Pensar Acadêmico – Ano 4
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Pensar Acadêmico – Ano 4
1 2 PENSAR ACADÊMICO ISSN 1808-6136 Publicação semestral da FACIG – Faculdade de Ciências Gerencias de Manhuaçu/MG Editor: Érica Dutra Albuquerque Hellen Cristine Prata de Oliveira Lívia Paula de Almeida Lamas Conselho Editorial: Aloísio Teixeira Garcia Rita de Cássia Martins de Oliveira Ventura Thales Reis Hannas Periodicidade: Semestral Indexação: Lantidex e Sumários.org Diretoria da FACIG: Presidente: Aloísio Teixeira Garcia Diretor Administrativo: Thales Reis Hannas Endereço para Correspondência, Informações e Envio de Trabalhos: Pensar Acadêmico Facig – Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu Av. Getúlio Vargas, 733 - Coqueiro Cep: 36900-000 Manhuaçu, MG, Brasil Fone: 33-3331 7000 Fax: 33-3331 7171 Email: [email protected] Site: www.facig.edu.br Twitter.com/facig Blog: www.facig.wordpress.com “O periódico Pensar Acadêmico não se responsabiliza, nem de forma individual, nem de forma solidária, pelas opiniões, idéias e conceitos emitidos nos artigos, por serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es)”. 3 4 Publicação Semestral da FACIG Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu Ano 4 Número 1 1º Semestre 2012 5 6 PENSAR ACADÊMICO ISSN 1808-6136 Revista de Ciências Gerencias da FACIG Ano 4 Número 1 1º Semestre 2012 Artigos p. 08 - Considerações sobre direito, liberdade e Estado em Kant, Tocqueville e Stuart Mill Germano Moreira Campos p.13 - Apontamentos sobre a educação de imigrantes no Brasil Amanda Dutra Hot p. 20 - Avaliação dos impactos ambientais no aterro sanitário de Manhuaçu Juliana Regina Coelho Cabral Patrícia da Mata Huebra Vitor Vargas Lázaro Adão Lívia Paula de Almeida Lamas Érica Dutra Albuquerque p. 39 - Serviço social inserido na política social sobre a ótica marxista Ruteléia Cândida de Souza Silva Daniele Alves Segal Ivani de Andrade Janaína de Oliveira Silva Jéssica da Silva afonso Leslie Morais Lornídia de Souza Abreu Sara de Assis Miranda Verônica da Mata Huebra p. 54 - Tradução de títulos de filmes do inglês para o português: questões de língua e mercado Lívia Paula de Almeida Lamas p. 60 - Fusões e aquisições: efeitos que podem ser trazidos por essa metodologia estratégica Reginaldo Adriano de Souza p. 69 - As alternativas penais em espaços sócio-culturais Tânia Maria Silveira p. 81 - Religião, gênero e poder Noêmia de Fátima Silva Lopes Maria de Fátima Lopes 7 Campos (2012). 8 CONSIDERAÇÕES SOBRE DIREITO, LIBERDADE E ESTADO EM KANT, TOCQUEVILLE E STUART MILL Área temática: Ciências Humanas/História Germano Moreira Campos1 1 Mestre em História pela UFOP e professor no curso de História na Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). RESUMO O presente artigo se dedica a desenvolver uma síntese do pensamento político-filosófico de Immanuel Kant, e, ainda, fazer uma certa aproximação com os ideais de Aléxis de Tocqueville e John Stuart-Mill, de acordo com assuntos específicos. Kant, filósofo alemão do século XVIII, desenvolveu seu pensamento baseado, fundamentalmente, na razão e na concepção de liberdade que ela lega ao homem. A natureza tem importante função na elevação do indivíduo; e o Estado, na visão kantiana, exerce e sofre ação dos homens entendidos enquanto sociedade. As noções de liberdade, Estado, direito e mesmo a idéia de cidadão (indivíduo) têm semelhanças e distanciamentos que se tornam evidentes quando comparados aos pensamentos desses três legítimos “analistas” das situações e das instituições de seu tempo. Houve uma certa dificuldade para chegar a tais considerações, pois a contradição é marca presente – internamente – nesses pensadores, embora Tocqueville chegue a ser, dentre todos, o mais claro nas suas definições, embora seja bastante pessimista quanto à sua análise. Palavras-chaves: Direito; Estado; Indivíduo. ABSTRACT This article is dedicated to developing a synthesis of political and philosophical thought of Immanuel Kant, and also to a certain approximation to the ideals of Alexis de Tocqueville and John Stuart Mill, in accordance with specific issues. Kant, German philosopher of the eighteenth century, developed his thinking based fundamentally on reason and conception of freedom that she bequeaths to man. Nature plays an important role in the elevation of the individual, and the state, in the Kantian view, exercises and action of men suffer understood as a society. The notions of freedom, rule, law, and even the idea of citizen (individual) have similarities and differences that become evident when compared to the thoughts of these three legitimate "analysts" of situations and institutions of his time. There was some difficulty in arriving at such considerations as the contradiction is this brand - internally - these thinkers, though Tocqueville comes to be, of all the more clear in its definitions, although it is quite pessimistic about their analysis. Keywords: Law, State, Guy. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012. Campos (2012). A FILOSOFIA RACIONAL E POLÍTICA DE KANT Immanuel Kant ganhou destaque, principalmente, através do texto-panfleto Resposta à Pergunta: Que é “Esclarecimento”?; em que lançou explicações a respeito do que viria a ser o termo esclarecimento ou Iluminismo (Aufklarung) na sua visão. Kant destaca muito o “uso público da razão” como sendo o grande responsável para que o homem abandone a situação de menoridade e atinja grau de maioridade (KANT, 1974, p. 100). O estado de menoridade é tido como injusto, e a natureza – a oposição por ela gerada – faz com que o desenvolvimento do homem se torne uma necessidade; um “imperativo categórico”. O indivíduo agiria sempre visando a um fim – “teleologia” – para atingir os objetivos por ele almejados. Para Kant é possível que todos os cidadãos se esclareçam usando a razão (através de publicações que possam atingir as massas a ponto de norteá-las), especialmente em conjunto; mas ele também diz que esse processo é difícil e lento, o que explica a pouca quantidade de homens esclarecidos existentes no mundo de sua época. Voltando à razão, esta pode chegar a atuar como uma espécie de “Deus” em Kant; ela guia os indivíduos rumo a um futuro que tende a ser bom, se este homem for esclarecido – se ele não precisar de um tutor que o norteie, como ocorre na menoridade. Acontece o que se chama de “democratização do debate”, e a ética tende a aumentar juntamente com a aplicação da razão. No tocante à política, Kant lança previsões e fala da necessidade de uma “Constituição civil que administre Universalmente o direito” (KANT, 1986); deixando os países numa situação de igualdade de condições. Isto seria quase que uma determinação, e quando esta condição fosse atingida, a natureza diminuiria seu ferrenho jogo de oposições lançadas sobre os homens, as guerras diminuiriam – pois, segundo Kant, acabar por completo não seria bom, porque deixaria o homem acomodado –,e o mundo se aproximaria daquilo que Kant chamava de “paz perpétua”, um empecilho ao pleno desenvolvimento dos homens e dos Estados. O caráter absolutista de Kant é mostrado quando prega a necessidade imprescindível do Estado para controlar as liberdades, e possibilitando-as a um “número mais amplo de pessoas”. Os conceitos de liberdade e segurança meio que se misturam nesse filósofo, diferente daquilo que observa em pensadores como Hobbes – que defende a troca da liberdade do estado de natureza pela segurança do Estado civil – e Rousseau – defensor do “bom selvagem”1. A NOÇÃO DE LIBERDADE E SUAS CONSIDERAÇÕES: INDIVÍDUO E SOCIEDADE A noção de liberdade é uma das mais importantes e também das mais contraditórias quando se analisa os três pensadores que são alvo deste trabalho. Para Kant, este é o bem mais importante que o homem pode ter. Através da liberdade kantiana, cada cidadão deve atuar como um legislador dentro da sociedade – Estado – pensamento compartilhado com Tocqueville. “Ninguém me obriga a ser da maneira dos outros” (KANT, 1974, p. 56), esta frase representa bem a visão de Kant. Nele, a questão da liberdade vem a ser tão forte que chega a afirmar que nem mesmo o Estado pode evitar que o homem atue livremente. Mas as controvérsias em Kant se dão mais fortemente também no tocante à 1 Para maiores informações, conferir as obras de Hobbes e Rousseau, com destaque para O Leviatã, do primeiro, e O Contrato Social, deste. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012. , 9 10 Campos (2012). liberdade. Até que ponto a determinação da natureza nos dá liberdade? Dá para se ir além do imperativo categórico e da eleologia? São questões que se levantam. Já Stuart-Mill chega a ser tão categórico nessa questão da liberdade, que chega mesmo a enumerar as condições para que ela exista: “1) de quantas portas estão abertas ao público; 2) da facilidade ou dificuldade de se atingir os objetivos; 3) de até que ponto elas são abertas ou fechadas por atos humanos deliberados” (BERLIM, 1979, p. 162). Enquanto Kant vê a liberdade mais no plano individual, Mill e Tocqueville pensam esta questão relacionada à igualdade entre as pessoas. A liberdade em Kant, em geral é vista com bons olhos, ao passo que Mill fala da existência de duas noções de liberdade: uma positiva (quando o indivíduo se torna um gestor de si mesmo) e outra negativa (excessiva, onde um cidadão acaba limitando o outro). Para Mill só era considerada humana aquela sociedade onde a liberdade fosse totalmente respeitada. Tocqueville, algumas vezes, chega a afirmar que a liberdade individual excessiva é ruim para uma nação; e ele toma como base a situação da Europa, haja vista a falta de mobilização popular como sendo trágica para os países. Ainda em Tocqueville, a liberdade era reconhecida como sendo a ausência de arbitrariedade; onde esta seria o motor de muitas revoluções, o que este autor se põe contra, por considerar que elas só fazem aumentar a opressão do Estado. Kant fala que a razão – que vai gerar a liberdade – é comum a todo ser humano; e Stuart-Mill infere que é a liberdade o diferencial entre homens e animais. Mas apenas em Kant a situação de liberdade é tida como totalmente positiva, pois Tocqueville e Mill consideram que chega um ponto em que ela desagrega a sociedade – através do individualismo excessivo -, prejudicando a mobilização do povo. Enquanto a liberdade kantiana é mais individual, Tocqueville privilegia ao todo; o grupo. Como foi referido, o termo liberdade individual em Kant, vale considerar a concepção que ele tinha de cidadão, onde se pode evidenciar uma face do conservadorismo kantiano: só era considerado realmente como cidadão aquele que tivesse “liberdade, igualdade e independência” (BOBBIO, 2000, p. 137). Os dois primeiros são comuns à maioria das pessoas, mas este último diz respeito a bens, recursos, possessões – o que excluía a maioria dos ditos “cidadãos”: poucos, para Kant eram reconhecidos como reais cidadãos. E isto representa uma oposição com Tocqueville, que tem na igualdade entre as pessoas a base de sua análise; Ele fala da existência de cidadãos ativos (que promovem ações no meio) e passivos (que são influenciados pelos outros). Tocqueville apresenta também os diferentes tipos de ação social2: 1- Ação social racional com respeito a fins: uma ação puramente racional, “de mercado”; 2- Ação social racional com respeito a valores: presença da moral; 3- Ação social tradicional 4- Ação social afetiva. AS CONSIDERAÇÕES ESTADO SOBRE Na filosofia kantiana, o que também pode ser encontrado nos outros dois pensadores, o Estado é tido como essencial para manter, através de suas instituições, a liberdade e os direitos de um povo. O que vai os diferenciar serão as formas de como este Estado é visto. A visão de Kant – guardadas as devidas proporções – assemelha-se à de Hobbes, onde o Estado limita a liberdade ampla que se tinha no estado de natureza para manter a ordem; e alguma liberdade ainda é garantida ao povo. Uma ordem artificial é imposta, onde o governo atua, 2 Algo muito semelhante também poderáser observado em Max Weber algum tempo depois. Conferir em WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Ed. da UnB, 1999 (vol. 2). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012. , O Campos (2012). por meio de leis, para se impor. É um dever jurídico do Estado, possibilitar aos cidadãos a felicidade. A forma de governo preferida de Kant é o sistema republicano, onde o poder legislativo é muito atuante. O governador do povo – o rei – não é perfeito, pois também é um homem e, logo, pode cair no erro. Mill já definiria que “há poderes que são muito pesados para a mão humana” (BERLIM, 1979, p. 157). É interessante notar que Tocqueville, Kant e nem mesmo Mill têm a revolução como sendo a melhor solução contra um poder que está se mostrando maléfico para seu povo. Um ponto onde as considerações dos três seguem o mesmo caminho é no tocante à visão que têm de um Estado paternalista; visto como sendo um mal, pois limita, ou mesmo impede, que seus cidadãos cresçam. Seria uma situação de covardia a ser imposta à população. Tocqueville discorre principalmente sobre a situação dos países da Europa (caótica) frente ao caso especial dos Estados Unidos (TOCQUEVILLE, 1969, p. 135). Há um temor quanto à situação da primeira e um engrandecimento deste último – através da forma pela qual o Estado foi montado a partir dos seus cidadãos. Tocqueville tem a justiça como sendo a melhor forma de se analisar a situação de um país. A queda de muitos governos, a seu ver, estaria no fato de que os governantes se tornariam injustos de exercer o poder que têm em mãos. A democracia é a forma preferida de Tocqueville para um governo; o que difere, como já vimos, de Kant, que, embora queira uma república, não almeja a democracia. Kant é menos realista quanto à situação em que as coisas se encontram do que Mill e Tocqueville. Neste, “A igualdade constitui a lei social” (ARON, 1985, p. 56). É muito importante ao estudo da sociedade para se compreender as questões políticas. É exaltada a necessidade de todos os países implantarem uma Constituição Federativa: “O maior mérito das leis americanas” (TOCQUEVILLE, 1969, p. 122). É meio que uma aproximação à idéia de “Constituição Civil que Administre Universalmente o Direito”, sugerida por Kant. Mas enquanto este valoriza a existência e a 11 aplicação das leis, Tocqueville exalta o perigo que um fortalecimento do legislativo pode acarretar: a morte das democracias. A importância que Kant dava à razão é aplicada, por Tocqueville, ao ideal religioso, para que os costumes sejam definidos – coisa muito importante em sua análise. O espírito de religião vem unido ao espírito de liberdade. A consolidação de um Estado marca, fundamentalmente, a saída do estado de natureza; mas Tocqueville se mostra bastante preocupado com a situação em que a Europa estaria se encontrando – principalmente a França. Ele chega a falar sobre certa regressão desses países ao primitivo estado de natureza que a individualidade excessiva veio a causar – visão pessimista. Para Tocqueville, a liberdade existente hoje – progresso espiritual e principalmente material – é menor que a de tempos anteriores. A ambição e a necessidade das pessoas de ter algo levou a essa situação crítica de competição individual na Europa, enquanto outras sociedades – a norte-americana – estariam se desenvolvendo através da cooperação (mobilização). A ÉTICA E SUAS APLICAÇÕES Stuart-Mill compartilha com Kant a idéia de que o indivíduo não evolui no tempo; o que realmente se amplia é a cultura, a erudição. É da razão a grande responsabilidade de fazer com que o homem evolua até o seu limite. É interessante, ainda, que Kant chegou a afirmar que se deve crer em algo, para isso ele próprio considerou que teve de limitar sua razão, para que fosse aberto espaço para considerações religiosas. Como tudo em Kant, sua ética é totalmente impregnada pelo espírito da razão. De acordo com ele, o “bem da humanidade” norteia a escolha do que é “bom”, em detrimento do que seria tido como sendo “mau” para o futuro da humanidade. Logo, se o indivíduo exerce Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012. , Campos (2012). 12 uma ação, é porque é legítimo que ele a faça. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A ética aumentaria e iria se consolidar de vez quando fosse atingida uma situação em que os indivíduos se respeitassem mutuamente. Para isso, seria necessário que o estado de natureza (injusto) fosse abandonado e a Constituição civil se instalasse. A base desse sistema – que visa valores universais – é que cada indivíduo respeite as liberdades do outro; o que gera a idéia de que “é legítimo o que é justo” (pensamento utilitarista). Mill (2001) se relaciona a esta concepção quando afirma que “justo é o que é útil”; onde a liberdade “negativa” pode ser vista como antiética. O Estado é visto como um corpo, além de coletivo, moral. Segundo Mill, esta ação moral do Estado se justificaria pela autoproteção que ele deve fazer para evitar qualquer agressão ou dano que algo fosse lhe causar, e, conseqüentemente, à sua população. Tocqueville exalta a importância da ética religiosa na formação dos Estados Unidos. Kant e Mill não consideram a existência de uma verdade absoluta; e aquilo que for descartado como sendo uma mentira, poderá levar consigo uma parcela de verdade. A coisa mais antiética que poderia existir seria um governo autoritário, segundo Mill e Tocqueville. ARON, Raimmond. Estudos políticos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília 1985. BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre a liberdade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1979. BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emmanuel Kant. São Paulo: Mandarim, 2000. HOBBES, Thomas. Leviatã São Paulo. Abril Cultural, 1988. KANT, Emmanuel. Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”? In: Textos Seletos. Petrópolis: Editora Vozes, 1974. KANT, Emmanuel. Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. ROUSSEAU, J. J. O Contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2001. CONCLUSÃO STUART-MILL, J. Sobre a liberdade. Petrópolis: Vozes, 1991. Através do que foi apresentado, pode-se observar o posicionamento desses três grandes homens, no campo dos conceitos políticos e no tocante aos direitos – em termos gerais – do povo. Como foi dito na introdução deste trabalho, não é fácil descrever a filosofia dos autores considerados; pois eles apresentam, como no caso de Kant, contradições internas e, principalmente, quando se toma um em relação ao outro. Ao mesmo tempo em que aparentam ser facilmente compreensíveis, lançam na mente de seus leitores as mais complicadas teorias político-sociais. Espero ter relacionado corretamente o pensamento desses excelentes autores, o que foi o objetivo maior deste trabalho. TOCQUEVILLE, Aléxis de. Democracia na América. São Paulo: Editora Nacional, 1969. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Ed. daUnB, 1999 (vol. 2). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 08-12, Janeiro - Junho, 2012. , Hot (2012). 13 APONTAMENTOS SOBRE A EDUCAÇÃO DE IMIGRANTES NO BRASIL Área Temática: Ciências Humanas/História Amanda Dutra Hot1 1 Mestre em História pela UFOP e professora da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). RESUMO A educação de imigrantes no Brasil, especificamente no final do século XIX e início do século XX, passou por um processo de transformação ligado à política brasileira e à conjuntura da situação internacional. Se num primeiro momento, a chegada dos imigrantes fez surgirem escolas situadas em suas vilas, onde a educação priorizava a manutenção de suas tradições européias; podemos observar, posteriormente, uma reconfiguração dessa atividade frente às transformações que as épocas exigiam. Neste sentido, buscaremos apresentar como se iniciou o processo de educação de imigrantes no Brasil, através das medidas governamentais e de ações oriundas a partir das próprias comunidades estrangeiras. Torna-se interessante ressaltarmos as deficiências e as dificuldades inerentes a essa ação historicamente construída a partir do Brasil monárquico. Palavras-chaves: Educação; Imigrantes; Política ABSTRACT The education of immigrants in Brazil, specifically in the late nineteenth and early twentieth century, has undergone a transformation process on the Brazilian political situation and the international situation. If at first, the arrival of immigrants gave rise to schools in their villages, where education prioritized maintaining its European traditions, we can see later, a reconfiguration of this activity face the transformations that the times demanded. In this sense, try to present as began the process of educating immigrants in Brazil, through government measures and actions arising from the foreign communities themselves. It is interesting to emphasize the shortcomings and the difficulties inherent in this action historically constructed from Brazil monarchy. Keywords: Education; Immigrants; Policy Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012. , Hot (2012). CHEGADA DE IMIGRANTES NO BRASIL NOS SÉCULOS XIX E XX Com a proclamação da independência, em 1822, surge uma preocupação no interior do Estado brasileiro: se fazia urgente um planejamento de Estado, uma construção do sentimento de nação e da memória nacional. O processo pelo qual haviam passado os EUA, muitas vezes associado à grandes levas de imigrantes que lá chegaram, começou a ser visto como um exemplo a ser seguido por outros países. Esse processo talvez tenha sido o marco para o início das políticas incentivadoras à imigração no Brasil. Outros fatores também contribuíram para essa demanda de imigrantes, tais como a rápida expansão do povoamento que se daria a partir dos mesmos; o incentivo à pequena propriedade; a urbanização e crescimento das cidades; o incremento das atividades manufatureiras; a garantia de ocupação do espaço geográfico e, portanto, a diminuição de querelas de fronteiras no sul do Brasil; e, por fim, o que muitos historiadores denominaram de “branqueamento” do país (LOPES, 2003, p. 349). A política de imigração elaborada pelo governo brasileiro teve início em meados do século XIX, incentivando a vinda desses imigrantes e “financiando” todo ou boa parte do seu processo de chegada. Ao chegarem, alemães, italianos, japoneses, poloneses, eram instalados em propriedades privadas de fazendeiros, cafeicultoras em sua maioria. A partir de então o imigrante “teria” um pedaço de terra, onde trabalharia para si, além de trabalhar na fazenda do proprietário das terras. Mas, por hora, não é esse aspecto econômico que nos importa, mas o relativo às formas desenvolvidas por esses europeus para manterem grupos homogêneos e coesos, favorecendo a manutenção de sua cultura. A política brasileira priorizou, desde sempre, a imigração européia (branca), favorecendo, assim, a formação de colônias etnicamente homogêneas. Essas colônias foram fortemente marcadas por iniciativas visando à manutenção de sua cultura, como o idioma, a religião e a organização escolar. 14 Estas duas últimas, unidas, foram tão aplicadas que persistem nos dias atuais, como veremos em próximos tópicos. AS ESCOLAS EXEMPLOS ÉTNICAS E SEUS O que podemos identificar com o processo educacional entre imigrantes no Brasil era bastante diferenciado entre seus diversos grupos. Um levantamento da Secretaria da Agricultura de São Paulo, feita entre 1908 e 1932, registrou o índice de alfabetização dos imigrantes que entraram pelo porto de Santos. Onde o grau de alfabetização por grupo étnico foi o seguinte: .Imigrantes alemães: 91,1% .Imigrantes Japoneses: 89,9% .Imigrantes italianos: 71,3% .Imigrantes portugueses: 51,7% .Imigrantes espanhóis: 46,3% Mas esses dados referem-se somente aos imigrantes que entraram pelo porto de Santos e não podem ser tomados como representação completa de cada grupo étnico. Estudos indicam que mesmo entre os grupos, com maior tradição escolar havia variações consideráveis dependendo da região de proveniência. No período de maior entrada dos mesmos, na década de 1890, o Brasil tinha um sistema escolar altamente deficitário, com uma população de mais de 80% de analfabetos (GOMES, 2000). Esse quadro levou alguns grupos de imigrantes a pressionarem o Estado em favor de escolas púbicas. Outros, especialmente os que haviam se estabelecido em núcleos mais homogêneos, investiam em escolas étnicas. As escolas de imigrantes não tinha uma forma padrão, dependiam de cada região onde elas se encontravam, se estavam em zona rural ou em centros urbanos e também no Estado que se encontravam. As escolas dos imigrantes Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012. , 15 Hot (2012). podiam ser comunitárias, particulares e/ou pertencentes a uma congregação religiosa. A etnia com maior número de escolas de imigração no Brasil até 1939 foi a dos imigrantes alemães, com 1.579 escolas, seguindo-se a dos imigrantes italianos, com 396 escolas em 1913 (e 167 escolas na década de 30). Os imigrantes poloneses tiveram 349 escolas e os imigrantes japoneses 178 (GOMES, 2000). Entre outros grupos de imigrantes também houve algumas iniciativas de escolas étnicas, porém em pequeno número. Vejamos agora como funcionavam duas das principais escolas de imigrantes: ESCOLAS DE IMIGRAÇÃO ALEMÃ Os imigrantes alemães vieram de regiões com acentuada tradição escolar. Não encontrando escolas públicas na região de imigração, uniram-se para construção de escolas étnicas, manutenção do professor e produção de material didático. A estrutura física dos núcleos rurais favorecia a união de 80 ou mais famílias em torno de uma estrutura comunitária básica, na qual a escola vinha em primeira instância. Nos primeiros anos usavam cartilhas manuscritas e em 1832, oito anos após a chegada dos pioneiros, imprimiram o primeiro abecedário para suas escolas. Até 1875 o crescimento foi lento, havia no Rio Grande do Sul 99 escolas da imigração alemã, sendo 50 católicas e 49 evangélicas. Porém, a partir de então, o processo escolar começou a ser assumido mais diretamente pelas igrejas, respectivamente católica e evangélica, recebendo conotação confessional. Na passagem do século eram 308 escolas da imigração alemã no RS. A partir de 1900, o processo escolar dos imigrantes, predominantemente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, teve um grande surto de desenvolvimento. Além de ampla produção de material didático, foi criada toda uma estrutura de apoio para o processo escolar. Em nível confessional, católicos e luteranos tiveram sua associação de professores, seu jornal do professor, sua escola normal, suas reuniões locais e regionais de professores, cursos e semanas de estudo e amplo incentivo à produção de material didático. Em nível interconfessional e interestadual, professores teuto-brasileiros tiveram um fundo de pensão e aposentadoria, realizaram congressos e criaram a Associação Brasileira de Professores da Imigração Alemã. Em 1937, segundo o levantamento das Associações de professores (HACK, 1967), o número de escolas da imigração alemã no Brasil era 1.579, distribuindo-se da seguinte maneira pelos estados: Rio Grande do Sul – 1.041. Santa Catarina – 361. São Paulo – 61. Rio de Janeiro – 16. Espírito Santo – 67. Outros Estados – 33. As escolas de imigração alemã na região rural eram escolas comunitárias porque foram criadas e mantidas pelas comunidades teuto-brasileiras. Porém, na maior parte dos casos, eram consideradas também escolas confessionais. As estruturas de apoio eram animadas e supervisionadas pelas respectivas confissões religiosas. As igrejas, católica e evangélica, assumiam a questão escolar como seu principal ponto de apoio para a ação continuada e estruturada nos núcleos rurais. E, em contrapartida, para quem não se comprometesse com a escolarização dos filhos e a manutenção da escola e do professor, as sanções também eram religiosas. Esse projeto não seria aceito, não valeria de forma idêntica, no essencial, para mais de mil núcleos rurais se não houvesse um forte simbolismo, com ampla rede de associações criadas e dinamizadas numa perspectiva comum. Isto permitiu que nas décadas de 20 e 30, quando o índice nacional de analfabetismo ainda estava em torno de 80%, os núcleos de imigrantes alemães tivessem poucos analfabetos. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012. , Hot (2012). ESCOLA DA IMIGRAÇÃO ITALIANA Também podemos falar genericamente de escolas da imigração italiana. Há diferenciações motivadas pela região de proveniência dos imigrantes, pelo contexto socioeconômico regional no qual se inseriam (região urbana, trabalhador assalariado em fazenda de café ou pequeno proprietário de terra em localidades etnicamente homogêneas) e também pelas diferenciadas iniciativas dos estados em relação ao processo escolar, uma vez que na Primeira República o ensino primário era responsabilidade dos mesmos. O Ministério de Relações Exteriores do governo italiano, que dava subsídio a essas escolas, especialmente por meio de material didático. Dependendo da região de proveniência, os imigrantes italianos tinham maior ou menor vinculação com o processo escolar. Senso no Porto de Santos registra que 71,36% dos imigrantes italianos que entraram por este porto eram alfabetizados. Já o senso do porto de Alfredo Chaves (RS) de 1906 mostra um alto grau de analfabetos (HACK, 1967). Dos 22.707 habitantes, 16.110 eram analfabetos. A igreja era o centro para a organização cultural. Não estabeleciam vinculação direta entre igreja e escola. Interessavam-se relativamente pouco pela construção de escolas, atribuíam esta tarefa ao poder público e às congregações religiosas. O GOVERNO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS EM RELAÇÃO À EDUCAÇÃO DE IMIGRANTES Como já sabemos, o período em que houve um grande contingente de imigrantes para o Brasil, foi no final do século XIX e início do século XX. Neste mesmo momento, o país buscava delinear a construção de uma identidade nacional. Este conceito de identidade, como define Lúcia Lippi Oliveira “(...) é um processo de construção, na qual a identidade tem uma dimensão interna em que se acentuam os traços de similaridade e, ao mesmo tempo, uma dimensão externa, que define uma diferença em relação ao outro” (OLIVEIRA, 1990, p. 11). O conceito de nação 16 tem seu início no século XVIII, com a emergência na luta política e social dos povos europeus e que marcaram igualmente a história do Novo Mundo. A idéia de nação visa proporcionar sentimentos de identidade a uma população que vive ou que se originou em um mesmo território. A consciência nacional está intimamente interligada com o processo de construção do Estadonacional (OLIVEIRA, 1990, p. 11). Entretanto nem sempre a consciência precede a nação, qual fator vem antes ou depois depende de outros aspectos, como a própria formação do Estado. No caso dos Estados europeus o problema foi o de construir um Estado Nação no interior da nacionalidade, no caso da América Portuguesa e Espanhola seria construir uma nacionalidade dentro do Estado Nação. Neste sentido, verificamos que a imigração ocorreu no momento histórico internacional de ênfase na formação da nacionalidade. O nacionalismo desencadeava um movimento de afirmação de uma unidade simbólica, necessária pela modernização econômica. Desta forma, veremos como a questão da educação se inseria neste espaço dos objetivos que estavam sendo alcançados pela nação brasileira. De acordo com Lúcio Kreutz, A educação brasileira apoiava-se na expansão de um sistema escolar igualitário, com a função de difundir uma cultura uniforme. Inventara culturas amplamente desprovidas de toda base étinica, com a finalidade de unificar o imaginário das nações. KREUTZ, 2003, p. 351) A escola foi chamada a ter um papel central na configuração de uma identidade nacional, sendo ao mesmo tempo um elemento de incentivo à exclusão de processos identitários étnicos. Ou seja, a escola deveria se Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 4, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012. Hot (2012). ativada em perspectiva monocultural, tratando as diferenciações culturais como algo a ser superado.Desta forma, como as escolas étnicas conseguiram se enquadrar no sistema que o governo brasileiro delineava? As iniciativas dos imigrantes em relação ao processo escolar devem ser entendidas nessa perspectiva, isto é, vinculadas ao momento histórico da nacionalidade, cuja afirmação, rearticulação se dá em relação ao privilegiamento ou à negação de processos identitários étinicos. Logo, houve uma história de lutas pela determinação de suas metas e valores para que cada grupo étnico conseguisse criar um processo educacional capaz de realizar a formação dos alunos. Entretanto, a partir de 1930, numa tendência política crescentemente nacionalista, as escolas étnicas já começaram a sofre com certas restrições governamentais. O governo, em nível federal e estadual, após ter encorajado e depois tolerado a iniciativa dos imigrantes em relação ao processo escolar, realçando que mantinham com esforço próprio o que na verdade era dever do Estado, começou a interferir nas escolas étnicas. No período de 1938-1939, muitas destas escolas foram fechadas ou transformadas em escolas públicas por meio de uma seqüência de decretos de nacionalização. Apesar de alguns estados, como o Rio Grande do Sul que foi mais tolerante com as escolas de língua estrangeira, o governo brasileiro coibiu o uso de idiomas que não o português e fechou temporariamente a imprensa de grupos étnicos. Exatamente no final da década de 30 é que veríamos o final das escolas dos imigrantes, já que havia medidas que barravam o progresso deste tipo de educação. Em 1938, teve um decreto que ordenou que todo o material usado na escola elementar fosse em português, que todos os professores e diretores de escola fossem brasileiros natos, que nenhum livro de texto, revista ou jornal circulasse em língua estrangeira nos distritos rurais e que o currículo escolar tivesse instrução adequada em história e geografia do Brasil. Por fim, é interessante perceber que não foram somente as medidas restritivas do governo que levaram ao término das escolas 17 étnicas. Como corrobora Lúcio Krutz – neste período já estavam em curso umas séries de fatores que aos poucos provocaram a transformação do projeto escolar dos imigrantes. De acordo como o autor: “a estrutura escolar e comunitária começava a ceder a pressões internas e externas” (KREUTZ, 2003, p. 367). Internamente havia uma tendência crescente de pais e alunos que sentindo a necessidade de se habilitarem melhor no aprendizado do português e de terem melhores condições para os desafios da atividade profissional aderiram ao apelo da escola pública gratuita. O aspecto externo está relacionado com a quebra do isolamento anterior dos núcleos rurais que abriram caminho para as transformações socioeconômicas. Desta forma, as medidas de nacionalização compulsória do ensino apenas precipitaram em processo de transformação já em curso. ESCOLA AMERICANA: UMA NOVA PERSPECTIVA DO ENSINO ESTRANGEIRO NO BRASIL De acordo com o que estamos apresentando, o processo de educação de imigrantes sempre se mostrava dificultoso durante os primeiros tempos do nosso império. O monopólio religioso católico definido para o Estado brasileiro a partir da Constituição de 1824 fazia com que, em nosso país, se passasse um processo histórico diferente daquele que ocorria na Europa ou nos Estados Unidos, já movimentados pela Revolução Francesa ou pelo ecos da Revolução norteamericana. Dentre os diversos constrangimentos pelos quais passavam os estrangeiros protestantes que chegavam ao Brasil oficialmente católico, podemos observar: “Todos os que podem eleitores são hábeis para serem nomeados deputados. Excetuam-se {...} Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012. , 18 Hot (2012). III- Os que não professarem a religião do Estado.3 Diante das escolas do império, as famílias de imigrantes protestantes viam dificultados seu ingresso e permanência, além do que a conhecida inadequação e a grande defasagem desse ensino não condiziam com as transformações em curso no campo das ciências ao longo do século XIX. Frente a toda esta situação, uma solução encontrada pelos estrangeiros foi a busca da implantação das suas escolas particulares que, além de ensinarem os princípios religiosos protestantes, cuidavam ainda de aulas de inglês e também alemão; tudo sob a vigilância – ora presente, ora distante – dos órgãos imperiais. E estes temiam especialmente pelo espalhamento e cultos e práticas que ferissem suas determinações políticas ou as religiosas da Igreja Católica. Ao longo dos dois reinados no Brasil os imigrantes vão conquistando cada vez maior espaço e liberdade para exercer seu culto juntamente com a educação de seus filhos, uma vez que: “para eles era uma questão vital o cuidado da família e a orientação religiosa e vocacional” (HACK, 2003, p. 14). E ainda consistia como principal interesse dos recémchegados ao Brasil: depois de Ter providenciado alimento e abrigo, foram trabalhar para o estabelecimento do culto religioso e de escolas para seus filhos {...} à necessidade de instituições religiosas juntava-se ao de ter escolas apropriadas para seus filhos. (JONES, 1967, p. 123) Escolas protestantes começaram a surgir no Brasil a partir de 1820, através das chamadas escolas comunitárias. Estas tinham o objetivo de atender prioritariamente às famílias de imigrantes, com professores e pastores vindos de seus países de origem para atender às necessidades dessas comunidades. Através dessas escolas – concentradas nas vilas e 3 Dizeres presentes na Constituição Brasileira de 1824. Art. 95. Inc.III. povoações de imigrantes – o ensino consistia basicamente em formas de se preservar seus costumes, língua, tradições e princípios religiosos. Vale destacar que uma nova guinada no que diz respeito à educação de imigrantes protestantes, é dada a partir da Segunda metade do século XIX. Na década de 1870, com o incremento das missões presbiterianas norte-americanas, teriam início as chamadas Mission Schools, entidades que teriam a finalidade de atender não apenas aos filhos de imigrantes, protestantes ingleses e norteamericanos – que consistiam nos maiores contingentes - mas também a um público brasileiro que por razões quer politicoreligiosas, quer morais e intelectuais, não conseguiam se adequar aos traços romanizadores da educação brasileira. No decorrer da Segunda metade do oitocentos, seriam espalhadas Brasil afora mais de quarenta instituições particulares de ensino protestante; que se desenvolviam a partir das grandes lacunas deixadas pela educação imperial, como podemos perceber em uma lei estabelecida para o governo de São Paulo em 1869: seu artigo 8º autorizava a supressão de escolas públicas elementares que não atingissem a freqüência mínima de 20 alunos. Também suprimia uma delas na mesma cidade quando a soma dos alunos não atingia 50. Podemos perceber que as lacunas geradas pela ação governamental brasileira em relação à educação que se dispunha para sua população, os colégios de estrangeiro passaram a concorrer com a educação governamental. Nesse contexto, vale destacar a criação, em 1870, de um Colégio Americano em São Paulo, levado adiante pelo missionário George Chamberlain, que percebia a educação – acompanhada da religião – Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012. , Hot (2012). como um sociedade. processo transformador da 19 maior autonomia nos assuntos ligados à educação se fez presente, embora as dificuldades e as conquistas caminhassem juntas ao longo do tempo. A partir da década de 1930, o governo brasileiro se torna mais rigoroso e normatizador com as legislações coibitivas ligadas à educação de imigrantes. Como medidas do governo nacionalista proposto por Vargas, veríamos o fim da distribuição de livros didáticos em língua estrangeira, todos os professores e diretores de escolas públicas deveriam ser brasileiros natos e proibiam o ensino de língua estrangeira a menores de 14 anos. No âmbito privado, as entidades estrangeiras – vide o Colégio Mackenzie – vão conservar uma maior liberdade de organização. Esta instituição de ensino tornava o hoje conhecido Mackenzie College a partir de 1898, uma instituição educacional onde buscava-se sempre associar a educação teórica com a prática; sendo os alunos preparados para o trabalho e para a vida. Este sistema educacional em função dos colégios protestantes ganhará cada vez mais destaque a partir da proclamação da república brasileira, que culmina com a eliminação da prioridade política da Igreja Católica. Portanto, podemos pensar que as escolas presbiterianas, que começaram destinadas apenas aos filhos de imigrantes na sua comunidade local, se reconfiguraria em um centro de estudos também para brasileiros republicanos, abolicionistas e liberais, todos desgostosos dos rumos dados pelo império aos destinos da nação e da educação que se conferia à população. Com a evolução do Mackenzie College ganham destaque no Brasil os cursos ginasiais – que não eram priorizados pelo Estado – e também os cursos superiores – uma completa raridade no Brasil da época – nas áreas de Teologia, Filosofia e Normal Superior e também Engenharia e Comércio. Estes dois últimos ganham muito destaque nos inícios do século XX, onde especialmente o curso comercial, segundo Antônio M. Gomes (GOMES, 2000), teria participação decisiva na formação do empresariado paulista desse período; além de grandes nomes da política nacional, como Rui Barbosa e Prudente de Morais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOMES, Antônio Máspolí de Araújo. Religião, educação e progresso. São Paulo: Editora Mackenzie, 2000. HACK, Osvaldo Henrique. Raízes cristãs do Mackenzie e seu perfil confessional. São Paulo: Editora Mackenzie, 2003. JONES, Judith M. Soldado descansa: uma epopéia norte-americana sob os céus do Brasil. São Paulo: Jarde, 1967. KREUTZ, Lúcio. A educação de imigrantes no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes & VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. 3ª.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. CONCLUSÃO Dado o exposto, percebemos que as escolas étnicas foram uma forma que os imigrantes, que aqui chegaram, encontraram para manter grupos mais ou menos coesos, bem como sua tradição cultural. Verifica-se que no sul do Brasil, por exemplo, essas escolas étnicas tiveram uma maior liberdade de ação, devido à concentração dos mesmos nessa região, especialmente alemães e poloneses. Em resultado disso uma OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A Questão Nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 13-19, Janeiro - Junho, 2012. , Cabral et al. (2012). 20 AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NO ATERRO SANITÁRIO DE MANHUAÇU Área Temática: Multidisciplinar/Interdisciplinar Juliana Regina Coelho Cabral1,4; Patrícia da Mata Huebra1,4; Vitor Vargas1,4; Lázaro Adão1,4 Lívia Paula de Almeida Lamas2,4;Érica Dutra Albuquerque 3,4 1 Tecnólogos em Gestão Ambiental. Doutoranda em Direito Penal, Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado, Advogada, Licenciada em Letras, Professora e Coordenadora do Curso de Direito. 3 Doutora em Biotecnologia, Professora e Coordenadora do Curso de Gestão Ambiental. 4 Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). 2 Resumo O município de Manhuaçu é localizado em uma região produtora de café, com intenso comércio e possui um dos maiores índices do PIB do estado de Minas Gerais. No entanto, apesar do notável crescimento econômico, o município não possui políticas sustentáveis para a qualidade de vida de seus habitantes, como a disposição adequada dos seus resíduos sólidos. Assim, esse trabalho objetivou avaliar os impactos ambientais provocados pelo aterro sanitário de Manhuaçu e a disposição inadequada dos seus resíduos. Nos anos de 2011 e 2012 a pesquisa analisou o aterro sanitário desta cidade com o intuito de encontrar irregularidades na disposição final dos resíduos sólidos e verificar eventuais impactos no meio ambiente. Para a coleta de dados foi utilizada a pesquisa documental, juntamente com técnicas de observação. Foram encontradas várias irregularidades no aterro sanitário, causadas pelo descaso do gerenciamento por parte da administração pública. Observou-se que o local de disposição final dos resíduos sólidos de Manhuaçu possui características de aterro controlado e não de um aterro sanitário. O principal motivo está ligado à simplicidade estrutural do aterro controlado, entretanto, ele pode apresentar maior risco ao meio ambiente e à saúde humana e por isso deve ser monitorado. Conclui-se que o aterro sanitário de Manhuaçu está irregular e que a situação da disposição final dos resíduos sólidos causa degradações ao meio ambiente em que está inserido. Palavras-chaves: aterro sanitário, Manhuaçu, resíduos sólidos, meio ambiente Abstract The Manhuaçu city is localized in a place of intense yield of coffee and sales. This city has a major level of internal product inside of the Minas Gerais State. However, even with its notable economic growing, Manhuaçu has not sustainable politics in order to get a life quality for the population, how for example an adequate treatment of the solids residues created by city population. Thus, this work aimed to evaluate the environment impact caused by Manhuaçu’s landfill and an inadequate disposition of its residues. The analysis was performed using documental research together with observation techniques. Many irregularities were observed in the landfills, mainly due to miss management from the public administration of the city. The place where has been performed a final treatment of these solids residues has not landfill characteristics, the main motive is due to structural simplicity, which can be dangerous to the environment and to human health, therefore, it shall be monitored. Concluded that Manhuaçu's landfill is irregular and it can damage the environment, as well as the health of the population, due to the solids residues inadequately destined and treated. Key words: Landfill, Manhuaçu, solid residues, environment Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. , Cabral et al. (2012). INTRODUÇÃO Este trabalho irá abordar um assunto que é esquecido pela maioria da população: o tratamento dos resíduos sólidos, tendo como foco o aterro controlado da cidade de Manhuaçu – Minas Gerais. Manhuaçu corresponde a um dos municípios de maiores índices de Produto Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais, estando localizado em uma região produtora de café e com intenso comércio varejista. No entanto, apesar de seu notável crescimento econômico, o município é desprovido de políticas sustentáveis que visem à qualidade de vida de seus habitantes, dentre as quais se destaca a falta de disposição adequada dos resíduos sólidos que produz. Dessa forma, esse trabalho irá avaliar os impactos ambientais provocados pelo aterro sanitário de Manhuaçu – Minas Gerais, com o intuito de demonstrar que este, assim como a usina de triagem e compostagem que funcionam conjuntamente com ele, necessita de adequações para o cumprimento da lei e conseqüente preservação do meio ambiente. 2. DISPOSIÇÃO SÓLIDOS FINAL DOS RESÍDUOS O crescimento populacional, a intensa urbanização e às mudanças de consumo provocaram uma mudança no perfil do lixo do brasileiro. Assim, os resíduos sólidos podem ser caracterizados como os restos das atividades humanas, “coisas” indesejáveis, descartadas de forma inadequada pelo homem (RIBEIRO; MORELLI, 2009). Segundo Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada em 1989 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e editada em 1991(IPT/CEMPRE, 1995), grande parte dos brasileiros convivem com o lixo que produz, afinal são 241.614 toneladas de lixo produzidas diariamente no país, sendo que 76% de todo 21 esse lixo fica exposto a ‘céu aberto’ e apenas 24% recebe tratamento adequado. De acordo com Mano, Pacheco e Bonelli (2005) atualmente os locais existentes para o acondicionamento dos resíduos sólidos são: Vazadouro (lixão): consiste em despejar o lixo em terrenos a céu aberto, sem medidas de proteção ao meio ambiente e à saúde pública, o que pode provocar a degradação indiscriminada da natureza e causar a proliferação de vetores de doenças (moscas, mosquitos, baratas, ratos, etc.), gerar maus odores e principalmente a poluição dos solos e das águas superficiais e subterrâneas pelo chorume. Aterro controlado: geralmente tem origem em um lixão, que vem se adequando para minimizar os seus impactos, utilizando princípios de engenharia para o acondicionamento dos resíduos, porém não atende a todos os requisitos como impermeabilização de base, o que pode comprometer a qualidade das águas subterrâneas, pois não trata o chorume e os gases gerados. Aterro sanitário: atende todos os requisitos para o confinamento dos resíduos em camadas cobertas de material inerte (solo), segundo normas operacionais específicas, de maneira a minimizar os danos ou riscos á saúde pública e a segurança. Tendo em vista que muitos desses meios são nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, o Congresso Nacional decretou, no dia 2 de agosto de 2010, a lei de nº. 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essa lei, que foi Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). aguardada por mais de duas décadas, traz importantes inovações, tais como a obrigatoriedade dos municípios elaborarem planos que abrangerão todos os seus resíduos sólidos, bem como estende a responsabilidade aos consumidores e, em especial, para os fabricantes e comerciantes (RIBEIRO, 2010). 2. MONITORAMENTO DA DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS A saúde pública de pequenas e grandes cidades está diretamente ligada ao controle e disposição adequados dos resíduos sólidos. No Brasil e no mundo o método de aterrar os resíduos é o mais utilizado e aceito, pois é seguro e adequado, desde que obedeça às boas técnicas de engenharia, dentre as quais o monitoramento dos impactos ambientais (GARIGLIO; MELO, 2003). O desenvolvimento de novas tecnologias para a melhor disposição dos resíduos sólidos é necessário para facilitar o monitoramento desses locais, diminuindo possíveis problemas ambientais. Nesse sentido, pesquisas sobre o tamanho do aterro e algumas características do local que podem sofrer impactos (solo e condições hidrológicas do local), devem servir de modelo de monitoramento (GARIGLIO; MELO, 2003). Um dos primeiros procedimentos de monitoramento ambiental da disposição de resíduos sólidos é a realização de medições e observações do local relacionadas com indicadores e parâmetros escolhidos. Na seqüência, os resultados são analisados a fim de encontrar impactos ambientais causados pela disposição dos resíduos no ambiente (BITAR; ORTEGA, 1998). Além da análise dos resultados, o monitoramento ambiental qualifica e quantifica as condições dos recursos naturais disponíveis e a sua durabilidade em longo prazo (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa). Para a escolha correta de qual plano de monitoramento seguir, Gariglio e Melo (2003) 22 indicam que se deve classificar e caracterizar o aterro, nas seguintes condições: 1. Porte do Aterro, que pode ser Distrital, Pequeno e Grande; 2. Balanço hídrico: positivo (gerador de efluentes líquidos significativos) ou negativo (não gerador de efluentes líquidos significativos); chamados de aterros saturados e aterros não saturados, respectivamente; 3. Impermeabilização: o grau de contaminação ambiental está relacionado ao tipo de revestimento escolhido para a impermeabilização do solo. Dependendo do tipo de impermeabilização deverão ser elaborados planos de monitoramento diferentes, quais sejam: aterros com revestimento simples (feito de materiais argilosos) ou aterros com revestimento composto (feito de materiais argilosos juntamente com camadas de geomembranas sintéticas); 4. Características Hidrogeologias: é necessário um estudo hidrogeologico do subsolo do local do aterro, para se evitar danos a lençóis freáticos ou aqüíferos lá existentes, como acontece na maioria dos Aterros localizados em grandes áreas. Após a implantação do aterro sanitário, o primeiro passo é a definição de parâmetros para a coleta dos dados e avaliações presentes e futuras. Se o aterro já estiver em funcionamento e não houver registros das avaliações iniciais do local, deve-se como referência coletar amostras do montante para o monitoramento ambiental (GARIGLIO; MELO, 2003). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). É de suma importância o registro dos resultados para que o acompanhamento da situação seja realizado pela empresa responsável e para o Poder Publico, a fim de auxiliar auditorias públicas que venham ser realizadas (MACHADO, 1995). Esses resultados deverão ser comparados com os realizados anteriormente, como forma de potencializar a qualidade do monitoramento do local (GARIGLIO; MELO, 2003). No entanto, é imperioso ressaltar que, de acordo com Gariglio e Melo (2003), a maioria dos locais planejados para serem aterros sanitários hoje se encontram funcionando como aterro controlado. Estes, devido a sua simplicidade estrutural, podem apresentar maiores riscos ao meio ambiente e por esse motivo devem ser monitorados frequentemente. 2.3 IMPACTOS E POLUIÇÕES AMBIENTAIS CAUSADOS PELA EXPOSIÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO MEIO AMBIENTE. A falta de critérios ambientais para o depósito de resíduos sólidos no meio ambiente tem provocado, ao longo do tempo, inúmeros problemas de contaminação de solos e recursos hídricos (SISSINO, 1996). Para Kohn et al, (2007, p. 07): [...] “A disposição inadequada dos resíduos sólidos promove a contaminação do solo, do ar e das águas superficiais e subterrâneas, além da proliferação de vetores de doenças, influenciando negativamente a qualidade ambiental e a saúde da população; portanto, esta prática deve ser evitada.” [...] Dentre os impactos ambientais causados ao meio físico, decorrentes dessa exposição, o mais significativo consiste no líquido denominado chorume, produto resultante da decomposição do lixo e que pode causar interferência na qualidade da água e do solo (KOHN et al., 2007). 23 A água é essencial à vida e constitui elemento necessário para quase todas as atividades humanas, sendo ainda, componente da paisagem e do meio ambiente como um todo. Ela é um bem precioso e deve ser protegido a qualquer custo (SANTOS, 2001). Os mananciais de água que recebem chorume apresentam modificação de coloração, depreciação do oxigênio dissolvido levando ao impacto do meio aquático, como a quebra do ciclo vital das espécies e a possível contaminação de toda a cadeia alimentar (LIMA, 2003). Para Leite et al. (2003, p. 111), a contaminação do solo, por sua vez, “ocorre por intermédio da infiltração dos líquidos percolados (chorume), gerados pela passagem da água através dos resíduos sólidos em processo de decomposição. O chorume possui elevada carga de poluentes orgânicos e inorgânicos e, ao entrar em contato com o solo, pode modificar, de forma intensa, suas características físicas, químicas e biológicas.” Um dos fatores para saber quando um solo está poluído é analisar os teores de matéria orgânica em áreas sujeitas à influência do chorume a média profundidade. Caso sejam encontrados teores de matéria orgânica superiores aos teores da composição química natural dos solos, há indícios de que a contaminação do chorume já tenha migrado e afetado o solo (KOHN; NÓBREGA; MILANI, 2007). Quando os resíduos são depositados a céu aberto e não recebem nenhuma forma de tratamento, acontece ainda a liberação de gás metano (CH4), resultante da decomposição de matérias orgânicas, fato que é extremamente poluente e Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). tóxico para o ar que respiramos (LIMA, 2003). De acordo com Sisinno e Moreira (1996): [...] As áreas utilizadas como depósito final de lixo – normalmente representada pelos “lixões” e aterros controlados – configuram-se como focos potenciais de poluição, influenciando negativamente a qualidade da saúde humana e ambiental nas regiões sob sua influência. [...] 24 Alegre, com o intuito de encontrar irregularidades na disposição final dos resíduos sólidos e verificar eventuais impactos no meio ambiente. 2.4 ÁREAS INADEQUADAS PARA IMPLANTAÇÃO DE ATERROS SANITÁRIOS Antes de se implantar um aterro sanitário em determinada área, deve-se, preliminarmente, realizar um levantamento de dados que analisarão a viabilidade do mesmo. Primeiramente, deve-se fazer um diagnóstico da situação atual do município, como base para a elaboração do projeto do aterro, considerando as informações ligadas à sua origem, bem como aos aspectos econômicos, sociais, ambientais e sanitários. As informações relativas ao sistema de limpeza urbana do município são de suma importância para o projeto (TINÔCO NETO, 2007). O segundo fator deve levar em conta o local que se deseja implantar o aterro, posto que a resolução 302 de 20 de março de 2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) define como área de preservação permanente a área marginal ao redor de reservatório artificial e suas ilhas, assim como a área situada “no topo de morros e montanhas, em áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação em relação à sua base”. 3 O ATERRO SANITÁRIO DE MANHUAÇU – MINAS GERAIS Tendo em vista o teor mencionado, essa pesquisa analisou, entre os anos 2011 e 2012, o aterro sanitário de Manhuaçu, localizado na zona da mata mineira, no bairro de Pouso Figura 1 – Imagem do aterro (Google Earth) O local está em funcionamento desde 1992 e passou por uma reforma em 2005, onde o antigo sistema de disposição de resíduos (lixão) recebeu adequações, passando a se denominar aterro sanitário. A região está inserida na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, sub-bacia Rio Manhuaçu, no bioma Mata Atlântica (Figura 1). 3.1 COLETAS DE DADOS Para a coleta de dados foi utilizada a pesquisa documental, juntamente com técnicas de observação (assistemática, não participante, participante, individual e em equipe). A Secretaria de Agrimensura do município de Manhuaçu cedeu os seguintes documentos para a pesquisa: Relatório de Vistoria da FEAM: realizado no ano de 2008; Relatório Técnico Anual de Operação do Depósito de Lixo: realizado no ano de 2010 por Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). responsável técnico habilitado e cadastrado na FEAM; Relatório de Controle Ambiental (RCA): realizado no ano de 2004, pela Água e Terra Planejamento Ambiental Ltda., descreve e justifica o funcionamento do aterro sanitário em conjunto com a usina de triagem e compostagem; Plano de Controle Ambiental (PCA): realizado no ano de 2006, pela Veiplan Empreendimentos Ltda., apresenta medidas de controle ambiental e descrição básica do funcionamento do local; Imagens da reforma (lixão para aterro sanitário) realizada no local em 2005. O RCA e o PCA foram realizados para a obtenção de licenças ambientais para o funcionamento de um aterro sanitário no local. A observação do local foi realizada em três visitas no primeiro semestre de 2011, nos meses de fevereiro, abril e junho e uma visita no primeiro semestre de 2012. Os dados observados foram registrados por imagens, vídeos, e relatórios manuscritos. 25 Sólidos Urbanos (RSU) que são: uma usina de triagem, duas prensas, sendo uma vertical e outra horizontal, um caminhão caçamba, um rolo compactador e uma retro escavadeira, obtendo assim estrutura física para a execução da reciclagem, procedimento previsto pela lei 12.305. A análise in loco, contudo constatou que apesar de haver a separação dos materiais com valor econômico, essa não chega a obter o seu potencial máximo, pois a estrutura descrita no item 6.10, que aponta a utilização de uma usina de triagem não acontece. Na realidade, o lixo fica a céu aberto, sem prazo determinado para seu acondicionamento final, o que descaracteriza o local como um aterro sanitário. Essa constatação pode ser facilmente visualizada nas imagens abaixo (Figura 2). 3.2 ANÁLISE DOS DADOS 3.2.1 GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS Para análise do gerenciamento do aterro controlado de Manhuaçu, foram evidenciados três aspectos previstos na lei 12.305, contidos no artigo 9° que apontam como prioridade para gestão. Reciclagem; Tratamento dos resíduos sólidos e; Disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. O item 6.10 do relatório técnico anual de operação do depósito de lixo, realizado em 2010, descreve os equipamentos e veículos em utilização na área do depósito de Resíduos. Figura 2 – Disposição de resíduos a céu aberto A seguir, na imagem abaixo a linha amarela em destaque na figura 3 demonstra que a esteira que não funciona, assim como o fosso também não - circulo em verde. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. , Cabral et al. (2012). 26 O fosso é a estrutura destinada ao acondicionamento dos resíduos para evitar que estes sejam depositados a céu aberto (Figura 4). Todavia, é importante ressaltar que se pode verificar que mesmo sem a utilização da esteira e do fosso, parte dos materiais recicláveis são separados, pois existe o funcionamento de duas prensas (Figuras 5 e 6). Figura 3 – Usina de triagem com esteira e fosso que não funcionam O fosso é a estrutura destinada ao acondicionamento dos resíduos para evitar que estes sejam depositados a céu aberto (Figura 4). Figura 5 - Prensa Figura 4 - Fosso Figura 6 - Prensa Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. , Cabral et al. (2012). No entanto, como a separação dos resíduos não é feita no local projetado pela usina de triagem e compostagem o desempenho da usina é deficiente. Isso pode acarretar aos trabalhadores do local riscos à saúde (Figura 7). 27 se que esse procedimento não é adotado no ‘aterro sanitário’ de Manhuaçu. Figura 8 – Incinerador Figura 7 – Proximidade dos catadores com os resíduos A respeito do tratamento dos resíduos sólidos, previsto também no artigo 9º, o aterro controlado disponibiliza de um incinerador para tratamento do lixo especial (Figura 8) O relatório analisado evidencia no tópico “Características do RSU” que existe a coleta de resíduos de saúde (item 5.2). Já no item 5.1 encontra-se a quantidade de resíduos coletada por dia, mas não enfatiza como é feito seu tratamento, mesmo tendo a disposição um incinerador. Através das análises fotográficas e pesquisas realizadas durante o período da avaliação, constatou-se que os resíduos da saúde coletados são queimados a céu aberto, sem nenhuma precaução (Figura 9 e Figura 10). O último aspecto analisado neste trabalho observou se a disposição final dos rejeitos era realizada de forma ambientalmente adequada. Segundo o relatório fornecido pela Secretaria de Agrimensura do município de Manhuaçu, a freqüência de compactação e recobrimento dos resíduos sólidos urbanos depositados na área é feita diariamente, ao fim de cada jornada de trabalho. Porém, constatou- Figura 9 – RSS sendo queimados de forma inadequada Figura 10 – RSS sendo queimados de forma inadequada Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). Na realidade, a vala demonstrada nas figuras 11 e 12 têm aproximadamente 10 m de altura por 40 m de comprimento, e fica com os resíduos depositados a céu aberto descaracterizando assim o aterro sanitário. Figura 11 - Valas Figura 12 – Valas 28 3.2.2 MONITORAMENTO AMBIENTAL E CONTROLE DE POLUIÇÃO Para análise do monitoramento ambiental da área, utilizou-se o Relatório de Controle Ambiental (2004) e o Plano de Controle Ambiental (2006). Foram escolhidos seis parâmetros de comparação: área do entorno; caracterização dos resíduos dispostos; caracterização do aterro; caracterização dos resíduos do serviço de saúde (RSS); e plano de monitoramento. Os dados estão dispostos na tabela 1 abaixo de acordo com a ordem cronológica. A tabela 2 consta a coleta de dados realizada através de observação, em três visitas regulares, no primeiro semestre de 2011, realizadas pela equipe deste projeto. Os mesmos documentos utilizados para analisar o monitoramento ambiental (RCA), foram utilizados para compreender a prática de controle da poluição no aterro sanitário de Manhuaçu. Os dados estão discriminados na tabela 3 que segue o mesmo método dos dados dispostos anteriormente. Os parâmetros escolhidos foram: área do entorno; aterro controlado/sanitário; RSS; e efluentes sanitários. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). 29 Tabela 1 – Dados de relatórios de controle ambiental (RCA de 2004 – PCA de 2006) da área em estudo. ANO/Relatório 2004 (RCA) - Não existem assentamentos populacionais. - O centro urbano está a cerca de 4 km. - O uso do solo é composto por plantação particular de café. Área do entorno - A área está localizada no topo de um morro, o qual divide duas microbacias (Córrego Pouso alegre e Córrego da Sinceridade). - Não há documentos desta data que comprovem distúrbios causados pelo lixão na área do entorno. - 60% de matéria orgânica e 22% de papel/ papelão que possuem viabilidade de reciclagem. - Mais 2,9% de plástico. Caracterização dos - 1,6% de vidro. resíduos dispostos - 1,4% de materiais ferrosos. - 0,6% de materiais não ferrosos. - 1% somados trapos, borracha, couro e madeira; e 10,5% de outros. - No total estima-se o recebimento diário de 30 t/dia de resíduos sólidos. - A disposição dos resíduos acontece em vala projetada para acondicionar Caracterização da os resíduos diariamente, sem cobertura, sistema de drenagem de gases e vala do aterro chorume, e tratamento de efluentes líquidos. - A quantidade recebida no local é de 800 kg/dia, proveniente do Hospital, Caracterização dos da Policlínica, do Hemocentro, da Hemodiálise, das Clinicas Médicas e RSS Odontológicas, e das Farmácias. Os mesmos não possuem tratamento adequado sendo depositados juntamente com os resíduos comuns. Plano de Não há documentos desta data que comprovem a existência de um plano monitoramento de monitoramento. ANO/Plano 2006 (PCA) - A área é remanescente de Mata Atlântica. - Não existem assentamentos populacionais. - O centro urbano está a cerca de 4 km. - O solo do entrono da área, é utilizado para plantação particular de café. Área do entorno - No entorno foram plantados eucaliptos, como barreira de vento e visual. - A área está localizada no topo de um morro, o qual divide duas microbacias (Córrego Pouso alegre e Córrego da Sinceridade). - Os locais de acesso para o local, não possuem pavimentação e nenhum tipo de proteção superficial para o transito de veículos. - 96% dos domicílios possuem coleta de seus resíduos, e 4% manipulam o destino de seus próprios resíduos Caracterização dos - Do total coletado 97% são encaminhados para triagem e aterramento. resíduos dispostos - Até o momento da elaboração deste plano, diariamente são coletados 38,84 t de resíduos. Caracterização da - Não se utiliza nenhum sistema de aterramento, impermeabilização do solo vala do aterro ou cobertura para Cabral a disposição final dos resíduos sólidos; eles ficam et al. (2012) expostos céu aberto, sujeitos a intensa produção de chorume. Também não recebem drenagem superficial, nem drenagem de gases e chorume. Os resíduos são dispostos após uma triagem na usina ao lado. - O sistema utilizado no momento, não possui monitoramento geotécnico e ambiental. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. 30 Cabral et al. (2012). Resíduos de serviço de saúde (RSS) Plano de monitoramento - Os RSS não foram caracterizados e analisados. - São encaminhados para vala do lixão a céu aberto, e equivalem a 3% do total coletado. Não há documentos desta data que comprovem a existência de um plano de monitoramento. Tabela 2 – Coleta de dados realizada em três visitas ao aterro sanitário. Dados coletados Meses do primeiro semestre de Fevereiro Abril - No entorno da área - Idem ao mês anterior. permanece lavoura de café, barreira de eucaliptos e remanescentes de Mata Atlântica. - Idem ao mês anterior. - Não há curso Área do d’água nem núcleo entorno populacional nas proximidades. - Com a intensidade de - O acesso ao aterro chuvas, os caminhões não está coletores depositaram pavimentado e não temporariamente os possui placa de resíduos na estrada de identificação. acesso para a sede do local. Os resíduos Os resíduos se dispostos apresentam em constante observados, em sua grau de decomposição por maioria, eram causa da umidade das materiais recicláveis. chuvas e do calor No entanto, diante constante, característico da Caracterização das condições estação climática em dos resíduos inadequadas, e da questão. Continuam sendo dispostos quebra da esteira de expostos diretamente, sem triagem da usina, eles cobertura. se acumulam e - Da mesma forma, os sobrecarregam a vala resíduos se acumulam e disponível. sobrecarregam a os locais nos quais são depositados. Caracterização - A vala projetada em - Como a única vala do aterro 2005 para adequar o disponível para o sistema de aterro aterramento se encontra sanitário, se encontra interditada, por estar sem manejo de alagada pela água das cobertura diária e chuvas, a disposição dos drenagem (de resíduos acontece em um qualquer tipo). trecho da estrada de terra 2011 Junho -Idem ao mês fevereiro. de -Idem ao fevereiro mês de -Idem ao fevereiro mês de - Os resíduos já se encontram parcialmente aterrados, em maior volume que na visita anterior, e são caracteristicamente mistos (orgânicos com recicláveis). - A estação climática de seca, facilita o manejo dos resíduos. Atualmente a estrada se encontra livre para o transito dos veículos, e a vala anteriormente alagada, já recebeu Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. 31 Cabral et al. (2012) de acesso ao local, na encosta do talude que margeia a estrada. São colocados sem impermeabilização do solo, sem cobertura, e drenagem de qualquer tipo caracterizando um “lixão “ temporário. - O sistema de - Não há tratamento dos tratamentos dos efluentes sanitários efluentes sanitários gerados nas instalações do local e Efluentes pela percolação do sanitários chorume dos resíduos não está em funcionamento, assim não há tratamento dos mesmos. - O resíduos são - Idem ao mês anterior. queimados em uma fogueira, no chão, a céu aberto, ao lado da estrutura Resíduos de abandonada de um serviço de incinerador. saúde - A queima acontece sem nenhum tratamento de redução dos impactos gerados. Não há documentos - Idem ao mês anterior. desta data que Plano de comprovem a monitoramento existência de um plano de monitoramento. camadas de resíduos e uma nova cobertura. - Não há tratamento dos efluentes sanitários - Idem ao mês anterior. - Idem ao mês anterior. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). 32 Tabela 3 – Análise dos RCA e PCA, respectivamente dos anos de 2004 e 2006, para compreensão da prática de controle da poluição do aterro sanitário. ANO/ Dado 2004 (RCA) 2006 (PCA) analisado - A captação das águas disponíveis nas - De acordo com o relatório, a nascentes e nos cursos d’água, do implantação do aterro não entorno deverão ser analisadas para o influenciará na qualidade do funcionamento do aterro. lençol freático. - De acordo com o relatório, a Um programa de implantação do aterro não influenciará na reflorestamento será qualidade do lençol freático, pois este se desenvolvido juntamente com encontra a 20m de distância a prefeitura. - Medidas de controle de erosão e - A recuperação total da área estabilização do solo deverão ser acontecerá pela remoção total Área do entorno utilizadas. dos resíduos depositados, - Implantação de sistemas de drenagem transportando-os para o aterro de águas pluviais. sanitário. - Medidas de recuperação paisagística - A área deverá ter desvio das com arborização de espécies nativas, águas das chuvas e reforço da vegetação existente. revestimento vegetal - Implantar uma cortina vegetal. adequado, para evitar erosões. - Assegurar que o uso do local não impeça atividades em áreas vizinhas. Aterro controlado/sanitário RSS - A disposição final dos resíduos não aproveitados na usina de reciclagem nem apropriados para a compostagem, será encaminhada para o aterro sanitário após compactação. - Será construída em modelo de rampa, para capacitar 40% dos resíduos recebidos, em uma vala suportável para até 5m de altura e prevista de uso por 10 anos. A vala terá sistema de impermeabilização, cobertura diária dos resíduos, drenagem pluvial, do chorume e de gases (estes deverão ser queimados na saída do seu duto). - Uma vez encerrada a capacidade da vala, esta receberá uma cobertura final de solo de 60 cm, e cobertura vegetal. Este plano visa o encerramento das atividades do lixão e adequações para o sistema de aterro sanitário. - O aterro sanitário terá drenagem superficial, drenagem do liquido percolado, drenagem de gás, e tratamento dos mesmos. A vala terá impermeabilização com Geomembrana (camada de argila sobre a manta), e cobertura do lixo depositado. - A cobertura da vala, terá 30 cm de solo, com uma superfície plana e uniforme. - Para a captação do gás, tubos perfurados serão utilizados com queimadores especiais na terminação dos drenos dos gases. Essa estrutura facilita a coleta de amostras para o controle. - A coleta será feita por funcionários Não há planejamento de Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). Efluentes Sanitários 33 treinados, carro próprio e direcionados diretamente para a vala séptica exclusivamente preparada. - O sistema realizará o tratamento do chorume após sua medição e análise, utilizando o método australiano (lagoas anaeróbias e facultativas) - Para a eficácia do tratamento, visitas periódicas no local deverão ser realizadas para manutenção do sistema e execução do monitoramento ambiental. As visitas realizadas pela equipe ao aterro não constatou nenhuma prática de controle ambiental. Conforme se demonstra a seguir: Área do entorno controle para a disposição dos RSS. - Será adequado um sistema de captação e tratamento dos líquidos percolados por lagoa anaeróbica seguida de lagoa facultativa. - Os efluentes serão captados por geotubos perfurados. Aterro Controlado/Sanitário A figura 14 demonstra que há uma espessa camada de resíduos depositados na vala evidenciando a ausência de cobertura diária com terra. Na figura 13 a seta amarela demonstra a proximidade da vegetação com a vala, sem nenhuma proteção para conter a poluição. A seta vermelha demonstra a via de acesso para o local sem pavimentação. A seta azul demonstra a antiga vala, esta já teve suas atividades encerradas, porém está localizada muito próxima a atual vala, que ainda está aberta e possui, aproximadamente, 8m de profundidade. Esta proximidade é uma situação de risco para possíveis deslizamentos. Figura 14 - Vale do aterro Figura 13 – Área do entorno do aterro Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). Resíduos de Serviço de Saúde A figura 15 demonstra a atual disposição dos resíduos de serviço de saúde, em contradição com os planejamentos do RCA (2004) e PCA (2006): Figura 15 – Resíduos de serviço da saúde Vale salientar que atualmente não há tratamento de efluentes sanitários no aterro sanitário de Manhuaçu. As análises realizadas, caracterizando o Aterro de Manhuaçu, seus resíduos e atividades, demonstram as oscilações no seu plano de manejo, e consequentemente falhas na aplicação de um monitoramento ambiental e controle de poluição. 3.3.3 REGULARIDADE DA ÁREA De acordo com o Relatório de Controle Ambiental (RCA) referente a dezembro de 2004, cedido pela secretaria municipal de agrimensura de Manhuaçu, a área onde se localiza o aterro é pública e tem o nome de Clube do Sol, totalizando 62 ha, no entanto, a área usada para o aterro, usina de triagem dos resóduos recicláveis e suas instalações é de apenas 5 ha. De acordo com o Relatório, Técnico Anual de Operação de Depósito de Lixo, também cedido pela mesma secretaria, referente a agosto de 2010, o aterro sanitário de Manhuaçu está localizado nas coordenadas 34 geográficas 20°15’09”S, 42°01’12”W e aproximadamente a um quilômetro da Rodovia BR-262. Ele também descreve o entorno do aterro, que é constituido de um pequeno remanescente de mata atlântica, uma lavoura de café, alguns resquícios de pastagem formado por gramíneas e algumas árvores de eucaliptos que servem de quebra-vento para o empreendimento, não havendo no local residências ocupadas. Na figua 16, temos uma foto ampliada de satélite, que possibilita visualizar o local do aterro, bem como seu entorno. Para facilitar seu entendimento, foram desenhadas linhas de cores diferentes, que representam: a delimitação do aterro, a BR-262, as nascentes e cursos d’água mais próximos e a linha de cumeada, que constitui um divisor de águas. Apesar da imagem ser de 2003, já é possível observar resíduos depositados a céu aberto, sem estarem devidamente aterrados ou com qualquer tipo de cobertura. A linha verde representa a área onde funciona o aterro. Esta área ainda abriga a sede administrativa e as instalações necessárias para a triagem de parte dos resíduos coletados na cidade. A linha amarela representa a Rodovia BR-262, que liga Belo HorizonteMG a Vitória-ES. Esta estrada que cruza a cidade de Manhuaçu, foi um dos fatores que contribuiu para que o município tivesse um crescimento exorbitante. Tendo como uma das consequências deste crescimento, a elevada produção de resíduos urbanos, o que é um “problema” para o orgão responsável pela limpesa pública e principalmente para a sociedade. As linhas azuis representam os recursos hídricos (nascentes, açude e córregos) existentes próximo ao aterro, esses com o passar do tempo podem ser contaminados pelo chorume proveniente da decomposição sem controle do lixo. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). 35 A linha vermelha, representa a linha de cumeada que constitui um divisor de águas, separando as micro-bacias do Córrego Pouso Alegre e do Córrego Sinceridade, ambas pertencentes à sub-bacia do Rio Manhuaçu, que por sua vez pertence à Bacia hidrográfica do Rio Doce. Figura 17 – Imagens de carcaças de animais Figura 16 – Imagem do Aterro (Google Earth) 3.3.4 DEGRADAÇÕES CAUSADAS PELA DISPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS Quanto à vegetação pode-se observar que ela sofre impactos diretos, como qualquer outro ser vivo. A proximidade dos resíduos à vegetação do entorno é um foco de contaminação como mostra a figura 18. Especificamente na figura 17, são encontradas carcaças de animais; considerando que este tipo de resíduo é um material biológico que apresenta uma grande instabilidade na sua decomposição. A figura 18 demonstra um acúmulo de resíduos temporariamente dispostos, estando estes expostos às ações climáticas (sol, chuva e vento). Como mostra em destaque a figura 18, o lixo se apóia na vegetação do entorno devido ao seu peso, recebendo diretamente o chorume que escoa do montante de resíduos. Ao analisar outra área do aterro encontramos uma plantação particular de café, onde não há nenhuma proteção entre a plantação e a área do aterro. Figura 18 – Proximidade da vegetação Figura 19 – Proximidade das Instalações com plantações de café Essa lavoura faz limitação entre a antiga vala, já encerrada, e a sede administrativa do aterro (Figura 19). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). Quanto aos impactos relativos ao solo, pode ser observado que a forma indiscriminada com que os resíduos são depositados contribuiu muito para seu crescimento. Analisando a figura 20, onde os resíduos são dispostos provisoriamente, percebe-se que o local não possui uma manta impermeável para contenção do chorume, o que não é diferente quando observamos a disposição dos resíduos na vala (Figura 21). Outro foco de contaminação é a presença de resíduos periculosos em contato direto com o solo (Figura 22). 36 Figura 22 – resíduos perigosos “espinha de peixe” para captar os gases através dos “suspiros” indicados pelas setas. Figura 20 – resíduos expostos Figura 23 – Espinha de Peixe Figura 21 – resíduos expostos De acordo com o Relatório de Controle Ambiental (2004) o aterro foi projetado para possuir na vala drenagem e capitação dos gases. Como mostra a figura 23 e figura 24 registrada no ano de 2005, inicialmente foi projetada uma Figura 24 – Suspiro de saída de Gases Esse sistema direcionaria a saída dos gases para sua queima, no entanto, eles se encontram sem manutenção e Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). inoperantes como mostra a figura 24, registrada em 2011. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 4.1 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Foram encontradas varias irregularidades no aterro sanitário de Manhuaçu ou, como melhor pode se constatar – aterro controlado - causadas pelo descaso do gerenciamanto por parte da administração pública do Município. O local de disposição final dos resíduos sólidos de Manhuaçu passou por grandes transformações desde 2004. No ano de 2005 o local recebeu, inclusive, uma reforma deixando de ser lixão para funcionar como aterro sanitário, no entanto, o lixão adquiriu com o tempo características de aterro controlado e não a de aterro sanitário, como era previsto. Essa situação não é rara no Brasil, pois a legislação suporta a condição de aterro controlado provisoriamente. Porém, suas atividades como aterro sanitário ainda não aconteceram, como mostra as análises feitas durante o ano de 2011/2012. O principal motivo está ligado à simplicidade estrutural dos aterros controlados, entretanto, eles podem apresentar maiores riscos ao meio ambiente e por isso devem ser monitorados (GARIGLIO; MELO, 2003). Logo, o monitoramento ambiental é duplamente necessário para o aterro controlado de Manhuaçu. Primeiro por se tratar de uma atividade de alto impacto no ambiente, segundo por ser o aterro controlado uma das opções de disposição de resíduos mais poluentes. Apurou-se que a principal causa para a ausência de um controle de poluição no aterro controlado de Manhuaçu é a deficiência do monitoramento ambiental. Sem um acompanhamento dos impactos dos resíduos naquele local, vários focos de contaminações podem acontecer, comprometendo o sistema e a área como um todo. As ausências de medidas que diminuam os impactos ambientais não cumprem com a legislação que visa o desenvolvimento econômico de uma sociedade, com sustentabilidade. A disposição final dos 37 resíduos sólidos em Manhuaçu poderia ser um exemplo da aplicabilidade da legislação ambiental, porém a situação atual é desfavorável, como demonstra o estudo realizado. Dessa forma, conclui-se que o aterro sanitário de Manhuaçu está legalmente irregular e que a atual situação da disposição final dos resíduos sólidos na cidade causa degradações ao meio ambiente em que está inserido. Todavia, ainda é possível reverter a situação através de alguns procedimentos de engenharia. Os autores Albert, Carneiro e Kan (2005), afirmam que essas soluções envolvem um conjunto de providências, através das quais se espera minimizar os efeitos impactantes gerados ao meio ambiente, e acabam por intervir no aterro com o intuito de encerrar a sua operação, requalificando-o ambientalmente, reduzindo os impactos ambientais negativos sofridos pela área e dando-lhe outra finalidade: aterro sanitário. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERTE, E. P. V.; CARNEIRO, A. P.; KAN, L. Recuperação de áreas degradadas por disposição de resíduos sólidos urbanos. Diálogos & Ciência –Revista Eletrônica da Faculdade de Tecnologia e Ciências de Feira de Santana. Ano III, n. 5, jun. 2005. BITAR, O.Y & ORTEGA, R. D. Gestão Ambiental. In: OLIVEIRA, A. M. S. & BRITO, S. N. A. (Eds.). Geologia de Engenharia: Associação Brasileira de Geologia de Engenharia (ABGE). São Paulo, cap. 32, p.499-508, 1998. CONAMA: Conselho nacional do meio ambiente, resolução nº 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/ Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 20-38, Janeiro - Junho, 2012. Cabral et al. (2012). res02/res30302.html> Acesso em: 04 de jul. de 2011. IBGE. Carta Topográfica do Brasil, Diretoria de Geodésia e Cartografia. Superintendência de Cartografia. FOLHAS SF-23-X-B-III-4, Manhuaçu e SF-23-X-B III-4, Simonésia. Primeira edição, 1979. EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Monitoramento Ambiental. Disponível em: < http://www.embrapa.br/ Acesso em: 9 mai. 2011. GARIGLIO, L. P.; MELO, G. C. B. de. Metodologia racional para monitoramento ambiental de aterros de resíduos sólidos urbanos. Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. Saneamento Ambiental: Ética e Responsabilidade Social, Joinville, p.118, 2003. 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(2012). 39 SERVIÇO SOCIAL INSERIDO NA POLÍTICA SOCIAL SOBRE A ÓTICA MARXISTA Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas/Serviço Social Ruteléia Cândida de Souza Silva1 Daniele Alves Segal2; Ivani de Andrade2; Janaína de Oliveira Silva2; Jéssica da Silva Afonso; Leslie Morais2; Lornídia de Souza Abreu2; Sara de Assis Miranda2; Verônica da Mata Huebra2 1 Doutoranda em Política Social; Mestre em Política Social e Graduada em Serviço Social. 2 Alunos do Curso de Serviço Social. INTRODUÇÃO Em um contexto de profunda crise capitalista, as contradições inerentes à lógica de acumulação se intensificam, estabelecendo uma nova dinâmica em que a correlação de forças presentes na sociedade passa a exigir a incorporação, na agenda política, do debate em torno do enfrentamento às novas manifestações da questão social. Ao mesmo tempo surge uma nova processualidade histórica que se apresenta como estratégia de enfrentamento à crise do capital financeiro e cria as bases para a instauração de um novo projeto e processo de restauração da ordem do capital que, nesse momento, é legitimado e conduzido por novos protagonistas que surgem no cenário mundial: os governos latino-americanos de centro esquerda, a exemplo, o governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, um de seus principais expoentes. Num circuito marcado pela crescente financeirização da economia, aloja-se a necessidade de intervir junto às classes subalternas, promovendo uma verdadeira reforma intelectual e moral em que se tem, sob o signo do novo-desenvolvimentismo, o fortalecimento do discurso do desenvolvimento com sustentabilidade. Desse modo, instaura-se um modelo de desenvolvimento que ganha organicidade pela via inclusão social – como estratégia de combate à pobreza e redução das desigualdades –, tendo como horizonte a melhoria das condições e da qualidade de vida de uma parcela significativa da população que se encontra em situação de extrema pobreza. Tem-se a adoção de uma ideologia coroada pela apologia a um novo desenvolvimentismo fundado, principalmente, no equilíbrio entre crescimento econômico e social, associado à autossustentabilidade econômica, social e ambiental. Trata-se de um modelo que está “[...] mais além do neoliberalismo, porém, não mais além do capitalismo, ainda que seja uma estratégia de resistência ao imperialismo norte-americano, sob o argumento da autonomia dos povos [...]” (MOTA, 2010, p. 47). No caso específico do Brasil, todos os esforços se operacionalizam no sentido de aliar o cenário de crescimento dos grandes investimentos no país à oportunidade de maximizar a geração de emprego e renda. O que, na perspectiva defendida pelo governo federal, tem propiciado uns ambientes institucionais favorável às iniciativas produtivas, sobretudo, de uma parcela significativa da população inscrita no Cadastro Único e também de produtores independentes, seja de unidades produtivas familiares, seja de empreendimentos solidários. A justificativa apresentada é de que o Brasil, ao retomar as iniciativas desenvolvimentistas – com investimento e financiamento de bancos públicos e de projetos privados –, abre novas possibilidades para a construção de uma nova economia inclusiva autossustentável. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). Sob o signo dessa nova ideologia, ganha força o discurso do autoemprego, do empreendedorismo; dos negócios próprios; da sustentabilidade. Ancorado no discurso das oportunidades e liberdade de escolha individual, a ideia de progresso passa a se vincular diretamente aos processos de modernização, mas é claro sem alterar os pilares das relações sociais capitalistas. Todos os esforços se conjugam, na verdade, no sentido de consolidar uma estratégia de desenvolvimento alternativo aos modelos em vigência na América do Sul, ou seja, ao “populismo burocrático” – ligado aos setores arcaicos da esquerda e partidários do socialismo –; ou à ortodoxia convencional, representada por elites rentistas e defensores do neoliberalismo (BRANCO, 2009). Transversal a esta discussão, torna-se recorrente o discurso em torno da relevância das políticas sociais enquanto importante mediação para a reprodução da força de trabalho. Isso porque a lógica capitalista, para assegurar sua reprodução, expulsa um elevado contingente de trabalhadores do processo produtivo, criando, assim, uma superpopulação supérflua para o capital, que acaba sendo direcionada, ora aos programas ligados à assistência social, ora às ações de qualificação profissional e de inclusão produtiva. Num contexto de integração social, se coloca no centro do debate a capacidade produtiva e de gestão de grupos em situação de vulnerabilidade social, de modo especial aqueles vinculados a programas governamentais, como é exemplo o Programa Bolsa Família – PBF. Trata-se de estratégias adotadas como forma de atender às necessidades do grande capital num dado momento histórico, quando são criadas e/ou recriadas políticas sociais compensatórias e novas modalidades de inserção precarizada no trabalho, estabelecendo uma verdadeira articulação “invisível” entre as demandas imediatas das classes subalternas e as da burguesia. Apropriando-se de esquemas ideológicos, dissemina-se a ideia de compatibilidade entre capital e trabalho e da capacidade do Estado de condensar interesses 40 de acumulação ao mesmo tempo em que atua mediando conflitos distributivos e atendendo as necessidades básicas das classes subalternas. É justamente para dar conta de tal complexidade que a investigação proposta tem como objetivo apresentar algumas reflexões em torno das atuais configurações da política social no cenário brasileiro, tendo como referencial as construções teóricas de viés marxista. O que se pretende é apreender a realidade apoiado num método capaz de reunir substratos suficientes para uma compreensão mais detalhada, proporcionando a oportunidade de problematizá-lo inscrito numa processualidade histórica, síntese de múltiplas determinações (MARX, 1982). Pretende-se ainda priorizar uma leitura histórica da realidade brasileira, marcada por sua fragilidade em termos de política social, o que se vincula diretamente à elevada concentração de renda – uma das mais altas do mundo – e a sua condição de um dos países com maior índice de desigualdade social. De igual forma, pretende inscrever o Serviço Social nessa dinâmica, à medida que pensar a profissão hoje requer inscrevê-la no interior de uma lógica que redimensiona as políticas sociais enquanto espaços sócioocupacionais de atuação dos assistentes sociais. Parte ainda da apreensão das relações estabelecidas entre capital e trabalho, relações essas perpassadas por contradições no seio da totalidade concreta, mediadas pela materialidade das múltiplas determinações que se colocam em dado momento. Por isso, o presente estudo se orienta no sentido de reconhecer seu objeto como unidade em movimento, buscando mais do que apenas conhecer a realidade, mas analisar e desvelar o que não é visto, o que muitas vezes está oculto. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). 1 UMA DISCUSSAO MARXISTA EM TORNO DA INTERVENCAO SOCIAL DO ESTADO Desde a década de 1960, os ideólogos marxistas passam por um despertar em torno das questões relativas à intervenção social do Estado e, mais precisamente, do chamado Estado de Bem Estar Social. Esse é um período marcado por mudanças na configuração estatal que, inexistentes à época de Marx, nesse contexto atribuem uma maior ênfase aos aspectos políticos e sociais presentes no funcionamento do Estado capitalista (PEREIRA, 2009). Ao mesmo tempo a apropriação dos estudos do marxista italiano Antonio Gramsci também assume um papel decisivo para adoção de uma postura analítica por parte dos ideólogos marxistas, que passam a questionar a validade de se pensar a esfera política como uma dedução automática da infraestrutura econômica (PEREIRA, 2009). O Estado passa, então, a ser concebido como uma esfera passiva que, nos momentos de crise da hegemonia e, portanto, de instabilidade, pode possuir certo grau de autonomia, colocando-se acima e para além da sociedade civil. E esta autonomia relativa decorre justamente da capacidade organizacional que o Estado tem frente às forças sociais conflitantes, capacidade essa vinculada, principalmente, ao apoio que recebe dos extratos sociais mais importantes inseridos no pacto de dominação, o que revela uma articulação indissolúvel entre autonomia e sociedade. Diante de tal análise, o intervencionismo estatal assume cada vez mais um caráter complexo, incorporando categorias analíticas próprias da teoria de Marx e Engels (PEREIRA, 2009). Pereira e Pereira (2010) afirmam que Marx foi o maior de todos os teóricos, cujos valores intelectuais e morais remetem ao bem estar social como um processo associado ao atendimento de necessidades humanas. De acordo com as autoras, a relação entre bem estar social e satisfação dessas necessidades, hoje teoricamente exploradas, somente começam a fazer parte do debate intelectual a 41 partir das contribuições desse teórico que, de modo genial, vêm subsidiar de forma impar e consistente as reflexões contemporâneas dedicadas ao estudo da politica social. Dentre suas inúmeras contribuições, Marx vai afirmar que a identificação das necessidades humanas em sua plenitude e a definição de políticas que satisfazem tais necessidades são incompatíveis com os próprios valores e instituições presentes no capitalismo, à medida que ao garantir a reprodução da força de trabalho e, consequentemente, “[...] sua exploração, a intervenção do Estado tende a responder [...] ao metabolismo social produzido pelas lutas de classe com o fito de preservar o conjunto de relações de produção que subjazem na sociedade burguesa” (PEREIRA; PEREIRA, 2010, p.123). Sob o norte da teoria marxista, é possível inferir que o sistema capitalista, independente qual seja o contexto histórico, no momento em que a classe trabalhadora, por meio de organização de classes, põe em cheque a reprodução do capital, imediatamente a classe capitalista volta suas “armas” para “passivizar” as expressões do movimento operário e diminuir a combatividade operária e manter sua hegemonia. Assim, as políticas sociais, embora atendam algumas demandas do movimento operário, ao mesmo tempo se colocam enquanto estratégia à manutenção e a dinamização do mundo do capital (PEREIRA; PEREIRA, 2010). Então, fica nítido que a instauração das políticas sociais funda-se no antagonismo de classes da sociedade capitalista, como respostas do capital às mobilizações da classe trabalhadora, independente ao cenário que a organização ocorra. No contexto atual, por exemplo, o capital ainda que não “[...] tenha encontrado uma fórmula para acabar com as crises provenientes das contradições Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). do [próprio sistema vigente, pelo menos, consegue] reduzir sua amplitude e gravidade” (PEREIRA; PEREIRA, 2010, p.127), apropriando-se da intervenção estatal, via políticas sociais, como forma de amenizar os efeitos inelimináveis dessas crises. Isso porque todas as ações desenvolvidas no âmbito da intervenção estatal “[...] na vida econômica e a planificação indicativa não são neutros. Ao contrário, são instrumentos de intervenção na economia nas mãos da classe burguesa ou de suas castas dominantes, que funcionam como árbitros entre burguesia e proletariado” (PEREIRA; PEREIRA, 2010, p.128). O objetivo dessa intervenção é, nesse sentido, a manutenção do sistema capitalista que se deixa ao sabor de suas próprias leis, submetendo, assim, a classe subalterna a políticas sociais financiadas pelo próprio processo de exploração capitalista. Pautando em Marx, que inspira essa lide, somente a força de trabalho cria valor e gera excedente econômico, portanto, existe cabal interesse das classes dominantes em manter o pleno funcionamento “galinha dos ovos de ouro” do sistema capitalista. Para isso, ocorreu o fortalecimento e expansão das políticas sociais no decorrer dos últimos anos via ação estatal que, segundo o teórico supracitado, é o “comitê executivo da burguesia”. E se para os capitalistas a força de trabalho se constitui num custo adicional, a intervenção estatal, por sua vez, em termos de educação, qualificação de mão de obra, dentre outras políticas, vem justamente no sentido de minimizar ao máximo esse custo para os donos do capital. Sob essa perspectiva, a apropriação capitalista da força de trabalho se dá pelo viés da disciplina do trabalho e insegurança no emprego, enquanto as políticas sociais são apropriadas como estratégias de manutenção da ordem e de desfragmentação dos movimentos dos trabalhadores que financiam, de forma indireta – através de impostos –, essas políticas, entendidas sob a lógica do favor (NETTO, 1991; IAMAMOTO; CARVALHO, 2011). 42 Assim, as políticas sociais se apresentam como o mecanismo perfeito e imprescindível para o atendimento dos interesses do sistema vigente que embora, tenham se expandido, continuam com seu caráter pontual e fragmentado, propiciando o fortalecimento do capital que, por sua vez, agudiza as sequelas da questão social, intensificando as desigualdades na sociedade. É por meio da política social que o Estado tenta resolver o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado. Torna-se responsável não apenas pela qualificação permanentemente da mão de obra para o mercado, como também, através de políticas, programa e projetos sociais, procura manter sob controle parcelas da população não inseridas no processo produtivo. O Estado assume para sua órbita a responsabilidade de resolver os problemas sociais, ou em outros termos, assegurar as condições materiais de reprodução da força de trabalho, inclusive, visando adequação quantitativa entre força de trabalho e força de trabalho passivo e aceitação desta condição (PEREIRA; PEREIRA, 2010). 2 AS REFORMULAÇÕES DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO PERÍODO PÓS DÉCADA DE 1990 NO BRASIL A partir dos anos de 1980 ocorreu uma forte transformação nos moldes da produção capitalista, cujos benefícios ficaram extremamente concentrados nas economias centrais, enquanto os custos foram pagos pelos países periféricos com forte retrocesso no investimento das políticas sociais. Já o desenvolvimento industrial dos países periféricos identificou dificuldades para desenvolver a estrutura industrial existente e ganhar espaço internacional nesse novo dinamismo da economia, sobretudo, por causa da Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). heterogeneidade estrutural das economias e do agravamento das relações internacionais acarretada, principalmente, pelo endividamento e, consequente, quebra financeira do Estado (BEHRING, 2011). Esse mesmo período também é marcado pela retomada dos movimentos reivindicatórios que favoreceram a conquista no âmbito da política social, o que vai resultar nas conquistas constitucionais de 1988. Mas apesar de priorizar a área social, essas conquistas se traduziram em iniciativas pífias no enfrentamento das expressões da questão social, mantendo o caráter compensatório, seletivo, fragmentário e setorizado da política social brasileira. 2.1 O NEOLIBERALISMO E OS NOVOS MECANISMOS PARA O FORTALECIMENTO DA IDEOLOGIA CAPITALISTA As propostas de reestruturação das políticas sociais formuladas no âmbito dos grupos de trabalhado destinados a repensar as políticas de previdência, saúde, educação e assistência social, não foram implementadas. Suas contribuições, com tudo, foram incorporadas um processo constituinte e ajudaram a definir o conceito de seguridade social. O “choque liberalizante” no final da década de 1980 – traduzido na abertura comercial, nas privatizações, nas desregulamentações financeiras, na precarização do trabalho, na ortodoxia monetarista – não superou as fragilidades da economia brasileira, mas resultou uma perversa combinação dos resultados da política neoliberal: desemprego, recessão, desnacionalização da economia e aumento da vulnerabilidade externa. As discussões passam a orientar o desenvolvimento econômico e social a partir da adoção de reformas estruturais na economia, sobretudo, aquelas vinculadas à privatização dos serviços públicos, reforma do Estado – ou nos dizeres de Behring (2003) de contrarreforma do Estado –, e focalização de 43 programas sociais para os segmentos mais vulneráveis da sociedade. Embora todo esse receituário – alicerçado na agenda proposta pelo Consenso de Washington – tenha assumido o discurso de superação do atraso e da pobreza dos países subdesenvolvidos, suas proposições não conseguiram alterar o quadro de recrudescimento da questão social, muito menos superar o subdesenvolvimento e o avanço da desigualdade. Diante desses resultados tem-se um novo realinhamento dos ajustes propostos pelos organismos internacionais à dinâmica do mercado, dando início a um período marcado por uma “perspectiva revisionista”, nos dizeres de Carcanholo (2010). As medidas de ajuste estrutural adotadas em quase todos os países da América Latina implicaram em uma reestruturação do Estado e desregulamentação das relações econômicas e sociais em perspectiva neoliberal, que submete ao Estado nacional aos ditames do capital internacional e dos organismos internacionais como ONU (Organização das Nações Unidas), Banco Mundial, FMI (Fundo Monetário Internacional) e OMC (Organização Mundial do Comércio). O modelo de contrarreforma do Estado além de alterar significativamente o rumo das políticas sociais atinge e remodela a atuação estatal em três áreas estratégicas: as funções típicas do Estado, aquelas que envolvem a segurança nacional, emissão da moeda, corpo diplomático e fiscalização; as políticas públicas, sobretudo, saúde, assistência social, cultura, ciência e tecnologia, educação, trabalho e previdência; o setor de serviços como, por exemplo, as privatizações que ocorreram nas empresas estatais estratégicas, como energia, mineração, telecomunicações, recursos hídricos, saneamento e outros (ANDES, 2007 p.07). Atualmente, o Estado pressionado pela financeirização capitalista trabalha Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). para manter elevados índices de superávit primário, reduzindo recursos para o investimento de políticas publicas essenciais ao desenvolvimento. Portanto, as escassas políticas públicas tendem a ser seletivas na garantia aos direitos sociais universais, anteriormente garantidos na Constituição Federal, o que vai refletir no desmonte paulatino dos direitos arduamente conquistados nas últimas décadas. Por inúmeras vezes, as emendas parlamentares reforçam a lógica do favor, a responsabilidade e o uso dos recursos públicos em favorecimento de interesses particulares como, por exemplo, as verbas destinadas a instituições dos políticos representativos. Essas ações cotidianas criam barreiras para a consolidação e expansão das políticas sociais como direitos garantidos na carta constitucional. Assim, a política social, em tempos neoliberais, perde seu caráter universal e redistributivo anteriormente proposto, precarizando as relações de trabalho e contraindo os encargos sociais e previdenciários em detrimento das estratégias de extração de superlucros. Nesses moldes, tende-se a reduzir os direitos sob alegação de uma crise, num contexto onde as forças de resistência encontram-se fragmentadas e desorientadas. O que se tem é uma política econômica que produz mortos e feridos e uma política social que mais parece “[...] uma frágil ambulância que vai recolhendo os mortos e os feridos que a política econômica vai continuamente produzindo” (KLIKSBERG, 1995: 35 apud LANDER, 1999: 466). E se os direitos arduamente reivindicados e promulgados no texto constitucional passam por duros ajustes fiscais, a dicotomia entre direito e realidade permanece inalterada, num contexto marcado pela dura concentração de renda, com pouca melhora nos indicadores sociais. Tem-se a partir daí a consolidação de um quadro de retrocesso social com aumento da extrema e de uma “nova” pobreza acompanhado de uma pauperização das políticas sociais (SOARES, 2000). 44 Por sua vez, as privatizações ocasionam uma dualidade discriminatória entre os que podem e os que não podem ter acesso devido à ausência de disponibilidade financeira para acessar aos serviços outrora privatizados, no mesmo ritmo que proporciona lucratividade para o capital (BEHRING, 2008). Em termos de Seguridade Social, tem-se o reforço da universalização excludente, cujos rebatimentos proporcionam uma quebra da uniformização dos serviços e a intensificação do processo de privatização no âmbito da política social, o que vem consolidar um verdadeiro movimento de transferência patrimonial, além de expressar o processo mais profundo da supercapitalização. A Seguridade Social também foi influenciada pelo movimento do avanço da hegemonia do capital por meio do fenômeno de uma suposta cultura da crise, tendo em vista um consenso ativo da população, quando o país passa a aderir a tendência de privatização programas de previdência e saúde e ampliação dos programas assistenciais em simultaneidade com as mudanças no mundo do trabalho e com as propostas de redirecionamento das intervenções sociais do Estado. Uma tendência do Estado após a contrarreforma foi o retorno das famílias e das organizações sem fins lucrativos na condução das políticas sociais, transformando o suposto “terceiro setor” na forma primeira de viabilizar o atendimento das necessidades sociais. Este apelo ao “terceiro setor” ou a sociedade civil organizada configurou-se como primeiro recurso para o atendimento das necessidades, conduzindo a um retrocesso histórico com a refilantropização da política social, ou seja, tem-se um retorno ao passado sem esgotar todas as possibilidades da política pública na sua forma constitucional (NEVES, 2008). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). Podemos entender, com base em Gramsci, que a hegemonia se for compreendida como cultura numa sociedade de classe, tem a capacidade de controlar e produzir mudanças sociais através da interiorização de um complexo de experiências, relações e atividades (OLIVEIRA, 2009). Em Gramsci o conceito de hegemonia perpassa por toda sua obra, como ponto inicial desse conceito, o filosofo afirma que “o proletariado pode se tornar classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianças que lhe permite mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a maioria da população trabalhadora” (GRAMSCI, 2001), ele também associa a essa teoria a concepção de mundo, que segundo o pensador filosofia e política não se separam, pois são fatos políticos. As políticas sociais postas como funções econômicas do Estado para a reprodução da força de trabalho, segundo referencial teórico marxista, contribuiu massivamente para superar a visão adversa da questão social. Ao separar as questões pertinentes do trabalho das questões relativas à garantia de direitos acaba por desarticular a organização das classes operarias, afastando a organização sindical da organização popular, contribuindo dessa forma limitando suas lutas frente aos contornos das relações sociais capitalistas. Favorecendo o processo de alienação do trabalhador deixandoo a mercê de uma transformação estrutural. Observamos isso no texto de Gramsci que relata a forma que as políticas sociais contribuem para a manutenção da ordem dominante A dicotomia no trato das políticas sociais contribui para manter a participação política das classes dominadas no patamar mais elevado do nível econômico-corporativo, aquele que chega a questionar a natureza de classe do Estado capitalista, mas não contribui a ultrapassar esse limite da consciência crítica coletiva. Pelo contrário, ela contribui para dificultar a superação do nível econômico-corporativo para o nível ético-político da participação popular, aquele estágio da luta que põe em 45 questão a natureza mesma das relações capitalistas de produção (GRAMSCI, 2001, p.175). Depois de atravessar sucessivas crises, o capitalismo neoliberal nos anos 2000 redefiniu suas estratégias estatais de reprodução ampliada do capital, entre as quais as de reprodução da força de trabalho que, neste âmbito, se da através das políticas públicas. Nesse trabalho, serão analisadas as políticas sociais no mundo contemporâneo como instrumento de difusão da nova “pedagogia da hegemonia” (NEVES, 2008) do capital que tem como objetivo consolidar entre nós um novo padrão de sociabilidade, através da responsabilidade social. A classe dominante utiliza de ações políticas e ideológicas para assegurar em nível mundial e no interior da formação social e concreta, a partir da redefinição do projeto de sociedade e sociabilidade para o início do século XXI. Num primeiro momento, a nova hegemonia traz em seu bojo a viabilização do retorno ou da permanência de um conjunto significativo da população ao nível mais primitivo da convivência coletiva, organizando-se conforme a posição na produção sem maior consciência dos seus papeis econômicos e político social. Nesse sentido são incentivados pela aparelhagem estatal formas de participação política caracterizadas pela busca de soluções individuais ou grupais para problemas coletivos que contam com organismos diversos da sociedade civil e por empresas. A nova pedagogia então se traduz no desmantelamento ou refuncionalização dos aparelhos privados de hegemonia da classe trabalhadora que vinha até então se organizando com o intuito de ampliação de direitos através de um projeto socialista de sociedade e sociabilidade. Este é para esta autora o segundo momento do movimento da nova pedagogia. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva (2012). A partir daí a pedagogia da hegemonia passa a atuar no sentido de restringir o nível consciência política coletiva dos organismos da classe trabalhadora no âmbito ético político ao nível econômico corporativo com vistas de incentivar as classes trabalhadoras organizada na concertação social. A partir daí temos o estímulo entre os trabalhadores organizados a efetivação de práticas voltada para a disseminação da pequena política que, contraditoriamente, propicia a essa importante fração da classe de dominados a disseminação da grande política que é a dominação como pode ser notado no trecho a seguir Sem riscos para o capitalismo, a organização desses grupos, sem qualquer vinculação com lutas históricas das classes dominadas, pode desviar a atenção de importantes segmentos das classes dominadas da reflexão sobre os mecanismos de expropriação e exploração a que são submetidos ao reunir indivíduos para tratar de seus problemas específicos, desvinculados das questões sociais gerais. Ausência da consciência do interesse coletivo, que levam esses movimentos a perder seu foco objetivo que a garantia dos direitos de cada individuo em âmbito coletivo (NEVES 2008, p.03). As políticas sociais privatistas, fragmentárias, focalistas e localistas do neoliberalismo tornaram-se um dos elementos viabilizadores das metamorfoses das práticas políticas ideológicas conservadores do estado capitalista na atualidade. Para Gramsci, a terceira via vem se constituindo um instrumento poderoso da disseminação da nova pedagogia da hegemonia. Drucker (2002) explicitou de forma ímpar o conteúdo dessa nova ideologia da conservação social. Em seu texto intitulado “A cidadania através do setor social”, vaticinando: As necessidades sociais irão crescer em duas áreas: Em primeiro lugar, elas irão crescer naquilo que tradicionalmente tem sido considerado caridade: ajudar 46 os pobres, os incapacitados, os desamparados, as vítimas. Elas irão crescer ainda mais rápido, com respeito a serviços que visam mudar a comunidade e mudar as pessoas (DRUCKER, 2002,p.79). Tais observações, vindas desse importante intelectual orgânico da burguesia mundial, permitem a constatação de que a ideologia da responsabilidade social, mais do que alicerçar a filantropização da questão social, realiza de fato uma profunda reforma intelectual e moral do homem individual e coletivo contemporâneo, com vistas a perpetuar, sob nova roupagem, a dominação burguesa neste século. Nessa perspectiva, a análise da difusão da ideologia da responsabilidade social no espaço brasileiro pressupõe a adoção do conceito ampliado de Estado gramsciano, no qual sociedade política e sociedade civil constituem um bloco histórico em permanente mutação e interação. O que quer dizer que a execução de ações aparentemente autônomas de responsabilidade social, realizadas por distintos sujeitos políticos coletivos na sociedade civil na atualidade, fazem parte de um projeto estatal de construção da nova sociabilidade do capital. 2.2 AS ASSUMIDAS SOCIAIS NEOLIBERAL PARTICULARIDADES PELAS POLÍTICAS NUM CONTEXTO As pressões dos organismos internacionais forçaram as contrarreformas, que atingiram duramente a seguridade social brasileira que pedia ajustes como política econômica regressiva para favorecer o capital financeiro em detrimento do capital produtivo, elevadas taxas de juros, aumento da carga tributária. “Essas medidas de ajuste fiscal tem implicações Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). negativas para as políticas sociais de um modo geral e para seguridade social de modo mais específico” (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). No Brasil foram implementadas reformas “não estruturais” que podem ser compreendidas como mudanças que não eliminaram o sistema público e nem introduziram um sistema privado como sistema geral, mas modificaram a abrangência e estrutura dos benefícios. Essas “reformas” favoreceram a abertura de um amplo mercado para os seguimentos que compuseram a seguridade social no Brasil, porém, não garantiu a milhões de pessoas a proteção social Em todos os debates sobre as “reformas" da previdência, contudo, não se verificam proposições concretas no sentido de incorporar os milhões de trabalhadores que vivem relações precarizadas de trabalho não contribuem para a seguridade social e, portanto, não tem acesso aos direitos previdenciários, conforme apontada anteriormente. Nesse sentido, as propostas “reformas”, mais que apresentar alternativas para incluir os trabalhadores que hoje estão fora do sistema, se dirigem para restringir benefícios daqueles que ainda possuem trabalho estável e acesso à previdência social (BOSCHETTI et. al, 2009, p.187). O “desastre social” brasileiro (SOARES, 2003), devido à agudização das sequelas da questão social em decorrência da ideologia neoliberal tem se configurado com pressuposto para programas sociais desvinculados do aparato estatal, favorecendo a privatização da política social e delegando aos organismos privados a responsabilidade da formulação e execução de tais políticas financiadas pelo Estado. Essas mudanças na execução das políticas sociais possuem forte caráter ideológico e de desresponsabilização estatal já que Esse processo se expressa em uma dupla via: de um lado na transferência de responsabilidades governamentais 47 para “organizações sociais” e “organizações da sociedade civil de interesse público”; e de outro lado uma crescente mercantilização do atendimento às necessidades sociais, abrindo espaços ao capital privado na esfera da prestação de serviços sociais. A perspectiva que se anuncia “é promover a ampla reformulação das normas que regem o federalismo fiscal brasileiro e encarar a realidade quanto à implosão do conceito de seguridade social, tal como contemplado na constituição de 1988” (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p.73). Dentre as ideias disseminadas com relação ao Estado, estão as que opõem o Estado e a sociedade civil, afirmando o Estado como pura negatividade cerceadora e coercitiva mediante a pura positividade a sociedade civil como espaço de liberdade. Correlacionando com essas ideias, temos o aumento da execução das políticas sociais pela sociedade civil organizada e desobrigação paulatina do Estado pelas expressões da questão social posto que Sendo o Estado produtor direto do aumento da produtividade da força de trabalho se transforma em Estado gestor da reprodução ampliada do capital e do trabalho, no capitalismo neoliberal, ele se desobriga da execução direta de parcela significativa das políticas sociais e amplia consideravelmente o número de parceiros na sua execução, garantindo a sua presença, ainda que indiretamente, pela direção e gestão das parcerias, nesse importante segmento de sua política econômica (NEVES; PRONKO, 2008, p.105). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). Portanto, quando a sociedade civil assume a responsabilidade pela elaboração e execução das políticas sociais, não configura em uma desobrigação do Estado pela questão social, mais numa forma de reprodução ampliada da força de trabalho num contexto neoliberal. O Estado neoliberal além de coordenar a extensão da privatização das politicas sociais, também assume o papel de gestor da desigualdade social, quando limita o acesso aos benefícios sociais utilizando-se de parcerias, em especial a mídia, a igreja e os empresários (NEVES, 2008). A promoção de uma cidadania voluntaria através de ações assistenciais focalizadas são instrumento formador de uma nova sociabilidade do capital que por sua vez funcionam como estratégias de manutenção da hegemonia burguesa. Nesse cenário, o Estado neoliberal tem suas ações econômicas reduzidas ao patamar de apenas gerir a privatização, a fragmentação e a focalização das políticas sócias, essa desobrigação do Estado com as políticas sociais o favorecem, pois possibilita melhor reprodução ampliada do capital. Existe uma forte tendência do capitalismo de terceira via concentrar suas ações sociais nas mãos do empresariado. Por meio de ações de responsabilidade social, ou seja, de prestação de serviços sociais com vistas à formação de um novo homem e de uma nova cultura cívica, o empresariado em rede, as associações sem fins lucrativos e os governos têm ampliado consideravelmente sua ação na sociedade civil (NEVES; PRONKO, 2010). No Brasil, a política social ao ser analisada deve considerar os traços conservadores e autoritários da formação social, cultural e econômica, que historicamente se reproduziram na execução das políticas sociais, mas também não se pode perder de vista a possibilidade de forjar uma cultura de direitos a partir das lutas por políticas sociais universais, vistas como direito do cidadão e dever do Estado (OLIVEIRA, 2009). Com o objetivo de favorecer a transformação do Estado do Bem-Estar em sociedade do Bem-Estar, no sentido de delegar 48 a responsabilidade sobre as expressões da questão social para a sociedade a carga do Estado, este fenômeno vem se efetivando nos últimos 20 anos, através da implementação da aparelhagem estatal. Estabelece-se uma nova relação entre as duas esferas do ser social para propiciar, pela obtenção do consenso assumir o conjunto da sociedade ao ideário e práticas burguesas nos anos de consolidação de um novo imperialismo. O Estado necessário ao mesmo tempo em reduz a sua ação direta a prestação de serviços compensatórios as profundas desigualdades sociais protagoniza um novo papel de gerenciador de iniciativas privadas de parceiros, históricos e novos, com intuito de efetivar ações que contribuam para enfraquecimento dos movimentos sociais populares e, portanto, Essa nova sociedade civil ativa, sem antagonismos de classe, constitui-se em lócus fundamental da construção de um capital social necessário à sedimentação de uma nova cultura cívica e de uma nova cidadania política conformes aos interesses mais contemporâneos da burguesia mundial baseada na valorização da participação popular colaboracionista. Repolitização da sociedade civil no sentido de transformá-la de instância política de disputa de projetos societais em instância prestadora de serviços sociais de interesse público (NEVES; 2008, p.05). Portanto, o novo homem coletivo do inicio do século XXI esta sendo educado em todo o mundo e principalmente no Brasil para a responsabilidade social que se fundamenta na construção da sociedade do bem estar e na difusão da nova cidadania política e uma nova cultura cívica do neoliberalismo de face humanitária (NEVES, 2008). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). As ações de responsabilidade social, realizadas pelo Estado se juntam as ações dos “parceiros” na sociedade civil fomentando uma nova estrutura das políticas sociais e de um novo modelo de Estado. O consentimento ativo da população brasileira a esse novo associativismo burguês foi obtido por meio de ações culturais e políticas de diferentes tipos, implementadas concomitantemente por diferentes sujeitos políticos coletivos adeptos da ideologia da responsabilidade social (NEVES, 2008). Nesse novo cenário, a disseminação da ideia de responsabilidade social se apresenta como frentes de ação, mantendo um dos principais objetivos da burguesia que é o controle da organização social. A ideologia da responsabilidade social se distingue como frentes de ação e, apesar de suas características distintas, possuem o mesmo objetivo que o controle da classe dominante no controle da organização social. Podemos compreender como a primeira frente da responsabilidade social a difusão de valores que respaldam essa nova ideologia e tem papel de destaque a mídia, as escolas e as igrejas (NEVES, 2008). A segunda frente tem como objetivo diminuir o nível de consciência política conquistada a partir dos anos 1980, repolitizando a classe trabalhadora, atuam nessa frente os partidos políticos e os sindicatos subjulgados as classes dominantes. De um modo geral, pode-se afirmar com Fontes (2005) que a organização social dos anos de neoliberalismo não caminhou majoritariamente para a construção de uma contra-hegemonia (NEVES, 2008). A terceira frente de responsabilidade social está destinada a formação de novos sujeitos políticos que irão se dedicar a interesses extra-econômicos e suas ações no campo social têm o intuito de amenizar conflitos e redirecionam possíveis movimentos contestação da população. Estão envolvidos diretamente nessa frente os profissionais das áreas sociais. O empresariado nacional e grupos com interesses diversos assumem papel de destaque na formulação e difusão da ideologia da responsabilidade social, que tem 49 seus interesses atendidos paulatinamente através de ONGs (Organização NãoGovernamental) e OCIPs (Organização Civil Pública) (NEVES, 2008). Nesse contexto, implantada ainda, entre as práticas burguesas da atualidade, a criação de organismos que formulam a ideologia da responsabilidade empresarial. Esses organismos vêm atuando com objetivo de sistematizar ideias e projetos dentro do novo modelo de sociabilidade. Convencendo e mobilizando os próprios empresários dos mais diferentes setores produtivos em torno dessa nova ideologia e disseminando na sociedade a idéia do compromisso do capital pela causa social. Tem se tornado cada vez mais orgânica a atuação empresarial em torno de ações de responsabilidade social (NEVES, 2008). Por fim, é essencial ter em pauta que crise que ora se propaga coloca para a burguesia brasileira a necessidade reformular suas ações para que consiga manter a reprodução ampliada da força de trabalho. Acreditamos que as reflexões sobre a natureza do Estado capitalista neoliberal e das políticas sociais podem certamente se configurar em ferramentas eficazes para o entendimento do desenrolar desses novos acontecimentos. E apesar das políticas sociais no Brasil assumirem um papel confessadamente reforçador da ideologia dominante, elas podem, e devem necessariamente e contraditoriamente, constituir-se, também, em instrumento de organização popular com vistas à construção de outra hegemonia. 3 PARA DISCUSSAO DO SERVICO SOCIAL Pretendemos através da realização dessa pesquisa, estabelecer uma dialogo com os demais autores que compartilhar do referencial teórico Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). Marxista. E entre eles temos Behring e Boschetti (2011) que parafraseando Netto (1991) visa romper com aquela perspectiva modernizadora [...] é realizada por assistentes sociais sintonizados com o processo de redemocratização do país, com a perspectiva de superar a desigualdade social, que trava uma interlocução com a tradição marxista. Se essa interlocução situou o Serviço Social em relação à política social e ao processo históricosocial concreto numa perspectiva radicalmente democrática e teoricamente mais qualificada, esse processo não esteve isento de contradições que merecem uma analise critica. O entendimento da totalidade como um processo dinâmico e multifacético (Netto) é uma condição fundamental para apreender o real significado e o motivo da política social e das relações e ações dos assistentes sociais com seu objeto de trabalho nesse novo contexto de mundialização da economia sob a hegemonia das finanças. Luta pela realização dos direitos deve ser entendida numa perspectiva sócio-histórica e submetida às tensões sócio-político-culturais na disputa entre projetos societários distintos. Trata-se e apanhar as determinações que permitam entender e “desconstruir as alienações que mobilizam a condição humana e liberar suas energias emancipatórias” (TERTULIAN, 2004, p. 4). O pensamento marxista fornece justamente os substratos teóricos necessários para inscrever o movimento do real no interior de uma processualidade histórica em que nenhuma dimensão da sociedade está livre das determinações estruturais da sociedade vigente. A apreensão do pensamento marxista permite reunir um conjunto de mediações capaz de superar os reducionismos, tanto de tipo economicista quanto politicista, as unilateralidades, o fragmentário, assim como as análises desconectas da realidade, ahistóricas, acríticas, que negam os fenômenos em suas múltiplas determinações. E para a formação de uma nova cultura livre dessas visões reducionistas e que moldam o indivíduo ao sistema dominante é fundamental o entendimento da realidade em sua totalidade, como única forma de assegurar 50 aos sujeitos coletivos seus direitos já que o capital tem se utilizado das demandas sociais para gerir a sociedade em favor de interesses burgueses. Então é Necessário analisar as determinações econômico-políticosócio-culturais que possibilitaram a emergência da pluralidade desses sujeitos coletivos, reivindicando os mais variados tipos de direitos e de como as questões no campo da diversidade, ao se tornarem demandas ético-políticas para o reconhecimento de direitos, foram absorvidas pelo sistema do capital e respondidas de acordo com seus interesses particulares, mediados pela intencionalidade objetiva de confundir orientações teóricopolíticas, para que todos pensem que estão defendendo a mesma proposta, não porque estejam unificados, mas por estarem convencidos ideologicamente de que há só uma única alternativa que é adequar-se à ordem vigente e desenvolver ações na intenção do aperfeiçoamento do sistema do capital (BOSCHETTI et. al, 2009,p.82). Importante refletir e fazer a crítica aos sujeitos coletivos quando a luta pela realização dos direitos deixa de ser a principal finalidade e passa ser um campo privilegiado para a manutenção e fortalecimento da ideologia capitalista. Consequentemente, perde a referência necessária para transformação social, aumentando as práticas voluntaristas que velam a realidade de exploração e da opressão e inibem a construção de uma sociedade igualitária e libertária. Essa concepção de vida superior, que supõe a compreensão crítica de si mesmo e do mundo “é obtida através de uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de direções contrastantes, primeiro no Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria da concepção real” (GRAMSCI, 2001, p.103). Nesse sentido, além de representar o progresso político-prático, o desenvolvimento político do conceito de hegemonia se apresenta como um grande progresso político. Isso porque implica e pressupõe a coexistência de uma unidade intelectual aliada a uma ética adequada a uma concepção do real que transcende ao senso comum, tomando um viés crítico, ainda que sob bases restritas (GRAMSCI, 2001, p. 104). Analisando as argumentações de Gramsci (2001), concluímos que o marxismo é singular no que se refere concepção de mundo e que pode nortear a classe trabalhadora rumo à função hegemônica. E desta forma seria possível construir não só novas relações políticas e estatais, mas também uma nova cultura no sentido de uma reforma intelectual e moral. Nítido na teoria gramsciana, reside não só em entender os problemas da totalidade em um determinado contexto histórico, mas, especialmente, erguer a hegemonia da classe trabalhadora. A ideia de hegemonia em Gramsci (2001) consente analisar não só a hegemonia das classes subalternas, mas também a hegemonia das classes dominantes e os instrumentos utilizados por estas no sentido de reproduzir a subalternidade e a dominação da classe trabalhadora hoje. No caso específico do Brasil, os elementos conservadores que emprestam materialidade à formação social do país têm sido apropriados pelas classes dominantes como mecanismos de reprodução das formas de dominação e de mando das classes subalternas. Mas se, por um lado, a trajetória brasileira tem sido marcada pela reiterada negação de direitos, do outro, a luta por esses direitos tem sido marcada pela apreensão da hegemonia burguesa em seu sentido amplo, de conhecimento dos instrumentos que são apropriados para reprodução da classe dominante e da construção de movimentos de contra-hegemonia engendrados ao longo da história (BOSCHETTI et. al, 2009). 51 Outra característica da sociedade brasileira é a polarização entre carência e privilegio, e tem sua gênese não apenas na concentração de, mas igualmente nos moldes do capitalismo neoliberal da política social. Desta forma se tem a diminuição do espaço público e o aumento do espaço privado. Assim, à medida que essas práticas reproduzem favorecem para delongar a consolidação de direitos e a construção de uma nova cultura política, baseada no direito, na ética, na cidadania, nas relações democráticas horizontais e na participação popular. Importante ter sempre no horizonte da profissão, que esse é um campo de disputa e que a sucesso das forças dominantes não está dada. O empresariamento dos serviços sociais criou uma nova burguesia de serviços tem ocupado uma posição ímpar no bloco atualmente no poder e, embora, não disponha do mesmo poder econômico do capital financeiro ou industrial, a nova burguesia de serviços tem função de grande valor na estratégia na política neoliberal. Favorece diretamente todas as frações da burguesia, que defende a redução dos gastos sociais governamentais, bem como da campanha neoliberal de estigmatização/desqualificação do serviço público (BOITO JUNIOR, 1999). Esses “serviços sociais burgueses” se beneficiam, ainda, das políticas de precarização das relações de trabalho, patrocinada pelas medidas de desregulamentação do trabalho implementadas no decorrer dos anos de capitalismo neoliberal, o que cooperou massivamente para a ampliação da taxa de mais valia e de exploração. O empresariamento dos serviços sociais atende a importantes determinações da ideologia em hegemonia contribuindo para consolidar a ideologia neoliberal, sedimentando a hierarquização e a desigualdade na prestação de serviços, reforçando a Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 39-53, Janeiro - Junho, 2012. Silva et al. (2012). 52 ideologia do individualismo como valor moral radical, preparando novos intelectuais orgânicos da nova sociabilidade do capital, auxiliando fatalmente para dirigir a ação do Estado nas políticas sociais fragmentadas e focalistas. Esses novos intelectuais orgânicos, dentre os quais os assistentes sociais, deveriam ter como ocupação principal a promoção da valorização da igualdade e da dignidade humana enquanto valor primordial da convivência coletiva e, ao invés, solidificar o individualismo como valor moral radical, a partir de práticas localistas de prestação de serviços sociais na sociedade civil. Nesse sentido do trabalho desses “prestadores de serviços sociais” deve ser motivo de apreensão e de estudo entre os que se dedicam à fomentação, em nosso país, de uma pedagogia da contra-hegemonia. BOITO JUNIOR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Xamã, 1999. CONSIDERAÇÕES FINAIS IAMAMOTO, Marilda Villela. “Estado, classes trabalhadoras e política social no Brasil”. In: BEHRING, Elaine Rossetti; et. al. (orgs.). Política Social no Capitalismo: tendências contemporâneas. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2009. De fato, nesse estágio mais recente do capitalismo, as políticas sociais continuam a se constituir em ação estatal estratégica na reprodução ampliada da força de trabalho, com vistas a reverter a queda tendencial da taxa de lucro capitalista. A diferença entre os anos de Estado neoliberal e os anos de Estado de bemestar social, no que tange às políticas de reprodução ampliada da força de trabalho, consiste na redefinição da natureza de sua intervenção e não na sua desobrigação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDES. Universidade Nova: A face oculta da contra-reforma universitária. Brasília, março de 2007. Disponível em www.andes.org.br Acessado em 10 de abril de 2012. BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contrareforma: desconstrução do Estado e perda de direitos. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008. BEHRING; Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. BOSCHETTI, Ivanete. “Seguridade Social na América Latina”. 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Lamas (2012). 54 TRADUÇÃO DE TÍTULOS DE FILMES DO INGLÊS PARA O PORTUGUÊS: QUESTÕES DE LÍNGUA E MERCADO Área Temática: Linguística, Letras e Artes Lívia Paula de Almeida Lamas 1 1 Doutoranda em Direito Penal, Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado, Advogada, Licenciada em Letras, Professora e Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar os principais meios de tradução de títulos de filmes em Inglês para o Português, examinando, a partir da perspectiva de estudiosos da técnica de tradução, como Jakobson, Derrida, Sobral e Gentzler, o papel do tradutor na construção do texto traduzido; a questão da originalidade na transposição, e os efeitos resultantes do conjunto desse trabalho. Palavras-chave: tradução, mercado, títulos de filme. 1 INTRODUÇÃO Um dos fatores determinantes para a entrada de um filme no mercado de consumo é o seu título. Ele é o primeiro contato que o público tem com a obra, sendo muitas vezes, responsável pelo seu sucesso (ou fracasso) nas bilheterias e vendas. Anualmente, milhares de filmes falados na língua inglesa estréiam nos cinemas ao redor do mundo, bem como chegam às prateleiras de lojas e locadoras. Todavia, apesar de o título dos filmes poder permanecer na língua original, este fato raramente ocorre, pois para que ele seja aceito ou compreensível nos países para onde é exportado ele quase sempre acaba sendo traduzido para o idioma daquela região. As principais formas de tradução utilizadas pelo mercado cinematográfico são a tradução literal, a tradução com alteração, isto é, sem mudança de sentido, a utilização do título original seguido de aposto na língua do país a que se destina e, por fim, a tradução com significado completamente distinto do original. Essa pesquisa tomará como base o processo de tradução de filmes do inglês para o português do Brasil, de forma a propor uma reflexão sobre o ato de traduzir, levantar e analisar questões curiosas a respeito da tradução de títulos de filmes e abranger os problemas que residem por trás dessa transposição. 2 DEFININDO TRADUÇÃO Segundo o dicionário Houaiss, a palavra “tradução” tem como significado “a ação de levar em triunfo, ação de transferir de uma ordem a outra, curso, andar (do tempo); espécie de repetição”. A palavra “traduzir”, por sua vez, refere-se a “conduzir além, conduzir de um lugar para outro, transferir; dar a saber, publicar, divulgar; passar (o tempo); traduzir, verter, derivar (palavras)”. Etimologicamente a idéia da tradução abarca, portanto, a idéia de transportar algo de um lugar para outro. Isso significa que o ato de traduzir abrange um sentido muito maior do que a modificação de palavras de um idioma para o outro, mas envolve todo um conjunto de signos e culturas locais. Segundo Sobral (2008, p. 114), “traduzir é ‘tirar’ de um contexto e ‘integrar’ a outro, e por isso não é nem reproduzir um texto nem criar outro texto Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012. Lamas (2012). totalmente diferente”. Ele argumenta que a tradução literal de uma obra, às vezes não passa ao leitor informações de caráter utilitário, podendo, inclusive, resultar no ridículo. Para Derrida (1996, p.88) “nada é intraduzível num sentido, mas em outro, tudo é intraduzível, a tradução é um outro nome para o impossível”. Dessa forma, o grande problema que reside por trás do transporte de uma língua para outra é como fazê-lo sem que se produzam perdas ou alterações significativas de sentidos. Em “Teorias Contemporâneas da Tradução”, Gentzler (2009, p.197) faz uso do conceito de “différance”4, onde ele associa a tradução a algo como a voz do meio, uma operação nem passiva nem ativa, nem temporal nem espacial. Para ele, as traduções, em vez de fixarem o significado, estendem para novas fronteiras, abrindo novos caminhos para a diferença5. Esse jogo, porém, não tem significado, sua função é, ao mesmo tempo, esconder e revelar, a tradução seria o ponto de partida, cujo destino seria o resultado das interpretações dos leitores. É consenso, portanto, entre os autores citados, que a mera passagem de um idioma para outro já produz novos significados e provoca o desaparecimento de elementos presentes no texto original, de maneira que exigir uma tradução fidedigna seria um exagero, todavia, os mesmos autores concordam que o tradutor deve sempre buscar recompor a harmonia da outra língua de forma a não perder a essência do que se pretende traduzir. 3 DIVERGÊNCIAS ENTRE TRADUÇÕES DE TÍTULOS DE FILMES DO INGLÊS PARA O PORTUGUÊS: ORIGINAIS VERSUS ADAPTAÇÕES 4 “Différance” ao invez de escrever como Derrida, “differánce”, que para ele soa parecido, mas graficamente força o leitor a pensar em termos do inaudito. 5 Derrida considera essa interpretação de tradução um jogo de rastros. 55 Traduzir o título de um filme para outro idioma é um assunto delicado, uma vez que ele implica a representação minimizada do sentido geral produzido pelo enredo e é o primeiro chamariz para o público. Logo, uma tradução equivocada pode ser fatal para a sua aceitação no mercado. Assim, a tarefa de traduzir o título de um filme do Inglês para o Português não é fácil e para realizá-la com perfeição o tradutor deve não apenas dominar as duas línguas, mas também ser capaz de distinguir as suas sutilezas. De tal modo, devido ao caráter informativo e social da língua, alguns tradutores preferem manter o título na língua original e acrescentar um aposto em português, como é o caso, por exemplo, do filme “K-9” (1989), que foi traduzido para o português como “K.9 – Um policial bom para cachorro”. “K–9”, em Inglês, possui um interessante jogo analógico entre a pronuncia de “K–9” (= /keinain/) com a pronuncia de “canine” (= /keinain/), que significa canino em português. Dessa forma, o falante nativo da língua inglesa ao inferir a relação entre o titulo do filme “K–9” com o seu conteúdo, poderia sentir atraído a assistir o filme. Todavia, o título “K-9”, isolado, não representa nada para um falante nativo de um país de língua portuguesa e, consequentemente, a probabilidade de atrair sua atenção é pequena. O aposto em português – “um policial bom para cachorro” - teve, portanto, a finalidade de correlacionar o protagonista, que atua como detetive, ao seu “parceiro” na história, que é um cachorro. O mesmo artifício foi utilizado na tradução do filme “Steal”, cuja tradução literal é furtar, roubar e que no Brasil, devido ao conteúdo do filme, em que ladrões utilizam apetrechos esportivos para realizarem fugas espetaculares, ganhou o aposto explicativo “Steal – Fuga alucinante”. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012. Lamas (2012). Segundo Fiorin (2006, p. 14), essa técnica já era compreendida por Saussure que, em meados dos anos 60, dizia ser a língua ”um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.” Note-se que a adição de uma sentença explicativa ao título original pode ser bastante pertinente, pois atrai a atenção do espectador, fazendo com que ele leia a sinopse do filme e, finalmente, o assista. Outros exemplos clássicos de tradução de títulos de filme que optaram por manter o título na língua original e acrescentar um aposto na língua portuguesa podem ser vislumbrados no quadro abaixo: Original Tradução literal Erin Brockovich Erin Brockovich Babe Babe Closer Mais perto Ghost fantasma Tradução seguida de aposto (utilizada no Brasil) Erin Brockovich Uma mulher de talento Babe - o porquinho atrapalhado Closer – Perto demais Ghost – do outro lado da vida Há tradutores, porém que, não obstante as dificuldades, conseguem ser fiéis aos títulos originais. A tradução ipsis literis pode ser constatada por exemplo em: “Ice Age” (2002), em português, “A Era do Gelo”, “Cast Away” (2000), em português “Náufrago”; “The Lord of the rings”, traduzido como “o Senhor dos anéis” e “MIB – Men in Black” (1998), “Homens de Preto”. No entanto, esse tipo de tradução literal é rara, além de muitas vezes resultar na transmissão de informações diversas das pretendidas, sendo mais adequado se optar 56 pela tradução com alteração, isto é, sem mudança de sentido. O filme ganhador do Oscar, “Menina de Ouro” (2004), por exemplo, tem como título original, “Million Dollar Baby” (2004). Traduzindo-o literalmente teríamos “Bebê de um milhão de dólares”. Ao ler este enunciado, o público brasileiro imaginaria se tratar de um típico filme hollywoodiano sobre bebês, cuja fortuna é estimada em um milhão de dólares ou cujo valor afetivo é inestimável – semelhante a filmes como “Home alone”, traduzido aqui, como “Esqueceram de mim”. No entanto, o filme “Million Dollar Baby” (2004) se baseia na história de uma jovem lutadora de boxe que se esforça para conseguir ser treinada para competições oficiais e para quebrar os preconceitos masculinos do meio esportivo. Logo, a idéia passada pelo título original seria incoerente à pretendida pela produção cinematográfica. Dessa forma, optou-se pela tradução com alteração, para que o filme se tornasse atraente para o público a que ele se destinava. O mesmo ocorreu com a tradução do filme “50 First Dates” (2004), cuja tradução literal em português “Os 50 primeiros encontros” foi intitulada “Como se fosse a primeira vez”, de forma a exemplificar de maneira clara o que Derrida argumentou sobre o jogo de rastros ou différance. A tradução em português do título oferece o ponto de partida para o decorrer da trama, pois a personagem principal, representada por Drew Barrymore, tem lapsos de memória graves e a cada novo amanhecer acorda sem lembrar de nada sobre sua vida recente. Adam Sandler, que se apaixona pela personagem de Drew, a cada alvorecer tem de reconquistá-la. Analisando o titulo original do filme – “50 First Dates” é possível observar que o que se tenta retomar é a idéia de que os personagens representados por Sandler e Barrymore Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012. Lamas (2012). se encontram e se apaixonam a cada novo dia. Assim, comparando o titulo original com a tradução com alteração, nota-se que esta esboçou a idéia de maneira tão eficiente quanto o original. A respeito dessa forma de tradução, o estudioso Lawrence Venuti (2002), defende que todo ato de tradução é necessariamente transformativo, criativo e invariavelmente interpretativo, podendo o texto traduzido apresentar múltiplas conotações intertextuais. Jakobson (1970), por sua vez, defende que qualquer tradução para uma segunda língua envolve uma violação do original, sendo praticamente impossível criar equivalentes “puros”. Na mesma linha Sobral (2008, p.119) assevera que o” problema da crítica que insiste na “fidelidade” continua a ser a idéia de que o dito original implica uma essencialidade de sentido, ou que ele impede que o feixe de possibilidades de sentido que todo texto cria intervenha em sua interpretação na sua própria língua e no ato de tradução. Ora, nem o autor poderia dizer o que é ser fiel ao texto dele, ao menos não sob todos os aspectos.” Sem sofrer nenhum tipo de adaptação, filmes de sucesso como “Onze homens e um segredo” (2001) poderiam amargar um fracasso nas bilheterias, pois o seu título original “Ocean’s Eleven”, literalmente significa “Os onze de Ocean”, algo que oferece múltiplas interpretações em nosso idioma. O resultado positivo da tradução com adaptação para o português realizada resulta da percepção de que o roteiro gira em torno da figura do protagonista (Ocean) que reúne outros onze homens para planejar um grande golpe em um Cassino. Esse tipo de tradução de título que para se adequar ao mercado brasileiro precisa passar por adaptações reforça o pensamento de Derrida (1996), que questiona o modelo de tradução como representação do significado original, posto que a tradução seria compreendida mais corretamente como um caso em que a língua está sempre no processo de modificar o texto original. No mesmo sentido apreende Sobral (2008 p. 120), para quem “a equivalência palavra a 57 palavra até existe, mas é rara porque a concepção geral é distinta. Para esse autor ao se traduzir algo deve-se descobrir o “justo meio”, ou seja, o tradutor tem o papel fundamental de analisar os aspectos semelhantes entre a língua original e língua a ser traduzida, assim como as particularidades socioculturais que as caracterizam. Por fim, em se tratando de traduções, há ainda quem defenda o uso do desconstrutivismo de Derrida (2005) na versão de títulos de filmes do Inglês para o Português. Assim, alguns tradutores, ao invés de adicionar o aposto explicativo ou realizar uma adaptação, optam por um título completamente diferente do original e da idéia pretendida por esse. Essa forma de tradução, no entanto, é arriscada, pois pode resultar em um saldo positivo ou em um verdadeiro fiasco. Como exemplos de filmes cujos títulos em português são completamente diferentes dos títulos originais, mas que foram bem acolhidos pelo público, têm-se: “It’s a wonderful life”(1946) que literalmente significa “é uma vida maravilhosa” e em português ganhou a tradução: “A felicidade não se compra”, cuja repercussão foi tão positiva que chegou a receber elogios de seu diretor, Frank Capra. “The Sound of Music” (1965), é outro clássico que ao invés de usar a tradução literal (“O som da música”) teve o seu título completamente modificado para “A Novica Rebelde”. O quadro abaixo exemplifica outros títulos que fizeram sucesso, muitos em razão da criatividade de seus tradutores. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012. Lamas (2012). Original Tradução literal Tradução com significado completamente distinto do original (utilizada no Brasil) Shallow Hal Hal Superficial O Amor é Cego Breakfast at Tiffany's Café da Manhã na Tiffany's Bonequinha de Luxo Jaws Mandíbulas Tubarão Mystic River Head in the Clouds Shane Rio místico Sobre Meninos e Lobos Três Vidas e um Destino The Big Country Cabeça nas Nuvens Shane (character’s name) O Grande País Os Brutos Também Amam Da Terra Nascem os Homens Em sentido oposto, na lista de filmes cujos títulos em português sofreram uma adaptação completamente incompatível com o título original, e o tradutor extrapolou na imaginação, resultando em um desrespeito ao intelecto dos expectadores, pode-se constatar: “Tremors” (1990), cuja tradução literal seria tremores, mas que foi adaptado para ”O Ataque dos Vermes Malditos”, “Epic Movie”(2007), tradução literal “Filme épico”, traduzido para “Deu a Louca em Hollywood”; “Sweetest Thing” (2002), tradução literal A Coisa mais Doce, traduzido como “Tudo para Ficar com Ele” e “Airplane” (1980), tradução literal avião, mas que no Brasil recebeu o título “Apertem os cintos... o piloto sumiu”. 58 filmes do Inglês para o Português, utilizando como respaldo os conceitos de grandes estudiosos da técnica de tradução. Pode-se constatar, primeiramente, que a tradução de títulos de filme no Brasil não está condicionada apenas a fatores lingüísticos, ela, busca, sobretudo, atender a propósitos comerciais, pois o que determina a capacidade de aceitação de um filme no mercado é seu título. Neste sentido, os debates entre os estudiosos da tradução baseiam-se, principalmente, entre o literal e o liberal, ou seja, entre o dever do tradutor se manter fiel ao título original e a sua liberdade para adaptá-lo quando assim o convier. Quando plausível, as distribuidoras não descartam a possibilidade de traduzir o nome de um filme literalmente. Todavia, muitas vezes a tradução ipsis literis é incompatível com o conteúdo do filme, sendo necessário adaptar o título, de forma a vislumbrar uma concepção realista para o impasse ou mesmo criar algo completamente novo. Essa liberdade, no entanto, deve encontrar limites, de forma a evitar títulos despropositados. É consenso entre os autores citados que a mera passagem para outro idioma já produz novos significados e provoca o desaparecimento de outros, presentes no texto original, de forma que seria um exagero exigir a fidelidade na tradução. Assim sendo, conclui-se que, devido à dificuldade em traduzir literalmente a maioria dos títulos de filmes do Inglês para o Português, as outras formas de tradução apontadas são uma boa opção para que um filme seja bem acolhido no Brasil, entretanto, resta claro que o tradutor deve buscar recompor a harmonia e a essência da outra língua. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve como objetivo enfocar o processo de tradução de títulos de Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012. Lamas (2012). REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: DERRIDA, J. O monolinguismo do outro ou a prótese da origem. Trad. Fernanda Bernardo. Campo das Letras,1996. _______. Pensar a desconstrução. São Paulo: Estação liberdade, 2005. FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à Linguística – I. Objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2006. GENTZLER, Edwin. Teorias Contemporâneas da Tradução. Trad. Marcos Malvezzi. São Paulo: Madras Editora, 2009. http://blogs.ua.pt/blogs/36074/ 11/10/2009 14:02h http://www.cinepop.com.br 15/10/2009 10:50h http://www.filologia.org.br 17/11/2009 23:42h – – - Acesso em Acesso em Acesso em INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. [CD-ROM]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. JAKOBSON, Roman. Linguística. Poética. Cinema. Tradução Haroldo de Campos et alii. Editora Perspectiva. São Paulo. 1970. SOBRAL, Adail. Dizer o ‘mesmo’ a outros: ensaios sobre tradução. São Paulo: SBS Editora, 2008. VENUTI, Lawrence. Escândalos da tradução. São Paulo: Edusc, 2002. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 54-59, Janeiro - Junho, 2012. 59 Souza (2012). 60 FUSÕES E AQUISIÇÕES: EFEITOS QUE PODEM SER TRAZIDOS POR ESSA METODOLOGIA ESTRATÉGICA Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas/ Administração Reginaldo Adriano de Souza 1 1 Mestrando em Adminstração, Especialista em Gestão do Agronegócio e em Formação de Professor para o Ensino Superior. Graduado em Administração. Professor da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). RESUMO Uma das poucas certezas que existe nos dias atuais é que as mudanças têm se apresentado de modo constate e cada vez mais acirrado no meio organizacional. A nova economia mundial globalizada gera efeitos sobre as empresas e, portanto, sobre o planejamento das mesmas. Essas empresas têm buscado novas metodologias para se manterem vivas e atuantes, alguma têm passado por processos de fusão ou aquisição nessa busca pela sobrevivência. Alguns questionamentos são levantados sobre a influência dos ambientes organizacionais, tanto interno quanto externos, na administração estratégica mercadológica. A globalização, de certa forma, tem contribuído para o processo de fusões e aquisições (F&A) dentro do Brasil e ainda trabalhado o marketing internacional como estratégia de crescimento e sobrevivência das empresas. Desta forma pretende-se verificar as características dessa nova realidade apontando os aspectos motivadores e os entraves deste processo de F&A. Palavras-chave: Globalização; fusões; aquisições; marketing. INTRODUÇÃO Em tempos de mudança e competitividade no mundo corporativo vários são os estudos na busca pela eficácia organizacional e pela sobrevivência da mesma, tornando se fundamental para as organizações o entendimento do mercado bem como sua evolução. A globalização tem influenciado diretamente a relação das organizações, sejam elas fornecedoras, parceiras ou concorrentes, o que demanda os gestores organizacionais uma visão holística da cadeia produtiva e de todos os atores interessados no processo produtivo, bem como no mercado. Gracioso (2007) enfatiza a necessidade de uma estratégia mercadológica para as organizações obterem um melhor posicionamento no mercado, isso propiciará uma manutenção e até mesmo um crescimento no marketing share da empresa. Kotler (1998) ressalta também a necessidade de conhecimento do ambiente externo de marketing como forma de se obter uma vantagem competitiva e assim perenizar a ação organizacional no mercado em que ela atua. Na busca da sobrevivência neste mercado competitivo surgiu nos últimos anos, com mais freqüência, o número de empresas que passaram pelo processo de fusões ou foram adquiridas por empresas multinacionais, ou até mesmo nacionais de maior porte (AVELAR; ARAÚJO, 2009; CAIXETA, 2010). Essas mudanças, provavelmente, tem interferido no mercado e conseqüentemente o consumidor tem sofrido com o reflexo dessas estratégias de F&A. O que se espera com este artigo não é esgotar o assunto de Fusões e Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. Souza (2012). Aquisições, pois o mesmo é amplo e cheio de aspectos específicos em cada processo, pois envolve fatores culturais que são únicos e interferem de forma diferente de conformidade com as empresas adquirentes, adquiridas e ainda pelo processo gerencial. O que se pretendeu foi levar a uma maior discussão sobre esse assunto que tem sido veiculado freqüentemente nas mídias de comunicação como um método cada vez mais utilizado e ainda pouco debatido no meio acadêmico. O assunto é tão complexo que os autores não chegam a um consenso se fusão e aquisição pode ser considerado a mesma coisa, legalmente percebe-se que existe diferença, no entanto segundo alguns autores estudados como Caixeta (2010) e Harrisson (2005) na prática mercadológica os termos acabam sendo tratados como um só (F&A). Sendo assim procurar-se-á apresentar a seguir o conceito de Fusões e Aquisições evidenciando os efeitos que podem ser trazidos por essa metodologia estratégica. 1 CONCEITUANDO GLOBALIZAÇÃO: MERCADO E Para um maior aprofundamento dos termos F&A se faz necessário entender o contexto onde surge a necessidade de organizações se unirem ou adquirir novas empresas, e para isso deve haver uma compreensão do que é mercado e a definição de globalização. Ferrel e Hartline (2005) conceituam o mercado como um conjunto de atores que compram produtos dos vendedores, de um lado os vendedores ávidos por satisfazer as necessidades dos consumidores através de um produto ou serviço e por outro lado os compradores que estão dispostos a efetuarem um pagamento pela satisfação de suas necessidades. Kolter e Armstrong (2008) corroboram com o conceito anterior ressaltando ainda que as organizações devem administrar os esforços de marketing com eficácia, mensurando a demanda para que sua oferta possa ser efetuada nos melhores índices possíveis atingindo o mercado consumidor. 61 Michael Porter apresenta cinco forças que em sua concepção interfere diretamente na competitividade de um setor: poder de negociação dos fornecedores, poder de negociação dos consumidores, novas entrantes no mercado, bens ou produtos substitutivos e ainda a rivalidade presente no setor (BETHLEN, 1998). O autor afirma que o bom posicionamento das organizações frente ao seu mercado pode ser determinado pela análise dessas forças e que estes fatores influirão na estratégia competitiva da empresa. Michael Porter apresenta ênfase especial ao caráter de concorrência uma vez que duas forças são intimamente ligadas a essa especificidade: novos entrantes e rivalidade existente. Sendo assim a concorrência pela manutenção da existência organizacional tem sido acirrada atualmente e os gestores necessitam estar atentos ao ambiente em que está inserida a empresa. No entanto, o mundo tem passado por mudanças significativas nas décadas iniciais deste novo milênio e, portanto há de se considerar a nova realidade dar organizações no mundo tido como globalizado. Lacombe (2009, p. 291) conceitua globalização como uma "integração crescente de todos os mercados [...] bem como dos meios de comunicação e transportes de todos os países no planeta. A globalização tende a exigir maior preparo cultural e profissional de todos os que participam do mercado de trabalho". O autor salienta ainda que a sociedade sofre cada vez mais influência de todos os países, principalmente nas esferas política e econômica. Essa globalização foi impulsionada, segundo Héau (2001) pela facilidade de comunicação, mercado financeiro global, maior semelhança das necessidades dos clientes, abertura econômica dos países. O autor sugere ainda que as empresas que desejam se expandir nesse mercado globalizado Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. Souza (2012). poderá realizá-la por meio das aquisições e fusões. Segundo Lacombe (2009) existem quatro tipos de globalização: da demanda, da oferta, da competição e da estratégia. A competição e a estratégia buscam a maximização dos lucros pensando em termos globais e não mais de países de forma individual, proporcionando maior vantagem competitiva para gerar maior ganho organizacional. Ainda segundo o autor "a globalização da oferta é facilitada pela concentração dos negócios, por meio de fusões, aquisições e alianças estratégicas." (LACOMBE, 2009, p. 292). Na realidade as empresas é que concorrem e não os países, desta forma a globalização trás para perto os concorrentes doravante distantes e acirra a competição na indústria e comércio. O autor cita ainda algumas vantagens e riscos da globalização apresentadas aqui em forma de Quadro I: Quadro 1: Vantagens e riscos da globalização Vantagens Riscos Livre comércio Especulações em de mercadorias. escala devido ao fluxo de recursos financeiros. Livre fluxo recursos financeiros. de Diminuição da soberania dos países. Aumento no Geração de uma fluxo de padronização e informações. conseqüentemente empobrecimento cultural. Fonte: Adaptado Lacombe (2009) A globalização interferiu na economia global levando o Brasil a uma abertura econômica no final da década de 80 obtendo um novo posicionamento frente ao mercado internacional e já na década de 90 se intensifica o movimento de fusão no país. Entre 1990 e 1999 foram 2.783 transações (entre fusões e 62 aquisições no Brasil (ROSSETTI, 2001). Assim, independentemente dos riscos e vantagens, a globalização é uma realidade no mercado atual e as organizações precisam se adaptar a essa realidade. Como exposto acima as fusões e aquisições têm sido utilizadas pelas empresas no intuito de se manterem no mercado e aumentar sua participação no mesmo. 2 CONCEITOS AQUISIÇÕES: DE FUSÕES E O aumento das estratégias de crescimento através de fusões e aquisições por parte das organizações, como citado anteriormente, aumentou no mundo corporativo, contudo existe diferença entre os termos: fusão e aquisição, faz-se, portanto, necessária a diferenciação entre eles. Rossetti (2001, p.72), de forma clara e objetiva classifica fusão como "união de duas ou mais companhias que formam uma única empresa, geralmente sob controle administrativo da maior ou mais próspera", enquanto que a aquisição é "a compra de controle acionário de uma empresa por outra". Dodd6 (1980) apud Caixeta (2010) elucida que na fusão as partes envolta no processo apresentam um porte semelhante e existe uma permuta simples de ações, dando origem a uma nova organização. Caixeta (2010) afirma ainda que na aquisição ocorra a compra de uma firma por outra e apenas uma delas manterá a identidade Tanure e Cançado (2005) acreditam que após a concretização do processo de fusões, na prática o que se revela como uma aquisição. 6 DODD, P. Merger proporsal, management discrition and stockholder wealth. Journal of Financial Economics, Amsterdam: North Holland, v. 8, n. 2, p. 105-137, Jun. 1980. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. Souza (2012). Com a fusão, as entidades que eram anteriormente independentes desaparecem legalmente; assim esse processo envolve a combinação completa de, no mínimo, duas empresas para formar uma terceira com identidade própria. Dado que, na prática, a ocorrência de fusões, no sentido estrito da teoria, é baixa, a expressão F&A acaba por significar basicamente aquisições. (TANURE e CANÇADO, 2005, p. 12). Caixeta (2010) acredita que a fusão acaba se tornando uma forma de aquisição embora que juridicamente sejam tratadas de forma diferente. O autor faz ainda menção às palavras de Harrison7 (2005) que defende a aquisição é uma das formas mais comuns de aquisição. que obter lucros além de se sustentar pagando impostos e salários é cada vez mais difícil, alguns grupos optam por juntar forças. (BUSNELLO e STORTI, 2010, p. 51). Avelar e Araujo (2009) também apresentam alguns motivos que podem levar as organizações a se unirem ou adquirirem umas as outras: (i) a possibilidade das empresas construírem uma rápida presença local, diminuindo as barreiras de entrada, os custos e tempo de implantação de uma nova unidade de negócio; (ii) ganhar poder de mercado; (iii) alavancar novos ativos; (iv) explorar conhecimentos mercadológicos e tecnológicos e sobretudo, embora possam ser diversas as razões estratégicas que levam ao processo de decisão de uma aquisição, a lógica determinante é a criação de valor (HASPESLAGH; JEMISON8 APUD AVELAR; ARAUJO, p.1) 2.1.1 FATORES QUE LEVAM AS ORGANIZAÇÕES AO PROCESSO DE F&A: A globalização contribuíu para o processo de F&A, mas não é o único fator que corrobora com esta realidade, existem outras razões que têm levado as organizações a se fundirem. Entre essas razões, segundo Patrocínio; Kayo; Kimura (2007), ressalta-se: a instabilidade de vendas e portanto da lucratividade organizacional, alteração na competitividade, o crescimento das incertezas. Busnello e Storti (2010) asseveram que F&A apresentam objetivos de aumento de participação no mercado, segundo eles: I ndependente do setor de atuação, o pensamento é sempre superar o concorrente para, então, conquistar uma maior “fatia” do mercado e mais consumidores ou clientes. Obter a liderança, superar as vendas e ser lembrada pelos clientes em primeiro lugar, são os principais objetivos da fusão; em uma economia capitalista, em 63 A competitividade aumentou em níveis consideráveis nos últimos anos com o advento da globalização, isso obriga as organizações a buscarem novas tecnologias, encontrar novas frentes de comercialização, elevar a escala produtiva. Esse novo posicionamento é um desafio extremamente grande para uma única organização, para LACOMBE (2009) a solução encontrada pelas empresas é a compra de competidores ou ainda o processo de fusão. Caixeta (2010) busca a origem das aquisições e afirma o seguinte: 8 7 HARRISON, Jeffrey S. Administração estratégica de recursos e relacionamentos. Porto Alegre: Bookman, 2005. HASPESLAGH, P. C.; JEMISON, D. B. Managing acquisitions: creating value through corporate revewal. New York: The Free Press, 1991. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. 64 Souza (2012). [...] diversos fatores envolvidos como a globalização, o modelo de produção e finanças, fenômeno esse estimulado pela extraordinária e crescente liquidez internacional associada à criação e à rápida disseminação de novos instrumentos financeiros, destacando-se a expansão do progresso técnico em atividades industriais e de serviços e as novas tecnologias de transmissão de informações. (BOELLI9 apud CAIXETA, 2010, p.2) Desta forma Caixeta (2010) sintetiza bem os motivos que levam as organizações a ingressarem no processo de Fusões e Aquisições ao afirmar que no cenário competitivo ao extremo as empresas buscam por vantagens competitivas no mercado que lhes tragam uma maior lucratividade. Rossetti (2001, p. 81), apresenta três propósitos predominantes nas fusões e aquisições: "ganhos de market share; maior amplitude geográfica de atuação; crescimento, buscando-se ampliação de escalas operacionais". Segundo o autor esses três fatores são intimamente ligados ao crescimento e além deles o mercado de fusão e aquisição também se alimentou por objetivos de competitividade para fortalecer as empresas que competem na concorrência interna e até mesmo global. Rossetti (2001, p. 83), distribui os objetivos predominantes das F&A em porcentagens da seguinte forma: 9 BONELLI, Regis. Fusões e Aquisições no Mercosul. Rio de Janeiro. Relatório de Pesquisas IPEA: 2000. Figura 1: Objetivos das fusões e aquisições. Fonte: Adaptado Rossetti (2001). Acredita-se, portando que as organizações estão mais preocupadas com os aspectos ligados ás questões financeiras no processo de F&A. Tanure e Cançado (2005) em seus estudos apresentam algumas organizações que passaram pelo processo de aquisição, evidenciando o motivo que motivou tanto adquirentes quanto adquiridas a ingressarem neste processo (Quadro 2): Caso Motivo da adquirente Motivo da adquirida ABN AMRO/Banco Real Penetração no varejo, mercado brasileiro Questão sucessória, incerteza quanto ao posicionamento no mercado globalizado, ameaça de mudança na legislação. Banco Itaú/Banco Francês e Brasileiro Aquisição de know-how, competência diferenciada Problemas financeiros – venda de instituições na AL Banco Itaú/Banco do Estado de Minas Gerais, Expansão e consolidação geográfica Privatização Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. 65 Souza (2012). Bemge Grupo BelgoMineira/Mendes Júnior Siderurgia S.A. Consolidação de posição de mercado no setor Situação financeira precária dívidas Carlson Wagonlit Travel Crescimento, expansão geográfica Situação financeira precária Expansão de mercado na América Latina (AL) Sobrevivência no mercado globalizado, desvalorização da empresa. Expansão no Brasil e na AL Sobrevivência no mercado globalizado (CWT)/Agetur Rhodia Silica Systems Brasil/ Venesil Thyssen/Sûr – As empresas envolvidas no processo não serem corretamente analisadas; Falta de figuras externas do processo para conduzi-lo; Escolha da melhor alternativa; Não ser definida uma estratégia de forma antecipada; As identidades das organizações serem incompatíveis; Resistências do mercado; Estratégias incompatíveis Preços super-avaliados. Fonte: Adaptado Tanure e Cançado (2005) É evidente que o processo de F&A tem vários objetivos para os atores envoltos no processo, quando se lê sobre fusões e aquisições pode-se ter a idéia de que só tem benefícios e o processo é sempre vitorioso, no entanto não é tão fácil assim essa metodologia. Existem dificuldades a serem transpassadas que serão discutidas a seguir. 2.1.2 ENTRAVES DO PROCESSO DE FUSÃO E AQUISIÇÃO: Dificuldades podem surgir no processo de F&A, o que pode comprometer a estratégia ou trazer maiores desafios para os gestores envolvidos no momento da unificação das organizações. Lacombe (2009) ressalta as diferenças culturais como sendo uma das etapas mais complexas a serem trabalhadas, pois uma inevitável dispensa de funcionário poderá ocorrer inclusive com colaboradores da alta gerência. Pode-se, portanto, trazer algumas barreiras no processo de junção por parte dos colaboradores. Rossetti (2001) assinala algumas dificuldades que essas organizações possivelmente irão enfrentar no processo em questão: Barreiras institucionais-legais; As informações sobre as empresas serem confiávies; Segundo os estudos de Rossetti(2001, p. 83) as dificuldades mais citadas são: as barreiras institucionais-legais, entre elas, restrições impostas por órgãos de defesa da concorrência, como o Cade, ou lutas na justiça patrocinadas por partidos políticos e por sindicatos de trabalhadores, com visão estratégicas ou interesses contrariados, e a falta de informação, de orientações ou de condutores confiáveis [...]. (ROSSETTI, 2001, p. 83). As barreiras legais podem surgir na intervenção do governo na busca do equilíbrio nas forças que regem o mercado, buscando assim evitar a criação de um monopólio (onde apenas uma empresa dominaria o mercado em questões de preços e qualidade, obtendo todo o poder em suas mãos) ou de um oligopólio (onde um pequeno grupo de empresas têm o domínio do mercado e podem compor um cartel) prejudicando assim a negociação de forma igualitária entre empresa fornecedora e cliente (KOTLER, 1998). Barros e Rodrigues (2001) pontuam três problemas como sendo os mais comuns no processo pós- Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. Souza (2012). fusão/aquisição: avaliação incorreta do negócio, expectativa de mercado não atendida e questões de cunho cultural. Grande parte das organizações brasileiras são de cunho familiar e os proprietários apresentam dificuldades em aderir ao processo por questões emocionais e podem impedir que a F&A ocorra no melhor momento, ou seja, no momento que a empresa apresenta um maior valor em seus ativos. (TANURE e CANÇADO, 2005). Os autores citam o case dos Elevadores Sûr, onde as avaliações extrapolaram as questões financeiras, o proprietário considerou também aspectos culturais e o fato da possível adquirente ter sido sua concorrente durante vários anos. Com isso resolveu não aceitar a oferta mais atrativa financeiramente e postergou o processo de F&A. Sayão; Tanure e Duarte (2006) defendem a ideia de que a tarefa mais complexa seja a de integração das empresas diante da resistência das pessoas que são avessas às mudanças pelo medo e insegurança do novo. Eles defendem que deve ser feito um trabalho de preparação e acompanhamento rigoroso e permanente. Barros et al10 apud Caixeta (2010, p. 8) também consideram que as principais razões para o insucesso das F&A estão intimamente relacionadas "à gestão de pessoas, à complexidade presente no encontro de duas culturas, à transferência de habilidades e competências, à retenção de talentos e ao clima tenso na empresa adquirida". Caixeta (2010) apresenta alguns problemas ocorridos no processo de fusão que podem gerar o fracasso da operação, são eles: falta de planejamento, dificuldade de integração, endividamento, falta de sinergia, diversidade excessiva, administradores concentrados apenas nas aquisições e perdendo o foco estratégico, e o fato do crescimento empresarial dificultar a administração. 10 BARROS et all. Gestão nos processos de fusões e aquisições. In: BARROS, Betania Tanure. Fusões e aquisições no Brasil: entendendo as razões dos sucessos e fracassos. São Paulo: Atlas, 2003. 66 Tanure e Cançado (2005) simplificam o processo de F&A em quatro momentos básicos: a motivação da compra; avaliação da viabilidade da aquisição (Due Diligence), negociação e a integração. Cada uma das etapas, se não bem executadas, podem levar ao fracasso no processo, é válido ressaltar que um planejamento estratégico bem formulado e executado facilitará o processo, infelizmente os autores apresentam que no Brasil existe falhas nesse processo, uma vez que as organizações não têm efetuado de forma metodológica cada etapa do processo: [...] é possível afirmar que no Brasil quase metade das operações não inclui a due diligence, a etapa de negociação é de 3 a 12 meses, a etapa de integração é de cerca de dois anos, e quase metade da amostra não realiza o planejamento. Assim, pode-se considerar que, em termos teóricos, atribui-se importância à due diligence, à negociação e ao planejamento da integração cultural, mas na prática essas fases não são muito sistematizadas. (TANURE; CANÇADO, 2005, p. 19) A integração cultural dos atores envolvidos possivelmente é a grande barreira a ser superada, mesclar a cultura da adquirente com a da adquirida. Ainda segundo Tanure e Cançado (2005, p. 21), "[...]principalmente a negociação e a integração, são permeadas pelos traços de afetividade e personalização, característicos da cultura do país, em contraposição à racionalidade preconizada." Por este fato atenção especial deve ser reiterada aos aspectos culturais das empresas envoltas no processo de F&A. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. Souza (2012). CONSIDERAÇÕES FINAIS A busca pela sobrevivência e até mesmo a expansão dos negócios são alguns fatores predominantes que levam as organizações a efetuarem o processo de F&A. A globalização surge como um dos principais impulsionadores e gerado um aumento deste tipo de negócio no início de século XXI. Sendo assim as estratégias mercadológicas têm sido utilizadas para a busca dos objetivos organizacionais, dentre os quais se destaca a manutenção da instituição no mercado. Desta forma a internacionalização do mercado, bem como o aspecto global têm sido debatido por autores como Bethlen (1998); Kotler (1998) e Gracisoso (2007) que sugerem o desenvolvimento do marketing internacional através do processo de fusões. Com a abertura econômica o número de fusões e aquisições cresceram, portanto faz-se necessário discutir cada vez mais os conceitos e métodos utilizados para uma maior agregação de valor no conhecimento do assunto em questão. As motivações para esse negócio são diversas, se destacam, no entanto, os fatores de crescimento e aumento de poder competitivo no mercado como os principais objetivos de se unir a outra organização. É a busca pela manutenção da sobrevivência e por uma maior força de competição com os rivais presentes na estrutura de mercado. Contudo, conforme destacado anteriormente, existe uma grande dificuldade na prática do processo de F&A, pois envolve mais de uma organização. Sendo assim, cada uma apresenta um fator cultural diferenciado e há de se estabelecer um plano estratégico para minimizar essas dificuldades de unificação das organizações. Face às dificuldades citadas o que se sugestiona é analisar se realmente existe um objetivo alcançável com esse método, avaliar corretamente a viabilidade deste processo pela Due Diligence, trabalhar essa integração de forma que os atores envolvidos no processo não apresentem tantas barreiras na integração. Cada caso de F&A é único, por envolverem organizações que apresentam características próprias, desta forma cabe aos gestores 67 analisarem os aspectos que permeiam essas empresas em possível processo de F&A, verificando as vantagens bem como as dificuldades e tomarem a melhor decisão para as instituições. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVELAR, A. F.; ARAUJO, A. R. Transferência de Conhecimento e Criação de Valor em Fusões e Aquisições (F&A) Internacionais. Estudo do caso AKWANGOOGLE. XXXIII Encontro da ANPAD, São Paulo, set. 2009. BARROS, B. T.; RIBEIRO, A. H. P. Parcerias e Alianças Estratégicas. In: BARROS, B. T. Fusões, Aquisições e Parcerias. São Paulo: Atlas, 2001. Cap. 4, p. 89-102. BETHLEM, A. S. Estratégia empresarial: conceitos processo e administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1998. BUSNELLO, D.; STORTI, A. T. Estratégias de alianças utilizadas pelas empresas do norte do estado do Rio Grande do Sul. Perspectiva, Erechim. v.34, n.126, jun./2010, p. 47-54. CAIXETA, R. P. 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Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 60-68, Janeiro - Junho, 2012. 68 Silveira (2012). 69 AS ALTERNATIVAS PENAIS EM ESPAÇOS SÓCIO-CULTURAIS Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas Tânia Maria Silveira 1 1 Mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em desenvolvimento local pela Universidade Católica de Lyon (França), graduada em Serviço Social pela Faculdade Salesiana de Vitória e professora do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG). RESUMO Analisa a aplicação das alternativas penais em espaços sócio-culturais. A referência da análise é o “Projeto Sócio-cultural do Serviço Social e Psicológico da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Grande Vitória – SSP/VEPEMA”, com destaque para a oficina de fotografia, enfatizando a importância da revisão da finalidade da pena e da ressocialização do condenado, à luz das bases conceituais e legais da "Política Criminal Alternativa". Palavras-chaves: Direito penal; Penas alternativas; Reabilitação criminal; Ressocialização. ABSTRACT Analyze the experience from the penal alternatives in social-cultural spaces. The analysis reference is the " The Social-Cultural Project from the Social and Psychological Service from the Penal Execution and Alternative Measures Judgeship from Grande Vitória-SSP/VEPEMA", highlighting the photography workshop, emphasizing the importance of the penal purpose revision and the convicted social rehabilitation, based on legal and conceitual basis of the " Alternative Criminal Politics". Key-words: Criminal law; Penal alternatives; Criminal rehabiliation; Prisoner resocialisation INTRODUÇÃO Há mais de dez anos as penas alternativas foram instituídas no Brasil por meio da Lei n.º 9.714/98 que alterou o Código Penal Brasileiro e demarcou novas bases conceituais para a política criminal, instalando no país a construção de uma nova política penitenciária. Na ocasião, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, justificou a medida na Mensagem n.º 1.447, de 25 de novembro de 1998, afirmando que: [...] as penas privativas de liberdade, instituídas com a finalidade preponderante de promover a ressocialização da pessoa do delinqüente, estudada a sua aplicação prática ao lume de métodos científicos de política criminal, revelaram-se inadequadas e inábeis a propiciar a reintegração do detento ao convívio social, sobretudo porque, no ambiente prisional em que são ministrados, perdem eficácia os diversos programas de orientação e de desenvolvimento social do preso (CARDOSO, 1998). Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Silveira (2012). Por esta razão, o propósito da Lei n.º 9.714/98 foi ampliar as possibilidades de substituir as penas privativas de liberdade pela aplicação das penas restritivas de direitos, tais como, a interdição temporária de direitos, a limitação do final de semana, a prestação pecuniária, a perda de bens e valores e a prestação de serviços à comunidade. Esse novo marco legal inovou a política criminal brasileira, e está em consonância com a Constituição Federal, com a legislação pertinente, com o programa Nacional de Direitos Humanos, e cumpre as recomendações das Nações Unidas, Resolução n.º 45/110, de 19 de dezembro de 1990, que propõe a construção de nova política criminal baseada no princípio da intervenção mínima para privação de liberdade visando à descriminalização, descarcerização e despenalização (UNITED NATIONS, 1990). Ainda que polêmica, a revisão da finalidade da pena e a ênfase na importância da ressocialização do condenado vêm ganhando força. Essa visão manifesta o interesse social de reintegração do indivíduo à sociedade e dialoga com os objetivos do III Encontro Nacional de Políticas Sociais. As mudanças na concepção de política criminal e o estabelecimento do novo marco legal têm possibilitado experiências inovadoras na aplicação de penas alternativas. Essas iniciativas estão quebrando paradigmas e propondo novos parâmetros para o controle social e a reeducação dos condenados. Em sintonia com esse momento, o Serviço Social e Psicológico da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Vitória/ES tem experimentado a aplicação das alternativas penais em diferentes espaços, inclusive artísticos e culturais. Esse artigo apresenta os primeiros resultados do “Projeto Sócio-cultural do Serviço Social e Psicológico da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Grande Vitória – SSP/VEPEMA”, um projeto de intervenção elaborado e executado durante o Estágio Acadêmico II e III do curso de Serviço Social, efetuado em 2007, que teve por supervisora acadêmica a professora Rosângela D´Avila, da Faculdade Salesiana de Vitória, e por 70 supervisora de campo a assistente social e coordenadora da equipe do SSP/VEPEMA Sônia Rodrigues da Penha. O citado projeto desdobrou-se noutro intitulado “Um novo olhar: oficina de fotografia para os reeducandos da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas” que é o foco principal desse artigo. Esse subprojeto foi elaborado pelos estudantes do curso de fotografia do Centro Universitário de Vila Velha (UVV) sob a orientação da autora. A coordenação executiva foi da autora e de Lino Clero Feletti, aluno do Curso de Fotografia da UVV, com supervisão acadêmica do professor de Antropologia Visual Paulo de Barros. A análise do Projeto sócio-cultural se inicia com uma reflexão sobre a política criminal enquanto política social cidadã apresentando a motivação e os propósitos da nova política criminal, bem como o interesse de ter a cultura e a arte como possibilidade para a ressocialização do infrator. Em seguida, ocorre a descrição do desenvolvimento e avaliação da experiência da oficina fotográfica como materialização da proposta. A POLÍTICA CRIMINAL ENQUANTO POLÍTICA SOCIAL CIDADÃ A MOTIVAÇÃO E OS PROPÓSITOS DA NOVA POLÍTICA CRIMINAL Segundo Delmas-Marty (1983, p. 3), a política criminal é “[...] o conjunto dos procedimentos através dos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal”. A relação intrínseca entre política social e criminal é defendida enfaticamente no relatório sobre política criminal para o Brasil apresentado ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça pelo Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. 71 Silveira (2012). criminalista D´Urso (2007, p. 2), no qual ele afirma: “Convém, desde já, advertir que não existe projeto de política criminal brasileira dissociado de um projeto de política social, porquanto aquela é efeito desta.” Reforçando esta afirmativa D´Urso (2007, p. 5) recorre ao ex-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, Oliveira, que defende o seguinte entendimento: O mundo moderno coloca o Direito diante da necessidade de restabelecer a segurança e a paz, sem arranhar a justiça, sem violar os direitos fundamentais da humanidade. Poderíamos viver bem melhor, se soubéssemos realizar a conciliação dos valores do indivíduo e da sociedade, no sentido de evitar que a pobreza e a miséria tornem ilusória a igualdade perante a lei. Essas são as bases da recomendação das Nações Unidas expressadas na Resolução n.º 45/110 - 1990, também conhecida como Regras de Tóquio, que propugna a criação do novo modelo de política criminal. A citada normativa visa estimular a participação da sociedade na administração da Justiça Penal; promover o senso de responsabilidade entre os reeducandos na relação com sociedade, conferindo-lhes tratamento como forma de reabilitação social; e, proporcionar a proteção, prevenção e segurança social, a reparação do dano e o pedido de desculpas à vítima. No Brasil, a Lei n.º 9.714/98 demarca a nova política criminal. Em seguida foram instituídas Centrais ou Varas de Execução de Penas e Medidas Alternativas para serem instrumentos de formulação e execução dessa política criminal. Cumprindo com a nova legislação, o Desembargador Geraldo Correia Lima criou a Central de Penas e Medidas Alternativas do Espírito Santo (CEPAES), adjunta à Vara de Execuções Penais de Vitória (VEP). A criação da CEPAES ilustra os propósitos acima assinalados, conforme registra o Manual CEPAES (VITÓRIA, 2006, p. 1): Na tentativa de minimizar os graves problemas apresentados pelo sistema penitenciário do País, surgiu a recomendação da criação de unidades judiciárias de Penas e Medidas Alternativas, para assim garantir o cumprimento da sanção pelo condenado, em nível, sobretudo, inteligente, pois assegura um mínimo de oportunidade de reabilitação do homem à sociedade. Desta forma, buscará, no trabalho a sua autoestima, seu futuro social e, em conseqüência, o de sua família. Encontramos esse mesmo propósito no Serviço Social e Psicológico desde a sua criação através da Lei Estadual n.º 5.124, promulgada em 6 de dezembro de 1995, que criou instituiu este serviço para “[...] promover a ressocialização do apenado junto à comunidade e familiares, bem como seu ajustamento individual” (DIÁRIO OFICIAL DO ESPIRITO SANTO, 1995). O referido Setor era responsável pelos beneficiários do Livramento Condicional e, após a criação da CEPAES ele atende, também, os condenados às penas alternativas. Em 2006, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo propôs a reorganização da Execução Penal através do Projeto de Lei Complementar nº 8/2006 encaminhado à Assembléia Legislativa, o qual foi aprovado por unanimidade e, em seguida, sancionado pelo Governador Paulo Hartung. Desde então, a Vara de Execuções Criminais do Juízo de Vitória tornou-se a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Grande Vitória (VEPEMA), onde ficou o Serviço Social e Psicológico (VEPEMA, 2007). A professora Colmán (2001), ao analisar a importância da prestação de serviço à comunidade, afirma que “[...] o objetivo final é extrair das pessoas aquilo que elas possuem de positivo, sua capacidade produtiva, entendendo o Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Silveira (2012). trabalho como agente socializador e de aumento de sua auto-estima, e despertar a vocação pelos serviços comunitários”. A autora destaca também que a participação da sociedade na Justiça Penal permite o envolvimento da comunidade nos problemas relativos ao aumento da criminalidade buscando alternativas ao sistema penitenciário. Ela enaltece o trabalho de identificação das instituições interessadas em receber prestadores de serviços à comunidade e de preparação das pessoas para conviver com prestadores de serviços, o que possibilita um novo olhar sobre esta problemática. Por fim, a Colmán (2001, p. 4) sentencia: O caráter preventivo dessas modalidades de programas, o envolvimento comunitário necessário para sua viabilização e o grande potencial de retorno à sociedade convertem a atuação nesses programas de acompanhamento um espaço privilegiado de atuação do Serviço Social. A CULTURA E A ARTE POSSIBILIDADE PARA RESSOCIALIZAÇÃO DO INFRATOR COMO A Conforme já dito anteriormente, as alternativas penais e a ressocialização do sentenciado da Justiça trazem em si o interesse social de reintegração do indivíduo à sociedade. Por conseguinte, é importante refletir sobre a integração social almejada, preconizada, necessária, ou possível. Primeiramente, vale apresentar algumas observações relativas ao perfil dos reeducandos atendidos pelo SSP/VEPEMA. Os condenados da justiça sob o acompanhamento do serviço social e psicológico são majoritariamente pessoas excluídas do mercado de trabalho e da sociedade. Mais da metade são jovens, com idade entre 23 e 40 anos, que acumulam vários fatores de exclusão, tais como, o econômico – 72 baixa renda –, o intelectual – baixa escolaridade –, o racial – afrodescendente. Após a condenação judicial, eles sofrem instabilidade individual e familiar devido ao estigma imposto pela sociedade ao sentenciado. Essa marca indelével pesa sobre os infratores independentemente da gravidade do delito. Além disso, eles tornam-se vítimas de mais um fator de exclusão: o legal – sem atestado de bons antecedentes. A necessária inserção profissional dos condenados da Justiça é o grande desafio cotidiano do Serviço Social porque a maioria dos reeducandos é vítima da exclusão socioeconômica agravada pela sentença condenatória que resulta na perda do documento exigido pelas empresas para o contrato de trabalho, o atestado de bons antecedentes. Somando-se a isso, a exclusão sócio-cultural é também acentuada após o estigma da condenação judicial devido à restrição da rede de relações de convivência que lhes abririam possibilidades para uma segunda chance. Esses obstáculos colocam SSP/VEPEMA diante do dilema relacionado à possibilidade de reincidência do infrator, que pode ocorrer, seja por causa das necessidades materiais de sobrevivência do reeducando e de sua família, seja por causa das necessidades concernentes à esfera dos valores e do comportamento face à adaptação ou readaptação familiar, social e profissional. Diante desta problemática, o SSP/VEPEMA decidiu ampliar os setores envolvidos com as penas alternativas e oferecer, aos reeducandos, maior leque de possibilidades para a reinserção social. A asserção desta iniciativa pode ser explicada por Simionatto (1998, p. 14), que ao escrever sobre o Serviço Social e o Processo de Trabalho recorreu a Marx lembrando: “Os homens que produzem as relações sociais no que diz respeito à sua produção material criam também as Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Silveira (2012). idéias, as categorias; isto é, as expressões ideais, abstratas dessas mesmas relações”. Convicta da pertinência da intenção, a equipe buscou interagir com espaços artísticos e culturais. Sem qualquer referência teórica ou prática, iniciou organizando uma Tarde Cultural com os reeducandos. A atividade aconteceu no início de dezembro, durante a Semana dos Direitos Humanos de 2005, no Teatro Carlos Gomes, teatro mais antigo e luxuoso de Vitória, que é um local público. A escolha proposital do lugar serviu para indicar a não inclusão dos setores populares nos espaços culturais públicos freqüentados pela elite. O evento foi um sucesso e se repetiu no ano seguinte. Dois anos mais tarde foi realizado o projeto sócio-cultural, o qual se ancorou na vivência das tardes culturais e, teoricamente, na referência do Welfare State quanto à utilização das artes como meio de reeducação social. Conforme afirma Abreu (2002, p. 21), para o Welfare State criar uma nova concepção de mundo (implícita na Arte, no Direito, na Economia...) e transformá-la em normas de conduta, ele utilizou-se do Estado (via, sobretudo, instituições tradicionais – escola e tribunais –, institutos legais e aparatos coercitivos), religião, arte, literatura, folclore, etc. Além da formação profissional, promoveu-se vivências em espaços artísticos e culturais, pelos reeducandos, através de atividades orientadas, individuais e em grupos. Nessas vivências foram criadas as condições para eles desenvolverem sua percepção da vida em sociedade, da necessária interação entre indivíduos e desses com o mundo que os rodeia. Especificamente, através de atividades artísticas, buscava-se desenvolver a sensibilização dos reeducandos para com o outro, para a conveniência e o necessário comprometimento dos indivíduos nas relações sociais efetuadas. Ou seja, esperava-se que as vivências, que a interação com diferentes grupos sociais de maneira lúdica, sob a mediação da arte, conseguisse sensibilizar os participantes a refletir sobre sua conduta e a buscar, no convívio social, a sua realização enquanto pessoa afirmando suas responsabilidades enquanto cidadão. 73 Para concretizar tais intentos, buscou-se a parceria com artistas e promotores culturais. Foram levantadas as demandas junto aos reeducandos atendidos pelo SSP/VEPEMA. E elaborou-se um plano de monitoramento das atividades realizadas pelo projeto durante o ano de 2007 visando produzir avaliação dos resultados alcançados. O Projeto Sócio-Cultural previu quatro ações, a saber, o levantamento das demandas dos reeducandos, a realização do curso básico de fotografia e a organização da confraternização de final de ano, a III Tarde Cultural, quando foram certificados os cursistas de fotografia. Foi também realizada uma Exposição Fotográfica de 40 fotos selecionadas dentre as que foram feitas pelos cursistas e pelos monitores durante as aulas. A exposição circulou a cidade entre os meses de dezembro/2007 ao início de maio/2008. Essas ações foram monitoradas e avaliadas a partir das seguintes categorias e indicadores: a) O inventário de demandas dos reeducandos acompanhados pelo SSP-VEPEMA, que foi realizado através do Cadastro para Atividades Culturais aplicado em 10% do público. b) A participação, ou seja, o número de inscritos e a freqüência no curso. c) A avaliação dos cursistas, ou seja, a opinião deles sobre o curso, a qualidade das fotos feitas por eles e as imagens produzidas por eles através das fotografias. d) A colaboração de 10% dos reeducandos que participarem das atividades culturais na organização da III Tarde Cultural. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. 74 Silveira (2012). “UM NOVO OLHAR”: A INTENCIONALIDADE SE MATERIALIZA NUMA OFICINA DE FOTOGRAFIA O projeto “Um novo olhar: oficina de fotografia para os reeducandos da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas” foi a ação mais inovadora dentre as atividades sócio-culturais realizadas em 2007. Os estudantes de fotografia justificaram o projeto com o seguinte embasamento: A imagem está presente na vida de toda a sociedade. A vida é fundamentalmente imagética. A natureza é a primeira a nos oferecer estas imagens. Ao nascer, a vida nos é apresentada em imagens. Não somente, mas, desde o início a imagem nos é apresentada. A mãe ‘deu à luz‘. Imagem é luz. À medida que vamos desenvolvendo-nos como pessoas, a imagem vai se tornando mais e mais fundamental. Nós começamos a criar nossas imagens nos desenhos de jardim de infância, na préescola, no ensino fundamental, nos livros, revistas, televisão, cinema, fotografia, etc. [...]. O grande questionamento que fazemos através desta oficina visa discutirmos a construção, criação, interpretação, elaboração, etc, da fotografia e da imagem em geral. Esperamos que os participantes dela possam, ao final, ter melhor condição de responder, no seu dia a dia, de maneira mais bem elaborada, os questionamentos que a imagem, de maneira especial a fotografia, lhe traz. Os reeducandos da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas poderão, ainda, rever criticamente as imagens apreendidas por eles ao longo de suas vidas, bem como, os atos por eles praticados e as imagens que os delitos projetam. As intenções do SSP/VEPEMA somadas aos propósitos dos estudantes de fotografia materializaram-se nos objetivos do projeto acima citado : 1- Possibilitar aos reeducandos condições básicas para eles construírem suas próprias fotografias, bem como analisar as imagens construídas por outros: cinema, tv, jornais, revistas, outdoor, etc. 2- Proporcionar aos reeducandos a oportunidade de, ao cumprirem sua pena alternativa, fazerem uma releitura das imagens construídas ou apreendidas por eles, inclusive, se possível, a releitura dos atos por eles praticados e das imagens que estes delitos projetam. Foram 10 estudantes voluntários que implementaram duas oficinas seqüenciais para uma turma prevista para 20 alunos, na qual se inscreveram 28, compareceram 13 e somente 8 concluíram. Freqüentaram 10 aulas, de 3h cada, realizadas aos sábados, pela manhã, no período de 22-9-2007 a 1-122007. Os conteúdos foram assim distribuídos: I - OFICINA: reeducandos Sensibilização dos 1ª aula: Apresentação dos participantes e monitores Objetivo: Conhecimento pessoal, social, olhar, cultural, imagem em geral. Apresentação do laboratório Solicitar, aos aprendizes, material para câmera escura. 2ª aula: Câmera escura - Projeção Confecção da câmera Discussão e teoria da imagem na câmera escura Solicitar material para pinrolli. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Silveira (2012). 3ª aula: Câmera Pinrolli – Câmera Artesanal Fotografar e revelar em pinrolli Solicitar material para fotograma. 4ª aula: Fazer Fotograma II - OFICINA: Realização 1ª aula: Teoria da composição fotográfica 2ª aula: Funcionamento da Câmera: Diafragma e Obturador 3ª à 6ª aulas: 2 saídas para fotografar na rua com acompanhamento dos monitores alternando com aulas no laboratório para revelar e analisar as fotos. IMPLEMENTAÇÃO DAS RESULTADOS OBTIDOS AÇÕES E O inventário de demandas foi realizado pelo Cadastro para Atividades Culturais conforme o previsto. Apesar de ter sido uma amostragem muito pequena, o levantamento de demandas é um procedimento de fácil viabilização é recomendável para definição de ações, especialmente quando se trata de atividades inovadoras junto a um público de perfil tão diferenciado. A coleta dos dados foi feita pelos prestadores de serviço à comunidade que cumprem pena no SSP/VEPEMA trabalhando como recepcionistas do público. O cadastro foi preenchido somente pelas pessoas que já haviam passado pelo primeiro atendimento, e também somente aquelas que voluntariamente se depuseram a preenchê-lo. Dentre 50 pessoas que responderam, 35 pessoas escolheram a fotografia, a pintura veio em segundo lugar com 13 opções e o canto foi o terceiro, com 11 opções. A opção de 70% pela fotografia torna indiscutível a preferência das pessoas que se interessaram pela proposta sócio-cultural. O curso básico de fotografia foi proposto para ser dado em 30h e realizou 35h de formação. Foram previstas duas turmas com 20 participantes, no entanto, somente 28 pessoas se inscreveram e, destas, apenas 13 75 compareceram. Concluíram o curso somente oito pessoas. Dentre os finalistas, a motivação era, sobretudo, profissional. Somente um cursista participou dessa atividade para cumprir com seu dever legal. O resultado final da aprendizagem foi surpreendente. A qualidade das fotos tiradas por eles é muito superior ao esperado, especialmente se considerar o fato de serem pessoas que nunca haviam utilizado equipamento profissional. A oficina foi considerada ótima por 80% dos cursistas e ninguém a considerou ruim. O monitoramento da oficina fotográfica previa, dentre outros, a avaliação dos cursistas através da opinião de cada um sobre o curso, bem como, a análise da qualidade das fotos e das imagens produzidas por eles. Foram selecionadas três fotos de cada cursista para a exposição. São as melhores fotos deles segundo a avaliação técnica dos fotógrafos responsáveis. E também foi proposto aos cursistas escolherem uma de suas fotos que melhor expressasse a experiência vivida nesta oficina fotográfica, bem como, a situação em que eles se encontram neste momento de suas vidas. Em seguida, o Coordenador Lino Felleti avaliou a qualidade técnica de cada foto selecionada por eles. O resultado encontra-se abaixo. O crédito de cada foto é apresentado apenas pelas iniciais do apenado. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. 76 Silveira (2012). Figura 3. Fotografia do Cursista J.M. Figura 1. Fotografia do Cursista A.S.S. Figura 2. Fotografia do Cursista F.C.O. Figura 4. Fotografia do Cursista J.B.S. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Silveira (2012). Figura 5. Fotografia do Cursista H.S.S Figura 6. Fotografia do Cursista J.P.N. 77 Figura 7. Fotografia do Cursista A.G. Finalmente, a organização da confraternização de fim de ano da VEPEMA, a III Tarde Cultural. Compareceram cerca de 300 pessoas. Foi um evento muito agradável e contou com a colaboração de todos os reeducandos que participaram da oficina de fotografia. Eles também foram os fotógrafos do evento e, vale informar, que um dos cursistas já estava com sua máquina fotográfica, ou seja, ele decidiu investir na profissão e já se equipou para tal. Nessa tarde, eles receberam o certificado de conclusão do curso, um momento emocionante para todos. Além disso, eles colaboraram na organização da exposição fotográfica. Esta exposição intitulada “Um novo olhar: oficina de fotografia para os reeducandos da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas”, contém 40 fotos tamanho 30x45cm, sendo três de cada cursista, perfazendo 21 fotos dos reeducandos, acrescida de fotos dos monitores sobre a Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Silveira (2012). oficina. Além do Teatro Carlos Gomes, ela circulou na Assembléia Legislativa, no Edifício Fábio Ruschi, sede da Secretaria de Estado da Justiça, encerrando no Espaço Cultural do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Os participantes da Tarde Cultural ficaram surpresos com o resultado final do trabalho, seja a qualidade técnica das fotos, seja a desenvoltura e o alto astral dos cursistas. Assim, foi demonstrado que a arte e a cultura são um importante campo para as alternativas penais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Primeiramente, vale considerar que o projeto foi executado e, apesar das dificuldades e de algumas falhas em relação ao previsto, ele cumpriu sua função de ser uma experiência piloto com vistas a formular referência para a aplicação das alternativas penais no campo das artes e da cultura. Segundo a opinião dos cursistas, a importância do projeto está confirmada, seja pela postura dos cursistas durante as atividades (responsabilidade, pontualidade, empenho, presteza, bom astral e otimismo crescente durante a formação, entrosamento entre cursistas e monitores), seja pelas declarações avaliativas dos cursistas, tais como: “Eu e os demais precisamos de mais oportunidades, como esta oficina, para que possamos acreditar em nós e enxergar um mundo melhor” (J.M.). A vivência, mediada pelas artes, com diferentes grupos sociais demonstrou sua utilidade para sensibilizar os participantes a refletir sobre sua conduta e a buscar, no convívio social, sua realização enquanto pessoa, o que pode ser verificado nas palavras do cursista F.C.O.: “Nós, seres humanos, se deparando um para o outro, todos iguais, porém separados, mas quando se juntamos, se formamos um só”. Além disso, a utilidade profissional da formação em fotografia foi apresentada por Barros (2007) durante pronunciamento feito na abertura do curso oferecido quando ele disse: 78 “Um fotógrafo não fica sem trabalho e uma foto custa R$10,00. Qualquer um consegue fazer 20 fotos por semana” (informação verbal), e ainda, é um trabalho autônomo, ou seja, não requer a ficha de antecedentes, o que é um problema grande para os reeducandos conseguirem trabalho.Foi surpreendente a qualidade da formação realizada, o que observa o cursista J.P.N.: Aprendi muito e, principalmente, aprendi a ter noção de domínio da máquina fotográfica. Avaliando minhas fotos, eu mesmo tive a conclusão de que realmente foi muito útil tudo que aprendi [...]. Minhas fotos revelam a qualidade do meu desenvolvimento, revelam a qualidade do ensino que eu tive, e, muito mais importante, revelam o que realmente aprendi. Assim sendo, podemos afirmar o campo sociocultural pode ser sim, um espaço para as alternativas penais. Obviamente a repetição das atividades já testadas servirá também para aprimorálas, como também a formulação de outros subprojetos enriquecerá a experiência com vivências em outras áreas da arte e da cultura. REFERÊNCIAS ABREU, M.M. Serviço social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002. CARDOSO, F. H. Mensagem n.º 1.447, de 25 de novembro de 1998. Mensagem da Presidência da República enviada ao Senado Federal. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/pa ginas/42/1998/9714.htm >. Acesso em: 20 mar. 2008. COLMÁN, S. A. Contribuição do serviço social para a aplicação de penas alternativas. Serviço Social em Revista, Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Silveira (2012). 79 v. 4, n. 1, 2001. Disponível em: < HYPERLINK "http://www.ssrevista.uel. br/n1v4.pdf" http://www.ssrevista.uel. br/n1v4.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2008. D´URSO, L. F. B. Proposta de uma nova política criminal e penitenciária no Brasil. Disponível em: <HYPERLINK "http://www.cjf.gov.br/revista/numero6/artigo16. htm"http://www.cjf.gov.br/revista/numero6/artigo 16.htm>. Acesso em: 25 mar. 2007. DELMAS-MARTY, M. Modèles et mouvements de politique criminelle. Paris: Economica, 1983. ESPÍRITO SANTO (Estado). Lei Estadual n.º 5.124, de 6 de dezembro de 1995. Diário Oficial do Estado do Espírito Santo, Vitória, 6 dez. 1995. ESPÍRITO SANTO (Estado). Tribunal de Justiça. Resoluções. Disponível em: <HYPERLINK"http://www.tj.es.gov.br"www.tj.es. gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2007. SIMIONATO, I. Serviço social e processo de trabalho. Florianópolis: Curso de Formação Profissional: Um projeto de Atualização. Conselho Regional de Serviço Social 12ª Região, 1998. UNITED NATIONS. General Assembly. A/RES/45/110. Disponível em: <http://www.un. org/documents/ga/res/45/a45r110.htm>. Acesso em: 20 mar. 2008. VITÓRIA (Espírito Santo). Poder judiciário do Estado do Espírito Santo. Vara de Execuções Penal. Manual CEPAES: Central de Penas e Medidas Alternativas. Vitória, 2006. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 69-79, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012). 80 RELIGIÃO, GÊNERO E PODER Área Temática: Ciências Sociais Aplicadas/Serviço Social Noêmia de Fátima Silva Lopes1 Maria de Fátima Lopes2 1 Mestre em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa, Especialista em Organização do Trabalho e Serviços no Âmbito das Políticas Públicas Municipais, Graduada em Serviço Social. Professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG.) 2 Doutora em Antropologia Social, Mestre em Economia Doméstica, Graduada em Economia Doméstica. Professora Associada da Universidade Federal de Viçosa e Coordenadora-Geral do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Políticas Públicas, Gênero e Raça. RESUMO: Este estudo objetivou analisar como são vivenciadas e construídas as relações de gênero e poder na Igreja Católica de Soledade, verificando as implicações nas relações e na vida dos sujeitos em estudo. Soledade pertence a uma das paróquias da Diocese de Manhuaçu, da Zona da Mata Mineira, local do estudo. Utilizamos o método qualitativo, da observação direta participante. A partir da análise concluímos que o lugar ocupado pela religião através da participação pastoral na vida da liderança de Soledade, tem sido significativo na construção de novas relações. No entanto, possui influência na reprodução da desigualdade de gênero e no fortalecimento do poder masculino na família e na religião. PALAVRAS-CHAVE: Religião, Gênero e Poder. ABSTRACT: This study aimed to analyze how gender relations and power in the Catholic Church of Solitude are experienced and constructed, by checking the implications in relations and in the lives of the subjects under study. Soledad belongs to a parish in the Diocese of Manhuaçu, the Zona da Mata Mineira, which was the study site. We used the qualitative method, of direct observation participant. From the analysis we concluded that the place occupied by religion through participation in the life of pastoral leadership of Soledad has been significant in building new relationships. However, it has influence on the reproduction of gender inequality and strengthening the male power in family and religion. KEYWORDS: Religion, Gender e power. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012). INTRODUÇÃO Esta pesquisa objetivou analisar como são vivenciadas e construídas as relações de gênero e poder na Igreja Católica de Soledade, verificando as implicações nas relações de gênero e na vida dos sujeitos em estudo. Trata-se de uma das comunidades rurais, pertencente à Manhuaçu/ MG. Em Soledade, homens e mulheres desenvolvem várias atividades, algumas em conjunto, outras bem delineadas e construídas culturalmente, como espaço de homens e espaço de mulheres, seja na família, no trabalho rural ou nos grupos e pastorais da Igreja Católica, onde participam ou atuam como líderes. Neste trabalho, é de fundamental importância entender que a religião e os sistemas de crença se constroem exercendo influência significativa na vida e na ação do ser humano, que está inserido no meio social, com suas orientações, regras e dogmas. As religiões, para os crentes, tornam-se capazes de realizar transformações intensas, físicas e psicológicas na vida dos indivíduos que a praticam. Em estudos e pesquisas sobre a religião (WEBER, 1997; OLIVEIRA, 2009), observou-se que é possível o entendimento da realidade em que vivemos e das relações que são construídas entre homens e mulheres que ocupam esse espaço. Weber (1997) afirmou que as religiões não somente oferecem sentidos e significados para a existência humana, mas se torna parte da cultura estabelecida e das estruturas institucionais de uma sociedade, como também influem – de maneira mais íntima – nas atitudes práticas dos homens com relação às várias atividades da vida diária, independente e para além da salvação. Esse espaço religioso, ocupado por homens e mulheres, é também um dos espaços onde são construídas as relações de gênero. 81 As relações de gênero não podem ser entendidas como fato isolado na sociedade, pelo contrário, elas são constitutivas de toda realidade, pois o modelo paradigmático de ser homem e ser mulher tende a regular todas as atividades sociais. Segundo Bourdieu (2004), podemos assumir que os agentes e as instituições – o homem, a mulher, a Escola, a Igreja, o Estado e a família – são estruturados e estruturantes nesse processo de naturalização da dominação. Ou seja, ao mesmo tempo em que têm poder para moldar a sociedade, eles (agentes e instituições) são por ela moldados, vão se modificando com o tempo e no confronto das ideias, numa relação entre instituições e pessoas que possuem culturas e valores diferentes. Historicamente, a Igreja Católica é um dos pilares sobre o qual se assenta a relação hierarquizada entre os sexos no ocidente. As religiões são detentoras do capital simbólico e, portanto, manipulam a produção simbólica e a circulação dos bens simbólicos através de representações, linguagens e palavra autorizada, reforçando e sacralizando, inclusive a relação desigual entre homens e mulheres. Bourdieu (2004) apresenta a estrutura do campo religioso como um espaço caracterizado por lutas e tensões entre os agentes e as instituições: [...] a concorrência pelo poder religioso deve sua especificidade ao fato de que seu alvo reside no monopólio do exercício legítimo do poder de modificar em bases duradouras e em profundidade a prática e a visão do mundo dos leigos, impondo-lhes e inculcandolhes um habitus religioso particular, isto é, uma disposição duradoura, generalizada e transferível de agir e de pensar conforme os princípios de uma visão quase sistemática do Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012). mundo e da existência (BOURDIEU, 2004, p.88). À medida que a Igreja proporciona uma ordem simbólica, contribui para a manutenção e legitimação da ordem política. A estrutura das relações entre o campo religioso e o campo do poder comanda, em cada conjuntura, a configuração da estrutura das relações de poder de uma sociedade. Estudar o familiar é um desafio, principalmente quando se fala do lugar de origem natal. Assumimos o risco de naturalizar informações importantes, devido ao envolvimento pessoal. Existem vantagens em termos de acesso ao universo pesquisado, para tanto, nos resultados da pesquisa, existe a possibilidade de o pesquisador/a rever e enriquecer sua investigação quando supostamente acreditava possuir domínio dos códigos e pressupunha saber sobre o quê está falando. Isso ocorre uma vez que o familiar quase sempre se apresenta como realidade complexa, principalmente quando o/a pesquisador/a elege objetos próximos a sua vivência familiar, mas nem sempre conhecido, como ensina Velho (1978). No entanto, constitui objeto relevante de investigação para uma antropologia, preocupada em perceber que a mudança social se encontra no resultado acumulado e progressivo de decisões e interações cotidianas. Esse cotidiano faz parte de uma cultura, construída a partir de símbolos e códigos. Partindo desse pressuposto, acredita-se, assim como Geertz (1978, p.15), que o ser humano está “amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”, assumindo a cultura como essas “teias” e não como uma ciência experimental em busca de leis, mas de estudo da cultura de uma ciência interpretativa sempre à procura de significados. É nesse contexto que a pesquisa está sempre em busca de resposta a várias questões. Essa busca desvenda significados do cotidiano das pessoas, a partir da análise das relações e da forma como as pessoas 82 vivem e sobre o que elas acreditam ou valoram no espaço ou lugar que ocupam. Uma sociedade sem desigualdades, onde as diferenças exigem aprendizado cotidiano e intermitente no seu enfrentamento, apresentava-se associada a responsabilidades éticas e políticas que despertaram o interesse em problematizar, ou melhor, transformar em problema sociológico questões que pudessem esclarecer e, porque não, apontar para o desejo e o sonho de pertencer a uma sociedade menos desigual. 1. ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS TEÓRICOS Como instrumento e técnica metodológica, esta pesquisa adotou o modelo interpretativo (MORIM, 2004), indicado no caso da análise qualitativa participativa, uma vez que ela envolve alternância de ações e reflexões. De acordo com Minayo (1999), a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do/a pesquisador/a com a situação estudada e com os atores dessa situação. Esse contato direto fundamenta-se no princípio de que as circunstâncias particulares, nas quais os objetos ou atores estão inseridos, são essenciais para que se possa entendê-los. A tarefa mais desafiante da observação direta participante é exatamente esse contato próximo entre pesquisador e pesquisado, é “transformar o familiar em exótico”, uma vez que as pastorais inseridas no campo da religiosidade e os sujeitos que fazem parte dessa história fazem parte também da trajetória de vida da pesquisadora. Em contrapartida, acredita-se que, o que parece um problema, constituiuse em um exercício de grande riqueza, pois é nesse processo que se apresentam os antropological blues, aqueles elementos que se insinuam na prática etnográfica quando menos se espera (DA MATA, 1978, p.7). Este estudo foi desenvolvido com os/as líderes de Soledade, no município de Manhuaçu, localizado na microrregião de Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012). Manhuaçu, Zona da Mata de Minas Gerais. Esta região está situada ao sudoeste do Estado de Minas Gerais, estabelecendo proximidade com os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. É formada por 142 municípios agrupados em sete microrregiões. O município de Manhuaçu está localizado geograficamente na Zona da Mata Mineira, Estado de Minas Gerais, Brasil. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009), é um município com população estimada em 78.605 habitantes e possui 9 distritos. O local escolhido para este estudo pertence a um dos 9 distritos de Manhuaçu, com uma população estimada em 6.000 habitantes. Assim como toda a região de Manhuaçu, é município produtor e exportador de café, acompanhado pela produção de cereais, leguminosas e oleaginosas – porém, em menor escala (PORTAL MANHUAÇU, 2011). O distrito de São Sebastião do Sacramento é formado por 5 comunidades e uma delas é a comunidade de Nossa Senhora da Soledade – local escolhido para realização da pesquisa. Soledade está situada às margens da BR-116, e é uma comunidade formada por pequenos proprietários. A monocultura é uma característica regional, e Soledade também se insere nesse perfil. O cultivo de lavouras de café é o seu principal meio de sobrevivência, seguido pelo cultivo de hortaliças e de grãos apenas para consumo familiar. As características econômicas são similares às da região como um todo. Os moradores/as de Soledade são pequenos/as produtores/as rurais11, meeiros/as, parceiros/as e diaristas, assim denominados/as pelos sindicatos rurais, prefeituras e bancos comerciais de Manhuaçu. 83 Com uma população de aproximadamente 200 famílias e 1100 habitantes12, a maioria católica. Em Soledade, a religiosidade mantém uma influência importante na vida das famílias que residem nessa localidade. Aproximadamente 80% da população é de orientação religiosa católica e 20% dos demais se dividem entre as religiões Assembléia de Deus, Maranata e Testemunhas de Jeová, ou não declaram ou demonstram participar de alguma religião. Essa população não católica precisa sair de Soledade para frequentar cultos religiosos, pois na comunidade não existe prédio para esse fim. Explicita-se a seguir métodos e técnicas utilizados na construção e análise dos dados desse estudo. Este estudo se constrói desde uma frente de dados que fez uso dos métodos etnográficos, pesquisa documental, observação direta participante, narrativas e entrevistas semiestruturadas. Segundo Becker (1999), na observação direta participante, o observador coleta dados através de sua participação na vida cotidiana do grupo ou organização que estuda, observando as pessoas e situações. O referido autor distinguiu três estágios distintos de análise conduzidos nesta metodologia e, também, um quarto estágio conduzido no final da pesquisa. Esses estágios são bem diferenciados, alcançando conclusões de tipos diferentes em cada fase, que são destinadas a usos diferentes no processo da pesquisa. Os estágios compreendem: a) a seleção e definição de problemas, conceitos e índices, quando o observador procura por problemas e conceitos que ofereçam perspectivas para uma maior compreensão da organização pesquisada; b) a observância sobre a frequência e a distribuição de fenômenos, em que o observador, de posse do problema, conceitos e indicadores, procura refletir sobre quais deles vale a pena 11 São propriedades ou minifúndios, com menos de 1 hectare de terra, outras de 2 a 5 hectares, a maioria das propriedades de Soledade estão dentro desse padrão de medidas. 12 Dados fornecidos pelo Programa de Saúde da Família - PSF - Municipal, Secretaria Municipal de Saúde de Manhuaçu. Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012). perseguir como focos principais de seu estudo; c) em seu terceiro estágio, concebe modelos descritivos que melhor expliquem os dados reunidos e consolidados; e d) o quarto estágio de análise final envolve problemas de apresentação de evidências e provas, isto é, a análise sistemática final, realizada após o trabalho de campo. A aplicação do método de observação direta participante contribuiu para o uso de narrativas, tendo em vista a abordagem da presente pesquisa. A narrativa enriquece os resultados e possibilita o acesso a informações mais detalhadas e aprofundadas. Para Labov (1977), a narrativa é uma técnica de recapitular a experiência passada através da combinação da sequência verbal de sentenças com a sequência de eventos que de fato ocorrem. Durante a narrativa, o passado, o presente e o futuro são articulados e as pessoas narram suas experiências e os eventos, sob um olhar do presente. Contar histórias implica estados intencionais que aliviam, ou ao menos tornam familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal (GOMES et al., 2002, p.32). Com o objetivo de compreender essas relações que se dão no cotidiano da comunidade, elegemos as pastorais como unidade empírica de pesquisa e linha de análise e, como foco, 21 líderes que compõem o conselho pastoral comunitário (CPC). O grupo é composto por representantes de cada pastoral e movimentos da comunidade com direito à voz e voto nas reuniões mensais, uma comissão com caráter deliberativo13. Dessa forma, compreende-se que o grupo de líderes escolhido representou 13 São decisões quanto a questões encaminhadas pelas pastorais como: agenda de encontros e eventos, viagens, cursos de aperfeiçoamento de liderança, projetos que necessitam de orçamento financeiro para execução, reformas no prédio local, despesas de manutenção entre outras questões e propostas paroquiais ou diocesanas que necessitam de aprovação do CPC. 84 significativamente o objeto de estudo, contribuindo para a compreensão das relações de gênero e poder nas pastorais. A escolha do grupo estudado foi pensada e discutida após análise das características desses líderes: católicos, moradores de Soledade, coordenadores/as de pastorais ou que possuam cargos (de coordenação) nas pastorais, líderes há mais de 5 anos e que participam de forma efetiva na comunidade. Essas características foram determinantes na escolha do grupo de 21 líderes pesquisado/as, tendo em vista os objetivos da pesquisa. Dos 21 líderes, 14 são do sexo masculino e 7 do sexo feminino. Denominamos de forma fictícia os líderes entrevistados/as da seguinte forma: Sebastião, Edson, Carlos, Ricardo, João, Marcos, Victor, Luís, Pedro, Rodrigo, Cristiano, Fábio, Valter, Marcelo, Clara, Mariana, Lúcia, Vitória, Marta, Célia e Júlia. Esse grupo de líderes são homens e mulheres que viveram e vivem histórias semelhantes, com algumas peculiaridades, inseridas num contexto socioeconômico e religioso com características análogas. Esse grupo influencia e também é influenciado, de forma direta e indireta, pela família, religião e comunidade. É um grupo formador de opiniões, são representantes homens e mulheres da comunidade, numa relação dinâmica de sociabilidade, trabalho pastoral, fé e relações de poder. O estudo delimitou a população a ser pesquisada com o processo de inclusão da seguinte forma: ser membro do CPC e fazer parte da coordenação das pastorais na comunidade. Todos os líderes – do sexo masculino e feminino – que se dispuseram a participar foram entrevistados. Do grupo do CPC, 21 líderes se dispuseram a participar. As atividades desenvolvidas e o período destinado à pesquisa foram distribuídos em 12 meses, subdivididos e organizados em seis etapas. Na primeira etapa realizou-se revisão bibliográfica e mapeamento do trabalho de campo; na segunda, investigação documental existente sobre a comunidade de Soledade e a aplicação das 21 Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012). entrevistas; na terceira e quarta, análises das entrevistas, comparação dos dados e avaliação das etapas cumpridas; na quinta e última etapa, a redação dos artigos científicos. Esta pesquisa se encontra principalmente na possibilidade de que, a partir da experiência de Soledade, possamos compreender melhor como são construídas as relações de gênero e poder entre homens e mulheres. As ideias e as experiências vividas nas pastorais da comunidade e no conjunto social, político e religioso podem ser caminho para a visualização de uma construção coletiva, que busca formas de organização e alternativas de sobrevivência, de reprodução social do lugar onde se vive. 2. A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NA COMUNIDADE DE SOLEDADE Assumimos Soledade como uma localidade rural, geograficamente cortada pela BR-116, formada por minifúndios, pequenos proprietários e meeiros, ou seja, características de uma comunidade de pequenos produtores agrícolas. A monocultura é uma característica regional de Manhuaçu, e Soledade também se insere nesse perfil. O cultivo de lavouras de café é o seu principal meio de reprodução, também o cultivo de hortaliças e de grãos essencialmente para consumo familiar é uma das fontes de produção. Como faz parte de uma região produtora de café, juntamente com todo o município, contribui significativamente com a renda da economia local e regional, uma commodity agrícola importante no mercado brasileiro. Não contando com a produção mecanizada e de alta tecnologia, como é característica da agricultura atualmente, Soledade está localizada numa região montanhosa, responsável pela produção do café conhecido como café da montanha – produto que vem melhorando a qualidade e competindo no mercado destinado à exportação. 85 Sua população é de aproximadamente 200 famílias e 1100 habitantes (dados fornecidos pelo Programa de Saúde da Família – PSF – Municipal, Secretaria Municipal de Saúde de Manhuaçu). A solenidade é marcada por uma religiosidade onde as pessoas participam, vão à Igreja celebrar, ingressam nos trabalhos pastorais, nos movimentos. Tudo isso mantém uma influência importante na vida das famílias que residem nessa localidade. Aproximadamente 70% da população é formada de católicos e 30% dos demais se dividem entre as religiões: Assembleia de Deus, Maranata e Testemunhas de Jeová, ou não participam de nenhuma religião. Essa população não católica precisa sair de Soledade para frequentar cultos religiosos, pois na comunidade não existem prédios para o culto evangélico ou de crenças diferentes da religião católica. A religião é tida para as pessoas como uma outra família: “família sem religião não existe, uma faz parte da outra”. Assim, falar de religião consequentemente nos induz a abordar discussões sobre famílias. Eu não vejo minha família sem religião sabe? Pra mim a Igreja e a comunidade é também minha família, é tudo misturado, uma tá dentro da outra, não sei separar, porque Deus não disse: vós sois todos irmãos, então”, somos uma família (Mariana, 31 anos, casada, entrevistada em 30/07/2010). Para todos os/as líderes entrevistados (as), a “família é um bem extremamente valioso”, ela possui valor moral na opinião das pessoas “família e religião devem caminhar sempre juntas”. Para os moradores de Soledade, família e religião se apresentam em conexão com gênero. Religião, família e gênero, em se tratando de Soledade, configuram mais que uma particularidade, uma dimensão da vida coletiva, distingue e garante redes de relações na reprodução biológica e social. A família ganha destaque em relação ao Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012) indivíduo. Aliás, sujeitos são definidos em função de suas conexões de família. Não é tarefa fácil analisar algo tão “natural” como família, que é a esfera da vida social mais naturalizada pelo senso comum, porque regula atividades de base biológica, como o sexo e a reprodução humana. Lévi-Strauss (1980), ao demonstrar as estruturas elementares do parentesco, deu um passo decisivo para a desnaturalização da família ao retirar da família biológica o foco principal. A família passou a ser vista como atualização de um sistema mais amplo quando separa o fundamento biológico da consanguinidade e dos fundamentos sociológicos da aliança. De acordo com Velho (1978), o significado de família está vinculado a uma rede de outros significados e supõe um todo mais ou menos sistemático e não necessariamente harmonioso. A unidade existente na família ou em unidades particulares, conforme mencionada, não significa necessariamente harmonia. No espaço religioso, em especial na Igreja Católica, é conferido à família lugar de destaque, “religião e família devem caminhar juntas, pois uma depende da outra”. Para os líderes entrevistados em Soledade, a família aparece como a “base de tudo”. Na opinião dos entrevistados, “família e comunidade é uma união necessária” e “quando a família não vai bem a comunidade também não vai bem”. Comunidade, para os líderes em Soledade, é comunidade religiosa. Em alguns momentos, citam o termo comunidade com o mesmo significado de Igreja Católica ou até mesmo de religião. “Um grupo que se ajuda de forma mútua, que disputa o mesmo espaço, uma comunidade”. Eu acho que a religião e família, a religião trás uma estrutura pra família, porque a família que participa dos momentos comunitários, família que sempre tá à missa, no culto igual nós sempre temos aqui, eu acho que tem uma grande força, a religião trás um grande apoio, na família, no emocional, 86 pra fortalecer a união dentro de casa. Cê tem facilidade pra tá decidindo as coisas e discutindo alguma coisa, cê pensa que eu sou católico, religioso. Pra mim eu mudei muita coisa na família através da religião. Minha família hoje é mais unida, todos participam, parece que a gente fica mais confiante (Marcos, 42 anos, casado, entrevistado em 02/07/2011). Percebe-se que a família é tida como valor moral, de responsabilidade ética, uma instituição que deve ser muito bem cuidada. A descrição de família é usada pelas pessoas como metáfora. A importância da conexão entre família e movimento pastoral na religião é expressa na opinião de Mariana, em entrevista dia 30 de julho de 2010: Eu acho que, é uma coisa engraçada, porque aqui na comunidade, tem família que trabalha junta: é o pai, a mãe, o filho, a filha. É mais uma união entre a família e os trabalhos, porque tem gente, é quase todo mundo que trabalha na comunidade, tem sempre dois ou três da família, então eu acho que é uma união que tem dado certo: a família, com a comunidade e os trabalhos pastorais. E nossa comunidade nisso é uma comunidade muito bem servida de pessoas pra tá trabalhando. Uma comunidade muito boa pra tá trabalhando, e é por causa disso que tem bastante união entre a família, a família em geral, tanto de um lado e de outro, um de um lugar outro de outro, mas sempre duma família tem duas ou três que tá participando da comunidade, um ou dois participam de uma pastoral, de outra pastoral, acho que é uma união perfeita: família e comunidade (Mariana, 31 anos, casada, entrevistada em 30/07/2010). Em diferentes momentos das entrevistas os líderes afirmam que “a Igreja e a pastoral são uma segunda família”. Muitos Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012) buscam na religião e nos trabalhos pastorais, características que gostariam de encontrar na família, como sociabilidade, segurança, diálogo e respeito. Buscam na religião soluções e alternativas para os problemas que não são resolvidos ou extrapolam os limites da família: rezam pedindo saúde, união para a família, a cura de uma doença, a volta do companheiro, mais recursos econômicos, a recuperação de alguém, o abandono de algum vício etc. Foi, foi muito importante! Foi importante o fato de eu ser perseverante, né? Porque eu podia ter desanimado tanto o fato de eu ser perseverante, e junto com meus filhos, eu tive apoio dos meus filhos, eles falavam: ‘não vão não mamãe, eu falava: vão sim meu filho’ e a gente indo e o marido sentiu aquilo com certeza, né? Nossa, minha família lá vai e deve que ele sentiu vergonha da gente ir e ele não vinha! Mas aí tudo bem, foram sete anos assim, depois, quando ele veio eu senti mais força ainda, aí eu senti que a força tá na caminhada de fé! (Vitória, 47 anos, casada, entrevistada em 07/08/2010). Vitória não desistiu e conseguiu levar o marido para a Igreja. Ela relata sua história de vida com lágrimas nos olhos, se emociona e diz que tem orgulho do que fez, considera-se “poderosa” por ter levado o marido para a Igreja. Este fato possui para ela grande significado. “Me sinto orgulhosa por ter conseguido tamanha façanha”, ela diz. Compreendemos que, para este grupo, a religião possui o poder de apontar soluções para problemas existenciais de vida e de morte do ser humano. Se essas necessidades não são satisfeitas na família, o espaço religioso composto pelos grupos e pastorais apresenta-se como alternativa de suprir essa satisfação. Uma satisfação que principalmente a mulher busca nesse lugar. Ela vem ocupando um espaço historicamente masculino e está presente em todas as 87 pastorais na comunidade, mesmo que ainda não tenha ocupado posições de maior status, como a coordenação geral, mas se envolveu de forma significativa nas atividades e trabalhos comunitários. Eu era mais tímida, agora não, agora se for pra eu dirigir uma reunião lá na frente ou qualquer coisa eu tenho coragem! Se a pessoa chegar pra mim pedir pra eu ler uma leitura, um evangelho, fazer uma reflexão é na hora, não chego nem a tremer, eu consigo fazer, então mudou muito pra mim, eu acho que a autoestima melhorou. Em mim, a autoestima melhorou bastante. Eu acho que mudou muito nessa parte, eu acho que o apoio, o jeito né, que a gente chega a ter uma confiança maior na gente, às vezes a gente fica meio tímido por ser mulher! Agora num tempo pra frente, cê vai modificando, eu acho que ta tendo mais firmeza no que cê faz (Lúcia B., 45 anos, casada, entrevistada em 07/08/2010). Em Soledade, essa realidade possui um significado de rompimento com algumas tradições masculinas. Para essas mulheres, o reflexo é sentido diretamente na família, que vem transformando-se em função desse novo posicionamento da mulher no meio social. São vários os modelos e configurações que as famílias assumem incorporados a mudanças em seu modo de vida e, consequentemente, na divisão do trabalho doméstico entre seus membros. Temos, hoje, várias famílias chefiadas exclusivamente por mulheres que assumem para si o cuidado da casa, dos filhos e sua sobrevivência financeira. Essas novas realidades familiares nos levam a refletir um pouco mais sobre a participação da mulher em atividades antes vistas somente como masculinas e suas implicações nas estruturas familiares. Nas relações de gênero no espaço da família e da religião, definir submissão Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012). imposta às mulheres como uma violência simbólica ajuda a compreender como a relação de dominação, que é uma relação histórica social e linguisticamente constituída, é sempre afirmada como uma diferença de ordem, natural, radical, irredutível e universal. O essencial é identificar para cada configuração histórica os mecanismos que enunciam e representam como “natural” e biológica a divisão social dos papéis e das funções (SOIHET, 1989). As fissuras que a dominação masculina por ventura deixa entreaberta, ou que as mulheres constroem como espaço de resistência, não assumem a forma de rupturas espetaculares, nem se expressam sempre num discurso de recusa ou rejeição. Elas nascem no interior do consentimento quando a incorporação da linguagem da dominação é reempregada para marcar uma resistência. Assim, definir os poderes femininos permitidos por uma situação de sujeição e inferioridade significa entendê-los como uma reapropriação e um desvio dos instrumentos simbólicos que instituem a dominação masculina, contra seu próprio dominado (SOIHET, 1989, p.107). No discurso da maioria dos líderes de Soledade não existe discriminação entre homens e mulheres, porém a prática é reveladora de uma desigualdade acirrada e marcada pela diferença. É igual eu te falei. A relação entre mulheres e homens, sei lá, se for olhar pro lado, Deus fez homens e mulheres pra viver junto um do outro então a relação entre família e comunidade é bom assim não tem divisão, né? (Carlos, 43 anos, casado, entrevistado em 25/07/2010). Quando explicitam sobre a importância da mulher no movimento pastoral e na religião, é reforçada onde começa a diferença. A família aparece e o homem pode e deve participar, mas na visão de Carlos é melhor que a mulher fique em casa, no lar, cuidando dos filhos, de um 88 familiar doente ou limitado, ao invés de participar de alguma atividade religiosa. Minha mulher mesmo, quase não vem na igreja porque ela tem as obrigações em casa, então eu vejo assim, não tem muita diferença não, se ela tiver tomando conta de alguém em casa, talvez é melhor ela ficar em casa do que ir à igreja e deixar alguém que tá precisando em casa, então eu acredito que para Deus não existe diferença (Carlos, 43 anos, casado, entrevistado em 25/07/2010). Ao ser interrogado como essa realidade era vista pela esposa e se ela manifestava vontade de participar na comunidade, ele diz: É, ela sempre comenta comigo: é eu poderia ir com você na missa, no culto, mas como que eu vou e vou deixar minhas meninas! Eu falo pra ela, cê estando tomando conta dos meninos é mesma coisa de cê tá indo ao culto. Eu acho que se ela deixasse a sua irmã os meninos e viesse pro culto eu não ia sentir bem, sei lá, mas às vezes eu fico mais feliz dela ficar com a família em casa do que tá vindo pra igreja e deixando quem tá precisa dela lá! (Carlos, 43 anos, casado, entrevistado em 25/07/2010). Inseridas em uma cultura conservadora e machista, as próprias mulheres parecem não ter consciência da condição de submissão e de desigualdade, da diferença em relação ao homem. Para a maioria é uma condição natural da mulher, além de ser um “problema” da mulher, e não do homem, o cuidado com a casa, o lar, a família, naturalizando e essencializando atitudes, comportamentos e o prescrito pelo grupo como sujeitos feminino e masculino. Constata-se que o poder é distribuído de modo desigual entre homens e mulheres, corroborando com Gebara (2000). Primeiramente, elas ocupam, em geral, Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 6, n. 1, p. 80-90, Janeiro - Junho, 2012. Lopes; Lopes (2012) posições subalternas na organização mais ampla da vida social e também na organização das religiões em todo o mundo, aludindo à Igreja Católica. Acredita-se que é preciso rever conceitos, valores, preconceitos, para só assim reescrever uma “nova história”, como nos disse Scott (1990), que tenha como foco o ser humano e sejam respeitadas as suas diversidades. Pensar em gênero é se aventurar em outro olhar, a partir de outro entendimento, na tentativa de romper e desconstruir paradigmas. CONSIDERAÇÕES FINAIS As reflexões aqui apresentadas mostram que os/as líderes das pastorais retratam e sinalizam como se configuram as relações de gênero e poder na Igreja Católica e como essas relações refletem diretamente nas famílias e vida das pessoas que atuam nas pastorais dessa Igreja. Notamos, assim, que a partir da análise da realidade local houve implicações nas transformações do discurso dos agentes de pastoral, porém, na prática das ações, ainda vivenciamos a desigualdade de gênero e a dominação masculina. Essas mudanças apontam para um futuro menos desigual, mas que ainda não se configurou na prática. Os estudos mostraram uma mulher mais participativa, assumindo de forma mais atuante seu espaço nas pastorais, porém, não conseguiu se desprender das tradições culturais construídas pela sociedade masculina, que ocupa as posições de comando e de maior status. Contudo, os resultados pressupõem mudanças na configuração familiar e na construção de gênero em sintonia com esse espaço religioso que se transforma em espaço de sociabilidade para a liderança de Soledade. Porém, esse espaço pastoral e familiar apresenta-se como uma via de mão dupla que possui influência significativa na reprodução da desigualdade de gênero e no fortalecimento do poder masculino na família e na Igreja Católica de Soledade. 89 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em Ciência Sociais. 4. ed. São Paulo: Huciter, 1999. BOURDIEU, P. Gênese e estrutura do campo religioso. In: MICELLI, S. (Org.). 5. ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004. DA MATA, R. O ofício de etnólogo ou como ter Anthropological Blues. In: NUNES, E. O. A aventura sociológica: objetividade, paixão improviso e método na pesquisa social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. GEBARA, I. Rompendo com o silêncio: uma fenomenologia do mal. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978/1989. GOMES, R.; MENDONÇA, E. A. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: MINAYO, M. C. 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