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BOLETIM DA EDIÇÃO JUNHO DE 2015 GESTÃO 2013-2015 JUN/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 1 NESTA EDIÇÃO 03 MATÉRIA PRINCIPAL TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E OS RUMOS DA NEUROPSICOLOGIA 08 17 ENTREVISTA AUTISMO E DSM-V DOMÍNIOS COGNITIVOS COGNIÇÃO SOCIAL 15 RESUMO DE ARTIGO HIPERATIVIDADE NO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH): DÉFICIT PREJUDICIAL OU COMPORTAMENTO COMPENSATÓRIO? JUN/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 2 Boletim SBNp | Ma téri a Pri nci pa l TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA RENATA ENDRES E OS RUMOS DA O transtorno do espectro autista (TEA) consiste em um amplo conjun- to de condições psiquiátricas do desenvolvimento neurológico, caracterizado por dificuldades significativas em termos de comunicação e interação social, bem como um repertório restrito e repetitivo de comportamentos, interesses e atividades (DSM-5, American Psychiatric Association, 2013). Os principais sintomas inclu- em déficits ou condutas atípicas em áreas de desenvolvimento, tais como discurso, linguagem, relacionamentos ou processamento sensorial. A sintomatologia e a severidade dos quadros do TEA variam amplamente, caracterizando-se por início precoce e natureza crônica (Van der Hallen, Evers, Brewaeys, Van den Noortgate, & Wagemans, 2014). nente ambiental (Constantino & Unidos da America (EUA) no ano de Todd, 2000, 2003, 2005; Ronald, 2010 (Centers for Disease Control Happé & Plomin, 2008a). Esses and Prevention - CDCP, 2014), esti- dados sugerem que esse é predo- mando que 14,7 em cada 1.000 (um minantemente determinado gene- em cada 68) crianças com idade de ticamente (Ronald & Hoekstra, oito anos apresentam o transtorno. 2011). No entanto, ainda não são Ainda de acordo com esse estudo, a claros quais genes específicos incidência de sexo é de um em cada estão implicados no desenvolvi- 42 meninos e uma em 189 meninas. mento dessa condição, uma vez que investigar a etiologia se torna complicado em função da dificuldade em inter-relacionar fatores psicossociais e ambientais (Van der Hallen, et al., 2014). Além disso, a ampla heterogeneidade fenotípica e genética pode dificultar este processo, em função da variação entre os domínios de funcionamento dos indivíduos e da severidade dos sintomas (Rommelse, Geurts, Franke, Bui- telaar, & Hartman, 2011). Apesar da etiologia do TEA ainda ser limitada, alguns autores têm reportado taxas de herdabilidade altas (ver revisão Ronald & Hoekstra, 2011), e a presença de um compo- JUN/2015 NEUROPSICOLOGIA No que se refere à preva- A prevalência global de autismo aumentou dez vezes desde que os primeiros estudos epidemiológicos foram realizados na década de 1960 e início de 1970 (Centers for Disease Control and Prevention - CDCP, 2014). Naquela época, as estimativas de prevalência de estudos europeus eram (ADDM) Network realizou um estudo em 11 áreas dos Estados em 2.500 crianças (Gillberg & Wing, 1999), e em torno dos anos 2000 levantamentos abrangentes estimaram a presença de TEA em 1% a 2% em todas as crianças (Blumberg, Bramlett, Kogan, Schieve, Jones & Lu, 2013). lência do TEA, a Autism and Developmental Disabilities Monitoring uma Embora as razões subjacentes para as mudanças de prevalência sejam difíceis de estudar empiricamente, estudos sugerem que grande Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 3 Boletim SBNp | Ma téri a Pri nci pa l parte do recente aumento de nú- 2008). Dentre os componentes representações mentais, as quais mero de pessoas com o TEA pode das FE investigados estão plane- consistem em emoções, desejos, ser atribuído a fatores externos, jamento, memória de trabalho, intenções e crenças que influenci- tais como a melhora na percepção controle de impulsos, inibição, am seus sentimentos e comporta- e reconhecimento de sinais e sin- flexibilidade mental e iniciação/ mentos. A ToM é um importante tomas de autismo, mudanças na monitoramento de ações (Hill, modelo cognitivo capaz de expli- prática do diagnóstico ou a dispo- 2004). Maiores dificuldades neste car os comprometimentos sociais nibilidade dos serviços (Blumberg âmbito poderiam explicar compro- identificados em et al., 2013; Schieve, Rice, Devi- metimentos na interação social, autismo, uma vez que a interação ne, et al., 2011). na comunicação e nos comporta- social requer que os indivíduos pessoas com mentos estereotipados e repetitiCom relação à descrição compreendam vos presentes nessa condição das pessoas com TEA, a variabili- mentais, a fim de que sentimentos (Czermainski, 2012). Uma recente dade entre esses indivíduos pare- e comportamentos de terceiros revisão sistemática reportou uma ce não estar presente apenas nos possam ser entendidos e previstos tendência de disfunções executi- domínios (Philpott, Rinehart, Gray, Howlin, vas clínica & Cornish, 2013). Esses déficits comportamentais do nessa população esses estados quadro. Muitos estudos têm tenta- (Czermainski, Salles, do traçar um perfil cognitivo e na cognição social parecem ser 2013). Por outro lado, pesquisado- identificar diferenças importantes um fator central do transtorno, res componentes entre pessoas com desenvolvi- embora não estejam presentes, executivos intactos no TEA, os mento típico (DT) e pessoas com necessariamente, em todas as quais apontaram para progressão o transtorno. Nesse sentido, pes- pessoas afetadas, tampouco se- típica e atípica das FE (Luna Doll, quisadores têm se dedicado em jam específicos do TEA (Pellicano, Hegedus, Minshew, & Sweeney, analisar funções executivas (FE), 2011). 2009; Togwood, Meuwese, Gil- teoria da mente (ToM) e processa- bert, Turner, & Burgess, 2009), o Para alguns autores, tanto mento sensorial nessa população que torna esses achados ainda a ToM, quanto as FE falham em (Leung, Vogan, Powell, Anagnos- não consistentes. descrever Bosa identificaram & a complexidade do TEA. Como tal, elas têm dificulda- tou, & Taylor, 2015; Rueda, Fernández-Berrocal, & Baron-Cohen, Um construto que vem de em explicar por que algumas 2015; Wagemans, Elder, Kubovy, sendo investigado por um corpo funções cognitivas não são utiliza- Palmer, Peterson, Singh, & von de pesquisas sustenta que pesso- das, mas também, por vezes, su- der Wagemans, as com TEA apresentam uma ha- periores em pessoas com o trans- Feldman, Gepshtein, Kimchi, Po- bilidade significativamente reduzi- torno (Shah & Frith, 1983, 1993). merantz, van der Helm, & van da em processar informações re- Em resposta a este desafio, uma Leeuwen, 2012). lacionadas aos estados mentais explicação alternativa para os as- Heydt, 2012; de outros indivíduos, referida coAlguns autores frequente- pectos não-sociais do autismo foi mo Teoria da Mente (ToM) (Baron mente apontam para a hipótese proposta: -Cohen, Jolliffe, Mortimore, & Ro- de disfunção executiva como uma “coerência central'' (Frith, 1989; bertson, Cohen, das abordagens que poderia expli- Frith & Happe, 1994; Happé, Wheelwright, Raste, & Plumb, car a sintomatologia do autismo 1999). Frith (1989) propôs o termo 2001a; Happé, 1994; White, Hill, (Ozonoff & “coerência central” para se referir Happé, & Frith, 2009). Essa habili- Pennington, 1993; Sanders, John- à tendência cognitiva do ser hu- dade é responsável pela compre- son, Garavan, Gill & Gallagher, mano em extrair a essência ou a ensão de que os outros possuem JUN/2015 Rogers, Farnham, 1997; Baron- Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br a teoria da fraca 4 Boletim SBNp | Ma téri a Pri nci pa l Gestalt no processamento da in- rá ocorrer (Plaisted, 2001; Rinco- veis. Também enfatizam que os formação. É conceituada como um ver & Koegel, 1975). estudos devem diferenciar desen- contínuo de um estilo cognitivo que varia de um nível mais fraco (que prioriza a extração de partes da informação, em detrimento da totalidade) a um nível mais forte (que dá prioridade para o significado do todo). Alguns autores levan- Quanto à avaliação comportamental e cognitiva de pessoas com autismo, ainda é difícil interpretar os achados, uma vez que o TEA é uma condição heterogênea. O diagnóstico é realiza- volvimento de FE para além dos anos pré-escolares, atentando para a complexidade das tarefas adequadas para cada idade, com foco em processos executivos específicos. do com base na avaliação dos A variabilidade e a com- padrões de comportamento e está plexidade do TEA tornam impres- diretamente ligado à complexida- cindível a compreensão acerca de e variabilidade da apresenta- dos padrões comportamentais e ção do distúrbio (por exemplo, da trajetória do desenvolvimento nível de severidade, associação cognitivo das pessoas com autis- com deficiência intelectual e ou- mo. A continuidade das investiga- Brisk- tras condições médicas) (Backes, ções na área pode oferecer in- man e Frith (2001), esse estilo de Mônego, Bosa, & Bandeira, 2014). sights sobre a natureza dinâmica processamento com foco no deta- Esses fatores levaram ao desen- do quadro com implicações impor- lhe no TEA está por trás não ape- volvimento de instrumentos com tantes para o direcionamento das nas de desempenhos mais empo- foco na identificação e diagnóstico intervenções terapêuticas, tanto brecidos em algumas tarefas, mas precoce (Charman & Gotham, na infância precoce, quanto duran- também em performances excep- 2013; para revisão ver Backes et te o período de crescimento. Por- cionalmente boas em tarefas que al., 2014). tanto, o diagnóstico deve ser reali- taram a hipótese de que indiví- duos com TEA apresentam um viés para um processamento local e uma relativa falha em extrair a essência da informação (Happé & Frith, 2006). Segundo Happé, se beneficiam de falhas em reconhecer o todo. Além disso, aborda aspectos relacionados ao TEA que outras abordagens negligenciaram, como áreas de habilidades, percepção excepcionalmente acurada e falha na generalização (Happé & Frith, 2006). Nos casos de TEA, esses problemas poderiam ser decorrentes da fraca coerência central, se as experiências são codificadas com foco no detalhe. Se as pessoas com autismo lembrarem de cada exemplar, em vez de protótipos, isso tornaria o reconhecimento de situações que são ''iguais'' problemático: apenas se uma situação compartilha o detalhe-chave com uma experiência anterior, a generalização podeJUN/2015 Quanto à mensuração cognitiva do TEA, esse processo torna-se ainda mais complexo, já que FE é construto composto por múltiplos componentes que amadurecem em tempos diferentes em crianças com desenvolvimento típico e que ainda não foi mensurado consistentemente em indivíduos com TEA (Rosenthal Wallace, Lawson, Wills, Dixon, Yerys, & Kenworthy, 2013; Kenworthy Yerys, Anthony, & Wallace, 2008). Best e Miller (2010) notam a importância de medir vários processos de FE ao longo de todo o desenvolvimento, a fim de capturar o surgimento dessas habilidades interdependentes, mas distinguí- Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br zado conjuntamente por médicos, psicólogos, fonoaudiólogos que possuam conhecimento aprofundado no campo. Por ser uma condição crônica, tais intervenções devem ser planejadas com base nas necessidades de cada indivíduo e possibilitar a criação de uma rede de apoio para familiares e cuidadores, como serviços e equipe de saúde, escola e a comunidade onde vivem, propondo medidas sócio e psicoeducacionais ao longo do amadurecimento dessas pessoas. Os profissionais não devem ter receio em criar mecanismos que facilitem o processo terapêutico de seus pacientes, já que essas são medidas tem como ob- 5 Boletim SBNp | Ma téri a Pri nci pa l jetivo beneficiar aa pessoaa com TEA durante seu desenvolvimento. Constantino, J.N., Todd, R.D. (2000). 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Global Processing Takes Time: Desenvolvimento (NIEPED/ de Psicologia, com ênfase em Psicologia do desenvolvimento, atuando principalmente na área de avalia- A Meta-Analysis on Local–Global Visual ção e intervenção do Transtorno do Processing in ASD. Espectro Autista (TEA). Wagemans, J., Elder, J. H., Kubovy, M., Palmer, S. E., Peterson, M. A., Singh, M., & von der Heydt, R. (2012). A century of Gestalt psychology in visual perception: I. Perceptual grouping and figure–ground organization. Psychological bulletin, 138 (6), 1172. Wagemans, J., Feldman, J., Gepshtein, S., Kimchi, R., Pomerantz, J. R., van der Helm, P. A., & van Leeuwen, C. (2012). A century of Gestalt psychology in visual perception: II. Conceptual and theoretical foundations. Psychological bulletin, 138(6), 1218. Sanders, J., Johnson, K. A., Garavan, H., Gill, M., & Gallagher, L. (2008). 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Sendo ainda “processos subservientes ao comportamento em resposta a outros membros da mesma espécie, e, em particular, os processos cognitivos superiores envolvidos nos comportamentos sociais extremamente diversos e flexíveis vistos em primatas” (Adolphs, 1999). Todas estas definições traçam uma ligação estreita entre cognição social e comportamento social e incluem processos como habilidades de teoria da mente, percepção social e estilo atribucional. Estudos com grupos clínicos sugerem que a cognição social é independente de outros aspectos da cognição (Fiske & Taylor, 2013). Por exemplo, indivíduos com lesões nos córtices frontal ou pré-frontal tem prejuízo no comportamento e no funcionamento social, apesar de habilidades cognitivas como memória e linguagem permanecerem intactas (Anderson, Bechara, Damasio, Tranel, Damasio, 1999; Blair & Cipolotti, 2000; Fine, Lumsden, Blair, 2001). Outra dissociação é observada similar é frequentemente observada em pessoas com Prosopagnosia, as quais apresentam prejuízos seletivos na percepção de faces (habilidade cognitiva fundamental para a cognição social), mas têm a percepção de estímulos não-sociais intacta (Kanswisher, 2000). A autonomia da cognição social tem suporte em estudos com pessoas com a Síndrome de Williams e pessoas com autismo. Indivíduos com a Síndrome de Williams são acessíveis e sociáveis, apresentando habilidades sócio-cognitivas básicas relativamente preservadas apesar de inteligência abaixo da média (Jones et al., 2000). Esses indivíduos demonstram processamento de expressões faciais e habilidades simples de teoria da mente adequadas (Karmiloff-Smith, 2000; Karmiloff-Smith et al., 1995), ainda que haja déficits na cognição espacial (Bellugi et al., 2000; Tager-Flusberg, Boshart, Baron-Cohen, 2000). Por outro lado, algumas pessoas diagnosticadas com autismo ou Síndrome de Asperger podem JUN/2015 Vanessa Farias Oliveira Psicóloga. Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra o Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento (LPNeC) e tem como temas de interesse os processos básicos de atenção e emoção apresentar alto grau de funcionamento, ao mesmo tempo em que demonstram déficits específicos na cognição social e no comportamento social (Heavey et al., 2000; Klin, 2000). Inicialmente, o córtex orbitofrontal, o sulco temporal superior e a amídala foram identificadas como as regiões cerebrais que essenciais do sistema neural da cognição social (Brothers, 2002, 1990; Adolphs, 2001; Baron-Cohen et al., 1994; Stone, Baron-Cohen & Knight, 1998; Allison, Puce, McCarthy, 2000). Entretanto, estudos seguintes indicaram outras áreas que desempenhavam um papel secundário nesse sistema, como o córtex parietal direito, o córtex insular, os gânglios basais (Adolphs, 2002), a junção temporo-parietal acima do giro temporal superior e os polos temporais (Frith, 2001), o córtex pré-frontal medial, o giro fusiforme, e o córtex pré-frontal ventromedial. Além disso, o desempenho em tarefas relativas à teoria da mente (Theory of Mind, ToM) (Premack & Woodruff, 1978) tem sido associado com a ativação de regiões específicas do córtex frontal (Stone, Baron-Cohen, & Knight, 1998), em particular a porção medial, e o córtex pré-frontal medial (Völlm et al., 2006; Gallagher et al., 2000). Um número menor de estudos apoia ainda o papel do córtex orbitofrontal em tarefas de ToM (Shamay-Tsoory, Harari, Aharon-Peretz & Levkovitz, 2010; Sabbagh, 2004). Em um estudo com neuroimagem utilizando tomo- Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 8 Boletim SBNp | Domínios Cognitivos Cognição Social grafia de emissão de pósitrons, pesquisadores investigaram a atividade cerebral de um grupo de voluntários enquanto realizavam tarefas de compreensão de histórias que requeriam a atribuição de estados mentais, outras que não requeriam atribuição de estados mentais e uma série de sentenças desconexas (Fletcher, 1995). As áreas de Broadmann 8 e 9 no córtex medial frontal tiveram uma ativação única para as histórias com ToM. Goel et al. (1995) também encontraram ativação seletiva na área de Broadmann 9 no córtex frontal medial esquerdo durante uma tarefa de ToM em participantes normais. Estes resultados iniciais indicaram que as habilidades de ToM estavam diretamente relacionadas ao córtex frontal medial, o que foi corroborado por estudos posteriores que utilizaram tarefas verbais e nãoverbais em seus experimentos (McCabe, 2001; Vogeley et al., 2001). A ativação do córtex pré-frontal medial com tarefas de ToM (leitura e interpretação de passagem escrita ou desenhos) também foi observada em estudos com ressonância magnética funcional (fMRI) (Gallagher, et.al, 2000). Curiosamente, Castelli e colegas (2000) encontraram ativação seletiva desta mesma área quando os participantes eram expostos a padrões de movimento de formas geométricas (estímulos não-humanos) que evocavam atribuição de estados mentais, mas não durante a descrição de ações simples. Outros estudos ressaltaram a importância do córtex orbitofrontal nas habilidades de ToM. Baron-Cohen et. al. (1994) observaram um fluxo sanguíneo maior no córtex orbitofrontal direito de participantes saudáveis durante uma tarefa de ToM, mas não durante uma tarefa controle. Achados semelhantes já haviam sido observados com pacientes que sofreram lesões cerebrais. Stone et al. (1998) encontraram que indivíduos com lesões bilaterais no córtex orbitofrontal tinham desempenho semelhante a indivíduos com Síndrome de Asperger em uma tarefa de reconhecimento de faux pas (ou gafe), que requer raciocínio social além de habilidades de ToM. Além das habilidades mencionadas acima, o processamento de faces e emoções é essencial para a cognição social. Diversas revisões têm estabelecido que JUN/2015 regiões especificas do cérebro estão associadas à percepção de faces e de emoções. Estas seriam o giro fusiforme lateral, o sulco temporal superior e a amídala (Adolphs, 2002, 2001; Allison, Puce, McCarthy, 2000). Devido a quantidade de estudos que relacionaram o giro lateral fusiforme com o reconhecimento de faces e a consistência desses achados, esta área acabou batizada de “área facial fusiforme” (Chao, Martin & Haxby, 1999; Puce et al., 1996). Nesse sentido, a área facial fusiforme tem uma grande relevância para os estudos em cognição social, uma vez que a percepção facial seria o ponto de início do processo de comunicação social (Brothers, 1990). A partir do momento em que um alvo social é identificado, o passo seguinte é determinar se este está aberto a interação ou se o mesmo constitui ameaça. Este tipo de informação social é extraído de aspectos mutáveis da face, como os olhos e a boca mediante processamentos automáticos e implícitos. Mudanças na direção do olhar indicam o foco de atenção do interlocutor, e mudanças na forma dos olhos e da boca facilitam a expressão emocional e indicam emoções. Esta distinção entre identificação simples e reconhecimento complexo de emoções sugere que o processamento de partes estáticas e dinâmicas da face podem ter substratos distintos no cérebro. De fato, estudos sugerem que este é o caso, pois o sulco temporal superior é ativado mais intensamente durante tarefas focando o olhar (aspectos mutáveis), enquanto o giro fusiforme lateral tende a ser mais ativado quando tarefas demandam discriminação de identidade (aspectos não mutáveis) (Haxby, Hoffmann & Gobbini, 2000). Outra região importante é o córtex pré-frontal ventromedial, uma vez que lesões nessa estrutura estão associadas a incapacidade de incorporar conhecimento emocional a processos cognitivos (e.g. usar palpites ou intuições emocionais para realizar escolhas) (Bechara et al., 2001, 1999). Pacientes com lesões nessas regiões demonstram pior desempenho em situações que demandam raciocínio social (Adolphs, 1999) e dificuldades em gerar respostas apropriadas quanto a dilemas sociais, mesmo que o Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 9 Boletim SBNp | Domínios Cognitivos Cognição Social funcionamento intelectual global seja adequado (Anderson et al., 1999). Por fim, a amígdala também tem sido indicada como estrutura importante para a cognição social, principalmente por estar relacionada ao processamento facial e emocional (Blackwood et al., 2001). Indivíduos com dano amigdalar apresentam dificuldade no reconhecimento de faces e no julgamento de expressões faciais, particularmente quando estas sinalizam medo (Adolphs et al., 1999; Calder et al., 1996; Young et al., 1995), reforçando o papel da amígdala na detecção de ameaças. Além disso, indivíduos com dano amigdalar bilateral completo rotularam faces como mais receptivas e confiáveis do que os indivíduos com dano amigdalar unilateral (Adolphs et al., 1998). Em geral, estudos com lesões e neuroimagem indicam que a amígdala é importante para o reconhecimento emocional e sugerem que esta estrutura tem papel importante no processamento de estímulos negativos ou de ameaça (Winston, Strange, O’Doherty & Dolan, 2002; Whalen, 1998). Avaliação da cognição social Com relação avaliação clínica da cognição social, ainda são poucos os testes e tarefas já adaptados ou validados para o Brasil. Assim, mais estudos de validação e desenvolvimento de medidas para cognição social se fazem necessários, bem como discussões acerca deste domínio cognitivo e sua interface entre as neurociências e a clínica neuropsicológica. A lista abaixo apresenta alguns dos instrumentos mais utilizados na literatura (Pinkham A, et. al. 2014): Ambiguous Intentions Hostility Questionnaire (AIHQ) (Combs et al., 2007): Esta tarefa foi desenhada para a avaliação de vieses cognitivos para hostilidade social. Examinandos leem 5 situações hipotéticas negativas com causas ambíguas (intencionais ou acidentais), imaginam a situação ocorrendo com eles mesmos, e registram a razão pela qual acreditam que a situação ocorreu. Avaliadores independentes JUN/2015 posteriormente codificam esta resposta inicial e computam um índice de hostilidade (de 1 a 5). Os examinandos então usam escalas Likert para rotular se a outra pessoa realizou a ação de propósito (1 “definitivamente não” a 6 “definitivamente sim”), o quanto de raiva isso os faria sentir (1 “nenhuma raiva” a 5 “muita raiva”), e o quanto eles culpariam a outra pessoa (1 “nenhum um pouco” a 5 “muito”). Finalmente o examinando deve escrever sobre como eles responderiam naquela situação, o que posteriormente é codificado por dois avaliadores independentes e um índice de agressão (de 1 a 5) é computado. Bell Lysaker Emotion Recognition Task (BLERT) (Bryson et al., 1997): A tarefa mede a capacidade de identificar corretamente 6 estados emocionais (alegria, tristeza, medo, nojo, surpresa, raiva) ou estados neutros. Examinandos veem 21 vídeos de 10 segundos mostrando um ator que fornece pistas de expressões faciais, tom de voz e movimentos do tronco. Após assistirem a cada vídeo, os examinandos identificam a emoção expressada. O desempenho é obtido a partir do número total de emoções corretamente identificadas (de 0 a 21). Penn Emotion Recognition Test (ER-40) (Kohler et al., 2003): A tarefa avalia a capacidade de reconhecimento de afeto facial utilizando 40 fotos coloridas de faces estáticas que expressam 4 emoções básicas (alegria, tristeza, raiva ou medo) e expressões neutras. Os estímulos são distribuídos de acordo com o gênero do ator, a idade e etnia, de forma que são incluídas 4 expressões de alta intensidade e 4 de baixa intensidade para cada categoria de emoções. Examinandos veem uma imagem por vez e escolhem o rótulo correto de emoção para cada face. Escores de acerto, de 0 a 40, servem como a variável dependente primária. Relationships Across Domains (RAD) (Sergi et al., 2009): Este teste mede a competência para percepção de relacionamentos. O conteúdo e o formato são baseados na teoria de modelos relacionais que propõe que indivíduos usam seu conhecimento implícito de 4 modelos relacionais (compartilhamento comum, ranking por autoridade, correspondência igualitária e Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 10 Boletim SBNp | Domínios Cognitivos Cognição Social valorização de mercado) para compreender relacionamentos sociais e predizer o comportamento dos outros. O RAD abreviado contém 15 vinhetas mostrando diferentes díades homem-mulher que representam um dos 4 modelos relacionais. Os examinandos leem cada vinheta e respondem 3 perguntas com sim ou não sobre se um dado comportamento futuro tem probabilidade de ocorrer tendo em vista o relacionamento descrito. O desempenho é indexado como o número total de respostas corretas (de 0 a 45). Reading the Mind in the Eyes Test (Baron-Cohen et al., 2001): Este teste mede a capacidade de discriminação de estados mentais a partir de expressões da região dos olhos na face. Participantes veem 36 fotos da região dos olhos de diferentes faces e escolhem a palavra que melhor descreve o pensamento ou sentimento que é retratado. Quatro opções possíveis são apresentadas com cada foto, e um glossário de termos para estados mentais é fornecido como referência. O escore total é o número de respostas corretas e escores vão de 0 a 36. Este instrumento foi recentemente traduzido e adaptado para o Brasil e possui versão computadorizada (Sanvicente-Vieira, et al., 2014). The Awareness of Social Inferences Test (TASIT) (McDonald et al. 2003): Este teste inclui vinhetas em video de interações sociais do dia-a-dia, e a parte III, a Social Inference-Enriched test, avalia a detecção de mentiras e sarcasmo. Examinandos veem cada vinheta e respondem 4 questões padrão por vinheta que abordam entendimento de intenções, crenças e significados dos falantes e suas conversas. Escores vão de 0 a 64. The Hinting Task (Corcoran et al., 1995): A tarefa examina a capacidade dos indivíduos de inferir a verdadeira intenção de discursos indiretos. Estão incluídas 10 passagens curtas apresentando uma interação entre 2 personagens que são lidas em voz alta pelo experimentador. Cada passagem termina com um dos personagens dando uma indireta (hint), e os examinandos devem responder o que o personagem realmente quis dizer. Se a primeira resposta JUN/2015 é errada, uma outra indireta é dada, e participantes podem receber crédito parcial pela passagem. Os escores totais vão de 0 a 20. Esta tarefa foi traduzida de validada para o Brasil recentemente (SanvicenteVieira, Brietzke & Grassi-Oliveira, 2012) Trustworthiness Task (Adolphs et al., 1998): Nessa tarefa participantes rotulam 42 faces para confiabilidade numa escala de -3 a 3. As faces são apresentadas em uma escala de cinza e representam homens e mulheres de etnias diversas. A tarefa avalia a habilidade dos examinandos de fazer julgamentos sociais complexos pela comparação das avaliações dos participantes com dados normativos. Referências: Adolphs R. (2002) Recognizing emotion from facial expressions: psychological and neurological mechanisms. Behavioral and Cognitive Neuroscience Reviews. 1(1). 21–62. doi: 10.1177/1534582302001001003 Adolphs R. (2001) The neurobiology of social cognition. 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Journal of Child Psychology and Psychiatry. 42. 241–251. doi: 10.1111/1469-7610.00715 al communication. Motivation and emotion, 14 (2), 81 -91. Doi: 10.1007/BF00991637 Baron-Cohen S., Ring H., Moriarty J., Schmitz B., Costa D, Ell P. (1994) Recognition of mental state terms: clinical finding in children with autism and a functional neuroimaging study of normal adults. The British Journal of Psychiatry. 165. 640–649. DOI: 10.1192/bjp.165.5.640 Bryson G, Bell M, Lysaker P. (1997). Affect recognition in schizophrenia: a function of global impairment or a specific cognitive deficit. Psychiatry Research. 71(2).105–113. doi:10.1016/S0165-1781(97)00050-4 Bechara A, Dolan S, Denburg N, Hindes A, Anderson SW, Nathan PE. (2001) Decision-making deficits, linked to a dysfunctional ventromedial prefrontal cortex, revealed in alcohol and stimulant abusers. Neuropsychologia. 39 (4). 376–389. doi:10.1016/S00283932(00)00136-6 Bechara A., Damasio H., Damasio AR., Lee GP. 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Neuroimage, 29 (1), 90-98. doi:10.1016/j.neuroimage.2005.07.022 JUN/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 14 Boletim SBNp | Resum o de A rti go Sabrina Magalhães HIPERATIVIDADE NO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH): DÉFICIT PREJUDICIAL OU COMPORTAMENTO COMPENSATÓRIO? Hiperatividade abarca uma grande variedade de comportamentos verbais e físicos, sendo o comportamento motor excessivo um componente chave do construto. Ele também é central para o diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Atua como fator preditor em idades préescolares de diagnóstico clínico de TDAH e desfechos prejudiciais em idades posteriores; além de estar associado com agressão, comportamento opositor, dificuldades de relacionamento entre pares e parentais. Diante de falta de consenso na literatura sobre a associação entre a excessiva atividade motora, desempenho cognitivo e atenção, Sarver e colaboradores buscaram testar a hipótese de que o comportamento motor seria funcional e estaria relacionado a melhor desempenho cognitivo em crianças com TDAH. O objetivo do estudo foi investigar a relação entre variações no comportamento motor espontâneo, desempenho cognitivo em tarefas de memória operacional verbal e atenção em crianças com TDAH, comparadas a crianças com desenvolvimento típico (DT). Participaram do estudo 52 garotos com idade entre 8 e 12 anos que foram agrupados no grupo clínico de TDAH (n = 29) e não clínico (n = 23). Os grupos não diferiram quanto ao QI ou condição socioeconômica. O desempenho motor foi computado através dos movimentos de balançar, girar ou rolar a cadeira na qual a criança estava sentada (era uma cadeira de escritório com rodinhas), levantar-se dela e mexer os pés. O comportamento atencional foi codificado de modo independente do movimento, de modo que a criança poderia estar com foco atencional, independentemente de estar ou não se movimentando. O design metodológico buscou controlar o efeito da falta de atenção no desempenho cognitivo para que apenas a influência do comportamento motor pudesse ser identificada. Como bem documentado na literatura, de modo geral, as crianças com TDAH apresentaram maiores índices de atividade motora e menor foco atencional comparadas ao grupo DT. Além disso, os dados obtidos indicaram que quanto maior a atividade motora espontânea do grupo TDAH melhor seu desempe- nho nas tarefas, com aumento de quase 50% no desempenho quando as crianças estavam no máximo da atividade motora. Essa associação não foi observada para o grupo DT. A despeito da ideia corriqueira de buscar que a criança com TDAH fique quieta ou parada durante a realização de tarefas cognitivamente demandantes, o estudo concluiu que elas podem se beneficiar dessa movimentação, utilizando o comportamento motor para impulsionar o desempenho cognitivo. Vale res- JUN/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 15 Boletim SBNp | Resum o de A rti go saltar que os resultados se restringem a tarefas verbais e outras investigações precisam avaliar se esse padrão também é encontrado para tarefas visuoespaciais. Portanto, intervenções nessa população precisariam levar em conta que a atividade motora pode ser funcional para essas crianças e tentar corrigir ou controlar esses comportamentos pode ser mais prejudicial do que benéfico. Os achados dão suporte à proposta de inserir dispositivos ou técnicas em sala de aula que incorporem e deem vazão aos movimentos, como bolas de ginástica, bicicletas ergométricas, enquanto as crianças realizam atividade de leitura, por exemplo. Referência Sarver DE, Rapport MD, Kofler MJ, Raiker JS, Friedman LM (2015). Hyperactivity in AttentionDeficit/Hyperactivity Disorder (ADHD): impairing deficit or compensatory behavior? J Abnorm Child Psychol. JUN/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 16 ARTHUR KUMMER Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mestrado em Clínica Médica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutorado em Neurociências pela UFMG. Realizou residência médica em Psiquiatria e em Psiquiatria da Infância e da Adolescência na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Professor Adjunto do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG. Orientador pleno do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG. Tem experiência em Neuropsiquiatria, Psiquiatria Geral e Psiquiatria da Infância e da Adolescência. Coordenador da Residência Médica em Psiquiatria da Infância e da Adolescência da UFMG. 1- Arthur, inicialmente gostaria de agradecê- ou “Transtorno global do desenvolvimento”, mas lo entrevis- um transtorno que afeta apenas alguns domínios ta. Inicialmente, você poderia nos falar sobre do desenvolvimento. Na verdade, o TID era um suas principais linhas de pesquisa atualmen- grupo de transtornos no qual se incluía o autis- te e sobre seu trabalho envolvendo autismo? mo, a síndrome de Asperger, entre outros. O por nos conceder esta TEA não é mais um grupo, mas um transtorno R-Atualmente temos trabalhado principalmente específico. O TEA é que está agora dentro de um na tradução, adaptação e avaliação de proprie- grande grupo, que é o grupo de Transtornos do dades psicométricas de instrumentos de avalia- Neurodesenvolvimento. Esse grupo parte do ção do autismo, e na investigação de marcado- princípio que cada domínio do desenvolvimento res inflamatórios de pessoas com autismo. pode sofrer prejuízo e que, nesses casos, mere- cem seus diagnósticos específicos. Apesar disso, o TEA ainda não é um transtorno de um domínio único do desenvolvimento. Atualmente, ele é um 2- Já faz dois anos que o DSM-5 foi lançado. transtorno com dois domínios sintomáticos: o Ele foi bastante criticado por diversos profis- sociocomunicativo e um domínio comportamental sionais da área da saúde mental. Quais são que é um “balaio de gatos” (com sintomas muito suas considerações em relação às definições diversos, como as estereotipias, os interesses dos transtornos de espectro autista? anormais, a inflexibilidade cognitiva e as alterações sensoriais). Esse último domínio pode ter JUN/2015 R-Houve principalmente mudanças conceituais e estado presente apenas durante uma determina- descritivas. Entre essas mudanças, houve a da fase do desenvolvimento. O autismo do DSM- substituição do termo “Transtorno Invasivo do IV necessitava de mais um domínio comprometi- Desenvolvimento (TID)” por “Transtorno do es- do (ao menos retrospectivamente), que era a pectro autista (TEA)”. Em resumo, ficou cada vez linguagem. Podia ainda ter uma deficiência inte- mais claro com o aprimoramento conceitual do lectual, ou não. A síndrome de Asperger se dife- autismo que ele não é um “Transtorno Invasivo” renciava do autismo pelo fato de esses dois do- Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 17 mínios (linguagem e desenvolvimento intelectual) estarem preservados. Mas, como o atraso da linguagem pode ter sido algo do passado, poderíamos ter duas crianças clinicamente idênticas (ou seja, com comprometimento sociocomunicativo, interesses anormais e bom desenvolvimento intelectual), mas que receberiam diagnósticos diferentes (ou seja, Asperger e autismo) pelo fato de uma delas ter apresentado um atraso de linguagem lá no passado. Isso se tornava uma situação conceitual e clinicamente inadequada. O diagnóstico de TEA resolve essa questão por ambas as crianças receberem o mesmo diagnóstico, podendo uma delas ter recebido também o especificador de atraso da linguagem. Mas há, no DSM-5, o diagnóstico do transtorno da comunicação social, que é praticamente idêntico ao de TEA, mas sem estereotipias (pois aí seria o TEA). E há o diagnóstico de transtorno de estereotipias motoras, para o qual não pode haver prejuízo sociocomunicativo (pois aí seria o TEA). O DSM-5 cria então uma situação problemática similar à do DSM-IV, ou seja, podemos ter duas crianças clinicamente idênticas (ou seja, com comprometimento sociocomunicativo), mas que recebem diagnóstico diferentes (TEA ou transtorno sociocomunicativo) pelo fato de uma delas ter apresentado estereotipias lá no passado. Qual seria a solução para essa situação? Acabar com o diagnóstico de TEA no DSM-6! Isso traria diversos benefícios, mas também problemas (ex: confusão entre pais e pessoas com TEA, questões previdenciárias, etc.). Apesar dessas limitações conceituais, o DSM-5 avança na descrição clínica do comprometimento sociocomunicativo do TEA e resolve alguns problemas conceituais do DSM-IV. 3- O DSM-IV-TR apontava para a impossibilidade do TDAH e do autismo co-ocorrerem. Nas definições atuais, o diagnóstico dos dois transtornos conjuntamente é válido. É possível, no entanto, que tenha que se fazer um diagnóstico diferencial entre os dois. No Brasil, temos estimativa da frequência desta comorbidade? O que pode ser indicativo de diagnóstico diferencial ou de comorbidade? R- Essa é uma coisa tão óbvia que é impressionante de não se ter tido clareza disso antes. Os transtornos do desenvolvimento com frequência co-ocorrem. Hoje se sabe que eles compartilham muitos fatores de risco genéticos e ambientais, de modo que uma mesma causa pode levar a diferentes transtornos e, com frequência, a vários ao mesmo tempo. Afinal, esses problemas genéticos e ambientais irão afetar o desenvolvimento do cérebro. Mas qual parte do cérebro? Há alguma especificidade? Para a maioria das causas, não. O desenvolvimento do cérebro como um todo deve estar prejudicado e, por consequência, diversas habilidades do desenvolvimento. Apesar disso, é claro que cada habilidade comprometida merece seu diagnóstico. No caso do diagnóstico diferencial entre TEA e TDAH, primeiramente tem que se manter em mente qual habilidade do desenvolvimento está comprometida em cada uma delas. Porém, pode ocorrer de haver algum prejuízo na socialização decorrente dos problemas comportamentais do TDAH (como a hiperati- vidade e impulsividade). Enfim, caso se suspeite da comorbidade, tem que tentar desvendar se o sintoma de um transtorno explica o problema que mimetiza um sintoma do outro transtorno. Não temos muitos dados sobre a prevalência do TEA no Brasil, nem de suas comorbidades. JUN/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 18 4- No Brasil, ainda existem discussões por distintas linhas sobre a causa e tratamento do autismo. Qual o tratamento não farmacológico geralmente mais indicado? Qual a sua opinião sobre as políticas em relação a isso aqui no Brasil? R- O tratamento depende de alguns fatores, mas talvez os mais importantes sejam a gravidade do TEA e o nível do desenvolvimento intelectual e de linguagem. Para crianças graves, não-verbais e com deficiência intelectual, não há dúvidas de que as estratégias de intervenção têm de usar a análise do comportamento aplicada. Seja qual for o tratamento especializado proposto para essas crianças (fonoaudiologia, terapia ocupacional, pedagogia, psicologia), a eficácia é baixa se não usar a análise do comportamento. Para os casos mais leves, com bom desenvolvimento intelectual e de linguagem, a estratégia muda bastante e pode ser mais focada em problemas específicos, como dificuldades na teoria da mente, compreen- são e expressão da comunicação não-verbal, comorbidades, etc. Nesses casos, há evidências de eficácia da terapia cognitiva e da análise do comportamento. JUN/2015 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 19 GESTÃO 2013-2015 Presidente: Leandro Fernandes Malloy-Diniz (UFMG) Vice-Presidente: Neander Abreu (UFBA) Conselho Deliberativo: Gabriel Coutinho (I'Dor - RJ) Jerusa Fumagali de Salles (UFRGS) Lucia Iracema Mendonça (PUC-SP e USP) Vitor Haase (UFMG) Presidente: Laiss Bertola (UFMG) Conselho Fiscal: Vice-Presidente: Annelise Júlio-Costa (UFMG) Breno S. O. Diniz (UFMG) Conselho Deliberativo: Daniel Fuentes (USP) Andréa Matos Oliveira Tourinho (IFBA) Rodrigo Grassi Oliveira (PUC-RS) Breno S. Vieira (PUC-RS) Secretária Executiva: Carina Chaubet D'Aucante Alvim Secretaria Geral: Thiago Rivero (UNIFESP) Emanuel Henrique Gonçalves Querino (UFMG) Jaqueline de Carvalho Rodrigues (UFRGS) Sabrina de Sousa Magalhães (UFMG) Conselho Fiscal: Natália Betker (UFRGS) Ana Luiza Cosa Alves (UFMG) Tesouraria Executiva: Eliane Fazion dos Santos Tesouraria Geral: Deborah Azambuja. Thaís Quaranta (USP) Chrissie Ferreira de Carvalho (UFBA) Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara (UNEB) Representantes regionais: Secretário-Executivo: Bruno Schiavon (PUC-RS) Acre: Lafaiete Moreira Piauí: Inda Lages Alagoas: Katiúscia Karine Martins da Silva Rio de Janeiro: Flávia Miele Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara (UFBA) Rio Grande do Norte: Katie Almondes Tesoureiro-Executivo: Alina Lebreiro G. Teldeschi (CNA-I'Dor ) Rio Grande do Sul: Rochele Paz Fonseca Tesoureiro-Geral: Thiago da Silva Gusmão Cardoso (UNIFESP) Rondônia: Kaline Prata Setor de Marketing e Comunicação: Centro Oeste: Leonardo Caixeta Santa Catarina: Rachel Schlindwein-Zanini. Andressa Antunes (UFMG) DF: Danilo Assis Pereira Sergipe: Ana Cláudia Viana Silveira Amazonas: Rockson Pessoa Bahia: Tuti Cabuçu Ceará: Silviane Pinheiro de Andrade Minas Gerais: Jonas Jardim de Paula e Annelise Júlio-Costa Paraíba: Bernardino Calvo Isabella Sallum (UFMG) Adriana Binsfeld Hess (UFRGS) Isabella Starling (UFMG) Inda Lages (UFABC) Morgana Scheffer (UFRGS) Revisão: Thaís Quaranta (USP) e Schiavon (PUC-RS) JUN/2015 Editoração: Andressa Antunes (UFMG) e Isabela Sallum (UFMG) Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br 20