“Luisa se choca contra sua casa”
Transcrição
“Luisa se choca contra sua casa”
“Luisa se choca contra sua casa” “Depois dei um profundo suspiro com os olhos fechados, e os reabri como se estivesse dormindo e enfim acordasse, esquecida do sonho, acordasse vinda de muito longe de dentro de mim mesma” Clarice Lispector Ariel Farace Luisa: Então quer dizer que Pedro não está mais. E eu penso: como pode ser? Como assim? Assim e de súbito. Hoje me levantei com a certeza de ter tido um sonho. E de tê-lo esquecido. Depois escutei o rádio que dizia: “tem que deixar os velhos sentimentos”. Que sentimentos? Os velhos… Os velhos sentimentos. E pensei em você. Pedro? Tem frio? Pedro, me escuta? Hoje cedo fui ao supermercado Coto. Adoro ir. Fico contente... Vou de manhã porque vai pouca gente. Li na caixa de um produto novo que dizia: Cuidado: Frágil. E pensei em mim. Pedro? No Coto sempre faz frio, por causa do ar condicionado. Pedro: Frio?! Luisa: Pedro, me escuta? Pedro: Faz tempo que não sinto o frio. Não sinto nada. Luisa: Coitadinho. Desde que morreu não sente nada. Pedro, onde você está? Pedro: Bati com a moto. Um acidente. Também não sinto calor. Nada. Nem frio, nem calor: Nada. Morno. Luisa: Pedro, fui ao Coto hoje. Pedro: E aí? Luisa: Comprei um limpador Odex. De manhã. O Odex é um sol, Pedro. Tinha que ver. É divino. Leva as sacolas para mim, limpa a casa… Pedro? Você se sente melhor quando me escuta? Comprei um frango também. Quer ficar para comer? Pedro? … Hoje, voltando do Coto, o vizinho me cumprimentou. Com a mão. De longe. Aquele que se vai; cumprimenta. Sempre. Aquele que chega também cumprimenta. É assim. Na rádio disseram: “Aquele que se vai sem cumprimentar deixa um nó na garganta”. Também disseram: “É um bom gesto cumprimentar”. Pedro? Você se lembra do que me disse no sonho? O que me dizia no sonho? … Odex. Odex: Luisa. Luisa: Obrigada por trazer-me as sacolas. Pedro não sente nada. Bateu com a moto. Um acidente. Nem frio, nem calor: Nada. Estive pensando… Sabe o que penso? Odex! Odex: O que, Luisa? Luisa: Sabe o que penso? Odex: O que você pensa? Luisa: Que teria que trocar-me e ir-me. Odex: Ir? Aonde? Luisa: Ao Coto. Odex: Mas se viemos do Coto, Luisa. Luisa: Ah, sim. Tem razão. Mas… Pedro: Luiiisaa! Luisa: Oi, Pedro. Pedro: “Existe um ser que vive dentro de mim como se eu fosse sua casa”. Luisa: “Existe um ser que vive dentro de mim como se eu fosse sua casa”. Pedro: “Como se eu fosse sua casa”. Luisa: Gosto do jeito como fala. Pedro, está com fome? Pedro: E isso? Luisa: Um Odex. É divino. Comprei no Coto. Pela manhã. Comprei um frango também, quer ficar para comer? Odex, frango ao forno. Odex: Sim, Luisa. Luisa: Escuta! Aí está esse moleque tocando de novo. É uma obsessão que tem comigo. Não me deixa pensar. Odex: Deixa ele, Luisa. Esse moleque está mal. Luisa: Está triste? Eu também estou triste e não por isso incomodo todo mundo. Vi o que é sua casa. Um canil parece. Vamos ver se para um pouquinho e me escuta. Vizinho: ... Luisa: Hoje de manhã o senhor me cumprimentou. Ia com o violão no ombro. Gostei. É um bom gesto cumprimentar. Mas que toque tanto é uma vergonha, de verdade. Todo tempo, todo tempo. Não me deixa pensar. Faça-me o favor, termine de uma vez. Pare de tocar. Pedro, incomoda a música? É que o vizinho está triste. Não para de tocar. Hoje no rádio escutei que diziam: “A casa é a maior coisa que se pode ter”. E também: “A cabeça é a maior parte do corpo”. “Eu tenho uma cabeça. E a uso bastante”. Esta última disse uma ouvinte. E eu que tenho? Uma cabeça ou uma casa, Pedro? ...! Que faz com esse capacete?! Pedro: Luisa, você acha que poderei limpar o capacete com isto? Luisa: O capacete com o Odex? Não sei, Pedro. Mas esse capacete amassa o cabelo. Venha. Vou pôr um pouco de Odex na cabeça, assim vai brilhar. Um pouco de Odex... Pedro, você se lembra do que me disse no sonho? “No impossível…”. O que me dizia no sonho? ... Odex! Odex: Luisa. Luisa: Comprou uma revistinha? Muito bem. A leitura é uma atividade tranquila, relaxada… “La-Moto”!? Não gosto da revistinha que comprou. O que te disse? Odex: É a única que havia. Luisa: Não! Não é a única que havia. Mil palavras, disse: da “La Moto” isto, da “La Moto” aquilo. A única revistinha. A única revistinha! Odex: Mas… Luisa: Mas, nada. Que vergonha um Odex assim. O que te disse? Frango ao forno! A única revistinha do Coto… Pedro: rebeldia. O vizinho: rebeldia. O Odex: rebeldia. Querem me fazer perder a cabeça. Mas não vão conseguir. Odex: … Luisa: Odex, que faz aí parado como uma estátua? Odex: Ocupo meu lugar. Luisa: Teu lugar, teu lugar… E qual é o teu lugar? Odex: Acompanhar você, Luisa. Luisa: Vou te confessar algo. Eu tenho a impressão de que nós dois vamos andar bem. Te digo sinceramente: Penso que nós dois vamos andar bem. Odex: Andar de moto? Luisa: Não, andar juntos. Pela vida. Caminhando. Você de um lado, eu do outro… Você me acompanha. Vamos ao Coto. Me ajuda com as sacolas. E às vezes te digo: - Para de me incomodar! Que vergonha um Odex assim. E você me grita: - vou te incomodar sempre, Luisa! Ainda que seja uma vergonha. Porque tenho que estar com você. - Mas, por que tem que estar comigo? Que tem que fazer comigo? - Porque tenho que acompanhar você! Odex: Acompanhar você, Luisa. Luisa: Sim. Assim me diz. Odex: … Luisa: … Odex: Luisa… Luisa: Que é, Odex? Odex: Qual é teu círculo íntimo? Luisa: Meu círculo íntimo? Odex: Sim, Luisa. Teu círculo íntimo. Que te rodeia. Luisa: Meu círculo íntimo? E… Poucos. Pouquíssimos. Pedro… Odex: Pedro. Luisa: Você. Desde que fui ao Coto, você. Odex: O vizinho? Luisa: O vizinho? O vizinho, não sei se é do meu círculo íntimo. A rádio, sim. A rádio é muita do meu círculo íntimo. Sem querer passa canções que falam de mim. Não como o pulguento do vizinho. Eu gosto da música. Mas a música que passa na rádio. Não essa coisa repetitiva que ele toca. Termine de uma vez! Pare de tocar! Vizinho: ... Luisa: Odex? Odex: Que foi, Luisa? Luisa: Estive pensando. Odex: Que pensou? Luisa: Que teria que me trocar e ir. Odex: Ir? A onde? Luisa: Ao Coto. Odex: Já sabia. Luisa: Já sabia? Odex: Já sabia, Luisa. Luisa: Me acompanha? Odex: E… te acompanho. Luisa: Obrigada, Odex! Pedro: Luiiisaa! Luisa: Oi, Pedro. Vamos ao Coto? Enquanto faz o frango… Ao Coto! Não percamos tempo. Quem quiser me seguir… Que me siga! Pedro, o carrinho. Odex, as sacolas. Primeiro: “Padaria”. Segundo: “Açougue”. Terceiro: “Verdura”. Não podemos perder tempo. Temos que comprar as ofertas. Os artículos de limpeza, os limpadores. Vamos, Pedro! Isto não é uma moto! Não vamos comprar nenhuma revistinha. Porque não vendem revistas no Coto. Mas as ofertas me interessam. Promoções, amostras grátis, dois por um. E depois… Vamos comer frango! Pedro: Frango ao forno! Luisa: Odex, eu sempre penso no Pedro. Faço sua comida, compro coisas para ele. O dia que saiu com a moto, comprei uma escova de dente para ele. Todo o tempo penso no Pedro, me entende? Pedro: Frango ao forno! Luisa: Frango ao forno! Pedro conduz o carrinho, Odex leva as sacolas. Tem que ter cuidado para não bater em nada. Lá, está o Coto. Lá, está o vizinho. Pedro se chocou com a moto. O Odex me acompanha. Aqui está a árvore. A casa? A casa… A casa… A casa está em seu lugar. …! E este livro? Que faz um livro no carrinho? Odex! Pedro: É meu, Luisa. Luisa: Teu, Pedro? Pedro: Meu. “Durante o século XIX, o fantástico começou a esvaziar o mundo real”. “A realidade”. “O que é fantasia? O que é real?” “Existe um ser que vive dentro de mim como se eu fosse sua casa”. Luisa: “Existe um ser que vive dentro de mim...”. Pedro: “...como se eu fosse sua casa”. Luisa: “Como se eu fosse sua casa”? Pedro, isso você já disse. Onde você vai com esse capacete? Pedro: Luisa, você s lembra onde está minha escova de dente? Luisa: Sua escova de dente? Mas, vai dormir? Vamos fazer o frango... Pedro, espere-me se você vai. Pedro: Bicho! Eh, bicho. Odex: Eu? Pedro: Você viu mina escova de dente? Odex: “Bicho”, me disse, Luisa. Escutou? Luisa: Odex, que te disse? Frango ao forno! Pedro quer ir dormir! …! “A realidade”! Ah, me lembrei do sonho. Odex:Que sonho? Luisa: Hoje. Levantei-me com a certeza de ter tido um sonho. E de tê-lo esquecido. Mas agora me lembrei. Com as lembranças é assim. De repente, você acorda! Elas vêm. Estão. Estão presentes. Porque um sonho é uma lembrança, não? Ou é uma realidade? Pedro, para você, um sonho, é uma lembrança? Ou é uma realidade? Odex: E então? Luisa: Então... Então o que? Odex: O sonho. Luisa: Ah, sim. Então estou morta. Morta e dentro de um ovo. Uma coisa raríssima. Porque, além disso, estou bem: Plena. Satisfeita. Mas: morta. Morta e não enterrada. Encolhida no interior do ovo. Não dói nada, não tenho fome, não tenho sede. Plena. Odex: Satisfeita. Luisa: E de repente, penso: “Zigota”. Me vem assim. Odex: “Zigota”? Luisa: E o ovo se rompe. Veja que contraditório, não? Porque eu estou morta mas aí me dou conta que em realidade estou nascendo. Saindo do ovo cofre zigota que se rompe. Eu não sei se alguém quebra o ovo ou que. Mas, de repente, uma luz ofuscante me ilumina desde o alto. Cai casca na minha cabeça e em meus ombros. E escuto vozes. Odex: Vozes? Luisa: Sim. Um teto de casca que se desmorona e vozes. Vozes que não distingo. Odex: E então… Luisa: Então isso: Vozes que não distingo, casca caindo, luz ofuscante. E de repente: silêncio aterrorizante. Silêncio aterrorizante. Nasço. E vejo Pedro. Odex: Pedro. Luisa: Pedro. Que vem devagar. Vem a mim, olhando-me nos olhos, como uma musiquinha. E eu estou aí, recém-nascida, olhando aos olhos de Pedro, que me diz: “Luisa, no impossível está a realidade”. “No impossível está a realidade”, me diz. Eu estou toda cheia de casca. Sorrindo me diz. Odex: “No impossível está a realidade”. Como uma cantada, um piropo, Luisa? Luisa: Não sei. Não sei o que fazer. Lhe digo: “Pedro, fui ao Coto hoje”. E num piscar de olhos Pedro não está mais. Se foi. De súbito. Alguém que estava não está mais. É triste isso. E vejo uma janela. Odex: Uma janela? Luisa: Sim. Uma janela. Uma janela para ver, penso. Me aproximo. Do outro lado da janela, Pedro me faz tchau. O capacete brilhando no sol, a moto dando partida… Odex: E você? Luisa: Eu também. Levanto os braços e aceno. De longe. É um bom gesto cumprimentar. E Pedro apontava o céu. Não entendo o que quer me dizer. O céu? Com um dedo. Assim. O capacete brilhando... O céu? Com a outra mão fecha o visor do capacete. Eu continuo acenando, não sei. O capacete brilha muito forte. Pelo sol. Penso que faz um lindo dia. Estou feliz. Odex: E? Luisa: Não, o que me parece estranho é que, atrás de Pedro, vejo uma árvore. Odex: Uma árvore. Luisa: Uma árvore. Uma árvore imóvel. Todos os galhos imóveis. O tempo parou, um capacete que se fecha e a árvore imóvel. Eu apoio a mão no vidro da janela. Pedro dá a partida e vejo o casco brilhando que se distancia. A luz do capacete. Cada vez mais longe. Odex:Como uma estrela? Luisa: Como uma estrela? Odex: Como una estrela, Luisa. Passa morrendo, uma luz que se apaga. Luisa: Ah, sim. Como uma estrela. Se vai. E eu fico aí. Imóvel. Pensando. Alguém fala no rádio. E aí me dou conta! Estou em frente à janela da cozinha. A rádio tocando. Em cada mão uma sacola do Coto. Ainda fixo em minha cabeça e em minha casa, a lembrança de Pedro e seus olhos, como uma gôndola. A árvore da calçada da frente, imóvel. Você, sentado na beira da pia, Odex: Eu? Luisa: No rádio alguém diz: “Tem que deixar os velhos sentimentos”. Penso: Que sentimentos? Os velhos. Os velhos sentimentos. Minha imaginação é enorme. Isso pensei. Odex: E agora? Agora que pensa, Luisa? Luisa: Que tenho que me trocar e sair. Odex: Sair? Para onde? Luisa: Não sei. Ao Coto. Odex: Mas não pode ir todo o tempo ao Coto, Luisa. O Coto fecha. Para que você quer ir ao Coto? Luisa: Não sei. Para ver o céu. Odex: O céu está em todas as partes, Luisa. Não faz diferença ir ao Coto para vê-lo. Luisa: É, você tem razão. “O céu está em todas as partes, Luisa. Não faz diferença ir ao Coto para vê-lo”. Tem razão. E o frango? Onde está o frango? Eu já não sei nem onde estou! Odex: Bom, Luisa. Não precisa perder a cabeça. Luisa: Não, eu não perco a cabeça. O que perco é a casa! “A casa é a maior coisa que se pode ter”, disseram no rádio. E eu deixo passar. É inquieta, minha casa. Inquieta. Qualquer dia desses não percebo e me meto onde esse rapazinho se mete. Termine-a de uma vez! Pedro? Tem frio? Pedro, onde está? E o frango? Odex: No forno, Luisa. Luisa: Tire-o do forno! Pedro?! Pedro: Luiiisaa! Luisa: Pedro! Pedro: Eu o encontrei. Luisa: O que encontrou? Tua escova de dente. Continua no banheiro, como sempre. Não mudei nada desde que você partiu. Pedro, se você vai dormir, vai me esperar? Espere-se me você for. Odex, comemos? Escuta. Rapaz! Rapaz, quer vir comer? É agora ou nunca. Estou feliz porque está Pedro. Venha, venha. Afinal de contas somos todos iguais. Hoje no rádio escutei que disseram: “Todos… e todas”. Achei bom. Pedro, convido porque está triste. Está triste? Ânimo! Vizinho: ... Luisa: “Existe um ser que vive dentro de mim como se eu fosse sua casa.” Pedro: “Como se eu fosse sua casa” Vizinho: ... Luisa: Cada coisa que Pedro diz fica gravada na minha cabeça como uma estátua. Odex: Luisa. Luisa: Que foi agora? Odex: Está vivo. Luisa: Não. Está morto, coitadinho. Pedro: Bati com a moto. Um acidente. Luisa: Não sente nada. Pedro: Nada, nada, nada. Vizinho: ... Odex: Não. O frango, Luisa. Luisa: O frango?! ...! Está vivo! E agora?! Você não se preocupe com nada. Odex! Odex: Não sei, Luisa. Exagerei. Luisa: Pedro, o frango está vivo! Um sonho, é uma lembrança? Ou é uma realidade? Eu já não sei onde estou! Pedro: Bom, Luisa. Luisa: “Bom, Luisa”, “Bom, Luisa”. Eu comprei o frango morto! No Coto! Não sei por que agora aqui no forno reviveu. Antes não era assim. Pedro: Deixem-me. Você, toque. Vizinho: Toca a guitarra. Luisa: Tudo por você se distrair com essa revistinha. E agora? Nada de se apegar, hein. Odex: ... Luisa: …! Pedro fez migalhas com o frango. Minha imaginação é enorme. Pedro: Bicho, vem. Toma. Odex: … Pedro: Pronto, Luisa. Pronto. Luisa: Olha o céu. Que triste. Se fez de noite. Pedro, Luisa, o Vizinho, Odex, o frango. O céu. Pedro: E de um momento a outro acontece que você morre, Luisa. E não sabe como continuar. Um dia você dá um passo. Outro dia, outro passo. E você está caminhando. Sai para ver vitrines. De noite. Você se vê no reflexo. Nas vitrines. E não sabe como seguir. Como seguir caminhando. Ou ao lado de quem. E eu não sei se estou bem ou se estou mal. Se tenho frio ou calor. O que sei é que estou morto. E que estou caminhando. Estou ao teu redor, Luisa. Todo o tempo. Todo o tempo. Todo o tempo. Estou morto. Perdoe-me. Por ver o horizonte. Me distrai, não sei. Um céu formoso, Luisa. Você tinha que ver. Luisa: Uma vez desde minha janela o vi passar. Você. Vizinho: … Luisa: Ia cabisbaixo. Olhando o chão. Buscando algo. Ou alguém. Não sei. Parecia ido. E, de súbito, levantou o braço e me cumprimentou. Pensei: Assim, de longe, com a mão, a gente se cumprimenta. É um bom gesto cumprimentar. E eu olho sua casa e digo: Que coisa, essa casa vem abaixo. Às vezes a gente deixa-se levar. Vem a tristeza, como uma música, e se abandona. Eu gosto muito da música. Mas a música que passa no rádio. Não essa coisa repetitiva que você toca. Hoje, pela manhã, passaram uma canção que falou de mim. Uma canção alegre que, sem querer, falou de mim. Vizinho: Toca a guitarra. Uma canção alegre. Luisa: Eu sabia que nós íamos nos entender. É assim. De súbito, um se entende. Se olha nos olhos e se entende. Muito prazer, sou Luisa. Pedro, Luisa, o Vizinho, Odex, o frango. Uma canção alegre. O céu. Luisa: ... Odex, parece que não vamos poder sair hoje. Sem capacete, sem proteção. Você se mata. Aconteceu com Pedro. Temos que esperar que o sol volte a sair. Sim. Tem que esperar que o sol volte a sair. ... Pedro? Fez um dia lindo hoje… Queria te avisar. Queria te avisar que fez um dia lindo… Um calor… Pedro: Calor?! Luisa: Pedro! Estava aqui? Pedro: Todo o tempo, Luisa. Luisa: Todo o tempo? Pedro: Todo o tempo. “No impossível está a realidade”. Luisa: Isso você disse no sonho. Pedro: Antes, faz muito, faz mais de cem anos, houve uma gente que pensou em algo, em alguém. Olhou através de uma janela e escreveu um livro, uma canção. Agora nós estamos aqui, Luisa. Pensando em algo. Em alguém. Como num sonho. Luisa: Pensando em algo? Em alguém? Como num sonho? Pedro: … Luisa: Lágrimas. Pedro: ... Luisa: Seus olhos. Te amo muito, Pedro. Pedro: Seus olhos. Não sinto nada. O céu. A luz do capacete. Cada vez mais longe. Luisa: … … … … Fechem a casa. ... Fechem a casa, chê. ... Entrem dentro. ... Entrem dentro, chê. … … Aaaah. FIM