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O Toriba na Cultura de Campos do Jordão Celia Svevo Sandra Nedopetalski M E TA L I V R O S O Toriba na Cultura de Campos do Jordão The Toriba in the Culture of Campos do Jordão Das Hotel Toriba in der Kulturlandschaft von Campos do Jordão O Toriba na Cultura de Campos do Jordão The Toriba in the Culture of Campos do Jordão Das Hotel Toriba in der Kulturlandschaft von Campos do Jordão CELIA SVEVO SANDRA NEDOPETALSKI M E TA L I V R O S São Paulo, 2007 Créditos Editoriais Editorial Credits | Angaben des Herausgebers © 2007 Metavídeo SP Produção e Comunicação Ltda. Secretaria Administrativa Secretariat | Verwaltungssekretariat Todos os direitos reservados All rights reserved | Alle Rechte vorbehalten Roberta Vieira Coordenação Editorial e Gráfica Editorial and Graphic Coordination | Verlegerische und Grafische Koordination Assistência Administrativa Secretariat Assistance | Verwaltungsassistenz Marlos Ruiz Ortega Ronaldo Graça Couto Distribuição e Vendas Distribution and Sales | Verteilung und Vertrieb Pesquisa e Textos Research and Text | Recherche und Texte Marcia Lopes Celia Svevo Sandra Nedopetalski Escaneamento, Provas e Arquivos Digitais Scanning, Digital Proofs and Finishing | Scannen, Probedruck und Digitalisierung Material Histórico e Apoio Historical Archives and Support | Historisches Material und Hilfestellung Bureau São Paulo Elisa Villares Lenz Cesar Eliana Villares Lenz Cesar Impressão e Acabamento Printing and Binding | Druck und Bindung Pancrom Indústria Gráfica Ltda., São Paulo Direção de Arte Layout | Künstlerische Leitung Dora Levy Design Diagramação Design | Umbruch Dora Levy Eliana Tachibana Gerência Editorial e Gráfica Editorial and Graphic Design | Verlegerische und Grafische Leitung Bianka Tomie Ortega Revisão de Texto Proofreading | Lektorat Across the Universe Communications Versão para o Inglês English Version | Übersetzung ins Englische Tracy Williams Versão para o Alemão German Version | Übersetzung in Deutsche Clara Azank Apoio Institucional Institutional Support Institutionelle Unterstützung Patrocínio Sponsorship Unterstützung Sumário Contents | Inhaltsverzeichnis 10 Apresentação 12 Um Pedaço do Paraíso 16 Campos do Jordão: história 32 Toriba: paz, alegria e felicidade Nasce o Toriba 46 A montanha mágica: a beleza da natureza na terra preservada Toriba: o jardim 62 Diversão garantida Um paraíso ao alcance das mãos 72 Cultura e turismo de mãos dadas Arte em várias formas 76 Paredes com arte: os afrescos de Fulvio Pennacchi 90 Acolhimento e bom serviço: o segredo do sucesso do Toriba 114 Sabores irresistíveis O suave pecado da gula Receitas 122 Bibliografia 124 Agradecimentos 128 English version 145 Übersetzung in Deutsche Apresentação O Toriba é um marco na história do turismo e na cultura de Campos do Jordão. Muitos foram aqueles que conheceram os encantos deste magnífico hotel, que traz tamanhas lembranças a mais de três gerações de pessoas que por ali passaram. Por muitos anos, voltam como hóspedes ou freqüentadores do espetacular parque ajardinado e dos cobiçados restaurantes, ponto de encontro entre amigos de várias idades. A presente obra oferece um trabalho singular, que colaborará no registro da memória de Campos do Jordão, do Toriba e do que têm em comum. A pesquisa realizada por Celia Svevo e Sandra Nedopetalski faz emergir uma série de detalhes e lembranças entre o círculo de pessoas que viveram a história do hotel e freqüentaram Campos do Jordão. Os Alpes suíços foram a grande fonte de inspiração para definir as particularidades e o estilo arquitetônico da obra. O toque alpino do Toriba veio influenciar sobremaneira a arquitetura de Campos do Jordão, produzindo, em combinação com o privilegiado clima e a farta natureza, a chamada Suíça Brasileira, em plena Serra da Mantiqueira paulista. Este livro é o resultado da dedicação de Elisa Villares Lenz Cesar, neta de Ernesto Diederichsen e filha de Luiz Dumont Villares. Há anos, Elisa e filhos têm estado à frente da administração do Toriba, ao qual tratam como um ente querido, tamanho carinho e abnegação à tarefa que vêm assumindo com imenso prazer. Elisa é a mentora desta iniciativa, dividindo a edição com a Metalivros, em obra que agregará valor à construção da história e da cultura de Campos de Jordão. Agradecemos ao Ministério da Cultura, que abrigou o projeto na lei Federal de Incentivo à Cultura; ao Bradesco, que patrocinou parte da publicação; a Edmundo Ferreira da Rocha, pelas precisas observações sobre o texto e pela contribuição iconográfica; e especialmente a Elisa, cujo caráter e estilo de vida lembram muito o significado do nome do hotel que ela administra: paz, alegria e felicidade. Agradecemos também ao amigo Dario Ferreira Guarita Filho, que nos apresentou a Elisa, elo fundamental para esta realização. Junho de 2007 Ronaldo Graça Couto U m p e da ç o d o pa ra í s o Um pedaço do paraíso C lima de serra e ar puro fizeram da pequena Campos do Jordão, desde o início da urbanização — já no comecinho do século XX —, um local atraente por excelência, em especial para aqueles que buscavam tratamento de moléstias pulmonares. Pouco a pouco, no entanto, os encantos da natureza foram se sobrepondo à missão terapêutica da região, e o turismo começou a ganhar corpo e importância no desenvolvimento da vila, que, em 1934, se desligou da vizinha São Bento do Sapucaí, adquirindo status de município. Campos foi crescendo, os primeiros hotéis surgindo, os empregos aparecendo e a que incluíam desde hábitos e elegantemente despojado. Nas população prosperando — no costumes até uma linguagem férias e feriados prolongados, início graças à exploração singular evidenciada pelo jeito de Campos é, há décadas, destino imobiliária. Na década seguinte, morar, de vestir, de se alimentar, de turistas vindos especialmente já um tantinho transformada, de se divertir. de São Paulo, Rio de Janeiro e acabou se revelando um recanto Sem dúvida alguma, o grande Minas Gerais, Estados cujas extremamente prazeroso, com contingente de imigrantes fronteiras beiram a região da feições próprias baseadas num europeus que para lá se dirigiu Serra da Mantiqueira (nome conjunto de fatores culturais ao longo da década de 1940 foi que, em tupi-guarani, significa determinante no desenvolvimento “montanha que chora”). da cidade, principalmente em 3 Campos do Jordão, 2007 2 Hotel Toriba, década de 1940 Hotel Toriba, 1940s | Hotel Toriba, 40er Jahre A inauguração do Hotel Toriba, relação à arquitetura e à culinária. em 1943, ecoou no coração dos E a paisagem, agora nos moldes que amavam cavalgadas, longas alpinos, acabou sendo um convite caminhadas, banhos de cachoeira, aos amantes da vida ao ar livre, alpinismo, trilhas de bicicleta, imprimindo no cotidiano da piqueniques. Quando o sol se cidade um estilo esportivo, punha, os amplos e aconchegantes 13 14 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o salões aquecidos pelo fogo da lareira testemunhavam festas e jantares refinados sem ostentação. Ao longo dos anos, eventos artísticos como o Festival de Inverno passaram a ocupar lugar de destaque no calendário da cidade junto a esportes radicais, como percursos off-road, por exemplo. O comércio se sofisticou, aumentando muito a variedade e a oferta de produtos. No centro comercial, que hoje conta com um amplo shopping center, lojas com as mais famosas grifes do país disputam espaço com a tradicional malharia e os queijos, doces e chocolates fabricados na região. Novos hotéis, centros de lazer, restaurantes e danceterias foram inaugurados; e o perfil de Campos começou a mudar. Apesar do trânsito carregado nos fins de semana e durante as temporadas, a cidade mantém encantos inigualáveis. Afastando-se um pouquinho do centro, a beleza da natureza impera com o canto dos pássaros, o assobio do vento tocando os galhos das árvores e o murmúrio das águas correndo em riachos límpidos e frescos. Aí o tempo não deixou marcas. 1 Pedra do Baú vista do Hotel Toriba Pedra do Baú seen from the Hotel Toriba | Pedra do Baú, vom Hotel aus gesehen Ag ra de c i m e n t o s Agradecimentos Ackknowledgements | Danksagung P ara contar a história do Toriba, fomos em busca de personagens que tinham lembranças e fatos a relatar. Falamos com hóspedes, funcionários, amigos, parentes, vizinhos, enfim, aqueles que — de alguma forma — vivenciaram experiências no hotel desde a inauguração até hoje. Os relatos preciosos nos ajudaram a compor um panorama de mais de seis décadas de bem servir, prazer, curiosidades, de um estilo de viver e de se divertir. A essas pessoas, abaixo relacionadas, nosso muito obrigado! In order to tell theToriba story we searched out individuals who carried memories and facts to relate. We spoke to guests, staff, friends, family, neighbors, in short, all those who – in some way – have been enjoying the experience of being at the hotel from its inauguration to this day. The precise reports aided us in putting together a picture of over six decades of good service, pleasure, curiosities; of a way of living and having fun. To these people, listed below, our deepest thanks! Als wir über die Geschichte des Toriba Recherchen durchführten, haben wir Kontakt mit Leuten aufgenommen, die uns über ihre Erinnerungen und Ereignisse berichten konnten. Wir haben uns mit früheren Gästen, Mitarbeitern, Freunden, Verwandten, Nachbarn, d.h., mit vielen Menschen unterhalten, die seit seiner Gründung bis heute im Hotel etwas erlebt haben. Aus diesen wertvollen Erzählungen haben wir einen Überblick über mehr als 6 Jahrzehnte bekommen, in denen guter Service, Genuss, Besonderheiten, ein Lebensstil und eine Art sich zu entspannen zum Ausdruck kamen. Ein besonderes Dankeschön geht an die unten genannten Personen: Alexandra Malzoni Silvarolli, Alexandre Gonçalves, Alicia Shores, Aníbal e Maria Helena Ribolla, Antonio da Costa, Antonio Egberto e Lucila Peixoto Florido, Antonio Fernando Costella, Antonio Francisco da Costa, Antonio Moreira da Silva Filho, Benedito Amorim (Sr. Tuta), Bernardo Ratto Diederichsen, Carlos Alberto e Gladys Moura Fanucchi de Oliveira, Carlos Alberto e Vera Rossi, Carlos Ribeiro Vieira, Cláudio e Vanja László, Cláudio Pigatti, Cristina e Maria Marta van Langendonck Teixeira de Freitas, Dália Maria Santos de Oliveira, Daniel Altúzar, Domingos e Ivani Barbosa da Rocha, Edmundo Ferreira da Rocha, Edna Domiciano, Eduardo Brenner, Elaine Pellacani, Ellen Einstein Schweriner, Erika Bloch, Eugênio e Helga Doin Vieira, Fernando Braz de Andrade, Fernando Diederichsen Stickel, Francisco Maldonado Neto, Francisco e Felipe Samson Maldonado , George, Rosana e Daniel Niemeyer, Gildo Alves Corrêa, Giovanna Pennacchi, Gugu Kujawski , Helga Jurt, Henrique e Ariete Homburguer, Henrique Gunther Tuch, Izildo Antonio Domiciano, Jacqueline e Eleonora Aronis, Jayme Rocha Pinheiro, José Benedito Juvenal (Zezinho), José Carlos e Beny Rizzo, José Dias Chaves Neto, José Maria Marin, Kátia Rys, Klaus Netter, Lázaro Vicente da Silva (Lazinho), Luis Antonio Lopes, Luiz de Campos Salles, Martha Diederichsen Stickel, Mauricio e Eliane Schutt, Miguel Colasuonno, Paulo e Hanelore Meyer, Paulo e Mariza Caparica, Roberto Maksoud, Saverio Silvarolli , Sebastião Inácio dos Santos (Tião), Silvia Poppovic, Tadao Oikawa , Valerio Pennacchi, Vera Lucia Teixeira de Faria Werner, Inge e Klaus Mitteldorf 125 Lareira do Toribinha Toribinha Fireplace | Kamin des Toribinha 123 124 O O Tor Tor ii ba ba n na a C Cu u lt lt u u ra ra de de Ca Ca m m pp o o ss d do o Jor Jor d dã ão o Créditos Fotográficos Legendas Complementares Photo Credits | Angaben des Herausgebers Editorial Credits | Angaben des Herausgebers Bianka Tomie p. 29 Capa: desenho de Neco Stickel, realizado a partir de fotografia de 2006, de Lama Michel Rinpoche Cover: drawing by Neco Stickel made by a panoramic photography of the Hotel Toriba by Lama Michel Rinpoche | Umschlagfoto: drawing by Neco Stickel made by a panoramic photography of the Hotel Toriba by Lama Michel Rinpoche Edmundo Ferreira da Rocha p. 23 Fabio Colombini pp. 2-3, 4-5, 6, 7, 8-9, 10, 12, 14-15, 16, 26, 42-43, 44, 46, 47, 48 (??), 49, 50, 51, 52, 53 (??), 54 (??), 55, 56-57, 58 (??),59 (??), 60-61, 67 (??), 74, 76, 90, 91, 93, 94-95, 96, 98 (??), 99, 100, 102-103, 104, 105 (??), 106, 107, 108, 109, 110 (?), 111 (??), 112113, 115, 117, 118, 119, 120, 121 (??) Foto Postal Colombo p. 62 Fotógrafo não identificado: Acervo Hotel Toriba pp. 13, 17, 18, 27 (?), 32, 34, 36 (??), 37 (??), 38, 40, 41, 62, 87 (?), 88 (??), 97 Acervo Edmundo Ferreira da Rocha pp. 19, 20 (??), 22 (??), 24, 25 (??), 27 (?), 28, 33 Acervo Elisa Villares Lenz Cesar pp. 68 (??), 87 (?),88 (?) Janos Lazló p. 65 (??) Lama Michel Rinpoche p. 35 Leon Liberman pp. 39 (??), 63, 64 Lew Parrela pp. 101, 110 (?) Marlos Ruiz p. 45 (?) Pepe Roman/Pulsar Imagens pp. 21, 31 guarda: hortênsias (Saxifragaceae) na sala de leitura inside front cover: hydrangeas (Saxifragaceae) in the reading room | front cover: hortensien (Saxifragaceae) im Lesesaal 4ª capa: hortênsias (Saxifragaceae) na sala de leitura back cover: hydrangeas (Saxifragaceae) in the reading room | back cover: hortensien (Saxifragaceae) im Lesesaal pp. 2-3: panorâmica do Hotel Toriba Panoramic view of the Hotel Toriba | Panoramaaussicht vom Hotel Toriba pp. 4-5: vista com belvedere View with belvedere | Aussicht vom Belvedere (?) Rachel Guedes/Pulsar Imagens pp. 30, 31 (?), 72, 75 Reprodução de cartão-postal de gráficos Brunner p. 92 Rodrigo G. Lenz Cesar pp. 45 (?), 70, 100 Rômulo Fialdini pp. 77, 78 (??), 79, 80, 81 (??), 82, 83, 84 (??), 85 (??), 86, 87 (?), 88 (?), 89, 114 p. 6: vista através da sacada do quarto View from the room balcony | Aussicht vom Balkonzimmer pp. 8-9: desenho do Hotel Toriba realizado durante a construção, c. 1940 Drawing of the Hotel Toriba made during its construction, c. 1940 | Zeichnung vom Hotel Toriba während der Bauarbeiten, ca. 1940 Ronaldo Graça Couto p. 71 Todos os esforços foram realizados para a identificação e obtenção de autorizações dos autores das fotografias e textos reproduzidos neste livro. Entretanto, não conseguimos informações que nos levassem a encontrar todos os titulares. Nesses poucos casos, informamos que os direitos foram reservados para os mesmos. All efforts were made to identify and obtain authorization from the authors of all texts and photographs reproduced in this book. However, due to insufficient information, we were unable to contact all titleholders. We inform that all their rights have been reserved. Todos os esforços foram realizados para a identificação e obtenção de autorizações dos autores das fotografias e textos reproduzidos neste livro. Entretanto, não conseguimos informações que nos levassem a encontrar todos os titulares. Nesses poucos casos, informamos que os direitos foram reservados para os mesmos. p. 10: vista do belvedere com araucárias e marias-sem-vergonha View of belvedere with Araucarias and Black-eyed Susan’s | Aussicht vom Belvedere mit Araukarien und „Maria-sem-vergonha“ (Impatiens walleriana) B i b l i o g ra f i a Bibliografia Bibliography | Literaturangaben ANDRADE, Tais Oetterer de. Notícias Villares. “Luiz Dumont “Inventário e análise da arborização viária Villares, o legado de um pioneiro”. da estância turística de Campos do Informativo interno – edição especial, Jordão.” Dissertação apresentada à Escola SP, 1979. Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP de Piracicaba, SP, set/2002. PAULO FILHO, Pedro. Campos do Jordão Onde Sempre É Estação. Editora BRANDÃO, Ignácio de Loyola & Noovha América: SP, 2003. SILVA, Deonísio. Villares 80 Anos. Editora DBA: SP, 1999. ________________________. História de Campos do Jordão. Editora Santuário BRANDÃO, Ignácio de Loyola. A Aparecida: SP, 1986. Natureza que Emociona. Editora DBA: SP, 1999. PELLACANI, Elaine Böhme. “Contribuição á história da hotelaria FILHO, Camões Ribeiro do Couto. de Campos do Jordão/SP. Estudo O Canto e o Vento: a história dos de caso: os imigrantes alemães.” prisioneiros alemães nos campos de Dissertação de Pós-Graduação em concentração brasileiros. Coleções Administração Hoteleira apresentada Minarete, Papercromi: SP, 3ª edição à Faculdade Senac de Turismo e 2003. Hotelaria de Campos do Jordão. Campos do Jordão, SP, 2004. FISCHER, Sylvia. Na arquitetura da Poli: ensino e profissão em São Paulo. PENNACCHI, Valerio. Pennacchi — EDUSP: SP, 2005. Quarenta Anos de Pintura. 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Trilha feita, outros Rodrigues do Jordão adquiriu cobiçosos aventureiros seguiriam imensas glebas de terra a 1.700 por ela. metros de altitude na Serra da Mais de setenta anos depois, Mantiqueira, talvez não imagi- aquela imponente montanha verde nasse que seu sobrenome não atraiu Ignácio Caetano Vieira de apenas batizaria a região: os Carvalho, que deixou a Vila de campos do Jordão. Era comum dar Taubaté e subiu a Serra Preta o nome do proprietário às terras. em direção ao Pico do Itapeva. Mas o que certamente o brigadeiro Gostou tanto do que encontrou não supunha é que o nome se que acabou trazendo a família. manteria até hoje. Isso foi em Fundou a Fazenda Bom Sucesso 1825. Jordão veio a falecer dois e logo depois requereu ao anos depois, sem nunca ter visto governador da Capitania de São a propriedade. Paulo uma sesmaria de 269 Muito antes, no entanto, tribos quilômetros quadrados, área hoje indígenas deixaram rastros por ali: ocupada pela cidade. Viveu ali os puris e os caetés do Vale do por dezoito anos, até que depois Sapucaí; os guarulhos do Vale do de sua morte os herdeiros Paraíba; e os cataguás do sul de hipotecaram a sesmaria para o Minas Gerais. Pedro Paulo Filho, brigadeiro Manoel Rodrigues do historiador, advogado e escritor, Jordão, do início desta história. autor de vários livros sobre a Jordão era um homem ligado ao cidade, relata em Campos do Jordão poder. Amigo íntimo de D. Pedro – Onde Sempre É Estação que o I, fazia parte da lista dos dez primeiro homem branco a passar maiores proprietários de terras da por lá foi Martin Correa de Sá, Província de São Paulo. Foi em colonizador português, pelos anos uma das propriedades de Jordão, de 1597, à procura de um caminho junto ao Riacho do Ipiranga em entre Paraty e as Minas Novas, São Paulo, que o imperador terras do sul de Minas Gerais. declarou a independência do Pouco mais de 100 anos se Brasil. Depois da morte de Jordão, passaram até que Gaspar Vaz da as terras foram divididas. Portanto, 20 Araucárias no Parque Estadual de Campos do Jordão, 2007 Araucarias in the State Park of Campos do Jordão, 2007 | Araukarien im Staatspark von Campos do Jordão, 2007 4 Mapa turístico de Campos do Jordão (frente), publicado entre as décadas de 1950 e 1960 Map of Campos do Jordão (front), published between 1950 and 1960 | Landkarte von Campos do Jordão (Vorderseite), veröffentlicht zwischen den 50er und 60er Jahren 17 18 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o desde a fundação, do século XVIII e uma capela em louvor a São até 1848, a região dos Campos do Matheus e uma estalagem para Jordão constituía apenas uma e negociantes de gado, que mais única grande fazenda pecuarista, tarde se transformou em abrigo quando começou a ser partilhada para tuberculosos. Por tudo isso, e vendida. Matheus da Costa Pinto é consi- O escritor Ignácio de Loyola Brandão, no livro Campos do 5 Mapa turístico de Campos do Jordão (verso), publicado entre as décadas de 1950 e 1960 Map of Campos do Jordão (back), published between 1950 and 1960 | Landkarte von Campos do Jordão (Fronteseite), veröffentlicht zwischen den 50er und 60er Jahren derado o fundador da cidade. Por volta de 1891, Domingos Jordão, A Natureza que Emociona, José Nogueira Jaguaribe Filho, divulgadores de Campos do conta que um dos primeiros médico cearense, deputado e Jordão, graças aos artigos que compradores, o português Matheus escritor, adquiriu várias proprie- escrevia no Jornal do Comércio, da Costa Pinto, morador de dades na região, conforme narra do Rio de Janeiro, exaltando a Pindamonhangaba, adquiriu o historiador Pedro Paulo Filho natureza exuberante e as quali- extensa área à beira do Rio Imbiri no livro já citado. Jaguaribe dades do clima para a cura de em 29 de abril de 1874, data então entusiasmou-se e trabalhou muito doenças pulmonares. Criador da declarada oficial para o aniversário para o desenvolvimento local, alcunha “Suíça Brasileira” para do município. Comprou três fazendo inúmeros melhoramentos a região, sua paixão era tanta fazendas, ergueu a primeira escola na vila. Foi um dos primeiros que tentou mudar a capital da Ca m p o s d o Jor d ã o : h i s t ó r i a República do Rio de Janeiro para Companhia Paulista de Estradas cidade, construiu uma olaria e o lá, iniciativa que teve o apoio de de Ferro no início do século XX convento dos frades franciscanos. personalidades como Quintino e foi a Campos fazer um Decidido a criar uma atmosfera Bocaiúva e Teodoro Sampaio, levantamento de terras — acabou familiar às próprias origens, trouxe entre outras. Em sua homenagem, ficando. Comprou a Casa de da Inglaterra as sementes de a Vila de São Matheus do Imbiri Saúde Santa Isabel e fundou a Digitalis purpúrea L., planta passou a ser chamada de Vila Vila Nova, depois chamada conhecida também como digitalis, Velha do Jaguaribe. Abernéssia — “Aber”, de dedaleira, dedo-de-dama, luvas- Aberdeen, cidade natal dos pais; de-raposa (foxgloves), espalhando- escocês, foi outro personagem a “ness” de Inverness, onde nascera; as pelos campos. deixar a marca no local. Ele viera e “ia”, as duas últimas letras de sua Dez anos depois, estava ao Brasil para trabalhar na Escócia natal. Doou terrenos para concluída a primeira linha a construção da igreja matriz, para ferroviária, iniciada pelos médicos a estação de trem, o mercado, a sanitaristas Emílio Ribas e Victor cadeia, o cinema, o Sanatório Godinho para facilitar o acesso Ebenezer. Foi um dos sócios da da vila aos pacientes (o guia primeira usina hidrelétrica da Castelfranchi esclarece que o Robert John Reid, engenheiro 6 Jaguaribe, 1950 19 20 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o luz elétrica, dando início à Vila Capivari. Já Vila Inglesa era o nome de dois loteamentos distintos, um da Companhia Melhoramentos do Capivari e outro da Companhia de Terrenos Campos do Jordão. Era então o auge dos negócios imobiliários e do comércio madeireiro. Entre a década de 1920 e 1930, foram construídos os primeiros sanatórios: registros da Prefeitura mostram que, em 1927, cerca de 30% da população de 5.000 habitantes era formada por visitantes e convalescentes. Em 1934, Campos do Jordão desligou-se de São Bento do Sapucaí e transformou-se em município. As autoridades médicas estavam preocupadas em diminuir o contágio às pessoas saudáveis pelos doentes que buscavam a cura nas montanhas. Por isso, em 1940, Pedro Paulo Filho conta que o governador Adhemar de Barros — que também tinha casa em Campos — determinou o zoneamento em duas áreas, uma para os turistas e 7 Abernéssia, 1938 8 Abernéssia, 1940 9 Abernéssia, 2001 acesso permaneceu restrito à outra para os enfermos: mandou ferrovia e à Estrada SP-50 até a fechar as pensões para os doentes década de 1970, quando começou em Vila Abernéssia e exigiu a ser construída a Rodovia SP- abreugrafia de todos os hóspedes 123, inaugurada oito anos depois dos hotéis. Para a população — em 1978). A partir de 1920, os turística ficar tranqüila quanto à dois médicos promoveram o possibilidade de contaminação, os desenvolvimento da Companhia grandes hotéis mantinham uma Melhoramentos Campos do sala de raios X de modo a não Jordão com a abertura de ruas, hospedar doentes. A partir da instalação de saneamento básico e década de 1950, com os avanços Ca m p o s d o Jor d ã o : h i s t ó r i a 10 Bonde, 1920 Streetcar, 1920 | Strassenbahn, 1920 11 Linha de Bonde, 1920 Streetcar, 1920 | Strassenbahnschienen, 1920 12 Bonde, 2005 Streetcar, 2005 | Strassenbahn, 2005 23 24 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o da medicina e o surgimento do Martha Diederichsen Stickel, medicamento Hidrazida, a filha mais jovem de Ernesto e tuberculose deixou de representar Maria Elisa Diederichsen. “Cos- tanto perigo, e a cidade começou a tumávamos ir ao cinema, que se transformar em importante ficava no centro da cidade, a 5 ou pólo turístico. 6 quilômetros da fazenda. Íamos Na década de 1950, o bairro a pé, com uma almofada debaixo de Capivari só tinha uma rua. do braço para sentar. A parte de “Tomávamos sorvete na Casa baixo da sala era reservada aos Ferraz, onde se vendia de tudo, tuberculosos. No mezanino, até selas e arreios. O sorvete era ficavam as pessoas saudáveis. As horrível, mas nós achávamos crianças nunca puderam ir por maravilhoso! Na rua principal, causa da doença”, recorda-se. havia apenas uma farmácia, a Pessoas ilustres e famosas Cadij Imóveis, uma vendinha com começaram a procurar casas artigos variados, uma papelaria de veraneio na região. Esse foi e um pequeno restaurante, um dos fatores decisivos para a tipo lanchonete”, recorda-se transformação da “cidade saúde” 16 Sanatório São Paulo, 1943 São Paulo Sanatorium, 1943 | Sanatorium São Paulo, 1943 13 Capivari, 1927 14 Capivari, 1960 Ca m p o s d o Jor d ã o : h i s t ó r i a 25 26 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o em cidade turística. Outras uma das 200 famílias japonesas contribuições foram dadas com que ocuparam a zona rural da o zoneamento, a construção do região. “Meus avós e pais Palácio do Governo e o Cassino chegaram ao Brasil em 1932, Grande Hotel, que projetaram depois de mais de quarenta dias de Campos com glamour. viagem a bordo do navio La Plata Na década de 1940, a cidade Maru, vindos de Okaido, uma ilha ganhou o título de maior centro de clima frio do Japão. Logo produtor de cenouras do Estado. foram encaminhados a uma “A cenoura de Campos era fazenda de café na região de famosa. O clima frio fazia com Araçatuba, Guararapes e Birigui, que levasse quatro a cinco meses onde a temperatura é muito para crescer, contra os dois a três quente”, conta. meses das regiões quentes. Isso O pai adoecera, e o avô, resultava numa espécie mais sabendo dos benefícios do ar macia, doce e saborosa”, conta de Campos do Jordão, comprou Tadao Oikawa, descendente de um terreno de 48.000 metros 19 Festa Nacional da Maçã, 1956. A Festa Nacional da Maçã é um evento que anualmente ocupava as ruas de Campos do Jordão National Apple Festival, 1956. The National Apple Fest is an yearly event that took place on Campos do Jordão streets (1953–1956, 1958 and 1961) | Nationales Apfelfest, 1956. Das nationale Apfelfest: Ein jährlich wiederkehrendes Fest auf den Strassen von Campos do Jordão (1953–1956, 1958 und 1961) Ca m p o s d o Jor d ã o : h i s t ó r i a 17 Capa do cardápio de Ano-Novo, 1952 Cover of menu for New Year’s Eve, 1952 Umschlag der Speisenkarte, Silvester 1952 18 Cenoura “nantes”, III Festa Nacional da Maçã, Clube Abernéssia, 1955 Carrot “nantes”, III National Apple Festival, Abernéssia Club, 1955 | “Nantes” Karotte, III Nationales Apfelfest, Club Abernéssia, 1955 quadrados no loteamento Colônia obtiveram sucesso. Também Lajeado, dos Irmãos Gavião cultivaram pereiras — de diversas Gonzaga. A proximidade com qualidades —, inclusive uma uma colônia japonesa o inspirou a variedade conhecida por “chinesa”, construir uma infra-estrutura e cuja produção era quase trazer a família. “Casa de madeira, totalmente consumida pela rede fogão a lenha para cozinhar, hoteleira da região. Outra fonte esquentar a casa e aquecer a água de subsistência era o cultivo da que servia ao banheiro”, relata couve-flor, escoada especialmente Oikawa. Começaram plantando para o Rio de Janeiro, onde o calor pêssego, mas a espécie não se excessivo dificultava a obtenção de adaptou ao clima frio e a safra foi um produto de boa qualidade. perdida. Aproveitando a mesma José Benedito da Costa, filho base onde havia sido plantado o de Emídio da Costa Manso, pêssego, decidiram enxertar proprietário de muitas terras em ameixa vermelha, conhecida por Campos do Jordão e Santo Antonio coração-de-boi, uma espécie de do Pinhal além de presidente da excelente qualidade e sabor. Assim Cooperativa Mista de São Bento 27 28 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o do Sapucaí, conta que acompa- começaram a ter problemas em nhava o pai desde pequeno. “Em sobreviver da produção. Além 1935 nós morávamos no Paiol disso, com as inovações Velho, perto do Zé da Rosa, e tecnológicas, os agricultores da lembro-me de uma grande região carioca já conseguiam queimada. Meu pai me trazia para o produzir uma couve-flor lugar onde hoje fica o Hotel Toriba satisfatória para o mercado. As desde que eu tinha 4 anos de idade. vendas caíram, e no fim da década Ficávamos lá a semana toda, pois de 1950 muitas famílias de meu pai fazia grandes jacás [espécie imigrantes japoneses começaram de cesto feito de taquara lisa] para a sair de Campos em direção às transportar a colheita de pêra e de cidades do Vale do Paraíba. cenoura”, recorda. Como todos os vizinhos eram Em 1941, foi inaugurado o Horto Florestal, uma reserva com agricultores, plantavam as mesmas o objetivo de preservar a mata espécies e vendiam para os restante de araucária. Trinta anos mesmos lugares, muitos depois, o perfil da cidade — já 15 Capivari vista do Morro do Elefante, 2007 Capivari seen from the Morro do Elefante (Elephant Mountain), 2007 | Capivari vom Morro do Elefante aus gesehen, 2007 Ca m p o s d o Jor d ã o : h i s t ó r i a 23 Capivari vista do Morro do Elefante, 2007 Capivari seen from the Morro do Elefante, 2007 Capivari, vom Morro do Elefante aus gesehen, 2007 caracterizada como importante foi considerada área de proteção pólo turístico — viveu mais uma ambiental, passo significativo para transformação, com o início dos conter a devastação. É dessa época Festivais de Inverno. “As primeiras a inauguração do Museu da temporadas foram no hall do Imagem e do Som, a Pinacoteca, o próprio Palácio do Governo, e auditório Campos do Jordão — os músicos reclamavam que a hoje Cláudio Santoro – e o Museu umidade e o ar frio desafinavam os Felícia Leirner. instrumentos”, conta Vanja László, Atualmente, pelos Campos amiga da família Diederichsen e do Jordão distribuem-se 44.252 antiga freqüentadora do Hotel. habitantes, que chegam a 1,2 Um dos pontos determinantes milhão de pessoas durante a na história de Campos do Jordão temporada de inverno. foi a inauguração da estrada Certamente, um número que o ligando a cidade à Via Dutra em brigadeiro Manoel Rodrigues 1978. No ano seguinte, foram Jordão jamais poderia imaginar proibidos os loteamentos para suas terras no alto da comerciais; quatro anos mais tarde, Mantiqueira. 29 Ca m p o s d o Jor d ã o : h i s t ó r i a 21 Festival de Inverno, 2006 Winter Festival, 2006 | Winterfestival, 2006 22 Teleférico do Morro do Elefante, 2006 Morro do Elefante Cablecar, 2006 | Seilbahn vom Morro do Elefante, 2006 24 Capivari, 2006 31 Tor i ba : pa z , a l e g r i a e f e l i c i da de Toriba: paz, alegria e felicidade Quem vem de lá? É de paz! Entra! À vontade! Sente o que a vida às vezes significa! Depois, parte, ficando... que a saudade é benção de quem parte e de quem fica. Guilherme de Almeida O Hotel Toriba foi inaugurado em 1943, quando o turismo na região ainda era incipiente, nesta bela cidade num dos altos da Mantiqueira, que, na época, era marcada muito mais pela profusão de sanatórios do que pela infra-estrutura para o visitante em busca de lazer. Logo o Toriba, que em tupi-guarani significa algo como “paz, alegria e felicidade”, tornou-se um hotelsímbolo do melhor de Campos do Jordão, com a bem-cuidada aparência alpina, local propício à Do alto dos 1.750 metros da prática de atividades saudáveis e Serra da Mantiqueira, o Toriba de costumes em harmonia com ocupa ampla e privilegiada área a natureza. Com o decorrer dos de 70.000 metros quadrados, anos, foi se atualizando diante da em meio a um grande parque constante evolução na tecnologia ajardinado e repleto de araucárias hoteleira, mas mantém até hoje históricas. No prédio principal, o as qualidades que caracterizam o Toriba oferece 54 leitos, divididos universo repleto de memórias e de entre 21 quartos, três suítes; tradições familiares, em ambiente Restaurante Pennacchi; Bar cercado pela gentileza, preser- Vindima, com ampla vista vando a seu modo a história e a panorâmica; sala de café e chá; cultura de Campos do Jordão. sala de leitura; sala de lareira; 25 Placa da portaria, 1944 Nameplate at the Front Gate, 1944 | Schild des Hotels Toriba, 1944 26 Vista geral, década de 1940 General view, 1940s | Panoramaaussicht, 40er Jahre 33 34 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o salão de jogos; e o exclusivo O Toriba disponibiliza também, escorregador de madeira — em chalé exclusivo, espaço para utilizado por gente de todas reuniões empresariais. De geração as idades. Nos quatro chalés em geração, todos interagem, espalhados pelo parque, são tanto funcionários quanto oferecidos vinte leitos e ainda hóspedes, para manter o Toriba mais quatro apartamentos tradicionalmente vivo e atual. externos, com oito leitos. Conta ainda com uma complexa área de lazer composta de bar; Nasce o Toriba piscina com raia semi-olímpica; hidromassagem; sauna seca e “Eu e minha família tínhamos úmida; ducha circular e escocesa; um prazer muito grande ao academia de ginástica; quadra desfrutar as férias de verão nas de tênis; e “parcour” (caminhada montanhas daquela cidade com exercícios pelo bosque). [Campos do Jordão]. Havia nesse Finalmente, há o Toribinha sentimento algo herdado dos dez (espaço acolhedor especial para anos que passei quando jovem servir fondues e raclettes). na velha Suíça, tal como minha 27 Fachada principal, 1944 Main Facade, 1944 | Hauptfassade, 1944 Tor i ba : pa z , a l e g r i a e f e l i c i da de 28 Panorâmica do Hotel Toriba Panoramic view of the Hotel Toriba | Panoramaaussicht vom Hotel Toriba esposa também o fizera. Nasceu verão com a família. “Nas suas daí a vontade de construir um idas à Pedra do Baú, ficava muito hotel para proporcionar aos tempo apreciando a natureza, demais esse delicioso ambiente olhando para longe, para o montanhês. Meu sogro Ernesto horizonte. Nesses momentos Diederichsen e eu pusemos mãos eu sentia que ele procurava uma à obra e construímos o Hotel interpretação pessoal para o Toriba, inaugurado em 1943”, universo, para o sentido da escreveu Luiz Dumont Villares na existência”, escreveu Paulo autobiografia, publicada em 1975. Dumont Villares, numa edição Apaixonado pela vida ao ar especial do informativo Notícias livre e pelas belezas do mundo, o Villares, por ocasião do faleci- empresário observava por horas a mento do pai, em 1979. fio o céu e os planetas através de No início de 1947, Luiz um telescópio em Campos do Dumont Villares com o pionei- Jordão, onde passava as férias de rismo trouxe para o Brasil o 35 36 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o primeiro acampamento recreativo- sólida, com um telhado de duas educacional inspirado em moldes águas. As pedras utilizadas na norte-americanos, o Acampamento estrutura do prédio deveriam ser Paiol Grande, situado no muni- retiradas do próprio local, assim cípio vizinho de São Bento do como a madeira de revestimento Sapucaí. Dirigido inicialmente por do forro e de algumas paredes. um profissional, mantém, desde a Ernesto Diederichsen ordenou fundação, a finalidade de oferecer que se projetasse uma varanda educação e recreação a crianças e bem longa que lembrasse um jovens de ambos os sexos, sem convés de navio. Sugeriu que no distinção de nacionalidade, raça ou local se oferecesse ao hóspede religião. O Paiol Grande opera até uma série de chaises longues para os dias de hoje com os mesmos que pudesse contemplar, com princípios de sessenta anos atrás, conforto, o panorama que se e com grande sucesso. descortinava além do terraço. Sogro e genro tiveram grande influência sobre o projeto do E assim foi, como atestam várias fotos históricas. Hotel Toriba, executado pelo O filho do construtor, Floriano Escritório Técnico Ramos de Rodrigues Pinheiro — responsável Azevedo, Severo e Villares e Cia. pela obra —, lembra ainda da Ltda., sob responsabilidade dos sensação que tinha, na meninice, engenheiros Affonso Lervolino ao acompanhar o pai na emprei- e Roberto Batista Pereira de tada: “Aquele outeiro maravilhoso, Almeida, no ano de 1941. o planalto no cocuruto do morro Queriam uma construção ampla e oferecia uma vista inigualável...”, 29 Floriano Pinheiro (à esq.) e Luiz Dummont Villares durante a construção do hotel Floriano Pinheiro (on left) and Luiz Dummont Villares during the hotel’s construction | Floriano Pinheiro (links) und Luiz Dummont Villares, während der Bauarbeiten am Hotel 30 Ernesto Diederichsen 31 Obras de construção, 23/ago/1942 Construction work, August 23, 1942 | Bauarbeiten, 23/Aug/1942 33 Vista frontal da obra, 1942 Front view of Construction, 1942 | Vorderansicht der Bauarbeiten, 1942 38 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o conta admirado Jayme Rocha e o dinheiro precisava ser aplicado Pinheiro, hoje com 83 anos. “Eu imediatamente. Tudo foi muito me interessava muito pela rápido, um sucesso extraordinário!”, construção em si. Lembro-me das completa. fundações do edifício do hotel e de Como se revisse a cena diante alguns pinheiros que tiveram de dos olhos, Martha Diederichsen ser sacrificados. Já naquela época, Stickel, descreve um almoço o senhor Ernesto demonstrava ocorrido durante o andamento da preocupação muito grande em obra: ao redor de uma mesa bem adquirir o maior número possível grande estavam reunidos vários de terrenos em volta da região políticos da época, entre eles para poder preservar a área, muito Adhemar de Barros, então cobiçada. Era um homem de interventor do governo de São visão e, como o senhor Villares, Paulo durante o mandato de enxergava longe”. Confiando na Getúlio Vargas, conversando em memória, afirma que a obra do alemão com o pai dela. O almoço hotel não demorou muito: “Em foi na tal varanda, aquela que 1939 estourou a Segunda Guerra, reproduzia o convés de navio e que 32 Obras da Construção, 1942 Construction work, 1942 | Bauarbeiten, 1942 Tor i ba : pa z , a l e g r i a e f e l i c i da de mais tarde acomodaria a sala de projeto do escorregador — um dos chá e café. símbolos máximos do hotel —, Luiz Dumont Villares viveu e onde Ernesto Diederichsen se fruiu intensamente a construção divertia alegremente apesar de ser do sonho. Quase todos os um tipo sisudo e grandalhão, sabe- sábados, depois do expediente na se pouco. Mas as plantas antigas empresa onde trabalhava, subia a da construção dão a entender que serra para acompanhar a evolução surgiu sem muito planejamento, das obras. No período de férias de pela simples idéia de juntar dois verão dos filhos, lá ia ele ambientes em andares distintos: encontrar a família no fim de térreo e sala de recreação infantil. semana. “Nos intervalos, eu me correspondia com meu pai por carta, via correio”, lembra Elisa Villares Lenz Cesar. Ele tinha o hábito de desenhar sobre qualquer pedacinho de papel, até nos guardanapos, e a correspondência era cheia de figurinhas. “Dizem, na família, que o projeto da piscina do hotel, por exemplo, foi esboçado no carro, durante uma das idas a Campos”, conta Eliana Lenz Cesar, bisneta de Ernesto Diederichsen, neta de Luiz Dumont Villares e filha de Elisa. Não há registro da data precisa, mas em 1943 o Hotel Toriba foi inaugurado, com dezenove apartamentos, vinte quartos e cinco chalés. Nos dormitórios havia apenas uma pia, pois os banheiros ficavam no corredor, como era comum na época. O mobiliário, também em estilo suíço, foi em boa parte produzido pela Casa e Jardim (que havia sido inaugurada em 1938 e acolhia mostras de artistas modernos) com a madeira da araucária da região de Campos do Jordão. Sobre o 34 Sala para escrever cartas, década de 1940 Writing Room, 1940s | Schreibsaal, 40er-Jahre 35 Quarto, década de 1940. Em destaque, a pia dentro do próprio quarto, antes que fossem remodelados para suítes Guest Room, 1940s. Of special interest, the sink in the room before they were remodeled into suites | Hotelzimmer40er-Jahre. Sichtbar ist: Das Waschbecken innerhalb des Zimmers vor dem Umbau zur Suite 39 40 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o uma farra infernal. Na época os “As cortinas eram da Argos quartos eram simples, não havia Industrial de Jundiaí, de Ernesto suítes. Os poucos banheiros Diederichsen. Em xadrezinho ficavam no corredor, e uma das marrom ou azul, foram nossas diversões era impedir os confeccionadas especialmente hóspedes de ir ao toalete. para o local. Aliás, a Argos foi a Arrastávamos cômodas e primeira fabricante dos tecidos bloqueávamos as portas dos blue jeans no Brasil”, lembra quartos. Trocávamos os sapatos de Cláudio László, um dos mais todos. E namorávamos muito”, antigos vizinhos e freqüentadores lembra-se o empresário Henrique do hotel. O padrão da estamparia Gunther Tuch, freqüentador do das colchas listradas foi inspirado hotel desde 1944. “No início no filme Flores do Pó (Blossoms in íamos de trem, pois como alemães the Dust), sucesso do cinema — e, portanto, considerados do americano em 1941 estrelado por ‘eixo’ —, precisávamos de salvo- Greer Garson, Walter Pidgeon e conduto para viajar. Não podíamos Marsha Hunt. circular livremente. Chegávamos lá e éramos recepcionados, já na *** estação Toriba, por Hillebrecht e Tischauer, o gerente, com um Na Avenida Líbero Badaró, em panelaço, alegria e muita cerveja São Paulo, havia um restaurante gelada. Na seqüência fazíamos chamado Caverna Paulista, onde exame de pulmão. Depois disso Ernesto Diederichsen almoçava era só diversão”. com muita freqüência. A comida Na década de 1940, ir a era boa, e o proprietário, Henrique Campos não era um programa Hillebrecht — imigrante alemão —, fácil e exigia certo planejamento. acolhia com extrema gentileza a Era preciso reservar as passagens clientela. Da amizade nascida entre muitos dias antes, para não ter os dois derivou o convite para que surpresa. O trem saía da Estação a família Hillebrecht assumisse a Ferroviária de São Paulo no administração do Toriba. Brás às 7 horas da manhã. Em Os freqüentadores mais antigos Pindamonhangaba trocava-se de lembram-se da gestão — que trem, e mais tarde havia uma durou até 1958 — como um parada onde era possível comer período de grande animação, alguma coisa. A chegada era mais festas e felicidade. “A cozinha, ou menos às 3 horas da tarde. Para maravilhosa, era comandada por quem ia de carro, os percalços Fritz Schwenke. Junto com eles e eram outros: se chovia, o último alguns outros hóspedes, fazíamos trecho de estrada, já perto de 36 Adesivo para mala de viagem, década de 1940 e 1950 Suitcase sticker, 1940s and 1950s | Aufkleber für Reisekoffer, 40er- und 50er-Jahre Tor i ba : pa z , a l e g r i a e f e l i c i da de cidade, muitas vezes ficava camareiros, governantas, garçons, bloqueado pela queda de barreiras, cabeleireiros — enfim, todos retardando a chegada ao destino. ligados à área de gastronomia, Grande parte dos hóspedes hotelaria e serviço — decididos a passava um mês inteiro no hotel continuar no Brasil mesmo depois durante o verão, portanto as do fim do conflito. bagagens que traziam eram imensas! As mães preparavam parêntese e contar essa história enxovais completos para a família. interessante e pouco conhecida, Normalmente os membros da pois as pessoas que dela fazem comunidade judaica chegavam parte foram de fundamental antes do Natal e aproveitavam, importância para o desenvol- também, a festa de réveillon, vimento da indústria hoteleira sempre muito bonita, bem servida de toda aquela região. e animada. Os funcionários O Windhuk (que significa em montavam um bufê impecável, que alemão “canto do vento”) era um ocupava metros e metros de mesa. transatlântico de luxo, que partiu Depois da ceia havia danças e da Alemanha em julho de 1939 brincadeiras de salão. para um cruzeiro de dois meses. Os imigrantes de língua 37 Flâmula, 10/jan/1960 Pennant, January 10, 1960 | Hotelfähnchen, 10/Jan/1960 Vale a pena aqui fazer um Quando costeava a África do Sul, germânica — alemães e austríacos no entanto, foi surpreendido pela — tinham especial atração pelo notícia de que a guerra havia Hotel Toriba desde o início. Todo estourado, e a viagem não pode o ambiente, o entorno, lembrava- prosseguir. Muitos dos turistas lhes as origens. Lá cantavam voltaram ao país de origem, mas músicas tradicionais, dançavam 244 tripulantes continuaram a sua coreografia, deliciavam-se com bordo. Por uma série de motivos o clima frio e a paisagem da envolvendo desde escassez de montanha e regalavam-se com a combustível até contratempos mesa farta, repleta de especia- diplomáticos, o navio deixou o lidades do país de origem. continente africano indo aportar O corpo de funcionários em Santos, onde permaneceu parecia uma grande família — por dois anos, graças ao apoio aliás, como até hoje. Grande financeiro do consulado alemão. parcela foi contratada pelos Foi um período de sonho para Hillebrecht entre os membros da eles. A maior parte continuou tripulação do navio Windhuk, que morando a bordo; uns poucos havia chegado ao Porto de Santos resolveram mudar-se para pensões; em dezembro de 1939, ainda outros trabalharam como garçons durante a Segunda Guerra. e cozinheiros em restaurantes — Eram cozinheiros, confeiteiros, e todos se divertiam. Em agosto 41 42 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o de 1942, Getúlio Vargas rompeu apartamentos, com banheiro. relações com a Alemanha, e o Os hóspedes comemoraram a paraíso dos tripulantes do novidade! O estilo rústico e Windhuk acabou. acolhedor que tanto encantava Transportados em trens, foram os freqüentadores do Toriba se mandados para campos de manteve. “Nosso principal concentração em Guaratinguetá, empenho, durante esses mais de Pirassununga, Bauru, Ribeirão sessenta anos, foi a preservação Preto e Pindamonhangaba, no das características originais do interior de São Paulo, juntamente imóvel e de seu mobiliário, com italianos e japoneses para sempre que possível”, diz Eliana trabalhar nas lavouras. Três anos Villares Lenz Cesar. depois, com o fim da guerra, Reestruturação concluída, o já livres mas sem dinheiro hotel foi novamente arrendado, nem documentos, precisavam desta vez para a Cia. Paulista de trabalhar. E o mais óbvio, claro, Hotéis, pertencente aos irmãos era procurar ocupação de acordo Arthur e Paulo Witzig. Para a com a especialidade. Vários gerência, foi contratado Joseph restaurantes alemães já existiam Jurt, imigrante suíço que na época, e eles eram tidos como inaugurou um estilo de excelentes profissionais. Nada administração completamente mais natural, portanto, que diferente da do antecessor. fossem absorvidos pelo mercado Durante seus 23 anos de gestão, hoteleiro, florescente na região o Toriba viveu anos felizes. de Campos e arredores. Tanto o Toriba quanto o Grande Hotel, “Chegamos ao hotel em além de outros, tiveram no novembro de 1959, ainda durante quadro de funcionários membros as obras, com nossos filhos, Ari, da tripulação, imprimindo no de 4 anos, e Alexandre, de 3. cardápio e nos serviços O mais novo, Eduardo, nasceu características muito próprias, lá, em 1961. Chovia muito! Eu diferenciadas para a época. era muito jovem e inexperiente. O hotel foi administrado pela família Hillebrecht até 1958. Fui aprendendo tudo com meu marido. Fiz o máximo tentando Retomado pelos Diederichsen/Villares, fechou temporariamente as portas e passou por uma grande reforma durante pouco mais de um ano. A principal mudança foi nos quartos: todos viraram 38 Detalhe da fachada principal, 2007 Detail of the main facade, 2007 | Detail der Hauptfassade, 2007 Tor i ba : pa z , a l e g r i a e f e l i c i da de 43 44 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o ajudá-lo e para que se orgulhasse inovações pelo talento de Jurt: foi de mim”, diz Helga Jurt, viúva do ele que introduziu o chá da tarde gerente. “Morávamos num chalé e a fondue. Fora de temporada, (perto da portaria, onde hoje os dois faziam companhia aos ficam as salas para eventos) e hóspedes, muitas vezes até fazíamos as refeições com os jogando cartas para formar uma e lembram-se com carinho do demais funcionários.” mesa de buraco. Quem se chefe que deixou o posto em 1983 hospedava no Toriba tinha sempre por motivos de saúde. O casal realmente se esmerou. 39 Lustre, 2007 Hanging lamp, 2007 | Kronleuchter, 2007 Helga supervisionava o trabalho a sensação de estar na própria casa dos camareiros, cuidava do enxoval de campo, como, aliás, acontece venderam a Cia. Paulista de e — o que mais gostava — fazia os até hoje. Foi nesse período Hotéis para Fabio Bicudo, que arranjos de flores pessoalmente. também que moradores de assumiu também o contrato de Resolvia toda sorte de problemas, Campos do Jordão e das administração do Hotel Toriba como uma verdadeira embaixatriz. redondezas começaram a trabalhar até 1995, quando Elisa Villares Muitos hóspedes ainda lembram no hotel. Alguns deles — ou os Lenz Cesar e os filhos, herdeiros dela como uma pessoa amiga, doce descendentes — formam, ainda de Luiz Dumont Villares, e apaziguadora. A cozinha ganhou hoje, o quadro fixo de funcionários tomaram a frente dos negócios. Em 1975, os irmãos Witzig Tor i ba : pa z , a l e g r i a e f e l i c i da de Missão do Hotel Toriba Páginas do Livro de Ouro do Hotel Hotel Toriba´s Golde Book | Das Goldene Buch des Hotels Propiciar às pessoas que apreciam a natureza, privacidade, discrição, conforto, charme, silêncio e tranqüilidade a oportunidade de desfrutar este requintado ambiente, recebendo serviços prestados por colaboradores que se sentem felizes com o trabalho que executam e reconhecidos por aqueles a quem servem. Na primeira página do livro de ouro do hotel, o texto de Maria Elisa Diederichsen deixou registrado, em 10 de janeiro de 1960, o que se almejava para os hóspedes: Toriba em tupi-guarani significa “alegria, felicidade”, é para quem aprecia a natureza brasileira n’um dos seus mais típicos recantos: pinheiros, matas virgens, montanhas, flores, passarinhos... A 1.850 m sobre o nível do mar, o Toriba é o hotel no país em maior altitude. Em suas vizinhanças nasce o córrego mais alto da bacia do Prata, que se transforma primeiro rapidamente em “Lajeado” e “Sapucaí”, e depois lentamente em “Grande” e “Paraná”, para como “Prata”, após atravessar meio continente, se jogar no mar. Por aqui passaram os bandeirantes a pé e de canoas pelos rios para atingirem os recantos mais distantes da América do Sul. Seja este o recanto “encantado” que tantas almas procuram é o desejo de: Maria Elisa Diederichsen Luiz Dumont Villares Ernesto George Diederichsen Martha Diederichsen Stickel Arthur Witzig Paulo Witzig (...) 45 A mon ta n h a m á g i c a : a b e l e z a da n at u re z a n a t e r ra p re s e rva da A montanha mágica: a beleza da natureza na terra preservada F loradas na Serra é o nome de abundância e ar puro comparável pelo som dos insetos, num convite um romance de Dinah Silveira de ao dos Alpes suíços e franceses, à paz e à contemplação. No verão, Queiroz lançado em 1939. Conta acabou se transformando na maior a luz do sol desce filtrada através a história da personagem Lucília, estância climática do Brasil e dos altos galhos das araucárias, moça rica e entediada diante de ganhando a alcunha de Suíça aquecendo e iluminando o solo. seu universo elegante, que resolve Brasileira. Para ter uma idéia, o ar As temperaturas são amenas, descansar em Campos do Jordão. de Campos foi reconhecido como especialmente à noite; e a brisa, Ao fazer a visita médica exigida dos melhores do mundo pelo constante. O outono traz folhas por lei aos hóspedes dos hotéis Congresso Climatológico de avermelhadas; e, no inverno, à época, a jovem descobre estar Paris realizado em 1957! Não é, o crepitar das lareiras aquece o tuberculosa. Internada numa portanto, de admirar que a cidade interior das casas quando o sol clínica local, apaixona-se por tenha sido eleita como local ideal se põe, contrastando com os dias Bruno, outro doente em busca de para tratamento de doenças ensolarados, de temperatura cura, e a partir daí se desenvolve o pulmonares, como relatado na obra agradável e céu extremamente drama. Alguns anos depois, mais da escritora. azul. Quando desponta a precisamente em 1954, o livro Nos campos afastados do primavera, as flores explodem ganhou adaptação para o cinema. centro, o silêncio é quebrado trazendo todo seu colorido, E os jardins do Hotel Toriba apenas pelo canto dos pássaros e tingindo a natureza de alegria. testemunharam, como cenário, o romance vivido na tela por Cacilda Becker e Jardel Filho, no filme considerado um clássico da indústria cinematográfica nacional. A região de Campos do Jordão é um paraíso ecológico. Com flora e fauna generosas, água límpida em 40 Beija-flor-de-topete (Stephanoxis lalandi ) Black-crested Plovercrest | Kolibri Zopf-Elfe 41 Pinus eliottis 47 48 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o magnesiana pelos órgãos competentes. Com vista a preservar a Mata Atlântica, foi criada, em 1941, uma das primeiras áreas naturais protegidas no território paulista, o Horto Florestal, cobrindo área de 8.341 hectares — ou um terço da superfície do município. O crescimento imobiliário provocara a devastação das matas de araucária, e, nas décadas de 1950 e 1960, criou-se um programa de reflorestamento: 2.500 hectares de terra receberam mudas de Pinus eliottis, o que acabou produzindo alteração no clima. Como a espécie absorve a água dos lençóis freáticos e as expele no ar por evaporação, a atmosfera ficou mais úmida, as temperaturas mais elevadas e houve aumento na quantidade de precipitações. Os moradores mais antigos ainda estranham quando os termômetros chegam à marca dos 22 graus Celsius no verão, aliado a chuvas mais constantes. “A vegetação do Horto é exuberante e abriga mais de 300 espécies 113 Pinhão Pinecones chestnut | Pinienzapfen 43 Araucárias com pinhas (Araucariacea) Araucarias with pinecones | Araukarien mit Pinienzapfen Capivari — que emprestou o identificadas, além de uma nome ao bairro comercial da diversificada fauna silvestre com cidade — é o rio mais importante perto de 200 gêneros catalogados. de Campos do Jordão e recebe no Ali são encontrados animais curso o Rio Abernéssia — que ameaçados de extinção como a batiza outro bairro, logo na onça suçuarana, o mono-carvoeiro entrada da cidade. (maior macaco das Américas) e o A água mineral das fontes papagaio-do-peito-roxo”, informa da região, impoluta, é tida como o escritor Pedro Paulo Filho no excelente e recebe a chancela de livro Campos do Jordão — Onde alcalina, bicarbonetada e cálcio- Sempre É Estação. A mon ta n h a m á g i c a : a b e l e z a da n at u re z a n a t e r ra p re s e rva da Em 1948, teve início o plantio de plátanos nas vias públicas, com o intuito de arborizar a vila. Hoje, Jordão foram declarados Área de os remanescentes de bosques de Proteção Ambiental (APA). araucária, a continuidade da Em 1985, o Decreto Federal cobertura vegetal do espigão central mais da metade da cidade conta nº 91.304 determinou 27 da Serra da Mantiqueira e as com a espécie nos canteiros. A municípios — inclusive Campos do manchas de vegetação primitiva, a araucária, no entanto, tornou-se Jordão —, numa extensão de vida selvagem e as espécies em marca registrada, figurando 422.000 hectares, como Área de extinção”. Mais recentemente, em inclusive na bandeira e no brasão. Proteção Ambiental da Serra da 1993, o governo estadual criou o E, graças à Lei Estadual n° 4.105, Mantiqueira. No texto original do Parque Estadual dos Mananciais de promulgada em 1984, os 26.900 decreto consta que a criação da Campos do Jordão, com o objetivo hectares da região urbana e rural APA federal visa garantir, “por de preservar as nascentes que do município de Campos do meio da proteção e preservação de fornecem metade do volume de parte de uma das maiores cadeias água consumido pela cidade. Todo de montanhas do sudoeste esse conjunto de medidas tenta brasileiro, a conservação do proteger uma das áreas mais conjunto paisagístico e a cultura significativas em riqueza biológica regional, a flora endêmica e andina, do planeta. 42 Plátano (Platanus sp.) Planetree | Platane 49 50 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Toriba: o jardim proximidade com a mata intocada ainda existente”, completa. “Na região onde está localizado O cuidado, a preservação e a o Toriba, o baixo adensamento reposição de espécies nas áreas de adotado pelas famílias mata e de bosque configuram a Diederichsen, Villares, Lenz e principal parte do trabalho da Stickel contribuiu decisivamente engenheira agrônoma e paisagista para a preservação do meio Kátia Rys, que há cerca de dez ambiente em relação a outras áreas anos cuida dos jardins do hotel. do município”, revela Alexandre Incansável, ela treina, orienta e Gonçalves Silva, engenheiro acompanha constantemente a agrônomo e presidente da Agência equipe de seis jardineiros nos de Desenvolvimento Sustentável trabalhos de poda, planejamento de Campos do Jordão e Região. das mudas anuais (verão e inverno) “Localizado na linha divisória do jardim, plantio de arbustos e entre a serra e o planalto, o controle das pragas. À medida que terreno possui, além de uma vista morrem, as árvores vão sendo deslumbrante, abundância de substituídas por espécies da região, vegetais e animais silvestres pela como pinho-bravo (Podocarpus 53 Vista geral a partir da sacada dos quartos General view from room balconies | Aussicht vom Zimmerbalkon A mon ta n h a m á g i c a : a b e l e z a da n at u re z a n a t e r ra p re s e rva da 52 Belvedere mim, significam evolução, a variedade de cores e formas, os desenvolvimento. Além disso, não jardineiros não param. há coisa melhor do que se sentar à sombra de uma delas”. “As espécies anuais são trocadas semestralmente, em abril As transformações do hotel, no e outubro; enquanto as perenes, lambertii), manacá-da-serra sentido de modernizá-lo, acabaram de vida longa, são mantidas. Há (Tibouchina mutabilis), araucária modificando o visual dos jardins: sempre um grupo em floração, e (Araucariacea), jacarandá “Quando reformamos a área da o auge do esplendor acontece em (Bignoniaceae) e bracatinga piscina, novos canteiros se fizeram agosto e setembro, quando chove (Mimosa scabrella), entre outras. necessários, assim como aconteceu menos e as flores, regadas com a criação do chalé de reuniões manualmente, duram mais”, revela Lenz Cesar abaixando-se a cada e com o Toribinha. Não há um Kátia. É tempo de amor-perfeito canteiro de flores ao lado dos planejamento global, mas uma (Viola sp.), calêndula (Calendula jardineiros, removendo ervas integração entre uma área e officinalis), goivo (Matthiola daninhas, procurando sementes e outra para formar um conjunto incana), boca-de-leão mudas diferentes e vibrando com harmônico”, explica Kátia Rys. (Antirrhinum majus), prímula o êxito de uma nova florada pode E para que os hóspedes sejam (Primula malacoides), nemesia ou surpreender-se com a afirmação de surpreendidos e se sintam jóia-do-cabo (Nemesia strumosa), que ela prefere as árvores: “Para maravilhados a cada visita com petúnia (Petunia sp.) e narciso Quem vê a dedicação de Elisa 51 52 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o 50 Anêmonas (Anemone japonica) Anemones | Japanische Herbst-Anemone 49 Orquídea Orchid | Orchidee 45 Amor-perfeito (Viola sp.) Pansy | Stiefmütterchen 54 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o organiza os canteiros escolhendo cores que combinem ou selecionando espécies monocromáticas. Assim, vão surgindo, em meio ao impecável gramado coberto de grama quicuio (Pennisetum clandestinum) — uma espécie rústica e extremamente resistente —, manchas lilases, brancas, rosa, roxas: amor-perfeito-amarelo com bordadura de calêndula-laranja; amor-perfeito-azul com campânula-roxa ou lilás; ou, ainda, amor-perfeito-branco com Alyssum (Lobularia maritima) branco. No caso das marias-semvergonha, coloridíssimas, algumas mudas são separadas por tons antes de formar um novo canteiro. Para compor com o vermelho dos gerânios (Pelargonium peltatum) e (Pelargonium domesticum) do Toribinha ou das petúnias nos muros, são escolhidas mudas brancas, rosa e roxas. A edelweiss (Leontopodium alpinum) — também chamada de estrelabranca-dos-alpes — é uma das 47 Hortênsias (Saxifragaceae) Hydrangeas | Hortensien (Narcissus cyclamineus), por mais recentes conquistas desta exemplo. O verão traz cravo terra acolhedora: nativa em 46 Estoquézia (Stokesia laevis) Strokes aster | Kornblumenaster (Dianthus chinensis), maria-sem- ambiente agreste, como as rochas vergonha (Impatiens hawkeri) e alpinas, floresceu bela e feliz em (Impatiens walleriana), zínia Campos do Jordão; assim como a (Zinnea elegans), campânula azaléa-laranja (Ericaceae), um tipo (Campanula rapunculoides), tagetes raro com variações de tons que vão (Tagetes patula e Tagetes erecta), do amarelo ao salmão. Na horta, flor-canhota (Scaevola aemula) e totalmente orgânica, endívia flor-de-tigre (Tigridia pavonia), (Cichorium endivia), radicchio entre muitas outras. (Cichorium intybus) e cerefólio Para harmonizar todos os tons de forma a encantar os olhos, Kátia (Anthriscus cerefolium) — típicos do Mediterrâneo — crescem A mon ta n h a m á g i c a : a b e l e z a da n at u re z a n a t e r ra p re s e rva da 48 Inseto em margarida-do-cabo (Osteospermum ecklonis) Insect on African daisy | Insekt auf der Nelkensorte pp. 56-57 51 Rosa-de-pedra (Echeveria elegans) Hen and Chicks | Echeveria elegans saudáveis e seguem fresquinhos O segredo de tanta beleza é para a cozinha. “O zelo com os ilustrado pelo jardineiro-poeta jardins permitiu a introdução e a Antonio Moreira da Silva Filho, adaptação de espécies de flores e que chama a atenção dos hóspedes plantas até então não utilizadas quando há alguma espécie no Brasil. O hotel tornou-se diferente, como o raro copo-de- referência em paisagismo, e é leite-negro (Zantedeschia aethiopica comum que os jardineiros do Spreng), enquanto declama as município reportem o fato de próprias poesias: “Converso com terem trabalhado no Toriba como as plantas. E elas respondem com sinônimo de bons profissionais”, a florada, que é a linguagem delas. destaca o engenheiro agrônomo São obedientes, desde que se dê a Alexandre Gonçalves. elas o que precisam”. 55 58 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o 96 Papagaio-do-peito-roxo (Amazona vinacea) Vinaceous Amazon | Taubenhalsamazone 97 Jacu (Cracidae) na Praça de Alimentação Guan in the Food Mall | Jacu im Restaurantbereich 98 Tucano-de-bico-verde (Ramphastus dicolorus) Red-breasted Toucan | Grünschnabeltukan 99 Tirivas (Pyrruhura frontalis) Conures | Weißohrsittich “Tirivas” pp. 60-61 109 Parcour A mon ta n h a m á g i c a : a b e l e z a da n at u re z a n a t e r ra p re s e rva da 59 D i v e r s ã o g a ra n t i da Diversão garantida Um paraíso ao alcance das mãos Ornela, Nathalie, Martin, Gustavo, Luisa, Max, Ana, Thomaz, Caio Augusto, ainda muito jovens. N 54 Parada Toriba Toriba Stop | Haltestelle Toriba 55 Terraço Terrace | Terrasse Ou ainda de Alessandra, Klaus, os mais de sessenta anos Francisco, Claudia, Giovanna, de vida do Hotel Toriba, ao Desirée, Marcus Vinícius, Flávia, menos três gerações se divertiram. Fernanda, Sergio, Eduardo, Peter, E muito! Seria impossível relatar Yvone, Silvia, Alicia, de uma todas as experiências de Walter, geração intermediária, que hoje Hilda, Érika, Hannelore, resgata não apenas o hotel, mas Henrique, Gunther, Vanja, também o prazer de estar em Cláudio, Helen, Werner, Helga, Campos do Jordão, longe da Eugênio, Luiz, que assistiram ao confusão da cidade grande, pro- seu nascimento. Ou de Pedro, porcionando aos filhos momentos Paulo, Sofia, Olívia, Alessandro, de lazer inigualáveis. 63 64 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o um grande plantel, mas os cavalos se baseava em belíssimos passeios é evidentemente incompleta. — nascidos na região — eram pelas redondezas, explorando Alguns sobrenomes são repletos muito bem tratados e faziam trilhas, fruindo a natureza quase de consoantes com sonoridade bonito”, lembra Cláudio László, intocada. Claudio lembra-se das estrangeira, principalmente os da cuja família tinha casa nas excursões com o caminhão da primeira turma. “Nas décadas de vizinhanças do hotel. Ele vivia se fazenda Toriba para o Pico do 1940 e 1950, no mês de julho o divertindo por lá, onde, por sinal, Itapeva: “Havia tábuas presas nas hotel era freqüentado conheceu Vanja, sua esposa. Em laterais do veículo à guisa de especialmente pela colônia síria dezembro e janeiro, normalmente assento e levávamos a refeição: e libanesa, que transferia para a colônia judaica marcava churrasco, saladas, bebidas, enfim, Campos parte dos belos cavalos, presença, com representantes além de alguns cavalariços. Os originários especialmente da animais iam numa gôndola do Áustria e da Alemanha. A lista de primeiros nomes trem e ficavam na cocheira que Nessa época, Campos do se localizava onde hoje está a Jordão era uma cidadezinha calma, portaria. O Toriba não possuía tranqüila, e o lazer dos hóspedes 56 Terraço Terrace | Terrasse D i v e r s ã o g a ra n t i da todo o necessário para um bom divertimento. No final do dia voltávamos empoeirados, cansados e felizes”. Na mesma época, Marisa Caparica, até hoje hóspede fiel do Toriba, costumava passar as férias em Campos, no Umuarama, com a turma do Colégio Mackenzie, de São Paulo. “Saíamos de madrugada para ver o sol nascer lá no Itapeva. Vestíamos muitos agasalhos e levávamos cobertores para agüentar o frio. Víamos as luzes das cidades se apagando, uma a uma, à medida que o sol aparecia. Um espetáculo inesquecível! Como as turmas de meninos e de meninas iam para o acampamento em temporadas distintas, encontrávamos os rapazes vindos da cidade e dos hotéis lá em cima. Era um programão!”, divertese com a lembrança. No Toriba ninguém dormia muito. “Acordávamos cedo para andar a cavalo. Às 11h30, porém, já estávamos prontinhos, no bar, para um aperitivo antes do almoço. Quando serviam a comida, já havia uma turma bem ‘alegrinha’ ”, conta o empresário “Jogávamos tênis com o gerente Gunther Tuch. “Naquele tempo Tischauer, que era um ótimo o hotel não tinha piscina. O ar relações-públicas. Ele tinha uma fresco, a montanha e a bela coleção de discos franceses e, convivência agradável bastavam. durante a temporada, organizava As diárias eram baratíssimas! Para bailes na sala de lareira”, lembra ter uma idéia, nossa conta no bar Cláudio László. Na festa de era infinitamente maior que o réveillon, depois da ceia impecável, preço da hospedagem durante além de dança havia brincadeiras toda a temporada”, completa de salão. Uma das preferidas era a Gunther. seguinte: apoiava-se uma tábua 57 Passeio de charrete Buggy ride | Fahrt mit der Tilbury-Kutsche 58 Ao piquenique de caminhão To the pick-nick in a truck | Zum Picknick mit dem Lastwagen 65 66 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o entre duas cadeiras distantes cerca da pessoa da frente! Era uma de 1 metro e depois se pedia a um simples brincadeira de férias, e rapaz para sair do salão. Ao voltar, o menino nem poderia imaginar o rapaz ficava de olhos vendados e que viria a tornar-se um dos era convidado a subir na tal tábua, nomes mais importantes no apoiando-se nos ombros dos mundo da moda e da publicidade, companheiros que, nesse ponto, com trabalhos expostos nos começavam a se abaixar, dando a Estados Unidos, Europa e Japão. impressão de que era a tábua que “Para mim, o Toriba era sinô- estava subindo. Aí, pediam para a nimo de liberdade”, conta Klaus. pessoa pular. De uma altura de 10 A primeira vez que foi ao hotel ou 20 centímetros, que ninguém tinha 7 ou 8 anos. Até os 18 anos, esperava! Gargalhada geral... passou regularmente as férias de Também se jogavam dados. Quem janeiro em Campos do Jordão. tirava cinco ases no poker era O lugar era o ponto de obrigado a pagar champanhe para encontro dos amigos, e ele não todo o grupo, um luxo na época. tinha dúvidas de que iria encontrar Quando não, os hóspedes as mesmas pessoas. “Como ficava reuniam-se ao redor de uma mesa bem isolado, era aventura pura!”, e contavam piadas e casos conta. “Os cavalos eram o grande engraçados durante horas e horas. momento”, lembra-se. Adorava O divertimento adentrava a fazê-los empinar-se, o que resultou madrugada. em algumas quedas sem grandes conseqüências. Pior mesmo foi *** quando teve o interior da boca mordida por um marimbondo. Foi em 1964, aos 12 anos de Era um tagarela de primeira, idade, que o fotógrafo Klaus e certa vez o inseto entrou-lhe Mitteldorf fez as primeiras pela boca e a picou, deixando-a experiências com uma pequena inchada, e muito dolorida. câmera que ganhou dos pais, Os meninos também faziam Werner e Inge Mitteldorf. Junto caminhadas pelas fazendas com Ari e Alexandre — os filhos vizinhas. Saltavam pelos riachos, mais velhos do gerente Joseph Jurt brincavam de esconde-esconde. —, posicionava uma pessoa na Andavam pela linha do trem e frente com a palma da mão repetiam o que viam nos filmes. voltada para cima e outra pessoa Colocavam o ouvido sobre os bem mais atrás. Apertava o trilhos para adivinhar se a obturador. Revelada a foto, tinha- composição se aproximava. se a impressão de que a pessoa de Afastavam-se e esperavam-na trás estava sobre a palma da mão passar. Quando estavam 59/60 Fazendinha Fazendinha (little farm) | Fazendinha D i v e r s ã o g a ra n t i da desocupados, lavavam os carros metros quadrados. Ao lado dela dos hóspedes ou colhiam pinhão pretendia construir uma casa para para vender. Com o dinheiro, os fins de semana, mas a esposa, pagavam o aluguel dos cavalos e dona Neuza, foi contra. “Ela iam até a cidade tomar sorvete. preferia mil vezes ir para o hotel, À noite, antes de dormir, Klaus que era praticamente uma alimentava os enormes sapos que extensão de nossa casa, e acabei ficavam perto do chalé: caçava vendendo o terreno”, diz. besouros e os colocava, ainda vivos, na boca dos batráquios. *** “Campos era só uma rua, uma vila nas montanhas”, recorda-se. Ao fechar os olhos, diz que ainda Toriba, de manhãzinha, Fernando é capaz de visualizar a fumaça Brás de Andrade, 25 anos, jeito saindo da chaminé das casas, sentir alegre e rápido de falar, gira o rosto o cheiro da lenha queimando, o para receber o cumprimento perfume das cercas vivas... sorridente de algum hóspede No final da década de 1970, 63 Pedra do Baú, julho de 1963 Pedra do Baú, July, 1963 | Pedra do Baú, Juli 1963 61 Casa construída por Luiz Dumont Villares no topo da Pedra do Baú. Fotografia de julho de 19633 House built by Luiz Dumont Villares on top of the Pedra do Baú | Haus, gebaut von Luiz Dumont Villares auf dem Gipfel der Pedra do Baú 62 Pedra do Baú, julho de 1963. Para muitos, a primeira experiência em escalada acontece na Pedra do Baú Pedra do Baú, July, 1963. For many people, the first experience in climbing happens at the Pedra do Baú | Pedra do Baú, Juli 1963 Viele machen ihre erste Erfahrung im Klettern auf der Pedra do Baú “Oi, tio...!” Assim que chega ao mirim. Com sorriso largo e uma o ex-governador de São Paulo palavra sempre amigável, ele José Maria Marin foi o herói dos responde à saudação. Professor garçons e de membros da brigada de Educação Física, trabalha há da cozinha. Jogador fanático e ex- vários anos como monitor das presidente da Federação Paulista crianças nas férias e feriados de Futebol, não apenas ofereceu ao prolongados. É tão querido pela time do Toriba um jogo completo moçada — dos 4 aos 16 anos — de uniformes, como também que muitos jovens insistem para abastecia os funcionários de que os pais voltem ao hotel por publicações e brindes da federação causa das brincadeiras de Fernando. sempre que lá passava alguns dias. Do que mais gostam? Pique- “O time deles era excelente! Uma bandeira (o objetivo é um time vez que fomos jogar num campo tirar a bandeira de outro); polícia- oficial, lá na cidade, não sei dizer e-ladrão (uma espécie de esconde- quem ganhou, mas não posso esconde entre duas equipes); caça- esquecer da tempestade que caiu ao-tesouro (quando as duas no final da partida. Era todo turmas saem em busca de um mundo jogando na lama”, recorda objeto); e o campeão de audiência: Marin. caça-fantasma, realizado à noite! A paixão pelo esporte era tão “Até os maiores fazem questão de grande que Marin chegou a participar de algumas atividades”, comprar uma quadra em Campos conta Fernando. Aos 15 anos do Jordão, num terreno de 16.000 de idade, Eleonora Aronis é um 69 70 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o exemplo de atitude saudável: Tarundu, onde, além de cavalgar, renciados, como Kiko Maldonado, depois de cavalgar, nadar e tomar praticamos arborismo e tirolesa freqüentador do Toriba desde a sol na piscina, joga tênis, faz (travessia de corda com uma infância, que hoje, acompanhado caminhadas e brinca com a extremidade ancorada em um dos filhos Francisco e Felipe, garotada. “Uma vez fizemos uma ponto superior à outra, usando procura trajetos ideais para fogueira e até assamos a inclinação para se deslocar motocicleta. A ala nova de fitness marshmallow”, conta. dependurado). Vamos muito ao do hotel, incluindo sala de Horto Florestal, à Fazendinha, ginástica, massagem, piscina e no mínimo a cada mês e meio, as fazemos pescarias na Truta Azul, sauna, atrai pessoas de todas as crianças entram em coma”, brinca visitamos a cachoeira do Lenz idades. E muitos aproveitam as a advogada Alicia Shores, mãe Gourmet, experimentamos ótimas quadras de tênis, reco- dos pequenos Nathalie e Martin. restaurantes. Uma vez aluguei um bertas com saibro, para partidas Ela, no entanto, faz questão de jipe 4 por 4 com um motorista emocionantes. aproveitar todos os encantos e biruta que nos chacoalhou por diversões dos arredores do hotel. trilhas incríveis”, conta realizada. “Se não vamos para o Toriba “Quando eles eram menores, Muitos hóspedes ainda sobem adoravam andar de trem, então os 360 degraus da Pedra do Baú e era um sobe-e-desce. Hoje, o Pico do Itapeva. Outros, mais freqüentamos o Centro de Lazer afoitos, preferem esportes dife- 64 Escorregador, 2005 Slider, 2005 | Rutsche, 2005 D i v e r s ã o g a ra n t i da 65 Escorregador, 2007 Slider, 2007 | Rutsche, 2007 Apesar das inúmeras cercas e sessenta anos pelo atrito dos portões impedindo a liberdade de próprios hóspedes que nela ir e vir pelos campos encantadores deslizam, continua sendo um das vizinhanças, uma temporada símbolo do hotel. Os degraus da no hotel, por menor que seja, escada que conduz ao salão de continua sendo um convite ao brinquedos, que já foi barbearia, passeio. Uma rotina partilhada cabeleireiro e salão de baile, são por todos os hóspedes, seja dentro testemunhas de várias gerações: dos limites da propriedade — pelo no lado esquerdo, junto à rampa bucólico trajeto do parcours —, descendente, revelam as marcas seja pelos arredores. do tempo num suave e delicado Em todas as épocas, de todas desgaste provocado pelos pés as décadas, o escorregador do das mães cuidadosas ali postadas, Toriba figura como destaque. A protegendo os filhos de uma madeira lisinha e brilhante, descida excessivamente lustrada diariamente há mais de impetuosa. 71 C u lt u ra e t u r i s mo de m ã o s da das Cultura e turismo de mãos dadas Arte em várias formas memórias inacabado. Outros Ela não deixava nada a dever nem tocaram no assunto, como às melhores da capital. Era — Monteiro Lobato, que, enquanto ao que me parece — um reflexo morou na cidade para acompanhar da presença de intelectuais na peça, ou melhor, o primeiro o tratamento de dois filhos cidade”, analisa o professor esquete cômico, o jornalista enfermos, relatou os sonhos de Antonio Fernando Costella, Nelson Rodrigues, na época com viagem do personagem Pedrinho criador e diretor do Museu da 23 anos, estava internado nos por países estrangeiros, em Xilogravura. Única do gênero no Sanatorinhos (Associação de Geografia de Dona Benta (1935), da Brasil, a casa expõe permanen- Sanatórios Populares), em Campos coleção Sítio do Picapau Amarelo. temente o trabalho de mais de 100 do Jordão, em tratamento contra Intelectuais chegavam para artistas brasileiros e estrangeiros e tuberculose. Era o ano de 1935, e visitar os amigos convalescentes e mantém no acervo mais de 2.000 um doente propôs que encenassem acabavam gostando tanto dos obras de 200 xilógrafos. um teatrinho sobre os próprios encontros lítero-musicais que se internos. No dia da apresentação, tornavam freqüentadores assíduos evolução da vida cultural da cidade o susto: as gargalhadas provocaram da cidade. A lista de nomes é foi a inauguração do Palácio Boa tão violentos acessos de tosse que imensa. Em diferentes épocas, Vista. A construção, que nasceu a brincadeira foi rapidamente Campos do Jordão recebeu a visita com o objetivo de abrigar a sede encerrada. Mas, sem dúvida, dos escritores Monteiro Lobato, do governo estadual durante o seu primeiro passo em direção à Mario de Andrade, Manuel verão, foi projetada em estilo dramaturgia estava dado. Bandeira, Menotti Del Picchia, Maria Tudor, com 105 cômodos. Plínio Salgado e Origines Lessa; Levou 25 anos para ser concluída a subir a serra em busca de cura. conceituados artistas plásticos e, em 1970, foi declarada Vários escritores usaram a doença como Di Cavalcanti, Anita Monumento Público do Estado como tema de romance, como Malfatti, José Pancetti, Lazar de São Paulo. Hoje, o Palácio Paulo Dantas, membro imortal da Segall, Camargo Freire, Osvaldo reúne obras de alguns dos mais Academia Brasileira de Letras Estribitta de Almeida e Francisco importantes nomes da pintura de Campos do Jordão e autor de Prohane; além das pianistas como brasileira, como Aldo Bonadei, Cidade Enferma (1950); e Paulo Guiomar Novaes e Magdalena Francisco Rebolo, Clóvis Setúbal, que descreveu sua dor Tagliaferro, entre outros. Graciano, Walter Zanini, Fulvio Q uando escreveu a primeira Nelson não foi o único artista em Confiteor (1937), livro de 67 Festival de Inverno, 2006 Winter Festival, 2006 | Winterfestival, 2006 “Lembro-me de que em fins Um importante passo na Pennacchi, José Pancetti — que da década de 1950 e início da procurou Campos para tratar da seguinte tive oportunidade de tuberculose e aí pintou grande comprar livros excelentes em parte da obra — e a maior coleção uma livraria muito bem abastecida no país de trabalhos de Tarsila que existia, então, na Abernéssia. do Amaral. 73 74 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o No acervo do palácio estão quase 2.000 peças, entre antiguidades, mobiliário do século XVII e XVIII e produções de artistas contemporâneos. “É um percurso pelos 100 anos de arte brasileira: de 1910, com Anita Malfatti, até os dias de hoje, representado pelo trabalho de Tomie Ohtake”, explica Vera Lucia Teixeira de Faria, diretora responsável pela visitação pública, há 33 anos trabalhando no Palácio. “Recebemos entre 70.000 e 80.000 visitantes por ano, dos quais 6.000 são estudantes. É um número muito representativo e muito participação de estudantes importante para Campos do bolsistas, e, seis anos mais tarde, Jordão!”, conclui a entusiasmada o evento foi transferido para o profissional. auditório Cláudio Santoro. “O 66 Palácio Boa Vista Boa Vista Palace | Palast Boa Vista Foi no Palácio, em 1970, Festival Internacional de Inverno que aconteceram os Primeiros de Campos do Jordão tem hoje a como os cantores Roberto Alagna, Concertos de Inverno, idealizados participação de jovens músicos Ângela Gheorghio, Aprile Millo e por Luiz Arrobas Martins. dos quatros cantos do mundo. Gal Costa; o violoncelista Antonio Secretário da Fazenda e coorde- A diversidade cultural aliada a Menezes; os pianistas Arthur nador do Grupo Executivo de um imenso programa de trabalho Moreira Lima, Yara Bernette, Aproveitamento do Palácio do e aulas dão aos alunos uma Nelson Freire, Maria João Pires, Governo, tinha intenção de criar experiência sem paralelo na Sonia Muniz e as irmãs Labecque, um evento artístico e cultural no formação acadêmica”, explica o entre muitos outros, estiveram no nível dos melhores do mundo. maestro Roberto Minczuk, diretor palco, muitos inclusive como Os diretores artísticos eram os artístico desde 2004 e que, aliás, professores. Campos do Jordão maestros Eleazar de Carvalho, foi bolsista em 1978, aos 11 anos acolheu algumas grandes Camargo Guarnieri e Souza Lima, de idade. orquestras internacionais como a que se inspiraram no Festival de Durante todos esse anos, o de Moscou, Argentina e Uruguai; Tanglewood, do Estado americano Festival contou com a presença e, em 2001, foi criado o Festival de Massachusets. Jesus, Alegria dos de grandes nomes nacionais e Infantil, reunindo centenas de Homens, de Bach, executado pela internacionais, como os regentes crianças aos domingos para assistir pianista Magdalena Tagliaferro, Juan Serrano, Marlos Nobre, a espetáculos de música erudita abriu a primeira apresentação. Roberto Tibiriçá, Kurt Masur e produzidos especialmente para A partir de 1973, o maestro Mstislav Rostropovich, por essa faixa etária no auditório Eleazar de Carvalho admitiu a exemplo. Solistas de renome Cláudio Santoro. C u lt u ra e t u r i s mo de m ã o s da das Projetado pelos arquitetos Giancarlo Gasperini e Orfeu escultura, único ao ar livre no país Zamboni, com capacidade para e um dos raros no mundo de um quase 900 pessoas sentadas, o só autor. auditório compartilha um terreno 68 Escultura de Felicia Leirner, jul/2006 Sculpture by Felicia Leirner, July/2006 | Plastik von Felicia Leirner, Juli/2006 origem, assim, ao museu de “Todo esse conjunto de de 350.000 metros quadrados eventos culturais, como o Festival com o Museu Felícia Leirner, de Música, e museus, como o onde estão expostas mais de Palácio, a Casa da Xilogravura, a 100 obras de diferentes fases da coleção de esculturas de Felicia, escultora, que trocou a Polônia e outros eventos mais recentes pelo Brasil em 1927, estudou com têm deixado reflexos econômico- Victor Brecheret, participou de financeiros na vida dos Bienais e foi aclamada como jordanenses. Tais atividades, uma de nossas maiores artistas. internamente, geram empregos e, Residente em Campos do Jordão externamente, sugerem Campos por vinte anos, ela doou à cidade do Jordão como destino turístico toda a produção de bronze, para viajantes de todo o país”, granito e cimento branco, dando considera o professor Costella. 75 Pa re de s c om a rt e : o s a f re s c o s de F u lv i o P e n n ac c h i Paredes com arte: os afrescos de Fulvio Pennacchi T odos que entram no Hotel Toriba notam imediatamente: no bar, na sala de café e chá, no restaurante e no aconchegante salão onde hóspedes e visitantes se reúnem ao redor da lareira, as paredes são quase totalmente recobertas por belíssimos afrescos, onze ao todo, somando mais de 60 metros lineares de pintura. O autor da obra é Fulvio Pennacchi, desenhista, pintor, muralista e ceramista de origem italiana, radicado em São Paulo desde 1929, e integrante do chamado Grupo Santa Helena — junto com Alfredo Volpi, Francisco Rebolo, Aldo Bonadei, Alfredo Rizzotti, Mario Zanini provavelmente já tinha alguma entre outros, na maioria intimidade com o trabalho do imigrantes ou descendentes artista quando o convidaram a diretos. Chegou ao Brasil com o adornar as paredes do hotel. diploma do Reggio Istituto di Nessa época, Pennacchi já havia Belle Arti com Licença do Curso conquistado certa fama graças aos Superior de Belas Artes na Seção murais executados na Igreja Nossa de Decoração Mural, e combinava Senhora da Paz, em São Paulo, elementos clássicos da formação e em elegantes residências da italiana com a atmosfera brasileira capital, além de agências bancárias que tão bem compreendia. e instituições privadas. Não se sabe ao certo qual Enquanto pintava as paredes do era a relação do artista com os hotel, escrevia em forma de poema fundadores do hotel, mas, de sobre a beleza da paisagem de acordo com o pesquisador e Campos do Jordão para Filomena estudioso Valério Pennacchi, Maria dall’Aste Brandolini seu parente, Luiz Villares Matarazzo, na época sua noiva: 69 Portadas e salões Portals and Salons | Zwischentüre und Säle 72 Restaurante Pennacchi, década de 1940 Pennacchi Restaurant, 1940s | Restaurant Pennacchi, 40er-Jahre 77 78 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o 73/71 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi 73/71 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi Campos do Jordão Colli montagne sfuggono nel cielo; verde con verde e terra vario pinte di toni caldi: sembrano i monti di velluto antico, di belezza regale; i verdi chiari e verdi rosso terra, e sentieri che vanno girovaghi intorno agli ondulanti immensi monti. Intercalate con le vaste curve da boschi verdi, tanto ricchi e belli; e verdi oliva, e verdi di smeraldo, e verdi arancio ed infiniti toni di goiezza composti. Vasto e si bello il paesaggio intorno ch’io dipinger ni só, mi mantengo muto, osservando, osservando e meravilgia mi prende tutto e penso alla potenza di Dio infinita sopra questo mondo. “Colinas e montanhas que se arrastam para o céu; Verde com verde e multicoloridas Terras de tons quentes Parecem montes de veludo antigo, De beleza régia; E verdes claros, e verde vermelho terra Os rodeantes caminhos acompanham Os imensos e ondulados e montes Intercalados, nas vastas curvas, estão Os bosques tão verdes, tão ricos e belos; E verde oliva, e verde esmeralda, e verde alaranjado. Engendram infinitos prazenteiros tons. Tão grande e bela é a paisagem circunvizinha Que eu não consigo pintá-la Mantenho-me mudo, observando, observando E tal deslumbre me invade, todo, Me faz pensar ao infinito poder de Deus Sobre esse mundo!” 70/77 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi Pa re de s c om a rt e : o s a f re s c o s de F u lv i o P e n n ac c h i 81 Pa re de s c om a rt e : o s a f re s c o s de F u lv i o P e n n ac c h i 70/77 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi Pennacchi mergulhou no no terreiro, a bandeirola de um cancioneiro popular em busca de santo junino, a espiga de milho, a inspiração e dele extraiu temas primeira colheita, o fruto da terra, singelos relacionados à vida a oferenda. Nos versos, as palavras campestre, numa narrativa visual do tocador de viola Angelino de de três famosas canções cujos Oliveira, de Botucatu, e de Luiz versos foram reproduzidos no Peixoto, personagem carioca misto rodapé de algumas das cenas. de poeta, compositor, caricaturista Nos afrescos do bar, estampou e teatrólogo entre outros dotes uma vindima e, para o restaurante, artísticos. criou uma festa rural focada no churrasco gaúcho, relacionando, assim, os temas aos espaços. Já no Tristeza do Jeca salão da lareira, apropriou-se do Angelino de Oliveira, 1918 folclore e explorou as Entradas e Bandeiras, na sala do chá e café. Nestes versos tão singelos, A obra contém símbolos minha bela, meu amor, inequívocos da cultura nacional: p’ra você quero contar a viola, o violeiro, o cachorro o meu sofrer e a minha dor. companheiro do Eu sou como o sabiá, caipira, as quando canta é só tristeza galinhas desde o galho onde está. Nesta viola eu canto e gemo de verdade Cada toada representa uma saudade Eu nasci naquela serra num ranchinho à beira chão, todo cheio de buraco, onde a lua faz clarão. Quando chega a madrugada lá no mato a passarada, principia um barulhão. Vou parar com minha vida já não posso mais cantar Pois o Jeca quando canta tem vontade de chorar E o choro que vai caindo Devagar vai se sumindo como as águas vão pro mar. 83 84 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Pa re de s c om a rt e : o s a f re s c o s de F u lv i o P e n n ac c h i Casinha da Colina Luiz Peixoto Você sabe de onde eu venho? Do jasmineiro tão branco, De uma casinha que eu tenho, tomba de leve no banco Fica dentro de um pomar. a flor que ninguém colheu. É uma casa pequenina, No canteiro há uma rosinha, lá no alto da colina, no aprisco uma ovelhinha, de onde se ouve longe o mar. e na casa meu cão e eu. Entre as palmeiras bizarras, Junto a minha cabeceira, cantam todas as cigarras, minha santa padroeira, sob o pó de ouro do sol. que está sempre em seu altar, Do beiral vê-se o horizonte, cuida de mim se adoeço, no jardim canta uma fonte vela por mim se adormeço, e há na fonte um caracol. e me acorda devagar. (...) Mas se acaso anoitecer tudo pode acontecer (que será de mim, depois?). A casinha pequenina, lá no alto da colina, chega bem para nós dois. 74 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi 76 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi 85 86 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Pa re de s c om a rt e : o s a f re s c o s de F u lv i o P e n n ac c h i 78 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi 87 88 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o De acordo com Valerio fora e, sem idéia para onde ir, Pennacchi, dar vida a uma parede fomos vasculhar o Guia 4 Rodas. por intermédio de poesias não era Estava lá o detalhe que me atraiu: novidade para o artista. Muitos anos os afrescos do Pennacchi, artista antes, ainda na Itália, havia se inspi- que admiro e de quem possuo uma rado no poema O Triunfo de Baco e tela”, explica Domingos. Ariana, de Lourenço, o Magnífico, De maio de 2004 a março de da família Dei Medici, decorando 2005, Julio Moraes e equipe com murais a têmpera a residência restauraram os afrescos, um tanto de Valerio Pennacchi dei Notari na danificados pela passagem do Garfagnana, Lucca, Itália. tempo. Durante meses, na dança Desde o início da década de dos andaimes, pequenas fendas 1990, Ivani e Domingos Barbosa foram fechadas, novas tonalidades da Rocha incluíram na agenda de se revelaram e uma luminosidade descanso o Hotel Toriba. Ao diferente foi surgindo, trazendo de contrário do que acontece com volta o brilho do trabalho original, muitos outros hóspedes, eles não depois de mais de sessenta anos. conheciam o hotel, não haviam Valeu a pena! A coleção de freqüentado na infância ou murais preservados e restaurados adolescência e não chegaram lá do Hotel Toriba é uma das maiores por conselho de amigos. “Um dia e mais importantes obras em decidimos passar o fim de semana exposição permanente do artista. 79 Restauro de afrescos, Julio Moraes Conservação e Restauro SCL Fresco restoration, Julio Moraes Conservação e Restauro SCL | Restaurierung von Fresken, Julio Moraes Conservação e Restauro SCL Pa re de s c om a rt e : o s a f re s c o s de F u lv i o P e n n ac c h i 75 Afresco de Pennacchi Fresco by Pennacchi | Freske von Pennacchi 81/80 Restauro de afrescos, Julio Moraes Conservação e Restauro SCL Fresco restoration, Julio Moraes Conservação e Restauro SCL | Restaurierung von Fresken, Julio Moraes Conservação e Restauro SCL 89 Ac ol h i m e n t o e b om s e rv i ç o : o s s e g re d o s d o s u c e s s o d o Tor i ba Acolhimento e bom serviço: o segredo do sucesso do Toriba “C hegar ao Toriba é como recentes. “O Toriba é encantador e chegar em casa.” Impossível dizer aconchegante porque tem em sua de quem é essa frase, pois sai da marca a eficiência suíça, a cortesia boca de um sem-número de e a educação dos brasileiros e a pessoas, especialmente daquelas comida que é um misto de gastro- que freqüentam o local desde a nomia suíça, alemã e italiana. fundação, em 1943. Faz sentido: O jardim perfeitamente cuidado era mesmo um “coração de mãe” também oferece um diferencial: extremamente acolhedor. O raramente se encontra no mundo casarão com muitos quartos e uma paisagem contemplativa poucos banheiros recebia enormes semelhante à de seu parque grupos de amigos fiéis, ano após espetacular”, opina o ex-presidente ano, nas temporadas de férias. Era da Embratur Miguel Colasuonno, um encontro sagrado para rever habitué desde a infância. uma espécie de clã composto de De acordo com o empresário hóspedes e funcionários e reviver Roberto Maksoud, consultor semanas de alegria e diversão. na área hoteleira, o corpo de Além disso, como já foi dito funcionários é um dos maiores anteriormente, trazia um grande patrimônios de um hotel. “Seu conforto à alma dos europeus comprometimento com a empresa recém-chegados, sedentos de agrega valor ao trabalho, e o paisagem e clima familiares hóspede percebe”, explica. Nesse acrescidos dos sabores de uma quesito, o Toriba está muito bem culinária da qual sentiam falta. servido. Graças à baixíssima Muitas décadas se passaram rotatividade nos membros da folha desde então. Os quartos viraram de pagamento, grande parte dos apartamentos, algumas salas empregados não consegue contar mudaram de função, a cocheira nos dedos o tempo de casa. E desapareceu, uma área de lazer foi mais: muitos foram contratados agregada ao complexo arquitetônico, ainda bem jovens e treinados para criou-se um espaço para eventos a função pelos próprios pais. corporativos, mas a sensação de “Para ser um bom cozinheiro intimidade e prazer perdura, é preciso muita paciência”, conta contaminando gerações mais o chef de cozinha José Benedito 86 Araucárias ao anoitecer Araucarias at nightfall | Araukarien beim Sonnenuntergang 82 Portaria, 2007 Front gate, 2007 | Pförtnerhaus, 2007 91 92 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Juvenal, que lá trabalha há 35 dar bom exemplo! “Aprendíamos anos. O pai era o responsável aqui mesmo porque não havia pelos fogões na época em que o escolas como hoje. Numa cozinha hotel era gerenciado por Joseph nunca se está sozinho. Há sempre Jurt (entre 1960 e 1985). Em três ou quatro trabalhando juntos, determinado momento, houve e é preciso ter jogo de cintura um problema de funcionários para conviver em grupo, com as e Zezinho — como é carinho- diferenças de cada um. Saber samente chamado — foi mandar sem atropelar. Acho que convocado para auxiliar uma somos todos felizes, e isso aparece semana na cozinha. Nunca mais no resultado final”, acredita saiu. Aos 14 anos de idade, Zezinho. garante, já era capaz de fazer de A governanta Edna Domiciano tudo. O gerente exigia que todos — casada com Izildo, o chefe da fossem profissionais completos, manutenção — cumpre a mesma e, como subordinado do pai, rotina há oito anos. Às 7h45 da enfrentou treinamento ainda mais manhã passa pela recepção, pega a rigoroso que os colegas. Tinha de lista de hóspedes e vai cuidar dos 84 Portaria, década de 1960 Front gate, 1960s | Pförtnerhaus, 60er-Jahre Ac ol h i m e n t o e b om s e rv i ç o : o s e g re d o d o s u c e s s o d o Tor i ba 32 apartamentos (28 apartamentos impossível não existe: “Lendo a atentos e experientes, de quem já e 4 chalés), distribuindo as tarefas ficha de hóspedes assíduos, já sei chefiou equipes em grandes redes entre a equipe de arrumadores, o que providenciar. Alguns não hoteleiras. Desde o primeiro dia, formada por três mulheres e três gostam do aroma dos produtos deu grande atenção ao jeito de homens. Eles têm, no máximo, de limpeza e trato de substituir, servir, de atender. “Nosso pessoal é quinze minutos em cada quarto outros exigem uma infinidade de composto de pessoas extremamente para deixar tudo em ordem travesseiros. Dependendo do caso, honestas, humildes e dedicadas. quando o hóspede está por perto e colocamos até armários extras Passam por treinamentos cons- trinta minutos quando estiver fora no apartamento”, ela conta. tantes em busca de aprimoramento do hotel. Edna organiza os turnos Terminada a arrumação, Edna sempre maior”, garante. para que às 4 horas da madrugada parte para a lavanderia, onde um funcionário encarregado de supervisiona o enxoval. “Somos tração do hotel acabara de ser passar enceradeira esteja lustrando uma equipe e, se um de nós retomada pelos proprietários — o salão da lareira. Para ela, o precisa de socorro, os outros a família Lenz Cesar. “O Toriba correm para ajudar”, revela. era um produto muito bom: Por trás do pequeno exército de 83 Portaria, 2007 Front gate, 2007 | Pförtnerhaus, 2007 Quando chegou, a adminis- belíssima paisagem, hóspedes fiéis 43 colaboradores fixos, está Daniel e desejosos de melhorias. Eram Altúzar, gerente do Toriba desde pessoas de berço, educadas, 1996. Nada escapa a seus olhos merecedoras. E nós queríamos, 93 94 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o 85 Fachada ao anoitecer Facade at nightfall | Fassade beim Sonnenuntergang 96 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Ac ol h i m e n t o e b om s e rv i ç o : o s e g re d o d o s u c e s s o d o Tor i ba além de manter as características que os encantava, trazer de volta tudo aquilo de que eles precisavam e gostavam, além de uma nova clientela. Durante algum tempo, fui ‘saco de pancada’, pois era a mim que dirigiam todas as críticas e reclamações. Então decidimos fechar o prédio para uma grande reestruturação. Durante cinco meses trabalhamos exclusivamente com os chalés — que estavam em boas condições. Foi impressionante: os hóspedes vinham assim mesmo, para acompanhar a reforma. Equipamos o Toribinha, que se transformou no restaurante oficial. Funcionamos num sistema precário, porém decente e confortável”, recorda o gerente. Daniel conta, satisfeito, que nenhum funcionário foi demitido nesse período e que a equipe trabalhou como pode de modo a ajudar. Móveis, acessórios, adereços, peças decorativas, tudo ficou estocado num galpão — no Lenz Gourmet (sítio vizinho). Pratos, copos, panelas, talheres e o “Um hotel é como uma enxoval — roupa de cama, toalhas, pequena prefeitura: a manutenção travesseiros —, tudo embalado tem de ser constante para que em sacos plásticos herméticos nos nada quebre, falhe ou se desgaste quais eram introduzidos grãos de além do necessário”, acredita pimenta com o intuito de afastar Daniel. Há sempre uma área traças e outros insetos. A estrutura sendo pintada, consertada, do Toriba foi totalmente refeita, melhorada, conservada; a extensão do encanamento à fiação elétrica do terreno é enorme, e a grama antiga (ainda encapada com precisa ser aparada o tempo todo. tecido de algodão!), passando “Nosso compromisso é com a pela calefação. realização do sonho de cada um. 87 Recepção Front Desk | Rezeption 88 Bar Vindima, 1944 Vindima Bar, 1944 | Bar Vindima, 1944 97 98 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Ac ol h i m e n t o e b om s e rv i ç o : o s e g re d o d o s u c e s s o d o Tor i ba Ninguém sai da própria casa se O atendimento não reside não for para desfrutar o máximo apenas em tratamento atencioso: de conforto, e nós temos isso está baseado, especialmente, na sempre em mente. Nossos funcio- satisfação passível de se nários não conhecem a palavra materializar em pequenos ‘não’, desde que os direitos de um detalhes, como o leite de soja no hóspede não interfiram nos do café da manhã ou o arroz integral outro”, completa. fresquinho na mesa do almoço, “Para mim, o atendimento ao mesmo não fazendo parte do hóspede é primordial. E tem de cardápio; na mostarda francesa ou ser feito de forma muito pessoal”, no vinho preferido do cliente diz o maître Luis Antonio Lopes, gourmet. Quanto às crianças, com mais de dez anos de casa. bem... “Seu” Luis sabe de cor e “Todo início de semana confiro a salteado o que elas querem. Na lista de reservas. De acordo com hora da refeição nem é preciso ela, procuro providenciar aquilo perguntar: na comanda já está que agrada a cada pessoa esperada marcado o “bife de casquinha” e nos dias subseqüentes”, revela. o prato fundo de que o pequeno 89 Quarto de casal Double-room | Doppelzimmer 90 Quarto duplo Double-room | Zweibettzimmer 93 Quarto de chalé Chalet room | Chaletzimmer 99 100 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Ac ol h i m e n t o e b om s e rv i ç o : o s e g re d o d o s u c e s s o d o Tor i ba Martin faz questão. E a mãe se derrete, é claro. Luis não vacila: a mise-en-place do salão, ou seja a arrumação da mesa, é foco de atenção diária. A posição dos talheres e dos copos, a colocação da toalha e dos pequenos arranjos de flores — diferentes no almoço e no jantar — é revisada todos os dias. Os garçons são instruídos sobre a composição dos pratos do cardápio. “Eles têm obrigação de dar uma explicação completa, de saber o que estão vendendo”, assevera. Além disso, graças aos conhecimentos adquiridos em cursos de formação em enologia pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), passou a toda a equipe conhecimentos básicos dois casais do grupo vão passar o sobre vinhos. final de semana no hotel e há O recepcionista Gildo Alves vagas, liga aos demais avisando e Correa tem 34 anos e onze de promovendo o encontro de todos. Toriba. Ex-bancário, logo se Ele acredita que esse contato habituou à rotina da nova posição. direto agrada aos hóspedes, que É ele quem aceita as reservas, se sentem felizes por estar sendo recebe os hóspedes na chegada, lembrados. Tem razão! cuidando para que tudo saia a “O hóspede tem de ser contento. Dar informações, carregado no colo”, diz o maître entregar e receber a chave, Luis. E, sem querer, acaba comprar ingressos para shows e entregando o segredo do sucesso passeios, marcar massagens, do Toriba, depois de tantas programar o dia do hóspede e décadas de existência: a cultura fechar a conta são suas atribuições, do bem servir, a competência no mas ele vai além. Como conhece cumprimento da função, a atenção bem a clientela, sabe, por exemplo, indiscriminada em todos os setores que há um círculo de amigos que a todos aqueles que freqüentam costuma encontrar-se mais em o hotel, da recepção à arrumação Campos do que na cidade onde dos quartos, do serviço de bar na mora. Então, quando percebe que piscina à cozinha. 107 Hidromassagem Whirlpool bath | Hydromassage 104 Toribinha, interno Toribinha, inside | Toribinha, Innenseite pp. 102-103 103 Toribinha 101 Ac ol h i m e n t o e b om s e rv i ç o : o s e g re d o d o s u c e s s o d o Tor i ba 106/105 Piscina Pool | Schwimmbecken 108 Sala de ginástica Gym | Gymnastikraum 105 106 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o 112 Detalhe de bromélias (Bromeliaceae) Detail of Bromeliads | Ausschnitt von Guzmanie 101 Estufa Greenhouse | Treibhaus 108 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o 94 Caminho florido Flowered path | Blumenweg Ac ol h i m e n t o e b om s e rv i ç o : o s e g re d o d o s u c e s s o d o Tor i ba 95 Jardim florido Flowered garden | Blumengarten 109 110 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o 100 Erica (Leptospermun scoparium) Tea Tree | Erica 111 Parcour, 1996 91 Canteiro de pedras e chalés Rock garden and chalets | Steinbeet und Chalets 110 Parcour pp. 112-113 92 Chalé visto pelo parcour (trilha para exercícios no bosque) Chalet seen from parcour (an exercise trail in the woods) | Chalet vom Parcour aus gesehen (Waldweg für Übungen) Sa b ore s i r re s i s t í v e i s Sabores irresistíveis O suave pecado da gula A culinária do Toriba sempre foi motivo de orgulho e prazer. Na memória dos hóspedes nunca falta um elogio a determinado prato, seja ele doce, seja salgado, degustado no salão que se debruça para o imenso jardim. Que privilégio!!! Por obra do destino, o primeiro administrador do hotel, Henrique Hillebrecht — proprietário do restaurante Caverna Paulista, em São Paulo xadrezinha preto e branco”, —, levou ao hotel uma equipe recorda-se Martha Diederichsen de ano, montava-se um bufê de primeira linha, composta de Stickel. maravilhoso, que ocupava metros cozinheiros e ajudantes alemães Consommé absolutamente Nas comemorações de final e metros de mesa com o que havia aqui chegados com o navio transparente, medalhões fantásticos de melhor, com direito a haddock, Windhuk, que não pudera voltar e pratos típicos dominavam o cascatas de camarões e uma infini- à Alemanha por conta da eclosão cardápio, repleto de receitas dade de receitas especiais, além de da Segunda Guerra e viera deliciosas à base de carne de porco, champanhe, é claro. De acordo aportar em Santos. “A comida vitela e caça. Mas ainda havia com os hóspedes mais antigos, a do Toriba era maravilhosa, de tortas doces, geléias e folhados que etiqueta da época impunha traje altíssima qualidade, feita por encantavam aos mais exigentes social para toda refeição noturna, Fritz Schwenke, um personagem paladares. Tudo regado a bom fosse ela festiva ou não. Os homens inesquecível com sua calça vinho e muita alegria. “Era muito vinham de terno e gravata, e as caro e não tínhamos dinheiro para mulheres trajavam-se de modo pagar. Íamos lá só de vez em muito elegante. quando”, brinca Bernardo 114 Restaurante Pennacchi Pennacchi Restaurant | Pennacchi Restaurant 115 Amendoins com receita especial do hotel Peanuts with Hotel’s special recipe | Erdnuss: Besonderes Kochrezept des Hotels Mais tarde, durante a Diederichsen, um dos netos de administração do suíço Joseph Ernesto Diederichsen. “A cada Jurt, foram incluídas algumas manhã, um primo era escalado para novidades que fazem sucesso até buscar pão quente no hotel. E era hoje. “Ele gostava de testar, uma festa quando chegava”, lembra. pesquisar, vivia criando receitas”, 115 116 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o relata dona Helga, a viúva. Por tortas, doces variados, geléias, a entrada do vapor, indispensáveis volta dos anos 1960, em certas biscoitos amanteigados — para que o pão fique macio por noites de domingo, o hotel redondinhos com um buraquinho dentro, crocante por fora e com contava poucos casais para o no centro. E aí a história se consistência perfeita”, orgulha-se jantar. Dois, três, no máximo. repete: “No início era apenas o pâtissier. Querendo dar folga aos empre- uma ou duas pessoas; depois os É interessante observar a gados e para não ter de abrir a hóspedes passaram a convidar os evolução da cozinha pelo exame cozinha, Jurt experimentou amigos; a freqüência foi aumen- dos antigos cardápios. Alguns preparar fondue, prato pouco tando até se formar fila de espera; pratos praticamente conhecido no Brasil na época. como ainda acontece”, testemunha desapareceram. Outros continuam Servia — onde hoje fica o dona Helga. a ser servidos e muito apreciados, bar — de queijo e de carne, “No início da década de 1970, como o “Consommé com Bourguignone, com diversos a cozinha era baseada quase bolinhas de queijo”, o Borscht molhos. “Acho que um hóspede exclusivamente em pratos (hoje chamado de “creme de foi contando ao outro e, nesse alemães”, conta o chef Zezinho, beterraba”), alguns pratos de boca-a-boca, devagar, os pedidos que ainda pilota os fogões. carne como o “Steak siberiano” foram crescendo”, deduz dona “Servíamos muito chucrute, e o “Lombo com purê de maçã”. Helga. “Eu tinha o hábito de salsichas, pato, peru com frutas Graças ao viveiro de trutas, à conversar muito sobre culinária secas, damascos, farofa de horta e à criação de aves e coelhos com o senhor Jurt, tanto no hotel castanhas. A partir de 1975, do próprio hotel — localizados quanto em meu local de trabalho. começamos a mudar, introdu- na Fazendinha —, as elaborações Ele gostava de dar dicas especiais zindo, aos poucos, alguns novos do chef guardam frescor e quali- sobre os tipos de queijo que pratos, mas sem chocar os dade inigualáveis. deveriam ser utilizados no hóspedes. Tudo com excelente preparo da fondue, os cuidados qualidade, pois a cozinha era o a evolução chegou ao paladar. na hora de adicionar o Kirch, o ponto forte do hotel.” Apesar de a feijoada continuar vinho branco e os demais Também fazia parte do time Mas, como tudo no mundo, carro-chefe do bufê aos sábados, ingredientes. Dizia, modesta- culinário o confeiteiro Lázaro hoje o cardápio inclui ingredientes mente, que considerava a fondue Vicente da Silva, Lazinho, atualmente apreciados, como de queijo do Hotel Toriba melhor falecido. No decorrer desse tempo, gengibre e shiitake, especialidades que a da sua terra natal”, relata as receitas não mudaram muito, marroquinas e tailandesas, massas, Edmundo Ferreira da Rocha, mas o equipamento na cozinha legumes e saladas de inspiração morador de Campos do Jordão. sim. “O forno antigo era elétrico, mediterrânea. Como a fondue de carne — funcionava como um vulcão. especialmente — produz certa Exigia muito mais técnica e de dias de repouso, bela paisagem fumaça, hoje é servida no conhecimento. A estação do ano e ar puro, muitos hóspedes levam Toribinha, onde continua tendo — fria ou quente — mais a na bagagem as delícias de uma muito êxito. umidade influíam muito no cozinha de excelência na forma de preparo das receitas. Hoje o forno tortas, folhados e geléias, que não novidade introduzida por Jurt, é programado, conseguimos os deixam esquecer o sonho de acompanhado de sanduíches, controlar melhor a temperatura, uma mesa de farta e saborosa. O chá da tarde foi outra Na hora de ir embora, depois Sa b ore s i r re s i s t í v e i s Receitas Truta em Papelote Ingredientes Modo de preparo 1 truta aberta, com pele e sem Tempere a truta com as ervas finas, o vinho branco e o sal, deixando espinha, com aproximadamente em um recipiente por 40 minutos. Ponha o peixe no centro do papel- 250 gramas manteiga e faça dobras duplas nas laterais e na parte superior, como se 10 gramas de ervas finas fosse um envelope, para que o tempero não escorra. Leve ao forno (manjerona, cerefólio, alecrim, quente numa panela para cozinhar no vapor por cerca de 5 a 7 minutos. tomilho, manjericão) Se não dispuser dessa panela, coloque num escorredor de macarrão 3 batatas médias descascadas e cozidas 0,25 litro de vinho branco seco sal a gosto 1 retângulo de papel manteiga (30 x 50 cm) cheiro-verde bem picado sobre uma assadeira com água. Sirva com batatas cozidas e salpicadas com cheiro-verde. 117 118 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Fondue de Queijo Ingredientes 1 quilo de queijo tipo Ementhal ralado grosseiramente 550 gramas de queijo fundido cremoso 1 cálice de Kirsh 0,30 litro de vinho branco seco páprica picante (uma pitada para decorar) noz-moscada (uma pitada) cubos de pão preto e pão branco amanhecidos Modo de preparo Numa panela adequada para fondue (de ferro ou de cobre), junte os queijos. Misture bem até obter uma massa homogênea. Acrescente o vinho e a noz-moscada. Misture novamente. Leve ao fogo em banhomaria por 30 minutos, mexendo constantemente até derreter por completo e a massa ficar lisa. Acrescente o Kirsh e mexa até que o álcool evapore. Ponha a panela no réchaud e decore com uma pitada de páprica picante. Sirva acompanhado da cesta de pães. Sa b ore s i r re s i s t í v e i s Pato com Repolho Roxo e Purê de Maçã Ingredientes Modo de preparo Pato Pato: elimine os pés, as asas e o pescoço do pato e corte-o em quatro 1 pato inteiro pedaços. 2 talos de salsão picados Prepare a marinada, misturando todos os ingredientes com exceção das 1 cebola média picada laranjas. Mergulhe a carne na marinada e deixe descansar de um dia para 2 cenouras médias picadas outro. No dia seguinte, retire o tempero, reserve numa vasilha. Ponha o 1 folha de louro pato numa assadeira e leve ao forno coberto com papel-alumínio. Ferva a 0,50 litro de vinho tinto seco marinada numa panela até reduzir ao máximo e acrescente 1 litro de água 6 unidades de zimbro fria. Retire o pato do forno depois de 1h15min. Regue com o molho sal a gosto obtido com a marinada, retire o papel-alumínio e termine de assar em casca de 2 laranjas temperatura alta por mais 15 minutos. Enquanto isso, corte as cascas das 3 colheres (sobremesa) de açúcar laranjas em tiras finas e afervente por 10 minutos em água e açúcar. Repolho 500 gramas de repolho roxo cortado à Juliana Repita a fervura por duas vezes para eliminar o amargor. Retire a carne do forno e separe as peças. Peneire o molho do assado, misture com as cascas da laranja e ferva por mais 5 minutos. Coe novamente. 20 gramas de bacon num único Repolho: frite o bacon, descarte a carne e mantenha a gordura. Na pedaço mesma panela acrescente o repolho e os demais temperos e refogue por 100 gramas de alho picado 15 minutos em fogo baixo e panela fechada. Está pronto. 0,10 litro de vinho tinto seco 1 cálice de vinagre branco 1 pitada de açúcar sal a gosto 20 gramas de uvas-passas escuras sem caroço Purê de maçã 6 maçãs verdes 100 gramas de açúcar casca de 1 laranja casca de 1 limão 1 saquinho de pano com 5 cravos e 2 bastões de canela em pau Purê de maçã: descasque e corte as maçãs verdes em 4 partes tirando o miolo. Junte com os demais ingredientes e cozinhe em fogo brando por 30 minutos, mexendo constante e uniformemente. Antes que as maçãs se desmanchem, retire o saquinho das especiarias bem como as cascas de limão e laranja. Mexa até obter consistência de purê. 119 120 O Tor i ba n a C u lt u ra de Ca m p o s d o Jor d ã o Torta de Damasco Ingredientes Modo de preparo Massa Deixe os damascos de molho por 8 horas. Prepare a massa misturando a 500 gramas de farinha de trigo farinha com o açúcar e depois a manteiga, as gemas e os demais 300 gramas de manteiga sem sal ingredientes. Retire os damascos da água e moa no processador criando 250 gramas de açúcar uma pasta. Acrescente o açúcar e leve ao fogo para cozinhar por 8 gemas aproximadamente 15 minutos. Deixe esfriar. raspas da casca de 1 laranja Abra a massa e recheie com a pasta do damasco. Cubra com fitas da 1 pitada de sal própria massa formando um X. Pincele com gema e leve para assar por Recheio 500 gramas de damascos turcos 0,50 litro de água 200 gramas de açúcar 35 minutos em forno a 170° C. Sa b ore s i r re s i s t í v e i s Geléia de Amora Ingredientes 1 quilo de amoras frescas bem maduras 800 gramas de açúcar cristal Modo de preparo Junte as frutas e o açúcar numa panela e leve ao fogo brando. Assim que iniciar a fervura, comece a retirar a espuma da superfície com uma escumadeira. Quando parar de espumar significa que está no ponto. Mantenha no fogo até atingir a consistência desejada. 121 O Toriba na Cultura de Campos do Jordão Celia Svevo Sandra Nedopetalski M E TA L I V R O S