários territórios da Europa oriental, Baseados na doutrina de Lutero, os cavaleiros alemães lutavam para tomar os bens da Igreja e para se livrar do domínio dos Habsburgos. Ao lado do imperador, alinhavam-se os nobres mais poderosos e a igreja católica, ameaçada pelas pregações de Lutero. Carlos V tentou colocar fim a esta agitação. Em 1529 foi formada uma espécie de assembléia, conhecida como Dieta, onde ele tentou forçar a submissão dos nobres alemães ao catolicismo. Os nobres protestaram, o que originou o novo nome da religião luterana: “protestantes’”. Em 1531, as cidades e os príncipes protestantes da Alemanha formaram uma liga para enfrentar o exército imperial: a liga de Esmalcalda. Iniciou-se, então, uma longa luta política e religiosa, que se encerrou em 1555 com a assinatura da Paz de Augsburgo, que estabelecia que cada príncipe deveria impor sua religião no território sob seu controle direto (cujus regio ejus religio). A REFORMA NOS ESTADOS ESCANDINAVOS Desde o século XIV, a Suécia e a Noruega estavam submetidas ao reino da Dinamarca. Em 1523, o nobre sueco Gustavo Vasa proclamou a independência de seu país, transformando-se em rei da Suécia. Para obter recursos para administrar o novo país, Gustavo confiscou os bens da Igreja, convertendo-se ao luteranismo. O rei da Dinamarca, que ainda dominava a Noruega, seguiu o exemplo de Gustavo, confiscando os bens da Igreja e convertendo-se ao luteranismo em 1535. A influência católica praticamente desapareceu desses países. O desenvolvimento da Reforma na França gerou consideráveis conflitos. Merece destaque o massacre dos protestantes na conhecida noite de São Bartolomeu, em 1572. Contrarreforma ou Reforma Católica A situação da igreja católica, em meados do século XVI, era bastante difícil: ela perdera metade da Alemanha, toda a Inglaterra e os países escandinavos; estava em recuo na França, nos Países Baixos, na Áustria, na Boêmia e na Hungria. A Contra-Reforma, ou Reforma católica, foi uma barreira colocada pela Igreja contra a crescente onda do protestantismo. Para enfrentar as novas doutrinas, a igreja católica lançou mão de uma arma muito antiga: A Inquisição. O Tribunal da Inquisição foi muito poderoso na Europa nos séculos XIII e XIV, No decorrer do século XV, porém, perdeu sua força. Entretanto, em 1542 este tribunal foi reativado para julgar e perseguir indivíduos acusados de praticar ou difundir as novas doutrinas protestantes. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 24 Percebendo que os livros e impressos tinham sido muito importantes para a difusão da ideologia protestante, o papado instituiu, em 1564, o Index Libro rum Prohibitorum, uma lista de livros elaborada pelo Santo Ofício, cuja leitura era proibida aos fiéis católicos. A Igreja perdia adeptos e assistia à contestação e rejeição de seus dogmas, mas demonstrou no Concílio de Trento que ainda era muito poderosa e tinha capacidade de reação. Tribunal do Santo Oficio Estas duas medidas detiveram o avanço do protestantismo, principalmente na Itália, na Espanha e em Portugal. Para remediar os abusos da Igreja e definir com clareza sua doutrina, organizou-se o Concilio de Trento (15451563). O Concilio tomou uma série de medidas, entre as quais citamos: Organizou a disciplina do clero: os padres deveriam estudar e formar-se em seminários. Não poderiam ser padres antes dos 25 anos, nem bispos antes dos 30 anos. Estabeleceu que as crenças católicas poderiam ter dupla origem: as Sagradas Escrituras (Bíblia) ou as tradições transmitidas pela Igreja; apenas esta estava autorizada a interpretar a Bíblia. Mantinham-se os princípios de valia das obras, o culto da Virgem Maria e das imagens. Reafirmava a infalibilidade do papa e o dogma da transubstanciação. A conseqüência mais importante deste Concilio foi o fortalecimento da autoridade do papa, que, a partir de então, passou a ter a palavra final sobre os dogmas defendidos pela igreja católica. A partir da Contra-Reforma surgiram novas ordens religiosas, como a Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de Loyola em 1534. Os jesuítas (como eram chamados) organizaram-se em um molde militar e fortaleceram a posição da igreja dentro dos países europeus que permaneciam católicos. Criaram escolas, onde eram educados os HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 25 filhos das famílias nobres; foram confessores e educadores de várias famílias reais; fundaram colégios e missões para difundir a doutrina católica nas Américas e na Ásia. A fogueira para os feiticeiros! Que o diabo me leve!”Esta expressão, considerada uma blasfêmia, poderia levar à fogueira aquele que há pronunciasse nos séculos XV e XVI. A Igreja condenava quem invocasse o nome do diabo ou dissesse usar seus poderes para curar doente. Muitos curandeiros, ou praticantes de bruxaria, como eram chamados pela Igreja, foram jogados na fogueira por ordem do papa”. A Igreja, na ânsia de impor totalmente seu poder, considerava os curandeiros os piores inimigos do cristianismo. Porém, no século XV, como a miséria era grande e as doenças proliferavam, era normal que a população acreditasse em quem lhe prometesse dias melhores. Com o surgimento dos conflitos entre as religiões no século XVI, essa perseguição aumentou muito. Havia torturas cruéis antes de o condenado ser levado à fogueira, a ponto de o próprio acusado terminar admitindo que cometera crimes. "Sim, eu me encontrei com o diabo", no mínimo era isso que confessava, mesmo sabendo que não era verdade. Mas o que mais contentava o tribunal que julgava o coitado era ouvir: "Eu tomei poção mágica contendo sangue de crianças que foram depois devoradas, durante um ritual ao qual o diabo assistiu sob a forma de um bode". Muita gente inocente teve de pronunciar essas palavras. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 26 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 27 CAPITULO 4 Humanismo e Renascimento se a Além da beleza única de suas proporções, David, esculpido em mármore por Michelangelo, é portador de um importante significado para a compreensão do Renascimento. Michelangelo o idealizou tendo em mente o personagem bíblico que venceu o gigante Golias em um combate entre a inteligência e a força bruta. Dessa maneira, o artista expressa o humanismo renascentista como uma vitória da razão sobre as forças cegas da natureza. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 Inteiramente em mármore, a escultura David, de Michelangelo Buonarroti, completou cinco séculos de existência em setembro de 2004. Com quatro metros de altura e pesando cerca de 5,5 toneladas, a obra encontra-se na Galeria da Academia de Florença, Itália, protegida por um vidro blindado. Tanto cuidado deve ao fato de essa escultura ser considerada uma das principais joias do Renascimento. Como veremos neste capítulo, o Renascimento - assim como o Humanismo, corrente de pensamento que lhe deu sustentação foi fruto das transformações econômicas, sociais e culturais pelas quais vinha passando a Europa desde o século XI. Período brilhante da história europeia, ele foi responsável pela mudança de rumo das artes, das ciências e do pensamento entre os séculos XIV e XVI e deixou um legado permanente para história da humanidade. 28 Uma península politicamente fragmentada No início do século XV, a península Itálica era do ponto de vista político, uma verdadeira colcha de retalhos. Outrora unificado sob o Império Romano, seu território reunia naquela época diversos Estados com culturas, regimes políticos, dimensões territoriais e estágios de desenvolvimento econômico bem variado. Cinco desses Estados gozavam de maior influência na região: o Reino de Nápoles, ao sul; a República de Florença e os Estados Pontifícios (pertencentes à Igreja), no centro; a República de Veneza e o Ducado de Milão, ao norte. Cidades como Florença, Milão, Roma e, principalmente, Genova e Veneza, haviam se tornado, no decorrer dos séculos, importantes centros comerciais. Em Florença, por exemplo, em 1472 havia mais de 350 oficinas têxteis: 270 produziam tecidos de lã; 83 fabricavam panos de seda. Ao lado disso, a cidade contava com 33 casas bancárias. Esses números refletem o enriquecimento das cidades da península, acelerado com o renascimento comercial que se verificou na Europa a partir do século XI. Uma revolução cultural A maior circulação de dinheiro e a expansão dos negócios exigiam profissionais especializados na administração de empreendimentos bancários e mercantis. Sob a pressão dessa demanda, universidades laicas (não religiosas) se estabeleceram em diversos pontos da Europa. As novas escolas afirmavam a importância central do ser humano, considerado a obra suprema de Deus. Conhecida como antropocentrismo, essa concepção era coerente com o princípio grego segundo o qual "o homem é a medida de todas as coisas". Ela se chocava com a orientação das universidades controladas pela Igreja, nas quais o pensamento era dominado pelo teocentrismo - para o qual Deus (Théos, em grego) é a fonte de todo o conhecimento e deve estar no centro da reflexão filosófica. Assim, o foco principal da reflexão nas novas universidades passou a ser a atividade humana em suas diversas implicações. A individualidade das pessoas começou a ser valorizada e elas foram estimuladas a utilizar sua capacidade criativa para transformar o mundo de acordo com sua vontade. Dessa forma, foram priorizadas disciplinas voltadas para os estudos humanos, como Poesia, Filosofia, Gramática, Matemática, História e Eloquência, além daquelas ligadas ao antigo Direito Romano. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 Xilogravura do século XV que retrata estudantes e professores em torno de uma mesa com vários livros. No Renascimento foram fundadas várias escolas laicas para atender aos filhos da nobreza e da grande burguesia europeia. Segundo a nova concepção, educar tornou-se questão de moda e uma exigência social das elites. 29 Esse movimento de ideias, conhecido como Humanismo, foi concomitante com o resgate do conhecimento e das artes da Antiguidade Clássica e atingiu também outras áreas do saber, como Medicina, Astronomia, Filosofia, Literatura e Artes Plásticas. Textos de autores gregos e romanos, que nos séculos anteriores se encontravam sob o controle da Igreja, foram recuperados pelos estudiosos leigos. O mesmo aconteceu com as manifestações artísticas da Antiguidade Clássica - esculturas, templos, palácios, afrescos, peças de cerâmica e objetos de decoração, que passaram a ser a principal referência e fonte de inspiração de pintores, escultores, decoradores e arquitetos da península Itálica a partir do século XV. Também estavam no centro das preocupações a procura da beleza, o refinamento estético e a inter-relação entre diferentes áreas do pensamento humano. Assim, um artista deveria se interessar também por Filosofia, Ciências, Astronomia, Anatomia, etc. A personalidade que melhor se aproximou desse ideal foi o pintor, escultor, arquiteto, anatomista, urbanista, engenheiro, inventor e desenhista Leonardo da Vinci (1452-1519), autor do quadro Mona Lisa, entre outros. Este desenho, elaborado por Leonardo da Vinci por volta de 1510, é um estudo anatômico do ombro humano. No Renascimento, cresce o interesse pela observação do Universo e pelo estudo do corpo humano. Exemplo maior de intelectual humanista, Da Vinci dedicou-se a um amplo campo de pesquisas. Por razões técnicas, alguns de seus projetos só puderam ser realizados séculos depois de sua morte. O Renascimento O Humanismo surgiu no século XIV na península Itálica. Daí difundiu-se pelo continente europeu, dando origem a um movimento de renovação intelectual e artística conhecido como Renascimento. Esse nome foi dado pelo arquiteto toscano Giorgio Vasari (1511-1574) para mostrar o desejo de se fazer renascer o pensamento e a arte dos antigos gregos e romanos. Durante o Renascimento - ou Renascença, como também é chamado -, difundiu-se entre os estudiosos a ênfase na procura de explicações racionais - e não baseadas na fé - para os fatos da natureza. Esse tipo de pensamento, conhecido como racionalismo, negava a ideia de que a Igreja ou os livros sagrados fossem suficientes para responder a todas as dúvidas humanas. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 30 O pensamento político Como reflexo dessas transformações, o próprio pensamento político passou por mudanças, graças, principalmente, ao filósofo florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de O príncipe, obra de ciência política escrita em 1513. Nesse livro, a preocupação de Maquiavel não é o governo ideal, como era para os pensadores medievais. Para ele, era mais importante analisar as formas pelas quais os líderes realmente exercem o poder. O príncipe (ou rei) - dizia ele - não deveria se deter diante de nenhum obstáculo na luta para conquistar ou conservar o controle de um Estado, mesmo que isso implicasse o uso da força e da violência contra seus adversários. Nesse processo de renovação do pensamento, a Igreja católica também foi alvo de críticas: na esfera da reflexão sistemática e teórica, por pensadores como o humanista holandês Erasmo de Roterdã (1466-1536), que em seu livro Elogio da loucura condenava a corrupção existente na instituição; e no âmbito da sátira literária, por autores como o escritor francês François Rabelais (1494- 1533), nos romances Gargântua e Pantagruel. Tudo isso contribuiu para abalar o catolicismo e preparar o terreno para uma ruptura definitiva no interior da Igreja, que culminaria com o surgimento de uma nova religião, o protestantismo. A (re) descoberta do corpo humano Na Idade Média, a Igreja não admitia a exploração científica do corpo humano. Durante o Renascimento, ao contrário, a prática de dissecação de cadáveres ganhou impulso, permitindo melhor conhecimento da anatomia humana e do funcionamento dos órgãos. Isso provocou grandes avanços, tanto na área cirúrgica quanto no diagnóstico de doenças. Graças a essas dissecações, órgãos até então desconhecidos foram observados e descritos, como ocorreu com as trompas de Falópio, que ligam os ovários ao útero, estudadas pelo italiano Gabriel Falópio (1523-1562). Algumas ideias equivocadas a respeito do corpo humano também foram corrigidas. O fisiologista inglês William Harvey (15781657), por exemplo, constatou que o coração, e não o fígado - como se acreditava antes -, era o órgão responsável pela circulação sanguínea. Essa preocupação com o corpo humano e seu funcionamento era consequência direta do antropocentrismo e teve efeito imediato também nas Artes Plásticas. Assim, pintores e escultores redescobriram a beleza da nudez feminina e masculina, cultuada, sobretudo na Grécia antiga e que havia deixado de ser objeto de atenção dos artistas medievais. Heliocentrismo x qeocentrismo Segundo a doutrina da Igreja, a Terra (geo, em grego) era o centro do Universo, e o Sol e a Lua gravitavam a seu redor, teoria conhecida como geocentrismo. Levado pelo espírito investigativo, o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) contestou essa concepção e colocou em seu lugar o heliocentrismo, afirmando que a Terra girava ao redor do Sol (hélio, em grego). As ideias de Copérnico foram retomadas por outros cientistas, como Giordano Bruno (1548- 1600), nascidas na península Itálica e condenadas à morte pela Inquisição por defender o heliocentrismo; e Johannes Kepler (1571HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 31 1630), nascido no Sacro Império Romano-Germânico. Kepler chegou à conclusão de que a órbita dos planetas era elíptica e não circular, como acreditavam os gregos, e demonstrou matematicamente a validade da teoria heliocêntrica. Também nascido na península Itálica, o físico Galileu Galilei (1564-1642) foi, assim como Giordano Bruno, um Retrato de Isaac Newton, cientista inglês que se tornou célebre por descobrir várias leis da Física, entre elas a lei da gravidade. Por amparar-se nos conhecimentos herdados de seus antecessores, entre os quais Galileu Galilei, afirmou: "Se vi mais longe do que os outros homens, foi porque me coloquei sobre os ombros de gigantes". defensor da teoria heliocêntrica. Em razão de suas ideias, Galileu foi preso e torturado pela Inquisição e só não morreu na fogueira porque se retratou perante a Igreja, renunciando às suas convicções. Apenas em 1992 o Vaticano reconheceria que errou ao acusá-lo de heresia. Apoiado no trabalho desses cientistas, em 1687 o inglês Isaac Newton (1643-1727) publicou o livro Principia, que revolucionou o conhecimento científico. A obra lançou os fundamentos da Física moderna. Ali estão expostos, por exemplo, uma teoria sobre o movimento dos corpos pela ação da gravidade e os três princípios das leis do movimento: o de inércia, o de ação das forças e o de ação e reação. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 32 A arte renascentista Durante a Idade Média, a arte era vista como um ofício qualquer. Por isso a criatividade individual dos artistas não era tão priorizada; dava-se mais valor à habilidade técnica para se trabalhar um objeto. Um dos primeiros pintores a dar caráter artístico à sua atividade e a assinar suas obras foi Giotto di Bondone (1267-1337), nascido na península Itálica. Ele inovou não apenas ao retratar com grande realismo pessoas, animais e objetos, mas também por ter introduzido noções de profundidade na pintura. Dessa forma, ele abriu caminho para a introdução da perspectiva, desenvolvida por Filippo Brunelleschi (1377-1446), Leon Battista Alberti (1404-1472) e Leonardo da Vinci ("A perspectiva na pintura") criou o conceito de perspectiva exata. Segundo ele, quanto mais distante um objeto estivesse em relação ao observador, tanto menor deveria ser representado na tela, de modo a reproduzir fielmente a realidade. Tudo era feito para imprimir o maior realismo possível à pintura. A perspectiva exigia do pintor conhecimentos não só de Geometria e Matemática, mas também de Óptica. Além disso, ele deveria saber reproduzir as variações de cor, de luz e de sombra que a realidade apresentava. "Aos poucos, pintores, escultores e arquitetos deixaram de ser considerados simples artesãos e passaram a ser vistos como verdadeiros artistas. A perspectiva na pintura Durante a Idade Média, a representação de imagens e cenas por meio da pintura era feita em duas dimensões apenas: altura e largura. Imagens e cenas tinham, portanto, uma aparência chapada, sem profundidade, como se as coisas representadas não tivessem volume. Com a técnica da perspectiva, as figuras passaram a ser representadas em três dimensões - largura, altura e profundidade. Com isso, as imagens ganhavam volume e pareciam adquirir vida dentro da tela. A inovação revolucionou a pintura, ampliando o espaço pictórico. Com ela, tinha-se a impressão de que existia algo para além da tela. Madona de Vladimir, ícone bizantino pintado em Constantinopla no século XII e mais tarde levado para a Rússia. Como se pode perceber, a noção de perspectiva está ausente na obra. Assim, a cena representada não tem profundidade, reduzindo-se a duas dimensões apenas, o que lhe confere um aspecto chapado. Compare-a com A Anunciação, de Botticelli, ao lado. A Anunciação (1490), quadro de Sandro Botticelli. A obra utiliza claramente os recursos da perspectiva, técnica que permite a representação da profundidade em telas de apenas duas dimensões: largura e altura. Nascido na península Itálica, Botticelli presenciou a aparição do Humanismo e foi um dos artistas mais importantes do século XV. Renovação literária HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 33 As condições econômicas, sociais e culturais da Europa nesse período criaram uma conjuntura ideal para o aparecimento de novas formas literárias e poéticas. Muito contribuiu para isso o surgimento dos tipos móveis de impressão, inventados por Johannes Gutenberg no século XV. Com eles, surgiu a imprensa moderna, que pôs fim ao trabalho dos copistas e permitiu edições de livros com grandes tiragens ("Os tipos móveis de impressão"). Na verdade, essa renovação no campo das letras já vinha ocorrendo desde os últimos séculos da Idade Média, em razão principalmente do trabalho de três escritores da península Itálica: Dante Alighieri (1265-1321), Francesco Petrarca (1304 - 1374) e Giovanni Boccaccio (1313-1375). O poema A divina comédia, de Dante Alighieri, trouxe como grande novidade o fato de ter sido escrito em língua toscana, e não em latim, como acontecia até então. Petrarca, por sua vez, é considerado o criador da poesia lírica moderna. Buscando nos clássicos da Antiguidade inspiração para seus versos, ele elevou o soneto a um dos mais altos graus de expressão poética. Com Decamerão, Boccaccio renovou a literatura em prosa ao descrever ações e emoções que movem o ser humano, como o ciúme, a traição, o ódio. Iniciada na península Itálica, essa renovação literária logo se espalhou para países como Espanha, França, Portugal e Inglaterra. Em todos esses lugares, a literatura atingiu seu auge no mesmo momento em que o país se transformava em potência econômica e política. Assim, o apogeu literário de Portugal coincidiu com o período das Grandes Navegações. Nessa época se destacaram o poeta Luís de Camões (1503-1580), que usou a forma da epopeia grega para contar os feitos do navegador Vasco da Gama em Os lusíadas; e o dramaturgo Gil Vicente (c. 1465-c. 1536), famoso por suas peças satíricas, como a Farsa de Inês Pereira e o Auto da barca do inferno. Fenômeno semelhante ocorreu na Espanha, que viveu um período de grande prosperidade no século XVI, graças à exploração das minas de prata de suas colônias na América. São desse período o poeta Garsilaso de Ia Vega (c. 1501- 1536) e o escritor Miguel de Cervantes (1547- 1616), autor de Dom Quixote. Já na Inglaterra, o momento de maior esplendor das letras coincidiu com o reinado de Elizabeth I (1558-1603), quando o Estado passou por forte centralização política e a economia experimentou importante desenvolvimento. Viveu nesse período também William Shakespeare (1564-1618), considerado por muitos o maior dramaturgo de todos os tempos e autor de peças como Hamlet, Romeu e Julieta, A megera domada, Macbeth e Rei Lear. Os tipos móveis de impressão Até meados do século XV, a reprodução de um livro dependia de pessoas que copiavam à mão o original. Além de lento, esse trabalho podia incorrer em imprecisões, fazendo com que o mesmo texto variasse de um manuscrito para outro. Nessas circunstâncias, a invenção dos tipos móveis de impressão por Johannes Gutenberg (c. 1397-1468) causou na vida cultural europeia o impacto de uma revolução. Vale lembrar que tipos móveis de impressão feitos de argila cozida já haviam sido inventados na China durante o século XI. No invento de Gutenberg, as letras do alfabeto eram feitas em pequenos blocos de chumbo - os tipos -, colocados um ao lado do outro para compor palavras e frases. Gutenberg imprimiu seu primeiro livro - uma edição da Bíblia em latim - por volta de 1450. Sua invenção tornou possível a rápida difusão de livros e, consequentemente, dos ideais do Humanismo e do Renascimento. Outra consequência do invento de Gutenberg foram as mudanças ocasionadas na técnica de produção de imagens. Com as novas formas de impressão, as iluminuras desapareceram para dar lugar a uma nova manifestação de arte gráfica: a gravura. Atividades Complementares HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 34 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 35 CAPITULO 5 Expansão Marítima e Comercial Detalhe da superfície de Marte em foto de julho de 1997. A direita, pode se ver o jipe Sojourner levado até o planeta vermelho por uma nave lançada em 1996 pela Nasa, agência espacial norte-americana. Atualmente, cientistas da Nasa planejam a primeira viagem tripulada a Marte, prevista para 2018. Até lá, o tempo de travessia entre os dois planetas, que hoje é de cerca de dez meses, poderá ser encurtado em pelo menos dois meses. Dois robôs norte-americanos em forma de jipe chegaram a Marte em janeiro de 2004, um ano depois de terem sido lançados do Cabo Canaveral, nos Estados Unidos. Desde meados do século XX, alguns países - como Estados Unidos e Rússia - investem bilhões de dólares em pesquisas e viagens para fora da Terra. Além do interesse científico, essas expedições visam, principalmente, descobrir a existência de metais preciosos ou fontes de energia em outros planetas. De cena forma, essa corrida ao espaço se assemelha às Grandes Navegações promovidas por potências europeias no começo da Idade Moderna. Nessa competição, os primeiros a largar foram Portugal e Espanha, como veremos neste capítulo. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 36 O comércio entre Oriente e Ocidente Durante a Idade Média, o comércio entre a Ásia e a Europa era intermediado principalmente pelos árabes. Eles adquiriam mercadorias no Oriente e as levavam até entrepostos comerciais instalados em áreas próximas ao mar Negro ou na parte mais oriental do Mediterrâneo. Comerciantes europeus - principalmente venezianos e genoveses deslocavam-se até esses entrepostos, abasteciam- se dessas mercadorias e as revendiam nas feiras e cidades da Europa. Entre sair da Ásia e chegar à Europa, os preços desses produtos chegavam a aumentar mais de 4 mil por cento. Assim, a mesma quantidade de pimenta, comprada por cerca de 3 ducados na índia, era revendida no Cairo por 68 ducados, e quando chegava às cidades da Europa estava cotada em quase 140 ducados. Os comerciantes europeus sabiam que poderiam ter lucros maiores caso dispensassem os intermediários e adquirissem as mercadorias diretamente de seus produtores nas índias (nome pelo qual chamavam todas as terras do leste da Ásia). Até o século XIV, o conhecimento que se tinha na Europa a respeito de outros lugares do mundo era bastante restrito. Além dos relatos do veneziano Marco Polo, as informações disponíveis sobre o Oriente eram encontradas, quase sempre, em obras escritas por pessoas que jamais haviam estado na Ásia. O conhecimento a respeito dos mares não era diferente. Muitos europeus acreditavam que em direção ao sul o mar seria habitado por monstros e estaria sempre em chamas. Aqueles que arriscassem cruzar o Atlântico conhecido como Mar Tenebroso - iriam se deparar com o fim do mundo: em algum ponto o oceano acabaria e daria lugar a um enorme abismo. A presença turco-otomana O medo de se aventurar por essas regiões começou a diminuir a partir de 1453, quando os turco-otomanos tomaram Constantinopla e dominaram o Mediterrâneo oriental, passando a cobrar altas taxas das caravanas que por ali passavam. Para escapar dessas cobranças, muitos mercadores europeus passaram a procurar rotas alternativas em direção às índias. Isso provocou um grande interesse por informações geográficas e marítimas. Nesse processo, quem saiu na frente foi Portugal. Entre os fatores que explicam esse pioneirismo, podem ser destacados: a posição geográfica do país, extremamente favorável às navegações, já que Portugal, banhado pelas águas do Atlântico, era o reino mais ocidental da Europa; a existência de um poder centralizado e de um Estado unificado, sem dissensões internas; e a longa experiência de pescadores e marinheiros lusitanos na costa do Atlântico. Portugal largou na frente Desde meados do século XIII, comerciantes e marinheiros portugueses faziam frequentes viagens a outras regiões da Europa: levavam para a Inglaterra e a França, por exemplo, produtos como azeite, vinho, couro e frutas secas. Ao retornarem, traziam para a terra natal móveis de madeira, armas de ferro e tecidos, entre outros artigos. Por essa época, o dinheiro começava a substituir gradualmente a posse da terra como símbolo de prestígio e poder. Assim, o comércio marítimo promoveu pouco a pouco a ascensão social da burguesia mercantil. Além disso, HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 37 os mercadores portugueses foram beneficiados por alianças e acordos de interesse mútuo estabelecidos com a Coroa portuguesa. De fato, por meio de leis, decretos e incentivos, a monarquia concedeu diversos privilégios às pessoas que atuavam no comércio. Ao mesmo tempo, o governo de Lisboa colocou em prática uma política protecionista, passando a fazer restrições à ação de mercadores estrangeiros em Portugal, de modo a salvaguardar os interesses dos comerciantes nacionais em face da concorrência externa. Essa relação entre a Coroa e a burguesia mercantil se consolidou de vez entre 1383 e 1385, quando ocorreu a Revolução de Avis, que expulsou do país as forças de Castela e colocou no trono dom João I, apoiado principalmente pela burguesia. Em 1415, dom João I resolveu invadir Ceuta, importante entreposto comercial e militar situado no norte da África. O ataque tinha por objetivo tirar dos muçulmanos o controle do comércio nessa região e colocá-lo em mãos portuguesas. Com a conquista de Ceuta, coordenada por um dos filhos do rei, o infante dom Henrique, teve início o processo de expansão ultramarina de Portugal. Após a conquista, dom Henrique foi agraciado com o título de grão-mestre da Ordem de Cristo, rica instituição religiosa cujo principal objetivo era "combater os infiéis" em qualquer lugar do mundo. Em Ceuta circulavam informações sobre a existência de ouro no reino do Mali, ao sul do Saara. Atraído por essas informações, dom Henrique planejou a conquista da costa oeste da África em direção ao sul, obtendo para isso financiamento da Ordem de Cristo. Iluminura da obra Chroniquesd'Angleterre (século XIV). Nela é representada a batalha de Aljubarrota, ocorrida em 1385, e na qual as tropas portuguesas de dom João l de Avis derrotaram as forças de Castela. A vitória portuguesa assegurou a unificação e a independência do Reino de Portugal. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 38 A Escola de Sagres Algum tempo depois da conquista de Ceuta, dom Henrique se transferiu para o Algarves, fixando se nas proximidades de Sagres, a vila mais ocidental da Europa. Ali, reuniu cartógrafos, astrônomos, matemáticos e navegadores. Juntos, passaram a estudar o legado náutico deixado por grandes povos do passado - fenícios, egípcios, gregos, árabes, etc. Os estudos desse grupo de especialistas não chegaram a tomar a forma de uma instituição educacional permanente, mas ficaram conhecidos como Escola de Sagres. Como resultado de suas atividades, foram desenvolvidas cartas marítimas e criados ou aperfeiçoados diversos instrumentos de navegação, como mostra "A tecnologia náutica". Além disso, foi inventado um novo tipo de embarcação, a caravela. A tecnologia náutica As caravelas eram navios velozes e relativamente pequenos. Tinham em média 20 a 30 metros de comprimento e 6 a 8 metros de largura. Com 50 toneladas de capacidade, eram tripuladas por 40 ou 50 homens. Com vento a favor, chegavam a percorrer 250 quilômetros por dia. A grande vantagem das caravelas sobre os pesados navios mercantes utilizados no Mediterrâneo era a versatilidade. Ideais para navegação costeira, podiam entrar em rios e estuários, manobrar em águas baixas, contornar arrecifes e bancos de areia. E também zarpar rapidamente, no caso de um ataque imprevisto. Entre os instrumentos utilizados pelos navegantes em suas viagens a partir do século XV, destacam-se a bússola, o quadrante e o astrolábio. A primeira é uma agulha magnética que indica a direção do polo Norte e ajuda a identificar a posição percorrida pelo navio; o quadrante é um arco graduado, de 45 graus, que fornece a latitude exata em que se encontra a embarcação. Já o astrolábio consiste em um disco metálico ou de madeira, utilizado para determinar a posição do navio com base na das estrelas. (Adaptado de: O salto da qualidade. Veja On-Line. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/ descobrimento/p_040.html>. Acesso em: 7fev. 2004.) Astrolábio feito de ouro, usado no final da Idade Média e durante o Renascimento. Fundamental para as Grandes Navegações, esse instrumento era capaz de determinar a altitude do Sol e de outros corpos celestes, permitindo assim calcular a posição na qual a embarcação se encontrava na superfície do globo terrestre. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 39 As expedições marítimas rumo ao sul começaram em 1415 (veja o mapa abaixo). Entre 1420 e 1428 ocorreu a conquista das ilhas da Madeira e dos Açores, nas quais os portugueses introduziram o plantio de trigo, uvas e canade-açúcar. A partir de então, as expedições começaram a esbarrar no temido cabo Bojador. Região de arrecifes pontiagudos, o cabo era considerado um obstáculo intransponível pelos portugueses. Quando chegavam ali, as caravelas sofriam sérias avarias ou afundavam. Em poucos anos, cerca de vinte embarcações foram a pique. Para os supersticiosos, a destruição dos barcos no Bojador devia-se aos monstros que habitavam o oceano ou à fúria divina. Em 1434 uma expedição capitaneada por Gil Eanes, afastando-se da costa africana, conseguiu finalmente ultrapassar o temido obstáculo. Com a travessia do Bojador, os portugueses haviam vencido o desconhecido e dominado o medo (leia no boxe "Mar português" um poema de Fernando Pessoa que faz alusão à importância da travessia do cabo Bojador para o povo português). Mar português O mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, Quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo ao déu, Mas nele é que espelhou o céu. (Fernando Pessoa. Obra poética (volume único). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.p. 16 O horizonte se amplia Vencido o Bojador, o governo português pôde dar continuidade às expedições marítimas em direção ao sul da costa africana. Em 1444, uma dessas expedições retornou a Portugal com cerca de duzentos africanos aprisionados, vendidos depois como escravos. Esse foi o primeiro lote de venda pública de escravos em Portugal, prática que logo se generalizaria entre os mercadores portugueses (e de outras nacionalidades) e que se estenderia por mais de quatro séculos. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 40 Quando dom Henrique morreu, em 1460, os portugueses já haviam chegado até a região da atual Serra Leoa. Uma bula do papa Eugênio IV garantia-lhes o monopólio comercial no continente africano e o direito de "capturar e subjugar os sarracenos [muçulmanos] e pagãos [africanos] e qualquer outro incrédulo ou inimigo de Cristo, como também seus reinos, ducados, principados e outras propriedades, assim como reduzir essas pessoas à escravidão perpétua". O último passo nesse avanço pela costa africana ocorreu em 1487, quando Bartolomeu Dias dobrou a extremidade sul do continente africano. Chamou o acidente geográfico ali encontrado de cabo das Tormentas. Mais tarde, o rei dom João II (1481-1495) mudou esse nome para cabo da Boa Esperança. A essa altura, os portugueses já haviam definido seu mais ambicioso projeto: encontrar o caminho marítimo para as índias. A Espanha entra na disputa Os feitos portugueses estimularam o interesse de navegantes de outras regiões da Europa em descobrir um caminho alternativo O primeiro encontro para as índias. Um deles era o genovês Cristóvão Colombo. Acreditando na esfericidade da Terra, Colombo argumentava que a forma mais rápida de se chegar às índias a partir da Europa seria pelo oceano Atlântico. Segundo sua tese, para se chegar ao Oriente seria preciso navegar para o Ocidente. Diante da recusa do rei de Portugal dom João II de financiar seu projeto, o genovês se dirigiu aos reis espanhóis Fernando e Isabel e deles conseguiu apoio. Em agosto de 1492, acompanhado por cerca de noventa homens, Colombo deixou o porto de Paios, na Andaluzia, no comando das caravelas Santa Maria, Pinta e Nina. Navegando sempre em direção a oeste, no dia 12 de outubro do mesmo ano avistou terra firme. Acreditou ter chegado às índias, mas suas embarcações haviam aportado em um continente [Dei aos índios] uns gorros coloridos e umas miçangas que puseram no pescoço, além de outras coisas de pouco valor, o que lhes causou grande prazer e ficaram tão nossos amigos que era uma maravilha. (...) Enfim, tudo aceitavam e davam do que tinham com a maior boa vontade. Mas me pareceu que era gente que não possuía praticamente nada. Andavam nus como a mãe lhes deu à luz; inclusive as mulheres, embora só tenha visto uma robusta rapariga. (...) Não andam com armas, que nem conhecem, pois lhes mostrei espadas, que pegaram pelo fio e se cortaram por ignorância. Não têm nenhum ferro: as suas lanças são varas sem ferro (...). Devem ser bons serviçais e habilidosos, pois noto que repetem logo o que a gente diz e creio que depressa se fariam cristãos; pareceu-me que não tinham nenhuma religião. desconhecido dos europeus e que posteriormente passou a ser chamado de América. Veja "O primeiro encontro" trechos do diário (Cristóvão Colombo. Diários da descoberta da América. Porto Alegre: L&PM, 1991. p. 44-5.) de Colombo no qual ele descreve o primeiro contato com os nativos da região. Entre 1493 e 1502, Colombo realizou mais três viagens ao "novo" continente sob o patrocínio da Espanha, mas as riquezas tão desejadas não foram encontradas. Em 1506, Colombo morreu em Valladolid, na Espanha, abandonado, sem prestígio e certo de que encontrara o caminho para as índias. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 41 Portugal e Espanha dividem o mundo O feito de Colombo levou o governo de Portugal e o da Espanha a se envolverem em uma disputa a respeito de qual dos dois países teria primazia sobre as "novas" terras. Como não chegavam a um acordo, os reis de Portugal e Espanha pediram ao papa Alexandre VI que servisse de juiz na disputa. Em 7 de junho de 1494, com o testemunho do papa, representantes dos dois governos chegaram finalmente a um acordo e assinaram o Tratado de Tordesilhas. O acordo dividia o mundo em dois blocos, a partir de uma linha imaginária que ficava 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. As terras já encontradas ou que viessem a sê-lo a oeste desse marco pertenceriam à Espanha. As terras situadas a leste seriam de Portugal. Vasco da Gama chega às índias Após a assinatura do Tratado de Tordesilhas, o governo da Espanha continuou com suas expedições em direção ao continente americano. O de Portugal, em contrapartida, manteve seus planos de chegar às índias contornando a África. Assim, após a travessia do cabo da Boa Esperança os portugueses decidiram organizar uma nova viagem. Dessa vez, o escolhido para comandar a empreitada foi Vasco da Gama. Vasco da Gama partiu de Lisboa em julho de 1497, com quatro navios e 170 homens sob seu comando. Em novembro a frota dobrou o cabo da Boa Esperança. Em março do ano seguinte chegou a Sofala, na atual costa de Moçambique. Ali, Vasco da Gama conseguiu a ajuda de um marinheiro árabe que concordou em guiá-los pelo oceano Indico até as índias. Assim, em maio de 1498, a frota portuguesa aportou em Calicute, na índia atual. Era a prova definitiva de que se podia chegar ao Oriente sem passar pelo Mediterrâneo. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 Vasco da Gama em desenho português do século XVI. O ambicioso projeto de chegar às índias contornando a África eternizou o nome do navegador, que retornou a Portugal dois anos após a partida. As enormes dificuldades da viagem podem ser medidas pelo fato de retornarem apenas dois navios e 55 marinheiros, de uma expedição que partira com quatro embarcações e 170 homens. 42 Depois das índias O sucesso da empreitada de Vasco da Gama estimulou novas viagens. Em 1500, após afastar-se da costa africana, o navegador Pedro Álvares Cabral alcançou terras a oeste do Atlântico Sul, que mais tarde passariam a ser chamadas de Brasil. No ano seguinte, o florentino Américo Vespúcio, a serviço do rei de Portugal, mapeou essas terras, chegando à conclusão de que não faziam parte das índias, mas sim de um novo continente que, em sua homenagem, passou a ser chamado de América. Em 1519, o português Fernão de Magalhães, a serviço da Coroa espanhola, deu início à primeira viagem ao redor da Terra. Morto em uma ilha do Pacífico, Magalhães jamais retornaria ao ponto de partida, mas sua viagem de circunavegação seria completada por Sebastião Elcano, que estaria de volta à Espanha em 1522 (veja o mapa a seguir). A aventura de Magalhães e Elcano provava de uma vez por todas a esfericidade da Terra. Depois de um século de navegações e da conquista de um novo continente pelos europeus, o mundo nunca mais seria o mesmo. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 43 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 44 CAPITULO 6 Povos Pré-Colombianos Os Povos Pré-Colombianos Calendário Asteca HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 45 Com base em vestígios encontrados em pesquisas arqueológicas, pode-se afirmar que por volta de 4500 a.C. as práticas agrícolas já haviam se consolidado no continente americano. Diversos povos da região plantavam milho, abóbora, pimentão, tomate, feijão. Por essa época, grupos nômades se sedentarizaram e formaram os primeiros assentamentos do continente. Com o tempo, alguns desses povoados cresceram e assumiram uma estrutura mais complexa, comercializando produtos e constituindo formas de poder centralizado em torno de um líder comunitário ou religioso. Surgiram, assim, centros cerimoniais que, em alguns casos, se transformaram em cidades-estados. Nesse processo, desenvolveram-se algumas civilizações, como as dos Norte Chico, a dos chavín e a dos olmecas. Ruínas da pirâmide Grande Jaguar, na cidade de Tikal, na atual Guatemala, que guarda a tumba do governante maia AhCacao. Construído no ano 870, o templo é um dos símbolos arquitetônicos do apogeu da civilização maia, que em seu período clássico conquistou grandes avanços científicos, tecnológicos, sociais e artísticos. Os maias A civilização maia surgiu por volta de 1800 a.C, tendo perdurado por mais de 3 mil anos. Durante esse período, chegou a ocupar uma área de quase 500 mil quilômetros quadrados na península de Yucatán - no sul do México atual - e em áreas da região onde hoje se encontram Belize, Guatemala, Honduras e El Salvador, na América Central (veja o mapa). Sua história costuma ser dividida em três grandes períodos: pré-clássico, que se estende de 1800 a.C. até 250, e é a época de formação da sociedade maia; clássico, período de maior esplendor, compreendido entre 250 e 900; e pós-clássico, que vai de 900 até 1500, quando os maias entraram em declínio e foram dominados pelos colonizadores espanhóis. O período pré-clássico teve início quando povos provenientes do oeste dos Estados Unidos atuais se instalaram em regiões do México e da América Central. Ali, eles constituíram os primeiros povoados, passando a viver da caça, da pesca e da agricultura, principalmente do cultivo do milho. Com o tempo, assimilaram a herança olmeca e ergueram centros cerimoniais, pirâmides e monumentos em grande escala. Durante o período clássico, a civilização maia atingiu o apogeu, obtendo grandes avanços científicos, tecnológicos, sociais e artísticos. As cidades cresceram. Algumas chegaram a abrigar até 60 mil pessoas, como Tikal, na atual Guatemala. Outros importantes centros urbanos eram Uxmal, na península de Yucatán, onde foi construído um grande conjunto cerimonial, e Etzná (México), famosa por seu sistema de canais para a captação de água pluvial. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 46 Nessa época, as atividades comercias eram relativamente intensas. Usando sementes de cacau como moeda, os maias comerciavam com outros povos produtos como obsidiana, jade, peles, baunilha, tecidos, sal, etc. A observação dos astros tornou-se atividade significativa. Como resultado de seus estudos, os astrônomos maias mediram com precisão o ciclo do Sol, da Lua e de Vênus e desenvolveram dois calendários: um ritual, de 260 dias, e outro civil, de 365 dias. Além disso, criaram seu próprio zodíaco, de treze signos. Por essa época também, os maias instituíram um sistema numérico que incluía o número zero e inventaram o mais avançado sistema de escrita da América pré-colombiana. Essa escrita, de caracteres hieroglíficos, é encontrada em códices 3, monumentos e nas diversas esteias erguidas em seu território. A arte também ganhou impulso, destacando- se os objetos de cerâmica, as esculturas de barro ou de jade e as pinturas murais que retratam diversos aspectos da vida religiosa da população. São pouco conhecidas as razões pelas quais a sociedade maia entrou em declínio durante o período pósclássico. Por volta de 900, a península de Yucatán começou a sofrer invasões de outros povos, entre eles, os toltecas. Quando os espanhóis chegaram, no final do século XV, as cidades encontravam- se abandonadas e seu povo, disperso. Sociedade e religião Em seu período clássico, a sociedade maia encontrava-se rigidamente hierarquizada. No topo da pirâmide social ficavam o chefe de Estado e seus familiares. Conhecido como halac-vinic, ele acumulava as funções de líder civil, militar e religioso. Abaixo, vinha a nobreza, que ocupava os principais cargos administrativos, religiosos e militares. Dessa camada social faziam parte também os grandes comerciantes. Em seguida, encontravam-se os guerreiros, artistas e artesãos. Na camada inferior situavam-se os camponeses e a população pobre. Na base da pirâmide estavam os escravos, em geral, prisioneiros de guerra. A religião desempenhava papel preponderante entre os maias. Politeístas, eles costumavam fazer oferendas e sacrifícios humanos a seus diversos deuses, entre os quais sobressaíam Itzam Na, que simbolizava o céu e a Terra, Ixchel, deusa da Lua, e Chaac, divindade da chuva. Em homenagem a esses e a outros deuses, os maias ergueram inúmeros templos e santuários religiosos. 3 Códice: principal meio de registro e transmissão do saber humano no período que compreende o final do Império Romano e a Idade Média. A origem da palavra vem do latim, codex, que quer dizer "tabuinha de escrever". Na Roma antiga eram utilizadas placas enceradas de marfim ou madeira para registros contábeis ou textos didáticos. Com esses materiais, chegaram a constituir algo que se assemelhava à ideia do livro, unidos por cordões ou anéis. Essas placas foram as precursoras dos códices que seriam usados a partir do século l d.C. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 47 A civilização asteca Por volta do século XII, os astecas - que se autodenominavam mexicas - eram uma das tantas tribos nômades, caçadoras e guerreiras que viviam no norte do México atual. Em razão das difíceis condições climáticas da região, os mexicas marcharam para o sul em busca de melhores terras. Iniciada por volta de 1168, à migração só terminou em 1325, aproximadamente, quando eles se instalaram em uma ilha no lago Texcoco, no planalto central do México. Ao chegarem, foram subjugados pelos tepanecas, que já viviam na região juntamente com outros povos. Como a ilha não era grande o suficiente para todos, os astecas, mesmo dominados pelos tepanecas, construíram ao redor ilhas artificiais conhecidas como chinampas. Da junção das chinampas com a ilha central surgiria a cidade de Tenochtitlán, que seria mais tarde a capital asteca e, séculos depois, do próprio México atual, com o nome de Cidade do México (veja o mapa). A sujeição aos tepanecas durou aproximadamente um século, período no qual os mexicas assimilaram os conhecimentos técnicos, científicos, militares e políticos tanto de seus dominadores quanto de outros povos da região. No decorrer desse processo, os astecas deixaram de ser uma tribo e se constituíram em sociedade mais complexa, dotada de uma monarquia hierárquica. Em 1428, liderados pelo rei Itzcóatl, eles se rebelaram contra os tepanecas, libertando se do jugo. A partir de então, passaram a dominar os povos das regiões circunvizinhas (veja o mapa). A estrutura social asteca O governo asteca era exercido por um monarca eleito entre a nobreza hereditária. Comandante supremo do exército, ele governava com o apoio de um conselho constituído por chefes militares. Estes últimos, juntamente com os altos funcionários públicos e os religiosos, compunham a nobreza. Abaixo dessa aristocracia, estavam os grandes negociantes, conhecidos como pochtecas. Apenas eles podiam chegar até a região do golfo do México e à costa do Pacífico para vender seus produtos - ervas medicinais, joias, perfumes, etc. Ao retornarem, traziam consigo pedras preciosas, peles de jaguar e puma e plumas de quetzal, uma ave rara das florestas. Como moeda, utilizavam sementes de cacau. Abaixo dos pochtecas vinham os artesãos, grupo numeroso e respeitado, responsável pela confecção das roupas e adornos do soberano e da nobreza, assim como de objetos religiosos. A camada social seguinte era a dos camponeses, que cultivavam as terras cedidas pelos nobres. Ali, eles plantavam milho, feijão, abóbora, tomate e batata. Nas épocas em que o trabalho nos campos diminuía, participavam das construções públicas. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 48 O último degrau da pirâmide social era ocupado pelos escravos, geralmente indigentes, prisioneiros de guerra ou pessoas que não haviam conseguido quitar suas dívidas. O esplendor de Tenochtitlán A economia asteca tinha por base a agricultura, mas o comércio e o artesanato eram igualmente importantes. Além dessas fontes de renda, o Estado dispunha dos tributos periodicamente pagos pelos povos subjugados. Graças a essas riquezas, Tenochtitlán passou por profundas reformas urbanísticas, com ampliação do perímetro urbano e a abertura de canais fluviais navegáveis. Ao mesmo tempo, engenheiros e trabalhadores astecas construíram aquedutos de pedra destinados ao transporte de água potável, além de pirâmides e templos religiosos, uma vez que a religião desempenhava papel primordial no dia-a-dia da população. Para os astecas, todos os acontecimentos em torno da vida e da morte eram decorrentes da ação de um deus. Até 1521, ano em que Tenochtitlán foi conquistada pelos espanhóis, a civilização asteca constituiu um verdadeiro império, que abarcava quase todo o centro do atual território mexicano, estendendo-se do Pacífico até o golfo do México. Cerca de 15 milhões de pessoas, espalhadas pelos campos e por quinhentas cidades, viviam no interior desse império. Em 1500, somente Tenochtitlán tinha aproximadamente 200 mil habitantes, quase cinco vezes mais do que Londres, a maior cidade europeia da época. Particular importância tinha a educação. Praticamente todas as crianças estudavam. Os filhos de nobres e grandes comerciantes tinham aulas nos calmecac, templos destinados a formar sacerdotes e altos funcionários do governo. As demais crianças estudavam nos telpochcalli, colégios que se espalhavam por todo a território asteca. Em ambos os casos, os jovens tinham aulas de práticas militares. Os astecas utilizavam uma escrita pictográfica e hieroglífica. Graças a ela, podemos hoje conhecer e estudar vários aspectos de sua cultura. Também desenvolveram um calendário de 365 dias, agrupados em dezoito meses de vinte dias, mais cinco dias dedicados aos rituais de sacrifício. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 49 O Império Inca Originalmente, os incas habitavam os Andes bolivianos, ao sul do lago Titicaca, a 3.800 metros acima do nível do mar. Até o século XII, eles eram apenas uma das diversas tribos que povoavam a América do Sul. Como suas terras eram constantemente invadidas, no final do século eles abandonaram a região e se estabeleceram no Vale do Cuzco, em uma depressão da cordilheira andina. Ali, os incas viveram inicialmente subordinados a grupos falantes da língua quéchua. No início do século XIV, no entanto, já haviam se tornado o mais importante povo de uma federação de tribos andinas. Com um exército bem organizado, apoiado na prestação de serviço militar obrigatório, eles conquistaram pouco a pouco novos territórios. Em menos de cem anos, seus antigos aliados da federação haviam sido subjugados. Era o início do Império Inca. Em seu período de maior esplendor, no século XVI, o Império Inca estendia-se por uma área de mais de 1 milhão de quilômetros quadrados - englobando territórios hoje pertencentes ao Peru, Equador, Bolívia, Colômbia, Chile e Argentina -, na qual viviam cerca de 10 milhões de pessoas. A cidade de Cuzco - que significa "umbigo do mundo" - era seu centro político, religioso e cultural. A organização do império O Império Inca chegou a reunir cerca de cem povos distintos. Todos eles encontravam-se subordinados a um soberano, o Sapa Inca (único Inca) ou Intip Cori (filho do Sol). Adorado como verdadeiro deus, o Inca exercia o poder com a ajuda de um conselho formado por pessoas de sua família. Seus parentes ainda ocupavam os cargos mais elevados da administração pública, como os de juiz, general e sacerdote. O aparato administrativo do Estado contava também com governadores de província - encarregados, entre outras tarefas, de fazer cumprir a justiça - e com os curacas, líderes das etnias dominadas, que funcionavam como um braço do poder imperial nas aldeias. A grande maioria da população era formada por lavradores, pois a produção agrícola era a base da vida econômica. Ao casar-se, cada lavrador recebia do curaca de sua aldeia um lote de terra no qual cultivava principalmente milho, batata-doce, abacate, amendoim e batata. Além de garantir seu sustento, os camponeses eram obrigados a trabalhar nas obras públicas, nas terras do Sapa Inca e prestar serviço militar, devido a MITA. As aldeias, chamadas de ayllu, constituíam a comunidade básica da sociedade. Nelas viviam os camponeses e suas famílias. Além dos lotes individuais, havia terras de uso coletivo, nas quais os camponeses criavam a alpaca HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 50 mamífera do qual obtinham a lã para a fabricação de tecidos - e a lhama, utilizada principalmente como meio de transporte de carga. Esses animais também eram aproveitados como alimento. Técnicos do governo dirigiam-se com frequência a essas aldeias para ensinar aos moradores os melhores processos de criação de animais e para orientá-los a respeito do preparo da terra e de outros afazeres, como o plantio, a irrigação, a colheita e a conservação de alimentos. Para garantir o sustento da população no inverno, muitos gêneros alimentícios eram desidratados e estocados. Parte da colheita era usada como pagamento de impostos. O abastecimento das diversas regiões do Império era feito por meio de um sistema de estradas que ligava o território inca de norte a sul e de leste a oeste. Segundo pesquisas recentes, essas estradas totalizavam de 30 mil a 50 mil quilômetros de extensão. Ao longo delas havia postos de correio separados uns dos outros por alguns quilômetros. Em cada posto havia um mensageiro, conhecido como chaski. Quando ele recebia uma mensagem, corria ao posto mais próximo e a retransmitia ao chaski de plantão. Este, por sua vez, passava o comunicado ao mensageiro do posto seguinte depois de correr até ele, e assim sucessivamente até o destino final. Além de estradas, os engenheiros e trabalhadores incas ergueram cidades, templos e palácios. Eles desenvolveram uma técnica que permitia a sobreposição de grandes blocos de pedras sem a utilização de nenhum tipo de argamassa. As cidades mais desenvolvidas contavam com sistemas de água encanada e esgoto. Quipo, Instrumento de contabilidade usado pelos incas. Os quipos eram feitos de cordões coloridos, de comprimentos e grossuras diferentes, com nós de diferentes significados. Usava-se o quipo para transmitir informações ao imperador em Cuzco, no centro do império. A cada dois quilômetros, os mensageiros se revezavam para que a mensagem chegasse mais rapidamente. Algumas dessas obras resistiram à ação do tempo, ao vandalismo e aos terremotos e ainda estão de pé. Um dos exemplos mais significativos é Machu Picchu, cidade encravada no alto de uma montanha no Peru. Os incas não desenvolveram uma escrita formal. Para questões de contabilidade, porém, eles criaram os quipos, sistema no qual as informações eram registradas por meio de feixes de cordas de tamanhos e cores diferentes e com diversos nós. Os quipos permitiam aos funcionários do Estado armazenar informações relativas às safras agrícolas, ao pagamento de impostos, etc. No âmbito da criação artística, os incas se destacaram principalmente por seus trabalhos de cerâmica, tecelagem e ourivesaria. Seus artífices tinham grande experiência na manipulação da prata, sabiam fazer ligas de cobre e trabalhavam com a platina, ainda desconhecida na Europa. Mas o metal com o qual elaboraram suas peças de maior valor artístico foi o ouro. Com ele confeccionavam adornos, estátuas e ídolos religiosos. O ouro também foi empregado na decoração de muitos palácios e templos, principalmente os de Cuzco. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 51 Série de terraços agrícolas perto de ruínas incas em Machu Picchu, no Peru atual. Nesses terraços nas montanhas plantavam-se alimentos de subsistência da população. Base da economia, a agricultura dos incas era muito desenvolvida e planejada tendo em vista os anos de escassez. Mistérios e perigos de Machu Picchu Declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco em 1983, Machu Picchu ainda é um enigma para historiadores e arqueólogos. Devido à existência de um grande número de templos na sua área de 13 km2, muitos acreditam que o local tinha função religiosa; outros afirmam que ali provavelmente funcionava uma universidade ou centro de estudos, uma vez que evidências arqueológicas indicam a existência de fazendas experimentais e observatórios astronômicos. Muitos pesquisadores concordam, contudo, que o local era frequentado apenas pelas elites, ou seja, pouquíssimas pessoas tinham acesso a ele. Talvez por esse motivo, Machu Picchu permaneceu desconhecida também para os conquistadores espanhóis. O primeiro estrangeiro a encontrá-la foi o norte-americano Ahrom Bingham, em 1911. Considerado o principal conjunto arquitetônico do continente americano, Machu Picchu corre o risco de desaparecer. Cientistas explicam que a caminhada constante de mais de l200 pessoas por dia pelo local provoca um movimento nas pedras abalando as antigas construções. Eles alertam que, em termos cumulativos, esse movimento equivale a um terremoto de pequena escala. (Fontes: Jornada à terra inca. Disponível em: <www.discoveryportugues. com/inca/feature2.shtml>. Acesso em: 2fev. 2004; Rafael Kenski. Viagem ao passado da América. Superinteressante,/ev. 2002.) HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 52 Enquanto isso... As tribos da América do Norte Enquanto astecas e incas criaram sociedades complexas e Estados altamente centralizados, a América do Norte era ocupada por tribos nômades e seminômades, que viviam principalmente da caça ao bisão, da pesca e, em alguns casos, da agricultura de queimadas. Por volta do século XVI, viviam na região povos como os Apaches, Sioux, Navajos, Comanches, Moicanos, Iroqueses e outros. Juntos, eles totalizavam cerca de 10 milhões de pessoas, distribuídas por dezenas de grupos linguísticos e centenas de tribos. De modo geral, os indígenas nortes americanos não conheciam os metais e praticavam trabalhos bastante rústicos de cerâmica e tecelagem. Como moradias, usavam principalmente tendas de peles em forma de cones. Em alguns lugares, como no Canadá atual, erguiam casas de troncos; já no sudeste dos atuais Estados Unidos, chegaram a construir aldeias com edificações de tijolos de argila crua secada ao sol (adobe). Moça índia sioux, pintura em guache sobre papel, de Alfred Jacob Miler (1810-1874) HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 53 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 54 CAPITULO 7 Colonização Espanhola Domínio Espanhol HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 55 Em busca do ouro A notícia de que os índios de Hispaniola - onde Cristóvão Colombo desembarcara em 1492 - usavam adereços de ouro provocou alvoroço entre os espanhóis. Espicaçados pelo desejo de enriquecimento fácil, muitos deles se deslocaram para lá: em fins de 1493, tinha início a exploração aurífera na região. Ao chegar a Hispaniola, os espanhóis não pouparam seus habitantes. Os que não foram exterminados passaram à condição de escravos, obrigados a trabalhar na extração de ouro. Além disso, parte da população indígena morreu ao entrar em contato com doenças levadas pelos europeus e para as quais não tinham anticorpos. O boxe a seguir procura explicar por que, até então, os nativos não haviam sido vítimas de epidemias letais, como os europeus. Segundo cálculos da época, feitos pelo frade dominicano espanhol Bartolomé de Ias Casas, um dos maiores críticos das atrocidades cometidas contra os índios, cerca de 12 milhões de nativos teriam morrido na América espanhola vítimas do processo de colonização. Veja no boxe 2 "Ai de ti, Hispaniola" a descrição de como os espanhóis subjugaram a população local. BOXE 1 Criação de animais e epidemias Muito mais ameríndios morreram abatidos pelos germes eurasianos (isto é, surgidos na Europa e na Ásia em tempos remotos) do que pelas armas de fogo e espadas europeias nos campos de batalhas. A principal razão pela qual epidemias letais não surgiram nas Américas fica clara quando fazemos uma pergunta simples: a partir de que micróbios elas poderiam ter se desenvolvido? As doenças eurasianas de multidão se desenvolveram a partir das doenças de rebanhos domesticados. Enquanto muitos desses animais existiam na Eurásia, apenas cinco foram domesticados nas Américas: o peru no México e no sudoeste dos Estados Unidos, a Ihama e alpaca e o porquinho-da-índia nos Andes, o pato do mato na América do Sul tropical e o cachorro em todo o continente americano. Assim, os europeus não teriam conseguido vencer tantos nativos das Américas sem os germes, que se desenvolveram no passado a partir da prolongada convivência dos eurasianos com os animais domésticos. (Adaptado de: Jared Diamond. Armas, germes e aço: o destino das sociedades humanas. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 210-4.) Com o esgotamento do ouro de Hispaniola, as atenções dos espanhóis se voltaram para outras ilhas próximas. A partir de 1502, Hispaniola tornou-se prioritariamente um centro administrativo e ponto de abastecimento dos exploradores que partiam para outras regiões em busca de ouro. Por essa época, Nicolás de Ovando, nomeado governador da colônia, chegou a Hispaniola com mais 2500 pessoas, entre religiosos, funcionários públicos e colonos pobres. Com a chegada do governador, foi implantado um sistema de colonização conhecido como encomienda. Esse modelo de exploração consistia em conceder a um colono o direito de escravizar certo número de indígenas para fazê-los trabalhar na exploração de ouro, na agricultura ou em serviços domésticos. Em troca, o colono deveria pagar um tributo à metrópole e cristianizar os nativos sob seu controle. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 56 BOXE 2 Ai de ti, Hispaniola Os espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e lanças começaram a praticar crueldades estranhas: entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os homens velhos, nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e os faziam em pedaços como se estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. Faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade ou quem, mais habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe abriria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um homem de um só golpe. Arrancavam os filhos do seio das mães e lhes esfregava a cabeça contra os rochedos enquanto que outros os lançavam à água dos córregos rindo e caçoando (...). (Frei Bartolomé de Ias Casas. O paraíso destruído. Porto Alegre: L&PM, 1984. p. 33.) Ilustração Inspirada no relato das atrocidades espanholas no México escrito pelo frade dominicano Bartolomé de Ias Casas (1474-1566), um dos maiores críticos do massacre cometido pelos espanhóis contra os nativos americanos. A conquista do Império Asteca Entre os espanhóis que chegaram a Hispaniola em 1504, estava um jovem de apenas 19 anos chamado Hernán Cortez. Em 1511, o governador de Hispaniola decidiu enviar à vizinha ilha de Cuba uma expedição comandada por Diego Velásquez. Cortez o acompanhou. Ali, souberam por meio dos indígenas que existiam nas proximidades cidades cujos templos eram ornamentados com objetos de ouro. Eram as sociedades maia e asteca. Em 1519, Velásquez enviou ao continente uma poderosa expedição sob as ordens de Hernán Cortez. No dia 10 de fevereiro, Cortez partiu de Cuba no comando de onze navios, cem marinheiros e 508 soldados. Levava ainda dezessete cavalos, 32 arqueiros, dez canhões, quatro falcões e muitas quinquilharias. Pouco mais de dois meses depois, em 25 de abril, quando já se encontravam na atual Vera Cruz, no golfo do México, Cortez e seus homens tiveram o primeiro contato com os astecas. Eram emissários HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 do imperador Ilustração do episódio O massacre da nobreza mexicana, ocorrido em 23 de maio de 1520 (Codex Ourán, capítulo LXXV): o capitão de Cortez, Pedro de Alvarado, extermina os nobres indígenas surpreendendo-os no meio de uma festa religiosa. No centro, os tambores que cadenciavam as danças são bruscamente interrompidos. Os soldados se posicionam de forma a ocultar o que se passa no pátio do templo. 57 Montezuma. Segundo uma antiga profecia asteca, naquele ano deveria chegar à região o deus Quetzalcátl – a serpente emplumada. Por isso, no começo os astecas pensaram que os espanhóis eram deuses e os presentearam com ouro. Por meio de intérpretes, Cortez descobriu a existência de um grande número de povos subjugados pelos astecas. Muitos deles estavam descontentes com os altos tributos que lhes eram cobrados e pelo fato de os astecas sacrificarem seus principais guerreiros em rituais religiosos. Conforme avançava em direção à cidade de Tenochtitlán, Cortez procurava ganhar a confiança dos povos subjugados, prometendo-lhes a liberdade. Conquistou assim o apoio de muitos deles. Frente a frente com Montezuma No dia 8 de novembro de 1519, Cortez e seus homens se encontraram pela primeira vez com Montezuma. Embora já desconfiasse que eles não eram deuses, o imperador lhes deu boa acolhida. Seis dias depois, Cortez aprisionou o governante asteca. Os nativos estavam em maior número, mas não reagiram imediatamente à traição de Cortez. Assustados com as armas de fogo dos espanhóis, armas que eles desconheciam, temiam também pela vida de Montezuma. O impasse estendeu-se até maio de 1520, quando Cortez ausentou-se de Tenochtitlán e deixou em seu lugar Pedro de Alvarado. Na noite de 23 de maio, Alvarado, sem nenhuma razão aparente, ordenou o massacre de 6 mil astecas no interior de um templo no qual se celebrava uma festa. Ao retornar, Cortez encontrou um ambiente tenso na cidade. Para acalmar os ânimos, exigiu que Montezuma fizesse um pronunciamento à população. Entretanto, quando o líder dos astecas pedia paz ao povo, foi atingido na cabeça por uma pedra, morrendo três dias depois. Amedrontados, na noite de 30 de junho de 1520, os espanhóis se retiraram da cidade, deixando para trás todo o ouro que haviam recolhido. A queda de Tenochtitlán Cortez retornou a Tenochtitlán em 30 de maio de 1521, à frente de suas tropas e de cerca de 80 mil índios das tribos aliadas. Cercados, os moradores de Tenochtitlán resistiram durante três meses, mas a cidade acabou ocupada e arrasada pelos invasores. Destruído para sempre, o Império Asteca passava para o domínio espanhol sob o nome de Nova Espanha (veja o mapa com as colônias espanholas na América). No boxe ao lado, dois textos comentam a vitória espanhola: o primeiro é um relato de Hernán Cortez; o segundo, um poema asteca. A destruição do Império Asteca e o saque de suas riquezas, contudo, não pôs fim às ações de Cortez. A partir de 1523, ele passou a ter como objetivo a conquista dos maias, povo que ocupava o território onde hoje se encontram a Guatemala, parte de Honduras, o sul do México e a península de Yucatán. Em 1547, depois de sucessivas guerras, os espanhóis conquistaram o território maia e dizimaram sua população. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 58 HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 59 A queda do Império Inca Em 1519 os espanhóis fundaram na América Central a cidade do Panamá, que logo se tornaria uma de suas sedes administrativas. Em 1522, o governador da região entregou a Francisco Pizarro a chefia de uma expedição que deveria rumar para o sul, em direção ao Império Inca, que, segundo informações recebidas, seria muito rico em ouro. BOXE 3 A visão dos vencedores Os inimigos estavam em tão má situação que não possuíam nem mais flechas e lanças para combater e tinham que caminhar por sobre os corpos de seus mortos. Foi tanta a mortandade que causamos que, entre os mortos e presos, somaram-se mais de quarenta mil almas. (...) Quando entramos naquela parte da cidade, não havia outra coisa para colocar os pés que não fosse o corpo de um morto. Mandei cercar todas as ruas, e vendo que os principais não saíam, mandei disparar os tiros grossos, com o que logo tomamos aquele lugar, ao tempo em que muita gente se lançava na água, enquanto outros se entregavam. (Hernán Cortez. A conquista do México Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 138-9.) Pizarro faria três incursões na América do Sul. A primeira (1524) fracassou na atual costa da Colômbia, vítima de ataques dos índios e da falta de água e comida. Na segunda (1526-1528), o aventureiro chegou até a cidade de Tumbes, no litoral do atual Peru, onde ele encontraram e seus homens excelentes estradas, casas de pedra e templos decorados com peças de ouro e prata de A visão dos vencidos Isso tudo se passou conosco. (...) Nos caminhos jazem dardos quebrados; Os cabelos estão espalhados. Destelhadas estão as casas, Incandescentes estão seus muros. Vermes abundam por ruas e praças, E as paredes estão manchadas de miolos arrebentados. Vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido, E se as bebíamos, eram águas de salitre. Golpeávamos os muros de adobe em nossa ansiedade e nos restava por herança uma rede de buracos. Nos escudos esteve nosso resguardo, mas os escudos não detêm a desolação. Temos comido pães de colorim [árvore venenosa], temos mastigado grama salitrosa, pedaços de adobe, lagartixas, ratos, e terra em pós e mais os vermes. (...) excelente acabamento. (Miguel León-Portilla. A conquista da América Latina vista pelos índios. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 41.) A invasão do império Entre 1528 e 1529, Pizarro deu início à sua terceira expedição em busca do Império Inca. Ao chegar a Tumbes, encontrou a cidade completamente deserta: grande parte da população havia sido dizimada por urna doença "que deixava marcas na pele": era varíola, transmitida aos nativos pelos espanhóis da segunda expedição. Até mesmo o imperador Huayana Cápac falecera devido à moléstia. Sua morte deixara o Império Inca em guerra, provocada pela disputa do poder entre seus dois filhos, Atahualpa e Huascar. Ao saber dessas notícias, Pizarro seguiu para Cajamarca, cidade a 2750 metros acima do nível do mar, onde estava Atahualpa. O encontro entre ambos ocorreu no dia 16 de novembro de 1532. O inca se fazia acompanhar de um exército de cerca de 7 mil guerreiros. Pizarro contava apenas com 168 homens. Quem primeiro se aproximou de Atahualpa foi frei Vicente Valverde, que começou a ler um texto intitulado Requerimiento. O inca tomou-lhe o livro e o arremessou ao chão. Esse gesto serviu de pretexto para os espanhóis se lançarem ao ataque. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 60 Armados de espadas e arcabuzes e montados em cavalos - animais que os incas desconheciam -, os homens de Pizarro mataram cerca de 2 mil guerreiros incas e tiveram apenas cinco baixas. Capturado, Atahualpa foi mantido como refém em uma sala de 7 metros de comprimento por 5 de largura. Em troca de sua liberdade, o imperador prometeu aos espanhóis que mandaria seu povo encher o cômodo até o teto com objetos de ouro e prata. Pizarro aceitou a proposta. Após cinco meses, o resgate havia sido pago. Os espanhóis fundiram todos os objetos e enviaram o metal para a Espanha. Porém, em vez de libertar o soberano inca, Pizarro mandou degolá-lo. Quando Atahualpa morreu, em julho de 1533, seu irmão, Huascar, também já estava morto. Assim, os incas escolheram um novo líder, Manco Cápac, eleito com o aval dos espanhóis. Cápac logo percebeu que os espanhóis procuravam manipulá-lo para terem total controle sobre o Império. Revoltado, rebelou-se contra os invasores. Em represália, os espanhóis passaram a matar os nativos indiscriminadamente. Calcula-se que quase 8 milhões deles foram mortos até 1572, ano em que morreu Tupac Amaru, último soberano inca. BOXE 4 O Requerimiento Em 1493, antes mesmo da assinatura do Tratado de Tordesilhas, o papa Alexandre VI reconheceu o direito da Espanha sobre essas terras (do continente americano). Em troca, o governo espanhol se comprometeu a cristianizar a população local. Para comunicar a decisão, o governo espanhol elaborou um documento, o Requerimiento, que deveria ser lido aos nativos. O texto dizia que os índios deveriam se submeter às ordens da Espanha e se converter à fé cristã sem qualquer resistência. Aqueles que concordassem com isso seriam recebidos "com todo amor e caridade". Aos que não concordassem, restavam severos castigos: "entraremos poderosamente contra vós (...), tomaremos vossas pessoas, vossas mulheres e filhos e os tornaremos escravos (...) e faremos todos os males e danos que pudermos (...); e as mortes e danos que se seguirem serão por vossa culpa e não de Sua Majestade, nem nossa, nem destes cavaleiros que vêm conosco". (Fontes: Carmen Bernand; Serge Gruzinski. História do Novo Mundo. Sáo Paulo: Edusp, 1997. p. 132,508-10; Texto Oficial dei Requerimiento. Disponível em:<www.ub.es/hvirt/dossier/requer.htm>. Acesso em: 25 maio 2004.) HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 Colar e figura de Ihama, artefatos da cultura chimu. Essa civilização floresceu na costa peruana entre os anos 1100 e 1400 e entrou em decadência com a ascensão do Império Inca. Destacou-se por sua ourivesaria e por sua cerâmica negra. 61 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 62 CAPITULO 8 Revolução Industrial Robôs juntam as peças de um futuro automóvel numa fábrica de Valenciennes, na França, em março de 2004. Uma das características do capitalismo moderno é a fusão dos conhecimentos acumulados nas revoluções industriais anteriores, que produziram a era da máquina e a era da eletricidade. Atualmente vivemos o impulso dado pela automação e pela informática. Os fantásticos recursos disponíveis hoje no telefone celular, no computador, na televisão, etc. foram criados aos poucos. Na Pré-História, as simples ferramentas de pedra foram moldadas graças a experimentos acumulados durante milhões de anos. Mas há períodos na História em que os conhecimentos acumulados aceleram o ritmo de mudanças, que se tornam rápidas e amplas, abrangendo diversas áreas da atividade humana. Um desses períodos teve início por volta de 1750, na Inglaterra, e recebeu o nome de Revolução Industrial. Com ela surgiram novas ferramentas e máquinas capazes de substituir dezenas de braços humanos. Reunidas nas fábricas, as máquinas deram origem a novos processos de produção. Ao mesmo tempo, os trabalhadores constituíram uma nova classe social, o proletariado. Fique atento a tudo isso neste capítulo. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 63 A burguesia enriquece A partir do século XIII a burguesia começou a se tornar o grupo social mais influente na sociedade europeia, dedicando-se, sobretudo ao comércio e às atividades financeiras. Muitos banqueiros tornaram-se importantes parceiros de reis, emprestando dinheiro ou financiando despesas dos exércitos reais. Em troca, recebiam privilégios, como o monopólio do comércio entre a metrópole e suas colônias. Enriquecida, a burguesia mercantil europeia começou a intervir também na produção de mercadorias. Para burlar a vigilância das corporações de ofício, que impunham limites à produção, os grandes comerciantes passaram a entregar a matéria prima a artesãos que, trabalhando em sua própria residência, produziam os artigos encomendados. Para tornar a produção ainda mais lucrativa e racionalizar o trabalho, com o tempo esses mercadores passaram a reunir trabalhadores em um mesmo local e a fornecer-lhes a matéria-prima e as ferramentas necessárias para a fabricação dos artigos desejados, pagando-lhes um salário em dinheiro. Dessa forma esperavam diminuir os custos e aumentar a produtividade e os lucros. Embora tenha variado de um lugar para outro, esse processo deu origem às primeiras manufaturas*, ou seja, às primeiras unidades de produção capitalista, antecessoras da fábrica moderna (sobre o capitalismo, veja o quadro da próxima pagina). Ainda no século XVI, já era possível encontrar na Inglaterra manufaturas com mais de seiscentos trabalhadores assalariados. Com o tempo os capitalistas perceberam que, se fossem introduzidas modificações na organização do trabalho, a produtividade poderia ser ainda maior. Isso foi feito por meio de uma divisão do trabalho que revolucionou mais uma vez a produção. Em vez de produzir integralmente artigo por artigo, cada trabalhador passou a executar apenas uma operação, correspondendo a uma parte da peça a ser fabricada. Somadas todas as operações, tinha-se o produto final. Em 1776, Adam Smith, um dos economistas desse período, analisou as vantagens da mudança ("A divisão social do trabalho"). * Manufatura: anterior às fábricas modernas e posteriores ao artesanato. No artesanato, o artesão realizava sozinho, ou com a família, todas as etapas na produção de um artigo. A manufatura conservou os processos artesanais e as ferramentas, mas introduziu a cooperação e a divisão qualitativa do trabalho, de modo que cada artesão passou a realizar uma etapa da produção. As manufaturas surgiram com a ampliação do consumo no século XIV e atingiram seu apogeu nos séculos XVII e XVIII; elas marcam o início do processo que culminaria na Revolução Industrial. Capitalismo O capitalismo é um sistema econômico e social que se baseia na propriedade privada dos meios de produção, na existência de um mercado no qual se realizam as trocas de mercadorias por meio de moedas e na separação entre trabalhadores, também chamados de proletários, e capitalistas. Originalmente, a expressão proletário referia-se a pessoas livres pertencentes ao grupo social mais pobre da Roma antiga, acima apenas dos escravos: o proletariado. Os socialistas alemães Karl Marx e Friedrich Engels a empregaram para designar pessoas juridicamente livres que vendem sua f orça de trabalho em troca de um salário. Os capitalistas por sua vez são donos dos meios de produção e contratam os trabalhadores para que estes produzam mercadorias tendo como objetivo o lucro. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 64 A divisão social rio trabalho Da forma pela qual a fabricação de alfinetes é hoje executada, um operário desenrola o arame, outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete e assim por diante. Dessa forma, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente dezoito operações distintas. Trabalhando dessa maneira, dez pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia. Assim, pode-se considerar que cada uma produzia 4 800 alfinetes diariamente. Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, sem que nenhum tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não teria conseguido fabricar vinte alfinetes por dia, e talvez nem mesmo um. (Adaptado de: Adam Smith. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural/Círculo do Livro, 1996. p. 65-6.) Essa divisão provocou a expansão do mercado de trabalho. A abertura de novas vagas, por sua vez, aumentou o volume de dinheiro em circulação e estimulou o consumo de mercadorias, que acabou levando ao surgimento de novas manufaturas. Embora esse processo tenha se manifestado em diversos países da Europa em momentos diferentes, ele teve início na Inglaterra no século XVIII, como veremos a seguir. O pioneirismo da Inglaterra No começo do século XVIII, a Inglaterra era a nação mais rica do planeta. Entre os recursos de que dispunha estavam jazidas de carvão e ferro, uma excelente esquadra que lhe garantia a supremacia naval, portos eficientes e estradas que interligavam suas várias regiões, facilitando o escoamento de produtos. Além disso, era líder do comércio internacional, graças a um enorme mercado consumidor em suas colônias na América e na Ásia. Ao mesmo tempo, a burguesia inglesa havia se consolidado como uma importante força econômica e política. Em parte, isso se devia a algumas alianças feitas com a realeza ao longo dos séculos, como aconteceu já no século XVI, quando o rei Henrique VIII (1509-1547) rompeu com o papado e criou o anglicanismo. Isso contribuiu para eliminar os empecilhos que a Igreja católica impunha à expansão da burguesia, como a condenação ao lucro e à cobrança de juros. Os burgueses também se beneficiaram com a substituição do absolutismo pela monarquia constitucional, em 1688. Na ocasião, o rei Guilherme de Orange (1689-1702) e a rainha Mary Stuart (1689-1694) se comprometeram a governar com a ajuda do Parlamento, composto da Câmara dos Lordes (nobreza e clero) e da Câmara dos Comuns (burguesia). Outro importante momento dessa aproximação ocorreu em 1703, quando a rainha Anne (1702-1714), atendendo aos interesses da burguesia mercantil, assinou o Tratado de Methuen com o governo de Portugal, obrigando este país e suas colônias a concederem vantagens aos produtos importados da Inglaterra. A expansão agrícola O governo inglês também beneficiou os grandes latifundiários, concedendo-lhes o direito de expulsar os camponeses das terras comunais (utilizadas de forma coletiva) para que essas áreas fossem cercadas e transformadas em pastagens. Esses cercamentos ganharam maior intensidade no século XVIII e provocaram a migração de muitos camponeses para as cidades, onde eles acabaram se tornando a principal fonte de mão de obra HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 65 da nascente indústria. Segundo o historiador inglês E. P. Thompson, os cercamentos representaram claramente "um caso de roubo de classe feito sob o amparo da lei". No campo, novas técnicas agrícolas foram implantadas, como o uso intensivo de esterco, a seleção de sementes, o roteamento de culturas e a drenagem do solo, além do cultivo de novos gêneros alimentícios, como a batata e o nabo. Tudo isso elevou a produção agrícola inglesa, que deixou de estar voltada apenas para a subsistência da população e direcionou-se também para o comércio exterior. Além disso, as relações de trabalho no campo foram gradativamente modificadas, com a substituição da mão de obra servil pela assalariada. Isso incrementou a circulação de dinheiro e fez com que as populações mais pobres tivessem acesso a bens como sapatos, tesouras, panelas, facas, cujo uso era anteriormente mais restrito. A maior quantidade de alimentos provocou melhora na qualidade de vida, gerando um significativo aumento demográfico. Para ter uma ideia, entre 1801 e 1841 a população inglesa passou de 10,5 milhões para 18,1 milhões de habitantes. Da manufatura à maquinotatura No início do século XVIII, a maior parte da população inglesa trabalhava no setor agropecuário. A extração de lã de carneiro era uma das atividades que mais geravam empregos. Por essa época, a lã era a principal matéria-prima da indústria têxtil, que seria, na segunda metade do século, o carro-chefe da Revolução Industrial. Outro produto que começou a ganhar destaque na Inglaterra foi o algodão. Mais barato do que a lã, ele saía das colónias inglesas na América do Norte e seguia para a Inglaterra, onde era transformado em peças simples de vestuário. Em seguida, essas roupas eram vendidas aos donos de fazendas nas Américas para Interior de uma fábrica têxtil de algodão, em desenho de artista anônimo do século XIX. Com os progressos na indústria têxtil no século XVIII, a antiga manufatura foi substituída pela maquinofatura. Surgiam as primeiras fábricas, acelerando o processo produtivo e concentrando no local de trabalho um número cada vez maior de operários. vestir os milhares de escravos africanos. Com o crescimento do mercado, os burgueses começaram a utilizar em suas manufaturas novidades tecnológicas que despontavam na sociedade. Essa nova tecnologia faria aumentar enormemente a produtividade do trabalho nas manufaturas, colocando a indústria têxtil na vanguarda da Revolução Industrial. Foi o caso, por exemplo, da máquina de fiar criada em 1764 por James Hargreaves. Era uma roca manual de vários fios que habilitava uma única pessoa a realizar trabalho equivalente ao de oito trabalhadores. Quatro anos mais tarde outro inventor inglês, Richard Arkwright, criou um tear movimentado pela força das águas que produzia fios de algodão de melhor qualidade e em maior quantidade. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 66 Outros engenhos foram criados e seu uso se popularizou tanto que a antiga manufatura (do latim manus = mãos; factura = feitura) foi substituída pela maquinofatura. Surgiam, assim, as primeiras fábricas. O novo processo produtivo provocou um acelerado desenvolvimento da indústria têxtil. Entre 1750 e 1769 a exportação de tecidos de algodão na Inglaterra aumentou mais de dez vezes. A revolução da máquina a vapor Desde o começo do século XVII os cientistas procuravam encontrar uma aplicação prática para a propriedade que a água tem de produzir vapor quando entra em ebulição. Estudando essa propriedade, James Watt desenvolveu em 1769 um equipamento que utilizava a força do vapor da água para gerar uma energia forte o suficiente para impulsionar máquinas a uma velocidade considerável. Com a invenção da máquina a vapor, o processo de substituição da força humana pela energia mecânica tornou-se cada vez mais rápido. Nos anos seguintes, o invento de Watt passou por diversos aperfeiçoamentos, propiciando um desenvolvimento industrial generalizado. Seus reflexos foram sentidos na siderurgia, na metalurgia e no aparecimento dos primeiros trens de ferro a vapor, inventados em 1808. Em seu conjunto, essas mudanças resultantes dos avanços tecnológicos ficaram conhecidas como Revolução Industrial. Costuma-se empregar o termo Revolução porque todas essas novidades provocaram profundas transformações em todas as regiões do planeta, mesmo que, em diversos lugares, elas tenham se manifestado em períodos posteriores. A situação da classe trabalhadora Todos esses avanços provocaram enorme euforia entre os capitalistas, que enriqueciam rapidamente. Nem toda a população inglesa, porém, tinha acesso aos benefícios dessa prosperidade. Na verdade, boa parte dela, composta de trabalhadores, via-se excluída de tais benefícios. As condições de moradia desse grupo social eram das mais precárias. Situadas em bairros insalubres, suas casas costumavam ser muito simples e rudimentares. Erguidas em ruas escuras e sem pavimentação, eram mal ventiladas, não tinham água suficiente e apresentavam péssimas condições sanitárias. As fábricas, por sua vez, não lhes ofereciam condições dignas de trabalho. Eram geralmente locais úmidos e quentes desprovidos de ventilação adequada. A alimentação servida era insuficiente e de péssima qualidade. Por causa disso e das longas jornadas de trabalho, a expectativa de vida entre os operários era baixa e a incidência de doenças e acidentes de trabalho, muito alta. Por serem consideradas mais dóceis do que os homens adultos, os patrões preferiam contratar mulheres e crianças - muitas delas com 4 ou 5 anos de idade. Segundo o historiador T. S. Ashton, dos 1150 operários que trabalhavam nas três fábricas da cidade de Derbyshire, na Inglaterra em 1789, dois terços eram crianças. A jornada de trabalho era igual para todos, durando de quinze a dezoito horas ininterruptas. Os operários eram vigiados de perto por um superior. Acidentes provocados pelo cansaço aconteciam com frequência e não eram perdoados. Em represália por alguma falta, os trabalhadores sofriam severas punições. As crianças chegavam a ser chicoteadas (veja "Vida de operário" descrição das condições de trabalho feita em 1818 por um operário inglês). HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 67 Vida de operário Os trabalhadores em geral são dóceis e afáveis, se não os molestarem muito, mas isso não surpreende quando consideramos que eles são treinados para trabalhar desde os 6 anos de idade, das cinco da manhã até as oito ou nove da noite (...); [observe] a aparência esquálida das crianças e de seus pais, arrancados tão cedo de suas camas (...). [Os trabalhadores] permanecem fechados até a noite em salas onde o calor é maior do que nos dias mais quentes do último verão (se atrasarem alguns minutos, um quarto da jornada é descontado), sem intervalos, exceto só quarenta e cinco minutos para o jantar: se comerem alguma outra coisa durante o dia, têm de fazêlo sem parar de trabalhar. (...) Não há tempo para gozar da companhia da família: todos eles estarão bem fatigados e exaustos. (In: E. P. Thompson. A formação da classe operária inglesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. v. 2, p. 25.) Os trabalhadores reagem Sem nenhuma lei que as protegesse contra esses e outros abusos, muitas pessoas começaram a se recusar a trabalhar nas fábricas. Para evitar essa evasão de mão de obra, o governo inglês adotou diversas medidas repressivas. Assim, um operário que abandonasse o emprego podia ser acusado de vadiagem e até preso. O governo também coibiu a mendicância criando as chamadas workhouses (casas de trabalho). Para lá eram encaminhados mendigos e desempregados, que eram Retrato de uma workhouse na província de St. James, em Londres, feito por Thomas Rowlandson e A. C. Pugin. Para as workhouses (casas de trabalho) eram encaminhados mendigos e desempregados. Ali, essas pessoas eram obrigadas a realizar trabalhos compulsórios. obrigados a trabalhar. A reação dos trabalhadores contra as precárias condições de vida e de trabalho a que eram submetidos não se fez esperar. Em 1811 muitos deles começaram a invadir fábricas à noite para destruir máquinas a marteladas. Para eles, as máquinas eram o principal responsável pela situação de exploração em que se encontravam, já que elas substituíam trabalhadores e provocavam desemprego. Essas pessoas ficaram conhecidas como luditas, pois o líder do movimento chamava-se Ned Ludd. Nas primeiras décadas do século XIX, o ludismo espalhou-se da Inglaterra para outros países da Europa, como França, Bélgica e Suíça. Enquanto isso, outro tipo de reação começava a se verificar entre os trabalhadores ingleses. Preocupados com os acidentes de trabalho, com as doenças e o desemprego, eles passaram a unir suas forças e a criar formas de organização, como as associações de auxílio mútuo, que tinham por objetivo criar fundos de reserva a ser utilizados nos momentos de necessidade. Essas formas de organização seriam o primeiro passo para a criação dos sindicatos trabalhistas entidades destinadas a lutar pelos direitos do proletariado. Uma vez organizados em sindicatos, os trabalhadores da Inglaterra HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 68 primeiro, e mais tarde os de outros países, fariam importantes conquistas, como aumento de salário, redução na jornada de trabalho, aposentadoria, descanso semanal remunerado, férias, etc. A crescente organização dos trabalhadores ingleses assumiria formas políticas de expressão entre as décadas de 1830 e 1840, quando eles reuniram suas reivindicações em um documento conhecido como Carta do povo. Nascia o cartismo, primeiro grande movimento político do proletariado inglês, que conquistou importantes avanços trabalhistas: em 1833, o Parlamento inglês aprovou lei limitando em oito horas a jornada de trabalho das crianças; em 1842, ficou proibido o trabalho de mulheres em minas de carvão; três anos mais tarde, foi aprovada a redução da jornada dos trabalhadores adultos para dez horas diárias. Mais tarde, conquistas semelhantes seriam obtidas em países como França, Alemanha, etc. As classes sociais e o movimento operário Cada grupo ou camada social em que se divide uma sociedade estratificada chama-se classe social. As classes sociais se distinguem umas das outras pelo modo de vida, por seus diferentes direitos e privilégios e pelo papel que ocupam na produção econômica. Para o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), a divisão da sociedade em classes é consequência dos diferentes papéis que os grupos sociais têm no processo de produção. Do papel desempenhado pelas classes depende seu nível de riqueza e rendimento, o tipo de vida e características, como crenças, princípios morais, ideais, afinidades ideológicas e políticas, etc. Diante dessas diferenças entre as classes sociais e em meio à concentração de trabalhadores nas fábricas estabelecidas com a Revolução Industrial, surge o movimento operário: um conjunto de tentativas coletivas, organizadas pela população operária a fim de melhorar suas condições de vida e de trabalho. A partir do final do século XVIII, esses trabalhadores foram desenvolvendo uma consciência de classe e começaram a sentir a necessidade de formar organizações permanentes para lutar por novas condições de trabalho, pelo direito à associação e pela diminuição da jornada de trabalho. As primeiras manifestações da classe operária e as tentativas de organização de um movimento ocorreram no Reino Unido, primeiro país industrializado do mundo. Um dos marcos da história do movimento operário mundial foi a Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, em Londres, conhecida posteriormente como Primeira Internacional. A Primeira Internacional reuniu representantes operários das mais diversas tendências ideológicas e teve como objetivo estimular a solidariedade dos operários e promover a conquista do poder por essa classe social. O socialismo e a luta contra o capitalismo Essa situação de extrema exploração na qual se encontravam os trabalhadores, além de resultar no nascimento do movimento operário, fez surgirem teorias que condenavam o sistema capitalista e as desigualdades sociais trazidas por ele e propunham novas formas de organização da sociedade. O conjunto dessas teorias ficou conhecido como socialismo. Os primeiros pensadores socialistas acreditavam ser possível reformar o capitalismo por meio da ação do Estado ou da associação dos trabalhadores em cooperativas autogeridas. Entre esses pioneiros destacaram-se o inglês Robert Owen (1771- 1858) e os franceses Saint-Simon (1760-1825) e Charles Fourier (1772-1837). Como eles propunham a criação de uma sociedade ideal, sem definir claramente os meios para se chegar a ela, foram chamados mais tarde de socialistas utópicos. A expressão socialismo utópico foi utilizada de forma especialmente crítica por dois pensadores alemães: Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Eles também eram partidários do socialismo, mas se opunham à ideia de que era possível reformar o capitalismo. Achavam que, para se chegar à sociedade socialista, era preciso HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 69 fazer uma crítica científica do sistema capitalista e promover a ação autônoma do proletariado no sentido de transformar a sociedade por meio de uma revolução: a revolução proletária. Segundo essa concepção, depois de tomar o poder, a classe operária deveria extinguir a propriedade privada dos meios de produção e de troca (fábricas, fazendas, bancos, etc.) e criar uma sociedade baseada na associação autônoma dos trabalhadores e em formas coletivas de propriedade. A essa doutrina, que atribuía ao proletariado a missão histórica de destruir o capitalismo e conduzir a humanidade para uma sociedade igualitária, Marx e Engels deram o nome de socialismo científico. Ela é conhecida também como marxismo ou, ainda, materialismo histórico. Outra corrente contestadora do capitalismo a surgir na segunda metade do século XIX foi o anarquismo. Entre seus principais pensadores estão os russos Mikhail Bakunin (1814-1876) e Piotr Kropotkin (1842-1921). Para os anarquistas, só havia uma forma de extinguir a sociedade capitalista: abolir de um só golpe o Estado burguês e a propriedade privada e instaurar uma sociedade desprovida de qualquer tipo de Estado e constituída por pequenas comunidades autônomas. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 70 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 71 CAPITULO 9 Revolução Francesa A Queda da Bastilha marcou simbolicamente o fim do Antigo Regime (absolutismo) na França e o começo de um período de conquistas democráticas que depois se estenderiam para outros países. Na imagem, o governador da fortaleza, marquês de Taunay, é deposto e preso pela multidão revolucionária que protagonizou a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789. Óleo sobre tela da Escola Francesa do século XVIII. Com um forte parque industrial, a França integra o chamado G-7, grupo que reúne os sete países mais desenvolvidos e influentes do mundo. Para alcançar esse status e chegar a ser uma sociedade democrática, o país teve de passar por um período de grandes transformações. No século XVIII, sua economia era essencialmente agrícola e sua estrutura social marcada por grandes desigualdades. No campo, vigoravam ainda relações feudais de trabalho, enquanto na esfera política o país era governado por um monarca absolutista. Essas características contribuíram para que irrompesse ali, em 1789, uma revolução que pôs fim ao absolutismo e possibilitou a consolidação do capitalismo, lançando as bases do mundo contemporâneo, como veremos neste capítulo. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 72 Uma sociedade estratificada No final do século XVIII, a França contava com 25 milhões de habitantes. Cerca de oitenta por cento da população vivia no campo. A sociedade encontrava- se dividida em três estamentos, conhecidos como estados ou ordens. O topo da pirâmide social era ocupado pelos integrantes do primeiro estado, constituído por 120 mil membros da Igreja. Mais de dez por cento das terras pertenciam à Igreja, cujo clero detinha inúmeros privilégios, como a isenção de impostos, a dispensa do serviço militar e o direito de julgamento em tribunais próprios. Ele dividia-se em alto clero – religiosos de origem nobre - e baixo clero, composto por padres e cônegos pobres. Com status superior ao da maioria do clero, o segundo estado era formado pela nobreza, composta por cerca de 400 mil pessoas. Faziam parte dela: a família real; os cortesãos - aristocratas que viviam na Corte; os nobres de toga, ou seja, burgueses que haviam comprado títulos de nobreza; e os descendentes das antigas famílias feudais (nobres de sangue), muitos dos quais viviam ainda em seus castelos. Os nobres também não precisavam pagar impostos e viviam à custa, principalmente, da exploração do trabalho dos camponeses que lavravam suas terras. No terceiro estado encontrava-se o restante da população, ou seja, quase 98 por cento de todos os franceses. Esse grupo era o único que recolhia impostos, tanto para o Estado como para a nobreza e o clero. Algumas dessas taxas eram remanescentes do feudalismo, como a corveia, a banalidade e o dízimo. O terceiro estado era composto por diversos setores da sociedade, entre os quais a alta burguesia, formada por banqueiros, armadores e empresários; a média burguesia, constituída por profissionais liberais e médios empresários e comerciantes; a pequena burguesia, composta por artesãos e pequenos comerciantes; os trabalhadores urbanos; os camponeses. Caos e revolta Nas últimas décadas do século XVIII, cerca de oitenta por cento da renda dos camponeses era destinada ao pagamento de impostos. Para piorar, o governo da França viveu nesse período uma profunda crise econômica ocasionada principalmente pelos constantes gastos com conflitos externos. Em 1785 uma forte seca quase acabou com o rebanho bovino do país. Três anos depois, os péssimos resultados da safra agrícola elevaram brutalmente os preços dos alimentos. A fome se alastrou, provocando morte e desolação. Milhares de pessoas começaram a vagar pelos campos em busca de alimento. Muitas transformaramse em pedintes, outras passaram a roubar, e algumas decidiram destruir castelos e assassinar seus proprietários, alegando serem eles os responsáveis pela miséria em que vivia a população rural. Em Paris e outras cidades artesãos e operários começaram a fazer greves. Algumas vezes, os grevistas juntavam-se a desempregados famintos para saquear lojas e participar de manifestações contra a política econômica do governo. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 Luís XVI distribui esmolas aos pobres de Versalhes durante o inverno de 1788. Óleo sobre tela pintado em 1817 por Hersent Louis (1777-1860). Por essa época, os altos impostos, as crises ocasionadas por gastos com guerras e os maus resultados na agricultura e na pecuária colocaram a maioria da população francesa em estado de penúria, provocando insatisfação e revolta. 73 Os Estados Gerais Tentando solucionar o déficit* das contas públicas, em 1789 o ministro das Finanças propôs que o primeiro e o segundo estados começassem a pagar impostos, mas a proposta foi rejeitada pelo clero e pela nobreza. Para discutir a questão, o rei Luís XVI convocou os Estados Gerais, órgão consultivo formado por representantes dos três estados e que não se reunia desde 1614. Ali, nobreza e clero eram maioria, pois cada ordem tinha direito a um voto. Em 5 de maio de 1789, dia da abertura dos trabalhos dos Estados Gerais rio Palácio de Versalhes, o terceiro estado, que representava a maioria da população, pediu que a contagem de votos passasse a ser feita por cabeça, e não por estamento. Seguiu-se um mês de discussões sem resultados concretos. Diante do impasse, o terceiro estado reuniu-se em uma sala separada e se autoproclamou Assembleia Nacional destinada a elaborar uma Constituição. Incapaz de dissolver a reunião do terceiro estado, no final de junho o rei ordenou que os representantes da nobreza e do clero se juntassem a ela. Com isso, no dia 9 de julho de 1789, os Estados Gerais proclamaram a formação da Assembleia Nacional Constituinte. A Queda da Bastilha Publicamente, Luís XVI afirmava apoiar a Assembleia. Nos bastidores, porém, convocou o exército para dissolvê-la. Quando a notícia da traição do rei circulou por Paris, grande parte da população se revoltou. Na madrugada de 14 de julho, uma multidão, formada principalmente por artesãos, operários e pequenos lojistas – conhecidos como sans-culottes por utilizarem calças compridas em vez dos culottes presos no joelho como os nobres – invadiram os arsenais do governo e se apoderou de 30 mil mosquetes. Em seguida, partiu em direção à Bastilha, fortaleza na qual o governo encarcerava e torturava seus opositores. Embora estivesse praticamente desativada - abrigava apenas sete detentos na ocasião -, a Bastilha constituía um dos maiores símbolos do absolutismo. Tomada pela multidão após horas de combate, sua queda transformou-se em um marco, e até hoje o 14 de julho é comemorado como data nacional na França. O fim do Antigo Regime À medida que a notícia da queda da Bastilha se espalhava, levantes e revoltas de camponeses e trabalhadores urbanos alastravam-se pelo país. A sublevação levou a Assembleia Constituinte a abolir as leis feudais que ainda vigoravam e a suprimir privilégios da nobreza e do clero. Além disso, os grupos populares armados foram transformados em Guarda Nacional, cuja missão era proteger a Assembleia. No dia 26 de agosto a Assembleia proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Composto inicialmente por dezessete artigos, o documento estabelece a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, um dos mais caros princípios dos filósofos iluministas. No dizer do historiador francês Georges Lefebvre, a Declaração é o "atestado de óbito do Antigo Regime", nome pelo qual passou a ser chamado o Estado absolutista que vigorava no país antes da Revolução. Por romper definitivamente com os princípios feudais, esse documento é considerado um dos fundamentos do Estado contemporâneo. Leia alguns de seus artigos a seguir. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 74 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão I - Os homens nascem e permanecem livres e iguais perante a lei; II - A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. (...) IV - A liberdade consiste em fazer tudo que não perturbe a outrem. (...) VI - A lei é a expressão da vontade geral (...); deve ser a mesma para todos, seja protegendo - os, seja punindo-os. (...) VII - Ninguém pode ser acusado, preso, nem detido, senão nos casos determinados pela lei, e segundo as fornias por ela prescritas. (...) IX - Todo homem é presumido inocente, até que tenha sido declarado culpado e se for indispensável será preso, mas todo rigor que não for necessário contra sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei. X - Ninguém deve ser inquietado pelas suas opiniões, mesmo religiosas, desde que as suas manifestações não prejudiquem a ordem pública estabelecida pela lei. XI - A livre comunicação das opiniões e dos pensamentos é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode então falar, escrever, imprimir livremente. (...) (Disponível em: <www.dhnet.org.br/direitos/anthist/decl789.htm>. Acesso em: 5 abr. 2005.) Gravura do século XVIII representando a marcha das mulheres em Versalhes, nas proximidades de Paris, em 5 de outubro de 1789. Entre os diversos processos democráticos que tiveram início com a Revolução Francesa está a luta das mulheres por sua participação no espaço público, da qual a Marcha de Versalhes é um emblema. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 75 O período da monarquia constitucional Nos dois anos que seguiram à Queda da Bastilha, Luís XVI e sua família permaneceram confinados no palácio das Tulherias, em Paris. Nesse período, os constituintes elaboraram e promulgaram a primeira Constituição da França (1791). Seguindo os princípios iluministas e o exemplo norte-americano, a Carta francesa estabelecia a divisão entre os três poderes do Estado e definia a monarquia constitucional como forma de governo. O rei seria o chefe do Executivo, mas seu poder não poderia se sobrepor às normas constitucionais. Suas ações seriam reguladas pelo Legislativo, composto de 745 deputados eleitos pelos cidadãos que dispunham de algum patrimônio (voto censitário). A Convenção e o fim da monarquia Em junho de 1791 Luís XVI tentou fugir com sua família para a Áustria, mas foi reconhecido na fronteira e forçado a voltar para Paris. Revoltados, os sans-culottes invadiram o palácio das Tulherias em 10 de agosto de 1792 e prenderam o rei e a rainha Maria Antonieta sob a acusação de conspirarem contra o Estado. Com a prisão do rei, o governo passou para as mãos de um Conselho Executivo Provisório, liderado pelo advogado George-Jacques Danton. A Assembleia Nacional Constituinte foi dissolvida e em seu lugar foi eleita a Convenção Nacional. Nesse momento, diversas facções políticas disputavam o poder. Entre elas, destacavam-se os jacobinos e os girondinos (sobre esses grupos, veja Esquerda, Centro, Direita). Nas eleições para a Convenção, os jacobinos obtiveram a maioria dos votos. Em 22 de setembro de 1792 a Convenção proclamou a República. Acusado de traição, Luís XVI foi levado a julgamento e executado na guilhotina em 21 de janeiro de 1793. Uma Constituição republicana foi elaborada, concedendo o sufrágio universal masculino (isto é, direito de voto só para os homens). Até mesmo um novo calendário foi criado. Os meses ganharam novos nomes e o dia 22 de setembro ficou sendo o primeiro dia do ano I da República (veja outras novidades advindas da Revolução). Esquerda, centro, direita. É muito comum, em política, associarmos os termos esquerda, centro e direita a partidos políticos ou a pessoas que defendem ou combatem ideias reformistas, ou que adotam posições radicais ou moderadas diante de certas questões. A origem dessas expressões remonta à Revolução Francesa. A Convenção Nacional dividia-se em grupos que representavam diferentes camadas da sociedade: os nobres, o clero, a alta burguesia, a média burguesia, os trabalhadores, etc. Essas facções reuniam-se em três grandes blocos, cada qual ocupando lugar específico na Convenção: • Girondinos - Bloco formado por políticos moderados tinham como núcleo original deputados da província de Gironda. Representantes da grande burguesia mercantil procuravam conter a radicalização, negociando com o rei. Ocupavam uma parte baixa da sala de reuniões, à direita da mesa da Presidência, sendo por isso conhecidos como planície. • Jacobinos - Representavam principalmente a pequena e a média burguesia. Defendiam a República e o sufrágio universal*. Deviam esse nome ao fato de se reunirem no mosteiro de São Jacques, em Paris. Liderados pelos advogados Maximillien-Marie Robespierre e Louis Antoine de Saint-Just, os jacobinos sentavam-se na parte mais alta da assembleia, no lado esquerdo do salão. Eram chamados de montanheses e constituíam um dos grupos mais radicais da Convenção. A seu lado atuava outra corrente radical, a dos cordeliers (cordeleiros), liderada por George-Jacques Danton e Jean-Paul Marat. • Pântano - Grupo constituído por políticos de pouca expressão. Suas posições variavam conforme as circunstâncias e os temas a serem votados. Tinham esse nome por ocuparem a parte baixa, no centro do salão. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 76 As novidades da Revolução Uma das mudanças introduzidas pela Revolução Francesa foi a unificação do sistema de pesos e medidas. Para chegar a ela, a Academia Francesa de Ciências tomou como base a própria Terra. Seus matemáticos calcularam a distância entre o equador e o polo Norte e escolheram duas cidades ao nível do mar atravessadas por um mesmo meridiano – Barcelona (Espanha) e Dunquerque (França). Mediram, então, a distância entre elas e, por projeção, deduziram a distância entre o equador e o polo Norte. Esse número foi dividido por 10 milhões e o resultado obtido, denominado metro, foi dividido em decímetros e centímetros. A partir do metro, a Academia definiu quanto pesava um grama. Ele deveria ser o equivalente à massa de um decímetro cúbico de água pura; já o litro foi estabelecido como o volume equivalente ao de um cubo com 10 centímetros de lado. Um regime chamado Terror! Embora a esquerda se visse animada com a República, o fato é que a França atravessava uma de suas mais graves crises: tropas da Inglaterra, da Áustria, da Prússia, da Holanda, da Espanha, da Rússia e da Sardenha passaram a atacá-la por todos os lados, tentando impedir a consolidação da República e a disseminação dos ideais revolucionários. Em diversos pontos do país, nobres inconformados com a perda dos antigos privilégios organizavam movimentos contrarrevolucionários. Para enfrentar essas dificuldades, em abril de 1793 a Convenção criou o Comitê de Salvação Pública, cujo comando foi entregue a Danton e, logo depois, a Robespierre. O novo órgão convocou 300 mil homens para lutar contra os estrangeiros - o que provocou violenta reação em algumas províncias, ainda fiéis à monarquia - e criou o Tribunal Revolucionário para julgar os suspeitos de atitudes contrarrevolucionárias. Era o início do período conhecido como Terror. Entre 1793 e 1794 cerca de 300 mil pessoas foram presas, das quais 35 mil foram condenadas à morte na guilhotina. Os jacobinos executavam qualquer suspeito de "traição à Revolução". A rainha Maria Antonieta foi guilhotinada em outubro de 1793. Muitos outros nobres também foram executados. O governo jacobino contou inicialmente com grande apoio popular, pois criou impostos sobre os ricos, aprovou lei fixando um teto para os preços dos produtos, regulamentou os salários, abriu escolas públicas, repartiu bens dos nobres que haviam se exilado e promoveu uma reforma agrária que beneficiou cerca de 3 milhões de pessoas. Também instituiu o divórcio, decretou a liberdade religiosa e aboliu a escravidão nas colônias francesas. Em junho de 1794, tropas francesas obtiveram uma vitória decisiva sobre os exércitos invasores. Entretanto, ao mesmo tempo que reprimia a "direita", isto é, os girondinos e a nobreza, Robespierre e o Comitê de Salvação Pública se voltaram também contra os grupos mais radicais, situados "à esquerda" dos jacobinos, enviando para a guilhotina os militantes radicais. Um desses condenados à morte foi o líder dos cordeleiros George Jacques Danton (sobre o uso da guilhotina e a concepção de justiça da época veja Da Guilhotina as prisões). A repressão contra os setores mais radicais, apoiados pelos sans-culottes, levou os jacobinos a perder apoio junto à população. Isolados do povo, Robespierre e seus companheiros do Comitê de Salvação Pública foram facilmente derrubados pelos girondinos no dia 27 de julho de 1794. Como o golpe ocorreu em 9 Termidor do calendário republicano, os representantes desse grupo, defensor dos interesses da média e da alta burguesia, ficaram conhecidos como termidorianos. Eles assumiram 0 controle da Convenção e instalaram a chamada Reação Termidoriana. Robespierre, SaintJust e outros jacobinos foram mortos na guilhotina. O Grande Terror chegara ao fim. Algumas medidas HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 77 implementadas durante sua vigência foram canceladas, entre elas o tabelamento de preços e o fim da escravidão nas colônias francesas. Ao mesmo tempo, a população de Paris foi desarmada para evitar novas sublevações. Da guilhotina às prisões A guilhotina, máquina criada para decapitar pessoas, foi adotada na França pela primeira vez em 1792, em razão dos apelos do médico parisiense Joseph Guillotin, que defendia o direito dos condenados à morte a um fim rápido e sem dor. Até então, os métodos de execução utilizados eram basicamente a forca, o esquartejamento e as diversas variantes do suplício da roda - como a que colocava uma pessoa amarrada na parte externa de uma roda e, sob ela, brasas incandescentes. Conforme o carrasco girava a roda, a pessoa era "assada" viva, diante da população que se reunia para ver a cena. Com a propagação dos ideais iluministas, os suplícios passaram a ser, cada vez mais, encarados como uma afronta à dignidade humana, um símbolo da tirania. Assim, o século XVIII marca o início de um longo processo que resultará em uma nova concepção de justiça. No século XIX, mais do que punir, a justiça terá como missão promover a reinserção na sociedade daqueles que cometeram crimes. As prisões tornaram-se locais que deveriam garantir a "reeducação" dos indivíduos que não souberam (ou não puderam) viver conforme as regras sociais. O Diretório Em 1795 foi aprovada uma nova Constituição - a terceira, desde 1791. De caráter liberal, ela acabou com o voto universal masculino estabelecido pela Constituição anterior, de 1793, e reintroduziu o voto censitário (apenas os proprietários podiam votar). O poder Executivo ficou nas mãos do Diretório, órgão composto por cinco pessoas eleitas entre os deputados. Durante o período do Diretório, a França enfrentou graves dificuldades financeiras. Além disso, tanto os jacobinos como os defensores da monarquia tentaram por diversas vezes derrubar o governo. Para conter essas manifestações, o Diretório pediu a ajuda do exército. Em 1795 o jovem general Napoleão Bonaparte foi escolhido para organizar a defesa interna do país. Graças ao sucesso com que reprimiu as revoltas e ao Morte da princesa de Lamballe, quadro de 1908 do pintor Faivre Léon-Maxime (18561941). Na pintura vê-se o corpo da princesa, amiga da rainha Maria Antonieta, caído em frente à porta da prisão da Força, em Paris, atingido pelos sansculottes ensandecidos, num ato que fez parte dos "massacres de setembro". Era 3 de setembro de 1792. seu êxito em campanhas no exterior, Napoleão acabou se tornando o mais importante general da França. Seu prestígio cresceu tanto que, em outubro de 1799, ele foi convidado a fazer parte do Diretório. Em 9 de novembro de 1799 - ou 18 Brumário, de acordo com o novo calendário -, Napoleão Bonaparte dissolveu o Parlamento e substituiu o Diretório por três cônsules provisórios - entre os quais ele era o mais influente (no boxe abaixo o historiador Eric Hobsbawm analisa o impacto da Revolução Francesa na história da humanidade). HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 78 O impacto da Revolução Francesa Revolução Francesa foi, de fato, um conjunto de acontecimentos suficientemente poderoso e universal em seu impacto para ter transformado o mundo permanentemente (...). Metade dos sistemas legais do mundo está baseada na codificação legal que a Revolução implantou. (...) Países tão afastados de 1789, como o Irâ islâmico e fundamentalista, são Estados nacionais territoriais estruturados no modelo trazido ao mundo pela Revolução Francesa, junto com muito de nosso vocabulário político. (...) A Revolução Francesa deu aos povos a noção de que a História pode ser mudada por sua ação. Deu-lhes também o que até hoje permanece como a mais poderosa divisa jamais formulada para a política da democracia e das pessoas comuns que ela inaugurou: "Liberdade, igualdade, fraternidade". Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 79 CAPITULO 10 O Império Napoleônico Batalha das pirâmides (c. 1860), ilustração que consta do livro Vitórias e conquistas dos exércitos franceses. Ocorrida em 1798, essa batalha, que marcou o início da conquista do Egito pelo exército francês, fez parte da estratégia napoleônica, na virada do século XVIII para o XIX, de conquistar países fora da Europa e ampliar a hegemonia francesa sobre as outras potências. Os franceses comemoraram em 2004 o bicentenário da promulgação do Código Civil, conjunto de leis que consagrou o fim do absolutismo na França. Durante muito tempo ele foi chamado de Código Napoleônico, pois foi promulgado durante o período em que general Napoleão Bonaparte comandou a França. Como veremos neste capítulo, ao mesmo tempo em que manteve muitas das conquistas da Revolução, difundindo algumas delas por outros países da Europa, Bonaparte agiu de forma autoritária, centralizando o poder em torno de sua figura. Graças à ação de seu exército, a França foi, por algum tempo, o maior império do continente europeu. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 80 A força de um líder Napoleão Bonaparte chegou ao poder em 1799, no momento em que a França atravessava uma grave crise institucional. Governado pelo Diretório, o país enfrentava sérios problemas de ordem econômica, política e social e havia sofrido algumas derrotas em campanhas militares no exterior. A oposição, formada à esquerda pelos jacobinos e à direita pelos realistas (partidários da monarquia), responsabilizava o governo pela situação. Com os ânimos cada vez mais exaltados, a França parecia à beira de uma nova rebelião. Nesse contexto, começou a ganhar destaque a figura de Napoleão Bonaparte, general de apenas 30 anos de idade que, graças às suas vitórias nos campos de batalha, parecia destinado a ser o "homem forte" tão sonhado pela burguesia, aquele que devolveria a paz e a ordem para a França. No dia 18 Brumário (9 de novembro de 1799), Napoleão dissolveu o Diretório e criou o Consulado, concentrando em suas mãos a maior parte do poder. Em menos de um mês foi redigida uma nova Constituição, que deu a ele o título de primeiro cônsul da França. Apoiando-se em seu prestígio, Napoleão promoveu reformas visando recuperar a economia e as instituições, desgastadas após dez anos de revolução. Uma de suas primeiras medidas foi reaproximar-se da Igreja católica, cujas relações com o Estado encontravamse rompidas desde o período do Terror. Para normalizar a situação econômica, Bonaparte incentivou a industrialização e gerou uma grande quantidade de empregos ao iniciar um programa de obras públicas, com a construção de estradas e portos e a urbanização de cidades. Ao mesmo tempo, anistiou os nobres que haviam se exilado no exterior, reorganizou o sistema de cobrança de impostos, criou uma nova moeda e promoveu reformas educacionais. O boxe abaixo analisa outra de suas realizações: o código civil. O Código Napoleônico Inspirado no Direito Romano, o código civil francês foi instituído em 1804 e ficou conhecido como Código Napoleônico. Esse conjunto de leis consolidou as grandes conquistas burguesas da Revolução e consagrou o fim do feudalismo: garantiu o direito de propriedade, proibiu a organização de sindicatos de trabalhadores, assegurou a igualdade de todos perante a lei, mas restabeleceu a escravidão nas colônias francesas. De um total de quase 2 mil artigos, apenas sete tratavam do trabalho, enquanto cerca de oitocentos abordavam a questão da propriedade privada. Ele também reforçava a autoridade de maridos e pais sobre esposas e filhos. O Código Napoleônico foi adotado em grande parte da Europa e em alguns estados norte-americanos. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 81 Da República ao Império Em 1802 um plebiscito deu a Napoleão o título de cônsul vitalício. Dois anos depois outra consulta popular aprovou o fim do Consulado e a transformação da França em Império. Com isso, a Primeira República chegava ao fim, e Napoleão era proclamado imperador. Disposto a transformar a França no maior império da Europa, em 1805 Napoleão anexou ao país a República de Genova, na península Itálica. Diversas nações europeias formaram uma coalizão para deter a política expansionista da França. Bonaparte, entretanto, continuou sua marcha de conquistas com vitórias sucessivas, anexando novas regiões ao seu país, como se pode ver pelo mapa. Senhor de quase todo o continente europeu, para selar seu triunfo declarou extinto o Sacro Império RomanoGermânico recém-ocupado pelo exército francês e o substituiu pela Confederação do Reno. Em 1806, depois de subjugar o reino de Nápoles, Napoleão colocou no poder seu irmão, José Bonaparte, que governou até 1810, quando esse território foi anexado ao Império Francês. Nos Países Baixos (Holanda), assumiu Luís Bonaparte, outro irmão do imperador. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 82 Coroação de Napoleão e da imperatriz Josephine na Catedral de Notre-Dame, em Paris, em 2 de dezembro de 1804. Óleo sobre tela de Jacques-Louis David (1748-1825). O Bloqueio Continental Apesar dessas vitórias, a principal rival da França - a Inglaterra - não estava derrotada. Senhora das rotas de comércio dos mares, onde permanecia imbatível, era a nação mais desenvolvida da época. Consciente de que o poderio britânico encontrava-se amparado no comércio e na indústria, Napoleão proibiu as nações europeias de comerciar com a Inglaterra. Sua intenção era enfraquecê-la economicamente a ponto de deixá-la militarmente vulnerável. Os países que não participassem do boicote, conhecido como Bloqueio Continental-, seriam atacados pelo exército napoleônico. Para o plano dar certo, era necessário que todos os países europeus participassem do Bloqueio. Os governos de Portugal e Espanha, entretanto, não aderiram a ele. Por essa razão, em 1807 tropas francesas invadiram a península Ibérica. Fernando VII, rei da Espanha, foi destituído e, em seu lugar, foi coroado José Bonaparte, irmão do imperador francês que, como vimos, era também governante do reino de Nápoles. O fato repercutiu nas colônias espanholas da América, onde começaram a eclodir movimentos emancipacionistas. Já em Portugal, a família real e sua corte fugiram para o Brasil um dia antes da chegada do exército napoleônico. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 83 Para levar a cabo seu plano de invadir a Rússia, Napoleão constituiu um exército de 600 mil homens. Na imagem, O altivo cruzamento do Nieman, quadro de 1819 representando o imperador e suas tropas às margens do rio Nieman, na fronteira da Rússia, em 1812. Fracasso na Rússia O Bloqueio Continental afetou realmente a Inglaterra. Em 1808 as fábricas têxteis inglesas acumulavam enormes estoques de tecidos sem conseguir vendê-los. Da mesma forma, as exportações de produtos de ferro diminuíram e a revenda de artigos provenientes das colônias britânicas, como açúcar e algodão, foi afetada. Outro grande país prejudicado foi a Rússia, que exportava para a Inglaterra matérias-primas destinadas à construção naval. Em 1811 o czar Alexandre I rompeu com o boicote e abriu os portos do país aos navios britânicos. Em represália, Napoleão declarou guerra à Rússia. Em pouco tempo, o imperador reuniu um exército de 600 mil homens e partiu em direção às estepes russas. A campanha se revelou um fracasso. Em vez de combater os franceses em campo aberto, os russos preferiram recuar, atraindo o inimigo para o interior do território. Na retirada, queimavam os lugares por onde as tropas de Napoleão ainda iam passar, destruindo campos cultivados e abrigos. A tática, conhecida como de terra arrasada, surtiu efeito: os suprimentos escassearam e muitos soldados franceses e animais morreram de fome. Em outubro de 1812 Napoleão decidiu retornar à França com suas tropas, mas encontrou um novo inimigo pela frente: o rigoroso inverno russo. Na marcha de regresso, milhares de soldados morreram de frio e de fome. Dois meses mais tarde, apenas 100 mil franceses chegaram a Paris. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 84 O fim do Império Com a derrota de Napoleão, os exércitos da Inglaterra, da Prússia, da Rússia e da Áustria formaram nova coalizão e desfecharam um ataque fulminante à França. Abaladas com o fracasso da invasão à Rússia, as tropas napoleônicas não puderam deter o avanço do inimigo: em 31 de março de 1814 Paris caiu diante dos exércitos coligados. Quatro dias depois, Napoleão abdicou do trono e foi enviado como prisioneiro para a ilha de Elba, entre a península Itálica e a ilha de Córsega. Enquanto a França organizava um novo governo, conduzindo ao trono o rei Luís XVIII – irmão de Luís XVI, guilhotinado durante a Revolução Francesa -, representantes dos países europeus se reuniam em Viena, Áustria, para definir as novas fronteiras entre as nações do continente e restabelecer o equilíbrio de forças entre elas (veja o boxe "O Congresso de Viena" e o mapa da nova configuração geopolítica da Europa). Em fevereiro de 1815, durante a realização do Congresso de Viena, Napoleão fugiu de Elba, desembarcou na França à frente de um grupo de seguidores e marchou em direção a Paris. Ao saber da notícia, Luís XVIII fugiu do país, deixando vago o trono da França. Sem enfrentar resistências, Bonaparte retomou o poder. O novo governo do imperador, porém, duraria pouco menos de cem dias. Nesse período, Napoleão teve de enfrentar nova guerra contra os governos da Inglaterra, Prússia, Áustria e Rússia. Não foi bem-sucedido. Em junho de 1815 suas tropas foram fragorosamente derrotadas pelo exército inimigo, na batalha de Waterloo, na Bélgica. Afastado do poder, Bonaparte foi enviado para Santa Helena, pequena ilha no Atlântico. Ali permaneceria até sua morte, em 1821. Na França, Luís XVIII foi reconduzido ao trono (veja o boxe "O legado de Napoleão"). O Congresso de Viena Realizado entre setembro de 1814 e junho de 1815, o Congresso de Viena foi presidido pelo chanceler austríaco Klemens von Metternich, um defensor do absolutismo. Dois princípios básicos orientaram os diplomatas nessa ocasião. Um deles foi o da legitimidade, que preconizava a restauração das dinastias destituídas pela Revolução Francesa e por Napoleão e consideradas como legítimas pelo Congresso. O outro princípio orientador do conclave foi o conceito de equilíbrio de forças entre as grandes potências. Com ele procurava-se evitar a hegemonia de algumas dessas potências. Como resultado das decisões tomadas pelo Congresso o governo da Inglaterra obteve a ilha de Malta (no Mediterrâneo), o Ceilão (atual Sri Lanka, na Ásia) e a Colônia do Cabo (na atual África do Sul); o governo da Rússia anexou a Finlândia e parte da Polônia; a Confederação do Reno foi desfeita para dar lugar à Confederação Germânica, com 39 Estados, entre os quais a Prússia e a Áustria. A península Itálica continuou fragmentada em vários principados e repúblicas; a Bélgica uniu-se à Holanda para formar o Reino dos Países Baixos; a Suécia e a Noruega se fundiram; o Império Turco-Otomano manteve o controle dos povos cristãos do sudeste da Europa; e a França viu suas fronteiras voltarem ao que eram antes de 1792. HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 85 O legado de Napoleão Os grandes monumentos de lucidez do Direito francês, os Códigos que se tornaram modelo para todo o mundo burguês, exceto o anglo-saxão, foram napoleônicos. A hierarquia dos funcionários, das cortes, das universidades e escolas foi obra sua. As grandes "carreiras" da vida pública francesa, o exército, o funcionalismo público, a educação e o Direito ainda têm formas napoleônicas. (...) Ele destruiu apenas uma coisa: a Revolução Jacobina, o sonho de Igualdade, Liberdade e Fraternidade do povo erguendo-se em sua grandiosidade para derrubar a opressão. Este último foi um mito mais poderoso do que o de Napoleão, pois, após sua queda, foi isso, e não a memória do imperador, que inspirou as revoluções do século XIX, inclusive em seu próprio país. (Adaptado de: Eric Hobsbawm. A era das revoluções; Europa 1789- 1848. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 113.) HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 86 Síntese do Capítulo ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ HISTÓRIA - 2º ANO – ENSINO MÉDIO - 2016 87 Referências Bibliográficas: • CORVISIER, André. 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