NARRATIVA TRANSMÍDIA NAS REDES
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NARRATIVA TRANSMÍDIA NAS REDES
NARRATIVA TRANSMÍDIA NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: uma experiência prática1 Thiago Mittermayer2 Gabriela Freitas3 Lucia Santaella4 Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar a experiência que Gabriela Freitas e Thiago Mittermayer tiveram no desenvolvimento de um projeto de narrativa transmídia. Nomeado Os Ketchups5, esse projeto idealizado para crianças, inicia-se em um jogo digital, em um segundo momento, a história caminha para uma série de animação e, por último, é expandida para as redes sociais digitais, utilizando o Twitter como meio de narrar histórias e o Facebook como ferramenta de interação com os fãs. A metodologia do projeto seccionou-se em duas partes: pesquisa teórica e projeto prático. Na pesquisa teórica foram elaboradas duas monografias enquanto no projeto prático desenvolveu-se o projeto transmídiatico propriamente dito. A pesquisa teórica fez uso de livros como: Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço, de Janet Murray (2003), Cultura da convergência, de Henry Jenkins (2006) e Ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade, de Lucia Santaella (2010). Já no projeto prático a metodologia utilizada levou ao planejamento das seguintes partes: site, jogo digital, série animada e redes sociais digitais, cujo desenvolvimento conduziu a etapas como: criação de um universo; descrição e style guide de personagens; overview da série; e mini-histórias do Twitter, entre outras, foram realizadas. Mostrando tanto para pesquisadores quanto para desenvolvedores as dificuldades e suas superações, durante o percurso de realização desta experiência, espera-se que este relato, que contou com a participação de Lucia Santaella, possa enriquecer a discussão da utilização das redes sociais digitais em projetos transmidiáticos como uma nova forma de contar histórias em meios digitais. Palavras-chave: Narrativa transmídia. Redes sociais digitais. Twitterfiction. Jogos digitais. Animação. Abstract: This paper presents Gabriela Freitas´s and Thiago Mittermayer´s experience while developing a project in transmedia storytelling. Named The Ketchups, this project, designed for children, begins as a digital game, later on, its story is translated into an animated series and, at last, it is expanded into social media, using the Twitter as a storytelling medium and the Facebook as a tool for interaction with fans. The project's methodology branched into two parts: theoretical research and a practical project. As a result of its theoretical research, two Trabalho apresentado no Seminário Temático “Serialidade e Narrativa Transmídia”, durante a I Jornada Internacional GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade Federal de São Carlos. 2 Graduado em Tecnologias e Mídias Digitais pela PUC-SP e mestrando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital na PUC-SP. E-mail: [email protected] 3 Graduada em Tecnologias e Mídias Digitais na PUC-SP. E-mail: [email protected] 4 Lucia Santaella é professora titular da PUC-SP. É Coordenadora da Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital. Recebeu os prêmios Jabuti (2002, 2009 e 2011), o prêmio Sérgio Motta (Líber, 2005) e o prêmio Luiz Beltrão (2010). Organizou 11 livros e, de sua autoria, publicou 36 livros e perto de 300 artigos em livros e revistas especializadas no Brasil e no Exterior. E-mail: [email protected] 5 Site disponível no link: bit.ly/OsKetchups 1 monographs were developed, whilst as the practical project, the transmedia project itself was developed. The theoretical research made use of books such as: Hamlet on the Holodeck: The Future of Narrative in Cyberspace, by Janet H. Murray (2003), Convergence Culture: Where Old and New Media Collide, by Henry Jenkins (2006) and Ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade, by Lucia Santaella (2010). In the practical project the applied methodology led to the planning of the following parts: website, digital game, animated series and social media, whose development resulted in steps like: worldbuilding; description and design of style guides for each character; a series overview; and short stories on Twitter, among others. Exposing to both researchers and developers the challenges and their overcomings during this experience, it's hoped that this reporting, which had the participation of Lucia Santaella, may enrich the discussion about the use of social media in transmedia projects as a new way of telling stories in digital media. Key words: Transmedia storytelling. Social media. Twitterfiction. Games. Animation. Os principais fundamentos conceituais levantados pela pesquisa teórica foram: cultura da convergência, narrativa transmídia, ou em inglês transmedia storytelling, ciberespaço, hipermídia, redes sociais digitais, twitterfiction. Foi também agregada à discussão do tema a expressão “transmedia intertextuality”. Segue-se uma breve apresentação destes fundamentos. 1. Cultura da convergência Um dos principais pesquisadores sobre o tema da convergência é Henry Jenkins, tema, aliás, que deu título à sua obra Convergence Culture (2006). Jenkins entende a cultura da convergência como aquela que emerge de um fluxo de conteúdo proporcionado por mídias diversas o que provoca um comportamento específico do público que busca e encontra diferentes experiências de entretenimento (p.29). O autor destaca a importância desta ligação entre as duas partes, na passagem a seguir: “A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros.” (JENKINS, 2009, p.30) Esse autor quebra com o paradigma da substituição das velhas mídias pelas novas mídias. Para ele, o que há é uma correlação entre elas. Também rompe com o modelo da caixa preta, em que diversas mídias se concentrariam em uma única mídia. Tanto uma ideia quanto a outra imperavam antes do advento da cultura da convergência. Além disso, a convergência necessariamente altera a relação entre indústria, mercado e público, pois ela é mais que uma mudança da tecnologia. Trata-se de um processo e não de um ponto final (ibid., p.43). Santaella apresenta uma visão da convergência que busca ir além do fluxo narrativo: Não há por que negar que os ventos, de fato, estão soprando na direção de uma convergência tecnológica total. Entretanto, é preciso colocar em relevo os diferentes sentidos de convergência que, especialmente no universo das mídias e das linguagens, não quer significar o apagamento das diferenças, pois, quando se trata das linguagens, as heranças, as tradições, a multimensionaliade do espaço e do tempo contam, pois o texto da cultura comporta-se como um denso palimpsesto. Sob as camadas visíveis, as invisíveis continuam agindo. À convergência tecnológica soma-se a convergência de tempos e espaços (SANTAELLA, 2010, p.79). Entretanto, para efeitos práticos, ou seja, de realização de um experimento, que foi o objetivo do projeto que ora relatamos, o conceito de narrativa é substancial. 2. Narrativa transmídia Apresentando alguma similaridade com o conceito criado por Jenkins, a pesquisadora Marsha Kinder da University of California (UC), em 1991, cunhou a expressão transmedia intertextuality (intertextualidade transmídia), no livro Playing with power in movies, television, and video games: from Muppet Babies to Teenage Mutant Ninja Turtles. Para a autora, esse seria o mecanismo por trás de um sistema de super-entretenimento resultante da associação de diversas mídias e de narrativas que transformam os consumidores em jogadores poderosos (KINDER, 1991: 119-120). Jenkins, por seu lado, explica seu conceito da seguinte maneira: Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa (JENKINS, 2009, p.138). Embora haja alguma similaridade entre a proposta dos dois autores, Jenkins vai mais longe muito provavelmente graças ao avanço tecnológico que o separa de sua predecessora. Para tornar os conceitos teóricos mais vivos, este projeto incorporou duas entrevistas com especialistas. O primeiro deles foi o Prof. Dr. Vicente Gosciola, cujas principais ideias sintetizamos abaixo: A narrativa transmídia faz uso da cultura colaborativa e da participação dos fãs. A dificuldade em se estabelecer métodos e processos é porque o desenvolvimento de um projeto transmidiático é uma estratégia comunicacional criativa que não se prende a métodos e processos a priori. A falta de cursos específicos sobre o tema na academia é grande. O potencial dos meios em projetos de narrativa transmídia é o de contar e expandir uma história. Ao contrário, um projeto, que repete a mesma história em diferentes meios, é entendido como crossmedia. O segundo entrevistado foi Maurício Mota, responsável por trazer a narrativa transmídia para o Brasil e um dos cofundadores da produtora The Alchemists, produtora criada no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em 2008. Os principais conceitos por ele apresentados são: A narrativa transmídia sempre existiu e os meios digitais só tornaram isso mais tangível e exponencial. Ao desenvolver uma narrativa transmídia, primeiro tem que se focar na qualidade da história a ser contada e depois nas plataformas. A transmídia vem depois de uma excelente história. A academia tem dado importância para o tema enquanto estudo, mas deixou de lado o ensino da prática. O foco deve ser sempre a história. Não há melhor ou pior meio de comunicação para a narrativa transmídia. O que existe é maior ou menor relevância do meio com a história. As entrevistas foram realizadas porque nosso interesse estava em buscar semelhanças e diferenças de abordagens dos polos academia e indústria em território nacional. 3. Ciberespaço, hipertexto e hipermídia Os conceitos de ciberespaço, hipertexto e hipermídia são essenciais para esta pesquisa porque o projeto transmidiático realizado Os Ketchups é totalmente digital. O projeto atuou em um jogo digital, uma série animada e nas redes sociais digitais, todos articulados pela web. Vem daí a necessidade de apresentarmos a seguir alguns fundamentos que envolvem a cultura digital. O termo ciberespaço foi criado em 1984 no livro Neuromancer, história de ficção cyberpunk, escrito por William Gibson. O termo tinha por significado um universo informacional separado e diferente do mundo físico. Passadas algumas décadas, os pesquisadores mantiveram o termo, mas lhe agregaram características tendo em vista as transformações tecnológicas. Nesse novo contexto, o ciberespaço passou a se referir a um espaço feito de circuitos informacionais navegáveis, que dependem da interação do usuário que acessa, manipula, examina e/ou transforma a informação. Esse espaço informacional é estruturado na forma de hipertexto. O criador do termo “hipertexto” foi Ted Nelson, definindo-o como “escritas associadas não sequenciais, conexões possíveis de se seguir, oportunidades de leitura em diferentes direções” (NELSON, 1992: 161). Janet Murray debate os conceitos de ciberespaço e hipertexto a fundo no livro Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço, cujo original data de 1998. Primeiro a autora caracteriza o computador e o ciberespaço como meios de expressão que podem ampliar a habilidade humana de contar histórias (MURRAY, 2003, p.4), senão vejamos. A existência do hipertexto proporcionou aos escritores a oportunidade de experimentar outras formas de segmentação, justaposição e encadeamento lógico. Histórias escritas em hipertexto geralmente têm mais de um ponto de entrada, muitas ramificações internas e nenhum final bem definido. Assim como as histórias de vida multiformes imaginadas por Borges e Lightman, as narrativas hipertextuais são intrincadas teias de fios emaranhados. (MURRAY, 2003, p.65) Salienta-se que o ciberespaço e sua estrutura em hipertexto permitiram a mistura de diversos sistemas de signos, concebendo assim uma nova linguagem. Santaella afirma: [...] o hipertexto significa, portanto, um modo de configurar a informação. Quando essa informação não vem apenas na forma de texto, mas numa mistura de texto, imagens fixas ou animadas, 2 ou 3D, vídeos, sons, ruídos, gráficos, sinais e quaisquer outras misturas de signos e linguagens, então o hipertexto passa a chamar-se hipermídia (SANTAELLA, 2010, p.86). Assim, os principais aspectos da hipermídia podem ser sintetizados no que se segue: Hibridização de linguagens, mistura entre a linguagem sonora, visual e verbal. Mistura de sons, imagens estáticas ou em movimento, vídeos e textos (SANTAELLA, 2001, p. 389-412; FELDMAN, 1995, p. 6). “A hipermídia é uma linguagem eminentemente interativa.” (Santaella, 2004, p. 4753). São justamente as características implicadas nos três fundamentos -- ciberespaço, hipertexto e hipermídia – que estiveram presentes no projeto transmídiatico que realizamos, visto que a web, os jogos digitais e as redes sociais digitais são habitantes legítimos do ciberespaço. 4. Redes sociais digitais e twitterfiction O conceito de twitterfiction, por se referir a uma plataforma que é parte integrante das redes sociais digitais (o Twitter) implica uma breve apresentação destas. Recuero, no livro Redes sociais na internet, define as redes sociais digitais como sistemas que possibilitam a construção de um perfil ou página pessoal, a interação por meio de comentários e a exposição pública dentro da rede social de cada membro (RECUERO, 2009, p.102). Já no livro Redes sociais digitais: a cognição conectiva do Twitter, Santaela e Lemos utilizam a sigla “RSIs” para o termo redes sociais da Internet e categorizam o Twitter e o Facebook já como redes 3.0 ao seguir a classificação das três fases distintas da evolução das redes sociais criada por David Hornik (2005): Redes 1.0: coordenação em tempo real entre usuários (ICQ, MSN); Redes 2.0: entretenimento, contatos profissionais, marketing social (Orkut, MySpace); Redes 3.0: aplicativos e mobilidade (Facebook, Twitter). Entretanto, as redes sociais digitais podem assumir funções que vão além dos aspectos citados. Neste projeto, colocamos ênfase no potencial narrativo que as redes sociais digitais podem ter, um potencial que é percebido no conceito de twitterfiction, quer dizer, quando uma narrativa ficcional é contada por meio da rede social digital Twitter, ela é denominada twitterfiction. Trata-se de um tipo de criação que se iniciou em meados de 2008 e 2009. As narrativas ficcionais nesse novo meio tiveram tanta importância que, em 2012, o Twitter realizou um Festival Twitter Fiction, enfatizando que a rede social é um excelente lugar para contar, particularmente, histórias ficcionais. A grande maioria dos twitterfictions tem começo, meio e fim em apenas um tweet, o qual permite no máximo 140 caracteres, mas isto não é regra. Apresentamos a seguir três projetos de twitterfictions que serviram de referência para o desenvolvimento do projeto Os Ketchups: Black Box O primeiro exemplo de twitterfiction é o da escritora Jennifer Egan intitulado Black Box, publicado no perfil de ficção da revista The New Yorker, em 2012. A autora desenvolveu a ficção por meio de uma lista de histórias em que o tema era a indagação de um narrador com suas anotações. Mas as pessoas reclamavam que os tweets eram muito vagos, desconectados e o público não tinha o entendimento da história. Twitterfiction de Elliot Holt Em 2012, a escritora Elliot Holt criou um twitterficton de suspense e mistério. Este obteve sucesso porque Holt elaborou uma boa história, na qual o público tinha que decifrar se a morte da personagem principal foi suicídio, acidente ou um assassinato por meio dos tweets publicados pela personagem. Outro fator importante do projeto foi o fato de a autora estabelecer sentido e ligação entre os tweets da personagem, desenvolvendo assim um fluxo narrativo. Holt criou uma boa história e, depois, articulou a história na estrutura do Twitter de acordo com os potenciais e limites que essa plataforma apresenta, ou seja, à luz daquilo que é bastante enfatizado por Jenkins: colocar a história em um formato que represente aquilo que uma determinada mídia tem de melhor. O twitterfiction de Holt, além de ser publicado no Twitter, foi oferecido pelo site Storyfy, que permite a construção de histórias por meio de conteúdos já publicados nas mais diversas redes sociais digitais. Such Tweet Sorrow O terceiro exemplo de twitterficton é o projeto Such Tweet Sorrow de 2010, realizado pela companhia de teatro Royal Shakespeare Company em conjunto com a produtora digital Mudlark. Esse projeto utilizou o Twitter para recontar a história de Romeu e Julieta, de Shakespeare. Seis atores da companhia criaram perfis e começaram a atuar, a partir de orientações dadas pelos escritores Bethan Marlow e Tim Wright. A história narrada pelo Twitter era uma adaptação desse romance trágico para os dias de hoje. O diferencial deste twitterfiction foi o modo como a história foi explorada na rede social, por exemplo, a criação de perfis para mais de um personagem na história. Os personagens dialogavam por meio da estrutura do Twitter e alcançavam a interação dos personagens da ficção com os fans da rede social digital. Portanto, o planejamento para o modo como a história iria ser narrada foi maior. Utilizou-se o Facebook para a divulgação do projeto e para a interação entre o projeto e possíveis fãs. O projeto Os Ketchups aproveitou-se dessa ideia e algumas pessoas enviaram seus próprios desenhos sobre os personagens. 5. Memorial descritivo do projeto transmídiatico: Os Ketchups Após apresentar os fundamentos da pesquisa que fundamentou o projeto, segue-se abaixo uma síntese do memorial descritivo, exibindo as etapas que foram desenvolvidas. 5.1 Jogo digital O projeto Os Ketchups começou a ser desenvolvido por Thiago Mittermayer e Gabriela Freitas no terceiro ano da graduação, um ano antes da etapa de trabalho de conclusão de curso. Nessa época, os autores pensaram no conceito de um jogo de tabuleiro e desenvolveram uma versão digital dele. Esta primeira versão ficou no nível de um protótipo, mas serviu de experimento para o desenvolvimento do jogo digital final do projeto transmídiatico. O objetivo do jogo era apenas encontrar a bandeira do time adversário em um labirinto às escuras. No protótipo digital, as atenções voltaram-se para a mecânica do jogo e, para a etapa de programação, por ser mais complexa, foi elaborado o Game Design Document (GDD) — que contém todas as regras, objetivos, limites e outros requisitos — para a produção de um jogo digital. Todavia, faltava nesse ponto, uma narrativa mais densa para o jogo. Esta foi elaborada em conjunto com a pesquisa teórica. Foi a pesquisa que inspirou o desenvolvimento de um projeto de narrativa transmídia, visto que esta apresenta um terreno fértil para deslanchar novas pesquisas. Assim, outras etapas para o desenvolvimento de um projeto transmídiatico foram estipuladas. As duas primeiras etapas estabelecidas voltaram-se para as criações tanto de um universo quanto de personagens que exibem alguma complexidade. Acreditava-se que, com estas duas etapas bem desenvolvidas, a criação de uma narrativa ficcional em diferentes mídias seria um facilitador. A essência da história versa sobre “Um grupo de seis crianças com personalidades bem diferentes que vão para um acampamento de verão. Elas passam por diversas situações inusitadas que lhes ensinam a trabalhar em equipe e a se importar com o próximo, formando um grande vínculo de amizade durante as aventuras”. O acampamento de verão foi nomeado de Hot Dog e se localizaria no interior de São Paulo. O esquema Riso–Hudson Enneagram Type Indicator (RHETI) foi utilizado para a criação das personalidades das seis personagens em conjunto com o processo de design, em que os aspectos visuais desses personagens foram delineados. O estilo cartoon foi escolhido por ser um estilo que agrada ao público alvo. Os seis personagens são: Giulia, Katarina, Linda, Cientista, Rafa e Pizza, todos eles crianças com personalidades bem distintas. Após essas duas etapas, o jogo digital foi refinado com alterações em sua mecânica. Criou-se uma identidade visual condizente com o universo e o design dos personagens desenvolvidos. E principalmente foi pensado um roteiro para a narrativa ficcional a ser contada pelo jogo. Além do jogo digital, a narrativa transmídia foi, então, traçada para atuar em outros meios digitais, como: (a) animação, a qual contou com um projeto de série animada; (b) site, que reuniu todo o projeto prático; (c) e as redes sociais digitais, as quais proporcionaram o prolongamento da narrativa. O jogo digital foi desenvolvido em sua totalidade. 5.2 Série Animada Após o aperfeiçoamento do jogo digital, o passo seguinte foi o planejamento de uma série animada. A narrativa da série assumiria um tom de aventura infantil e educational entertainment, valorizando-se tanto o entretenimento quanto o ensino de lições de convívio social e respeito ao próximo. A série foi focada para o público tween, de 8 a 12 anos. A elaboração de personagens complexos tornou perceptível a criação de um arco dramático e a primeira temporada da série foi cogitada com maior facilidade. Esta foi estimada para ter dez episódios. No piloto, foram desenvolvidas (a) a ideia, (b) sinopse, (c) argumento, (d) escaleta, (e) roteiro técnico e, por último, (f) o roteiro final. Já com os demais episódios foi criado um overview da série, ou seja, a elaboração do argumento de cada episódio, apresentando tudo o que deveria ocorrer na temporada. Além das etapas citadas foi desenvolvido um animatic do storyboard do episódio piloto. 5.3 Site O site foi criado na plataforma de blog Wordpress, uma vez que essa oferece facilidade para a criação e a atualização de conteúdos. O site foi personalizado de acordo com a identidade visual elaborada para todo o projeto. Este contém o jogo digital, uma página para cada personagem, conteúdos informativos sobre a série animada a ser desenvolvida, links para as redes sociais: Facebook e Twitter, uma página de contato e uma página contendo as monografias relativas ao projeto. 5.4 Redes Sociais Digitais O recorte para o desenvolvimento de roteiros de twitterfiction de gênero infantil foi pensado dentro do espectro da narrativa transmídia. Foram criados sete perfis no Twitter. O primeiro perfil é do próprio projeto Os Ketchups e os outros seis perfis são das personagens. Personalizaram-se os backgrounds, avatares, headers de cada perfil e criaram-se as informações de personalidade dos personagens. O intuito foi o de transmitir a ideia de que os próprios personagens estão no Twitter. Os perfis não são para divulgação, o objetivo é que os conteúdos publicados pelos perfis dos personagens sejam tão verossímeis que o público fique entretido até o ponto de sentir que não foi publicado por uma pessoa, mas sim pelo personagem da narrativa. O público tem que acreditar que os personagens estão na rede social digital publicando os tweets. Para isso os conteúdos publicados têm de ser adequados às personalidades das personagens. A partir dessas considerações, pensou-se que o roteiro de twitterficton teria que apresentar tais aspectos e a tática aplicada foi a de aproveitar a complexidade dos personagens e a criação de boas histórias desfrutando da estrutura do Twitter. Logo, planejaram-se mininarrativas articuladas por meio de interações entre os tweets de cada personagem. Assim, a história se desenrola pelos diálogos dos personagens, tendo o limite de 140 caracteres, regra para a publicação de conteúdo nessa rede social digital. As outras formas de interação, que o Twitter apresenta, também foram colocadas no roteiro do twitterfiction. Por exemplo: o perfil Os Ketchups retweeta os tweets dos personagens e, ao final do episódio, é publicado um link com a história completa. As famosas hashtags, palavras-chave, mostradas nos assuntos do momento, estão no roteiro de modo que os personagens possam retwuitar entre si, publicar tweets sobre assuntos diversos e interagir com o público. Sendo assim, o diferencial do roteiro de twitterfiction encontra-se no planejamento da narrativa seguindo o que a rede social oferece. O autor escreve a história ficcional e elabora o fluxo do percurso narrativo em que a narrativa vai se dar, estabelecendo, por exemplo, qual é a ordem de publicação dos tweets para que a história seja contada da melhor maneira. Então, a narrativa transmídiatica Os Ketchups foi planejada para iniciar em um jogo digital, ampliou-se na série animada, com os 10 episódios, e expandiu-se no Twitter. O conceito de narrativa transmídia pode ser verificado porque a narrativa ficcional é contada em diferentes mídias. As mídias se interligam, mas funcionam separadamente, e cada mídia contribui com a narrativa como um todo, bonificando o público que percorreu esse percurso. 6. Conclusão Dificuldades tiveram de ser enfrentadas em cada etapa deste projeto e a utilização das redes sociais digitais no campo das narrativas transmidiáticas só fez aumentar as dificuldades. Jenkis nos alerta para isso: ... não temos ainda critérios estéticos muito bons para avaliar obras que se desenvolvem através de múltiplas mídias. Houve muito poucas histórias transmídia para os produtores de mídia agirem com alguma certeza sobre quais seriam os melhores usos desse novo modo de narrativa, ou para críticos e consumidores saberem como falar, com conhecimento de causa, sobre o que funciona ou não nessas franquias. (JENKINS, 2009, p.139) Em resposta a esta dificuldade e após os processos de pesquisa e criação, as seguintes hipóteses foram levantadas: A essência da narrativa transmídia deve se concentrar em uma boa história; primeiramente a história é criada, depois, pensa-se na forma como ela será contada nas diversas mídias. Os processos de criação de personagens complexos e a criação do um universo são imprescindíveis para a expansão da narrativa nas diferentes mídias. Outro fator importante é estabelecer um fluxo narrativo da história pelas diversas mídias de modo a levar o público a uma experiência de complementaridade entre as mídias. Caso o projeto de narrativa transmídia seja utilizado nas redes sociais digitais, o primeiro fator é projetar a narrativa por meio das estruturas de interação na rede. O segundo fator é o planejamento de interação da narrativa transmídia com os fans. Espera-se que este relato e as hipóteses que dele resultaram possam contribuir para o enriquecimento das reflexões acerca das etapas de planejamento e desenvolvimento da narrativa transmídia quando aplicada nas redes sociais digitais. 7. Referências Bibliográficas FELDMAN, T. Multimedia. London: Blueprint, 2005. FREITAS, G.S.T. Adaptação de narrativas do game “Os Ketchups” à série animada. Dissertação (Graduação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. GIBSON, W. Neuromancer. New York: Ace Books, 2004 [1984]. HORNIK, D. “Social Networks 3.0 Ventureblog”. 2005. Disponível em <www.ventureblog.com >. Acesso 12/1/2010 JENKINS, H. Cultura da convergência. Tradução Suzana Alexandria. São Paulo: Aleph, 2009 [2006]. KINDER, M. Playing with power in movies, television, and vídeo games: from Muppet Babies to Teenage Mutant Ninja Turtles. Berkeley: University California, 1991. MITTERMAYER, T. Narrativa Transmídia e as Rede Sociais Digitais. 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