JC Relations - Jewish
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JC Relations - Jewish
Jewish-Christian Relations Insights and Issues in the ongoing Jewish-Christian Dialogue Heller, Agnes | 01.12.2004 A ressurreição do Jesus judaico Agnes Heller "Não há ser dispondo de memória, que não esteja também orientadado para o futuro." Paul Ricoeur O Jesus cristão ressuscitou no terceiro dia. Precisava-se de dois mil anos para que também o Jesus judaico ressuscitou. Essas duas frases, a primeira vista, não têm nada a ver uma com a outra. A primeira frase pertence à história da salvação e não foi nunca esquecida durante dois mil anos. Todos os cristãos sabiam e confessavam sempre, assim como também hoje saben e confessam, que Cristo ressuscitou no terceiro dia, como cada ano - no dia da Páscoa - outra e outra vez ressusscita. Na história da salvação tempo e eternidade se cruzam. Aqui não há passado, mas sim há presente eterno e retornante. A segunda frase pertence à história. Demorava dois mil anos até que tanto cristãos como também judeus começavam a se lembrar de que Jesus era judeu. Esse saber caira em esquecimento durante os dois mil anos. Não no sentido de que se tivesse esquecido que Jesus - na expressão de hoje - era "de descendência judaica". Esquecera-se, antes, que era um bom judeu. Ninguém tinha a idéia porquê seria então - que Jesus não era cristão, que nem conhecia a Cristandadade. Jesus de Nazaré foi adaptado na cristologia e, quando se lembrava de Jesus, lembrava-se daquele Jesus, cuja imagem foi criada pela Cristandade já nascente - pelo apóstolo Paulo e os Evangelhos. Todas elas são hoje trivialidades. A questão que quero pôr nessa composição, se relaciona ao nascimento e à divulgação dessa trivialidade. No século 19, as acima descritas trivialidades estavam longe de ser valendo como tais, mas valiam à luz da auto-interpretação tanto dos cristãos como também dos judeus - como escandalosas. Os livros de Ernest Renan (A Vida de Jesus) levantaram, embora tocassem esse tema só levemente, uma tempestade. Com essas trivialidades, Nietzsche desclassificou a Cristandade - antes de tudo o apóstolo Paulo - como incorporação do ressentimento judaico. Só no último quarto do século, a figura do Jesus judaico chegou a ser trivialidade. Sobre isso falarei no conexo com a ressurreição do Jesus judaico. Não vou perguntar pelas causas, mas assim pelas circunstâncias e as condições dessa resurreição, ao mesmo tempo também pela importância e atualidade da posição da questão - e isso sob o ponto de vista da formação do relacionamento entre cristãos e judeus, mais do lembrar e do esquecer e, em conexão com isso, da filosofia da formação coletiva de identidade; finalmente, vou analizar questões de ação recíproca entre história e história de salvação. A questão que quero tratar pertence aos maiores enigmas do lembrar e do esquecer. Para antecipar um o que tenho a dizer: Essa história ajunta o lembrar/esquecer coletivo - e com isso a formação coletiva de identidade - univocamente ao trabalho da interpretação. Da memória coletiva - e individual - cai muito para fora, no sentido de que não se pode lembrar disso. Mesmo se existirem traços de experiência, falta a força ou a vontade para trablhar no esclarecimento desses traços. Havia textos que se tivesse podido aventar à luz do dia, nos quais, porém, digamos, ninguém deu uma olhada - seja porque não foram considerados dignos de serem lidos ou porque não se entendeu a língua em que foram escritos. Enquanto, por exemplo, as estátuas de bronze gregas de formato grande não forem encontrados, não se poderá lembrar delas. A base de lembrança da arte grega de 1/5 escultura são as estátus de marmor e, antes de tudo, as cópias romanas. Ou, para ficar no assunto: Quem se podia ter lembrado da comunidade que foi fundada no Mar Morto, e da qual alguns fiéis também viviam em Jerusalém? Na fuga do exercito romano agressor, esconderam os seus escritos sagrados em cavernas para, depois do fim da guerra, os recuperar e buscar. Nada ficou deles, até que, dois mil anos mais tarde, se encontrou os seus textos por acaso, os quais já estavam afundados no esquecimento eterno. A questão é, se agora, depois que encontramos o que não era intentado para nós, estamos afinal na condição de nos lembrar deles. Isso é, aliás, uma questão importante, à qual não posso aqui buscar uma resposta. Será possível que se possa lembrar de alguma coisa , da qual não se lembrava durante dois mil anos nem na forma de traços? Não será que essas comunidades fiquem espiritualmente mortas, não importa quanto agora possamos saber delas agora, depois de passarem dois mil anos? Não será que só aqueles possam ressurgir, dos quais sempre sabemos alguma coisa de qualquer forma, os quais, pelo menos, deixaram vestígios na areia da nossa memória? Agora, no caso do Jesus judaico, se trata, não somente duma coisa completamente diferente, mas exatamente do contrário do caso da comunidade do Mar Morto. Alguns têm dificuldade de levar isso a sério. Vêem a razão para a ressurreiçaõ do Jesus judaico exatamente no fato de que, no Mar Morto, os rolos foram encontrados e de que nesses se encontrava informaçãos completamente novas sobr o Jesus histórico e o nascimento da Cristandade. Junto-me àqueles que afirmam que está longe de ser assaim. As interpretações sensacionais, que se pretensamente apoiam em informações novas, são lisa e simplesmente inventadas. Por vezes, estão de curiosidade estupenda, como por exemplo aquela de Barbara Thiering, a qual identifica o "professor da judstiça" do rolo de guerra com João Batista, o "sacerdote ateu" com Jesus! A suposição de que Jesus teria algo a ver com a seita dos essenios no Mar Morto é mais antiga que a descoberta dos rolos do Mar Morto, e a descoberta não contirubiu nada para a confimação dessa teoria, no entanto, também não para a sua refutação. Têm sido formuladas numarosas teorias tentativas sobre conexões particulares. Assim, David Flusser acha possível que João Batista teria contato aos essênios, mas Jesus não. Géza Vermes apontou para que , na região de fontes da edificação da Igreja cristã, a estrutura hierarquica dos essênios poderia ter servido de modelo . Mas tudo isso há pouco a ver com a face de Jesus de Nazaré. Ricoeur distinguiu, apoiando-se na teoria de Freud da lembrança ativa respetivamente passiva entre esquecimento ativo e passivo. No caso do esqueicmento do Jesus judaico, porém, seria difícil distiguir o esquecimento ativo do passivo. Os textos estavam legíveis e alcançáveis e, enquanto isso, se poderia qualificar o esquecicmento deles como ativo; ao mesmo tempo, porém, os fiéis herdaram de geração à geração uma determinada leitura do texto, aquela leitura, a qual fixava um certo esquecimento antijudaico, fazendo, por isso, outras interpretações, quer dizer outros modos de ler do texto, quase impossível. Enquanto isso, temos a ver, então, com esquecimento passivo. É interessante que os hereges sabiam o que os cristãos católicos esqueceram. Assim os maniquèios afirmaram, segundo São Agostinho, (Confissões V,11), que desconhecidos falsificaram a Santa Escritura do Novo Testamento, porque quiseram encrever as leis da religião judaica na Cristandade. O que se refere à ressurreição do Jesus judaico, falaria aqui de lembrar ativo, mas, na justificação dessa lembrança pelos descobrimentos e conhecimentos pretensos ou de fato, também a lembrança passiva joga um papel. Depois de já havia a necessidade de que o Jesus devesse ressussitar, respetivamente ser levado à ressurreição, muitos interpretaram os rolos do Mar Morto nesse sentido, nesse espírito. Penso em primeira linha em eruditos e filósofos de religião, não em publicistas e escritores. A "modernização" de Jesus é um fenômeno de moda e, como todas as modas, também esta assume formas extremas. O nosso tempo é o tempo de "Jesus Cristo Superstar", o tempo da moda de diversos - bons ou maus - filmes de Jesus. Não só o Jesus judaico está sendo descoberto, mas está sendo também, por exemplo, a imagem do Jesus-Hindu (Hanna Wolff, Der universale Jesus [O Jesus universal]). O nosso tempo é também o tempo dos seminários sobre Jesus. O seminário californiano de Jesus está célebrefamigerado, podendo a sua produção de papel já ser medida em toneladas. Também ouvi - embora não o pudesse rever - que as interpretações no contexto com Jesus, em cada caso, estariam sendo 2/5 decididas por votação. Como hoje em muitas coisas, também aqui se mistura o interessante e digno de consideração com o bizarro e ambição de sensação. No que segue, me apoio, não em correntes, mas sim em livros determinados, e somente em tais que deixam, na minha opinião, o Jusus judaico surgir por uma interpretação histórica, respetivamente da história de salvação. Deixem-me agora voltar a uma qualidade especial desse assunto de esquecer e relembrar. Já mencionei que nenhuma descoberta contribuiu essencialmente para uma reorganização da imagem de Jesus. A figura do Jesus judaico se baseia afinal ou até completamente na leitura dos Evangelhos sinóticos; ela interpreta novamente os textos que nunca cairam em esquecimento durante dois mil anos, os quais cada um conhecia e que foram lidos por todos os cristãos que podiam ler o latim e, mais tarde, também a sua língua materna. Este era O LIVRO. Hoje está sendo lido por menos pessoas que antigamente. Será que essa circunstância talvez contribua que está sendo lido diferentemente? Do mesmo jeito: Alguns autores se apoiam, quando desenham a imagem do Jesus judaico, exclusivamente nos Evangelhos sinóticos. Está certo que os evangelhos sinóticos, geralmente, estão sendo lidos criticamente, distingue-se neles diversas camadas , obras de autores deversos, as suas mudanças e correções. Tudo issso, porém, não contribui essencialmente para a mudança da imagem de Jesus, pois essa se apoia, apesar de tudo, no texto escrito. Não quero pôr em dúvida a justificativa desse trabalho de crítica bíblica, quando lhe atribuo, do ponto de vista da minha questão, importância secundária. Mieke Bal compara na sua composição "Visão balançadora e narrativa" o desdobramento de textos bíblicos em camadas, como Leach o faz, com o descompor dum omlete nos seus componentes (unscrambling of the omelette), tendo esse como completamente improdutivo, mas - nesse caso - nem como uma causa nem por uma conseqüência. Está igualmente reto que temos hoje também a possibilidade de comparar os ensinamentos de Jesus com outros textos contemporâneos. Isso é interessante, não só porque ficamos sabendo - o que, decerto, sempre aceitamos em princípio - que o tesouro de parábolas tira do tesouro comum dos pensamentos e vivências do seu tempo. Uma tal acareação, Flusser a empreende nas suas composições; analiza as betificações de Jesus, as compara com outras beatificações, aponta para paralelas e variações. É muito importante conhecer a tendência em certos pronunciamentos de Jesus, as suas associações mentais, a intenção polêmica dessas no tempo em que as pronunciou. O que significa Filho de Homem? Quem o rábi? Quem o profeta? O que significa "O tempo está presente"? Ao lermos os midrashim (interpretação de textos bíblicos) de Jesus, ampliará o nosso horizonte se conhecermos outras interpretações, semelhantes ou divergentes, do seu tempo. Se lermos os seus mistérios, não fará mal sabermos algo sobre o uso geral de parábolas no seu tempo. Falarmos de Maria ou Maria Madalena, também não faz mal saber que se censura os friseus de que, entre seus adeptos, se encontrassem mulheres demais. O conhecimento de todas essas coisas, como foi dito, não faz mal, já que está até facilmente integrável na imagem do Jesus judaico, quando dessa idéia tivermos uma imagem vaga. Mas esses fatos singulares não avultam a imagem do Jesus judaico. Pois a imagem é sempre um todo, não consistindo de pedrinhas de mosáico independentes uma da outra. A imagem do Jesus judaico, repito, é a interpretação radicalmente nova dum texto sempre conhecido, não outra coisa. Essencialmente, é uma virada interpretativa de cento e oitenta graus, em virtude da qual o Jesus judaico ressurgiu. Quero - embora somente como introdução outra vez pôr a pergunta que já insinuei: Quando falar da ressurreição do Jesus judaico, falarei então duma questão histórica ou duma da história da salvação? A minha formulação original era a seguinte: A ressurreição do Jesus judaico depois de dois mil anos é uma questão histórica, a ressurreição de Cristo no terceiro dia uma da histária da salvação. História e historia da salvação nem se cruzam, nem se contradizem, porque acontecem em níveis diferentes. A história da salvação acontece sempre sob a égide da eternidade, sendo, sob esse aspeto, sem tempo, enquanto a história, conforme o conceito, é temporal. Aqui há passado, passado histórico, algo que passou e o que não se pode transformar em presente. Quando deixar fora de consideração a ambição de sensação ou literatura de diversão, o papel 3/5 principal na ressurreição do Jesus judaico jogarão os historiadores, especialmente os historiadores de religião. A questão agora é, se tal relembrar histórico joga um papel na história de lembrança das religiões. Yerushalmi escreve em Zachor que a historiografia poderia substituir a memória coletiva e, sob essse aspeto, concordo com ele. Acrescenta que a historiografia em si nem mostraria sinal para a capacidade de criar alguma tradição alternativa, na qual a comunidade possa participar. Aqui não estou tão certa. No caso da ressurreição do Jesus judaico, é que resulta uma situação especial. Embora, em primeiro lugar, historiadores se ocupem dela, a coisa chegou ainda a ser um assunto de comunidades religiosas mais amplas, especialmente cristãs. Talvez também, porque a ressurreição do Jesus judaico quase exclusivamente, por vezes completamente, se baseia em textos santos da história da salvação, os quais estão conhecidos nas comunidades cristãs e que se agora começa ler diferentemente. Ao mesmo tempo, os novos fatos históricos escavados, os quais, por sua vez, são, não originalmente históricos, mas sim as centilhas ou o mosáico da história de salvação de outros grupos religiosos - por exemplo da comunidade religiosa no Mar Morto - não jogam, nessã ressreição, um papel senão auxiliar. A questão é agora, se o texto da história da salvação possa ter interpretações várias, divergentes uma da outra, sobretudo uma histórica e uma da histórira da salvação. Ou, com outras palavras, se será possível uma interpretação, a qual possa ser chamada ao mesmo tempo de histórica ou de história da salvação, dependente de quem a escrever, de quem a ler, de que verdades ou conceitos de verdade e a que absolutos a interpretação se juntar. Esse é um critério relmente importante. Comecemos já com a questão pelos absolutos. São tanto cristãos como judeus que deixam ressussitar o Jesus judaico. Apresentam - mesmo também muitas vezes sob ponto de vista judaico e cristão - o mesmo Jesus. Nisso se apoiam, antes de tudo, nos evangelhos sinóticos. Só que, para os judeus, Jesus, o Jesus judaico, não é Cristo, e os evangelhos sinóticos são fontes históricas, enquanto, para os intérpretes cristãos, o Jesus judaico está idêntico com Cristo e os evangelhos sinóticos são textos santos, não importa quem os tiver escrito. Assim podemos então - pelo menos por enquanto - dizer que o Jesus judaico ressussitado, para os judeus, é uma figura significante da história judaica, um vidente, talvez um profeta, mas de modo nenhum o Messías, enquanto Jesus, na história cristã, é figura da história de salvação: ele é o Cristo, o Messías. Os níveis histórico e de história de salvação não se encontram, porque falam de coisas diferentes, mesmo quando contarem a mesma história. O Jesus judaico também não modifica nada no dogma da Trindade, assim como nada muda no que o Judaísmo declina da Cristandade. Todavia, a lembrança pode ter, não só elementos comuns, mas também conseqüências semelhantes. "O ser que dispuser de memória, estará direcionado ao futuro", citei Ricoeur na divisa desse artigo. Quando cristãos e judeus revogarem o Jesus judaico à sua memória, esse gesto de memória coletiva aponta, não para o passado, mas sim para o futuro. Quando nos lebrarmos de agora em diante nesse modo ou, pelo menos, também desse modo, mudará deste modo, junto com o nosso passado, também o nosso futuro. O futuro daquele Judaísmo e também daquela Cristandade, a qual se pode lembrar daquele Jesus judaico, será outro do que o futuro daqueles que se esqueceram do Jesus judaico. Texto alemão Tradução: Pedro von Werden SJ - C. P. 206 - 78005-970 Cuiabá-MT - BRASIL - [email protected] 4/5 5/5 Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)