Revista Atitude - gunther gonzales barrón

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Revista Atitude - gunther gonzales barrón
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades
Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre
Ano VII - Nº 13 - Janeiro a Junho de 2013
Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.
ISSN 1809-5720
A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divulgação do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio
de ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunidade.
O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não
estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.
É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.
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Porto Alegre, 2013
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da Faculdade
Dom Bosco de Porto Alegre
Ano VII, Volume 6, número 13, jan-jun 2013 – ISSN 1809-5720
Diretor/Director
Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini - [email protected]
Editor/Editor
Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]
Comissão Editorial/Editorial Board
Profa. Dra. Andréa Souza Castro - [email protected]
Profa. Dra. Aurélia Adriana de Melo - [email protected]
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Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]
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Profa. Dra. Angela Beatrice Dewes Moura (FDB/Porto Alegre, RS)
Prof. Dr. Bachir Hallouche (UNISC/Santa Cruz do Sul, RS)
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Prof. Dr. Geraldo Lopes Crossetti (FDB/Porto Alegre, RS)
Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS)
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Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS)
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Prof. Dr. Neuri Antonio Zanchet (FDB/Porto Alegre, RS)
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Revisão:
Cristiane Billis – MTb 26.193
Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores.
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Sumário
CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS........................................................................ 9
1.
Os principais atores pertencentes ao entorno da inovação: caminhos e barreiras
no Brasil........................................................................................................11
Neuri A. Zanchet
2.
As manifestações no Brasil e o cenário político nacional.............................................19
Andrey Henrique Andreolla e Caroline Ceni
3.
Os modelos de Estado e as características da jurisdição..............................................27
Fabiano K. Clementel
4.
Controle e interação entre pais e filhos na Internet: uma necessidade ou
uma possibilidade?...........................................................................................37
Daniel Gonçalves Jacobsen, Adriana Paula Zamin Scherer
5.
Os jovens pedem passagem.................................................................................43
P. Marcos Sandrini
6.
A fundamentação racional da ética........................................................................53
Tarcísio Ambos Danelon
7.
Idoneidade:requisito indispensável da profissão jurídica.............................................65
Giovanni Sant’Anna Brum
8.
9.
O princípio do “nemo tenetur se detegere”, sua evolução e o contexto atual..................71
João Rodrigo da Luz
Substituição Tributária: um estudo de caso na empresa Ciber
Equipamentos Rodoviários..................................................................................77
Caroline Hoch Gonçalves, Paulo Sérgio Pedro, Neusa Piacentini e Marília Sant’Anna
10. Noções introdutórias para o estudo e a interpretação do Direito Civil............................91
Silvio Javier Battello Calderon e José Nosvitz Pereira de Souza
Doutrina Internacional.........................................................................111
11. Las sociedades comerciales. Una mirada desde la normativa de Fuente
convencional a nivel Regional........................................................................... 113
Candela Noelia Villegas
12. Analisis crítico sobre la responsabilidad civil de los directores,
docentes y proprietarios de los establecimientos educativos..................................... 123
Adrián Sergio Cetrángolo
13. La constitución rechaza el derecho registral “extremista” Crítica al fetichismo registral ............................................................................ 139
Gunther Hernán Gonzales Barrón
Resenhas e Notícias................................................................................175
14. Los derechos del consumidor. Visión Internacional. Una mirada interna........................ 177
Carla Gisel Dominguez
15. A Lei de Acesso à Informação e o seu maior ganho .................................................. 179
Marcelo Schenk Duque
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Apresentação
A Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre já completou 10 anos de exitência. Foi em novembro
de 2002 que recebemos nosso recredenciamento. Um processo longo, prazeroso e empenhativo foi
feito para que isto se tornasse uma realidade. Nosso grande objetivo era e é ajudar as novas gerações
a se posicionarem diante da vida como profissionais e cidadãos. Queremos ser fiéis à missão que nos foi
deixada por Dom Bosco (1815-1888) de educar pessoas para serem “bons cristãos e honestos cidadãos”.
Começamos com três cursos: Administração, Ciências Contábeis e Sistemas de Informação.
Logo a seguir se juntou a esses o curso de Engenharia Ambiental e Sanitária. Um pouquinho mais pra
frente veio o curso de Direito. Todos estes cinco cursos já estão reconhecidos e já realizamos treze
formaturas. O que era projeto se tornou realidade. Sonhar é bom e melhor ainda é ver que o sonho
continua nas realizações.
A Revista Atitude já está em seu número 13. São sete anos de publicação ininterrupta. Somos
capazes, sim, de construir uma revista indexada no Qualis. Professores, alunos, convidados estão presentes em suas páginas com o grande objetivo de defender, promover e alavancar a vida, cada vida,
em todas as suas dimensões. Este é o sentido de nossa presença no mundo da educação superior.
Nossa Faculdade conta hoje com um excelente grupo de mais de 70 (setenta) professores
mestres e doutores, cerca de 20 (vinte) profissionais técnico-administrativos, e aproximadamente de
900 (novecentos) alunos que dão vida à instituição. Portanto, um milhar de pessoas promovendo-se e
promovendo.
Fazemos parte de uma rede de Instituições de Educação Superior chamada IUS, ou seja,
Instituições Universitárias Salesianas presente em quatro continentes com mais de 70 (setenta) instituições. Todas com o mesmo objetivo, a mesma utopia, as mesmas metodologias, o mesmo desejo de
encarnação no seu entorno. Como Dom Bosco, presentes na vida de milhares de jovens para apontar
lhes caminhos para que construam oportunidades. Afinal, somos uma Faculdade de Atitude construindo
oportunidades com os jovens universitários.
Agradecemos a todos os que escreveram seus artigos, relataram suas experiências, fizeram
resenha de livros... A todos nosso respeito e nosso incentivo.
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Ciências Sociais e Aplicadas
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Ciências Sociais e Aplicadas
Os principais atores pertencentes
ao entorno da inovação:
caminhos e barreiras no Brasil
Neuri A. Zanchet1
Resumo
O objetivo deste artigo, um ensaio teórico, é identificar e reflexionar as principais
políticas e barreiras à inovação no âmbito da estrutura produtiva brasileira. Além
disso, busca discutir alguns avanços que ainda são necessários para consolidar e
ampliar a articulação entre os três principais atores pertencentes ao entorno da inovação (empresa, universidade e governo). As conclusões apontam que existe um ambiente de inovação no Brasil, mas as conexões entre seus atores são tênues, havendo
ainda muitas barreiras que podem dificultar o crescimento e a própria sobrevivência
do sistema.
Palavras-chaves
Empresa. Universidade. Governo. Políticas Públicas. Interação.
Abstract
This study, a theoretical work, aimed to identify and reflect on the main policies and
barriers to innovation within the Brazilian productive structure. In addition, it also
intends to discuss some advances that are necessary to consolidate and increase the
connection among the main social actors belonging to the surrounding innovation environment (enterprises, universities and government). The conclusions point to the
existence of an innovation environment in Brazil, but the connections among their
social actors are weak. There are barriers that can difficult the growth and survival
of the innovation system.
Keywords
Industry. University. Government. Public Policies. Interaction.
1. Introdução
Para muitos, invenção e inovação são sinônimos, mas na realidade são conceitos distintos. Segundo Rocha Neto (1996, p.27) invenção “refere-se a algo produzido pelo homem independentemente
de sua apropriação econômica ou utilidade prática”. É uma ideia elaborada ou uma concepção mental
de algo que se apresenta na forma de plano, fórmulas, modelos, protótipos, descrições e outros meios
de registrar ideias. A aplicação desta concepção mental na prática das empresas – obtendo-se resultados (melhorias, ganhos ou lucros) – é que transforma a invenção em uma inovação (Vasconcellos,
2004).
O conceito de inovação é conhecido desde Adam Smith no século XVIII, que estudava a relação entre acumulação de capital e a tecnologia de manufatura, além de conceitos relacionados à
mudança tecnológica, divisão do trabalho e competição. Contudo, somente a partir do trabalho de Joseph Schumpeter estabeleceu-se uma relação entre inovação e desenvolvimento econômico (Teoria do
Desenvolvimento Econômico, 1934). Joseph Schumpeter foi o primeiro autor a identificar a inovação
Bacharel em Administração. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Doutor em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do
Sul – Unisc. Consultor de Empresas e professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. [email protected]
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como a principal força motriz do desenvolvimento, dotada de dinâmica própria que atua diretamente
sobre as estruturas fundamentais da ordem econômica.
Neste contexto, o objetivo deste artigo, um ensaio teórico, é identificar e reflexionar as
principais políticas e barreiras à inovação no âmbito da estrutura produtiva brasileira e discutir alguns
avanços que ainda são necessários para consolidar e ampliar a articulação entre os três principais atores pertencentes ao entorno da inovação (empresa, universidade e governo).
2. A interação entre empresa, universidade e governo como elemento fundamental para
a geração de inovação
A relevância do conhecimento como base da inovação impõe a exploração e interação das
mais diferentes fontes para sua obtenção. Com todos os recursos disponíveis atualmente aliados à
rapidez com que as mudanças vêm ocorrendo, há uma exigência crescente de combinação de fontes
de informação e conhecimento.
O modelo da Hélice Tríplice (Triple Helix), desenvolvido por Henry Etzkowitz e Loet Leydesdorff, situa a dinâmica da inovação num contexto evolucionista, onde relações novas e complexas
se estabelecem entre as três esferas institucionais: universidade, empresa e governo. Estas relações
derivam de transformações internas em cada hélice, das influências de cada hélice sobre as demais, da
criação de novas redes surgidas da interação entre as três hélices; e do efeito recursivo dessas redes
tanto nas espirais de onde elas emergem como na sociedade como um todo (MELLO, 2004).
Assim a cooperação entre universidade, empresa e governo aparece neste início de século
como um instrumento para alavancar o desenvolvimento tecnológico e a difusão de inovações, sobretudo para as pequenas e médias empresas. A capacidade de inovação depende da realização da
pesquisa científica e requer recursos humanos aptos a gerar e transmitir novos conhecimentos. Cabe
às empresas utilizar este conhecimento gerado nas universidades para o desenvolvimento de produtos
e ao governo cabe o papel de abrir caminho à inovação com incentivos fiscais e financiamentos de
pesquisas.
O Estado inovador, de acordo com Etzkowitz (2008, pg. 73), procura estimular a inovação e a
competitividade mediante novas formas de relações cooperativas, com base nas seguintes premissas:
• fornece garantias ao capital privado que assim assume maiores riscos em investimentos;
• concede incentivos fiscais e benefícios para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para promover a inovação;
• formula regras claras para reger a atividade econômica, os mercados e a moeda nacional;
• cria agências de inovação e entidades híbridas público-privadas;
• garante um sistema de propriedade intelectual e de proteção a patentes, estendido a universidades que fazem pesquisa financiada pelo governo e, assim, assumem uma terceira missão, além de ensino e pesquisa: a de criação interna de firmas (spinoffs), as quais representarão contribuição direta ao desenvolvimento econômico e social de sua região; e
• financia a pesquisa básica com capital de risco público.
Trata-se, assim, de modelo que procura explorar ao máximo a capacidade inovadora da sociedade e de todos os seus atores, de modo que possam alcançar o objetivo comum de desenvolvimento
econômico e social baseado no conhecimento.
No entanto, estudos apontam a existência de uma série de barreiras organizacionais, pessoais,
profissionais e culturais, ocasionadas basicamente pelas diferenças de características e objetivos
almejados (MARIZ, 2009; CRUZ & SEGATTO, 2009; SANTANA & PORTO, 2009; SILVA, 2007; STAL &
FUJINO, 2005; SEGATTO-MENDES & ROCHA, 2005; STAUB, 2001). Entre as barreiras na interação com
as universidades, empresários têm destacado questões relativas ao comprometimento, à segurança e
ao sigilo das informações; a falta de mecanismos de intermediação e de acesso às informações sobre a
produção científica; aspectos burocráticos e legais; o despreparo das equipes para gerir projetos e as
dificuldades em transferir resultados embrionários para o mercado (CRUZ & SEGATTO, 2009; SANTANA
& PORTO, 2009; STAL & FUJINO, 2005; SEGATTO-MENDES & ROCHA, 2005), dentre outras. Integrantes
das universidades apontaram como barreiras nas interações com as empresas, a falta de postura próativa e inovadora (SILVA, 2007; MARIZ, 2009), bem como a rigidez das regulamentações de órgãos
públicos e a estrutura organizacional e departamental (SANTANA & PORTO, 2009).
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Já o governo destina um volume de recursos relativamente pequeno para a P&D. No Brasil,
dispêndios em P&D em relação ao PIB permanecem abaixo da média da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), totalizando aproximadamente 1% nos últimos dez anos (1,19%
em 2009), sendo realizados principalmente pelo setor público (responsável por 51,6% dos gastos, 0,61%
do PIB, em 2009). Porém, em valores atualizados, o dispêndio total em P&D no Brasil cresceu de R$12
bilhões em 2000 para R$ 37,8 bilhões em 2009, apresentando um aumento de 68% (IBGE, 2010; MCT,
2011). Outros fatores limitantes são: o excesso de burocracia na utilização de recursos financeiros, a
instabilidade de recursos financeiros nas áreas de ciência e tecnologia; poucos ou tímidos incentivos
fiscais; inadequada estrutura de financiamentos e incentivos às atividades de P&D (MENDES, 2009;
STAUB, 2001).
3. As principais políticas de inovação no Brasil
O Brasil é um país de tradição na adoção de medidas de apoio ao desenvolvimento Científico
e Tecnológico (C&T). Desde a época do Império, logo após a chegada da Família Real ao país, foram
criadas instituições públicas de pesquisa nas áreas de botânica, agronomia, medicina e engenharia
(MENDONÇA, 2008).
Segundo Valle, Bonacelli e Sales Filho (2002), o início da política de C&T no Brasil deu-se em
1951, no bojo dos governos militares que consideravam estratégica a área de C&T, com a criação do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Para os autores, na década de 60, outros avanços
foram realizados com a criação da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que teve uma atuação intensa até os fins da
década de 1970. Mas a crise econômica que assolou o mercado na época fez minguar os investimentos
estrangeiros no Brasil e provocou a desaceleração das ações realizadas através do FNDCT, financiadas
em grande parte por esses recursos.
Para Koeller (2007), até os anos 1990, muito pouco se avançou no estabelecimento de uma
política de C&T no Brasil. Koeller (2007) atribuiu o pequeno avanço nas políticas de C&T o fato de
que, entre 1980 e 1994, o Brasil viveu um período de altas taxas de inflação, o que monopolizou a
atenção dos governantes. Como resultado, nesse período, de acordo com Viotti (2008), a exemplo do
que ocorrera no período anterior, obteve-se somente a formação de recursos humanos de alto nível
para um efeito prático em termos de desenvolvimento tecnológico e a geração de inovações num nível
aquém do desejado.
A partir dos anos 1990, a política de C&T passou a apresentar algumas novidades: preocupação
com a qualidade e a expansão da educação; reforma do sistema de propriedade intelectual; início e
consolidação do processo de difusão de práticas de gestão de qualidade; promoção do empreendedorismo e das incubadoras de empresas e parques tecnológicos e introdução da inovação como objetivo
da política. Parecia desenhar-se um novo ambiente institucional de C&T no Brasil, o qual enfrentou
períodos de instabilidade econômica que cumularam em um empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e na adoção de uma política restritiva de metas fiscais e de inflação, situação que começou a ser revertida somente no ano de 1998 quando se alcançou a redução e controle das variações nos
preços. Esses fatores, para Koeller (2007), influenciaram o desempenho das políticas de C&T à medida
que o país era obrigado a conviver com uma constante contenção de gastos públicos.
Apesar disso, segundo Almeida et al. (2008), medidas isoladas foram sendo tomadas pelo governo federal. Em 1993, foi promulgada a Lei 8.661, que instituiu os primeiros incentivos aos empresários para a adoção de inovações. Em 1999 foram criados os primeiros fundos setoriais, incorporados
ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com exceção do Fundo para
o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL). Ao todo são 16 fundos, dos quais 14
são destinados a projetos específicos, um destinado à interação universidade-empresa (fundo verde-amarelo) e outro à melhoria da estrutura.
Os fundos setoriais, de acordo com Valle, Bonacelli e Sales Filho (2002) foram uma tentativa
de minimizar ou suprimir alguns gargalos como a instabilidade de recursos, o baixo comprometimento
do setor privado, a concentração regional de recursos, a ausência de priorização e de diferenciação de
áreas estratégicas e a limitada cooperação interinstitucional.
Em 2002, houve uma ampliação dos incentivos fiscais do Imposto de Renda realizada pela lei
10.637. Essa lei prevê que as pessoas jurídicas poderão deduzir do lucro líquido, na determinação do
lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, as despesas operacionais
relativas aos dispêndios realizados com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnolóRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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gica de produtos. Vale ressaltar que o conceito de inovação engloba a criação de um novo produto ou
processo, bem como a agregação de melhorias a produtos ou processos existentes.
Também em 2002, foi lançado o Livro Branco da Ciência, Tecnologia e Inovação pelo Ministério
de Ciência e Tecnologia (MCT). A publicação, que tinha um horizonte de tempo até 2012, reconheceu
a falência do modelo de importação de tecnologia e defendeu, além da promoção da competitividade,
a elevação de renda da população e a preservação do patrimônio natural. Outras fraquezas apontadas
pelo MCT foram: a pequena base científica do Brasil e a limitada capacidade do país em converter os
avanços no conhecimento em inovações com impactos econômicos e sociais. Segundo Viotti (2008),
a partir dos anos 2000, houve não só uma retomada das políticas industriais, como também a sua articulação com a política tecnológica. Nesse sentido, alguns instrumentos legais foram criados como
tentativa de melhorar o ambiente institucional e estimular as inovações no âmbito das empresas.
A promulgação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), ocorrida
no final de 2003, foi o primeiro passo dado pelo governo no processo de retomada do crescimento e
desenvolvimento do País. As diretrizes definiram como objetivo da PITCE: “o aumento da eficiência
da estrutura produtiva, aumento da capacidade de inovação das empresas brasileiras e expansão das
exportações” (GOVERNO FEDERAL, 2003, p. 2).
No ano seguinte, a criação de dois órgãos do governo reforça sua atuação na tentativa do
desenvolvimento industrial e da inovação no país. O primeiro órgão, instituído em 2004, é a Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior (MDIC) com a missão de promover o desenvolvimento industrial e tecnológico
brasileiro, por meio do aumento da competitividade e da inovação. Em geral seu objetivo é articular
e promover a execução da Política Industrial em interação com os diversos órgãos públicos e com a
iniciativa privada. Atua como secretaria executiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial
e do Comitê Nacional de Biotecnologia. Além disso, desenvolve cinco macroprogramas que mobilizam e
reúnem entidades de fomento, representativas, acadêmicas, privadas e governamentais, contribuindo
para a definição de estratégias que elevem o patamar de competitividade da indústria por meio da
inovação, com foco na disseminação transversal de novas tecnologias e na inserção internacional das
empresas brasileiras. A ABDI possui seis eixos de atuação: articulação público-privada, programas estratégicos setoriais, inteligência competitiva, opções estratégicas e portadoras de futuro, mobilização
e capacitação para inovação e desenvolvimento industrial, além de inserção externa (ABDI, 2008).
O segundo órgão é o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) que atua na promoção e
realização de estudos e pesquisas prospectivas na área de C&T e suas relações com setores produtivos;
na avaliação de estratégias e de impactos econômicos e sociais das políticas, programas e projetos
científicos e tecnológicos; na difusão de informações, experiências e projetos à sociedade; na promoção de interlocução, articulação e interação dos setores de C&T e produtivo; no desenvolvimento de
atividades de suporte técnico e logístico a instituições públicas e privadas e na prestação de serviços
relacionado à sua área de atuação (CGEE, 2008).
Ainda, em 2004, foi promulgada a Lei de Inovação (nº 10.973/2004) que mantém e amplia o
apoio às parcerias U-E, à participação das universidades e centros de pesquisa no processo inovativo
e à transferência de conhecimento da universidade para as empresas, principalmente através da obrigatoriedade de criação dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas universidades e da liberação
para compartilhamento de laboratórios e equipamentos entre instituições de ciência e tecnologia e
empresas. Além disso, a Lei abre espaço para a pesquisa tecnológica e a geração da inovação no setor
privado, permitindo, pela primeira vez no País, que recursos públicos não reembolsáveis possam ser
destinados às empresas para compartilhamento dos custos e riscos das atividades inovativas. A promulgação desta Lei possibilita, assim, a criação do programa de subvenção econômica, no âmbito do
FNDCT, para produtos ou processos inovadores no setor privado (BRASIL, 2004).
Em 2005, reforçando os avanços da Lei de Inovação, foi promulgada a Lei nº 11.196/05 convertida da MP 255/05 e alterada, em 2007, pela Lei nº 11.487, que ficou conhecida como Lei do Bem.
Essa Lei autoriza a utilização automática de benefícios fiscais para as empresas que invistam em P&D
e estejam dentro das exigências, sem necessidade de pedido formal. Esta facilidade agiliza e amplia
o estímulo aos investimentos em atividades inovativas. O principal objetivo da Lei de Inovação é delinear um cenário favorável ao desenvolvimento científico e tecnológico, além do incentivo à inovação.
Suas bases se concentram em três pontos principais.
• Constituição de ambiente propício às parcerias estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e empresas. Estabelece diversos mecanismos de apoio e estímulo à constituição de
parcerias estratégicas e ao desenvolvimento de projetos cooperativos entre universidades, institutos
tecnológicos e empresas nacionais.
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• Estímulo à participação de Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) no processo de inovação. Possibilita que as ICTs celebrem contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento
de patentes de sua propriedade, prestem serviços de consultoria especializada em atividades desenvolvidas no âmbito do setor produtivo, assim como estimula a participação de seus funcionários em
projetos em que a inovação seja o principal foco.
• Incentivo à inovação na empresa. Concessão, por parte da União, das ICTs e das agências de
fomento, de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura, para atender às empresas
nacionais envolvidas em atividades de pesquisa e desenvolvimento. Mediante contratos ou convênios
específicos, tais recursos serão ajustados entre as partes, considerando ainda as prioridades da política
industrial e tecnológica nacional.
Ambas as leis citadas têm como dar sustentação e apoio, do ponto de vista legal, a uma maior
interação das instituições de pesquisa com o setor produtivo, seja por maior disponibilidade de recursos, seja por meio de regulamentações que facilitem as interações desses agentes.
Dando continuidade ao objetivo de mudança do patamar tecnológico brasileiro, em 2007, foi
lançado o Plano de Aceleração do Crescimento da Ciência, Tecnologia e Inovação (PAC de C,T&I) com
ações a serem executadas e objetivos a serem alcançados no período entre 2007 e 2010. O objetivo
do Plano é articular cinco políticas e programas (Plano de Aceleração do Crescimento e Infraestrutura, Política de Desenvolvimento da Agropecuária, Plano de Desenvolvimento da Saúde e o Plano de
Desenvolvimento da Educação) que levem à consolidação da política econômica e ao crescimento
econômico do País. O Plano possui quatro prioridades estratégicas gerais, subdivididas em 21 linhas
de ação: a) Expansão e consolidação do Sistema Nacional de C,T&I, incluindo ações para consolidação
institucional, formação e capacitação de recursos humanos e infraestrutura e fomento da pesquisa de
Ciência e Tecnologia (C&T); b) Promoção da inovação tecnológica nas empresas, visando estabelecer
instrumentos de estímulo, financiamento e suporte à inovação tecnológica diferenciados, de acordo
com as necessidades específicas das grandes empresas, das médias e pequenas empresas e das start-ups de incubadoras de empresas e parques tecnológicos; c) Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) em áreas estratégicas, estabelecendo 12 áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional que
receberão grande estímulo para pesquisa; d) C,T&I para o desenvolvimento social, visando estimular a
inserção e difusão da C&T na sociedade com melhoria do ensino, popularização da C,T&I na sociedade
e uso de tecnologias para o desenvolvimento social (MCT, 2007).
Em 2008, foi lançada uma nova política industrial no Brasil, a política de desenvolvimento
produtivo, com objetivo de dar sustentabilidade para o crescimento econômico, aumentar os investimentos produtivos e as taxas de crescimento econômico. Estabeleceram-se 25 setores prioritários
e três grandes programas de apoio a estes setores: a) Programas para fortalecer a competitividade:
Bens de Capital Seriados, Bens de Capital sob Encomenda, Complexo Automotivo, Complexo de Serviços, Construção Civil, Couro, Calçados e Artefatos, Indústria Aeronáutica, Indústria Naval, Madeira
e Móveis, Plásticos, Sistema Agroindustrial, Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos; b) Programas
mobilizadores em áreas estratégicas: Nanotecnologia, Biotecnologia, Complexo da Defesa, Complexo
Industrial da Saúde, Energia, Tecnologias de Informação e Comunicação; e c) Programas para consolidar e expandir a liderança: Celulose, Mineração, Siderurgia, Indústria Têxtil, Confecções e Carnes.
De acordo com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), os principais desafios da política de desenvolvimento produtivo são ampliar a capacidade de oferta no País, preservar a
robustez do balanço de pagamentos, elevar a capacidade de inovação e fortalecer as Micro e Pequenas
Empresas (MPEs). Quatro macrometas foram estabelecidas para serem alcançadas até 2010, aumento
da taxa de investimento, ampliação da participação das exportações brasileiras no comércio mundial,
elevação do dispêndio em P&D e ampliação do número de MPEs exportadoras, além das metas por programas específicos. As ações da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) são subdivididas em três
níveis de atuação: a) Ações sistêmicas: focadas em fatores geradores de externalidades positivas para
o conjunto da estrutura produtiva; b) Destaques estratégicos: temas de política pública escolhidos deliberadamente em razão de sua importância para o desenvolvimento produtivo do País no longo prazo,
quais sejam, regionalização, MPEs, exportações, integração com América Latina e África e produção
sustentável; e c) Programas estruturantes para sistemas produtivos: orientados por objetivos estratégicos tendo por referência a diversidade da estrutura produtiva doméstica (ABDI, 2008).
Posteriormente, em 2009, foi autorizada a concessão de subvenção econômica ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em operações de financiamento destinadas
à aquisição e produção de bens de capital e à inovação tecnológica. Nesse mesmo ano, em meio às
medidas anticíclicas decorrentes da crise econômica global, foi criado o Programa de Sustentação do
Investimento (PSI), para subvenção econômica da União na modalidade de equalização de juros. O PSI
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conta com três subprogramas: (a) Bens de Capital, orientado para produção e aquisição de bens de
capital nacionais (inclusive máquinas agrícolas e equipamento de transporte) e capital de giro associado (limitado a 30% do valor da operação no caso de pequenas e médias empresas e a 50% no caso de
microempresas); (b) Exportação Pré-embarque; e (c) Inovação, abrangendo as três linhas horizontais
de inovação e o Proengenharia.
O Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI) também contribuiu para o aumento
dos recursos destinados a essa área no Brasil. Os investimentos realizados pelo Governo Federal no
âmbito do PACTI foram da ordem de R$ 40,3 bilhões até 2010. Além disso, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) atingiu R$ 3,1 bilhões em 2010.
Entre 2007 e 2010, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) aumentou de R$ 3,6 bilhões para R$ 6,2 bilhões. Como resultado, os dispêndios em P&D na economia
brasileira cresceram 72% em termos reais na primeira década de 2000, alcançando R$ 43,6 bilhões em
2010. Em 2011, o MCTI tomou importantes iniciativas para melhorar a posição do Brasil na produção
de bens e serviços e no desenvolvimento tecnológico, estimulando investimentos e visando reduzir o
significativo déficit externo nesta área.
Assim, nos últimos anos, o Brasil deu passos importantes no desenvolvimento da sua capacidade científica e tecnológica. Foram aumentados expressivamente os recursos destinados a essa
finalidade para os estados e universidades federais, fortaleceu-se institucionalmente o sistema de
C&T, ampliou-se a infraestrutura de P&D, desenvolveram-se instrumentos de promoção da pesquisa
e da inovação e ampliaram-se e qualificaram-se os recursos humanos nas diversas áreas da ciência.
Multiplicaram-se e descentralizaram-se as instituições do setor, com a disseminação de formas colaborativas de desenvolvimento da pesquisa e o estímulo crescente à formação de redes para tratar de
temas estratégicos para o País e de inovação.
Conclusões
O país experimentou, desde a virada dos anos 1990, uma ampla mudança em sua agenda de
política tecnológica, por meio da instituição de um novo marco legal e da definição de novos instrumentos de incentivo, em sua maioria de âmbito federal, conjugando financiamentos não reembolsáveis e reembolsáveis, participação acionária e incentivos de natureza tributária. O desenho desses
instrumentos foi crucial na pavimentação do caminho de retomada de uma efetiva política industrial
no país.
A primeira década de 2000 significou a retomada da longa tradição de políticas industriais da
economia brasileira, com recorte setorial ainda tímido na versão da PITCE e explícito na PDP, tendo
a inovação como uma das variáveis-chave para a maior competitividade da economia. Isso implicou
numa reorientação das instituições e do conjunto de instrumentos de apoio governamental à inovação,
reformulados com base nas medidas do período anterior.
Na metade da primeira década dos anos 2000, sobretudo até 2004, predominaram iniciativas
no âmbito do MCTI/FINEP relativas ao instrumento não reembolsável dos fundos setoriais de ciência
e tecnologia e os incentivos fiscais a P&D. Além disso, uma segunda tendência dessa década, a partir
de 2005, constituiu-se na paulatina expansão do financiamento reembolsável, para a qual contribuiu
a inserção do BNDES no apoio à inovação, reflexo da inclusão da inovação como variável-chave da
política industrial.
O desempenho do MCTI vem sendo fundamental, particularmente pelo instrumento de renúncia fiscal – responsável por mais da metade dos recursos do apoio federal à inovação. Com a edição
da Lei de Inovação e da Lei do Bem, o Brasil passou a contar com um sistema mais integrado e coerente para a indução da inovação nas empresas. Atualmente, as empresas brasileiras que investem
em P&D dispõem de uma série de incentivos e facilidades, entre os quais (i) incentivos fiscais a P&D
semelhantes aos principais países do mundo, (ii) possibilidade de subvenção a projetos considerados
importantes para o desenvolvimento tecnológico, (iii) subsídio para a fixação de pesquisadores nas
empresas, (iv) programas de financiamento à inovação de capital empreendedor, e (v) arcabouço legal
mais propício para a interação universidade/empresa.
O número de empresas beneficiadas pela política de incentivo à inovação vem apresentando
crescimento significativo ao longo dos anos. Em 2006, foram 130 e, em 2007, 299 empresas. Em 2008,
441 empresas foram beneficiadas pelos incentivos fiscais previstos no Capítulo III da Lei do Bem.
Neste sentido, pode-se dizer que já existe um ambiente de inovação no Brasil, embora as
conexões entre seus atores sejam tênues. Adicionalmente, o ambiente para desenvolvimento de inovação apresenta ainda uma série de barreiras organizacionais, pessoais, profissionais e culturais, oca16
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sionadas basicamente pelas diferenças de características e objetivos almejados, que podem dificultar
o crescimento e a própria sobrevivência do sistema. Entre essas, destacam-se as barreiras na interação
com as universidades. Empresários têm destacado questões relativas ao comprometimento; à segurança e ao sigilo das informações; a falta de mecanismos de intermediação e de acesso às informações sobre a produção científica; aspectos burocráticos e legais; o despreparo das equipes para gerir projetos
e as dificuldades em transferir resultados embrionários para o mercado. Integrantes de universidades
apontam como barreiras nas interações com as empresas a falta de postura pró-ativa e inovadora, bem
como a rigidez das regulamentações de órgãos públicos e a estrutura organizacional e departamental;
o excesso de burocracia na utilização de recursos financeiros; a instabilidade de recursos financeiros
nas áreas de ciência e tecnologia; poucos ou tímidos incentivos fiscais; inadequada estrutura de financiamentos e incentivos às atividades de P&D resultando em lacunas entre universidades, empresas e
governo.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
Ciências Sociais e Aplicadas
As manifestações no Brasil
e o cenário político nacional
Andrey Henrique Andreolla e Caroline Ceni
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Resumo
O presente trabalho foi realizado com o objetivo de apresentar os fatores de todas as
manifestações que têm ocorrido no mundo, e como isso iniciou a situação no Brasil.
Compreender a Primavera Árabe, ou seja, as revoltas que ocorreram no Oriente Médio e serviram de exemplo para as aclamações por justiça em solo nacional, bem com
os resultados nesses países e no Brasil após a ida do povo às ruas, buscando melhorias
em setores carentes de atenção por seus governantes.
Analisar o cenário político nacional, conhecer e compreender o motivo de isso ir
além de vinte centavos de aumento no transporte público, apesar desse acréscimo
ter sido a gota que faltava para acrescentar às insatisfações brasileiras, fazendo com
que as pessoas saíssem às ruas e pedissem menos impunidade e mais investimento
nas necessidades dos cidadãos.
Não menos importante e também passível de estudo, entender a situação do brasileiro em relação à Copa do Mundo de 2014, assim como quanto à Copa das Confederações que se realizou no mês de junho deste ano, e as estratégias que o governo
adotou para tais eventos.
Palavras-Chaves
Manifestações. Primavera Árabe. Brasil. Cenário Político.
Abstract
This study was conducted with the aim of showing the factors of all the demonstrations that have been happening in the world, and how the same situation has started
here in Brazil.
The objective is to understand the beginning of the Arab Spring, the revolts that
happened in the Middle East and served as an example for the demand of justice on
home soil, as well as the results that followed in those countries and in Brazil after
the people have gone to the streets, asking for improvements in areas lacking attention from their leaders.
Analyzing the national political scenery, understanding why this is more than twenty
cents increasing in public transportation, although this increasing was the drop that
was missing to add of Brazilian dissatisfaction, causing people to leave the streets,
asking less impunity and more investment in the needs of citizens.
No less important and also liable to study, understanding the situation of Brazil in relation to the World Cup 2014, as well as the Cup Confederations which were realized
in June this year, and the strategies that the government adopted for such events.
Keywords
Manifestations. Arab Spring. Brazil. Political Scenery
Acadêmicos de Direito da Universidade Regional Integrada – URI - Campus de Erechim. E-mails: [email protected] e
[email protected]
(1) Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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Introdução
O objetivo desse trabalho é analisar os fatores que promoveram as manifestações ocorridas
no Brasil, como elas iniciaram e que resultados trarão. Quando surgiram as “Diretas Já” e o “Fora
Collor”, as reivindicações eram endereçadas a grupos determinados. Porém, hoje nota-se uma espécie
de manifestação inédita. As causas são diversificadas e as melhorias e mudanças que se buscam são
abrangentes, em todos os setores do país, na educação, saúde, transporte e economia.
É percebido nas ruas a revolta de pessoas que pagam uma carga muito elevada de impostos e
não tem a reciprocidade desejada, devido ao governo não oferecer qualidade nos serviços essenciais
ofertados. E a dimensão de tudo se agrava quando se verifica o valor exorbitante, na casa dos bilhões,
com as despesas em estádios e aeroportos para a Copa do Mundo, muitas vezes ultrapassando o limite
previsto no projeto inicial. Outro fator de insatisfação generalizada é a impunidade que tem acometido o país. Os governantes esqueceram que ocupam um lugar de destaque, no qual tem a obrigação
de representar o povo, e não buscar o melhor para si, ou seus partidos, por meio de favorecimentos
ilícitos.
Busca-se entender, não apenas em uma visão local, como também internacional, os motivos
que levaram os cidadãos brasileiros e dos países envolvidos na Primavera Árabe, a saírem às ruas para
buscar melhorias no seu governo, o respeito e dignidade às condições de vida.
Dessa forma, é imprescindível a importância deste artigo para entender o atual cenário verde-amarelo. É como se o sentimento de conformismo que preenchesse a cabeça das pessoas fosse
substituído pelo sentimento de mudança. Percebe-se que é a hora de mostrar a cara nas ruas e lutar
por condições melhores para todos os brasileiros. 1. Gatilho
Começou no Oriente Médio. Em ato de desespero, um jovem tunisiano ateou fogo ao próprio
corpo contra as condições de vida no país. Sua morte deu início a protestos, que logo culminaram
na saída do então presidente Zine al-Abidine Ben Ali, que estava no poder desde 1987, para a Arábia
Saudita.
As manifestações aumentaram. Os próximos a saírem às ruas foram os egípcios que, por meio
da força da população, fizeram renunciar o seu presidente, Hosni Mubarak, depois de trinta anos no
poder. Líbia e Iêmen também derrubaram seus ditadores por meio da pressão popular. Na Líbia, Muamar Kadafi, no poder desde 1969, foi capturado pelo Conselho Nacional de Transição, e posteriormente, morto. Pouco tempo depois, uma multidão ocupou as ruas de Trípoli, capital líbia, para comemorar
o que simbolizaria o fim do governo mais longo, tanto na África, quanto no mundo Árabe; nascia a
Líbia livre. Seguindo a mesma onda de resultados, a pressão popular no Iêmen encaminhou pedidos de
renúncia do então presidente Ali Abdullah Saleh (ESTADÃO, 2011).
O ato desesperado do jovem rapaz, formado, mas que precisava vender frutas para sustentar
a sua família, deu origem à chamada Primavera Árabe. A indignação do povo só cresceu, motivando as
manifestações em países como Marrocos, Irã e Jordânia (COSCELLI, CHACRA, RAATZ, 2011).
A força popular mostrava sua cara, com uma mensagem simbolizando que poderia lutar por
governos mais justos em seus países. Era a hora da mudança. O copo de água se encheu até a borda;
a última gota fez tudo transbordar. No Brasil, não poderia ser diferente.
2. Verás que um filho teu não foge à luta
A última gota do copo de água verde-amarelo se denominou de vinte centavos, e iniciou na
metade de junho deste ano, deixando perplexas autoridades da União, Estados e municípios. De um
simples protesto contra o aumento da passagem de ônibus, foram incorporados temas até então pouco
discutidos, mas que refletem diretamente na vida das pessoas. O cenário econômico internacional
revela que nossos problemas internos não são causados por fatores vindos de fora; o cenário interno
revela aumento da inflação, baixo crescimento da economia, perda do poder aquisitivo em face de
reajustes automáticos de serviços públicos precários, que, tendo em vista o alto nível de impostos
pagos, chegam até o seu consumidor final, o popular brasileiro, sem o tal padrão FIFA exigido hoje nos
estádios que irão sediar um ou dois jogos da Copa do Mundo de 2014. Além disso, há uma percepção de
que os condenados pelo mensalão, um dos maiores crimes de desvio de dinheiro dos últimos tempos
do país, não irão ficar atrás das grades.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
Havia um silêncio sepulcral por parte dos governantes, causando uma sensação de revolta no
cidadão brasileiro. O povo não aguentava mais tamanha impunidade, ao mesmo tempo em que precisava de uma resposta. O clamor da multidão nas ruas era o grito que precisava chegar até Brasília
para que uma medida fosse tomada e a esperança em um país mais justo fosse restabelecida. Algumas
vitórias foram conquistadas, como a não efetivação da Proposta de Emenda à Constituição 37, por
exemplo; algumas outras ainda estão por votação. Mas se nota que há inúmeras formas de atuar junto
ao desenvolvimento e melhoria do país. O mais importante até aqui não se manifestou em preço das
passagens reduzidas ou na queda da PEC 37, mas sim na certeza de que o povo tem força, e pode fazer
valer seus direitos junto ao Congresso Nacional, mudando o rumo e o cenário político e, aos poucos,
melhorando a vida na nossa pátria amada.
3. Os motivos de indignação do povo brasileiro
Imagine a seguinte cena: você, pai de família, ganhando pouco mais de um salário mínimo
para o sustento da sua casa, destinando um terço deste para os impostos que, teoricamente, deveria
se reverter em serviços gratuitos e de qualidade na saúde, educação, moradia e transporte público
para sua prole. Agora, essa última parte lhe é negada, e o investimento do seu “um terço”, e de todos
os outros brasileiros também, são gastos em estádios e aeroportos para alguns jogos de futebol. E,
ainda por cima, para você ir trabalhar antes do sol raiar, você precisará desembolsar vinte centavos a
mais todo dia. Se a situação era de certa forma contornável, esses vinte centavos não fariam tanta diferença, certo? Porém, aumenta vinte centavos no transporte público, mais um tanto na gasolina para
o seu carro na hora de abastecer e também mais um pouco na alimentação, enquanto os serviços que,
teoricamente, deveriam melhorar sua qualidade pela maior carga de impostos, só pioram, trazendo
demora e menos qualidade na sua efetivação. Multiplicando isso por quase todos os brasileiros que
passam por essa situação no seu cotidiano, entende-se o início das revoltas populares que tiveram seu
ápice entre junho e julho deste ano no país.
As manifestações tomaram proporções nunca antes vistas na história recente da democracia
do Brasil. Há tempos o povo não se levantava e clamava por justiça como nos últimos dias o fez. Impulsionados por uma rede de atualizações vinte e quatro horas por dia, a internet foi o veículo necessário
para levar informações a todo o momento aos manifestantes nos quatro cantos do Brasil, e estimular,
através disso, que os movimentos crescessem a cada dia. Incentivados por seus compatriotas em diversos estados e cidades, cada vez mais brasileiros saíam do conforto de suas casas para enfrentar
as ruas e gritar por justiça em território nacional. Gritos de liberdade e apartidarismo fizeram parte
do cenário brasileiro em praticamente cada município tupiniquim. Com cartazes, gritos de guerra e
faixas, relembrando os tempos dos “caras pintadas”, pessoas de todas as idades aderiram aos movimentos sociais que pediam honestidade e transparência no governo. Era hora de reivindicar direitos,
e motivos não faltavam.
Se tudo começou por causa da redução no valor do transporte urbano, pedido alcançado, nas
ruas os gritos continuavam. Temas para cartazes não faltavam; além da PEC 37, o povo clamava por
menos dinheiro público nos estádios “padrão FIFA” para a Copa do Mundo, e mais saúde, educação e
valorização dos professores, por exemplo. O aumento das passagens foi o estopim, mas à medida que
as ruas foram ficando cheias, elas também se tornaram um caldeirão de reivindicações e protestos.
O Brasil encontra-se na 85º posição do Índice de Desenvolvimento Humano no contexto mundial, não
obtendo evolução neste quesito. Pelo ranking que mostra comparativos de distribuição de renda no
mundo, o Brasil ocupa a 117ª posição. Isso tudo sem citar hospitais e escolas em condições precárias,
com profissionais mal remunerados e infraestrutura em condições inferiores de aceitação. Todos esses
índices refletem diariamente na vida da maioria dos brasileiros.
Além da cobrança pela melhoria dos serviços essenciais prestados à população, o povo reivindicava outra coisa: em primeiro lugar, a política hoje é o que mais incomoda o cidadão brasileiro. A
corrupção foi o tema mais citado como motivo dos manifestantes para protestar. E o alvo principal foi
escolhido a dedo pelo povo: as vaias para a presidente Dilma e o presidente da FIFA, Joseph Blatter, só
aumentaram o clima tenso da abertura da Copa das Confederações.
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4. A Copa das Manifestações
“O futebol é bom para que as pessoas não pensem em coisas perigosas”.
Vicente Calderón, nos anos 1960, então presidente do Atlético de Madri,
em entrevista a uma emissora de TV.
Em 30 de junho desse ano, fomos campeões dentro das quatro linhas, no Maracanã, em cima
da toda poderosa Espanha, invicta há 19 meses e atual campeã mundial. Do lado de fora do estádio,
o que se noticiavam eram as manifestações populares, chegando a reunir entre 4 a 5 mil pessoas nas
proximidades do estádio em que se realizava o jogo, a fim de protestar contra os números gastos para
a realização deste evento e dos próximos, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 (WASSERMAN, QUERO, 2013).
Para construir doze estádios para os jogos, serão gastos R$ 7,1 bilhões – R$ 1,2 bilhão a mais
do que havia sido planejado em 2010. Para os demais gastos, que incluem obras em aeroportos, de
mobilidade urbana, segurança, soma-se um total de R$ 28,1 bilhões. Desse total, aproximadamente
85% são financiados pelo poder público, quer por meio de investimentos diretos, quer por empréstimos
com juros reduzidos. Ou seja, enquanto milhares de brasileiros vibravam nos estádios, outros tantos
pressionavam as autoridades, cobrando um repasse de investimento tamanho em áreas necessitadas
hoje no Brasil, como educação, transporte, saúde e segurança (HELAL, HERDY, GRANDELLE, 2013).
E apesar de todo esse clamor e desespero por parte dos brasileiros, Blatter afirmou que, “caso
os protestos aconteçam de novo, teremos que nos perguntar se tomamos uma decisão errada de dar ao
Brasil o direito de sediar a Copa”. Se pensarmos na estrutura precária que tem o nosso país, desde a
falta de mobilidade urbana em grandes cidades até a falta de estrutura nos hospitais e escolas, é evidente que a decisão foi um erro. Analisando mais a fundo, o questionamento que fica é tentar entender porque um país se oferece para ser a sede da Copa do Mundo, um evento que envolve 32 países e
milhares de turistas, se não consegue oferecer segurança e serviços básicos para a própria população.
Os gastos e exigências exorbitantes trouxeram à tona uma espécie de ditadura consentida
pela FIFA, imposta ao Brasil através de seus padrões de qualidade. Jérôme Valcke, secretário geral
da entidade, fez-se valer de um comentário que causou revolta e indignação em críticos dos eventos,
afirmando que “menos democracia, às vezes, é melhor para organizar uma Copa. Quando você tem
um chefe de estado forte, que pode decidir, como Vladimir Putin na Rússia, em 2018, é mais fácil para
nós, organizadores”. A afirmação foi o gatilho para as palavras e protestos dos críticos do padrão FIFA,
cobrando o mesmo zelo não apenas em estádios e aeroportos, mas também em serviços essenciais para
a população e que hoje carecem de máximos cuidados e reparos para seu bom funcionamento. Por trás
de tudo isso, estão processos decisórios importantes que têm afetado a vida de milhões de brasileiros,
mas que até agora contaram com a participação zero dos cidadãos. Não há transparência nem respeito
aos direitos estabelecidos pela Constituição Federal nesse processo.
Enquanto dentro de campo, Neymar, Fred, Júlio César e companhia conseguiram reverter o
favoritismo espanhol e garantir o título ao Brasil, no dia a dia a luta do povo brasileiro continua. O
adversário, nessa batalha, são as filas do atendimento público de saúde, as condições precárias nos
hospitais, a falta de infraestrutura e professores mal remunerados dentro da sala de aula e, principalmente, talvez o maior inimigo do povo brasileiro: o seu representante dentro do parlamento, que
precisa ser uma referência no que tange a fazer valer os direitos do seu representado. Nessa questão,
a força das manifestações populares conseguiu resultados significativos: a redução de preços de passagens, que foi o estopim de tudo, e a tão desejada queda da Proposta de Emenda à Constituição 37.
O povo se questionou quem se beneficiaria com isso, gritou e teve seu pedido prontamente atendido
pelos parlamentares.
5. A conquista da não aprovação da PEC 37
A tão famosa Proposta de Emenda à Constituição 37 pretendia retirar os poderes investigativos
do Ministério Público no momento em que o Estado Democrático de Direito brasileiro passa por uma
complicada e preocupante crise. Proposta pelo deputado Lourival Mendes, do PTdoB, a campanha a
favor da PEC 37 foi considerada “muito estranha, pois aconteceu em um momento em que o Ministério Público é admirado em todo o mundo e, designadamente na Europa, por ser um exemplo de
independência e eficácia na luta contra a corrupção”, segundo Antônio Cluny, Procurador-Geral junto
ao Tribunal de Contas de Portugal. Caso tivesse sido aprovada, o Ministério Público, instituição mais
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independente em relação aos prefeitos, governadores, ministros e demais agentes políticos, ficaria
impedido de investigar fraudes e abusos, dependendo da ação da polícia que está hierarquicamente
subordinada a estes poderes (MC DONALD, 2013).
Por outro lado, há a corrente que defende a inutilidade da sua queda, feita por um Congresso
acuado pela multidão, que desconhecia o seu verdadeiro teor. A fim de atender ao clamor que vinha
das ruas, desconhecendo o tratamento constitucional e legal do tema, derrubou a referida e, então,
desnecessária proposta. Como justificativa para tal adjetivo, é afirmado que, aprovada a PEC 37 ou
não, em nada modificaria a clareza do artigo 144, § 4º, da Constituição Federal, ao estabelecer que
apenas aos delegados caiba a apuração de investigação criminal. Tal artigo prevê que a polícia judiciária, e não o Ministério Público, é apenas constituída por delegados de carreira, únicos com competência constitucional para conduzir as investigações criminais. Na redação do mesmo, “às polícias
civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União,
as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” - em nenhum
momento estabelece que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais pertencem,
simultaneamente, ao Poder Judiciário e ao MP. Declara apenas que são do Judiciário. Pelas palavras do
presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, “a PEC 37 não pretendia
retirar nada do Ministério Público, pois não se retira de alguém algo que esse alguém não tem”. Sendo
o delegado membro da polícia judiciária, este não é polícia no Ministério Público. Por essa razão, deve
presidir o inquérito policial, devendo remeter suas conclusões ao magistrado, a que se subordina, e
não ao titular do direito de acusar. Este, pela própria Constituição, pode requisitar investigações aos
delegados e acusar os delegados suspeitos de prevaricação, não mais que isso, visto que é parte nas
investigações e não pode ser “parte” e “juiz” ao mesmo tempo (MARTINS, 2013).
No fim das contas, com as galerias lotadas de estudantes, promotores e procuradores, foi
decretada, por meio de 430 votos, a queda da Proposta de Emenda à Constituição 37. O povo foi às
ruas contra a corrupção, taxando todos os delegados de corruptos e todos os membros do Ministério
Público de vestais. A Constituição, dessa vez, não foi alterada. Várias opiniões surgiram a seu respeito.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que “negar ao Ministério Público a possibilidade de investigar seria incapacitar, não a instituição, mas a sociedade brasileira para o exercício pleno
do direito à efetividade da tutela penal, notadamente contra a criminalidade de colarinho branco”.
Com ponto de vista contrário, o advogado criminalista Leandro Vasques defendeu que, embora a
OAB reconheça “a boa intenção e relevância do MP”, também compreende que o pacto federativo
determina que seja exclusivamente da polícia a competência de investigar crimes. Segundo o próprio
MP, em todo o mundo, apenas três países vedam a investigação de seus Ministérios Públicos: Quênia,
Indonésia e Uganda. Sabe-se que, efetivamente, caso aprovada a proposta, sepultaria cerca de doze
mil investigações do MP que foram abertas entre os anos de 2009 e 2013, e permanecem inconclusas.
Isso ocorreria porque o seu texto previa que apenas as policias federal e civil poderiam realizar investigações criminais.
Entre os motivos daqueles que defenderam e daqueles que rejeitaram a ideia da Proposta de
Emenda à Constituição 37, fica uma certeza: a força e o grito do povo nas ruas influenciaram diretamente na decisão do Congresso. Portanto, é de notório conhecimento que o cidadão brasileiro, unido,
tem capacidade para mudar os rumos do cenário político no Brasil, seja através de manifestações
pacíficas, seja através de representantes no Congresso Nacional.
6. Cenário político no Brasil
O aumento do descrédito na política brasileira é evidente. Nas “rodas” de conversa, é quase
unânime a afirmação de que não existem mais políticos honestos no Brasil. Comparações com outros
países, onde a corrupção é considerada crime hediondo, são as mais impetradas para comparar o cenário político daqui com os do exterior. E motivos realmente não faltam para o desânimo da população
com os seus governantes. A sensação de impunidade contra os praticantes do mensalão é grande, pois
estes, além de estarem envolvidos em um dos maiores crimes políticos da história do país, ainda assim
voltam aos seus assentos em Brasília, para tratar de interesses do cidadão brasileiro e discutir qual é
o melhor rumo que o país deve tomar.
O cenário político brasileiro passa por uma grave crise, talvez a maior da sua história, desde
a implantação da Constituição Federal em 1988. O povo, depois de quase três décadas, volta às ruas,
exigindo melhorias nos serviços essenciais prestados pelo governo e transparência no controle da máquina pública por seus representantes.
De fato, a vitória dos “caras pintadas” na década de 90 trouxe uma constituição forte e,
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teoricamente, uma base para solucionar todas as divergências e controlar o país da forma mais justa
e honesta para todos os que nascem em território verde-amarelo. Entretanto, a prática mostra outra situação. Nos dias atuais, a população nota que o sistema é manipulado para sustentar quem o
controla, uma parcela mínima da população brasileira, mas escolhida por esta para estar em Brasília
representando seus interesses. Uma reforma política proposta pela atual presidente do país é uma
resposta aos gritos das ruas, porém, isso não altera todo o cenário nacional, muito menos traz aquilo
que o povo tanto pediu nas ruas.
Indubitavelmente, essa mudança não será realizada em pouco tempo. Várias são as questões
em aberto dentro da política nacional que precisam de conserto. Acuado pela pressão popular, o legislativo sucumbiu quanto aos seus pedidos e algumas ações já foram tomadas. O povo se fez ouvir,
e o seu clamor foi agraciado com votações positivas pelo Congresso Nacional em relação ao cidadão
brasileiro. Tal qual uma legítima democracia deve ser.
Todavia, essa mutação só se refletiu através de medidas drásticas, como foram as manifestações pacíficas envolvendo milhares de pessoas pelo Brasil afora. A verdadeira conquista da democracia
só se dará quando, mesmo com o povo em silêncio, este saiba que ações corretas e em prol do desenvolvimento social estejam sendo tomadas por quem as cabe. O sentido da democracia se completará
no momento em que o cidadão brasileiro tenha a certeza de que está representado por um deputado
ou um senador verdadeiramente preocupado com o seu bem-estar social e o desenvolvimento do país.
Essa é a verdadeira reforma política: só faz o trabalho quem realmente sabe e se preparou para tal.
O povo brasileiro deu o seu recado e gostou da resposta. Mesmo em menor quantidade nas
ruas, há a perspectiva de mudança no cenário político. E o mais interessante do protesto acabou sendo
mudanças pleiteadas não só a nível nacional, mas principalmente local. Vários jovens, nunca antes
ligados em política, se inteiraram sobre o assunto e os movimentos que estavam ocorrendo no país e
começaram a se organizar e cobrar mudanças também em seus municípios, através de grupos de liderança e organizações. A política deixou de lado o adjetivo de “chata” e passou a se tornar interessante
aos olhos dos mais novos, pois através dela descobriram que poderiam defender seus direitos e buscar
uma melhor condição de vida, cobrando do Estado aquilo que lhes é devido, e até mesmo um trabalho
mais honesto e transparente por quem o faz.
A transição na face do cenário político nacional está clara. Objetivos foram alcançados com a
força de quem realmente governa o país: os cidadãos brasileiros. Em meio a opiniões diversas, sabese que alguma coisa mudou. Não eram mais os partidos políticos exigindo direitos e deveres, mas sim
as pessoas que saíam do conforto de suas casas para protestar por melhorias. Um avanço concreto foi
estabelecido, pautas comuns foram encontradas, e a semente para a teoria da democracia no país sair
do papel e efetivamente se tornar prática foi plantada. A sonolência já não impera, os olhos de todos
estão mais abertos para assuntos antes deixados de lado pela população.
Considerações finais
A reforma no poder político é urgente. Enquanto o parlamentar cassado volta à sua casa legislativa e o condenado pelo Supremo não está na cadeia, a população brasileira paga impostos cada
vez mais elevados e não obtém qualidade dos serviços que deveriam ser ofertados pelo Estado. Isso
faz crescer a indignação no país. As manifestações são apenas a ponta do iceberg, e podem servir de
trampolim para novas ações, pensamentos e atitudes do povo brasileiro, tendo em vista o que a Constituição Federal assegura como direito de cada cidadão e, assim, garantir mudanças ao cenário político
no qual se encontra o Brasil.
Notados os resultados das ações de resposta dos parlamentares, uma boa solução para a
situação do cenário político nacional seria reivindicar maior preparação como exigência para os
pleiteadores de cargos eleitorais no país. Tendo em vista que vários profissionais de diversas áreas
necessitam de uma preparação, e até mesmo uma prova posterior para exercerem seus cargos, nada
mais justo do que estabelecer o mesmo para quem está ali para fazer um dos trabalhos mais importantes no Brasil: garantir da forma mais adequada possível as necessidades essenciais da grande
parte da população brasileira – vide direitos e garantias fundamentais instituídos no artigo 5º da
Constituição Federal de 1988.
O que se nota hoje é uma realidade distorcida: uma carga de impostos altíssima não é destinada para as necessidades da população brasileira, ao mesmo tempo em que o povo é obrigado a
“engolir” a impunidade de políticos corruptos. O Brasil quer mostrar com essas manifestações e vaias
que não é apenas o país do samba e do futebol. Também tem anseios e força para ir às ruas e cobrar
o que lhe é devido pelo Estado.
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Uma forma de interagir e estar a par do que acontece no âmbito político é a informação
constante dos projetos de leis municipais, estaduais e nacionais. Muitas propostas de emenda à constituição com temas importantes e relevantes para o cotidiano das pessoas são votadas diariamente sem
o devido conhecimento das mesmas. Essas votações correm em aberto, e são passíveis de ciência de
todos os que querem se inteirar mais sobre elas. Propostas como a redução de deputados na Câmara
Legislativa, por exemplo, trazem como consequência para a União uma redução nos gastos de dinheiro
público. O que ocorre é que, muitas vezes, por acomodação ou falta de informação, o cidadão acaba
não reconhecendo que tem o direito de opinar e fazer valer sua vontade, mesmo não sendo um dos
membros efetivos do legislativo. As manifestações que ocorreram nos últimos dias mostram que essa
percepção está mudando, tendo em vista as alterações concretas estabelecidas pela força das ruas
junto ao Congresso Nacional.
A voz do povo foi ouvida. Os gritos na rua ecoaram na medida certa. Quem precisava dar a
resposta, deu essa se baseando nos desejos dos cidadãos brasileiros. Resta saber o desfecho de tudo
isso no decorrer do tempo. Uma das coisas que foram estabelecidas é o resultado das manifestações,
por sua vez, pacíficas que afetaram de uma forma nunca antes vista, nos quase trinta anos de regime
democrático, a história política nacional. Enquanto os governantes, em sua maioria, passavam sinais
de descaso com os serviços básicos que deveriam ser prestados à população, o povo, em praticamente
todas as cidades do Brasil, dava o seu recado. E muito brava e democraticamente, se fez ouvir. Saindo
do status de “deitado eternamente em berço esplêndido”, em alto e bom som passou a ser “um filho
que jamais foge à luta”.
Referências
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Acesso em 15 de julho de 2013.
ESTADAO.COM.BR. A revolução que abalou o Oriente Médio. Disponível em: http://www.estadao.com.
br/especiais/a-revolucao-que-abalou-o-mundo-arabe,130095.htm. Acesso em 15 de julho de 2013.
FARAH JR, Moisés. Manifestações no Brasil: quais as razões? Disponível em: http://www.gazetadopovo.
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WASSERMANN, Rogério. QUERO, Caio. ‘Copa das Manifestações’ deixa legado misto para o Brasil. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130630_final_confederacoes_cq_rw_
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MC’DONALD, Brendan Coleman. PEC no. 37/2011. Disponível em: http://www.arquidiocesedefortaleza.
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MARTINS, Ives Granda. A inútil derrubada da PEC 37. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-inutil-derrubada--da-pec-37-,1049610,0.htm. Acesso em 17 de julho de 2013.
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tribunadabahia.com.br/2013/06/23/cinco-motivos-que-justificam-as-manifestacoes-nas-ruas-do-brasil.
Acesso em 19 de julho de 2013.
UOL NOTÍCIAS. Um mês depois, manifestantes refletem sobre legado de megaprotestos. Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2013/07/17/um-mes-depois-manifestantes-refletemsobre-legado-de-megaprotestos.htm. Acesso em 20 de julho de 2013.
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Ciências Sociais e Aplicadas
Os modelos de Estado
e as características
da jurisdição
Fabiano K. Clementel1
Resumo
Este texto foi elaborado com o propósito de discutir os modelos de Estado, a partir da
modernidade, e seus reflexos na jurisdição. No início, optou-se por resgatar algumas
características do período medieval na tentativa de entender a crise paradigmática
que aquele espaço de convivência sofreu ao alavancar para uma nova realidade, que
gradualmente foi se afastando daquela forma de viver e compreender o mundo até
chegar à concepção de Estado Moderno. A partir daí são tecidas considerações sobre
as características dos modelos de Estado, bem como sobre as formas de manifestação da jurisdição em cada um destes modelos. Ao final, nossa tentativa é identificar
qual o modelo de Estado brasileiro atual, bem como compreender como a jurisdição
tem se manifestado hodiernamente.
Palavras-chaves
Período medieval. Período moderno. Modelos de Estado. Jurisdição. Realidade
brasileira.
Abstract
This paper was written with the purpose of discussing the models of state, from
modernity and its consequences in the jurisdiction. At first, we chose to rescue some
features of the medieval period in an attempt to understand the paradigmatic crisis
that living space has the leverage for a new reality, which gradually moved away
from that way of living and understand the world until the design the Modern State.
From this account are woven on the characteristics of the model state, as well as
the manifestations of jurisdiction in each of these models. Finally, our attempt is to
identify which model of the Brazilian state current, as well as understand how the
court has spoken of today.
Keywords
Medieval Period. Modern period. Models of State. Jurisdiction. Brazilian reality.
Considerações iniciais
O presente artigo tem o propósito de discutir a concepção moderna de Estado, enfrentando-a
a partir de seus modelos, e procurando identificar quais são os seus reflexos na Jurisdição. Para tanto,
o texto seguirá uma forma estruturalmente simples.
Inicia-se com uma breve regressão ao período pré-moderno, com o objetivo de anotar as principais características daquele modelo de vida, além de tentar explicar a dinâmica social que levou à
crise do modelo referido. Após, busca-se mostrar que o resultado da superação desta crise é a concepção
(1)
Advogado. Doutorando em Direito. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Especialista em Ciências Penais pela PUCRS. Graduado em
Direito pela PUCRS. [email protected].
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moderna de Estado, formada, especialmente, a partir da construção de três pilares daquele período e
contexto, a saber: (a) o indivíduo, (b) o Direito Natural e (c) o contrato social. Essas bases foram pensadas e criadas na perspectiva do modelo de racionalidade moderna, e, nesta ótica, possibilitaram que se
refletisse sobre a concepção de Estado e sua estrutura.
Importante referir que a percepção temporal adotada neste texto não se fixa em datas cronológicas referentes à história da humanidade. Pensa-se que a dinâmica social é fruto de um processo
histórico, e não de um recorte de realidade cabível “em uma caixinha de recordações.” Com isso, as
características apontadas como modernas, muitas vezes poderão ser verificadas no contexto medieval,
já que acolá é o seu nascedouro, na maioria das vezes.
Em seguida, o texto tem a proposta de demonstrar, de maneira interdisciplinar, vários aspectos da vida humana que podem ser percebidos na ciência, na cultura e nas artes, os quais, de alguma
forma, impulsionaram a humanidade, pari passu, à mutação dos modelos de Estado – Estamental, Absolutista e Liberal, respectivamente –, e percorrendo o surgimento do Estado de Direito, refletido nos
modelos políticos de Estado Liberal, Social e Democrático, respectivamente.
Frisa-se que estes modelos de Estado foram sendo criados em conformidade com a necessidade de cada contexto histórico-temporal, e suas estruturas e instituições, em especial a Jurisdição,
caracterizaram-se de forma muito peculiar em cada uma destas fases.
Ao final, o artigo propõe uma reflexão acerca do momento atual da Jurisdição, em especial no
nosso país, procurando entendê-la de acordo com o modelo de Estado contemporaneamente vigente.
Por derradeiro, não se deve esquecer que o presente trabalho é introdutório e tem tão somente o
objetivo de (re)visitar criticamente alguns conceitos já consolidados.
1. Antecedentes do Estado Moderno e o seu ascender
Antes de se falar dos modelos de Estado presentes na modernidade, é importante regressar
alguns séculos, ainda no período medieval, de modo que se possa tornar possível a compreensão
dos fenômenos da época pré-moderna, os quais são verdadeiramente responsáveis pela mudança de
posturas e atitudes dos indivíduos na modernidade, já que no medievo as pessoas escolheram aquele
momento final de crise como o instante perfeito para realizar uma ruptura, ou melhor, uma transição
paradigmática da forma de ver e encarar o mundo. Vale lembrar que o medievo é um cenário restrito a
apenas parte do mundo (Europa Ocidental), a qual teve seu modo de vida conduzido sob a perspectiva
do cristianismo.
As características básicas da Idade Média são:
“(...) teocentrismo e unidade da fé, fragmentada cá e lá, por heresias; filosofia e teologia escolástica;
domínio do Pontificado e do Império; feudalismo; corporações; cruzadas; Ordens mendicantes; Inquisição; preservação da cultura clássica romana e recuperação da cultura e filosofia gregas.”1
Para Lênio Streck e Bolzan de Morais2, em contrapartida, as características do medievo revelam aspectos que, paulatinamente, levaram à substituição do modelo. São eles:
A – permanente instabilidade política, econômica e social; B – distinção e choque entre poder espiritual
e poder temporal; C – fragmentação do poder, mediante a infinita multiplicação de centros internos
de poder político, distribuídos aos nobres, bispos, universidades, reinos, corporações, etc.; D – sistema
jurídico consuetudinário embasado em regalias nobiliárquicas; E – relações de dependência pessoal,
hierarquia de privilégios.
Para compreender a Idade Média, segundo Dumont, é necessário que se faça, antes, uma escolha antropológico-metodológica pela espécie de sociologia a ser utilizada. Opta-se neste texto pela
concepção do homem como um ser social, ainda que dotada de suas individualidades, e da sociedade
como algo natural.
ULLMANN, Reinholdo Aloísio. A universidade medieval. Coleção Filosofia 111. 2ª ed., ver. e aum. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p. 31.
STRECK, Lenio Luiz, e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003, p. 21.
1 2
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É que se o homem está sempre inserido no fato social total3, é por meio dos fatos de sua consciência (ideias e valores) determina toda sua paisagem mental, alguns elementos como a economia, a
política, o indivíduo e a moralidade podem ser analisados.
Sob a ótica ideológica de Dumont, pode-se dizer que o medievo era marcado pelo espiritualismo, ou seja, o indivíduo, categoria criada nesta época, é um indivíduo-fora-do-mundo, porque vivia
em-relação-com-Deus. A vida no mundo social (mundanidade) era condicionada pela vida espiritual
(extramundanidade). Assim, as pessoas desta época viviam em comunidade por meio do holismo (oposição ao individualismo)4.
A Igreja dos primeiros séculos predominava sobre a maneira de organização social, já que a
relação entre Estado e Igreja sempre foi dimensionada como algo que decorresse da vontade de Deus,
figurando a pessoa apenas como coadjuvante, sem qualquer ingerência sobre si; vivia para Deus. Neste
contexto, a Igreja Católica reivindicou para si a autoridade e levou água ao moinho do holismo, legitimando a ordem estamental feudal e falando em nome da comunidade dos fiéis, sempre amparada nas
doutrinas patrísticas e escolásticas.5
Com o progresso do individualismo, a partir do século XIII, e a emancipação política da Igreja,
com o consequente renascimento do Estado, a paisagem social começa a mudar. Como lembra Celso
Rodrigues, as novas sociabilidades emergentes no interior da ordem feudal demarcaram a aceleração
do processo de formação do indivíduo moderno.6
Dumont demonstra que a crise medieval começa a surgir com o enfraquecimento da Igreja e
a instabilidade do poder papal frente às questões mundanas e até extramundanas. Se antes Estado e
Igreja estavam unidos, pois a relação entre eles era algo que decorria da vontade de Deus, ainda que
cada um tivesse a sua atribuição7, agora a Igreja enfraqueceu frente às mutações sociais – insuportabilidade das relações feudais de suserania e vassalagem, capitalismo incipiente com os primeiros burgos,
questionamento dos dogmas religiosos (Poder) pela autoridade real, intensificação dos contatos com
o Oriente, dentre outros.
Em resumo, os aspectos que revelam a crise nas estruturas do mundo medieval (cristianismo
e regime feudal) mais importantes de serem referidos são: (a) o surgimento do individualismo8, com
a eliminação da verticalidade própria da comunidade (sociedade estamental), e criação da horizontalidade (todos os indivíduos são iguais); (b) o surgimento do capitalismo mercantil (criação dos burgos
– burgueses como novos tipos sociais – corporações de ofício, etc.); e (c) a transformação da Igreja,
adquirindo forma política (Tribunais da Santa Inquisição, por exemplo).
Um panorama possível de se traçar seria: 1) A supremacia da Igreja na Idade Média; 2) A revolução que leva à supremacia do Estado, com as teorias calvinistas e luteranas sobre o ser humano
e Deus9, na época moderna; 3) E a continuidade subjacente na transformação10. Esse panorama de
nascimento do Estado Moderno teve alguns aspectos que marcaram a transição: 1) Galileu e Newton
(nas ideias científicas); 2) Renascimento (retorno dos céticos, com as ideias sobre a cultura); 3) Reforma (desafio às autoridades tradicionais da Igreja); 4) Ação (guerras religiosas, revolução comercial,
expansão além-mar); 5) E o choque com novas culturas11.
É a partir desta realidade que a humanidade muda de rumo, dando um salto da comunidade
holística para a sociedade dos indivíduos. Porém, para entender a complexidade do contexto é necessário compreender o pensamento que nele se ambientaliza. Nessa dimensão, os homens fogem da
razão contemplativa para uma razão ativa, direcionando-se para dentro de si mesmos (antropocentrismo). É esta concepção de razão que cimentou as bases do Estado Moderno, seus órgãos e poderes, e
está espalhada culturalmente, na sociedade, na mentalidade das pessoas, nos seus conceitos, na sua
No sentido proposto por Louis Dumont, onde o homem tem um espectro de realidade a sua volta e é a partir desta perspectiva global que o
homem deve procurar conceber os fenômenos sociais. Na perspectiva do autor, fato social total é o complexo específico de uma dada sociedade, mas que pode identificar tanto os aspectos comuns como as diferenças na sociedade. Não existe fato sociológico independentemente
da referência à sociedade global em questão Ver, neste sentido, DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia
moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 13.
4
Idem, 38.
5
RODRIGUES, Celso. O individualismo moderno e o tempo do direito. Revista de Estudos Criminais. Ano VII – 2007 – nº 24, p. 118.
6 Idem, p. 119.
7 Segundo Dumont, “... se a Igreja está no Império para os negócios do mundo, o Império está na Igreja para as coisas divinas.” (Op. Cit., 47).
8
O ser humano torna-se indivíduo quando a noção de direito se prende não mais a uma ordem natural e social, mas ao ser humano particular.
Com a categoria do indivíduo surge uma nova noção de poder, a qual é concebida nos dias de hoje, que está calcada na ideia de liberdade e
sociedade em oposição à noção de poder própria do contexto da comunidade (estamentos, relações de suserania e vassalagem, etc.).
9
Conforme Celso Rodrigues, “(...) nos dois reformadores temos a afirmação do indivíduo moderno: em Lutero Deus é acessível à consciência
individual pela fé e pelo amor, sem intermediários; em Calvino, um Deus como vontade inspira uma fé não-contemplativa, orientada para
ação.” (RODRIGUES, Celso. O individualismo moderno e o tempo do direito. Revista de Estudos Criminais. Ano VII – 2007 – nº 24, p. 121).
10
DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 80.
11
BAUMER, Franklin Le Van. O pensamento europeu moderno. Volume I, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Edições 70, 1977.
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forma de pensar; enfim, na sua forma de ver e encarar o mundo12.
2. Os modelos do Estado Moderno
O nascimento do Estado Moderno está imbricado na transição e na transformação das ideias
políticas ocorridas na Idade Média. É a emancipação destas ideias que demonstra o germe da teoria
moderna de Estado. Como nos disse Aderson de Menezes, é neste contexto de maior liberdade que
começa a eclodir o Estado Liberal, pois “(...) a luta entre o poder temporal e o poder espiritual, travada em prol do reestabelecimento e nova consolidação do Estado, determinou ambiente propício à
eclosão das monarquias de caráter absolutista.”13
Surgem, nesta seara, três institutos que deram origem à primeira noção de Estado Moderno:
o indivíduo, o Direito Natural, e o Contratualismo. Esses institutos se revelam (a) pelo surgimento do
racionalismo antropocêntrico, onde o indivíduo é um indivíduo-no-mundo (iniciado no final do século
XV e consolidado no século XVI), (b) pelo incremento do Direito Natural Moderno (o jusnaturalismo é
o espaço onde se define que existem direitos naturais inalienáveis, próprios da concepção de ser humano, e essa definição ocorre por influências diretas da concepção de razão oriunda da modernidade),
(c) e pelo surgimento das teorias contratualistas, onde, em síntese, ocorre o processo de laicização
do Direito (o direito não depende mais da religião. O seu conteúdo passa a ser uma mera convenção
reconhecida como valiosa. Assim, a partir da compreensão da natureza pelo espírito humano, as leis
positivas seriam constituídas, expressando o poder e a vontade dos indivíduos).14
Vale lembrar que a supremacia da Igreja, no período medieval, é substituída agora pela supremacia do Estado, e pela emergente cultura racional (Descartes) como força motriz do poder temporal.
Na modernidade, a razão substitui a fé. Essa razão fez com que a comunidade cristã hierárquica se
atomizasse em dois níveis: foi substituída por numerosos Estados individuais e estes por homens individuais.
Celso Rodrigues ensina que a ênfase no caráter “renovador” do Renascimento deve ser relativizada enquanto um típico exemplo de construção de um mito historiográfico – o mito da origem da
modernidade. Para ele, isto configura uma situação ficcional, assentada no caráter racional presente
na cultura renascentista15. Por isso, falar-se da origem da modernidade é assumir um ponto de partida
alheio às diversidades existentes naquele contexto em favor do seu mito fundador.
2.1 O Estado Liberal
A primeira forma de Estado centralizado foi o Estado Estamental (entre o Medieval e o Absolutista), formado pela alta nobreza, baixa nobreza, clero e a burguesia das cidades, onde se pactuavam
documentos jurando lealdade entre si e obediência aos seus príncipes e reis. Assim foram no século XIV
os reinos da Inglaterra, da França, da Espanha, de Portugal e da Suécia, por exemplo. Ainda não vigora
a perspectiva do Direito como instrumento estatal, embora essa nova forma de Estado influenciará
diretamente na elaboração das Constituições modernas16.
Posteriormente, surgiu o Estado Absolutista. Este modelo é marcado pela necessidade de
centralização imposta pelas relações do novo modo de produção surgido no final do período medieval
– o capitalismo. Aqui a necessidade imposta é de um deslocamento do Poder supremo dos senhores
feudais, já iniciado no Estado Estamental, para o Estado, na figura do representante da soberania
estatal, no caso o rei. Assim, o conceito de soberania surge como uma importante categoria a ser
considerada17.
De acordo com Lênio Streck e Bolzan de Morais18, as principais características do Estado MoPOZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. Reflexos da crise do conhecimento moderno na Jurisdição: fundamentos da motivação
compartilhada no processo penal. Tese de doutorado. Porto Alegre, 2005, p. 90.
MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1972, p. 116.
14
POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. Reflexos da crise do conhecimento moderno na Jurisdição: fundamentos da motivação
compartilhada no processo penal. Tese de doutorado. Porto Alegre, 2005, pp. 21-64. Ver também, neste sentido, CAPELLA, Juan Ramón.
Fruto Proibido. Uma aproximação histórico-teórica ao estudo do Direito e do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
15
RODRIGUES, Celso. O individualismo moderno e o tempo do direito. Revista de Estudos Criminais. Ano VII – 2007 – nº 24, p. 120.
16
O modelo de positivação do direito pelas Constituições irá criar outro modelo de Estado, denominado Estado de Direito, o qual será
associado à ideia de Estado Liberal.
17
Dos vários significados possíveis de soberania, é importante ter-se em mente o básico, isto é, que soberania e poder estão intimamente
vinculados. Assim, a soberania pode ser aquele poder próprio do Estado que possibilita sua supremacia sobre os indivíduos e sobre as
sociedades de indivíduos que formam sua população (soberania interna), além de representar sua independência perante os demais Estados.
Ver, neste sentido, AZAMBUJA, Darcy. Introdução à ciência política. 15 ª ed. São Paulo: Globo, 2003, p. 62.
18
STRECK, Lenio Luiz, e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003, p. 25.
12 13
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derno são: o território e o povo, como elementos materiais; o governo e o poder, a autoridade ou o
soberano, como elementos formais. Há, também, de ser considerado que o Estado Moderno possui
elementos que lhes são peculiares: (a) a autonomia (soberania do Estado); (b) a distinção entre Estado
e sociedade civil; (c) o Estado não é propriedade do senhor, mas se identifica com o monarca, o qual
representa a soberania estatal19.
O modelo de Estado que se seguiu ao Estado Absolutista é o Estado Liberal. Necessário referir,
entretanto, que não existiu um Estado Liberal, porque ao longo dos anos esse modelo dinamizou-se
e modificou-se em conformidade com a realidade do momento, sofrendo, especialmente, influências
sociológicas, políticas e jurídicas.
O Estado Liberal foi caracterizado por vários aspectos histórico-sociais, mas os mais importantes, no plano sociopolítico, foram as revoluções políticas ocorridas na Inglaterra, em 1640 e em
1688 (Revolução Gloriosa), e na França com a Revolução Francesa de 1789. No plano socioeconômico
a Primeira Revolução Industrial teve grande representação (substitui-se o capitalismo mercantil pelo
capitalismo industrial)20.
Veja-se que o Estado Liberal é o retrato da efervescência social, impulsionada por determinados grupos, especialmente pela burguesia, os quais buscavam – após a centralização do Poder,
conquistada com a paulatina extinção dos feudos – o absenteísmo do Estado em nome da liberdade
nas relações sociais e econômicas. A luta entre liberdade e poder, portanto, marcou fortemente o
pensamento dos séculos XVII e XVIII. Ainda, as teorias contratualistas dos séculos XV e XVI levaram a
uma mudança de posturas nos pensadores e nas figuras pessoais que, na época, eram capazes de concretizar tais teorias com ações no plano prático.
2.1.1 O surgimento do Estado de Direito
Após as revoluções, a Alemanha foi pioneira em criar uma forma de substituição de administração do poder monárquico que, posteriormente, foi adotada pela França. O exercício do estado darse-ia pelo respeito à lei. Assim, criou-se o Estado de Direito, com uma perspectiva normativa e de conteúdo (direitos fundamentais), o qual irá se manifestar nas perspectivas liberal, social e democrática.
Na realidade, segundo Aderson de Menezes21:
“É o Estado constitucional, que alguns denominam genericamente de Estado moderno e que outros
apelidam particularmente de Estado Liberal, quando, na verdade e apesar dos pontos de contacto, é
preciso cuidado com essa variedade designativa, nem sempre bem apurada em seu significado, porque,
se é procedente a afirmativa de que o Estado contemporâneo tem sido tudo isso em determinados momentos e a certo aspectos, o exato é que foi sempre e é, invariavelmente, um Estado de Direito, ainda
que juridicamente imperfeito em hipóteses concretas, mas regulado pelos preceitos da Constituição
que lhe inoculta vida e lhe norteia atividade.”
Como ensinam Lenio Streck e Bolzan de Morais22:
“(...) o Estado de Direito irá se apresentar ora como liberal em sentido estrito, ora como social e, por
fim, como democrático. Cada um deles molda o direito com seu conteúdo, como veremos a seguir, sem
que, no entanto, haja uma ruptura radical nestas transformações.”
2.1.2 A posição da jurisdição dentro do Estado Liberal de Direito
Idem, p. 26. De acordo com os autores, “o rompimento paradigmático da velha ordem medieval para a nova ordem se dá principalmente
através da passagem das relações de poder (autoridade, administração da justiça, etc.) – até então em mãos privadas do senhor feudal –, para
a esfera pública (o Estado centralizado). Ou seja, na medida em que ocorria a alteração do modo de produção, a sociedade civil agregava
novas exigências ao que até então era exercido pelo poder privado (comunicações, justiça, exército, cobrança de impostos, etc.).” (idem,
p. 28).
20
“A Revolução Francesa (1789) e a Independência das Treze Colônias (1976) representaram os marcos paradigmáticos da modernidade
política ocidental, pois a partir dessas experiências históricas formularam-se os repertórios políticos e jurídicos principais da construção
da identidade política moderna. Dito de outra forma, a modernidade emergente transformava-se rapidamente numa tradição de conteúdo
universalista, hegemonizando a experiência histórica e convertendo-a numa espécie de destino.” (RODRIGUES, Celso. O individualismo
moderno e o tempo do direito. Revista de Estudos Criminais. Ano VII – 2007 – nº 24, p. 130).
21
MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1972, p. 118.
22
STRECK, Lenio Luiz, e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003, p. 89.
19
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31
Pode-se dizer que a Revolução Francesa – marco representativo das conquistas libertárias da
humanidade – foi também a imposição de uma ideologia que vinha crescendo desde o fim da época
medieval. Na realidade, às classes sociais até então existentes, a saber: alta nobreza, baixa nobreza
e clero, somou-se uma quarta, a classe social burguesa, que, aos poucos, foi adquirindo importante
espaço na transição política-econômica. Com a formação do Estado Moderno, a classe burguesa passou
a reivindicar maior participação política. Ao conquistá-la, insuflou a revolução como meio para consecução de seus fins. No ápice da revolução, a classe burguesa impingiu sua ideologia, prezando pela
Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Essa liberdade, obviamente, tinha o condão ideológico de servir
aos seus interesses, o que, de fato, acabou se confirmando.
Assim, com a revolução francesa, o Estado Liberal de caráter absenteísta passa a ser engessado por outro modelo de Estado capaz de impor limites à atuação do seu representante, que é o Estado
de Direito, o qual se manifesta a partir das Constituições. O freio não está mais no direito divino (medievo), tampouco no direito natural (Estado Absolutista); agora, o freio está no agir do “soberano”; nas
codificações e positivações jurídicas, com a intervenção estatal apenas na esfera pública.
A jurisdição, neste contexto, formou-se sobre o mesmo modelo de razão em que se formou
o Estado – razão cartesiana. Por isso o juiz, como órgão estatal, apresenta-se apenas com o papel de
fazer cumprir as leis. A jurisdição, assim, é eminentemente engessada e descritiva. O Juiz não tem
poder criativo; sua função é apenas a de aplicar a lei. É, em resumo, um juiz boca da lei, inerte23, e
isso para atender tão só a mens legis e a mens legislatoris.
Em resumo, esse Estado é caracterizado pela liberdade e pela igualdade formal, vislumbrada
na positivação dos Direitos Naturais em Constituições, como corolário do pensamento liberal-burguês
do século XVIII, quando se implementaram os denominados direitos de primeira geração24 - direitos do
indivíduo frente ao Estado, mais especificamente direitos de defesa que demarcam um espaço de não
intervenção do Estado, e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder.
2.2 O Estado Social
Com a ascensão burguesa ao poder político e a imposição de maiores liberdades civis e políticas, outra realidade classista surge como contraponto ao modelo Liberal, com o despotismo não mais
nas mãos do Estado, mas da própria sociedade. Agora se torna visível que a luta pela liberdade política
estava ideologicamente ligada ao interesse por uma liberdade econômica. Assim, as sociedades libertárias e igualitárias produziram massas de indivíduos solitários incapazes de governar a sociedade e,
portanto, vítimas indefesas dos déspotas, culminando no seu isolamento. Parte da população passou a
ser esmagada pelas próprias premissas pelas quais lutaram25.
O proletariado, desse modo, é a nova classe social surgida com a ascensão da burguesia, esta
emergida do capitalismo industrial e da consolidação das nações e dos Estados Modernos. Nesta perspectiva, a relação entre Estado e burguesia é uma relação de dependência, ou seja, a burguesia vê
no Estado um instrumento para manutenção do status quo social, com a garantia de que as relações
econômicas seriam regradas pelo próprio capitalismo, e o Estado interviria apenas nas garantias chamadas negativas.
Contudo, novas ideias em prol dessa nova classe social foram surgindo. Essas ideias acabaram por
consolidar o que se entendeu como Estado Social. Um dos maiores teóricos representativos da oposição ao
Liberalismo Político e Econômico foi Karl Marx, idealizador do socialismo científico. Marx, dentro da sua
teoria de Estado, acreditou na ideia de revolução do proletariado, o qual passaria a assumir o poder das
instituições, com a apropriação coletiva dos meios de produção, e a substituição do regime político-econômico – condição da classe dominante. O proletariado assumiria o Estado, para extinguir e abolir as classes
sociais (fase do socialismo) e, consequentemente, o próprio Estado (fase do comunismo)26.
Em resumo, para uma compreensão do Estado Social de Direito, é importante referir que este
Segundo Celso Rodrigues, o movimento de codificação promoveu a nítida separação entre a esfera pública e privada, pois tinha como
pressuposto conter a tradição intervencionista própria da ordem estatal absolutista, recém-destronada. “Da mesma forma que o holismo
cedeu lugar ao individualismo moderno, o Estado passava à condição de defensor dos interesses privados. O Direito Moderno contemplava,
por assim dizer, o processo iniciado pelo racionalismo cartesiano, na edificação de um universo geometrizado e estável. O ordenamento
esgotava o fenômeno jurídico e social, pretendendo apreender a complexidade social no interior de seu sistema.” (RODRIGUES, Celso. O
individualismo moderno e o tempo do direito. Revista de Estudos Criminais. Ano VII – 2007 – nº 24, p. 129).
24
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005, p. 54.
25
POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. Reflexos da crise do conhecimento moderno na Jurisdição: fundamentos da motivação
compartilhada no processo penal. Tese de doutorado. Porto Alegre, 2005, p. 94.
26
Como ensina Lênio Streck e Bolzan de Morais, “após a conquista do poder político pela classe burguesa, percebeu-se que a vitória deste
terceiro Estado foi a vitória de uma minoria proprietária, de uma camada socialmente privilegiada, a burguesia, abrindo-se uma contradição
para o futuro: burguesia-proletariado.” (STRECK, Lenio Luiz, e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3ª
Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 49).
23
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modelo surgiu como resposta aos problemas provocados pelo Estado Liberal. Assim, às garantias negativas, antes impostas ao Estado, somam-se agora garantias positivas, a serem exigidas do Estado. Nesta
senda, segundo Lênio Streck e Bolzan de Morais, o Estado Social (Welfare State) terá por características principais o contrário do Estado Liberal, isto é, deixa de ser absenteísta para ser intervencionista.
A finalidade desta intervenção, porém, é a de promover a igualdade no âmbito material27.
A Igreja Católica, por sua vez, contribuiu com a nova mentalidade, consolidando a questão social, pela doutrina social da Igreja, manifestada com a publicação da Rerum Novarum de 1891, na qual
a garantia da liberdade de contratar é vinculada a um elemento de cunho social e de justiça natural,
que é a capacidade de o operário se sustentar.
2.2.1 A posição da jurisdição dentro do Estado Social de Direito
A jurisdição, neste modelo de Estado, próprio do final do século XIX e início do século XX,
manifesta-se pelo Juiz ativo, ou seja, mantém-se o “império” da lei, mas é ao juiz e não ao legislador
que cabe dizer o Direito, importando, assim, mais o pragmatismo do caso concreto do que a previsão
abstrata da lei. É o juiz da Common Law.
Nesta etapa surgem os direitos de segunda geração, posto que a industrialização e os graves
problemas sociais e econômicos que a acompanharam, além das doutrinas socialistas e da constatação
de que a consagração formal da liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo, geraram movimentos reivindicatórios que buscavam atribuir ao Estado um comportamento ativo na justiça
social. Esse modelo, assim, é um modelo caracterizado pela igualdade material, mais especificamente
pelo reconhecimento de direitos econômicos, sociais e culturais próprios. São direitos que se distinguem por sua dimensão positiva28.
2.3 O Estado Democrático
Chegando ao ponto referencial deste texto, importante esclarecer que a íntima relação entre
Constituição, Estado de Direito e direitos fundamentais é neste modelo mais latente. Aqui se encontram
os referenciais para a teorização do Estado Democrático (e Social) de Direito, pois a proteção das liberdades e de outros bens da vida por meio de direitos fundamentais – base e fundamento deste modelo de
Estado – é juridicamente mediada.
Neste sentido, é preciso considerar o Estado de Direito não no seu sentido meramente formal
– governo das leis – mas como ordenação integral e livre da comunidade política, expressão da concepção material de Direito, no qual, além da garantia de determinadas formas e procedimentos inerentes
à organização do poder e das competências dos órgãos estatais, se encontram reconhecidos, simultaneamente, como metas, parâmetros e limites da atividade estatal, certos valores, direito e liberdades
fundamentais, o que confere a legitimidade da ordem constitucional e do Estado29.
Neste modelo de Estado, portanto, ingressa a categoria dos Direitos Fundamentais, a qual
constitui, para além de sua função limitativa do poder, critérios de legitimação do poder estatal em
decorrência da própria ordem constitucional. Na construção teórica de Luigi Ferrajoli, é a perspectiva
garantista da democracia constitucional, a qual comporta trocas estruturais, tanto no direito como na
democracia política.
Assim, se está diante do constitucionalismo de conteúdo, de direitos, que produz uma troca
de qualidade nas condições de validade das leis. A validade das leis não é mais redutível a suas existências. Não basta a produção parlamentar; essa elaboração deve ser coerente com aqueles imperativos
do ordenamento substancial. Em síntese, “(...) a legitimidade do sistema político aparece condicionada à tutela e efetividade dos princípios e direitos fundamentais.”30
Resumidamente, além da íntima vinculação entre as noções de Estado de Direito, Constituição e direitos fundamentais, estes, sob o aspecto de concretizações do princípio da dignidade da
pessoa humana, bem como dos valores da igualdade, liberdade e justiça, é possível sustentar que eles,
ademais, constituem condição de existência e medida da legitimidade de um autêntico Estado Democrático e Social de Direito, tal qual como consagrado também em nosso direito constitucional positivo
vigente31.
Idem, p. 62.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005, p. 55.
Idem, p.68.
30
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias: La ley del más débil. 4ª ed. Madrid: Trotta S.A., 2004, p. 11.
31
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005, p. 72.
27
28
29
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33
Caberá ao juiz, neste cenário e no exercício do seu poder jurisdicional, reconhecer estes
direitos fundamentais quando forem submetidos a violações de diversas ordens, mas, definidamente,
pela concepção de quais são ou devem ser os direitos fundamentais, além do que são ou devem ser
eles. Essa discussão fica para outra oportunidade. Refere-se aqui, apenas, que pela primeira pergunta:
quais são e quais devem ser os direitos fundamentais? –, na perspectiva de Luigi Ferrajoli, as respostas
podem advir ora do caráter juspositivista (ciência jurídica positiva – mundo do ser), ora do caráter
axiológico (jusnaturalista, ou filosofia política ou da justiça – mundo dever-ser), ora da teoria do direito, ora da sociologia do direito ou da historiografia jurídica32.
2.3.1 A posição da jurisdição dentro do Estado Democrático (e Social) de Direito
A jurisdição no Estado Democrático de Direito é a jurisdição do século XXI. Em face da velocidade e de todas as facetas da contemporaneidade, com a implementação e o reconhecimento dos direitos
de terceira geração, também denominados de terceira dimensão ou de direitos fundamentais de solidariedade e fraternidade (em especial os de tutela coletiva ou difusa), o Juiz irá exercer um papel criativo
na solução dos conflitos que lhe são submetidos judicialmente, pois não há mais um ponto ou modelo
pré-estabelecido de Direito. Como ensina Sarlet, mediante a positivação de determinados princípios e
direitos fundamentais, na qualidade de expressões de valores e necessidades consensualmente reconhecidos pela comunidade histórica e espacialmente situada, o Poder Constituinte e a própria Constituição
transformam-se em autêntica reserva de justiça.33
Neste modelo há um espaço à subjetividade do Juiz, tornando-se possível a criatividade no
momento das decisões. O espírito criativo do magistrado poderá ser manifestado por meio do princípio, não se filiando apenas na lei. Com isso, importante também é a compreensão de uma teoria dos
princípios, capaz de definir os mesmos à aplicação nos casos concretos.
A compreensão dos princípios jurídicos no meio jurídico, portanto, é fundamental, e para
tanto exsurgem constructos teóricos que procuram conceituar esses mecanismos de resolução dos
conflitos, tanto materiais como processuais, dentre os quais é possível citar a proporcionalidade, a
razoabilidade, o duplo grau de jurisdição, e a moralidade34.
Considerações Finais
Ao final deste texto, considera-se que a proposta inicial foi atingida, isto é, demarcar as
características da Jurisdição dentro de cada modelo de Estado, a partir da sua concepção moderna.
O mapeamento desta instituição estatal nestes últimos cinco séculos, e o diagnóstico do Estado e
da Jurisdição na contemporaneidade, foram trazidos à baila. Assim, o enfrentamento específico das
questões empíricas na atualidade, frente a estas duas realidades institucionais, fica para outra oportunidade.
É importante ressaltar, contudo, que a adoção do Estado Democrático (e Social) de Direito, no
Brasil, tem previsão expressa no art.1º, e incisos, do texto constitucional, que, somado a outros dispositivos, como os direitos sociais do art. 6º e 7º, demonstra a dimensão positiva e negativa do próprio
Estado frente ao indivíduo.
A posição do juiz neste contexto brasileiro é percebida pela vasta jurisprudência pátria35,
FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. 3ª ed. Madrid: Trotta S.A., 2007, p. 290
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005, p. 69.
34
Por uma dissociação entre normas de primeiro grau: regras e princípios, e normas de segundo grau: postulados normativos, ver ÁVILA,
Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. Para um estudo sobre
a aplicação do princípio da proporcionalidade no direito penal, ver FELDENS, Luciano. Direito fundamental e direito penal: garantismo,
deveres de proteção, princípio da proporcionalidade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos
humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, e SARLET, Ingo W. Direitos Fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites
e possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal, bem como FELDENS, Luciano. De
Damiens à Damião: deveres de proteção penal na perspectiva dos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, In Criminologia e Sistemas
Jurídico-penais contemporâneos. GAUER, Ruth (Org) Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, pp. 409-437.
35
Com o propósito de exemplificar o ora exposto, cito recente julgado do STJ, sobre prisão cautelar, tendo como relatora a Min. Maria
Thereza de Assim Moura: “HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RÉU PRONUNCIADO. PRISÃO EFETIVADA APÓS A SENTENÇA. CUSTÓDIA
CAUTELAR POR MAIS DE 1 ANO E 7 MESES. PROCESSO PARALISADO AGUARDANDO O RECAMBIAMENTO. FALTA DE PREVISÃO PARA O JULGAMENTO
PELO TRIBUNAL DO JÚRI. EXCESSO DE PRAZO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Muito embora já exista
sentença de pronúncia, a alegação de excesso de prazo deve ser avaliada sob o enfoque dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade,
pois o apontado constrangimento ilegal decorre da excessiva demora na manutenção da custódia efetivada após a pronúncia. 2. Paciente que
está preso cautelarmente desde 10.08.08, portanto, há mais de 1 (um) ano e 7 (sete) meses, sem que tenha havido qualquer andamento processual, estando o feito absolutamente paralisado apenas aguardando o recambiamento do paciente. 3. Constrangimento ilegal evidenciado,
haja vista o tempo que perdura a custódia provisória em um processo totalmente parado por responsabilidade do Estado, que não providencia
a remoção do paciente, inexistindo qualquer previsão para o julgamento pelo Tribunal de Júri. 4. Habeas corpus concedido para relaxar,
por excesso de prazo, a prisão cautelar do paciente, se por outro motivo não estiver preso, mediante assinatura de termo de compromisso
32
33
34
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quando se vê provocada por casos concretos de violações de direitos fundamentais, tendo que, por
vezes, decidir e criar com espeque não apenas nas regras positivadas, mas também nos princípios
norteadores do sistema jurídico brasileiro, os quais lhe conferem substrato para vigência e validade
das suas decisões.
Referências bibliográficas
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2009
AZAMBUJA, Darcy. Introdução à ciência política. 15 ª ed. São Paulo: Globo, 2003.
BAUMER, Franklin Le Van. O pensamento europeu moderno. Volume I, séculos XVII e XVIII. Rio de
Janeiro: Edições 70, 1977.
CAPELLA, Juan Ramón. Fruto Proibido. Uma aproximação histórico-teórica ao estudo do Direito e
do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
FELDENS, Luciano. Direito fundamental e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípio
da proporcionalidade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos
humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
______. De Damiens à Damião: deveres de proteção penal na perspectiva dos Tribunais Internacionais
de Direitos Humanos. In: Criminologia e Sistemas Jurídico-penais contemporâneos. GAUER, Ruth
(Org) Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, pp. 409-437.
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias: La ley del más débil. 4ª ed. Madrid: Trotta S.A., 2004.
de comparecimento a todos os atos do processo. (HC 161.072/MT, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
05/04/2010, DJe 26/04/2010).”
Cito também a utilização do princípio da proporcionalidade para fundamentar decisão oposta a citada acima, conforme se verifica do julgado
HC150676/MA, em que foi Relatora a Min. Laurita Vaz. Senão vejamos: “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE POLICIAL MILITAR
DO ESTADO DO MARANHÃO. PRONÚNCIA PELA PRÁTICA, DURANTE O TRABALHO, DOS CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO, CÁRCERE PRIVADO E
OCULTAÇÃO DE CADÁVER, COMETIDOS CONTRA VÍTIMA QUE SERIA TRAFICANTE DE DROGAS. DELITOS PRATICADOS EM CONCURSO COM OUTROS
POLICIAIS. PACIENTE CUJA PROFISSÃO TEM POR FINALIDADE GARANTIR A SEGURANÇA DE TODOS OS CIDADÃOS, INDISTINTAMENTE, INCLUSIVE
DE SUPOSTOS CRIMINOSOS. AFRONTA ÀS INSTITUIÇÕES ESTATAIS. PRISÃO PREVENTIVA SOBEJAMENTE FUNDAMENTADA NA NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. 1. Paciente que ocupa o cargo de Policial Militar Estadual, profissão que tem por finalidade garantir a segurança
de todos os cidadãos, indistintamente, inclusive a de supostos criminosos. 2. A manutenção da custódia preventiva do Paciente encontra-se
suficientemente fundamentada, em face das circunstâncias do caso que, pelas características delineadas, retratam, in concreto, a periculosidade do agente, a indicar a necessidade de sua segregação para a garantia da ordem pública, em se considerando, sobretudo, o modus
operandi dos delitos, o que demonstra, com clareza, a perniciosidade da ação ao meio social. 3. O princípio constitucional da presunção de
não culpabilidade é um dos mais importantes na Carta Magna, porque protege o cidadão de bem contra o abuso e a arbitrariedade da repressão Estatal. No entanto, não se pode usá-lo como escudo intransponível para evitar a adoção de medidas cautelares necessárias ao resgate
da higidez das instituições públicas e da ordem social, quando há elementos concretos de que policiais militares estaduais tenham cometido
crimes de tamanha repercussão.4. Feito juízo de valor estabelecido entre interesses postos em conflito, sobreleva muito acima a necessidade
de pronta resposta estatal para o resguardo da ordem pública, frontalmente ameaçada com prática de crimes dessa magnitude por agentes
estatais, o que demonstra forma de agir atentatória às instituições que dão suporte à existência de um Estado Democrático de Direito. Não
existe, pois, ilegalidade no decreto de prisão preventiva, que se tem por devidamente fundamentado. 5. “Há justa causa no decreto de prisão
preventiva para garantia da ordem pública, quando o agente se revela propenso a prática delituosa, demonstrando menosprezo pelas normas
penais. Nesse caso, a não decretação da prisão pode representar indesejável sensação de impunidade, que incentiva o cometimento de crimes
e abala a credibilidade do Poder Judiciário.” (STF - HC 83.868/AM, Tribunal Pleno, Rel. p/ Acórdão: Min. ELLEN GRACIE, DJe de 17/04/2009.)
6. Conforme orientação deste Superior Tribunal de Justiça, o excesso de prazo injustificável e desarrazoado configura constrangimento ilegal,
apto a ensejar a imediata soltura do custodiado.
7. Na hipótese dos autos, contudo, a alegada demora no julgamento não extrapola os limites da proporcionalidade. Os prazos indicados para
a conclusão dos feitos criminais servem como necessário parâmetro geral, a fim de se evitarem situações abusivas. Entretanto, devem ser
consideradas, a fim de se verificar constrangimento ilegal, as peculiaridades de cada caso concreto, razão pela qual a jurisprudência admite a
mitigação dos referidos prazos, à luz do Princípio da Razoabilidade. 8. Na espécie, após a pronúncia, foi interposto recurso em sentido estrito
pelo Paciente, além de ter sido ajuizado pedido de restituição de bens apreendidos. Outrossim, o processamento do feito, considerando-se
tais fatos, tem tramitação regular. Portanto, a demora no julgamento da ação penal não se deve a indevida atuação ou omissão do Juízo processante ou do Ministério Público, incidindo na hipótese a inteligência do enunciado da Súmula n.º 64 deste Superior Tribunal de Justiça: “Não
constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa”. 9. Condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes e residência fixa não têm o condão de, por si sós, desconstituírem a custódia antecipada, caso estejam presentes
outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema. 10. Ordem denegada, com recomendação
de urgência na conclusão do feito. (HC 150.676/MA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 01/03/2010).”
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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Ciências Sociais e Aplicadas
Controle e interação entre
pais e filhos na Internet:
uma necessidade ou
uma possibilidade?
Daniel Gonçalves Jacobsen1, Adriana Paula Zamin Scherer2
Resumo
O risco da utilização da Internet pelas crianças é um assunto que deve passar pela
mente de pais e responsáveis. A partir desta premissa, o objetivo deste trabalho é
chamar a atenção para a importância da problemática envolvendo as crianças que
navegam na Internet. Também é pretendido identificar a forma mais indicada de
protegê-las enquanto utilizam a Rede e verificar se a Internet pode ser utilizada
para que pais e filhos aumentem a interação entre si. A pesquisa com profissionais
da área da Psicologia evidenciou que a comunicação familiar, expondo para as crianças os perigos existentes na Internet, aliada ao controle e/ou monitoramento desta
navegação são as formas mais eficazes de prevenção. Além disto, verificou-se que
a interação através da Internet pode ser utilizada como uma possibilidade e aliada
para aumentar a comunicação entre os membros das famílias.
Palavras-chaveS
Criança. Internet. Controle. Comunicação.
Abstract
The risk of Internet use by children is a subject that must pass through the minds of
parents and guardians. From this premise, the aim of this paper is to draw attention
to the importance of issues involving children surfing the Internet. It is also intended
to identify the most suitable way to protect them while using the Internet and see if
the Internet can be used for parents and children to increase the interaction between them. The research professionals of Psychology revealed that family communication, exposing children to the dangers on the Internet, together with the control and
monitoring of this or navigation are the most effective ways of prevention. Furthermore, it was found that the interaction via the Internet can be utilized and combined
with a possibility to increase communication between members of families.
Keywords
Children. Internet. Control. Communication.
(1)
Acadêmico do curso de Sistemas de Informação da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Consultor e Analista de Sistemas de Informação.
[email protected]
(2) Mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre,
RS - Brasil. [email protected]
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1. Introdução
A Internet mudou a forma como os seres humanos interagem, possibilitando que ideias, opiniões, ações e conceitos sejam difundidos com maior agilidade, através dos mais diversos meios virtuais:
e-mails, chats, blogs, redes sociais, vídeos, entre outros. Através destas facilidades, as pessoas possuem uma nova forma de estimular o comportamento dos indivíduos que fazem parte de seu grupo.
Assim como os adultos, também as crianças estão cada vez mais usufruindo das facilidades que a
Internet proporciona. Na sua maior parte, navegando por sites de jogos e utilizando as redes sociais
como uma brincadeira on-line.
Outrora, os estudantes realizavam seus “temas de casa” e demais trabalhos assistidos pelas
mães. Estas se dispunham a auxiliá-los com seus conhecimentos, valendo-se de enciclopédias que
tinham em casa ou até mesmo visitando a biblioteca municipal ou da escola. Hoje em dia poucas são
as mães, e até mesmo os pais, que conseguem realizar estas tarefas na mesma proporção que antigamente.
Agregado a este distanciamento entre pais e filhos, temos todos os perigos a que as crianças
ficam expostas na Internet quando não é feito o devido acompanhamento por parte dos responsáveis.
Este artigo tem a intenção de divulgar os perigos aos quais as crianças estão sujeitas ao navegar na Internet e despertar para a necessidade dos pais realizarem o controle. Além disto, abrange
muito mais que o controle da utilização da Internet, destacando que, utilizando a Internet, os pais e
responsáveis podem também interagir com seus filhos.
Para tanto, o artigo está organizado da seguinte maneira: além desta introdução, há mais
04 (quatro) seções. Na seção 02 (dois) relatam-se aspectos importantes sobre a comunicação entre
pais e filhos e o quanto esta falta de comunicação prejudica ou não o desenvolvimento das crianças.
Além disto, trata de questões acerca da utilização da Internet pelas crianças. A seção 03 (três) expõe
a metodologia utilizada para a realização da pesquisa e, na seção 04 (quatro) estão apresentados os
resultados obtidos nas entrevistas realizadas com profissionais da área da Psicologia. Por fim, na seção
05 (cinco) é feita a conclusão.
2. A importância da comunicação entre pais e filhos e os perigos da navegação descontrolada
Quando as crianças nascem não possuem personalidade alguma. Os filhos necessitam da ajuda
de seus criadores para formar seu ser psicológico. Com o passar dos anos e com a diminuição do tempo
que os pais passam com os filhos, fica cada vez mais difícil para os pais fazer parte da formação do ser
psicológico dos filhos [TIBA, 1996]. A Internet pode ser utilizada para minimizar esta falta de tempo,
possibilitando a interação dos pais com os filhos.
Através da utilização de uma rede social, por exemplo, podem pais e filhos trocar mensagens
sobre os exercícios que estão sendo resolvidos. Assim como em todos os acompanhamentos da vida dos
filhos é importante e muito saudável que os pais passem palavras positivas para que os filhos se sintam
valorizados e importantes. Também virtualmente os pais podem encaminhar mensagens de autoestima
para os filhos sempre que houver um trabalho bem feito ou uma melhora visível [BIDDULPH, 2003].
Neste caso, ao instigar a criança a interagir com os pais através da Internet, esta se torna um
meio para obtenção de conteúdo para a formação do ser psicológico, mas com uma relação temporal
muito mais imediatista que potencializa a interação com diversos indivíduos e diversas bibliografias.
Através da Internet é possível, por exemplo, conversar com personalidades que se encontram em
qualquer lugar, em tempo real e com imagens. A Internet tornou possível também que comentários
alcancem um número maior de pessoas. Estas e muitas outras possibilidades tornam a Internet uma
mídia capaz de promover mudanças na personalidade das pessoas com rapidez e agilidade nunca antes
vista [MOREIRA, 2013].
Os diversos mecanismos de comunicação existentes na Internet (salas de bate-papo, mensagens instantâneas, e-mail, entre outros) possibilitam que as crianças interajam com qualquer pessoa,
desde o seu colega de classe até seus professores e familiares. O problema é que, quando não controlado devidamente, a Internet propicia que estas mesmas crianças estabeleçam relacionamentos com
indivíduos que nem sempre são quem se apresentam ser [ZEVALLOS, 2013].
A utilização das redes sociais, programas de mensagens instantâneas e outros aplicativos on-line com a disponibilização de informações como o local onde a criança vive, onde estuda, entre outros,
fornece dados importantes para os mais diversos tipos de criminosos que podem se valer destes e de
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outros dados para escolher suas vítimas potenciais. Fora este perigo, a utilização da Internet como
meio para se estabelecer novos relacionamentos de amizade ou de maior afeto é de grande risco para
as crianças, pois é deste modo que os criminosos se aproximam das suas vítimas, valendo-se de sua
ingenuidade e do fato de poderem manter o anonimato. Outro fator que facilita a atividade destes criminosos é a falta de controle por parte dos pais e responsáveis quanto ao que seus filhos estão fazendo
na Internet [RODRIGUES, 2013].
3. Procedimentos metodológicos
Foi realizada uma pesquisa junto aos profissionais da área de Psicologia acerca da utilização
de uma ferramenta de controle da utilização da Internet pelas crianças e que, além de dispor do controle, também possibilitasse a interação entre pais e filhos através da troca de mensagens.
Para a realização da pesquisa, utilizou-se uma amostra de 06 (seis) profissionais da área de
Psicologia, que foram escolhidos por exercerem suas atividades profissionais atendendo crianças e
adolescentes, além de famílias com crianças e adolescentes em conflito. Os seis profissionais realizam seus atendimentos em consultórios particulares situados na cidade de Porto Alegre – RS. Aliada à
característica de perfil profissional, foi fator decisivo na escolha dos indivíduos a disponibilidade em
participar como voluntários na pesquisa.
A técnica escolhida para coleta de dados foi a entrevista estruturada, porque esta proporciona uma percepção maior sobre o que o entrevistado tem a oferecer, além de possibilitar que o entrevistador conduza com maior clareza as questões. Na entrevista estruturada as perguntas são definidas
previamente e a entrevista segue um roteiro que deve ser respeitado [BARROS, 2007]. A entrevista
continha 11 (onze) perguntas abertas, para que os profissionais pudessem responder livremente as
questões, e ocorreram entre os meses de outubro e novembro de 2012.
4. Apresentação e análise dos dados coletados
Na primeira questão buscava-se identificar a idade certa para a criança ter os primeiros contatos com a Internet, e as respostas dos entrevistados evidenciou que não existe uma idade certa para
que as crianças tenham os primeiros contatos com a Internet. Isto depende de cada criança e também
da família desta criança. Alguns profissionais indicam, inclusive, que este contato seja adiado ao máximo, tendo em vista que a Internet acaba sendo mais uma opção para as crianças deixarem de praticar
outras atividades tão importantes para elas. Consenso entre todos os profissionais é que os primeiros
contatos devem ser acompanhados pelos responsáveis, para que estes possam indicar o modo correto
da navegação e deixar claro para as crianças o que elas podem ou não fazer.
Na segunda questão a intenção era de confrontar o poder das informações que a criança tem
acesso pela Internet na formação da personalidade dela. De acordo com os entrevistados, a interação
dos pais com as crianças é a melhor forma de os filhos formarem a personalidade conforme aquilo que
os pais entendem como certo ou errado. Quando esta interação é falha, possibilita-se que as informações e os contatos que a criança tem acesso na Internet influenciem em sua personalidade.
A terceira pergunta visava colher a importância dos jogos, acessados na Internet, para a
formação da criança. O que se absorveu foi que os jogos não possuem influencia sobre a formação
da personalidade da criança, mas podem sim demonstrar possíveis problemas. Crianças que buscam
frequentemente jogos cujo tema esteja associado à brutalidade, provavelmente tenham problemas no
meio familiar. Em contrapartida, os jogos certos podem ser utilizados pelos responsáveis de maneira
lúdica, assim como os contos de fadas, para mostrar para seus filhos as diferenças entre o bem e o mal
e até mesmo para auxílio nos estudos.
A quarta pergunta tinha como objetivo identificar se o contato através da Internet com outras
culturas pode influenciar na formação da criança e o que os profissionais indicam é que antes de a
criança conhecer outras culturas é preciso que seja absorvida a cultura que está ao seu redor. A absorção da cultura à sua volta depende principalmente da interação com o seu meio familiar e, além
disso, dificilmente a criança buscará por conta própria informações na Internet sobre outras culturas.
No entanto, os entrevistados reforçaram que, tanto esta quanto as demais facilidades que a Internet
dispõe devem ser apresentadas às crianças pelos seus responsáveis.
O quinto questionamento tinha o intento de consultar a visão dos profissionais quanto ao controle do conteúdo que a criança pode acessar e foi unanimidade entre os profissionais entrevistados
que deve haver o controle sobre o conteúdo que a criança acessa na Internet, restringindo o acesso
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ao conteúdo considerado como inadequado. Este controle, além de proteger a criança dos malefícios
existentes, é também bem visto pela criança – mesmo que inconscientemente – pois deixa claro que os
pais se importam com ela e com o que ela vem fazendo.
Já no sexto questionamento o propósito era consultar a opinião dos profissionais com relação
às investigações que os pais podem realizar sobre os sites acessados pelas crianças. Assim, foi identificado que os entrevistados aconselham que os pais monitorem (investiguem) a vida virtual dos filhos,
utilizando-se das ferramentas existentes. Porém, a criança deve saber que está sendo ou poderá ser
investigada, pois sabendo disto esta se sentirá protegida e o monitoramento não causará transtornos.
Na sétima questão, o objetivo era confrontar o controle e a investigação, buscando resposta
para o que é mais indicado. De acordo com os entrevistados, na preferência entre controle e monitoramento pode ser concluído que até a adolescência o controle é a melhor opção. Já na adolescência é
indicada a liberação da navegação sem restrição de acesso a conteúdo, para que o indivíduo faça suas
escolhas, cabendo aos pais o monitoramento.
Na oitava questão, o tema abordado foi o tempo que as crianças utilizam a Internet e como os
pais devem controlar isto. As respostas mostraram novamente que o melhor caminho é o alinhamento
entre pais e filhos. As ferramentas que se mostram eficazes neste ponto, por possuírem relatórios
sobre o tempo que a criança permaneceu conectada em cada site, são as mais indicadas. Porém, os
profissionais não descartam a possibilidade de os pais restringirem, através de uma ferramenta, o
tempo de navegação. Os profissionais relataram que estes limites auxiliam inclusive na eliminação das
inseguranças da formação da personalidade.
Na nona pergunta a intenção era verificar se, na visão destes profissionais, a criança que é
controlada em casa poderia ser mais suscetível a buscar conteúdo impróprio através de outros meios
como o computador da escola ou de amigos. Para esta questão, os profissionais responderam que este
tipo de revolta deve ocorrer apenas nos casos em que inexista o entendimento entre as partes de que
o controle e/ou o monitoramento ocorre para o bem da criança. Neste ponto foi evidenciada mais uma
vez a importância da interação familiar, pois para uma criança que possui ensinamento de seus pais do
que é certo ou errado, o contato com conteúdo indevido não chamará a sua atenção.
A décima pergunta visava coletar a percepção quanto à comunicação entre os pais e a criança através da Internet e foi verificado que a interação entre pais e filhos através de uma ferramenta
não possui o mesmo efeito que a interação frente a frente (in loco). Todavia, para a maioria dos pais
é praticamente impossível estar presente em grande parte do tempo que os filhos navegam pela Internet ou que estão praticando outras atividades. Diante disto, uma ferramenta que proporcione a
interação é indicada como um incremento quando já existir a comunicação familiar. A comunicação
também por ferramentas da Internet faz com que a criança se sinta acompanhada pelos pais mesmo
que à distância.
A décima primeira pergunta queria verificar se os profissionais consideravam que as trocas de
mensagens existentes em sistemas de interação on-line poderiam ser utilizadas pelos pais na formação
da criança e ficou constatado que este tipo de interação jamais irá substituir a presença personificada
dos pais na formação da criança. Já na educação da criança, esta pode ser uma opção utilizável, mas
não tão intensa. Assim como nas respostas à décima questão, esta funcionalidade irá surtir efeito para
aqueles que já têm por costume a comunicação desde o berço.
5. Conclusão
No início da formação da personalidade das crianças, os pais possuem prioridade na atenção
delas. Se os pais não usufruírem desta atenção, outros o farão até mesmo através da Internet.
Conforme resultados obtidos através da pesquisa com os profissionais da área de psicologia,
a comunicação familiar olho no olho e o entendimento sobre a utilização da Internet são primordiais
para que a navegação na Internet não se torne uma experiência negativa. Ferramentas podem auxiliar
os pais na tarefa que lhes é atribuída de controlar e/ou monitorar a navegação. Da mesma forma,
ferramentas que possibilitam a comunicação através da Internet podem ser utilizadas para aumentar
a comunicação familiar.
Isto posto, conclui-se que realizar o controle da navegação dos filhos na Internet é uma obrigação dos pais ou responsáveis e a interação entre pais e filhos utilizando a Internet como meio é uma
possibilidade viável para aumentar a comunicação entre os membros nas famílias.
Além disto, percebe-se claramente a oportunidade para o desenvolvimento de uma ferramenta computacional que alie estes dois aspectos: controle e/ou monitoramento da navegação e interação
entre pais e filhos.
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Ciências Sociais e Aplicadas
Os jovens pedem passagem...
P. Marcos Sandrini1
É fácil explicar o passado,
Mais fácil ainda predizer o futuro.
O difícil é entender o presente!
(Joelmir Beting)
Resumo
No Brasil, talvez nunca tenhamos tantos jovens como o temos neste momento. A
pirâmide da população brasileira está deixando de ser pirâmide. Hoje, temos mais
jovens que crianças e adolescentes. Os jovens não apenas são uma reserva biológica,
mas são o presente e o futuro do Brasil. Acontecimentos marcantes relativos à juventude aconteceram no Brasil. Este estudo procura apresentar alguns dados referentes
aos jovens no contexto da sociedade brasileira. Este fenômeno é analisado a partir
da perspectiva do paradigma da mudança de época. A educação brasileira precisa
estar atenta ao novo que surge e agir em consequência. Neste sentido, o autor apresenta algumas pistas de ação para agir eficiente e eficazmente nesta realidade.
Palavras-chaves
Juventude. Juventudes. Mudança de Época. Ação Educação.
1. “Eis-me aqui, envia-me”. (Is 6,5)
O ano de 2013 trouxe para o Brasil três grandes realizações referentes à juventude. A primeira
delas, civil, é a promulgação do Estatuto da Juventude. Agora temos diversos estatutos que dizem respeito a diferentes faixas etárias: Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Estatuto da
Juventude... A segunda, religiosa, é a Campanha da Fraternidade (CF) da Igreja Católica que tem como
lema: “Eis-me aqui, envia-me”. Este lema é tirado do livro do profeta Isaías 6,5. A terceira e última é
a realização da Jornada da Juventude que reuniu no Rio de Janeiro milhões de jovens provenientes de
todas as partes do mundo, mas, sobretudo, do Brasil.
O lema da CF está colocado num contexto bem preciso. Israel relutou muito em adotar a monarquia. Na realidade, a monarquia em Israel se revelou um regime muito mal para a maioria do povo.
Neste contexto surgem os movimentos proféticos. Numa postura clara, em nome de Deus, os profetas
e profetisas denunciam a quebra da Aliança sagrada. A prova está na situação de injustiça social.
Muitos profetas iniciam sua atividade ainda muito jovens. Isaías Primeiro é um exemplo. Inicialmente
trabalhou para o rei em Jerusalém. Era um dos seus conselheiros. Exerceu sua função por dinheiro e
beneficiou-se dos privilégios de quem se junta aos poderosos. Falava e anunciava o que era agradável
ao rei até o dia em que caiu em si e tomou consciência da situação enganosa em que se encontrava:
“Ai de mim, estou perdido! Sou um homem de lábios impuros, vivo entre um povo de lábios impuros e,
no entanto, meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos” (Is 6,5).
Quando Isaías teve essa experiência religiosa tinha aproximadamente 25 anos de idade. Estava no templo em oração com a comunidade. Sentiu fortemente o chamado de Deus. Na narrativa de
sua conversão, ele conta: “Ouvi então a voz do Senhor que dizia: ‘Quem enviarei eu? E quem irá por
nós?’ ‘Eis-me aqui’ – disse eu – ‘envia-me,” (Is 6). A partir daí, Isaías deixa de servir aos interesses do
rei e dos poderosos e dedica-se à vocação profética, de forma corajosa e persistente. Suas denúncias
dirigem-se aos juízes que agem, por suborno, elaboram leis injustas e abandonam os marginalizados,
como os órfãos e as viúvas. Denuncia também os grande proprietários de terra, o rei, os príncipes, os
chefes militares, os líderes religiosos, os impérios estrangeiros. Sua profecia está relatada nos capítulos 1-39 do livro de Isaías.
(1) Diretor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. [email protected]
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2. Premissas da Reflexão
A população brasileira pelo censo do IBGE 2010 era de 190.755.799. Destes, 62 milhões são
crianças e adolescentes (33% da população), dos quais 39.806.311 (0 a 11 anos) e 20.902.864 (12 a 17
anos). No Rio Grande do Sul são aproximadamente 2,9 milhões: 1.893.297 (0 a 11anos) e 1.904.220
(12 a 17 anos).
A educação no Brasil também apresenta um cenário. Na educação básica (fundamental e
média), 87% das crianças, adolescentes e jovens frequentam a escola estatal (municipal, estadual e
federal), 10% as escolas particulares e 3% as comunitárias e confessionais. À luz de Medellín, somos
convocados a debruçar-nos sobre a educação numa visão muito mais ampla. Também os jovens que
estão nas escolas chamadas de públicas são nossos jovens e nossos alunos.
O IBGE divulgou recentemente dados relevantes. Segundo sua Pesquisa Nacional por amostragem de Domicílios (PNAD), 14 milhões de crianças e adolescentes até 17 anos estão excluídos do
sistema educacional brasileiro. Somente 70% dos alunos terminam o Ensino Fundamental, com atraso
médio de quatro anos. Apenas 16% da população economicamente ativa concluiu o ensino médio.
No que se refere ao ensino médio, de 15 a 18 anos, há uma verdadeira calamidade. Em nosso
estado, já considerado adiantado em educação, dos jovens que estão em idade de frequentar o ensino médio, 20% estão fora da escola. Parece difícil acreditar, mas pelo menos um quinto de nossos
adolescentes está longe do que há de mais importante nesse período da vida: educação. Dos 80% que
se matriculam neste grau de ensino, há uma evasão anual (abandono escolar) de 10,1% e repetência
de 19,9%. Somados repetência e abandono, chegam a 30%, índice que revela uma verdadeira tragédia
social. Somados aos 20% que não entram no ensino médio, temos uma taxa alarmante de 50% dos adolescentes que não iniciam ou não concluem o ensino médio adequadamente.
Para agravar um pouco mais esta situação, apenas 38% dos(as) professores(as) que dão aulas
para alunos mais pobres no ensino fundamental da rede pública dizem acreditar que quase todos os
estudantes concluirão o ensino médio. A descrença na capacidade de muitos alunos completarem o
ensino médio pode tornar-se uma profecia autorrealizadora. Este fenômeno foi estudado pelos pesquisadores americanos Rosenthal e Jacobsen, que provaram que a expectativa dos professores tinha impacto no desempenho dos alunos. Com uma visão negativa dos alunos, educadores se relacionam com
eles de modo a confirmar as expectativas de que serão incapazes de aprender. Na prática isso pode
acontecer por meio de comportamentos explícitos – agressões verbais – ou sutis, como a frequência
com que atendem as dúvidas de alunos considerados menos capazes.
Nos cálculos das Nações Unidas, os jovens brasileiros permanecem em média 8,4 anos nos
bancos escolares. A média é inferior à do Chile, de 10,9 anos, e da Argentina, de 10,5 anos. No Brasil
como um todo, um em cada cinco eleitores não foi à escola ou é analfabeto. Em números absolutos
isto representa 27 milhões de eleitores que ou nunca frequentaram a escola ou são analfabetos. Só 13%
dos brasileiros entre 18 e 24 anos frequentam o ensino superior. Nos países da OCDE, a percentagem
é, em média, de 30%, e na Coreia do Sul, de 60%. De resto, apenas 9% da população brasileira conclui
o ensino superior, contra 26%, na média nos países da OCDE.
Cerca de dois em cada dez jovens brasileiros entre 18 e 25 anos não estudam e nem trabalham
(19,5%). É a geração nem-nem. Em número absolutos são 5,3 milhões de jovens brasileiros. Os dados
são do IBGE de 2010. Embora o desemprego esteja caindo em nosso país, paradoxalmente os indicadores mostram que os nem-nem estão crescendo.
Por outro lado, ainda persiste na sociedade brasileira a prática do trabalho infantil. Apesar dos
avanços registrados na década passada, mais de 1 milhão de crianças de 10 a 14 anos, ou 6% do total
ainda trabalhavam no Brasil em 2010. Isto ainda pode ser muito mais porque enfrentamos o problema
do trabalho infantil invisível, onde é difícil chegar por questões de distância (nas áreas rurais) ou legais, de entrar na casa (no trabalho doméstico).
Relatório recente da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) intitulado “O direito
de ser adolescente” dá uma radiografia dos adolescentes brasileiros. A cada dia, 11 adolescentes são
assassinados no Brasil. Ainda segundo a pesquisa, dos 4,3 milhões de brasileiros com idade entre 5 e
17 anos que exercem algum tipo de atividade laboral, 77% (ou 3,3 milhões) têm entre 14 e 17 anos.
Mais: com base em dados do IBGE, o número de lares chefiados por adolescentes mais do que dobrou
em uma década: são 661 mil.
Segundo o Mapa da Violência, dividindo a população em dois grandes grupos: os jovens, de
15 a 24 anos, e os não jovens, de 0 a 14 e 25 anos e mais, na população não jovem, 9,9% do total de
óbitos são atribuíveis a causas externas. Já entre os jovens, as causas externas são responsáveis por
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73,6% das mortes: homicídio, com 39,9%; acidentes de trânsito, 19,3%; e suicídios, 3,9%. Face a estes
dados assustadores, que superam até os de países em guerra declarada, cabe perguntar: por que a
juventude está se matando? A resposta talvez seja: por não ter razões suficientes para viver, ou, ainda,
porque não aprendeu a resolver conflitos com o diálogo. Como diria Hannah Arendt, a violência surge
onde não há a palavra, e a superação da violência jamais é atingida através de respostas violentas. O
contrário da violência é a palavra, e não a violência.
O perfil do adolescente infrator que chega às instituições de privação de liberdade no Brasil:
98% não completou o ensino fundamental (embora 77% tenha idade suficiente, ou seja, são maiores
de 15 anos), sendo que 15% são analfabetos e 61% não frequentavam a escola. Ainda mais, 99% destes
jovens provêm de famílias que ganham menos de seis salários mínimos. Mais ainda, mais de 90% são
negros. Sabemos perfeitamente que jovens das elites brasileiras se envolvem com drogas (tanto no
uso quanto no tráfico), com acidentes de trânsito, com homicídios, depredações, arruaças, uso ilegal
de armas, participam de gangues juvenis, exercem violência sexual, corrompem-se e são corrompidos
por dinheiro. Por que esta discriminação tão escandalosa?
O Brasil não tem sido uma “mãe gentil” para seus jovens. O Mapa da Violência, levantamento
feito anualmente sob a coordenação do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, com o apoio do Instituto
Sangari e do Ministério da Justiça, coloca o Brasil como um dos países mais violentos do mundo. Os
jovens e os negros são as vítimas mais frequentes de morte violenta. Assim, são 28,3 jovens brancos
mortos a cada 100 mil habitantes. Entre os jovens negros a taxa é de 72. A educação poderia salvar
muitos jovens, modificar seu ambiente e realizar suas vocações.
A grande tarefa do educador e do evangelizador é a deslegitimação ideológica desta realidade. A idade média dos prisioneiros do Rio Grande do Sul não passa de 23 anos. São jovens, pobres,
analfabetos totais ou funcionais. Um(a) adolescente pobre, sem escola e com trabalho precário é
vítima fácil da violência, da prostituição, do tráfico de drogas e da criminalidade.
Os jovens são presente, mas também são futuro. Há algumas realidades que silenciosamente
vão se impondo e que desafiam nossa capacidade evangelizadora de responder a elas. Porto Alegre,
por exemplo, é a capital mais solitária do Brasil com 21,6% das residências ocupadas por apenas uma
pessoa. No RS, 15,2% dos domicílios são ocupados por apenas uma pessoa, segundo maior índice do
país, atrás apenas do Rio de Janeiro. Herval é a cidade com maior proporção de domicílios onde vive
apenas uma pessoa, com 26,6%. Já Arroio do Padre tem a menor proporção de pessoas morando sozinhas: 4,5%. Em Porto Alegre há 20,4% de residências em que mães vivem com filho, mas sem marido.
Porto Alegre tornou-se a primeira capital do país a praticamente igualar os índices de ambos
os sexos como líderes domésticos. O fenômeno da feminilização dos domicílios é liderado, entre as capitais brasileiras, por Porto Alegre. Em 2000, havia 38% de casas sob regência de mulheres – proporção
que cresceu quase um terço em 10 anos até atingir o patamar atual de igualdade. Entre as possíveis
explicações para isto estão melhores oportunidades para o sexo feminino no mercado de trabalho, uma
cultura menos machista e o alto índice da capital de mulheres vivendo com filhos, mas sem marido
(20%).
Analisando o lugar que Deus tem na vida dos jovens, em uma pesquisa de 2006, realizada em
São Leopoldo, RS, 91% dos jovens afirmam que acreditam em Deus e 86,9% em Jesus Cristo. Para 78,8%,
Deus é muito importante, e só pra 2,7% Deus não tem importância em sua vida. Um dado que chama a
atenção na pesquisa de São Leopoldo é que a maioria dos jovens diz ter mais religião que seus pais, e
consideram que suas mães têm menos religião que seus pais. Em pesquisa da UNESCO, em 2004, intitulada “Juventude: o que une e o que separa”, 96% dos jovens declaram possuir uma religião.
Bento XVI fala de emergência educativa desejando aludir à especial urgência de transmitir às
novas gerações os valores fundamentais da vida e de uma reta conduta.
3. O que está acontecendo?
A Igreja Católica no Brasil em 2013 realiza a Campanha da Fraternidade sobre a Juventude.
“Fraternidade e Juventude” é o tema. Ela se coloca dentro do marco da Jornada Mundial da Juventude. O Documento Base da CF, na parte referente ao Julgar apresenta algumas linhas que o balizam.
Neste estudo estou me baseando nesta parte do documento.
3.1. Mudança de Época
Esta expressão permeia todo o documento e é citada por 18 vezes. A primeira coisa a ser diRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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zer é que o documento dá como certo que estamos vivendo uma mudança de época. Então, é preciso
entender de que se trata. Estaria havendo uma mudança de paradigma. Estaria nascendo um novo
tipo de percepção da realidade, com novos valores, novos sonhos, nova forma de organizar arquitetonicamente os conhecimentos, novo tipo de relação social, nova forma de dialogar com a natureza,
novo modo de experimentar a última realidade e nova maneira de entendermo-nos a nós mesmos e de
definir nosso lugar no conjunto dos seres.
Esta mudança de época, que alguns chamam de pós-modernidade e outros de época sem
nome, pode desembocar em três diferentes perspectivas.
A primeira delas seria a recuperação da dimensão esquecida, ou seja, da emoção, do sentimento, do mistério. Há acontecimentos dramáticos que marcaram a segunda metade do século passado. O maior deles foi o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki em 1945. Pessoas
sensíveis criticam fortemente a unidimensionalidade da civilização com a preponderância da razão, da
ciência positiva e da técnica. O futuro está em risco quer pela energia nuclear, quer pela crise ecológica e social. O progresso científico e tecnológico tem condições de melhorar a vida na face da terra
e cada vez mais se arma para destruir e matar. Temos futuro? Neste sentido, o importante mesmo é
construir o presente, fruí-lo, saboreá-lo. A emoção é a bola da vez. Assim como a Idade Média entronizou a religião, a Idade Moderna entronizou a Razão, a nova época entroniza a emoção. Todas as unidimensionalidades matam. O novo também mata e é terrível. Também a emoção unidimensional mata.
A segunda seria não mais uma troca de fundamento, mas a quebra de todo e qualquer fundamento. Não há fundamento. Cada um é seu próprio fundamento. Foge-se do fundamentalismo e se
erige o relativismo mais puro, mais legítimo e mais radical. A pessoa humana é o único fundamento
de si mesma. Isto é terrível, mas também é deslumbrante porque, pela primeira vez na história, o ser
humano tem a vida em suas mãos. Não há mais necessidade de terceirização. Cada pessoa constrói o
seu futuro a não ser com o paradigma que cria para si mesma. Não há lei divina e nem lei natural. O
direito natural não existe, existe apenas o direito positivo. O iusnaturalismo é substituído pelo consenso entre os povos. Nem heteronomia, nem teonomia, mas a mais radical autonomia e autossuficiência.
A terceira e última perspectiva desta época seria a descoberta da dimensão perdida que, junto com as duas outras dimensões, é capaz, finalmente, de reconstituir a pessoa humana integral. Não
mais a unidimensionalidade, quer da razão, quer da religião, quer da emoção. Estas três dimensões
juntas podem reconstruir uma pessoa mais holística, pluridimensional, complexa, aberta... Religião,
razão e emoção são as dimensões da completude da pessoa humana. Não se trata, porém, de uma justaposição entre estas três dimensões, mas de uma interpenetração entre elas. Há uma racionalidade
sensível e uma sensibilidade racional... Também a religião tem que estar permeada de sensibilidade
e de racionalidade.
3.2. Aceleração do tempo histórico
A visão e vivência do tempo não é a mesma em todas as épocas. As descobertas e a criação
tecnológica são tão grandes que uma pessoa em sua vida deve aceitar que a maior constante é a mudança, isto é, o que há de mais permanente é a mudança. Heráclito tinha razão!
A literatura atual em relação à juventude diz que a partir da segunda guerra mundial temos no
mundo cinco gerações de jovens, a saber: tradicionais, baby-boomers, geração X, geração Y, geração Z.
3.3. Contemporaneidade incontemporânea
Embora todos vivamos cronologicamente em 2013, historicamente nem todos estamos situados na mesma época. Podemos ter uma visão diacrônica da história, mas também uma visão sincrônica.
As pessoas vivem épocas diferentes num mesmo grupo e numa mesma sociedade numa mesma data.
Esta é a visão sincrônica. A visão diacrônica não é a mais adequada para trabalhar com a questão da
juventude. As diversas gerações não se desenvolvem alternadamente no tempo. Uma mesma faixa
etária pode viver diferentes visões históricas do mundo.
3.4. Explicatio terminorum, isto é, explicação dos termos.
Para entendermos qualquer realidade, também a juvenil, é necessário explicar de alguns termos. Vamos nos focar em quatro conjuntos de termos.
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3.4.1. Individualismo, subjetivismo e subjetividade.
Uma pessoa é individualista, vive valores até bons, mas de forma individualista sem levar em
conta a dimensão comunitária e social do mundo e dos outros. Já a subjetividade é algo altamente
positivo. Uma pessoa vive numa determinada comunidade, mas cultiva sua marca pessoal, sua contribuição específica, deixa sua marca e seu carisma. Já o subjetivismo é quando a pessoa não só não leva
em consideração a comunidade, mas quando ela age como se fosse a fonte de seus valores e de seus
princípios. Eu sou minha religião, eu sou minha filosofia. Minha convivência com os outros se dá apenas
para não incomodar e não ser incomodado. Os valores e princípios começam em mim e terminam em
mim.
3.4.2. Relativo e relativismo
Uma pessoa pode ser relativa sem ser relativista. Vivemos numa sociedade multicultural,
multirreligiosa e até multiética. Assim, do ponto de vista religioso, para um cristão, Jesus Cristo é
fundamental e para um budista Jesus é relativo. Para o budista, Buda é fundamental, já para o cristão
é relativo. Já o relativismo consiste em não assumir nada como fundamental, isto é, nada como fundamento. Os valores dependem de cada pessoa, de cada tempo e de cada lugar. Não há valores e nem
direito natural. Tudo é positivo. É o mais forte relativismo. Não há princípios, mas apenas pontos de
vista.
3.4.3. Fundamento e Fundamentalismo
O que se falou do relativo e relativismo também se aplica a esta dupla. Para mim, Jesus Cristo
é fundamental, é fundamento. Nele coloco a base de todas as minhas convicções e de meus valores.
Sem ele, a casa cai. Já o fundamentalismo consiste em querer reduzir o fundamento a um único e,
mais ainda, querer combater o fundamento dos outros impondo seu próprio fundamento.
3.4.4. Jovem. Juventude. Juventudes. Novas Gerações.
Jovem é mais uma questão cronológica. No Brasil são jovens as pessoas de 17 a 29 anos. Em
outros países este cronograma vai mais além e abrange até 35 anos.
Juventude já implica consciência de fazer parte de um grupo etário que tem determinadas
características psicológica, determinada ação social e política e determinadas posturas. Hoje costuma-se falar o plural. Existe juventude rural, juventude urbana, juventude do centro, juventude da
periferia, juventude moderna, pós-moderna, tradicional, há jovens brancos e jovens negros, há jovens
rapazes e jovens meninas, há jovens estudantes secundários, universitários...
O conceito de novas gerações é mais amplo que o conceito de jovem. Nova geração é quem
traz uma contribuição nova para a sociedade. É nova geração um ancião inconformado, rebelde, que
apresenta uma visão de mundo que ajuda a superar as discriminações e exclusões.
3.5. De destinatário a protagonista
Uma das grandes características da juventude hoje é o desejo de passar de destinatário a protagonista. Ninguém mais quer ser figurante. Ninguém mais quer primeiro colocar os alicerces do futuro
para depois agir, mesmo porque com tanta morte e violência nem sempre há esperança de sobreviver
e morrer sem participar. É neste contexto que se coloca os grandes medos dos jovens: medo de sobrar,
medo de morrer, medo de se desconectar. Em educação e em pastoral cresce o desejo de participar
através de metodologias mais ativas e participativas. O futuro é amanhã, mas também é hoje.
3.6. Jovem como lugar teológico, terra santa (192, 217).
Deus se faz presente por uma dupla ausência: ele emerge do contraste e pelo contraste.
Quanto maiores forem as trevas maior é a sua luz. Proclama-se uma coisa e se manifesta outra. Um jovem desfigurado pela droga, pela prostituição é uma imagem de Deus, no sentido de que o seu contrário é que é Deus. Isto desafia as pessoas para viverem a justiça e a santidade missionária e apostólica.
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Deus se manifesta também em todo esforço de libertação, de emergência da justiça, da
bondade, da misericórdia, da hospitalidade, da generosidade, do empenho na construção do futuro
através da disciplina e da doação.
3.7. Jesus Cristo é a referência relevante, o modelo.
Ele é Mestre e o jovem é o discípulo. O seguimento de Jesus é a grande proclamação da CF
para os jovens e para toda a Igreja. O Evangelho de Jesus Cristo é a leitura mais preciosa que um jovem
cristão pode fazer para conhecer qual é o paradigma para sua vida.
3.8. Uma correção: existem nossos jovens? Os outros jovens não são nossos?
Alguns documentos eclesiais usam a expressão “nossos jovens”. Esta expressão é muito perigosa. Nossos jovens são todos os jovens. Há jovens que demonstram sua fé negando as expressões de
fé que não condizem com o compromisso cristão. Também estes são os “nossos” jovens. Há jovens que
não renegam a religião, mas a forma como se vive a religião. Estes também são os nossos jovens. E a
enumeração também pode continuar!
4. O que priorizar e onde atuar?
4.1. Apostar na emergência educativa
O que nossa sociedade precisa em relação aos jovens é apostar na dimensão educativa de
toda a pastoral. Há quem queira colher sem semear. Há quem queira colher onde outros semearam
bem e, sem levar em consideração isto, fazer uma ruptura no caminho feito. A geração que não teve
e não tem consciência ecológica, que não teve e não tem um compromisso efetivo e persistente pela
justiça e pela paz precisa escutar mais e ensinar menos, testemunhar mais e falar menos. Uma Igreja
que só quer proclamar a verdade precisa converter-se para ser mais discípula do que mestra.
4.2. Apostar na escola como possível espaço de educação dos jovens.
A escola, hoje, pode ser um grande espaço de evangelização... O Rio Grande do Sul tem um
volume extraordinário de pessoas na escola. Na educação básica são 2.683.794 alunos em 2006. Na
educação superior são 322.824 alunos. Somando-se tudo temos a bela cifra de 3.006.618 alunos.
Os funcionários das escolas, isto é, o total de pessoas que desempenham funções docentes,
técnicas e administrativas na escola chega a 250.064 na educação básica e 21.085 na educação superior.
Se há um grupo com amplas possibilidades pastorais, este é o dos educadores. Lidam sempre
com pessoas. Educam eticamente as novas gerações. Hoje a escola educa não tanto pelos “conteúdos”
que passa, mas pela metodologia e a postura ética diante da vida, de toda e qualquer vida. Todos educamos, mas há um grupo de pessoas na sociedade, os professores, que tem por missão refletir e agir
orgânica, metódica e sistematicamente no mundo da educação.
4.3. Apostar nos grupos como metodologia e conteúdo da educação e da pastoral.
Há três níveis de atuação em qualquer trabalho com os jovens, quer se trate de educação quer
de pastoral: pessoa, grupo e massa. O acompanhamento pessoal é muito importante. Qualquer educação e pastoral pode e deve promover ações para desenvolver este nível. O mesmo se diga do trabalho
de massa. A pastoral, porém, deve e precisa apostar no trabalho de grupo. É uma metodologia, mas
também a própria mensagem de Jesus. Afinal, trabalhamos para construir Igreja. E o que é a Igreja
senão uma rede de comunidades reunidas em nome de Cristo para construir mais e mais comunidades
com pessoas reconhecidas como gentes em sua dignidade.
4.4. Apostar nas Redes Sociais
O mais importante não é segurar o microfone para o outro falar, mas é falar. O importante não
é ter os meios, mas trabalhar com os fins. O importante não é encher as redes sociais de abobrinhas,
mas usá-las para causas que realmente ajudem a humanidade a crescer e avançar. Neste caso, o estudo
das línguas que comunicam é uma premência.
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4.5. Apostar nas Resiliências Juvenis
A palavra resiliência é tomada da física dos materiais. É uma força de resistência e recuperação ao choque. Significa a capacidade elástica de um material para recobrar sua forma original depois
de ter sido submetido a uma pressão deformadora. No campo da Psicologia, o primeiro que usou, em
sentido figurado, o termo resiliência, foi Bowlby e definiu-a assim: “recurso moral, qualidade de uma
pessoa que não desanima, que não se deixa abater”.
Para Theis, resiliar é recuperar-se e continuar indo para a frente depois de um trauma, uma
doença e/ou uma situação de estresse. Implica resistir às situações críticas, sobrepor-se e reconstituirse da melhor maneira possível. Para Assis, implica tentar transformar intempérie, momentos traumáticos e situações difíceis e inevitáveis em novas perspectivas.
Longe de fazer da resiliência “um hino ao sofrimento, aos determinismos, à desigualdade das
chances”, igualmente é possível aprender com a trajetória e o depoimento das pessoas que afirmam
que conseguiram encontrar, a partir da situação adversa, novos elementos para apoiar-se e redefinir a
sua vida, mesmo se não desejam a outros a dor sofrida.
A literatura sobre resiliência destaca dois fatores de proteção externos fundamentais para desencadear o processo de superação de uma situação adversa ou traumática: a. A aceitação incondicional (fundamental) de, pelo menos, uma pessoa, e b. A presença de redes de apoio social disponíveis.
O processo de resiliência só acorre quando há, pelo menos, uma ou mais pessoas significativas
que mantém com a criança, o adolescente ou o adulto que sofre, um vínculo positivo forte, alguém
que acredita no potencial da pessoa, que sabe ouvi-la e ter com ela um vínculo suficiente empático
para ajudá-la a desenvolver suas próprias capacidades de superação.
A espiritualidade também é uma fonte que sustenta a resiliência das pessoas. As pessoas
que têm mais espiritualidade possuem três vezes mais chances de serem resilientes. O documento
do CELAM, Civilização do Amor: tarefa e esperança afirma que, diante de situações adversas que os
jovens padecem, é preciso estar atento a duas dimensões complementares: “uma ação preventiva,
que eduque e promova, evitando que a grande maioria dos jovens chegue a tais situações [negativas],
[além de] uma ação em nível de reabilitação e uma intervenção direta nos grupos já afetados, para
desenvolver-lhes sua humanidade e sua dignidade” (p. 245).
4.6. Apostar na solidariedade juvenil
Uma CF sobre jovens tem como missão corresponsabilizar os jovens em relação aos outros
jovens. Não é verdade que o jovem, pelo simples fato de ser jovem, já luta pela transformação social.
Uma das reflexões mais fortes é corresponsabilizá-los no sentido de se comprometerem com a promoção de todos e cada um dos jovens. Afinal, o jovem que caminha ao lado do outro jovem pode ser
seu assassino, seu traficante, seu alienante, seu inimigo, seu explorador... Mas também pode ser seu
defensor, seu promotor, seu colega...
Sois os jovens da Igreja. Por isso eu vos envio para a grande missão de evangelizar os jovens e as jovens,
que andam por este mundo errantes, como ovelhas sem pastor. Sede os apóstolos dos jovens. Convidai-os
para que venham convosco, façam a mesma experiência de fé, de esperança e de amor; encontrem-se
com Jesus, para se sentirem realmente amados, acolhidos, com plena possibilidade de realizar-se. Que
também eles e elas descubram os caminhos seguros dos Mandamentos e por eles cheguem a Deus.
(BENTO XVI, Encontro com os Jovens no Estádio do Pacaembu em 10 de maio de 2007)
Conclusão
Concluo estas considerações com um belo poema intitulado:
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QUANDO PENSASTE QUE EU NÃO ESTIVESSE OBSERVANDO
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu te vi colar na geladeira o meu primeiro desenho
e, logo depois, eu quis fazer outro.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu te vi a dar de comer a um gato sem dono,
e aprendi que é bom ser bom com os animais.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu te vi fazer o meu doce predileto,
e aprendi que as pequenas coisas podem ser especiais na vida.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu te vi fazer o almoço e levá-lo a um amigo doente,
e aprendi que nós devemos preocupar uns com os outros.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu te vi cuidar da nossa casa e dos que nela vivem,
e aprendi que é preciso preocupar-se com o que nos foi dado.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu te vi enfrentar tuas responsabilidades, mesmo não estando bem,
e aprendi que quando crescer deverei ser responsável.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu vi brotar lágrimas dos teus olhos,
e aprendi que, às vezes, algumas coisas fazem sofrer, e que chorar é bom.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu vi que estavas preocupada,
e quis ser tudo aquilo que eu podia ser.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
aprendi a maior parte das lições de vida que deverei saber
para ser uma pessoa boa e útil quando crescer.
Quando pensaste que eu não estivesse observando,
eu te vi e quis dizer: “Obrigado por tudo o que vi
quando pensaste que eu não estivesse observando”.
Referências Bibliográficas
CELAM, Civilização do Amor: tarefa e esperança. Orientações para a Pastoral da Juventude Latino-
americana. São Paulo: Paulinas, 1997.
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DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes. São Paulo: Loyola, 2003.
OLIVEIRA, Carmen Silveira de. Sobrevivendo no inferno: a violência juvenil na contemporaneidade.
Porto Alegre: Sulina, 2001.
LIBÂNIO, João Baptista. Para onde vai a juventude? São Paulo: Paulus, 2012.
ROCCA, SUSANA María. Resiliência, espiritualidade e juventude. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2013.
GUIMARAES, Marcelo Rezende. Educação para a paz. Caxias do Sul: EDUCS, 2006.
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Ciências Sociais e Aplicadas
A fundamentação racional da ética
Tarcísio Ambos Danelon1
Resumo
O artigo aborda a teoria da ética da responsabilidade proposta pelo filósofo KarlOtto Apel. Apresenta a fundamentação da necessidade de uma ética básica na era
da ciência, superando o paradoxo entre a objetividade científica e a subjetividade
filosófica, elaborando uma ética do discurso como base e pressuposto da comunidade
de comunicação.
Palavras-chaves
Karl-Otto Apel. Ética. Filosofia. Fundamentação.
Abstract
This article discusses the ethical theory of liability proposed by the philosopher
Karl-Otto Apel. It presents the reasons for the need of a basic ethics in the age of
science, overcoming the paradox between scientific objectivity and philosophical
subjectivity, elaborating a discourse ethics as the basis and premise of community
communication.
Keywords
Karl-Otto Apel. Ethics. Philosophy. Rationale
1. Necessidade de uma ética universal: relação ciência e ética
Apel apresenta como uma situação-problema paradoxal a relação entre ciência e ética na
sociedade contemporânea. Essa paradoxalidade revela-se por um lado com a carência de uma ética
universal que nunca foi tão premente como em nossa era. Por outro lado, a tarefa filosófica da fundamentação racional de uma ética universal parece hoje mais complexa do que nunca, até impossível,
pois a ideia cientificista da objetividade normativamente neutra ou isenta de valoração prejudica a
ideia da validade intersubjetiva.
O primeiro aspecto do paradoxo é a necessidade de uma ética universal nos dias de hoje.
Apel mostra, então, como essa necessidade aparece na sociedade atual. A expansão da ciência, com
consequências tecnológicas de enorme extensão, precisa ser acompanhada com um correspondente
avanço nas relações éticas, no sentido de haver um alcance universal também nesta área, o que não
vem ocorrendo. Há, sim, um “descompasso” de setores culturais da humanidade que aparece, por
exemplo, na “desproporção entre a expansão de possibilidades técnico-científicas e a tendência conservadora de morais específicas de grupos”1. A esfera dos efeitos das ações humanas está localizada,
hoje, na macroesfera dos interesses vitais comuns da humanidade, como, por exemplo, no âmbito da
produção industrial. A isso se contrapõe a moral conservadora localizada, predominantemente, na microesfera (esfera íntima). Essa situação torna-se crítica quando, por exemplo, em nome do progresso,
o homem usa a energia nuclear inadequadamente, pondo em risco toda a humanidade, ou promove um
crescimento industrial sem controle da poluição.
Essas questões, para Apel, entre outras, questionam a opinião corrente do crescimento econômico tecnológico e mostram como, em nossa época, os resultados da ciência representam um desafio
moral para a humanidade, como a civilização técnico-científica confrontou todos os povos com uma
problemática comum a todos:
Mestre em Filosofia. Professor de Filosofia da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.
APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna. Petrópolis, 1994, p. 72.
(1)
1
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“Pela primeira vez, na história da espécie humana, os homens foram praticamente colocados ante a tarefa de assumir a responsabilidade solidária pelos efeitos de suas ações em medida planetária. Deveríamos
ser de opinião que, a essa compulsão por uma responsabilidade solidária, deveria corresponder à validez
intersubjetiva de normas, ou pelo menos do princípio básico de uma ética da responsabilidade”2.
Para Apel, o paradoxo constitui-se quando se considera o segundo aspecto da situação-problema: a situação teorética do problema da relação ciência e ética. A objetividade científica, ao não
aceitar que normas ou juízos de valor sejam deduzidos a partir de conclusões induzidas de fatos,
como também não do formalismo de conclusões lógico-matemáticas, parece direcionar a pretensão
da validade de normas morais ou juízos de valor para o âmbito da subjetividade descompromissada. A
validade da ética restringe-se ao campo individual, emocional e irracional. Outra maneira de a ciência
considerar as normas morais subjetivas é afirmando-as como relativamente culturais, epocais. Aparentemente, portanto, a fundamentação científica de uma ética universal, intersubjetivamente válida,
parece ser impossível e necessária ao mesmo tempo.
A filosofia contemporânea, considerada na perspectiva do referido paradoxo, apresenta igualmente uma espécie de divisão de trabalho, objetivo e subjetivo. Segundo Apel, assim consideradas,
a filosofia analítica da linguagem e o existencialismo, por exemplo, não se contradizem, mas antes
se complementam, pois se atribuem reciprocamente à esfera do conhecimento objetivo-científico e,
respectivamente, à esfera das decisões subjetivo-éticas.
É assim que, para S. Kierkegaard, “objetividade”, no sentido de validade universal e intersubjetiva de conhecimentos, é um privilégio da ciência não valorativa. Também, para Apel, Wittgenstein,
no Tractatus, mantém esta perspectiva ao afirmar que não pode haver sentenças éticas, porque sentenças não podem expressar nada mais elevado.
Conforme Apel, o “solipsismo transcendental” de Wittgenstein em relação à ética corresponde a um problema característico do existencialismo moderno e apresenta a seguinte dificuldade:
“como pode uma filosofia teorética como tal, com pretensão de validez intersubjetiva, falar sobre
aquilo que, per definitionem, é subjetivo e singular?”3. Apel aponta para uma função ideológica desse
sistema de complementaridade entre o objetivismo da ciência não valorativa e o subjetivismo existencial, na medida em que são a expressão filosófico-ideológica moderna da separação liberal entre a
esfera da vida pública e a da vida privada, formada no contexto da separação entre Igreja e Estado.
A partir da base filosófica desse sistema de complementaridade ocidental, conclui-se que
somente as decisões de consciências particulares das pessoas individuais podem reivindicar para si próprias um vínculo moral. A mediação científico-tecnológica isenta de valoração, entre teoria e práxis,
não pode assumir nenhuma responsabilidade moral. Permanecem as interrogações: “Como fica, agora
(...) a aceitação da responsabilidade moral, ressaltada de início como necessária, para os efeitos principais e colaterais da práxis humana na era da técnica industrial de dimensão planetária? (...) Como
podem essas decisões de consciência dos indivíduos serem conduzidas a um acordo segundo regras
normativas, de modo a poderem assumir a responsabilidade solidária para a práxis social?”4.
Uma resposta, segundo Apel, que pode ser deduzida dos pressupostos do sistema de complementaridade ocidental (de uma objetividade não valorativa e de uma moral privada intersubjetivamente descompromissada) parece ser a afirmação de convenções, através das quais as decisões
subjetivas e as necessidades subjetivas dos indivíduos seriam agregadas no sentido de uma decisão de
vontade responsavelmente assumida por todos, o que produziria a base de todas as normas intersubjetivamente vinculatórias.
No entanto, a afirmação de convenções, para Apel, apenas encobre o problema. Pois é possível, a partir de convenções, “justificar uma norma ética básica, que gere para cada indivíduo o dever
de, em todas as questões práticas, pretender, em princípio, um acordo vinculatório com os outros
homens e, posteriormente, ater-se ao acordo obtido?”5. O simples fato das convenções não fundamenta essa exigência, pois elas estão apenas empiricamente fundamentadas, não pressupõem nenhuma
norma moral básica, intersubjetivamente válida, caracterizando um solipsismo metódico. Portanto,
não havendo nenhum princípio ético, que vincule normativa e intersubjetivamente, a responsabilidade
ética não transcenderá a esfera privada. Permanece, assim, o paradoxo da necessidade e aparente
impossibilidade científica de fundamentar uma ética planetária.
APEL,
APEL,
4
APEL,
5
APEL,
2
3
54
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Op.
Op.
Op.
Op.
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
p.
p.
p.
p.
74.
84.
89.
90-91.
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2. Reflexões para a solução do problema de uma ética universal
Apel apresenta alguns pressupostos básicos da moderna filosofia analítica que parecem tornar
quase impossível a fundamentação de uma ética normativa:
“1. De fatos não se podem deduzir normas (ou: de sentenças descritivas não se podem deduzir sentenças prescritivas e, assim, ‘juízos de valor’). Para abreviar, chamaremos esta sentença básica de ‘Princípio de Hume’ ou ‘Distinção de Hume’.
2. Ciência, enquanto fornece conhecimentos de conteúdo, trata de fatos; por isso uma fundamentação
científica de uma ética normativa é impossível.
3. Somente a ciência fornece um saber objetivo; objetividade é idêntico com validade intersubjetiva;
por isso uma fundamentação intersubjetivamente válida de uma ética normativa é absolutamente
impossível”6.
Para demonstrar uma fundamentação racional de uma ética normativa, Apel vai questionar as
premissas apresentadas. A primeira estratégia de argumentação vai questionar a relevância do “Princípio de Hume”, pondo em discussão se todas as ciências empíricas são puras ciências sobre fatos,
moralmente livres de valoração, ou se isso acontece somente com as ciências naturais e não com as
ciências humanas empíricas e com a metaética filosófica. Apel formula, então, a tese, que é o ponto
de partida de sua argumentação, de que “os objetos das ciências humanas, fenomenologicamente
considerados, não podem constituir-se sem uma certa valoração moral”7.
Para Apel, a moderna ciência natural conseguiu constituir seu objeto, renunciando, em princípio, a uma compreensão comunicativa e correspondente valoração. Esta renúncia originária constitutivo-fenomenal a uma compreensão valorativa, mesmo com as implicações de um cientificismo
reducionista, as ciências humanas não conseguem elaborar seriamente. Conforme Apel,
“Numa estilização fenomênica posterior, as assim ditas ciências sociais ‘empírico-analíticas’ puderam
simular a constituição não valorativa de objetos das ciências naturais, enquanto era possível uma
abstração da relação comunicativa intersubjetiva e, também, enquanto era possível uma manipulação
experimental e tecnológica dos ‘objetos’ humanos” 8.
É assim que, para Apel, nas ciências humanas, ao se tratar da autocompreensão da práxis vital
humana a partir de sua história, não se pode mais eliminar a característica valorativa da constituição
primária de objetos. A tentativa do historicismo positivista de tornar metodologicamente vinculadora
uma objetividade livre de valoração não consegue fazer desaparecer a assim chamada perspectiva de
valoração pré-científica. O esforço do historiador por uma fundamentação objetiva da história, sua
compreensão apreciativa de pessoas e épocas particulares, continuará essencialmente determinada
pela perspectiva de valoração pelo fato de o historiador fazer parte da história.
Assim, “a atividade do historiador político se ordena (...) ao círculo hermenêutico do ‘préjuízo’ de valor e ‘juízo-de-valor’ purificado” 9. Um exemplo que confirma essa característica está na
Escola Popperiana, originariamente assentada sobre um monismo metódico das ciências sociais empírico-analíticas não valorativas, quando ela mesma fornece o paradigma de uma ciência do espírito que
não é explicável por leis ou isenta de valoração, e sim, no melhor sentido, normativo-hermenêutica.
O mesmo acontece com a metaética que se considera comprometida com a tese da neutralidade. Para Apel, também ela tem dificuldades de reduzir a realidade da conduta humana a fatos de observação descritíveis e isentos de valoração. Ora, a mera descrição do dizível não conduz necessariamente à caracterização unívoca do normativo, isto significa que a metaética não pode simplesmente
ser neutra ao realizar tal interpretação. Enfim, a dificuldade metodológica da metaética da analítica
da linguagem está condicionada “pelo fato de não se tratar aqui de uma teoria, cujo objeto já está
constituído como fenômeno, na relação sujeito-objeto isenta de valoração, mas antes de uma metateoria, na concepção reflexivamente mediada da reconstrução hermenêutica”10. Por isso, deve haver
um engajamento normativo-moral na sua “constituição de objeto”, não apenas metódico-normativo.
Depois dessas considerações, Apel procura ater-se a um novo ponto que se apresenta ao problema de uma fundamentação da ética: no sentido de uma hermenêutica normativa não neutra, quem
APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna. Petrópolis, 1994, p. 94.
APEL, Karl-Otto. Op. cit., p. 95-96.
8 APEL, Karl-Otto. Op. cit., p. 97.
9
APEL, Karl-Otto. Op. cit., p. 99.
10
APEL, Karl-Otto. Op. cit., p. 101.
6
7
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quiser entender ações humanas deverá engajar-se no sentido da corresponsabilidade de intenções
que visam à ação. Pois os assim chamados “dados”, no caso das ciências humanas, têm eles mesmos a
característica do cumprimento subjetivo de normas. Ainda que sob a reserva metódica de uma posterior alienação e neutralização, eles devem ser constituídos primariamente a partir de uma concepção
simultaneamente comunicativa e autoreflexiva, ou seja, hermenêutica.
Uma conclusão possível decorrente da constatação da constituição fenomenológica do objeto
das ciências humanas normativo-hermenêuticas é a consideração da distinção humesiana entre puros
fatos e puras normas como sendo irrelevante, ainda que não tenha sido comprovada como falsa. Entretanto, Apel não atribui nenhuma função decisiva para a fundamentação racional da ética à ciência
normativo-hermenêutica.
Primeiro, porque o “círculo hermenêutico” de “entender” e “valorar” atua, de certa forma,
como veículo da racionalidade normativa, não podendo, então, ter a tarefa de uma fundamentação da
ética. Então, “a hermenêutica já deve sempre pressupor uma fundamentação normativa de sua compreensão eticamente valorativa”11, ao invés de assumir a função da fundamentação. Em segundo lugar,
para Apel, o método hermenêutico, por si só, mesmo podendo pressupor a fundamentação ético-normativa da hermenêutica, seria insuficiente para a sua fundamentação hermenêutica. Tal compreensão
retroativa de situações de vida não pode fornecer sozinha todos os pressupostos necessários para uma
avaliação ética de ações e instituições. Assim, enquanto relacionada com o método das tradicionais
“ciências do espírito”, a pretensão de universalidade da hermenêutica deve ser rejeitada.
Entretanto, conforme Apel, em seu aspecto quase transcendental, destacado por Heidegger e
Gadamer, não foi atingida a pretensão de universalidade da hermenêutica:
“Entendo dessa forma a tese de que o Lebenswelt (mundo vital) já está sempre interpretado pela
linguagem e o a priori da compreensão por meio da linguagem corrente, no contexto do Lebenswelt,
num sentido a ser especificado, é a condição indeclinável de possibilidade e validez intersubjetiva de
qualquer criação de teoria filosófica ou científica, que se possa pensar, e também da ‘reconstrução’ da
própria linguagem”12.
Apel considera válida esta tese hermenêutico-transcendental, acentuando que o pressuposto
do primado transcendental da linguagem corrente e da compreensão não pode ser reduzido ontologicamente a um acontecimento ou a fatos de um jogo de linguagem. O ideal normativo da compreensão
já deve sempre poder ser antecipado na linguagem corrente.
Apel avalia o seu questionamento do princípio cientificista de isenção de valores retomando
as conclusões das reflexões feitas:
“De uma parte, elas são apropriadas para confirmar-nos na suposição de que a moderna disjunção entre
objetividade das ciências isenta de valoração, e moral privada subjetiva, é insustentável e ainda hoje
é refutada pela existência das ciências humanas. De outra parte, mostrou-se que a fundamentação da
ética, sem dúvida, já deve ter sido realizada antes de se poderem estabelecer as ciências humanas
como Organon da ética”13.
Uma reflexão ulterior ainda precisa ser feita. Segundo Apel, se o pensamento humano tiver
que ser radical, deverá fazer uso da possibilidade do distanciamento do mundo e de si mesmo. Assim,
o princípio metódico da dúvida cartesiana (também o princípio neocartesiano de Husserl) é obrigatório
para a ética como metaética. Um distanciamento radical do mundo terá sentido, se conquistar, por
um questionamento experimental do próprio mundo real, um entendimento reflexivo não dogmático
das condições não anuláveis de possibilidade e validade do discurso teórico e da própria filosofia. Da
mesma forma, uma crítica de sentido transcendental pode mostrar que a pressuposição da validade de
normas morais como tais é condição paradigmática de possibilidade do jogo de linguagem pertencente
à justificação de normas.
A esta altura, para Apel, tem procedência a pergunta se “não seria possível deduzir, desse
pressuposto paradigmático do ‘discurso teórico’ sobre a validade de normas, uma ‘norma moral básica’
ou um ‘princípio de ética’?” 14. Com esse questionamento, Apel vê a indicação para que seja abordada
a terceira premissa da filosofia analítica, a tese cientificista da impossibilidade da validade intersubjetiva de normas morais.
APEL,
APEL,
13
APEL,
14
APEL,
11
12
56
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Op.
Op.
Op.
Op.
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
p.
p.
p.
p.
105.
108.
110-111.
114.
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Tendo aceitado o princípio metódico da reflexão transcendental, pode-se perguntar pelas
condições de possibilidade e validade da ciência empírico-analítica não valorativa e, ao mesmo tempo, tomar em consideração que “as ações compreensivas, pressupostas por Kant no sentido do ‘jogo
de linguagem transcendental’, podem e devem ser concretizadas no âmbito de uma comunidade de
comunicação de cientistas, como ações compreensivas, interpessoalmente relacionadas”15. A argumentação contra a referida terceira premissa da filosofia analítica é desencadeada pela pergunta se é
possível indicar as condições de possibilidade e validez da objetividade não valorativa de afirmações
empírico-analíticas da ciência, sem antes pressupor a validez intersubjetiva de normas morais.
3. A ética como pressuposto da lógica
Após a conclusão da possibilidade de uma hermenêutica transcendental, Apel vai procurar
destruir o preconceito da subjetividade irracional das normas e valorações morais, para dar mais um
passo em direção à fundamentação da ética. O ponto de partida é a tese de que “a ‘objetividade’
da ciência não valorativa ainda pressupõe a validez intersubjetiva de normas morais”16. Apel, como
estratégia de argumentação, vai contrapor esta tese a possíveis objeções e mal entendidos.
Uma primeira objeção a esta tese seria de que as normas morais, pressupostos da ciência, fundamentam apenas “imperativos hipotéticos”, no sentido de Kant, e não um “imperativo categórico”,
como norma moral básica necessária. A pergunta decisiva seria se a ciência é algo que deve ser. Ora,
pode-se argumentar que, na resposta a esta pergunta, é necessária uma ética que novamente recorra
a decisões subjetivas e racionais. Entretanto, antes de tudo, mencionar que a validez intersubjetiva
de normas morais é condição de possibilidade e validade da ciência pode mostrar pelo menos que a
ideia da “objetividade” científica já não é, de princípio, um argumento contra a possibilidade de uma
ética intersubjetivamente válida.
Essa constatação, para Apel, refuta o cientificismo, pois se pode mostrar que a objetividade
normativamente neutra das ciências empírico-analíticas só pode ser pensada como possível enquanto
aceita-se também uma validade intersubjetiva de normas éticas, a ela complementar. A contribuição
da hermenêutica à ética, contra o cientificismo, dá-se quando ela mostra que uma ciência objetivamente descritiva e explicativa pressupõe sempre uma compreensão de sentido metódica, na dimensão
da intersubjetividade transcendental. Assim,
“Com a refutação do cientificismo no sentido indicado, certamente não seria demonstrada a possibilidade de um imperativo categórico, mas já seria demonstrada a necessidade lógica da validez intersubjetiva de uma ética na era da ciência. Poderá ser demonstrado, no entanto, que as normas éticas
básicas, pressupostas pela ciência, não apresentam apenas ‘imperativos hipotéticos’ (...) mas (...) até
preparam uma resposta para a pergunta se a ciência deve ser”17.
Apel propõe, para demonstrar que as normas éticas básicas não fundamentam apenas imperativos hipotéticos, uma radicalização de sua tese no sentido de que a argumentação racional,
pressuposta em qualquer consideração de problema, pressupõe a validez universal de normas éticas.
Para Apel, afirmar que a lógica, sobretudo a lógica da ciência, deve ser concebida como uma
ciência normativa, não é o suficiente para que esteja descoberto um princípio da ética. Não basta que
a moderna história reconstrutiva das ciências exatas apresente o exemplo de uma ciência não isenta
de valoração, mas hermenêutico-normativa. Diversamente do que ocorre com as teorias científicas,
quando se trata de moral, somente se pode falar em comprovação empírica se for pressuposto um
parâmetro ético de comprovação além da consistência lógica.
Ao analisar a expressão “ética da lógica”, Apel conclui que, por um lado, não se pode contestar que o uso logicamente correto da razão possa ser empregado como simples meio para uma vontade
má, isto é, que “a lógica, como teoria do uso normativamente correto da razão, é uma tecnologia
moral isenta de valoração”18, de acordo com o sistema de complementaridade ocidental. Por outro
lado, mesmo que a lógica não implique logicamente uma ética, pode-se afirmar que ela pressupõe uma
ética como sua condição de possibilidade.
APEL,
APEL,
17
APEL,
18
APEL,
15
16
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Op. cit., p. 115.
Estudos de moral moderna. Petrópolis, 1994, p. 115.
Op. cit., p. 117.
Op. cit., p. 119.
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57
“A validade lógica de argumentos não pode ser examinada sem se pressupor, em princípio, uma comunidade de pensadores, habilitados à compreensão intersubjetiva e à formação de consenso. Mesmo o
pensador, de fato isolado, só pode explicitar e examinar sua argumentação, enquanto ele, numa crítica
‘conversa da alma consigo mesma’ (Platão) consegue internalizar o diálogo de uma potencial comunidade de argumentação. Aí se mostra que a validade de um pensamento solitário depende, em princípio,
da justificação de afirmações linguísticas, na atual comunidade de argumentação”19.
A justificação lógica do nosso pensamento, além de pressupor a comunidade de comunicação
real, pressupõe o cumprimento de uma norma moral básica, ou seja, “na comunidade de argumentação se pressupõe o mútuo reconhecimento de todos os membros, como parceiros de discussão com
direitos iguais”20. Isto significa que todos os seres capazes de comunicação pela linguagem devem ser
reconhecidos como pessoas, pois em todas as suas ações e manifestações são parceiros virtuais de
discussão. Para Apel, é justamente esta exigência de mútuo reconhecimento de pessoas como sujeitos
da argumentação lógica que justifica falar de uma “ética da lógica”, e não tanto o uso da razão logicamente correto de cada um.
Pode-se compreender melhor essa pressuposição da ética pela lógica distinguindo entre o
lado performativo e o lado proposicional da fala humana, no sentido da teoria dos atos de fala. Assim,
no diálogo dos argumentantes, as afirmações normativamente neutras sobre situações de fato estão
acopladas, ao menos implicitamente, com ações comunicativas, que encerram exigências morais para
todos os membros da comunidade de comunicação.
“Toda a afirmação de fatos, a ser logicamente justificada, já pressupõe uma complementação performativa na estrutura pragmática mais profunda (...). Neste nível de compreensão intersubjetiva sobre o
sentido e a validade das afirmações, e não ainda ao nível das operações racionais relacionadas a fatos,
segundo nosso princípio heurístico, se pressupõe uma ética”21.
Para Apel, a questão de que alguém respeita uma regra em suas operações intelectivas só
pode ser levantada no contexto de um jogo de linguagem, o que significa que a lógica deve penetrar
na esfera do diálogo. Os argumentos devem ser entendidos como pretensões de sentido e validade,
apenas alcançados no diálogo interpessoal, e não por abstração da dimensão pragmática, como no
moderno cálculo da lógica (sintático-semântica). Portanto, a ética da lógica é buscada no “retorno
reconstrutivo às condições pragmático-transcendentais de possibilidade da lógica, e com isso também
da ciência, no a priori da comunidade de comunicação”22. Como consequência temos que o que possibilita a passagem da ciência da lógica normativa para a ética não é o fato de toda a ciência pressupor
normas, mas de o seguimento monológico de normas pressupor a explicação dialógica do sentido das
normas e da comprovação de validade das normas.
Portanto, a ciência da lógica normativa pressupõe uma hermenêutica normativa e, junto com
ela, uma ética normativa, pois “um só” não pode promover uma ciência. Ou seja, em última análise,
“o que possibilita a passagem da lógica (normativa) para a ética (normativa) é a superação do ‘solipsismo metódico’”23.
A ética da argumentação, pressuposta pela lógica, implica, por conseguinte, o dever para o
emprego da lógica e da ciência. Todo o condicional de ciência, lógica e ética da comunidade de argumentação deve ser aceito como um todo. Para Apel, é preciso esclarecer a possibilidade de uma negação do todo condicionado, pois, conforme a distinção de Kant, também o demônio poderia participar
de uma comunidade de argumentação sem abrir mão de sua má vontade, agindo apenas “conforme o
dever” e não “por dever”.
Segundo Apel, a distinção de Kant não é relevante quando se mostra que a norma moral
básica, que está sendo estabelecida, da conduta “conforme o dever”, não pode ser diferenciada na
prática da conduta “por dever”. Assim, também os demônios devem conduzir-se conforme o dever
se quiserem participar da verdade. E, segundo C. S. Peirce, a verdade não pode ser alcançada por
indivíduos mortais e o pertencer à comunidade de argumentação dos cientistas inclui uma superação
originária do egoísmo de seres mortais. Portanto, o demônio, para ser membro da comunidade de argumentação, deveria conduzir-se sempre de tal forma em relação aos seus membros, como se tivesse
superado o egoísmo (e assim a si mesmo). Para Apel, a decorrência dessa consideração é que a “norma
APEL,
APEL,
21
APEL,
22
APEL,
23
APEL,
19
20
58
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Op.
Op.
Op.
Op.
Op.
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
cit.,
p.
p.
p.
p.
p.
119.
120.
121-122.
122.
124.
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moral, pressuposta pela vontade de verdade, e dessa forma, pela filiação à ilimitada comunidade de
argumentação, não deve ser um ‘imperativo hipotético’, no sentido pensado por Kant”24.
4. O a priori da argumentação
Apel confronta-se com a objeção, realçada, sobretudo por Popper e Albert, como concepção
básica do racionalismo crítico, sobre a impossibilidade de uma fundamentação última da filosofia, que
é uma objeção de peso contra a possibilidade de uma fundamentação racional da ética: toda fundamentação já pressupõe a validez da lógica, e como esta, por sua vez, ainda pressupõe a validez da
ética, não parece ser possível uma fundamentação nem da ética nem da lógica, pois toda tentativa
levaria a um círculo lógico ou a um regressus ad infinitum.
Para Apel, se for entendida como fundamentação última na filosofia a dedução no âmbito de
um sistema axiomático, este argumento leva ao fracasso o propósito de uma fundamentação da ética.
Entretanto, ao não se poder fundamentar a lógica, por ela ser pressuposta para toda e qualquer fundamentação, constitui-se o ponto de partida típico de uma fundamentação filosófica, no sentido de uma
reflexão transcendental sobre as condições de possibilidade e validez de toda argumentação. Quando
se constata que algo, em princípio, não pode ser fundamentado exatamente por constituir-se naquilo
que é a condição de possibilidade de toda fundamentação, então, “não constatamos simplesmente
uma aporia no processo de dedução, mas antes conquistamos um entendimento no sentido de uma
reflexão transcendental”25.
A atual discussão sobre fundamentação última (filosofia analítica), ao abstrair da dimensão
pragmática da argumentação, além de não notar o fato do valor heurístico da reflexão transcendental
como método especificamente filosófico, desvia para a tendência de se pensar o problema da fundamentação última apenas como um problema de pressupostos lógicos de sentenças e de proposições.
“Pois, sob o pressuposto de uma abstração da dimensão pragmática de sinais, não existe nenhum sujeito
humano de argumentação, e por isso não existe também a possibilidade de uma reflexão sobre as condições, para nós sempre já pressupostas de possibilidade de argumentação (...). Contudo, sabemos muito
bem que nossa competência reflexiva – ou mais exatamente: a autorreflexão do sujeito humano das
operações intelectuais, excluída a priori na esfera dos sistemas sintático-semânticos – se oculta atrás
da aporia do regresso ao infinito e possibilita, por exemplo, algo como uma prova da não possibilidade
de decidir”26.
Conforme Apel, então, o saber autorreflexivo do sujeito pragmático-transcendental da argumentação se expressa na constatação de que condições subjetivas de possibilidade da argumentação
não são objetiváveis num modelo sintático-semântico de argumentação. Nesse sentido, C. Morris,
fundador da semiótica tridimensional, sabe que a função semântica de sinais pressupõe um intérprete,
definido na dimensão pragmática do uso de sinais, e que esse intérprete não pode ele mesmo ser um
objeto desse conjunto. Morris procura apenas fundamentar a semiótica pragmática como disciplina
behaviorística, não faz uso desse saber reflexivo pragmático-transcendental. Para Apel, por sua vez,
a moderna Logic of Science simplesmente ignora a dimensão pragmática da argumentação, ao transferi-la, junto com a reflexão, para a psicologia empírica. O problema ainda subsiste enquanto faz-se
valer apenas o caráter a priori de sistemas semânticos, desconsiderando o sujeito transcendental da
relação de sinal.
A conclusão de Apel é que a problemática filosófico-transcendental da fundamentação última
não pode ser julgada com base em sistemas sentenciais, abstratamente propostos. Isto implica a possibilidade de uma “pragmática transcendental da linguagem, na qual o sujeito da argumentação consiga
refletir sobre as condições de possibilidade e validez da argumentação, sempre já pressupostas numa
situação ideal de fala”27. E, para Apel, a autorreferência retroativa indireta da argumentação, que de
fato reside na fala pragmático-transcendental da argumentação, cairá numa autocontradição somente
se recusar a aceitação da verdade, como ocorre no ceticismo radical.
Considerando o questionamento kantiano como ponto de partida heurístico de uma fundamentação última indireta de natureza filosófica, a tarefa de uma fundamentação filosófica é a reconstrução das indispensáveis condições da argumentação humana. Mas, para Apel, o ponto máximo
APEL,
APEL,
26
APEL,
27
APEL,
24
25
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Op. cit., p. 126.
Estudos de moral moderna. Petrópolis, 1994, p. 127.
Op. cit., p. 128-129.
Op. cit., p. 131.
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em relação ao qual se promove a reflexão transcendental é a unidade intersubjetiva da interpretação
como compreensão de sentido e consenso de verdade.
“Nesse sentido, eu gostaria de reconstruir as condições éticas de possibilidade e validez da argumentação humana, e com isso, também da lógica. O princípio se diferencia da clássica filosofia transcendental
de Kant, enquanto ele não encara o ‘ponto máximo’ (ápice), com referência ao qual deve ser promovida
a reflexão transcendental, como consciência de objetos e autoconsciência ativada ‘metódico-solipsisticamente’, porém como ‘unidade intersubjetiva de interpretação’, qua compreensão de sentido e qua
consenso de verdade”28.
A unidade de interpretação precisa ser obtida na comunidade de argumentantes, a partir de
uma vivência experimental e interativa, para que a argumentação realmente tenha sentido. Então,
conforme Apel, o a priori da argumentação é o fato incontornável deste princípio, que é a transformação sincrética da filosofia transcendental. O fundamento da reflexão transcendental deixa de ser o
“eu transcendental” kantiano para ser o “nós argumentamos”.
5. O sentido da argumentação: a norma ética fundamental
Para Apel é necessário fundamentar o princípio da norma moral básica como imperativo categórico, o que não acontece quando a validade das normas morais básicas fica dependendo da vontade
de argumentar. Mas, na perspectiva da argumentação, podemos conceber a impossibilidade de retroceder aquém da vontade de argumentar, pois ela deve ser pressuposta em qualquer discussão filosófica
sobre fundamentos que tenha sentido.
Tem-se, assim, que a vontade de argumentar é condição transcendental de possibilidade de
toda consideração de condições empíricas aceitas hipoteticamente. Portanto, na discussão dos fundamentos com sentido, pode-se “chamar a norma moral básica, implícita na vontade de argumentar, de
incondicional ou categórica”29.
Desta maneira, segundo Apel, conclui-se que a “livre aceitação” por sujeitos humanos é apenas condição necessária e não suficiente da validade moral de normas. A falácia de um liberalismo
ético consiste precisamente nisto, pois normas imorais podem erroneamente também ser reconhecidas
como vinculatórias. Mesmo que todo acordo pressuponha o livre reconhecimento de normas morais
para ser vinculatório, a validade das normas pressupostas não pode ser fundamentada a partir do fato
do reconhecimento. Entretanto, essa argumentação não atinge aquelas normas morais que já devem
ser reconhecidas junto com a vontade de argumentar.
Diante disso, Apel entende que a crítica transcendental pode mostrar que a aceitação das
regras de jogo de uma comunidade crítica de comunicação não é um fato empírico, mas, contra a objeção baseada no princípio de Hume, pertence às condições de possibilidade e validez da constatação
empírico-científica de fatos. Esse pressuposto, conforme Apel, não pode ser negado com sentido sob o
risco de ser invalidada a própria discussão, o que o caracteriza não como condição de um imperativo
hipotético, mas categórico. Portanto, “a aceitação da norma moral básica na comunidade crítica de
comunicação tem, enquanto deve ser necessariamente pressuposta, não o caráter de um factum humesiano, mas o caráter do ‘factum da razão’ kantiano”30.
Apel pretende, então, reconstruir criticamente a fundamentação kantiana do imperativo categórico através do factum da razão (prática), pois a formulação de Kant está exposta à crítica no
sentido de Hume. O discurso de Kant se baseia em sua crença de ter provado a realidade objetiva do
princípio ético fundamental como de um juízo sintético-prático a priori (na Fundamentação da metafísica dos costumes). É uma representação metafísica da “realidade” deste fato, que se reproduz
na crítica da razão prática, onde a dedução transcendental do imperativo categórico é proposta e o
imperativo é reduzido a um factum ulteriormente não fundamentável. Para Apel, esta fundamentação
ou explicação metafísica de Kant não serve como resposta ao problema da justificação de validade. De
certa forma, a linguagem analógica da metafísica se justifica enquanto não se consegue uma formulação mais adequada do problema.
APEL, Karl-Otto. Op. cit., p. 134.
APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna. Petrópolis, 1994, p. 138.
30
APEL, Karl-Otto. Op. cit., p. 140.
28
29
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É preciso, então, reconstruir o discurso de Kant sobre o “fato da razão” concebido como resultado de uma introspecção transcendental, no sentido de uma implicação do a priori da argumentação.
“Neste sentido, de um ‘perfeito a priori’, é possível, agora, reconstruir (...) a doutrina de Kant sobre
o ‘fato da razão’ ”31. É assim que, para Apel,
“Quem aspira a uma reconstrução não arbitrária da razão (prática ou teórica) – e não a uma construção
de fragmentos paradigmáticos da razão axiomática-, dependente de decisão e tem, a meu ver, toda a
razão de iniciar com a reflexão transcendental sobre o ‘fato da razão’, a qual, na filiação à comunidade
de comunicação, ‘sempre já’ pode ser pressuposta, no sentido de um ‘perfeito a priori’. Este a priori
pode ser reconstruído, mas não pode ser evitado ou ignorado”32.
Então, quem põe a questão pela justificação do princípio moral já toma parte na discussão e
se pode dar-lhe a entender o que ele já sempre aceitara como princípio básico, que ele deve aceitar
como condição de possibilidade e validez da argumentação.
6. A autoafirmação da comunidade real de comunicação e a realização da comunidade
ideal de comunicação
Apel pergunta-se sobre o quanto foi alcançado pela reflexão transcendental em relação às
normas morais da comunidade de comunicação, pressupostas no a priori da argumentação, se já pode
ser elaborada uma ética normativa que seja a base para uma aceitação solidária da responsabilidade
moral na era da ciência.
Uma reflexão sobre a ética da ciência de Peirce mostra que ela não basta para fundamentar
uma ética da humanidade, pois a comunidade dos argumentantes não é idêntica à comunidade dos
cientistas, embora seja pressuposta por ela. Desta maneira, “no a priori da argumentação está a
pretensão de justificar não só todas as ‘afirmações’ da ciência, mas, além delas, todas as pretensões
humanas”33.
Portanto, conforme Apel, todas as possíveis pretensões de todos os membros da comunidade
de comunicação devem ser reconhecidas por quem argumenta, de modo que estas pretensões possam
ser justificadas por argumentos racionais. O argumentante precisa, ainda, justificar por argumentos
todas as pretensões pessoais em relação a outras pessoas, assim como todos os membros da comunidade de comunicação são obrigados a respeitar todas as pretensões e reivindicações virtuais de todos
os membros virtuais, ou seja, todas as necessidades humanas. Para Apel, necessidades humanas são
eticamente relevantes como reivindicações interpessoalmente comunicáveis, que podem ser justificadas interpessoalmente por argumentos. Neste sentido, por um lado, a “subjetividade” da satisfação
egoísta de interesses dá lugar à “transubjetividade” da argumentativa representação de interesses,
enquanto, por outro lado, há a exigência de não sacrificar, sem necessidade, nenhum interesse individual de alguém. Assim,
“O sentido da argumentação moral poderia, de fato, ser expresso no princípio – que não é novo – segundo o qual todas as necessidades humanas devem – como pretensões virtuais – pela via da argumentação,
ser sintonizadas com as necessidades de todos os demais, tornar-se preocupação da comunidade de
comunicação”34.
Este princípio básico de uma ética da comunidade de comunicação adquire sua obrigatoriedade enquanto obriga todos os que adquiriram competência comunicativa a buscarem um acordo,
visando uma formação solidária de vontade. Por isso, as decisões subjetivas de consciência de cada um
são agora mediadas pela exigência de validade intersubjetiva a priori, fazendo com que o solipsismo
metódico seja superado na esfera da ética.
Apel procura mostrar quais as consequências do a priori da comunidade de comunicação
para a orientação estratégica duradoura do agir moral. Afirma que não se trata de um pressuposto
meramente idealista (a priori da consciência) e menos ainda de um pressuposto materialista (onde a
consciência como tal, ideal e normativa, de Kant, seria substituída pelo “ser” da sociedade empírica).
A pressuposição de uma comunidade real de comunicação e de uma comunidade ideal de comunicação
APEL,
APEL,
33
APEL,
34
APEL,
31
32
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Karl-Otto.
Op. cit., p. 143.
Op. cit., p. 147-148.
Estudos de moral moderna. Petrópolis, p. 149.
Op. cit., p. 150.
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61
faz parte de uma dialética que põe o a priori da comunidade de comunicação aquém do idealismo e
do materialismo.
“A excelência do nosso a priori parece-me consistir antes no fato de ele designar o princípio de uma
dialética (aquém) do idealismo e materialismo, pois, quem argumenta sempre já pressupõe duas coisas:
primeiramente, uma comunidade de comunicação real, da qual ele mesmo se tornou membro através
de um processo de socialização; e, em segundo lugar, uma comunidade de comunicação ideal que, em
princípio, estaria em condições de entender adequadamente o sentido de seus argumentos e de avaliar
definitivamente sua verdade. O notável e dialético dessa decisão reside, no entanto, no fato de ele
pressupor, de certa forma, a sociedade ideal na real, ou seja, como possibilidade real da sociedade
real; embora ele saiba que (na maioria dos casos) a comunidade real, incluindo ele próprio, está longe
de poder igualar-se à sociedade ideal de comunicação. Para a argumentação, porém, com base em sua
estrutura transcendental, não resta alternativa, senão encarar esta situação desesperadora, simultaneamente esperançosa”35.
Há, segundo Apel, nessa pressuposição transcendental, uma contradição dialética, e sua solução está na realização histórica da comunidade de comunicação ideal na real, solução esta que deve
ser postulada moralmente. Seguindo este caminho da argumentação filosófica, Apel deduz dois princípios que para ele são princípios reguladores básicos para a estratégia duradoura de ação moral de cada
homem: “em primeiro lugar, deve-se tratar, em todo o agir e deixar de agir, de garantir a sobrevivência
da espécie humana, como também da comunidade de comunicação real; e, em segundo lugar, de concretizar, na comunidade real, a comunidade de comunicação ideal”36. O primeiro princípio é condição
indispensável do segundo, o qual lhe confere o sentido, sentido este já presente em cada argumento.
A garantia de sobrevivência tem sentido para a realização social da comunidade de comunicação ideal,
na qual a verdade pode ser alcançada.
A comunidade de comunicação é, então, a priori necessária, deve ser realizável e em certa
medida realizada, onde a ética é intersubjetivamente válida, suposta e subjacente. O princípio de
autotranscendência moral do indivíduo, o regulador ético, é pôr em evidência, na própria autocompreensão reflexiva, a possível crítica da comunidade de comunicação ideal.
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Ciências Sociais e Aplicadas
Idoneidade:requisito
indispensável da
profissão jurídica
Giovanni Sant’Anna Brum1
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo os diretos e prerrogativas do advogado, com
fulcro nos arts. 6º e 7º do Estatuto da Advocacia e na Ordem dos Advogados do Brasil, que dispõe dos meios do exercício da profissão do advogado, tanto dos direitos,
com também dos deveres a serem seguidos para o pleno exercício. Para tanto, se
efetua um breve ensaio acerca dos conceitos básicos inerentes ao tema. Também são
abordados os elementos que compõem os arts 6° e 7° do EOAB, e demais institutos
indispensáveis à sua compreensão. Por fim, é feito um estudo da doutrina e da jurisprudência acerca dos requisitos cruciais dos direitos e prerrogativas do advogado.
Palavras-chaveS
Direitos e deveres do advogado
ABSTRACT
This work aims the direct and prerogatives of attorney, with the fulcrum in the
arts. 6, and 7 of the Statute of the Law and the Order of Lawyers of Brazil, which has about the means of the exercise of the profession of lawyer, both rights,
also with duties to be followed for the full exercise. Therefore, it makes a brief
essay about the basic concepts inherent to the subject. Also covered are the elements that make up the arts 6 ° and 7 ° EOAB, and other institutions essential
to your understanding. Finally, a study is made of the doctrine and jurisprudence
regarding the requirements crucial to the rights and prerogatives of the lawyer.
Keywords
Rights and duties of attorney.
INTRODUÇÃO
Na atualidade, notamos um processo de massificação nas relações que envolvem direta e
indiretamente a presença do advogado, tornando-o ainda mais indispensável para a organização da
sociedade.
O presente trabalho tem como finalidade a análise dos direitos e prerrogativas do advogado,
no qual será exposta uma realidade para que se possa entender um pouco mais dos princípios aplicados
ao exercício da profissão da advocacia.
A jurisprudência e doutrinadores como Haroldo Paranhos Cardelaa e Levi Carneiro estabelecem que toda e qualquer atitude que não seja compatibilizada com a atividade jurídica acarretará em
uma medida punitiva, sendo primordial verificar o caso concreto.
(1)
Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade Salesiana Dom Bosco de Porto Alegre/RS
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1. O Princípio da Autonomia
O princípio da Autonomia ou autodeterminação refere-se à vontade e à razão humana e sua
capacidade em deliberar sobre si e agir no sentido desta deliberação, autogovernando-se, agindo e
sendo sujeito. Este princípio segue duas divisões: o reconhecimento da autonomia dos capazes (consentimento livre) e a necessidade de proteger aqueles que a tem – autonomia reduzida (consentimento
substitutivo).
Em suma, baseia-se no princípio da dignidade humana, isto é, o homem tratado enquanto fim
em si, impedindo a exploração do homem pelo homem e a supressão da vontade pela vontade atroz
A palavra beneficência deriva da expressão latina “bonum facere”, que significa fazer o bem.
Isso já nos dá uma indicação do que é o princípio da beneficência. Pode-se considerá-lo o critério mais
antigo da ética médica, e mais que simplesmente fazer o bem, englobando também o não causar dano
e favorecer a qualidade de vida. Seu critério mínimo é o princípio da caridade, ou seja, não fazer
sofrer. Basicamente pode ser resumido como agir sempre em atenção ao maior benefício passível de
ser oferecido ao paciente.
O princípio da justiça, que obriga a uma distribuição justa, equânime e universal dos benefícios da medicina sustenta-se, por sua vez, nos princípios da igualdade social, do bem-estar coletivo,
da proporcionalidade natural e da equidade.
Tal princípio é análogo ao conceito jurídico de isonomia. Deste modo, havendo dois indivíduos
iguais, em situações semelhantes, deve-se ministrar-lhes o mesmo tratamento. Encontra, contudo,
problemas quanto a este tratamento, quanto à forma de sua aplicação em face de problemas mais
complexos, que ora buscamos solucionar adotando o princípio da igual consideração de interesses,
proposto anteriormente como um dos princípios norteadores deste trabalho.
As origens da OAB se enlaçam com o movimento que resultou na Independência do Brasil. Logo
após 7 de setembro de 1822, iniciaram-se os debates na Assembleia Constituinte e, a seguir, na Assembleia Legislativa, objetivando a fundação dos cursos jurídicos. Com a lei de 11 de agosto de 1827,
foram criados os dois primeiros cursos do país, um em São Paulo, outro em Olinda.
Em 14 de dezembro de 1931, pelo Decreto 20.784, o Governo Provisório aprovou o Regulamento.
A Ordem dos Advogados é uma imposição dos nossos dias, dos nossos ideais, do nosso patrimônio. É órgão de seleção e disciplina, de cultura e de aperfeiçoamento moral. Não nos proporciona
regalias ou favores, cria-nos um regime de árduos deveres.
Não é uma corporação fechada - é uma corporação aberta - não só para receber como para
excluir, para eliminar os que a deslustrem.
Constituímos, podemos constituir, devemos constituir em todo país, uma elite capaz de influir pelo exemplo e pela ação direta, na realização da Democracia Liberal. E, principalmente, capaz
de formar, através de todo país, um desses vínculos morais preciosos que garantem as nacionalidades
duradouras.
Em 13 de março de 1933, era aprovado o Regimento Interno e no dia 25 de julho de 1934 foi
aprovado, para viger a partir de 15 de novembro do mesmo ano, o Código de Ética da Ordem.
A partir daí, a OAB passou, cada vez mais, a desempenhar seu papel de incansável vigília a
favor da classe e da sociedade brasileira, tanto nas questões políticas como também nas sociais.
A criação da OAB em 1930 iniciou no Brasil a regulamentação profissional do advogado. Até
1994, os dois primeiros estatutos (Dec. Nº 20.784/31) e Lei nº 4.215/63), voltaram-se exclusivamente
à advocacia como profissão liberal, não contemplando a advocacia extrajudicial e os advogados dos
setores público e privado.Em 1994, a realidade profissional e social levou à necessidade de elaboração
de um novo estatuto. A advocacia passou a ser estendida como exercício profissional de postulação a
qualquer órgão do poder judiciário e como atividade de consultoria, assessoria e direção jurídica. Também disciplinou o sentido e alcance de sua indispensabilidade na administração da justiça, prevista no
artigo 133 da Constituição Federal.
O Estatuto da Advocacia e da OAB trata de forma indistinta os direitos e prerrogativas do
advogado. Contudo, prerrogativas são gênero das quais os direitos do advogado são espécies. Elas
perpassam todo o Estatuto, não se contendo apenas no capítulo dos direitos.
O maltrato sofrido pelo advogado, em sua independência ou dignidade profissional, não apenas lhe diz respeito individualmente, mas a toda a classe. Contra ele deve reagir imediata e adequadamente, fazendo constar no processo ou fora dele o que for necessário, levantando provas, para
comunicar o fato à Ordem e promover as representações devidas. É seu direito-dever as prerrogativas
da profissão, legal e eticamente, não podendo ser submisso, omisso ou conivente. Não pode, toda66
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
via, exceder os limites da reciprocidade, nem abusar de seu direito isonômico. Decidiu o STJ (Resp.
684.532) que a ofensa de juiz a advogado em audiência é crime contra a honra, não apenas abuso de
autoridade, pois enquanto esse tem como abjeto a atuação da autoridade pública, não apenas abuso
de autoridade pública, “no tocante aos crimes contra a honra, a objetividade jurídica em nada incide
na preocupação do desvio do agente público, mas no fato de sua responsabilidade, como pessoa, em
respeito à honra (objetiva ou subjetiva) de outrem”, admitindo-se o recebimento da queixa-crime pela
difamação e seu julgamento pelo juízo competente.
2. O Estatuto da OAB e as Garantias do Advogado
O Estatuto, de forma exemplificativa, apresenta um rol das prerrogativas que não se confundem com regalias, pois não são do advogado individualmente, mas sim de toda a classe relacionada ao
exercício de profissão, previstas no artigo 7º.
A Constituição (art., 5°. XIII) determina que seja livre o exercício de qualquer profissão,
“atendidas às qualificações profissionais que a lei estabelecer”. A locução “qualificação profissional”
tem sentido mais abrangente que capacidade a que fazia referência à Constituição de 1971/1969
(art153, § 23). Significa as condições, requisitos e qualidades que são estabelecidas em lei para executar a profissão regulamentada. Esta é a função do Estatuto. A liberdade de exercício profissional é,
portanto, condicionada a esses elementos de qualificação. O parâmetro que a lei qualificadora deve
observar é o da igualdade de todos perante ela, sem qualquer discriminação, segundo o princípio estruturalmente do caput do art. 5° da Constituição a que se subordina seu inciso XIII.
O advogado possui inviolabilidade profissional, não constitui um privilégio, tampouco carta de
indenidade. Em verdade, o escopo da lei é menos a proteção do profissional e muito mais a vontade do
cliente. O segredo que guarda não é o seu, é do seu cliente. Os atos e manifestações profissionais são
proferidos em razão do patrocínio do cliente. Os instrumentos de trabalho não são bens de desfrute
pessoal, mas existem em função do cliente.
A imunidade profissional estabelecida pelo Estatuto é a imunidade penal do advogado por
suas manifestações, palavras e atos que possam ser considerados ofensivos por qualquer pessoa ou
autoridade. Resulta de garantia ao princípio de libertas convinciandi. A imunidade é relativa aos atos e
manifestações no exercício da advocacia, não tutelando os que deste excederem ou disserem respeito
a situações de natureza pessoal.
O direito ao sigilo, no mundo atual, passou a integrar os direitos fundamentais do cidadão,
que são invioláveis inclusive em face do legislador infraconstitucional. Destina-se a proteger o segredo
da pessoa.
A inviolabilidade do advogado alcança seus meios de atuação profissional, tais como seu escritório ou locais de trabalho, seus arquivos, seus dados, sua correspondência e suas comunicações. Todos
esses meios estão alcançados tradicionalmente pela tutela do sigilo profissional. A lei n°.11.767/2008
deu nova redação ao inciso II do art. 7°, reforçando a inviolabilidade do local e dos instrumentos de
trabalho do advogado, sem admitir exceções; suprimiu, inclusive, as expressões “salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB”, constantes
da redação originária de preceito. Os abusos perpetrados por agentes policiais, em cumprimento de
determinações judiciais, com invasões de escritórios de advocacia, para busca e apreensão de documentos de seus clientes submetidos a investigações criminais, com divulgação pela imprensa, levaram
o legislador a suprimir a ressalva.
Vigendo a Lei 11.767, o Poder Judiciário não pode determinar a quebra de inviolabilidade do
local e dos instrumentos de trabalho do advogado, em razão de sua atividade, nem mesmo para fins
de investigação criminal ou de instrução processual penal em relação a seus clientes. O escritório e os
instrumentos de trabalho do advogado não podem ser utilizados para produção de prova contra seus
clientes.
A prisão ou mesmo a incomunicabilidade do cliente não pode prejudicar a atividade do profissional. A tutela do sigilo envolve o direito do advogado de comunicar-se pessoal e reservadamente
com o cliente preso, sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos
agentes policiais. Já decidiu o STF que “1. O acesso do advogado ao preso é consubstancial à defesa
ampla garantida na Constituição, não podendo sofrer restrição outra que imposta, razoavelmente, por
disposição expressa da lei. 2. Ação penal instaurada contra advogado, por fatos relacionados com e
exercício do direito de livre ingresso nos presídios. Falta de justa causa reconhecida”.
O advogado tem o direito de comunicar-se pessoal e reservadamente com seu cliente, mesmo
sem procuração, quando este estiver preso ou detido, em qualquer espécie de estabelecimento prisioRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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nal. Em dezembro de 2003, a Lei n°10.792 assegurou ao preso o direito de entrevista reservada com
seu defensor antes de iniciado o ato de interrogatório judicial. Por outro lado, em relação à possibilidade da ocorrência de incomunicabilidade do preso, prevista no art. 21 do Código de Processo Penal e
art. 136, § 3° IV da Constituição Federal, é quase que unânime o posicionamento pela doutrina e pela
jurisprudência de sua revogação, uma vez que nem mesmo em situações gravíssimas e de exceção,
como nos casos de estado de defesa e de sítio permite-se sua ocorrência.
A prisão em flagrante do advogado só será válida com lavratura do autorrespectivo, se estiver
presente o representante da OAB, indicado pela diretoria do Conselho Seccional ou da Subseção onde
ocorrer o fato, mesmo quando o advogado nela não tenha inscrição principal. A presença necessária
do representante da OAB não é simbólica, porque tem ele o direito e dever de participar da autuação,
assinando-o como fiscal da legalidade do ato, fazendo consignar os protestos e incidentes que julgue
necessários. Essa norma foi considerada constitucional pelo STF, na ADIN 1.127-8. Também decidiu o
STF que o §3° do art. 7° não sofreria restrição de sua interpretação, quando ao desacato, que deixava o advogado à mercê do arbítrio do magistrado, constituindo condenável privilégio. Assim, apenas
no caso de crime inafiançável, o advogado pode ser preso em flagrante, por motivo do exercício da
profissão.
Quando a prisão, então, der-se em flagrante delito e o crime for cometido por razões ligadas
ao exercício profissional, haverá duas condições para que o flagrante se formalize: primeiro, que o
crime seja inafiançável (o que preconiza o parágrafo terceiro); e, segundo, que o representante da
Ordem acompanhe a lavratura do auto de prisão em flagrante, sob pena de nulidade.
Além disso, em todas as hipóteses em que o advogado deva ser legalmente preso, pelo conhecimento de crimes comuns, inclusive os não relacionados com o exercício da profissão, e enquanto
não decisão transitada em julgado, cabe-lhe o direito a ser recolhido à sala de Estado-Maior. Por esta
deve ser entendida toda sala utilizada para ocupação ou detenção eventual dos oficiais integrantes do
quartel militar respectivo.
Das prerrogativas do advogado, as mais sensíveis e violadas são justamente as que lhe asseguram os meios necessários de sua atuação, em face dos agentes e órgãos públicos, sobretudo os
relacionados com a administração da justiça. Atitudes burocráticas e prepotentes frequentemente se
antepõem à liberdade de movimentos do advogado quando no exercício profissional.
Na atividade profissional jurídica, a importância da Ética avulta, visto que ocorre, no cotidiano,
a deparação com infindáveis situações, as quais exigirão um mínimo de formação moral capaz de orientar
no sentido do justo. Pois, o homem das leis examina o torto e o direito do cidadão no mundo social em que
opera, sendo, ao mesmo tempo, homem de estudo e homem público, persuasivo e psicólogo, orador e escritor. A sua ação defensiva e a sua conduta incidem profundamente sobre o contexto social em que atua.
Em Direito, quando se fala em Ética jurídica, o que se entende por isso é ética profissional,
ou seja, para os operadores do Direito, a ética é um conjunto de regras de conduta que regulam a
atividade jurisdicional, visando a boa prática da função, bem como a preservação da imagem do próprio profissional e de sua categoria. É, dessa forma, um tipo específico de avaliação ou orientação da
prática jurídica que se encontra paralelo à orientação determinada pelas normas processuais e pelas
normas objetivas de Direito, e para a qual também se pode conceber certa forma jurídica de codificação - códigos de ética, e também certa forma de sanção - tribunais de ética. A Ética jurídica é,
portanto, formulada a partir da prática profissional do Direito.
Mesmo com a existência de um Regulamento que institui a atividade correta do advogado,
acontecimentos ocorrem frequentemente em relação a profissionais cuja atuação não esteja de acordo com o Estatuto da Advocacia e da OAB.
Há diversos episódios nos quais advogados são apanhados tentando ingressar em presídios portando celulares e drogas cuja repercussão na mídia degrada a imagem do profissional que tem como
finalidade a justiça.
Nesse sentido, o trabalho tem como objetivo identificar de que forma as garantias concedidas
pelo Estatuto da Advocacia e da OAB são desvirtuadas em mercê da delinquência
CONCLUSÃO
O advogado tem uma regulamentação específica para assegurar o pleno exercício de sua profissão, contendo direitos e prerrogativas essenciais que visam assegurar a justiça na sociedade.
A responsabilidade profissional, atualmente, tem sido cada vez mais exigida. É cada vez mais
corrente a ideia de que o advogado necessita adotar uma postura ética em consonância com as imposições do Estatuto do Advogado e as demais leis. Dessa forma, os que desrespeitarem esses princípios
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devem ser responsabilizados por eventuais danos que venham a infligir seus clientes.
É indispensável que o advogado tenha a ciência das responsabilidades e obrigações que lhe são
conferidas. Necessita, ainda, tal profissional, dedicar-se de todas as maneiras possíveis, para defender
satisfatoriamente seus representados, de modo a não deixar surgir possíveis reclamações de danos
acarretados no exercício de suas atribuições.
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Ciências Sociais e Aplicadas
O princípio do
“nemo tenetur se detegere”,
sua evolução e o contexto atual
João Rodrigo da Luz1
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar o princípio do “nemo tenetur se detegere” e fazer uma análise de como surgiu e como tem sido manejado atualmente,
como este princípio pode ser aplicado na prática e qual a sua eficácia.
A pesquisa examinará como a autodefesa negativa pode influenciar na prática o processo penal, quais são suas garantias constitucionais e seus limites objetivos.
Palavra-chaves
Interrogatório. Princípio da autodefesa. Nemo tenetur se detegere.
ABSTRACT
This article aims to introduce the principle of “nemo tenetur se detegere” and do an
analysis of how it came about and how it has been handled currently. As this principle
can be applied in practice and what their effectiveness.
The research will examine how self defense can negatively influence practice in criminal proceedings, which guarantees their constitutional limits and goals.
Keywords
Questioning the principle of self-defense. Nemo tenetur se detegere.
INTRODUÇÃO
O direito de autodefesa positiva ou negativa é garantia constitucional e assegurada em diversos tratados internacionais sobre as questões humanas.
O presente artigo pretende levar a uma reflexão sobre a evolução histórica do princípio do
“nemo tenetur se detegere”, quais motivos influenciaram a sua concepção e como chegou ao direito
brasileiro.
Além disso, realizará uma análise das questões práticas envolvendo o processo penal no Brasil,
a eficácia das garantias constitucionais e as possíveis controvérsias envolvendo casos práticos com a
inserção de julgados.
1. O PRINCÍPIO DO “nemo tenetur se detegere” FRENTE À TORTURA E SUA EVOLUÇÃO
HISTÓRICA
O brocado latino “nemo tenetur se detegere” literalmente significa que ninguém é obrigado
a se descobrir1. Na prática penal quer dizer que um acusado de praticar algo ilícito não será obrigado
a autoincriminar-se. De fato a doutrina encontra dificuldades em apontar um momento exato para a
concepção deste princípio, mas pode-se afirmar que a mudança do processo penal inquisitório, para
o acusatório foi um dos fatores mais importantes para a ratificação deste princípio, senão vejamos:
A tortura, historicamente, sempre esteve ligada à ideia de um método que buscava extrair a
confissão através do sofrimento.
Acadêmico do curso de direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]
QUEIJO, 2003, P.4
(1)
1 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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A doutrina destaca que o surgimento da tortura como parte da instrução criminal se deu na
Grécia, onde esta prática era considerada como meio de prova e imposta somente aos escravos e estrangeiros que eram considerados como “res”, ou seja, coisas. Para os cidadãos, este procedimento só
era conferido quando o crime era praticado contra o Estado.
Na Roma antiga, o “quaestio” era o interrogatório judiciário e “tormentum”, o instrumento,
ou seja, a tortura propriamente dita, visando à obtenção da verdade, por meio de uma declaração ou
confissão do torturado.
A falta de uma uniformidade legal fez da Idade Média um período da história especialmente
violento e na idade das trevas a tortura ganhou ainda mais destaque, chegando ao ponto de muitos
castelos da Europa possuir um espaço reservado exclusivamente para esta prática em suas instalações.
Chegando ao Reino Unido no séc. XVII, onde as práticas inquisitórias nos tribunais eclesiásticos
ainda se utilizavam da tortura, o princípio do “nemo tenetur se detegere” começou a ganhar espaço,
com a ideia de mudança juntamente ao procedimento acusatório.
Nesse diapasão, o doutrinador Eugênio Pacceli de Oliveira2 traz o seguinte:
“Na perspectiva de sua origem, pode-se concluir que o nascimento do ‘nemo tenetur se detegere’ está
ligado à necessidade de superação das mais variadas formas de absolutismo, estatal ou eclesiástico, que
ao longo da história submeteram o homem ao exercício do poder. Seja como instrumento de manipulação religiosa, como ocorreu entre católicos e não católicos no início da Renascença na velha Inglaterra
ou na França, seja como instrumento de imposição de determinada ordem nos sistemas processuais
inquisitoriais, a exigência do compromisso de revelação da verdade sempre esteve a serviço de certos
poderes públicos, em face dos quais o indivíduo jamais recebia o tratamento de sujeito de direitos.”
No Brasil enquanto colônia de Portugal e submetido às leis Afonsinas (1446), Manuelinas (1521)
e Filipinas (1603), não havia direitos e tampouco garantias individuais aos presos e normalmente os
mesmos eram submetidos à tortura.
A constituição de 1824 inovou ao trazer em seu texto a proibição da tortura, mas somente
com a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 1888, é que os escravos passaram a contar com a
lei a seu favor.
No final do século XVIII e início do século XIX, a tortura deixa de ser um procedimento legal,
entretanto sua utilização ainda era facilmente percebida. Frente a este problema surgiram vários movimentos defendendo a criminalização desse ato. A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes é considerado o instrumento internacional mais importante contra a prática de tortura e serviu de fonte para que tal conduta fosse tipificada em vários países.
No entanto, somente após a segunda guerra mundial com criação do Pacto de San José da Costa Rica, em 1969, pela Convenção Americana de Direitos Humanos é que o princípio do “nemo tenetur
se detegere” passou a estar presente explicitamente em um diploma legal.
No Brasil, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi recepcionado pelo ordenamento jurídico através do Decreto-Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, entrando em vigor em
24 de abril de 1992 e trazendo em seu art. 8º, item 2, letra g o seguinte:
Pacto de San José da Costa Rica3:
Artigo 8º - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for
legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade,
às seguintes garantias mínimas:
(...)
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
Na atualidade, embora o princípio seja amplamente difundido ao redor do mundo, ainda
existem lugares onde a tortura se perfectibiliza e por vezes influencia interrogatórios e a condução da
instrução penal.
2 3 72
OLIVEIRA (2007, p.07)
Pacto de San José da Costa Rica
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2. A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E AS GARANTIAS AOS DIREITOS DOS PRESOS
Brevemente, para poder entender quais motivos levaram à atual constituição a contar com
normas tão protetivas, faz-se necessário destacar alguns dos momentos mais importantes sobre algumas das cartas magnas anteriores que fizeram com que a CF/88 fosse posta em vigor com tamanha
preocupação com as questões humanas, senão vejamos:
A primeira constituição do Brasil foi promulgada pelo Imperador Dom Pedro I no ano de 1824,
fortalecendo o poder pessoal do imperador com a criação do poder (moderador), ou seja, um quarto
poder, que permitia ao soberano intervir, com funções fiscalizadoras, em assuntos próprios dos poderes
Legislativo e Judiciário. Inovou ao trazer em seu texto a proibição da tortura.
A constituição de 1937 também merece destaque nesta evolução, pois, neste período, o
Governo Getúlio Vargas instituiu o regime ditatorial do Estado Novo impondo a pena de morte, a suspensão de imunidades parlamentares, a prisão e o exílio de opositores.
Suprimiu a liberdade partidária e extinguiu a independência dos poderes e a autonomia federativa. Governadores e prefeitos passaram a ser nomeados pelo presidente, cuja eleição também
seria indireta. Vargas, porém, permaneceu no poder, sem aprovação de sua continuidade, até 1945.
Aqui, mais uma vez a tortura passou a ser corriqueira nos interrogatórios e procedimentos
coercitivos da “busca da verdade”.
No ano de 1946 a constituição que marcou o fim do Estado Novo foi concedida no governo de
Eurico Gaspar Dutra, restabelecendo os direitos individuais, extinguindo a censura e a pena de morte.
Ocorre que no ano de 1964 o Brasil sofreu um golpe no qual a ditadura militar tomou lugar do
Estado Democrático de Direito e o país passou 21 anos privado de direitos constitucionais com aplicação de penas exageradas e ilegais. Novamente as torturas e o desrespeito com os direitos dos presos
tornaram-se parte do padrão de condução dos procedimentos penais no país.
Em 1985 o movimento intitulado “Diretas Já”4 fomentou e organizou uma grande virada no
Brasil instaurando o poder constituinte que no ano de 1988 colocou em vigor a atual constituição, coberta pelo espírito de trazer o resguardo aos direitos individuais, segurança e igualdade aos brasileiros.
No tocante à tortura e ao princípio do “nemo tenetur se detegere”, a carta magna trouxe em
seu artigo 5º menção específica, como se vê:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
III - ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
(...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
Todas as instabilidades vividas pelo país na época da ditadura, a falta de segurança jurídica e
a violência desmedida praticada pelos militares contra os presos foram os fatores determinantes para
a inserção destas regras na Constituição Federal. Além disso, esse foi o modo encontrado pelo poder
constituinte originário para de certa forma sobrepor regras mais humanas ao Código Penal de 1940
que passou a vigorar em 1942 e permanece vigente até os dias atuais, sendo considerado por muitos
doutrinadores como uma ferramenta jurídica fascista.
3. O DIREITO DE PERMANECER CALADO
4 Diretas Já: a busca pela democracia e seus limites, por NERY – Vanderlei Elias;
Fonte: http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/anais_ivsimp/gt8/12_vanderleinery.pdf
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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O direito de permanecer calado ou o direito de silêncio e o princípio do nemo tenetur se
detegere são indissociáveis uma vez que ambos visam a proteção do indivíduo em não se pronunciar
ou se resguardar, assegurando assim o direito do sujeito decidir se quer ou não exprimir algo sem que
haja nenhum prejuízo de presunção de sua culpabilidade.
STF5: “Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que
ostente, em juízo penal, a condição jurídica do imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe
são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. ‘Nemo tenetur se detegere’.
Ninguém pode ser constrangido a confessar prática de um ilícito penal.
O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido
processo legal. “E nesse direito ao silêncio inclui-se, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual do acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática
de infração penal.”
A presunção de inocência faz com que o indivíduo que se encontra preso mantenha-se calado,
e fazendo uso do direito que lhe assiste, possa aguardar até que todos os fatos possam ser esclarecidos
e sua culpabilidade seja comprovada ou não.
Embora nossa legislação esteja adaptada para absorver os casos em que o acusado decida permanecer em silêncio, ainda existem episódios nos quais as autoridades não consideram esta possibilidade. Exemplo mais atual destas situações em que se verificou “coação” para a obtenção de prova de
culpabilidade do agente são os testes de bafômetro, mas embora já haja entendimento e até recente
modificação na lei de trânsito, no sentido de fazer com que o direito a não produção de prova contra
si mesmo seja preservado, algumas controvérsias são verificadas nos tribunais gaúchos.
Abaixo como exemplo destes episódios observam-se dois julgados6, o primeiro negando provimento ao apelo da consideração do princípio do neno tenetur se detegere, e o segundo condenado
réu, que de forma consciente permitiu a obtenção da prova através do etilômetro e foi condenado com
base nas provas técnicas produzidas, mais conjunto fático do caso:
Ementa: APELAÇÃO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PROVA TÉCNICA PRODUZIDA SEM A ADVERTÊNCIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. 1.
Do direito constitucional de permanecer calado (artigo 5º, LXIII, do CF) decorre o direito de o imputado
não produzir prova contra si mesmo, isto é, o nemo tenetur se detegere, garantia constitucional que
atinge todas as pessoas sem qualquer diferenciação. 2. Para que haja isonomia de tratamento - evitando-se situações constrangedoras, tais como as noticiadas na mídia, no sentido de que pessoas mais
instruídas se neguem a fazer o bafômetro, valendo-se do direito constitucional de não produzir prova
contra si e, consequentemente, as menos informadas/instruídas sejam submetidas ao teste. 3. Compulsando os autos, em nenhum momento a autoridade policial advertiu o condutor de que ele não era
obrigado a se submeter ao bafômetro. Nos sucessivos documentos produzidos na fase pré-processual
(termo de ocorrência e declarações na polícia), apenas constou ter sido solicitada a realização do teste do etilômetro, havendo a concordância do condutor. 4.Com isso não se quer defender ou proteger
aqueles que dirigem sob efeito do álcool, conduta amplamente reprovável, mas sim evitar situações
desiguais: valem-se do direito de não produzir prova contra si mesmo aqueles que estão informados e
submetem-se ao bafômetro os desinformados, sofrendo todas as consequências daí advindas. Busca-se,
com isso, o alcance do tratamento constitucional e igualitário a todos. APELO DESPROVIDO. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70044825933, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Nereu José Giacomolli, Julgado em 24/05/2012)
Ementa: APELAÇÃO CRIME. DELITO DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. TESTE DE ALCOOLEMIA.
VALIDADE, ETILÔMETRO. DISPENSABILIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE. Para a comprovação material do delito de
embriaguez ao volante há que se admitir, além do exame sanguíneo, o teste em aparelho de ar alveolar
pulmonar. No caso, o teste de alcoolemia foi realizado mediante a utilização do etilômetro, o qual
apontou que o denunciado apresentava concentração de 0,71 mg de álcool por litro de ar expelido dos
pulmões, quantidade superior à prevista no Decreto nº 6.488/2008 - 0,3 mg, que regulamentou o art.
306 do Código de Trânsito Brasileiro. A assistência de advogado não é indispensável para a realização
do teste do etilômetro. É de conhecimento público e notório, pois amplamente divulgado pela mídia,
inclusive quando da alteração da redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que ninguém
poderia ser compelido a realizar o “teste do bafômetro”, diante do famoso brocardo jurídico “ninguém
é obrigado a produzir prova contra si”, que exsurge da alínea g do item 2 do art. 8º do Pacto de São José
da Costa Rica, cujo Brasil é signatário, assim como da interpretação extensiva dos direitos e garantias
HABEAS CORPUS 68.929-9-SP-DJU de 28.08.92, p. 13.453.
http://www.tjrs.jus.br Recursos Número: 70044825933 e Número: 70043166446
5 6
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
constitucionais fundamentais, sobretudo os antevistos nos incisos LV, LVII e LXIII do art. 5º da Lei Maior.
Não existe previsão legal determinando a presença de advogado para a submissão de motorista ao teste
realizado com o etilômetro. No caso, foi assegurado ao réu a garantia dos princípios da ampla defesa
e do nemo tenetur se detegere, assim como atendido o ordenamento jurídico pátrio. O denunciado,
por sua livre eleição, optou por realizar o teste, talvez até por acreditar que a quantidade de álcool
que ingeriu fosse inferior à máxima tolerada pela legislação, sendo vedado ao Estado interferir em sua
autodeterminação. Nesse cenário, não vejo qualquer nulidade na colheita da prova em comento. EMBRIAGUEZ. CONDENAÇÃO MANTIDA. Pratica o crime de embriaguez ao volante o agente que é flagrado
pilotando veículo automotor em rodovia estadual, estando com concentração de álcool por litro de sangue superior a 06 dg. No caso, o réu envolveu-se em acidente automobilístico em que seu caroneiro caiu
do veículo após a abertura da porta direita, quando da realização da uma manobra, vindo a falecer. O
teste de alcoolemia, realizado por etilômetro, constatou que estava com 0.71 dg de álcool por litro de
ar expelido, o que corresponde a 14,2 dg de álcool por litro de sangue, quando o máximo permitido pela
legislação é 5,9 dg. Isso somado à palavra das testemunhas são provas suficientes para a decisão condenatória. HOMÍCIDIO CULPOSO. IMPRUDÊNCIA. EMBRIAGUEZ. NEGLIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO
DO VEÍCULO. QUEDA DE CARONEIRO DO VEÍCULO. CONDENAÇÃO MANTIDA. Prática de delito previsto
no art. 302 da Lei 9.503/97 o agente que, de forma imprudente, dirige embriagado veículo automotor
em rodovia estadual, perdendo o controle do automóvel e saindo da sua pista de rolamento; ao tentar
retornar à pista, realiza manobra que devido às péssimas condições de manutenção do veículo, faz com
que sua porta seja aberta e o caroneiro que estava ao seu lado seja lançado para fora, vindo a falecer
em decorrência da queda. PERDÃO JUDICIAL. LAÇOS AFETIVOS. INVIABILIDADE. Inexistem provas em relação à existência de estreitos laços afetivos entre o réu e a vítima, aptos a causar severa dor emocional
ao primeiro - que não pode ser confundida com mero arrependimento ou sentimento de culpa. Assim,
não há razão para a concessão do perdão judicial, devendo ser mantida a condenação de primeiro grau
nos termos em que proferida. DELITO DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO CULPOSO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE.
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. O delito de homicídio culposo, previsto no artigo 302 do CTB, absorve o
crime de embriaguez ao volante, previsto no mesmo diploma legal, em respeito ao princípio da consunção. Orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. Sendo o réu pessoa pobre, defendido
pela defesa pública, e possuindo bens de pouco valor econômico, a fixação da pena substitutiva de
prestação pecuniária de 02 salários mínimo mostrou-se excessiva, sendo imperiosa a sua redução para
o mínimo legal de 01 salário mínimo, em favor de entidade assistencial a ser designada pelo juízo da
execução. Parcial provimento. (Apelação Crime Nº 70043166446, Primeira Câmara Criminal, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 28/09/2011).
Cumpre ressaltar que a observância das leis e o proceder correto dentro das normas é a forma
mais contundente de evitar que as ferramentas que poderiam ser utilizadas em favor do cidadão, em
uma situação esporádica, sejam inúteis na prática.
4. O PRINCÍPIO DO “nemo tenetur se detegere” NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
O princípio do nemo tenetur se detegere tem forte repercussão no processo penal brasileiro.
O acusado deverá ser informado de seu direito de permanecer calado e da desnecessidade
em responder às perguntas requisitadas sem que haja prejuízo em sua defesa e que desta situação
não resultará confissão do réu por não responder, de acordo com o Código de Processo Penal, em seu
artigo 186.
CPP7: Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado
será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de
não responder perguntas que lhe forem formuladas.
4.1 Interrogatório
O interrogatório é uma fase do processo penal no qual normalmente existem grandes divergências de opiniões entre alguns doutrinadores, surgindo assim várias correntes sobre o tema. Dentre
elas pode-se citar as quatro principais correntes.
A primeira considera o interrogatório apenas como meio de defesa.
A segunda, que considera como meio de prova, podendo acidentalmente ser usada como defesa.
A terceira que entende ser meio de defesa e, secundariamente, meio de prova.
A quarta, esta majoritária e dominante, que entende ter o interrogatório natureza mista,
sendo tanto meio de defesa como meio de prova.
7
Decreto-Lei 3689/41 – Código de Processo Penal – Art. 186 (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003).
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Para Tourinho Filho8, o interrogatório é o momento em que o acusado poderá defender-se da
acusação, de modo a fazer de forma positiva ou negativa em relação a sua expressão. Lembrando que,
de qualquer forma, o silêncio não poderá ser interpretado como prova em seu desfavor.
CONCLUSÃO
O estudo do princípio do nemo teneutr se detegere (o direito de não produzir provas contra
si mesmo) é considerado de suma importância no ordenamento jurídico brasileiro, sendo fundamental
esse princípio para proteção do indivíduo.
Ao efetuar análise sobre o princípio desde sua evolução histórica pode-se concluir que ainda
há controvérsia sobre o tema, uma vez que o direito que hoje é protegido pela Constituição Federal
era discutido de diferentes formas.
O princípio “nemo teneutr se detegere” ganhou força no iluminismo, pois imaginava-se que
com esta garantia o acusado deixaria de ser torturado ou pelo menos esta possibilidade passaria a ser
contrária à lei.
Embora seja predominante a ideia ao redor do mundo, podemos perceber ao longo do estudo
que, em certos casos concretos, por vezes desconsidera-se o preceito.
REFERÊNCIAS
QUEIJO, Maria Elisabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo (o princípio do nemo
tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva 2003.
OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 10ª Edição, 2007.
Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica.
NERY – Vanderlei Elias. Diretas Já: a busca pela democracia e seus limites.
Fonte: http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/anais_ivsimp/gt8/12_vanderleinery.pdf
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal - Volume 1 - 31ª Edição, Saraiva, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª Edição, 2007.
8 76
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal - Volume 1
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Ciências Sociais e Aplicadas
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA:
um estudo de caso na empresa
Ciber Equipamentos Rodoviários
Caroline Hoch Gonçalves1, Paulo Sérgio Pedro2 ,
Neusa Piacentini3 e Marília Sant’Anna4
Resumo
O presente trabalho, que tem como tema a Contabilidade Fiscal, delimitou-se no estudo
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) com o regime de Substituição Tributária (ST), ao nível mais específico da adoção do Protocolo 41/08 para o segmento de autopeças. A análise baseou-se no cálculo do ICMS próprio e do ICMS Substituição Tributária nas
notas fiscais de saída para venda de mercadorias enquadradas no regime de substituição
tributária. Para a coleta de dados, foram realizadas reuniões com o Setor Fiscal e Contábil
da empresa. O objetivo geral foi verificar se a empresa estava atendendo corretamente
o que determina o protocolo 41/08 e sua ratificação pelo protocolo 61/12. A metodologia
utilizada na pesquisa foi o estudo de caso, com delineamento bibliográfico e documental
e com análise qualitativa dos dados. Para a realização da análise, levantaram-se os dados
do cálculo do ICMS ST e ICMS próprio, feitos pela empresa Ciber Equipamentos Rodoviários, em suas notas de saída no período de janeiro de 2011 a agosto de 2012, por meio da
comparação entre o preço final da mercadoria para o ICMS próprio, ICMS ST com as margens de valor agregado determinadas pelo Protocolo 41/08 e as novas margens alteradas
pelo Protocolo 61/12. Dentro deste contexto, concluiu-se que o preço final da nota fiscal
tende a mudar dependendo de qual estado ela se destina.
Palavras-chaveS
ICMS próprio. Substituição Tributária. Protocolo 41/08. Protocolo 61/12.
Abstract
The present study has as its theme the Fiscal Accounting and identified in the study of
the Tax on Circulation of Goods (ICMS) regime with the Replacement Tax (ST), the more
specific level of adoption of Protocol 41/08 for the auto parts segment. The analysis was
based on the calculation of own ICMS and ICMS Tax Substitution invoices in output of goods
for sale framed in the tax substitution. For data collection, meetings were held with the
Fiscal Department and Accounting. The overall objective was to determine whether the
company was properly given what determines the protocol 41/08 and its ratification by
the protocol 61/12. The methodology used in the research was the case study design with
bibliographical and documentary and qualitative data analysis. To perform the analysis,
the data arose from the ICMS and ICMS incident, made ​​by the company Ciber Equipamento
Rodoviários, in their delivery orders from January 2011 to August 2012, making a comparison between the final price merchandise for the ICMS incident, ICMS ST margins with value
determined by Protocol 41/08 and the new margins amended by Protocol 61/12. Within
this context, it was concluded that the final price of the bill tends to change depending
on which state it is intended.
Keywords
ICMS. Tax Replacement. Protocol 41/08. Protocol 61/12.
Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade Porto-Alegrense
Mestre em Economia com ênfase em Controladoria pela UFRGS, professor na Faculdade Porto-Alegrense e Faculdade Dom Bosco
(3)
Mestre em Contabilidade pela UNISINOS, professora na Faculdade Porto-Alegrense
(4)
Mestre em Contabilidade pela UNISINOS, Coordenadora do Curso de Ciências Contábeis na Faculdade Porto-Alegrense
(1)
(2)
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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1. Introdução
O tema pesquisado abordou a Contabilidade Fiscal e delimitou-se no estudo do Imposto de
Circulação de Mercadorias (ICMS) com o regime de Substituição Tributária (ST) ao nível mais específico
da adoção do Protocolo 41/08 para o segmento de auto peças. O ICMS tem como base de cálculo para
sua apuração o preço de venda do produto. Para evitar a sonegação do ICMS, o governo implantou a
Substituição Tributária (ST), onde o ICMS é pago de uma vez só pela indústria que é o substituto tributário da cadeia circulatória da mercadoria. A indústria recolhe a ST e cobra em sua nota fiscal de saída
o valor pago pelo imposto do seu cliente. Para tanto, adotou-se a pesquisa de cunho bibliográfico, pesquisa documental e estudo de
caso. A unidade do caso foi a Ciber Equipamentos Rodoviários, onde teve-se como objeto do estudo o
cálculo do ICMS de um determinado produto, tendo em vista as notas emitidas pela empresa para as
Unidades Federativas signatárias do Protocolo 41/08, no período de janeiro de 2011 a agosto de 2012.
O tema justificou-se pela necessidade da empresa em aplicar nas suas operações de faturamento a Substituição Tributária nos produtos enquadrados no regime de auto peças, apresentando
dúvidas referente a aplicação do Protocolo. A pesquisa buscou as instruções da legislação pertinente,
interpretou-as e descreveu-as, relacionando todas as etapas de cálculos e registros para a empresa
utilizar como procedimentos em suas práticas contábeis e fiscais. Nessa visão, o objetivo geral do estudo foi: verificar se a empresa estava atendendo corretamente o que determina o Protocolo 41/08 e
sua ratificação pelo Protocolo 61/12.
Para o desenvolvimento do trabalho, na sequência é apresentado o capítulo dois, onde é
abordado o referencial teórico do estudo, sendo abordados os principais conceitos relacionados ao
tema; em seguida o capítulo três apresenta a metodologia de pesquisa, no capítulo quatro está o desenvolvimento prático do estudo. E, por fim, tem-se a conclusão obtida ao decorrer do estudo.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Substituição Tributária do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
Mariano, Werneck e Bezerra (2010) conceituam a Substituição Tributária (ST) como sendo o
regime pelo qual a responsabilidade do ICMS devido, em relação às operações e/ou prestações, que
são atribuídas a outro contribuinte. A lei altera a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação
tributária, conferindo a terceiro, que não aquele que praticou o fato gerador diretamente, mas sim,
quem possui vinculação indireta com o que deu causa ao fato.
Com a justificativa de combater fraudes praticadas por contribuintes e facilitar a fiscalização do imposto, foi implantado a sistemática da substituição tributária. Assim, em relação a diversos
produtos, o imposto é todo pago no início da cadeia. Segundo Mariano, Werneck e Bezerra (2010), a
substituição tributária viola a todos os princípios constitucionais basilares relativos aos tributos, dentre esses o princípio da tipicidade tributária, da não cumulatividade, da capacidade contributiva, bem
como que vulnera o princípio atributivo de competência tributária aos estados e que, flagrantemente,
configura autêntico empréstimo compulsório.
Porém, mesmo essa sistemática tendo sido muito criticada, terminou sendo acatada constitucionalmente pelo Supremo Tribunal Federal - STF, pois foi considerada mera forma de antecipação do
imposto (SEGUNDO, 2008).
2.1.1 Fato gerador a Substituição Tributária: Sujeito Ativo e Sujeito Passivo
Conforme Oliveira et al. (2004), o fato gerador corresponde ao surgimento da obrigação a partir do ato da prestação dos serviços ou na venda de mercadorias. O fato gerador ocorre nesse caso, não
na circulação da mercadoria, mas sim na concretização da venda da mercadoria, que está diretamente
ligada a circulação da mesma (BENÍCIO, 2010).
Chama-se de sujeito ativo da obrigação tributária, a pessoa jurídica de direito público dotada
da competência para exigir seu cumprimento. Podendo tratar-se da União, de um Estado-membro, do
Distrito Federal ou de um município, entes dotados de competência legislativa. Mas pode ser sujeito
ativo uma autarquia, ou outra pessoa jurídica de direito público que tenha a competência tributária,
embora não tenha competência legislativa (SEGUNDO, 2008).
Segundo Faria (2010), o sujeito passivo direto ou contribuinte, é aquele que tem relação de
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fato tributável, na forma de manifestação de sua capacidade contributiva. É considerado sujeito passivo, quem provoca a incidência de um determinado tributo.
2.1.2 Obrigação e Responsabilidade tributária
A obrigação tributária corresponde ao vínculo derivado da relação do estado com o particular. Nessa relação, o estado é o sujeito ativo da obrigação tributária que impõe ao particular, sujeito
passivo da obrigação, uma situação prevista em lei. Esse dever do particular corresponde aos tipos de
obrigação tributária previstos pelo CTN - Código Tributário Nacional (OLIVEIRA, 2008). Ao considerar
que a obrigação tributária decorre da lei, ocorre uma situação para a concretização do fato gerador:
surge para o estado o direito de exigir de um sujeito passivo o tributo, objeto da obrigação tributária
(MARIANO; WERNECK; BEZERRA, 2010).
A responsabilidade tributária da Substituição Tributária, segundo a legislação do ICMS, é atribuída ao fabricante, atacadista, distribuidor, importador, arrematante de mercadoria importada e
apreendida, ou ao depositário, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto (SCHULZE, 2008).
Segundo Oliveira (2005), na Substituição Tributária, existem alguns conceitos importantes
para a compreensão deste imposto, sendo assim, tem-se na legislação duas modalidades de contribuintes, são eles: a) substituto tributário: é a pessoa a quem a legislação atribui a responsabilidade
pelo pagamento do imposto; b) substituído tributário: é aquele que adquire a mercadoria com imposto
já retido.
2.1.3 Tipos de Responsabilidade da Substituição Tributária
A substituição tributária manifesta-se de maneiras diversas. Ela opera de forma totalmente
distinta, de acordo com as posições do substituto e do substituído na cadeia da circulação de mercadorias em que opera. A ST pode surgir como: operações anteriores, operações concomitantes ou regressivas e operações subsequentes ou progressivas (BENÍCIO, 2010). A seguir, os conceitos das operações:
a) Operações Anteriores: nas operações anteriores à cobrança antecipada, constitui uma forma de substituição. Na aquisição de mercadorias, como a agropecuarista, por exemplo, que não são organizadas em
empresas e, portanto, sem condições de manter escrituração e documentário exigido pela legislação
tributária e, por esse motivo, ao adquirente pode ser atribuída a condição de contribuinte substituto
(FARIA, 2010).
b) Operações Concomitantes e Regressivas: o mecanismo substituto regressivo se dá quando é eleito, como
responsável pelo recolhimento do imposto, pessoa que participa da cadeia circulatória em momento
posterior ao da ocorrência do fato gerador, em substituição do sujeito passivo direto anterior (BENÍCIO,
2010).
c) Operações Subsequentes ou Progressivas: a substituição ‘para frente’ ou ‘progressiva’, faz com que o
sujeito passivo recolha o imposto devido pelas operações subsequentes, anteriores à ocorrência do fato
gerador. O primeiro na cadeia de comercialização, representado pelo fabricante ou o importador, paga
o do ICMS incidente das posteriores operações com a mercadoria, até sua saída destinada ao consumidor
final (MARIANO; WERNECK; BEZERRA, 2010).
2.2. Determinação legal da Substituição Tributária
O regime de Substituição Tributária é de interesse direto dos estados e do Distrito Federal
que estabelecem sistemas de controle de arrecadação mais efetivo, no qual o principal objetivo é a
diminuição da evasão fiscal e facilitação do trabalho de fiscalização. Dessa forma, a implementação
do regime para determinadas mercadorias e serviços, bem como a sua aplicação interna em determinada Unidade Federativa, terá que ser instituída por meio de lei do respectivo estado. Nas operações
interestaduais, para que haja a aplicação do regime de substituição tributária, é exigida a celebração
de acordo entre os estados envolvidos, pois o tributo será fracionado entre o estado de origem e o
estado destinatário, sendo necessária a criação de Convênio ou Protocolo ICMS disciplinando a matéria
(MARIANO; WERNECK; BEZERRA, 2010).
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2.2.1 Convênios e Protocolos
Os convênios e protocolos têm por finalidade atribuir efeito extraterritorial à legislação estadual, o que permite ao estado exigir imposto de contribuinte localizado em outra unidade federativa.
O regime da substituição tributária do ICMS deve ser instituído por meio de lei estadual para aplicação
interna no Estado, que depende da celebração de convênio ou protocolo (MEIRA JUNIOR, 2011). Seguem os conceitos:
a) Convênios: a Substituição Tributária tem a estrutura operacional amparada pelos convênios, cujos signatários são praticados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Esses convênios
precisam ser assinados por todos os representantes de cada um dos Estados e do Distrito Federal, que
deliberam sobre a concessão de benefícios, incentivos fiscais e regimes de tributação que terão aplicação no âmbito interno de cada ente federativo e também no âmbito interestadual. Após a ratificação
nacional, entram em vigor no período de trinta dias, caso não tenham data estabelecida para começar a
vigorar. Uma vez ratificados, os convênios tornam-se obrigatórios para todas as Unidades da Federação
convocadas para a reunião (MARIANO; WERNECK; BEZERRA, 2010).
b) Protocolos: os protocolos, normalmente assinados entre os estados interessados, têm como base legal
o Regimento do Confaz, que se destina a estabelecer procedimentos fiscais comuns entre as Unidades
da Federação, visando o controle e a fiscalização das operações (MEIRA JUNIOR, 2011). No Rio Grande
do Sul é o Protocolo 41/08 que trata da Substituição Tributária no segmento de autopeças. O Protocolo
aplica-se a operações com peças, partes, componentes, acessórios, de uso especificamente automotivo. É incidente em qualquer etapa do ciclo econômico do setor automotivo, que sejam adquiridos ou
revendidos por estabelecimento de indústria e comércio de veículos automotores terrestres, bem como
de veículos, máquinas e equipamentos agrícolas e rodoviários, ou de suas peças, partes, componentes
e acessórios (BRASIL, 2008).
2.2.2 Base de Cálculo da Substituição Tributária
Conforme Protocolo 41/08, firmado entre os estados, a base de cálculo do imposto, para fins
de substituição tributária com destino à revenda, será o valor correspondente ao preço máximo de
venda a varejo fixado por autoridade competente. Na falta do preço máximo, é sugerido ao público
pelo fabricante ou importador, acrescido, em ambos os casos, do valor do frete quando não incluído
no preço (BRASIL, 2008).
Conforme Mariano, Werneck e Bezerra (2010), a maioria dos estados adotou a atribuição do
valor do frete para a base de cálculo do ICMS. Quando a despesa do transporte é assumida pelo vendedor da mercadoria, este irá integrar a base de cálculo e, consequentemente, irá compor a base de
cálculo da substituição. Caso o frete seja pago pelo destinatário, não estará incluso na substituição
tributária sobre o frete.
O Protocolo 41/08 aborda que, nas operações com destino ao ativo imobilizado ou consumo,
a base de cálculo corresponderá ao preço efetivamente praticado nas operações, incluído o frete,
seguro, impostos e demais encargos, quando não incluídos naquele preço (BRASIL, 2008).
Segundo Mariano, Werneck e Bezerra (2010), quando a operação da substituição tributária
ocorrer com contribuintes do ICMS e do IPI e for fato gerador dos dois, a importância correspondente
ao IPI não integrará o preço do produto. O seu montante será destacado na nota fiscal separadamente
do valor da mercadoria.
Faria (2010) descreve que a composição da base de cálculo do imposto por Substituição Tributária será a soma das seguintes parcelas: a) o valor da operação realizada pelo contribuinte substituto
ou pelo substituído intermediário; b) o montante dos valores de seguro, frete e outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes; c) Margem de Valor Agregado (MVA), inclusive lucro, relativa às
operações subsequentes, conforme percentuais na legislação gaúcha.
2.2.3 Margem de Valor Agregado ao Lucro
Segundo Benício (2010), em alguns casos nas aquisições interestaduais, a Margem de Valor
Agregado (MVA) determinada em Convênio ou Protocolo poderá ser ajustada de acordo com a alíquota
interna do Estado destinatário, com a finalidade de manter equiparado o preço.
É importante ponderar que o MVA-ST ajustado deverá ser utilizado em virtude de o produto
possuir carga tributária interna superior à interestadual, caso contrário, não há o que se falar em
ajuste (MELLO, 2008).
O Protocolo 41/08, segundo Brasil (2008), demonstra a forma de como deve ser apresentada
80
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a base de cálculo correspondente ao montante formado pelo preço praticado pelo remetente, mais
os valores referente ao frete, seguro, impostos e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, adicionada à parcela resultante da aplicação, sobre o referido montante, do percentual de
Margem de Valor Agregado ajustada (MVA ajustada).
2.2.4 Índice de fidelidade e as Alíquotas de Substituição Tributária Protocolo 41/08 e
Alterações no Protocolo 61/12
O protocolo 41/08 prevê quanto ao índice de fidelidade que, em se tratando de fabricante de
veículo automotor, o atacadista que opera exclusivamente junto ao fabricante mediante contrato de
fidelidade terá como percentual para MVA o tratado na Cláusula Segunda, §3°(BRASIL, 2008).
O Protocolo 41/08 (BRASIL, 2008) de autopeças traz as alíquotas que devem ser utilizadas
quando se tratar do índice de fidelidade:
§ 2º A MVA-ST original é:
I – 26,50% (vinte e seis inteiros e cinquenta centésimos por cento), tratando-se de:
a) saída de estabelecimento de fabricante de veículos automotores, para atender índice de fidelidade
de compra de que trata o art. 8º da Lei federal nº 6.729, de 28 de novembro de 1979;
b) saída de estabelecimento de fabricante de veículos, máquinas e equipamentos agrícolas ou rodoviários, cuja distribuição seja efetuada de forma exclusiva, mediante contrato de fidelidade.
O protocolo do ICMS 61, de 22 de junho de 2012, altera o Protocolo ICMS 41/08 e passa a vigorar a partir de 1° de agosto e dispõe sobre a substituição tributária nas operações interestaduais com
autopeças. Os estados de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato
Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo
e o Distrito Federal, conforme descritos no Protocolo 61/12, são os estados signatários do protocolo
(BRASIL, 2012). Esses estados adotarão:
Cláusula quinta – Os Estados signatários adotarão o regime de substituição tributária também nas operações internas com as mercadorias de que trata este protocolo, observando os percentuais previstos na
cláusula segunda e o prazo de recolhimento do imposto retido previsto na cláusula quarta.
2.2.5 Produtos sujeitos a Substituição Tributária pelo Protocolo 41/08
Conforme Protocolo 41/08 (BRASIL, 2008):
§ 4º O regime previsto neste protocolo será estendido, de modo a atribuir a responsabilidade pela
retenção e recolhimento do imposto pelas saídas subsequentes de todas as peças, partes, componentes
e acessórios conceituados no:
§ 1º, ainda que não estejam listadas no Anexo Único, na condição de sujeito passivo por substituição,
ao estabelecimento de fabricante:
I - de veículos automotores para estabelecimento comercial distribuidor, para atender índice de fidelidade de compra de que trata o art. 8º da Lei federal nº 6.729, de 28 de novembro de 1979;
II - de veículos, máquinas e equipamentos agrícolas ou rodoviários, para estabelecimento comercial
distribuidor, cuja distribuição seja efetuada de forma exclusiva, mediante contrato de fidelidade,
desde que seja autorizado mediante acordo com o fisco de localização do estabelecimento destinatário.
2.2.6 Cálculo do Imposto na Substituição Tributária e emissão da Nota Fiscal
Mariano, Werneck e Bezerra (2010) abordam que o contribuinte substituto pratica o fato gerador ao promover a saída das mercadorias de seu estabelecimento e, pela sistemática do pagamento do
ICMS em relação aos fatos geradores futuros praticados pelos contribuintes substituídos, sabe-se que
este terá o ICMS da operação própria e o ICMS das operações subsequentes.
Ainda para os mesmos autores, ao emitir a nota, o substituto tributário fará constar o ICMS
da operação própria e o ICMS substituição que é o valor devido pelas operações subsequentes até o
consumidor final.
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81
2.2.7 Fiscalização do Imposto por Substituição Tributária
Para Benício (2010), a fiscalização relativa ao cumprimento das obrigações tributárias, assim
como a verificação das hipóteses de exclusão, compete à Secretaria da Receita Federal e também às
Secretarias da Fazenda das outras pessoas políticas. Através do sistema de substituição tributária, o
Estado tem maior eficiência quando da fiscalização, pois ao transferir, por exemplo, a responsabilidade
de recolhimento do tributo ao distribuidor e não ao varejista, fica mais fácil fiscalizar o distribuidor do
que as milhares de empresas do varejo, contribuindo para a redução da sonegação.
2.2.8 Contabilização ICMS ST
O tratamento contábil da substituição tributária deve ser observado com muito mais cuidado
pelo substituto que recebe o produto, do que pelo substituído. Nas operações de produtos adquiridos
pelo regime de tributação pela substituição tributária, basta o comerciante substituído agregar todos
os custos pagos pelo produto como custos de comercialização e/ou produção, uma vez que, nesse
regime, não há qualquer compensação do imposto pago nas operações anteriores. Todo o tributo já foi
retido e recolhido nas operações anteriores. Já para o substituto, ele deverá observar a segregação
entre o tributo devido nas próprias operações do tributo retido por substituição tributária, das operações subsequentes (REIS; GALLO; PEREIRA, 2010).
Ainda de acordo com os mesmos autores, o ICMS por substituição tributária, embora integrante do faturamento da empresa, não constitui um elemento de sua Receita Operacional Bruta,
pois o valor corresponde ao ICMS a ser recolhido pelo substituto, em razão das operações posteriores
realizadas pelo contribuinte substituído. Para o contribuinte substituído, a operação é bem simples.
Basta contabilizar o valor efetivamente pago como estoque, não havendo qualquer possibilidade do
creditamento do ICMS das operações anteriores.
3. METODOLOGIA
3.1. Classificação e Objeto da Pesquisa
O presente estudo abordou uma pesquisa de natureza descritiva, sendo que a partir desta,
possibilitou-se o exame específico dos procedimentos utilizados pela empresa. Pereira (2007) cita que
a pesquisa descritiva coleta os dados e informações de determinada população, fenômeno, ou estabelecimento, envolvendo o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados.
O delineamento da pesquisa se deu pela pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e estudo
de caso.
A unidade do caso teve como estabelecimento a Ciber Equipamentos Rodoviários e o objeto
da pesquisa concentrou-se no cálculo do ICMS de um determinado produto dos estados signatários do
Protocolo 41/08, utilizando como documentos as notas fiscais emitidas pela empresa no período de
janeiro de 2011 a agosto de 2012, na matriz da empresa, localizada em Porto Alegre, no departamento
de Controladoria e Finanças, setor de Contabilidade e Área Fiscal.
Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a observação assistemática que proporciona
uma visão mais livre em recolher e registrar os fatos da realidade. Assim também como foi utilizada
a entrevista não estruturada, buscando-se entender o processo de formulação do preço de venda dos
materiais tributados pela substituição tributária, com o intuito de obter maiores informações sobre o
caso estudado.
A forma de abordagem para a análise dos dados foi do tipo qualitativa, pois se procurou interpretar o assunto para expor a descrição e explicação durante o processo de pesquisa.
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1. Cálculo da Substituição Tributária: Protocolo 41/08 Índice de Fidelidade
A análise é baseada somente nos Estado signatários do Protocolo, sendo assim, os demais estados, Acre, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia,
Roraima, Sergipe e Tocantins não foram abordados nesta pesquisa, pois não estão descritos no Protocolo 61/12. Mas o cálculo realizado na apuração do ICMS próprio para os estados citados é o mesmo
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apresentado no referencial teórico.
Por se tratar de uma indústria, a Ciber é a substituta da cadeia tributária do ICMS substituição
tributária, visto que ela recolhe o imposto por toda cadeia circulatória da mercadoria. A empresa veio
a se enquadrar no regime de Substituição Tributária a partir de junho de 2011, adotando o protocolo
41/08, ao qual se enquadra por ser uma empresa que fabrica equipamentos de pavimentação e comercializa os equipamentos e as peças dos mesmos. Em agosto de 2012, o Protocolo 41/08 sofreu uma
ratificação pelo Protocolo 61/12 na MVA praticada tanto para os índices de fidelidade quando para os
demais casos.
A empresa entende que, ao vender para seus representantes, ela se enquadra na utilização do
índice de fidelidade, pois os mesmos firmaram um acordo comercial de compras/vendas mensais e os
representantes garantem vender somente os produtos da Ciber. O Protocolo tem um tratamento especial para as alíquotas de MVA no segmento automotivo quando se trata de vendas para concessionárias
que tenham acordo de fidelidade com as montadoras. A Ciber entende que o seu relacionamento com
seus representantes é como o de uma concessionária de automóveis com a fábrica de automóveis. E,
por esse motivo, nas suas vendas para os chamados representantes, ela utiliza o índice de fidelidade
para a apuração do ICMS ST.
Para a realização da apuração do valor do ICMS ST, é necessário calcular o valor do produto
multiplicado pela alíquota de MVA determinada no protocolo. O valor total deste cálculo será somado
ao valor do produto, que será multiplicado pelo percentual da alíquota interestadual do estado de
destino. O resultado será diminuído do valor apurado no ICMS próprio e o resultado da subtração será
o valor do ICMS Substituição Tributária.
Para uma melhor demonstração do que foi descrito, segue o cálculo do ICMS ST usando como
exemplo um cálculo, utilizando como base o produto classificado com a NCM 84818092 e uma nota
fiscal de origem no RS e destino BA para a tabela do índice de fidelidade, conforme Quadro 1:
Quadro 1 - Cálculo ICMS ST utilizando o índice de fidelidade do protocolo 41/08
Dados: para calcular o ICMS ST do produto com
NCM 84818092, de origem no RS e destino BA
foram utilizados os seguintes dados:
Valor unitário R$ 157,41
Alíquota interestadual de ICMS: 7%
Alíquota interna do estado destino: 17%
MVA determinada pelo protocolo 41/08: 41,7%
Cálculo do ICMS ST ICMS próprio: 157,41 x 7% =
11,02
Margem de lucro fixada pelo protocolo: 157,41 x
41,7% = 65,64
Produto + margem fixada = 157,41 + 65,64 = 223,05
Cálculo ICMS alíquota interna de estado destino =
223,05 x 17% = 37,92
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
O cálculo anterior também é realizado para as mercadorias destinadas aos estados de Alagoas,
Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí,
pois também possuem alíquota interestadual do ICMS de 7%. Já os estados de Minas Gerais, Paraná,
Rio de Janeiro, Santa Catariana e São Paulo possuem alíquota interestadual de 12%. Isso faz com que
o ICMS próprio para esses estados seja maior.
Nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí a alíquota interna do ICMS é de 17%. Já a alíquota interestadual é
de 7%, sendo a saída do Rio Grande do Sul e destinos aos estados mencionados. Por esse motivo, a alíquota da MVA é de 41,7%, ou seja, será a mesma para todos os estados citados. As alíquotas também se
repetem para os estados do Mato Grosso, Paraná e São Paulo que tem sua alíquota estadual interna de
18% e interestadual, com saída do Rio Grande do Sul, de 12%. Portanto, para os três estados, a alíquota
de MVA será de 35,8%. O estado do Rio de Janeiro é o único que tem alíquota interestadual de 12%,
com saída do Rio Grande do Sul. Sua alíquota estadual é de 19%, sendo a MVA de 37,4%. Santa Catarina
também é exceção com sua alíquota interna de 17% e interestadual de 12%, tendo a MVA de 34,1%.
Não foram demonstrados os cálculos com as alíquotas de 43,5% e 45,2%, pois não foi encontrado nenhum estado da União participando do Protocolo 41/08 que utilize, como alíquota interestadual,
7% e alíquota interna 18% e 19%, quando a saída da mercadoria for do Rio Grande do Sul. A seguir, a
Tabela 1 apresenta os valores referentes aos estados participantes do Protocolo:
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Tabela 1 -Cálculo do ICMS ST Protocolo 41/08 Índice de fidelidade, saída RS destino às UF
signatárias do Protocolo
UF
destino
Valor
produto
Alíquota
de MVA
Margem de lucro
fixado pelo
protocolo
Base de
cálculo
do
ICMS ST
Alíquota
interna do
ICMS
ICMS
presumido
ICMS
próprio
Total do
ICMS ST
Total
da nota
AL
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
AM
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
AP
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
BA
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
DF
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
ES
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
GO
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
MA
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
MT
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
MG
157,41
35,80%
56,35
213,76
18%
38,48
18,89
19,59
177,00
PA
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
PR
157,41
35,80%
56,35
213,76
18%
38,48
18,89
19,59
177,00
PI
157,41
41,70%
65,64
223,05
17%
37,92
11,02
26,90
184,31
RJ
157,41
37,40%
58,87
216,28
19%
41,09
18,89
22,20
179,61
SC
157,41
34,10%
53,68
211,09
17%
35,88
18,89
17,00
174,41
SP
157,41
35,80%
56,35
213,76
18%
38,48
18,89
19,59
177,00
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
Conforme já mencionado, os estados do Acre, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e Tocantins não serão abordados neste trabalho,
pois não seguem o Protocolo. Sendo assim, os produtos destinados a estes estados não terão a ST
acrescentados no valor final da nota. O ICMS apurado será somente o próprio.
4.1.1 Protocolo 41/08 para os demais casos
Para os demais clientes que não têm acordado com a empresa o contrato de fidelidade, o
Protocolo 41/08 prevê outras alíquotas a serem utilizadas de acordo com as alíquotas internas e interestaduais de cada estado.
Nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí, a alíquota da MVA passa a ser de 56,9%. Já nos estados do Mato
Grosso, Paraná e São Paulo, a alíquota de MVA será de 50,20%. O Rio de Janeiro, por sua vez, terá a
MVA de 52,1% e Santa Catarina a alíquota da MVA é de 48,4%.
Na realização da apuração, para o valor do ICMS ST para as alíquotas dos demais casos, o
cálculo realizado é o mesmo que o do índice de fidelidade. É necessário calcular o valor do produto
multiplicado pela alíquota de MVA determinada no protocolo. O valor total deste cálculo será somado
ao valor do produto, que será multiplicado pelo percentual da alíquota interestadual do estado destino. O resultado será diminuído do valor apurado no ICMS próprio, cujo cálculo já foi demonstrado.
O resultado da subtração será o valor do ICMS Substituição Tributária. Segue um exemplo de cálculo
realizado, utilizando como base o produto classificado com a NCM 84818092, de origem no RS e destino
BA, conforme Quadro 2:
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Quadro 2 - Cálculo ICMS ST índice para os demais casos segundo o protocolo 41/08
Dados: para calcular o ICMS ST do produto com
NCM 84818092, de origem no RS e destino BA,
foram utilizados os seguintes dados:
Valor unitário: R$ 157,41
Alíquota interestadual de ICMS: 7%
Alíquota interna do estado destino: 17%
MVA determinada pelo protocolo 41/08: 56,9%
Cálculo do ICMS ST ICMS próprio: 157,41 x 7% = 11,02
Margem de lucro fixada pelo protocolo: 157,41 x 56,9% =
89,57
Produto + margem fixada = 157,41 + 89,57 = 246,98
Cálculo ICMS alíquota interna de estado destino = 246,98
x 17% = 41,99
Total da ST = 41,99 – 11,02 = 30,97
Total da nota = 157,41 + 30,97 = 188,38
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
A Tabela 2 mostra os valores referentes aos estados participantes do Protocolo.
Tabela 2 - Cálculo do ICMS ST Protocolo 41/08 para os demais casos com saída RS
às UF signatárias ao Protocolo
UF
destino
Valor
produto
Alíquota
de MVA
Margem de lucro
fixado pelo
protocolo
Base de
cálculo
do
ICMS ST
Alíquota
interna do
ICMS
ICMS
presumido
ICMS
próprio
Total do
ICMS ST
Total
da nota
AL
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
AM
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
AP
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
BA
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
DF
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
ES
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
GO
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
MA
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
MT
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
MG
157,41
50,20%
79,02
236,43
18%
42,56
18,89
23,67
181,08
PA
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
PR
157,41
50,20%
79,02
236,43
18%
42,56
18,89
23,67
181,08
PI
157,41
56,90%
89,57
246,98
17%
41,99
11,02
30,97
188,38
RJ
157,41
52,10%
82,01
239,42
19%
45,49
18,89
26,60
184,01
SC
157,41
48,40%
76,19
233,60
17%
39,71
18,89
20,82
178,23
SP
157,41
50,20%
79,02
236,43
18%
42,56
18,89
23,67
181,08
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
4.1.2 Alteração nas Alíquotas de MVA do Protocolo 41/08 para o Índice de Fidelidade
A partir de agosto de 2012, o protocolo 41/08 sofre uma nova ratificação nas alíquotas de MVA
pelo protocolo 61/12, e a empresa, por sua vez, passa a adotar as novas alíquotas e o preço final de
venda do produto sofre novas alterações.
Desde então, a alíquota de MVA para os estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito
Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí, para índice de fidelidade, fica
sendo de 49,11%. Para o Mato Grosso, Paraná e São Paulo, a MVA praticada é de 42,82%. Já o estado do
Rio de Janeiro tem a MVA fica em 44,58% e Santa Catarina trabalha com a MVA de 41,10%.
Segue no Quadro 3 um exemplo de cálculo realizado, utilizando como base o produto classificado com a NCM 84818092, de origem no RS e destino BA, demonstrando a nova alíquota adotada:
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
85
Quadro 3 - Cálculo ICMS ST utilizando o índice de fidelidade do protocolo 61/12
Dados: para calcular o ICMS ST do produto com NCM
84818092, de origem no RS e destino BA, foram
utilizados os seguintes dados:
Valor unitário: R$ 157,41
Alíquota interestadual de ICMS: 7%
Alíquota interna do estado destino: 17%
MVA determinada pelo protocolo 61/12: 49,11%
ICMS próprio: 157,41 x 7% = 11,02
Margem de lucro fixada pelo protocolo: 157,41 x
49,11% = 77,30
Produto + margem fixada = 157,41 + 77,30 = 234,71
Cálculo ICMS alíquota interna de estado destino =
234,71 x 17% = 39,90
Total da ST = 39,90 – 11,02 = 28,88
Total da nota = 157,41 + 28,88 = 186,29
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
Segue Tabela 3 demonstrando o valor final da nota fiscal para cada Estado destino, das participantes do Protocolo.
Tabela 3 - Cálculo do ICMS ST Protocolo 61/12 quanto ao índice de fidelidade com saída do RS e
destino às UF signatárias ao Protocolo
UF
destino
Valor
produto
Alíquota
de MVA
Margem de lucro
fixado pelo
protocolo
Base de
cálculo
do ICMS
ST
Alíquota
interna do
ICMS
ICMS
presumido
ICMS
próprio
Total do
ICMS ST
Total
da nota
AL
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
AM
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
AP
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
BA
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
DF
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
ES
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
GO
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
MA
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
MT
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
MG
157,41
42,82%
67,40
224,81
18%
40,47
18,89
21,58
178,99
PA
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
PR
157,41
42,82%
67,40
224,81
18%
40,47
18,89
21,58
178,99
PI
157,41
49,11%
77,30
234,71
17%
39,90
11,02
28,88
186,29
RJ
157,41
44,58%
70,17
227,58
19%
43,24
18,89
24,35
181,76
SC
157,41
41,10%
64,70
222,11
17%
37,76
18,89
18,87
176,28
SP
157,41
42,82%
67,40
224,81
18%
40,47
18,89
21,58
178,99
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
As alíquotas de MVAs, de 50,93% e 52,80%, não foram utilizadas, pois não foi encontrado nenhum Estado da União integrante do Protocolo que utilize como alíquota interestadual 7% e alíquota
interna 18% e 19%.
4.1.3 Alterações nas Alíquotas de MVA do Protocolo 41/08 para os demais casos
Assim como a alíquota de MVA alterou a partir da modificação pelo Protocolo 61/12, as alíquotas no que diz respeito aos demais casos também sofreram alterações.
A mudança da MVA dos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito
Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí ficou em 78,83%. Em Mato Grosso, Paraná e São
Paulo, a MVA praticada passou a ser de 71,28%. Já no estado do Rio de Janeiro, a MVA ficou em 73,39%
e Santa Catarina trabalha com a MVA de 69,21%. Segue no Quadro 4 a demonstração de um cálculo,
utilizando como base o produto classificado com a NCM 84818092, de origem no RS e destino BA:
86
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
Quadro 4 - Cálculo ICMS ST para os demais casos do protocolo 61/12
Para calcular o ICMS ST do produto com NCM
84818092, de origem no RS e destino BA foram utilizados os seguintes dados:
Valor unitário: R$ 157,41
Alíquota interestadual de ICMS: 7%
Alíquota interna do estado destino: 17%
MVA determinada pelo protocolo 61/12: 78,83%
ICMS próprio: 157,41 x 7% = 11,02
Margem de lucro fixada pelo protocolo: 157,41 x
78,83% = 124,09
Produto + margem fixada = 157,41 + 124,09 = 281,50
Cálculo ICMS alíquota interna de estado destino =
281,50 x 17% = 47,86
Total da ST = 47,85 – 11,02 = 36,84
Total da nota = 157,41 + 36,84 = 194,25
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
A Tabela 4 demonstra os valores para todos os estados destinos signatários do Protocolo.
Tabela 4 - Cálculo do ICMS ST Protocolo 61/12 para os demais casos com saída do RS e
destino às UF signatárias ao Protocolo
UF
destino
Valor
produto
Alíquota
de MVA
Margem de
lucro fixado
pelo protocolo
Base de
cálculo
do
ICMS ST
Alíquota
interna do
ICMS
ICMS
presumido
ICMS
próprio
Total do
ICMS ST
Total
da nota
AL
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
AM
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
AP
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
BA
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
DF
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
ES
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
GO
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
MA
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
MT
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
MG
157,41
71,28%
112,20
269,61
18%
48,53
18,89
29,64
187,05
PA
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
PR
157,41
71,28%
112,20
269,61
18%
48,53
18,89
29,64
187,05
PI
157,41
78,83%
124,09
281,50
17%
47,85
11,02
36,84
194,25
RJ
157,41
73,39%
115,52
272,93
19%
51,86
18,89
32,97
190,38
SC
157,41
69,21%
108,94
266,35
17%
45,28
18,89
26,39
183,80
SP
157,41
71,28%
112,20
269,61
18%
48,53
18,89
29,64
187,05
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
4.1.4 Contabilização do ICMS Substituição Tributária
A contabilização do faturamento de notas fiscais de produtos com substituição tributária não
sofreu nenhuma alteração com a ratificação do Protocolo 41/08. Conforme dados retirados do sistema
contábil da empresa, segue demonstração da contabilização na Tabela 5:
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
87
Tabela 5 - Contabilização do ICMS ST
D/C
N° da conta
Nome da Conta
Valor
Débito
21636001
ICMS s/ vendas
R$ 11,02
Crédito
33501001
ICMS recolher
R$ 11,02
Débito
11201001
Cliente
R$ 184,31
Crédito
31101001
Receita de Venda
R$ 157,41
Crédito
33501011
ICMS Substituição Tributária
R$ 29,90
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
Como o valor do ICMS próprio é subtraído do valor do cálculo do ST, ele continuará contabilizando da mesma maneira, tendo a empresa que recolher o seu ICMS. O valor da ST vai para a conta
cliente e será cobrado do mesmo. A receita de venda será somente valor do produto e a contrapartida
do valor da Substituição Tributária irá para conta específica ICMS ST.
4.1.5 Análise das Mudanças no Valor da Nota Fiscal
Baseado nos cálculos apresentados foi elaborada uma tabela com a apuração dos resultados
para o preço total da nota fiscal praticado para cada unidade federativa destino, em cada apuração do
ICMS, sendo ela, na modalidade ICMS próprio e ICMS Substituição Tributária, pela alíquota de MVA do
Protocolo 41/08 e sua ratificação pelo Protocolo 61/12. O produto analisado foi o classificado pelo item
válvulas solenóides com o número de NCM 84818091, sendo o seu valor o real praticado pela empresa
no período de janeiro de 2011 a agosto de 2012. Segue a Tabela 6 com o preço de venda:
Tabela 6 - Preço de venda
Protocolo 41/08
Protocolo 61/12
UF
ICMS próprio
Índice de
fidelidade
Demais
casos
Índice de
fidelidade
Demais
casos
AL
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
AM
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
AP
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
BA
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
DF
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
ES
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
GO
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
MA
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
MT
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
MG
R$ 157,41
177,00
181,08
178,99
187,05
PA
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
PR
R$ 157,41
177,00
181,08
178,99
187,05
PI
R$ 157,41
184,31
188,38
186,29
194,25
RJ
R$ 157,41
179,61
184,01
181,76
190,38
SC
R$ 157,41
174,41
178,23
176,28
183,80
SP
R$ 157,41
177,00
181,08
178,99
187,05
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
A Tabela 6 foi elaborada a partir dos cálculos realizados anteriormente. Assim é demonstrado
o preço final da nota fiscal de saída na venda da mercadoria para cada Estado signatário do Protocolo.
88
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
Nos demais casos, o ICMS próprio também compõe o preço de venda, mas, além dele, tem o ICMS ST
que altera o preço final da mercadoria de acordo com o seu Estado destino. O valor do ICMS ST é recolhido pela Ciber e cobrado de seu cliente, pois o valor da ST é destacado na nota fiscal. Cabe observar
que para todos os Estados com a mesma alíquota interna e mesma alíquota interestadual, o valor da
nota fiscal será o mesmo e, para melhor visualização dos valores apurados, segue a Tabela 7 com a
demonstração em percentual do aumento no valor total da nota fiscal.
Tabela 7 - Percentuais de aumento no valor da nota fiscal emitida pela empresa
Protocolo 41/08
Protocolo 61/12
UF
ICMS
próprio
Índice de
fidelidade
Demais
casos
Índice de
fidelidade
Demais
casos
AL
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
AM
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
AP
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
BA
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
DF
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
ES
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
GO
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
MA
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
MT
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
MG
0,00%
12,44%
15,04%
13,71%
18,83%
PA
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
PR
0,00%
12,44%
15,04%
13,71%
18,83%
PI
0,00%
17,09%
19,67%
18,35%
23,40%
RJ
0,00%
14,11%
16,90%
15,47%
20,94%
SC
0,00%
10,80%
13,23%
11,99%
16,77%
SP
0,00%
12,44%
15,04%
13,71%
18,83%
Fonte: elaborado pelos autores (2012)
Em termos percentuais, conforme o demonstrado pela Tabela 7, observa-se um aumento considerável no valor final das notas a partir da adoção da ST.
Foi observado que, logo que a empresa passou a se enquadrar no regime de Substituição Tributária em junho de 2011, o seu preço final da nota fiscal de venda aumentou em 17,09%, utilizando a
alíquota do índice de fidelidade para os estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito Federal,
Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí. Para as alíquotas de MVA determinadas pelo
Protocolo 41/08 e para os demais casos, o aumento foi de 19,67%.
Nas vendas para os estados do Mato Grosso, Paraná e São Paulo, o aumento para o índice de
fidelidade foi de 12,44% e para os demais casos o aumento foi de 15,04%. Já para o estado do Rio de
Janeiro como destino, o valor final da nota aumentou em 14,11% quando a alíquota utilizada foi a do
índice de fidelidade e 16,70% para os demais casos. Em relação ao aumento para o estado de Santa
Catarina ficou em 10,80% pelo índice de fidelidade e 13,23% para os demais casos.
Como, a partir de agosto de 2012, o Protocolo 41/08 foi ratificado pelo Protocolo 61/12, o
valor total cobrado na nota fiscal sofreu novo aumento, tanto para as alíquotas do índice de fidelidade
quanto para os demais casos, tomando como base o produto cálculo somente com o ICMS próprio.
Quando o destino for os estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí, o aumento ficou em 11,99% para o índice de
fidelidade e 16,77% para os demais casos. Para as unidades federativas do Mato Grosso, Paraná e São
Paulo, o aumento ficou em 13,71% e para os demais casos o aumento foi de 18,83%.
Quanto ao estado do Rio de Janeiro, o aumento foi de 15,47%, quando a alíquota utilizada
for a do índice de fidelidade e 20,94% para os demais casos. Em relação ao aumento para o estado de
Santa Catarina foi para 11,99% pelo índice de fidelidade e 16,77% para os demais casos.
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
89
5. Conclusão e sugestões de estudos futuros
A substituição tributária do ICMS instituiu-se através da necessidade dos estados em controlar
o recolhimento do imposto, evitando a sonegação, uma vez que, em algumas situações, a mercadoria
chegava ao consumidor final sem o pagamento do mesmo.
A partir do estudo, identificaram-se os procedimentos legais do ICMS ST na modalidade de autopeças com a utilização do Protocolo 41/08 e sua ratificação pelo Protocolo 61/12, para casos em que se
utiliza a MVA para os índices de fidelidade e demais casos. No trabalho também é demonstrada a forma
de contabilização do ICMS próprio e do ICMS ST.
Na análise dos cálculos efetuados e demonstrados na pesquisa, constatou-se que o preço final
de saída, a partir da adoção do recolhimento do imposto por substituição tributária, aumentou, pois o
comprador passou a pagar o imposto na compra do produto. Dessa forma, verificou-se que a indústria
recolhe o ICMS para a toda cadeia circulatória da mercadoria, minimizando a sonegação do imposto.
Através da análise realizada, fica evidente que agregando a margem de lucro fixada pelo governo ao final da cadeia circulatória, o produto não sofre aumento em seu preço. Isso porque, com a
substituição tributária, o ICMS passou a ser pago antes e não mais depois do processo.
Pode-se apurar que o objetivo principal da substituição tributária é acabar com a sonegação do
ICMS, sendo assim, uma importante arma do governo para combater a sonegação.
Importante destacar que o objetivo geral de verificar se a empresa Ciber estava atendendo corretamente o que determina o Protocolo 41/08 e sua ratificação pelo Protocolo 61/12 foi atingido, pois
nenhuma falha foi encontrada.
Como sugestão recomenda-se estudos mais aprofundados em outras empresas do mesmo segmento
econômico. Sugere-se também utilizar diferentes abordagens metodológicas, isto porque, a partir de um
estudo que abrangesse uma amostra representativa do setor, seria possível traçar um perfil do ramo de autopeças, identificar tendências e estabelecer estatísticas úteis para os usuários da informação.
Referências
BENÍCIO, Sérgio Gonini. ICMS: apontamentos teóricos e práticos sobre a substituição tributária. São
Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Protocolo ICMS 61, DE 22 JUNHO DE 2012. Brasília, 2012. Disponível em:<http://www.fazenda.
gov.br/confaz/confaz/protocolos/ICMS/2012/pt061_12.htm>.
Acesso em 31/08/2012.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
Ciências Sociais e Aplicadas
Noções introdutórias para o
estudo e a interpretação
do Direito Civil
Silvio Javier Battello Calderon1 e José Nosvitz Pereira de Souza2
Resumo
O objetivo do presente trabalho é fazer uma análise introdutória para o estudo
do Direito Civil no Brasil. O texto está dividido em três partes. Na primeira, serão
analisados os conceitos e principais características da codificação do direito privado.
Na segunda, as regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que tratam
da interpretação e integração das normas jurídicas. E por fim, na terceira parte, se
estudará a relação dos Direitos Fundamentais com o Direito Civil.
Palavras-Chaves
Direito Civil. Interpretação do Direito. Integração do Direito. Direito Civil Constitucional. Direitos Fundamentais.
Abstract
The aim of this work is to make an introductory analysis for the study of civil law in
Brazil. The text is divided into three parts. At first, we analyze the concepts and the
most important features of the encoding of private law. In the second, the Act of
Introduction to the Norms of Brazilian Law, especially its rules of interpretation and
integration. Finally, in the third part, we studied the relationship of Fundamental
Rights with Civil Law.
Keywords
Civil law. Interpretation of Law. Integration of Law. Constitutional Civil Law. Fundamental Rights.
Introdução
Após a independência do Brasil, o Direito Civil no país continuou sob a regulamentação das antigas Ordenações do Reino de Portugal, em especial as Filipinas, fortemente influenciadas pelo Direito
Romano. A Constituição brasileira de 1824 já ordenava a elaboração, o quanto antes, de um Código
Civil fundado nas sólidas bases da Justiça e da Equidade, art. 179, XVIII1. Mas a jovem Nação também
precisava de juristas e, por consequência, em 1827, foram criados dois cursos de ciências jurídicas
e sociais, um na cidade de São Paulo e outro na Cidade de Olinda, que começaram a funcionar com
professores convidados da Europa, em especial de Coimbra.
(1)
Pós-doutor em Direito pela Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA); doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Membro da associação
Argentina de Direito Internacional (AADI), da Associação Brasileira de Direito Internacional (ABDI), e da Associação Ibero-americana de Direito
Privado (AIDP). Professor de Direito Civil e Direito Empresarial. Advogado na Argentina e no Brasil.
(2)
Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), graduado em Direito pela Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS) e graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenador e professor do curso
de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e Professor da Faculdade Decision de Negócios.
1
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm, consultado em 04/12/2012.
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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Os protagonistas da primeira etapa na codificação do Direito Civil foram casualmente dois
alunos formados nas primeiras turmas da Faculdade de Olinda: José Thomas Nabuco de Araujo e Augusto Teixeira de Freitas. Em 1855, Nabuco de Araujo, naquele momento Ministro de Justiça, solicitou
a Teixeira de Freitas que realizasse uma Consolidação das Leis Civis brasileiras, lavor que este aceitou
e concluiu rapidamente. A Consolidação foi publicada em 1587 e foi utilizado até 1916, quando entrou
em vigor o primeiro Código Civil Brasileiro.
A Teixeira de Freitas também se lhe encomendou a redação de um Código Civil. O jurista
começou o trabalho em 1859 e, em 1864, apresentou ao governo seu famoso Esboço de Código Civil.
Ainda que o autor constasse com o apoio de Nabuco de Araujo, o projeto não foi aceito pelos juristas
da época, e Teixeira de Freitas foi desincumbido do trabalho de Codificação. O Esboço é considerado
até hoje uma das maiores obras da codificação moderna, citada e referida no mundo inteiro.
Na segunda metade do século XIX, outros projetos de Código Civil foram apresentados ao
governo, mas foi finalmente aceito aquele de autoria do civilista cearense Clovis Beviláqua, que começou a redigir o Projeto no início de 1899, concluindo-o ao final do mesmo ano. O Código Civil de
Beviláqua teve uma longa tramitação no Congresso Nacional entre 1900 a 1916 até que foi promulgado
pela Lei n°. 3.071, de 1° de janeiro de 1916, estabelecendo, assim, o Código Civil dos Estados Unidos
do Brasil2.
Os avanços sociais e econômicos do Brasil no transcorrer do século XX foram deixando o Código
Civil obsoleto. Nos anos 30 e 60, foram apresentados diversos projetos para substituí-lo, mas nenhum
teve êxito. Em 1967, o jurista Miguel Reale foi nomeado para presidir uma comissão encarregada de
relatar um novo projeto de Código Civil. A comissão apresentou o projeto final ao Congresso Nacional
em 1975 e, após uma longíssima tramitação, o Projeto Reale foi aprovado pela Lei 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil vigente.
Como podemos apreciar, tanto o Código Civil de 1916 quanto o atual padeceram do mesmo
problema: uma longa tramitação no Congresso e, por consequência, muitos dos institutos regulamentados pelos Códigos já nasceram velhos. Enquanto o Código Civil vigente esperava aprovação do
Congresso, outros importantes diplomas jurídicos relacionados ao Direito Civil foram promulgados: a
Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, Estatuto da Criança e do
Adolescente, também de 1990, a Lei de Inquilinato, de 1991, etc.
Partindo dessa realidade histórica, o objetivo do presente trabalho é fazer uma análise introdutória ao Estudo do Direito Civil, que nos permita identificar quais são as principais características do
sistema, a regras de interpretação, e as formas de integração de suas normas com os outros âmbitos
do Direito e, em especial, com o Direito Constitucional.
1. O Direito Civil
A doutrina distingue o Direito Público do Direito Privado. Em sentido lato, O Direito Público
trata das relações jurídicas derivadas da organização e atividade do Estado, e das relações dos cidadãos com os diversos âmbitos de atuação do Poder Público3.
Já o Direito Privado é o que regulamenta as relações jurídicas que existem entre as pessoas
físicas, ou de estas com as pessoas jurídicas de direito de Direito Privado (empresas, associações,
fundações, etc.) dentro do território nacional4. Ainda, o governo e suas dependências administrativas
também podem ser alcançados pelas normas de Direito Privado, quando a conduta praticada por seus
agentes não está revestida do imperium típico dos atos de governo. Por exemplo, compras eventuais
de material de escritório, ou a contratação de um encanador para concertar um vazamento, formam
parte das relações jurídicas de Direito Privado, ainda que um dos contratantes seja o Estado.
O Direito Civil e o Direito Empresarial são os principais elementos do Direito Privado. O que
caracteriza estas disciplinas, e ao mesmo tempo as diferencia do Direito público, é o predomínio dos
interesses particulares por sobre os interesses da comunidade.
Em geral, dizemos que as normas do Direito Privado são dispositivas (ou de aplicação suplementar), porque vigoram enquanto os interessados não convencionarem de forma diversa. Isso
não significa desconhecer que também existem normas de Direito Civil ou Comercial de aplicação
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm, consultado em 08/12/2012.
Pontes de Miranda explica que “A distinção entre Direito Público e Privado é história, e não lógica. Não há, a priori, pela matéria tratada,
tal dicotomia. Isso importa em dizer-se que se pode volver à indiferenciação dos dois ramos de direito”. In: MIRANDA, Pontes de. Tratado de
Direito Privado. Tomo 1. Campinas: Bookseller, 2000, p. 121.
4
Orlando Gomes distingue, ainda, o Direito Privado do Direito dos Particulares, sendo este último o que não é promulgado pelo estado, e sim
pelos próprios indivíduos. In: GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 12 ed. Atualizada por Humberto Theodoro Junior. Rio de Janeiro:
Forense, 2007.
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obrigatória ou cogentes, sobre as quais as partes não podem dispor5, como ocorre com os Direitos da
Personalidade, com certas normas do Direito de Família ou do Direito das Sucessões (por exemplo, os
herdeiros não podem mudar por vontade própria a ordem de vocação hereditária).
Outra característica do Direito Privado brasileiro é a sua codificação. Antigamente, as expressões código, compilação e consolidação eram utilizadas indistintamente, como sendo sinônimos. Por
isso, os antigos monumentos jurídicos, tais como o Corpus Iuris Civilis, as Sete Partidas de Alfonso X,
O Sábio, as Ordenações, etc. foram denominados, indistintamente, de códigos ou compilações, ainda
que, em sentido estrito, constituíssem autênticas compilações, por serem coleções de caráter geral
que compreendiam leis ou normas e também doutrinas.
Somente a partir dos tempos modernos, estas expressões se especificam, assumindo, cada
uma delas, significados diversos. A Compilação refere-se a uma coleção ou reunião cronológica de leis
ou textos normativos, que podem ou não ter certa vinculação pela matéria. Por Consolidação entende-se a organização sistêmica de diversas leis vinculadas à mesma matéria. A Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) é um exemplo de consolidação, reunindo no mesmo corpo normativo as diversas leis
que regulamentam as relações individuais e coletivas do trabalho.
Por outra parte, o Código é uma lei que procura disciplinar de forma integral e autônoma um
determinado âmbito do Direito. Nesse sentido, são códigos propriamente ditos (porque estão dotados
dos elementos da sistematização e compreendem a maioria das normas e princípios relativos à matéria
que tratam) o Código Civil, o Código Penal, o Código Comercial, os Códigos Processuais, etc.
O fenômeno da Codificação encontra-se intimamente vinculado ao pensamento da Ilustração
e do racionalismo europeu do século XVIII6. O movimento ideológico consegue sua primeira concretização com o Código Geral dos Estados Prussianos, de 1791. No entanto, a codificação adquire solidez e
auge com a promulgação do Código Civil francês, em 1804. A codificação do Direito Privado brasileiro
continuou o movimento codificador da Europa, primeiro com o Código Comercial, em 1850, Lei n°
556/1850 e, posteriormente, com o Código Civil, de 1916, já referido, substituído pelo Diploma de
2002.
O Código Civil Brasileiro, Lei n° 10.406/20027, é o principal estatuto do Direito Privado, regulamentando as relações jurídicas dos cidadãos desde o nascimento (e inclusiva antes, protegendo os
direitos do nasciturus) até depois da sua morte, pela aplicação do Direito Sucessório.
Sobre o Direito Comercial, podemos afirmar que este ainda conserva a sua autonomia científica8, entretanto, boa parte de suas normas foram incorporadas ao Código Civil de 2002 pela unificação
do direito das obrigações, e pela introdução do Livro II da Parte Especial do Código, que trata Do Direito de Empresa. Com isso, deixou-se praticamente extinto o antigo Código Comercial de 1850, do qual
somente sobrevivem alguns artigos.
1.1. Sistemática do Código
O Código Civil divide-se em Parte Geral e Parte Especial, acompanhado de um Livro Complementar, como demonstra o esquema a seguir:
Na Parte Geral, são estudados os elementos básicos das relações jurídicas privadas, começando pelo estudo Das Pessoas, físicas e jurídicas (art. 1° a 78); Dos Bens que podem ser objeto dessas
relações e suas diversas classificações (art. 79 a 103); e Dos Fatos Jurídicos, que são os acontecimentos
em virtude dos quais as relações jurídicas nascem, se transferem, se conservam, se modificam ou se
extinguem (art. 104 a 232).
Em relação aos fatos jurídicos, podemos verificar que dos inúmeros eventos que fazem parte
da vida, somente alguns destes possuem relevância legal. Ocorre que a maior parte dos acontecimentos diários não são importantes para o direito. A chuva, o frio, o calor, amigos conversando numa praça, meninas brincando com as suas bonecas, etc., são meras situações corriqueiras que não importam
para o Direito. No entanto, quando esses eventos são captados por uma norma jurídica, deixam de ser
simples fatos para se transformarem em fatos jurídicos.
Os fatos jurídicos podem ser naturais ou humanos9. Os fatos naturais são todos aqueles
Sobre o tema: GAZZONI, Francesco. Manuale de Diritto Privatto. XIII Ed. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 2007, p. 13 e ss.
Para um estudo aprofundado sobre o tema, ver: RESCIGNO, Pietro. Codici - storia e geografia di un’idea. Bari: Editori Laterza, 2013.
7
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm, consultado em 12/12/2012.
8
Sobre a autonomia do Direito Empresarial, ver nossa posição em: BATTELLO CALDERON, Silvio Javier. O Renascer de um velho debate: a
autonomia do Direito Empresarial. In: Os novos desafios do Direito Empresarial e Econômico. Silvio Javier Battello Calderon (Org.). Rio de
Janeiro: GZ editora, 2013, p. 1-30.
9
A forma de classificar os fatos jurídicos não é pacífica na doutrina. Para um estudo mais detalhado das classificações, ver: MELLO, Bernardes
de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 112 e ss.
5
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93
acontecimentos que se produzem sem vontade humana e que acabam produzindo consequências jurídicas, como a criação, modificação ou extinção de direitos (fato jurídico strito sensu). Esses fatos
podem ser classificados como ordinários, quando se verificam de forma regular, ou extraordinários,
quando sua incidência é eventual ou não esperada pelos sujeitos, como acontece com os institutos de
caso fortuito e força maior.
Os fatos humanos são os acontecimentos que dependem da vontade humana para ter consequência jurídica, e que por possuir esse elemento volitivo são denominados de atos jurídicos.
Os atos jurídicos (acontecimentos que precisam da vontade humana) são divididos em dois
grupos: a) atos jurídicos lícitos: são os fatos caracterizados pela vontade humana e sobre os quais a lei
confere a consequência jurídica desejada pelo agente. Exemplo, o casamento, o reconhecimento de
um filho, contrato de locação, etc.; b) atos jurídicos ilícitos: são os fatos também caracterizados pela
vontade humana, mas sem o requisito da licitude. O agir do sujeito não é tutelado pelo direito, pelo
contrário, é reprimido, como ocorre com o furto, esbulho da posse, etc.
Por sua vez, os jurídicos lícitos são divididos em atos jurídicos strito sensu e negócio jurídico:
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Ato jurídico strito sensu
Negócio Jurídico
Aqueles em que há necessidade da manifestação de
vontade do agente, mas este não pode escolher as
consequências jurídicas do ato, porque estão predefinidas por lei (só há vontade genérica).
Os sujeitos não têm a possibilidade de modificar as
consequências jurídicas de sua conduta (não há espaço para vontade reguladora).
São aqueles atos que requerem a manifestação de
vontade do agente, como nos atos strito sensu (há
vontade genérica), mas admitem a possibilidade de
que as partes intervenientes possam regulamentar livremente as consequências de suas atividades.
Os sujeitos possuem também uma vontade criadora
que lhes permite modificar os efeitos do ato.
Exemplo: quando as pessoas se casam ou reconhecem um filho sabem quais são os resultados das suas
condutas, ficando submetidos aos efeitos jurídicos
preestabelecidos.
Exemplo: na compra e venda, comprador e
vendedor celebram um negócio jurídico, já que as
obrigações das partes serão definidas pelo contrato
correspondente.
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Importa salientar que a Parte Geral serve como base tanto da Parte Especial como das leis em
geral. Vejamos, como exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, que nada diz sobre quais são as
regras da capacidade para celebrar contrato de consumo, porque essas regras estão contidas na Parte
Geral do Código Civil.
A Parte Especial está dividida em cinco livros:
I. Do Direito das Obrigações (art. 233 a 965): regulamenta as relações jurídicas de conteúdo
patrimonial. Também é chamado de direito pessoal, por tratar dos vínculos jurídicos entre
credores e devedores decorrentes das relações privadas ou pessoais. Neste âmbito ficam
compreendidos os contratos e a responsabilidade civil.
II. Do Direito da Empresa (art. 966 a 1.196): trata do regime jurídico aplicável ao exercício da
atividade empresarial e seus institutos complementares.
III. Do Direito das Coisas (art. 1.196 a 1.510): comumente referido como Direitos Reais, aqui são
estudados os institutos jurídicos da posse, da propriedade e as diversas formas de desmembramento da propriedade (condomínio, usufruto, uso, habitação, enfiteuse, anticrese, etc.).
IV. Do Direito de Família (art. 1.511 a 1.783): dispõe sobre as relações jurídicas familiares,
como o casamento, a união estável, o parentesco, a tutela, a curatela, etc.
V. Do Direito das Sucessões (art. 1.784 a 2.027): é o ramo específico do Direito que tem como
objetivo a transmissão dos bens, direitos e obrigações do falecido aos seus sucessores.
Por último, o Código Civil encerra com um Livro Complementar, que trata das disposições
finais e transitórias (art. 2.028 a 2047).
1.2. Princípios Reitores do Código Civil
Na Visão Geral do Projeto de Código Civil10, Miguel Reale destacava que o Código Civil de 2002
estava fundado em três princípios norteadores, que lhe permitem adaptar-se às constantes evoluções
da sociedade civil. São eles os princípios da eticidade, socialidade e operabilidade.
A eticidade permite um maior poder discricionário do juiz na procura de soluções justas e
equitativas. Fundado no princípio da dignidade da pessoa humana, a eticidade privilegia a equidade, a
justa causa e demais critérios éticos. Contrapõe-se ao formalismo jurídico, visto durante muito tempo
como sinônimo de segurança jurídica. A título de exemplo, podemos citar o princípio de equilíbrio
econômico que deve existir como base ética de todo o direito obrigacional.
A socialidade significa a interação harmônica dos interesses individuais e coletivos. O Código Civil supera a concepção individualista do diploma legal de 1916. No entanto, a consagração dos
interesses coletivos não significa desconhecer que o valor mais elevado do ordenamento pátrio está
representado pela dignidade da pessoa humana. Como afirma Miguel Reale (1999, p. 7 e 8), o individual e o coletivo convergem nas principais figuras do Direito Privado: o proprietário, o contratante,
o empresário, o pai de família e o testador. Estes, além de agir conforme seus interesses e direitos
devem também respeitar os interesses sociais, da coletividade.
A operabilidade visa uma maior praticidade na aplicação do Direito. Os operadores jurídicos
não devem preocupar-se tão somente com as questões puramente teóricas do Direito. A operabilidade
serve para entender que o Código é posto para regrar a vida em sociedade, uma vez que as leis objetivam servir a pessoa humana, permitindo que estas solucionem as controvérsias surgidas no cotidiano
com o auxílio da lei.
Além desses princípios gerais, o Código Civil possui outros chamados de princípios institucionais, porque fundamentam os institutos jurídicos positivados. De forma esquemática, podemos citar
os seguintes11:
Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm, consultado em 12/12/2012.
Para um estudo detalhados dos princípios institucionais do Código Civil, ver: AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 7 ed. Rio de
Janeiro: Forense: 2007, p. 70 e ss.
10
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Instituição
Princípio
Direito da Personalidade
Princípios da dignidade e integridade física da pessoa
humana.
Direito das obrigações – contratos
Princípios da autonomia privada, boa-fé e função social do contrato.
Direitos das Obrigações – responsabilidade civil
Princípio da responsabilidade patrimonial.
Direitos reais
Princípios de tutela da propriedade e da função social da propriedade.
Direito de Família
Princípio de igualdade dos cônjuges e dos filhos
Direito das Sucessões
Princípios da atribuição da herança aos familiares do
falecido, da igualdade entre os quinhões da herança
e do respeito pelas disposições de últimas vontade do
autor da herança.
2. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)
Foi Teixeira de Freitas o primeiro a incluir um título preliminar como integrante do seu famoso Esboço de Código Civil, prevendo que o mesmo serviria como diretriz geral do direito brasileiro que
se sistematizava. A ideia foi mantida por Beviláqua, que a materializou num capítulo introdutório do
Código Civil de 1916, Lei nº 3.071/191612.
A Introdução ao Código Civil foi revogada em 1942, quando foi substituída pela Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/1942)13, também chamada de LICC. De forma mais recente,
em 2010, mudou-se a denominação da LICC, passando a ser chamada Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (Lei nº 12.376/2010)14, citada pela doutrina como LINDB.
Esta Lei aborda questões de suma importância para o Direito, tais como a vigência e obrigatoriedade de lei, a integração e interpretação de normas, os conflitos da lei no tempo (ato jurídico
perfeito, direito adquirido e coisa julgada) e os conflitos da lei no espaço (ou normas de Direito Internacional Privado). Vejamos suas principais características.
2.1. Vigência e Obrigatoriedade da Lei
Os artigos 1° e 2° da LINDB disciplinam a vigência das leis, ou seja, o período em que elas são
obrigatórias. Para sua criação, as leis passam por três fases: elaboração, promulgação e publicação.
No entanto, somente se tornam obrigatórias quando recebem o potencial para produzir efeitos, que
denominamos de eficácia. Nesse sentido, o art. 1° da LINDB reza: Salvo disposição contrária, a lei
começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
O dispositivo citado deve ser interpretado à luz da Lei Complementar 95/9815, quando no
seu art. 8°, §1º, determina que a contagem dos prazos para entrada em vigor das leis se faz com a
inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua
consumação integral.
A vocatio legis pode ser maior ou menor dependendo da complexidade da norma. O caput
do art. 8° da Lei Complementar 95/98, refere-se a um prazo razoável, dependendo da importância
da matéria regulamentada. Por exemplo, no art. 2.044 do Código Civil, o legislador estabeleceu uma
vocatio legis de um ano após a sua publicação. Já as leis de menor repercussão geralmente entram em
vigor imediatamente.
Ainda, o art. 1°, § 3o da LINDB informa que se antes da entrada em vigor da lei ocorrer nova
publicação de seu texto (por exemplo, para fazer correções), o prazo da vocatio legis começará a
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-1-pl.html, consultado em 17/12/2012.
13
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4657-4-setembro-1942-414605-publicacaooriginal68798-pe.html, consultado em 12/12/2012.
14
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2010/lei-12376-30-dezembro-2010-609898-publicacaooriginal-131221-pl.html,
consultado em 12/12/2012.
15
A Lei Complementar 95/98 dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/1998/leicomplementar-95-26-fevereiro-1998-363948-normaatualizada-pl.html,
consultado
em 12/12/2012.
12
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correr desde a nova publicação. Por outra parte, se uma lei já está em vigor, sua correção posterior
considera-se como nova lei.
2.1.1 Continuidade da lei e solução de antinomias
A matéria esta regulamentada no art. art. 2° da LINDB, que dispõe:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível
ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem
modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a
vigência.
Caso a lei não tenha prazo de duração estabelecido, o caput do art. 2° da LINDB determina
que o fim de sua vigência ocorrerá quando outra lei a modifique ou revogue. Esta regra é conhecida
como o princípio da continuidade das leis. Se tiver prazo de duração determinado, a sua vigência fica
limitada àquele período ou pela consecução do fim a que a lei se propunha.
Já os parágrafos do artigo tratam dos possíveis conflitos de normas. Como ensina Bobbio, “A
situação de normas incompatíveis entre si é uma dificuldade tradicional à qual se enfrentam os juristas
de todos os tempos, e teve uma denominação própria e característica: antinomia”.16 Para que exista
uma antinomia entre normas do mesmo ordenamento jurídico, é necessário que tenham o mesmo
âmbito de validade temporal, espacial, pessoal e material.
2.1.2 Solução de antinomias
Para solucionar as antinomias, existem três critérios básicos: cronológico, hierárquico e da
especialidade.
A revogação da lei é critério cronológico para solução de antinomias. Por revogação entendese a perda da força obrigatória da lei, que somente pode ser feita por outra lei. Pelo art. 2°, §1° da
LINDB, a revogação pode ocorrer de duas formas:
I) Pela revogação expressa: quando uma lei posterior expressamente determina que outra deixará de existir.
II) Pela revogação tácita: quando uma lei posterior não traz declaração expressa nesse sentido, mas mostra-se incompatível com a lei antiga ou abrange toda a matéria tratada em lei
anterior.
Tanto a revogação expressa como a tácita pode ser total ou parcial. A revogação total denomina-se também de ab-rogação, e implica a eliminação total da lei anterior. Por exemplo, a primeira
parte do art. 2.045 do Código Civil dispõe: “Revogam-se a Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916 – Código Civil”.
A revogação parcial denomina-se derrogação. Neste caso, somente se deixa sem efeito uma
parte da lei anterior. Seguindo com o exemplo do Código Civil, a segunda parte do art. 2.045 determina
a revogação da “Parte Primeira do Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850”.
Os critérios da hierarquia e da especialidade estão referidos de forma implícita no texto da
LINDB, e são utilizados de forma pacífica pela doutrina e jurisprudência nacional17. Dizemos que a
BOBBIO, Norberto. A coerência do ordenamento jurídico. 6 ed. Traduzido por Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1995, p. 81.
17
De forma exemplificativa: “Ementa: CONSTITUCIONAL. ANTINOMIA DE NORMAS JURIDICAS. PREVALÊNCIA DAQUELE QUE TEM MAIOR HIERARQUIA. O CONGELAMENTO DOS PREÇOS DA ENERGIA ELÉTRICA, DETERMINADO PELO DEL 2284/86, NÃO FOI AFETADO PELA PORTARIA-045, DE
1986, DO DNAEE. REMESSA ‘EX OFFICIO’ IMPROVIDA.” (TRF-4- REMESSA EX OFFICIO: REO 26568 SC 90.04.26568-6, Relatar: Ari PARGENDLER.
Julgado: 31/10/1991, Publicado:04/12/1991).
18
“Não se podem aplicar ao mesmo tempo dois critérios: os dois critérios são incompatíveis. Aqui temos uma incompatibilidade de segundo
grau: não se trata mais da incompatibilidade de que falamos até agora, entre normas, mas da incompatibilidade entre os critérios válidos para
16
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solução da antinomia é hierárquica quando a lei superior revoga lei inferior (lex superior derogat legi
inferiori.), e com base na especialidade, quando a lei especial revoga a lei geral (lex specialis derogat
legi generali).
A doutrina desenvolveu outras classificações sobre as antinomias. De forma esquemática,
podemos citar as seguintes:
Tipo de antinomia
Característica
Antinomia de 1º grau
Quando há conflito de normas que envolvam apenas um dos critérios citados (cronológico, hierárquico, ou da especialidade).
Por exemplo: existindo conflito entre norma posterior e norma anterior,
prevalece o critério cronológico (revogação da lei anterior).
Antinomia de 2º grau
Quando há conflito de normas válidas que envolvam mais de um critérios
de solução18.
Nestes casos, o critério hierárquico é soberano no conflito com os demais. Isso
significa que a norma superior prevalece ‘sempre’, existindo diversas exceções.
Antinomia aparente
Quando há metacritério para solução de conflito de normas. Referida por
Kelsen como conflitos normativos que podem e devem ser resolvidos pela
via interpretativa19.
Toma-se como referência a ideia da coerência entre os elementos normativos. Assim, o apontamento de uma lei em detrimento de outra será por
critérios preexistentes (cronológico, hierárquico ou da especialidade).
Antinomia real
Quando não há metacritério para solução de conflito, pelo menos inicial,
dentro dos que foram anteriormente expostos.
“É a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou
inconsistência de critérios aptos a permitir uma saída nos quadros de um
ordenamento dado”20.
2.1.3 Especialidade das leis
O art. 2°; §2° da LINDB positiva o princípio da especialidade das leis, pelo qual a promulgação
de uma nova lei que estabeleça disposições gerais ou especiais, a par das já existentes, não revoga nem
modifica a lei anterior. A justaposição de normas (gerais ou especiais) às normas já existentes não é motivo para afetá-las, podendo essas normas reger em paralelo sobre as hipóteses por elas disciplinadas,
sempre que não houver contradição entre ambas.181920
2.1.4 Eficácia repristinatória
Etimologicamente, repristinação é a palavra formada do prefixo latino re (fazer de novo,
repetir) e pristinus (primitivo, anterior, antigo), que significa a restauração do antigo. No âmbito jurídico, a repristinação é o instituto em virtude do qual uma norma revogada volta, automaticamente, a
ser válida pela perda de validade ou de vigência da norma que a revogou.
A repristinação não é automática no direito brasileiro. Conforme o art. 2°, §3° da LINDB, a
revogação de uma lei que tinha, por sua vez, revogado outra, não restaura a vigência desta lei, salvo
disposição expressa à respeito.
2.2. Integração das normas jurídicas
Perante ausência de lei regulamentando determinada matéria, o magistrado valer-se-á dos
mecanismos de integração do ordenamento jurídico21. Pelo art. 4° da LINDB, estes mecanismos são: a
analogia, os costumes, e os princípios gerais do direito.
a solução da incompatibilidade entre as normas. Ao lado do conflito entre as normas, que dá lugar ao problema das antinomias, há o conflito
dos critérios para a solução das antinomias, que dá lugar a uma antinomia de segundo grau”. BOBBIO, Teoria do ordenamento..., cit., p. 107.
19 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 29.
20 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed., São Paulo: Atlas, 1996, p. 14.
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2.2.1 Analogia
É a aplicação, para um caso previsto em lei, de uma norma que regula situação semelhante.
Hierarquicamente, a doutrina considera que a analogia é a primeira fonte de integração normativa21.
As restantes somente poderiam ser aplicadas se esta não puder ser utilizada.
Não podemos confundir analogia com criação de lei. A finalidade deste instituto é encontrar
uma ou mais normas que estejam latentes no sistema para que com os fundamentos desta se consiga
dar justiça a um caso concreto sem regulamentação.
Para sua utilização são necessários três requisitos: a) que não exista lei que regulamente a
situação fática analisada; b) que exista semelhança ou conexão entre o fato sem regulamentação e
outro fato regrado em lei; c) que exista identidade de fundamentos lógicos e jurídicos entre ambas as
situações22.
A analogia legal é a utilização de uma norma específica para solucionar um caso não regrado.
Já a analogia jurídica significa a utilização de um conjunto de normas para serem aplicadas no caso
em análise.
Por fim, não devemos confundir analogia com interpretação extensiva. São conceitos que não
se identificam23. A analogia é um recurso que nos permite utilizar outra norma do sistema jurídico para
solucionar uma hipótese não prevista em lei. Em troca, na interpretação extensiva, utilizamos a mesma norma para casos que não estão expressamente previstos na norma, mas que ficam compreendidos
no espírito da mesma.
2.2.2 Costumes
Consiste na prática reiterada de determinadas condutas, desde que não sejam contrárias ao
direito, e que possam transformar-se em fonte jurídica. Sua aplicação fica sempre em um plano secundário em relação à lei. Para sua utilização, é necessária a existência de dois elementos: um elemento
material, ou substancial, que é o uso continuado, a repetição uniforme do comportamento, e um
elemento psicológico, moral ou subjetivo, que consiste na convicção sobre a obrigatoriedade do ato
praticado24.
Para que o costume se considere jurídico, é necessário que o mesmo seja posto em evidência
pelo poder judiciário, isto é, que sua existência se consagre pelas decisões dos tribunais. A utilização
de cheque pré-datado é um bom exemplo de costume jurídico no Brasil.
Existem três espécies de costumes:
a) secundum legem, aqueles referidos pela própria lei, como ocorre com os art. 596 e 615 do
Código Civil;
b) praeter legem, chamados a suprir a lei nos casos em que esta seja omissa, como determina
o art. 4° da LINDB;
c) contra legem, não são considerados válidos por opor-se à lei (art. 122 do Código Civil), lembrando que a lei somente pode ser revogada por outra lei.
Por fim, no Direito brasileiro não se reconhece o desuetudo, isto é, a não aplicação da lei por
força de seu desuso.
2.2.3 Princípios Gerais do Direito
Não sendo possível utilizar a analogia e inexistindo costumes à respeito, pode o juiz aplicar
os Princípios Gerais do Direito para solucionar o caso. Esses princípios são considerados como normas
Nesse sentido: ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. Rio de Janeiro: Renovar,
1994, p. 364.
22
Cf: REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Bushatsky, 1973, p. 85.
23
Cf: LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 27. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 183.
24
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 121.
21
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não escritas de justiça e equidade, inerentes aos postulados que buscam um ideal de justiça25.
Entre os princípios gerais mais referidos pela doutrina, encontram-se os da liberdade e igualdade jurídica, da identidade, do respeito mútuo, do respeito ao compromisso assumido, da proibição
do abuso de direito, da legítima defesa, da força maior, da segurança jurídica, da impossibilidade de
ser juiz em causa própria, da repetição de indébito, etc.26
É importante lembrar que os princípios gerais de direito não se confundem com máximas
jurídicas ou adágios típicos do Direito, ainda que por vezes ditas frases representem efetivamente
princípios jurídicos. Essas máximas possuem valor pedagógico e não jurídico em sentido estrito27.
2.3. Interpretação das normas jurídicas
A interpretação, no âmbito jurídico, significa procurar o sentido e alcance das normas jurídicas. O art. 5° da LINDB determina que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum”.
A hermenêutica é a ciência encarregada do estudo da interpretação da lei, e possui métodos
próprios de trabalho28. Em apertada síntese, podemos destacar as fontes da interpretação, os métodos
de estudo e seus resultados.
2.3.1 Fontes da interpretação
Pedem ser de três tipos: a) legislativa, ou autêntica, quando feita pelo próprio legislador; b)
jurisprudencial, quando feita pelos tribunais. Por regra geral, este tipo de interpretação não vincula
as decisões posteriores do magistrado, nem as decisões dos tribunais superiores sobre os inferiores. No
entanto, e por causa do grande número de recursos existentes no país, a Lei n° 11.417/2006 disciplinou a edição, revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante do STF29; c) doutrinaria,
que é a interpretação feita pelos estudiosos e comentaristas do Direito em geral. Não possui força
vinculante.
2.3.2 Métodos e resultados da interpretação
Existem diversos métodos interpretativos que o operador jurídico pode utilizar na análise das
leis, podemos resumir os principais no seguinte esquema:
Método
Descrição
Gramatical
Estudo da lei desde o ponto de vista linguístico. Geralmente é a
primeira forma de análise da lei.
Lógico
Também referido como Racional. Procura-se entender a intenção
do legislador por meio do raciocínio lógico, deixando em segundo
plano os aspectos verbais.
Sistêmico
A interpretação é feita considerando que a lei não foi promulgada
de forma isolada, e que forma parte de um sistema jurídico maior,
que deve ser ponderado na análise das normas.
Cf. DEL’ OLMO, Florisbal de Souza, AMORIN DE ARAUJO, Luis Ivani de. Lei de Instrodução ao Código Civil Comentada. Rio de Janeiro: 2004,
p. 39.
26
Sobre o tema: AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 7 ed. Rio de janeiro: Renovar, 2008, p. 61 e ss.
27 Sobre o tema: MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense: 2011, p. 195 e ss.
28
LIMONGE FRANÇA, Rubens. Hermenêutica Jurídica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 21 e ss.
29
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm, consultado em 15/12/2012.
25 100
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Histórico
Sociológico
Inclui os antecedentes normativos (leis anteriores, processo legislativo, etc.) e os antecedentes sociais e econômicos que levaram
à promulgação da nova lei, a fim de entender o objetivo que o
legislador pretendia atingir com a norma.
Também denominado teleológico. Tem como objetivo adaptar a finalidade das normas às novas exigências sociais.
A interpretação da norma pode ser considerada, enquanto seus resultados: a) declarativa,
quando se confirma que o texto legal corresponde ao pensamento do legislador; b) extensiva, quando
o intérprete entende que a abrangência da lei é maior que a indicada pelo legislador, e c) restritiva,
quando da interpretação se impõe uma restrição ao campo de aplicação da norma.
2.4. Conflito das leis no tempo
Reza o art. 6 º da LINDB:
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que
se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa
exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. O caput da norma prevê a solução para os conflitos das leis no tempo, reafirmando o princípio
da irretroatividade da lei. Portanto, a lei somente atinge os fatos ocorridos posteriormente a sua entrada em vigor. Excepcionalmente as leis podem ser retroativas, como ocorre com as normas penais, e
desde que sejam mais benéficas que as anteriores. Nesse caso, a condenação retroage para beneficiar
o réu ou o condenado.
Como consequência da irretroatividade, a nova lei deve respeitar o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada:
2.4.1 Ato jurídico perfeito (art. 6°, §1° da LINDB)
É o ato já consumado (acabado, feito por completo) segundo a lei vigente ao tempo em que
se efetuou. Portanto, uma lei posterior não pode negar seus efeitos jurídicos. Ainda, o ato jurídico
perfeito encontra-se garantido pelo artigo 5º inciso XXXVI, da Constituição da República, dando assim
segurança e estabilidade às relações jurídicas devidamente constituídas na vigência da lei anterior,
porque a lei nova só projeta seus efeitos para o futuro:
“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade.
- Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa
lei retroativa (retroatividade mínima), porque vai interferir na causa de um ato ou fato
ocorrido no passado.
- O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei
infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF.
- Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido. A taxa referencial (TR) não é índice
de correção monetária, pois, refletindo as variações de custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita na variação do poder aquisitivo da moeda.
Por isso, não há necessidade de se examinar a questão; de saber se as normas que alteram
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índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações
futuras de contratos celebrados no passado, sem violar o disposto no artigo 5º, XXXVI, da
Carta Magna.
- Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério
de reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, “caput” e parágrafos 1º e
4º; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei n. 8.177, de 1
de maio de 1991.
(ADI 493, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 25/06/1992, DJ 0409-1992 PP-14089 EMENT VOL-01674-02 PP-00260 RTJ VOL-00143-03 PP-00724)” Sem itálico
no original.
2.4.2 Direito adquirido (art. 6°, §2° da LINDB)
É aquele já incorporado ao patrimônio ou à personalidade de seu titular. Refere-se ao direito
subjetivo efetivamente adquirido ou materializado, e não se confunde com a expectativa de direito,
já que neste não há efetiva incorporação do direito, como ocorre, por exemplo, na aprovação do candidato em concurso público:
“ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. PROFESSOR. CADASTRO
DE RESERVA. EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. POSTERIOR CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA.
COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE VAGAS NO PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO. AUSÊNCIA.
RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Busca-se no mandamus o reconhecimento do direito à nomeação no cargo de professor do ensino fundamental, em virtude da aprovação em concurso
público realizado pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. A recorrente foi
classificada na quinta colocação em certame público que oferecia o preenchimento de duas
vagas, tendo sido inserida no cadastro de reserva. Durante o prazo de validade do concurso,
houve a contratação temporária de onze professores, razão pela qual a recorrente sustenta
ter sido preterida no seu direito à nomeação no cargo público. 2. O candidato inscrito em
cadastro de reserva possui mera expectativa à nomeação, apenas adquirindo esse direito
caso haja a comprovação do surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do
concurso público. Precedentes. 3. A contratação temporária fundamentada no art. 37, IX, da
Constituição da República não implica necessariamente o reconhecimento de haver cargos
efetivos disponíveis. Nesses casos, a admissão no serviço ocorre, não para assumir um cargo
ou emprego público, mas para exercer uma função pública marcada pela transitoriedade e
excepcionalidade, devidamente justificada pelo interesse público. 4. Na hipótese, a impetrante não logrou demonstrar a existência de cargos efetivos vagos durante o prazo de validade do concurso ao qual se submeteu, de sorte que não houve a comprovação de plano do
direito líquido e certo à nomeação. O argumento de que, logo após o término da validade do
concurso anterior, publicou-se edital para o preenchimento de novos cargos de professor, não
foi devidamente comprovado nos autos, não havendo informações sobre a efetiva abertura
desse concurso, a quantidade de vagas existentes, os locais de provimento, etc. 5. Recurso
ordinário em mandado de segurança não provido.”(ROMS 201000524016, CASTRO MEIRA, STJ
- SEGUNDA TURMA, 28/10/2010) Sem itálico no original.
2.4.3 Coisa julgada (art. 6°, §3° da LINDB)
É a decisão judicial sobre a qual não cabe recurso. Cabe esclarecer que a jurisprudência vem
mitigando os efeitos da coisa julgada, como ocorre, por exemplo, com os casos de investigação de
paternidade:
Ementa: PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS.
COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO.
RECURSO ACOLHIDO.
I - Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes
a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do
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ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha
sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido.
II — Nos termos da orientação da Turma, “sempre recomendável a realização de perícia para
investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza” na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência
jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real.
III - A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de
paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada
doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, “a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam
pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres,
a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade”.
IV - Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins
sociais do processo e às exigências do bem comum. (RESP N° 226.436 - PR 1999/0071498-9.
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Julgado em 28/06/2001, publicado DJ em:
04/02/2002).
2.5. Conflito das leis no espaço (ou normas de Direito Internacional Privado)
Os art. 6° ao 19 da LINDB tratam especificamente dos conflitos da lei no espaço. De forma resumida, podemos afirmar que esses conflitos dizem respeito à qual a lei será aplicada em determinada
relação jurídica, quando: a) estejam envolvidas leis de países diferentes; b) pessoas de nacionalidade
diferentes; e c) pessoas domiciliadas em países diferentes.
Cabe ao Direito Internacional Privado a solução desses ‘conflitos’. E para tal fim se utilizam
métodos próprios e diversos aos utilizados no direito civil, motivo pelo qual seu estudo se faz em
apartado próprio.
3. Direito Constitucional e Direito Civil
A Constituição Federal de 1988 deu especial importância à proteção da pessoa e suas relações
sociais, positivando em seu Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) um extenso rol de mais
de cem posições jurídicas consideradas fundamentais. Os direitos consagrados como fundamentais são
de diversas espécies, abrangendo os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais, os direitos de
nacionalidade e os direitos políticos30.
O texto constitucional diferencia os Direitos Humanos dos Direitos Fundamentais. Os primeiros
são os direitos inerentes à pessoa, pelo fato de existir como tal, reconhecidos e tutelados pelo direito
nacional e internacional31. Já os Direitos Fundamentais são os direitos positivados, de forma explícita ou
implícita no texto constitucional (art. 5° a 17), que constituem um conjunto complexo e heterogêneo de
posições jurídicas. Todos os institutos do Direito Civil (família, contrato, propriedade, etc.) são reestruturados a partir das posições jurídicas consagradas no texto constitucional.
Os Direitos Fundamentais estão organizados a partir de um princípio superior, que é A Dignidade da Pessoa Humana (art. 1° da Constituição Federal). Como sabemos, a partir da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948, os Direitos Humanos passaram a representar para o mundo
do pós-guerra tanto um valor cultural comum como uma obrigação jurídica determinada32. Daquele
momento em diante, a Dignidade da Pessoa Humana transformou-se em elemento basilar nos ordenamentos jurídicos dos países que firmaram a declaração, entre eles, o Brasil33.
A proteção da Dignidade da Pessoa Humana materializa-se por duas vias: a) De forma negativa
ou inversa, como mandamento de proteção da pessoa humana perante a violação de seus direitos, e b)
de forma positiva, pela promoção e desenvolvimento dos direitos da pessoa, na exata medida em que
a atuação pessoal não cause dano a outrem.
A Dignidade da Pessoa Humana encontra respaldo em outros dois importantes princípios positivados a partir do art. 3° da Constituição Federal, que são a solidariedade social e liberdade e
Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico]/Supremo Tribunal Federal. 4. ed. – Brasília: Secretaria de Documentação, 2011, p. 62 a 665. Disponível em: http:www.stf.jus.br/portal, consulado em 05/12/2012.
31
Sobre o tema: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
32
Sobre o tema, ver: BIDART CAMPOS, German. Teoría General de los Derecho Humanos. Buenos Aires: Astrea, 1991.
33
Para um estudo mais detalhado, ver: COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direito Humanos. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
30
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103
igualdade substancial.
A Solidariedade Social (preâmbulo e art. 3° da Constituição Federal): entendida como a união
recíproca dos membros da sociedade e como essência jurídica das ações estatais e privadas. O dispositivo constitucional anuncia uma das finalidades do Estado Democrático de Direito, lembrando que o
mesmo visa a criação de uma sociedade livre, justa e solidária.
“Se possível resumir em algumas palavras a lógica do direito da solidariedade, poderíamos
dizer que ela representa uma prática jurídica que procura a conciliação do coletivo e o
individual. Ela representa a tentativa de resolução de um dos problemas fundamentais da
sociedade contemporânea: o ajustamento da liberdade do homem à autoridade não mais
somente do Estado, mas de todos os grupos sociais aos quais pertence o indivíduo.”34
A Liberdade e Igualdade Substancial (art. 3° e 5° da Constituição Federal): Os princípios da
liberdade e igualdade foram os primeiros princípios constitucionais aplicáveis às relações privadas. A
Constituição de 1988 destaca que esses princípios não devem ser simplesmente formais ou aparentes
(só no papel). O que se procura é uma liberdade e igualdade substancial ou material35. Em outras
palavras, que as pessoas possam realmente exercer seus direitos civis com liberdade e igualdade, nos
termos aristotélicos, de tratar igualmente aos iguais e desigualmente os desiguais na medida das suas
desigualdades.
3.1. A Constitucionalização do Direito Civil
A “constitucionalização”, “publicização” ou “desconstrução” do Direito Civil são todos termos
utilizados para representar o mesmo fenômeno: a aplicação de preceitos constitucionais no âmbito
do Direito Civil. Assim, o “direito civil constitucionalizado” é aquele efetivamente transformado pela
normativa constitucional36.
Chega-se a esse estágio do Direito Civil como consequência da migração do Estado Liberal
para o Estado Social. Os antigos princípios basilares da matéria esmaeceram com o tempo, em especial
pelas mudanças ocorridas na segunda metade do século XX. Institutos como o direito de propriedade,
os contratos e o Direito de Família sofreram profundas alterações e não suportam a aplicação de normas que foram desenvolvidas à luz do individualismo que plasmou o Código Civil de 1916.
O redirecionamento normativo passou a ser feito à luz dos princípios constitucionais. Na atualidade, não se pode imaginar que a constituição seja formada apenas por princípios políticos, sendo
o destinatário do texto constitucional somente o legislador ordinário. Da mesma forma, não mais se
aceita a ideia de que os princípios constitucionais sejam tomados apenas como princípios gerais de
direito, à espera de regulamentação legal.
A sociedade contemporânea caracteriza-se pela interpenetração do direito público e do direito
privado, o que acaba produzindo uma alteração nas relações clássicas do cidadão com o Estado. Nesse
sentido, a moderna técnica do Direito Civil brasileiro ocupa-se das questões constitucionais de duas formas: pela (a) constitucionalidade das normas e pela (b) interpretação conforme a constituição.
a) A constitucionalidade das normas significa a adequação da norma civil ao preceito constitucional. Se a legislação civil se mostrar claramente incompatível com as regras constitucionais,
deve ser tomada como revogada (se anterior à Constituição) ou sujeita à declaração de inconstitucionalidade (se posterior). O legislador ordinário é principal responsável para cumprir
o dever funcional de concretizar o alcance das normas constitucionais nas relações privadas.
b) A interpretação conforme a constituição, como técnica, refere-se à ponderação que o operador jurídico deve efetuar sobre a norma civil quando a mesma comporte mais de uma interpretação. Por regra, só se admite a interpretação dos institutos de direito civil conforme
a Constituição e não o contrário. E se determinado instituto pode ser entendido por diversas
interpretações, sempre prevalecerá aquele compatível com a norma constitucional.
E mais, a inexistência de normas privadas ou regulamentadoras dos princípios constitucionais
não podem gerar a inaplicabilidade de tais direitos, sob pena de violar o espírito e a eficácia
normativa da Constituição. Isso ocorreu, por exemplo, com o casamento homoafetivo, que
FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do Direito da Solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 283.
MENDES, Gilmar. A Jurisdição constitucional no Brasil e seu significado para a liberdade e a igualdade. Disponível em: http://www.stf.jus.
br/arquivo/cms/noticiaartigodiscurso/anexo/munster_port.pdf, consultado em 15/12/2012.
36
Para um estudo mais detalhado da relação entre o Direito Civil e o Direito Constitucional, ver: TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais
e Direito Civil. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano IV, Nº 4 e Ano V, Nº 5, 2003-2004, p. 167 e ss.
34
35
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não possuía previsão legal, mas foi reconhecido por interpretação dos art. 226, §§ 3° e 5°
da Constituição Federal.
A interpretação constitucional serve para solucionar as omissões, controvérsias e lacunas legais,
em especial quando estas se referem a direitos e garantias constitucionais, permitindo que o juiz
solucione as infinidades de conflitos que o legislador seria incapaz de imaginar e solucionar ex ante.
3.2. A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais.
No constitucionalismo clássico, a eficácia dos Direitos Fundamentais era vista como os limites ou
restrições à atuação dos governantes em relação a seus governados, consideradas necessárias por causa da
relação vertical ou de subordinação que existe entre o Estado e o indivíduo. Assim a eficácia era entendida
como forma de proteção às liberdades individuais, impedindo a interferência estatal nas relações privadas.
Entretanto, a partir da segunda metade do século XX começaram a ser desenvolvidas novas
teorias sobra a eficácia dos Direitos Fundamentais nas relações privadas. Os estudos iniciam-se na
Alemanha, e cobram notoriedade a partir da decisão do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht), no famoso caso Lüth, em 195837. Essa foi a primeira vez em que um tribunal decidiu
pela aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares38.
A teoria tornou-se conhecida como eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, expressão
que se origina na palavra alemã drittwirkung. No Brasil, os autores utilizam como sinônimos da eficácia horizontal as expressões eficácia privada, eficácia externa, eficácia reflexa, eficácia particular e
até eficácia civil dos direitos fundamentais, esta última, por influência do direito português.
Desde o caso Lüth, até nossos dias, os estudiosos da matéria e os próprios tribunais enfrentam-se numa
questão polêmica: como vincular, no caso em concreto, uma relação privada aos direitos fundamentais? Existem
diversas teorias e subteorias que tentam responder a esse interrogante. Entre todas, duas ganharam destaque39:
a) A Teoria da Eficácia Direta ou Imediata (Mittelbare Drittwirkung), para a qual a aplicação dos
Direitos Fundamentais somente poderia ocorrer de maneira reflexa, no sentido que a eficácia
desses direitos entre particulares não seria retirada de forma direta da Constituição, mas representada pelas cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados, e precisando, ainda,
da mediação do juiz ou do legislador40. Konrad Hesse, um dos principais representantes desta
teoria, afirma que nas relações entre particulares todos os envolvidos são titulares de direitos
fundamentais, e perante a colisão desses direitos caberia ao Direito Civil o trabalho de definir
autonomamente a forma e o grau com que ocorreria a influência desses direitos41.
b) A Teoria da Eficácia Direta ou Imediata (Unmittelbare Drittwirkung), para a qual alguns direitos
fundamentais podem ser aplicados às relações privadas sem que haja a necessidade de intermediação legislativa para a sua concretização. Os defensores da teoria afirmam que a obrigação de
respeitar os Direitos Fundamentais, inclusive nas relações privadas, surge e emana diretamente
da Constituição e não só das normas derivadas desta. Portanto, a eficácia horizontal não é um
mero reflexo do ordenamento que precise da intermediação do legislador. Sempre há um núcleo
essencial de Direitos deduzido diretamente da Constituição e que se impõe a todos os cidadãos.
No direito brasileiro, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os Direitos Fundamentais ganharam importância e passaram a ser tutelados de melhor forma, permitindo a sua aplicação direta ou imediata42. O art. 5° § 1° da Carta Magna determina que “As normas definidoras de direi37 MARMELSTEIN LIMA, George. 50 Anos do Caso Lüth: o caso mais importante da história do constitucionalismo alemão pós-guerra. Disponível
em: http://direitosfundamentais.net/2008/05/13/50-anos-do-caso-luth-o-caso-mais-importante-da-historia-do-constitucionalismo-alemao-pos-guerra/ Consultado em: 07/12/2012.
38 Para um estudo introdutório, ver: GONÇALVES PEREIRA, Jane Reis. Apontamentos sobre Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas
Relações Jurídicas entre Particulares. In: A Nova Interpretação Constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luiz
Roberto Barroso (Org.). 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, , p. 119-192.
39
Para um estudo detalhado das teorias relacionadas à eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, ver: DUQUE, Marcelo Schenk. Direito
Privado e Constituição Drittwirkung dos direitos fundamentais: construção de um modelo de convergência à luz dos contratos de consumo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
40
Sobre os fundamentos da teoria: ESTRADA, Alexei Julio. La eficácia de los derechos fundamentales entre particulares. Bogotá: Universidad
Externado de Colombia, 2000, p. 115.
41 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. Madrid: Civitas, 1995, p. 60.
42 Sobre o tema: SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006.
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tos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Sobre a norma, Ingo Wolfgang Sarlet explica:
Se, portanto, todas as normas constitucionais sempre são dotadas de um mínimo de eficácia,
no caso dos direitos fundamentais, à luz do significado outorgado ao art.5°, §1°, de nossa
Lei Fundamental, pode afirmar-se que aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de
extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficácia possível,
outorgando-lhes, neste sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção da aplicabilidade imediata e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui,
em verdade, um dos esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito da Constituição.43
O Supremo Tribunal Federal tem demonstrado em diversas oportunidades a aceitação da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas44. Como exemplo, vejamos a ementa do Recurso Extraordinário n° 201819/RJ, em que a União Brasileira de Compositores desrespeitou o direito
constitucional de ampla defesa no momento de exclusão de sócio:
Ementa: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais
não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente
nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos
fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes
públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes
privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação
civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos
postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República,
notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de
autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência
dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus
associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não
pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,
especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não
confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou
de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força
normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em
tema de liberdades fundamentais. (RE 201819 / RJ. Relator: rel. Min. Ellen Gracie, rel p/
acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 10.10.2005, publicado DJ em 27-10-2006).
Conclusão
Nosso estudo procurou brindar uma série de informações e dados introdutórios que facilitem
a compreensão e o estudo do Direito Civil.
Primeiro analisamos o conceito e as características básicas da matéria, informando ao leitor
do lugar que o Direito Civil ocupa no mundo jurídico. Logo, estudamos as regras interpretativas da
LINDB, que nos permitem compreender a aplicação e interpretação das normas do Direito Civil em
relação com as outras normas do sistema jurídico. E, por fim, estudamos as influências dos Direitos
Fundamentais nas relações privadas.
Do exposto, resulta evidente que o Direito Civil do 3° milênio encontra-se em franca evolução, obrigando ao aperfeiçoamento constante do operador jurídico. Isso nos obriga a estar sempre
‘alertas’ às mudanças de época, sem descuidar, ainda, do novo objeto nuclear da disciplina: a dignidade da pessoa humana.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.285.
Ver: RE 160.222-8, sobre a revista íntima em mulheres em fábrica de lingerie; RE 158.215-4, sobre a exclusão de associado de cooperativa
sem direito de defesa; RE 161.243-6 ,sobre a discriminação de empregado brasileiro em relação ao estrangeiro, ainda que realizem as mesmas
atividades, etc.
43
44
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Doutrina Internacional
Las sociedades comerciales.
Una mirada desde la normativa de
Fuente convencional a nivel Regional.
Candela Noelia Villegas1
Resumen
Las sociedades comerciales en la actualidad no desarrollan su vida social solo en el
Estado donde se constituyeron, sino que buscan cada vez mas expandir sus fronteras
hacia otros Estados. De esto modo se torna imprescindible el estudio de la actuación
de las sociedades comerciales constituidas en el exterior y que llevan a cabo su
actividad en un país distinto del que fueron constituidas, delimitando el alcance que
tienen las fuentes convencionales a nivel regional en materia societaria.
Palabras Claves
Sociedades constituidas en el extranjero. Fuente convencional. Ejercicio habitual.
Actos aislados – Reconocimiento.
Abstract
Currently companies do not function exclusively within the state where they were
created, but they are rather focused on expanding their business towards other countries. As a result, it appears relevant to analyse the functioning of foreign commercial companies operating abroad, that is, in countries different from the place where
they were created, by defining the scope of regional trade agreements.
Key words
Foreign companies. International agreements. Habitual practice of commerce.
Isolated acts of commerce. Legal recognition
Introducción
En este mundo globalizado, desde hace varias décadas somos testigos de la creciente internacionalización de la economía. Como nos explica Boaventura de Sousa Santos, la globalización está
teniendo un impacto uniforme en todas las regiones del mundo y en todos los sectores de actividades y que sus arquitectos, las empresas multinacionales, son infinitamente innovadores y tienen una
capacidad organizativa suficiente para transformar la nueva economía global en una oportunidad sin
precedentes1.
Es por ello que se torna imprescindible estudiar críticamente y con vista a una mejora del
sistema, las formas de actuación de las sociedades comerciales constituidas en el exterior que llevan
a cabo su actividad en un país distinto del que fueron constituidas.
Puntualmente con esta investigación nos hemos propuesto delimitar el alcance que tienen las
fuentes convencionales a nivel regional en materia societaria.Estamos convencidos que todo Estado
necesita reglas claras y coherentes, y que la ausencia de ellas genera caos y oportunismo económico.
(1)
Abogada egresada de la Facultad Derecho y Ciencias Sociales UNC. Doctoranda en Derecho y Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Córdoba. Becaria Doctoral de SECyT , Universidad Nacional de Córdoba. Adscripta en las Cátedras de Derecho Internacional Privado y Derecho
Privado IV de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales UNC. Adscripta en la Cátedra de Derecho Societario de la Carrera de Abogacía, Universidad Blas Pascal. Adscripta de Derecho Internacional Privado, Carrera de Abogacía, Universidad Empresarial Siglo 21.
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS. La caída del Angelus Novus: Ensayos para una nueva teoría social. Colección En Clave de Sur. 1ª ed. ILSA,
Bogotá D.C. Colombia, enero de 2003.
1
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El comerciante particular ha dejado de ser el principal agente en el Comercio Internacional,
se suele entender que el derecho Mercantil ha ido evolucionando, en un comienzo primó el aspecto
subjetivo, posteriormente cobra importancia el aspecto objetivo, para modernamente vincular la
figura del comerciante con la noción de Sociedad Comercial.
Las sociedades comerciales en la actualidad no desarrollan su vida social solo en el Estado
donde se constituyeron, sino que buscan cada vez mas expandir sus fronteras hacia otros Estados. Esta
actuación genera consecuencias no solo en el ámbito jurídico y económico, sino que incide en la cultura y costumbres de una comunidad y específicamente en las políticas de estado. Cada Estado adopta
distintos criterios para regular la temática, según sus principios, prioridades, técnicas legislativas y
fundamentalmente decisiones gubernamentales.
Su actuación es inevitable, en consecuencia, esclarecer el alcance de los distintos supuestos
de actuación, establecidas por los tratados, es pues, una cuestión de seguridad jurídica.
Dreyzin de Klor y Saracho Cornet, en referencia a la fuente que vamos a desarrollar, nos manifiestan que el derecho internacional privado de fuente convencional es el que surge como consecuencia del acuerdo de dos o más Estados o el que se genera en el marco de organizaciones internacionales
que actúan como foros de codificación2.
Este trabajo constituye una primera aproximación a la temática, la cual posteriormente será
profundizada.
Los tratados que nuestro país ha suscripto en materia societaria son los siguientes:
1- Tratado de Montevideo 1889 de Derecho Comercial Internacional.
2- Tratado de Montevideo de 1940. Tratado de Derecho Comercial Terrestre Internacional.
3- Convención Interamericana sobre Conflicto de Leyes en Materia de Sociedades Mercantiles
(Montevideo, 1979).
Nuestra Constitución, con la reforma del año 1994, en su Art 75 inc 22, incorpora los tratados
concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la
Santa Sede con jerarquia superior a las leyes.
En el siguiente cuadro, podemos observar los países ratificantes de cada uno de ellos.
Tratado de Montevideo 1889
de Derecho Comercial
Internacional3.
Tratado de Montevideo de
1940. Tratado de Derecho
Comercial Terrestre
Internacional4.
Convención Interamericana
sobre Conflicto de Leyes
en Materia de Sociedades
Mercantiles
(Montevideo, 1979)5.
Argentina
Argentina
Argentina
Bolivia
Paraguay
Brasil
Colombia
Uruguay.
Guatemala
Paraguay
Mexico
Peru
Paraguay
Uruguay
Perú
Uruguay
En el proceso de codificación del derecho internacional privado se han utilizado dos criterios.
En un comienzo se utilizó el criterio de enfoque global, abarcando en un mismo cuerpo normativo diversas disciplinas (civil, comercial, procesal, penal). Éste fue el criterio que se siguió en los Tratados
de Montevideo de 1889 y de 1949.345
Posteriormente, la tendencia fue la elección de un criterio particular, codificar a través de
instrumentos específicos una disciplina concreta. Éste fue el criterio que se siguió en las Conferencias
Especializadas de Derecho Internacional Privado, las mismas son definidas en la Carta de la OEA como
DREYZIN DE KLOR, A. ; SARACHO CORNET, T., Las Fuentes del Derecho Internacional Privado. Ed. Zavalia, Buenos Aires, 2005. Pág 23.
Ley 3192. (B.O 19/12/1984)
Decreto –ley 7771/56 (B.O 08/05/1956)
5
Aprobada por Ley 22.921. (B.O 27/09/1983)
2
3
4
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5 “reuniones intergubernamentales para tratar asuntos técnicos especiales o para desarrollar determinados aspectos de la cooperación interamericana”6.
Respecto del ámbito espacial de aplicación de cada uno de los tratados que vamos a desarrollar en el trabajo, es importante analizar si los mismos son tratados universales o comunes. Estamos
en presencia de tratados comunes, que se aplicarán entre los países que los ratificaron, atendiendo
las exigencias que cada uno prescribe.
En referencia al ámbito material, es imprescindible realizar un estudio de todos los tratados
que hayan sido ratificados por un Estado relativos a la misma materia. Para aquellos países que ratificaron los Tratados de Montevideo de 1889 y 1940, la solución la hallamos en el art. 66 de las Disposiciones Generales del último, el cual enuncia lo siguiente: “Hecho el canje en la forma del artículo
anterior, este Tratado entrará en vigor desde ese acto, entre los Estados que hubieren llenado dicha
formalidad, por tiempo indefinido, quedando, por lo tanto, sin efecto el firmado en Montevideo el día
doce de febrero del año mil ochocientos ocheta y nueve”.
En cuanto a la solución para la relación del Tratado de Montevideo de 1940 con la CIDIP II,
debemos acudir a la Convención de Viena sobre Derecho de los Tratados, que en su art. 30 3º párrafo
enuncia lo siguiente: “…Cuando todas las partes en el tratado anterior sean también partes en el
tratado posterior, pero el tratado anterior no quede terminado ni su aplicación suspendida conforme
al articulo 59, el tratado anterior se aplicara únicamente en la medida en que sus disposiciones sean
compatibles con las del tratado posterior…” En consecuencia, para aquellos países que ratificaron el
Tratado de Montevideo (Argentina, Uruguay y Paraguay) y posteriormente la CIDIP II, regirán sus relaciones por el posterior, y frente a lagunas normativas se podrá recurrir a la normativa anterior, siempre
que sus prescripciones resulten compatibles.
Respecto del tratado de Montevideo 1889 en relación con la CIDIP II, el único estado que ratifico ambos es Perú, aplicándosele la misma solución que para la relación Montevideo 1940-CIDIP II.
A continuación a través de un análisis descriptivo iremos recorriendo los Tratados ut supra
enunciados.
1. Tratado de Montevideo 1889 de Derecho Comercial Internacional
El desarrollo de la temática que estamos analizando se encuentra en el Título III “De las Sociedades” artículos 4 al 7. Es un Tratado que utiliza el método indirecto, legisla a través de normas
de conflicto, por lo que no brinda soluciones materiales, sino que a través del elemento denominado
punto de conexión señala cual será el derecho aplicable.
El sistema que plantea el Tratado de Derecho Comercial Internacional en el título “De las
Sociedades” establece los criterios que servirán posteriormente para sentar las bases de los Tratados subsiguientes referidos a la temática y de la normativa de fuente interna (Ley 19.550, B.O
25/04/1972).
Los artículos 4 y 5 establece como punto de conexión para definir el derecho aplicable a la
existencia y capacidad de las sociedades comerciales, el criterio del domicilio.
“Art. 4° - El contrato social se rige tanto en su forma, como respecto a las relaciones jurídicas entre los
socios, y entre la sociedad y los terceros, por la ley del país en que ésta tiene su domicilio comercial.
Art. 5° - Las sociedades o asociaciones que tengan carácter de persona jurídica se regirán por las leyes
del país de su domicilio; serán reconocidas de pleno derecho como tales en los Estados, y hábiles para
ejercitar en ellos derechos civiles y gestionar su reconocimiento ante los tribunales. Mas, para el ejercicio de actos comprendidos en el objeto de su institución, se sujetarán a las prescripciones establecidas en el Estado en el cual intentan realizarlos.”
En el análisis de estos artículos, Férnandez Arroyo afirma que en el art 4 se dispone que las
relaciones jurídicas de los socios entre sí, de la sociedad frente a terceros y la forma del contrato social se rigen por la ley del domicilio comercial. Esto incluye a los requisitos de publicidad e inscripción
e igualmente hace a la validez de la forma adoptada, al carácter ad solemnitatem o ad probationem
que la misma debe tener y a las consecuencias que el incumplimiento de la forma exigida por ley
acarrea7.
Carta de la Organización de los Estados Americanos, artículo 122. Disponible en: http://www.oas.org/dil/esp/tratados_A-41_Carta_de_la_Organizacion_
de_los_Estados_Americanos.htm
7
FERNÁNDEZ ARROYO, Diego P., Derecho Internacional Privado de los Estados del Mercosur, Ed. Zavalía, Buenos Aires, 2003. Pág 1327-1328
6
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En el art. 5 se hace referencia a que los Estados parte del Tratado deberán reconocer de pleno
derecho las sociedades o asociaciones dotadas de personería jurídica según la normativa del país de
su domicilio y las habilita para realizar actos que hacen a su capacidad genérica, pero en lo referente
a la capacidad específica de la misma, que estará señalada por su objeto social, las mismas deberán
atender a las prescripciones del Estado donde pretenden actuar.
En este punto se podría decir que este reconocimiento, en realidad carece de utilidad práctica, limitándose a la comparecencia en juicio…ya que cualquier acto comprendido en el objeto social,
es regido por la ley del Estado receptor8.
En lo que respecta a la capacidad genérica de la sociedad, el art. 5 utiliza la conexión domiciliar sin indicar preferencia por el domicilio comercial o legal, a diferencia del art. 4 que determina
el derecho aplicable a la forma del contrato o del art. 7 al fijar la jurisdicción del foro del domicilio
legal9.
Este artículo demuestra la adhesión de los legisladores del tratado a la tesis de la extraterritorialidad parcial con criterio cualitativo. Siguiendo a Kaller de Orchansky, el sistema de extraterritorialidad se ubica entre el de la territorialidad estricta y el de la extraterritorialidad total, y resuelve
satisfactoriamente la pugna entre ambos10.
Este sistema, cuya fundamentación radica en la naturaleza de los actos, los distingue según se
encuadren en alguna de estas dos categorías:
•
Aquellos que surgen de la capacidad genérica de la sociedad y que son compartidos por
todos los entes que posean personalidad jurídica. Esta categoría de actos no están sometidos a la ley territorial de donde llevaran a cabo su actuación, en virtud de ello se
puede observar el predominio de la tesis de la extraterritorialidad total. En estos casos
para que el Estado donde pretenda actuar le reconozca de pleno derecho su capacidad
será suficiente la mera justificación de su constitución legal.
•
Como contracara de ello, se encuentra la capacidad específica de la persona jurídica,
compuesta por aquellos actos que la sociedad realiza siendo los mismos atinentes a su
objeto social. La tesis que predomina en este caso, es la de la territorialidad, en consecuencia, le será aplicable la ley del lugar donde realicen las actuaciones, previo haber
demostrado su constitución legal conforme la ley que rija su existencia y capacidad. Dentro de ésta categoría el criterio determinante para encuadrar a un acto como atinente a
su capacidad específica es cualitativo, entiéndase por ello que quedara atrapado por este
supuesto cualquier actuación que en virtud de su cualidad esté dirigida al cumplimiento
del objeto que establece su contrato constitutivo.
Siguiendo con el análisis del art. 5 es importante destacar que pese a que como lo enuncia
el nombre del Tratado, su materia es Comercial, hace referencia a las asociaciones civiles dotadas de
personería jurídica.
En lo que respecta a la constitución de sucursal y agencia, el art 6 del tratado establece
como ley aplicable la del estado donde funcionen.
Art. 6° - Las sucursales o agencias constituidas en un Estado por una sociedad radicada en otro, se considerarán domiciliadas en el lugar en que funcionan y sujetas a la jurisdicción de las autoridades locales, en lo concerniente a las operaciones que practiquen.
En cuanto a la Competencia Judicial Internacional en el art 7 se establece que el criterio de
conexión varía según se trate de conflictos internos de la sociedad o relaciones con terceros. En el
primer caso se le atribuye competencia a los jueces del domicilio legal de la sociedad, mientras que
el segundo la competencia es concurrente, que a opción del accionante le otorga competencia a los
jueces del domicilio legal de la sociedad y a los jueces del Estado donde surgieron las controversias
judiciales.
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recientes.htm, según consulta de fecha 23/04/2013
9 FERNÁNDEZ ARROYO, Diego P., Derecho Internacional Privado de los Estados del Mercosur, Ed. Zavalía, Buenos Aires, 2003. Pág 1327-1328.
10
KALLER DE ORCHANSKY, Berta, Las sociedades comerciales en el Derecho Internacional Privado argentino, La Ley Tomo 147, Sec. Doctrina,
Pág 1207.
8
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Art. 7° - Los jueces del país en que la sociedad tiene su domicilio legal, son competentes
para conocer de los litigios que surjan entre los socios o que inicien los terceros contra la sociedad.
Sin embargo, si una sociedad domiciliada en un Estado realiza operaciones en otro, que den mérito a
controversias judiciales, podrá ser demandada ante los tribunales del último.
2. Tratado de Montevideo de 1940. Tratado de Derecho Comercial Terrestre Internacional.
La temática de las Sociedades en este Tratado se encuentra desarrollada en el Título II denominado “De las Sociedades”, art 6 al 11.
Realizando una lectura sistemática de los artículos 6, 7 y 8 se puede concluir que se adopta el
criterio del domicilio comercial. El mismo rige la calidad del documento que requiere el contrato de
sociedad, el contenido del contrato social, las relaciones jurídicas intrasocietarias, de los socios con
la sociedad y de la misma con los terceros.
En cuanto a los requisitos de forma, el criterio de conexión es el del lugar de celebración
del contrato. Mientras que las exigencias de publicidad serán según los criterios que establezca cada
Estado.
Establece en el mismo art 8 el reconocimiento de pleno derecho de las sociedades, la posibilidad de ejercer actos de comercio y comparecer en juicio, mientras que para la realización de actos
comprendidos en su objeto social, es decir para ejercer actos que hacen a su capacidad específica,
deberán ajustar su actuación a la normativa del Estado en el cual intentan actuar. Este criterio es
coincidente con lo establecido en el art. 5 del Tratado de Montevideo de 1889. Como novedad, este
artículo incorpora la responsabilidad de los representantes de este tipo de sociedades, equiparándola
a la de los administradores de una sociedad local.
“Art. 6º.- La ley del domicilio comercial rige la calidad del documento que requiere el contrato de sociedad.
Los requisitos de forma del contrato se rigen por la ley del lugar de su celebración.
Las formas de publicidad quedan sujetas a lo que determine cada Estado.
Art. 7º.- El contenido del contrato social; las relaciones jurídicas entre los socios; entre éstos
y la sociedad; y entre la misma y terceros, se rigen por la ley del Estado en donde la sociedad tiene
domicilio comercial.
Art. 8º.- Las sociedades mercantiles se regirán por las leyes del Estado de su domicilio comercial; serán reconocidas de pleno derecho en los otros Estados contratantes y se reputarán hábiles para ejercer actos de comercio y comparecer en juicio.
Mas, para el ejercicio habitual de los actos comprendidos en el objeto de su institución, se sujetarán a las prescripciones establecidas por las leyes del Estado en el cual intentan realizarlos.
Los representantes de dichas sociedades contraen para con terceros las mismas responsabilidades que
los administradores de las sociedades locales.”
El tratado de 1889 omitió introducir una disposición destinada a calificar el domicilio de las
personas jurídicas. Esta laguna fue superada por la versión de 1940, cuando en el art 10 del Tratado de
Derecho Civil Internacional establece: “Las personas jurídicas de carácter civil tienen su domicilio en
donde existe el asiento principal de sus negocios. Los establecimientos, sucursales o agencias constituidos en un Estado por una persona jurídica con domicilio en otro, se consideran domiciliados en el
lugar en donde funcionan, en lo concerniente a los actos que allí se practiquen”. Nótese que la primera parte armoniza con lo dispuesto por el art 3 del Tratado de Derecho Comercial. Así dispone: “Domicilio comercial es el lugar donde el comerciante o la sociedad comercial tienen el asiento principal
de sus negocios. Si constituyen, sin embargo en otro u otros Estados, establecimientos, sucursales o
agencias, se consideran domiciliados en el lugar de donde funcionen, y sujetos a la jurisdicción de las
autoridades locales, en lo concerniente a las operaciones que practiquen”. En este sentido se siguió la
doctrina contraria a la sostenida por la delegación argentina, que defendía el criterio de determinar
el domicilio por el lugar donde funciona su dirección, fundándose en lo establecido por los artículos 44
y 90, incisos 3 y 4 del Código Civil11.
11
FELDSTEIN DE CÁRDENAS, Sara, Derecho Internacional Privado. Parte Especial, Ed. Universidad, Buenos Aires, 2000. Pág 47.
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Es importante analizar qué sistema establece este Tratado para regular el accionar extraterritorial de sociedades y su reconocimiento. Por un lado en el art 8 afirma el principo del Reconocimiento
de pleno derecho para las actuaciones aisladas y la comparecencia en juicio, y como contracara del
sistema somete a las leyes del Estado en el que se pretende actuar cuando el tipo de actos a realizarse
en un país diferente al que le otorgó la personería jurídica, estén comprendidos en el objeto social
y se desarrollen de manera habitual.
Art. 8º.- Las sociedades mercantiles se regirán por las leyes del Estado de su domicilio comercial; serán reconocidas de pleno derecho en los otros Estados contratantes y se reputarán hábiles para
ejercer actos de comercio y comparecer en juicio.
Mas, para el ejercicio habitual de los actos comprendidos en el objeto de su institución, se
sujetarán a las prescripciones establecidas por las leyes del Estado en el cual intentan realizarlos.
Los representantes de dichas sociedades contraen para con terceros las mismas responsabilidades que
los administradores de las sociedades locales.
En cuanto a novedades, el Tratado incorpora dos clausulas con disposiciones novedosas, por
un lado el art 9, que hace referencia a “las sociedades o corporaciones constituidas en un Estado bajo
una especie desconocida por las leyes de otro, pueden ejercer en este último actos de comercio, sujetándose a las prescripciones locales”.
En este artículo, Goldschmidt hace referencia a la problemática de las calificaciones, afirmando que si una agrupación constituye o no una sociedad comercial, se califica por la Lex mercatoria
causae y que es la ley del país en donde se constituyó. Esta regla se desprende, de los arts. 119 y 120
y que coinciden con el art. 9 del Tratado de Der.Com. Terrestre Int. de Montevideo de 194012.
Por otro lado el art 10 somete “las condiciones legales de emisión o de negociación de acciones o títulos de obligaciones de las sociedades comerciales, se rigen por la ley del Estado en donde
esas emisiones o negociaciones se llevan a efecto” (art 10).
El art 11 atribuye jurisdicción a los jueces del foro internacional del domicilio, lo que se
entiende como el lugar del asiento principal de sus negocios. Se otorga jurisdicción tanto para las
relaciones intrasocietarias (litigios entre los socios), como para las relaciones con terceros ajenos a la
sociedad. Se atribuye, tal como en Montevideo 1889, jurisdicción concurrente en el caso de una sociedad que se encuentra domiciliada en un Estado y que realiza en otro operaciones que den mérito a
controversias judiciales, en este caso se otorga la posibilidad de hacer uso de la opción de entablar la
demanda ante los jueces o tribunales del país en que se realizaron los mismos.
Art. 11.- Los jueces del Estado en donde la sociedad tiene su domicilio, son competentes para conocer
de los litigios que surjan entre los socios en su carácter de tales, o que inicien los terceros contra la sociedad.
Sin embargo, si una sociedad domiciliada en un Estado realiza en otro operaciones que den mérito a
controversias judiciales, podrá ser demandada ante los jueces o tribunales del segundo.
3. Convención interamericana sobre conflicto de leyes en materia de sociedades
mercantiles (Montevideo, 1979)
La presente Convención fue sancionada en Montevideo en 1979, e incorporada por ley 22.921
del año 1983 a nuestro ordenamiento y nos vincula a Estados que forman parte del Mercosur. Tiene
como finalidad la armonización en torno al reconocimiento de una sociedad constituida en país extranjero y la ley que resultará aplicable.
Dreyzin de Klor nos explica que la Conferencia se caracteriza por emplear el conflictualismo
como método de reglamentación; de tal modo, puede afirmarse que en este aspecto no se producen
mayores innovaciones respecto de los precedentes señalados, sin perjuicio de utilizar el materialismo
en algunas regulaciones13.
Entrando en el análisis de su articulado, en el primero de ellos podemos observar el ámbito
espacial y temporal de aplicación de la Convención, el cual se limita a las sociedades comerciales,
quedando exceptuadas claramente las sociedades civiles y otros tipos de asociaciones y contratos
asociativos: “se aplicará a las sociedades mercantiles constituidas en cualquiera de los Estados Partes” (art 1). No distingue la naturaleza pública o privada de las sociedades que realicen actividades
12
13
118
GOLDSCHMIDT, Werner, Derecho Internacional Privado. Derecho de la Tolerancia, Ed. Depalma, 7ma edición. Buenos Aires, 1990. Pág. 243.
DREYZIN DE KLOR, A. ; SARACHO CORNET, T., Las Fuentes del Derecho Internacional Privado. Ed. Zavalia, Buenos Aires, 2005. Pág 27.
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mercantiles siempre que hayan sido constituidas en alguno de los estados parte. Las discusiones que
se plantearon respecto al ámbito de aplicación de la Convención fueron en torno a otorgarle a la
misma carácter universal, en consecuencia aplicable a aquellas sociedades que fueron constituidas en
Estados que no la ratificaron. Se optó por delimitar el ámbito de aplicación solo a los Estados partes.
Su artículo 2 establece: “La existencia, capacidad, funcionamiento y disolución de las sociedades mercantiles se rigen por la ley del lugar de su constitución. Por “ley del lugar de su constitución” se entiende la del Estado donde se cumplan los requisitos de forma y fondo requeridos para la
creación de dichas sociedades”.
Apreciamos como éste artículo establece como estatuto personal de la sociedad comercial la
ley del lugar de constitución, incluso combina en el mismo artículo la norma indirecta que establece
el punto de conexión con una norma autárquica por la cual se define “lugar de constitución”, de esta
manera se evita enfrentarse al problema característico del el tipo legal de la norma que es las calificaciones.
Por su estatuto personal se regirá la forma del acto constitutivo, los requisitos formales que
deberán llevarse a cabo, las consecuencias del incumplimiento de su incumplimiento, el régimen que
deberá cumplir para ser considerada una sociedad regularmente constituida, las exigencias de registración y publicación, etc.
Debemos tener presente la expresa reserva que se realiza en el art 7, la cual establece que
“La ley declarada aplicable por esta Convención podrá no ser aplicada en el territorio del Estado que
la considere manifiestamente contraria a su orden público”, dicha reserva constituye una característica de la técnica legislativa utilizada en las Convenciones Interamericanas de Derecho Internacional
Privado. Mediante la misma es posible desplazar dicha Convención como derecho aplicable en aquellos
casos que se encuentre en contradicción con el orden público del estado del juez competente en el
caso concreto. Dicha situación se enfrenta a la dificultad que nos explica el Dr. Certad “Lo que sucede
es que el ordenamiento jurídico rara vez dice expresamente cuándo una norma es imperativa o no,
y en las hipótesis en que los datos textuales no son seguros, el intérprete está obligado a recorrer la
insidiosa vía de los principios, corriendo así el riesgo, cuando el principio no se apoye en sólidas bases
lógicas y esté anclado a seguros arneses positivos, de abrir una peligrosa brecha a la libertad creadora
de la mente y del derecho”14.
Goldschmidt se expide sobre la temática, explicándonos que “el orden público internacional
no es afecto de determinadas normas que expresamente se lo irrogan, sino de principios básicos del
Derecho Privado. Es menester distinguir entre un principio, fundamento de una norma, y un principio
básico de una parte del ordenamiento normativo. El principio del numerus clausus de las sociedades
comerciales es, verbigracia, un principio básico de una parte del ordenamiento normativo. Así, nuestro legislador no tiene inconvenientes en admitir sociedades de tipo desconocido por nosotros”15.
En el artículo 3, establece del mismo modo que los hacen los Tratados de Montevideo de
1889 y de 1940, el reconocimiento de pleno derecho de aquellas sociedades que fueron debidamente
constituidas en alguno de los Estados Partes, para lo cual el Estado tiene la atribución de exigirle a la
misma que acredite haber cumplido con los requisitos que se le requirieron en el lugar de constitución
para ser sociedad comercial debiendo presentar los instrumentos que sean necesarios. En el tercer
párrafo de este artículo se destaca que el Estado que va a reconocer a la sociedad constituida en un
país foráneo (pero miembro de la Convención), no podrá dotar de mayor capacidad a la misma de la
que se tienen las que se constituyen en el territorio de su jurisdicción.
“Las sociedades mercantiles debidamente constituidas en un Estado serán reconocidas de
pleno derecho en los demás Estados. El reconocimiento de pleno derecho no excluye la facultad del
Estado para exigir comprobación de la existencia de la sociedad conforme a la ley del lugar de su constitución. En ningún caso, la capacidad reconocida a las sociedades constituidas en un Estado podrá ser
mayor que la capacidad que la ley del Estado de reconocimiento otorgue a las sociedades constituidas
en este último.”
Como nos explica Balestra haciendo referencia al art 3 in fine, ésta es una disposición genérica
que trata la capacidad sin establecer distinciones dentro de la misma. No es lo mismo la capacidad que
se reconoce a un tipo societario que la que pueda corresponder a otro tipo diferente: por ejemplo,
una sociedad de hecho recibirá, en cuanto a su capacidad, un trato distinto a una sociedad anónima o
de capital: quiere esto decir que tiene facultades y obligaciones distintas en uno y otro caso16.
CERTAD M., Gastón, Derecho societario y normas de orden público. Latindex UCR, Revista de Ciencias Jurídicas,Número 116. Publicado en
http://www.latindex.ucr.ac.cr/jur007-03.php
15
Citado por BATTELLO CALDERÓN, Silvio Javier, El orden público en el Derecho Internacional Privado del Mercosur. Ed. Advocatus 1ª ed,
Córdoba, 2012.
16
BALESTRA, Ricardo R., Derecho Internacional Privado. Parte Especial, ed. Abeledo Perrot, Buenos Aires, 1997. Pág. 137.
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En el artículo subsiguiente se hace referencia a la realización de actos comprendidos en el
objeto social: “Para el ejercicio directo o indirecto de los actos comprendidos en el objeto social de
las sociedades mercantiles, éstas quedarán sujetas a la ley del Estado donde los realizaren. La misma
ley se aplicará al control que una sociedad mercantil, que ejerza el comercio en un Estado, obtenga
sobre una sociedad constituida en otro Estado”.
El inconveniente de la técnica legislativa de este artículo se plantea en la falta de claridad
para distinguir los términos ejercicio “directo” o “indirecto”, situación que no fue diferenciada en
los Tratados de Montevideo de 1889 y de 1940. Pero a los fines prácticos su distinción no reviste vital
importancia porque ambas situaciones van a ser sometidas a la ley del estado donde actúen. En cambio
si debemos prestarle atención a la última parte del mismo artículo, ya que hace referencia al control
que pueda ejercer una sociedad constituida en un estado diferente del cual se constituyó la que pretende controlar, sometiendo dicha situación a la ley del lugar en que realicen los actos que permitan
la mentada situación.
En cuanto a la normativa aplicable a aquellas sociedades que habiéndose constituido en
un estado pretendan establecer la sede efectiva de su administración en otro, el art. 5 le otorga
al estado anfitrión, la facultad (cabe destacar que no estamos en presencia de una obligación) de
exigirle cumplir con las prescripciones de la ley local: “Las sociedades constituidas en un Estado
que pretendan establecer la sede efectiva de su administración central en otro Estado, podrán ser
obligadas a cumplir con los requisitos establecidos en la legislación de este último”. La Convención
no regula esta situación, sino que la hace depender de lo que se establezca en la normativa de fuente
autónoma de cada estado. Consideramos adecuado este razonamiento en virtud que si adoptamos el
criterio del domicilio para regular la actividad de la sociedad, si la misma establece su sede efectiva
de administración (de la cual resultarán las directrices fundamentales de su ejercicio) en otro estado,
resulta procedente que se le exija el cumplimiento de requisitos que surjan de la normativa local.
Esta fórmula tiene por finalidad evitar el fraude a la ley que pueden cometer aquellas sociedades que se constituyen en un estado con la único fin de cumplir con las formalidades, ya que sus
actividades principales las realizan en otro estado. Es Importante destacar que esta norma se adopta
con carácter facultativo, en virtud de los debates que se suscitaron en el Grupo de Trabajo. Algunos
sectores se oponían a la mentada normativa argumentando que la misma debilitaría a la Convención y
al reconocimiento de pleno derecho establecido en el art 3.
El artículo 6 de la Convención reafirma lo establecido por el Tratado de Montevideo de 1940 en
su art 3. “Las sociedades mercantiles constituidas en un Estado, para el ejercicio directo o indirecto
de los actos comprendidos en su objeto social, quedarán sujetas a los órganos jurisdiccionales del
Estado donde los realizaren”. Pese a las controversias que planteó la inclusión de una norma de competencia, se adoptó el criterio general que enuncia el artículo. En un principio había diferencias en
cuanto a la decisión de incorporar esta norma en la Convención, debido a que este tipo de normativas
serian posteriormente objeto de otra Convención que se especializara en el tema, en miras de preservar la unidad del sistema. Pero esta postura no logró imponerse y se decidió incorporar dicho artículo.
Conclusión
En palabras del Dr. Raúl Etcheverry, El esfuerzo de los seres humanos por adaptarse a este
nuevo mundo se traslada al esfuerzo de los juristas en su afán de establecer normas que permitan
mantener en esta nueva sociedad, los valores de justicia, de respeto por el compromiso asumido,
de responsabilidad por los hechos y actos de personas, empresas y organizaciones, el ejercicio de la
solidaridad y la cooperación entre seres humanos y naciones17.
El Derecho Internacional Privado clásico, bajo una concepción germánica, utilizó como método el indirecto, a través de la norma de conflicto. El mismo no ha perdido su importancia, pero las
nuevas tendencias mundiales están demostrando que es conveniente la utilización de normas materiales para legislar en esta materia.
En un comienzo la utilización de la norma indirecta permitió al derecho comercial su internalización. Las fuentes trasnacionales, con la nueva lex mercatoria le permitió seguir con su avance
y adecuación a la dinámica del comercio. Pero en la actualidad sería conveniente, adecuándose a
nuevas tendencias mundiales comenzar a legislar mediante la utilización de la técnica material, lo que
permitiría convenciones de derecho uniforme.
ETCHEVERRY, Raúl A., El derecho comercial internacional. Nuevas fuentes, Publicado en: LA LEY1992-D, 1132 - Derecho Comercial Doctrinas
Esenciales Tomo I, 01/01/2009, 213. Pág 2.
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Es de suma importancia abordar las nuevas tendencias del Derecho internacional privado, y
los retos que plantea la regulación de la actividad de las sociedades comerciales en el nuevo contexto
internacional. A medida que transcurre el tiempo existe un incremento del número de relaciones
privadas transnacionales que se llevan a cabo en entre los países que se encuentran vinculados por los
tratados anteriormente desarrollados.
Hoy más que nunca, considero que los estados partes de los diversos tratados de derecho internacional privado debemos lograr armonizar nuestras legislaciones de fuente convencional e interna
para evitar contradicciones y desenvolver nuestras relaciones con la fluidez y dinámica que exigen las
transacciones comerciales. Evitando la pérdida de tiempo y desgaste jurisdiccional innecesario en la
interpretación de los tratados.
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Doutrina Internacional
Analisis crítico sobre
la responsabilidad civil de
los directores, docentes
y proprietarios de los
establecimientos educativos
Adrián Sergio Cetrángolo1
RESUMEN
El objeto del presente trabajo consiste en el estudio de la normativa aplicable a
la responsabilidad de los directores, docentes y propietarios de los establecimientos educativos, tanto públicos como privados. Realizaremos un análisis crítico del
sistema de responsabilidad en el derecho argentino a la luz de la jurisprudencia, y
rastreamos los orígenes del instituto mencionado en el derecho comparado.
PALABRAS CLAVES
Responsabilidad civil. Directores. Docentes. Propietarios. Establecimientos educativos.
ABSTRACT
The purpose of this work is the study of the rules applicable to the liability of principals, teachers and owners of educational institutions, both public and private.
We will critically analyze the accountability system under Argentine law in light of
jurisprudence, and trace the origins of the institute mentioned in comparative law.
KEY WORDS
Liability. Principals. Teachers. Owners. Educational Institutions
1. INTRODUCCION
1.1 Objeto
El antiguo Artículo 1117 del Código Civil dice:
“Lo establecido sobre los padres rige respecto de los tutores y curadores, por los hechos de las personas
que están a su cargo. Rige igualmente respecto de los directores de colegios, maestros artesanos, por
el daño causado por sus alumnos o aprendices, mayores de diez años, y serán exentos de toda responsabilidad si probaren que no pudieron impedir el daño con la autoridad que su calidad les confería, y con
el cuidado que era de su deber poner.”
Y del sistema vigente actualmente a partir de la sanción de la Ley 24830 establece :
(1)
Abogado en Argentina. Profesor Titular de Derecho Civil III Contratos (IUPFA), Profesor Adjunto de Civil III (Contratos Universidad
Maimónides), Profesor Adjunto de Derecho Comercial I (Unlam),Profesor de Derecho del Seguro (UBA) (FCE), Director Académico Fundación Ciencias Jurídicas y Sociales, Instituto académico del Colegio de Abogados de la Provincia de Buenos Aires (CiJuSo).
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Art. 1º-Agrégase como último párrafo del artículo 1114 del Código Civil lo siguiente:
“Lo establecido sobre los padres rige respecto de los tutores y curadores, por los hechos de las personas que están a su cargo.”
manera:
Art. 2º-Modifícase el artículo 1117 de Código Civil el que quedará redactado de la siguiente
“Los propietarios de establecimientos educativos privados o estatales serán responsables por los daños
causados o sufridos por sus alumnos menores cuando se hallen bajo el control de la autoridad educativa, salvo que probaren el caso fortuito.
Los establecimientos educativos deberán contratar un seguro de responsabilidad civil. A tales efectos,
las autoridades jurisdiccionales, dispondrán las medidas para el cumplimiento de la obligación precedente.
La presente norma no se aplicará a los establecimientos de nivel terciario o universitario.”
1.2 Antecedentes en el derecho comparado
1.2.1 En el Esboço de Freitas.
Vélez Sarfield para redactar el art 1117 del Código Civil parece haberse inspirado en varias
normas del Esboço de Freitas, entre ellas encontramos:
Art 843: “Son personas responsables: … 2) los tutores por sus pupilos también menores de siete
años, que igualmente vivieren es su compañía; 3) los curadores por los dementes, que estuvieren por
su custodia; … 5) los maestros y directores de colegio u oficina por sus discípulos, alumnos o aprendices
menores de siete años, mientras permanecieren bajo su vigilancia” ,
Art 3866: Párrafo 3 “Menores con mas de siete años”, y el
Art 3668: Se refería la daño causado por alumnos que tenia mas de siete años.
Para liberarse de responsabilidad, los maestros y los directores de colegios u oficinas debían
probar que no había habido culpa alguna de su parte, tal cual lo hace nuestro antiguo art 1117.
1.2.2. En el Derecho Francés
El Código de Napoleón contemplo la situación en el tratamiento de su art 1384, el texto original fue corregido en sucesivas ocasiones quedando, su redacción en su párrafo 4 de la siguiente manera: “los maestros y los artesanos, (son responsables) del daño causado por sus alumnos y aprendices
durante el tiempo que ellos estén bajo su vigilancia”.
Se establece una gran diferencia con nuestro antiguo 1117, desde que no se disponía sobe directores de colegios sino sobre instituteurs y artisans, y además no marcaba la edad de los educandos
a su cargo.
Sobre el termino “maestros” – en francés instituteurs – A. Colin y H. Capitant reflexionaban
que: el termino intituteurs designa a todos aquellos que están a cargo de la educación maestros, directores de pensionado, principales de colegio, etc.
Como evolución se agrego un párrafo por la ley del 20 de junio de 1899 al art. 1384 a saber:
“No obstante, la responsabilidad civil del estado sustituye a la de los miembros de la enseñanza pública”. Este agregado se debió a vastas e importantes protestas de docentes que se movilizaron a causa
del fallo “Leblanc” (Tribunal Correccional del Sena) por el cual se condenaba a un director por un
daño cometido por uno de sus alumnos a un compañero de la escuela a la que concurría.
El Tribunal de Apelaciones de Paris ante la apelación del ministerio publico reformo el fallo
meses después, y consecuentemente s produjo la reforma del 1384.
1.2.3. En el Derecho Italiano
El Derecho Italiano en el Código de 1865 regula esta clase de responsabilidad civil excepcional
en su art. 1153 al respecto Jorge Giorgi nos dice “…entre los requisitos esenciales de la responsabilidad paterna y los de la responsabilidad de los profesores y alumnos existen algunas diferencias que es
conveniente no pasar a silencio. Verdaderamente, para la responsabilidad del padre se requiere que
el hijo menor viva en su compañía; para los de los preceptores y artesanos se requiere a su vez que
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tengan la vigilancia de los discípulos y aprendices; y la responsabilidad recae únicamente sobre los
actos cometidos durante el tiempo en que dura la vigilancia. Ahora bien; como estar bajo la vigilancia
no significa vivir en compañía, por eso, aun cuando el alumno o el aprendiz vaya a determinadas horas
del día a casa del preceptor, a la tienda del artesano, es lo suficiente para que la responsabilidad de
los actos ejecutados en aquellas horas recaiga sobre su preceptor o maestro”.
En el art. 1153 no hace mención alguna a la edad del alumno aprendiz como lo hace nuestro
antigua art. 1117.
1.2.4 En el Derecho Alemán
El tema de la responsabilidad civil de los docentes también es tratado por la doctrina alemana
en los términos generales del BGB en su art. 832 que prescribe “quien en virtud de la ley este obligado a la vigilancia de una persona que necesita de dirección a causa de su menor edad o de su estado
mental o corporal esta también obligado ala indemnización del daño que esta persona cause antijurídicamente a un tercero. La obligación de indemnización no tiene lugar si ha satisfecho su deber de
vigilancia o si – caso de no haberlo satisfecho – el daño se hubiese producido incluso con la vigilancia
adecuada”. “La misma responsabilidad incumbe al que se encargare por contrato de la ejecución de
la vigilancia”.
El BGB alemán en un mismo articulo encuadra la responsabilidad contractual y extra contractual, el texto es lo suficientemente general como para evitar particularismos excesivos permitiendo
englobar todas aquellas situaciones en que una persona esta obligada jurídicamente a dirigir o vigilar
a un incapaz.
La responsabilidad del educador esta dada en virtud de la obligación a la vigilancia del educando, por lo tanto se le imputara el mal control del mismo.
2. DESARROLLO
2.1 Presumibles fuentes de la reforma de la ley 24830 .Ley Española
Parece ser que la fuente mas relevante que inspiro la reforma de la ley mencionada fue la ley
española 1991 que traslada la responsabilidad de los docentes a los centros educativos, hasta entonces, el responsable era el profesor (en el caso argentino el director); el titular del centro de enseñanza
se encontraba en la oscuridad de la norma; ahora en cambio la responsabilidad apunta a los propietarios de los establecimientos educativos.
La reforma española es menos innovadora que la argentina, la responsabilidad sigue teniendo
elementos de subjetividad, mantiene la causal de liberación, de no culpa, del viejo código (al menos
para los establecimientos privados).
La legitimación activa sigue surgiendo del texto anterior y sin contemplar los daños sufridos
por los alumnos, los legitimados pasivos los divide en públicos y privados.
La norma española es mas beneficiosa para los docentes ya que limita la acción recursoria
contra los mencionados con excepción de culpa grave o dolo.
La justificación de la solución de la ley española respecto del mantenimiento de la base subjetiva esta orientada a circunscribir el ámbito de la reforma a los establecimientos privados, ya que los
públicos estarían contenidos en las normas administrativas sobre la responsabilidad del estado, ya que
la doctrina mayoritaria considera como responsabilidad objetiva la proveniente del funcionamiento de
los servicios públicos. Esto esta dado en razón que el Código Civil español a diferencia del argentino no
tiene un art 1113 (que regula la responsabilidad objetiva). De allí que los jueces siguiendo la jurisprudencia del tribunal supremo insisten que en el derecho de daños hay una tendencia a la objetivación,
en cada caso en particular.
La jurisprudencia española opina (aun después de la ley 1991) que “la responsabilidad de los
centros de enseñanza no puede de ningún modo objetivarse y desligarse de la imputación y prueba
efectiva de una conducta culpable pues no se trata de asumir socialmente un daño consecuencia de
una actividad de riesgo, como sucede en los daños acaecidos en el ámbito de circulación de vehiculo
automotor”. (Tribunal Superior de Justicia de Navarra 4/5/1995, Rev. General de Derecho N° 627,
Valencia, Diciembre de 1996, p. 14221)
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2.2 Fundamentos de la reforma argentina
Debemos plantear lo siguiente a) porque se elimino la culpa presumida del director del colegio
y del maestro artesano; y b) porque se consagró una responsabilidad objetiva del centro de estudios.
a) Abandono de la culpa presunta del docente:
La presunción no tiene respaldo en la realidad, dado que los colegios albergan a miles de
alumnos, siendo evidente que la posibilidad de vigilancia por parte del director resulta prácticamente imposible lo que hace excesiva e injusta tal manda legal. Esta responsabilidad ha
creado un estado de permanente angustia en quienes ocupan cargos directivos que van en
detrimento de todo el sistema educativo pues el docente no puede dedicarse con tranquilidad de espíritu a sus tareas especificas.
La norma era desconocida por sus destinatarios, los directores tomaban conciencia cuando
le llegaba la demanda, estos en realidad son simples dependientes del propietario del establecimiento educativo (público o privado) y sin embargo se los cargaba con los hechos de
profesores y personal que el no puede elegir, los maestros no son dependientes del director
y consecuentemente éste no tiene porque responder del hecho de aquellos.
La realidad tribunalicia mostraba pocos casos de clara aplicación de art. 1117 prueba evidente de que la norma ya no regulaba la situación d el modo requerido por la sociedad.
Todas estas razones, en especial la falta de coincidencias con la realidad llevaron a realizar
una interpretación restrictiva del art 1117, este achicamiento se hizo extensivo a la responsabilidad del estado, sin advertir que de ese modo se producía una total desprotección de
la victima.
b) Responsabilidad objetiva del centro de estudios:
Argumentos:
La vigilancia de los alumnos, en la educación moderna no esta sometida al control de una
persona determinada sino al de una organización de más o menos complejidad, que impone
directrices o instrucciones.
No es posible diluir la responsabilidad del propietario, del establecimiento educativo privado; ni la del estado en un caso, es una responsabilidad empresarial que se debe asumir como
en cualquier otra actividad, y en el otro es el cumplimiento de un deber del estado.
La medidas relativas a la organización son asumidas por los titulares del centro el riesgo
de que se produzcan daños es un riesgo propio de lo que puede denominarse la “empresa
docente”, concebida como unidad económica. De allí la necesidad de un seguro. Por eso,
la ausencia de culpa en los profesores no tiene porque excluir la responsabilidad el titular
del centro desde que a este competen tareas organizativas de dirección cuya defectuosa
ejecución puede ser la única causa determínate de un acto dañoso causado o sufrido por el
alumno. Tanto en los casos jurisprudenciales nacionales y extranjeros, se producen demandas contra el estado o el titular privado del instituto, garantes de los daños sufridos.
Los nuevos modos educativos han aumentado las actividades extra escolares y complementarias, esto trae como consecuencia que se han visto ampliadas las condiciones de riesgo, de
hecho la mayoría de los accidentes se producen en actividades extra escolares (excursiones,
desplazamientos, actividades deportivas, etc.).
Al reclamante (los padres del menor) le resulta muy difícil probar como se produjo el daño
pues ha sucedido fuera de la orbita de custodia del reclamante.
2.3 Nueva concepción para responder por los daños sufridos por el menor por responsabilidad contractual e incumplimiento de obligación de seguridad. (Responsabilidad contractual y extra contractual). Ley 24830
El nuevo articulo trata conjuntamente la responsabilidad contractual y extra contractual,
logrando dar el mismo régimen de daños, que el alumno causa a otro, (tercero ajeno o no, al sistema
educativo) (responsabilidad extracontractual por el hecho de otro) y a los daños sufridos por el alumno
(responsabilidad contractual).
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2.4 Régimen legal establecido por la ley 24830.
a) Legitimación pasiva:
Con la nueva ley no se presuma ya la culpa de los directores de los establecimientos educativos y se atribuye la responsabilidad al titular del establecimiento educativo al que concurre
el alumno. El que tenga la condición de propietario de la institución a la que concurra el
alumno dañado o damnificado, será el legitimado pasivo de la acción resarcitoria que promueva la victima del hecho ilícito.
El titular del establecimiento educativo puede ser una persona física o jurídica, privada o
publica, y será quien organice y dirija la empresa educativa y no el titular del inmueble (en
el cual se efectúa la prestación educativa).
El nuevo articulo 1117 no hace distingo entre establecimientos y privados, tal cual lo hacia
el antiguo articulo, estableciendo (según interpretaciones) la exclusión de responsabilidad a
los directores de escuelas dependientes del estado, sosteniendo que al carecer de la facultad de designar personal subalterno no resulta razonable la presunción de responsabilidad.
La nueva legislación se compadece perfectamente con lo establecido por el artículo 1112 del
Código Civil y con la suspensión de la presunción de culpabilidad de los directores derivada
de la reforma.
En razón de los expuesto no se excluye la responsabilidad de los directores d el establecimiento o los maestros, por su dolo o culpa, debiendo repara el daño causado según los
principios generales de responsabilidad civil con un criterio de base subjetiva (Art. 1109
Código Civil.)
b) Ámbito de la Responsabilidad
Se han regulado en forma conjunta dos supuestos de responsabilidad civil que responden a
dos ámbitos distintos el contractual y el extra contractual. El método del código incluye en
forma expresa los daños sufridos por los educandos y además aporta como principio general
del derecho el evitar el daño injusto, procurando su reparación y el lugar en el cual se legisle
carece de relevancia en razón de la justicia de la reparación debida.
A los efectos de su estudio evaluaremos por separado las categorías mencionadas.
1- Daños causados por los alumnos a terceros: los titulares de las instituciones educativas
son plenamente responsables de los daños caudados por los alumnos que concurren al establecimiento.
No es importante a los fines de la atribución que el daño sea causado aun tercero extraño o
a alguien vinculado a la actividad educativa, tampoco debe existir vinculo obligatorio previo
al hecho ilícito entre dañador y dañado ni encontrarse identificado e objeto de a obligación,
esto es claramente responsabilidad extra contractual.
2- Daños sufridos por los alumnos: antes de la ley 24830 era común que se encuadrara dentro del art. 1117 del Código civil el caso en que el alumno sufriera daños con motivos de la
actividad escolar. Se debe señalar que la tendencia era aun aplicando el art. 1117 del Código
Civil condenar al titular del establecimiento, usualmente al estado y no a su director. Así las
cosas, si los daños eran sufridos por los alumnos, en el ámbito de responsabilidad el establecimiento educativo la responsabilidad era contractual y por lo tanto inaplicable los términos
del antiguo Art. 1117 del Código Civil el que estaba específicamente destinado a reglar la
responsabilidad aquiliana de los directores de colegio y maestros artesanos. En cambio la
duda sobrevenía cuando se trataba de escuelas publicas, por ser gratuitas obligatorias ostentando una responsabilidad de carácter contractual.
La realidad nos marca que el contrato educativo celebrado por el representante del menor
y el establecimiento educativo privado (oneroso) o estatal (gratuito), establece responsabilidades para las partes. La onerosidad o no, del contrato, no modifica la naturaleza convencional del vinculo (art 1139 del Código Civil). En estos casos el deudor contractual tiene
a su cargo deberes auxiliares de protección con relación al acreedor de cuidado y atención
con el fin de evitar que el cumplimiento de su deber principal ocasione daños o intereses
distintos del vinculado estrictamente con el plan prestacional. En síntesis, el propietario
del establecimiento deberá adoptar todos los medios y precauciones necesarios para que el
daño no se produzca no existiendo acuerdo sobre si esta es una obligación de fin o de medio.
Antes de la reforma de la ley 24830 la cuestión no era menor, ya que si la obligación era de
resultado el factor de atribución era objetivo, en cambio si era de medio se debería demosRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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trar la culpa, pudiendo el deudor liberarse de responsabilidad demostrando haber adoptado
las debidas diligencias (art 512 del Código Civil). La reforma soluciona este problema ya que
objetiva el factor de atribución para ambos supuestos de responsabilidad civil contractual y
extracontractual.
c) Factor de atribución de la Responsabilidad
Una de las cuestiones que se mantiene es que la responsabilidad con base subjetiva de los
directores de colegio y maestros artesanos subsiste, dentro del ámbito de aplicación del art
1109 y bajo la premisa que como se ha suprimido la presunción de culpa, quien pretenda
exigir resarcimiento de daños y perjuicios deberá demostrar el elemento subjetivo (culpa o
dolo). Para liberarse de esta responsabilidad bastara al director de la institución demostrar
su falta de culpa.
En oposición a lo manifestado la modificación responsabiliza a los titulares de los establecimiento educativos por daños producidos dentro del ámbito de actividades que en el se desarrollan con fundamento en un factor objetivo de atribución. Se debe señalar que el titular de
la institución no se exime demostrando la regularidad de su actuación su dirigencia, su falta
de culpa o dolo sino debe acreditar la existencia del caso fortuito, ello significa que no son
motivos de orden personal, que sean imputables a la conducta del sujeto obligado los que
llevaron ala legislador a poner en su cabeza la obligación de responsabilidad.
Esto mejora la condición del a victima, ya que en la prestación de una actividad riesgosa
(donde hay grupos de personas en interacción, y trata de infantes y adolescentes que por
su desarrollo evolutivo resultan naturalmente propensos a la realización de actos potencialmente perjudiciales) se objetiva la responsabilidad. En suma el factor de atribución será el
riesgo de actividad.
d) Requisitos
Para que sean responsables los titulares de establecimientos educativos por los daños causados o sufridos por educandos deben configurarse las siguientes circunstancias:
1- Edad del menor: la norma establece que para que sean responsables los propietarios el
daño debe ser sufrido o causado por un alumno menor de edad en el régimen anterior se
excluía la presunción de culpa del director a aquellas hipótesis a que fuera un menor de
menos de diez años el que ocasionara el perjuicio.
La eliminación de la distinción legal es como consecuencia de la modificación del factor
de atribución de la responsabilidad a saber: la responsabilidad de los directores basada en
la culpa presunta, podía explicarse que no alcanzara a los hechos de los menores de diez
años, ya que su falta de discernimiento impedía la influencia de la autoridad sobre ellos
Como ahora el factor de atribución es a titulo de riesgo nada tiene que ver el discernimiento por lo tanto el alumno que tenga menos de diez años igual responsabilizara al
responsable del establecimiento.
2- Actividad escolar: para que se configure la responsabilidad del establecimiento educativo, el daño recibido u ocasionado por el menor se debe producir “…bajo el control de la
autoridad educativa..”. Dicha expresión debe entenderse como una limitación del ámbito
espacio-temporal dentro del que el titular del instituto debe responder.
El criterio seguido es amplio por lo que no se limita la responsabilidad del propietario a
los daños causados por el desarrollo de actividades estrictamente curriculares, extendiéndola a todas las que se vinculen a ellas, por encontrarse organizadas por la entidad
educativa, la solución coincide con las modalidades actuales de educación, donde la actividad extra curricular, deportiva, viajes de estudio y recreación y de naturaleza similar
son mucha mayores que en otras épocas. Serán responsables siempre y cuando se realicen
bajo el control y autoridad del establecimiento y sus dependientes.
La solución legislativa se ajusta a la jurisprudencia que había decidido en base al régimen
anterior liberar a los directores de colegio si se tratara de daños causados por un alumno
durante una rabona o falta injustificada, aun cuando se encontrara en la vereda del establecimiento.
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3- Establecimientos educativos: quedan excluidos por expresa imposición de la norma la enseñanza terciaria y universitaria, pese a que se trate de un alumno menor de edad (lo que
resulta habitual aun en el ámbito universitario) la decisión adoptada sobre la exclusión es
una cuestión de política legislativa que coincide con la legislación comparada.
Quedan expresamente fuera de este ámbito de responsabilidad cualquier establecimiento que en forma empresaria de dedique a impartir formación de tipo educativo a alumno
menores, como así también enseñanza en actividades deportivas, o las colonias de vacaciones o similares.
e) Eximiciones
La nueva legislación consagra el caso fortuito como eximente de la responsabilidad civil de
los propietarios de los centros educativos. Conforme lo define al art 514 de código civil caso
fortuito es todo evento que no ha podido proveerse o que efectivamente previsto no se ha
podido evitar.
Al objetivar el factor de atribución el titular del establecimiento no se liberara de responsabilidad demostrando su obrar diligente o su no culpa, sino prueba la ruptura de la relación
causal.
Solo la ruptura del nexo de causalidad adecuado entre el riesgo y el daño le permitirá al
dueño eximirse de la obligación del daño sufrido o causado por el alumno.
El hecho del tercero que se constituya en causa exclusiva o con causa adecuada del daño
ocasionado, también liberara de responsabilidad al titular del centro.
En consonancia con lo dicho, si el daño es causado por un dependiente aun ocasional, el
dueño del colegio no se eximirá del deber de responder.
En relación al hecho de su propia victima y a la eximición de responsabilidad debe tenerse
en cuenta dos casos.
1- Si se trata de daños causados por el alumno a un tercero, el hecho de la victima (no la
culpa, que no se relaciona con el factor de atribución) desde que constituye una hipótesis
de ruptura de la relación de causalidad adecuada entre el riesgo y el daño, constituirá
motivo suficiente para eximir de responsabilidad, como lo es en el ámbito de potras responsabilidades similares (art 1113 Código Civil).
2- Es diferente la cuestión si quien sufre el perjuicio es un estudiante, en este supuesto,
el hecho de la victima constituye una cuestión interna propia del riesgo que justifica la
atribución de responsabilidad, por lo que no resultara razón suficiente para excusar la
obligación de resarcir.
f) Seguro de responsabilidad civil
A la objetivación de la responsabilidad de los titulares de centros de educación se suma la
consagración de contratar un seguro de responsabilidad civil, con esto se garantiza a las
victimas una adecuada reparación, trasladando las consecuencias económicas del resarcimiento a quienes se encuentran en condiciones para hacerle frente, soslayando así el riesgo
de insolvencia y por lo tanto la desprotección de la victima.
Esto no libera al titular del establecimiento del costo económico de la reparación del gasto,
ya que el seguro es sustitutivo de la obligación principal.
g) Responsabilidad como transportista
Los daños producidos in itinere están en principio, excluidos de la responsabilidad del art
1117, porque sin el transporte no ha sido organizado por el centro educativo el menor no se
encuentra “bajo el control de la autoridad educativa”.
Sin embargo, algunos centros educativos privados organizan y proporcionan el transporte. En
este caso, responderían en si doble carácter, de centro educativo y de transportista.
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3. JURISPRUDENCIA APLICABLE
Se transcriben en su partes pertinentes dos fallos tipos como ejemplares de la aplicación del
Art. 1117, reformado por la ley 24830, uno condenando a un establecimiento privado y otro a uno
público, a saber:
a)“Carbajal Nora Antonia c/ Aragón Olga y otros s/ daños y perjuicios”
“//nos Aires, Capital de la República Argentina, a los 12 días del mes abril de dos
mil diez, reunidos en Acuerdo los Señores Jueces de la Excma. Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil, Sala “B”, para conocer en los recursos interpuestos en los autos caratulados: “Carbajal Nora Antonia c/ Aragón Olga y otros s/ daños y perjuicios” respecto de la sentencia de fs. 353/359 el Tribunal estableció la siguiente cuestión a resolver:
¿Es ajustada a derecho la sentencia apelada? Practicado el sorteo resultó que la votación debía efectuarse en el siguiente orden Señores Jueces Doctores: MAURICIO LUIS MIZRAHI.- GERONIMO SANSO -. CLAUDIO RAMOS FEIJOO.A la cuestión planteada el Dr. Mizrahi, dijo:
I. Antecedentes
La sentencia de primera instancia, obrante a fs. 353/359, resolvió admitir parcialmente la demanda entablada por Nora Antonia Carbajal contra Olga Sofía Aragón y Norma Leonor Colombo, únicas integrantes de la sociedad de hecho que gira con el nombre de
fantasía “Instituto de Educación Especial Ayelen”; asignándose a éstas demandadas el 70 %
de responsabilidad por el desgraciado hecho producido y que motivara el juicio de autos.
En consecuencia, dichas encartadas fueron condenadas al pago de una suma de dinero, con
más los intereses y las costas del proceso.
El pronunciamiento de marras fue apelado por ambas partes. La demandada expresó
agravios a fs. 394/409, los que fueron replicados a fs. 411/425. La actora, a su vez, dedujo
sus quejas a fs. 385/391, contestadas a fs. 410/412.La causa tiene su origen en la demanda
de fs. 15/22. En esa oportunidad, la actora narró que su hija padecía síndrome de Down, y
que por esa razón concurría al Instituto Ayelen -- de propiedad de las accionadas-- que es
una institución privada especializada en la educación de niños con capacidades especiales.
Que el 22 de junio de 2005, en ocasión de que su hija almorzaba en el establecimiento, se
atragantó con un pedazo de carne; situación que provocó su asfixia –por la obstrucción
de las vías aéreas superiores-- determinando su fallecimiento. Entiende la pretensora que
el hecho cabe atribuir al incumplimiento de las obligaciones del Instituto pues, al fallar
el personal a su deber de vigilancia, no se dio cumplimiento a elementales medidas de seguridad a la hora del almuerzo con niños discapacitados; lo que comportó por parte de la
emplazada “una actitud desaprensiva”.
II. La sentencia en crisis y los agravios
El juez de la instancia anterior tuvo por probada la angustia y desesperación por
salvar a la alumna que pusieron de manifiesto todas las personas que estaban en el lugar y
las que asistieron en su auxilio. Sin embargo, por considerar que el caso fortuito era el
único eximente para la entidad, dispuso la condena parcial a las encartadas por entender
que no se configuraba en la especie el mentado eximente, dado que el hecho acontecido
no era ajeno a la esfera de acción del Instituto. No obstante, la condena alcanzó sólo al 70
% –como ya se anticipó-- por entender el magistrado que tuvo alguna incidencia causal en el
desenlace los problemas que aquejaban a la occisa; concretamente, sus afecciones cardíacas, el hipotiroidismo y la obesidad.
La parte demandada reclama en sus agravios ser liberada de toda condena, ya que considera que el hecho configura un típico caso fortuito. Precisa que aún cuando los
encargados de supervisión hubieran tomado el recaudo de observar como comía cada uno
de los asistentes, el evento –por su modalidad-- hubiera igualmente ocurrido; o sea, que la
diligencia debida de todo el personal no fue capaz de eliminar los efectos acontecidos; y
ello porque la oclusión sufrida no tuvo manera de evitarse. Insisten las emplazadas que
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el accidente fue “súbito, repentino e imprevisible”, por lo que no era susceptible de impedirse a pesar de la intervención eficaz e inmediata de los profesores, directivos y auxiliares que se hallaban presentes cuando ocurrió el accidente. Se pone énfasis en señalar que la
alumna comía sola en el establecimiento porque “tenía un alto grado de autoalimento”,
y que “su habilidad motriz era prácticamente normal”; por lo que el Instituto “no ha colocado ningún elemento que haya favorecido o coadyuvado al acaecimiento del hecho”.
Afirman, en fin, que –por un lado-- la joven tenía un sobrepeso marcado, hipotiroidismo e
insuficiencia mitral; y que –por el otro-- las demandadas dieron cumplimiento a todas las reglamentaciones vigentes.
Subsidiariamente, las accionadas se agravian por la cuantía establecida por el judicante en concepto de daño moral y por la fijación de la tasa activa de interés.
La parte actora, a su turno, requiere de esta Alzada que el 100 % de la responsabilidad se imponga a las emplazadas porque “de las probanzas de autos no surge de modo
alguno el 30 % que se atribuye a la causante”. Destaca que la asfixia no hubiere tenido lugar
si el Instituto contara con personal “en cantidad y capacitación suficiente”. Imputa a las
demandadas que sus dependientes no eran competentes para actuar en primeros auxilios;
esto es, ante “emergencias sencillas”, como es el riesgo que importaba la comida en personas con capacidades disminuidas. Que, además, medió en el caso negligencia de los que
atendían a la hija de la actora al tolerar la ingesta por aquella de un gran pedazo de carne;
lo que demostraría la falta del debido control. En este sentido, postula que su contraria no cumplía con los capítulos 3.6 y 3.7 de la Resolución 705/2000 del Ministerio de Salud de
la Nación. Concluyen, por último, que la autopsia prueba que el fallecimiento aconteció
por el atragantamiento, y no por una insuficiencia mitral, el hipotiroidismo o la obesidad.
III. Estudio de los agravios
En lo que hace a la cuestión de fondo, he de tratar conjuntamente los agravios de
ambas partes por estar íntimamente conectados entre sí. En segundo término, si correspondiere, me he de ocupar de los rubros indemnizatorios apelados.
Para definir el tema de la responsabilidad, estimo coherente tratar separadamente
el marco legal y el marco fáctico. Veamos.
1. El marco legal:Tal como lo reconoce la demandada en su alegato, a fs. 346,
el hecho de autos tiene que ser encuadrado en el art. 1117 del Código Civil. En efecto, el
Instituto Ayelen es un establecimiento dedicado a la “educación especial” (ver fs. 66 de la
causa penal N° 42.852/2005, que para este acto tengo a la vista) y tiene por misión el cuidado y recuperación al máximo posible de los minusválidos o discapacitados (ver fs. 306 de
los agravios de la encartada). Y al respecto, no se discute que la norma legal antes citada
comprende a “los establecimientos educativos privados o estatales” sin efectuar ninguna
distinción; o sea, que se refiere –como bien se ha dicho-- a todos los supuestos en que la
enseñanza se imparte a personas menores de edad (como era el caso de la víctima de la
presente causa) a través de una organización de tipo empresarial que supone control de una autoridad (ver Kemelmajer de Carlucci, Aída, “La responsabilidad civil de los establecimientos educativos en Argentina después de la reforma de 1997”, LL, 1998-B-1047;
Loizaga, Eduardo, “Responsabilidad civil de los establecimientos educativos”, p. 16, ed.
Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 2000).
En lo que aquí interesa, la norma en análisis –art. 1117 del Código Civil-- responsabiliza a los propietarios de los establecimientos de marras “por los daños sufridos por
su alumnos menores cuando se hallen bajo el control de la autoridad educativa, salvo que
probaren el caso fortuito”. Con acierto sostuvo la doctrina que en la especie estamos ante
un claro “endurecimiento” legislativo o, para emplear la expresión que utiliza la misma
emplazada, nos hallamos frente a un “drástico” texto de la ley (ver su alegato, línea trece
de fs. 347 vta.) (ver, también, Trigo Represas, Félix A. y López Mesa, Marcelo J., “Tratado
de la responsabilidad civil”, t. III, p. 253, ed. La Ley, Buenos Aires, 2005).
Claro está, en consecuencia, que la ley ha regulado aquí un caso de responsabilidad
objetiva; esto es, ha instaurado una suerte de garantía fundada en el riesgo de la empresa; aclarándose con agudeza que la disposición normativa no se impone porque se haya
entendido que la educación constituya una actividad riesgosa y peligrosa, sino –de modo
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diferente-- por considerar el legislador que aquel que brinda el servicio educativo de modo
organizado, tiene el deber de prestarlo sin producir daños. La ley ha virado pues de la culpa
al deber de garantía, mediante el cual–acontecido el perjuicio-- se enrostra como regla
la obligación de responder a los propietarios de esos entes educativos; más allá de toda
idea de reproche subjetivo a la conducta de éstos o a la que pudieron haber desplegado
alguno de su docentes o auxiliares dependientes (ver CN Civ., Sala K, 20-12-2004, LL, 205A-703; Trigo Represas y López Mesa, obra y tomo citados, ps. 254/255 y 266; Kemelmajer
de Carlucci, Aída, en Belluscio-Zannoni, “Código Civil y leyes complementarias”, t. 8, p.
1133, ed. Astrea, Buenos Aires, 1999; Reyna, Carlos A., en Bueres-Highton, “Código Civil
y normas complementarias”, t. 3B, p.20, 21, 26 , 27 y 32, ed. Hammurabi, Buenos Aires,
2005).Precisamente por el deber de garantía que acabo de mencionar, emerge la obligación
de seguridad en cabeza de las instituciones como la de autos, que sin duda es de resultado; y ello en atención a que aquella garantía se refiere en concreto a asegurar la indemnidad psicofísica del niño o adolescente que concurre a la entidad (ver CN Civ., Sala K, 20-12-2004,
LL, 2005-B-473; Loizaga, obra citada, p. 49 y 133; Novellino, Norberto José, “Responsabilidad por daños de establecimientos educativos”, p. 73/74, ed. Rubinzal-Culzoni, Santa Fe,
1998; Kemelmajer de Carlucci, “Código Civil y leyes complementarias”, obra y tomo citado,
p. 1127; Trigo Represas y López Mesa, obra y tomo citados, p. 253; Reyna, en Bueres-Highton, “Código Civil y normas complementarias”, obra y tomo citados, p. 25).El art. 1117 del
Código Civil, en coherencia con el tipo de responsabilidad que sancionó, regula como único
supuesto de eximición de responsabilidad los casos en que “los propietarios de los establecimientos educativos ... probaren el caso fortuito”. Vale decir que, de nada le valdrá a
la institución que se demande certificar que su personal obró con la mayor diligencia en el
evento; su responsabilidad se le impondrá de todos modos ya que, como lo vimos, no es la
culpa o negligencia la que fundamenta la obligación de responder sino el deber de garantía objetivo que antes referimos. De ahí que corresponda distinguir cuidadosamente en
el análisis de las causas entre la prueba del caso fortuito y la prueba de la falta de culpa,
pues no se tratan de conceptos equivalentes (ver esta Sala, 9-10-1997, LL, 1999-D-589;
CN Civ., Sala K, 20-12-2004, LL, 2005-A-703; CN Civ., Sala I, 25-11-1991, ED, 164-359; 1er.
Congreso Internacional de Derecho de Daños en Homenaje al Profesor Dr. Jorge Mosset Iturraspe, Buenos Aires, 1989; Alterini, Atilio Aníbal, “Caso fortuito”, en Alterini-López Cabana,
“Temas de Responsabilidad Civil”, Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Universidad de Buenos Aires y ediciones Ciudad Argentina, capítulo V, ps. 81/82 y 84; Kemelmajer de
Carlucci, en Belluscio-Zannoni, “Código Civil y leyes complementarias”, obra y tomo citados,
p. 1136; Reyna, en Bueres-Highton, “Código Civil y normas complementarias”, obra y tomo
citados, p. 26).
Una vez realizadas las debidas especificaciones, se tendrá que ver cuándo se
configura el caso fortuito; que es el eximente invocado por la demandada en este juicio. Es
sabido que el hecho, para ser así calificado, tiene que reunir, necesariamente, una serie de
requisitos; entre los cuales se encuentran el de imprevisibilidad, irresistibilidad e insuperabilidad. Sin embargo, me de ocupar sólo de uno de los requisitos fundamentales, pues
entiendo que en éste se halla el quid para resolver el presente caso, tornando innecesario entonces ocuparme de los otros: me estoy refiriendo al requisito de la extrañeidad.
Veamos.
Para que estemos jurídicamente ante un “caso fortuito” –y no solo ante un “hecho fortuito” sin trascendencia legal-- el evento debe ser extraño al deudor. Ello significa que tiene que producirse en el exterior de la esfera de acción por la cual el deudor debe
responder; esto es, debe ser ajeno a la cosa o la actividad de la persona sobre la cual pesa la presunción de responsabilidad, o hallarse afuera de dicha actividad; entendido ese “exterior” o “afuera” desde la perspectiva del origen o causa que determina el hecho (ver
esta Sala, 9-10-1997, LL, 1999-D-589; CN Civ., Sala I, 25-11-1991, ED, 164-359; V Jornadas
Sanrafaelinas de Derecho Civil, San Rafael, Mendoza, 1978; Alterini, “Caso fortuito”, trabajo
y capítulo citado, p. 76; Novellino, obra citada, p. 85; Loizaga, obra citada, p. 134; Reyna,
en Bueres-Higton, “Código Civil y normas complementarias”, obra y tomo citados, p. 32; Trigo Represas y López Mesa, obra y tomo citados, p. 273).
Así las cosas, y debido justamente a la mentada nota de extrañeidad, no le bastará al deudor con acreditar –como ya fue anticipado-- que el daño se produjo a pesar de haber mediado una conducta diligente de su personal, o probándose que los docentes y
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auxiliares responsables hicieron lo que habría hecho cualquier otro deudor diligente; sino
que, en cambio, la liberación sólo alcanzará al emplazado cuando certifique en la causa la
imposibilidad de obrar de otra manera para evitar el daño. Tal es nuestro régimen legal (ver
Alterini, trabajo y capítulo citado, p. 82; Loizaga, obra citada, p. 135).
Por lo tanto, a tenor de lo delineado, y tras el estudio del marco fáctico que haremos seguidamente, es bueno reiterar que carecerá en principio de interés jurídico en autos saber cuál sería el desempeño de un deudor diligente. Lo que entiendo corresponde dilucidar –a los fines de encaminar mi labor-- es si el suceso ventilado en la presente causa está revestido del requisito de la extrañeidad; de forma tal que la demandada, ante el
desgraciado accidente que nos ocupa, se halló en la imposibilidad de actuar de otro modo
para impedir el daño. Para decirlo en otras palabras, hay que analizar si el deceso de la
joven hubiera acontecido igual cualquiera haya sido el obrar de la encartada y el de sus dependientes.
III.3. Decisión en cuanto a la responsabilidad
A mérito de lo señalado en los acápites III.1. y III.2 del presente voto, he de proponer al Acuerdo desestimar los agravios de la demandada en lo que hace al fondo del asunto.
Asimismo, en lo relativo a este específico punto, se hará lugar a las quejas de la actora, por
lo que se atribuirá a las emplazadas el cien por ciento de responsabilidad por el hecho de
autos; con asunción de la totalidad de las costas.
IV. Conclusión
A tenor de las consideraciones fácticas y jurídicas desplegadas a lo largo del presente voto, propongo al Acuerdo: a) Modificar, en lo que hace al fondo del asunto, lo decidido
en primera instancia; asignándose a las demandadas el cien por ciento de responsabilidad
por el hecho ventilado en autos; b) Modificar el monto de condena a las emplazadas, el que
pasará a ser de $90.000; c) Confirmar lo dispuesto por el juez de grado en materia de intereses, que será la aplicación de la tasa activa cartera general (préstamos), nominal anual
vencida a treinta días del Banco de la Nación Argentina. Los réditos se computarán desde el
momento del hecho y hasta el efectivo pago; d) Imponer las costas de ambas instancias a las
accionadas, las que han resultado sustancialmente vencidas (art. 68. 1era parte, CPCCN).
b) “Agüero, Marcela Susana y Ramos, Alejandro David en represent. del menor Denis Alejandro c/ Dirección General de Escuelas por daños y perjuicios”
En la Ciudad de Mendoza, a doce de mayo de dos mil diez, se reúnen en la Sala de Acuerdos
de la Excma. Quinta Cámara de Apelaciones en lo Civil, Comercial, Minas, Paz y Tributario, los Sres.
Jueces Dres. Adolfo M. Rodriguez Saa, Juan E. Serra Quiroga y Oscar A. Martinez Ferreyra y trajeron a
deliberación la causa n° 12.216 caratulada “Agüero, Marcela Susana y Ramos, Alejandro David en representación del menor Denis Alejandro c/ Dirección General de Escuelas por Daños y Perjuicios” originaria del Octavo Juzgado en lo Civil, Comercial y Minas de la Primera Circunscripción Judicial, venida
a esta instancia en virtud de los Recursos de Apelación interpuestos a fs. 195 por la Dirección General
de Escuelas y a fs. 197 por Fiscalía de Estado ambos en contra de la sentencia obrante a fs. 178/187.Llegados los autos al Tribunal, a fs. 216/217 expresa agravios la DGE y a fs. 221/222 hace lo
propio Fiscalía de Estado, contestados por la parte actora a fs. 225/226.- Practicado el sorteo de ley quedó establecido el siguiente orden de estudio: Dres. Martinez
Ferreyra, Serra Quiroga y Rodriguez Saa.
En cumplimiento de lo dispuesto por los Artículos 160 de la Constitución Provincial y 141 del
C.P.C. se plantearon las siguientes cuestiones:
PRIMERA CUESTIÓN: Es justa la sentencia apelada?
SEGUNDA CUESTIÓN: Costas
SOBRE LA PRIMERA CUESTIÓN EL DR. MARTINEZ FERREYRA DIJO:
I.- La sentencia recurrida acoge la demandada interpuesta por los señores Marcela Susana
Agüero y Alejandro David Ramos, en representación de su hijo menor Denis Alejandro Ramos, en contra
de la Dirección General de Escuelas, condenando a ésta última al pago de la suma de $ 23.000 con
mas intereses.A fin de llegar a tal conclusión el señor Juez a quo parte del hecho, no controvertido, que el
menor se accidenta el día 29 de noviembre de 2005, mientras se encontraba jugando en el recreo de
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las 15.10 hs en la escuela 1-620 “Coronel Pedro Regalado de la Plaza.Pone de resalto que el menor se encontraba en un sector del patio que no estaba reservado
para su nivel, a punto que había una reja que los separaba, lo cual fue advertido por una de las docentes y le pidió que regresaran, oportunidad en la cual la víctima cae de la calesita y se lesiona.Partiendo de la normativa del Artículo 1117 del Código Civil, que impone una responsabilidad
objetiva u obligación de garantía, entiende no se da la eximente que la misma prevé, esto es el caso
fortuito, siendo que no se han aportado pruebas que avalen el mismo tanto en la imprevisibilidad como
en la inevitabilidad del hecho y del daño.Al momento de evaluar los daños por los que se pretende indemnización entiende se encuentra debidamente probado el 18% de incapacidad parcial y permanente lo que, trasladado a las
condiciones socio económicas de la víctima, estima prudente fijar un monto de $ 18.000. En cuanto al
daño moral, fija la suma de $ 5.000.II.- Que, al fundar su recurso, la DGE se agravia por cuanto la sentencia no tiene en cuenta
que el alumno se cayó solo, no fue empujado, lo que rompe el nexo causal, siendo que no se explica
cómo se impide que el alumno se caiga, siendo que los accidentes ocurren.Asimismo se agravia por el monto otorgado en concepto de indemnización, siendo que de las
pericias rendidas surge que el alumno se encuentra sano y el desempeño escolar posterior al accidente
fue normal, no existiendo pérdida de chance ya que la víctima es diestra y se accidentó en su muñeca
izquierda, entendiendo que la condena no debería superar los $ 5.000.III.- Por su parte, Fiscalía de Estado se agravia por el factor de imputación de responsabilidad,
siendo que de la prueba rendida surge explicado cómo se produjo el accidente, en tanto se cae solo,
agregando que las docentes se encontraban vigilando la disciplina del colegio, por lo que no ha existido
negligencia o falta de control, siendo el accidente imprevisto e inevitable.Se agravia también por los montos otorgados, en especial por el correspondiente al daño
moral, argumentando que ninguno de los testigos se ha expedido respecto de los padecimientos o
alteraciones emocionales, estimando que el mismo no puede superar la suma de $ 2.000.IV.- Que, adelantando opinión y a los fines de ordenar la exposición del presente voto, diré que
los recursos en trato deben ser desestimados.Respecto de la atribución de responsabilidad que la sentencia recurrida hace respecto de la
demanda, debo reiterar lo ya dicho en los autos 10.954/20.283 caratulado “Luna, Norma R. p/ su hija
menor c/ DGE y autos 9554/185.563 caratulados “Quiroga, Maria Soledad c/ DGE por Daños y Perjuicios”, en fallo del 20 de diciembre de 2006 (LS 28-483), oportunidad en la cual dije que “Estimo que
la demandada parte de un análisis erróneo de la atribución de responsabilidad que ha establecido el
Artículo 1117 ya que no nos encontramos frente a un caso de “culpabilidad” presumida, que admite
prueba en contrario, sino de un caso de “responsabilidad” objetiva, por lo que resulta irrelevante
la prueba de la “no culpa” del establecimiento educativo en el cuidado y vigilancia (JA 1999-I-348)”
“Es así que el punto que el establecimiento escolar debe probar es el acaecimiento del caso
fortuito, tal como lo prevé el Artículo 514 del Código Civil en tanto “Caso fortuito es el que no ha
podido preverse, o que previsto, no ha podido evitarse” “Pero el “caso” o el “hecho” no está referido exclusivamente a la forma en que se desenvolvió
la propia víctima, tal como si analizáramos la eximente de responsabilidad bajo la lupa del Artículo
1111 del Código Civil, sino que aquel también se nutre del proceder esperado del establecimiento
educativo (en la cabeza de quienes deben tomar tales decisiones) quien ha asumido aquel deber de
seguridad, del que entonces resulta deudor en esta obligación y sobre la que recae el imperativo del
Artículo 512 del Código Civil ya que “La culpa del deudor en el cumplimiento de la obligación consiste
en la omisión de aquellas diligencias que exigiere la naturaleza de la obligación, y que correspondiesen
a las circunstancias de las personas, del tiempo y del lugar.”
Asimismo, no puede dejarse de tener en cuenta lo dicho por la Suprema Corte de Justicia in re
“Mathus” decisorio en el que se estableció sin duda alguna que la responsabilidad del establecimiento
escolar era objetiva (L.S. 318-123 RFC 56-249, LL Gran Cuyo 2003-370 y ED 206-13), criterio que reitera, por ejemplo en LS 349-209, agregándose que “En suma, el régimen legal está fundado en la calidad
del sujeto dañado: un niño que debemos proteger, precisamente, por el compromiso que el Estado
argentino asumió al ratificar la Convención Internacional que consagra sus derechos.”
Desde tal perspectiva es que los apelantes no pueden pretender que, bien sea sólo con su relato en estos obrados, o bien con las actas que se labran en el momento del accidente (fs. 28/29), o bien
con el informe que emite la Directora del establecimiento (fs. 25) quede fehacientemente demostrado
que estamos frente a un hecho fortuito o fuerza mayor.
Ninguno de los apelantes se hace cargo de los argumentos del sentenciante, en tanto el menor
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estaba en un sector que no le correspondía, que tan claro no le correspondía que se había instalado
una reja divisorio, de 1,50 mts. de altura, y que el menor traspuso sin que los docentes que, se supone, se encontraban para controlar no advirtieron, sino hasta que el alumno ya estaba jugando en la
calesita.Desde allí es que, si bien no corresponde que los apelantes pregunten en sus agravios cuáles
serían los métodos para controlar a los alumnos que juegan, se podría contestar que, en este punto
concreto y para el caso concreto, los docentes deberían advertir que los alumnos no traspongan la
reja. Es que la tarea de la previsibilidad e inevitabilidad es continua, de atención permanente, de
innovación permanente frente a situaciones que antes no se advertían como potenciales peligros pero,
frente a una mirada severa y previsora, hoy si adquiere esta característica e impone resguardar o
conjurar este peligro.- Es la autoridad educativa y/o responsable del establecimiento escolar quien se
supone está en mejores condiciones de conocimiento del terreno como para implementar estas medidas, bien sea modificando lo que pueda modificarse, bien sea instruyendo debidamente a quienes se
encuentran cumpliendo funciones con el fin de dar el debido servicio, que no se agota en la instrucción
o educación escolar, sino también en la seguridad de los alumnos.Es cierto lo que dicen los apelantes en tanto ninguno de los testigos aportados por la parte actora vieron directamente el accidente, y es cierto también que no se ha podido comprobar si el menor
se cayó solo o fue empujado por un compañero. Pero ello no quita nada al derecho de los accionantes
ya que, como se ha visto, estamos (en el terreno extracontractual) en la responsabilidad objetiva y,
si se quiere (en el terreno contractual) en el incumplimiento de un deber de seguridad, siendo que en
ambos casos el daño en la víctima (como primer requisito en el análisis de la responsabilidad civil) lleva a imputar como responsable al establecimiento escolar, salvo que este alegue y pruebe la eximente
del caso fortuito.La relación de causalidad es, justamente, el daño que se produce en determinada circunstancia, esto es en el ámbito del establecimiento (que se extiende en casos excepcionales), y que sólo
puede ser interrumpido por la aparición del casus.- Sobre este punto nada mas debe alegar y probar
el reclamante y, tanto por la forma en que está redactada la norma del Artículo 1117 del Código Civil,
como por los principios que dimanan del Artículo 178 del Código Procesal Civil en cuanto a las cargas
probatorias, es obvio que la misma recae en la accionada en cuanto a su interés en probar la eximente
esgrimida.V.- Que tampoco puede admitirse el agravio que formula la DGE en cuanto al monto otorgado
por incapacidad, si bien su agravio pareciera englobar toda la suma de condena.De ninguna manera puede aceptarse el fundamento que da la apelante, en tanto el menor no
ha experimentado una pérdida de chances, o bien que su rendimiento escolar ha continuado igual, o
bien que es diestro y la lesión se produjo en la muñeca izquierda.La pericia médica rendida en autos es clara y contundente, la víctima padece una disminución
de su capacidad del orden del 18%, informe éste que no fue observado por la ahora apelante.- Este
derecho a observar los informes periciales debe ser ejercido en tiempo y forma, caso contrario debe
aceptarse la pérdida de tal derecho y, por ende, la conclusión que surge de dicha prueba.El recurso de apelación debe centrarse en criticar el razonamiento del juzgador en base al derecho aplicado y pruebas analizadas, pero no a criticar o pretender volver sobre las pruebas rendidas
en debida forma, por lo que el fundamento que la apelante pretende en su agravio raya con la previsión del Artículo 137 del Código Procesal Civil y, en rigor, debería ser declarado desierto en este punto.No obstante, a fin de asegurar el debido proceso por parte de esta Alzada, tengo para mi que
el señor Juez a quo ha valorado debidamente la pericial médica rendida, de la que surge el grado de
incapacidad ya citado y, utilizando el mismo, lo ha volcado en la situación económico social en que
se desenvuelve la víctima (cuestión ésta no cuestionada por la apelante) entendiendo que la suma
otorgada en concepto de indemnización aparece como prudente, lo que comparto plenamente.Si el menor es diestro y, a los fines de las actividades en las que se requiere del uso de una
sola mano, la incapacidad detectada no lo afecta, es sólo una consecuencia del grado de incapacidad,
posiblemente si el daño fuera en la mano derecha el grado de incapacidad sería mayor. Por otra parte,
continuar un rendimiento escolar igual al que se detectaba con anterioridad al hecho dañoso no puede
extrañar ya que, si no tiene dificultad en la escritura, prácticamente el resto de aquella actividad no
requiere de actividad manual sino intelectual. Por último, tengo presente que la incapacidad que se
refiere, no sólo podría afectar –llegado el caso- la actividad escolar (en educación física por ejemplo),
sino que se proyecta al futuro laboral de la víctima y a su vida de relación, puntos éstos sobre los
cuales la apelante nada dice.VI.- Que tampoco puede admitirse el agravio que formula Fiscalía de Estado respecto del
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monto otorgado en concepto de indemnización por el daño moral ya que no nos encontramos frente
a una mera fractura de muñeca (lo cual no es una lesión menor), sino que debemos tener presente
que el menor se vio sometido a dos intervenciones quirúrgicas, la incorporación de elementos de
osteosíntesis, los dolores y malestares que de ello implica y, finalmente, que el resultado de todas
estas intervenciones médicas no dieron el resultado total esperado, todo lo cual es relatado clara y
concisamente en el informe pericial.Desde esta perspectiva es que, incluso, el monto indemnizatorio hasta parece exiguo si tomo
en cuenta que se trata de un joven (a la fecha de 14 años) con una reducción de movilidad en su brazo
y apariencia que, obviamente, lo habrá de mortificar permanentemente.En conclusión, no encuentro fundamento alguno en los agravios de la apelante que, de alguna
forma, me permitan seguir su discurso en el que se pretende reducir el monto de condena por dicho
rubro.Así voto.Por el mérito del voto que antecede los Dres. Serra Quiroga y Rodriguez Saa adhieren al
mismo.SOBRE LA SEGUNDA CUESTIÓN EL DR. MARTINEZ FERREYRA DIJO:
Que atento al resultado de la cuestión que antecede corresponde que las costas de la Alzada
se impongan a los recurrentes vencidos, conforme lo reglado por el Artículo 36 inc. I del Código Procesal Civil.Respecto de la regulación de honorarios profesionales, deberá tomarse como base de cálculo
el monto de condena en tanto ambos apelantes cuestionan el factor de atribución de responsabilidad
de la demandada.Así voto.Por el mérito del voto que antecede los Dres. Serra Quiroga y Rodriguez Saa adhieren al
mismo.Con lo que se terminó el acto, procediéndose a dictar la sentencia que a continuación se
inserta:
SENTENCIA. Mendoza, 10 de diciembre de 2009.Y VISTOS Por el mérito que resulta del acuerdo precedente, el Tribunal
R E S U E L V E:1°) No hacer lugar a los recursos de apelación deducidos por la Dirección General de Escuelas a fs. 195 y por Fiscalía de Estado a fs. 197, ambos en contra de la sentencia obrante
a fs. 178/187.2°) Imponer las costas de la Alzada a los recurrentes vencidos. Dr. Oscar Alberto MARTINEZ FERREYRA, Dr. Juan Enrique SERRA, Dr. Adolfo RODRIGUEZ SAA
4. CONCLUSIONES
Debemos considerar lo siguiente:
1- la culpa atribuida a directores y maestros artesanos en el viejo articulo 1117, del Código Civil
podría tener alguna justificación en la manera y la forma en que se desarrollaba la educación
en los tiempos en que se realizo el código donde todo el proceso educativo se realizaba bajo
la atenta mirada de los mencionados.
Cuando la forma de la educación cambio, volviéndose a través de procesos muchos mas complicados con actividades impropias del viejo sistema en lugares diferentes y donde directores
y maestros no pueden seguir puntualmente la secuencia de los acontecimientos el dispositivo
normativo imperante resulto injusto y debía reformarse.
La cuestión de la culpa en la victima hubiese sido injusta, por cuanto seguiríamos con el
concepto de la responsabilidad subjetiva y dejaríamos a la mayoría de los damnificados sin
resarcimiento.
Por ello la mejor solución resulta la responsabilidad en cabeza del propietario del establecimiento de enseñanza, ya que resulta un riesgo de la organización de actividades educativas,
y la vigilancia de los escolares una obligación de garantía de la indemnidad de estos y de
terceros.
2– El avance de la legislación en esta materia es innegable, la objetivación
de la responsabilidad y la obligatoriedad del seguro convierte claro y previsible a todo el sistema.
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3– Es de suyo obligatorio la obligación de que los daños sean reparados,
esto tiene raíz constitucional, y el derecho privado debe seguir consecuentemente la intención vertida en el texto constitucional la ley 24830 posibilita la obtención del resarcimiento
a quien fue dañado y a los terceros que pueden serlo como consecuencia de la actividad,
esto hace que todas las aristas de la relación estén previstas y objetivadas.
Los millones de alumnos menores y terceros que se ven amparados por la sanción de esta ley,
haciendo cumplir de pleno derecho los preceptos constitucionales agradecen esta evolución del derecho privado que ha bajado a la realidad concreta una declaración de nuestra Carta Magna, aportando
una solución concreta a un problema concreto.
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Doutrina Internacional
La constitución rechaza el
derecho registral “extremista”—
Crítica al fetichismo registral
Gunther Hernán Gonzales Barrón1
1. EL REGISTRO ES UN MEDIO, NO UN FIN; PUES SOLO LOS VALORES Y PRINCIPIOS
CONSTITUCIONALES SON FINES
El Estado organiza un sistema que permite contar con un título formal de prueba de los derechos; de esta forma, el comprador, o el acreedor hipotecario, podrá gozar de certeza respecto de las
adquisiciones que realizan y, en ese sentido, se asegura la rentabilidad de sus proyectos de inversión.
Precisamente, el Registro facilita el conocimiento del estado jurídico de los derechos, proporcionando un título (o conjunto de títulos) con investidura formal1, y que tiene influencia en dos momentos:
durante la fase de conservación del derecho correspondiente al titular inscrito, y durante la fase de
renovación del derecho referido a un tercer adquirente. Por tanto, se puede afirmar que el fundamento de la publicidad se encuentra en dar pública cognoscibilidad de determinados hechos,
actos, situaciones o eventos de la vida jurídica, de tal manera que cualquier interesado puede
conocer esta información; y, de esta forma, la publicidad se erige en un mecanismo para resolver
los conflictos2, con lo cual se tutelan derechos y se resguardan adquisiciones. En suma, hay un interés
general en que determinadas situaciones sean cognoscibles por cualquiera, y por eso la ley organiza y
regula su publicidad3.
Sin embargo, existe una “vieja doctrina” (propia de la modernidad, ya superada) que insiste
en mantener ciertos dogmas. Así, escuchamos frases retóricas, tales como “El Registro es la verdad
oficial”, “la inscripción debe ser constitutiva”, “la inscripción dota de oponibilidad”, “el Registro
protege la seguridad del tráfico”, “todos los conflictos se resuelven a favor de quien inscribe”, “el
asiento registral prima sobre el título archivado”, “el registrador tiene calificación plena”, entre otras
afirmaciones sin sentido y que ya han sido refutadas desde hace tiempo. Lamentablemente en nuestro
país se repiten mecánicamente.
El Registro busca publicar la realidad jurídica a efecto de lograr seguridad jurídica en los actos
de transmisión y adquisición de bienes; pero nunca puede contraponerse a dicha realidad, bajo pena
de limitarse a vivir en una ficción y, con ello, propiciar el fraude. Nuevamente debemos recordar que
el Registro es un medio, y no un fin por sí mismo. En tal sentido, la mecánica de inscripción y publicidad solo se justifica dentro del contexto de un sistema patrimonial sano, honesto, justo, seguro; en
donde la información registral dé publicidad de los hechos, sin crearlos o sin deformar la realidad.
El “Derecho registral extremista” pretende cerrarse en la inscripción, y con ello adopta una
cuestionable postura ideológica, en pro de los Bancos, empresas financieras, trasnacionales y todos
aquellos a quienes solo les interesa lucrar y recuperar su inversión en el menor tiempo posible. De allí
(1)
Profesor de Derecho Civil y Registral en pregrado y postgrado de la PUCP, USMP, UIGV y UNMSM. Profesor Ordinario de la PUCP. Doctor en
Derecho, Magíster en Derecho Civil y Abogado por la PUCP. Estudios concluidos en la Maestría con mención en Política Jurisdiccional por la
PUCP. Estudios de Máster Universitario de Derecho Constitucional en la Universidad Castilla La Mancha. Diplomado en Jurisdicción, Derechos
Humanos y Democracia por la Corte Interamericana de Derechos Humanos y PUCP. Pasantía en la Corte Suprema de Costa Rica por invitación
de su presidente. Postgrado de Especialización en Responsabilidad Civil Contractual y Extra-contractual por la Universidad de Castilla La
Mancha. Diplomado en Economía y Derecho del Consumo por la Universidad de Castilla La Mancha. Miembro de la Unión Mundial de Agraristas
Universitarios (UMAU), con sede en Pisa, Italia. Miembro del Consejo de Dirección del Anuario Iberoamericano de Derecho Notarial (España).
Vocal de la Asociación Iberoamericana de Derecho Privado. Director de las colecciones jurídicas “Biblioteca Moderna de Derecho Civil” y
“Derecho Privado Contemporáneo”. Juez Superior Titular de la Corte de Justicia de Lima. Ha sido Presidente y Vocal Titular del Tribunal
Administrativo de la Propiedad de COFOPRI y Vocal Presidente de una Sala del Tribunal Registral.
“para procurar conseguir la seguridad de los adquirentes de bienes inmuebles, o de los que dan dinero a préstamo con garantía sobre bienes inmuebles, se ha procurado facilitar a los presuntos adquirentes y a los prestamistas con garantías de inmuebles, ciertas facilidades de
investigación del estado de dichos inmuebles, tanto en lo que se refiere a su titularidad, como a su estado de cargas”: DÍEZ PICAZO, Luis.
Fundamentos de Derecho Civil Patrimonial, Editorial Civitas, Madrid 1995, Tomo III, p. 299.
2 PUGLIATTI, Salvatore. La trascrizione. La pubblicità in generale, Giuffré Editore, Milán 1957, Tomo I, p. 268.
3
TRIMARCHI, Pietro. Istituzioni di diritto privato, Giuffré Editore, Milán 1998, p. 618.
En la doctrina italiana se considera como uno de los principios fundamentales del sistema la “relación entre oponibilidad y cognoscibilidad”,
por el cual se exige que solo puedan ser opuestos los hechos sobre los que los terceros puedan procurarse el conocimiento por medio de la
consulta del instrumento publicitario: IBBA, Carlo. La pubblicitá delle imprese, CEDAM, Padua 2006, p. 4.
1
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nacen ideas, tales como que fuera del registro nada existe, no es válido o carece de relevancia jurídica. En cambio, “el que inscribe cuenta con una garantía absoluta de su derecho”. Con este criterio, el
estudio del derecho registral debiera iniciarse y concluirse el mismo día, pues todos los conflictos de la
vida debieran solucionarse con la frase trillada: “primero en el registro, más poderoso en el derecho”.
En efecto, en ningún sistema jurídico del mundo se ha pretendido que el registro otorgue
garantía absoluta e inconmovible, pues la realidad impone tomar en cuenta otras variables para llegar a una justa y armónica conciliación de intereses. Por eso hoy, y desde siempre, se reconocen
múltiples limitaciones a la actuación del registro, es decir, aspectos sobre los cuales no juega rol
alguno. Enumeremos algunos: mala fe del tercero, posesión contradictoria, usucapión, error en las
mediciones de las superficies, datos físicos de la finca, dominio público natural o artificial, derechos
reales patentes o notorios, elementos de hecho discordantes a la publicidad, adquisiciones originarias,
restricciones legales de la propiedad, dobles inmatriculaciones, entre muchos otros. En consecuencia,
el registro solo puede otorgar una relativa seguridad, pues nada ni nadie puede avanzar más allá de
eso. Los extremistas siguen soñando, y lo seguirán haciendo, con el mito de la seguridad plena. Por el
contrario, nosotros sostenemos la necesidad de un “derecho registral realista”, que tome en cuenta
las complejidades de la vida en relación, y no se cierre en las formas. Recordemos que el registro es,
quiérase o no, un formalismo, por lo cual tiene todas las ventajas de tal (certeza, seguridad, fehaciencia), pero también tiene todos los inconvenientes de ceñirse a la etiqueta y abandonar el contenido
(fraudes, engaños, apariencia, mala fe, injusticia, deformaciones de la realidad, ficciones).
Muchas veces se dice que el registro protege al diligente que inscribe y no al negligente que se
mantiene en la clandestinidad. Pues bien, esa es una forma de ver las cosas, a veces interesada con el
fin de proteger a los inversionistas, a los poderosos, a las trasnacionales. Pero existe otra perspectiva:
¡qué importa el diligente que inscribe, por ejemplo, si hace más de diez años no posee! Ante ello, cabe
preguntarse, ¿qué es más relevante? Inscribir y guardar un título formal en el escritorio; o disfrutar de
los bienes, producir, generar riqueza, mover la economía. Cómo dice VALLET DE GOYTISOLO, se puede
ser diligente en lo formal (registro) pero negligente en lo sustancial (usar y disfrutar de los bienes).
Por tanto, hay que descartar este argumento facilista.
El “nuevo Derecho registral” (realista), propio de nuestra época posmodernista, se enfoca
en la complejidad del problema, asumiendo que el registro es un importante instrumento que otorga
garantía relativa a los actos de transmisión y adquisición de bienes, pero que puede ser sobrepasado
por otros valores que el ordenamiento considera preferibles.
El Registro busca reflejar la realidad, y no crearla. El siguiente texto lo manifiesta en forma
esclarecedora:
“El registro no crea la propiedad, ni siquiera la define, sino que el registro es un mero instrumento
para identificar, proteger y servir a la propiedad, a la que presta certeza; pero certeza limitada ontológicamente por el problema de los orígenes: el registro resuelve en cierta medida el problema de la
incerteza del título, pero no el de la incerteza de la causa y el objeto de la propiedad, y no resuelve
tampoco el problema del carácter corrosivo del transcurso del tiempo.
El Registro de la propiedad presenta también sus lados sombríos. Un Estado absoluto predica un registro de eficacia absoluta, y entonces un ángel caído se levanta amenazante y nos mira a los ojos. La
fascinación por la eficacia del registro no nos debe olvidar los riesgos que su utilización abusiva comporta: a mi parecer algunos sistemas registrales han legitimado arbitrariedades notorias, están montados
sobre la supremacía absoluta del libro (la voluntad política) sobre la realidad, y se basan efectivamente
en la injusticia de expropiar (por la mera inscripción del nombre de un propietario en unos libros) al
propietario real sin indemnización. El registro sirve entonces para legitimar lo que no es sino un expolio de personas o colectividades, para condenar a todos aquellos que no estén inscritos en el libro.
El progreso material y el deseado desarrollo económico se pretende entonces negando la propiedad,
derecho natural, y sin querer volver la vista atrás, a la significación del hombre y su dignidad como fin
y presupuesto a todo sistema jurídico.
Entiendo desde esta perspectiva que el Registro está definido por dos límites estructurales ontológicos:
de una parte el hombre es anterior a la organización que le sirve (y la propiedad como realidad del
hombre es anterior a su publicidad registral); de otra parte, la eficacia de la publicidad está determinada por sus presupuestos y medios técnicos”4.
4
140
ÁLVAREZ CAPEROCHIPI, José Antonio. Derecho Inmobiliario Registral, Jurista Editores, 3º edición, Lima 2010, pp. 179-180.
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En suma, el Registro solo puede entenderse, y valorarse, como una figura de seguridad jurídica
con justicia; por tanto, se hace imperativo ponderar las circunstancias del caso y los valores en juego
para lograr una solución más cercana a la justicia, lo que en ningún caso pasa por darle veracidad
absoluta al registro o limitarse a cerrar los ojos ante la inconmensurable realidad5.
2. LA POSMODERNIDAD EN EL DERECHO IMPLICA SUPERAR EL FORMALISMO
La postmodernidad nace en el siglo XX como reacción frente a la comprobación que la razón
no ha solucionado los problemas del hombre. En efecto, el avance del conocimiento, de la técnica y de
la ciencia, que tanto ha contribuido al crecimiento de la riqueza, aunque en forma muy desigual entre
los distintos estamentos de la sociedad, sin embargo, no ha logrado la felicidad privada, amenazada
por el consumismo y la angustia; ni la honestidad pública, aquejada por la corrupción; ni la libertad
política, sojuzgada por las fallas notorias de la democracia; ni tampoco se ha logrado la igualdad entre
los hombres, socavada por las diferencias entre la clase dominante, minúscula, frente a los desposeídos, que son la gran mayoría.
El sigo XX marca el punto de mayor riqueza de objetos en la historia del hombre, de mayor
conocimiento, de la sociedad global por la rapidez de las comunicaciones; pero al mismo tiempo representa la época de las guerras más sangrientas, de los totalitarismos más feroces, de las mayores
perversiones, del ocaso espiritual y moral. Estas contradicciones, tan marcadas, hacen que el hombre
dude y abandone el proyecto del modernismo; por tanto, queda de lado la idea del progreso imparable, la unificación de las sociedades bajo parámetros y éticas comunes, la absorción de los países
satélites por la fuerza expansiva del mundo occidental.
En buena cuenta, los ideales de la modernidad no se han cumplido. La unidad social se
disuelve en las minorías, cada vez más importantes y con agenda propia; la ética de las naciones occidentales ya no es la única que se tiene en cuenta, y, por el contrario, se critica hoy la falta de los
mismos valores que permitieron la construcción de esas sociedades; la transparencia e información de
los medios, que si bien transmiten los hechos en tiempo real, empero, todo ello se desvanece con la
banalización de los contenidos, con la multiplicidad de versiones; y, por último, la realidad, única y
objetiva, no existe, solo quedan los subjetivismos.
La idea clave del progreso incesante e imparable, dominado por la razón, no se concreta. En
cambio, se constata que la historia no es una línea ideal que avanza desde el primitivismo hasta la conciencia absoluta, sino, más bien, es el conjunto de historias diversas, no ensambladas, ni lineales. La
supuesta historia del progreso no es otra que la contada por los vencedores occidentales, ideologizada,
reducida a grandes sucesos que importan a las clases dominantes; es claro, pues, que los vencidos no
forman parte de la historia6.
La postmodernidad plantea “de-construir”, en palabra de Jacques Derrida, el edificio conceptual de la razón. Si antes había totalitarismo de la ética, en el presente hay relativismo; si antes
había mundo occidental dirigente, en el presente hay muchos mundos; si antes había historia lineal,
en el presente hay multitud de historias que no conducen necesariamente al progreso; si antes había la
pretendida seguridad para la vida, en el presente hay debate, diálogo problemático, difícil consenso.
El Derecho no ha sido inmune a la postmodernidad.
El cuestionamiento de la racionalidad conlleva que suceda lo propio con los conceptos jurídicos
basados en ella, tales como la codificación, el positivismo, el individualismo, la libertad absoluta, la
solución única y correcta en las controversias jurídicas, la seguridad jurídica como valor prevaleciente.
Por tanto, el nuevo modo de ser del Derecho se construye sobre la base de los derechos humanos, valores de alto contenido ético, pero que sufren de gran indeterminación. En tal contexto, la
codificación, el normativismo y la seguridad jurídica liberal pierden sentido. También sufren las ideas
de soberanía y democracia parlamentaria como medios para construir la voluntad estatal, pues, hoy,
“La misteriosa fuerza de la tierra no puede ser desconocida por el registro, como creación artificial del hombre, pues el registro, en ocasiones, se deja seducir por intereses espurios. En particular, la posesión pública y pacífica prueba la propiedad (prescripción) y la presume”:
ÁLVAREZ CAPEROCHIPI, José Antonio. Derecho Inmobiliario Registral, 2º edición, Editorial Comares, Granada 2006, p. 41.
6
“Pues bien, en la hipótesis que yo propongo, la modernidad deja de existir cuando –por múltiples razones- desaparece la posibilidad de seguir
hablando de la historia como una entidad unitaria. Tal concepción de la historia, en efecto, implicaba la existencia de un centro alrededor
del cuál se reúnen y ordenan los acontecimientos (…) La crisis de la idea de la historia lleva consigo la crisis de la idea de progreso: si no hay
un decurso unitario de las vicisitudes humanas, no se podrá ni siquiera sostener que avanzan hacia un fin, que realizan un plan racional de
mejora, de educación, de emancipación. Por lo demás, el fin que la modernidad pensaba que dirigía el curso de los acontecimientos era también una representación proyectada desde el punto de vista de un cierto ideal del hombre”: VATTIMO, Gianni. “Posmodernidad: ¿una sociedad
transparente?”. En VV.AA. En torno a la posmodernidad, Anthropos Editorial, Barcelona 2011, pp. 10-11.
5
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141
tales absolutos se derrumban frente a las Constituciones o los tribunales.
Asimismo, la postmodernidad reconoce las diferencias, las minorías, los “otros”, que también
son incluidos en un proyecto conjunto, pero no común. La tolerancia pasa a convertirse en valor fundamental; pero ello también trae preocupación por los pobres y los marginados. Los derechos humanos
no solo son libertades frente al Estado, sino también prestaciones con la meta de una igualdad sustancial y real, por tanto, el individualismo cede su lugar a la solidaridad.
La postmodernidad derrumba las bases teóricas del Derecho civil liberal.
La codificación es, precisamente, una técnica legislativa nacida en el liberalismo, que se caracteriza por regular una determinada parcela de la vida social con la pretensión de integridad, claridad,
orden, sistemática y seguridad jurídica; de tal suerte que todos los conflictos jurídicos pueden resolverse mediante la simple consulta de ese texto legal. En buena cuenta, es como un libro en el cual se
encontrará de manera fácil y sencilla todas las respuestas que se buscan. Los Códigos se basan en las
ideas de universalidad (medio) y seguridad (fin); pero su trasfondo filosófico no es otro que el positivismo
y el formalismo. En efecto, todo se resuelve con la ley en la mano, y no existe nada más que buscar.
El neo-constitucionalismo, los derechos humanos y las modernas concepciones filosóficas del
derecho han producido el estallido de la codificación, pues al superarse el positivismo que se concentra en normas simples cuyo fin es la certeza, entonces se produce el fenómeno denominado de “indeterminación del derecho”, por lo que hoy no se sabe a ciencia cierta cuál será la solución de alguno
de los llamados “casos difíciles”, pues no solo entra en juego una norma del Código, sino también uno
o más principios elásticos contenidos en la Constitución, o una norma internacional de derechos humanos, o la jurisprudencia de un Alto Tribunal o Corte, o incluso el informe de un relator temático del
sistema universal de derechos humanos que tiene incidencia en la hermenéutica. A ello se suma que el
juez no es más la boca de la ley, sino el centro del sistema jurídico como último garante de los derechos fundamentales del hombre. La falta de certeza es una consecuencia directa de la aplicación
de los derechos fundamentales en la solución de los conflictos civiles7.
Las fuentes del derecho se han expandido verticalmente (más normas y más decisiones
jurisprudenciales; algunas de las veces superpuestas entre sí), pero también en sentido horizontal
(el contenido de cada norma legal, que debe adecuarse a la Constitución o a un tratado de derechos humanos interpretado por una Corte Internacional, se ha vuelto indeterminado). Así pues, en
el Estado Constitucional, los casos jurídicos se vuelven complejos, pues en muchos casos se resuelven
por virtud de los principios que requieren de la técnica de ponderación de derechos fundamentales;
y ya no por reglas técnicas establecidas en un Código. El Derecho actuado por medio de principios
abiertos y de difícil concreción, y no por reglas exactas y de aplicación incondicionada, es la negación
misma del espíritu que animó en su momento el fenómeno de la codificación. Por tanto, no es que los
Códigos estén en problemas o desfasados con relación a la tecnología moderna o a la nueva sociedad,
sino que la idea misma de un código es la que se encuentra en profunda crisis de justificación; y por
ahora parece ser una idea en declive, y tal vez ya superada.
En consecuencia, el Derecho se ha problematizado, y eso no cuadra con la concepción de
reglas claras y sencillas que anima a los códigos.
En buena cuenta, una mayor preocupación por la justicia, conlleva necesariamente una dosis
creciente de incertidumbre, pues entran a tallar los principios, la argumentación, las distintas fuentes normativas, lo que produce inseguridad en la solución. Ya no se admite que una regla específica
pueda responder a cada problema jurídico, sin mayor debate o carga argumentativa. En suma: a más
justicia, menos seguridad; a más seguridad, menos justicia. El neo-constitucionalismo actual opta por
lo primero; el positivismo optó decididamente por lo segundo.
Algunos ejemplos para comprobar estas afirmaciones:
El Derecho de Familia del Código Civil de 1984 prácticamente no ha sufrido variaciones. El
texto se mantiene casi inalterable, sin embargo, su significado ha variado radicalmente. Por ejemplo,
“Al derecho privado, que hasta ahora determinaba en solitario la configuración de las relaciones jurídicas y la decisión de los conflictos
jurídicos, se le sobrepone otro orden jurídico; este tiene incluso primacía sobre él, si bien consiste solo en principios jurídicos, además de
escasos, muy amplios y frecuentemente indeterminados, cuyo significado para el caso concreto siempre será de más difícil determinación
que el correspondiente a las normas pertinentes del Derecho privado: la claridad y la certeza jurídica, necesarias justamente para el tráfico
jurídico-privado, resultan afectadas de modo no irrelevante. La falta de claridad se incrementa por la peculiaridad de la constelación de
los derechos fundamentales”: HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado, traducción de Ignacio Gutiérrez, Editorial Civitas,
Madrid 2001, pp. 59-60.
7
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la regla de impugnación de la paternidad matrimonial impone que el marido la cuestione en el brevísimo plazo de noventa días contado desde el nacimiento del hijo. La idea de un plazo tan reducido es
eliminar de raíz la controversia, pues en una época en la que no se contaba con medios tecnológicos
apropiados para comprobar o negar la paternidad, entonces resultaba solo una ironía dejar abierto
indefinidamente el plazo de impugnación. Igual no era posible la prueba, ni en mucho, ni en poco
tiempo. Por tanto, una mejor solución era cerrar rápidamente la duda, unir a la familia (a veces, de
modo forzado), y dar por cierto que el marido es el padre del niño.
Sin embargo, en la actualidad, la prueba del ADN ha revolucionado las concepciones tradicionales del Derecho de Familia, incluyendo la presunción pater is (se presume que el hijo nacido en el
matrimonio tiene como padre al marido), que ya casi no es necesaria. Por tanto, la verdad genética se
puede conocer en cualquier momento, no solo en los noventa días que señala la ley, sino diez, veinte
o treinta años luego del nacimiento; incluso, cuando el padre o el hijo han fallecido. Los Tribunales de
Justicia, en la práctica, han abrogado la norma codificada, pues siempre dan pase a las demandas para
conocer o impugnar la filiación, basándose en la Convención Internacional de los Derechos del Niño o
en el derecho a la verdad, creado en otro contexto por la Corte Interamericana de Derechos Humanos8.
Sin dudas, un cambio de paradigma iniciado por la jurisprudencia9.
Un ejemplo más reciente se ha dado con relación a las deudas por obligaciones alimentarias,
cuya prescripción extintiva opera a los dos años, según el Código Civil. Sin embargo, una reciente
sentencia del Tribunal Constitucional ha originado un importante debate respecto de esta norma y su
constitucionalidad, pues, efectivamente, parece incoherente que la prescripción de las obligaciones
comerciales se produzca en un lapso temporal mayor que el delos alimentos. Es una curiosa fórmula de
discriminación, que privilegia a los Bancos, y, por el contrario, valora en sentido negativo a los niños y
mayores en estado de necesidad. El tema, sin duda, y sobre la base de esta decisión jurisprudencial,
tendrá que repensarse y replantearse10.
Un estudiante que quisiera conocer a cabalidad el Derecho de Familia no podría limitarse a
estudiar el Libro III del Código, pues su conocimiento resultaría imperfecto y desactualizado. Hoy, el
Derecho no se puede reducir a las normas codificadas.
En tal sentido, se ha perdido seguridad, pero en contrapartida existe una más acentuada
búsqueda de la justicia. Por tanto, el pretexto de la seguridad jurídica para cerrar rápidamente el de La jurisprudencia ha jugado un rol importante en esta materia. En la década de los 90’s se presentó el conocido caso de una vedette y un periodista que, supuestamente, tuvieron un encuentro ocasional que dio lugar al nacimiento de un hijo. La vedette demandó el reconocimiento
judicial, solicitando que el periodista se someta a la prueba del ADN. Este se defendió mediante la regla legal, por la cual, el reconocimiento
solo podía plantearse judicialmente si es que el caso se encontraba en algunos de las pocas hipótesis tipificadas, tales como la existencia de
prueba escrita, la vida en común de la madre con el supuesto padre, y otras pocas más. La idea del Código de 1984, nuevamente, se basaba
en la imposibilidad de conocer la verdad genética, por lo que era inútil una demanda de este tipo, salvo que entre las partes involucradas
existiese una relación afectiva, relativamente estable que permita deducir el acto sexual. En consecuencia, una prostituta, o una amiga ocasional, no podían demandar el reconocimiento. Por tanto, la ley no solo admitía la pobreza de los medios tecnológicos de la época, sino que,
además, tomaba partido claramente por una especial moral sexual, propia de las relaciones estables; y terminaba castigando los encuentros
accidentales.
Pues bien, en este caso paradigmático del nuevo modo de ser del Derecho, la jurisprudencia avanzó decididamente en remozar la ley. Primero,
no importaba más las causas tipificadas para solicitar el reconocimiento, por tanto, el encuentro sexual aislado dejaba de estar penalizado por
una determinada concepción moral. Segundo, se admitió la prueba del ADN, a pesar de la falta de norma. Tercero, cuando el emplazado se
negaba a someterse a la prueba, entonces se valoró negativamente esa conducta, en el entendido que la renuencia tenía como única finalidad
la frustración en el conocimiento del hecho, por lo que, ante tal actitud, se le reputaba probado.
Posteriormente, la ley se modificó para permitir la prueba del ADN. Los cambios fueron incesantes, y hoy, incluso, existe una vía procesal
específica para el reconocimiento de hijo extramatrimonial, en el cual se invierte la carga de la prueba, pues si el supuesto padre no contesta
la demanda o no paga el costo de la prueba, entonces se le declara padre.
9
Los nuevos paradigmas científicos no avanzan fácilmente y en forma lineal; por el contrario, son objeto de toda la resistencia posible por los
partidarios de las ideas revolucionarias. Así: KUHN, Thomas. La estructura de las revoluciones científicas, traducción de Carlos Solís, Fondo
de Cultura Económica, México 2010, pp. 269 ss.
10 “Sobre el particular, el Tribunal Constitucional estima que la medida estatal adoptada (artículo 2001, inciso 4 del Código Civil), que limita
el derecho a la efectividad de las resoluciones judiciales y el derecho de los niños y adolescentes a percibir alimentos –determinados en una
sentencia-, no resulta absolutamente necesaria para la consecución del objetivo que pretende, pues este pudo haber sido conseguido mediante otras medidas igualmente idóneas, pero menos restrictivas del aludido derecho fundamental, como por ejemplo el establecimiento de un
plazo de prescripción mayor, más aún si se tiene en consideración que ya el inciso 1) del mencionado artículo 2001 del Código Civil establece
la prescripción de la acción que nace de una ejecutoria (que puede versar sobre cualquier asunto) en un plazo de diez años. Resulta arbitrario
que el legislador del Código Civil haya fijado un plazo de prescripción de 2 años para aquella acción que nace de una sentencia que fija una
pensión de alimentos, pero que en el caso de la acción que nace de una sentencia que fija cualquier otro tipo de pago haya establecido un
plazo de 10 años, más aún si se toma en consideración que el principio constitucional de protección del interés superior del niño, niña y del
adolescente (el mismo que se desprende del artículo 4 de la Norma Fundamental) exige un trato especial respecto de tales menores de edad,
no solo en el momento de la producción de normas, sino también en el momento de la interpretación de las mismas. No se puede sostener
que en un Estado Constitucional se respeta el principio de interés superior del niño y del adolescente cuando se verifica que existen, de un
lado, leyes que establecen la prescripción en 2 años de la acción para cobrar las pensiones de alimentos de los niños y adolescentes y, de otro
lado, leyes que establecen la prescripción en 10 años de la acción para cobrar cualquier otro tipo de deuda establecida en una ejecutoria.
Por tanto, habiéndose verificado que la medida estatal examinada no supera el examen de necesidad, y consecuentemente que tal medio restringe injustificadamente los derechos de los niños y adolescentes a la efectividad de las resoluciones judiciales y a percibir alimentos, debe
declararse la inconstitucionalidad de tal medida estatal (norma o sentido interpretativo), por resultar incompatible con la Constitución”: Exp.
N° 02132-2008-PA/TC-ICA, Sentencia de 09 de mayo de 2011, 36° fundamento jurídico).
8
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bate de las nulidades mediante una forzada caducidad, puede encerrar opciones discutibles, o mejor,
francamente erradas y absurdas, las que pueden resumirse a través de las siguientes preguntas, cuyas
respuestas le corresponde a los propulsoresde la tesis de la rápida caducidad: ¿seguridad jurídica, para
quién?, ¿para el falsificador, para el falsario, para el delincuente?; ¿seguridad jurídica, para qué? ¿para
convalidar con la máxima celeridad los fraudes, los abusos, los despojos?
En resumen, la visión positivista del Derecho, encerrada en puras normas, sin contenido, sin
moral, sin valores, que no centraliza al ser humano, y que se basa en el puro y más descarnado formalismo, es una propuesta que en la actualidad se encuentra agotada.
3. LA FALSA DICOTOMÍA ENTRE “SEGURIDAD ESTÁTICA” Y “SEGURIDAD DINÁMICA”
Es muy común la afirmación referida a que el Registro es un instituto destinado a otorgar seguridad jurídica a los derechos, ya sea para defender la adquisición realizada, ya sea para consolidar
las transmisiones por realizarse. LACRUZ y SANCHO señalan que la finalidad primaria del Registro es la
protección del tráfico y la agilización de las transacciones inmobiliarias, al suplir con una consulta las
difíciles indagaciones sobre la titularidad de los bienes11.
Aquí entran en juego las disputas filosóficas: para unos debe primar la justicia representada
por el “interés del propietario” de no ser despojado sin su consentimiento; para otros debe primar
la seguridad jurídica representada por el “interés del tercero” de ver consumada su adquisición por
haber confiado en una apariencia razonable, aunque el transmitente no hubiera sido el verdadero propietario. Se dice que hay un conflicto entre la justicia y la seguridad jurídica, pues el ordenamiento finalmente optará por una salida. En tal sentido, si el Registro es una institución de seguridad, entonces
parece claro que éste debe optar, en la encrucijada, por el “interés del tercero”. Se dice que el valor
inferior de la apariencia prima sobre el valor superior de la verdad como una medida desesperada para
evitar los conflictos eternos o las dudas insuperadas. Eso mismo ocurre con la cosa juzgada, en donde
se admite que una solución injusta pueda convertirse en definitiva para evitar un debate interminable;
o en la prescripción extintiva de los derechos, por el que se puede beneficiar a un sujeto que incumplió
la ley, pero de esa manera se impide que las pretensiones jurídicas puedan hacerse valer indefinidamente en el tiempo. Se dice entonces que la seguridad jurídica, como hermana menor, se impone en
algunos casos por razones de política legislativa, en cuanto se considera preferible, en ocasiones, que
prime la simple apariencia por sobre la realidad jurídica.
También se sostiene de forma ingenua que el Registro solo sirve para favorecer a los terceros,
es decir, a los que adquieren derechos, y en el caso de conflicto su posición jurídica es privilegiada
frente al propietario, ya que se encuentra en juego el principio de seguridad del tráfico o de protección de los terceros adquirentes12. De esta forma buscamos sentirnos bien con nosotros mismos; lavar
nuestras conciencias ante el drama que significa despojar a un ser humano de su propiedad adquirida
probablemente con el sacrificio de toda una vida, y por el solo efecto de haber preterido un formalismo, o a veces, incluso, sin culpa alguna. Así se dice que la preferencia del adquirente (“seguridad
dinámica”) se debe a que este es un inversionista, un productor, un creador de riqueza, un hombre
activo que hace y construye para beneficio de la economía; por el contrario, el despojo que se comete contra el propietario actual (“seguridad estática”), está justificado porque se trata de un sujeto
improductivo, rentista, que no mueve la economía, que está cruzado de brazos, que no da utilidad
social a la riqueza, etc. Con estas palabras, los patrocinadores de esta tesis, ya se sienten aliviados.
El problema es que dicho argumento resulta totalmente falso.
El jurista alemán Víctor Ehrenberg propuso en 1903 hacer una distinción entre la “seguridad
del tráfico o seguridad dinámica” (seguridad, propiamente dicha, en nuestra concepción de las cosas)
y la “seguridad de los derechos o seguridad estática” (justicia, para nuestra tesis). Así, la seguridad
estática exige que ninguna modificación ni perjuicio patrimonial de un derecho subjetivo se concrete
sin el consentimiento del titular, por lo cual si éste es un propietario legítimo, solo cabe que sea despojado de su derecho por acto voluntario; cualquier otra cosa es un despojo. En cambio, la seguridad
dinámica exige que ningún beneficio adquirido en el patrimonio de un sujeto deba frustrarse por hechos o situaciones ajenas que no haya podido conocer, de tal suerte que un tercero de buena fe mantiene la adquisición de un derecho, aunque el transmitente no sea el propietario, si es que desconocía
razonablemente las circunstancias que denotaban la ausencia de titularidad del transmitente13. Este
LACRUZ BERDEJO, José Luis y SANCHO REBULLIDA, Francisco de Asís. Derecho Inmobiliario Registral. Editorial Bosch. Barcelona 1984. p. 11.
MENDOZA DEL MAESTRO, Gilberto. “Argumentos que justifican la preferencia del asiento registral sobre el título archivado”. En Actualidad
Jurídica, Gaceta Jurídica, Tomo 177, Lima, agosto 2008, p. 74.
13 Cit. GARCÍA GARCÍA, José Manuel. “La función registral y la seguridad del tráfico inmobiliario”. En Revista Crítica de Derecho Inmobiliario.
Número Conmemorativo por el 50º aniversario de la reforma hipotecaria de 1944, CRPME, Madrid 1995, p. 91.
11
12 144
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concepto hizo fortuna y desde ese momento se le ha citado en forma reiterada, incluso en nuestro
país, con el fin de justificar los importantes efectos que el Registro produce en beneficio del tercer
adquirente de buena fe, en desmedro del propietario.
Así se habla de una pugna entre dos posiciones antagónicas: el interés del propietario por
conservar su derecho, y el interés del adquirente por asegurar la eficacia de su adquisición, aun en
contra de la voluntad del propietario. En tal caso, se dice, la posición prevaleciente es la del tercer
adquirente.
En realidad, no existe seguridad estática y dinámica. Eso es un simple juego de palabras sin
ningún contenido.
Con un ejemplo vamos a demostrar nuestro aserto: supongamos que “A” es propietario inscrito de un predio determinado, sin embargo, este sufre la falsificación de una venta que nunca realizó
a favor de “B”. Luego, “B” transfiere el bien a “C”, quien según la ortodoxia registral resulta contar
con un interés prevaleciente al tratarse de un tercero de buena fe (art. 2014 CC). Así, la milonga de
la seguridad jurídica dinámica, favorecedora de la circulación de la riqueza y del tráfico patrimonial,
conlleva que se tutele la situación jurídica de quien moviliza los bienes a través de la adquisición de
los mismos (esto es, se prefiere a “C”), y se perjudica al propietario estático que no crea riqueza
(esto es, “A”). Muchos autores se sienten tranquilos con esta explicación y alaban la tesis del germano
Ehrenberg, por la cual aducen que el sistema patrimonial debe construirse a partir de la seguridad del
tráfico.
Sigamos con nuestro ejemplo. El inversionista extranjero “C” está maravillado con la “perfección” del sistema jurídico peruano, pues jamás pensó que a pesar que el bien había sido transferido
a “B” mediante una escritura pública falsificada, empero, terminó siendo validada. Por su parte, “A”
está decepcionado del sistema legal, pues de manera injustificada, y sin tener la culpa del fraude, resultó privado de su titularidad. Pues bien, hasta allí los teóricos de la “seguridad dinámica” se mostrarían conformes en asegurar las adquisiciones de los terceros que mueven la economía y crean riqueza.
Sin embargo, falta un pequeño detalle: al día siguiente, “C” es objeto de una nueva falsificación a favor del señor “D”, quien seguidamente vende el mismo bien a “E”, el cual sin dudas es
un tercer adquirente de buena fe con derecho inscrito en el registro (art. 2014 CC). Inmediatamente
“C”, antes maravillado por el sistema legal peruano, invoca que la propiedad es inviolable y que nadie
puede ser privado de su derecho por una falsificación. El antes entusiasta defensor de nuestro ordenamiento jurídico-registral, ahora se convierte en su principal detractor.
¿Cómo una persona puede estar a favor y en contra de una misma norma legal? La razón de
ello es muy simple: el antes adquirente, beneficiado por la seguridad dinámica, resulta ser ahora un
propietario actual, perjudicado por el concepto de seguridad estática. Es decir, todos los adquirentes
se convierten inmediatamente en propietarios, y si en un primer momento la regla privilegia a los
terceros, sin embargo, cuando se encuentran en un segundo momento, el mismo sujeto pasa a ser propietario y su derecho se vuelve débil y vulnerable frente a un futuro y potencial tercer adquirente. En
consecuencia, la seguridad dinámica favorece hoy al señor “C”, pero mañana fácilmente lo puede
perjudicar.
Si se protegen las falsificaciones, entonces nadie está seguro, ni usted, ni yo, por más que
haya inscrito en el registro. La tutela de este fraude puede servir a “C” en el caso concreto, pero destruye el sistema pues coloca a todos en evidente inseguridad; e, incluso, el propio “C” se encuentra en
situación inestable, pues tutela de la falsificación que le sirvió para quedarse en la posición jurídica,
puede servir luego para despojarlo con una nueva falsificación a favor de un tercero.
En suma, la seguridad dinámica no sirve para nada si no existe seguridad estática, pues resulta
irracional que hoy ganes y mañana pierdas. Ningún tercer adquirente se conforma con la tutela que le
sirve para imponerse sobre el propietario anterior; también necesita y requiere tener seguridad en la
nueva posición jurídica de propietario, que ya obtuvo. Por tanto, el sistema jurídico exige seguridad
dinámica y estática, ambas a la vez; pues no basta preferir una frente a la otra, ya que en tal situación
la seguridad del adquirente se convierte en inseguridad absoluta del propietario. Recuérdese que el
adquirente de ayer es el propietario de hoy; por tanto, en ambas posiciones se requiere de seguridad
y justicia.
La seguridad dinámica y la estática simplemente no existen; pues la protección del adquirente
no acaba en ese momento temporal, sino que requiere protección en cuanto se convierte en propietario. En caso contrario, se trataría de dotar de seguridad para un acto jurídico, pero al mismo tiempo
se generaría zozobra e incertidumbre durante todo el tiempo de la situación dominical o propietaria.
Pues bien, es claro que estamos en presencia de un falso dilema que se desmorona por sí solo. La doctrina más atenta hace mucho tiempo se dio cuenta de la inexistente dualidad entre ambos “tipos” de
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seguridad jurídica, pues en realidad se trata de las dos caras de una misma moneda que se encuentran
en íntima vinculación e interdependencia14. En otras palabras, de nada sirve contar con seguridad dinámica si no se tiene seguridad estática.
La Constitución protege la propiedad ya adquirida (art. 70º), así como la libertad contractual
como mecanismo para que los bienes circulen en el tráfico (art. 2-14º); por tanto, no puede aceptarse
que un propietario pueda ser despojado o “expropiado” (en sentido no-técnico) de manera impune
cuando no existe un valor fundamental que compense esa solución extraordinaria por la que un titular
es privado del derecho en contra de su voluntad. Aquí se encuentra en juego la racionalidad misma
del sistema patrimonial basado en intercambios voluntarios y en el reconocimiento de la posesión.
En este ámbito no es posible oponer el interés de la colectividad que favorezca al tercer adquirente,
enfrentado al del propietario individual, pues también existe un interés colectivo en la conservación
de la propiedad en manos de su titular. Y no se diga en forma demagógica que la defensa del propietario rentista es un simple rezago del individualismo; pues resulta evidente que las adquisiciones a
non domino jamás buscan socializar la propiedad, sino simplemente atribuírsela a otro sujeto15. Por
el contrario, la protección absoluta del adquirente, por sobre el titular real, constituye uno de los
postulados naturales del liberalismo salvaje del siglo XIX, por el cual se afirmaba la necesidad que los
bienes circulen a cualquier costo, fomentando la especulación con el valor de cambio de las cosas,
antes que el disfrute16.
Nuestro Tribunal Constitucional ha señalado con claridad que el contenido de la propiedad
incluye necesariamente la protección del derecho sobre las interferencias externas, a lo que denomina
“garantía de indemnidad”; por tanto, ello reafirma que las adquisiciones a non domino, como ocurre
con los principios registrales, son de aplicación restringida cuando realmente exista un valor o bien
constitucional materia de tutela:
“El derecho de propiedad privada, reconocido por el artículo 2, inciso 17 de la Constitución, constituye un derecho fundamental cuyo ámbito de protección o contenido garantiza las facultades de uso,
usufructo y la libre disposición del bien. Pero, la comprensión constitucional de la propiedad es más
amplia y, prima facie, comprende además la garantía de indemnidad o conservación de la integridad
del patrimonio de la persona. La “inviolabilidad” de la propiedad a la que se refiere el artículo 70 de la
Constitución debe interpretarse no solo como prohibición de intervenciones en el libre ejercicio o goce
de los mencionados atributos clásicos del derecho de propiedad, sino también como garantía de indemnidad. Así las cosas, el derecho de propiedad garantiza la conservación de la integridad del patrimonio
de la persona y, por consiguiente, prohíbe la indebida detracción del mismo” (Exp. Nº 00043-2007-AA/
TC, 6º fundamento jurídico).
4. ALGUNOS TEMAS CONCRETOS EN LOS QUE SE DEMUESTRA QUE EL “EXTREMISMO REGISTRAL” ES INCOMPATIBLE CON LA CONSTITUCIÓN
Vamos a exponer algunos temas para comprobar que el extremismo registral se ha quedado
anclado en la época decimonónica, previa al nuevo modo de ser del Derecho, fundado en derechos
humanos, valores y búsqueda de justicia.
4.1 LA INGENUA PRETENSIÓN DEL REGISTRO COMO “VERDAD OFICIAL”
Un ejemplo de este dogma se encuentra en la Declaración de Lima realizada como conclusión
de un Congreso Internacional sobre “Lineamientos, Sistemas de Garantías y Modelos de Gestión en el
Moderno Derecho Registral” (Lima, 22 a 24 de mayo de 2007):
“El Registro, como instrumento dinamizador del tráfico jurídico, debe otorgar máxima protección a
los titulares registrales y a los terceros, lo cual implica que dicha protección comporta la necesaria
declaración de que los derechos inscritos constituyen la verdad oficial de las titularidades publicadas y
que lo no inscrito no afecta a los terceros” (acápite I.2.a).
El Derecho registral “extremista” (propio de la “modernidad” decimonónica, como lo reconoce el Congreso Internacional, antes citado) es partidario de la frase “El Registro es la verdad oficial”,
14 BOLÁS ALFONSO, Juan. “La documentación como factor de certeza y protección de los derechos subjetivos en el tráfico mercantil”. En
BOLÁS ALFONSO (Coordinador). La seguridad jurídica y el tráfico mercantil, Editorial Civitas, Madrid 1993, p. 44.
15
Aquí utilizamos las lúcidas consideraciones de: MIQUEL GONZÁLEZ, José María. La posesión de bienes muebles, Editorial Montecorvo, Madrid
1979, pp. 491-492.
16
Ibíd., p. 492.
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lo cual constituye un error desde su propio enunciado.
En primer lugar, la verdad es única, por lo que el adjetivo “oficial” sale sobrando. Eso me hace
recordar a los “comunicados oficiales” de una dictadura, que justamente por ser tales ya generan sospecha de que se trate una falsedad. Por tanto, la afirmación de que el Registro es una “verdad oficial”
nos lleva a dudar de ello pues parece una imposición abusiva.
En segundo lugar, la verdad se da en el mundo de los hechos, y no es posible que la existencia
de un hecho se imponga verticalmente por parte del Estado, a manu militari.
En tercer lugar, desde una perspectiva crítica, de tono científico y filosófico, es obvio que no
existen verdades oficiales, sin contraste con el mundo real. Parece algo impuesto, arbitrario e irrazonable. La ciencia, moderna descarta que exista un conocimiento oficial.
En cuarto lugar, constituye una pretensión exagerada, injusta y desproporcionada, pensar que
la única verdad es la que se encuentra en unos libros del Registro, y que todo lo que pase u ocurra
fuera de esos libros simplemente no existe, no vale, no tiene importancia o carece de relevancia jurídica, ya que todo se descarta por el fácil expediente de cerrar los ojos ante la realidad. Sin dudas, la
“verdad oficial del Registro” es una ingenuidad digna de mejor causa.
La siguiente opinión pone las aguas en su nivel:
“Hablar, por tanto, de verdad oficial es una manifestación de arrogancia similar a la del que pretendiese poner límites al campo. No hay tal verdad oficial, ni puede haberla, por mucho que sea el cuidado
que se ponga en lograrla: la realidad de los hechos siempre la excederá. En esta vida no hay nada que
sea gratuito, y convertir lo que tradicionalmente se ha considerado como apariencia especialmente
protegida en verdad oficial, no es otra cosa que pretender, so pretexto de que toda la realidad está en
el Registro, que el Registro sea la realidad. Y esto es, de entrada, una ficción; y si la puerta del Registro
la guarda alguien que no sea juez, es, además, una arbitrariedad”17.
Hablar de la “verdad oficial” en el registro implica negar la realidad, vivir en una ficción,
volver al mundo platónico de las ideas; y eso en el Derecho conlleva a deslegitimar cualquier orden jurídico. Nunca un sistema de normas puede asentarse en la sola apariencia o en la ficción sin contenido.
Vamos a poner un ejemplo adicional sobre los efectos que produce encerrarse en el formalismo y desoír la realidad. Hoy el número de parejas en unión de hecho tiene tanta importancia cuantitativa como el matrimonio. Esta es una verdad incontrastable y fuera de discusión. Paradójicamente
el Código Civil regula las uniones de hecho en 2 artículos, mientras que el matrimonio tiene 200; pero
en fin, ese es otro tema derivado del desfase de nuestro legislador, que, sin embargo, recientemente
se ha tratado de corregir mediante la atribución de herencia a los concubinos entre sí. Pues bien,
¿qué pasaría si un hipotético legislador, apegado a las formas, decidiera desconocer las uniones de
convivencia a efecto de prestar reconocimiento exclusivo al matrimonio? ¿Acaso ello impediría que
se produzca el concubinato? Por supuesto que no. El resultado de un ordenamiento solemne, como
el propuesto, conllevaría la disolución del orden jurídico, ya que rápidamente la sociedad dejaría de
sentirse representado por ese derecho de formas, de papeles, y que no tiene en cuenta los hechos. La
Corte Suprema, hace muy poco, ha reconocida la primacía de la esencia sobre la forma, pues admite
que la sentencia que reconoce la unión de hecho es meramente comprobadora de una situación ya
acaecida, y no constitutiva18. Un gran triunfo en contra del formalismo jurídico.
Téngase en cuenta que mientras en la Teoría General del Derecho se habla de la “derrotabilidad” de los principios jurídicos, ya que es perfectamente posible que queden parcialmente de lado
cuando entren en conflicto dos o más principios, por lo que es necesario ponderarlos en el caso concreto. Ello significa que en el ámbito de los derechos fundamentales se acepta la relatividad de soluciones; mientras que en el registro se camina contracorriente, pues allí se postula el absolutismo de la
“verdad oficial, única y sagrada”. Eso no es ciencia, es dogma; pero lo más preocupante es si tal doctrina se origina por virtud de la imposición casi imperialista de los registradores españoles, que tienen
LÓPEZ BURNIOL, Juan José. “Valor de la escritura y de la inscripción en las transmisiones inmobiliarias”. En www.vlex.com/vid/238440,
p. 39.
18 “Por tanto, queda reafirmada la naturaleza declarativa de las sentencias que se expiden en estos procesos, las que únicamente se limitan
a verificar la concurrencia de los elementos configurativos de la unión de hecho, como son: que los individuos que conforman tales uniones
no tengan impedimento alguno para contraer matrimonio; que se trata de una unión monogámica heterosexual; que compartan habitación,
lecho y techo, esto es, que las parejas de hecho lleven su vida tal como si fuesen cónyuges, compartiendo intimidad y vida sexual en un contexto de un fuerte lazo afectivo, en un clima de fidelidad y exclusividad; que se trate de una unión estable, es decir, debe extenderse por un
periodo prolongado, además de ser continua e ininterrumpida; y que la apariencia de vida conyugal debe ser pública y notoria (Fundamentos
Jurídicos catorce a diecinueve de la sentencia recaída en el expediente N° 06572-2006-PA/TC)”: Casación N° 4066-2010-La Libertad, de fecha
21 de octubre de 2011.
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montado un muy eficaz esquema para vender las ventajas de su sistema, que entre otras cosas significa
postular las siguientes soluciones (cuestionables): igualar al registrador con el juez (jurisdicción voluntaria), otorgar al registrador una potestad exagerada de control de la legalidad de actos y contratos
(calificación plena), altos costos (registrador como funcionario que cobra para sí mismo), escapar del
control judicial (actuación del registrador no es acto administrativo), inmiscuirse en problemas entre
las partes de un conflicto, en el cual se carece de interés (registrador que impugna judicialmente
las decisiones administrativas del superior jerárquico que había ordenado inscribir), control de las
sentencias y decisiones judiciales (registrador que califica las resoluciones judiciales19), interferencia
en la libertad contractual hasta niveles exasperantes (registrador que dice cuándo una cláusula tiene
“efectos reales” u “obligacionales”), abusos burocráticos (creación de un sistema catastral, sin base
normativa, o “administrativización” del derecho privado), el registro es una verdad oficial (nada existe
fuera de él), todos los problemas jurídicos se solucionan con la primacía del registro, por lo que todo
otro criterio –y, con ello, el valor que lo funda- sale sobrando (Derecho sustentado en formalismos).
Por fin, la doctrina ha reaccionado frente a este intento corporativista de sobredimensionar el
papel del registro, cuyo origen se encuentra en mantener privilegios de cierto grupo de registradores
foráneos, y no en principios teóricos bien asentados.
4.2 ¿REGISTRO DECLARATIVO O CONSTITUTIVO?
El registro declarativo respeta el sistema de transferencia de la propiedad que establece la
ley civil, sea el consenso, la tradición o cualquier otro modo. La propiedad, por naturaleza, es absoluta (art. 923 CC), por lo que el adquirente se convierte en titular dominical para todos los efectos
cuando se consuma el hecho determinante de la transferencia, sin que sea decisiva la inscripción. En
el caso de los inmuebles eso ocurre con el solo contrato de enajenación, en el que consta el consenso
traslativo (art. 949 CC). El registro no puede cambiar esta realidad, pues su función es solo declarativa
o simplemente reconocedora de un derecho que ya existe.
Por tanto, en el sistema declarativo, con inscripción o sin ella, la transferencia de la propiedad ya se ha producido en el mundo jurídico, por lo que tenemos un titular que vive al margen
del registro. Así, pues, si el registro fuese constitutivo, entonces el acto no surtiría eficacia traslativa,
ni entre las partes, ni con relación a terceros. Por el contrario, en el registro declarativo, la falta de
inscripción no priva la adquisición del dominio, pero sí elimina la eficacia con relación a ciertos terceros.
En suma, ¿cómo se enlaza el consenso traslativo con el registro declarativo? Aquí es necesario tener en cuenta lo siguiente: El comprador no-inscrito es un propietario absoluto (art. 949 CC),
pero corre el riesgo teórico de que un segundo comprador se adelante y llegue a inscribir antes que él
y, por tal condición, sea preferido en el conflicto de títulos (arts. 1135 y 2022, 1 CC). En tal caso, el
primer comprador, que era propietario absoluto, sufre la decadencia de su derecho, por ministerio de
la ley, a favor del segundo comprador que inscribe. En consecuencia, el derecho de propiedad siempre
es absoluto, sea del primer o segundo comprador.
Por tanto, en la situación de normalidad de los derechos (sin conflicto), rige plenamente
el art. 949 CC, por lo que el adquirente, sin inscripción, se convierte ya en propietario en virtud del
contrato traslativo. Aquí el registro no cumple ninguna específica función de oponibilidad, pues el
adquirente, con el solo contrato, se constituye en propietario absoluto.
En cambio, la inscripción declarativa es un criterio de preferencia que opera exclusivamente cuando se presenta un conflicto de títulos (uno inscrito y el otro no-inscrito) respecto del
mismo bien, siempre y cuando los dos causahabientes deriven su derecho de un causante común20.
En tal sentido, se dice que la publicidad del registro (declarativa) “es un mecanismo de solución de los
conflictos entre sujetos que hacen valer sobre el mismo bien derechos en contradicción”. Una opinión
La siguiente cita es contundente: “Por razones de seguridad, congruencia y economía, el procedimiento administrativo registral no tiene por
objeto repetir las pruebas y trámites realizados en los procedimientos anteriores notariales, judiciales o administrativos, como si no hubieran
existido. La finalidad del procedimiento registral no es reiterar trámites ni extralimitar la calificación hasta el punto de cuestionar los procedimientos anteriores, sino precisamente dar publicidad y reforzar los efectos de las resoluciones derivadas de los procedimientos anteriores
cuyo resultado figura en los títulos públicos presentados a inscripción. Lo contrario sería una redundancia, un solapamiento de funciones, para
las que el procedimiento registral carece de medios, requisitos y garantías, y un desorden generador de desconfianzas y suspicacias respecto
de otras instituciones dignas de toda consideración y respeto, como las instituciones judiciales, notariales o administrativas. Por ello, la
calificación queda limitada a apreciar las cualidades del documento para determinar si, por su forma y contenido, es válido para acceder al
registro”: CAVALLÉ CRUZ, Alfonso. “Derechos y garantías del ciudadano en el procedimiento registral”. En Anuario Iberoamericano de Derecho
Notarial, Segunda Época, N° 1, Madrid, Año 2012, Consejo General del Notariado, p. 110.
20
ZATTI, Paolo y COLUSSI, Vittorio. Lineamenti di Diritto Privato, CEDAM, Padua 2005, p. 984.
19
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análoga es la siguiente: “Una de las funciones principales de la publicidad de estos registros (inmobiliarios) es aquella de resolver el conflicto entre varios adquirentes del mismo titular”21.
El caso típico de este conflicto es la doble venta, por la que un mismo causante (vendedor) ha
otorgado dos derechos incompatibles a los causahabientes (compradores). Aquí el registro se convierte
en medio de preferencia ante esa vicisitud patológica, y no es tanto un mecanismo de oponibilidad22.
Por eso, bien puede decirse, y la expresión es correcta, que el registro declarativo es fundamentalmente uno de “preferencia”, de “garantía” o “asegurador”.
La propiedad no inscrita es plenamente eficaz frente a todos los otros propietarios no inscritos
de fecha posterior (art. 1135, segunda parte, CC); también es eficaz frente a los acreedores, incluso
de embargos inscritos (art. 2022, segundo párrafo, CC); igualmente es eficaz frente a los que carecen
de todo título (art. 923 CC); adicionalmente, es eficaz frente a los titulares inscritos de mala fe (art.
1135, primera parte, CC); o sobre los titulares inscritos de carácter gratuito, según una plausible interpretación (art. 2014 CC, por analogía); por último, la usucapión vence a la inscripción (art. 952 CC)23.
En conclusión, la obligación nacida del solo contrato de enajenación es eficaz frente a todos, excepto cuando un tercero ha inscrito su derecho, con buena fe, título oneroso y no sea inmatriculante.
Por lo demás, desde una perspectiva práctica, considérese lo irrazonable que significa admitir
una propiedad “inter-partes”, ya que en ese caso, por ejemplo, el comprador no podría construir,
pues la Municipalidad es un tercero al que no le afectaría el vínculo contractual; o no podría arrendar
porque el inquilino es un tercero; o no podría reivindicar de un usurpador porque este también es un
tercero. En tal contexto, la propiedad de nada serviría.
Por tal razón, hay que descartar la visión equivocada referida a que el art. 949 CC transfiere
una propiedad relativa, pues en realidad la transmisión se produce para todo efecto legal y con carácter absoluto, por lo que el comprador se convierte en propietario con poderes plenos para realizar
todos los actos de uso, disfrute, aprovechamiento, administración o disposición del bien.
Por el contrario, en el sistema de la inscripción constitutiva, la transferencia del derecho
se encuentra supeditada al registro, sin importar si el comprador ya cuenta con contrato, ya pagó el
precio o ya goza de la posesión, ni siquiera de muchos años, pues a pesar de todo ello, el derecho
no ha cambiado de manos. En la práctica se produce una disociación entre un “propietario de papel”
(registral) y un “propietario sustancial” (en la realidad).
Aquí cabe ingresar directamente a debatir el tema: ¿cuál es el sistema registral preferible,
el declarativo o el constitutivo?
Así, pongamos en la balanza ambos sistemas cuando existe conflicto, esto es, cuando se
produce una doble venta, por ejemplo. En el caso del registro constitutivo vence el primer inscrito ya
que este es el único propietario por haber logrado la inscripción; el otro comprador nunca llegó a ser
domino por lo que su pretensión queda rechazada. En el caso del registro declarativo, y seguramente
para sorpresa de muchos, la solución es exactamente la misma; es decir, vence el primer inscrito ya
que éste es el preferido en el caso de conflicto de titularidades. En consecuencia, uno y otro sistema
conducen siempre a proteger la seguridad jurídica en la circulación de la riqueza, por lo que no existen
diferencias en el ámbito conflictual.
Ahora bien, coloquemos en la balanza ambos sistemas cuando no hay conflicto, esto es,
cuando solo se ha celebrado un contrato entre vendedor y comprador, sin inscripción. Según el sistema
constitutivo, el vendedor sigue siendo propietario, a pesar de que probablemente éste ya recibió el
pago del precio, ya traspasó la posesión, ya se desentendió del bien y no tiene interés alguno en él.
Sin embargo, la ausencia del formalismo registral hace que el vendedor se mantenga como propietario
a pesar que ya manifestó su voluntad de abdicar del derecho y de transferírselo a otro. En cambio, en
el registro declarativo el comprador se convierte en propietario por virtud del contrato, lo que resulta
más lógico con la intención de las partes, con la realidad social y con la naturaleza de las cosas. En
efecto, si el vendedor ya manifestó su voluntad de enajenar, ¿por qué se le mantiene como propietario?; si a eso le agregamos que el comprador ya pagó el precio y goza de una consolidada posesión
entonces resulta notoriamente injusto no considerarlo domino.
FERRI, Luigi. Lecciones sobre el contrato, traducción del italiano de Nélvar Carreteros Torres, Grijley, Lima 2004, pp. 272-273.
Vamos a citar otro autor en el mismo orden de ideas, aunque podrían ser muchos otros en idéntico sentido: “Una de las funciones principales
de la publicidad de estos registros (inmobiliarios) es aquella de resolver el conflicto entre varios adquirentes del mismo titular”: TRIMARCHI,
Pietro. Istituzioni di Diritto Privato, Op. Cit., p. 619.
22
“Pero debe observarse que, a este respecto, la transcripción no sirve para conferir eficacia erga omnes al derecho; sirve para establecer
la preferencia entre dos derechos del mismo contenido, los cuales si son derechos reales, son ambos eficaces erga omnes; pero cuál de los
dos derechos reales prevalezca sobre el otro, depende, no de la prioridad de la adquisición, sino de la transcripción”: MESSINEO, Francesco.
Manual de Derecho Civil y Comercial, traducción de Santiago Sentís Melendo, EJEA, Buenos Aires 1979, Tomo III, p. 569.
23
Esta idea se encuentra presente en el excelente artículo de: MIQUEL GONZÁLEZ, José María. “El registro inmobiliario y la adquisición de la
propiedad”. En El Notario del Siglo XXI, Revista del Colegio Notarial de Madrid, Nº 37, Madrid, mayo-junio 2011, pp. 6 ss.
21
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En suma, el sistema del registro declarativo produce la misma seguridad jurídica que el
sistema constitutivo, en caso de conflicto de titularidades ya que en tal caso se prefiere el derecho
inscrito. En cambio, a falta de conflicto no existe razón alguna para preferir un formalismo por sobre
la sustancia. En consecuencia, el registro declarativo conlleva la misma protección, por seguridad jurídica, para los casos patológicos en los cuales exista controversia de títulos, pero resulta más flexible
y acorde a la realidad social en las situaciones comunes y ordinarias en las que no exista controversia,
ya que simplemente será considerado propietario quien cuenta con un título jurídico de adquisición
al margen de las formalidades. En resumen, igual protección y mayor flexibilidad abonan decisivamente a favor del sistema declarativo.
Pero, existen argumentos adicionales que apoyan la conveniencia del sistema declarativo:
I. La inscripción declarativa prefiere al título inscrito frente al título no-inscrito (véase los arts.
1135 y 2022, 1º párrafo CC), y la inscripción constitutiva también llega a la misma solución.
Por tal motivo, cuando hay conflicto de derechos entre dos titulares que contienden por el
mismo bien, no existe diferencia alguna entre uno y otro sistema, ya que ambos prefieren el
derecho inscrito. ¿Entonces cuál es la diferencia entre estos dos regímenes? La distinción se
encuentra cuando no hay conflicto de derechos (que dicho sea de paso, es el mayor número de casos reales), y, por tanto, ante la ausencia de conflicto, el propietario en el sistema
declarativo será el comprador, aunque no inscriba; mientras que en el constitutivo el propietario seguirá siendo el vendedor. Nótese que el sistema constitutivo conlleva asumir una
postura rígida y anti-natural, pues el vendedor que ya manifestó su voluntad de transmitir
la propiedad, que probablemente ya recibió el precio, ya entregó la posesión, sigue siendo
propietario a pesar de los muchos años transcurridos y en los que carece de vínculo real o
ideal con el bien transmitido. En cambio, el sistema declarativo, en ausencia de conflicto, es
mucho más flexible y acorde con la realidad, pues el comprador ya es propietario aunque no
haya inscrito, en vista que cuenta con el título de adquisición, a lo que se suma el probable
pago del precio y la posesión del bien. Ante esta situación, ¿por qué no reconocerlo como
propietario? ¿por qué supeditar en todos los casos que la adquisición se produzca en mérito
de un formalismo? Es comprensible que cuando hay conflicto entre varios titulares (fase
patológica), entonces por seguridad jurídica se prefiera a quien inscribió; pero esa solución
no tiene porque generalizarse en todos los casos, pues en la fase de normalidad del derecho
(sin conflicto) el comprador tiene mejores credenciales para ser considerado titular frente
al vendedor, pues recordemos que éste ya abdicó del derecho cuando manifestó su voluntad
en tal sentido. Por lo demás, imaginemos los miles o millones de propietarios en nuestro
país que no tienen derecho inscrito, y sin embargo están amparados por el ordenamiento
por cuanto pueden arrendar, construir, reivindicar y volver a vender. Todos ellos no serían
considerados propietarios, a pesar de la falta de conflicto, por la simple circunstancia de
no haber inscrito. Por ello no extraña que en la gran mayoría de los ordenamientos jurídicos
nacionales, la inscripción no sea constitutiva. Un buen sector de la doctrina perteneciente a
los ordenamientos latinos (francés, italiano, español, portugués) formulan severas críticas a
la rigidez germánica de la inscripción constitutiva, considerando que esta solución peca por
exceso de formalismo y por ser contraria a la naturaleza de las cosas. Nótese, además, que
el sistema de la inscripción declarativa es más flexible, pues permite en forma inmediata la
transmisión de la propiedad al comprador, sin necesidad de requisitos extraños o formales,
pero obviamente tiene una dosis de inseguridad. Esta es una clara muestra de que el primer
plano de protección registral se reduce a regular un mismo problema (¿cuándo se es propietario?), con soluciones análogas desde un punto de vista práctico, aunque en la teoría sean
muy disímiles24.
II. También se sostiene que el sistema registral alemán parte de un presupuesto de filosofía jurídica: la naturaleza pública de la propiedad. La noción registral y documental de la propiedad
de los autores alemanes de fines del siglo XIX y comienzos del siglo XX, parte del carácter
netamente colectivo de la propiedad, por lo que las titularidades privadas proceden del
Se dice que en la inscripción declarativa el segundo comprador “lucha con un endeble verus dominus. Suele ser un dueño de días o de
meses y desde luego sabe que le falta cumplir un trámite legal para consagrar su dominio. Es un dueño relativo. En Alemania, no es dueño en
circunstancias similares (...) para la concepción popular auténtica tampoco es dueño ‘en regla’...”: CARRETERO GARCÍA, Tirso. Retornos al
Código Civil, Capítulo II, En Revista Crítica de Derecho Inmobiliario, Nº 440-441, Madrid, enero-febrero 1965, p. 92.
24
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reparto. Es la filosofía del idealismo alemán base del sistema prusiano de la propiedad y del
Registro. Por el contrario, el sistema napoleónico partió de una concepción individualista
del pacto social, y fundó la propiedad en una relación directa e inmediata del hombre con
la tierra, en la que el reparto era meramente instrumental. Por ello, los franceses nunca
habrían pretendido sustentar la prueba de la propiedad en el Registro, y en un sistema de
adquisición a non domino que excluyese la posesión como prueba natural de la propiedad,
para ser sustituida por la inscripción registral. El sistema alemán pretende otorgar a la propiedad un origen público en la atribución formal y directa del Estado al particular a través
del Registro. Este consuma una ruptura radical con los orígenes privados e inciertos de la
propiedad y pretende incorporar la propiedad inmobiliaria en un libro público. Es la inscripción en el Registro una expresión de la realidad formal del Estado, y como acto formal y
abstracto de renuncia del propietario que transmite la propiedad inmobiliaria. La propiedad
no la definen los particulares en sus relaciones patrimoniales, sino el Estado que antecede
toda contratación y toda propiedad por medio de la majestad de un libro público abierto
a todos los particulares25. Luego de efectuada una completa descripción de los principios
filosóficos subyacentes en el sistema registral alemán, ALVAREZ CAPEROCHIPI señala que la
noción de Estado sobre la cual se asienta la propiedad y el Registro, debe ser rechazada,
ya que el origen de la propiedad no es el Estado, sino la dignidad humana. El Estado no
es una realidad espiritual, sino que la única realidad espiritual para una organización
jurídica debe ser el hombre. La propiedad no se redistribuye por el Estado, sino que se
reconoce a la persona26.
III. No solamente existe un problema filosófico implicado en esta materia, sino incluso la misma
práctica jurídica demuestra que un sistema excesivamente formal de ordenación y prueba
de la propiedad, se enfrenta a un grave problema de coordinación con la realidad material,
tanto en lo que se refiere a la prueba del derecho, la prueba de los lindes y la identidad material de la finca. El título público, por muy eficiente que sea el sistema registral en el cual
se funde, no puede tomarse como origen cierto del derecho patrimonial, pues se enfrenta
siempre con la evidencia material y no puede vivir de espaldas a dicha realidad. Por muchos
títulos de propiedad que pueda presentar una persona, su derecho se enfrenta a la justicia
de la protección del poseedor actual de la tierra, si el derecho de este se encuentra avalado
por la detentación efectiva27. El Registro no siempre es adecuado para resolver por sí solo
el conflicto entre títulos de propiedad, y puede conducir a injusticias notorias porque el título puede preconstituirse en daño de terceros. Un sistema jurídico de raíces formalistas se
enfrenta siempre al delicado problema de la tutela del poseedor actual, el fraude a la ley y
el fraude a los terceros28. La misma realidad de todos los días rechaza una inscripción rígidamente constitutiva, ya que esta parece contraria al orden natural de las cosas. Hace más de
medio siglo, el eminente hipotecarista español JERÓNIMO GONZÁLEZ decía: “suponer que el
comprador de una finca mediante escritura pública que le pone expresamente en posesión
de la misma, necesita la inscripción para justificar los actos y obras de mejoramiento, riego,
cierre y aprovechamiento, es desconocer la práctica notarial y la vida agrícola española”29.
Esta apreciación puede trasladarse perfectamente a la realidad peruana del siglo XXI. Esta
situación no es nueva, y basta revisar el Derecho romano para darnos cuenta de los problemas que generó en esa época el formalismo en la transmisión de la propiedad30.
ALVAREZ CAPEROCHIPI, José Antonio. El Registro de la Propiedad y el sistema de preferencias crediticias, Editorial Comares, Granada 1995,
pp. 76-80.
26
Ibíd., p. 80.
27
En el Perú se ha realizado un interesante estudio económico cuya conclusión señala que los pobladores de asentamientos humanos no
necesariamente identifican una propiedad invulnerable con el título registrado, sino con un conjunto de elementos y procesos en los que el
registro no siempre tiene el papel determinante que se le ha atribuido; por tanto, se consideran títulos seguros el contrato, la posesión, el
reconocimiento estatal, la prestación de servicios públicos, o todos ellos en conjunto: WEBB, Richard, BEUERMANN, Diether y REVILLA, Carla.
La construcción del derecho de propiedad. El caso de los asentamientos humanos en el Perú, Colegio de Notarios de Lima, Lima 2006, p. 69.
28
ALVAREZ CAPEROCHIPI, José Antonio. El Registro de la Propiedad y el sistema de preferencias crediticias, Op. Cit., pp. 81-85.
29
Cit. VALLET DE GOYTISOLO. Estudio sobre Derecho de Cosas, Editorial Montecorvo, Madrid 1985, Tomo I, p. 426.
30
Así pues, las cosas “mancipi” del Derecho romano (fundos itálicos, esclavos, algunos animales) sólo podían ser transmitidas a través de la
“mancipatio”, esto es, del negocio formal entre vendedor y comprador que se realizaba en presencia de cinco testigos y adicionalmente un
pesador del cobre que servía de pago por la cosa transferida. Cuando no se llegaba a producir el rito de la “mancipatio”, el comprador no era
propietario y no podía hacer uso de la acción reivindicatoria. Es decir, exactamente se producía el mismo fenómeno planteado por la inscripción constitutiva, en cuanto existía un “propietario formal” (el vendedor que no había realizado la “mancipatio”) y un “propietario real” (el
comprador que había recibido la cosa, pero no a través de la “mancipatio”). Evidentemente, esta situación generaba conflictos para el comprador, quien no era amparado como un propietario pleno a pesar de tener la posesión física de la cosa y de haber pagado su precio. Mientras
este adquirente no alcanzara la calidad de propietario por virtud de la usucapión, la propiedad correspondía civilmente al enajenante, quien
podía reivindicar la cosa dado el rigor del Derecho civil. Sin embargo, como esa situación contrariaba elementales principios de equidad, fue
25
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IV. El notario español LÓPEZ BURNIOL considera que la elevación de la inscripción como único
mecanismo traslativo de los derechos reales sobre inmuebles, constituye una involución
formalista, contradictoria con el carácter liberal del Derecho moderno. Esta situación se
agrava porque la libertad civil no puede someterse a un “requisito administrativo” que pondría cortapisas al derecho de propiedad de los particulares31. Además, el comprador de un
inmueble podría “quedar colgado” por la falta de inscripción de un inmueble, aun cuando el
requisito legal incumplido sea irrelevante o meramente formal, lo que conllevaría un grave
riesgo para los adquirentes que hubiesen pagado el precio del bien, que gocen de la posesión física, pero que no podrían llamarse propietarios por una sutileza jurídica contraria al
principio de la autonomía privada32. Hay que tener en cuenta el problema de la calificación
registral, cuya rigurosidad dejaría muchas adquisiciones a medio camino. Es correcto decir
que: “... el rigorismo del principio de calificación en nuestro sistema unido a la inscripción
constitutiva agravaría mucho la situación actual. No debe desconocerse que junto a titularidades perfectas, son abundantísimas otras minus quam perfectas, que no obstante viven
en espera de prescripciones sanatorias de vicios formales y aun formularios a las que, de
momento, se colocaría en penosa situación”33.
V. Además, debe tenerse en cuenta los problemas de organización del Registro, en tanto se trata de una entidad pública que debe mantener un adecuado funcionamiento para incorporar
en unos libros todas las vicisitudes jurídicas de la riqueza territorial. Esta pretensión es muy
difícil de lograr, especialmente en el ámbito físico de los predios (catastro), y puede entrabar e impedir peligrosamente la consumación de un gran número de actos de intercambio
patrimonial.
En resumen, el criterio del registro genera seguridad jurídica, pero no puede generalizarse
ni tenérsele como la panacea para todos los males. Esa es una posición simplista e ingenua. La vida
social y económica es demasiado rica para limitarse a preferir el registro e ignorar todas las otras
implicancias, valores e intereses que se encuentran en pugna en determinado conflicto humano; a lo
cual debe agregársele la existencia de un substrato jurídico, económico y social. Por tanto, hay que
estar prevenidos de aquellos cuyo discurso monótono y aburrido se circunscribe a las ventajas de la
preferencia registral, y nada más. Debe recordarse que el registro es un formalismo, importante para
la seguridad, pero jamás la ordenación de las relaciones patrimoniales lo deben tener como único criterio, pues como todo criterio formal tiene las graves desventajas de permitir fraudes y abusos, tolerar
injusticias o iniquidades, o buscar soluciones simples a cuestiones complejas. Ya desde una perspectiva
el pretor quien protegió de diversas formas esa “propiedad real”, que vino a denominarse “propiedad pretoria o bonitaria”. El pretor otorgó
al adquirente una exceptio rei venditae et tradiatae para detener la acción reivindicatoria interpuesta por el enajenante y la exceptio doli, de
carácter general, que se concedía al presumirse una actitud fraudulenta por parte del transmitente que pretendía desconocer la transferencia
realizada: FERNANDEZ DE BUJAN, Antonio. Derecho Público Romano y recepción del derecho romano en Europa, Editorial Civitas, Madrid 1999,
p. 113. Se completó el cuadro de acciones de la “propiedad bonitaria”, cuando se llegó a proteger al adquirente con una acción real, aun
cuando no hubiese completado el plazo de la usucapión y, por tanto, no hubiese llegado a ser propietario según el Derecho civil. En vez de la
reivindicatoria, el pretor le otorgó la acción publiciana, por la cual ficticiamente se consideraba que el tiempo requerido para la usucapión
había sido completado, lo cual hacía posible perseguir la cosa de manos de cualquier tercer poseedor y también del propietario: ARGÜELLO,
Luis Rodolfo. Manual de derecho romano, Editorial Astrea, Buenos Aires, pp. 224-225. En la acción publiciana se protege un “derecho real relativo”, esto es, una cuasi-propiedad no consumada por falta del requisito formal de la “mancipatio”. En el Derecho moderno, muchas veces se
habla de los derechos reales relativos como “incorrecciones dogmáticas” propias de sistemas jurídicos que no reconocen a la publicidad como
signo inequívoco de constitución y transmisión de derechos reales. Empero, la opción de la “inscripción constitutiva” también puede llevar
al mismo problema, pues la realidad nos presentará muchos compradores sin inscripción, que por un mínimo criterio de equidad reclamarán
protección frente a poseedores sin título, propietarios de mala fe, o acreedores embargantes del enajenante. Nuevamente el afán de justicia
hará que los jueces se vean obligados –cuál pretores modernos- a sancionar algún tipo de protección legal a los compradores que poseen el
bien, que pagaron el precio, que se comportan como titulares, pero carecen del requisito solemne de la inscripción: DE LOS MOZOS, José Luis.
El derecho de propiedad: crisis y retorno a la tradición jurídica, EDERSA, Madrid 1993, pp. 317-318.
31
LÓPEZ BURNIOL, Juan José. “Valor de la escritura y de la inscripción en las transmisiones inmobiliarias”. En: www.vlex.com/vid/238440,
p. 39.
32
Algunos autores contestan este argumento señalando que la falta de inscripción constituye una conducta negligente que debe ser sancionada con la no-adquisición del derecho. VALLET DE GOYTISOLO Juan. “La buena fe, la inscripción y la posesión en la mecánica de la fe pública”.
En Id. Estudio sobre derecho de cosas, Op. Cit., Tomo I, p. 413, refuta este fundamento de la siguiente manera: “El propietario que posee y
cultiva sus tierras, pero olvida su inscripción, es diligente en lo sustancial, aunque neglija (sic) en lo formal. En cambio, el tercer adquirente
del titular inscrito y que a su vez inscribe, pero no se preocupó de examinar la finca, ni se interesó de su estado posesorio, será muy diligente
en lo formal, pero habrá descuidado lo sustancial. ¿Y qué razón hay para que sea preferida la negligencia formal a la sustancial? Además,
desde el punto de vista nacional o del social, no cabe duda que merece mil veces mayor protección el campesino que cultiva sus tierras, que
las hace producir incorporándolas a la economía nacional y que en contacto con la cosa realiza el fin social de ésta, que no aquel adquirente,
probablemente especulador, que, aunque ha llenado a la perfección todos los requisitos formales, ni tan siquiera se ha dignado dar una mirada
de comprensión al pedazo de la madre tierra que va a adquirir”:
33
CARRETERO GARCÍA, Tirso. Retornos al Código Civil, Capítulo II, En Revista Crítica de Derecho Inmobiliario, Nº 440-441, Madrid, enerofebrero 1965, p. 97.
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constitucional, o valorativa, el derecho de propiedad legítimamente obtenido no puede desconocerse
alegremente por la inscripción o la falta de esta.
Nótese lo importante que significa impulsar la realidad sobre el formalismo en un país en el
cual se ha necesitado expedir profusa legislación para regularizar la titularidad de los predios urbanos y rurales; pues a pesar de la cuantiosa inversión pública en esta materia, aún no se culmina con
el proceso. Pues bien, si la situación de la propiedad en el Perú indica que existen muchos titulares,
incluso inmemoriales, que no cuentan con inscripción en el registro, entonces no se comprende como
pretende arrasar con los derechos adquiridos de todos ellos por el mérito de un simple requisito administrativo. La propiedad es una meta acariciada por los ciudadanos, y una vez ubicado en ese sitial
de dominio, el propietario tiene a favor la protección constitucional que le corresponde a un derecho
fundamental.
Por lo demás, el registro constitutivo no solo es un sistema técnicamente deficiente, sino que,
además, es contrario a la Constitución, pues la propiedad es un derecho fundamental que merece una
“tutela fuerte”, por lo cual un valor especialmente protegido no puede quedar sujeto a un requisito
administrativo, como el registro. En efecto, ¿es posible que el derecho a la contratación, a la libre
asociación, a la herencia, quede sometido en forma constitutiva a la aprobación de la administración
pública? Los derechos fundamentales son atribuidos a la persona, y no son gracias o concesiones del
Estado, por tal motivo, la propiedad no puede existir por la decisión de un registrador.
4.3 LA TESIS DE LA INSCRIPCIÓN “HUECA”
El problema planteado en este acápite es el siguiente: A, conjuntamente con su cónyuge B,
compran una casa. El título se inscribe en el registro público, sin embargo, por un error del registrador, la inscripción solo deja constancia que el comprador es A. Posteriormente, A, conocedor de esta
circunstancia falsa, vende el inmueble a C. La pregunta es: ¿qué prima? ¿el título que indica como
propietarios a los señores A y B? ¿O la inscripción falsa en la cual A es el único titular? En el primer caso,
la venta realizada a C es nula, con lo cual prevalece la justicia, en tanto nadie puede ser despojado
de sus derechos en forma arbitraria; en el segundo, la venta es válida, con el consiguiente perjuicio al
cónyuge B, con lo que, dicen, se privilegia la “seguridad jurídica”.
El tema queda planteado, por lo que pasamos a exponer nuestros argumentos.
Los sujetos tienen el derecho fundamental de autorregular sus intereses privados a través de
contratos o negocios jurídicos, lo que incluye la disposición de sus bienes; sin embargo, con el sistema
de preferencia de la inscripción, un funcionario del Estado tendría la potestad, por virtud de un error
suyo o de una mala interpretación jurídica, de cambiar el contrato o modificar una adquisición o variar el contenido de una sentencia judicial, y solo por el hecho de redactar erróneamente un asiento
de inscripción. Ese sistema no existe, ni puede existir, pues atenta contra las bases fundamentales del
sistema jurídico que regula las relaciones entre los particulares, y contraviene la misma función del
Estado.
El sistema de primacía de una “inscripción hueca” es contrario a la Constitución, pues atenta
contra la libertad de contratación, contra la propiedad privada y contra la obligatoriedad de las sentencias judiciales. En efecto, la Carta Fundamental no puede ser compatible con un sistema que permite
modificar los acuerdos privados, no por las partes, sino por obra de un funcionario; o despojar de la
propiedad al titular que inscribió su derecho, pero cuya inscripción dice otra cosa por culpa o dolo del
registrador; y hasta permite alterar el contenido de una sentencia, pues “el solo asiento es preferente”.
No es posible sacralizar la actividad del registrador hasta tal punto que su actuación errada
o dolosa pueda tener la gravísima consecuencia de modificar o derogar el acto o negocio celebrado
por los particulares. Un sistema así implica dar preferencia a la forma por el solo hecho de ser tal,
o porque el Estado lo decretó de esa manera a través de un funcionario. Con ello, solo se logra un
ordenamiento irracional, y que está incluso en contradicción con los postulados liberales que subyacen
en las tesis utilitarias, pues la arbitrariedad del Estado prevalece sobre los actos lícitos de los particulares. En efecto, aquí se prefiere la publicidad vacía, sin necesidad del hecho jurídico al cual debe
necesariamente referirse.
La postura que da primacía a la inscripción es claramente inconstitucional, en cuanto permite una interferencia ilegítima en contra el derecho de propiedad del titular. Esta doctrina ha sido
reconocida por nuestro Tribunal Constitucional: “7. En este orden de ideas este Tribunal destaca que
el derecho de propiedad se caracteriza, entre otras cosas, por ser: (…) b) un derecho irrevocable, en
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el sentido de reconocer que su extinción o transmisión depende de la propia voluntad del titular y no
de la realización de una causa extraña o del solo querer de un tercero, salvo las excepciones que
prevé expresamente la Constitución Política”34.
Es absurdo pensar que la protección constitucional de la propiedad sea tan débil, que una
inscripción “hueca” o “fantasma”, sin contenido, sin título, pueda extinguir el dominio. El Tribunal
Constitucional es categórico sobre este punto, conforme aparece en la sentencia antes citada. Por lo
demás, la misma Alta Corte ha establecido en otros casos que el contenido esencial de la propiedad
abarca el poder de transmisión del derecho, lo que puede hacerse a través de títulos jurídicos reconocidos por la ley, tales como la donación o la herencia, por ejemplo. Ello significa que los actos
dispositivos solo pueden realizarse por medio de negocios jurídicos causales, que son los únicos
a los que el ordenamiento permite consumar el efecto de trasladar un bien del patrimonio de un
sujeto al otro (Sentencia de 11 de noviembre de 2003; Exp. Nº 0008-2003-AI/TC).
En un tercer caso, el Tribunal Constitucional señala que la prueba de la propiedad emana
del acto o negocio causal (título archivado), y no de una inscripción o de un asiento registral aislado.
Es cierto que se trata de una opinión obiter dicta, pero ello no impide reconocer que se trata de una
doctrina muy valiosa. Aquí la parte pertinente de esta decisión:
“3. (…) En este sentido, cabe señalar que el derecho de propiedad de los actores sobre el
inmueble materia de autos se encuentra fehacientemente acreditado, conforme al título
archivado Nº 2569, que dio mérito a su inscripción a fojas 47 del tomo 1076, asiento 25
del Registro de la Propiedad Inmueble de Lima, continuando en el tomo 1132 y cuya última
anotación está en la partida 11157386 del Registro de la Propiedad Inmueble de Lima. (…)
5. De conformidad con lo dispuesto por el artículo 70º de la Constitución, el derecho de
propiedad garantiza que ninguna persona puede ser privada de su propiedad y que tampoco
pueda ser objeto de intromisión o afectación sino solo por causa de seguridad nacional o
necesidad pública declarada por ley, y previo pago de indemnización justipreciada”35.
El registro es un instrumento para el logro de objetivos valiosos, pero no es un fin en sí
mismo. Se trata de un conjunto normativo dispuesto en orden a la seguridad jurídica de los negocios de adquisición y transmisión de bienes, pero siempre con la idea subyacente de justicia, y
en tal sentido tiene carácter meramente instrumental. Por el contrario, postular la preferencia de
la inscripción significa convertir al registro en un fin, en una caja mágica, en la “única verdad”, en
creador de realidades ficticias, sobrepuestas, y que llegaría hasta el extremo inaceptable de derogar
la realidad de la vida.
Imaginemos cualquier hipótesis de publicidad y las implicancias de la tesis aquí refutada. Por
ejemplo, una ley aprobada y promulgada con relación a la publicación en el diario oficial. Si la inscripción prima sobre el título, entonces en caso de discordancia entre la ley y la publicación, ¡debería
primar la publicación aunque la ley diga otra cosa! Es decir, el error de tipo de un corrector podría
generar un derecho en contra de la Constitución, la ley y el sentido común. Ya no estaríamos sujetos
a la voluntad popular emanada de nuestros representantes elegidos ante el Congreso, sino ante la
arbitrariedad de cualquier funcionario. Pues bien, esa idea tan burda es exactamente igual que sostener la primacía del asiento sobre el título, ya que ello implicaría que la voluntad de un registrador
–en contra de la ley- se impone sobre la voluntad de los particulares que tienen el derecho sobre los
bienes materia de disposición. Entonces, ya no importa el acto contractual inscrito, sino lo que diga
el registrador en un asiento36.
Desde una perspectiva filosófica, la apariencia de la publicidad no puede sobreponerse a la
realidad del hecho que es materia de publicidad. Caso contrario, preguntamos, ¿la noticia que consta
en los diarios puede derogar al hecho noticiado?; en otras palabras, ¿cuál es la verdad, la noticia o el
hecho? La respuesta cae por su propio peso.
Sentencia de 20 de marzo de 2009, Exp. N° 5614-2007-AA/TC; en el proceso de amparo seguido por Aspíllaga Anderson Hermanos SA contra
Instituto Nacional de Desarrollo y Proyecto Especial Jequetepeque-Zaña.
35
Sentencia de 3 de agosto de 2009, Exp. Nº 022-2007-AA/TC, en el proceso de amparo seguido por Arenera La Molina SA y la Sucesión Aparicio
Valdéz.
36
La siguiente cita es contundente para rechazar la tesis de la inscripción “fantasma”: “La transcripción no es, ella misma, título (o modo) de
adquisición ni puede hacer surgir ningún derecho (real o personal); tampoco es un elemento del título de transferencia o de adquisición que
se agregue a otros elementos del título. Título de adquisición es únicamente el negocio (o acto) en virtud del cual se realiza la adquisición; o
sea, es lo que justifica la adquisición misma y que, si es un contrato traslativo (o constitutivo), o un negocio jurídico unilateral (ejemplo, un
legado), basta para transferir (o constituir) el derecho. En efecto, la transcripción es un mero procedimiento exterior al título de adquisición;
y –en cuanto procedimiento- debe presuponer ya existente el título”: MESSINEO, Francesco. Manual de Derecho Civil y Comercial, Op. Cit.,
Tomo III, p. 570.
34
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La publicidad y el hecho son situaciones unidas en forma indisoluble, pero se encuentran
en distintos planos37; pues el hecho jurídico es aquel evento que produce consecuencias jurídicas, y
se encuentra en el ámbito del “ser” (existe o no); mientras tanto la publicidad es solo un instrumento
para dotar de conocimiento general a ese mismo hecho, y se encuentra en el ámbito del “conocer”
(lo conozco o no). Por tanto, la publicidad por sí misma no es nada, ya que esta simplemente existe
para dar notoriedad a un hecho determinado. Dentro de esta lógica, el hecho jurídico es obviamente
el concepto-prius (primero, fundamental), al cual sigue la publicidad. En este orden de cosas, la publicidad no puede existir sin el hecho, ni puede ser diferente a él, ya que la publicidad es un concepto
relacional, que se encuentra en relación a un hecho preexistente, al cual le sirve. Es obvio, pues, que
la publicidad nunca puede reemplazar o sobreponerse al hecho, pues ello implicaría el absurdo
lógico consistente en admitir la publicidad sobre el vacío, es decir, sobre nada a qué referirse. Así
pues, un evento que sucede en la realidad (hecho) puede ser objeto de narración, como ocurre cuando
lo relata un periódico (publicidad), pero jamás la narración (publicidad) podrá modificar o derogar el
acaecimiento del evento (hecho), el cual existe por sí mismo, y se encuentra en el mundo del “ser”,
de los hechos reales, de las situaciones concretas.
En el Perú, por ejemplo, hay alguien que escribió “científicamente” sobre ese tema aduciendo
que debía primar el asiento registral38, pero sin darse cuenta que resulta falso que la inscripción dé
lugar a una “nueva situación jurídica”, lo cual se demuestra en el siguiente ejemplo: si una sociedad
anónima decide otorgar un poder; este hecho jurídico es el mismo, ya sea que se encuentre inscrito o
no; si se inscribe sigue siendo un acto de apoderamiento, y el registro no tiene el efecto taumatúrgico
de cambiarle de naturaleza; por tal motivo, no existe una “nueva situación jurídica”; sino que el registro da publicidad del mismo hecho (poder), que no se convierte en otro distinto39.
Un ex – superintendente de los registros públicos (en una entrevista en Diario Gestión, 04
marzo 2012), no encuentra tema más importante en materia registral, que entretenerse en la polémica, ya zanjada jurisprudencialmente, sobre la inscripción y el título archivado, optando él por preferir lo primero. Sin embargo, no advierte que su opinión aumenta exponencialmente la inseguridad
jurídica. En efecto, con tal criterio, los ciudadanos e inversionistas, nacionales o extranjeros, podrían
perder el fruto de su trabajo con el fácil expediente de un “error de redacción del registrador”, que,
en lugar de consignar correctamente el nombre del propietario, podría incorporar un nombre o dato
equivocado. De esta forma, la seguridad se le niega a los verdaderos propietarios, y, más bien, se
la otorga a los falsificadores de asientos registrales. Se supone que el Registro está en contra de las
falsificaciones, pero simultáneamente se permite, y “legaliza” que los fraudes provengan del propio
registro, a través de inscripciones irregulares.
La publicidad no puede tener vida propia, pues se refiere siempre a un hecho; sin este no hay
publicidad. Por tanto, la inscripción no crea una nueva situación jurídica que sea distinta, lo cual significa que la publicidad no tiene la fuerza de originar por sí sola un hecho que no existe.
La necesidad de proyectarse al título archivado, sin que jamás sea suficiente limitarse a la
inscripción, viene impuesto por la normativa sustantiva. El art. 2014 CC se refiere al adquirente a
título oneroso, cuya protección requiere de un negocio jurídico causal, en el que pueda identificarse
la razón de ser de la atribución patrimonial; por tanto, es imperativo que el registro refleje el título
o hecho jurídico adquisitivo. Siendo así, le preguntamos a los extremistas: ¿cómo puede ampararse
una inscripción sin título cuando la protección legal se otorga exclusivamente a un “título oneroso”? El
mismo art. 2014 habla que tal tercero es mantenido en su adquisición, aun cuando se anule, rescinda
o resuelva el (título) del otorgante, esto es, el citado tercero resulta protegido aun cuando el título
antecedente sea nulo; por tanto, siempre debe existir un título previo (hecho jurídico adquisitivo),
aunque viciado, y este no es otro que el negocio causal expresado en la inscripción.
Por otro lado, también se dice que el sistema peruano de inscripción es uno propiamente de
“extracción”, es decir, el registrador estaría en la obligación de extraer únicamente el derecho relevante para terceros que conste en el título, y ese derecho es el que se publica en el asiento. En tal
sentido, se afirma: “esto es así porque existe un filtro técnico, registrador público, que luego de un
RAGUSA MAGGIORE, Giuseppe. Il Registro delle imprese, Giuffrè Editore, Milán 2002, p. 132.
Así: MENDOZA DEL MAESTRO, Gilberto. “Argumentos que justifican la preferencia del asiento registral sobre el título archivado”. En Actualidad Jurídica, Gaceta Jurídica, Tomo 177, Lima, agosto 2008, pp. 71 ss.
39
Por su parte, las siguientes palabras de la doctrina italiana resultan esclarecedoras: «En el sistema del Código está fuera de toda duda que,
allí donde la publicidad tenga como objeto un acto negocial, es el negocio mismo que debe ser inscrito (se piensa, por ejemplo, que requieren la inscripción del poder mercantil, del acto constitutivo de sociedad, de los acuerdos modificativos de estatuto: arts. 2206, 2296, 2300 y
2436 CC Italiano) y no una solicitud que reproduzca su contenido –más o menos integralmente o más o menos fielmente-. (…) A propósito la
solución que me limito por ahora a hipotetizar (luego buscaré de argumentar mejor la suposición) es que el archivo sea a todos los efectos
parte integrante del registro, así todo aquello que está archivado es (como si fuese) inscrito»: IBBA, Carlo. La pubblicitá delle imprese, Op.
cit., pp. 10-11.
37
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estudio minucioso determina qué situaciones merecen ser publicitadas”40. Si fuera cierto que solo existe la obligación de consultar los asientos, entonces la conclusión lógica sería que los títulos archivados
no se verificarían en lo absoluto. Por vía indirecta, pues, se llega a sostener la primacía del asiento.
Sin embargo, esta postura se desmorona enseguida por virtud de los siguientes fundamentos:
- Los derechos no viven abstraídos de su causa, ni subsisten sin ella; en consecuencia, no existen inscripciones vaciadas de contenido. No tenemos el negocio abstracto real del Derecho
alemán, por lo que mantener este debate es absurdo. Si realmente existiese un sistema de
“extracción” con efectos sustantivos, esto es, que la inscripción, sin título, sea suficiente
para sustentar una adquisición, entonces ello debería estar señalado por normas legales
expresas que reconozcan ese inédito sistema de atribuciones patrimoniales. Para lograr dicho fin no basta la descuidada redacción de algún reglamento de registros públicos, sino de
todo un conjunto de instituciones civiles que respondan a ese criterio. Por ejemplo: si la
inscripción deroga el título, y lo único que importa es aquella, entonces debería haber un
mecanismo procesal que permita al adquirente de un derecho tomar conocimiento previo
de la redacción del asiento a efectos de que pueda impugnarlo. La razón es obvia: si un
funcionario público, por dolo, culpa o ignorancia, tiene la potestad de abrogar un negocio
jurídico adquisitivo por el solo hecho de redactar una inscripción, ¿qué remedios da el ordenamiento para impugnar esa decisión? Obligatoriamente debería otorgarse la posibilidad
de “conocer anticipadamente el contenido del asiento” para que el interesado se oponga; o
una vez extendido el asiento, el usuario debería tener la opción de “apelar la inscripción”
con el fin de tutelar el derecho de propiedad reconocido en la Constitución, o cualquier otro
derecho sustentado en la autonomía privada, pues con ello se evitaría que se consumen los
mayores despojos. Demás está decir que nada de esto existe, por cuanto la inscripción no es
más que un resumen del título, un mero extracto formal con fines simplificadores, y que no
se encuentra regulado en las leyes sustantivas, sino en reglamentos registrales. Por tanto, si
se quiere sostener que la “extracción” produce ese radical efecto adquisitivo (que no existe
en el Derecho comparado), entonces primero hay que probar que ese sistema realmente
existe; y como no es posible probarlo a falta de normas y antecedentes, entonces todo el
argumento se cae por sí mismo.
- Por lo demás, la labor “técnica” del registrador está severamente limitada pues se restringe
al control formal de los actos contenidos en documento público41. En tal sentido, se trata de
un simple examen sobre el cumplimiento de algunos requisitos mínimos en orden a la inscripción, y nada más. Por lo demás, ¿cómo sería posible que en un proceso limitado al examen de
un documento público se delegue al registrador la tamaña atribución de extraer lo que a él
le parezca relevante en orden a los terceros? Eso solo podría hacerlo un juez en un proceso
contencioso con todas las garantías del debido proceso. En consecuencia, es inaudito pensar
siquiera que un funcionario administrativo pueda contar con tal potestad.
- La técnica de extraer un resumen del título, o de trascribirlo, constituye un simple elemento
facilitador de la publicidad formal, explicable bajo distintas perspectivas. Con la extracción
se le da al público una visión resumida y rápida de la situación jurídica, sin perjuicio que
esta se produzca realmente en virtud de los negocios atributivos. Con la trascripción, por el
contrario, se da al público un contenido completo de la información sin seleccionarlo. Optar
por uno u otro es una simple cuestión de organización de la oficina registral, pero de allí no
se puede avanzar hasta el punto de crear efectos mágicos a la inscripción, y que estos lleguen hasta el punto de desconocer la realidad misma, que en este caso es el hecho jurídico
adquisitivo.
- Por último, y aunque solo se trate de un argumento de carácter residual, debemos preguntarnos lo siguiente: si el asiento registral contiene toda la información relevante, entonces
¿para qué se archiva el título si no cumple ninguna función de oponibilidad? A veces se ha
criticado esta postura señalando que la publicidad sustantiva no tiene relación con la publi MENDOZA DEL MAESTRO, Op. Cit., agosto 2008, p. 79.
Aquí no se quiere entender este punto, pero vale resaltar que los registradores alemanes se limitan a efectuar una verificación de legalidad
meramente formal, según comenta el notario de ese país Peter Limmer. En CAVALLÉ CRUZ, Op. Cit., p. 118.
40
41
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cidad formal, pero la mejor doctrina está de acuerdo en que solo puede haber oponibilidad
(publicidad sustancial) cuando la información sea susceptible de ser conocida de manera
efectiva (publicidad formal); de lo contrario estaríamos ante una ficción intolerable. Se dice
que uno de los tres principios fundamentales del registro (en este caso se refiere al de empresas, pero la conclusión puede perfectamente generalizarse) es el de relación entre oponibilidad y cognoscibilidad: “la tutela de los terceros exige que a ellos puedan ser opuestos
solo aquellos hechos de los cuales ellos mismos puedan procurarse el conocimiento a través
de la consulta del instrumento publicitario, o sea del registro”42.
La Corte Suprema ha interpretado en forma reiterada, y con una uniformidad llamativa por
más de cien años, que existe una evidente primacía del título material sobre el asiento registral, ya
que este último se considera un simple “resumen” de aquel, sin sustantividad propia. Dentro de las
múltiples ejecutorias pronunciadas en este tema, y cuya recopilación bien merecería una tesis, tenemos las signadas con los números: 2356-98-Lima43 (diario oficial: 12 de noviembre de 1999), 415-99Lima44 (diario oficial: 01 de septiembre de 1999), 158-2000-San Martín45 (diario oficial: 30 de octubre
de 2000), 1322-2001-Lima46 (diario oficial: 01 de octubre de 2002) y 2580-2001-Lima47 (diario oficial:
02 de mayo de 2002). Por lo tanto, debe concluirse en que existe una consolidada corriente jurisprudencial que avala la posición aquí sostenida, por la cual los asientos registrales sólo se entienden en
concordancia con el título del que proceden, y jamás priman sobre él.
La fe pública representa una solución radical que otorga la condición de verdad a aquello que
no lo es, pues deroga los efectos absolutos de la nulidad, con lo cual se deja en cuestión los valores,
incluso fundantes en la propia dignidad humana, que sustentan la decisión del ordenamiento para
descalificar un determinado acto o negocio48. Por tal razón, los sistemas jurídicos que acogen este
principio registral lo hacen en forma mediatizada, con la imposición de distintos requisitos (buena fe,
onerosidad, que en el registro no consten las causas de nulidad, etc.), o en otros casos simplemente no
se le acoge por respeto a la realidad jurídica y a los valores que ella encarna. Por lo tanto, la afirmación referida a la hipotética primacía del asiento por “reducción de costos” no pasa de ser un teórico
canto de sirena, sin ningún sustento en los Principios Generales del Derecho, salvo que se piense que
la supuesta reducción de costos de transacción es un valor fundante del ordenamiento.
Hace algún tiempo, la Corte Suprema ratificó la buena doctrina mediante una ejemplar
sentencia en la que analiza con gran detalle y precisión los requisitos de aplicación del principio
de fe pública. No es el caso hacer un análisis de toda la decisión, que por cierto es muy interesante,
sino circunscribirse a la relevante definición que hace del asiento registral como simple resumen o
extracto del título material, por lo que nunca puede tener independencia o sustantividad. De esta
manera debe considerarse que la ejecutoria aislada que se citó antes ha quedado superada a través
de una sentencia más reciente, máxime si prácticamente existe un criterio jurisprudencia reiterado
en un siglo49.
IBBA, Carlo. La pubblicitá delle imprese, Op. cit., p. 4.
“... A fin de asegurar la buena fe registral no sólo es necesario leer el resumen del asiento registral, sino tomar conocimiento del título
archivado que le dio origen; por lo que si el recurrente hubiera tenido el cuidado de examinar el título que dio origen al asiento hubiera conocido la incapacidad del demandante y que por dicha razón el supuesto poder que éste había otorgado no tenía validez y, como consecuencia
de ello, no se podía hipotecar el inmueble sin autorización judicial; de donde resulta que, basado en su propia negligencia, el recurrente no
puede alegar buena fe registral...”.
44
“... El artículo 2012 del Código Civil consagra el principio de publicidad registral, el cual no sólo está referido a los asientos registrales,
sino también a los títulos archivados...”
45
“El artículo 2012 del Código Civil recoge el principio de publicidad de las inscripciones registrales, el mismo que conforme se desprende
del artículo 184 del Reglamento General de los Registros Públicos, se extiende a los títulos archivados y a todas aquellas anotaciones y demás
documentos que existan en los registros”.
46
“En materia de derechos de propiedad, si bien el registro no cumple una función constitutiva de derechos sino meramente declarativa, la
publicidad que brinda permite que terceros ajenos a la celebración del acto estén en condiciones de tomar conocimiento de su contenido,
constituyéndose así el sistema registral en garante de la seguridad jurídica”.
47
“Forman parte de la publicidad de los Registros Públicos los títulos archivados, lo que guarda concordancia con el artículo 170 del Reglamento antes citado, porque como el asiento registral es solo un resumen, en el que consta el título que da origen al asiento, dicho título
está a disposición de toda persona porque forma parte del asiento y de la publicidad de los registros; por ello, y a fin de asegurar la buena fe
registral, no solo es necesario leer el resumen del asiento registral, sino tomar conocimiento del título archivado que le dio origen, más aun
cuando el artículo 185 del Reglamento dispone que para conseguir la manifestación de los libros y demás documentos, no se requiere tener
interés directo o indirecto en la inscripción o documentos, ni expresar el motivo o causa por las cuales se solicitan”.
48
Véase la opinión fundamentada de MORALES HERVIAS, Rómulo. “Nulidad e inoponibilidad del contrato vs. la publicidad registral”. En Diálogo
con la Jurisprudencia. Gaceta Jurídica, No. 103, Lima, abril 2007, pp. 25-40.
49
La exposición de motivos alude a una ejecutoria de 07 de junio de 1917, en la cual el tercero no es amparado porque la nulidad aparece de
los mismos documentos que sirvieron a la inscripción: COMISIÓN REVISORA DEL CÓDIGO CIVIL. Exposición de Motivos Oficial del Código Civil,
Registros Públicos, separata especial publicada en el diario oficial el 19 de noviembre de 1990, p. 16.
42
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He aquí la importante sentencia:
“Cuarto: Que asimismo, el artículo 2012 del Código Sustantivo debe de complementarse
con lo dispuesto en el artículo 184 del Reglamento General de los Registros Públicos el que
establece que a fin de asegurar la publicidad de los registros los funcionarios de los mismos
están obligados a manifestar a toda persona los libros, los títulos archivados, índices y demás documentos que obran en las oficinas registrales. Quinto: Que, la exposición de motivos
del artículo 2012 bajo comentario, confirma esta apreciación al sostener que la presunción
cerrada de conocimiento del contenido registral, encierra solo un aspecto parcial de la
publicidad al sostener una ficción legal, pues su aplicación aislada sin otorgar la posibilidad
efectiva de acceso al Registro ‘implicaría un grave problema, referido al hecho de que las
personas no puedan conocer materialmente aquello que la ley presume de su conocimiento’
y que ‘la primera publicidad, a la que podemos llamar sustantiva, no es posible considerarla
sin que exista ampliamente garantizada la segunda, que es la que se puede llamar procesal’
(Exposición de Motivos Oficial del Código Civil, Registros Públicos, Lima mayo 1998, Jack
Bigio Chrem, página 191). Sexto: Que, esto determina que forma parte de la publicidad de
los Registros Públicos, los títulos archivados, lo que guarda concordancia con el artículo 160
del Reglamento antes citado, porque como el asiento registral es solamente un resumen en
el que consta el título que da origen al asiento, dicho título está a disposición de toda persona, porque forma parte del asiento y de la publicidad de los registros. Séptimo: Que, por
ello y a fin de asegurar la buena fe registral no solo es necesario leer el resumen del asiento
registral, sino tomar conocimiento del título archivado que le dio origen, más aún cuando
el artículo 185 del Reglamento dispone que para conseguir la manifestación de los libros y
demás documentos, no se requiere tener interés directo o indirecto en la inscripción o documentos; ni expresar el motivo o causa por las cuales se solicitan”: Casación N° 3088-06-Lima
(diario oficial: 01 de octubre de 2007).
En conclusión, cualquier norma o interpretación normativa que pretenda privilegiar la inscripción sobre el acto o negocio jurídico que le dio origen, es contraria a los derechos fundamentales de
libre contratación, de propiedad o de tutela judicial efectiva que la Constitución de 1993 garantiza
a todas las personas. En tal sentido, el error del registrador al momento de extender una inscripción
no puede dar lugar a la pérdida del dominio del legítimo propietario. El Tribunal Constitucional ha
señalado, ya, en reiteradas oportunidades que la garantía de la propiedad implica la debida protección
contra las interferencias ilegítimas o producidas por causa extraña (así: Sentencia de 20 de marzo de
2009, Exp. N° 5614-2007-AA/TC, en el proceso de amparo seguido por Aspíllaga Anderson Hermanos
SA contra Instituto Nacional de Desarrollo y Proyecto Especial Jequetepeque-Zaña); y entre estas se
encuentran las pérdidas del dominio por simples errores de la administración (ejemplo típico: discrepancia entre inscripción y título archivado), que bajo ningún concepto podrían derogar o alterar las
titularidades jurídicas.
4.4 LA FE PÚBLICA REGISTRAL NO PROTEGE LAS FALSIFICACIONES O SUPLANTACIONES, NI
SIQUIERA CUANDO SE TRATE DE TERCERO DE BUENA FE
Los principios registrales de protección a los terceros, tales como el de inscripción declarativa
-preferencia del título inscrito sobre el no-inscrito (art. 2022 CC)-, o la fe pública registral -protección
del titular inscrito frente a un negocio nulo antecedente (art. 2014 CC)-, simplemente resuelven los
problemas técnicos derivados de sujetos que se encuentran en conflicto por la existencia de distintos
títulos de propiedad sobre el mismo bien, u originadas por la nulidad de dichos títulos; y, ante esa
situación de incertidumbre jurídica, se requiere de un mecanismo racional que decida el conflicto. En
otras palabras, el ordenamiento siempre preferirá un título sobre el otro, por lo que la existencia de
la norma conflictual se hace imprescindible. En todos los casos habrá un comprador que se vea privado
del derecho, ya sea por aplicación de los principios registrales o de cualquier otro criterio, tal como la
antigüedad del título o la toma de posesión.
Sin embargo, la Constitución protege la propiedad ya adquirida (art. 70º), así como la libertad contractual como mecanismo para que los bienes circulen en el tráfico (art. 2-14º); por tanto, no
puede aceptarse que un propietario pueda ser despojado de manera impune cuando no existe un valor
fundamental que justifique esa solución extraordinaria por la que un titular sea privado del derecho en
contra de su voluntad. Nuestro Tribunal Constitucional ha señalado con claridad que el contenido de
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la propiedad incluye necesariamente la protección del derecho contra las interferencias externas, a lo
que denomina “garantía de indemnidad”; por tanto, ello reafirma que las adquisiciones a non domino,
como ocurre con los principios registrales, son de aplicación restringida cuando realmente exista un
valor o bien constitucional materia de tutela:
“El derecho de propiedad privada, reconocido por el artículo 2, inciso 17 de la Constitución,
constituye un derecho fundamental cuyo ámbito de protección o contenido garantiza las facultades de uso, usufructo y la libre disposición del bien. Pero, la comprensión constitucional
de la propiedad es más amplia y, prima facie, comprende además la garantía de indemnidad o conservación de la integridad del patrimonio de la persona. La “inviolabilidad” de la
propiedad a la que se refiere el artículo 70 de la Constitución debe interpretarse no solo
como prohibición de intervenciones en el libre ejercicio o goce de los mencionados atributos
clásicos del derecho de propiedad, sino también como garantía de indemnidad. Así las cosas, el derecho de propiedad garantiza la conservación de la integridad del patrimonio de la
persona y, por consiguiente, prohíbe la indebida detracción del mismo”50.
Las normas de protección a los terceros no son inconstitucionales per se, como lo demuestra
su existencia en diversos sistemas jurídicos. Ello se debe a una razón muy simple: existe un mundo
real, en el cual tenemos un solo bien material que es disputado por los dos hipotéticos titulares; ante
tal circunstancia, la ley civil deberá dar una respuesta a la controversia, y uno será beneficiado, mientras el otro será desposeído. Al margen de cualquier pretensión ideal, lo concreto es que el derecho de
uno de los contendientes será desconocido, pues la ley no puede inventar un bien para satisfacción del
perdedor. Cómo el sistema jurídico no puede evitar la ocurrencia de estos conflictos, entonces solo le
queda instaurar normas racionales que brinden soluciones justas con seguridad jurídica.
Ahora bien, ello no implica que cualquier “opción” del legislador o cualquier “interpretación”
judicial o doctrinal deba ser avalada, pues, en tal sentido, existe la obligación de respetar y potenciar
los valores que informan la Constitución y los tratados de derechos humanos, especialmente el referido a la inmunidad de la propiedad.
Por tal razón, “el principio de la adquisición a non domino puede tener como toda norma
jurídica un sentido social, si se mantiene allí donde realmente se puede justificar la pérdida del derecho del propietario”51. Por tanto, la circunstancia natural o normal es que se imponga la realidad
jurídica, esto es, que se proteja al verdadero propietario, sin importar que exista un tercer adquirente
de buena fe, cuya cadena de dominio se basa en un título nulo, por lo que en teoría su adquisición se
desmorona.
Sin embargo, en determinadas circunstancias excepcionales se valora en forma preferente la
posición del tercer adquirente, por sobre la del propietario, ya que se produce un fenómeno denominado “protección de la apariencia”, cuando un cierto hecho ha producido un “error común”, esto es,
cualquier persona en tal situación hubiese creído que procedía conforme a derecho, y siempre que se
encuentre amparado en una norma legal.
Nótese que el propietario primigenio, que demanda la protección constitucional de la propiedad, solo puede ser vencido si él mismo ha dado lugar a la apariencia falsa en la que confía un tercero;
es decir, el propietario sufre la consecuencia de su propia culpa en cuanto se le imputa haber creado
la falsa apariencia que el registro publica a los terceros. Es el caso típico de la simulación del negocio
jurídico: el propietario, que encubre la realidad, ocasiona una apariencia que puede llevar a que un
tercero se engañe de buena fe. En tal caso, la culpa (o dolo) del titular primigenio no puede ser premiado, por lo que su posición jurídica se ve desplazada por la conducta honesta del tercero.
En doctrina se reconoce que la protección de la apariencia se produce cuando concurren los
siguientes elementos52:
I) El sujeto actúa sobre la base directa de la situación aparente (por ejemplo: información
del registro), por tanto, actúa confiado por la apariencia y por virtud de ella decide realizar
la adquisición. La confianza tutelada por la norma es aquella que induce a realizar un acto
correspondiente a la apariencia suscitada, tal como una disposición o una inversión. Es decir,
“el tercero se apoya para actuar, en la información que se ofrece oficialmente, en el acto
Exp. Nº 00043-2007-AA/TC, 6º fundamento jurídico.
MIQUEL GONZÁLEZ, José María. La posesión de bienes muebles, Op. Cit., p. 493.
52
EIZAGUIRRE, José María de. Derecho Mercantil, Editorial Civitas, Madrid 1999, pp. 231-232.
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o actos jurídicos realizados, o en la mera situación de hecho”53.
II) La situación aparente es imputable al titular que finalmente es perjudicado o cuyo derecho
se extingue. Es decir, el propietario, por ejemplo, permite que se cree una apariencia que
finalmente engaña a un tercero inocente. El caso típico es la doble venta en la cual el primer comprador, que no inscribe, permite que se mantenga la apariencia de un propietario
distinto (inscrito), por lo que la situación se provoca por efecto de su negligencia teórica54.
III) Un tercer sujeto actúa sobre la base de la apariencia (falsa) creada o imputable al titular
del derecho, pero que no se corresponde con la realidad. Este tercero contrata o actúa jurídicamente sobre la base de la apariencia. Para que su actuación se consume, si se trata del
registro, necesita inscribir su propia adquisición; pues de esa manera queda en evidencia
que la apariencia ha sido la plataforma utilizada para celebrar el contrato.
IV) El tercer sujeto debe contar con un título oneroso, pues solo se protege a quien pierde un
derecho y no a quien solo pretende asegurar un lucro. La tutela es “danno vitando, non lucro
captando” (a favor de quien evita un daño, y no de quien pretende asegurar un lucro). En
suma, debe tratarse de un acto digno de protección.
V) El tercer sujeto actúa de buena fe, esto es, desconoce el hecho jurídico contradictorio a pesar de haber tenido una actuación diligente para comprobar o verificar la titularidad previa.
La negligencia siempre anula la buena fe55.
Los principios registrales son hipótesis concretas de protección de la apariencia, de ámbito
excepcional, y de aplicación estricta con el fin de salvaguardar algunos actos de adquisición que se
fundan en la confianza de uno, y que se origina en la apariencia creada por culpa de otro. Puestos en
la balanza ambos intereses, la inocencia y diligencia se valora en nivel superior frente a la negligencia
de quien no cumple la carga legal de conservación de su derecho.
La doctrina de tutela de la apariencia vincula una serie de institutos jurídicos, tales como la
posesión, el registro y los títulos valores56. En todos ellos puede constituirse un tercero protegido por
BUSTOS PUECHE, José Enrique. La doctrina de la apariencia jurídica, Editorial Dykinson, Madrid 1999, p. 70.
Los Tribunales Argentinos han entendido perfectamente la necesidad de culpa del propietario en todas estas hipótesis de tutela de la
apariencia: “predomina en la doctrina la corriente de interpretación del art. 1051 CCiv, según la cual en las transmisiones de dominio de
inmuebles realizadas por quien no es el titular de ese derecho real (a non domino) urdidas sobre la base de una falsificación de la firma del
enajenante o de la presentación al notario de documentos falsos (….), la transferencia no puede surtir efectos ni siquiera respecto de terceros
adquirentes a título oneroso y de buena fe (por tanto) los principios de la apariencia jurídica, de la protección a los terceros de buena fe, y
de la preferencia de la seguridad dinámica frente a la estática, deben ceder frente al interés del verdadero propietario que no tuvo ninguna
autoría y participación –siquiera viciada- en el acto, y que siendo ajeno a la maniobra es su principal víctima” (Cámara Nacional Civil, Sala C,
26 marzo 1985): Cit. DE REINA TARTIÉRE, Gabriel. La Posesión, Abeledo Perrot, Buenos Aires 2010, p. 104; cita esta sentencia, aunque parece
no estar de acuerdo con dicha doctrina, pues postula que la protección del tercero requiere, en tal caso, la buena fe de este último, así como
la del transmitente. Esta posición resulta insostenible, pues no se entiende la razón por la cual tendría que ser perjudicado el propietario
(inocente de este entuerto) por el solo hecho que un transmitente sucesivo tenga buena fe. Lo relevante no esto último, sino que la apariencia
no haya sido creada por el verus dominus, y, en tal sentido, no puede ser despojado.
55
La buena fe no significa simple desconocimiento de la irregularidad en la actuación del transmitente, sino la exigencia de aquella diligencia
que hubiese permitido al adquirente darse cuenta de la divergencia entre la apariencia y la realidad: EIZAGUIRRE, José María de. Derecho de
los Títulos Valores, Thomson-Civitas, Madrid 2003, p. 50.
56
Sin embargo, el hecho que los títulos valores y el registro inmobiliario hayan tenido elementos de contacto, especialmente en orden a la
función que cumplen en el sistema legal, no es argumento suficiente para pretender igualarlos para cualquier efecto práctico, tal como se
hace en una reciente doctrina, francamente exagerada y extremista: “En efecto, la letra incorpora el derecho de crédito y lo independiza,
a efectos del endosatario, de las vicisitudes que afecten el negocio causal, convirtiéndolo así y en este sentido, en abstracto –abstracción
personal-. Entre las partes primitivas o primeras rige el contrato; a efectos del tenedor –adquirente cambiario de buena fe- solo rige el contenido de la letra; de este modo, las incertidumbres desaparecen y los derechos de crédito pueden circular. El Registro de derechos es esta
misma tecnología jurídica aplicada al ámbito inmobiliario, con la finalidad de activar el mercado de inmuebles y el crédito territorial: entre
partes regirá el contrato, pero una vez inscrito el derecho resultante del mismo, esto es, una vez incorporado el contenido de tal derecho
–intabulado, si se prefiere- al folio registral, una vez que el derecho circule, es decir, cuando alguien lo adquiera del titular registral, el efecto
fe pública impone que al adquirente –a título oneroso y de buena fe- le afecte únicamente el contenido del Registro, pero no el del negocio
causal ni las vicisitudes que puedan afectar a éste”: MÉNDEZ GONZÁLEZ, Fernando. De la publicidad contractual a la titulación registral,
Thomson-Civitas, Madrid 2008, p. 168.
Hay varias incongruencias en el texto citado, lo que permite desvirtuar fácilmente la pretensión (ingenua) de identificar una letra de cambio
con el negocio adquisitivo de un bien inmueble.
En primer lugar, la importancia y centralidad de la vivienda y la tierra impiden que se le asimile a la fácil circulación de un título valor. En
efecto, el hogar –en sentido material- es una necesidad esencial del hombre, y que en muchos casos se adquiere por una sola vez en toda
una vida. Siendo así, los actos de transmisión y adquisición de bienes inmuebles constituyen actos de la máxima importancia, casi místicos y
sagrados para el lego, y que jamás podrán igualarse al burocrático endose de una letra. La complejidad en la adquisición de un predio está
en relación con la importancia que tiene. Piénsese que cualquier persona cobra tal vez miles de cheques a lo largo de su vida, pero a veces
nunca podrá adquirir una vivienda. El Derecho ha realizado perfectamente su trabajo: la circulación de los títulos sobre créditos, más o menos
estandarizados y fehacientes, no requiere mayor complicación; pero los inmuebles, y sus variadas vicisitudes, son otra cosa.
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efecto de su confianza en la situación de apariencia. Eso no es nada nuevo y se conoce desde hace
mucho tiempo57. Recuérdese que los pandectistas alemanes del siglo XIX, influidos en el liberalismo
económico que pretende hacer circular la riqueza sin tropiezos para beneficio del capitalismo, son los
mismos que desarrollan las teorías modernas sobre esas tres instituciones jurídicas. Por tanto, resulta
obvio que la doctrina mercantil y la civil se influenciaron recíprocamente58.
Solo cuando las normas de protección de la apariencia se mantengan dentro del ámbito
estricto de su función y presupuestos, detallado en este acápite, podrán ser compatibles con la
Constitución, pero cualquier exceso en su aplicación o interpretación, la hace devenir en inconstitucional para el caso concreto. Por ejemplo, el art. 2014 CC, en abstracto, es constitucional, pero
solo si se entiende aplicable a circunstancias excepcionales de tutela del tercero cuya conducta sea
digna de valoración positiva; siempre y cuando el despojo del propietario se produzca por una omisión
o acción culpable de éste.
Por el contrario, las interpretaciones exageradas del 2014 CC son inconstitucionales; y decimos “exageradas”, a todas aquellas posturas por las cuales la sola inscripción, por virtud de ese
mérito, tiene ya por sí misma la protección del registro. Es decir, el principio de fe pública entendido
como regla general, y no como excepción, es una clara muestra de interpretación normativa contraria
a los valores constitucionales, pues se limita a legalizar el despojo de un propietario, sin verificar la
diligencia del tercero, ni la culpa del titular afectado.
Nadie puede perder su derecho sin que de alguna manera le sea imputable esa consecuencia,
ya sea porque originó, o permitió o toleró la situación de apariencia en la cual ha confiado un tercero.
Es necesario que el titular actúe con culpa (imputabilidad), pues solo de esa forma se explica que la
apariencia termine imponiéndose a la realidad jurídica. Caso contrario, no hay razón justificativa para
que el Derecho renuncie a la verdad, ni para que se despoje a un titular cuyo derecho se encuentra
protegido por mandato de la Constitución mediante la denominada “garantía de indemnidad”.
La indemnidad cede por efecto de la propia culpa del titular que permite la situación de
apariencia, que lleva al error común de los terceros, y en tal contexto se privilegia el principio constitucional implícito de seguridad jurídica.
Un caso concreto son las falsificaciones de instrumentos públicos, que, a pesar de tal circunstancia, llegan a inscribirse; y luego permiten seguidamente que un tercero adquiera confiado en
la apariencia registral. Normalmente se sostiene que tal situación conlleva que el tercero mantenga su
adquisición por virtud del principio de fe pública registral (art. 2014 CC). Esta es una hipótesis típica
de interpretación que infringe la Constitución, pues desnaturaliza la garantía de indemnidad que forEn segundo lugar, los títulos valores concentran la titularidad y la posesión; por tanto, solo ejerce el derecho quien tiene en su poder el documento. En cambio, el registro no dice nada sobre la posesión, y es perfectamente posible que ambas situaciones estén disociadas, y muy gravemente, con lo cual el sistema legal debe preferir el interés del poseedor, con lo cual el registro jamás podría dar la seguridad de un cheque.
En tercer lugar, empaquetar un crédito en un documento que lo incorpore, es una tarea sencilla; lo que no puede replicarse para el caso
de los predios, cuyas vicisitudes son más complejas, en orden a los títulos contrapuestos entre sí, cadenas de dominio irregulares, dobles
inmatriculaciones, conflicto de linderos, entre muchos problemas. En suma, es imposible la identificación de objetos radicalmente distintos.
En cuarto lugar, la ley civil no reconoce la abstracción cartular para el caso de la transmisión de inmuebles. Este argumento se deduce del
art. 2014 CC (análogo al art. 34 de la Ley Hipotecaria Española), por virtud del cual solo se protege al tercero de “título oneroso”; lo que no
guarda relación o analogía alguna con la circulación de los títulos valores. En efecto, el tenedor de una letra o un cheque bien pudo adquirirlo
a título gratuito, o incluso, su origen pudo estar en el robo del documento o por encontrárselo en una calle. Ninguna de esas circunstancias
impedirá que pueda cobrar el crédito siempre que exhiba el título con una cadena meramente formal de endosos, o sin ello, incluso, si se
trata de título al portador. Existe, aquí, claramente, una abstracción que facilita la liberación del deudor. Por el contrario, la norma registral
exige imperativamente que el tercero cuente con causa onerosa para obtener protección, lo que desde ya otorga fundamental importancia
al negocio jurídico que sustenta la adquisición. No basta la sola inscripción, pues la propia mecánica registral obliga que consten los negocios
y consiguientemente sus causas. Por tanto, no se entiende cómo puede hablarse de “abstracción”, ni siquiera para terceros, si la fe pública
registral impone que se conozcan las causas negociales.
En quinto lugar, si para Méndez “el sistema registral debe ser análogo al de los títulos valores”, entonces un inmueble se transmitiría por la
“verdad oficial” que representan las inscripciones, sin necesidad de verificar los negocios jurídicos que le dieron origen. Ya hemos demostrado
que esta propuesta es absurda y contraria a ley, pero hay un tema adicional: su autor no se ha puesto a pensar que en la doctrina de los títulos
valores, la falsificación de la firma no genera derecho alguno. Es decir, el supuesto obligado que sufre de una falsificación siempre podrá
oponerse con éxito frente al tenedor, negando al pago, aunque este haya adquirido el título de buena fe (“La exención de responsabilidad por
la falsedad no solo es consecuencia de la inimputabilidad del acto al sujeto que lo padece. Es el propio empleo de la letra de cambio el que
resultaría perjudicado, si no se combatiese jurídicamente la falsedad; del mismo modo que el mercado de obras de arte quedaría anulado en
sus cimientos si no se persiguiese la falsedad”: EYZAGUIRRE, José María de. Derecho de los Títulos Valor, Op. Cit., p. 258).
Por tanto, si en los títulos valores el tercero carece de protección frente a una falsificación, entonces lo mismo debe ocurrir en el registro. El
registrador español no se ha dado cuenta que su tesis termina limitando la protección registral en contra de su propia intención.
57
Cuando se lee el libro de Fernando MÉNDEZ GONZÁLEZ (De la publicidad contractual a la titulación registral, Op. Cit., pp. 153 ss.), se tiene
la impresión que este creyese “estar descubriendo” la vinculación entre los títulos valores y el registro. En todo caso, le aclaramos a dicho
autor que ese tema se conoce desde muy antiguo, y que nosotros mismos ya lo hemos expuesto en una obra anterior a la de Méndez, y en la
que curiosamente hay muchas similitudes respecto a lo que él expone. Nuestro texto es el siguiente: GONZALES BARRÓN, Gunther. Tratado de
Derecho Registral Inmobiliario, Jurista Editores, Lima 2002, pp. 213-229.
58
La creación germánica del derecho cambiario (sobre los títulos valores) pronto es adoptada por el derecho civil mediante los nuevos principios de responsabilidad por la apariencia y protección de la confianza: MOLITOR, Erich y SCHLOSSER, Hans. Perfiles de la nueva historia del
derecho privado, traducción de Ángel Martínez Sarrión, Bosch Casa Editorial, Barcelona 1980, p. 106.
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ma parte del contenido esencial del derecho de propiedad.
En tal caso, el propietario que sufre la falsificación, es inocente de la apariencia (falsa) que
el registro crea, pues la situación creada no le es imputable. Por tanto, esa circunstancia de absoluta
neutralidad no puede jugar en su contra, aun cuando el tercero cuente con buena fe. En la hipótesis
contraria, estaríamos simplemente despojando a uno, para terminar atribuyendo el bien a otro, casi
por azar, sin racionalidad, sin que el titular originario haya contribuido de forma alguna con la apariencia que le perjudicó. ¿Puede admitirse una interpretación normativa que lleve al despojo arbitrario?
¿Esa es la función que se le confiere el sistema legal a las normas de protección de la apariencia? Las
respuestas, en ambos casos, son negativas.
La falsificación de títulos, aun cuando estén inscritos, no genera protección del tercero de
buena fe. La razón de ello es muy simple: no basta la buena fe del sujeto (tercero) a quien se quiere
proteger; pues, además, se necesita la culpa de quien se quiere despojar (propietario), esto es, que la
apariencia sobre la cual confía el tercero, haya sido creada o le sea imputable al titular del derecho.
Esa culpa o imputabilidad hace que se justifique la tutela del tercero y la privación del propietario;
siempre que exista una norma jurídica que avale tal hipótesis. Las falsificaciones no se protegen, pues
el verdadero titular es inocente de la apariencia creada.
En buena cuenta, la buena fe del tercero no está en mejor situación que la del propietario,
que sin culpa alguna sufrió la falsificación. En todo caso, ambos son inocentes y víctimas, por lo que
no existe argumento moral que coloque en mejor situación al tercero. Cuando ambos sujetos se encuentren en la misma posición de moralidad, entonces se debe preferir la realidad jurídica, esto es,
al propietario original. Solo de esta forma se respeta la garantía constitucional de la propiedad, pues
la norma fundamental la considera “inviolable”, sin embargo, sería ilógico que esa inviolabilidad se
pudiese destruir tan fácilmente con una falsificación o fraude.
También se alega, erróneamente, que el tercero debe tener preferencia por la inscripción;
pero ello olvida que el propietario original también estuvo inscrito. Por lo demás, la fe pública registral
que protege a “falsarios” es absurda, no solo desde la perspectiva moral, sino desde la racionalidad,
pues el tercero inscrito resulta protegido hoy, a pesar del fraude cometido en el título del transmitente; sin embargo, mañana ya es un propietario que puede ser despojado por obra de otra falsificación
sucesiva, es decir, la misma norma que me aseguró el derecho, puede hacer que lo pierda.
En conclusión, no puede fundarse un sistema de seguridad jurídica en la protección del adquirente de hoy, pero con la absoluta inseguridad a partir de mañana, pues la falsificación que no me
afecta, puede, luego, terminar despojándome. Sin duda, la fe pública registral, en sentido extremista,
es un sistema irracional.
Si la fe pública registral no opera en los casos de ausencia de culpa del titular primigenio
(ejemplo: falsificaciones o suplantaciones), sin embargo, sí se justifica cuando existe culpa de este,
con lo cual se confirma las líneas teóricas de la doctrina de la apariencia.
Primer caso: A vende a B (inscribe), pero incurre en vicio de la voluntad, y luego B vende a
C (inscribe). ¿Quién está en mejor posición? ¿A ó C? Si bien A declaró movido por error o dolo de la
parte contraria (B), sin embargo, debe reconocerse que la declaración de voluntad es suya, por lo que
incurrió en cierta culpa cuando comunicó algo que no responde plenamente a su querer, por tanto,
debe responder por el hecho propio que originó la falsa apariencia de convertir a B en propietario, lo
que a su vez propicia el engaño al tercero de buena fe C. Obviamente, la posición jurídica preferente
es la de C, pues su buena fe se valora positivamente en relación con la culpa de A. Es más, bien podría
decirse que sin la conducta descuidada de A, jamás se habría producido la compra de C, por lo que A es
causante de C, en consecuencia, se le debe imputar las consecuencias negativas de su propia acción.
La protección de C es racional, pues lo contrario significaría premiar al descuidado A que produce un
engaño a la buena fe de C, y que a pesar de ello terminaría siendo tutelado por encima de la víctima
que él mismo creó a través de su error. La fe pública registral, que protege al tercero, está justificada
en este caso.
Segundo caso: A vende a B (inscribe), pero sufre lesión contractual, y luego B vende a C (inscribe). ¿Quién está en mejor posición? ¿A ó C? Si bien A declaró movido por el estado de necesidad del
que se aprovechó B, sin embargo, debe reconocerse que la declaración de voluntad es suya, por lo que
incurrió en cierta culpa cuando comunicó algo que no responde plenamente a su querer, por tanto,
debe responder por el hecho propio que originó la falsa apariencia de convertir a B en propietario, lo
que a su vez propicia el engaño al tercero de buena fe C. Obviamente, la posición jurídica preferente
es la de C, pues su buena fe se valora positivamente en relación con la culpa de A. Es más, bien podría
decirse que sin la conducta descuidada de A, jamás se habría producido la compra de C, por lo que A es
causante de C, en consecuencia, se le debe imputar las consecuencias negativas de su propia acción.
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La protección de C es racional, pues lo contrario significaría premiar al descuidado A que produce un
engaño a la buena fe de C, y que a pesar de ello terminaría siendo tutelado por encima de la víctima
que él mismo creó a través de su error. La fe pública registral, que protege al tercero, está justificada
en este caso.
Tercer caso: A vende a B (inscribe), con simulación absoluta, y luego B vende a C (no inscribe).
¿Quién está en mejor posición? ¿A ó C? A y B han celebrado un negocio simulado, por lo que incurren
en dolo cuando comunican algo que no responde a su querer, por tanto, deben responder por el hecho
propio que origina la falsa apariencia de convertir a B en propietario, lo que a su vez propicia el engaño
al tercero de buena fe C. Obviamente, la posición jurídica preferente es la de C, pues su buena fe se
valora positivamente en relación con el dolo de A. Aquí el caso es más grosero que en los dos casos
anteriores. La protección de C es racional, pues lo contrario significaría premiar al malicioso A que
produce un engaño a la buena fe de C, y que a pesar de ello terminaría siendo tutelado por encima
de la víctima que él mismo creó a través de su accionar doloso. Sin embargo, la fe pública registral
solo protege al tercero que inscribe; y en este caso C no inscribió. Parece un abuso que la víctima sea
perjudicada frente a la connivencia maliciosa de los que crearon el negocio simulado, y solo por el
hecho de no haber inscrito. En efecto, ello representaría una injusticia notoria, por lo que el legislador
ha establecido una norma especial de protección a los terceros para esta específica causal de nulidad,
prevista en el art. 194 CC, por lo cual basta que el tercero sea de buena fe y a título oneroso para
merecer tutela, sin necesidad de inscripción alguna. Esta norma también es una hipótesis de protección de la apariencia, pero ajeno al registro, por lo que baso sus alcances, C también queda protegido.
Cuarto caso: A vende supuestamente a B (inscribe), pues en realidad se ha falsificado el título o el vendedor ha sido suplantado, y luego B vende a C (inscribe). ¿Quién está en mejor posición?
¿A ó C? A nunca declaró nada, nunca vendió, nunca dio lugar a la falsa apariencia, en consecuencia,
se trata de una víctima, al igual que C. En tal difícil circunstancia, C no tiene argumentos a su favor,
pues su buena fe se neutraliza con la mayor buena fe que exhibe A, inocente víctima de falsarios; la
inscripción de C también se desvirtúa con el hecho que A también se encontraba inscrito; la condición
de adquirente de C en nada lo mejora si tenemos en cuenta que en su momento A también fue adquirente. El “empate” jurídico se resuelve necesariamente a favor de la realidad jurídica, esto es, A
es el propietario originario del bien, y no existe motivo alguno para despojarlo de su derecho. Todos
los argumentos que benefician a C también lo hacen a favor de A, por lo que la apariencia, que no se
origina ni es imputable al propietario primigenio, no puede triunfar sobre la realidad. Por lo demás,
si la propiedad es inviolable, y el Tribunal Constitucional dice que nadie puede perder su derecho por
causas anómalas, entonces la obvia conclusión es que A mantiene su titularidad, pues no existe causa
alguna para despojarlo, ya que él no dio lugar a la apariencia; y, además, porque no puede existir
mayor causa anómala que una falsificación. Lo contrario implicaría que la norma constitucional es un
mal chiste, pues luego de decir que “la propiedad es inviolable”, terminaría admitiendo, sin embargo,
que “una burda falsificación la hace violable”.
El principio de fe pública registral, de esta forma, queda reducido a sus justos límites, como
mecanismo de tutela excepcional, que no protege los fraudes ni las voluntades inexistentes. Por tanto,
se descarta la interpretación extremista que otorga protección al tercero en caso de falsificaciones,
suplantaciones o nulidades radicales originadas por la ausencia de voluntad que sustente el negocio
jurídico. En todos esos casos, acorde con la garantía de indemnidad que reconoce nuestra Constitución, el derecho del propietario originario (verus dominus) queda a salvo.
El Pleno Jurisdiccional Nacional Civil de los Jueces Superiores de todo el país, celebrado los
días 19 y 20 de octubre de 2012, aprobó por amplia mayoría la siguiente ponencia: “la fe pública registral no protege a los terceros de buena fe cuando se trata de vicios radicales de nulidad, como es
el caso de la falsificación de los títulos, pues el artículo 70 de la Constitución del Estado dice que la
propiedad es inviolable, lo que no es coherente si admitimos que un titular pueda ser despojado fácilmente a través de una falsificación. El artículo 2014 del Código Civil debe leerse desde la perspectiva
constitucional de protección de la propiedad, evitando que los actos ilícitos consumen derechos”59.
Señal que estamos avanzando.
59
El texto del acuerdo plenario puede verse en: www.gunthergonzalesb.com.
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4.5 LA PRIMACÍA DEL USUCAPIENTE SOBRE EL TERCERO REGISTRAL
El conflicto se presenta del siguiente modo: el propietario registral (con título formal) desea
conservar su derecho; mientras tanto, un poseedor, amparado en su largo aprovechamiento sobre la
cosa, pretende que la situación de hecho se transforme en situación jurídica. ¿Cuál de las dos posiciones prevalece?
Una excesiva tutela del propietario formal terminaría privilegiando los derechos de “papel”,
olvidándose de la vida, desincentivando la explotación de la riqueza, dando origen a conflictos sociales
de dimensiones insospechadas, ya que los poseedores de larga data no tendrían la posibilidad de que
su trabajo expresado durante mucho tiempo pueda asegurarles la adquisición de una titularidad. En
buena cuenta, sería premiar al ocioso especulador, que no hace nada; y por el contrario, castigar al
laborioso productor, que crea riqueza. Esta situación se presentaría, por ejemplo, cuando la usucapión
se prohíbe o cuando simplemente se imponen requisitos desmesurados para su actuación.
Por otro lado, la exagerada protección de la posesión, sin un plazo prudencialmente extenso,
daría lugar a la disolución del concepto de propiedad, pues ambas figuras terminarían confundiéndose
con el problema social que en ello también está implicado. En efecto, una posesión por tiempo reducido que termina en usucapión (un año, por ejemplo), incentivaría conflictos dominicales de todo orden,
pues los ocupantes podrían reclamar rápidamente la adquisición del derecho. De esa forma, el propietario temería ceder el bien por las consecuencias negativas de la posesión ajena; y finalmente solo
lograríamos incentivar la violencia, ya que la tenencia podría devenir en titularidad al poco tiempo.
La llamada usucapión contra tabulas se produce cuando entran en conflicto dos situaciones
contradictorias. En primer lugar, está el tercero que confía en la exactitud del Registro, por lo que
adquiere de quien aparece como titular y luego inscribe su adquisición. En segundo lugar, tenemos al
poseedor que ha cumplido los requisitos legales para adquirir por prescripción, pero que obviamente
no ha inscrito su derecho.
El problema jurídico de la propiedad es su prueba. ¿Cómo saber quién es el propietario de
cada una de las cosas que existen en la naturaleza física? Se trata de una tarea difícil, sino imposible
de dilucidar con absoluta certeza. Este tema nos lleva directamente a un dilema filosófico de mayores
alcances: ¿preferimos la verdad (lo absoluto) o la verosimilitud (lo relativo)? La primera es, sin dudas,
la opción racional, pues la simple apariencia o verdad meramente probable suena a un torpe consuelo.
Pero, ¿qué sucede cuando la verdad no es cognoscible? En tal situación, solo quedaría conformarse con
lo poco o mucho del conocimiento que le sea alcanzable a la inteligencia humana.
La usucapión es una transacción en este debate filosófico, pero sin renunciar a la verdad. No
quiere decir que debamos privilegiar la realidad material por la imposibilidad de conocer la verdad
abstracta. Por el contrario, no se quiere renunciar a la verdad, pero tampoco apartarse de la apariencia. Por tanto, se construye una apariencia social, ligada a la vida del hombre, que funda la verdad.
Es asumir que la ontología de la propiedad (su “ser”) se encuentra en su propia finalidad, esto es, en
aprovechar la riqueza material a efecto de potenciar el disfrute.
En tal contexto, la usucapión se construye como la realidad misma de la propiedad, pues se
trata de lo único que tiene existencia comprobable y cierta. Por el contrario, los títulos de propiedad
formales (contratos, herencias, etc.) son abstracciones que siempre pueden atacarse o ponerse en
duda; o finalmente derivarse de quien no era el titular.
A diferencia de la titulación formal que puede ser o no-ser; en cambio, la posesión es. De esta
forma nos encontramos con una realidad externa que manifiesta la sujeción que una persona ejerce
sobre alguna porción del mundo, en su propio beneficio. Esa verdad que opera exclusivamente en el
ámbito físico, se convierte en la verdad jurídica. La usucapión es la propiedad60.
La usucapión se incardina con los aspectos más profundos del hombre, de la vida y de su concepción del mundo. Se trata, pues, de un hecho visible, notorio, propio de la realidad física, y que
supera las abstracciones, los formalismos, las ideas. Es el triunfo de la fenomenología crítica por sobre
el puro idealismo; por lo menos en el ámbito de la propiedad. El Derecho Romano, precisamente, se
basa en cuestiones objetivas, de esencia, más allá de idealismos o subjetivismos. Este principio es la
base justificativa de la usucapión como hecho que identifica la propiedad61.
“La prueba ordinaria de la propiedad se hace mediante la prueba de la posesión y el transcurso del tiempo, y esa es a la vez la realidad
de la propiedad. La propiedad no tiene ninguna naturaleza distinta de la de ser una posesión modalizada por el transcurso del tiempo. La
propiedad es una posesión investida formalmente con un título (y tiene por ello vocación de perpetuidad) (...) La propiedad no existe en sí,
lo que existe en sí es la posesión como apariencia socialmente significativa. Por eso la usucapión es algo más que un medio de prueba de la
propiedad: es la realidad misma de la propiedad”: ALVAREZ CAPEROCHIPI, José Antonio. Curso de Derechos Reales, Editorial Civitas, Madrid
1986, Tomo I, p. 143.
61
“Las investigaciones modernas han ido demostrando siempre que el pensamiento de los clásicos tendía a valorar y a calificar las actividades
humanas relevantes para el Derecho, según criterios objetivos, sólidos y sencillos, de manera tal que la interpretación y la actuación del dere60
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Esta verdad fenomenológica no es casual ni azarosa. Si la propiedad es la usucapión, téngase
en cuenta que la usucapión es la posesión. Por tanto, y finalmente, desde una visión filosófica, la propiedad es posesión; por lo que esta es el fundamento o razón de ser de aquella. En efecto, nadie puede
poner en duda que el título de dominio permite el disfrute pacífico de los bienes. Ello significa que el
título es un medio para lograr el fin; y en esa perspectiva, la posesión (fin) tiene lugar de primacía.
El evento de la realidad que configura la propiedad no es cualquier hecho; sino, precisamente, aquel
que lo determina y conforma. La posesión es un fenómeno al que debe regresarse para evitar la huida
del “mundo de la vida”.
La propiedad es fruto del esfuerzo y del trabajo; y precisamente la posesión es el trabajo del
hombre aplicado a las cosas. Entonces, la posesión es la causa moral y jurídica de la propiedad; su
fundamento último; el fenómeno social que se erige en su esencia y basamento. Siendo así, el reconocimiento legal de la propiedad en manos de un sujeto requiere de una u otra manera la posesión. De
esa forma, la propiedad no viene a ser otra cosa que una posesión vestida por el tiempo (usucapión),
conforme ya lo había dicho Savigny hace dos siglos.
Por tal razón, la prescripción adquisitiva, o usucapión, es el medio de convertirse en propietario por efecto de una posesión autónoma y sin dependencia de otro, que extiende por un
largo período de tiempo, y siempre que el anterior titular no muestre una voluntad formal de
contradicción62.
En buena cuenta, la posesión es trabajo, es riqueza, es el origen de la propiedad.
Por tanto, resulta claro que la usucapión no es una reliquia histórica de otras épocas, ni un
“mal menor” ante la imposibilidad de probar el dominio de manera incontrovertible. Todo lo contrario,
pues nos encontramos ante una institución jurídica que se radica en el mundo de la vida, no en el de
las meras formas o abstracciones, que vivifica día a día la propiedad, la hace humana y social, le da
concreción y efectividad.
Sin la prescripción adquisitiva, la propiedad podría reducirse a un conjunto de artificios técnico-jurídicos, siempre favorables a las clases detentadoras de la riqueza, que por eso mismo dominan
los artificios, pero alejado del ser humano y su sentir. No otra cosa sucede en el sistema jurídico alemán, que pretendió excluir la usucapión del ámbito de los bienes inmuebles, por lo que dio lugar a un
ordenamiento excesivamente formalista, sin vida, reducido a rituales, por lo que modernamente es
objeto de severas críticas63.
Esta es la perspectiva filosófica de la usucapión, pero también existen argumentos jurídicos
de peso.
El sistema legal reconoce que los derechos circulan de mano en mano a través de distintos
hechos jurídicos que la ley reconoce con tal efecto. Entre esos hechos, denominados “modos de adquisición de la propiedad”, se encuentran el contrato de transmisión (no todos los contratos producen
ese efecto), a veces sumado con la tradición, la sucesión hereditaria, la accesión, la apropiación y la
usucapión, entre otros.
Los modos derivados son aquellos en los cuales se produce un acto de transmisión del derecho,
es decir, dos sujetos están causalmente vinculados de tal suerte que uno da y el otro recibe. En tal
caso, la adquisición de la propiedad, por ejemplo, está sujeta y condicionada a que el transmitente
sea titular del derecho; en caso contrario, uno nada transfiere y el otro nada recibe. El principio general que rige los modos derivados es el viejo adagio nemo plus iuris, esto es, nadie da más derecho
del que tiene.
Por el contrario, los modos originarios son aquellos en donde el sujeto se convierte en titular
por encontrarse en la hipótesis que la norma reconoce como causante del efecto adquisitivo, sin que
cho estuviera siempre basada en fundamentos robustos y no en las bases frágiles ofrecidas por averiguaciones espirituales complicadas. Esto,
empero, no significa que la jurisprudencia clásica hubiera prescindido de la voluntad, sino que la propia voluntad constituía una categoría
objetiva, y en cierto sentido, universal, huyendo de la voluntad del individuo tomado aisladamente”: DE MARTINO, Francesco. Individualismo
y Derecho Romano Privado, traducción de Fernando Hinestroza, Universidad Externado de Colombia, Bogotá 2004, p.60.
62
Igual modo adquisitivo opera respecto de cualquier otro derecho real (usufructo, superficie, servidumbre) siempre que la posesión sea
compatible con el pretendido derecho que se quiera adquirir. No cabe obviamente en las situaciones jurídico-reales sin posesión (hipoteca).
63
Una crítica actual a los principios que rigen los derechos reales en el Derecho alemán puede verse: EBERS, Martin. “La autonomía del derecho de bienes en Alemania y la Unificación Europea”. En BADOSA COLL, Ferrán y GETE-ALONSO CALERA, Carmen (Directores). La adquisición
y transmisión de derechos reales. Estudio del derecho catalán y otros sistemas jurídicos, Colegio Notarial de Cataluña – Marcial Pons, Madrid
2009, p. 275.
Sin embargo, ya desde antiguo el BGB alemán, incluso cuando solo era proyecto, sufrió comentarios negativos respecto a la transmisión de la
propiedad fundada en el formalismo de una inscripción asentada en alguna oficina pública, lo que desconecta la propiedad de la vida social
y de la conciencia popular: MENGER, Anton. Derecho Civil y los Pobres, Jurista Editores, Lima 2011, traducción de Adolfo Posada, p. 147.
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el anterior propietario preste su voluntad favorable a la transferencia, o sin que se produzca un fenómeno legal de transmisión (dar y recibir). El caso más frecuente, pero no único, lo constituye la usucapión o prescripción adquisitiva de dominio, pues en ella el nuevo titular adquiere por sí mismo, por
el solo hecho de poseer durante un plazo y bajo ciertas condiciones; sin que el antiguo dueño preste
consentimiento o autorice la transmisión.
Las adquisiciones originarias operan ex novo, pues el titular estrena el derecho o lo recibe
novedosamente, sin vinculación alguna con el anterior propietario. En tal sentido, aquí no interesa
la regla nemo plus iuris, porque no existe acto de transmisión del primigenio titular hacia el nuevo
adquirente, ya que este recibe el derecho por su propia actividad, sin vinculación causal alguna con
el anterior propietario. Por tanto, en esta hipótesis se produce un claro rompimiento de la cadena del
dominio, una especie de línea divisoria por la cual el titular primigenio termina su historia; mientras
el nuevo titular lo comienza sin vinculación alguna con el pasado.
En las adquisiciones originarias no interesa dilucidar quién es el propietario, pues el dominio
igual se pierde, sea quien fuese el titular previo. Por tanto, se trata de un mecanismo absoluto de
obtención de la propiedad, ya que se produce por sí mismo, con el solo cumplimiento de los presupuestos que la configuran, de manera independiente y sin relación alguna con el titular anterior.
Siendo así, la historia previa del dominio nada interesa frente al poseedor-usucapiente, razón por la
que este se impone sobre cualquier título. Por el contrario, las adquisiciones derivadas están condicionadas a la existencia del derecho en la cabeza del transmitente, por lo que estamos en presencia de
mecanismo relativo y condicionado.
El propietario por título originario se opone a cualquier propietario derivado, pues el primero
adquiere en forma incondicionada contra cualquiera, sea cual fuese el título que ostente; por tanto,
la usucapión es más poderosa que el registro y su tracto sucesivo (publicidad de actos de transmisión
y adquisición derivativas). El propietario a título derivado, por más inscripción que tenga, nada puede
hacer frente a la usucapión previa o sobrevenida de un tercero; por lo cual, o no adquiere el derecho
(ya le pertenece al usucapiente), o lo pierde seguidamente.
Esa es la razón de fondo que se encuentra detrás de la doctrina francesa e italiana, para
quienes carece de sentido cuestionar la indudable primacía del poseedor con prescripción adquisitiva
a su favor. “La adquisición del derecho no está, en efecto, subordinado a la posición del precedente
titular”64.
Hasta los propulsores extremos del análisis económico del derecho, están de acuerdo en que
el registro no es infalible, y tampoco registra los abandonos de la tierra por los antiguos propietarios.
En tal caso, el silencio del anterior domino hace que la posesión del ocupante lo convierta en propietario65. Ello implica que la usucapión se constituye en el mecanismo final para la adquisición del dominio,
pues entra en juego cuando los registros son erróneos, esto es, ¡la posesión corrige al registro!66.
El art. 950 del Código Civil Peruano es bastante elocuente: “La sentencia que declara la prescripción adquisitiva es título suficiente para cancelar el asiento del antiguo dueño”. De esta norma se
deduce inequívocamente el carácter originario de la usucapión, pues el nuevo propietario no recibe
el bien por transmisión del anterior titular, sino que lo adquiere por sí mismo, y en tal condición,
rompe la historia de dominio. Por tanto, resulta correcto decir que la sentencia declarativa cancela el
asiento del antiguo dueño, pues termina la situación del propietario anterior y nace una nueva, pero
sin relación causal entre una y otra. Por virtud de esta norma se infiere que el usucapiente vence
al registro, en todos los casos.
En efecto, el principio de fe pública se presenta cuando el título del transmitente se halla
afectado por alguna causal de nulidad o ineficacia contractual o negocial que puede originar la decadencia de efectos de los actos sucesivos. Por ejemplo, A (titular inscrito) vende a B. Luego, B vende a
C. En tal caso, la eventual nulidad de la venta entre A-B, aunque se declare judicialmente, no producirá el efecto de privar a C de su adquisición, si la causa de nulidad (por ejemplo: ilicitud de la causa del
contrato) no constaba inscrita. En general, estos conflictos se resuelven teniendo en cuenta la confianza en el contenido del Registro, reputándolo como verdad presunta, de tal suerte que nadie podrá ser
privado del derecho adquirido aunque luego se compruebe que el título del transmitente adolecía de
algún vicio invalidante, o aunque dicho título, válido en un principio, quede más tarde sin efecto67. El
sistema jurídico peruano contempla en forma expresa esta figura en el artículo 2014 del Código Civil.
BIANCA, Massimo. Diritto Civile. 6. La Proprietá, Giuffré Editore, Milán 2006, p. 814.
POSNER, Richard. “Savigny, Holmes y el análisis económico del derecho. En Thémis. Revista de Derecho, Segunda Época, N° 48, Lima, p. 66.
66
Textualmente lo dice Posner (Ibíd., p. 67): “La prescripción adquisitiva es un método para corregir títulos en papel, y ajustarlos a los costos
de transacción del mercado; esto mejora y no desafía el sistema de derechos de propiedad”.
67
ANGEL YAGÜEZ, Ricardo de. Apariencia jurídica, posesión y publicidad inmobiliaria registral, Publicaciones de la Universidad de Deusto,
Bilbao 1982, pp. 119-120.
64
65
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Nótese que este principio se aplica exclusivamente a favor de un tercero que adquiere en
virtud de negocio jurídico oneroso y al cual se protege frente a la nulidad, anulabilidad, rescisión o
resolución que sufra el acto previo. Es decir, se trata de un mecanismo de seguridad jurídica que solo
juega en las adquisiciones contractuales o derivativas, las cuales pueden decaer cuando el transferente no resulta ser propietario como consecuencia de la nulidad de su acto adquisitivo. Este problema,
sin embargo, no se aplica en la usucapión, pues se trata de un modo originario de adquisición en el
cual no tiene relevancia alguna la nulidad, anulabilidad, rescisión o resolución.
Por ejemplo, tenemos un tercero inscrito en el registro frente a un usucapiente. ¿Quién vence? Los partidarios del extremismo registral quieren invocar el art. 2014, pero esta norma tiene un
ámbito estricto de aplicación, que no se cruza para nada con la prescripción adquisitiva. En efecto, el
propietario inscrito está protegido frente a la nulidad y demás patologías contractuales que pudiera
haber sufrido el anterior titular, que le transmitió al actual tercero. Por el contrario, el usucapiente
no es transmitente del actual titular inscrito, ni tiene relación alguna con los actuales o anteriores
propietarios. Tampoco ha participado en los negocios jurídicos que constan en el registro. La usucapión
es un fenómeno jurídico ajeno al mundo contractual o negocial, por lo que sus efectos no pueden ser
potenciados, mediatizados o anulados por el principio de fe pública.
En conclusión, el art. 2014 simplemente no regula la hipótesis de conflicto entre el usucapiente y el tercero inscrito.
En tal contexto, la Corte Suprema acaba de emitir una sentencia histórica (Casación N° 36672010-La Libertad, con fecha 21 de junio de 2011), en la que reconoce el triunfo de la posesión sobre
el registro. En efecto, una empresa adquirió una pequeña parcela de 1.2200 hectáreas en las afueras
de la ciudad de Trujillo, e inscribió en el registro. Luego de ello, planteó reivindicación contra una
poseedora que ocupaba una porción del lote matriz (364 m2). Las dos primeras instancias resolvieron a
favor de la actora por la aplicación mecánica del art. 2014 CC. Sin embargo, la Corte Suprema casó la
sentencia y, en sede de instancia, declaró infundada la demanda. ¿La razón? La demandante adquirió
su derecho con pleno conocimiento de la existencia de poseedores contradictorios, pues en el propio
contrato de compraventa se dejó a salvo que “el inmueble estaba ocupado por terceros”, con lo que
se desmorona la buena fe.
Seamos claros. El Tribunal hace bien en revalorizar la posesión, como realidad misma de
la propiedad, que termina imponiéndose al formalismo registral. Sin embargo, incurre en errores
conceptuales:
En primer lugar, aplica equivocadamente el art. 2014 CC, que solo protege a los terceros registrales frente a las deficiencias del negocio jurídico antecedente (anulación, rescisión, resolución);
pero no resuelve las controversias entre titular inscrito y poseedor. Este desliz hace necesario que se
deba comprobarse la presencia de los requisitos de la fe pública registral (tercero, buena fe, título
oneroso, confianza en el registro, inscripción y que no conste en el registro las causales de impugnación), por lo que, en el caso concreto, se declara que el tercero no goza de protección por carecer de
buena fe. Entonces, si el comprador tuviese buena fe, resultaría protegido.
Si bien los extremistas registrales podrían emocionarse con esta última frase, sin embargo, tal
posibilidad no pasa de la teoría. En efecto, es imposible que un comprador alegue buena fe si existe un
poseedor de diez, quince o veinte años, pues, ¿cómo se justificaría el desconocimiento de tal situación
de hecho? ¿cómo se explicaría una adquisición de puro papel, sin indagar por la posesión del bien, sin
siquiera tocar la puerta? Es evidente que la posesión consolidada siempre es notoria, por lo que el
tercero registral, bajo esta perspectiva, siempre resultaría perdedor por falta de buena fe.
En segundo lugar, se omitió la invocación de la única norma que resuelve el conflicto: el
art. 952 CC, por cuya virtud, el usucapiente cancela el derecho del antiguo propietario, inscrito o
no. En buena cuenta: el poseedor vence siempre, y por dos razones fundamentales: i) la usucapión es
modo originario, y, por tanto, opera contra cualquiera que fuese el titular anterior, pues deroga todos
derechos previos, incluyendo el inscrito; ii) la usucapión es el cierre del sistema patrimonial, pone fin
a las controversias dominicales de manera definitiva, e inviste del dominio absoluto al poseedor.
En tercer lugar, la Corte declara infundada la demanda de reivindicación por la mala fe del
tercero, sin embargo, eso no es suficiente. En efecto, si el demandado solo hubiese poseído por tres
años, entonces no tendría título alguno que oponer, por lo que la demanda igual sería fundada. Por
tanto, no basta probar que el actor conocía de una posesión contradictoria, pues también se necesita
acreditar y fundamentar en la sentencia que el poseedor cuenta con un título dominical a su faRevista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013
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vor, que puede ser la prescripción adquisitiva o una cadena de títulos fehaciente que se origina en el
verdadero propietario primigenio del inmueble. En la sentencia comentada se razona negativamente
con relación al demandante (“tiene mala fe”), pero no se exponen las razones por las cuales el demandado es titular.
No obstante los errores reseñados, en términos generales, debe saludarse que la Corte Suprema imponga un decisivo criterio a favor de la realidad vital, y en contra del formalismo.
4.6 ¿PUEDE ADMITIRSE QUE EL TRANSCURSO DE TREINTA DÍAS DESDE LA INSCRIPCIÓN SIRVA
PARA CONVALIDAR FRAUDES?
El art. 92, 1º párrafo, CC señala que: “Todo asociado tiene derecho a impugnar judicialmente los acuerdos que violen las disposiciones legales o estatutarias”. Esta norma ha sido interpretada
en el sentido que todas las causales de nulidad -incluso cuando el acuerdo de asamblea general sea
falsificado-, solo pueden atacarse por medio de la impugnación. Con tal premisa, la caducidad de la
pretensión se consumaría a los treinta días desde la inscripción, o a los sesenta días desde la fecha
del acuerdo, con la sorprendente consecuencia de que un acto inexistente terminaría convalidado por
el sistema jurídico. El registro se convertiría en una caja mágica que permite multiplicar los panes, o
peor aún, sacar cosas de la nada.
El problema planteado tiene actualidad a la luz de un Pleno Casatorio (Quinto) convocado por
la Corte Suprema, en mérito a la Casación Nº 3189-2012, y que se encuentra pendiente de resolución.
¿Cuál es el debate en ese caso? Veamos cómo lo explica un amicus curiae, que estuvo presente en la
vista de la causa:
“El objeto de la casación es la nulidad de acto jurídico. Considero, y así lo hice saber al
Tribunal, que de pretensión nulificante de acto jurídico solamente tiene el nombre, pues en
puridad, se trata de una impugnación judicial del acuerdo de una asociación, por lo que, en
aplicación del principio de especialidad debe resolverse al amparo del artículo 92 del Código
sustantivo y declararse la caducidad de la acción planteada. Espero así se resuelva para no
generar más inseguridad jurídica”68.
Nótese que no hay argumento alguno que no sean los puramente dogmáticos: “norma especial”, “seguridad jurídica hueca”, y nada más. Se trata, sin dudas, de una visión empobrecida del
Derecho. El dogmatismo pretende salvar las inconsistencias del Derecho con la pura lógica formal,
por lo que su única ancla se encuentra en los principios lógicos, tales como el de no contradicción,
cuya meta es, efectivamente, la coherencia. Por tanto, si existen dos disposiciones supuestamente
incompatibles, entonces la fácil solución es entender derogada la norma posterior; o si ambas normas
pertenecen al mismo código, entonces se aplica el principio de especialidad. Los valores, u otras consideraciones morales, están completamente ausentes en esta perspectiva. Lo único que importa es la
coherencia formalista en aras de una abstracta “seguridad jurídica”.
Esta interpretación formalista avala que el Derecho preste tutela a una voluntad inexistente,
a una suplantación de la persona o a una burda falsificación; a pesar que ello significaría la intolerable
invasión a la esfera de libertad del ser humano; entrometerse en su personalidad; abusar de su ser;
ponerse en la máscara ajena. No existe mayor tiranía ni más grave arbitrariedad que fingir la voluntad de otro, y que este fraude ¡tenga efectos jurídicos! En tal caso, la dignidad del hombre queda
derrumbada, pues el perjudicado (falsificado) es un simple medio, una cosa para el logro de un fin de
supuesta seguridad jurídica. La tesis dogmática cosifica a los seres humanos; los vuelve escalones para
que otros (curiosamente, un falsificador) los pisen y logren sus ruines propósitos. El Derecho, en tal
contexto, no tiene sentido.
Por tanto, cabe formularse la siguiente pregunta: ¿puede aceptarse un criterio interpretativo
que valida la interferencia en la voluntad ajena? La respuesta obvia es negativa. El artículo 1º de la
Constitución consagra la primacía del hombre, su dignidad, lo que obviamente no puede ser dejado
de lado por una “interpretación dogmática” del art. 92 CC, esto es, por la aplicación del “sacrosanto”
CIEZA MORA, Jairo. “El quinto pleno casatorio civil y el principio de especialidad”. En Actualidad Jurídica, Gaceta Jurídica, Nº 228, Lima,
noviembre 2012, p. 82. Este es exactamente el mismo criterio que sostuvo el segundo amicus curiae Juan Espinoza. Por el contrario, el tercer
amicus, profesor Morales Godo, manifestó una postura matizada, intermedia entre la tesis dogmática y valorativa, pues si bien aceptó el
principio de especialidad, sin embargo, consideró que existían algunas causales de nulidad, especialmente graves, que no podían zanjarse con
la caducidad. Esta tercera posición denota, por lo menos, una tímida apertura frente al formalismo exagerado que inspira las dos opiniones
anteriores.
68
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principio de especialidad normativa. Una suplantación o falsificación no puede “fabricar” la voluntad
de un sujeto o de un conjunto de sujetos. Un sistema constitucional, inspirado fundamentalmente
en valores, no puede tolerar que la voluntad inexistente, creada por falsarios, termine obligando
y vinculando a la persona que nunca la declaró, que nunca comunicó ese querer69. Nótese la absoluta arbitrariedad y la máxima dosis de injusticia que se produce si validamos la injerencia de un
falsificador en la voluntad de otro; y que este otro deba aceptar que se trata de “su voluntad”, por
efecto de la caducidad.
El régimen general de invalidez del Código Civil no puede derogarse tan fácilmente, pues se
sustenta en principios constitucionales, en la protección del sujeto, de su libertad, de su autonomía,
de su propio querer, y no uno inventado. En tal contexto, no es posible que los vicios radicales, como
la falta de manifestación de voluntad, la simulación, el fin ilícito u otros sean degradados hasta el nivel
que un plazo ínfimo de treinta días permita convalidarlos. La gravedad del defecto no justifica, bajo
ninguna circunstancia, una interpretación flexible que habilita la santificación del delito. La Constitución misma, con su base ética-jurídica, se presenta como muralla infranqueable contra la tesis
dogmática. Téngase en cuenta que las reglas sobre invalidez negocial se fundan en el principio superior de libertad individual, de autonomía privada, por lo que tienen un sólido asiento constitucional70;
en cambio, la mala interpretación del art. 92 CC no tiene principio superior alguno que lo acoja, pues
se basa en una rutinaria regla técnica “norma especial prima sobre general”.
En suma, ¿cómo puede triunfar el significado dudoso de una norma del Código Civil, cuya interpretación dogmática no tiene basamento constitucional, frente a las reglas de invalidez que son las
fieles guardianas de la libertad? Aquí ni siquiera es posible la ponderación entre derechos fundamentales, porque en el otro lado no hay nada que oponer71. El art. 92, interpretado en forma dogmática, se
opone a principios constitucionales; por tanto, dicho significado debe descartarse.
La interpretación dogmática se basa en conceptos filosóficos superados, pues considera que
el objeto interpretado se encuentra totalmente fuera del sujeto cognoscente, inscrito en una especie
de mundo ideal, radicalmente objetivo, que le dota de un solo sentido, un solo significado, que es el
mismo para toda la eternidad. Bajo este presupuesto, ese único sentido puede descubrirse por aplicación de meras reglas lógicas, como aquella que hace primar lo especial sobre lo general. El problema
es que tal premisa filosófica ya no existe. El gran filósofo alemán Gadamer ha sostenido convincentemente una teoría hermenéutica del lenguaje y del arte, por la cual el intérprete participa en el
objeto interpretado, como el músico que ejecuta una partitura musical, y de esa forma se interpone
entre el compositor y el público, por lo cual el ejecutante interviene en la interpretación con su propia personalidad72. El intérprete no es un lógico o gramático, para lo cual bastaría la regla técnica de
la especialidad, sino que participa en el acto, por ejemplo, con valoraciones de orden moral, como
aquella que recuerda la dignidad de la persona.
Por lo demás, el art. 92 CC habilita que solo el socio pueda impugnar los acuerdos, pero,
¿qué pasa con los terceros? Si se trata de causales de nulidad absoluta, entonces los terceros también
“Dado que tratar a una persona como un fin en sí mismo implica respetar los fines que se autoimpone, sus objetivos, fines, proyectos, el
principio de dignidad humana exige el respeto de las elecciones humanas. No es moralmente posible prescindir de la libertad personal de los
gobernados. Cuando tal no es el caso, cuando las leyes son impuestas sin el consentimiento de los gobernados, los ciudadanos son tratados
simplemente como medios para los fines que los gobernantes persiguen”: GARZÓN VALDÉZ, Ernesto. “¿Cuál es la relevancia moral del concepto de dignidad humana?”. En Id. Tolerancia, Dignidad y Democracia, UIGV, Lima 2006, p. 272.
70
La actuación del falsario de una asamblea general supone que una voluntad heterónoma (ajena), sin título para ello, se sobreponga a la
voluntad real del sujeto. Esto es inadmisible. Sobre el particular, la doctrina dice: “La dignidad intrínseca del ser humano exige que cada
persona, por sí y autónomamente, pueda determinar el fin de su propia existencia y elegir los medios para alcanzarlo, solo de esta forma el
individuo se desarrolla libremente. La elección del fin, tanto como la de los medios, para que se considere libre ha de ser autónoma, y solo
es autónoma cuando la elección no viene impuesta por fuerzas heterónomas, ejercidas por otras personas o por el grupo social. La persona
no es libre solo porque tenga capacidad de elección, es libre porque tiene capacidad de autodeterminación, de decidir sobre sí, sobre su fin y
destino; la persona, el hombre, es libre en la medida en que se auto-posee. La autodeterminación exige, desde el punto de vista externo, ausencia de coacción y, desde el punto de vista interno, libertad de elección. La autodeterminación, como capacidad fundamental del hombre,
presupone voluntariedad. No existe autodeterminación cuando se impone o se impide a una persona una conducta por medio de la fuerza,
la violencia o el engaño. Tampoco existe autodeterminación cuando no es la persona la que decide, por sí o por medio de un representante,
sino que es otro el que toma la decisión, sin tener en cuenta su voluntad”: CAVALLÉ CRUZ, Alfonso. El notario como garante de los derechos
de la persona, Jurista Editores, Lima 2012, p. 77.
71
En cuanto a la ponderación: “Puesto que la primera premisa del anterior esquema está configurada por la existencia en relación con el caso
de dos principios (o conjunto de principios) que tiran en direcciones opuestas, la contestación al primero de esos interrogantes es que hay
que ponderar (…) cuando, para resolver un caso, no puede partir directamente de una regla, de una pauta de comportamiento específica,
que controla el caso y que (…) permitiría un razonamiento de tipo clasificatorio o subsuntivo. Y la pregunta es: ¿Cuándo ocurre esto? Pues
bien, nos encontramos (el juez se encuentra) en esa situación cuando: 1) no hay una regla que regule el caso (existe una laguna normativa en
el nivel de las reglas); 2) existe una regla pero, por alguna razón, la misma resulta inadecuada, esto es, hay lo que cabría llamar una laguna
axiológica (en el nivel siempre de las reglas); o bien, simplemente es dudoso si existe o no una regla del sistema que regule aceptablemente el
caso”: ATIENZA, Manuel. “A vueltas con la ponderación”. En ATIENZA, Manuel y GARCÍA AMADO, Juan Antonio. Un debate sobre la ponderación,
Palestra Editores, Lima 2012, pp. 28-29.
72
GADAMER, Hans-Georg. “Arte y verdad de la palabra”. En Íd., traducción de José Francisco Zúñiga García, Paidós, Barcelona 2012, pp.
33-34.
69
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pueden instar la nulidad, pero, ¿en qué plazo? Este problema fue planteado durante la vista del pleno
casatorio, y los amici curiae Cieza y Espinoza, respondieron más o menos de la siguiente manera: “si
se trata de un socio, la caducidad es la del art. 92 CC, pero si se trata de un tercero rige la prescripción de diez años” (sic). Si la tesis dogmática se sustenta en la coherencia formal y la seguridad
jurídica, pues resulta que estos argumentos se desmoronan totalmente cuando se trata de los terceros
impugnantes, pues, en tal caso, ya no existen los beneficios que tanto se pregonan, pues finalmente
el tercero sí podría accionar por medio de la nulidad y con el plazo de prescripción extintiva decenal.
En puridad, la falsificación de actas, de firmas o de declaraciones juradas ni siquiera debe
ser atacada con el remedio de nulidad, sino con el de inexistencia del negocio jurídico, por lo que
el plazo de reacción es indefinido, sin caducidad ni prescripción extintiva. En efecto, la “nada” del
mundo fenoménico, la irrelevancia o invalidez factual73, no puede convertirse por arte de magia en un
“ser” existente, vivo y real. El delito puede quedar impune por el correr del tiempo, pues se refiere
únicamente al sujeto infractor y la sanción que le correspondería a él, pero el delito no puede originar
actos jurídicos “válidos” con perjuicio a terceros. Por ejemplo, si se falsifica un acta de asamblea
general, y pasan 60 días, entonces, ¿ahora sí existe el negocio?, pero, ¿de dónde surgió?, ¿quién le dio
vida? Un absurdo lógico, sin dudas.
La doctrina del negocio jurídico, en su gran mayoría, ni siquiera se pone en el caso de las
falsificaciones, ni estudia el tema, pues obviamente se trata del vacío, de la nada, de la inexistencia
propiamente dicha, por lo que no merece tratamiento jurídico alguno74. Sin embargo, en nuestro medio, cierta doctrina pretende que ese vacío se convierta en “negocio válido” por el solo transcurso de
treinta días contado desde la inscripción, con lo cual se produciría una auténtica curiosidad para el
Derecho comparado. La nada no solo valdría como fenómeno real, sino como fenómeno reconocido y
validado por el orden jurídico. Un dislate, sin dudas, pues olvida que “el ordenamiento no puede –por
la contradicción, que no se lo permite- elevar a la condición de fattispecie jurídica el negocio inexistente, que equivale a la nada en el plano del Derecho”75.
La inexistencia es la nada para la ciencia, y la nada siempre será una negación; simplemente
el no-ser; por tanto, el plazo para declararlo nunca se inicia, pues no existe en el mundo fenoménico;
la nada impide el inicio del cómputo; por lo que se trata de una pretensión imprescriptible, pero, ¿si
la ley no lo dice? ¿qué hacemos? En este caso, como en muchos otros, la regla se deduce, se obtiene
desde los principios y la sistemática del derecho. Es muy fácil hacer la deducción: En primer lugar, si
el acto jurídico se declara nulo, entonces el no-acto se declara inexistente, pues la nulidad presupone que siquiera existe el hecho fenoménico como tal. En segundo lugar, la nulidad del acto jurídico
se puede declarar en el plazo de diez años desde que la pretensión puede ejercitarse, o sea, desde
que el hecho ocurre en el mundo; en cambio, el no-acto es nada, no hay hecho, por lo que el inicio
del cómputo es imposible, por tanto, el remedio es imprescriptible. En tal sentido, menos aún puede
aceptarse una rápida caducidad de 60 o 30 días, desde la inscripción.
En la filosofía del derecho, desde hace mucho tiempo se admiten las denominadas “normas
implícitas”, es decir, aquellas que no están positivizadas, pero que debieran estarlo por coherencia
valorativa76; por tanto, esa necesidad deóntica funciona en la realidad normativa como si tales presupuestos estuviesen presentes. Son como los descubrimientos de Einstein; nadie los ha visto, pero por
“la nulidad presupone, ni más ni menos, la existencia, la identificación jurídica del negocio. La proposición consiguiente, de que el negocio
jurídico (por lo tanto, jurídicamente existente) puede ser nulo (o válido) no contiene, si es exactamente entendida, ninguna contradicción.
Como anotábamos, el negocio existe en tanto y en cuanto se presenta su noción jurídica, tal cual ha sido hipotéticamente contemplada
por el ordenamiento; y este último puede hacer, en determinados casos, que el negocio sea nulo, pero sin derogar el concepto que –según
hemos visto- dicta de él. Por el contrario, si el negocio no existe, no es necesario, ni tampoco posible, disponer su nulidad: del mismo modo,
el ordenamiento no puede –por la contradicción, que no se lo permite- elevar a la condición de fattispecie jurídica el negocio inexistente,
que equivale a la nada en el plano del derecho (obviamente, como negocio)”: SCOGNAMIGLIO, Renato. Contribución a la teoría del negocio
jurídico, traducción de Leysser León, Editora Jurídica Grijley, Lima 2004, p. 438.
Otra valiosa opinión en el mismo sentido: “Bigliazzi, Breccia, Busnelli y Natoli manifiestan que cuando se trata de hechos jurídicos en sentido
estricto (…) tiende a reducirse a un simple juego sobre la relevancia (o, si se prefiere, sobre la existencia) jurídica del hecho o del acto, o sea
sobre la correspondencia del esquema concreto con el modelo legal abstracto. Y la alternativa es bastante simple: se producen los efectos
solo si se ha resuelto en sentido afirmativo el juicio sobre la relevancia jurídica del fenómeno examinado”: MORALES HERVIAS, Rómulo. “Inexistencia y nulidad virtual”. En Id. Estudios sobre teoría general del negocio jurídico, ARA Editores, Lima 2002, p. 266.
Con la misma idea, pero con otras palabras, se dice que una cosa es el “fenómeno” del contrato (hecho) y otra es la “esencia” del contrato
(hecho válido). La falta de lo primero lleva a la inexistencia; mientras que la irregularidad de lo segundo trae consigo la nulidad: PASQUAU
LIAÑO, Miguel. La nulidad y anulabilidad del contrato, Editorial Civitas, Madrid 1997, pp. 170-171.
74
Por ejemplo, cuando se estudia la inexistencia del negocio jurídico se individualizan las siguientes hipótesis: representación teatral, enseñanza, broma, promesas a título de cortesía, falta de aceptación en el contrato, oferta divergente de la aceptación, ausencia de forma
especialmente pública en algunos negocios como el matrimonio o testamento (SCOGNAMIGLIO, Op .Cit., pp. 439-441), pero ni siquiera se
habla de las falsificaciones, pues resulta obvio que nada puede surgir o derivarse de tal situación extrema de falencia.
75
Ibíd., p. 438.
76
“En el Derecho hay fuentes (hechos y actos creadores de normas), pero no todo el Derecho está basado en fuentes. Hay normas cuya validez
no descansa sobre criterios formales, sino materiales. Este es el caso tanto de las normas implícitas como el de las normas necesarias. La
juridicidad de las normas implícitas depende de su coherencia valorativa con otras normas del sistema que sí son válidas formalmente”: AGUI73
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necesidad del sistema (en su caso, del sistema del universo; en el nuestro, de los valores), se supone
que están aquí y ahora.
Pero, volvamos a nuestro tema.
La inexistencia opera en los casos de irrelevancia fenoménica, pues ni siquiera se encuentra
un acaecimiento aparente que tenga una mínima presencia factual, como ocurre, por ejemplo, cuando dos personas no se ponen de acuerdo en todos los términos del contrato, según el art. 1359 CC,
o incluso cuando se incumplen las formas esenciales públicas de ciertos negocios que requieren de
intervención judicial o comprobación administrativa, como ocurre en el testamento (ológrafo), o en
el matrimonio; sin embargo, ello no impide que pueda necesitarse del juez para destruir cualquier
rastro de presencia , real o supuesta, que bien podría engañar a terceros.
Por su parte, la invalidez negocial (nulidad y anulabilidad), regulada por los arts. 219 y 221 CC,
se refiere a las fallas en el procedimiento de formación de voluntad por vicios, a la voluntad simulada
o a la voluntad dirigida a un fin ilícito o en contravención de normas imperativas; pero en todos estos
casos se produce un des-ocultamiento, una aparición del ser.
Por el contrario, la impugnación de los acuerdos, prevista en el art. 92 CC, incide sobre su
contenido, ya sea que se originen por violaciones estatutarias, o violaciones legales, siempre que impliquen una grave disociación entre la voluntad social y la voluntad individual. Aquí se encuentran los
casos de conflicto de interés, la violación legal o estatutaria en los que se aprecie la citada disociación, y todos los casos de violación estatutaria, cualquiera sea su causa.
Los acuerdos colegiales de las personas jurídicas tienen una doble dimensión (voluntad de la
persona jurídicas – voluntad de los asociados individuales), lo que implica que en este tipo de negocio
se presenta un problema específico, que no existe en otros actos; y que consiste en la posible disociación entre el interés social y el interés individual, aun cuando este último sea mayoritario.
¿Cómo justificar esta restricción de los casos impugnables que aparentemente no tiene base
en el texto normativo? Muy simple: la legitimación en la impugnación se reduce a los asociados que
no votaron o que votaron en contra del acuerdo, y dejaron constancia de tal hecho; en consecuencia,
los votantes a favor y los terceros quedan excluidos de tal potestad. Por tanto, esta figura se refiere
exclusivamente a los defectos cuya relevancia se circunscribe al interés particular de los asociados,
por lo que la voluntad favorable puede convalidar los vicios, por lo que la patología se concentra en las
hipótesis de discrepancia entre los fines de la voluntad corporativa y los fines de las voluntades individuales, en los que el tema de fondo es sustancialmente patrimonial, razón por la que estos defectos
se subsanan con la aquiescencia o asentimiento del perjudicado.
La impugnación es un defecto exclusivamente de orden interno, sin repercusión en los terceros, que no han ocasionado el vicio, ni se produce incidencia sobre ellos. En consecuencia, la sentencia
estimatoria solo afecta las relaciones entre los asociados o en el vínculo de estos con la asociación,
pero no se expande a los terceros contratantes, salvo que la demanda haya sido anotada o se produzca
la inscripción de la sentencia favorable. En tales casos, entra en juego la llamada “publicidad-mala
fe”, es decir, las inscripciones registrales sirven para asegurar el conocimiento de la situación jurídica,
por lo que los terceros pueden ser imputados de mala fe; en tal caso, su normal protección viene a
menos
4.7 ¿CONTROL DIFUSO DEL REGISTRADOR?
Una opinión curiosa, por lo exótica, es aquella que pretende otorgar al registrador la potestad de ejercer el “control difuso de la constitucionalidad” y, por tanto, en algún caso concreto, se ha
sostenido lo siguiente: “consideramos que la directiva (Nº 009-2008) no deroga lo mencionado por el
reglamento (de inscripciones de predios), y el registrador debiera inaplicar en dicho extremo dicha
(sic) directiva”77.
Es inaudito sostener que un registrador tuviese la potestad de hacer control difuso, con lo cual
no solo se infringe la Constitución, sino también un precedente del Tribunal Constitucional (Sentencia
del 11 de octubre de 2006, aclarada el 13 de octubre de 2006, recaída en el Expediente N° 3741-2004AA/TC, Caso: Salazar Yarlenque), que claramente ha señalado que esa potestad le corresponde solo a
los Tribunales Administrativos que ejercen “justicia administrativa”, es decir, aquellos que resuelven
LÓ REGLA, Josep. “Positivismo y Postpositivismo”. En LINFANTE VIDAL, Isabel (Coordinadora). Interpretación jurídica y teoría del derecho,
Palestra Editores, Lima 2010, p. 27.
77
MENDOZA DEL MAESTRO, Gilberto. “El crecimiento inmobiliario y la denominada propiedad horizontal en sede registral. Comentarios a
partir de una reciente directiva emanada por la Sunarp”. En: Revista Jurídica del Perú, Normas Legales, N° 96, Lima, febrero 2009, p. 365.
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un conflicto entre dos partes. Por el contrario, el procedimiento registral no tiene esa naturaleza, pues
se trata de una simple revisión formal de legalidad de un documento que contiene un acto o negocio
jurídico; en el cual no hay contención ni contraparte. Por tanto, ni siquiera el Tribunal Registral
puede realizar control difuso constitucional, pues no resuelve procedimientos trilaterales, ni decide
sobre controversias entre dos particulares; por lo que mucho menos podría hacerlo un registrador. Por
tanto, esa propuesta es simplemente un disparate, contrario al orden jurídico y al más mínimo
sentido común.
Pero, hay algo más: ni siquiera en Alemania, casa matriz de la institución registral, se sostiene
que este decide sobre conflictos de interés ni dilucida derechos. Sobre el particular, es menester citar
la importante sentencia del Tribunal Constitucional Federal Alemán, emitida por la Sala Primera el 07
de agosto de 1962, la cual señala que: “La decisión del tribunal del registro (registros públicos, en
nuestro sistema) de inscribir la transformación, tampoco es una intervención en la propiedad de los
accionistas minoritarios; no es una medida configuradora de derechos, sino que establece sencillamente que no existe obstáculo alguno para la inscripción”78. Los recurrentes (socios minoritarios) alegaban
la inconstitucionalidad de la actuación del registro en cuanto inscribió una transformación que los retiró de la sociedad. Sin embargo, la Alta Corte rechaza de plano ese argumento pues la inscripción no
crea derechos subjetivos, no los cambia ni modifica su naturaleza. La actuación del registro público, a
través de las inscripciones, nunca tipifica como intervención o expropiación sobre la propiedad, ya que
se limita a reflejar la realidad que consta en un título; en todo caso habría que cuestionar el título.
Por tanto, la actividad del registrador no decide sobre los derechos, otorgándolos o quitándolos, pues
su única función es comprobar que “no existe obstáculo alguno para la inscripción”, esto es, se trata
de la mera comprobación técnico-formal sobre el cumplimiento de algunos requisitos exigidos por la
ley. Esta decisión reafirma lo que hemos venido sosteniendo reiteradamente en los últimos años.
En conclusión, si en Alemania se rechaza que el registro decida sobre derechos o que resuelva
conflictos, entonces ¿cómo puede sostenerse lo contrario en el Perú? Recuérdese que el registro alemán depende directamente del órgano jurisdiccional, y el juez mismo, en ciertos casos, extiende las
inscripciones. Sin embargo, a pesar de ello, a nadie se le ocurre suscribir la aventurada afirmación que
hace nuestro Tribunal Registral, respecto a su “cuasi-jurisdicción”. Es hora, pues, que empecemos a
tomar conciencia que el extremismo registral, en su máxima potencia, está en el Perú, y no en Europa.
¿Cuándo nace el problema? Parafraseando a Leysser León, el drama se origina por las malas lecturas,
las peores interpretaciones y la falta de una doctrina registral que sea reflexiva.
Por otro lado, no es casualidad que el control difuso sea atribuido originariamente a los Magistrados del Poder Judicial, en tanto estos cuentan con un especial estatuto protector que asegura su
independencia de criterio, frente a los distintos miembros de la Administración Pública, muchas veces
nombrados políticamente, con selecciones nada rigurosas por la falta de publicidad y transparencia en
los concursos, con graves conflictos de intereses pues tienen pocos límites para el ejercicio profesional paralelo; que se encuentran bajo dependencia jerárquica, sin rigurosas exigencias de moralidad,
imparcialidad, capacitación, entre otras inmensas diferencias. ¿Pueden encontrarse en la misma situación un juez -dedicado a tiempo completo a la actividad jurídica de resolver conflictos, sujeto a
especial estatuto de protección constitucional-, y un funcionario administrativo, muchas veces sujeto
a dietas y jerárquicamente dependiente?
Asimismo, nótese la diferencia que existe en el producto emanado del proceso judicial, una
sentencia con autoridad de cosa juzgada, que nace de la dialéctica más perfecta posible, esto es, la
de un proceso contradictorio. Por el contrario, en un procedimiento administrativo, no hay esas garantías ni cautelas. Por lo demás, la potestad judicial no atenta contra la seguridad jurídica, pues las
decisiones que hagan ejercicio de esta potestad deben ser objeto de consulta ante la Corte Suprema;
mientras que el control desperdigado entre distintos funcionarios provoca confusión e incertidumbre.
Se ha dicho correctamente que:
“El control difuso de la constitucionalidad de las leyes ejercido por los jueces es mucho más
estricto que el propuesto por el Tribunal Constitucional para la Administración ya que, en
realidad, la Ley Orgánica del Poder Judicial al exigir que todo proceso en el cual se haya
dispuesto la inaplicación de una ley por inconstitucional deba ser elevado en consulta ante la
Corte Suprema, lo que hace es, en buena cuenta, concentrar dicho control en el órgano supremo del Poder Judicial, que tiene como consecuencia la uniformidad de la jurisprudencia
SCHWABE, Jürgen (Compilador). Cincuenta años de jurisprudencia de tribunal constitucional federal alemán, Ediciones Jurídicas Gustavo
Ibañez – Konrad Adenauer Stiftung, Bogotá 2003, p. 283.
78
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y su centralización en un único órgano superior (…), el Tribunal Constitucional al momento
de extender esta atribución a algunos órganos administrativos termina entregándole a éstos,
mayores atribuciones que los que posee el Poder Judicial, ya que los órganos administrativos
a quienes se ha reconocido esta atribución podrán ejercerlas sin control de órgano superior
alguno”79.
Imaginemos que le atribuyamos el control difuso, en forma individual, a cada registrador,
notario o incluso a un policía, entonces estaríamos en presencia de un caos jurídico sin límites, lo cual
sería fuente de las mayores arbitrariedades e injusticias; y lo peor, a través de funcionarios sin preparación suficiente, que carecen de la independencia de criterio asegurada por un estatuto especial,
ni con cautelas para la uniformidad interpretativa a través de una obligada consulta ante la máxima
instancia80.
El art. 38º de la Constitución no puede sustentar un examen constitucional generalizado, pues
se limita a imponer el cumplimiento del Texto Fundamental, pero de allí no es posible “crear” una
potestad de tamaña relevancia en cada persona, hombre, mujer, niño u organización privada. Nuevamente debemos compartir la siguiente opinión:
“Esta norma, ubicada en el capítulo de los derechos políticos y deberes de la persona, establece un deber de respeto hacia los mandatos constitucionales pero no atribuye ni directa
ni indirectamente a ninguna organización estatal la función específica de inaplicar leyes
inconstitucionales como manifestación de dicho deber de respeto (…) Sin embargo, el cuestionamiento más serio al argumento expuesto por el Tribunal Constitucional se encuentra en
la identificación de unos pocos órganos administrativos adscritos al Poder Ejecutivo como
aquellos responsables, constitucionalmente designados para llevar a cabo la tarea del control difuso en sede administrativa”81.
TIRADO BARRERA, José Antonio. El control difuso de la constitucionalidad de las leyes por parte de la administración pública en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional, Editorial Grijley, Lima 2008, pp. 103-104.
80
Nada de esto parece importarles a: ALIAGA HUARIPATA, Luis y MENDOZA DEL MAESTRO, Gilberto. “Posibles modificaciones al libro de los
Registros Públicos”. En Actualidad Jurídica, Gaceta Jurídica, Tomo 200, Lima, julio 2010, pp. 135 ss.; cuya propuesta consiste en modificar
el Código Civil para introducir una norma que permita al registrador “realizar el control difuso de la constitucionalidad”; pero olvidan que
esa reforma tendría que llevarse a cabo en la propia Constitución. Con ello, nuestro país sería el único en el orbe que consagra la “el control
constitucional por el registrador”. Esa sola circunstancia lleva a descartar de plano esa “propuesta”.
81
TIRADO BARRERA, José Antonio. El control difuso de la constitucionalidad de las leyes por parte de la administración pública en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional, Op. Cit., p. 63.
79
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Resenhas e Notícias
Los derechos del consumidor.
Visión Internacional.
Una mirada interna.
DREYZIN DE KLOR, Adriana
- Directora - ELLERMAN, Ilse
- Coordinadora - Ed. Zavalia,
Buenos Aires, 2012, pp. 247
Por Carla Gisel Dominguez
El libro presenta la visión de destacados juristas que contemplan dimensiones jurídicas de la
problemática de la protección al consumidor en función de las fuentes de origen.
Silvio Batello, jurista con quien se inicia el recorrido por este instituo con aristas tan relevantes, realiza un estudio de la geografía jurídica del derecho del consumidor. Analiza en la América
de hoy las realidades y desafíos propios del consumo desde la perspectiva de las tres dimensiones de
la teoría trialista del mundo jurídico. La cultura del consumo conlleva una disputa entre la utilidad valor central del mercado - y la protección de la dignidad de la persona humana.
La obra continúa con el importante aporte efectuado por Ilse Ellerman, cuyo eje central lo
constituye el análisis de uno de los pilares del Derecho Internacional Privado: la jurisdicción internacional. La autora destaca la importancia de brindar protección especial al consumidor, tanto sustancial
como procesalmente, en función de la especificidad de la situación. Entre sus planteos se destaca en
particular un interrogante ¿se puede permitir que cualquier jurisdicción nacional sea competente,
esto es el ejercicio de la autonomía de la voluntad a ultranza? o, por el contrario, ¿debe primar la
competencia del tribunal más favorable o cercano al consumidor? A su vez, sugiere propuestas de
instrumentos jurídicos que deberían ser ratificados, pasando revista a la regulación de la jurisdicción
internacional en el ámbito interamericano.
Por su parte, la profesora Adriana Dreyzin de Klor, trata el pilar del derecho aplicable. Destaca la problemática que se advierte en torno a la regulación contractual y la carencia de regulación
positiva específica en materia de contratos internacionales de consumo. Asimismo, pone de manifiesto
la importancia de que toda regulación de Derecho internacional privado contenga referencia a normas
imperativas.
La brillante jurista brasilera Claudia Lima Marques analiza el comercio electrónico de consumo internacional y los modelos de aplicación de la ley más favorable al consumidor y del foro más
conveniente. Tras haber transcurrido veinte años de la sanción de la ley de Defensa del Consumidor
dictada en Brasil, y con el devenir del crecimiento del comercio electrónico en su país, insiste en la
necesidad de elaborar una protección especial.
Seguidamente, Fernando Esteban De la Rosa profundiza la nueva iniciativa de los mecanismos
electrónicos de solución de diferencias en la Unión Europea. Como un adelanto de sus ideas en este
breve reseña, señalemos que a su juicio, resulta conveniente potenciar los sistemas electrónicos de
resolución de litigios que pueden permitir un arreglo de diferencias sencillo, ágil y adaptado al medio
virtual, además de facilitar el acceso a la justicia.
Finalmente, y no de manera casual, se baja línea al derecho interno, con el análisis de la
problemática en el derecho nacional. Se refieren a esta temática dos juristas expertos en la materia,
Guillermo Pedro Tinti y Maximiliano Calderón. Los autores del capítulo tratan los contratos de consumo, así como también la Ley de Defensa del Consumidor. A posteriori, contemplan algunas materias
especialmente reguladas por la legislación argentina, la cual ha experimentado fuertes cambios a
partir del año 2008.
Como anticipamos, tras una exhaustiva lectura de este interesante y exaustivo trabajo sobre
los derecho al consumidor en el orden internacional e interno, cabe afirmar que no se ha evolucionado
de igual manera en todos los países, razón por la cual resaltamos la utilidad de esta obra al brindar
una visión acabada del tema.
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En suma, es un libro que no solamente evidencia una vez más la vulnerabilidad del consumidor
, sino que brinda respuestas posibles para proceder a su protección, la que debe procurarse en aras de
alcanzar la justicia en el marco del desarrollo y la dinámica que muestran las relaciones jurídicas que
lo tienen como protagonista a la hora actual.
Carla Gisel Dominguez
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Resenhas e Notícias
A Lei de Acesso à Informação
e o seu maior ganho
Marcelo Schenk Duque1
Prestes a completar dois anos de vigência, a Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, destinada a regular o acesso a informações previsto no inciso
XXXIII do art. 5.º, no inciso II do § 3.º do art. 37 e no § 2.º do art. 216 da Constituição da República,
afirma-se como importante mecanismo de afirmação da cidadania. A titularidade deste direito toca o
cidadão, sendo o Estado seu destinatário. No momento em que a Constituição coloca a cidadania como
fundamento da República, parece incontestável que as obrigações decorrentes deste instrumento normativo não podem admitir esquiva por parte do Poder Público. Hipótese contrária colide, ao menos
do ponto de vista constitucional, com um dos fundamentos maiores da República. O ponto crucial da
nova legislação, que não pode ser perdido de vista pela empolgação do momento, é o que pode ser
feito com o seu objeto maior: a informação. Vale dizer, a lei só será capaz de produzir os resultados
que dela se esperam, se o cidadão for capaz de processar os dados a partir daí revelados e tirar as suas
conclusões, sobretudo a partir de sua condição de eleitor.
Neste sentido, um importante passo seria clarificar a quantidade de cargos em confiança no
Poder Público, em particular no Executivo. Há muito se tem notícia que a Administração, nas diferentes esferas federais, vem sendo lotada pelos chamados cargos em comissão – CCs, como moeda de
troca de apoio político na esfera legislativa, praxe, aliás, dos mais diferentes partidos e governos. E
aí está um bom exemplo de como a Lei de Acesso à informação, considerando que os dados a partir
daí revelados sejam fidedignos, pode prestar um grande serviço: questionar o modelo institucional e
o sistema de governo vigentes.
À medida que as suspeitas se confirmem, no sentido de que lotar a Administração Pública é
condição para a governabilidade, ficará claro que o modelo político atual paga um alto preço para
atingir tal fim, a saber, o abandono da eficiência pela governabilidade. Levando-se em conta casos nos
quais o indicado deve contribuir para o partido que o indicou com parte dos vencimentos obtidos no
cargo – matéria já noticiada em diferentes oportunidades na imprensa – torna-se evidente que o preço
pago pela governabilidade é maior do que se pensa.
Tal perspectiva assusta, quando se leva em conta que a governabilidade é um bem raro, para
não dizer inviável, em um sistema presidencialista praticado como nos moldes brasileiros. Aqui, os partidos de maior bancada (lembrando que pela lógica do sistema presidencialista não pertencem necessariamente ao governo eleito) na atual legislatura federal detêm, respectivamente, menos de 20% das
cadeiras na Câmara dos Deputados e um pouco mais do que isso das cadeiras do Senado. Para agravar
a situação, já possuímos 29 partidos com registro no TSE, muitos ávidos por cargos, com ideologia irreconhecível, e por vezes até à venda, como recente episódio noticiou. Se a lei de acesso à informação
descortinar essa realidade, estaremos, talvez, diante de seu maior ganho.
(1)
Doutor em Direito do Estado pela UFRGS/ed. Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg, Alemanha. Pesquisador convidado junto ao Europa Institut da Universidade de Saarland, Alemanha. Professor de diversos cursos de Pós-graduação lato sensu da UFRGS. Coordenador Acadêmico do
Curso de Especialização em Direito do Estado da UFRGS. Professor da Escola da Magistratura Federal do Estado do Rio Grande do Sul – ESMAFE/
RS; Professor da Faculdade de Direito da UFRGS, da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e do Centro Universitário Ritter dos Reis. Membro
da Associação Luso-Alemã de Juristas: DLJV – Deutsch-Lusitanische Juristenvereinigung. Autor de Direito Privado e Constituição (Revista dos
Tribunais, 2013) e de diversos artigos na área do Direito Constitucional e direitos fundamentais.
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ad-hoc reviewers, using peer-review process.
Submission Procedures and manuscript evaluation
Manuscripts will be selected according to relevance, originality and scientific quality. All submission
must meet the journal’s format expectations. Each authors needs to approve of the article’s content.
The submitted papers will be analyzed primarily by one of the members of the Editorial Committee
to assess whether if it is appropriate for the journal. Then the manuscript will be sent to at least two
reviewers. The reviewers will evaluate the manuscript according to the following criteria: conformity
to the expected format and style; its fit with the particular area of the Journal; quality and relevance
of the findings; scholarly content of the review; scientific adequacy; coverage of current literature;
clarity of the study aims, methods and results; adequate correspondence between results obtained
and discussion and scientific review. The final decision can be: accepted without modifications; accepted with modifications or refused. The author(s) will be informed of the final decision in a timely
manner. The final manuscript acceptance will depend upon the authors’ revision of the paper according to the modifications suggested by the reviewers or with an adequate author(s) report justifying
why the suggested modifications were not performed. The Editorial Committee of Atitude Journal of
Dom Bosco Faculties from Porto Alegre, RS, Brazil will make language revisions in the submitted text,
when necessary.
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 12 · Janeiro - Junho de 2013
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VII · Número 13 · Janeiro - Junho de 2013