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As imagens das figuras de Satanás na Bíblia Hebraica como tipologia do mal Marli Wandermurem Doutora em Ciência da Religião. Professora de Teologia do Antigo Testamento e Ciências das Religiões na Faculdade Batista Brasileira (FBB). Coordenadora do Centro de Extensão, Pós-Graduação e Pesquisa (CEPPES) da FBB. Coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinar Sobre Gênero e Religião (NEIGER). Membro da Comissão Editorial da Maiêutica Virtual. Revista de Filosofia. Coordenadora da Pós-Graduação em Teologia. Membro do Centro de Estudos Teológicos Feministas do Norte Nordeste (CETEFEN). E-mail: [email protected] Resumo O mal representa um desafio para a humanidade. Está associado às desgraças que acontecem com as pessoas e com o mundo. É visto como influência direta de seres celestiais que se opõem. Deus que é o representante do bem. Neste jogo bipolar de imagens e símbolos do bem e do mal a Bíblia Hebraica formou ao longo da história e de sua cultura social e ideológica a concepção do que é o mal. Começa com uma concepção da idéia do mal na esfera terrena mais vai dimensionado para a esfera celestial. Palavras-chave: Mal. Demônio. Satanás. Bíblia Hebraica. Images of satan in the hebrew Bible: a typology of evil Abstract Evil represents a challenge for humanity. It is associated with the misfortunes that befall people and the world. It is seen as the direct influence of celestial beings in conflict with each other, God being the representative of good. In this bipolar game of images and symbols of good and evil, the Hebrew Bible in the course of history and of its own social and ideological culture formed a conception of evil that began in the earthly sphere but went on to include the celestial. Key words: Evil. Devil. Satan. Hebrew Bible. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Nos dias atuais, a produção de bens simbólicos sobre Satanás adquiriu diversos contornos. E esse imaginário existente sobre o mal, na figura do Diabo vem sendo utilizado, pela indústria do entretenimento e pela sociedade de consumo, como mercadoria capaz de Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 7 satisfazer os gostos das sociedades e das culturas pós-modernas. Mas a história de Satanás tem raízes profundas. O termo tem a ver com o conceito da confusão. Sabe-se que o Ocidente foi formado por uma tradição oficial que pintou Satanás como o opositor de Deus, concebendo-o como espírito sedutor, enganador e aniquilador de almas. São esses atributos que fazem com que ele seja representante do mal, vivenciado pela sociedade. O mal por representar um questionamento para a humanidade, várias respostas têm sido dadas para tentar explicá-lo. Ele está relacionado ao destino, à má sorte, ao castigo, à desgraça, à provação, etc. Mas no panorama de possíveis explicações se destaca quem vê o mal como influência direta de seres celestes que são opostos a Deus. Estes seriam os demônios, ou espíritos do mal. Porém, é o diabo que condensa em si as exigências mais racionais do pensamento humano diante do problema do mal. Mas o que seriam estes seres que se opõem a Deus? Mircea Eliade identifica o demônio com o desconhecido, o estranho, o caos. Ele afirma que os demônios são entendidos como inimigos por ameaçarem a ordem estabelecida de um grupo ou sociedade. Este autor diz o seguinte: “As sociedades arcaicas e tradicionais concebem o mundo que as cerca como um microcosmo.” (ELIADE, 1991, p. 1). Nos limites desse mundo fechado, começa o demônio do desconhecido, do não formado. De um lado, existe o espaço cosmicizado, uma vez que habitado e organizado. Do outro lado, fora desse espaço familiar, existe a região desconhecida e temível dos demônios, das trevas, dos mortos, dos estranhos – ou seja: o caos, a morte, a noite. Pelo fato de atacarem e colocarem em perigo o equilíbrio e a própria vida da cidade - ou de qualquer outro território habitado e organizado -, os inimigos são identificados às forças demoníacas, pois tentam reintegrar esse microcosmo ao estado caótico. Não é nossa intenção elaborar um discurso sobre o Mal em si, mas abordar as diferentes faces e fases destinadas à representação da figura de Satanás pelas imagens simbólicas, através do devir sócio-histórico-cultural da sociedade ocidental que vem moldada pela cultura religiosa judaica-cristã. A bibliografia sobre o Mal, personalizado na figura do diabo/Satanás, é extensa, se fôssemos tentar focar, mesmo que superficialmente, a bibliografia trabalhada sobre o tema ocuparia todo este artigo, portanto, concentrar-nos-emos em estudos que dialogam diretamente com nossa temática que é a questão da representação e significado estrutural do mal, na cultura religiosa judaica, nos textos da Bíblia Hebraica, e dá uma pincelada em nossa cultura religiosa cristã atual, que lê e resignifica as imagens elaboradas na Tanaka. Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 8 A CISÃO DUALISTA MAL/BEM NA CONCEPÇÃO CRISTÃ A conhecida teoria do Inconsciente Coletivo apresenta explicação de fenômenos irracionais na Cultura, e temos muitas imagens que personifica o mal nesta figura criada para o Satanás. Sabemos que nem todos os povos possuem figuras equivalentes, ou mesmo analogicamente próximas do diabo e do inferno como concebidos dentro do cristianismo. A concepção religiosa cristã cria uma cisão na dualidade Mal/Bem fazendo com que o representante do Mal, na sua mais perfeita encarnação, o diabo, seja, ao mesmo tempo, um agente de Deus. A ele é atribuído um papel duplo, por um lado o Satã é o grande tentador, aquele que através de ilusões coloca a humanidade próxima da perdição; por outro, também é um agente de Deus, aquele que aplica as penas do inferno. Essa dupla função do diabo é crucial para o entendimento dos vários desenvolvimentos das figuras malignas no desenvolvimento das sociedades. Mas um olhar comparativo esquemático informa que essas imagens não são usuais nas crenças que estavam próximas ao cristianismo, em seus primórdios. Focando o paganismo greco-romano que era o esquema religioso que, no início, concorria com o cristianismo, veremos que ele não possuía a figura do diabo, nem tão pouco o inferno que em conjunto forma o complemento da figura. Outra religião anterior que influenciou o cristianismo foi a doutrina persa de Zoroastro; ela apregoa uma dualidade que supõem certa igualdade de forças, embora o lado de Ormuz, que era a divindade positiva e eufórica, esteja com a vitória mais ou menos garantida sobre o lado de Arimã, que é a divindade negativa e disfórica, mas não deixa de ser uma luta de iguais. Por certo, essas duas concepções religiosas, anteriores e paralelas, tiveram influência na constituição do cristianismo, mas quem deu a base para a construção da figura do mal na concepção cristã foi o judaísmo. Essa religião foi à fonte direta do cristianismo, fornecendo a ele metade de seu livro sagrado, a idéia do monoteísmo e uma série de concepções de mundo essenciais. Mas a imagem do diabo, no Antigo Testamento, não o apresenta como personagem importante. Aliás, no cânone do Antigo Testamento, raramente encontramos o Satan; sua aparição mais evidente está no livro de Jó. Portanto, ele está ausente, e quando o encontramos, não é importante. Por isso, pode dizer que havia a crença de que Satan não era, em princípio, um ser de pura maldade. Mas são as construções em torno do Mal que veio elaborando, ao Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 9 longo da história das sociedades, as imagens que vão culminar na personificação do Mal na figura de Satan. E ele faz, então, sua grande entrada na civilização ocidental. Anteriormente, abstrato e teológico, mas se concretiza e reveste o consciente coletivo com toda espécie de formas humanas e animais. E, em sua maior aparição foi sistematizado e codificado na imagem que o apresenta com olhos vermelhos, pele estriada, cabelos em fogo, corpo peludo chifres, língua grande, etc. Enfim, a história da arte é riquíssima de imagens com as quais o demônio foi descrito e pintado. A iconografia já foi objeto de estudos específicos, que mostram como a imagem popular condensa na figura do demônio, ou do diabo, tudo o que para ele está na origem do caos, da desordem, da desgraça, do mal, da doença e da morte. E, quanto menos explicações se têm, tanto mais a fantasia voa e cria um imaginário rico de figuras, cores, símbolos, numa tentativa de dominar o inexplicável. No entanto, o imaginário popular representa o quadro simbólico de uma determinada época e grupo social, onde está condensada sua visão da realidade, da vida, dos problemas do bem e do mal. É só neste contexto de cada sociedade que se pode encontrar o que pensava da vida, dos sonhos e das esperanças; dos medos e das ameaças; das conquistas e dos tropeços. Essas situações é que dão identidade do grupo. Voltando nosso olhar para as sociedades israelenses podemos visualizar os complicados e distintos períodos de organização social vivido por meio de complexos políticos difíceis, o que determinou muito a sua construção do que apreenderam como o mal. Vejamos essa construção a partir dos textos da Bíblia Hebraica. AS IMAGENS DE SATAN NA BÍBLIA HEBRAICA A Bíblia Hebraica apresenta algumas dificuldades para identificar Satanás como o Mal. Uma delas, é o monoteísmo judaico que é intolerante diante da emergência de outras figuras divinas. A outra está no fato de não existir uma única e mesma palavra no Antigo Testamento para identificar o Mal e, tão pouco, Satanás. Seguindo a literatura produzida nos textos do Antigo Testamento, podemos notar que a idéia de demônio como personificação do mal, evoluiu, com o passar do tempo, tornando-se sempre mais complexa, negativa e ligada à origem do mal. “Suas imagens e identificação são Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 10 fruto de uma grande mistura cultural, com influências da magia, da religiosidade popular, do ritualismo mágico oficial, do simbolismo poético e da psicologia”. (SHIAVO, 1999, p. 67). Para entender como se deu a evolução dessa idéia é necessário fazer um passeio pelos textos e verificar em que contexto sócio-ideológico se definiu tais pensamentos. Assim, ao analisar as várias figuras e imagens do mal e de Satanás, na Bíblia Hebraica, procuraremos destacar, na medida do possível, os movimentos simbólico-mágicos e a realidade social das quais são expressões, na tentativa de reconstruir a evolução deste conceito, e sua relação e relevância para o cotidiano das pessoas. Satanás como um inimigo terreno Nas primeiras aparições de Satanás, nos textos bíblicos, ele não é um inimigo de Deus. A palavra Satanás, que remete ao papel de adversário, vem da raiz – stn que significa um que é contra, obstrui ou age como adversário. O termo foi traduzido para o grego como diabolos, e tomou mais tarde a conotação de diabo ou demônio. Significa, literalmente, alguém que atira alguma coisa no caminho de alguém. O que implica entender, que no início de toda construção tipológica de Satanás ele é originalmente um ser humano. O próprio Davi é considerado um satanás, isto é: um adversário, pelos generais filisteus que se preparavam para a guerra contra Israel, conforme registra o texto: Porém os príncipes dos filisteus muito se indignaram contra ele, e lhe disseram: Faze voltar este homem, para que torne ao lugar que lhe designaste e não desça conosco a batalha, para que não aconteça que no combate seja um satanás para nós. (2Sm 29,4). Em outra passagem registrada no livro de Samuel, Davi reprova Abisai, membro de sua corte, como Satanás, por querer ele matar Semei, um membro da família de Saul, que proferiu maldição contra o rei Davi: “Respondeu o rei: ‘que tenho eu convosco filhos de Sárvia [satan]? Ora deixa-o amaldiçoar, pois se ele amaldiçoa e se Javé lhe ordenou: amaldiçoa a Davi, quem poderia dizer-lhe: por que fazes isso?” (2Sm 16,10). Nesse texto, não aparece a palavra Satanás, mas está presente o conceito “desviar do caminho”, aplicado a Abisai e de ofendedor [qalal], trata-se do oponente que se põe no meio do caminho e se põe a amaldiçoar; isso está aplicado a Simei. Em outro texto, Satanás é Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 11 também Razan, um homem que se tornou adversário de Salomão e de Israel, segundo o registro no texto 1Reis: “Também Deus levantou a Salomão outro adversário [satan], Razan, filho de Eliada, que havia fugido de seu senhor, Hadadezer, rei de Zobá.” (1Rs 11, 23). Portanto, nesses textos mais antigos, vê-se claramente que, em sua origem, a palavra Satanás era somente um apelido comum para as pessoas. Satanás é o inimigo terreno, o adversário que ameaça. Não era uma palavra tão associada a um ser celeste ou do âmbito divino. Então, a quem é atribuído o mal neste período histórico social? O Mal/Bem atribuídos ao próprio Javé Passeando um pouco mais pelos textos, podemos observar que na mentalidade dos hebreus, em tempos mais antigos, espacialmente na sua origem, o mal é atribuído a Javé, assim como o bem, é Ele que manda o inimigo, o Satanás. A teologia javista1, com sua forte tendência exclusivista e monoteísta, criou obstáculos, pelo menos no começo, para a formação de um conceito transcendente de mal e sua personificação num ser divino e celeste, quase como um deus oposto a Javé. Javé é tudo, nele está à vida; rejeitá-lo significa optar pela morte, conforme o texto de Deuteronômio: Se ouves os mandamentos de Javé teu Deus que hoje te ordeno – amando a Javé teu Deus, andando em seus caminhos e observando seus mandamentos, seus estatutos e suas normas – viverás e te multiplicarás. Javé teu Deus te abençoará na terra em que estás entrando a fim de tomares posse dela. (Dt 30.26). O mal está, portanto, associado à idéia de pecado, e de infidelidade a Javé. A religião bíblica é incapaz de conciliar a si mesma com a idéia que existia um poder no universo que desafia a autoridade de Deus e que poderia servir de anti-deus. Na Bíblia Hebraica, em tempos posteriores, vamos ver a ascensão da figura de Satan. É onde Satanás se transfere para o céu e se torna um ser celestial. O povo está vivendo uma época de transição de pensamento sobre a imagem do mal. Este não é mais atribuído somente à pessoa humana e à sua conduta. Começa a aparecer uma influência externa, embora ainda ligada a Javé. A pergunta de fundo pode ter sido esta: se Javé é bom pode fazer o mal ao ser humano? Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 12 A ÉPOCA PÓS-EXÍLICA E A INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DA IMAGEM DE SATAN CELESTIAL A época pós-exílixa vivencia a imagem do império persa com poder dominante. Com o pós-exílico, muda, também, a imagem de Deus. Javé é agora concebido e imaginado como um rei poderoso, cercado por uma numerosa corte de ministros (anjos) que executam suas ordens. Está presente, nesta imagem, a impressão de grandeza, poder e magnitude que as monarquias babilônicas e persas suscitaram nos judeus exilados. Javé deixa a terra e sobe para o céu. O Deus que caminhava com seu povo, que lutava lado a lado, que se manifestava na história de libertação e na eleição, é agora Deus dos céus, que, como o sol, a lua, os astros, governa o mundo a partir de suas leis justas e imutáveis. E, quanto mais alto, mais distante e inacessível, necessitando assim de intermediários: os anjos, que opõem sua corte, são seus mensageiros. Entre eles, aparece também Satanás, membro da corte celestial, ainda que encarregado de tarefas incomuns. Vejamos alguns textos desse período que poderá nos ajudar a entender melhor o papel de Satanás, como membro da corte celestial. A imagem no livro dos Números O relato registrado no Livro dos Números nos informa que Satanás, em forma de anjo, é enviado por Javé a Balaão, que tinha se desviado do caminho que Deus lhe tinha indicado. O anjo é visto pela jumenta, mas não por Balaão. A jumenta tem a passagem barrada pelo anjo e Balaão, que não vê o anjo, espanca a jumenta. Na terceira vez que a jumenta vê o anjo, se deixou cair debaixo de Balaão, que a espancou de novo. Mas Javé abriu a boca da jumenta e ela disse a Balaão, conforme o registro em Número: Então, Balaão levantou-se pela manhã, albardou a sua jumenta e partiu com os príncipes de Moabe. Acendeu a ira de Deus, porque ele se foi, e o Anjo do Senhor (Satan) pôs-se-lhe no caminho por adversário. Ora Balaão ia caminhandom montado na sua jumenta, e dois de seus servos, com ele. Viu, pois, a jumenta o Anjo do Senhor parado no caminho, com a sua espada desembainhada na mão, pelo que se desviou a jumenta do caminho, indo pelo campo, então Balaão espancou a jumenta para faze-la voltar ao caminho. Mas o Anjo do Senhor pôs-se numa vereda entre as vinhas, havendo muro de um e outro lado. Vendo pois a jumenta o Anjo do Senhor, coseu-se contra o muro e comprimiu contra este o pé de Balaão, por isso, tornou a espanca-la. Então o Anjo do Senhor passou mais adiante e pôs-se num lugar estreito, onde não havia caminho ara se desviar nem para a direita e nem para a esquerda. Vendo pois a jumenta o Anjo do Senhor, deixou-se Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 13 cair debaixo de Balaão. Por isso, acendeu-se a ira de Balaão e ele espancou a jumenta com a vara. Então o Senhor fez falar a jumenta que disse a Balaão: - que te fiz eu para me teres espancado por três vezes?’ Balaão respondeu: Disse à jumenta: - É porque zombaste de mim! Se eu te tivesse uma espada na mão te haveria matado. Disse a jumenta a Balaão: - Não sou eu a tua jumenta que te serve de montaria toda a vida e até o dia de hoje? Tenho o costume de agir assim contigo? Respondeu ele: - Não. Então o Senhor abriu os olhos de Balaão e ele viu o Anjo do Senhor, que estava no caminho com a espada desembainhada na mão, pelo que inclinou a cabeça e se prostrou com o rosto em terra. (Nm 22, 21-31). Finalmente, Deus abriu os olhos de Balaão que viu o anjo de Javé parado na estrada com a espada na mão, e se prostrou com a face em terra. O Anjo do Senhor/Satanás o repreendeu: [...] porque espancaste assim a tua jumenta, por três vezes? Sou eu que vim barrar-te a passagem, pois com a minha presença o caminho não pode prosseguir. A jumenta me viu e, devido à minha presença, ela se desviou três vezes. Foi bom para ti que ela se desviasse, pois senão já te haveria matado. A ela, contudo, teria deixado com vida. (Nm 22, 32-33). O Satanás aqui é enviado pelo Senhor para proteger de um mal maior, portanto, Satanás é o protetor de Balaão! Ele próprio reconhece perante Satanás que pecou. E o próprio Satanás quem determina o que ele deve falar em relação ao povo de Israel. A imagem no livro de Jó O livro foi escrito por volta de 550 a.C.; relata sobre Satanás que é também um anjo da corte celeste. Ele é um ben-elohim que significa filho de Deus. O termo pode ser traduzido com “um dos seres divino”. Satanás, aqui exerce o papel de antagonista, querendo testar a fidelidade e a justiça de Jó, ele é autorizado por Deus a ferir Jó, com desgraças, conforme atesta o texto registrado em Jó nos capítulos 1-2. No dia marcado para a audiência, veja que o modelo é de monarca que em certos dias recebe seus servidores, os filhos de Deus [anjos] se apresentam a Deus. Entre eles está também Satanás. E Javé lhe pergunta: - De onde vens? E Satanás lhe respondeu: - Venho de dar uma volta pela terra, andando a esmo. (Jó 1.6-7). Neste ponto, o redator explora a similaridade entre o som das palavras hebraicas satan e shût que significa “rodear”, sugerindo que o papel especial de Satanás, na corte celestial, é o Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 14 de uma espécie de um agente ambulante de espionagem, tais como aqueles que muitos judeus da época teriam conhecido – e detestado – como membros do refinado sistema de polícia secreta e espiões do Rei da Pérsia. Tido como ‘o olho do rei’ ou ‘o ouvido do rei’. Esses agentes vagueavam pelo império à procura de sinais de deslealdade entre o povo. Satanás, portanto, desafia Deus a pôr à prova Jó, para medir a sua fidelidade. O que se segue é de uma dramaticidade única, e nos faz lembrar a triste situação dos judeus nas guerras do império persa: Jó perde de uma só vez filhos e filhas, bois, mulas, ovelhas, pastores, camelos e todas as suas propriedades e riquezas, mas sua fé permanece íntegra e inabalável. Por fim, Satanás feriu Jó “[...] com chagas malignas desde a planta dos pés até o cume da cabeça” (Jó 2,7), mas ele suporta a prova e Satanás se retira dele. Satanás aparece, neste texto, como uma figura que prejudica a pessoa humana. Igual a um anjo da morte, mas ele continua a ser um anjo, membro da corte celeste. A idéia no Salmo 109 O lamento do Salmo 109 é bem parecido com o relato de Jó que é uma imprecação contra os inimigos típica do pós-exílico. A experiência que deu origem a este conto é dramática: acusação, ódio, morte, fome, destruição, dívidas. Nessa situação, o fiel apela para Deus e sua justiça, para que se faça justiça e seja condenado o inimigo: “Designa um ímpio contra ele, que um acusador [Satanás] se poste a sua direita! saia condenado do julgamento, e sua prece seja tida por pecado.” (Sl 109, 6-7). Neste texto, Satanás aparece na corte divina com o papel de acusador dos malvados. A idéia no livro das Crônicas Contemporâneo de Jó é o livro das Crônicas. O livro relata um episódio estranho que aconteceu com o rei Davi que teria introduzido um censo para tributar o povo. Essa iniciativa de Davi causou conflitos, resistências e oposição do povo, manifestada pela boca do comandante Joabe: “Que Javé multiplique por cem o número de seu povo! Senhor meu rei, acaso não são todos eles servos do meu senhor? Por que, então, meu senhor faz esta pesquisa? Por que ele quer ser causa de pecado para Israel?” (1Cr. 21,3). E o texto prossegue, afirmando Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 15 que: “[...] tanto havia repugnado a Joabe a ordem do rei, que ele não tinha recenseado nem Levi nem Benjamim.” (1Cr.21,6). Por que Davi, considerando um rei justo e fiel a Javé, faria isso? para o cronista, que não quer atingir diretamente a pessoa do rei, trata-se sim, de um ato mau e pecaminoso do rei, mas que ele atribui a um misterioso adversário que, infiltrado na casa real, teria levado Davi ao pecado: “Satanás levantou-se contra Israel e induziu Davi a fazer o recenseamento de Israel.” (1Cr 21,1)2 Então, o mal e o pecado começam a ser atribuídos a Satanás. Infelizmente, o pecado de Davi trouxe a ira divina: Javé mandou o anjo vingador e setenta mil homens de Israel pereceram de peste. Nesse caso, Satanás aparece para explicar a dissensão entre o povo, a divisão e a destruição provocados pelo pecado de Davi. Em Zacarias, 3,1-3 que é também um escrito do século VI, encontramos, na visão do profeta, um quadro típico de Satanás como acusador, contraposto a Deus. O papel de Satanás começa a mudar, de agente e mensageiro de Deus evidenciado nos textos anteriores, transforma-se em adversário de Deus. O Adversário humano vai se transformando em inimigo de Deus. O mal transcende o humano, para se propor como uma entidade autônoma, contraposta a Deus. Assim, notamos uma mudança no conceito do mal, na época pós-exílica. O contato com os grandes impérios mesopotâmicos, a organização piramidal de sua corte, sua religião cósmico-astral, seus mitos, etc., impressionaram bastante os olhos dos judeus que para lá foram deportados. Deus é imaginado dentro de um panteão em companhia de muitos seres divinos e jogado sempre para cima, para o céu, longe da humanidade. E, quanto mais distante, mais poderoso. O ser humano torna-se pequeno diante de tanta magnitude, não é mais livre, responsável de seus atos, mas dependente de uma lei de seres superiores. Tudo está determinado – e também o mal – personificado num ser divino – Satanás – que desenvolve papel de acusador e espião das pessoas, chegando a induzi-los ao pecado, até ser considerado o adversário e o inimigo de Deus. Os destinos da humanidade sempre mais dependem do céu. DEUS X SATANÁS: DOIS REINOS EM CONFRONTO A época da dominação grega [a partir de 323 a.C.] se caracteriza pela forte pressão cultural, cujo objetivo era a globalização social e econômica, “formar um só povo” segundo o Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 16 que se registra no texto de 1Mac 1,41, que seria através da imposição dos mesmos costumes. Em Judá, o ápice deste projeto se deu com Antíoco IV Epifanes, que no ano de 168 a.C. impôs à força, costumes pagãos; na Judéia e em Jerusalém, profanou o templo e obrigou o povo aos sacrifícios pagãos. Ele era apoiado por um grupo de judeus, em especial entre as classes altas, que favoreciam a assimilação, visando a participação dos privilégios da sociedade helenista. Mas a maioria do povo, tanto das cidades como do campo, comerciantes, lavradores, artesãos, não se conformaram com isso e deram origem à revolta armada, chefiada pela família dos Macabeus, conseguindo expulsar os detestados estrangeiros. A partir deste momento, a sociedade judaica fragmentou-se; brigas e intrigas pelo poder, pelo exercício do sacerdócio e pela interpretação da lei estão na origem do surgimento das diferentes facções e grupos: fariseus, asmoneus, saduceus, essênios, etc. Nesta conjuntura, extremamente conflitiva, interpretou-se a realidade como uma grande batalha cósmica, onde estavam contrapostas, de um lado as forças de Deus com seus anjos [a comunidade judaica que permaneceu fiel]; e do outro, Satanás com seus exércitos [os estrangeiros helenistas e seus aliados judeus]. A traição dos judeus que passaram para o lado dos gregos, provavelmente está na origem do mito dos anjos decaídos. O primeiro Livro de Enoque, um apócrifo deste período, conta que 200 anjos “vigilantes”, chefiados por Semihazah e nomeados por Deus para supervisionar o universo, decaíram do céu, para casar com mulheres humanas. Esta união produziu uma raça de bastardos, os gigantes [nephilim = os decaídos] dos quais surgiram os espíritos demoníacos. A mesma história está relatada em Gênesis capítulo 6, texto que é semelhante a 1Enoque 6-7. A caída dos anjos deu origem a todos os males da terra: O anjo Azazel foi quem ensinou aos homens a confecção de espadas, facas, escudos e armaduras, abrindo os seus olhos para os metais e para a maneira de trabalhá-los. Vieram depois os braceletes, os adornos diversos, o uso de cosméticos, o embelezamento das pálpebras, toda sorte de pedras preciosas e a arte das tintas. E, assim, propagava-se uma grande impiedade; eles promoviam a prostituição, conduziam aos excessos e eram corruptos em todos os sentidos. De acordo com 1Enoque 8: Semjaza, ensinava os esconjuros e as porções de feitiços; Armaros, a disposição dos esconjuros; Barkijal, a astrologia; Kokabel a ciência das constelações; Ezekeel, a observação das nuvens; Arakiel, os sinais da terra; Samsiel, os sinais do sol; Siriel, as fases da lua. Está clara, nesses textos, a influência e a interferência da mitologia grega, onde os deuses e humanos se entrelaçavam em brigas, competições, rivalidades, etc., e da astronomia Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 17 persa na cultura e religião judaica, interpretada e condenada pelos judeus tradicionais como obras de Satanás. Segundo Pagels (1996, p. 39), o contexto histórico mais propício a esta mistura cultural foram os acontecimentos do tempo dos Macabeus, quando os governantes gregos se declaravam descendentes dos deuses – da união de um deus com mulheres humanas – e as classes altas dos judeus – talvez os sacerdotes considerados filhos de Deus - se deixaram corromper e foram atraídos pela luxúria, contraindo casamentos impuros com mulheres estrangeiras. A figura de Satanás, personificada, vem adquirindo sempre mais importância, e multiplicam-se as versões sobre sua origem. Além da que o vê originado pela união dos anjos com as filhas dos homens, outras versão aponta para um anjo expulso e rebaixado, Lúcifer [=portador de luz]: Como caíste do céu, ó estrala d’alva, filho da aurora! Como foste atirado à terra, vencedor das nações! E, no entanto, dizias no teu coração: Hei de subir até o céu, acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono [...] Subirei acima das nuvens [...] E, contudo, foste precipitado ao Xeol, nas profundezas do abismo. (Is 14,12-15). O nome da personagem interpelado Helel ben Sháhar, vem de uma raiz que significa “ser, luminoso, brilhante”. Em árabe, o hilal é a lua nova. O autor do poema refere-se com certeza a uma tradição mitológica nos textos de Ugarit o deus Attar (Venus?), concorrente de Baal, sofreu uma queda semelhante à de Helel. Segundo Luther Link (1988, p. 28), o mito dos seres celestes decaídos, parece ter sido amplamente conhecido no mundo mediterrâneo antigo, e a literatura judeu-helenística lhe dará novos desenvolvimentos. Lucifer é, portanto, a estrela da manhã, o planeta Venus, que aparece antes do alvorecer. JESUS E SATANÁS: O ENFRENTAMENTO ESCATOLÓGICO Na época de Jesus, o conflito entre Deus e Satanás torna-se mais acirrado, colocando frente a frente anjos e justos versus espíritos maus e injustos. A visão da história é sempre mais maniqueísta: Satanás pode ser adorado como um deus e as pessoas precisam optar, pois o que vale é a própria conduta moral, pela qual se faz parte dos filhos da luz ou filhos das trevas. Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 18 O grupo sectário dos essênios, que surgiu e cresceu entre o século II a.C. [desapareceram com a destruição de Jerusalém em 70 d.C.], mediante a ocupação estrangeira da Palestina e a acomodação da maioria dos judeus à ocupação – como prova de que as forças do mal haviam assumido o domínio do mundo, sob forma de Satanás. O príncipe das travas – infiltrando-se e dominando o próprio povo de Deus, transformando quase todos em aliados do diabo. Para os essênios, Deus criou, no começo, dois espíritos, dois seres angelicais: um de luz, outro das trevas. Um para amar, outro para odiar. Para eles, o mundo tinha se corrompido, por isso, eles propunham uma nova congregação do povo: quem se candidatasse devia entrar na comunidade que eles construíram no deserto e observar uma rígida regra de vida comunitária, na espera da volta iminente do Messias, que iria restabelecer o poder e o reino de Deus. Nos rolos do Mar Morto, a Regra da Comunidade (1QS), o Documento de Damasco (CD) e a Regra da Congregação (1QM) têm como objetivo regulamentar a vida dessa comunidade escatológica até a chegada do Messias. Flávio Josefo, historiador galileu que relatou os acontecimentos da Grande Guerra Judaica, testemunha o surgimento entre 04 a.C. e 70 d.C. de pelo menos cinco casos de Messias, além de Jesus e João Batista: Judas, o Galileu em Séforis; Simão, escravo de Herodes, na Peréia; Atronges, o pastor da Judéia; Manaém, neto de Judas, o Galileu; Simão bar Gioras. Além disso, houve dez casos de profetas escatológicos, convocando o povo e anunciando a próxima intervenção de Deus na história, repetindo as grandes gestas do êxodo. Sempre Josefo afirma ter sido o clima anterior à guerra extremamente explosivo e marcado por levantes populares. O clima de guerra estava no ar. Em Qumran, achou-se até uma Regra de Guerra, onde se diz: E no dia em que caírem os Kittin haverá um combate e destruição feroz diante do Deus de Israel, pois será o dia fixado por ele desde antigamente para a guerra de extermínio contra os filhos das trevas. Neste (dia) se enfrentarão para grande destruição a congregação dos deuses e a assembléia dos homens. Os filhos da luz e o lote das trevas guerrearão juntos pelo poder de Deus. (1QM I,9-11). E seguem, no texto, as instruções e as estratégias de como deve ser conduzida a batalha. A idéia entre os Evangelhos Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 19 Quem mais fala em Satanás é Marcos, provavelmente escrito bem próximo da grande guerra judaica [70 d.C.]. Para o Evangelho, Jesus vive no confronto direto com Satanás, simbolizado pela lei judaica (Mc 1,21-28), pelas legiões romanas da Decápole (Mc 5,1-20), pelo preconceito (Mc 7,24-30), pela doença (Mc 9,14-29) ou pelo templo (Mc 11,15-18). Jesus limpa o templo dominado por Satanás, para que o anúncio do reino chegue. Em cada lugar por onde ela vai, Jesus começa primeiro com um exorcismo e só depois anuncia o Evangelho de Deus, na sinagoga de Cafarnaum; na Galiléia inicia seu ministério expulsando um demônio; chegando na Decápole, expulsa 2.000 espíritos impuros; indo para a Fenícia, expulsa o demônio da filha da mulher siro-fenícia; chegando em Jerusalém, expulsa os vendedores do templo como a verdadeiros demônios. Mateus e Lucas escreveram cerca de 20 anos mais tarde, em contextos diferentes: pelo que se refere a Satanás, embora a visão tenha mudado bastante, eles dependem muito do relato de Marcos. João não fala diretamente de exorcismos de Jesus, mas identifica “o mundo” e também os judeus como os opositores de Jesus. O clima apocalíptico típico do começo do Século I ainda está presente, embora se expresse em imagens diferentes. Os termos no Novo Testamento para Satanás No Novo Testamento, vários nomes são usados para identificar o fenômeno do mal que ameaça o homem, cada qual expressando um conceito diferente: o termo Daimóm aparece 77 vezes no N. T. A etimologia incerta: pode vir da raiz “da”, que significa: atirar, distribuir, espalhar conhecimento, sendo a partir da época persa, uma divindade menor no céu, com um caráter divino, maravilhoso, extraordinário. Mas pode vir também do hebraico shed, que é a raiz do verbo shud que significa fazer violência, dominar, possuir. O termo Diabo tem, em sua origem, o verbo grego diabollo, cujo significado é: jogar no meio, ou atravessar o caminho, e metaforicamente, separar, dividir, fazer tropeçar e cair. Na Septuaginta (LXX) este termo normalmente traduz o hebraico Satan, que, como vimos, é o adversário. O termo Beelzubul é um dos nomes próprios com o qual o príncipe dos demônios era designado. Era um termo usado mais no sentido popular. Tinha um significado pejorativo e provavelmente estava ligado à superstição. No Antigo Testamento, aparece como o deus de Eqron (2Rs 1,2). O nome era interpretado ironicamente como o senhor das moscas. O termo Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 20 também significava senhor da celeste morada, embora os judeus o chamassem deus do esterco, modo de desprezar os sacrifícios pagãos. Este nome foi aplicado a Jesus pelos fariseus em Mc 3, 23. O Espírito Imundo é o termo que em grego significa Pneuma akatarton. Era bastante usado por Marcos para definir o demônio, mas com conotações próprias e que aparecem somente nos sinóticos. O espírito – pneuma - é vento, sopro, força ou princípio ativo que vem do exterior do ser humano, se este aceita a sua influência ele age no seu interior. O adjetivo akartaton é usado para definir o caráter do espírito. No verbo katháiro o significado é purificar. O termo árthos, por exemplo, indica o pão de puro trigo. Com “a” primitivo na frente, passa a indicar o contrário, isto é, o impuro tendo uma conotação de impureza religiosa, mas do que de mal, de pecado. CONCLUINDO O que se conclui de tudo isso, é que, para a concepção hebraica, o bem e o mal, a luz e a treva, a virtude e o pecado, Deus e Lúcifer são, afinal, espaços da mesma realidade. Eles representem os opostos. É essa a imagem que podemos extrair dos textos da Bíblia Hebraica. Ela vai definindo a idéia do mal, de acordo com suas diversas fases sociais e culturais, misturando as imagens simbólicas que, para a sua sociedade, vai definindo aquilo que designa como representante do mal e do bem; assim, numa época, o próprio Deus pode ter as duas fases, já em outras épocas, essa imagem de Deus já não comporta tais idéias, e por isso, um outro ser celeste já vai assumindo tais tipologias do que representa o Mal. Pode ser que o Diabo fosse uma deidade popular entre camponeses designado por vários nomes e que poderia ser benfazeja ou malfazeja. O Mal, portanto, na concepção popular, estaria excluído de sua essência, pois, tal figuração do Diabo se mostra próxima de diversos mitos pagãos muito vivos até os dias de hoje. Ainda estamos longe dos autos-de-fé como espetáculos aparatosos, a cuja freqüentação ocorriam multidões, dispostas a ver como triunfava a fé cristã diante do Mal. NOTAS Maiêut. dig. R. Fil. Ci. afins, Salvador, v. 1, n. 1, p. 7-22, maio/ago. 2006 21 1 A teologia javista é uma das quatro bases sobre a teoria literária da formação do AT. São os documentos ou fontes. O javista seria um documento produzido no sul no século X a.C., vem do ambiente de Judá. Trata-se da redação das tradições do povo de Israel na visão do grupo monárquico davídico-salomônico. 2 Em 2Sm 24,1-17 está uma outra versão da mesma história, na qual o próprio Deus e não satanás incita Davi a realizar o censo. Com certeza, trata-se de um texto mais antigo pelo qual o mal ainda é atribuído a Javé. REFERÊNCIAS BÍBLIA. Português. 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