O proletariado e seu permanente fazer-se
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O proletariado e seu permanente fazer-se
O PROLETARIADO E SEU PERMANENTE “FAZER-SE” ENQUANTO CLASSE: REFLEXÕES EM TORNO DA CULTURA MATERIAL OPERÁRIA FACE ÀS VICISSITUDES DA LUTA CPAITAL-TRABALHO. Tatiane Pacanaro Trinca1 Introdução O século XIX, principalmente na França e na Inglaterra, caracterizou-se como um período de grandes turbulências, advindas fundamentalmente das Revoluções Industrial e Francesa. Nesse momento marcado por repressão, exploração e sofrimento de populações de trabalhadores pobres, camponeses e migrantes é que emergiu uma nova classe, formada, sobretudo, pela unidade de resistência à nova ordem econômica e industrial. A retratação da penúria da sociedade industrial era feita, nessa época, de forma panfletária e acessível, pelos intelectuais do humanismo romântico. Grandes obras literárias de reforma social e moral, como Germinal, Os Miseráveis, Tempos Difíceis, entre outras, eram de grande difusão em meio ao imenso público leigo. Assim, a literatura tornava-se uma arma política de denúncia do cotidiano deplorável dos trabalhadores2. Engels, em sua obra política “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, descreveu, fidedignamente, as transformações dos costumes e as condições precárias de trabalho, moradia, saúde etc. a que eram submetidos os trabalhadores, mulheres e crianças sob o processo nascente de industrialização e urbanização. Foi nesse contexto que se configurou, mais circunscritamente, a emergência da classe operária, embora E. P. Thompson ressaltasse que desde o final do século XVIII a base da formação da classe operária estava colocada pelas sociedades de debates formadas por trabalhadores3. Não obstante, as alterações no plano da produção que se deram ao longo do século passado, como, por exemplo, o advento do fordismo e da reestruturação produtiva do capital, causaram 1 Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP – Campus de Marília, onde desenvolveu a dissertação de mestrado intitulada O corpo-imagem na “cultura do consumo”: uma análise histórico-social sobre a supremacia da aparência no capitalismo avançado. 155p. 2008. Contato: [email protected] 2 Wolf Lepenies (1996) pontuou que, nesse período, as humanidades, especificamente a literatura inglesa e francesa, apareceram como os instrumentos privilegiados de civilização e de compreensão do mundo, enquanto as ciências sociais - ainda em sua fase embrionária - eram vistas com desconfianças. 3 Thompson (1987) considera, entre outros movimentos (como os cartistas), que a Sociedade Londrina de Correspondência, formada em meados de 1790 forneceu elementos para a constituição da classe operária inglesa, embora ele ressalte que a SLC era antes uma sociedade “radical popular” do que propriamente operária. grande impacto sobre a constituição e modos de vida da classe operária, modificando com isso, as características tradicionais da cultura operária formada entre o final do século XIX e início do século XX. Objetivos Diante desse breve panorama, pretendemos compreender o desenvolvimento da cultura operária e as especificidades materiais do cotidiano que formaram uma identidade de classe, partindo, em um primeiro momento, das análises elaboradas por Thompson e Hobsbawm. Em seguida, buscaremos identificar quais elementos unem e/ou identificam os operários que estão sob a égide da economia neoliberal, tendo em vista as transformações ocorridas no processo produtivo do capital. Metodologia O trabalho desenvolvido por E.P.Thompson pode ser descrito como uma opção centrada na história e nas práticas de resistências das classes populares. Em sua obra encontramos a visão de uma história construída a partir das lutas sociais e da interação entre cultura e economia – superestrutura e infra-estrutura – em que eclode de modo central a noção de contestação a uma ordem marcada pelo “capitalismo como sistema”. De modo geral, a obra de Thompson traz à tona as experiências, os costumes e as lutas dos trabalhadores pós Revolução Industrial Inglesa que, por muito tempo, foram ignoradas no campo da História. O autor relata, entre outras coisas, como se desenvolveu a imprensa popular, as escolas dominicais (que tinham por objetivo a alfabetização voltada à religião, mas serviram também para uma politização), os incômodos causados pelas tavernas, feiras e jogos às elites, a luta pela liberdade de imprensa, pela revogação das Leis de Associação, o luddismo, o movimento cartista e suas reivindicações pela participação efetiva nas eleições e uma infinidade de outros acontecimentos4. Thompson inicia sua obra esclarecendo que o título The making of the english working class, traz consigo o entendimento de que classe operária não nasce de modo marcado, ou seja, ela se 4 Não trataremos desses acontecimentos nas linhas seguintes, visto que a obra é por demais descritiva e extensa. O livro “A formação da classe operária inglesa” apresenta, com um aprofundado detalhe histórico, a vida cotidiana dos trabalhadores da Inglaterra. Nesse sentido, utilizaremos o autor com a finalidade de compreender os processos históricos e as relações sociais que fornecem meios e fins para o fazer-se das classes sociais. 2 desenvolve ao longo dos processos históricos. Desse modo, o autor designa classe como “[...] um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência” (1987, p.9). Sob esse aspecto, classe se torna algo fluido, que ocorre através das relações humanas, enquanto que a experiência de classe é produzida, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nascem ou entram involuntariamente. Como considera Thompson (1987), [...] a consciência de classe é a forma como as experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais. Se a experiência aparece como determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe (p.10). Diante disso, o autor analisa a formação da classe operária na Inglaterra, investigando o cotidiano dos artesãos, mineiros, sapateiros, entre outros, e as relações que se estabeleciam entre as diferentes classes após a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. O autor sublinha ainda que, entre 1780 e 1832, os trabalhadores ingleses começaram a sentir uma identidade de interesses entre si, se colocando contra seus dirigentes e empregadores. No entanto, somente a partir de 1830 é que amadureceu uma consciência de classe no sentido marxista tradicional, ou seja, mais claramente definida e demarcada, com a qual os trabalhadores estavam cientes de prosseguir por conta própria em lutas antigas e novas. Entretanto, essas definições foram criticadas por Hobsbawm5. Enquanto os estudos de Thompson identificam a formação inicial da classe operária entre o período de 1780 e 1830, Hobsbawm compreende essa formação num período posterior (1870 -1914). Segundo o historiador, a classe trabalhadora a qual Thompson se refere é muito diferente da classe trabalhadora em seu sentido tradicional, caracterizada por elementos unificadores como o tipo de lazer, de habitação, de alimentação, de vestuário etc. Nesse sentido, Hobsbawm tem por objetivo identificar, através da investigação da cultura cotidiana dos trabalhadores, o fazer-se “tradicional” da classe operária inglesa. Sob esse aspecto, observando gostos, costumes e estilos de vida é que Hobsbawm demarca a emergência de uma 5 Homenageando Thompson, Hobsbawm, em seu artigo “O fazer-se da classe operária, 1870-1914”, dialoga com a obra clássica acerca da emergência da classe operária inglesa e esclarece que o título de seu trabalho não pretende sugerir que a formação de uma classe seja um processo com etapas – início, meio e fim. Para o historiador, “[...] as classes nunca estão prontas no sentido de acabadas” (HOBSBAWM, 1987, p. 273), ou seja, elas estão sempre em formação e transformação. 3 cultura estritamente operária a partir de 1870, o que por sua vez, o coloca em certa desarmonia histórica com a obra de Thompson. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o título de Hobsbawm representa uma homenagem à obra de Thompson, o autor também enfatiza que esse tributo vem seguido de advertências: para Hobsbawm, Thompson tinha certa razão ao datar a emergência da classe trabalhadora no início do século XIX, “[...] pois, já na época do cartismo, a imagem da sociedade britânica expressa na ‘linguagem de classe’ de Asa Briggs já estava formulada, e formulada como uma imagem trinitária de proprietários, burguesia e trabalhadores” (1987, p.274). Todavia, Thompson estava errado em sugerir que a classe trabalhadora do período anterior ao cartismo era a mesma que se desenvolveria mais tarde. De acordo com Hosbsbawm, a classe trabalhadora do período do cartismo, owenismo e outros movimentos, são os ancestrais da classe operária britânica, porém são fenômenos diferentes. Portanto, o ponto central para o “fazer-se” da classe operária está, para Hobsbawm, sobretudo, no crescimento e desenvolvimento da nova economia industrial, e isto só se efetivou a partir de 1850 com a concentração e expansão dos transportes, das cidades e do próprio número de trabalhadores (mineiros, ferroviários, carpinteiros, pedreiros etc). Hobsbawm aponta que uma das características simbólicas que unificou a classe operária de forma identificatória foi o uso corriqueiro, entre os trabalhadores, do “Andy Capp”, uma espécie de boné chato, que passou a ser usado cotidianamente entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX.6 De forma notável, Hobsbawm elenca uma série de elementos que compuseram e nortearam a cultura material da classe operária, dentre eles o autor ressalta até mesmo a alimentação convencional dos laboriosos pobres, o conhecido “fish and chips”, peixe e fritas, ponto de referência na lista da classe trabalhadora “tradicional”. No que diz respeito ao esporte, o futebol havia se tornado o emblema da classe, assim como a loteria esportiva, que também se tornara um meio de prazer e de encontro para os trabalhadores 6 É interessante observar que a Revolução Industrial Inglesa teve seu início no setor têxtil, sendo este um dos primeiros a conhecer a mecanização do trabalho e a produção em larga escala. Já no início do século XIX, a indústria têxtil dinamizava e articulava uma parcela da economia inglesa. O desenvolvimento têxtil estimulou outros setores, como a indústria química, a metalurgia e a construção civil. Também em Paris, a maioria das galerias surgiu aproximadamente em 1837, e a primeira condição para o seu florescimento foi o crescimento do comércio têxtil. (BENJAMIN, 1985). 4 que não liam. Além disso, após 1870, três fatores afetaram as condições de vida dos trabalhadores: [...] a queda dramática do custo de vida durante a Grande Depressão de 18731896, a descoberta do mercado de massa interno para as mercadorias produzidas ou processadas industrialmente, e (após 1875) a chamada by-law housing, habitação regulamentada, sob a seção 157 da Lei da Saúde Pública, que, na verdade, produziu muito do ambiente de vida da classe trabalhadora: as filas de casas geminadas no perímetro dos antigos centros das cidades.(HOBSBAWM, 1987, p.281). De certa forma, tais itens pretendiam melhorar o padrão de vida de grande parte dos trabalhadores britânicos. A eles, simultaneamente, foi acrescida a institucionalização de compras a prazo, bem como a criação de cadeias de lojas e cooperativas. (HOBSBAWM, 1987). À medida que esse processo avançava, a cultura operária passava ganhar as características que identificamos até meados do século XX. Por meio do Estado, a burguesia, edificava uma grande segregação residencial conhecida por todos: a separação entre centro e periferia urbana; entre a classe média e a classe operária; entre os artífices mais bem pagos e os menos bem pagos o que, no conjunto, promoveram divergências de estilos de vida entre ricos e pobres fazendo com que a classe operária se aglutinasse em um destino comum sem levar em consideração suas diferenças internas. Neste aspecto da cultura material, Hobsbawm atenta para o padrão de lazer e de férias promovido nesta passagem do século XIX para o XX. Segundo aponta, houve um aumento significativo no número de trens que ligavam as cidades, e, igualmente, a expansão do número de píeres, de passeios públicos etc e, ainda, surgia o mais cobiçado meio da cultura popular: o rádio. Este acompanhava diariamente as vidas das mulheres dos operários, que ficavam cuidando do lar e tinham um restrito contato social, diferentemente de seus maridos que freqüentavam pubs e se encontravam em lanchonetes e tavernas nas horas de folga. O autor descreve, além disso que, ao contrário da classe média inglesa, cuja padronização era acentuada e evidente, os operários não perderam sua identidade regional, seus gostos e costumes locais, no entanto, o modelo de vida da classe operária e de sua cultura era mais homogêneo nesse período do que em qualquer outro anterior. Sob tais aspectos é que o “fazer-se” da classe se modulava: a vida cotidiana lançava as bases para a formação de uma consciência de classe que, mesmo impossibilitada de ser mensurada, apontava 5 para a união solidária dos sujeitos históricos em busca de melhores condições de existência o que, por sua vez, avançava através das organizações de sindicatos e comissões trabalhistas (que serviam às exigências e aspirações da classe). Assim, o operário de ofício, industrializado, que exercia o trabalho manual se tornara o núcleo da classe trabalhadora nesse período. Contudo, essas peculiaridades nos modos de existência estavam à beira de uma profunda metamorfose. A partir da pesquisa realizada por Hobsbawm acerca dos estilos de vida, padrões de cultura, hábitos e costumes da classe operários inglesa, constituídos entre o último quarto do século XIX e o início do século XX, buscaremos identificar quais elementos unem e/ou identificam os operários que estão sob a égide da economia neoliberal. Para tanto, necessitaremos compreender os processos históricos de reestruturação da produção que alteraram significativamente o padrão cultural e a própria constituição da classe operária até aqui apresentada. Os modelos produtivos do capital e as conseqüentes transformações na cultura dos trabalhadores Há uma série de teóricos que trabalham com o fordismo/taylorismo e com o toyotismo nos mais diversos campos metodológicos de análises7, por conseguinte, o tratamento detalhado acerca do mundo do trabalho engloba um conjunto enorme de questões, dada sua amplitude e complexidade8. Sob esse aspecto, pretendemos discorrer acerca de como as reestruturações da base produtiva juntamente com as políticas neoliberais (ou seja, a ofensiva do capital contra o mundo trabalho) modificaram os estilos de vida e as características constituintes da classe operária descrita por Hobsbawm e Thompson peculiares de seu “fazer-se” classe. O sistema fordista de produção em massa foi instaurado nos EUA por Henry Ford no começo do século XX. Este norte-americano desenvolveu novas técnicas de produção e organização do trabalho que dinamizaram os processos industriais como um todo. Na verdade, as inovações tecnológicas do fordismo eram derivadas do aperfeiçoamento de tendências anteriores bem estabelecidas. O tratado de F. W. Taylor, que descrevia como a produtividade poderia ser aumentada por meio da divisão hierárquica de organização do trabalho e de movimentos componentes com a introdução de um departamento científico de análise do processo produtivo e implementação de inovações tecnológicas correspondentes, já era conhecido e aplicado em 7 Como, por exemplo, Meda (1997), Antunes (1995 e 1997), Negri (1998), Bihr (1999), Harvey (1992) entre outros. 8 Portanto, as linhas que se seguem formam apenas uma reflexão e/ou exposição acerca de elementos mais gerais que englobam a classe operária e o mundo do trabalho. 6 muitas indústrias. De acordo com Harvey (1992), o que diferenciava o sistema que Ford aperfeiçoara do taylorismo era o reconhecimento explícito por parte de Ford, de que a produção em massa significava consumo de massa e mais ainda, [...] um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista (p.121). Esse novo sistema produtivo organizou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado, na separação das tarefas, que limitava a ação operária a um conjunto repetitivo e mecânico de atividades, convertendo o trabalhador em apêndice da máquina, consolidando, portanto, a subsunção real do trabalho ao capital. (ANTUNES, 1999). Segundo explica Bihr (1999), o período fordista foi marcado por um desdobramento da antiga classe operária: de um lado o conjunto de operários qualificados, herdeiros dos operários de ofício, constituindo uma “aristocracia operária” por ser representada e defendida pelas organizações sindicais; de outro, os operários desqualificados, submetidos a grande carga de exploração do fordismo, sem representatividade em movimentos sindicais e sem benefícios trabalhistas. O autor ressalta que o processo de parcelização e mecanização do trabalho tendiam a diluir as antigas identidades profissionais, ou seja, os ofícios, os quais geravam redes de solidariedade e socialização em que se apoiavam as organizações dos operários. Sob essas condições, “[...] a identidade ideológica, até então constituída em torno da ética do trabalho e do amor ao ofício, mediadora da identificação ao conjunto da classe, foi abalada” (p.53). Para o operário de ofício, que acompanhava o processo de trabalho e era munido de instrumentos e ferramentas, [...] o trabalho podia constituir a maior referência e o maior valor em torno dos quais se construía a sua própria representação em suas relações com os outros e com o mundo social. Isso não era mais o caso para o operário especializado, para quem o trabalho era simplesmente um ganha-pão, um inferno de onde o melhor era mesmo fugir na primeira oportunidade. (BIHR, 1999, p.53). Somado ao processo de trabalho mecanizado e especializado arquitetou-se, sobretudo no pós Segunda Guerra Mundial, um conjunto de “compromisso” que apresentava a idéia ilusória de que o capital poderia ser regulado e controlado pelo Estado. No entanto, esse “compromisso” ficou 7 restrito apenas a alguns países capitalistas mais desenvolvidos que possuíam sindicatos e partidos como mediadores da luta capital-trabalho. Esse “compromisso fordista” buscava barganhar o projeto de luta contra a exploração capitalista por alguns ganhos sociais, o que implicou, mais tarde, na incorporação do movimento social-democrático ao poder capitalista. (BIRH, 1999; ANTUNES, 1999). A composição da nova linha de montagem, baseado no binômio taylorismo-fordismo aliada ao Welfare State, permitiu às empresas ampliarem o mercado consumidor e seus lucros, além de promover, no âmbito mais subjetivo das individualidades, o desenvolvimento de novas necessidades. Desse modo, o objetivo do taylorismo/fordismo da grande indústria do século XX era, entre outros, organizar a produção para aumentar a quantidade de mercadorias produzidas em um tempo mínimo e, igualmente, controlar os trabalhadores através de um austero processo de racionalização e mecanização do trabalho. Isto também implicava numa reconstrução da vida social do trabalhador como um todo, que passou a ser preparado para cumprir funções específicas rígidas e integrar o nascente mercado de consumo de massa de bens homogeneizados, o que, conseqüentemente, transformou, nos termos de Bihr (1999), o proletariado caracterizado por produtor coletivo em consumidor individual9. Assim, a emergência do proletário homogeneizado, formado pela massa de indivíduos consumidores separados pelo mundo reificado das relações mercantis, dissolveu as antigas identidades coletivas, como também, os laços culturais e de solidariedade que os uniram. Por outro lado, esse mesmo operário-massa10, extensão da máquina e fortalecedor da engrenagem do capital, ao ser atomizado e homogeneizado em suas condições de existência, era estimulado a buscar autonomia e domínio do processo de trabalho, gerando por sua vez, revoltas e lutas pela reconquista do controle sobre o processo de trabalho. Bihr (1999) sucita que Essa contradição entre heteronomia e autonomia interna no processo de trabalho fordista era redobrada por aquela entre as duas faces do fordismo, seu lado “fábrica” (as técnicas disciplinares próprias à exploração intensiva da força de trabalho) e seu lado “supermercado” (a exaltação narcisista do indivíduo no ato do consumo, do “tempo-livre” e do lazer). O universo da produção fordista, baseando-se na negação brutal de qualquer autonomia individual, só podia entrar em contradição com o processo de personalização estimulado pelo 9 De início, a difusão do “crédito ao consumidor” ampliou o consumo dos trabalhadores, aumentando assim a demanda por produtos, o que exigiu, posteriormente, uma rearticulação da produção no sentido de planejar a diminuição da vida útil dos bens para estimular ainda mais as vendas e gerar grandes lucros. 10 Termo empregado pelos teóricos Alain Birh (1999) e Ricardo Antunes (1999). 8 desenvolvimento do consumo mercantil e, de modo geral, pelo conjunto da socialização própria ao fordismo (p.60). Isto implicou, conseqüentemente, no ressurgimento de ações ofensivas por parte do proletariado, fazendo aflorar a luta de classes. Estes boicotavam e resistiam ao trabalho atomizado utilizandose de “[...] formas individualizadas de absenteísmo, da fuga do trabalho, do turnover, da busca da condição de trabalho não-operário, até as formas coletivas de ação visando à conquista do poder sobre o processo de trabalho, por meio de greves etc.” (ANTUNES, 1999, p.42), o que possibilitou a insurgência de um novo proletariado, cuja forma de sociabilidade industrial, caracterizada pela massificação, ofereceu o substrato para a construção de uma nova identidade e de uma nova configuração de consciência de classe. A partir desse fato, a interação entre o colapso econômico do ciclo contínuo de acumulação (próprio da crise estrutural do capital) e as lutas dos trabalhadores formaram o eixo fundamental da crise do final da década de 60 e princípio dos anos 70.Todavia, a ação operária visando o controle dos meios materiais do processo produtivo não avançou sobre o espaço fora das fábricas, assim como também não conseguiu edificar um projeto hegemônico e universal contrário ao sistema capitalista, de tal modo que a ação dos trabalhadores enfraqueceu-se e refluiu. Entretanto, sua capacidade de auto-organização e resistência prejudicou gravemente o andamento do capitalismo, constituindo-se num dos elementos determinantes da crise dos anos 70. Desse modo, caminhando em passos lentos e adaptando-se a situações políticas e econômicas de cada período histórico, o modelo fordista de produção somente chegou à sua maturidade depois de 1945 e manteve-se intacto até 197311. (HARVEY, 1992). A crise do sistema de acumulação de capitais dada pela queda da taxa de lucro, pela intensificação das lutas sociais, pelo esgotamento do padrão de acumulação de produção (fordismo-taylorismo), pelo crescente desemprego estrutural, pela hipertrofia da esfera financeira, pela crise fiscal do “Estado do bem-estar social” etc, exprimiu as contradições estruturais do próprio capitalismo. Em resposta à sua intrínseca crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema político-ideológico de dominação e controle, sendo o advento do neoliberalismo e a 11 Foi no período do pós-guerra, mais precisamente durante as décadas de 1950 e 1960, conhecida como “Era do ouro”, que os países mais avançados industrialmente alcançaram elevados índices de crescimento econômico. Suas classes médias aumentaram consideravelmente, bem como o número de jovens, decorrentes do baby-boom, os quais passaram a constituir um novo mercado consumidor. 9 reestruturação da base produtiva as expressões mais evidentes dessa ofensiva do capital sobre a classe trabalhadora. Com relação ao modo de produção, o salto tecnológico promovido pelo capital permitiu um enorme enxugamento da mão-de-obra, realizando uma mutação no interior do padrão de acumulação, que deixou de operar de maneira rígida e começou caminhar para uma flexibilização. De acordo com Antunes (1998), a origem da flexibilização dos processos produtivos está relacionada à introdução, na Toyota, da experiência desenvolvida no ramo têxtil japonês, em que o trabalhador operava duas máquinas simultaneamente, obtendo ganhos de produtividade significativos para aquele momento de crise financeira do pós-guerra. Paralelamente as mudanças no processo produtivo, o modelo japonês incorporou técnicas de gestão utilizadas em supermercados norte-americanos e, logo, foi difundido para outros ramos de serviços. Assim, apesar do sistema Toyota ter surgido primeiramente no Japão, ele assumiu uma dimensão universal, adequando-se às lógicas de produção existentes em vários países, e se caracterizando como um novo complexo de gestão capaz de responder às exigências do capitalismo mundial. Segundo mostra Alves (2000), o complexo de reestruturação produtiva incorporou, a partir de 1970, inovações tecnológico-operacionais que alteraram a produção capitalista ao implementar a robótica; a automação microeletrônica; os CCQs (Círculos de Controle de Qualidade) e Programas de Qualidade Total e racionalizações da produção com a centralização e concentração do capital, através de fusões, terceirizações, re-localizações industriais e novas legislações trabalhistas flexíveis, adequados às novas necessidades do capital. Contudo, a introdução de todos esses dispositivos organizacionais reduziu significativamente o contingente operário, realizando cortes nos gastos e custos o que, por sua vez, afetou diretamente o trabalho vivo e, conseqüentemente, a identidade sócio-cultural da classe operária. De modo geral, podemos pensar o toyotismo não enquanto uma negação do sistema de produção fordista e/ ou taylorista, mas enquanto um “aprimoramento” dos mecanismos de controle de processo produtivo que age, fundamentalmente, na subjetividade dos trabalhadores, através de uma série de técnicas operacionais, tais como just-in-time e kanban12. 12 O termo japonês kanban significa cartão, ficha. Como sistema de controle da produção, assim como o conceito de just-in-time, o kanban prevê a eliminação dos estoques dos produtos acabados ou de componentes utilizados no processo de montagem, visando trabalhar com estoque zero. (ALVES, 2000). 10 Todos esses elementos de produção flexível permitiram uma redução do tempo de giro, acelerando o ritmo da inovação do produto o que, posteriormente, exigiu também uma redução no tempo de giro do consumo. Dentre os efeitos dessa nova forma de obsolescência planejada situam-se uma maior efemeridade das mercadorias em geral, como também a descartabilidade crescente13, que abrange desde os produtos ligados à alimentação, objetos eletro-eletrônicos, formas e tamanhos de embalagens, roupas e até mesmo pessoas. Como explica Birh (1999), a ofensiva do capital sobre o trabalho dadas pelas formas flexibilizadas e terceirizadas teve como conseqüência um mundo do trabalho desregulamentado, um desemprego gigantesco e a retirada de leis beneficiárias aos trabalhadores. Como se ainda não bastasse, todo esse novo padrão produtivo empenha-se a se apropriar dos conhecimentos dos trabalhadores, procurando envolvê-los mais forte e intensamente em suas atividades. Nesse processo de captura da subjetividade operária ocorre, ainda mais o estranhamento do trabalho, ampliando as formas modernas de reificação. “Com a aparência de um despotismo mais brando, a sociedade produtora de mercadorias torna, desde seu nível microcósmico, dada pela fábrica moderna, ainda mais profunda e interiorizada a condição do estranhamento presente na subjetividade operária”.(ANTUNES, 1999, p.131). Por fim, concomitante a todo esse processo de reestruturação da base produtiva, o capital, buscando erradicar sua crise e retornar a se reproduzir como no passado, não apenas reorganizou o processo produtivo, mas deu início a um projeto de recuperação da hegemonia e legitimidade nas mais distintas esferas de sociabilidade, através da implantação político-ideológico do neoliberalismo. Classe operária em tempos de neoliberalismo A hegemonia do programa neoliberal começou a ser realizada com a eleição de Thatcher em 1979 na Inglaterra e de Reagan em 1980 nos EUA. A resposta desses governos para a crise instaurada foi direta: o processo de “globalização”. De acordo com Angeli (1999), a tática combativa se apoiou no tripé: 1. combate ao modelo intervencionista do Estado; 2. combate a 13 Segundo explica Harvey (1992), a meia vida de um produto fordista típico era, em média, de cinco a sete anos, mas a acumulação flexível diminuiu isso em mais da metade em certos setores (como o têxtil e o do vestuário). A acumulação foi acompanhada na ponta do consumo pela mobilização de todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural. A estética, relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar à instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo e a mercadificação das formas culturais. (HARVEY, 1992, p.148). 11 organização social centrada no modelo de acumulação fordista e taylorista; 3. implementação do sistema produtivo japonês, moldado na gestão organizativa e administrativa toyotista de reestruturação do trabalho. (ANGELI, 1999, p.35). Como considera Anderson (1996), o neoliberalismo é uma reação teórica e política ao modelo de desenvolvimento centrado na intervenção do Estado, que passou a se constituir na principal força estruturadora do processo de acumulação de capital e de desenvolvimento social realizado pelo compromisso fordista. Conforme afirma o autor, depois de 1973, com o ápice da grande crise do modelo de acumulação de capital fordista e da profunda recessão, iniciou-se a aplicação das idéias neoliberais14. Hayek, o principal teórico do neoliberalismo e seus companheiros, apontava que a origem da crise, a qual o capital entrara “subitamente”, se localizava no grande poder que os sindicatos detinham e, de forma ampla, no “[...] movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”. (HAYEK apud ANDERSON, 1996, p.10). Desse modo, para os teóricos do neoliberalismo, esses elementos geradores da crise, destruíram os níveis necessários de lucros das empresas e desencadearam processos inflacionários que desembocaram numa recessão econômica. Assim, a resposta imediata para tal processo foi a retirada das intervenções do Estado nas leis de mercado. Isto implicou, portanto, em um enfraquecimento das instituições do Estado o que fez com que cessasse os investimentos em gastos sociais e intervenção na economia. Em contrapartida, como salienta Anderson (1996), ocorreu o fortalecimento do Estado no que tange a sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do fluxo de dinheiro. Desse modo, procurando recuperar os patamares de acumulação e atingir a estabilidade monetária fez-se necessário a criação de uma disciplina orçamentária, com a contenção de gastos com o bem-estar e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército industrial de reserva com o intuito de aniquilar os sindicatos e, por conseqüência, disciplinar e controlar os trabalhadores. Somando-se a isso, as reformas fiscais se tornaram imprescindíveis para incentivar os agentes econômicos e, com isso, cumprir a meta de crescimento, cuja sustentação era dada com a 14 As orientações ideológicas neoliberais iniciaram com as teorias de Friedrick Hayek e de seus discípulos, tais como: Milton Friedman, Karl Popper, etc. 12 estabilidade monetária e com incentivos essenciais. De acordo com Teixeira (1996), toda essa crise tem sido enfrentada, [...] através de um processo de reestruturação produtiva, que se faz acompanhar de novas tecnologias, que permitem uma produção flexível capaz de satisfazer as novas exigências do mercado e, assim, criar condições para que a oferta de bens e serviços possa acompanhar as mudanças de hábito no consumo [...] (TEIXEIRA, 1996, p.214-215). O efeito geral de todas essas implicações econômicas, políticas e ideológicas encontra-se no ritmo acelerado dos processos históricos, os quais repercutem por toda sociedade. As denominações para essa fase do capital são inúmeras, vão desde mercado global, capitalismo tardio até capital mundializado, globalização etc. O que se observa, porém, é uma profunda complexização social, onde as bases do passado se diluem, emergindo uma nova relação social e, igualmente, uma reconfiguração no âmbito da classe operária. Nesse sentido, as características apontadas por Hobsbawm relativas ao “fazer-se” da classe operária não são mais as mesmas, assim como os elementos constituintes da classe operária do período fordista. Isso exigindo-nos compreender a classe operária em sua fluidez, formação e desenvolvimento permanente face às contradições próprias da sociedade capitalista. O que implica, portanto, em não restringir a classe operária atual ao operariado fabril, manual. Desse modo, o termo “classe operária” na atualidade pode ser contemplado pela noção ampliada sugerida por Antunes (1995; 1999): “classe-que-vive-do-trabalho”. O autor ressalta que não possui a pretensão de lançar um outro conceito para substituir “classe operária”, mas busca apenas ampliar, na medida que se permita, e entender a constituição do proletariado hoje. Para tanto, Antunes recorrendo a Marx denomina classe-que-vive-do-trabalho como sendo “[...] a totalidade os assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho e que são despossuídos dos meios de produção” (1999, p.196), tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos; englobando também o conjunto dos trabalhadores improdutivos e os operários precarizados. Em contrapartida, não fazem parte da classe-que-vive-do-trabalho, os gestores do capital (BERNARDO) - trabalhadores que controlam o tempo de extração da maisvalia e gerem o capital - bem como os pequenos empresários e aqueles que vivem da especulação financeira. (ANTUNES, 1999, p.200). Como considera Antunes, as conseqüências das transformações no processo de trabalho somados ao projeto neoliberal são inúmeras, dentre elas se destaca a busca pelo consentimento dos 13 trabalhadores, o qual age no plano ideológico, “[...] por meio de um culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação coletiva e social”.(2005, p.86). Birh (1999) aponta que a reprodução do capital, que é uma relação social, se apropria e reorganiza todas as esferas da vida (arte, educação, cultura, direito, política etc), exigindo que a prática social seja submetida aos imperativos de sua reprodução o que, por sua vez, se desdobra na mercantilização de todas as relações sociais. A cultura da classe operária que, na década de 50 e 60 se viu transformada, integrando-se a moderna cultura do consumo, novamente sofreu alterações profundas com a reestruturação produtiva; naquele período, as lanchonetes do fish and chips cederam lugar aos fast food, os jogos esportivos viraram negócios e a indústria cultural proclamou sua ascensão. Os operários de hoje, não se identificam mais pelo uso do Andy Cap, nem pelo uso do macacão e de butinas do operário tradicional fordista, o que ocorre é uma nova reconfiguração da classe operária em si. No Brasil, as fábricas fordistas instaladas no país por volta dos anos 70, recriaram os modos de vida de populações inteiras. Embora ainda seja presenciada uma mescla nos modos de produção (mistura de fordismo/taylorismo/toyotismo) aqui empregados, a cultura do operariado brasileiro se formou através das construções de vilas operárias, das pastorais religiosas, dos sindicatos, dos jogos de futebol nos campos de várzea, do enchimento das lajes (ajudando a fortalecer o sonho da casa própria), enfim, do auxílio mútuo e solidariedades dos trabalhadores de macacão, tradicionalmente industriais. O que vêm sucedendo é, realmente, uma dissolução das características constituintes da antiga identidade operária. A fragmentação dos trabalhadores, abalada com a ideologia do mercado, cedeu lugar ao individualismo consumista. O campo de várzea, local para o futebol e encontros de amigos serve agora à especulação imobiliária, as tavernas viraram lugar para “vagabundos” e “drogados”, as antigas quitandas e “vendinhas” foram substituídas pelos shoppings, hipermercados e pelo crediário nas Casas Bahia. Assim, podemos observar que todas as transformações dos processos de produção e de consumo convergiram para a fragmentação da classe operária, gerando uma complexização no conjunto da vida social, tanto em termos de explicação da realidade material, quanto no que diz respeito à própria identidade de classe. Isso não significa que a diminuição do operariado industrial, fabril, tradicional do trabalho manual traga em si o fim do proletariado, pelo contrário, presenciamos 14 diariamente o aumento do assalariamento e do proletariado precarizado15 em escala mundial, ou seja, o aumento da classe-que-vive-do-trabalho, constituída de forma heterogeneizada, subproletarizada e precarizada. (ANTUNES, 1999). O desenvolvimento do capitalismo estabelece cotidianamente um modo radicalmente diferente de reprodução fundamentado, sobretudo, na lei da constante mudança: “[...] as relações capitalistas de produção só podem se reproduzir com a condição de se transformarem continuamente e de mudarem radicalmente em conseqüência, de maneira permanente, o conjunto das condições sociais de existência”. (BIHR, 1999, p.165). Dessa maneira, à medida que o capital se apropria do conjunto das condições de existência, separando o indivíduo do coletivo e mercantilizando as relações sociais, emerge o que Bihr denomina de crise dos sentidos, ou melhor, crise no conjunto de referenciais estáveis e universais que dão sentido a existência humana. Para Bihr (1999), uma crise dos sentidos produz um obstáculo ao desenvolvimento de uma luta de classe do proletariado visto que a ordem significante antiga foi substituída por uma ordem significante fetichizada, cujo sintoma principal é a reificação das relações sociais. É sob esse aspecto que emerge um referencial dominante: a individualidade personalizada. “[...] Quando mais nada em torno de si oferece um quadro estável, quando não há mais ‘mundo’ que se possa habitar imaginariamente com os outros, cada qual se fecha em si e faz de si mesmo um mundo”.(p.173). Isso explica o nascimento da “cultura do narcisismo” e da “era do vazio”. Cada um vê em si o fim último de investimentos. O “eu” se torna sagrado, idolatrado e por conseqüência, parte para a busca frenética e obsessiva de práticas corporais16 e de consumo dos mais variados tipos de “mercadorias” como, por exemplo, remédios, drogas, terapias, fama etc. Daí o estreitamento da esfera dos investimentos sociais do indivíduo. Trata-se de um distanciamento, imobilização e 15 Exemplo disso é que, segundo a BBC Brasil, 4.153 trabalhadores morreram em acidentes em minas na China nos três primeiros trimestres de 2004, número 13% menor do que os registrados no mesmo período de 2003. No Brasil, os imigrantes bolivianos e colombianos trabalham em condições análogas à escravidão na maior metrópole do país. 16 De acordo com matéria publicada na Revista Pesquisa FAPESP de set. 2004, os dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) mostram que a cada ano cerca de 500 mil pessoas se submetem a plásticas no Brasil. O país é o segundo maior consumidor de cirurgias estéticas do mundo, ficando atrás apenas dos EUA. Segundo Osvaldo Saldanha, citado por Ribeiro e Zorzetto (2004, p.38), estima-se que o número de cirurgias aumente de 20% a 30% por ano. Nos EUA, a Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos contabilizou 400 mil cirurgias estéticas no país em 1992. Dez anos mais tarde, esse número saltou para 6,6 milhões – um crescimento astronômico de 1.600% ou 16 vezes. 15 apatia em relação aos empreendimentos coletivos, totalizantes (partido, sindicatos, entre outros), que visam um ideal universalizante. Portanto, [...] não podendo mais o indivíduo considerar sua identidade como adquirida, tem como necessidade principal construí-la é e obrigado procurá-la em si mesmo; mas como essa identidade não tem fundamento coletivo, ela é necessariamente frágil e insatisfatória, ao que se soma o efeito desestabilizador de uma multiplicação de identificações parciais, daí uma retomada da busca narcísica. (...) Assim, a lógica de privatização da vida, de separação do individual do social, só pode desembocar no vazio, e propagar o sentimento difuso de angústia e de insatisfação individual que afeta a maior parte dos sujeitos na contemporaneidade. (BIHR, 1999, p.174). Diante disso, os efeitos da falta de referências e dessa subjugação da práxis social à lógica da fragmentação podem ser acompanhados até mesmo em quadros de psiquiatria clínica, visto que a história da sintomatologia psiquiátrica está inextricavelmente amarrada à cultura que a cerca. Nesse contexto, podemos observar que as mudanças estruturais, provocadas pelo processo de reprodução do capital, interferiram diretamente no modelo de cultura da classe trabalhadora. A configuração econômica e política, estabelecida como fim da Segunda Guerra Mundial, enfatizou ainda mais a cultura de consumo, criando novos tipos de consumo e uma descartabilidade generalizada de mercadorias, memórias e pessoas. Passado o período fordista e diminuído o contingente de trabalhadores fabris (ou seja, o operariado de macacão do chão da fábrica) iniciou-se, por parte dos agentes e defensores acríticos da ordem estabelecida, a disseminação da idéia ilusória do fim do proletariado. No entanto, o que se constata é uma crescente proletarização de outros setores e uma expansão do número de trabalhadores tercerizados, subempregados e até mesmo escravizados. Assim, o advento da acumulação flexível juntamente com o neoliberalismo recriou os modos de vida dos trabalhadores e sua própria constituição enquanto classe, deixando-a mais fragmentada, heterogênea e complexificada o que, por sua vez, acentuou as contradições próprias desse sistema sociometabólico. Conclusões Nesse sentido, a continuidade e aprofundamento das contradições internas do capitalismo – e, portanto, da história, que tem nessas contradições o seu motor – fica comprovada pelos acontecimentos do século XX: aos que idolatram o capital e àqueles que disseminam que esse 16 sistema é democrático, libertador, concorrencial e justo; resta lembrá-los de seus contrários: das guerras, confrontos, turbulências econômicas, desemprego, polarização entre riqueza e miséria, violência, desequilíbrios ambientais, totalitarismos etc. Em seu próprio momento de glória e triunfo o capitalismo revelou todos os desastres e iniqüidades que estão em seu âmago e agiu principalmente contra o mundo do trabalho, usando de todos seus artifícios para retomar suas antigas conquistas. Frente a isso, emergiram formas de resistências como o movimento dos Piqueteros (na Argentina), dos Zapatistas (no México), do MST (no Brasil), entre outros, que buscam recuperar as potencialidades de luta da classe trabalhadora, para, de forma coletiva, empenhar-se por uma alternativa societal que suplante a barbárie instaurada. Referências ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E; PABLO, G. (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p.9-23. ANGELI, José Mário. Três leituras da globalização: as antinomias de uma visão de mundo. In: Revista Novos Rumos, São Paulo, v.14, n.30, p.31-43, 1999. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Ed. UNICAMP, 1995. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. ANTUNES, Ricardo. 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