Ed.126 Ago-Set 13 - Revista Principios
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Ed.126 Ago-Set 13 - Revista Principios
1 126/2013 2 Editorial Reforma Política para proporcionar mais democracia! A Foto: Josie Jerônimo s manifestações de junho último trouxeram às ruas o grito pela elevação da qualidade de vida nas cidades e por melhores serviços públicos e puseram a nu uma crise no sistema de representação política no país, expressando o anseio do povo, em particular da juventude, por mais espaços de participação política. Destacam-se, na atualidade, três grandes entraves à ampliação da democracia. O primeiro deles são os monopólios privados dos meios de comunicação que negam à sociedade o direito à informação plural e, por conseguinte, atrofiam a liberdade de expressão. Em se- Partidos de esquerda e entidades da sociedade civil defendem Reforma Política guida temos a Justiça que segue lenta, que amplie a democracia participativa e direta cara e de difícil acesso ao povo. Resultado de um Poder Judiciário fechado e opaco e que, adeQuanto ao conteúdo democrático da Reforma mais, por ações de setores de sua cúpula, tem ferido Política duas questões se destacam: resguardar e as prerrogativas dos demais Poderes. Finalmente, se aprimorar o sistema proporcional; e combater a nedestaca a crise da democracia representativa. O Poder gativa influência do poder econômico nas campaLegislativo, apesar de ser o menos fechado, tem sua nhas eleitorais. Propõe-se, então, uma nova forma composição filtrada pelo financiamento privado das de votação: o eleitorado passaria a votar numa placampanhas eleitorais que faz resultar em casas legistaforma de ideias e de compromissos de partidos ou lativas conservadoras, dominadas por representantes coligações com uma respectiva lista de candidatos, dos interesses do capital, com escassa participação de resguardada, nesta lista, uma participação destacatrabalhadores e, também, de mulheres. da de mulheres. Em vez de campanhas eleitorais Estes entraves só podem ser removidos com a financiadas por bancos e empresas – raiz da maioria realização de reformas estruturais democráticas. dos escândalos de corrupção –, apresenta-se como Princípios destaca nesta edição a Reforma Política alternativa o financiamento público exclusivo dedemocrática. Uma Reforma que aperfeiçoe a demolas. A proposta de realização de um plebiscito aprecracia representativa e amplie os instrumentos e sentada pela presidenta Dilma Rousseff, apoiada mecanismos de democracia participativa e direta. pelos partidos de esquerda (PT, PCdoB, PSB, PDT) Além de barrar uma Reforma Política de contesobre este tema, e as movimentações de várias entiúdo progressista, o conservadorismo tem procuradades e movimentos pró-reforma, como é o caso da do, na contramão da exigência das ruas, impor reOrdem dos Advogados do Brasil (OAB), é uma ação trocessos. Para tanto, advogam instrumentos que, importante, uma vez que, como a experiência já deaprovados, representariam duro golpe no pluralismonstrou, sem pressão social e política os setores mo partidário, pois visam a eliminar as minorias. conservadores maquinam para que a democracia Entre esses instrumentos retrógrados estão o voto não se amplie. distrital, a proibição de coligações e até mesmo o retorno da cláusula de barreira, já considerada pelo Adalberto Monteiro Supremo Tribunal Federal (STF), antidemocrática e Editor inconstitucional. 1 126/2013 4 Capa Reforma Política para ampliar ou restringir a democracia? Aldo Arantes..................................................... 4 Reforma Política necessária, urgente e democratizante Vanessa Grazziotin............................................. 9 12 Política não é negócio: é hora de acabar com o financiamento privado das campanhas eleitorais Manuela D’Ávila........................................ 12 A Reforma Política e a participação das mulheres Jô Moraes e Alice Portugal ........................ 16 Reforma para ampliar a democracia e acabar com a ingerência do poder econômico na política Daniel Almeida.............................................. 22 16 29 A velha arapuca do voto distrital Bernardo Joffily............................................. A Reforma Política, a consulta popular e o diálogo da esquerda com as ruas Rui Falcão....................................................... 35 39 2 Entrevista com Renato Rabelo Novos horizontes para a Reforma Política democrática................................ 39 Entrevista com Carlos Lupi “O Brasil precisa de uma verdadeira Reforma Política”.............. 44 Sumário Brasil Mais médicos para o Brasil e mais recursos para o SUS Júlia Roland................................................... 50 50 Mandatos comunistas de 1945: resgate de um patrimônio da democracia brasileira Osvaldo Bertolino........................................... 55 Internacional Foro de São Paulo: Muito trabalho pela frente 60 60 Valter Pomar.................................................... Reflexões sobre a luta pela paz na Colômbia e seus impactos na América Latina Pietro Alarcón.............................................. 67 Cultura 73 73 120 anos de Mário de Andrade: De caso com o comunismo André Cintra................................................. Economia Marx, teorias e crises do capitalismo contemporâneo (conclusão) A. Sérgio Barroso........................................... 77 Resenhas Repressão e direito à resistência: A história dos comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985) ............ 84 77 Alma em Fogo: A trajetória de lutas e a vida de Aldo Arantes................................. 86 87 Dario Canale: um revolucionário internacionalista...................................... 3 126/2013 Reforma Política para ampliar ou restringir a democracia? Aldo Arantes* Arquivo TRE-SC A proposta da presidenta Dilma de realização de um plebiscito para que os eleitores opinem sobre a Reforma Política foi bombardeada pela mídia conservadora e a oposição sob a alegação de que a questão é “complexa” para o povo opinar, numa evidente subestimação da capacidade de nosso povo. Na verdade, é receio da manifestação popular 4 A proposta da presidenta Dilma de realização de um plebiscito para que os eleitores opinem sobre a Reforma Política foi bombardeada pela mídia conservadora e a oposição sob a alegação de que a questão é “complexa” para o povo opinar – numa evidente subestimação da capacidade de nosso povo. Na verdade, é receio da manifestação popular. Para avaliar a tendência da população brasileira sobre a Reforma Política a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contratou uma pesquisa ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), cujos resultados foram divulgados recentemente. A pesquisa indicou que 85% dos entrevistados se manifestaram a favor de uma reforma política. Sobre o financiamento de campanha por empresas 78% se manifestaram contra. A punição mais rigorosa ao “caixa dois” de campanha foi apoiada por 90%. Em defesa da eleição feita em torno de propostas e listas de candidatos 56% se manifestaram a favor. Opinaram a favor de um projeto de lei de iniciativa popular 92%. E 84% se manifestaram a favor de que a Reforma Política vigore para as próximas eleições. Esta pesquisa colocou abaixo falsas formulações sobre a preferência popular em torno da Reforma Política. Demonstrou o grande interesse no tema e Capa a manifestação contra o atual sistema eleitoral e a nha eleitoral. Em 2010, 91,30% e, em 2012, 95,10%. defesa de questões relacionadas a uma Reforma PoTais números indicam as causas do agravamento da lítica Democrática. crise de representação política. A crise de representação política, expressa nas Cada vez mais os eleitos se aproximam de seus manifestações de rua, colocou na pauta política do financiadores e se distanciam do povo. Comentando o financiamento de campanha, a país o debate sobre a Reforma Política. E uma quesFolha de S.Paulo, de 3 de julho de 2013, saiu abertatão que divide as opiniões essa reforma diz respeito mente em defesa do financiamento a qual seria a causa fundamental por empresas afirmando: “não faz da crise de representação política. sentido impedir que pessoas ou Enquanto os defensores de uma O empresário que empresas colaborem com candidaReforma Política Democrática idenfaz financiamento tos de sua escolha”. tificam no financiamento privado Os que se opõem ao financiade campanha a raiz da crise de reprivado por meio mento público argumentam, falpresentação política, os defensores do “caixa dois” samente, que o financiamento da Reforma Política Antidemocrátipúblico de campanha representará ca estão preocupados com a goverrecebe através do ao poder público. Mas, o dito nabilidade. Para atingir este objetisuperfaturamento de gastos financiamento privado, na verdade vo pretendem uma redução drástica é público. O empresário que faz o do número de partidos. obras, e de muitos financiamento privado por meio do outros mecanismos, ilegal “caixa dois” recebe através Financiamento público do superfaturamento de obras, e de exclusivo e lista fechada um volume de muitos outros mecanismos, um vode candidatos recursos muitas lume de recursos públicos muitas vezes maior do que sua “doação” O financiamento privado de vezes maior do que de campanha. E quem paga isto é campanha, sobretudo o financiasua “doação” de o contribuinte. mento por empresas, é a raiz da No entanto, o financiamento crise de representação. Os eleitos campanha público de campanha exige um nopassam a defender seus financiavo sistema eleitoral onde os recurdores e não seus eleitores – o que sos sejam destinados aos partidos e não aos candiprovoca uma justa revolta na sociedade. datos. A solução para resolver este problema está na A influência do poder econômico no processo poadoção do sistema proporcional com lista fechada. lítico foi denunciada por várias pessoas que se maO sistema proporcional, incorporado à Constituinifestaram na Audiência Pública realizada no Sução brasileira, representou um importante avanço premo Tribunal Federal (STF) para discutir a Ação democrático em vários países de mundo. Ele se torDireta de Inconstitucionalidade da OAB sobre o nou uma necessidade em decorrência da incorporafinanciamento de campanha. A Ordem alegou que ção de grandes massas ao processo eleitoral, com a o financiamento de campanha por empresas é inampliação do sufrágio universal. constitucional porque a Constituição estabelece que No sistema proporcional, os partidos elegem um “todo poder emana do povo” e que empresa não é número de parlamentares proporcional ao número povo. Portanto, não pode influenciar na constituição de votos que obtêm no processo eleitoral. Assim, um do poder político. partido ou coligação que obtiver 30% dos votos terá, Prestando depoimento perante o STF o deputado aproximadamente, 30% da representação parlamentar. Henrique Fontana denunciou que os gastos gerais da Falando sobre o sistema proporcional em semicampanha eleitoral de 2002 foram de 827 milhões de nário realizado na Universidade de Brasília (UnB), reais e na de 2010 de 4 bilhões e 900 milhões, num no ano de 1980, o ex-presidente Tancredo Neves afircrescimento vertiginoso. E informou que, dos 513 mou: “Tenho para mim, com base na minha longa deputados eleitos em 2010, 369 estão entre os que experiência de vida pública, sobretudo encarando dispunham de mais recursos para suas campanhas. o aspecto da realidade socioeconômica do Brasil, Na mesma oportunidade, o diretor de Pesquisas que o sistema proporcional é o único capaz, como do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Jainstrumento de ação política, de promover a rápineiro (Iuperj), Geraldo Tadeu, demonstrou que tem da democratização das estruturas e das instituições havido um aumento da contribuição de empresas. brasileiras. O sistema proporcional é realmente uma Em 2008 elas doaram 86% dos recursos da campa- 5 126/2013 ação política que determina que as resistências reacionárias, conservadoras e imobilistas têm que ceder à pressão das reivindicações populares, fazendo que a história siga sua marcha implacável”. Mas o sistema proporcional brasileiro adota a lista aberta de candidatos. Ou seja, a lista de candidatos não obedece a uma ordem. O voto é dado a qualquer dos candidatos da lista. Assim, a disputa eleitoral é feita em torno de projetos individuais. E o eleito é aquele que obtiver a maior votação. E o poder econômico passa a ser o diferencial a garantir a eleição. Desse modo, trava-se uma guerra em que os comitês eleitorais dos candidatos se transformam em verdadeiros partidos dentro de um partido. O único objetivo é a eleição de determinado candidato. Os males do sistema proporcional com lista aberta podem ser superados com a adoção da lista fechada. Neste sistema, os candidatos são ordenados na lista pelos partidos políticos. E o voto é dado em um partido, em seu programa e em sua lista de candidatos. Isto assegura uma campanha eleitoral feita em torno dos programas partidários e não em torno de indivíduos. Eleva o nível político das campanhas eleitorais e obriga aos partidos a buscarem maior definição político-ideológica e programática. Sem isto não conseguirão obter votação. Tal alternativa reduz os gastos de campanha, possibilitando o financiamento público, já que os recursos serão repassados aos partidos e não aos candidatos. A adoção da lista fechada deverá ser acompanhada de normas para estabelecer, democraticamente, a lista de candidatos e a distribuição dos recursos. A lista de candidatos permite, também, assegurar a efetiva participação de um terço das mulheres nas instâncias de poder. Sistema eleitoral majoritário Contra o financiamento público de campanha e o voto em lista se unem a grande mídia, a oposição e os setores conservadores da sociedade. Eles defendem a adoção do sistema distrital puro ou misto. Esta é a posição defendida pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e por importantes segmentos de outros partidos. A história política revela que o sistema majoritário, distrital, foi o primeiro a ser adotado. Nele, os eleitos representam o poder da elite local sem nenhum compromisso com as camadas pobres da população. No Brasil, o sistema eleitoral distrital foi adotado, com suas peculiaridades, por 70 anos durante o Império e a República Velha. A Revolução de 1930, representando um avanço democrático, acabou com o sistema distrital e implantou o sistema proporcional. A Constituição de 1946 incorporou em seu texto 6 o sistema eleitoral proporcional para as eleições de deputados federais, estaduais e vereadores. Durante a ditadura militar, por iniciativa do general Figueiredo, foi estabelecido o sistema distrital misto no país. No entanto, não foi colocado em prática. Com o fim da ditadura, o Congresso revogou, em maio de 1985, este entulho autoritário. Os argumentos dos defensores do sistema eleitoral distrital têm claramente a marca de restrição à democracia. É um sistema defendido pelos partidos conservadores que querem manter o controle do sistema político com maior facilidade, e por partidos que incorporaram concepções neoliberais que no plano político se relacionam com a limitação da democracia. No sistema eleitoral majoritário, o país é dividido em distritos, sendo eleito o candidato mais votado de cada um deles. Este sistema distorce a vontade dos eleitores e reduz drasticamente a representação das minorias, mesmo sendo elas expressivas. Isto porque, por hipótese, um partido que obtiver 51% dos votos em 10 distritos obtém as 10 cadeiras no parlamento. O outro partido com 49% dos votos não terá nenhuma cadeira. Esta é a distorção mais grave do sistema majoritário. O voto distrital é excludente da representação de grande parte do eleitorado ao não assegurar a representação política da parcela minoritária da sociedade mesmo com uma votação próxima da metade do eleitorado. Induz ao bipartidarismo por assegurar a representação política somente aos grandes partidos. Aniquila as minorias. Promove a ditadura da maioria. Golpeia o voto de opinião. Num país tão vasto e complexo como o Brasil, onde existem grandes diferenças sociais, ideológicas, políticas, regionais e religiosas, o sistema político tem que ser capaz de abarcar todos estes interesses e opiniões. Ao regionalizar o processo eleitoral o sistema distrital afasta o debate político dos grandes temas nacionais. Transforma o deputado federal em despachante de luxo, em um vereador federal voltado, quase exclusivamente, para os problemas paroquiais e regionais. Agrava a influência do poder econômico nas eleições. Ao delimitar a eleição a um distrito, o sistema permite que o candidato endinheirado gaste um volume maior de recursos num território bem menor. Além do sistema distrital puro há o sistema distrital misto, que atenua, mas não altera os problemas causados pelo sistema majoritário. Parte de seus membros é eleita pelo sistema proporcional e parte pelo sistema majoritário. A ditadura militar fez várias tentativas para introduzir o sistema distrital misto. A Emenda Constitu- Capa cional n° 22, de junho de 1982, estabeleceu o sistema O projeto criminaliza o financiamento por empresa. distrital misto que não foi colocado em prática. Com Determina a cassação do registro da candidatura beo fim do regime ditatorial, a Câmara neficiada. E a empresa financiadora liquidou com o entulho autoritário, ficará proibida de fazer contrato com que incluía o sistema distrital misto. o poder público por cinco anos, e reA proposta de A conclusão é cristalina. O sisceberá multa no valor de 10 vezes o tema distrital puro ou misto visa a valor doado indevidamente. projeto de iniciativa restringir a participação popular no Já a proposta de eleição em dois popular, sem processo político e assegurar um ríturnos incorpora as vantagens do gido controle sobre as estruturas de sistema proporcional com lista fedesconsiderar poder. chada e, ao mesmo tempo, leva em o tamanho da consideração a cultura política do Sistema eleitoral povo acostumado a votar em canrepresentação proporcional com didatos. partidária no financiamento No primeiro turno, o voto será democrático de dado ao partido, à sua plataforma parlamento, prevê campanha e dois turnos política e à sua lista fechada de canuma distribuição didatos. Nessa etapa, será asseguA proposta de financiamento rado o debate em torno de ideias e mais democrática público exclusivo e voto em lisprojetos para solucionar os probledos recursos e do ta fechada é a melhor alternativa. mas do país. Com base no quocienPorque assegura uma distribuição te eleitoral será definido o número tempo de televisão igual de recursos para os cande vagas parlamentares a didatos, garantindo uma disserem preenchidas para caputa em igualdade de condida partido. ções financeiras. E, com a No segundo turno, o volista fechada, o debate será to será dado no candidato. exclusivamente em torno de Irá para o segundo turno o propostas e projetos apresendobro de candidatos das vatados pelos partidos. gas que cada partido obteve. Todavia, esta proposta Assim, o partido que obtiver encontra resistências. As dicinco vagas no parlamento ficuldades do Congresso de disputará o segundo turno aprovar uma Reforma Políticom os dez primeiros nomes ca indicam que só com uma de sua lista partidária. Cagrande união da sociedade berá ao eleitor dar a palavra será possível sua aprovação. final sobre quais seriam os O que poderá assegurar esta união é o Projeto de Inieleitos. Esta proposta reduz drasticamente o número ciativa Popular da OAB, do Movimento de Combate de candidatos, reduz os custos de campanha e permite à Corrupção Eleitoral (MCCE) e de inúmeras outras uma efetiva fiscalização do processo eleitoral. entidades sociais. Para compor uma lista de candidatos, de forma deEsta proposta se estrutura em torno de dois eimocrática, deverão ser realizadas eleições primárias, xos: o Financiamento Democrático de Campanha e com a participação de todos os filiados, e acompanhaa eleição parlamentar em dois turnos. O Financiamento da justiça eleitoral e do ministério público. mento Democrático de Campanha, constituído com A distribuição excessivamente desigual de recurrecursos públicos, visa a assegurar uma distribuição sos e tempo de televisão entre os partidos é uma fragiigualitária de recursos entre os candidatos. Ao lado lidade do atual sistema político brasileiro. A proposta dele, o projeto assegura o financiamento de campade projeto de iniciativa popular, sem desconsiderar o nha por pessoas físicas, limitado a R$ 700,00. Tais tamanho da representação partidária no parlamento, recursos serão destinados aos partidos políticos e prevê uma distribuição mais democrática dos recurnão aos candidatos. O limite de arrecadação com dosos e do tempo de televisão. ações individuais será de duas vezes o valor da quota Um dado relevante dessa proposta é que ela assedo Fundo Democrático de Campanha destinado aos gura a coligação proporcional realizada com base em candidatos. programas políticos comuns. E proíbe a barganha da 7 126/2013 utilização do tempo de TV para assegurar a coligação. Com a coligação, o tempo de televisão será o do maior partido. Isto impede que partidos vendam seu tempo de TV. O texto prevê, também, a proibição da soma de recursos destinados à campanha. Isto dificultará a coligação proporcional, prejudicando os pequenos partidos. Proibição da coligação proporcional e cláusula de barreira Diante da dificuldade de os setores conservadores imporem o sistema distrital puro ou misto, já que isto implicaria reforma da Constituição, eles se voltam para liquidar as minorias através da antidemocrática proibição da coligação proporcional e da adoção da “cláusula de barreira”. A Lei 9.096, de 1995, incorporou a cláusula de barreira à legislação brasileira. Todavia, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), com o apoio de outros seis partidos, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade alegando que a regra feria o direito das minorias. No final de 2006, por unanimidade, o STF acatou a ação direta de inconstitucionalidade, derrubando a vigência deste dispositivo. Tais setores procuram esconder o objetivo de redução drástica do número de partidos, sob a capa do combate aos partidos de aluguel. Na verdade, o objetivo é restringir a democracia. Reduzir o quadro partidário para reduzir as vozes que defendem os direitos dos trabalhadores, a democracia e a soberania nacional. A reação dos trabalhadores aos cortes dos direitos sociais tem levado a um crescente autoritarismo dos governos que adotam as políticas neoliberais. Visando a fragilizar a resistência dos trabalhadores e do povo, as elites neoliberais propalam que os partidos políticos e as tradicionais organizações dos trabalhadores e da sociedade estão superados. Fazem uma campanha aberta contra a política e os políticos. Na verdade, trata-se de um combate à democracia. Isto porque a democracia é incompatível com o corte de direitos. Norberto Bobbio fez uma cáustica crítica ao neoliberalismo ao afirmar “Pode-se descrever sinteticamente este despertar do liberalismo através da seguinte progressão ou (regressão) histórica: a ofensiva dos liberais voltou-se historicamente contra o socialismo, seu natural adversário na versão coletivista (que de resto o mais autêntico); nestes últimos anos, voltou-se contra o Estado do bem-estar social, isto é a versão atenuada (segundo uma parte da esquerda também falsificada); agora é atacada a democracia, pura e simplesmente. A insídia é grave”. Diante da ofensiva dos setores conservadores tentando impor uma Reforma Política antidemocrática, 8 contando com os grandes meios de comunicação, cabe às forças democráticas se unificarem em torno de uma proposta de Reforma Política Democrática. Somente uma grande união do povo brasileiro, de caráter suprapartidário, contando com as diversas organizações da sociedade civil, os partidos e lideranças democráticas, será capaz de mobilizar a sociedade em torno deste objetivo como foi feito nas Diretas Já ou na Constituinte. Nas condições atuais, a proposta que tem melhores condições de assegurar esta unificação é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular apresentado pela OAB, pelo MCCE e por diversas organizações da sociedade. Não há tempo a perder. Ou os setores democráticos se unem e mobilizam a sociedade ou podemos sofrer um retrocesso político com a aprovação de uma Reforma Política Antidemocrática. O povo está sensível a maiores avanços democráticos, mas é necessário conseguir conectar a “voz das ruas” com uma proposta que possa ser apoiada por amplos setores. Daí o papel que a Proposta de Lei de Iniciativa Popular pode jogar. Neste momento é indispensável ter grandeza e colocar os interesses dos avanços democráticos acima de veleidades pessoais ou de grupos. * Aldo Arantes é secretário da Comissão de Mobilização para a Reforma Política da OAB e membro da Comissão Política do Comitê Central do PCdoB. Textos consultados ARANTES, Aldo. Reeleição e Reforma Antidemocrática do Estado. Brasília: Câmara dos Deputados, 1997. __________. Reforma Política para ampliar ou restringir a democracia?. Brasília: Câmara dos Deputados, 1998. __________. Partidos políticos e realidade nacional. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 4ª ed., p. 124. São Paulo: Paz e Terra, 1989. BORON, Atílio. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1994. LIMA, Haroldo. Reforma Política – O golpe tramado contra a liberdade partidária e as alternativas progressistas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2000. NEVES, Tancredo. Modelos Alternativos de Representação Política no Brasil e Regime Eleitoral. Brasília: Pronunciamento realizado em 1980 na UnB. NICOLAU, Jairo Marconi. Sistema Eleitoral e Reforma Política. Foglio. SANTOS, Wanderley Guilherme. Regresso – máscaras institucionais do liberalismo oligárquico. Rio de Janeiro: Opera Nostra, 1994. Capa Reforma Política necessária, urgente e democratizante Vanessa Grazziotin* Divulgação Partidos de esquerda e entidades promovem ato político em defesa da Reforma Política (Brasília, 2011) A A democratização da vida política brasileira é quase um consenso nacional. Mas as propostas que estão em debate para a Reforma Política têm matizes diferentes, às vezes opostas aos anseios populares. Cumpre desenvolver um amplo esclarecimento sobre elas necessidade de construirmos uma Reforma Política ampla tem sido defendida por nós do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) desde a redemocratização. Na Constituinte de 1988, nossos parlamentares já lutavam contra o então chamado “Centrão” para que houvesse liberdade de organização e, ao mesmo tempo, mecanismos de participação popular efetiva tanto no parlamento quanto nas instâncias formuladoras de políticas públicas do Executivo. Mas a luta contra interesses assentados na máquina pública sempre foi difícel e árdua apesar de um aparente consenso, que alimenta muitos discursos e oculta propostas fortemente excludentes. Faço este pequeno retrospecto para que tenhamos claro que a ressignificação de bandeiras de luta – instrumento usado pelo neoliberalismo – serve a interesses muito distantes dos defendidos pelo povo e pelos setores progressistas. A título de combater a corrupção eleitoral são apresentadas propostas como a redução de partidos, cláusulas de barreira, proibição de coligações e outras distorções. E são argumentos que ignoram as imensas distorções que o nosso sistema político comporta. Nosso sistema eleitoral proporcional de listas abertas, adotado desde 1935, sofreu apenas duas alterações significativas. A primeira na década de 1950 para vedar a candidatura de uma mesma pessoa em dois estados diferentes na mesma eleição; e a 9 126/2013 segunda, na década de 1990, para retirar do voto em A pesquisa divulgada pela Ordem dos Advogados branco a qualificação de voto válido para o efeito de do Brasil (OAB) mostra de forma inequívoca que o cálculo do quociente eleitoral. povo brasileiro aprova a proibição de doações de emAlém do Brasil, tal sistema é adotado na Finlândia, presas privadas para as campanhas e quer que a Rena Polônia e no Chile. Cada partido apresenta uma forma Política tenha efeito já em 2014. Os números lista não-ordenada de candidatos e o eleitor vota no não deixam dúvidas: 85% dos entrevistados são fanome de um deles; os votos recevoráveis à Reforma Política e 78% bidos pelos candidatos da lista são querem a proibição das doações de Nas últimas somados e utilizados para definir o empresas privadas. número de cadeiras conquistadas As manifestações de junho, apeeleições, o Brasil pelo partido; e estas serão ocupasar das críticas à atuação de alguns elegeu apenas uma das pelos candidatos mais votados. segmentos e também da tentativa Além da lista, questões cengovernadora e temos de incorporação de bandeiras estratrais como o financiamento das nhas às lutas de nosso povo, foram a uma participação campanhas sempre foram escanface mais visível de que as barreiras teadas e secundarizadas. O resule distorções à participação política muito pequena tado do atual sistema político no estão a cada dia mais insuportáveis de mulheres no país é uma enorme distorção de para grandes parcelas de nossa porepresentação nos Legislativos de pulação. As bandeiras levantadas Congresso. Somos todos os níveis. em centenas de cidades são as ban8,7% na Câmara; e Em um país com aproximadadeiras que defendemos há anos. mente 51% da população afro-desPois bem, apesar do esforço da 12% no Senado cendente, temos uma participação grande mídia de redirecionar o foco no Congresso Nacional de apenas das manifestações contra o governo 8,5% de negros, segundo dados do Instituto BrasileiDilma – numa completa ressignificação da luta pero de Geografia e Estatística (IBGE) e da União dos lo Passe Livre –, amplas parcelas da nossa sociedade Negros pela Igualdade (Unegro). fizeram-se ouvir com as marchas em todo o país. Do mesmo modo, é gritante a desproporção enUm aspecto importante dessas manifestações foi tre a participação de homens e mulheres nos espadestacado pelo cientista político Armando Boito Juços políticos. Nas últimas eleições, o Brasil elegeu nior em artigo publicado no jornal Brasil de Fato: “O apenas uma governadora e temos uma participação que se ouviu nas ruas foi um grito por ‘mais Estado’: subsídio muito pequena de mulheres no Congresso. Somos ao transporte público, educação, saúde, nova regulamentação 8,7% na Câmara; e 12% no Senado. da lei do inquilinato. Em julho, quando o sindicalismo opeEste verdadeiro apartheid político é filho direto rário entrou em cena, o tom continuou o mesmo: imposição do sistema em que apenas o capital é responsável legal da jornada de 40 horas semanais, regulamentação espelo financiamento das campanhas políticas. tatal restritiva da terceirização etc. Aglutinada em torno da No início do século passado, o marxista Antonio bandeira do ‘Estado mínimo’, a oposição burguesa neoliberal Gramsci destacava que uma estrutura econômica não tem nada a dizer àqueles que saíram às ruas”. não é suficiente para manter-se por si mesma neAlém do estabelecimento de um verdadeiro canal cessitando de um instrumento político-jurídico: “o de diálogo permanente entre governo e movimentos Estado é o instrumento para adequar a sociedade civil à essociais, as manifestações de junho também alavancatrutura econômica”. ram o debate sobre a necessidade da Reforma PolítiIsso explica em parte a dificuldade de estabelecerca. A Ordem dos Advogados do Brasil e o Movimento mos um novo modelo de financiamento de campanha Contra a Corrupção Eleitoral apresentaram um manique impeça empresas privadas de financiarem as camfesto em que são elencadas propostas muito próximas panhas, o que seria imprescindível para a ampliação às apresentadas e defendidas pelos comunistas. da participação política de jovens, negros e mulheres. Manifestações A proibição do financiamento de campanhas por empresas privadas e outras medidas passam necessariamente pela Reforma Política. Esta é uma compreensão do PCdoB e também dos movimentos sociais. 10 Listas pré-ordenadas Um dos aspectos defendidos pela OAB – e particularmente importante – é a lista fechada pré-ordenada. No sistema de lista fechada, cada partido apresentará à Justiça Eleitoral uma lista de candidatos pré-ordenada. E o eleitor poderá comparar, escolher Capa e votar, na proposta apresentada pelo Partido. Esta Além disso, a legislação daquele país determina proposta permite um aprofundamento do debate que, na sequência estabelecida pela lista fechada de e posicionamento dos partidos, pois incorpora um cada partido, deve constar pelo menos uma mulher conceito de dois turnos: no primeiro, para um partipara cada dois homens, sob pena de indeferimento do; e no segundo turno em um candidato. do registro da lista. Dessa forma, ao menos dois dos A lista pré-ordenada aprofunda a nossa democandidatos que aparecem nas seis primeiras posições cracia, e é uma síntese de boa parte de cada lista partidária são mulhedos anseios expressos nas ruas. É res. A representação feminina, nas A lista préuma forma concreta de se garantir eleições de 2007, atingiu 40% na ordenada é uma a maior participação das mulheres Câmara dos Deputados, e 38,9% nas esferas de poder. no Senado. forma concreta Esta proposta permite uma comA França também promoveu de se garantir a pleta reorganização do nosso sisteuma reforma constitucional em ma de representação. O pesquisador 1999 com o objetivo de alcançar a maior participação Carlos Ranolfo de Mello destaca um igualdade política entre os sexos. das mulheres nas aspecto desta mudança: Um ano depois, foi aprovada a Lei “(...) um novo fator, a mídia, torna nº 2000-493 (Lei da Paridade), seesferas de poder possível o acesso dos políticos aos eleitores gundo a qual metade dos candidasem que estes tenham que necessariamentos constantes das listas partidárias te investir na construção de um partido ou deve ser de um mesmo sexo, com de uma imagem partidária. Mais ainda, ao que tudo indica alternância de posições entre homens e mulheres. a competição política no país continuará se desenvolvendo no Nos pleitos realizados com base no sistema proporciointerior de uma estrutura de incentivos – materializada no nal, a alteração promoveu um aumento significativo sistema de lista aberta –, que torna a competição eleitoral uma do número de mulheres eleitas, que passaram a consdisputa entre indivíduos e estimula a priorização de estratétituir 47,5% desses órgãos legislativos. gias que favorecem a criação de laços entre os candidatos e os eleitores, bem como a afirmação de atributos pessoais em relaDesafios ção aos do partido (...) o atual sistema partidário continuará operando em um contexto onde é muito pouco provável que A defesa dos partidos, da proibição do financiauma parcela expressiva dos eleitores passe a se identificar de mento de campanha por empresas privadas, a votaforma mais consistente com os partidos e a utilizá-los como ção em listas, e a plena possibilidade de expressão são referência básica para suas escolhas eleitorais”. propostas defendidas pelos setores mais progressistas. São medidas necessárias para o aprofundamento A lista pré-ordenada é uma forma concreta de se da nossa democracia. Nós do PCdoB lutamos há muigarantir a maior participação das mulheres nas esfetos anos por estas bandeiras e, ao contrário do que ras de poder. sugerem setores da mídia, as vozes das manifestações As cotas também são mais efetivas em garantir de junho reforçaram a nossa luta. o aumento da representação feminina quando se exige algum tipo de alternância de posições entre os sexos, ou outro mecanismo para obrigar que as can* Vanessa Grazziotin é farmacêutica, senadora da didatas figurem entre as primeiras posições da lista República pelo PCdoB/AM e membro do Comitê ou entre as posições elegíveis – que são calculadas Central do PCdoB com base nas cadeiras conquistadas por um partido na eleição anterior, já que os partidos esperam ao Bibliografia: menos manter as cadeiras na eleição subsequente. Isso significa que a posição das candidatas nas listas BOITO Jr, A. “O impacto das manifestações de junho na política nacional”. In: Brasil de Fato, 02-08-2013. fechadas tem sido mais decisiva do que o número de mulheres constantes das listas partidárias abertas. CAVALCANTE, M. P. Hegemonia e formação da vontade Exemplo bem sucedido na instituição de cotas é coletiva em Gramsci, artigo apresentado no Seminário Gramsci e os movimentos populares. Disponível em: http:// o da Argentina. Em 2004, foi aprovada uma reforma www.nufipeuff.org/seminario_gramsci_e_os_movimentos_ que introduziu no art. 37 da Constituição um disposipopulares/trabalhos/Margarete_Pereira_Cavalcante.pdf tivo prevendo que a igualdade real de oportunidades MELLO, C. R. “Individualismo e Partidarismo em doze entre homens e mulheres para o acesso aos cargos eleestados”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. tivos e partidários se garantirá por ações positivas na 26, n° 75, p. 60. regulação dos partidos políticos e do regime eleitoral. 11 126/2013 Política não é negócio: é hora de acabar com o financiamento privado das campanhas eleitorais Manuela D’Ávila* É A questão central da Reforma Política é mudar a forma como as campanhas são financiadas no Brasil. O dinheiro não deve vir de empresas privadas. É preciso garantir maior igualdade de condições entre os candidatos. Nesse sentido, a política deve ter como centro ideias, projetos e programas. Interesses privados não devem se sobrepor às prioridades dos cidadãos. Precisamos superar o sistema político injusto, caro e cada vez mais dominado pelo poder econômico que prevalece no país. significativo o momento político histórico que o Brasil vive após um período de avanços democráticos, de redução significativa da pobreza, de conquistas sociais e de afirmação da soberania nacional nestes últimos 10 anos. A onda de manifestações populares, que chegou a levar 1,4 milhão de brasileiros às ruas de 120 cidades, em 20 de junho, traz para a ordem do dia a necessidade de reformas estruturais no país, como a reforma urbana e política. Os parlamentares do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) têm desempenhado papel estratégico na luta para garantir a concretização de mudanças exigidas pelos brasileiros. Conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística 12 (Ibope), encomendada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, do qual faz parte a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 85% são a favor de uma Reforma Política. O levantamento indicou ainda que 84% dos entrevistados em todo o Brasil acreditam que, se aprovada, a Reforma deveria vigorar já para a eleição de 2014. O Instituto ouviu por telefone, entre 27 e 30 de julho, 1.500 pessoas com mais de 16 anos. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. Esses números reafirmaram o que a voz das ruas já havia apontado. As grandes mobilizações populares colocaram em evidência a necessidade de se aprofundar um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. O Brasil pode inovar promovendo uma nova fase de desenvolvi- Capa Divulgação O Brasil pode inovar promovendo uma nova fase de desenvolvimento político e de elevação dos níveis de participação popular. Pode, entretanto, sofrer grave retrocesso se a Reforma Política for pautada pelo pensamento conservador e antidemocrático mento político, de aprofundamento e ampliação da democracia e de elevação dos níveis de participação popular. Pode, entretanto, sofrer grave retrocesso se a Reforma Política for pautada pelo pensamento conservador e antidemocrático. A bancada do PCdoB na Câmara dos Deputados luta para fortalecer ainda mais a liderança política da presidenta Dilma Rousseff, reunindo forças políticas e sociais avançadas para impulsionar mudanças democráticas e progressistas maiores no país. As mobilizações mostraram que o Congresso funciona mais sintonizado com os anseios populares. E a criação de um grupo na Câmara para discutir a Reforma Política foi uma resposta concreta às demandas, mas é fundamental que haja avanço concreto e não apenas a venda da ilusão de que medidas pontuais resolverão os dilemas nacionais. A cada ano, o Congresso faz mudanças na legislação para alterar regras eleitorais no país, como a proibição de showmícios, de brindes e de outdoors nas campanhas. Essas medidas fatiadas, porém, não resolveram o problema central da política brasileira: o financiamento das campanhas eleitorais. Ao contrário, mostram que há uma tendência de aumento no custo das campanhas. Proibiu-se a distribuição de lixas de unha, e não o abuso do poder econômico. Para garantir a vitória nas urnas, os políticos precisam cada vez mais de cifras enormes, ficando dependentes dos financiadores de campanha. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre 2002 e 2010, por exemplo, os gastos totais declarados nas eleições gerais do Brasil cresceram exponencialmente, passando de R$ 827 milhões para R$ 4,09 bilhões, um aumento de 591% no período. Dos 513 parlamentares eleitos em 2010, 369 foram os que mais gastaram, sendo que investiram em média 12 vezes mais do que os demais candidatos. Conforme Dowbor, um assento de deputado federal custa aproximadamente R$ 2,5 milhões. Esses valores são bancados por empresas que têm interesses, e cobrarão a fatura do candidato eleito que já age muitas vezes pensando em garantir a reeleição. As empresas que contribuem nem sempre têm as mesmas prioridades do conjunto da população. Quando fazem contribuições para as campanhas eleitorais, estão apostando nos candidatos que vão priorizar as suas bandeiras individuais. Quanto mais cara a campanha, mais o processo democrático é deformado por grandes doadores. Conforme Mancuso e Speck, os recursos empresariais são a principal fonte de financiamento das campanhas no Brasil, tendo representado 74,4% de todo 13 126/2013 o dinheiro aplicado nas eleições em 2010 (mais de R$ 2 bilhões), segundo estatísticas do TSE. A representação política não deve se nortear pelo poder econômico. É razoável manter um sistema que cada vez mais seja regido pelo dinheiro, em que cerca de 400 executivos de empresas privadas escolhem os eleitos e assim influenciam decisivamente os rumos do país? Ou é melhor garantir que todos os brasileiros financiem a política para que ela volte a ser o terreno de ideias, de projetos e de programas em favor da sociedade? Certamente, é preciso mudar a realidade, ficando com a segunda opção. As decisões tomadas pela gestão pública não podem ser influenciadas pelo que é mais importante para as empresas que financiam as campanhas eleitorais. A continuidade dessa lógica no sistema eleitoral é muito perversa para as transformações necessárias que levem ao aprofundamento da democracia no país. projetos e trajetórias dos candidatos. Deve-se perguntar então, após 25 anos da Constituição Cidadã: Qual o problema principal da política representativa brasileira? Sem dúvida, o financiamento. O PCdoB sempre defendeu o financiamento público das campanhas eleitorais. Sobre financiamento de campanhas, o estudo do Ibope mostrou que 78% dos entrevistados se manifestaram contrários a doações de recursos Em 2013, a maioria de empresas privadas a partidos e a candidatos. Na mesma linha, dos líderes dos 80% disseram que deveria haver partidos se recusou a um limite para o uso de dinheiro público nas campanhas eleitorais. dar urgência para a O Instituto também mostrou que votação do relatório 90% querem uma punição mais severa para quem pratica o caixa 2. do deputado O dinheiro que financia as canfederal Henrique didaturas numa disputa eleitoral não pode ser privado, devendo-se Fontana (PT-RS), permitir a doação feita por pessodepois de dois as físicas dentro de um conjunto de regras definidas legalmente. A anos de discussões sociedade será a principal beneficom partidos e Financiamento privado ciada com essa iniciativa, visto que de campanhas deve ser haverá maior transparência nos com a sociedade. proibido pleitos. Primeiro, porque proporPara alguns cionará maior igualdade de conApesar de os brasileiros defendições entre os candidatos, garanparlamentares, o derem com veemência a reforma tindo a escolha de quem está mais atual modelo serve estrutural do sistema político brapreparado. Isso reduz o abuso do sileiro, o desafio de avançar no Lepoder econômico, situação que gislativo é enorme. Há mais de 15 prejudica o processo como um todo anos, o Congresso debate diferentes propostas de nos municípios, nos estados e no país. Reforma Política sem conseguir votar qualquer muQuase diariamente a imprensa publica reportadança que reestruture a política nacional. Em 2013, gens sobre casos desse tipo, o que reforça o descrédito a maioria dos líderes dos partidos se recusou a dar de muitos em relação à política e diminui a credibiurgência para a votação do relatório do deputado lidade das instituições. Mudar a forma de financiar federal Henrique Fontana (PT-RS), depois de dois campanhas, portanto, é a saída para reduzir a corrupanos de discussões com partidos e com a sociedade. ção no Brasil. Vale lembrar, trata-se de tema presente A iniciativa foi para a gaveta sem sequer ser aproem muitas das manifestações populares atuais. vada, criticada ou emendada, e nada foi colocado no lugar. Para alguns parlamentares, o atual modeÉ hora de reformar a política lo serve. Por isso, a ideia é votar uma minirreforma eleitoral que não sana as deficiências históricas da O contexto político atual favorece esse debate. política brasileira. Segundo o estudo do Ibope, os cidadãos demonsPolítica não deve ser confundida com negócio. O traram grande disposição em se envolver e em parmaior problema da política brasileira é apostar no ticipar da política. De acordo com o Instituto, 92% dinheiro em vez de investir em ideias, programas, dos entrevistados se disseram a favor de que a Re- 14 Capa Luís Macedo / Ag. Câmara forma Política aconSendo assim, se não teça por meio de uma dá para aprovar todas proposta de iniciativa as medidas necessápopular. Em sintonia rias, é preciso enfrentar com a população, o o mais importante na PCdoB está junto com Reforma Política. O fim a presidenta Dilma do financiamento priRousseff na defesa vado é a peça-chave pade um plebiscito. As ra superar os desafios perguntas devem gique ainda permanecem rar em torno do que e melhorar a imagem é ponto central: o da política e dos polítifinanciamento das cos nacionalmente. campanhas eleitorais. Há bastante tempo, Esse processo deve ser a bancada do PCdoB na deflagrado pelo ConCâmara faz um grande gresso, sendo feito o esforço para construir mais rápido possível. a Reforma Política. As As manifestações de rua merecem pessoas vão às ruas questionar o sisrespostas efetivas. E, em meio à tema político porque ele possui, sim, O fim do crise de representação, as pessoas falhas estruturais, e elas precisam não aceitarão uma solução pronta ser superadas. Vive-se um momento financiamento vinda do Legislativo sem debate único. Não dá para perder a oportuprivado é a peçaprévio. nidade de melhorar o Brasil. O pior Não se pode temer a voz das rucenário é manter tudo como está chave para superar as e o diálogo. Atuante nesse monum sistema político injusto e caro, os desafios que vimento, a bancada do PCdoB fará cada vez mais dominado pelo poder o máximo esforço para avançar em econômico. ainda permanecem projetos importantes e estruturane melhorar a tes para o país, como a Reforma * Manuela D’Ávila é jornalista e líder do PCdoB na Câmara dos Deputados, Política. A posição dos parlamenimagem da política onde exerce seu segundo mandato. tares do PCdoB é clara na defesa e dos políticos Atualmente, integra a Comissão de mudanças que ampliem a reEspecial de Reforma Política da presentação, a participação, a denacionalmente Câmara mocracia e a transparência. O plebiscito não guarda nenhuma contradição com outra proposta também apoiada pelo PCdoB, o projeto Eleições Limpas, encampaBibliografia do pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento de Combate à CorAVRITZER, Leonardo & ANASTACIA, Fátima. Reforma política no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006, 271 p. rupção. O projeto tem como objetivo uma Reforma Disponível em: http://www.ligiatavares.com/gerencia/uploads/ Política de iniciativa popular que altere o sistema arquivos/d2af15de8666c5382e11d8660f15dd31.pdf eleitoral brasileiro e o financiamento das campaDOWBOR, Ladislau. Os descaminhos do dinheiro: a compra nhas a partir da aprovação de uma nova lei. Para ser das eleições (parte I. Outubro, 2012), 5p. Disponível em: htapresentado à Câmara e ao Senado, há a exigência tp://dowbor.org/2012/10/os-descaminhos-do-dinheiro-a-comde 1,5 milhão de assinaturas (1% do eleitorado). É pra-das-eleicoes-parte-i-outubro-2012-5p.html Acesso em: 13 possível acessar a íntegra do projeto e assinar eletrode agosto de 2013. nicamente pelo site www.eleicoeslimpas.org.br. Uma MANCUSO, Wagner & SPECK, Bruno. Financiamento, das principais medidas sugeridas é proibir doações capital político e gênero: um estudo de determinande empresas privadas a candidatos. O financiamento tes do desempenho eleitoral nas eleições legislativas seria por pessoas físicas (até R$ 700) e pelo Fundo brasileiras de 2010. In: Encontro Anual das Anpocs, 36, 2012, Águas de Lindoia. Disponível em: http://www.anpocs. Democrático de Campanhas, gerido pelo TSE, fororg/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_ mado por recursos do orçamento da União, multas view&gid=7985&Itemid=76 Acesso em 13 de agosto de 2013. administrativas e penalidades eleitorais. 15 126/2013 A Reforma Política e a participação das mulheres Jô Moraes* e Alice Portugal** Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr Num contexto histórico de distanciamento feminino dos espaços de poder e de representação, impõemse profundas e radicais alterações nas instituições. Uma das mais importantes delas é a que assegura a ampliação da participação política da mulher 16 O Congresso Nacional com iluminação em tons de rosa debate sobre a emergência da Reforma Política cresce e se amplia no país, principalmente depois das “jornadas de junho”. Esse é um processo que corresponde a uma tendência histórica. A mudança da estrutura institucional do Brasil, em geral, se deu a partir de convulsão e de grande efervescência popular. Se passarmos em revista os momentos em que os processos constituintes aconteceram em nosso país, poderemos comprovar esta verdade. Eles corresponderam a alterações estruturais da sociedade brasileira lastreadas pela sua mobilização. E exatamente nesses períodos é que surgem as propostas de reformas de base apresentadas pelos setores organizados para criar alternativas de enfrentamento dos impasses. As conquistas das mulheres se inserem nesse contexto. Elas sempre ocorreram em sintonia com mudan- Capa ças estruturais, em períodos de expanNão se pode dizer que no atual As conquistas são democrática, de mobilização, e momento estejam em gestação rupcom o apoio dos setores avançados da turas estruturais ou institucionais. das mulheres sociedade. Estas conquistas significaMas, após uma década do novo cisempre ocorreram ram, na maioria das vezes, processos clo iniciado com o governo do prede ruptura e tiveram como pano de sidente Lula, o país está em busca em sintonia fundo a subversão de valores sociais. de um projeto ousado que liberte a com mudanças O direito ao voto feminino, por estrutura econômica dos resquícios exemplo, foi um subproduto da Redo neoliberalismo, que radicalize na estruturais, volução de 1930, em oposição aos democracia, onde cidadãos e cidaem períodos valores das oligarquias rurais. Nadãs possam sentir-se integrados à quele período, a expansão da socieconstrução do novo Brasil. de expansão dade industrial-urbana se confronVive-se o maior período contídemocrática, de tava com a estrutura de poder dos nuo de democracia desde a Proclacoronéis, que asseguravam sua remação da República, sob um govermobilização, e com presentação política através dos fano de coalizão, que tem elevado a o apoio dos setores mosos currais eleitorais. A univercondição de vida do povo brasileiro salização do voto era componente e resgatado dívidas sociais. “No enavançados da importante para a ruptura da hegetanto, é impossível negar a existênsociedade monia rural do poder político. A incia de um mal-estar na sociedade tensa mobilização das “sufragistas” brasileira, que diz respeito a todas contou com uma necessidade objeas instituições em seus diferentes tiva de modernização do Estado brasileiro. O voto níveis... As mudanças econômicas e sociais dos úlfeminino foi resultante desses dois movimentos. timos anos não foram acompanhadas pelas transformações institucionais necessárias dos poderes do Estado, dos partidos e também dos meios de comuConquista do voto feminino no mundo nicação” (GARCIA ). Os vigorosos protestos de rua, das chamadas Países Voto Masculino Voto Feminino “jornadas de junho”, demonstraram com muita preAlemanha 1869 / 1871 1919 cisão a necessidade de se repensar a relação entre a Canadá 1920 1920 sociedade e o poder em todas as suas dimensões. Itália 1912 / 1918 1946 No que se refere às mulheres há dívidas acumuFrança 1848 1946 ladas a serem “pagas” pela sociedade. “Ainda que a Grã-Bretanha 1918 1928 formalidade da cidadania política por meio do voto tenha sido conquistada pelas brasileiras em 1932, Japão 1925 1947 sua presença como sujeito político coletivo (...) só Portugal 1911 1974 emergiu com o surgimento de um movimento de Suíça 1848 / 1879 1971 mulheres com caráter feminista a partir dos anos Venezuela 1894 1946 1970, no bojo de um processo internacional de resNoruega 1897 1913 surgimento do movimento, marcado por mudanças na área do trabalho, na educação, no acesso à antiSuécia 1921 1921 concepção e por enormes mudanças culturais” (GOGrécia 1877 1952 DINHO). Paraguai 1870 1967 Uruguai 1918 1932 Finlândia 1906 1906 Nova Zelândia 1889 1893 Austrália 1903 / 1962 1908 / 1962 Argentina 1912 1949 Brasil 1821 1932 Chile 1925 1949 Equador 1861 1978 Fonte: Inter-Parliamentary Union http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm Realidade contraditória Neste contexto histórico de distanciamento feminino dos espaços de poder e de representação – impactado hoje pela nova situação da mulher moderna, cujo protagonismo na sociedade cresce a cada dia –, impõem-se profundas e radicais alterações nas instituições. Uma das mais importantes delas é a que assegura a ampliação da participação política da mulher. 17 126/2013 O Sonho / Picasso 1932 É expressão dessa nova realidifundir a participação política fedade, o país ter chegado ao pleito minina”. Ficou assegurada, ainda, de 2010 elegendo para a Presidêna obrigatoriedade do preenchimencia da República uma mulher, cuja to das vagas estabelecidas pelas cotrajetória é oriunda da resistência tas, trocando o termo “deverá prepela liberdade. É relevante que, no encher” por “preencherá” (Revista primeiro turno das referidas eleido Observatório, SPM 2009). ções, cerca de 70% do eleitorado Mesmo com avanços institubrasileiro tenham dado seu voto a cionais desse último período, é duas mulheres: Dilma Rousseff e imensurável o déficit democrático Marina Silva. Ressalve-se aqui que que o Brasil tem com sua metade as duas incorporaram, no terreno feminina. É evidente que este déda política, demandas avançadas ficit é inerente a uma democracia da sociedade. ainda insuficiente para os desafios Ao mesmo tempo, é difícil comde uma Nação que precisa liberar preender por que nas três últimas as energias criadoras de sua gente. eleições nacionais, as bancadas do E é fruto de uma herança difícil de Fomos um dos Senado e da Câmara Federal teser desconstruída. O Estado brasiprimeiros países da nham estagnado. Em 2002, foram leiro é marcado pelo autoritarismo eleitas oito senadoras, mesmo núna elevada concentração de poder América Latina a mero de 2010. Na Câmara Federal de sua República; pelo elitismo da assegurar o direito 42 deputadas em 2002, 46 em 2006 sua representação eletiva, que se e 45 em 2010. originou no voto censitário, onde de voto às mulheres, Fomos um dos primeiros países o sufrágio e o poder econômico o que ocorreu em da América Latina a assegurar o nasceram juntos; e na apropriação direito de voto às mulheres, o que privada da coisa pública cujas his1932. Desde então, ocorreu em 1932. Desde então, os tóricas chagas da corrupção só agoos avanços têm avanços têm sido insignificantes ra vêm à plena luz do dia, na sua ante a dimensão da presença feinteireza (MORAES). sido insignificantes minina neste país continental. Na ante a dimensão verdade, as conquistas só foram reDifícil ruptura para o tomadas quase 50 anos depois, após novo sistema da presença as jornadas das mulheres na década feminina neste Construir convicções na sociedade 1980 e dos fóruns internacionais de para garantir uma Reforma Polída Organização das Nações Unidas país continental. tica democrática não é tarefa fácil. (ONU), já nos anos 1990. Na verdade, as Lá nos idos de novembro de 2000, A Lei 9.100/95 deflagrou a trajeo então deputado federal Haroldo tória das cotas de gênero, para vaconquistas só foram Lima, do Partido Comunista do Bragas de candidaturas de cada partido retomadas quase 50 sil (PCdoB) afirmava em artigo do ou coligação, indicando o mínimo Correio Braziliense: “Não há dúvida de 20%. Já em 1997, a Lei 9.504, anos depois de que o sistema eleitoral brasileique estabeleceu normas para as ro necessita de mudanças. Em que eleições, elevou este percentual pasentido fazê-las é o problema. Desra o mínimo de 30%. Atente-se que de o Império, em batalhas cíclicas, confrontam-se são vagas somente para candidaturas, e não vieram concepções diferentes sobre a forma de a sociedade acompanhadas de outras medidas que pudessem ajuescolher seus representantes”. dar na eleição efetiva de mulheres. Há mais de 15 anos, propostas de Reforma PolítiNum clima congressual mais suscetível às deca tramitam no Congresso brasileiro. No entanto, as mandas femininas, aprovou-se em 2009 a Lei únicas mudanças relevantes na legislação eleitoral ao 12.034, que estabeleceu a destinação de “5% do funlongo desse período foram a aprovação da reeleição do partidário à criação e manutenção de programas – em 1997, passando a valer em 1998 para prefeitos, de promoção e difusão da participação política das governadores e presidente – e a chamada Lei da Ficha mulheres”, e a diretiva de “reservar ao menos 10% Limpa que, embora aprovada em 2010, passou a vigodo tempo de propaganda partidária para promover e 18 Capa As mulheres podem e devem É longa e diversa a trajetória das mulheres, em todo o mundo, para a ampliação dos seus espaços de poder. Em geral, o patamar alcançado em cada parcela da população feminina se relaciona com seus processos históricos. Exemplo disso foi a ampliação da presença de parlamentares mulheres nos países da América Latina após suas vivências de redemocratização, com a adoção de cotas e de sistemas com listas pré-ordenadas. E também a significativa presença feminina em vários países africanos após suas lutas anticoloniais onde as mulheres tiveram papel destacado. Há muitos aspectos a considerar. Para Clara Araújo, “maior ou menor tradição igualitária teria impactos nas chances de ingresso das mulheres na vida política. A tradição igualitária, diz ela, não se atém ao aspecto das instituições políticas, mas, sobretudo, ao peso que valores relacionados com a inclusão social e o reconhecimento da necessidade de ações orientadas por igualar direitos e espaços de homens e mulheres podem ter nas orientações da própria política” (ARAÚJO: 2011). Europa 12,3% 8,8% 11,5% África Subsaariana 10,1% 13,6% 10,4% Pacífico 9,8% 21,8% 11,6% Estados Árabes 3,3% 2,1% 3,3% Agência Câmara rar somente em 2012, quando ficaram impedidos de concorrer políticos que tenham sido condenados, cassados ou renunciado para evitar a cassação (BBC Brasil). Apesar da inexistência de conquistas significativas nesse campo, na última década inúmeros projetos de reforma política ou eleitoral tramitaram no Congresso em 2003-2004, 2007, 2009, 2012 e 2013. Em relação às mulheres, depois da conquista do voto e das cotas para candidaturas Posse da nova coordenação da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados nenhuma mudança relevante ocorreu. Por isso, compreende-se que a ampliaMulheres nos Parlamentos em ção de sua presença efetiva depende de alterações todo o mundo estruturais no sistema político e eleitoral que asseCasa Câmara gurem uma essência democrática. Depende também Ambas as Individual ou Alta ou de uma efetiva participação das mulheres em todo Câmaras inferior Senado o processo do debate da Reforma Política em curso. Atenta a essa necessidade, em audiência com o prePaíses Nórdicos 36,4% --36,4% sidente da Câmara dos Deputados, Henrique EduarEuropa incluindo 13,8% 8,5% 12,6% do Alves, a bancada feminina solicitou e foi atendida Países Nórdicos com uma vaga, através da deputada Luiza Erundina, Américas 12,9% 11,5% 12,7% no seleto grupo de trabalho para tratar do tema, após Ásia 13,4% 9,9% 13,1% as “jornadas de junho”. Regiões são classificados por ordem decrescente da percentagem de mulheres na Câmara baixa ou única. Fonte: Inter-Parliamentary Union http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm Não se pode dizer que há modelos de sistemas eleitorais que possam garantir essa inclusão feminina tão desejada. Em tabela apresentada pela União Interparlamentar, em junho de 2011, citando 14 países, encontra-se apenas duas nações que têm lista aberta: o Brasil com 8,7% de presença feminina no Parlamento; e a Finlândia com 42,5%. Os demais se dividem em seis países com listas fechadas e outros seis com listas flexíveis. À exceção do Brasil, todos os demais superam os 27% de presença feminina nos Parlamentos. Há, no entanto, uma percepção de que alguns elementos que compõem a estrutura dos sistemas políticos e eleitorais criam melhores condições para que as mulheres conquistem efetivos espaços. Entre esses elementos se destacam o financiamento público para lhes dar acesso a recursos de campanha; 19 126/2013 Memoriasocialista/Flickr Referências bibliográficas: ARAÚJO, Clara. As mulheres e o poder político: desafios para a democracia nas próximas décadas. O progresso das mulheres no Brasil 2003-2010. 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Na população feminina há elementos decisivos para esses desafios. A População Economicamente Ativa (PEA) conta com enorme parcela feminina: 41,7%. Há u21ma presença elevada de mulheres nas academias. Em 2010, de 128 mil pesquisadores cadastrados na base de dados (CNPq/MCTi), cerca de 49% eram mulheres. Em 1995, de cada 100 pesquisadores 39 eram mulheres (LUNKES; PORCIUNCULA; MARTINELLE). Estamos em tempo de colheita. É chegada a hora de realizar uma reforma política democrática que proporcione o avanço da participação popular; que diminua a influência das oligarquias e de grupos econômicos; que extermine as possibilidades de o capital ser um cabo eleitoral determinante. * Jô Moraes é deputada federal pelo PCdoB-MG e atual coordenadora da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados. E é membro da Comissão Política Nacional do PCdoB ** Alice Portugal é deputada federal pelo PCdoB-BA, ex-coordenadora da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados. E é membro do Comitê Central do PCdoB 20 CINTRA, Antônio Octávio. Majoritário ou proporcional? Em busca do equilíbrio na construção de um sistema eleitoral. In: VIANA, João Paulo S. Leão; NASCIMENTO, Gilmar dos Santos (orgs.). O sistema político brasileiro: continuidade ou reforma? Porto Velho: Edufro, 2008, p. 47-62. GARCIA, Marco Aurélio. O Brasil não se entendia. Revista Princípios. Encarte da Edição nº 125, junho-julho/2013, p.2628. São Paulo: Anita Garibaldi. GODINHO, Tatau. Democracia e política no cotidiano das mulheres brasileiras: a mulher brasileira nos espaços públicos privados. In Gustavo Venturi, Marisol Recamán e Suely de Oliveira. 1ª. ed., p. 149-160. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2004. LIMA, Haroldo. Reforma Política: o golpe tramado contra a liberdade partidária e as alternativas progressistas. Reforma Política com jeito de pacote de abril. Brasília: Centro de Documentação e Informação Coordenação de Publicação, 2000, p. 23-28. MORAES, Jô. 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Há outras, mas estas são as que dão formatação de qual modelo vamos querer: o que garante a liberdade de organização, funcionamento partidário e respeito às diferenças ou o que restringe a opinião e a manifestação dos variados atores e segmentos sociais 22 A Capa pós as grandes manifestações que tomaram nifestações, o Grupo de Trabalho criado pela Presias ruas do Brasil em junho de 2013, a predência da Câmara e que tem o deputado Cândido sidenta Dilma Rousseff trouxe ao debate a Vaccarezza (PT-SP) como presidente foi um artifício retomada da Reforma Política, tema sempolítico para contornar o desejo da sociedade por pre considerado importante, mas freuma Reforma Política de verdade. O povo será ouviquentemente deixado de lado por condo depois do pacote pronto, via referendo. ta das divergências Infelizmente, está em curso que encerra. A proposta do governo, uma tentativa de aproveitar a ReApesar de também defendida pelo meu parforma Política para atender a um tido, o Partido Comunista do Brasil velho desejo da elite política bravários políticos (PCdoB), é ouvir a população através sileira, que é reduzir o número de condenados, os de um plebiscito para que esta departidos em atuação no Brasil ou, termine os termos da agenda sobre quando pouco, dificultar a sua exiscorruptores estão a qual o Legislativo deve se debruçar. tência, limitando o acesso ao Fundo ilesos, ainda livres Ao sentirem o cheiro de queiPartidário e ao tempo de rádio e TV, mado, os setores conservadores no através da conhecida cláusula de para continuarem Congresso trataram de tentar enterbarreira, um percentual subjetivo, corrompendo rar a proposta de plebiscito, que pasmínimo, de votos na eleição imesou a contar somente com o apoio diatamente anterior. autoridades e do Partido dos Trabalhadores (PT) e Vamos analisar a seguir cada sobrevivendo à do PCdoB. A alguns partidos – que uma das cinco questões que são tecostumam monopolizar as decisões mas da Reforma Política: financiasombra da lei no Legislativo – assusta ouvir o que mento de campanhas, sistema eleio povo quer acerca dos destinos do toral, cláusula de barreira, coligação país. E nessa hora é de se estranhar que as legendas proporcional e participação popular. conservadoras da oposição encontrem apoio entre aliados do próprio governo – e até dentro do PT – para Financiamento de campanha a manutenção da situação, ou – como agora se ameaça – o retrocesso em termos de liberdades do exercício Em 2009, o Congresso aprovou a Lei da Ficha partidário e da manifestação de opinião. Limpa, impedindo que políticos condenados ou com Dói nos olhos e ouvidos de determinados setopendências junto aos tribunais de contas possam ser res no Congresso Nacional ler e ouvir dados como os candidatos. Isso impossibilitou, em 2012, por exemplo, que ex-prefeitos condenados por desvios retornassem e coletados por uma recente pesquisa encomendada gozassem de mais quatro anos de mandato. Uma boa pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por lei, que combateu as consequências da corrupção. Mas outras organizações, segundo os quais 85% da popufaltou atingir a causa, que continua intocável. Apesar lação brasileira são a favor de uma reforma política e de vários políticos corruptos serem condenados nos 84% querem que as mudanças já valham para 2014; últimos anos, os corruptores estão ilesos, ainda livres e ainda que 78% não querem empresas privadas para continuarem corrompendo autoridades e sobrecontribuindo com recursos a partidos e candidatos e vivendo à sombra da lei. 90% exigem punição seA raiz está no finanvera para quem pratica ciamento privado de caixa 2. campanhas. Os grandes Então, ao invés de financiadores, normalouvir a população em mente, são setores que plebiscito – o que lefazem negócios com os gitimaria uma ideia e governos ou que têm imporia ao Parlamento interesse em leis, mediavançar no aperfeiçoadas e decisões que posmento do sistema posam ser encaminhadas lítico –, a maioria dos pelos governantes. partidos preferiu uma No plano nacional, saída menos mudancisquem mais contribui ta. Lamentavelmente, para as campanhas são na contramão das ma- 23 126/2013 os bancos, as construtoras, o setor industrial e as empresas de teleUma das saídas comunicações. No plano estadual, para acabar com a quem mais libera dinheiro são as construtoras, os fornecedores de influência do poder produtos das áreas de educação, econômico no saúde e informática, empresas de locação de serviços e mão de obra, processo eleitoral mais as indústrias com interesses é estabelecer o locais. Já nos municípios, novamente as construtoras e mais emfinanciamento presas de lixo, empresas do setor público de campanha. de transporte coletivo, fornecedores de material administrativo e de Junto com a medida, expediente (educação, saúde, ação devem vir regras claras social), além de contribuintes individuais com interesses específicos. A relação se estabelece da maneira mais clara e imoral possível. Quem contribui o sistema de prestação de contas dos candidatos, di“exige” do governante, após a posse, atendimento de minuiu os custos das campanhas e deu maior ampliseus interesses. Este, por sua vez, se sente na “obritude ao debate político, em detrimento da espetaculagação” de dar uma resposta àqueles que financiaram rização dos comícios e da troca do voto por pequenos sua campanha, confiando em ajudas futuras; afinal, benefícios diretos. O financiamento público de cameleição acontece de dois em dois anos. Há também panha, com limite de gastos, além de reduzir a infludenúncias de pagamentos de propinas, embutidas ência do poder econômico, ampliaria o princípio dessa nos custos dos serviços prestados, repassadas a golei, pois diminuiria a distância entre candidatos com vernantes ou a servidores públicos. E assim o ciclo muito dinheiro e aqueles com poucos recursos. vicioso se move, colocando em risco a democracia e Os que são contra o financiamento público dizem a gestão pública. ser um absurdo retirar dinheiro da saúde e da educaSaliente-se que as relações promíscuas envolvenção para financiar campanha. É um argumento falso. do setores empresariais e políticos, partidos ou goO que é aparentemente ofensivo ao bolso do contrivernos não são privilégio do Brasil. Agora mesmo, buinte é uma vantagem para a sociedade em médio na Espanha, o partido do primeiro-ministro Mariano e longo prazo. Sem o financiamento privado, dimiRajoy enfrenta uma investigação por causa de denui-se a ação de lobistas sobre governos e reduz-se a núncias contra o repasse de dinheiro a líderes do PP força do balcão que se forma após a posse dos novos (legenda governista) em troca de contratos públicos. governantes, com a avidez dos financiadores em recuO próprio tesoureiro da agremiação já admitiu o criperar seu “investimento”. me, e a situação do atual governo se complica a cada dia. Na China, Bo Xilai, um ex-dirigente do Partido Sistema eleitoral Comunista da China (PCCh), enfrenta processo por corrupção e pode ser condenado à morte por ter aceiUm outro aspecto importante da Reforma Polítado suborno de empresas e desviado fundos públitica é o sistema eleitoral. Dele existem três formas cos. Seu principal auxiliar já foi condenado à prisão vigentes no mundo: o proporcional, o distrital e o perpétua. distrital misto. O que precisamos no Brasil é ter medidas que imO sistema proporcional é o vigente no Brasil, peçam a corrupção, além de punições rigorosas para através do qual o eleitor vota no candidato que quios crimes, quando cometidos. Uma das saídas para ser, através de listas abertas. Para o PCdoB, não é o acabar com a influência do poder econômico no promelhor sistema. O Partido defende o voto em liscesso eleitoral é estabelecer o financiamento público ta partidária pré-ordenada. Porém, o sistema atual de campanha. Junto com a medida, devem vir regras permite ao eleitor o direito de escolher aquele que claras, limites de gastos, fiscalização rigorosa e severa acha o melhor, independentemente de ele estar em punição ao caixa 2. seu distrito ou não. Além do mais, permite que as Em 2006, a Lei nº 11.300, que pôs fim aos showdiversas forças e tendências sociais se expressem mícios, proibiu a distribuição de brindes e aprimorou no Parlamento, com a eleição de seus candidatos. 24 Capa Pelo voto distrital o eleitor escolhe entre os candidatos do seu distrito. É como numa eleição majoritária, onde apenas o vencedor leva. Com o distrital misto, o eleitor vota duas vezes: escolhe o candidato do seu distrito e vota numa lista proporcional. Há muito tempo os setores conservadores defendem a instituição do voto distrital no Brasil. Esse modelo já foi utilizado no Império e na República Velha, foi abolido em 1930 com a Lei nº 48, e voltou com o Estado Novo e durante a ditadura militar. Em períodos democráticos, o sistema utilizado sempre foi o proporcional. Não por acaso há uma correlação entre democracia e sistema eleitoral proporcional e ditadura e sistema eleitoral majoritário. Através do sistema majoritário, sob diferentes formas, o poder dominante tem mais facilidade de limitar a ação das minorias. É sempre a repetição da história em forma de farsa ou de tragédia. A título de exemplo, um partido que obtiver 40% dos votos em determinados estados do Brasil, pode ficar sem qualquer deputado federal, já que tem de concorrer em distritos e, mesmo com este alto percentual, pode perder em todos eles. O distrital misto, por um lado, resolveria este problema, mas, por outro, traria outro: para permitir metade das cadeiras no sistema proporcional e metade no distrital, o distrito teria de ser grande, o que só beneficia a candidatos com poder aquisitivo maior, com mais condições de pagar uma campanha grande. Seria deformar ainda mais o sistema, caso não viesse acompanhado de exclusivo financiamento público. Nos dois casos, voto distrital significa transformação do distrito em curral eleitoral e aumento da influência do poder econômico, exatamente o que se quer, teoricamente, combater. Além disso, o sistema praticamente exclui o voto de opinião, que está disperso em toda a sociedade e ajuda no fortalecimento dos partidos, pois o eleitor pode votar num conjunto de princípios e não em interesses meramente localizados, que eliminam o papel legislador do parlamentar, transformando o deputado federal num vereador na distante Brasília. É evidente que o deputado federal tem de estar preocupado com as questões regionais, mas ele deve ser eleito para defender a Nação, para discutir as grandes questões nacionais, como soberania, democracia, reforma agrária, sistema tributário, direitos dos trabalhadores, saúde, educação, entre outros temas. Ademais, a definição dos distritos exigiria remanejamento a cada censo populacional, já que as proporções de eleitores dentro de uma mesma cidade ou de um mesmo estado variariam conforme a mobilidade e o crescimento demográficos. Além de poder mudar as regras do jogo a cada censo, tal modelo poderia abrir espaços para mais manipulações e fraudes, iguais às que já ocorrem hoje com a transferência de eleitores de um município para outro. Os distritalistas citam sempre o modelo distrital misto alemão como exemplo. Como existe lá, pode ser implantado aqui também. O problema é que a Alemanha é um país com enormes diferenças em relação ao Brasil: territoriais, sociais, demográficas, regionais, políticas, econômicas e culturais. Cláusula de barreira Pela proposta que está sendo discutida na Comissão criada pela Câmara, legendas que obtiverem menos de 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados não teriam direito a qualquer fatia do Fundo Partidário e nem acesso ao horário eleitoral gratuito. A proposição limita aos partidos que elegeram ao menos 11 deputados federais o direito de partilhar o Fundo e a propaganda. Se a regra valesse em 2011, apenas 13 legendas teriam essa vantagem: PT, PMDB, PSDB, PR, PP, DEM, PSB, PDT, PTB, PSC, PCdoB, PV e PPS. Agremiações como PSol, PRB, PRP e PMN, por exemplo, teriam ficado de fora. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) defende um percentual maior, de 3%. Se sua proposta valesse hoje, apenas 10 legendas dividiriam o bolo financeiro e rádio-televisivo, com PCdoB, PPS e PV engordando a lista dos censurados. Difícil imaginar a política no Brasil sem a presença PARTIDOS* QUE CUMPRIRIAM AS REGRAS / ELEIÇÕES PROPORCIONAIS *Partidos com representação na Câmara 25 126/2013 dos comunistas e de outras correnTrata-se de mais um artifício tes, como os ambientalistas (verpara dificultar a existência de agreO deputado federal des). miações menores, que deixariam Da mesma maneira que o voto de existir institucionalmente. Goltem de estar distrital, a redução do quadro partipe antidemocrático, a proposta de preocupado com as dário para poucos e grandes partidos fim das coligações impede a livre é outra bandeira que os conservadoassociação política e o direito de questões regionais, res defendem como forma de garanas correntes políticas, e que têm mas deve defender tir “estabilidade” para governar. A semelhanças programáticas, se ascláusula de barreira permitiria a resociarem para defender bandeiras a Nação, discutir as dução do número de atores políticos comuns. grandes questões, com direito a voz nas casas legislatiOs defensores do fim das coligavas. Assim, cerceando correntes políções proporcionais dizem que elas como soberania, ticas diversas, acreditam pavimentar apenas um arranjo de legendas democracia, reforma são o caminho para um inquilinato tranmaiores que querem mais tempo de quilo no Congresso e no governo. TV e das legendas menores que queagrária, sistema Querem garantir estabilidade pelo rem eleger mais deputados e vereatributário, direitos modo mais fácil, em vez de fortalecer dores. Dizem ainda que a associao Parlamento como poder autônomo ção impede o eleitor de identificar dos trabalhadores, e representante do povo. o ideário político de cada candidato entre outros temas Assim como o voto distrital, a e que sejam eleitos representantes cláusula de barreira, outra cópia do comprometidos com os programas modelo alemão, também é própria dos respectivos partidos. dos períodos antidemocráticos e, no Brasil, serviu ao Conforme levantamento feito pelo Departamento interesse de quem estava no poder. A Reforma PolíIntersindical de Análise Parlamentar (DIAP), se as cotica promovida pela ditadura militar impôs o percenligações proporcionais estivessem proibidas em 2010, tual de 10% como “cláusula de desempenho”, caindo para 5% no conhecido pacote de abril de 1977. A redução do percentual se deu exatamente porque os generais – que haviam sido derrotados em 1974 – temiam uma derrota maior em 1978. Comandaram a mudança, o presidente da Câmara à época, deputado Marco Maciel; o general Golbery do Couto e Silva; e o senador Petrônio Portella, então ministro da Justiça. As elites fragmentaram o quadro partidário para retirar o caráter plebiscitário e uma possível derrota do PDS frente ao PMDB. Cinco partidos (PT, PDT, PDS, PMDB e PTB) se organizaram para disputar a eleição em 1982 e somente três conseguiram alcançar a cláusula de barreira. Entretanto, o dispositivo não foi aplicado e os partidos continuaram a sobreviver. Coligação proporcional Um outro entulho autoritário – que também vigorou na ditadura junto com o voto distrital e a cláusula de barreira – que encontra eco majoritário entre os grandes partidos é o fim das coligações proporcionais. São como irmãos gêmeos. Quem defende essa ideia, normalmente, defende a(s) outra(s). Argumentam que as coligações desvirtuariam o sistema distrital misto proposto, já que os partidos devem ter desempenho eleitoral próprio. 26 Capa apenas três partidos teriam aumentadas as suas banlegislativas. Aliás, como permitem outras nações, cocadas nacionais. PMDB, PT e PSDB teriam, juntos, 62 mo Bélgica, Bulgária, Chile, Dinamarca, Grécia, Isradeputados federais a mais, e todos os demais teriam el, Polônia e Suécia, nas quais existem coligações e as suas bancadas diminuídas. Os três maiores parsistema proporcional. tidos concentrariam ainda mais poder e os partidos É bom não esquecer que os partidos que hoje são médios também teriam as suas bancadas reduzidas e chamados de médios – e que apoiam o fim das coliganão apenas os pequenos partidos, como argumentam ções proporcionais e da cláusula de barreira –, assim os defensores do fim das coligações. o são porque existem os que são chamados de pequeA proposta contraria o pluralismo político, um nos. No dia em que houver poucas legendas, vão condos cinco fundamentos da República Federativa do tinuar existindo as grandes agremiações e as pequeBrasil, conforme está expresso já no primeiro artigo nas. Quem for poupado agora será o alvo no futuro. da Constituição de 1988, que trouxe a liberdade de organização e de ação partidária. A partir de então, Participação popular os partidos se tornaram pessoas jurídicas de direito privado, adquirindo a sua personalidade jurídica na Uma das principais inovações que uma Reforma forma da lei civil (art. 17, § 2º, da CF) e obtendo auPolítica pode trazer é a possibilidade de maior partonomia para definir sua estrutura interna, sua orgaticipação direta do eleitor nos trabalhos legislativos. nização e o seu funcionamento (art. 17, § 1°, da CF). Nesse sentido, é preciso facilitar os mecanismos de Da mesma maneira, o texto garante a plena liberdade participação popular na proposição de projetos de lei de associação, conforme está expresso no seu art. 5º, e emendas constitucionais. Hoje, um Projeto de Lei inciso XVII, sendo que tal liberdade alcança as pesde Iniciativa Popular precisa ter 500 mil assinaturas soas físicas e também as pessoas e uma Proposta de Emenda Constijurídicas, conforme o entendimento tucional de 1,5 milhão. Além disso, Uma das principais autorizado do Supremo Tribunal Feé preciso que o Parlamento garanta deral (STF). Estes direitos e garanproporcionalidade de participação inovações que uma tias não podem ser suprimidos nem de importantes setores e segmentos Reforma Política mesmo por emenda à Constituição, da sociedade, ampliando a presença conforme declara o art. 60, § 4º, IV, de mulheres, negros e índios, com pode trazer é a constituindo-se, portanto, nas chamaior democratização do acesso às possibilidade de madas “cláusulas pétreas”. disputas eleitorais. É fundamental também que os trabalhadores teAdemais, as coligações propormaior participação nham mais acesso aos assentos lecionais ajudam a corrigir uma aberdireta do eleitor nos gislativos, para que suas bandeiras, ração do sistema eleitoral brasileiro. Em 11 das 27 unidades federativas, trabalhos legislativos que são maioria na sociedade, ganhem preponderância no Congreso quociente eleitoral, para a Câmara so, majoritariamente ocupado por dos Deputados, alcança o alto perinteresses das elites brasileiras. centual de 12,5% dos votos válidos A lista partidária pré-ordenada defendida pelo e, em mais nove, tal quociente fica entre 5,5% e 11%. PCdoB é uma forma de fortalecer os partidos, ao mesOu seja, em 20 estados, o número de votos exigido pamo tempo em que permite o prévio aprofundamento ra que um partido possa eleger deputados à Câmara da participação de mais segmentos sociais nos destiFederal alcança percentual superior ao da cláusula de nos das agremiações e na composição do Parlamento. barreira que vem sendo debatida na Comissão criada Agora mesmo, sob o comando da OAB, um mopela Câmara. vimento com diferentes segmentos elabora uma Em 2010, se tais regras valessem, em Roraima, proposta de Reforma Política que será apresentada por exemplo, somente um partido teria alcançado à Câmara em forma de Projeto de Iniciativa Popular. o quociente eleitoral e eleito todos os deputados do Além do mérito de ser uma iniciativa que mobiliza a estado. Em mais seis unidades federativas, somente sociedade, possui a grandeza do conteúdo, com boas dois partidos teriam alcançado o percentual, e em ideias e soluções. mais sete só três ou quatro partidos teriam eleito deA proposição veta a contribuição de empresas a putados federais. campanhas e partidos, mas permite a contribuição Ou seja, a coligação corrige princípios antidemoindividual do cidadão, com limites. Combate o poder cráticos, que vão de encontro à liberdade de organizaeconômico de grupos empresariais sobre o processo e ção partidária e ao direito de todos poderem participar garante o exercício da cidadania, com a possibilidado processo político elegendo representantes às casas 27 126/2013 Divulgação de de o eleitor contribuir com aquele projeto político que quiser. No que diz respeito ao sistema eleitoral, a proposta mantém o voto proporcional, com a novidade de uma votação em dois turnos. No primeiro, o eleitor votaria no partido, definindo o tamanho que cada legenda terá a partir da votação recebida. No segundo turno o voto seria na lista partidária, indicando os representantes de cada legenda no Parlamento. A proposta mantém a coligação proporcional, mas o horário eleitoral gratuito vai considerar apenas o tempo reservado ao maior partido da coligação. Tal medida evita que haja negociações apenas para garantir tempo de TV. A lição das ruas Enfim, vivemos um momento crucial para o país. Se há um aprendizado a tirar das grandes mobilizações do povo no mês de junho passado, foi o manifestado desejo de ver o Brasil avançar com uma política menos corrupta, investimento público 28 Vivemos um momento crucial para o país. Se há um aprendizado a tirar das grandes mobilizações do povo no mês de junho passado, foi o manifestado desejo de ver o Brasil avançar com uma política menos corrupta, investimento público nos setores essenciais à vida da população e garantia de participação da sociedade nos destinos da Nação nos setores essenciais à vida da população e garantia de participação da sociedade nos destinos da Nação. O povo cansou de apenas ir às urnas de dois em dois anos. Ele quer que as propostas que lhe foram apresentadas na hora do pedido do voto sejam materializadas em políticas e ações concretas. Ele quer ver em prática o bonito discurso que os candidatos apresentam na TV e no rádio, nos comícios e no corpo a corpo da campanha eleitoral. Ao se aproximarem os 11 anos de mandatos populares na Presidência da República e tantas outras experiências em estados e municípios da aliança original formada em 1989, através da Frente Brasil Popular, está dado o tempo para que o Brasil avance em reformas progressistas. Fazer a Reforma Política democrática é começar pelo começo. O meu partido, o PCdoB, prega coragem às forças políticas comprometidas com um país melhor. * Daniel Almeida é deputado federal (PCdoB-BA) A velha arapuca do voto distrital Bernardo Joffily* Ilustração publicada em 1812 pelo jornal Boston Gazette retrata o Gerrymandering, o “distrito monstro” Sempre que a Reforma Política entra em debate, os setores conservadores aparecem balançando a bandeira do nocivo sistema de voto distrital. Experiências de outros países e até mesmo da história brasileira revelam que este sistema inviabiliza a representação das minorias, aniquila a pluralidade partidária, rebaixa a atuação parlamentar e transforma os distritos em verdadeiros currais eleitorais 29 T oda vez que o Brasil se debate com a necessidade de uma Reforma Política – e elas não têm faltado, nos últimos 20 anos ou nos últimos 200 –, entram em cena os defensores do voto distrital. Na tentativa de 2013 eles voltaram à carga, sempre esperançosos de fazer com que a democracia brasileira retroceda oito décadas – ressuscitando um sistema que a tornaria mais paroquial e menos representativa. Os distritistas estão concentrados no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). O Programa dos tucanos (2007) prega a “distritalização do voto” e apresenta três alternativas, com diferentes graus de repúdio a sistema representativo. O Partido Social Democrático (PSD) aderiu, seu site diz que “apoia esta causa!”, mas os tucanos são os mais ardorosos distritistas, a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista à Rede Bandeirantes (19-042013), FHC, após admitir a derrota da pregação parlamentarista tucana, recomendava: “Temos que insistir noutro ponto, que vinha junto com o parlamentarismo, que é o voto distrital”. Mais recentemente (06-08-2013), o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), foi enfático: “O voto distrital é o ideal para o país. (...) Sou totalmente favorável”. Durante os Protestos de Junho, o governa dor Geraldo Alckmin citou os distritos como exemplo das “reformas estruturantes” para responder ao que chamou de “crise de liderança política”. tanto, é fortemente controvertido e o autor deste artigo alinha-se com os defensores do voto proporcional (1). No sistema distrital, ou de maioria simples, o país é dividido em distritos eleitorais (também chamados circunscrições), com eleitorado mais ou menos semelhante. Em Minas Gerais, por exemplo, os 55 deputados federais seriam eleitos em 55 distritos, e em cada um deles a eleição seria majoritária: cada partido apresentaria um só candidato e o mais votado venceria. Outra divisão criaria 77 “distritos estaduais”, cada um elegendo um dos membros da Assembleia Legislativa mineira. E cada município seria dividido em tantos distritos quanto o número de cadeiras de vereador. O sistema também comporta variantes. O voto distrital clássico é uninominal: cada distrito elege um só nome; mas há países onde um distrito elege dois ou mais cadeiras. Também há os sistemas mistos, que combinam de diferentes formas o voto distrital com o proporcional, na tentativa de escapar das deformações do sistema distrital. O berço do voto distrital é o Reino Unido. Por isso, o sistema é conhecido pela expressão inglesa “First Past the Post”, ou FPTP (“o primeiro a cruzar a linha de chegada”). E é adotado principalmente por ex-colônias britânicas, como os Estados Unidos, o Canadá, a Índia e países africanos da Commonwealth. A França também adota uma variante de voto distrital, com dois turnos. Política ao gosto conservador O Brasil também adotou o sistema de distritos eleitorais ao longo do Império e da República Velha. Aposentou-o graças à Revolução de 1930. O mapa da página 31 mostra como eram os distritos em 1868; uns elegeram dois deputados provinciais e outros três. E nem sempre os últimos eram os mais populosos: o distrito do Recife elegeu três deputados e tinha 392 eleitores (o voto, censitário, exigia renda mínima de 200 mil réis); mas Penedo (AL), com 528 eleitores, elegeu dois deputados. Em 1881, a Lei Saraiva restabeleceu os distritos uninominais, sanando algumas distorções, mas criando outras. Na República, a Lei Eleitoral de 1892 conservou os distritos, cada um elegendo três deputados federais. Em 1904, a Lei Rosa e Silva reduziu o número de distritos de 63 para 41, cada um com cinco a sete deputados. Nos fundamentos do sistema estavam os coronéis da Guarda Nacional, senhores locais das terras da lei e dos votos. Sobre eles erigiam-se os esquemas Há motivos para a insistência. Os sistemas eleitorais, por si, não determinam os destinos da luta política. Mas influem, às vezes decisivamente. Um bom exemplo é o papel que a “brecha presidencialista” tem jogado nos avanços das forças populares e progressistas latino-americanas, a partir das vitórias de Hugo Chávez, em 1998, e de Lula, em 2002: a eleição direta do chefe de Estado e de governo, com o acúmulo de poderes que possui no continente, nas condições do fim do ciclo ditatorial-militar e do fracasso do ciclo neoliberal, mostrou ser o calcanhar de Aquiles do domínio oligárquico-neocolonial, a via capaz de concentrar e, em certa medida, efetivar, as esperanças, demandas e exigências do andar de baixo da pirâmide social. Se a “brecha presidencialista” tem favorecido a esquerda latino-americana, a adoção do voto distrital no Brasil, ao contrário, estimularia um tipo de política ao gosto dos conservadores. O tema, por- 30 126/2013 O voto distrital à brasileira Capa de domínio nos distritos, a “política dos governadores” e, por fim, o governo central. Coube à Revolução de 1930 colocar em xeque esse mais que secular esquema de domínio. Getúlio confiou a tarefa a outro gaúcho, Assis Brasil, republicano histórico, chefe “maragato” nos entreveros de 1923, diplomata, estancieiro, senhor do Castelo de Pedras Altas. Com base em seu livro Democracia representativa: Do voto e do modo de votar (2), Assis Brasil elaborou o Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932. A cidadania brasileira deve a essa lei revolucionária, além Belém São Luís Manaus Sobral Fortaleza Caxias Teresina Natal Crato Paraíba (João Pessoa) Pombal Vila Bela (Serra Talhada) Nazaré Recife Cabo Caruaru Maceió Penedo Cachoeira Rio de Contas Cuiabá Nazaré Aracaju São Cristóvão Inhambupe Salvador Goiás Montes Claros Serro São João Del Sabará Ouro Preto Rei Campanha Barbacena Mogi Mirim Piraí Taubaté Niterói Rio de São Janeiro Paulo Curitiba Desterro (Florianópolis) Vitória Campos dos Goytacazes O voto distrital no Império do Brasil (dados de 1868) Porto Alegre Limites dos distritos eleitorais Rio Grande Distrito que elege dois deputados Distrito que elege três deputados “Cabeça de distrito”– nome da cidade 31 126/2013 dos 18 distritos. Na última eleição federal no Canadá, do sistema proporcional, o voto secreto – bandeira do em 2011, o Partido Conservador conseguiu 54% da movimento de 1930 –, o voto obrigatório, o voto femiCâmara, com 39,6% dos votos. nino, a criação da Justiça Eleitoral e o recadastramenIsso acontece porque o sistema distrital é tosco. to que pôs fim a uma legião de “fósforos”, defuntos Só leva em conta os votos para o vencedor no distrique acorriam fantasmagoricamente às urnas. O Códito; todos os outros são descartados go de 1932 previa até o uso de uma e têm influência zero no resultado. “máquina de votar”, antevendo as O defeito número Tampouco importa se a vantagem urnas eletrônicas atuais. do vencedor foi de um voto ou se ele Depois da Revolução de 1930, o um do voto teve o apoio de 100% dos eleitores. Brasil nunca mais teve voto distrital. distrital é que ele Por essas e outras, nos países onOcorreram tentativas de ressuscitáde vigora o voto distrital sempre sur-lo: na Constituinte de 1946; num é desproporcional. gem movimentos pela reforma do projeto do deputado democrata-crisNão espelha sistema. Nos EUA, o Fair Vote (“Voto tão Franco Montoro (futuro tucano) justo”) luta por “uma democracia em 1964; no crepúsculo da ditadura, a vontade do representativa que respeite todos os João Batista Figueiredo ainda fez conjunto dos votos e todas as vozes em todas as aprovar um sistema distrital misto, eleições”. Seu site (http://www.faircom a Emenda Constitucional 22, de eleitores e com vote.org) prevê que a distorção vai 1982. Mas veio a democratização e o frequência distorce, aumentar ainda mais em 2014: os reesquema foi suprimido como entupublicanos vão levar a maioria da Câlho autoritário. deforma ou até mara com apenas 45% dos votos (3). Porém, o voto distrital tem defencontraria a voz das Há uma versão canadense, o Fair sores insistentes. Na Constituinte de Vote Canada (http://www.fairvote. 1987-88 ele voltou a ser cogitado. Na urnas ca). Visa a “conquistar um amplo e reforma constitucional ensaiada no multipartidário apoio para um proinício do governo FHC houve nova cesso cidadão que permita aos canadenses escolher tentativa. E outras mais se sucederam – aproveitando um sistema eleitoral justo, baseado no princípio de que o Brasil de fato precisa de uma Reforma Política que todos os eleitores são iguais e todos os votos de(não a dos distritos, mas outra, democrática e profunvem contar”. da). Já o Reino Unido conta com a Electoral Reform Society, ou ERS (Sociedade da Reforma Eleitoral), fundada Ruim para os eleitores e para a em 1884 (!). Ela prega “uma democracia representativa democracia para o século 21”, pois o FPTP “é ruim para os eleitores, ruim para o governo e ruim para a democracia”. A ERS O defeito número um do voto distrital é que ele é teve papel importante na campanha pelo “Sim” no redesproporcional. Não espelha a vontade do conjunto ferendo de 2011 sobre a mudança do sistema eleitoral dos eleitores e com frequência distorce, deforma ou britânico. O fim do voto distrital não passou, obtendo até contraria a voz das urnas. 32,1% da votação total. No entanto, a ERS conseguiu O sistema distrital possibilita que o partido ‘A’ teavanços parciais concretos nos sistemas eleitorais emnha 49,9% dos votos em cada distrito sem eleger um pregados na Escócia e na Irlanda do Norte. só representante. Na outra ponta, permite que o partido ‘B’ consiga a metade do total de deputados com Gerrymandering, o distrito-monstro 25,1% do total de votos, desde que estes se concentrem estrategicamente de modo a formar maioria na O segundo defeito do voto distrital é que ele enmetade dos distritos; ou até que o partido ‘C’ obtenha trega um gigantesco poder arbitrário aos políticos e/ a totalidade dos deputados graças a uma certeira disou tecnocratas que delimitam os distritos. É o que tribuição de 50,1% dos votos. mostra o exemplo hipotético na página ao lado, aliás Hipóteses desse tipo acontecem. Na última eleição tirado de um site governamental dos EUA. Há mais para a Câmara de Representantes dos EUA (04-11de dois séculos existe uma palavra inglesa para o es2010), o Partido Republicano teve 47,6% do eleitoratratagema de fixar os distritos visando a obter vando, 1.413.603 votos a menos que o Partido Democrata tagens eleitorais: gerrymandering. O termo surgiu da (48,7%), porém ficou com a maioria das cadeiras – ilustração que abre esta matéria (pág. 29), publicada 234 contra 201. No caso mais clamoroso, Pennsylvania, em 1812 pelo jornal Boston Gazette. O artigo denunos republicanos, com 50% vos votos, venceram em 13 32 Capa “Gerrymandering”2 “Gerrymandering” Três maneiras de arrumar as fronteiras de três distritos eleitorais, com três resultados totalmente distintos PA PA PB PB PB PA PA PB PB PB PB PA PA PB PB PB PA PA PB PB PB PB PA PA PB PB PB PA PA PB Vamos supor uma área habitada por 15 eleitores, seis do ‘PA’(azul) e nove do ‘PB’(vermelho). Maneira 1 O ‘PB’ ganha a eleição nos três distritos. O ‘PA’ não elege ninguém PA PA PB PB PB PA PA PB PB PB PB PA PA PB PB PB PA PA PB PB PB PB PA PA PB PB PB PA PA PB Maneira 2 O ‘PB’ vence em dois distritos. Mas o PA ganha e um (o do meio) Maneira 3 Surpresa! Nessa opção o ‘PA’ leva dois distritos e só perde no da direita. ciava o governador de Massachusetts, na época, Elbridge Gerry, por manipular o desenho dos distritos. E dava como exemplo esse distrito da área de Boston, tão deformado que ficou com o formato de uma salamandra (em inglês, salamander). Gerry + salamander = gerrymander. O partido de Gerry venceu a eleição de 1812, mas o apelido desmoralizante persegue até hoje os manipuladores de distritos eleitorais. O gerrymandering continua a ser usado sem muitas cerimônias. Veja, por exemplo, alguns distritos reais e atuais dos EUA (à direita). Às vezes o artifício até tem boas intenções (é o caso do 4º Distrito de Illinois, também chamado “Tapa orelhas”: foi desenhado para conter um eleitorado majoritariamente “hispânico”), em outras visa mesmo à manipulação eleitoral. O problema se agrava porque todo país que adere ao voto distrital precisa redefinir periodicamente os distritos, para responder às flutuações no número de eleitores. Quando não se faz isso, a emenda é ainda pior: o exemplo clássico é o dos “burgos podres” (“rottenboroughs”), os distritos despovoados que ajudaram a manter artificialmente a maioria parlamentar conservadora na Inglaterra antes da reforma de 1832; o mais famoso deles, Dunwich, tinha sido invadido pelo mar e possuía apenas 32 eleitores... Já na França contemporânea, ocorreram redefinições dos distritos em três ocasiões: em As estranhas silhuetas de alguns dos 435 “distritos congressionais”dos EUA WA OR ND MT ID SD WY NV 2 UT CA AZ VT MN WI IA NE CO NM KS OK 5 IL 3 AR WV VA KY 6 MS 1 TN AL PA OH IN MO NH MA NY MI ME CT RI NJ DE MD NC SC GA LA TX FL 4 1 12º distrito da Carolina do Norte 2 23º distrito da Califórnia 3 4º distrito de Illinois 4 20º distrito da Flórida 5 19º distrito do Texas 6 7º distrito do Tenesse 33 126/2013 tantivas dessa dispersão ditada pelo voto popular. Logo depois do fim da ditadura, não havia dispersão, mas enorme concentração. Na eleição de 1986, o PMDB elegeu, sozinho, 53,4% da Câmara, 260 dos 487 deputados federais. Mas essa hegemonia não passou no teste da práA “vocação tica e a tendência dos votos mudou. Um sistema partidicida partidicida” é vista Doze anos mais tarde, em 1998, era o consórcio PSDB-PFL que se sobresO outro efeito do voto distrital pelos distritistas saía, com 99 + 105 = 204 deputaé a drástica redução do número de como se fosse um dos, 39,8% do total de 513 deputapartidos políticos. Todos os países dos. Novo teste, nova rejeição. Mais que adotam o sistema majoritário mérito, pois alegam 12 anos e nas últimas eleições gerais, tendem ao bipartidarismo, conforque o grande em 2010, a dupla mais votada foi PTme observou o sociólogo francês -PMDB, com 88 + 79 = 167 deputaMaurice Duverger, naquela que é número de partidos dos, 32,6% do total. conhecida como Lei de Duverger, foré um grave defeito Em vez de se impor outro bipartimulada em 1951. darismo com o fórceps do voto distriO fenômeno é particularmenda democracia tal, ou outro qualquer, melhor seria te visível nos EUA – caso extremo, brasileira. Por prestar atenção ao que vêm dizendo ímpar, de país que há um século e os eleitores brasileiros. Esses númemeio possui na prática apenas dois que repetir o erro ros, essa dança dos partidos mais partidos. Mas, verifica-se igualmenantidemocrático votados, essa dispersão insistente e te em outros, enquanto tendência. crescente, ao longo de mais de uma Pela Lei de Duverger, o voto disdos golpistas de geração, expressam um real aprentrital concentra drasticamente os 1964, que em dizado democrático. Por tentativa mandatos eleitorais entre os dois e erro, em meio a um contraditório partidos mais fortes. A terceira le1965 impuseram vivo, às vezes enérgico mesmo, uma genda é discriminada pela própria a fórceps o massa de mais de cem milhões de lógica do sistema, como mostra o eleitores vai fazendo sua experiência. exemplo do terceiro partido britâbipartidarismo? Na medida em que ela decantar sonico, o Liberal Democrata: fundado luções que a satisfaçam, com certeza em 1988, nas cinco eleições parlaa tendência dispersiva se inverterá, mentares de que participou ele teve afiançando uma hegemonia nova e mais avançada, 18%, 17%, 18%, 22% e 23% dos votos; mas ficou com sem que para isso seja preciso voltar as costas para a 3%, 7%, 8%, 10% e 9% dos eleitos. E se o terceiro democracia representativa. partido sofre tamanho castigo, os outros são praticamente condenados à morte pelo sistema distrital, a não ser que sejam forças locais, como as siglas da * Bernardo Joffily é jornalista, autor do Atlas Escócia, de País de Gales e Irlanda do Norte, no caso histórico Brasil 500 anos e colunista da Princípios do Reino Unido. No entanto, essa vocação partidicida é vista pelos Notas distritistas como se fosse um mérito, pois eles alegam que o grande número de partidos é um grave defeito 1. Uma defesa representativa do voto distrital é a do citado Programa do PSDB. Disponível em: http://www.psdb.org.br/wpda democracia brasileira. Por que repetir o erro anti-content/uploads/2010/04/Programa_PSDB_2007.pdf democrático dos golpistas de 1964, que em 1965 im2. ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco de. Democracia Reprepuseram a fórceps o bipartidarismo? sentativa: do voto e do modo de votar. 4ª ed. Rio de JaneiO Brasil de fato tem muitos partidos – 23 siglas ro: Imprensa Nacional, 1931. representadas na Câmara dos Deputados atualmente. 3. O prognóstico é do Sabato’s Crystal Ball, site de análises eleitorais da Universidade de Virgínia. Disponível em: http:// Mas antes de partir para a matança dos partidos pewww.centerforpolitics.org/crystalball quenos seria aconselhável perguntar as causas subs1958, 1987 e 2010. A segunda delas, orquestrada pelo gaullista Charles Pasqua, foi um clamoroso gerrymandering; na eleição seguinte, o partido da direita francesa, na época o RPR, elegeu 80% dos deputados com 58% dos votos. 34 Capa A Reforma Política, a consulta popular e o diálogo da esquerda com as ruas Rui Falcão* Marcello Casal Jr./ABr As forças de esquerda devem aprofundar a década de mudanças dos governos Lula e Dilma priorizando a luta por uma Reforma Política profunda e democrática. A defesa de uma Constituinte exclusiva para a reforma responde diretamente ao apelo que temos ouvido das ruas. Recente pesquisa do Ibope mostra que 85% desejam a reforma e 78% defendem o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais 35 O 126/2013 Brasil vive um momento especial, comando do Partido da Social Democracia Brasiem uma década de conquistas paleira (PSDB) sabidamente não lida com os movitrocinadas pelos governos do Parmentos sociais, não sabe ouvir a contestação e não tido dos Trabalhadores (PT) e seus tem nenhuma aptidão ao diálogo. principais aliados, como o Partido Como resultado, as manifestações se amplificaComunista do Brasil (PCdoB), força ram e expuseram em todo o Brasil uma insatisfaque está ao nosso lado desde a prição generalizada com o modelo político. meira hora e efetivamente empenhada na redução Este cenário, gestado por meio de mobilizações das desigualdades no país. Depois pela internet, desaguou em uma que nossos governos promoveram nova situação política. Espontâa ascensão social de 40 milhões de neas, as manifestações surgiram à Um dos passos brasileiros, reduziram significatimargem das instituições tradicioseguintes é a vamente a miséria e permitiram o nais de representação e organizaacesso de milhões de jovens à unição, mas, no conjunto, reagiram necessária energia versidade, entre outros avanços, as às condições de vida materiais para a promoção exigências cresceram. A sociedade nas grandes metrópoles. E sua quer avançar mais. confluência foi a rejeição ao sisde uma verdadeira Nesse contexto, tivemos recentema político de representação e Reforma Política temente uma movimentação exàs instituições herdadas da tranpressiva da sociedade: em junho, sição pelo alto, que encerrou o que ataque uma parcela significativa da popuperíodo ditatorial. efetivamente os lação foi às ruas reivindicar maior Seu saldo é então um desejo participação e aprofundamento genuíno de que o país avance. problemas do dos avanços que tivemos com os Avance não só em setores como sistema brasileiro, governos do presidente Luiz Inácio mobilidade urbana, saúde e eduLula da Silva e da presidenta Dilcação, mas também avance em que amplie a ma Rousseff. A população nas ruas sua representação política e no participação não quis retrocesso: o que defenmodo como o sistema político deu foi que o país siga trilhando o responde aos anseios de uma popopular, a caminho do avanço. pulação que a cada ano tem tido transparência e Saudamos essas manifestações, conquistas. sobretudo o caráter progressista permita ao Brasil que se fez presente nas reivindiA energia necessária seguir o virtuoso cações, em estreita sintonia com nossas bandeiras. Bandeiras que Um dos passos seguintes, porrumo atual se consolidaram na última década tanto, é a necessária energia para por obra das forças de esquerda. a promoção de uma verdadeira Temos, entretanto, toda consciReforma Política. Uma reforma ência de que a juventude e as novas gerações de que ataque efetivamente os problemas do sistetrabalhadores nos observam de maneira crítica. ma brasileiro, que amplie a participação popular, a Sabendo disto e sem subestimar as dificuldades, transparência e permita ao Brasil seguir o virtuoso estamos convencidos de que nossos vínculos sorumo atual, com sua população atendida em seus ciais e nossos compromissos programáticos posdesejos por democracia. sibilitarão, mais uma vez, dar um passo à frente Vale ressaltar que nada menos que 85% dos em nossa luta pela democracia e pelo socialismo brasileiros desejam que se leve adiante a Reforma no Brasil. Política, como divulgou no último dia 6 de agosOs protestos no Brasil tiveram em comum com to o Instituto Ibope, em pesquisa contratada pelo movimentos vividos no mundo – a Primavera ÁraMovimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que be, as manifestações na Europa e o movimento Ocreúne Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, cupy, como apontou o sociólogo espanhol Manuel Ordem dos Advogados do Brasil e Associação dos Castells – sua origem e seus resultados. Tiveram Magistrados Brasileiros, entre outras entidades. início na internet e ganharam corpo em razão da Fica não só claro que é um desejo expresso da desproporção da repressão policial, sobretudo a sociedade, como também é vital que o PT, e os aliaque se verificou em São Paulo, cujo governo sob o dos à esquerda, se engajem na luta por essa re- 36 Capa Roberto Stuckert Filho/PR forma. Não podemos permitir que a vitalidade dos movimentos que ganharam as ruas seja capturada por pautas criadas pela direita. Pautas que se destinam a “turvar” o cenário e impor retrocessos. Pautas que buscam, sobretudo, desgastar o governo do Partido dos Trabalhadores e dos nossos aliados e não pretendem avanços, inserção da população nos A presidenta Dilma Rousseff se reuniu no Palácio do Planalto, em Brasília, com representantes de processos decisórios movimentos da juventude que lideraram os protestos de junho ou transparência. Positivamente, vivemos o conUm ponto fundamental é a retexto de um tempo de intensa moção de qualquer obstáculo à pressão social sobre o Congresso Como bem apontou participação popular, com a reduNacional e sobre todos os agentes o sociólogo Castells, ção das exigências legais para a políticos, reflexo direto das morealização de plebiscitos, referendos bilizações. E devemos nos valer a presidenta Dilma e projetos de iniciativa popular em dessa energia positiva. é a primeira líder matéria legislativa. A presidenta Dilma Rousseff defendeu a realização de um plemundial que presta Poder feminino biscito para a Reforma Política, teatenção, que ouve ma que é caro ao PT e aos nossos Propomos também a obrigaaliados, como o PCdoB, já que sua as demandas e toriedade das listas partidárias, realização significa que o povo enpropõe respostas elaboradas democraticamente petre em cena efetivamente e esteja los partidos, com a paridade de à frente das mudanças de que o às pessoas que gênero, alternando homens e mupaís precisa. Como bem apontou estiveram nas ruas lheres. As listas vinculam o voto a o sociólogo Castells, a presidenta programas partidários e não apeDilma é a primeira líder mundial nas a pessoas. E a paridade garanque presta atenção, que ouve as tirá uma participação maior das demandas e propõe respostas às mulheres na política, corrigindo uma grave distorpessoas que estiveram nas ruas. ção: elas são maioria na sociedade, mas têm preNós sempre defendemos no PT a participação sença ainda irrisória na política. popular. Seguindo essa ideia, estamos coletando Quando se fala em listas partidárias é preciso assinaturas em todo o país em apoio à promoção demonstrar a sua viabilidade e os seus objetivos. do plebiscito. A coleta de assinaturas permite tamCom as chamadas “listas abertas”, como se dão bém dialogar com a população e mostrar que, sem hoje as eleições no Brasil, cada candidato tem um partidos políticos autênticos e fortalecidos, sofre a caixa de campanha, com múltiplas fontes de redemocracia. cursos. A consolidação de uma lista partidária perAo falarmos em Reforma Política, queremos mitiria acabar com a distorção das eleições, que dá apontar o que mudar na democracia brasileira e margem à corrupção eleitoral. por que fazê-lo – muito diferente de adotar outra A lista fechada também permite o resgate da estratégia comum na direita, que é manipular absdiscussão ideológica, já que o eleitor vota num trações, como sempre faz, com o intuito de mera programa de partido. Democracia forte demanda disputa política que não ataca os focos dos propartidos fortes e que tenham programas políticos, blemas. 37 126/2013 voltados à defesa de questões importantes para a sociedade. Como exemplo, vale ressaltar que nas eleições na Argentina funciona dessa forma. Em quase todos os países desenvolvidos predomina o sistema de listas fechadas, em que os partidos realizam prévias para decidir quem serão os candidatos e quais suas posições nas listas. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, em que a operação se dá por meio de um fundo público com doações dos cidadãos. Partidos podem receber financiamento privado direto, mas caso optem pelo sistema devem responder a estritas regras e controles de gastos. Já a França proibiu, em 1995, as doações de pessoas jurídicas. Na Itália existe financiamento público desde 1974, e, em um modelo um Para garantir uma O preço da democracia pouco diferente, o México prevê Reforma Política que as doações privadas não podem A democracia tem custo: se quesuperar os financiamentos públicos ampla, propomos remos esse sistema – e esse é, sem dos partidos. a convocação de Para garantir uma Reforma Polísombra alguma de dúvida, o melhor tica ampla, propomos a convocação sistema político – precisamos ter isso uma Assembleia de uma Assembleia Nacional Consem mente. Por isso, propomos finanNacional tituinte específica. Quem for eleito ciamento público exclusivo para as exclusivamente para aquele fim não campanhas eleitorais. O espírito do Constituinte ficará apegado à preocupação de alfinanciamento público, por um lado, específica. terar o sistema político eleitoral, viscompreende que se preserve o inteto que seu mandato se esgotará ao resse público nas relações políticas e Quem for eleito término da Constituinte. institucionais. Temos hoje um cenáexclusivamente Em suma, o nosso partido e as rio em que as doações de empresas forças progressistas, como é o caso se pautam muitas vezes pela busca para aquele fim do PCdoB – após dez anos proporciopor contrapartidas. Por outro, o finão ficará apegado nando mudanças que transformam nanciamento público exclusivo significa que todo o dinheiro investido a cada dia o país em uma nação jusà preocupação em campanha seja público, obrigata e soberana –, têm agora uma node alterar o toriamente. Doações de pessoas físiva tarefa no horizonte. Temos mais cas e empresas são proibidas e sujeiuma vez que apontar caminhos à sistema político tas à punição. Se, de um lado, a ideia sociedade brasileira, demonstrar os eleitoral, visto que parece ofensiva ao bolso do contriavanços possíveis e os instrumentos buinte, de outro, menos empresápara levá-los adiante. seu mandato se rios e lobistas se aproveitariam do O PT nunca se curvou ao senso esgotará ao término comum. Nunca desertou do bom sistema. Os brasileiros, no entanto, já demonstram compreender a necombate. Foi com esse espírito que da Constituinte cessidade do financiamento público nos mobilizamos na década de 1980 exclusivo: a mesma pesquisa Ibope, pelas Diretas Já. Foi também com ao mostrar que 85% dos entrevistaesse espírito que promovemos, em dos são a favor de uma Reforma Política, revela que dez anos de governos dos presidentes Lula e Dilma, 78% consideram que o financiamento das campanhas transformações profundas voltadas à melhoria das eleitorais deve ser exclusivamente público. condições de vida de milhões de brasileiros e brasiPara pontuar alguns exemplos de outros países, leiras. E com esse espírito, e o empenho que está no lembro que na Alemanha, o financiamento público nosso DNA e no de nossos aliados, como o PCdoB, existe desde 1959, na forma mista, com reembolso de venceremos o discurso fácil e acomodado de que a Regastos eleitorais e subsídio público de doações privaforma Política não pode ser levada adiante. das. As empresas respondem atualmente por apenas 5%, em média, das receitas partidárias – o que, ine* Rui Falcão é jornalista e bacharel em direito pela quivocamente, evita a corrupção e as doações eleitoUSP, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores rais que visem depois à contrapartida por parte da(PT) e deputado estadual em São Paulo. quele que é eleito. 38 Capa Entrevista com Renato Rabelo Novos horizontes para a Reforma Política democrática Antônio Cruz/ABr Presidenta Dilma Rousseff recebe de líderes de partidos na Câmara abaixo-assinado que pede plebiscito para Reforma Política A unidade dos quatro partidos de esquerda — Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Democrático Trabalhista (PDT) — sobre uma proposta de plebiscito para a Reforma Política democrática foi um passo importante, avalia Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, em entrevista para Princípios. Para ele, a proposta precisa do respaldo de uma ampla mobilização popular 39 126/2013 S egundo Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, com o avanço da unidade passa a prevalecer a correlação de forças favorável à proposta da esquerda. Ele cita como exemplo os dados da pesquisa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) indicando o amplo respaldo da população a medidas que democratizem a representação eleitoral. O presidente do PCdoB também discorre sobre pontos defendidos pelas forças conservadoras como barreiras para impedir a participação popular na vida política do país. É o caso, por exemplo, da cláusula de barreira, do voto distrital e do financiamento privado de campanha, propostas que ainda se apresentam com força apesar dos avanços dos últimos dez anos. A seguir, a íntegra da entrevista: por Osvaldo Bertolino* Princípios: Os quatro partidos de esquerda (PT, PCdoB, PSB e PDT) chegaram a um acordo para a realização do plebiscito sobre a Reforma Política. Qual a opinião do PCdoB sobre essa decisão? panhas eleitorais por parte das empresas e bancos; se concorda ou não com doações feitas por eleitores, fixando-se um teto; se deve ser feito um financiamento público exclusivo. A segunda questão se refere à iniciativa popular, que hoje se restringe apenas aos projetos de lei ordinária. E então se ampliaria para projetos de lei comRenato Rabelo: É muito importante, porque volta-se plementar e emenda constitucional. E a terceira, se à questão colocada pela presidenta Dilma que como eleitor concordaria com uma data única de eleições põe os cinco pactos com referência a um plebiscito no país. São questões importantes, para ouvir a população acerca da por correrem no âmbito do anseio Reforma Política. Isso ainda esda sociedade e do próprio Congrestava em uma fase de certo imO PCdoB propõe que, so Nacional. É um passo adiante, passe, porque os partidos da base para se chegar a uma porque através do plebiscito se proachavam que esse plebiscito seria muito difícil, no sentido de se Reforma Política mais cura ouvir o povo sobre questões que são fundamentais. Portanto, construir um questionário objeprofunda, é preciso considero um passo importante e tivo para ouvir a população. Uns que está na ordem do dia. diziam que o melhor seria um que todas as forças referendo, porque o Congresso de esquerda e dos Fala-se de uma correlação de poderia aprovar uma Reforma ad forças desfavorável, no sentireferendum. Agora, se conseguiu movimentos sociais do democrático, para uma Reincluir o PSB na proposta, junto caminhem para uma forma Política. Essa cautela se com o PT, o PCdoB e o PDT, que justifica? já vinham trabalhando com essa convergência Renato Rabelo: A pesquisa realizapossibilidade. da pela Ordem dos Advogados do Não é exatamente o plebisciBrasil (OAB) não demonstra isso. to que leva às questões propostas As respostas, em grande medida, indicam que o popela presidenta, pois ela fez sugestões ao Congresso vo já aponta que é possível uma Reforma Política — onde se decide isso em última instância. Mas, democrática. E temos ainda outras indicações que os quatro partidos levaram em conta em primeiro vão ao encontro das iniciativas de uma Reforma Polugar que é um instrumento importante porque a lítica democrática, como o apoio às iniciativas popopulação é ouvida e se pronuncia sobre o tipo de pulares. Ou seja: essa iniciativa popular já definiria Reforma Política que deve ser feita no país, consipontos fundamentais de uma Reforma Política — o derando aspectos estruturantes. E aí se levantam que exigiria mais ou menos um milhão e meio de questões para serem levadas a plebiscito. A primeiassinaturas. E que o Congresso tem que levar em ra sobre o financiamento de campanha, hoje uma conta. E terá uma repercussão se for uma iniciativa proposta consensual, inclusive feita também pela popular composta por entidades nacionais reprepresidenta. No plebiscito haverá três questões para sentativas, organizações sociais e partidos. o eleitor: se concorda ou não com a doação às cam- 40 Capa Ricardo Stuckert/Instituto Lula. Propõe-se uma saída intermediária: haveria financiamento público e financiamento por doações de eleitores com um teto, que seria estabelecido, de R$ 700,00 O PCdoB propõe que para se chegar a uma Reforma Política mais profunda, realmente democrática, é preciso que todas essas forças de esquerda e dos movimentos sociais caminhem para uma convergência de uma proposta comum. Se isso não acontece, ficam várias propostas de Reforma Política. A resultante disso é que dificilmente teríamos uma Reforma com amplo apoio democrático, popular. Esse é, então, o primeiro esforço: buscar uma convergência entre as forças populares, de esquerda, democráticas com referência a uma Reforma Política básica. E pela compreensão a que vai se chegando, pelo caminhar de propostas e ideias, reúne hoje melhores condições de ser um ponto de referência, de ser um ponto de partida para essa unificação a proposta política feita pela OAB, por ter procurado reunir duas questões estruturantes: financiamento público de campanha e sistema de representação eleitoral. Reunir, enfim, as propostas dos partidos que querem uma Reforma Política séria, para valer, Há tempos PT, PSB, PCdoB e PDT vêm debatendo temas ligados à Reforma Política, como nesta reunião no Instituto Lula em setembro de 2011 e os anseios políticos que vêm da sociedade. A proposta da OAB com relação ao financiamento público é de que o financiamento de empresas deixe de existir. Propõe-se uma saída intermediária: haveria financiamento público e financiamento por doações de eleitores com um teto, que seria estabelecido, de R$ 700,00. A conclusão é a seguinte: o financiamento feito pelas empresas equivale a 95% daquilo que se arrecada no processo eleitoral. A segunda questão estruturante é a representação eleitoral. Sobre como seria a forma no âmbito do Parlamento, se seria o sistema proporcional ou majoritário. O primeiro é o vigente no país. Alguns partidos, sobretudo os da oposição, defendem o sistema majoritário — que é basicamente definido pelos distritos. O Brasil seria dividido em distritos e estes seriam a base da eleição majoritária. Ou seja: com isso, a minoria praticamente não teria candidatos eleitos no Parlamento, porque mesmo que um candidato alcançasse de 40% a 45% dos vo- 41 126/2013 tos em um determinado distrito, o outro que tivesse em torno de 50% ou 49% seria o vencedor. Assim, mesmo tendo um percentual muito alto seria minoria e ficaria de fora do Parlamento. Essa é uma ameaça que se apresenta no processo da Reforma Política? Renato Rabelo: Sim, pois se isso acontecer será um retrocesso político. Onde essa medida foi adotada — e a história está cheia de exemplos — houve um retrocesso, porque as forças populares e de esquerda passaram a ter um declínio. Um exemplo é a França no segundo pós-guerra. Nesse sistema funciona o poder econômico, pois é uma eleição majoritária, na 42 O que temos defendido é que os partidos apareçam de forma nítida para a população, apresentando o seu programa e os seus candidatos. Então, o povo vai comparar partido com partido, programa com programa, candidato com candidato. E não aquela pulverização, parecendo que cada candidato tem mensagem e programa próprios qual pesará aquele que tiver mais recursos, meios, influências políticas. As forças populares ficam aleijadas num processo como esse. O que temos defendido é que os partidos apareçam de forma nítida para a população, apresentando o seu programa e os seus candidatos. Então, o povo vai comparar partido com partido, programa com programa, candidato com candidato. E não aquela pulverização de candidaturas, parecendo que cada candidato tem uma mensagem e um programa próprios. Consideramos isso um aperfeiçoamento. A OAB propõe as eleições proporcionais em dois turnos. No primeiro turno, o partido apresenta a lista e seu programa e, então, Capa são definidas as vagas que cada um terá, conforme o anos de governos Lula e Dilma, mas as forças consernúmero de votos que lhe coube. No segundo turno, vadoras ainda têm um grande poder no Estado, leseria o seguinte: se o partido obteve cinco vagas no vando em conta as forças que conduzem a economia primeiro turno – portanto, direito de ter cinco dedo país, a mídia. E de outro lado, essas forças emerputados federais, estaduais ou vereadores –, no segentes, nascentes, que nesse ciclo aberto por Lula gundo, ele poderia apresentar o dobro das vagas que passaram a ter um papel político maior, com mais alcançou e caberia ao eleitor escolher o candidato liberdade política, de modo a participarem, guardanque ele achasse que deveria ser eleito. O eleitor escodo as diversas condições de cada setor, no âmbito do lheria o candidato entre esses, pois seria o dobro do próprio governo nacional. número de vagas, permitindo-lhe a escolha do canEssa luta política se acirrou porque o Brasil atindidato de sua preferência. giu outra etapa, à medida que reduziu de forma basEssas, então, são as duas propostas estruturais tante significativa a pobreza do país, ampliou seu básicas e importantes feitas pela mercado interno e a democratiOAB. A partir daí, concluímos que zação, passando a se ter mais lié um ponto de partida para que se Chegamos a uma fase berdade política no país. Também tenha um projeto comum de Reforhouve conquistas sociais da base tal em que deve-se ma Política democrática dos partida pirâmide nacional. Mas para ir dos interessados, do movimento mais adiante esse é um primeiro fazer mudanças mais sindical, do movimento social. E é passo, em um conjunto de granprofundas. E a luta isso o que estamos procurando redes tarefas ainda por se realizar alizar agora. no país. E as forças conservadoras política se acirra. No Será realizado um ato político reagem diante disso. Jogam tudo plano da Reforma na Faculdade de Direito da USP, para barrar esse processo. No plano Largo São Francisco, dia 26 de no das instituições políticas segue Política ela se dá agosto (segunda-feira), com a pretudo do mesmo jeito. com muita força sença de centrais sindicais, movimentos sociais e estudantis, além porque é a questão da A cláusula de barreira volta a da OAB e outras entidades. Será ser tema de debate. Ela tamrepresentação, algo um grande ato pelo qual se poderia bém é uma ameaça? convergir para uma proposta coRenato Rabelo: A cláusula de barfundamental mum. E a partir desse ato poderão reira é sempre uma ameaça, porse realizar outros em diversos ponque para as forças conservadoras tos do país, procurando consolidar quanto menos possibilidades de e deflagrar uma grande campanha nacional de assiliberdade políticas melhor. O trabalho deles é semnaturas em torno de uma proposta única. pre nessa direção — restringir a liberdade política. A opinião de todos é de que se conseguirmos essa Impedir o acesso das forças populares no espaço poconvergência poderia se alcançar esse um milhão e lítico. É por isso que tem muita gente – em função meio de assinaturas em torno de, talvez, vinte dias, ou dessa pressão ideológica deles – que desavisadamennum mês no máximo. Essa é uma alternativa que se te acredita que não tem que se meter em política, trabalha e que está avançando. Inclusive, a reunião da fazendo o jogo deles de forma inconsciente. Comissão Política Nacional do PCdoB aprovou uma Isso tudo vem da transição do regime ditatorial resolução no sentido de se buscar uma convergência para a democracia. As forças conservadoras impuem torno de uma posição única de Reforma Política, seram esses interesses nas instituições e nas reprecom todas essas forças democráticas e de esquerda. E sentações políticas. Por isso, fazem uma resistência a proposta da OAB é um ponto de partida. muito grande. Chegamos a uma fase tal, portanto, em que deve-se fazer mudanças mais profundas. E a A Reforma Política está em pauta já há algum luta política se acirra. No plano da Reforma Política tempo. Há uma pressão do campo conservador ela se dá com muita força porque é a questão da rea ponto de impedir que ela avance? presentação, algo fundamental. Renato Rabelo: Há uma tendência na luta política do *Osvaldo Bertolino, jornalista e editor do Portal país de uma polarização política: de um lado, as forGrabois, entrevistou Renato Rabelo na sede do PCdoB, ças conservadoras que querem manter o status quo, em São Paulo, no dia 16 de julho. Colaborou: Ana que sempre se beneficiaram de muitos aspectos do Paula Bueno sistema atual. Começou a se mudar isso nesses dez 43 126/2013 Entrevista com Carlos Lupi “O Brasil precisa de uma verdadeira Reforma Política” Segunda fase do 5° Congresso Nacional do PDT (Brasília, agosto / 2013) onde a Reforma Política foi um dos temas em debate. Para o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, “precisamos ter, cada vez mais, os partidos políticos representantes da sociedade – e legítimos representantes” P Por Osvaldo Maneschy* ara o presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Carlos Lupi, é preciso definir o conceito de Reforma Política, uma vez que ela abrange formas que vão além da representação eleitoral; entra pelo terreno das instituições. Segundo ele, o que se discute como Reforma Política são pontos de uma reforma eleitoral, que inclui itens fundamentais para a democratização da representação. Em entrevista para Princípios, Lupi opina sobre o papel dos partidos, os meios pa- 44 ra a mediação dos programas partidários, o uso das pesquisas pela mídia e questões como a cláusula de barreira, o sistema de votação e o financiamento de campanha. Ao discorrer sobre estes temas se revelam, como parte do processo de construção da unidade da esquerda, pontos de unidade e de divergências, mas Princípios entende que o debate franco e aberto das contradições é que será capaz de selar a coesão necessária das forças avançadas para que o país efetivamente conquiste mais democracia. Capa Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista: Princípios: A Reforma Política é uma demanda urgente para o Brasil? Carlos Lupi: Em primeiro lugar, nós temos que diferenciar reforma eleitoral de Reforma Política. Normalmente, se tem discutido no Brasil sobre reforma eleitoral, que trata só do processo eleitoral: da questão do voto distrital; da questão de saber se é voto proporcional, voto majoritário, ou distrital misto, distrital comum; ou se o voto é obrigatório ou não. A meu ver, o Brasil precisa de uma verdadeira Reforma Política. O que seria esta Reforma Política? Carlos Lupi: Ela abrange todas as instituições políticas. Nós precisamos ter, cada vez mais, os partidos políticos representantes da sociedade – e legítimos representantes. Começou a diminuir essa legitimidade, para falar mais corretamente, depois que o próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral] acabou com as cláusulas de barreira. Então, você é favorável à existência das cláusulas de barreira… Lupi: Eu não gosto da denominação “cláusulas de barreira”, prefiro cláusulas de desempenho. Por quê? Os partidos, para poderem ter fundo partidário, tempo de televisão têm que ter voto. A cláusula de barreira anterior, que defendo como causa de desempenho, obrigava os partidos a terem 5% dos votos nacionais e 3% em, pelo menos, nove estados. É mais do que razoável. Eu defendo esta tese porque o que legitima um partido é o voto. Quem não tem voto pode continuar existindo. Podemos ter 50, 60, quantos partidos quiserem (apesar de que, no Brasil, não há espaço para mais de sete, oito partidos com definição ideológica; o resto é agrupamento de pessoas para barganha). Penso que as cláusulas de desempenho são a melhor forma e maneira de legitimar um partido político: porque é o voto que o legitima. Então, tem que ter, em nove estados, 3% e 5% do voto nacional, para a legenda federal, que é o que garante o fundo partidário e o tempo de televisão. Mais sugestões sobre a reforma? Lupi: Que os partidos tenham a fidelidade partidária, como se fora, na Constituinte, as cláusulas pétreas; ou seja: que seja uma cláusula pétrea a fidelidade partidária. A fidelidade do mandatário para com o partido e do partido para com a sua ideologia, para com seu Estatuto e programa. Porque não pode também o partido mudar seu Estatuto, seu programa sem dar o direito a seus filiados de fazerem outra opção: quando são mudados o Estatuto e o programa, muda a ideologia do partido. Então, a fidelidade tem que ser recíproca. A fidelidade à causa é que representa o Estatuto e o programa do partido, a sua definição de linha ideológica. Por exemplo, o que representa o trabalhismo, no meu ponto de vista? Uma corrente de pensamento criada, ainda na década de 1930, por Getúlio, que visou a dar a formatação, a ideia da nação brasileira; a ideia de um projeto de nação – uma nação industrial, uma nação que tivesse direito à autodeterminação; uma nação que tivesse a sua própria indústria; uma nação que tivesse sua autonomia enquanto nação. Este projeto de nação, cuja prioridade absoluta, para nós, trabalhistas, tem que ser educação – como falava o professor Darcy Ribeiro: “a educação que liberta!”. Educação em tempo integral, com toda a concepção de que o velho Darcy Ribeiro falava. Não é só uma criança ficar 8 horas em uma sala de aula, mas de ela ter, dentro dessa sala de aula, conteúdo programático, educação laica, republicana; educação de primeiro mundo; professores bem pagos. E vou além: acho a proposta do professor Cristovam Buarque, o nosso senador – de federalização da Educação – fundamental, porque quem tem dinheiro é o governo federal. Quem tem que bancar a educação fundamental, que é o principal para que se consiga formatar a noção, a mente do cidadão do amanhã. É onde começa tudo. Portanto, o projeto de nação possui prioridades absolutas: Educação e a defesa intransigente dos direitos dos nossos trabalhadores. Estas são as pernas que movimentam a História do nosso partido. Esse é o cunho ideológico. Um partido precisa ter cunho ideológico, visão estratégica. Ele não pode estar no poder apenas por estar no poder; não pode fazer do poder apenas objeto da barganha. O partido tem que ter fidelidade à sua causa. E o parlamentar, que é eleito pelo partido, tem que ter fidelidade à causa que este partido representa. Eu defendo a fidelidade mútua: do partido com sua causa; e do parlamentar para com o seu partido. Que o partido não seja só um conjunto de palavras que todo partido possui… Lupi: Que seja o que ele execute no dia a dia, nas votações; quando tiver espaço em um governo, quando for governo. E assim, sucessivamente, em todos os espaços políticos que se tenha. Quando se fala em Reforma Política, tem que se falar com profundidade sobre financiamento de campanha. Nós defendemos, historicamente, financiamento público exclusivo. E achamos muito estranho que a iniciativa privada possa investir um milhão, 45 126/2013 dois milhões, cinco, dez milhões numa candidatura sem nenhum outro interesse. É obvio que tem outro interesse. O interesse uma empresa privada, que visa ao lucro. Ao investir cinco ela quer ganhar dez. Portanto, nós defendemos financiamento – exclusivo – público de campanha. E mais: com limite. Por que com limite? Não pode ser um financiamento público, como quem calcula, hoje, “cada eleitor custa X mais Y”. Não é isso. É o mínimo. Por exemplo: cada partido teria que ter direito a um carro de som para dividir entre todos; programa eleitoral não tem que ter marqueteiro, mas sim difundir ideias. E eu defendo que fosse programa ao vivo. Se não, vira todo mundo um produto de marketing. Não tem que ter dinheiro para marketing. Não tem que ter dinheiro para fantasiar imagem. Não tem que ter dinheiro para botar trenzinho… para mentir para a população. Tem que passar ideias. Pode ser mais chato, mas não faz mal. Somente as ideias podem fazer a sociedade entender o engajamento, e que queira este engajamento na política. Historicamente, o que se vê, com relação ao horário eleitoral, é que é uma coisa de acesso democrático a todos os meios de comunicação, e uma coisa importante para os partidos, digamos, que estão por cima. Porque progressivamente estão diminuindo esse tempo. Lupi: Isso é para favorecer o capital especulativo, é para favorecer quem tem muito dinheiro para gastar em campanha. Porque o momento mais democrático da eleição é a televisão. Mesmo assim não é tão democrático, porque é proporcional ao número de votos que a legenda federal tem. Mas é muito mais democrático assim do que não ter nada. É muito mais democrático ter um tempo de televisão dividido conforme a população vota na sua legenda federal, do que um critério que não tenha televisão. Porque nunca vai ter chance de um Lula surgir, como já surgiu; ou uma Marina, amanhã... Nós temos que ter este espaço democratizado. A televisão é uma concessão pública e, como concessionária pública, deve-se comportar: abrir espaço para todos. Claro, se há partidos diferentes, os tempos de televisão também serão diferentes; legitimidade de votos diferentes, tempos de televisão diferentes. É preciso ser feito, para todos os que tenham candidato, o que já se faz hoje: quantidade mínima de tempo. Acredito que seja um terço igual para todos os que têm candidato, e dois terços proporcionais à votação da bancada federal. É esse o caminho. A mídia, hoje, para fazer cobertura de campanha eleitoral, usa como critério interno as colocações 46 dos candidatos nas pesquisas eleitorais. Isto gera uma distorção: os que estão bem situados nas pesquisas aparecem no noticiário da televisão, e os que não estão bem situados nem aparecem. Lupi: Eu já passei por isto, Maneschy, mas acredito que existem dois campos de mídia diferenciados. A mídia escrita, que é uma propriedade privada – os jornais, as revistas são empresas particulares – que tem direito a ter opinião. Não tem o direito de usar isso para fazer difamação caluniosa; a calúnia sem direito de defesa. Não tem direito de usar a primeira página do jornal para caluniar e difamar, e depois colocar na seção “carta de leitores” a resposta. Isso é antidemocrático. É um direito da imprensa escrita, que é uma propriedade privada, ter sua opinião. Então, notoriamente, os grandes jornais, todos de direita, têm opinião de direita; mas é um direito deles. Mas não é direito deles excluir as minorias. Não é direito deles manipular a informação. Não é direito deles prejulgar, sem direito à defesa. Não é direito deles desproporcionalizar a democracia, ou seja, só abrir espaço para aqueles que são do seu interesse. Dê a sua opinião, faça seus editoriais. Isto é um direito sagrado de qualquer empresa privada. Mas não é direito da imprensa privada beneficiar A em detrimento de B, ou C em detrimento de D. Já em relação às concessionárias, o rigor tem que ser maior, porque são públicas. E como concessionárias públicas devem se comportar. Por isto, defendo que, na reforma, que todos tenham, como já é hoje, direito a tempo mínimo de televisão; e o tempo proporcional relativo às bancadas. Não vejo outra forma mais democrática. Mas isso sem marqueteiro, sem maquiagem, sem mentira. No máximo, eu admitiria um programa gravado, sem edição. Programa gravado para ir ao vivo, porque tem problema de circulação, programa de nível nacional; problemas no interior, que às vezes não tem rede com abrangência. No máximo, na minha concepção, seria razoável gravar, sem edição! Sem externa. É ideia! Se não, vira tudo produto de supermercado. Por isso, se é para ter produto de supermercado, não precisa de eleição: vai ao supermercado e compra. Eu defendo esta tese: financiamento público exclusivo; programas ao vivo sem marketing. E este financiamento público exclusivo com um mínimo de gastos: nada de ter uma pessoa paga. Sou contra pagamento de cabo eleitoral. Sou contra propaganda que não seja para levar as ideias. Sou contra a existência de brindes, de outdoor, de propaganda paga. Para mim, a propaganda tem que ser o papelzinho, sola de sapato e ideias. Cada um que convença o eleitor. É mais trabalhoso, é mais antigo, mas é o método mais infalível para se dizer a verdade. Capa E as pesquisas eleitorais, pré-eleitorais? conferência do voto. Em qualquer lugar do mundo. Lupi: Eu penso que o processo das pesquisas é saber A meu ver, o Brasil avançou muito na área de tecsempre quem encomenda, qual o interesse de quem nologia. E, estranhamente, só na área da eleição. Nos encomenda. Lembro-me que o velho Brizola dizia semEstados Unidos não tem urna eletrônica. Na Europa pre: “olha, a pesquisa depende de quem encomendou. não tem urna eletrônica. Nós somos um dos poucos Se eu pago bem, ela vai ter um sorriso diferente para países do mundo que têm urna eletrônica. Na boa-fé, mim”. Infelizmente, isso é uma realidade. São poucos acreditando que ela foi montada para ajudar, aperfeios institutos idôneos completamente. çoar a democracia. Porque havia muita fraude no voto A meu ver, a pesquisa não pode induzir o eleitor. manual. Muita, mesmo, cansei de ver. Cansamos de Mais do que isto: a pesquisa tem que ser limitada aos denunciar isso. Acreditando que a intenção fosse boa, partidos. O problema da pesquisa não é a pesquisa, qual o problema, para os homens de boa-fé, ter a conmas a sua divulgação. Como ela é divulgada, a maneira ferência dos votos? Ter a amostragem? como é manipulada a sua divulgaSe dissessem “ah!, é muito caro” ção. A maneira que se pode manipupoderia até se raciocinar assim. Mas Da mesma maneira lar para se ter essa pesquisa: qual é eu discordo. E, para que não se diga a quantidade de entrevistados, qual que nós somos radicais, estou dizenque o povo coloca a estratificação social dos entrevistado: são só 10%… Qual o problema de um representandos. A metodologia é fundamental. imprimir 10%? Estranho que isso teJá melhorou muito: hoje tem que nha sido vetado pelo TSE. Estranho. te, se este vir a não se registrar. Qualquer um pode pedir E isto me faz supor, a imaginar, que representá-lo bem, esse registro e checar. Mas é muito esse processo não é tão transparente difícil pegar erro, porque o pessoal fiassim. o direito do povo cou muito profissionalizado. E, como Se os hackers entram nos compué tirá-lo de lá. Não o pessoal ficou muito profissionalitadores da NASA, nos computadores zado, até para pegar os erros é mais do Pentágono, como não vão entrar acho ruim que haja difícil. Penso que, nas pesquisas, o nas urnas eletrônicas? Eu não tenho consultas, permagrande desafio é divulgação. paranoia, mas acredito que não seRepito: critério para imprensa esja nada de mais conferir. Eu tenho nentemente crita, privada, é um; e o critério para a minha conta bancária, pago com as concessionárias, outro. Concessiomeu cartão, recebo o extrato no final nária pública tem que ter uma regra de direitos iguais do mês e confiro todos os meus pagamentos. Agora para todos. Imprensa escrita tem que ter a sua opinião. mesmo, estava conferindo e apareceu um débito que E mais: defendo a tese – que nós já defendemos (e não fiz. Eu vou e cancelo, ligo para o banco. Ora, e se da qual você é um ardoroso defensor) – de que tenhafor assim com o meu voto? Eu quero ter o direito de mos a impressão do voto. É um absurdo ter acabado saber aonde foi o meu voto. O princípio democrático a impressão do voto eletrônico. Seria nas eleições de quer esta amostragem. São 10% apenas. Uma peque2014; mas eles conseguiram adiar. Nós chegamos ao na amostragem. Confere a amostragem… Então vamáximo que podíamos: ter 10%. Chegamos a aceitar os mos embora! Não é admissível não ter nada de amos10% das urnas, ou 45 mil urnas!… para servir de amostragem. Estranho isso ter acontecido. tragem, para testar. Se não tem fraude, por que há tanVoltando ao processo de Reforma Política, que tamto medo?… Testa! Tem uma aqui, uma ali, uma acolá. bém inclui a urna eletrônica, o financiamento público, Que se coloque urnas nas quais se pudesse imprimir… que inclui a clareza das definições ideológicas dos parNão é caro, não. Caro é a fraude. Eu digo sempre: tidos. Vamos ouvir o povo… Da mesma maneira que o caro é cadeia; não a Educação. Caro é a desinformapovo coloca um representante, se este vir a não repreção, não a informação. Caro é esconder, não ter a transsentá-lo bem, o direito do povo é tirá-lo de lá. parência. Portanto, é a coisa mais simples do mundo: Não acho ruim que haja consultas, permanentecolocar uma caixinha ao lado. É como quem faz pagamente. Ano a ano. Ou, vamos dizer, a cada dois anos, mentos com cartão, e é impresso aquele boleto. Coloca porque a democracia nunca é demais. Demais é a diaquilo numa urna transparente, e depois vamos confetadura. Consultar o povo nunca é demais: erra-se merir aquela amostragem. nos. Quanto mais se consulta o povo menos se comete Por que não querem esta amostragem? É estraerros. Então, a consulta popular, através de plebiscito; nho… É estranhíssimo dizer que é cara essa amostrae, até mesmo, em alguns casos, com referendo. gem. Não é caro: o custo dela garante a democracia. A meu ver, a reeleição está viciada demais, no proPorque não existe democracia sem a possibilidade de cesso eleitoral brasileiro. Não deveria ter mais reelei- 47 126/2013 ção. Ela faz a máquina ficar com um poder descomunal. Sou contra a tese de reeleição. Não era, mas estou me convencendo. Acho que o mandato tem que ser de cinco anos, para presidente, para governador. E os parlamentares? Lupi: Parlamentar tinha que intercalar. É preciso discutir sobre coincidência de mandatos, porque tem que coincidir o mandato de deputado federal e senador com o de presidente, e o de governador com deputado estadual. Não se pode eleger bancadas diferentes dos Executivos, se não vira o caos. Já aconteceu isso com Jango [João Goulart]: não tínhamos maioria no Congresso e fomos eleitos na Presidência da República. É preciso tomar muito cuidado com esse processo para ter coincidência dos mandatários. Tem que ter essa possibilidade de o povo não querer mais uma determinada representação. E mais: o Brasil tem a necessidade de ter uma reforma constitucional restrita, retirando as causas pétreas. Tirando aquilo que é conquista da sociedade, é uma reforma constitucional não para retroceder, mas para avançar. É para deixar claro. Se não: de um gato se faz um monstro: depende da mão de quem molda. Portanto, a meu ver, é necessário ter uma reforma constitucional exclusiva, com um Congresso exclusivo. Que seja 100, 120; que cada partido apresente seus nomes notórios, que eles se reúnam. Tem um ano para fazer esta reforma, depois se autodissolvem. E não disputam mais! Só e especificamente para aquela reforma. O mundo evoluiu. Este Congresso exclusivo vai discutir sobre a reforma tributária, vai discutir sobre o pacto federativo. Está demais a concentração de recursos na União. Os municípios não têm como sobreviver: vivem de pires na mão, dependentes. Tem que ter mais transparência. Precisa colocar clareza na questão da escola: tem que ir para a cadeia quem não investir em Educação. Não é possível que se considere mais importante fazer viaduto do que escola, do que pagar bem os professores, de que ter uma saúde eficiente – porque trata-se da vida humana. A meu ver, teria que ter também – essa é uma opinião de âmbito pessoal – uma reforma constitucional exclusiva para mexer na questão tributária; no pacto federativo; e em algumas questões em relação às quais precisamos evoluir. E outra que pouca gente tem coragem de tocar: a questão do Poder Judiciário. A questão do Poder Judiciário está muito intocável. Nós precisamos que ele seja mais transparente. E precisamos ter um plebiscito também sobre o seu funcionamento. Você acha que os juízes precisam ser eleitos? Lupi: Em muitos dos casos, sim. Em cada comarca e em cada região. Também com direito de a população 48 não querer mais. Porque hoje um juiz não é eleito, ele fica 35 anos, se aposenta e acabou. Não dá satisfação a mais nada, e para ninguém. E existem as corregedorias. Mas a maioria delas é muito corporativa, muito fechada. Pobre e negro não têm justiça neste país, têm que ter muitos bons advogados. E para ter bons advogados neste país precisa ter muito dinheiro. Não é fácil, não é simples. O Poder Judiciário está muito encastelado, muito distante da população. Também porque os partidos – mas não só eles –, a sociedade está em crise! E a crise da sociedade reflete em suas instituições. Reflete nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Quem não tocar neste ponto nevrálgico, neste ponto que é fundamental de uma reforma, está enganando a população. Você é a favor do voto proporcional, distrital, distrital misto…? Lupi: Eu não tenho uma definição ideológica com relação a isto. É mais por conveniência do que qualquer outra coisa. Mas duas coisas são reais. Primeira. Hoje, a população já está votando, majoritariamente – principalmente para deputado federal e estadual – na sua liderança local. Mas isto é uma opção dela. Eu não posso impor “você só pode votar em Joaquim, porque é da sua região”. Isso é ruim. No processo democrático é ruim qualquer limitação; qualquer censura do voto. O voto tem que ser livre, universal, secreto. Por isso, como dizer: “só pode ser em A?”. Porque, quando se tem o voto distrital, é só daquele distrito: A, B ou C. Isso limita. Facilita o poder econômico… Lupi: Facilita o poder econômico local, regional. Se a população escolhe pelo local, o problema é dela. Em tese, no voto proporcional, existe a chance de se eleger candidatos de opinião pública, de lideranças. Do mesmo modo que, em tese, o voto distrital favorece o curral: de quem tem muita estrutura ou muita liderança. Também não se pode dizer que é só estrutura: às vezes a pessoa forma a sua liderança num bairro, numa cidade, numa localidade, com sua vida, sua história. Mas a população é que tem que fazer sua opção, e não nós. Não tem que ter uma lei para isso. Seria mais ou menos assim: seu voto só vale para este! “Por que só para este? E se eu quiser votar no outro? Não posso por quê?” Para mim, essas questões precisam ser amadurecidas, mas com muito cuidado para não tolher a opinião pública. Entrevista a Osvaldo Maneschy Transcrição na íntegra de Apio Gomes Capa 49 126/2013 Mais médicos para o Brasil e mais recursos para o SUS Júlia Roland* O Sistema Único de Saúde (SUS) completa 25 anos de sua aprovação na Constituição de 1988. Logo nos seus primeiros anos enfrentou a avalanche do neoliberalismo que provocou, entre outras mazelas, o desmonte do Estado brasileiro que teve suas instituições enfraquecidas. A saúde como direito de todos e dever do Estado também sofreu com esse desmonte. De que Estado precisamos para fazer valer esse direito constitucional? Esse é o debate. Imprenssa CNS Ato do Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública, Saúde+10 50 O Brasil política de Estado para não ser prejudicado pelas dis serviços públicos foram gradativamente desmantelados, e sem reposição da força de ferenças de interesses entre os mandatários em cada trabalho, a gestão foi fragmentada com a esfera de poder. transferência de muitos desses serviços paOs números de atendimento no SUS impressiora as organizações sociais e outras formas nam e quase sempre o médico é indispensável: de entidades privadas. No final do governo • 3,7 bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano; Collor/Itamar havia 683/641 mil servidores • 531 milhões de consultas médicas por ano; públicos e a relação despesa pessoal e receita corrente • 11 milhões de internações por ano; líquida da União, no final do governo Itamar, era de • 98% do mercado de vacinas estão no SUS; 29,8%; já no final do segundo governo FHC havia 530 • 32,8 milhões de procedimentos oncológicos; mil servidores públicos e a relação despesa pessoal e • 97% da quimioterapia são realizados no SUS; receita corrente líquida da União era de • 4,7 milhões de órteses e próteses 15,7%. Atualmente esses números são (cadeiras de rodas, muletas, aparelhos respectivamente de 635 mil e 16,3%, auditivos etc.) distribuídas pelo SUS. Ao extinguir indicando a necessidade de se debater Além disso, o SUS é o sistema púa CPMF, o no governo e na sociedade sobre qual blico que realiza o maior número de Estado queremos para garantir servitransplantes no mundo. Congresso ços públicos de qualidade. Portanto, os médicos brasileiros e deixou o O sistema de saúde público não os demais profissionais de saúde têm pode ficar suscetível aos impactos de prestado relevante serviço ao nosso sistema de lutas políticas. Mas foi isto que aconpovo. Mas, não há como escamotear saúde público teceu quando o Congresso Nacional, a insatisfação de importante continem vez de realizar mudanças para gagente de brasileiros que não são atensuscetível aos rantir o uso da CPMF exclusivamente didos ou são mal-atendidos; ou são impactos de para a saúde, aprovou sua extinção, atendidos e ao serem referenciados retirando bilhões de reais da saúde, para serviços mais complexos, para lutas políticas, sem criar alternativas para garantir o a continuidade do tratamento, enretirando financiamento adequado para o SUS. frentam limites de vagas ou mesmo Além disso, a regulamentação do ausência e imprevisibilidade de posbilhões de financiamento do SUS foi retardada sibilidades no SUS. reais da saúde, e somente aconteceu em 2011, ainda As recentes jornadas de mobilizade forma incompleta. Os recursos da ção social destacaram com força a nesem criar União não foram ampliados como escessidade de melhoria na qualidade alternativas tava previsto e continuam sendo nedos serviços públicos em especial da cessários, sendo essa a principal bansaúde, educação e transporte, presdeira do “Movimento Saúde Mais 10” sionando o governo que acelerou o que encaminha a coleta de assinaturas para projeto lançamento de várias medidas que estavam em disde iniciativa popular ampliando os recursos federais cussão, para melhorar o sistema de saúde e que têm para a saúde. polemizado a opinião de especialistas, de médicos e da população. É fato relevante o SUS ter ocupado Ato do Movimento Saúde + 10 espaço na agenda política do país, “objeto de desejo” daqueles que militam em defesa da saúde pública, Os grupos econômicos que disputam o mercado pois a conquista de 1988 foi fruto da convergência da saúde são muito poderosos, têm apetite insaciádo debate que acontecia no meio acadêmico, da luta vel e influenciam todas as esferas de governo, tanto dos profissionais de saúde e principalmente do asno parlamento como nos poderes Executivo e Judicenso da mobilização popular na luta por direitos ciário. Pressionam e têm grande influência na Agênsociais e democráticos. cia Nacional de Saúde (ANS) na definição das regras O sentido das medidas anunciadas pela presidenta dos planos de saúde, muitas vezes prejudicando os Dilma está correto, mas elas precisam de ajustes para seus usuários. Eliminar as insuficiências do SUS, dar algumas respostas emergenciais e principalmente evidentemente, reduziria o público consumidor dos para que sejam complementadas por medidas estrutuplanos privados. rantes com reformas estratégicas indispensáveis para O SUS depende de uma boa articulação entre as a continuidade do processo de mudanças e avanços três esferas de governo e tem de ser construído como sociais. 51 126/2013 Agência Brasil Programa Mais Médicos O programa Mais Médicos procura responder à principal reclamação da população que usa o SUS. As entidades médicas travam intensa polêmica afirmando que o problema é a má-distribuição decorrente da falta de condições em muitos municípios e nas periferias das grandes cidades. Esse ponto de partida das entidades “bate de frente” com o sentimento e a experiência concreta da população, com o cotidiano dos gestores da saúde e com os dados disponíveis. Os dados do Brasil em comparação com os de outros países mostram uma realidade muito desfavorável para nós. Médicos por 1.000 habitantes: Brasil Argentina Uruguai Portugal Espanha Reino Unido Austrália Itália Alemanha EUA Venezuela* Bolívia* 1,8 3,2 3,7 3,9 4,0 2,7 3,0 3,5 3,6 2,4 1,9 1,2 Fonte: OMS – Estatística Sanitária Mundial-2012*-2011 Além disso, em 700 municípios não temos nenhum médico e em 22 estados a proporção de médicos por 1.000 habitantes é menor que a média nacional. Apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Espírito Santo estão acima dessa média e, mesmo assim, os usuários do SUS desses estados também enfrentam muitas dificuldades para garantir o direito à saúde, ter o acesso com qualidade no momento em que necessitam. Mesmo em São Paulo 52 Presidenta Dilma no lançamento do Programa Mais Médicos há 344 municípios com índice menor que a média nacional. Na cidade de Registro, por exemplo, existe apenas 0,75 médico / 1.000 habitantes. Dos 22 estados abaixo da média nacional, Acre, Amapá, Maranhão, Pará e Piauí têm menos de um médico por mil habitantes. De 2003 a 2011 surgiram 146 mil postos de trabalho em emprego formal, mas nesse mesmo período, só 93 mil médicos se formaram. E, em função da ampliação do número de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e de Unidades de Pronto Atendimento (UPAS), deverão ser criadas 35 mil novas vagas para médicos até 2014. O Ministério da Saúde projeta a criação de 11.500 vagas de graduação e 12.400 de residência médica. Especialistas, como o professor Gastão Wagner, da Unicamp, defendem a ampliação de 3 a 4 mil vagas de graduação, nas universidades públicas. Milton Arruda, professor da Faculdade de Medicina da USP e ex-secretário de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, em recente entrevista, disse: “No caso do Brasil, eu consigo dizer que faltam médicos e eles estão inadequadamente distribuídos, mas não consigo dizer, o que é muito ruim para o país, quantos médicos o Brasil deve ter”. As referências do número de médicos de outros países são importantes como termos de comparação em nossas análises, mas as peculiaridades do Brasil e do SUS devem ser consideradas. Ampliar o grau de resolutividade da atenção básica e a organização das regiões de saúde para otimizar o uso dos recursos e garantir a universalidade, a integralidade e a equidade são estratégias essenciais. Também é indispensável aprofundar a implantação do novo modelo de atenção, centrado na promoção da saúde e com equipes multidisciplinares organizadas em redes regionais. Brasil A falta e a má-distribuição de médicos são determinadas por vários fatores e exigem múltiplas intervenções que não devem ser ditadas pela categoria para evitar o viés elitista e corporativista, mas devem, necessariamente, ser discutidas com suas entidades representativas. Mesmo a maioria dos médicos fazendo parte dos setores sociais bem situados economicamente, é possível defender seus interesses, respeitando o direito à saúde da população brasileira. Para exemplificar, o jornal Folha de S.Paulo, de 13 de julho, mostra dados sobre os aprovados no vestibular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) que revelam que apenas 2% vieram de escolas públicas, 20% são de famílias com renda superior a 20 mil reais, e não havia nenhum negro na turma de 2013. A projeção da ampliação de vagas avaliadas pelo Ministério da Saúde é composta pela maioria absoluta dessas vagas de graduação em escolas privadas. A mensalidade das escolas particulares gira em torno de quatro mil reais. Se nelas hoje já temos 57,9% das vagas, a perspectiva é piorar a composição social dos alunos de medicina e não a de melhorar a democratização do acesso, com possibilidade de jovens de setores populares cursarem as faculdades de medicina. Sem dúvida, o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Financiamento Estudantil (Fies) são medidas positivas e contribuem na democratização do acesso, mas a melhoria do ensino médio e a ampliação das vagas de graduação do curso médico em escolas públicas são as medidas mais adequadas e estruturantes. Governo altera a proposta mais polêmica – ampliação da graduação para oito anos É mais adequado manter o curso de graduação com seis anos e incorporar os dois anos do chamado segundo ciclo de formação, apresentado inicialmente pelo governo na residência médica, que deve ofertar vagas para todos os recém-formados. A experiência mostra que a descentralização da residência médica contribui para a fixação do profissional, portanto o Estado deve ampliar as vagas prioritariamente para as regiões Norte e Nordeste e definir as especialidades necessárias. Atualmente, faltam médicos em várias áreas como pediatria, clínica médica, anestesiologia, neurologia, cardiologia, radiologia, nefrologia, UTI pediátrica. O efeito dessas duas medidas só ocorrerá em médio prazo. Portanto, abrir a possibilidade de médicos estrangeiros cobrirem os locais não-preenchidos pelos brasileiros, com bolsas e supervisão de universidade pública e das Secretarias estadual e municipal de Saúde, é uma medida emergencial necessária. É recente a luta e a vitória da diplomacia brasileira para garantir que dentistas brasileiros exerçam a profissão em Portugal. A experiência de outros países articula dois caminhos: exame de validação, no qual, o profissional, sendo aprovado, pode exercer a medicina em qualquer região; e outra específica para as localidades mais carentes, em que o médico recebe autorização especial para atuação restrita àquela área. As entidades médicas exigem a realização do Revalida (revalidação de diploma médico), mas isso dá direito ao profissional aprovado de exercer a profissão em qualquer local do país e não nas regiões mais necessárias, definidas pelos gestores do SUS. Os critérios propostos para a contratação de médicos estrangeiros são: habilitação no país de origem; originário de país com proporção de médicos maior que no Brasil; e falar português. Percentual de médicos graduados no exterior Reino Unido EUA Canadá Austrália Brasil 37% 25% 17% 22% 1,79% O Programa Mais Médicos tem por meta levar médicos para 1.290 pequenos municípios com alta vulnerabilidade social, 201 municípios das regiões metropolitanas (incluindo as periferias das capitais), 66 municípios com mais de 80 mil habitantes, além de 25 distritos sanitários indígenas. A afirmação das entidades médicas de que os médicos formados em outros países não teriam competência para prestar atendimento de qualidade, e que assim teríamos o SUS dos pobres, não tem sustentação. Convém olhar os indicadores de saúde dos países de origem dos mesmos. Cuba, que tem sido satanizada, Espanha, Argentina, Portugal possuem bons indicadores de saúde. Além disso, o trabalho será supervisionado por universidades. Outro comentário muito frequente nas opiniões expressas pelos médicos é de que o médico sozinho não adianta, sendo necessários os demais profissionais da área da saúde e estrutura adequada. Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, a carência que existe no SUS é do médico, e atualmente o número de profissionais formados das outras áreas da saúde é muito maior do que o número de vagas existentes no mercado de trabalho. Em relação à melhoria da estrutura, apesar de insuficiente, o investimento de recursos na construção e para equipar novas Unidades Básicas de Saúde é crescente. Está limitado por problemas de insuficiências da gestão pública e do valor do investimento global em saúde. 53 126/2013 Gastos per capita em USS/2011 Brasil Uruguai Argentina Reino Unido Portugal Espanha EUA Noruega 477 817,8 969,4 2.747 1.681 2.237,8 3.954,2 4.859,2 Fonte: Organização Mundial de Saúde (OMS) Como mostra a tabela acima, os gastos no Brasil são muito inferiores aos do Reino Unido, que também tem sistema público universal e aproximadamente corresponde a 50% dos nossos vizinhos Argentina e Uruguai. Estudos do Ipea de 2011 mostram que quase 16 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados pelo governo, por dedução no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e desoneração fiscal da indústria farmacêutica e hospitais filantrópicos. Essa situação merece discussão criteriosa. Por exemplo, na área da educação há um teto para o desconto no imposto de renda, mas na saúde ele é ilimitado. Carreira da atenção básica e ampliação do financiamento Outra bandeira histórica das entidades médicas é a criação de carreira do médico do SUS. Os governos federal, estaduais e municipais precisam enfrentar essa discussão e romper as amarras para resolver esse crucial problema do SUS. O Ministério da Saúde apoia 13 projetos-piloto, regionais ou estaduais de planos de cargos carreiras e salários, em andamento, com custo de 60 milhões de reais. No entanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe teto de gastos com pagamento de pessoal. Os 3,6% do PIB que hoje são gastos com o SUS, representam aproximadamente 60% da necessidade. A composição dos recursos advindos das três esferas da Federação indica a necessidade de ampliação dos recursos federais. É inadiável a aprovação no Congresso do PL de iniciativa popular determinando 10% das RCB da União para a saúde. O PL de taxação das grandes fortunas, a proposta de destinar 25% dos royalties do petróleo para a saúde, entre outros, devem compor as novas fontes para garantir os 10% do orçamento federal, cuja implementação pode ser progressiva, a exemplo do que aconteceu com estados e municípios. A ampliação do financiamento deve ser para o SUS e não para privilegiar o setor privado como acontece hoje – sendo essencial o fortalecimento do 54 controle social sobre todas as esferas de governo, através das conferências e dos Conselhos de Saúde, do poder Legislativo, do ministério público e de outros órgãos de controle. Um milhão e meio de assinaturas foram recolhidas para o Projeto de iniciativa popular Pacto pela saúde Consideramos que o pacto pela saúde deve contemplar as seguintes diretrizes: 1. Para ampliar o acesso de qualidade à população é indispensável fortalecer a atenção básica em geral e do Programa de Saúde da Família, com unidades básicas de saúde adequadas à população a ser atendida, nas cidades, em áreas rurais ou ribeirinhas, com equipamentos necessários para ter resolutividade no atendimento prestado e profissionais de saúde qualificados com salários dignos. 2. Carreira de estado para os profissionais da Atenção Básica. 3. Ampliação das vagas de graduação e de Residência Médica, majoritariamente em instituições públicas, para todos, com dois anos de formação em serviço no SUS. O estado deve regular as vagas de especialistas respeitando as necessidades do sistema de saúde. O debate a respeito do número de vagas necessárias deve ser aberto envolvendo os especialistas no tema e os Conselhos de Saúde. 4. Ampliar o financiamento da saúde aprovando a proposta de 10% das receitas correntes brutas da União. Adequar o modelo de financiamento do SUS, substituindo o pagamento por produção e em conformidade com a regionalização do SUS. 5. Acelerar o processo de organização regional do SUS com a implementação do Decreto 7508 de 2011, que regulamentou a Lei Orgânica da Saúde – 8080 de 1990. 6. Fortalecer a participação da comunidade, com garantia de orçamento para organização e funcionamento dos Conselhos de Saúde nas três esferas da Federação. Reafirmamos ser indispensável a intervenção do Estado para garantir saúde para todos, porque o mercado se mostrou incapaz de atender a essa necessidade da população. * Júlia Roland é coordenadora nacional de Saúde do PCdoB; conselheira nacional de Saúde; diretora do Departamento de Apoio à Gestão Participativa do Ministério da Saúde Brasil Mandatos comunistas de 1945: resgate de um patrimônio da democracia brasileira Osvaldo Bertolino* Gustavo Lima / Câmara dos Deputados Parlamentares e dirigentes partidários participam da sessão solene da Câmara dos Deputados que devolveu, simbolicamente, os mandatos comunistas cassados em 1948 55 126/2013 Em sessão solene da Câmara dos Deputados, os mandatos comunistas cassados em 1948 foram formalmente restituídos na histórica tarde de 13 de agosto de 2013. Uma sessão que resgatou a memória de um período significativo da história política brasileira, conforme registrou Renato Rabelo, presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O gesto devolveu, além dos mandatos, um legado decisivo na história do povo brasileiro em sua jornada de lutas por um Brasil democrático, soberano e socialmente justo. E No fundo (da esq. para a dir.) José Claudino da Silva, Osvaldo Pacheco, Joaquim Batista Neto, Gregório Bezerra, Alcêdo Coutinho, Carlos Marighella, Alcides Sabença; na primeira fila (da esq. para a dir.) Jorge Amado, Abílio Fernandes, João Amazonas, Luiz Carlos Prestes, Maurício Grabois, Milton Caíres de Brito, Agostinho Dias de Oliveira e José Maria Crispim [Asmob/ CEDEM]. xercendo a presidência da Câmara dos Deputados, declaro os mandatos cassados simbolicamente restituídos. A frase da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que assumiu a presidência da sessão solene realizada na terça-feira, 56 13 de agosto de 2013, por indicação do presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), resumiu o desfecho do Projeto de Resolução apresentado por ela em março deste ano. Receberam os mandatos simbolicamente os seguintes deputados: Jorge Ama- Brasil do, Carlos Marighella, João Amazonas, Maurício Grabois, Francisco Gomes, Agostinho Dias de Oliveira, Alcêdo de Moraes Coutinho, Gregório Bezerra, Abílio Fernandes, Claudino José da Silva, Henrique Cordeiro Oest, Gervásio Gomes de Azevedo, José Maria Crispim e Osvaldo Pacheco da Silva. A atual líder da bancada comunista, Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), agradeceu ao presidente da Câmara pelo gesto de convidar Jandira Feghali para presidir a sessão solene. Segundo ela, a devolução dos mandatos comunistas é parte da reconstrução da história do país. Paloma Amado falou em nome do conjunto dos familiares. A filha do ex-parlamentar comunista baiano disse que a bancada comunista eleita em 1945 foi cassada unicamente pelo que pensavam seus integrantes e pela forma decente com que agiram durante todas suas vidas. “Agora que voltaram a ser deputados, eles devem servir de exemplos a todos”, destacou. José Carlos Capinan, músico e poeta, também compareceu à homenagem. Ele destacou que os partidos comunistas têm um compromisso muito grande com a história do país e representam a continuidade dos valores que o seu povo representou e criou ao fazer a nação ser a grandeza que é. Durante a sessão, os músicos do Quarteto Capital, do Teatro Nacional Cláudio Santoro, executaram Bachianas número 5, de Villas Lobos, e Sarau na Roça, de Aurélio Melo. E Sérgio Ricardo e seu filho João Gurgel cantaram as músicas Calabouço e Antônio das Mortes. Em sua intervenção, Renato Rabelo situou a conjuntura da época da cassação: “O mundo corria o risco de ser dominado pela fúria da ditadura nazista, durante longo período”, registrou. A histórica sessão solene terminou com discursos dos seguintes deputados: Miro Teixeira (PDT-RJ), Paulo Teixeira (PT-SP), Marcus Pestana (PSDB-MG), Ivan Valente (Psol-SP) e Silvio Costa (PTB-PE). Leia a íntegra do pronunciamento da deputada Jandira Feghali: V ivenciar algo tão forte, de tamanho simbolismo histórico, me coloca em contradição literal com a estrofe de Walter Franco em sua composição Coração tranquilo: Estou com a mente quieta, apesar de inquieta, com a espinha ereta, apesar do peso da responsabilidade deste momento, e com o coração tranquilo, apesar da emoção que sinto. Caminho pela história do Brasil no período da década de 1940, por meio da leitura de depoimentos e dados, e tento alcançar não apenas o que levou 10% da população brasileira a darem seus votos aos comunistas, mas perceber o grande trabalho que desenvolveram no parlamento, o significado que imprimiram a cada mandato e a cada conquista, as digitais que deixaram na Constituição de 1946 e também a violência que foi cometida contra a opção popular, sua liberdade de escolha, o uso democrático do seu voto, o exercício legítimo do mandato parlamentar, a dura resistência que foi empreendida por esses aguerridos combatentes e por democratas que se aliaram contra o arbítrio e os sentimentos que os envolveram, a seus familiares e camaradas de partido. Calaram os deputados e o senador Luiz Carlos Prestes do Partido Comunista do Brasil, mas não calaram a voz desses militantes e dirigentes que deixaram o front institucional de cabeça erguida e suas ideias sólidas na cabeça. Maurício Grabois, líder da bancada, quando faz seu discurso final na Câmara dos Deputados, diz: “Quando ressurgir a verdadeira democracia, a democracia do povo, quando for respeitada sua vontade, podem estar certos, senhores representantes que neste instante cassam nossos mandatos, que voltaremos.” Haroldo Lima, ao assumir a liderança da bancada do PCdoB em agosto de 1985 reproduziu essa passagem do discurso de Grabois e proclamou: “E assim, senhor presidente, senhores deputados, povo brasileiro, VOLTAMOS”. Hoje, após 28 anos de proferido o discurso do deputado Haroldo Lima, realizamos esta sessão solene, que recupera a biografia e os direitos dos 57 126/2013 14 deputados comunistas. E agora podemos dizer: VOLTAMOS TODOS!!! Abílio Fernandes, Agostinho Oliveira, Alcêdo Coutinho, Carlos Marighella, Claudino Silva, Francisco Gomes, Gervásio de Azevedo, Gregório Bezerra, Henrique Oest, João Amazonas, Jorge Amado, José Crispim, Maurício Grabois e Osvaldo Pacheco. Nossas saudações a esses representantes do povo que, ainda jovens, com coragem e altivez, enfrentaram a onda antidemocrática e a fúria reacionária que, já em março de 1946, buscava a cassação do registro legal do Partido Comunista do Brasil no Tribunal Superior Eleitoral. A base para tanto consistia na falsa alegação de que se tratava de um partido antinacional e subordinado a uma potência estrangeira, a União Soviética. Um verdadeiro atentado contra o regime democrático e a própria Constituição. Hoje, essa mácula, que envergonhava e manchava a história de nosso país, será, em parte, removida. Não mais podemos corrigir a injustiça perante os mandatários, todos falecidos, mas diante de seus familiares, testemunhas e parceiros de seus sofrimentos e suas lutas, a Câmara dos Deputados devolve simbolicamente seus mandatos em gesto de reconhecimento aos seus direitos políticos, à legalidade sequestrada de seus mandatos, e ultrapassa com vigor a barbárie ilegal e ilegítima cometida pelos poderes do Estado contra esses 14 deputados eleitos legitimamente pelo povo brasileiro. Saíram do parlamento e continuaram junto a tantos outros nas lutas urbanas e campesinas, liderando batalhas libertárias e avançadas nas cidades e no campo, nas escolas, nos movimentos sociais, atravessaram momentos ainda mais adversos nas prisões, na guerrilha armada contra a ditadura nas margens do Araguaia, no chão das fábricas, nas artes, alguns nunca mais pudemos ver, pois foram assassinados pelos órgãos de repressão, outros conseguiram manter-se vivos e até hoje contribuem decisivamente na formação de novas gerações de lutadores, fortalecendo nosso PCdoB e outras organizações, e no redesenho do novo momento da nação brasileira. Para registro do coração, cito aqui alguns dos nossos deputados. Lembro do nosso frágil e forte João Amazonas – dirigente com quem convivi e aprendi o que é o PCdoB, revolucionário, intelectual, ativo dirigente sindical e do Araguaia, feminis- 58 ta. Veio conosco até a década de 1990 e deu grande contribuição política ao Brasil, na sustentação à nossa existência estratégica quando muitos valores ideológicos desmoronavam. Grabois, não conheci, mas quanta admiração por este dirigente e comandante do Araguaia. Marighella, dirigente principal da Ação Libertadora Nacional (ALN), poeta, destemido, foi referência da luta libertária. Jorge Amado, que tive a chance de visitar em sua casa no Rio Vermelho, escreveu e descreveu para o Brasil e para o mundo cotidiano, a realidade brasileira, o amor, o sagrado e o profano, a luta e a importância da liberdade. Gregório Bezerra, exemplo de luta e de sofrimento nas mãos da repressão. A bancada comunista de 1946 distinguiu-se na Assembleia Constituinte. Eleita em seis estados da Federação, marcou a defesa intransigente da democracia, dos direitos dos trabalhadores, da reforma agrária, da soberania nacional e do socialismo, que na época tinha forte referência na experiência da URSS. Foi consequente na defesa da democracia com ampla participação popular enfrentando, no contraponto os que pretendiam uma democracia apenas formal, limitada ao exercício do direito de voto e com restrições aos direitos de organização partidária, ao direito de reunião e de livre manifestação. Já àquela época, eram vozes a defender temas à frente do seu tempo e que invadiam polêmicas comportamentais, morais, sobre a laicidade do Estado, preconceito racial, censura, ou exploração no mundo do trabalho e da produção no campo. Algumas foram vitoriosas e outras vieram a lograr êxito anos mais tarde, e por outras que lutamos até hoje. Embora a maior parte das propostas comunistas fosse rejeitada pelo muro intransponível da correlação de forças da época, a bancada do PCB logrou obter aprovação para algumas delas, como a de Batista Neto (PCB/DF), estipulando que o trabalho noturno teria maior remuneração que o diurno; de João Amazonas (PCB/DF), acrescentando “Higiene e Segurança do Trabalho” ao elenco de recomendações a serem observadas pela legislação trabalhista; de Maurício Grabois (PCB/DF), proibindo a extradição de estrangeiros casados com brasileiros ou que tivessem filhos de brasileiros natos; de Alcêdo Coutinho (PCB/PE), determinando a transferência para os municípios de 10% do Brasil total do imposto de renda arrecadado pela União; de Jorge Amado (PCB/SP), isentando de tributos a importação de livros, periódicos e papel de imprensa, tendo também aprovado a marcante emenda de sua autoria assegurando ampla liberdade religiosa e de culto. Foi também de autoria da bancada comunista o primeiro requerimento apresentado à Constituinte de 1946, apoiando a greve nacional dos bancários, defendido no Plenário constituinte por João Amazonas. Vejam, no entanto, que esta bancada defendeu o voto dos analfabetos; a reforma agrária; e o apoio à pequena propriedade rural. Defendeu o direito de greve incondicional (inclusive para os funcionários públicos) e a liberdade e autonomia da organização sindical, redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Pela criação de uma Justiça do Trabalho paritária; a proibição do trabalho aos menores de 14 anos e do trabalho noturno e em indústrias insalubres aos menores de 18 anos; do noturno e pela regulamentação do descanso semanal remunerado dos trabalhadores. Apoiou ativamente as lutas dos trabalhadores, denunciando violências e arbitrariedades policiais. Protestou com frequência, e veementemente, contra todas as proibições de comícios e assembleias sindicais pelo governo, exigindo a garantia do mais amplo direito de reunião e manifestação. Foi resolutamente contra qualquer forma de censura a livros, jornais e demais formas de expressão. Em relação à família, posicionou-se a favor do divórcio, que só veio a ser aprovado 31 anos depois. Defendia a saúde pública, a previdência social condigna para os trabalhadores, o desenvolvimento e a defesa da Amazônia; a defesa dos direitos dos índios e de suas terras; a ampliação da anistia para os militares punidos por crimes políticos durante o Estado Novo. Lutou contra o racismo e os preconceitos raciais, pleiteando a igualdade de todos perante a lei “sem distinção de raça”, e a punição da prática do racismo em território nacional. O preço pela coerência na defesa dessas ideias foi caro: em 7 de maio de 1947 o arbítrio conservador cassou o registro legal do Partido Comunista do Brasil, violência estendida em 7 de janeiro de 1948 aos mandatos dos deputados e do senador que haviam sido democraticamente eleitos em dezembro de 1945. Quando observamos as novas gerações sentirem as ruas como um território seu, riscando com seus pés um novo caminho, buscando expressar seus sonhos de vida e iluminar utopias, percorro por um instante o caminho de volta e só posso reafirmar para os meus camaradas e companheiros de caminhada, como também para os meus filhos e seus parceiros de caminhada e de luta, o que muitos já disseram nos livros e na vida. O PRESENTE É INDISSOCIÁVEL DO PASSADO, e somado a ele se constrói o futuro. Os cartazes escritos à mão, a criatividade popular, os gritos e cantos, os vários tons e cores da diversidade, a liberdade de que gozamos hoje, apesar das reações policiais que ainda encontramos, devemos muito a todos que ergueram bandeiras vermelhas e que jamais poderão ser excluídos de onde nunca saíram – das ruas. Esta sessão, senhor presidente, não é apenas justa e oportuna. Corresponde ao que deve ser o Congresso Nacional brasileiro: o guardião maior da democracia e do processo democrático. Esta Casa soube ecoar a resistência na voz de muitos parlamentares que, desta tribuna ou deste plenário, combateram injustiças e denunciaram arbitrariedades quando a repressão e a censura colocavam sob mordaças a sociedade brasileira. Esses companheiros de luta que hoje homenageamos mantiveram-se fiéis ao povo que os elegeu e honraram o compromisso firmado como deputados federais. Respeitaram o juramento que fazemos a cada legislatura, quando prometemos “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.” É hora de renovarmos este compromisso, aprofundando a democracia, realizando a reforma política que impeça o poder econômico de definir quem pode ou não pode aqui chegar, e garantindo que a pluralidade comande o processo. Aos militantes do PCdoB, em particular, renovo, no momento da realização do nosso 13º Congresso, a importância de reafirmarmos a bandeira do socialismo. Esta, a maior homenagem que podemos fazer a esses 14 brasileiros. Muito obrigada. Deputada Jandira Feghali – PCdoB/RJ 59 126/2013 Foro de São Paulo Ana Paula Bueno Muito trabalho pela frente Abertura do XIX Encontro do Foro de São Paulo com a presença do expresidente Lula O XIX Encontro do Foro de São Paulo – que reuniu milhares de militantes latino-americanos e caribenhos, entre os dias 29 de julho e 4 de agosto de 2013 na capital paulista – debateu grandes temas e apontou os desafios para se avançar mais no desenvolvimento dos países latino-americanos, como a necessidade de se aprofundar o processo de mudanças em cada país e acelerar o processo progressista e de esquerda de integração regional E Valter Pomar* screvo este texto logo após o XIX Encontro do Foro de São Paulo, que reuniu na capital paulistana um milhar de militantes latino-americanos e caribenhos, entre os dias 29 de julho e 4 de agosto de 2013, para debater dois temas: como aprofundar as mudanças e como acelerar a integração regional. 60 Trata-se do primeiro encontro do Foro, depois da morte de Hugo Chávez e da eleição de Nicolas Maduro. Fatos que ajudaram o conjunto da esquerda regional a perceber que estamos em uma nova etapa na região, marcada principalmente pela contraofensiva da direita local e de seus aliados nos Estados Unidos e na Europa. Internacional Nessa nova etapa, há dois no combate ao socialismo, tal desafios principais: aprofundar como existia no Leste Europeu; o processo de mudanças em terceiro, devido à crescente incada país e acelerar o processo fluência dos conservadores no de integração regional. Foram interior da igreja católica. Adeestes os grandes temas em demais deste, não podemos esbate no XIX Encontro do Foro, quecer o papel da democracia que se realizou num momento cristã no pós-Segunda Guerra. de esgotamento da primeira Durante o XIX Encontro, os etapa do ciclo progressista e de partidos brasileiros integrantes esquerda – etapa que começou do Foro –Partido dos Trabalhaentre 1998 e 2002, com as eleidores (PT), Partido Comunisções de Chávez e de Lula. E que ta do Brasil (PCdoB), Partido se concluiu em algum ponto Socialista Brasileiro (PSB), entre a eclosão da crise interPartido Democrático Trabanacional e a posse de Obama. lhista (PDT), Partido Pátria LiDeste momento em diante, vre (PPL) e Partido Comunista entramos em outra etapa, marcada Brasileiro (PCB) – tiveram diversas O modelo de pela crise, pela contraofensiva da oportunidades, nas atividades ofidireita e pelo esgotamento do paciais do Foro e nas bilaterais, para mudanças drão adotado em todos os governos apresentarem seu ponto de vista sofinanciadas progressistas e de esquerda. bre o que ocorreu no Brasil e sobre Esse padrão foi, na Venezuela, os impactos presentes e futuros. pelas estruturas no Brasil, na Bolívia e na ArgentiHavia uma grande curiosidade a socioeconômicas pré- respeito, na, por todos os lados, redirecionar especialmente daqueles que para os setores populares parte da acreditavam na existência de “duas existentes chegou renda e da riqueza geradas pelo esquerdas” na região, pois um dos ao seu limite. Agora, modelo herdado. Este modelo, de ensinamentos das mobilizações de mudanças financiadas pelas estrujunho é que a direita brasileira, como está posto construir turas socioeconômicas pré-existena venezuelana, disputa a mídia, as outro modelo. tes, chegou ao seu limite. Agora esurnas e também as ruas conosco. E tá posto construir outro modelo. Se que as esquerdas enfrentam dilemas Se tivermos sucesso tivermos sucesso nisto, viveremos muito semelhantes, em todos os paínisto, viveremos um um salto de qualidade na região. ses da região. As forças de direita sabem disSobre a integração regional, fisalto de qualidade to e estão em plena ofensiva contra cou claro mais uma vez tratar-se de na região nós. Elas se apoiam em suas próum processo em disputa. Primeiro, prias forças, que são enormes; nos disputa contra o imperialismo, que seus aliados internacionais; e nas deseja uma integração subalterna a debilidades de nossos governos. eles, como no projeto da Área de Livre Comércio das A direita está jogando seu papel. O desafio é reAméricas (Alca). Segundo, disputa contra a grande agir a isto, corrigindo erros, superando debilidades, burguesia, que deseja uma integração focada nos ampliando a cooperação entre nós. Nestes objetivos mercados e no lucro de curto prazo, o que conduz a todos, o Foro de São Paulo é fundamental. uma integração que aprofunda as disparidades regioO Encontrou ocorreu logo em seguida à visita do nais e sociais, o que por sua vez acabaria nos levando Papa Francisco ao Brasil. Os governantes da região a uma integração subalterna aos gringos. Terceiro, comemoraram um Papa de nacionalidade argentina. uma disputa entre diferentes ritmos e vias de desenE setores da esquerda regional têm expectativas povolvimento e integração propostos pelos setores prositivas, o que é compreensível se nos lembrarmos do gressistas e de esquerda. comportamento do Papa anterior. Um dos nossos desafios, aliás, está em saber diMas há, também, setores muito preocupados, por ferenciar as contradições antagônicas das não-antatrês motivos: primeiro devido a versões acerca do que gônicas. ocorreu na época da ditadura militar argentina; seTrata-se, de qualquer forma, de um procesgundo, por lembrar o papel jogado por outro Papa so a quente, que do ponto de vista da esquerda 61 126/2013 precisa ser simultaneamente político, econômico e cultural. Tarefas nas quais os governos são fundamentais, mas insuficientes. Os partidos políticos, assim como os movimentos sociais e o mundo da cultura, são essenciais nesse processo. Motivo pelo qual, mais uma vez, o Foro de São Paulo é fundamental. Um dos desafios da integração, para além do comportamento do imperialismo estadunidense e das burguesias locais, é o processo de desaceleração da China, que está fazendo uma inflexão em direção a seu mercado interno. Isto pode ter duas consequências em nossos países: ou voltarmos ao “estado normal” de economias dependentes, vítimas da desigualdade nos termos de troca entre produtos de baixo e de alto valor agregado; ou aproveitarmos para fazer uma inflexão em direção a um ciclo de desenvolvimento econômico regional, impulsionado pelo Estado e baseado na ampliação de infraestruturas, políticas universais e capacidade de consumo. Este é um dos componentes do acirramento da luta de classes na região, assim como do acirramento no conflito entre alguns países da região. Ao que devemos agregar: o acirramento de nossa relação com as potências imperialistas, cujo pano de fundo é o deslocamento do centro geopolítico do mundo, do Ocidente em direção ao Oriente; o declínio da hegemonia dos Estados Unidos; e a crise internacional do capitalismo. Trata-se de processos em curso, de desfecho incerto e que ainda podem ser revertidos em favor das classes sociais e dos Estados que hegemonizaram o mundo no período neoliberal. Independentemente do desfecho, as três variáveis citadas criam um ambiente de instabilidade e crises sociais, políticas e militares. O que conduz à formação de blocos regionais, inclusive enquanto instrumentos de proteção. O continente americano vive, precisamente, o conflito entre dois grandes projetos de integração regional: por um lado, o projeto de integração subordinada aos Estados Unidos, simbolizado pela Alca; por outro, o projeto de integração autônoma, expresso pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). O projeto de integração autônomo, por um lado, não é, em si, socialista. Mas a integração é uma condição fundamental para o sucesso econômico e político de uma transição socialista. A integração permite limitar as ações que o imperialismo e as classes dominantes de cada país promovem, de maneira permanente, contra a esquerda latino-americana. 62 A integração, por outro lado, cria a “economia de escala” e a “sinergia” indispensáveis para superar as limitações materiais, produtivas, econômicas, que dificultam a transição socialista em cada país da região. Desde 1998, as forças favoráveis a uma integração autônoma da região conquistaram eleições em importantes países da região. Mas a partir de 2008, começou uma contraofensiva das forças favoráveis à integração subordinada aos Estados Unidos. Hoje vivemos uma situação de “equilíbrio relativo” entre os dois projetos de integração (autônoma e subordinada). Politicamente, uma situação de equilíbrio relativo pode ser favorável às forças da esquerda. Mas historicamente, uma situação de equilíbrio relativo tende a favorecer as forças que representam o status quo, pois o equilíbrio significa a continuidade da ordem hegemônica, que em nosso caso ainda é capitalista, dependente e neoliberal. Neste sentido, é fundamental buscar caminhos para seguir avançando. É isto que almejam as resoluções do XIX Encontro, quando falam em aprofundar as mudanças e acelerar a integração; ou quando falam em buscar vitórias no ciclo eleitoral que começa em novembro de 2013 (Chile e Honduras) e prossegue até dezembro de 2014 (Bolívia); ou, ainda, quando falam de fortalecer as lutas sociais, os partidos de esquerda e os governos progressistas da região. Entretanto, para seguir avançando há que se derrotar obstáculos poderosos, entre os quais nosso déficit teórico em pelo menos três níveis: o balanço das tentativas de construção do socialismo no século XX; a análise do capitalismo no século XXI; e a estratégia socialista, na América Latina de hoje. Quando falamos em déficit teórico, nos referimos simultaneamente à necessidade de superar interpretações equivocadas e à necessidade de construir interpretações novas. O imaginário da esquerda latino-americana é, no momento em que escrevo este texto, ainda fortemente influenciado por paradigmas que certamente contribuíram muito para que chegássemos até aqui; mas que, ao mesmo tempo, criam dificuldades para enfrentar os desafios presentes e futuros. Ainda é muito forte, entre nós, a influência de paradigmas oriundos do idealismo religioso, seja na versão cristã, seja na versão “pachamamica”. Influências que levam muitos a confundirem marxismo com “machismo”, como se “sacrifício” e “valentia” fossem suficientes para superar qualquer obstáculo. Também é muito forte a influência do movimentismo, assim como do paradigma revolucionário re- Internacional presentado por Cuba 1953-1959 e em boa medida vas. Numa frase: produzir cada vez mais, com cada representado na figura de Che. E, finalmente, nos vez menos tempo de trabalho e recursos naturais. encontramos frente a uma forte influência tanto do A ampliação da produtividade do trabalho cria a nacional-desenvolvimentismo (incluindo aí as “alianpossibilidade de uma sociedade que não esteja baças estratégicas” com setores da seada na exploração do trabalho; burguesia), quanto do socialismo de cria, ainda, a possibilidade de uma Estado (incluindo aí sua dificuldade sociedade sem carências materiais. É fundamental para entender o papel do mercado na A maneira como o capitalismo buscar caminhos transição socialista). desenvolve as forças produtivas soUm dos nossos desafios, no plano cializa o processo de produção. Copara seguir teórico, reside exatamente em formo sabe qualquer trabalhador fabril, avançando. mular uma estratégia adequada ao o processo produtivo é cada vez mais período histórico em que vivemos. integrado, interdependente, coletivo É isto que almejam Nesta tarefa, será muito útil e... não precisa do capitalista para as resoluções do estudar duas experiências histófuncionar. ricas e o debate travado a partir Mas os capitalistas existem e se XIX Encontro do delas: o Chile da Unidade Popular apropriam da maior parte da riqueForo de São Paulo, (1970-1973) e a China das reformas za produzida pelo trabalho. Mais que (1978-2013). isso: o controle que os capitalistas quando falam No sentido mais amplo da palamantêm sobre o processo de proem aprofundar vra, estratégia socialista é o plano dução faz com que este processo de geral da “campanha” que travamos produção (e, por decorrência, toda a as mudanças e pela superação do capitalismo e pesociedade) sofra crises cíclicas. Assim acelerar a integração; como a mercantilização e o esgotala implantação de uma sociedade sem classes e sem Estado, sem exmento da natureza, produz crises buscar vitórias ploração nem opressão. ambientais cada vez mais severas. no ciclo eleitoral; Se tivermos sucesso nesta “camPortanto, para que as possibilipanha”, teremos realizado duas dades (ou potencialidades) libertafortalecer as lutas transições: doras da socialização da produção sociais, os partidos a) uma transição de modo de (ocorrida no capitalismo) tornemprodução: do capitalismo para o co-se realidade, é necessário socialide esquerda munismo; zar também a propriedade, inclusie os governos b) uma transição de era históve como pré-condição para atender rica: da era da sociedade humana aos interesses do trabalho e da naprogressistas da dividida em classes para a era da tureza. Para uma produção coletiva, América Latina sociedade humana não dividida em uma propriedade também coletiva; classes. para uma produção que é social, Por óbvio, esta “transição” será uma propriedade também social. um longo período histórico: estamos falando não apeMas para que a propriedade seja colocada sob nas de décadas, mas muito provavelmente de séculos. controle social, é necessário alterar a correlação de É correto designarmos com termos diferentes o forças política existente na sociedade. objetivo final (uma sociedade comunista) e a transiÉ por isso que podemos dizer que a transição ção (o socialismo). socialista tem um ponto de partida político (a conSe o socialismo é um período de transição, isto quista do poder pelos trabalhadores), um ponto de significa que ele tem um ponto de partida (o capitachegada político-social (a abolição das classes e do lismo) e um ponto de chegada (o comunismo). Estado) e um parâmetro (sem o qual não faz sentiA transição consiste no processo de socialização do falar em transição): a progressiva socialização da da produção, da propriedade e do poder político. propriedade, da produção e do poder político. Uma parte desta transição está em curso, já agora, Acontece que o processo de desenvolvimento cano capitalismo: trata-se da ampliação da capacidade pitalista não é homogêneo, não é uniforme. O grau produtiva, condição material básica para a existênde socialização da produção é desigual, de país para cia de uma sociedade sem classes. país, de ramo para ramo, de época para época. Esta ampliação da capacidade de produzir é o que Acontece, também, que não existe nenhuma redenominamos desenvolvimento das forças produtilação direta, mecânica, entre estágio de desenvolvi- 63 126/2013 A primeira parte pode ser concluída em âmbito mento das forças produtivas, de um lado, e criação nacional. A segunda, só num terreno mais amplo, das condições necessárias à tomada do poder pelos regional e mundial. trabalhadores, de outro. Em última análise, o que diferencia o socialismo No século XX, por exemplo, os trabalhadores tomarxista de outras correntes é perceber que a supemaram o poder exatamente em países com baixo níração do capitalismo é um problema histórico-matevel de desenvolvimento das forças produtivas. E isso rial, não apenas subjetivo. os colocou diante da necessidade de utilizar o poder Assim, tanto a estratégia de conquista do poder de Estado não apenas para “socializar a propriedaquanto a estratégia de construção do socialismo dede”, mas também para “socializar a produção”. E vem levar em conta duas questões cruciais: as fortambém, nas experiências desse mesmo século, obrimas de propriedade e as forças produtivas existentes gou os governos revolucionários a lançarem mão de em cada país capitalista dado. medidas de democratização da propriedade privada (como a reforma Um dos agrária) e/ou de formas muito semeEntretanto, estas lhantes ao capitalismo de Estado. questões têm um peso ensinamentos das Portanto, considerando que a distinto em cada uma das mobilizações de estratégia socialista é o plano geral “partes” da estratégia da “campanha” que travamos pejunho é que a direita la superação do capitalismo e pela Por exemplo: se o estágio de brasileira, como a implantação de uma sociedade sem desenvolvimento das forças produclasses e sem Estado, sem exploravenezuelana, disputa tivas fosse a variável determinante ção nem opressão, cabe dividir este na decisão estratégica sobre a cona mídia, as urnas plano geral em duas partes: quista do poder, os trabalhadores a) a estratégia que visa a connão deveriam ter tomado o poder e também as ruas quistar o poder político; e em nenhum dos países onde ocorreconosco. b) a estratégia que visa a sociaram “revoluções socialistas” ao lonlizar o poder, a propriedade e a progo do século XX. Afinal, em todos E que as esquerdas dução, após a conquista do poder. estes países o estágio de desenvolvi- Manifestações pela democratização da mídia e contra a Globo, na capital paulista em 11 de julho de 2013 64 Felipe Cabral/Viomundo enfrentam dilemas muito semelhantes, em todos os países latino-americanos Internacional Foro de São Paulo/Flickr Ato de encerramento do XIX Encontro do Foro de São Paulo com a presença do presidente boliviano Evo Morales mento material, bem como o das relações capitalistas, era extremamente baixo. Aliás, e paradoxalmente, foi graças às revoluções que o desenvolvimento, em geral, se acelerou. Portanto, a política (correlação de forças, possibilidade de sucesso, oportunidade posta pelo momento, inevitabilidade da luta direta pelo poder, risco de ser massacrado pela contrarrevolução caso não se conquistasse o poder) constitui a variável determinante na estratégia de conquista do poder. Mas não é, tomada isoladamente, a variável determinante na estratégia de construção do socialismo. Para que o Estado possa transformar todas as formas de propriedade em formas socialistas, não basta realizar uma revolução política. É possível conquistar o poder num país economicamente atrasado. Mas não é possível socializar plenamente o poder e a propriedade, num país economicamente atrasado. A socialização do poder e da propriedade precisa, pois, caminhar junto com a socialização da produção: é necessário desenvolver as forças produtivas, o que exigirá manter, durante determinado tempo, relações capitalistas de produção (pois sempre é bom reafirmar: a exploração capitalista é um fator fundamental na ampliação da capacidade produtiva da humanidade). Apenas a política (no sentido da vontade) não é suficiente. Assaltar os céus não preenche barriga, nem firmeza ideológica sozinha é suficiente para garantir a defesa nacional. Claro que estes temas se apresentam de maneira distinta em países onde não se tomou o poder revolucionariamente, onde se está tentando construir um novo poder através de uma complexa guerra de posições (motivo pelo qual é fundamental estudar a experiência chilena 1970-1973). Também nestes países, é fundamental que os governos progressistas e de esquerda latino-americanos e caribenhos impulsionem o desenvolvimento produtivo; mas é fundamental, também, disputar a natureza deste desenvolvimento e reforçar, de maneira “desproporcional”, o aspecto político. O dilema está em saber como equacionar o necessário desenvolvimento da capacidade produtiva, com a estratégia política de conquistar o poder. É possível favorecer economicamente o setor capitalista privado e acumular politicamente forças em favor da esquerda socialista; assim como é possível desfavorecer economicamente o setor capitalista privado e desacumular politicamente, enfraquecendo a esquerda socialista. A estratégia conhecida como “etapista” (primeiro a etapa da revolução burguesia, depois a etapa da 65 126/2013 revolução socialista), adotada por muito tempo na público não-mercantil (políticas sociais universais), América Latina, não compreendia adequadamente o frente ao setor mercantil; que ampliem a forma proseguinte fato: as condições para a conquista do podutiva do capital, frente à forma especulativa. E o nó, der e as condições para a construção do socialismo o centro da questão, está menos na economia estrito não se formam juntas. E, portanto, esperar que amsenso do que no conjunto da obra. bas coincidam pode significar abrir Para enfrentar todas estas quesmão da tomada do poder (e, em altões, tanto a experiência chilena guns países, abrir mão do próprio (1970-1973) quanto a experiência As condições para a desenvolvimento das forças produchinesa (1949-2013) devem ser esconquista do poder tivas). tudadas com muita atenção. AfirMas também devemos recomação que está longe de ser a opie as condições para nhecer que algumas estratégias nião hegemônica nas atuais teorias a construção do “antietapistas” cometem erro sirevolucionárias latino-americanas. metricamente oposto: a conquista No caso do Chile, o aniversário socialismo não se do poder, em condições extremados 40 anos do golpe de Estado será formam juntas. E, mente atrasadas do ponto de vista uma oportunidade para aprofundar econômico-material, gerou tentaportanto, esperar que este debate, tendo como foco discutivas de construção do socialismo tir o que deve ser feito para garantir ambas coincidam totalmente diferentes daquelas que a construção exitosa do poder poo movimento socialista imaginava. pular e da área de propriedade sopode significar abrir E que tiveram algum nível de êxicial, para usar os termos propostos mão da tomada do to basicamente enquanto existiam pela Unidade Popular. condições internacionais, que hoje No caso da China, precisamos poder não existem mais. combinar o conhecimento histórico Portanto, devemos recusar a ese o debate teórico sobre o “socialistratégia “etapista”, mas não podemos nem devemos mo com peculiaridades chinesas”, com a discussão recusar a problemática teórica que aponta o caráter igualmente complexa acerca das atividades econôcentral do desenvolvimento das forças produtivas micas e do papel geopolítico da China no mundo em para a implementação de uma estratégia socialista. geral e na América Latina em particular. E este é um assunto no qual o estudo da experiência Muitos setores aproveitam-se da natureza contrachinesa (1949-2013) é fundamental. ditória do desenvolvimento interno da China, bem Entre outros aspectos, trata-se de saber qual a como da natureza contraditória de seus investimennatureza das forças produtivas, qual a natureza do tos externos, para criticar o conjunto da estratégia de desenvolvimento que devemos defender. E qual o transição ao socialismo ali adotada. Ocorre que esta papel que o setor capitalista privado pode e deve jonatureza contraditória – que inclui o risco permanengar neste desenvolvimento. te da derrota, da “restauração” – é também um sinal Por exemplo, a ampliação da infraestrutura ecode vitalidade e potencial êxito, ao menos para os que nômica, material, existente no continente latinoacreditam que o comunismo é produto das contradi-americano: nas condições atuais, não há como fazer ções e da superação do próprio capitalismo. isso, sem recorrer pesadamente ao setor privado. DeMas, apesar de tudo, estamos melhor hoje do que vemos fazer isso? Ou isso seria combinar de maneiem 1978, quando eram muito poucos os que entenra incorreta as tarefas democráticas com as tarefas diam corretamente o que estava em curso na Repúsocialistas? blica Popular da China e o brutal impacto que teria A resposta correta exige equacionar o necessário sobre as próximas décadas. E menos ainda os que desenvolvimento da capacidade produtiva (que é entendiam que a experiência da Unidade Popular um problema tanto tático quanto estratégico) com chilena continha, apesar da derrota, grandes ensinaa estratégia política de disputa e conquista do poder. mentos estratégicos. Hoje somos em maior número Trata-se de adotar medidas que aumentem a foros que percebemos isto, ainda que tenhamos muito taleza social e política das classes trabalhadoras; que trabalho pela frente. ampliem o peso do capitalismo monopolista de Estado, frente ao capitalismo monopolista privado; que * Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do ampliem o peso do capitalismo democrático, frente Partido dos Trabalhadores (PT) e secretário executivo ao capital monopolista privado; que ampliem o setor do Foro de São Paulo 66 Internacional Reflexões sobre a luta pela paz na Colômbia e seus impactos na América Latina Pietro A larcón* Divulgação A solução política para a paz na Colômbia implica organizar um movimento amplo com apoio de toda a América Latina. É preciso estar alerta à estratégia imperialista que visa deter os avanços alcançados por governos progressistas da região 67 126/2013 1. Introdução ganização diversos, que teve origem nos primeiros sindicatos agrários do início do século 20 diante da presença dos capitais transnacionais. É bastante coDez anos após o desfecho desfavorável do procesnhecida a greve das bananeiras, que confrontou a Uniso de conversações entre o governo de Andrés Pasted fruit Company em 1928 e na qual perderam a vida trana e as Forças Armadas Revolucionárias da Cocentenas de trabalhadores. lômbia – Exército do Povo (FARC-EP), novamente A organização agrária e as experiências de resisos colombianos têm a oportunidade de trilhar o catência logo se manifestaram sob a forma de autodefeminho à procura de uma solução política ao conflito sas camponesas diante da agressividade do Estado nas a partir dos diálogos iniciados em 19 de novembro décadas de 1940 e 1950 para consolidar o poder das de 2012 em Havana. elites sobre as terras produtivas. A redefinição das relações de poder na Colômbia, As modalidades de luta avançaram para formas a derrota do projeto militarista e a abertura à demomais desafiadoras do sistema e cracia e à justiça social no país vão adquiriram um sentido transfordiretamente entrelaçadas à contenmador, tendo em vista a violência ção do projeto de militarização, e à A existência de um oficial, a omissão estatal para a sanegação do legítimo direito à paz conflito social e tisfação das necessidades públicas dos povos latino-americanos e ca– saúde, educação, moradia, dentre ribenhos empreendida pela política armado como o que outras – e o esquecimento de regiexterna dos Estados Unidos. Uma há décadas vive a ões inteiras do país, abandonadas à nova situação política na Colômbia sua sorte. teria um efeito arejador para a seguColômbia conectaEm tais condições, originou-se rança regional e possibilitaria novas se à natureza a forma de luta armada sem que perspectivas para a integração com necessariamente existisse uma siautodeterminação e independência. das relações sociais tuação revolucionária nos moldes A presente reflexão pretende que se desenvolvem clássicos, mas que ganhou em ordesenvolver de maneira concisa alganização, presença e ação militar. guns dos elementos determinantes historicamente As guerrilhas tornaram-se uma dessa conjuntura, para a compreno país constante e um referente para ensão da situação da sociedade coqualquer análise sobre a situação lombiana nos marcos dos recentes do país. diálogos entre a insurgência e o goRessalte-se que ao longo dos últimos 30 anos verno de Juan Manuel Santos. essa forma de luta não tem sido derrotada nem no plano político nem no militar, mas tem sido interlo2. Premissas analíticas cutora do Estado em várias experiências de diálogo para tentar uma solução política ao conflito. 2.1. Os eixos do regime econômico e político A ação estatal estabelecida pela classe dominante transitou da figura do Estado de sítio, com a militariConvém de início apontar que a existência de um zação do país, à instalação de um regime de partidos conflito social e armado como o que há décadas vive de linguagem única, representantes do latifúndio e a Colômbia conecta-se à natureza das relações sodo grande capital, ligados a monopólios da indústria ciais que se desenvolvem historicamente no país. e do comércio internacional e a grupos financeiros, Nesse sentido, podem-se identificar como eledistanciados das aspirações populares. Conformoumentos-chave nessas relações a confiscação do apa-se na Colômbia uma direita com suporte, por um relho estatal e das iniciativas de administração da lado, nos empresários de produção de café, banana, polis colombiana por uma classe dominante erigida mineiro-energéticas, e criação de gado; e, por outro, ao longo dos séculos 19 e 20 sobre a base da connos setores mais atrasados das Forças Armadas, com centração da propriedade da terra e do capital; e, posições políticas de cunho fascista, cujo norte tem sobretudo, a apelação permanente e sem escrúpulos sido a procura de uma solução militar a todo e quala fórmulas de controle social com fundamento na quer protesto popular, ou ação de massas pelas reforviolência estatal e paraestatal, desenvolvida até os mas democráticas. nossos dias com apoio logístico e econômico dos EsSobre essas bases, a resistência popular foi desatados Unidos. fiada, com a desqualificação do movimento social, Entretanto, de maneira singular, desenvolveu-se criminalizando a atividade sindical, o protesto estutambém uma resistência popular com graus de or- 68 Internacional Divulgação dantil e cidadão, objetando a crítica por considerá-la subversiva, num traço mais de intolerância – e logo assumindo a tendência inspirada no governo Bush, de estigmatizar como terroristas as lideranças de oposição. No plano econômico, a Colômbia é considerada, pela estrutura hegemônica de poder que domina o campo das relações internacionais, como Estado no qual se deve acentuar a transnacionalização de maneira a servir de suporte produtivo de bens primários, e ainda de, simultaneamente, contribuir com a acumulação de recursos das corporações financeiras. 2.2. Concentração de terras e lutas camponesas O problema da concentração de terras na Colômbia está intimamente ligado ao modelo econômico agroexportador que ocasionou entre os 268#e 1940 anos 1930 o deslocamento de mais de 2 milhões de famílias. E continua sendo o principal foco dos movimentos de resistência O problema da concentração de terras na Colômbia está intimamente ligado ao modelo econômico agro-exportador – o roubo de terras pela violência –, que ocasionou entre as décadas de 1930 e 1940 o deslocamento de mais de 2 milhões de famílias. Mas, como já dito antes, os movimentos de resistência originariam as primeiras guerrilhas. Com efeito, o movimento camponês colombiano realizou lutas constantes pela reforma agrária, através de passeatas, ocupações, greves e formas de organização que tiveram como resposta reformas tímidas que não tocaram na propriedade nem reduziram a violência estatal. Hoje, os grandes proprietários possuem de 47% a 68% das terras, já os pequenos proprietários, que antes tinham 15%, atualmente possuem 9%; e 13 mil pessoas são donas de 22 milhões de hectares de terra (ANZOLA: 2010). A esse contexto, deve-se acrescentar a contrarreforma agrária, que se desenvolve com o chamado novo latifúndio, cujo intuito é consolidar os projetos de grandes fazendas para o agronegócio. As modalidades de concentração de terra são usualmente abusivas e ilegais. Segundo a Lei 160 de 1994, nenhuma pessoa pode adquirir terrenos inicialmente transferidos, porque foram considerados como baldios – sem dono – se a sua extensão exceder uma unidade agrícola familiar (UAF). Nesses casos, a ação das grandes empresas concentradoras de terra é simples: consiste em criar Sociedades Anônimas Simplificadas (SAS) e comprar a maior quantidade possível dessas terras, acumulando e concentrando – sem exceder as UAF. Destarte, os projetos de entrega de terras aos camponeses são dificultados pelas empresas – e muitas delas aliadas ao próprio governo – que adquirem os terrenos antes 69 126/2013 de serem concedidos a alguém – ou de sua adjudicação. Assim, uma empresa criou mais de 40 SAS com o objetivo de conquistar terras nessas condições, que seriam adjudicadas. Os projetos do agronegócio são praticados a partir dessa reacumulação fundiária, impedindo concessões de terras, especialmente aos camponeses expulsos. Vale a pena registrar que a partir de 19 de agosto do presente ano realizou-se na Colômbia um amplo movimento de camponeses e pequenos produtores rurais, em recusa às iniciativas governamentais que os colocam na dependência de transnacionais, como a Monsanto, e que privilegiam o agronegócio e as atividades mineiro-energéticas como motor do desenvolvimento. Essa situação é ocasionada pela deterioração da economia, afetada pelo impacto dos tratados de livre comércio que, com a liberalização das importações, produzem um tremendo golpe na produção de itens como arroz, algodão, cacau e batata, desestabilizando a segurança alimentar, da qual nada fala o governo – apesar de os pequenos produtores serem responsáveis por mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do setor agrário. Uma política de desenvolvimento integral do campo colombiano implica respeitar a economia camponesa, das unidades familiares; a realocação das famílias forçadas a abandonarem seus lares e terras; o aumento de sua renda; o levantamento dos ônus decorrentes das exigências de acesso à terra, ao crédito e às tecnologias; e a garantia de mercado para seus produtos. Anote-se que o abandono do campo e as constantes dificuldades das famílias levaram ao aumento dos cultivos ilegais – que sustentam o negócio do narcotráfico. Sobre esse fenômeno uma palavra deve ser dita: tolerado pela classe dominante tradicional pela sua capacidade de gerar recursos rápidos para incrementar os lucros do grande capital, em médio prazo, o narcotráfico gerou uma subclasse, sem talento para saídas criativas à crise nacional – de espírito arbitrário –, e alimentada pelo autoritarismo, ligada servilmente às transnacionais do comércio de armas, com linguagem agressiva e disposição para uma saída militar, sem interesse em qualquer alternativa política para o conflito e fortemente comprometida com o paramilitarismo. Note-se que a negação do conflito por parte do governo de Álvaro Uribe correspondeu a essa lógica. Durante seus governos a situação na Colômbia se degradou com a ação cada vez mais intensa dos setores paramilitares, a absurda ideia de converter camponeses em guardas privados, os chamados falsos positivos. É recorrente essa prática de recrutamento de jovens para trabalhar e logo assassiná-los, e depois apresentá-los como membros das guerrilhas mortos 70 em combate; as detenções arbitrárias; e o deslocamento forçado da população civil. Contudo, vale apontar que a pressão pela paz nunca esmoreceu, bem como não se extinguiu o aporte de novas experiências de organização popular que entendem a paz com justiça e democracia como o mais duro golpe ao regime político excludente e de cunho militarista. O reagrupamento da esquerda e a denúncia de falsos expedientes que promovem uma Colômbia ao centro, bem como a rejeição a uma polarização entre os setores ligados ao ex-presidente Uribe e a Juan Manuel Santos – arquitetada pela mídia para excluir outras opções políticas –, são fundamentais para fortalecer o processo de paz e criar uma frente ampla com possibilidades históricas de ganhar espaços através da luta eleitoral e de massas. Experiências como a da Marcha Patriótica, da qual participam comunistas e setores progressistas e democráticos, também a ressurgida União Patriótica, e as novas formas de organização camponesa e de trabalhadores, promovem um novo desenho de Estado com fórmulas orientadas à proteção dos recursos naturais e a reconquista da capacidade produtiva – hoje direcionada à geração de bens primários por força dos Tratados de Livre Comércio (TLC) e às reformas democráticas no plano político, social e cultural. 3. O governo Juan Manuel Santos e os diálogos de paz A complexidade dos aspectos mencionados dificulta a construção de uma visão particularizada de cada um deles. Mas essa mesma dificuldade demonstra a compreensão da importância de um processo de diálogo para a paz no país. Muito embora seja necessário ressaltar que conforme a vontade governamental os diálogos se realizam sem que as agressões militares sejam suspensas, a mudança de perspectiva gera o reconhecimento da existência de um persistente conflito social e armado – negado durante o governo anterior que somente enxergava terrorismo –; da sua degradação; e da necessidade de avançar no exame das circunstâncias que o originaram e que se estendem até hoje. A degradação do conflito, cujos sintomas mais atrozes são: o desconhecimento dos direitos humanos; a guerra contra a população civil oriunda da estratégia paramilitar; bem como as múltiplas formas de violência que geram os mais elevados índices de deslocamento do campo de que se tenha notícia na América; a vulnerabilidade dos atores sociais, indígenas, afro-descendentes, camponeses, estudantes, Internacional sindicalistas. Tendo em vista a crise exige-se, de imeciação, o Estado nunca abandonou a lógica militar diato, a implementação das normas do Direito Intercomo traço singular da sua ação. nacional Humanitário e seus protocolos. Destarte, o governo de J. M. Santos assume hoje O respeito a essas normas geraria um ambiente uma política dual: por um lado, continua a negociar, mais propício ao diálogo e uma nova dinâmica nas com passos curtos, procurando estabelecer limites a conversações, que redundaria numa participação reformas de maior fôlego, sem se comprometer no mais decidida dos colombianos, em seu conjunto, na fundamental. E, simultaneamente, ele envia menelaboração de propostas alvissareiras sagens à Mesa de diálogo sobre sua para a paz e a transformação da sovisão de política interna e externa. Os diálogos de ciedade. Tais mensagens, na conjuntura, Contudo, o governo Santos é merecem reflexão: a primeira delas paz necessitam dúbio, e suas reais possibilidades de é o tratamento militar dado ao conde participação compromisso com a paz ainda são flito com os camponeses da região tênues. É preciso exigir um maior do Catatumbo, abandonada à própopular nacional envolvimento do Estado através de pria sorte pelo Estado; a segunda, e de amplo apoio fatos concretos. a assinatura em Cali do acordo que O governo colombiano, de alcria a Aliança Pacífica, ao lado de internacional para guma maneira, responde também Peru e Chile; e, finalmente, a maorientá-los para a a uma lógica de desenvolvimento neira como irresponsavelmente se do capitalismo nas condições da referem a um possível acordo de renovação interna sua relação com os Estados Unicooperação entre a Colômbia e a da Colômbia, e dos no contexto regional. Santos Organização do Tratado do Atlântirepresenta uma mudança de estilo co Norte (Otan). também para com relação ao governo de Uribe, No cenário midiático criado pelo edificação e cujo modelo era o governo Bush e governo colombiano, o país se encona doutrina da guerra preventiva, astra numa etapa nova, de crescimento promoção de uma sumida como fórmula para o conseconômico e diminuindo o risco para política externa trangimento dos Estados vizinhos e os investidores estrangeiros, prepaaté para a invasão de territórios, em rado para um capitalismo avançado, cujo eixo seja violação flagrante das normas do no qual o desemprego será extinto eliminar toda forma e os direitos sociais efetivados. No Direito internacional. Nessa perspectiva, cresce o enentanto, os dados de satisfação das de agressão aos tendimento de que o Estado conecessidades públicas contradizem Estados vizinhos lombiano precisa gerar um cenário o discurso de Santos. Não é possível propício aos investimentos em sepensar em desenvolvimento da infratores como o mineiro-energético, e estrutura econômica em benefício do de acesso aos recursos da biodiversidade – o que social quando a maior parte dos investimentos se desaponta para uma atitude diferente da classe domitina à guerra. nante, mas sem renunciar a seu histórico militarisEncontrar uma saída que coloque fim ao sofrita e profundamente violento. mento das incontáveis vítimas do conflito, estabeDaí que alguns autores, como Victor Moncayo, leça a justiça social a partir de um modelo de redisafirmem que o regime político colombiano teria voltribuição da riqueza social e de uma reorientação do tado a oscilar entre duas posições que se alternam, ou gasto público e, ao final, oriente a tolerância, a aceicoexistem, nos marcos do conflito. De um lado, a elitação da pluralidade e, com ela, da divergência e da minação – isto é, extermínio –, o que implica ampliar contradição política, como fenômenos elementares e aprofundar o denominado exercício legítimo da forpara o desenvolvimento da vida do Estado, é o desaça, processo no qual a ação do agente estatal pode se fio dos que trabalham pela paz e por uma Colômbia extrapolar, ou apelar à modalidade paraestatal de recom justiça para todos. pressão. De outro, a integração ou cooptação, para que as resistências aceitem tanto as vias institucionais de 4. Os diálogos e a América Latina controle do conflito como conteúdos compatíveis com o bom desenvolvimento da ordem de dominação, sem A reflexão sobre a vinculação entre os diálogos de alterá-lo nem comprometê-lo. Havana das condições de desenvolvimento do capiPor isso, embora a abertura de processo de nego- 71 126/2013 talismo e o aprofundamento da integração regional sobre as bases de soberania e desenvolvimento com justiça social é uma tarefa de maior fôlego. Presentemente, destacaremos alguns pontos que se afiguram especialmente relevantes para se prosseguir nesse debate. Sobre a paz – na sua acepção de resultado da limitação da força como mecanismo de solução dos conflitos –, existem variadas óticas e diversos discursos, alguns de compromisso concreto com a superação da crise global do capitalismo. Nesse sentido se inserem as manifestações de organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a própria Otan, que apontam uma carência de cenários de suficiente governabilidade, o que faria com que fosse imprescindível gerar distensões. Nessa ótica, o avanço transnacional depende de condições de segurança que a prática da guerra prolongada não permite. Ou seja, se a estratégia de intervenção militar e os mecanismos para assegurar o controle dos mercados, incluindo a mobilidade das pessoas, não puderem ser garantidos de forma rápida a lógica consistiria em promover processos preferencialmente com mediação internacional. Note-se que a tendência à paz ou à guerra, por parte da ordem imperialista internacional, implica uma radiografia atenta dos processos e das reais possibilidades de se impor militarmente. Contudo, qualquer processo de negociação, desde a perspectiva imperial, deve-se realizar com fundamento no constrangimento e na constante ameaça. Os ensaios de intervenção na Síria, as ações internacionais contra o Irã e o apoio a regimes no Iémen e na Arábia Saudita, a agressão à Líbia e, ainda, a militarização neocolonial da África são uma tendência altamente negativa que comprova a agressividade da estrutura hegemônica do poder internacional, que tem como suporte militar a Otan. No plano da América Latina, os diálogos em Havana não significam, nem de longe, uma atitude passiva ou um compasso de espera no plano militar por parte dos Estados Unidos. Muito pelo contrário, no jogo geopolítico os TLCs e a Aliança Pacífica configuram os acordos para desarticularem os projetos nacionais e os blocos regionais independentes e dirigem-se diretamente a deter os processos encabeçados por governos progressistas. Daí que os diálogos de paz necessitem de participação popular nacional e de amplo apoio internacional para orientá-los para a renovação interna da Colômbia, e também para edificar e promover uma política externa colombiana cujo eixo seja eliminar toda e qualquer forma de tentativa de agressão aos Estados vizinhos; e derrotar o projeto de continuação de utilização do terri- 72 tório colombiano como plataforma de monitoramento dos processos que se desenvolvem na região. A tática imperialista consiste em conter os ímpetos de uma integração político, militar e infraestrutural promovida nos marcos da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), os novos protagonismos sociais, a segurança regional e o desenvolvimento com independência e eficiência. No terreno geopolítico prático, os Estados Unidos combinam três modalidades: a utilização dos grandes meios de comunicação para questionarem a legitimidade dos governos e movimentos populares comprometidos com as mudanças democráticas, cujo foco tem sido especialmente o processo venezuelano; a ação diplomática, pressionando o governo de Santos a rejeitar as modificações de fundo que são consignadas na agenda para o diálogo, e forçando-o a concretizar a Aliança Pacífica; e a ação militarista propriamente dita, que implica o anúncio de uma possível cooperação do governo colombiano com a Otan e a manutenção da estratégia de militarização, com fundamento no complexo industrial-militar que se beneficia da guerra. Sob essas premissas, para além da maneira frutífera como se desenvolvem os diálogos em Havana, é de vital importância para a região o desenlace que tenha o cenário colombiano. Um movimento de ampla envergadura pela solução política e a paz, que se converta numa alternativa mobilizadora para uma democracia com justiça social, para uma América Latina em segurança, sem ameaças imperiais, é a tarefa do momento na Colômbia, mas também fora dela. *Pietro Alarcón é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) e professor da PUC/ SP e do Centro de Estudios e Investigaciones Sociales (CEIS) da Colômbia Referências bibliográficas ANZOLA, Libardo Sarmiento. “Colombia. Reprimarización económica y violencia”. En: Le Monde diplomatique. Edición colombiana, julho de 2010. 100 PROPUESTAS en La Habana. Semanário Voz. Bogotá, maio de 2013. LOZANO, Carlos. Guerra o Paz en Colombia. Bogotá: Izquierda Viva. 2008. MONCAYO, Victor Manuel. “Contexto y significado del processo de paz”. En: ESTRADA, Jairo (coord.). Solución política y proceso de paz en Colombia. Bogotá: Colômbia. OceanSur, 2013. Cultura De caso com o comunismo André Cintra* Retrato de Mário de Andrade por Lasar Segal Mário de Andrade, que completaria 120 anos em 2013, ao longo de sua vida pública – e particularmente ao refletir sobre a “aristocrática” Semana de Arte Moderna – incorporou cada vez mais preocupações com a cena política. Nesse percurso, fez referências elogiosas às ideias e práticas comunistas, sobretudo à experiência soviética 73 ‘‘E 126/2013 u sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”, tor”. O livro de estreia coincidiu no tempo com a Redeclarou Mário de Andrade (1893-1945), volução Russa, mas o poeta dizia estar sob o impacto num de seus versos mais conhecidos. Em da Primeira Guerra Mundial. Também em 1917, outro poema, o escritor paulista, um dos Mário de Andrade saiu em defesa da artista plástica principais líderes do modernismo brasileiro, Anita Malfatti, cuja “Exposição de Pintura Moderparece deixar a receita para decifrá-lo: “É só na”, em São Paulo, acendeu o reacionarismo da crítitirar a cortina/ Que entra luz nesta escurez”. ca. A mostra foi um divisor de águas na formação do Com uma ressalva: “Para quem me rejeita, trabalho escritor, que confessou ter aderido ao modernismo perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou”. A por influência do trabalho de Anita: “Devo a reveladespeito de tantas pistas, mesmo quem o aceitou não ção do novo e a convicção da revolta a ela e à força deu conta, pelo menos até hoje, de retratar em definide seus quadros”. tivo o autor de Pauliceia Desvairada (1922), Amar, Verbo Mas é com a Semana de Arte Moderna, em feveIntransitivo (1927) e Macunaíma (1928). Decorridos 68 reiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, que anos de sua morte, Mário é o segunMário de Andrade emerge como a do escritor mais estudado nas uniliderança máxima do movimento versidades do Brasil, atrás apenas modernista. Seu engajamento foi de Machado de Assis (1839-1908) decisivo não apenas para articular – mas não se tornou objeto de uma e promover o evento – mas também única biografia publicada sequer. para lhe garantir lugar na posteriA espera, porém, deve acabar dade. Um lugar e uma posteridade neste segundo semestre. Quem proque não foram naturais, conformete vencer a histórica lacuna e me aponta Marcia Camargos em lançar sua primeira biografia é o jorSemana de 22 – entre vaias e aplausos nalista Jason Tércio, autor de Segredo (2002). “Afinal, por que um evento de Estado – o desaparecimento de Rubens que provocou prejuízo considerável Paiva (2011). Tércio diz saber onde a seus organizadores, foi difamado se meteu. A vida privada de Mário é por boa parte da imprensa da época Em meio às um mistério cercado de rumores por e recebeu mais vaias do que aplautodos os lados. A vida pública já foi sos continua despertando tanto incomemorações alvo de centenas de artigos jornalísteresse?”, questiona a autora. dos 120 anos do ticos e trabalhos acadêmicos. DisO fato é que a Semana foi besecar uma e outra é uma aventura. neficiada com o passar do tempo. nascimento de Relacioná-las e interpretá-las com O que prevalece hoje, na opinião Mário de Andrade, equilíbrio, uma epopeia. de Marcia, são estudos “em geNão há indícios de qual dos 300 ral consagradores” a respeito do sobressai cada vez ou 350 Mários mais chamou a atenevento. E se o estalo modernista de mais a figura do ção de seu biógrafo. De qualquer 1922 sobreviveu foi graças, em boa maneira, em meio às comemoramedida, à militância de seus dois gestor ções dos 120 anos do nascimento protagonistas – os Andrade, Mário de Mário de Andrade, sobressai cae Oswald, amigos e parceiros que, da vez mais a figura do gestor, com sete anos depois do evento, viraram destaque para sua atuação à frente do Departamento desafetos. A herança da Semana passa por ambos. de Cultura da Prefeitura de São Paulo (1935-1938). Da negação comum do passadismo, cada um desses Além do lançamento da biografia, outro evento a escritores, à sua maneira, passou a seguir seu prófortalecer essa tendência é a “Ocupação Mário de prio itinerário modernista, inaugurando as primeiAndrade”, que ressalta os feitos do escritor “nos ras vertentes do movimento. campos da gestão e da política cultural, em tempos “Enquanto Oswald de Andrade era o devasso, o nos quais esses termos não eram usuais”. Depois de piadista, Mário era o ‘scholar’, o erudito, o monumenficar em cartaz por um mês, no Itaú Cultural, em São to moral”, comparam José Geraldo Couto e Mario Paulo, a mostra ainda pode ser vista na internet. Cesar Carvalho, em ensaio de 1993. Para Jason TérForam 18 anos desde o ingresso do escritor paucio, Mário representava o “pensador participante”, lista na vida pública – em 1917, com o livro Há uma e Oswald fazia as vezes de “agitador”. Ao ser entreGota de Sangue em cada Poema – até sua posse do Devistado pelo Valor Econômico em 2012, Tércio garantiu partamento de Cultura, marco zero do “Mário gesque Mário cuidou melhor que Oswald do patrimônio 74 Cultura de 1922: “Foi ele quem deu sequência às ideias da Seartistas com posições políticas abertamente consermana, quem mais se empenhou para manter acesa vadoras – caso de Guilherme de Almeida e Cassiano a fogueira, participando dos debates posteriores com Ricardo –, o que dificultava certas tomadas coletivas artigos na imprensa e palestras, ajudando a fundar de posição. “Fomos bastante inatuais. Vaidade, turevistas, escrevendo ensaios e pondo do vaidade”, resumiu Mário. Ácido, em prática, nos seus textos, todo o ele equiparou seus pares a grandes ideário modernista”. artistas da Antiguidade que tiveÉ uma meia-verdade. Tércio desram notoriedade, mas rebaixaram considera que, no pós-1922, poucas “a vida humana”, na medida em investidas contra a Semana foram que nada fizeram para combater as mais demolidoras do que o balanço mazelas vigentes: “Nos períodos de feito pelo próprio Mário de Andramaior escravização do indivíduo, de em 1942, quando o evento comGrécia, Egito, artes e ciências não pletou duas décadas. A autocrítica deixaram de florescer”. do escritor começou em fevereiro, No plano pessoal, a desilusão é numa série de quatro artigos para o ainda maior. “Chego, no declínio da jornal O Estado de S. Paulo. Continuou vida, à convicção de que faltou hudois meses depois, na conferência manidade em mim. Meu aristocra“O Movimento Modernista”, lida tismo me puniu. Minhas intenções por Mário em 30 de abril, para uma me enganaram. Quando muito, fiz plateia de estudantes que lotava a de longe umas caretas para a másBiblioteca do Itamaraty, no Rio de cara do tempo, o que não me saJaneiro. Das vaias à consolidação do tisfaz (...). Tendo deformado toda Das vaias à movimento, o escritor inferiu que o a minha obra por um anti-indivimodernismo não foi mais que “um dualismo dirigido e voluntarioso, consolidação do abandono consciente de princípios toda a minha obra não é mais que movimento, o e de técnicas”, “uma revolta conum hiperindividualismo implacátra a intelligentsia nacional”. Outros vel! E é melancólico chegar assim escritor inferiu slogans – escreve ele – devem ser ao crepúsculo, sem contar com a que o modernismo descartados. “Quanto a dizer que solidariedade de si mesmo.” não foi mais que éramos antinacionalistas, é apenas O Mário de Andrade de 1942, bobagem ridícula”, comenta Mário, volta e meia tachado como “ma“um abandono assumindo que “o espírito e as moduro”, era na realidade um ser consciente de das foram diretamente importados humano atormentado por probleda Europa” – e que “o movimento mas pessoais (crises financeiras, princípios e de renovador era nitidamente aristoalcoolismo) e fragilizado diante de técnicas”, “uma crático”. fatores externos (o Estado Novo, a Sobre os participantes da SemaSegunda Guerra Mundial). Como revolta contra na, nada muito melhor. “Éramos festejar o modernismo se os avana intelligentsia uma arrancada de heróis convenciços alcançados nas artes e na culdos, uns hitlerzinhos agradáveis”. tura não se refletiam no dia a dia? nacional” E mais: “Vivemos uns seis anos na “Os modernistas da Semana de Armaior orgia intelectual que a históte Moderna não devemos servir de ria artística do país registra”, com “alguma patriotice exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição. e muita falsificação”. No intervalo de pouco mais de (...) Façam ou se recusem a fazer arte, ciência, ofídois meses entre os artigos no Estadão e o discurso no cios. Mas não fiquem apenas nisso, espiões da vida, Itamaraty, Mário acentua a severidade de sua autorcamuflados em técnicos de vida, espiando a multireflexão. Mesmo alegando não ser, por natureza, um dão passar. Marchem com as multidões!” “político de ação”, o escritor expôs o incômodo. Seu Se deixasse a modéstia de lado, Mário poderia citempo era a “idade política do homem”, à qual ele tar sua passagem pelo Departamento de Cultura cotinha o dever de servir. Mas a Semana de 1922, na mo exemplo do que é marchar ao lado do povo. Mescontramão de sua época, falhou ao ficar indiferente à mo sem experiência no serviço público nem vínculo cena nacional e aos segmentos populares. com o grupo político do prefeito Fábio da Silva Prado De resto, o movimento era heterogêneo e incluía e do governador Armando Sales de Oliveira, o escri- 75 126/2013 tor teve plena autonomia para dirigir o novo órgão. O de assombração medonha.” O escritor denunciava contexto lhe favorecia. Com a Constituição de 1934 também a campanha contra a incipiente experiêne o anúncio de eleições para a Presidência da Repúcia soviética: “Os países capitalistas têm feito tudo blica em 1938, as elites paulistas acreditavam poder, não só pra ocultar da humanidade a Rússia verdafinalmente, dar o troco em Getúlio Vargas e retomar a deira, como inda têm feito tudo pra prejudicá-la até hegemonia perdida com a Revolução de 1930. “A ideia internamente”. O Brasil, de acordo com Mário, não era fazer da experiência paulista o laboratório de um estava imune a essa ofensiva. “Me arde ver o susto amplo projeto de alcance nacional, no caso da vitória brasileiro ante esse monstro de palco, inventado pela de Armando Sales de Oliveira na eleição presidenmalvadeza de uns e a ignorância de outros.” cial”, explica Eduardo Jardim, em Mário de Andrade – a Em 1933, ao responder a um questionário da edimorte do poeta. tora norte-americana Macaulley & Co, Mário voltou Nenhum daqueles projetosa surpreender. “Minha maior es-laboratório foi mais bem-sucedido perança é que se consiga um dia Em 1945, o escritor que o Departamento de Cultura. De realizar no mundo o verdadeiro e 1935 a 1938, Mário de Andrade liignorado Socialismo. Só então o arrisca, em nome derou uma gestão criativa e transhomem terá o direito de pronunda paz mundial, formadora, que abriu as portas do ciar a palavra ‘civilização’.” Numa Teatro Municipal para a população carta a Oneyda Alvarenga, Mário uma momentânea pobre e construiu parques infantis. completa: “Não admito integralapologia do Os ônibus-biblioteca se alastraram. mente o marxismo e sinto na vida realismo soviético Instituições como a Discoteca Muhumana uma porção de causas e nicipal e a Sociedade de Etnografia de imponderáveis que produziriam e da arte engajada e Folclore foram criadas. Com as os efeitos. Mas incontestavelmente contra o nazismo Missões de Pesquisas Folclóricas, o marxismo contém uma enorme pesquisadores de São Paulo foram parte de verdade que hoje nem é ao Nordeste para fazer o registro de marxista mais porque incorporada elementos da cultura popular. ao conhecimento geral, à verdade humana. Coisas É curioso notar como Mário de Andrade imprique ninguém discute mais”. miu uma rara sensibilidade social às ações do DeOs pensadores contemporâneos voltaram ao aspartamento. Conceitos tipicamente marxistas, como sunto. Moacir Werneck de Castro – que conviveu “proletariado”, nortearam a concepção de projetos com Mário nos três anos em que o escritor paulista como as Casas de Cultura Proletária e os Concursos morou no Rio de Janeiro (1938-1941) – lançou Máde Arte Proletária. Além disso, os parques infanrio de Andrade – exílio no Rio (1989), vigoroso ensaio tis eram necessariamente implantados em bairros sobre o amigo. “Mário jamais pretendeu assimilar o operários, como a Lapa e o Ipiranga, com o objetimarxismo, mas utilizava conceitos marxistas como vo de levar recreação e lazer aos “filhos dos trabainstrumentos de análise e de conhecimento da realhadores”. Orgulhoso de suas conquistas, o escritor lidade”, ponderou Werneck. Em Intelectuais brasileialimentou uma imensa gratidão ao prefeito Fábio ros e marxismo (1991), Leandro Konder diz haver em Prado. Afinal, em correspondência ao poeta e amigo Mário um “interesse (desconfiado porém simpático) Carlos Drummond de Andrade, Mário diz que tinha pelo comunismo”. tudo para ser preterido, já que pesava contra ele a Em 1945, já prestes a morrer, o escritor paulista acusação de ser “comunista”. arrisca, em nome da paz mundial, uma momentâDo Partido Comunista do Brasil, fundado em nea apologia do realismo soviético e da arte engaja1922, Mário nunca se aproximou. Sua única filiação, da contra o nazismo –, mas como complemento (e influenciada pela atividade política do irmão Renato, não oposição) ao modernismo. Interpretando Máfoi ao Partido Democrático. Mas as poucas referênrio, Konder conclui que “a cultura não pode resolver cias do autor às ideias e práticas comunistas foram questões que a vida não resolveu: o que ela pode (e invariavelmente elogiosas. Logo no início do artigo precisa) fazer é nos proporcionar maior familiarida“Comunismo”, publicado no Diário Nacional em 30 de com elas”. Ajudar-nos a enxergar nossas interrode novembro de 1930, Mário ataca as variantes angações talvez seja, justamente, a única marca oniticomunistas em curso no país. “Está se dando no presente nos 300 ou 350 Mários de Andrade. Brasil um movimento em torno da palavra Comunismo que é dum ridículo perfeitamente idiota”, * André Cintra é jornalista e escritor opina. “Comunismo pra brasileiro é uma espécie 76 Economia Marx, teorias e crises do capitalismo contemporâneo (conclusão) A. Sérgio Barroso* O agravamento da crise do capitalismo, iniciado em 2007, tem acentuado o debate teórico sobre a sua natureza e a sua causa. Diferentes pontos de vista expressam detalhes que vão dando forma a uma fase inicial, pode-se dizer, de um diagnóstico mais preciso. E o exame dos estudos de Karl Marx é um aspecto fundamental nessa tarefa R etomando a discussão sobre a Lei da tendência de queda da taxa de lucro, há muito se discute que é o próprio Marx quem apresenta fatores que contrariariam esta tendência de queda, encarando-a como lei de longo prazo. Diz ele que esses fatores seriam: a) o aumento do grau de exploração do trabalho; b) a redução dos salários; c) a baixa no preço dos elementos Ondas Longas e taxa de lucro nos EUA 35 % que compõem o capital constante; d) a superpopulação relativa (o exército industrial de reserva da Lei Geral da acumulação capitalista); e) o comércio exterior; e f) o aumento do capital por ações (juros+rentismo). A propósito, estudos recentes demonstram a vigência empírica da Lei Tendencial da Queda da Taxa de Lucro (LTQTL), nos EUA, notadamente em seu caráter longoprazista [1]: 5 10 15 20 25 30 Taxa de lucro Ondas longas ano 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000 Figura 1. Long Waves in the US Profit Rate, 1869-2007 77 126/2013 Sistema de crédito, especulação e crises de capital, uma atividade bem mais definida como especulação” [2]. Três observações conclusivas sobre assunto esse central: “Se o sistema de crédito é o propulsor principal da su1) o mesmo sistema de crédito que potencializa a perprodução e da especulação excessiva... (...) acelera o deacumulação desenvolve também o capital fictício, que senvolvimento material das forças produtivas e a formação está na base das crises financeiras. A crise em Marx do mercado mundial... (...) Ao mesmo tempo, o crédito acesurge também como imposição de limites às menciolera as erupções violentas dessa contradição, as crises... (...) nadas autonomias entre circulação em relação à prolevando a um sistema puro e gigantesco de especulação e jodução; a crise financeira como ideia de crise financeira go” (MARX, O Capital, Livro 3, v. 5, p. 510, Civilização pondo limites ao desenvolvimento do capital fictício. Brasileira, s/d). 2) Simultaneamente, devemos entender o capital Prosseguindo no enfoque mais teórico, vimos que, financeiro como o que se especializa no segundo Marx, a) mutantes, o capicomércio de dinheiro, como constituído tal-dinheiro, o capital-mercadoria e tanto do capital de empréstimo portaCom a grande o capita-produtivo formam as “três dor de juros quanto do capital fictício figuras do ciclo”, isto querendo dicrise capitalista (tipos diferentes). Mas a valorização zer que são distintas as formas que das ações nos mercados secundários atual, não à o capital assume, mantendo-se a (Bolsas) no lugar de dinheiro é capiunidade do ciclo; b) nas crises do toa a categoria tal fictício, porque – Marx – são mulcapitalismo – (que se expressam tiplicações do mesmo capital, e não “financeirização” regularmente nos fenômenos de voltam à produção, estimulando-a, superprodução/superacumulção, da riqueza perdendo, por isso, o lastro em valorlei da tendência de queda da taxa -trabalho. Mas ganhos fictícios não capitalista, de lucros e desproporção entre os podem se manter indefinidamente, departamentos), a manifestação assim como sua se rendas, provenientes da produção, em uma de suas esferas (como em não fornecerem a demanda necessámediatizada 2007, iniciada na financeira) é inseria à sua valorização. parável da dinâmica do ciclo global relação com as 3) Marx descreve nas “Teorias da do capital. Mas independência não Mais-Valia”: “a disjunção do processo crises financeiras quer dizer separação. de produção (imediato) e do procesQuer dizer, não há sentido algum mais recorrentes, so de circulação desenvolve de novo apartar a esfera financeira da produtiva vêm assumindo um e desenvolve mais a possibilidade da (circulação e produção são integradas, crise já na simples metamorfose da porém “paralelas”), ou falar-se que “a nível mais elevado mercadoria. É suficiente que a passacrise não é só financeira, é econômica”, gem de um desses dois processos ao de teorização do ponto de vista do modo de produção outro não se opere de uma maneira capitalista. Mas o mesmo não se pofluída, mas que se tornem autônode dizer da “autonomização” que mos um com relação ao outro e a crise está lá”. realiza o capital financeiro enquanto formas distintas: a) de capital portador de juros; b) de capital fictício. “Financeirização”, crises e tipologias Por quê? Como assim? “Da totalidade do capital destaca-se e se torna Com a grande crise capitalista atual, não à toa a caautônoma determinada parte, na forma de capitaltegoria “financeirização” da riqueza capitalista, assim -dinheiro [como capital portador de juros], tendo a como sua mediatizada relação com as crises financeifunção capitalista de efetuar com exclusividade essas ras mais recorrentes, vêm assumindo um nível mais operações para toda a classe dos capitalistas induselevado de teorização. Num artigo do economista J. triais e comerciais” (MARX, Op. cit., p. 363). C. Braga, as ideias centrais que sustentam sua nova Hoje, analisa R. Guttmann, “(...) o capitalismo diformulação em “Crise sistêmica da financeirização e rigido pelas finanças tem dado prioridade ao capital fictício, a incerteza das mudanças” [3], enfatizam não só ser cujos novos condutos, com derivativos ou valores a crise da natureza do capital e do capitalismo desremobiliários lastreados em ativos, estão a vários níveis gulado. Para Braga, não há “nenhuma deformação, de distância e qualquer atividade econômica real de nenhum desvio da essência do processo de acumulacriação de valor. Nessa esfera, o objetivo principal é ção”, seja pela via da acumulação produtiva, seja pela negociar ativos de forma lucrativa para obter ganhos 78 Economia “articulação daquela com a acumulação financeira e a) a teoria do “desequilíbrio ou desproporção” dos da autonomização dessa última”. Isto porque, em padepartamentos não captaria a “contraditoriedade lavras mais diretas e se referindo à crise das “hipotesocial expressa na valorização do capital”; b) as teocas subprime” (2007): rias do “subconsumo” seriam a representação de um “A dinâmica da valorização imobiliária e seu fenemodelo do ciclo capitalista “bastante simplificado”, cimento que está na origem da crise atual expressou a constituindo uma variante da “teoria do colapso ou extensão da globalização financeira e a intensificação da impossibilidade” sistêmica de uma nova fase de da financeirização das economias” acumulação; c) a do colapso do te(Idem). órico H. Grossmann seria incapaz, Sob ângulo similar, a temática “absolutamente, de compreender o comparece em entrevista com o descapitalismo como sistema social”; e tacado economista cubano Oswaldo d) a do russo E. Varga, uma teoria Martínez. Em sua opinião, uma das subconsumista “aperfeiçoada com principais características da econoelementos extraídos da teoria da sumia capitalista contemporânea diz peracumulação”, que impossibilitarespeito a “um nível de financeirizaria – imagina Altvater – igualmente ção da economia mundial enorme“uma regeneração temporária com o mente superior também. (…) Hoje auxílio da crise”. a especulação financeira alcança Concordando com as teses de uma sofisticação imensa, e essa soAltvater (mas não isolando a imporÉ fundamental fisticação é por sua vez um dos pontância da desproporção/desequilíbrio perceber que as tos débeis, quer dizer, faz operações dos departamentos como retroaliespeculativas tão sofisticadas, arrismentador da crise), acrescento que, características cadas, irreais, e tão fraudulentas, seguindo a interpretação marxiana, da dinâmica que se encontra na base da explosão Lênin (1897), após implacável refinanceira que tem ocorrido” [4]. capitalista previstas chaço da visão “subconsumista” coÉ fundamental, no entanto, permo produtora de crises capitalistas, na teoria de ceber que as características da dinâenfatiza a configuração contraditória mica capitalista previstas na teoria da produção capitalista: Marx apontam de Marx apontam a relação entre “Pelo contrário, se explicamos a relação entre o o desenvolvimento das forças proas crises pela contradição entre o dutivas e do moderno sistema de caráter social da produção e o cadesenvolvimento crédito com as formas assumidas ráter individual da apropriação, redas forças pelas crises. Por exemplo, a crise conhecemos com isso a realidade atual, de excepcionais dimensões e e o caráter progressivo do caminho produtivas e do ainda em seu desenrolar de grandes capitalista (...)” [6]. Isto significa – moderno sistema perplexidades, chama a atenção por escreve a seguir Lênin – que a versão acontecer muito raramente, cujo subconsumista das crises “vê a raiz de crédito com as curso decompôs o sistema bancário do fenômeno fora da produção”; a formas assumidas dos EUA, de atuação global (GUTTteoria de Marx “a vê precisamente MANN, ). nas condições da produção” (Idem, pelas crises p. 98). Ora, sabemos bem que raiz é Altvater, Lênin, uma coisa, frutas frescas (e outras Hobsbawm, Marramao e Roberts: podres) são bem distintas – relacionam-se mediatipolêmicas de teorias das crises, críticas zadamente. da “teoria del derrumbe” De outra parte, não é à toa que o historiador Hobsbawm foi buscar na grande contribuição de Lênin a A esse respeito, a análise dogmática de certas tiideia de que é falsa a “teoria del derrumbe del capitapologias das crises do capitalismo foi examinada num lismo”, a partir da correlação finalística “crise-catáscélebre ensaio do alemão E. Altvater [5]. Para ele, as trofe-colapso”, imputada à teoria leninista. Dissertou “teorias das crises” então existentes não seriam caele: pazes de reproduzir conceitualmente a complexida“A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o de dos processos, tampouco serviriam para dar conimperialismo, não foi, evidentemente, ‘a etapa final’ do sequência a “projetos políticos adequados”. Ou seja: capitalismo; mas, à época, Lênin nunca afirmou real- 79 126/2013 mente que fosse. Simplesmente a denominou, na priprodução de mercadorias”. De saída, o não-consumo meira versão de seu influente escrito, “a última etapa” dos chamados bens salários seria o responsável pelas do capitalismo” [7]. Até porque – todas as tentativas crises de superprodução. de “isolar a explicação do imperialismo do desenvolviNa teoria de Marx, capital (máquinas, equimento específico do capitalismo no fim do século 19” pamentos, instalações, matérias-primas, ativos finão passam de “exercícios ideológicos” (Idem, p. 110). nanceiros) é a valorização do valor que se expande; Numa visão similar, o marxista italiano G. Marexpande-se a mais-valia a partir da extração do exceramao, quando do vasto exame do debate marxista dente do trabalhador assalariado, subtraindo o valor dos anos 1920-30 sobre as “vicissitudes da ‘teoria do do tempo de trabalho socialmente necessário, vis-à-vis colapso’”, destaca o erro grosseiro dos que não distinao pagamento para reprodução de seus meios de subguiam e faziam “referências indevisistência, da jornada de trabalho das entre o ‘plano lógico’ e o ‘plano produtora de mais-valor; a concorhistórico’ (exposição científica das rência intercapitalista impõe a amNo rastro da leis tendenciais e movimento real), pliação das escalas de produção e grande crise dos tanto na defesa como na crítica da o aumento da produtividade social análise marxiana do capitalismo” do trabalho; a concorrência, o crédias que correm, [8]. dito, a concentração-centralização teóricos voltaram Bem mais recentemente, e se de capitais implicam os fenômenos referindo à profundidade da crise estruturais de superacumulação a ressuscitar a atual, o pesquisador marxista Mie superprodução de capitais; a sutese de ser a crise chel Roberts, ao analisar as teses de perprodução de capital não indica R. Kurz e de D. Graeber, defensores outra coisa senão superacumulação atual gerada por da teoria do colapso, conclui sobre de capital, enquanto o subconsumo “subconsumo das esses autores que: assalariado representa o dado de “Tenho grande simpatia peque se parte previamente. massas”; e por la visão de Kurz e de Graeber, mas A esse respeito, observe-se en“superprodução mantenho as minhas reservas nestão como Lênin prossegue aclaranse entretempo. Se ao longo dessa do Marx a propósito da contradição de mercadorias”. depressão não ocorrer a sua subsentre a tendência à ampliação ilimiDe saída, o nãotituição por meio da política dos tada da produção e a necessidade movimentos recém-energizados de de um consumo limitado (a conseconsumo dos trabalhadores, é possível que o caquência da situação proletária das chamados bens pitalismo emergente possa criar um massas do povo): “Sem embargo, o novo período de desenvolvimento”. capitalismo leva sempre implícita, salários seria De acordo com Roberts, não é certo de uma parte, a tendência a ampliao responsável que o capitalismo maduro não posção ilimitada do consumo produtisa desenvolver novas tecnologias, vo, a ampliação ilimitada da acupelas crises de apesar de ter falhado em áreas tais mulação e da produção e, de outra superprodução como robótica, inteligência artificial, parte, a tendência à proletarização impressão em 3D e nanotecnologia; das massas do povo, que traz limi“alguns argumentam que a tecnolotes bastante estreitos à ampliação gia norte-americana está desenvolvendo a técnica para do consumo individual” (Op. cit., 1974, p. 211-12). extrair óleo e gás do xisto, de um modo tal que trará o Ou seja, as crises do capitalismo se expressam em balanço do poder energético de volta para os Estados superprodução de capital – e também de mercadoUnidos da América do Norte, assim como para as ecorias; superprodução que, para ser assim designadas, nomias maduras, em detrimento da Ásia e do Oriente envolve os vários ramos da economia e jamais serão Médio” [9]. deflagradas “por subconsumo das massas”. Regime do capital onde nunca existiu “estagnação” enquanto Crise por “subconsumismo”: violação “modo de ser”, o que deveria ocorrer em função do dogmática da teoria de Marx “subconsumo das massas”, na era dos monopólios, como imaginaram P. Baran e P. Sweezy em seu estudo No rastro da grande crise dos dias que correm, teconceitual O capitalismo monopolista (1969). óricos voltaram a ressuscitar a tese de ser a crise atual Como bem explicou J. Gorender, em sua conhecida gerada por “subconsumo das massas”; e por “super“Apresentação”, para O Capital, o que acontece mesmo 80 Economia Foto: Sanna Kvist no desenlace do ciclo sar-se-ia à exposição econômico não é que (interpretando) dos a crise sucede a uma resultados obtidos. queda do consumo, Voltemos, sob esbem ao contrário, se prisma, ao nosso ela sucede a uma tema. Hodiernamenalta de mais acentute, se o “subconsumo ado consumo, uma as massas” é a razão elevação que não é central das crises desa regra [10]. Quem se padrão de acumuescrevera antes e enlação do regime do faticamente: é “por capital financeirizademais incontestável do, isto significa que: que Marx recusou a 1) se o “subconsuideia de que a crise mo as massas” é a racíclica se desencazão central das crises, Estudante sueco posa para série de fotos ao lado de tudo o que possui deasse por efeito da então quanto maior o insuficiência de decrescimento do Promanda solvente (ou demanda efeduto Interno Bruto (PIB) e do PIB tiva)” (GORENDER, Idem). per capita, mais se afastaria a possibiA Suécia sempre Ainda sobre ao assunto, importa lidade das crises no capitalismo dos foi exibida notar que após escrever o exposto nossos dias, certo? Totalmente erna epígrafe deste artigo, Lênin, em rado: a Suécia sofreu em 2009 uma como exemplo sua obra clássica O desenvolvimento recessão grave, com queda de 4,2% paradisíaco da do capitalismo na Rússia (1899), reno PIB, a maior desde o início da Seferindo-se a variadas passagens – gunda Guerra Mundial; retornou o moderna sociedade objetivamente passagens que indudesemprego em massa ao patamar burguesa, zem a erros crassos, na medida do de 12% até 2011, de acordo com as não cotejamento delas com o conprevisões do governo (Folha OnLine, vangloriandojunto completo da obra de Marx so1º-04-2009). Ora, a Suécia sempre se de uma bre a temática ciclo-crise – do texto foi exibida como exemplo paradisíamagno de Marx, enfatiza que: co da moderna sociedade burguesa, renda per capita “Marx se limita a pôr manifesvangloriando-se de uma renda per recentemente tamente aqui uma contradição do capita recentemente calculada em capitalismo assinalada já em ounada menos que US$ 39,6 mil (jacalculada em tras passagens de O Capital, a saber: neiro/2009). Bem, “subconsumo das nada menos que a contradição entre a tendência a massas” suecas como causa da criampliação ilimitada da produção e se? Isto é piada de mau gosto. US$ 39,6 mil a necessidade de um consumo limi2) A Índia, segundo dados ofi(janeiro/2009). tado (a consequência da situação ciais, possui cerca de 700 milhões de proletária das massas do povo)” pessoas em condições de pobreza, e Bem, “subconsumo (LÊNIN, 1899) [11]. pouco mais de 300 milhões incluídas massas” suecas Cumpre notar aqui: Karl Marx das entre as variadas camadas mélevava em absoluta consideração o dias e burguesas. Entre 1991 e 2008, como causa da caráter revolucionário do seu métosua taxa de crescimento foi maior crise? Isto é piada do – assentando nele boa parte dos que 6%, alcançando, em 2006-2007, êxitos de sua poderosa interpretação nada menos que 9,4% de avanço de de mau gosto teórica. Com efeito, a clara distinção seu PIB. Por que a Índia, ao invés de entre investigação e exposição sigser submetida a crises econômicas nificava a exaustiva e a mais completa possível aprode “subconsumo das massas”, dadas especialmente priação dos dados da realidade em movimento. Vistas às centenas de milhões de pessoas (cerca de 2/3 de as fontes, em sua maior completude possível, a análise sua população) vivendo em condição de pobreza crôse voltava então para as conexões e as formas de denica, cresce vertiginosamente sua economia a taxas senvolvimento da matéria anatomizada. Só então pastão elevadas? [12]. 81 126/2013 3) Finalmente, como se pode insinuar que a crise Duas catástrofes - e um sistema atual, objetivamente gerada a partir da débâcle das hifinanceiro fantasmático potecas suprime nos EUA, ou seja, uma crise centrada no capital portador de juros contidos nos título (hipoNa grande e grave crise capitalista que vivenciamos tecas), auxiliada por residências vendidas aos milhões nestes dias – fortes movimentos depressivos –, a grana uma baixíssima taxa de juros – o grande móvel de de catástrofe que se apresenta, até agora, é o desemmassas norte-americanas –, prego elevadíssimo e em massa para, a partir das hipotecas, que se espraia sobre as massas inflar empréstimos para o hitrabalhadoras, especialmente perconsumo (2/3 do PIB dos no capitalismo central, e haEUA)? Movimento esse revervia pouco “desenvolvido”. De tido e “quebrado” também resto, uma gigantesca queima pela inédita alavancagem do de capital (Marx) e crescente sistema bancário-financeiro, ampliação das desigualdades reforçada pela especulação desociais. E intensa resistência do rivativa, quer dizer, pela maproletariado e demais trabalhanipulação de títulos podres e dores ao ataque brutal contra impagáveis de famílias endivias conquistas do Welfare Estate, dadas astronomicamente para particularmente na Europa, consumir – tudo isso originou bem como os grandes protestos uma crise nos EUA “de subnos EUA. Na grande e grave consumo das massas? Condição humana perene, Exatamente sobre a questão, pois, do trabalho sob o capitalismo, crise capitalista num esclarecedor artigo, L. Belludesvendado na mesma direção da que vivenciamos zzo chama a atenção para o fato de enorme importância que ele dava ao o consumo representar mais de 70% desenvolvimento do moderno sistenestes dias – fortes da demanda agregada nos Estados ma de crédito: e se o dinheiro (então movimentos Unidos. Conforme ele explica, na forma de metais preciosos) con“A economia americana, nos úlsistia no “fulcro” desse sistema de depressivos –, a timos 20 anos, foi impulsionada, socrédito, este “supõe o monopólio” grande catástrofe bretudo, pelo crescimento sem predos meios de produção sociais (cacedentes do consumo das famílias. pital + propriedade fundiária) em que se apresenta, Nos últimos três anos e meio, essa mãos privadas, além de ser a “força até agora, é o característica da economia americamotriz” dum desenvolvimento cana exasperou-se: o crescimento do pitalista superior. Essencialmente, desemprego consumo ‘descolou’ [disparou] da segundo Marx, elevadíssimo e em evolução da renda, dos salários reais “O sistema bancário é, pela forma e do emprego. Sua evolução depende organização e pela centralização, massa de cada vez mais do efeito-riqueza, o resultado mais engenhoso e refinaconcentrado, nos últimos anos, na do ao qual leva o modo capitalista de valorização dos imóveis residenciais” [13]. produção”, onde apenas o “desenvolvimento completo Seguramente, é de Lênin – e do ucraniano Túgando sistema de crédito e do sistema bancário promove e -Baranovski – a ideia moderna de que no capitalismo efetiva por inteiro esse caráter social do capital” [14]. o que é preponderante é a demanda por meios de pro“Caráter social do capital”? Sim, para Marx, o sisdução (bens de capital; e + ativos financeiros, hoje). tema bancário, sofisticadamente, “retira das mãos As crises não são, portanto, deflagradas, criadas, dos capitalistas privados e dos usurários a repartição, originadas pelo “subconsumo das massas”. As cono negócio específico e a função social do sistema” dições de realização da produção capitalista não são (Idem, p. 396), tornando-se (os bancos e os sistema determinadas pelo nível de renda dos trabalhadores de crédito) inclusive “um dos veículos mais eficazes ou consumo das massas. É o investimento capitalista das crises e da especulação” (Idem, ibidem). a variante independente e central na dinâmica capitaConsideramos que tais definições são de alcance lista e, por sua vez, é ele que pode deflagrar a superaimpressionante. No curso da grande crise de 2007cumulação e a superprodução – e as crises concretas. 2008, de epicentro nos EUA, acabou o mistério do que 82 Economia vem se conhecendo por shadow banking system. Um sistema financeiro/bancário sombra, denominado pela primeira vez por Paul McCulley (2007), diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco. Sua definição de shadow banking system “inclui todos os agentes envolvidos em empréstimos alavancados que não têm acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de redesconto dos bancos centrais”. E, entre as medidas adotadas pelo Fed (Banco Central dos EUA) e por outros bancos centrais, encontra-se a abertura do acesso às operações de redesconto para essas diversas instituições que não podiam utilizá-las como os bancos de investimentos e as GSE (ações negociadas na bolsa, mas patrocinadas pelo governo) [15]. Quer dizer, do surgimento e desenvolvimento de produtos financeiros de alto teor especulativo – como, por exemplo, o Credit Default Swaps (CDS) [16] –, passando pelo desabamento do mercado hipotecário norte-americano (crise das “subprime”), ao colapso financeiro sistêmico provocado pela implosão do banco Lehman Brothers (2008), desvelou-se a emergência de um sistema financeiro sombra. Não há nenhuma dúvida de que, no capitalismo da globalização neoliberal, o sistema de crédito hodierno chegou perfeitamente “a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo” (MARX, O Capital, Livro 3, v. 5, p. 510). Nos 130 anos de seu desaparecimento, resgatar a teoria de Karl Marx também significa não recusar a luta de ideias contra “um certo marxismo”. Aquele que desinforma quando simplifica grosseiramente a interpretação da crise capitalista atual resumindo-a à “crise de superprodução e do crédito”; ou, pior ainda, creditar a Marx a ideia de que a crise do capitalismo ocorre quando “a interrupção do processo de circulação do capital ocorre com a paralisação da venda de mercadorias...”. * A. Sérgio Barroso é médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp e diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois Notas [1] Fonte: MANOLAKOS, Deepankar Basuand Panayiotis T. “Is There a Tendency for the Rate of Profit to Fall? Econometric Evidence for the U.S. Economy, 1948-2007”. In: Review of Radical Political Economics. (45(1) 76–95, 2012. O artigo traz ainda vários exemplos: a) do caráter cíclico da LTQTL; b) conclui encontrando “fraca evidência” do declínio da TL nos EUA no longo período investigado, e com recurso aos métodos econométricos. [2] Antes, Guttmann argumentara em seu importante ensaio Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças: “As finanças foram profundamente transformadas por uma combinação de desregulamentação, globalização e informatização. Este impulso triplo transformou um sistema financeiro estritamente controlado, organizado em âmbito nacional e centrado em bancos comerciais (que recebem depósitos e fazem empréstimos), em um sistema autorregulamentado, de âmbito global e centrado em bancos de investimento (corretagem, negociações e underwriting [lançamento de ações com subscrição pública com intermediário] de valores mobiliários). A preferência por mercados financeiros em vez de finanças indiretas utilizando bancos comerciais foi em grande parte facilitada pelo surgimento de fundos (fundos de pensão, fundos mútuos e, mais recentemente, fundos de hedge e de participações) como compradores-chave nesses mercados (Revista Novos Estudos, Cebrap, nov./2008). [3] Em: Revista Estudos Avançados, da USP”, março de 2009. [4] Ver: MARTÍNEZ, O. “Crisis económica global. ¿Hasta cuándo?, ¿hasta dónde?”. In: rebelión.org (29-04-2009). [5] Ver: ALTVATER, E. “A crise de 1929 e o debate marxista sobre a teoria da crise”. In: HOBSBAWM, E. (org.). História do marxismo. São Paulo: Paz e Terra, vol. 8, 2ª edição, 1987, especialmente p. 95-133. [6]Ver: LÊNIN, V. I. “Para una caraterización del romanticismo econômico. (Sismondi y nuestros sismondistas nacionales”). In: Sobre el problema de los mercados, Escritos económicos, vol. 3. Madri: Siglo Veinteuno, 1974, p. 104. [7] Ver: HOBSBAWM, E. A era dos impérios – 1871-1914. São Paulo: Paz e Terra, 8ª ed., 2003, p. 27. [8] Ver: MARRAMAO, G. O político e as transformações. Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e trinta. Oficina de livros, 1990, p. 102. [9] Ver: ROBERTS, M. “Crise ou colapso?”. Em: Economia e Complexidade, blog de Eleutério Prado, postado em 16-10-2012. [10] Ver: GORENDER, J. “Apresentação”. In: MARX, K. O Capital, vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. LX. [11] Em: MAZZUCCHELLI, F. “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”. Em: A contradição em processo. O capitalismo e suas crises. Campinas (SP): Unicamp, 2004, p. 58. [12] Acrescente-se: um informe governamental estima que 77% da população trabalhadora da Índia vivem com menos de meio dólar por dia. Ver: MITTAL, Anuradha. Índia: a economia cresce, a fome também. Em: Portal Terra, 1º-10-2008. [13] Ver: BELLUZZO, L. O consumo americano. Em: Portal Terra, 10-10-2008. [14] Em: O Capital, Livro 3, vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s/d, p. 695. [15] Ver: CINTRA, Marcos & FARHI, Maryse. “A crise financeira e o global shadow banking system”. Em: Novos Estudos, Cebrap, nº 82, São Paulo, novembro de 2008. [16] Operação, financeira que consiste numa troca entre o vendedor de proteção (fundo de pensões, as empresas de seguros) e um comprador de proteção (bancos). Depois de terem recebido uma remuneração chamada de “prêmio de risco”, os investidores institucionais cobrem ou “compram” o risco de crédito de um banco (em decorrência da vendedora do risco). De modo geral, os fundos de pensões aceitam cobrir o risco quando os créditos são bem notados pelas agências de risco (a nota máxima é triplo A). Mas, na realidade, o sistema é um pouco mais complexo do que isso, pois ele integra um mecanismo de venda/revenda de crédito e um mecanismo de transferência do risco do crédito. (Ver a explicação em GUTTMANN, R. Uma análise da crise financeira americana e de suas repercussões para a economia brasileira. Em: Anais do II Encontro da Associação Keynesiana Brasileira, setembro de 2009). 83 126/2013 A história dos comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985) por Paulo Abrão* E Repressão e direito à resistência – Os comunistas na luta contra a ditadura (1964 - 1985) REALIZAÇÃO: Fundação Maurício Grabois, Memorial da Anistia e Ministério da Justiça Páginas: 396 Ano: 2013 ISBN: 978-85-7277-137-5 84 m 2010 a Comissão de Anistia criou o projeto Marcas da Memória com um duplo objetivo: de um lado, cumprir sua missão legal de reparo às vítimas e divulgar a memória política brasileira. De outro, permitir que tal processo fosse conduzido não apenas por agentes estatais, desde seus gabinetes em Brasília, mas também por entidades da sociedade civil ao longo de todo o nosso Brasil. O livro que agora apresentamos – parte de um projeto selecionado para fomento pela II Chamada Pública do Marcas da Memória – é um exemplo exitoso das iniciativas conjuntas que pudemos construir desde estas premissas. Até o presente momento a Comissão de Anistia já reconheceu praticamente 40 mil perseguidos políticos pelo regime. Cada um deles tem uma história única de luta e dor. Não obstante, alguns grupos políticos foram especialmente perseguidos durante a ditadura, agregando um elemento coletivo a uma perseguição que, prima face, pareceria individual. Não há dúvida de que os comunistas estão entre aqueles mais severamente perseguidos pela ditadura. O contexto da época torna tal afirmação quase autoevidente: a ditadura se deu especificamente para afastar o perigo comunista, então os comunistas eram os inimigos primeiros. Eram os alvos. O massacre dos jovens idealistas que lutaram no Araguaia pelo maior contingente militar destacado para uma batalha pelo Estado brasileiro desde o fim da Segunda Grande Guerra dá conta da dimensão e da violência impingida contra os comunistas durante a ditadura. Neste livro, são resgatadas as histórias dos comunistas perseguidos pelo regime. O cuidadoso trabalho levado a cabo pela Fundação Maurício Grabois permitiu que, por meio da reconstrução destas histórias, novas gerações tenham acesso a todo um conjunto fascinante de episódios da política brasileira nas décadas de 1960 a 1980. E é essa a grande qualidade desta obra: o conjunto de recortes biográficos não constitui um amontoado de fragmentos, mas sim uma rede orgânica, uma teia viva por onde se vê a história arti- RESENHAS culada. A obra constitui uma narrativa onde a luta política contra a ditadura e por justiça social conecta as variadas existências individuais. Os muitos comunistas perseguidos individualmente retomam, aqui, sua dimensão de grupo politicamente organizado. Juntos representam não apenas a si próprios, mas a toda uma geração de lutadores perseguidos políticos brasileiros, e todo o seu pensamento político de esquerda que o autoritarismo pretendeu exterminar. A ditadura procurou, por diversos meios, impedir que a cidadania se organizasse socialmente, e impedir que os grupos disputassem politicamente a sociedade. Assim, a presente obra devolve à democracia algo vital que dela a ditadura tentou tolher, pois reconta a organização da causa operária, do comunismo, e suas utopias, dentro de um contexto onde o simples ato de fazer política era criminalizado. Durante a ditadura fazer política era uma opção de vida arriscada, e essa obra conta a história daqueles que ousaram fazer tal opção em prol de seus ideais. Para os leitores conhecedores do período, A história dos comunistas do Brasil na luta contra a ditadura (1964-1985) representa uma obra de fôlego, que reúne os depoimentos de alguns dos principais artífices do movimento proletário no Brasil. Para os leitores que agora se interessam pelo tema pela primeira vez, oferece um interessante painel sobre as relações sociais no país durante a ditadura, a organização política na clandestinidade, e as diferentes interpretações que os mesmos fatos ensejaram, à época em que ocorreram e no presente. Mais ainda: a presente obra humaniza figuras mitificadas. Se de um lado o leitor poderá conhecer mais sobre a estruturação das organizações políticas, seus ideais e objetivos, seu financiamento, táticas e estratégias, e assim por diante, de outro, poderá conhecer os dramas de ser mulher em meio a um conflito violento. Poderá conhecer as difíceis escolhas de casais apaixonados em meio ao movimento revolucionário. Terá acesso à dor daqueles que perderam seus entes queridos para a repressão política. Conhecerá, assim, como cada um viveu aquilo que nos faz mais humanos – e, portanto, mais iguais – em um contexto de profunda desumanização, brutalidade e indiferença. Existem muitas maneiras de contar, e conhecer, a história. Aqui, com maestria, está representada uma delas: através da perspectiva daqueles que ativamente lutaram para construir os sonhos que moviam suas utopias, e aceitaram pagar o preço que lhes era cobrado às vezes com a própria vida. Brasília, março de 2013 * Paulo Abrão é Presidente da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça 85 126/2013 A trajetória de lutas e a vida de Aldo Arantes por Haroldo Lima* (trechos do prefácio) A Alma em fogo – Memórias de um militante político Autor: Aldo Arantes Realização: Fundação Maurício Grabois Páginas: 492 Ano: 2013 ISBN: 978-85-7277-141-2 Editora Anita Garibaldi Loja Virtual: www.anitagaribaldi.com.br Preço: R$ 50,00 trajetória de lutas e a vida de Aldo Arantes, contadas por ele em Alma em Fogo, percorrem período importante da história do Brasil, do final dos anos 1950, passando pelos anos sessenta, até os dias de hoje. A narrativa centra-se nos episódios que mais diretamente o envolveram, muitos dos quais, como figura central. A forma do escrito ele a anuncia no título do livro, Alma em Fogo, revelador do estado de espírito com que os fatos relatados foram vividos. Quando conheci Aldo, há 53 anos, ambos éramos jovens dirigentes estudantis, mas ele já era famoso. Na atmosfera abrasada daqueles primeiros anos da década de sessenta do século passado, foi o mais conhecido líder estudantil, o que mais aparecia na “grande política”, ao lado de Brizola, de ministros, de deputados, visitando Jânio. Também era tido como acostumado a arrebatar assembleias. Seu viés político, sua seriedade, coragem, perseverança e sucesso eram reconhecidos e admirados. Identificava-se naturalmente com os anseios populares e com o projeto de Nação brasileira. A ditadura truncou a trajetória provável que teriam Aldo e muitos outros, no campo político, na esfera acadêmica, no ramo profissional. Arantes encontrou, nos “subterrâneos da liberdade”, a atividade política que era possível e necessária e a exerceu, de forma vitoriosa, no anonimato da clandestinidade, por doze anos; e nas celas das prisões políticas, por mais três. Quando voltou à luz do dia, quinze anos depois, passou pela Câmara Federal, pela Câmara Municipal de Goiânia, fez Mestrado em Ciência Política, acusou em Tribunal de Júri um assassino de líder camponês, tornou-se secretário estadual de Meio Ambiente, diretor de Programa Nacional de Expansão de Educação Profissional, presidente do Instituto de Defesa do Meio Ambiente – tudo na mesma linha de relação com o progresso social, com o interesse nacional, com a luta pelo socialismo. As novas gerações, ao lerem Alma em fogo, vão conhecer episódios da história do Brasil contados sob o ângulo do povo e por quem os viveu de perto; vão conhecer uma variedade das experiências, dos problemas e das soluções; mas vão conhecer, sobretudo, como, no meio a tanta diversidade, por tempo tão prolongado e arrostando tantas dificuldades, se conseguiu não perder o rumo. Esse é o exemplo de Aldo Arantes. *Fundador da Ação Popular, membro do Comitê Central do PCdoB e ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) 86 RESENHAS Dario Canale: um revolucionário internacionalista por José Luiz Del Roio* (resumo do prefácio) D O surgimento da seção brasileira da Internacional Comunista Autor: Dario Canale Realização: Fundação Maurício Grabois Páginas: 416 Ano: 2013 ISBN: 978-85-7277-136-8 Editora Anita Garibaldi Loja Virtual: www.anitagaribaldi.com.br Preço: R$ 35,00 evia ser meados de 1965. Por caminhos tortuosos chegaram até mim dois italianos, verdadeiros, recém-chegados da Itália. Possuíam credenciais da seção internacional do Partido Comunista Italiano. O primeiro era Urbano Stride, um pouco mais velho. Vinha a trabalho, pois seria gerente de um hotel em Belém do Pará. O outro havia aproveitado a oportunidade e tinha seguido Urbano, a quem já conhecia. Tratava-se de Dario Canale. Queriam contatos orgânicos com o PCB. O PCB o mandou para a República Democrática Alemã. Encontrou-se ali com uma escritora alemã, Christiane Barckhausen, que, entre outras coisas, havia escrito uma linda biografia de Tina Modotti. Casou-se com ela e aproveitou o tempo que precisava para curar da saúde e fazer uma tese de doutorado na Universidade Karl Marx de Leipzig. Resolveu dar mais uma contribuição ao país que tanto amava, concentrando seus esforços no tema “O surgimento da Seção Brasileira da Internacional Comunista”. Foi um trabalho titânico, sobretudo na busca de fontes. Leu uma massa de livros, em diversos idiomas, atormentou por anos, através de cartas, os militantes mais velhos no Brasil e na Argentina. Contatou os arquivos da União Soviética e dos Estados Unidos. Porém, sua atenção maior dedicou ao Arquivio Storico dei Movimento Operaio Brasiliano, que se encontrava na Fondazione G. Giacomo Feltrinelli, em Milão. Faziam parte desse acervo — hoje pertencente ao Instituto Astrojildo Pereira e depositado no Cedem-Unesp — os materiais de Astrojildo Pereira, fonte principal deste livro. Escreveu e defendeu a tese em alemão de forma brilhante e com o entusiasmo de seus não fáceis professores. Somente o autor não ficou satisfeito com sua obra. Achava que era apenas um início, que outros deveriam continuar de forma superior. Mas esta era uma característica do Dario. Achava que as coisas deveriam ser sempre melhores. Esse trabalho — que ele também traduziu para o português — infelizmente nunca foi publicado. Somente agora, graças aos esforços da Fundação Maurício Grabois, sai das estantes do Instituto Astrojildo Pereira e passa a um público de estudiosos. * Escritor, diretor de Arquivos do Instituto Astrojildo Pereira, Senador da República Italiana (2006- 2008) pelo Partido da Refundação Comunista. 87 Assine Princípios, uma revista antenada com o novo projeto nacional de desenvolvimento www.revistaprincipios.com.br CUPOM DE ASSINATURA - REVISTA PRINCÍPIOS Nome completo: _________________________________________________ _______________________________ Data nascto.: ______ / ______ / ______ CPF: ___________________________ RG:___________________________ Princípios é uma publicação bimestral da Editora e Livraria Anita Ltda. CNPJ: 96.337.019/0001-05 Registrada no ISSN sob o nº 1415788-8 Fundador: João Amazonas (1912–2002) Endereço: _______________________________________________________ Editor: Adalberto Monteiro Bairro: _____________________________ Cidade: _____________________ Editor executivo: Cláudio Gonzalez (MTb 28961/SP) UF: _____CEP: ___________-_____ Telefone: ( ____) ___________________ Comissão Editorial: Adalberto Monteiro, Aloísio Sérgio Barroso, Augusto César Buonicore, Cláudio Gonzalez, Fábio Palácio de Azevedo, José Carlos Ruy, Osvaldo Bertolino e Pedro de Oliveira. 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A foto correta é esta ao lado. Samuel Wainer Diretora comercial: Zandra de Fátima Baptista PONTOS DE VENDA: SÃO PAULO – Livraria Cultura (Conj Nacional - Av. Paulista, 2073) - Shop Market Place (Av. Dr. Chucri Zaidan, 902) - Shop Villa Lobos (Av. Nações Unidas, 4777) – Banca Estadão (Av Nove de Julho, 185) – Banca Maranhão (Rua Maranhão 753). CAMPINAS – Livraria Cultura (Av Iguatemi, 777 - Lojas 04-05,Q22, PISO 1). PORTO ALEGRE – Bourbon Shoping (Av. Tulio de Rose, 80 loja 302). BRASÍLIA – CasaPark Shop (SGCV - Sul, lote 22, loja 4A, Zona Industrial). RECIFE – Paço Alfandêga (Rua Madre de Deus, s/n Le Revistaria). GOIANIA – Goiania Shop (AV. T-10, 1300 PISO 1/Loja 150 S. BUENO). MATO GROSSO – Revistaria Prelo na UFMS (Cidade Univ. - Campo Universitário). 89 126/2013 90