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Entrevistas Testemunho de um pioneiro Eduardo Fischer Made in Brazil PJ Pereira Engenharia de marcas é a sua especialidade revista da espm • volume 19 • ano 18 • edição nº4 • julho/agosto 2012 • R$ 28,00 João Ciaco comunicação integrada espetáculo à procura de maestros Artigos A vida é um espetáculo à procura de maestros O espetáculo é a mensagem Mobile não é tecnologia, é comportamento Profissional do futuro Os golfinhos da comunicação Mesa-redonda Sobra talento, falta consenso Artigos Fora de foco A aldeia agora é global O princípio do beijo A hierarquia dos valores Manual de sobrevivência digital Do outro lado do balcão A costura da comunicação integrada O manobrista bem-sucedido instituição mantenedora conselho deliberativo associados • Armando Ferrentini – Presidente • Alex Periscinoto • Armando Strozenberg • Dalton Pastore • Décio Clemente • João Vinicius Prianti • José Carlos De Salles Gomes Neto • Luiz Marcelo Dias Sales • Luiz Lara • Roberto Duailibi • Sérgio Reis • Adriana Cury • Alex Periscinoto • Altino João de Barros • Antonio Fadiga • Antonio Jacinto Matias • Armando Ferrentini • Armando Strozenberg • Claudio de Moura Castro • Dalton Pastore • Décio Clemente • Francisco Gracioso • Jayme Sirotsky • João Carlos Saad • João De Simoni Soderini Ferracciù • João Roberto Marinho • João Vinicius Prianti • José Bonifácio de Oliveira Sobrinho • José Carlos De Salles Gomes Neto conselho fiscal Titulares • Antonio Jacinto Matias • Luiz Carlos Brandão Cavalcanti Júnior • Percival Caropreso 4 Revista da ESPM | maio/junho de 2012 • José Heitor Attilio Gracioso • Luiz Carlos Brandão Cavalcanti Júnior • Luiz Carlos Dutra • Luiz Lara • Luiz Marcelo Dias Sales • Marcello Serpa • Octávio Florisbal • Orlando Marques • Percival Caropreso • Petrônio Corrêa • Ricardo Fischer • Roberto Civita • Roberto Duailibi • Roberto Martensen • Saïd Farhat • Sérgio Reis • Waltely Longo Diretoria executiva da ESPM • J. Roberto Whitaker Penteado Presidente • Alexandre Gracioso Vice-presidente Acadêmico • Elisabeth Dau Corrêa Vice-presidente Administrativo Financeira • Emmanuel Publio Dias Vice-presidente Corporativo • Hiran Castello Branco Vice-presidente de Operações editorial EXPEDIENTE Conselho Editorial Francisco Gracioso – Presidente Alexandre Gracioso Hiran Castello Branco Thomaz Souto Corrêa J. Roberto Whitaker Penteado (MTB no 178/01/93) Coordenação Editorial Lúcia Maria de Souza Editora Assistente Anna Gabriela Araujo Edição de Arte Mentes Design Revisão Anselmo Teixeira de Vasconcelos Antonio Carlos Moreira Mauro de Barros Redação Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo – SP – CEP 04018-010 Tel.: (11) 5085-4508 Fax: (11) 5085-4646 e-mail: [email protected] Comercial J.L.Décourt Ricci e-mail: [email protected] Tel.: (11) 5085-4679 Impressão Editora Referência Gráfica Distribuidor Exclusivo Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Revista da ESPM Uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores. Professores, pesquisadores, consul tores e executivos são convidados a apresentar matérias sobre suas especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a coordenadora editorial. Nova era de uma velha arte A definição mais atual de comunicação integrada é o uso combinado da mídia tradicional com as novas arenas da comunicação, como o marketing promocional, o universo digital e os grandes eventos esportivos, musicais e culturais. O termo refere-se também à capacidade de “surfar” as notícias, isto é, criar ou estimular a divulgação de informações de nosso interesse e que a mídia veicula como conteúdo editorial. Finalmente, registre-se também que o Festival de Cannes já distribui há mais de cinco anos os seus Titanium Lions, justamente para premiar as melhores campanhas de comunicação integrada. Entre nós, a ESPM foi pioneira há vários anos na conceituação das novas arenas da comunicação, como forma nova e importante de atingir o mercado. Mais recentemente a ABAP adotou oficialmente o termo comunicação integrada, como desdobramento natural da propaganda tradicional. Em todos os casos, dentro e fora do Brasil, esta importância da comunicação integrada tem muito a ver com as expectativas e o comportamento típico da vida moderna. Vivemos em uma grande sociedade do espetáculo e as pessoas buscam freneticamente o entretenimento e a diversão, como forma de fugir à aridez do mundo de hoje. De certa forma, a comunicação integrada coloca esta tendência a serviço da comunicação de mercado. Por tudo isso, não deixa de ser surpreendente o que constatamos, nos inúmeros contatos que mantivemos com publicitários e anunciantes, durante a preparação desta edição. Muitos profissionais parecem estar ainda confusos a respeito do que vem a ser a nova comunicação integrada. Alguns deles até confundem o termo com a comunicação dirigida, talvez pelo fato de que a nova comunicação integrada é geralmente segmentada e atinge setores específicos do mercado consumidor. De qualquer maneira, todos reconhecem que estamos diante de um novo fenômeno de importância incalculável para o futuro da comunicação com o mercado. Como é natural, restam ainda muitos problemas a resolver, para que a comunicação integrada se difunda mais rapidamente entre nós e tire o nosso país do relativo atraso em que se encontra. Entre eles estão, sem dúvida, a conciliação de interesses de todas as partes envolvidas no processo – inclusive as agências e a grande mídia. Outro ponto é a necessidade de se aperfeiçoar a coordenação das campanhas que combinam a mídia tradicional e as novas arenas da comunicação. Podemos mesmo dizer que, se a vida moderna é um grande espetáculo, faltam maestros para dirigi-lo. Mas estes percalços iniciais são até naturais. A nossa geração está tendo o grande privilégio de testemunhar o surgimento de uma nova era da velha arte de informar e persuadir o consumidor. Francisco Gracioso Presidente do Conselho Editorial PARA ASSINAR, LIGUE: (11) 5085-4508 OU MANDE UM FAX PARA: (11) 5085-4646 - www.espm.br/revistadaespm índice Artigos A vida é um espetáculo à procura de maestros Francisco Gracioso Nos últimos anos, alguns anunciantes se tornaram especialistas na arte de ”surfar” as notícias, obtendo cobertura editorial gratuita na grande imprensa, como é o caso da Apple. Confira como funciona essa poderosa estratégia de comunicação integrada Página 20 O espetáculo é a mensagem Anna Gabriela Araujo Os principais executivos de grandes empresas, como Microsoft, Sony e McDonald’s, falam sobre o impacto que as novas arenas da comunicação estão causando no planejamento de marketing dessas marcas Mobile não é tecnologia, é comportamento Marcio Chaer Quem ainda não acredita na revolução da mobilidade vive em outro planeta. Já podemos afirmar, com toda certeza, que o consumidor é mobile. Ainda assim, a maioria das marcas não utiliza esse meio de forma correta Página 36 Profissional do futuro Alexandre Gracioso e Laura Chiavone Pesquisa ”Beta e Bravura”, idealizada pela ESPM/SP e executada pela Limo Inc., apresenta o perfil do executivo de marketing do século 21, com base na análise de oito escolas de comunicação destacadas no Festival de Criatividade de Cannes Página 48 8 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock Página 28 Os golfinhos da comunicação Marcelo Vergílio Paganini de Toledo Em um mundo multiconectado, multi-informado, multi-impactado e multidisperso, quais são os desafios das empresas para desenvolver sua comunicação corporativa de forma efetiva para atingir globalmente todos os públicos de seu interesse? Página 56 Fora de foco Valeria Ravier A era digital encurtou os tempos, multiplicou as possibilidades e trouxe à tona a miopia dos executivos da Kodak, que foram incapazes de reinventar uma empresa com 124 anos de história. Será esse o fim do slogan ”Você aperta o botão, nós fazemos o resto”? Página 60 O princípio do beijo Adriana Gomes Para haver relação, é preciso reconhecer o outro. Com base nesta teoria, a autora mostra como o uso frenético das mídias digitais tem provocado o empobrecimento da capacidade mais humana que possuímos: a comunicação. Página 70 índice A costura da comunicação integrada Paulo Roberto Ferreira da Cunha Por mais que inovações, tecnologias e preceitos sejam promulgados sempre, a prática da comunicação integrada convoca gestores de processos de comunicação a buscar no essencial as respostas mais elementares; as quais permanecerão como fundamento Página 76 Manual de sobrevivência digital Ana Luiza Collares Xavier Suas estratégias de marketing digital estão trazendo o resultado esperado? Se você pretende realizar ações efetivas na internet, primeiro precisa entender como este meio é utilizado por seus clientes Página 82 A aldeia agora é global Roberto Muylaert Se o grande teórico da comunicação tivesse nas mãos os dispositivos móveis de hoje, que somam num só sistema as três modalidades de comunicação preconizadas, não teria dúvida em afirmar, encantado, que, agora sim, o mundo é mesmo uma Aldeia Global Página 86 Seções Leitura recomendada Ponto de Vista 10 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 [Mesa-redonda] Sobra talento, falta consenso Entrevistas Fabio Baracho Martinelli (da Ambev), Pedro Cabral (da AgênciaClick) e Luiz Buono (da Fábrica) discutem o futuro da comunicação integrada com os professores Francisco Gracioso, Paulo Cunha e João Matta (da ESPM) Página 90 12 A hierarquia dos valores Hermano Roberto Thiry-Cherques Existem valores que são mais importantes do que outros? Caso existam, qual a hierarquia que lhes corresponde? Testemunho de um pioneiro Eduardo Fischer Página 100 Do outro lado do balcão Adriano Maluf Amui Pesquisa inédita apresenta as estruturas de trade marketing no Brasil. Estudo realizado pelo Invent revela a percepção dos profissionais a respeito da atividade, a mapeia e demonstra como essas estruturas estão organizadas nas empresas Página 102 40 Engenharia de marcas é sua especialidade João Ciaco O manobrista bem-sucedido Carlos Roberto F. Chueiri Cid Mesquita Garcia Filho, superintendente do Sistema Estapar/Riopark, mudou sua vida após investir em um dos cursos da ESPM Página 108 64 114 117 Made in Brazil PJ Pereira entrevista Testemunho de um pioneiro E m 30 anos de profissão, Eduardo Fischer já protagonizou grandes espetáculos baseados na integração de diversas ferramentas do marketing. Brahma Número 1, Baby Telesp Celular, Experimenta Nova Schin e a volta do Baixinho da Kaiser são apenas alguns dos cases que ilustram seu currículo. Formado em comunicação social, com vários cursos de especialização no exterior, ele foi um dos pioneiros na defesa e prática da comunicação integrada na América Latina. Presidente do Comitê Estratégico da rede Fischer, o executivo também responde pela construção da primeira multinacional brasileira no mercado publicitário: o Grupo Totalcom, do qual é presidente. Seu case mais recente foi a criação do SWU Music and Arts, uma plataforma de comunicação, lançada em junho de 2010, com o objetivo de promover a sustentabilidade por meio do entretenimento. O reconhecimento de todo o seu trabalho está registrado nos mais de 700 prêmios de marketing conquistados pelo criativo no Brasil e no exterior. No dia 7 de agosto, ele compareceu à sede da ESPM para receber mais um trófeu para a sua coleção pelo case SWU, que foi um dos vencedores da 11ª edição do prêmio Marketing Best Sustentabilidade. A seguir, Fischer apresenta a fórmula de sua comunicação integrada. Entrevistado por Francisco Gracioso e Anna Gabriela Araujo 12 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Eduardo Fischer Gracioso – Há cinco anos, a Revista da ESPM falou publicamente sobre comunicação integrada, com a preocupação acadêmica de explicar tudo de forma correta, associando o tema ao que chamamos de sociedade do espetáculo. Hoje, o mundo está cada vez mais voltado para o espetáculo e por uma simples razão: as multidões querem fugir da aridez da vida e encontram em mil facetas do espetáculo a oportunidade de viver um momento de fantasia. Fischer – Acredito nisso desde quando entrei nesse negócio, lançando o conceito da comunicação integrada no mercado nacional. Gabi – Na época, você estava com 19 anos. Certo? Fischer – Sim. E ainda não era formado. Por dificuldade de encontrar estágio em agências, tive pouca experiência de funcionário. Optei por investir em cursos de especialização no exterior. Por exemplo, fui ao Creative Problem Solving Institute, em Buffalo (EUA), para fazer um curso de criatividade. Em Las Vegas, fiz um curso de entretenimento e outro de marketing na Universidade de Nova York. Aos 19 anos, tornei-me um profissional multifacetado na área da comunicação. Quando voltei ao Brasil, tinha uma visão mais ampla do negócio. Nessa época, a propaganda brasileira começava a se projetar como uma das melhores do mundo, focada principalmente no comercial de 30”. Para aparecer e conquistar meu lugar nessa indústria, montei um discurso que não condizia com a época. Costumava dizer que o comercial de TV era excelente, mas tão importante quanto um evento, uma promoção ou uma campanha de incentivo. Todas essas ações colocadas embaixo de um único conceito são mais fortes do que apenas o filme publicitário. Fiquei falando sozinho durante dez anos. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 13 entrevista Gabi – O mercado seguia essa tendência muito em função do anunciante, que queria o comercial de 30”, da mesma forma que agora exige mais retorno sobre o investimento. Fischer – Sem dúvida. Todo o mercado estava voltado para isso. Gracioso – Concordo. Para nós, a comunicação era propaganda. Fischer – Propaganda como sendo o ato de propagar a mensagem usando basicamente quatro veículos de massa: rádio, jornal, revista e televisão. Era esse o nosso mundo. Eu não era contra, mas sabia que nesse mundo já surfavam grandes profissionais como Alex Periscinoto, Roberto Duailibi, José Zaragoza, Francesc Petit e tantos outros. Como empresário da comunicação, aos 19 anos de idade, eu precisava de um novo discurso para ter uma chance no mercado nacional. Gabi – Quem não gostou muito da ideia foi seu pai, não é? Fischer – Meu pai não entendia o mercado publicitário, mas ainda assim patrocinou a abertura da minha primeira agência, cuja sede ficava em um escritório de 49m 2 e o telefone era o mesmo do dentista do sexto andar. Assim começou minha história. Enveredei nesse negócio para ter a chance de construir um novo discurso de comunicação. Entre 1985 e 1990, produzi grandes campanhas, sempre associadas a um modelo que oferecia algo além da publicidade. Um exemplo foi o lançamento da Calvin Klein no Brasil, feito pela Fischer América, 14 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 “Eu costumava dizer que o comercial de 30” era excelente, mas tão importante quanto um evento, uma promoção ou uma campanha de incentivo... Fiquei falando sozinho durante dez anos” no início dos anos de 1980, por meio de uma criação comportamental, que misturava comerciais com uma série de eventos para ajudar a alavancar a campanha da marca. Gracioso – Os eventos, às vezes, provocavam mais mídia do que a propaganda. Fischer – Posicionei-me com base nessa tendência, só que com uma cortina de ferro, porque o mercado não achava que isso era pertinente. Até que, em 1990, ao apostar na comunicação integrada, acabei ganhando toda a conta da Brahma, que estava sendo disputada por oito agências bem tradicionais. Com o conceito “Brahma, a nº 1”, transformamos uma empresa quebrada – que havia sido comprada pelo grupo Garantia por US$ 50 milhões – em uma marca mais valiosa do que sua principal concorrente, a Antarctica, que na época liderava o mercado cervejeiro do país. A comunicação integrada virou esse jogo, porque tínhamos um cliente que acreditava e investia no nosso trabalho e não deixava que eu parasse de fazer projetos pensando “fora da caixa”. Passados 30 anos, hoje o que se vê no Festival de Cannes, na categoria Titanium, nada mais é do que a comunicação integrada que fazíamos para clientes como a Brahma. O primeiro branded content da propaganda brasileira foi feito para o grupo têxtil Vicunha, com o Projeto Expresso Brasil, que no fim da década de 1980 exibiu na Rede Globo uma série de TV composta por 40 capítulos de cinco minutos cada um. Na trama, um trem servia de ponto de encontro para vários personagens famosos das no- Eduardo Fischer velas da emissora, como o prefeito Odorico Paraguaçu e o matador Zeca Diabo, de O Bem Amado, ou ainda Sinhozinho Malta e a viúva Porcina, de Roque Santeiro. Era um trem que vendia o Brasil e trazia a assinatura da Vicunha, marca que ficou conhecida em todo o país. Gracioso – Sua agência coleciona uma série de casos como este... Fischer – Sem dúvida. Em 1997, por exemplo, o então ministro da Comunicação Social do governo Fernando Henrique Cardoso, Sergio Amaral, me convocou para lançar o projeto Marca Brasil. A ideia era aproveitar a Copa de 1998, na França, para mostrar ao mundo o que o país fazia não só com os pés, mas também com a cabeça. A verba era de apenas US$ 3 milhões. Ouvi a proposta e respondi que ficaria difícil fazer um projeto grandioso com aquela quantia, mas iria pensar. Passados 45 dias, voltamos com o conceito “É tempo de Brasil”, que foi a maior exposição da marca Brasil já feita até hoje no exterior. Iluminamos a pirâmide do Louvre e fizemos uma exposição extraordinária em Paris. Gracioso – Nesse momento começou a ser criada a imagem do Brasil moderno, que temos hoje lá fora. Fischer – Provavelmente. Isso foi um marco histórico para o Brasil. Pela primeira vez, o Carrousel du Louvre foi fechado por um país. Usei aqueles US$ 3 milhões para montar o projeto e consegui atrair 40 companhias que fizeram comigo o programa Hora do Brasil, composto por ícones nacionais, como uma exposição da arte barroca e ações para div ulgar a culinária brasileira. Tudo ancorado por uma grande campanha publicitária que incentivava o mundo a conhecer o Brasil. Outro exemplo foi a criação do “Baby”, da Telesp Celular. O briefing dizia “vamos lançar o mimo” – o primeiro celular pré-pago do Brasil. Mimo, em português, tem relação com mímico, que tem relação com mudo, calado. Este conceito deu certo em Portugal, mas não sabia se funcionaria no Brasil. Os portugueses que compraram a Telesp passaram o briefing para sete agências – seis fizeram a adaptação do “mimo”. Nós chegamos lá com o Baby, um produto que já nascia falando. Apresentamos não só uma proposta de marca, como também todo um novo modelo de negócios. Por exemplo: inicialmente, a recarga era para ser vendida em bancas de jornal. Nós criamos o Baby Machine, máquinas de recarga que foram espalhadas por todo o país. Dentro do grupo Telefônica, o case Baby ganhou como o melhor case de pré-pago do mundo. Gabi – E como chegar a este conceito de comunicação integrada? “Ninguém dizia: “Vai lá e faça comunicação integrada”. Mas sim: “Vai lá e resolve o problema”, como no caso da Schincariol. Com 8% de share, a marca tinha um alto índice de rejeição” Fischer – Isso é treinamento. Hoje, é muito simples, você junta tudo que fizemos na década de 1980 e faz uma grande campanha. O problema é que, em vez de sair em busca de uma ideia explosiva, primeiro você precisa entender todo o processo, o que chamamos de radiografia do mercado. Essa análise precisa ser julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 15 entrevista profunda e é preciso olhar mais o competidor do que o seu mercado. No caso da Brahma, observamos muito a Antarctica. Para criar “A nº 1”, me baseei na campanha “Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar? Antarctica faz a melhor cerveja do Brasil”, com Adoniran Barbosa. Essa era a melhor campanha de cerveja já feita no Brasil até então. Aprendi a desenvolver temas para o meu negócio, olhando a concorrência – ato que, naquela época, não era tão presente assim no dia a dia. Quando você aprende tudo sobre determinado mercado, em vez de uma ideia para um comercial, você, necessariamente, passa a buscar um conceito. Gracioso – Vejo dois pontos comuns em todas as ideias descritas por você. O primeiro é que o produto é o mais importante do mundo. E o segundo: o nosso produto é notícia, e isso é tão importante que falarão dele gratuitamente. Fischer – É fantástico, ele deixa de ser um comercial para ser um parceiro do seu cotidiano. 16 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 “Dizer que o comercial de 30” vai morrer é, no mínimo, não entender de economia, sociologia, mercado e marketing ou não querer ver” Gracioso – Isso derruba a velha definição de propaganda. Certa vez, a American Association of Advertising Agencies definiu a propaganda como “uma mensagem que procura estimular mudanças mentais em relação ao produto, quer torná-lo mais conhecido, mais desejado. É veiculada em mídia de massa e é identificada e assinada pelo patrocinador”. Isso acaba, no mínimo, com a terceira definição. Na verdade, você acabou com a principal porque, muitas vezes, você não pagava o espaço que dedicavam ao seu produto. Fischer – Não resta dúvida, mas é o cotidiano. Isso que o senhor expõe é muito interessante, porque o que é o Facebook, alguém paga? Gracioso – Prefiro não responder. Fischer – Quem está gerando conteúdos hoje são os jovens e não mais a televisão. E eles estão produzindo tudo isso sem um tostão. Então, a pertinência do cotidiano tem que ter a ver comigo. Gracioso – O cotidiano é pertinente. Fischer – O resultado de um bom projeto de comunicação integrada procura antever e ser pertinente para o cotidiano, caso contrário, volta a ser uma publicidade normal. Nas missões que nos davam, ninguém dizia: “Vai lá e faça um projeto de comunicação integrada”. Mas sim: “Vai lá e resolve o problema”, como no caso da Schincariol. Com 8% de market share, a marca representava uma cerveja com alto índice de rejeição, um dos maiores que já vi. Ela não chegava a custar R$ 1, enquanto as demais valiam o dobro, ou seja, os 8% conquistados eram apenas por preço. As pessoas podiam pagar por ela, mas não sentiam orgulho em consumir esta cerveja. Na época, estávamos fora do Eduardo Fischer segmento cervejeiro há cinco anos. No passado, fui campeão algumas vezes com uma Ferrari, a Brahma. Saí quando a Antarctica, muito fragilizada, foi comprada pela Brahma e a Ambev passou a ter 90% do mercado. Quando fui chamado por Nelson Schincariol, ele precisava de uma marca forte, capaz de suportar uma cerveja premium, que havia produzido em sua fábrica. Daí criei o projeto “Nova Schin”, uma nova cerveja, com nova fórmula, novo rótulo, nova equipe de vendas, novo treinamento e a primeira convenção nacional de vendas da Schincariol. Criamos o mote da autoestima e um novo status quo para o produto. Fizemos uma ação exclusiva para os proprietários dos pontos de venda. Mandamos uma Nova Schin para cada um deles experimentar. A empresa apostou alto nesta campanha, que fez a marca arriscar seus 8% de market share em um novo conceito. Gracioso – Hoje, cinco anos depois, a Nova Schin ainda é o ativo mais valioso dessa nova companhia que os japoneses compraram. Fischer – O resultado dessa campanha foi que a marca saiu de R$ 19 para R$ 27 a caixa, se igualando ao preço da Skol, que naquele momento era líder do segmento. Em 60 dias, a companhia conquistou 15% de market share. Gabi – Essa também foi uma campanha muito criticada na época, porque não teria como fazer uma segunda fase, já que o conceito “Nova Schin” ficaria desgastado com o tempo. Fischer – Mas, ainda assim, a marca continuou crescendo por três anos, porque este foi um projeto de comunicação integrada, no qual o conceito permeou todas as ferramentas utilizadas. Gracioso – Ouvindo você falar, até parece fácil. Hoje, 30 anos depois de suas primeiras experiências, muitos ainda não entenderam o conceito. Outros falham na execução e não conseguem trazer a mídia para o seu lado. Como exemplo, temos a decisão da Libertadores da América, quando o Corinthians enfrentou os argentinos na disputa da taça de um campeonato cujo nome inicial é Santander Libertadores. Entretan- to, a mídia não cita o nome do banco, que investe milhões de dólares nessa ação latino-americana. No dia do jogo, para que sua marca fosse lembrada, ele teve que colocar painéis nas laterais do campo. E quem mais apareceu foi a Fiat, por meio de sua marca de caminhões Iveco, que patrocinou a camisa do Corinthians. Não adianta entender o conceito de comunicação integrada ou querer ter o seu nome na propaganda, no marketing esportivo, na música... Isso porque existe um funil através do qual tudo caminha para a mente do público, que é a grande mídia, e é aí que muitos falham. Fischer – Não posso comentar um caso específico, mas o senhor tem razão. O mercado mudou demais. E o primeiro problema é que a execução precisa ser notoriamente bem feita por pessoas que conheçam todo o processo. Esse é o primeiro problema: para tentar executar um projeto integrado, o anunciante acaba contratando cinco ou dez fornecedores, com especialidades diferentes. Mas falta um coordenador. Você começa a segmentar, a multifacetar, e esquece do objeto “Criamos o Baby, da Telesp Celular, o primeiro celular pré-pago do Brasil que já nasceu falando” julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 17 entrevista “Em 2010, lançamos a plataforma de comunicação “SWU (Starts with You) – Começa com Você”, que é entretenimento na veia” integrador capaz de impulsionar tudo isso para ter mais efetividade. O segundo ponto é que muitos anunciantes são guiados pela mesa de compra, e isso é um grande problema, porque ele pode ter dinheiro para comprar o direito de ter o patrocínio, mas muitas vezes não tem verba para fazer a ativação. Em terceiro lugar, está o fato de que ninguém quer mais correr riscos. Dificilmente você verá outra companhia fazendo o que Nelson Schincariol fez ao apostar no lançamento da Nova Schin. Gabi – Mas aí entra o problema do ROI. Fischer – Correr riscos significa fazer a diferença no seu negócio. Todos os grandes projetos que fiz foram arriscados. Lançamos a campanha da Brahma dizendo: “Você só 18 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 precisa levantar o dedo para o Brasil ganhar a Copa do Mundo”. Em 1994, passamos sete meses com esse mesmo discurso, e o Brasil não ganhava uma Copa há 20 anos. Dois mil eventos foram realizados em todo o país naquele ano, além de uma campanha publicitária para levantar a estima do povo brasileiro. Na ocasião, registramos US$ 50 milhões de retorno de mídia espontânea. Na prática, a desintegração dos processos, a mesa de compra e a incapacidade dos grandes profissionais em assumir riscos são fatores que impedem a realização de grandes cases de comunicação integrada. Gracioso – Interessante, porque a minha definição da agência do futuro é uma mistura da propaganda tradicional, consultoria de marketing estratégico e empresário de circo ou teatro. Fischer – Estamos no caminho, com o lançamento, em 2010, de uma empresa dentro do grupo Totalcom para cuidar de entretenimento e conteúdo, como a plataforma de comunicação “SWU (Starts with You) – Começa com Você”, que é entretenimento na veia. É um projeto de consciência em prol da sustentabilidade, que usa o entretenimento para chamar a atenção e divulgar o evento por meio da rede social. Hoje, temos no entretenimento o futuro e, quem sabe, a chance de um processo mais fácil da comunicação integrada ajudando o movimento do velho comercial de 30” a alavancar-se novamente. Mistura de circo com consultoria e publicidade. É isso que o grupo Totalcom tem sido hoje, e fico mais confortável com sua valiosa opinião em saber que estamos no caminho certo. Eduardo Fischer Gabi – Entretenimento com conceito. Fischer – E para chegar a isso é necessária muita consultoria estratégica, que obtemos através da TEN (Tecnologia, Estratégica e Negócios) – que funciona dentro do grupo. Gracioso – Nesse novo mundo que começa a surgir, qual será o papel da propaganda? Fischer – Não sou daqueles que acham que o comercial ou a televisão vai morrer. O Brasil é um mercado completamente diferente dos outros que vemos por aí. Temos um modelo publicitário único, no qual a televisão tem mais de 50% de audiência e é poderosíssima nas classes C, D e E. Hoje, essas classes são as que estão alavancando o país. Então, dizer que o comercial de 30” vai morrer é, no mínimo, não entender de economia, sociologia, mercado e marketing ou não querer ver. Agora, dizer que vai ser tão poderoso quanto foi nas décadas de 1970, 1980, 1990 ou 2000 é um exagero, porque já tem muita gente, principalmente os jovens das classes A e B, que não assiste televisão, não lê jornal porque suja a mão e acham que ler a revista Veja é passado, porque traz notícias da semana anterior. Gracioso – Em outras palavras, novos estilos de vida, novos valores serão transmitidos de outra maneira. Fischer – No entanto, o comercial vai “varejar” cada vez mais, vai servir para informar as novidades e lançar produtos. Mas não será o carro-chefe, a locomotiva da propaganda. Gracioso – Na verdade, não há nada Gabi – Com tantas revoluções em curso, que crie impacto a preço tão baixo como a propaganda. E isso continuará assim por muitos anos. Agora, é possível levar esse ambiente de emoção e persuasão para o mundo digital? ficou mais difícil construir uma marca? “O objetivo de tornar pertinente a sua marca é que terá de ser buscado o tempo todo. E aí vem um ponto importante: será que essa descoberta vai ser feita por um publicitário?” Fischer – Estou escrevendo um livro há cinco anos, chamado Trinta segundos de emoção – estamos todos integrados, que não consigo terminar. Quando consigo identificar um processo, fecho o livro e vou ler as notícias, e aí vejo que aquilo que estou retratando precisa ser aprimorado. Gracioso – Porque é algo contraditório. Fischer – Ou já evolutivo. É uma coisa extraordinária... Comecei a escrever este livro na época do iPod, que já acabou. Estamos vivendo a revolução da construção do futuro, algo que nunca se passou antes. São várias revoluções acontecendo ao mesmo tempo. O celular, por exemplo, é outra grande revolução. Fischer – A marca deve ser pertinente na distribuição da mensagem em todas as plataformas utilizadas. Então, voltamos àquela máxima em que acreditei lá em 1990... Gracioso – Este ano, em Cannes, Joseph Tripodi, diretor internacional de marketing da Coca-Cola, disse que o desafio nº 1 da Coca-Cola é tornar a marca relevante para este novo mundo que está surgindo. Fischer – É a minha resposta, concordo plenamente. E a proposta da comunicação integrada do passado era sair de um comercial informativo para o cotidiano da pertinência no seu dia a dia. Então, a base está aí. Vamos imaginar que a mídia seja um canal de distribuição, a base que você vai atingir, precisa ser testada. É fácil para a GM falar que o Facebook não funcionou, assim como é fácil para o Facebook tentar se defender dizendo que com os outros funciona. A dificuldade é avaliar qual é a mensagem e como a GM está usando o Facebook. Essa rede social gerou a descoberta de um novo comportamento que ninguém sabia que existia: a vontade de você contar o seu dia a dia, essa necessidade era tangente. Agora, o objetivo de tornar pertinente a sua marca é que terá de ser buscado o tempo todo. E aí vem um ponto importante: será que esta descoberta vai ser feita por um publicitário? Essa é a minha provocação. Gracioso – Eduardo, muito obrigado. Em duas horas de conversa, conseguimos montar um curso completo. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 19 arenas da comunicação 20 A vida é um espetáculo à procura de maestros Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock Na era digital, ações de marketing esportivo, cultural e de entretenimento se transformam em grandes arenas de comunicação para os anunciantes e em lucrativos canais de relacionamento entre as marcas e seus diversos públicos Por Francisco Gracioso julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 21 arenas da comunicação N musicais, culturais e outros. No entanto, há sempre as exceções. Alguns anunciantes multinacionais são especialistas em “surfar” as notícias, obtendo cobertura editorial gratuita até mesmo no caso de lançamento de novos produtos, como ocorre com a Microsoft e a Apple, ou com as grandes montadoras automobilísticas mundiais. Até mesmo no jogo decisivo entre o Corinthians e o Boca, tivemos um bom exemplo disso, com o destaque que teve a Iveco, marca de caminhões da Fiat, na camisa corinthiana. Entenda a sociedade do espetáculo Lamentavelmente, o exemplo da Taça Santander Libertadores é mais comum do que se imagina. Nos últimos anos, alguns anunciantes de renome têm feito tentativas gnumarcelo o último mês de julho, os paulistanos em geral e os corinthianos em particular viveram dias de expectativa e angústia até o desfecho feliz de uma longa história, quando o Corinthians bateu o Boca Juniors e conquistou a Taça Santander Libertadores deste ano. Durante semanas a fio, a imprensa dedicou muito tempo e espaço ao tema, valorizando o evento, mas cometendo uma grave omissão: ninguém falou o nome do Santander, que é o patrocinador oficial da competição sul-americana e investe vários milhões de dólares todos os anos no campeonato. Esse é mais um exemplo da dificuldade que têm os anunciantes e as agências de propaganda em suas relações com a mídia, quando se trata de tirar proveito de investimentos de vulto feitos em eventos esportivos, Uma das ruas do centro de São Paulo, que é conhecido por oferecer atrações culturais e opções gastronômicas para todos os gostos e bolsos 22 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Na cidade de São Paulo, por exemplo, há mais de 250 peças de teatro permanentemente em cartaz e cerca de 80 mil bares, restaurantes, danceterias, lanchonetes e outros locais onde o espetáculo continua sem parar custosas de associação com grandes eventos esportivos, musicais ou culturais, sem obter o retorno desejado. As notícias aparecem na mídia, mas o crédito ao patrocinador é omitido. No fundo, ocorrem dois grandes problemas que os anunciantes e as agências de propaganda ainda não conseguiram decifrar: a compreensão do que é a sociedade do espetáculo em que vivemos hoje; e a necessidade de rever completamente as atuais relações entre clientes, agências e veículos, visando constituir autênticas parcerias estratégicas, com vantagens evidentes para todas as partes. Comecemos pela sociedade do espetáculo. O ser humano sempre foi fascinado pelo espetáculo, desde a ópera chinesa ou o circo romano. Mas o que ocorre hoje é o total predomínio do espetáculo na vida diária, e isso inclui a mídia, o marketing e a comunicação com o mercado consumidor. Nada é o que parece e, no entanto, as pessoas creem em quase tudo que veem. Queremos ter, ser, fazer, pertencer. E tudo com um único objetivo: esquecer a nossa condição humana. Somos parte da horda e, no entanto, pretendemos ser individualistas. É nesse contexto que acontece o marketing de hoje, apoiado cada vez mais no mundo do entretenimento, que surgiu para satisfazer o hedonismo das massas liberadas. Na verdade, a própria função de marketing está passando por mudanças rápidas, integrando-se cada vez mais ao foco estratégico das empresas. Isso foi mostrado recentemente pelo livro CMO Thought Leaders: the rise of the strategic marketer, de autoria de Geoffrey Precourt (Booz Allen Hamilton, 2007). A publicação versa sobre a metamorfose do marketing e analisa os resultados de shutterstock As arenas da comunicação Figura 1 Figura 2 Figura 3 Arenas que desembocam na grande mídia Arenas que desembocam no grande varejo Arenas que desembocam no universo digital Marketing esportivo, música popular, cultura e lazer, sustentabilidade, conteúdo editorial (ou merchandising), propaganda tradicional Novo uso do varejo como mídia, marketing promocional, lançamentos/ofertas, concursos/demonstrações, propaganda cooperativa Sites institucionais, redes sociais, serviços de busca (Google, Yahoo, Facebook etc.) Grande mídia Grande varejo Universo digital julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 23 arenas da comunicação uma pesquisa feita entre os principais executivos de marketing de 40 grandes empresas americanas. Feito por meio de uma parceria entre a Booz Allen Hamilton e a Association of National Advertisers (ANA), nos Estados Unidos, o estudo revela, logo no início, dois fatos importantes: (1) o prazo médio de permanência no cargo dos executivos principais de marketing vem caindo – agora é de apenas dois anos –, refletindo o clima de tensão constante em que vivem esses executivos; e (2) as empresas nas quais o marketing tem uma função estratégica central, na condução dos negócios, são também as que apresentam maior índice de crescimento e taxas de lucratividade mais alta. Mas o livro diz também que uma das principais mudanças observadas no comportamento das empresas é a sua filosofia de relacionamento com as agências de propaganda e com a mídia em geral. Os grandes anunciantes já perceberam que terão de introduzir mudanças significativas nos esquemas atuais. Monumentos à sociedade do espetáculo Quem viajar pela Alemanha não deve deixar de conhecer o grande porto de Hamburgo, no Mar do Norte. A cidade é um burburinho de gente de todas as origens, acotovelando-se na avenida Rittermann, um mundo encantado com oito quilômetros de comprimento, ocupados de ponta a ponta com choperias, casas noturnas, bares e tudo que se possa imaginar para nos fazer esquecer da vida. A Europa de hoje, aliás, está cheia de monumentos como este e até mesmo entre nós eles já começam a surgir. Na cidade de São Paulo, por exemplo, há mais de 250 peças de teatro permanentemente em cartaz e cerca de 80 mil bares, restaurantes, danceterias, lanchonetes e outros locais onde o espetáculo continua sem parar. Mas não é só isso. Pelo Brasil afora, ocorrem espetáculos sobre os quais mal ouvimos falar, desde rodeios gigantescos até partidas de hockey na grama e concertos de música de câmara em igrejas. Aliás, esta é a característica principal da sociedade do espetáculo: ela se desdobra, adquirindo mil variações para satisfazer segmentos e nichos determinados, com um impacto e um poder de convicção que a propaganda tradicional não consegue mais igualar. Esse é o mundo do espetáculo do qual se originaram as novas arenas da comunicação com o mercado, como esporte, lazer e cultura. Mas essas arenas incluem também outros 24 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 É preciso formar verdadeiras parcerias estratégicas com a mídia, tornando-a nossa aliada. Naturalmente, isso é um jogo para gente grande e afasta desde o início os pequenos anunciantes destinos, como o grande varejo, o marketing promocional e o novo mundo da internet. É evidente que as agências de propaganda têm necessidade de marcar presença em todos esses universos da comunicação, pois a abrangência e a qualidade do atendimento ao cliente dependem fundamentalmente da familiaridade da agência com essas novas formas de comunicação. No entanto, são raras as agências capazes de orquestrar e dirigir espetáculos multifacetados que vão muito além da mídia tradicional. Se analisarmos as principais arenas que surgiram para complementar a propaganda, perceberemos que elas desembocam em três grandes cenários: a grande mídia, o grande varejo e o novo universo digital (ver quadro na página 23) 1. A grande mídia Como se vê na figura 1, é por meio da grande mídia, principalmente nas grandes redes de TV e rádio, que muitas arenas da comunicação ganharam repercussão e atingiram milhões de pessoas. O Peão de Boiadeiro de Barretos, por exemplo, atinge diretamente cerca de 500 mil pessoas todos os anos. Mas, por meio da cobertura da TV, esse evento pode atingir facilmente 6 milhões de pessoas. O mesmo ocorre com os grandes espetáculos de música pop, os eventos esportivos, a área cultural e o setor de sustentabilidade, entre outros. Muitas vezes, comete-se o erro de investir pesadamente no evento propriamente dito, sem pensar na mídia que o tornará visível, e isso faz cair uma cortina de silêncio sobre o palco. A conclusão nos parece óbvia: é preciso formar verdadeiras parcerias estratégicas com a mídia, tornando-a nossa aliada. Naturalmente, isso é um jogo para gente grande e afasta desde o início os pequenos anunciantes. No entanto, sendo o mundo do espetáculo tão diversificado, há sempre lugar para os pequenos anunciantes em nichos determinados com cobertura local. dan vitoriano Shopping centers, supermercados e grandes redes de lojas assumiram o papel de mídia dentro do mix de comunicação Usando um pouco de futurologia, podemos mesmo imaginar que um dia surgirão grandes organizações combinando o espírito e a estrutura das atuais agências de propaganda com a versatilidade e o oportunismo dos empresários de espetáculo e o poder de penetração da grande mídia eletrônica. 2. O varejo como mídia Discorreremos agora sobre o papel que o grande varejo desempenha hoje, como autêntica arena da comunicação com o mercado, independentemente de seu papel como canal de vendas. São inúmeros os exemplos de marcas de produtos de consumo, ou mesmo bens duráveis, que são relevantes em seus segmentos, mas que nunca fizeram grandes investimentos em publicidade. Ao contrário, utilizaram estratégias de “trade marketing” para estabelecer parcerias com as grandes redes de varejo e assim tornarem-se cada vez mais conhecidas e respeitadas pelos consumidores. Não pense que essa convivência entre o varejo e a indústria seja tranquila. Na verdade, o que existe hoje é um confronto permanente entre as duas partes, e vence quem tem mais trunfos. Nos últimos anos, as grandes redes de supermercados e lojas adquiriram um tamanho desmesurado, por meio de estratégias de concentração, e têm hoje um peso específico comparável ao das grandes empresas que fornecem ao varejo. Por outro lado, os nomes das grandes redes de varejo se transformaram em verdadeiras marcas, que são cada vez mais respeitadas e confiáveis. Hoje, o consumidor que compra no Pão de Açúcar ou na Casas Bahia está implicitamente confiando no aval de qualidade que esses varejistas transferem aos produtos que revendem. O grande varejo sabe disso muito bem, e acredita que deve cobrar a sua parte, impondo aos fornecedores taxas de vários tipos, como o uso do espaço da loja, as campanhas cooperativas, os custos de promoções e demonstrações, a exibição de material promocional da marca etc. Pode-se mesmo dizer que o julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 25 arenas da comunicação grande varejo concorre hoje, diretamente, com as mídias tradicionais como destino das verbas publicitárias dos grandes anunciantes. Essa, aliás, é a razão principal da relativa estagnação nas verbas da propaganda em mídia de produtos de grande consumo popular, enquanto crescem as verbas destinadas ao varejo. Houve também grandes mudanças nas balanças do poder, no seio das grandes empresas produtoras. Antigamente, nas estruturas de marketing, os gerentes de produtos ocupavam um lugar privilegiado e a ênfase era dada aos objetivos estratégicos da marca. Hoje, o momento da venda é o clímax do marketing e o prato da balança pende para os gerentes de vendas e de relações com o varejo, encarregados de executar a política de “trade marketing”. Os estudiosos dizem mesmo que o futuro das grandes marcas depende, hoje, de dois fatores fundamentais: a sua relevância para o consumidor, isto é, a sua capacidade de manter-se sempre atual; e a sua relevância para o varejo, ou seja, a sua capacidade de contribuir decisivamente para a rentabilidade da loja. A festa do Peão de Boiadeiro de Barretos atinge diretamente cerca de 500 mil pessoas todos os anos. Mas, por meio da cobertura da TV, esse evento pode ser visto por mais de 6 milhões de pessoas Uma análise serena do que vem ocorrendo na internet nos permite concluir que está crescendo a sua importância como canal de mão dupla entre os anunciantes e os internautas. No entanto, curiosamente, enquanto cresce a importância da internet como fonte de informações antecipadas para o anunciante, diminui o interesse dos grandes anunciantes pela inserção de propaganda no veículo. O que ocorreu, recentemente, no lançamento das ações do Facebook ilustra o que acabamos de afirmar. O gatilho que detonou a desconfiança em relação ao valor das ações foi a notícia divulgada, na mesma ocasião, de que a General Motors havia cancelado uma grande programação de comerciais no Facebook, pela pobreza dos resultados obtidos. Trata-se de um velho problema que ainda suscita muitas dúvidas, e outros estudos deverão ser feitos para comprovar o verdadeiro valor da propaganda nos clubes sociais, serviços de busca e outros nichos da internet. Inversamente, em palestra proferida no festival de Cannes, o chief marketing e commercial officer da Coca-Cola Company, Joseph Tripodi, disse com todas as letras que a multinacional não dispensa as informações valiosas sobre as suas marcas que ela obtém nos clubes 26 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock 3. O novo universo digital Gerardo Lazzari O espetáculo sempre fez parte de nossas vidas, mas hoje há uma grande diferença: a mídia onipotente que amplifica tudo e atinge, instantaneamente, milhões de pessoas. Um megashow no Morumbi, assistido por 80 mil pessoas, atinge na verdade muitos milhões de jovens em todo o país sociais. Segundo a Coca-Cola, essas informações nos dão uma espécie de aviso antecipado daquilo que o grosso do mercado só irá refletir mais tarde. De qualquer maneira, as agências de propaganda não devem mais viver fora do mundo digital. Parece simples, mas na realidade os anunciantes estão recorrendo cada vez mais às agências especializadas nesse novo veículo, pois as agências tradicionais não conseguem sequer entendê-lo, quanto mais atendê-lo! Rótulos modernos De certa forma, o leitor poderá concluir que não há nada de novo sob o sol e que a sociedade pós-moderna seria apenas mais um rótulo. Afinal, como vimos, angústia, frenesi e fuga sempre acompanharam o ser humano. O espetáculo sempre fez parte de nossas vidas, mas hoje há uma grande diferença: a mídia onipotente que amplifica tudo e atinge, instantaneamente, milhões de pessoas. Um megashow no Morumbi, assistido por 80 mil pessoas, atinge na verdade muitos milhões de jovens em todo o país. Quando falamos de novas arenas da comunicação, a mídia é o fator decisivo que explica a repercussão do que ocorre nelas. Não é por outra razão que o mundo é hoje dominado por grandes conglomerados que incluem veículos de massa e empresários de espetáculos. Para as empresas que adotam as novas arenas em seu mix de comunicação, isso sugere que é essencial o relacionamento com a mídia, por canais diretos. Muitas vezes, as ideias e os temas para novas campanhas surgem desse relacionamento. Francisco Gracioso Conselheiro associado da ESPM julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 27 arenas da comunicação O espetáculo é a mensagem No ritmo da comunicação integrada, grandes anunciantes mostram quem são os maestros e quais os instrumentos que, atualmente, estão orquestrando os planos de marketing das empresas Por Anna Gabriela Araujo 28 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 29 Arenas da comunicação O que os GPs de Titanium, Cyber, Direct e Promo do Festival de Cannes deste ano têm em comum? Como em uma orquestra, esses cases fizeram a melodia do marketing fluir no mercado e acabaram conquistando fãs e seguidores em todo o mundo. Isso porque representam ideias inovadoras e integradas na técnica, que permeiam diversos canais e mídias, além daqueles que deram a elas o disputado Leão de Ouro. Assim é o case Small Business Gets An Official Day, produzido pelas agências Crispin Porter (de Boulder) e Digitas (de Nova York), para a American Express. O mesmo trabalho – que criou uma data nacional dedicada aos pequenos varejistas do país, com a aprovação no Congresso – conquistou o grande prêmio em duas categorias: Direct e Promo & Activation. Já a Nike levou os GPs de Titanium e Cyber com a ação Fuelband, que desenvolveu uma pulseira para monitorar todos os dados da atividade física do usuário, que pode comparar seus resultados com os de qualquer outra pessoa no mundo. A iniciativa deu origem a uma espécie de academia virtual, um game que pode ser “praticado” a qualquer hora e em qualquer lugar. E o maestro dessas duas sinfonias que brilharam em A Nike levou o GPs de Titanium e Cyber com a ação Fuelband, que promoveu a criação de uma pulseira para monitorar todos os dados da atividade física do usuário 30 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Cannes atende pelo nome de comunicação integrada e reflete o momento de transformação pelo qual passa a indústria da comunicação. A partitura desse clássico começou a ser escrita há cinco anos, com a publicação do livro Novas Arenas de Comunicação com o Mercado (Francisco Gracioso, Editora Atlas, 2008). “O filósofo canadense Marshall MacLuhan dizia que ‘a mídia é a mensagem’. Hoje, poderíamos dizer que o espetáculo é a mensagem”, assegura o autor, que presidiu a ESPM durante 27 anos. “Em resumo, ricos ou pobres, somos todos pós-modernos. Queremos ter, ser, fazer, pertencer. Tudo com um único objetivo: esquecer a nossa condição humana”, detalha Gracioso. “O espetáculo, em todas as suas formas – megashows, espetáculos esportivos, desfiles de moda, grandes feiras, eventos e o novo universo digital –, é obra da imaginação e seu objetivo principal é fazer-nos sonhar e fugir por um momento da realidade árida que nos cerca.” Em busca da melodia perfeita Um exemplo desse movimento é o trabalho desenvolvido pela agência Ideal, uma empresa de gestão da reputação que estrutura seus serviços em três pilares: earned media O filósofo David Hume dizia que só a arte dá vida à verdade. Logo, do Fuelband da Nike ao Mapa Cultural dos Suruí, cada nota que compõe essa grande sinfonia do marketing é pensada para encantar, emocionar e entreter o público ávido por um grande show (mídia espontânea), owned media (mídia proprietária, feita por meio de branded content e social media), e paid media (mídia paga). “Nascemos para atender o Google, que depois de muito procurar, não encontrou nenhuma agência de comunicação capaz de atendê-los, principalmente no mundo virtual, onde ele atua com uma série de iniciativas de comunicação integrada”, revela Eduardo Vieira, sócio da agência Ideal. Em outras palavras, o que a equipe de Vieira faz é pensar em ideias criativas e trabalhar para difundi-las em diversos canais, sem atrelá-las à mídia paga. “No Brasil, o anunciante demorou a perceber que poderia falar com o consumidor final sem intermediários, por meio das redes sociais, numa espécie de diálogo virtual”, observa o jornalista, que deixou a redação de grandes veículos de comunicação, em 2007, para abrir seu próprio negócio. “Trabalhamos com três tipos de mídia – espontânea, proprietária e paga –, que conversam em todos os meios de comunicação e não apresentam fórmulas definidas para a construção da reputação das marcas.” Nesse novo cenário, a única certeza que se tem é que, se o conteúdo for relevante, ele se enquadra em qualquer mídia. Como exemplo, ele cita o case da American Express, que levou dois GPs em Cannes. “A iniciativa quase ficou também com o Grande Prêmio de PR (Public Relations), por conta de um trabalho de relações públicas que foi considerado a cereja do bolo dessa ação”, detalha Vieira. Ao criar o dia do pequeno varejista, a agênia de PR da Amex vendeu a pauta para várias emissoras de TV, conciliando a data com a agenda do presidente Barack Obama. No dia, ele foi a um desses estabelecimentos e comprou algumas coisas para prestigiar o pequeno varejo. Tudo registrado pelas equipes de reportagem dos principais veículos de comunicação dos Estados Unidos. “A notícia se espalhou pelas redes sociais, o filme do Obama fazendo compras foi um dos mais acessados do YouTube e, naquele sábado, foi registrado um aumento de 30% nas vendas dos Eduardo Vieira, da Agência Ideal: ”O conteúdo de marca é algo que engaja e que, uma vez alimentado na rede social, consegue fazer de tudo, inclusive vender produtos e serviços” pequenos e médios estabelecimentos. Com essa ação de comunicação integrada, a Amex quase que triplicou a presença da marca no pequeno varejo.” Outro exemplo semelhante foi desenvolvido pela Agência Ideal para o Google. “Por meio de uma parceria com a tribo Suruí, de Rondônia, profissionais do Google deram smartphones para os índios da região e os ensinaram a utilizar o aparelho e as ferramentas do buscador – como Picasa, Google Docs, YouTube e Google Earth – para monitorar o desmate na terra indígena ou ainda catalogar espécies e animais”, lembra o sócio da Agência Ideal, que ajudou a construir esse projeto. “Em paralelo, convidamos quatro emissoras de TV – CNN, BBC, Reuters TV e TV Globo – para passar uma semana na tribo Suruí, conferindo o trabalho que estava sendo feito. A partir daí, inúmeras notícias foram geradas no mundo inteiro”, assegura Vieira. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 31 Arenas da comunicação “Tivemos um retorno absurdo com essa iniciativa, que impactou 200 milhões de pessoas.” E a ação, que teve início em 2008, continua rendendo pautas até hoje. Na conferência Rio+20, por exemplo, a tribo da Amazônia lançou o Mapa Cultural dos Suruí no Google Earth. Já o Google fez o curta Trocando Arcos e Flechas por Laptops: Carbono e Cultura, para contar a história do projeto. Desenvolvendo projetos como esse, a agência já conta com 150 profissionais e uma carteira de 60 clientes, como Nike, McDonald’s, Grupo Fiat, Gatorade, GE, Nextel e Grupo Pão de Açúcar. “O conteúdo de marca é algo que engaja e que, uma vez alimentado na rede social, consegue fazer de tudo, inclusive vender produtos e serviços”, observa Vieira, que para atender a essa demanda está montando, na agência, um departamento de publicidade especializado na criação de anúncios em redes sociais. “Nós nos posicionamos como consultores de comunicação, capazes de resolver o problema do cliente usando um mix de ferramentas ou apenas parte dele.” Palco das artes Há quase 300 anos, o filósofo inglês David Hume já dizia que só a arte dá vida à verdade. Logo, do Fuelband da Nike ao Mapa Cultural dos Suruí, cada nota que compõe essa grande sinfonia do marketing é pensada para encantar, emocionar e entreter o público ávido por um grande show. E para avaliar qual o impacto dessas novas arenas no segmento publicitário, a Revista da ESPM foi a campo colher a opinião de diretores e gerentes de marketing de grandes anunciantes brasileiros. Em comum, há o fato de todos terem participado do Festival de Cannes 2012. Este foi o terceiro ano de Marcos Swarowsky, diretor de publicidade e on-line da Microsoft Brasil, no Festival de Cannes. Patrocinadora do evento há 15 anos, a empresa de tecnologia utiliza o festival para exercitar a comunicação integrada. Lá, em plena Riviera Francesa, a companhia aproveita para estreitar relacionamentos, lançar produtos e mostrar para publicitários e anunciantes novas possibilidades de uso das arenas da comunicação a partir das fer- Campanha Small Business Gets An Official Day, da American Express, foi GP em duas categorias: Direct e Promo & Activation 32 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 ramentas desenvolvidas pela marca. Um dos lançamentos apresentados no Palais des Festivals foi o Surface, o tablet criado para competir com o iPad, da Apple, que chega ao mercado no fim do ano. “A grande novidade foi o anúncio de uma parceria entre a Microsoft e a 9ine focada na Copa do Mundo de 2014.” A ideia é desenvolver projetos personalizados para os anunciantes que adquirirem cotas de patrocínio. “Vamos utilizar nossos devices – como o MSN e o Skype – e trabalhar todos os nossos canais para que os consumidores vivenciem novas experiências. Já a 9ine entra como uma consultoria para viabilizar essas iniciativas.” Segundo ele, não se trata de criar um novo produto, e sim oferecer novas plataformas de comunicação. “Teremos, no máximo, dez parceiros, porque não estamos falando da venda de um pacote de mídia, mas de algo muito mais customizado, de acordo com a necessidade de cada cliente. É uma espécie de crossdevice, que permitirá à pessoa permanecer o tempo todo conectada na Copa do Mundo, 24 horas por dia, onde quer que ela esteja, seja utilizando o MSN no computador ou jogando no Xbox.” Ao assegurar que os anunciantes estão investindo cada vez mais no meio digital, Swarowsky afirma que o investimento médio das empresas brasileiras neste canal já é de 15%. “O futuro do marketing passa, necessariamente, pela internet, que com a proliferação de aplicativos começa a registrar o aumento das microaudiências destinadas a públicos muito específicos, e isso ficou muito claro em vários seminários e palestras de Cannes.” Carla Ramos, diretora de comunicação da Leroy Merlin: ”Voltei de Cannes querendo inovação, que já poderá ser vista em nossa próxima campanha” Marketing orquestrado Já Carla Ramos, diretora de comunicação da Leroy Merlin, voltou do sul da França encantada com o GP da Nike e o Sprite Shower – ação promocional criada pela Ogilvy Brasil para a Coca-Cola, que conquistou um Leão de Ouro no Festival de Cannes ao transformar um chuveiro de praia em uma máquina de refrigerantes gigante. Outra ação da Coca-Cola que chamou a atenção da executiva foi o Refil da Felicidade, um equipamento que foi instalado em um quiosque na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, que carrega o aparelho celular com créditos da operadora Oi para navegar na internet banda larga. “Estamos discutindo esses dois cases internamente, porque eu quero fazer uma ação dessas para os consumidores da Leroy.” Maior anunciante do setor de material de construção, a marca hoje investe 50% da verba de marketing em campanhas de varejo na mídia de massa e outros 50% em ações Ação criada pela Ogilvy Brasil conquista Leão de Ouro em Cannes ao transformar um chuveiro de praia em uma máquina de refrigerantes gigante no ponto de venda, promoção, marketing direto, endomarketing e na produção de seu tabloide, que tem tiragem de 1,5 milhão de exemplares por edição. “Voltei de Cannes querendo inovação, que já poderá ser vista em nossa próxima campanha, que estreia no próximo dia 5 de setembro.” julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 33 Arenas da comunicação Mais do que cases premiados, o que levou Gustavo Diament, vice-presidente de marketing da Nextel, a Cannes, foi o conteúdo relevante dos inúmeros seminários apresentados durante o evento. “É uma semana de provocações intensas. Mas, como disse Joseph Tripodi, VP executivo e Chief Marketing & Commercial Officer da The Coca-Cola Company, em sua palestra: ‘Se você não gosta de mudança, vai gostar de irrelevância!’.” Pensando nisso, Diament está promovendo uma verdadeira revolução no departamento de marketing da Nextel. “Subimos mais um degrau no estágio de evolução da comunicação integrada. Hoje, estamos colocando nossas seis agências – Loducca, Ideal, Casa, One Digital, Sunset e Riot – juntas, para criar. Não existe mais o papel do dono da ideia, e sim um grande centro de criação.” Para isso acontecer de maneira sinérgica, a empresa acabou de fundir suas áreas de comunicação digital e off-line. “Antes, tínhamos duas gerências separadas. Agora, todos trabalham de maneira integrada com uma liderança só”, Maria Gadu ajuda a Nextel trabalhar o conceito de redes no meio digital em anúncio da marca afirma o executivo. “Com isso, passamos a arriscar mais, como na campanha da Maria Gadu, que foi toda produzida a partir do conceito de criação de redes no meio digital.” De acordo com Diament, a integração da rede da artista com outros cantores que tinham fãs no YouTube gerou para o filme publicitário nove milhões de videoviews em oito semanas de veiculação na internet. “Isso mantém a saúde de nossa marca, o que acaba gerando negócios, já que no Brasil 40% do valor da Nextel vem da marca, ante 15% das demais empresas de telefonia.” Ele explica que a reputação corporativa é um dos pilares da empresa, que não tem em seu portfólio aparelhos de última geração, como o iPhone. “Ainda assim, temos quatro milhões de clientes no país e um crescimento médio de 25% ao ano.” Faça seu pedido Gustavo Diament, VP de marketing da Nextel: ”Subimos mais um degrau no estágio de evolução da comunicação integrada. Colocamos nossas seis agências juntas para criar” 34 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Integrar é também o desafio da Sony, que atua em 11 categorias de produtos e possui consumidores nas classes A, B e C. “Por isso é que, recentemente, a empresa reestruturou o departamento de marketing e comunicação, no qual os gerentes de marketing de produtos são responsáveis pelos “Ps” de produto, preço e praça. Já a gerência de comunicação passa a responder por toda a estratégia de propaganda e promoção, incluindo o trabalho de relações públicas”, detalha Luciano Bottura, gerente de marketing e comunicação da Sony. “Dessa forma, a mensagem não se perde entre as categorias, mantendo assim a comunicação integrada entre todos os pontos de contato do consumidor.” Ele também participou do Festival de Cannes e garante que o mercado agora só quer saber do famoso ROI (resultado sobre o investimento). “A criatividade está sendo deixada Joseph Tripodi, VP executivo e Chief Marketing & Commercial Officer da The Coca-Cola Company apresentou um dos seminários mais comentados do Festival de Cannes 2012 Luciano Bottura, gerente de marketing e comunicação da Sony: ”Em Cannes, os quatro ‘Ps’ do Kotler viraram: Purpose (propósito), Presence (presença), Proximity (proximidade) e Partnership (parceria).” de lado. A qualidade do material e como o consumidor entende a mensagem também não importam mais em alguns casos. Com a chegada da internet e a possibilidade de mensuração de dados de uma maneira mais precisa (por minutos, mapeamento de Cookies, remarketing etc.), só está se falando de números.” Para Bottura, o destaque deste ano foi a palestra de Kimberley Kadlec, vice-presidente de marketing da Johnson & Johnson, que retratou o novo panorama do marketing com Como disse Joseph Tripodi, VP executivo e Chief Marketing & Commercial Officer da The Coca-Cola Company, em sua palestra: ‘Se você não gosta de mudança, vai gostar de irrelevância!’ a inclusão do meio digital. “Para explicar as mudanças que vêm ocorrendo no mundo do marketing, ela rebatizou os quatro ‘Ps’ de Philip Kotler para os quatro ‘Ps’ da comunicação: Purpose (propósito), Presence (presença), Proximity (proximidade) e Partnership (parceria).” Essa parece ser a receita utilizada por Roberto Gnypek, diretor de planejamento e marketing da Arcos Dourados, empresa que opera a marca McDonald’s no Brasil. “Recentemente, realizamos o ‘Viver o Espírito Olímpico’, um concurso cultural que levou cinco crianças de 9 a 14 anos para assistirem aos Jogos Olímpicos em Londres e atuarem como correspondentes mirins inserindo textos, fotos e vídeos em um blog no site do McDonald’s.” O concurso foi divulgado por meio de ações integradas envolvendo TV, internet, relações públicas e redes sociais “Todo esse esforço serviu para ampliar a associação da marca com os Jogos Olímpicos.” Ressaltando o recorde de leões conquistados pelo Brasil , que teve 79 cases premiados em Cannes, Gnypek revela que, no plano de marketing da rede de restaurantes, a comunicação integrada nunca é mais importante que o objetivo a ser atingido. “Em alguns casos, não é necessário usá-la. Às vezes, uma ação isolada com um conteúdo relevante é mais eficaz. Agora, qualidade e posicionamento estratégico são dois ingredientes que não podem faltar.” E pensar que esse espetáculo das novas arenas da comunicação está apenas começando! julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 35 mobile marketing Mobile não é tecnologia, é comportamento Uma verdadeira revolução digital está em curso. No próximo ano serão vendidos mais de 1,1 milhão de smartphones. Quem ainda não acredita na revolução da mobilidade vive em outro planeta! H oje vivemos uma verdadeira revolução, não tecnológica, mas de comportamento. A forma como interagimos uns com os outros, a maneira como consumimos conteúdo, tudo isso mudou radicalmente. O nosso comportamento agora é mobile.Portanto, chegamos à óbvia conclusão de que as marcas que querem se comunicar com seus consumidores também precisam mudar e rápido. Desta vez, não há mais tempo de ter medo e insegurança. A revolução mobile é para ontem. Quanto mais as marcas demorarem para compreender este caminho sem volta, mais elas perderão excelentes oportunidades. Nem sequer a realidade digital, na qual fomos todos inseridos com a chegada da internet, há 15 anos, foi verdadeiramente absorvida e inserida no contexto da propaganda. A chegada das mídias sociais fez com que as marcas se animassem com os canais digitais e passassem a acreditar nelas. A maioria já mantém presença nas redes, por meio de perfis corporativos e posts frequentes. Porém, acredite, nem mesmo as mídias sociais são corretamente utilizadas pelas marcas. Dados de uma pesquisa realizada recentemente e publicada no dia 15 de junho passado, pelo Emarketer, mostram o quanto elas ainda precisam 36 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 enxergar melhor o comportamento do mercado consumidor. Não me canso de bater na tecla da palavra “revolução”, porque é isso que estamos vivendo. Sabemos com absoluta certeza que todo consumidor é mobile. As pesquisas mostram números impressionantes. Há, por exemplo, mais celulares no mundo do que escovas de dentes. As vendas de smartphones não param de crescer e as vendas de tablets aumentam de forma exponencial. Pesquisas do IDC apontam que em 2013 serão comprados mais de 1,1 milhão desses equipamentos. Quem ainda não acredita na revolução mobile vive em outro planeta. Quer a prova disso? Vamos fazer um exercício de reflexão. Pare e pense em como começa o seu dia, a partir do momento em que acorda. Primeiro, você desperta com o alarme do celular, checa a agenda, estuda a previsão do tempo, olha e-mails e mensagens. Tudo antes de se levantar. Isso sem falar nas inúmeras vezes em que você utiliza seu celular ou tablet para curtir comentários de amigos nas redes sociais, responder a e-mails e fazer check-in em seus lugares favoritos. Sem desprezar as mensagens via SMS que você troca por dia com amigos, familiares e colegas de trabalho. Mais uma vez concluímos que nos encontramos diante de uma grande mudança de comporta- shutterstock Por Marcio Chaer julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 37 mobile marketing Algumas das campanhas premiadas em Cannes, na nova categoria Mobile Lions: MicroLoan Foundation ”Pennies for life”; Pain Squad e Coca-cola. O Brasil ganhou um leão, com o case ”Anúncio Falso”, criado pela AlmapBBDO para o Bradesco Seguros mento da sociedade, que deve gerar alterações significativas na forma de as marcas se comunicarem. É preciso compreender rapidamente este novo comportamento e inserir o mobile na estratégia de comunicação e no marketing mix de grandes marcas e agências. Muitos profissionais do marketing ainda confundem o comportamento mobile com tecnologia e tateiam o mercado com ações digitais ineficazes. Mobile não é tecnologia! Ela é apenas o enabler, a ferramenta por meio da qual se viabilizam campanhas mobile. Portanto, por incrível que possa parecer, neste exato momento em que vivemos a maior revolução de comportamento e interatividade, o consumidor não está apenas à frente das marcas. Ele já está “anos-luz” à frente delas. O mobile ainda nem sequer faz parte do “marketing mix” das marcas e, muito menos, do planejamento de mídia das agências. 38 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Evolução do meio Há pouco tempo, era muito difícil ser ouvido. Hoje, as marcas estão mais receptivas, buscam nosso conhecimento, querem nos ouvir. As agências começam a sentir a pressão de clientes e também passaram a buscar conhecer mais sobre mobile. Prova disso é que mobile se tornou uma categoria separada no Festival de Cannes, o maior evento de premiação da indústria publicitária do mundo, com vários cases inscritos. Muitos deles conseguiram captar a essência do que é fazer mobile marketing, que nada mais é do que contar uma boa história dentro dessa nova evolução que vivemos. Alguns dos cases ganhadores em Cannes são inspiradores, revolucionários e até geniais. Um SMS transformando a vida de mulheres na África é um exemplo do quanto o mobile pode gerar engajamento. Uma campanha londrina – Leão de Ouro na categoria – mostrou justamente que não há limites para Em 2013, serão comprados mais de 1,1 milhão de smartphones e tablets. Mesmo com essa previsão otimista, os anunciantes ainda não sabem explorar todos os benefícios do meio a criatividade e que a tecnologia de hoje é apenas mais um enabler para grandes ações transformadoras. Um outdoor digital em um shopping center de Londres mostrava imagens inacabadas de mulheres feitas de pennies (moedas de um centavo). Ao enviar um SMS com a palavra “CHANGE” (que, além de “mudança”, significa “troco” em inglês), as pessoas doavam pequenas quantias para a entidade anunciante e, imediatamente, em tempo real, essa doação ajudava a completar a imagem do outdoor e, claro, direcionava a doação para pequenas empreendedoras africanas que precisavam de ajuda para começar o seu negócio. Enquanto isso, alguns iPhones e um simples aplicativo foram suficientes para tornar mais eficaz o tratamento do câncer infantil em um hospital canadense. Os próprios pacientes preenchiam quando e onde sentiam mais dor, tornando-se pequenos oficiais do chamado “Pain Squad” (Esquadrão da Dor), e contribuindo para melhorar o seu próprio tratamento. E se pudéssemos delatar e expor motoristas mal-educados por meio do celular, como possibilitou a genial campanha de um jornal na Rússia? Tivemos um case brasileiro que ganhou ouro por uma publicidade genial, criada pela AlmapBBDO para o Bradesco Seguros. A campanha foi vencedora na categoria tablets. Esses exemplos de real transformação social comprovam e disseminam o verdadeiro sentido do mobile marketing que estamos discutindo aqui: o engajamento. Vendo tudo isso, percebemos o quanto já passou da hora de agências e marcas perceberem que mobile não é tecnologia, é criatividade, sempre! A forma como contamos uma boa história tem de ser diferente e adequada a esse novo comportamento mobile. Mas não se engane: nem só de tablets e smartphones vive o mobile marketing, que também está presente em ferramentas mais simples, como o SMS – basta ver a campanha londrina mencionada acima. Não precisa ser só tecnologia high end para usuários high end. Afinal, nem sempre a infraestrutura e a qualidade da rede permitirão que a sua criação seja viável para todos, o que pode afetar, drasticamente, seus resultados. Isso no Brasil ainda é um dilema – veja que recentemente tivemos a proibição da Anatel sobre a venda de chips por várias operadoras. Nossa rede ainda precisa evoluir muito. Mas o fato é que não importa o meio escolhido para a criação de uma campanha mobile. Quando bem elaborada e inserida em uma concreta estratégia, ela pode ser transformadora, envolvente, e atingir o objetivo máximo de uma boa comunicação: o engajamento do consumidor. O “x” da questão, por enquanto, permanece sendo o reduzido conhecimento das marcas sobre como montar uma estratégia mobile. Afinal, criar aplicativos ou desenvolver sites móveis sem uma estratégia é apenas um canal. Para encurtarmos o caminho entre o comportamento do atual consumidor e o conhecimento das marcas, é preciso educá-las. O mercado mobile só vai deslanchar quando esse gap se fechar. Isso pode acontecer de três maneiras: educação, informação e privacidade. Estes três pilares são as bases da estratégia da MMA. Educamos as marcas por meio de treinamentos, como já fizemos com a Coca-Cola no Brasil e em toda a América Latina, falando para seus times de marketing. Provemos informações por intermédio de pesquisas que fazemos em parceria com os nossos membros. Recentemente, tivemos uma pesquisa do Yahoo Insights sobre o mobile aqui no Brasil, que levantou valiosos dados. Na questão da privacidade, estamos trabalhando de forma global para criar regras e melhores práticas para proteger os dados dos usuários. De forma mais local, estamos atuando junto com as operadoras, para definirmos melhores práticas quanto à publicidade móvel aqui no Brasil. A mobilidade é uma realidade inegável e será determinante para o sucesso da comunicação de marcas. Conforme os profissionais absorverem essa verdade, teremos um rápido crescimento na adoção da mobilidade como recurso estratégico e aumento de investimentos em publicidade móvel. Mobilidade e engajamento são as palavras-chave para se comunicar com os consumidores e clientes. Nossa missão é ajudar marcas e agências a entender como se comunicar e engajar com seu consumidor. Queremos as empresas brasileiras usufruindo da mobilidade. Os resultados serão indiscutíveis. Marcio Chaer Diretor da Mobile Marketing Association - MMA Latam julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 39 sanzio mello entrevista 40 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 João Ciaco F Engenharia de marcas é a sua especialidade ormado em engenharia e administração de empresas, com pós-graduação em marketing pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), João Ciaco atua nas “arenas da comunicação” desde a década de 1980. Fez carreira nos departamentos de marketing e vendas da Unilever durante oito anos, deixando a empresa em 1995 para assumir a diretoria de marketing da Kodak. Seis anos depois, decidiu dar uma acelerada em sua trajetória ao assumir o desafio de implantar o projeto de Customer Relationship Management (CRM) na Fiat. Para tanto, o executivo precisou desenvolver estratégias de internet e interatividade com muitas ações de marketing de relacionamento, programas de fidelidade e até cartões de crédito co-branded. Não demorou para Ciaco passar a responder também pelas áreas de comunicação publicitária e mercadológica da montadora, além do planejamento estratégico e branding da marca que, há dez anos, lidera a indústria automobilística brasileira. No posto de diretor de publicidade e marketing de relacionamento da Fiat Automóveis para o Brasil e América Latina, Ciaco se transformou em um dos grandes protagonistas da moderna comunicação integrada. O carro conceito Fiat Mio – que foi todo desenvolvido na internet – e o lançamento do Palio na plataforma Xbox são dois dos inúmeros cases que este engenheiro de marcas coleciona em seu currículo. Nesta entrevista, ele retrata o abismo que há entre a teoria e a prática da comunicação integrada e apresenta alguns caminhos que deverão ser trilhados pelo marketing nos próximos anos. Entrevistado por Francisco Gracioso e Anna Gabriela Araujo julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 41 entrevista Gracioso – Comunicação integrada não é um tema novo. Há 50 anos, quando lecionava planejamento e redação de propaganda, já falávamos da necessidade de integrar os vários veículos por meio dos objetivos coincidentes. O que hoje o mercado chama de comunicação integrada é a tendência cada vez maior de ultrapassar a mídia tradicional e acrescentar ao mix da comunicação a chamada mídia alternativa, que de alternativa nada tem. É o esporte, a música popular, a cultura, o lazer, o mundo digital, o próprio varejo. Você concorda com essa definição? Ciaco – Concordo plenamente e acrescento à ela um ponto essencial, que é a saída da comunicação de massa para a comunicação dirigida. Isso dá à integração da comunicação outro viés que precisa ser considerado. Quando se olhava a intenção de falar com o maior número possível de pessoas em uma mesma direção, tínhamos, basicamente, um conteúdo, uma mensagem que deveria ser replicada no maior número de meios disponíveis para o maior target possível. Na comunicação de massa usávamos uma mesma mensagem para a campanha institucional, a promoção do produto, as ações no varejo, o patrocínio... Tínhamos uma direção só, cujo objetivo era comunicar uma intenção. Integrar nesse contexto era fazer a famosa comunicação em 360º. Nos anos 1990, passamos a falar em comunicação dirigida, com o marketing one-to-one e a internet funcionando como mídia dirigida. Nesse momento, começamos a entender os diferentes estágios que se estabelecem na relação do con- 42 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 sumidor com as marcas, em vários meios. A marca passou a se apresentar de forma diferente para o consumidor, em cada uma das mídias utilizadas, e a integração se tornou mais do que necessária. Deixamos a intenção de lado e passamos a “O exercício mais difícil do profissional de marketing é saber dosar quanto de risco ele está disposto a correr diante dos benefícios que a ação poderá gerar” ter uma necessidade absoluta de integrar para dar sentido à marca. Estamos caminhando para a personalização da comunicação, com mais mensagens e vozes dentro da mesma marca. Gabi – Há dez anos, a Fiat é líder da indústria automobilística no Brasil. Como o marketing e, especificamente, a comunicação integrada contribuíram para esta liderança? Grac ioso – Eu agregaria a essa pergunta uma lembrança. O melhor exemplo de comunicação integrada, no sentido da capacidade de “surfar” a notícia, foi dado pela Fiat, no começo do governo Collor, quando Gianni Anhelli – presidente da Fiat, na ocasião – convenceu o presidente Collor de que o carro abaixo de mil cilindradas era a melhor solução para o Brasil. A partir daí, Collor abriu o mercado para a entrada desse modelo, e a Fiat foi a primeira a aproveitar essa oportunidade. Isto é um exemplo de como é possível extravasar a co- municação tradicional e alargá-la de mil maneiras. Ciaco – Sua lembrança é muito pertinente. Essa é a amplitude da comunicação integrada. Retomando essa história, foi a própria Fiat que, na época do ágio forte, instituiu uma forma diferente de comunicação, criando o Mille on-line (sistema que permitia ao consumidor fazer a reserva do carro desejado com o pagamento de um sinal; a quitação ocorria na entrega do veículo). Esse canal colocou o cliente final em contato direto com a montadora no início dos anos de 1990. Como foi antes do surgimento da internet, tudo era feito via fax. Essa é a forma de pensar em comunicação integrada, considerando a distribuição, o potencial industrial e as novas oportunidades, como o motor 1.0, que transformou o mercado brasileiro. Construímos grande parte da nossa história por meio de um modelo único e uma marca baseada num portfólio restrito. Quando abrimos esse portfólio, o desafio foi construir uma marca única associada aos diversos discursos de nossos produtos. Integrar sempre foi muito importante para a Fiat. Gabi – Para isso, você precisa estabelecer um certo alinhamento dos fornecedores. Mas, analisando os cases de mercado, este relacionamento entre agência e anunciante nem sempre acontece da forma desejada. Este foi um dos motivos que o levaram a criar a Agência Fiat? Ciaco – Vai nessa direção, sim. No processo de integração, decidimos trabalhar com as melhores empre- João Ciaco Em parceria com a Microsoft, a Fiat lançou o novo Palio usando a plataforma Xbox como canal de mídia sas de cada área. Tentamos construir um arsenal de fornecedores que pudesse nos ajudar a atingir a excelência em marketing. Com a criação da Agência Fiat, trouxemos a responsabilidade de integrar para dentro de casa, e ficamos responsáveis por fazer a costura, o alinhavo de cada trabalho. Em um ano de agência, o modelo evoluiu. No início, juntávamos todos os fornecedores para desenvolver um único briefing criativo, a partir de um determinado posicionamento estratégico. A integração de todas as ações de marketing direto, comunicação de massa, internet e ponto de venda acontecia depois da criação de cada trabalho. Com o passar do tempo, observamos que tínhamos unidades estanques: a comunicação de massa ficava concentrada apenas em TV, jornais, revistas e rádio; a comunicação on-line se passava ex- clusivamente na internet; a ação de CRM era, basicamente, voltada para o marketing direto; e a estratégia de ativação acontecia somente no ponto de venda. De certa maneira, todos os nossos fornecedores acabavam entregando a mesma coisa em “Trouxemos a responsabilidade de integrar para dentro de casa e ficamos responsáveis por fazer a costura, o alinhavo de cada trabalho” diferentes canais. Mas integrar tudo isso depois de pronto era muito difícil. Aí surgiu a ideia da Agência Fiat. Gracioso – Isso deve ter facilitado a coordenação, também. Ciaco – Muito. Perdíamos um tempo resolvendo conflitos entre as agências fornecedoras, porque tínhamos várias pessoas trabalhando com o mesmo assunto. E o resultado não era satisfatório. Com a Agência Fiat, em vez de integrar a execução, passamos a integrar o planejamento, pensando em formas de construir conteúdos que pudessem ser trabalhados em várias mídias, canais e especialidades. As ideias já nascem integradas. Para isso, criamos um Comitê de Planejamento Integrado, com pensadores de nossas duas principais agências (AgênciaClick e Leo Burnett Tailor Made). Agora estamos trazendo mais agências para o processo de criação, no qual as áreas de planejamento se reúnem para discutir a solução criativa de determinado problema. Depois, a execução é dividida de acordo com a especialidade de cada agência. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 43 entrevista Em 2009, a Fiat apresentou o Punto T-Jet por meio do jogo online T-Racer, que permitia fazer um test-drive virtual Gracioso – Quando um grande anunciante, como a Fiat, entra na área da comunicação integrada multifacetada, a tendência é parte da verba que cabe à mídia tradicional cair ou permanecer estável? Ciaco – Tende a cair, e está caindo, com certeza. Mas a mídia tradicional continua sendo fundamental. O sucesso de uma ação on-line depende do sucesso da ação off-line. Se eu não criar buzz, se não gerar um grande movimento que faça com que as pessoas naveguem de maneira interessante na internet, não consigo ter um pleno resultado da ação on-line. Em um país tão grande e diferente como o Brasil, não dá para prescindir da mídia de massa. Ela continua sendo fundamental, mas sua importância diminuiu. Temos um investimento menor em mídia de massa, mas os veículos de TV, 44 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 rádio e mídia impressa continuam sendo fundamentais para a divulgação de qualquer campanha. Gracioso – Até porque essas atividades, que chamamos de arenas da comunicação, só ganham vida na própria mídia. Ciaco – Sem dúvida. Esses arranjos entre on-line e off-line, mídia segmentada e de massa, ta rget reduzido e ampliado são conversas que precisamos ter para entender como integrar as mídias. O que estamos analisando hoje é que não é mais possível estruturar produto, comunicação e ação só pensando em um único target. Em outras palavras, talvez seja mais eficiente você conhecer esse segmento e não se comunicar diretamente com ele, mas com um outro público que seja mais relevante que a voz da empresa. Gabi – Como este pensamento se aplica? Ciaco – Fizemos isso no lançamento do Punto T-Jet, um carro pequeno, que tem o perfil do pai, mas não é um automóvel para a família. Portanto, está posicionado para ser o segundo veículo da casa. Em uma campanha tradicional, buscaríamos entender quem é este pai e quais as mídias mais efetivas. Por fim, faríamos uma comunicação dirigida a ele. Por meio do trabalho integrado, entendemos que a forma mais efetiva de comunicação era falar com o pai por meio do filho. Dentro de casa, esse filho seria capaz de construir a imagem do novo carro melhor do que nós. Então, optamos por fazer um game e ações dirigidas no universo on-line. Só depois fomos para a mídia de massa legitimar os comentários que já estavam acontecendo dentro João Ciaco da casa do nosso target. Mas ainda estamos engatinhando nesta nova forma de estruturar a comunicação. No dia a dia acabamos testando uma série de modelos, e isso é o que vai fazer a comunicação ser mais efetiva daqui para frente. Gabi – Você foi um dos jurados do Festival de Cannes deste ano, na categoria Creative Effectiveness. Que tipo de avaliação você faz do evento, principalmente do resultado da categoria Titanium Lion? Ciaco – A Categoria Titanium mostra todas estas questões que estamos discutindo, mas com cases distantes da realidade brasileira, porque representam grandes investimentos. Ainda temos de construir um Titanium com a cara do Brasil. Temos uma questão muito característica no mercado nacional, que é a grande penetração da televisão aberta, presente em quase 100% dos lares brasileiros. Isso faz com que o anunciante tenha uma certa homogeneidade na mensagem de massa, o que não ocorre em outros países. Não vejo Cannes como um festival de tendências. Lá não se veem grandes novidades, nem mesmo nos seminários. Tudo o que é reunido no Palais des Festivals já foi visto em alguma parte do mundo. Esse evento funciona como uma espécie de revisão geral do que está acontecendo no marketing. Gabi – Voltando à questão do investimento, na Fiat, como está dividida a verba que vai para a mídia de massa e às demais arenas de comunicação? Ciaco – Hoje, a internet representa 20% do nosso investimento. Depois, temos os desdobramentos que acontecem no on-line, como o próprio CRM e os clubes de relacionamento, que não estão incluídos neste percentual. Asseguro que 60% de nossa mídia ainda é de massa e este número não irá mudar muito, nos próximos anos. Outros 20% acabam indo para o marketing digital e os 20% restantes são as ações de ponto de venda, patrocínio, ativação, promoção e outras atividades. Gracioso – Hoje, o anunciante tem inúmeras formas de se comunicar por meio de mensagens, que muitas vezes não são assinadas pela marca e que, para o consumidor desprevenido, aparecem como sendo endossadas pelo veículo que as transmite. O merchandising numa novela é um exemplo clássico. Essa prática não levanta uma série de problemas éticos e até legais? “Hoje, o que estamos vendo é uma inversão dessa equação, porque o meio pode não ser mais a mensagem. Talvez, a mensagem é que irá definir o meio daqui em diante” Ciaco – Este é um dos principais pontos considerados na gestão de mídia. Não temos grandes respostas. Todos os nossos modelos, bancos de dados e indicadores de performance são baseados na mídia paga, isso é o que sempre soubemos fazer. A própria definição de propaganda passa por este modelo, já que o anunciante paga pelo espaço para poder dizer o que quiser e assina o que está dizendo. O fato é que já não dá para considerar a mídia somente numa dimensão. Hoje falamos de três dimensões: mídia paga, mídia proprietária e mídia adquirida. A primeira é muito conhecida. Já como exemplo da segunda mídia, temos o site da Fiat, que recebe mais de quatro milhões de visitantes únicos por mês, o ponto de venda, além do próprio carro. E tem ainda uma terceira dimensão, em que começamos a trabalhar com as redes sociais. Essa mídia adquirida acontece a partir das duas primeiras e representa todos os movimentos ao redor da marca que não são gerados pela própria empresa. É o que se fala da marca nas redes sociais. Gabi – Um exemplo é o Fiat Mio, o primeiro carro colaborativo desenvolvido no Brasil com base em uma plataforma aberta na web. Ciaco – Sim. Não teve mídia paga, toda criação do carro aconteceu inteiramente nas redes sociais, a partir do movimento dessa mídia adquirida e que não é a paga, se originou uma mídia proprietária, o próprio carro. Apenas na última fase do projeto fomos para a mídia paga. Apresentado no Salão do Automóvel em outubro de 2010, ele foi concebido com base em ideias postadas por mais de 2,6 milhões de internautas, de 160 países. Gracioso – É possível ter persuasão e emoção via internet na mesma proporção que se transmite através da televisão? Ciaco – É totalmente possível. A internet permite estabelecer uma maior proximidade entre o consu- julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 45 entrevista midor e a marca. Ainda carregamos a herança histórica de Herbert Marshall McLuhan, para quem “o meio é a mensagem”. Todos os nossos processos são trabalhados dessa forma. Primeiro, o anunciante define o meio, a mídia, depois decide o que vai colocar lá dentro. Antes do começo do ano, faço uma negociação de mídia e já sei qual a verba que irei alocar para a televisão, o rádio, a mídia impressa[...] Depois, vou discutir o conteúdo. Sempre foi assim. Mas hoje o que estamos vendo é uma inversão dessa equação, porque o meio pode não ser mais a mensagem. Talvez, a mensagem é que irá definir o meio daqui em diante. Gabi – A Fiat foi a primeira empresa brasileira a utilizar a Plataforma Xbox, da Microsoft, como canal de mídia, por meio da criação de uma fábrica virtual para apresentar o novo Palio. O que representa esse investimento dentro do esforço de comunicação da montadora? C i a c o – A i nda n ão recebemos todos os dados, porque este é um case mu ito novo. O que observa mos é que a ntes t í n ha mos o mercha nd isi ng na T V que f u ncionava. Hoje, estar presente nos jogos é u ma forma de i nteragi r com o consumidor, que funciona como um vetor de construção de conteúdo, de valor de marca. É um jeito novo de gerar experiência de marca. Temos investido em outras formas de comunicação, que não se baseiam no discurso, mas na vivência da marca. Já temos uma história longa na área de games que vem sendo trabalhada até dentro das concessionárias. 46 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Gabi – Com base nessas novas arenas do marketing, a Fiat acabou de lançar o Doblò Xingu, inspirado no filme Xingu, que estreou em abril. Em outra frente, a Iveco apostou alto no Corinthians, com o patrocínio da camisa do time, que gerou uma exposição acima da média para a marca de caminhões do grupo Fiat. Utilizar mídias de massa como polos geradores de eventos é uma forma de elevar o ROI (retorno sobre o investimento)? Ciaco – Sim. Esse tipo de estratégia aumenta o ROI e a eficiência da marca nas mídias não pagas. É uma nova maneira de trabalhar “Nos últimos dez anos, a carreira de CEO passa, necessariamente, pela área de finanças, o que afastou o marketing da direção geral das empresas. Logo, a atividade perdeu prestígio dentro das organizações” os veículos como canal de entretenimento, e aí entram o cinema, o esporte, as ações culturais. Tudo isso faz parte de uma comunicação integrada. Aqui, a preocupação não é o ROI, e sim o fato de construir conteúdos relevantes para os vários públicos que se relacionam com a marca. Gracioso – O risco de um investimento feito neste tipo de estratégia é maior do que aqueles feitos na mídia tradicional? Ciaco – É mais arriscado porque desconhecemos uma série de coisas. Basta ver o que acontece em época de crise. Os investimentos se voltam para TV e revista, porque o risco é menor. Hoje, o exercício mais difícil do profissional de marketing é saber dosar quanto de risco ele está disposto a correr diante dos benefícios que a ação poderá gerar. O mais difícil do trabalho é vender essas ideias inovadoras dentro da companhia, porque os profissionais entendem muito bem a linguagem do GRP (Gross Rating Point), e do TR P (Target Rating Point). Mas quando você começa a olhar para indicadores de atenção, de dimensões diferentes da mídia e de circulação, eles apresentam índices que as pessoas ainda não estão acostumadas. Então, é bem mais difícil aprovar planos que não passam pela mídia tradicional. Gabi – No posto de presidente da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), como você avalia o marketing que vem sendo praticado pelo mercado? Ciaco – No gera l, o anunciante brasileiro está preparado e buscando novas alternativas de comunicação, visando a melhores resultados, processos mais sólidos e formas mais efetivas de rentabilizar o que se vende. Na ABA temos vários comitês que trabalham essas questões. Gabi – Considerando sua experiência com a Agência Fiat, que vive um processo de evolução constante, como você vê o marketing daqui a dez anos? João Ciaco O projeto do Fiat Mio contou com a participação de 17 mil pessoas de 160 países e recebeu mais de 11 mil ideias Ciaco – Estamos trabalhando para melhorar os processos internos. Por exemplo: antes tínhamos uma dupla de criação on-line e outra dupla off-line. Vinha o briefing e esses quatro profissionais sentavam juntos para criar. Começamos a ver que este modelo não estava funcionando bem, até porque a criação do off-line independe da mídia, enquanto a criação on-line depende, necessariamente, de um canal, a internet. Portanto, o trabalho do on-line fica muito mais próximo da estratégia, do conceito de mídia integrada. Então, resolvemos testar outras fórmulas, passando a trabalhar com trio, em vez de dupla de criação. Quando a ação tem um olhar mais tradicional, colocamos dois profissionais de off-line e um de on-line. Quando a iniciativa é mais voltada para o on-line, juntamos um profissional de off-line e dois de on-line. Tenho discutido muito sobre o futuro do marketing. Tivemos uma época na qual, para ser CEO da empresa, era preciso passar pelo marketing. Nos últimos dez anos, a carreira de CEO passa, necessariamente, pela área de finanças, o que afastou o marketing da direção geral das empresas. Logo, a atividade perdeu prestígio dentro das organizações. Agora, o marketing precisa recuperar essa participação estratégica no proces- so de decisão. E a perda de importância está relacionada com a forma como a marca foi trabalhada. Quem cuidava da marca no passado era exclusivamente o marketing. Hoje, a área está dividida entre marketing, comunicação corporativa, comunicação interna, design, sustentabilidade, relações com o governo, relação com a comunidade, patrocínio... Marca e marketing estão fragmentados dentro das organizações. O futuro do marketing pode estar em agregar tudo isso, com um olhar mais estratégico e não apenas um olhar da mídia. Temos aí um longo caminho de conquista e reestruturação do nosso jeito de pensar. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 47 pesquisa Profissional do futuro Levantamento feito pela ESPM, em parceria com a Limo Inc, aponta o perfil do profissional das arenas da comunicação e como as escolas podem fortalecer a formação dos futuros estrategistas brasileiros N o primeiro semestre de 2012, a ESPM e a empresa de cultura e comportamento Limo Inc., firmaram uma parceria para realizar uma pesquisa inédita e necessária nestes tempos de mudanças estruturais marcantes na sociedade e na indústria da comunicação. O objetivo do levantamento foi identificar os principais direcionadores para a formação dos futuros profissionais das arenas da comunicação. Claro está que esse é um grande desafio, levando-se em conta a diversidade das arenas da comunicação, a variedade de funções que esses profissionais realizam, e irão realizar, além das diferentes expectativas de cada segmento da indústria em relação aos estudantes que se formam a cada ano. Para identificar esses direcionadores, foi elaborado um projeto de pesquisa baseado em entrevistas com especialistas do setor, profissionais e acadêmicos, no Brasil e no exterior. Também foi promovido um grande esforço de análise de dados secundários, como reportagens e estudos acadêmicos. A iniciativa contou com a participação de grandes especialistas na área da comunicação, profissionais com vasta experiência acadêmica e de mercado, como Emmanuel Publio Dias (vicepresidente Corporativo da ESPM), Luiz Fernando Garcia (diretor da Unidade de Cursos Graduação da ESPM-SP) e João Matta (coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM), que participaram diretamente de todas as fases do projeto. No total, foram realizadas 22 entrevistas, sete com professores ou diretores de escolas de comunicação e 15 com ex-alunos dessas instituições. Como base para a amostra, foram selecionadas oito escolas. Além da própria ESPM, participaram 48 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 do estudo outras sete escolas mais premiadas no Festival de Cannes: VCU Brandcenter, Miami Ad School, Award School, Berlin School of Creative Leardership, Michigan State University, Berghs School e Alfred University. Para enriquecer a amostra, mais cinco escolas foram selecionadas: Parsons School, Harvard, Hyper Island, Lemon School e Elissava Escuela de Diseño. Uma das primeiras constatações foi a existência de três grandes transformações sociais, que serviram de premissas para a análise das entrevistas realizadas na pesquisa. São elas: a revolução da informação, o surgimento da geração “snack” e a ocorrência de uma grande mudança na natureza do trabalho realizado pelos profissionais da comunicação. As consequências desta revolução pela qual passa a comunicação são a democratização da informação, a criação de novos canais em ritmo acelerado e a transformação do receptor em produtor potencial de conteúdo na rede. Para Juliana Siqueira, ex-aluna da VCU Brandcenter e uma das entrevistadas do projeto, “ser um profissional de comunicação está cada vez mais complexo, estamos em um mundo multilinguagem e novos canais não param de surgir”. Geração “snack” é um termo que designa um grupo de jovens, hoje com idade entre 10 e 20 anos, que, como resultado do uso constante de mídias sociais, consomem conteúdo de uma forma diferente do que ocorria no passado. Esta geração tem muita dificuldade para se aprofundar em um determinado tema, ou de se concentrar em um único assunto por um período mais prolongado. David Regan, professor da Michigan State University, afirma que “[a] maioria dos alunos tem facilidade de transitar entre diversos assuntos, mas geralmente falta profundidade em cada um deles”. shutterstock Por Alexandre Gracioso e Laura Chiavone julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 49 shutterstock pesquisa 50 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 A geração ”snack” tem muita dificuldade para se aprofundar em um determinado tema, ou de se concentrar em um único assunto por um período mais prolongado Grupos de habilidades e competências encontrados Técnica e repertório • Pensamento complexo • Postura crítica • Formação de repertório • Curadoria de conteúdo Finalmente, as mudanças na forma como a sociedade contemporânea encara a evolução profissional tornaram possível aos estudantes vislumbrar cada vez mais uma carreira não linear, que possibilite mais experimentação. Eles podem mudar tanto de área dentro da comunicação como de setor. É o que percebe o coordenador do curso de comunicação social da ESPM, professor João Matta: “Existem hoje diversas opções na carreira da comunicação, eles podem trabalhar com marketing, criação e produtoras. E durante a carreira transitar por essas áreas também”. Principais resultados As entrevistas realizadas possibilitaram a identificação de três grandes grupos de competências e habilidades que devem ser trabalhadas durante o curso universitário (ver quadro ao lado). Esses grupos dizem respeito à formação técnica do futuro profissional, à capacitação comportamental e, finalmente, ao percurso que o estudante deve privilegiar (e as escolas devem possibilitar), durante a sua formação. Confira a seguir as principais características de cada grupo de competências: 1 . T é c n i c a e r e p e r t ó r i o – Este grupo diz respeito à formação profissional mais concreta e imediata, no sentido de serem competências necessárias para a execução do trabalho propriamente dito. Embora exista alguma insatisfação das agências, produtoras e outros integrantes das arenas da comunicação com relação a essas competências, a percepção geral é a de que este grupo é o que vem sendo mais bem trabalhado pelas escolas. a. Pensamento complexo: é a capacidade de buscar soluções não lineares para as questões que se apresentam. Não deve ser confundido com a busca, por vezes desnecessária, de soluções demasiadamente elaboradas. É cada vez Atitude profissional • Forma e contexto • Comportamento empreendedor • Resistência e frustações Perspectiva acadêmica • Comunicação com o mercado • Educação Beta • Formação individual mais necessário em um mundo no qual sobram problemas elaborados e falta simplicidade. b. Postura crítica: é imprescindível desenvolver uma postura questionadora, capaz de interpretar e resolver questões. Um ponto de vista crítico recebe com menos facilidade [ou ingenuidade] os desafios apresentados. c. Formação de repertório: é a busca pela ampliação do campo de visão e do universo de referências. Para isso, as instituições precisam trazer diferentes aspectos culturais e disciplinas para o processo de formação, da arquitetura ou do design à psicologia ou arte contemporânea e incentivar a vivência de novas experiências fora da sala de aula. d. Curadoria de conteúdo: se o “excesso de informação” tornou-se a palavra de ordem, saber fazer escolhas é mandatório. Comunicadores precisam ser criteriosos para selecionar o que é conhecimento e o que é apenas “barulho”. 2 . A t i t u d e p r of i s s i o n a l – Diz respeito às compe- tências humanas de relacionamento, postura individual e resiliência, frente às inevitáveis frustrações inerentes a qualquer carreira. a. Forma e contexto: trata-se de estar constantemente julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 51 pesquisa em busca de novos recursos, linguagens e formatos para constituir o processo criativo, estimulando os estudantes a entender e interpretar a cultura que os cerca. b. Comportamento empreendedor: em um mercado cada vez mais competitivo, é preciso empreender em todos os cenários, contextos e níveis hierárquicos, assumindo uma postura de comprometimento com resultados e crescimento, seja por meio do próprio negócio ou de uma visão empreendedora dentro das empresas. c. Resistência e frustrações: é preciso entender que a indústria criativa também é constituída por dificuldades, dúvidas e fracassos. Saber lidar com tais fatores e extrair aprendizados de todas as situações vividas é imprescindível para o sucesso do profissional de comunicação. 3 . P e r s p e c t i v a a c a d ê m i c a – Faz referência aos a. Comunicação com o mercado: dialogar com o mercado significa discutir de igual para igual, e não apenas atender ao que as empresas pedem. É imprescindível estimular os estudantes a resolver desafios “reais”, alinhados ao mercado de trabalho. No entanto, surge a oportunidade [e a necessidade] para as instituições assumirem um papel mais incisivo na formação, propondo novos questionamentos e perspectivas. b. Educação Beta: a formação está sempre na fase de testes e é um processo em constante desenvolvimento. Não há receitas prontas ou findas a seguir. Estudar e aprender continuamente diferencia o indivíduo. Para as instituições de ensino isso deve ser traduzido em um processo de renovação constante. c. Formação individual: em um cenário tão líquido e mutante, é natural que cada indivíduo trilhe um caminho único em sua formação, gerando inúmeras perspectivas e possibilidades. No seu conjunto, o perfil profissional que emerge das entrevistas realizadas é o de alguém que inicia a sua carreira não só com um bom domínio da técnica, mas com competências comportamentais bastante amadurecidas e que teve, ao longo de seu processo de aprendizagem, a oportunidade de vivenciar uma grande diversidade de experiências. 52 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock caminhos que, em conjunto, estudantes e escolas devem trilhar pensando na formação dos futuros profissionais das arenas da comunicação. Chama a atenção a importância que se dá às competências humanas. Esta não é uma exigência somente da indústria da comunicação. Em nossa experiência com recrutadores e executivos de RH e de outras áreas das mais diversas indústrias e setores empresariais, esta é uma demanda comum a todos e que vem se tornando cada vez mais importante na decisão de contratação. É significativo notar que, há alguns anos, aceitava-se que o jovem recém-formado iria desenvolver habilidades humanas ao longo de sua carreira, principalmente para ser considerado para posições gerenciais. Porém estava claro para os recrutadores que o processo de amadurecimento comportamental, no sentido profissional, seria desenvolvido em grande parte dentro das empresas. A educação no Brasil deve atender à dupla finalidade de preparar o indivíduo para uma atuação política no contexto nacional (o exercício da cidadania) e capacitá-lo a atuar no mundo do trabalho Hoje a realidade é diferente. As agências e empresas têm a expectativa de que os iniciantes já demonstrem um amadurecimento que antes somente era exigido de profissionais com vários anos de experiência. Essa demanda impõe sobre as escolas desafios adicionais que devem ser enfrentados ao se desenvolverem as experiências de aprendizagem que serão oferecidas aos estudantes ao longo de seus programas. Como as escolas devem se preparar para essa nova realidade? Ensino nota 10! Existe uma tensão permanente no desenvolvimento de qualquer programa de nível superior e na escolha de quais competências deverão ser desenvolvidas ao longo do curso. Em um extremo temos a formação puramente técnica, que atenderia às necessidades imediatas do mercado de trabalho e, talvez, fosse útil para os primeiros curtos anos da carreira do profissional. No outro extremo, temos a formação puramente intelectual, com caráter marcadamente humanista e científico, que serve de base para todo e qualquer aprendizado posterior, mas que teria pouca utilidade prática imediata. Historicamente, mercado e academia não conseguiram chegar a um consenso sobre como melhor equilibrar essas necessidades e demandas. É comum as empresas se queixarem de que as universidades formam profissionais que desconhecem a profissão e precisam ser ensinados julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 53 do zero quando chegam ao mercado de trabalho. Do outro lado, as universidades criticam o fato de que as empresas desejam pessoas sem pensamento próprio e sem iniciativa, puramente técnicas. Esse foi o principal ponto de debate na apresentação da pesquisa aos profissionais do Grupo de Planejamento, em julho. Antes de abrir este artigo para o debate, é interessante conhecer o entendimento dos principais documentos que regem a educação no Brasil, a saber: a própria Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1996. Alguns trechos destes documentos abordam de maneira muito objetiva a questão de qual deve ser a missão de uma Instituição de Ensino Superior (IES). Por exemplo: o artigo 205 da Constituição de 1988 diz que “[a] educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996 (Lei 9.394, de 1996), reforça a Constituição ao utilizar, essencialmente, o mesmo texto no parágrafo 2º: “[a] educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Coerentes com essas diretrizes mais amplas, definidas para a sociedade brasileira como um todo, somos da opinião de que a educação no Brasil deve atender à dupla finalidade de preparar o indivíduo para uma atuação política no contexto nacional (o exercício da cidadania), e capacitá-lo a atuar no mundo do trabalho. Esse não é um desafio simples nem fácil de ser atingido, dada a realidade da educação em nosso país, em que alunos despreparados chegam ao ensino superior. Também é preciso levar em conta que os estudantes passam curtos quatro anos em seus cursos de graduação, na área da comunicação, e que muito precisa ser discutido e aprendido. O que devem, portanto, as escolas fazer? Antes de responder, gostaríamos de esclarecer que estamos fazendo sugestões tendo em mente uma realidade muito diversificada de cursos de comunicação, que inclui escolas com modelos muito simples e que atendem a públicos com formação escolar ruim, mas que também conta com escolas de excelência que já fazem muitas das propostas aqui apresentadas. Dito isto, nossa experiência sugere que as escolas precisam se esforçar para abandonar o 54 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock pesquisa A experiência prática durante o curso facilita e potencializa o aprendizado. Atividades como grupo de teatro e colaboração no diretório acadêmico também contribuem nesse processo modelo tradicional de sala de aula e abraçar experiências de aprendizado mais amplas e diversificadas, centradas em projetos e percursos mais flexíveis. Infelizmente, é mais fácil falar do que fazer. Na ESPM, os recrutadores são unânimes em afirmar que estudantes que passaram por experiências de aprendizagem, que vão além da sala de aula, como a Empresa Jr, a Agência Experimental, a ESPM Social, chegam mais bem preparados ao mercado. É interessante ressaltar duas proposições adicionais sobre esse ponto. Em primeiro lugar, a superioridade é sentida tanto no preparo técnico quanto no comportamental. Ou seja, a experiência prática durante o curso facilita e potencializa o aprendizado. Além disso, não são somente as experiências de caráter profissional que aceleram o desenvolvimento. Atividades como grupo de teatro, colaboração no diretório acadêmico, entre outras que os estudantes desenvolvem, também contribuem, significativamente, nesse processo. Portanto, o incentivo da prática e a oferta sistemática de ambientes de aprendizagem diferenciados, nos quais os estu- dantes possam exercitar os conceitos desenvolvidos em sala, são fundamentais no preparo de profissionais com um perfil mais próximo ao desejado pelo mercado e pela sociedade. Uma implicação dessa mudança conceitual no desenvolvimento de cursos é a diminuição do número de disciplinas que os estudantes devem cumprir e também da carga horária exigida pelas atividades tradicionais de sala de aula. Esses pontos são delicados de serem tratados com professores que foram treinados em modelos tradicionais. Isso inclui os tão necessários profissionais de mercado que também atuam como professores. Também estes conhecem somente os modelos tradicionais de ensino e aprendizagem, portanto um amplo programa de treinamento e capacitação do corpo docente se faz necessário. Como será o amanhã? Os grandes desafios do setor foram apresentados durante o V Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação. A seguir, você confere as principais propostas aprovadas no plenário do evento, que foi realizado em maio de 2012, ocasião em que os resultados desta pesquisa foram apresentados pela primeira vez. 1. Â m bi to ger a l Todos os integrantes da indústria da comunicação são corresponsáveis e solidários na busca contínua da construção de um futuro comum, no qual se valorize o ser humano e se busque o desenvolvimento social e econômico. 2. Â m bi t o ac a dê m ico a. As entidades profissionais devem facilitar a presença contínua de profissionais de mercado no ambiente acadêmico. b. As escolas, apoiadas pelas entidades profissionais, devem elaborar uma coleção de casos regionais, nacionais e internacionais, para facilitar e atualizar os conteúdos acadêmicos. c. Deverá ser encaminhada ao Ministério da Educação uma solicitação do V Congresso a fim de flexibilizar conteúdos disciplinares e a contratação de profissionais de mercado como professores, independentemente de suas titulações formais. d. As escolas de comunicação devem incorporar aos seus currículos (teóricos e experimentais), noções essenciais de gestão de negócios, finanças, gestão de pessoas, inovação e empreendedorismo. 3. Â m bi t o da s e m pr es a s a. As agências devem incrementar a gestão de RH/Pessoas, como uma de suas prioridades. b. As agências devem buscar a criação de novos métodos e modelos de trabalho que favoreçam o exercício do pleno potencial dos profissionais, a partir de seu crescimento pessoal. 4 . Â m bi t o da s en t i da des a. Deve ser promovida a aproximação contínua das entidades profissionais com as escolas de graduação, pósgraduação e extensão. b. Recomenda-se à Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) a análise da viabilidade de criação de um banco de talentos, para oferecer, simultaneamente, a capacitação contínua e alternativas de atuação no mercado. Para a nossa satisfação, a mensagem que fica do V Congresso é a de aproximação entre a academia e a indústria. Acreditamos que esta seja uma saudável providência que todos nos comprometemos a implementar. A experimentação é fundamental para a boa formação profissional, assim como também o são o exercício e o desenvolvimento de faculdades e habilidades mais genéricas, como um repertório cultural extenso e uma postura comportamental mais madura. Dificilmente as escolas conseguirão fazer tudo isso sozinhas, sem o apoio e o comprometimento de parceiros do mercado corporativo. Por outro lado, na realidade atual de falta de cooperação, empresas, agências e produtoras precisam incorrer significativos custos em termos financeiros e também de tempo e dedicação de seus executivos mais seniores para arredondar a formação empreendida no ensino superior. Portanto, é razoável esperar ganhos bastante concretos para ambas as partes como decorrência dessa cooperação mais estreita. Mais importante do que isso, talvez seja o fato de os estudantes que se preparam para entrar na indústria da comunicação só terem a ganhar com esse diálogo mais franco e aberto. Alexandre Gracioso Vice-presidente acadêmico da ESPM Laura Chiavone CEO da Limo Inc julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 55 shutterstock Comunicação corporativa 56 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Os golfinhos da comunicação O objetivo da comunicação corporativa é transmitir de forma clara a todos os públicos de interesse de uma organização não só o que ela faz, mas também quem ela é e no que acredita. Como é possível fazer isso hoje de forma globalizada? Por Marcelo Vergílio Paganini de Toledo O principal desafio ao se realizar um plano de comunicação integrada é dar à empresa uma só voz, alinhando sua comunicação institucional e sua comunicação mercadológica. Realizar a conciliação entre as mensagens que deseja transmitir, os públicos de interesse e os pontos de contato da empresa com o mercado é o principal fator de sucesso de uma estratégia de comunicação bem realizada. Porém, com o advento da globalização, essa tarefa ficou mais difícil, já que as mensagens locais e globais se confundem em todas as áreas da comunicação integrada e envolvem todos os seus públicos de interesse. Isso dá aos gestores da empresa uma maior responsabilidade de gerenciamento com o objetivo de garantir uma “identidade” única, pois, no mundo atual, essa organização pode ter consumidores na Malásia, investidores nos Estados Unidos, funcionários na China, fornecedores no Brasil e operações administrativas na Itália. Um dos pilares da comunicação integrada que mais sofrem com isso é a comunicação corporativa. Ela funciona como uma orquestração de instrumentos de comunicação interna e externa, que são empregados pela administração para estabelecer uma imagem favorável com as partes interessadas e que congrega, entre diversas atividades, itens como propaganda corporativa, relações com a imprensa, comunicação interna e relações com investidores, governos e grupos de interesse. Isso ocorre porque a comunicação corporativa tem como responsabilidade comunicar não somente o que as organizações produzem, mas também como elas são e em que acreditam. Estes dois últimos elementos, hoje, devem fazer sentido em uma escala global. A comunicação corporativa é utilizada como uma das principais ferramentas para a construção da reputação de uma organização. Assim, ela possui o desafio de fazer com que a missão, os valores, a visão e a estratégia de atuação das empresas sejam, além de compreendidos, respeitados e admirados por meio de uma mensagem sólida para todos os públicos de interesse presentes nos mais diversos países. Essa é a maneira encontrada para que as organizações possam exportar sua reputação. Ter uma presença internacional faz com a empresa fique mais envolvida com os ambientes locais dentro de um dado país ou mercado, observando sempre a identidade nacional, a língua, os gostos, as preferências, as barreiras jurídicas e políticas e as questões socioeconômicas. Todos esses pontos de alguma maneira influenciam seus públicos de interesse e devem ser considerados na construção de uma estratégia de comunicação. Essa estratégia deve sempre buscar o alinhamento entre a imagem e a identidade de uma empresa e, por consequência, a construção de sua reputação corporativa que já não pode ser pensada em nível local, e sim global. Um problema ambiental em uma unidade da empresa nos Estados Unidos pode causar uma crise com investidores em Singapura. Uma denúncia de trabalho escravo na China causa uma crise de confiança com os consumidores nos Estados Unidos. A informação mundial ocorre em tempo real, com alcance global. Com o advento da internet e das redes sociais, todo conhecimento pode e é compartilhado. Com isso, o cenário de atuação da comunicação corporativa deixa de ser o país e passa a ser todo o mundo. Dentro dessa nova realidade, faz-se necessária a construção de uma sólida reputação global. E a comunicação corporativa é uma ferramenta de grande importância, devido aos seguintes fatores: julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 57 • • • • O público tem um enorme acesso e um apetite voraz por informações, sejam elas relacionadas aos seus interesses ou simplesmente fonte de entretenimento. A maioria dos governos do mundo decidiu não competir mais por meio de guerras ou financiamento de exércitos. A competição agora se dá mais intensamente na esfera econômica. As armas utilizadas passaram a ser de produção, em vez de destruição. Esse novo ordenamento produz reflexos expressivos na reputação empresarial, tornando-a arma para competição em todo o planeta. Ao longo dos anos, as empresas dominantes consolidaram as mesmas técnicas de produção em massa e de marketing. Além disso, a comoditização de produtos e serviços faz com que haja uma grande dificuldade de diferenciação. Uma das poucas formas de ser percebido fundamenta-se em grande parte na reputação das empresas e de marcas. O capitalismo conquistou o mundo e trouxe com ele a necessidade cada vez maior de capital. A captação desse capital se dá basicamente por meio de investimentos diretos, e a boa reputação empresarial faz com que a empresa se torne uma opção para o investidor. Com isso, transmitir credibilidade, confiabilidade, segurança e responsabilidade passa a ser fator preponderante para as empresas de sucesso. E a comunicação desses atributos é uma responsabilidade e um objetivo a ser considerado em todos os planos de comunicação. A razão de tal preocupação é devida ao fato de que nós hoje, ao tomarmos uma decisão de consumo, investimento, indicação a um amigo ou colega ou escolha de uma posição de trabalho, estamos preocupados não só com o que as empresas produzem, mas também com o que elas fazem, pois só o produto ou o serviço prestado não sustenta a longevidade de uma organização e nossa confiança em relação a ela. Bem-vindos à “Economia da reputação”. Independentemente de para quem, por que e onde a mensagem deva ser comunicada, simplicidade, clareza e consistência são atributos básicos de um diálogo entre as empresas e seus públicos em qualquer parte do mundo. Quanto mais fácil for a comunicação, melhor será o seu entendimento, principalmente em um momento em 58 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock Comunicação corporativa Independentemente de para quem, por que e onde a mensagem deva ser comunicada, simplicidade, clareza e consistência são atributos básicos de um diálogo entre as empresas e seus públicos que estamos todos multiconectados, multi-informados, multi-impactados e multidispersos com a quantidade de informações que recebemos. Outro fator impactante é a necessidade de incorporar a comunicação “boca a boca” em uma plataforma integrada e, por consequência, na comunicação institucional da empresa. Torna-se mandatória essa atenção, pois quanto maior o controle que a empresa possui da informação, menor a confiança de seus públicos com esse conteúdo. Um exemplo disso são o processo de tomada de decisão para a compra de um produto ou serviço, a realização de algum investimento em ações de uma companhia ou a aceitação de uma proposta de trabalho. Em todos esses casos recorremos aos meios tradicionais de informação. Porém sempre procuramos a opinião de um amigo que tenha conhecimento no tema. Com a internet e o surgimento das mídias sociais, esses amigos estão em qualquer lugar do planeta, opinando sobre as empresas e estabelecendo comunicação interativa onde o “boca a boca” é realizado em tempo Encontrar um caminho de coerência na comunicação institucional da empresa irá ajudá-la a construir sua reputação corporativa de forma global real e de forma globalizada. Esse fim de mutuamente a localizar presas e, assim, exclusividade no discurso das empresas se a limentar. Em f unção dessa coné um fator de atenção aos gestores de vivência, os golfinhos servem como comunicação sob o ponto de vista de indicadores de cardumes de atum. A como engajar e interagir com os públicaptura de atum com rede de cerco, cos em uma escala global. um dos métodos que eram empregaEncontrar um caminho de coerência na dos antigamente para essa pesca, já foi comunicação institucional da empresa irá responsável pela matança de mais de 7 ajudá-la a construir sua reputação corporativa milhões de golfinhos nos últimos 35 anos. Selo de qualidade de forma global. Isso traz benefícios para toPor meio do conceito Dolphin Safe, certiestampado nas latas dos os públicos da empresa, como a criação de ficado fornecido pela Earth Island Institute, de atum indica o valor para o acionista, a atratividade, a motiessas empresas garantem que o sistema de uso de um método vação e retenção dos melhores colaboradores, captura dos atuns seja realizado por meio de diferenciado de o desenvolvimento da preferência dos conpesca com vara, linha e anzol. Apesar de repesca, que assegura sumidores pelos seus produtos e serviços, a sultar em menor produtividade, este método a proteção dos golfinhos e ajuda minimização de impactos em caso de alguma diferenciado de pesca é a segurança da proessa indústria a se crise e, principalmente, o desenvolvimento teção dos golfinhos. O selo Dolphin Safe nas posicionar a favor da de uma atitude positiva e a legitimização da latas de atum garantem que o consumidor preservação do meio sociedade para com sua atuação. está adquirindo um produto que não causa ambiente Todos sabemos da importância e dos dedanos aos golfinhos. Assim, as pessoas que safios na comunicação institucional em um mundo glodesejam comer atum porque é gostoso e saudável, e quebalizado. E a pergunta sempre feita é: como desenvolver rem continuar admirando os golfinhos, podem adquirir uma plataforma que atinja todos os públicos, em todos esses produtos sem peso na consciência. os mercados e países onde atuo com a mesma relevância Para que isso fique claro a todos os públicos de intee interesse? resse dessas organizações, é utilizada uma plataforma As empresas, por definição, não são todas semede comunicação integrada, que demonstra de forma real lhantes, porém podem utilizar as mesmas linguagens não só o que a empresa faz, mas também aquilo em que ou causas globais para facilitar o relacionamento ela acredita por meio de valores sensíveis a uma grande com seus públicos em diversos países. Com isso, a parcela da população mundial, que é a preocupação companhia consegue estabelecer uma comunicação ambiental. Do lado institucional, demonstrar essa preofavorável em nível mundial. Um exemplo é o trabalho cupação certamente levará a um maior reconhecimento realizado pela americana Kraft Foods, pela europeia sobre a reputação dessas empresas e, consequentemente, Calvo e pela brasileira Camil em relação ao atum ena uma imagem e uma identidade corporativa forte e polatado que comercializam. sitiva. Tudo isso graças aos golfinhos! Por meio do conceito Dolphin Safe, todas exaltam o seu comprometimento de preservar o meio ambiente, mediante Marcelo Vergílio Paganini de Toledo processamento e fabricação de atum enlatado, que vai ao Professor de graduação e pós na ESPM e BSP e dos cursos de encontro da preocupação com o bem-estar dos golfinhos. educação continuada da FGV. Pós-graduado pela ESPM. E qual é a relação entre o atum e o golfinho? Mestrando em gestão internacional pela ESPM. Sócio da 3.0 A resposta para isso é que, no oceano, golfinhos Marketing & Inteligência, consultoria atuante nas áreas de planejamento de marketing, pesquisas de satisfação e reputação corporativa e atuns vivem numa associação em que se ajudam julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 59 depositphotos Branding 60 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Fora de foco Em janeiro de 2012, a Kodak pediu concordata, nos Estados Unidos. Aparentemente, a empresa não pôde ser reinventada no rumo sinalizado há 124 anos pelo seu fundador. Será esse o fim do slogan “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”? Por Valeria Ravier E ra 1888, quando George Eastman pronunciou que iria manter a Kodak como líder absoluta no mercado as oito palavras mágicas que ficariam marcadas de material fotográfico durante muitos anos. A frase demonstrou ainda ter um caráter praticamente para sempre na história da fotografia e do marketing: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”. mágico, pois, ao permitir que cada consumidor se identiA frase representou um dos pontos altos no desenvol- ficasse com um lugar em que jamais tinha sido colocado, vimento de uma técnica capaz de concretizar, para um criou do nada um número inédito de fotógrafos amadonúmero crescente de pessoas, o antigo desejo de capturar res que iriam se tornar os principais consumidores dos a realidade. A invenção de Eastman inaugurou também produtos Kodak. Milhões de americanos passaram uma ideia que iria ser amplamente a documentar o seu dia a dia familiar, discutida no futuro da fotografia: há iniciando um detalhado arquivo de um sujeito por trás da câmera. informações visuais sobre o cotidiaEis aí o paradoxo de uma técnica no nunca antes visto na história da que nasceu com a intenção de se humanidade. constituir em um retrato fiel e objeO que Eastman fez naquele motivo da realidade, mas que depende mento foi multiplicar de modo expode um operador cujo ponto de vista, nencial a possibilidade de captar e subjetivo, define um recorte para a registrar instantes, de parar o tempo realidade a ser representada. e chamar a atenção para cenas que, O fundador da Kodak, nome que sem a sensibilidade do fotógrafo Eastman, aparentemente, criou sem aliada à técnica, teriam se perdido nenhuma outra referência, a não ser para sempre. Cenas que por meio da pelo fato de gostar da letra K, tinha fotografia passaram a ser, também desenvolvido uma câmera pequena para sempre, ficcionais. e portátil, com um negativo seco e É importante lembrar, no entandescartável que não precisava ser to, que, por trás de toda e qualquer revelado imediatamente após a fotografia, existe uma realidade hisexposição. Em termos de produto, tórica. Que cada imagem fotográfica isso representou a superação de tonasce de uma época, seus costumes dos os limites que a fotografia tinha e tradições. enfrentado desde que Joseph Niépce As imagens mais interessantes, obtivera, em 1826, após oito horas porém, como aponta Roland Barde exposição, a imagem que ficaria thes no livro Camera Lucida (Hill conhecida como Ponto de Vista desde and Wang, 1981), são aquelas que a Janela de Gras. Com oito palavras, o empreendedor conseguem transcender o momenDa perspectiva do marketing, o George Eastman criou um dos slogans mais famosos da história da fotografia to a que visualmente se referem, slogan foi uma fórmula de sucesso julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 61 Branding despertando uma sutil dimensão que se lança em direção à subjetividade de cada espectador, aguçando o seu desejo de ver além do espaço e do tempo que essa imagem congela e imortaliza. Desse ponto de vista, a fotografia não é mera representação da realidade, senão linguagem, narrativa, interpretação de um fotógrafo destinada a ser revisitada todas as vezes em que houver um interlocutor. Quem aperta o botão? Na década de 1960, a Kodak encomendou uma pesquisa ao sociólogo Pierre Bourdieu, cujas conclusões seriam publicadas na França, em 1965, sob o título Uma arte mediana: ensaio sobre os usos sociais da fotografia (Un art moyen: essai sur les usages sociaux de la photographie). Bourdieu é um pensador que retoma e, de certa forma, mantém a ideia da objetividade no campo sociológico, afirmando, no entanto, que essa objetividade se constrói e perpetua através das subjetividades. É nesse sentido que ele entende a fotografia como um produto social que contribui fortemente para a continuidade dos sistemas de percepção, pensamento e apreciação existentes que, de acordo com ele, se fundam em valores estéticos e éticos da classe à qual o fotógrafo aficionado está subordinado e que este, por sua vez, ajuda a reproduzir. As proposições de Bourdieu nesse estudo não se aplicam unicamente ao meio fotográfico, representando certa exemplificação da sua teoria no campo da fotografia, mais precisamente da fotografia leiga encontrada nos álbuns de família. No fundo, a ideia de que a fotografia seria uma atividade cultural menor em relação a outras mais exigen- tes é também uma crítica àquele personagem que a Kodak ajudou a criar e que foi o foco perseguido pela empresa desde o início, o fotógrafo amador. A perspectiva analítica desse autor destaca, de outro ângulo, a relação que o meio fotográfico guarda com a realidade. Para ele, o fato de que toda imagem fotográfica se refira a uma cena que realmente ocorreu, – e de alguma maneira continua ocorrendo graças ao impacto que essa representação provoca no espectador – torna essa prática cultural especialmente eficaz na interiorização da objetividade e consequente reprodução de subjetividades objetivadas. O que fazer com o resto? Em janeiro de 2012, mais de 120 anos após Eastman ter enunciado aquelas oito palavras mágicas, a Kodak entrou com um pedido de concordata. Pessimistas enxergam a atitude como o fim de um império. Otimistas a veem como mais uma tentativa de se manter nos negócios. Todos parecem concordar com o fato de que a empresa não soube se reinventar na era da fotografia digital. O estudo de Bourdieu na década de 1960 e o próprio mercado, a partir do ano 2000, puseram em xeque, respectivamente, cada uma das afirmações de Eastman. Quem aperta o botão? Quem faz o resto? Aparentemente os executivos da Kodak não souberam enfrentar esses dilemas. A marca foi criadora da primeira câmera digital, em 1975, época em que a empresa detinha 90% do mercado e os seus lucros vinham dos produtos químicos e dos filmes. Mas naquele momento ela recuou diante da possibilidade de investir em um lançamento que pudesse prejudicar o seu negócio tradicional. Pouco tempo depois, nos anos 1980, A evolução das campanhas publicitárias dessa empresa centenária, que acabou superada pela própria invenção: a imagem digital produzida pelo fotógrafo amador 62 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 começou a sua decadência em relação a empresas como a Fuji Photo Film Co. Com o tempo, foi ultrapassada pelos concorrentes, que investiram no mercado digital e desenvolveram nessa área câmeras muito superiores às da Kodak. A era digital encurtou os tempos e multiplicou as possibilidades. A grande maioria dos consumidores de hoje quer apertar o botão e, caso decida fazer algo com o resto, ter a opção de fazê-lo por si mesma. A reinvenção do fotógrafo amador A análise de Bourdieu destacava, em 1965, uma forte correlação entre fotografia e integração grupal. A câmera compacta de Eastman foi o primeiro passo nessa direção, que tem sido potencializada nos últimos anos com a invenção de câmeras digitais compactas, celulares e outros dispositivos com câmera. Fotografar ficou mais barato na medida em que é possível ter acesso virtual imediato às imagens e, eventualmente, imprimir as melhores. A crescente exposição à câmera, por outro lado, tem sido responsável pela transformação das imagens em parâmetro de beleza por excelência. Cada vez mais, ser bonito é ser fotogênico. Nesse sentido, Susan Sontag já dizia, há quase 30 anos, que o medo de ser fotografado já não passava pelo temor de ficar sem alma, senão pela possibilidade de ser reprovado pela câmera. O que esta autora não conseguiu prever foi que na era do Photoshop não há maneira de não ser fotogênico. A imagem de si mesmo, como todas as outras, é facilmente manipulada, modificada, reinventada. Mas, ainda assim, Sontag não estava errada. A tecnologia foi capaz de criar ferramentas capazes de nos tornar tão fotogênicos quanto desejemos e, no entanto, o temor de sermos reprovados pelo outro aumenta entre as novas gerações, compelidas a revestir de um carácter inovador cada pequeno detalhe das suas vidas, exibindo suas aventuras cotidianas publicamente nas redes sociais como se fossem eventos promovidos por meio de ações de marketing. Um lado positivo desse avanço tecnológico é o de ter permitido a um número crescente de pessoas com acesso à internet ser potencialmente capaz de escrever e publicar um livro, compor e divulgar músicas, fazer vídeos, construir páginas na web e tantas outras atividades criativas. Embora a análise de Bourdieu seja interessante e até certo ponto pertinente, cabe destacar um aspecto que este autor não leva em consideração: a iniciativa de Eastman de lançar uma câmera portátil de baixo custo, que pudesse ser utilizada por qualquer leigo, foi pioneira no movimento de democratização do acesso à tecnologia. É importante, neste ponto, lembrar das assertivas de Umberto Eco em Apocalípticos e integrados (Perspectiva, 2008), onde ele afirma que, no nível da circulação das ideias e dos valores culturais, não ocorre a cristalização reformista que pode ser encontrada na base socioeconômica. O exemplo que ele nos fornece no livro Obra aberta (Perspectiva, 2001) é contundente e esclarecedor: se perante uma ameaça de greve é aumentado o salário dos trabalhadores de uma fábrica, é possível que esta solução evite a ocupação do estabelecimento. Mas, se um político ensina os membros de uma comunidade de analfabetos a ler, para que tenham acesso ao seu ponto de vista, nada impede que no futuro esses mesmos camponeses tenham contato, também, com outros discursos. A miopia dos executivos da Kodak foi não terem sido capazes de reinventar a empresa sem perder de vista o rumo ditado pelo seu fundador, falecido em 1932. Eastman estava certo em 1888 e continua certo em 2012: a democratização do acesso à tecnologia é um contexto propício para o surgimento de novos consumidores. Sendo coerente com as suas origens, é para o surgimento desses personagens que as estratégias da Kodak deveriam apontar. Afinal, como conclui Theodore Levitt no famoso artigo Marketing myopia (Harvard Business Review, Jul/2004), “a organização precisa aprender a considerar sua função, a aquisição de clientes e a realização de ações que levarão as pessoas a querer trabalhar com ela. Seu presidente precisa saber exatamente onde deseja chegar, assegurando-se de que toda organização esteja entusiasmada e ciente disso”. Para Levitt, esse é um dos principais requisitos para a liderança: “A menos que ele saiba para onde está indo, qualquer caminho o conduzirá a esse local. Se qualquer caminho serve, então o dirigente máximo da empresa pode muito bem arrumar sua pasta e ir pescar. Se uma organização não souber ou não tiver interesse em saber para onde está indo, não precisa fazer propaganda desse fato com um chefe protocolar. Todos irão perceber bem rápido”. Valeria Ravier Antropóloga, consultora de marketing com MBA pela ESPM/SP e escritora. Website: www.anthropophotography.com e-mail: [email protected] julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 63 entrevista 64 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 PJ Pereira Q Made in Brazil uando o mercado publicitário ainda tentava entender o que seria a sigla www e qual a melhor forma de utilizar a internet, ele já estava nadando de braçada no meio digital. PJ Pereira começou sua carreira aos 13 anos de idade, como programador. Ingressou na publicidade nove anos mais tarde, quando trabalhou na DM9DDB. Em 1999, ajudou a fundar a AgênciaClick, que logo no seu primeiro ano ganhou um GP de Cyber, em Cannes. Cinco anos depois, se mudou para os Estados Unidos para assumir o posto de diretor de criação da AKQA e atender grandes contas como McDonald’s, Nike, Coca-Cola, Visa e Microsoft. Em 2008, quando a crise financeira começava a dar seus primeiros sinais, o publicitário deixou a AKQA para montar sua própria agência, a Pereira & O’Dell, em parceria com o americano Andrew O’Dell e o Grupo ABC, de Nizan Guanaes. O momento delicado da economia, que para a maioria das empresas americanas foi um verdadeiro tsunami, para essa agência, de alma brasileira, foi uma oportunidade. Baseado em uma filosofia de trabalho que parte de uma boa ideia para integrar a técnica e não o meio, o empreendimento de PJ cresceu e conquistou o prêmio de melhor agência com até 150 funcionários (Small Agency of the Year), pela Ad Age em 2010. Hoje, ele atende Corona, Skype e Lego, entre outros clientes. De São Francisco (EUA), na sede da Pereira & O’Dell, PJ concedeu esta entrevista para a Revista da ESPM, por Skype. Entrevistado por Anna Gabriela Araujo julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 65 entrevista Gabi – Hoje, o conceito de comunicação PJ Pereira – Quando falta dinheiro, integrada é entendido e praticado por muitos anunciantes brasileiros como sendo a realização de campanhas complexas, que envolvem não só a mídia tradicional, mas também as novas ferramentas do marketing. Muitos definem o tema como a arte de criar fatos e promover notícias que são apresentadas em benefício de determinado produto. Como o assunto é tratado pelo mercado americano? você é obrigado a fazer escolhas, e aí precisa ser uma escolha inteligente, até por uma questão de sobrevivência. Ao reduzir o próprio time e cortar fornecedores, o anunciante passou a ter mais responsabilidade e capacidade para investir apenas em uma única disciplina de comunicação. Logo, passou a utilizar as ideias mais originais e criativas. Em um segundo momento, esse posicionamento mudou a relação entre o anunciante e o consumidor, que não quer saber se a comunicação está integrada ou não. PJ Pereira – Esse conceito invadiu os Estados Unidos na última década. Todos queriam garantir que o visual e o tema das peças fossem parecidos em todos os pontos de contato com o consumidor. Alguém criava um spot de TV, outra agência pegava a mesma peça e adaptava para mídia impressa e outros meios. Isso deixou o mercado um pouco mais disciplinado, mas enfraqueceu a mensagem. Num primeiro momento, esse esforço de integração fez a propaganda americana ficar pior. Isso aconteceu porque, nos Estados Unidos, o departamento de marketing dos grandes anunciantes era muito segmentado. Muitos mantinham uma equipe especializada em ações digitais, outra em RP (relações públicas), mais uma em mídia impressa, e assim por diante. Aqui, a comunicação integrada nada mais era que um checklist gigante para tentar fazer com que a marca chegasse a um denominador comum. Quando a crise bateu, o dinheiro acabou, o cliente passou a ter menos profissionais especializados em seu departamento de marketing e a situação começou a mudar. Gabi – Nesse caso, o corte das verbas representou uma evolução no mercado publicitário americano? 66 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 “Quando falta dinheiro, você é obrigado a fazer escolhas, e aí precisa ser uma escolha inteligente, até por uma questão de sobrevivência” Gabi – Mas você acredita em comunicação integrada? PJ Pereira – Não. Na prática, esse termo só tem três sentidos possíveis: 1 – Reduzir todas as peças da campanha a um mínimo denominador comum para que elas fiquem “combinadinhas”. 2 – Cobrir 360º para que a mesma mensagem esteja em todas as formas de comunicação possíveis, o que gera a chamada propaganda por checklist. Somos mais inteligentes que isso. De onde venho, 360º é quando você dá uma volta inteira e termina no mesmíssimo lugar. 3 – Pensar no que a propaganda poderia ser, caso fosse inventada hoje, “integrando” todas as ferramentas que temos nas mãos. Esse terceiro argumento eu compro, mas o nome integrado nao cai bem aqui, porque faz as pessoas acharem que é suficiente integrar no final, em vez de fazer isso no início do processo. Gabi – E em qual conceito está baseado o trabalho desenvolvido pela Pereira & O’Dell? PJ Pereira – Em inteligência, curiosidade e criatividade. Sempre oriento meu time a resolver o briefing como se a propaganda tivesse sendo inventada naquele momento. Não porque eles tenham de mudar o mundo, mas porque eles podem utilizar as ferramentas em uma combinação que não faria sentido em nenhuma outra campanha. Aí, sim, sai coisa nova e interessante – não porque a campanha é “integrada”, mas porque ela é nova. Nossa missão é resolver o problema do cliente, desconsiderando toda e qualquer fórmula já utilizada até então. Gabi – Como a crise se refletiu nos negócios da agência? PJ Pereira – Brinco que somos o Forrest Gump da propaganda. Abrimos a agência em 2009, em plena crise. Enquanto o mercado estava demitindo, nós estávamos contratando gente. Desde então, temos crescido ano a ano. Hoje, temos 110 funcionários. Em 2011, nossa receita foi de US$ 14 milhões. Este ano, conquistamos quatro contas – Skype, Mattel, Dial e Purex – e devemos registrar um crescimento de 30%. Gabi – Tanto do lado da agência quanto do anunciante, nota-se, muitas vezes, que os resultados não saem conforme o planejado por conta de falhas na coordenação das ações de todos os parceiros envolvidos no projeto. Como a Pereira & O’Dell PJ Pereira trabalha na tentativa de reverter esse cenário? PJ Pereira – Nosso trabalho é baseado em uma ideia que integra a técnica, e não o meio. E essa é a forma de pensar mais velha do mundo, como mostra o seriado Mad Men, que é ambientado nos anos de 1960 e conta a história de Donald Draper, um dos mais influentes executivos do mercado publicitário. O que essa série retrata são maneiras de resolver muitos problemas da propaganda. Larry Dobrow (publicitário que foi editor da revista Adweek e vice-presidente da Bozell Worldwide), um dos meus mentores, que faleceu no ano passado, costumava contar um caso clássico para ilustrar esse conceito. Certa vez, foi chamado pela Government Employees Insurance Company (seguradora dos empregados do governo), para fazer uma campanha, porque esse órgão queria vender seguros para todos os americanos. Ele pensou e disse: “Vocês não precisam de uma campanha, e sim de um novo nome”. E criou a GEICO Auto Insurance, que se tornou uma marca querida dos americanos e uma das maiores seguradoras do país. A propaganda está voltando a esse ponto. É preciso acabar com a preguiça intelectual e perguntar: qual é o problema? Só depois de obter essa informação, é que a agência deve pensar em alguma solução realmente criativa. Gabi – Em um mundo pautado pelo excesso de canais e informações, o storytelling pode ajudar a disseminar uma ideia ou construir uma marca com mais eficácia na tentativa de conquistar o público pela emoção? PJ Pereira – Depende da ideia. A regra é simples: o que faz sentido tem maior impacto. Estratégia é isso: entender e escolher o que será desenvolvido. Fazer tudo não é inteligente, porque deixa a marca mais fragmentada. O segredo está em pensar na propaganda como conteúdo que as pessoas vão querer ver. É como brincar de Lego. Você tem uma série de blocos e pode montá-los como bem quiser. Basta ser criativo. gastando mais na produção. Não posso revelar números, mas, segundo executivos das duas empresas, o aumento de vendas foi mais do que surpreendente no ano passado. Também registramos um aumento quase que imoral na preferência das marcas Intel e Toshiba. Mais do que o retorno sobre o investimento, o que vale aqui é a inovação, a coragem que as duas marcas tiveram de investir em algo novo. “A regra é simples: o que faz sentido tem maior impacto. Estratégia é isso: entender e escolher o que será desenvolvido. Fazer tudo não é inteligente” Gabi – Agora, vocês acabaram de lançar Gabi – No ano passado, você criou a ação Inside, um filme colaborativo, desenvolvido para a Toshiba e a Intel, que convidou os internautas a participar da história por meio das redes sociais. Filmada em Hollywood, a produção consumiu US$ 3 milhões, teve 50 milhões de page views em 45 dias e em nenhum momento foi exibida na mídia de massa. Para a imagem das marcas, o retorno foi excelente. Mas como toda essa exposição foi revertida para um real aumento nas vendas? PJ Pereira – A verdade é que existe pouco histórico para prever o que acontece hoje depois de uma campanha como essa, porque não temos referência. O que sabemos é que foi a melhor campanha que as duas marcas já fizeram. Tanto que, neste ano, Toshiba e Intel resolveram fazer uma nova ação nos mesmos moldes da anterior e um novo social filme, o The Beauty Inside, também para a Toshiba e a Intel. O que mudou em relação à campanha do ano passado? PJ Pereira – Em 2011, contamos a história de Christina, uma mulher de 20 e poucos anos que é sequestrada junto com o seu notebook. Sua sobrevivência depende da rede social, alcançando amigos, parentes e qualquer um que possa ajudá-la a descobrir onde ela está presa e como pode escapar. Esse primeiro filme era frenético e em tempo real. Agora, criamos um romance. Estamos contando a história de Alex, um sujeito que tem uma doença esquisita. Todo dia, ele acorda em um corpo diferente. Um dia ele é um senhor. Outro dia, uma mulher, e assim por diante. Com o tempo, ele aprendeu a se divertir e a curtir a vida desse jeito, até o dia em que se apaixona, e isso vira um problema. Estamos convidando o internauta para assumir o papel de Alex, já que não tem um dia que ele não acorde de cara nova! Durante as próximas seis semanas, as pessoas vão participar da ação e até conversar com Alex pelo Facebook. Gabi – Quais os primeiros resultados dessa ação? julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 67 entrevista “O segredo está em pensar na propaganda como conteúdo que as pessoas vão querer ver” essa separação, criou uma forma de trabalhar que agora engessa a criação de novas ideias, já que a estratégia fica muito focada na mídia de massa. Como nos Estados Unidos se opera com agências de mídia, as agências de criação não dependem de uma determinada mídia para ganhar dinheiro, mas sim de ideias mais inteligentes do que criativas e que realmente resolvam o problema do cliente. Essa liberdade para pensar é muito importante. Muitos reclamam da fase atual da propaganda. Mas, hoje, trabalhar na área está mais interessante, mais aberto e desconfortante, já que você não tem uma fórmula pronta. Gabi – Há alguns anos, vocês chegaram a trabalhar com uma trinca de criação, em vez da tradicional dupla. Esse modelo evoluiu, na Pereira & O’Dell? PJ Pereira – Introduzimos a trinca de PJ Pereira – Lançamos o trailer no YouTube, durante a Olimpíada de Londres e o vídeo foi o mais assistido em todo o mundo, superando até as marcas patrocinadoras dos Jogos Olímpicos. Antes do lançamento, ocorrido no último dia 16 de agosto, a página já registrava mais de 6 milhões de views. Esse é um romance, o que faz com que a ação atinja um público maior. 68 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Gabi – Com base nesse tipo de ação, quais as principais diferenças entre o mercado anunciante dos Estados Unidos e o do Brasil? PJ Pereira – No Brasil, a maior dificuldade está na impossibilidade de separar mídia de criação, por conta do poder da TV, da mídia impressa. A conquista que o país teve, ao não permitir criação porque não tínhamos no mercado muitos criativos com experiência no mundo digital. Então, passamos a trabalhar com uma dupla tradicional e um profissional mais técnico. Hoje, não faço mais isso. Não contrato ninguém que não tenha compreensão do meio digital, até porque o mercado americano já formou uma geração de profissionais especialistas em on e off-line. Voltei para o formato das duplas, mas com combinações diferentes. Dependendo da ação, um designer pode trabalhar em conjunto com um redator, um especialista digital pode formar uma dupla com um criativo… PJ Pereira Gabi – Hoje, algumas agências de RP estão criando departamentos de publicidade para promover a imagem das marcas no mundo digital. Nesse novo modelo de negócios, publicitários trabalham em parceria com jornalistas para gerar notícias e anúncios diferenciados para grandes marcas, como Google, Facebook e Microsoft. Qual a sua avaliação sobre esse novo momento pelo qual passa a indústria da comunicação, em especial o mercado publicitário? PJ Pereira – Esse é o ponto que separa a propaganda moderna da antiga. As redes sociais são lugares onde pessoas estão conversando sobre os mais diversos assuntos. Na hora que a empresa entra nessa conversa para dar opinião, o internauta para de falar. Esse ambiente digital pertence às pessoas. Para a marca entrar nesse meio, precisa ser muito cuidadosa e oferecer conteúdos que tenham valor para as pessoas. Dessa forma, a melhor estratégia de mídia social é a da invisibilidade, que faz com que a conversa aconteça sem que a marca apareça. A empresa só acende o pavio e depois a coisa pega fogo sozinha. Gabi – E qual é a consequência disso no dia a dia das agências? PJ Pereira – Aqui, o que tenho visto é que os investimentos estão sendo radicalmente movidos da mídia para a área de produção. Antes, você tinha 90% da verba sendo destinada para a mídia e 10% apenas para a produção. Hoje, a própria Toshiba está investindo 60% na produção do The Beauty Inside. Todos estão tentando transformar a mensagem publicitária em conteúdo que possa ser compartilhado pelas pessoas. Então, precisamos de profissionais que pensem na mensagem como entretenimento e não mais como ação de marketing. É o que faz um estúdio de cinema quando lança um filme. Ele não gasta anunciando a nova produção, e sim fazendo o filme. Por meio de uma boa divulgação, de um trabalho de RP, espalha a mensagem antes da estreia, o que faz com que o filme seja considerado um sucesso antes mesmo do seu lançamento. E a verba publicitária ele investe toda no primeiro fim de semana de exibição. “Hoje, o valor de uma ideia é o poder que ela tem de ser comentada entre os amigos, a imprensa e a sociedade. Isso torna a área de relações públicas cada vez mais relevante para as marcas” Gabi – Como o profissional de marketing deve encarar essa nova fase da indústria da comunicação? PJ Pereira – No mundo social, o que vale é o princípio da gravidade: massa atrai massa. Nesse novo cenário, o segredo está em conseguir construir massa crítica em pouco tempo. É preciso ser rápido para que as pessoas que não estão falando do assunto achem que estão perdendo uma conversa importante. Se demorar, a ação morre de inanição. É aí que mídia paga funciona. Nos Estados Unidos, muitos anunciantes compram uma cota de patrocínio no Super Bowl – evento esportivo de maior audiência nos Estados Unidos e que tem a publicidade mais cara da TV americana – para dar visibilidade às suas marcas. Eles preparam o comercial e, uma semana antes do jogo, veiculam o filme na web para que, quando o público assistir a esse comercial no Super Bowl e depois for procurá-lo no YouTube, veja que ele já tem massa crítica. O problema é que o profissional de marketing se acostumou a fazer tudo com base no ROI (retorno sobre o investimento). Nessa nova era, ele precisa ser mais intuitivo, não deve mais contar só com a muleta dos números. Muitos esqueceram que propaganda dá retorno e passaram a fazer conta. Na hora que o profissional de marketing virou sujeito dos números, deu um tiro de bazuca no próprio pé e acabou ganhando um chefe, um CFO (Chief Financial Officer). Gabi – E qual é o próximo salto que a comunicação dará? PJ Pereira – Tenho a sensação de que será o mesmo salto que a propaganda deu quando montou a dupla de criação, colocando diretor de arte e redator para trabalhar juntos. Isso acontecerá quando o profissional de RP passar a trabalhar em dupla com o atendimento. Essa sinergia entre informação e publicidade mudará tudo novamente. Hoje, o valor de uma ideia é o poder que ela tem de ser comentada entre os amigos, a imprensa e a sociedade. Isso torna a área de relações públicas cada vez mais relevante para as marcas. Agora, essa disciplina está sendo incluída dentro do mundo da propaganda. Mas é importante ressaltar que esse é um trabalho completamente diferente do que faz hoje a assessoria de imprensa. A assessoria não tem capacidade de inventar uma história, já o RP, junto com as agências de propaganda, sim. A propaganda já é uma mistura de digital, assessoria de imprensa, design, marketing direto e entretenimento. Mas não é preciso usar tudo de uma só vez. Basta ter a ideia certa e avaliar em qual canal ela sobreviverá. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 69 comportamento O princípio do beijo Não há milagres, mas pequenos atos podem interferir positivamente na qualidade dos relacionamentos pessoais e profissionais. Surpreenda-se, não há nada de novo nisso! Por Adriana Gomes 70 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock A pesar da aparente conectividade em que vivemos e de todas as maneiras possíveis de se comunicar que a humanidade tem à disposição, atualmente, uma das queixas mais frequentes entre as pessoas é a dificuldade nas relações, em todas as esferas, profissionais, pessoais e familiares. Vivemos numa Torre de Babel, quando o assunto é comunicação interpessoal. As pessoas, em geral, demonstram grande dificuldade para expressar verbalmente as suas ideias, objetivos, percepções e emoções. Num mundo de imagens em que os instantâneos fotográficos substituem as palavras, a relação com a comunicação verbal está realmente perdendo espaço. Não é difícil flagrarmos a humanidade teclando freneticamente em seus aparelhos celulares por todos os lados, nas ruas, nos elevadores, nas salas de aula e até ao volante. Em estudos apresentados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o condutor que envia SMS enquanto dirige aumenta em 23 vezes as chances de sofrer ou provocar uma colisão. É a quarta principal causa de acidentes de trânsito no Brasil e no mundo. Esse teclar constante captura a pessoa para um espaço virtual, fazendo com que, muitas vezes, perca o contato com a realidade física. Temo que, até durante as refeições, prefira teclar para seu acompanhante a falar com ele ou, pior, a companhia em carne e osso seja menos interessante do que a virtual. É o empobrecimento da capacidade mais humana que possuímos. Tudo me parece superficial, breve e rápido. Por outro lado, e talvez na mesma proporção, a capacidade para escutar o outro parece estar diminuindo. Não somos os melhores ouvintes. A experiência da digitação de mensagens coloca o receptor na condição de leitor. Estamos perdendo a capacidade de escutar atentamente o outro. Quando se tecla, o tempo de resposta se dá no tempo do outro, e isso pode ser um flagelo para quem espera, pois a expectativa é que o outro responda imediatamente, no tempo de quem digita. Se o outro estiver conectado no mesmo tempo, sorte, senão a mensagem estará lá e será respondida, ou não, em outro tempo. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 71 comportamento Vai se perdendo também a capacidade de “ler” os sinais das expressões faciais, pois as pessoas não têm fisionomias emoticons. Os sentimentos humanos são muitos, e não raramente contraditórios. Difícil escolher aquele que melhor defina determinada situação. Por vezes, devem ser vários os emoticons para a mesma situação, e ainda deve-se contar que o receptor seja ótimo intérprete, senão fica por isso mesmo – “eu escrevo e o outro finge que entende”, e acaba por aí. No Facebook só existe a opção “curtir” ou o silêncio, o desprezo. Não ser curtido é uma experiência chata. Dizer alguma coisa que ninguém notou é como contar uma piada sem graça, que ninguém ri, e que deixa o contador constrangido. Pior do que perder a percepção do outro é perder a conexão consigo mesmo. Tornar-se incapaz de reconhecer as sensações do próprio corpo e os próprios sentimentos em relação às coisas e pessoas. Se não for capaz de reconhecer os sentimentos e sensações em si mesmo, o que dirá no outro. Falta o sentir, depois vem o verbo. A humanidade caminha a passos largos nessa direção, evitando sentir e não falar. Agora, transporte tudo isso para o ambiente organizacional. São muitos os desafios dos gestores de pessoas. As relações humanas nunca foram simples. Porém, com o advento da “virtualização”, as relações dos gestores com a equipe também precisam de atenção. Meu pensamento é que, antes que os gestores se entusiasmem com novos aplicativos e ferramentas eletrônicas, para gestão de pessoas, deve-se retroceder para o básico, a construção de vínculos. Essa ideia do princípio KISS, acrônimo que em inglês quer dizer “Keep it simple, stupid” ou “keep it simple and straightforward”, também um trocadilho de “princípio do beijo”, valoriza a simplicidade do projeto e defende que toda a complexidade desnecessária seja descartada. Muito se revela através do bom e velho olho no olho, da escuta ativa, da atenção ao não verbal e à linguagem corporal. Fatalmente, são aspectos que se perdem numa relação virtual e/ou digitalizada. Não quero fazer nenhuma crítica contra as ferramentas eletrônicas. Elas vieram para ficar. Facilitam a vida, desde que as dominemos, e não sejamos dominados por elas. Campanha contra a “cultura do ódio”, criada pela Benetton, que levou o Grand Prix na categoria Press do Festival de Cannes 2012, ilustra o conceito do príncipio do beijo Percebo as pessoas escravas de seus aparelhos. Algumas até adoecem se ficam sem conexão, como se estivessem abandonadas ou excluídas do universo. Será? Segundo o American Journal of Psychiatry, mais do que vício, o uso excessivo de internet pode ser considerado distúrbio mental. “Viciados” podem perder a noção do tempo, chegando a esquecer de comer e dormir. Comportamentos exagerados podem levar ao isolamento social. Quem não vive sem o aparelho celular também é chamado de nomo- “Estamos perdendo a capacidade de escutar atentamente o outro. Quando se tecla, o tempo de resposta se dá no tempo do outro, e isso pode ser um flagelo para quem espera, pois a expectativa é que o outro responda imediatamente, no tempo de quem digita” 72 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 73 sociedade shutterstock Percebo as pessoas escravas de seus aparelhos. Algumas até adoecem se ficam sem conexão, como se estivessem abandonadas ou excluídas do universo. Será? fóbico. Na Inglaterra, esse termo surgiu para designar o mal que afeta cerca de 76% dos jovens do país. A atenção para a criação de vínculos é importante, mesmo que sejam virtuais ou a partir deles. Nem sempre as relações são satisfatórias, e isso acontece não só em função de “com quem”, mas também do “como” nos relacionamos, e variam de acordo com a qualidade, a consistência, a constância, o significado, a força. O ambiente digital on-line oferece condições ideais para que as pessoas se expressem, e isso pode trazer oportunidades e ameaças. Há redes mais focadas nas relações profissionais, visando à exposição das experiências no mercado de trabalho e à participação de grupos relacionados a tais interesses. Isso tem facilitado muito os processos de recrutamento e seleção e até, em muitos casos, encurtado o caminho para localizar pessoas que sejam facilitadoras para aproximar profissionais e/ou empresas com interesses afins. Quanto às ameaças, a mídia especializada informa: “Cuidado com sua imagem 2.0”. Empresas de recrutamento e seleção utilizam informações das redes sociais para analisar o perfil dos candidatos. Tudo pode ser utilizado contra você. Comentários negativos sobre a empresa, vazamento de informações sigilosas, opiniões desdenhosas sobre líderes e gestores. Demissões decorrentes de postagens viraram 74 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 lugar comum. Certamente, não é nesse espaço que se deve dizer tudo o que se pensa. Há outras redes em que a proposta é mais social e se vê de tudo. Disseminação de pensamentos filosóficos, imagens agradáveis, paisagens bucólicas, refeições em andamento, desabafos, piadas, pensamentos comunitários, compartilhamentos de ideias e ideais nem sempre praticadas por quem as posta. Parece um mundo de fantasias, sorrisos, festas e viagens. Celebridades anônimas se mostrando para quem quiser ver. Pode-se até pensar que as pessoas sejam mesmo “janelas abertas” para o mundo. A meu ver, sob os Avatares sorridentes, parece mais uma tentativa de fuga da realidade, a busca da satisfação imediata, do ser visto, notado, da relação sem compromisso, do contato sem profundidade, lazer para o indivíduo e distração fácil e garantida no ambiente de trabalho. Por outro lado, é enorme o potencial de negócios cibernéticos, impensáveis há bem pouco tempo, pois é possível monitorar tudo por meio das tantas ferramentas de informações e inteligência sob inocentes cliques. Sabia que a câmera de vídeo do seu computador pode ser ligada remotamente sem que você saiba? Que você certamente já conversou com robôs e nem se deu conta? Já recebeu como resposta a alguma informação postada na internet a seguinte pergunta: “Você é humano?”. “A atenção para a criação de vínculos é importante, mesmo que sejam virtuais ou a partir deles. Nem sempre as relações são satisfatórias, e isso acontece não só em função de “com quem”, mas também do “como” nos relacionamos, e variam de acordo com a qualidade, a consistência, a constância, o significado, a força” Há pesquisas nesse “cyberterreno”, de arrepiar. Mas o tema do vínculo é desafiador. Voltemos a ele, porque, de fato, expor-se para o outro gera diversos sentimentos: medo, ansiedade, angústia, prazer, alegria, cooperação, cumplicidade, competitividade, inveja etc. Assim, o ato de se relacionar ou de criar vínculo implica o exercício de estar atento a si e ao outro e cuidar dessa relação. O que de fato não acontece nas redes sociais. O exercício é individual, a pessoa posta o que ela quer, sem qualquer tipo de preocupação. O outro ou outros da sua rede de relacionamento, em muitos casos, é um desconhecido. É fato que em muitas ocasiões é mais fácil falar sobre situações difíceis com um estranho. Isso realmente promove a sensação de alívio, mas, no caso virtual, a exposição atinge escalas gigantescas, correndo o risco de a pessoa sofrer “bullying eletrônico” ou “cyberbullying”. Voltemos então às relações não virtuais, para o simples, o básico, que é a proposta deste artigo. Como construir vínculos, a base dos relacionamentos humanos? Como melhorar a comunicação entre as pessoas em todas as esferas? Não há milagres, mas pequenos atos podem interferir positivamente na qualidade dos relacionamentos. Surpreendase, não há nada de novo nisso. Não se trata da inovação das comunicações, apenas o básico. Seguem algumas dicas ou sugestões que poderão fazer diferença: • Olhar e perceber a pessoa com quem você mantém uma conversa, por mais breve que seja. O olhar é a maneira mais poderosa de inclusão, e seu contrário também é verdadeiro. • Dirigir-se às outras pessoas com gentileza, utilizar palavras como “por favor”, “obrigado”, demonstrando a capacidade de reconhecimento de um préstimo. • Elogiar com palavras gentis. • Cumprimentar as pessoas com quem você convive, nos elevadores, corredores, em salas de reunião, em casa, os pais, os filhos, os irmãos, os vizinhos. • • • • Respeitar as diferenças, desenvolver a capacidade empática. As pessoas são diferentes. Às vezes, digo para alguns pais que não é preciso enviar o filho para uma experiência no exterior; basta mandá-lo para a casa de um amigo por uns dias, e ele já perceberá a diferença. Evitar o modo “multi e automático” quando iniciar a conversa com alguém. Não seja mecânico. Privilegie aquele momento, e só aquele momento. Mantenha o foco naquilo que está fazendo, principalmente se envolver outra pessoa. Escutar o que o outro está dizendo. Evitar interromper quem está falando e aguardar que finalize o raciocínio antes de responder. Evite julgar o outro e fazer críticas desnecessárias. A sensibilidade é fundamental. Por parecer relativamente simples, as pessoas não costumam dar muita atenção para esse tipo de comentário. Entretanto, se vale como estímulo, não somos nada sem os outros. O ser humano é naturalmente gregário, e a vida em sociedade permite o amplo aprendizado, consigo e com os outros. Conseguimos nos desenvolver e melhorar como seres humanos pelas relações com o outro. As pessoas percebem, assim como você, quando alguém está verdadeiramente interessado no que está sendo dito. Precisamos do outro para saber se crescemos. É ele quem nos informa, direta ou indiretamente, sobre a nossa própria evolução e adequação social, favorecendo o autoconhecimento. Assim, não espere que o outro dê o primeiro passo para começar a agir de maneira mais gentil e cordial. Talvez, no início, alguns até achem estranho, mas se o que foi dito neste artigo fizer sentido para você, coloque em prática. Adriana Gomes Diretora do site www.vidaecarreira.com.br. Coordenadora do Centro de Carreiras e do Núcleo de Estudos e Negócios em Desenvolvimento de Pessoas da ESPM julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 75 Estratégia 76 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 A costura da comunicação integrada A gestão contemporânea de processos de comunicação encontra respostas no básico e no essencial para desenvolver um conceito estratégico capaz de integrar todas as ações do plano e definir o papel de cada ação diante dos objetivos do projeto e da proposta de integração Por Paulo Roberto Ferreira da Cunha shutterstock Q uanto mais complexo o cenário das alternativas estratégicas de comunicação, mais vital o debate acerca da prática da comunicação integrada. A demanda pelo exercício estratégico e cotidiano da comunicação ultrapassa a questão financeira para seguir ao encontro da coordenação e da implementação de projetos alinhados às marcas, inseridas em ambientes muito competitivos. A ideia é provocar uma reflexão sobre a gestão de processos de comunicação, não para propor rupturas, mas para ampliar a percepção de oportunidades e evitar que novos paradigmas compliquem, desnecessariamente, o tema. Por mais óbvio que possa parecer, a premissa da comunicação integrada é o alinhamento estratégico do conjunto de ações de comunicação de uma marca em torno de um conceito estratégico. Cabe, pois, resgatar que toda marca possui um posicionamento baseado em seus atributos e benefícios. É recomendável que esses atributos possam ser traduzidos em uma proposta estratégica contextualizada no momento, nas práticas de comunicação dos players da categoria em que ela está inserida e na possibilidade de estabelecer um diálogo mais efetivo com seus consumidores-alvo. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 77 Estratégia Essa é uma prática que gera maior competitividade, contemporaneidade e senso de oportunidade, além de preservar os valores da marca, oriundos do próprio posicionamento. O resultado final do processo é o conceito estratégico, que será a base para a consecução dos projetos de comunicação. Especificamente no que tange ao trabalho da criação, o conceito tende a evoluir para uma abordagem, um tema de campanha, uma concepção criativa, cujo foco será sempre a tradução da lógica estratégica em envolvimento e encantamento. A essência da prática A prática da comunicação integrada não consegue, de fato, se sustentar apenas na premissa do conceito estratégico de uma campanha ou de plataformas de ações. Isso porque é parte fundamental do pensamento estratégico indicar áreas e formas em que esse conceito será implementado, concretizando assim o objetivo proposto para o projeto. Trata-se de desenhar a arquitetura do plano de ações, onde a indicação de áreas da comunicação deve aparecer, sem recair no detalhamento tático de cada ação, posto que isso será mérito de profissionais das áreas e arenas indicadas. Por mais estranho que possa parecer, há planejadores que delimitam anacronicamente a sua prática até a definição da estratégia de comunicação, incluindo-se aí até a definição do conceito. Nesse sentido, é importante que o gestor de processos estratégicos de comunicação compreenda as características, potencialidades e oportunidades de cada disciplina para poder arbitrar a confluência e a complementaridade das ações a serem propostas. Também é preciso saber como mensurar os resultados – sim, a ética pressupõe não apenas indicar, mas acompanhar e mensurar os impactos versus o objetivo do projeto. Ampliando a perspectiva da comunicação integrada, a potencialidade das ações de comunicação deve ser avaliada para que recursos e espaços sejam corretamente atribuídos. Teóricos adotam, por exemplo, terminologias contemporâneas como plataformas e multiplataformas. Mas o que realmente diferencia essas duas estratégias de uma campanha convencional? O plano de ações de uma campanha compreende o esforço pontual voltado à consecução de um objetivo que determinada marca possui. Em paralelo, a mesma marca, certamente, implementa outras atividades e pontos de contato com seus stakeholders. Se uma dessas atividades 78 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 É importante que o gestor de processos estratégicos de comunicação compreenda as características, potencialidades e oportunidades de cada disciplina para poder arbitrar a confluência e a complementaridade das ações a serem propostas adquire um caráter mais perene, consolidada em foco e independentemente das demais ações de comunicação, pode ser definida como plataforma. Se a marca possuir mais de uma, pode-se afirmar que trabalha com uma estratégia multiplataforma. Em outras palavras, usar o Facebook para divulgar parte de uma campanha é matéria diferente de ter no Facebook e/ou em outras mídias sociais um ambiente propício, com objetivo e estratégia própria, que transcenda uma campanha. Portanto, entender o papel de cada ação e manter as premissas do posicionamento e do conceito estratégico são posturas fundamentais para que o conjunto dos esforços de comunicação desenvolvidos por uma marca consiga construir, numa perspectiva mais ampla, a mesma percepção que se coadune com o processo de branding de forma exemplar. O caso Sprite A partir do relatório Creative Planning Awards, da Ogilvy América Latina, a campanha da marca de refrigerantes Sprite – As coisas são como elas são – surge como exemplo de integração de ações pontuais de comunicação. Lançada na Argentina, com posterior roll-out no continente, a campanha teve por objetivo reinventar o sentido de autenticidade, expondo o que um adolescente, o principal target-group de Sprite, nunca contaria a ninguém: pensamentos e opiniões que expressam seu peculiar comportamento, coisa que um adulto jamais faria. Dessa forma, a transparência poderia ser exercitada por uma franqueza “absoluta”. O conceito que alinhou todas as ações – brutal honesty – traduzia a honestidade com o toque irreverente e marcante do adolescente. Em termos do conjunto de ações de comunicação dessa campanha, dois comerciais para a TV apresentaram esse tom provocador. O primeiro polemizava que, após um bom gole de refrigerante, a melhor coisa da vida seria arrotar – e desfilavam as personagens, em cenas cotidianas, praticando essa máxima. Outro, mais recente, demonstrava fatos ”As coisas como são” - a campanha da Sprite retratou as verdades da vida, como os filmes ”Arroto” e ”Ver beber dá sede” não ditos como a expectativa de não receber presentes no seu aniversário. Em paralelo, outras ações – como mídia digital, eventos, merchandising no PDV – compunham o ambiente para que a experiência gerada pela marca por meio dessa campanha fosse devidamente assimilada. Também foram criados o blog Fale a verdade sobre celebridades, o site www.somebodyhadtotellyou.com e a loja-conceito Brutal honesty store, onde araras disputavam espaço com placas que apontavam coisas como “Ei, esta camiseta faz você parecer uma vadia”. A campanha contou ainda com uma promoção de vendas, que provocava os consumidores com chamadas do tipo “Existem 0,0002% de chances de você ganhar este Hummer 2.0. Por que você ganharia se você nunca ganhou nada em toda a sua vida?”. Um olhar preciso observará que o conceito da marca aparece o tempo todo, dialogando com os adolescentes, em ações focadas nessa campanha e, sobretudo, em detalhes não tão pequenos, mas fundamentais para o exercício da experiência fidelizadora e da diferenciação. O caso Axe Tomando por base a livre interpretação da estratégia de comunicação da marca global de desodorantes Axe, da Unilever, é possível encontrar aquilo que se caracteriza como campanha e como plataforma, e atentar para a construção da força de sua imagem e de sua comunicação mesmo com outro label – Lynx – em alguns países. O conceito estratégico de Axe e de Lynx é o mesmo e está presente em todas as ações de comunicação do mundo – que pode ser descrito como “coadjuvante do homem contemporâneo urbano em suas conquistas diárias” – e que reflete toques sexistas e machistas. A arquitetura da comunicação de Axe sugere a existência de três pilares, que concentram, praticamente, todas as ações e plataformas: campanhas de lançamento de fragrâncias, ações de branding e projetos táticos. Um bom exemplo disso foi o lançamento da fragrância Jet, que aconteceu na Austrália em 2005, quando, em um esforço multitask, Lynx criou uma companhia aérea fake – Lynxjet – e, com isso, pelos comerciais para TV, spots para rádio, virais, julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 79 Estratégia pontos de contato na internet, redes sociais, eventos, anúncios em jornais e revistas, além de intervenções urbanas com um grupo de fogosas comissárias de bordo, pôde explorar o imaginário masculino sobre esse ambiente enquanto vendia o novo produto. Na mesma linha, uma das mais recentes campanhas brasileiras de Axe explora a síndrome da transpiração precoce para estabelecer uma cumplicidade com o consumidor, ao exibir, sugestivamente, um dos temores masculinos por meio do humor. Observa-se que, pelo caráter de sua orientação massiva, essas campanhas fazem uso forte de mídia TV e de diversas ferramentas de comunicação para atingir seus objetivos de gerar rápido e alto conhecimento. De modo complementar ao principal eixo de visibilidade – que são os lançamentos de fragrâncias –, Axe e Lynx apostam em ações de branding, cujo objetivo é esta- Million Axe Homepage foi uma ação viral feita para divulgar o novo site de Axe no Brasil Para lançar a fragrância Jet, em 2005, foi criada uma companhia aérea fake - a Lynxjet -, que explorou o imaginário masculino em diversos meios de comunicação 80 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 belecer diálogos mais próximos com os consumidores, evidenciando seus valores propostos no posicionamento e no conceito estratégico, aqui exemplificados: (1) Na década de 1990, em Londres, foi inaugurada a barbearia Lynx Barbershop, onde a ambientação detalhadamente masculina, sem apelos sensuais, buscou inspiração em cokpits de carros de Fórmula 1 para desenvolver a bancada e a cadeira. Como point masculino, foi palco de eventos de visibilidade midiática, como o lançamento do Playstation 2, relacionando assim a marca a elementos do universo masculino. (2) Em 2006, em parceria com a MTV, foi lançado nos Estados Unidos o reality show Game killers, com personagens que incorporavam os perfis identificados em pesquisa anterior, como aqueles que mais atrapalhavam um homem na hora do xaveco em uma balada. E, por meio da participação popular, também estimulada por comerciais cômicos que mostravam individualmente esses tipos em ação, foi escolhido o pior deles. (3) Em 2007, foi lançada a minissérie de animação City hunters, desenvolvida em parceria com o canal Fox da Argentina – depois veiculada em outros países, como o Brasil –, cuja temática extremamente erótica dos 15 episódios girava em torno do aprendizado do jovem Axel sobre a sedução feminina, dentro de uma milenar confraria masculina dedicada ao tema, para que assim se tornasse um absolutis seductor. masculino, que se transformava em alavanca para mecânicas promocionais e passos de engajamento do consumidor. Por fim, cabe apontar que o portfólio de atividades de comunicação de Axe/Lynx pressupõe e comprova a importância de um conceito estratégico estruturado e forte. Uma vez definido, ele ganha vida na medida em que é adotado e investido. Permite que se desdobre em ricos detalhes a cada particularidade das ações implementadas, a ponto de prevalecer ante a existência de duas marcas para o mesmo produto. Observa-se que cada campanha possui um conjunto de ações de comunicação, ao mesmo tempo que algumas das atividades começam a constituir abordagens e processos específicos – como o caso das ações de relacionamento através de canais digitais – e que podem ser denominados como uma plataforma digital. É plataforma na medida em que possui vida própria, embora participe de algumas das ações de outras campanhas e que compartilhe o mesmo conceito estratégico. A arquitetura da comunicação de Axe sugere a existência de três pilares, que concentram, praticamente, todas as ações e plataformas: campanhas de lançamento de fragrâncias, ações de branding e projetos táticos O terceiro pilar, o de projetos táticos, apresenta um range amplo de necessidades e soluções – desde ativações regionais a eventos patrocinados, passando por atividades de relacionamento e promoções. Como exemplo, em 2007, a campanha viral Million Axe Homepage tinha por objetivo divulgar o novo site da marca no Brasil e estimular o então insuficiente volume de acessos. Nela, a fictícia modelo Carol supostamente faria um ensaio fotográfico sensual para Axe. Para ter o vislumbre das fotos, o interessado deveria se cadastrar antes. Depois, no site, cada acesso desse internauta eliminava um dos pixels que cobriam a foto da Carol, configurando a lenda não comprovada de que, ao se completar um milhão de acessos, a imagem nua seria revelada. A iniciativa estimulava a ideia de que “ele havia ajudado a tirar a roupa de Carol”. Uma promoção anterior a essa ação, a Ilha do Jeremias, também no Brasil, prometia aos participantes a possibilidade de ganhar, em um sorteio, um final de semana de baladas e muitas mulheres bonitas numa ilha deserta. Ambos os casos brincavam com o imaginário O olhar contemporâneo Por mais que inovações, tecnologias e preceitos sejam promulgados constantemente, ainda que repletos de valor, a prática da comunicação integrada convoca gestores de processos de comunicação a buscar no básico e no essencial as respostas, talvez mais elementares àquelas que, independentemente do que possa advir em termos de práticas ou pensamentos, permanecerão como fundamento: a urgência do conceito estratégico que traduza o posicionamento da marca; a articulação do conceito estratégico entre ações diferenciadas de comunicação e a compreensão e a delimitação do papel e da função de cada ação perante o todo do espectro comunicativo de uma marca e o respectivo objetivo que norteará a sua exposição. Sem esquecer que o entusiasmo da discussão abstrata da estratégia não deve nunca prevalecer sobre o ofício de gerir impactos, gerar experiências fidelizadoras e mensurar resultados. Reside aqui a ética de gestores, estrategistas e planejadores de comunicação, básica e elementar como o pensamento deve ser, antes de se sofisticar. Delicado na costura, forte na resistência. Paulo Roberto Ferreira da Cunha Professor de planejamento estratégico e supervisor da trilha de comunicação integrada da ESPM-SP, publicitário, consultor de empresas, psicanalista, coach e autor do livro O cinema musical norte-americano: gênero, história e estratégias da indústria do entretenimento julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 81 marketing digital Manual de sobrevivência digital O ciberespaço é um meio relativamente barato de divulgar e criar valor para uma marca. Mas, se você não souber fazer isso bem, estará desperdiçando recursos da sua organização Por Ana Luiza Collares Xavier 82 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock A coisa mais importante que se deve saber sobre tecnologia é que ela muda os hábitos e costumes das pessoas. Sendo assim, faz-se necessário entender e mapear o impacto dessas mudanças para extrair benefícios e se adaptar ao meio. O homem é um ser social. “Ainda que mude a forma ou o meio, ele continua sendo aquele ser social estudado por Aristóteles na Antiguidade. A humanidade, mesmo após várias evoluções da curva ascendente, na espiral histórica, não mudou sua essência. A conexão entre os homo sapiens é natural, posto que somos um ser coletivo, que necessita de outras pessoas e de compartilhar coisas para realizar sua plenitude como indivíduo”, afirma João Batista, titular da JB2 Innovation, em artigo publicado na revista Wide (edição março/abril de 2012), com o título de “No timeline do Facebook você é você?”. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 83 marketing digital Porém as coisas estão mudando rapidamente. “Hoje podemos perceber uma demanda por portabilidade, comodidade, praticidade e imediatismo. Queremos facilidade, estamos mais exigentes e com uma postura mais ativa”, ressaltou Ari Meneghini, diretor-executivo do IAB Brasil, durante uma das edições do Fórum de Marketing Digital Digitalks Day 2012, evento itinerante realizado em diversas capitais do Brasil, com o objetivo de compartilhar conhecimento e difundir as tendências e novidades do marketing digital no mercado nacional. Outro palestrante do Fórum, o CEO do Show de Ingressos, João Kepler, salienta que as barreiras foram rompidas de forma que o real e o virtual se misturam e ao mesmo tempo se complementam. “Vivemos conectados, ligamos menos e cada vez mais deixamos de mandar e-mail. Passamos a usar as redes sociais.” Houve uma mudança de poder da empresa para o consumidor que, em posse da possibilidade de expor seus descontentamentos a infinitos usuários nas redes sociais, altera a percepção de inúmeras pessoas sobre uma marca, tanto positiva quanto negativamente, no espaço de um segundo. Nesse cenário é importante para as empresas serem transparentes, pois é fácil descobrir uma mentira. A estratégia a ser adotada na web deve estar focada em conteúdo, em formar conexões com os diversos públicos de interesse, interagir, entender necessidades dos internautas e saber como atendê-las. Deve-se também ficar atento aos usuários mais relevantes, saber deles a abrangência e o sentimento com a sua marca. Existem ferramentas no mercado para medir essa relevância. As marcas que usarem as redes sociais apenas para vendas vão fracassar. “A rede não foi criada para as pessoas falarem das empresas, e sim para se conectarem e trocarem informações. Devemos ouvir, aprender e transformar esse aprendizado em melhorias de serviço, produto e processo”, explica Tiago Luz, presidente da underDOGS, que também participa do Fórum de Marketing Digital Di- Sentir que descobriu algo surpreendente na web e querer compartilhar faz parte dos momentos mais agradáveis que passamos em frente à tela do computador. Logo, seja criativo e inusitado nas suas campanhas gitalk Day 2012. De acordo com o Google Worldwide, ele foi responsável por idealizar o melhor case mundial de SEM no setor imobiliário, para a Tecnisa, que destacou o uso de palavras-chave em campanhas de links patrocinados, busca orgânica, LandingPages de outros setores, além de compra de mídia segmentada por canais e horários. As empresas têm o costume de realizar suposições sobre o seu cliente, de pensar que compreendem o que se passa na cabeça dele. Porém muitas delas apenas imaginam, não sabem de verdade. A única forma de conhecer realmente o cliente é ouvi-lo. Há ferramentas que permitem isso, como pesquisas. Podemos também mapear o que ele faz na rede, com quem ele se comunica e o que comunica. A mensuração das ações no meio digital deve ser planejada tanto quanto nas outras mídias. Afinal, como saber o que está dando certo ou errado? Os erros devem ser relacionados e classificados como lições aprendidas. Essas análises ajudam a traçar novas estratégias e diminuir riscos nos planejamentos futuros, possibilitando chegar aos objetivos de forma eficaz. Buzz na rede O segredo para que uma campanha cause o buzz na web é entender o usuário. Deve-se saber o que interessa a ele e ao seu grupo, a fim de entregar um conteúdo que possa atendê-lo e surpreendê-lo, gerando exposição positiva da empresa e maior valor agregado à marca. “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Agora, se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”, Sun Tzu, filósofo chinês 84 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock O usuário deve sentir uma simplicidade na ação proposta, aliando fatores de seu convívio de forma a transportá-lo para dentro da comunicação. Ele tem de se identificar na peça e acreditar que estamos falando diretamente com ele. É preciso despertar o sentimento de descobrimento de algo novo, interessante e estimulante. Isso porque sentir que descobriu algo surpreendente na web e querer compartilhar faz parte dos momentos mais agradáveis que passamos em frente à tela do computador. Logo, seja criativo e inusitado nas suas campanhas e dê facilidade de compartilhamento para seus fãs e seguidores. Não se esqueça de ter uma estratégia por trás da campanha, que precisa estar alinhada ao posicionamento de sua empresa. É necessário que seus objetivos sejam alcançáveis e que estejam claros e bem definidos. Afinal, vemos aquele velho ditado: “Para quem não sabe aonde quer chegar, qualquer caminho serve”. Concorrência virtual “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Agora, se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”, assegura Sun Tzu, o famoso estrategista da China antiga. Então, lembre-se: • Você é o que compartilha! Se só escrever bobagem, só terá seguidores bobos. • A empresa não é o que diz ser, e sim o que os clientes dizem que ela é. • Conheça seu público-alvo. O conteúdo na rede é colaborativo. O compartilhamento de experiências deve ser o foco ao formular as estratégias de marketing empresarial do mundo hodierno. Ana Luiza Collares Xavier Formada em comunicação social pela ESPM-Rio, fez curso de marketing global na University of California Irvine (UCI) e hoje é aluna de pós-graduação em administração na FGV. Trabalha na Light, concessionária de energia do RJ. @lightclientes julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 85 relações internacionais A aldeia agora é global “Não te falei ainda dos benefícios da publicidade... Se caíres de um carro, sem outro dano, além do susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, não pelo fato em si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um nome caro às afeições gerais” – Teoria do Medalhão, Machado de Assis Por Roberto Muylaert 86 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 shutterstock E ntre a Teoria do Medalhão, de Machado de Assis, e a busca atual para virar celebridade a qualquer custo, passaram-se 140 anos e mais uma tonelada de avanços tecnológicos e científicos, que poderiam ter deixado o “bruxo do Cosme Velho” superado em seus escritos. No entanto, a personagem de Machado de Assis tem tudo a ver com a mídia atual, lotada de gente “famosa por ser famosa”. Prossegue o texto, ao falar da publicidade, aplicada à pessoa física: “[...] Uma notícia traz outra; cinco, dez, 20 vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo[...]”. Pronto, está criado o conceito de rede social, assim como fica clara, desde então, a importância do networking, burilado com determinação e empenho, “[...] quando a amizade pessoal e a estima pública instigam à reprodução das feições de um homem amado ou benemérito”. Colocar-se em contato com o mundo inteiro, falando cara a cara com cada um que interessa, era o sonho utópico de todo publicitário de alguns anos atrás, quando o dito mais em moda, entre engraçado e verdadeiro, era mais ou menos assim: “Metade do que se anuncia numa campanha é jogado fora, só que não sabemos qual metade”. E o mais importante é que o cliente achava graça nisso e ainda pagava a conta. A individualização da mensagem e a possibilidade da via de duas mãos entre o emissor e o receptor são progressos que não podiam ser vislumbrados naquela época, porque dependiam de instrumentos nem cogitados pelas mentes mais avançadas e criativas, sem a existência da internet. Eis a razão pela qual os futurólogos, a partir de extrapolações lineares, acabam errando feio, quando surgem invenções ou influências impossíveis de prever quando ainda estão distantes. Há a história do cientista francês que, impressionado com o crescimento das carruagens circulando por Paris, em meados do século 19, chegou à conclusão correta de que a camada de esterco depositado pelos cavalos nas ruas da cidade atingiria um metro e meio por volta de 1950, sem poder levar em conta o advento dos automóveis movidos a gasolina. O gênio Steve Jobs deu um salto mágico na simplificação e praticidade dos aparelhos eletrônicos, desde que lançou o seu computador pessoal, o Macintosh. Acreditava que o novo equipamento seria utilizado predominantemente por professores e alunos das universidades. Ficou surpreso quando descobriu que uma quantidade muito superior às suas melhores previsões procedia de compras das empresas. Nem seria possível imaginar que os computadores pessoais seriam ligados entre si, sem a dependência do mainframe, dando origem à forma de comunicação que uniu todos a todo mundo, a internet. Um sistema que fora criado para garantir a comunicação militar, na contingência de um apagão total. Voltada para a aplicação civil, a humanidade pode agora voar com a imaginação solta, a partir dos tablets de várias origens, dos celulares que substituem todo o resto e mais o que vier. A propósito, a revista The Economist traz, em uma de suas últimas edições, reportagem sobre a Huawei (pronuncia-se, em inglês, hwah-way), empresa número um do mundo em equipamentos de telecomunicação, destronando da liderança a sueca Ericsson. Na capa, uma ilustração de um iPhone chinês – com mercado na casa das centenas de milhões de aparelhos –, sendo fácil perceber que do design original copiado de Steve Jobs só faltou o símbolo da maçã. Se bem que ninguém pode criticar os asiáticos pela iniciativa, já que as peças dos aparelhos ocidentais são fabricadas e montadas por lá, sendo natural a ideia de criar marca própria. Sendo uma empresa de grande porte, com 140 mil funcionários, lucro acima de US$ 30 bilhões, a Huawei pode estar sendo ajudada pelo governo chinês a ganhar contratos internacionais, como aconteceu na revolução dos celulares na África, onde aparelhos chineses de baixo custo servem muito bem à população. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 87 relações internacionais ligados à programação ditada pelas grandes Como posto avançado da China, a redes de TV, sem a possibilidade de uma Huawei serviria também para espionar o interação para o espectador se expressar. tráfego eletrônico internacional, onde um Se o grande teórico da comunicação grupo de hackers, com apoio estatal, teria tivesse nas mãos os dispositivos de hoje, condições de bisbilhotar segredos comerque somam num só sistema as três mociais em escala maciça. Mas o Ocidente dalidades de comunicação preconizadas, também não é inocente nessa área, como não teria dúvida em afirmar, encantado, acontece com o desenvolvimento do vírus que, agora sim, o mundo é mesmo uma Stuxnet, focado em possíveis ataques ao Aldeia Global, onde a tão desejada indesenvolvimento nuclear do Irã. dividualização massificada aconteceu, Apesar da tecnologia de ponta digital traduzida na somatória dos sites, blogs, acessível às classes A e B, dois terços do Reportagem sobre a chinesa e redes sociais. Brasil ainda vive na era McLuhan, sem Huawei, maior fabricante Um espelho de tudo que a humanidade acesso à internet rápida. Prevalece a hiper- de equipamentos de desenvolveu ao longo de séculos (para o trofia da TV aberta, em que uma emissora telecomunicaçao do mundo bem ou para o mal), está agora ao alcance de televisão galvaniza a audiência ao unir as diversas classes sociais sintonizadas no mesmo programa de todos, ao simples toque de uma tecla, em processo de de artes cênicas. A novela constitui o máximo de concentra- convergência de meios, em alta definição, que permite um ção que Marshall McLuhan poderia imaginar, no conceito diálogo real, simultâneo, sem fronteiras geográficas, onde formulado por ele na década de 1960, mérito da Rede Globo. todos são emissores e receptores. Mas o estágio atual não deve permanecer assim indefiniNa TV aberta, as verbas de publicidade são crescentes, apesar da audiência descendente, formando o gráfico “boca de damente, com a algaravia de comentários e informações de jacaré”. O porquê está na teoria do criador da “Aldeia Global”, hoje mandando para o espaço a ética das comunicações. É necessária a hierarquização da notícia, com a credibilidade o filósofo e educador canadense, que nasceu em 1911. Em seu livro The Gutenberg Galaxy (A Galáxia de Guten- da indispensável checagem das fontes. Ainda durante alguns anos, o conceito original da Aldeia berg, University of Toronto Press, 1962), o autor estuda as características de cada meio de comunicação, em três gran- Global seguirá valendo no Brasil para a maioria da populades períodos: “cultura oral ou acústica, tipográfica ou visual ção, onde a interação com o emissor continuará sendo a e eletrônica”. Para McLuhan, cada uma delas corresponde à licença para votar no BBB, pagando pelos impulsos. Nessa altura, não se deve esquecer da palavra escrita, forma de pensar o mundo. Na cultura oral o homem está próximo das pessoas e de onde se origina a grande maioria dos conceitos e pautas das coisas, suscitando a criatividade de quem fala e de que chegam à internet, com profissionais ainda pagos pelas quem ouve. A palavra escrita, sustentada pela imprensa, receitas dos veículos em papel. Nesse quesito, as revistas torna possível a expansão da coletividade. Os meios de não têm sido tratadas com a atenção que merecem, apesar comunicação eletrônicos, na velocidade da difusão, per- da qualidade do produto editorial e da capacidade de adaptar mitem a partilha de experiências distantes e exóticas, seus títulos para o meio digital, com grande proficiência. Falta apenas que os anunciantes se convençam de que, aproximando-as em larga escala. Com a experiência possível da década de 1960, a terceira assim como no impresso, a revista digital também merece forma de comunicação constitui a “Aldeia Global”, com todos publicidade, a preços justos. Sendo uma empresa de grande porte, com 140 mil funcionários, lucro acima de US$ 30 bilhões, a Huawei pode estar sendo ajudada pelo governo chinês a ganhar contratos internacionais, como aconteceu na revolução dos celulares na África, onde aparelhos chineses de baixo custo servem muito bem à população. 88 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 O conceito original da Aldeia Global seguirá valendo no Brasil, onde a interação com o emissor continuará sendo a licença para votar no BBB, pagando pelos impulsos Roberto Muylaert shutterstock Pesquisas recentes do instituto Ipsos/Marplan revelam a clara aceitação e respeito do público pelo meio revista, veículo mais vivo do que nunca, a merecer um share de publicidade bem maior do que o atual, que está na casa dos 6%. Os brasileiros das classes A, B e C, que vivem nas nove principais regiões metropolitanas do país, estão consumindo mais revistas. Na comparação entre o primeiro semestre de 2012 versus igual período de 2011, verifica-se um grande crescimento da penetração do meio em todas as classes dos mercados analisados (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília e Fortaleza). O aumento mais significativo foi notado na classe AB, cuja participação saltou de 52% para 63% no período. Já a classe C cresceu de 31% a 38% na mesma faixa de tempo. Entre as cidades, o Rio de Janeiro (52%) registrou o maior crescimento, seguido por São Paulo (51%) e Curitiba (47%). Além disso, o Ipsos/Marplan iniciou a verificação em quatro novas regiões: Vitória, Florianópolis, Goiânia e interior de São Paulo, que, em média, têm penetração de 39% de leitura para o meio revista. Não fossem estes argumentos suficientes para conquistar mais verbas, existem outros dados que indicam as revistas como o meio mais relacionado com os seguintes atributos: influência no momento de decisão sobre uma compra; tempo de leitura (44 minutos em média no Brasil, ante 41 minutos nos EUA, segundo o MPA); quantidade de títulos lidos por pessoa (três em média); índice de “leitura exclusiva” (65%, o maior valor percentual); e a mais baixa rejeição à publicidade, entre todas as mídias. Assim, o meio revista permite atingir com grande eficiência grupos de pessoas em que estão os formadores de opinião. Uma verdadeira Aldeia Global segmentada, atingindo justamente quem tem poder de decisão. Jornalista, editor, escritor e presidente da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner) julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 89 mesa-redonda Sobra talento, falta consenso 90 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Paulo – Nesta edição, vamos debater sobre Encontro na ESPM reúne Luiz Buono (sócio da Fábrica Comunicação Dirigida), os professores Francisco Gracioso, Paulo Cunha e João Matta (da ESPM), Pedro Cabral (fundador da AgênciaClick) e Fabio Baracho Martinelli (diretor de mídia da Ambev) para debater os rumos da comunicação integrada no Brasil e no mundo Fotos Donizeti da Silva Pinto comunicação integrada. Para abrir o debate, convido o presidente do Conselho Editorial da Revista da ESPM, ex-presidente da faculdade e conselheiro associado da ESPM, professor Francisco Gracioso. Gracioso – Quando eu era redator de propaganda, há décadas, o contato falava: “Garoto, tome cuidado com o que diz no anúncio impresso para dizer também no jingle de rádio. Não vá confundir as coisas”. Sempre houve uma preocupação com a comunicação integrada. É evidente que o sentido que damos hoje é completamente diferente. Ele se tornou mais comum a partir da mídia digital, devido às oportunidades de integração oferecidas pela internet. Mas é consenso que a comunicação integrada seja composta por campanhas que excedem a mídia tradicional e aproveitam as “novas arenas da comunicação”. Que o digam os cases de Titanium Lions, de Cannes. Há inúmeras maneiras de integrarmos outras formas de comunicação à mídia tradicional. Pode-se também dizer que a comunicação integrada é a arte de criar fatos para gerar notícias que surfamos, aproveitando a onda em benefício da nossa imagem ou do nosso produto – de maneira tão natural que muitas vezes isso passa despercebido, até. Por exemplo: recentemente, estavam anunciando que o governo americano patrocinou a produção de um filme sobre a morte do Osama Bin Laden, que será exibido nos cinemas, lembrando que a morte de Bin Laden foi o ponto mais alto da popularidade de Barack Obama. Com a proximidade das eleições, é evidente que o governo lançará este filme para provocar notícias e discussões em torno de um fato que irá favorecer a imagem do Partido Democrata. Os americanos são mestres nisso. Paulo – Isso exposto, de quem seria a responsabilidade de gerir os processos de comunicação integrada? julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 91 mesa-redonda Pedro – Do diretor de marketing da empresa. Hoje, existe uma série de ferramentas que podem ser utilizadas na comunicação. Isso também estimula outra atividade do marketing, que é a própria concepção do produto e todas as áreas que envolvem o negócio, como as cadeias de distribuição e o trade marketing. Do ponto de vista do relacionamento, hoje se classifica a mídia como paid media, que é a comprada; owned media, que é a mídia própria; e earned media, que é a conquistada. Na verdade, tudo isso são audiências. É a atenção que essas pessoas dão para determinada marca. A integração dessas estratégias faz com que você crie um círculo virtuoso, usando mídia comprada, criando ambientes receptivos de mídia própria – web sites, lojas de todo tipo e até a própria gôndola –, e essa mídia conquistada, que é a energia das pessoas sendo posta a serviço da propagação de ideias. Em geral, essa propagação ocorre sem um controle total. De qualquer forma, o guardião das ações deve ser o diretor de marketing do anunciante. Fábio – Concordo. É difícil que qualquer parceiro tenha 100% de acesso à informação relacionada à atividade de mercado, marca, indicadores e resultado de desempenhos. Há uma mudança no processo de comunicação integrada que nasceu da necessidade de se criar uma relação com um grupo de pessoas que criticam, elogiam, dão sugestões sobre tudo o que a marca faz. Para a comunicação integrada acontecer de fato, temos de ter especialistas e parceiros com habilidades específicas, e cabe ao anunciante conseguir integrar esses parceiros para que todos trabalhem juntos. Hoje temos uma área, a Connections, para criar e gerir os pontos de conexão e a forma de comunicação com nosso consumidor, que triplicou de tamanho, em dois anos. Então, se você não capacita o seu time interno, fica mais dependente de um terceiro. O mercado ainda não tem uma fórmula mágica para responder a esse cenário complexo. Buono – A relação das marcas com os anunciantes mudou. Hoje, ela é relacional, baseada num diálogo. O marketing é feito o tempo inteiro, em todos os canais e utiliza todas as ferramentas. Tenho clientes na agência que entram com 50 jobs de comunicação dirigida por mês. Abro uma verticalidade de conversa com o público dele naquela disciplina tão intensa e dinâmica, que não há a menor possibilidade de essa conversa estar integrada, no sentido de concatenação com tudo. Imagine a Ambev, que tem conversas dirigidas com os donos de bares e com milhares de consumidores no 92 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 “A imagem que tenho do meio é a de um empresário de circo com o chicote na mão controlando o trabalho do leão e com o outro lado voltado para o palhaço dando as dicas para que ele entre e saia de cena” Francisco Gracioso ponto de venda e também no computador deles, 365 dias do ano. A comunicação integrada só funciona no conceito antigo. O que integra, volto a dizer, é o conhecimento que tenho do DNA, do branding daquela marca. Paulo – Mas há uma interação. Buono – Sim, mas é completamente diferente de como aprendemos lá atrás. Gracioso – Como esse tipo de ideia não surge de uma agência tradicional, e sim em locais como a AgênciaClick, a imagem mais próxima que nos ocorre é a de um empresário de circo com o chicote na mão controlando o trabalho do leão e com o outro lado voltado para o palhaço dando as dicas para que ele entre e saia de cena. A comunicação dirigida e integrada exige cada vez mais esse sentido de espetáculo. A propaganda também está se transformando em um espetáculo em busca de maestros para ser dirigida. Buono – A partir do momento em que estabeleço uma conversa com o consumidor, não estou mais numa posição de compra e venda, imponho minha mensagem e você recebe o espetáculo, ou seja, o lado do entretenimento e da prestação de serviço passa a ser de grande importância. Nas redes sociais, se você não tem o tom relacional, o serviço é “Do ponto de vista do relacionamento, hoje se classifica a mídia como paid media, que é a comprada; owned media, que é a mídia própria; e earned media, que é a conquistada. Na verdade, tudo isso são audiências” Pedro Cabral execrado, porque nesse diálogo não dá para ficar vendendo coisas. É errado pegar um tema de campanha criado para a TV, uma mídia passiva, e inserir esse filme de 30” interrompendo algo que o internauta quer assistir. Se ele fosse inteligente, criaria uma mensagem de 5” personalizada, para reter a atenção desse público. Pedro – Você presta atenção na televisão? Buono – O palco da televisão é diferente. Ele favorece o comercial porque tem uma tela de 42 polegadas e recursos de som, imagem e áudio para passar a mensagem. Pedro – O que lhe causa estranheza nessa interrupção antes de um vídeo na internet também causou estranheza um dia na televisão. A diferença é que ela foi assimilada, culturalmente, porque somos uma geração que já nasceu com a televisão, o que faz com que as pessoas não se importem com a veiculação de comerciais. A questão é que 65% desses comerciais são totalmente ignorados e 95% não causam nenhuma lembrança no dia seguinte. A questão não é só a linguagem. O que buscamos hoje é a distribuição do conteúdo pelas pessoas. As campanhas de sucesso são aquelas de que as pessoas carregam o bordão. Hoje, a grande ideia parte de um conteúdo que muitas vezes é pautado pelo diretor de marketing. E o vídeo é uma superlinguagem para você contar uma história, que pode ser assimilada e compreendida num curto espaço de tempo. E isso vem do cinema, que é uma linguagem encantadora. Gracioso – O internauta busca, acima de tudo, informação. É preciso que a mensagem seja rica em conteúdo. Pedro – O grande fenômeno na internet que acontece nas redes sociais é o da interação entre as pessoas. Hoje, as maiores audiências estão nas redes sociais e ocorrem entre pessoas. O que está lá é conteúdo a respeito de pessoas e as pessoas se conectam. Esse é o grande atrativo. Paulo – O mercado brasileiro sabe capitalizar e aferir visibilidade para as ações de outras arenas de comunicação por intermédio da grande mídia? João – Uma ideia integrada tem o elemento lógico do crossmedia, ou seja, como transponho essa ideia em todas as mídias. Como hoje tudo é mídia, não interessa se vou para julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 93 mesa-redonda a televisão ou para a internet. A grande ideia tem de ser algo pertinente à vida das pessoas. Toda marca tem uma grande história a ser contada, mas precisa pertencer aos consumidores. Eles têm de se sentir engajados, integrados nessa história para repercuti-la. Comentávamos antes que a Bolsa de Valores oscila e deixa de oscilar de forma muito sensível a qualquer assunto que acontece no mundo. Nós somos diferentes. A novela das oito continua pautando as conversas de esquina. Todos estão comentando sobre os personagens, mas não temos esse aproveitamento das histórias geradas, por exemplo, num filme ou em uma rede social. Falta aprendermos a trabalhar bem essa questão das ideias nas mídias. Além de integrada, a comunicação precisa ser sincronizada, porque se você jogar um tema e ele demorar para aparecer em uma mídia, aquilo se esvazia. “Em grandes campanhas, as ideias e a criação ainda são atreladas dentro da televisão como meio principal” João Matta Buono – Esse fenômeno das pessoas abraçando a ideia e levando adiante é promovido pela democratização das mídias. Estamos vivendo uma fase de aprendizado, de como gerar um conceito, uma ideia que vá, naturalmente, mobilizar as pessoas. No passado, você fazia um grande espetáculo porque as pessoas estavam lá para assistir. Hoje, é preciso encontrar algum ponto em que a pessoa fique tão envolvida com aquilo que queira levar adiante. Em vez de grandes espetáculos, são histórias mais reais, e aí surge outro problema. Vendo algumas histórias de sucesso, os anunciantes começaram a demandar das agências a criação de ideias. Mas, às vezes, essas ideias nascem e você apenas aproveita o conceito, não necessariamente cria algo novo. Paulo – E as agências sabem fazer isso? Gracioso – A mídia é sempre o gargalo através do qual os fatos e as notícias repercutem entre o povo. Quando, por exemplo, provocamos um grande espetáculo no Morumbi e atraímos 80 mil jovens para ver uma banda canadense, é evidente que o retorno esperado está muito além do público presente ao evento. A verdade é que, muitas vezes, não há, nas reuniões prévias, uma conciliação de interesses entre a mídia, a empresa e a agência. Ainda estamos aprendendo, essa é a verdade. E, honestamente, precisamos admitir que temos um longo caminho a percorrer. Fábio – Estamos em busca de bons conteúdos para distribuí-los da melhor maneira. O fato é que os veículos de comunicação no Brasil monetizam toda e qualquer iniciativa que parta de um anunciante. Aqui, é quase impossível criar ações de grande visibilidade e ter a expectativa de que naturalmente essas ações vão explodir. Você consegue se relacionar diretamente com o seu consumidor na internet, mas está preso a esse escopo de atuação. Pego o exemplo do caso do Barack Obama, identificando que a morte do Bin Laden possua um conteúdo incrível para ser capitalizado por intermédio de um filme. Lá, essa produção pode ser explorada na campanha do próprio presidente, pelos veículos de comunicação que têm interesse no tema, por jornais e revistas que vão voltar a falar do assunto. No Brasil, o conteúdo de uma marca está fadado a uma exibição restrita no canal no qual ele foi concebido e de acordo com o potencial que a marca tem de disseminar esse conteúdo em redes sociais. Fora disso, ela precisa pagar. 94 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Pedro – Depende muito da marca. Existem marcas que são mais fáceis de carregar do que outras. Por exemplo, todos conhecemos Porsche e temos uma percepção da marca, mas provavelmente nunca vimos um comercial dela na televisão, talvez no Festival de Cannes. É porque esta marca tem um potencial gigante, uma história, uma narrativa, uma essência que acaba penetrando na sua vida pelo ambiente em que você vive. Caminhando mais para o lado da física, marca é uma energia potencial armazenada. É como se pegasse uma pedra e fosse levantando a tal ponto que, se você a largar, ela se transforma em velocidade. O lançamento de um produto da Apple é notícia, não tem como esconder isso. Fábio – Também tem ações incríveis que a Nike fez e a imprensa, de certa forma, absorveu, porque não vê nessa marca um potencial anunciante. Buono – Você tocou num ponto fundamental: Nike, um produto de massa. Lembra daquela história da Copa do Mundo na África do Sul, em que a Adidas era patrocinadora e a Nike apareceu mais? O que aconteceu foi que a Nike, já bem preparada com o seu marketing em outros mercados onde a mídia de massa não é tão forte quanto aqui, desenvolveu uma estratégia na qual os consumidores levam essa comunicação pelas plataformas digitais. Com isso, ela consegue ter uma visibilidade enorme. Fábio – É a questão do relacionamento. A exposição pura e simples de uma marca tende a lhe entregar menos, num universo onde você precisa construir uma relação. Buono – No ano passado, a Coca-Cola deu uma aula em Cannes, com o seminário “Liquid and Linked Mystique”, que mostrava como a marca criava temas para as pessoas levarem adiante. Hoje, mais de 80% da estratégia deles não está relacionada à mídia de massa. Na Inglaterra, a televisão aberta perde de longe para a internet, em termos de audiência. Esse movimento ainda vai chegar ao Brasil. A tendência é de que essa estratégia usada por Coca-Cola e Nike seja aplicada aqui. Gracioso – Há 20 anos, a Brahma ainda era uma companhia independente e entregou a conta para o publicitário Eduardo Fischer. A primeira coisa que ele fez foi bolar um jeito de a marca Brahma aparecer na transmissão da “No ano passado, a Coca-Cola deu uma aula em Cannes, com o seminário ‘Liquid and Linked Mystique’, que mostrava como a marca criava temas para as pessoas levarem adiante” Luiz Buono Copa do Mundo, com o conceito número 1, o que deixou a Globo muito zangada. Isso significa que, mesmo quando a TV aberta é o veículo principal, há formas de comunicação paralelas, alternativas que vão desembocar no veículo dominante. Paulo – Há cinco anos, Cannes adotou a categoria Titanium e o Brasil nunca teve um Leão de Ouro nessa área. Como o mercado brasileiro está praticando a comunicação integrada? Em que grau estamos? Buono – Você já deu a resposta. O Brasil está engatinhando. O Brasil ainda está muito atrasado por conta do cenário midiático de massa. Se você pegar o ranking das 20 maiores agências brasileiras, todas ainda estão estruturadas no modelo de comunicação de massa, com a julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 95 mesa-redonda remuneração vinculada no montante investido em mídia. Nesse cenário é difícil você ser uma sumidade ou ter um papel de destaque na mídia integrada. Os melhores profissionais do país, aqueles que em tese têm as ideias mais interessantes, ainda estão trabalhando na máquina antiga. Pedro – Quando se olha o ranking publicado no primeiro trimestre, a AgênciaClick aparece como compra de mídia em 26º lugar, mesmo sendo uma das dez maiores agências do Brasil, em termos de receita. É porque a receita não está baseada exclusivamente na veiculação, e os volumes de veiculação em televisão acabam gerando, na contabilização do monitor, um ranking que é completamente distorcido. Gracioso – No caso de uma grande empresa, como a Ambev, que tem uma gerência de compra de mídia, as decisões partem de seu departamento. Por que vocês continuam a preferir a mídia tradicional? Fábio – Como um grande anunciante, a Ambev é o terceiro maior do país. A decisão é técnica, estratégica e atrelada ao resultado. Independentemente do modelo de negócio das nossas agências, nos blindamos do máximo de informações possíveis, para evitar qualquer distorção do modelo. João – A que resultado você se refere? Fábio – Investimos muito em pesquisa e informação, em métricas que dizem o quanto os consumidores preferem nossas marcas. Com base nisso, tomamos a decisão tática dos meios de custo por ponto, cobertura, frequência... Exploramos esses dados, no limite, para garantir uma boa compra. Existe todo um ferramental para garantir que o melhor mix está sendo executado. A dificuldade que temos hoje é que parte da comunicação integrada não está mais em nossas mãos. Parte você compra, outra é preciso construir nas plataformas proprietárias. E uma terceira parte vem do consumidor. Quanto mais você estimular o consumidor a gerar mídia orgânica, melhor para o seu negócio. Estamos menos presos a modelos, mas, diferentemente de outros países, a televisão ainda é um meio muito forte no Brasil. Paulo – Hegemônico. Fábio – Campanhas que conseguem, juntas, criar uma proposta de comunicação, uma relação com o consumidor, 96 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 “Há cinco anos, Cannes adotou a categoria Titanium, e o Brasil nunca ganhou nenhum Leão de Ouro nessa área” Paulo Cunha têm melhor desempenho do que uma campanha isolada na televisão. A quantidade de informação que a internet trouxe para qualquer análise de retorno é gigante. É muito difícil para o grande anunciante tomar uma decisão por pura recomendação. João – Em grandes campanhas, as ideias e a criação ainda são atreladas dentro da televisão, como meio principal. Fábio – Não necessariamente. Temos um ciclo criativo diferente. Por exemplo: temos uma rotina semanal com a Skol, onde pomos em discussão quatro, cinco agências com habilidades e condições específicas, e dali surgem as ideias. Estamos menos atentos à origem e mais ao quanto essa ideia pode ser desenvolvida. Pelo volume de investimento e os compromissos que temos com a televisão, muitas vezes acabamos nos obrigando a desenvolver algo para esse veículo de comunicação em cima daquela ideia. Buono – Alguma narrativa nova. Fábio – A marca precisa se personificar. No momento em que você cria uma relação, uma personalidade, as histórias e os conteúdos que puser no ar devem corresponder àquela personagem que você está querendo construir junto com àquela pessoa. Paulo – Isso acontece com as marcas da Ambev, mas como você vê o conceito aplicado à grande parte dos anunciantes? Fábio – Isso surge do anunciante, das agências e dos veículos. Aqueles que investem mais e conseguem munir o anunciante com mais informação têm muito mais relevância, que é o que acontece com a internet. O meio digital ganha relevância no momento em que proporciona para o anunciante a possibilidade de ter informações novas; os outros veículos e as agências têm de se preparar para entregar esse mesmo conhecimento. Mas os grandes meios se estabilizaram num nível de informação que hoje não tem mais relevância. Fábio – Mas está relacionado à personalidade da marca? Buono – Sempre. Isso é branding. Fábio – Essa questão de personificar a marca é maior do que o conceito de branding. As marcas que conseguem se relacionar de verdade com as pessoas são aquelas que criaram uma identidade própria e aí o grande desafio é você manter a essência de uma marca de massa. Nesse caso, concordo que é preciso ter uma segmentação complicada. Buono – Não tenho a menor dúvida. “Investimos muito em pesquisa e informação, em métricas que dizem o quanto os consumidores preferem nossas marcas. Com base nisso, tomamos a decisão tática dos meios de custo por ponto, cobertura, frequência...” Fábio Baracho Martinelli Paulo – Atingiram uma zona de conforto? Fábio – Talvez. Buono – Marcas como a Ambev precisam fazer esse trabalho de massa para manter o share, porque a tendência é perder participação de mercado. Historicamente, a CocaCola tinha muito mais share do que tem hoje. A Maionese Hellmann’s, a mesma coisa. Vão surgindo os nichos. E para quem tem o produto “nichado”, hoje, consegue alavancar a marca mais rápido com a ajuda dos novos meios. Gracioso – Então, o que chamamos de comunicação integrada tem muito de comunicação dirigida? Ela, em geral, é muito mais indicada quando se pretende atingir, com maior impacto, determinados segmentos do mercado. Buono – Na verdade, é tudo conceitual. As marcas precisam fazer um trabalho extremamente dirigido, “nichado”, e ao mesmo tempo usar três ou quatro meios de comunicação que atuem de maneira integrada. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 97 mesa-redonda Debate comprova que a indústria da comunicação está repensando seu modelo de negócios Fábio – Mas o mundo não vai ser segmentado, porque mesmo nos Estados Unidos, que têm a questão das cervejas artesanais, elas pertencem a um segmento premium, com um produto que consegue entregar um valor seis vezes maior do que o da própria categoria e não conseguiu sair desse universo. A mesma coisa no Brasil: você vai a uma gôndola de um mercado superqualificado e há 80 marcas de cerveja. O volume dele é 90% de marcas tradicionais. As pessoas precisam ter uma sensação de pertencimento que só as marcas de massa oferecem. João – Esse exemplo da cerveja é bom, principalmente se pensarmos na tradição europeia. Parece existirem dois mercados: um de massa, que é o das grandes cervejas, e outro pulverizado. No início, falávamos sobre consumidor. Será que o mercado está conhecendo profundamente o consumidor e suas histórias? Em que meio e por qual plataforma? Nesse ponto, nunca a antropologia, a sociologia e todas essas disciplinas do sujeito social fizeram tanto sentido quanto estão fazendo hoje. Pedro – Há uma grande mudança, sim. Hoje, as pessoas estão o dia inteiro conectadas em telas. A pessoa acorda 98 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 com o smartphone do lado e logo cedo entra no Facebook, durante o café da manhã, para ver o que aconteceu enquanto ela dormia. Fábio – No mínimo, ela passa a gerenciar a sua marca. Pedro – Isso acaba gerando um mundo mais transparente, em que as historinhas não ficam de pé. Se observarmos hoje as marcas que ganham mais valor no mundo, são as que têm uma preocupação grande com todo o aspecto holístico da geração de valor no relacionamento. Por exemplo, por que uma marca como o Google se tornou tão popular, sem necessariamente ter uma iniciativa agressiva num primeiro momento? Há um ano, ele não fazia nada de propaganda. O Facebook também é um fenômeno no Brasil. Essas empresas fazem sucesso porque têm um compromisso com o seu freguês, com a pessoa que está diante do seu produto. Então, tudo o que se cria dentro daquele sistema tem por função principal atender à pessoa que está do outro lado, porque ela está criando valor para si no uso daquele produto, em um ciclo positivo de geração de valor. Quando se pensa numa empresa moderna de grande valor, como a Apple, ela nem sempre teve a história mais ilibada do mundo, do ponto de vista de sustentabilidade – há uma série de histórias escabrosas –, mas nos últimos tempos ela se transformou num verdadeiro exemplo de marca que gera valor para a sociedade como um todo. Ela conquistou essa popularidade toda porque, quando foi criado o iPod, a experiência gerada pelo produto mudou a forma de distribuir, produzir e comercializar a música – e quem ganhou com isso foram as pessoas. camente, o anunciante queria que a agência comprasse a mídia do próprio bolso e ele só pagaria o produto entregue, instalado, vendido, o que é um absurdo, porque depois a receita recorrente do produto não iria para a agência. É preciso haver um compromisso maior por parte das agências, para correr riscos junto com o anunciante. Paulo – Do ponto de vista da comunicação integrada, como as João – As agências, às vezes, se portam mais como fornecedoras de ações de comunicação e mídias que as interessam. agências poderiam auxiliar relações entre a indústria e o varejo? Buono – Entendendo as melhores plataformas para o varejo e como alimentá-las fazendo a conversa fluir, de maneira que todos ganhem – o varejista, o consumidor e a indústria. É preciso transformar a informação do varejo em ação. Gracioso – Está surgindo uma nova “ciência”, o trade marketing, justamente para disciplinar e melhorar as relações entre empresa, fornecedor e varejo. Realmente, seria preciso um mergulho em profundidade para que as agências conhecessem um dos verdadeiros problemas que os grandes fornecedores estão enfrentando no varejo. Fábio – Concordo 100%. Falamos muito de todos os canais de conexão com o fornecedor e entendemos o trade que acontece no ponto de venda como a última etapa do processo, não no sentido de terminar na compra, mas do pensar no setor depois que já pensei e resolvi o problema de todo o resto. É como transformar a experiência no ponto de venda em algo mais verdadeiro, mais conectado com a personalidade da marca, capaz de criar uma relação, e creio que temos alguns exemplos de marcas que estão fazendo isso, que transformaram a compra em si em uma experiência. Pedro – Em parceira com os anunciantes, as agências precisam criar métricas mais transparentes que levem a um compromisso e a uma parceira maior para a compreensão da cultura do negócio. É preciso estabelecer um conjunto transparente de métricas entre anunciante e agência, que mexa até no modelo de remuneração. Gracioso – Necessariamente, tem de mexer. Pedro – No varejo, é saudável que exista um compromisso com o resultado. As agências, de maneira geral, são resistentes a isso. Outro dia vi uma concorrência em que, prati- Pedro – Algumas agências podem se dar o luxo de fazer isso porque ficam com o filé mignon, que é a veiculação em TV, e ponto final. João – Quando você trabalha em outras mídias, não. Buono – Normalmente, quem pega esse serviço como algo que se viabiliza pela sobra da televisão acaba entregando mal. Estou cansado de receber cliente falando exatamente isso, que foi em tal agência e eles disseram que entregavam 360º. Mas, quando ele passou 30 jobs de comunicação dirigida, não conseguiram entregar três, por isso o cliente foi buscar um especialista. Por outro lado, já vi muita agência de trade marketing no Brasil trabalhar full time para aquele anunciante, mas a receita que ela obtém não paga a conta, já que você precisa manter um nível de profissionais de qualidade, e aí a coisa complica. Fábio – Existem agências e agências. O mercado está se inventando – tem agência que consegue entregar aquilo que entende como seu core business, outras entregam algo mais. Não precisamos ficar presos a um modelo. Paulo – Para fechar, gostaria de pontuar algumas questões expostas aqui no debate. Primeiro, a responsabilidade do gestor de marketing na articulação e implementação de ações diferentes e outras arenas de comunicação, sempre respeitando o DNA da marca. Além disso, há novas relações com consumidores que passam pela experiência midiática, pelo engajamento, pela forma de produção de conteúdo. O mercado está repensando o modelo de trabalho dentro de uma ótica de maior compromisso com resultados, de novos sistemas de métricas, avançando até, talvez, a um novo modelo de remuneração e das relações entre todos esses players da indústria da comunicação. Gracioso – Obrigado a todos vocês. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 99 Ensaio A hierarquia dos valores Existem valores que são mais importantes do que outros? Caso existam, qual a hierarquia que lhes corresponde? Por Hermano Roberto Thiry-Cherques shutterstock N 100 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 o Renascimento, para ordenar os vícios e virtudes de forma plausível, Dante Alighieri não teve outro recurso a não ser compartir os juízos de valores com Deus. A Divina Comédia (Editora 34, 1998) condena e absolve pecadores de acordo com as enigmáticas orientações da Igreja e os esquecidos critérios florentinos. O recurso à divindade ou a seus intérpretes, benéfico para a métrica e a poesia, segue alimentando convicções e seduzindo entendimentos, mas não se presta ao pensamento filosófico. Outra, mais racional e enfadonha, foi a solução aventada por Max Ferdinand Scheler (Munique, 1874 – Frankfurt, 1928) para a ordenação dos valores. Filósofo eclético, Scheler foi um dos pensadores mais influentes da primeira metade do século 20. Hoje respeitosamente ignorado, ele propôs uma hierarquia de valores que subsiste mais ou menos intacta na apática literatura filosófica. Filho de uma família burguesa, de pai protestante e mãe judia, Scheler foi vagamente deísta na infância, tornou-se católico na juventude e panteísta na maturidade. Como a orientação religiosa, a sua filosofia passou por várias fases, espelhadas em livros como Essência e forma da simpatia (Esencia y formas de la simpatia , Salamanca-Sigueme, 2005), que trata do conhecimento simpático como origem da coesão social; O ressentimento na construção moral (Das ressentiment im aufbau der moralen, Klostermann, 1978) que expõe a mágoa característica da moral cristã como um veneno psicológico que provoca deformação mais ou menos permanente nos valores; A posição do homem no cosmos (The human place in the cosmos, Max Scheler, Karin S. Frings e Eugene Kelly, Northwestern University Press, 2008), basicamente uma afirmação panteísta da realização huma- ”…ressentimento é um autoenvenenamento da mente que tem causas e consequências bem definidas. É uma atitude mental duradoura, causada pela repressão sistemática de certas emoções e afecções” na de Deus; e O sentido do sofrimento, (Ressentiment, Max Scheler, Lewis B. Coser e William W. Holdheim, Free Press of Glencoe, 1961), que considera o sofrimento como função do sacrifício decorrente daquilo que tem valor inferior por algo que tem valor superior, obrigando-nos a subordinar a vida sensível a uma atividade espiritual cada vez mais elevada. A hierarquia dos valores consta de seu livro mais conhecido, O formalismo na ética (Formalism in ethics and non-formal ethics of values, Max Scheler, Manfred S. Frings e Roger L. Funk, Northwestern University Press, 1973), cujo título é autoexplicativo. Na impossibilidade de invocar o pensamento de um deus incerto e variável para explicar os valores, Scheler recorreu à fenomenologia de Edmund Husserl. Estendeu-a para descrever relações entre conteúdos intencionais de que não se pode predicar nem a inteligibilidade racional, como no positivismo, nem o caráter lógico de sua assimilação consciente, como na fenomenologia original. Esses conteúdos são os valores, que se oferecem à descrição com o mesmo título de legitimidade que outros objetos, sendo atemporais e absolutamente válidos. Segundo Scheler, as essências dos valores podem ser alcançadas pelas emoções, dadas a nós no nível mais baixo da função psíquica, no plano onde nosso impulso vital atua cegamente. A partir dessa base diáfana, Scheler sustentou a existência de uma hierarquia objetiva dos valores, fundamentada e apreendida pela emoção. A teoria de Scheler é uma fenomenologia geral dos afetos. Supõe que os valores são uma espécie de ser que poderia ser apreendido de maneira evidente, não como objeto de compreensão racional, mas como conteúdos do sentir. Pela exploração do reino dos valores se alcançaria a esfera de objetos que têm uma particularidade irredutível, distinta das leis da lógica. Chegar-se-ia às essências puras, a priori, intuídas emocionalmente no âmbito de vivências afetivas. Os valores assim definidos seriam objetivos, absolutos e eternos na medida em que são anteriores aos atos com que são apreendidos. Segundo essa argumentação, cada indivíduo particular é formado ( bildung ) pelas essências e pelos valores que o integram. Quem assimila os valores não é o ego ou indivíduo, mas a “pessoa”, capaz de benevolência e de piedade. Daí que Scheler funde a hierarquia dos valores no reverso do amor, no ressentimento pessoal, que descreveu da seguinte forma: “…ressentimento é um autoenvenenamento da mente que tem causas e consequências bem definidas. É uma atitude mental duradoura, causada pela repressão sistemática de certas emoções e afecções que, como tal, são componentes normais da natureza humana. Sua repressão leva a tendência constante para certos tipos de delírios de valor e juízos de valor correspondentes. As emoções e afetos em causa são principalmente a vingança, o ódio, a maldade, a inveja, o impulso para diminuir e ultrajar os outros”. Da ideia da mágoa e da relação entre maior ou menor amargura, Scheler extraiu a hierarquia fartamente disseminada, que contrapõe a transcendência pessoal (amorosa, positiva e superior) ao ressentimento (desapiedado, negativo e inferior). O livro Da reviravolta dos valores: ensaios e artigos (Max Scheler, Vozes, 1984) detalha o que, segundo o autor, muitos acreditam ser uma ordem universal dos valores, constante e imutável, e que se dispõe da seguinte forma: Max Scheler - hierarquia dos valores valores positivo Negativo Sagrado Supremo Profano Moral Certo Errado Estético Belo Feio Lógico Verdadeiro Falso Vital Nobre Vulgar Sensual Agradável Desagradável Útil Necessário Supérfluo Hermano Roberto Thiry-Cherques Pós-Doutor pela Médiation Culturelle, Université de Paris. Doutor em ciência da engenharia, Coppe-UFRJ. Mestre em filosofia, IFCS-UFRJ. Bacharel em administração, Ebap/FGV. Professor titular da FGV-Ebape e pesquisador do CNPq/FGV julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 101 tendências & Perspectivas 102 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Do outro lado do balcão Estudo inédito define as estruturas do trade marketing no Brasil, identificando as funções deste departamento nas empresas, seu estágio de desenvolvimento e o perfil do novo profissional da área Por Adriano Maluf Amui shutterstock R ealizada pelo Instituto Nacional de Vendas e Trade Marketing (Invent), a pesquisa “As Estruturas de Trade Marketing no Brasil” foi pensada com o objetivo de revelar a percepção dos profissionais a respeito da atividade no país e mapear como a atividade está estruturada nas empresas brasileiras. Com base nesses princípios, o estudo identifica as funções do departamento de trade marketing nas empresas, seu estágio de desenvolvimento, o perfil do novo profissional da área e suas expectativas, por meio de um questionário quantitativo, composto por 59 questões. Para sua aplicação, foi criado um formulário on-line, administrado pela plataforma SurveyMonkey (www. surveymonkey.com), com identificação opcional do respondente. Focada no profissional das áreas de trade marketing, marketing e vendas de todo o Brasil, a pesquisa foi iniciada por 771 profissionais e concluída por 376, sendo este segundo grupo o contingente da amostra analisada. Os 395 questionários não concluídos justificam-se pela especificidade e nível de complexidade crescente das questões. julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 103 tendências & perspectivas Departamento responsável pelo trade marketing Ou tro N/ A Ind epe nd en te Ma rke tin g Ven da s 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Área alocada para a verba de trade 80% 60% 40% 20% 0% Marketing 104 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Vendas N/A Anual Semestral Bimestral Mensal Semanal Diário 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Não desenvolve Periodicidade das reuniões A partir dessas respostas, o Invent definiu o perfil dos profissionais de trade que atuam no mercado nacional. Grande parte deles vem das áreas de marketing (21,9%) e de vendas (21%), seja por meio de realocação dentro da empresa ou contratação. O interessante é que 9,3% dos profissionais foram contratados ou designados a implantar um departamento de trade marketing na companhia, o que indica o crescimento e a evolução desta área nas organizações. A média de idade do profissional do segmento é de 26 a 35 anos, sendo que o público masculino representa 64,7% do setor. A maioria possui pós-graduação (63,7%) e 54% fizeram cursos complementares sobre o assunto. Além disso, a maior parte deles tem cargo de gerente (33,5%), ou de coordenador/ supervisor (26%). Outro fator extremamente relevante é que 60% daqueles que responderam à pesquisa pretendem seguir carreira na área pelos próximos cinco anos. Pouco mais da metade desse público atua há menos de seis anos na área. Este dado mostra a existência de um setor ainda novo no Brasil, que está em processo de desenvolvimento de suas estruturas e com profissionais em estágio de amadurecimento. Logo, muitas dessas áreas ainda precisam passar por alguns ajustes para acertar a direção e a eficácia das ações desenvolvidas. Não é à toa que 30,7% das empresas revisaram recentemente o papel de seu departamento de trade marketing e mais de 15% chegaram a constituir uma equipe de inteligência em trade, o que leva a crer que os gestores têm reforçado suas iniciativas a fim de integrar o olhar estratégico às ações táticas. A maioria das organizações analisadas (45,6%) pertence ao segmento industrial, que concentra grande parte das estruturas mais amadurecidas de trade marketing. Vale destacar também o crescimento desse departamento em organizações que atuam nos setores de varejo, distribuição e atacado. Grande parte dos segmentos foi contemplada no estudo, com destaque para as indústrias de alimentos, bebidas e bens de consumo de diferentes portes (33%). Nesse contexto, 54,4% das indústrias que participaram da pesquisa são de grande porte e faturam acima de R$ 500 milhões por ano. A maior parte dessas organizações conta também com o contingente de mil a cinco mil funcionários. É interessante observar que, geralmente, o departamento de trade marketing das grandes empresas é mais maduro, pois dispõe de mais recursos para investimentos em ferramentas, informações e profissionais. Nos últimos anos, a atividade cresceu significativamente no país. A maior prova disso é que 70,7% dos Empresas que envolvem a área nas discussões de vendas, giro dos produtos e margens a serem praticadas para a formação de preços 80% 60% 40% 20% 0% Não N/A Atuação da equipe 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% N/A 100% no campo Cerca de 25% na sede e 75% no campo Cerca de 50% na sede e 50% no campo Cerca de 75% na Sede e 25% no campo 0% Planejamento estruturado O estudo registrou uma quantidade expressiva de organizações que já contam com um planejamento profissional de trade e objetivos definidos dentro de seu plano anual de negócios. Neste momento de plena evolução do segmento, as companhias já começam a migrar mais fortemente da fase de compreensão dos conceitos táticos para um pensamento mais estratégico e mais bem estruturado. A pesquisa aponta que 70% dos empreendimentos pesquisados contam com o apoio do trade marketing para desenvolver ações estratégicas e táticas organizadas por preços, produtos e serviços. Já 74,4% das empresas diferenciam seus preços estrategicamente de acordo com o Sim 100% na sede profissionais pesquisados afirmam que suas empresas já contam com um departamento formal de trade marketing. Por outro lado, 22,3% das empresas contam apenas com um responsável para a área e 7% ainda não possuem um setor específico para a prática da atividade. Dos fatores que mais influenciaram a criação dessa estrutura nas empresas pesquisadas, o principal é a “percepção da oportunidade de gerar valor para toda a cadeia”, que apareceu em 55,3% das respostas. De maneira geral, essas estruturas ainda são jovens nas empresas brasileiras, uma vez que 61,9% delas possuem menos de seis anos e estão alocadas de forma equilibrada nos setores de vendas (38,6%) e marketing (34,9%). Apenas 14,9% das companhias optaram por administrar a área de maneira independente. Este terceiro cenário é considerado ideal pela maioria dos profissionais do trade. Em uma atividade em que é imprescindível ir a campo para visitar lojas e identificar as necessidades dos clientes, é preocupante avaliar que 31,6% dos profissionais de trade marketing permanecem 100% do tempo de trabalho nas sedes de suas empresas. Os dados também mostram que pouco mais de 15% das empresas fazem um balanço equilibrado entre o lado estratégico e o tático. Embora a maioria organize suas equipes por canal de venda, neste quesito parece não haver uma regra definida para estruturar a forma mais adequada de atuação. Organização por área geográfica, conta-chave (KAM) e categoria também são muito utilizadas. O desenvolvimento de novas frentes de atuação indica uma maturidade na estratégia de diferenciação de produtos e clientes com foco no melhor resultado. Empresas que desenvolvem um plano anual de negócios para trade marketing Sim Não N/A julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 105 tendências & perspectivas N/A Vice Presidente Diretor/Gerente Executivo Superintendente Gerente Coordenador ou supervisor Analista Trainee Assistente Estagiário 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Nível hierárquico Estruturação do departamento 50% 40% 30% 20% Outra N/A Não existe Funcional (atividade) Categoria Área geográfica Marca Conta-chave 0% Canal 10% Investimento médio em trade marketing versus faturamento da empresa 40% 30% Trade em pauta 20% Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Valor exato Não sei Maior que 10% Entre 2% e 5% Até 2% 0% Entre 5% e 10% 10% 106 canal, categoria, conta-chave, marca, área geográfica, categoria e/ou funcional. Outro exercício interessante é analisar que 31,2% dos entrevistados ainda não possuem um calendário de atividades promocionais e, portanto, correm o sério risco de gerar conflitos entre os canais de distribuição em suas ações estratégicas. A maturidade das empresas em relação às estruturas de trade marketing passa necessariamente pela evolução do planejamento estratégico. Quando o assunto é plano para a gestão de conflitos entre canais, a maioria (52,6%) dos respondentes afirma que a empresa não possui essa ferramenta. E mais: outros 10,2% não souberam responder a esta questão. Nota-se também que o ritmo de treinamento aplicado pelas empresas brasileiras na atividade ainda é baixo. Cabe destacar que 18% das organizações sequer promovem treinamentos periódicos ou pontuais para suas equipes. As mudanças constantes do mercado e o aumento da competitividade entre as empresas tornam o investimento em treinamentos imprescindível nas organizações. A exigência na busca de profissionais mais bem preparados em todos os níveis de complexidade cresce a cada dia. A pesquisa mostra ainda que a maioria das empresas realiza reuniões periódicas com as equipes de vendas. A frequência média da maior parte das organizações é um encontro mensal para discutir as principais ações estratégicas, assim como a mensuração de resultados. Apesar de todas as tecnologias disponíveis, que permitem reuniões entre profissionais em diferentes locais do mundo, a quase unanimidade prefere a eficácia das reuniões presenciais. Nada como o famoso “olho no olho”. Ciente de seu papel fundamental nas definições estratégicas no ponto de venda, grande parte das equipes de trade marketing discute vendas, giro de produtos e margens a serem praticadas para a formação de preço dos produtos, assim como são convocadas pela equipe de vendas para negociar ações de PDV com o cliente. No levantamento feito pelo Invent, alguns indicadores demonstram a percepção das empresas a respeito da importância do investimento feito em trade marketing. O primeiro indica que a maioria das companhias possui verbas específicas para este departamento, sendo que Outra N/A Constituição de uma equipe de inteligência em trade marketing Nenhuma mudança Constituição de uma equipe de trade marketing Constituição de uma equipe regional de trade marketing Revisão do papel da área de trade marketing Constituição de uma equipe por canal de distribuição Constituição de uma equipe por conta-chave 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Práticas utilizadas para organizar metas e mensurar resultados 60% 50% 40% 30% 20% N/A Define objetivos de resultados claros e mensuráveis para ações que serão implementadas Apura o resultado líquido financeiro de cada cliente Tem o controle dos gastos em cada cliente, apurando o custo de servir 0% Mensura resultados de negócios por canal 10% Possui relatório/planejamento financeiro (P&L) por canal Adriano Maluf Amui Presidente do Invent, da Esfera Gestão e professor na ESPM. Tem especialização em estratégia pela Kellogg, em governança corporativa pelo IBGC e mestrado em administração pela FGV Motivos das mudanças nas estruturas de trade Estabelece metas de resultados por canal em alguns casos esse investimento já representa mais de 10% do faturamento total da companhia. Quando a empresa não apresenta uma verba específica para a atividade, os investimentos ficam alocados nos departamentos de marketing ou de vendas, sendo o marketing predominante nessa relação de administração de recursos. Esse cenário acontece em 66,7% das organizações pesquisadas. É possível observar uma questão interessante retratada pelo estudo: mesmo com a verba alocada em outros departamentos, o trade marketing é que determina a aplicação deste investimento (75% da amostra) na maioria das empresas. À medida que o trade marketing ganha espaço nas empresas brasileiras, cresce também o desafio em relação à organização das principais metas e mensuração dos resultados. Por fim, o levantamento indica a existência de um grande potencial de crescimento para a estrutura de trade marketing, sobretudo baseado no grau de maturidade atual das estruturas da grande maioria das organizações. Importante ressaltar que, hoje, empresas e profissionais reconhecem claramente a área como fundamental para o desenvolvimento dos negócios e o grande desafio é como se estruturar para galgar os próximos passos. Esta pesquisa nos dá mostras evidentes de como a área de trade marketing ganhou importância estratégica no Brasil nos últimos anos. Se fosse realizada há uma década, pelo menos, certamente estaríamos ainda discutindo conceitualmente o que é trade marketing e quais as suas atribuições. Sim, ainda existem profissionais e empresas despreparados, mas a maioria já tem total compreensão e entendimento a respeito da relevância do trade marketing para os negócios. Portanto, o que podemos ver através desta pesquisa, nunca antes realizada, é o mais límpido panorama de um segmento que já está em um segundo passo de desenvolvimento, em pleno estágio de amadurecimento, discutindo e debatendo as melhores práticas de condução das estruturas de trade marketing nas organizações brasileiras. Para ter acesso ao estudo na íntegra, basta acessar o endereço eletrônico www.inventrade.com. br/invent.docs/pesquisa.pdf julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 107 ELE PASSOU PELA ESPM Cid Mesquita Garcia Filho O manobrista bem-sucedido Apaixonado por automóveis, como todo bom brasileiro, há mais de 30 anos, Cid Mesquita Garcia Filho ganha a vida estacionando carros. Hoje, ele é superintendente do Sistema Estapar/Riopark, mas toda essa história teve início em uma das salas de aula da ESPM Por Carlos Roberto F. Chueiri especial para a Revista da ESPM Fotos Roberto Braga C id Mesquita Garcia Filho costuma creditar à sua ex-professora Aylza Munhoz a concretização de seu interesse inusitado pelo marketing. No final dos anos de 1970, o aluno do primeiro curso matutino da ESPM, ainda instalada na rua Humaitá, na capital paulista, foi desafiado, juntamente com seus colegas, a responder a determinada questão de marketing, proposta ao sabor de uma discussão de classe. Naquela aula, a professora, visando aumentar a saudável competição entre seus alunos, reforçou: “Aquele que apresentar a melhor solução para o problema que estamos discutindo, ganha um emprego”. Na semana seguinte, Cid estava instalado numa pequena sala da Unipark Estacionamento e Garagens, no cargo de auxiliar do departamento de marketing. Assim, em 1978, era iniciada oficialmente a saga que o conduziria à superintendência de operação e marketing da companhia. Hoje, sua atividade principal envolve um sofisticado esquema de marketing de prestação de serviços, em permanente desafio, inserido em um mercado altamente competitivo. 108 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 A ESPM mudou a vida de Cid Mesquita Garcia Filho, que hoje ocupa o cargo de superintendente do Sistema Estapar/Riopark julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 109 ELE PASSOU PELA ESPM A professora Aylza, que, à época, prestava consultoria para a Unipark, uma das pioneiras na administração profissional de estacionamentos no Brasil, não foi enganada em sua aposta. “Não foi tão fácil, assim, como parece”, revela o entrevistado. “Antes de me dedicar em tempo integral à prática de marketing na Unipark, trabalhei em pesquisa de mercado, como entrevistador. Também fiz estágios na área de promoção e merchandising.” Segundo ele, toda a experiência adquirida acabou sendo útil na Unipark. “Porque nesta área da empresa fazíamos de tudo: de cartão de visita e material de escritório até folhetos e anúncios! Sabe? Nada mais generoso e construtivo do que utilizar, na prática, aquilo que aprendi na ESPM.” Aos 55 anos, Cid ainda guarda lembranças marcantes de seu tempo acadêmico. As amizades nascidas na ESPM são lembradas anualmente, em reuniões e encontros comemorativos. Os contatos são frequentes entre eles. “Os colegas acabaram se tornando amigos inseparáveis e insuperáveis”, conta com orgulho nostálgico o entrevistado, que passou pela ESPM entre os anos de 1977 e 1981. Com relação ao próprio curso, Cid conta que procurou desfrutá-lo ao máximo na busca do conhecimento que seria útil para o desenvolvimento de sua carreira. Naquela época, a ESPM propunha uma opção, na “grade” dos dois últimos anos do curso regular. O aluno podia selecionar duas “concentrações”: marketing ou propaganda. “Acabei fazendo as duas especialidades: marketing no diurno e propaganda no noturno. Por quê? A vontade era não deixar escapar nada... Já intuía que a soma maior de conhecimentos haveria de facilitar o meu caminho profissional.” Custeando o curso que fazia, o profissional começou a encontrar dificuldades para a sua manutenção pessoal. Afinal, no departamento de marketing da Unipark, as possibilidades financeiras não eram tão gratificantes “Antes de me dedicar em tempo integral à prática de marketing na Unipark, trabalhei com pesquisa de mercado” 110 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 Ponto de parada • A frota de veículos que rodam no Estado de São Paulo corresponde a 23 milhões de carros • O segmento emprega cerca de 50 mil trabalhadores, direta e indiretamente • De acordo com o Sindepark, existem 12 mil estabelecimentos em funcionamento no Estado de São Paulo • São Paulo conta com, aproximadamente, um milhão de vagas, que são utilizadas mensalmente por 90 milhões de veículos em todo o Estado • A Estapar administra cerca de 850 operações em dez Estados brasileiros, além do Distrito Federal • A operação da Estapar é feita por quatro mil colaboradores, que operam mais de 200 mil vagas nas principais cidades brasileiras como imaginou que seria ao ser contratado. “Procurei e encontrei uma vaga de manobrista na própria Unipark e passei a trabalhar aos finais de semana. Aceito, instintivamente, fui me apropriando de experiências práticas no processo operacional da atividade. Afinal, estava perto da minha maior paixão: o automóvel!”, revela o entrevistado. Quando entrou na Unipark, Cid encontrou uma empresa que administrava 22 estacionamentos. Depois de passar pela área que ensejou a sua contratação, sua carreira foi redirecionada para o departamento “operacional/ administrativo”, criado com o objetivo de promover a expansão da empresa. Naturalmente, sem perder de vista os princípios básicos da prática do difícil marketing de prestação de serviços. “Por depender do fator humano, a área talvez seja a mais ‘complexa’ das variações do marketing praticado na moderna administração.” Ele participou do substancial robustecimento da companhia, que cresceu por meio de fusões e compras de concorrentes. Foi dele a ideia de implementar uma série de aperfeiçoamentos nas áreas de operação (“campo”), sem jamais descuidar do treinamento das equipes. Mui- tas vezes adotou atitudes pioneiras, ao investir recursos técnicos de ponta, advindos da evolução tecnológica. Conhecimentos que buscava apreender nas viagens que fazia, regularmente, aos mercados mais adiantados. Também assumiu desafios em áreas paralelas àquelas consideradas “convencionais” na atividade. Eram participações em eventos sazonais de maior porte, que batizou de “operações especiais”, desenvolvidas em áreas com grande concentração de usuários. Alguns exemplos emblemáticos: a Festa do Carreteiro (1980-1986) e as exposições agropecuárias realizadas em mercados importantes, como Curitiba (PR), Londrina (PR) e Governador Valadares (MG). Em diferentes oportunidades, participou também de eventos que tiveram lugar de destaque no Parque de Exposições da Água Funda, na capital paulista. Assim, além dos parques de estacionamento, dos shoppings e das garagens urbanas, a Unipark inovava a atividade e, dentro dela, acabava se diversificando. Em 1987, depois de alcançar o cargo de gerente-geral de operações e marketing da Unipark, onde havia desenvolvido consistente carreira durante uma década, Cid aceitou o desafio para ocupar a superintendência de operações e marketing no Sistema Estapar/Riopark. “Considero o meu ingresso nesse sistema um verdadeiro divisor de águas na minha carreira.” Ele explica que o Sistema Estapar/Riopark, anteriormente coligado à própria Unipark, passou por transformações acionárias. Na verdade, a marca Estapar é a abreviação da razão social de “Estacionamento do Paraná” e, obviamente, “Riopark” era o seu braço carioca. Em 1987, com a bandeira única de Estapar, a operação foi deslocada para a capital paulista, onde passou a operar três estacionamentos em São Paulo (SP), seis no Rio de Janeiro (RJ) e um em Curitiba (PR). Com um posicionamento relativamente modesto, começava a história de um empreendimento que atualmente abriga, sob sua bandeira, em diferentes condições contratuais, cerca de 850 operações em todo o Brasil. “Talvez esta seja a maior operação de parking sob uma única bandeira em toda a América Latina”, avalia Cid. Voltando a falar de sua carreira, o entrevistado lembra que, através de novas alterações societárias, em 1992, foi constituída a CMC Parking, empresa voltada para o estacionamento de grandes hotéis, como Transamérica, Hyatt e Sofitel, entre outras bandeiras nacionais e multinacionais do ramo de hospedagem. No mesmo ano, surgiu julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 111 ELE passou pela espm outra operação paralela, a Auto Vagas, integralmente voltada para atuar em shopping centers. Atualmente, Cid comanda sete empresas, todas voltadas para as operações de estacionamento e guarda de veículos de terceiros por meio da prestação de serviços especializados, para os mais diferentes segmentos de mercado. Cerca de cem estacionamentos franqueados estão sob a responsabilidade direta desse conglomerado. O ex-aluno da ESPM tem orgulho de alguns aspectos de sua trajetória profissional, principalmente pela contribuição pessoal e profissional que, junto com esse grupo empresarial, ele proporcionou para o desenvolvimento da atividade no país. Outro ponto foi o pioneirismo da adoção da informática em diferentes rotinas dos estacionamentos, o que contribuiu para o aprimoramento da prestação de serviços. Além disso, o desenvolvimento de parcerias com as companhias de seguro e cartões de crédito, por exemplo, também contribuiu para a expansão dos negócios. Entre os projetos realizados por Cid e sua equipe está a introdução de uma intensa política de treinamento das equipes focada no atendimento e no respeito, que precisam estar voltados para o maior patrimônio dos prestadores de serviço: o cliente. Para que tudo isso aconteça, ele administra uma equipe de profissionais que acumula, em média, 25 anos de experiência em especialidades que partem do desenvolvimen- Atualmente, Cid comanda sete empresas, todas voltadas para as operações de estacionamento e guarda de veículos de terceiros por meio da prestação de serviços especializados, para os mais diferentes segmentos de mercado to de softwares e hardwares e se espraiam pelas diferentes áreas administrativas e operacionais das atividades de parking. Muitas dessas inovações são “adaptadas” imediatamente pelos concorrentes. “Aquilo que criamos e desenvolvemos na área vira moda”, ironiza Cid. Ele está ligado, institucionalmente, ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do segmento em que suas empresas operam. Tanto que sempre recebe e procura responder aos convites para exposições e palestras em reuniões e workshops do setor. Costuma dizer, com uma ponta de vaidade e muita “corujice”, que tem três tesouros em casa: seus filhos de 18, 17 e 16 anos. Ainda hoje continua curtindo carros e motocicletas – tem quatro máquinas na sua garagem, sendo uma delas considerada um exemplar clássico dos anos de 1950 e 1960. Não abre mão de um risoto, preferencialmente de Raio x de Cid Mesquita Garcia Filho 1957 Nasceu, em São Paulo, no dia 8 de julho. Cursou o ensino regular no Mackenzie. Aos 14 anos foi ser office-boy de um escritório de advocacia. Como não se adaptou, decidiu investir no seu esporte favorito, o surfe, com a produção e reparação artesanal de pranchas na garagem de sua casa 112 1977 Ingressou na ESPM para se aperfeiçoar na parte prática e operacional da profissão que escolhera. Realiza estágios, como trainee, em empresas de pesquisas de mercado e fornecedores da área de promoção, como a Otavio Roth Produções Gráficas e a Dart Merchandising Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 1978 A grande chance para o ingresso na área de marketing nasceu ao responder a um repto em plena sala de aula na ESPM. Cid assume o cargo de auxiliar no departamento de marketing da Unipark, empresa pioneira na profissionalização das atividades de parking no Brasil 1978-1987 Visando aumentar seus rendimentos e entender melhor o mecanismo operacional da empresa, Cid enfrenta o desafio de ser manobrista da Unipark, nos seus períodos de folga. Foi assim que, em 1978, ele participou da primeira operação profissional de valet realizada no Brasil: a inauguração do edifício da IBM, em São Paulo “Considero o meu ingresso nesse sistema um verdadeiro divisor de águas na minha carreira” frutos do mar. Aprecia a leitura de obras atuais, mas se concentra naquelas que aumentam seus conhecimentos nas áreas de administração e de operações na atividade que desenvolve. Adora filmes de ação e aventura, “que servem para mexer com a adrenalina”, assinala o profissional. “Viajar, curtir a família, ampliar a cultura pessoal, conhecer novas paragens, descobrir novidades gastronômicas, tudo isso continua sendo o melhor remédio para superar o estresse das grandes cidades, onde desenvolvo a minha profissão.” Ao encerrar o encontro com Revista da ESPM, sobre as preferências do chamado esporte bretão, o corinthiano “roxo” filosofou: “Quem esperou 102 anos para alcançar um objetivo, não é um fanático, e sim um crente...”. Reflexo do orgulho de vibrar, com outros 30 milhões de “loucos”, pelo mais novo campeão da Libertadores: o alvinegro do futuro “Itaquerão”, que está sendo edificado na zona leste da cidade onde nasceu. E pelo qual morre de amores. 1987 Cid busca novas áreas de atuação para a Unipark, como os eventos de grande porte e as áreas de estacionamento de shoppings e hospitais. Após dez anos de dedicação, ele chega à gerência geral de operações e marketing da organização que, por ocasião de seu ingresso, administrava pouco mais de 20 estacionamentos na capital paulista 1988 Cid Mesquita é promovido a superintendente de operação e marketing do Sistema Estapar/Riopark. Ao longo das últimas três décadas, Cid apoiou e contribuiu, fortemente, para o desenvolvimento do segmento de parking no Brasil, por meio de modernas técnicas de administração, a expansão da informática e o treinamento profissional 1992 Cid participa de mais duas empresas agregadas ao grupo, a CMC Parking e a Auto Vagas, ambas voltadas para operações complementares à atividade de parking. Ele intensifica a sua presença em eventos internacionais, como os congressos da National Parking Association (NPA) realizados em Chicago (1992) e Orlando (1994) 1997 No ano em que a Estapar ingressou no Sindicato das Empresas de Garagens e Estacionamentos do Estado de São Paulo (Sindepark), Cid passou a difundir seu conhecimento com os demais profissionais do setor. Atualmente, é conselheiro da entidade. Também participa da Associação Brasileira de Estacionamentos (Abrapark) julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 113 leitura recomendada A alma da propaganda, a propaganda da alma Mayra Luna Porto de Ideias, São Paulo – 2011 268 p. – R$ 34,90 A publicidade precisa mudar sua história. Esta é a tese que a autora defende no livro ao mostrar que a mídia e o público mudaram, e fazer propaganda como se fazia nos anos 1990 já não dá mais resultado. Segundo ela, chegou a hora de a criação se fazer presente para ter resultados significativos na transformação do mundo. ”E a criação só terá salvação por meio da arte. Ou melhor, da alma”, defende Mayra Luna, que neste livro se expõe e divaga entre a realidade e o sonho com seus prazeres e dores de corpo e alma. O equilíbrio entre o pessoal e o profissional transforma dois livros em um. O livro pode ser comprado diretamente com a autora (mayralunaarte@ hotmail.com). Mayra Luna é formada em comunicação social pela ESPM desde 2001. Faz pós-graduação para docência de ensino superior na COC Uniseb. É diretora de arte e escritora. 114 Revista da ESPM | JULHO/AGOSTo de 2012 Nos bastidores da Apple: como a empresa mais admirada (e secreta) do mundo realmente funciona Adam Lashinsky, Silvio Floreal de Jesus Antunha (tradução) Editora Saraiva, São Paulo – 2012 216 p. – R$ 44,90 Disponível na versão digital Este é mais um título da coleção Nos bastidores. Considerado um dos melhores textos escritos sobre a Apple, o livro traz informações sobre a transição da era Jobs para a era Cook, além de mostrar como a marca da maçã usa o sigilo e sua peculiar estrutura de gestão para continuar sendo tão ágil como uma empresa em início de atividade. A obra revela ainda o que seus executivos chamam de tempero secreto: como os sistemas e as estratégias permitiram que a empresa de Steve Jobs revolucionassem múltiplas indústrias, como a de computadores com os Macs e a das comunicações com o iPhone e o iPad. Adam Lashinsky cobre Vale do Silício e Wall Street para a revista Fortune. É debatedor do programa Cavuto on Business, do canal Fox News. Tudo o que é fácil já foi feito: e outras reflexões de colaboradores e chefes sobre os novos tempos do mundo empresarial Luiz Marins Editora Saraiva, São Paulo – 2012 152 p. – R$ 29,90 Para vencer na vida é preciso se preparar dia a dia, pois a competição está cada vez mais acirrada, não só entre as empresas, mas também entre os profissionais. Não se deve esperar que a empresa proporcione apenas prazer e bem-estar. Nesse cenário, o livro mostra que as pessoas perderam a noção concreta de que trabalho não é lazer. A ilusão de querer um emprego que só dê alegrias tem deixado tanto os funcionários quanto os chefes infelizes. Luiz Marins deixa claro que essas expectativas devem ser revistas, pois o objetivo das empresas é maximizar resultados. Nenhuma empresa é instituição de caridade, nem uma associação de amparo aos desempregados. Luiz Marins é antropólogo. Lecionou antropologia em universidades do Brasil e do exterior. É consultor de empresas. Tempo de Gangorra Saïd Farhat Relações Internacionais em Euclides da Cunha: cartas de sete léguas Editora Tag&Line, São Paulo – 2010 472 p – R$ 45,00 Marleine Paula Marcondes e Ferreira de Toledo Esta é mais uma produção do Instituto Cultural ESPM. Com prefácio de Hernâni Donato, o livro é dividido em duas partes. A primeira reconstrói os fatos relacionados à tomada do poder pelo regime militar em 1964 e seus desdobramentos. Já a segunda parte retrata, com detalhes de bastidores jamais revelados – e permitidos somente a quem esteve tão próximo do governo – os meandros do processo que levou a nação à retomada da democracia. O autor faz uma análise precisa dos fatos mais importantes do período que levou à redemocratização do Brasil. ”Conto só o que vi com meus próprios olhos e ouvidos e o que me foi dito em confidência.” Nankin Editorial, São Paulo – 2012 231 p. – R$ 40,00 Saïd Farhat foi o primeiro civil a exercer o cargo de secretário de Comunicação Social da Presidência da República no regime militar no Brasil, no governo de João Figueiredo. Participou do processo que levou à democracia como solução política para o país, mesmo em um ambiente militar, com convicções radicais. Pela primeira vez é publicada a obra que destaca o trabalho de Euclides da Cunha nas relações internacionais brasileiras e nas questões diplomáticas e de fronteiras do Brasil no início do século 20. O livro analisa as mais de 400 correspondências escritas por ele, entre 1866 e 1909, em vários momentos que marcaram a história do país, como a incorporação do território do Acre ao Brasil. Aqui estão retratadas as várias faces de Euclides da Cunha como polígrafo (jornalista, engenheiro, poeta, filósofo, historiador, geógrafo e cartógrafo). O livro conta com prefácio do diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia e apresentação do presidente da ESPM, J. Roberto Whitaker Penteado. Marleine Paula Marcondes e Ferreira de Toledo é jornalista, pesquisadora e professora da ESPM. A literatura infantil de Monteiro Lobato: uma pedagogia para o progresso Rose Lee Hayden São Paulo – 2012 194 p. – R$ 30,00 Como parte do 1º ciclo ESPM de Comunicação e Marketing, o Instituto Cultural ESPM lançou essa tese da professora americana Rose Lee Hayden, única estrangeira a escrever sobre o autor. O livro aborda o universo do escritor e foca a qualidade da obra, apontando a utilização do método socrático de ensino, valorizando o estudo informal e partindo das experiências do próprio Lobato, que, dessa forma, absorvera a maior parte dos seus conhecimentos. Esta é, com certeza, uma das mais importantes reflexões sobre aquele que é considerado o ”pedagogo do progresso”. O livro pode ser solicitado pelo e-mail: [email protected]. Rose Lee Hayden tem 40 anos de experiência no campo da educação. Como VP da Eagle Multimídia, foi responsável por inúmeros programas educacionais para televisão e atuou como consultora de mídia para a WGBH em Boston. JULHO/AGOSTo de 2012 | Revista da ESPM 115 leitura recomendada As novas regras do marketing verde: estratégias, ferramentas e inspiração para o branding sustentável Jacquelyn A. Ottman M.Books – São Paulo – 2012 328 p. – R$ 79,00 Como implantar em sua marca o conceito de sustentabilidade e de compromisso com a ecologia e o meio ambiente? A resposta está neste livro, que mostra como assumir e implantar essa filosofia na produção e operacionalidade, agregando aos seus produtos e marcas um comprometimento real e verdadeiro. A ideia é que a marca seja identificada pelos consumidores, que, ao adquirirem seus produtos e serviços, sintam que estão colaborando com a melhoria da qualidade do meio ambiente. Ottman oferece uma chance de desenvolver a criatividade e implementar estratégias práticas que ressaltem o valor inerente dos produtos para que a sustentabilidade seja integrada às marcas. Jacquelyn A. Ottman tornou-se pioneira no marketing verde fundando a empresa J. Ottman Consulting, Inc. 116 Revista da ESPM | JULHO/AGOSTo de 2012 Responsabilidade social: Conceitos e práticas: construindo o caminho para a sustentabilidade nas organizações Cid Alledi Filho e Vânia de Lourdes Marques (organizadores) Como vencer a concorrência de forma lucrativa: ensinamentos do Google, Intel, Sap, Cielo, Man, Wahler, Petrobras e outras empresas Eduardo Vasconcellos Atlas, São Paulo – 2012 280 p. – R$ 65,00 Atlas, São Paulo – 2012 264 p. – R$ 48,00 O diferencial dessa obra é a abordagem didática utilizada no tratamento dos temas fundamentais para o estudo da ética, transparência, sustentabilidade e da responsabilidade social empresarial, tanto do ponto de vista estratégico quanto das práticas de gestão. A obra apresenta as metodologias que buscam direcionar as organizações na implantação de práticas sustentáveis. O sucesso de uma marca, um produto, um serviço ou mesmo da própria empresa depende do uso adequado de estratégias e modelos organizacionais para vencer a concorrência e ao mesmo tempo gerar resultados de forma sustentável.O autor mostra quais as características e diferenciais presentes nesse tipo de posicionamento, principalmente nas áreas de tecnologia e inovação. O livro retrata cases de sucesso construídos por companhias de grande porte, como a Intel, o Google, a SAP e a Cielo. Cid Alledi Filho é doutorando em engenharia civil pela UFF e professor de ética nos negócios, responsabilidade social e sustentabilidade no Latec/UFF, Unicamp, UFSJ, UniEthos, Universidade Petrobras, Inmetro e IBP. Vânia de Lourdes Marques é doutoranda em engenharia civil e mestre em ciência ambiental pela UFF e professora convidada na UFF-Latec, UniEthos, Ibmec-RJ e IBP. Eduardo Vasconcellos é doutor em administração pela FEA-USP e professor e pesquisador da FEA-USP nas áreas de organização para inovação e gerenciamento estratégico da tecnologia. Ponto de vista Uma profissão delirante M uita gente normal me pergunta por que os publicitários são tão obcecados por prêmios e por que se vangloriam tanto deles, se trabalham numa profissão que tem prêmios para todos. Prêmios regionais, locais, nacionais e internacionais. Prêmios para criadores, planejadores, mídias, diretores, produtores. Prêmios para os analógicos, prêmios para os digitais. Prêmios para todo mundo. A pergunta que, maliciosamente, embute a resposta tem lógica, e a resposta é uma constatação. Realmente são tantos os prêmios no universo da publicidade que, a qualquer momento, qualquer publicitário pode ser atingido por um deles. Digo isso sem cuspir no prato em que comi durante anos, já que fui muito favorecido pelos prêmios, particularmente no início da minha carreira, quando o número deles era bem menor e os benefícios de imagem que geravam para os premiados eram, por consequência, bem maiores. Aproveitei-me disso no momento certo, mas rapidamente percebi que os prêmios, por mais prestigiosos que fossem, eram apenas um início para a construção de uma imagem profissional respeitável, e que jamais podiam ser encarados como um fim, se eu imaginasse minha carreira como uma maratona, em vez de uma corrida de cem metros rasos. Essa postura, acompanhada da minha obsessão pela cultura popular, me ajudou a consolidar uma imagem profissional e pública que venho construindo desde os 19 anos de idade, mas não virou um exemplo seguido pela maioria e pelas novas gerações como eu, pretensiosamente, imaginava e gostaria que acontecesse. Pelo contrário: mesmo com todo o meu discurso contra o prêmio pelo prêmio, iniciado em 1992, quando criei a expressão “propaganda fantasma”, a verdade é que, nos últimos anos, a obsessão pelos prêmios por parte da maioria dos publicitários só aumentou. Deixou de ser uma tara exclusiva dos criativos e se disseminou pela maioria dos departamentos das agências. Na verdade, virou uma tara das agências, com todos sonhando ser premiados, de qualquer Washington Olivetto jeito, a qualquer custo, em qualquer lugar, mas de preferência na mais famosa das premiações: o Cannes Lions. Nascido originalmente como Festival do Cinema Publicitário de Veneza (depois Cannes), que premiava com um número restrito de leões os melhores comerciais do mundo, o hoje Cannes Lions se autointitula um festival de ideias e premia com fartura de leões muitíssimas categorias. Conhecido no mundo inteiro, o Cannes Lions é, além de tudo, um dos maiores responsáveis pelo aumento do faturamento dos deliveries de pizza nos meses de março, abril e maio, época em que publicitários de todas as etnias viram noites nas agências criando peças especialmente para o festival. O fato se repete todos os anos: agências de propaganda do mundo inteiro gastam milhões em energia e dinheiro criando, produzindo, divulgando e inscrevendo suas ideias no Cannes Lions, na intenção de serem eleitas a mais criativa agência na terceira semana de junho, ou pelo menos uma das mais criativas. O problema é que boa parte dessa montanha de trabalhos que concorrem no Cannes Lions não existe, nunca existiu e nem vai existir. Mas para que serve a propaganda que não existe? Para os organizadores do festival, serve para deixá-los cada vez mais prósperos, até porque as inscrições custam alguns bons euros. Para as agências que participam dele, serve para colocar umas estátuas na recepção e fazer um ou dois anúncios de autopromoção nas semanas seguintes ao festival. Para os profissionais de propaganda, serve para alimentar cada vez mais a reputação duvidosa dos seus egos e a imagem de superficialidade da classe. Para a maioria dos clientes, de nada serve. Até porque o negócio dos clientes funciona durante o ano todo, e comunicação bem feita, responsável e eficiente deve ser o dia a dia dessa profissão e não apenas algo que acontece dentro de alguns auditórios do sul da França, durante uma semana. A verdade é que o Cannes Lions como laboratório, painel de tendências, tecnologias e negócios está cada vez mais interessante e relevante. Verdadeiramente imperdível. Assim julho/agosto de 2012 | Revista da ESPM 117 Ponto de vista “Para a maioria dos clientes, o festival de nada serve. Até porque o negócio dos clientes funciona durante o ano todo, e comunicação bem feita, responsável e eficiente deve ser o dia a dia dessa profissão e não apenas algo que acontece dentro de alguns auditórios do sul da França” 118 Revista da ESPM | julho/agosto de 2012 como o sul da França, na semana de junho que antecede o verão, está cada vez mais lindo. Já no capítulo premiações, o Cannes Lions, com seus leões distribuídos para uma quantidade enorme de peças representantes da propaganda fantasma, scam ou trucha, está cada vez menos importante. Assim como a competição entre agências e profissionais, com ingredientes de falsidade ideológica, luta de bastidores e conchavos políticos, está cada vez mais grosseira e constrangedora. Para tentar entender um pouco por que isso acontece, convém lembrar uma outra região da França, a Córsega, e um dos seus maiores representantes: o escritor, poeta, ensaísta e filósofo Paul Valéry. Para ele, a publicidade se enquadrava na categoria das Profissões Delirantes. Profissões que dependem de segurança pessoal e da opinião dos outros, em vez de habilidades comprovadas. Em resumo, dependem da mais instável de todas as posses: a reputação. Desesperadas por construir boa reputação, algumas agências e publicitários do mundo inteiro falseiam suas realidades em Cannes, obtendo assim seus leões mancos e desdentados que, na verdade e a curtíssimo prazo, só prejudicam a reputação delas mesmas, de toda a atividade e do próprio Cannes Lions. O fato só não é tão importante porque uma, duas ou três semanas depois do Cannes Lions, essa parte circense dos leões de Cannes cai no esquecimento e as reputações voltam às suas realidades, o que nos leva a uma conclusão quase óbvia, mas necessária: reputação é um valor flutuante e delicado, resultado real de uma série de operações complicadas envolvendo ética, competência, honestidade e eficiência. Na publicidade, isso tudo só é conquistável a partir de trabalhos criativos, reais e conhecidos. Aqueles que recheiam os bate-papos de botecos, dos salões de cabeleireiros e das viagens de elevadores. Aqueles que entram no vocabulário e viram cultura popular. Aqueles que eventualmente até ganham prêmios depois de conquistar a maior glória que uma peça publicitária pode almejar, que é o reconhecimento do público. Porque este, sim, é o grande momento desta profissão delirante: quando conseguimos a missão quase impossível de levar a galera ao delírio. Washington Olivetto Chairman da WMcCann