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ATUALIZAÇÃO
EM ORTOPEDIA E
TRAUMATOLOGIA
DO ESPORTE
As lesões da cartilagem articular
Dr. Cristiano Frota de Souza Laurino
Mestre pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unifesp.
Especialista em Cirurgia do Joelho e Artroscopia. Diretor Científico do Comitê
de Traumatologia Desportiva da SBOT. Diretor Médico da Confederação
Brasileira de Atletismo e Médico do Clube de Atletismo BM&F/Bovespa.
CRM-SP 77341.
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As lesões da cartilagem articular
Apoio
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
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As lesões da cartilagem
articular
Dr. Cristiano Frota de Souza Laurino
Mestre pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unifesp. Especialista em
Cirurgia do Joelho e Artroscopia. Diretor Científico do Comitê de Traumatologia Desportiva
da SBOT. Diretor Médico da Confederação Brasileira de Atletismo e Médico do Clube de
Atletismo BM&F/Bovespa. CRM-SP 77341.
ANATOMIA DA CARTILAGEM ARTICULAR
A
cartilagem se origina do mesênquima, onde algumas de suas células se
agregam para formar o bastema na 5a semana de vida gestacional. As
células do blastema começam a secretar matriz de cartilagem, e são
então chamadas de condroblastos. Com o desenvolvimento, a matriz extracelular é produzida gradualmente e separa as células umas das outras, até serem
chamadas de condrócitos.
A cartilagem articular normal é do tipo hialina e não apresenta vascularização,
inervação e rede linfática. Tais características anatômicas justificam em parte o
ambiente desfavorável para as condições de reparo de lesões na sua estrutura.
A água representa 65% a 80% do peso da cartilagem hialina e também contribui para a lubrificação articular e transporte de nutrientes para os condrócitos.
O pH é 7.4 e sua mudança pode facilmente romper a infraestrutura da matriz.
A cartilagem articular é composta de células mergulhadas dentro de uma
complexa matriz extracelular de colágeno e proteoglicanos. Os condrócitos são
os únicos tipos de células no interior da matriz e representam os únicos elementos vivos ocupando aproximadamente 1 a 2% do volume total da cartilagem
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As lesões da cartilagem articular
adulta normal e 5% do peso seco, declinando
sua densidade com a evolução da idade. Estão
presentes em lacunas e são responsáveis pela
homeostase entre a síntese e a degradação do
complexo macromolecular proteico (fig. 1).
Os condrócitos produzem a matriz colágena,
proteoglicanos, proteínas não colágenas e enzimas responsáveis pela degradação da cartilagem
normal. Este processo é influenciado por muitos
fatores, incluindo a composição ao redor da matriz, o carregamento mecânico, os hormônios,
os fatores de crescimento locais, as citocinas, a
idade e as lesões.
Figura 1. Corte histológico
A matriz extracelular representa 99% da estruda cartilagem articular.
tura biológica e corresponde a 50% do peso seco
da cartilagem articular madura. As funções da matriz são: proteger os condrócitos do carregamento mecânico, estoque de citocinas e fatores de crescimento,
determinar o tipo, concentração e taxa de difusão de nutrientes nos condrócitos
e atuar como um transdutor de sinais para as células. A matriz desempenha um
papel importante no registro histórico do carregamento da cartilagem articular
e sua deformação produz sinais químicos, elétricos e mecânicos que afetam
as funções dos condrócitos.
O colágeno predominante da cartilagem articular madura é do tipo II, e em
mínima proporção são também encontradas fibras de colágeno tipos I (fibrocartilagem), IX, XI. As fibras colágenas apresentam uma configuração em tripla
hélice que confere resistência tênsil, forma e integridade mecânica à cartilagem.
Os proteoglicanos são macromoléculas de polissacarídeo e proteína, produzidos dentro dos condrócitos e secretados para a matriz. Ocupam os interstícios
das fibras colágenas, constituem aproximadamente 12% do peso total (30%
do peso seco) da cartilagem articular e conferem resistência à compressão. Há
duas grandes classes de proteoglicanos encontrados na cartilagem articular,
os agrecans e os proteoglicanos menores (decorin, biglycan e fibromodulina).
As subunidades de proteoglicanos são chamadas de glicosaminoglicanos
(GAGs) e representam moléculas dissacarídicas de dois tipos predominantes,
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o condroitim sulfato e o queratan sulfato. Os GAGs se ligam ao centro proteico
através de uma molécula de agrecan. Ligações proteicas estabilizam esta cadeia
com uma cadeia central de ácido hialurônico, formando a intrincada estrutura
de uma molécula de GAG.
Os proteoglicanos mantêm o balanço de fluidos e eletrólitos na cartilagem
articular. Estas macromoléculas são carregadas negativamente, as quais atraem
somente moléculas de cargas positivas e repelem moléculas de cargas negativas. Tal propriedade aumenta a concentração de íons inorgânicos (sódio) dentro
da matriz, aumentando a osmolaridade da cartilagem articular.
A ultraestrutura da cartilagem hialina pode ser dividida em 4 zonas, cada
qual com uma morfologia celular e de fibras colágenas específica.
1. Zona superficial: a mais fina das camadas, composta por células elipsoides dispostas paralelamente à superfície articular. Coberta por um filme de
líquido sinovial, chamado lamina splendens, responsável pela lubrificação
da cartilagem. Os condrócitos nesta zona sintetizam altas concentrações
de colágeno e baixas concentrações de proteoglicanos. A disposição
paralela das fibrilas promove a maior capacidade de resistir às forças de
tensão e cisalhamento. Esta camada funciona como um filtro de grandes
macromoléculas, protegendo a cartilagem do sistema imune do tecido
sinovial.
2. Zona de transição: a densidade celular desta camada é baixa. As células são predominantemente esferoidais, envoltas por uma matriz celular
abundante. As fibras colágenas de maior diâmetro são aleatoriamente
dispostas nesta zona e a concentração de proteoglicanos é a mais alta.
3. Zona profunda: as células são dispostas perpendicularmente à superfície
e são esferoidais na forma. Esta camada contém as fibrilas colágenas
de maior diâmetro e a maior concentração de proteoglicanos, embora a
densidade celular seja a menor de todas as camadas.
4. Zona calcificada: esta camada mineralizada contém um pequeno volume
de células distribuídas dentro de uma matriz calcificada com atividade
metabólica baixa. Os condrócitos desta camada sintetizam colágeno tipo
X, responsável por promover importante integridade estrutural e absorção
de choque ao longo do osso subcondral.
A densidade celular da cartilagem articular é mais alta na camada superficial
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As lesões da cartilagem articular
e diminui progressivamente através das camadas intermediária e profunda, a
aproximadamente 1/3 da camada superficial.
Devido ao fato de a cartilagem articular ser avascular, os condrócitos recebem
tanto oxigênio e nutrição por difusão simples do líquido sinovial. A tensão de
oxigênio na cartilagem varia entre 1 e 3% e se mantém baixa por toda a vida,
enquanto a pressão de oxigênio na atmosfera é de 21%. Portanto, a cartilagem desenvolve-se num ambiente hipóxico e, de fato, a proximidade com o
suprimento sanguíneo parece ser um fator determinante da formação de osso
sobre a cartilagem.
Os condrócitos desenvolveram mecanismos específicos de promover a função
tecidual em resposta à hipóxia crônica, como por exemplo o aumento da expressão dos componentes da matriz e a inibição da angiogênese. Uma das respostas
dos condrócitos articulares ao ambiente hipóxico é a geração de energia celular
(ATP) através da glicólise anaeróbica e o baixo consumo de oxigênio.
Os condrócitos se conectam à matriz extracelular por meio das integrinas de
superfície e respondem às forças mecânicas. As integrinas de superfície também
se conectam com uma variedade de fatores de crescimento e citocinas, que regulam as atividades anabólicas e catabólicas dos condrócitos. Os elementos da
matriz são, portanto, regulados pelos condrócitos dentro de uma homeostase.
Dentre os fatores de crescimento, o TGF-ß é um dos mais importantes na
cartilagem articular, pois se liga a receptores de superfície do condrócito, que
ativam sinais bioquímicos, que regulam a expressão de genes específicos.
Pesquisas em ratos transgênicos evidenciaram que a ausência do fator de
crescimento TGF-ß na cartilagem, devido a um defeito do receptor de superfície,
desenvolve artrite precoce. Outros estudos evidenciaram o efeito condroprotetor do TGF-ß, pois foi demonstrado um aumento na síntese de colágeno e de
proteoglicanos, inibindo a degradação da matriz extracelular.
Outros fatores de crescimento também apresentam uma função anabólica
sobre a cartilagem articular. O IGF-1 é produzido por condrócitos articulares
e aumenta ambas as sínteses de colágeno e de proteoglicanos, um efeito
sinérgico à estimulação mecânica. O IGF-1 também desempenha um papel
no desenvolvimento da osteoartrite, quando há uma diminuição da expressão
deste fator de crescimento, causando uma menor biodisponibilidade e uma
aceleração do catabolismo. Condrócitos de pacientes com idade avançada
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produzem baixos níveis de IGF-1, resultando na diminuição dos componentes
da matriz. De forma semelhante, duas BMPs, a BMP-2 e BMP-7, aumentam a
síntese de proteoglicanos e mantêm o fenótipo articular.
Muitas citocinas possuem uma atividade catabólica e estimulam a expressão de metaloproteinases da matriz (MMPs) e outras enzimas catabólicas. As
citocinas mais estudadas na cartilagem articular são a interleucina 1 (IL-1) e o
fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que inibem a síntese de proteoglicanos
(colágeno) e estimulam a produção de MMPs (enzimas de degradação da matriz).
O tecido cartilaginoso pode suportar um grande número de estresses repetitivos durante a vida. A complexidade da interação entre células, matriz e
outros fatores faz com que a reprodução !"#$!%&' da cartilagem articular seja
extremamente difícil.
PROPRIEDADES DA CARTILAGEM
A cartilagem articular é um tecido de propriedades viscoelásticas, capaz de
suportar cargas variadas, com consequente redução das forças diretas sobre
o osso subcondral.
Em particular, a cartilagem articular adulta apresenta uma função primordial
de revestimento das articulações sinoviais, mantendo a eficiência mecânica do
movimento. Devido a sua sofisticada composição, seu alto teor de água e sua
capacidade de suportar pressão hidrostática, a cartilagem é capaz de transferir
forças de grandes magnitudes de uma superfície de osso subcondral a outra.
Nas condições fisiológicas, a cartilagem também promove uma superfície de
deslizamento de baixa fricção, conferindo um baixo coeficiente de atrito entre
as superfícies deslizantes.
Em 1743, William Hunter afirmou que “Desde Hipócrates até o presente, é
universalmente aceito que a destruição da cartilagem nunca mais se repara”. O
potencial de reparo fisiológico da cartilagem articular madura é limitado. Decorre
do número insuficiente de células multipotentes e da limitada capacidade dos
condrócitos maduros para migrar, proliferar e produzir matriz cartilaginosa para
revestir a área lesionada. Com o envelhecimento, ocorre uma diminuição dos
proteoglicanos da matriz, diminuindo ainda mais a capacidade regenerativa
das lesões.
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As lesões da cartilagem articular
A cartilagem articular possui uma distribuição morfológica e propriedades
biomecânicas únicas. Estas propriedades são até o momento incomparáveis a
qualquer material artificial, apesar dos consideráveis esforços dos engenheiros
e biólogos.
OS EFEITOS DO EXERCÍCIO SOBRE A CARTILAGEM ARTICULAR
Poucos estudos abordando a cartilagem articular in vivo foram realizados,
observando a variabilidade morfológica da cartilagem normal entre indivíduos
e os fatores que determinam suas modificações. Também pouco se conhece
a respeito do comportamento de deformação da cartilagem articular hialina
durante o carregamento in vivo.
A cartilagem articular possui uma propriedade mecanoadaptativa, e diferentemente de outros tecidos, a sua morfologia (sua espessura), é determinada
relativamente tarde na vida pós-natal, durante a adolescência, quando a ossificação endocondral foi terminada.
A literatura desconhece quais fatores específicos impedem que a calcificação
avance para a superfície articular e também aqueles que permitem preservar a
superfície de cartilagem articular. Devido ao número limitado de genes disponíveis
para guiar a emergência e manter a morfologia de vários tecidos e sistemas
funcionais em geral, uma hipótese seria que os fatores ambientais, particularmente os mecânicos, teriam um papel central neste processo.
A habilidade dos tecidos manterem suas estruturas, em concordância com
ambientes específicos, tem sido designada “adaptação funcional”. Os processos
de adaptação funcional são descritos durante o desenvolvimento do sistema
nervoso central (córtex visual), órgãos internos (rins) e nos tecidos com funções
mecânicas primárias, como os músculos e os ossos.
O exercício físico tem demonstrado ser capaz de aumentar as massas óssea
e muscular, enquanto os estados de inatividade e de microgravidade têm sido
associados à atrofia destes tecidos.
Nos ossos, a adaptação funcional ao carregamento mecânico tem sido
caracterizada como um processo mediado por células, nos quais osteócitos
atuam como sensores e orquestram a ação de outras células capazes de realizar
a osteogênese e a osteoclasia, mediante sinais bioquímicos.
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A atividade biossintética dos condrócitos tem sido evidenciada experimentalmente por ser regulada por estímulos mecânicos. Baseados nesta premissa,
estudos in vitro apresentaram modelos experimentais, que explicam a variação
de espessuras da cartilagem articular entre as articulações, baseadas nas
diferenças de magnitude do carregamento mecânico. Entretanto, há pouca
evidência experimental que comprove esta teoria em nível sistêmico.
Embora as propriedades mecânicas da cartilagem articular tenham sido
estudadas amplamente in vitro, até recentemente poucos estudos revelam
informações sobre a deformação da cartilagem das articulações intactas sobre
condições de carregamento in vivo. As informações in vitro não podem ser
extrapoladas para as condições in vivo, pois a magnitude do carregamento
articular durante a participação em atividades esportivas ainda é desconhecida.
Os efeitos das condições articulares, como a incongruência entre as superfícies e a composição bioquímica do líquido sinovial, também interferem sobre
a cartilagem, embora apresentem limitações de avaliação.
O conhecimento da magnitude de deformação da cartilagem articular in vivo
está relacionado com a magnitude da estimulação mecânica recebida pelos
condrócitos, o que afeta a sua atividade biossintética.
O conhecimento da deformação da cartilagem in vivo pode servir como
um guia de orientação de como células podem ser estimuladas em tecidos
de cultura, para geração de transplantes futuros, e como utilizar sinais para
estimular a cartilagem in situ.
Eckstein e colaboradores realizaram estudos para avaliar o comportamento
de deformação da cartilagem articular após exercícios físicos. Foram estudados voluntários saudáveis, que realizaram 50 flexões do joelho e analisados
os volumes da cartilagem articular após 3 a 7 minutos e 1 hora da realização
do exercício. Os resultados revelaram uma redução do volume da cartilagem
articular da patela entre 2,4 e 8,6% (média: 6,0%). A deformação média da cartilagem não apresentou homogeneidade em toda a superfície patelar, havendo
áreas com pequenas e outras com grandes deformações. Após a realização
de 100 flexões, o nível de deformação foi de 2,4% a 8,5% (média: 5,0%) e não
foi significantemente diferente da avaliação com 50 flexões.
O tempo de recuperação da cartilagem sob condições de repouso sem
carga também foi avaliado por Eckstein e colaboradores, onde um intervalo de
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As lesões da cartilagem articular
45 minutos tinha sido necessário para compensar aproximadamente 50% da
deformação observada após as flexões do joelho, e um intervalo de 90 minutos
para atingir o volume pré-exercício. Múltiplas séries de 50 flexões, com intervalos de 15 minutos de descanso entre cada série, mantiveram as medidas de
deformação medidas após a primeira série (5 a 6%), mas não geraram mais
deformação da cartilagem.
A literatura comparou as deformações da cartilagem articular da patela após
alguns exercícios físicos, tais como: 30 movimentos de flexão total do joelho,
carregamento estático, caminhada normal no plano por 5 minutos após corrida
de 200 m, caminhada (sobe e desce com 54 passos durante 4 minutos) e ciclismo por 10 minutos com frequências de pedaladas de 80 Hz. As deformações
de cartilagem da patela encontradas foram: 5.9 ± 2,1% após 30 movimentos
de flexão total do joelho, 2,8 ± 0,8% após caminhada, 5,0 ± 1,3% após corrida
e 4,5 ± 1,6% após o ciclismo (P<0,01).
Durante as atividades diárias normais (caminhadas), a cartilagem patelar
sofre uma compressão média de 2 a 3%, quando comparada a situações de
repouso sem carga. Exercício intenso pode acrescentar 2 a 3% na média de
compressão aos valores encontrados durante as atividades físicas normais.
Waterson e colaboradores estudaram voluntários pela manhã e ao fim do
dia após atividades predominantemente realizadas em posição ortostática. Os
resultados constataram não haver modificações no volume e espessura da
cartilagem femoral. Foram observados o aumento na espessura de zonas de
cartilagem da tróclea e dos côndilos, não supostamente envolvidas em carregamento durante as atividades em posição ortostática. Uma das hipóteses
apresentadas foi a migração dos fluidos intersticiais das zonas de maior carregamento mecânico para as áreas de menor carregamento.
A deformação da cartilagem femorotibial após a realização de exercícios
intensos foi avaliada por Eckstein e colaboradores, onde voluntários saudáveis
realizaram 12 movimentos de flexão do joelho com apoio unipodálico, 2 minutos
de carregamento estático da articulação femorotibial em 15 graus de flexão e
10 saltos a partir de uma cadeira (40 cm de altura) e aterrissagem unipodálica. Os resultados revelaram não haver mudanças significativas no volume da
cartilagem articular femorotibial após os movimentos bipodálicos de flexão dos
joelhos (exceto para a superfície lateral da tíbia) ou nas flexões unipodálicas.
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Modificações significativas foram encontradas nas superfícies de cartilagem
medial e lateral da tíbia após impactos gerados nos saltos (40 cm de altura), o
que não se observou nos côndilos femorais medial e lateral.
Modificações fisiológicas dos conteúdos de água da cartilagem articular
ocorrem concomitantemente à composição macromolecular após o exercício.
Kunz e colaboradores avaliaram sete maratonistas do sexo feminino, após
completarem a maratona de Boston durante condições de competição, e não
observaram deformações significativas na cartilagem femorotibial e patelofemoral, após 90 minutos de corrida. Estes achados demonstraram que deformações
não se prolongam após atividades muito intensas, mesmo envolvendo alguns
milhares de ciclos de carregamento. Entretanto, houve modificações encontradas 1 dia, 1 semana e 6 semanas após a corrida, indicando que pode haver
uma perda de glicosaminoglicanos (GAGs) após atividades físicas intensas e
que pode provocar uma resposta biológica, que eleva o metabolismo celular e
a produção de GAGs.
A deformação da cartilagem articular in vivo é um evento complexo, determinado pela aplicação e distribuição de cargas durante uma atividade específica
e pelas propriedades mecânicas da cartilagem local. O volume de cartilagem
depende da espessura e da superfície de área. Somente nas condições onde
a superfície de cartilagem é constante, o volume ou a espessura se modificam
com o tempo.
Numerosos estudos descrevem a grande variabilidade nos volumes de
cartilagem encontrados nas articulações entre diferentes sexos, idades, pesos,
alturas e volumes ósseos.
Hudelmaier e colaboradores avaliaram indivíduos com idades entre 50 e
75 anos, não portadores de osteoartrite e encontraram um menor grau de
deformação da cartilagem patelar, quando comparados aos indivíduos de 20
a 30 anos de idade. Uma explicação provável para a reduzida deformação nos
indivíduos de maior idade são as diferentes estratégias motoras utilizadas para
reduzir os estresses sobre a cartilagem articular do joelho durante a flexão. Outro
fator descrito é a consequência da não glicosilação enzimática, promovendo
o aumento da formação de pontes cruzadas de colágeno, com o avanço da
idade tanto em humanos quanto em animais, tornando a matriz cartilaginosa
mais rígida do que nos indivíduos jovens.
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As lesões da cartilagem articular
Karvonen e colaboradores concluíram, a partir de medições locais nas
imagens de ressonância magnética, que a idade contribui para um significante
decréscimo linear da espessura da cartilagem, tanto na ausência quanto na
presença de osteoartrite. Os achados foram restritos às áreas de contato femorotibial mais frequentes, mas não se aplicaram à patela, à tíbia e aos côndilos
posteriores do fêmur.
Hudelmaier e colaboradores observaram uma diminuição da espessura da
cartilagem articular do joelho de aproximadamente 4% por década para ambos
os sexos, com exceção para a cartilagem patelar.
Os estímulos mecânicos representam potentes reguladores da massa óssea
e muscular. Estudos em animais constataram que a espessura de cartilagem
diminui durante as imobilizações, mas as investigações em animais submetidos a níveis elevados de exercícios apresentaram resultados inconclusivos e
contraditórios.
Vanwanseele e colaboradores examinaram os joelhos de pacientes paraplégicos no período de seis, 12 e 24 meses após a lesão e encontraram uma
redução significativa na espessura da cartilagem articular, quando comparados
a indivíduos saudáveis do mesmo sexo. A redução anual da espessura da cartilagem foi de > 10% em todos os compartimentos do joelho.
Hinterwimmer e colaboradores observaram que a redução da carga, observada durante 7 semanas de apoio parcial, após uma cirurgia no tornozelo
homolateral, causou uma redução média da secção transversa do músculo
quadríceps de 11% e uma significativa redução da espessura de cartilagem.
Eckstein e colaboradores investigaram triatletas adultos, submetidos a
treinamento de 10 horas/semana durante 3 anos e observaram não haver
diferenças na espessura de cartilagem quando comparados com indivíduos
sedentários.
A cartilagem articular humana adapta-se ao exercício aumentando o conteúdo de glicosaminoglicanos. Embora a cartilagem articular hialina apresente
modificações atróficas durante períodos sem carregamento mecânico, e
modificações na composição de glicosaminoglicanos durante o exercício, a
cartilagem difere dos outros tecidos musculoesqueléticos durante as situações de carga, por não apresentar aumento da massa como resultado de
estimulação mecânica.
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INCIDÊNCIA
A real incidência das lesões osteocondrais nas articulações humanas
durante o esporte é desconhecida, em função de grande parte delas serem
assintomáticas.
Aroen e colaboradores revisaram 993 artroscopias, utilizando o sistema de
classificação ICRS, e registraram 66% de patologias da cartilagem articular, com
11% de lesões condrais de espessura total. Curl e colaboradores revisaram
31.516 artroscopias e observaram 53.569 lesões condrais em 19.827 pacientes.
Os processos degenerativos articulares apresentam uma íntima relação com
as lesões de cartilagem e suas implicações na função articular.
FISIOPATOLOGIA
A cartilagem articular sofre degradação, em resposta a um número de estímulos metabólicos, genéticos, vasculares e traumatismos.
As lesões mecânicas podem ocorrer em decorrência de um único carregamento excessivo de grande magnitude, ou através de carregamento articular
prolongado e de pequena magnitude. Tais estresses causam lesões de basicamente três tipos distintos, baseados na espessura:
Microlesão: resultado de traumatismo sobre os condrócitos e matriz, sem
que haja lesão visível da superfície da cartilagem articular. Uma das respostas
iniciais ao impacto envolve a perda de condrócitos na região do trauma. D’Lima
e colaboradores estudaram modelos de lesão condral em coelhos e demonstraram que 34% dos condrócitos da área acometida sofreram apoptose (morte
celular programada). As alterações da matriz observadas são: a degradação
do colágeno e a perda de proteoglicanos. Estresses crônicos sobre o osso
subcondral e a região da cartilagem calcificada resultam em avanço da calcificação e consequente afilamento da cartilagem articular, achados observados
nos estágios iniciais da osteoartrite.
Fratura condral: lesão de espessuras variáveis até a camada calcificada,
mas sem penetrar o osso subcondral. O sistema vascular não está envolvido
e, portanto, não há reação inflamatória. A cartilagem articular não apresenta
células-tronco mesenquimais indiferenciadas e os condrócitos no local da lesão
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As lesões da cartilagem articular
sofrem necrose e apoptose, porém as células ao redor da lesão promovem
uma resposta proliferativa na tentativa de reparar a lesão. Ocorre um aumento
da síntese de colágeno tipo II e das macromoléculas da matriz. Os condrócitos proliferados não migram para o defeito de cartilagem, o que impede que
os bordos da lesão se fundam. A lesão inicial se propaga gradualmente com
perda progressiva da superfície de cartilagem e desenvolvimento de sintomas
que incluem inchaço, dor, crepitação, bloqueio e deterioração progressiva da
articulação.
Fratura osteocondral: a mais grave das lesões de cartilagem, resulta
acometimento de toda a espessura da cartilagem e perfuração do osso
subcondral. A resposta inflamatória se faz presente, gerando a migração de
células e formação de coágulo no local da lesão, que desenvolverá um tecido
de reparação do tipo fibrocartilagem. As células-tronco mesenquimais originadas do tecido ósseo ao redor proliferam e se diferenciam em condrócitos,
que sintetizam matriz contendo colágeno tipo I, II e proteoglicanos. Por volta
de 6 a 8 semanas, o tecido de reparo apresenta uma elevada proporção de
condrócitos e as células da camada profunda sofrem ossificação endocondral para reparar o defeito ósseo subcondral. Entretanto, a composição da
cartilagem de reparo raramente replica a estrutura da cartilagem articular
normal e a degeneração da matriz cartilaginosa ocorre, com substituição por
uma grande proporção de fibras de colágeno tipo I. As alterações degenerativas se iniciam com fibrilação da superfície, seguida de perda da matriz de
proteoglicanos, morte de condrócitos e fissuras na superfície da cartilagem.
Por volta de 12 meses, as células remanescentes assumem tipicamente a
aparência de fibroblastos, com matriz densamente formada por colágeno
tipo I. Frequentemente algumas áreas de tecido se desintegram dentro de 1
ano, deixando áreas de osso subcondral exposto.
Cada tipo de lesão apresenta diferentes potenciais de reparação e prognóstico e a extensão da lesão é o maior determinante destes. O tamanho e a
localização são fatores importantes; entretanto, também são influenciados por
variáveis como a idade, o nível de atividade, a obesidade e o alinhamento do
membro.
O prognóstico das lesões condrais depende da integridade dos seus elementos constituintes (condrócitos e da matriz), e das características da lesão
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(tamanho, profundidade e localização). Lesões restritas à espessura de cartilagem, sem comprometerem o osso subcondral, evidenciam pequeno potencial
de reparo espontâneo. As lesões condrais profundas promovem uma redução
das propriedades viscoelásticas, e consequentemente, as forças aplicadas
sobrecarregam o osso subcondral, tornando-o espesso e rígido.
As lesões com exposição do osso subcondral propiciam a comunicação
de canais vasculares com a área exposta, permitindo a migração de células
inflamatórias e mediadores químicos. Um novo tecido de reparo é formado com
predomínio de fibras colágenas do tipo I e com propriedades biomecânicas
diferentes da cartilagem hialina. Esta fibrocartilagem geralmente começa a degenerar após um ano de sua formação devido às propriedades biomecânicas
anormais.
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
O diagnóstico clínico pode ser dificultado muitas vezes em decorrência da
pobre sintomatologia. Grande parte dos pacientes com lesões da cartilagem
articular não apresenta sintomas ou significante incapacidade.
Definir se a lesão é aguda ou crônica, pesquisando-se os possíveis mecanismos envolvidos, é de fundamental importância na história clínica. As histórias de
dor aguda mais frequentes são provocadas por movimentos torsionais traumáticos, gerando lesões ligamentares e meniscais associadas e nos traumatismos
diretos entre a patela e a tróclea. Alguns pacientes, no entanto, não apresentam
história pregressa de traumatismo definido.
As queixas mais frequentes são: o inchaço, a dor, o falseio, o bloqueio e a
crepitação. Os sintomas apresentam caráter insidioso, com dor de localização
difusa ou específica, por exemplo na interlinha articular e na região anterior no
joelho.
A dor pode ser decorrente de alguns fatores: 1. exposição óssea subcondral nas lesões condrais profundas durante o suporte de carga, 2. derrame
articular, proveniente do processo inflamatório da membrana sinovial (sinovite),
que distende a cápsula e provoca um desconforto com limitação funcional,
3. estimulação de nervos localizados no osso subcondral em decorrência da
congestão vascular.
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As lesões da cartilagem articular
O corpo livre intra-articular é a manifestação clínica de uma lesão condral completa
com um fragmento solto na cavidade articular
(fig. 2). Os sintomas podem variar desde a dor,
derrame até o bloqueio articular.
DIAGNÓSTICO POR IMAGEM
Os métodos utilizados para o diagnóstico
por imagem abrangem geralmente as radioFigura 2. Fragmento osteocondral
grafias simples em duas ou mais incidências e
da patela.
a ressonância nuclear magnética. A medicina
nuclear permite a avaliação da atividade metabólica do osso subcondral nas
lesões osteocondrais.
Radiografias simples
As radiografias simples informam sobre o alinhamento do membro, as deformidades, a presença de corpos livres, fragmentos osteocondrais, as avulsões
ósseas, os sinais de osteoartrite e as características de posição óssea (altura
da patela, desalinhamentos). No joelho, podem ser realizadas radiografias nas
incidências ântero-posterior (AP) com e sem carga,
perfil a 30º, axial da patela a 30o e 45º, oblíquas e
póstero-anterior a 45º de flexão com carga (fig. 3).
Tomografia computadorizada
As imagens de tomografia computadorizada
permitem avaliar características de alinhamento
articular e avaliação das dimensões dos fragmentos osteocondrais (fig. 4).
Figura 3. Osteocondrite de
patela. Radiografia de perfil
do joelho.
Ressonância magnética
A ressonância magnética (RM) é o método de
imagem não-invasivo de preferência para o estudo
da cartilagem articular. A ressonância magnética
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
17
tem a propriedade de diagnosticar os tipos
de lesões condrais, classificá-las segundo
a extensão e localizá-las espacialmente,
importantes informações na determinação
do tratamento a ser seguido (fig. 5). Permite
também avaliar a evolução da lesão após um
procedimento cirúrgico.
A cartilagem articular apresenta uma espessura média de 1,3 a 2,5, podendo atingir
espessuras de 5 mm especificamente em
Figura 4. Osteocondrite de patela.
algumas regiões da patela no joelho humano.
Tomografia computadorizada do
Desta forma, uma alta resolução espacial se
joelho.
faz necessária para que um número suficiente
de pontos de imagem (pixels) estejam disponíveis para caracterizar a espessura
do tecido, incluindo áreas de pequena espessura de cobertura.
Embora não haja consenso sobre a resolução ideal para a avaliação da
morfologia da cartilagem, a espessura de 1,5 mm/0,3 mm tem sido frequentemente utilizada nos dispositivos de RM. Os aparelhos de última geração de
3.0 T permitem uma melhor avaliação qualitativa e quantitativa da cartilagem
articular. O gadolínio também tem sido empregado em sequências de imagens
de RM para a cartilagem articular.
!
"
Figura 5. Osteocondrite de patela (A). Ressonância magnética do joelho (B).
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
21
ções cirúrgicas para estas lesões. Permanece incerto, entretanto, quais lesões
manifestarão sintomas dolorosos a curto e a longo prazo.
Muitas são as opções cirúrgicas para o tratamento das lesões da cartilagem
do joelho. Podemos dividi-las em procedimentos primários e secundários,
conforme a tabela 5.
As técnicas primárias promovem a formação de fibrocartilagem nos locais
da lesão. A fibrocartilagem apresenta propriedades biomecânicas diferentes da
Tabela 4. Indicações gerais para o tratamento das lesões de cartilagem
1.
Lesões traumáticas agudas ≥ 1 cm de diâmetro
2.
Lesões não degenerativas focais e nos casos sem história de gota, artrite reumatóide, sepse ou doença sistêmica
3.
Lesões no côndilo femoral distal
4.
Lesões sintomáticas grau IV e lesões de osteocondrite dissecante graus II, III e IV (classificação da ICRS)
5.
Lesões assintomáticas em pacientes ativos que serão submetidos concomitantemente a reconstrução do
ligamento cruzado anterior, osteotomia tibial alta ou transplante meniscal homólogo
6.
Pacientes sintomáticos após um procedimento falho de reparo da cartilagem
7.
Joelho estável alinhado e com meniscos intactos
8.
Índice de massa corpórea (peso/altura em m2) < 25-30
9.
Paciente de acordo com a fisioterapia pós-operatória
Tabela 5. Procedimentos cirúrgicos primários e secundários
Primários
• Lavagem e desbridamento artroscópico
• Abrasão
• Técnicas de fixação
• Técnicas de estimulação da medula óssea – perfurações, microfraturas
Secundários
• Transplante osteocondral autólogo (mosaicoplastia)
• Transplante osteocondral homólogo
• Enxerto pericondral e periosteal
• Implante autólogo de condrócitos (IAC)
• Implante autólogo de condrócitos assistido por matriz (MACI)
• Engenharia genética
• Realinhamento ósseo – osteotomia
• Realinhamento de partes moles – (luxação recidivante de patela)
• Artroplastia
18
As lesões da cartilagem articular
Uma das grandes vantagens da ressonância magnética, quando comparada a histologia, é a capacidade de fazer cortes contíguos e espacialmente
alinhados, desta maneira permitindo a avaliação tridimensional, que caracteriza
a morfologia articular propriamente.
Alguns parâmetros são avaliados na RM, como o volume da cartilagem, a
espessura (média, máximo e desvio padrão), a área de superfície, a área de
interface com o osso subcondral, as medidas de tamanho do osso e as curvaturas da superfície de cartilagem (congruência articular), dentre outros.
DIAGNÓSTICO ARTROSCÓPICO
A artroscopia é o método mais completo no diagnóstico das lesões da
cartilagem articular, propiciando classificar, localizar e palpar as lesões através
da utilização de instrumental.
CLASSIFICAÇÃO
A graduação das lesões da superfície articular tem se baseado tradicionalmente em técnicas de análise visual. Os sistemas de classificação citados na
literatura incluem aqueles descritos por Outerbridge (tabela 1), Insall, Bauer e
Jackson e Noyes e ICRS (tabela 2).
Mais recentemente, a ICRS (International Cartilage Repair Society) desenvolveu uma padronização da avaliação diagnóstica das lesões de cartilagem
baseada em 12 variáveis: 1. etiologia: lesão aguda (evento traumático) ou crônica (lesões repetitivas), 2. profundidade, 3. tamanho, 4. limites, 5. localização,
Tabela 1. Classificação de Outerbridge modificada
Grau 0: cartilagem normal
Grau 1: cartilagem amolecida e edemaciada
Grau 2: fissuras na cartilagem não atingindo o osso subcondral
Grau 3: fissuras na cartilagem atingindo o osso subcondral
Grau 4: exposição do osso subcondral
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
19
6. avaliação ligamentar, 7. avaliação meniscal, 8. alinhamento femorotibial e
femoropatelar, 9. tratamento prévio, 10. avaliação radiográfica, 11. ressonância
magnética e 12. história clínica.
A ICRS propôs um sistema de graduação no interesse de aprimorar o mapeamento preciso e a descrição das lesões de cartilagem do tipo osteocondrite
dissecante do joelho, promovendo uma linguagem universal sobre as patologias
da cartilagem (tabela 3).
TRATAMENTO
A abordagem das lesões sintomáticas da cartilagem do joelho permanece
um dos maiores desafios da terapêutica moderna. A crescente participação nos
esportes competitivos, e sobretudo a ênfase mundial para a prática da atividade
física, vêm corroborar a necessidade de formas de tratamento eficazes e que
permitam o retorno à prática esportiva.
Tabela 2. Sistema de graduação das lesões da cartilagem articular (ICRS)
Grau 0
Normal
Grau I
Próximo do normal. Lesões superficiais. Indentações com amolecimento (A) e/ou fissuras superficiais e
rachaduras (B)
Grau II
Anormal. Lesões estendendo-se até 50% da espessura da cartilagem.
Grau III
Severamente anormal. Lesões estendendo-se a > 50% da espessura da cartilagem (A) ou até a camada
calcificada (B) ou até o osso subcondral mas sem exposição do mesmo (C)
Grau IV
Severamente anormal. Exposição óssea subcondral
Tabela 3. Osteocondrite dissecante do joelho. Classificação da ICRS
(International Cartilage Research Society)
I
Estável, contínua com área amolecida coberta por cartilagem intacta
II
Descontinuidade parcial, estável à palpação artroscópica
III
Descontinuidade completa, fragmento in situ não deslocado
IV
Fragmento deslocado sobre o leito ou defeito vazio
Lesão < 10 mm de espessura
Lesão > 10 mm de espessura
20
As lesões da cartilagem articular
Tratamento clínico
Os fundamentos do tratamento clínico consistem na redução dos sintomas
dolorosos e a melhora da impotência funcional.
A informação do paciente sobre a lesão é de fundamental importância para
a programação do tratamento. As atividades físicas devem ser modificadas
durante o quadro sintomático e programas de fisioterapia devem ser iniciados.
O uso de analgésicos e anti-inflamatórios não-esteroides, assim como as
infiltrações articulares com corticosteroides promovem uma melhora provisória
dos sintomas, embora não ocorram modificações nas características das lesões.
Os corticosteroides inibem a proliferação dos condrócitos e diminuem a síntese de matriz, incluindo a expressão de colágeno e a síntese de proteoglicanos.
Numerosos estudos têm investigado o papel de agentes condroprotetores
da cartilagem (diacereína, sulfato de glucosamina e o sulfato de condroitina) no
reparo da cartilagem articular e na desaceleração no processo degenerativo, embora os mecanismos de ação ainda não sejam completamente compreendidos.
A glucosamina é uma molécula de amino-açúcar, enquanto a condroitina
é um polissacarídeo composto de resíduos de ácido glicurônico e N-acetilglicosamina, e ambos são componentes dos proteoglicanos encontrados na
cartilagem. Estudos em culturas de células constataram que ambos aumentam
a síntese de proteoglicanos nos condrócitos articulares.
Tratamento cirúrgico
Lesões da cartilagem articular representam um desafio ao ortopedista, em
parte devido à estrutura complexa e às propriedades distintas da cartilagem
hialina. Os objetivos primordiais a serem considerados no tratamento cirúrgico
abrangem a realização de um método que restabeleça a superfície da cartilagem
hialina através de uma abordagem minimamente invasiva, preferencialmente
artroscópica e associada a mínima morbidade, não somente pós-operatória
imediata, como a longo prazo. As indicações amplas para o tratamento cirúrgico
das lesões de cartilagem são descritas na tabela 4.
O tratamento não-cirúrgico das lesões osteocondrais do joelho manifestase eficiente para muitos pacientes, particularmente em curto prazo; entretanto,
recentes avanços na abordagem cirúrgica, assim como os melhores conhecimentos da história natural destas lesões, aumentaram o interesse nas solu-
22
As lesões da cartilagem articular
cartilagem hialina, o que justifica a deterioração dos resultados pós-operatórios.
Fazem parte deste grupo a abrasão, a lavagem, o desbridamento artroscópico,
as perfurações (“drilling”) e as microfraturas.
O algoritmo de tratamento das lesões cartilagem segue na tabela 6.
Lavagem e desbridamento artroscópico
A lavagem e o desbridamento artroscópicos baseiam-se na remoção de
fragmentos de cartilagem articular degenerada, enzimas proteolíticas e mediadores inflamatórios e promovem um alívio temporário dos sintomas.
As indicações do desbridamento e lavagem artroscópica são: tamanho entre
0,5 e 2,0 cm2, lesões graus II e III, delaminação de lesões grau IV, pacientes
de baixa demanda funcional, melhorar a congruência articular e reduzir os
mediadores químicos inflamatórios. As técnicas devem minimizar a remoção
de fragmentos, exclusivamente aqueles em situações que se enquadram nas
indicações.
Tabela 6. Algoritmo clínico de tratamento da lesão de cartilagem
Indicações gerais: sintomático, unipolar, não artrítico, alinhado, estável (sem frouxidão ligamentar), > 2/3 menisco
intacto, idade < 55 anos, IMC < 30 (Scaglione N. Sports Med Arthr Rev 2003;11(3):912-201).
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
23
Os instrumentais utilizados são o shaver e remoção direta dos fragmentos
livres. A utilização de instrumentos térmicos pode provocar lesões adicionais
sobre a cartilagem intacta.
As técnicas são geralmente simples, rápidas e custo-efetivas, embora
possam provocar lesões perimetrais inadvertidas por manuseio inadequado
do instrumental. Os resultados satisfatórios a curto prazo estão associados a
pacientes com sintomas inferiores a 1 ano, história de trauma específico, com
mínimo desalinhamento articular e baixo índice de massa corpórea.
Abrasão artroscópica
A abrasão superficial cortical cria uma resposta vascular de reparo através
do sangramento, removendo o tecido desvitalizado e esclerótico exposto e
preservando a cartilagem articular degenerativa intacta ao redor, com a utilização
de instrumental motorizado ou cureta.
Reparo
A fixação permanece o tratamento de escolha nas fraturas condrais e osteocondrais, com tamanho entre 1 a 2 cm2, ou maiores, nas quais o fragmento
permanece viável, não deformado e redutível.
A fixação na osteocondrite dissecante do joelho está indicada nas lesões
instáveis, parcial ou totalmente destacadas, sobre o leito ou formando corpos
livres (fig. 6).
!
"
Figura 6 A/B.
Fragmento
ósseo da tíbia
proximal,
utilizado na
confecção
de “palitos”
ósseos,
utilizados na
fixação dos
fragmentos de
osteocondrite
dissecante.
24
As lesões da cartilagem articular
As vantagens da técnica são decorrentes do fato do tecido nativo ser superior
a outros tecidos, possibilidade de gerar alto potencial de cicatrização e a realização por meio de artroscopia. As desvantagens são o real desconhecimento
sobre a viabilidade do tecido e a perda óssea concomitante.
Microfraturas
A técnica de microfraturas idealizada por Steadman, uma modificação do
método de perfuração (“drilling”) idealizado por Pridie, utiliza-se de um instrumental com formato semelhante a de um “quebra-gelo” que penetra 3 a
4 mm de profundidade perpendicularmente à superfície, completando 3 a 4
perfurações por cm2.
Dentre as vantagens da técnica estão a formação de canais de acesso às
células mesenquimais multipotentes (“stem cells”), a produção de uma superfície
rugosa no osso subcondral para adesão do coágulo sanguíneo e a menor reação
de necrose térmica dos tecidos adjacentes, quando comparada à técnica de
perfurações e a mobilização precoce.
As microfraturas são a primeira linha de tratamento cirúrgico para as lesões
de cartilagem em pacientes jovens. As indicações abrangem as lesões focais
traumáticas, grau IV (Outerbridge), as lesões graus IIIB, IIIC, IIID e IV (ICRS),
tamanho em torno de 2 cm2, lesões de espessura total instáveis, perda óssea
< 4-6 mm, pacientes com idade entre 35 e 50 anos, em todos os compartimentos do joelho e pode ter valor em certas lesões degenerativas focais associadas
à correção dos desalinhamentos.
As contraindicações para a técnica estão nos desalinhamentos axiais (> 5o
de varo/valgo nas radiografias com incidência de Rosemberg), perdas ósseas
≥ 5 -10 mm, leito necrótico ou avascular, pacientes não colaboradores com a
limitação de carga pós-operatória, lesões de espessura parcial e nos indivíduos
com idade superior a 65 anos.
As vantagens da microfratura são: artroscópica, facilidade técnica, procedimento único, custo baixo, mínima morbidade, pode ser eficiente em algumas
lesões degenerativas, resultados comparáveis a outras técnicas de maior custo.
As desvantagens da microfratura são: violação do osso subcondral, pode
comprometer ou postergar a realização de futuros procedimentos (IAC), formação de fibrocartilagem (propriedades biomecânicas inferiores), a durabilidade
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
25
do reparo tecidual sobre o carregamento mecânico é desconhecida ao longo
do tempo, resultados inferiores nos pacientes com idade > 50 anos, lesões
crônicas, tamanho > 2 cm2, bipolar e desalinhamento articular.
As perfurações ósseas idealizadas por Pridie em 1959 são realizadas com fios
de Kirchner de 2,0 mm, com cerca de 2 a 3 mm de profundidade e espaçados
entre 3 e 4 mm, de maneira que o osso subcondral seja penetrado.
As técnicas cirúrgicas secundárias baseiam-se no transplante ou na indução
à formação de cartilagem hialina nos locais de lesão. São representadas pelo
transplante osteocondral autólogo (mosaicoplastia), transplante ostecondral
homólogo, transplante de periósteo, transplante de pericôndrio, cultura de
condrócitos, engenharia de tecidos e a terapia genética.
Transplante osteocondral autólogo
O transplante osteocondral autólogo baseia-se no transplante de múltiplos
fragmentos osteocondrais autólogos ou homólogos de pequeno tamanho,
com um formato cilíndrico, fixados por compressão contra as paredes da área
receptora. Em ambos os casos, tanto a cartilagem articular hialina (colágeno
tipo II), quanto o osso subcondral são extraídos conjuntamente da área doadora. Os enxertos são transplantados para o defeito previamente preparado
por meio de instrumental específico e as técnicas podem ser realizadas por
via aberta ou artroscópica, dependendo do tamanho, localização da lesão e
preferência do cirurgião.
As indicações ideais dos transplantes osteocondrais autólogos são: lesões
focais isoladas de tamanho < 2-3 cm2 (< 4 a 5 enxertos), localizadas nos côndilos, tróclea, patela e platô tibial, osteocondrite dissecante (OCD), extremidade
alinhada e nos indivíduos com idade inferior a 50 anos.
As regiões doadoras do “plugue osteocondral” apresentam algumas particularidades: 1. todas as localizações demonstram algum contato, o que de fato
gera alguma morbidade para a zona doadora, 2. a espessura da cartilagem e
a curvatura variam conforme a zona doadora e receptora, 3. a acurácia e precisão no cálculo, remoção do plugue e enxertia comprometem a vitalidade do
enxerto, 4. a técnica de inserção deve ser perpendicular à superfície receptora,
5. os enxertos são maiores do que a área receptora.
Os diâmetros ideais dos “plugues osteocondrais” são: 6 a 8 mm de diâme-
26
As lesões da cartilagem articular
Figura 7. Técnica de transplante osteocondral
autólogo (mosaicoplastia). Fragmento
osteocondral.
tro e 15 a 20 mm de comprimento
(fig. 7). As zonas doadoras de enxerto
são descritas abaixo conforme seus
autores:
• Tróclea súpero-medial (Staubli,
Garretson)
• Tróclea medial distal (Ahmad)
• Tróclea súpero-lateral melhor do
que o da zona intercondilar
• Intercôndilo para lesões da tróclea
central (Ahmad)
Implante autólogo de condrócitos
A técnica de implante autólogo de condrócitos (IAC) foi primeiramente descrita em 1984 por Peterson e colaboradores em modelos animais. A técnica se
baseia em dois procedimentos cirúrgicos (artrotomias), sendo a primeira para
a coleta de células viáveis, seguida de tempo de cultura e nova cirurgia para
implante do produto final (condrócitos) no local da lesão.
A técnica original se baseia na coleta da fragmentos de cartilagem viável,
os condrócitos são enzimaticamente isolados sob condições assépticas e
cultivados em meio de cultura especial no laboratório. As células crescem in
vitro sob condições ideais, para criar milhões de condrócitos ativos. Após 2 a
3 semanas, a articulação é aberta e o defeito condral coberto com lâmina de
periósteo da superfície da tíbia.
As indicações ideais são: pacientes ativos, lesões focais de 2 a 8 cm, ausência de osteoartrite e geralmente casos refratários a tratamentos cirúrgicos
anteriores.
Knutsen e colaboradores constataram, ao realizar estudo randomizado
comparando o IAC e microfratura, não haver correlação entre a histologia e
a evolução clínica de ambos os grupos aos 2 anos de seguimento após a
cirurgia. Após 5 anos, os mesmos grupos apresentaram uma taxa de sucesso
comparável de 77%.
Saris e colaboradores realizaram estudo randomizado comparando o IAC
com a microfratura e observaram melhores resultados no grupo de defeitos
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
27
condrais tratados com condrócitos autólogos, revelando melhor estrutura de
reparo registrada por histomorfometria e avaliação histológica geral. Ambos os
grupos apresentaram escores comparáveis, embora o tecido regenerado tenha
sido superior no IAC.
Os “scaffolds” são matrizes biocompatíveis, estruturalmente e biomecanicamente estáveis, que devem suportar cargas compatíveis com a viabilidade e o
crescimento celular no seu interior, além de fornecer moléculas bioativas capazes
de promover a ligação celular em sua estrutura. Devem ser biodegradáveis e
promover um suporte temporário às células (fig. 8).
As matrizes podem ser divididas em biomateriais naturais (colágeno, alginato, cola de fibrina, hialuronato, agarose, chitosan) e biomateriais sintéticos
(ácido poliglicólico (PGA), ácido polilático (PLA) e polidioxanona). Entretanto, a
utilização clínica destes materiais tem sido limitada, devido ao risco inerente de
transmissão de doenças e reação imunológica.
A técnica de MACI compreende um sistema de engenharia de tecidos, onde
o princípio do implante autólogo de células é preservado, além de desenvolver
uma matriz de dupla camada de colágeno tipo I-III. Células são removidas do
paciente e processadas in vitro e uma vez desenvolvidos, os condrócitos são
semeados entre as camadas de colágeno na sala de cirurgia, antes do implante
ser realizado. A membrana de MACI pode ser diretamente colocada sobre o
defeito e fixada com cola de fibrina.
Alguns estudos in vitro e in vivo têm demonstrado que as matrizes tridimensionais com multicamadas são
um excelente meio para a adesão
celular e a manutenção do fenótipo
dos condrócitos.
Magnussen e colaboradores realizaram revisão sistemática de estudos
com níveis de evidência I e II para
responder questões clínicas referentes às evoluções pós-operatórias do
implante autólogo de condrócitos,
Figura 8. Matriz para implante autólogo de
condrócitos.
transplante osteocondral autóloNakamura (2007).
go, MACI (implante autólogo de
28
As lesões da cartilagem articular
condrócitos assistido por matriz) e microfratura. O seguimento mínimo foi de
1 ano (média de 1,7 anos) e nenhuma das técnicas apresentou resultados
consistentemente melhores quando comparadas entre si. Todos os estudos
registraram melhora nos critérios clínicos, quando comparados aos resultados
pré-operatórios, embora grupos controle (não-cirúrgicos) não tenham sido
utilizados em muitos dos estudos.
Estudos recentes sobre o IAC revelam uma viabilidade de mais de 11 anos,
evidenciando o potencial da terapia celular na regeneração da cartilagem hialina. Várias modificações diferentes da técnica original estão sendo testadas,
focando-se especialmente as técnicas cirúrgicas minimamente invasivas e a
combinação dos IAC com matrizes tridimensionais (MACI), fatores de crescimento e engenharia genética.
Engenharia genética
A habilidade das células-tronco mesenquimais de se diferenciarem em
condrócitos (in vitro e in vivo) e de se expandirem nos meios de cultura sem
perderem a pluripotencialidade tem feito delas candidatos atrativos para o reparo
da cartilagem articular baseado em células.
Estudos recentes registraram que a hipóxia estimula a diferenciação condrogênica das células-tronco mesenquimais, quando comparadas às culturas
de controle nos ambientes com elevadas tensões de oxigênio.
A combinação dos fatores de crescimento com a engenharia genética parece
ser o método mais promissor no futuro do tratamento das lesões de cartilagem.
Alguns conceitos importantes no tratamento cirúrgico das lesões de cartilagem não devem ser esquecidos:
• Nem toda patologia da cartilagem causará sintomas significantes
• Estabelecer correlação entre a lesão e os sintomas é de fundamental
importância
• Pacientes jovens apresentam melhores evoluções
• Conheça os objetivos do paciente, sua realidade e comportamento
• Opte por procedimentos de custo acessível, único estágio e minimamente
invasivos
• O estado do osso subcondral tem importância fundamental no tratamento
das lesões de cartilagem
ATUALIZAÇÃO EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DO ESPORTE
29
• O alinhamento articular é fundamental: “A biomecânica inadequada destrói
a biologia adequada”
• Defeitos focais traumáticos decorrentes da osteocondrite dissecante
diferem das lesões da osteoartrite, são patologias diferentes
• O tratamento de lesões grandes e complexas requer uma abordagem
mais ampla e experiente
• Procedimentos coadjuvantes são críticos para o sucesso do tratamento
• A osteoartrite promove uma dor difusa, decorrente de uma doença
articular. As técnicas de microfraturas, transplantes osteocondrais e
implante autólogo de condrócitos são bem indicadas nos pacientes sem
osteoartrite
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fevereiro 2010
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