O sistema de treino de Fabiano Peçanha

Transcrição

O sistema de treino de Fabiano Peçanha
O SISTEMA DE TREINO DE FABIANO PEÇANHA
Zaar, Andrigo1; Reis, Victor Machado 2; Pereira, Antonino3.
RESUMO
O objetivo deste estudo foi compreender a estrutura do planejamento anual de um atleta
especialista nas provas de Meio-Fundo de alto rendimento. Os dados foram coletados através de
entrevistas em profundidade e da observação não participante. A estrutura do planejamento anual
de Fabiano Peçanha é caracterizada pela dupla periodização, tendo como principal objetivo os
Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo. As características gerais do treino estão assentes na
definição dos princípios de gestão das cargas de treino utilizadas através da rentabilização das
reservas energéticas, com base no ritmo de competição e na morfologia orgânica. Estes fatores
determinaram a elevada eficácia das sessões, que conduziram ao sucesso e garantiram a
exploração do seu potencial.
PALAVRAS-CHAVE: Periodização do treino; atletismo; alto rendimento; meio-fundo.
1
Mestre em Ciência do Desporto. Instituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai
(IDEAU). Departamento de Ciências do Desporto, Exercício e Saúde (UTAD/DCDES). Getúlio
Vargas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]
2
Doutor em Ciências do Desporto. Centro de Investigação em Desporto, Saúde e
Desenvolvimento Humano (CIDESD). Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected]
3
Doutor em Ciências do Desporto. Centro de Investigação em Desporto, Saúde e
Desenvolvimento Humano (CIDESD). Instituto Politécnico de Viseu. E-mail:
[email protected]
Zaar, Andrigo; Reis, Victor Machado; Pereira, Antonino. O SISTEMA DE TREINO DE FABIANO PEÇANHA.
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 191, Abril de 2014. http://www.efdeportes.com/
FABIANO PEÇANHA΄S SYSTEM TRAINING
ABSTRACT
The purpose of this study was to understand the structure of annual planning from an expert
athlete in Middle Distance Tests of high yield. Data collection took place from in-depth
interviews and non-participant observation. The structure of the athlete Fabiano Peçanha΄s annual
planning has been characterized by the double periodization, as a main goal the Olympic Games
and the World Championships. The general characteristics of the training are based on the
definition of the management of training principles used through the monetization of energy
reserves, according to the pace of competition. These factors have determined the high
effectiveness of the sessions, which led to the success and ensured the exploitation of his
potential.
KEYWORDS: Training periodization; athletics; high yield; middle distance.
EL SISTEMA DE ENTRENAMIENTO DE FABIANO PEÇANHA
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue comprender la estructura de la planificación anual de un atleta
especialista en las pruebas de media distancia. Los datos fueron colectados a través de entrevistas
en profundidad y de la observación no participante. La estructura de la planificación anual del
atleta es caracterizada por la periodización doble, teniendo como principal objetivo los Juegos
Olímpicos y Campeonatos del Mundo. Las características generales del entrenamiento están
resueltos en la definición de los principios de la gestión de las cargas del entrenamiento utilizadas
a través de la rentabilidad de las reservas de energía, basadas en el ritmo de competición. Estos
factores han determinado la gran efectividad de las sesiones, llevando al éxito.
PALABRAS CLAVE: Periodización del entrenamiento; atletismo; alto rendimiento; media
distancia.
INTRODUÇÃO
O desporto é uma atividade que busca a transcendência, apelando ao homem para superar
sistematicamente os seus limites (GARCIA; LEMOS, 2005, p. 23), e a essência da sua prática
concretiza-se pela subida dos degraus da superação das dificuldades para a excelência (BENTO,
2004, p. 56).
Nos últimos anos, tem-se verificado um crescente interesse pelo estudo de atletas que
apresentam desempenhos desportivos de nível superior (BORIN; GONÇALVES, 2004, p. 9).
Apesar da riqueza da informação existente acerca dos fatores que influenciam a aquisição e a
manutenção do desempenho de alto nível, a nossa compreensão está longe de estar completa e
são ainda muitas as interrogações frente a este tema (BAKER et al. 2003, p. 7).
Como por exemplo os motivos que condicionam atletas a obter sucesso por vários anos
enquanto outros desaparecem rapidamente
(Arens, 1983, p. 23), como conseguem obter
confiança, lealdade e respeito dos adversários (Mallett e Hanrahan, 2004, p. 185), como
conseguem permanecer motivados, confiantes e agressivos de modo a superarem com êxito as
exigências do alto rendimento e se inspiram pelo gosto e prazer na atividade que exercem
(Orlick, 2008, p. 27).
Apesar de estarem muitas vezes no centro do interesse público, sabe-se pouco acerca dos
comportamentos e das práticas dos corredores de alto rendimento. Nesse sentido, é necessário a
realização de investigações que permitam recolher dados no âmbito da metodologia do treino,
apesar de concordarmos ser necessário dar mais solidez aos fenômenos exteriormente mais
relevantes ao Atletismo de alta competição, é também coerente e oportuno pensar, que as razões
para este contínuo acumular de êxitos do Meio-Fundo (MF) radicam, não só no estágio de plena
realização das aptidões desportivas, mas também na profundidade, ou seja, em tudo aquilo que se
localiza a montante do êxito, nomeadamente no trajeto ou percurso que decorre até que este seja
efetivamente alcançado (ZAAR et. al., 2013, p. 571).
Nesta pesquisa interessa-nos problematizar o treino de um corredor de alto rendimento.
Assim, partimos de uma questão que parece justificar-se: como caracteriza-se a preparação de um
meio-fundista de alto rendimento?
O objetivo central deste estudo foi caracterizar a preparação do atleta Fabiano Peçanha na
temporada 2007, período no qual obteve sua melhor marca pessoal para os 800m, que lhe colocou
na 16ª posição do ranking mundial com 1min44s60.
Por outro lado, cada caso é, em muitos aspectos, semelhante a outras pessoas e único em
outros (STAKE, 2009, p. 36). Estamos, interessados no seu estudo tanto pela singularidade como
pelas suas semelhanças. Nesse sentido, há que procurar compreendê-los e conhecer como agem
no contexto da sua atividade.
METODOLOGIA
Sujeito
Fabiano Peçanha nasceu em Cruz Alta em 5 de Junho de 1982 e foi captado muito cedo
para a prática do Atletismo, aos 11 anos de idade iniciou sua formação desportiva nas escolas
infantis sob supervisão de seu pai Jorge Peçanha. Aos 16 anos no decurso de 1998, conquistou o
primeiro dos 20 títulos brasileiros nas categorias Menor, Juvenil e Adulto. Quatro vezes
Campeão Sul-americano Adulto dos 800m (2003, 2005, 2006 e 2009). Três vezes Campeão Sulamericano Adulto dos 1.500m (2003, 2005 e 2007). Campeão Ibero-americano dos 1.500m
(2008). Medalha de bronze nos 800m dos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo e do Rio de
Janeiro (2003 e 2007). Campeão Mundial Universitário dos 800m em Izmir na Turquia (2005).
Além do quarto lugar nos 800m na Goldem League etapa de Oslo na Noruega (2007) e Décimo
primeiro lugar nos 800m do Campeonato Mundial de Atletismo de Berlim (2009). Semi-finalista
dos 800m nos Campeonatos Mundiais Indoor da Hungria e da Espanha (2004 e 2008), do
Campeonato Mundial de Atletismo de Osaka (2007) e nos Jogos Olímpicos de Pequim (2008) e
Londres (2012).
Na tabela 1, apresentam-se as marcas pessoais obtidas por Fabiano em diferentes
distâncias. Seu melhor registro para os 1.500m ocorreu aos 22 anos, já nos 800m ocorreu aos 25
anos de idade.
Tabela 1. Melhores marcas pessoais obtidas por Fabiano Peçanha em diferentes distâncias
Distância
100m
200m
400m
800m
1.500m
3.000m
5.000m
Tempo
10.8
22.6
47.9
1:44.60
3:38.45
8:12.0
14:57.0
No Brasil, a par de outros, o exemplo de Peçanha constitui-se como o melhor paradigma
da evolução, com a idade, da especialidade competitiva (Tabela 2):
Tabela 2. Evolução dos resultados de Fabiano Peçanha em diferentes provas e idades
Idade
Objetivo do Treino
Resultados Obtidos
Entre os 11 e os 15 anos
Salto em Distância
100m
1.200m
4.55cm - 5.80cm
13.5 - 11.8
3.54.6 - 3.24.2
400m
800m
1.500m
400m
800m
1.500m
52.5 - 49.2
1.57.7 - 1.48.90
4.02.2 - 3.46.45
48.6 - 47.9
1.48.68 - 1.44.60
3.42.19 - 3.38.45
Entre os 16 e os 19 anos
Entre os 20 e os 25 anos
INSTRUMENTO DE PESQUISA
Atendendo às suas características, permitem a obtenção de informações relativas à vida
desportiva e pessoal dos atletas de alto rendimento, aumentando a compreensão acerca das suas
influências sociais e culturais e sobre os contextos onde treinam, competem e vivem. (SANDS,
2002, p. 67).
A recolha de informação para a caracterização da preparação de um corredor de alto
rendimento decorreu durante o período de 2012. Os instrumentos utilizados foram as entrevistas e
a observação não participante:
i) entrevistas - a técnica da entrevista semi-diretiva é a que serve de base à recolha das
informações (POIRIER; CLAPIER-VALLADON; RAYBOUT, 1995, p. 63). Uma vez que
centrou-se somente num indivíduo, procedeu-se à realização de vários diálogos cujo objetivo foi
o aprofundamento da informação e a abordagem de temas que não foram antes tratados
(POIRIER; CLAPIER-VALLADON; RAYBOUT, 1995, p. 63). O guião da entrevista foi
elaborado tendo em conta os requisitos metodológicos definidos por vários autores (BOGDAN;
BIRKLEN, 1994, p. 37; RUQUOY; 2005, p. 113). Antes da sua aplicação ao sujeito do estudo, o
guião foi submetido a um grupo de professores habituados a lidar com este tipo de instrumento,
que o sancionaram. As entrevistas foram gravadas com a devida autorização e posteriormente
transcritas.
ii) observação não participante - sem o envolvimento do observador no campo do objeto
de estudo, foram observados treinos, competições, bem como conferências do atleta e do
treinador Jorge Peçanha. Daqui resultou todo um conjunto de informações que se constituíram
como notas de campo (HEINEMANN, 2003, p. 88; THOMAS; NELSON, 1996, p. 71), as quais
consistem em descrições das intervenções, comportamentos e processos organizacionais do treino
de Fabiano Peçanha.
Nesta pesquisa, a transcrição das entrevistas e notas de campo constituíram o corpus de
análise. A técnica de tratamento da informação utilizada foi a “Análise de Conteúdo” (BARDIN,
2008, p. 219). Neste estudo foram consideradas as duas funções da Análise de Conteúdo, ou seja,
a confirmatória e a heurística. Assim, com base na revisão de literatura, realizou-se parte da
categorização - a priori - e após uma exploração mais aprofundada do corpus, efetuou-se a
restante categorização - a posteriori.
A análise dos dados foi submetida a uma discussão com outros investigadores com o
objetivo de se promover um confronto com as opções por nós efetuadas, desenvolvendo-se assim
segundo Bardin (2008, p. 219) um processo com vista a tornar todo o percurso metodológico
desenvolvido o mais credível possível.
RESULTADOS
O trabalho desenvolvido com Peçanha está enquadrado numa filosofia de treino do MF
assente numa clara definição dos princípios de gestão do processo e das cargas de treino. O
esboço da exigência competitiva de alto nível de um atleta do MF é algo que está bem delineado:
as qualidades fundamentais são a força, a velocidade, a resistência, a técnica de corrida, bem
utilizadas através da rentabilização das reservas energéticas (BAKER et al, 2003, p. 2). A
intensificação dos exercícios de treino com base no ritmo de competição, na morfologia orgânica,
são determinantes para o êxito nestas provas, refletindo na elevação da eficácia das sessões,
associado a uma melhor gestão da carga de treino (figura 1), que somados ao desejo
incondicional de atingir o alto nível a longo prazo conduzem ao sucesso e garantem a exploração
do potencial do atleta.
Figura 1. Gestão da carga de treino.
Carga = Qualidade X Intensidade
A carga de treino é a soma do trabalho pedido ao atleta e as solicitações provocadas por
esta durante um período de tempo em que é preciso ter em conta três elementos:
i) Qualidade do trabalho;
ii) Freqüência com o qual é realizado o trabalho;
iii) Natureza do trabalho.
A qualidade é designada pelo volume sendo avaliada como uma medida ligada à
especialidade da atividade em questão: tempo de duração, metros, quilômetros, pesos, etc.
A intensidade é estimada de duas maneiras: i) em referência as categorias gerais de intensidade
(leve; média; intensa; muito intensa; máxima); ii) em referência às capacidades individuais do
atleta, traduzida em percentagem.
O processo de treino desportivo está condicionado por um determinado número de fatores
biológicos e psicológicos. A compreensão sobre o seu impacto sobre a adaptação do organismo é
o principal fator na estruturação do treino.
A estrutura do planejamento anual de Fabiano é desde 2001 caracterizado pela dupla
periodização, isto é, por dois períodos: Macrociclo de Inverno e Macrociclo de Verão.
O Macrociclo de Verão tem início em Outubro e termina em Abril, tendo como principal
objetivo o Campeonato do Mundo de pista coberta e os Jogos Panamericanos. O macrociclo de
Inverno tem início em Maio e termina em Setembro, tendo como principal objetivo os Jogos
Olímpicos e Campeonatos do Mundo.
Antes da elaboração do plano anual, são traçadas as linhas orientadoras do plano anual de
treino. Segundo seu treinador Jorge Peçanha, é sempre interessante que os objetivos a atingir
sejam equacionados em conjunto, e que se pense e se alerte sobre a quantidade e qualidade de
treino necessário, assim como o estilo de vida indispensável para alcançar os objetivos desejados.
Na organização anual do treino considera-se os Períodos de Transição, Preparatório Geral,
Período Básico, Específico, Pré-Competitivo e Competitivo. Os espaços temporais de 2007, no
qual Fabiano Peçanha atingiu sua melhor marca pessoal para os 800m com 1min44s60 são os
seguintes:
- Período de Transição - Out: cerca de trinta dias de férias absolutamente longe da pista;
- Preparatório Geral - Nov/Dez: Retorno gradual do treino por cerca de três semanas, com
rodagens leves e duas sessões por semana de treino de força. Treinos somente em um período.
Não mais do que 60Km por semana;
- Período Básico - Jan/Fev: Treino na altitude (22 dias) a 2.600m realizados em duas
sessões diárias e volume semanal de 90Km;
- Período Específico - Mar/Abr: Redução do volume para 60Km por semana divididos em
dez sessões de treino. No entanto a intensidade dos treinos específicos aumentou gradualmente;
- Período Pré-Competitivo - Mai: O volume e intensidade dos treinos se mantêm mesmo
em meio as competições. Neste período Peçanha correu quatro vezes acima de 1min46s para os
800m;
- Período Competitivo Jun/Jul/Ago: Competiu o Troféu Brasil, o Brasileiro Universitário
e o Campeonato Sul Americano de Atletismo. Com treinos específicos e volume mantendo-se em
60Km semanais. No Jogos Panamericanos, correu 1min45s64 e duas semanas depois no Mundial
Universitário com parciais de 50s8 para os 400m e 1min17s aos 600m Peçanha marca
1min44s60. Uma semana antes do PAN e nas semanas após, ocorre a faze de manutenção, com
baixo volume e intensidade moderada. Encerrando a temporada competitiva no Campeonato
Mundial de Osaka no Japão, no final de Agosto, correu outras duas vezes 1min45s para os 800m.
Na organização da estrutura do plano anual de treino de Peçanha, apesar dos objetivos
serem determinados pelas competições alvo da temporada, o planejamento considera o plano
mensal, semanal e diário expresso respectivamente no Mesociclo, Microciclo e nas Unidades de
Treino, que poderão ser alterados ou corrigidos em função de qualquer acontecimento não
previsto. Nas tabelas 3, 4, 5 e 6 podemos observar os Microciclos Típicos do Período de Base,
Específico, Pré-Competitivo e Competitivo na temporada 2007.
Tabela 3. Exemplo de Microciclo Típico do Período de Base
Dia
Sessão da Manhã
Sessão da Tarde
Segunda
Circuit Training
Terça
Treino de Força
Fartlek: 7x2min/2min + 8x1min/1min
Quarta
Circuit Training
40min CCM (últimos 12min ritmo forte) (3:10/K)
4x100m
40min CCM (4/K)
Quinta
6x350m Aclive 6%
30min CCM (4/K)
Sexta
TC
ECB
Pliometria
Sábado
Repouso
Fartlek: 4x: 3min/2min
5x: 2min/1min
6x: 1min/30s
TC
30min CCL grama
4x100m
Domingo
Repouso
Repouso
Na temporada 2007 quando Peçanha obteve a sua melhor marca para os 800m no
Microciclo Típico do Período de Base os circuitos foram compostos de 12 exercícios gerais,
realizados em duas séries de 40s cada e intervalo de 1min de corrida leve.
Tabela 4. Exemplo de Microciclo Típico do Período Específico
Dia
Sessão da Manhã
Segunda
Pliometria
Terça
Treino de Força + 30min CCL
Quarta
Repouso
Quinta
Treino de Força + 15min CCL
Sexta
25min CCM
4x100m
Sábado
Repouso
Domingo
Repouso
Sessão da Tarde
TCMV
5x1.000m: 2:52 a 2:55min (90%) (R.2min)
TCCT
25min CCR (4/K)
1x500m: 62s (95%)
40min corrida normal (4/K)
últimos 12min forte
4x100m
TCMV
3x3x300m: (90%)
1ª série: 41s (R. 1:30min)
2ª série: 40s (R. 2:30min)
3ª série: 39s (R. 3min)
3x1.000m: 2:53 a 2:55min (90%)
(R.1min)
2x600m: 1.34min (95%)
2x400m: 56s
2x200m: 24s
(R.2 P.4)
30min CCL (4/K)
4x150m progressivo
No Microciclo Típico do Período Específico de preparação ocorreram treinos que se
aproximaram da exigência da prova, além da utilização das competições e testes para controlar a
performance, utilizando principalmente a distância de 600m para observação e prognóstico dos
800m.
Tabela 5. Exemplo Microciclo Típico do Período Pré-Competitivo
Dia
Sessão da Manhã
Sessão da Tarde
TCCT
ECB
4x1.000m: 2:40min (95%)
(R. 4min)
20min CCR (3:20/K)
4x150m progressivo
TCCT
ECB
7x200m: 27s (R.90s) (80%)
1x1.000m: 2:28min (95%)
Segunda
Treino de Força + 25min CCL
Terça
30min CCM
Quarta
30min CCM
Quinta
25min CCM
1x1.200m: 3:04min (90%)
-
Sexta
30min CCM
6x150m progressivo
-
Sábado
20min CCL
4x100m
-
Domingo
Competição 1.500m: 3:39.58
-
No período Pré-Competitivo, a exemplo de um treino típico intervalado de curta duração
com componente intensivo/extensivo, estes foram realizados com 48h de intervalo e em pista de
terra. Nesta etapa ocorreram aplicação de testes para aferição dos planos de treino posteriores.
Tabela 6. Microciclo Típico do Período Competitivo
Dia
Sessão da Manhã
Sessão da Tarde
Segunda
-
-
Terça
-
30min CCL
TCMV
4x2.000m: 6:15min (90%)
R. 1º = 3min
2º = 2min
3º = 1min
TCCT
ECB
2x3x200m: 23/24s (95%)
R. = 3min
P. = 5min
1x600m: 1:21min
25min CCR (3:20/K)
4x150m progressivo
Quarta
-
Quinta
Treino de Força
Sexta
-
Sábado
-
5x400m: 57s (95%)
(R.90s)
Domingo
-
-
Legenda
CCL - Corrida Contínua Leve
CCM - Corrida Contínua Moderada
CCR - Corrida Contínua Rápida
ECB - Exercícios com Barreiras
R - Recuperação
TC - Técnica de Corrida
TCCT- Técnica de Corrida com Tração
TCMV - Técnica de Corrida com corrida em Máxima Velocidade de 30m após cada exercício técnico
P - Pausa
Nota-se, que a passagem dos níveis de intensidade são realizadas de forma progressiva o
que evita lesões, promovendo uma boa adaptação do organismo frente ao estímulo. A corrida
contínua é componte indispensável na estrutura do treino de Peçanha, que vem sendo realizados
com esta qualidade desde 2006.
A caracterização do treino de Fabiano Peçanha na temporada de 2007 indica que:
- Após o conhecimento sobre o treino e seu objetivo, o próprio atleta estabelece metas de
tempos a fazer as repetições, considerando alguns fatores como desgaste de treinos anteriores,
condição física, condições do tempo e pista;
- A utilização e importância dada ao treino de condição física, como técnica de corrida em
aclive, corrida com tração para melhoria e manutenção da força, utilizando também alternância
de ritmo (Fartleck) sem marcação de tempo ou distância e circuitos ao longo de toda temporada;
- Os treinos intervalados extensivos de curta duração utilizados com maior freqüência nos
períodos Básico e Específico;
- Os maiores volumes são realizados no período Preparatório de Base aumentando a
freqüência dos treinos específicos de média e longa duração;
- Os treinos de rampas com maior volume e menor intensidade são realizados no período
Preparatório de Base e Específico;
- A determinação do ritmo dos treinos de corrida contínua e intervalado são realizados
pela percepção subjetiva de esforço;
- Natural redução do volume de treino e consequente aumento progressivo da intensidade,
nos períodos Específicos e Pré-Competitivos;
- A utilização do treino em aclive quase toda época, exceto no período Competitivo ou no
período Pré-Competitivo (na semana da competição) e depende da importância da prova;
- Na época de treino Específico a maioria das rodagens são fortes, ou então progressivas,
com final forte. Até mesmo a corrida de aquecimento o ritmo é considerável;
- No Período Preparatório Básico, as corridas contínuas variam de 10 a 15Km. No Período
Específico e Pré-Competitivo, a duração não ultrapassa 40min;
- No Período Específico as distâncias mais utilizadas nos treinos intervalados são de 200m
e 500m com um número de repetições que varia entre 4 e 12 repetições;
- A utilização e importância dada às acelerações de até 100m, quase todo ano, bem como,
intervalados de curta duração com componente extensivo/intensivo utilizados com maior ênfase
nos períodos Pré-Competitivo e Competitivo;
- Os treinos intervalados intensivos de curta duração utilizados com maior freqüência no
período Pré-Competitivo e Competitivo;
- O aumento ou redução da intensidade de acordo com o objetivo e percepção subjetiva de
esforço;
- As corridas contínuas são feitas por tempo e não por distância, realizando as de média
intensidade, com objetivo regenerativo e descanso ativo. As de alta intensidade possuem duração
de até 30min. E as mistas, na qual realiza grande parte do treino em ritmo fácil, e sua parte final
em ritmo intenso.
CONCLUSÃO
A organização anual do treino de Fabiano Peçanha na temporada 2007 considerou os
períodos: Preparatório Geral, Período Básico, Específico, Pré-Competitivo, Competitivo e de
Transição. As características gerais do Macrociclo de treino e o binômio volume/intensidade
assemelhasse ao dos atletas de nível internacional, possibilitando rendimentos elevados em fases
distintas.
De realçar, que o seu melhor registro para as provas, ao fazê-lo nos 1.500m três anos
antes dos 800m, sugere que sua preparação até 2004 centrou-se em treinos com maior
componente aeróbio, o que pode ter interferido no desenvolvimento da velocidade específica
requerida à distância mais curta. A confirmar-se este indício, poderia representar um desajuste
temporal entre o período ótimo de maturação física e técnica do atleta e as exigências que o
mesmo enfrenta no seu treino e competição.
A aplicação da metodologia de treino oriunda de diversas escolas de MF, a capacidade de
compreensão sobre o fenômeno desportivo pela proximidade familiar e a capacitação técnica do
treinador e do atleta reduziram significativamente as chances de haver lesões, ocorrendo duas em
20 anos.
Conclui-se também que a metodologia de treino empregada possui características de:
- Baixo volume e alta intensidade;
- Utilização de 10 sessões semanais de treino no período Específico;
- Intensidade determinada pela percepção subjetiva de esforço orientada pelo treinador e
posteriormente tempo/meta;
- Treino idealizado com antecedência e quando necessário, adaptado as circunstâncias;
- De acordo com o objetivo a percepção subjetiva de esforço é utilizada na orientação do
aumento ou redução da intensidade;
- A recuperação dos treinos intervalados é realizada de forma passiva.
Face ao levantamento de informações, constatamos que as características elementares do treino
de Peçanha consolidam-se nos fatores determinantes para o desempenho das provas de MF,
enquadradas numa filosofia assente na definição dos princípios de gestão das cargas de treino
utilizadas através da rentabilização das reservas energéticas. A intensificação destas, com base no
ritmo de competição e na morfologia orgânica são fatores que determinaram a elevada eficácia
das sessões, que a longo prazo conduziram ao sucesso e garantiram a exploração do seu
potencial.
REFERÊNCIAS
ARENS, O. Young runners avoid specialisation. Modern Athlete and Coach, New York, v. 21,
n.1, p. 22-24, mar. 1983.
BAKER, J. et al. Nurturing sport expertise: factors influencing the development of elite athlete.
Journal of Sports Science and Medicine, Kingston, v. 2, n.31 p. 1-9. March 2003.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 2008.
BENTO, J. Desporto. Discurso e substância. Porto: Campo das Letras Editores, S.A. 2004.
BOGDAN, R.; BIRKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Uma introdução à teoria e
aos métodos. Porto: Porto Editora. 1994.
BORIN JP.; Gonçalves A. Alto nível de rendimento: a problemática do desempenho desportivo.
Rev Bras Ciênc Esporte, Campinas, v. 26, n. 1, p. 9-17, Setembro 2004.
GARCIA, R.; LEMOS, K. Temas quase éticos de desporto. Belo Horizonte: Casa da Educação
Física. 2005.
HEINEMANN, K. Introducción a la metodología de la investigación empírica en las ciencias del
deporte. Barcelona: Editorial Paidotribo. 2003.
MALLETT, C.J.; HANRAHAN, S.J. Elite athletes: why does the ‘fire’ burn so brightly?
Psychology of Sport and Exercise. Queensland, v. 5, n. 2, p. 183-200, April 2004.
ORLICK, T. In pursuit of excellence. 4th Edition. U.K. Human Kinetics. 2008.
POIRIER, J., CLAPIER-VALLADON, S. & RAYBOUT, P. Histórias de vida. Teoria e prática.
Oeiras: Celta Editora. 1995.
RUQUOY, D. Situação de entrevista e estratégia do entrevistador. In: Albarello C, Hiernaux J,
Maroy C, Ruquoy D, Saint-Georges P, Práticas e métodos de investigação em Ciências Sociais
(2ªedição) Lisboa: Gradiva – Publicações Lda. 2005. p. 84-116.
SANDS, R. Sport ethnography. Champaign, IL: Human Kinetics. 2002.
STAKE, R. A arte de investigação com estudos de caso. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
(2ª ed.) 2009.
THOMAS, J.; NELSON, J. Research methods on Physical Activity. Champaign IL: Human
Kinetics. 1996.
ZAAR, A. REIS, V.M. OLIVEIRA, D.R. SILVA, A.J. (2013). Performance progression in
Brazilian middle-distance runners from early training to peak performance: a pilot study. Rev.
bras. cineantropom. desempenho hum. 2013;15(5):570-77. ISSN 1980-0037.