Entrevista: Ruy Câmara Cabral
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Entrevista: Ruy Câmara Cabral
Índice Editorial, Boletim da A.P.S.I.A. Associação de Planadores de Santa Iria de Azóia Nr.º 39, Abril de 2014 - Comemorativo do 20º Aniversário da APSIA O “Planador” é o boletim da Associação de Planadores de Santa Iria de Azoia. Este boletim foi criado em 1995, sendo dedicado a todas as formas de voo silencioso (voo à vela e voo eléctrico), tendo por objectivo divulgar estas modalidades junto de todos os aeromodelistas de língua portuguesa e servir como veículo de comunicação entre todos os associados da APSIA. Com o advento das modernas formas de comunicação electrónica a sua publicação regular foi suspensa a partir de 2003. Este número é uma edição especial, dedicada a celebrar o 20º Aniversário da APSIA. Editor convidado: Paulo Faustino Artigos Colaboradores neste número: Humberto Ladeira, José Aguiar, João Faria, João Figueiredo, João Mestre, Jorge Infante, José Almeida Costa e Manuel Almeida. Email : [email protected] Entrevista com Ruy Câmara Cabral Sta Iria e a história do voo à vela em Portugal 1 http://www.apsia.pt Capa: Réplica de SG38 Schulgleiter de Abel Montez que alcançou grande sucesso em diversos encontros de Escalas organizados na nossa encosta. Nas fotos menores o entrevistado na pag. 29 deste número, Ruy Câmara Cabral, aos commandos de um SG38 no Grupo Aeroexplorador em 1947, quando tirou o brevet A, e uma vista dos planadores dessa época junto à ladeira, conforme descritos no extenso artigo de J. Aguiar (pag.5). por João J. Faria 3 Presidentes da APSIA 4 A encosta de Santa Iria da Azóia e os primeiros voos com planador, por José Aguiar 5 Anexo I - Primeiros Planadores que voaram em Portugal 11 Anexo II - Planadores que voaram em Santa Iria 13 Antecedentes da fundação da APSIA, por M. Almeida 17 Voo em interiores, por José Almeida Costa 22 Entrevista: Carlos Vicente 25 Entrevista: Ruy Câmara Cabral 29 A APSIA e os motoplanadores eléctricos; do Electro7 ao F5J, por João Figueiredo 34 A iniciação ao voo R/C, por Humberto Ladeira 37 O segredo do cartão, por João Mestre 41 Escala do Ano 2013 42 Competição F3B e F3F na APSIA, por Jorge Infante 43 Calendário de actividades APSIA 2014 48 2 Editorial A APSIA 20 anos depois da sua Fundação. Integrado nas celebrações dos 20 anos da APSIA decidiu a Direcção da APSIA promover a edição especial deste número do Planador, comemorativa deste aniversário. Em face dos meios de comunicação electrónica através da internet desenvolvidos nos últimos anos deixou de se justificar a publicação regular do Planador como aconteceu desde o seu primeiro número em 1995 até 2003, primeiro pela mão do seu fundador Luís Vasconcelos e depois por outros sócios que se voluntariaram como editores. No entanto os vinte anos de existência da APSIA que celebramos entre 2013 e 2014 justificam plenamente a edição deste número especial que conta com várias contribuições que abordam diferentes aspectos da actividade da APSIA, desde os seus antecedentes até à sua evolução mais recente. Isto resultou num número que dificilmente se poderá repetir e de que nos poderemos orgulhar. A todos quantos contribuíram para a sua realização os meus agradecimentos. Presidentes da APSIA por J. J. Faria Manuel Leite de Almeida (1993-1997) (1999-2002) (2007-2012) Luís Vasconcelos (1998) Carlos Durães (2003-2007) João Faria (2013-2014) mar como um dos mais dinâmicos clubes de aeromodelismo no nosso país. No calendário deste ano teremos como novidade no dia 31 de Maio um encontro anual especial, comemorativo dos 20 anos, aberto a todas as modalidades e não apenas restrito a Escalas como acontecia em anos anteriores. Iremos também realizar um encontro de aero-rebocados num novo local, o aeródromo de Óbidos, que apesar da distância de Lisboa espera-se atrair muitos participantes dadas as suas excelentes condições para o efeito. A APSIA registou um notável crescimento desde a sua fundação e, apesar de todas as dificuldades decorrentes da crise financeira vivida no nosso pais, nos últimos anos entrou num regime de consolidação em que se tem sabido manter o nível e diversidade das suas actividades. Disso é testemunho o calendário de actividades públicas com diferentes iniciativas que nos permitem afir- 3 4 A encosta de Santa Iria da Azóia e os primeiros voos com planador1 por José Aguiar 1909, primeiros saltos com planadores tipo Chanute, em Linda-a-Pastora Em Janeiro de 1934, o conhecido professor Varela Cid, depois de terminar os seus estudos de engenharia (que depois aprofundou no estrangeiro), apresentou o seu hidro -planador «Portugal», que voou pela primeira vez nos primeiros dias de 1934 (4 de Janeiro?), pilotado pelo Tenente aviador Paulo Viana que inspirou (em 1 de Fevereiro) a Direcção do AeCP a fundar uma primeira Secção de Vôo a Vela. Os voos seguintes acontecem na Figueira da Foz, em 1935: o Tenente Meneses e Alberto Sotto Mayor, mais alguns ajudantes, constroem, em apenas três meses, um Ao que sabemos o primeiro voo em Portugal de um planador (dito “voo pairado”, ou antes, saltos para o ar com um máximo de 30m de comprimento e 5m de altura) ocorreu em terrenos próximos de Linda-a-Pastora (Alto dos Agudinhos), entre 14 e 22 de Novembro de 1909, com os planadores fabricados por um pequeno grupo de entusiastas, a que foram dados os nomes de Avante I e II (43,5 Kg de madeira e tela) do tipo Chanute,2 basicamente uma evolução melhorada, sobretudo em termos de estabilidade, dos planadores biplanos desenhados por Lilienthal, entre 1895 e 1896. Fotos raras do hidroplanador Portugal amarado e em voo, e imagem de um planador de instrução, ambos projectados por Varela Cid 1- Adaptado de: José Aguiar, “100 anos de voo à vela em Portugal: Alguns metros, poucos segundos, primeiros quilómetros!”. Em: Revista do Ar, nº 618. Lisboa: AeCP, 2009. 2- Edgar Cardoso, “Subsídios para a história da aeronáutica portuguesa”, em Revista do Ar, número 5, ano 1, Fevereiro. Lisboa: AeCP, 1938, pp.28-29. 5 Hanna Reitsch na Amadora, 1935. planador Sablier 10 (um monoplano com 10m de envergadura, asa com corda de 1,4m e 75 kg de peso), com o qual engenheiros aeronáuticos alemães, fizeram diversos voos por reboque auto (recorrendo a um poderoso V8). Ainda no mesmo ano (1935) a convite do AeCP (Pinheiro Corrêa) uma elegante jovem alemã, já famosa pelos seus feitos aeronáuticos no voo à vela, a indomável Hanna Reitsch, visita Portugal. Reitsch, juntamente com os seus camaradas Hans Fischer e Oeltzschner, participa no “Meeting Internacional de Aviação”, da Amadora, onde fez “demonstrações admiráveis” de voo com planador; antes de partir, Hanna Reitsch, proferiu uma inspiradora conferência sobre o Voo à Vela organizada pela Legação da Alemanha em Lisboa. Humberto Delgado em 1937, numa parceria entre o AeCp e a Mocidade Portuguesa, cria a primeira escola nacional de voo com planadores: a efémera Escola «Bartolomeu de Gusmão»3 inspirando-se no melhor dos modelos: o alemão! Assim convida para vir a Portugal um investigador pioneiro e uma personagem mítica da história do voo à vela: o Professor Walter Georgii, homem forte da poderosa DFS - Deutsche Forschungsanstalt fur Segelflug, e director do célebre Instituto de Darmstadt (uma das profícuas Akafliegs, que ainda hoje preparam os jovens engenheiros alemães fazendoos os mais “práticos” do mundo), que profere em 13 de Fevereiro de 1937, no Teatro Nacional em Lisboa, uma conferência e mostra diversos filmes com voo de planadores, que deixou a explodir de entusiasmo o vasto auditório pleno de rapazes da Mocidade Portuguesa, de representantes da Aeronáutica Militar e outros convidados. Pouco depois, em 13 de Setembro de 1937, com o apoio da Alemanha e com material aéreo adquirido pelo Estado Português que incluía a importação da Alemanha do melhor planador bilugar do mundo ao tempo, o célebre Kranich I, com o qual e com o primeiro instrutor deste pioneiro 3- Humberto Delgado, A Aviação na Mocidade Portuguesa. Em Revista do Ar, nº 7, ano 1, Abril. Lisboa: AeCP, 1938, pp. 3-4. 6 Vista aérea dos planadores preparados para operar na encosta de Santa Iria.. Foto rara de Karl Bauer, com o Kranich I, em 1937, na Amadora. curso, o excelente piloto Eng. Karl Baur, se inicia, no Grupo de Aviação da Amadora, o primeiro curso “de voo à vela”. Importa registar aqui a sofisticação desta iniciativa, pois, ao tempo, o resto do mundo aprendia a voar de planador lançando os alunos em encostas com planadores monolugares de escola, do tipo Grunau, Zogling ou Schulgleiter. Pouco tempo depois cria-se nas encostas do Algueirão (junto ao monte Maria Dias), a efémera Escola Bartolomeu de Gusmão, onde além do ensino do voo à vela também se procedeu ao ensino da construção de planadores. O grande entusiasta Ferreira da Costa, que já tinha construído no Norte do país dois planadores (similares ao Zogling, e ao Grunau) o CS-ABA e o CS-ABD, anuncia a conclusão da construção de “Um veleiro Português”, inspirado no planador alemão Hutter 17. Apresenta em 1939 o seu projecto e descreve a sua construção, feita em madeira, como usual na época, sendo as suas características: 14m2 de área alar, perfil Got 535, patim de madeira e um amortecedor de borracha, possuindo um posto de pilotagem aberto, mas que também podia ser fechado (1939, RA, nº 33, de Junho). Nada mais sabemos sobre a sorte deste planador, se vou ou não, e como se comportou. Em 1941, muito danificada pelo célebre ciclone que na zona provocou ventos de 200 km/h,4 encerra a Escola Bartolomeu de Gusmão, no Algueirão, mas Marcelo Caetano, ao tempo o responsável máximo da Mocidade Portuguesa, anuncia em 1942 (cf. RA n.º63, de Dezembro de 1942) a intenção de criar um maior e melhor centro de voo à vela. Em 1941 inicia-se a exploração da nossa conhecida encosta, em Santa Iria da Azoia, por Simão Aranha, depois com apoio do Capitão Quintino da Costa (ambos do Secretariado da Mocidade Portuguesa), com a colaboração e a ajuda dos Espanhóis (os pilotos portugueses de planador fizeram diversas missões de instrução na Alemanha e no Centro de Huesca, em Espanha), identificando os melhores locais, depois valida- 4- A RA n.º 44 de Maio, de 1941, artigo de título “A Escola do Algueirão”, anuncia o encerramento da escola de voo sem motor do Monte Maria Dias, muito danificada pelo ciclone que, com ventos de 200km/h, “arrancou chapas, derrubou paredes, estragou material”. Fechou em consequência a escola e foram rapidamente desmanchados os seus barracões. O mesmo ciclone destruiu a cobertura do maior hangar da Base de Sintra e um elevado número de aviões de caça (já relativamente obsoletos). 7 dos pelo Instrutor Espanhol Sr. Gutierrez. Em 1946 nos locais escolhidos em Santa Iria (um pouco a Norte da encosta onde hoje opera a APSIA) nasce o Grupo Aero Explorador de Voo Sem Motor, de Santa Iria da Azóia, tendo como primeiro Director José Pinto da Graça Reis, um dos nossos Instrutores formados na Alemanha. Esta escola por aqui se manteve até 1959 (quando o crescimento do aeroporto e do seu crescente movimento obrigaram ao seu encerramento). Para o seu funcionamento criaram-se instalações em Manjões (alojamentos e hangar) e depois no vale. Também aqui, em 1952, se iniciou um tolo e malfadado projecto: as novas instalações da Escola na Granja de Alpriate (junto à EN 155, por baixo do actual MARL), onde seria construído um novo e mais vasto hangar, com 1100m2, iniciando-se a construção de duas pistas adjacentes, em terra batida de 600×70 e 500×70 m2. Os planadores utilizados na Escola de Santa Iria eram fundamentalmente do tipo SG38 Schulgleiter (pelo menos quatro), para a formação de base, e nove “veleiros”, dos quais três bilugares (Kranich I e o Kranich II) e cinco monolugares do tipo Grunau Baby II e III, Baby Eon, Olympia, e Weihe, ao tempo excelentes máquinas, mas reservadas apenas aos craques. Mais tarde, adquiriu -se um T-21 e um Nord 1300, assim como 8 dois Auster para reboque, quando se começou a operar, a partir de 1949, em Alverca. O ensino processava-se com reboque por elástico, na encosta próxima ao actual rádio farol de Lisboa, e o feliz (ou infeliz) aluno, depois de alguns treinos no solo tentando dominar o planador virado ao vento (a célebre tesoura), era literalmente catapultado (em voo solo) para o ar, onde obviamente se tinha de desenrascar da melhor forma possível! Seguiam-se alguns segundos de voo, ou de pânico … e depois a extenuante subida da encosta, a empurrar, a puxar, a carregar em ombros o resistente “pairador” para novo salto de um novo e tremelicante aluno! Foi nesta dura escola que muitos dos nossos mais antigos pilotos, como o eterno Ruy Câmara Cabral (que aqui, em 1947, iniciou a sua longuíssima história de amor com o voo à vela). Um artigo na Revista do Ar, de título “Voo sem Motor, I Grupo Aéreo-Explorador”, profusamente ilustrado, descreve como funcionava, com disciplina férrea, este internato de voo sem motor, e eis o horário: Alvorada às 5:30; Instrução prática às 06:00; Pequeno-almoço às 08:00; Suspensão da Instrução às 10:30; Banho às 11:45; Almoço às 12:30; Repouso das 13:00 às 16.00; Aulas Teóricas das 16:00 às 17:00; Descanso das 17:00 às 18:30; Jantar às Santa iria e as operações do I Grupo Aero-Explorador (arquivo de Ruy Câmara Cabral). líndricas; um exercício muito vulgar, e que consistia em retirar, noite alta, os ferros de suporte, e com o maior cuidado, transportar o tabuleiro-cama com o respectivo dorminhoco, colocando-o ao relento. Escusado será dizer que os visados nem sempre achavam graça e uma vez por outra acabava-se a cena com uma sarabanda dos diabos, digna dum filme de «cow-boys»”, (em: RA, 237, Julho 1958, pp. 314-315)5. Foi também em 1947 e em Santa Iria que Prista Caetano, saindo da encosta voa de planador até cerca da BA1, regressando de novo a Santa Iria, num entusiasmante voo de 2 horas e 06 minutos. Ao aterrar, comemora exuberantemente, até chegar o gélido Director do centro que lhe dá forte reprimenda e uma declaração fatídica: «Se você voltar a sair de cima da ladeira, garantolhe que não volta a sentar-se num planador da Direcção-Geral». E eis os mimos da “mediocridade” a prevalecerem hoje e sempre (como bem diria Pinheiro Corrêa, 18:30; Instrução Prática das 19:00 às 21:00; Recolher às 22:00; Silêncio às 22:30! (RA, nº 106, Julho de 1947). Sobre o esforço sobre-humano necessário para obter os títulos “A”,”B” e, sobretudo, o almejado “C” conta-nos Abílio de Matos: “Imagine-se agora o trabalho necessário, sabendo-se que cada piloto necessitava de, pelo menos, trinta lançamentos por cada título; correr, puxando os cabos, até que o planador era catapultado - e depois ir buscá-lo ao fundo da ladeira, trazendo-o novamente para o ponto de partida! Tudo feito à força de braços, é claro, em obediência às regras reinantes na modalidade. (…) Debaixo de um sol impressionante, era preciso realmente, ser muito fervoroso adepto, para voar ao fim e ao cabo, [num dia de duro trabalho] três ou quatro vezes num total de cerca de dois minutos.” E prossegue: “Os alunos dormiam em tabuleiros pendentes de ferros suspensos das paredes e do tecto das barracas semici- Santa Iria, as longas horas de trabalhos e os poucos segundos de voo no I Grupo Aero-Explorador (arquivo de Ruy Câmara Cabral). 5- Mais tarde Miguel Melo e Mota e Prista Caetano, publicam descrições similares (“Brevet A. A vida numa escola de voo sem motor”, na RA 131, Agosto de 1949 do primeiro; “Voo sem Motor, Um sonho lindo”, na RA 139, ou “Cinco horas em Baby”, na RA 119, do segundo autor). 9 Santa Iria, as longas horas de trabalhos e os poucos segundos de voo no I Grupo Aero-Explorador (arquivo de Ruy Câmara Cabral). num duríssimo artigo publicado na RA, nº 280, Fevereiro de 1962). Em 1950, Viveiros Rego, lançado por elástico em Santa Iria de Azóia, contacta com a frequente onda e sobe até aos 2600m. Ruy Grancha, muito impressionado com esse voo, começa a estudar e a divulgar as técnicas de voo em onda (RA 136, Fevereiro de 1950) e estas aventuras dão origem às primeiras divulgações internacionais sobre as excelentes condições de Santa Iria, com artigos publicados na espanhola Avion Revue e em Fevereiro de 1951, na prestigiada revista inglesa Sailplane and Glider, (antepassada da actual Sailplane & Gliding). Num destes artigos saído nas S&G, Ruy Grancha descrevia, esperançado, o muito ambicioso programa (obviamente nunca cumprido) de Santa Iria para 1951: Estabelecer a escola no vale, efectuar voos experimentais em onda, explorar a sua máxima altitude e range, assim como o segundo e terceiro ressaltos; efectuar mais distância ao nível do “C de Prata” [50 km]; efectuar recordes de duração em solo e em duplo comando e, talvez, um voo até Sevilha no decorrer dos cursos de voo “C´s” (em: Sailplane and Glider, 1951, 1/6d, p. 32). Numa outra página da mesma revista (p. 36, no artigo “News from Portugal”, Rui Granja prossegue as informações sobre o que se passa no nosso país, e cito: “(…) durante quatro anos de cursos, os rapazes portugueses obtiveram 400 brevet´s “A”, 200 “B´s” e 32 “C´s””. Descreve a onda de Santa Iria e refere um voo pioneiro em onda (de Viveiros Rego: “…como temos um vale largo na nossa colina, pensamos que um sector da onda se situa por aqui, e conseguimos enquanto planávamos a 300m de distância da colina contactar com a onda e subir nela até aos 2.600m à vertical da margem do Tejo. A colina tem 400 metros e ficamos espantados como foi possível obter aqui 2.600 metros, registados em barograma. O rio tem aqui 10km de largura, pelo que tivemos de adiar voos de distância devido à incerteza de poder contactar a segunda onda. Depois do rio temos 500km de terreno plano até Sevilha em Espanha” (Sailplane and Glider, 1951, 1/6d, p.36). Com o encerramento de Santa Iria, muitos entusiastas defendem a necessidade de planear outra escola, em novos moldes. Em 1953, Ruy Grancha defende a criação de um “Centro de Estudos Científicos e Técnicos” para o VSM, i.e. uma nova e mais competente “Escola Central” que substituísse as abandonadas instalações do Grupo Aero-explorador (RA, nº177, de Julho 1953, p. 173). Em 1957, um artigo na Revista do Ar6 descreve a nova “Escola de Voo Sem Motor” que a DGAC estava a finalizar em Alpriate, incluindo fotos do novo hangar em acabamento. A escola incluía oficinas para reparar planadores e viaturas, sala de pintura, sala de páraquedas e outros equipamentos, tais como sala de estar, casa para um guarda, garagem, armazém de matérias e outros anexos. 3– RA, nº 222, de Abril de 1957. 10 fatídico, centro de voo-à-vela estatal! Com a preciosa ajuda do nosso consócio André Tenente, coloquei alguns artigos online (em http://www.vooavela.net/ joomla/artigos/16-jose-aguiar) e milhares de fotos sobre a história do nosso voo à vela em http://www.vooavela.net/fotos/, onde podem também encontrar um arquivo extraordinário com as fotos de Santa Iria de Azóia de um dos pioneiros desse tempo, o piloto Ruy Câmara Cabral. De seguida publico alguns dados sobre as características dos nossos planadores históricos que voaram em Santa Iria, na esperança de que alguns dos que me lêem - aqueles que têm mais engenhosidade e talento para a construção - possam, no futuro, criar escalas RC que nos possam devolver algum do sentimento desta história. Estava próxima a finalização destas novas construções e das duas pistas quando o sonho termina ...em pesadelo! A DGAC, através da sua Repartição e Pessoal Navegante, cometeu um terrível erro de avaliação na escolha de Alpiarte, erro do qual o Voo à Vela Português não mais conseguiria, até hoje, recuperar: este primeiro Centro Nacional de Voo à Vela, pouco tempo depois de semi-concluído teria de ser abandonado, devido aos impactos do crescimento do Aeroporto da Portela, cujos alinhamentos das pistas e servidões aéreas obrigam a encerrar, por insegurança, a prevista operação de planadores neste local; i.e. quem encerra - por falta de segurança - é a mesma instituição que projectou este Centro neste lugar, despendendo os parcos recursos do Estado, na estúpida construção deste, até hoje o único e muito Rhonsperber(?), planador alemão trazido e pilotado por Hanna Reitsch para participar no “Meeting Internacional de Aviação”, da Amadora, 1935 (desenho de Vince Cockett). Projectado pelo famoso Hans Jacobs, com envergadura de 15,20m, peso de 182,5kg, recordista em longos voos acima dos 500km em 1935, planador pessoal do famoso Ernst Udet (D-Kommandant). L/D=20,51 a 58km/ h, com afundamento mínimo de 0,72m/s à mesma velocidade. Uma versão especial (com cabine diferente deste que voou em Portugal) foi depois construída especialmente para Reitsch e onde apenas ela cabia, foi designada Sperber-Junior, D-11-48. Vide foto na pag. 6 (Fonte RA, AeCP ) Kranich I, Trazido da Alemanha em 1937 para utilizar no Grupo de Aviação da Amadora durante o primeiro curso “de voo à vela”, aqui com o Instrutor alemão Karl Bauer, na Amadora (Fonte: RA e desenho do protótipo, Vince Cockett, Scale Soaring UK). Também projectado pelo profícuo Hans Jacobs para a DFS, tinha uma envergadura de 18m, 255kg em vazio, com o melhor desempenho de todos os bilugares da altura, com um L/D de ~23 a 70km/h e afundamento de 0,7m/s a 60km/h. Anexo I - Primeiros planadores que voaram em Portugal Planadores Chanute Avante I e Avante II, construídos em 1909 (Imagens 1 e 2, Fonte: Revista do Ar, - RA, AeCP, planos do Chanute e imagem de um Chanute em voo nos USA). Hidroplanador Portugal, projecto de Varela Cid, 1934 (Fonte: RA, AeCP). Sablier 10, planador monoplano ab initio com 10m de envergadura, 75 kg de peso, construído por Tenente Meneses e Alberto Sotto Mayor na Figueira da Foz, 1935. 11 Primários Grunau 9, Zogling e Schulgleiter, Zogling desenhado por Alexander Lippisch Os primeiros talvez importados da Alemanha (?) e depois fabricados a partir de 1937 na Escola Bartolomeu de Gusmão de voo à vela que operava no monte Maria Dias junto do Algueirão, Próximo da BA1, Sintra (Fonte: RA, www.svifflug.is). 12 Grunau Baby IIb (matrículas CS-PAA, CS -PAB, CS-PAC e CS-PCE), adquiridos depois da Guerra para equiparem o Grupo Aeroexplorador de Santa Iria de Azóia foram os mais utilizados entre os planadores convencionais e os que fizeram os voos mais interessantes a partir da Santa Iria, com 13,50 m de envergadura, peso de 125kg, perfil Göttingen 535, com finesse máxima próxima de 1:17 e taxa de descida mínima de 0,95m/s a 55km/h (Imagens Fonte: RA). Anexo II - Planadores que voaram em Santa Iria Eon Baby (matrículas CS-PAM, CS-PAN e CS-PAO), adaptações inglesas dos Baby originais alemães, fabricados pela Elliotts of Newbury depois da II GG (Imagem, Fonte: Voa Portugal). Schulgleiter SG38, o planador primário mais utilizado em Santa Iria (e não sabemos ainda se outros primários, do tipo Grunau 9 e Zogling, da defunta Escola Bartolomeu de Gusmão teriam vindo, ou não para Santa Iria). Desenhado e fabricado por Edmund Schneider, com apoio do famoso Wolf Wirth - que desde logo o passou a utilizar intensivamente - e Hugo Kromer, adapatado pela DLV para formação da juventude hitleriana e também pela nossa Mocidade Portuguesa (Fonte imagens: Arquivo Ruy Câmara Cabral). Envergadura de 11 m, com 110 kg de peso, planeio de 10:1 a 52km/h, com VNE de 110 km/h. Kranich II, de matrícula CS-PAD e o Schleicher Kranich II de matrícula CSPAG adquiridos já depois da II GG e utilizado em Santa Iria da Azóia (Fonte: RA e desenho de Vince Cokett) (fonte: RA e Scale Soaring UK). Evolução do protótipo do Kranich, com 18m e 185kg em vazio, com muito bom desempenho, participando em campeonatos do mundo depois da guerra em igualdade com os mon o lugares, L/D=23,6 a ~70km/h e afundamento de 0,7m/s a 60km/h. Pelos menos uma das versões que voou entre nós foi fabricada em Espanha. 13 Nord 1300 (com matrículas CS-PAJ, CSPAK, CS-PAL) adaptação francesa do Baby IIb original alemão, construídas pela Nord Aviation depois da guerra (Fonte: Nord Aviation). Rhonsperber (?), planador alemão trazido e pilotado por Hanna Reitsch para participar no “Meeting Internacional de Aviação”, da Amadora, 1935 (Fonte RA, AeCP e desenho de Vince Cockett). Desenhado pelo famoso Hans Jacobs, com envergadura de 15,20m, peso de 182,5kg, recordista em longos voos acima dos 500km em 1935, planador pessoal do famoso Ernst Udet (DKommandant). L/D=20,51 a 58km/h, com afundamento mínimo de 0,72m/s. 14 Eon Olympia Mk2, matrícula CS-PAH, adaptação inglesa dos Olympia originais alemães, criados para introduzir uma classe única de planadores nos jogos olímpicos (o que nunca sucedeu), depois da IIGG fabricados em Inglaterra pela Elliotts of Newbury. Envergadura de 15 metros, com 160kg de peso, com uma finesse de 25:1 a 72km/h, afundamento mínimo de 0,67m/s a 63km/h. Desconhecemos se o CS-PAI - SLINGSBY T.21B SEDBERGH, assim como o Planador Bilugar (planador primário carenado), projectado e construído por Varela Cid em 1948, de matrícula CS-PXA, e que voou no Montijo, e ainda o Grunau Baby III, matrícula CS-PAP, especialmente apto para reboques com avião e que operou em Alverca, terão ou não voado em Santa Iria, mas fica aqui a dúvida. Grunau Baby III, matrícula CS-PAP, evolução do Baby original, agora com cockpit fechado (fonte: Royal Military Museum, Jubelpark, Bruxelas). Bibliografia: Ann Welch, The story of Gliding. Londres: John Murray, 1980 (2ª ed.). Martin Simons, Sailplanes 1920-1945. Konigswinter: EQUIP, 2006. A.A.V.V. Revista do Ar. Lisboa: AeCP de 1937 a 2013. Uma réplica da época Réplica de um Slingsby T.21B Sedbergh com as cores dos Air Cadets ingleses, construída pelo nosso consócio Alberto Osório, já falecido, no encontro Escalas 2004. O original português CS-PAI, pretence ao Museu do Ar e pode ser visto no Pavilhão do Conhecimento. 15 16 Antecedentes da fundação da APSIA por Manuel Leite de Almeida José Navalho junto ao rádio-farol ~1980-83, vendo-se ao fundo área depois ocupada com aterro. Junho de 1987 Tive o primeiro contacto com a nossa encosta no final de 1984 quando, depois de um grande interregno no aeromodelismo, desde o tempo do voo circular nos meus 14 -16 anos, me decidi a recomeçar com os planadores R/C. Com alguma dificuldade, por não dispor de informações exactas, acabei por dar com o sítio que me fora indicado numa loja de Lisboa, como o local por excelência para o voo com planadores. De facto aí pude constatar as excepcionais condições naturais da encosta e progressivamente contactar com vários adeptos, quer do aeromodelismo quer da asa delta. Só depois, como eventualmente aconteceu com muitos outros de nós, me fui apercebendo que a história do local era muito mais antiga, remontando aos primórdios dos voos com planadores em Portugal. Sem entrar em detalhes históricos sobre esses primórdios, que são objecto dum artigo detalhado da autoria de José Aguiar, também publicado neste número, importa agora resumir as actividades ligadas ao aeromodelismo mais relevantes neste local e que mais directamente contribuíram para a decisão de fundação da APSIA em 1993. Quis o destino que devido ao meu interesse pelo aeromodelismo e o facto de morar e trabalhar no concelho viesse a desempenhar um papel dinamizador em muitos desses acontecimentos conforme descrevo de seguida. Os primeiros voos regulares com modelos planadores de encosta tiveram aqui lugar na década de setenta do século passado, com o advento do rádio controle que progressivamente se veio tornando acessível ao público. Embora haja a memória de voos de planadores R/C mais antigos na área de Lisboa, nomeadamente por Sebastião Camões Vasconcelos, que em 1969 terá sido o pioneiro com um modelo que voou nas encostas de Barcarena, terá sido Carlos Vicente quem em 1971-2 primeiro tenha feito voar um planador R/C em Santa Iria. O modelo era um Cirrus da Graupner, que anteriormente havia também experimentado 17 ca, .... entre outros que se lhes foram juntando). Toda esta diversidade de frequentadores, chegava mesmo já a criar alguns problemas de convivência entre os diferentes utentes do local. Em 1984-1985 inicia-se o Aterro Sanitário Intermunicipal junto à encosta, o que foi visto inicialmente como uma ameaça à utilização do local. Por isso um grupo de adeptos do Aeromodelismo e da Asa Delta (Imirene Xavier, Carlos Bastos, José Navalho, Constantino Mourão, … ) enquanto frequentadores dessa encosta conseguiram uma entrevista com o então presidente da Câmara Municipal de Loures, Severiano Falcão (PCP), que depois encaminhou o assunto para o vereador Eduardo Baptista. Na sequência destes contactos foi revisto o traçado da rede de vedação do perímetro do nas encostas da zona de Carnaxide. Foram as excepcionais condições naturais que para aí atraíram os aeromodelistas dos planadores ao longo de toda a década de 70, em detrimento de outros locais não tão favoráveis, curiosamente seguindo o mesmo percurso feito pelos planadores grandes algumas décadas antes. No início da década de 80 o local era já intensamente frequentado, especialmente aos fins de semana, por aeromodelistas, adeptos da asa delta e muito público curioso. Entre estes aeromodelistas destacava-se um grupo centrado no Aero Clube de Portugal, muitos deles hoje sócios da APSIA desde a sua primeira hora e que para aí começaram a ir voar regularmente desde 1978-80 (Carlos Bastos 1978-9, José Duro da Costa, António Bento 1980-81, Ricardo Moreira, António Móni- Junto ao rádio-farol ~1976-79 18 aterro, cujos postes chegaram a estar implantados na frente da actual encosta de voo, e ficou acordado assim reservar a área que ainda hoje usamos para aquelas modalidades. No entanto pouco depois (talvez em 1986?), na sequência de uma queixa do piloto dum avião comercial em aproximação ao aeroporto da Portela, o voo com asa delta na altura (e consequentemente depois também com parapentes) veio a ser proibido pela Direcção Geral de Aeronáutica Civil naquele local, que ficou assim reduzido à prática do aeromodelismo. O período seguinte, que depois acompanhei pessoalmente e mais de perto, foi marcado por fases com alguns problemas de acesso ao local, em especial durante o Inverno, pois a intensa movimentação de máquinas e viaturas no aterro nem sempre deixava transitável de carro o caminho não asfaltado de acesso ao local de voo. No entanto o aterro, inicialmente visto como uma ameaça, começou-se a revelar como o melhor aliado do aeromodelismo naquele local. Importa referir que na sua configuração inicial do local o terreno natural tinha no centro da actual zona de aterragem cerca de mais 1,5 m de cota, formando aquilo a que chamávamos uma mama, separada por um pequeno vale de outro ponto mais elevado, onde actualmente se situam as redes na traseira da encosta. Por isso, embora as condições de voo na encosta fossem como hoje excelentes, a aterragem era particularmente difícil, já que só dispúnhamos de cerca de 30 m sem turbulência à frente da mama, e para trás ou aos lados desta, havia forte turbulência e rotoras que tornavam o desfeche de qualquer aterragem nesse local completamente imprevisível. Nessa altura saber aterrar em Santa Iria era mesmo só para os mestres! Tornou-se claro que só uma intervenção dos aeromodelistas junto da Câmara Municipal poderia salvaguardar os interesses de utilização do local para o aeromodelismo. Em Julho de 1989, por minha iniciativa, é entregue na C. M. de Loures, através do Vereador Eduardo Baptista, um pedido 1ª Prova de F3F, 1987. Aterro Sanitário, 1995, “Portugal Visto do Céu” assinado por 29 aeromodelistas para que o local fosse nivelado com terraplenos ou aterros e depois arrelvado. Talvez também porque este vereador tinha sido na sua juventude aeromodelista e tivesse já acompanhado o processo anterior, o pedido foi prontamente acolhido e bem encaminhado. Os trabalhos de terrapleno, embora facilitados pela presença no aterro de máquinas adequadas, no entanto só se iniciaram em 1990 e prolongaram-se com lentidão e dificuldades até 1991. Nesse período a utilização da encosta, que já não era grande devido aos referidos problemas de acesso, veio a reduzir-se muito. Em Novembro de 1991 o interesse de preservar aquela área para o aeromodelismo é relembrado em nova exposição ao Presidente da C.M. de Loures, que novamente promovi. O arrelvamento do campo, previsto logo desde o início, só é realizado 19 estava aberta a conceder facilidades no local para os aeromodelistas, no entanto estes teriam que se apresentar organizados numa associação e não se podiam apresentar a título individual. Essa entrevista em conjunto com a cada vez mais clara percepção de que o local do aterro um dia teria outra utilização, foram as causas que mais directamente contribuíram para a fundação da APSIA como um novo clube de aeromodelismo, específico para os planadores e dedicado à protecção do local, dado que nenhum dos clubes de aeromodelismo então existentes foi considerado capaz de enquadrar estes objectivos. Depois de diversos contactos e discussões informais entre os elementos que mais foram sensíveis a esta necessidade, a criação da APSIA, com o objectivo prioritário da defesa da encosta de Santa Iria para o voo de modelos planadores, veio a ser decidida numa reunião de um grupo de 13 aeromodelistas unidos nesse propósito no final de um jantar na APPLA em 22 de Outubro de 1993, para cuja convocação muito contribuiu o José Costa. Esse grupo aprovou o seu primeiro projecto de estatutos e escolheu os pela Câmara em Abril de 1992. Devido à época tardia da sementeira e à seca desse ano, o prado de sequeiro então semeado teve algumas dificuldades de crescimento e instalação, logo agravadas por pastoreio selvagem. Em 1993 foram acabadas de aterrar as partes laterais e traseiras à zona central de aterragem que fora anteriormente arrelvada e que começou a assumir uma configuração mais próxima da actual. Assiste-se nesse ano a um lento reinício da utilização da encosta, ainda com problemas de acesso ao local na época de chuva. Nas proximidades do local de voo continuava a existir um depósito de carros velhos. Todos estes factos ajudaram a consolidar em muitos aeromodelistas a importância de uma adequada intervenção junto da Câmara Municipal, que sempre se mostrava aberta aos interesses do aeromodelismo, que teriam se ser compatibilizados com o Aterro Sanitário, cujo fim de exploração já se antevia mais claramente. Numa entrevista que com Jorge Alves consegui com um assessor do vereador da cultura (Carlos Luz), em Junho de 1992, confirmou-se claramente que a Câmara Modelação definitiva do terreno em Fevereiro de 2000. 20 Voo em interiores por José Almeida Costa A APSIA realiza desde 2002 sessões regulares de voo em espaços interiores, ultimamente no Pavilhão das Escolas de Santa Iria-Pirescouxe e desde 2003 que organizou sem interrupções nos meses de Novembro um encontro anual dedicado a este tipo de aeromodelismo. José Almeida Costa, o principal dinamizador da actividade nos últimos anos, traça uma perspectiva da evolução desta modalidade entre nós. Primeiro painel de frequências. corpos gerentes. Só a 14 de Abril de 1994, se conseguiu fazer a escritura pública de constituição, tendo a APSIA se tornado legal com a sua publicação no Diário da República a 30 de Maio. Depois disso entra-se na história da APSIA que um dia terá de ser feita com o devido distanciamento. São no entanto de salientar alguns factos que melhor demonstram quão acertada e oportuna foi esta decisão de criação da APSIA. A 8 de Maio de 1994 , depois de aberto em Fevereiro um novo caminho que permitiu acesso ao local de voo em quaisquer condições e logo incrementando a utilização do local, no qual foi instalado um primeiro painel de controle de frequências, realiza-se com grande sucesso o I encontro da APSIA tendo uma participação alargada a mais de 25 pilotos. Os contactos oficiais com a C.M. de Loures prontamente encetados e que desde cedo receberam o apoio da Junta de Freguesia de Santa Iria de Azóia conduziram em 1995 a um primeiro protocolo de cedência dos direitos de utilização do local de voo para a APSIA. Terminada a exploração do Aterro, as obras que em 2000 deram origem ao actual Parque Urbano permitiram a realização de uma importante prova de carácter mundial (Viking Race) em Julho de 2000 no nosso terreno de voo para o efeito expressamente arranjado, bem como a cedência das instalações que ainda hoje servem para nossa sede. Foto aérea da encosta por C. Figueiredo, 2002. 21 Modelos de aviões RC voando em espaços fechados (indoor) como passatempo é uma actividade que tem vindo a crescer em todo o mundo com o advento da motorização mais eficiente (motores sem escovas), da electrónica miniaturizada, das baterias Lipo, de materiais como o depron e o carbono e fundamentalmente de preços mais acessíveis. O indoor com expressão significativa aparece na europa central como uma alternativa à falta de espaços de voo em zonas urbanas e com más condições meteorológicas resultantes de invernos rigorosos. Ainda hoje as provas de relevo de indoor na Europa central são feitas preferencialmente no Inverno. controlado em Portugal datam de 1995, Carlos Bartolomeu, Jorge Alves, Carlos Durães, Carlos Costa, Manuel João, Vasco Perestrelo, José Carlos Cavadas, Vitor Gandarela, Couto Rosado, Paulo Faustino foram entre outros alguns dos primeiros percursores. Na altura os preços do material eram loucos e os modelos, difíceis de obter, eram grandes e pesadões. Foi Prata Correia quem organizou um dos primeiros indoor de que temos conhecimento em Viana do Alentejo no ano de 2001. O 1º indoor da APSIA aparece em 2002, o de Vendas Novas em 2003, e pela mesma altura em Pombal. Relembro alguns organizadores mais marcantes de indoor entretanto desaparecidos ou que reduziram a actividade, como José Cavadas, Júlio Isidro, I.F.C. Torrence (encontros semanais, agora anuais), Prata Correia, CAS em Um pouco da história do indoor em Portugal. Os primeiros praticantes de indoor rádio 1º Indoor da APSIA em 2002; Vasco Perestrello, Humberto Ladeira, João Barbosa, Carlos Costa e Luís Teles na foto da esquerda. 22 Setúbal e os seus célebres almoços (sem actividade no momento), mais tarde o Clube de Alverca (sem actividade no momento), Mário em Oeiras (encontros semanais que desapareceram) e muitos outros pilotos e organizadores que entretanto desapareceram. Felizmente novas e multifacetadas organizações têm surgido para colmatar o desaparecimento das acima referidas. Os clubes que mantêm uma actividade regular na zona de Lisboa são a APSIA, mensalmente e o Aeromania, semanalmente. A evolução dos modelos. O sucesso do indoor deveu-se a uma coincidência de desenvolvimentos tecnológicos recentes e praticamente simultâneos, que permitiram o aparecimento de baterias lipo e dos motores sem escovas com magnetos de neodímio, o desenvolvimento de micro componentes (servos, receptores, variadores) aliados ao uso de novos materiais estruturais como o carbono e o depron. Em Outubro de 2013 no campeonato Alemão , o peso médio dos modelos de aviões de acrobacia em ordem de voo, com 80 cm de envergadura, era de 91 gramas enquanto que em 2002 os melhores modelos pesavam mais de 400 gramas. As fotos a seguir mostram o avião (azul) o PAYSANT-LE ROUX de Martim Muller em 2002 (ainda Shockflyer, o modelo de avião predominante em 2006-2012. hoje um dos melhores pilotos do mundo em F3A e F3P), na altura um dos modelos mais leves, com mais de 400 gramas. O futuro. A tendência verificada na Alemanha e nos EUA é no sentido da evolução para modelos de escala mais pequenos, com 25 a 40 cm de envergadura, bem como helicópteros, e assiste-se ao surgimento de maior variedade, balões, multirotores e ao FPV. Ao mesmo tempo existe uma recuperação do voo livre e o aproveitamento de algumas das suas técnicas de construção, com o objectivo de obter modelos mais leves e eficientes. Espera-se que continue a proliferação de modelos adquiridos já feitos e prontos a PAYSANT-LE ROUX e Martim Muller em 2002 e outro dos seus modelos, 23 lhar para fazer cópias, para além do “Made in China”. Portugal não foge e esta regra. Apesar do número de encontros e provas de indoor ter diminuído, em boa parte porque os municípios não podem apoiar no aluguer ou cedência dos pavilhões, o número de participantes tem-se mantido e até aumentado. A qualidade de voo no entanto não tem evoluído significativamente, continuando a haver pouca motivação entre nós para a prática de um programa de figuras obrigatórias ou predefinido, dando-se maioritariamente preferência ao voo sem regras ou manobras bem definidas (free style). Tem-se observado nos indoor um aumento de forma exponencial de brinquedos R/C de baixa qualidade, muito baratos mas com capacidades de voo muito limitadas. Aumentaram igualmente os multirotores, que devido aos sistemas de estabilização automáticos, permitem até mesmo a pilotos sem grande experiência, poderem praticar a modalidade. O FPV (First Person View) em indoor está no início mas tal como em todo o R/C será um dos possíveis futuros. Parabéns à APSIA pelo seu aniversário e ecletismo, pois tendo o planador no seu DNA, abraçou a área do Indoor, sendo inclusivamente o clube mais premiado pelo número de participantes, nos indoor e até outdoor como tem vindo a acontecer em Vendas Novas e no GAAV, ano após ano. Indoor APSIA de 2012. voar, minimizando o tempo de construção e permitindo o mais fácil e pronto usufruto total do voo. Esta tendência favorece um desconhecimento quase total por parte dos praticantes sobre teoria do voo sobre, técnicas nicas de construção, etc., mas ao mesmo tempo, aliado à proliferação da cultura das consolas de jogos electrónicos com joystick, permite o mais fácil aparecimento de pilotos com capacidades e com competências de voo excepcionais. Espera-se também um maior recurso, uso e mesmo abuso (no bom sentido), na construção de modelos feitos em CNC. Quase todos os fabricantes de modelos shockflyer fecharam portas na Europa, alegando que investem imenso dinheiro em protótipos e que horas depois de um modelo ter sucesso, as CNC dos praticantes começam a traba- Participantes no Indoor APSIA 2012 24 Entrevista: Carlos Vicente Testemunho de um pioneiro do rádio-controlo, provavelmente o primeiro piloto a voar um modelo planador R/C em Santa Iria Embora o voo RC se tenha iniciado em Lisboa em 1968-9 com Sebastião Camões Vasconcelos, Carlos Vicente, Sócio da APSIA desde 1997, com nr. 59, e actualmente dono duma conhecida loja de modelismo em Lisboa, foi um dos pioneiros do Radio-Controle na zona de Lisboa tendo-se iniciado em 1971 no RC de modo quase isolado. Na sequência destas suas experiências pioneiras terá sido quem a partir de 1972/3 primeiro fez voar um modelo planador RC em Santa Iria. Fomos conversar com ele, que nos recebeu nas instalações da sua firma comercial na Damaia, para nos recordar esses passos e descrever o ambiente e as circunstancias então vividas. Como se iniciou no aeromodelismo e no R/C? Quer recordar os primeiros passos nesta actividade que mais tarde veio a desenvolver com caracter profissional? Dei os primeiros passos no aeromodelismo com 11 anos quando em 1958 o meu pai comprou um modelo, um planador de voo livre que o Júlio Isidro construía na televisão. Foi uma actividade directamente influenciada por esse programa televisivo que muitas pessoas dessa geração recordarão, mas desenvolvida isoladamente em casa. Mandavam vir os planos, comprava-se o material e depois construía-se em casa. Foi uma primeira experiência seguida por outra mais tarde no Liceu Camões quando nos trabalhos manuais em vez de um dos trabalhos do programa optei por construir um modelo de motor elástico. Era um modelo de um “Cessna” (adquirido na Mosil em Alvalade) relativamente pesado, não voava muito bem e para cuja afinação e centragem não tive qualquer ajuda. do José Luis Sobral, com muita experiência de construção adquirida na secção de aeromodelismo do Colégio Militar, e que muito ajudou nas reconstruções, eu teria desistido. Nessa altura lentávamo-nos às 7h da manhã para ir voar cedo e evitar o vento que era o nosso maior inimigo. Uma vez posto a trabalhar o motor, o combustível era cortado no depósito antes do lançamento e os voos com motor duravam apenas o tempo de consumir o combustível no tubo de alimentação. A dificuldade era depois conseguir aterrar o modelo em voo planado… mente no Brasil. Como na altura não havia nada de rádio controle entre nós, nem dinheiro para adquirir um rádio no estrangeiro, fomos buscar os esquemas eléctricos a revistas estrangeiras, compramos os componentes, que eram em muitos casos mandados vir de fora e montamos tudo. Por exemplo a caixa do radio foi feita por nós com chapa quinada. Era um simples rádio de 4 canais AM e na banda dos 27Mhz! Depois de tudo montado e a funcionar arranjamos um modelo para testar o rádio. Era modelo de uma Piper com motor diesel de 1,5 cm3, construído por nós a partir de um plano. O local escolhido para os primeiros voos no fim de 1971 foi em Carnaxide, no vale ao lado do marco geodésico, local que na época ainda não se encontrava urbanizado. Não havendo qualquer experiência prévia de R/C esta aventura significava voar, partir e reconstruir, tudo num dia, e repetir essa rotina em dias sucessivos! Estive quase a desistir e não fora a determinação E quando começou com os planadores? O primeiro planador foi voado pouco depois em 1972. Era um Cirrus da Graupner. Foi o primeiro modelo com que finalmente senti que estava a comandá-lo seguramente e a voar com confiança, num voo que nunca mais me esqueço. Foi num dia com vento SW suave, que talvez por isso continua a ser um dos meus ventos favoritos, na encosta da Marconi. Como o E como surgiu o rádio controle? Mais tarde, em 1971, estando no 4º ano do curso de Engenharia Electrotécnica no IST recomecei o aeromodelismo pela construção de um Rádio Controle em conjunto com um colega, o José Luis Sobral, actual- Junto ao rádiofarol ~1976-78 25 26 Planador Cirrus da Graupner vento era SW começou a chover, mas tal era a o entusiasmo que continuamos a voar na mesma … APSIA. Quem eram os seus companheiros na altura e os praticantes de que se recorda? O José Luis Sobral que me acompanhou nas primeiras aventuras pouco depois do 25 de Abril de 1975 foi para o Brasil. Depois as pessoas que me acompanhavam eram os Francisco Pereira da Silva, pai e filho, que entretanto haviam iniciado o R/C em Sintra. Comecei com uma loja de aeromodelismo em Outubro de 1976 no Centro Comercial de Alvalade e foi nessa altura que apareceram outros praticantes alguns bem conhecidos e ainda actualmente activos na modalidade, como José Navalho activo entre 1976 -84, Vasco Perestrelo a partir de 78-79, Luís Osório entre 76-80 e depois disso radicado no Norte do país. Qual foi o seu primeiro contacto com a encosta em Santa Iria? A encosta de Santa Iria foi descoberta por mim mais tarde. Não consigo precisar datas mas talvez em 1973/74. Nessa altura comecei a interessar-me também pela asa delta e sabia-se que em Santa Iria existia uma encosta com boas condições pelo facto de lá ter existido umas décadas antes a escola de voo à vela. Os primeiros voos de asa delta para aprendizagem eram feitos na parte de baixo da ladeira e começamos a voar saindo junto ao radiofarol. Começou a haver desde cedo neste local uma convivência entre o voo de asa delta e modelos planadores. Um pouco mais tarde passou-se a ir mais para o local da actual pista da Junto ao rádiofarol ~1976-79 27 28 Entrevista: Ruy Câmara Cabral Fomos recebidos por Ruy Câmara Cabral na sua casa na Quinta da Ota, onde desde logo nos impressionou a quantidade e riqueza de objectos coleccionados ao longo de uma extensa vida em que, a par de outros interesses, o voo à vela foi sempre uma paixão constante, desenvolvida durante mais de 60 anos. Demonstração evidente disso é também um diploma Paul Tissandier que lhe foi atribuído pela FAI em 2006 e que com muitos outros, como o do “C de prata” em 1962 (o segundo atribuído a um piloto português) e do “C de Ouro” em 1964, ornamentam uma das paredes da sua sala. Aos 88 anos, Ruy Câmara Cabral é um testemunho vivo da geração dos primeiros pilotos formados pelo Grupo Aero Explorador - Escola de Voo Sem Motor, que entre 1946 e 1959 funcionou em Santa Iria de Azóia. Entre estes, é certamente o único que durante tanto tempo manteve uma actividade tão continuada e intensamente ligada ao voo de planadores, tendo alcançado sucessivos patamares de sucesso e relevância. Até há pouco mais de um ano ainda voava em solo o seu planador. Este pioneiro do voo à vela apresenta uma vitalidade e juventude de espírito que a todos impressiona e foi para nos recordar o ambiente e as condições em que se voava há sessenta anos atrás, naquela que é hoje a nossa encosta em Santa Iria, que o fomos entrevistar. Hangar do Grupo Aero Explorador junto à encosta, 1947, ria. Não me recordo ao certo de quantos cursos havia por ano mas, a escola do Grupo Aero Explorador que havia começado no ano anterior, julgo que funcionava essencialmente no período de verão. Quando frequentou o Grupo AeroExplorador em Santa Iria? Quer recordar essas circunstâncias e os primeiros passos nesta actividade que mais tarde veio a desenvolver com caracter tão intenso e continuado? Ingressei no verão de 1947 no 8º curso do Grupo Aero Explorador em Santa Iria que durava quase um mês (29 dias), responde prontamente ao mesmo tempo que para ajudar a memória nos mostra a sua caderneta de voo guardada religiosamente. E quantos eram? Talvez uns oito ou dez, responde mostrando uma fotografia do grupo. Obtive o “Brevet A” a 21-08-1947 com 6m e 47seg de voo no Schulgleiter (SG-38) ao fim de 27 lançamentos. Eram voos muito curtos. Inicialmente, começávamos com a chamada “bicicleta” que consistia em manter as asas equilibradas com o planador no chão apontado ao vento. Depois começávamos a ser lançados com elásticos a partir de pontos na ladeira sucessivamente mais altos Havia algum critério de selecção? Ofereci-me através da Mocidade Portuguesa. Não me lembro de qualquer selecção mas sei que fui prontamente aceite e para lá entrei acabado de fazer a tropa em Cavala- Oitavo Estágio de Santa Iria de Azóia, Ruy Câmara Cabral na estrema direita em pé, 1947, 29 30 Grunau Baby no Museu do Ar. fotografias típicas dos anos quarenta. Depois do B, apenas em 1952 tive os primeiros voos de planador com duplo comando, iniciados a partir de Alverca com planadores rebocados com aviões a motor, para obter o brevet C que – diz estendendo-nos novamente a sua caderneta de voo - obtive em 14 de Novembro de 1952 (Certificado nr. 68) com 7h02m08s de voo. nha que foi o primeiro director da escola. Eram de uma geração mais antiga do que a minha. Ruy Câmara Cabral, 1947, em SG-38, Schulgleiter. No interior a sua foto do Brevet. até mais tarde se sair do topo da ladeira, aterrando sempre num terreno marcado na base da ladeira, já no vale. Depois de conseguirmos dominar o voo em linha recta, que conferia o Brevet A, começávamos a fazer voos mais longos em Ss, sempre de nariz apontado ao vento e obtive o “Brevet B” a 3 de Setembro desse ano com um total de 15m08s de voo em 40 lançamentos. E nunca faziam voos mais longos ou de maior distância? Para nós no Schulgleiter era sempre a descer, mais ou menos lentamente, em voos relativamente curtos. Havia depois o Baby, que estava reservado aos instrutores e ao Director. Esses sim nos dias com melhores condições faziam voos mais longos, mas não me lembro de se terem alguma vez aventurado em voos de distância. Voavam sempre na ladeira NO ou alguma vez voaram noutras direcções? Só voávamos com vento N-NO, na ladeira que dá para Alpriate, eram voos muito curtos no Schulgleiter, e que acabavam sempre com a aterragem no vale. Depois puxávamos o planador até ao cimo da encosta, e ainda tínhamos de esticar manualmente os elásticos nos lançamentos. Tudo isto exigia um grande esforço físico. Levávamos horas nestas tarefas, muitas vezes debaixo de um sol escaldante, mas não nos importávamos, pois os pouco segundos de voo valiam a pena. Quem eram os instrutores? O meu instrutor foi o Wilson e havia outros como o Prista Caetano, essencialmente pessoas que tinham estagiado e obtido formação na Alemanha. Contactou com alguns dos que anos antes escolheram o local e de algum modo contribuíram para a fundação da escola de voo à vela em Sta Iria? Não tive contacto pessoal com eles, embora muito mais tarde viesse a ter conhecimento dessas pessoas e do seu papel, nomeadamente de Quintino da Costa e Simão Ara- 31 Como eram as instalações da Escola e em que local ficavam? Havia várias construções em chapa que serviam umas de dormitório, outras de refeitório e para aulas e secretaria, as quais ficavam um pouco mais a sul do local de lançamento (onde hoje são os Manjões). Junto ao local de lançamento no alto da ladeira havia um hangar de madeira. Vivíamos lá durante um mês que durava o estágio sem nunca de lá sairmos. Ilustra as suas palavras mostrando-nos novamente o álbum impecavelmente conservado, onde o de que fala está registado em pequenas Como é que vê aos olhos de hoje os princípios daquela escola em que a aprendizgem era iniciada de modo tão penoso e em monolugar? Era o que havia na altura com os meios disponíveis, julgo que não havia recursos para meios mais evoluídos e planadores bilugares. O Schulgleiter era pouco mais do SG-38, Schulgleiter, acidentado em 17-07-1948. 32 que uma cadeira com asas. A APSIA e os motoplanadores eléctricos: do Electro7 ao F5J por João Figueiredo E havia muitos acidentes? Houve alguns relativamente insignificantes. O maior que presenciei foi de um colega do curso que ao aterrar acertou num burro de cangalhas, que se lhe atravessou no caminho e se virou. Acertava-se com facilidade no terreno marcado para o efeito no vale e aterrava-se em segurança nesse local, mas o burro atravessou-se-lhe no caminho de modo imprevisto naquele momento. De qualquer modo esta escola foi-me muito útil por me ter propiciado um início na aviação, e tirei grande proveito dessa experiência. Os motoplanadores eléctricos têm sido uma modalidade com grande expansão nos últimos 10 anos. Sem as complicações dos guinchos eléctricos ou a necessidades de ajudantes para o lançamento à mão, como no F3J, vieram colocar ao alcance de muitos aeromodelistas o prazer do voo térmico em planície. João Figueiredo traça a evolução desta modalidade entre nós. Antes desse início já sentia alguma atracção pela aviação? Em criança já sonhava voar? Sem dar de imediato uma resposta verbal, esta surgiu de modo plenamente esclarecedor quando pouco depois se levantou para nos mostrar uma recordação da infância que guardava há cerca de 80 anos numa pequena caixinha de madeira que guardava num armário entre muitas outras recordações. Eram uns pequenos modelos de aviões dos anos 30, primorosamente recortados em papel, com todo o detalhe e pouco mais de 2 a 3 cm de envergadura! Notas: 1- Brevet A, pressupõe a realização de pelo menos três voos em linha recta, mantendo o rumo, com mais de 30 segundos de duração; o Brevet B, exige pelo menos cinco voos com uma duração mínima de 60 segundos, com voltas à direita e à esquerda e em S e até Junho de 1938 apenas dois candidatos tinham conseguido esse Brevet B em Portugal. 2- Grunau Baby. Pequenos modelos de papel referidos no texto 33 A origem dos motoplanadores eléctricos como modalidade competitiva entre nós, teve provavelmente origem quando há cerca de 12 anos, um grupo de aficionados de planadores de planície, oriundos do campo de voo de Corroios, ficou entusiasmado pelas provas de planadores eléctricos que se organizavam já por essa data em Espanha. Em visita organizada a uma prova Regional em Sevilha, constaram que os nossos vizinhos já tinham uma classe própria de planadores eléctricos a que chamavam Electro 7, que se baseava em modelos de construção própria com fuselagem de fibra de vidro, e asa de construção clássica em balsa coberta a Oracover, com uma envergadura de aproximadamente 2,20m. Os motores eram de escovas da série 500, derivados dos carrinhos de pista e usavam caixa redutora para possibilitar o uso de hélices maiores e mais eficientes. A alimentação era fornecida por 7 baterias tipo Sub C de 3000mAh, (a principal limitação da fórmula) e como regra principal da competição, todos os concorrentes tinham de efectuar com essa bateria, 7 voos de 10 minutos cada, sem possibilidade de recarregar entre voos. Foram então construídos em Portugal vários planadores eléctricos desta classe, bem como se adaptaram a esta competição alguns planadores em kit tal como o Silent Dream, tendo-se chegado a organizar provas conjuntas entre os aficionados espanhóis e portugueses, em Sevilha e em S. Estevão,1 bem como provas de carácter nacional na região de Aveiro. Com a rápida evolução quer dos motores eléctricos, que passaram de escovas com magnetos de cobalto para motores sem escovas e com magnetos de neodímio, quer das baterias que passaram de NiCd a NiMH e depois a Lipo, esta classe rapidamente se tornou obsoleta. De facto uma das principais limitações desta fórmula era que a pilotagem e a capacidade de o modelo voar em térmicas eram características relativamente pouco importantes ou mesmo secundárias relativamente a factores técnicos de propulsão e baterias, sempre em evolução, apelando para recursos técnicos caros. Para obviar a estas limitações procuraramse outras fórmulas e mais tarde, a partir de 2007, começaram a ser organizadas na zona de Lisboa provas de planadores eléctricos baseadas numa regra inglesa chamada de 200 Wats/Kg. Esta fórmula introduzida 34 critério dos 200 W/kg além de pouco sólido (dependia da temperatura da bateria, etc.) obrigava a morosas verificações de todos os modelos antes do começo de cada prova, consttuindo um obstáculo ao desenvolvimento desta modalidade. O enorme interesse pelas provas de duração com motoplanadores eléctricos verificado na Europa, levou então ao surgimento duma nova modalidade, principalmente nos antigos países de leste (república Checa, Eslováquia e Eslovénia), baseada não na limitação da potência, nem na energia como também chegou a ser proposto, mas sim num altímetro para limitar a altura máxima que todos os modelos em prova possam alcançar após a saída de cada manga de voos.2 Todos os concorrentes dispunham assim de 30 segundos de motor para alcançarem a altura máxima de 200m após o que a alimentação do motor era cortada seguindo-se um voo de duração com aterragem de precisão. Apesar de inicialmente muito denegrida por alguns espíritos mais conservadores, esta regra demonstrou com grande sucesso que com este altímetro era possível igualizar de modo uniforme e fidedigno a altura de saída para voo planado de todos os modelos em prova, ficando cada concorrente entregue somente à demonstração das sua capacidades de pilotagem do modelo. A APSIA foi pioneira desta modalidade em Portugal, que introduziu nas provas particulares que organizou a partir de 2009, e Com um modelo do Electro7 entre nós pelo nosso consócio da APSIA Carlos Bastos, tornou-se rapidamente bastante popular trazendo para a modalidade de voo de planície com motor, muitos novos aficionados. O segredo da sua popularidade residia na simplicidade da regra que limitava a potência a utilizar por cada modelo (num máximo de 30 segundos) proporcionalmente ao seu peso, em vez de limitar a bateria. Qualquer motor eléctrico e qualquer bateria eram permitidos. Foram organizadas várias provas segundo esta fórmula, quer pela APSIA quer pela LIPA durante 2007 e 2008, com vários tipos de modelos tal como esta regra permitia, mas rapidamente se concluiu que o Taça 200m APSIA Outono 2009. 35 Não foi fácil entre as várias fórmulas já existentes ou entretanto propostas gerar um consenso em torno de uma fórmula baseada em altímetros. Mas no final acabou por prevalecer para o F5J uma variante à regra, dos 200m proposta inicialmente pelo Nelson Gaspar, em que a altitude a que cada concorrente desliga a potência de subida do seu modelo é escolhida pelo piloto e considerada para a pontuação de cada voo a par da duração do voo e da precisão na aterragem. Assim, o concorrente que mais baixo desligue o seu motor e que faça o voo planado com o tempo mais longo, pontuará um valor maior em relação a um outro concorrente que voando o mesmo tempo, desligue o seu motor depois de ter subido mais alto. A regra do F5J incorporou um convite a um maior desafio para os pilotos, o de saberem aproveitar as ascendentes térmicas desde a mais baixa altitude possível. Esta regra F5J começou a ser experimentada pela APSIA em 2011 e foi adoptada oficialmente como classe provisória a partir de 2012 contando actualmente com muitas provas em muitos países de todos os continentes. Os modelos adoptados ou desenvolvidos para esta classe, são derivados dos usados na classe F3J, mas mais leves, sem a necessidade de uma estrutura tão resistente, caracterizados por uma envergadura até cerca de 4,00m e com baixo peso, inferior a 2kg em ordem de voo. que com grande empenho de diferentes sócios e em particular do nosso consócio Nelson Gaspar rapidamente atraíram um número recorde de participantes, relegando completamente para história a anterior regra dos 200 W/kg. Foi também em 2009 numa prova da APSIA que os nossos colegas espanhóis contactaram com esta modalidade pela primeira vez. A rápida expansão por vários países da Europa das provas de motoplanadores eléctricos com base no altímetro, levaram à preocupação das várias Federações, quer Nacionais incluindo a Portuguesa, quer da FAI para a uniformização de regras que permitissem a melhor realização a de campeonatos nacionais ou internacionais, que já se verificavam de modo informal em muitos países. O comité CIAM da FAI, apercebendo-se do interesse crescente pelas provas de duração com moto planadores eléctricos, que já alastrava para outras paragens fora da Europa, como nos EUA, Argentina ou Austrália, e consciente do enorme potencial para desenvolvimento de uma nova modalidade promoveu a criação em 2010 dum grupo de trabalho para propor uma nova classe de modelos eléctricos para voo de planície, com a sigla F5J. Esse grupo de trabalho foi participado por um sócio da APSIA que consultando os colegas procurou trazer a nossa experiência para esse fórum. 1- Esta prova de 22 de Junho de 2003, organizada pelo autor destas linhas, foi objecto de uma reportagem publicada no nr. 36 do Planador de Setembro de 2003. 2- Os altímetros eram baseados num sensor que havia sido disponibilizado pouco antes na aviónica em geral, incluindo no voo à vela e que já havia sido adoptado nas provas de modelismo com foguetes. 36 A iniciação ao voo R/C Por Humberto Ladeira UHU da Graupner - modelo de voo-livre. Com o seu primeiro aeromodelo rádio-controlado em 1990 Para falar em instrução de voo, permitamme que comece com uma breve descrição do meu percurso aeromodelístico, que ilustra bem como era a iniciação à pilotagem algumas décadas atrás e as suas condicionantes que ainda hoje existem apesar de toda uma evolução técnica verificada em modelos e materiais. Comecei aos 12 anos, no núcleo da Mocidade Portuguesa em Silva Porto, Angola, em 1973. Construí na altura um planador de voo livre segundo os planos do UHU da Graupner que no voo de estreia apanhou uma térmica que me fez correr atrás dele quase 2 Km. Entretanto veio o 25 de Abril de 1974 e a consequente independência que nos desterraram e o meu aeromodelismo teve um interregno de 6 anos. Voltei ao hobby em 1979 residindo no Brasil, mas já no voo circular. Foi aqui que percebi que ter ajuda era essencial. Tentei voar o meu modelo mas assim q u e t i r ou a s r o d a s d o c h ã o f i qu e i paralisado e o bichinho nem chegou a completar uma volta no ar. Bem fui avisado, mas fui teimoso. Tive de comprar outro aeromodelo para instrução e aprender a voar com um aeromodelista mais experiente. Em 1990 vim para Portugal e comprei então o meu primeiro rádio (Futaba Attack 4, AM em 72MHz), montei um modelo típico de instrução (trainer) a motor e fui com o comerciante que me vendeu o material ter umas aulas nos terrenos da Siderurgia Nacional, no Seixal. Chegamos lá por volta das 8:30h e saímos 37 com o seu modelo, que me pediu para experimentá-lo. Eu mal sabia voar mas não podia negar-me. Afinal eu era um profissional. Não há dúvida que a sorte protege os audazes. O teste correu lindamente e o cliente combinou comigo no Sábado seguinte instrução de voo com o duplo comando. E foi assim que, a tremer mais que o instruendo, iniciei o meu percurso como instrutor de voo. Ao longo destes últimos 20 anos iniciei mais de 60 pilotos utilizando sempre o duplo comando e o trainer a motor pois continuo a achar que é a fórmula mais completa para a iniciação. Para a iniciação em planadores penso que esta também era feita de modo semelhante. Houve tentativas de aprendizagem isoladamente, que por regra nunca levaram a grandes resultados, mas em geral a aprendizagem era feita com um modelo simples de iniciação de dois canais, como o Escuela (da extinta Modelhob) ou o Sophisticated Lady (da Carl Goldberg) de construção clássica em madeira, por vezes com duplo comando ou na sua falta com o instrutor sempre ao lado pronto a pegar nos comandos, ou mesmo por trás do instruendo dando umas palmadinhas nos ombros consoante a direcção que queria que o instruendo mexesse o de lá por volta das 14:00hrs e só estive 5 minutos na instrução! Com a minha falta de paciência e teimosia resolvi voar sozinho no sábado seguinte e lá consegui tirar o modelo do chão e voar muito atabalhoadamente durante uns minutos que me pareceram uma eternidade. Entretanto o motor parou e tive de trazer o modelo para o chão com o mínimo de estragos possível. O objectivo foi conseguido apesar de ter de caminhar mais de 100m para recolher o modelo que só tinha um furo na asa provocado por um ramo um pouco mais alto. Um pouco de fita-cola e lá fomos para o ar outra vez. Desta vez a aterragem não correu tão bem, tendo esquecido o “arredondar” perto do solo e o avião entrou de nariz pelo chão. O hélice partido, o trem dianteiro torto e alguns danos na fuselagem obrigaram-me a vir para casa mais cedo. Este modelo sobreviveu às aterragens em sucessivos fins-de-semana apenas com alguns remendos em consequência da aprendizagem, até eu conseguir ter pronto um segundo modelo de avião, já com asa baixa. Entretanto fui trabalhar para uma loja de aeromodelismo e um belo Sábado à tarde estava na “pista” de Sto. António dos Cavaleiros quando apareceu um cliente da casa 38 SV Modelismo HP Modelismo R. José Duro, 21D 1700-259 LISBOA Tel. 218489381 Telm. 916343336 www.svmodelismo.net Av. de Madrid, 21C 1000-194 LISBOA Tel. 210991458 www.hpmodelismo.com Construção clássica de planador em balsa. hoje mais facilmente a ajuda de alguém mais experiente. No entanto trata-se de uma atitude pouco recomendável pois inevitavelmente irá custar-lhe algumas descidas ao fundo da encosta para recuperar o modelo e acidentes que mesmo sem serem de maiores consequências para o modelo seriam perfeitamente evitáveis com assistência de um piloto experiente. Vejo esta evolução com agrado mas ressalvo que o aeromodelismo é uma actividade que só muito raramente pode ser feito de modo isolado e além disso comporta riscos para terceiros. Por isso desde cedo é importante a aprendizagem das normas básicas de segurança e regras de coexistência nos locais de voo. E tudo isso não se aprende isoladamente. Apesar de toda a evolução técnica nos modelos e nos equipamentos que hoje muito reduzem as necessidades de instrução/ajuda, considero essencial que os que chegam a este hobby procurem a ajuda dos mais experientes com quem sempre poderão aprender mais e progredir mais rapidamente. Foi uma evolução salutar e a APSIA ao longo destes seus 20 anos em muito contribuiu para a iniciação de uma nova geração de pilotos. stick do rádio. A ideia era que um modelo de construção convencional seria mais fácil de reparar, de voo relativamente lento, com asa alta de duplo diedro para ser mais estável e permitir voar apenas com dois canais e com fixação de asa com elásticos para perdoar algumas pancadas. A evolução técnica mais recente, em especial quanto aos materiais veio a facilitar grandemente a iniciação. Os modelos em EPP, a motorização eléctrica e a baixa de preços no material e equipamento vieram sem dúvida modificar e facilitar a forma de iniciação e modificaram o paradigma do modelo de iniciação. Estes são actualmente de espuma muito mais resistentes e perdoando mais facilmente os pequenos acidentes por regra com comando dos 3 eixos, com 4 servos (2 nos ailerons). O investimento inicial sendo menor quer em tempo de construção, que agora se reduz a pouco mais do que o da montagem dos servos, quer em dinheiro, permite a maior aderência dos iniciados e convida-os mais facilmente a arriscarem. Além disso a familiaridade com jogos de computador e joystick, para não falar dos simuladores de voo actualmente muito realistas, facilitam muito a aprendizagem da pilotagem. Um novo piloto mais aventureiro pode até dispensar 39 Sadofly entretem Av. Alentejo, Lt 4 - Loja 2 2910-383 SETÚBAL Tel. 265752433 www.sadofly.com [email protected] C. Com. Portela, Lj 48 PORTELA LRS Tel. 210446709 HobbyKit Beloura Shopping, Loja B-09 - E.N. 9 Quinta da Beloura II - Linhó 2710-697 SINTRA Tel. 216 098 436 Telm. 929 034 706 [email protected] www.hobbykit.pt SOMODELISMO R. Alegria, 147 3800-025 AVEIRO Tel. 234 315467, Telm. 917483142 www.somodelismo.com Jet Cat Portugal R. Rainha Leonor, 7-B 2700-072 AMADORA Tel. 214910791 [email protected] www.jetcatportugal.com R. Elvas Nº55, 7350-501 VILA BOIM Tlm. 963121389 / Tel. 268085629 40 O Segredo do Cartão por João Mestre “Olhe que temos um cartão e isso é muito importante!” disse -me uma vez o Manuel Almeida com o ar grave de quem está a falar de coisas sérias. Ao ouvir esta frase fiquei na altura um pouco perplexo ou como o leitor está a imaginar, com cara de burro. Então uma pessoa tão esclarecida e ainda para mais o presidente da nossa associação a dizer-me uma coisa tão básica e aparentemente simples como “temos um cartão”! Isso já eu sabia há anos e só me lembrava dele quando mo pediam nas provas. Eu ouvi mas não entendi o que me estavam a dizer. Como o Manuel Almeida olhando para a cara que fiz achou melhor deixar o assunto por ali, fui obrigado a ir para casa pensar com os meus botões sobre o que raio era aquilo de ser importante “o cartão”. Pois o cartão e a sua importância foi-me sendo revelado com o tempo, e como o meu aeromodelismo atravessou fases de maior ausência, digamos assim, essa importância revelou-se sozinha. Eis então o que concluí: O cartão tem funções que eu dividi em primárias e secundárias. Começarei pelas que considero menos importantes: as funções secundárias são aquelas que relevam da sua utilização no dia a dia, ou seja, o cartão serve para identificação nas provas e para identificação do aeromodelista para ter acesso a bases, ser reconhecido como sócio da APSIA, sacar da carteira e mostrar aos amigos numa noite de copos, etc… As funções mais importantes do cartão, que chamei de funções primárias são de dois tipos: primária formal, i.e. o cartão é um elemento de apoio à associação como um dos elementos formais da sua personalidade jurídica (outro elemento deste tipo é a sede), e um segundo tipo de função primária, a primária imaterial, i.e. o cartão é o elemento de ligação entre todos os sócios as suas memórias e os seus projectos. É sobre este aspecto imaterial que a meu ver repousa a maior importância do cartão, e penso que é este o verdadeiro elemento aglutinador da pequena comunidade aeromodelista que formamos. Dou dois exemplos: lembram-se do vestuário que usavam ou de quantos euros tinham na carteira num qualquer dia de verão que foram voar à encosta? Claro que não. Mas lembram-se que tinham o cartão, porque sem ele nunca lá teriam ido! E provavelmente também se lembraram do modelo e do rádio ou um dos dois porque a cabeça com as pressas às vezes não dá para tudo… (been there done that). Ainda outro exemplo: quando estão em casa sem fazer nada o que é que mais nos liga aos nossos amigos da encosta, um modelo pronto a voar mas que está parado há anos no armário, ou o cartão? O cartão! Pois sem ele nunca os teríamos conhecido. Eu nunca tinha dado conta mas aquele cartão foi o responsável de muitas viagens 41 dores de barriga e noites sem dormir e que para me compensar pelo esforço também me deu taças, troféus abraços e sorrisos. Pois é! Se há coisa importante que devemos reter para entender o que é uma associação, e no nosso caso saber o que é a APSIA, é olhar para o cartão e saber que sem ele nada seria igual. ao estrangeiro para competir, por causa dele gastei muita gasolina para me encontrar com outros aeromodelistas e “curtir a valer” um vento NW e um pôr-do-sol fantástico, foi o cartão que me deixou horas e horas na cozinha de minha casa a lixar, soldar, medir, colar, pesar, eu sei lá… Também foi o cartão que me deu valentes Escala do Ano 2013 . Harbinger de Luís Trindade 42 de encosta em Sta. Iria, com uma primeira prova em 1987. Este grupo tendo como figuras o Carlos Bastos, o António Bento, o Duro da Costa, o Ricardo Moreira, o António Mónica, entre outros (perdoem-me os que omiti!) era o núcleo duro de uma equipa que no Aero Clube de Portugal entre 1980-84 desenvolveu a construção de modelos moldados para o F3B. Passados alguns anos, já na década de 90 (do século passado!), coincidindo com a formação da APSIA reataram-se as actividades de F3F com cariz competitivo, impulsionadas em parte pelo dinamismo que adveio da participação em 1991 no Campeonato do Mundo de F3B na Holanda deste vosso escriba, juntamente com o Álvaro Henriques e o José Costa. A estratégia adoptada na altura para trazer mais gente à prática do F3F foi começar a organizar provas com alguma periodicidade, divulgando “porta a porta” e “boca a boca” a realização destes eventos, onde a necessidade de juntar, treinar e divulgar a modalidade entre os potenciais praticantes superava (estrategicamente) o rigor organizativo, não sendo este o aspecto primordial nesta fase. Pretendia-se vincular mais gente à prática do F3F, até porque nesta altura os modelos começaram a ser acessíveis e já muita gente tinha modelos moldados, totalmente em materiais compósitos. Estas provas tiveram alguma dimensão até nacional, com participação assídua do Xico Teixeira, Victor Gandarela, José Rocha e A competição F3F e F3B na APSIA por Jorge Infante As competições F3F e F3B tiveram um papel de relevo intimamente ligado às origens e desenvolvimento da APSIA. Jorge Infante, um dos principais impulsionadores e adepto destas modalidades, retracta a sua origem e evolução. 1ª Prova F3F, 1987. Introdução Propuseram-me para este Boletim Comemorativo escrever sobre as manifestações de carácter competitivo que ao longo destes anos de vida da APSIA nela se desenvolveram no âmbito do F3F e F3B. Estamos então a falar concretamente de provas ou campeonatos de classes de competição subordinadas a regulamentos internacionais, enquadrados na Federação Aeronáutica Internacional (FAI) e na Federação Portuguesa de Aeromodelismo (FPAm). A área da competição é assim uma das muitas actividades que a APSIA desenvolve e promove. Numa linha mais dura, diremos que esta é a costela competitiva da APSIA. do como uma exacerbação da individualidade, mas sim no conhecimento de nós próprios. Quando competimos, não se trata apenas de competir com o outro, mas com nós próprios e com o nosso próprio desempenho. A diferenciação entre competir e praticar reside no facto de que a competição tem um lugar e tempo bem definidos. É naquele momento e naquele lugar e naquelas condições que a prestação tem de se expressar, numa medida! Mede-se o comportamento humano, mede-se a coincidência entre o desempenho e a tarefa proposta, mede-se a prestação, que pode ser mais ou menos ajustado à realidade, às exigências, às necessidades… este pode ser o carácter formativo da competição, ao fazer apelo ao rigor, à concentração, à consistência no desempenho nos treinos e nas provas. E a competição em si não é boa ou má, ela é o O que é a competição Mas o que é isto da competição, o que faz com que ela tenha de ser tratada de forma diferente? Bem, em primeiro lugar ela é regulamentada, quer dizer que ela se desenrola segundo regras pré-estabelecidas e uniformizadas. A competição é o elemento fundamental do desporto, que dá sentido à sua existência e é nela que a manifestação do desporto se realiza na sua plenitude. Se escolhemos realizar um propósito, optamos naturalmente por adquirir as competências de que precisamos para isso. Por isso, competir é ter consciência de que somos únicos nas nossas habilidades, no nosso potencial, de que possuímos pontos fortes e fracos. É reconhecer e explorar o nosso diferencial, o traço pessoal inimitável, a pegada pessoal que nos distingue dos outros. Este discurso não deve ser entendi- 43 que fazemos dela! Em jeito de graça, já que o nosso desporto é praticado por pessoal adulto (em idade, pelo menos!), apresento umas razões poéticas mas com alguns aspectos positivos que se podem retirar da participação em competições, como sejam melhorar a nossa confiança e auto-estima pelo desempenho da tarefa; preservar a juventude e vitalidade, pela actividade e convívio que proporciona e ainda aumentar a inteligência, pela resolução de problemas com que somos confrontados, pela consciência cinestésica e espacial que desenvolvemos! Na área competitiva e tendo a APSIA as “instalações” que possui, é natural que a modalidade desportiva que se desenvolveu tenha sido o F3F (prova de velocidade em encosta), que abordaremos de seguida. O F3F na encosta de Sta. Iria A prática do F3F foi iniciada por um grupo mais restrito de entre os pioneiros do voo Prova de F3F em Julho de 1995 . 44 Primeira delegação em La Muela (A. Henriques, V. Bravo, J. Infante, J. Costa e M. Barros) Nas primeiras provas de F3F da APSIA. fomos deixando de participar, porque a organização e fundamentalmente a direcção da prova espanhola não acompanhou a evolução da modalidade… (olhar só para o nosso umbigo nunca dá muito bom resultado). Bom, voltemos ao nosso canto. Com o aumento da oferta de provas, com boa participação, a implicar mais treino e voos, naturalmente o nível do desempenho foi melhorando. E esta situação levou a que fosse possível “sonhar mais alto”, tentando criar mais condições de desenvolvimento para a modalidade. Assim aparece o título seguinte! Rui Silva da zona norte e do Pedro Lemos com o Américo Gonçalves, vindos da zona centro. Dos associados APSIA começou a haver um grupo de participação constante, formado entre outros (e mais uma vez peço desculpa por involuntárias omissões!) pelo João Faria, José Costa, Claudio Figueiredo, Júlio Luz, Manuel Barros, Abel Montez, José Penaforte, Couto Rosado, Jorge Alves, Durães Ferreira, João Costa, … Cabe salientar nesta fase (meados dos anos 90 e início de 2000) as primeiras participações na prova espanhola realizada nos arredores de Guadalajara, perto de Madrid, em La Muella. Durante alguns anos vários sócios da APSIA deslocaram-se a esta prova de F3F com muita tradição no país vizinho. Eram as nossas “internacionalizações”, com toda a experiência que isso acarreta! Para além dos espanhóis e dos portugueses, também os ingleses, os franceses e noruegueses marcaram presença. Interessante salientar que a pouco e pouco Viking Race 2000 Falamos sobre a Viking Race 2000 e destacamo-la, porque ela foi sem dúvida um marco para a APSIA e para a nossa encosta. A realização da Viking Race 2000 teve subjacente à organização da mesma um plano estratégico para o desenvolvimento da encosta como local de voo e da APSIA como clube, como estrutura aglutinadora de Viking Race 2000 45 Aspectos da Viking Race 2000. não ajudou, o que até hoje não cessou de nos deixar com algum sentimento de frustração!). Esta experiência deu a todos um traquejo enorme para o que viesse a seguir! Dotou a APSIA de pessoas embrenhadas na organização de eventos, aspecto fundamental em qualquer clube que se quer dinâmico e activo. E depois desta prova, ficou o conhecimento e a aptidão para continuar a realização de eventos deste cariz, levando a APSIA a apostar na realização de uma prova internacional anual de referência, a Sta. Iria Race. Sta Iria Race E é assim que naturalmente se continua a organizar a Sta. Iria Race, competição inscrita nos quadros competitivos da FAI e do Eurotour, com todo o sucesso que as várias edições têm tido. Todos os anos mais concorrentes estrangeiros de grande qualidade no panorama internacional do F3F e de variadas nacionalidades, participam na já “tradicional” prova de Julho em Portugal. De salientar o elevado nível competitivo exibido nesta prova por parte do contingente português. Salientamos o João Faria, vencedor de uma edição da prova (2009), mas também do João Mestre, presente no pódio numa outra edição. Esta prova cativou e promoveu o aparecimento de novos concorrentes, dos quais permitam-me destacar o Manuel Cruz, o Nelson Gaspar, o Gonçalo Perpétuo e mais recentemente o praticantes e de desenvolvimento do F3F. Ao nos candidatarmos, com quase dois anos de antecedência, a receber um grande evento aeromodelístico como era na altura a Viking Race (relembra-se que sendo na altura o F3F uma classe ainda provisória não havia campeonato do mundo oficial, sendo esta a prova que reunia anualmente os melhores praticantes internacionais de F3F), permitiu-nos acelerar a conclusão das obras planeadas para a encosta, por parte das entidades tutelares do espaço, depois de terminada a utilização da área adjacente como aterro sanitário. Era um evento de peso, com grande visibilidade, bem pensado desde o início e naturalmente a Camara Municipal de Loures e a Junta de Freguesia de Sta. Iria foram inexcedíveis nos esforços e apoios necessários para que tudo estivesse funcional à data da prova. A equipa francesa que esteve em Sta. Iria na Viking Race 2000 chamou à nossa encosta um “estádio de F3F”! Estiveram presentes cerca de 80 concorrentes na prova, que se desenrolou durante uma semana. A outra vertente importante deste evento foi permitir a um grupo muito alargado de sócios trabalhar na sua organização, com muito empenho e determinação, onde todos com certeza aprendemos muitas coisas, mas também ficando a consciência de que a APSIA organizou um excelente evento na área da competição em F3F (apenas o vento 46 Calendário 2014 Troféu F3B da APSIA em 2011 (Almargem do Bispo). José Aguiar. Mas nem só de F3F se fez a história da APSIA nos F3s…, que também estendeu a sua acção ao F3B. Esta modalidade de planadores de planície, lançados por guincho, aparecendo assim: O irmão F3B… Muitos dos praticantes iniciais de F3F tiveram a sua génese competitiva no F3B. Daí que, consolidada a APSIA como clube, com uma estrutura organizada e capaz de organizar eventos (eu sei, bato sempre nesta tecla, mas é propositado… pois esse é um dos objectivos dos clubes, o do associativismo…) tenha também feito uma incursão pela organização de provas do calendário nacional e internacional de F3B, na década de 2000. Esta ponte entre as duas modalidades competitivas deriva fundamentalmente da similaridade nos modelos utilizados numa e noutra categoria. Os modelos de F3B eram largamente usados no F3F. O campo de voo utilizado oscilou entre o Pinhal Novo e o Campo de Tiro de Alcochete, zonas estas usadas normalmente pelos sócios da APSIA para treinos. Foram provas bem concorridas, que tiveram bom número de praticantes e que contaram quase sempre com a participação de concorrentes espanhóis, e a partir de 2009 com um ou outro alemão. Fica na memória destas competições o “eterno Director de Prova delas todas”, o Ricardo Moreira e os petiscos disponibili- zados pela família Reis (José, Lurdes e André). A APSIA organizou provas isoladamente, mas também dando colaboração e apoio logístico à LIPA (Liga de Iniciação e Propaganda Aeronáutica, clube do Porto), quando este clube passou por dificuldades em arranjar um campo de voo pela zona norte, propício ao desenrolar do F3B. Assim, várias provas da LIPA tiveram lugar nos campos do Pinhal Novo, local utilizado normalmente pelas provas da APSIA e pelos seus sócios para treinos. Para terminar, não o podíamos fazer sem uma referência a quem sempre nos ajudou, e garantiu que as provas da APSIA se desenrolassem com normalidade ou até excelência. Estou-me a referir aos juízes, aos colaboradores, aos ajudantes, que permitem aos concorrentes competir, garantindo o “staff” necessário ao bom desenrolar dos eventos. Mencionamos alguns entre F3F e F3B, começando pelo pioneirismo organizativo do Carlos Bastos, passando pelo já referido “Director de Todas” Ricardo Moreira continuando pelo Victor Baía, Adriano Pereira, Baptista Pereira, Antonio Leitão, Paulo Enes, Abel Montez, Paulo Faustino, Jorge Ferreira, Carlos Carvalho, Adriano Pereira… (mais uma vez, perdoem-me os não mencionados!). 47 Data Evento Cat. 15 Março Open F3F do Inverno F3F PUSIA - Sta. Iria 22 Março (S) Taça Inverno de Motoplanadores Eléctricos F5J Pinhal Novo 13 Abril (D) Aero-Rebocados 17 Maio (S) Taça Primavera de Motoplanadores Eléctricos 31 Maio (S) Grande Encontro APSIA 2014 14 Junho (S) Open F3F da Primavera F3F PUSIA - Sta. Iria 5 - 6 Julho Sta. Iria Race 2014 F3F PUSIA - Sta. Iria 6 Setembro (S) Open F3F do Outono F3F PUSIA - Sta. Iria 4 Outubro (S) Taça Portugal F3F F3F PUSIA - Sta. Iria 5 Outubro Venha Voar Connosco 11 Outubro (S) Taça Outono de Motoplanadores Eléctricos Aeródrodomo de Óbidos 23 Novembro (D) XII Indoor APSIA APSIA Local F5J Pinhal Novo Todos PUSIA - Sta. Iria PUSIA - Sta. Iria F5J Indoor Pinhal Novo Pavilhão Desportivo Escola de Pirescoxe Parque Urbano de Santa Iria Ed. de Gestão, Estrada Nacional 115-5 Portela da Azoia, 2695-295 SANTA IRIA de AZOIA. www.apsia.pt 48