Eixo 1 - Anais - Selimel e Siel
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Eixo 1 - Anais - Selimel e Siel
Página |7 EIXO 1: ESTUDOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR Página |8 A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM LÍNGUA ESTRANGEIRA EM DIFERENTES CONTEXTOS: CONCEPÇÕES, DESAFIOS E IMPLICAÇÕES PARA A PESQUISA EM SALA DE AULA Cristina Vasconcelos PORTO (UFPA)1 Resumo: Este artigo discute questões teóricas sobre a complexidade do ato de avaliar nos contextos de educação geral (LUCKESI, 2011, 1997), de língua estrangeira (GENESEE E UPSHUR, 1996) e de bilingüismo (BAKER, 2006; GROSJEAN, 2010). Tal complexidade será ilustrada a partir de alguns estudos realizados no Brasil (NEVES, 2001; LOPES, 2002; PORTO, 2003; VELOSO, 2005). No contexto de bilinguismo, por sua vez, essas questões serão discutidas tendo como foco a Prova Brasil. As reflexões sobre as questões avaliativas no contexto educacional mostram que o ato de avaliar fica restrito às situações de verificação de resultados e que avaliar uma língua estrangeira é medir o conhecimento de itens gramaticais e de vocabulário. No que se refere à educação indígena, em geral, a avaliação não tem cumprido com o seu papel de promover melhorias na aprendizagem, uma vez que se utiliza de instrumentos homogeneizadores que não contemplam as necessidades e peculiaridades das diferentes comunidades indígenas no Brasil. Palavras-chave: Avaliação da Aprendizagem; Ensino de Línguas Estrangeiras; Bilinguismo. 1. Avaliação da aprendizagem: um pouco de sua história De acordo com Depresbiteris (1989), um dos registros mais antigos sobre a avaliação data de 2.205 A.C. Segundo a autora, a avaliação surgiu a partir de uma perspectiva de medida e de seleção com a realização de exames formais na China. O imperador chinês Shun utilizava exames para avaliar seus oficiais com o objetivo de selecionar aqueles mais capacitados para atuar no serviço público. A avaliação como medida e seleção influenciou fortemente o campo da avaliação escolar. Ainda segundo a autora, já no século XIX, Horace Mann criou um sistema uniforme de exames que resultou em mudanças no sistema de avaliação, tais como, a substituição dos exames orais pelos escritos, a criação de padrões escolares mais específicos, e o aumento do número de questões específicas. Para Haydt (1997), o desenvolvimento de testes padronizados ganhou força nas duas primeiras décadas do século XX, a partir das contribuições de Edward Lee Thorndike, considerado, conforme afirmam Worthen e Sanders (1987), o ´pai´ do movimento de avaliação caracterizada pelo uso de testes (grifo dos autores). Dentro dessa perspectiva, os elaboradores de testes passaram a se preocupar cada vez mais em desenvolver técnicas que garantissem a precisão dos resultados dos rendimentos escolares e contaram com a contribuição da Docimologia, definida por De Landhsere (1976, apud Depresbiteris, 1989, p. 6) como "a ciência do estudo sistemático dos 1 Letras-Inglês, Professora. Aluna do Curso de Doutorado em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás. Página |9 exames, em particular do sistema de atribuição de notas e dos comportamentos dos examinadores e examinados". A avaliação como sinônimo de teste e a grande ênfase dada à nota são perspectivas que distorcem o uso pedagógico da avaliação e contribuem para dificultar, ainda mais, o entendimento do que seja avaliar (HOFFMANN, 1991). Para esclarecer essa distorção, Luckesi (2001, p. 92) faz uma importante distinção entre os termos avaliar e verificar. O autor explica que verificar tem sua origem na expressão latina verum facere, que significa ´verdadeiro´, conceito esse que "emerge das determinações da conduta de, intencionalmente, buscar ´ver se algo é isso mesmo...` ". A verificação envolve os processos de observação, de obtenção, de análise e de síntese de informações e tem seu processo finalizado a partir do momento que são obtidas. O termo avaliar, por sua vez, tem sua origem do latim a-valere, que significa dar valor a algo, "´ato ou curso de ação...'. " (LUCKESI, ibid, p. 92). É nessa discussão que o autor afirma que a avaliação vai além da verificação, ou seja, quem avalia precisa tomar ações posteriores à obtenção da informação. A percepção da avaliação como verificação pode ser constatada nos relatos de professoras participantes do estudo de Porto (2003): [1] Monique: Bom, avaliação pra mim, né, é verificar se o aluno conseguiu a aprendizagem, se o aluno conseguiu aquilo que foi visto em sala, o conteúdo que é passado em sala (...) e ver se ele está capaz para o próximo nível (...) e é importante porque eles (alunos) precisam estudar porque eles não vão querer tirar nota baixa, repetir o nível (...) [2] Selma: É uma forma de verificar até onde a pessoa conseguiu chegar...eh, dentro daquele assunto, do conteúdo. Nos exemplos [1] e [2], as professoras associam a avaliação à verificação de conteúdo ensinado, sugerindo que o processo avaliativo encerra-se nesse momento, corroborando Luckesi (2001, p. 76) quando afirma que o que se faz no contexto escolar brasileiro é a verificação da aprendizagem com vistas à classificação e à obtenção de notas, pois "a única decisão que se tem tomado sobre o aluno tem sido a de classificá-lo num determinado nível de aprendizagem, a partir de menções". A avaliação deve ser vista como eventos de diagnóstico importantes para o avanço na aprendizagem do aluno e o professor precisa e deve enfatizar essa importância em seu cotidiano para que o aluno a conceba como algo necessário, um momento para aprender e não para temer. De forma semelhante à Luckesi (2001), Genesee (2001) concebe a avaliação com algo dinâmico, voltado para a tomada de decisão, conforme podemos observar na figura a seguir. Figura 1- Avaliação e seus componentes Articulação dos objetivos para avaliação Tomada de decisão Análise e Identificação e coleta de informação relevante de Fonte: GENESEE, 2001, p. 145. FIGURA 1- Quatro componentes básicosinterpretação da avaliação. informação P á g i n a | 10 A FIG. 1 mostra a dinâmica do processo avaliativo ao iniciar-se com o estabelecimento de objetivos que determinará as informações relevantes que se pretende obter, bem como os instrumentos utilizados para a coleta dessas informações. Encerrando-se esse processo, o próximo passo é interpretá-las e analisá-las a partir de critérios preestabelecidos. Os resultados dessa análise orientarão o processo de tomada de decisão do professor que deve, cuidadosamente, refletir sobre o que precisa ser feito para melhorar seu trabalho visando a melhoria da aprendizagem dos alunos. Apresento, em seguida, alguns estudos importantes sobre a avaliação de língua estrangeira no contexto brasileiro. 2. A avaliação da aprendizagem de língua estrangeira: alguns estudos no contexto brasileiro Em contextos de língua estrangeira, embora o número de trabalhos sobre a avaliação da aprendizagem tenha crescido, esta é uma área ainda muito carente no Brasil (Scaramucci, 1997) se comparada às demais áreas do conhecimento inseridas no campo de investigação da Linguística Aplicada (LA). Grande parte desses estudos mostra que a avaliação em língua estrangeira é complexa, subjetiva e que a tomada de decisão por parte de quem avalia é permeada por conflitos, incertezas e contradições. Mostraremos alguns estudos que refletem a problemática do ato de avaliar. O estudo de Lopes (2002) teve como foco testes escritos de inglês com o objetivo de verificar se as características neles encontradas estavam condizentes com os princípios da avaliação no ensino comunicativo. Os dados mostraram que os testes escritos enfatizavam o uso de questões de item isolado 2, não seguindo, portanto, os princípios da avaliação no ensino comunicativo de línguas. Vejamos os exemplos a seguir. 1) Part 6- Sentence completion Complete the sentence with the objective pronouns: (0.1 each/ 0.6 point) Example: Tom and I like to play tennis. I play with him everyday. a) I callled Mary and left_____a message. b) This is Tom´s umbrella. Please give it to _______? 2) Part 4- Vocabulary Choose the best alternative: a. There are lots of beautiful trees in the______(sea/forest/volcano). 2 Questões de item isolado são aquelas que avaliam, pro exemplo, os elementos isolados da gramática, do sistema fonológico ou morfológico (OLLER, 1979). P á g i n a | 11 b. A______(desert/ continent/ hill) is a very hot and dry place. Em seu trabalho, Neves (2002) se preocupou com a avaliação da oralidade em língua estrangeira. Para coletar os dados, a pesquisadora utilizou notas de campo, gravações em vídeo e em áudio das aulas e das avaliações da produção oral dos alunos, materiais de arquivo, depoimentos do tipo AREDA (Análise de Ressonâncias Discursivas em Depoimentos Abertos), dentre outros. A autora, em sua conclusão, aponta para a complexidade e a subjetividade do processo avaliativo ressaltando que os posicionamentos assumidos tanto por professores como por alunos são permeados por contradições e constituídos por diversas vozes do discurso. O exemplo, a seguir, mostra o discurso da professora que exclui o aluno da possibilidade de atingir uma nota máxima pela sua própria representação de perfeição que ela espera dele. (1) (...) Eu já passei por testes e nesses testes eu sou considerada native-like. (...) eu já tive pessoas que me perguntaram de onde que eu era nos Estados Unidos. Porque eles identificaram um traço de accent, e... mas não localizavam exatamente de onde. (...). (Tatiana, p. 16). (2)I don’t believe in perfect e uma nota máxima é dizer que está perfeito – o que naquela turma ninguém foi... (Tatiana, correspondência eletrônica de 1999). Para Neves (2002), esses enunciados revelam um desejo de falar como um nativo idealizado. Esse desejo da professora produzirá reflexos na atribuição de notas ou conceitos que muito raramente ou nunca atingirão seu grau máximo (excelente). Diante disso, a autora nos alerta para o fato de que nem sempre temos consciência de nossos atos e que as representações da prática avaliativa tem implicações "para os gestos de avaliação em relação à utilização dos instrumentos, seja para incluir o aluno no grupo dos que necessariamente progridem, ou gestos de utilização dos instrumentos para encontrar no aluno algum defeito que possa excluí-lo do desempenho perfeito" (NEVES, 2001, p. 12). Com o objetivo de investigar a avaliação em contexto de ensino superior, Porto (2003) investigou as percepções de três professoras de Letras/Inglês de uma Universidade Federal sobre a avaliação da aprendizagem. A partir dos resultados desse estudo, foi possível documentar que certas crenças e tomadas de decisão das professoras participantes da pesquisa foram, por diversas vezes, conflituosas, por distorcer o uso pedagógico da avaliação. Foi possível verificar, também, as dificuldades, as inseguranças e a falta de clareza com relação à elaboração dos instrumentos avaliativos e ao estabelecimento de critérios para esses instrumentos. [38] Monique: (...) na avaliação oral eu passo prova oral, observo no geral, por exemplo, se ele [o aluno] consegue, né...eh...passar as ideias, se ele consegue construir frases gramaticalmente corretas, razoavelmente com a pronúncia (...) vejo o vocabulário. Na escrita vejo a gramática, o vocabulário. Eu observo no geral, vejo e decido se vai ficar insuficiente, se vai ficar regular (...). Tem os exercícios, mas eu P á g i n a | 12 não conto pra nota (...) é só pros alunos verem se estão bem, se estão regular, excelente (...) [39] Selma: (...) dar nota não sei muito bem o que considerar, né, os critérios e na hora de corrigir é difícil. Em seu estudo, Vieira (2006) constatou em seus dados, uma prática avaliativa mais progressista, ou seja, voltada para o diagnóstico e melhoria do ensinoaprendizagem. No entanto, a nota ainda representa um fator que incomoda a professora participante da pesquisa, conforme podemos observar no seguinte trecho de questionário. [9] Professora: Gosto de elaborá-las [provas]de acordo com o que foi estudado, porque é um prazer ler o texto deles, que em geral mostra que conseguem fazer relações, analisar,criticar e dar opiniões. Adoro ouvir o que eles têm a dizer sobre os temas discutidos em sala. A única coisa chata é ter que corrigir os erros e dar nota, mas tenho que fazê-lo. [Trecho do questionário B] Nesse trecho do questionário, a nota e correção são vistos como um "mal necessário" e é interessante observar que, embora a professora tenha distribuído a pontuação de forma a tirar o peso maior da prova, os alunos ainda acreditam que sua pontuação deveria ser maior. [31] Ester: De forma geral, penso que a prova poderia ter valido um pouco mais, pelonível de exigência.[Trecho de resposta ao Questionário A] [33] Renata: Eu acho que a prova poderia ser menor, mas com uma pontuação maior para cada exercício.[Trecho de resposta ao Questionário A] Veloso (2005) investigou o contexto de escola pública com os objetivos de verificar: a) as concepções avaliativas de dois professores de inglês de oitava série que atuam em escolas públicas municipais de ensino noturno; b) se as avaliações desses professores condizem com os conceitos de avaliação sugeridos pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e pelos PCN 3 (Parâmetros Curriculares Nacionais) e c) a reflexão nas práticas avaliativas desses professores. Os resultados mostraram que os professores realizavam uma avaliação tradicional, ou seja, pautada no uso de testes e na memorização de conteúdos. Com relação aos PCN, a prática avaliativa dos participantes não foi condizente com os pressupostos da avaliação formativa. No que diz respeito às reflexões feitas pelos participantes, a autora concluiu que "a avaliação pouco contribuiu para promover o diálogo entre o conhecimento 3 Nos PCN, o professor de língua estrangeira é orientado a realizar uma avaliação formativa concebida como "o processo contínuo de acompanhamento da aprendizagem como bússola diretiva que determina os ajustes necessários a serem feitos no ensino" (PCN-LE, 1998, p. 79). P á g i n a | 13 teórico, o conhecimento prático e a reflexão" (VELOSO, 2005, p. 140). Vejamos os exemplos a seguir: Exemplo de aula- Após a explicação do uso de preposições, a professora participante da pesquisa escreve no quadro o seguinte exercício: 1) Underline the correct preposition (in, on, at): a) My sister is ________home. b) They are____229 Broadway Avenue. c) Thomas is studying_____Paris. d) The new bank is____Bake Street. Exemplo de prova - A professora escreve no quadro a prova: 1. Underline the correct preposition. a) My father_____home. b) We are _____318 Broadway Avenue. c) My birthday____February d) He was at the church_____9 o´clock. Esses exemplos merecem duas considerações importantes: 1) para realizar a prova, os alunos precisam apenas memorizar as preposições que foram ensinadas; 2) o comando contém um erro, pois o aluno é solicitado a sublinhar (underline), ou seja, traçar uma linha por baixo de, e, no entanto, os itens requerem que o aluno complete com a preposição apropriada. Para Veloso (2005, p. 93), "a avaliação da participante caracterizou-se por ser basicamente pontual e terminal. No entanto, em uma das entrevistas, a professora revela ter uma concepção progressista de avaliação ao falar da função diagnóstica da avaliação. [4] Sílvia: A primeira coisa é isso, é saber se eles realmente aprenderam o que está faltando para que eles cheguem a esse aprendizado (...). O propósito é que o aluno aprenda aquilo que seja mais importante para ele. Em suas conclusões finais, Veloso (2005, p. 140) ressalta que os participantes de sua pesquisa refletiram sobre o ensino noturno e apresentaram propostas de melhorias, mas essas propostas são ações paliativas "em função das circunstâncias ou de imposições do sistema educacional". Esses estudos sobre a avaliação de língua estrangeira, como podemos observar, nos leva a refletir sobre o importante papel da avaliação no fazer do professor e sobre os aspectos subjetivos e complexos que a constitui. Com o intuito de ampliar nossas P á g i n a | 14 reflexões sobre a avaliação da aprendizagem de línguas, faremos, a seguir, algumas discussões sobre os instrumentos avaliativos comumente utilizados para avaliar o desempenho do indivíduo bilíngue. Tomaremos como ponto de partida para essas discussões, alguns conceitos do termo bilinguismo e suas principais características. 3. Bilinguismo: retomando algumas definições Por muito tempo eu acreditava que o bilíngue era aquela pessoa que sabia usar duas línguas perfeitamente, ou seja, sem o cometimento de erros e com fluência igual à do falante nativo. Acreditava, também, que ser bilíngue era aquela pessoa que sabia se comunicar em todos as situações de comunicação, sem hesitações e com muita segurança. As leituras realizadas sobre esse tema me levaram a refletir sobre o que seja ser bilíngue e perceber que eu concebia o termo bilinguismo de forma equivocada. Ao falar sobre sua experiência como professor de línguas, Marcelino (2009, p. 3) observa que a crença do indivíduo bilíngue ideal é comum na academia. Diz o autor: "É bastante comum em cursos sobre bilinguismo que ministro, os participantes, em sua grande maioria fluentes em inglês e português, não se classificarem como bilíngues". Veremos, brevemente, neste artigo, que a literatura sobre esse tema apresenta vários conceitos e caracterizações do que seja ser bilíngue, não sendo fácil, portanto, encontrar uma única definição. Bloomfield (1979), por exemplo, acredita que ser bilíngue é aquele que tem o controle de duas línguas da mesma forma que o falante nativo. Tal definição é complexa na medida em que não há uma única forma de se expressar usando a língua. Houwer (1990, apud Bullio, 2010), por sua vez, afirma que o bilíngue é aquela pessoa que adquire outra língua ao mesmo tempo que a materna. Para Vaid (2002, apud, Zimmer et. al, 2008), o indivíduo bilíngue é aquele que conhece e usa duas línguas, mas não necessariamente no mesmo contexto e com os mesmos níveis de proficiência. Em consonância com esse pensamento, Mello (1999, p. 42) argumenta que dependendo do contexto e da situação de comunicação, o indivíduo faz uso das variedades padrão e não-padrão. (...) alguns nativos falam sua língua, mas não a lêem e/ou escrevem. Outros falam e lêem, mas tem uma escrita limitada como, por exemplo, alguns políticos que argumentam com desenvoltura quando estão na tribuna, mas jamais escreveram uma linha de seus discursos. O mesmo pode ocorrer com falantes não-nativos. Para Edwards (2006), p. 7, apud Zimmer et. al, 2008, p. 4), todos nós somos bilíngues, pois não existe ninguém no mundo que não saiba algumas palavras em outras línguas que não a materna. O autor esclarece seu ponto de vista dizendo que: Se, como falante de inglês, você sabe dizer c´est la vie or gracias or guten Tag or tovarisch – ou mesmo se você apenas entende essas expressões – você claramente possui algum comando de uma língua estrangeira. A questão, é claro, é de grau; e é uma questão que continua a exercer a imaginação e constitui um importante veio de pesquisa. P á g i n a | 15 Em sua obra, Mello (1999) cita outros autores que se preocuparam em definir o termo bilinguismo, como, por exemplo, Thiery (1978), Haugen (1969), Grosjean (1982). Na interpretação de Thiery (1978), o bilíngue fala fluentemente duas línguas sem apresentar sotaque. Grosjean (1982), por sua vez, não considera a fluência um fator importante. Isto pode ser observado na sua definição do termo bilíngue. Para o autor, o indivíduo bilíngue é "aquele que usa duas ou mais línguas (ou dialetos) no seu cotidiano". (GROSJEAN, 2010, p. 4). Em sua definição, o autor defende que é a regularidade do uso da língua e não a fluência, o fator que melhor define o bilíngue. Defende, também, que além das línguas, os dialetos sejam da mesma forma considerados. O autor chama também atenção para o fato de que sua definição inclui duas ou mais línguas, pois é possível que uma pessoa fale três, quatro ou mais línguas. Segundo Mello (1999, p. 43-44), Haugen (1969) descreve o bilinguismo a partir de escalas de fluência, ou seja, "partindo do ponto em que o indivíduo é capaz de produzir 'enunciações completas e significativas' (grifo da autora) e percorrendo todas as gradações deste continuum até atingir um grau máximo". Com base nessas discussões, podemos perceber a dificuldade de caracterizar o indivíduo bilíngue e de analisar os efeitos do bilinguismo com precisão. Como bem ressaltam Zimmer et al (2008), a criança pode apresentar dificuldades com linguagem em qualquer ambiente de aprendizagem, seja em contexto bilíngue ou monolíngue. Para Marcelino (2009, p. 12), "somente uma avaliação criteriosa feita por profissionais adequados pode definir a origem precisa dos impedimentos encontrados pela criança no seu processo de desenvolvimento. A seguir, farei algumas reflexões sobre a avaliação no contexto de bilinguismo. 4. Avaliação e bilinguismo: algumas considerações De acordo com Zimmer et al (2006), até o início dos anos 60, a avaliação do comportamento de crianças que viviam em contextos bilíngues sugeria que elas tinham desvantagens linguísticas ao serem comparadas com os monolíngues. No entanto, os autores afirmam que essa visão negativa do bilíngue mudou a partir de estudos realizados principalmente por Pearl e Lambert ao constatarem uma vantagem nos campos linguístico e cognitivo dos bilíngues, colocando o bilinguismo como algo benéfico para a flexibilidade do pensamento. Isto pode ser explicado a partir da perspectiva de que "a experiência de possuir duas línguas para descrever o mundo fornece aos bilíngües condições para compreender que muitas coisas podem ser vistas de dois modos, e contribui para que eles percebam e interpretem o mundo de forma mais flexível" (ZIMMER ET. AL, 2006, p. 7). Veremos, a seguir, alguns modelos de teste utilizados para avaliar a proficiência do bilíngue. 1) Teste Self-rating - Neste tipo de teste, o aluno deverá avaliar seus pontos fortes e fracos com relação a diferentes habilidades. Veja o quadro seguinte: P á g i n a | 16 Quadro 1: Self-rating Can you understand: English? Spanish ? Can speak you English? Spanish ? Yes-fluently [ ] [ ] Yes-fluently [ ] [ ] Yes-fairly well [ ] [ ] Yes-fairly well [ ] [ ] Yes-some [ ] [ ] Yes-some [ ] [ ] Yes-just a little [ ] [ ] Yes-just a little [ ] [ ] No-not now [ ] [ ] No-not now [ ] [ ] FONTE: BAKER, 2006, p. 26. Segundo Baker (2006), o teste self-rating, embora permita avaliar as habilidades de compreensão e produção oral e escrita, apresenta limitações. Por exemplo, as respostas são muito amplas e não contemplam os possíveis níveis de gradação entre as respostas, podendo gerar ambiguidade na interpretação dos resultados; há problemas com relação ao contexto, pois o bilíngue pode ser capaz de ler jornais mas não consiga ler livros ou artigos acadêmicos; questões atitudinais podem interferir nas respostas, ou seja, o bilíngue pode afirmar que é fluente em uma língua (quando na verdade ele não é) para preservar sua autoestima etc. 2) Teste comunicativo- Neste tipo de teste, o aluno deve realizar tarefas que repliquem situações de comunicação que acontecem no cotidiano. Para tanto, o teste precisa ser o mais direto4 possível (WEIR, 1990; SCARAMUCCI, 1998). Exemplo de uma questão direta para avaliar a produção escrita em inglês: 1) Suppose you’re looking for a boyfriend/girlfriend at Parperfeito.com.br. Write a paragraph describing your free time activities. Write ten sentences. Use the adverbs of frequency and time expressions. Remember to talk about your likes /dislikes. Write at least 10 sentences. __________________________________________________________________ Para Morrow (1979, p. 155), o avaliador, ao elaborar um teste comunicativo, deve ter as seguintes orientações: 1) definir o nível de proficiência que se espera do aluno; 2) definir o tipo de formato das questões, tendo em vista os critérios de confiabilidade e validade de face 5; estabelecer as áreas de conteúdo que se deseja explorar, entre outros. Além dessas orientações propostas por Morrow (1979), Canale e 4 Teste direto é aquele em que o aluno realiza uma tarefa que corresponda exatamente à habilidade que está sendo avaliada. Por exemplo, se o objetivo é avaliar a produção escrita do aluno, pede-se que ele escreva. Teste indireto por sua vez, é aquele que mede as habilidades subjacentes ás habilidades de compreensão e produção oral e escrita. Pedir para o aluno identificar pares de palavras com o mesmo som, por exemplo, é uma forma de avaliar indiretamente sua produção oral (OLLER, 1979). 5 Para Hugues (1989), a validade de face refere-se à aparência do teste. Ampliando essa noção, Brown (1994) explica que um teste possui validade de face quando ele "aparenta" (Grifo do autor) medir o que se pretende medir. P á g i n a | 17 Swain (1980, p. 34) sugerem que um teste comunicativo deve avaliar não somente o conhecimento linguístico do aprendiz e o uso que faz da língua. É preciso, também, verificar "até que ponto o aprendiz é capaz de demonstrar esse conhecimento em um evento comunicativo significativo". 3) Language Background scales- Ao contrário dos testes de proficiência, que se preocupa em avaliar as quatro habilidades básicas da língua (compreensão e produção oral e escrita), esse tipo de teste tem o propósito de avaliar o atual uso (grifo do autor) que o bilíngue faz de duas línguas. Não há, pois, a preocupação com respostas certas ou erradas. O Quadro 2, a seguir, está resumido, pois mostrarei apenas algumas alternativas para efeito de ilustração. Quadro 2 Here are some questions about the language in which you talk to different people, and the language in which certain people speak to you. There are no right or wrong answers. Leave an empty space if a question is inappropriate. Exemplo: 1) In which language do YOU speak to the following people? Choose just one of these answers. Almost always Spanish In Spanish In Spanish in more often and English than English about equally In English Almost more often always than English Spanish in Father Mother Exemplo 2) In which language do the following people speak TO YOU? Almost always Spanish In Spanish In Spanish in more often and English than English about equally In English Almost more often always than English Spanish in Father Mother Fonte: Adaptado de BAKER, 2006, p. 32-33. Como podemos observar no Quadro 2, no exemplo 1, o candidato deve marcar qual língua e com que frequência a usa para se comunicar com pessoas de seu convívio familiar, por exemplo. Algumas das limitações já comentadas anteriormente com relação aos testes de Self-rating, também podem ser verificadas nos testes de Language Background Scales. Baker (1996) observa que alguns familiares que fazem parte do convívio familiar do bilíngue não constam como alternativas. Da mesma forma que elas não contemplam todos os contextos de uso da língua, como hobbies, viagens, casas noturnas, dentre outros. Além disso, Baker (ibid.) argumenta que a pergunta "qual língua e para quem você usa" , como mostra o exemplo 1 é limitada, pois uma pessoa pode se comunicar com o pai usando determinada língua apenas duas vezes ao mês. O P á g i n a | 18 autor sugere, portanto, que além de saber com quem e onde se usa a língua, é necessário investigar a frequência e o porquê do seu uso. O autor conclui que os testes de língua não conseguem, por si só, investigar completamente a natureza do bilinguismo, visto que há muitos problemas relacionados à validade das questões do teste, aos termos usados na sua elaboração e à confiabilidade das respostas. Finalizadas as discussões sobre o uso de testes para avaliar o bilinguismo em um contexto mais amplo, passo às reflexões sobre a avaliação na educação indígena no contexto brasileiro. 5. A educação indígena no Brasil e avaliação: uma triste realidade A partir da constituição de 1988, os indígenas passaram a ter direito a uma educação escolar diferenciada, ou seja, o direito a uma educação multicultural e bilíngue que valorize sua cultura e identidade. A OEI 6 (Organização dos Estados IberoAmericanos para Educação, Ciência e Cultura), apresenta o seguinte texto sobre a educação indígena no Brasil. "A proposta de uma escola indígena diferenciada, de qualidade, representa uma grande novidade no sistema educacional do país e exige das instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas, concepções e mecanismos, tanto para que estas escolas sejam de fato incorporadas e beneficiadas por sua inclusão no sistema oficial, quanto para que sejam respeitadas em suas particularidades. Para tanto, estão sendo implementados programas com os objetivos de proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; e de garantir aos índios, suas comunidade e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e das demais sociedades - Podemos observar no texto da OEI uma proposta de reconhecimento e de valorização das identidades étnicas e das línguas dos povos indígenas. Embora o texto não aborde diretamente a questão da avaliação, acredito que ela esteja implícita a partir das palavras "mecanismos e inclusão", pois a avaliação é, ou pelo menos deveria ser, um mecanismo de inclusão. No entanto, a realidade brasileira que se mostra é outra. Estevan Muniz7discute a problemática da avaliação na educação indígena. O Ministério da Educação, por meio do Enem e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), e os governos estaduais, com suas avaliações específicas, analisam as 6 Sistema Educativo nacional do brasil. Disponível em <http://www.oei.ies/quipu/brasil/edu_indigena. pdf. Acesso em: 03 jul 2013. 7Educação indígena: a ponte entre os mundos. Disponível em http://revistaforum.com.br/blog/20013/01/educação-indigena-a-ponte-entre-os-mundos/. Acesso em 01 jul 2013. P á g i n a | 19 escolas indígenas com os mesmos critérios das escolas convencionais. Embora seja a prova que vai determinar a entrada dos indígenas nas universidades, o Enem não compreende os conhecimentos ou as línguas indígenas. “Não temos nenhum instrumento de avaliação do desempenho da educação indígena, então, não temos como saber se os alunos estão aprendendo de fato.” É um contrassenso, portanto, propor uma educação diferenciada utilizando os mesmos instrumentos de avaliação em escolas convencionais para avaliar o desempenho dos indígenas. Os argumentos que sustentam as limitações da Prova Brasil no contexto escolar indígena corroboram os resultados do estudo de Figueiredo (2013) que teve como objetivo analisar a Provinha Brasil (2011 e 2012) aplicada nas escolas indígenas de Dourados (MS). A seguir, algumas questões de provas que foram analisadas pela autora. Figura 2- Questão 3 Faça um x no quadrinho do animal com nome formado por três sílabas. (A) (B) (C) (D) Fonte: Provinha Brasil; Caderno do aluno. Fonte Brasil, p. 8, 2011. Na questão 3, o aluno deve marcar um x no quadrinho do nome do animal que contem três sílabas. De acordo com Figueiredo (2013), as possíveis razões para o cometimento de erros dos alunos são: 1) o aluno desconhece o significado da palavra sílaba; 2) os nomes dos animais não foram lidos em guarani; 3) nem todos os alunos conhecem todas as figuras e nem todas as figuras tem nome nas línguas indígenas. Vejamos outro exemplo na figura 3. Figura 3- Questão 13 Leia o texto silenciosamente: Conheci um jumento Chamado Merlim Comia poeira, Cuspia capim. MACHADO Duda. Histórias com poesia, alguns bichos & Cia. São Paulo:Ed. 34, 1997, p.1 De acordo com o texto, qual o era o nome do jumento? Aikwava peteí mburika Hera va`e Merlim Oho´u yvyku´i Onhyvó capi´í. P á g i n a | 20 (A) capi´í. (B) Onhyvó (C) Merlim (D) yvyku´i Fonte: Provinha Brasil; Caderno do aluno. Fonte Brasil, p. 18, 2011. Na questão 13, o nome do jumento é Merlim e se alimenta de capim-capi´i. Os alunos foram induzidos ao erro porque acharam que deveriam marcar a alternativa capi´1. Figueiredo (2013) sugere que o erro ocorreu devido à fala do gestor, pois os animais da aldeia não tem nome. Além disso, jumento em guarani é mburika e está presente no texto e não nas alternativas. Este fato pode, também, ter gerado confusão no momento da interpretação realizada pelos alunos. Outros problemas de elaboração de questões podem ser observados na figura 4. Figura4- Questão15 Leia o texto silenciosamente. AULAS DE NATAÇÃO INFANTIL! AULAS TODOS OS DIAS (MANHÃ E TARDE) Ogwata bicicleta Ary LOCAL: ACADEMIA M.O.M VALOR: R$50,00 Este texto fala principalmente sobre: (A) (B) (C) (D) Fonte: Provinha Brasil; Caderno do aluno. Fonte Brasil, p. 20, 2011. Na questão 15 a pergunta não aparece. Figueiredo (2013) esclarece que na Provinha em português, a maioria das questões não apresenta as perguntas. Elas aparecem no caderno de orientações do professor. Isto é um fator complicador, pois o caderno não é traduzido para a língua indígena, obrigando o professor aplicador a ler a questão em português ou traduzi-la imediatamente para o guarani. Assim sendo, os alunos podem ser prejudicados por problemas de tradução. Outro problema apresentado pela autora diz respeito ao gabarito, pois a resposta da tradução seria a letra (D), mas no gabarito oficial consta a letra (C). 5. Reflexões finais P á g i n a | 21 Este trabalho, que teve como objetivo discutir a avaliação em diferentes contextos, mostra que implementar procedimentos avaliativos que possam investigar uma situação de aprendizagem de forma clara, justa e objetiva não é uma tarefa fácil. Avaliar é um processo complexo, de natureza subjetiva e muitas vezes injusto. No entanto, acredito que o professor bem (in) formado pode minimizar os problemas decorrentes da avaliação se souber planejar e elaborar instrumentos avaliativos que possam ser utilizados em sua sala de aula. Para Hall et. al. (2011), uma avaliação de língua adicional8 eficiente envolve reflexões sobre o que seja avaliar, sobre a elaboração de instrumentos que permitam que os próprios alunos se avaliem, e sobre as consequências da avaliação na vida dos alunos no seu processo de aprendizagem e nas oportunidades que lhes são oferecidas ao longo de suas vidas. Nos contextos de bilinguismo, em geral, a avaliação precisa incluir instrumentos alternativos para contemplar as diferentes competências no processo de aprendizagem. Deve considerar que os comportamentos do bilingue estão vinculados a aspectos situacionais e não somente às questões puramente linguísticas, ou seja, no universo bilingue, perpassam aspectos econômicos, políticos, sociais (GARCIA, 2009), culturais (FAGGION, 2010) e as relações de poder que se estabelecem nas relações entre os membros de uma comunidade. Já no que se refere aos contextos de educação escolar indígena, podemos observar que a Prova Brasil está longe de ser um instrumento adequado para avaliação dos alunos indígenas devido a problemas na sua elaboração. É preciso analisar e refletir sobre a situação de cada comunidade indígena e elaborar instrumentos avaliativos que realmente possam diagnosticar suas reais necessidades, respeitando suas culturas e valorizando suas identidades, anseios esses que todo cidadão brasileiro tem o direito de expressar. Somente dessa forma será possível concretizar as propostas de uma educação diferenciada e multilíngue previstas em lei. Tal valorização se faz urgente e necessária em nosso país, pois conforme nos alerta Silva (2010, p. 101) "No Brasil, muitos mundos linguísticos desapareceram. Muitas línguas indígenas morreram, muitas estão morrendo". Sem avaliação não há como refletir, como aprender e buscar melhorias. Tirar o temor da avaliação e fazer o aluno concebê-la como algo positivo e fundamental para o seu crescimento é dever de todo educador que se preocupa com sua prática pedagógica. Referências BAKER, C. The measurement of bilingualism. In: BAKER, C. Foundations of bilingual education and bilingualism. Great Britain: Multilingual Matters, 2006. BLOOMFIELD, L. Language. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1979. BULLIO. P. C. A socialização e a criança bilíngue. Alfa, São Paulo, 54 (2): 459-474, 2010. 8 Os autores utilizam o termo língua adicional ao invés de segunda língua ou língua estrangeira. Segundo Gomes e Lima ( 2012, p. 4), o termo língua estrangeira é substituído por língua adicional no documento Lições- SEDUC/2009 e a aula adicional " é vista como um lugar para a promoção de leituras da realidade e para, através do conhecimento do outro, na outra língua conhecermos a nós mesmos. P á g i n a | 22 CANALE, M.; SWAIN, M. 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P á g i n a | 24 A EFETIVAÇÃO DO PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA (PIBID) NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (UERN) Ana Maria de CARVALHO (UERN) Sílvia Maria Costa BARBOSA (UERN) Resumo: Este trabalho objetiva relatar a efetivação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Para tanto, enfocaremos as contribuições desse Programa na formação inicial dos licenciandos e o impacto na formação continuada dos professores supervisores. Desse modo, utilizaremos depoimentos de bolsistas (coordenadores de área, alunos das diversas licenciaturas e professores supervisores que atuam nas escolas parceiras). O PIBID possibilita a formação inicial dos alunos-bolsistas das várias licenciaturas a partir da relação teoria-prática, num processo dialético entre Universidade e escolas parceiras, proporcionando o crescimento do fazer pedagógico, a reflexão e a ação da prática escolar. A experiência vivenciada pelo PIBID/UERN nos permite afirmar que a sua institucionalização vem construindo uma nova cultura formativa, na qual o ensino e a pesquisa dialogam constantemente nas várias dimensões da docência, sem perder de vista a compreensão do que ensinar, do como ensinar e do por que ensinar, concepção essa referendada por autores como Haydat (1995), Cordeiro (2007) e Masseto (1997). No processo avaliativo do PIBID/UERN, percebemos avanços significativos das escolas parceiras no que se refere ao desenvolvimento profissional e pessoal. Constatou-se uma nova prática das atividades diárias, surtindo um avanço no desenvolvimento da autonomia intelectual dos alunos; uma crescente preocupação na prática de avaliar os processos educativos; aprimoramento nas relações interpessoais entre os bolsistas e os parceiros das escolas. Além disso, verificamos significativo crescimento intelectual dos licenciandos através de apresentação de trabalhos em eventos, relatos de experiência e reflexões formuladas no âmbito do PIBID/UERN. Palavras-chave: Formação inicial e continuada; Formação docente; Reflexão da prática. 1. Considerações iniciais Neste trabalho relataremos a efetivação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Aqui, serão enfocadas as contribuições desse Programa na formação inicial dos licenciandos e o impacto na formação continuada dos professores supervisores. Desse modo, utilizaremos depoimentos de alunos, advindos do Questionário Avaliativo para Bolsistas Licenciandos PIBID/UERN, aplicado em maio de 2013 e relatos de experiências de professores supervisores, dirigentes de escolas e de professores coordenadores de área, inscritos em Relatórios Anuais dos subprojetos. O PIBID foi instituído pelo Decreto Nº 7.219, de 24 de junho de 2010, cuja finalidade é fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para melhoria da qualidade da educação básica do país. É um Programa que visa fortalecer as licenciaturas, colocando os graduandos no cotidiano das escolas básicas de ensino, bem como interligar a P á g i n a | 25 universidade às escolas públicas e fortalecer a prática docente dos professores. Consiste, dessa forma, em oportunizar aos licenciandos a participação em ações, experiências metodológicas e práticas docentes inovadoras, articuladas com a realidade local da escola, que busquem a superação de problemas notificados no processo de ensinoaprendizagem. Na UERN, esse Programa teve início em dezembro de 2009. Na sua primeira edição, contemplou seis cursos de licenciatura, distribuídos em três campi – Mossoró, Caicó e Pau dos Ferros e firmou parcerias com seis escolas públicas, possibilitando a inserção de 125 bolsistas: um coordenador institucional; 6 coordenadores de área; 14 professores supervisores e 104 alunos de iniciação à docência. Hoje o PIBID/UERN encontra-se com 20 subprojetos, perfazendo um total de 393 bolsistas, atuando também em outros campi como Patu e Assu, contando com 22 escolas públicas parceiras. O PIBID/UERN, a partir da sua execução, já promoveu dois encontros, nos quais contou com a participação tanto de licenciandos da UERN e de outras IES, integrantes da nossa região e de outros Estados, como de professores e gestores de escolas de Ensino Básico, oportunizando a troca de experiências e a socialização e divulgação do que se tem produzido em cada área de atuação. No II Encontro do PIBID/UERN, evento ocorrido em junho de 2013, foram publicados em anais 185 resumos científicos e 40 artigos e culminou com a publicação de um livro produzido com artigos de bolsistas (professores, supervisores e licenciandos) que atuam no Programa. Isso demonstra que o PIBID/UERN tem gestado uma rica oportunidade de teorização da realidade e aponta que o processo formativo dos seus bolsistas tem se revestido de uma vasta produção didático-pedagógica, bibliográfica, artístico-cultural, desportiva e lúdica. Com o propósito de diagnosticar o andamento do Programa e visando potencializar repertórios conceituais e pedagógicos, relativos ao exercício da profissão docente, foram realizados quatro seminários de caráter avaliativo, como veremos a seguir: a) I Seminário Avaliativo: escrevendo e partilhando nossa prática pedagógica – realizado no Campus Central da UERN, que teve como objetivo socializar saberes, experiências, descobertas, dificuldades e avanços na formação inicial do professor, vivenciados por todos os bolsistas envolvidos no Programa; b) II Seminário Avaliativo: o processo de integração entre UERN e Escolas do Ensino Básico, ocorrido em cada escola parceira, cujas discussões refletiram o andamento do Programa; c) III Seminário Avaliativo: influências do PIBID/UERN para os Cursos de Graduação, desenvolvido nos cursos de graduação até então contemplados pelo Programa, cujo propósito voltou-se para discutir sobre as possibilidades de articulações formativas existentes entre ações desempenhadas no Programa e o Projeto Pedagógico do Curso; d) IV Seminário Avaliativo: Política de formação docente e intervenção na realidade escolar, ocorrido no Campus Central, em ocasião do II Encontro PIBID/UERN, em junho de 2013. P á g i n a | 26 Nesses quatro anos de atuação do Programa é possível detectar um grande avanço no rendimento acadêmico dos alunos bolsistas, haja vista a sua participação em eventos científicos (a nível local, regional, nacional e internacional), em oficinas pedagógicas, realizadas nas escolas parceiras, em exposições de material didáticopedagógico, em atividades sócio-culturais e, principalmente, pela formação teórico/prática que vem recebendo, semanalmente, do professor coordenador do subprojeto. 2. Contribuições do PIBID/UERN na formação dos licenciandos O PIBID além de contribuir no desempenho acadêmico do licenciando, tem se constituído como uma relevante ação educativa, que integra a universidade e escolas públicas, favorecendo para consolidação das práticas de formação docente, como também para o desenvolvimento de estratégias que possibilitam no processo de ensinoaprendizagem dos conteúdos curriculares. Assim, os impactos nessa formação inicial se materializam nos seguintes depoimentos: [...] o PIBID foi fundamental para minha formação docente, suas contribuições refletiram também não só no meu desempenho frente à sala de aula (aprimoramento da argumentação, segurança ao me pronunciar etc.) como também na faculdade (desenvolvimento da leitura, interpretação, escrita). O PIBID tem uma grande importância na formação dos estudantes de licenciatura, aproximando a formação teórica da prática na área da educação. É um projeto que oferece experiência e maturidade para futuros educadores. O PIBID só veio a contribuir para minha formação acadêmica, pois proporcionou um contato maior com a sala de aula e bem direto com os alunos. Além disso, temos o privilégio de contribuir para os planejamentos do professor, para que assim, este melhore ainda mais a sua prática docente. A experiência que o PIBID nos proporciona é excelente para nossa formação docente, pois temos a oportunidade de conhecer e fazer parte da realidade da Escola Básica. Como podemos verificar, a formação dos alunos bolsistas se complementa e, por sua vez, efetiva-se significativamente com as situações reais vivenciadas nas escolas, que situam o profissional em formação com a sua profissão. Assim, com a tríade professor formador (coordenador do subprojeto), supervisor (professor da escola parceira) e licenciandos permite uma discussão séria e frutífera, que se torna indispensável na formação do professor, tanto a inicial quanto a continuada, gerando, dessa forma, um movimento dinâmico de formação recíproca e de crescimento contínuo. O conhecimento, conforme aponta Cordeiro (2007), é um tipo de bem coletivo, produzido social e historicamente. Nessa direção, todo processo de ensino aprendizagem que se destina para um saber específico está estabelecendo um diálogo P á g i n a | 27 com uma parcela desse saber humano coletivo, ou seja, ninguém aprende apenas por si mesmo, mas com o(s) outro(s), em contato com ele(s). Dessa forma, para os cursos de licenciatura o PIBID/UERN se institui, realmente, como um campo de intervenção formativa, oportunizando ao licenciando sua inserção, de forma orgânica, no contexto do Ensino Básico, o que resultará em uma visão mais aprofundada da realidade da sala de aula e do ofício de ensinar. São efeitos significativos que os Estágios Supervisionados, até então, não conseguiram produzir. Como bem expressa o licenciando no depoimento a seguir: O Pibid só vem a contribuir com a formação docente; ele desperta nos alunos uma maior visão mais ampla da sala de aula, pois os estágios são curtos para tal visão, faz o bolsista "participar" da realidade e do dia-a-dia de uma escola. O Pibid desperta o interesse do licenciando para ser professor e prende mais o mesmo em um ambiente coletivo de estudo e dedicação, além disto, amplia a visão de uma formação continuada. Conforme atesta o Relatório de Gestão 2009-2011, da Diretoria de Educação Presencial – DEB, o PIBID se distingue do Estágio Supervisionado por ser uma proposta extracurricular, com carga horária maior que a determinada pelo Conselho Nacional de Educação - CNE para o estágio e por acolher bolsistas desde o primeiro semestre letivo, se assim definirem as IES em seu projeto (BRASIL, s/d. ). Outros depoimentos que integram o Questionário Avaliativo demonstram também que com a institucionalização do PIBID, no âmbito da UERN, vem se construindo uma nova cultura formativa: o ensino e a pesquisa dialogam constantemente nas várias dimensões da docência. Assim, o aluno integra-se também à pesquisa e à extensão: constrói seus relatos, publica e socializa seus experimentos e suas vivências. Vejamos nos relatos a seguir: [...] Como exemplo dessa contribuição posso citar as produções de textos acadêmicos e a participação em congressos que além de proporcionar o contato com várias pesquisas ainda engrandece o meu currículo. [...]. Outra importante atividade que o programa preza é a participação em eventos acadêmicos, o que também representa uma imensa contribuição para a formação docente, pois tais eventos possibilitam uma socialização de experiências, saberes, práticas que serão de grande importância para nossa atuação profissional. Os depoimentos a seguir revelam que estamos centrando a formação inicial docente da UERN no eixo do saber fazer, guiado pela reflexão: O PIBID nos proporciona novas experiências formativas que ultrapassam o espaço acadêmico, nos aproximando da práxis; P á g i n a | 28 por consequência, nos tornando mais reflexivos em relação à docência, fortalecendo nossa identidade enquanto professores. O PIBID tem sido uma experiência excepcional para nossa formação no curso [...], pois permite antever a realidade das escolas, além de proporcionar maior aprofundamento do conhecimento teórico e a sua aplicação na prática. Assim, guiados pelas reflexões de Souza (2003), na compreensão de que o desenvolvimento profissional entrecruza-se com a dimensão pessoal e político-social do professor, podemos afirmar que se faz necessário entender que a profissão docente caracteriza-se como uma profissão com graus de complexidade, exigindo revisão e construção constante de saberes, centrando seu saber ser e fazer numa prática reflexiva e investigativa do trabalho educativo e escolar, no cotidiano pessoal e profissional. Queremos ainda ressaltar que o Programa tem despertado no licenciando um crescente nível de autonomia e compromisso com o exercício da profissão e possibilitado também a elevação da sua autoconfiança, conforme apontam os depoimentos a seguir: [...] foi a partir deste programa que pude valorizar mais minhas potencialidades e passar a acreditar mais em mim. [...]durante o pequeno espaço de tempo em que estive atuando como estagiária [...]encontrei-me com grande dificuldade em relação a dar sequência às aulas, pois a falta de água, avaliações constantes e parada reivindicatória da classe fizeram com que ocorressem várias lacunas em nosso ensino aprendizagem. Porém, o PIBID me incentivou a permanecer firme em minha escolha, mostrando que mesmo com todas as inúmeras dificuldades existentes, posso ajudar na formação “de um ser Humano”. Com esses depoimentos, percebemos maior valorização das Licenciaturas e das ações desenvolvidas durante esses anos do Programa na instituição. Nessa perspectiva, a reflexão sobre as práticas existentes cria um ambiente acadêmico favorável à reflexão sobre a formação inicial do professor, possibilitando que o próprio curso repense suas teorias e práticas formativas. Podemos assim inferir que UERN, ao aderir à política formativa da CAPES, desenvolvendo programas como o PIPID, está em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LBD Nº 9394/96 e com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível Superior, pois, conforme se observa nos depoimentos e nos relatórios dos subprojetos, atividades mais pontuais e arrojadas para o ensino têm sido desenvolvidas, promovendo assim a formação inicial dos seus licenciandos e a formação continuada dos professores do Ensino Básico. Dessa forma, a UERN investe e aposta na profissionalização da docência e, por sua vez, atende com mais expressividade ao seu Plano de Desenvolvimento P á g i n a | 29 Institucional – PDI, o qual estabelece que sua missão está em “promover a formação de profissionais mais competentes, críticos e criativos, para o exercício da cidadania” (SOUSA, 2008, p. 33). Isso significa que a maior prova de engajamento social da Universidade, estabelecida na sua missão, é a qualidade da formação de seus egressos. 3. O impacto na formação continuada dos professores supervisores Para a Educação Básica e seus docentes, identificamos que uma das importantes contribuições do PIBID é o incentivo à formação continuada dos professores supervisores participantes deste Programa. Para os professores e a escola, o PIBID se constitui em oportunidade de interação entre escola e universidade, que possibilita a troca de saberes e experiência, que em ações de colaboração e reflexão se transformam em novos conhecimentos. Vejamos, a seguir, relatos de professoras supervisoras: O PIBID é um canal de renovação entre a escola e a universidade e tem provocado minhas leituras constantes sobre o que está ocorrendo na minha área do conhecimento. É um programa que oportuniza o aprofundamento em questões didático-pedagógicas, a revisão de conceitos básicos e impulsiona a mudança de postura do professor para ser pesquisador. Mediante ao que foi experienciado durante todas as etapas que participei, posso considerar que o PIBID promove grandes benefícios tanto para a escola campo de atuação como para a universidade, e os bolsistas, uma vez que através das dificuldades identificadas no ensino, pôde vivenciar a oportunidade de contribuir e auxiliar com o uso de metodologias instigadoras e facilitadoras na aprendizagem dos alunos, bem como uma preparação para ajudar futuramente a docência dos bolsistas em formação inicial, dando melhor suporte e base para uma formação e atuação mais qualificada. Tenho vivenciado a formação continuada, trocando informações, aprendendo novamente com o contato na UERN. A apreciação desses depoimentos aponta para o fortalecimento da formação continuada dos professores-supervisores que atuam neste Projeto. Percebemos um crescimento profissional no que se refere ao processo ensino–aprendizagem materializado nas atividades didático-pedagógicas em sala de aula. Nessa perspectiva, as práticas vivenciadas no contexto escolar, como por exemplo, o trabalho com resolução de problemas, atividades de compreensão e produção de textos, uso de metodologias experimentais, dramatizações, cordéis, tecnologias da informação, entre outros, vem dinamizar o envolvimento do aluno da Educação Básica no que se refere ao seu desenvolvimento intelectual. Os depoimentos dos dirigentes de escolas vêm referendar o crescimento que se tem alcançando: P á g i n a | 30 Depois da implantação do PIBID podemos perceber que houve uma melhor integração do corpo docente da escola com a clientela estudantil, melhorando e aperfeiçoando o processo de relacionamento. Os alunos passaram a valorizar as atividades realizadas pela escola, a ficarem mais motivados e integrados no desenvolvimento das atividades escolares. Nos próprios professores participantes do Projeto, podemos perceber o empenho e dedicação em estarem realizando as atividades, de modo que estes estão desenvolvendo com bastante responsabilidade tudo que está planejado. De acordo com o exposto, o PIBID-UERN tem alavancado elogios tanto por parte dos dirigentes das escolas parceiras, quanto do corpo docente da UERN, já que é visível a inovação, crescimento e motivação dos que compartilham deste Programa. Conforme relata um professor coordenador de área, O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é um projeto de extrema importância na formação docente de um futuro profissional da educação; todas as fases que são desempenhadas no decorrer do projeto podem ser consideradas como um arcabouço, no processo formativo de docentes de qualquer área de ensino. Uma vez que o professor tem a brilhante função de contribuir na formação crítica dos sujeitos envolvidos nesse processo formativo do aluno, atuando assim como mediador do conhecimento. Dessa forma, inserir os licenciandos nesse processo formativo é proporcionar uma experiência em que a postura reflexiva, amparada em discussões dos referenciais teóricos adotados, é um exercício contínuo e norteador das ações que vêm garantindo o cumprimento das metas estabelecidas no Projeto. 4. Considerações finais Com efetivação do PIBID na UERN, vem se constatando uma nova prática das atividades diárias, que tem contribuído tanto para elevar a qualidade da formação dos discentes, como para potencializar a melhoria dos cursos de licenciatura e, consequentemente, do Ensino Básico. Dessa forma, esse Programa, na condição de mecanismo político que impulsiona o avanço de Instituições de Curso Superior, pode significar para a UERN: a relevância de dar suporte ao fortalecimento de 20 Propostas Pedagógicas de Cursos de licenciatura; a possibilidade de integrar a Universidade a 22 escolas públicas, tornando-as, simultaneamente, partícipes e beneficiárias dos estudos e dos projetos desenvolvidos, promovendo assim a formação continuada de seus professores. Ainda pode representar a oportunidade de inovar práticas e experiências P á g i n a | 31 pedagógicas interdisciplinares, incentivando, dessa maneira, novas práticas formativas no Ensino Básico e o ingresso dos estudantes na carreira docente. Referências BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES. Diretoria de Educação Básica Presencial – DEB. Relatório de Gestão PIBID 20092011. CAPES, s/d. 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Desta forma, pensar a atividade docente, no que se refere ao ensino de língua adicional, atualmente, requer uma atuação multidimensional e uma análise da visão de língua, de cultura e identidade do profissional de uma forma global e atualizada. Palavras-chave: Identidade do professor; Pós-modernidade; Língua adicional; Formação de professores. 1. Sobre o discurso-cultura-identidade: qual é o objet(iv)o? Tomamos aqui, o tripé língua-cultura-identidade como um conceito indissociável e, além disso, de difícil compreensão se tratamos cada conceito isoladamente, sem levarmos os outros em consideração. Essa ideia é corroborada por Jordão (2010, pág. 115), ao afirmar que Em geral, usamos a palavra língua para nos referirmos especificamente aos sistemas discursivos relacionados às estruturas e gramáticas de diferentes sistemas linguísticos, e a palavra cultura para nos referirmos aos sistemas discursivos de valores e modos de entender o mundo. No entanto, tais usos são intercambiáveis e não facilmente distinguíveis, uma vez que os sistemas linguísticos são sistemas de valores e os sistemas culturais, por sua vez, são linguísticos também. Rajagopalan (1998, pág. 41) afirma que a identidade se constitui na e através da língua, por isso me permito adicionar uma terceira dimensão ao conceito língua-cultura: a identidade. Segundo o próprio autor (2003, pág. 69) “quem aprende uma língua nova está se redefinindo como uma nova pessoa”. Vendo deste modo é impossível deixar de considerar a relação entre língua, cultura e identidade como parte fundamental da formação de um professor ou até mesmo de qualquer falante/aprendiz de outra língua. Essa ideia se aproxima da afirmação de Coracini (2003, pág. 193) ao dizer que a identidade do professor “se constitui no/do entrecruzamento de diversos discursos que o atravessam como sujeito”, ou seja, o professor é formado e transformado através dos diversos confrontamentos identitários existentes no seu processo de formação. Com isso queremos dizer que em todo discurso que forma e transforma esse professor são percebidas simultaneamente a presença da língua, da cultura e da identidade de Outros. 9 Entende-se aqui por língua adicional o que é apresentado em Lições do Rio Grande (RIO GRANDE DO SUL, 2009), considerando que qualquer língua estuda é um acréscimo ao repertório do aluno, levando em consideração que todas as sociedades são multiculturais. P á g i n a | 33 Apesar de aqui, língua-cultura-identidade ser apresentado como um termo só, a literatura acadêmica ainda prefere segmentar e discutir cada item separadamente, mas de maneira entrelaçada, isto é, sempre discutindo um único termo, mas sempre fazendo referência aos outros. Os dois primeiros termos são temas constante de eventos e discussões acadêmicas, já o termo identidade está sendo um dos novos enfoques da linguística aplicada nos últimos anos [RAJAGOPALAN, 2003; MOITA LOPES, 2002 e 2006; CORACINI, 2003; SIGNORINI, 2006]. Por isso ao resolver explorá-lo um pouco mais, pois ao trabalhar o conceito de identidade, abordaremos, concomitantemente, os de língua e cultura também. Isso porque entendemos os três conceitos como indissociáveis e assim ao enfocar um, estaremos necessariamente tratando também dos outros dois. Autores como Hall (2005) e Woodward (2000) afirmam em vários momentos que uma das características da pós-modernidade é colocar o conceito de identidade em dúvida, provocando assim um questionamento e introduzindo uma expressão que virou jargão: “crise de identidade”. Essa crise é, segundo Hall (2005, pág.35), formada a partir da descentralização do homem, e ocorre em cinco momentos marcados cronologicamente no século XX. O primeiro momento (a) é a releitura de Marx feita por Althusser, na segunda metade da década de 60, ao afirmar que o indivíduo não é responsável pelo meio que cria, pois este já foi elaborado e dado pelos outros indivíduos, o que faz com que ele possa modificá-lo somente a partir dos instrumentos materiais e culturais oferecidos pelas gerações anteriores. O que podemos observar é que a releitura feita por Althusser revela que o marxismo exclui a ideia de agência individual, ou seja, a noção de uma essência humana ou da sua singularidade são descartadas, pois o humano aqui é marcado pela e através da história. Sendo assim, a visão anti-humanista e antiessencialista foi uma das formas de romper com o centramento do sujeito. O segundo momento (b) está ligado ao conceito desenvolvido na psicanálise durante a década de 1960, no qual a formação do eu se realiza através do olhar do ‘outro’, o sujeito é sempre incompleto e em estado de transformação, por isso a psicanálise usa, geralmente, o termo identificações, pois vê o significado de identidade como um estágio de plenitude ilusório. O próprio Hall (1997, pág. 5), em texto anterior, explicita essa incompletude e transitoriedade da identidade (...) a identidade emerge, não tanto de um centro interior, de um ‘eu verdadeiro e único’, mas do diálogo entre os conceitos e definições que são representados para nós pelos discursos de uma cultura e pelo nosso desejo (consciente e inconsciente) de responder aos apelos feitos por estes significados, de sermos interpelados por eles, de assumirmos as posições de sujeito construídas para nós por alguns dos discursos (...) Tendo isso em vista, podemos utilizar o termo identidade no mesmo sentido que a psicanálise apresenta, ou seja, sempre neste sentido provisório, dialógico e fragmentado através do tempo e do espaço, assim identidade e identificação podem ser vistas como sinônimos de constituição identitária, entendidos como momentos simultâneos de estabilidade e instabilidade, nos quais o sujeito apresenta ao mesmo tempo a sua identidade e sua identificação, ou seja, um momento processual de sua identidade (e identificação). P á g i n a | 34 O terceiro momento de descentramento do sujeito, segundo Hall (2005) (c) veio com o estruturalismo saussuriano, a partir da publicação póstuma do Curso de Linguística Geral em 1916, afirmando que a língua não é um sistema individual, mas coletivo e arbitrário, independente da vontade do falante. O quarto ponto de descentralização está relacionado (d) ao pensamento foucaultiano elaborado durante a década de 1970. O qual falava sobre o poder disciplinar ao qual o sujeito está subjugado, isto é, o poder disciplinar existe para organizar e vigiar o indivíduo na sua coletividade, impedindo que o sujeito aja por sua própria vontade. O quinto e último ponto é o (e) advento do movimento feminista nas décadas de 60 e 70 do último século, que surgiu junto com os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos e com o fim do colonialismo em vários países da África e do Caribe. O feminismo mostrou a possibilidade de outra visão em relação ao sujeito cartesiano, debatendo temas como público vs. privado, sexualidade/gênero, e principalmente a igualdade legal e social. Este movimento apresentou novas maneiras de se pensar o preestabelecido ao discutir “sobre a política de representação e de identidade através da linguagem” (BONNICI, 2005, pág. 29), sendo o slogan do movimento “O pessoal é político”. Além disso, o feminismo trata de questões de diferença, teorias de identidade e da interpelação do sujeito frente ao discurso dominante. O movimento feminista alterou a perspectiva dominantemente masculina e foi também se alterando durante o século. Deste modo, podemos notar que a discussão sobre a existência de uma essência humana foi foco no século XX e é levada também para o século XXI. Não é o homem uma unidade centrada e real existente nele, mas sim o questionamento da existência de uma verdade única e plena e a fragmentação do ser humano. Com base nestes descentramentos, Hall (2000, pág. 111) define identidade como ponto de encontro, o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as práticas que tentam nos ‘interpelar’, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os jeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode ‘falar.’ Isso indica um sujeito des-locado, des-focado e em constante mudança. Podemos dizer então que o professor de língua estrangeira adicional é “interpelado”, de acordo com Hall (op. cit.), por diversos discursos: o familiar, o acadêmico, o profissional, o do cotidiano, o histórico, o linguístico, o cultural, entre outros; confrontado com essa gama de discursos, o professor de língua forma seu discurso aparentemente uniforme, assemelhando-se a outros professores de língua, e em especial aos seus pares que lecionam a mesma língua. Concordando com a visão de que somos transformados pelas formações discursivas, temos Woodward (2000) afirmando que as transformações globais econômicas sugerem uma modificação das relações sociais, havendo um deslocamento de centros e conceitos, como o de classes sociais. 10 Essas transformações levam, segundo a autora, irremediavelmente à chamada diáspora moderna, fazendo com que as 10 A autora afirma que o conceito marxista de classe não existe mais, sendo transformado em uma categoria “mestra” (op.cit. 29), a exemplo das “narrativas mestras” de LYOTARD, Jean François. La Condition Postmoderne. Lisboa: Gradiva, 1979, e não num único centro que define as relações. P á g i n a | 35 pessoas desconstruam suas identidades preestabelecidas e as repensem. Woodward (2000) mostra que isso faz parte do mundo contemporâneo, o qual ela chama de póscolonial, sendo parte constitutiva desse mundo a contestação das identidades culturais. Citando Hall (1990), Woodward (2000, pág. 28) explica que há dois modos de pensarmos as identidades culturais: (1) como uma “busca (da) recuperação da ‘verdade’ sobre o passado na ‘unicidade’ de uma história e de uma cultura partilhada” e (2) como “uma questão tanto de ‘tornar-se’ quanto de ‘ser’”. Segundo Woodward (op.cit), Hall afirma que o segundo modo não nega a historicidade da identidade, mas essa busca provém de uma comunidade imaginada. Ao discutirmos o ‘tornar-se’ e o ‘ser’ colocamos estes conceitos contrapondo-os com aquilo que não nos tornamos e não queremos nos tornar e aquilo que não somos e nem queremos ser, mas essa oposição não é fixa, ela é construída na relação da diferença, isto é, para eu “não me tornar” e “não ser” eu preciso de um outro que dialogue nas diferenças. Nesse sentido, a identidade constrói-se na différance, ou seja, naquilo que diferencia e difere, naquilo que aproxima e afasta, em um des(re)locar cultural, histórico, social e discursivo, como afirma Hall (2000, pág. 106) A identificação é, pois, um processo de articulação, uma suturação, uma sobredeterminação, e não uma subsunção. (...) E uma vez que, como num processo, a identificação opera por meio da différance, ela envolve um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas, a produção de ‘efeitos de fronteiras’. A partir da afirmação de Hall (2000), vemos a identidade como um processo relacional, no qual, de acordo com Fanon (1986), precisamos de três aspectos fundamentais para a construção da identidade: é preciso existir (a) para um Outro, (b) em direção a um Outro e se constituir (c) em relação com o lugar do Outro. Essa é a premissa da teoria pós-colonial, que analisa o hibridismo através da relação colonizador/colonizado, na qual o primeiro coloca-se em uma posição superior para se convencer da sua superioridade e então impor ao colonizado a inferiorização. Rajagopalan (1998, pág. 41) afirma que a identidade de um indivíduo se constrói na língua e através dela. Isso significa que o indivíduo não tem uma identidade fixa anterior e fora da língua. Além disso, a construção da identidade de um indivíduo na língua e através dela depende do fato de a própria língua ser em si uma atividade em evolução e vice-versa. Isso implica que a linguagem e a identidade estão sempre se modificando num estado de fluxo contínuo. Considerando a aprendizagem de língua adicional, Revuz (1998) mostra-nos que um dos aspectos do aprendizado de uma língua adicional é a construção de uma identidade visando o desejo pelo novo, pelo desconhecido, pelo estranho, pelo diferente. Esse desejo de apropriação de outra identidade pode estar ligado ao questionamento feito pelo sujeito a partir de seu lugar de origem, ou seja, sua língua materna. É possível explicarmos esse desejo, admiração e vontade de ser um Outro por considerarmos este Outro como melhor, superior e detentor do poder. Tal afirmação assemelha-se ao que P á g i n a | 36 Bhabha (2003, pág. 130) chama de mímica, que “é o desejo de um Outro reformado, reconhecível, como sujeito de uma diferença que é quase a mesma, mas não exatamente [grifos do original]”, ou seja, é algo que quero e ao mesmo tempo não quero ser, é simultaneamente um objeto de atração e repulsa. Identificar-se e portar-se como o nativo e ao mesmo tempo reafirmar-se como nacional é o arremedo de si mesmo na tentativa da mímica perfeita, é transformar-se num simulacro. A língua adicional é um lugar onde quase tudo é permitido, pois nos permitimos ter um Outro eu, diferente do da língua materna (REVUZ, 1998), e tal permissão nos liberta da nossa identidade anterior, por isso há uma procura e uma mistura do novo com o velho, do conhecido com o desconhecido, ou seja, nós não somos mais aquilo que a nossa língua materna diz que somos, mas estamos no espaço entre a cultura da língua materna e da língua estrangeira e somos constantemente influenciados e transformados por ele. A identidade cultural é formada a partir do deslocamento da língua materna (LM) e da língua adicional (LA), deslocamento que coloca o sujeito num terceiro espaço, diferente daquele da LM e da LA: um espaço híbrido, móvel, contingente, traduzível (BHABHA, 2003). Para Bhabha (1990, pág. 121) a relação entre hibridismo e terceiro espaço é muito próxima, como explica: Mas para mim, a importância do hibridismo não é para ser capaz de traçar dois momentos originários a partir do qual emerge o terceiro, em vez disso, hibridismo para mim é o ‘terceiro espaço’ que permite que outras posições surjam. Este terceiro espaço desloca as histórias que o constituem e estabelecem novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas, que não são adequadamente compreendidas através do já conhecido. [grifo da autora] Para Bhabha (1990, 2003) o hibridismo é um lugar de conflito e ambiguidade, é onde podemos contestar o símbolo da autoridade e subverter a ambivalência do poder, não havendo síntese, somente contestação. É importante deixar claro que o hibridismo de que Bhabha (1990, 2003) trata não é aquele do senso comum, ou seja, a fusão de dois elementos distintos, mas sim um espaço metafórico e metonímico que transcende barreiras e é por si só um espaço de conflitos e antíteses. O uso da língua é cultural, social e ideologicamente marcado, não podendo puramente se resumir a uma relação de quanto “mais proficiente eu sou nessa língua, mais social, cultural e ideologicamente pertenço a comunidade X”. No uso da língua os valores individuais de cada um emergem e podem ou não corresponder com a comunidade à qual cada um pertence. Por isso temos Kramsch (1998, pág. 35) dizendo que O uso da língua é um ato cultural, não só porque ele reflete os modos com os quais um indivíduo age sobre o outro através da fala; atos como agradecer, saudar, cumprimentar são diferentes em diferentes culturas. O uso da língua é um ato cultural porque seus usuários coconstroem os próprios papeis sociais que os definem como membros de uma comunidade discursiva. P á g i n a | 37 A possibilidade de criar e participar do discurso é aqui vista como integrante do processo cultural ao qual o sujeito pertence, isto é, ao co-construir seu papel e se definir como membro de uma comunidade de discurso. É a partir e com o discurso que este sujeito submete-se às regras desta comunidade, por ele também construídas e assim a língua e a cultura se fundem, formando, pelo menos, uma identidade: a do grupo ou da comunidade co-construída, que pode ser a familiar, a profissional, a de lazer, a religiosa, entre outras. E isso não significa abandono ou esquecimento da língua e/ou comunidade de origem. Ao se fazer presente em um grupo, cada sujeito está submetido a diferentes formas de julgamento, que podem surgir tanto de membros do próprio grupo ou podem ser feitas por membros de outras comunidades. Assim, o próprio sujeito poderá julgar e formar conceitos sobre os membros do mesmo grupo, de outros ou até mesmo sobre si próprio. 2. Minha história, nossa identidade Ser professor de língua adicional é estar constantemente em contato com a cultura alheia e até mesmo apresentar certas afinidades com o alheio. Os colaboradores da pesquisa eram docentes no CELIN 11 da UFPR; muitas apresentavam certas afinidades com a cultura de língua alemã. Sendo assim, pude perceber que existem certos pontos ou traços que caracterizam o grupo de professores de língua alemã, mesmo em meio a diferentes contextos de atuação profissional. Um deles é a admiração por características da cultura alemã de modo tal que estes professores se autorreconhecem em algumas características, até mesmo estereotipadas, do povo alemão. Tendo isso em vista, conversas foram realizadas com os professores de língua alemã do CELIN que se disponibilizaram a expor um pedaço da sua história de vida. Segundo Bourdieu (1986, pág. 01) “uma vida é inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa história”. Ou seja, somos formados por narrativas e estas narrativas constituem nossa memória passada e futura e por serem narrativas, são constantemente reconstruídas e reconfiguradas, como afirma Bruner (2002, pág. 64) Estamos constantemente construindo e reconstruindo os nossos ‘eus’ para atender às necessidades das situações que encontramos, e fazemos isto guiados pelas nossas memórias do passado e pelas nossas esperanças e receios para o futuro. Contar sobre si mesmo para si mesmo é como fazer uma história, sobre quem e o que somos; sobre o que aconteceu e por que estamos fazendo o que estamos fazendo. 11 O CELIN (Centro de Línguas e Interculturalidade) é uma escola de aplicação voltada principalmente aos alunos de Letras da UFPR. Alunos e/ou ex-alunos previamente selecionados lecionam sob a supervisão de um docente do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas (DELEM) ou Departamento de Linguística, Letras Clássicas e Vernáculas (DELIN). Áreas nas quais não são oferecidos cursos de graduação têm como professores falantes nativos e/ou falantes em nível avançado e são também supervisionados por docentes do DELEM ou DELIN. P á g i n a | 38 Vendo deste modo, concluímos que os relatos das histórias de vida são subjetivos, individuais e estão em constante alteração, sendo eles considerados para a história oral a representação da verdadeira história vivida pelos participantes. Mas com isso não quero dizer que eles perdem seu valor, pelo contrário, uma pesquisa que explicita o aspecto da subjetividade de seus dados está incorporada num novo paradigma de pesquisa, no qual as ciências observam o mundo como sendo fragmentado e complexo (BUENO, 2002). Ferrarotti (1991, pág. 174) afirma a importância da história de um grupo, considerando as histórias individuais, para o conhecimento amplo da sociedade, pois o indivíduo em grupo expõe os reflexos de seu(s) grupo(s), pois “cada indivíduo não totaliza a sociedade inteira, ele totaliza-a por meio do seu contexto social imediato, os pequenos grupos de que faz parte, nestes grupos são, por seu turno, agentes sociais ativos que totalizam o seu contexto, etc”. O autor afirma que os grupos de pares, como é o grupo pesquisado, são constituídos pela mesma dimensão psicológica e ao se reestruturar o contexto de trabalho, a totalidade social é retraduzida, implicando em mudanças e o grupo torna-se “o objeto da práxis sintética dos seus membros”, ou seja, cada membro do grupo interpreta a realidade do grupo a partir da sua própria perspectiva e “constrói o sentido de si na base da sua percepção do grupo de que é membro” (FERRAROTTI, 1991, pág. 175). Tendo isso em vista, o conjunto das histórias de vidas dos meus colaboradores é um retrato, embora parcial, da visão de ensino e da formação profissional de um dado grupo num determinado momento histórico. Apesar das idiossincrasias podemos delinear o perfil de um grupo e assim tentar verificar sua a práxis 12. As conversas realizadas com os professores ocorreram em 2007, com o seguinte roteiro: (a) Por que você se tornou professor de alemão? (b) Como você se “vê” como professor de alemão? (c) Você se identifica com a cultura alemã? Em quais aspectos sim e quais não? (d) Se você já foi para Alemanha, como você “vê” os alemães? Se não foi, como você os imagina? (e) Se já foi: o que mudou para você após estar lá? Se não foi: o que acha que vai mudar na sua vida/na sua aula quando ou se você for para a Alemanha? Tendo como premissa que as identidades são construídas através de narrativas (BRUNER, 2000), nada mais coerente do que transformar as narrativas feitas pelos participantes da minha pesquisa em um referencial não só de análise, mas de justificativa de outras narrativas. Além disso, a história oral trata da coletividade e da identidade coletiva, conforme afirma Meihy (2005, pág. 79) Em história oral, o ‘grupal’, ‘social’ ou ‘coletivo’ não correspondem à soma dos particulares. A observância em relação à pessoa em sua unidade é condição básica para se formular o respeito à experiência individual que justifica o trabalho com o depoimento. Nesse sentido, a história oral é 12 Práxis aqui entendida no sentido freiriano, isto é, teoria e prática docente/ social vistas de maneira indissociáveis. P á g i n a | 39 sempre social. Social sobretudo porque o indivíduo só se explica na vida comunitária. Daí a necessidade de definição dos ajustes identitários culturais. Ao analisar pontos de confluência entre as histórias, tento assim compreender a formação discursiva deste grupo em particular e entender a formação da identidade do grupo denominado: professores de língua alemã. A partir dessa fonte histórica e à luz da discussão teórica apresentada, foram analisados três pontos apresentados nas conversas: (1) língua, (2) identidade, (3) visão de professor, os quais são pontos necessários para me ajudar compreender: como as formações discursivas e as epistemologias influenciam na composição identitária deste professor. A princípio, achava que iria encontrar dois grupos de professores bem homogêneos: um com um discurso da modernidade, apresentando uma visão tradicional de cultura, uma visão fixa de identidade e uma visão tradicional de professor. Em contrapartida haveria um outro grupo oposto a esse, com uma visão de discurso, cultura e identidade num âmbito pós-moderno, com uma perspectiva de sujeito múltiplo e de professor crítico-reflexivo. Ainda achava que haveria um grupo a favor do discurso do colonizador e o outro grupo a favor do discurso do colonizado. Essa era a minha impressão. Uma visão bem racionalista e dicotomizada de um grupo. Com a análise, esses meus grupos “imaginários” começaram a ruir e a homogeneidade dicotômica que eu tanto esperava, talvez por ingenuidade ou para facilitar e simplificar o trabalho, fracassou, ou talvez fossem meus ecos tradicionalistas ressoando antes de averiguar os dados. Este grupo de professores não dicotômico apresentou nos três itens analisados uma formação identitária constituída por constantes deslocamentos, ressignificações e questionamentos. Muito embora ecos discursivos da modernidade estejam presentes, eles atuam em um terceiro espaço e se apropriam de sua constituição híbrida de sujeito para se relacionaram de forma assertiva com suas próprias construções epistemológicas. Este grupo de professores mostrou que a relação de poder é de troca constante e intermitente: ora você é colonizador, ora você é colonizado e é preciso, muitas vezes, se descolar dessa posição para poder refletir e pensar na sua própria identidade, no seu próprio discurso e na sua própria atuação como profissional da educação. 3. Conclusão Quando o discurso utilizado é o do outro, é o do estrangeiro, entrar neste discurso envolve adaptação e deslocamento. Além disso, a palavra estrangeira é dotada de empoderamento e verdade, como afirma Bakhtin (2004, pág.101): esse grandioso papel organizador da palavra estrangeira - palavra que transporta consigo forças e estruturas estrangeiras e que algumas vezes é encontrada por um jovem povo conquistador no território invadido de uma cultura antiga e poderosa (cultura que, então, escraviza, por assim dizer, do seu túmulo, a consciência ideológica do povo invasor) – fez com que, na consciência histórica dos povos, a palavra estrangeira se fundisse a ideia de poder, de força, de santidade, de verdade, e obrigou a reflexão lingüística a voltar-se de P á g i n a | 40 maneira privilegiada para seu estudo. Ou seja, com o estudo da língua adicional (LA) podemos fazer, com os discursos, relações diferentes daquelas feitas somente com os da língua materna (LM). É a partir do encontro ou confronto de LM com LA que percebemos essa “ideia de poder, de força, de santidade, de verdade” (Bakhtin, op.cit.) que a língua traz, ou como afirma Tavares (2010, pág. 70) é “no encontro-confronto com outras línguas, [que] o sujeito encontr[a] outros modos de se subjetivar”, ou seja, o embate entre LM e LA está sempre inserido em um contexto de confronto, de diferenças ideológicas e simbólicas. A LA, como nos mostra Rosa (2009), é uma língua territorializada e localizada como o lugar do Outro, é o que está fora e além do sujeito, e por haver deslocamento entre o conforto e o desconforto, o agradável e o desagradável é que há embates simbólicos e ideológicos entre a LM e a LA. Tavares (2010, pág. 78) apud Anderson (1999, pág. 108) afirma que “a língua do Outro, língua que por definição me é estrangeira, marca a questão da identidade com toda a violência que essa posição lhe confere”. E essa violência é simbólica, isto é, um embate, um questionamento constante que transforma a identidade do sujeito com essa característica de constante enfrentamento.Assim, podemos entender que nossas identificações são construídas, como afirma Schere et. al. (2003, pág. 26), “(...) por idas e vindas em várias dimensões, incluindo a dimensão espacial e linguística.” Pensando assim, ou seja, descolando-se do Outro, pensar discurso, identidade, formação de professores à luz de teorias pós-modernas e pós-coloniais contribuem para compreendermos as novas realidades do mundo contemporâneo. Como Leffa (2005, pág. 216) disse A ignorância pode ser a felicidade, mas nós, professores de línguas, não temos a opção de ignorar. Falando de modo figurado, nós vamos de um lado a outro da fronteira, entre língua materna e a língua estrangeira, e temos a obrigação de manter os olhos e os ouvidos abertos. Assim, ao não ignorarmos o Outro, ao estarmos, de certa forma obrigatoriamente transitando entre culturas, mantemos uma relação híbrida entre o eu materno e o Outro estrangeiro e é neste caminho figurado do ir e vir entre as culturas que me (re)construo tão igual e tão distante ao Outro. Bibliografia BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC, 2004. BHABHA, H. The Third Space. Interview with Homi Bhabha. In: RUTHERFORD, J. Identity: Community, Culture, Difference. Londres: Lawrence and Wishart, 1990. __________. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. BONNICI, T. Conceitos-chave da Teoria Pós-Colonial. Maringá: Eduem, 2005. P á g i n a | 41 BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. Disponível http://arpa.ucv.cl/articulos/ailusaobiografica.pdf. Acesso em outubro de 2007. em: BUENO, B. O. O método autobiográfico e os estudos com histórias de vida de professores: a questão da subjetividade. 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P á g i n a | 43 ANÁLISE DO PERFIL E FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO INTERIOR POTIGUAR Raimunda Valquíria de Carvalho SANTOS (UFRN-PPgEL)1 Resumo: Em sua concepção ideal a Educação de Jovens e Adultos (EJA), compreende o desenvolvimento do sujeito nas diversas dimensões humanas, social, cultural e históricas, atendendo às peculiaridades que lhe são pertinentes, demandando, portanto, uma pedagogia humanista, aberta à possibilidade das diferenças. Em face dessas considerações, há uma questão inquietante quanto ao preparo dos educadores (as) para essa prática, em que normalmente muitos professores têm o primeiro contato com a EJA, em sentido prático e teórico, quando são “direcionados” a um programa que será executado no município, ou quando são admitidos via concurso público e são “locados” nesses ambientes, sem experiência na área. Assim sendo, nossa investigação objetiva analisar a formação e o perfil docente quanto à proposição pedagógica especificamente na modalidade da EJA, em ambientes escolares municipais e estaduais nos distintos programas e ações executadas em um município do interior do estado do Rio Grande do Norte. Metodologicamente, segue a abordagem da pesquisa qualitativa e quantitativa (BOGDAN; BILKLEN, 1994; CHIZZOTTI, 2000, BRYMAN, 1995). Teoricamente, a pesquisa adota como subsídios para o estudo as publicações relacionadas à EJA e a formação docente (FREIRE, 1997; 2001; 2003; 2008; ALARÇÃO, 2003; ARROYO, 2007; GADOTTI, 2008; GIOVANETTI, 2007; MAGALHÃES, 2012, NÓVOA, 1995; RIBEIRO, 1999. SOARES, 2006). Os resultados parciais apontam uma dificuldade de atuação por parte de alguns docentes nessa modalidade, devido à falta de formação adequada, desconhecimento de estratégias que incentivem a participação dos discentes no seio escolar e ainda por questões de perfil profissional para o trabalho com jovens e adultos. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; Formação de professores; Perfil docente. 1. Considerações iniciais A educação de Jovens e Adultos (EJA) pode ser entendida como um campo político de formação e de investigação, comprometida com a educação das camadas populares e com a superação das diferentes formas de exclusão e de discriminação existentes em nossa sociedade (SOARES et. al. 2007), sendo, portanto, destinada, quanto ao aspecto prático formativo, àqueles que não tiveram acesso ou continuidade nos estudos fundamental e médio em idade própria (BRASIL, 1996). Atualmente essa concepção vem sendo ampliada, principalmente nos fóruns internacionais promovidos pela UNESCO, no qual a EJA passa a ser observada como uma educação de caráter permanente. Essa modalidade segundo Freire (2008), é mais bem percebida quando a situamos como Educação Popular, tendo seu conceito não estático na medida em que a 1 Mestranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (UFRN/PPgEL).. E-mail: [email protected]. P á g i n a | 44 realidade começa a fazer algumas exigências à sensibilidade e à competência científica dos educadores e das educadoras. Essas exigências, ainda segundo Paulo Freire, têm a ver com a compreensão crítica dos educadores, principalmente no que se refere à aproximação dos conteúdos com a realidade dos educandos, superando assim o engessado modelo de prática docente postulada de temas alheios ao cotidiano desses grupos populares. Com efeito, fica-nos o sentido da “nova atitude educadora” necessária ao cumprimento satisfatório dos educadores e educadoras nos ambientes da EJA, em função das exigências referidas acima, ou seja, evidencia-se, portanto, a demanda de compromissos por parte dos educadores, no sentido de assumir “vínculos” (envolvimento) que corroborem para o bom desempenho de sua ação educativa. Admitindo, que esses “vínculos” são fortemente correlacionados ao perfil desses educadores, e que esse compreende os compromissos e atitudes educativas próprias e condizentes com a EJA e sua proposta pedagógica, reflete-se quanto a uma necessária formação inicial e continuada dos educadores e educadoras envolvidos nesse processo que, a nosso ver, liberta não apenas o educando, mas também os facilitadores do processo. Esses facilitadores a que fazemos referências são os educadores e educadoras que trataremos como “colaboradores” nessa proposta de estudo, que objetiva analisar o perfil e a formação docente quanto à proposição pedagógica especificamente na modalidade da EJA, em ambientes escolares municipais e estaduais, nos distintos programas e ações executadas em um município do interior potiguar, o qual se situa na microrregião do Seridó Oriental/RN e que atualmente possui mais de 40 mil habitantes. A escolha desse “lócus”, deve-se a importância regional da referida cidade, que exerce significativa influência em pelo menos 14 municípios circunvizinhos, sendo um centro de capacitação e organização de diversas ações e programas de educação. Investigar esse objeto de estudo é muito relevante para a educação do município, visto que se observa a necessidade de descortinar possíveis lacunas e/ou dificuldades sejam na formação inicial ou continuada dos docentes que atuam com a EJA, no intuito de contribuir com discussões e oportunizar projetos que viabilizem melhorias para o trabalho com essa modalidade. Nesse sentido, o presente trabalho está organizado em seções. Na primeira seção, apresentamos exposições preliminares sobre o tema em estudo. Na segunda expomos a contextualização metodológica. Na terceira, destacamos a revisão teórica sobre a EJA. Na quarta seção, trazemos análises sobre o perfil e a formação docente nessa modalidade de ensino. Na quinta e última seção, apontamos considerações sobre o estudo realizado. 2. Contextualização metodológica Em termos metodológicos a presente investigação segue a abordagem de pesquisa qualitativa e quantitativa, visto que conforme Bryman (1995), a geração e a análise de dados acontecem por meio da combinação entre as abordagens de pesquisa quali/quantitativa que podem fortalecer os resultados da pesquisa, no sentido de que evidencia os aspectos positivos e neutraliza as desvantagens de cada uma delas. Assim sendo, compreendemos que essa investigação adota essa perspectiva, pelo fato de P á g i n a | 45 analisarmos os dados utilizando-se de gráficos, os quais colaboram para uma melhor visualização dos dados. No que diz respeito à natureza da pesquisa, entendemos que é descritiva, pois segundo Moreira e Caleffe (2006) é um estudo de status que é amplamente usado na educação e nas ciências comportamentais. O seu valor baseia-se na premissa de que os problemas podem ser resolvidos e as práticas melhoradas por meio da observação objetiva e minuciosa, da análise e da descrição. Para atender a devida investigação, visitamos as escolas da rede municipal e estadual que trabalham com a modalidade da EJA, as quais compreendem um total de 07 instituições de ensino, sendo 03 municipais e 04 estaduais e apresentamos nossa pesquisa. Após a aceitação de todas as escolas e seus respectivos docentes que trabalham com a EJA, organizamos um questionário e aplicamos com os 30 profissionais, no intuito de ouví-los em relação à modalidade que lecionam. Esse trabalho considerará os aspectos éticos que abrangem as investigações que envolvem seres humanos. A preservação do anonimato, a adesão voluntária dos participantes e a autorização desses participantes para que os dados por eles gerados possam ser divulgados na produção proposta. Duas questões dominam o panorama recente no âmbito da ética relativa à investigação com sujeitos humanos, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), o consentimento informado e a proteção dos sujeitos contra qualquer espécie de danos. A ética é entendida em termos de uma obrigação duradoura para com as pessoas com as quais se manteve contato no decurso de toda uma vida como investigador qualitativo. 3. Educação de Jovens e Adultos e a formação docente A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é considerada um campo cheio de complexidades, que demanda definições e posicionamentos claros, politicamente densos e que carrega um rico legado da Educação Popular. Os educadores e as educadoras de pessoas jovens e adultas, assim como os seus educando (as), são sujeitos sociais que se encontram no cerne de um processo muito mais complexo do que somente uma modalidade de ensino (SOARES et. al., 2007). Assim, para melhor definir a especificidade da EJA, conforme Caxias et.al. (2009), a escola não pode esquecer que o jovem e adulto analfabeto é fundamentalmente um trabalhador, que luta para superar suas condições precárias de vida (moradia, saúde, alimentação, transporte, emprego, etc.) que estão na raiz do problema do analfabetismo e que o desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de vida comprometem o processo de alfabetização. Cada vez mais, o conceito de educação de adultos vai se movendo, nas palavras de Freire (2008), para a direção de Educação Popular. Na medida em que a realidade começa a fazer algumas exigências à sensibilidade e à competência de educadores e educadoras. Não é possível a estes, pensar apenas os procedimentos didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos grupos populares. Ao organizar um breve histórico sobre a EJA, Gadotti (2008) explicita que a educação de adultos no Brasil, poderia ser dividida em três períodos: 1º De 1946 a 1958, onde foram realizadas grandes campanhas nacionais de iniciativa oficial, visando P á g i n a | 46 erradicar o analfabetismo; 2º De 1958 a 1964, no qual ocorreu em 1958 o Congresso Nacional de Educação de Jovens e Adultos, que contou com a participação de Paulo Freire, sendo a educação de adultos entendida a partir de uma visão de causas do analfabetismo; 3º O governo militar insistia em campanhas como a Cruzada do ABC (Ação Básica Cristã) e posteriormente, com o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos), fruto do trabalho realizado por um grupo interministerial. Assim, observa-se que a educação de adultos ao longo da história veio sofrendo mudanças e tentativas de significação e organização do ensino. Para Haddad e Di Pierro (2000) citado por Caxias et.al. (2009), o MOBRAL passou a se configurar como um programa que, por um lado, atendia aos objetivos de dar uma resposta aos marginalizados do sistema escolar, e por outro, atendia aos objetivos políticos dos governos militares, propagandeando com a finalidade de convencer de que o programa livraria o país do analfabetismo e permitiriam ás empresas contar coma força de trabalho alfabetizada. Outros dois momentos concernentes a EJA os quais considera-se necessário apresentar, se deu primeiramente com a Lei 5.692/71, em que destaca no capítulo IV a questão do ensino supletivo e no artigo 24 estabelece a finalidade de: suprir a escolarização regular dos adultos e adolescentes que, não tenham seguido ou concluído em idade própria. O Ensino Supletivo, de acordo com Caxias et.al. (2009), objetivava suprir a escolarização regular para adultos, que não concluíram aqueles níveis do processo de escolarização própria, sendo este ensino organizado pelos Conselhos de Educação e caracterizava-se por uma flexibilidade curricular que, por um conceito empobrecido de suplência, firmou a cultura do aligeiramento e da certificação, vigentes ainda na atualidade. E o segundo momento também ocorreu com a promulgação da Lei nº 9.394/96, a qual se inseriu no capítulo II, da Educação Básica, seção V, artigos 37 e 38 a EJA, e enfatiza que esta “será destinada aqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”, (BRASIL, 2009, p.35) reafirmar-se nessa lei o direito a educação pública para jovens e adultos fora das faixas de escolaridade própria. Ainda diante dessa perspectiva Caxias et.al. (2009), afirma que a partir da Constituição Federal de 1988 e das leis de 1971 e 1996, a EJA passou a ser entendida não mais como suplementar, mas como um direito, um elemento essencial para a construção de uma sociedade mais justa, tendo como princípio a garantia do exercício da cidadania. Segundo Arroyo (2007), a EJA é um ambiente ainda não consolidado nas áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes educacionais, da formação de educadores e intervenções pedagógicas. Este estudioso lembra-nos o caráter institucional que a EJA assumiu junto ao MEC, com a criação em 2004 da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), ao mesmo tempo em que nos alerta da necessidade de sua reconfiguração. Essa reconfiguração, que busca dentre outros aspectos, superar campanhas emergenciais e soluções conjunturais, passa necessariamente pela constituição de um corpo de profissionais educadores(as) formados(as) com competências específicas para dar conta das especificidades do direito à educação na juventude e na vida adulta (ARROYO, 2007, p.21). P á g i n a | 47 Uma perspectiva que não poderia deixar de ser mencionada, quando discorremos sobre a EJA, se refere ao caráter assistencialista e infantilizador dessa modalidade. Para Ribeiro (1999, p. 188-189) “esse é um fator que prejudica a constituição do grupo, limitando as condições de se ofertar aos educadores uma formação adequada, que considere as especificidades do público dessa modalidade educativa”. Ainda dando continuidade sobre a temática em estudo, Romão (2008) destaca que não se pode perder a oportunidade de se definir, de uma vez por todas, a Educação de Jovens e Adultos como parte constitutiva do sistema regular de ensino que propicia a educação básica, no sentido da prioridade de que ele deve ser alvo, com todos seus componentes estruturais, por parte das autoridades e da população. Por outro lado, há que se destacar também, a qualidade de que deve se revestir a educação de jovens e adultos, ela não pode ser colocada paralelamente ao sistema, nem como forma compensatória, nem como forma complementar, mas como modalidade de ensino voltado para uma clientela específica. No que tange a formação docente, Giovanetti (2007), estudiosa com publicada experiência na formação de educadores, nos aponta duas dimensões da atuação profissional do educador na EJA, quais sejam: a dimensão prática (o fazer, a intervenção profissional em si) e a dimensão teórica (o pensar, a reflexão sobre a prática e a partir dela), ou seja, “ação e reflexão”. Essa atitude “ação-reflexiva” apontada pela pesquisadora afina-se à prática docente crítica defendida por Paulo Freire, implicante do pensar certo, e que considera o movimento dinâmico, dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer (FREIRE, 2003). Essa “ação-reflexão” deve permear a prática profissional do educador, em sentido mútuo de construção, sob o risco, em contrário, de se incorrer no ativismo, cuja prática se esvazia e não avança, ou no teoricismo, onde a reflexão perde sentido em digressões abstratas. Além dessas duas dimensões da intervenção profissional (prática e digressões abstratas. Além dessas duas dimensões da intervenção profissional (prática e teórica – ação/reflexão), outro elemento se faz necessário, é a explicitação da intencionalidade que orienta ambas. (LIBÂNEO, 2002; ALARCÃO, 2003; GIOVANETI, 2007). Entendemos que essa “explícita intenção” a que fizemos referência, diz respeito também ao que Paulo Freire sustenta ao ver na educação um ato político (portanto intencional) capaz de elevar a consciência dos que nela estão envolvidos, ou seja, considerando como benéfica uma “ação-reflexão” capaz de libertar ao invés de alienar, o que implica necessariamente em docentes desapegados da ideologia fatalista que insiste em ensinar uma realidade sem perspectivas de mudanças, onde a escola tem apenas o objetivo de dotar os sujeitos de conhecimentos para enfrentar o mercado competitivo do mundo capitalista. Assim nos esclarece esse grande Educador quando nos diz que: Do ponto de vista, porém, dos interesses dominantes, é fundamental defender uma prática educativa neutra, que se contente com o puro ensino, se é que isto existe, ou com a pura transmissão asséptica de conteúdos, como se fosse possível, por exemplo, falar da “inchação” dos centros urbanos brasileiros sem discutir a reforma agrária e a oposição a ela feita pelas forças retrógradas do país (FREIRE, 2001 p.102). P á g i n a | 48 Nesse sentido, Magalhães e seus colaboradores (2005, p.02), estudando a formação de professores na perspectiva de Paulo Freire, assinalam que “uma adequada formação do professor é de fundamental importância para o exercício de sua prática, pela postura que irá adotar no encaminhamento de suas ações”, e que para promover a liberdade devem se distanciar da “formação tradicional1”. Outro estudo interessante no âmbito da formação docente trata-se da dissertação de Bezerra (2005) intitulada Práticas interformativas e desenvolvimento profissional de professores de jovens e adultos, na qual a autora concluiu quanto à relevância dessas práticas no desenvolvimento profissional do professor, essa pesquisa foi realizada em uma escola do município de Natal/RN. A autora destacou que essa prática requer um clima aberto à construção coletiva, em que exista uma atmosfera propícia à partilha de conhecimentos. A interformação nas palavras de Garcia (1999) citado por Bezerra (2005, p.19) define-se como “ação educativa que ocorre entre os futuros professores ou entre professores em fase de atualização de conhecimentos. E, que existe como apoio privilegiado no trabalho da equipe pedagógica, tal como hoje é concebido para formação do amanhã”. Sequenciando-se as discussões sobre no que diz respeito à formação docente no ensino ao jovem e adulto, Bernardino (2008, p.02) afirma que esta “pode representar um importante fator para um possível sucesso das políticas de acesso e permanência para essa modalidade de ensino, pois ela pode representar um elo entre as políticas e uma possível efetivação dessa prática pedagógica do professor”. No tocante ao tema Arroyo (2007), explicita que a EJA ao longo de sua trajetória histórica se debateu com a relação delicada existente entre um diálogo que considerasse a importância do saber popular socialmente produzido e que o aluno tivesse garantido o acesso ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade, e o educador que lida com a EJA deve estar atento ao fato de que para trabalhar com esse público é necessário saber reconhecer os diferentes grupos sociais que não são escolarizados ou tenham pouca escolarização, e compreender suas diferenças e semelhanças em relação aos grupos tidos como letrados. Com efeito, Educadores e educandos precisam reconhecerem-se enquanto sujeitos cheios de culturas e conhecimentos, por suas experiências de vida. E, nesse sentido é fundamental que o educador saiba a devida importância de sua prática pedagógica para com esse público, voltada para o diálogo e sempre próximo de suas vivências e como explicita Paulo Freire em suas produções, uma educação voltada para a prática da liberdade na busca da autonomia do educando. Uma discussão oportuna a ser enfatizada, trata-se, como apresenta Romão (2008), em seu artigo Compromissos do educador de jovens e adultos, de uma indagação muito interessante sobre a docência, pois questiona a invasão de profissionais de outras áreas. Uma discussão oportuna a ser enfatizada, trata-se, como apresenta Romão (2008), em seu artigo Compromissos do educador de jovens e adultos, de uma indagação muito interessante sobre a docência, pois questiona a invasão de profissionais de outras áreas na educação e que não encontram qualquer legítima resistência corporativa para o caso, sendo que por falta de uma formação adequada acabam optando por um ensino mais voltado para a instrução do que na prática do diálogo e interação com os educando (as). Essa falta de conhecimento didático por vezes pode prejudicar o desenvolvimento das aulas e consequentemente a aprendizagem significativa dos educandos. P á g i n a | 49 O mesmo autor ainda acrescenta que ninguém é educador, alguém torna-se educador (ou deseducador) no decorrer da existência, no incessante processo de estruturação/desestruturação/reestruturação dos equilíbrios pessoais e coletivos provisórios, na teia das relações sociais, no fluxo permanente das interações entre teoria e práxis. Mediante as discussões entre teoria e práxis sobre o processo de formação dos educadores da EJA, Soares (2006), afirma que não se pode deter a formação apenas de cunho inicial, é necessário ampliar o olhar sobre as trajetórias dos educadores por meio do que Perrenoud (2000) apud Soares (2006, p. 128), desenvolve sobre historia pessoal, ao dizer que: Compreende-se a singularidade de cada percurso, interessando-se pela história de formação das pessoas, pelos processos de desenvolvimento e de aprendizagem por meio dos quais se constroem e transformam-se saberes, representações, atitudes, valores, hábitos, imagem própria e identidade, em suma, tudo aquilo que faz único cada ser. Ainda no que concerne ao assunto, Soares (2006), destaca que apesar de certo consenso, presente nas discussões teóricas e na legislação quanto à necessidade de qualificação específica para o professor de jovens e adultos, é recorrente, ainda na atualidade, a ausência de políticas específicas para a formação inicial e continuada/em serviço, do professor que atuará ou atua com essa modalidade, sendo que a falta de atenção a essas especificidades tem levado muitos profissionais à mera transposição, para jovens e adultos, das atividades que desempenham no ensino regular com crianças e adolescentes. No que tange a questão da mera transposição, Silva e Henrique (2010), discorrem que os estudos indicam que o adulto aprende melhor de forma experimental, evolvendo participação pessoal, física, mental e emocional. Destacam também, que é preciso o olhar sobre as expectativas em torno do processo de aprendizagem desses indivíduos, os quais devem estar relacionados, não apenas às condições socioeconômicas, mas também aos hábitos culturais e geracionais, assim como habilidades e procedimentos, crenças e valores que possuem os diferentes sujeitos que frequentam os espaços de EJA. Não raro nas palavras de Martins et. al. (2008), os adultos, ao retornarem as escolas, trazem a expectativa de encontrar uma escola tradicional/ de transposição, semelhante ao que conheceram quando crianças, com repetições, disciplina rígida, conteúdos copiados do quadro negro e cobrados através da arguição. Nesse caso, o desafio do educador deve ser o de despertar o interesse dos educandos e mostrar-lhes que o aprendizado através de atividades mecânicas é menos produtivo do que o adquirido pela interação com o professor e com seus colegas e no caso dos jovens, cujas passagens recentes na escola, foram, geralmente, marcadas pelo fracasso escolar, o papel dos educadores acaba sendo o de recuperar o vínculo positivo com a escola e elevar sua autoestima. Assim sendo, é necessário conforme Nóvoa (1995), compreender que a formação se constrói através de um trabalho de refletividade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade pessoal, por isso é tão importante investir na pessoa e dar estatuto ao saber da experiência. P á g i n a | 50 4. Análise do perfil e formação docente na Educação de Jovens e Adultos Como processo da nossa geração de dados, organizamos um questionário para ser respondido pelos docentes que trabalham com a EJA no município em estudo, salientamos que todos os professores das 07 escolas participantes, se dispuseram em colaborar com a pesquisa. Como o foco da investigação é o perfil e a formação docente, as questões abordam: dados pessoais; acadêmicos; informações profissionais (como turno de trabalho, vínculos, disciplinas que leciona); perguntas mais específicas com relação ao objeto de estudo (como por exemplo, tempo de atuação com a modalidade da EJA, se participa de cursos voltados para essa modalidade, planejamento) e indagações sobre a profissão docente. Tendo em vista que o tempo livre dos professores na escola é muito pouco, foi acordado com os colaboradores que eles receberiam o questionário e devolveriam em dois dias úteis. Assim sendo, fizemos a recolha dos questionários, escola por escola e seguimos com o andamento da pesquisa. Após a análise dos dados, foi possível destacar alguns apontamentos importantes sobre a modalidade em estudo, dentre eles observamos dados interessantes sobre a formação acadêmica, a formação específica na EJA, os turnos de trabalho e a faixa etária dos colaboradores. No que diz respeito à formação acadêmica, verificou-se que 44% dos professores atuantes na EJA do município analisado, possuem pós-graduação, 36% são graduados e 20% cursaram apenas o nível médio, dados que podem ser bem visualizados na figura 1. Quanto a esse aspecto de formação, Magalhães et al (2005), lembram que é de fundamental importância para o exercício de sua prática, pela postura que irá adotar no encaminhamento de suas ações. Série1; Ensino Médio; 20%; 20% Série1; pósgraduação; 36%; 36% Ensino Médio Série1; Graduação; 44%; 44% Graduação pós-graduação Figura 1 – Nível de escolaridade dos docentes atuantes na EJA participantes da pesquisa. Currais Novos/RN. 2013. No tocante a questão da formação específica na modalidade da EJA, é possível verificarmos nafigura 2, o percentual de docentes quanto à capacitação em função de formação específica ao trabalho com a EJA. Assim, observamos que 64% dos P á g i n a | 51 professores entrevistados afirmaram que receberam pelo menos um tipo de capacitação (cursos) para atuarem nesse âmbito. Pode-se dizer assim, que ainda é recorrente a prática da atuação de profissionais que, mesmo apresentando vocacional e sacerdotal empenho com a educação, não estão devidamente capacitados para trabalharem com esse público. Conforme podemos visualizar no gráfico abaixo: Série1; sem formação na área; 36%; 36% Série1; com com formação específica formação específica; 64%; sem formação na área 64% Figura 2 – Percentual de docentes atuantes na EJA que realizaram ou não cursos de formação específica para trabalhar com esse público. Currais Novos/RN. 2013. Ainda sobre a questão da formação docente na área específica de atuação, Soares (2008), menciona que ainda que não seja uma questão propriamente nova, somente nas últimas décadas o problema da formação de educadores para a EJA ganhou dimensão mais ampla. Esse novo patamar em que a discussão se coloca relaciona-se à própria configuração do campo da Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, a formação dos educadores tem se inserido na problemática mais ampla da instituição da EJA como um campo pedagógico específico que, desse modo, requer a profissionalização de seus agentes. Com relação à faixa etária, por meio da figura 3, percebemos que aproximadamente metades dos docentes estudados encontram-se na faixa de 41 a 50 anos, e que 70% estão acima dos 40 anos de idade. Notou-se um percentual baixo de professores jovens atuando nesse setor, apenas 4% na faixa de 21 a 30 anos e 26% na faixa de 31 a 40 anos. Esses dados podem evidenciar o fato de que nos cursos de formação acadêmica, a EJA ainda é pouco estudada. Soares (2008) corrobora com essa questão, destacando que as ações das universidades com relação à formação do educador de jovens e adultos ainda são tímidas se considerarmos, de um lado, a relevância que tem ocupado a EJA nos debates educacionais e, de outro, o potencial dessas instituições como agências de formação. Para Machado (2000) apud Soares (2008) os trabalhos acadêmicos que se referem à temática, analisados por Machado (2000), alertam que a formação recebida pelos professores, normalmente por meio de treinamentos e cursos aligeirados, é insuficiente para atender às demandas da Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, concluem que, para se desenvolver um ensino adequado a esse público, são necessários uma formação inicial específica consistente, assim como um trabalho de formação continuada. P á g i n a | 52 Série1; > 51 anos; 17,4; 18% Série1; 21- 31Série1; 30 anos; 40 anos; 4,3; 4% 26% 26,1; Série1; 4150 anos; 52,2; 52% 21-30 anos 31-40 anos 41-50 anos > 51 anos Figura 3 – Percentual de faixa etária dos docentes da EJA no município de Currais Novos/RN, 2013. Quanto à carga horária, perguntados sobre em quantos turnos trabalhavam, 42% dos docentes afirmaram trabalhar em três turnos, 25% afirmam trabalhar em dois turnos, na mesma ou em outras escolas. Apenas 33% dos docentes entrevistados dedicam-se apenas a atividade em um turno com a EJA, como pode ser visto na figura 4. Esse quadro representa um alerta quanto ao tempo que os docentes têm para elaborar e realizar planejamentos, atividades, capacitações que propiciem uma atuação mais adequada. Série1; 3 turnos; 25; 25% Série1; 1 turno; 33; 33% 1 turno Série1; 2 turnos; 42; 42% 2 turnos 3 turnos Figura 4 – Percentual de docentes atuantes na EJA no município de Currais Novos/RN de acordo com os números de turnos de trabalho. Currais Novos/RN. 2013. Os colaboradores foram questionados também sobre as disciplinas que atualmente trabalham, correlacionando com as disciplinas de sua preferência, 83% dos docentes responderam que estão satisfeitos com as disciplinas que trabalham, o percentual restante afirmaram estarem insatisfeitos. Este aspecto, certamente, indica um positivo no contexto ao processo do ensino, visto denotar uma maior apropriação e domínio de conteúdos e processos. Mais de 90% dos entrevistados responderam que preferem atuar na EJA do que no ensino “regular”, tal fato pode ser comprovado nas respostas que indicam a vontade de realizarem mais capacitações para atuarem melhor com o público da EJA. P á g i n a | 53 5. Considerações finais É preciso ousar para ficar ou permanecer ensinando por longo tempo nas condições que conhecemos,mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo. É preciso ousar, aprender a ousar, para dizer não à burocratização da mente a que nos expomos diariamente. É preciso ousar para continuar quando às vezes se pode deixar de fazê-la, com vantagens materiais. (FREIRE, U, p. 8, grifo nosso). Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educandos? [...] Preciso, agora saber ou abrir-me à realidade desses alunos com quem partilho a minha atividade pedagógica. Preciso tornar-me, se não absolutamente íntimo de sua forma de estar sendo, no mínimo, menos estranho e distante dela. (FREIRE, 2003, p. 137, grifo nosso). Nestes dois pensamentos freireanos, percebe-se duas necessidades pertinentes aos educadores e educadoras, principalmente os atuantes na EJA, que ao nosso sentir, enfrentam desafios de ordem e complexidade maior. O primeiro pensar remete-se ao “perfil” dos docentes da EJA, que demanda uma disposição ao novo, caracterizado no engajamento da nova proposta educacional, que é ousada na perspectiva de gerar libertação do modelo convencional. Também observase, que esse perfil é composto por uma insistente perseverança, aliado a uma devotada resiliência frente às enormes dificuldades próprias da atividade educacional (desrespeito e pouca valoração). No segundo, é pacífico concluir quanto à necessidade do “como fazer”, o que nos atrela de imediato a necessidade de uma formação, que compreenda a(s) nova(s) demanda(s) que se apresenta(m), inflamada pela necessidade de uma nova abordagem, novas considerações. Enfim, eis os questionamentos que nortearam nossa investigação: Qual a formação dos docentes que lecionam na EJA? Compreendem as necessidades que essa modalidade exige? Qual o perfil profissional desses educadores? Consideramos que os resultados aqui colocados poderão servir de orientação para futuras ações de capacitação e formação acadêmica de docentes atuantes na EJA do município estudado. Referências ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. André, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. 7 ed.São Paulo: Papirus, 1995. P á g i n a | 54 ARROYO, M. Educação de Jovens e Adultos: um campo de direitos e responsabilidade pública. 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P á g i n a | 56 A PESQUISA NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR Edjane Gomes de ASSIS (UFPB) Resumo: O trabalho tem por objetivo refletir sobre a relação pesquisa/estágio desenvolvida nos Cursos de Licenciatura em Letras em duas Instituições de Ensino Superior da Paraíba: Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Na esteira de estudiosos como Antunes (2003), Pimenta e Lima (2008), Bagno (2005),bem como os documentos oficiais, discutimos o processo de formação do professor frente aos desafios do século XXI. A pertinência do trabalho deve-se ao crescente número de produções científicas desenvolvidos a cada semestre, nas duas instituições supracitadas. As pesquisas tem sua gênese nos momentos de intervenção dos graduandos quando passam a vivenciarem a prática pedagógica, mesmo em caráter temporário. Observamos que o estágio funciona como um terreno fértil para articulação de práticas inovadoras que contribuem para o processo de formação de professores comprometidos com uma educação mais democrática e menos excludente. Palavras-chave: Pesquisa, estágio, formação do professor. 1. Para início de conversa Vivenciamos neste século XXI uma preocupação em dinamizar o ensino com base na mobilização de saberes transversos, determinados pelos dizeres do cotidiano e emoldurados por uma cultura do imediato. A velha cartilha que trazia discursos homogêneos e unívocos, pautados no caráter estritamente disciplinar, deu lugar ao diálogo, ao contraponto, à diversidade ideológica e, sobretudo à compreensão de que o sentido sempre pode ser outro. Estas são algumas preocupações que devem figurar a formação do professor de língua portuguesa nestes tempos de “pós-modernidade”. Quando falamos em formação de professor, comumente nos deparamos com as recorrentes discussões que elucidam os velhos contrapontos entre as abordagens inovadoras e práticas tradicionais ainda pautadas no acúmulo de regras gramaticais. Tais discussões parecem ganhar efervescência quando ministramos disciplinas que tratem especificamente das questões didáticas, sobretudo nos estágios supervisionados. Depoimentos de alunos, na condição de estagiários, nos instigam a uma reflexão sobre o perfil do professor de língua portuguesa na atualidade e seu processo didático, ao entrarem em contato com a realidade escolar. Desde o final da década de sessenta, com a chamada “virada pragmática” dos estudos da linguagem, que se discutem formas de dirimir a dogmatização das gramáticas normativas em detrimento de um ensino de língua voltado para uma práxis consistente, com resultados mais visíveis e que estimulem o prazer em aprender. Sendo assim, nossa discussão, no presente trabalho, está sistematizada da seguinte forma: no primeiro momento, faremos uma reflexão sobre o lugar da pesquisa no estágio supervisionado e sua relevância para a formação do professor. Em seguida, apresentamos algumas produções acadêmicas concluídas e outras em andamento, comprovando que o estágio promove o despertar da pesquisa. E por fim, mostramos as contribuições destas pesquisas para as escolas que serviram de base para a aplicação das propostas. Mediante nossa experiência na coordenação de estágio docente (Campus P á g i n a | 57 VI/UEPB- 2012), e atuando como docente na disciplina de estágio supervisionado na Universidade Federal da Paraíba reafirmamos que o estágio proporciona aos alunos universitários, não apenas a oportunidade de vivenciarem o primeiro contato com a prática docente, mas acima de tudo, contribui para a inserção de um fazer científico que, revertido em propostas e metodologias inovadoras, (re)afirma um diálogo entre universidade e escola. 2. O lugar da pesquisa no estágio docente Em seu livro “Pesquisa na escola: o que é, como se faz”, Bagno (2005) afirma que a palavra pesquisa vem do latim perquiro que significa procurar; buscar com cuidado; procurar por toda parte; informar-se; inquirir; perguntar; indagar bem, aprofundar na busca”. A pesquisa está presente em nossas práticas cotidianas, por mais sutis que possam parecer. Quando vamos comprar um carro, ou um imóvel, por exemplo, disponibilizamos uma boa parte de nosso tempo para o trabalho de pesquisa sobre preços, tendências de mercado, melhor investimento, dentre outros aspectos necessários para aquisição destes produtos. Este modo de pesquisar é o que se convencionou chamar de “pesquisas rudimentares”(BAGNO, 2005). Mas há outras pesquisas constituídas de uma articulação teórica que dialoga com a análise, com a prática. É a chamada “pesquisa científica”. A pesquisa científica compreende um processo investigativo sobre um tema específico, com o objetivo de obter conhecimento e, ao mesmo tempo, propor uma solução, reflexão sobre uma problemática existente. Neste sentido, a duração de uma pesquisa dependerá da tipologia e complexidade do tema. Não podemos exigir que a descoberta de uma vacina, por exemplo, tenha duração de apenas semanas ou meses. Os cientistas podem passar até dez anos pesquisando uma patologia. A indústria automobilística passa anos pesquisando as novas tecnologias para a projeção dos carros, que inclui velocidade, potência, conforto, e a tendência atual do século XXI: carros menos poluentes. Um aspecto a ser observado no fazer investigativo é quando entendemos que as teorias estão sempre em transformação e as técnicas e métodos de pesquisa também acompanham tais mudanças. A questão básica é compreender que uma “nova” teoria nem sempre descontrói totalmente a anterior, mas a ressignifica, a transforma, parte de algo já construído. Mas qual a relação destes exemplos supracitados, com o estágio docente? Acreditamos que o estágio docente, compreende um dos momentos mais significativos para os cursos de licenciatura, pois propicia o contato direto do estagiário com a prática pedagógica. Diferentemente do caráter estritamente burocrático, que se limita em preencher fichas e formulários, é necessário compreender que o estágio é um momento de enfrentamento do professorando diante da realidade escolar. Vivenciar a rotina de uma sala de aula e se deparar com o processo didático-pedagógico, mesmo que por um breve período, caracteriza um dos primeiros passos para o processo de formação do perfil deste futuro docente.A pesquisa entrecruza tais procedimentos metodológicos porque investigar, a partir de um ponto específico,significa assumir uma atitude diante de uma problemática existente,com o objetivo de contribuir para o bem comum da sociedade. Em nosso país temos vários órgãos do governo que incentivam a pesquisa científica, tais como: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), P á g i n a | 58 dentre outras entidades que desenvolvem pesquisas nacionalmente internacionalmente, fornecendo bolsas de incentivo ao pesquisador. e Semelhante a um engenheiro, que munido de toda sua bagagem (teorias, cálculos e testes realizados na universidade e, sobretudo nos estágios e cursos de formação), consegue criar, transformar na prática aquilo que aprendeu, dizemos que o futuro docente de língua portuguesa, mesmo em processo de formação, já consegue explorar seu campo de atuação com base no repertório teórico visto nas disciplinas do curso. Defendemos que os procedimentos e estratégias do pesquisador estão diretamente relacionados ao fazer pedagógico, sobretudo quando o estagiário se depara com os conflitos diários e frequentes na relação ensino-aprendizagem. São desafios previstos e não previstosem que se faz necessária uma profunda reflexão. Mesmo com o acompanhamento do professor da escola concedente, cabe ao estagiário “assumir” um posicionamento crítico diante de sua nova realidade. É nesse momento, que ele (estagiário) começa a refletir sobre o perfil de profissional que encontrará, bem como, o perfil de aluno que está frequentando os bancos da escola. A sala de aula é o lugar em que as teorias estudadas na universidade se materializam, ou não, pois estudar os silenciamentos no que concerne ao uso das novas tendências também é de fundamental importância para a formação do professor. Assim, o que merece uma maior atenção na pesquisa é o olhar diferenciado sobre o objeto pesquisado. No que concerne ao processo contínuo da formação do professor, compreendemos que é vivenciando o fazer didático in loco, que o estagiário terá subsídios para moldar sua prática frente aos desafios propostos nesse novo momento. Seu olhar compreende o primeiro passo para o desenvolvimento das demais etapas. Assim, dizemos que o estágio é um campo fértil para a articulação de propostas inovadoras. Conforme Pimenta e Lima (2008, p.25), Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas. Nesse sentido, o estágio poderá se constituir em atividade de pesquisa. Não é de hoje que se discutem estratégias para solucionar o embate - ensino de língua X tradição gramatical. Algo de mais concreto neste aspecto aparece com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Fundamental e Médio (PCN), ainda no século XX (final da década de noventa), seguidos das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), e os PCN+. Os documentos oficiais do governo federal apontam para um ensino articulado nos três eixos fundamentais: eixo da leitura, eixo da produção e o eixo da análise linguística. Tais documentos são pautados nas novas contribuições dos estudos linguísticos, amplamente estudadas nos cursos de Licenciatura em Letras. Os textos contidos nos documentos são enfáticos em defender um ensino com vistas às práticas de letramentos que possibilitem ao aluno, utilizar a linguagem conforme suas necessidades comunicativas, ou seja, a língua enquanto uma prática social. Para tanto, elegem o estudo do texto como forma de apresentar os usos da língua em seus diversos modos. Vejamos o que nos dizem os PCN + sobre esta questão: O ensino e a aprendizagem de uma língua não podem abrir mão dos textos, pois estes, ao revelarem usos da língua e levarem a reflexões, P á g i n a | 59 contribuem para a criação de competências e habilidades específicas. Entre elas: i) reconhecer, produzir, compreender e avaliar a sua produção textual e a alheia. ii) interferir em determinadas produções textuais; iii) incluir determinado texto em uma tipologia com base na percepção dos estatutos sobre os quais foi construído e que o estudante aprendeu a reconhecer (saber que se trata de um poema, de uma crônica, de um conto). (PCN+, 2000, p.55). O documento é inovador e parte da premissa de que um ensino produtivo é aquele capaz de propiciar ao aluno, a produção e reflexão sobre a língua em suas mais diversas especificidades. O problema reside no momento de por em prática os documentos oficiais nas atividades pedagógicas. Causa, no mínimo, um estranhamento, que ainda hoje, em plena chamada “era da pós-modernidade”, continuemos discutindo questões de séculos atrás, tentando diminuir os altos índices de analfabetismos que aparecem nas estatísticas apresentadas pelo Ministério da Educação. Eis um aspecto complexo: Se por um lado temos toda uma legislação que determina parâmetros para o ensino de língua portuguesa frente aos desafios deste século, por outro lado, ainda não achamos a “fórmula mágica” que tente suprir a dificuldade em utilizar estes pressupostos, sem repetir a prática tecnicista/mecanicista que perdura ao longo do tempo eque dogmatizou a gramática normativa. Como afirmamos, as atividades executadas no estágio docente conduzem a um fazer investigativo que transcende os limites da teoria estudada no interior dos cursos de licenciatura. Um exemplo das atividades que são desenvolvidas no estágio compreende os relatórios que são produzidos pelos discentes. Tais instrumentos de diagnósticos (relatórios) deixam materializados os aspectos que discutimos até agora, sobretudo o distanciamento entre os documentos oficiais e seu silenciamento em uma aula de língua portuguesa do ensino fundamental. Vejamos: O conteúdo abordado na aula foi “Predicado nominal e verbal”. (...)Assim, a estrutura da aula foi: a) a escrita de dez frases no quadro; b) a cópia no caderno por parte dos alunos e a identificação do tipo de predicado; c) a correção coletiva no quadro. Antes de escrever a questão, a professora falou para o observador, interrompendo a aula, que hoje a aula seria “mais gramatical”, e que por isso, seriam usadas frases soltas. Entretanto, a professora ressaltou a importância do ensino da gramática com textos, e disse que na aula de apresentação, procedeu dessa forma. Para nós, essa interrupção demonstrou a preocupação com o ensino de gramática mais moderno, explicado pela recente formação acadêmica da docente. (C.M.O. – graduando do curso de Letras de uma IES da Paraíba). (grifos nossos). A descrição do estagiário comprova o que elucidamos no início deste tópico. Ao mesmo tempo em que temos um aparato regulamentador que prescreve um ensino de língua mais dinâmico, temos, também, a dificuldade em colocar em prática esses documentos oficiais, com base no caráter mais epilinguístico e menos metalinguístico. Contudo, a professora entende que está “trabalhando frases soltas”, mas justifica que P á g i n a | 60 isto é apenas uma noção introdutória do conteúdo – tipos de predicado. A observação do estagiário, já compreende um olhar investigativo sobre a realidade do ensino de língua materna. Dentre as várias possibilidades de observação, o estagiário dirige seu olhar para o percurso didático-pedagógico da aula, questionando e refletindo os vários pontos de análise que estão intrinsecamente ligados ao processo do ensino. Na perspectiva da aula analisada pelo estagiário, observamos que o fundamental para o aluno é que ele identifique os tipos de predicado, mediante “frases soltas” e descontextualizadas. A aula já infringe os documentos oficiais quando defendem que se estude o texto, e seu processo de atribuição de sentido, mas sem utilizá-lo como pretexto para a abordagem gramatical. A docente entende essa lacuna, daí sua necessidade de justificar, contudo, não consegue transpor tal obstáculo, quando, na verdade, deveria utilizar uma integração dos três eixos: leitura, produção e análise linguística. A solução não é tão simples assim, mas exige todo um processo de construção que vai se moldando de forma gradativa, pois tanto o docente, quanto o discente são também vítimas da atual conjuntura educacional. Está instaurado, pois, o fazer pesquisador do estagiário quando ele não se limita em utilizar o espaço da sala enquanto mero observador, mas já passa a refletir, questionar e propor uma forma de intervenção com o objetivo de não acusar ou emitir julgamentos de valor sobre o(a) docente observado(a), mas propõe auxiliar, acompanhar e construir uma espécie de parceria que aproxime a universidade da escola e vice-versa. Creio que os professores de estágio, envolvidos com a prática de intervenção, devam manter um olhar para o caráter da pesquisa nas aulas observadas. Do contrário, o momento de estágio não passará de um espaço meramente burocrático e condicionado ao preenchimento de fichas, termos de compromisso e produção de relatórios que ficarão engavetados ou arquivados nos acervos das universidades. A rigor, a pesquisa educacional, um espaço de subjetividades, não deve ser circunscrita aos limites de laboratórios fechados (sala de aula) em que são amplamente discutidas as tendências linguísticas atuais. No contexto educacional, acreditamos que é no contato com o público docente e discente, é no desenvolvimento das ações pedagógicas, é na proposta de ampliação do diálogo entre os agentes envolvidos na educação, que se descortinam pontos de partida para outras possibilidades de ensino, sem o objetivo de apontar erros e julgar os profissionais que estão atuando durante vários anos. As pesquisas mostram, também, saldos positivos e significativos avanços que precisam ser valorizados e apresentados para a sociedade. Eis um exemplo do depoimento de um estagiário: Com relação à escola, posso dizer que fui muito bem recebido. A diretora foi muito solícita e não tive dificuldade em ajustar meus horários. A professora, igualmente amigável, proporcionou que o trabalho desenvolvido ocorresse da melhor forma possível. Os alunos da turma, apesar de estarem defasados quanto ao ensino de língua portuguesa nesse ano letivo (as aulas dessa disciplina começaram, de fato, no fim do segundo bimestre, estando grande parte da turma sem nenhuma nota), são muito inteligentes e absorveram o assunto rapidamente. Encontrei em alguns, particularmente, um potencial extraordinário. Impossível não se apegar a essa turma, que P á g i n a | 61 também foi muito receptiva. (P.F., graduando do curso de Letras de uma IES da Paraíba). O depoimento deste outro estagiário comprova que, mesmo com algumas dificuldades perceptíveis para o processo de intervenção dos estágios nas escolas, há uma abertura dos agentes envolvidos com o fazer educacional. A turma observada correspondeu às expectativas do estagiário, que também ocupou a função de um pesquisador, pois empreendeu uma análise sobre a realidade dos alunos, observando que eles só entraram em contato com a disciplina de língua materna no fim do segundo bimestre. Contudo, ele percebe que estes alunos têm uma boa percepção para a aprendizagem e estão abertos para o novo, pois “são muito inteligentes e absorveram o assunto rapidamente”. Em outras palavras, diríamos que o terreno é fértil, basta utilizar as sementes certas e manter a paciência e o cuidado para observar as respostas dos alunos, a exemplo do homem do campo que está sempre atento, esperando o tempo de colher os frutos do trabalho. No campo educacional o fruto seria a formação de um indivíduo letrado, que saiba utilizar a linguagem, em suas diversas modalidades, conforme suas necessidades comunicativas. 3. A produção acadêmica e sua articulação com o estágio Até agora vimos a partir dos relatórios de estágio, a descrição do ensino de língua em algumas escolas-campo de intervenção para a realização do estágio. Observamos que o fazer investigativo, característico da pesquisa, é atravessado pela articulação entre teoria (o aparato de conhecimentos teóricos) e a prática (a explicação dos conteúdos e o desenvolvimento das atividades em sala de aula). Não é de se estranhar o número de produções acadêmicas surgidas a partir dos momentos de intervenção do estagiário nas escolas de nível fundamental e médio. Entra em jogo a necessidade de por em prática o que assimilaram na universidade e contribuir para o aperfeiçoamento do quadro que se encontra o ensino atual, sobretudo porque, na maioria das vezes, as escolas utilizadas no estágio coincidentemente são o futuro local de trabalho destes recém-professores. Assim, é comum nos depararmos com estagiários que querem desenvolver as intervenções em sua comunidade com o objetivo de contribuir para a mudança da escola que estudaram em boa parte da infância e adolescência. Os relatóriossão alguns dos inúmeros mecanismos que reafirmam o lugar da pesquisa no estágio, e comprovam o aspecto enriquecedor que este espaço propicia para o desenvolvimento de propostas incisivas no que concerne às mudanças que tanto almejamos. Elencamos a seguir alguns exemplos de produções acadêmicas que tiverem sua gênese nas situações vivenciadas no estágio supervisionado obrigatório desenvolvido na Universidade Estadual da Paraíba e Universidade Federal da Paraíba. Vejamos: Produção Acadêmica O texto jornalístico na sala de aula: uma contribuição para o ensino de leitura e produção P á g i n a | 62 textual. (CNPQ/Pibic de 2010-2011 - UEPB) Projetos de Científica A linguagem e seus efeitos de sentido nos Iniciação movimentos artístico-culturais da Ditadura militar no Brasil: um olhar discursivo para a sala de aula. (CNPQ/Pibic- 2012-2013 – UEPB). Programa em parceria Programa de Melhoria da Educação Básica com o Governo do Estado (PROMEB), desenvolvido em parceria com os alunos estagiários da UFPB. da Paraíba O perfil leitor do docente de língua materna dos níveis fundamental II e médio das escolas públicas zona urbana da cidade de MonteiroPB. (UEPB). Os tipos de correção de produção textual desenvolvidas por alunos-estagiários de Letras/Português (UEPB). A educação linguística na escola: respeito à diversidade de falares e escreveres como ponto de partida para a inclusão social do falante da língua na norma prestigiada socialmente Trabalhos de Conclusão (padrão). (UEPB) de Curso O gênero história em quadrinhos: um processo significativo para a formação de leitores. (UEPB) O corpo em (des)ordem: Uma análise discursiva sobre o estereótipo da beleza nas revistas Corpo a corpo e Boa Forma. (UEPB). A produção textual no Ensino Médio: gestos de interpretação e seus efeitos de sentido. (UEPB). A carta ao leitor da revista Veja: a constituição dos efeitos de sentido. (UEPB). Fonte: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv O quadro mostra que o olhar do pesquisador nasce a partir do contato direto com a prática educativa. As produções objetivam contribuir para a elaboração de aulas que estejam fundamentadas nas práticas de letramentos das turmas de nível fundamental e médio. Especialmente na execução dos dois projetos de Pibic, foram ministrados cursos de aperfeiçoamento, envolvendo alunos da universidade e professores das escolas de intervenção do estágio. Resultando, pois, na elaboração de materiais didáticos para serem consultados e utilizados pelos professores de língua portuguesa, como também, docentes de outras disciplinas (exemplo do Pibic de 2012 e 2013), cujas contribuições são direcionadas para os professores de História, Sociologia, dentre outras disciplinas – propiciando, deste modo, o caráter da interdisciplinaridade. P á g i n a | 63 As produções acadêmicas, embora desenvolvidas em perspectivas teóricas distintas, possuem uma relação de proximidade: todas cultivam uma preocupação em problematizar os aspectos da leitura e produção textual com base nas dificuldades dos alunos. As propostas surgiram quando os estagiários começaram a vivenciar as aulas de língua portuguesa no ensino fundamental e médio, e tiveram a oportunidade de entrar em contato direto com o corpo docente e discente das escolas selecionadas para a intervenção. O olhar sobre o objeto pesquisado adquire novas nuances quando os estagiários passam a estabelecer um diálogo entre os conteúdos estudados nas disciplinas ao longo do curso, e sua ação na prática comunicativa dos alunos. Começa, pois, um processo de aprender a ensinar, mas também, aprender a aprender. Os depoimentos dos alunos nos relatórios correspondem ao que a professora Irandé Antunes pontua sobre o perfil dos professores de língua portuguesa. A autora é enfática quando observa o ensino restrito da gramática: “E preciso reprogramar a mente de professores, pais e alunos em geral, para enxergarmos na língua muito mais elementos do que simplesmente erros e acertos de gramática e de sua terminologia.” (ANTUNES, 2007, p.23). O processo de formação dos professores deve estar articulado na premissa de que a escola está também passando por uma transformação. Os alunos já estão em contato com novas práticas de leitura e escrita, resta contribuir para a dinamização dos saberes e integrá-los dentro de uma funcionalidade. Conforme Possenti(apud ANTUNES, 2007,p.37): No dia em que as escolas se derem conta de que estão ensinando aos alunos o que eles já sabem, e que é em grande parte por isso que falta tempo para ensinar o que eles não sabem, poderia ocorrer uma verdadeira revolução. (...) Sobraria apenas coisas inteligentes para fazer na aula, para escrever e ler de forma sempre mais sofisticada, etc. A prioridade pelo critério puramente quantitativo em detrimento do critério qualitativo é resultante de um ensino que privilegia a tradição e repetição que perdurou ao longo do tempo e ainda continua ativo, mesmo com a inovação das perspectivas advindas da linguística. Um dado interessante levantado pelo jornalista Renato Pompeu da revista Caros Amigos (no64 - edição especial sobre Educação), revela que a deficiência no ensino não está circunscrita às aulas de língua portuguesa. Após seu estágio em aulas de história, o jornalista afirma que a deficiência não é tão somente individual, mas fruto de toda uma conjuntura social. Depois de passar algumas semanas assistindo aulas de história no ensino fundamental e médio numa escola pública, cheguei à conclusão de que as deficiências do ensino público não são atribuídas a falhas individuais dos professores ou dos alunos, mas a toda uma estrutura há muito tempo obsoleta que não consegue lidar com as condições atuais do aprendizado. (POMPEU, 2013, p. 21). Diríamos que o “novo” ainda constrange, ou causa certo desconforto àqueles que estão há mais de vinte anos no exercício docente, ou ocupando cargos administrativos. P á g i n a | 64 Mesmo com algumas exceções, as resistências são bem visíveis, pois é mais “confortável” manter a rotina, e perpetuar as “teorias” obsoletas. Contudo, é necessário observar que já testificamos avanços significativos. Os projetos e incentivos governamentais, bem como, as propostas iniciadas na universidade promovem não apenas o processo de aperfeiçoamento dos professores, mas instaura a reflexão e inquietação dos universitários frente aos desafios que irão encontrar na docência. Deste modo, as produções acadêmicas têm a função de deixar um legado para as escolas, ao trabalhar de forma mútua, estreitando o diálogo com a comunidade. 4. Contribuições da pesquisa no estágio para o ensino atual Conforme observamos, o objetivo da pesquisa é contribuir para o bem da sociedade no sentido de propor uma solução diante de uma problemática apresentada. Algumas discussões recorrentes, quando nos deparamos com o início das atividades de estágio nas escolas, configuram o legado que os trabalhos de pesquisa irão deixar para as escolas que serviram de base para o desenvolvimento dos projetos e trabalhos de conclusão de curso. Sobre os projetos de Iniciação científica podemos seguramente afirmar que foram executados alguns cursos de aperfeiçoamento que envolveram não apenas professores das escolas, como alunos que participaram de oficinas de leitura e produção textual. Além de uma versão final dos trabalhos de conclusão de curso, as produções acadêmicas consistiram na produção de um material de consulta (compêndio), para ser utilizado pelos professores da disciplina de língua portuguesa. Os estagiários, embora mantendo as condições de observadores e também aprendizes, são orientados a contribuíram nas turmas em que estão atuando: dialogando com alunos e professores, confeccionando materiais didáticos para serem utilizados nas aulas, pesquisando outras fontes além do livro didático, motivando alunos e professores, estreitando os laços entre escola e universidade. Tudo dentro dos limites da ética, discrição, responsabilidade e respeito para com as partes envolvidas. Para uma melhor visualização sobre estas e outras contribuições da pesquisa no estágio, escolhemos apresentar, em linhas gerais, os três primeiros projetos vistos no quadro anterior, que nos informam o caráter significativo e articulador do estágio enquanto um campo de pesquisa. O projeto “O texto jornalístico na sala de aula: uma contribuição para o ensino de leitura e produção textual”. (CNPQ/Pibic de 2010-2011 - UEPB), foi desenvolvido em uma escola pública da região do Cariri paraibano, a partir de experiências da bolsista no estágio de intervenção no ensino médio. Nos momentos de intervenção, a bolsista observou as dificuldades dos alunos no que concerne à leitura de textos argumentativos da esfera jornalística. A problemática se intensificava quando os discentes (alunos do ensino médio) são postos em situações de escrita, ou seja, quando eram “convocados” para produzirem as redações para o ENEM. Para tanto, foram ofertados cursos de extensão e oficinas envolvendo os partícipes da pesquisa. O Projeto de Iniciação Científica “A linguagem e seus efeitos de sentido nos movimento artístico-culturais da Ditadura militar no Brasil: um olhar discursivo para a sala de aula”, (CNPQ/Pibic de 2012-2013 - UEPB), também foi desenvolvido em parceria com uma escola de ensino fundamental e médio do município de Monteiro na P á g i n a | 65 região do cariri paraibano. Com base nas atividades de estágio, o bolsista detectou a escassez de materiais que evidenciam esta página da história do país. Isto nos deu subsídios para entender que os estudantes do nível médio, mesmo com todo o cenário de mobilização dominante na atualidade, desconhecem o que configurou a ditadura militar no Brasil e todo o acervo cultural produzido na época. Fundamentados na teoria da Análise do discurso francesa, focalizamos a linguagem e seus efeitos de sentido enquanto formas de materialização do ideológico. Semelhante ao projeto anterior, desenvolvemos cursos de extensão e oficinas com alunos e professores da escola, que resultaram na confecção de uma apostila (um acervo de textos e atividades sobre a ditadura militar no Brasil), para ser utilizada pelos professores de língua portuguesa, bem como outros professores de disciplinas afins. Com isso, promovemos um caráter interdisciplinar, já que a leitura é a produção são os eixos de sustentação do projeto. E o por fim, temos mais uma contribuição acadêmica em plena execução “Programa de Melhoria da Educação Básica” (PROMEB – 2013). O PROMEB é um programa de estágio da Universidade Federal da Paraíba, vinculado àPró-Reitoria de Graduação, que tem por objetivo, contribuir para a melhoria da qualidade de ensino da Educação Básica e Superior, por meio de convênios firmados entre a UFPB, a Secretaria de Educação do Estado da Paraíba e Secretarias de Educação Municipais. Os estagiários envolvidos no PROMEB contribuem com apoio pedagógico às escolas selecionadas do município de João Pessoa. Os bolsistas são orientados a manter uma parceria com os professores das escolas, auxiliando-os na execução de projetos já existentes, e ainda, a produzirem materiais didáticos que auxiliarão na assimilação dos conteúdos. Os trabalhos de Conclusão de Curso e os relatórios de estágios podem ser consultados pelos professores das escolas envolvidas, como forma de autoavaliação e aperfeiçoamento da prática pedagógica, como também, para revelar os aspectos positivos apresentados nas aulas observadas. A produção acadêmica, especialmente os projetos que são desenvolvidos nas escolas em parceria com a universidade, devem ser postos em evidência permitindo, assim, uma maior visibilidade da pesquisa e sua contribuição para o ensino nesta reconfiguração atual. 5. Considerações finais: Pesquisar não significa atuar de forma isolada e ignorar os acontecimentos diários. No que compreende o campo educacional, sobretudo o ensino de língua portuguesa, tal atitude se torna praticamente inviável, pois lidamos com um objeto dinâmico, multifacetado, materializador do pensamento - a língua; e é no estágio, quando nos colocamos em uma nova situação dos cursos de licenciatura, que nos deparamos com o real processo de formação do professor, quando os alunos são convidados a “assumiram” uma nova posição, mesmo que seja temporária. Quando se fala em professor-pesquisador, imediatamente é necessário pensar inicialmente no perfil do aluno-pesquisador e neste caso apresentado aqui, é necessário pensar no estagiáriopesquisador. As contribuições das pesquisas vistas aqui, não silenciando também os depoimentos dos estagiários de duas Instituições do Ensino Superior da Paraíba, confirmam a problemática existente no ensino de língua ainda nos tempos atuais. P á g i n a | 66 Todavia, em outro aspecto, as produções acadêmicas reafirmam a evidência de uma significativa abertura para novos caminhos e novas propostas que não param de surgir a cada semestre nos cursos de licenciatura. Portanto, é dever do docente, comprometido com o fazer educacional, ampliar a visão do estagiário para os caminhos e descaminhos da formação do professor, mas,sobretudo pensar em formar cidadãos capazes de agirem e reagirem diante dos acontecimentos. Formar alunos que saibamutilizar a linguagem conforme suas necessidades comunicativas. Para isto, escola, universidade, bem como os diversos órgãos e setores envolvidos com as políticas públicas, devem manter uma relação de reciprocidade, estabelecer, assim, uma parceria pelo bem comum da sociedade. Este é o legado da pesquisa. Esta é a função do estágio nos cursos de formação de professores. Referências: ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BAGNO, Marcos. A pesquisa na escola: o que é, como se faz. São Paulo, Edições Loyola, 2005. BRASIL. Proposta de diretrizes para a formação inicial de professores de educação básica em cursos de nível superior. Brasília: MEC/SEF, 2000. PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria do Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo, Cortez, 2008. _____. O Estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? São Paulo, Cortez, 2002. POMPEU, Roberto. Ensino Público visto por dentro. Caros Amigos, Editora Caros Amigos, Edição Especial, Ano XVII, no 64, São Paulo, Setembro de 2013. (pág. 21). P á g i n a | 67 FORMAÇÃO E REFLEXÕES DE UMA PROFESSORA EM ESTÁGIO DOCÊNCIA Rosycléa DANTAS (UFPB) Betânia Passos MEDRADO (UFPB) O desenvolvimento humano nada mais é, de fato, que o movimento permanente de atribuição de significações a nosso agir e nossa vida. (Bronckart) Resumo: Entendendo que a formação docente não se encerra na preparação inicial oferecida, predominantemente, nos cursos de graduação, mas que se apresenta como um processo contínuo e continuado (TARDIF, 2000) ao longo da vida profissional de cada trabalhador, fundamentamos nossas discussões nos estudos de Clot (2006, 2010), desenvolvidos no âmbito da Clínica da Atividade, que compreendem o trabalhador como um profissional inacabado, em um processo incessante de auto movimento (VYGOSTSKY, 1976 apud SCHNEUWLY, 2009), de desenvolvimento. Além disso, sustentamos nossas reflexões em pesquisas que ressaltam a necessidade de ações formativas que possibilitem aos docentes em formação um contato mais próximo com os contextos reais de sala de aula (TARDIF, 2000; MEDRADO, 2012). Para tanto, nosso objetivo consiste em identificar os conteúdos temáticos (BRONCKART 1999; MACHADO e BRONCKART, 2009) mobilizados no diário de aprendizagem de uma professora de inglês, aluna de mestrado da Universidade Federal da Paraíba, e discutir como esses conteúdos revelam representações do estágio docência e do trabalho do professor. A leitura dos dados aponta para a influência do estágio docência na vida acadêmica da professora, evidenciando-o como um espaço de aprendizagem e de desenvolvimento profissional, e também contribuindo para a compreensão do processo contínuo do tornar-se professor (MEDRADO, 2012) no âmbito da pós-graduação. Palavras-chave: Pós-graduação; Estágio docência; Formação; Desenvolvimento. 1. Introdução A epígrafe de Bronckart (2008) nos leva a refletir sobre o desenvolvimento humano, ratificando a ideia – com a qual partilhamos – de que o desenvolvimento profissional é algo em constante construção. Esse entendimento está presente nos estudos que abordam a formação docente (TARDIF, 2000; REICHMANN, 2007; MEDRADO, 2012), concebendo-a como um processo contínuo e continuado (TARDIF, 2000). Faz-se imprescindível, a partir dessa linha de raciocínio, considerar que o estágio docência, no âmbito da pós-graduação, apresenta-se como um espaço propício à aprendizagem, à reflexão crítica e à ressignificação do agir docente. Para tanto, ressaltamos que ao relatar as vivências oriundas do estágio, o professor em formação, “[...] além de registrá-las e organizá-las, atribui-lhes significado” (MEDRADO, 2012) e ao voltarmos à nossa epígrafe, compreendemos que essa atribuição de significados é P á g i n a | 68 constitutiva do desenvolvimento profissional. Diante disso, objetivamos identificar os conteúdos temáticos (BRONCKART 1999; MACHADO e BRONCKART, 2009) mobilizados no diário de aprendizagem de uma professora de inglês, aluna de mestrado da Universidade Federal da Paraíba, e discutir como esses conteúdos revelam representações do estágio docência e do trabalho do professor. Na primeira seção deste artigo, trataremos, brevemente, da noção de desenvolvimento, ressaltando o agir do professor. Em um segundo momento, abordaremos aspectos da formação docente, pontuando a relevância do estágio docência e discorrendo acerca do diário de aprendizagem nesse contexto. Em seguida, discutiremos alguns segmentos dos relatos da professora - participante da pesquisa - à luz dos referenciais teóricos citados anteriormente. 2. Desenvolvimento no âmbito do agir docente O mundo social, segundo Vygotsky (1925 apud CLOT, 2006, p.25), é uma relação inacabada, e isso faz com que o sujeito “[...] torne seus esses conflitos, esse não acabamento do social; portanto, ele se apropria [...] das discordâncias criadoras que o mundo social lhe propõe, colocando algo seu”. A partir desse pensamento de Vygotsky (op.cit.), entendemos que a atividade docente, como componente do mundo social, é uma atividade inacabada, permeada por conflitos, e o professor, sujeito dessa relação, nunca conclui o processo de tornar-se professor (uma vez que é igualmente inacabado), pois está a cada dia tentado a colocar algo seu no trabalho, tentando aprender e desenvolver os possíveis não realizados (CLOT, 2006) de sua atividade. Ainda de acordo com Vygotsky (2000 [1934], p.118), “[...] o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento”, ou seja, a aprendizagem cria um espaço propício para que o desenvolvimento ocorra. Nessa perspectiva, entendemos que o professor em formação encontra-se em constante movimento de aprendizagem e esta faz com que ele, aos poucos, torne-se membro de um sistema de relações entre pessoas em uma atividade, possibilitando seu desenvolvimento nas ações que exercem, isto é, o desenvolvimento profissional. 3. Formação docente na pós-graduação: um diário Tardif (2000, p.07) defende que “[...] tanto em suas bases teóricas quanto em suas conseqüências [sic] práticas, os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte, de uma formação contínua e continuada”. Desse modo, entendemos que a formação não finda com o término da graduação, mas permanece por toda a vida profissional de cada trabalhador. Nesse âmbito, entendemos que o estágio docência permite ao futuro professor universitário “[...] enxergar por si próprio e à sua maneira, as relações entre meios e métodos empregados e resultados atingidos” (DEWEY, 1974, p.151). Com essa discussão, e entendendo o trabalho docente como uma atividade situada, prefigurada, mediada, interacional, interpessoal, transpessoal, conflituosa e provocadora de desenvolvimento (MACHADO, 2007), salientamos que no âmbito do P á g i n a | 69 ensino universitário o trabalho do professor é influenciado por esse contexto da academia, pelas prescrições, pelos artefatos, pelos modelos de agir e diversos outros envolvidos no sistema de atividade que diferem daqueles do ensino básico, para o qual o professor recebeu formação no período da graduação. Desse modo, consideramos relevante não apenas que o professor aprenda um arcabouço de conhecimentos teóricos sobre o objeto de ensino, mas que vivencie a experiência do estágio docência, para que possa, cada vez mais, se aproximar dos gestos específicos que permeiam o fazer pedagógico no contexto universitário. Aliados a esse pensamento, destacamos que o futuro professor da universidade seja formado para ser um profissional reflexivo (SCHÖN, 2000), pois este “[...] não só constrói a sua prática, mas também é capaz de, através de análises sistematizadas, (re)significá-la” (MEDRADO, 2008, p.105). Nesse panorama, destacamos o diário de aprendizagem como um espaço de reflexão acerca do fazer docente, um espaço onde o professor pode colocar suas “[...] tensões, reflexões e (re)elaborar crenças e práticas” (REICHMANN, 2007, p. 112), compreendendo melhor seu trabalho, transformando-o (CLOT, 2010) e se desenvolvendo. 4. Temas mobilizados no diário de uma professora em estágio docência O conteúdo temático de um texto é definido por Bronckart (1999, p.97) como o “[...] conjunto das informações que nele são explicitamente apresentadas”. O autor ressalta ainda que essas informações são “[...] representações construídas pelo agenteprodutor. Trata-se de conhecimentos que variam em função da experiência e do nível de desenvolvimento do agente” (p.97-98) e que estão em sua memória. Nos quatro relatos extraídos do diário – escritos entre os meses de maio e junho de 2013 – observamos a predominância de três temas: comparação das aulas com a época em que a estagiária cursava a graduação; influência do estágio docência na vida acadêmica da professora; e reflexão sobre o fazer pedagógico do professor formador. Para tanto, tomamos esses conteúdos temáticos como base na leitura dos dados. 4.1. Comparação das aulas com a época em que a estagiária cursava a graduação Nos trechos a seguir, percebemos como a professora volta ao passado (época em que fazia graduação) para estabelecer uma comparação entre as aulas na graduação e as aulas de estágio docência de que participa: Segmento 01 É incrível como eu não conseguia deixar de pensar nas ações da professora levando em consideração as questões teóricas sobre o trabalho do professor; de questões práticas sobre a apresentação da disciplina, de como essa base de documentos, regimentos do estágio são importante para os alunos, porque não tive isso no meu primeiro dia de aula de estágio e me fez muita falta depois. Segmento 02 P á g i n a | 70 Essa coisa de trazer essa discussão da observação, de dar dicas para alunos para que não tenham um olhar ingênuo (superficial) da atividade do professor regente, é algo que muitas vezes não ocorre nas aulas de estágio, comigo, por exemplo, não aconteceu, então o aluno/estagiário vai pra escola, sem esse preparo para a observação de aulas. Segmento 03 Eles relataram novamente que as escolas estão sendo bastante acolhedora, isso é tão legal, ver que a escola está abrindo as portas para os estagiários, acho que isso não era tão forte na minha época de estágio, era mais fechado. Segmento 04 Partimos para a discussão do texto, e a principal coisa que chamou a atenção: o professor que trabalha sempre reclamando da profissão, da instituição. Esse tema me fez relembrar muitos professores da minha graduação, um em especial que passava quase a aula inteira acabando com a UFPB, dizendo que ia se aposentar. Isso era tão desmotivador. Chama-nos a atenção nos relatos da professora que o movimento de volta ao passado está sempre relacionado a uma possível lacuna na sua formação inicial, como a ausência de discussões sobre o regimento do estágio (S.01), preparação dos alunos para observação das aulas (S.02), ou a algo negativo, as escolas não eram tão receptivas com os estagiários (S.03) e os professores formadores desmotivavam os alunos com suas reclamações acerca da profissão (S.04). Essa vivência de estágio diferenciada (outro espaço e tempo), portanto, faz com que a autora dos relatos recupere e reflita sobre sua formação. Nessa discussão, acreditamos, com base em Clot (2010), que a volta ao passado pela professora não se apresenta apenas como um olhar ingênuo acerca do que foi revivido, mas sim como metamorfose, ela volta ao passado para avaliar as situações presentes, atribuindo-lhes significados e para pensar nas suas ações futuras, ou seja, ao reviver situações passadas, ela as avalia – enquanto outro – em um novo contexto, sob novos paradigmas e as ressignifica. Além de proporcionar essa volta à formação inicial, o estágio docência influencia diretamente na vida acadêmica da professora. 4.2. Influência do estágio docência na vida acadêmica da professora A partir da leitura dos segmentos abaixo, percebemos o tema da influência do estágio nas atividades acadêmicas da professora, principalmente, no que concerne aos conhecimentos teóricos estudados, à dissertação e à busca por pesquisas: Segmento 05 E isso me fez pensar, também, enquanto pesquisadora, até que ponto eu me coloco no lugar do professor colaborador da pesquisa? P á g i n a | 71 Segmento 06 Nossa! Toda aquela coisa que venho estudando com o ISD, do trabalho ser situado, de que nos constituímos a partir do outro, é tudo muito vivo nos relatos dos alunos, é a teoria ganhando corpo na voz deles e isso foi muito legal pra mim, acho até que vou acrescentar alguma coisa sobre isso na minha dissertação [...] Esse é outro exemplo que acho que vou dar na minha dissertação. Incrível como o estágio está afetando positivamente a elaboração da dissertação, não pensei que fosse ser assim, mas considero que está sendo uma experiência muita rica nesse sentido. Segmento 07 Além dessa influência na dissertação, os relatos dos alunos e os encaminhamentos de B., me fazem pensar em inúmeros temas para pesquisa, minha cabeça fica a mil na aula, muitas ideias. Hoje saí com a certeza de que vou fazer uma pesquisa com os professores regentes na escola campo, para saber como está sendo essa experiência deles com os estagiários. Segmento 08 Por que precisamos tanto de um externo para dar conta das turmas indisciplinadas? Qual é o papel desse outro no sistema de atividade do professor? Tantos questionamentos, que minha cabeça está viajando aqui, pensado naquele triângulo de Machado. Fica evidente a partir da fala da professora que o estágio docência extrapola os limites da sala de aula, conduzindo-a a inúmeros questionamentos (S.05 e 08), numa busca por investigações (S.07) que respondam a suas inquietações. O estágio, portanto, faz com que a professora perceba o inacabamento das relações (VYGOTSKY, 1925 apud CLOT, 2006), e, tomando para si esse não acabamento, tenta – por meio de pesquisas – acrescentar algo na relação em que se encontra. É relevante notarmos que a professora deixa transparecer a sua consciência da influência do estágio docência, fato que a surpreende – não pensei que fosse ser assim (S.06) – principalmente por dar ideias na construção do seu trabalho de dissertação e por fazer com que ela veja os conhecimentos teóricos aprendidos se revelarem nos relatos dos alunos estagiários. Outro conteúdo temático que ecoa no discurso da professora está relacionado a uma reflexão sobre o fazer pedagógico do professor formador: 4.3. Reflexão sobre o fazer pedagógico do professor formador Os excertos que se seguem, revelam uma reflexão da professora acerca do fazer pedagógico do formador e dos futuros formadores: Segmento 09 P á g i n a | 72 Então isso é uma coisa para a qual os formadores e os futuros formadores necessitam ficar atentos. Segmento 10 A escola na proposta educacional inclusiva é uma realidade e a formação não pode mais fechar os olhos para isso. Segmento 11 B. relatou a dificuldade que muitas vezes enfrenta na observação, ela disse que teve uma aula que precisou se controlar para não levantar e pedir silêncio aos alunos, isso me fez pensar no papel do professor observador naquele contexto, de não interferir, de deixar que o aluno/estagiário contorne a situação e ainda ter que dar uma nota a esse aluno. Segmento 12 Foi uma atividade que guardo para utilizar nas minhas aulas quando eu for professora de graduação. Segmento 13 O professor, enquanto formador, precisa ter a consciência de não expor para os alunos (futuros professores), toda essa negatividade da sua percepção da profissão, isso acaba desestimulando o aluno. A professora discute sobre peculiaridades do trabalho daquele profissional que atua em turmas de estágio, mostrando que a atividade docente é situada (MACHADO, 2007), ou seja, sofre influência do contexto mais imediato. Na situação descrita pela professora, o formador necessita saber lidar com o processo de observação dos alunos na prática de estágio (S.11), ponderar com relação ao contexto da escola pública e à atribuição de nota. Entendemos, desse modo, que o domínio dos gestos específicos (AMIGUES, 2004) do trabalho do professor de estágio se faz premente para os profissionais que queiram atuar nesse contexto. O estágio docência se constitui, portanto, como lócus de aprendizagem para a professora, no que concerne às peculiaridades do trabalho docente nessa disciplina de estágio supervisionado. É interessante notarmos, outrossim, que ela avalia seu fazer pedagógico enquanto futura professora universitária (S.09 e 12), mostrando que as reflexões oriundas do estágio docência, e textualizadas nos relatos, acarretam implicações na maneira como ela concebe seu agir, uma vez que ao refletir sobre as ações da professora formadora, passa a conceber suas ações futuras de outra maneira. Há, para tanto, aprendizagem nesse processo de reflexão. 5. Algumas considerações P á g i n a | 73 Pudemos depreender da narrativa diarista, conteúdos temáticos relacionados a uma reflexão acerca do período da graduação da professora, igualmente como temas sobre a influência do estágio docência na vida acadêmica da docente (relação teoriaprática, dissertação e pesquisa) e sobre os gestos específicos utilizados pelos formadores no âmbito da disciplina de estágio supervisionado I (prática). Percebemos, deste modo, que a professora, produtora do diário, ao mobilizar esses temas evidencia uma concepção de estágio docência como espaço de aprendizagem e de desenvolvimento, importante para sua formação enquanto futura professora universitária. A partir da escrita diarista, destacamos, outrossim, que os conteúdos temáticos ecoados no discurso da professora são reveladores dos sentidos que ela atribui ao trabalho docente: um trabalho com fronteiras móveis, permitindo a sua ressignificação e em constante desenvolvimento. Referências AMIGUES, R. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.) O ensino como trabalho. São Paulo: EDUEL, 2004. BRONCKART, J. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 1999. ______. O Agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. São Paulo: Mercado de Letras, 2008. CLOT, Y. Vygostki: para além da Psicologia Cognitiva. Pro-posições. v. 17, 2006, p.19-30. ______. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. DEWEY, John. Experiência e Educação. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1974. MACHADO, A. R. Por uma concepção ampliada do trabalho do professor. In: GUIMARÃES, A. M. M. et al. (Orgs.). O Interacionismo Sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. São Paulo: Mercado de Letras, 2007, p.77-100. ______; BRONCKART, J. (Re-)configurações do trabalho do professor construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In: CRISTOVÃO, V. L. e ABREU-TARDELLI, L.S. (Orgs.). Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. São Paulo: Mercado de Letras, 2009, p.31-75. MEDRADO, B. P. Espelho, Espelho Meu: Um estudo sociocognitivo sobre a conceptualização do fazer pedagógico em narrativas de professoras. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008. ______. Tornando-se professor: a compreensão de graduandos em letras sobre a atividade educacional. In: MEDRADO, B. P. e REICHMANN, C. L. (Orgs.). Projetos e práticas na formação de professores de língua inglesa. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. P á g i n a | 74 REICHMANN, C. L. Professoras-em-construção: reflexões sobre diário de aprendizagem e formação docente. Sigmun – Estudos de linguagem. v.10, 2007, p.109-126. SCHNEUWLY, B. Le développement du concept de développement chez Vygotski. In: CLOT, Y. (Org.). Avec Vygotski: suivi de le problème de la conscience. Paris: La Dispute, 2002. TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: Elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de educação. nº13. p.5-24. Jan/Fev/Mar/Abr 2000. Disponível em: <http://www.andreapenteado.com/files/tardif_saberes_profissionais_dos_professores.pd f>. Acesso em: 24 mar. 2013. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto et al. São Paulo: Martins Fontes, 2000 [1934]. P á g i n a | 75 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS: DO INÍCIO DO SÉCULO XX AO SÉCULO XXI1 Luciene Maria PATRIOTA (UFCG)2 Resumo: Levando-se em consideração que nada que compõe o Livro Didático de Português, seja em que época for, está desvinculado de uma concepção, de uma maneira de se perceber os fatos linguísticos, assim como consideramos que toda prática do professor também se alicerça numa concepção, partimos, neste artigo, das concepções de língua como expressão do pensamento, instrumento de comunicação e interação e observamos o tratamento da variedade linguística nesses livros ao longo do séculos XX e XXI. Para isso, selecionamos quatro manuais didáticos: a Antologia Nacional, o Livro de Leitura, o Estudo Dirigido de Português, o Português: Linguagens e o Linguagens no Século XXI, abarcando o período de tempo estipulado acima. Em seguida, esses livros foram submetidos a uma análise descritiva e interpretativa, com a meta de observarmos as atividades envolvendo a questão da variação. Teoricamente, desenvolvemos leituras no âmbito das variedades linguísticas na interface do ensino e, também, das concepções de língua, com nomes como: Oliveira (2010), Antunes (2003), Bagno (2007), Preti (2004), Bezerra (2002), Travaglia (2002), Soares (1996), entre outros. Os resultados mostraram que a questão da variedade linguística está presente em todos os períodos analisados, porém com ênfase distintas: ora vista como um uso a ser combatido, ora numa perspectiva de avanços e recuos, ora numa perspectiva de trabalho sistemático e com o reconhecimento da variedade como algo inerente à língua. A partir de tais resultados, pudemos concluir que o tratamento das variedades nos livros didáticos mostrou-se atrelado aos fatos históricos que motivaram sua entrada nesses livros, fatos esses decorrentes das inúmeras e frutíferas discussões no âmbito das teorias linguísticas, principalmente a partir das contribuições da Sociolinguística. Além disso, percebemos nesses resultados frutíferas contribuições para a formação de todo professor de língua materna no que se refere à questão do trabalho com as variedades linguísticas em sala de aula. Palavras-chave: Variedade Linguística; Livro Didático de Português; Concepção de Língua. 1. Introdução Partindo-se do pensamento de que nada que compõe o Livro Didático de Português (doravante LDP), seja em que época for, está desvinculado de uma concepção, de uma maneira específica de se lidar com a língua, este artigo objetiva mostrar o tratamento dado à questão das variedades linguísticas ao longo dos séculos XX e XXI, tendo como pano de fundo as concepções de língua como expressão do pensamento, instrumento de comunicação e interação. 1 Este artigo é um recorte do quinto capítulo da tese intitulada “A tradição discursiva livro didático de português: mudanças e permanências ao longo do século XX e XXI”, por mim defendida em novembro de 2011, no Programa de Pós- Graduação em Linguística da UFPB – PROLING. 2 Doutora em Linguística e Professora de Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. P á g i n a | 76 Para isso, selecionamos quatro livros: a Antologia Nacional, o Estudo Dirigido de Português, o Português: Linguagens e o Linguagens no século XXI, cronologicamente representantes do período que abarca as primeiras décadas do século XX, até nossos dias atuais. A partir da concepção de língua predominante em cada período estipulado, conseguimos traçar um perfil do tratamento dado às variedades linguísticas em cada período, foco desse artigo. Os principais teóricos que embasaram nossa análise foram: Oliveira (2010), Antunes (2003), Koch (2011), Preti (2004), Bezerra (2002), Travaglia (2002), Possenti (1996), Soares (1996), entre outros. 2. Fundamentação teórica De acordo com os autores citados anteriormente, entre tantos outros, os objetivos que levam ao estudo/ensino da língua materna podem ser resumidos em três: desenvolver a competência comunicativa do aluno, desenvolver o domínio da chamada norma padrão da língua e desenvolver questões de teoria gramatical e atividades metalinguísticas. Esses objetivos nos interessam, pois no bojo deles encontramos, de acordo com esses autores, as três formas básicas a partir das quais podemos conceber a língua – como expressão do pensamento, instrumento de comunicação e como interação. Todas as práticas e ações desenvolvidas na escola e em seus materiais didáticos referentes ao ensino da língua materna estará, indiscutivelmente, atrelada a uma dessas concepções/objetivos vistos antes. Temos então: a) Primeiras décadas do século XX, primazia das Antologias e Gramáticas, forte influência da língua como expressão do pensamento; b) A partir da década de 1960/1970, a hegemonia da concepção de língua como instrumento de comunicação; c) Já na segunda metada da década de 1990 até nossos dias atuais a “luta” no sentido de se estruturar o ensino, e consequentemente os LDP, a partir da concepção de língua como interação. Atualmente, os estudos sociolinguísticos já mostram que a variação se manifesta no léxico, na morfologia, na fonética, na sintaxe de toda língua e de seus falantes como um todo. Não é uma realidade restrita a alguns grupos, muito menos às camadas mais populares da sociedade, a grupos que vivem longe do perímetro urbano ou a pessoas com baixa escolaridade. Mas, mesmo diante dessa realidade, os estudos com variação nos LDP, muitas vezes, continuam restritos à presença de textos de Chico Bento (uso caipira, extremamente esteriotipado), Patativa do Assaré ( usos populares), Cebolinha (com sua troca de letras) e gírias associadas a grupos jovens e um uso próprio da oralidade (BAGNO, 2007; PATRIOTA, 2002). E o porquê dessa realidade encontramos na própria história da língua portuguesa. A análise da língua a partir da noção da variação, do reconhecimento das diversas formas que o falante tem a seu dispor para se expressar, falando ou escrevendo, da heterogeneidade característica da língua e do próprio falante, confronta-se P á g i n a | 77 diretamente com a representação social tradicionalmente vigente na sociedade sobre a língua: um sistema homogêneo, igual para todos e que atende a todas as necessidades comunicativas do falante uniformemente, pautado nos usos da Gramática Tradicional. É é esse “viés arraigadamente normativista” que, na maioria das vezes, dita o trabalho com a variação nos LDP. Como mostra Dionísio (2002, p.79) ao sintetizar as “formas norteadoras” do estudo da variação linguística nos LDP. Ela assim resume as três principais formas: I) Abordagem das variações em unidades específicas dos LDP; II) Abordagem das variações em questões mínimas inseridas na análise textual; e III) Variação em seções sobre reflexão sobre a língua. A partir dessas formas norteadoras – o viés normativista, citado por Faraco – podemos observar as abordagens que a variação recebe nos livros, resumidas por Dionísio em duas: i) identificação de expressões da língua não-padrão e/ou da classe social a que pertence os personagens dos textos, e II) reescrita de expressões ou de fragmentos textuais com supostos casos de variações linguísticas. Essa reescrita visando a “correção” mencionada por Faraco. Mostramos essa realidade em Patriota (2002). Visto que o trabalho com as variedades linguísticas caminha nesses termos, Dionísio conclui suas colocações afirmando que “os autores de LDP estão ainda ‘acertando o passo’ no estudo das variedades linguísticas”, devido, exatamente, a essas inconsistências encontradas nos livros. Tudo que expomos até aqui sobre o trabalho com a variação nos LDP só nos leva a reforçar o caráter do LDP como arraigado em sua historicidade, sofrendo mudanças, alterações, ditadas por cada momento histórico, isso de forma initerrupta, pois o mesmo fator histórico que “forçou” a entrada da variação nos livros, é o mesmo que continua impulsionando novas mudanças visando à melhoria do trabalho que se tem feito na escola, via LDP, com a variação. Esse impulso é sugerido por Dionísio (2002, p.88), quando diz “[...]acreditamos que as pesquisas nas áreas da sociolinguística e da linguística textual serão de grande utilidade para aqueles que escrevem livros didáticos” Essa utilidade voltada para a busca de novas abordagens que se aproximem mais do respeito às variedades, do uso adequado da terminologia voltada a essa área, da elaboração de atividades baseadas nos usos empíricos, não apenas das classes de menos prestígio social, mas também das classes prestigiadas socialmente, elaboração de atividades voltadas para as variações não só da fala, mas também da escrita (BAGNO, 2007). 3. Análise dos dados Para nossa análise, seguimos o seguinte período de tempo: primeiras décadas do século XX, a década de 1970, a década de 1990 e o período atual. Inicialmente, apesar de hoje a variação ser um aspecto da língua reconhecido como algo inerente a todas elas, durante muito tempo esse aspecto não esteve, ou não se P á g i n a | 78 constituía como objeto de ensino das aulas de português (CECÍLIO; MATOS, 2007). Especialmente em nosso primeiro período de análise – as primeiras décadas do século XX, representado aqui pela Antologia Nacional – o que percebemos foi que seus autores não mencionam o termo variedades linguísticas e seu combate – até porque esse termo é oriundo da Sociolinguística e só passou a ser usado a partir da década de 1960 – porém, podemos inferir a referência a “outros usos da língua” que deveriam ser combatidos e rejeitados, como mostra o exemplo que segue: - Exemplo 1 (...) um estylo original e colorido, embora por vezes incorrecto e maculado de estrangeirismos inúteis; uma visão singularmente pessimista dos homens e das cousas; e os mais raros dotes de observação, de humorismo e de ironia, que bastam só por si para assegurar a Eça de Queiroz um logar inteiramente à parte na galeria dos grandes escriptores do seu pais. (BARRETO; LAET, 1921, p. 227, grifos nossos). Como podemos perceber nesse exemplo, para os autores da Antologia existe “uma vernaculidade”, “um estylo”, “uma linguagem” a ser respeitada e seguida, a língua padrão pautada na gramática tradicional. E ela deve ser “guardada” de usos que venham a deturpar ou degenerar esse padrão, como podemos inferir das colocações – um estylo original, embora por vezes incorrecto e maculado de estrangeirismos inúteis. Ao se referirem a Eça de Queiroz, os autores da Antologia Nacional não deixam de perceber e reconhecer “o estylo original e colorido” dele, porém ressaltam que era um estilo “por vezes incorrecto e maculado de estrangeirismos inúteis”. Vemos aqui a referência aos estrangeirismos como uma variedade linguística presente nos textos de Eça de Queiroz, porém vista por Barreto e Laet como “incorrecto” e “maculador” do idioma puro e correto a ser seguido. Daí ser tido como um uso “inútil”. Sendo assim, um uso a não ser seguido, mesmo Eça de Queiroz estando “na galeria dos grandes escriptores do seu país”. O que esse exemplo nos mostra, em essência, é que nas primeiras décadas do século XX já percebíamos a referência aos usos variados da língua, diferentes do padrão tradicional defendido nessa época, porém eram usos a serem combatidos, rejeitados, em prol da língua pura/correta. Eram usos a serem evitados, pois representavam a deturpação do idioma. No que se refere à década de 1970, nosso próximo período de análise, podemos dizer que, sem dúvidas, ela representou um período de profundas transformações para o Livro Didático de Português, ela trouxe para a escola e, consequentemente, para os LDP, uma nova concepção de língua, agora vista como instrumento de comunicação. Teoricamente esse fato realmente possibilitou radicais mudanças nesses livros. Porém, nossa análise nos mostrou que, em termos do tratamento das variedades linguísticas, as práticas não apresentaram mudanças. Percebemos como marca central dos livros nesse período a permanência do discurso de combate às variações e ênfase ao estudo gramatical com vistas ao domínio do uso padrão da língua. Vejamos como. No Estudo Dirigido de Português, nosso representante desse período de análise, percebemos em termos de concepção de língua, que seu autor claramente se mostrou defensor da língua como instrumento de comunicação. Esse fato, por si só, já P á g i n a | 79 nos leva a imaginarmos um tratamento diferenciado para as variedades linguísticas, visto que até mesmo em seu texto de Apresentação ao Aluno, Ferreira (1971) oferece ao alunado em geral “explicações dadas daquela maneira que você entende como se estivéssemos conversando”. Mas, o que percebemos em nossa análise não condiz com essa nossa “suposição”. O que pudemos constatar foi que a coleção como um todo de fato traz muitas inovações, porém, em termos de conteúdo, a ênfase continuou nos aspectos gramaticais, como nas décadas anteriores. É no bojo dessa ênfase no ensino gramatical que percebemos as variedades linguísticas no Estudo Dirigido de Português tratadas como usos a serem combatidos/corrigidos em prol do que se considerava o uso da língua a ser seguido, aquele “moldado” nos aspectos gramaticais normativos. Como mostra o fragmento a seguir, retirado de atividades propostas nesse livro: - Exemplo 2: Quando falamos ou escrevemos, é possível incorrermos em erros. Os erros estão para a linguagem como as doenças estão para o corpo. Para conseguir expressão correta, é preciso conhecermos os vícios de linguagem (para mais facilmente evitá-los). Existem muitos vícios de linguagem. Daremos os mais importantes, apenas. Você deve cuidar para que não apareça em suas frases escritas ou faladas nenhum destes casos. (FERREIRA, 1971, 8ª série, p. 240, grifos nossos). Percebemos nessa proposta, a clara ideia de que a língua tem um uso único, o correto que deve ser seguido, sendo que todo e qualquer uso que não esteja de acordo com esse padrão é considerado erro. Daí o autor justificar esse uso correto através de expressões como – dói no ouvido quando alguém usa um verbo erradamente; dessa forma, o verbo não foi empregado com propriedade. Vemos, portanto, a variação na década de 1970 ainda sendo vista como algo feio, que provoca dor no ouvido, um uso sem propriedade, uma patologia mesmo – os erros estão para a linguagem como as doenças estão para o corpo. Sendo assim deve ser evitada (FIORIN, 2002; MORATO, 2002). É a segunda metade da década de 1990 que traz para as variedades linguísticas uma nova dimensão de análise/estudo no âmbito escolar. Isso em decorrência, das profícuas discussões levantadas acerca dos LDP na década de 1980, início da de 1990. Fruto dessas intensas discussões, tivemos a entrada no círculo escolar da concepção de língua como interação, isso, principalmente, através da instituição dos PCN, em 1997 (CLARE, 2002). Para o Livro Didático de Português essa “nova realidade” representou o reconhecimento da variação linguística como objeto de ensino. Toda sua produção, agora, deveria ter como meta esse reconhecimento. Porém, nossa análise nos levou a perceber o tratamento das variedades linguísticas nos LDP da década de 1990 como sendo um trabalho marcado por avanços e recuos (DIONÍSIO, 2002). Vejamos como... Percebemos avanço, pois vimos o reconhecimento das variedades como objeto de ensino e sua presença no Português: Linguagens. Numericamente, temos esse P á g i n a | 80 reconhecimento nas duas unidades específicas destinadas para o trabalho com as variedades linguísticas no livro do 6º ano, além das várias atividades esporádicas que identificamos ao longo dos quatro livros dessa coleção. Nessas unidades foram trabalhadas questões como: língua e contexto, intencionalidade linguística, a língua de uso e suas variantes, linguagem e adequação social, língua formal e informal, gírias, língua oral e escrita. No entanto, também percebemos “recuos” no tratamento da variação nessa década, pois, analisando mais detidamente as atividades com variedades linguísticas no Português: Linguagens, vimos esse trabalho sem uma sistematicidade que englobasse toda a coleção. Ou seja, percebemos o trabalho com variação muito resumido às unidades destinadas a ele – as duas primeiras do livro do 6º ano. Não percebemos sequer a menção a esse tópico nos demais livros, salvo algumas atividades esporádicas, como já dissemos. Isso, a nosso ver, não leva o aluno ao entendimento necessário de que a variação é algo que atravessa toda nossa vida em sociedade, tanto em nossas produções orais como escritas e não algo para se estudar numa ou duas unidades e depois não se falar mais no assunto. Além disso, e o que mais se configurou como recuo, no nosso entendimento, foi a grande incidência de atividades de cunho normativo com a variação, pedindo a substituição dela pelo uso padrão da língua, como percebemos no fragmento a seguir: - Exemplo 3 Nos livros de literatura, normalmente se emprega a norma culta. Entretanto, em algumas publicações destinadas ao público jovem procura-se empregar uma linguagem mais próxima daquela falada pelos jovens. Por isso é comum encontrarmos palavras e expressões próprias da língua oral. Perceba as marcas nesse texto de Fanny Abramovich: Putz, estou exausta. Caindo de canseira. Das brabas. Andei a tarde toda, por um shopping, procurando uma roupinha legal, simples, na moda. Ter, tinha, de montão. Experimentei umas super-transadas, caindo de gracinha. Só que na hora de pagar, cadê o dinheiro? Necas. Vexame total! (Quem manda em mim sou eu. São Paulo: Atual, 1989, p.1) a) Reconheça as palavras e expressões próprias da língua oral dos jovens. b) Substitua essas palavras e expressões por outras que sejam próprias do padrão da língua escrita. (CEREJA; MAGALHÃES, 1998, 5ª série, p. 32, grifos nosso) Nesse exemplo, vemos, de forma bastante evidente, que o tratamento das variedades linguísticas nessa década ainda se prendia muito à prática do “certo e do errado”, prevalecendo a ideia de um uso tido como correto e que deveria ser o seguido. Percebemos que ao mesmo tempo em que se reconhece a variação – nos livros de literatura, normalmente se emprega a norma culta. Entretanto, em algumas publicações destinadas ao público jovem procura-se empregar uma linguagem mais P á g i n a | 81 próxima daquela falada pelos jovens. Pede-se que se substitua esses usos por outros que sejam próprios do padrão da língua escrita - reescreva-o, substituindo as gírias por palavras e expressões da norma culta; substitua essas palavras e expressões por outras que sejam próprias da língua escrita. De tudo que comentamos até aqui, podemos dizer, então, que, na década de 1990, o trabalho com variação nos LDP encontrava-se num claro aspecto de acomodação desses livros às novas exigências voltadas ao ensino de língua materna. Sejam essas exigências vindas das instâncias acadêmicas, com os estudos advindos das correntes modernas da linguística, sejam vindas das leis que regulam o ensino, ou de documentos voltados à melhoria do ensino de língua materna, enfim. É o avançar em direção a novas posturas frente ao tratamento das variedades que vimos no Linguagens no século XXI, nosso representante do período atual do Livro Didático de Português. Os LDP que seguem esse modelo têm como diferencial a forma como estruturam os conteúdos, todos desenvolvidos em torno não de um tema, ou de um determinado assunto, mas em torno de um gênero textual. A meta de ensino, portanto, não é o estudo/interpretação de um texto, ou o conhecimento específico de um tópico gramatical a partir desse texto, mas sim o conhecimento/domínio de um dado gênero. São livros que realizam a reflexão sobre a língua em uso, trabalham os conhecimentos linguísticos a serviço do gênero textual em foco (MARINHO, 2009). Um primeiro ponto que observamos foi que não existe uma unidade, ou unidades específicas para o estudo da variação nesse livro. Também não percebemos esse trabalho sendo desenvolvido numa série específica, como na década de 1990. O que percebemos foi que o tema da variação perpassa toda a coleção, sendo preocupação da autora reforçar que os usos linguísticos a serem “escolhidos” vão depender sempre da situação comunicativa em evidência. Foi justamente por priorizar a interlocução, a chamada situação interlocutiva que, acreditamos nós, houve a ausência total de atividades de reescrita nesse livro, pelo menos nos moldes das que analisamos na década de 1990, essencialmente voltadas para o uso dito padrão da língua. Também pudemos observar a referência às modalidades oral e escrita da língua como distintas, porém operando, ambas, em acordo com a situação de uso, ou seja, operando num contínuo (MARCUSCHI, 2004). É em função dessa ênfase na situação comunicativa e do gênero em foco que todas as unidades do Linguagens no século XXI são organizadas, sendo que a referência às variedades de uso da língua vai sendo mencionada sempre que o gênero em estudo assim o pedir. Como mostra o exemplo a seguir, fragmento de uma atividade proposta no Linguagens: - Exemplo 4 A escrita de uma carta depende muito da relação que existe entre a pessoa que a envia e a pessoa a quem a carta é destinada. A linguagem informal é empregada na comunicação entre familiares e amigos. Já a linguagem formal indica que não há intimidade entre os interlocutores. (TAKAZAKI, 2004, 5ª série, p. 35) P á g i n a | 82 Esses e outros comandos dados pela autora dizem respeito a atividades desenvolvidas ao longo da unidade referente ao gênero CARTAS. Não se tratava de uma unidade específica para o trabalho com variedades, mas elas foram sendo mencionadas – a linguagem informal, a formal, fórmulas de cortesia, expressões convencionais, frases feitas para estabelecer um contato cordial, diferentes pessoas envolvidas na situação de uso, linguagem usada em cada uma – pela necessidade do gênero em estudo e todas as possibilidades de uso dele, desde os mais informais, até os mais formais. Diferente, pois, do que vimos na década de 1990, percebemos no Linguagens no século XXI um tratamento bem mais sistemático das variedades e não um trabalho estanque, desenvolvido numa só unidade, no máximo em duas, e depois esquecido. 4. Considerações finais E assim, diante do exposto, pudemos identificar as variedades linguísticas como tema que atravessou todo nosso período de análise, sendo que em perspectivas diversas. Nas primeiras décadas, mesmo sem uma presença ou abordagem efetiva, percebemos pelos exemplos analisados a consciência por parte dos autores da Antologia Nacional da existência de usos linguísticos fora do padrão instituído como correto, porém foram usos condenados, tidos como deturpadores da língua pura, homogênea defendida nesse período. Já a década de 1970, com o Estudo Dirigido de Português, apresentou-se como um período de “renovação”, com o LDP totalmente reformulados, nova concepção de língua supostamente abrindo as fronteiras para novas práticas, porém as variedades linguísticas ainda vistas como usos a serem evitados em detrimento ao uso padrão, ainda relacionado à gramática normativa. A década de 1990, através do Português: Linguagens, mostrou-se um período, de fato, de renovações que chegaram aos Livros Didático de Português, porém em se tratando das variedades linguísticas percebemos essa década como oscilando entre o reconhecimento da variação, mas, ainda, como um uso a ser substituído, revelando um claro sinal de acomodação desses livros às novas práticas e exigências voltadas ao ensino da língua materna. As décadas atuais, com o Linguagens no século XXI, já trouxeram uma perspectiva bastante diferente em relação ao tratamento da variação, com propostas de atividades voltadas não só para o reconhecimento das variedades linguísticas, mas também seu domínio efetivo a depender das situações comunicativas em evidência. Por sua vez, como as décadas atuais trazem como proposta o ensino a partir dos gêneros textuais, percebemos uma ênfase muito grande na questão da situação comunicativa, isso explica a grande presença, nesse período, de atividades voltadas para as variações diafásicas, os registros e estilos sendo escolhidos a partir das situações vivenciadas e representadas pelos gêneros em estudo, sem a ênfase na reescrita dessas variações para o chamado “padrão” lingüístico, como vimos nas décadas anteriores. Referências bibliográficas P á g i n a | 83 ANTUNES, Irandé. Aula de português – encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003. BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso – por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007. BEZERRA, Maria A.. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos. In: DIONÍSIO, Ângela P.; MACHADO, Anna R.; BEZERRA, Maria A. (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 37-46. BORTONI-RICARDO, Stella M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingística e educação. São Paulo: Parábola, 2005. CECÍLIO, Sandra R.; MATOS, Cleusa M. A de. Heterogeneidade linguística no ensino de língua portuguesa. CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. Anais. Maringá, 2007, p. 2051-2058. CLARE, Nícia A. V. 50 anos de ensino de língua portuguesa (1950-2000). Anais do VI Congresso Nacional de Linguística e Filologia, Cadernos do CNLF, Série VI: Leitura e ensino de línguas, 2002. COELHO, Paula M. C. R. O tratamento da variação linguística nos livros didáticos de português. Disponível em: www.filologia.org.br/ileel/artigos. Acesso em: 23/04/2011. 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Este artigo tem como objetivo principal contribuir para a compreensão do trabalho do professor de Língua Inglesa em sua primeira experiência como professor em um curso livre de idiomas em João Pessoa, capital do estado da Paraíba, no seu primeiro dia de aula do semestre, a partir do procedimento metodológico chamado instrução ao sósia (CLOT 2006; SAUJAT 2002,2004; FAÏTA 2004,2005). Adotando os pressupostos de Vygotsky (1984,1987), da Clínica da Atividade (CLOT 1999, 2006) e do Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD) tomamos a linguagem como ponto de análise da pesquisa. A partir dos textos/discursos verificamos que o tempo de experiência com a utilização da metodologia prescrita pelo curso de idiomas, as suas próprias prescrições e a apropriação de determinadas ferramentas são fatores marcantes no trabalho desse professor. Analisar como um professor iniciante (re)organiza suas ações de acordo com o seu meio é um processo de conhecimento desse trabalho docente a partir de uma realidade diferente da dos professores experientes. A geração de dados a partir das instruções transmitidas refere-se ao momento mais importante de interação entre professor e aluno: o primeiro dia de aula. Palavras-chave: Interacionismo Sociodiscursivo, Instrução ao Sósia, prescrições, ferramentas, primeiro dia de aula. 1. Introdução “Todo ato de ensino é resultado de uma decisão consciente dos professores, tomada depois de eles realizarem um tratamento complexo da informação disponível.” (SHAVELSON, 1976, p.144) O objetivo desse artigo é analisar as representações de um professor de Inglês sobre o primeiro dia de aula em uma escola particular de idiomas em João Pessoa, na Paraíba, a partir do método de geração de dados chamado instrução ao sósia, sob a ótica de Saujat (2002,2004), Faïta (2004,2005) e Clot (2006). O primeiro dia de aula de uma turma e de um professor é uma das chaves para o sucesso ou fracasso do processo de aprendizagem. É nele que as relações interpessoais, a interação, a empatia, a confiança se estabelecem. O Interacionismo Social de Vygotsky apresenta como um dos seus três princípios gerais os processos de socialização e os processos de individualização (ou de formação das pessoas individuais) (BRONCKART, 2009). O aluno e o professor precisam estar confortáveis para enfrentarem qualquer impedimento/obstáculo, como por exemplo, o não-gostar da língua inglesa (disciplina a ser retratada nesse artigo) até o problema de mau comportamento e falta de atenção em sala de aula. Associada ao método de instrução ao sósia, oriundo da Ergonomia Francesa (AMIGUES, 2004; SAUJAT, 2002, 2004) e da Clínica da Atividade (cf. CLOT 1999/2006; FAÏTA, 2002, 2004, 2005), haverá uma análise de dois dos quatro objetos P á g i n a | 86 constitutivos da atividade do professor sob a visão de René Amigues (2004). Analisaremos as prescrições e as ferramentas, suprimindo as regras do ofício e o coletivo de trabalho por não terem sido marcantes nas falas do professor-instrutor. Nas muitas pesquisas realizadas com professores de diversas disciplinas, uma característica marcante observada é a dificuldade que esse profissional apresenta em definir e caracterizar a sua atividade profissional. É o que Bronckart (2006) chama de “relativa opacidade”, isto é, a dificuldade em expor como as suas tarefas são realizadas, sem a necessidade de justificativas pelas suas escolhas e pelas suas decisões tomadas no decorrer da atividade docente. Bronckart (2009) ainda acrescenta sobre essa realidade: “a dificuldade que os professores sentem (ao contrário de outros tipos de trabalhadores) para entrar no detalhe concreto de suas tarefas cotidianas.” Quando o trabalho do professor está em foco de análise a definição apenas da tarefa pela tarefa vem acompanhada de um porque explicativo, demonstrando a importância que o professor tem em justificar aquele determinado agir. A impressão que temos a partir dessas situações é que o professor assume que sempre as suas escolhas são criticadas, que o seu trabalho não pode ser avaliado de forma neutra, imparcial. É necessário delimitar uma sequência de trabalho, voltando-se sempre mais para a questão do “como” do que para a questão do “por que” (CLOT 2006), já que o foco é a atividade de trabalho. O trabalho do professor percorre a distância entre o trabalho prescrito (aquele que é normatizado) e o trabalho realizado ( o que é efetivamente produzido), segundo a definição de Ergonomia Francesa. Segundo CLOT (2006), “para compreender a própria prática deve-se considerar não somente o que é realizado, mas também o que não pôde ser realizado em sala de aula”. A motivação para essa reflexão sobre as prescrições e o domínio das ferramentas seguiu a partir de alguns questionamentos: 1. Qual a visão do professor-instrutor sobre o seu trabalho, levando em consideração o seu pouco tempo de experiência na escola, a partir das suas representações na instrução ao sósia? 2. As prescrições são seguidas nessa escola por todos os professores? Quais são as prescrições criadas pelo próprio professor? 3. Algum(ns) artefato(s) foi/foram transformados em ferramenta(s) por esse professor em pouco tempo de ensino na escola? Para uma melhor identificação e compreensão do tema abordado o artigo está dividido em quatro seções. Na primeira seção, chamada de Backstage I, estão expostos os pressupostos teóricos que nortearam o desenvolvimento e a reflexão sobre o assunto. Na segunda parte, Backstage II, traçamos o perfil do professor-instrutor e da escola de idiomas e definimos a metodologia aplicada. A terceira seção chamada de “As falas na primeira aula”, há duas subseções onde analisamos, a partir dos quadros com as falas (instruções) do professor-instrutor, as prescrições e as ferramentas utilizadas por ele para o primeiro dia de aula. Ao final de cada subseção, os dados gerados são analisados e os resultados expostos. E por fim, na última parte, as considerações finais. 2. Backstage I: o embasamento teórico P á g i n a | 87 Nas pesquisas sobre o trabalho docente, a interação entre o indivíduo e o meio social é um fato recorrente quando se analisa a linguagem a partir das teorias de Vygotsky. “A aprendizagem é fundamentalmente uma experiência social, de interação pela linguagem e pela ação.” (VYGOTSKY, 1984). Segundo Rosalvo Pinto (2007), “sabemos que a linha de pensamento vygotskiano aponta para uma perspectiva de linguagem e voltada para o desenvolvimento do ser humano, de seu pensamento consciente e de sua consciência. O desenvolvimento da consciência envolve a interação com os valores mobilizados por uma sociedade. (...)” Associado as teorias sobre linguagem de Vygotsky tomamos o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) como aporte teórico para essa pesquisa, pois há uma análise das ações humanas em suas dimensões sociais, históricas e discursivas, focalizando a ação da linguagem como resultado da apropriação humana das propriedades da atividade social mediada pela linguagem. Utilizaremos a entrevista como ponto central da nossa pesquisa, analisando a partir da linguagem, as configurações e as (re)configurações desse professor na sua atividade docente. Acrescentando ao aporte do ISD de Bronckart (1999) e a Clínica da Atividade de Clot, os dados gerados serão analisados a partir da visão de René Amigues (2004) sobre dois dos quatro objetos constitutivos da atividade do professor. As prescrições e as ferramentas serão o objeto dessa pesquisa, analisadas ao longo das representações do professor-instrutor sobre o primeiro dia de aula. As prescrições norteiam a atividade do professor. De acordo com Amigues (2004) “para a ergonomia de língua francesa, as prescrições não servem apenas como desencadeadoras da ação do professor, sendo também constitutivas da sua atividade.” Essas prescrições podem ser simples, como por exemplo, a instrução para uma atividade em sala de aula ou até mesmo uma prescrição mais complexa, como as leis parlamentares. As prescrições são encontradas nos documentos oficiais produzidos pelos representantes das mais variadas instituições, pelo Ministério da Educação, enfim, são documentos que dão as orientações a serem seguidas pelos profissionais envolvidos naquela determinada atividade. Como metodologia adota-se o método audiovisual, utilizado durante as aulas, direcionando as atividades do professor, através de cada etapa (chamada de “step”) a ser seguida. No total há treze steps, desde a prática oral, composta por 9 fases até a prática escrita, com 4 etapas. Cada lição apresenta essas etapas que deverão ser seguidas durante as aulas pelo professor. A própria construção das perguntas e a sua ordem a ser realizada é dada nos lesson plans (livros-guia que apresentam o detalhamento das lições) de cada estágio. Com a renovação e atualização do conteúdo do material didático da escola iniciada em 2007, percebe-se que a formação das perguntas, por exemplo, ficou mais abrangente, dando certa liberdade ao professor. Algumas prescrições que eram aspectos marcantes da metodologia estão dando espaço para uma interação maior entre aluno e professor intermediada pelo uso da língua inglesa. O próprio uso da internet em deveres de casa tem sido visto como um ponto positivo e de avanço. Talvez uma tentativa de flexibilizar o ensino, tornando o professor mais independente na construção e desenvolvimento da sua aula e o aluno, mais autônomo e crítico. Outro objeto constitutivo de Amigues que iremos abordar: as ferramentas 13. A análise da atividade ressalta a importância das ferramentas na interação entre um sujeito 13 Ferramenta ou instrumento. P á g i n a | 88 e uma tarefa, não somente para aumentar a eficiência dos gestos, mas também como meios de reorganizar sua própria atividade. (AMIGUES, 2004) Quando falamos sobre ferramentas, a ideia que se vem em mente é a de utilização de algum artefato. O que não deixa de ser verdade, porém com uma diferença conceitual: só chamamos de ferramentas aqueles artefatos que usamos e que dominamos. Um exemplo de um artefato que é ferramenta para uns e não é para outros é o quadro interativo. Há professores que já o inseriram no seu universo de trabalho, já se apropriaram dessa ferramenta e hoje esse artefato faz parte do seu rol de ferramentas docentes. O livro didático e as fichas pedagógicas também são exemplos de artefatos que se tornaram ferramentas e são usados por todos. O tablet, por exemplo, está seguindo o mesmo caminho do quadro interativo. Várias escolas já começaram a adotálo enquanto que outras, ainda o têm como artefato. Normalmente os artefatos transformam-se em ferramentas mais pelo processo iniciado pelo outro do que individualmente. Segundo Amigues (2004), o indivíduo se apropria mais de ferramentas de uso coletivo do que individual, ou seja, ele não transforma tantos artefatos em ferramentas sozinho. 3. Backstage II: o professor-instrutor e a metodologia O contexto sociointeracional de produção, palco da entrevista realizada na última semana do semestre letivo de 2012, foi um curso livre de idiomas conhecido nacionalmente, possuidora de muitas franquias no Brasil e em vários países, tais como Estados Unidos, México, Portugal, Espanha, Itália e Japão. A franquia onde se realizou a entrevista fica em João Pessoa, Paraíba, local de trabalho do professor-instrutor. Essa escola de idiomas desenvolve o seu próprio material didático, sendo impresso por ela mesma, voltado para alunos brasileiros que querem aprender Inglês e/ou Espanhol. Além de material didático diferenciado, sua metodologia audiovisual requer treinamento específico do professor. O treinamento oferece condições ao professor de se apropriar desse método, que utiliza DVDs como ferramentas durante as aulas. O nosso professor-instrutor estava completando seis meses entre treinamento e trabalho efetivo na época em que a entrevista foi realizada. No seu primeiro semestre teve experiência com turmas de iniciantes e de intermediários, sendo os seus alunos adolescentes da faixa etária dos 11 aos 16 anos de idade e jovens adultos. As perguntas da entrevista seguiram o procedimento metodológico chamado instrução ao sósia (CLOT, 1999), onde numa situação fictícia o professor-instrutor transmite para a sua sósia, ou seja, a pesquisadora “como” as tarefas do professor são realizadas. Tal procedimento foi desenvolvido por Yves Clot (1999) no quadro de pesquisa da Psicologia do Trabalho na Clínica da Atividade do CNAM (Conservatoire Nacional dês Arts et Métier) em Paris, e baseia-se em aportes teóricos do Interacionismo Social de Vygostky (1984,1987) e na filosofia da linguagem de Bakhtin/Volochinov (1997). (MUNIZ-OLIVEIRA, 2011, p.6) A tarefa do professor-instrutor era instruir a pesquisadora-sósia em uma situação hipotética de substituição (TOGNATO, 2008) sobre como agir no primeiro dia de aula em uma turma do livro 3 (último livro do nível básico), formada por adolescentes, no primeiro semestre do ano seguinte. A turma em questão havia estudado o livro anterior P á g i n a | 89 com esse professor, portanto o perfil dos alunos já era de conhecimento do entrevistado, o que facilitava as instruções sobre como agir em possíveis situações. As informações a serem transmitidas pelo professor-instrutor para a pesquisadora-sósia precisavam ser claras e diretas. O momento da chegada à escola, a desenvoltura com os alunos, o ritmo em sala de aula, o contato com os pais e a transmissão das informações importantes para um bom semestre letivo precisavam ser objetivas e com clareza de detalhes, pois outro objetivo da instrução ao sósia é que os alunos não percebessem que quem estava no lugar do seu professor era uma sósia. Como Saujat (2002) afirma, “o trabalhador passa a ser observador de sua própria atividade.” Ou seja, as instruções eram dadas a partir da percepção que o professorinstrutor possuía da sua atividade. A aplicação desse método permite, além de avaliar os momentos que antecedem e que sucedem as práticas pedagógicas, a preparação das aulas, a utilização do material didático e das outras ferramentas e/ou instrumentos (DVD, slides no Power Point, por exemplo), os impedimentos que surgem durante a realização das suas ações, a (re)configuração do seu agir, bem como o papel dos objetos constitutivos de Amigues (2004): as prescrições, as ferramentas, as regras do ofício e o coletivo de trabalho. Tomaremos como categoria de análise apenas os dois primeiros. Um dos grandes desafios para a pesquisa era a criação de um ambiente confortável para o professor-instrutor, vide que a pesquisadora, na época da entrevista era coordenadora e professora do mesmo curso. Falar sobre o seu trabalho não foi, felizmente, o grande desafio para o professor-instrutor. Outros desafios permearam as suas falas, como veremos a seguir. 4. As falas na primeira aula Todo professor já passou pela experiência de iniciar um semestre ou um ano letivo em uma turma onde não conhece os alunos, onde não há um perfil definido. Esse é um dos grandes desafios do primeiro dia de aula: desvendar o desconhecido. Somos seres sociais e interativos que utilizam a linguagem para organização das suas ações. E a prova maior dessa interação se dá no primeiro dia de aula. Os noventa primeiros minutos14 são como um laboratório para o professor e os alunos. É o momento onde tudo está sendo analisado, investigado, criticado. É quando a empatia começa a se estabelecer. Para o professor é o primeiro grande momento para expor como o seu trabalho será realizado, qual o seu método de ensino, qual a expectativa para aquele novo período e como ele espera que seja a participação dos alunos durante as aulas. Ou seja, suas próprias prescrições. As primeiras instruções dadas para a pesquisadora-sósia referem-se ao chegar à escola, como proceder sobre o material de uso rotineiro em aula, o que levar para a sala, como preparar o ambiente ideal para os alunos. A rotina de um dia de aula comum. O professor-instrutor prepara a primeira aula com antecedência, transmitindo ao sósia o que deve ser e como deve ser realizado. Há uma preocupação com a criação de um ambiente favorável ao ensino: desde a sala climatizada até os lápis de cor espalhados no chão da sala de forma com que os alunos interajam entre si na primeira atividade do 14 A carga horária semanal nessa escola é de três horas de aula, ou seja, duas aulas por semana de noventa minutos. P á g i n a | 90 semestre: a apresentação de cada um deles para os colegas de classe. O professorinstrutor faz uso de instrumentos (Power Point, por exemplo) para expor como as atividades do semestre serão desenvolvidas, como os alunos serão avaliados e como é o método das suas aulas. O fato de o professor-instrutor ter a preocupação em desenvolver uma atividade lúdica entre os seus alunos demonstra como, para ele, essa interação é importante. Não apenas a relação professor-aluno, mas também entre os próprios alunos. Como o sistema de aulas é diferente do ensino tradicional, ou seja, as aulas são duas vezes por semana, com duração de noventa minutos, a interação não é a mesma de uma escola onde os alunos passam um turno inteiro juntos. Ela precisa ser trabalhada de uma forma mais eficiente. Analisando os dados gerados na entrevista com o professor-instrutor alguns trechos foram selecionados para validar os conceitos sobre prescrição e ferramentas bem como para criar discussões sobre os temas. As falas do professor-instrutor estão representadas em itálico nos quadros abaixo. 4.1. Prescrições: Analisando a primeira fala do professor-instrutor verificamos que há uma metodologia própria de trabalho, onde há uma releitura do sistema de trabalho imposto pela instituição. O professor não segue apenas a prescrição (metodologia nesse caso) da escola: ele também cria e segue a sua própria prescrição. No quadro abaixo, estão relacionadas as falas do professor-instrutor que focalizam as prescrições na sua atividade. O quadro foi dividido entre as prescrições da escola de idiomas, ou seja, as oficiais e as próprias prescrições que o professor desenvolveu para si no seu trabalho, as auto-prescrições. Como a instrução ao sósia refere-se ao primeiro dia de aula, algumas prescrições oficiais não são aplicadas, como por exemplo, os steps na apresentação de uma lição (explicados no início do artigo). P á g i n a | 91 PRESCRIÇÕES DA ESCOLA PRESCRIÇÕES DO PROFESSOR Sobre a metodologia da escola: você vai explicar um pouquinho da metodologia e falar que o conhecimento, a metodologia do (nome da escola) / o conhecimento você aprende / o conhecimento quando faz o dever de casa tudo em português é primeira aula (...) pergunto tudo em português pega leve Relacionamento com responsáveis dos alunos: os Eu pego já nessa primeira aula / eu pego o e-mail se for uma turma como é uma turma de (livro 3) você vai pegar o e-mail e o telefone dos pais / geralmente a secretaria já tem isso (...) se for fazer alguma coisa entre em contato com os pais / não peça para a secretaria / não tá certo / eu acho que esse esse telefone sem fio você pode se prejudicar com isso Tenha o mais possível o mais direto contato possível com os pais deles Organização do quadro da sala de aula: bota a data no quadro / data no quadro é sempre bom pra dar aquela sintonizada Preparação da sala de aula: vê se a sala tá toda arrumada / liga o ar-condicionado pra dar aquela climatizada / muito bom aprender com um ambiente perfeito até mesmo um friozinho / assim é bom porque nordeste já viu como é né Preparação do professor antes da aula: Chega antes tá pra você se preparar / pra você tá naquele ambiente escolar que é bom (...) pra você ter tempo de organizar as coisas (...) você tá ali concentrado arrumação das suas coisas na Instruções no primeiro dia de aula são dadas em português para dirimir qualquer dúvida. Instruções no primeiro dia de aula são (re)configuradas em determinado momento. A gente vai começar com inglês / mas acho que primeira aula como é uma questão de instrução tudo deve estar muito claro / ali vai nortear todo o Eu tenho apresentações de Power Point para a primeira aula / são todas em Inglês trabalho de quatro, cinco meses Utilização do crachá identificação do professor: de Como agir em uma turma de pré-adolescentes P á g i n a | 92 (...) você tá com o seu crachá / tá ali identificado (...) eles podem te conhecer / leem o seu nome mas você não vai saber quem, quem são já vai ver que é uma turma de préadolescentes / então você já tem que ir com aquela energia pra enfrentar essa turma Ao longo da instrução é nítido o oscilar entre a prescrição oficial e a do professor. Os recortes assinalam as prescrições do curso, como por exemplo, a obrigação de que todas as informações sejam dadas pelos professores dos estágios básicos e intermediários em português no primeiro dia de aula. A prescrição que esse professor se impõe é o relacionamento direto com os responsáveis dos alunos a fim de que as dúvidas, os problemas e os elogios sejam transmitidos diretamente por ele. Há uma certa flexibilidade verificada nas prescrições da escola, onde os professores podem definir suas próprias prescrições aliando-as às prescrições institucionais. Todavia sempre há prescrições a serem seguidas. Elas norteiam o trabalho em qualquer profissão. Nas falas sobre “a preparação da sala de aula” e “preparação do professor antes da aula”, por exemplo, percebe-se a importância do momento anterior ao início da aula a ser ministrada, pois alguns aspectos que são levados em consideração demonstram a preocupação com o agir sobre o meio (conforto e o bem-estar que o ambiente físico pode proporcionar aos alunos e ao professor) e o agir sobre os instrumentos (a organização dos mesmos). No tópico sobre as instruções gerais dadas aos alunos no primeiro dia de aula, verifica-se que há a prescrição oficial de se utilizar a língua portuguesa como instrumento para esclarecimento de todas as questões referentes ao curso e ao semestre letivo, o que demonstra que uma prescrição oficial deve ser seguida para um melhor andamento do processo de aprendizagem. Porém o professor-instrutor sente-se com autonomia para explicar determinados procedimentos na língua inglesa através de slides, infringindo, mesmo que parcialmente, a prescrição da instituição. Outro ponto abordado na entrevista foi a presença de vários protagonistas. Estes não ficaram restritos aos alunos e ao professor. Amigues (2004, p.41) afirma que, ao contrário do que muitos pensam, a atividade desenvolvida pelo professor não é direcionada apenas aos alunos, bem como a outros professores (AGUIAR, AGUIAR, 2011) Na auto-prescrição imposta pelo próprio professor, a secretaria e os responsáveis pelos alunos tiveram o seu papel destacado. A prescrição oficial diz que o contato com os pais deve ser realizado mediante intermédio da secretaria, pois todos os dados cadastrais estão arquivados nesse departamento da escola. Porém o professor-instrutor prefere assumir a responsabilidade de criar um contato direto com os pais dos alunos, evitando assim o chamado “telefone sem fio”. A importância em se estreitar esse relacionamento é visto como uma forma de compreender melhor o mundo do seu aluno fora as quatro paredes da sala de aula do curso. Por fim, a forma de interagir com os alunos. Sabendo que a turma é formada por adolescentes, o professor preocupa-se com o ritmo da aula. Sabe que cada aula exige uma energia a mais que mantenha todos atentos ao processo de aprendizagem. 4.2. Ferramentas: P á g i n a | 93 Nas falas do professor-instrutor sobre as ferramentas institucionalizadas pelo curso há os DVDs e o attendance book (fichas de chamada). Há artefatos ainda não apropriados, como é o caso do blog. Amigues (2008) fala sobre a importância da apropriação das ferramentas: “essas ferramentas são frequentemente transformadas pelos professores para ganhar eficácia.” Há uma ferramenta que o professor-entrevistado está estudando a sua viabilização: um blog voltado para incentivar e motivar os alunos na realização dos exercícios de casa. O método de ensino nessa escola demanda a realização de vários exercícios em casa, o que torna o trabalho de cobrança exaustivo para o professor, pois a execução por parte dos alunos dificilmente é realizada de modo eficaz. O professor-entrevistado já tem a apropriação da tecnologia do blog fora da sala de aula, pois o utiliza como divulgação dos seus próprios textos. O desafio é aplicá-lo com essa turma em questão para melhorar o processo de aprendizagem. Abaixo segue o quadro com as representações do professor-instrutor sobre as ferramentas ou os instrumentos utilizados. Essas ferramentas e instrumentos estão marcados nas falas. 1) Instrução sobre a utilização dos instrumentos oficiais da escola: (...) você pega a pasta mas você não vai usar DVD nada porque é a primeira aula/ é uma aula de apresentação / então você vai pega o “attendance book” a lista de chamada 2) A incorporação de uma ferramenta com a possibilidade de se transformar em instrumento para incentivar a realização dos exercícios de casa: O que eu vou fazer agora nesse próximo semestre / eu to com uma coisa que eu to elaborando / aí eu to querendo fazer um blog pra cada turma (...) é por isso que eu enfatizo os exercícios / porque os exercícios é que vão fazer com que a (...) apreensão que é o apreender conhecimento(...) se todos os caminhos estiverem bem-feitos a prova é consequência desse bom trilhar aí desse planejamento OBS: a ferramenta existe, mas ainda não foi incorporada por nenhum professor com essa finalidade. 3) Incorporação do programa de apresentação do Power Point, do Windows Eu vou te passar todos os meus slides / eu tenho apresentações de Power Point para a primeira aula (...) como é o seu sistema de trabalho/ pra isso eu tenho uma apresentação de Power Point 4) Referência aos conselhos que dá para os alunos (instrumento simbólico): (...) vem os conselhos que eu gosto de dar para os alunos logo no primeiro dia de aula nós vamos ter uma aula de inglês aqui / você está reservando pra sua vida apenas três horas de inglês por semana / então eu acho que é muito importante trazer mais inglês pra nossa vida e não limitar a aula de inglês nessas três horinhas P á g i n a | 94 5) Utilização de música em sala de aula na primeira dinâmica do semestre coloca uma “musiquinha” para deixar o ambiente bem leve eu tenho até uma música que eu coloquei que foi (...) Mrs. Robinson Analisando as falas do instrutor sobre vários aspectos do trabalho do professor percebe-se que “independência” está agregada ao seu trabalho, mesmo com a quantidade de prescrições a serem seguidas, ou seja, ele se permite uma (re)configuração do seu agir. Em várias falas está nítido como o professor-instrutor se sente à vontade, por exemplo, na aplicação de alguma atividade diferente para a turma em determinado momento do processo de aprendizagem. O mesmo é verificado com a inovação de um método de controle sobre a realização dos exercícios de casa: a criação de um blog, onde haverá uma corrida de carros que corresponderá a cada aluno da sua turma. O aluno, realizando os exercícios e entregando no prazo determinado (prescrição), avançará na corrida. É uma forma de aproveitar o uso e o interesse pela internet para finalidade de aprendizagem. Durante a entrevista verifica-se que em alguns momentos o instrutor passa as instruções usando o pronome de primeira pessoa do singular “eu” ao invés de “você”, explicando o que ele faz e não o que a professora-sósia deveria fazer. Como é característica da profissão de professor, a individualidade está presente mesmo em situações em que o foco não é o ator principal (nesse caso da instrução ao sósia: o professor-instrutor) e sim, o sósia. Todavia na grande maioria das instruções o pronome de tratamento “você” era utilizado, retratando uma socialização do seu agir, ou seja, uma ação direcionada ao outro. “(...) você vai fazer assim (...)” 5. Considerações finais No panorama educacional dos dias atuais a definição das fronteiras e do conhecimento do professor ultrapassa os limites da sala de aula, transformando o seu trabalho em uma atividade cada vez mais complexa que exige um equilíbrio entre todos os elementos envolvidos na aprendizagem/ensino: os alunos, os pais, as escolas, os colegas de profissão, os colegas de trabalho e o próprio governo. A partir da instrução ao sósia realizada com um professor iniciante verifica-se como uma instituição de ensino, apesar de metodologia e material didático próprios e rígidos, permite uma flexibilidade e independência maior ao profissional do ensino, possibilitando inovações em sala de aula e maior atenção ao processo de aprendizagem. Contraditoriamente à ideia de que os professores-iniciantes seguem praticamente na sua totalidade as prescrições da instituição em que lecionam, nessa pesquisa pode-se verificar uma autonomia do professor em determinados momentos. Ressaltando, porém, a importância das prescrições nas diretrizes do trabalho de qualquer profissional. Podemos perceber nitidamente, através da fala do professor-instrutor, as seguintes ações: 1) Comprometimento do seu agir praxiológico devido ao pouco tempo de experiência no curso. Insegurança em (re)configurar determinadas etapas do seu agir docente; P á g i n a | 95 2) Reelaboração das prescrições. Algumas prescrições ainda eram desafios para ele; 3) Adequação do seu agir de acordo com as necessidades dos alunos; 4) Apropriação de artefatos, transformados em ferramentas a fim de que seu trabalho fosse mais dinâmico e eficiente e 5) Preocupação em estimular a aprendizagem do aluno, utilizando-se para isso a participação dos responsáveis nesse processo. Cabe ao professor entender o seu papel no redimensionamento dessas prescrições, avaliar se é realmente viável o uso da prescrição oficial em todos os momentos. O profissional que percebe a importância da reflexão sobre o seu agir, analisa melhor a sua aula, as suas explicações, as suas atividades, os seus alunos. O ambiente da sua turma, o tempo disponível, o interesse pelo assunto explicado são alguns fatores que devem ser analisados para saber se há possibilidade de uma (re)construção desse agir. As vozes dos profissionais do ensino precisam ser ouvidas, suas dificuldades apontadas e suas possíveis soluções apreciadas. O professor precisa sair do seu mundo individualista para o mundo coletivo da sua profissão, onde as experiências de cada um servem para um aprimoramento do processo de aprendizagem. Concluímos essa pesquisa com uma fala que define o grau de comprometimento e envolvimento do professor-instrutor com o seu aluno, com a escola e com o seu trabalho: “é muito importante a gente gostar / é tão legal saber (que) eu dou aquela influenciada, aquela instigada para que eles já comecem com gosto / pra que venham para as aulas.” Referências AMIGUES, René. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In.: MACHADO, Anna Rachel (Org.) O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. São Paulo: Eduel, 2004, p. 35-53 BRONCKART, Jean-Paul. Por que e como analisar o trabalho do professor. In.: BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. São Paulo: Mercado de Letras, 2006, p. 203-229 CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. 2ª Ed. São Paulo: Editora Vozes, 2007 CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes e ABREU-TARDELLI, Lília Santos (Orgs.) Linguagem e Educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. São Paulo: Mercado de Letras, 2009. LOUSADA, Eliane. Os pequenos grandes impedimentos da ação do professor: entre tentativas e decepções. In.: MACHADO, Anna Rachel (Org.) O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. São Paulo: Eduel, 2004, p. 273-296 MAZILLO, Tania M. O diário do professor-aluno: um instrumento para a avaliação do agir. LOUSADA, Eliane Gouvêa et al. O trabalho do professor: revelações possíveis P á g i n a | 96 pela análise do agir representado nos textos. In.: GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos et. Al. O interacionismo Sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. São Paulo: Mercado de Letras, 2007. P. 237-256 MEDRADO, Betânia Passos. Dimensões do agir representado em autobiografias docentes. In.: ROMERO, Tania Regina de Souza (Org.). Autobiografias na (re) constituição de identidades de professores de línguas: o olhar crítico-reflexivo. Campinas: Pontes Editores, 2010, p. 243-260 SAUJAT, Frédéric. O trabalho do professor nas pesquisas em educação: um panorama. In.: MACHADO, Anna Rachel (Org.) O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. São Paulo: Eduel, 2004, p. 3-34 TOGNATO, Maria Izabel Rodrigues. A (re) construção do trabalho do professor de inglês pela linguagem. 2008. 335 p. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) – PUC São Paulo, São Paulo, 2008 TOGNATO, Maria Izabel Rodrigues. O procedimento Indireto das Instruções ao sósia: investigando o trabalho do professor. In.: CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes (Org.) Estudos da Linguagem à luz do Interacionismo Sociodiscursivo. Londrina: UEL, 2008. p. 71-88 P á g i n a | 97 INFLUÊNCIAS DE LEITURAS NA FORMAÇÃO DE LICENCIANDOS DE LETRAS Kátia Cristina Cavalcante de OLIVEIRA (UECE)1 Resumo: Este trabalho surge no âmbito de um Subprojeto do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), numa unidade da UECE. O corpus analisado é constituído de 13 histórias de leitura dos pibidianos do Subprojeto, produto de uma oficina realizada no segundo semestre de 2012, com a intenção de incentivar os alunos a formarem grupos de leitura nas escolas onde atuavam. Tivemos como objetivo analisar, qualitativamente, influências do percurso leitor na formação desses futuros professores. Pudemos perceber, a partir da análise, a falta de trabalho sistemático com a leitura, especialmente de textos longos, na escola, bem como nas aulas de língua portuguesa. Além disso, o contexto em que os alunos tiveram contato com os textos de seu repertório de leitura influenciou em quanto, como, por que leram e essa realidade influencia na construção do futuro professor de Língua Portuguesa. Palavras-chave: Leitura. Formação docente. Ensino de língua. 1. Contextualizando a pesquisa No segundo semestre de 2012, com a intenção de incentivar os alunos a formarem grupos de leitura nas escolas onde atuavam, realizamos uma oficina sobre o prazer de ler. Uma das atividades desenvolvidas nesta foi o resgate da história de leituras dos licenciandos e professores supervisores. Em foco, nesta pesquisa, estão apenas as histórias de leitura dos licenciandos com o objetivo de analisar, qualitativamente, influências do percurso leitor na formação desses futuros professores. Apoiamo-nos em Mariani (2002, p. 108) para, com ela, dizermos que essas histórias precisam ser contadas a fim de que o leitor reconheça seu percurso, entendendo de que forma produz sentidos para aquilo que lê. Que este reconheça criticamente sua inserção em processos ideológicos que naturalizam sentidos, que possam parecer óbvios, ou ainda, que seja possível que se inscreva em outros processos de produção de sentido. Terzi (2001) desenvolve um trabalho em que contextualizar os sujeitos da pesquisa torna-se essencial para analisar o contato com a leitura e a escrita desses sujeitos. Para ela, numa sociedade letrada, é praticamente impossível as pessoas não terem contato com a leitura e a escrita; no entanto, a quantidade e a qualidade dessas práticas dependem das condições de vida e das características das comunidades em que as pessoas vivem (p. 53). Seu trabalho é desenvolvido com três crianças, cujas professoras anunciaram a falta de capacidade e a iminente (esperada por elas) evasão da escola por parte das crianças. 1 Este trabalho está relacionado ao Subprojeto Compreensão e Produção de Gêneros Textuais Orais e Escritos que faz parte do Projeto Institucional da UECE, do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), da CAPES, que tem como seu principal objetivo incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica. A unidade da UECE a que nos referimos é a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), de Limoeiro do Norte – Ceará. P á g i n a | 98 Apresentamos o trabalho da pesquisadora pela ênfase que esta dá à contextualização dos sujeitos no espaço em que eles viviam. Para nosso trabalho, essa é uma questão importante, pois entendemos que se nossos alunos (não) leram, se tiveram ou não incentivadores para suas leituras, se (não) se tornaram leitores, nada disso aconteceu naturalmente. O lugar onde viviam, a escolaridade dos pais, o contato com o letramento fora da escola, as leituras da escola, os professores que tiveram, tudo isso influenciou para que se tornassem o que são. Dos quatorze licenciandos que faziam parte de nosso Subprojeto naquele momento, tivemos acesso a treze das histórias de leitura. Os sujeitos da pesquisa estão entre o 4o e o 9o semestres do Curso e têm entre 19 e 28 anos. Ao contrário do que se costuma ver na universidade, nossos alunos são oriundos, em sua grande maioria, das escolas públicas. No universo de nossa pesquisa, apenas dois alunos passaram pela rede privada de educação. Um deles, no ensino fundamental e outro, durante toda a educação básica. Pelo menos cinco deles são filhos de agricultores e apenas uma tem os pais com nível superior. Uma característica de nossa faculdade é atender às pessoas que para ela se deslocam vindas das cidades vizinhas. Assim, apesar de a realidade escolar dos licenciandos ser muito semelhante, eles não são todos da mesma cidade. As diferenças em suas histórias podem ser percebidas mais em função do grau de escolaridade dos pais do que pelos lugares onde essas pessoas moraram e estudaram. A maioria dos pais, contudo, só teve acesso à escola até o ensino fundamental I, quando tiveram. Alguns deles são, portanto, analfabetos ou semianalfabetos. Apenas uma aluna concluiu o ensino médio em 2004, os demais o fizeram de 2007 em diante. Essa informação é importante porque algumas das discussões apresentadas por nós podem parecer obsoletas e, no entanto, não o são. Não temos pretensões, aqui, de analisar se os alunos fizeram boas ou más leituras, se com as leituras que fizeram, serão ou não bons professores. Até porque fazer isso seria incorrer no erro muito cometido e evitado nos tempos atuais no meio acadêmico: verificar falhas e mostrar o que falta para que o professor seja um verdadeiro profissional. Ao invés disso, pretendemos mostrar o contexto em que nossos licenciandos (pibidianos) tiveram contato com a leitura: desde quando se iniciaram no mundo letrado, que pessoas influenciaram em suas escolhas, como a escola contribuiu (ou deixou de fazê-lo) com as escolhas de leitura (da educação infantil ao ensino médio) e como tudo isso pode se refletir em sua formação docente. Por ora, pensemos em algumas questões apresentadas por Silva (1995, p. 24-25). Segundo o autor, na realidade brasileira, a leitura deve ser tomada como lei-dura, pelos seguintes motivos: apenas a elite brasileira leria neste país, pois o povo deveria ser mantido longe dos livros; a grande maioria do povo brasileiro não teria acesso ao livro; no meio acadêmico pouco se teria investigado sobre o fenômeno da leitura; na escola não seria promovido o gosto, mas o “desgosto” pela leitura; os poucos trabalhos no meio acadêmico sobre leitura seriam compartimentalizados, disseminados na forma de “retalhos”15 e, finalmente, na Psicologia da Educação, área de atuação do autor, os investigadores esqueceriam o caráter histórico e social da leitura. É provável que a realidade brasileira à qual nos remete Silva 16 (1995) tenha-se modificado de forma positiva nos últimos anos, que os alunos das escolas das classes 15 16 Aspas do autor. Em seu trabalho, ele faz referência a dados ainda da década de 1980. P á g i n a | 99 populares tenham mais acesso real ao livro 17, que o meio acadêmico, como pode servir de prova este trabalho, vem-se debruçando de forma mais interdisciplinar sobre a questão da leitura. No entanto, uma questão de Silva nos parece ainda muito atual: a escola, como agente promotora de leitura que deve ser, ainda não está efetivamente cumprindo o seu papel. Mesmo que os alunos tenham acesso a mais livros, a um mundo letrado, considerando que as histórias ora analisadas representam a realidade da educação básica já nos anos 2000, estas revelam a forma incipiente na sistemática de desenvolver um trabalho com a leitura. Remontar a essas ideias de Silva, expressas em diversos de seus trabalhos (1995, 1998, 2001), se justifica por nossa intenção de, neste trabalho, apresentarmos estudos sobre a leitura sob a perspectiva de diversas áreas de pesquisa, quais sejam: Linguística (Geraldi, 1999), Literatura (Lajolo, 1993; Magnani, 1989), Educação (Silva, 1995, 1998, 2001; Paulo Freire, 2000; Larrosa, 2001, 2003) a fim de compreendermos o percurso leitor de nossos licenciandos, sujeitos desta pesquisa. O trabalho de Freitas (2003) mostra o espaço que a leitura e a escrita ocupam na vida de adolescentes. Ela afirma: “Os adolescentes entrevistados retrataram a escola a partir de um mesmo olhar. Uma escola que não favorece o gosto pela leitura e escrita. Uma escola onde as práticas rotineiras e sem sentido se repetem.” (p. 25). Vejamos uma fala de duas licenciandas sobre as práticas de leitura de suas escolas, uma no ensino fundamental e outra no ensino médio: Em relação aos meus professores do ensino fundamental eles não me passavam total confiança de uma boa leitura, ou seja, eles não me incentivavam a leitura, pois trabalhavam apenas com os livros didáticos. (Luana)18 Resumindo sai do ensino médio sem ser um leitor crítico e sem ter boas referências tanto de bibliografia como de profissionais, já que os meus professores de literatura só ensinaram as escolas literárias e em nenhum momento focalizaram a leitura como base para aquele estudo. A realidade é que não conhecia quase nada da literatura brasileira, nem seus autores e suas respectivas obras. (Teresa) Para reafirmar a denúncia de Luana, quando põe em relevo a falta de incentivo por parte dos professores, que só trabalhavam com os livros didáticos, recorremos a Bretas (2012, p. 16): “A principal questão a ser levada em conta é que não se formam leitores usando apenas o livro didático, mesmo que ele contenha muitos textos de bons autores para leitura.” 17 Falo em acesso real porque alguns dos autores que tratam da leitura mostram a realidade não apenas de não existirem bibliotecas nas escolas brasileiras, mas também, quando há, serem inacessíveis aos alunos. Freitas (2003), por exemplo, relata uma experiência em que os adolescentes falam da biblioteca escolar como um lugar inacessível, onde é preciso ter autorização para entrar. Em meu corpus também aparece um depoimento semelhante: “Passava a maior parte do intervalo na biblioteca e por mais que fosse um ambiente restrito, cheio de regras e sem profissional adequado...” (Teresa) 18 Todos os nomes dos licenciandos são fictícios para preservar a identidade destes. Além disso, não alteramos em nada a forma linguística utilizada por eles nos textos. P á g i n a | 100 2. Discutindo uma velha questão: quantidade ou qualidade? Parece um tanto quanto controversa a discussão em torno do que tornaria alguém um leitor. Lajolo (1997), ao discutir sobre a motivação para a leitura, afirma que, em nome desse conceito, a obra literária poderia ser “completamente desfigurada na prática escolar” (p. 15). Atividades como palavras cruzadas, identificação com uma ou outra personagem, dramatização de textos propostos por manuais didáticos seriam periféricos à leitura, “ao contato solitário e profundo que o texto literário pede.” (p. 15) Soares (2001), no entanto, tem outra visão sobre esse ato solitário. Para ela, “Leitura não é esse ato solitário; é interação verbal entre indivíduos, e indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e os outros; entre os dois: enunciação; diálogo?” (p. 18) É provável, porém, que as ideias das autoras não sejam divergentes, posto que enquanto Lajolo trata do texto literário e da exigência desse contato solitário com este, Soares, por sua vez, trata dos diálogos que se estabelecem nas diversas leituras possíveis, literárias ou não. Além disso, não podemos esquecer que, mesmo numa leitura solitária, interagimos com o autor do texto. É ainda Lajolo (1997, p. 43) que, tratando a respeito de crise de leitura, afirma que esta crise é tanto quantitativa, já que seriam poucos os livros que circulariam entre os estudantes, quanto qualitativa, pois seria inadequada a forma como a escola patrocinaria a leitura. A autora reafirma sua posição, destacando que a qualidade do texto é imprescindível, mas não é suficiente. A fala de Márcia, transcrita abaixo, parece corroborar com as discussões feitas por Lajolo: Recordo-me que quando cursava a 8ª série, hoje 9º ano, a professora passou um livro para lermos para depois resumirmos em sala de aula para o resto da turma, o livro era Metamorfose de Franz Kafka. Eu simplesmente não entendia o livro, odiei profundamente, acredito que pelo fato de não estar nem um pouco empolgada para ler. Mas o li até o final, já que a apresentação valia nota. (Márcia) Como se pode perceber, a prática da professora “desfigurava” a obra literária. Antes de tudo, porque se pode deduzir que a prática da leitura não era uma constante, pois a aluna não se lembra de livros que a professora trabalhou, mas de um evento esporádico em que é imposta uma leitura que, a iniciantes, dificilmente agradaria. Paulo Freire (1995, p. 42) se posiciona da seguinte forma sobre a questão: “A insistência na quantidade de leituras, sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada.” Não é demais chamar a atenção para a falta, e não o excesso, de leituras no meio em que os licenciandos viveram sua educação básica, como pode exemplificar a fala de Gabriel, abaixo: Durante o Ensino Fundamental não me recordo de leituras de livros que tenha feito. Lia o que a professora pedia, quando P á g i n a | 101 algum professor passava trabalhos ou em períodos de avaliações. (Gabriel) Geraldi (1999, p. 99) também trata da questão qualidade/quantidade. Para ele, “não há leitura qualitativa no leitor de um livro”. Isso nos leva a pensar no que é um leitor, quanto de leitura é necessário para que assim o consideremos. Mas o autor, recorrendo à metáfora de mergulhos dos leitores nos textos, argumenta que o aprofundamento num texto depende dos textos já lidos anteriormente. Seguindo esse raciocínio e pensando na responsabilidade do professor, o autor afirma que, como professores, devemos propiciar o maior número de leituras possível aos nossos alunos, mesmo que a interlocução destes com o texto ainda não seja a desejada pelo professor. Há de se respeitar, como o próprio autor diz em outro momento, o percurso do leitor. 3. Fugindo do senso comum Vários são os autores que apresentam a literatura/o texto poético como promotor(a) de novas possibilidades de pensar a vida, o mundo, a profissão mesma de professor. Larrosa (2001, p. 106), analisando o poema de Rilke, entende que “A experiência da leitura converte o olhar ordinário sobre o mundo num olhar poético, poetiza o mundo, faz com que o mundo seja vivido poeticamente (...)”. Uma afirmação de Paulo Freire (1995, p. 44) tornou-se célebre para aqueles que tratam da leitura. Não podemos, por isso, deixar de nos remeter a ela: “(...) a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica na continuidade da leitura daquele.” Assim, apesar de a leitura do mundo preceder a da palavra, parte da afirmação sempre em destaque nos trabalhos sobre o assunto, o autor também nos alerta que a leitura desta ajuda na continuidade da que se faz do mundo. Já para Lajolo (1997), “Ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele não tem sentido nenhum. E o mesmo se pode dizer de nossas aulas.” Assim, os livros servem para dar não um sentido, mas poderíamos ir um pouco além e dizer que os textos dão sentidos ao mundo. Dessa forma, os licenciandos que tiveram oportunidade de vivenciar de forma mais intensa o contato com os livros, com a leitura, percebem as possibilidades inerentes a quem adentra no mundo dos livros. Yunes (2003, p. 9) trata diretamente da função da leitura: “Só a (des)entendemos [a vida] no senso comum, que não nos obriga a pensar, que já está pensado, que nos parece ‘natural’ e ao qual não vemos por que opor qualquer questionamento.” Assim, se o senso comum não nos obriga a pensar ou nos leva a pensar tudo como “natural”, em oposição a esse senso comum estaria a literatura, seria através da leitura que desnaturalizaríamos formas de viver, de pensar etc. No entanto, para chegar a esse nível é preciso superar a leitura literal, que, para Yunes (2003, p. 9), “engana e confunde”. Assim, Ler é desfazer a certeza dura e vacilar com a confiança de que se perdendo há mais a encontrar: a linguagem não se esgota no sentido atribuído historicamente, suspenso sobre seu cotidiano. Não é à toa o recurso à alegoria, à parábola, à poesia para driblar o endurecimento P á g i n a | 102 dos discursos. As palavras vivem entre os homens e a ninguém pertencem com exclusividade. (YUNES, 2003: 10) Partindo também de uma ideia de Barthes, de que “toda leitura altera o leitor”, Yunes (2003: 13) afirma que essa consideração não é intuitiva, mas que os estudos neurocognitivos mais avançados registrariam os efeitos do que ouvimos ou lemos em nosso córtex cerebral, “indicando as energias neuronais mobilizadas e suas redes eletroquímicas a distribuir as reações para os órgãos terminais”. Dessa forma, a emoção, o insght funcionariam alterando efetivamente a composição do estado psicofísico do leitor. Também Mariani (2002, p. 107) nos faz refletir sobre o papel da linguagem/textos, quando afirma: “Nascemos em um mundo previamente organizado pela linguagem: passamos a vida repetindo e/ou resistindo, e/ou rompendo, para transformar sentidos que já circulam no tecido sociocultural.” Apesar de a autora tratar mais diretamente da linguagem, podemos transferir essa compreensão para o quanto a leitura pode nos auxiliar a resistir, romper, transformar sentidos. Destacamos abaixo alguns trechos das histórias de leitura aqui analisadas, que, de alguma forma, mostram a consciência que os licenciandos têm desse “efeito” que os textos podem nos proporcionar: A leitura transforma nossa vida, o saber nos leva ir além do que imaginamos (...) (Lia) Minha história de leitura está totalmente atrelada com a minha história de vida e de sobrevivência. Pois a leitura me ajudou a traspor diversos obstáculos. (Cristina) “O pequeno príncipe” causou em mim um estrago muito grande, foi uma viagem e tanto, ele abriu as portas para outros livros, foi fantástica aquela leitura, que me cativou, afinal “Tu te tornas eternamente responsável, por aquilo que cativas!”, foram frases como essa que provocaram em mim angústias, respostas, inquietações e não conseguia parar de ler aquele livro, li tudo de uma vez só, foi inexplicável. (Carla) Um livro em nossas mãos nos proporciona sensações que nem sempre algo material (concreto) ao nosso alcance consegue proporcionar. (Marta) É indiscutível o papel das (faltas de) políticas públicas relacionadas à leitura nas escolas. Concordamos com Yunes (2003, p. 13) quando afirma que a biblioteca, a escola têm um peso na história da organização social em que se escreve a história dos homens. Para a autora, esses espaços teriam maior peso devido à dispersão atual das famílias, que teriam um baixo nível de convivência. Considerando que as famílias de nossos licenciandos, em geral, não tinham acesso a esse mundo dos livros, essa afirmação se torna ainda mais verdadeira. Destacamos a seguir as poucas referências feitas pelos licenciandos a algum tipo de política pública, para, depois, pensarmos na influência dessas políticas para a formação leitora destes. P á g i n a | 103 Quando estava no ensino fundamental na escola T... participei de um projeto muito bom, que se chamava “Eu sou cidadão, amigos da leitura”, esse projeto fez com que meu contato com livros aumentasse ainda mais. (Ana) Como era uma escola do interior, não tinha muito recursos, porém um projeto do Governo Federal “Literatura em minha casa”19 que foi desenvolvido no município (...)dentre eles o livro que despertou esse prazer pela leitura, foi Meus Primeiros Versos de Cecília Meireles. (João) De todos os licenciandos, apenas esses dois citaram algum tipo de projeto desenvolvido na escola com o intuito de despertar, no aluno, o gosto pela leitura. No primeiro caso, o projeto parece ser local e, no segundo, faz parte de uma política do governo federal, um projeto que dava livros aos alunos. Ana é bastante enfática na importância que esse projeto escolar teve em sua formação. De seu lado, João lembra um livro que ganhou na escola, a partir do projeto do governo federal, que despertou prazer na leitura. Tratamos dessa questão por não podermos deixar de fora da discussão a importância que o poder público poderia ter, mas que muitas vezes se esquiva, na disseminação da leitura, na oportunidade de os alunos leitores fugirem ao senso comum tão presente em meios mais acessíveis a estes. 4. O que se espera de um professor de língua portuguesa? Lajolo (1997) é muito explícita sobre como deve ser um professor de português, destacando especialmente a necessidade de este ser um leitor assíduo, competente: O professor de Português deve dispor de uma noção ampla de linguagem, que inclua seus aspectos sociais, psicológicos, biológicos, antropológicos e políticos. Ele deve ser usuário competente da modalidade culta da Língua Portuguesa. (p. 21) O professor de Português deve estar familiarizado com uma leitura bastante extensa de literatura, particularmente da brasileira, da portuguesa e da africana de expressão portuguesa. Frequentador assíduo dos clássicos, sua opção pelos contemporâneos, pelas crônicas curtas ou pelos textos infantis deve ser, quando for o caso, mera preferência. Em outras palavras: o professor de Português pode não gostar de Camões nem de Machado de Assis. Mas precisa conhecêlos, entendê-los e ser capaz de explicá-los. (p. 21-22) 19 O projeto Literatura em Minha Casa distribuiu cinco obras literárias (clássicos nacionais e internacionais, poesias, contos e lendas brasileiros) a alunos de escolas públicas de todo o país. Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2002-04-16/projeto-literatura-em-minha-casa-vai-distribuir-livrosalunos-das-escolas-publicas P á g i n a | 104 Destacamos na primeira citação de Lajolo a necessidade de que ela fala em ser o professor de Português um usuário competente da modalidade culta da Língua Portuguesa por entendermos que nos tornamos esse usuário competente, especialmente na modalidade escrita da língua, por meio de nossas leituras acumuladas. A partir das considerações de Lajolo, analisamos algumas afirmações das licenciandas: Surgiram as provas do ENEM e de concursos, onde estas fazem uso de trechos de obras literárias que eu até já tinha ouvido falar ou outras já havia visto os resumos, porém nunca havia lido e sem nenhum conhecimento prévio que facilitasse na compreensão da questão. (Teresa) Desde muito cedo tive contato com os livros. Minha mãe é professora de ensino fundamental e viver rodeada de livros sempre me foi muito comum, principalmente livros infantis. Não lembro se minha mãe contava estas estórias pra mim, mas lembro que eu adorava folhear os livros e admirar os desenhos, eles me encantavam. Adorava colocar a folha de caderno sobre eles e tentar desenhá-los o mais fiel possível. (Rita) Talvez seja arriscado expor Teresa como não usuária competente da modalidade culta de nossa língua. Contextualizando, porém, a produção de sua história de leitura, para a qual teve tempo suficiente em casa para fazer e refazer, deduzimos que os licenciandos que dizem ter menos acesso aos livros, que nem sempre tiveram uma figura que os motivasse na leitura, mesmo no ambiente extraescolar, têm um déficit na aprendizagem de certas regras da modalidade culta20. Não negamos a construção em que os licenciandos ainda se encontram, mas sua formação leitora assistemática, certamente contribuiu para suas dificuldades no domínio de certas regras, posto que acreditamos, com Yunes (2003, p. 12), ao citar Barthes, que um texto não deve ser apenas legível21 mas também escrevível22, de tal forma que a legibilidade permita que o leitor levante a cabeça e dê continuidade ao texto com seu próprio discurso. Quanto à Rita, sua história é diferente das demais. Como ela mostra no início de seu texto, sua mãe era professora e ela sempre estudou em escolas que tinham um mínimo de estrutura e professores engajados na promoção da leitura. Pierre Bourdieu (2001, p. 239) é radical na sua avaliação quanto à importância da leitura: “Participo também da crença na importância da leitura, participo também da convicção de que é muito importante ler e de que alguém que não lê é mutilado etc.”. Considerando palavras tão incisivas, não podemos minimizar a importância da formação leitora de nossos licenciandos, futuros professores de língua portuguesa. No caso em análise, porém, a reconstituição dessas histórias de leitura deve levá-los a refletir sobre esta formação para, a partir daí, assumir um novo lugar como leitor, mais 20 Entendemos modalidade culta da língua (norma de prestígio, norma padrão são termos também utilizados, com algumas diferenças), segundo Neves (2004). A autora destaca essa modalidade como ocorrendo tanto na oralidade quanto na escrita, embora de formas diversas; além disso, os modelos prestigiados de uso “se constituem normas que emergem naturalmente da média dos usos nas diferentes situações” (p. 45); por fim, a normatização dos usos é a “eleição de um determinado uso – ou conjunto de usos – considerado modelar.” (p. 65). 21 Destaque da autora. 22 Idem. P á g i n a | 105 crítico, até mesmo para perceberem a premente necessidade do engajamento de seus professores, na universidade, para que os auxiliem nessa formação. Lajolo (1997, p. 16), por sua vez, especifica a situação de desencontro entre literatura e jovens. Para ela, esse desencontro que explode nas escolas seria um mero sintoma de um desencontro maior que os professores também viveríamos. Ela afirma: “Os alunos não leem, nem nós; os alunos escrevem mal e nós também. Mas, ao contrário de nós, os alunos não estão investidos de nada.” (p. 16) De certa forma, esta é uma denúncia, atual, que se pode comprovar por meio de diversos trechos das histórias de leitura dos licenciandos em foco no nosso trabalho: Os tempos passaram e fui perdendo esse contato com a leitura, pois no ensino fundamental II, a leitura não era prioridade, nesse período pouco fui motivado à leitura, apesar da cobrança que se dava através de alguns livros. Penso que o encaminhamento não ocorreu de forma prazerosa devido a isso, talvez a falta de um empenho maior. A leitura não era significativa e fui cada vez mais perdendo o prazer por ela. (João) Percebe-se, nesta fala, a ocultação de um sujeito que o aluno parece querer proteger, com receio de acusá-lo. Senão, vejamos: o aluno diz: “a leitura não era prioridade” [para quem?]; “pouco fui motivado” [por quem?]; “o encaminhamento [de quem?] não ocorreu de forma prazerosa”; “talvez a falta de um empenho maior” [por parte de quem?]. Como se pode perceber, apesar dessa tentativa de ocultação/proteção do professor, fica patente nesta fala a denúncia com relação a um professor que não prioriza a leitura, não motiva seus alunos, não encaminha, não se empenha, enfim. Outra licencianda é mais explícita em seu desabafo: O único incentivo que tive para a leitura foi as poucas aulas de literatura do Ensino Médio, que eu adorava. Porém, nunca nos foi solicitada a leitura de nenhum livro. A professora apenas citava as obras e eu, muito curiosa, começava a interrogá-la sobre o enredo. Quando achava que me interessava eu ia procurar na biblioteca. (Rita) Como se pode ver pela fala da aluna, o contato que ela tinha com os livros, com o espaço da biblioteca, dava-se em função de sua própria curiosidade, de seu interesse pessoal, pois mesmo as aulas de literatura sendo agradáveis, a professora não indicava livros ou solicitava leituras, ficando a cargo da aluna (e da mãe, que era professora) sua própria formação leitora, o que nos leva a pensar: e quem não tinha esse interesse, essa motivação pessoal ou extraescolar? P á g i n a | 106 Finalmente, tornando a questão que intitula a seção mais geral, o que se espera de um professor? Para Larrosa (2003, p. 126), a paixão de aprender e de ensinar do “mestre de leitura”23 se conjugam na paixão do novo, do imprevisível, da leitura futura. Como tratamos da questão da leitura, interessante ressaltar a proposta de Geraldi (1999), que continua por demais pertinente devido à aplicabilidade por parte de qualquer professor que se pretenda “formador” de leitores. Para Geraldi (1999, p. 9899), há três princípios a serem considerados no incentivo à leitura na escola: o caminho do leitor, o circuito do livro e, finalmente, a leitura qualitativa24. O primeiro princípio trata da caminhada do leitor como sendo algo individual, considerando que ninguém começou suas leituras pelo “monumento literário”. O segundo trata da necessidade de circulação do livro, ou seja, é preciso que indiquemos, que nos mostremos leitores, que dividamos nossas emoções a fim de motivarmos o outro para a leitura. O autor sugere que talvez nem seja o professor o melhor informante para nossos alunos, mas seus colegas e, principalmente, a frequência à biblioteca. Nesse ponto, atrevemo-nos a fazer um parêntese. O professor, como vêm dizendo vários dos pesquisadores ora estudados, tem um papel fundamental na formação do aluno leitor, especialmente quando este vem de um meio em que os livros não circulam com a mesma frequência que em outros. Dessa forma, deixar, num primeiro momento, que os alunos fiquem livres para suas escolhas é muito importante para “fisgar” o leitor. No entanto, o professor também tem um papel fundamental no direcionamento das leituras para que esses não fiquem limitados a um único tipo de literatura25. Ademais, Magnani (1989, p. 43) nos alerta: “Se propomos ao aluno que ele deve ler apenas o que gosta, não podemos nos esquecer de que esse gosto não é tão natural assim. Pelo contrário, é profundamente marcado pelas condições sociais e culturais de acesso aos códigos de leitura e escrita.” Essa afirmação da autora pode ser comprovada por algumas obras que aparecem nos relatos dos sujeitos de nossa pesquisa. Vejamos: A menina que roubava livros, de Markus Zusak; Um amor pra recordar, Querido John, Diário de uma paixão, A última música, Noites de Tormenta, O melhor de mim, A escolha, O casamento, Um ano inesquecível e Um homem de sorte, de Nicholas Sparks; O caçador de pipas e A cidade do sol, de Khaled Hosseini; Verônica decide morrer, de Paulo Coelho, Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse e Amanhecer, de Stephenie Meyer, Cinquenta tons de cinza, de E. L. James. 26 Todas essas obras aparecem nos textos de pelo menos duas licenciandas. A afirmação de que essas leituras confirmam a previsão de Magnani não tem nenhuma intenção avaliativa, mas apenas de comprovação, ou seja, não foi à toa que essas obras chegaram às mãos de nossas alunas. Algumas delas são best-sellers e constam na lista dos mais lidos de livrarias, revistas, jornais, sites etc.; outras foram adaptadas para o cinema hollywoodiano; outros ainda são parte das famosas séries para adolescentes. 23 Larrosa chama de mestre de leitura (maestro de lectura) todos os que leem: professores, críticos, estudiosos, eruditos etc. 24 Sobre isso, discutimos na seção Discutindo uma velha questão: quantidade ou qualidade? 25 Não pretendemos aqui discutir se um texto é ou não literário, nem se tem ou não qualidade. Essa é uma questão controversa, da qual trata, por exemplo, Lajolo (2001, p. 31) quando diz: “A literatura – aquela que os resmungões gostam de escrever com letra maiúscula – desconfia de tudo que não é escrito, ou de tudo que ao escrito acrescenta outros códigos.” 26 Grifo da autora. P á g i n a | 107 É Bourdieu (2001, p. 238) quem se refere a essas diversas leituras, que muitas vezes são “inconfessáveis”. Para o autor, há leituras que fazemos às ocultas. Assim, haveria dois tipos de leitores: aquele cujas leituras são de coisas que não valem a pena e outro que praticaria uma leitura que o autor chama de “verdadeira”, que seria a leitura do “não-perecível”, do clássico, que, para ele, “não pode ser jogado fora”. É interessante observar que ele não distingue esses leitores como sendo pessoas diferentes, ou seja, qualquer um, em diferentes momentos, pode ser um ou outro. Citemos ainda uma das considerações de Bourdieu (2001, p. 243): “Os intelectuais esquecem-se de que por meio de um livro se pode transformar a visão do mundo social e, através da visão de mundo, transformar também o próprio mundo social.” Se é verdade que os intelectuais esquecem-se disso, talvez seja questionável, mas o poder de transformação do mundo por meio da leitura é algo em que acreditamos. Dessa forma, faz-se necessário que nossos licenciandos tenham consciência não da necessidade de abandonar suas leituras contemporâneas, mas pelo menos de reconhecer que suas escolhas não são inocentes, ou pelo menos, totalmente livres, mas condicionadas no tipo de sociedade em que vivemos. Só com a consciência de que ele mesmo pode ser mais de um tipo de leitor, de que fala Bourdieu, o futuro docente poderá ajudar seus alunos a fazer verdadeiramente escolhas, conscientes do porquê e para quê as estão fazendo. 5. Concluindo Algumas considerações podem ser feitas a partir da pesquisa realizada. Primeiro, fica patente a falta de trabalho sistemático com a leitura, especialmente de textos longos, na escola e, como mostram os relatos dos alunos, nas aulas de língua portuguesa. Enquanto alguns autores criticam práticas em que há obrigatoriedade de leituras enfadonhas, com atividades que não interessam aos alunos, nos casos analisados, o que mais há é a denúncia da falta de envolvimento com a leitura por parte dos professores, que não planejam, não incentivam, não se mostram leitores, enfim. Dessa forma, podemos concluir que o contexto em que os alunos tiveram contato com os textos de seu repertório de leitura influenciou em quanto, como, por que leram e essa realidade influencia na construção do futuro professor. Isso não significa, porém, que, a partir de uma consciência crítica leitora, sua realidade não possa, mais uma vez, ser transformada a fim de que também, como professores do porvir, possam conduzir seus alunos nas mais diversas leituras, dos mais diversos modos. A reconstrução das histórias de leitura teve, portanto, o objetivo de ajudar os alunos a pensarem em suas próprias trajetórias, de forma que eles deem novo rumo a sua própria formação leitora. Referências BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. A leitura: uma prática cultural. Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura. Trad. Cristiane Nascimento. 2 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. pp. 231-253. BRETAS, Maria Luiza Batista. Leitura é fundamental – desafios na formação de jovens leitores. Belo Horizonte: Editora RHJ, 2012. P á g i n a | 108 FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. In: ABREU, Márcia. Leituras no Brasil: antologia comemorativa pelo 10o COLE. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 1995. pp. 29-46. FREITAS, Maria Teresa Assunção. No discurso de adolescentes, as práticas de leitura e escrita na escola. In: YUNES, Eliana; OSWALD, Maria Luiza. (orgs.) A experiência da leitura. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 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(orgs.) A experiência da leitura. São Paulo: Edições Loyola, 2003. pp. 7-15. P á g i n a | 109 FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LITERATURA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA E ENSINO DO TEXTO LITERÁRIO Tássia Tavares de OLIVEIRA (UFPB)27 Resumo: Este trabalho reflete sobre os postulados teóricos e metodológicos da formação inicial de professores de língua portuguesa para o ensino da leitura literária. Utilizamos como referência autores como Antunes (2003), Kleiman (1993), Koch (2006), Marcuschi (2008), Rojo (2009), Zilberman (1991), dentre outros trabalhos sobre leitura e ensino. Nossa metodologia consiste na análise do panorama da formação de professores de língua portuguesa quanto ao ensino da leitura a partir do proposto pela disciplina Prática de Leitura e Produção de Texto oferecida no curso de Letras. As pesquisas sobre a leitura centram-se demasiadamente no seu aspecto cognitivo ou sociointeracionista, mas, de fato, pouco se discute sobre as possibilidades metodológicas para trabalhar com a leitura na escola. Quando nos voltamos para o texto literário como objeto de ensino a dificuldade é ainda maior, devido à própria natureza da obra literária, a inexperiência dos alunos e muitas vezes também o despreparo dos professores. Diante do exposto, propomos o presente trabalho, com o objetivo de realizar uma reflexão sobre as novas exigências do ensino de literatura nas escolas, de acordo com os documentos oficiais Brasil (2006) e Paraíba (2007). Palavras-chave: Formação de professores. Ensino de literatura. Leitura literária. 1. Introdução O curso de licenciatura em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, forma o profissional que desenvolve atividades docentes na educação básica ministrando aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Em linhas gerais, as aulas de Língua Portuguesa no ensino fundamental e médio devem privilegiar as habilidades de leitura, escrita e análise linguística em diversos gêneros textuais. As aulas de Literatura Brasileira devem oferecer um panorama histórico da nossa tradição literária e trabalhar a leitura analítica de obras de diferentes épocas e gêneros literários. Como podemos ver, as disciplinas escolares que trabalham as questões da linguagem são bastante complexas, pois requerem o esforço do profissional para dar conta de um programa amplo de conhecimentos linguísticos e literários a ser ministrado. Portanto, a formação do professor de língua e literatura deve fornecer um aprofundamento teórico e metodológico acerca das questões da língua e da literatura, não apenas de maneira estanque, mas, sempre que possível, relacionando os diferentes conhecimentos, e assim interligando as disciplinas. No entanto, nem sempre é isso que ocorre durante a formação inicial do professor, e a prática da divisão se reproduz na sala de aula. A separação em disciplinas distintas pode ser útil para diversos fins, no entanto, pode trazer outros problemas, como a recorrente dificuldade de professores em lidar paralelamente com as duas áreas de ensino. 27 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba. O presente artigo é um recorte da monografia de mesmo título defendida na Especialização em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna (UAL/POSLE – UFCG, 2011). P á g i n a | 110 Sabemos que é preocupação da universidade a formação inicial de profissionais habilitados para atuar de forma autônoma e reflexiva em sala de aula, no entanto, percebemos a dificuldade que esses professores encontram no dia a dia para lidar com as idiossincrasias presentes em sala e para trabalhar com um objeto tão específico como é a obra literária. As pesquisas sobre a leitura centram-se demasiadamente no seu aspecto cognitivo ou no sociointeracionista, mas de fato, pouco se discute sobre as possibilidades metodológicas para trabalhar com a leitura em sala de aula, a não ser os já tradicionais exercícios de compreensão de texto presentes nos livros didáticos. Quando nos voltamos para o texto literário como objeto de ensino a dificuldade é ainda maior, devido à própria natureza multifacetada da obra, a inexperiência dos alunos, e muitas vezes também o despreparo dos professores, que não assumem a identidade de leitores literários no seu cotidiano. O novo paradigma de ensino de literatura pretende dar menos atenção às questões de história da literatura para centrar-se cada vez mais na leitura das obras literárias. Isso requer do professor uma identificação com a atividade leitora, conhecimentos técnicos sobre os gêneros literários, disponibilidade para dar conta de uma variedade de objetos de ensino com suas peculiaridades (obras literárias diversas), metodologia de ensino de leitura e compreensão. Além disso, requer uma reflexão constante do professor sobre o seu fazer docente, sobre o diálogo em sala necessário para se alcançar os novos objetivos do ensino (formar leitores literários críticos, capazes de falar e escrever num nível satisfatório sobre as obras que leem). Na formação inicial, durante a graduação no curso de Letras das instituições federais de ensino superior, a disciplina que normalmente corresponde à abordagem das concepções e práticas de leitura é Prática de Leitura e Produção de Textos (PLPT), comumente ministrada durante os dois primeiros semestres do curso, e dividindo-se em PLPT I (prática de leitura) e PLPT II (produção de texto). 2. O tratamento teórico da leitura na formação inicial de professores de língua portuguesa Koch e Elias (2006), ao abordarem questões pertinentes à leitura e compreensão, nos alertam que a concepção de leitura que adotamos decorre das nossas concepções de sujeito, língua, texto e sentido. Assim, quando o foco está no autor, a língua é concebida como representação do pensamento, o sujeito é psicológico e individual, o texto como produto e a leitura seria uma atividade de captação das ideias do autor. Quando o foco está no texto, a língua é concebida como estrutura, o sujeito é (pré)determinado e assujeitado, o texto é produto da codificação de um emissor, e a leitura seria uma atividade linear. Porém, quando o foco está na interação autor-textoleitor, perspectiva adotada pelas autoras, a língua é concebida dialogicamente, os sujeitos são ativos e sociais, o texto é o lugar de interação e constituição dos interlocutores, e a leitura, portanto, é uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos. “Fundamentamo-nos, pois, em uma concepção sociocognitivointeracional de língua que privilegia os sujeitos e seus conhecimentos em processo de interação” (BAKHTIN, 1992, apud KOCH & ELIAS, 2006, p. 12). Essa concepção interacionista da leitura já aparece nos primeiros Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998. Está presente também nas atuais Orientações Curriculares Nacionais de 2006, em que o leitor é tomado como construtor de sentido (não se trata de extrair informação). P á g i n a | 111 A leitura também é norteada pelos objetivos de leitura do leitor, que podem ser variados. Além disso, a leitura e produção de sentido requerem a ativação de conhecimentos do leitor, ou seja, são atividades orientadas por nossa bagagem sociocognitiva (KOCH & ELIAS, 2006). Considerando, pois, que os conhecimentos são diferentes entre os leitores, as autoras sinalizam para a pluralidade de leituras e sentidos (o que não implica, vale aqui salientarmos, em aceitação de qualquer leitura). “É claro que com isso não preconizamos que o leitor possa ler qualquer coisa em um texto, pois, como já afirmamos, o sentido não está apenas no leitor, nem no texto, mas na interação autor-texto-leitor” (KOCH & ELIAS, 2006). A compreensão de um texto varia segundo as circunstâncias de leitura e depende de vários fatores. As autoras então destacam os fatores de compreensão da leitura relativos ao autor/leitor (conhecimento linguístico, cognição, bagagem cultural, circunstância de produção) e relativos ao texto (materiais linguísticos ou de conteúdo). Koch e Elias (2006) ainda afirmam que as circunstâncias da escrita (contexto de produção) podem ser diferentes das circunstâncias de leitura (contexto de uso), e que esse fato interfere na produção de sentido. Ao dedicarem-se aos conhecimentos do leitor usados como estratégias sociocognitivas, Koch e Elias (2006) os dividem em três grandes sistemas de conhecimento: conhecimento linguístico, que abrange o conhecimento gramatical e lexical; conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo, que refere-se a conhecimentos gerais sobre o mundo, vivências pessoais e eventos espaçotemporalmente situados; e conhecimento interacional, que refere-se às formas de interação por meio da linguagem e engloba os conhecimentos ilocucional (reconhecer os objetivos pretendidos pelo produtor do texto), conhecimento comunicacional (quantidade de informação, variante linguística e adequação do gênero textual), conhecimento metacomunicativo (permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação do interlocutor do texto dos objetivos com que é produzido), e conhecimento superestrutural (ou conhecimento sobre gêneros textuais). Como pudemos ver, a abordagem das autoras Koch e Elias (2006) segue a concepção sociointeracionista e cognitivista da leitura, e representa um grande avanço para o ensino de língua, pois é rico em exemplificações em gêneros diversos, escrito em linguagem acessível e voltado para o público docente, trazendo, inclusive, questões pertinentes ao ensino da leitura a partir dos gêneros textuais. No entanto, o trabalho com os gêneros literários não se encontra aqui representado. Marcuschi (2008, p. 229) explicita logo a princípio a sua tese de que ler não é um ato de simples extração de conteúdos ou identificação de sentidos, mas, pelo contrário, ler é um ato de produção e apropriação de sentido que nunca é definitivo e completo. Ou seja, Marcuschi (2008) defende a concepção vygotskyana, ou abordagem sociointerativa da cognição, segundo a qual a língua é um sistema simbólico ligado a práticas sócio-históricas e não funciona no vácuo; assim, leitura e compreensão são um trabalho social e não uma atividade individual. O autor, ao observar que compreender exige habilidade, interação e trabalho, faz referência aos estudos sobre o letramento de Kleiman (2004), que tratam de promover a leitura como uma ação solidária e coletiva no seio da sociedade. A concepção hoje predominante nos estudos de leitura é a de leitura como prática social que, na lingüística aplicada, é subsidiada teoricamente pelos estudos do letramento. Nessa perspectiva, os usos P á g i n a | 112 da leitura estão ligados à situação; são determinados pelas histórias dos participantes, pelas características da instituição em que se encontram, pelo grau de formalidade ou informalidade da situação, pelo objetivo da atividade de leitura, diferindo segundo o grupo social (KLEIMAN, 2004, apud MARCUSCHI, 2008, p. 231). A proposta de Marcuschi (2008) é que a compreensão não é um simples ato de identificação de informações, mas uma construção de sentidos com base em atividades inferenciais (compreender uma expressão linguística ou um texto em uso é entendê-lo em seus contextos). Uma das pressuposições assumidas, portanto, é a de que o sentido literal nada mais é do que um sentido básico que entendemos quando usamos a língua, o que não corresponde necessariamente ao sentido dicionarizado, nem de uma oposição ao sentido figurado, mas sim a um sentido preferencial. Percebemos, desse modo, que são dois os paradigmas de leitura, explicados por esses autores até aqui utilizados: compreensão como decodificação (noção de língua como código) e compreensão como atividade inferencial (noção de língua como atividade). Marcuschi (2008, p. 239) defende o segundo paradigma, e traça alguns princípios, segundo o qual: ler e compreender são equivalentes; a compreensão do texto é um processo cognitivo; no processo de compreensão, desenvolvemos atividades inferenciais; os conhecimentos prévios exercem uma influência muito grande ao compreendermos um texto; compreender um texto não equivale a decodificar mensagens. Dentro desse paradigma, a noção de língua que se adota não é de simplesmente um código, mas um fenômeno cultural, histórico, social e cognitivo que varia ao longo do tempo e de acordo com os falantes (a atividade de produção de sentidos é sempre uma atividade de coautoria). A noção de texto também não pode ser a de mero produto, como usualmente é tratado pela escola, ele é concebido como um processo e pode ser visto como um evento comunicativo sempre emergente (o texto é uma proposta de sentido e se acha aberto a várias alternativas de compreensão) (MARCUSCHI, 2008). Outra observação de Marcuschi (2008, p. 249) é a de que o contexto tem um papel central na interpretação de textos, sejam eles escritos ou orais. Na compreensão influenciam condições textuais, pragmáticas, cognitivas, interesses e outros fatores, tais como conhecimentos do leitor, gênero e forma de textualização. O autor contribui ainda com a noção de inferência, que funciona como provedora de contexto integrador para informações e estabelecimento de continuidade do próprio texto, dando-lhe coerência (as inferências funcionam como hipóteses coesivas para o leitor processar o texto). Em suma, “compreender é uma atividade de relacionar conhecimentos, experiências e ações num movimento interativo e negociado” (MARCUSCHI, 2008, p. 252). Uma das ideias centrais nesse contexto teórico é a concepção da compreensão como processo. “A compreensão é uma atividade dialógica que se dá na relação com o outro” (MARCUSCHI, 2008, p. 256). Porém, um texto permite muitas leituras (essas diferentes maneiras são horizontes ou perspectivas diversas), mas não infinitas, pois compreender é produzir modelos cognitivos compatíveis preservando o valor-verdade do texto. Essas diferentes perspectivas, de acordo com Marcuschi (2008), podem ser representadas por cinco horizontes de leitura que ilustram o que se passa com a compreensão: falta de horizonte (uma leitura que apenas repete o que está dito no texto); horizonte mínimo (leitura parafrásica do texto); horizonte máximo (perspectiva que considera as atividades inferenciais no processo de compreensão); horizonte P á g i n a | 113 problemático (vai muito além das informações do próprio texto, trata-se do âmbito da extrapolação); e horizonte indevido (leitura indevida ou “errada”, pois o texto não permite tal leitura). Quanto ao tratamento dado ao tema leitura nos livros didáticos, Marcuschi (2008) observa que normalmente este se dá na seção de exercícios chamada compreensão, interpretação, entendimento, etc., mas que muitas vezes resumem-se a “atividades de copiação”. O problema, portanto, não é a ausência desse tipo de trabalho, e sim a natureza do mesmo. “Eles não são exercícios de compreensão, pois se preocupam apenas com aspectos formais ou então reduzem o trabalho à identificação de informações objetivas e superficiais” (MARCUSCHI, 2008, p. 267). Os exercícios de compreensão devem ser a oportunidade de treinar o raciocínio, o pensamento crítico e as habilidades argumentativas, além de incentivar a formação de opinião. A proposta dos exercícios escolares falha sob esse aspecto porque concebe o texto como uma soma de informações objetivas e exclusivas. Marcuschi (2008), inclusive, apresenta uma tipologia das perguntas de compreensão mais recorrentes em livros didáticos (“a cor do cavalo branco de Napoleão”, “cópias”, “objetivas”, “inferenciais”, “globais”, “subjetivas”, “vale-tudo”, “impossíveis”, e “metalingüísticas”), e conclui a esse respeito que é necessário ter claro que o conhecimento do léxico de uma língua é apenas condição necessária, mas não suficiente para a compreensão de um texto. Marcuschi (2008) ainda alerta que ao se descuidar da produção textual, dá-se a impressão de que a compreensão pode ser desligada da produção, daí a importância de um trabalho mais completo e interligado no ensino de língua. Outra perspectiva teórica que fundamenta a formação inicial de professores de língua é a do letramento. Rojo (2009) aborda vários conceitos de letramento, seja na perspectiva autônoma ou na ideológica, abarcando letramentos locais e valorizados. Por isso, a autora utiliza a definição de Kleiman (1995), para quem o letramento é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social. Retomando Kleiman (1995), o conceito de letramento refere-se aos estudos sobre o impacto social da escrita e se opõe ao conceito de alfabetismo (capacidade de utilizar a leitura e a escrita para fins pragmáticos). Hoje aceitamos que é possível que um indivíduo não escolarizado e analfabeto participe de práticas de letramento, porém, na década de 1980 esses conceitos eram tomados como sinônimos. A distinção entre o alfabetismo (foco individual) e o letramento (usos e práticas sociais) só ganha espaço com os novos estudos do letramento, com a publicação de Street (1984), e Kleiman (1995), no Brasil. É a partir dessas autoras que Rojo (2009) analisa os enfoques autônomo e ideológico de letramento. O enfoque autônomo trata o letramento como independente do contexto social, enquanto o enfoque ideológico reconhece a variedade de práticas culturais associadas à leitura e à escrita em diferentes contextos. Rojo (2009) também aborda a distinção entre a versão fraca (neoliberal) e a versão forte de letramento (crítica, paulofreiriana), esta leva em conta os múltiplos letramentos (heterogeneidade das práticas sociais de leitura e escrita). Assim, o conceito de letramento passa a ser plural, existem, pois, práticas de letramentos dominantes e práticas de letramentos locais. Uma questão importante para a escola, portanto, seria a revisão dos letramentos dominantes na contemporaneidade, entre eles os escolares. Porém, o que comumente se observa na escola é o conflito entre práticas letradas valorizadas e não valorizadas, apesar de o objetivo da escola ser levar os alunos a participar de várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita, levando em P á g i n a | 114 conta que os significados são contextualizados (ROJO, 2009). É preciso, pois, ampliar e democratizar as práticas e eventos de letramentos na escola e o universo e a natureza dos textos que nela circulam. Para ressaltar a importância de se trabalhar práticas de letramento crítico na escola, Rojo (2009) fala da indústria cultural e sua função de promover o conformismo e a alienação, o que faz com que o texto não possa mais ser visto fora da abrangência dos discursos, das ideologias e das significações, como estamos habituados a fazer. Assim, o papel da escola na contemporaneidade seria o de colocar em diálogo os textos/enunciados/discursos das diversas culturas locais com as culturas valorizadas, para criar coligações contra-hegemônicas, cabe à escola potencializar esse diálogo muticultural. Isso é feito ao organizar programas de ensino, quando o professor considera que gêneros de que esferas devem/podem ser selecionados para abordagem e estudo, conscientes de que essas escolhas nunca são neutras (ROJO, 2009). Autoras como Kleiman e Rojo discutem amplamente questões relativas à leitura na escola, e trazem como importante contribuição teórica a noção de letramento(s). No entanto, também tratam a literatura como um dos gêneros textuais mais privilegiados socialmente e não a privilegiam em suas abordagens. Analisando as suas repercussões no ensino, Antunes (2003) considera a leitura como parte da interação verbal escrita. É através da leitura que o aluno terá acesso ao conhecimento, prazer estético, acesso às especificidades da escrita (vocabulário, padrões gramaticais, organização seqüencial, gêneros textuais), por isso a leitura envolve diferentes processos e estratégias. Não depende apenas do contexto linguístico, mas também do contexto extralinguístico de sua produção e circulação. Dentre as implicações pedagógicas apontadas pela autora, ela apresenta algumas possibilidades de trabalho com a leitura na escola: Leitura de textos autênticos; Leitura interativa; Leitura em duas vias; Leitura motivada; Leitura do todo; Leitura crítica; Leitura da reconstrução do texto; Leitura diversificada; Leitura por “pura curtição”; Leitura apoiada no texto; Leitura não só das palavras expressas no texto; Leitura nunca desvinculada do sentido. A perspectiva teórica sociointeracionista é a mais comumente adotada para fundamentar o trabalho com a leitura nas escolas. Isso é visto nos programas disciplinares dos cursos de Letras e nos documentos oficias de ensino. 3. A orientação metodológica da disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos Na formação inicial dos futuros professores de língua portuguesa durante a graduação no curso de Letras, a disciplina que corresponde à abordagem das concepções e práticas de leitura é a disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos (PLPT), ofertada aos alunos recém chegados à universidade, durante o primeiro ano do curso. Portanto, para fins de identificação das concepções e práticas de leitura e ensino na formação inicial no curso de Letras, consideraremos o Plano de curso da disciplina PLPT I28. 28 Tal Plano de curso corresponde à disciplina ministrada no período letivo 2005.2, turno noite, possui quatro créditos e carga horária de sessenta horas/aula. P á g i n a | 115 Na ementa do referido componente curricular temos a explicitação dos conteúdos acadêmicos a serem privilegiados no decorrer do semestre: “Aquisição de concepções relativas à leitura”; “Desenvolvimento de uma prática de leitura e compreensão de textos narrativo-argumentativos”; “Desenvolvimento de uma prática de escritura de texto dissertativo-argumentativo”. Ou seja, a partir da própria ementa já vemos que são três os eixos de ensino da disciplina: concepções de leitura; leitura e compreensão de textos narrativo-argumentativos; escrita de texto dissertativoargumentativo. Portanto, a prática de leitura de textos literários não está aqui prevista. Obviamente, faremos aqui a ressalva de que há outras disciplinas do curso de Letras que correspondem exclusivamente ao estudo de textos literários (Teorias da literatura I, II, III e as Literaturas brasileiras I, II, III, IV e V, e Literaturas portuguesas I, II e III), no entanto, o que pretendemos aqui demonstrar é que tais disciplinas organizam-se em torno de questões mais teóricas relativas aos gêneros literários (como no caso das disciplinas Teoria da literatura I e II, poético e narrativo, respectivamente), e das correntes da teoria literária (caso da disciplina Teoria da literatura III), ou sobre questões de crítica literária, a partir da linearidade cronológica representada pelas escolas literárias (é o caso das Literaturas brasileira e portuguesa, que acompanham a história de suas respectivas literaturas do classicismo ao modernismo). Diferentemente, a disciplina curricular que se organiza em torno das concepções de leitura é a disciplina Prática de leitura e produção de textos. Percebe-se, portanto, que fazemos aqui uma distinção entre estudos sobre leitura e estudos sobre literatura, áreas muito próximas, que normalmente se confundem, mas que podem ocorrer separadamente, principalmente para fins didáticos (os benefícios e malefícios de tal separação correspondem ao nosso campo de interesse nesse trabalho). É interessante, portanto, avaliarmos que há um estudo sobre a evolução da Leitura, da Antiguidade e Idade Média, em que tais habilidades se restringiam a uma elite erudita ligada ao clero, depois passando pelo período do Renascimento, com o surgimento da imprensa e difusão das escolas, que sofreu também alterações durante o século XVIII com o início da industrialização e o grande aumento das publicações, até chegar ao século XX, décadas de 30 a 50, com o advento da cultura de massa e da indústria cultural (fenômenos objeto de estudo da Escola de Frankfurt), até chegar aos anos 1960, quando surge a Estética da Recepção e sua proposta de revisão na abordagem da literatura, causando revolução no contexto interativo entre sujeito, texto e leitura (LOBO, 1992). Essa breve linha do tempo, como podemos constatar, refere-se ao fenômeno da leitura em contexto europeu. No Brasil, evidentemente, esse processo histórico é bem diverso e mais recente. A relação do público com a leitura, consequentemente, também é diversa. E há, por outro lado, um estudo já validado pela tradição sobre a evolução da Literatura, que é justamente a abordagem histórica das escolas literárias, desde o classicismo, barroco, arcadismo, romantismo, realismo/naturalismo, parnasianismo, simbolismo, até o modernismo. Fazendo essa comparação entendemos melhor como estamos tratando de questões imbricadas, porém, diferentes. Em termos de concepções teóricas, tais estudos também divergem. Além disso, os estudos teóricos sobre a literatura vêm da tradição clássica, enquanto os estudos sobre a leitura são recentes. A preocupação com o ensino da leitura literária é mais recente ainda. As teorias da literatura já passaram por inúmeras vertentes, desde o simples impressionismo, passando pelo biografismo e determinismo do século XIX, até as várias perspectivas do século XX, as imanentistas (formalismo, nova crítica, estruturalismo), e as que envolvem também aspectos contextuais (crítica sociológica, P á g i n a | 116 estética da recepção, estudos culturais). As teorias sobre a leitura, de modo geral, incluem perspectivas teóricas que vão desde a estruturalista (a língua é concebida como código e a leitura é a decodificação do texto), a cognitivista (foco nos processos cognitivos do indivíduo leitor, portanto, leitura concebida como atividade individual), e a sociointeracionista (concebe a língua como meio de interação dos indivíduos na sociedade, e a leitura, portanto, é um processo dialógico entre o autor/texto e o leitor), e também a discursiva (que centra-se nos aspectos do discurso, da formação discursiva dos interlocutores, considerando fundamental o estudo das ideologias). A teoria mais específica sobre a leitura literária é a Estética da Recepção e a sua apropriação pedagógica, que lança um olhar não apenas para a leitura em perspectiva teórica, mas também com preocupação metodológica de ensino. Ou seja, se formos fazer um estudo mais aprofundado sobre tal gama de construções teóricas sobre os assuntos aqui abordados, veremos que elas, além de constituírem amplo campo de estudos, trazem também muitas implicações sobre a forma como se concebe a leitura e a literatura, e isso, evidentemente, acarreta modificações sobre o processo de ensino/aprendizagem, pois altera substancialmente como tais conteúdos são ensinados nas escolas. De modo geral, podemos afirmar que os estudos tradicionais sobre a literatura não contemplam a leitura literária, mas apenas a sua evolução histórica. De modo semelhante, os estudos sobre a leitura, por serem mais teóricos e gerais, também tendem a considerar o texto literário como apenas um dos inúmeros gêneros textuais, e que muitas vezes é deixado de lado. Lajolo (1988, apud NUNES, 1994) mostra que as teorias da leitura e da literatura não costumam considerar os diferentes tipos de texto. Ao se debruçarem sobre o ato de ler, as teorias e metodologias da leitura costumam excluir de seu horizonte a natureza do texto sobre o qual tal atividade se exerce, concentrando sua atenção ora sobre procedimentos mecânicos, ora sobre habilidades, ora sobre operações mentais envolvidas na leitura. É ao desconsiderarem a especificidade do objeto provocador da leitura que, num processo paralelamente inverso ao dos teóricos da literatura, os teóricos da leitura podem incorrer numa miopia tão parcial como a deles (LAJOLO, 1988, apud NUNES, 1994, p. 22). Dessa forma, parece haver uma lacuna dentro de nossa forma de organizar o ensino que una o estudo da leitura com o estudo da literatura. Ou seja, parece urgente que nos centremos no estudo da leitura literária. É claro que muitos esforços já são feitos nesse sentido, não queremos aqui desconsiderar o trabalho de vários professores da educação básica e superior que se dedicam a esse trabalho mais complexo. Frisamos que estamos analisando aqui a forma como é organizada a formação docente do profissional que atua em sala de aula, e não a prática particular de cada professor. Feitas tais considerações sobre leitura/literatura, consideramos agora ser possível voltarmos então ao plano de curso da disciplina e observar melhor o tratamento que é dado à leitura na universidade. O objetivo geral do curso de Prática de leitura e produção textual I é proporcionar aos alunos a revisão de sua prática de leitura e consequente produção textual, através da discussão de algumas teorias de leitura. Percebemos que há uma preocupação com a revisão da prática de leitura, ou seja, considerando que os alunos P á g i n a | 117 que entram na universidade já possuem uma identidade de leitores, o objetivo geral do curso é fazer pensar sobre essa prática de leitura e não levá-los a adquiri-la, como acontece em outros cursos e níveis de ensino. Refletir sobre a própria prática leitora é pensar sobre como funciona o processo de leitura, quais os mecanismos ativados, quais as estratégias utilizadas, quais as motivações, como é averiguada a compreensão, etc. As teorias sobre a leitura procuram justamente dar resposta a tais questionamentos, por isso o estudo parte da teoria. Também está demonstrada no objetivo geral a preocupação com a prática de escrita dos alunos, pois se concebe que as atividades de leitura e escrita são complementares. Os objetivos específicos, por sua vez, dizem respeito aos conhecimentos que se espera que o aluno tenha adquirido ao longo do curso e seja capaz de pô-los em prática durante toda a vida acadêmica e profissional: “Definir a atividade de leitura sob diferentes perspectivas teóricas”; “Identificar e compreender as diferentes perspectivas teóricas sobre leitura que subsidiam as práticas de ensino e os materiais didáticos”; “Utilizar estratégias de leitura analítico-crítica de diversos gêneros de textos”; “Elaborar resumo de textos dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário”; “Elaborar resenha de textos dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário”. Novamente, percebemos estar presente a preocupação com a perspectiva teórica. Será exigido do aluno matriculado na disciplina que além de saber nomear e definir as teorias e suas concepções sobre leitura (objetivo 1), seja capaz também de identificar a teoria e concepção de leitura subjacente às práticas de ensino e materiais didáticos (objetivo 2). Como se trata de um curso de formação docente, a graduação em Letras busca contemplar além das reflexões teóricas, também as reflexões sobre a prática metodológica do ensino. Assim, sabemos que diferentes concepções teóricas sobre leitura implicam em diferentes formas de abordá-la na escola, pois o olhar define o objeto, logo, dependendo de como o professor concebe a leitura, noutras palavras, dependendo de qual teoria ele se filia, conscientemente ou não, a sua prática de ensino é modificada. Também os materiais didáticos, como os livros didáticos de língua portuguesa, são elaborados a partir de um prisma teórico e refletem essa visão nas suas abordagens e atividades. O professor de língua portuguesa, portanto, deve estar apto a reconhecer essas perspectivas presentes nos livros didáticos para poder trabalhar autonomamente, desde a escolha do material didático que considerar mais pertinente até a execução de seu trabalho nos momentos em que utilizar o apoio do livro. A partir do objetivo 3 aparece a preocupação com os gêneros textuais, pois as estratégias de leitura que devem ser utilizadas no processo de compreensão irão variar de acordo com as especificidades do gênero. Assim, reconhece-se que determinados tipos de texto exigem determinados tipos de leitura, a variar de acordo com o objetivo do leitor. Não se lê uma carta pessoal da mesma forma como se lê um tratado sobre antropologia forense, nem se lê uma bula de remédio da mesma forma como se lê um poema de Vinícius de Morais. Isso é tão óbvio que às vezes parece ser despercebido na prática cotidiana. Essa é a importância fundamental do gênero textual para a atividade de compreensão. O gênero funciona como a primeira “pista” para o leitor, pois é a partir do reconhecimento de seus elementos composicionais que o leitor lança suas expectativas sobre o texto. Aqui chegamos a um ponto importante para os fins desse trabalho. O texto literário (poético, narrativo ou dramático), enquanto gênero caracterizado como artístico, possui muitas especificidades, próprias da obra artística. Queremos dizer que a obra literária parece criar e ao mesmo tempo desrespeitar as suas próprias regras. Daí advém a dificuldade em tratá-la como apenas um entre os outros gêneros textuais. Além P á g i n a | 118 disso, a singularidade da obra literária é muito maior do que entre exemplares textuais de outros gêneros. Por exemplo, dentro do universo maior que seria o literário (por si só já difícil de definir ou delimitar), temos os exemplares do gênero poético, que por sua vez abarca textos muito diferentes entre si (poemas líricos, poemas épicos, poemas concretos, etc.). Dentro da própria categoria poema lírico, encontraremos exemplares da poesia clássica, barroca, romântica, parnasiana, moderna, etc. A poesia moderna, por sua vez, já foi categorizada em várias fases (nunca conseguindo dar conta plenamente da complexidade que é esse trabalho de categorização); Manuel Bandeira, para citar um nome, seria um poeta da primeira geração moderna, seus poemas, no entanto, vão desde os apelos românticos e confessionais, até um alto grau de experimentalismo icônico. Olavo Bilac, nosso principal poeta parnasiano, não escreveu apenas sobre vasos, como muitos costumam pensar. Aliás, a poesia lírica não versa apenas sobre amor (muitos alunos chegam a níveis avançados de ensino com essa impressão). Com isso queremos dizer que um estudo do texto literário que preze mais pela sua categorização e características de gênero, como ocorre com o estudo dos gêneros textuais, do que pela sua leitura enquanto obra singular limita muito essa possibilidade de estudo. Claro que o estudo do texto, seja lá de que natureza for, deve ser pautado por sua leitura, isso já é defendido pela academia há algum tempo, não só pelos estudos literários, mas também pelos estudos da linguística aplicada ao ensino. Pois bem, os objetivos 4 e 5 do plano de curso da disciplina PLPT I nos informam que o aluno deverá saber elaborar resumos e resenhas de textos dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário. Cabe aqui uma observação sobre o caráter instrumental dessa disciplina. PLPT I e II são as disciplinas do curso de Letras responsáveis por oferecer amparo teórico e treinar os alunos do primeiro ano do curso a ler e escrever gêneros próprios do domínio acadêmico (resumo, resenha, fichamento, diário de leitura), que lhe serão extremante úteis na vida acadêmica, seja para a escrita de suas fundamentações teóricas, artigos científicos, projetos de pesquisa (objeto de estudo da disciplina PLPT III) ou monografia de fim de curso. Daí a necessidade que uma disciplina como essa contemple também o texto literário, afinal, paralelamente ao cumprimento das disciplinas de Linguística e Língua Portuguesa, o aluno também estará pagando Teoria da literatura, e precisará desses conhecimentos mais técnicos do fazer acadêmico para a realização satisfatória de suas atividades em todas essas áreas. Além disso, constatamos que o gênero literário aparece contemplado nos objetivos de ensino, nada mais justo do que fazer valer essa previsão. Vejamos agora a forma como está organizado o conteúdo programático proposto para cada uma das três unidades: Unidade I: Leitura e resumo (1. Concepções e estratégias de elaboração de resumo; 2. Leitura de textos dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário; 3. Produção de resumo dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário). Unidade II: Leitura e resenha (1. Concepções e estratégias de elaboração de resenha; 2. Leitura de textos dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário; 3. Produção de resenha dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário). Unidade III: Usos e funções da leitura na sociedade contemporânea (1. Concepções de leitura em diversas perspectivas teóricas; 2. Concepções de letramento e de gênero textual; 3. Atividades práticas de leitura de textos dos gêneros acadêmico, jornalístico e literário; 4. Análise de atividades de leitura em livros didáticos de português). A primeira unidade contempla o gênero textual resumo em relação com a leitura. Desse modo, além de estudar o gênero resumo, os alunos serão levados a lerem textos acadêmicos, jornalísticos e literários com o propósito de confeccionarem resumos acadêmicos sobre eles. Da mesma forma, a segunda unidade gira em torno agora do P á g i n a | 119 gênero resenha, igualmente os alunos deverão ser levados a lerem gêneros acadêmico, jornalístico e literário para produzirem resenhas acadêmicas sobre esses textos. A terceira unidade corresponde ao estudo teórico das concepções de leitura, letramento e gênero textual e de atividades de análise de material didático. Percebemos que a organização das unidades de ensino reflete o tipo de atividade a ser desenvolvida: na primeira unidade os alunos deverão escrever resumos; na segunda unidade escreverão resenhas; na terceira unidade farão análise de material didático. Para a escritura de resumos e resenhas é necessário, além dos conhecimentos sobre o gênero, evidentemente também a leitura dos textos a serem resumidos e/ou resenhados. Dessa forma, podemos afirmar que a facção de resumos e resenhas funciona como uma forma de averiguar a leitura dos alunos. Daí o relevo que tais gêneros ganham em contexto acadêmico e em especial para essa disciplina. Para realizar uma análise de material didático sobre leitura e compreensão, por sua vez, é necessário que o aluno tenha conhecimentos teóricos sobre as vertentes que já se debruçaram sobre o tema e que por isso já influenciaram outros professores/pesquisadores/elaboradores de material didático. O objetivo é identificar qual o postulado teórico perpassa esses materiais que são levados para sala de aula e quais as consequências desse tipo de ensino na forma de aprendizagem. O gênero literário aparece nas três unidades, junto aos gêneros acadêmico e jornalístico. A diferença é que enquanto os gêneros acadêmicos resumo e resenha são objeto de ensino da disciplina, os gêneros jornalístico e literário constituem apenas o corpus a ser resumido/resenhado. Não há previsão de um estudo voltado para as particularidades desses textos. Podemos afirmar que, embora o texto literário esteja previsto no plano de curso da disciplina, ele não constitui objeto de ensino desta. Isso se reflete na metodologia, em que o gênero volta a ser esquecido. Destacamos a seguinte passagem retirada da metodologia do plano de curso: “Essa metodologia tomará como ponto de partida textos da mídia falada e impressa (reportagens, notícias, conto etc.), mas tem como meta a elaboração, por parte dos alunos, de textos acadêmicos para a constituição de uma subjetividade críticocientífica.” Não há referência na metodologia ao gênero literário, o gênero conto é citado aqui como fazendo parte do domínio jornalístico-midiático. Na avaliação é explicitado o caráter instrumental da disciplina, a que já nos referimos anteriormente, e informa-se que o modelo de avaliação adotado é o contínuo e consiste na atribuição de notas ao processo de escrita/reescrita dos resumos, resenhas e análise de material didático. Por fim, é apresentada a bibliografia indicada para o curso, que contempla autores diversos apresentando abordagens sobre gêneros textuais e ensino, com Dionísio, Machado e Bezerra (2002); perspectivas teóricas sobre leitura, com Kato (1987); Kleiman (1993); sobre os gêneros acadêmicos, com Machado (2004a e 2004b); entre vários outros autores. Destacamos a indicação de Zilberman e Silva (1991), que contempla uma perspectiva interdisciplinar da leitura. 4. Considerações finais As disciplinas escolares que trabalham as questões da linguagem são bastante complexas, pois requerem o esforço do profissional para dar conta de um programa amplo de conhecimentos linguísticos e literários. A forma como essas disciplinas são P á g i n a | 120 organizadas e ministradas na escola reflete um pouco a lógica presente na academia e que é apreendida pelos docentes em formação. Portanto, defendemos que a formação do professor de língua portuguesa e literatura brasileira deve fornecer um aprofundamento teórico e metodológico acerca das questões da língua e da literatura, sempre que possível relacionando os diferentes conhecimentos e interligando essas disciplinas. No entanto, percebemos que esse trabalho em conjunto nem sempre ocorre durante a formação do professor, e a prática dessa divisão se reproduz na sala de aula. A separação das disciplinas de língua e literatura é útil para fins didáticos, mas traz como problema a dificuldade de muitos professores em lidar paralelamente com as duas áreas de ensino (naturalmente os professores se identificam mais com uma ou outra área, mas precisam dar conta de todo o conteúdo a ser explorado). Desse modo, o curso de graduação em Letras aborda a leitura e a literatura na formação inicial de professores por meio de várias disciplinas. Destacamos aqui a disciplina Prática de leitura e produção de textos por ser aquela que corresponde ao estudo sistematizado sobre as concepções e práticas de leitura e seu ensino. Analisando o plano de curso dessa disciplina percebemos que a sua ementa preocupa-se adequadamente com questões teóricas e metodológicas acerca da leitura, numa perspectiva sociointeracionista, e numa abordagem a partir dos gêneros textuais. Tal orientação está de acordo com o previsto nos documentos parametrizadores oficiais de ensino de língua portuguesa, tanto as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, como os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba. Portanto, as duas instâncias de formação docente encontram-se em consonância quanto à perspectiva teórica orientadora do processo de ensino/aprendizagem da leitura. No entanto, tal disciplina, embora seja o espaço privilegiado de discussões acerca da leitura e sua metodologia de ensino dentro do curso de Letras, não contempla o texto literário enquanto objeto de ensino, o que causa uma lacuna na formação docente inicial a ser preenchida, muitas vezes, apenas ao fim do curso, quando os alunos se deparam com a necessidade de planejar as aulas de literatura para a disciplina Prática de Ensino (aliás, comumente o ensino de literatura também não é privilegiado no ensino fundamental das escolas, o que adia ainda mais as discussões metodológicas sobre o seu ensino). Até mesmo as teorias próprias de cada uma dessas áreas tem algo de similar entre si: tanto o sociointeracionismo dos estudos linguísticos, quanto a apropriação pedagógica da estética da recepção dos estudos literários preocupam-se com o diálogo entre texto-leitor e concebem o ensino/aprendizagem por meio de textos como uma prática social na qual o aluno/leitor está inserido por meio da instituição escolar. Nas duas abordagens o trabalho deve ser orientado pelo estudo dos gêneros. Nesse sentido, podemos dizer que o objetivo do ensino de língua e de literatura é desenvolver o nível de letramento do aluno. No entanto, apesar das convergências, ao observarmos a dificuldade dos professores que estão atuando em sala de aula para com o ensino de literatura, acreditamos haver ainda assim uma lacuna na forma como os professores se apropriam dos conhecimentos literários e suas formas de ensino ao longo de sua trajetória de formação (não apenas na universidade, mas também na própria formação escolar, e na constituição de seus hábitos de leitura na família, na comunidade, etc.). Essa lacuna refere-se ao pouco contato com o texto literário, condição indispensável para a formação de leitores. Lidar com o texto literário em sala de aula é tarefa difícil, devido à natureza multifacetada dos gêneros literários e o caráter singular de cada obra. Some-se a isso a inexperiência dos alunos e o despreparo profissional. Além disso, os professores P á g i n a | 121 trabalham cada vez mais isolados, não há espaço para a troca de experiências no cotidiano da escola. O novo paradigma de ensino de literatura é inverso a essa lógica frenética, pois pretende dar menos atenção às questões de história da literatura para centrar-se cada vez mais na leitura das obras literárias. Isso requer do professor assumir uma identidade leitora e se aprofundar nos conhecimentos sobre as particularidades dos gêneros literários. Por isso, acreditamos que um dos pressupostos para dar condições plenas de trabalho ao professor de língua e literatura é o investimento não só na formação inicial de professores, mas também na formação continuada, uma vez que é de extrema importância que os profissionais em atuação tenham espaço para ler e discutir obras literárias, para testar novas metodologias de ensino e trocar experiências com os colegas. Referências ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003. BRASIL. Orientações curriculares nacionais para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol. I. Brasília: MEC, 2006. 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P á g i n a | 123 IDENTIDADE DOCENTE: O DESAFIO DA FORMAÇÃO CONTINUADA EM QUESTÃO Senildo Henrique da SILVA29 (UFPB) Rosa Suzana Alves de BRITO30 (UFPB) Célia Regina TEXEIRA 31 (UFPB) Resumo: O presente trabalho tem o foco as demandas de formação de professores do século atual e a discussão de como as políticas educativas, atuam na formação continuada dos professores de línguas. É possível, verificar que há graves indicadores de que muitos professores que exercem sua função docente necessitam complementar a sua formação inicial. Cabendo então a formação continuada o desafio de preencher as lacunas de formação inicial e também, acrescentar questões atuais aos que já se encontram há muito tempo sem atualização. Sua importância é visível quando o tema formação continuada assume posições em destaque nas discussões relativas às políticas públicas. É visível dentre tantos discursos e anúncios, também o acréscimo no número de investigação, publicações e nos debates acerca da formação inicial e continuada dos professores. Neste contexto, pressupomos que a formação continuada assume a condição de ser contínua, principalmente quando se dispõe a refletir criticamente sobre a prática docente, desafiando à reelaboração dos saberes profissionais adquiridos em sua formação inicial atrelada a prática vivenciada. Assim, compreende e a defende Nóvoa (2009) quando afirma que “[...] nossas propostas teóricas só fazem sentido se forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma reflexão de professores sobre o seu próprio trabalho”. É com essa perspectiva, que o trabalho se fundamenta, refletindo sobre os modelos de formação continuada, por entendê-la enquanto uma ação que visa o caminho inverso ao proposto e vivido em muitos espaços escolares, encaminhando para um modelo de formação continuada em serviço, ou seja, que aconteça no lócus escolar que o professor atua, possibilitando-lhe a reflexão sobre a prática desenvolvida, a partir de um acompanhamento sistemático que vise o auxilio na qualidade do que se ensina e do que se aprende na escola, subsidiando teoricamente sua prática, para fortalecer suas intervenções e ações. Palavras-chave: Formação Continuada de Professores; Identidade Docente; Política Pública de Formação de Professores. 1. Introdução Atualmente a educação vem passando por inúmeras situações de debate sobre a importância da formação continuada dos professores, haja vista que essas discussões decorrem desde o século XX. Entretanto é a partir da década de 1990, que o debate sobre a formação de professores ganha importância em função das reformas educativas, por meio da promulgação da LDB 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, que alicerçavam as reformas políticas no País. Mas, só no século atual as discussões estão sendo sistematicamente investigadas na área da educação, entretanto, é necessário lembrar que as discussões se fundamentam para investigar os conhecimentos 29 Graduado em Pedagogia – Universidade Federal da Paraíba Graduada em Pedagogia – Universidade Federal da Paraíba 31 Professora Adjunta II – Universidade Federal da Paraíba – Curso de Pedagogia 30 P á g i n a | 124 adquiridos pelo professor, quer sejam aqueles provenientes do exercício profissional ou os que sejam de formação inicial ou continuada. Neste sentido, como ponto de partida para reflexão em questão, nos focalizaremos na formação continuada, isto é, a construção da identidade do docente. Sendo assim, a formação e o trabalho docente são questões de suma importância, uma vez que, o profissional deve estar consciente de que a sua formação necessita ser contínua e estar relacionada ao seu dia-a-dia. Contribuindo com essa premissa temos Nóvoa (2003, p. 23), que nos favorece e apoia quando defende que: “O aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente e a escola como lugar de crescimento profissional permanente”. Ele também afirma que a formação continuada deve acontecer de maneira coletiva e, depende das experiências vivenciadas no percurso de nossa profissão e na vida e de reflexões constantes do oficio docente, servindo como instrumento de análise. Entretanto sabemos que a formação continuada não se desvincula de uma formação anterior, ou seja, a inicial. Para Libâneo (2004) o termo formação continuada vem acompanhado de outro, o da formação inicial. A formação inicial refere-se ao ensino de conhecimentos teóricos e práticos destinados à formação profissional, completados por estágios. A formação continuada é o prolongamento da formação inicial, visando o aperfeiçoamento profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho e o desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla, para além do exercício profissional. (LIBÂNEO, 2004, p. 227, apud, GÓES, 2008, p. 1). Portanto, o autor expressa na citação que não basta concluir um curso de licenciatura e partir para a prática pedagógica, sem mais se preocupar com a formação acadêmica. Ao contrário, é preciso também ter a consciência de que essa formação não termina com a formação inicial e sim fará parte de toda a sua formação profissional. 2. Identidade docente A identidade é entendida como um processo de construção social de um sujeito historicamente situado. A identidade profissional docente se constitui numa interação entre o sujeito e suas experiências individuais e profissionais. Neste sentido, a identidade se constrói e se transmite com algumas características da identidade docente que se repetem e que são, geralmente, independentes do contexto social e cultural. Numa visão teórica, percebe-se que o foco das investigações mais atuais sobre a formação de professores, encontra-se como questão-chave a necessidade do docente desempenhar atividades profissionais ao mesmo tempo teóricas quanto práticas, visto que segundo Libaneo (s /d, p, 230): A profissão de professor combina sistematicamente elementos teóricos com situações práticas reais. É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma realidade definida. Por essa razão, a ênfase na prática como atividade formativa é um dos P á g i n a | 125 aspectos centrais a ser considerado, com consequências decisivas para a formação profissional. (Apud, CASTRO, SILVA e NONATO, s/d, p. 2). Diante da visão destes estudiosos, a profissão docente abrangem singularidades, não só por diferenciar dos demais profissionais, mas também por ser preciso dedicação no que faz e não pelo simples de querer ser para desempenhar atividades fora de uma situação real e de uma realidade definida. Para Nóvoa (1992), cabe reconhecer que as características do desenvolvimento pessoal e profissional ressaltam o sentido de uma epistemologia da prática, se opondo a tendências que reduziam a profissão docente a um conjunto de competências e técnicas, que favoreceram uma crise de identidade dos professores. Sendo assim, ao refletir sobre a importância da dimensão prática na carreira do professor, Altet (2001, p. 31), explica que: O saber da prática é construído na ação, com finalidade de ser eficaz; ele é contextualizado, encarnado e finalizado, transformando-se em um saber adaptado à situação. Essa adaptação do saber é construída a partir da experiência vivida com a ajuda de percepções e interpretações dada as situações anteriormente vividas. (apud, ANANIAS, IZA, NETO, ARNOSTI, CEREGATTO, VALÉRIO, CYRINO e BENITES, 2012, p. 4). Dessa forma, os saberes se constroem a partir das experiências vividas em âmbitos Socioculturais da profissão, podendo apresentar transformações com o passar do tempo. Sendo assim, o termo “saber” estaria incluindo informações, habilidades, crenças e aptidões relacionadas à determinada profissão. Para tanto, Nóvoa (1992) afirma que, a identidade de cada um de nós se constrói como educadores baseia-se num equilíbrio único entre as características pessoais e os percursos profissionais, construídas ao longo da história de vida. 3. As discussões de como atuam as políticas educativas, a respeito da formação continuada dos professores de línguas Na atualidade, as discussões que ocorrem no cenário educacional no século atual nos colocam em situações já vividas desde o século XX, como processo de expansão da escolarização básica no nosso País. E ainda hoje, esses discursos são relevantes nas propostas educacionais como desafio na formação dos docentes em questão. E é um desafio a ser enfrentado na construção de identidade profissional, pois nos traz indagações sobre, como atuam as politicas públicas educacionais a respeito da formação inicial e continuada dos professores de línguas no nosso País? Neste sentido, também nos traz uma reflexão sobre, como estão sendo construídos os modelos de formação contínua implantados nas instituições do nosso País? Face às diversas transformações ocorridas na trajetória histórica que culminou no fortalecimento das bases educativas hoje existentes, a formação de professores P á g i n a | 126 passou a ocupar espaço de grande destaque, e a qualidade da formação dos educadores torna-se o eixo central na construção de um processo educativo para que os discentes desenvolvam uma visão crítica e reflexiva, capazes de agir diante de situações inusitadas e propor mudanças no espaço onde estão inseridos. Segundo Cury (1996, p. 2) o oficio docente envolve um [...] compromisso básico com a docência cujo processo formativo não dispensa nem o ato investigativo da própria práxis e nem o contato com a produção intelectual qualificada da área. Contudo, estes anseios e propostas só podem gerar novos frutos se ancorados numa visão de seus determinantes no passado e seus condicionamentos no presente. (apud, BARBOSA e MAIA, 2012, p. 3). Neste sentido, a formação passa a ser um compromisso básico no processo de formação continuada de docentes nas áreas atuantes no âmbito da educação, se articula elementos da área teórica e prática. Dessa maneira, os professores deverão ser conscientes de que estarão em constante formação e é necessária para a melhoria do seu processo formativo e dos educando, inovando suas práticas no exercício docente. Para tanto, as politicas educacionais implantada pelo governo federal visam à consolidação de uma política voltada ao desenvolvimento de novos padrões de qualidade para a formação continuada de educadores atuantes no ensino fundamental e na educação infantil, neste sentido, o MEC está implantando a Rede Nacional de Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, com intermédio da qual estará fomentando, junto com as instituições de ensino superior, a consolidação de Centros de Formação Continuada de Professores, para que produzam matérias didáticos e que sejam destinados ao atendimento de demandas dos sistemas de ensino. Nesse contexto, a Formação Docente e a Educação Nacionalse estabelecem nos pressupostos da reformulação da LDB nas diretrizes para formação de professores. Assim, afirma Cury (1996, p. 15-16): A Lei n. 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB deu a dignidade de um Título para os Profissionais da Educação. Trata-se do Título VI da Lei. Ela consequente com a Constituição Federal, elenca dispositivos programáticos para a valorização destes profissionais. E reserva alguns parágrafos para a formação dos mesmos. O art. 62 se refere à formação de docentes seja em universidades, seja em institutos superiores de educação, admitida a possibilidade do curso normal médio para o exercício docente nos anos iniciais da escolarização. Já o art. 63 se refere à formação de profissionais para a educação básica, dentro dos Institutos Superiores de Educação, dos quais fará parte o curso normal superior destinado aos docentes da educação infantil e dos anos iniciais da escolarização. Refere-se, pois, à formação de profissionais de educação dos quais certamente os docentes fazem parte, enquanto que o art. 62 fala em formação de docentes. Já o art. 64 fala também dos profissionais de educação, mas, neste caso, refere-se aos então chamados especialistas. Sua formação far-se-á em cursos de pedagogia podendo serem realizados no nível de graduação ou de pós - graduação. Mas eles P á g i n a | 127 deverão se formar tendo uma base comum nacional. (apud, BARBOSA e MAIA, 2012, p. 4). Entretanto, também se faz referência ao que dispõe a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDB n° 9.394/96, apoiando as discussões numa ótica dos teóricos que buscam situar as políticas públicas dirigidas à educação, sob as perspectivas de mudanças necessárias à qual a educação deve vivenciar, ou seja, ressaltando que as transformações esperadas se traduzam nos resultados das mudanças propostas em toda a conjuntura formativa do docente, tanto inicial como continuada, assim, possibilitandolhe uma reflexão sobre as práticas desenvolvidas na escola, a partir de uma visão que acompanhem e auxiliem na qualidade do que se ensina e do que se aprenda na sala de aula, ou seja, na escola. 4. Os desafios da formação continuada do professor A qualificação é uma prática social que envolve o coletivo e a interação entre a educação e o trabalho dos profissionais e dos que estão galgando uma profissão. No entanto, o século XXI traz novos desafios para a profissionalização docente, sobretudo da Educação Básica, vêm se constituindo como um marco importante na agenda mundial de prioridade da organização em decorrência da importância do professor para assegurar uma educação de qualidade para todos, tanto no plano cognitivo quanto na dimensão humanística e ética dessa profissão. Neste contexto, as dimensões integram os direitos subjetivos à educação que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagrou para servir de pré-requisito à construção das sociedades em direção a uma cultura de paz. A formação do professor assume a condição de ser continua quando se dispõe de estratégias que lhes possibilitem a reflexão critica sobre sua prática, desafiando à reelaboração dos saberes profissionais adquiridos em sua formação inicial pela prática vivenciada. Porém, percebe-se que a valorização por parte de alguns profissionais está desmotivada devido as múltiplas tarefas que realizam no seu cotidiano, pois acabam distanciando-se dos seus saberes adquiridos na sua formação inicial. Além também da desvalorização que enfrentam através do poder público que não usam adequadamente as políticas educativas para que ocorram mudanças de melhorias no âmbito da formação continuada dos profissionais da educação. Todavia, são inúmeros os desafios para que os profissionais da educação invistam efetivamente em sua formação continuada. É preciso em primeiro lugar falar sobre as mudanças e transformações de paradigmas dos profissionais imbuídos na educação. Entretanto, pode-se dar o conceito de paradigma proposto pelo físico americano Thomas Kuhn, que contribuiu bastante com a filosofia da ciência, propondo uma ideia que, ao invés de explicar, descrever a evolução do desenvolvimento cientifico. Em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn diz que: “[...] um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade cientifica consiste em homens que partilham um paradigma” (THOMAS KUHN, 1970, p. 219, apud, MORAES E CHRISTIANO, s/d, p. 4). Ou seja, um paradigma é a representação de regras ou modelos a serem seguidos, isto é, modelos se baseiam nas crenças de um determinado coletivo e isso está P á g i n a | 128 intimamente integrado com a resistência dos grupos ou comunidades de aceitarem ideias, regras, modelos novos ou um jeito novo de se fazer algo. Para tanto, já se sabe que existem uma predisposição sócio-histórica que levou o professor a não investir em sua formação por quê? Segundo Góes (2008) isso ocorre por que: O professor se via como detentor absoluto do saber. Não se desafiava esse profissional, até porque a concepção tradicional colocava os alunos com “folha em branco” a ser preenchida pelo professor, que por sua vez, acreditava ter aprendido todo o conteúdo necessário a sua prática na formação inicial, o que se devia a uma concepção diferente de sociedade; Desvalorização do professor perante a sociedade, levando esses profissionais a trabalharem sem incentivo, o que ocasiona desânimos em crescer na profissão, além de desestimular novos profissionais a abraçarem a profissão; Baixa remuneração do profissional de educação – esse baixo salario demandou abandono da carreira docente, foram se acentuando ao longo do tempo e provocando desistência de profissionais na carreira do magistério. A pouca valorização, de algumas instituições particulares, pelo esforço que os professores fazem para custearem seus estudos e, no caso das instituições públicas, falta de acompanhamento dos cursos, com a não verificação acerca da qualidade dos mesmos, e/ou não desenvolvendo um controle efetivo de quem investe ou não em sua formação. Em contrapartida a essas dificuldades estão os seguintes pressupostos a serem considerados: É preciso formar para a cidadania, não apenas em função das exigências legais, mas por uma exigência social. Urge que se formem cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade, para que se possam promover as transformações que a mesma clama. Esse é o papel social da escola formar para a sociedade; Crianças e adolescentes chegam à escola impregnada do mundo externo a ela. É preciso estabelecer uma comunicação eficaz com eles e principalmente mostrarlhes que escola é espaço vivo, e que acompanha seu mundo, sua linguagem, levando-o a entendê-lo melhor. A escola tem a primordial função de transformar informação em conhecimento. Por isso o professor precisa apropriar-se de linguagens e códigos socioculturais, trazê-los para o ambiente escolar e nesse espaço discutir e construir conhecimento com os alunos. Nesse contexto de desafios, pode-se dizer que é difícil para alguns profissionais investirem na sua formação, após os fatores acima citados. Porém, se faz necessário que os profissionais tomem consciência de que a formação contínua é de suma importância na sua carreira profissional e também, acerca da importância das gerações mais novas P á g i n a | 129 que se refere à formação para a cidadania. Dessa forma, a importância do papel docente verifica-se para a construção da sociedade que se deseja, isto é, de uma sociedade mais justa, igualitária, solidária e menos excludente. Para compreendermos melhor sobre os desafios da formação continuada, Demo (1996) afirma que: Para encarar as competências modernas, inovadoras e humanizadoras, [o educador] deve impreterivelmente saber reconstruir conhecimentos e colocá-lo a serviço da cidadania. Assim, professor será quem, sabendo reconstruir conhecimento com qualidade formal e política, orienta o aluno no mesmo caminho. A diferença entre professor e aluno, em termos didáticos, é apenas fase de desenvolvimento, já que ambos fazem estritamente a mesma coisa. (...) Neste sentido, o professor não será mais profissional de ensino, mas da educação, pois o primeiro tende a ser instrução, treinamento, domesticação, enquanto a segunda busca a ambiência emancipatória. (apud, GÓIS, 2008, p. 7). Portanto, o estudioso destaca em sua citação de que isso requer, certamente, um educador atento, aberto e participativo a todas e a quaisquer oportunidades que o levem a ascender tanto no plano pessoal, profissional, cognitivo e quanto humano de sua atuação, e é preciso ver as oportunidades, em vez de só às dificuldades. Pois, em termos políticos e de legislação a educação teve alguns avanços e isso se deu não só pelas políticas educacionais e sim, também através das conquistas pleiteadas e alcançadas pelas lutas da classe dos educadores. Mas, para que se tenha uma educação de qualidade é/será preciso que haja consciência e valorização dos profissionais imbuídos na luta pela educação, com incentivos por parte do poder público, através das legislações e dos mecanismos a serem utilizados para as mudanças e transformações que vem ocorrendo na trajetória histórica da educação do nosso País. Neste sentido, para que se efetivem as melhorias da qualidade da educação é preciso que se busquem medidas adequadas, ou seja, políticas educacionais onde os profissionais vençam a inércia e invistam na sua formação, pois isso os tornará além de profissionais, também os tornaram pessoas prontas para o exercício da cidadania. 5. Formação continuada dos professores: reflexões e práticas A formação continuada nos últimos anos vem assumindo posição de destaque nas discussões relativas às política públicas educacionais. No entanto, a formação continuada não é uma prática nova, ela existe desde as últimas década do século XX e na entrada do século XXI, tornou-se pré-requisitos para os professores ingressarem no mundo do trabalho e sua permanência, o que demonstra a importância da prática da formação continuada em serviço. Neste contexto, a formação continuada é algo que os homens vivenciam, ressignificando a maneira de reconstruírem e modificarem, uma vez que é um ato de formar-se. Portanto, a palavra continuada, segundo Ferreira (2004), significa não ter interrupção; seguido e continuado. Deste modo, também a formação continuada refere-se a uma formação em exercício/serviço, posterior a uma formação inicial, promovida por programas dentro e fora das escolas, considerando diversas possibilidades, presenciais ou a distancia (BRASIL, 1999, p. 19). P á g i n a | 130 Neste sentido, pode-se dizer que é complexa caracterizar a formação continuada, mas, talvez seja quase impossível e/ou difícil encontrar aquele que a ache desnecessária, pela diversidade de objetivos, interesses, agentes envolvidos e riqueza de informação. Assim, Gatti (2008) afirma que: Existem muitas ações que são postas sob o grande guarda-chuva do termo formação continuada, em um momento restringindo-se o “significado da expressão aos limites de cursos estruturados e formalizados oferecidos após a graduação ou após ingresso no exercício do magistério” e em outro momento sendo usado de forma “ampla e genérica”, sendo compreendido como ações que possam auxiliar o profissional no seu desempenho profissional. (apud, SILVA, 2011, p. 2). Então, as ações de que fala a autora se refere às ações que complementam a prática profissional que é citada como: Horas de trabalho coletivo na escola, reuniões pedagógicas, trocas cotidianas com os pares, participação na gestão escolar, congressos, seminários, cursos de diversas naturezas e formatos, oferecidos pelas Secretarias de Educação ou outras instituições para pessoal em exercício nos sistemas de ensino, relações profissionais virtuais, processos diversos a distância (vídeo ou teleconferências, cursos via internet, etc.), grupos de sensibilização profissional, enfim, tudo que possa oferecer ocasião de informação, reflexão, discussão e trocas que favoreçam o aprimoramento profissional, em qualquer de seus ângulos, em qualquer situação (GATTI, 2008, p. 57, apud, SILVA, 2011, p, 2). A partir das ações citada por Gatti (2008), dar-se a entender que a reflexão sobre a reflexão na ação é a análise que o sujeito faz após sua ação, ou seja, para superar as ações, com novas situações ele busca outras opções, como: pesquisas ou investigações que possam auxiliá-lo. Esses moldes estão entrelaçados com novos elementos advindos do conceito de professor reflexivo, pois a partir das propostas de professor reflexivo e de suas práticas de reflexividade, nos faz ser percebido com a identidade profissional de que vamos nos debruçar sobre nossas ações, segundo Silva (2011, p. 5) afirma que: Começam a surgir novas leituras sobre o papel desse profissional e quem é ele, valorizando suas formas de expressão, pensamento, cultura, crenças e valores. Sua identidade adquiriu o sentido de que ele é sujeito e não mero executor das funções de ensino-aprendizagem. Na escola, também passa a fazer parte das ações comunitárias, gestão democrática, construção e análise dos currículos, participação no desenvolvimento da proposta pedagógica, organização dos tempos e espaços escolares, desvinculando, assim, a visão única de professor e sala de aula. P á g i n a | 131 No entanto, a reflexão sobre as práticas pressupõe estudos, pois possibilitam aos professores via formação contínua uma visão crítica e reflexiva, pois o aprendizado dos professores transcorreria por um caminho emancipatório e apreensivo da realidade, além de conscientizá-lo da transformação do mundo como ato político. 6. Considerações finais Ser professor na atual conjuntura vai mais além de ter domínio cientifico do conhecimento de sua área. Um docente configura-se como produtor e organizador do conhecimento num processo contínuo de aprendizagem. Para tanto, o processo contínuo de aprendizagem é um caminho percorrido por aqueles que sentem necessidade de continuarem o seu desenvolvimento profissional, que possa ajudá-los a terem consciência das dificuldades, ressignificá-las e construírem soluções através de ações inovadoras. Entretanto sabemos que para os professores apresentarem essa formação, eles enfrentam dificuldades em virtude do tempo, falta de recursos financeiros e ações de formação de qualidade que não se adequam em meros receituários desconectados de suas realidades, desejos e valores. No entanto, o caminho a ser percorrido na formação deixa os professores numa situação conflituosa. Neste sentido, eles são cobrados e se autocobram por uma formação contínua em que possam elaborar a prática e propor mudanças na realidade, mas se veem sem condições para realiza-las em virtude do tempo e da falta de incentivo financeiro principalmente. Contudo, o direto sobre a formação continuada para os professores proposto pela LDB n° 9394/96 tornou-se uma obrigação e com multiplas formas de se efetivar. Considera-se importante na construção da formação contínua e na escola as relações entre professores e alunos quando estão voltados para construírem práticas reflexivas sustentadas por teorias que sustentam as práticas. E por fim, requer-se também que as escolas se caracterizem em reais espaços de formação, assim, constituindo o lócus privilegiado desse fazer. Portanto, o ambiente escolar, como local de formação contínua, traz repercussões mais significativas nas práticas dos docentes, pois é ali que se encontram os envolvidos nessas mudanças e os problemas que exigem solução, propondo via momentos formativos uma reflexão sobre a prática e a valorização dos professores como profissionais reflexivos, diante do cenário da educação. Referências ANANIAS, E. V.; IZA, D. F. V.; NETO, L. S.; ARNOSTI, R. P.; CEREGATTO, L.; VALÉRIO, C.; CYRINO, M.; BENITES, L. C. Identidade docente: as várias faces da constituição do ser professor. UNICAMP - Campinas – 2012. Disponível em:<https://www.google.com.br/#q=%2C+ANANIAS%2C+IZA%2C+NETO%2C+AR NOSTI%2C+CEREGATTO%2C+VAL%C3%89RIO%2C+CYRINO+e+BENITES%2 C+2012%2C+p.+4>. Acesso em: 10 de set. de 2013. P á g i n a | 132 BARBOSA, Raquel R. e MAIA, Regina Sousa. Políticas educacionais para a formação de professores para educação básica. Disponível em:<http://www.google.com.br/#psj=1&q=Políticas+educacionais+para+a+formação+d e+professores+para+educação+básica>. Acesso em: 10 de Ago. de 2013. BRASIL, LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. – 5. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. Disponível em:<https://www.google.com.br/#q=ldb+no+9394+96+atualizada>. Acesso em: 08 set. de 2013. BRASIL, Ministério de Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais para a formação de professores. Brasília, DF: MEC/ SEF, 1999. CASTRO, Bruna M. P. de.;SILVA, Celma Y. P. da. e NONATO, Pedro Ramalho Cavalcante.O professor e sua identidade profissional: A formação continuada em questão. Disponível em:<http://meuartigo.brasilescola.com/pedagogia/o-professor-suaidentidade-profissional-formacao-continuada-.htm>. Acesso em: 10 de Ago. de 2013. GÓES, Hervaldira Barreto de Oliveira. Formação continuada: Um desafio para o professor do Ensino Básico. 1º Encontro de Educação do Colégio Gonçalves Dias 7 e 8 de junho de 2008. Disponível em:<https://www.google.com.br/#q=forma%C3%A7%C3%A3o+continuada+um+desaf io+para+o+professor+do+ensino+b%C3%A1sico>. Acesso em: 06 de set. de 2013. MATSUOKA, Silva. Para uma política de formação continuada: a formação do professor formador de professor. 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P á g i n a | 133 O POEMA EM SALA DE AULA: O TRABALHO COM O GÊNERO NAS AULAS DE ENSINO MÉDIO Alessandra Magda de MIRANDA (UFPB) Micaela Sá da SILVEIRA (UEPB) Resumo: Na disciplina Estágio Supervisionado IV, no curso de licenciatura em Letras, os graduandos são levados a elaborar e executar alternativas didático-metodológicas para o ensino de Língua Portuguesa em turmas de Ensino Médio. Um dos procedimentos adotados para cumprimento dessa exigência é o trabalho com Sequências Didáticas (SD) de enfoque da obra literária, dos gêneros textuais, da produção textual e análise linguística. Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo relatar uma experiência de trabalho com a execução de uma SD, cujo gênero abordado foi o gênero poema; analisar as implicações deste trabalho para o ensino de língua e literatura, bem como refletir sobre a importância do Estágio Supervisionado para a formação docente. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de natureza qualitativa do tipo pesquisa-ação, visto que o objeto de estudo constitui-se da nossa prática docente. Para tanto, fundamentamonos teoricamente nos pressupostos de: Cosson (2006); Costa (1998); Malard (1985); Paes (1994); Pinheiro (2007) e Schneuwly & Dolz (2004); além das orientações presentes nos documentos oficiais que norteiam o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio, a saber: Parâmetros Curriculares Nacionais (2006), nos Referencias Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006) e nas Organizações Curriculares para o Ensino Médio (2006). Os resultados obtidos por meio dessa pesquisa revelam que a SD constitui um importante instrumento metodológico para o trabalho com gênero em sala de aula, pois apresenta um encadeamento lógico de atividades interrelacionadas, cujo foco é a construção do conhecimento a partir da reflexão do aluno. Tal fato evidencia a relevância de o professor conhecer/utilizar-se de estratégias metodológicas dessa natureza em sua prática de ensino. Além disso, verificamos a importância do referido componente curricular para a formação docente, tendo em vista que este possibilita a articulação entre teoria e prática. Palavras-chave: Ensino de literatura; Poema; Formação docente. 1. Introdução Nos cursos de licenciatura, em boa parte das Instituições de Ensino Superior, os graduandos estabelecem contato com conhecimentos teóricos e práticos que contribuirão efetivamente no processo de sua formação profissional e que, futuramente, poderão nortear sua prática pedagógica. Na graduação em Letras – habilitação em Língua Portuguesa – da Universidade Estadual da Paraíba, uma das disciplinas que possibilitam a aplicação da teoria à prática é o Estágio Supervisionado IV. Tal componente curricular tem como objetivo maior levar os graduandos a experimentarem e relatarem a prática de ensino-aprendizagem de Língua Materna e de Literatura em turmas do Ensino Médio (doravante EM), geralmente, em escolas públicas. Ao cursar essa disciplina, os alunos devem elaborar alternativas metodológicas, através de sequências didáticas (SD), que englobem o trabalho com gêneros textuais, P á g i n a | 134 literários e não-literários, que promovam o desenvolvimento das práticas de leitura e produção textual, além da análise linguística; bem como, aplicá-las/executá-las em turmas de EM, no intuito de contribuir para a formação das competências e habilidades esperadas para o componente curricular em questão. Dessa forma, pretendemos neste artigo relatar uma experiência vivenciada durante o Estágio Supervisionado na qual elaboramos e executamos uma SD de estudo do gênero poema, com alunos de ensino médio de uma escola estadual do município de Campina Grande-PB; analisar as implicações deste trabalho para o ensino de Língua e Literatura; bem como refletir sobre a importância do componente curricular em questão para a formação docente. Neste sentido, trata-se, de uma pesquisa de natureza qualitativa do tipo pesquisaação, cujo objeto de estudo constitui-se da nossa prática docente durante o Estágio. Para elaboração deste artigo, fundamentamo-nos teoricamente nos pressupostos de: Cosson (2006); Costa (1998); Malard (1985), Schneuwly & Dolz (2004), além de documentos oficiais que norteiam o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio, a saber: Parâmetros Curriculares Nacionais (2006), Referencias Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006) e Organizações Curriculares para o Ensino Médio (2006), no que se refere às orientações referentes à elaboração da SD a ser aplicada, bem como às questões pertinentes ao trabalho com a Literatura em sala de aula. Buscamos ainda em Paes (1994) e Costa (1998) as considerações referentes à temática abordada na SD. Por fim, encontramos em Pinheiro (2207) as informações pertinentes ao trabalho com o gênero poema. Assim, o presente texto estrutura-se da seguinte maneira: inicialmente, apresentamos algumas considerações a respeito do Ensino de Literatura e do trabalho com a Sequência Didática; em seguida, discorremos brevemente a respeito da Formação Docente na área de Letras; por conseguinte, apresentamos o relato e a análise da experiência vivenciada no Estágio Supervisionado; por fim, apresentamos uma síntese dos resultados a que chegamos por meio desse estudo. 2. O ensino de Literatura No que se refere ao ensino de literatura, percebe-se que esse tem sido objeto de estudos de diversas instituições de ensino e órgãos responsáveis pela educação no país, bem como de teóricos que ao pensar a sala de aula, propõe alternativas metodológicas para que o ensinar literatura, seja algo que produza sentido para o professor e, sobretudo, para o aluno. Os documentos oficiais que regulamentam o ensino, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM, 2000), das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, 2006) e dos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (RCEM - PB, 2006), que apresentam perspectivas diferentes para a abordagem da literatura em salda de aula. Lembremos que as OCEM (2006) criticam os PCN (2000), por não tratarem dos conhecimentos em literatura de um modo específico. Ao tecer tal crítica, as OCEM prezam pela perspectiva de um letramento literário, por meio qual se possa “empreender esforços no sentido de dotar o educando da capacidade de se apropriar da literatura, tendo dela a experiência literária” (OCEM, 2008, p. 55). P á g i n a | 135 Ou seja, tal documento defende a ideia de que o contato do leitor com o texto literário é que vai ser o responsável pelo processo de ensino-aprendizagem, desprezando, por exemplo, o ensino que toma como pressuposto basilar “estudar a história da literatura, com seus representantes mais ilustres, e identificar as características da escola literária” (OCEM, 2008, p. 58), como ocorrera por muito tempo. De acordo com diversos estudiosos sobre o ensino de literatura, como Pinheiro (2007) e Cosson (2009), esse tipo de trabalho pedagógico que privilegia a apresentação, em ordem cronológica, de movimentos literários com uma abordagem que procura situar o aluno ao contexto de época de cada escola, se limitando a informar datas e fatos históricos, assim como a vida e a obra de renomados autores, em detrimento do uso do texto literário e de sua interpretação. O ensino realizado sob essa perspectiva já está ultrapassado, pois não privilegia o contato direto com a obra, fazendo com que o aluno conheça e decore a história da literatura usando as obras apenas para exemplificação. A abordagem apresentada pelas OCEM coaduna com o que discutido nos RCEM-PB, tendo em vista que o princípio norteador desses dois documentos é a humanização do sujeito através da experiência literária. Indo um pouco mais além, os Referenciais apresentam de forma prática e objetiva uma “perspectiva de trabalho favorece a formação de educandos-leitores-debatedores do texto literário e deverá estimular cada vez mais os professores a se tornarem também leitores de literatura” (RCEM-PB, 2006, p. 83). Tal proposta se configura em trazer autores contemporâneos com temáticas que estejam no círculo de interesses dos alunos, para que, com a proximidade, a experiência literária seja validada e o processo de humanização efetivado. Não dizemos com isso que se deve desprezar a história da literatura, mas o caminho com o qual concordamos parte do texto para os aspectos que influenciaram a escrita ou estão evidenciados na mesma. Esse tipo de ensino, em que a leitura do texto prescinde qualquer trabalho com a literatura, é o que Cosson discute e esquematiza de forma pragmática em Letramento Literário (2006). Esse teórico é de fundamental importância para pensarmos as Sequências didáticas. O autor propõe dois tipos de sequências: a básica e a expandida, sendo a primeira voltada para o ensino fundamental e a segunda voltada para o trabalho com no ensino médio, com as seguintes etapas – motivação, introdução, leitura, primeira interpretação, contextualização, segunda interpretação e expansão. 3. A sequência didática com o gênero poema O trabalho com Sequência Didática (SD) indica a elaboração de um conjunto de atividades pedagógicas interligadas, planejadas para realizar o estudo de questões da língua/literatura com base em um gênero textual. O preparo das atividades em sequências permite aos alunos conhecer e compreender o funcionamento e a organização de diversos gêneros textuais que permeiam nossa sociedade, preparando-os para saberem usar a língua nas mais variadas situações sociais, oferecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de ler e escrever (Dolz, Noverraz & Schneuwly, 2004). P á g i n a | 136 A execução dessas sequências permite explorar as características do modelo didático do gênero, o que se constitui numa preciosa fonte de informações para o professor acompanhar e orientar os alunos a ler, escrever e explorar diversos exemplares do gênero em estudo. Dessa forma, os alunos dominarão pouco a pouco as características do gênero em estudo e serão capazes de formular conhecimentos a seu respeito, sendo capazes de (re)conhecerem, compreenderem e, quando necessário, produzirem textos diversos. A respeito da abordagem do poema em sala de aula, consideramos de fundamental importância, antes de qualquer outra discussão, apresentar uma distinção entre poema e poesia, para isso tomamos como base os postulados de Lyra (1992) ao afirmar que O poema é, de modo mais ou menos consensual, caracterizado como um texto escrito (primordialmente, mas não exclusivamente) em verso. A poesia, por sua vez, é situada de modo problemático em dois grandes grupos conceituais: ora como uma pura e complexa substância imaterial, anterior ao poeta e independente do poema e da linguagem, e que apenas se concretiza em palavras como conteúdo do poema, mediante a atividade humana, o estado em que o indivíduo se coloca na tentativa de captação, apreensão e resgate dessa substância no espaço abstrato das palavras. (LYRA, 1992, p. 6 – 7) Assim, podemos dizer que o poema está para a materialização do eu subjetivo de quem o escreve, e esse “eu subjetivo” é a poesia que não depende de quem observa uma determinada obra, mas sim que existe em quem a produz. Tendo em vista esta peculiaridade do gênero poema, corroboramos com Pinheiro (2007) ao ressaltar a extrema importância de abordar esse gênero em sala de aula. A este respeito, o autor ainda afirma que esta não é uma prática recorrente, pois exige do professor a habilidade de ‘brincar’ com o texto e, além disso, “a leitura do texto poético tem peculiaridades e carece, portanto de mais cuidados do que o texto em prosa. (...) Tendo em vista que a poesia é um dos gêneros literários mais distantes da sala de aula, a tentativa de aproximá-la dos alunos deve ser feita de forma planejada” (PINHEIRO, 2007, p. 23). Ao trabalhar com o poema, o professor pode utilizar-se de outros gêneros, como por exemplo, as letras de canções musicais, pois, segundo Pinto (2000), a música e a poesia partilham de “traços comuns, como o ritmo, as rimas, a metrificação e a forma. Quando ouvimos canções, esses elementos possivelmente nos saltem mais aos olhos, ou melhor, aos ouvidos” (PINTO, 2000, p. 170). Assim, consideramos relevante levar a sala de aula outros mecanismos, como a canção, para viabilizar a apreensão desse gênero literário, o poema. 4. Formação docente No que tange às discussões sobre formação de professor é possível percebermos que há uma gama de estudos que buscam compreender os aspectos que a subsidia. No documento CONAE (2010), por exemplo, no Eixo 4, ressalta-se a necessidade de P á g i n a | 137 formação e a valorização não apenas do professor, mas de todos os profissionais da educação (englobando os membros da comunidade escolar), reforçando a importância de uma sólida formação teórica, interdisciplinar e inclusiva. No que se refere ao magistério, o documento aponta para a necessidade da “integração e interdisciplinaridade curriculares, dando significado e relevância aos conteúdos básicos, articulados com a realidade social e cultural, voltados tanto às exigências da educação básica e superior quanto à formação do/da cidadão” (CONAE, 2010, p.81). Assim, diversos estudos têm apresentado uma nova característica para o professor na contemporaneidade, ao definirem-no como sujeito que possui conhecimento que vai além das competências da disciplina que ministra e que, por isso, deve estar preparado para lidar com as mais diversas situações do cotidiano que são postas por seus alunos em sala de aula. Corroborando com essa ideia, Feldmann (2009, p. 78), ao se posicionar acerca do papel dos professores atualmente, afirma que “discutir a ação dos professores na contemporaneidade é refletir sobre as suas intenções, crenças e valores e, também, sobre as condições concretas de realização de seu trabalho, que influenciaram fortemente as suas práticas cotidianas na escola”. Ainda nessa perspectiva se faz mister apontar o que a autora citada apresenta no que tange à formação de professores: a formação de professores é perspectivada a partir do fazer docente no contexto social, político e cultural brasileiro, tendo como cenário os avanços tecnológicos, as novas concepções do trabalho e da produção, que apontam para uma nova configuração mundial atrelando o saber à questão do poder entre as mais diversas culturas, povos e nações (FELDMANN, 2009, p. 73 - 74). Evidentemente, diante de tanta inovação e de tantas competências que o professor deve ter, urge o aspecto da formação. Ora, para além das formações continuadas que possibilitam aos professores uma gama de conhecimentos para acrescer sua bagagem cultural e intelectual, a formação primeira/inicial do professor, ainda enquanto graduando, deve ser consolidada, como afirma Menezes: A formação inicial deve dotar o futuro professor de um currículo formativo que lhe proporcione uma bagagem sólida e consistente também nos aspectos culturais. Deve, ainda, favorecer experiências reflexivas, vivência no coletivo, conduzindo à formação de maneira que permita ao estudante estabelecer relações entre a teoria e a prática (MENEZES, 2009, p. 216) O que nos diz a autora é muito pertinente, tendo em vista que apresenta a imprescindível relação que deve ser estabelecida entre teoria e a prática para a formação do estudante de letras e futuro professor. Sabemos que teoria e prática caminham juntas, pois como afirma Kramer (2010, p. 138) “a prática que tem sempre uma teoria que a orienta, teoria que, por sua vez precisa voltar-se à prática, é reflexão dinâmica do fazer P á g i n a | 138 cotidiano, geradora de nova busca de teoria”. Nesse sentido, reafirmamos a importância da articulação entre teoria e prática a fim de desenvolver a formação docente de forma mais efetiva. 5. O trabalho com o poema durante o Estágio Supervionado: apresentando uma experiência Conforme fora dito, neste artigo, pretendemos apresentar algumas reflexões acerca de uma intervenção pedagógica realizada em 2011, quando cursamos a disciplina Estágio Supervisionado IV do curso de Licenciatura em Letras – habilitação em Língua Portuguesa. Na ocasião, os alunos da disciplina citada ministraram um ‘curso piloto’ oferecido a alunos do ensino médio de uma escola da rede estadual de ensino do município de Campina Grande –PB. Para tal intervenção, fomos designadas a elaborar uma SD de estudo do gênero poema com base na sub-temática Amor e desejo. Tal SD teve como objetivo principal trabalhar o gênero literário poema e proporcionar reflexões sobre questões sociais, ações, sentimentos e comportamentos do indivíduo no convívio em sociedade, tudo isso subsidiado pela leitura de textos literários. No que diz respeito à abordagem conteudística, discutimos questões referentes ao estilo, linguagem e aspectos estruturais do gênero poema, através do conteúdo temático. Todas essas questões deveriam ser contempladas em uma única aula com duração de 180 minutos, ou seja, 3 horas. Durante nossa aula preocupamo-nos em proporcionar um clima de descontração com a turma, visando uma boa interação tanto na relação professoras-alunos como alunos-alunos. Assim, explicitamos, desde o início da aula, que os alunos poderiam intervir a qualquer momento durante a discussão, conforme as necessidades deles. Desse modo, elaboramos uma SD que, conforme os postulados de Cosson (2009), caracteriza-se como sequência expandida. Para a etapa da motivação, instante no qual podemos fazer um levantamento do horizonte de expectativas dos alunos a respeito da temática a ser abordada, realizamos a exibição de slides com imagens que abordavam relações afetivas entre casais, representando situações de amor e desejo. Em seguida, iniciamos uma discussão a respeito dos slides, para que os alunos, cada um a seu tempo, participassem da aula. A respeito dessa primeira etapa, podemos afirmar que a participação dos alunos foi enfática, tendo em vista que os eles sentiram-se à vontade para apresentar suas opiniões a respeito do que fora exibido, inclusive discordando da forma como os sentimentos “amor e desejo” estavam sendo apresentados/representados. Ainda a respeito dessa etapa, uma questão que nos chamou atenção diz respeito às imagens que abordam a relação entre iguais - casais homoafetivos –, pois a discussão a respeito dessas imagens foi relevante, já que maioria dos alunos desejou expor sua opinião a respeito desse tipo de relação. Em suma, a etapa da motivação nos permitiu não apenas introduzir a temática a ser estudada, como também possibilitou-nos o reconhecimento dos conhecimentos préviso dos alunos a respeito da temática. Nos momentos seguintes realizamos as etapas de introdução, leitura e primeira interpretação. Para tanto, iniciamos o trabalho com o gênero, a partir da apresentação e discussão inicial do título do poema Inconfesso Desejo, de Carlos Drummond de P á g i n a | 139 Andrade. Direcionamos o levantamento de expectativas através de questionamentos do tipo: “o que significa a expressão ‘inconfesso desejo’?” ou “o que poderá tratar um texto com tal título?”. Após as colocações dos alunos, entregamos o poema à turma, para que realizassem uma leitura individual e silenciosa. Em seguida, solicitamos que acompanhassem a leitura realizada em voz alta por uma das professoras. Por conseguinte, iniciamos a interpretação o texto com os alunos, buscando evidenciar como se estabelece a relação entre amor e desejo nesse poema. Ao longo dessa discussão, buscamos apresentar aos alunos os conceitos atribuídos a amor e desejo, além de refletir, juntamente com a turma, como as escolhas lexicais e as relações semânticas entre as palavras contribuem para a constituição do sentido do texto. Por conseguinte, na etapa da contextualização, nos dedicamos desde o início a apresentar o gênero para a turma, explicando o que é um poema, quais as possíveis intenções de um poeta ao produzir tal texto e a relação entre o poema e as questões externas a seu produtor. Enfim, buscamos levar os alunos a compreenderem que a subjetividade é a maior peculiaridade do gênero em questão. Dando continuidade à SD, para a realização da etapa seguinte, a segunda interpretação, optamos por trabalhar um segundo poema, por acreditarmos que a utilização de um outro texto do mesmo gênero, possibilitaria aos alunos um contato maior com o poema. Para tanto, realizamos a leitura e discussão de Eu quero é teu calor animal, de Mário Quintana. Na ocasião, adotamos os mesmos procedimentos de leitura e discussão abordados nas etapas anteriores. Tendo em vista que os alunos demonstraram não possuir muita intimidade com o gênero em questão, fez-se necessário a realização de uma nova leitura para o poema, no intuito de ajuda-los nas atividades de compreensão/interpretação. Na ocasião, buscamos refletir com os alunos a respeito da seleção lexical realizada pelo autor, visto que a significação de boa parte dos termos utilizados induzem-nos a uma interpretação de que no texto se exalta o desejo de estar próximo/junto da pessoa desejada. Ao longo dessas discussões percebemos que os alunos inicialmente relacionaram ‘calor animal’ apenas ao sexo selvagem sendo, portanto, necessário reforçar a definição/relação apresentada anteriormente a respeito de amor/sexo/desejo. Ainda nesse momento de trabalho com os poemas, realizamos uma discussão acerca das propriedades do poema, “Inconfesso Desejo”, com ênfase em aspectos como: linguagem e estrutura. Para tanto, utilizamo-nos da exposição oral e da discussão de material xerocopiado sobre a definição e diferenciação de poesia e de poema, do uso da linguagem simples e coloquial, reforçando, sempre, a questão de que as escolhas lexicais contribuem para a compreensão do poema, pois, no texto em questão, o uso dos substantivos abstratos, dos adjetivos (qualificadores), bem como de verbos no futuro do pretérito são aspectos bastante significativos para a significação geral do poema. Na etapa de expansão, utilizamo-nos da exibição das composições musicais Sexo, de Zélia Duncan, e Amor e Sexo, de Rita Lee, Roberto Carvalho e Arnaldo Jabor, cada uma a seu momento, para que pudéssemos discutir acerca da relação entre os temas Sexo e Amor. Nesse instante, abordamos aspectos que diziam respeito à (não) complementaridade entre os temas. Em seguida, levantamos a discussão sobre esse viés fazendo uma co-relação com a definição de sexo utilizada na canção de Zélia Duncan. Os alunos perceberam a relação existente entre as temáticas no que diz respeito a “(in)dependência” entre amor e sexo, ou seja, que compreendessem que o sexo P á g i n a | 140 independe do amor para existir, enquanto que o amor compreende a união de vários elementos, inclusive o sexo. Para que pudéssemos perceber se os alunos compreenderam efetivamente o que foi apresentado, solicitamos que eles apresentassem seu posicionamento a respeito do que fora discutido anteriormente. No que tange a tal abordagem, ao analisarmos a realização dessa etapa, acreditamos que deveríamos ter realizado esse trabalho com as canções no início da aula, antes de trabalharmos os poemas, pois é sempre importante que a construção do conhecimento parta daquilo que já é sabido pelo aluno. E, nesse caso, as canções já eram do conhecimento de maior parte da turma e a partir delas foi muito mais fácil realizarmos a discussão da temática e até discutirmos questões pertinentes ao gênero composição musical. Acreditamos, portanto, que, tendo em vista as similaridades entre a canção e o poema, se tivéssemos abordado primeiro as canções para depois trabalharmos os poemas os alunos o processo de ensino-aprendizagem teria sido mais significativo e menos complexo, tanto para nós, professoras, quanto para os alunos. Dando continuidade à apresentação da intervenção, para a finalização da aula e como meio avaliativo, solicitamos que os alunos produzissem cartazes nos quais pudessem expressar o seu pensamento a respeito da temática, considerando tudo o que fora discutido ao longo da aula. Nossa pretensão para essa atividade foi verificar a compreensão dos alunos acerca da relação/diferença entre amor e desejo. Tal ação foi necessária dada a necessidade de instrumentos que nos permitissem avaliar o desempenho/aprendizado dos alunos a respeito das atividades realizadas. Convém ressaltar que ao trabalharmos com o gênero poema, nossa intenção não foi instruir os alunos na ilusão de formar ‘poetas’, mas sim levá-los a conhecer o gênero e desenvolver as habilidades de leitura dos educandos. As produções dos alunos consistiram em recortes e colagens de imagens de revistas, desenhos, pinturas, desenhos e frases, e nos permitiram compreender o aprendizado deles a respeito da temática. Nesse sentido, foi interessante observar que, mesmo os alunos que não participaram durante o debate, apreenderam o que nos propusemos a discutir e lograram êxito ao fazer a atividade avaliativa. Diante da recepção e participação efetiva dos alunos durante o estágio, percebemos que os resultados obtidos estão diretamente relacionados ao planejamento anterior e cuidadoso/criterioso que tivemos ao elaborar a SD, ao estudarmos a fundo o conteúdo destinado à aula, para que não estivéssemos sem subsídios necessários para suprir as necessidades dos alunos, nem apresentar conceitos, como os de amor – desejo e poema - poesia, pautado na nossa ideologia, mas considerando os postulados de autores diversos que se debruçam em tais teorias. Evidentemente que a SD foi o meio utilizado para verticalizarmos os conceitos e teorias e estivéssemos prontas para ministrar uma aula, sem improvisações. Isto posto, convém ressaltamos que organizar uma sequência de atividades para a sala de aula é mais do que um recurso metodológico, é um subsídio orientador que nos faz perceber o verdadeiro papel do educador em sala de aula: planejar-se para trocar conhecimentos com os alunos no intuito de construir cidadãos aptos a viver numa sociedade cada vez mais prática e objetiva. Assim, tendo em vista os resultados obtidos durante esta intervenção, podemos afirmar que tal experiência foi significativa, uma vez que pudemos vivenciar o trabalho com a Língua Portuguesa, em específico com a Literatura, com alunos de ensino médio, tendo a oportunidade de aplicar em nossa intervenção alguns dos conhecimentos P á g i n a | 141 teóricos adquiridos ao longo do curso. Podemos, enfim, considerar que obtivemos sucesso em nossa intervenção uma vez que os objetivos propostos para tal aula foram alcançados. Desse modo, foi possível percebermos a importância do componente curricular Estágio Supervisionado IV em nossa formação acadêmica, além do mais, a experiência com o curso piloto nos possibilitou compreender melhor a diferença que há em trabalhar com a Língua Portuguesa em uma sala de aula de ensino regular e em um curso oferecido aos alunos de ensino regular no contra-turno. 6. Considerações finais Diante do que fora dito, constata-se que em relação à aplicação da sequência didática, podemos apontar como aspectos relevantes: a interação entre os sujeitos envolvidos na realização das atividades, bem como o posicionamento crítico acerca da temática, além do conhecimento adquirido a respeito do gênero literário poema. Com relação a experiência do estágio, podemos afirmar que a participação nesse tipo de intervenção nos permitiu vivenciar uma nova situação de ensino, tendo em vista suas peculiaridades que o distinguem de uma sala de aula de ensino regular, nos permitindo comprovar a eficácia de o professor adotar novas metodologias de ensino, principalmente no que se refere ao ensino de literatura tendo como eixo temático questões do interesse dos alunos. Neste sentido, convém ressaltar a importância de os alunos dos cursos de licenciatura, futuros professores, vivenciarem, ao longo de sua formação acadêmica, situações de ensino-aprendizagem distintas, que os permitam experimentar diferentes procedimentos didático-metodológicos, que possam ser levados a sala de aula, contribuindo, portanto, para um ensino mais produtivo e eficaz de Língua Portuguesa. Destacamos, pois, o avanço dado no que diz respeito às aulas de língua materna, que antes eram pautadas apenas em regras gramaticais e “receitas” pré-estabelecidas e, hoje, já fazem uso de uma interação estabelecida por meio de textos que circulam e que condizem com a realidade em que vivemos. E reiteramos os dizeres de Gens (2009, p.69) ao ressaltar a necessidade de os cursos de formações docente assegurarem aos educadores em formação, seja inicial ou continuada, “uma mudança de atitude diante do ensino de literatura e uma reflexão sobre o lugar que estaria reservado em sala de aula, bem como questionar as orientações obsoletas que se refletem na transposição didática”. Dessa maneira, podemos afirmar que, mesmo reconhecendo a validade das aulas de português até então vistas nas escolas, acreditamos que essas devam, mais do que nunca, dar espaço ao uso de gêneros textuais de forma geral, por seu amplo uso nas interações diárias e por serem eles extremamente necessários aos alunos no decorrer de toda sua escolaridade. Sendo assim, a orientação do professor não será mais a de considerar apenas o aspecto formal do texto escrito, mas a de proporcionar o uso efetivo do texto por parte de seus alunos, abrindo-lhes oportunidade de se desenvolverem como cidadãos de uma sociedade letrada. Assim, a leitura e a escrita não serão mais, práticas escolarizadas, com um único leitor possível, o professor, mas serão trabalhadas em um contexto sócio-histórico e cultural. Referências P á g i n a | 142 BRASIL - CONAE-2010- Documento Final - Construindo o Sistema Articulado de educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação. Brasília: MEC-2010. 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P á g i n a | 143 PRESCRIÇÕES OFICIAIS E DIDATIZAÇÃO: SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS PARA O ENSINO DE LEITURA E ESCRITA Cícero Gabriel dos SANTOS (UFPB) Resumo: Este artigo tem por objetivo refletir sobre as concepções de linguagem, de leitura e de escrita subjacentes à elaboração de sequências didáticas para o ensino de leitura e escrita nas séries iniciais, tendo por base os pressupostos teóricos e as discussões realizadas no decurso da disciplina Ensino de Português nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, 5º período, do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFPB/Campus III. Os dados empíricos são representados pelas anotações realizadas em campo de pesquisa e pelas sequências didáticas elaboradas pelos alunos da turma. Norteamos nossas análises, nos estudos Antunes (2009), Bronckart (2006), Garcez (1998), nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998) e nos estudos de Tardif (2002). Os resultados parciais revelam que os planos de trabalho apresentados, embora lacunares, empregam o modelo sociointeracionista de linguagem e a perspectiva dos gêneros de textos como referência para o trabalho em sala de aula. Palavras-chave: Ensino. Leitura. Escrita. Sequência Didática. Formação Inicial. 1. Introdução O ensino de língua portuguesa vem sendo objeto de reflexões teóricas e de sugestões práticas, devido a uma série de ações que as instituições governamentais vêm empreendendo em favor de um ensino formador e eficiente. Tradicionalmente, o objetivo de ensino de língua materna era a competência linguística, agora o alvo passa a ser a competência discursiva. Dessa forma, concretiza-se a ideia de que o modo tradicional de ensino de língua não atende às reais necessidades do aprendiz nem responde às demandas mais amplas da sociedade no que diz respeito ao domínio da leitura e da escrita e à formação cultural e intelectual, conforme Bagno (2009). Tomando por base a formação de estudantes do Curso de Pedagogia, 5º período, de uma instituição pública de ensino superior, a partir da elaboração de sequências didáticas, durante o desenvolvimento da disciplina Ensino de Português nas Séries Iniciais do Fundamental, esse artigo tem por objetivo: analisar duas sequências didáticas destinadas ao ensino/aprendizado de língua portuguesa, a fim de refletir sobre concepções de linguagem, de leitura e de escrita, e sobre o trabalho com a análise e a sistematização linguística, subjacentes às sequências didáticas apresentadas para os anos iniciais do ensino fundamental. A presente pesquisa situa-se no âmbito da Linguística Aplicada e enquadra-se no modelo qualitativo. Nosso foco é interpretativista, visto que “não há como observar o mundo independente das práticas sociais e significados vigentes”, conforme BortoniRicardo (2008). 2. O ensino de leitura e de escrita: sob a ótica da dimensão interacional e discursiva da língua P á g i n a | 144 Discutir o ensino de língua pressupõe, inicialmente, a discussão acerca do que é linguagem e qual sua importância na construção do sujeito, da cultura e das ideologias. Assim, recorremos a Bronckart (1999, p. 34), para quem a linguagem humana é “uma produção interativa associada às atividades sociais, sendo ela o instrumento pelo qual os interactantes, intencionalmente, emitem pretensões à validade relativas às propriedades do meio em que essa atividade se desenvolve”. Nesses termos, a linguagem pode ser considerada parte integrante da atividade humana, cuja função precípua é de ordem comunicativa ou pragmática. Adotamos a noção de que a leitura é um processo de interação entre texto e leitor; é um processo que não se esgota meramente no sentido literal. Kato (apud CORACINI, 1995, p. 13) aponta duas posições teóricas opostas que correspondem aos dois tipos básicos de processamento de informação: a descendente (em que o leitor é a única fonte do sentido, de forma que o texto serve apenas para confirmar hipóteses) e a ascendente (em que o texto e os dados nele contidos servem de ponto de partida para a compreensão). Entretanto, a autora se posiciona em favor de uma terceira hipótese, intermediária, chamada interacionista, por acreditar que a leitura se processa na interação texto-leitor ou, numa vertente mais recente, autor-texto-leitor. Nessa perspectiva, o ato de ler torna-se um processo interativo no qual se inserem os sujeitos produtores de sentido - autor e leitor -, ambos sócio-historicamente e ideologicamente constituídos. Assim, é o momento histórico-social que determina o comportamento, as atitudes, a linguagem de um e de outro e a própria configuração do sentido. Trata-se de uma atividade que implica “estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência” (BRASIL, 2001, p. 52). Quanto à concepção de escrita, os estudos científicos no domínio dessa modalidade e de sua aprendizagem têm motivado discussões sobre o que é escrita e o que ela tem significado para o aprendiz, aspecto que tem ocasionado mudanças no conceito de escrita e tem provocado alterações nas propostas educacionais, já que elas passaram a considerá-la de forma mais abrangente. Conforme Garcez (1998), isso se deve à superação do modelo cognitivista – cujo enfoque está nos processos individuais do sujeito que produz o texto – pela perspectiva sociointeracionista – que enfoca o caráter interativo da produção de texto. Figueiredo e Bonini (2006), tomando por base Ivanic (2004), apresentam seis discursos/concepções sobre a escrita e seu ensino. Refletimos neste espaço, sobre três perspectivas de tratamento da produção textual que se destacam na prática de ensino de escrita, que são: 1) a de escrita enquanto habilidade, que concebe a escrita como uma atividade unitária e independente do contexto; 2) a de texto como processo que objetiva explicar o que acontece no decorrer do processo de produção; 3) a concepção de escrita enquanto prática social, na qual o texto e os processos de composição são inseparáveis das interações sociais que formam o evento comunicativo. A primeira concepção orienta o enfoque tradicional, nela o ensino da escrita é baseado em habilidades “autônomas” de escrita (ortografia, pontuação e estrutura frasal), sendo a escrita e a leitura tratadas como habilidades distintas e abordadas em seções separadas nos materiais didáticos. Portanto, a ênfase recai sobre uma forma de escrever universal e acredita-se que escrevemos sempre do mesmo modo, o que implica uma visão de linguagem estática, dissociada do contexto social. Esta visão parece estar associada às práticas escolares em que, conforme Antunes (2005), as oportunidades de escrita limitam-se a uma escrita com finalidade apenas escolar, ou seja, com objetivos imediatos das disciplinas, “sem perspectivas sociais inspiradas nos diferentes usos da língua fora do ambiente escolar” (p. 26). Na segunda perspectiva, o ato de escrever P á g i n a | 145 compreende dois estágios: o primeiro antecede o próprio ato da escrita. Nele o escritor centra sua reflexão acerca do conhecimento que possui sobre o assunto que irá discorrer (sua vivência em sociedade, os tipos textuais e suas formas de circulação social, entre outros aspectos), pois o processo de escrever exige que o escritor tenha uma visão ampla do assunto, que é pormenorizada e focalizada nas diversas partes do texto. O segundo estágio é o momento de produção, atividade recursiva em que o escritor volta constantemente ao estágio inicial, avança, revisa o texto muitas vezes, para só depois dar a tarefa por encerrada (REINALDO, 2003). Na terceira, o aprendizado da escrita é um processo implícito, que ocorre através da participação em eventos de escrita socialmente situados, com objetivos significativos para os aprendizes. De acordo com Figueiredo e Bonini, (op. cit., p. 428), aprender a escrever, nesse contexto, “implica aprender não só a construir um texto em termos linguísticos, mas entender para quem, onde, quando, em que condições, com que recursos e para que fins o texto é produzido”. A concepção de escrita como prática social configura-se como desejável para orientação da prática de estudo e ensino da escrita, já que ao produzir, o autor considera o contexto comunicativo, seu interlocutor e o gênero a ser utilizado, ou seja, as condições de produção, a finalidade e a circulação dos textos produzidos. 3. Prescrições oficiais: didatização e inovação no ensino da língua oral e escrita A didatização de saberes acadêmico-científicos, de modo particular das teorias sobre o ensino da língua portuguesa é entendida, nos termos de Signorini (2007, p. 211), como um processo de transformação desses saberes pelas práticas institucionais (desde a confecção de documentos oficiais, currículos e materiais didáticos, até o desenvolvimento de atividades em sala de aula) em função de variáveis contextuais específicas (onde e quando se dá o processo de didatização; em que condições; com que objetivo; para qual público-alvo; por quem; como etc.), [...]. Colaborando com a compreensão acerca do processo de didatização, Kleiman e Sepulveda (2012) afirmam que a passagem para a escola dos conhecimentos produzidos pelas ciências e a transformação sofrida por esse conhecimento durante esta passagem, se chama transposição didática. Nos ditos das autoras, o matemático Yves Chevallard, que foi o primeiro que teorizou a respeito, “a transposição didática é o processo pelo qual passa o conhecimento que se produz no campo científico até chegar ao campo da educação na escola” (KLEIMAN e SEPULVEDA, op. cit., p. 11). Nesse sentido, compreender o processo é essencial, quando se trabalha com o ensino de língua portuguesa, porque o conhecimento produzido pelos linguistas passa por um processo de transformação que leva em conta a formação do professor de português e este mesmo conhecimento passa por outros processos de transformação que considera os objetivos e as necessidades dos alunos na aula de língua portuguesa: ler e compreender, produzir diferentes gêneros textuais e refletir sobre a língua em uso. Entendemos, nesta discussão, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN-LP) como um documento oficial em que se procurou reunir as discussões sobre o ensino de língua portuguesa ocorridas entre os anos 70 e 90, tanto no P á g i n a | 146 âmbito acadêmico quanto nas propostas curriculares, podendo ser visto como uma crítica ao que é considerado ensino tradicional, a partir da veiculação de um trabalho com a língua(gem) baseada nas práticas sociais. Nos PCN-LP está expressa a ideia de que os conteúdos de língua portuguesa devem ser articulados em torno de dois eixos fundamentais, sendo o primeiro deles o uso da língua oral e escrita, e o segundo, a reflexão sobre a língua e a linguagem. Assim, atrelados ao eixo Uso estariam a prática de escuta e de leitura de texto e a prática de produção de textos orais e escritos, já ao eixo Reflexão estaria atrelada a prática de análise linguística. A articulação dos conteúdos a partir dos eixos supracitados considera que o ensino de língua portuguesa deve ter como ponto de partida e como objetivo maior a produção e/ou recepção de textos, o que permite ao professor o levantamento de necessidades, dificuldades e facilidades dos alunos, bem como a seleção dos aspectos que possivelmente serão abordados. Do ponto de vista da inovação, há uma outra mudança importante implícita nessa reflexão presente nos documentos oficiais, que é o deslocamento do alvo do ensino de língua: o estudo isolado de aspectos gramaticais cede lugar à análise linguística e ao uso efetivo da língua, seja na modalidade oral ou escrita, o que vai ao encontro das demandas sociais. Em estudo acerca da inovação, Signorini (2007), a partir de estudos realizados por Bruce (1997), afirma que “a inovação sempre morre quando não pode ser re-criada nas/pelas práticas e contextos sociais em que foi inserida” (p. 218). Para ela, há uma relação de mútua interdependência entre a inovação, essas práticas e os contextos, sendo a inovação um elemento a mais num processo social bem mais complexo, que sempre demanda desafios que poderão inviabilizá-la, se não forem cumpridos. Com efeito, as mudanças ocorridas a partir da inovação podem revelar o grau de harmonia existente entre os valores apregoados por ela e os já existentes em determinados contextos. Não havendo harmonia, poderão ocorrer: a rejeição da inovação; mudanças radicais nos modos de inserção; recriação da inovação; ou mudança de valores, tanto da parte dos usuários quanto dos criadores da inovação. 4. Formação docente: competência e mobilização de saberes A partir da década de 90 do século XX, fóruns, pesquisas e debates educacionais têm indicado que a formação docente deve aproximar-se da prática, do contexto escolar, no intuito de atingir a profissionalização do ensino. Segundo Borges (2004), “não só os saberes dos docentes tornaram-se alvo de pesquisas e programas de formação, como a prática passou a ser considerada lócus da aprendizagem profissional por excelência” (p. 34). Desse modo, toda formação que se distancie dessas orientações é hoje questionada. Para Tardif (2002), os saberes docente são considerados uma realidade social materializada através da formação e, ao mesmo tempo, dos saberes dos indivíduos. Nesse sentido, a relação dos professores com os saberes não pode ser reduzida a uma simples transmissão de conhecimentos constituídos, pois a prática docente integra diferentes saberes, constituindo-se de “um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (p. 36). Dessa forma, será considerado como professor qualificado “alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seus programas, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à P á g i n a | 147 pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos” (TARDIF, op. cit., p. 39). Nesse contexto, o agir docente, ou seja, a ação do professor, a mobilização de saberes, a adequação de conhecimentos teóricos vinculados à realidade dos alunos, que inseridos no contexto social interferem nos usos sociais da linguagem, dá margem para a proposta do Interacionismo Sociodiscursivo, que considera fatores sociais, históricos e culturais no processo ensino-aprendizagem. Na inter-relação saberes, formação, prática docente e realidade dos alunos, situam-se as mediações formativas, que referem-se aos processos em que “os adultos integram os ‘recém-chegados’ ao conjunto dos pré-construídos disponíveis no seu ambiente sociocultural” e que estão na base das pesquisas na área do ISD, conforme Bronckart (2006, p. 129). Este nível possui seu campo de atuação nos lugares específicos de interação interpessoal, habitando os sistemas educativos, através da realização de trabalhos ligados à didática das línguas. 5. O trabalho com os gêneros orais e escritos: a elaboração de sequências didáticas Neste espaço, destacamos o ensino de língua pautado na perspectiva dos gêneros textuais. De acordo com Bezerra (2010, p. 44), a Linguística Aplicada defende a ideia de que “se deve favorecer o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos e, para isto, os textos escritos e orais sejam objeto de estudo (leitura, análise e produção)”. Comungando dessa visão, segundo Marcuschi (2008, p. 154), o estudo dos gêneros textuais pode ser considerado “uma fértil área interdisciplinar, com atenção especial para o funcionamento da língua e para as atividades culturais e sociais”. Ainda acrescenta, o autor, que esse aspecto pode ser justificado, porque “cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina e lhe dá uma esfera de circulação” (p. 150). Dessa forma, embora apresente uma forma, um conteúdo e um estilo, o gênero textual será determinado pela sua função e não pela forma. Bronckart (2003 apud MACHADO e CRISTOVÃO, p. 550) considera que todo indivíduo de uma determinada comunidade linguística, ao agir com a linguagem, é confrontado permanentemente com um universo de textos pré-existentes, organizados em ‘gêneros’, que se encontram sempre em um processo de permanente de modificação e que são em número teoricamente ilimitado. Desde o momento do nascimento, a exposição contínua aos gêneros vai construindo nos leitores e nos produtores um conhecimento intuitivo das regras e das propriedades específicas de diferentes gêneros, mesmo que de forma não consciente ou sistemática. Os gêneros textuais representam nossa forma de inserção, ação e controle social, em outras palavras, existe uma variedade de textos na sociedade, que constantemente se renova e medeia nossas atividades discursivas, ampliando as formas de interação que possibilitam a comunicação. Além disso, o estudo dos gêneros textuais não objetiva classificar textos, mas enxergá-los como mediadores nas práticas sociais, a fim de analisar a funcionalidade sócio-comunicativa. Aliando-se a essa posição, segundo P á g i n a | 148 Bazerman (1994 apud Marcushi (2011, p. 18), embora os trabalhos sobre os gêneros apresentem uma inclinação para a identificação e a classificação, “parece impossível estabelecer taxonomias e classificações duradouras, a menos que nos entreguemos a um formalismo reducionista”. Dessa forma, a tendência atual é analisar os gêneros considerando seu lado dinâmico, social e interativo para evitar a classificação estrutural (MARCUSCHI, op. cit.). Nesse quadro teórico, destacamos que a inserção dos gêneros textuais nas aulas de língua materna já é muito difundida e, hoje, se apresenta como uma necessidade quando o que se pretende é dar ao aluno a possibilidade de apropriar-se da linguagem em sua dimensão social. No entanto, é necessário que se planejem ações e atividades que ajudem os alunos a compreender as especificidades e o contexto de uso de cada um deles. Colaborando com a adoção da perspectiva dos gêneros textuais, Lopes-Rossi (2006, p. 74) considera que um dos méritos do trabalho é “o fato de proporcionar o desenvolvimento da autonomia do aluno no processo de leitura e produção textual como uma consequência do domínio do funcionamento da linguagem em situações de comunicação”, porque é por meio dos gêneros que as práticas de linguagem incorporam-se nas atividades dos alunos. É função do professor, nesse contexto, apresentar atividades em que os alunos possam apropriar-se das características discursivas e linguísticas dos variados gêneros textuais, em situações concretas de comunicação. Para tanto, ele poderá guiar o planejamento a partir da sistematização de atividades, tendo como procedimento a elaboração de sequência(s) didática(s). Conforme Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98), “as sequências didáticas servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis”. Apresentamos a estrutura de base do modelo de sequência didática, no esquema a seguir: ESQUEMA DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA De acordo com Araújo (2013, p. 324): Essa descrição de SD está inteiramente voltada para o ensino da produção textual, seja oral ou escrita. Vale destacar que os autores a apresentaram tendo em vista o contexto das escolas de Genebra com o qual trabalham. Essa descrição está amparada em teorias que levam em consideração a noção de língua/gem como interação (BAKTHIN, 1992, 2000), bem como as que a elas se associam no campo da noção de atividade de linguagem (BRONCKART, 2006) e de aprendizagem P á g i n a | 149 como atividade intra e interpsicológica desenvolvida na zona proximal de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998). Nesse contexto, destaca a autora que não se trata de uma forma de organizar a aula com o ensino de gêneros, apenas, mas representa a condução metodológica de uma série de fundamentos teóricos sobre o processo de ensino aprendizagem. Assim, os procedimentos envolvidos no modelo das sequências didáticas se distinguem das outras modalidades de planejamento por sugerir: uma atividade inicial; a execução dos módulos que trabalham cada particularidade dos gêneros em questão e uma produção final que dá espaço para que professor e alunos percebam os avanços e entraves. Por outro lado, ao fazer opção pela abordagem didática de um gênero específico, o professor pode escolher as sequências didáticas para nortear o planejamento de suas ações, pois este seria o caminho adequado, tendo em vista os objetivos pretendidos. 5. Um olhar descritivo/reflexivo: o cenário de pesquisa 5.1. A natureza da pesquisa A presente pesquisa situa-se no âmbito da Linguística Aplicada – ciência de natureza social que focaliza problemas de uso da linguagem enfrentados pelos participantes do discurso no contexto social, usuários da linguagem, seja dentro do processo de ensino e aprendizado ou fora dele (MOITA LOPES, 2001). Enquadra-se no modelo qualitativo. Nesse sentido, os materiais empíricos coletados, priorizam a descrição detalhada e a análise/interpretação de cada um deles, pois “a pesquisa qualitativa explora as características dos indivíduos e cenários que não podem ser facilmente descritos numericamente” (MOREIRA & CALEFFE, 2006, p.73). 5.2. O trabalho prescrito e o real/executado Nas discussões realizadas com os professorandos, durante as aulas da disciplina Ensino de Português nas Séries Iniciais, chamamos atenção para a ação pedagógica de planejar, que reúne aspectos teóricos e práticos, a partir da articulação de um amplo quadro conceitual delimitador da ação escolar. Neste trabalho, correlacionamos esses momentos da formação inicial com a natureza do trabalho docente, que tem, de um lado, o trabalho prescrito e, de outro, o trabalho real/executado. Consideramos que o trabalho prescrito “constitui-se como uma representação do que deve ser o trabalho, que é anterior à sua realização efetiva (...)”, enquanto o trabalho real/executado, “designa as características efetivas das diversas tarefas que são realizadas pelos trabalhadores em uma situação concreta” (BRONCKART, 2006, p. 208). Nesse sentido, Xavier (2009), a partir dos estudos de Bronckart (2008), descreve o espaço destinado ao planejamento, afirmando que nele está contido o trabalho prescrito, cujos procedimentos contemplam as rotinas desse momento específico de P á g i n a | 150 construção didática, como: elaboração de plano de ensino, sequência didática, planos de aulas e seleção de textos e recursos, entre outros. Essas atividades são ações que giram em torno do pensar em metodologias de ensino. Já o trabalho executado assume um movimento abstrato na ação do professor, sendo o resultado de um jogo enunciativo que se desenvolve no ambiente interativo e complexo da orientação acadêmica e da aula. Funciona como o processo que reúne as ações de orientar/ensinar. Portando, entendemos que a ação de planejar configura-se como uma mobilização essencialmente permeada por saberes acadêmicos, representados pelas atividades da ordem do didático e do escolar. Em outras palavras, há um entrelaçamento entre trabalho prescrito e saberes acadêmicos e entre o trabalho real/executado e as estratégias didático-pedagógicas. 5.3. As sequências elaboradas para o trabalho com leitura e escrita Às reflexões teórico-metodológicas, concomitantemente, foram elaboradas sequências didáticas relacionadas ao ensino de leitura, de escrita e de análise linguística. É importante destacar que a escolha da série (ano) e dos conteúdos foi realizada pelos professorandos, tendo por base as concepções teórico-metodológicas apresentadas no plano de curso da disciplina. Destacamos que devido ao tempo exíguo, não houve aplicação das propostas elaboradas. Dessa forma, centramos nossas discussões no trabalho prescrito. A ação de planejar concretizou-se na elaboração de planos de ensino, a partir das seguintes orientações: PROPOSTA: Elabore uma sequência didática de atividades de leitura, escrita e análise linguística a partir de um gênero escolhido por seu grupo. Considere os textos discutidos em sala, dentre eles: Textualidade e gêneros textuais: referência para o ensino de línguas – Antunes (2009) e Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento – Dolz, Noverraz e Sheneuwly (2004). ORIENTAÇÕES: Apresente/descreva o cenário de pesquisa e a progressão didática: escola/turma/série/faixa etária, em que a atividade será desenvolvida; descreva as fases de observação (tempo destinado) e intervenção (encontros). Apresente o(s) objetivo(s). Descreva cada etapa da sequência didática elaborada pela equipe. Atente para a realização de atividades diferenciadas. Exponha como será abordada a leitura, a escrita, a reescritura, os aspectos de língua (análise linguística). Destaque o material que possivelmente será utilizado: canetas, papel ofício, cartolina, recortes, livro didático e recursos audiovisuais, entre outros. Ao término, faça a relação bibliográfica de todos os textos, livros, revistas e sites consultados. P á g i n a | 151 Coloque em anexo todos os textos e exercícios de leitura, de escrita e de gramática. Assim, para este artigo, considerando o espaço exíguo, foram selecionadas duas propostas de ensino, (Plano 1 e Plano 2), planejadas pelos alunos da disciplina. Plano 01: Escrita do gênero convite Encontros: 04 encontros Objetivo Geral: Conhecer o gênero convite, sua estrutura e função. Série/ano: 1º e 2º anos Objetivos específicos: Ler para conhecer os diversos tipos de convite; desenvolver a criatividade dos alunos e desenvolver a expressão por meio de desenhos. Conteúdos: Gênero textual convite; Pronomes de Tratamento. Material necessário: Cartolinas coloridas, lápis de cor, exemplares de convites diversos. Sequência Didática 1º Encontro: Roda de Conversas Discutir questões relacionadas ao gênero: Quem já recebeu algum convite? Qual a importância do convite? Qual a utilidade do convite? Produção escrita: informar aos alunos sobre a escrita de um convite para que os pais observem os textos que irão ser produzidos. A partir do conhecimento prévio dos alunos, mostrar-lhes questões relativas ao gênero: formato de um convite, funcionalidade, características do texto a ser produzido (destinatário, pronomes de tratamento). 2º Encontro: Roda de Atividades Dividir a turma em grupos para analisar tipos de convite. Pedir que os alunos observem as diferentes características dos modelos apresentados. Verificar com a ajuda da professora qual dos modelos apresentados é ideal para escrever aos pais. 3º Encontro: Apresentação da proposta de produção escrita individual Propor aos alunos a construção de um convite, a partir do modelo escolhido pela turma e exposto na lousa. Os alunos devem ter como base e não necessariamente copiá-lo. Realizar a escrita no próprio caderno do aluno. Para a realização da atividade, a professora deverá mediar, quando solicitada. Discutir com a turma sobre dificuldades encontradas no momento da produção escrita. 4 º Encontro: Ilustração e reescritura do texto produzido Propor aos alunos a escritura definitiva do convite para os pais. Confecção e ilustração (cartolina, desenho, pintura). Reescritura das informações produzidas no encontro anterior. Entregar os convites para os pais. P á g i n a | 152 Plano 02: Leitura e Escrita do Gênero Conto Infantil Encontros: 05 encontros Objetivo Geral: Despertar o interesse pelo gênero conto infantil Série/ano: 1º ao 5º ano Objetivos específicos: Apropriar-se dos procedimentos de escrita; Desenvolver atividades de interpretação, leitura e escrita; trabalhar a linguagem oral; produzir texto do gênero; representar a compreensão acerca do texto, através de desenhos. Conteúdos: Estrutura do gênero (elementos caracterizadores como personagens, espaço, tempo, conflito, desfecho); Identificação das falas dos personagens (modos de elaboração do discurso direto). Material necessário: Cartolinas, lápis de colorir, texto do gênero, papel ofício. Sequência Didática 1º Encontro: Roda de Leituras Leitura do conto Chapeuzinho Amarelo (atividade realizada pela professora); Indagar a respeito da leitura do conto lido: Vocês gostaram da história? Como vocês entenderam a história? Alguém pode contar novamente? Listar características da estrutura do gênero (personagens, espaço, tempo, conflito, desfecho). 2º Encontro: Atividade em grupos Dividir a turma em grupos e pedir para que os alunos mudem a atuação da personagem principal do conto lido (reconto). 3º Encontro: Roda de Leituras Leitura do conto Chapeuzinho Vermelho (Atividade realizada pelos alunos); Análise das semelhanças e diferenças entre os contos Chapeuzinho Amarelo e Chapeuzinho Vermelho. Construir uma síntese para enfatizar os aspectos encontrados. 4º Encontro: Roda de atividades Pedir para que os alunos escolham entre os contos lidos uma cena que lhes chamou a atenção para que façam o reconto do(s) trecho(s), por meio do texto não-verbal. Solicitar que os alunos façam o reconto para os colegas de sala (reconto oral). 5º Encontro: Exposição das Ilustrações Fazer uma exposição em sala das cenas, caracterizando a atividade como um livro de parede, para que os alunos possam apreciar as produções realizadas em sala. 5.3.1. Análise das propostas apresentadas Nesse contexto, estamos considerando que o trabalho do professor deve ser considerado como um espaço “específico de produção, de transformação e de mobilização de saberes e, portanto, de conhecimentos e de saber-fazer” (TARDIF, P á g i n a | 153 2002, p. 234). Observamos na efetivação das ações aqui propostas, o emprego do modelo interacionista de linguagem, porque há momentos em que são evidenciados indícios de uma interação entre o(a) professor(a) e seus alunos e dos alunos com outros colegas de sala, seja por meio de conversas individuais ou coletivas. Outros momentos dizem respeito às implicações da adoção da perspectiva dos gêneros de textos como referência para o trabalho em sala de aula, pois os textos sugeridos nestas sequências assumem sua feição concreta, ou seja, a indicação do nome do gênero – um convite – já antecipa e muito o propósito comunicativo do texto. Esses aspectos, entre outros, são reveladores da presença marcante de perspectivas que permeiam o ensino de língua portuguesa. O Plano de Aula 1, destinado ao primeiro e ao segundo ano, tem como objetivo geral Conhecer o gênero convite, sua estrutura e função. Ao direcionarmos a atenção para o objetivo mencionado, observamos a preocupação não somente com o estudo da estrutura, mas também da funcionalidade, ou seja, é possível refletir acerca das situações em que possivelmente o gênero a ser estudado possa ser utilizado. Esse direcionamento retoma a ideia de que a produção escrita exige o desenvolvimento de um duplo processo. Assim, o produtor de textos deverá escolher o modelo de texto adequado às propriedades globais da situação de ação e adaptar o modelo escolhido, em função das propriedades particulares dessa mesma situação, conforme Bronckart (2006). Em relação aos dois objetivos específicos: a) ler para conhecer os diversos tipos de convite e b) desenvolver a criatividade dos alunos e a expressão por meio de desenhos, verificamos que a preocupação está voltada, inicialmente, para o reconhecimento dos modelos de convite, aspecto que evidencia o tratamento dado à estrutura do gênero. Nesse caso, acreditamos que o primeiro objetivo poderia ser ampliado, possibilitando a análise da dimensão social do texto, pois não se pode falar de gêneros sem pensar na esfera de atividades na qual eles se constituem. Entretanto, esse é um aspecto retomado no momento da realização dos encontros. O segundo objetivo específico volta-se à produção de textos não-verbais, o que evidencia a representação de ideias por meio de determinados suportes, no caso, o uso de cartolinas coloridas, e de determinados instrumentos, como os lápis de cor. Dessa forma, o desenho é concebido como uma linguagem não verbal, uma forma de expressão, de comunicação pelo homem, um registro, uma representação. Nesta abordagem, sentimos a ausência da elaboração do terceiro objetivo, pois o trabalho apresentado evidencia a prática de escrita enquanto processo, embora o texto não-verbal exija “retomadas”, no comando de produção da sequência, o trabalho com o texto escrito foi solicitado. Relacionando os objetivos aos conteúdos e procedimentos de ensino, observamos que as ações pedagógicas, em alguns momentos, são lacunares, ou seja, não há o direcionamento detalhado de como deverá acontecer o trabalho de análise e sistematização linguística, outro aspecto evidenciado no comando da produção escrita da sequência. Apenas na finalização do primeiro encontro foi citado o trabalho com as características do texto a ser produzido, como destinatário e uso dos pronomes de tratamento. Reconhecemos que o trabalho prescrito compreende a noção de que o ensino de língua portuguesa deve ter como ponto de partida e como objetivo maior a produção e/ou recepção de textos, conforme apregoam os PCN-LP. Na proposta apresentada, o trabalho com a leitura foi destacado no primeiro objetivo específico – ler para conhecer os diversos tipos de convite –, nesse caso, a concepção de leitura revela a adoção do modelo de decodificação, já que consiste em reconhecer a estrutura do gênero em P á g i n a | 154 estudo, exigindo do leitor “o foco no texto, em sua linearidade” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 10). É possível verificar nas ações empreendidas a adoção de uma prática de ensino de escrita como processo, atividade recursiva em que o escritor volta constantemente ao estágio inicial, avança, revisa o texto muitas vezes, para só depois dar a tarefa por encerrada, conforme Reinaldo (2003). Esse aspecto revelado no 4º encontro - Ilustração e reescritura do texto produzido – em que há indicação do trabalho a ser realizado no trecho: Reescritura das informações produzidas no encontro anterior, entretanto, como citado anteriormente, apesar da indicação, não identificamos, nos objetivos específicos o direcionamento a proposta de escrita e, nesse ponto, a ausência dos aspectos que deveriam ser retomados no momento da reescritura textual. O Plano de Aula 2, destinado às séries iniciais do fundamental (1º ao 5º ano), tem como objetivo geral Despertar o interesse pelo gênero conto infantil. O objetivo mencionado abrange ou compreende um todo, ou seja, somente nos objetivos específicos é que encontramos o direcionamento dado ao trabalho com o gênero, mas não vemos problemas, já que a proposta traz como objetivos específicos: a) apropriarse dos procedimentos de escrita, b) desenvolver atividades de interpretação, leitura e escrita, c) trabalhar a linguagem oral, d) produzir texto do gênero e representar a compreensão através de desenhos. Em relação aos objetivos acima mencionados, observamos pertinência ao que apregoam os PCN-LP, pois, segundo as prescrições oficiais, os conteúdos de língua portuguesa devem ser articulados em torno de dois eixos: o uso da língua oral e escrita (prática de escuta, de leitura e de produção de textos orais e escritos) e a reflexão sobre a língua e a linguagem (a prática de análise linguística). Todavia, é preciso reconsiderar a organização dos objetivos mencionados: os objetivos (a), (b), (c) e (d) poderiam estar reunidos da seguinte forma: a) desenvolver atividades de leitura, interpretação e escrita, b) produzir textos orais e escritos e c) representar a compreensão através de desenhos. Outro aspecto analisado diz respeito ao fato de que os objetivos apresentados não se referem ao segundo eixo – Reflexão –, pois não contemplam o trabalho com aspectos relativos à análise e à sistematização linguística, mencionados na listagem de conteúdos a serem estudados em sala (Identificação das falas dos personagens – modos de elaboração do discurso direto). Além disso, como o trabalho foi direcionado a todas as séries/anos iniciais do fundamental, o trabalho com a análise e a sistematização linguística traria inúmeras possibilidades, podendo abarcar outros aspectos, entre eles: exploração da função dos adjetivos; noções preliminares sobre o discurso indireto; identificação de diferentes conectivos (preposições, conjunções, advérbios e respectivas conjunções), elementos que promovem a articulação entre partes da narrativa; estudo de convenções ortográficas; emprego de travessão e, por último, exploração das opções de títulos para as histórias infantis. Dessa forma, “as regras gramaticais ganhariam seu caráter de funcionalidade, uma vez que seriam exploradas de acordo com as particularidades de cada gênero” (ANTUNES, 2009, p. 58). Ao relacionarmos os objetivos aos conteúdos e procedimentos de ensino, observamos que as ações pedagógicas também apresentam lacunas. Para o 1º encontro foram encaminhadas atividades de leitura, reconhecimento/indagações e listagem de características peculiares ao gênero (personagens, espaço, tempo, conflito, desfecho). Para a realização do 2º encontro foram destinadas: a divisão em grupos e a mudança na atuação da personagem principal do conto Chapeuzinho Amarelo. Nesse caso, teríamos a atividade denominada de reconto, entretanto, não há indícios de que a atividade seja P á g i n a | 155 oral ou escrita. Já no 3º, houve a indicação da leitura de um novo conto – Chapeuzinho Vermelho e, em seguida, a análise das semelhanças e diferenças dos textos lidos. É relevante destacar aqui a preocupação com o reconhecimento da estrutura do gênero, mas também, evidencia-se, a partir da comparação entre as versões, a relação desses contos com a vida, envolvendo o trabalho com a imaginação, a sensibilidade, a fantasia e, principalmente, o prazer presente no ato de ouvir e contar histórias, esse aspecto remete ao objetivo geral da proposta apresentada. Entretanto, reconhecemos, a partir dos estudos de Antunes (2009, p. 72), que não fica descartada “a ideia de que se pode analisar questões linguísticas, em um poema, ou em um outro gênero da escrita literária”, pois os textos literários também são feitos com léxico e gramática. Assim, o que não tem sentido é reduzir a leitura de um poema à tarefa de identificar categorias sintáticas ou morfológicas, simplesmente. Nos momentos supracitados, percebemos a adoção de uma concepção de leitura enquanto atividade interativa, já que as propostas demandam a participação da turma, a partir das respostas, possivelmente elaboradas, levando-se em conta os seguintes questionamentos: “Vocês gostaram da história?”, “Como vocês entenderam a história?”, “Alguém pode contar novamente?”. Nesse caso, a leitura é entendida como uma atividade que considera as experiências, os conhecimentos do leitor e exige do leitor não somente o conhecimento do código linguístico, conforme acentuam Koch e Elias, (2010). Quanto à concepção de escrita, os módulos apresentados não esclarecem como acontecerá o trabalho com a produção de textos verbais, predominando o desenvolvimento do trabalho com oralidade e com o texto não-verbal. A única indicação relacionada à escrita de textos está no item Construir uma síntese para enfatizar os aspectos encontrados, no 3º encontro. Causa-nos estranhamento, a ausência de um trabalho efetivo com a escrita, pois um dos objetivos propostos era justamente escrever um texto do gênero. Este aspecto, acreditamos, evidencia a simplificação da proposta apresentada, já que propõe o encaminhamento de atividades para todas as séries/anos iniciais do fundamental. Em relação ao 4º encontro, foram reservadas para o momento, a escolha de cenas que chamaram a atenção dos alunos e a representação das cenas selecionadas por meio de desenhos. Mais uma vez, a linguagem não verbal ocupa lugar significativo, pois, além das inúmeras possibilidades de expressão, os alunos poderão recontar para os colegas o modo como (re)criaram os contos lidos. No 5º e último momento é sugerida a realização de uma exposição em sala – Livro de Parede –, das cenas representadas pelos alunos. Nos planos aqui descritos, não foi indicada a bibliografia de apoio. A ausência desse elemento fundamental muito nos inquietou, porque era objeto de avaliação e no momento da orientação fora fornecida à turma a bibliografia específica. Antes de terem acesso aos aspectos que envolvem as novas metodologias, são ofertadas as teorias que dão sustentação a tais metodologias. 6. Considerações finais O objetivo maior foi olhar para os planos de trabalho na condição de pesquisadores. Essa função exigiu a reflexão sobre a relação teoria e prática em P á g i n a | 156 contexto específico de formação inicial. De acordo com os resultados obtidos não é suficiente categorizar as práticas dos estudantes ou as nossas como incoerentes, pois seria uma atitude esvaziada de significados. Arriscamo-nos, a propor um programa de estudo de língua portuguesa a partir dos gêneros, ou seja, construir um caminho em que se possa estruturar o ensino do texto. Sabemos que é algo ainda incompleto, suscetível de alterações. A grande aposta que se tem feito está ancorada na certeza de que é muito mais relevante aprender a usar a língua, a conhecer seus múltiplos recursos, a ampliar seu repertório linguístico e a sua competência comunicativa do que aprender a fazer classificações mecânicas, baseadas em procedimentos analíticos. Esse novo olhar exige que o professorando vivencie a perspectiva sociointeracionista durante o processo de formação inicial, porque dentro dessa proposta há espaços para as operações que um falante competente é capaz de fazer com sua língua materna. Também há espaços garantidos para o ensino dos procedimentos textuais, das técnicas discursivas, das estratégias interacionais que permitem que alguém se expresse de forma adequada em relação às múltiplas situações de interação verbal, conforme Bagno (2009). Referências ANTUNES, Irandé. Textualidade e gêneros textuais: referência para o ensino de línguas. In: ______. Língua, texto e ensino: outra escola possível. 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Para atingir esses objetivos, recorrendo às contribuições teórico-metodológicas da teoria dialógica da linguagem, buscaremos no conjunto do pensamento bakhtiniano (compreendido como os escritos de três intelectuais: M. Bakhtin, V. N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev), princípios e categorias que possam dar suporte à análise do corpus. Utilizaremos especificamente a produção de Bakhtin/Voloshinov ([1988]1929) e Bakhtin ([2000]1935), lançando mão das noções de dialogia, gênero discursivo e alteridade. Nessa mesma perspectiva, também utilizaremos os pressupostos teóricos desenvolvidos por Hall (2008) e Silva (2008) no que diz respeito ao conceito de identidade. O corpus é constituído, no total, por cento e seis relatórios de pesquisa, de alunos matriculados na disciplina “Pesquisa Aplicada ao Ensino de Língua (PAELP)”, do Curso de Licenciatura em Letras da modalidade de ensino a distância (EaD) da Universidade Federal da Paraíba. Entretanto, foram utilizados para a análise apenas uma amostragem de quatro relatórios de pesquisa, coletados do Ambiente do moodle da instituição. A partir das análises realizadas, observamos que a experiência da pesquisa em sala de aula permite aos alunos fazerem uma autorreflexão e autocrítica acerca de sua futura atuação enquanto docente, inclusive porque proporciona não somente registrar, analisar e discutir as suas ações, mas também a do professor que está sendo investigado pelo estudante pesquisador. Nesse (re)dizer acerca da prática docente, percebemos que o futuro profissional consegue desestabilizar as “verdades” e certezas sobre o ensino e a aprendizagem. Palavras-chave: Relatórios de Pesquisa. Discursos. Formação de professor. Identidade. Alteridade. 1. Iniciando o diálogo O avanço crescente, nestes últimos anos, dos cursos a distância oferecidos pelas universidades públicas se tornou discussão constante entre estudiosos e pesquisadores da área de Educação no Brasil. Para Campos (2007), esses cursos surgem como uma alternativa para democratizar o acesso ao ensino, com vistas à capacitação de um número maior de pessoas com formação superior, além de propiciar aos professores dos 32 Doutoranda em Linguística do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba. Tutora a distância do curso de Letras da UFPB VIRTUAL. Estudante pesquisadora do GPLEI/UFPB. 33 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba. P á g i n a | 159 municípios a oportunidade de adquirirem a tão exigida qualificação em sua área de atuação. Em vista disso, pesquisadores da área de Ensino a Distância (EaD) apontam a necessidade de mais pesquisas que norteiem a atuação de professores/tutores em cursos online, especialmente, em relação ao processo de formação inicial dos professores, sobre a aquisição de práticas de aprendizagens e sobre as atividades de língua(gem) que esse campo de investigação permite. É nessa pauta de discussão que lançamos o nosso olhar, pois acreditamos ser relevante investigarmos, a partir das análises dos relatórios de pesquisa, como o sujeito aluno do curso da EaD representa o outro (o professor da sala de aula em que a pesquisa foi realizada) ou, ainda, quais os discursos que perpassam e entrecruzam os dizeres desses alunos sobre o ser professor, incluindo o papel da pesquisa na formação inicial desse futuro docente de língua portuguesa, especificamente quando seu objeto de investigação diz respeito às práticas de leitura em sala de aula. Para atingir esses objetivos, recorreremos às contribuições teóricometodológicas da teoria dialógica da linguagem. Buscaremos, no conjunto do pensamento bakhtiniano (compreendido como os escritos de três intelectuais M. Bakhtin, V. N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev), princípios e categorias que possam dar suporte à análise do corpus. Utilizaremos especificamente a produção de Bakhtin/Voloshinov ([1988]1929) e Bakhtin ([2000]1935), lançando mão das noções de dialogia, gênero discursivo e alteridade. No que diz respeito ao conceito de alteridade e sua relação com a noção de identidade, também utilizaremos os pressupostos teóricos desenvolvidos por Hall (2008) e Silva (2008). Os dados de análise são relatórios de pesquisa escritos por graduandos, na condição social de pesquisadores, selecionados a partir de um corpus constituído, no total, por cento e seis relatórios de pesquisa, coletados na Plataforma Moodle (Ambiente Virtual de Aprendizagem da UFPB), no período de 2012.2, como atividade solicitada da disciplina “Pesquisa Aplicada ao Ensino de Língua (PAELP)”, do Curso de Licenciatura em Letras da EaD. Especificamente para a análise, selecionamos uma amostra de quatro relatórios de pesquisa que abordaram como tema da pesquisa a prática de leitura em sala de aula. Além dessa parte introdutória, a apresentação deste artigo será dividida em três partes: na primeira, discorremos sobre alguns conceitos basilares da teoria dialógica da linguagem, enfatizando especificamente o modo pelo qual é teorizada a questão do princípio dialógico, o conceito de gênero discursivo e a interface identidade e alteridade em Bakhtin. Na segunda, apresentaremos o contexto de produção, situaremos nosso objeto de estudo e, além disso, empreenderemos a análise do corpus, recortando alguns fragmentos dos relatórios de pesquisa, especificamente, os que têm como foco principal a leitura. Por último, apresentaremos algumas considerações finais com os resultados possíveis nesse estágio das análises. Observaremos, agora, em linhas gerais, algumas formulações da teoria dialógica da linguagem, especificamente aquelas que nortearão o nosso estudo. 2. Sobre o princípio do dialogismo: breves considerações Bakhtin e o Círculo alargaram a compreensão sobre o funcionamento da linguagem em situações reais de uso, no contexto das relações sociais. É praticamente unânime entre os estudiosos de Bakhtin e de seu Círculo que os princípios dialogismo e P á g i n a | 160 polifonia constituem aspectos centrais da sua teoria sobre a linguagem, isto é, representa o seu leitmotiv. São princípios que atravessam toda a produção teórica desse grupo e representa, a nosso ver, conceitos chave para compreensão dos fenômenos discursivos nas diferentes esferas sociais. Sobral (2009, p. 35-6), tratando do dialogismo, diz que não é apenas uma concepção que busca dar conta do elemento constitutivo dos discursos, mas da própria linguagem e do agir humano. Bakhtin (2000) explica que o fenômeno do dialogismo é realizado a partir de diferentes dimensões. Ou seja, as relações dialógicas ocorrem tanto entre interlocutores situados numa relação sócio-histórica como também se realizam no diálogo do sujeito consigo mesmo (discurso interior) e nos discursos que respondem uns aos outros, ora convergindo, ora divergindo. Para o autor [...] as relações dialógicas são possíveis não apenas entre enunciações integrais (relativamente), mas o enfoque dialógico é possível a qualquer parte significante do enunciado, inclusive a uma palavra isolada, caso esta não seja interpretada como palavra impessoal da língua, mas como signo da posição semântica de um outro, como representante do enunciado de um outro, ou seja, se ouvimos nela a voz do outro. (BAKHTIN, 2010, p. 210). (grifos nossos) Para Bakhtin (2000), o dialogismo ocorre também nas produções aparentemente monológicas; sempre encontramos a relação dialógica em todo gênero do discurso, desde os mais “corriqueiros” (gêneros primários) identificados pelo autor como sendo os constituídos em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea, como, por exemplo, um diálogo cotidiano, uma carta, até os mais complexos (gêneros secundários), os que surgem numa condição de convívio sociocultural mais estruturado, menos espontâneo, predominantemente os escritos artístico, científico, sociopolítico, entre outros. Segundo o autor, “[...] cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso”. (BAKHTIN, 2000, p. 279). Em vista disso, ancorados nessa perspectiva do gênero proposta por Bakhtin, concebemos o relatório de pesquisa como um gênero secundário, tendo em vista as suas condições de produção e a intenção sócio-comunicativa. Consideramos que a escrita desse gênero discursivo pode contribuir significativamente para a formação do sujeito aluno e pode ser uma das fontes de informações qualitativas das práticas discursivas que informam sobre o ser e o saber docente. 2.1 Alteridade e Identidade em perspectiva discursiva Bakhtin defende a ideia de que, através do outro34, nos constituímos e nos transformamos, ou seja, é pelo reconhecimento da alteridade (ou melhor, da outricidade) que o sujeito se constrói. Esse outro como condição sine qua non para a construção do eu, segundo Ponzio (2012), é a grande revolução bakhtiniana. 34 No sentido bakhtiniano, o termo “outro” refere-se não apenas ao outro presencial, mas também ao ‘virtual’, ou seja, é o outro dialógico que representa as “outras vozes” que podem estar presentes nos enunciados. P á g i n a | 161 Neste sentido, entendemos que é na/pela alteridade que aparece e se manifesta aquilo que somos; a imagem que os outros têm sobre nós, as avaliações que fazem a nosso respeito e vice-versa. Isto significa que somos “efeito” da alteridade e fruto das relações que mantemos uns com os outros num ininterrupto processo de (re)construção de nossa identidade. Dito de outra forma, nessa perspectiva, podemos dizer que a identidade é ao mesmo tempo construída e (trans)formada através das interações sociais, das palavras alheias, das representações simbólicas, no permanente diálogo entre o “Eu e Tu” ou entre o eu e o(s) outro(s)” sujeito(s). Em Estética da Criação Verbal, a esse respeito, diz o autor: Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim mesmo. [...] Assim como o corpo que se forma originalmente dentro do seio (do corpo) materno, a consciência do homem desperta envolta na consciência do outro. (BAKHTIN, 2000, p. 378) (grifos nossos) Considerando as formulações de Bakhtin acerca da relação constitutiva entre o eu e o outro, inferimos que o princípio da alteridade é imprescindível para a constituição da identidade. Sendo assim, poderíamos dizer que o autor inverte o polo da identidade para o polo da alteridade, para a relação eu-outro, como condição inerente à construção do sujeito. Compreensão aproximada pode ser encontrada em Hall (2008, p.110) quando se refere à identidade como processo sociocultural produzido nos diferentes gêneros e discursos sociais em uma dada sociedade. O autor defende que a identidade também é construída no discurso através da diferença, por isso, [...] implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio da relação com o Outro, relação com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta com aquilo que tem sido chamado exterior constitutivo, que o significado “positivo” de qualquer termo e, assim, sua “identidade” poder ser construída. (grifos do autor) Essa concepção ratifica o modo como Silva (2000) concebe o significado de identidade: atos de criação linguística. Ou seja, na e pela linguagem, as identidades adquirem significação e sentido. Conforme o referido autor, as práticas discursivas desempenham papel fundamental na construção dos sujeitos, de sua marca identitária e dos lugares que ocupam. Considerando esse panorama teórico, passemos, então, na seção seguinte, a análise dos dados. 3. Discursos de alunos de letras da EaD: (des)velando práticas de leitura em sala de aula A disciplina Pesquisa Aplicada ao Ensino de Língua portuguesa (PAELP), do Curso de Letras/Virtual da UFPB, propõe aos professores em formação inicial um P á g i n a | 162 contato com a realidade da pesquisa em sala de aula. No entanto, nesse período, a atividade de campo não comporta qualquer atividade de intervenção, restringindo-se à observação de aula de língua portuguesa no âmbito do ensino fundamental ou do ensino médio. A disciplina foi pensada como uma alternativa para inserir o licenciando em Letras em um ambiente de pesquisa que o fizesse refletir sobre a sua futura prática profissional. Vale ressaltar que muitos dos nossos alunos já atuam como professores há algum tempo (tanto em escola da rede pública como na escola da rede privada). Desse modo, muitos desses discentes já têm uma relação com a prática e com toda a complexidade que envolve o trabalho docente. A atividade que resultou na produção desses relatórios foi pensada no conjunto desse componente curricular como uma forma de o aluno produzir um texto descritivo, reflexivo e analítico, após a pesquisa em sala de aula, e como ferramenta de avaliação final dos graduandos. Para tanto, a elaboração do relatório segue um modelo previamente estruturado e criteriosamente orientado pelo professor formador. Convém citar que, antes da execução dessa atividade, os alunos passam por um período de elaboração e execução do projeto de pesquisa, além de leituras dirigidas, diários reflexivos e participações nos fóruns de discussão no Ambiente de Aprendizagem Virtual (AVA). Salomom (2004, p. 227) considera a escrita do relatório de pesquisa parte importante do trabalho do pesquisador e parte essencial da construção do conhecimento. Para o autor [...] o pesquisador que preze o trabalho que realiza e a si mesmo sabe quão importante é transmitir de modo adequado a investigação cientifica realizada. O relatório é parte essencial da própria pesquisa; além disso, proporciona o momento de revisão, através de reexame do problema, dos dados, dos processos, das técnicas e das conclusões tiradas. Para esse trabalho, foram adotados dois tipos de investigação: 1) a pesquisa bibliográfica a partir da seleção de textos acerca dos conceitos basilares da teoria dialógica da linguagem e de outros pesquisadores que se alinham à teoria enunciativa; 2) e a pesquisa documental para o levantamento de relatórios de pesquisa que constituirão o corpus. Esse corpus é composto, no total, por 106 (vinte e seis) relatórios de graduandos da disciplina PAELP, período letivo 2012.2. Entretanto, utilizamos para a análise uma amostragem com 04 (quatro) relatórios finais produzidos pelos alunos após a pesquisa em sala de aula. Desse gênero acadêmico, foram recortados os dados das seções: Justificativa, Resultados e discussões e as Considerações finais. Além disso, para melhor delimitarmos o nosso objeto de estudo, selecionamos os relatórios que abordaram especificamente a prática de leitura em sala de aula. Defendemos a tese, portanto, de que a escrita desse gênero discursivo pode contribuir significativamente para formação do sujeito aluno, além disso, pode ser um instrumento de reflexão da prática docente e de análise da identidade do professor em formação inicial. Acreditamos que é preciso pensar a formação inicial do professor de Língua Portuguesa como um profissional capaz de articular teoria e prática. Nas subseções seguintes, portanto, desenvolveremos a análise dos dados coletados. P á g i n a | 163 3.1. A aula de leitura sob o olhar do professor/pesquisador de Língua Portuguesa Nesta seção, analisaremos o que o aluno de Letras diz sobre as práticas leitoras em sala de aula de Língua Portuguesa e como o outro – o professor de sala de aula – é representado nos textos desses futuros docentes. Assim, passemos à análise de alguns trechos de relatórios de pesquisa 35 selecionados para esse trabalho: (1) Observei que a professora prioriza o trabalho com a análise linguística, levando em consideração que precisa cumprir o plano estabelecido, deixando às práticas de leitura curto espaço de tempo que não favorece o despertar pela leitura estética, ou seja, aquela que “ele focaliza sua atenção naquilo que se experimenta durante o ato de ler” (GEBARA, 2010, p. 24) 36, e sim leva o aluno a realizar a leitura eferente, “o leitor está interessado no que resta da leitura”. (idem). Tal prática encapsula a atividade de ler entre as paredes da sala de aula. Os alunos, em sua maioria, já não estão inseridos em um ambiente propício à leitura, pois moram na zona rural e suas famílias são de baixa renda, então só resta à escola contribuir para que eles não interrompam seus estudos ou fiquem excluídos das atividades sociais. (Alunas L e M – Trecho retirado da conclusão) (grifos nossos) No primeiro trecho destacado, observamos que o aluno-pesquisador avalia de forma negativa a prática do outro – o professor da sala de aula –, tendo em vista o fato de esse professor “priorizar a análise linguística”. Nesse caso específico, embora usando o termo análise linguística, que remete para uma perspectiva diferente de ensino de língua, na verdade a aluna critica a prática do professor devido ao fato de ele privilegiar o ensino da gramática em detrimento do ensino da leitura, em especial, a literária. No segundo trecho destacado, a aluna demonstra a compreensão de que a escola tem um compromisso essencial na formação do leitor, principalmente, daquele cuja realidade o exclui da cultura letrada. Nesse sentido, a constituição desse sujeito estabelece-se em duas dimensões: primeiro, pela negação da prática docente do outro, e segundo, pela possibilidade, implicitamente sugerida, de uma prática docente futura diferenciada. Compreensão semelhante pode ser observada em outros relatórios, a exemplo dos recortes 2 e 3 a seguir: (2) 35 Os diferentes depoimentos serão identificados pelas iniciais dos nomes dos alunos para preservar o anonimato. É preciso acrescentar que todos os trechos recortados para análise foram reproduzidos de forma idêntica ao texto original, sem quaisquer alterações ou revisões linguísticas, a fim de manter fidedignamente os documentos coletados. 36 O informante não apresenta, na seção das referências, o texto citado. P á g i n a | 164 Dos 10 alunos que responderam o questionário, 7 deles declararam não gostar de ler, a maioria disse ser chato. Uma das maiores dificuldades enfrentadas pela professora é a falta de tempo disponível para a leitura, pois o ensino da gramática sempre sobressai. Segundo ela, se no currículo escolar fosse incluído um espaço reservado para a leitura, haveria oportunidade de trabalhar a leitura de forma dinâmica, lúdica, despertando assim o desejo e o prazer de ler. (Aluna V – Trecho da análise dos resultados) (grifos nossos) (3) Mediante esta visita, percebi que [...] sobre a prática de leitura nas salas de aula, é realizada no mínimo uma leitura por semana [...] ao abordar a professora de Língua Portuguesa, em relação o tempo que reserva para a leitura e como a desenvolvem em sala de aula, relata: “Sempre que posso deixo um tempo para a leitura em sala de aula, mas as turmas são numerosas, e não dá tempo de dar atenção individual. A leitura é trabalhada de maneira coletiva e em seguida individual, só depois é que desenvolvem a interpretação do texto lido” (M.F.O)37. (Aluno N - Trecho da análise dos resultados) (grifos nossos) Além de apontar o ensino da gramática como preponderante ainda hoje nas aulas de língua portuguesa – o que parece apontar para um ensino tradicional em que se sobressai o ensino da nomenclatura da gramática em detrimento do uso da língua –, um aspecto importante nesses dois últimos relatos é que o fator “falta de tempo” parece reforçar – dentre outros fatores – a “ausência” da prática de leitura nessas aulas. De modo geral, os três recortes citados demonstram que a leitura não se consubstancia enquanto conteúdo de ensino, mas como um componente que ocupa o espaço da sala de aula quando e se houver tempo. É exatamente isso o que afirma a aluna V: “Segundo ela, se no currículo escolar fosse incluído um espaço reservado para a leitura, haveria oportunidade de trabalhar a leitura de forma dinâmica, lúdica, despertando assim o desejo e o prazer de ler”. Se, por um lado, a falta de tempo (e de espaço) é uma dificuldade recorrente quando se fala em leitura na escola, por outro lado, é preciso questionar a concepção de leitura, subjacente a esse discurso, tanto do professor, cuja aula foi observada, quando do professor em formação, o aluno-pesquisador. Em vista disso, levantamos as seguintes questões: Não contam as outras leituras realizadas em sala de aula? De que objeto da leitura falam esses sujeitos? Nesse caso específico, conforme observa Sousa (2009, p. 2269), parece que [...] esses sujeitos referem-se ao tempo para a leitura do texto literário ou de textos relacionados às livres escolhas, ou seja, trata-se da leitura por puro deleite e prazer. Nesse contexto, as atividades escolares não se caracterizam como práticas de leitura porque passam a ser determinadas pela obrigação, pelo trabalho. Ou seja, é preciso ler, mas 37 A forma como a professora foi identificada no relatório do aluno. P á g i n a | 165 não é qualquer coisa que se lê, nem é sempre que se pode ler o que se deve e o que se deseja ler. (Grifo da autora) Os trechos citados ao longo desse trabalho apontam para essa relação dialética e conflituosa (leitura por prazer x leitura por obrigação), que ainda vem se repetindo em sala de aula. Essa é uma questão que merece reflexão, à medida que demonstra claramente que a maneira como o docente concebe o ensino de leitura, consciente ou inconscientemente, determina a sua prática, consequentemente, o processo de formação leitora de seus alunos. Além disso, e o que é mais preocupante, põe em cheque o lugar da leitura enquanto conteúdo de ensino de língua. Um outro aspecto que se destaca na maior parte dos relatórios desses acadêmicos é o papel de redentor atribuído ao profissional do magistério, fruto, talvez, do discurso cristalizado e sócio-ideologicamente constituído de que o docente é (ou deveria ser) o único responsável pelo sucesso ou pelo fracasso do ensino e da aprendizagem. Esse discurso mantém relação interdiscursiva com outros dizeres que circulam socialmente sobre o modo de ser professor, os quais colocam essa figura mais próxima da condição de missionário, atrelado ao discurso da profissão como dom e não propriamente um trabalho. Tal concepção transparece no seguinte enunciado: “[...] uma vez que o sucesso ou o fracasso de muitos indivíduos dependem também da interferência do professor-educador. Gratificação maior não há em ver um profissional bem sucedido e saber que contribuiu para sua formação [...]”. (Alunas L e M) (Grifos nossos) De forma geral, na tessitura discursiva, vários sujeitos vão se construindo e, muitas vezes, se confrontando, no discurso do aluno/pesquisador. Nesse sentido, são (re)construídas várias identidades de professor, por exemplo: o professor-educador, o professor tradicional, o bom professor, o professor idealizado dos documentos oficiais, o professor sociointeracionista, entre outros. O aluno N reforça essa noção quando afirma: (4) O bom professor deve cobrar do aluno a leitura diária em casa, idas à biblioteca, jornais, revistas, livros, diversos, etc. Pois é de se saber que a leitura ocupa lugar de destaque no processo de ensino-aprendizagem e sua prática, após o processo de alfabetização, vai se fazer presente não apenas na disciplina Língua Portuguesa, mas acompanhar o sujeito leitor nas demais disciplinas e por toda uma vida. Então, neste âmbito, pensar a leitura como um processo de formação do sujeitoleitor implicará relaciona-lo à subjetividade desse leitor (Aluno N - Trecho da análise dos resultados) (grifos nossos) No discurso desse aluno, ecoa implicitamente a voz social do professor idealizado (o mito do bom professor) presente nos documentos oficiais. Como podemos observar, ele recupera a compreensão, consensualmente aceita, do professor como mediador entre o aluno e o objeto de ensino e, principalmente, aponta como inerente ao professor de português a inteira e única responsabilidade pelo ensino da leitura. Além P á g i n a | 166 disso, há uma exigência máxima do papel do professor como aquele que “[...] deve cobrar do aluno a leitura diária em casa, idas à biblioteca, jornais, revistas, livros, diversos, etc”. Cobrar a leitura em casa, cobrar a ida a bibliotecas, cobrar a leitura em diferentes suportes (jornais, revistas, livros), são várias as atribuições desse professor onipresente (o ideal). Em vista disso, pressupomos que há a necessidade de uma articulação mais consistente entre o conhecimento teórico adquirido na graduação e uma visão crítico-reflexiva e diferenciada acerca das práticas leitoras desenvolvidas em sala de aula e fora dela. Acreditamos ser necessário refletir acerca das possibilidades da educação formal e, especificamente, do papel do professor como formador de leitor. Nesse sentido, é preciso perceber que o professor não é o único responsável pela formação do aluno leitor. Além de o próprio aluno também precisar ser considerado nessa dinâmica da leitura em sala de aula, são vários os fatores (não só escolares) que determinam a formação do leitor. De modo geral, vemos que os saberes adquiridos no curso estabelecem embates e conflitos com outros advindos de concepções e crenças antigas supostamente defendidas pelo aluno pesquisador que emergem no momento de analisar as situações vivenciadas em sala de aula. É isso o que se encontra representado no discurso da aluna V quando afirma: (5) Após a observação e a coleta de dados, o resultado não foi uma surpresa. A professora dispõe apenas do livro didático para trabalhar a leitura, que não vai de encontro com a realidade dos alunos. Segundo ela, o livro traz uma linguagem que os alunos não conseguem acompanhar. Para facilitar ela busca material em outros suportes, como a internet. Os alunos apresentam dificuldades de decodificação, interpretação e análise linguística. Ainda segundo a professora o livro didático foi deixado de lado por ela. Para a maioria dos alunos, o único contato com a leitura é na escola. Não há este contato em casa. (Aluna V – Trecho da análise dos resultados ) (grifos nossos) Observamos, no fragmento acima, que a ideia que o sujeito aluno tem da prática do professor se concretiza no conhecimento do senso comum acerca da situação de sala de aula: “[...] o resultado não foi uma surpresa. A professora dispõe apenas do livro didático para trabalhar a leitura, que não vai de encontro com a realidade dos alunos”. Em princípio, o fato de dispor apenas do LD não significa necessariamente que o professor desenvolverá um trabalho menor ou inferior. Por um lado, o aluno em formação demonstra conhecer a realidade da escola pública em que o aluno em geral só tem acesso ao LD distribuído pelo governo: “Para a maioria dos alunos, o único contato com a leitura é na escola”. Por outro lado, demonstra que precisa aprender a analisar o LD enquanto um dos instrumentos de ensino, considerando a própria mudança por que esses suportes passaram ao longo das últimas décadas. De qualquer modo, há um dado preocupante nesse relato: Se os alunos têm contato com a leitura apenas na escola, por que abandonar o LD? Defendemos que caberia ao professor de língua portuguesa trabalhar “essa linguagem que os alunos não conseguem acompanhar”, ao invés de retirar (subtrair) o livro da sala de aula. P á g i n a | 167 Ao lado do lamento acerca da ausência de leitura na escola, um outro discurso recorrente diz respeito à função da leitura na atualidade, conforme demonstram os dois recortes a seguir: (6) É válido salientar que o tema escolhido por nós nos fomentou porque vemos a leitura como uma habilidade que é exigida atualmente na sociedade, uma vez que a humanidade evolui, e os desafios se tornam mais difíceis, sendo assim, é essencial que o aluno adquira hábitos de leitura para sobressair positivamente tanto em atividades no âmbito escolar, quanto no meio social. Sabendo que a escola é só um dos espaços no qual ocorre o encontro com os livros, por isso é de fundamental importância disseminar a leitura de forma a sensibilizar e despertar no educando o gosto e prazer pelo ato de ler. Uma vez que cada indivíduo já traz consigo a sua leitura de mundo. “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posteriori leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”. (FREIRE, 1997). (Alunas MA e I - Trecho dos resultados) (grifos nossos) (7) A leitura tem uma grande importância na vida de cada pessoa, e precisamos dela para compreender o mundo a nossa volta. Será que os professores não estão se fundamentando nas reais necessidades dos alunos? Será que os alunos são desinteressados e não prestam atenção nas aulas? Ou será que ambos são culpados? Com essas interrogações vimos à necessidade de se trabalhar esse assunto que envolve a aprendizagem da leitura, pois a mesma é essencial para a formação de cidadãos críticos. (Aluna L e M - Trecho da introdução) - (grifos nossos) No geral, todos os relatórios recuperam esse discurso – presente nos documentos oficiais, a exemplo dos PCN do Ensino Fundamental e das orientações curriculares para o Ensino Médio (OCEM), e em pesquisas sobre o tema – que remete para uma positividade absoluta da leitura. A terceira edição da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, realizada em 2011 e divulgada em 2012, apresenta dados que confirmam como esse discurso já faz parte do imaginário do brasileiro. Uma das perguntas feitas em um universo de “5.012 entrevistas domiciliares, em 315 municípios de todos os Estados brasileiros” (p.27), foi “Qual destas frases melhor explica o que é leitura?”. 64% assinalaram “Fonte de conhecimento para a vida”; 41%, “Fonte de conhecimento e atualização profissional”; 35%, “Fonte de conhecimento para a escola/ faculdade”; 21%, “Uma atividade interessante”; 18%, “Uma atividade prazerosa”; 12%, “Ocupa muito tempo”; 8%, “Prática obrigatória”; 6% “Produz cansaço/ Exige muito esforço”; 5% “Uma atividade P á g i n a | 168 entediante”; e 5% “Não sabe”. Como se trata de uma pesquisa quantitativa que trabalha com varáveis como sexo, idade, escolaridade, renda familiar e classe social, e considerando o conjunto das respostas escolhidas, podemos afirmar que existe um consenso acerca da importância da leitura. Nesse sentido, não precisa mais convencer o brasileiro disso. O problema é, então, o que se faz com esse discurso, como ele pode vir a ser uma prática de (trans)forma. Para tanto, parece-nos que os cursos de formação de professor precisam avançar com discursos que problematizem esse consenso, a partir das contradições que espelham, e com propostas que de fato interfiram nas práticas de leitura em sala de aula. 4. Para terminar o nosso diálogo, por enquanto ... Quanto aos resultados, observamos que a experiência da pesquisa em sala de aula permite aos alunos fazerem uma autorreflexão e autocrítica acerca de sua futura atuação enquanto docente, inclusive porque proporciona não somente documentar e analisar as suas ações, mas também a do professor que está sendo investigado pelo estudante pesquisador. Nesse (re)dizer acerca da prática docente, percebemos que o futuro profissional consegue desestabilizar as “verdades” e certezas sobre o ensino e a aprendizagem. Por isso, acreditamos que a produção do gênero discursivo relatório de pesquisa, quando bem aproveitado pelo professor orientador da disciplina, configura um excelente instrumento linguístico-discursivo de reflexão crítica. Além de contribuir para a (co)(re)construção da identidade do futuro professor, esse gênero discursivo permite a análise das atuais práticas de ensino e a reflexão sobre o papel da pesquisa na formação docente. Esperamos, portanto, que este trabalho contribua para a ampliação das discussões no contexto das questões que envolvam a formação inicial do professor de Língua Portuguesa do curso da EaD, como também, possa preencher uma lacuna existente nos estudos sobre o gênero discursivo relatório de pesquisa. Verificamos que, embora haja atualmente um bom número de pesquisas sobre a Educação a Distância, ainda assim, são necessárias pesquisas voltadas ao ensino e às práticas de linguagem na EaD sob a perspectiva enunciativo-discursiva. Para finalizar, resta-nos registrar que ainda há muito trabalho a ser feito, visto que em um artigo dessa natureza não é possível abarcar toda a gama de possibilidades que a pesquisa permite. Esse aspecto aponta, portanto, para futuros estudos que tenham como foco a pesquisa na formação docente, a partir da visão dos próprios alunos de licenciatura. Referências BAKHTIN, Mikhail [Volochinov]. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira; com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1988. ________. Estética da criação verbal. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. P á g i n a | 169 ________. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra. 2.ed. Rio de Janeiro, 2010 CAMPOS, F C. A; SANTORO, F; BORGES, M. (Org). Cooperação e aprendizagem on-line. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. HALL, S. Quem Precisa da Identidade? In: SILVA, T. T. (Org.) Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis - RJ: Vozes, 2008. SALOMOM, D.V. Como fazer monografia. 11 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. PONZIO, Augusto. A revolução bakhtiniana e a ideologia contemporânea. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. SILVA, T. T. da. A Produção Social da Identidade e da Diferença. In: SILVA, T. T. da (Org.) Identidade e Diferença: as perspectivas dos Estudos Culturais. Petrópolis- RJ: Vozes, 2008. SOBRAL, Adail. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo de Bakhtin/Adail Sobral. – Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. Série Ideias sobre a Linguagem. SOUSA, Maria Ester Vieira. Desnaturalizando os discursos sobre a leitura. In: Anais do IV Congresso Internacional da ABRALIN. João Pessoa: Idéia, 2009. Disponível em: <http://abralin.org/site/publicacao-em-anais/abralin-joao-pessoa-2009/>, acesso em: 10 Out 2013. P á g i n a | 170 PROGRAMA ENSINO MÉDIO INOVADOR: UM EXAME ACERCA DA CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO DOCENTE SUBJACENTE AO DOCUMENTO ORIENTADOR E AO DISCURSO DOS PROFESSORES Claudia Janaina Galdino FARIAS (UFCG) Resumo: O presente trabalho tem por principal objetivo verificar qual a concepção de formação docente subjacente no documento orientador do Programa Ensino Médio Inovador, doravante ProEMI e de professores envolvidos em tal Programa. Para tanto, realizamos uma breve descrição do documento orientador, objetivando apresentarmos seus principais aspectos estruturais. Tecemos uma discussão acerca da formação docente, destacando a importância da formação continuada para o trabalho do professor e por último, apresentamos a concepção de formação docente verificada no documento e no discurso de três professoras de Língua Portuguesa. Para a coleta e análise de dados, selecionamos o documento orientador do ano de 2013, o mais atual disponível no site do MEC, bem como realizamos entrevistas audiogravadas com as professoras, todas atuantes em uma mesma escola pública estadual do município de Campina Grande - PB. Como aporte teórico para a concretização deste trabalho, utilizamos principalmente os estudos desenvolvidos por Alves (1998), Frade e Silva (1998), Kleiman (2001), Kullok (2000), Nóvoa (1991), Perrenoud (2002) e Tardif (2002). É importante destacar a relevância dos estudos da Linguística Aplicada para a realização de nosso trabalho, uma vez que esse campo tem contribuído significativamente para o desenvolvimento de pesquisas dessa grande área que se consolidou como Formação de Professores. Palavras-chave: Programa Ensino Médio Inovador; Concepções de Formação Docente; Formação Continuada. 1. Introdução [...] É complicada essa parte aí da formação de Porque sinceramente quando terminei meu curso saí pensando que eu era professor, mas a gente professor... Depoimento de um dos professores envolvidos Ensino Médio Inovador (ProEMI). professor né? de graduação não saí de lá no Programa A formação de professores destaca-se como foco de nosso interesse a partir do ano de 2011, quando na condição de aluna do Curso de Especialização em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna da Universidade Federal de Campina Grande, doravante UFCG, pesquisamos, a partir de um estudo de caso, as causas da desmotivação de um conjunto de professoras em formar-se continuamente. Temos dado continuidade às pesquisas voltadas para essa área, agora na condição de aluna do Curso de Mestrado do Programa de Pós – Graduação em Linguagem e Ensino, realizado na mesma instituição. Neste trabalho, procuramos descrever e analisar o documento orientador do Programa Ensino Médio Inovador, doravante ProEMI, a fim de verificarmos a concepção de formação docente subjacente no referido documento. Além disso, essa P á g i n a | 171 pesquisa também procurou verificar qual a concepção de formação docente de professores envolvidos em tal Programa, o que exigiu a contribuição de três professoras de uma escola pública estadual do município de Campina Grande – PB. Desse modo, ora discutindo a concepção de formação docente subjacente no documento orientador, ora discutindo as concepções das professoras, além da discussão teórica acerca do tema, realizamos o presente trabalho, organizado da seguinte forma: O tópico 2, subsequente a esta introdução, é destinado à descrição do documento orientador do Ensino Médio Inovador (ProEMI), apresentando de modo breve a estrutura do documento. Ainda nesse tópico esboçamos algumas considerações acerca do texto de natureza oficial, objetivando tecermos maiores esclarecimentos em relação às características desse tipo de texto, como é o caso do documento orientador. Os tópicos 3 e 4 referem-se aos referenciais teóricos a respeito do tema, tendo como suporte as ideias de autores como: Alves (1998), Frade e Silva (1998), Kleiman (2001), Kullok (2000), Nóvoa (1991), Perrenoud (2002) e Tardif (2002). Tais tópicos apresentam discussões acerca dos atuais estudos sobre formação docente, discutindo inclusive a importância da formação continuada para o trabalho do professor. O tópico 5 apresenta a análise dos dados, trazendo a concepção de formação docente do documento orientador e de professores envolvidos no Programa, buscando relacionar tais concepções com as leituras teóricas realizadas. E finalmente, apresentamos as considerações finais, contendo as inferências que fizemos a partir da análise dos dados. 2. Breve descrição do documento orientador do Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI) “... é de cima para baixo que, na maioria das vezes, surge a demanda de inovação.” (Edilaine Buin) O Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), instituído pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009, constitui uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, objetivando a reestruturação dos currículos do Ensino Médio. Para tanto, foram elaborados até agora um total de 3 (três) documentos orientadores, elaborados com o intuito de apresentar e orientar acerca das diretrizes que fundamentam o Programa Ensino Médio Inovador. No entanto, para este trabalho, teceremos uma breve descrição do documento referente ao ano de 2013, uma vez que este é o documento mais recente disponível na página do Ministério da Educação e Cultura (MEC). No Portal do Ministério da Educação e Cultura ( http: //portal.mec.gov.br) também estão disponíveis os documentos orientadores referentes aos anos de 2011 e 2009, este último sendo o período de implantação de tal Programa. Vale salientar que, além desses três documentos orientadores, ainda há outros documentos, como Resoluções, Portaria, Manual de Orientação, entre outros, mas que não serão contemplados neste trabalho. O documento orientador do Programa Ensino Médio (ProEMI) referente ao ano de 2013, o qual nos debruçaremos mais especificamente a partir de agora, possui um P á g i n a | 172 total de 33 (trinta e três) páginas, em que são apresentados e discutidos 9 (nove) itens: 1) Introdução, 2) Orientações para o redesenho curricular, 3) Macrocampos e áreas do conhecimento, 4) Orientações para o redesenho curricular, 5) Adesão, 6) Órgão financiador/concedente, 7) Atribuições, 8) Etapas operacionais, 9) As bases legais e links para acesso à legislação. Na INTRODUÇÃO, são apresentadas várias estatísticas a partir de quadros e gráficos os mais diversos, das mais variadas fontes, sendo o Censo 2011 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a principal delas, todos com o intuito de convencer o leitor de que a educação brasileira, apesar de ter avançado em muitos aspectos, ainda é alvo de muitos déficits, sobretudo nos quesitos adequação idade/série, aprovação, reprovação e abandono escolar. Nesse sentido, a INTRODUÇÃO apresenta o Programa Ensino Médio Inovador como uma significativa ação do Governo Federal para mudar tal realidade, ampliando o tempo na escola e diversificando as práticas pedagógicas, objetivando principalmente a promoção de Ensino Médio de qualidade. No item REDESENHO CURRICULAR são apontados os critérios para a implantação do Projeto de Redesenho Curricular (PRC), pois o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), estabelece referencial diferenciado de tratamento do currículo escolar. Tal Projeto de Redesenho Curricular (PRC) pretendido pelo ProEMI deve apresentar ações as mais variadas, nos mais diferentes formatos, tais como: disciplinas optativas, oficinas, clubes de interesse, seminários integrados, grupos de pesquisas, trabalhos de campo e demais ações interdisciplinares. Tal item ainda informa acerca dos macrocampos a serem contemplados em tal Projeto, visto que cada escola participante do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) deverá contemplar o macrocampo obrigatório, ou seja, Integração Curricular e pelo menos três outros macrocampos de sua escolha. O item 3(três) é destinado aos MACROCAMPOS E ÁREAS DO CONHECIMENTO, que por sua vez, devem englobar ações que estejam respaldadas nos princípios estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, quais sejam: trabalho, ciência, cultura e tecnologia. Nesta seção também é apresentada uma definição para macrocampo, bem como são apresentados cada um dos 8 (oito) macrocampos pertencentes ao ProEMI, esboçando também cada um de seus respectivos objetivos. Tais macrocampos são denominados da seguinte forma: *Integração Curricular; *Leitura e Letramento; *Iniciação Científica e pesquisa; *Línguas Estrangeiras; *Cultura Corporal; *Produção e Fruição das Artes; *Comunicação, Cultura Digital e uso de Mídias; *Participação Estudantil. O item 4 (quatro) do documento, intitulado ORIENTAÇÕES PARA O REDESENHO CURRICULAR, orienta acerca da construção do Projeto de Redesenho Curricular (PRC). Esta seção destaca que a construção de tal Projeto deverá P á g i n a | 173 ser realizada coletivamente, contemplando a realidade da escola e de seus discentes. Nesse sentido, são destacadas neste item as seguintes etapas e orientações: a) Análise do contexto da Unidade Escolar, b) Avaliação Estratégica, com análise do contexto sociopolítico, c) Articulação com o Projeto político – Pedagógico da Escola, d) Articulação com outras instituições, e) Definição de estratégias para acompanhamento e avaliação das ações. O 5º (quinto) item do DO, denominado ADESÃO, informa sobre os critérios necessários para que uma escola possa aderir ao Programa Ensino Médio Inovador, doravante ProEMI. O 6º (sexto) item, por sua vez, diz respeito ao ÓRGÃO FINANCIADOR/CONCEDENTE, apresentando o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação /FNDE como o órgão financiador do Programa. Este órgão é responsável por ações as mais diversas, como o cadastro e análise da documentação relativa à habilitação da instituição proponente, indicação orçamentária, trâmites processuais relativos à formalização, repasses dos recursos, entre outras ações. O item 7 (sete) do DO é destinado às ATRIBUIÇÕES, o que justifica a série de ações e responsabilidades que são apresentadas neste item, bem como os principais responsáveis pela execução de tais tarefas. O ponto 8 (oito) do DO apresenta as ETAPAS OPERACIONAIS, 9 (nove) fases relativas ao processo de adesão ao Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI). O ponto 9 (nove), último item do documento orientador, apresenta AS BASES LEGAIS E LINKS PARA ACESSO À LEGISLAÇÃO. A maioria dos documentos apresentados nesta seção estão disponíveis no portal do Ministério da Educação e Cultura (MEC) (http://portal.mec.gov.br) para livre acesso. 3. A questão da formação de professores: breves considerações “Ninguém começa a ser professor numa certa terça-feira às 4 horas da tarde... Ninguém nasce professor ou marcado para ser professor. A gente se forma como educador permanentemente na prática e na reflexão sobre a prática.” (Paulo Freire) Apesar da temática Formação de Professores sempre ter sido alvo de discussões e debates, é sobretudo a partir da década de 1990 do século XX que a Formação Docente passa a ganhar ainda mais ênfase. É principalmente a partir daí que o professor passa a ser visto não mais apenas como um técnico, mero executor de conhecimentos produzidos pelos “iluminados intelectuais da universidade”, mas como profissionais “reflexivos”, expressão inaugurada por Donald Shön. É a partir de tal década que se verifica uma maior preocupação com aqueles que exercem a docência, sendo exigidos desses profissionais, muitos deles na condição de leigos, formação específica para tal. A necessidade e importância da Formação Continuada para o trabalho do professor também é destacada neste período, bem como inúmeras outras questões acerca da formação docente. Todos esses aspectos são problematizados e questionados visando principalmente a melhoria do ensino, o que nos faz lembrar Nóvoa (1991), quando afirma que não há ensino de qualidade sem uma adequação da formação docente. P á g i n a | 174 Nos dias atuais, a Formação de Professores é ainda mais enfatizada, ocupando significativos espaços nas instâncias públicas e privadas, em Associações Profissionais, em Congressos, Fóruns, Seminários, Simpósios, na constante produção de livros e artigos, na mídia, que frequentemente coloca a Formação Docente em discussão, em documentos oficiais, para citar apenas alguns exemplos. Não podemos deixar de citar neste trabalho as contribuições do campo de estudos da Linguística Aplicada, área que muito tem se interessado pela temática da Formação Docente, desenvolvendo pesquisas as mais variadas, investigando diversos contextos, o que pode ser comprovado com as palavras de Kleiman (2001, p. 17): A pesquisa sobre a formação do professor em desenvolvimento na Linguística Aplicada examina: (a) contextos naturais em que essa formação é realizada (tais como os diversos cursos de formação “pré” e “em” serviço, na terminologia às vezes utilizada na área); (b) contextos onde essa formação é evidenciada (as aulas de leitura, redação, gramática em diversos níveis e cursos); (c) as diversas modalidades de construção de conhecimentos (aulas no curso de licenciatura, diários introspectivos, pesquisas colaborativas etc.) É nesse sentido que, a Linguística Aplicada é hoje um campo bastante fértil, inclusive no desenvolvimento da pesquisa acerca da Formação Docente, contribuindo ainda com um acervo extremamente valioso de livros, artigos, monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado como fontes de pesquisa para aqueles que se interessam por essa área cada vez mais promissora que é a Formação de Professores. A citação de Kleiman (2001) logo acima nos remete a uma questão bastante relevante quando se trata de Formação Docente: os DIVERSOS espaços de sua realização. Estamos apresentando tal questão como tópico de discussão pelo fato de que muitos acreditam que a formação do profissional professor acontece “apenas” na universidade, em um instituto superior ou em Escola Normal, apenas alguns dos muitos espaços que contribuem para o PROCESSO de formação docente. Muitos estudiosos afirmam que a formação de um professor tem início muito antes de seu ingresso na universidade, acontecendo na escola, espaço onde esse profissional vivencia inúmeras experiências que contribuem significativamente em sua formação, como afirma Tardif (2002, p.20): Antes mesmo de ensinarem, os futuros professores vivem nas salas de aula e nas escolas – e, portanto, em seu futuro local de trabalho – durante aproximadamente 16 anos (ou seja, em torno de 15.000 horas). Ora, tal imersão é necessariamente formadora, pois leva os futuros professores a adquirirem crenças, representações e certezas sobre a prática do ofício de professor, bem como sobre o que é ser aluno. Tal formação se diversifica de muitos modos, ocorrendo no local de trabalho, com os pares, com os alunos, que ao se apresentarem críticos e questionadores estimulam seus professores a estudarem, realizarem pesquisas, entre outras situações de formação. Essa formação docente também acontece via participação em eventos como P á g i n a | 175 Congressos, Fóruns, Seminários, Palestras, Mini Cursos, etc., com a leitura de livros didáticos, revistas, documentos oficiais, entre inúmeras outras experiências. Nesse sentido, podemos afirmar que a formação do professor não se encerra com o término do curso de graduação, o que consequentemente atribui ao termo FORMAÇÃO um sentido amplo, o que nos faz lembrar o conceito de Kullok (2000, p. 11)), quando afirma que formação é “estar se formando.” Concebida desta forma, em seu aspecto contínuo e permanente, tal definição nos remete à FORMAÇÃO CONTINUADA, próximo tópico a ser discutido neste trabalho. 4. Formação continuada de professores: competência imprescindível para ensinar no século XXI “Por acreditar no poder da educação, continuo insistindo na formação continuada de professores, não apenas achando que cursos de curta duração, em determinada época do ano, vão resolver os problemas enfrentados pelos docentes, mas defendendo que esses docentes precisam ter acompanhamento ao longo de seu trabalho, para juntos construírem seus conhecimentos, avaliarem e selecionarem seu material didático, analisarem suas condições de trabalho e reivindicarem melhorias.”(Maria Auxiliadora Bezerra) Como apresentado neste trabalho, a formação do professor constitui um processo ininterrupto, o que é logicamente coerente, uma vez que a formação inicial, realizada em apenas alguns anos, não é suficiente para formar o profissional professor em todas as suas necessidades, até mesmo porque a formação inicial de um determinado professor é realizada em um determinado período histórico, que tenta suprir as necessidades do alunado daquele período. No entanto, muitos professores continuam exercendo a docência por muito tempo, acompanhando várias gerações de alunos, e consequentemente inúmeras transformações. Nesse sentido, o professorado verifica ao longo de sua carreira, mudanças de concepções teóricas, nos modos de aprender e ensinar, nos recursos metodológicos, nos materiais didáticos, entre outras inúmeras situações que exigem desses professores uma formação contínua. Diante desse contexto, é possível limitar a formação docente apenas à formação inicial? É possível formar plenamente um professor nos poucos anos dispensados a essa etapa da formação de professores? Tal questão é discutida por Perrenoud (2002, p. 50), quando diz que: [...] seria absurdo esperar que uma formação completa que fosse, pudesse antecipar todas as professor encontraria em algum momento do profissão e oferecer-lhe todos os conhecimentos que poderiam ser úteis a ele. inicial, por mais situações que um exercício de sua e as competências É justamente essa impossibilidade da formação inicial de formar profissionais “prontos” e “acabados”, bem como a não previsão das diferentes dinâmicas e situações que se configuram diariamente no exercício da docência, o que confere demasiada relevância à formação continuada, sobretudo hoje, em que os docentes atuam em contextos cada vez mais complexos. Esse contexto de mudanças e novos desafios P á g i n a | 176 justifica a ansiedade com que muitos profissionais procuram os eventos de formação continuada, motivados pela esperança de encontrarem novos meios de ensinar, novas metodologias de ensino, objetivando principalmente superar as práticas tradicionais, que segundo muitos desses docentes, não são mais capazes de “chamar a atenção” das atuais demandas de alunos. A contemporaneidade exige desses profissionais novas táticas de ação, ainda mais criatividade, o domínio das novas tecnologias, cada vez mais aperfeiçoadas, melhor preparo para a elaboração de atividades, hoje nos moldes do ENEM para aqueles que atuam no Ensino Médio, enfim, são diversas as situações que reclamam desse professorado uma formação de alto nível. Desse modo, é importante destacar a citação de Bezerra no início desse tópico de discussão, quando afirma que cursos de curta duração não são suficientes para atender o professorado em suas necessidades. Essa formação aligeirada, resumida em poucas horas de encontros, atribuindo um caráter fragmentado ao que deve ser amplo, provoca a insatisfação de muitos docentes, que em muitos casos não são atendidos em suas reais necessidades, frustrando as expectativas e anseios dos mesmos, o que os fazem muitas vezes resmungarem: “- Ah! Lá vem de novo uma “palestra” que não serve para nada!” A formação continuada, no entanto, deve oportunizar a constante atualização de conhecimentos, gerando autodesenvolvimento reflexivo, ajudando o professor na resolução de problemas de natureza teórica e prática vivenciadas durante o ofício da profissão, acontecendo em processo ininterrupto. 5. O documento orientador do programa ensino médio inovador x o discurso dos professores: o que dizem acerca da formação docente? “Falar sobre formação do educador implica, inicialmente, em definir o que entendemos por formação.”(Kullok) Neste trabalho, temos assumido a concepção de formação docente em seu sentido amplo, como um processo rico em situações formativas que têm início antes mesmo do acesso à graduação e que ocorre ao longo da carreira profissional. Concebemos a formação de professores como um continuum, de caráter temporal, uma vez que acontece ao longo do tempo. No entanto, a partir da cuidadosa leitura e análise que fizemos do DO, pudemos depreender que a concepção de formação de professores subjacente em tal documento é demasiada simples, limitando a formação docente a eventos específicos voltados a formar o professorado para atuar em situações “específicas” de tal Programa. O trecho abaixo, extraído do item 2 do documento orientador nos comprova isso: Exemplo 1: Item 2 do documento – Orientações para o redesenho curricular – página 14 P á g i n a | 177 O Projeto de Redesenho Curricular (PRC) deverá apresentar ações relacionadas ao currículo que podem ser estruturadas em diferentes formatos tais como disciplinas optativas, oficinas, clubes de interesse, seminários integrados, grupos de pesquisas, trabalhos de campo e demais ações interdisciplinares e que, para sua concretização, poderão definir aquisição de materiais e tecnologias educativas e incluir formação específica para os profissionais da educação envolvidos na execução das atividades. Diante do exposto, verificamos que a formação docente, mais especificamente a formação continuada, é apresentada no documento como apenas alguns eventos objetivados a atender necessidades específicas dos docentes para a realização de ações específicas do Programa, o que pode ser evidenciado principalmente no fragmento em negrito. Essa ideia de formação continuada de forma fragmentada, que acontece esporadicamente, é discutida por Kullok (2000, p.18), quando destaca: [...] trabalha-se com a perspectiva de que “falta alguma coisa” para melhorar o desempenho do professor, por isto investe-se em cursos de reciclagem, treinamentos, como forma de “suprir” aquela deficiência. Esta perspectiva, chamada “perspectiva do déficit”, considera que com algumas horas de aula em “didática”, ou “metodologia” ou “técnicas de ensino” ou “psicologia da aprendizagem” ou ainda “novas tecnologias” o profissional estará “apto” a melhorar sua performance. A concepção de formação compreendida como eventos de curto prazo é ainda mais evidente no item 7.3 do DO, como podemos observar no exemplo abaixo: Exemplo 2: Item 7.3 do documento – Unidade Executora – UEX – página 26 As escolas, como unidades executoras, serão responsáveis pela elaboração do Projeto de Redesenho Curricular (PRC) de acordo com o Documento Orientador do Ensino Médio Inovador e as disposições constantes na Resolução do Programa Ensino Médio Inovador. Dentre os tópicos apresentados, destaca-se o seguinte: *Participar de reuniões técnicas e eventos de formação, promovidos pelas Secretarias de Educação Estadual, Distrital, Municipal, Colégios de Aplicação da Universidade Federal ou Estadual e Colégio Pedro II e pela SEB/MEC, que contribuam para a sustentabilidade, ampliação e aperfeiçoamento do ProEMI. A expressão “Participar de reuniões técnicas e eventos de formação” reforça a ideia de formação em curto período de tempo, uma formação descontínua, que não acontece constantemente, mas que é restrita aos poucos encontros promovidos pelas Secretarias de Educação, o que é muito recorrente em nossas escolas. Vejamos esse outro fragmento do DO: P á g i n a | 178 Exemplo 3: Item 8.2 do documento – Itens financiáveis – página 31 Os recursos financeiros previstos serão destinados ao desenvolvimento de propostas curriculares no ensino médio regular, na forma especificada nos Projetos de Redesenho Curricular (PRC), devidamente aprovados pelos Comitês do Programa: Estadual, Municipal, Distrital, dos Colégios de Aplicação das Universidades Federais e Estaduais e do Colégio Pedro II, poderão ser empregados em: Entre os itens apresentados, destacamos: *Contratação de serviços de consultoria de Instituições de Ensino Superior para prestação de apoio técnico e gerencial necessário ao fortalecimento da gestão escolar e ao aperfeiçoamento profissional dos professores. O tópico que apresentamos acima também contribui para depreendermos que a concepção de formação subjacente no documento refere-se a uma concepção limitada, restringindo-se aos “famosos” eventos ocorridos esporadicamente, promovidos em sua maioria pelas instâncias públicas, sobretudo pelas Secretarias de Educação. Sobre essa questão, afirma Alves (1998, p. 133): A ideia de que a formação se dá em múltiplos espaços/tempos permite que percebamos que não é nem simples nem de fácil mudança. Desta maneira, o tratamento aligeirado que, em geral, vem recebendo do governo explica grande parte do insucesso que as sucessivas ações tentadas vêm experimentando. Diante do exemplo 3 (três), bem como dos demais trechos apresentados neste trabalho, verificamos que o Documento Orientador do Ensino Médio Inovador, doravante ProEMI, concebe a formação docente, sobretudo a formação continuada, principalmente como “cursos”, “capacitações”, “treinamentos”, enfim, eventos de curta duração objetivados a atender a demanda de professores envolvidos no Programa. É uma concepção demasiadamente restrita, que desconsidera que a formação do professor acontece durante toda a sua carreira profissional. A seguir, no último tópico deste trabalho, apresentaremos a concepção de formação docente de professoras atuantes em uma escola contemplada com o Programa Ensino Médio Inovador, a fim de verificarmos o que pensam essas docentes sobre essa questão tão relevante para o exercício da prática docente: SUA FORMAÇÃO. 5.1. Concepções de Formação Docente das Professoras As concepções de formação que apresentaremos agora foram coletadas a partir de entrevistas realizadas individualmente com cada uma das professoras, durante o mês de maio do presente ano e nas próprias dependências da escola.Objetivando preservar a identidade das professoras, as identificaremos neste trabalho como P1, P2 e P3, condição sine qua non para desenvolvimento ético de uma pesquisa. P á g i n a | 179 5.1.2 As Concepções Vejamos agora as concepções de formação das entrevistadas: Exemplo 1 – P1 “Formação eu diria que seja uma preparação... Com você dentro daqueles 4 (quatro) anos você vai ser direcionado, mas que não lhe deixa apto a ser um formador assim total não... O seu dia a dia, é o seu estudo, é a sua prática que vai fazer de você um formador. Ali eles estão lhe orientando pra onde você vai enveredar. Essa questão de você enveredar certo, corretamente, vai depender de você. Se você quiser ser aquele que tá ali na formação só sentado no fundo da sala sem fazer nada você termina, até termina, agora o que você vai fazer de lá não sei.” P1, ao ser questionada sobre sua concepção de formação docente, inicia sua resposta fazendo referência à formação inicial, à medida que diz “Com você dentro daqueles 4 (quatro) anos.”No entanto, P1 rapidamente acrescenta que essa formação não é suficiente para formar plenamente um professor, reconhecendo que a formação docente constitui um processo muito mais rico de experiências. Reconhece que “o dia a dia, o estudo e a prática” também são situações de formação, o que nos lembra Kullok (2000, p. 16), quando destaca que “a formação do professor ocorre ao longo da sua carreira profissional e a sua formação inicial constitui-se apenas numa primeira etapa a ser obtida.” Vejamos agora a concepção de P2: Exemplo 2 – P2 “É o nosso estudo de graduação mesmo, quando a gente faz todo o nosso curso, curso de nível superior, como é chamado. Eu também acho muito errado. Os nomes são muito errados, porque se é um nível superior então os outros são inferiores. Mas a nossa formação de professores é essa, a formação acadêmica, que todos nós temos que ter, porque todo gato, todo sapato quer ser professor ou professora né? E isso é a coisa mais abominável que existe. Cada um vá fazer sua formação pra ser aquilo que escolheu.” Diferentemente de P1, que concebe a formação docente de modo amplo, P2 a limita apenas à formação inicial, o que pode ser evidenciado principalmente nos seguintes trechos: “É o nosso estudo de graduação...” “O curso de nível superior...” “Mas a nossa formação de professores é essa, a formação acadêmica...” P á g i n a | 180 Diante do exposto, conjectura-se que P2 não reconhece os momentos de discussão com os pares, a realização de pesquisas, os momentos de planejamento, os eventos de formação continuada, etc., como situações que constituem sua formação, uma vez que a entrevistada destaca por 3 (três) vezes a formação inicial como resposta ao que seja formação docente, configurando assim, uma concepção bastante limitada. Observemos a concepção de P3: Exemplo 3 – P3 “A formação é conhecimento, sistematizar conhecimentos, porque o professor precisa, necessita de conhecimento. É acumular conhecimentos. Mas também na formação, seja na universidade, por exemplo, seja continuada, ele vai acumular conhecimento e também refletir a prática, principalmente a formação continuada há essa tendência maior dele refletir a prática. Se o professor não faz isso essa formação vai ficar apenas conteudista, vai ficar ao longo do tempo repassando conteúdo como essa visão mais clássica, digamos assim, e o aluno que a gente tem hoje necessita de um conhecimento mais amplo do professor, vai estar falando de algo aqui muito conteúdo relacionar à prática da realidade, relacionar à realidade. Se eu estiver falando de substantivo, por exemplo, o que é substantivo somente a definição da gramática é muito pouco, eu preciso falar substantivo como nome, porque é que fulano tem tal nome, porque tal geração tem tais nomes, porque os nomes das madeireiras são assim, porque os nomes das lojas do shopping, que atende em geral à classe média alta tem tais nomes e não aqueles que atendem a classe média baixa. Então ir fazendo essa reflexão aí. Pra o professor fazer isso, aquilo que ele aprende na universidade não dá conta, é preciso de formação continuada e precisa refletir a prática. Na universidade, que é a formação inicial, também já é preciso ir fazendo isso e até praticando, na medida do possível. Aí formação engloba o conhecimento científico, a prática de sala de aula, a prática cotidiana. É um conjunto de conhecimento, não somente aquilo da enciclopédia.” Diante da resposta de P3, em vários aspectos semelhante à resposta de P1, verificamos que a referente professora concebe formação docente em seu sentido amplo, visto que sua resposta aponta para a formação inicial e também continuada, o que nos remete à Pimenta (2005, p. 29) quando diz: “Enquanto tal, pensar sua formação significa pensá-la em um continuum de formação inicial e contínua.” Nesse sentido, P3 acredita que o professor “acumula conhecimentos” não apenas na formação inicial, mas também na formação continuada. Em sua resposta, a professora deixa claro a impossibilidade da formação inicial de atender todas as necessidades do professorado, destacando a importância da formação continuada, que além de dar apoio teórico e prático ao professor, possibilita que o docente “reflita” sobre sua prática. Essa afirmação fica clara principalmente nos trechos abaixo: “...Pra o professor fazer isso, aquilo que ele aprende na universidade não dá conta, é preciso de formação continuada e precisa refletir a prática.” “...Principalmente a formação continuada há essa tendência maior dele refletir a prática.” P á g i n a | 181 A expressão “reflexão”, presente em vários trechos da resposta de P3 nos chama a atenção, pois nos faz depreender que esta professora concebe um professor não apenas como “mero técnico executor de conhecimentos produzidos por outros”, concepção muito recorrente no período tecnicista, mas como um profissional reflexivo. Em síntese, P3, diferentemente de P2 e semelhante a P1, percebe a formação docente como um processo, construído ao longo do tempo e que ocorre em ambientes e situações bastante diversos, sendo a formação inicial apenas uma das fases desse processo. 6. Considerações Finais Levando em consideração a análise dos dados que ilustram este trabalho, verificamos a configuração de dois modos distintos de conceber a formação docente. Por um lado, apresentamos a concepção de formação subjacente no documento orientador do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) e por outro temos as concepções de 3 (três) professoras atuantes em tal Programa. Quanto ao DO, verificamos a predominância de uma concepção bastante restrita, visto que a formação docente é principalmente apresentada como eventos de curta duração, objetivando assistir os docentes no funcionamento do Programa. Não há no documento referência a uma formação verdadeiramente contínua, que acontece durante toda a carreira docente, o que nos faz conjecturar que o documento demonstra apenas a preocupação com a realização de alguns eventos formativos, acreditando que tais situações são suficientes para a formação profissional do professorado. Quanto às professoras entrevistadas, verificamos que a maioria, duas professoras, apresentou concepções distintas da concepção demonstrada no DO, uma vez que suas concepções reconhecem que o profissional professor se forma não apenas em eventos de curto período de tempo, mas na troca de experiência com os alunos, em seus momentos de estudo, nos cursos de formação inicial, nas diversas situações da prática, na reflexão acerca de suas ações profissionais cotidianas, entre outras situações. Apesar de uma das professoras ter apresentado uma concepção limitada, enxergando apenas a graduação como a formação do professor, a maioria desse professorado entende a formação do profissional professor como um conjunto de conhecimentos, situações e experiências que ocorrem ao longo de suas carreiras profissionais. Além disso, essas professoras, apesar de reconhecerem a significativa relevância da formação inicial, reconhecem e reclamam em seus discursos a formação continuada, pois os novos desafios da contemporaneidade, a perspicácia dos alunos das atuais gerações, a necessidade de atualização constante, etc., provocam nessas professoras o desejo e a necessidade de formar-se continuamente. Esperamos com este trabalho contribuir para o estudo, desenvolvimento de outras pesquisas e a reflexão acerca do campo de estudos da Formação Docente, essa significativa área que tem oportunizado valiosas discussões acerca das diversas questões que envolvem o professor e sua formação. Referências Bibliográficas P á g i n a | 182 ALVES, Nilda. Trajetórias e redes na formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva; SILVA, Ceris Salete Ribas da. A leitura de textos oficiais: uma questão plural. In: MARINHO, Marildes; SILVA; Ceris Salete Ribas da. Leituras do professor. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998. KLEIMAN, Angela B. A formação do professor: perspectivas da lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. KULLOK, Maisa Gomes Brandão. As Exigências da Formação do Professor na Atualidade. Maceió: EDUFAL, 2000. NÓVOA, A. A formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1991. PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002. PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2005. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. P á g i n a | 183 EXPERIÊNCIA DOCENTE NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE O ESTÁGIO SUPERVISONADO Aluska Santos ARAÚJO (UEPB)38 Lidiane da Silva REIS (FIP)39 Resumo: O presente trabalho tem como objetivo descrever e analisar uma experiência de ensino de língua portuguesa em uma turma de 2º ano do ensino médio de uma escola pública de Campina Grande, PB, no ano de 2012. Essa vivência foi decorrente do componente curricular Estágio Supervisionado IV oferecido pelo curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba com o propósito de inserir os licenciandos em seu futuro campo de atuação profissional para que comecem a colocar em prática os conhecimentos adquiridos na universidade. Este relato reflexivo traz discussões sobre as possibilidades e os limites desse tipo de experiência para a formação docente dos estudantes de letras da UEPB. Essa reflexão está pautada nas orientações dos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006), e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) e em autores como: Antunes (2003), Geraldi (2010), kock (2004). Entre outras considerações, essa experiência nos fez perceber que a teoria estudada na universidade auxilia no percurso de preparação das aulas e até na metodologia a ser utilizada em sala de aula, mas não compreende a complexidade das relações que permeiam o processo de ensino/aprendizagem. Sendo assim, reconhecemos a importância do estágio supervisionado como uma forma de permitir aos professores em formação um contato antecipado com fatores não abarcados pelas teorias no universo de uma sala de aula. Palavras-chave: Estágio supervisionado; Ensino médio; Experiência, Reflexão. 1. Introdução O estágio supervisionado constitui uma fase imprescindível na formação acadêmica e profissional do licenciando e merece ser vivido de forma significativa e produtiva. É neste momento específico que a escolha pela carreira docente é examinada e as teorias aprendidas na graduação são contrastadas com o contexto real de trabalho, seus desafios e suas limitações. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo descrever e analisar uma experiência de ensino de língua portuguesa em uma turma de 2º ano do ensino médio de uma escola pública de Campina Grande, PB, no ano de 2012. Essa vivência foi decorrente do componente curricular Estágio Supervisionado IV oferecido pelo curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba com o propósito de inserir os licenciandos em seu futuro campo de atuação profissional para que comecem a colocar em prática os conhecimentos adquiridos na universidade. Este relato reflexivo traz discussões sobre as possibilidades e os limites desse tipo de experiência para a formação docente dos estudantes de letras da UEPB. Essa reflexão está pautada nas orientações dos Referenciais Curriculares para o Ensino 38 39 Aluska santos Araujo/ [email protected] Universidade Estadual da Paraíba; Lidiane da Silva Reis/ [email protected] Faculdades Integradas de Patos. P á g i n a | 184 Médio da Paraíba (2006), e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) e em autores como: Antunes (2003), Geraldi (2010), kock (2004). Entre outras considerações, essa experiência nos fez perceber que a teoria estudada na universidade auxilia no percurso de preparação das aulas e até na metodologia a ser utilizada em sala de aula, mas não compreende a complexidade das relações que permeiam o processo de ensino/aprendizagem. Sendo assim, reconhecemos a importância do estágio supervisionado como uma forma de permitir aos professores em formação um contato antecipado com fatores não abarcados pelas teorias no universo de uma sala de aula. 2. A escola pública brasileira: desafios e superações Muito se tem discutido e estudado acerca do ensino no Brasil, discussões estas que tomam como eixo norteador a qualidade e o resultado obtido ao final da formação do aluno para tanto são evidenciados nestes estudos a formação e capacitação de professores, projetos, planejamentos, escolhas de temáticas, sequências didáticas, entre outros. Atentando para estes estudos a escola instiga em professores e alunos a fazer da sala de aula um local de aprendizado constante e, acima de tudo, um local prazeroso de realização profissional que proporcione ao aluno a descoberta de saberes que o encaminhe a novas perspectivas e caminhos. Não obstante às capacitações profissionais que auxiliam o professor na sua formação, as ferramentas utilizadas para que estes possam alcançar exitosamente seu objetivo, ainda deixam a desejar, pois em muitos casos elas se resumem ao livro didático e aulas mecanicistas que por vários motivos se repetem em diversas unidades educacionais. É neste contexto que estão inseridas as escolas públicas Brasileiras nas quais esta realidade não foge a regra, apesar de grandes avanços no que tange a leis e programas governamentais40 que direcionam a escola e o professor a um ensino inovador e pragmático, que culminam com a formação de cidadão operante na sociedade na qual está inserido, as condições e necessidades para que o ensino seja de fato exitoso acabam por ser desconsiderados. É relevante considerar que mesmo que o professor seja capacitado para ensinar de forma a contemplar as orientações governamentais e atender as novas teorias e estudos, a realidade da sala de aula de escolas públicas é muito diferente daquilo que vimos em teorias, leis e programas relacionados à educação. Hodiernamente é perceptível a insatisfação por parte dos professores em muito por causa das estruturas salariais, carreiras profissionais e condições de trabalho. Estas necessidades, por vezes não levadas em contas, findam em um ensino não satisfatório no que concerne aos objetivos esperados não apenas pelo professor, mas também por toda a sociedade. Situam-se neste cenário as escolas públicas brasileiras, em que professores, possuem salários medíocres, e em caso não raro, precisam dobrar a carga horária não possibilitando a prática de estudos, pesquisas e planejamentos, como também a 40 Programas e leis do Min. Da Educação como o a Lei de Diretrizes e Bases - LDB, Programa Nacional do Livro Didático - PNLD e os Parâmetros Curriculares Nacionais. P á g i n a | 185 infraestrutura inadequada e o grande número de alunos - por vezes incapacitados por causa de raízes e marcas de um ensino já problemático desde as primeiras séries, em muitos casos, semianalfabetos- dificultam, atrasam e desestimulam o professor em seus planejamentos, que para garantir que estes alunos “passem” recorrem a um trabalho mecanicista e de decodificação. É relevante acrescentar que a definição do que seja um ensino de boa ou de má qualidade passa pela relação direta entre a adequada e boa formação dos profissionais e as condições de ensino e pesquisa, desencadeando assim o melhor desempenho dos alunos; estes elementos devem ser considerados igualmente importantes na relação ensino/aprendizagem e no processo de efetivação do desempenho das habilidades dos estudantes e, consequentemente, o efetivo alcance da qualidade. 3. O Estágio Supervisionado no Ensino Médio O estágio supervisionado constitui uma fase na qual o acadêmico irá adequar os saberes obtidos da formação, presentes na licenciatura, à dinâmica escolar, possibilitando a construção e reconstrução de sentidos para a aprendizagem e a prática docente. Isso não significa dizer que o componente curricular Estágio Supervisionado deve ser considerado apenas como uma oportunidade de treinamento profissional, uma vez que representa, essencialmente, uma oportunidade de integração com o mundo do trabalho, no tocante ao exercício de trocas de experiências, bem como na responsabilidade e capacidade de tomar decisões com crescentes graus de autonomia intelectual e na contribuição do desenvolvimento de valores inerentes ao fazer pedagógico. Segundo o dicionário da língua portuguesa, estágio é o período de estudos práticos voltados à capacitação do indivíduo, dentro de uma determinada formação profissional. No que se refere ao sistema educacional brasileiro, este processo (estágio) é regulamentado por lei que discorre suas diversas especificidades. A lei 11.788 de 25 de setembro de 2008 determina no seu artigo 1º e 2º que: Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. (LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA - Fernando Haddad - André Peixoto Figueiredo Lima, Brasília, 25 de setembro de 2008; 187o da Independência e 120o da República) O estágio supervisionado, direcionado aos graduandos em Língua portuguesa e demais licenciaturas tem por objetivos principais: proporcionar a vivência e análise de situações reais de ensino–aprendizagem da língua e demais competências, considerando criticamente os aspectos científicos, éticos, sociais, econômicos e políticos, que envolvem a prática docente, partindo do pressuposto de que o ensino e a aprendizagem mantêm relações indissociáveis com a prática social; a prática do estágio supervisionado P á g i n a | 186 busca capacitar o licenciando a vivenciar e buscar soluções para situações-problema no contexto prático. Tendo em vista a necessidade de articulação entre teoria e prática, o componente de Estágio Supervisionado IV do curso de Letras da UEPB é trabalhado no ensino médio a partir de orientações advindas de um docente da instituição, que elaborará juntamente com o aluno-estagiário o plano de atividades em consonância com as discussões teóricas que são desenvolvidas ao longo do curso de licenciatura. Durante todo percurso da disciplina, o processo é acompanhado pelo professor orientador, que irá supervisionar o trabalho e averiguar se os conteúdos abordados pelo aluno-estagiário condizem com as abordagens teóricas estudadas na graduação e como se constitui sua prática docente em sala de aula. Durante este período, o componente de estágio dispõe de dois professores orientadores, onde um trabalhará com o ensino-aprendizagem de Língua e o outro se volta para o ensino de Literatura, além de suas atuações diretas nas instituições de ensino, eles colaboram com o desenvolvimento das atividades com orientações feitas periodicamente particular ou coletivamente aos graduandos no ambiente acadêmico. A experiência de estágio desenvolvida no ensino médio, busca proporcionar o entendimento e a vivência no processo ensino-aprendizagem voltados à prática escolar, e considerar as relações interpessoais dos indivíduos envolvidos neste processo com todo o contexto geral das instituições de ensino, onde se desenvolve o estágio. 4. Proposta de intervenção no Ensino Médio Considerando as orientações dos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006), as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) e a proposta pedagógica da disciplina Estágio Supervisionado IV do curso de Letras da UEPB, o nosso trabalho de regência no ensino médio buscou como ponto de partida a articulação entre Língua e Literatura em consonância com os temas transversais. Em nossos estudos observamos que os PCNs no processo de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa, no ensino médio, tem como base o entendimento do que é a linguagem verbal; tendo o caráter sócio interacionista como norteador de uma metodologia que considerará o conhecimento linguístico do aluno já adquirido, reconhecendo o valor da linguagem nas diferentes esferas sociais. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, a linguagem desenvolvida na prática escolar deve ser objeto de reflexão tanto para professor como também para o aluno, pois seu principal objetivo é a formação de sentidos. Desse modo: A linguagem é considerada aqui como a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. (BRASIL, 1999, p. 125) P á g i n a | 187 Desenvolvemos nossa proposta pedagógica partindo desse pressuposto e para isso, procuramos entender inicialmente as dinâmicas das aulas, o comportamento dos alunos e o ambiente escolar. Neste sentido, verificamos com a professora regente os conteúdos que deveriam ser ministrados durante as aulas, como também, observamos o estilo dos alunos, a faixa etária, preferência textual, dentre outros aspectos, para podermos traçar o perfil do grupo e escolhermos a temática e gênero textual de acordo com a necessidade da turma e com o conhecimento lingüístico já adquirido socialmente pelo grupo de alunos que iríamos trabalhar. Sendo assim, desenvolvemos nossa sequência didática em sete encontros que totalizaram 20 horas/aulas baseadas na temática “Política e Sociedade” em articulação com os conteúdos de língua, literatura e produção textual. A temática foi escolhida a partir das sondagens realizadas entre os alunos e devido ao momento de eleições que a sociedade brasileira estava vivenciando. 4.1. Estudo da língua Num primeiro encontro, distribuímos o texto xerocopiado “Política: uma visão a partir de análises discursivo-semântico-textuais”, que trazia uma transcrição de um discurso político extraído do site “http://www.YouTube.com.br”, no qual um político da cidade de São Paulo proferia um discurso com intuito de persuadir o eleitor a votar nele nas eleições. Após a leitura, instigamos os alunos a refletirem em torno do discurso do político e na intenção comunicativa. Em seguida, pedimos para que os alunos refletissem como seria o discurso e a intenção comunicativa se o sujeito do discurso passasse a ser um eleitor e não um político. Através dessa proposta de atividade foi possível trabalhar o ensino de língua partindo de uma prática interativa na qual o texto é considerado como fala e discurso que se produz com uma finalidade específica diante de cada ato comunicativo. Esta prática se faz necessária para que a linguagem seja comunicativa, desta forma o processo ensino/ aprendizagem não se isola da prática sócio-comunicativa, alcançando o objetivo proposto para prática de ensino adequada para o desenvolvimento crítico, social do aluno inserido na sociedade. O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa deve basear-se em propostas interativas língua/linguagem, consideradas em um processo discursivo de construção de pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral. (BRASIL, 1999, p. 139) De acordo com os PCNs (1999), Durante todo o processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa desenvolvido no ensino médio o professor, como indivíduo facilitador do processo de aprendizagem precisa instigar no aluno o desenvolvimento de competências e habilidades, as quais não limitam o conhecimento a ser alcançado, e sim, norteia o prosseguimento dos estudos dos alunos a um nível superior, como também sua participação ativa na vida social. Dentre estas competências e habilidades citamos: Compreensão da Língua Portuguesa como princípio legitimador de acordos e condutas sociais; análise dos recursos expressivos verbais que relaciona P á g i n a | 188 textos/contextos em consonância com sua função, organização, estrutura e demais especificidades; fazer comparações buscando o entendimento das opiniões e pontos de vista relacionados à manifestação da linguagem verbal etc. No segundo encontro retomamos ao texto lido e discutido na aula anterior e realizamos uma releitura compartilhada do texto, fazendo inferências acerca do uso dos verbos presentes no texto, instigando os alunos a perceberem os efeitos de sentido que determinado verbo pode acrescentar ao discurso político. Para isso, realizamos juntamente com a turma a mudança de tempo e forma de determinados verbos, fazendoos perceber o motivo que levou o político a fazer uso de determinados tempos e modos verbais ao invés de outros. Durante estas aulas, percebemos que a prática escolar direcionada ao ensino de gramática tem se desenvolvido dentro de um espaço conflituoso, entre teorias e prática, uma vez que, no trabalho desenvolvido no componente curricular de “Estágio Supervisionado IV” identificamos e constatamos que os professores de Língua Portuguesa enfrentam dificuldades em realizar um ensino eficiente e prazeroso no que tange aos conteúdos de gramática, já que a maioria dos alunos demonstra desinteresse nessas aulas por considerarem a aprendizagem da gramática muito complexa. Percebemos ainda durante o estágio que essa visão negativa do aluno em relação à gramática ocorre em consequência do ensino tradicional, que trás uma proposta de ensino da língua completamente desvincula da vivência social. Irandé Antunes (2007), mostra em seus estudos que este problema tem ocorrido devido à consolidação da visão de gramática como controladora da língua, compreendida “como uma questão apenas, de certo e errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem à determinada classe e que se juntam para formar frases, à volta de um sujeito e de um predicado” (ANTUNES, 2007, p.22). Assim, entendemos que é fundamental que o professor de língua materna tenha a competência de trabalhar com o ensino da gramática não considerando apenas os elementos estruturais que compõem os textos, mas também os fatores pragmáticos que lhe dão identidade e funcionalidade. 4.2. Leitura literária: impressões e recepção Para muitos alunos do Ensino Médio, a leitura ainda tem sido encarada como um doloroso desafio, sendo considerada uma atividade enfadonha e desestimulante. Tal percepção tem feito com que o texto, em especial o literário, seja visto como um objeto de estranhamento. Assim, a leitura literária torna-se mais um tormento do que um encantamento, conforme Alves enfatiza: “O ensino da literatura se tornou, para a maioria dos alunos do nível médio, não um encontro pessoal com uma determinada obra, mas um tormento, uma vez que tem que decorar uma lista relativamente longa de autores e obras características de estilos de época.” (Alves, 2006, p.114). P á g i n a | 189 Alves ao mesmo tempo em que demonstra a situação dos alunos diante da recepção de uma obra literária, sinaliza um dos motivos que tem levado estudantes secundaristas a tamanha desmotivação diante da leitura de textos literários em sala de aula. De igual modo, os “Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba” (2006) e as “Orientações Curriculares para o Ensino Médio” (2006), nos capítulos que apresentam os conhecimentos de literatura, em consonância com o que o autor aponta, afirmam que há muitos professores que têm seguido uma prática mecanicista no que tange ao ensino literário em turmas de ensino médio, tornando o estudo com o texto literário superficial e pouco produtivo. Além disso, percebemos que a grande maioria dos manuais didáticos utilizados em sala de aula pelos professores não contribuem muito para a formação de leitores literários, pois, de modo geral, se limitam a informar o contexto de produção e publicação da obra, a vida de seu autor e outras obras dele e o movimento literário no qual a obra está inserida, mas não colocam o leitor em contato com o texto. Nessa perspectiva, o livro didático “não possibilita uma experiência de leitura mais livre, que poderia, inclusive, englobar traços predominantes de um estilo de época, mas também apontar alguns limites nessa forma de classificação” (ALVES, 2006, p.112). Com base nestas afirmações, iniciamos nossas aulas de literatura no terceiro encontro instigando os alunos através de um debate oral a apontarem características da sociedade moderna, focando nas relações familiares. Após o debate, exibimos através de slides cenas do Filme “O primo Basílio”, dirigido por Daniel Filho e inspirado na obra Realista “O primo Basílio”, de Eça de Queiroz. Alguns documentos como os “Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio” e os “Referencias Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba”, também demonstram a preocupação de que o ensino de literatura não fique restrito ao estudo das características das escolas literárias, por exemplo. Nesse contexto, esses documentos trazem reflexões sobre a inserção da Literatura no currículo do ensino médio, defendendo que a Literatura, além de romper com a hegemonia do trabalho alienado, constitui-se “como meio de educação da sensibilidade (...) como meio, sobretudo, de humanização do homem coisificado” (BRASIL, 2006:52-53). A Literatura passa a ser indicada nesses documentos como “fator indispensável de humanização”. Durante o estágio percebemos que um dos maiores desafios enfrentados pelos estagiários no que se refere ao ensino de literatura no ensino médio é tentar articular a teoria à prática, o que na maioria das vezes, se torna uma situação conflituosa, pois muitos dos professores regentes ainda estão enraizados no modelo tradicional no que se refere ao trabalho com o texto literário. E com isso, acabam limitando o trabalho dos estagiários a um direcionamento baseado unicamente nos fragmentos e nas características no momento literário presentes no livro didático. No entanto, os documentos oficiais esclarecem que os textos literários podem ser trabalhados de forma mais significativa em sala de aula, observando a questão dos gêneros. Neles, defende-se que o ensino de literatura deve privilegiar o contato direto do estudante com as obras literárias de diferentes gêneros e épocas como deslocamento do foco historicista que marcava o ensino médio com a ênfase no decorar características de autores e estilos de época. Partindo dessa perspectiva, procuramos abordar nas aulas de literatura o contexto histórico da obra “O primo Basílio”, focalizando as relações familiares da sociedade do final do século XVIII no Brasil e em Portugal, sem nos deter as características do estilo de época que estávamos estudando. Para isso, solicitamos como P á g i n a | 190 atividade uma análise comparativa entre as relações familiares da atualidade e as relações familiares do século XVIII a partir da abordagem da obra e do que foi retratado no filme. Após a exibição dos slides e vídeo relacionados à obra “O primo Basílio”, de Eça de Queiroz, observamos uma significativa participação por parte dos alunos nos debates realizados em torno dessa aula. No quarto encontro prosseguimos o trabalho com texto literário e com o momento literário Realismo/Naturalismo. Iniciamos essa aula expondo no quadro a famosa citação proferida por Eça de Queiroz na Conferência no Cassino Lisbonense: “O Romantismo era a apoteose do sentimento, o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos olhos- para condenar o que houver de mal na sociedade.” (EÇA DE QUEIROZ, Conferência no Cassino Lisbonense). Solicitamos que os alunos explicassem oralmente a citação e identificassem no filme e na obra “O primo Basílio”, aspectos dessa sociedade e comparassem com algumas das características do Romantismo apresentadas em aulas anteriores pela professora regente. Vale salientar que os conteúdos abordados na sequência didática desenvolvida pelos estagiários, tiveram também o direcionamento da professora regente e mesmo sabendo que “Nos Referenciais Curriculares da Paraíba” encontra-se uma proposta de leitura para o Ensino Médio com a orientação de iniciarmos os estudos literários a partir da leitura de autores contemporâneos, foi necessário dar continuidade ao estudo dos momentos literários e para isso, tivemos que recorrer ao cânone. Neste sentido, entendemos que essa tradição literária valorizada historicamente, que constitui o cânone, como produção bem acabada da cultura humana, e que, por isso, merece ser lida, até como direito de todo educando. O problema são os procedimentos metodológicos no ensino de literatura. Pennac (1994) ilustra bem a impossibilidade da leitura obrigatória, ocorrer de modo significativo, pois para apropriar-se do sentido dos textos é necessária uma interação social intensa e proveitosa. 4.3. Escrita e análise linguística O ato da escrita não pode estar voltado apenas à prática de escrever algo, mas sim que esteja relacionado a uma escrita reflexiva e que leve o aluno a ser um sujeito atuante em meio ao universo social em que está inserido. O campo da escrita deve estar inter-relacionado com outros fatores encontrados no ensino da língua, tais como letramento, gêneros textuais e ao processo de ensino-aprendizagem, estes aspectos devem estar num processo de complementação sempre. Partindo desse pensamento, no quinto encontro iniciamos nosso processo de produção textual como também a apresentação do gênero textual carta. Para isso, expusemos oralmente algumas concepções acerca do que são gêneros textuais e qual sua função social. Neste momento, mostramos a diferença entre tipologia e gênero textual a partir de exemplos de alguns textos reais que levamos para sala, como: panfletos de propaganda política, textos argumentativos do Enem, carta pessoal ao presidente Lula e carta argumentativa formal ao mesmo destinatário, cartas ao leitor, dentre outros, com a finalidade de evidenciarmos a linguagem, os verbos e os pronomes usados em cada situação. P á g i n a | 191 Como proposta de atividade, entregamos uma apostila com exemplo de uma carta escrita para um político e outra escrita a um amigo como também algumas características relevantes do gênero carta. Antes de solicitar a primeira versão escrita de uma carta, realizamos uma comparação oralmente entre ambas as cartas levando os alunos a perceberem as diferenças dos pronomes e expressões utilizados para se referir a cada destinatário sempre colocando em pauta não apenas a estrutura, mas também o conteúdo e os elementos subjetivos pertinentes ao gênero em questão. Solicitamos aos alunos, como atividade de produção textual, a escrita de uma carta endereçada a algum político da cidade na qual o aluno solicitaria melhorias para a escola ou para sua comunidade. No sexto encontro, escolhemos uma carta que apresentasse dificuldades comuns às cartas da maioria e reescrevemo-na no quadro para a realização de uma análise linguística de forma coletiva enfocando os tempos e modos verbais, os pronomes e expressões para aquela situação de escrita e para o destinatário indicado. No sétimo encontro após as intervenções realizadas na aula anterior, pedimos para que os alunos reescrevessem suas cartas, procurassem os endereços de políticos em sites na internet, enviassem suas reivindicações e aguardassem as respostas. Dessa forma, o texto é percebido não mais como um produto a ser avaliado levando em conta apenas os fatores macro, micro e superestruturais, mas passa a ser entendido como processo, ação e interação. Entendendo dessa maneira, vemos que a comunicação faz parte de um saber construído socialmente devendo ser partilhado no ato da interação, como aponta Kock (2004): Os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto aos diversos tipos de atividades da vida social, têm conhecimentos na memória que necessitam ser ativados para que a atividade seja coroada de sucesso. Essa atividade é motivada por fatores de ordem social e interativa, há um que dizer diante de uma situação posta e há conhecimentos que são partilhados ou construídos no ato dessa interação. (KOCK, 2004:22) Trabalhando dessa maneira, os discentes serão capazes de perceber que as palavras só adquirem sentido dentro de um contexto real de uso e que o estudo da gramática não deve se limitar apenas a aspectos normativos, mas que as formas linguísticas irão se acomodar às necessidades dos interlocutores e às diversas funções desempenhadas pela língua num determinado gênero discursivo. 5. Considerações Considerando o Estágio supervisionado voltado aos profissionais da educação constatamos que nesta prática muito se adquire de conhecimento para atividade profissional futura. Diante das realidades enfrentas em sala de aula podemos constatar que em momentos significativos a teoria se desassocia da prática, levando o discente a se deparar com situações, em que não apenas o conhecimento teórico lhes possibilita êxito no desenvolvimento de suas atividades. P á g i n a | 192 Logo é perceptível que muitos obstá-los e desafios precisam ser superados, no entanto quando refletimos sobre as propostas dos PCN’s reconhecemos que se faz necessário o entrelaçamento da prática de ensino com as práticas sociais para que o ensino-aprendizagem da Língua possa ser reconhecido não apenas como conhecimento e domínio de regras gramaticais, mais também como um processo dinâmico, que possibilita o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais necessários à formação de um indivíduo crítico, levando-o a ser um elemento modificador de uma realidade social. Todo o processo de ensino- aprendizagem a Língua Portuguesa deve ser pautado na sua funcionalidade dentro um contexto histórico, social, comunicativo. Ao consideramos o Estagio Supervisionado IV podemos dizer que apesar das dos acontecimentos inesperados, que não deixaram de contribuir para nosso aprendizado, este foi profícuo devido a uma boa sequência didática inspirada em acontecimentos reais pertencentes às camadas sociais nas quais os alunos estavam inseridos culminaram numa maior aproximação da temática e do conteúdo apresentado, a um bom planejamento, as escolhas dos textos, como também a interação e companheirismo constante entre a equipe de estagiarias, que levou os alunos lograr um bom desempenho nas atividades aplicadas em sala de aula. Ao concluímos nossas atividades de Estágio Supervisionado reconhecemos que o profissional de Educação que busca atingir o objetivo a ele proposto na sua formação, que é o de promover, facilitar, intermediar o desenvolvimento critico do aluno, este precisa renovar suas praticas pedagógicas sempre com o buscando a interação do indivíduo com o meio social, em que está inserido. Referências bibliográficas ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ALVES, H.P. Teoria da Literatura, crítica literária e ensino. In: ALVES. J.H.P; NÒBREGA, M (orgs.). Literatura da Crítica à sala de aula. Campina Grande: Bagagem, 2006, p.111-126. _____. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In: BUZEN, C.; MENDONÇA, M. (Orgs.) 3. ed. Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006, p. 103-116. BRASIL,Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasil. Ministério da Educação e do Desporto, 1999. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio, v 1: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF, 2006. GERALDI, João Wanderlei. O texto na sala de aula. 4ed. São Paulo: Ática, 2006. KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à lingüística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA - Fernando Haddad - André Peixoto Figueiredo Lima, Brasília, 25 de setembro de 2008; 187o da Independência e 120o da República P á g i n a | 193 PARAÍBA. Secretaria de Educação e Cultura. Coordenadoria de Ensino Médio. Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba: Línguagens, códigos e suas tecnologias. Conhecimentos de literatura, 2006. P á g i n a | 194 OBJETOS CONSTITUTIVOS DA ATIVIDADE DOCENTE: TEXTUALIZAÇÕES NA VOZ DE UM PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA Fábio PESSOA-SILVA (UFPB/PROLING) Regina Celi Mendes PEREIRA (UFPB/PROLING/CNPq) Resumo: O objetivo deste artigo é discutir sobre a presença dos chamados objetos constitutivos da atividade docente no discurso de um professor de língua portuguesa do ensino superior. São analisadas as representações desses objetos (prescrições, coletivos, ferramentas e regras do ofício), observando de que maneira eles compõem os modos de fazer desse professor em sua rotina de sala de aula. O procedimento metodológico empregado na geração e coleta dos dados é a Instrução ao Sósia, a partir das orientações da Clínica da atividade (CLOT, 2006). O aporte teórico que subsidia as análises é o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), especialmente os autores que tratam da relação linguagem e trabalho educacional (MACHADO e BRONCKART, 2004, 2009; AMIGUES, 2004; FAÏTA, 2004; NOUROUDINE, 2002, TOGNATO, 2008). As discussões e análises dos dados mostram que o discurso do professor-instrutor ratifica a existência de certos objetos intrínsecos ao agir docente, os quais se ancoram em representações construídas e herdadas no social. Palavras-chave: Atividade docente; professor-instrutor; modos de fazer; representações do agir. 1. Introdução O trabalho educacional pertence a uma dimensão do agir humano em que é mobilizado um conjunto de habilidades e competências próprias de uma atividade laboral complexa e multifacetada. Inter(agir) com o/no mundo por meio do trabalho é uma particularidade da espécie humana, e a condição para que isso ocorre é a utilização da linguagem. Em se tratando do agir docente, a linguagem, imprescindível em quaisquer situações de interação verbal/social, é vista não apenas como meio de comunicação, mas também como instrumento de trabalho e, acima de tudo, como matéria-prima para uma análise interpretativa do trabalho do professor, visto de maneira global e/ou situado. Essa análise deve considerar, dentre outras coisas, os movimentos instaurados pelo professor para a configuração de certos modos de agir (estratégias e condutas de trabalho)próprios da atividade docente, os quais dizem respeito às diferentes ações do profissional de ensino para criar meios eficazes de aprendizagem. É justamente para tratar de alguns desses modos de agir que o presente estudo se inscreve, traçando uma discussão sobre os chamados objetos constitutivos da atividade docente, tal como proposto em Amigues (2004). Doutorando em Linguística (UFPB/PROLING) e pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos em Letramentos Interação e Trabalho (GELIT/UFPB/CNPq). E-mail: [email protected] Docente do Programa de Pós-graduação em Linguística (PROLING/UFPB) e Bolsista de Produtividade 2 CNPq). E-mail: [email protected] P á g i n a | 195 Para tanto, far-se-á uma análise linguístico-discursiva do dizer de um professor de língua portuguesa do ensino superior, observando quais desses objetos aparecem em sua fala e como eles são textualizados, atentando, também, para as representações desse professor acerca do próprio agir docente. A metodologia de geração e de coleta de dados utilizada na pesquisa é a Instrução ao Sósia (doravante IaS)com gravação de áudio, conforme orientações estabelecidas nos trabalhos da Clínica da Atividade (CLOT, 2006). As análises linguístico-discursivas estão respaldadas no Interacionismo sociodiscursivo (doravante ISD), especialmente, nos estudos que tratam da relação linguagem e trabalho educacional (MACHADO e BRONCKART, 2004, 2009; BRONCKART, 2006, 2008; AMIGUES, 2004; FAÏTA, 2004). 2. Agir de linguagem e trabalho educacional Não é por acaso que muitos professores, iniciantes ou não, sentem dificuldades de exercer a profissão escolhida, haja vista as capacidades requeridas para a atividade de ensino. A relação com a linguagem é uma delas, pois as nossas ações linguageiras são o reflexo da maneira como nos apropriamos da língua(gem), e essa apropriação acarreta, segundo Habermas (2003), representações dos mundos formais/discursivos – objetivo, social e subjetivo, os quais estariam na dimensão ontológica do agir verbal. Em função disso, dependendo de como o professor/trabalhador opera com a linguagem em sua atividade laboral, ele poderá construir relações produtivas/eficazes e/ou vivenciar momentos de incompreensão e de insatisfação profissional. Segundo Bronckart (2006; 2008), o agir de linguagem é resultante de representações coletivas geradas a partir dos pré-construídos41, os quais constituem a base das mediações formativas42 responsáveis pelo desenvolvimento humano. Assim sendo, esse agir linguageiro se desdobra em um agir comunicativo (as práticas linguageiras situadas) mediado por conhecimentos (normas, valores) constitutivos e constituídos dos/nos mundos discursivos. Logo, se as práticas linguageiras organizam e refletem as representações construídas pelos indivíduos nas situações de interação pela linguagem, o agir docente se constituí em uma plena demonstração de como essas representações podem servir para caracterizar o trabalho do professor e a sua materialidade instrumental. Isto implica dizer que a atividade de ensino deve ser entendida/interpretada na/pela voz do trabalhador, considerando sempre o contexto mais amplo de sua atuação, mas nunca deixando de valorizar o que ele diz, pois seu dizer evidencia, em maior ou menor grau, a sua realidade profissional e os modos de agir docente43. Todo esse entendimento sobre a morfogênese do agir de linguagem serve para justificar a sua relação com o trabalho educacional, especificamente, com as práticas linguageiras do trabalhador (em nosso caso, do docente). O agir comunicativo do 41 Os pré-construídos são os conhecimentos coletivamente partilhados no curso da história, os quais correspondem às formações sociais, às atividades coletivas gerais, às atividades de linguagem e aos mundos formais (cf. BRONCKART, 2006). 42 As mediações formativas são os movimentos instaurados para incluir os indivíduos desde o nascimento nas realizações da vida social. 43 Esses modos de agir e asua execução/avaliação pelo professor constituem o que Faïta (2004) chama de gênero da atividade, conforme explicitaremosa seguir. P á g i n a | 196 professor em seu contexto de trabalho é multidirigido: alunos, instituição, pais, orientadores, supervisores, psicólogos, etc., são sempre os seus potenciais interlocutores (AMIGUES, 2004).Logo, essa gama de referências sociodiscursivas acaba por moldar, quase sempre, o agir verbal dos professores, fazendo com que eles projetem suas ações de maneira sempre direcionada, em favor de um “meio de trabalho que lhes permitirá fazer”, e alcançar minimamente os objetivos propostos (AMIGUES, op. cit., p. 46). Por sua vez, o alcance desses objetivos implica também a utilização de instrumentos materiais e simbólicos 44 os quais se tornam indispensáveis ao fazer pedagógico em sala de aula. Outrossim, a noção de atividade instrumentada é muito significativa para as discussões sobre o ensino-aprendizagem, uma vez que qualquer atividade humana exige o domínio de ferramentas cuja função é auxiliar na execução de ações pré-definidas, permitindo ao indivíduo desenvolver com eficiência a tarefa a ele incumbida. Com o trabalho docente ocorre a mesma coisa, ou seja, há um conjunto de artefatos disponível socialmente, construído na coletividade, passível de reconfigurações pelos sujeitos, de modo que os formatos e as funções dos instrumentos de trabalho vão sendo (re)dimensionado sem favor dos contextos de atuação. Sobre isso, Machado e Bronckart (2009) apresentam um esquema ilustrativo, em formato de triângulo, explicitando os elementos do trabalho educacional e as relações estabelecidas entre eles (professor, objeto, instrumentos, artefatos e o(s) outro(s)). Pelo que se observa, os objetos da atividade docente, tal como descritos por Amigues (2004), encontram-se diluídos nesses elementos propostos por Machado e Bronckart (2009), ou seja, o agir do professor está associado a dimensões que mobilizam fatores externos e internos os quais determinam as ações docentes (a exemplo das prescrições); esse agir é mediado por instrumentos que são as ferramentas de que o professor se apropria para criar esse meio de aprendizagem e de desenvolvimento de capacidades. Essas ferramentas estão sempre indexadas a um conjunto pré-existente de recursos e de modos de fazer constituindo as regras do ofício. Soma-se a isto o fato de que subjazem aos procedimentos de qualquer professor as representações dos coletivos de trabalho e do(s) outro(s) cuja referência influencia nas escolhas individuais do sujeito. Logo, todos esses componentes do trabalho educacional servem para constituir o que Faïta (2004) chama de gênero da atividade, isto é, formas de agir compartilhadas por membros de um grupo, as quais revelam uma organização historicamente construída para identificar/orientar o agir em determinado segmento de atuação social. Para Sousae-Silva (2004, p. 97),a concepção de gênero da atividade ou gênero profissional ancorase em um “princípio de economia da ação”; ou seja, o gênero é, “a parte subentendida da atividade, aquilo que os trabalhadores de um dado meio conhecem, esperam, reconhecem e apreciam; [...] o que eles sabem dever fazer sem que seja necessário reespecificar a tarefa cada vez que ela se apresenta”. Em se tratando da atividade docente, podemos citar, por exemplo, alguns procedimentos padronizados e modelos de práticas linguageiras que servem para caracterizar o trabalho educacional, respectivamente, a exposição dos conteúdos e a elaboração de planos de aula pelo professor. Entretanto, essa organização genérica não 44 Os instrumentos são resultantes da apropriação dos artefatos pelos indivíduos, ou seja, eles só existem “se o artefato for apropriado pelo e para o sujeito, com a construção de esquemas de utilização” (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 38). Os instrumentos materiais são todos os recursos didáticos palpáveis utilizados na atividade de ensino. Já os simbólicos dizem respeito à língua e a qualquer recurso de linguagem em uso. P á g i n a | 197 impede uma apreciação particular do sujeito, fazendo com que o produto final da ação seja sempre algo transcendental à norma. É, pois, essa constatação de “moldagem da atividade mental em formas sociais efetivamente independentes a priori da atividade do sujeito”, mas que oferecem possibilidades de transgressão, que justifica a designação dada por Faïta (2004) a partir da noção de gêneros de discurso bakhtiniana (op. cit., p. 68-69, grifos do autor). As contribuições individuais dadas ao gênero profissional funcionam como uma personalização das ações e constituem o estilo profissional de cada professor, melhor dizendo, “a transformação dos gêneros na história real das atividades, no momento de agir, em função das circunstâncias” (SOUSA-E-SILVA, 2004 p. 98). Em vista disso, as razões de se pensar em um gênero da atividade/gênero profissional são compatíveis com a epistemologia fundante da noção de gêneros de discurso, uma vez que partem de uma dimensão ontológica das relações humanas mediadas pela linguagem em que o social é o principal condicionante e também o espaço virtual onde os objetos ganham sentido, são compartilhados e sofrem transgressões. Por isso, quando um professor se apropria de modelos de agir a ele disponíveis, está mobilizando elementos de uma prefiguração, isto é, mesmo de modo inconsciente, o profissional sempre agirá com base em restrições próprias ao gênero, as quais podem ser adaptadas, mas dificilmente deixarão de servir como protótipos da atividade socialmente construída. 3. Textualizações dos objetos da atividade docente: uma análise linguísticodiscursiva Conforme apresentamos na introdução do artigo, o propósito deste estudo é discutir sobre como aparecem textualizados na voz de um professor de língua portuguesa o que estamos chamando de objetos constitutivos da atividade docente, tal como expresso em Amigues (2004). Todavia, a princípio, é necessário fazer uma breve contextualização da metodologia utilizada e dos procedimentos gerais da pesquisa em questão. O método empregado na geração e coleta dos dados aqui analisados foi a instrução ao sósia, procedimento utilizado pela Clínica da atividade (CLOT, 2006) e oriundo da Psicologia do Trabalho cuja preocupação passou a ser também a relação da linguagem com o comportamento humano, tendo o psicólogo Oddone como o precursor desse modelo de investigação (TOGNATO, 2008). O principal objetivo desse procedimento é fazer o trabalhador conhecer melhor sua atividade; para isso, é necessário conhecimentos sobre a situação de trabalho a partir da voz do próprio trabalhador, de modo que suas representações “teriam um papel fundamental para a compreensão dos aspectos constitutivos de sua atividade profissional” (TOGNATO, op. cit., p. 76).É justamente para esse fim que foi pensada uma estratégia de investigação cujo processo possibilitasse ao trabalhador reconstruir sua situação de trabalho tal como organizada no contexto real de execução. Este procedimento passou a influenciar também os estudos da Ergonomia da Atividade francesa, de modo que muitos trabalhos foram sendo desenvolvidos tomando P á g i n a | 198 por base essa orientação metodológica, a qual se constitui em método indireto 45 de geração e de coleta de dados e deve ocorrer mediante os seguintes passos (cf. TOGNATO, 2008): 1. Uma explicação inicial do pesquisador para o professor participante/informante sobre as características gerais do procedimento, esclarecendo os papéis de instrutor a ser assumido pelo professor e o de sósia a ser assumido pelo pesquisador; 2. Por se tratar de um exercício de utilização da linguagem, o pesquisador/sósia dará um comando ao professor/instrutor da seguinte maneira: vamos supor que amanhã eu serei seu sósia e irei substituí-lo em seu trabalho. Quais instruções você me daria para que ninguém perceba a substituição?; 3. De posse de seu texto já transcrito, o instrutor poderá confrontar/avaliar suas representações construídas no momento da IaS e, a partir disso, produzir um novo texto, o qual poderá ser dirigido ao sósia. Não obstante isso, para que o procedimento ocorra de maneira satisfatória, é preciso atentar para alguns aspectos: a. O pesquisador deve sempre utilizar os interrogativos como e porquê no momento das perguntas, principalmente o primeiro, a fim de levar o instrutor a detalhar em minúcias o “como fazer” de sua atividade docente; b. Caso o informante proceda com turnos muito longos, o pesquisador deverá intervir fazendo perguntas bem pontuais, obrigando o instrutor a detalhar verbalmente as situações que muitas vezes passam despercebidas pelo trabalhador, mas de extrema relevância para a realização de sua atividade de trabalho; c. Outro aspecto importante é que, no diálogo estabelecido entre os interlocutores, o professor/ instrutor tenha consciência de que o sósia é o outro (portanto, deve usar o pronome você para se dirigir a ele). Para isso, é recomendado ao pesquisador/sósia sempre organizar a cena enunciativa, colocando-se como o eu a partir do lugar daquele que irá executar as ações descritas pelo instrutor. Esta distribuição dos índices de pessoa é o que possibilita o deslocamento de si do professor para falar sobre sua atividade (CLOT, 2006). Portanto, a IaS é uma ferramenta de pesquisa que, igual a outras tantas, exige do pesquisador um domínio das técnicas de execução, de modo que a sua validade está atrelada justamente a esse domínio. 4. Contextualização da pesquisa e análise dos dados 45 Diz-se método indireto por proporcionar um deslocamento do trabalhador/informante em que este recria sua atividade em novo contexto. O contrário, temos os métodos diretos (entrevistas, questionários, por exemplo) os quais podem, algumas vezes, levar os participantes da pesquisa “a assumir papéis e condutas pré-estabelecidas que são socialmente veiculados”, o que torna esses instrumentos diretos relativamente limitados para uma investigação mais ampla do agir docente (TOGNATO, 2008, p. 72). P á g i n a | 199 O professor informante é da área de língua portuguesa e atua no ensino superior da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) onde ministra a disciplina Fonética e Fonologia do português; também leciona aulas de língua portuguesa como disciplina obrigatória em outras graduações dessa mesma instituição de ensino. A coleta de dados se deu em uma sessão de IaS ocorrida em sua residência, onde foi realizada a gravação em áudio com duração de 20 minutos e 56 segundos. O texto resultante dessa gravação foi transcrito e servirá de corpus para as análises que se seguem, tendo em vista os objetivos do presente estudo. Além disso, vale ressaltar que as instruções dadas pelo professor participante da pesquisa referem-se a um dia de trabalho na respectiva universidade, especificamente, a uma segunda-feira à noite, quando ele ministra uma primeira aula de língua portuguesa em uma turma da graduação em Física (português instrumental) e, logo em seguida, outra aula em uma turma da graduação em Letras, ministrando a disciplina Fonética e fonologia do português. Sobre o contexto sociointeracional de produção do texto em análise, há alguns elementos a serem considerados: os participantes da interação identificados como emissor ou agente-produtor e receptor são o professor-instrutor e o pesquisador-sósia, à medida que esses tomam o turno da fala. O lugar de produção é a sala de visitas da casa professor-instrutor, e o tempo decorrido para a produção do texto equivale à duração da gravação do áudio, isto é, 20 minutos e 56 segundos. Os papéis sociais assumidos pelos sujeitos nessa situação comunicativa também devem ser observados, a saber: o papel de professor da universidade (instrutor) e o de professor-pesquisador (sósia). No texto resultante da IaS, ficam marcados dois momentos: um primeiro em que o professor-informante instrui sobre a aula de Português instrumental na Graduação em Física; e um segundo em que ele instrui sobre a aula de fonética e fonologia na graduação em Letras. No primeiro caso, o conteúdo da aula é “resenha” e todo o direcionamento é dado em função desse conteúdo; já no segundo, o conteúdo é “sílaba”. Em ambos os momentos, há o relato de certos objetos e/ou modos de fazer que se repetem na voz do professor-instrutor, os quais revelam a maneira como este conduz seu agir docente. O primeiro aspecto a ser destacado é a ênfase dada ao uso do projetor como instrumento material para a exposição dos conteúdos. A utilização dessa ferramenta é descrita pelo professor como sendo essencial para que a aula ocorra de maneira produtiva. Vejam-se as transcrições abaixo: (1)I.:[...]é o material de apoio... um projetor...que é o que geralmente eu uso, sempre eu uso, ia pedir o projetor, ela iria lhe dar o projetor, você rubricaria, não assinaria o nome, no no... livro que ela dá pra assinar [...]. (2) I.:Mas enfim, você vai... vai ter o material em mãos, vai ter livros e um aparato bom e deve preparar a aula em projeção e daí vai utilizando aos poucos, paulatinamente vai passando pros alunos e levantando questionamentos durante toda a aula. Mas, o... é preferencial o uso do projetor haja vista que eles vão ver modelos, vão poder enxergar como realmente a coisa acontece, do que ficar só falando e tentar explicar escrevendo no quadro. (3) I.:[...] fala com o Tales da coordenação, pega o material didático, de apoio, mais uma vez o projetor, é... porque aquele primeiro projetor você já vai ter P á g i n a | 200 que deixar de volta, lá com a Karina, pede um novo projetor ao Tales e vai pra sala de aula. Esses fragmentos exemplificam a preocupação do professor com a utilização do projetor durante a aula, creditando seu uso ao fato de os alunos poderem, além de ouvir as exposições sobre o conteúdo, visualizarem as informações projetadas; isto fica bastante evidente em sua fala, à medida que ele expressa a relevância de levar o conteúdo em slides, contendo exemplos e figuras, principalmente para a aula sobre sílaba: (4) I.:[...] vai organizar todo esse material, é..., claro, com antecedência, e já trazendo todas as figuras que você vai precisar também para essa que é uma aula de... de sílaba. Então você tem que..., além de colocar o material, o assunto pra aula, você tem que colocar também todas aquelas imagens, então é interessante você ter um... algum aparelho que possa captar essas imagens pra colocar na... nosslides; pra poder ficar uma aula onde você possa ver o conteúdo e ao mesmo tempo enxergar as imagens que ela coloca em relação ao ápice, à formação silábica e tudo mais. Toda a questão melódica. Além do projetor, há menção a um aparelho para digitalizar as imagens, de modo que o professor saiba operar todas essas ferramentas materiais. O instrutor também menciona o uso de outros instrumentos como os livros e o quadro para fazer anotações, este último de maneira secundária. Essas falas servem para ratificar a tese de que os artefatos disponíveis ao professor vão sendo (re)criados em favor dos contextos de uso e do momento histórico. Por se tratar de uma universidade, algumas ferramentas, como o projetor, são mais acessíveis ao professor, conforme justificam as citações acima. Outrossim, a presença desse instrumento na atividade docente tem sido cada vez maior, a ponto de hoje muitos professores tê-lo como uma ferramenta essencial à execução de certas tarefas próprias do trabalho educacional. As justificativas para isso são várias e incidem justamente sobre a relação atual que se tem com as multisemioses, com a dependência cada vez maior de uma comunicação audiovisual. Isto se reflete na sala de aula e no trabalho do professor, que passa a organizaras suas ações reconfigurando tais ferramentas, adaptando e tornando-as seus instrumentos de trabalho. Portanto, não dá para se pensar na atividade docente sem considerar as ferramentas materiais e simbólicas necessárias ao agir em sala de aula. As instruções de 1 a 4 ratificam a noção de atividade instrumentada atribuída à prática de ensino, bem como revelam como essa prática passa a incorporar novas ferramentas a depender do momento histórico. A própria linguagem, enquanto instrumento simbólico por excelência, absorve as transformações oriundas das demandas sociocomunicativas emergentes e acaba também por se modificar ao longo do tempo. Outro fato também marcante na voz do professor-instrutor é a sua preocupação com a efetiva aprendizagem dos alunos, o que o faz lançar mão de estratégias para criar um cenário de interação onde seja possível ao professor testar a sua atuação e, ao mesmo tempo, acompanhar o nível de aprendizagem dos conteúdos pelos alunos. Tais estratégias favorecem a construção do objeto aula enquanto meio de o indivíduo P á g i n a | 201 aprender e se desenvolver. Assim, esses procedimentos relativos às estratégias de construção do meio-aulapodem ser designados pelos que Amigues (2004) chama de regras do ofício. Vejamos um quadro a seguir onde são elencadas algumas falas do professorinstrutor e o que delas pode ser interpretado como modos do agir docente: Estratégias para a construção do Textualizações na voz do professormeio-aula (regras do ofício) instrutor Preocupar-se com o bem-estar (5) [...] você começa conversando com eles dos alunos anterior ao momento a respeito do dia, da semana, como foi que da aula; aconteceu... como foi o dia deles, brinca com Iniciar a aula fazendo eles e já começa a aula tentando pegar questionamentos sobre os deles o que eles sabem sobre aquele conhecimentos prévios acerca do conteúdo. Tentando colocar no... trazer a... como posso dizer, trazer à tona... o pouco ou conteúdo a ser trabalhado; muito conhecimento que eles têm sobre o Estimular a fala dos alunos para assunto. Então é só fazer perguntas, o que que, desde o início da aula, vocês entendem sobre isso, o que é que sintam-se tambémcomo atores vocês acham que é fazer isso, como você do processo de ensino- faria isso se chegasse aqui na sala e aprendizagem; pedisse para que vocês fizessem isso. Repetir as explicações quando (6)[...]volta a explicar a coisa... tenta é... for necessário e quantas vezes detalhar mais, tenta ser mais claro do que for preciso; já foi antes, pra chegar a... ao entendimento. Ser objetivo e lançar mão de Se possível utilizar outros exemplos, diferentes maneiras de exporuma utilizar uma...outra forma de dizer aquilo mesma informação a fim de que você disse antes... .[...] E se ainda assim facilitar o entendimento dos voltarem a perguntar a questionar alguma coisa que não ficou clara, tal qual a outra conteúdos; aula de língua portuguesa, a gente volta e Fazer exposições atentando para o sempre se faz de uma forma mais amena, ritmo de aprendizagem dos alunos; é... tentando chagar a um consenso. Organizar previamente os (7) [...] E... pra elaboração dessa aula, você instrumentos didáticos para a vai utilizar o material da Leda Bisol e da realização da aula; Gisela Collischonn que tá no livro de Introdução à fonética e fonologia do português brasileiro; e... vai organizar todo esse material, é..., claro, com antecedência [...]. Disponibilizar antecipadamente (8) bom, é... esse texto já tá na pasta e aos alunos os textos a serem agente sempre deixa e avisa que o... o trabalhados; texto da aula seguinte é o texto x, então eles já chegam com uma determinada leitura e facilita o nosso, o nosso dia a dia enquanto, é... expositor. P á g i n a | 202 Procurar, na medida do possível, (9) [...] ao se depararem com determinadas solucionar as dúvidas suscitadas nomenclaturas que a gente trabalha, vão até pelos alunos durante a aula; te perguntar, mas que nome é esse? Mas por que que tem isso? e daí você tem que tá preparado pra explicar por que que na sílaba eu tenho três pontos específicos [...]. (10) [...] se porventura você não souber responder na hora, você chega e diz, olha, não tô entendendo, não tô conseguindo responder essa questão, essa questão não, não nãotô entendendo, não sei... evou buscar solução pra isso. Mas o interessante é que você tenha... na ponta da língua os questionamentos. Fazer uma exposição oral (11) [...] então eles vão mostrar onde é que prevendo os entrelaçamentos do tenho sílaba forte, onde é que eu tenho sílaba tema com os conteúdos por vir; fraca, porque isso já vai servir de apoio pra Retomar o já discutido como aula seguinte, em relação ao acento. [...] Por forma de alicerçar os novos que na aula seguinte já vai ter uma conhecimentos, fazendo links retomada do assunto de sílaba já levando em consideração é... o forte e o fraco. com as aulas anteriores; Evitar terminar a aula deixando questões soltas, a não ser que estas encaminhem a aula seguinte; (12) [...] se prepara para finalizar a aula e encerrar e não deixar pendências, se tiver de deixar pendências que seja uma pendência que engatilha a próxima aula, Organizar uma sequência lógica pra não ficar coisa solta. Pra quando retomar para a exposição dos conteúdos; na próxima aula, já tá tudo na sequência. Registrar os conteúdos e a (13)você aproveita pra fazer uma presença do aluno em sala. chamada, porque tem que registrar o conteúdo e automaticamente já fazer o registro da aula também, se for o caso. Quadro 1: Estratégias do professor para a construção do meio-aula. Este quadro sobre algumas das estratégias utilizadas para a construção do objeto aula é bastante ilustrativo dos movimentos instaurados pelo professor-instrutor para conseguir desempenhar o seu trabalho em sala de aula. Observa-se que, a todo o momento, a linguagem é o instrumento simbólico por excelência por meio do qual é possível efetivar o agir educacional. Isto se aplica não apenas aos dados em análise, mas a todos os docentes, uma vez que a relação linguagem/trabalho é constitutiva desse agir, seja quando o professor fala sobre a sua prática (linguagem sobre o trabalho), seja quando ele se expressa por uma necessidade de interação social (linguagem no trabalho) P á g i n a | 203 e/ou quando faz de sua verbalização o objeto a ser apreendido na interação (linguagem como trabalho)46. As estratégias elencadas acima têm como base justamente esse trabalho com a linguagem, uma vez que o professor-instrutor se atribui a responsabilidade de comunicar de maneira eficiente a fim de que os alunos apreendam o que está sendo dito em classe. Todos os seus movimentos requerem o agir comunicativo de um sujeito que tem plena consciência daquilo que deve ser executado para que a atividade de ensino aconteça. Portanto, as análises até aqui realizadas demostram como as ferramentas e as regras do ofícioestão presentes nas falas do professor-instrutor cujas interpretações favorecem a tese de que há certos modos e usos que configuram a atuação docente. As primeiras textualizações analisadas (sobre as ferramentas)revelam a opção do professor por um instrumento material (o projetor) tido como fundamental para a condução de suas aulas, proporcionando, segundo ele, um maior entendimento do assunto, visto que os alunos poderiam acompanhar uma exposição audiovisual do conteúdo Já as textualizações seguintes, conforme demonstrado no quadro 1, suscitam determinados posicionamentos em prol da criação de um cenário caracterizador do meio-aula (AMIGUES 2004). Tal criação perpassa, como se percebe nas falas citadas, por certas atitudes ou regras do ofício (re)construídas pelo professor, as quais são herdadas de uma memória coletiva da profissão ou são impostas contemporaneamente pelo sistema educacional. Nisso, podemos relacionar aquelas estratégias do professor-instrutor para a criação/manutenção do seu meio de trabalho à existência de três dimensões presentes nas regras do ofício47: 1. Uma dimensão reveladora das escolhas do professor a partir dos modelos de agir validados historicamente pelo coletivo da profissão; 2. Uma dimensão que remete à interferência/presença das normas estabelecidas pelo sistema educacional, as quais não devem ser transgredidas; 3. Uma dimensão mais subjetiva, expressando alguns modos e/ou estilos particulares os quais nem sempre são comuns a todo o coletivo. Podemos visualizar no quadro2 abaixo a presença dessas dimensões a partir dos dados analisados/transcritos no quadro 1: Dimensões presentes nas regras do Ações descritas/interpretadas mediante as ofício textualizações do professor-instrutor 1. As reconfigurações pelo professor dos modos de agir indexados ao coletivo da profissão: 46 Iniciar a aula fazendo questionamentos sobre os conhecimentos prévios acerca do conteúdo a ser trabalhado; Repetir as explicações quando for Nouroudine (2002) conceitua e discute cada uma dessas dimensões da relação linguagem/trabalho, destacando inclusive o fato de que os limites entre elas são bastante fluidos e servem mais para demarcar uma escolha metodológica do que para estabelecer uma diferença de natureza conceitual. 47 Categorizamos a existência dessas três dimensões em virtude da análise ora realizada, o que não anula a possibilidade de serem percebidas outras tantas. P á g i n a | 204 necessário e quantas vezes for preciso; Fazer exposições atentando para o ritmo de aprendizagem dos alunos; Organizar previamente os instrumentos didáticos para a realização da aula; Disponibilizar antecipadamente aos alunos os textos a serem trabalhados; Organizar uma sequência lógica para a exposição dos conteúdos; Procurar, na medida do possível, solucionar as dúvidas suscitadas pelos alunos durante a aula; Ser objetivo e lançar mão de diferentes maneiras de expor uma mesma informação a fim de facilitar o entendimento dos conteúdos; Fazer uma exposição oral prevendo os entrelaçamentos do tema com os conteúdos por vir; Retomar o já discutido como forma de alicerçar os novos conhecimentos, fazendo links com as aulas anteriores; 2. A obediência às normas do sistema educacional: Registrar os conteúdos e a presença do aluno em sala; 3. As atitudes reveladoras de um estilo mais particular: Preocupar-se com o bem-estar dos alunos anterior ao momento da aula; Estimular a fala dos alunos para que, desde o início da aula, sintam-se também como atores do processo de ensino-aprendizagem; Evitar terminar a aula deixando questões soltas, a não ser que estas encaminhem a aula seguinte. Quadro 2: Dimensões constitutivas das regras do ofício. Essas dimensões podem ser verificadas, em maior ou menor grau, no agir de qualquer professor e devem variar conforme os contextos de trabalho. No caso em análise, identifica-se que o professor traz como regra para o seu ofício um conjunto de atitudes/ações representativas de uma postura engajada no efetivo cumprimento do papel de ensinar, independente da disposição dos alunos para aprender. P á g i n a | 205 Não obstante tudo isso, atendendo a proposta inicial de discutir sobre os objetos da atividade docente tal como estabelecidos em Amigues (2004), restatecer algumas considerações sobre as prescrições e os coletivos, a partir das representações veiculadas nas falas do professor-instrutor. A influência dos coletivos é algo constitutivo do trabalho docente. Muito do que é feito pelo professor em sala de aula vincula-se a decisões anteriores, partilhadas pelo grupo, as quais servem para direcionar as autoprescrições e os movimentos instaurados para a execução de tarefas de ensino. Veja-se um exemplo disso na transcrição a seguir: (14)I.: bem... é assim... você pode fazer o seguinte: pega o planejamento, a gente tem um planejamento que já faz no início do semestre, todos os dias de aula você tem, embora... claro, isso seja bastante... é... possa ser modificado, porque o que eu planejei pra hoje possa ser que eu dê... antes de hoje ou depois [...]. (15)I.:[...] o primeiro material que você vai utilizar vai ser o da... o material da Cláudia, que é uma... um material da UAST que a gente usa, lá da.. de Serra Talhada, da época em que ela trabalhava lá, lá tem bem pontual como se fazer a resenha. (16)I.: [...] você vai... é... utilizar aqueles exemplos, aquelas atividades que a Machado... tem no livro e vai utilizar em sala de aula pra que em conjunto com o outro colega, que já vai ser uma atividade é... uma atividade qualquer que não venha a valer nota, nem ponto, mas uma atividade pra chegar ao conhecimento. Nessas falas, é visível a interferência dos coletivos nas ações descritas pelo professor-instrutor, isto é, percebe-se que a atividade de ensino começa bem antes do momento da aula, à medida que o docente mobiliza os recursos (planeja, organiza, define) a serem utilizados em classe. A parte negritada em (14) revela a influência do coletivo de trabalho de uma determinada instituição (planejamento didático em conjunto no início do semestre letivo). Já em (15), percebe-se outro tipo de referência externa, a dos professores da disciplina (no caso, de língua portuguesa). Em (16), vê-se implicada a presença de um coletivo mais amplo, o da profissão, que recomenda a utilização didática de manuais representativos (valorizados socialmente) de cada área do conhecimento. Assim, podemos pensar a representação dos coletivos em uma sequência de tipos interligados (cf. AMIGUES, 2004): Coletivo da profissão (mais amplo)↔Coletivo dos professores (profissionais de uma mesma disciplina)↔Coletivo de trabalho (profissionais de uma mesma instituição). Por fim, sobre as prescrições, as falas do professor-instrutor também demostram indícios de uma atividade repleta de um “dever-fazer” alicerçado em orientações provindas de diferentes instâncias normativas e/ou de referências. Vejamos alguns exemplos: (17) I.:[...]você escolhe o conteúdo tomando por base...livros acadêmicos e o... oprograma do curso, a ementa do curso. P á g i n a | 206 (18)I.:você vai utilizar o conteúdo, da... do livro chamado resenha, da... Machado... é... alguma coisa machado... e daí você vai apresentar esse material é..., ele é... já vai tá semipronto, não semipronto, ele tem um monte de texto, de atividades, então você já pega. [...] por que a Machado utiliza como tópicos, ela pega determinados pontos, ponto por ponto, desde a criação, uma... uma forma de início, de modo geral, então, a criação global da... da resenha, que foi nosso ponto da aula. (19)I.: E... pra elaboração dessa aula, você vai utilizar o material da Leda Bisol e da Gisela Collischonn que tá no livro de Introdução à fonética e fonologia do português brasileiro; e... vai organizar todo esse material. [...] é... existe um material... da Gisela, onde ela põe algumas palavras e daí os alunos vão construir a trajetória da sílaba, então eles vão mostrar onde é que tenho sílaba forte, onde é que eu tenho sílaba fraca. Em (17), há a retomada de documentos prescritores destinados a orientar o trabalho do professor em uma determinada disciplina ou curso. Nisso se percebe que a instrução dada é para que o plano de aula do professor (sua autoprescrição) contemple aquilo que foi previamente delimitado; e isso inclui, principalmente, uma bibliografia recomendada (livros acadêmicos), a qual, muitas vezes, oferece não apenas subsídio teórico como também propostas de atividades prontas ou semielaboradas, conforme se verifica acima nos exemplos (18) e (19). É sabido que as prescrições são também peculiares ao trabalho docente, entretanto, alguns professores se colocam meio impotentes diante delas, a ponto de querer executá-las sem uma apropriação/adaptação, de fato, daquilo poderia funcionar em sua sala de aula. Há certas orientações de âmbito institucional que não oferecem flexibilidade ao professor – a exemplo de algumas normas do sistema educacional. Porém, há outras tantas que se apresentam como procedimentais e, por serem um tanto vagas (cf. BRONCKART e MACHADO, 2004), dão margem a transgressões e a adaptações aos contextos de ensino-aprendizagem. Faz parte do gênero profissional, inclusive, reconfigurar os objetos da atividade, negociando possibilidades e testando novos modos de fazer, novos gestos. Todavia, as textualizações ora analisadas evidenciam não só a presença marcante dessas prescrições como também a significativa dependência do professor-instrutor em relação às atividades pré-sugeridas pelos manuais por ele adotados. Portanto, todas essas discussões supra elencadas reafirmam a existência de certos objetos peculiares à atividade de ensino, os quais estão explicitados na voz do professor de língua portuguesa participante desta pesquisa. 5. Considerações finais As pesquisas sobre o trabalho do professor, desenvolvidas principalmente no âmbito da Linguística aplicada, têm trazido importantes revelações para a compreensão da atividade docente. Esta passa a ser vista não apenas enquanto uma prática em sala de aula, mas também como uma atividade laboral cujos elementos começam a ser delineados bem antes das tarefas em classe e perpassam os limites desta, isto é, a atividade de ensino envolve uma complexa rede de ações externas e internas ao P á g i n a | 207 professor, de modo que seu agir faz interseção com inúmeros fatores de ordem social e psicológica. Ficam aparentes, nesta pesquisa, alguns dos objetos constitutivos da atividade docente, os quais dizem respeito aos modos de fazer do professor-informante e àquilo que serve para delimitar as suas ações no plano das representações do próprio agir. Portanto, sobre isso, podemos elencar algumas constatações: O uso de instrumentos materiais como ferramentas de trabalho indispensável à realização das tarefas de ensino (no caso, o projetor e os livros acadêmicos); Os movimentos instaurados pelo professor de língua portuguesa participante da pesquisa para a construção de um ambiente favorável à aprendizagem dos alunos (iniciar a aula fazendo questionamentos, repetir as explicações em sala, disponibilizar o material didático antecipadamente, expor as informações em uma sequência lógica, atentar para o ritmo de aprendizagem dos alunos) 48, o que corresponde às regras do ofício assumidas por esse professor; Os coletivos de trabalho aparecem na voz do professor-instrutor como uma referência importante às suas ações pedagógicas, de modo que ele textualiza isso ao citar os materiais didáticos compartilhados entre os colegas eo papel do planejamento semestral como orientação a ser seguida; As prescrições são outra referência externa que aparece na fala do professor, haja vista em muitos turnos ele fazer menção a certos itens de prescrição como o programa e a emente de curso, os manuais didáticos e os livros acadêmicos, cujas orientações perecem exercer muita influência sobre a sua prática de ensino; Portanto, são investigações deste tipo que podem contribuir para a efetiva compreensão do métier do professor, daquilo que chamamos de aparato (i)material do ato de ensinar. Referências AMIGUES, René. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Organizado por Anna Raquel Machado e Maria de Lourdes M. Matencio. São Paulo: Mercado de Letras, 2006. __________. O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. Tradução de Anna Raquel Machado e Maria de Lourdes M. Matencio. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008. __________; MACHADO, Anna Rachel. Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho educacional. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. 48 Conferir quadro 1. P á g i n a | 208 CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. Petrópolis: Vozes, 2006. FAÏTA, Daniel. Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise da atividade do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003 (tradução de Guido A. de Almeida). MACHADO, Ana Rachel; BRONCKART, Jean-Paul. (re-)Configurações do trabalho do professor construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In: ABREU-TARDELLI, Lília S.; CRISTOVÃO, Vera Lúcia L. (Orgs.). Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. NOUROUDINE, Abdallah. A linguagem: dispositivo revelador da complexidade do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, Maria C. P.; FAÏTA, Daniel (Orgs.). Linguagem e trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. SOUZA-E-SILVA, Maria C. P. O ensino como trabalho. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. TOGNATO, Maria Izabel R. O procedimento indireto das instruções ao sósia: investigando o trabalho do professor. In: CRISTOVÃO, Vera Lúcia L. (Org.). Estudos da linguagem à luz do Interacionismo sociodiscursivo. Londrina: UEL, 2008a. P á g i n a | 209 ELABORAÇÃO, ADAPTAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS E ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: O QUE DIZEM OS PRESCRITOS ACERCA DA ATIVIDADE DE UM COLETIVO DE TRABALHO Joelton Duarte de Santana (UFPB)49 Resumo: O presente trabalho visa a refletir em que medida os documentos de prescrição – Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (2000) e Orientações Curriculares do Ensino Médio (2008) – concebem a elaboração de material didático como uma possível atividade concernente ao coletivo de trabalho dos professores de língua inglesa; uma vez que tais documentos prescrevem, na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, o ensino de Língua Inglesa, enquanto ensino de língua estrangeira moderna, à medida que propõe aos referidos profissionais diversas atribuições no exercício de sua docência. Para que análise proposta seja empreendida, nos utilizaremos dos pressupostos teóricos acerca das Ciências do Trabalho a exemplo da Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade (BUENO 2009), bem como, sobre a Linguagem sobre Trabalho, e as Prescrições a respeito do Trabalho do Professor (BRONCKART & MACHADO 2004; CRISTOVÃO, 2005; MACHADO 2007) e elaboração de material didático (TOMLINSON & MASUHARA, 2005). Após análise dos documentos prescritos citados não foi identificada menção explícita do professor de língua inglesa enquanto elaborador ou adaptador potencial de materiais didáticos. Palavras-chaves: elaboração de material didático, documentos de prescrição, ensino de língua inglesa. 1. Introdução Ao longo dos anos textos governamentais referentes à Educação foram redigidos a fim de prefigurar, planejar, avaliar e interpretar o trabalho do professor. Os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (2000), doravante PCNEM, assim como as Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2008) prescrevem competências e habilidades que devem ser ensinadas pelos professores e, consequentemente, desenvolvidas pelos alunos. No que diz respeito à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, ambos os documentos, apresentam determinações que prefiguram o ensino de línguas estrangeiras modernas como disciplina tão relevante como as demais. Assim sendo, interessa-nos saber o que esses documentos dizem acerca do ensino de língua inglesa, enquanto língua estrangeira moderna e quais determinações são destinadas ao professor dessa disciplina em seu trabalho docente. Interessa-nos saber também se o professor é visto enquanto protagonista do sistema educacional e entender em que medida esses documentos de prescrição 49 Aluno regularmente matriculado no Programa de Pós-Graduação em Linguística-PROLING - da Universidade Federal da Paraíba - UFPB - no nível de doutorado. É mestre em Teoria e Análise Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística - PROLING da mesma universidade. Graduado em Letras (Português, Inglês e suas Literaturas) pela Universidade de Pernambuco - Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata - FFPNM. P á g i n a | 210 admitem os professores de língua inglesa como possíveis elaboradores dos seus próprios instrumentos de trabalho, mais precisamente os materiais didáticos. Se esses documentos prescrevem a atividade educacional e grande parte das ações do educador ou professor de língua inglesa, torna-se conveniente saber em que medida tais documentos preveem ou concebem o professor de língua inglesa como elaborador ou adaptador de materiais didáticos e como essas atribuições são explicitadas nesses documentos de forma que igualmente esses profissionais reconheçam tais incumbências como sendo atividade do seu coletivo de trabalho. Para que a análise proposta pudesse ser empreendida, recorremos a teóricos que têm dissertado acerca das Ciências do Trabalho, a exemplo da Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade (BUENO 2009), bem como, sobre a Linguagem sobre Trabalho, e as Prescrições a respeito do Trabalho do Professor (BRONCKART; MACHADO 2004, MACHADO 2007), uma vez que tencionamos refletir e analisar acerca de uma possível imagem do professor de língua inglesa como elaborador de materiais didáticos nesses documentos. Baseados nos conceitos centrais das perspectivas teóricas elencadas mediante o presente estudo, buscaremos trazer à tona discussões que possam permitir reflexões acerca do trabalho do professor e do seu coletivo de trabalho. Inicialmente, contextualizaremos o presente estudo reunindo categorias válidas para análise e discussão dos documentos de prescrição mencionados. 2. A Linguagem em situação de trabalho e o Trabalho do Professor O trabalho do professor não se encontra isolado, mas em uma rede múltipla de relações sociais existentes em um determinado contexto sócio histórico, bem como inserido em um sistema de ensino e em um sistema educacional específico. Segundo Machado (2007), foi em um contexto de reação a políticas governamentais e ao discurso que elas veiculavam que pesquisadores voltados para questões educacionais, de diferentes disciplinas, encontraram na abordagem ergonômica um instrumento adequado para enfocarem a complexidade da atividade educacional enquanto trabalho e o real funcionamento e desenvolvimento do professor enquanto trabalhador. Se admitirmos o trabalho do professor como uma forma de trabalho, posto o fato de ele agir sobre o meio, achamos conveniente investigar quais as determinações de órgãos educacionais sobre esse trabalho. Machado (2007, p.78) sugere que o trabalho docente consiste na mobilização pelo professor, de seu ser integral, em diferentes situações como planejamento de aula, de avaliação – com o objetivo de criar um meio que possibilite aos alunos a aprendizagem de um conjunto de conteúdos de sua disciplina e o desenvolvimento de capacidades específicas relacionadas a esse conteúdo, orientando-se por um projeto de ensino que lhe é prescrito por diferentes instâncias e com a utilização de instrumentos obtidos do meio social e na interação com diferentes outros que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos na situação. 3. Ciências do Trabalho: Ergonomia e Clínica da Atividade P á g i n a | 211 Pesquisas recentes na área de Linguística Aplicada buscam investigar o trabalho do professor com uma nova concepção, não tendo mais como foco de suas investigações a formação do professor diretamente, essa nova concepção é influenciada por algumas Ciências do Trabalho. Segundo Bueno (2009), nos últimos anos, tem surgido pesquisas que buscam situar o ensino como trabalho que tem outros elementos além do próprio professor, seu saber e sua interação com os alunos, propondo-se a um estudo transdisciplinar, que considere os quadros e as tradições das Ciências do Trabalho, como por exemplo, a Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade. Achamos conveniente fazer referência às Ciências do Trabalho por concebermos a atividade do professor enquanto trabalho e por igualmente concordarmos que muito se tem a investigar além de sua formação e prática docentes. Nascida na França, a Ergonomia da Atividade trata do trabalho a partir do ponto de vista do trabalhador, fazendo uma análise que se centra no trabalho efetivo (os problemas “reais” em situações “reais”, em tempo “real”), pressupondo que não se pode definir o trabalho efetivo sem se considerar aspectos que ligam o trabalhador à tarefa que ele é obrigado a cumprir. Nesse sentido, é assumida como unidade de análise, na referida perspectiva de estudos, a atividade da pessoa no trabalho, defendendo-se a ideia de que o trabalhador pode se desenvolver no trabalho. Logo de início, pesquisas dessa natureza fizeram emergir, segundo Bueno (2009, p. 70) três níveis de trabalho, a saber, o trabalho teórico (o que existe nas representações sociais), o trabalho prescrito (o que é fixado por regras, por normas, por documentos, etc.) e o trabalho realizado (o que o trabalhador efetivamente realiza). Desses conceitos de trabalho interessa-nos a noção de trabalho prescrito posto termos estabelecido como objetivo verificar em que medida documentos prescritos influenciam ou estabelecem uma imagem do professor de língua estrangeira enquanto elaborador e adaptador de materiais didáticos. No que diz respeito à Clínica da Atividade, Bueno (2009) a classifica como atividade do trabalho que contribui para o desenvolvimento permanente das pessoas e acrescenta que a própria pesquisa pode se constituir como um espaço para esse desenvolvimento. A autora propõe ainda, a partir da Clínica da Atividade, uma visão de trabalho que ultrapassa aquilo que é visível, observável, ou seja, assume-se que o trabalho real envolve também o trabalho pensado, desejado, impedido e possível. Assim sendo, é ampliada a distinção inicial da Ergonomia, entre o trabalho prescrito e o realizado, que segundo Bueno (2009, p. 72), levava-nos a falar de uma atividade prescrita (o que deve ser feito) e outra realizada (atividade efetivamente feita), acrescentando, assim, o real da atividade (o que se faz e aquilo que não se faz). 3.1 Elementos constitutivos do ensino como trabalho Segundo Bueno (2009, p.73), além de ser direcionado o trabalho do professor é também instrumentado, ou seja, o professor recorre a artefatos que foram construídos no P á g i n a | 212 decorrer da história de sua profissão. A autora elenca como elementos constitutivos do trabalho do professor os artefatos; incluindo neles as prescrições e as regras do ofício; bem como os coletivos de trabalho. O professor pode recorrer a vários artefatos, a exemplo de livros didáticos, giz, exercícios, quadro negro, avaliações, as prescrições oficiais feitas pelo governo, enfim. No entanto, segundo Bueno (2009, p.75), a relação do professor com esses artefatos não é de aceitá-los passivamente como lhe foram fornecidos. O professor envolve-se ou não com eles, ora se apropriando, ora transformando-os ou mesmo deixando-os de lado para que obtenha eficácia em seu trabalho. Em alguns casos, as relações com os artefatos e os conflitos por eles gerados advêm do trabalho do professor. Dos exemplos de artefatos relevantes ao presente estudo, serão utilizados, para empreender análise inicialmente proposta, as regras de ofício e as prescrições. Bueno (2009) define prescrições como sendo as limitações, regras, normas explicitamente tematizadas em textos, que são direcionadas aos trabalhadores e produzidas por uma instância hierarquicamente superior. A esse estudo interessa os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2000), bem como, as Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2008), ambos relacionados à área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. No que assiste às regras do ofício, Bueno (2009, p. 75) define-as como sendo um conjunto de regras sobre os modos de agir, ligando os vários profissionais e constituindo, assim, os gêneros profissionais. Segundo Bueno (2007, p.76), as regras de ofício se constroem no decorrer da história, fazendo parte de uma memória comum, e podem ser retomadas a qualquer momento como se fosse uma caixa de ferramentas. Essas regras são resultado de uma história e de uma memória coletiva que foram aprovadas por um coletivo de trabalho. Por coletivo de trabalho entenda-se tanto um grupo de pessoas como também a memória coletiva que cada profissional, nesse contexto professor, carrega em si, retomando-a a cada momento de seu trabalho para validar um artefato. O coletivo de trabalho tem papel bastante relevante no trabalho do professor, uma vez que permite a reorganização da tarefa, uma avaliação do trabalho, um apoio para as iniciativas, uma troca entre saberes entre os professores e, principalmente, a construção de instrumentos para o trabalho. 4. A importância de se analisar textos referentes ao trabalho educacional Muitos documentos são produzidos por instituições governamentais sobre as tarefas que os professores devem realizar, que, a princípio, são tomados como textos de prescrição do trabalho ou de trabalho prescrito50 e que incidem sobre a organização das classes, a distribuição do tempo disponível, os objetivos do ensino, as rotinas de interação, as ações a serem desenvolvidas etc, incluindo desde documentos do Ministério da Educação a documentos de outras instâncias governamentais. 50 Acerca da definição de trabalho prescrito, conferir Faïta (2003), Amigues (2003) e Saujat (2002). P á g i n a | 213 Segundo Bronckart e Machado (2003), a análise de diferentes textos torna-se importante uma vez que podem trazer uma nova compreensão sobre trabalho do professor, tanto em relação a seu agir concreto quanto em relação a alguns dos aspectos das representações que socialmente se constroem sobre ele. Os autores asseveram ainda, ao assumir uma concepção ampliada do trabalho que, “tal concepção se configura a partir de toda uma rede de discursos proferidos”. Nesse sentido, a análise dessa rede institui-se um instrumento que pode nos levar a uma compreensão maior das relações linguagem/trabalho. Nesse sentido, assim como Bronckart e Machado (2003) acreditamos que, perceber as representações sobre o trabalho educacional nos diferentes textos, confrontá-las e discuti-las com os trabalhadores envolvidos parece-nos fundamental para sua consolidação ou reformulação. Bronckart e Machado (op. cit.), afirmam que para que uma análise de textos prescritos seja possível, faz-se necessário o levantamento de alguns questionamentos, os quais podem ser divididos em dois grandes grupos. Os questionamentos do primeiro dizem respeito ao agir prescritivo ou avaliativo, exemplificados pelos seguintes tópicos: contexto de produção, gênero mobilizado, organização interna global do texto, fonte de prescrição, função interacional da explicitação ou do ocultamento desempenhados, destinatários da prescrição e determinações ou motivações externas. Os do segundo grupo incidem sobre as diferentes dimensões do trabalho que é prescrito ou avaliado, por exemplo, os aspectos e fases do trabalho, as diferentes fases do agir, os protagonistas desse trabalho, a agentivização dos protagonistas, valorização e desvalorização de aspectos e fases desse trabalho. Mediante os questionários expostos elencaremos as questões do primeiro grupo que se referem ao agir prescritivo e avaliativo, que se realiza pelo, e no, próprio texto, de modo que alcancemos o objetivo inicialmente proposto nesse artigo. Utilizaremos, ainda, do segundo grupo, o questionamento a respeito dos protagonistas do trabalho de forma que seja possível interpretar ou perceber as explicitações dos documentos sobre as ações dos professores de língua inglesa necessárias ao seu trabalho docente. 5. A elaboração de materiais didáticos A imagem do professor como executor do trabalho educacional tem sido largamente tratada tanto em textos prescritivos quanto em muitos relatos de pesquisa que investigam a ação docente. Segundo Cristovão (2005), há uma ampla difusão acerca da docência enquanto ação de realização do que é pensado, elaborado e decidido pelo outro, como no caso das deliberações produzidas pelos agentes superiores do sistema educacional e mesmo de ensino, cabendo aos participantes do sistema didático a implementação do trabalho. Nesse sentido, investigar documentos de prescrição torna-se uma iniciativa válida para entender o verdadeiro status do professor de língua inglesa como elaborador de instrumentos do trabalho docente e situar sua autonomia no sistema educacional em P á g i n a | 214 meio a tantas habilidades e competências que dele são exigidas no processo de ensino e aprendizagem. O ensino de língua estrangeira envolve uma série de variáveis que determinam a prática pedagógica. A prática de sala de aula é constituída pelo sistema didático formado pelo professor, pelos alunos e objetos de conhecimento. Segundo Cristovão (2005), o trabalho de Cunningsworth (1995, p.07) discorre especificamente sobre material didático de língua estrangeira. Segundo a autora, Cunningsworth (op.cit.) elenca como os papéis do material didático os seguintes: um recurso para apresentação de material (oral e escrito); uma fonte de atividades para a prática do aprendiz na interação comunicativa; uma fonte de referência para alunos quanto à gramática, ao vocabulário, à pronúncia etc; uma fonte de incentivo e ideias para atividades de linguagem em sala de aula; um currículo (em que se refletem os objetivos de aprendizagem já determinados); um recurso para aprendizagem auto direcionada ou trabalho de auto acesso; um suporte para professores menos experientes que ainda precisam ganhar confiança. A partir do exposto resta-nos investigar como os prescritos entendem ou concebem essa atividade sugerida por Cunningsworth (1995) como sendo uma atividade concernente ao coletivo de trabalho de professores de língua inglesa. 6. Os Prescritos e o Ensino de Língua Inglesa Os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio do ano de 2000, ou PCNEM, como são popularmente conhecidos, mais especificamente os da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias relacionado ao ensino de Língua Estrangeira Moderna, língua inglesa mais precisamente, buscam esboçar as diferentes relações que o ensino de uma língua estrangeira moderna propicia, a partir de sua aprendizagem, com o mundo do trabalho no qual o aluno estará — ou não — inserido e com sua formação geral. No que diz respeito às Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio do ano de 2008, esse documento objetiva retomar a reflexão sobre a função educacional do ensino de Línguas Estrangeiras no ensino médio e ressaltar a importância dessas; reafirmando a relevância da noção de cidadania e discutir a prática dessa noção no ensino de Línguas Estrangeiras. Os documentos prescritos mencionados fazem referência a competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos professores e apreendidas pelos alunos, todavia pouca ou quase nenhuma referência é feita em suas páginas acerca da ideia do professor de línguas enquanto elaborador de informação ou instrumentos de conhecimento para seus alunos. Segundo os PCNEM do ano de 2000, embora a legislação da primeira metade deste século já indicasse o caráter prático que deveria possuir o ensino das línguas estrangeiras vivas, nem sempre isso ocorreu. Fatores como o reduzido número de horas reservado ao estudo das línguas estrangeiras e a carência de professores com formação P á g i n a | 215 linguística e pedagógica, por exemplo, foram os responsáveis pela não aplicação efetiva dos textos legais. É possível perceber a partir dessa afirmação que nenhuma referência explícita é feita ao professor e ao seu trabalho docente, sendo a falta de formação dos professores, portanto, uma justificativa para não aplicação das prescrições. Os PCNEM enfatizam também que o ensino de língua estrangeira deve assumir caráter prático, todavia não discorre acerca do papel do professor na efetivação dessa dinamicidade. Segundo OCNEM do ano de 2008, cabe às próprias Orientações Curriculares do Ensino Médio trazer à tona reflexões teóricas – pedagógicas e educacionais – que possam ensinar a pensar sobre – ou expandir o que já vem sendo pensado – e a lidar com os conflitos inerentes à educação, ao ato de ensinar, à cultura que consolida a profissão de professor. Nesse documento devemos atribuir o devido mérito de que o trabalho docente é reconhecido como profissão. No entanto, nos PCNEM, percebe-seque nenhuma referência é feita, em absoluto, ao professor de língua ou ao seu coletivo de trabalho como possíveis elaboradores de seus próprios instrumentos no desenvolvimento de habilidades linguísticas, textuais e sociolinguísticas de seus alunos. Grande parte da literatura dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio é destinada a uma justificativa sobre a falta de formação adequada dos professores de língua estrangeira, bem como, a escassez de materiais didáticos, mas não sobre a possível atuação daqueles na elaboração desses. Além da carência de docentes com formação adequada e o fato de que, salvo exceções, a língua estrangeira predominante no currículo ser o inglês, reduziu muito o interesse pela aprendizagem de outras línguas estrangeiras e a consequente formação de professores de outros idiomas. Agravando esse quadro, o país vivenciou a escassez de materiais didáticos que, de fato, incentivassem o ensino e a aprendizagem de Línguas Estrangeiras; quando os havia, o custo os tornava inacessíveis a grande parte dos estudantes. (BRASIL, 2000, p.25). Nota-se, a partir do presente excerto, que nenhuma menção é feita ao professor enquanto possível elaborador de seus instrumentos de trabalho, e cada vez mais é construída uma imagem de um professor de língua despreparado e com formação deficiente e inadequada. As Orientações Curriculares mostram com frequência depoimentos de pesquisados e citações de pesquisadores que apontam resultados desiguais entre o ensino de inglês na escola e nos institutos de idiomas. Inclusive o documento traz em relatos o descontentamento dos alunos que alegam ter de frequentar centros de idiomas para aprender uma língua estrangeira efetivamente. Em meio a essa disparidade e divergências de objetivos de ensino de língua inglesa, em escola regular e centro de idiomas, Linguagens (2000, p.89) afirma que nesse ínterim surgem parcerias com institutos de idiomas, assim, professores seriam selecionados, treinados e acompanhados pelo instituto conveniado; sendo este o principal responsável pela qualidade pedagógica e da implementação de sua formação acadêmica. P á g i n a | 216 É perceptível o quanto ambos os documentos, a saber, PCNEM (2000) e OCNEM (2008), dispensam parte de seus textos discutindo sobre a formação do professor, alegando uma necessária implementação em sua formação. Ao mesmo tempo em que elencam capacidades e habilidades que devem ser ensinadas aos alunos por esses profissionais e esclarecendo que o ensino de língua inglesa na educação regular difere do objetivo da iniciativa dos centros de idiomas. Os documentos dispensam grande atenção dissertando sobre a formação do profissional do ensino de língua inglesa, no entanto, esse profissional não é visto como protagonista de sua própria atividade docente. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio ao elencarem inúmeras competências que devem ser propostas pelo professor de modo que o aluno consiga desenvolvê-las, todas, acabam por se instituir objetivos do ensino de língua estrangeira moderna. Assim, além da competência gramatical, o estudante precisa possuir um bom domínio da competência sociolinguística, da competência discursiva e da competência estratégica. Esses constituem, no nosso entender, os propósitos maiores do ensino de Línguas Estrangeiras no Ensino Médio. (BRASIL, 2000, p.29) Em meio a tantas competências e conceitos, como competência sociolinguística, discursiva e estratégica, empregados sem quaisquer esclarecimentos, a priori, o professor é apagado do sistema educacional como protagonista do seu próprio trabalho docente. Embora seja importante considerar o contexto de produção desses prescritos, nenhuma explicitação é realizada acerca das atividades possíveis ao professor, de modo a conferir-lhe autonomia para realização de sua atividade docente e para que ele efetive todas essas competências através de sua prática pedagógica em sala de aula. A única referência feita pelos PCNEM (2008) ao professor de língua inglesa e a atividade de seu coletivo de trabalho é a seguinte: Seria o caso, por exemplo, de verificar-se se o livro didático provém de algum país europeu, onde o trem constitui um meio de transporte muito importante. Sendo assim, nas aulas da Língua Estrangeira, além de destacar a correção linguística, o professor poderia — ou deveria — estar considerando a importância que um enunciado como o referido pode ter numa situação e contexto reais. (BRASIL, 2000, p.31). É possível notar que nenhuma referência explícita a elaboração de material é feita, apenas a uma possível escolha de material didático objetivando uma adaptação cultural e contextual do ensino de línguas as escolas regulares. Outra menção ao que poderia ser desenvolvido na aula de língua inglesa pelo professor é realizada: [...] o professor pode tratar o tema da alimentação em conjunto com o professor de Geografia. Pode ser feito um estudo do clima e do solo P á g i n a | 217 do país onde se fala a língua-alvo, para chegar-se a discutir questões como hábitos alimentares. (BRASIL, 2000, p.32). No tocante à elaboração ou adaptação de materiais didáticos pelo professor de língua inglesa nenhuma referência é realizada. As Orientações Curriculares do Ensino Médio trazem apenas uma referência “indireta” à elaboração de materiais didáticos pelo professor de inglês para os alunos de escolas regulares. Afirmam ainda que “existem outras formas de produção e circulação da informação e do conhecimento, diferentes das tradicionais aprendidas na escola” (LINGUAGENS 2000, p.97), mas não há nenhuma referência à atividade docente como elaboradora dessas formas de circulação de informação e conhecimento. Nesse sentido, é possível visualizar, a partir das breves menções que são destinadas à atividade do coletivo de trabalho do professor de língua inglesa, a exemplo de “de verificar-se se o livro didático provém de algum país europeu”; “além de destacar a correção linguística, o professor poderia — ou deveria — estar considerando a importância que um enunciado como o referido pode ter numa situação e contexto reais”; ou “o professor pode tratar o tema da alimentação em conjunto com o professor de Geografia” que já caminhamos, mesmo que a passos largos, em direção a documentos que concebam o professor não só como trabalhador, mas como verdadeiro protagonista do trabalho docente. No que diz respeito à elaboração e adaptação de materiais didáticos por esses profissionais, sugerimos que um estudo sobre a relação entre essa atividade e a formação desses profissionais seja realizado, posto ser a formação docente dos profissionais de idiomas exaustivamente tratada em ambos os documentos de prescrição. 7. Considerações Finais A partir da discussão e análise empreendidas no presente artigo pudemos perceber que algumas referências são feitas aos materiais didáticos que ora são classificados como retrógrados, ora como inadequados, e que, inclusive, não mais dão conta das exigências atuais e das competências exigidas no ensino de língua inglesa, que por muito tempo centrou-se na gramaticalização, em detrimento da abordagem comunicativa. Os documentos prefiguram diversas habilidades que devem ser ensinadas aos alunos pelos professores de língua inglesa, as quais foram ilustradas a partir dos excertos mais relevantes, todavia de maneira alguma os documentos concebem ou asseguram ao professor de línguas a imagem de elaborador do seu próprio material didático. Nesses documentos pode-se perceber inclusive que o professor não é visto como protagonista do sistema educacional, haja vista o contexto excludente de produção desses documentos. Tal impasse nos inquieta sobre outros aspectos importantes a esse sistema educacional, como por exemplo, a relação entre a elaboração dos materiais didáticos e a formação do professor de idiomas, enfaticamente vista e tida, nas palavras dos documentos analisados, como precária e deficiente. P á g i n a | 218 Embora não tenhamos encontrado nos documentos de prescrição analisados uma imagem do professor de línguas enquanto elaborador e adaptador de materiais didáticos, achamos pertinente investigar as relações entre linguagem e trabalho, principalmente em relação ao prescrito, isso porque acreditamos que o professor, enquanto promotor do saber e protagonista do sistema educacional tem plenas condições, dada a adequada formação, de elaborar e adaptar seus materiais didáticos independentemente de ser essa uma atividade prescrita ou não. Ademais, Tomlinson&Masuhara (2005) asseguram que todos os professores são criadores de materiais no sentido de que estão rotineiramente empenhados em adaptar materiais às necessidades e aos desejos de seus alunos. Referências BRONCKART, Jean-Paul; MACHADO, Anna Rachel.Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho educacional. In.: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. São Paulo: Eduel, 2004, p. 133-163. BUENO, Luzia. O trabalho como uma forma de agira no ISD. In.: BUENO, Luzia. A construção de representações sobre o trabalho docente: o papel do estágio. São Paulo: EDUC/Fapesp, 2009, caps. 2 e 3. CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes. Gêneros Textuais, material didático e formação de professores. In.: SIGNUM, Londrina n. 8/1, junho 2005, p.173-191. CUNNINGSWORTH, A. Chosing your Coursebook, London: Heinemann, 1995. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais, códigos e suas tecnologias. Língua estrangeira moderna. Brasília: MEC, 2000. pp 49-63. Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. 239 p. (Orientações curriculares para o ensino médio; volume 1). MACHADO, Anna Rachel. Por uma concepção ampliada do trabalho do professor. In.: GUIMARÃES, Ana Maria de et. al. O interacionismosociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. São Paulo: Mercado de Letras, 2007. P.77-97. TOMLINSON, Brian.; MASUHARA, Hitomi.A elaboração de materiais para cursos de idiomas. São Paulo; Special Book Services Livraria, 2005. P á g i n a | 219 DESBUSSOLAMENTO DA PROFISSÃO DOCENTE: REFLETINDO SOBRE PRÁTICAS EM CONTEXTO MULTICULTURAL E LINGUÍSTICO Nilmara Milena Gomes MARAN (UFRR) 51 Lourival NOVAIS NÉTO (UFRR) 52 Resumo: Este artigo tem o objetivo de analisar as representações da profissão docente, tangenciadas por orientação positiva, construídas no discurso de quatro professoras. A fundamentação teórica é baseada na Teoria Social do Discurso que compreende o discurso como forma de prática social. Os discursos foram coletados em uma sessão de Grupo Focal, cuja discussão baseou-se na razão da opção pela profissão docente. A análise demonstrou que as professoras projetaram as suas representações a partir de estímulos positivos, produzidos de forma às quais a prática discursiva passada, condensada em convenções, dota de significado potencial. Palavras-chave: Profissão docente; Discurso; Representação Social; Contexto multicultural e linguístico. 1. Introdução Cada vez mais a questão da formação de professores assume importância devido às exigências e demandas que são atribuídas à educação na sociedade contemporânea. Pesquisar aspectos ligados à motivação das professoras em sua escolha profissional é relevante para compreender o que chamo de desbussolamento da profissão docente. Nesse contexto, essa pesquisa, que é parte integrante de uma dissertação em fase de conclusão, tem como objetivo apresentar e analisar algumas representações acerca da profissão docente constituídas no discurso de professoras que lecionam Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II em escolas públicas de Boa Vista, capital de Roraima. As representações da profissão docente subsidiarão uma discussão sobre representações de língua, no intuito de observar se o ensino de língua contempla as diversidades linguísticas inerentes às salas de aulas multiculturais. Nesse sentido, estando Boa Vista53 imersa em contexto multicultural e linguístico, a heterogeneidade que a constitui me conduziu a refletir sobre representações da profissão docente tangenciadas por orientação positiva, posto que a capital do estado de Roraima expressa formalmente a fusão da sociedade e da realidade regional, favorecida pela pluralidade e diversidade de contatos, encontros e situações, tornando-a muito produtiva do ponto de vista da pesquisa social. O grupo que compõe essa pesquisa foi formado somente por professoras porque os professores convidados a participar da discussão justificaram sua recusa na falta de tempo disponível para esse 51 Aluna do Mestrado em Letras da Universidade Federal de Roraima. E-mail: [email protected]. 52 Professor do Mestrado em Letras da Universidade Federal de Roraima. E-mail: [email protected]. 53 A migração em direção ao estado de Roraima deve-se ao processo de colonização e de institucionalização ocorrido em 1988, em que antes os indígenas eram os únicos habitantes. Em decorrência disso, a população de Roraima é composta por indígenas, migrantes de várias regiões brasileiras e estrangeiros de países como Guiana, Venezuela, entre outros (SOUZA, 2009). P á g i n a | 220 tipo de atividade. As professoras que nomeio como Carolina, Natália, Laura e Lúcia tem idade entre 34 e 43 anos e são formadas em Letras entre os anos de 2005 e 2008 em instituições roraimenses. Carolina e Natália são migrantes da Paraíba e do Maranhão, respectivamente, Laura e Lúcia são roraimenses. 2. Teoria Social do Discurso Um dos pressupostos teóricos da pesquisa em curso que encontrei desenvolvido na perspectiva da Teoria Social do Discurso é o de que ao lançar mão do uso da linguagem como discurso, a investigação, impreterivelmente, seguirá um método informado social e teoricamente, como forma de prática social. Isso implica que esse uso é um modo de ação e de representação historicamente situado, envolto por uma relação dialética com o contexto social, ou seja, o discurso integra o mundo social, constituindo esse mundo e sendo constituído por ele. A centralidade atribuída à linguagem como mediadora da constituição social é um ponto em comum entre os postulados teóricos de Fairclough e Goffman. Para ambos o sujeito se constitui imerso no social. Ao construir o conceito de representação social, Goffman (1975) destaca que o mundo é um teatro e cada um, sozinho ou em grupos, representa suas ações cotidianas, no intuito de ser aceito pelas pessoas em diferentes grupos sociais. Para Fairclough (2001), o discurso é visto como forma de prática social, intimamente ligado ao situacional, institucional e societal porque lida não apenas com o interior dos sistemas linguísticos, mas, principalmente, com a investigação de como esses sistemas funcionam na representação de eventos e na construção de relações sociais. Desse modo, estabelece-se uma relação dialética entre discurso e estrutura social, em que o discurso é uma prática tanto de representação quanto de significação do mundo, constituindo e construindo as relações sociais e os sistemas de conhecimento e de crença. A prática social, moldada e restringida pelas estruturas sociais, constitui a prática discursiva que envolve processos de produção, distribuição e consumo textual, sendo variável a natureza desses processos entre diferentes tipos de discurso, de acordo com fatores sociais. Ou seja, como pontua Fairclough (2001, p. 107) “os textos são produzidos de formas particulares em contextos sociais específicos [...] são consumidos diferentemente em contextos sociais diversos”. Nessa perspectiva, os contextos sociais definem a forma como os textos serão explorados e consumidos, ou seja, dependerá dos modos de interpretação disponíveis, que são vistos como socialmente restringidos num sentido duplo, primeiro pelas estruturas sociais efetivamente interiorizadas - fazendo parte delas as normas, ordens do discurso, convenções estabelecidas para a produção, distribuição e consumo de textos constituídas mediante prática e luta social. Segundo, pela natureza específica da prática social a qual determina os recursos dos membros a que se recorre e como a eles se recorre (FAIRCLOUGH 2001). Essa concepção implica considerar que a produção discursiva é organizada em forma de estruturas e que cada enunciado novo é uma ação individual sobre tais estruturas, que podem tanto contribuir para a continuidade quanto para a transformação de formas padronizadas (RAMALHO e RESENDE 2006). Nesse sentido, Bourdieur P á g i n a | 221 (1989, p. 9) afirma que os sistemas simbólicos “só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados”. Desse modo, os sistemas simbólicos funcionam como estruturas estruturadas - formadas pelas normas, ordens do discurso e convenções estabelecidas para a produção, distribuição e consumo de textos - e como estruturas estruturantes - que são constituídas mediante prática e luta social, no intuito de ressignificar regras e convenções e desse modo construir novas estruturas. Para a Teoria Social do Discurso o poder é temporário, com equilíbrio apenas instável, como veremos nas análises que seguem. Por isso relações assimétricas de poder são passíveis de mudança e superação. Bourdieur (1989) enfatiza que o poder simbólico é um poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Assim, o poder está implícito nas práticas sociais cotidianas, distribuídos e constantemente empregados. Além do mais o poder só é consentido mediante o ocultamento de seus próprios mecanismos, do contrário será moldado e reinstrumentalizado de acordo com as necessidades sociais (FAIRCLOUGH, 2001). 3. Orientação positiva: vozes que enaltecem a profissão docente Representações sociais da profissão docente, geralmente, compõem uma prática social alicerçada no discurso do dom, da vocação. Tais discursos são tangenciados por sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, tratados como condição para ser professor. Essa condição é um intermediário estruturado construído para se explicar a relação constante entre o significante (profissão docente) e o significado (o que é ser professor). Contudo, a pretensa homogeneidade propagada por tal prática social me intriga, uma vez que o discurso é constituído na heterogeneidade, a exemplo das salas de aulas boa-vistenses que são constituídas por docentes e discentes oriundos de várias regiões brasileiras e estrangeiras. A fim de obter uma visão geral dos significados atribuídos ao que é ser professora atualmente, destaco os excertos dos discursos das docentes: Carolina: Porque na época acho que... era mais fácil... antigamente a gente via nossos professores... o respeito dentro da sala de aula Laura: sou professora por convicção, eu quis ser professora desde garota [...]eu estudei com professores formados... né... então a maioria das pessoas tiveram professores pegados a laço aqui em Roraima, então foram pegos a laço, como dizia na época, não tem professor então tu vai pra sala, mas eu peguei uma professora que era maranhense, excelente... [...] então foi com ela que eu aprendi a gostar com certeza e [...] ela ensinava muito bem... então eu admirava, foi admiração também... e:: foi por convicção... Lúcia: escolhi essa profissão, sempre quis essa profissão, né, té um tempo depois que eu tava lecionando, aliás, quando eu fui estagiar, eu fui estagiar na sala da minha professora de 1ª série, quando ela foi minha professora de 1ª série, ela tinha se formado em geografia depois de um tempo, ai foi aquela época que queriam que todos os que tiverem, fossem formados numa área específica, fosse para aquela disciplina... e ela ainda passou um período na, na, naquela disciplina, mas não quis porque ela disse que P á g i n a | 222 gostava era de alfabetizar... [...] e ela era aquela... daquela... ela gostava de alfabetizar [...] daquela maneira bem mecânica mes(mo) sabe mil anos atrás Natália: eu nasci numa família que carrega no sangue essa profissão... eu me criei ouvindo a minha mãe dizer, falando que quando tu crescer tu vai ser professora... minha mãe é professora federal aposentada há muitos anos e::: eu dizia pra ela que eu não queria, que eu não tinha paciência pra ser professora... só que o tempo foi passando eu... me descobri como professora, me identifiquei... não sou professora porque eu não tinha opção... não, sou professora realmente de coração... vocação, gosto do que eu faço... No discurso da professora Carolina, a profissão docente é recuperada através do processo de significação construído no entrecruzamento das formações discursivas que estão sendo representadas: enquanto professora - Porque na época acho que... era mais fácil...; enquanto aluna - antigamente a gente via nossos professores...; na voz de seus professores - o respeito dentro da sala de aula. Assim, o uso do passado na expressão “na época acho que... era mais fácil” demonstra indícios de representação de uma prática social em que a profissão docente é considerada árdua, difícil. Portanto, vejo desenhar-se uma separação historicamente constituída, em que a professora opta pela profissão docente por considerá-la fácil, como foi nas décadas de 70 e 80, em que era estudante. Tais décadas são representadas pela fase de forte repressão do Governo, período da ditadura militar54, onde o ensino era caracterizado pela rigidez dos professores e pela passividade dos alunos, ausentando das instituições de ensino a criticidade e a reflexividade. A proposição de Carolina atravessou anos de nossa história, representando um sistema institucionalmente constrangedor de exclusão. Desse modo, a opção pelo uso de “na época”, “era” e “antigamente” deixa clara que o gosto pela profissão ficou no passado, reproduzindo a lógica com que os discursos das professoras são produzidos hoje, sempre fazendo menção as características de uma sociedade que não se encaixa nos padrões atuais. Carolina visita o passado enxergando “o respeito dentro da sala de aula” como discurso verdadeiro, no sentido forte e valorizado do termo, como pontua Foucault (1971, p. 15-16), em que “se tinha respeito e terror, aquele ao qual era preciso submeter-se, porque ele reinava, era o discurso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido”. A representação de Carolina remete a dois momentos históricos, ontem e hoje. Nesse sentido, a volta ao passado “antigamente a gente via nossos professores”, é uma forma de ver “o respeito dentro da sala de aula”, regressando a uma época representada pela imagem rígida dos seus professores, que provavelmente não aceitavam alunos críticos. Por outro lado, ver atualizada a profissão docente, eterniza o papel de professor representado em nossa sociedade, isto é, aquele que desempenha um papel importante, mas extremamente difícil. A profissão docente (re)aparece no discurso de Carolina, mostrando indícios de que ali opera uma temporalidade não linear, cíclica, que aposta na permanência e que está fora do eixo histórico atual. Através do ontem Carolina representa o hoje: enquanto estudante “antigamente a gente via nossos professores” e enquanto professora “o respeito dentro da sala de aula”. Lado a lado, o ontem e o hoje (re)constroem a 54 O educador era visto como transmissor de conteúdos; portanto, técnico em educação. Nessa época, a formação do educador era pautada na instrumentalização técnica, caracterizada pela organização racional e mecânica, alicerçada na eficiência e produtividade (NÓVOA,1999). P á g i n a | 223 representação da profissão docente no discurso de Carolina, que encara a docência como um ideal inalcançável, atemporal. Como pontua Fairclough (2001, p. 92), as práticas discursivas contribuem tanto para reproduzir a sociedade quanto para transformá-la, o que torna o discurso verdadeiro não mais precioso e desejável, uma vez que não é mais o único discurso possível. Foucault (1971, p. 16), já afirmava que no século VII a verdade estava deslocada do ato ritualizado para o significado atribuído ao próprio enunciado. O ato ritualizado em que os professores de Carolina impunham respeito, não cabe aos padrões atuais porque o significado atribuído a imposição de regras não flexíveis fazem parte da construção sistemática das condições sociais daquela época e não de hoje. Nesse sentido, a temporalidade reproduzida em seu discurso é um princípio importante para compreender o porquê de a representação da profissão docente estar desbussolada, visto que a representação da profissão docente encontra-se em processo de construção. Desse modo, a professora constrói a realidade mediada por sistemas simbólicos como estruturas estruturantes, que por sua vez é tangenciada por estruturas estruturadas. Ou seja, o poder simbólico da época em que era estudante se faz presente para que possa (re)pensar a representação da profissão docente, hoje, como professora. O discurso de Carolina permite que as professoras regressem e reflitam sobre o porquê de ter optado pela profissão docente. Desse modo, a professora Natália revela a vocação como um discurso conclusivo, através do qual destaco o poder simbólico que, de forma invisível, contribui para Natália reproduzir representações que se estabelecem como padrão. A representação da profissão docente construída no discurso de Natália presume a presença do outro, pois ao declarar que eu “me criei ouvindo a minha mãe dizer, falando que: - Quando tu crescer tu vai ser professora... [...] e::: eu dizia pra ela que eu não queria, que eu não tinha paciência pra ser professora...” pressupõe uma outra voz argumentando que as razões que a levaram a ser professora poderiam dificultar sua identificação com a profissão, no entanto, após ingressar na docência, passou a gostar da experiência e acreditou ser esta realmente a sua vocação. A professora reitera esse pressuposto no momento em que confirma a sua opção pela docência assegurando que não foi algo frustrante, cuja negação revela uma outra proposição, portanto, outra voz que diz que a falta de paciência foi aniquilada pela identificação com a docência. E, desse modo, Natália afirma “sou professora realmente de coração... vocação, gosto do que eu faço...”. Ao dizer que escolheu a profissão porque se considera portadora de um dom, de uma vocação para ensinar, a professora está revelando uma imagem romântica da ação docente, aquela que concebe o ato de ensinar como algo missionário, vocacionado. A palavra vocação vem do latim vocatio, - onis (Priberam, 2013) e pode significar o ato de chamar, chamamento, ou ainda, predestinação, tendência (Aurélio, 2013). Assim, percebo que a professora utiliza a palavra vocação apontando para a reprodução do poder simbólico que prevê para o trabalho docente um tipo de sacerdócio55, doação. Natália está convencida de que ela é professora porque foi chamada a ensinar. Tal vocação também é justificada pela inclinação hereditária, visto que nasceu “numa família que carrega no sangue essa profissão”. Esse discurso, como 55 A ideologia da missão é um resquício de um tempo em que o ato de educar comparava-se ao ato dos missionários de evangelizar. Nessa época, ensinar não era de fato uma profissão, mas uma missão porque se ensinava por devoção a exemplo do sacerdócio (NÓVOA,1999). P á g i n a | 224 parte de uma projeção alimentada e mantida pela cooperação entre as participantes, a faz recuar cada vez mais ao passado, mostrando que sua escolha profissional começou mais cedo do que se julgava. Nesse sentido, o discurso da vocação, da hereditariedade familiar, torna-se cada vez mais próximo de um pacto de identificação e colaboração com a plateia, posto que a prática discursiva de Natália mostra que para alguém se tornar professor é preciso se descobrir como tal e gostar do que faz, como afirma me descobri como professora, me identifiquei... não sou professora porque eu não tinha opção... não, sou professora realmente de coração... vocação, gosto do que eu faço... Ser professora significa identificar-se com os modelos expostos e tentar parecer-se com o que a sociedade espera. Com este movimento, a professora garante legitimidade às práticas sociais que compõem os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas que anunciam a profissão docente como vocação. Natália, apesar de ter nascido em uma “família que carrega no sague essa profissão” e de ter sido criada ouvindo a mãe - professora federal aposentada - dizer “quando tu crescer vai ser professora”, afirma que retrucava as investidas da sua mãe afirmando que “eu não tinha paciência para ser professora...”. Contudo, utiliza estratégias de subterfúgio, lançando mão de atos socialmente regulados, no intuito de reestruturar o discurso, como afirma em seguida só que o tempo foi passando eu... me descobri como professora, me identifiquei”, a fim de mostrar-se bem apresentável perante o grupo que espera por um discurso positivo sobre sua opção pela docência. Ao afirmar que “me descobri como professora, me identifiquei”, Natália está propondo aos outros que o seu discurso seja bem percebido e espera também que as estratégias que empregou produza o efeito desejado. Para tanto, fazendo uso de uma encenação intencional, molda seu discurso de acordo com o papel desempenhado pelos outros, que por sua vez constituem a plateia (integrantes do grupo), e dessa forma faz com que as integrantes do grupo sejam capazes de conhecer o que ela esperará delas e o que dela podem esperar. (GOFFMAN, 1975, p. 11). A professora anima sua conduta com movimentos que expressam capacidade e mestria com o propósito de estabelecer uma definição favorável de sua opção pela docência. Além disso, emprega uma fachada pessoal não tanto porque lhe permite apresentar-se como gostaria de aparecer, mas porque sua representação pode contribuir para uma encenação de maior alcance. Comumente verifiquei anteriormente, a definição da situação projetada por Carolina é parte integral da projeção alimentada e mantida por Natália (GOFFMAN, op. cit, p. 76). A concepção da vocação como dom inato, sem influência externa, é refutada pelas professoras Laura e Lúcia, cujas representações baseiam-se na identificação com professoras durante a escolarização, demonstrando que é a partir do contato com o outro que as representações são (re)construídas. Laura afirma que é “professora por convicção, eu quis ser professora desde garota”, justificando o interesse pela profissão docente no exemplo de uma professora de matemática, “uma professora [...] excelente [...] ensinava muito bem”, que lhes fez admirar a docência e decidir ser professora: “então eu admirava, foi admiração também... e:: foi por convicção”. Laura percebe-se privilegiada por ter estudado com “professores formados”, já que foi estudante em uma época em que não havia preocupação com a formação específica de professores para o ensino fundamental e para o ensino médio, antigo secundário, onde, até então, esse trabalho era exercido por profissionais liberais ou autodidatas (GATTI, 2010). Desse modo ela enfatiza a P á g i n a | 225 concepção de que o professor é aquele que domina as particularidades de seu referido campo profissional, sendo necessária a formação na área específica. A professora Lúcia afirma que “escolhi essa profissão. Sempre quis essa profissão”, justificando essa opção no encantamento que sua professora de 1ª série demonstrava pela alfabetização, já que foi convidada a lecionar outras disciplinas, “mas não quis porque ela disse que gostava era de alfabetizar”. Desse modo ao recordar o discurso de sua professora ao afirmar que “gostava era de alfabetizar” não atenta para o fato de que ela está desempenhando um papel, e dessa maneira, implicitamente, solicita de seus alunos que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Esse discurso faz com que Lúcia acredite que o personagem que vê no momento possui as características que aparenta possuir, e que, de um modo geral, as coisas são o que parecem ser. Lúcia apresenta uma concepção idealizada da profissão docente, não atentando para o fato de que quando a professora se apresenta diante de seus alunos, seu desempenho tende a incorporar e a exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade (GOFFMAN, 1975, p. 41), ou seja, representa o seu papel de alfabetizadora que ministra aulas tradicionais, “daquela maneira bem mecânica mes(mo) sabe mil anos atrás”, não deixando transparecer a sua decepção referente a profissão docente. 4. Considerações Finais A constituição das representações da profissão docente foi analisada levando em conta não apenas o texto (discurso) produzido pelas professoras e o processo de interação (produção e recepção do texto), mas, além dessas duas dimensões a linguagem foi inserida na dimensão da ação social. A integração das três dimensões de análise propostas por Fairclough (2001) demonstrou que os discursos não são apenas o modo como expressam os significados atribuídos à docência, mas são as formas de produzir práticas sociais vinculadas a ordens do discurso ora moldadas por estruturas estruturadas a exemplo do discurso de Natália, ora em processo de construção, ressignificando a opção pela docência. Desse modo constatei que Carolina, Natália, Laura e Lúcia, tangenciadas por orientação positiva, projetaram as representações de forma às quais a prática discursiva passada, condensada em convenções, dota de significado potencial (FAIRCLOUGH, 2001). Desse modo, presume-se que há razões sociais para fazer combinações particulares entre significante (profissão docente) e significado (o que é ser professor), posto que os significados atribuídos a profissão docente são socialmente motivados (FAIRCLOUGH, op. cit.), como exposto nas análises. Assim, os textos (discursos) produzidos pelas professoras, construídos a partir do processo de interação (produção e recepção do texto) está diretamente ligado à prática social moldada e restringida pela estrutura social em que estão inseridas. A representação da profissão docente, no discurso das professoras, está marcada pela volta ao passado, projetada como uma época orientada por um eixo vertical, em que as estruturas eram piramidais em cujo ápice projetava-se o ideal que a sociedade deveria alcançar. A ordem do discurso era emoldurada por sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, em que a força permanecia em estado implícito: a hierarquia entre professor e aluno era respeitada. O professor era visto como detentor do saber ocupando o cume da pirâmide. Contudo, desde os iluministas o saber consagrado P á g i n a | 226 tornou-se universal, principalmente após a globalização, onde, as tecnologias da informação revolucionaram as formas de acesso ao saber. Nesse sentido presume-se que o professor deixou de ser o detentor do saber e passou a ter que redescobrir a sua função. Essa prática discursiva, por ser realizada em um laço social horizontal, não mais vertical, gerou nas professoras um sentimento de desbussolamento. O lamento constituído pela perda da detenção do saber que lhes assegurava o caminho a seguir as deixou sem norte, desbussoladas. As professoras fixadas nas amarras de seu passado não sabem o que fazer, nem escolher, hoje, entre os vários futuros que lhe são possíveis: sem respeito, sem valor, sem bússola. As múltiplas possibilidades que se oferecem angustiam as professoras, fazendo-as optarem por seguranças passadas, não adequadas ao contexto multicultural e linguístico que estão situadas. Cada discurso traz em seu âmago a estrutura social do local onde nasceram, não sendo possível manter uma postura localizacionista, posto que as tecnologias da informação transformam o pensamento único em consciência universal. Posto isso, em um segundo momento, prosseguirei com a análise das representações de escola. Estes temas – opção pela profissão docente e representações de escola - são significativos para a análise e reflexão das representações de Língua Portuguesa porque proponho a discussão do ponto de vista que considera o discurso não como simples expressão do pensamento, e sim como algo produzido a partir de uma dada exterioridade, carregando em seu interior elementos que estão interligados ao lugar social, histórico e ideológico no qual o sujeito está inserido. Referências BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989, p. 7-15. Dicionário do Aurélio. Disponível em http://www.dicionariodoaurelio.com/Vocacao.html. Acessado em 13 de agosto de 2013. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Izabel Magalhaes (coordenadora da tradução, revisão técnica e prefácio). Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2001. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Ed. Loyola. 1971. GATTI, Bernardete A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010. GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes. 1975 NÓVOA, Antonio. Profissão professor. NÓVOA, A. (org.). Profissão professor. 2 ed. Porto: Porto Editora, 1999. Priberam. Disponível em http://www.priberam.pt/DLPO/voca%C3%A7%C3%A3o. Acessado em 13 de agosto de 2013. RAMALHO, Viviane; RESENDE, Viviane de Melo. Análise do Discurso Crítica. São Paulo: Contexto, 2006. SOUZA, Carla Monteiro de. Boa Vista/RR e as migrações: mudanças, permanências, múltiplos significados. Revista Acta Geográfica, ano III, n° 5, jan./jun. De 2009. p.39- P á g i n a | 227 62. Disponível em http://revista.ufrr.br/index.php/actageo/article/view/218/377. Acessado em 10/05/2012. P á g i n a | 228 A REPRESENTAÇÃO DE CULTURAS ANGLOFÁNAS NOS RECURSOS DIDÁTICOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: PERPECTIVA DE LETRAMENTO. Silvania Cápua CARVALHO (UESF) 56 Resumo: O objetivo deste artigo é expor sobre a experiência docente na disciplina Literatura Inglesa e Identidade Cultural, no curso de Formação de Professores no Programa Especial de Formação de Professores (PROFORMA), e o olhar dos professores em formação no projeto PIBID Letras Inglês da Universidade Estadual de Feira de Santana. São discutidos o ensino-aprendizagem de línguas e a representação de culturas anglófanas nos livros didáticos de ensino fundamental de Língua Inglesa através do uso das TICs e de recursos digitais como ferramentas para o letramento dos leitores nas aulas da disciplina supracitada. As considerações têm como suporte teórico o sócio-interacionismo, conforme propostas de leitura, ensino e letramento de Kleiman (2011), Tavares (2011), Soares (2012) e Said (2011), em que se dialoga com saberes e práticas docentes na formação de leitores do ensino fundamental. Em termos mais específicos, são abordadas possibilidades de uso de ferramentas digitais no ensino de leitura empregado em sala de aula, enfatizando, assim, a potencialização do nível de letramento e o estudo das relações entre produção literária e problemas teóricos e históricos da construção de identidades socioculturais, consideradas sob as mais diversas formas, no plano individual e no plano coletivo. São analisados materiais didáticos e temas centrais da atualidade como hibridismo, globalização, identidade cultural, verificando como estes são abordados nos livros das coleções ofertadas pelo programa nacional de distribuição dos livros didáticos (PNDL 2010/2012). São também apresentados alguns dos trabalhos realizados pelos graduandos e as considerações por eles tecidas sobre os recursos didáticos de sua prática docente, além de uma proposta de comparar as características da tradição literária dos países de língua inglesa e a realidade brasileira. Palavras-chave: Representação Cultural. Ensino-aprendizagem de Língua. Letramento. 1. Introdução There is a common perception that all learning should be serious and solemn in nature, and that if one is having fun and there is hilarity and laughter, then it is not really learning. (Lee Su Kim) No mundo contemporâneo, o conhecimento do inglês como língua estrangeira se impõe cada vez mais, não só para fins de comunicação global, como também para permitir acesso à informação científica atualizada. No Brasil, a influência da língua inglesa se faz notar nas mídias digitais, nos meios de comunicação, como jornais e 56 Professora de Língua e Literatura Inglesa e Inglês Instrumental do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestra em Literatura e Diversidade Cultural pelo programa PPGLDC, UEFS (2011). Pesquisadora em Literatura, Memória e Representações Identitárias (UEFS/PPGLDC). Membro do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos: Literatura de Jornal ao Sistema Literário. Correio eletrônico: <[email protected]>. P á g i n a | 229 revistas das diversas áreas de conhecimento. Pela necessidade de compreender um mundo multiplural, faz-se necessário um olhar crítico sobre os materiais disponíveis e os escolhidos para o uso no programa PNDL do governo federal. O objetivo deste artigo é expor sobre a experiência docente na disciplina Literatura Inglesa e Identidade Cultural, no curso de Formação de Professores no Programa Especial de Formação de Professores (PROFORMA), e o olhar dos professores em formação no projeto PIBID Letras Inglês da Universidade Estadual de Feira de Santana. São discutidos o ensino-aprendizagem de línguas e a representação de culturas anglófanas nos livros didáticos de ensino fundamental de Língua Inglesa através do uso das TICs e de recursos digitais como ferramentas para o letramento dos leitores nas aulas da disciplina supracitada. Dialoga-se com saberes e práticas docentes na formação de leitores do ensino fundamental. Em termos mais específicos, são abordadas possibilidades de uso de ferramentas digitais no ensino de leitura empregado em sala de aula, enfatizando, assim, a potencialização do nível de letramento e o estudo das relações entre produção literária e problemas teóricos e históricos da construção de identidades socioculturais, consideradas sob as mais diversas formas, no plano individual e no plano coletivo. É efetuada a análise de livros didáticos e de temas centrais da atualidade como hibridismo, globalização, identidade cultural, verificando como estes são abordados nos livros das coleções ofertadas pelo Programa Nacional de Distribuição dos Livros Didáticos (PNDL 2010/2012). Também são apresentados alguns dos trabalhos realizados pelos graduandos e as considerações por eles tecidas sobre os recursos didáticos de sua prática docente, além de uma proposta de comparar as características da tradição literária dos países de língua inglesa e a realidade brasileira. Os graduandos e os discentes do programa PROFORMA passam a ter um olhar crítico para analisar os livros e os materiais a serem utilizadas na sua experiência docente nas escolas onde atuam e no subprojeto Letras Inglês do PIBID UEFS. 2. Suporte teórico Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa... (SOARES, 2012, p. 48) As considerações têm como suporte teórico o sócio-interacionismo e o funcionalismo,enquadrando-se, nesse suporte, leitura, ensino, letramento e pesquisa docente de Coscarelli e Ribeiro (2011), Kleiman (2011), Tavares (2011) e Soares (2012), dialogando com a prática docente na formação de leitores nas diversas áreas de conhecimento. Sobre a importância atualmente do uso das novas tecnologias, Luke (2000, p.9091) tece suas considerações: The “Information revolution” is here and it’s here to stay. It is therefore incumbent upon educators to be informed about the many issues at stake in order to take informed positions on IT implementation, on the development of supportive teacher P á g i n a | 230 professional development, and on the theoretical and practical development of a Multiliteracies and multimedia cyber-pedagogy. Equally important is to give all students the critical analytic tools with which to assess the sociocultural and political consequences of technological change (LUKE, 2000, p.90-91). O ambiente escolar contemporâneo, ao repensarmos o ensino e a possibilidade de utilizarmos estas novas tecnologias nas salas de aula ou como sala de aula, de forma cuidadosamente planejada, tecida, empresta conceitos da sociedade, que transitou do meio impresso, atualmente repensa os impactos da escrita no meio digital. Os recursos que os computadores oferecem como a diversidade de tratamento da imagem e do texto, os novos ambientes de leitura e escrita, de pesquisa e publicações de textos. Nossos alunos que dispunham há algumas décadas atrás dos gêneros como a carta, o conto, o bilhete, o anúncio classificado, a noticia de jornal, o editorial ou o artigo científico: agora na nova era da cultura digital estes gêneros foram reconfigurados e passaram a ser utilizados no convívio escolar e fora dele para se comunicarem o e-mail, a conversa de chats, redes sociais, mensagens de texto (torpedos) via telefonia móvel, os gêneros postados em blogs pessoais ou de uso didático e textos produzidos para webjornais. Escrever agora é um ato público mais do que no nosso tempo de estudantes, vão além das confissões de adolescentes em diários escritos íntimos. Tavares (2011, p.143) diz que, [...] além de ser uma fonte de informação fundamental para diferentes propósitos educacionais, a Internet também representa um meio acessível e rápido de distribuição de informação, viabilizando a divulgação de material produzido por alunos e professores. Na verdade, com a grande oferta de serviços gratuitos e simples de usar para publicação e compartilhamento de conteúdos na Internet – como Google Sites (<www.sites.google.com>), Google Docs (<www.docs.google.com>), Blogger (<www.blogger.com>), Wikispaces (<www.wikispaces.com>), YouTube (<www.youtube.com>), entre muitos outros –, o mesmo usuário que utiliza a Internet como fonte de informação é aquele que também compartilha informações e cria conteúdos colaborativamente (TAVARES, 2011,p.143). Ao nos depararmos com os novos recursos tecnológicos como instrumentos da nossa prática diária, verificamos que: Diante da variedade de exemplos representativos de sites e recursos com diferentes utilidades para o ensino da compreensão escrita, espero que o professor se sinta estimulado a refletir sobre as melhores formas de utilizá-los de acordo com suas concepções teórico-metodológicas sobre leitura e, a partir de uma avaliação do seu uso, ampliar e aperfeiçoar o emprego da Internet na sua prática pedagógica (TAVARES, 2011, p.133). P á g i n a | 231 Kleiman (2011), em sua teoria sobre a competência de leitura, afirma que não há compreensão sem ativação do conhecimento prévio do leitor. Assim, podemos avaliar como é imprescindível que o professor embase a sua prática pedagógica no conhecimento dos processos envolvidos no desenvolvimento da competência leitora e, a partir dele, seja capaz de reconhecer o conhecimento prévio do aluno leitor. Torna-se fundamental e indispensável à atribuição de sentido ao texto, isto é, que a compreensão e a interpretação do texto se estabeleçam. Quando o aluno confirma suas antecipações, a nova informação advinda da leitura é agregada aos conhecimentos anteriores e, nesse momento, ocorre a compreensão. Nas aulas iniciais, sempre apresentamos aos alunos considerações sobre os processos de leitura, tipos de leitura, e as estratégias de leitura são, passo a passo, treinadas a fim de facilitar o que a teoria nos recomenda. Todos os gêneros textuais de ampla circulação social podem estar relacionados a suportes e dispositivos e às maneiras de ler, de modo que obedecem a critérios criados tanto pelo leitor/usuário dos textos quanto pelos seus autores, pois: O leitor-professor é o sujeito que deve estar preparado para lidar com as tecnologias de leitura. E, é claro, com as leituras das tecnologias. Ser preparado para formar novos leitores no processo de ensinar/aprender novos gestos de leitura de diferentes suportes, materiais, texturas, configurações textuais, etc., num movimento de apropriação das novas tecnologias. Novas tecnologias implicam novos modelos de relação entre os sujeitos cognoscentes e os objetos do conhecimento. Abrangem textos e leituras, ambos necessariamente plurais (BARRETO, 2001, apud RIBEIRO, 2011, p.148). Vivemos um momento privilegiado na nossa atividade acadêmica, pois novas práticas de leitura e de escrita também no ensino e aprendizagem das línguas adicionais estão sendo introduzidas, com a finalidade de captar o estado ou condição que nos estão conduzindo a nova postura docente. Temos de associar nossa formação e a novidade das TICs como ferramentas de ensino, que nos auxiliam a identificar se as práticas de leitura e de escrita digitais, “[...] o letramento na cibercultura, conduzem a um estado ou condição diferente daquele a que conduzem as práticas de leitura e de escrita quirográficas e tipográficas” (SOARES, 2002, p. 143). 3. Imagens Nas diversas mídias e, principalmente, no mundo da publicidade, as imagens estão presentes de forma marcante em nosso dia a dia. Recursos da mídia e da propaganda o mundo publicitário e o uso das imagens. Vivemos imersos em um mundo imagético, sendo sugestionados, provocados, constantemente por elas, que também influenciam, a cada instante, nossa aprendizagem e prática docente. Algumas imagens levam-nos abertamente a questionarmos certos costumes, hábitos, ou até mesmo ideais. Outras, mais discretas ou com menos significados para nós, passam despercebidas em relação à percepção de imagens, afirma que só podemos ver aquilo que possua algum feitio ou forma, ou seja, que tenha um significado para nós. P á g i n a | 232 Portanto, o contato com a imagem dá-se de forma contínua, e sua representação tem grande repercussão no meio social, uma vez que as ilustrações são representações de uma sociedade em um momento histórico. Dessa forma, quando lemos imagens, quase automaticamente lhes atribuímos um contexto, que depende da ocasião, local, tempo e experiências culturais; além disso, os valores que atribuímos a elas também dependem dessas vertentes. As imagens podem influenciar nossos alunos no processo de aprendizagem das mais variadas disciplinas no âmbito escolar. Vejamos alguns dos slides apresentados para comparar como as imagens de meio ambiente dos países de cultura de língua inglesa, os animais que não pertencem a nossa realidade, tornam-se novidades da cultura de outros países: Figura 1 – Slide 11 da comunicação oral apresentada no eixo 1. Fonte: Trabalho desenvolvido pela equipe das alunas Claudete Santos Soares, Maria de Fátima Mariano e Sandra Zely Alves Silva Laranjeiras. Analisando, criticamente, imagens dos livros didáticos para o ensino de língua inglesa, podemos ficar mais resistentes em relação a imposições midiáticas, aos apelos da cultura dos países anglófanos. Igualmente, não existe uma única e exclusiva leitura de imagens, e a sua interpretação pode variar de acordo com o momento histórico e também com a leitura de mundo de cada um, seu repertório teórico, sua experiência docente e tempo de atuação. Para conseguirmos essa interpretação crítica, há todo um trabalho de desconstrução dessas imagens, de observação de como ela funciona, o que significam e que significados produzem, de como constituem e reforçam as identidades de seus leitores. A respeito disso, Said (2011) afirma a importância do contexto tempo e espaço para compreendermos uma arte e imagens de uma cultura: P á g i n a | 233 O sentido histórico, que é um sentido tanto do intemporal quanto do temporal, e do intemporal e do temporal juntos, é o que torna um escritor tradicional. E é, aomesmo tempo, o que torna um escritor profundamente consciente de seu lugar no tempo, de sua própria contemporaneidade. Nenhum poeta, nenhum artista de qualquer arte, tem seu pleno significado sozinho (SAID,2011,p.35). Assim podemos observar a importância do contexto sociocultural dos materiais didáticos utilizados para o ensino da língua inglesa. Apresentamos, a seguir, algumas das imagens dos trabalhos dos alunos da disciplina: Figura 2 – Slide 10 da comunicação oral apresentada no eixo 1. Fonte: Trabalho desenvolvido pela equipe das alunas Claudete Santos Soares, Maria de Fátima Mariano e Sandra Zely Alves Silva Laranjeiras. A proposta do trabalho é avaliar as imagens e as representações culturais que estão, juntamente com o conteúdo de língua inglesa, sendo passadas nos livros-textos utilizados na prática pedagógica do ensino fundamental e médio, valorizando as experiências dos alunos e o conhecimento teórico da disciplina Literatura Inglesa e Identidade Cultural no curso de Formação de Professores no Programa Especial de Formação de Professores (PROFORMA). Busca-se, também, valorizar esses alunos como protagonistas, incentivando neles uma leitura crítica dos materiais didáticos que recebem do governo para uso nas classes. Parte do trabalho da equipe do Slide 10 foi: 1º – Identificar a apresentação temática e as definições de Identidade, Cultura, Meio Ambiente, Trabalho e Consumo nos livros didáticos de duas coleções de língua inglesa, tomando o volume 1 de cada uma delas para comparar como os temas trabalhados; 2º – Apresentar as equipes com a análise das estruturas dos livros do 6ºano: Ace Project (AMOS; PRESCHER, 2001) eKeep in Mind (ZAOROB; CHIN, 2009). P á g i n a | 234 3º – Analisar como os elementos culturais do corpus escolhido são apresentados nos livros em questão. O conceito de Identidade de Stuart Hall (2003) foi estudado pelos alunos e apresentado pela equipe: 1) o sujeito do iluminismo: indivíduo centrado ; 2) o sujeito sociológico: reflete a crescente da complexidade do mundo moderno; 3) o sujeito pós-moderno: contextualizado e não tendo uma identidade fixa. As considerações de cada equipe foram apresentadas em seminários com a participação de todos os alunos da disciplina, ampliando os conceitos trabalhados e aplicando-os nos livros escolhidos pelos grupos. Aplicaram, também, os conhecimentos teóricos, comparando-os com as leituras críticas dos livros das coleções escolhidas. Figura 3 – Slide 13 da comunicação oral do eixo 1.slide 10 da comunicação oral apresentada no eixo 1. Fonte: Trabalho desenvolvido pela equipe das alunas Claudete Santos Soares,Maria de Fátima Mariano e Sandra Zely Alves Silva Laranjeiras. A Coleção Radix traz uma proposta inovadora com base em um trabalho interativo, tendo como meta um mundo de ideias sobre a cultura do outro país sob o olhar da inclusão, em que o ensino e a aprendizagem da Língua Inglesa são voltados para o conhecimento de mundo dos alunos, interagindo sempre com professor e comunidade, abrindo assim um leque de oportunidades para um mundo globalizado. (RUBIN; FERRARI, 2005). A Coletânea Links –English For Teens (SANTOS; MARQUES, 2009) adota também uma visão sociointeracional da linguagem, vendo a comunicação como processo relacionado a contextos de uso no dado momento histórico e social, no qual a P á g i n a | 235 Língua Inglesa se insere como ponto de partida para reflexões sobre as funções da linguagem em práticas sociais mais amplas. Figura 4 –Slide 16 da comunicação oral do eixo 1. Fonte: Trabalho desenvolvido pela equipe das alunas:Célia Santos Suelo, Jaidy Nunes de Oliveira, Maria Rita Ferreira, Valéria Mendes de Oliveira Santos. Para Jovchelovitch (1995), “[...] explorar a influência exercida pelas representações sociais na sociedade pressupõe compreender o sistema de diferenças que marcam essas representações e os significados que elas exercem no tecido social”.As representações sociais revelam os interesses e conflitos próprios da sociedade onde elas foram geradas, por isso traduzem identidades, afetos e projetos diversos. Através do saber que os sujeitos têm de si mesmos, do seu contexto e dos outros é que as representações surgem como um sistema de saberes que assinala a identidade de um grupo, sendo estas as ferramentas que os habilitam a enfrentar a realidade e se relacionar com o mundo repleto de símbolos e seus significados. É de fundamental importância que o professor tenha cuidado na escolha do Livro Didático, pois através dele pode-se induzir o aluno a práticas discriminatórias, bem como a se sentir excluído, visto que esse material é trabalhado numa Instituição de Ensino, ambiente que deve ser usado para educar e incluir os aprendizes da língua inglesa. A representação cultural acompanha essas imagens e a identidade nelas contidas, na opinião dos membros das equipes. P á g i n a | 236 Figura 5 –Slide 14 da comunicação oral do eixo 1. Fonte: Trabalho desenvolvido pela equipe das alunas: Claudete Santos Soares, Maria de Fátima Mariano e Sandra Zely Alves Silva Laranjeiras. Nota-se, nas argumentações de Said (2011, p.348), que “[...] os horizontes culturais de um nacionalismo podem ser fatalmente limitados pela história comum que ele pressupõe para o colonizador e colonizado”. Os nossos livros didáticos não podem perpetuar as relações de outrora, de que somos meros reprodutores dos valores e dos horizontes culturais dos países de língua inglesa. Devemos ter postura diante de um mundo globalizado, que recebe influências das mais diversas, e a língua inglesa já não mais se limita aos países estabelecidos como grandes potências econômicas. Agora, possuímos olhares múltiplos, e a aprendizagem de línguas acompanha esta nova tendência mundial do respeito às diversidades culturais. Como expressa Said (2011, p.34): Em outras palavras, a história não é uma máquina de calcular. Ela se desdobra no espírito e na imaginação, e adquire corpo nas múltiplas respostas da cultura de um povo, a qual, por sua vez, é a mediação infinitamente sutil de realidades materiais, de fatos econômicos subjacentes, de ásperas objetividades. As palavras iniciais de Said, em Cultura e Imperialismo, expressam a importância dos aspectos geográficos e das representações das imagens e ideias de uma civilização: [...] uma espécie de exame geográfico da experiência histórica, tendo em mente a ideia de que a terra é, de fato, um único e mesmo mundo, onde praticamente não existem espaços vazios e inabitados. Assim como nenhum de nós está fora ou além da geografia, da mesma forma nenhum de nós está totalmente ausente da luta pela geografia. Essa luta é complexa e interessante porque não se restringe a soldados e canhões, abrangendo também ideias, formas, imagens e representações. (SAID, 2011, p.39). P á g i n a | 237 4. Conclusão Consideramos nosso trabalho de professor-navegador um novo desafio na prática docente, já que temos, a cada semestre, de aprender a lidar com novas rotas de viagens pedagógicas, como nos sugere Tavares (2011, p.132): As possibilidades de uso da Internet para fins educacionais e, em particular, para o ensino-aprendizagem de leitura se multiplicam à medida que novas ferramentas digitais são disponibilizadas e popularizadas e à medida que novas formas de utilizar pedagogicamente tais ferramentas são experimentadas e compartilhadas. Com o aparecimento das multimodalidades de comunicação, as redes sociais são ferramentas que utilizamos para nos comunicar com os alunos, enviar-lhes arquivos e sugestão de sites para a aprendizagem da língua inglesa, e de sites e hiperlinks que possam contribuir para ampliar seu conhecimento do idioma. O contato instantâneo é algo que motiva e amplia os horizontes culturais dos aprendizes, já que poderão melhorar seu desempenho através da comunicação com nativos e falantes da língua, via e-mail, Skype ou das redes sociais, até porque os alunos vivem “logados” nos seus dispositivos móveis, em qualquer lugar ou tempo. Essas ferramentas multimodais são nossas aliadas para mantermos a motivação e atenção dos alunos nas aulas de línguas, por isso, em nossas aulas na graduação ou no PROFORMA, precisamos discutir o ensino-aprendizagem de línguas e a representação de culturas anglófanas nos livros didáticos de ensino fundamental de Língua Inglesa através do uso das TICs e recursos digitais, como ferramentas para o letramento dos leitores das próximas gerações de profissionais do ensino de línguas. Devemos mostrar a nossos alunos que o livro didático e a prática docente deles podem também gerar pesquisa que vão ultrapassar as fronteiras do Ensino Fundamental, unindo teoria e prática. 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Nesses termos, com o objetivo principal de refletir sobre o papel da disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório I, oferecida no curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco, debruçamo-nos sobre os estudos de Gatti e Nunes (2009), Mello (2000), Pimenta e Lima (2005/2006), entre outros, e refletimos, por um lado, acerca de aspectos como ementa, objetivos, conteúdos e bibliografia indicados no programa dessa disciplina e, por outro, sobre o que dizem os estudantes a respeito do papel desse componente curricular na sua formação. Para tanto, debruçamo-nos sobre o programa do mesmo e sobre os relatórios finais de estágio produzidos pelos alunos. Os dados coletados foram analisados a partir da Análise documental e os resultados mostraram que essa disciplina é decisiva na formação dos estudantes de licenciatura em Letras, tanto porque devem promover a devida articulação entre teoria e prática, quanto por proporcionar conhecimento sobre a ecologia da escola, sua organização e seu funcionamento. Palavras-chave: Estágio Supervisionado Obrigatório; Formação de professores; Curso de licenciatura em Letras. 1. Introdução A formação inicial do professor de português exige cada vez mais estudos e pesquisas. Voltar-se para o modo como estão sendo formados os profissionais que ensinarão nossos alunos a ler, escrever, falar e refletir sobre a língua é tarefa imprescindível, sobretudo para aqueles que, por exemplo, esperam e acreditam em melhorias e avanços nos índices de letramento no Brasil. Sabendo disso e sabendo, também, da necessidade de atentar para o currículo dos cursos de formação de professores de português, realizamos este estudo com o objetivo principal de refletir sobre o papel da disciplina Estágio Supervisionado Obrigatório I (ESO I), oferecida no curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Para tanto, debruçamo-nos sobre alguns documentos importantes da disciplina – o Plano de Ensino e os Relatórios finais de estágio produzidos pelos estudantes. Este trabalho, então, está estruturado da seguinte forma: inicialmente, apresentamos, na fundamentação teórica, algumas reflexões acerca do papel da Universidade e das disciplinas formadoras – com destaque para ESO I – na formação do professor, bem como sobre as especificidades da formação do professor de português. Em seguida, apresentamos o percurso metodológico realizado para executar esta pesquisa e trazemos as análises dos dados com as discussões mais pertinentes acerca do que foi coletado. Por fim, apresentamos nossas considerações acerca do papel da P á g i n a | 241 disciplina ESO I na formação dos nossos estudantes de Letras – em breve, professores de português. 2. A formação do professor de português: o papel da universidade e das disciplinas formadoras e as especificidades do ensino de língua materna Desde a década de 1990, cresce em nosso país o número de Instituições de Ensino Superior (IES), aumentando consideravelmente a oferta de cursos na área de educação – principalmente na de Pedagogia e Letras. Também devido a esse crescimento, esses cursos têm passado por grandes discussões e, consequentemente, originado muitas pesquisas. De acordo com Marcelo (1997), as pesquisas sobre formação de professores, que cresceram qualitativa e quantitativamente, têm recebido considerável destaque no cenário nacional. Para ele, “pouco a pouco, tem-se constatado um incremento na preocupação de conhecer mais e melhor a maneira como se desenvolve o processo de aprender a ensinar” (p. 1). Situando o debate na formação inicial dos professores de português, esse processo de aprender a ensinar e, também, o de ensinar para promover a aprendizagem ganham ainda mais relevância, pois é preciso pensar sobre como os conhecimentos são construídos nas salas de aula das universidades e sobre como os alunos – futuros professores – estão se apropriando das teorias discutidas e das práticas realizadas. Isso se mostra relevante quando voltamos nosso olhar para as práticas dos professores ao ensinarem língua portuguesa, pois vemos que a leitura, a escrita, a oralidade e a análise linguística nem sempre são ensinadas de forma articulada e considerando a língua como meio de interação social. Olhar para a formação inicial dos professores de português implica, então, em tentar compreender como a universidade concebe o professor de português, como discute as várias temáticas acerca do ensino, como sugere práticas de ensino da língua, entre outras questões. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Letras, conforme Parecer CNE/CES nº 1.363, de 12 de dezembro de 2001, destacam que os cursos de Letras precisam atender à relação dialética entre o pragmatismo da sociedade moderna e o cultivo dos valores da humanidade. Ainda de acordo com essas Diretrizes, o objetivo do curso de Letras é formar um profissional interculturalmente competente, que possa lidar, de forma crítica, com as várias linguagens, sobretudo a verbal, nos vários contextos e situações de uso. Quanto aos conteúdos curriculares, elas defendem que os estudantes aprendam conteúdos básicos ligados à área dos estudos linguísticos e literários, fundando-se na percepção da língua e da literatura como prática social e como forma mais elaborada das manifestações culturais. Segundo tais orientações, o desenvolvimento de habilidades e competências do futuro professor no curso de Letras depende da realização de atividades de caráter prático durante o período de integralização do curso, o que demonstra o reconhecimento da importância da prática para a formação do professor. É nesse contexto que se destaca o papel das disciplinas formadoras. As disciplinas formadoras são “responsáveis” pela teorização da prática e pela própria experiência prática que os graduandos precisarão vivenciar enquanto P á g i n a | 242 professores em formação. São as disciplinas destinadas à didática, à metodologia, ao estágio e à prática de ensino que, apesar de atenderem por nomes diferentes e apresentarem ementas e formatos diversificados de acordo com a instituição e o curso de origem (a estruturação do currículo fica a cargo de cada instituição), todas elas são obrigatórias nos cursos de licenciatura (a de estágio, por exemplo, também é obrigatória em outros cursos). Elas buscam, dentre outras motivos, inserir os alunos nas discussões sobre a prática e nas situações reais de ensino. Segundo Gatti e Nunes (2009), as disciplinas formadoras são de grande relevância para o entendimento do quadro formativo teórico-prático que está sendo proposto aos futuros professores, uma vez que é, sobretudo, no âmbito delas que se encontram (ou, pelo menos, deveriam se encontrar) os conteúdos mais intimamente relacionados com o trabalho que será realizado pelos professores no exercício efetivo da sua função. No caso dos cursos de licenciatura em Letras, nos quais são formados profissionais que estão encarregados de inserir de forma mais efetiva e competente os alunos nas práticas da leitura e da escrita, essas disciplinas passam a ter um papel ainda mais importante, pois é preciso que elas deem espaço a discussões sobre leitura, produção oral e escrita e reflexão sobre o sistema linguístico, passando pelos vários usos da língua que são possibilitados à medida que se lê, se escreve e se reflete sobre ela. Assim, refletir sobre a formação do professor de português e sobre o papel dessas disciplinas é imprescindível porque elas representam, como já dissemos, a relação teoria e prática que remete à aprendizagem da transposição didática, decisiva para o professor em formação. Como bem coloca Mello (2000): A prática do curso de formação docente é o ensino, portanto cada conteúdo que é aprendido pelo futuro professor em seu curso de formação profissional precisa estar relacionado com o ensino desse mesmo conteúdo na educação básica. Isso implica um tipo de organização curricular que, em todas as disciplinas do curso de formação, permita também: a transposição didática do conteúdo aprendido pelo futuro professor; e a contextualização do que está sendo aprendido na realidade da educação básica (p. 103). Isso que nos diz Mello nos leva a refletir sobre as especificidades do ensino de língua portuguesa, que é o trabalho com a linguagem. Para Geraldi (1997), esse trabalho na escola tem cada vez mais o texto como centro, quer para fins de leitura, quer para fins de produção. Para ele, “o específico do trabalho da aula de português é o trabalho com textos”, sobretudo porque: É no texto que a língua – objeto de estudos – se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões. (p. 135). Ainda para esse autor, as possibilidades de trabalho com o texto são plurais, P á g i n a | 243 tendo em vista que texto não é produto, é possibilidade: A presença do texto na escola constrói-se como possibilidade de reapropriação, pelo professor, e pelos alunos, de seu papel produtivo. Por esta via pode se dar a desconstrução da identidade atual (...) e a construção de uma nova identidade. (p. 113). Nessa perspectiva de concepção de texto como conteúdo de ensino de língua portuguesa e como construção de sentido que se dá na “interação entre autor-textoleitor” (KOCH; ELIAS, 2006) é que se centra o trabalho com os mais diversos gêneros textuais, os quais constituem o próprio lugar da interação em que os sujeitos se constroem e são construídos; o texto é um construto histórico e social, complexo e multifacetado (KOCH, 2008). Os gêneros textuais, segundo Marcuschi (2005), são fenômenos históricos que se vinculam profundamente à vida cultural e social, pois são resultado de trabalho coletivo e colaboram com a ordenação e estabilização das atividades comunicativas do dia a dia. Assim também pensam Barros e Nascimento (2007), ao apontarem que O gênero só existe relacionado à sociedade que o utiliza. O que o constitui é muito mais sua ligação com uma situação social de interação do que, propriamente, suas propriedades formais (p. 245). O mesmo coloca Bakhtin (1981), quando afirma que os gêneros não apenas regulam como também conferem significado às interações humanas, pois são eles que norteiam qualquer ato de linguagem. Em face disso, não podem ficar fora da sala de aula. As discussões acerca do trabalho com os gêneros textuais na escola tornaram-se mais presentes no Brasil a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de língua portuguesa (BRASIL, 1998), pois esse documento curricular reforçou a proposta de adotar o texto como unidade de ensino e o gênero como objeto intermediador do processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Barros e Nascimento (2007), os PCN estimularam muitas reflexões e, consequentemente, “incentivaram novos estudos na área do ensino de línguas, principalmente no que diz respeito ao ‘como‘ levar esses ‘novos‘ objetos de ensino para a sala de aula” (p. 242). É indiscutível que os gêneros textuais só trazem ganhos quando são levados à sala de aula. Eles são essenciais ao ensino de leitura, produção de texto, oralidade e análise linguística, como evidencia Marcuschi (2005): O trabalho com os gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no dia a dia. Pois nada do que fizermos linguisticamente estará fora de ser feito em algum gênero (p. 35). P á g i n a | 244 Levar os textos para a sala de aula significa abrir a escola à pluralidade de discursos que circulam socialmente. Significa também trabalhar na perspectiva do letramento, ou seja, ensinar a leitura e a escrita como práticas sociais. Nesses termos, a universidade, que é, segundo Souza (2009, p. 134), “o lócus privilegiado da formação de professores”, deve organizar o currículo dos cursos de licenciatura em Letras de modo a atender não somente a educação de um modo geral, mas sobretudo para formar professores capazes de desenvolver nos alunos as competências necessárias relacionadas ao uso da língua. Ela precisa formar professores de língua materna apoiados em atuais e consolidados referenciais teórico-metodológicos e preparados para formar leitores e produtores de texto proficientes. Para tanto, deve propor discussões teóricas e vivência de atividades práticas a partir de conteúdos relevantes e apropriados ao ensino de língua materna que se quer desenvolver nas escolas. Dentre os vários componentes que compõem o currículo do curso de licenciatura em Letras, os que são mais diretamente responsáveis por essa relação teoria-prática no ensino são as Didáticas, as Práticas, os Estágios e as Metodologias de Ensino de Língua Portuguesa. Pensar sobre esses componentes significa refletir sobre como os conhecimentos são construídos nas salas de aula das Universidades e sobre como os alunos – futuros professores – estão se apropriando das teorias discutidas, pois é principalmente nesses componentes que são desenvolvidas as competências necessárias a um ensino de português que, tendo o texto como ponto de partida e de chegada, seja capaz de formar sujeitos da linguagem. É neles que, a partir da relação teoria-prática, são discutidas e praticadas a leitura, a escrita, a oralidade e a reflexão sobre o sistema linguístico, passando pelos vários usos da língua que são possibilitados à medida que se lê, se escreve e se reflete sobre ela. Essas disciplinas revelam o quadro formativo teórico-prático que está sendo proposto aos futuros professores de português, uma vez que é sobretudo no âmbito delas que se encontram (ou, pelo menos, deveriam se encontrar) os conteúdos mais intimamente relacionados ao trabalho que será realizado pelos professores no exercício efetivo da sua função. É nesse sentido que nos debruçamos, neste artigo, sobre a disciplina formadora de Estágio Supervisionado Obrigatório I (ESO I), oferecida aos alunos do 6º período do curso de licenciatura em Letras da UFRPE. 3. Metodologia Este estudo é de caráter qualitativo, uma vez que, como outras pesquisas qualitativas, estuda “as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17). Para executá-lo, realizamos uma pesquisa documental, voltando nosso olhar para dois diferentes documentos que são a base da disciplina de ESO I – o plano de ensino da disciplina e os relatórios finais produzidos pelos estudantes – considerando: i) no plano de ensino, aspectos como ementa, objetivos, conteúdos e bibliografia P á g i n a | 245 indicados; ii) nos relatórios finais, o que dizem os estudantes a respeito do papel desse componente curricular na sua formação. Foram, então, analisados o plano de ensino da disciplina e 13 (treze) relatórios finais de estágio produzidos pelos estudantes com base nas suas experiências como estagiários. Esses documentos foram estudados à luz da Análise de Conteúdo, que, segundo Laville e Dionne (1999, p. 214), “consiste em desmontar a estrutura e os elementos de um conteúdo para esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação”. 4. Análise dos dados Partindo da concepção de estágio defendida por Pimenta, na qual estágio pode ser considerado como curso de preparação que deve estudar teoricamente a realidade (prática objetiva) existente – que, por sua vez, é práxis – os professores dando aula, procedendo ao processo de ensino-aprendizagem nas escolas existentes (nas diferentes escolas), exercendo algum tipo de práxis (repetitiva, burocrática, transformadora, criadora etc.), porque também eles foram preparados (teoricamente) para esse exercício” (PIMENTA, 1997, p.184) Debruçamo-nos sobre a disciplina de ESO I, que é oferecida no 6º período do curso de licenciatura em Letras da UFPE. Esse curso tem duração de quatro anos e meio, com carga horária 2.940 horas (componentes obrigatórios, optativos e atividades complementares) e é estruturado de acordo com as três áreas mencionadas no seu Projeto Pedagógico: i) os eixos disciplinares dos conhecimentos específicos, que remetem à língua e à literatura; ii) os eixos globais, que se relacionam aos fundamentos da educação; e os eixos integradores, que têm a ver com disciplinas de práticas pedagógicas e os estágios supervisionados. No curso de Letras da UFPE, dentre as disciplinas que denominamos, neste estudo, como formadoras de professores de Língua Portuguesa, estão: Didática do Ensino da Língua(gem), Prática Pedagógica da Língua Portuguesa I e Prática Pedagógica da Língua Portuguesa II, Estágio Supervisionado Obrigatório I, Estágio Supervisionado Obrigatório II e Estágio Supervisionado Obrigatório IV. Neste trabalho, como já destacado, trataremos do Estágio Supervisionado Obrigatório I. 4.1. O que diz o Plano de Ensino de ESO I O plano de ensino é, para Libâneo (1994, p. 222), um documento que traz : A previsão dos objetivos e tarefas do trabalho docente para um ano ou um semestre; é um documento mais elaborado, no qual aparecem objetivos específicos, conteúdos e desenvolvimento metodológico. P á g i n a | 246 Fusari (2008), por sua vez, destaca que o plano de ensino deve ser percebido como um instrumento orientador do trabalho docente, mas é preciso ter a certeza e a clareza de que a competência pedagógico-política do educador deve ser mais abrangente do que aquilo que está registrado no seu plano. Para esse autor, apenas esse plano de ensino não é suficiente na constituição da formação profissional do estudante: a ação consciente, competente e crítica do educador é que transforma a realidade, a partir das reflexões propostas e vivenciadas no plano de ensino. Ele destaca também que Um profissional da Educação bem preparado supera eventuais limites do seu plano de ensino. O inverso, porém, não ocorre: um bom plano não transforma, em si, a realidade da sala de aula, pois ele depende da competência-compromisso do docente. Desta forma, planejamento e plano se complementam e se interpenetram, no processo açãoreflexão-ação da prática social docente (p. 46). Concordando com o que defendem esses autores, voltamo-nos para o plano de ensino de ESO I, que é estruturado da seguinte forma: inicialmente, apresenta as características da disciplina (código, departamento de origem, carga-horária, período de oferta etc.); num segundo bloco, traz o objetivo e a ementa; em seguida, apresenta os conteúdos e, por fim, as bibliografias básica e complementar. A disciplina ESO I pertence ao Departamento de Educação. Tem uma cargahorária anual de 90h e semanal de 06h (02 teóricas e 04 práticas) e é ofertada no 6º período do curso. O primeiro estágio é, segundo o programa da disciplina, o momento de o estudante conhecer o espaço onde irá atuar. Portanto, ESO I tem como objetivo identificar e vivenciar a escola e sua dinâmica a partir de documentos, reuniões/conselhos de classes e observações de práticas pedagógicas escolares na área de língua/literatura. Sua ementa, então, tem como foco o estudo da ecologia da escola com ênfase no projeto político pedagógico, infraestrutura, reunião de professores/conselho de classe e observação das práticas pedagógicas no Ensino Fundamental/Médio. Quanto aos conteúdos a serem trabalhados na disciplina, observamos que eles são organizados em dois blocos: conteúdos da parte teórica e conteúdos da parte prática. Essa “divisão”, porém, não significa que devem ser trabalhados de forma fragmentada; é, ao contrário, uma tentativa de ajudar o professor da disciplina a organizar o seu trabalho, deixando claro que há especificidades da teoria e especificidades da prática no que se refere às atividades realizadas em sala de aula. Sendo assim, os conteúdos da parte teórica contemplam as seguintes temáticas: relação teoria e prática, estágio e formação de professores, estágio como pesquisa e instrumentos de pesquisa no estágio. Já os conteúdos da parte prática propõem a discussão sobre a organização do trabalho escolar, a organização curricular, o espaço escolar, ensino e interação e a orientação para a produção do relatório. Considerando esses conteúdos teóricos e práticos, as referências bibliográficas propõem a leitura de livros e artigos que versam sobre: P á g i n a | 247 o estágio como prática formativa; o papel da pesquisa na formação de professores; competências; saberes docentes; planejamento; avaliação; formação do professor reflexivo; escolha de livros didáticos; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Parâmetros Curriculares Nacionais, Orientações Curriculares Nacionais e Base Curricular Comum; relações entre didática, currículo e saberes escolares; estrutura e funcionamento da escola; globalização e interdisciplinaridade. Pelo que é possível observar, o programa de ESO I é bem construído e contempla, de um modo geral, as reflexões necessárias ao estudante que está ingressando na escola não como aluno que foi a vida escolar inteira, mas como um futuro profissional daquele espaço formativo. 4.2. O que dizem os relatórios de ESO I Apresentado e discutido o Plano de Ensino ESO-I, neste tópico será contemplado o discurso do licenciando que cursou o referido componente curricular. Conforme mencionado na metodologia, foram coletados 13 relatórios finais desse estágio. Além dos relatos de suas experiências como estagiários, os alunos destacam o papel do ESO I na sua formação. Destacamos que informações dessa natureza, a serem apresentadas a seguir, apareceram em todos os relatórios, sobretudo nas seções de “Introdução/Considerações iniciais” e “Conclusões/Considerações finais”. Excetuando os alunos que eram bolsistas do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) ou que estagiavam extracurricularmente em colégios particulares, o que conferia um menor número, o estágio foi, para muitos estudantes, o primeiro momento de inserção numa instituição de ensino com o olhar de docente em formação. Pimenta e Lima (2005/2006, p. 6) defendem que “o estágio se constitui como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental”. Para as autoras, enquanto campo de conhecimento, o estágio se constitui na interação dos cursos de formação com o espaço social no qual os estudantes desenvolverão suas práticas educativas. P á g i n a | 248 Dialogando com as autoras, os estudantes de ESO I apontaram, dentre os aspectos considerados positivos na disciplina, a relação teoria-prática. Os futuros professores vislumbraram o estágio como uma possibilidade de articulação do que se está ou esteve estudando na academia com a realidade repleta de desafios – e, muitas vezes, improvisos – vivenciada nas/pelas escolas. Os três excertos seguintes ratificam o exposto: O estágio é relevante para a formação do docente, pois através dele o estagiário se capacita para aplicar os conhecimentos teóricos por meio de experiências práticas, produzindo a aproximação da aprendizagem teórica ao contexto da realidade educacional (SS). A prática da observação permitiu que as discussões na academia saíssem da teoria e se manifestassem através de reflexões sobre as práticas escolares (IF) O estágio foi muito relevante para os meus conhecimentos, pois este me inseriu em um contexto no qual, possivelmente, irei trabalhar no futuro, além de ter possibilitado a observação de práticas educativas dos professores em sala de aula e associá-las ao que é ensinado na Academia (MD). Não fugindo a uma realidade do Brasil, em que o Ministério da Educação, por exemplo, lança campanhas para persuadir as pessoas a fazerem cursos de licenciatura (ex.: Seja um professor), na turma cujos relatórios foram coletados, a dúvida sobre ser profissional docente também existia em alguns. Isso também pode ser observado em relatórios como o de GS: A experiência na escola para um estudante que visa ser professor é um momento crucial. Depois de uma formação totalmente voltada para a teoria, o momento de deparar-se com a prática é de tensão. De tudo que podemos observar, ficam marcantes alguns momentos, como uma espécie de prova de fogo. Não seria a hora da escolha, mas é algo que nos põe em prova, que nos inculta a dúvida entre seguir até o fim ou parar por ali (GS). O estágio, logo, oportuniza as primeiras reflexões advindas do fazer prático que são importantes para a confirmação ou rejeição das escolhas profissionais realizadas pelos jovens licenciandos (maioria significativa dos alunos em questão). Outro aspecto a ser contemplado é que, diferentemente da atitude de julgar o estágio como desnecessário em detrimento das disciplinas que possuem foco em saberes científicos não articulados aos saberes pedagógicos, os licenciandos, de um modo geral, conseguem compreender o estágio como etapa importante na sua formação do professor, conforme pode ser observado no texto de outro aluno: P á g i n a | 249 A observação do universo escolar obtida por meio da disciplina ESO I é, sem dúvida, uma oportunidade fundamental à formação docente. Embora muitas vezes interpretada como apenas uma disciplina obrigatória, por meio desta experiência, o licenciando pode compreender toda a dinâmica envolvida no processo educativo e concluir que a função do professor dentro da escola vai muito além da prática em sala de aula. Já no estágio sua perspectiva muda, e ele percebe a importância de se integrar ao corpo escolar (IF). O estágio é entendido como um “ensaio” da prática docente. Com uma visão prático-reflexiva, muitos alunos passam a conceber a docência como uma junção de uma série de saberes (disciplinares, curriculares, experienciais, das ciências da educação e da ideologia pedagógica). Isso pode ser observado neste fragmento: O ESO pode me oferecer a aquisição de novos conhecimentos importantes para me garantir a autoria e autonomia da minha futura prática pedagógica. Mostrou-me o quanto é importante conciliar autoridade e respeito, preparar bem uma aula, saber entender os alunos e promover a autonomia dos mesmos, cuidar de perto do processo de aprendizado, controlando-o, e saber agir diante das dificuldades que serão encontradas em sala de aula. Essa experiência me trouxe auxílio para pôr em prática tudo o que venho aprendendo teoricamente. Ficou claro para mim que nenhum professor é de todo “ruim”, ele apenas pode estar sendo infeliz nas ações que toma. Portanto, a aula analisada muito me ensinou. (...) A escola precisa de profissionais reflexivos. Unindo a teoria com a prática, este estágio deu subsídios para entender os problemas que as escolas enfrentam e vontade de vencê-los (JS). Como se pode observar, o licenciando concebe que as escolhas realizadas, as estratégias tomadas e as táticas fabricadas advêm de, nos termos de Tardif (2012), um saber plural. E, como evidenciam Pimenta e Lima (2006/2007), O exercício de qualquer profissão é prático, no sentido de que se trata de aprender a fazer “algo” ou “ação”. A profissão de professor também é prática. E o modo de aprender a profissão, conforme a perspectiva da imitação, será a partir da observação, imitação, reprodução e, às vezes, da re-elaboração dos modelos existentes na prática, consagrados como bons. Muitas vezes nossos alunos aprendem conosco, observando-nos, imitando, mas também elaborando seu próprio modo de ser a partir da análise crítica do nosso modo de ser. Nesse processo, escolhem, separam aquilo que consideram adequado, acrescentam novos modos, adaptando-se aos contextos nos quais se encontram. Para isso, lançam mão dos saberes que adquiriram. (p. 7) Apesar de todos esses fatores positivos atribuídos ao Estágio Supervisionado Obrigatório I, aspectos negativos também foram mencionados: P á g i n a | 250 O Estágio deixa a desejar, pois, quando o estagiário chega à unidade educacional, ele não tem um orientador que possa, de fato, orientá-lo sobre as atividades desenvolvidas, conforme a Lei 11.788 determina. No meu caso, ainda tive alguns momentos com uma professora que se dispôs a me orientar, caso tivesse um momento ‘livre’, sobre como se fazer os objetivos e a metodologia de uma aula (SS). É de suma importância para a formação do licenciando a presença de atores mais experientes que orientem as atividades. Na universidade essa figura é representada pelo professor responsável pelo componente curricular e, na escola, o professor que ministra a disciplina ou um professor que fica com a responsabilidade de orientar o estagiário – o supervisor do estágio. Infelizmente, percebe-se que a função do professor/supervisor na escola muitas vezes termina se restringindo a monitorar a frequência do aluno. Para que isso venha a mudar, acreditamos ser necessário que a Universidade estabeleça maiores vínculos com as escolas parceiras. Dessa forma, será possível construir um entendimento coletivo do que de fato representa o estágio para a academia, para a escola e, principalmente, para o futuro docente em formação inicial. 5. Considerações finais Neste estudo, propomo-nos a analisar dois tipos de documentos que são imprescindíveis na constituição da disciplina de Estágio Supervisionado Obrigatório I, oferecida no 6º período do curso de licenciatura em Letras da UFRPE: o Plano de Ensino e 13 Relatórios finais de estágio. A análise do Plano de Ensino de Estágio Supervisionado Obrigatório I indica que a disciplina se ocupa da relação inicial entre o graduando e a escola, local futuro de trabalho. Busca fazer com que o graduando se aproprie da instituição escola como um todo, observando como funciona, as relações que são estabelecidas no seu interior, sua ecologia, enfim. Além disso, trata-se de uma disciplina bem estruturada, que traz os conteúdos teóricos e práticos necessários à estruturação desse momento formativo do estudante. Os resultados advindos dos relatórios, por sua vez, mostram que o componente curricular ESO I é um contribuidor relevante na formação dos estudantes de licenciatura em Letras, não somente porque deve promover a devida articulação entre teoria e prática, mas também porque propicia o conhecimento da ecologia da escola, da sua organização e do seu funcionamento, como sugere o Plano de Ensino. Outros estudos, no entanto, sobre a formação inicial do docente, em geral, e sobre a formação do professor de português, em particular, precisam ser realizados no que se refere, por exemplo, ao espaço dedicado à reflexão sobre bullying, uso de novas tecnologias, alunos com deficiências, educação étnico-racial, dentre outras temáticas. Além dessas atuais, também outras não menos importantes precisam ser alvo de estudos como, por exemplo, o espaço dedicado ao debate nos cursos de Letras sobre os materiais didáticos e sobre o tratamento didático dado ao trabalho com escuta e produção de textos orais. P á g i n a | 251 Referências BARROS, Eliana Merlin Deganutti de; NASCIMENTO, Elvira Lopes. Gêneros textuais e livro didático: da teoria à prática. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, v. 07, n. 02, mai./ago. 2007, p. 241-270. Disponível em: http://www.linguagem.unisul.br. Acesso em 10/06/2009. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 1.363/2001. BRASIL. 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Pautando-se em fundamentos teóricos que contemplam o texto como objeto de ensino da leitura e da escrita, a exemplo de Antunes (2009; 2003), Kleiman (2004), Marcuschi (2005), Magnani (2001), entre outros, este artigo apresenta uma experiência desenvolvida junto a docentes da rede municipal de Patos-PB, a partir de um Projeto de Extensão promovido pelo IFPB em parceria com a Secretaria da Educação do Município. O público-alvo constituiu-se de professores atuantes no Ensino Fundamental, tendo em vista a necessidade de esses docentes refletirem sobre o papel dos gêneros textuais como instrumentos propulsores de competências de leitura e escrita e sobre a importância de se trabalhar adequadamente com a diversidade textual. Nesse sentido, foram desenvolvidos minicursos e oficinas de linguagem voltados para aspectos teórico-metodológicos que subsidiassem os docentes em práticas instrumentalizadas por textos pertencentes a gêneros diversos. Os resultados sinalizam uma boa aceitação dos professores quanto às estratégias apresentadas pela ministrante, sobretudo pela aplicabilidade didática destas e pelo seu caráter dinâmico e interativo. Palavras-chave: Leitura e escrita. Diversidade textual. Prática docente. 1. Introdução Vivemos cercados de palavras e delas dependemos para nos comunicar nas mais diferentes situações. Em casa, no trabalho, nas ruas, na escola, enfim, em todos os lugares precisamos a todo instante estar interpretando linguagens e elaborando outras. Mesmo sabendo disso, percebemos a grande dificuldade que as pessoas têm de compreender o que leem e de elaborar suas próprias produções textuais, orais ou escritas. À escola cabe garantir a aprendizagem de certas habilidades e conteúdos que são necessários à vida em sociedade, entre esses, o desenvolvimento de competências linguísticas que permitam ao educando se expressar com objetividade e ler com prazer. No entanto, o que vemos é que grande parte das escolas têm transformado as práticas de leitura e escrita em atividades enfadonhas, voltadas unicamente para leitura de textos não significativos para o educando e produções textuais totalmente descontextualizadas da realidade em que ele (o educando) está inserido. Somando-se a isto, vemos que algumas das metodologias desenvolvidas no âmbito de sala de aula, apontam para o 57 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba ( IFPB/Campus Patos). E-mail: [email protected] 58 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: [email protected] P á g i n a | 254 despreparo de alguns professores, principalmente no que se refere ao trabalho com os textos. Assim, uma das propostas de uma educação de qualidade é a de fundamentar o ensino da língua, tanto oral quanto escrita, nos gêneros do discurso, tendo em vista que vivemos cercados por textos dos mais variados tipos e deles necessitamos para interagir com o outro, para expor pontos de vista, para persuadir nossos interlocutores, para compreender as informações que nos cercam, enfim para realizar todas as formas de comunicação humana. De acordo com Magnani (2001, p.136), é preciso pensar no presente histórico de professores e alunos como possíveis de serem conhecidos e tomados como ponto de partida para a feitura da escola, da leitura e da literatura que queremos, para propiciarmos avanços qualitativos. [...] Passando obrigatoriamente pela concepção de escola e sociedade que queremos, a formação do leitor envolve também a diversidade como princípio norteador dos critérios de seleção e utilização dos textos e das reflexões sobre a formação do gosto das pessoas-alunos, não só para um vir-a-ser, mas também para um aqui e agora, principalmente político. (grifos da autora) Nesse sentido, é importante refletir em torno das práticas da leitura e da escrita no contexto escolar, considerando o que se busca alcançar e o que realmente tem se desenvolvido. Somos conscientes de que necessitamos das capacidades de compreensão e de produção textual em todos os setores da nossa sociedade, para que possamos conceber novas ideias, construir conhecimentos, questionar e criticar pontos de vista preconcebidos. Para tanto, faz-se necessário investir em cursos de formação de professores, a fim de que estes, os reais mediadores do processo de ensino-aprendizagem, tenham conhecimentos específicos a respeito da diversidade de gêneros textuais 59 - que circulam socialmente – e, assim, possam se tornar disseminadores de tais conhecimentos e estimuladores do gosto literário dentro e fora da escola. Por essa via, é propósito desta pesquisa apresentar como proposta de incentivo à formação docente, uma experiência desenvolvida junto a professores da rede municipal de Patos- PB através de minicursos e oficinas de linguagem, utilizando o texto como instrumento de ensino da leitura e da escrita. 2. O texto como objeto de estudo da língua Considerando-se a realidade escolar no que concerne ao estudo da língua, percebemos que se tem priorizado o trabalho com nomenclaturas e/ou exploração de 59 Segundo Marcuschi (2005, p.19), gêneros “são entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. [...] Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita”. P á g i n a | 255 princípios normativos da gramática, aspectos geralmente abordados de forma descontextualizada. As teorias que fundamentam a escolarização da leitura 60 e da escrita apontam para a necessidade de se buscar a formação de leitores e produtores de textos competentes no âmbito de sala de aula. No entanto, o que se vê é o distanciamento do discente do gosto pela leitura e a falta de incentivo às atividades de construção textual, sejam elas orais ou escritas. As práticas de leitura e de produção de texto na escola restringem-se, assim, a atividades mecânicas, sem significado para educando, pois não instigam a sua curiosidade, o seu interesse. Segundo Antunes (2003, p. 111), é nas questões de produção e compreensão de textos, e de suas funções sociais, que se deve centrar o estudo relevante e produtivo da língua. Ou melhor, é o uso da língua – que apenas se dá em textos – que deve ser o objeto – digo bem, o objeto – de estudo da língua. (grifos da autora) Necessário se faz que o texto seja tomado como objeto de estudo da língua, tendo em vista que todas as formas de comunicação humana se dão por meio de textos. Desse modo, é preciso que as experiências de leitura e escrita tenham significado para o educando, sendo percebidas, sobretudo, em suas funções sociais. Ainda de acordo com Antunes (op. cit., p.166), O fundamental é que o professor garanta ao aluno a oportunidade de enfrentar o desafio da leitura, da escrita, da escuta, da fala (do conversacional cotidiano à fala formal), com todos os gostos e riscos que isso pode trazer. Só assim ele há de chegar à experiência comunicativa inteiramente assumida, com autoconfiança de quem somos; também pelo linguístico, a cidadania que nos cabe por pleno direito. Considera-se, aqui, a importância do professor como mediador no processo de incentivo às experiências comunicativas em sala de aula, sejam elas desenvolvidas através da leitura, escrita, escuta e/ou da oralidade. Ao se referir ao processo de mediação da leitura, Moura e Martins (2012, p. 87) afirmam que A experiência de mediação da leitura reforça o compromisso com a qualidade de ensino prioritariamente centrado na aprendizagem e 60 Ao se referir ao processo de escolarização da leitura literária, Soares (2001, p. 47) declara que devemos distinguir entre “uma escolarização adequada e uma escolarização inadequada da literatura: adequada seria aquela escolarização que conduzisse eficazmente às práticas de leitura literária que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores próprios do ideal de leitor que se quer formar; inadequada é aquela escolarização que deturpa, falsifica, distorce a literatura, afastando, e não aproximando, o aluno das práticas de leitura literária, desenvolvendo nele resistência ou aversão ao livro e ao ler”. P á g i n a | 256 permite entender que quanto maior a disponibilidade do professor em assumir o papel de mediador do ensino melhor será o resultado das interações em sala de aula. Essa afirmação pode se estender também às demais experiências comunicativas que o professor media em sala de aula, uma vez que se deve considerar que, em todas essas experiências, professores e alunos devem se portar como sujeitos, pois a aprendizagem precisa ser compartilhada. Retomando uma analogia feita por Marilena Chauí61, Geraldi (2011, p.92), afirma que “na leitura, o diálogo do aluno é com o texto. O professor, mera testemunha desse diálogo, é também leitor, e sua leitura é uma das leituras possíveis.” Nesse sentido, o professor precisa se comprometer com a qualidade de ensino, assumindo coerentemente o papel de mediador no processo de formação de leitores e escritores na escola, propondo atividades que permitam a interação e o compartilhamento de ideias. Ao se posicionar frente ao trabalho com o texto em sala de aula, Geraldi (op. cit., p.98) ainda defende que “recuperar na escola e trazer para dentro dela o que dela se exclui por princípio – o prazer - , me parece o ponto básico para o sucesso de qualquer esforço honesto de ‘incentivo à leitura’.” Se um dos principais intuitos do processo de ensino-aprendizagem é a formação de leitores e, por conseguinte, de produtores de textos, tais atividades precisam ser compartilhadas por professores e alunos de forma a estimularem o prazer, afastando, portanto, a concepção de que ler e escrever sejam considerados meramente como atos mecânicos. Reforçando essa ideia, Moura e Martins (2012, p. 89) declaram que há uma “uma preeminente necessidade de a escola mudar o foco atual: deixar de considerar o ato de ler como atividade mecânica e de responsabilidade individual, para assumir a leitura como atividade em que alunos e professores sujeitos ativos e colaborativos”. Considerando que a leitura, realizada de forma compartilhada 62 entre professores e alunos, permite a ampliação de conhecimentos do educando, aguça o seu senso crítico e é capaz estimulá-lo à aprendizagem, torna-se viável investir cada vez mais na utilização de metodologias de ensino que promovam o letramento literário. Sobre tal aspecto, Cosson (2009, p. 30) defende que É justamente para ir além da simples leitura que o letramento literário é fundamental no processo educativo. Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação do hábito ou porque seja prazerosa, mas sim, e sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito de linguagem. 61 Segundo Geraldi (op. cit., p.92), em conferência proferida no Primeiro Fórum da Educação Paulista ( 10 a 12 de agosto de 1983), Marilena Chauí, utilizou uma excelente imagem: “o diálogo do aprendiz de natação é com a água, não com o professor, que deve ser apenas mediador desse diálogo aprendiz-água”. 62 Colomer (2007, p. 106) considera como sendo “a base da formação de leitores”, a leitura compartilhada. P á g i n a | 257 Sabemos que muito se tem discutido sobre a importância de se desenvolver na escola práticas efetivas de letramento literário. A experiência de contato com a leitura literária precisa ser estimulada desde cedo, pois se sabe que quanto mais se lê com competência, mais se aprimora a capacidade de interpretação e, sobretudo, de articulação de ideias através da oralidade e da escrita. Não se pode deixar de considerar, portanto, que a leitura tem papel fundamental no processo de humanização do educando, pois possui, sobretudo, função social. Assim sendo, a escola precisa instigar a formação de leitores, mas para que isso ocorra, é preciso que o professor, como mediador do processo, seja também um leitor. 2.1 Os gêneros textuais como instrumentos propulsores das competências de leitura e escrita Conscientes de que as atividades de leitura e de escrita estão intimamente ligadas, o trabalho com os gêneros textuais na escola, se realizado com vistas a propósitos bem definidos, pode se transformar em um instrumento propulsor de aprendizagens e, por conseguinte, de desenvolvimento de competências comunicativas. Segundo Antunes (2005, p. 35-36), “a escrita é uma atividade em relação de interdependência com a leitura. Ler é a contraparte do ato de escrever e, como tal, se complementam. O que lemos foi escrito por alguém, e escrevemos para que outro leia.” (grifos da autora). Assim, todas as experiências de leitura devem ser concebidas também como experiências de contato com o escrito, uma vez que essas são atividades complementares e, como tal, precisam ser exploradas no âmbito de sala de aula. Marcuschi (2005, p. 23) afirma que “os gêneros textuais se constituem como ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo.” Nesse sentido, o contato com textos de gêneros diversos, de forma dinâmica e interativa, permite ao educando perceber a função social que existe em torno de cada texto lido e/ou produzido por ele. Sobre esse aspecto, Antunes (2003, p. 118) declara É importante que o aluno, sistematicamente seja levado a perceber a multiplicidade de usos e funções a que a língua se presta, na variedade de situações em que acontece. Compete ao professor ajudar o aluno a identificar elementos típicos de cada gênero [...]. De repente quem sabe o aluno vai perceber que a língua que ele estuda é a mesma língua que circula em seu meio social. Através do desenvolvimento de atividades que possibilitem perceber essa relação de interdependência entre as competências de leitura e escrita, bem como da interação com a diversidade de gêneros do discurso63, ler e escrever passam a ter significado, relevância para o aluno. 63 De acordo com Bakhtin (2003, p. 2005), “quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é P á g i n a | 258 Ao tratar da relação entre os gêneros textuais e o ensino, Marcuschi (2005, p.37) afirma que “o trabalho com os gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no dia a dia.” Para que esse contato se dê efetivamente, é fundamental que as propostas de leitura e escrita desenvolvidas no âmbito escolar façam sentido para o educando. Desse modo, reafirmamos aqui a importância da formação docente no que concerne ao domínio de conhecimentos necessários à exploração de textos no contexto de sala de aula, bem como à seleção de metodologias que realmente favoreçam a formação de leitores e escritores competentes. 3. Uma experiência de formação docente através de minicursos e oficinas de linguagem: práticas instrumentalizadas por gêneros textuais diversos Considerada a importância da reflexão docente sobre a sua prática e a busca de alternativas para o aperfeiçoamento das suas competências no que se refere ao trabalho com os textos, desenvolvemos, junto a professores da rede municipal de Patos-PB, uma experiência de formação docente. Tal experiência, fruto de um Projeto de Extensão 64 do IFPB/ Campus Patos em parceria com a Secretaria de Educação do Município, desenvolveu-se através de minicursos e oficinas de linguagem voltados para a abordagem de aspectos teóricometodológicos necessários ao desenvolvimento de habilidades específicas de leitura e escrita no contexto de sala de aula, fazendo uso de práticas instrumentalizadas por textos, nos seus mais variados gêneros. O público alvo do projeto se constituía de professores do Ensino Fundamental da rede pública municipal de Patos, interessados em refletir a importância das práticas de leitura e escrita na escola. Assim, no ano letivo de 2012, desenvolvemos as atividades do projeto com professores polivalentes, professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental, além de professores da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e dos programas “Acelera” e “Se liga”, além de supervisoras e coordenadores pedagógicos de cada área de ensino do município. Todo o material preparado para ser trabalhado nas atividades do projeto foi organizado na perspectiva de exploração de textos em sala de aula tendo como referencial teórico os pensamentos defendidos por Antunes (2009; 2005; 2003), Bakhtin (2003), Kleiman (2004), Marcuschi (2005), Magnani (2003), Koch (2006) , Colomer (2007), Cosson (2009), Geraldi (2011)), entre outros. As ações do projeto não se restringiram a explanações teóricas sobre as atividades de leitura e escrita, estas se fundamentaram especialmente em atividades práticas desenvolvidas através de oficinas pedagógicas realizadas junto aos docentes, público alvo da extensão. possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso projeto livre de discurso”. 64 O referido projeto intitulava-se “A leitura e a escrita no contexto escolar: socializando saberes linguísticos através de minicursos e oficinas pedagógicas junto a docentes da rede municipal de PatosPB” e se desenvolveu no ano de 2012, sob a coordenação de Adriana Martins Cavalcante, professora de Língua Portuguesa do IFPB Campus Patos. P á g i n a | 259 Para Antunes (2009, p. 233), não parece tão difícil dar ao ensino de línguas uma direção mais pragmática, mais comunicativa, mais interativa, mais funcional.[...] Não sem razão, portanto ganham espaços as propostas de leitura e de escrita, centradas nas suas funções comunicativas e na diversidade de contextos culturais, o que leva, necessariamente, ao estudo de gêneros e das diferentes estratégias discursivas de construir e apreender significados e intenções. Desse modo, a experiência de formação docente, ora tratada, teve como objetivo geral desenvolver junto a docentes da rede pública municipal de Patos atividades que estimulassem a reflexão em torno das práticas da leitura e da escrita no contexto escolar, permitindo o inter-relacionamento da base teórica com práticas efetivas no treinamento de habilidades específicas de leitura e produção textual. O intento era, portanto, estar contribuindo com a formação de leitores competentes e de cidadãos mais, tendo em vista a capacitação de professores do ensino público do município de Patos, incentivando-os a colocar em prática, junto aos seus discentes, todos os conhecimentos partilhados por meio das atividades desenvolvidas pelo projeto. As etapas de desenvolvimento do projeto de formação docente, efetivaram-se em torno dos seguintes objetivos: i) estabelecer parceria entre o IFPB e a Secretaria da Educação do Município de Patos, de forma a efetivar a socialização de saberes linguísticos indispensáveis à formação do gosto pela leitura e pela produção textual nas mais diversas situações; ii) discutir teoricamente, junto a professores do Ensino Fundamental do município de Patos, aspectos relevantes das atividades de leitura e escrita dentro e fora do contexto escolar, enfatizando que todas as atividades humanas na sociedade dependem da comunicação, da interação verbal, do uso de linguagem(ens); iii) desenvolver oficinas pedagógicas de leitura e escrita, com docentes da rede pública do município de Patos, explorando diversos gêneros do discurso, de forma que as atividades desenvolvidas pudessem ser disseminadas pelos referidos professores na sua prática docente junto aos seus educandos; e iv) contribuir para a melhoria da prática docente na rede pública do município de Patos, auxiliando na formação de leitores e produtores de textos nos mais variados contextos. Para Antunes (2005, p.40), “o texto deve permear, assim, toda e qualquer atividade em sala de aula (da mesma forma que permeia toda e qualquer atividade de nossa atuação social)”. Assim sendo, todas as atividades desenvolvidas ao longo dos minicursos e oficinas pedagógicas, tiveram como objeto de estudo o texto. Exploramos poesias, charges, tirinhas, fábulas, campanhas publicitárias, classificados, receitas, acrósticos, entre outros gêneros textuais. Procuramos desenvolver atividades condizentes com a realidade das escolas, tentando mostrar que, com os recursos de que dispomos, dependendo das metodologias empregadas, podemos incentivar a formação de leitores e de escritores. Trabalhamos com os professores atividades dinâmicas de leitura e de produção de textos, de forma que elas pudessem ser adaptadas posteriormente para serem trabalhadas junto aos seus educandos. P á g i n a | 260 Para que se tenha uma visão geral das etapas de desenvolvimento do projeto de formação docente, apresentaremos a seguir um quadro ilustrativo daquilo que, em linhas gerais, ocorreu efetivamente: 1º MOMENTO Apresentação do Projeto de Extensão e consolidação da parceria entre o IFPB e a Secretaria de Educação de Patos. 2º MOMENTO Divulgação do Projeto nas escolas municipais – sensibilização dos docentes e incentivo à participação; Formação dos grupos de docentes do Ensino Fundamental do município que iriam participar da formação docente (divisão das escolas municipais por áreas de localização). 3º MOMENTO Realização de minicursos sobre aspectos linguísticos relevantes no processo de comunicação humana, dando ênfase às práticas de leitura e escrita (embasamento teórico). 4º MOMENTO Realização de oficinas pedagógicas de leitura e escrita, explorando o trabalho com gêneros textuais e diversidade de eixos temáticos. 5º MOMENTO Aplicação de questionários de avaliação da experiência junto aos participantes; Realização de rodas de conversa, junto aos envolvidos no projeto, para discussão sobre as atividades desenvolvidas (aspectos positivos e negativos). 6º MOMENTO Elaboração de Relatório Final. Escolhemos trabalhar a cada mês com um grupo diferente (constituído por um número de até 20 professores), a fim de que, ao final do projeto, tivéssemos tido contato uma quantidade considerável de professores que mais tarde assumiriam o papel de disseminadores dos conhecimentos partilhados na experiência de formação docente vivenciada. Contamos com a participação efetiva dos professores e, como se tratava de um projeto de extensão do IFPB Campus Patos, recebemos a colaboração de quatro alunos P á g i n a | 261 voluntários do Curso Técnico Integrado em Manutenção e Suporte em Informática, que monitoravam os recursos audiovisuais utilizados e davam apoio aos participantes da experiência. Desenvolvido todo o projeto, podemos afirmar que os objetivos propostos foram atingidos, o que pôde ser comprovado pelos depoimentos dados nas rodas de conversa desenvolvidas e/ou por meio das falas presentes nos questionários aplicados junto aos professores participantes. 4. Considerações Finais Feitas as reflexões presentes nesta pesquisa e retomada a experiência de formação docente vivenciada, cabe ressaltar a necessidade de investir cada vez mais em cursos de capacitação e/ou de formação docente, a fim de que os professores, os mediadores do processo de ensino-aprendizagem, possam discutir conhecimentos específicos sobre as competências de leitura e de escrita, de forma a se tornarem disseminadores de saberes necessários à formação de leitores e de escritores competentes. Esperamos, portanto, que este trabalho possa ser instigador de novos debates e reflexões sobre a prática docente, no que tange, sobretudo, à exploração do texto como instrumento de trabalho capaz de ampliar, no âmbito de sala de aula, as habilidades de leitura e de escrita, desde que utilizadas estratégias que possuam efetivamente aplicabilidade didática. Referências: ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editoral, 2009. (Estratégias de ensino; 10) ______. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ( Na ponta da língua; v. 13) ______. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. (Série Aula; 1) BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ________. Estética da criação verbal. (Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra; prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov) 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção biblioteca universal) COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. (Trad. Laura Sandroni) São Paulo: Global, 2007. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 1. ed. 3. reimpr. São Paulo: Contexto, 2009. GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Ática, 2011. KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 10. ed. Campinas, SP: Pontes, 2004. P á g i n a | 262 KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, literatura e escola. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Texto e linguagem) MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria auxiliadora (org.). Gêneros Textuais e ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MOURA, Ana Aparecida Vieira de; MARTINS, Luzente Rodrigues. A mediação da leitura: do projeto à sala de aula. In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris et al. Leitura e mediação pedagógica. São Paulo: Parábola, 2012. (Estratégias de ensino; 30) SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani (Org). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. P á g i n a | 263 DAR A PENSAR E DAR A LER: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LITERATURA EM DEBATE65 Cristina Lúcia de ALMEIDA (UFPE)66 José Eduardo Gonçalves dos SANTOS (UFPE)67 Resumo: O presente trabalho – fruto de uma pesquisa realizada no curso de extensão Clube do Livro Literário para Todos (o curso registrado na Proext-UFPE, visa ampliar para outros contextos a prática da leitura literária na PD Clube do livro literário [Parte Diversificada do currículo de um Colégio público Federal desde 2010], atendendo alunos da graduação em Letras e professores da educação básica, funciona como espaço alternativo para discutir o entre-lugar da Literatura na escola) – tem por objetivo discutir a formação do professor de Literatura, contribuindo, assim, para o desenvolvimento dos emergentes debates que giram em torno de uma proposição para mudança de paradigma no ensino de literatura na escola básica. Nesse sentido, destacamos que, ao pensar na formação do professor de Literatura, estamos nos deparando com um impasse que pode resultar na problemática: sendo o profissional da área de Letras responsável por ensinar Literatura, o que ele deve de fato ensinar e/ou como ele deve ensinar? Para contornar essa problemática e responder a essas perguntas, buscaremos aportes teóricos em autores como MARIA (2007); SOARES (1999); PERRONE-MOISÉS (1999); LAROSSA (2007), responsáveis por problematizarem propostas para o ensino de Literatura e elencarem discussões para a formação do professor dessa área. Por meio da análise do corpus – planos de aula dos alunos da turma 2012.2 do curso de extensão, trabalho de conclusão do referido curso – foi possível observar como os alunos se apropriaram das discussões propostas pela crítica literária, por pesquisadores que versam proposições para o ensino e pelos próprios documentos oficiais (PCN e OCN, sobretudo) para a formulação de suas práticas. Os planos de aula, de modo geral, mostraram resultados positivos de apropriação e mudança no paradigma no ensino de literatura, em oposição a algumas das práticas cristalizadas que estão voltadas para um ensino historicizado do texto literário, considerando apenas a linearidade escolástica. 1. Palavras iniciais No clube do livro, espaço para congregar leitores literários preocupados com a educação literária, seguimos os passos do personagem criado por Eduardo Galeano, Santiago Kovadloff, como sendo alegoria do bom mestre, aquele que, além de mostrar a beleza, segura na mão de seu filho e o ajuda a olhar. Visto isto, chegamos a um ponto crucial de nossa proposta: a diferença entre o mostrar e o olhar (o ajudar a olhar). O bom mestre, o professor preocupado com a educação das sensibilidades, não apenas mostra, mas guia seu aluno, seu aprendiz e companheiro na construção do saber, na busca pelo estremecer, aquele mesmo sentido por Diego ao se deparar com o mar alegorizado, com a arte em metonímia. O que buscamos no Clube do Livro Literário 65 Projeto Realizado no âmbito da ação extensionista da UFPE, vinculado à Pro-Reitoria de extensão, PROEXT. 66 Professora do Colégio de Aplicação da UFPE – Centro de Educação, coordenadora do projeto e ministrante do curso. E-mail: [email protected] 67 Aluno do Curso de Letras – Licenciatura Língua Portuguesa, bolsista do PET (Programa de educação Tutorial), monitor do curso de extensão e colaborador do projeto. P á g i n a | 264 para Todos é o encontro com o bom mestre d’A Função da arte/1, aquele que ensino por meio da experiência, do contato, do olhar. Para se chegar a isso, precisamos antes realizar nos nossos professores, nos nossos mediadores por excelência, um trabalho também da sensibilidade. Por mais ínfimo que seja, e isso quantitativamente – uma vez que, por questões físicas e por falta de parecerias que ampliem nossas propostas, só temos vinte alunos inscritos no início de cada turma –, o curso de extensão vem exercendo um papel que objetiva proporcionar o encontro dos professores envolvidos com uma prática para além das cristalizadas, daquelas que maltratam o texto literário e a possível formação do leitor de Literatura. Ou seja, um trabalho de sensibilidade, iniciando com quem terá que despertar a sensibilidade. Afinal, como poderei eu dar a ler se não leio? Como poderei eu despertar a sensibilidade se não tenho repertório para tanto? Dar a ler. Meta que vem fazendo do Clube um (entre)lugar no âmbito acadêmico, para uma formação do professor que pense no texto literário e suas implicações para o além da escola, para a vida dos estudantes, sujeitos que (inter)agem socialmente em outros papeis, além do ser aluno. Assim, devemos procurar fazer o link da obra com as nossas (as deles) situações cotidianas, seja para ampliá-las, seja para problematizá-las. Quando assim pensamos, estamos em dialogo com Larrosa (2007), que em seu celebre texto Carta aos leitores que vão nascer, sugeri a mediação pelo encontro, pelo fazer do texto literário algo agradável e não algo imposto. Algo que repercuta na minha vida, na vida do meu leitor por vir. Nas trilhas da formação pela sensibilidade, não podemos deixar de reconhecer que algumas pedras se fizeram presente. Contudo, podemos também dizer que alguma coisa mudou para quem persistiu até o fim do curso, inclusive na própria concepção de Literatura e de como dá-la aos leitores (os por vir, ou os em continua formação). Quando apresentarmos os planos de aula, o trabalho final produzido pelos alunos, analisaremos alguns e verificaremos como a Crítica e a Teoria, fazendo o link com os autores trabalhados no curso, parecem ter sido guia das propostas versadas no trato com o texto literário. Antes, traremos algumas discussões acerca da importância de se debater a formação do professor de Literatura, aquele responsável por formar o leitor de Literatura. O trabalho que ora se apresenta, tentará trazer contribuições para a formação do leitor literário, discutindo, antes, a formação de quem é responsável por formar: o professor. As discussões vivenciadas no Clube do Livro nos dará mote tal discussão, de modo que, além de professores, a maioria dos envolvidos ainda são alunos, e muitos deles se mostram insatisfeitos com o modo que as disciplinas de Literatura vêm sendo apresentadas e trabalhadas na graduação em Letras. Assim, para além das análises dos planos de aula, este texto trará em muitos momentos os registros, coletados por meio de diário de bordo – feito ao fim de cada encontro – das reuniões do ciclo, a fim de fazer emergir debates que possam contribuir para uma ampliação da questão do (entre)lugar que a Literatura tem ocupado nas aulas de Língua, e não só Língua Portuguesa: em nossos encontros, professores de Licenciatura em língua estrangeiras trouxeram boas contribuições, que apresentaremos ao longo do trabalho. 2. Da importância de ser crítico para formar leitores críticos P á g i n a | 265 No fim do mundo sem fim, um conto do Julio Cortázar, nos é apresentado uma alegoria da humanidade e da sua mania de publicação: vários livros impressos sufocam o mundo e ser escriba é uma profissão de respeito, os leitores, poucos, que existiam decidem por serem escritores, e escrevem tanto que acidentes envolvendo os livros se tornam comum; os mares são tomados pelos livros e viram montanhas de impressos; os países do mundo todo dialogam numa linguagem quase única; os reinos são nos antigos mares, sufocados pelos livros... um conto que vale muito à pena ser lido, inclusive em nossas aulas de Língua e Literatura, trazendo à tona a reflexão da aproximação entre aquela história e a nossa sociedade, que nunca antes publicou tanto, que nunca antes vendeu tantos livros, que nunca antes viu séries saírem da editora com milhões de livros vendidos. É ruim que esses livros sejam lidos? Não, naturalmente. O ruim seria eu não propiciar a ampliação do repertório de leitura de alguém, tendo a oportunidade. No Clube do livro, trabalhamos com a proposta da ampliação do repertório de meu leitor, sendo essa ampliação pautada no caráter estético, no trabalho com a linguagem. Qual a importância de sermos professores críticos? Em primeiro lugar, como poderemos diferenciar as obras que sufocam das obras que os escribas liam antes de escreverem. Eram os escribas os únicos leitores em uma sociedade que quase não se lia Literatura Literária, aquela pautada no caráter estético – que tem um compromisso com o trabalho apurado com a palavra. Ou seja, precisamos saber que existem obras que precisam ser lidas para garantir a perpetuação do que entendemos por literário, uma vez que trabalhamos com a questão da arte enquanto direito (CANDIDO, 2006). Trabalhar com o direito a ler é ofertar aos alunos aquilo que eles não encontram com tanta facilidade: raras as vezes vemos uma obra literária receber algum incentivo de divulgação, ficam sempre relegadas às prateleiras das bibliotecas ou nas estantes do outro lado da livraria. O contrário do que acontece com as obras que surgem com o objetivo da venda, da leitura rápida. O que diferencia uma obra literária de uma obra de literatura é o modo como as duas surgem: a obra literária nasce tímida e ansiosa de olhos e poros que possam lê-las e senti-las; as de literatura nascem sabendo que o poder da propaganda é a alma do negócio, fazer um livro horizontal é garantir a venda e o lucro comercial. Por outro lado, não podemos pensar que obras de boa qualidade literária só foi produzida até o século passado, seria cair no equívoco parecido com aquele de achar que as obras comerciais devam ser os temas de minhas aula. Em uma breve pesquisa com alunos do oitavo período do curso de Letras, Luzia de Maria (2007) pôde observar que em todas as listas de leitura elencadas pelos estudantes da disciplina de metodologia para o ensino de literatura, havia a predominância de obras consideradas clássicas, ao perguntar se eles haviam lidos aquelas obras, a resposta foi quase que predominante: “não”. Agora nos deparamos com um problema sintomático do atual contexto de ensino de Literatura: os professores não são leitores, são reprodutores de uma dada concepção de Literatura e não sabem quais as consequências que esse seguimento pode trazer, muitas vezes por seguirem inconscientemente. O crítico literário é aquela pessoa que lê Literatura Literária, a clássica e a contemporânea, e pode mostrar meios de encontro entre uma e outra: o que há de João Cabral em Waly Salomão, por exemplo. O professor que não for leitor literário, não poderá ser o crítico mediador da leitura e realizador desses links, do ontem (cronologicamente) com o hoje (cronologicamente), pois a boa Literatura é acronológica, atemporal. Devemos saber que, enquanto professores de Língua e Literatura, não podemos de olhar o hoje, a produção atual, pois, sendo ela a mais próxima do meu leitor por vir, posso alcança-lo com uma maior facilidade, posso seduzi-lo e fazê-lo habitar na P á g i n a | 266 Literatura, não criar o hábito, meramente, da Leitura, mas formar um leitor críticoreflexivo, capaz de melhor agir sobre o mundo. Para isso, No Clube do Livro trabalhos com a concepção de Literatura enquanto arte, a arte da palavra (e o que ela propõe – som, sentido,imagem – verbivocovisual, na trilha da poesia concreta) , com grande potencial para a transformação social. Assim, compreendemos que “A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e a visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza” (CANDIDO, 2006, p. 186, grifos nossos). Logo, passaremos para um pouco de análise de nosso corpus e algumas discussões, a partir dele, para o desenvolvimento desse tema que ainda precisa ser muitas vezes revisitado. 3. Resultados, discussões e a meta da boa linguagem... Os planos de aula, de modo geral, mostraram resultados positivos de apropriação e mudança no paradigma no ensino de literatura, em oposição a algumas das práticas cristalizadas que estão voltadas para um ensino historicizado do texto literário, considerando apenas a linearidade escolástica. Assim, o sintomático conceito de Literatura, de Crítica e de Teoria literária foi, em partes, revisitado pelos alunos que passaram a compreender a Literatura enquanto arte, vendo no professor o crítico em potencial, o mediador da Leitura Literária. Devendo ter, portanto, a preocupação com os textos escolhidos, baseados em critérios estéticos, como os elencados em Altas Literaturas (PERRONE-MOISÉS, 1999). Os professores do Clube do Livro firmaram o compromisso em serem como os mestres fontes, nas falas de Rubem Alves, aquele que não apenas propicia o acúmulo de água, mas que procura fazer jorrá-la, inundando toda a terra com a água pura e boa da fonte descoberta. O professor cisterna reproduz, até mesmo sem saber, segue o que lhe é imposto, por medo da subversão... o professor fonte faz de seus alunos fontes, se suas aulas fontes, da escola fonte. Faz brotar algo onde parece meio improvável, é como a flor que fura o asfalto do poema A flor e a náusea, de Drummond. Os títulos dos planos abaixo: 1º - A linguagem em Osman Lins; 2º - Função do leitor literário; 3º - Conhecendo Álvaro de Campos; 4º - O aluno co-autor; 5º - Leitura e análise literária; 6º - Por que ler William Shakespeare?; 7º - Ser Tão Literário; 8º - Metapoesias; 9º - Crítica literária; 10º - Poesia em sala de aula; 11º - Dia da poesia; 12º - Leitura de poemas. P á g i n a | 267 Desde os títulos podemos ver a tendência dos alunos em trabalhar o texto literário com vistas à formação do leitor. O título 12º, por exemplo, se volta para o trabalho com a poesia, bem como o 8º. Nas suas justificativas, os dois trabalhos apontavam para o rarefeito trabalho com poesia em salas de aula. Se com prosa os professores ainda não caminham longe, com poesia alguma coisa piora. Quando propuseram o trabalho, basearam-se em Helder Pinheiro, referencial teórico de nossas discussões, para quem, quando se trabalho com poesia, se trabalha com “uma educação da sensibilidade” (ALVES, 1995, pag. 15). O plano 5º, Leitura e análise literária do Defunto Aventureiro, de Gilvan Lins, foi dividido em objetivo, tendo como principais a análise das escolhas estéticas da narrativa e o incentivo à leitura de outros textos do autor, proporcionando momentos para a leitura deleite. Uma proposta de trabalho com o texto literário pautado na leitura de descoberta, um dar a ler cosido pelo empreendimento estético do autor, e com vista a formar cidadãos críticos reflexivos. Algo muito próximo das propostas de Larrosa (2007), para quem a leitura deve vir sem a imposição. Vejamos abaixo os objetivos expostos para esse trabalho 68: OBEJTIVOS Discutir o gênero narrativo do texto Defunto Aventureiro de Gilvan Lemos; Observar de que forma o texto está organizado; Analisar a linguagem na obra de Gilvan Lemos a partir do conceito de leveza de Italo Calvino; Analisar como o humor é construído na obra a partir da fala das personagens; Fazer inferências sobre o significado de algumas palavras; Identificar traços regionalistas em Gilvan Lemos; Incentivar a leitura de outras obras do autor Apesar de em alguns momentos o autor do plano 5º apresentar propostas que podem não proporcionar a formação do leitor ou um bom trabalho com o texto literário, a exemplo do ponto seis, não podemos deixar de observar o valor no tratamento com a palavra literária que nesse recorte do plano é dado: ele tem o tempo todo o objetivo de fazer com outras obras sejam lidas, através da mediação da primeira; a discussão do humaor se dará de um modo textualmente guiadas, partindo do texto literário para a coatuação do leitores engajados. Além do mais, a escolha por Gilvan Lemos, que tem uma escrita tão peculiar, e ainda vai além do regional, trabalhando com a linguagem de um modo a travar discussões corriqueiras de um modo bem particular. Isso o aluno do plano 5º ressalta na sua justificativa: “Em sua produção ficcional Gilvan Lemos traz à tona traços da cultura popular: mitos, lendas, fantasias e crendices. Além disso, são obras repletas de surpresas e não-ditos. Assim, a compreensão da obra só se concretiza a partir 68 Todos os excertos dos trabalhos aqui utilizados para análise são integrais, sem modificações ou adaptações. P á g i n a | 268 da recepção, ou seja, do momento em que o leitor tira suas conclusões baseadas no que está subentendido no texto.”. No mesmo passo, segue a produção 7º, Ser Tão Literário: Objetivos: Disseminar o conhecimento e a noção da relação entre a literatura e a sociedade, diante o problema da seca no sertão, através das obras literárias que envolvam o mesmo espaço. Elaborar uma exposição com documentárias e curtas metragens elaborados pelos alunos a respeito das obras estudadas e as concepções percebidas de tais obras. Trabalhar obras com temáticas da seca, obsevando como o Sertão foi um solo fértil – mesmo rígido – para a produção literária. Trabalhado com o conceito de Literatura e Sociedade, de Antônio Cândido, o plano busca apresentar aos leitores por vir obras de João Cabral, Morte e Vida Severina; de Graciliano Ramos, Vidas Secas; e de Rachel de Queiroz, O quinze. Além de relacionar com o cinema, por meio de filmes e documentário, e com músicas, alertando para a recepção do modo de fazer literatura em outras produções artísticas. Observemos que, apesar da escolha do tema, o autor do plano 7º não se volta apenas para a questão da seca, voltando-se para uma análise apenas sociológica. O que ele faz é o trabalho de como a seca, o entorno das obras, contribuiu para a produção literária dos autores escolhidos. Ir além da questão do tema, chegando ao trato com a obra em suas especificidades. Além disso, o professor autor desse plano pensou na questão do trabalho intersemiótico, partindo do literário, como orienta Ivanda Martins (2005). Outros planos ainda nos chamar a atenção, como o 1º, em que o autor parece querer “escolarizar” um autor pouco abordado no contexto escolar (literaturizando a escola), resaltando as escolhas estéticas e o apuramento com a palavra em Osman Lins para trabalhar questões de alcance da Literatura, mas pouco abordado no atual paradigma: existencialismo, (não) realização pessoal, o lugar do ser na sociedade.... Além de trabalhar questões da narrativa, observando o gênero conto. Ou o 3º que escolhe trabalhar com Álvaro de Campos, heterônimo de Pessoa, traz uma abordagem que espera a formação de um leitor com a fuga do historicismo, trazendo poemas que, dificilmente, são abordados no 3º ano do ensino médio para serem trabalhados, na perspectiva em que ele se ancora, em qualquer outra série, desde que o professor observe o perfil de leitura de seus alunos. Assim, no clube A formação do professor, em sua continuidade, é(re)pensada a cada novo paradigma emergente. No Clube do Livro, observamos que o professor (o já ou o por vir) norteou sua prática e pôde ver que o texto literário pode ser escolarizado, mas antes a escola precisa ser literaturizada, permitindo a entrada da leitura deleitiva e desconexa de quaisquer obrigações, fazendo surgir espaços para o debate da obra e a formação do leitor. Um leitor autônomo e competente em suas escolhas, baseados em critérios estéticos guiados pela crítica. Logo, o Clube do Livro Literário para todos é, antes de tudo, um espaço para congregar os apreciadores da Literatura literária e promover a reflexão sobre a importância de compartilhar experiências coletivas com a Literatura na Universidade, em todas as áreas, visando a desenvolver nos estudantes uma cultura literária P á g i n a | 269 fundamentada em valores estéticos atemporais (não fixos), tornando-se um espaço alternativo para as discussões sobre o (entre)69lugar da Literatura na Escola e contribuindo para a formação do Professor (mediador) de Literatura. Os dois planos de aula, que foram apresentados em recortes, parecem sintetizar isso de certo modo. O que acontece, e foi muito comentado pelos alunos, é que as teorias ainda não andam junto às metodologias, ou os teóricos (que são antes professores), não se dão conta de que é preciso realizar formar de unir o discurso a uma possível prática. Nessa conjectura, alguns dos futuros professores provavelmente irão à sala de aula e seguirão a lista de leitura imposta no livro didático (ou na lista do vestibular), mas sem se perguntar “por quê?”: Por que meu aluno deve ler Senhora antes de ler uma obra mais contemporânea?; Por que tenho que impor que seja lido um livro a cada dois meses?; Por que tenho que pedir um resumo da obra? É essa falta de “Por quês” que faz do ensino de literatura uma ferramenta para a formação do não leitor (EVANGELISTA, 2003). Para tentar burlar esse quadro, realizamos atividades como essas, de modo que muitas vezes os alunos relatam suas inquietações, sendo pegos em momentos metareflexivos, das aulas que foram dadas na grade curricular, mas que pouca contribuição trouxe para se pensar a prática, pois a imposição do professor não fez com que eles exercessem de um modo crítico a participação efetiva nessas aulas. Dentre todos os relatos, os mais persistentes eram de professores (os já ou os por vir) acerca do trabalho com o texto literário nas aula de língua estrangeira: “Como levar literatura para minhas aulas?”. Partindo dessa inquietação, o autor do plano 6º fez um plano levando William Shakespeare para as aulas de Língua Inglesa, fazendo com que essas aula se tornem também um espaço para a formação do Leitor Crítico-Reflexivo. Nesse sentido, seguimos os passos de Larrosa (2007) A carta aos leitores que vão nascer não pretende ser outra coisa além de um exercício no qual esses espaços que são os livros se insiram em umas formas de temporalidade, em umas possibilidades de tempo, que não sejam as do futuro, mas as do porvir; que não sejam as do patrimônio ou as da herança, mas as de um presente; que não sejam as da continuidade, mas as da fecundidade; que não sejam as do que já foi dito, mas as do que ainda está por dizer. (Larrosa, 2007, p. 6). Ou seja, as aulas, sejam elas Língua Portuguesa ou Estrangeira, têm que contemplar o lugar do literário, fazendo com que o (entre)lugar da Literatura Literária se torne no lugar do habitar do texto, no livro por vir, na fecundidade por nascer, na afetividade literária por se ampliar. Afinal, “Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.” (CANDIDO, 2006, p. 191). E trabalhar com a Literatura nas propostas de Larrosa (2007) ou de Candido (2006), proposta que muitas vezes dialogam diretamente, implica em tomar uma postura de professor enquanto aquele que visa a formação pela afetividade e pelo grau de alcance que a obra tenha sob seu leitor, como a obra pode sensibilizar meu leitor, a fim de problematizar as questões por ele enfrentadas. Para além da formação, o professor deve propor a habitação, a construção da autonomia, sendo ele também autônomo em suas escolhas, para a 69 A utilização da expressão (entre) vem aqui como reclamação ao parco lugar que a Literatura tem na escola ou no além escola. Quando utilizamos tal expressão, queremos, na verdade, que esse (entre)lugar possa um dia ser um lugar garantido. P á g i n a | 270 proposição de alunos autônomos, que possam escolher esse ou este livro tais especificidades. Com essas discussões, esperamos que tenhamos contribuído para a discussão acerca da formação do professor de Literatura Literária, que faz de suas aulas de Língua um espaço que congregue esses leitores Literários em suas idiossincrasias. O professor de Literatura deve ser aquele, como diz Rubem Alves, que acolhe a palavra, como um colhedor de uvas, que lê o poema e o faz ter vida, a vida que contagia outras vidas, seja pela alegria em lê-lo, seja pelo modo como leu o poema. O encontro da leitura literária deve iniciar pela boa mediação, papel do professor. 4. Palavras sem um fim Formar professores críticos implica em quebrar com alguns dogmas que fazem de nosso ensino, algo ainda tão baseado no historicismo, na divisão das escolas. Como observamos, quando posto em cheque esses paradigmas, os professores começam a reagir no sentido contrário, isso foi percebido nos dois planos expostos e foi apresentado em alguns outros que não foram analisados, mas apresentados pelos títulos. Enquanto também professores, devemos trazer nossas contribuições para alargar esse debate e ter como fruto a formação de um professor que possa contribuir para o desenvolvimento de seus alunos e o desenvolvimento de suas práticas. Precisamos pensar em professores fontes, aqueles que façam úmida toda terra ao seu redor, tornando-a fértil e boa para o plantio, fazendo-a habitável. Ainda que não possamos mudar a situação do ensino de Literatura de uma hora para hora, poderemos contribuir para uma mudança local, uma formação além da cristalizada. As mudanças se iniciam em pequenos movimentos e ainda temos muito que caminhar nessa jornada: precisamos fazer de nossas aulas o locus do texto literário, pensando em métodos para levá-lo além das aulas, para uma ação na vida do nosso leitor. Precisamos investir na educação literária, da educação pela sensibilidade. Antes, contudo, precisamos investir na nossa educação literária e estarmos sensíveis para ampliar a afetividade literária do outro. Referências: ALVES, J. Helder. Pinheiro. Poesia na sala de aula. 1ª. ed. João Pessoa: Idéia, 1995. CÂNDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Edusp, 2000. CORTÁZAR, Julio. Histórias de cronópios e de famas. São Paulo: Civilização brasileira, 1996. GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 9ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2002. MARIA, Luzia de. O CLUBE DO LIVRO: ser leitor - que diferença faz? São Paulo: Globo, 2009. LARROSA, Jorge. Carta aos leitores que vão nascer. 16º Cole, 2007. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas. São Paulo: Cia das letras, 1999. P á g i n a | 271 SILVA, I. M. M. Literatura em sala de aula: da Teoria literária à prática escola. Recife: Programa de Pós-graduação em Letras – UFPE, 2005. P á g i n a | 272 SABERES E (DIS)SABORES DO CURSO DE LETRAS: UMA LEITURA DISCURSIVA Francisco Vieira da SILVA (PROLING/UFPB) 70 Resumo: Quando os alunos do curso de Letras/Língua Portuguesa são convocados a dissertarem sobre o curso em que estão matriculados, que efeitos de sentido vêm à tona? Que imagens são produzidas acerca dos alunos e dos egressos de tal curso? Vislumbrando fornecer respostas a essas indagações, o presente artigo objetiva analisar o discurso de graduandos do curso de Letras, a partir do horizonte teórico da Análise do Discurso francesa, com vistas a estudar as perspectivas, as concepções e as imagens que os graduandos atribuem ao curso e a si mesmos, já que estes sujeitos não podem se destituir do lugar social a partir do qual tecem seus dizeres. Nesta lógica, o corpus desta pesquisa, de natureza descritivo-interpretativa, é constituído por questionários respondidos por alunos do curso de Letras de uma instituição de ensino superior do estado do Rio Grande do Norte. Assim, os resultados deste estudo apontam que as imagens construídas pelos graduandos estão alicerçadas nas representações sociais engendradas a respeito do aluno do curso de Letras, e na tessitura discursiva dessas imagens vozes contraditórias se articulam. Apontamos, neste caso, para a premência de investigarmos a formação docente em Língua Portuguesa, levando em consideração as vicissitudes dos sujeitos que estão no processo de formação, de modo a desvelar as descontinuidades, heterogeneidades e contingências inerentes ao sujeito do discurso, entendido aqui como um efeito de linguagem. Palavras-chave: Curso de Letras; Discurso; Imagens. 1. Introdução Um discurso produz efeitos não naquele ao qual é dirigido, mas naquele mesmo que fala. (Kléber Prado Filho) Esse trabalho insere-se no âmbito dos estudos que tematizam a formação docente, na medida em que lançamos nosso olhar sobre os dizeres de alunos de um curso de licenciatura, que objetiva formar professores de Língua Portuguesa. Desse modo, objetivamos, a partir da análise do discurso de graduandos do curso de Letras, investigar as representações, as concepções de língua e as imagens do professor de Língua Portuguesa que emergem discursivamente, quando estes alunos discorrem sobre aspectos inerentes ao curso. Para tanto, aplicamos um questionário a alunos do curso de Letras de uma instituição de ensino superior do estado do Rio Grande do Norte que contemplava questões acerca da importância social do curso de Letras, dos motivos que levaram os 70 Este artigo constitui um recorte da dissertação de mestrado intitulada O duelo de vozes na arena do discurso: com a palavra, o graduando do curso de Letras que foi desenvolvida no Programa de PósGraduação em Letras (PPGL) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Prof.ª Drª. Maria do Socorro Maia F. Barbosa. P á g i n a | 273 respondentes a optarem por tal curso e de possíveis modificações nas concepções de língua(gem) quando do ingresso dos alunos no curso de Letras. No tocante ao aspecto estrutural desse artigo, optamos por aglutinar as considerações teóricas e as análises realizadas numa única seção, sem que isso represente uma deturpação e/ou não-cumprimento das especificidades do gênero artigo científico. 2. O curso de Letras pelos seus graduandos Iniciaremos essa discussão fazendo uma breve análise de um texto que circulou na internet no ano de 2012, mais precisamente na rede social com o maior número de usuários do país (o Facebook). O objetivo principal desse texto é tecer representações acerca de alunos de diferentes cursos superiores, uma vez que o enunciado principal “Quando digo que faço [nome do curso]” pode se aplicar a diversos cursos e suas respectivas representações. Eis o texto: Figura 1 O texto acima se constitui a partir da hibridização semiótica entre a linguagem verbal e não-verbal e possui características de um cartum, seguindo a definição proposta por Mendonça (2005, p. 197), para quem o cartum “é uma forma de expressar ideias e opiniões seja uma crítica política, esportiva, religiosa, social, através de uma imagem ou uma sequência de imagens”. Sob esse argumento, podemos depreender que uma dos objetivos do texto é provocar o riso por meio da enumeração de diferentes representações de alunos do curso de Letras. Através do humor, o texto possibilita uma reflexão acerca das imagens que são construídas acerca dos discentes do curso de Letras, sob a ótica da sociedade, da família e do próprio graduando. Especificando as representações do cartum, notamos que a imagem do aluno do curso de Letras construída pelos “outros”, ou seja, pela sociedade em geral, é representada pela figura de um professor de português conhecido na mídia impressa e televisiva (Pasquale Cipro Neto), responsável pela difusão de um ensino prioritariamente marcado pela concepção normativa, pela norma socialmente P á g i n a | 274 prestigiada da língua. Trata-se de um docente que considera a gramática na sua vertente normativa como o requisito básico para o aprendizado da língua, sendo que tudo que destoa do padrão normativo é concebido como um “erro”, constituindo, pois, uma prova inequívoca de que o brasileiro está degradando a língua, porque não sabe utilizá-la. Na acepção em foco, a imagem que se constrói do aluno de Letras seria a de um sujeito que tem o pleno domínio das regras da gramática normativa e que adota uma postura corretiva contra qualquer “erro” ou “afronta” ao idioma pátrio. Essa imagem está discursivamente amparada pelo imaginário social que se construiu a respeito do graduando do curso de Letras e do futuro docente de português, ou seja, que estes devem ter pleno domínio das normas gramaticais e cobrarem tal domínio dos outros. Comungamos, nesse sentido, com Orlandi (2007) quando afirma que as formações imaginárias se constituem a partir das relações sociais e que em toda a língua existem mecanismos de projeção para que se constitua essa relação entre a situação – sociologicamente descritíveis (ou seja, as imagens construídas socialmente) – e a posição dos sujeitos, discursivamente significada. Ainda de acordo com o texto, a imagem que os pais dos alunos fazem dos seus filhos que estudam Letras é a de um aluno faltoso nas aulas, pois enquanto os outros colegas (ou alunos de outros cursos) estão estudando, ele está se divertindo (para isso o texto fornece uma imagem que nos remete ao movimento hippie). Essa imagem pode sugerir que o aluno de Letras estuda pouco (?) em comparação com os alunos de outros cursos. Quanto à imagem que o aluno de Letras faz de si mesmo, o texto expõe a figura de um sujeito sorridente, em cujo entorno há vários livros da área de Letras, ele está rindo/satirizando de todas as representações anteriormente expostas. Na realidade, a imagem do sujeito que faz Letras é um dos memes 71 que se espalham pela internet, principalmente nas redes sociais. Utilizado em situações circunscritas, o meme se pauta na seguinte lógica: “se não era nada do que eu imaginei, agora não há o que fazer”. Nessa medida, a construção do humor dos memes passa necessariamente por essa assertiva; no caso do meme aqui analisado, cujo nome é Fuck that Guy/Fuck that Shit, que, em português, seria algo como “foda-se essa merda”, podemos entender que resta, para o discente de Letras, aceitar a sua condição de graduando, independentemente das expectativas que ele tinha em relação ao curso, o que corrobora com a ideia de que o aluno, muitas vezes, adota uma postura acomodada no transcorrer do curso, de modo que não modifica suas percepções, crenças e perspectivas. Essa breve incursão sobre esse cartum veiculado pela mídia digital serviu para ilustrar que as imagens/representações são construídas discursivamente através do ponto de cruzamento do discurso com a sua exterioridade. Logo, as imagens produzidas sobre o discente do curso de Letras estão em conformidade com as representações que habitam o imaginário social acerca desse aluno. A historicidade, portanto, é inerente ao discurso (FERNANDES, 2008). No discurso dos graduandos, evidencia-se a construção de imagens e sentidos em relação ao curso de Letras e, por conseguinte, as representações a respeito dos alunos e dos egressos desse curso. Nesse sentido, há a emergência de um sujeito que enuncia sobre si, sobre os motivos que o levaram a optar pelo curso de Letras, e sobre a forma como o curso vem motivando (ou não) a seguir a carreira de professor de Língua 71 Segundo o site Wikipédia, o meme é usado para descrever um conceito que se espalha via internet e pode se configurar através de uma frase, de uma caricatura, ou da hibridização entre o verbal e a imagem. P á g i n a | 275 Portuguesa, bem como discute as possíveis modificações nas concepções de língua(gem) desse sujeito, a partir do momento em que ingressou no curso de Letras. Assim, o discurso é atravessado pelo discurso do Outro e por outros discursos, sendo a alteridade entendida como condição constitutiva (FERREIRA, 2010). Dessa forma, quando o sujeito tece dizeres sobre o curso de Letras, ele traz para seu discurso as outras vozes intrínsecas, os outros discursos advindos de diferentes pontos do interdiscurso, da memória discursiva que norteia o seu dizer. Inicialmente, nosso gesto de leitura incide sobre as possíveis modificações que o curso de Letras suscitou no graduando a respeito das concepções de língua(gem). Nesse ponto, um aspecto é recorrente nos excertos do corpus selecionados para a análise. Trata-se da forma como o graduando concebia a língua(gem) e o seu ensino antes da graduação e a modificação dessa concepção a partir do seu ingresso no curso de Letras. O graduando, em certa medida, compara a sua concepção de língua(gem) atual com aquela adquirida no decorrer da escola básica. Destarte, o sujeito em formação72 trava um embate entre sua concepção antiga, a qual ele julga estar suplantada, e a concepção adquirida no curso de Letras e considerada como a válida, a “correta.” Nos recortes discursivos abaixo, podemos observar essa questão de uma forma mais pormenorizada: Excerto 1: Esperava menos teoria e mais regras. Logo no início do curso muitos “tabus” foram quebrados como “o certo” e “o errado” que até então foi imposto quase como uma ditadura, que me diz que eu deveria seguir sempre a gramática tradicional e que o meu modo e de outros particular de falar deveria ser deixado sempre de lado, pois não seria correto em nenhuma ocasião, o que não foi visto e vivido na minha vida. (2P01)73 Excerto 2: Muito mais do que o esperado, porque antes (talvés pela falta de insentivo ou pela pobreza do ensino que tivemos nas séries anteriores, sem menosprezar os mestres que tive) não tinha essa visão de o quanto é fantástico pesquisar a língua e aprender sobre o mundo, as pessoas, a vida. (8P02) Excerto 3: Sim. O curso de Letras me fez entender que o ensino de língua portuguesa não preza unicamente por levar o aluno a ler e escrever bem. Mais que isso, leva-nos a valorizar e conhecer nossa língua para que, sem preconceito, possamos entender porque o falante utiliza uma ou outra variedade dessa língua. Vejo a língua(gem) como um processo interativo em que os interlocutores compreendem-se mutuamente no ato comunicativo e, cabe ao ensino de língua portuguesa preparar os sujeitos para as diversas formas de interação. (5P05) 72 Utilizamos os termos sujeito em formação e sujeito-graduando em referência aos alunos que responderam ao questionário. 73 Código utilizado para nomear os sujeitos da pesquisa no âmbito do corpus coletado, formado pelo nº do período no qual o aluno se encontra mais a letra P e o número que o identifica no total de questionários existentes no corpus. P á g i n a | 276 O graduando do primeiro excerto considera que os conhecimentos adquiridos ao longo do curso foram responsáveis pela modificação de sua percepção acerca da língua(gem). Assim, se antes de entrar no curso a sua concepção de língua(gem) encontrava-se atravessada pelo pensamento binário do “certo” e do “errado”, tal pensamento acaba sendo superado a partir do momento em que ele ingressa no curso. O graduando relata ainda a imposição por ele sofrida em relação ao contato com a gramática normativa. Para caracterizar esse processo, ele utiliza vocábulos como “ditadura”; a imersão dessa palavra da esfera política no seu discurso supõe que o aprendizado linguístico desse aluno deu-se de uma forma abrupta e impositiva. Essa concepção de língua obliterou as peculiaridades linguísticas do graduando, ou seja, as marcas que assinalam a sua identidade social e cultural. Não obstante, o ingresso do aluno no curso de Letras possibilitou a quebra de “tabus” e a emergência de outra perspectiva de abordagem da língua. Subsiste, pois, duas imagens a respeito da língua: a imagem atual erigida por meio das teorias vistas no curso e o seu avesso, isto é, a imagem que se tinha antes do graduando entrar no curso. Vale acrescentar que há diferentes maneiras de se pensar a LP e de lidar com ela, de modo que a perspectiva da gramática normativa (prescritiva) e a ótica da linguística (descritiva) constituem duas perspectivas de estudo da língua, senão as principais. Dessa maneira, os posicionamentos valorativos e discursivos adotados pelos sujeitos para concordar e/ou divergir de cada uma delas seguramente serão distintos. Na perspectiva da linguística, tende-se a considerar a GN (Gramática Normativa) como anticientífica, já que aquela se autodenomina de “a ciência legitima” para o tratamento dos fenômenos da linguagem. No processo de (re)constituição das modificações explicitado pelo graduando subjaz uma concepção de ciência e de senso comum (não ciência). Quando menciona que os “tabus” foram quebrados, o aluno alude à GN como uma fonte detentora de mitos e de inverdades, cabendo, pois, à Linguística sobrepujá-los e instaurar uma nova forma de se conceber a língua(gem). No excerto seguinte, o sujeito em formação procura explicar a sua antiga concepção de língua, apontando possíveis falhas na sua educação básica. Ao fazê-lo, o sujeito procura preservar a memória de seus docentes (“sem menosprezar os mestres que tive”). Nesse caso, a modificação na percepção de língua(gem) deu-se prioritariamente através do contato do graduando com a pesquisa na área dos estudos linguísticos. A pesquisa funciona como o ponto nevrálgico que possibilitou o fascínio e o interesse em estudar a língua, o que antes não ocorria. O último excerto, por sua vez, é (aparentemente!) mais claro no que diz respeito às imagens que são construídas sobre a língua(gem). O sujeito em formação compreende que o curso de Letras tornou possível um redimensionamento dos objetivos do ensino de língua, pois antes de ingressar no curso ele pensava que o ensino de LP tinha como único objetivo fazer com que o aluno aprendesse a ler e escrever “bem”. Esse último termo remete-nos à formação discursiva referente à Gramática Normativa e funciona como uma pista deixada pelo sujeito para pormenorizar a perspectiva de análise da língua que conduzia o ensino, antes da sua entrada no curso de Letras. A modificação da concepção de língua(gem) na perspectiva do graduando leva em conta a valorização da língua e a compreensão de que a língua(gem) é interativa, dialógica. Nesse ponto, o graduando mobiliza saberes da memória discursiva advinda dos estudos linguísticos pós-estruturalistas, cuja principal característica é a necessidade de articular o fenômeno linguístico com a sua exterioridade (a sociedade, a cultura, a política etc). P á g i n a | 277 Os efeitos do curso de Letras na perspectiva do graduando faz com que este consiga perceber os implícitos, os subentendidos. Nessa lógica, a língua se constitui num mecanismo para desvelar os apagamentos, aquilo que subjaz ao dito. De modo análogo, os conhecimentos adquiridos no curso de Letras podem ser frutíferos para compreender outras áreas do conhecimento. Excerto 4: O curso de Letras modificou a minha percepção em relação ao ensino de Língua Portuguesa e linguagem no sentido de que fez com me desse conta do campo amplo que é a língua e que é a partir dela que compreendemos as demais ciências, pois se você domina bem a sua língua materna, você tem mais capacidade de entender as demais ciências. (8P02, grifo nosso) Excerto 5: O curso de Letras é interdisciplinar e hoje consigo perceber o uso da linguagem em diversas situações do dia-a-dia. Procuramos dentro daquilo que foi falado o não-dito, o porque daquele tom de voz e a intencionalidade do discurso proferido.[...] (8P01) Nos excertos supracitados, os graduandos apontam o curso de Letras como o responsável pela compreensão da língua(gem) em diversas situações de uso e em diversas áreas do conhecimento. Importante registrar que em ambos os excertos, os sujeitos modificam a pessoa do discurso; logo, no primeiro caso, o graduando inicia falando em primeira pessoa do singular (“a minha percepção”), em seguida modifica para a primeira do plural (“compreendemos”), depois se dirige ao interlocutor (“você”). Essa variação permite-nos perceber uma tentativa, por parte do sujeito de, ora se distanciar, ora se aproximar do objeto do discurso. No segundo excerto, também há a troca da pessoa do discurso de primeira do singular (“consigo”) para a primeira do plural (“procuramos”). Nessa variação da pessoa do discurso, o graduando revela que o curso de Letras possibilitou encontrar os não-ditos, os pressupostos dos discursos; para tanto, no segundo excerto, o graduando utiliza o advérbio hoje para marcar temporariamente sua percepção e atribuí-la ao curso. Da mesma forma, o graduando começa a notar a função dos aspectos suprassegmentais na construção dos sentidos e na intencionalidade dos falantes. O discurso da interdisciplinaridade atravessa esses dizeres, assinalando a memória discursiva através da qual esse dizer se constitui. Essa memória discursiva assinala, pois, a relação do sujeito com o sentido no interior da formação discursiva em que ele inscreve seu discurso, pois de acordo com Pêcheux (1988) a interpelação do indivíduo em sujeito do seu discurso se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina. Nos recortes discursivos a seguir, o sujeito em formação disserta sobre a importância social do curso de Letras e, ao mesmo tempo, traz para o discurso as imagens socialmente construídas sobre esse curso e sobre aqueles que nele se formam. Analisemos os seguintes recortes: P á g i n a | 278 Excerto 6: O curso de Letras, infelizmente, ainda não possui um grande valor na nossa sociedade, já que nos últimos anos, principalmente, os professores não receberam o seu devido respeito pelo governo, que ofereceu salários baixíssimos e carga horária excessiva. Assim a própria sociedade chega a desvalorizar a categoria. (5P01) Excerto 7: Ao contrário do que muitos pensam, o curso abrange o conhecimento sobre as línguas. O Português, como língua materna, deveria ser mais fácil a compreensão e uso dela, no entanto, por culpa de muitos e de nenhum se torna complicada e de difícil acesso e compreensão. Portanto o curso tem/deveria a importância de ensinar corretamente a língua com seus “porquês” devidamente explicados. (2P01, grifo nosso) Para tecer os seus dizeres acerca da relevância social do curso de Letras, o graduando do primeiro excerto recorre ao discurso da precariedade da remuneração dos docentes. Esse discurso serve para referendar a pouca importância conferida ao aluno que sai do curso de Letras, uma vez que ele terá salários baixos e com isso será desprestigiado pelos demais membros da sociedade e pelo poder público. O graduando é enfático ao afirmar que é a “sociedade chega a desvalorizar a categoria”, mas essa desvalorização recai sobre todos os docentes e não somente sobre os egressos do curso de Letras. No segundo excerto, o graduando contraria uma opinião socialmente aceita (“ao contrário do que muitos pensam”) em relação ao curso de Letras. Segundo o graduando, o curso de Letras abrange o conhecimento sobre as línguas. Importante verificar que o graduando utiliza o substantivo língua no plural, o que se subentende que haja uma multiplicidade no tratamento das diversas línguas e idiomas, contrariando aquilo que muitos pensam a respeito do curso. Ao fazer essa contraposição, o sujeito em formação forja uma imagem para o curso de Letras que difere daquela erigida pela sociedade (nesse caso seria a de que o curso de Letras não propõe o conhecimento sobre as línguas). Em seguida, o mesmo graduando assevera que a LP deveria ser mais fácil, uma vez que seu aprendizado é dificultado por “culpa de todos e de nenhum”. Ao afirmar que a língua deveria ser mais fácil, mais palatável a sua aprendizagem, o graduando compactua com a ideia de que a língua materna é difícil. Esse discurso está em sintonia com a proposta da GN de que o português é uma língua complexa, quando na realidade a complexidade advém das regras gramaticais e não da língua em si. Há, portanto, uma confusão entre língua e gramática, e uso destes termos como se fossem sinônimos. De modo análogo, o sujeito em formação complementa a sua filiação à FD da GN, materializando linguisticamente através da expressão “corretamente.” Nessa perspectiva, o graduando atribui ao curso a função de ensinar corretamente a língua, ou seja, explicando os devidos “porquês”. Quando o graduando do curso de Letras expõe os motivos que o levaram a optar por este curso, determinados efeitos de sentido podem ser apreendidos via discurso. Chama-nos a atenção, na materialidade linguística desses dizeres, a recorrência de orações subordinadas adverbiais concessivas e coordenadas sindéticas adversativas, as P á g i n a | 279 quais denotam uma ideia de ressalva e/ou contradição. De fato, essa recorrência sintático-semântica está vinculada com dois pontos principais que defendemos, quais sejam: a natureza incompleta do sujeito do discurso e o embate de vozes que norteia o discurso desses sujeitos. Dito de outro modo, podemos verificar que as concessivas assinalam a natureza incompleta do sujeito do discurso, uma vez que quando o sujeito faz uma ressalva em relação à sua inexperiência nos estudos linguísticos, demarcando uma necessidade iminente de se aprofundar e de conhecer melhor a língua, ele traz à tona a sua face inacabada e o desejo de sentir-se inteiro. Em relação ao embate de vozes subjacente à produção do discurso desses sujeitos, as concessivas/adversativas ilustram de forma assaz a contradição, o impasse de vozes, a tentativa do sujeito de procurar abafá-las, sufocá-las, distanciar-se delas, com vistas a preservar a pretensa linearidade e a transparência do discurso. Nesse contexto, é imperativo ratificar a questão postulada por Pêcheux (1988) de que o sujeito, ilusoriamente, sente-se dono e controlador do seu discurso e dos efeitos de sentido advindos desse discurso. Todavia, conforme aponta Orlandi (2007, p.46): “A significação não se desenvolve sobre uma linha reta, mensurável, calculável, segmentável. Os sentidos estão dispersos, eles se desenvolvem em todas as direções e se fazem por diferentes matérias [...]”. Os excertos a seguir evidenciam essa questão: Excerto 8: O curso de Letras sempre fez parte de algumas admirações minhas; apesar de não ser o meu sonho, o curso de Letras está sendo um objetivo a ser alcançado. É um curso muito prazeroso, importante e rico, ao nosso conhecimento. (2P02, grifo nosso) Excerto 9: Por falta de opção, pois quando me escrevi no vestibular, não sabia o que fazer, decidi de última hora por este curso, embora não me arrependa dessa escolha, pois gosto muito do meu curso. (7P01, grifo nosso) Excerto 10: Sinceramente, não tenho outro motivo a não ser o de, erroneamente, aprender a escrever correto somente. Mas o curso abrangeu meu conhecimento na área de uma língua, que até iniciar este curso, estava correta. (2P01, grifo nosso) Excerto 11: O curso nunca foi o meu sonho, mas aprendi a gostar do mesmo durante o período de estudo. Aprendi sobre os vários recursos da língua, a importância social dela e, em especial, sua capacidade mobilizadora. Jamais poderia criticar o curso, afinal cursá-lo está sendo uma experiência riquíssima. (8P01, grifo nosso) Excerto 12: Sempre adimirei (sic) pessoas que conseguem escrever com facilidade e convencer o leitor acerca do que P á g i n a | 280 escrevem. Escolhi esse curso com o intuito de desenvolver a habilidade da escrita, já que apesar dessa admiração tinha muita dificuldade na escrita. Digo tinha, não porque superei essa dificuldade, mas pelo fato de já perceber uma significativa evolução quando tenho que fazer uso da escrita em situações de comunicação/interação. (5P01, grifo nosso) Ressoa do discurso dos graduandos uma sequência discursiva caracterizada pelo uso das orações concessivas/adversativas, de modo a assinalar a natureza heterogênea do fenômeno discursivo (ORLANDI, 2008). Excetuando-se o último recorte discurso, nos demais recortes supracitados é possível constatar que o emprego das orações concessivas/adversativas servem para relativizar a escolha realizada pelo graduando no momento de realização do vestibular para o futuro ingresso no curso de Letras. Nessa medida, os graduandos confessam que o curso de Letras não era o desejado, mas a partir do momento em que eles entram no curso, essa visão parece se modificar. Os graduandos decidiram escolher esse curso, na ausência ou na impossibilidade de fazer outro que lhes agradavam, daí a utilização das concessivas, pois se o curso não era aquele que se desejava, era previsível que houvesse uma insatisfação e/ou apatia em relação ao curso de Letras. Não obstante, não é isso que ocorre. No terceiro excerto, o graduando admite que optou pelo curso de Letras porque queria aprender a escrever “certo.” Essa imagem de que o curso possibilita o entendimento acerca da variedade padrão da língua e, por conseguinte, habilidades que o tornam um escritor proficiente é refutada com veemência pelas discussões suscitadas por autores como Antunes (2009). Para essa autora, a escrita, enquanto uma atividade socialmente situada e interacional, depende muito mais de aspectos inerentes à situação de comunicação que dos recursos de natureza gramatical. Nesse contexto, o graduando nutria uma imagem de que o curso de Letras o dotaria de competências necessárias para uma escrita profícua ancorada no pensamento binário correto/errado. O sujeito em formação ainda reconhece que o curso expandiu o seu horizonte de expectativas, de aprendizagem em relação à língua, porém ecoam do seu discurso marcas da mesma concepção binária presente na época em que, segundo ele, decidiu cursar Letras. Quando ele afirma que o curso “abrangeu o meu conhecimento na área de uma língua, que até iniciar esse curso, estava correta” depreendemos que o graduando não se desvencilha de sua percepção inicial, pois o curso de Letras desfaz a concepção por ele alimentada, destituindo o estatuto de “correta”; subjacente a esse dizer, predomina a ideia de que o curso de Letras considera a percepção do aluno incorreta, e mais uma vez a ênfase recai na lógica binária que ele acredita ter suplantado. Levando em consideração que o graduando enuncia a partir de uma FD, esta se encontra invadida por saberes provenientes de outra FD – a concepção e certo/errado – que o graduando tenta desterrar. O sujeito em formação esquece-se das determinações que o colocaram no lugar que ele ocupa (PÊCHEUX, 1988), daí a ilusão de que o seu dizer é transparente, de que a sua concepção prévia sobre o aprendizado da escrita foi superada, a partir do momento em que ele ingressa no curso de Letras. Ademais, insistimos que no último excerto o graduando forja uma imagem acerca das pessoas que apresentam facilidade com a escrita e exercem o poder de persuasão constitutivo da língua(gem). É a partir dessa imagem que o graduando escolhe o curso de Letras, ou seja, ele compactua com a tese de que o curso de Letras tem a obrigatoriedade de fazer com que os seus egressos tenham êxito em atividades P á g i n a | 281 que requerem o domínio da escrita, como se os demais cursos superiores também não tivessem essa função. O graduando ressalva que mesmo admirando as pessoas que têm traquejo com a escrita, ele tinha dificuldades em escrever. Esse parece ser o principal motivo que o levou a cursar Letras. Mesmo confessando os avanços na qualidade de sua escrita, o graduando ainda reconhece que necessita aprimorá-la. Podemos antever a partir que o graduando sente-se incompleto e que anseia por se aperfeiçoar no uso da língua. Dessa maneira, o sujeito em formação encontra-se num lugar em que precisa superar suas dificuldades para que futuramente não as deixe transparecer, isto é, no momento em que for assumir a docência em LP. 3. Considerações Finais Em síntese, salientamos que o sujeito em formação tece seus dizeres de modo a construir discursos e imagens sobre o curso de Letras. Essas imagens estão alicerçadas nas representações sociais engendradas a respeito do aluno do curso de Letras, e na tessitura dessas imagens vozes contraditórias se articulam. Se por um lado, o sujeito reconhece que, ao contrário do que muitos pensam, o curso de Letras deve prover o seu egresso de conhecimentos necessários à docência em LP e que esses conhecimentos devem suplantar visões errôneas anteriormente erigidas pelos alunos. Por outro lado, conforme pudemos notar, o graduando não se destitui totalmente da sua concepção prévia de língua, dado que na construção de seu discurso, ele ainda recorre a saberes da memória discursiva da qual ele julgava ter-se divorciado. De modo análogo, o sujeito em formação articula seu discurso sobre o curso ao fato de a profissão docente se encontrar num processo de déficit salarial, o que não o impede de estar satisfeito com a sua escolha. Assim, é como se o aprendizado do curso, a possibilidade de se aprofundar nos estudos sobre a língua acabassem por compensar o desprestígio social atualmente conferido aos professores. Referências ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. FERNANDES, C. A. Análise do discurso: reflexões introdutórias. 2. ed. São Carlos: Claraluz, 2008. FERREIRA, M. C. L. Análise do discurso e suas interfaces: o lugar do sujeito na trama do discurso. Organon, Porto Alegre, n. 48, p.17-34, jan./jul. 2010. FILHO, K. P. Uma genealogia das práticas de confissão no Ocidente. In: RAGO. M.: VEIGA-NETO, A. (Orgs.). Figuras de Foucault. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. MENDONÇA, M. R. S. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONÍSIO, A.P.; MACHADO, A.R.; BEZERRA, M.A.; (Orgs.). Gêneros Textuais & Ensino. 4.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. ORLANDI, E. P. Interpretação; autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5. ed. Campinas: Pontes, 2007. P á g i n a | 282 ______. Discurso e texto: formulação e circulação de sentidos. Campinas: Pontes: 2008. PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Pulcinelli Orlandi et al. Campinas: UNICAMP, 1988. P á g i n a | 283 EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIVERSIDADE, DESAFIO PARA AS INSTITUIÇÕES E A BUSCA PELA QUALIFICAÇÃO DO PROFESSOR Silvana Neves do NASCIMENTO 74 Ana Carolina Souza da Silva ARAGÃO 75 Resumo: A inclusão surgiu como alternativa para a educação de pessoas com necessidades especiais e suas vidas em sociedade, porém, ela é considerada também como marco favorável a diversidade visto que todos os alunos de uma comunidade tem o mesmo direito de acesso à escolarização, com o grupo de sua faixa etária e cabe a escola acolher e valorizar as diferenças, sem distinção. Torna-se nosso objetivo então trabalhar a conscientização dos alunos e professores quanto à aceitação em relação às limitações de cada indivíduo, contribuindo para a promoção de uma educação de qualidade, desenvolvendo metodologias pedagógicas para o processo de aprendizagem. A metodologia empregada nesse trabalho é de cunho bibliográfico, baseando-se nas obras de autores que abordam a educação especial inclusiva, com o objetivo de entender e esclarecer o que é inclusão. No primeiro momento buscamos verificar detalhadamente nossa fonte de pesquisa, o que cada autor define, suas opiniões quanto a qualificação das instituições relativas ao educador, o modo que cada autor destrincha suas concepções de idealismo inclusivo, a defesa de argumentações ao direito do cidadão e o contexto de socialização cultural. Baseando-se nas leituras de Scocuglia (2007), Leite (1999), Figueira (1995), Rangel (1999), entre outros. Desta forma, através de nossas leituras, percebemos que a representação que o professor faz de seu aluno se torna importante, pois definirá a forma das relações entre eles e dará sentido às experiências a serem vivenciadas. Palavras- Chave: Inclusão, Diversidade, Educação e Professor-aluno. Abstract: The inclusion emerged as an alternative for the education of people with special needs and their lives in society, however, it is also regarded as favorable in March diversity as all students of a community have the same access to schooling, with the group his age and fits the school welcoming and valuing differences without distinction. It is our goal then work the awareness of students and teachers regarding the acceptance about the limitations of each individual, contributing to the promotion of quality education, developing teaching methods in the learning process. The methodology used in this work is a bibliographical nature, drawing on the works of authors who address the special inclusive education, in order to understand and clarify what is included . At first we seek to verify our detailed research source, which defines each author, their opinions concerning the qualification of institutions for the educator, the way each author unpacks their conceptions of inclusive idealism, the defense arguments to the right of the citizen and the context cultural socialization. Based on the readings Scocuglia (2007 ), Milk (1999 ), Figueira (1995 ), Rangel (1999 ), among others. Thus, through our readings, we find that the representation that the teacher 74 Mestranda do Mestrado Profissional em Formação de Professores, linha de pesquisa Prática de Leitura e Produção de Texto, da Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: [email protected] 75 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras, linha de pesquisa Linguagens e Cultura, da Universidade Federal da Paraíba. Membro do CEAD-PB. E-mail: [email protected] P á g i n a | 284 makes his student becomes important as it will define the shape of relations between them and give meaning to experiences to be lived . Keywords: Inclusion, Diversity, Education and Teacher-student. 1. Introdução Fazendo uma breve reflexão sobre as políticas de inclusão da atualidade, levamos em consideração as principais questões que norteiam a busca por uma escola de qualidade que inclua alunos e professores, através da observação sócio- cultural a qual significa que devemos aceitar as mudanças, tendo em vista a nossa responsabilidade a frente da construção ideológica da realidade social e cultural da educação. A criança que vive em situações de pobreza e não tem acesso a livros e outros benefícios culturais torna- se uma possível candidata ao fracasso, seja na escola ou em qualquer campo de atuação. Sabemos que a construção de uma escola inclusiva requer um desejo de mudança e uma construção de possibilidades e saberes. Assim sendo, buscamos promover uma educação sem exclusão, sem que haja diferença quanto a sua capacidade de aprendizagem e habilidades excluindo preconceitos as necessidades do ser humano, respeito às diferenças sem a ocorrência de constrangimento. Bem como, propiciar a formação do educador à reflexão da educação inclusiva, objetivando sua aplicabilidade na diversidade existente no processo ensinoaprendizagem contribuindo assim, com o pleno desenvolvimento do ser humano. Através desses princípios trabalharemos a conscientização dos alunos e professores quanto à aceitação em relação às limitações de cada indivíduo, contribuindo para a promoção de uma educação de qualidade, desenvolvendo metodologias pedagógicas para o processo de aprendizagem. Para que isso aconteça tentaremos conhecer e analisar a educação especial, seus princípios e suas implementações, e também analisar a história da educação inclusiva no Brasil, para que assim possamos compreender os aspectos políticos, sociais e culturais da educação, refletindo sobre o papel do educador no processo de inclusão social dos diferentes grupos. Para a elaboração desse estudo, estudamos e observamos, obras de autores que abordam a educação especial inclusiva, com o objetivo de entender e esclarecer o que é inclusão. No primeiro momento buscamos verificar detalhadamente os seguintes aspectos: Nossa fonte de pesquisa, o que cada autor define, suas opiniões quanto a qualificação das instituições relativas ao educador, o modo que cada autor destrincha suas concepções de idealismo inclusivo, a defesa de argumentações ao direito do cidadão e o contexto de socialização cultural. Quando discutimos inclusão educacional partimos do princípio que cada indivíduo tem suas potencialidades e necessidades, que todos devem ser respeitados para que, todos os alunos consigam caminhar progressivamente num processo de ensino aprendizagem. A inclusão como prática educativa é recente em nossa sociedade, as práticas anteriores de educação, como a exclusão, a segregação institucional vem dando espaço, gradativamente, à Inclusão. A inclusão social, portanto, é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes nos ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e P á g i n a | 285 meios de transporte) e na mentalidade de todas as pessoas. 2. Educação: direito de todos Com base nos pressupostos legais da Constituição Federal de 1988, o artigo 205 prevê o direito de todos à educação e o artigo 208 prevê a inclusão escolar, fundamentada na atenção à diversidade, exigindo mudanças estruturais nas escolas comuns e especiais. A Carta Constitucional inclui entre os fundamentos do Estado brasileiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana, estabelecendo como objetivo primordial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de comprometer-se com o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos ou discriminação de qualquer tipo. E obriga o país a reger suas relações internacionais pela prevalência dos Direitos Humanos. Pressupõe-se que todos os alunos de uma comunidade, independente de suas necessidades educacionais especiais, etnia, gênero, diferenças lingüísticas, religiosas, sociais, culturais, entre outras, tem o mesmo direito de acesso à escolarização, com o grupo de sua faixa etária e que a escola deva acolher e valorizar as diferenças. Assim, deve existir uma ação dos sistemas de ensino para acolher a diversidade ao longo do processo educativo. “A educação inclusiva representa um passo muito concreto e manejável que pode ser dado em nossos sistemas escolares para assegurar que todos os estudantes comecem a aprender que o ‘pertencer’ é um direito, não um status privilegiado que deva ser conquistado” (N. Kunc apud Sassaki, 1999, p. 123). O eixo prioritário da Educação e Cultura relacionando-as aos Direitos Humanos, como constata Scocuglia (2007), se traduz em uma experiência entre professor-aluno que atua na formação de uma consciência centrada no respeito ao outro, na tolerância, na solidariedade e no compromisso contra todas as formas de discriminação, opressão e violência. É esse o caminho para formar pessoas capazes de construir novos valores, fundados no respeito integral à dignidade humana, bem como no reconhecimento das diferenças como elemento de construção da justiça. O desenvolvimento de processos educativos permanentes visa a consolidar uma nova cultura dos Direitos Humanos e da paz, implantando sentimentos de solidariedade e respeito à pessoa humana. Não haverá uma cultura de paz nas escolas e no mundo enquanto persistirem injustiças, exclusões, preconceitos e opressão de qualquer tipo. A equidade e o respeito à diversidade são elementos basilares para que se alcance uma convivência social solidária e para que os Direitos Humanos não sejam letra morta da lei e para que em qualquer contexto social escolar exista os fundamentos de justiça, igualdade e liberdade 3. Educação inclusiva A inclusão, como movimento social, iniciou na segunda metade da década de 80, nos países desenvolvidos. No Brasil, tomou impulso na década de 90, com a difusão das idéias da Declaração de Salamanca (1994) e com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no 9394 em 20 de dezembro de 1996. Por tanto, a Escola Inclusiva é aquela que acolhe o aluno sem distinção de classe social. Assim, se P á g i n a | 286 faz necessário que as escolas insiram no seu Projeto Político Pedagógico, um currículo voltado para o trabalho inclusivo e que de fato, valorize as diferenças. A inclusão como prática educativa é recente em nossa sociedade, as práticas anteriores de educação, como a exclusão, a segregação institucional e a integração de pessoas com necessidades especiais, vêm dando espaço, gradativamente, à inclusão. Como o objetivo da educação inclusiva é uma sociedade para todos sua prática “repousa em princípios até então considerados incomuns, tais como: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação” (Sassaki, 1999, p. 42). Diante da reflexão sobre o objetivo de inclusão, buscamos o entendimento que as escolas são construídas em benefício a promover educação para todos igualmente, independentemente que os mesmos possuam “necessidades especiais” ou “não”, estabelecendo a participação ativa do aluno como membro de uma sociedade igualitária a qual essas escolas estão inseridas. “A educação inclusiva representa um passo muito concreto e manejável que pode ser dado em nossos sistemas escolares para assegurar que todos os estudantes comecem a aprender que o ‘pertencer’ é um direito, não um status privilegiado que deva ser conquistado.” (N. Kunc apud Sassaki, 1999, p. 123). O desafio da educação especial brasileira é portanto, a implantação de uma educação de qualidade, com a organização de escolas que atendam a todos os alunos sem nenhum tipo de discriminação e que reconheçam as diferenças como fator de enriquecimento no processo educacional. A educação inclusiva envolve um processo de preparação do professor que considera as diferenças e as dificuldades dos alunos na aprendizagem escolar como fontes de conhecimento sobre como ensinar e como aperfeiçoar as condições de trabalho nas salas de aula (Brasil, 1995, p.17). 4. Formação do educador A capacitação efetiva de docentes para atuar nessa perspectiva inclusiva, que vise o desenvolvimento do sujeito autônomo, tem como finalidade levar esses profissionais a uma constante reflexão sobre sua prática pedagógica, onde a avaliação e re-avaliação, bem como os questionamentos, são permanentes, a fim de que possam rever esta prática e compartilhar experiências e novas idéias com seus colegas, pondo fim na prática individualista da formação e do exercício profissional. Compartilhar experiências é fundamental para a formação continuada em educação, pois os conhecimentos teóricos somente não bastam, é necessário a participação nas mudanças sociais, como agente de formação e não apenas transmissor de conhecimentos, cabendo-lhe aprimorar-se pessoal e profissionalmente. A formação do professor deve ser continuada, diferenciada e vista como uma ação que vise ampliar as competências, a fim de desenvolver as potencialidades do profissional em todas as dimensões. Os educadores devem estar dispostos às mudanças e estar constantemente revisando seus conceitos, ideologias e valores, para atuar como elemento facilitador no processo de conscientização da construção de sua cidadania. Esse processo de P á g i n a | 287 construção deve partir da sua prática e dos conhecimentos prévios que esta prática possibilita. Os professores devem ser “colocados em um contexto de aprendizagem e aprender a fazer fazendo: errando, acertando, tendo problemas a resolver, discutindo, construindo hipóteses, observando, revendo, argumentando, tomando decisões, pesquisando” (Leite, 1999, p. 28). Nessa perspectiva de transformação e atualização, não basta só o professor buscar alterar suas práticas, mas a escola, o contexto onde este professor esta inserido deve sofrer alterações. Os professores não podem mudar sem uma transformação nas instituições em que trabalham, nem as escolas podem fazer mudanças sem o empenho, especial, dos professores. Deve haver uma articulação entre a escola, seus projetos e seus professores, pois um depende do outro. O investimento que a escola faz em seu professor, converte-se para o futuro da própria instituição. Dessa forma, na escola o professor tornar-se-á educador/educando, nesse espaço que deve ser criativo e de aprendizagem. O desafio do professor na escola é concebê-la como um ambiente educativo, onde trabalhar e formar não são atividades que possam ser separadas. Nesta perspectiva, como a representação que o professor tem de seu aluno está intimamente ligada a sua prática. Rever a escola é rever práticas, idéias, imagens, conceitos, é reconhecer quando as representações interferem em processos de mudança na direção de um novo rumo para a vida social, que clama por liberdade, justiça, solidariedade e amor (Costa & Gomez, 1999, p. 175). 5. Representação social do professor Ao professor é imprescindível, além de capacitação e de apoio, que ele esteja preparado para a diversidade, assim haverá uma aprendizagem significativa para todos os alunos. Para que se dê essa significativa aprendizagem é necessário saber o que o professor pensa, suas expectativas, suas ansiedades em relação ao diferente. É preciso saber, também, o que esse professor necessita e o que ele almeja. Nesse sentido, é que a representação que o professor faz de seu aluno é importante, ela definirá a forma das relações entre eles e dará sentido às experiências a serem vivenciadas. As representações sociais nos permitem dar sentido/significado a um objeto, tornando as relações mais complexas, elas trazem embutidas em si uma história, a história de cada sujeito, sua particularidades. Nesse sentido, num estudo mais aprofundado sobre representações sociais deve-se ter a exata noção de sua gênese, de como elas se formam. É necessário buscar os processos que fazem o sujeito agir sob a influência de fatores sócio, políticos, econômicos e culturais. A mídia pode tornar-se aliada ou adversária na busca de uma sociedade inclusiva, essencial para o desenvolvimento do pensar de todos sobre a Escola Inclusiva. Os meios de comunicação de massa (televisão, jornal, vídeo, rádio) surgem em nossa sociedade como principais alternativas para a ratificação e/ou a retificação de P á g i n a | 288 conceitos, servem como propagadores de idéias. A abordagem, a terminologia e os conceitos utilizados por esses meios refletem e influenciam a sociedade. Ainda hoje, na mídia (como em toda a sociedade), nos deparamos com desinformação e preconceito, gerando discriminação, estigmas e mais preconceitos. Segundo Figueira (1995): “Palavras são expressões verbais de imagens construídas pela mente. Às vezes, o uso de certos termos, muito difundidos e aparentemente inocentes, reforça preconceitos” (p. 32). Ao reconhecer as representações sociais, sabemos que elas influenciam no cotidiano, nas atitudes, nas tomadas de decisão, em fim, nas práticas. Elas não são estanques, e transcendem do aparente, estão relacionadas às mudanças sociais e a alterações da dinâmica de relações entre os grupos sociais. Esse dinamismo do processo, segundo Rangel (1999), pode estar relacionado às experiências do sujeito, na relação entre sujeito e objeto. Essa questão trás implícita a mudança de atitude, também em âmbito escolar, segundo (Rangel, 1999, p.66): “as situações de julgamento sobre o outro são interessantes igualmente por serem particularmente reveladoras dos aspectos mais funcionais da representação”, podendo este julgamento ser ou não alterado. A representação social é um conjunto de conhecimentos, originados na vida cotidiana, por isso existe o senso comum, que tem por objetivo, comunicar, estabelecer relações entre grupos sociais, embutir sentido ao comportamento, a fim de tornar essas relações estáveis e eficazes. As representações sociais ajudam a decodificar a vida cotidiana, tornando possível atribuir a toda figura um sentido e a todo sentido uma figura. Assim, pode-se concluir que é o processo de representação que permite a comunicação entre os indivíduos de um grupo social, é a visão, idéias e imagens dos sujeitos sobre a realidade que os cerca, às quais estão vinculadas as suas práticas sociais. 6. O papel social da escola As escolas vêm lidando com as crianças em situação de risco social de forma não muito apropriada. Elas continuam pouco atrativas e deslocadas da realidade, demonstrando uma enorme inabilidade para lidar com estudantes rebeldes, usuários de drogas, em situação de exploração sexual, homossexuais, entre outros. Há um descompasso enorme entre o que a escola ensina e o que estas crianças vivem, elas têm uma sede incontrolável de aprender e não de assistir aulas. A escola ideal seria focada na educação integral e inclusiva, expressando a real possibilidade de criação de diferentes e novos projetos de vida para as crianças em situação de risco social, possibilitando que estas se reconciliem com as suas histórias de vida e que tenham uma consciência crítica de seu papel social. A escola deve garantir a implementação de uma proposta político-pedagógica para os programas sócio-educativos, que conceba as crianças e adolescentes na sua integralidade, respeitando a diversidade e a pluralidade dos modos de vida, através de planejamentos e dotação de recursos para a continuidade das ações dos programas sociais, promovendo contratação, formação continuada, acompanhamento e monitoramento dos educadores sociais. P á g i n a | 289 O educador social é um profissional que intervêm junto à comunidade (escolar), trabalhando noções válidas sobre cidadania, saúde, sexualidade, prevenção ao uso de drogas e comportamentos de risco, entre outras. É uma tarefa delicada e importante, que demanda sensibilidade, abertura, compromisso e solidariedade, sendo possível ajudar as crianças a mudarem o rumo de suas vidas, encontrando novos caminhos para o exercício da cidadania, recuperando a confiança tantas vezes perdida no curso de uma vida de privações e descrenças. E juntos encontrarem alternativas às dificuldades de cada um. O educador social é um profissional fundamental num país e numa região onde grande parte da população vive imersa na miséria social, econômica e humana que todos nós conhecemos. Para que a escola de fato assuma seu papel, de modo eficiente e democrático precisa respeitar a diversidade a heterogeneidade dos sujeitos sociais, e ser inclusiva à medida que contempla o acesso de todos os cidadãos no seu espaço e na sociedade. A escola tem por função social garantir aos seus alunos a boa aprendizagem de conteúdos e habilidades, bem como, o desenvolvimento de competências para vida em sociedade, não apenas para fazer parte dela, mas também incidir sobre ela e transformála. Se as famílias se omitem, a escola precisa agir. Estudantes desamparados serão duplamente vitimados ou marginalizados se não receberem atenção especial dos educadores. 7. Considerações A escola tem como uma de suas principais funções, a formação do sujeito. Nela, a criança estabelece vínculos com a cultura e com o universo simbólico que rege as relações humanas, a aprendizagem acontece no hoje e não pode ser reportada para um tempo futuro. Aprendemos e ensinamos normas, valores, atitudes e conhecimentos diversos. A Educação inclusiva, na diversidade e na cidadania significa: incluir os excluídos; garantir qualidade na educação; considerar as diferenças; valorizar a diversidade; e equiparar oportunidades. Essa equiparação de oportunidade implica na acessibilidade, compreendida como a inserção interativa de todas as pessoas na realidade sociocultural, cada qual assumindo o seu papel de sujeito, independente de sua condição existencial. Dentre os princípios que norteiam e diferenciam as práticas pedagógicas estão o preconceito, cujas ações estão pautadas em concepções e ideias preconcebidas sobre as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento das pessoas com deficiência, bem como a realidade, onde, guiada pelo princípio da realidade, o professor tenta orientar suas ações nas dificuldades e possibilidades que se delineiam na sala de aula. Assim, o professor deve ter uma ação pautada no senso da realidade, direcionando as intervenções de forma apropriada no grupo de classe para além de seus medos e preconceitos. O professor como mediador das relações entre as crianças, atua colaborando para questionar concepções e valores, e garantindo a cidadania para o aprendiz. Neste sentido, garantir a cidadania é garantir acesso a informações e aos espaços sociais, bem P á g i n a | 290 como, emprego de recursos tecnológicos e utilização de instrumentos que favoreçam o desempenho das pessoas em todas as atividades produtivas e sociais, inclusive promovendo a diferenciação do ensino para assegurar a aprendizagem de todos os alunos. Devemos assegurar a educação da criança no contexto de ensino diferenciado e de inclusão escolar através do conhecimento preciso das características particulares de cada criança sob o aspecto afetivo-social cognitivo e motor. Também da capacidade de criar atividades que respeitem as especificidades dos alunos e provoquem desafios em cada um deles. Buscando uma aprendizagem para a diversidade, a escola prioriza o sentido e o engajamento das crianças com as atividades, muda a perspectiva da aprendizagem individual para a aprendizagem coletiva, e prioriza as interações nos grupos, eixos centrais da aprendizagem, sem perder de vista o ritmo e a especificidade de cada um. Em suma, a cooperação é a base do fazer pedagógico. Através da inclusão, a escola abre a luta pelo respeito à diversidade, à diferença e a pluralidade existentes na vida, cujo o triunfo seja a edificação de uma sociedade mais equilibrada e de relações mais justas gestadas por homens e mulheres. A Escola da Inclusão visa a formação do sujeito político, ético e estético que respeita a si mesmo, ao outro e a sociedade, respeitando reconhecendo a pluralidade existente na vida. A diversidade humana é inquestionável, a dúvida deve estar sempre presente para que busquemos soluções e com isso cresçamos. A Educação Inclusiva exige do professor uma mudança de postura, no sentido de redefinir seu papel, que é fundamental no desenvolvimento de seu aluno. O educador deve aprender respeitar o seu aluno, seus interesses, e desenvolver suas atividades a partir disto; ouvindo, formulando desafios e situações novas, acompanhando seu processo de desenvolvimento, não direcionando aos seus interesses (de adulto). “Devem ser oferecidas aos alunos oportunidades diárias para pensar, refletir e evoluir em direção ao pensamento lógico” (Ferreira, 1993, p.86). Sendo assim, devemos manifestar nossa convicção de que para adentrar nesse processo é necessário, além de ‘dedicação’, preparo e compreensão a cerca da temática. A importância da questão da formação profissional do educador inclusivo está abarcada por discussões complexas, especiais e desafiadoras. Cabe ao docente refletir sobre a Educação Inclusiva observando a diversidade existente, para que a inclusão escolar demande uma mudança no sistema educacional de modo amplo. Nós, educadores audaciosos e responsáveis, podemos contribuir para a construção de uma escola democrática, inclusiva e, sobretudo, prazerosa para todos os alunos. Referências BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. O processo de integração escolar dos alunos portadores de necessidades educativas especiais no sistema educacional brasileiro. Séries diretrizes nº 11. Brasília: Secretaria de Educação Especial (SEESP), 1995. ___. Ministério da Justiça. Secretária Nacional dos Direitos Humanos. Declaração de Salamanca, e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. 2. ed., Brasília: CORDE, 1997. P á g i n a | 291 COSTA, E. H. C e GÓMEZ, C. M. Superar a cultura da violência: Um desafio para a escola. In: TEVÊS, N. e RANGEL, M. Representação social e educação. Campinas: Papirus, 1999. FERREIRA, I. N. 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P á g i n a | 292 O LIVRO DIDÁTICO DE INGLÊS DO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA BASE CURRICULAR COMUM DO ESTADO DE PERNAMBUCO Kleber Ferreira COSTA (UFCG)76 Resumo: O presente trabalho, em desenvolvimento, procura fazer uma análise qualitativa sobre a relação do livro didático de Inglês para ensino médio (On Stage – de Amadeu Marques, da Editora Ática) com a filosofia do documento norteador das redes públicas de ensino: a Base Curricular Comum de Pernambuco (BCC-PE/2008). Tratase, portanto, de uma pesquisa documental cujo objetivo é verificar em que medida o livro didático de língua inglesa para o Ensino Médio atende à BCC-PE. A fundamentação foi embasada nos pressupostos teóricos de Bauman (2001), GimenoSacristán (2007), Libâneo (2011), Santaella (2007), Moita Lopes (2006), Rojo (2009) e outros. A investigação de como o referido livro didático articula os fundamentos da BCC-PE já tem algumas descobertas em relação aos aspectos de eixos temáticos e paradigmáticos que se relacionam nesses documentos, a exemplo dos temas socioculturais abordados no livro didático que se refere na BCC ao eixo da Solidariedade. Espera-se com essa pesquisa, reconhecer a importância do referido documento curricular como norteador para escolha do livro didático, que transforma a distância dos critérios de escolha nacionais em locais, contribuindo, assim, para a construção de um currículo em que a cidadania e interação social se aliam na construção de saberes e competências sistematizados para o ensino de Inglês como língua estrangeira. Palavras-chave: Pós-modernidade; Currículo; Livro didático de inglês. 1. Introdução O uso do livro didático no cenário da pós-modernidade se apresenta em meio a questionamento acerca de sua utilidade frente aos desafios de se viver em uma sociedade globalizada, onde o consumismo é peça fundante dessa engrenagem global, junto aos avanços tecnológicos e às questões de identidade e fragmentação do conhecimento. Nesse contexto de sociedade em processo de mudança, essa ferramenta, que se materializa na escola ainda de forma poderosa, frequente e histórica, delimita o espaço entre o passado e o presente, pois se “consumível” ou “não consumível”, traz característica do mercado global consumidor; se estático e desatualizado por permanecer por 3 ou 4 anos em uso, distancia-se da autenticidade da informação dos meios midiáticos; se não contemplado para algumas disciplinas, perde-se a cultura da aula tradicional. Diante do exposto, sua escolha é motivo de reflexão crítica, pois escolher uma obra que atenda a essa sociedade pós-moderna e a proposta curricular de uma escola ou região é uma tarefa complexa, em virtude de os livros didáticos apresentarem critérios 76 Mestrando em Linguagem e Ensino – UFCG. Orientador: Profº . Drº Marco Antônio Margarido Costa P á g i n a | 293 nacionais, distantes das perspectivas da escola, do município ou do estado, esse quadro de dificuldade se acentua quando se trabalha com língua estrangeira. Nesse contexto, o livro didático de inglês para o Ensino Médio ganha espaço no Programa Nacional do Livro Didático do MEC – PNLD, no ano de 2011, para implantação em 2012. Trata-se de um marco na história da educação brasileira apoiar o ensino de Língua Inglesa, em especial no nível em que se espera o desenvolvimento de princípios voltados à “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” (LDB 9394/96). Marcado pela sua contribuição ao desenvolvimento de competências e habilidades do ensino de línguas em diferentes aspectos, formatos, linguagens e concepções, o livro didático de inglês carrega crenças e ideologias (do MEC, da sociedade, da editora, do professor e do aluno) que historicamente se firmaram na sociedade e são reproduzidas, discutidas, refletidas e transformadas pela dinâmica da informação no espaço escolar. Ao longo dos tempos, o uso acrítico do livro didático serviu de apoio à manutenção da classe dominante e seu conteúdo inquestionável orientou gerações que não compreendiam sua função no mundo. De tão importante, teve diferentes interpretações em diferentes grupos: para o aluno era um compêndio, um tratado; para o professor – um guia de conteúdo para seu planejamento, uma proposta curricular; para a sociedade - a certeza do controle social. Paralelo a sua historicidade, políticas públicas para o livro didático, via MEC/FNDE, mantêm programas como PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio), que vinculado ao PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), criado pelo Decreto nº 91.542, de 19/08/1985, mobiliza seleção, aquisição, escolha e distribuição de livro didático no país. Não obstante, sua avaliação pedagógica chama atenção, desde o MEC até a escola, pois diante de um país com dimensões continentais como o nosso, escolher uma obra que atenda especificamente a um público ou proposta curricular de uma instituição é difícil, devido às complexidades social e político-pedagógica em que cada Escola, Município ou Estado se encontram com seus princípios e fins educativos. O PNLD contribui com o processo de avaliação e seleção de obras didáticas estabelecendo critérios eliminatórios comuns e específicos, sendo esses últimos, observados pelos professores no processo de escolha das obras como um “guia”. Mas, se os critérios representam um apoio ao professor, visto que a obra se apresenta em princípios gerais, já se percebe seu grau de incompletude mediante características regionais do ponto de vista geográfico, de variação linguística, de concepções de mundo ou mesmo de políticas curriculares. Portanto, há necessidade de se discutir o processo de escolha do livro didático que leve em consideração não somente os critérios específicos, mas também documentos – propostas curriculares – que direcionem a noção geral da obra em processo de escolha para o perfil político-pedagógico da instituição, reduzindo assim a distância entre o geral e o imediato. Essa tendência se configura no Estado de Pernambuco, onde o documento de referência - Base Curricular Comum (BCC) - norteador da prática pedagógica do professor no Estado desde o planejamento até as avaliações externas -, foi usado durante o Programa de Formação Continuada como instrumento de identidade pedagógicocurricular do Estado de Pernambuco, através da Secretaria de Educação em consonância P á g i n a | 294 com os Critérios específicos (Guia de Escolha) do PNLD, referenciando o professor para uma escolha com características mais regionais que gerais. Nesse quadro de desafios de se escolher um livro didático, de inglês para o Ensino Médio, apresentamos a pergunta que norteia o projeto de pesquisa: Qual a relação do livro didático de inglês do Ensino Médio – On Stage com os pressupostos teóricos e metodológicos da Base Curricular Comum – BCC-PE? Trata-se de uma indagação que busca, diante do documento apresentado pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, entender essa relação, uma vez que o livro didático não é algo neutro, mas traz consigo ideologias, crenças e valores de uma classe social e atende a interesses de ordem diversa, inclusive política e pedagógica. Nessa perspectiva, esse artigo tem por objetivo verificar em que medida o livro didático de Língua Inglesa para o Ensino Médio atende aos pressupostos teóricos e metodológicos da BCC-PE. Esse artigo mostrará que a análise será orientada por três objetivos específicos: verificar como a proposta de letramento da coleção se articula com o paradigma da solidariedade, do vínculo social e da cidadania da BCC-PE; identificar em que medida essa coleção atende aos eixos desse documento curricular e por fim, analisar como as questões de ensino aprendizagem da coleção escolhida relacionam-se com às da referida base curricular. Uma pesquisa dessa natureza justifica-se pelas contribuições que o processo de escolha do livro didático de Língua Inglesa para o Ensino Médio traz ao ensino de Pernambuco: primeiro, por discutir critérios nacionais e locais; e segundo, por sua escolha fazer parte do compromisso firmado no processo de amadurecimento do Programa de Formação Continuada do Estado de Pernambuco, norteado pela implementação de políticas curriculares, como a Base Curricular Comum, tornando a escolha desse livro fruto dessas discussões. 2. Letramentos no ensino de língua inglesa no Ensino Médio Essa subseção discute o papel dos letramentos no ensino de língua estrangeira, mais especificamente de inglês no Ensino Médio, que se constitui como propósito educacional pela junção entre projeto de letramento e proposta de inclusão digital e social, discutidos nesse contexto de cultura globalizante, sendo inspirado pelas Orientações curriculares para o Ensino Médio – OCEM (BRASIL, op. cit.). Partindo do pressuposto de que o ensino de uma língua estrangeira não é apenas para conhecimento linguístico ou instrumental de uma língua, mas sim para a formação de indivíduos conscientes de seu papel na sociedade, as OCEM (op. cit.) apontam para uma perspectiva de ensino que valoriza a formação cidadã, tendo como objetivo a disciplina de língua estrangeira na escola: “ensinar um idioma estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros compromissos com os educandos, como por exemplo, contribuir para formação de indivíduos como parte de suas preocupações educacionais” (BRASIL, op. cit., p. 91). Com base nesse objetivo, fica claro que o ensino de língua inglesa imbrica vertentes linguísticas e sociais para assumir sua função nesse contexto de cultura globalizante rica em diversidade, conhecimentos, tecnologias e linguagens, em que seu “objetivo de um projeto de inclusão seria criar possibilidades de o cidadão dialogar com P á g i n a | 295 outras culturas sem que haja a necessidade de abrir mão de seus valores” (MATURANA apud BRASIL, op. cit., p. 96). O sentido de trabalhar valores para as OCEM (op. cit.) não é desprezar ou anular uma cultura para incluir outra, mas refletir como essa cultura pode também incluir, questionar, ampliar valores sociais, culturais, políticos e ideológicos, que são socializados e administrados à luz do diálogo, pois prevê a formação do indivíduo em todas as suas dimensões. Na verdade, não se está distante do debate sobre os temas transversais ou socioculturais que desde os PCN (BRASIL, 1998), os PCN + (BRASIL, 2002) e as OCEM (op. cit.), vêm integrando o currículo na perspectiva de formação para a cidadania. Não obstante, os PCN de Língua Estrangeira do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998) já dialogam com as OCEM (op. cit.) quando ao caracterizar as competências comunicativas, descreve sua constituição a partir de três conhecimentos: sistêmico, de mundo e da organização textual (BRASIL, 1998, p. 29), é, pois, o conhecimento de mundo que, segundo esses PCN (op. cit.), “refere ao conhecimento convencional que as pessoas têm sobre as coisas do mundo”, em que se valoriza a identidade dos sujeitos, sua cultura e valores adquiridos em sociedade. Portanto, ensinar língua estrangeira nessa perspectiva, não é apenas abordar sobre o conhecimento sistêmico como historicamente se constituiu o ensino de língua estrangeira, mas unindo o sistêmico e a organização textual ao conhecimento de mundo, colabora-se para o desenvolvimento do aprendiz de língua estrangeira que se expõe a outras visões de mundo, há outros modos de vida também considerados válidos, embora nunca perceptíveis, mas que agora, dono do seu próprio discurso, de forma ativa, questionadora e de marcas de uma identidade linguística, política e social, não deixa ser calado pelo discurso dominante. Desse contexto parte o PCN de Língua Estrangeira (op. cit.) abordando sobre a construção da cidadania, que mesmo de forma sucinta, declara: A Língua Estrangeira no ensino fundamental tem um valioso papel construtivo como parte integrante da educação formal. Envolve um complexo processo de reflexão sobre a realidade social, política e econômica, com valor intrínseco importante no processo de capacitação que leva à libertação. Em outras palavras, Língua Estrangeira no ensino fundamental é parte da construção da cidadania. (op. cit., p. 41) Essa declaração aponta para a construção da cidadania em que a liberdade de expressão seja papel fundante, dessa forma, ainda nesse parâmetro, a aprendizagem de língua estrangeira, propõe não só informação, mas percepção, pois ao olhar a realidade do mundo e a sua, o estudante pode questionar e questionar-se, pois ali se entrelaça valores, cultura e identidades diferentes que podem, nessa interação, sujeitos – alunos e professores – e mundo se posicionarem de forma mais crítica e construtiva. Da mesma forma os PCN + (op. cit.), orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, documento que antecedeu as orientações curriculares para esse nível servindo de base para a criação das P á g i n a | 296 Orientações Curriculares Nacionais (op. cit.), em seu volume sobre Linguagens, códigos e suas tecnologias, já abordava, de forma tímida, na seção sobre ‘contextualização sociocultural’, à necessidade de trabalhar o tema Ética e Cultura no ensino de língua estrangeira, referenciado da seguinte forma: “O estudo da língua estrangeira permite a reflexão sobre o idioma e a cultura como bens de cidadania, além de contribuir para a eliminação de estereótipos e preconceitos” (BRASIL, 2002, p. 101). Assim, trabalhar em favor do desenvolvimento da cidadania proporciona vivenciar uma prática pedagógica em que a visão crítica e discursiva da realidade possa ser analisada, discutida e refletida pelos sujeitos da aprendizagem de forma que proporcione sua integração aos fatos e às problemáticas do seu cotidiano. Freire (1996), em sua obra Pedagogia da autonomia, dedica uma seção intitulada ‘Ensinar exige criticidade’ (FREIRE, op. cit., p. 31), uma reflexão acerca da curiosidade que se deve despertar para se tornar crítico, consciente e participativo das decisões dessa sociedade. O autor propõe a superação da curiosidade ingênua transformando-a em epistemológica, que por sua vez é metódica e precisa, para que se possa ver a realidade com o olhar da reconstrução, da transformação e do conhecimento verdadeiro que por muito é repassado de forma alienante e ingênua. Então, se para Freire (op. cit.) o ato de ensinar exige criticidade, percebe-se uma enorme necessidade de o currículo, as diretrizes para tal ensino, a formação dos professores e o projeto Político-pedagógico das escolas reorganizarem suas ações administrativo-pedagógicas voltadas à valorização da cidadania e da formação de aprendizes críticos que se percebam como agentes incluídos nessa sociedade em transformação. Dessa forma, as OCEM (op. cit.) valorizam o diálogo entre as culturas local e universal, da mesma forma que orientam para o desenvolvimento das habilidades a partir de temas como “cidadania, diversidade, igualdade, justiça social, dependência/interdependência, conflitos, valores, diferenças regionais / nacionais” (op. cit., p. 112), uma forma de ampliação do repertório temático do ensino de línguas que não só o linguístico dá conta, mas a perspectiva social também contribui como já referenciada nos PCN de Língua Estrangeira (op. cit.) e nos PCN + de Linguagens (op. cit.). A partir desse contexto e motivado para as mudanças de paradigma de ensino de língua estrangeira que primeiro, abandona práticas pedagógicas que sustentam a manutenção do pensamento da sociedade de que aprender uma língua estrangeira é apenas para a garantia do mercado de trabalho; que o inglês se destaca como o idioma da globalização e, depois, o usuário da mesma é apenas considerado consumidor, esse ensino, articulado a tais mudanças, alia-se às tendências tecnológicas dessa sociedade globalizada e também à abordagem dos novos letramentos propondo responder aos anseios dessa sociedade. Dessa maneira, ouvir, falar, ler e escrever se tornaram habilidades reduzidas diante de uma proposta de letramento que segundo as OCEM (op. cit., p. 106), “se refere aos usos heterogêneos da linguagem nas quais formas de “leitura” interagem com formas de “escrita” em práticas socioculturais contextualizadas”, o que permite às referidas orientações nomear novas habilidades a serem desenvolvidas em língua estrangeira para o Ensino Médio: Leitura, Comunicação oral e Produção escrita, tendo como foco, práticas de letramentos. P á g i n a | 297 Segundo Coracini (op. cit.), há muito o ensino de língua estrangeira reproduz modelos prontos de materiais estrangeiros com preocupação apenas de língua como sistema linguístico e de cultura do outro como a de excelência, desprezando os valores locais, as identidades e o respeito ao debate sobre as temáticas socioculturais (gênero, etnias, nacionalidades, identidade, cultura entre outras) do contexto do aprendiz e dos saberes aplicado pela escola, revelando um currículo que contribui para a manutenção da ideologia da passividade, do silêncio e da omissão, colocando-se distante dos aspectos de criticidade defendidos por Freire (op. cit.). A globalização é uma realidade. Como diz Gimeno Sacristán (2007, p. 25), “é uma forma de ver o mundo em que estamos” de forma crítica e um olhar mais amplo. Partindo dessa afirmação, “a educação em um mundo globalizado tem que superar as obviedades e a clareza aparente dos fenômenos, abordar os temas e problemas de forma interdisciplinar e abandonar a tendência à especialização” (GIMENO SACRISTÁN, op. cit., p. 26). Percebe-se, nessa perspectiva, que a educação em um mundo globalizado direciona seu olhar para um contexto híbrido de informação e relações em que os problemas sociais são inseridos criticamente no currículo como informação, conhecimento sistemático e formação cidadã, deslocando perspectivas curriculares acríticas para uma “nova forma de educar para a vida” (GIMENO SACRISTÁN, op. cit., p. 26) em tempo de pós-modernidade. Tal perspectiva em educação requer, como cita Rajagopalan (op. cit., p. 61), situar “a importância que a chamada pedagogia crítica assume cada vez mais” nesse contexto de sociedade globalizada, que diferente ao sentimento de subalternidade, a todo modismo, colonialismo e imperialismo das tendências globalizantes, em que essa pedagogia se mostra questionadora, ativa e motivada a contribuir com melhores condições para enfrentar as adversidades desse tempo sem se deixar cair no isolamento do sentimento de impotência ou de exclusão social. Dessa forma, a pedagogia crítica, na perspectiva dos letramentos, redefine antigas práticas e paradigmas de como se ensinava inglês em décadas anteriores e abre espaço para uma proposta de ‘leitura’ como letramento crítico, de uma ‘comunicação oral’ como letramento que explora a competência linguístico-comunicativa da língua e a ‘prática de escrita’ como letramento de uso das práticas sociais em diferentes esferas, pois nos diferentes letramentos os sentidos são construídos pelo contexto sóciohistórico, o que faz dos sujeitos da aprendizagem agentes dessa sociedade. Diferente da pedagogia crítica, a pedagogia tradicional proporcionou um ensino por transmissão em que o centro das ações educativas era o professor, por sua vez, apoiado no seu empoderamento de uma verdade quase fé, como cita Biesta (2009, p. 109), “O ensino como transmissão de fé cria ilusão de presença fora do ambiente de ensino e assim fixa, define e assegura o sentido – quando não a verdade – do que é apresentado/ representado em sala”, conduzia o sentido das leituras diversas ao seu modo de ler o mundo, desprezando assim o ensino com criticidade em que o aluno é o centro da aprendizagem e sujeito do processo. Essa pedagogia tradicional, no contexto de pós-modernidade globalizada, não mais dá conta de responder às necessidades de uma sociedade de pensamento tão diverso como essa, exigindo, portanto, novos paradigmas e percepções, pois se permanecer na ilusão ou na fé de que está presente nesse mundo, corre o risco de não acompanhar as mudanças desse tempo. P á g i n a | 298 É o que aconteceu com o ensino de gramática, que deixou de ser centro do ensino de língua estrangeira, numa concepção homogênea de linguagem, para ser processo de um conhecimento linguístico, exigindo também mudanças de paradigma desde a formação inicial a continuada do professor para que o mesmo, motivado pelas leituras diversas sobre letramentos perceba sobre o que é ensinar língua nesse contexto de sociedade da informação e do conhecimento. Porém, se aqui se desconstruiu conceitos homogêneos de língua como gramática e de cultura padrão, está-se diante de uma mudança de conhecimento que a instituição escolar sempre manteve. “A sociedade do conhecimento” (LIBÂNEO, 2011, p. 78) denominada por Libâneo (op. cit.), configura a geração de novos conhecimentos ou saberes que estariam associados ao desenvolvimento científico e à inovação tecnológica, não obstante, o ensino de línguas nesse contexto social, precisaria também de novas perspectivas, “pois o conhecimento deve ser integrador, reconhecendo as linguagens e os fenômenos multidimensionais” (BRASIL, 2006). Partindo desse pressuposto, afirmam as OCEM (BRASIL, op. cit.) que “o projeto de letramento pode coadunar com a proposta de inclusão digital e social e atender a um propósito educacional, pois possibilita o desenvolvimento do senso de cidadania”. Proposta essa que agrega texto, contexto e letramento crítico (em que os sentidos são construídos dentro de um contexto social, histórico, imerso em relações de poder) tratando a linguagem como prática social. É diferente de uma proposta de ‘leitura crítica’ em que o estudante fica preso a dados descritivos e investigativos do autor do texto. Nessa perspectiva de letramento crítico há um conhecimento ideológico que é compartilhado, discutido e refletido em busca do desenvolvimento da consciência crítica dos sujeitos da aprendizagem que entrelaçam o contexto, a identidade e as relações sócio-históricas envolvidas. Mas para que de fato essa articulação entre pedagogia crítica, letramento crítico e o entendimento de linguagem como prática social assumam de fato sua presença nos espaços educativos, é necessário que o educador assuma também sua postura de criticidade diante da realidade que o cerca. Rajagopalan (op. cit., p. 111) afirma que “ao educador crítico cabe a tarefa de estimular a visão crítica dos alunos, de implementar uma postura crítica, de constante questionamento das certezas que, com o passar do tempo, adquirem a aura e a ‘intocabilidade’ dos dogmas”, com base nessa afirmação, verifica-se a função precípua do professor, a de ‘estimular a visão crítica’ para a construção de sujeitos de fato críticos. A sociedade se modernizou, os aprendizes não têm mais a passividade dos da década de 20 a 50, as ferramentas desse tempo globalizado, como a internet, é um meio prático de aprendizagem multimodal que abre espaço para diferentes formas de ler e interpretar o mundo. É natural também que o educador crítico, como propõe Rajagopalan (op. cit.), implemente novas rotas de conhecimento em seu saber-fazer pedagógico a fim de dar sentido à uma prática, frente aos desafios desse tempo. Em Rajagopalan (op. cit.), fica evidente a preocupação que o mesmo aborda sobre o “efeito avassalador do fenômeno conhecido como “imperialismo linguístico”” (RAJAGOPALAN, op. cit., p. 112), referindo-se ao imperialismo do Inglês pelo mundo, pois tal expansão tende a esconder verdades, ocultar questionamentos e valorizar a cultura hegemônica globalizante e opressora reconhecendo o ensino de língua estrangeira apenas como divulgar a língua e a cultura do dominador e excluir as que não têm poder hegemônico. P á g i n a | 299 Para o autor um desafio se constitui, “o de nos desvencilhar das garras daquela lógica que nos aprisiona como uma camisa de força e pensar o mundo como composto de entes cujas identidades se acham em permanente estado de renovação e recriação” (RAJAGOPALAN, op. cit., p. 114), uma forma de fazer da pedagogia crítica, aliada ao letramento escolar também crítico, um caminho que conduza o ensino de língua estrangeira a uma ação de discussão, questionamento, diálogo e construção de uma postura diferente da que a sociedade está passivamente acostumada. Nessa perspectiva, as teorias de multiletramentos para o ensino de língua estrangeira estariam imbricadas na pedagogia do letramento escolar, pois, segundo Rojo (2009, p. 107), “um dos objetivos principais da escola é justamente possibilitar que seus alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática”. Nesse contexto, o uso dos multiletramentos, dos letramentos multissemióticos e dos letramentos críticos, já definidos na subseção anterior, constituiriam a essência do ensino de leitura e escrita para essa sociedade contemporânea. 3. On stage – uma arquitetura desmaterializada Neste capítulo, apresenta-se a análise e discussão dos dados desta pesquisa. Optou-se por esse título “On Stage – uma arquitetura desmaterializada”, por representar uma mudança na forma de analisar os livros didáticos de linguagem que habitualmente parte de questões materializadas ou estruturais, como a gramática, desmerecendo aspectos da cultura, da cidadania, das relações sociais e de identidade. Desmaterializar essa arquitetura, o livro didático, é dar sentido a um recurso importante que contribui na formação cidadã no contexto educacional e de sociedade no compromisso de persistir por uma educação de valores e justiça social. Para Santaella (2007, p. 15), esse termo vem de “Marcos Novic, um artista pioneiro nas experimentações voltadas para os interstícios da realidade concreta e virtual”, utilizado pela autora para explicar que pela primeira vez um arquiteto não desenha um objeto. Com base neste contexto, parte esta análise, interessando-se não por descrição de coisas, mas pessoas, formação pessoal e cidadã por uma educação de valores. “Uma arquitetura desmaterializada, dançante, difícil, etérea, temperalmente, transmissível a todas as partes do mundo [...] feita de presenças sempre mutáveis, líquidas” (SANTAELLA, op. cit., p. 17), proporciona, no contexto sócio-histórico, situar agentes em transformação, na construção de uma sociedade pós-moderna, também em modificação. A partir dessas questões, inicia-se a análise apresentando aspectos descritivos das unidades e seções da coleção On stage, articulando-a com a Base Curricular Comum de Pernambuco, o manual do professor da referida coleção e as teorias que fundamentam este estudo. Para essa articulação, serão consideradas duas subcategorias: a Discussão de temas socioculturais e os Momentos de protagonismo. Optou-se por analisar a coleção do professor, tendo em vista proporcionar uma visão geral da obra, uma vez que apresenta as intenções do autor no anexo: manual do professor. Mas para tanto, pode-se considerar como eixo orientador dessa análise, as perguntas de pesquisa abaixo: P á g i n a | 300 1. Como as seções da coleção On Stage se articulam com o paradigma da solidariedade, do vínculo social e da cidadania da BCC – PE? 2. Que aspectos dessas seções atendem aos eixos metodológicos e da organização curricular desse documento curricular? 3. Em que medida as questões de ensino aprendizagem dessa coleção relacionam com as da referida base curricular? 4. O manual do professor fornece subsídios teóricos e metodológicos que conduz o trabalho do professor para os pressupostos teóricos e metodológicos dessa proposta curricular? Após esse momento, apresenta-se uma síntese das análises realizadas neste estudo. 2.1 Análise da coleção On Stage – Inglês para o Ensino Médio, a partir da subcategoria Discussão de temas socioculturais Na busca de verificar se a coleção didática de Língua Inglesa para o Ensino Médio - On Stage (op. cit.) - atende aos pressupostos teóricos e metodológicos da BCC – PE, essa análise será orientada sob o olhar de duas subcategorias: a Discussão de temas socioculturais e os Momentos de protagonismo, uma vez que as formas de construção da cidadania são organizadas, partindo do conhecer uma situação para depois intervir transformando-a. No entanto, vale ressaltar que esta análise será orientada pela competência sóciodiscursiva da textualidade e não de aspectos linguísticos, sendo analisadas três seções de leitura descritas a seguir: Before you reading (pré-leitura), Reading (leitura) e Think about it (pós-leitura), por apresentarem maior relação com as discussões de temas socioculturais na referida coleção. Dessa forma, a BCC (Pernambuco, p. 2008), ao considerar a relevância da discussão do paradigma da solidariedade, do vínculo social e da cidadania na escola, a partir de um currículo renovado, valoriza a dimensão do reconhecimento e do pertencimento diante de uma sociedade questionadora, crítica e dinâmica, o que aponta nesta coleção, na parte de apresentação, autodenomina-se de uma coleção com “visão sociointeracional e interdisciplinar para o estudo da língua inglesa no Ensino Médio” (MARQUES, op. cit., p. 3). Na referida apresentação, a visão sociointeracional é explicada a partir do momento em que os sentidos são construídos através da interação entre sujeitos em determinados contextos de uso, em um momento sócio-histórico. Para a BCC (op. cit.), o paradigma da solidariedade, do vínculo social e da cidadania somam-se a essa visão quando valoriza as experiências de reconhecimento e de pertencimento importantes na formação dos sujeitos e no momento em que explicita as Zonas de desenvolvimento da teoria sociointeracional de Vygotsky que coloca o sujeito como centro do processo de aprender a partir das relações sociais com o outro e com o mundo. Dessa forma, a proposta principal dessa obra, segundo o manual do professor é: P á g i n a | 301 desenvolver no aluno competências que o tornem apto a, através de engajamento em atividades de uso da linguagem, construir sentidos, compreender melhor o mundo em que vive e participar dele criticamente, fortalecendo a noção de cidadania (MARQUES, 2010b, p. 5) Percebe-se como as questões de cidadania são enfatizadas nesse objetivo geral da coleção que utiliza de palavras como: competência, engajamento, construir sentido, participar criticamente e fortalecer cidadania, em um contexto complexo de sociedade pós-moderna que exige participação crítica e formação cidadã. Apesar de essas palavras apontarem para aspectos positivos, o autor deixa revelar uma certa fragilidade em relação aos valores e a formação da cidadania diante de uma sociedade em que a justiça social esteja presente, pois no contexto de diversidade global em que a pós-modernidade questiona a forma de ser, fica aparente enquanto objetivo a necessidade de encontrar uma identidade que dê conta dessa “segurança social”, a partir daí, parece mais compreensível o que o autor espera com a frase: “compreender melhor o mundo em que vive e participar dele criticamente, fortalecendo a noção de cidadania” (MARQUES, 2010b, p. 5) Bauman (2005), em sua obra “Identidade”, chama atenção para a necessidade da descoberta da identidade que segundo o autor, vem do desejo de se ter segurança, uma busca constante que coloca em jogo questionamentos diversos sobre essa sociedade, precisando refleti-la em seu tempo para se reconhecer presente na mesma. Da mesma forma, o desejo de identidade exposto por Bauman dialoga com a BCC (op. cit.) quando aponta que a identidade é construída mediante envolvimento dos sujeitos em determinadas comunidades, segundo valores, práticas sociais e interesse envolvidos, não sendo, portanto, algo definido, mas um processo que integra os sujeitos a seu tempo, questionando, agindo e interagindo. No decorre de toda a apresentação da coleção, questões de identidade se integram ao sentido de reconhecimento e de pertencimento da BCC (op. cit.), ficando claro o desejo do autor pela necessidade de, enquanto sujeitos, buscar sentido para as ações cotidianas, acompanhar o tempo e suas mudanças, adaptar-se a novas formas de ver o mundo e pensar nesse tempo de mudança, ou seja, pertencer a ele, não como um objeto, mas como sujeito que se constroi e reconstroi. Ainda no referido objetivo, esta coleção aponta para “construir sentidos, compreender melhor o mundo em que vive” (MARQUES, op. cit., p. 5), revelando o desejo do autor de, com o olhar crítico sobre temas socioculturais da sociedade, poder articular uma proposta interdisciplinar do currículo. A partir dessas questões, logo no contents, páginas 4 e 5 de cada volume da coleção, fica explicita a relação entre o tema da unidade e a proposta interdisciplinar, como apresenta a figura 5. P á g i n a | 302 Figura 5 - Indicativo da prática interdisciplinar. Fonte: Manual do professor, vol. 3, p. 4. Nesta página, em cada unidade há um tópico intitulado de Curriculum links, em que se verifica a relação da temática da unidade com os componentes curriculares. Essa relação está presente no eixo Metodológico: mobilizando saberes, no tópico 2.2 Interdisciplinaridade e dialogismo da BCC (op. cit.), quando critica o modelo unilateral do currículo, historicamente apresentado de forma disciplinar para propor a “superação dos contornos fechados das disciplinas, que passam a interagir com outros saberes” (PERNAMBUCO, op. cit., p. 28). Não obstante, Libâneo (2011), questiona a falta de humildade entre os profissionais da educação presente dentro da escola, pois para esse autor, a interdisciplinaridade ultrapassa o sentido da relação entre as disciplinas. Propõe Libâneo (op. cit., p. 34), na busca por uma atitude interdisciplinar, “derrubar as barreiras entre as pessoas, de modo que os profissionais da escola busquem alternativas para se conhecerem mais e melhor, [...] tenham humildade diante da limitação do próprio saber [...]”, pois conhecer não está associado apenas a coisas, mas também a pessoas, como diz o autor: “perguntando, duvidando, dialogando consigo mesmos” (LIBÂNEO, op. cit.), tratando-se, portanto, de uma aprendizagem interdisciplinar coletiva. A partir dessas questões, que consideram a interdisciplinaridade não apenas como a inter-relação de temas comuns em disciplinas diferentes, mas também o diálogo comum com diferentes vozes, como propõe a linguística aplicada indisciplinar presente em Moita Lopes (2006), os temas socioculturais são apresentados nesta coleção na seção de abertura da unidade/Before you read. P á g i n a | 303 3. Considerações finais O livro didático de língua inglesa para o Ensino Médio se configura entre as principais políticas de ensino do MEC/FNDE voltado ao processo de ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira nos espaços da escola. Visto como um produto de consumo, fruto desse processo econômico global, historicamente mantém seu caráter homogeneizador do conhecimento, preso a verdades ultrapassadas, pelo tempo de vida útil no mercado (três anos). Não deixando de considerar sua contribuição para colaborar com a manutenção das classes dominantes, pelos conceitos que o mesmo aborda sem atualização permanente. Diferente da pós-modernidade pensada por Bauman (2001) e Santaella (2007) que traz o conhecimento nos softwares, nos jogos digitais e nas redes, o livro didático vem pronto e determinado, inibindo a criatividade dos sujeitos da educação (professor e aluno), revelando ser a única fonte de conhecimento que chega à sala de aula de línguas. Com a obra On Stage percebe-se que o autor aproxima sua obra ao debate das questões sócio-históricas, desmistificando o sentido de uma obra apenas para fins de competência linguística. Com base na fundamentação sociointeracionista, a coleção vai se integrando com a visão pedagógica da Base Curricular de Pernambuco, que reflete sobre a formação de sujeitos para a solidariedade, a cidadania e o vínculo social. Mesmo a análise não estando ainda completa, percebe-se que o tema da interdisciplinaridade precisa ser revisto na posição que o autor sugere as atividades, presas a dimensão das aulas de Inglês com atividades de pesquisa, sem mostrar o diálogo com outras disciplinas. No entanto, nota-se que as práticas multimodais favorecem a compreensão de temas socioculturais de forma mais prática, pelo uso de imagens, sons e textos interligados. Contudo, essa análise em desenvolvimento, já visualiza uma obra, não perfeita, mas possível de proporcionar ao aluno condições de questionar a problemática social e encontrar alternativas para a solução de problemas a partir do exercício da cidadania e das ações protagonistas. Referências BIESTA, G. 2009. Education after deconstruction: between event and invention in Peters, and Derrida, Deconstruction and the politics of pedagogy. New York: Peter Lang Publishing. BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Básica. – Brasília : Ministério da Educação, 2006. 239 p. (Orientações curriculares para o ensino médio; volume 1) P á g i n a | 304 _______. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. – Brasília : MEC; SEMTEC, 2002. 244 p. (PCN + Ensino Médio: Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais). _______. Secretaria de Educação Fundamental. 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