Ruidera - Universidad de Castilla
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UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA FACULTAD DE CIENCIAS JURÍDICAS Y SOCIALES RÉGIMEN ESPECIAL DE TRIBUTACIÓN COMO MECANISMO DE DESARROLLO DE LAS PYMES BRASILEÑAS Y LOS RETOS DE LA PROTECCIÓN DEL CRÉDITO TRIBUTARIO EN LOS PROCESOS CONCURSALES. RONEY JOSÉ LEMOS RODRIGUES DE SOUZA TOLEDO/ESPANHA, 2015 2 UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA FACULTAD DE CIENCIAS JURÍDICAS Y SOCIALES RÉGIMEN ESPECIAL DE TRIBUTACIÓN COMO MECANISMO DE DESARROLLO DE LAS PYMES BRASILEÑAS Y LOS RETOS DE LA PROTECCIÓN DEL CRÉDITO TRIBUTARIO EN LOS PROCESOS CONCURSALES. TESE DE DOUTORADO APRESENTADA COMO REQUISITO PARA OBTENÇÃO DO DIPLOMA DE DOUTOR EM DIREITO DIRETOR DE TESE: PROF. DR. D. PEDRO JOSE CARRASCO PARRILLA TOLEDO/ESPANHA, 2015 3 DEDICATÓRIA À Karina, minha esposa, amorosa companheira, cúmplice fiel de sonhos e desafios, que meu deu incondicional apoio e permanente estímulo para a concretização desse trabalho. Aos meus pais, Almir e Risoleide, que me proporcionaram formação educacional, cujo lastro sólido permitiu chegar aos estudos de doutorado. À minha irmã, Patricia, que torceu efusivamente pela conclusão da tese. 4 AGRADECIMENTOS À Deus, pela vida, força e capacidade intelectiva; Ao Professor Doutor Raymundo Juliano, exemplo de perseverança profissional e dignidade no incansável exercício do magistério, por ter me conduzido à Universidad Castilla-La Mancha. Ao Professor Doutor Pedro Carrasco, por ter me recebido na Universidad Castilla-La Mancha com irretocável receptividade, aceitando a direção da presente tese, orientando e estimulando o desenvolvimento do trabalho, com compreensão e disponibilidade. Aos componentes do Tribunal que apreciou o trabalho de investigação que resultou na concessão do Diploma de Estudos Avançados – DEA, agradecimento esse que faço na pessoa do respectivo presidente, o Professor Doutor Miguel Ángel Collado Yurrita, pelas sugestões construtivas. A todos os que integram a Universidade de Castilla-La Mancha, pela excelência do trabalho desenvolvido, especialmente Maria Jose Esteban, Silvia Recio, Elisa Cano Vázquez e Luis María Romero Flor. 5 Aos meus queridos colegas de profissão, aqui representados por Roberta Cruz e Catarina Oliveira. A todos os que, direta ou indiretamente, contribuíram para a construção do presente trabalho. 6 RESUMEN Este trabajo es el resultado de la investigación desarrollada en el programa de Doctorado Interpretación de los derechos y libertades constitucionalmente reconocidos. Se hizo un análisis del régimen especial de tributación como mecanismo de desarrollo de las pymes brasileñas y los retos de la protección del crédito tributario en los procesos concursales. La cuestión fue examinada en un triple enfoque, ya que comienza con el análisis de las bases constitucionales para luego concentrarse en las cuestiones y problemas de derecho mercantil y tributario. Siguiendo esta línea de pensamiento, en un primer momento, la investigación marca espacio de actuación del Estado y de los agentes económicos, especialmente aquellos que caen bajo la condición de la micro y pequeña empresa. En la secuencia, lleva a cabo un estudio sobre los aspectos conceptuales de la empresa y sus efectos tributarios, para la construcción de las bases de un enfoque específico del régimen especial de tributación para las PYMES de Brasil, llamado SIMPLES Nacional. Además de demostrar las ventajas de la construcción y el mantenimiento del SIMPLES Nacional, se argumenta la necesidad de ampliarlo para llegar a un mayor número de empresarios, pues la simplificación tributaria deseada y alivio equitativo de micro y pequeñas empresas proporcionan un mejor desempeño competitivo de las mismas, generando empleos e ingresos. Sin embargo, se estableció un límite a los esfuerzos del Estado en materia de incentivos tributarios a la micro y pequeña empresa, mientras que en el caso de un estado inexorable de la crisis, aunque sea posible aceptar condiciones especiales y universales para el pago de los tributos en retraso por parte de los Microempresarios y Pequeños empresarios en dificultades económicas y financieras, no es razonable a las 7 situaciones que se convierten en crédito tributario incobrable, bajo pena de caracterizar una socialización indeseable de los riesgos y las pérdidas de la empresa con toda la sociedad, cuyos efectos negativos afectan también a la libre competencia, ya que algunos empresarios, bajo el pretexto de la situación de crisis, podrían, aunque temporalmente, relevados de la obligación de pagar los tributos y podrían permanecer operando sin la necesaria regularidad, mientras que otros soportarían la carga tributaria imponible. PALABRAS CLAVE: ESTADO - ACTIVIDAD ECONÓMICA - MICROEMPRESA PEQUEÑA EMPRESA - TRIBUTACION - REGÍMENES ESPECIALES - CRISIS EMPRESARIAL - PROCESO CONCURSAL. 8 RESUMO Este trabalho é o resultado da pesquisa desenvolvida no programa de Doutorado Interpretación de los derechos y libertades constitucionalmente reconocidos. Foi feita uma análise do regime especial de tributação como mecanismo de desenvolvimento das PYMES brasileiras e os desafios da proteção do crédito tributário nos processos concursais. A matéria foi apreciada sob um enfoque tríplice, uma vez que se inicia com a análise dos fundamentos constitucionais para, em seguida, concentrar esforços nas questões e problemas de direito mercantil e tributário. Seguindo essa linha de raciocínio, em um primeiro momento, a pesquisa demarca o espaço de atuação do Estado e dos agentes econômicos, especialmente aqueles que se enquadram na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte. Na sequencia, realiza um estudo sobre os aspectos conceituais da empresa e suas repercussões tributárias, construindo as bases para uma abordagem específica sobre os regimes especiais de tributação das PYMES brasileiras, denominado SIMPLES Nacional. Além de demonstrar as vantagens da criação e da manutenção do SIMPLES Nacional, defende-se a necessidade de ampliá-lo para alcançar um maior número de empresários, pois a almejada simplificação tributária e a justa desoneração das Micro e Pequenas empresas proporcionam um melhor desempenho competitivo das mesmas, gerando emprego e renda. Não obstante, foi estabelecido um limite para o esforço do Estado em matéria de estímulos tributários para a Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte, considerando que em caso um inexorável estado de crise, embora seja possível admitir condições especiais e universais para pagamentos dos tributos em atraso por parte dos microempresários e empresários de pequeno porte em dificuldades econômicas e financeiras, não é 9 razoável admitir situações que tornem incobrável o crédito tributário, sob pena de caracterizar uma indesejável socialização dos riscos e prejuízos da empresa com toda a sociedade, cujos efeitos negativos também atingem a livre concorrência, já que alguns empresários, a pretexto do estado de crise, ficariam, ainda que temporariamente, exonerados da obrigação de pagar tributos e poderiam permanecer atuando sem a necessária regularidade tributária, enquanto outros suportariam a carga tributária que lhes é imposta. PALAVRAS-CHAVE: ESTADO – ATIVIDADE ECONÔMICA – MICROEMPRESA – EMPRESA DE PEQUENO PORTE – TRIBUTAÇÃO – REGIMES ESPECIAIS – CRISE EMPRESARIAL – PROCESSO CONCURSAL. 10 ÍNDICE INTRODUÇÃO...........................................................................................................22 PRIMEIRA PARTE: REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO PARA AS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL: FUNDAMENTOS, APLICAÇÃO E OBJETIVOS............................................................................................................29 1. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA NO BRASIL: A INTERAÇÃO ENTRE O ESTADO E OS AGENTES PRIVADOS NA ATUALIDADE............................................................................................................28 1.1. LIMITES E POSSIBILIDADES DA INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NA ECONOMIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL......................................................................................................................30 1.1.1. O Estado como provedor dos serviços públicos para a coletividade......................................................................................................30 1.1.2. Exploração da atividade econômica pelo Estado: intervenção direta por meio das empresas públicas e das sociedades de economia mista...............35 1.2. A LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL COMO FUNDAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELOS AGENTES PRIVADOS. ........................................................38 11 1.2.1. As bases da ordem econômica na Constituição da República Federativa do Brasil...........................................................................................................38 1.2.2. A garantia constitucional da livre iniciativa e a intervenção indireta na economia: o Estado normalizador e regulador da atividade privada...............39 1.3. TRATAMENTO DIFERENCIADO E FAVORECIDO DESTINADO AOS AGENTES ECONÔMICOS ENQUADRADOS COMO MICROEMPRESÁRIOS E EMPRESÁRIOS DE PEQUENO PORTE NO MARCO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL..................................................................49 1.3.1. A lei complementar 123/2006 como norma concretizadora do mandamento constitucional que assegura tratamento diferenciado e favorecido ao microempresário e ao empresário de pequeno porte...............49 1.3.2. Repercussão econômica das microempresas e empresas de porte como justificativa para preservação do tratamento diferenciado e favorecido........................................................................................................51 2. REPERCUSSÕES TRIBUTÁRIAS DA ATIVIDADE ECONÔMICA: A EMPRESA, O EMPRESÁRIO E O PODER DE TRIBUTAR.........................................................62 2.1. CONTORNOS CONCEITUAIS DA EMPRESA E SEUS REFLEXOS TRIBUTÁRIOS ..........................................................................................................62 2.1.1. As dimensões da empresa: subjetiva, objetiva e funcional...................64 2.1.2. Atividades econômicas desprovidas de natureza empresarial..............69 12 2.1.3. Repercussões tributárias dos conceitos de empresa, empresário, estabelecimento e lucro...................................................................................74 2.2. CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DO EMPRESÁRIO: TITULARIDADE INDIVIDUAL E COLETIVA DA EMPRESA...............................................................83 2.2.1. Titularidade individual da empresa........................................................85 2.2.1.1. Empresário individual..........................................................................87 2.2.1.2. Empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...............95 2.2.2. Sociedade empresária.........................................................................103 2.3. RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E ATIVIDADE ECONÔMICA EMPRESARIAL: A ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE OBTENÇÃO DE RECEITAS PARA O ESTADO.....................................................117 3. TRATAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO E FAVORECIDO (SIMPLES NACIONAL) AO MICROEMPRESÁRIO E AO EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE..................................................................................................166 3.1. DISTINÇÕES BÁSICAS NECESSÁRIAS: O MICROEMPRESÁRIO E O EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE...................................................................166 3.2. PORTE ECONÔMICO ENQUADRAMENTO DO COMO PRESSUPOSTO MICROEMPRESÁRIO E DO BÁSICO PARA EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE NO SIMPLES NACIONAL E A SUA RELAÇÃO COM A CAPACIDADE ECONÔMICA PARA FINS TRIBUTÁRIOS....................................178 13 3.3. VEDAÇÕES ESPECÍFICAS PARA ENQUADRAMENTO DA EMPRESA NA CONDIÇÃO DE MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE PELAS PESSOAS JURÍDICAS............................................................................................192 3.3.1. A pessoa jurídica de cujo capital participe outra pessoa jurídica.................................................................................................193 3.3.2. A pessoa jurídica que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa jurídica com sede no exterior................................................................................................193 3.3.3. A pessoa jurídica de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como empresário individual ou que seja sócia de outra empresa já enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)...................................................199 3.3.4. A pessoa jurídica cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)...................................................................................................197 3.3.5. A pessoa jurídica cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)...................................................................................................202 3.3.6. A pessoa jurídica constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de consumo..............................................................................................203 14 3.3.7. A pessoa jurídica que participe do capital de outra pessoa jurídica.................................................................................................207 3.3.8. A pessoa jurídica que exerça atividade de banco comercial, de investimentos e de desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financiamento e investimento ou de crédito imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitalização ou de previdência complementar.....................................................................................208 3.3.9. A pessoa jurídica resultante ou remanescente de cisão ou qualquer outra forma de desmembramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido em um dos 5 (cinco) anos-calendário anteriores............................................................................................208 3.3.10. A pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade por ações...................................................................................................210 3.3.11. Cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade.......................................................................................211 3.4. IMPEDIMENTOS À OPÇÃO PELO SIMPLES NACIONAL PELO MICROEMPRESÁRIO E EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE..........................213 3.5. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS E ABRANGÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL PARA OS MICROEMPRESÁRIOS E EMPRESÁRIOS DE PEQUENO PORTE.....................................................................................................................235 15 4. SIMPLES NACIONAL COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO: OBJETIVOS DE NATUREZA EXTRAFISCAL DO REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO..........................................................................................................255 4.1. O SIMPLES NACIONAL COMO INSTRUMENTO DE COMBATE À INFORMALIDADE NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA......................258 4.2. O SIMPLES NACIONAL COMO MECANISMO DE ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO A PARTIR DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELOS AGENTES PRIVADOS...............................................................................263 4.3. PROEMINÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICA: JUSTIÇA FISCAL E EFICIÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO COMO FUNDAMENTOS BÁSICOS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO.............275 4.3.1. Crise econômica mundial: a origem e seus reflexos no Brasil............275 4.3.2. O SIMPLES Nacional como modelo de tributação em tempos de crise...............................................................................................................279 SEGUNDA PARTE: CRISE EMPRESARIAL: O CRÉDITO TRIBUTÁRIO DIANTE DA POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU FALÊNCIA DAS MICROEMPRESAS E DAS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE.......................................................................287 5. CRISE EMPRESARIAL E ABERTURA DO PROCESSO CONCURSAL DESTINADO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE: OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DE MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A NECESSÁRIA 16 PRESERVAÇÃO DAS GARANTIAS E DO PRIVILÉGIO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO...........................................................................................................291 5.1. INSOLVÊNCIA EMPRESARIAL COMO CONSEQUÊNCIA DA CRISE ECONÔMICA, FINANCEIRA OU PATRIMONIAL...................................................291 5.2. RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO MECANISMO LEGAL DESTINADO À SUPERAÇÃO DA CRISE E CONSEQUENTE PRESERVAÇÃO DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE E OS SEUS EFEITOS SOBRE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO.........................................................................297 5.2.1. A insuficiência dos pressupostos legais exigidos para apresentação do pedido de processamento da recuperação judicial da empresa para aferir a potencialidade recuperatória.........................................................................302 5.2.2. A decisão de processamento como termo inicial da recuperação judicial: conteúdo e efeitos............................................................................315 5.2.2.1. Nomeação do administrador judicial......................................316 5.2.2.2. Dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades..........................................................322 5.2.2.3. Suspensão das ações ou execuções que envolvam créditos de caráter negocial contra o devedor.......................................................323 5.2.2.4. Abertura do prazo para apresentação do plano de recuperação judicial pelo microempresário ou empresário de pequeno porte....................................................................................................325 17 5.2.3. A ineficiência do plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte para concretização do mandamento constitucional de tratamento favorecido e diferenciado: a assimetria de posições como entrave para a construção de uma solução puramente negocial.......................................................................................326 5.2.3.1. O refinanciamento das dívidas das microempresas e das empresas de pequeno porte como meio de recuperação da empresa................................................................................................333 5.2.3.2. A capitalização das microempresas e das empresas de pequeno porte como elemento concretizador da recuperação da empresa................................................................................................339 5.2.4. A “opção” do microempresário ou do empresário de pequeno porte pelo regime ordinário de recuperação judicial diante da ineficiência do regime especial vigente: por uma tentativa de solução negocial quanto aos créditos privados.........................................................................................................343 5.2.5. Repercussões negativas da recuperação judicial da empresa para o crédito tributário e a necessidade de resguardar a sua indisponibilidade e respeitar a inderrogabilidade da obrigação tributária....................................356 5.2.5.1. O problema do esvaziamento da coercibilidade da execução fiscal e a necessidade de aplicar a expressa prevista legal que disciplina a matéria...............................................................................................356 5.2.5.2. Dispensa da prova de pagamento ou parcelamento dos débitos tributários como requisito imprescindível para a concessão da recuperação judicial: crítica ao posicionamento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça..................................................................361 18 5.2.5.3. Alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor empresário como meio de recuperação judicial e os riscos quanto à satisfação dos débitos tributários...........................................376 6. DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA EM VIRTUDE DA FRUSTRAÇÃO DA TENTATIVA DE RECUPERAÇÃO DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE: ABERTURA DO PROCESSO CONCURSAL DESTINADO À LIQUIDAÇÃO...........................................................................................................392 6.1. FUNDAMENTOS DA CONVERSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA...............................................................................................................392 6.2. SENTENÇA DECRETATÓRIA DA FALÊNCIA: EFEITOS RELEVANTES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA..........................................................................................400 6.2.1. Repercussões da decretação da falência quanto às ações de execução fiscal. ...............................................................................................................400 6.2.2. Concurso de credores e a posição dos créditos tributários na classificação geral do regime falimentar..........................................................404 6.3. INSATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA EM VIRTUDE DA INSUFICIÊNCIA DOS ATIVOS E A RESPONSABILIZAÇÃO PATRIMONIAL DO(S) INTEGRANTE(S) DA PESSOA JURÍDICA FALIDA...............................................413 6.3.1. Diferentes regimes de responsabilização patrimonial do(s) integrante(s) das pessoas jurídicas falidas a partir das distintas naturezas obrigacionais...413 19 6.3.2. Fundamentos da legislação societária que autorizam a responsabilização patrimonial do(s) integrante(s) das pessoas jurídicas e seus efeitos no âmbito falimentar.........................................................................................................417 6.3.2.1. Responsabilização patrimonial pela simples qualidade de titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou sócio(s) da sociedade limitada..............................................................421 6.3.2.2. Responsabilização patrimonial pela condição de administrador da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da sociedade limitada.................................................................................424 6.3.2.3. Responsabilização patrimonial em virtude da presença dos requisitos autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil.........................................................................428 6.3.3. Limites e possibilidades de responsabilização patrimonial do (s) integrante da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou Sociedade Empresária Limitada: luzes e sombras sobre a previsão do Código Tributário Nacional e as contribuições do Direito Espanhol............................436 CONCLUSÕES........................................................................................................454 BIBLIOGRAFIA........................................................................................................465 JURISPRUDÊNCIA..................................................................................................493 ANEXO: RESUMO DA ARRECADAÇÃO DO SIMPLES NACIONAL...............................................................................................................507 20 ABREVIATURAS AgRg. Agravo Regimental. BCB Banco Central do Brasil. CC Código Civil. C. de c. Código de Comercio CE Constitución Española. CF Constituição Federal. CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. CIAT Centro Interamericano de Administrações Tributárias. CJF Centro de Estudos Jurídicos. CTN Código Tributário Nacional. DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. DIRCE Directorio Central de Empresas. DJe Diário de Justiça Eletrônico. DREI Departamento de Registro Empresarial e Integração. ECAD Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. EDcl. Embargos Declaratórios. EIRELI Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. EPP Empresa de Pequeno Porte. FJ Fundamento jurídico. LC Lei Complementar. LGT Ley General Tributária. ME Microempresa. MEySS Ministerio de empleo y Seguridad Social. 21 MGE Média e Grande Empresa. MPE Micro e Pequena Empresa. MTE Ministério do Trabalho e Emprego. OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. PIB Produto Interno Bruto. PYMES Pequeñas y medianas empresas. RAIS Relação Anual de Informações Sociais. RESP. Recurso Especial. SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. STF Supremo Tribunal Federal. STJ Superior Tribunal de Justiça. TC Tribunal Constitucional. UE União Europeia. VAB Valor Añadido Bruto. 22 INTRODUÇÃO A análise do tema RÉGIMEN ESPECIAL DE TRIBUTACIÓN COMO MECANISMO DE DESARROLLO DE LAS PYMES BRASILEÑAS Y LOS RETOS DE LA PROTECCIÓN DEL CRÉDITO TRIBUTARIO EN LOS PROCESOS CONCURSALES revela-se atual e relevante. Atual porque, cada vez mais, as microempresas e as empresas de pequeno porte têm assumido protagonismo em matéria de desenvolvimento da atividade econômica por agentes privados, constituindo parcela expressiva das empresas existentes no Brasil e isso, por si só, já denota a relevância do tema, pois ninguém duvida que a atuação empresarial é, inegavelmente, um poderoso instrumento de geração de emprego e renda, além de estimular inovação tecnológica visando o aprimoramento dos produtos e serviços oferecidos ao mercado consumidor. Some-se a isso o fato de que o desenvolvimento da atividade econômica pelos agentes privados é uma importante fonte de arrecadação de tributos, satisfazendo, em boa medida, a necessidade de obtenção dos recursos necessários para o custeio dos serviços públicos ofertados pelo Estado em benefício da sociedade. Portanto, o objeto da presente pesquisa foi delimitado para permitir a análise do marco legal dentro do qual a atividade econômica é explorada pelos microempresários e empresários de pequeno porte, os quais se encontram submetidos à incidência de regimes tributários especiais, regimes esses que podem ser determinantes para contribuir com o desenvolvimento econômico, exigindo-se, porém, diante de um cenário marcado pela crise empresarial, a busca pelo equilíbrio 23 necessário para assegurar a recuperação - e consequente manutenção - da empresa, de um lado, e a proteção do crédito tributário, de outro. Sob o ponto de vista metodológico, a pesquisa se desenvolve com base na doutrina, com ênfase nos autores brasileiros e espanhóis, tendo sido utilizada também farta jurisprudência, além da análise crítica da legislação aplicável ao tema. Divida em duas grandes partes, a presente pesquisa analisa primeiramente os regimes especiais de tributação para as microempresas e as empresas de pequeno porte no Brasil e, posteriormente, trata da crise empresarial e suas repercussões, especialmente quanto à situação do crédito tributário diante da possibilidade de recuperação judicial ou falência das microempresas e das empresas de pequeno porte. No primeiro capítulo, realiza-se uma abordagem constitucional, procurando identificar os limites e as possibilidades da intervenção do Estado na economia. Para tanto, busca fixar o conceito de serviço público, inserindo-o no âmbito das tarefas estatais. Demarcado, assim, o campo de atuação do Estado, qual seja, a prestação de serviços públicos, a pesquisa visa demonstrar que existe previsão constitucional acerca da existência de um regime que, em regra, garante a livre iniciativa e 24 assegura a livre concorrência empresarial, permitindo, assim, a atuação dos agentes privados no mercado de consumo, mediante a oferta de produtos e serviços, estabelecendo um feixe de relações econômicas permeadas pela circulação de riquezas. Não obstante, ainda dentro dessa perspectiva, busca-se encontrar as situações que possibilitam a intervenção do Estado na atividade econômica, ora atuando diretamente no mercado por intermédio das chamadas empresas públicas ou pelas sociedades de economia mista (que se caracteriza pela participação majoritária do Estado), ora exercendo um papel regulatório da atividade privada. Sem dúvida, a intervenção do Estado na atividade econômica está relacionada com a questão do tamanho do Estado, não no sentido de analisar as políticas públicas de caráter social voltadas à distribuição de renda e consequente injeção de recursos na economia, mas, sobretudo, mediante a atuação do “Estado-empresário”, concentrando-se a análise nesse último ponto para identificar em que medida o Estado deve atuar diretamente no mercado. Mantendo o foco na previsão constitucional, identifica-se que as microempresas e as empresas de pequeno porte têm acesso a um tratamento favorecido e diferenciado, que visa dar efetividade as garantias de livre iniciativa e de livre concorrência empresarial, passando, necessariamente, pela questão tributária, seja do ponto de vista da simplificação dos procedimentos necessários à manutenção da regularidade fiscal, seja em relação ao tamanho da carga tributária 25 suportada pelo microempresário ou pelo empresário de pequeno porte, buscando-se uma resposta satisfatória para justificar esse tratamento favorecido e diferenciado. No segundo capítulo, procura-se, ainda, na presente pesquisa, definir o real alcance da expressão empresa, à luz da legislação brasileira, demarcando, assim, primeiramente um viés subjetivo, centrado na pessoa física ou jurídica do empresário, especialmente o microempresário ou o empresário de pequeno porte; outro patrimonial, que decorre da reunião dos bens materiais e/ou imateriais necessários à consecução da atividade econômica; e um terceiro, de caráter funcional, centrado no efetivo exercício organizado e profissional dessa atividade econômica que, em verdade, compreende a produção e a circulação de bens ou serviços, excluídos os de natureza intelectual, artística, científica ou literária. Assim, uma vez traçadas essas definições em torno da empresa no âmbito do direito mercantil ou empresarial, a pesquisa avança em busca das repercussões tributárias da empresa. Nesse contexto, estabelecendo a relação entre o Estado e a empresa, com base na legislação brasileira em comparação com a legislação espanhola, mas também observando a tributação em números, para justificar a imperiosa necessidade de adoção de mecanismos que propiciem efetiva melhoria dos procedimentos arrecadatórios, já que isso produz benefícios para ambos (Estado-credor e Empresário-devedor), pois confere maior produtividade da gestão tributária; além, é claro, da importância de perseguir a redução dos custos tributários suportados pelo sujeito passivo da obrigação, especialmente em se tratando de microempresário ou de empresário de pequeno porte, seja individual ou coletivo. 26 Em seguida, para adequada exposição do tema, foram analisados, no terceiro capítulo, os critérios legais que autorizam - ou não - o enquadramento do empresário na condição de Micro ou Pequeno. A análise de tais critérios é indispensável para o desenvolvimento da tese, já que se trata de um aspecto fundamental na medida em que o enquandramento na condição de microempresário ou empresário de pequeno porte constitui fundamento necessário (porém, insuficiente) para o exercício da opção pelo regime tributário especial e diferenciado, denominado SIMPLES Nacional. Nesse ponto, ou seja, o enquadramento na condição de microempresário ou empresário de pequeno porte como fundamento necessário (porém, insuficiente) para o exercício da opção pelo SIMPLES Nacional, a pesquisa lança luzes sobre o problema das vedações legais ao regime especial. No quarto capítulo, partindo da premissa de que não se pode e nem se deve desconhecer a existência de tributos que, além da função arrecadatória, servem para orientar comportamentos, isto é, estimular ou desestimular condutas, direcionando, enfim, o destinatário da norma tributária a atuar nessa ou naquela direção, foram destacados os fins extrafiscais do tributo, demonstrando em que medida o SIMPLES Nacional responde não só pelo crescimento da atividade econômica dos agentes privados, como também pela redução do problema da informalidade e, por conseguinte, resulta na expansão da arrecadação tributária, especialmente no cenário de crise econômica. É nesse contexto de crise econômica que se desenvolve a segunda parte da presente pesquisa. Colocando em evidência o problema da crise empresarial e suas 27 repercussões para o crédito tributário diante da possibilidade de recuperação judicial ou falência das microempresas e das empresas de pequeno porte, o quinto capítulo analisa a tentativa de recuperação judicial da empresa - com vistas à manutenção da atividade econômica - e a necessária preservação das garantias e do privilégio do crédito tributário, propondo, inclusive, alterações profundas no atual regime, a fim de assegurar a existência de um efetivo plano especial de recuperação da microempresa ou da empresa de pequeno porte. A questão que se coloca, especialmente a partir de uma visão crítica da jurisprudência, é em que medida o Estado deve suportar prejuízos decorrentes do inadimplemento da obrigação tributária diante da tentativa empreendida pelo microempresário ou pelo empresário de pequeno porte para recuperar judicialmente a empresa em crise. Em outras palavras: qual o tamanho do sacrifício que o credor tributário deve suportar para manter a microempresa ou a empresa de pequeno porte, especialmente quando já adotou medidas de estímulo da atividade econômica por meio do SIMPLES Nacional? O sexto e último capítulo trata da decretação da falência em virtude da frustração da tentativa de recuperação da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, com a consequente instauração do processo falimentar destinado à liquidação dos bens para satisfazer os credores, inclusive os créditos tributários. 28 Dentro dessa perspectiva, procura-se identificar os limites e as possibilidades de responsabilização patrimonial do Empresário Individual ou do sócio e/ou administrador da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da Sociedade Empresária Limitada pelos débitos tributários no âmbito concursal, mediante a incidência das disposições do Código Tributário Nacional, propondo a assimulação das contribuições do Direito Espanhol nessa matéria, a fim de coibir fraudes e, consequentemente, reduzir os prejuízos suportador pelo Estado em virtude da falência empresarial. 29 PRIMEIRA PARTE: REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO PARA AS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL: FUNDAMENTOS, APLICAÇÃO E OBJETIVOS. 30 1. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA NO BRASIL: A INTERAÇÃO ENTRE O ESTADO E OS AGENTES PRIVADOS NA ATUALIDADE. 1.1. LIMITES E POSSIBILIDADES DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 1.1.1. O Estado como provedor dos serviços públicos para a coletividade. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece, em seu artigo 173, que: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”. Nesse mesmo sentido, a Constituição da Espanha, em seu artigo 128, reconhece a iniciativa pública na atividade econômica, ao estabelecer que a lei poderá reservar ao setor público, recursos ou serviços essenciais, especialmente em 31 caso de monopólio, reservando-se, todavia, a possibilidade de intervenção dos agentes privados para o interesse geral. Eis o exato teor do dispositivo Constitucional Espanhol: “Artículo 128 1. Toda la riqueza del país en sus distintas formas y sea cual fuere su titularidad está subordinada al interés general. 2. Se reconoce la iniciativa pública en la actividad económica. Mediante ley se podrá reservar al sector público recursos o servicios esenciales, especialmente en caso de monopolio y asimismo acordar la intervención de empresas cuando así lo exigiere el interés general.” Percebe-se que o artigo 128.2 da Constituição Espanhola, reconhece, pura e simplesmente, a iniciativa pública na atividade econômica, independentemente da necessidade de preenchimento de requisitos ou condições específicas. Por outro lado, a iniciativa pública não depende da ausência ou da presença de ente privado que esteja apto a exercê-la. Aliás, o referido artigo 128.2 admite expressamente até 32 mesmo a intervenção de empresas quando assim exigir o interesse geral, mediante lei1. Por sua vez, a análise do dispositivo constitucional brasileiro - especialmente em razão do emprego da expressão “só será permitida” - revela a presença do elemento subsidiariedade, no sentido de orientar a intervenção do Estado na ordem econômica, cuja atuação, nas atividades que possam e devam ser executadas por entes privados, será realizada (pelo Estado) somente em caráter excepcional e eventual, quando presentes os “imperativos da segurança nacional” ou “relevante interesse coletivo”. TOSHIO MUKAI adverte que “segurança nacional” e “relevante interesse coletivo” são, por natureza, conceitos jurídicos indeterminados2. Assim, a indeterminação confere uma ampla margem de discricionariedade ao Poder Legislativo, na criação de leis de caráter intervencionista, sob o fundamento de regulamentação da Constituição Federal, porém reserva, por consequência, ao Poder Judiciário, especialmente ao Supremo Tribunal Federal, a tarefa de, em última instância, examinar a eventual ocorrência de violações ao texto constitucional. Oportuno esclarecer, ainda, que a expressão “atividade econômica” empregada no texto constitucional compreende a produção e/ou a circulação de 1 O Tribunal Constitucional Espanhol, em sua Sentença 111/1983, de 02 de dezembro, reconheceu a possibilidade de que, em matéria de intervenção de empresas, “la expresión «mediante ley» que utiliza el mencionado precepto” (artigo 128.2 da Constituição Espanhola), “además de ser comprensiva de Leyes generales que disciplinan con carácter general la intervención, permite la Ley singularizada de intervención que mediando una situación de extraordinaria y urgente necesidad y, claro es, un interés general legitimador de la medida, está abierta al Decreto-ley, por cuanto la mención a la Ley no es identificable en exclusividad con el de Ley en sentido formal”. 2 MUKAI, Toshio. A administração pública na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, págs. 130-131. 33 bens e/ou serviços. Não se confunde, seguramente, com a atuação estatal voltada à efetiva prestação de “serviço público” em proveito da coletividade, seja diretamente, nas hipóteses, por exemplo, de saúde e educação, ou por delegação aos entes privados, sob o regime de concessão ou permissão, como nos casos, por exemplo, de transporte de passageiros e administração de aeroportos. Certo é que, independentemente da forma como for conceituado, o “serviço público” será aquele cuja prestação constitua tarefa típica do Estado, vocacionada para o atendimento do interesse coletivo, de modo que sua execução por particulares dependa de transferência formal e expressa, por meio de mecanismos e procedimentos expressamente previstos para tanto (concessão, permissão e autorização) 3. Restaria perguntar: no Brasil, pode o Estado qualificar qualquer atividade que deseje como serviço público, assumindo-a e submetendo-a ao regime de direito público? Ou é necessário que a atividade possua uma nítida natureza de serviço público? Segundo BANDEIRA DE MELLO, é realmente o Estado, por meio do Poder Legislativo, que define ou não como “serviço público” esta ou aquela atividade, desde que respeitados os limites constitucionais4. Além dos serviços públicos mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser assim qualificados, desde que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas pelas normas relativas à 3 RAMOS TAVARES, André. Direito constitucional econômico. 2ª. Ed. São Paulo: Método, 2006, pág. 297. 4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 487. 34 ordem econômica, as quais são garantidoras da livre iniciativa. É que a exploração da atividade econômica em sentido estrito compete aos particulares e não ao Estado. Este apenas em caráter excepcional deverá atuar empresarialmente nesta órbita. Coerente, nesse contexto, a distinção feita por EROS GRAU de que o “serviço público” está para o setor público assim como a “atividade econômica” está para o setor privado, propondo que a “atividade econômica em sentido amplo” seja compreendida como território dividido em dois campos: o do “serviço público” e a da “atividade econômica em sentido estrito” 5. Ainda conforme EROS GRAU, a situação prevista no mencionado artigo 173 da Constituição Federal configura “atividade econômica em sentido estrito”, ou seja, atividade econômica de caráter privado, cuja exploração pelo Estado, repita-se, somente poderá ocorrer em caráter excepcional e eventual. Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, durante o julgamento de um caso concreto, assim se pronunciou: “A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito.” 6. Preciso, nesse passo, ALBINO DE SOUZA quando afirma que enquanto o “serviço público” é prestado em decorrência de recursos tributários, a atividade econômica exercida com base nos custos e margens de lucros, sejam estes do tipo 5 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11ª. Ed. São Paulo: 2006, pág. 105. 6 STF. ADPF 46 / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Ministro Marco Aurélio. Relator(a) p/ Acórdão: Ministro Eros Grau. Julgamento: 05/08/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJe-035. Divulgação 25-02-2010. 35 capitalista, como acréscimos sobre os custos, garantidos pelo valor de venda, sejam “lucros sociais” decorrentes de “preços políticos”, garantidos pelo Poder Público 7. Destaque-se que, para cumprimento dos objetivos perseguidos na presente tese, restringir-se-á a pesquisa à atividade econômica em sentido estrito, explorada preponderantemente pelos agentes privados. 1.1.2. Exploração da atividade econômica pelo Estado: intervenção direta por meio das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Esclareça-se, entretanto, que é útil para o desenvolvimento desta tese a distinção realizada por AFONSO DA SILVA, quando identifica a atuação estatal mediante “participação” e “intervenção”. A primeira com base nos artigos 173 a 177 da Constituição Federal, caracterizando o Estado administrador de atividades econômicas; a segunda fundada no artigo 174 do texto constitucional, em que o Estado aparece como agente normativo e regulador da atividade econômica, compreendendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, caracterizando o Estado regulador, o Estado promotor e o Estado planejador da atividade econômica8. Utilizando-se de recurso didático semelhante, RAMOS TAVARES adota os temas “intervenção direta do Estado brasileiro na economia” e “intervenção indireta 7 ALBINO DE SOUZA, Washington Peluso. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pág. 423. 8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pág. 785. 36 do Estado brasileiro na economia” 9, que correspondem, respectivamente, as expressões “participação” e “intervenção”. De uma forma ou de outra, o fato é que também o Supremo Tribunal Federal10, por ocasião do Julgamento do Recurso Extraordinário número 407099 / RS, reconheceu que os instrumentos de participação do Estado na economia são: “as empresas públicas” e as “sociedades de economia mista”. Note-se que, na “participação” ou “intervenção direta”, o Estado explora diretamente a atividade econômica (atividade econômica em sentido estrito), por meio da criação, mediante lei específica, de sociedades de economia mista e de empresas públicas, dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Frise-se que a empresa pública é constituída com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, ao passo que a sociedade de economia mista adota forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da administração indireta, nos termos do artigo 5º., incisos II e III, do Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Cumpre assinalar que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado, a teor do disposto no artigo 173, § 2º, da Constituição Federal. 9 RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, págs. 279-325. STF. RE 407099 / RS - RIO GRANDE DO SUL. Relator(a): Ministro Carlos Velloso. Julgamento: 22/06/2004. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJ 06-08-2004 PP-00062. 10 37 Tal regra, no dizer do MAFFINI, cumpre o primado de isonomia, na medida em que coíbe a concessão de benefícios fiscais em favor das entidades empresariais do Estado que venha a privilegiá-las em detrimento das empresas privadas que operem no mesmo nicho econômico 11. 11 MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. 2ª. Ed. São Paulo: RT, 2008, pág. 233. 38 1.2. A LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL COMO FUNDAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELOS AGENTES PRIVADOS. 1.2.1. As bases da ordem econômica na Constituição da República Federativa do Brasil. Ciente da importância de dotar o Brasil de um ambiente não somente apto ao desenvolvimento da atividade econômica, mas também - e, sobretudo - capaz de estimula-la, o legislador constituinte de 1988 fixou as bases da ordem econômica brasileira nos artigos 170 a 192 da atual Constituição da República, compreendidos em quatro capítulos: um sobre os princípios da atividade econômica; outro acerca da política urbana; um terceiro a respeito de política agrícola e fundiária e sobre a reforma agrária; e, finalmente, um quarto que trata do sistema financeiro nacional. Ao conjunto harmônico desses elementos, convencionou-se denominar de “Constituição Econômica”, sem lhe atribuir plena autonomia, porém tomando-a como um segmento da Constituição voltado para este tema específico 12. De fato, o constituinte de 1988 teve a clara intenção de constitucionalizar os grandes temas da vida econômica e financeira, embora tenha deixado, em algumas situações, a cargo do legislador ordinário a elaboração de leis específicas para esse fim. 12 ALBINO DE SOUZA, Washington Peluso. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pág. 454. 39 Embora se trate de um conjunto harmônico, existe uma diversidade de temas dentro dessa “Constituição Econômica” (artigos 170 a 192 do texto constitucional). Sem embargo de reconhecer a importância de todos eles, impõe-se, para fins de desenvolvimento da presente tese, restringir a análise à questão da livre iniciativa, expressamente consagrada no caput do artigo 170 da Constituição Federal, o qual cuida dos princípios da atividade econômica. 1.2.2. A garantia constitucional da livre iniciativa e a intervenção indireta na economia: o Estado normalizador e regulador da atividade privada. SÁNCHEZ CALERO, a partir da análise do ordenamento jurídico espanhol, afirma que “se califica el término de Constituición económica (que se emplea a veces como sinónimo de orden público económico) la fijación en las normas fundamentales de un país de un regímen económico concreto.”.13 “La Constituición Española de 1978”, prossegue o autor, “hace una declaración expresa del reconocimiento de la libertad de empresa en el marco de la economía de mercado. Los poderes públicos garantizan y protegen su ejercicio y la defensa de la productividad, de acuerdo con las exigencias de la economía general y, en su caso, de la planificación (art. 38)’”. 13 SANCHEZ CALERO, Fernando. Principios de derecho mercantil. 13ª. Ed. Madrid: ThomsonAranzadi, 2008, págs. 51-52. 40 Portanto, por esse aspecto, constata-se que as Constituições do Brasil e da Espanha não só reconhecem como asseguram a livre iniciava. Frise-se que para além da previsão contida no referido artigo 170, a Constituição Federal do Brasil, em seu 1º., inciso IV, deu especial destaque à livre iniciativa, a ponto de elevá-la a condição de verdadeiro fundamento norteador do Estado brasileiro, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político, in verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” Garantiu, ainda, a Constituição Federal, no artigo 5º., inciso XIII, integrante do capítulo atinente aos direitos e deveres individuais e coletivos, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, reforçando o compromisso do legislador constituinte com a liberdade de desenvolvimento da atividade econômica de caráter privado. 41 Esclareça-se que a livre iniciativa garantida constitucionalmente não se restringe à liberdade de iniciativa econômica, sendo apenas, no dizer de RAMOS TAVARES14, uma de suas dimensões. Isso porque, a livre iniciativa de que trata a Constituição há de ser, realmente, entendida em seu sentido amplo, compreendendo não apenas liberdade econômica, ou liberdade de desenvolvimento de empresa, mas abrange todas as demais formas de organização econômica, individuais ou coletivas, e a própria liberdade contratual ou comercial. Para AFONSO DA SILVA15, a livre iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Consta do artigo 170 da Constituição Federal, como um dos esteios da ordem econômica, assim como de seu parágrafo único que assegura “a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”. Dentro dessa acepção constitucional, a livre iniciativa assegura a possibilidade de desenvolvimento de atividade econômica por ente puramente privado, porém, por outro lado, impõe a necessidade de se submeter às limitações impostas pelo Estado, a fim de evitar abusos e distorções dessa liberdade, conciliando-a, assim, com outros valores igualmente relevantes, como o respeito ao consumidor e ao meio ambiente, por exemplo, promovendo, assim, autêntica regulação econômica. 14 15 RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág.239. SILVA, J. A.: op. cit., pág. 771. 42 Quanto o Estado atua como agente normativo e regulador da atividade econômica, realiza verdadeira “intervenção indireta”, o que compreende as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, nos termos do artigo 174, caput, da Constituição Federal, in verbis: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” Para POSNER16, quando definida de forma apropriada, a expressão “regulação econômica” se refere “a todos os tipos de impostos e subsídios, bem como aos controles legislativo e administrativo explícitos sobre taxas, ingressos no mercado, e outras facetas da atividade econômica.”. É forçoso, portanto, reconhecer que a livre iniciativa, no marco da Constituição Brasileira, não autoriza o agente privado a atuar sem limites, sendo necessária, nesse sentido, a atuação do Estado regulador para assegurar a mínima ordem nesse ambiente produtivo e negocial, no qual interagem, permanentemente, empresários e consumidores, configurando forma de intervenção indireta na economia. 16 POSNER, Richard A.. Teorias da regulação econômica. Tradução: MOTA PRADO, Mariana. In: MATTOS, Paulo (coord.). Regulação econômica e democracia. São Paulo: Ed. 34, 2004, pág. 50. 43 CASTELAR PINHEIRO e SADDI17 estabelecem a didática distinção entre “regulação” e “regulamentação”, quando afirmam ser a “regulação” realizada em um plano mais elevado e geral de intervenção estatal para estabelecer limites à liberdade de ação ou de escolha das empresas, dos profissionais liberais e/ou dos consumidores, enquanto a “regulamentação” se refere ao detalhamento normativo dessa intervenção. Segundo afirma TÔRRES18, no constitucionalismo contemporâneo, dois poderes criadores de normas coexistem: a autonomia privada, ou poder privado apto para produção de normas entre particulares, e o poder público, mediante órgãos habilitados para esse fim, podendo o legislador criar normas limitadoras daquele, quando em presença de justificativas baseadas na função social dos contratos, da propriedade, do trabalho, das sociedades ou na regulação de uma ordem econômica justa e solidária. No Brasil, desde a organização das formas de produção e distribuição dos bens e serviços até as relações de consumo, todas as etapas da cadeia produtiva são objetos de normas que representam formas de intervenção do Estado no domínio econômico, sem assumir que este, contudo, exerça a condição de produtor, mas sim atue no campo regulatório. Regulação é, portando, um instrumento legal 17 CASTELAR PINHEIRO, Armando; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, pág. 254. 18 TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elisão tributária. São Paulo: RT, 2003, pág. 110. 44 para ordenar mercados, manifestada por via regulamentadora das atividades econômicas 19. Em verdade, o mercado, como anota NATALINO IRTI, citado por EROS GRAU20, é uma ordem, no sentido de regularidade e previsibilidade de comportamentos, cujo funcionamento pressupõe a obediência, pelos agentes que nele atuam, de determinadas condutas. Essa uniformidade de condutas é que permite aos agentes econômicos desenvolver cálculos que irão orientar as decisões a serem tomadas, por parte deles, no dinamismo do mercado. Ora, como o mercado é movido por interesses egoísticos – a busca do maior lucro possível – e a sua relação típica é a relação de intercâmbio, expectativa daquela regularidade de comportamentos é que o constitui como uma ordem. São várias as razões que justificam o uso da regulação econômica com o intuito de ordenar o mercado. Entretanto, considerando os limites e objetivos da presente tese, evidencia-se aqui a preocupação com a criação de um ambiente econômico que assegure a livre concorrência entre os agentes privados, especialmente diante da reconhecida desigualdade econômica entre os mesmos, que, em regra, provoca desvantagens para os pequenos empresários, cuja condição de competitividade pode e deve ser equilibrada mediante intervenção estatal, com fundamento na Constituição Federal, notadamente no artigo 170, incisos IV (livre 19 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, pág. 51. 20 GRAU, E. R.: op. cit., A ordem econômica na Constituição de 1988, págs. 30-31. 45 concorrência) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País). A atividade econômica desenvolvida pelos agentes privados tem nessa liberdade sua base. Ressalte-se, porém, que os limites constitucionais à livre iniciativa devem atuar nos limites indicados pelas normas constitucionais econômicas, que privilegiam valores coletivos enquanto garantem a liberdade dos particulares. Essa liberdade de iniciativa é que qualifica uma economia de mercado que é tutelada pelo princípio da livre concorrência 21. Portanto, a liberdade de competição deve ser defendida por uma lei de repressão às práticas comerciais abusivas, por órgãos administrativos, com o propósito de reforçar a tutela da concorrência. Trata-se de sustentar certo paradoxo, por meio do qual se promove a intervenção estatal (contrária à ampla liberdade privada empresarial) justamente e na exata medida do necessário para manter-se a mesma liberdade econômica. Na realidade, paradoxal seria permitir que a livre concorrência, exercida com abuso, fosse tão distorcida que significasse sua própria eliminação 22. É induvidoso que essa intervenção estatal para regular a atividade econômica, significa, por outras palavras, reconhecer que o mercado é modelado 21 22 SZTAJN, R.: op. cit., Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados, pág. 16. RAMOS TAVARES, André. Direito constitucional da empresa. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, pág. 46. 46 pelo direito. Dito de outro modo, significa que os agentes privados iniciam e desenvolvem atividade econômica “dentro” do um arcabouço jurídico que tem como base a Constituição Brasileira. Portanto, para que os agentes econômicos decidam produzir e sobre o que produzir, deve ser assegurado a existência, mas também o desenvolvimento dos mercados. Nesse sentido, a liberdade de iniciativa econômica é corolário da liberdade de mercados, liberdade de oferecer a própria força de trabalho, bens de produção e recursos financeiros em mercados. Embora os mercados não devem ser subtraídos do controle do Estado, do poder coercitivo que as normas jurídicas têm 23. Nessa ordem de ideias, o Estado, de um lado coloca limites na atuação dos agentes econômicos, mas, de outro, também atua (o Estado) dentro de limites, pois a Constituição do Brasil estabelece um extenso rol de direitos e garantias, que, na esfera comercial, industrial ou de prestação de serviços, assegure, por exemplo, o reconhecimento do direito de propriedade, especialmente aos bens de produção imprescindíveis ao agente econômico, consoante expressamente estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 5º., inciso XXII, a saber: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito 23 SZTAJN, R.: op. cit., Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados, págs. 58-59. 47 à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade.”. O reconhecimento da função social da propriedade, por sua vez, quando ligado à livre iniciativa, deve ser referido tanto aos bens e meio de produção, quanto aos bens e/ou serviços, resultantes da atividade econômica voltada para mercados24. Logo, reconhecendo que o mercado constitui um “ambiente” institucionalmente concebido pelo Estado, no qual a atividade econômica é desenvolvida, preponderantemente pelos agentes privados, que atuam de modo individual ou coletivamente (por meio de sociedades contratuais ou institucionais criadas), a fim de resguardar o Estado, por meio da regulação em sentido amplo, e os próprios agentes, a partir da existência do marco legal que assegura o desenvolvimento de tal atividade. Não por outra razão, nas palavras de EROS GRAU, cada agente econômico necessita de garantias (i) contra o Estado e (ii) contra os outros agentes econômicos que atuam no mercado. Vale dizer, cálculo e segurança inerentes à produção 24 SZTAJN, R.: op, cit., Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados, pág. 17. 48 capitalista exigem uma dupla garantia: (a) contra o Estado e (b) em favor do mercado 25. 25 GRAU, E. R.: op. cit., A ordem econômica na Constituição de 1988, págs. 30-38. 49 1.3. A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA COMO FUNDAMENTO PARA O TRATAMENTO DIFERENCIADO E FAVORECIDO AO MICROEMPRESÁRIO E AO EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE. 1.3.1. A lei complementar 123/2006 mandamento constitucional que como assegura norma concretizadora tratamento diferenciado do e favorecido ao microempresário e ao empresário de pequeno porte. Conforme expressamente prevê a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros princípios, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Ademais, o referido texto constitucional ainda estabelece, em seu artigo 179, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. No dizer de MARTINS, manifestou o legislador forte e séria preocupação de tratamento privilegiado às empresas, sob a ótica do número de empregados, do 50 faturamento e da facilitação da escrituração e do regime tributário específico. Necessário destacar que as micro e pequenas empresas ressoam imprescindíveis no cenário econômico, aparecem na lista das contratações de mão-de-obra, além de serem presença constante em licitações estatais, fortalecendo, assim, o crescimento das regiões sazonais ou não, representando parcela significativa do produto interno bruto 26. Em cumprimento ao mandamento constitucional, a regulamentação das disposições constitucionais voltadas ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte deu-se por meio de diversos instrumentos legislativos, tal como a lei 8.864, de 28 de março de 1994, a Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de 1996, e a Lei nº 9.841, de 05 de outubro de 1999. Atualmente, a matéria é disciplinada pela Lei Complementar número 123, de 14 de dezembro de 2006 - Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que revogou, expressamente, a Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de 1996, e a Lei nº 9.841, de 05 de outubro de 1999, tratando do tema de forma abrangente, especialmente no que se refere, exemplificada, mas não exclusivamente, à definição de microempresa e de empresa de pequeno porte; dos tributos e contribuições; do estímulo ao crédito e à capitalização; das regras civis e empresariais e do acesso à justiça. 26 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 32ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, págs. 149-150. 51 Atende-se, assim, não apenas ao comando constitucional específico, como também a normas basilares. De fato, as microempresas e as empresas de pequeno porte, tratados separadamente na referida Lei Complementar número 123, de 14 de dezembro de 2006, e posteriores alterações, por sua inserção social, realizam com mais eficácia os fundamentos da República de respeito à dignidade humana e de valorização do trabalho e da livre iniciativa; justamente por isso, tem condição privilegiada de permitir a realização dos ambiciosos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, cujo registro é sempre pertinente: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação 27. 1.3.2. Repercussão econômica das microempresas e empresas de porte como justificativa para preservação do tratamento diferenciado e favorecido. Certo é que a economia, deixada agir tão-somente segundo as livres forças do mercado, tende a situações caracterizadoras de monopólio, no qual a oferta fica concentrada nas mãos de poucos, e oligopólio, que corresponde a uma situação na qual apenas uma pessoa ou uma empresa se apresenta como vendedora de um dado produto 28. 27 MAMEDE, Gladstone. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. Vol. I. 5ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2011, pág. 100. 28 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, págs. 271-273. 52 Dentro desse contexto, os empresários e as sociedades empresárias de grande porte tendem a controlar parcela representativa do mercado, impondo aos menores condições concorrenciais desfavoráveis, em decorrência do poder econômico. Afiguram-se, com isso, as dificuldades de criação e desenvolvimento a que microempresas e as empresas de pequeno porte ficam expostas. Nesse sentido, a adoção de um tratamento favorecido pode fomentar a sobrevivência dos pequenos, provocando maior presença de agentes econômicos na economia, o que invariavelmente se traduz em benefícios aos consumidores a ao próprio mercado em face do estímulo da concorrência 29. Por outro ângulo, como a Constituição Federal estabeleceu a liberdade de iniciativa, tal como acima destacado, garantindo a participação de todos no mercado, deve assegurar, de igual modo, a liberdade de concorrência como forma de alcançar um equilíbrio entre os grandes grupos e o direito de estar no mercado também para as microempresas e as empresas de pequeno porte 30. Também é essa a conclusão de RAMOS TAVARES31 quando afirma que o tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela a necessidade de proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em 29 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 304. 30 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 1995, pág. 84. 31 RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 216. 53 relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa maneira efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de iniciativa). É inegável que uma economia equilibrada tem na aparição, proteção e desenvolvimento de microempresas e empresas de pequeno porte um dos seus mais fortes sustentáculos32. Isso porque, as microempresas e as empresas de pequeno porte, conhecidas na Espanha simplesmente por PYMES, tem notável potencial de geração de emprego e renda, proporcionando, pois, um relevante e positivo impacto social para País, que, somando a isso, ainda conta com a expansão da base de arrecadação tributária. Com efeito, no Brasil, a maior parte das atividades econômicas é desempenhada por micro ou pequeno empresário. Vale dizer, sem eles nossa economia trava, com eles nossa economia pode crescer. Para proteger tais empresários é mister que se compatibilizem as exigências da atividade empresarial com o volume de recursos movimentado por estes, isto é, não se pode exigir dos micro e pequenos empresários o mesmo que se exige de uma grande companhia33. 32 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 304. 33 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. Vol. 1. 5ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2013, pág. 651. 54 No mais recente e minucioso estudo34 publicado em 2015, por meio de uma frutífera parceria entre o SEBRAE 35 e o DIEESE36. Em 2013, havia cerca de 6,6 milhões de estabelecimentos de micro e pequenas empresas. Entre 2003 e 2013, o crescimento médio do número de micro e pequenas empresas foi de 3,0% ao ano; entre 2003 e 2008, ficou em 3,2% ao ano; enquanto que entre 2008 e 2013 foi de 2,8% ao ano. Em 2003, havia 5,0 milhões de estabelecimentos, já em 2013 eram 6,6 milhões. Portanto, em todo o período, foram criados aproximadamente 1,7 milhões de novos estabelecimentos, expansão de 33,8% no total de micro e pequenas empresas. MPE: Micro e Pequena Empresa. 34 MGE: Média e Grande Empresa. Anuário do trabalho na micro e pequena empresa: 2015. 7ª. ed. / SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Org.); Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos [responsável pela elaboração da pesquisa, dos textos, tabelas, gráficos e mapas]. – Brasília, DF; DIEESE, 2015, 296 págs. 35 O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) é uma entidade privada sem fins lucrativos. É um agente de capacitação e de promoção do desenvolvimento, criado para dar apoio aos pequenos negócios de todo o país. Desde 1972, trabalha para estimular o empreendedorismo e possibilitar a competitividade e a sustentabilidade dos empreendimentos de micro e pequeno porte. 36 Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. 55 Por outro lado, o estudo do SEBRAE/DIEESE confirmou a importância das micro e pequenas empresas na estrutura econômica brasileira e para o emprego, que representava em 2013, no Brasil, segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) - registro administrativo do Ministério do Trabalho -, cerca de 6,6 milhões de estabelecimentos responsáveis por 17,1 milhões de empregos formais privados não agrícolas. Com as mudanças tecnológicas e nos processos de trabalho que ocorrem nas grandes empresas, os microempresários e os empresários de pequeno porte assumiram papel ainda mais significativo na geração de postos de trabalho. MPE: Micro e Pequena Empresa. MGE: Média e Grande Empresa. Ainda de acordo com o estudo do SEBRAE/DIEESE, entre os anos de 2003 e 2013 foi verificado um aumento de 33,8% no número de estabelecimentos empresariais enquadrados na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, o que fez quase dobrar o número de empregos formais gerados dentro desse 56 período em razão da atividade desenvolvida por tais agentes econômicos, criando 7,3 milhões de empregos. Precisamente no ano de 2013, as microempresas e empresas de pequeno porte alcançaram, em média, o significativo percentual de 99% de todos os estabelecimentos instalados no território brasileiro; 52% dos empregos formais de estabelecimentos privados não agrícolas do país e de quase 42% da massa de salários paga aos trabalhadores destes estabelecimentos. Setorialmente, o comércio manteve-se como a atividade com maior número de microempresas e empresas de pequeno porte e responde, na média do período, por mais da metade do total das microempresas e empresas de pequeno porte brasileiras. No entanto, a participação relativa do comércio caiu de 54,6%, em 2003, 57 para 47,2% do total das microempresas e empresas de pequeno porte, em 2013, representando cerca de 3,1 milhões de agentes econômicos enquadrados nessa condição no comércio. Por sua vez, o setor de serviços não apenas se manteve como o segundo mais expressivo em número de microempresas e empresas de pequeno porte, como teve a participação elevada de 31,3%, do total de microempresas e empresas de pequeno porte, em 2003, para 37,3%, em 2013, quando havia cerca de 2,5 milhões de microempresas e empresas de pequeno porte no setor de serviços. A indústria apresentou ligeira queda na participação relativa, saindo de 11,0% do total das microempresas e empresas de pequeno porte, em 2003, para 10,6%, em 2013, época em que a indústria possuía 701 mil microempresas e empresas de pequeno porte. 58 Portanto, as microempresas e empresas de pequeno porte têm inegável importância na política econômica nacional pelo que representam na geração de emprego, notadamente quando se compara com os resultados produzidos pelas médias e grandes empresas ao longo de 2011 a 2015, o que repercute diretamente sobre a distribuição de renda no país37, como também na participação do Produto Interno Bruto, cujo segmento é responsável por 25% 38. MPE: Micro e Pequena Empresa. 37 MGE: Média e Grande Empresa. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pág. 462. 38 Disponível em: http://www.insper.edu.br/noticias/pequenas-empresas-representam-25-do-pibbrasileiro/acesso em 28 de fevereiro de 2014. 59 No âmbito Europeu, as micro, pequenas e medianas (PYMES) são o motor o motor da economia europeia. Constituem, segundo VERHEUGEN 39, uma fonte fundamental de postos de trabalho, assim como geram espírito empresarial e inovação na União Europeia, razão pela qual são vitais para promover a competitividade e o emprego. Segundo o Directorio Central de Empresas (DIRCE), em 1º. de janeiro do ano de 2014 havia na Espanha 3.114.361 empresas, das quais 3.110.522 (99,88%) são PYMES (entre 0 y 249 assalariados), ou seja, 99,88% do tecido empresarial está constituído por PYMES.40 Empresas según estrato de asalariados y porcentaje total, en España y en la UE27, 2013 Em comparação com a União Europeia, as microempresas (de 0 a 9 empregados) na Espanha representam 95,8% do total de empresas, 3,4 pontos acima da estimativa disponível para o conjunto da União Europeia no ano de 2013 (92,4%). Também há uma diferença significativa na representatividade das 39 VERHEUGEN, Günter. La nueva definición de PYME. Comunidades Europeas: Publicaciones de empresa e industria, 2006. 40 RETRATO DE LAS PYME 2015. Subdirección General de Apoyo a la PYME. Dirección General de Industria y de la Pequeña y Mediana Empresa. www.ipyme.org Madrid: Ministério de industria, energía y turismo secretaría general técnica. Subdirección general de desarrollo normativo, informes y publicaciones. Centro de publicaciones, enero de 2015. 60 empresas espanholas pequenas (3,5%), 2,9 pontos abaixo da estimativa para o conjunto da UE28 (6,4%). Entre 2003 y 2013, o número total de empresas na Espanha aumentou em 172.019 unidades, o que representa um incremento acumulado em dito período de 5,8%. No ano de 2013, o número de PYMES diminuiu em 28.584 empresas, o que significa uma retração de 0,91% em relação a 2012 e de 8,9% quanto comparado ao máximo alcançado em 2007. Sem embargo, no ano de 2014, de acordo com os dados do Ministerio de empleo y Seguridad Social (MEySS), no gráfico abaixo, verifica-se uma evolução do número de empresas em função do seu tamanho. 61 Atendendo a distribuição setorial, verifica-se como varia o tamanho empresarial em função dos setores econômicos a que pertencem a empresa. Assim, 85,8% das empresas industriais são microempresas e, entre elas, 47,4% tem entre 1 y 9 empregados. Com efeito, os setores de construção e o resto dos serviços aglutinam o maior número de empresas (com 61,5% e 55,1%, respectivamente) no segmento de microempresas sem assalariados. Enquanto no setor de comércio, cerca de 50% são microempresas sem assalariados e 47% tem entre 1 y 9 empregados. Ademais, 11,73% das empresas do setor da indústria são pequenas empresas (de 10 a 49 empregados), porcentagem muito superior ao que representam as pequenas empresas sobre o total de empresas (3,5%). Distribución sectorial por tamaño de empresa, 2013. Durante o ano de 2014, a PYME espanhola manteve uma particular importância em sua contribuição na geração de emprego empresarial, ocupando 66% do total de trabalhadores. Em particular, as empresas de menor dimensão são as que empregam um maior número de trabalhadores no segmento de PYME. As 62 microempresas e as pequenas empresas representam respectivamente 32,6% e 18,6% do emprego total. Empleo según estrato de asalariados y porcentaje sobre el total en España, y porcentaje en la UE27, 2014. Durante 2014, o crescimento interanual do número total de empregados nas PYMES é de 1,63%, com um aumento de 116.515 postos de trabalho, mantendo-se assim uma variação positiva pelo segundo ano consecutivo. É bem verdade que as grandes e as medianas empresas foram as que experimentaram uma maior taxa de incremento, com 3,08% e 2,74%, respectivamente. O emprego no estrato das grandes empresas se traduz em um incremento de 134.933 postos de trabalho. Porém, é incontestável a participação das PYMES na geração de emprego. Em 2013, o valor añadido bruto (VAB) espanhol - equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil - por ocupado da economia espanhola, de acordo com os dados do INE (contabilidad nacional), é de 58.619 euros, o que representa uma 63 taxa de crescimento interanual de 2,21%, situando-se acima da média da UE-28, estimada pela Comissão Europeia em 47.485 euros. Constata-se claramente, portanto, que tanto no Brasil como na Espanha, as micro e pequenas empresas (PYMES) têm sido responsáveis pela geração de emprego e renda, nos mais variados segmentos da economia, justificando-se a adoção de um tratamento diferenciado e favorecido, a fim de mantê-las em marcha, bem como permitir a expansão das mesmas. 64 2. REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA DA ATIVIDADE ECONÔMICA: A EMPRESA, O EMPRESÁRIO E O PODER DE TRIBUTAR. 2.1. CONTORNOS CONCEITUAIS DA EMPRESA E SEUS REFLEXOS TRIBUTÁRIOS. 2.1.1. As dimensões da empresa: subjetiva, objetiva e funcional. O Código Civil brasileiro de 2002, adotando o mesmo critério fixado pelo artigo 2.082 do Código Civil italiano de 1942, não conceituou a empresa, preferindo fixar o conceito apenas de empresário, nos seguintes termos: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” A empresa foi, então, introduzida nesse contexto como sendo uma relação entre atividade econômica e organização, voltado ao desenvolvimento do comércio, da indústria e da prestação de serviços, em regra desprovido de caráter intelectual, científico, literário ou artístico, exercida pelo empresário, de forma individual ou coletiva, constituindo, nessa última hipótese, a sociedade empresária. 65 Porém, inexistindo definição legal de empresa, mas sim a de seu titular - o empresário -, passaram os juristas a buscar um conceito jurídico e sua natureza no âmbito do Direito41. Entre eles se destaca ASQUINI, que, citado por RICARDO NEGRÃO, defende que há diversos perfis jurídicos sob os quais o Código Civil italiano (que influenciou fortemente o Código Civil brasileiro) considera o fenômeno econômico da empesa. Assim, conforme ASQUINI, o primeiro aspecto, denominado perfil subjetivo, é considerado a partir da definição do artigo 2.082 do Código Civil italiano, que corresponde ao citado artigo 966 do Código Civil brasileiro. Vislumbra-se aqui o aspecto subjetivo, de quem exerce a empresa – o empresário ou a sociedade empresária, que, em nome próprio, desenvolve atividade econômica organizada – incluindo a organização do trabalho alheio e do capital próprio ou alheio – e com o fim de operar para o mercado e não para consumo próprio, agindo, outrossim, de forma profissional, isto é, não eventual. Por sua vez, no perfil funcional se emprega a palavra “empresa” sob o aspecto funcional ou dinâmico, ou, como definido por ASQUINI: “a empresa aparece como aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um determinado escopo produtivo”. 41 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa: teoria geral da empresa e direito societário. Vol. I. 8ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 64-67. 66 De mais a mais, o terceiro perfil, denominado objetivo ou patrimonial, referese à empresa como patrimônio. O exercício da atividade empresarial (perfil funcional) pelo empresário ou sociedade empresária (perfil subjetivo) exige a utilização de um conjunto de bens dirigidos a uma finalidade específica, sintetizado sob a expressão azienda, expressamente conceituada no artigo 2.555 do Código Civil italiano, cuja redação inspirou o legislador pátrio, que optou, todavia, pela nomenclatura estabelecimento empresarial, utilizada no artigo 1.142 do Código Civil brasileiro, a saber: Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. O último perfil de ASQUINI é o corporativo ou institucional. Nas palavras do autor: “o empresário e seus colaboradores, dirigentes, funcionários, operários, não são de fato, simplesmente, uma pluralidade de pessoas ligadas entre si por uma soma de relações individuais de trabalho, com fim individual; mas formam um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos singulares colaboradores: a obtenção do melhor resultado econômico, na produção. A organização se realiza através da hierarquia das relações entre o empresário dotado de um poder de mando – e os colaboradores, sujeitos à obrigação de fidelidade no interesse comum.” 42. 42 NEGRÃO, R.: op. cit., pág. 67. 67 No dizer de RIPERT, as palavras empresa e empresário pertencem à língua corrente. O uso lhes deu sentido diferente. A primeira é usada para designar toda atividade orientada para certo fim; a segunda para qualificar o homem que, profissionalmente, executa certos trabalhos 43. Já na perspectiva portuguesa, MENEZES CORDEIRO44 reconhece que a empresa não é nem uma pessoa nem uma coletividade, nem um mero conjunto de elementos materiais. Segundo o autor, deve-se entendê-la (a empresa) como um conjunto concatenado de meio materiais e humanos, dotados de uma especial organização e de uma direção, de modo a desenvolver uma atividade segundo regras de racionalidade econômica. Ainda conforme o autor, os elementos da empresa podem ser agrupados da seguinte forma: (i) elemento humano que abrange todos os que colaboram na empresa, desde trabalhadores aos titulares (“donos”); (ii) elemento material integrado por coisas corpóreas e incorpóreas destinadas ao exercício da atividade econômica; (iii) uma organização compreendida pela articulação dos elementos humano e material; e, por fim, (iv) uma direção no sentido aglutinador dos meios envolvidos. Entende o autor que a empresa é, pois, uma organização produtiva que exprime no seu cerne a síntese entre os fatos e o ordenamento jurídico apto a permitir a sua existência e o seu funcionamento. 43 RIPERT, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. Campinas: Red livros, 2002, págs. 291-292. 44 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da rocha e. Manual de direito comercial. 2ª. Ed. Coimbra: Almedina, 2009, pág. 281. 68 Na visão espanhola, JIMÉNEZ SANCHEZ45, afirma que “desde un punto de vista estrictamente jurídico patrimonial, la empresa se habrá de concebir, a nuestro juicio, como una específica modalidad de riqueza productiva, constitutiva de un bien o valor patromonial de explotación” “resultante de la materialización de la iniciativa creadora del empresario, de la proyección patrimonial de su labor organizadora de los distintos factores produtivos, faculdades, poderes y técnicas jurídicas, y la actividad de produción e intermedición de bienes y servicios para el mercado a través del estabelecimiento mercantil. Este valor patrimonial de explotación se sustenta en tres soportes fundamentales: el empresario (sujeto organizador), el establecimiento (objeto organizado) y la organización.”. Constata-se, a partir das manifestações doutrinárias emanadas de autores anteriormente mencionados, que a empresa é, acima de tudo, fenômeno econômico ou atividade econômica, caracterizada pela produção e/ou a circulação de bens ou serviços, exercida de forma individual ou coletiva, com o propósito – nem sempre realizável – de obter lucro. Existem, de fato, três dimensões na empresa: uma subjetiva, centrada na pessoa do empresário; outra patrimonial, que decorre da reunião dos bens materiais e/ou imateriais necessários à consecução da atividade econômica; e uma terceira, 45 JIMÉNEZ SANCHEZ, Guillermo J. (coordinación). Lecciones de Derecho Mercantil. 11ª. Ed.. Madrid: Tecnos, 2007, pág. 68. 69 de caráter funcional, centrada no efetivo exercício organizado e profissional dessa atividade econômica. No dizer de REQUIÃO46, a empresa somente nasce quando de inicia a atividade sob a orientação do empresário. 2.1.2. Atividades econômicas desprovidas de natureza empresarial. Oportuno frisar que nem toda atividade econômica é configuradora da empresa. Isso porque, o Código Civil brasileiro, por força do parágrafo único do artigo 966, excluiu da condição de empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, mesmo que exista intuito lucrativo, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. A exclusão das atividades intelectuais do campo da empresa é o resultado de uma clara opção legislativa, uma vez que, do ponto de vista organizacional, da busca de lucro, da existência de um ou mais estabelecimentos, não há diferença substancial em relação ao campo de atividades reservado ao empresário 47. Cabe observar que a disposição contida no aludido parágrafo único do artigo 966 (Código Civil brasileiro) foi inspirada no artigo 2.238 do Código Civil italiano, que está inserido no capítulo relativo à empresa, ou seja, a profissão intelectual, no 46 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. I. 25ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 59. DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. Vol. 1. São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 140. 47 70 sistema italiano, não tem qualquer vinculação com a matéria relativa à empresa, exceto se elemento de uma atividade organizada em forma de empresa. GONÇALVES NETO48, em comentários ao disposto no parágrafo único do artigo 966 (Código Civil brasileiro), afirma que ser “elemento de atividade organizada em empresa” ou, simplesmente, “elemento de empresa” significa ser parcela dessa atividade e não a atividade em si, isoladamente considerada. Evidencia-se, assim, que “a única possibilidade de enquadrar a atividade intelectual no regime jurídico empresarial será considerando-a como parte de um todo mais amplo apto a se identificar como empresa – ou, mais precisamente, como um dos vários elementos em que se decompõe determinada empresa.”. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a missão de processar e julgar as matérias de sua competência originária e recursal, assegurando a uniformidade na interpretação das normas infraconstitucionais, por meio do Centro de Estudos Jurídicos do CJF, ao promover III Jornada de Direito Civil49, com o intuito de melhor elucidar as questões relacionadas ao regime empresarial, editou os enunciados 193, 194 e 195, reconhecendo que o “exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa”, destacando, ainda, que os “profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante 48 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 4ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 78. 49 Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovadosda-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015. 71 que a atividade pessoal desenvolvida”, e também que “a expressão ‘elemento de empresa’ demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial.”. Vale dizer que o caráter econômico é indissociável da empresa. É atividade econômica porque visa criar riquezas, gerar lucro, por meio da produção e/ou a circulação de bens ou serviços. Por isso, o cálculo empresarial utilizado na formação de preço de tais produtos ou serviços é composto dos custos, inclusive tributários, e de uma margem de lucro. Cabe ressaltar, ainda, que algumas atividades desenvolvidas, embora criativas, não se configuram empresa, por lhes faltar o intuito lucrativo, que é próprio desta (a empresa). É fato que nem sempre o lucro se materializa para o empresário, que, em alguns, acumula sucessivos prejuízos, impondo-se, por vezes, como consequência irremediável, a falência. Pois bem, como atividades exercidas pelas instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, pelos partidos políticos ou pelas entidades sindicais dos trabalhadores não são configuradoras da empresa. Não há, em tais atividades, o fator econômico empresarial. Inexiste, pois, o dispêndio de capital próprio e/ou de terceiros para criar riquezas, destina-las ao mercado de consumo, obter lucro e revertê-lo em proveito do empresário. 72 Tais entidades, por vezes se constituem na forma de associações, resultantes da união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, sem que haja, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos, nos termos do artigo 53 do Código Civil, a saber: “Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.” Note-se que, pelo fato de não perseguir escopo lucrativo, a associação não está impedida de gerar renda que sirva para a mantença de suas atividades e pagamento do seu quadro de empregados. Pelo contrário, o que se deve observar é que, em uma associação, os seus membros não pretendem partilhar lucros, como ocorre com os sócios de uma sociedade empresária50. Portanto, aqui o propósito lucrativo é que não existe. Não importa que tenham patrimônio, o qual se destina para atingir as finalidades estatutárias próprias51. Irrelevante, também, que, em decorrência de tais atividades associativas aufiram lucro, revertido em prol dos interesses filantrópico, religioso, social, etc. 50 STOLZE GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 214. 51 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, pág. 27. 73 Para a compreensão do que seja o elemento lucro, CAVALLI utiliza a noção de economicidade, a significar intenção de realizar lucro em sentido amplo, que impõe, como atributo da atividade, a noção de economicidade de gestão, entendido como equilíbrio estrutural entre ingressos e dispêndios52. A economicidadede de gestão, assim, relaciona-se à possibilidade de ganho, que se deve valorar no contexto da sociedade de produção de massa. Esta orientação doutrinária, assim, coloca na conta de índole econômica da sociedade atual a necessidade de incluir o elemento lucro na configuração do empresário. O argumento da índole econômica na sociedade industrial é utilizado por parte da doutrina para justificar a razão pela qual determinadas atividades não tem viés econômico e, portanto, quando exercidas, não concretizam a condição de empresário. Nesse sentido, atribui-se à expressão atividade econômica o significado de que, pelo exercício da atividade, o empresário cria riquezas, isto é, cria bens ou serviços. Este argumento é utilizado para justificar por qual motivo algumas atividades, embora criativas, não são qualificativas do empresário. Não basta, pois, para ser qualificada como econômica que uma atividade criadora de riqueza dê origem a um bem. É necessário que a produção deste bem seja orientada à satisfação de necessidades alheias, isto é, as trocas do mercado. 52 MACHADO CAVALLI, Cássio. Empresa, direito e economia: elaboração de um conceito jurídico de empresa no direito comercial brasileiro contemporâneo a partir do dado teórico econômico. 2012. 304 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2012, págs. 131-132. 74 A empresa é, portanto, o núcleo convergente de vários interesses, que realçam sua importância econômico-social, como: (i) lucro do empresário, individual ou coletivamente considerado (sociedade empresária), que assegura a sua própria manutenção; (ii) salário do trabalhador, permitindo sua sobrevivência e a de sua família53; (iii) interesse do consumidor, assim entendido como o destinatário final dos bens e/ou serviços produzidos pelo empresário; e (iv) a tributação, que viabiliza a obtenção, pelo Estado, dos recursos necessários ao seu custeio. Não por outra razão é que se reconhece, no âmbito da legislação brasileira, a relevância da empresa, enquanto fonte produtora de riquezas, geradora de emprego e renda para os trabalhadores, resguardados os interesses dos credores, justificando-se, por vezes, a sua preservação (da empresa), por sua função social e necessário estímulo à atividade econômica 54. 2.1.3. Repercussões tributárias dos conceitos de empresa, empresário, estabelecimento e lucro. Curial frisar que a fixação dos conceitos de empresa, empresário, estabelecimento e lucro são determinantes para o direito tributário e, por conseguinte, na cobrança de tributos. 53 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de empresa. Vol. 8. 3ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, págs. 47-48. 54 Lei. 11.101/2005. “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”. 75 Com efeito, os conceitos econômicos oriundos do direito privado, se e quando corretamente inseridos no direito tributário são imprescindíveis na compreensão do que pode ou deve ser tributado. É que o direito privado, especialmente aqui o direito empresarial, abriga parte das regras que regem relações potencialmente tributáveis. É a apreensão de um dado da realidade fática, ocorrido sob o pálio de normas jurídicas oriundas de outros ramos do direito (mormente o direito privado, consoante referido), que possibilitará a cobrança de tributos por parte do Estado-Administração. O estudo de tais conceitos tem inegáveis reflexos no direito tributário. Afinal, se a lei tributária não pode sequer modificar os institutos e conceitos de direito privado, consoante dispõe expressamente o artigo 11055 do Código Tributário Nacional, as mudanças operadas nesses mesmos institutos pela própria lei civil e/ou empresarial irão, consequentemente, alterar a estrutura das relações jurídico-tributárias, avultando como importante a análise do efetivo alcance dessas transformações no direito tributário56. Bem por isso é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no limite de sua respectiva competência (infraconstitucional), ao tratar da questão da imunidade de instituição de ensino, desprovida de intuito lucrativo, colocou em relvo o propósito 55 Código Tributário Nacional. “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”. 56 MOREIRA, André Mendes e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Reflexos do Novo Código Civil no Direito Tributário. In: Direito Tributário e o Novo Código Civil. In: TREIGER GRUPENMACHER, Betina (organizadora). São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 197. Disponível em: http://sachacalmon.com.br/publicacoes/artigos/reflexos-do-novo-codigo-civil-no-direito-tributario/. Consultado em: 19/04/2015. 76 elementar de servir à coletividade, colaborando com o Poder Público no exercício de funções precipuamente estatais e suprindo, dessa forma, as deficiências prestacionais, produzindo decisão assim ementada: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SEM FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE, FUNDADO NAS PROVAS DOS AUTOS E EM PERÍCIA TÉCNICA, CONCLUI PELO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 14 DO CTN. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO CERTIFICADO DE ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, PELO TRIBUNAL A QUO, QUE DESATENDE À FINALIDADE DA NORMA IMUNIZANTE. AGRAVO REGIMENTAL DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO.”57. Da análise detalhada dos fundamentos do julgamento em tela, verifica-se expressa referência à Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 150, inciso VI, c, prevê tão somente a concessão da imunidade tributária às entidades de assistência sociais sem fins lucrativos, delegando à lei infraconstitucional os requisitos para a incidência da norma imunizante: 57 STJ. Recurso: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 187.172 - DF (2012⁄0117403-3). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do Julgamento: 18/02/2014. 77 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.”. Some-se a isso o fato de que o código tributário nacional do Brasil (CTN), em seu art. 9º., inciso IV, traz um rol de imunidades fiscais concedidas a determinadas pessoas, liberando-as do obrigação de pagar determinados tributos e afastando, por consequência, a incidência de regra jurídica de tributação em situações específicas e satisfatoriamente caracterizadas; eis a dicção desse dispositivo legal complementar: “Art. 9o. - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) 78 IV - cobrar imposto sobre: a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros. § 1o. - O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros. § 2o. - O disposto na alínea a do inciso IV aplica-se, exclusivamente, aos serviços próprios das pessoas jurídicas de direito público a que se refere este artigo, e inerentes aos seus objetivos.”58. 58 Sem destaques no texto original. 79 Os pressupostos para a concessão da benesse pleiteada encontram-se no artigo 14 do código tributário nacional do Brasil (CTN), que dispõe as exigências do que se entende por ausência de finalidade lucrativa, a saber: “Art. 14 - O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º. é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1o. Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1o. do artigo 9º., a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. § 2o. Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º. são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades 80 de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.”59 Também enfrentando a questão da imunidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu: “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ISS. CONTRIBUINTE DO IMPOSTO. EMPRESA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA. FINALIDADE LUCRATIVA. ENQUADRAMENTO NÃO-CARACTERIZADO. 1. Nos casos em que o ato questionado pelo contribuinte for objeto de recurso administrativo, a contagem do prazo para aforamento do writ somente tem início com a decisão final naquele procedimento, data a partir da qual se torna exeqüível o ato impugnado. 2. O novo Código Civil Brasileiro, em que pese não ter definido expressamente a figura da empresa, conceituou no art. 966 o empresário como "quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços" e, ao assim proceder, propiciou ao interprete inferir o conceito jurídico de empresa como sendo "o exercício organizado 59 Sem destaques no texto original. 81 ou profissional de atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou de serviços". 3. Por exercício profissional da atividade econômica, elemento que integra o núcleo do conceito de empresa, há que se entender a exploração de atividade com finalidade lucrativa. 4. Em se tratando o ECAD de associação civil, que não explora de fato qualquer atividade econômica, visto que desprovida de intento lucrativo, não se subsume, à toda evidência, no conceito de empresa, razão por que não é ele contribuinte do imposto sobre serviço de qualquer natureza tipificado no art. 8º do Decreto-Lei n. 406, de 31.12.68. 5. Recurso especial a que se nega provimento.”60 De igual modo, o Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão de cúpula do Poder Judiciário, ao qual compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição Federal, ao se pronunciar sobre a questão da imunidade, a saber: “AGRAVO REGIMENTAL INSTRUMENTO 60 2. EM IMUNIDADE AGRAVO DE TRIBUTÁRIA. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 623.367⁄RJ. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Órgão julgador: T1 - Segunda Turma. Data do Julgamento: 15⁄06⁄2004. Original sem destaques em negrito. 82 ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. COMPROVAÇÃO DE EXISTÊNCIA DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. ART. 14 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. LEGISLAÇÃO INTERPRETAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. REFLEXA. SÚMULA 279/STF. AGRAVO REGIMENTAL A DE OFENSA PRECEDENTES. QUE SE 3. NEGA PROVIMENTO.”61 Infere-se da análise dos julgados acima, a utilidade e necessidade de domínio dos conceitos de direito privado, espacialmente os conceitos fundamentais de empresa, empresário e lucro, que se constituíram objeto do presente tópico. 61 STF. Recurso: AI 512985 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO. AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 16/10/2007. 83 2.2. CARACTERIZAÇÃO DO EMPRESÁRIO: TITULARIDADE INDIVIDUAL OU COLETIVA DA EMPRESA. São duas as espécies de empresário: o individual, aquele que exercita a atividade econômica em seu próprio nome, assumindo individualmente os riscos, e o coletivo, que é revestido pela figura da sociedade empresária, formada, em geral, por, no mínimo, duas pessoas, que partilham resultados positivos ou negativos da atividade econômica, suportando, pois, em conjunto, os riscos respectivos. Quando se está diante de uma sociedade empresária, é importante atentar para o fato de que os seus sócios não são empresários: o empresário, nesse caso, é a própria sociedade, ente ao qual o ordenamento jurídico confere personalidade e, por conseguinte, capacidade para ser titular de direito e contrair obrigações. Assim, pode-se dizer que a expressão empresário, por vezes utilizada na legislação pátria, designa um gênero, do qual são espécies o empresário individual (pessoa física ou natural) e a sociedade empresária62, que, quando regularmente constituída e registrada em órgão próprio cria a pessoa jurídica. A propósito, conforme RUGGIERO63, a pessoa jurídica pode ser definida como “qualquer unidade orgânica resultante de uma coletividade organizada de pessoas ou de um complexo de bens a que, para consecução de um fim social 62 SANTA CRUZ RAMOS, André Luiz. Direito empresarial esquematizado. 2ª. Ed. São Paulo: Método, 2012, pág. 38. 63 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. 1ª. Tradução da 6ª. ed italiana por Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1999, pág. 550. 84 duradouro e permanente, é pelo Estado reconhecida uma capacidade de direitos patrimoniais.”. Nesse sentido, imperioso ressaltar que a distinção entre empresário individual (pessoa física ou natural) e pessoa jurídica também tem sido feita pelos Tribunais braseiros, conforme se verifica a partir da simples análise da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, a seguir transcrita: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INSOLVÊNCIA CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 515, § 1º, DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. OMISSÃO. NÃOOCORRÊNCIA. MANIFESTAÇÃO DIRETA DO TRIBUNAL ACERCA DO PONTO PRETENSAMENTE OMISSO. JULGAMENTO DA CAUSA MADURA. APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 515, § 3º, DO CPC. PEDIDO DE INSOLVÊNCIA CIVIL MANEJADO CONTRA SÓCIO DE EMPRESA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DA FIGURA DO COMERCIANTE. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (...) 5. A pessoa física, por meio de quem o ente jurídico pratica a mercancia, por óbvio, não adquire a personalidade desta. Nesse caso, comerciante é 85 somente a pessoa jurídica, mas não o civil, sócio ou preposto, que a representa em suas relações comerciais. Em suma, não se há confundir a pessoa, física ou jurídica, que pratica objetiva e habitualmente atos de comércio, com aquela em nome da qual estes são praticados. O sócio de sociedade empresarial não é comerciante, uma vez que a prática de atos nessa qualidade são imputados à pessoa jurídica à qual está vinculada, esta sim, detentora de personalidade jurídica própria. Com efeito, deverá aquele sujeitar-se ao Direito Civil comum e não ao Direito Comercial, sendo possível, portanto, a decretação de sua insolvência civil. 6. Recurso especial não conhecido” 64. 2.2.1. Titularidade Individual da Empresa 2.2.1.1. Empresário Individual Empresário individual é a pessoa física ou natural, cuja atuação regular, por si só, não é suficiente para produzir uma pessoa jurídica, que exige a constituição válida de uma sociedade empresária ou de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI, consoante será demonstrado. Portanto, em se tratando de um empresário individual, os seus bens pessoais, ou seja, da própria pessoa física ou natural, respondem pelas obrigações assumidas em decorrência do 64 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 785.101 - MG (2005/0157147-3). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 19/05//2009. Original sem destaques em negrito. 86 efetivo exercício da atividade econômica de caráter empresarial. Não há um patrimônio separado. Confundem-se, então, os bens destinados ao efetivo exercício da atividade econômica empresarial, que compõe o estabelecimento empresarial, com os bens que, de igual modo, integram o patrimônio da pessoa física ou natural do empresário individual, e que são destinados a fins não econômicos ou empresariais, como, por exemplo, o simples lazer. De igual modo, no sistema espanhol, o empresário individual responde, “como todo deudor, con todos sus bienes presentes y futuros (art. 1.911 Código Civil65).”. “La responsabilidade patrimonial del empresario individual comprende no sólo los bienes que están afectados al ejercicio de la actividad empresarial, sino también los que no lo están; o dicho en otros términos, no hay una distinción a estos efectos entre su patrimonio mercantil y civil.”.66 Esclareça-se que o entendimento, por vezes errôneo, no sentido de confundir o empresário individual (pessoa física ou natural) com a pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI) decorre da interpretação e aplicação da lei tributária que os equipara (empresário individual e pessoa jurídica) para fins de exigibilidade de impostos, taxas e contribuições. 65 Código Civil Español. “Art. 1.911. Del cumplimiento de las obligaciones responde el deudor con todos sus bienes, presentes y futuros.” Disponível em: http://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A1889-4763. Acesso em: 09 de março de 2014. 66 SANCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 68. 87 Apenas para fins fiscais o empresário individual, ainda chamado por alguns de firma individual, foi equiparado à pessoa jurídica. No entender de GONÇALVES NETO67, o que o legislador prescreveu, aí, foi o seguinte: o empresário individual, ou, para alguns a firma individual, por não ser pessoa jurídica, fica equiparado para efeito de sobre ele incidirem as regras específicas de tributação aplicáveis à pessoa jurídica. Em suma: para os efeitos da legislação do direito privado, a empresa individual não é e nunca foi considerada pessoa jurídica. A eventual equiparação do empresário individual com a pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário 68. Igualmente oportuno frisar que o empresário individual deve ter capacidade plena para o exercício das atividades civis e empresarias, bem como não poderá incorrer em nenhum tipo impedimento legal, que se constitua fator proibitivo do exercício da atividade econômica de cunho empresarial. É o que se extrai da simples análise dos artigos 972 e 973 do Código Civil brasileiro: 67 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Apontamentos de direito comercial. Curitiba: Juruá, 1998, págs. 174-175. 68 SOARES DE CASTRO, Moema Augusta. Manual de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pág. 44. 88 “Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.” “Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas.” É que o legislador pátrio entendeu por bem limitar o exercício pessoal de direitos, dependendo da idade, saúde ou cognição mental de determinadas pessoas, sempre levando em conta a necessidade de protegê-las, de tal sorte que são classificados como absolutamente incapazes ou relativamente incapazes69. Por conseguinte, de acordo com o artigo 3º do Código Civil, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil e empresarial: os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Por seu turno, consoante dispõe o artigo 4º do mesmo Código, são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de exercê-los: os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência 69 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 7ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pág. 71. 89 mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e os pródigos70. Por outro lado, embora a Constituição da República estatuir, em seu artigo 5º., inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, há determinadas pessoas que, embora plenamente capazes, não podem exercer atividade econômica de caráter empresarial. Dita proibição funda-se em razões de ordem pública em decorrência, por vezes, das funções que exercem, como nos casos de magistrados, membros do ministério público, agentes públicos, militares e estrangeiros com visto provisório, por exemplo. Também em decorrência da decretação de falência, o empresário falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial até a sentença que extingue suas obrigações. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro, consoante os termos do artigo 102, parágrafo único, da Lei 11.101/2005. Não se trata de incapacidade jurídica, mas de incompatibilidade da atividade negocial em relação a determinadas situações. Um verdadeiro impedimento legal. 70 Em razão de alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.146, de 2015, a partir do dia 06 de janeiro de 2016, passará a vigorar a seguinte redação dos artigos 3º. e 4º. do Código Civil: o “Art. 3 São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. o Art. 4 São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.” 90 Portanto se exercer atividade econômica violando a proibição legal, a pessoa física ou natural estará praticando irregularmente atos válidos71, porquanto responderá pelas obrigações assumidas. Especificamente no campo tributário, ninguém se escusa da obrigação tributária sob a alegação de estar privado do gozo de certo direito ou limitado, por medidas legais, administrativas ou judiciais, no exercício de qualquer atividade econômica ou afastado da administração de seus bens ou negócios72. É o que dispõe o artigo 126, incisos I e II, do código tributário nacional do Brasil, a saber: “Art. 126. A capacidade tributária passiva independe: I - da capacidade civil das pessoas naturais; II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; Some-se a isso, a exigência imposta pelo artigo 967 do Código Civil brasileiro, de que “é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.”. 71 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 13ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 23. 72 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 730. 91 De acordo com a Lei 8.934/94 e o Decreto 1.800/96, a execução dos serviços de Registro Público de Empresas compete às Juntas Comerciais, que estarão administrativamente subordinadas ao governo da respectiva unidade federativa. Significa que cada um dos Estados integrantes da Federação – assim como o Distrito Federal – mantém uma Junta Comercial, subordinando-se ao controle e supervisão, em matéria técnica, ao Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, órgão de caráter Nacional, vinculado ao Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República. Portanto, cumpre à autoridade competente da Junta Comercial, antes de efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento, bem como fiscalizar a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados, razão pela qual verificada a existência de vício insanável, o requerimento será indeferido; quando for sanável, o processo será colocado em exigência. Logo, obedecidos tais requisitos (capacidade, ausência de impedimentos), o empresário individual, antes de iniciar a exploração da atividade econômica, deverá promover sua inscrição no registro público de empresas (junta comercial), mediante requerimento que conterá: (i) seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil, e, se casado, o regime de bens; (ii) a firma sob a qual exercerá a atividade, com a respectiva assinatura autógrafa, ou seja, o modo como assinará a firma individual, (iii) o capital empregado; (iv) a delimitação do objeto social; e (v) a sede. 92 É preciso acentuar que dita inscrição na junta comercial, embora seja uma obrigação, não é constitutiva de direitos. Explique-se: é que a inscrição do empresário individual é, em princípio, um ato declaratório, visto que tem por fim dar publicidade à condição jurídica de quem exerce atividade econômica reputada passível de registro perante o registro público de empresas. Se descumprir essa obrigação, não deixa de ser empresário73, porquanto “a inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua caracterização” 74 . Entretanto, não promovendo sua inscrição, fica sujeito a responder por perdas e danos perante eventuais prejudicados, consoante previsto no artigo 1.151, a saber: “Art. 1.151. O registro dos atos sujeitos à formalidade exigida no artigo antecedente será requerido pela pessoa obrigada em lei, e, no caso de omissão ou demora, pelo sócio ou qualquer interessado. § 1o Os documentos necessários ao registro deverão ser apresentados no prazo de trinta dias, contado da lavratura dos atos respectivos. 73 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 4ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, págs. 80-81. 74 Enunciado 199 da Comissão de direito de empresa, III Jornada de direito civil. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-dedireito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015. 93 § 2o Requerido além do prazo previsto neste artigo, o registro somente produzirá efeito a partir da data de sua concessão. § 3o As pessoas obrigadas a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou demora.”.75 Acrescente-se que a inscrição do empresário no registro público de empresas (junta comercial) é somente a primeira das várias obrigações necessárias à perfeita regularização da empresa. É que, sob as perspectivas administrativa e tributária, o empresário necessita obter licenças do Poder Público antes de iniciar a atividade, especialmente perante a Receita Federal do Brasil 76, inscrevendo-se no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (equiparando-se, para fins tributários, a pessoa física do empresário individual à pessoa jurídica) antes de iniciar as respectivas atividades, nos termos do disposto na Instrução Normativa RFB nº 1.183 de 19 de agosto de 2011, a saber: “Art. 4º Todas as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a inscrever no CNPJ cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades.”. 75 76 Original sem destaques. Órgão equivalente a Agencia Tributaria Espanhola. 94 Assim é que aquele que exerce a empresa de modo clandestino afronta a legislação fiscal, sujeitando-se a consequências administrativas, civis e penais. O risco de apreensão de mercadorias, interdição do local de trabalho, incidência de multas e imposição de impedimentos é grande. Caso seja surpreendido, pode perder aquilo que estruturou 77. No entanto, a inscrição e modificação dos dados no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ devem ser garantidas a todos os empresários regular e previamente inscritos no órgão de registro (Junta Comercial), sem a imposição de restrições infra-legais, que obstaculizem o exercício da livre iniciativa e desenvolvimento pleno de suas atividades econômicas, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça – STJ 78. Em se tratando de Empresário Individual enquadrado como microempresário ou empresário de pequeno porte, cujos critérios serão adiante demonstrados, o registro na Junta Comercial competente ocorrerá independentemente da prova da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, sem prejuízo das responsabilidades do empresário por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção, conforme dispõe o artigo 9º. da Lei Complementar 123/2006. Outrossim, ainda em se tratando de empresários, de sociedades empresárias e de demais equiparados que se enquadrarem como microempresário ou empresário de pequeno porte, o registro poderá ser deferido pela Junta Comercial, 77 BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 118. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 901.068 - PR (2006⁄0248171-5). Relator: Ministro Luiz Fux. Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do julgamento: 04/12/2008. 78 95 independentemente da apresentação da certidão de inexistência de condenação criminal, que será substituída por declaração do titular, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer atividade mercantil em virtude de condenação criminal. Ademais, as extinções (baixas) dos registros na Junta Comercial referentes a empresários e pessoas jurídicas que se enquadrarem como microempresário ou empresário de pequeno porte, poderá ocorrer independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos titulares, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção. 2.2.1.2. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI. A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI surgiu com a publicação da Lei número 12.441, de 11 de julho de 2011, que entrou em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação. Referida Lei promoveu a alteração do artigo 44 do Código Civil brasileiro para ampliar o rol das pessoas jurídicas de direito privado, mediante a inclusão do VI, cujo exato teor é o seguinte: 96 "Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado................................................................................. VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.” Outrossim, foi adicionado ao Código Civil de 2002 o artigo 980-A, inserido no Título I-A, Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, ao Livro II, Do Direito de Empresa. DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior saláriomínimo vigente no País. § 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da responsabilidade limitada. empresa individual de 97 § 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. § 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade independentemente societária das razões num que único sócio, motivaram tal concentração. § 4º ( VETADO). § 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. Advirta-se que, nos termos do artigo 45 do Código Civil, começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo na Junta Comercial, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do 98 Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Portanto, somente será possível afirmar que a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI estará submetida ao regime próprio das Pessoas Jurídicas após o deferimento do pedido de registro apresentado à Junta Comercial competente. De igual modo, assim como ocorre com o Empresário Individual, caso a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI seja enquadrada na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, o registro na Junta Comercial competente ocorrerá independentemente da prova da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, sem prejuízo das responsabilidades do empresário por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção, conforme dispõe o artigo 9º. da Lei Complementar 123/2006. Outrossim, ainda em se tratando de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI enquadrada na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, o registro poderá ser deferido pela Junta Comercial, independentemente da apresentação da certidão de inexistência de condenação criminal, que será substituída por declaração do titular, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer atividade mercantil em virtude de condenação criminal. 99 Constata-se que a disciplina legal desta nova pessoa jurídica revela um caráter inovador ao possibilitar a sua criação por um único titular, pessoa física ou natural, que estará submetida aos mesmos pressupostos legais exigidos para atuação como Empresário Individual – já anteriormente apontados, especialmente quanto à comprovação da capacidade plena para o exercício das atividades civis e empresarias, bem como a ausência impedimento legal, que se constitua fator proibitivo do exercício da atividade econômica de cunho empresarial. E mais: exige-se, como requisito constitutivo da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI que o capital inicial destinado ao desenvolvimento da respectiva atividade econômica empresarial seja, no mínimo, equivalente a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Além destas modificações mencionadas, a Lei 12.441/2011 também alterou o Código Civil, em seu artigo 1.033, parágrafo único, para admitir a conversão, em Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI, da sociedade empresária porventura atingida, após a sua regular constituição e desenvolvimento, pela ausência de pluralidade social, dado que, no Brasil, não se admite a figura da sociedade unipessoal. Desta maneira, constatada ausência da pluralidade social pela retirada de um ou mais sócios, o (sócio) remanescente poderá pleitear a conversão da sociedade em EIRELI, a fim de aproveitar todos os atos pertinentes ao exercício da empresa, evitando, assim, a extinção societária. Nesse sentido, dispõe o artigo 1.033, parágrafo único, do Código Civil: 100 "Art. 1.033.......................................................................... Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código."79 Após a introdução da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI no ordenamento jurídico brasileiro, permite-se que a pessoa física que deseja atuar empresarialmente constitua um novo sujeito de direito, uma pessoa jurídica, que lhe permite o desempenho das atividades econômicas empresariais, sem a necessidade de ter ao lado um sócio, somente para preencher uma lacuna legislativa, pois, antes da Lei número 12.441, de 11 de julho de 2011, a criação de uma pessoa jurídica para fins empresariais exigia, em regra, a constituição de uma sociedade empresária, formada por, no mínimo, duas pessoas. Atualmente, é possível considerar as pessoas jurídicas como entidades que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direito e obrigações, 79 Original sem destaques. 101 desvinculando-as da necessidade de existir a prévia pluralidade de pessoas 80, como condição geral e regularmente necessária para sua constituição. Com efeito, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não tem forma nem figura societária, mas sim mera pessoa jurídica de direito privado adstrita a único titular, cujo patrimônio está exclusivamente vinculado ao negócio empresarial 81. Portanto, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado 82. Por se revestir da condição de pessoa jurídica, o patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa física ou natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica83 na eventual constatação de fraudes ou abusos. 80 VILELA CARDOSO, Paulo Leonardo. O empresário de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 83. 81 ABRÃO, Carlos Henrique. Empresa individual. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 12. 82 Enunciado 469 da V Jornada de direito civil. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJCoedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direitocivil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015. 83 Enunciado 470 da V Jornada de direito civil. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJCoedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direitocivil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015. 102 Certamente, a autonomia patrimonial que resulta na perfeita separação entre os bens da pessoa jurídica com os da pessoa física do respectivo titular, é a maior vantagem que a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI oferece. Com isso, é possível adotar verdadeira estratégia negocial voltada à projeção dos riscos que o empresário, revestido da condição de pessoa jurídica, não somente deseja, mas, sobretudo, consegue suportar, dimensionando, assim, no âmbito das obrigações de cunho negocial, excluídas as de caráter trabalhista ou tributário, para demonstrar aos credores, a partir da informação contida no ato constitutivo, qual é a dimensão do patrimônio da pessoa jurídica e, consequentemente, qual o tamanho da responsabilidade que pode e deve ser assumida. Saliente-se, porém, que a criação efetiva e regular da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI exige o cumprimento da obrigação de promover o registro no órgão próprio, que, em se tratando de atividade econômica organizada é a Junta Comercial. Conforme TOMAZETTE, em todo caso, a constituição originária ou derivada da EIRELI representará uma declaração de vontade do seu titular. Tal declaração não tem natureza de um contrato, pois não há conjugação de vontades, mas de uma declaração unilateral de vontade. Com essa declaração de vontade será possível o surgimento dessa nova pessoa jurídica, o qual só se concretizará com o registro do ato constitutivo na junta comercial 84. 84 TOMAZETTE, M.: op. cit., Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, pág. 63. 103 Frise-se, por oportuno, que tal como ocorre com a figura do empresário individual (pessoa física ou natural), também é exigido do titular da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI a demonstração da sua plena capacidade, nos termos anteriormente demonstrados, bem como se impõe a completa ausência de impedimentos legais que vedem o exercício da empresa. 2.2.2. Sociedade Empresária. Conforme anteriormente exposto, o exercício da empresa poderá ocorrer de forma singular, cujo respectivo titular poderá atuar tanto na condição de mera pessoa física ou natural (empresário individual) como na qualidade de pessoa jurídica formada por uma única pessoa (empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI). Porém, também é possível que o desenvolvimento da atividade econômica empresarial seja feito coletivamente, mediante a conjugação de esforços de duas ou mais pessoas, constituindo, então, a sociedade empresária, que, no Brasil, frise-se, exige, em regra, a pluralidade social, afastando a possibilidade de formação de sociedade de uma só pessoa. Não se pode e nem se deve confundir a sociedade empresária com a sociedade simples, pois, enquanto na primeira a atividade econômica desenvolvida 104 configura empresa (em seu perfil funcional 85), ou seja, a produção ou circulação de bens ou serviços, na segunda o objeto explorado tem caráter intelectual, científico ou literário; muito embora a busca pela percepção de lucro seja traço característico de ambas (sociedade empresária e simples). A sociedade empresária corresponde a um mecanismo jurídico que é titular de bens e recursos financeiros, os quais lhe permitem o exercício de uma atividade econômica destinada a proporcionar lucros aos sócios, mas também os sujeita a eventuais perdas 86. Ressalte-se, ainda, que a regular constituição da sociedade exige a elaboração de instrumento escrito, em geral de natureza contratual, que contenha os elementos essenciais de âmbito genérico, ou seja, aplicável a todo e qualquer negócio jurídico, quais sejam: agente capaz (se dotado de poderes de administração da sociedade), objeto lícito e possível e forma prescrita ou não defesa em lei; admitida a possibilidade do sócio incapaz, por meio de representante ou assistente, dela participar (da sociedade empresária), desde que (o incapaz) não tenha poderes de administração e esteja o capital social totalmente integralizado, ou seja, os bens e os recursos financeiros necessários à formação do patrimônio social tenham sido efetivamente transferidos no momento do ingresso (do incapaz). 85 Vide item 2.1 da presente tese. MALHEIROS DUCLERC VERÇOSA, Haroldo. Direito das sociedades: teoria geral das sociedades; as sociedades em espécie do código civil. 3ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pág. 39. 86 105 De outro lado, a regular constituição da sociedade também exige a presença de elementos específicos do direito societário, tais como, a necessidade de que todos os sócios contribuam para formação do capital social, seja com bens, créditos ou dinheiro; bem como a participação de todos os sócios nos resultados, positivos ou negativos, da sociedade. Consoante dispõe o código civil brasileiro, em seu artigo 981: “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.” Invariavelmente, o escopo final do ato constitutivo de uma sociedade empresária é uma espécie de denominador comum, sem o qual não teriam razão a existência e a própria formação da sociedade, e do vínculo societário 87. 87 MONTE SIMIONATO, Frederico A. Tratado de direito societário. Vol. 1. São Paulo: Forense, 2009, pág. 2. 106 O instrumento de constituição societária pode, no Brasil, ser particular ou público (lavrado por um Notário), de acordo com a conveniência e interesse dos envolvidos, sendo certo que, quando a constituição ocorre por meio de instrumento particular, cujas cláusulas e condições sociais são inseridas para compor, ao final, um só documento, sem a interveniência ou a chancela notarial, reduzindo, assim, os custos incorridos na formalização da pessoa jurídica. De todo modo, seja público ou particular, a regularidade constitutiva impõe o registro do ato constitutivo da sociedade empresária na junta comercial competente, a exemplo, aliás, do que ocorre com o Empresário Individual e a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. De maneira que a sociedade empresária somente será uma pessoa jurídica após o deferimento do pedido de registro na Junta Comercial, cujo ato constitutivo, no tocante ao respectivo conteúdo, além das cláusulas livremente estipuladas pelas partes, ou seja, no mínimo duas pessoas, eis que, repita-se, no Brasil não se admite sociedade unipessoal, mencionará obrigatoriamente o seguinte: (i) nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas. (ii) a denominação, objeto, sede e prazo da sociedade. 107 (iii) o capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária. Sem embargo da maioria da doutrina e das legislações optarem pela fixação de um capital mínimo, quando da constituição da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, trilhou o legislador brasileiro caminho oposto, omitindo-se a respeito e assim deixando ao exclusivo alvedrio dos sócios a estipulação do capital, com o qual dará início a sociedade às atividades conducentes à realização de seu objeto social88. Não se exige um capital mínimo. Porém, é necessário compatibilizá-lo com a função econômica da empresa, no sentido de que não poderá ser um valor ínfimo. (iv) a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la, seja com dinheiro seja com bens e direitos. (v) as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços, em caso de sociedade simples, porém vedando-se tal possibilidade de contribuição nas sociedades limitadas. (vi) as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições. (vii) a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas. 88 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. 4ª. ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, págs. 228-229. 108 (viii) se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Vale dizer que, a exemplo do que ocorre com o Empresário Individual, quando a sociedade empresária for enquadrada como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, o deferimento do pedido de registro na Junta Comercial competente ocorrerá independentemente da prova da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, sem prejuízo das responsabilidades do empresário por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção, conforme dispõe o artigo 9º. da Lei Complementar 123/2006. Outrossim, ainda em se tratando de microempresário ou empresário de pequeno porte, o registro poderá ser deferido pela Junta Comercial, independentemente da apresentação da certidão de inexistência de condenação criminal, que será substituída por declaração do titular, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer atividade mercantil em virtude de condenação criminal. A fim de facilitar e desonerar a constituição das sociedades que se enquadrarem como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, a Lei 123/2006 também estabeleceu a dispensa do visto do advogado no respectivo ato constitutivo. Quando regularmente constituída, mediante registro em órgão próprio registro de empresas, que, no Brasil, tal como já destacado, é a Junta Comercial, a 109 sociedade empresária adquire personalidade jurídica que a distingue dos seus integrantes, consoante dispõe o Código Civil, em seu artigo 45: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação de Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. Oportuna frisar que o fato de não se revestir da condição de pessoa jurídica, por lhe faltar o registro, não desobriga a sociedade, por intermédio dos respectivos sócios, do cumprimento das obrigações assumidas perante os credores. Aliás, no marco do código tributário nacional, a capacidade tributária passiva independe de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional, razão pela qual os sócios componentes de uma sociedade, sem registro no órgão próprio, não podem se escusar do cumprimento das obrigações respectivas, cabendo-lhes suportar, com os respectivos bens pessoais, o pagamento dos tributos devidos em virtude da exploração da atividade econômica. É que a irregularidade constitutiva, caracterizada pela ausência de registro do instrumento particular ou público, resulta na ausência de personalidade jurídica e na 110 inexistência da pessoa jurídica, dotada de autonomia patrimonial, razão pela qual a responsabilidade dos sócios é solidária e ilimitada, diante do eventual inadimplemento das obrigações decorrentes do exercício da atividade. LYON PUELMA afirma que “personas jurídicas con base corporativa aquellas que tienen como substrato personal una colectividad de individuos. El acto constitutivo de una persona jurídica contiene la declaración común de voluntad de sus miembors en orden a unirse en asociación, a formar un todo colectivo, al cual cada uno se declara pertenecer como miembro subordinado.”.89 Com efeito, formada a sociedade empresária pela conjugação de vontades individuais, que lhe propiciam os bens e o capital necessários à consecução das atividades econômicas, a consequência mais importante é o desabrochar de sua personalidade jurídica. A sociedade empresária transforma-se em novo ser, estranho à individualidade das pessoas que participaram de sua constituição, compondo um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de deliberação, administração e execução que ditam e fazem cumprir sua vontade com vistas ao desenvolvimento da empresa. Seu patrimônio, no terreno obrigacional, assegura sua responsabilidade direta perante os terceiros 90. Dito de outro modo, os bens da pessoa jurídica é que garantem o pagamento das obrigações dos credores. 89 LYON PUELMA, Alberto. Personas jurídicas. 4ª. Ed. Santiago (Chile): Ediciones Universidad Católica de Chile, 2006, pág. 97. 90 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1. 25ª.. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 373. 111 Dentro desse contexto, é a sociedade empresária quem adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador, consoante dispõe o artigo 1.022, do Código Civil brasileiro. No mesmo sentido, o ordenamento jurídico espanhol, conforme DÍAZ MORENO91, “reconoce personalidad jurídica a las sociedades mercantiles una vez constituídas (art. 116.2 C. de c.). Ello suponde que la sociedad goza de una personalidad distinta a la de los socios que la componen y que ella misma podrá ser titular de derechos y obligaciones, tendrá la consideración de comerciante, usará su proprio nombre, tendrá un domicilio y una nacionalidad y será titular de un patrimonio propio con el que responderá de las deudas sociales”. Vale dizer que no Brasil tem efetiva relevância dois tipos ou espécies de sociedades empresárias ou mercantis: as limitadas e as anônimas ou por ações. Isso porque, uma vez regularmente constituídas e estando o capital social totalmente integralizado, caracterizam-se as sociedades limitadas e as anônimas ou por ações pela limitação da responsabilidade dos sócios quanto ao pagamento das obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica, ocasionando, como regra geral, a impossibilidade do credor alcançar os bens individuais dos sócios na hipótese de eventual inadimplemento das dívidas decorrentes do exercício da atividade econômica empresarial. 91 DÍAZ MORENO, Alberto et alli. Lecciones de derecho mercantil. Madrid: Tecnos, 2007, pág. 157. 112 Esse é o princípio da autonomia patrimonial. Sua importância para o desenvolvimento de atividades econômicas, da produção e circulação de bens e serviços, é fundamental, na medida em que limita a possibilidade de perdas nos investimentos mais arriscados92. A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio individual dos sócios não responde por dívidas contraídas pela sociedade limitada ou pela anônima, de capital totalmente integralizado e revestida da condição de pessoa jurídica, motivam-se os investidores e empreendedores a tomarem parte no negócio. No dizer de ASCARELLI, sociedade e sócio ou acionista constituem distintos sujeitos jurídicos; nem o sócio ou acionista pode obrigar a sociedade, nem a sociedade pode obrigar o acionista. Nome e sede da sociedade diferem do nome e domicílio do sócio ou acionista; separados são os patrimônios respectivos; os créditos do sócio ou acionista não são os da sociedade; as dívidas da sociedade não são as do sócio ou acionista; os bens da sociedade não estão no condomínio dos sócios ou acionistas. A responsabilidade limitada coaduna-se, pois, com a personalidade jurídica da sociedade e com a rigorosa distinção entre o patrimônio do sócio ou acionista e o da sociedade 93. Sem embargo, nem todos os tipos societários asseguram proteção do patrimônio individual dos sócios, eis que a legislação brasileira ainda preserva a existência de sociedades empresárias de pouquíssima repercussão prática no 92 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2. 14ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 16. 93 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 1ª. Ed. Campinas: Bookseller, 2001, pág. 461. 113 Brasil, tais como a sociedade nome coletivo, integrada exclusivamente por pessoas físicas que respondem, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais, bem como a sociedade em comandita simples formada por sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota representatativa de parcela do capital social. Conforme SÁNCHEZ CALERO, “desde este punto de vista podríamos hablar de una relatividad del concepto de personalidad jurídica, que varía de país a país. Además, aun reconocida la personalidad para toda clase de sociedades, no en todas ellas ese reconocimiento tiene el mismo alcance, lo que se pone de manifiesto, por ejemplo, si observamos que en los tipos sociales es diversa la sepación completa entre la responsabilidad patrimonial de la sociedad y la de los sócios por deudas sociales.”94. Portanto, embora não se desconheça a existência de vários tipos de sociedade empresária, os problemas e as questões tratadas na presente tese estão preponderantemente relacionadas com as sociedades que, como regra geral, oferecem a limitação de responsabilidade aos respectivos sócios ou acionistas. O fato é que qualquer que seja o tipo societário adotado livremente pelos sócios ou imposto por determinação legal, certo é que a titularidade da atividade 94 SÁNCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 167. 114 econômica organizada cabe à sociedade empresária, por intermédio de uma ou mais pessoas investida de poderes de administração, que pratica, de forma isolada ou em conjunto (dois ou mais administradores), todos os atos necessários à consecução do objeto social explorado, objetivando a obtenção de lucro para futura e oportuna repartição entre os sócios. Exige-se do administrador da sociedade, no exercício de suas atribuições, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios, vedando-se o desenvolvimento de tal função às pessoas impedidas por lei especial, aos condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou condenados por crime falimentar, suborno, contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, dentre outros, enquanto perdurarem os efeitos da respectiva condenação. Salvo imposição decorrente de legislação específica, é certo que os sócios têm a possibilidade de escolher o tipo de sociedade empresária mais adequada ao desenvolvimento da atividade econômica. Consoante anteriormente assinalado, os objetivos traçados na presente tese estão voltados para as sociedades limitadas, que, além de serem as mais utilizadas no Brasil dada a ausência de responsabilidade patrimonial dos sócios pelas dívidas 115 contraídas em nome da sociedade, são as que melhor se compatibilizam com as exigências de enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte. Isso porque, como será adiante demonstrado, as sociedades anônimas ou por ações, pela mera presunção de maior porte econômica, são legalmente impedidas de obter esse enquadramento. Contudo, não se pode e nem se deve olvidar que as sociedade limitadas estão subsidiariamente submetidas ao regime das sociedades anônimas ou por ações, aplicando-se, no que couber, as disposições contidas na Lei 6.404/76 – que rege, com exclusividade, as sociedades anônimas ou por ações. A depender do tipo societário, será possível que a administração social caiba ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria, conforme estabelece a Lei que disciplina a sociedade anônima ou por ações (Lei 6.404/76), em seu artigo 138, que exige que os membros dos órgãos de administração sejam pessoas físicas ou naturais, devendo os diretores ser residentes no Brasil, segundo preceitua o artigo 146 da mesma Lei 6.404/76. Em se tratando de sociedade limitada, a administração caberá a uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado, segundo o artigo 1.060 do código civil. Assim é que os administradores serão incumbidos de fazer presente a vontade da sociedade no mundo exterior. É por meio deles que a sociedade assume obrigações e exerce direitos. Não são, assim, meros mandatários da sociedade, mas 116 constituem um órgão de representação legal, por meio do qual a sociedade manifesta sua vontade. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de um terceiro, seja um procurador constituído pela pessoa jurídica, seja um administrador não sócio escolhido na forma e nos termos do contrato e da legislação pertinente. 117 2.3. RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E ATIVIDADE ECONÔMICA EMPRESARIAL: A ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE OBTENÇÃO DE RECEITAS PARA O ESTADO. A partir da análise dos fundamentos constitucionais da ordem econômica brasileira - realizada no primeiro capítulo da presente tese, é possível constatar que, de um lado, assegura-se a livre iniciativa mediante o desenvolvimento de atividade econômica pelos agentes privados, atendendo a demanda da sociedade por produtos e serviços, mediante o pagamento de certo preço; reserva-se ao Estado, por outro lado, a atuação em outro plano, por meio da oferta dos serviços públicos, muitos dos quais prestados sem nenhum ônus direto para o usuário, mas que, sem dúvida, tem um custo para quem os realiza. Embora não caiba aqui aprofundar o debate acerca da quantidade, qualidade e dimensão dos referidos serviços públicos, não há dúvida que, em menor ou maior escala, o Estado necessita obter recursos para o custeio de tais serviços. Dentro desse contexto, a instituição de tributos é, sem dúvida, um instrumento utilizado pelo Estado para manter a estrutura de serviços públicos em funcionamento. Com efeito, sem a tributação não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica 95, dando ensejo a uma relação, ora harmoniosa ora conflituosa, entre o Estado – que 95 a BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 5 . ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1992, págs. 3-5. 118 necessita de recursos – e o titular da empresa – que os detém e os transfere, em parte, na forma de tributos. Não por outra razão, a Constituição Brasileira, no Título VI, dedica o Capítulo I ao Sistema Tributário Nacional. A Seção I cuida dos Princípios Gerais. O artigo 145 ostenta a seguinte redação: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”. A propósito, convém delimitar o conceito de tributo de acordo com a previsão contida na legislação brasileira, precisamente no Código Tributário Nacional, a saber: 119 “Art. 3o. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela sem possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Segundo BARROS CARVALHO96, a expressão “prestação pecuniária compulsória” quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias. Assim, concretizado o fato previsto na norma jurídica, nasce, automática e infalivelmente, o elo mediante o qual alguém ficará adstrito ao comportamento obrigatório de uma prestação pecuniária. Destaque-se, por outro lado, que a expressão “instituída em lei” contida na definição legal de tributo encontra fundamento no princípio constitucional da legalidade, que não é exclusivamente tributário, contido no artigo 5 o, inciso II, da carta Constitucional brasileira, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Certo é que esse dispositivo seria suficiente para conferir segurança jurídica ao contribuinte, quanto aos limites da atuação do Estado, no tocante à criação e exigibilidade de tributos. 96 a BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de Direito Tributário.17 . ed.. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 25. 120 Porém, o legislador constituinte brasileiro foi além. Assegurou, por meio do artigo 150, inciso I, o qual prevê que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Incontroverso, pois, que a cobrança de qualquer tributo pela Fazenda Pública (nacional, estadual, municipal ou distrital) só poderá ser validamente operada se houver uma lei que a autorize. A propósito dessa questão, o professor BRANCO GUIMARÃES97 estabelece fundamental distinção entre os princípios da legalidade e do consentimento em matéria tributária, esclarecendo que o princípio do consentimento pode ser definido como “o princípio pelo qual o contribuinte, directamente ou através de seu representante, tem direito a ter um conhecimento prévio e atempado dos impostos que vai pagar, entendida esta realidade como um conhecimento prévio do tipo de imposto, da forma de pagamento e o montante previsível do mesmo.”. Já o princípio da legalidade, de acordo com o professor BRANCO GUIMARÃES, revela dupla faceta: “a lei é instrumento de actuação da 97 BRANCO GUIMARÃES, Vasco. As garantias dos particulares na relação jurídica-tributária: uma revisão necessária. In: FREIRE E ALMEIDA, Daniel; GOMES, Fábio Luiz; CATARINO, João Ricardo (organizadores). Garantias dos contribuintes no sistema tributário: homenagem a Diogo Leite Campos. São Paulo: Saraiva, 2013, págs. 669-694. 121 Administração e regulador das relações entre os intervenientes da relação jurídica de imposto mas é também a garantia dos contribuintes e demais obrigados nessa relação.”, de maneira que a lei é a um só tempo “o fundamento e o limite da actuação dos intervenientes da relação jurídica de imposto.”. Segundo CARRAZA98, sem esta precisa tipificação, ou seja, expressa previsão legal, de nada valem regulamentos, portarias, atos administrativos e outros atos normativos infralegais, que, por si só, não têm a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes. Cabe mencionar, a título comparativo, que a Ley General Tributária espanhola (Ley 58/2003, de 17 de diciembre) oferece uma delimitação conceitual de tributo mais ampla que o Código Tributário Nacional brasileiro, pois enfatiza a questão do gasto público, cuja interpretação adequada deve ser feita conforme os termos do artigo 31 da Constituição Espanhola. Segundo a Ley General Tributária da Espanha: “Artículo 2. Concepto, fines y clases de los tributos. 98 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, pág. 242. 122 1. Los tributos son los ingresos públicos que consisten en prestaciones pecuniarias exigidas por una Administración pública como consecuencia de la realización del supuesto de hecho al que la ley vincula el deber de contribuir, con el fin primordial de obtener los ingresos necesarios para el sostenimiento de los gastos públicos. Los tributos, además de ser medios para obtener los recursos necesarios para el sostenimiento de los gastos públicos, podrán servir como instrumentos de la política económica general y atender a la realización de los principios y fines contenidos en la Constitución”. Por sua vez, a artigo 31 da Constitución Española: “1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica mediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio. 2. El gasto público realizará una asignación equitativa de los recursos públicos, y su programación y ejecución responderán a los criterios de eficiencia y economía. 3. Sólo podrán establecerse prestaciones personales o patrimoniales de carácter público con arreglo a la ley.” 123 Acrescente-se que o Tribunal Constitucional da Espanha, nos Fundamentos Jurídicos (item 4) da sentença 276/2000, de 16 de novembro de 2000, ao desenvolver o aspecto conceitual do tributo, colocou em relevo não apenas a questão da sustentação do gasto público, mas também destacou o aspecto da coatividade da cobrança, consoante se verifica do texto abaixo: “el tributo, desde una constitucional, constituye perspectiva una estrictamente prestación patrimonial coactiva que se satisface, directa o indirectamente, a los entes públicos con la finalidad de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos (SSTC 182/1997, de 28 de octubre, FJ 15, y 233/1999, de 16 de diciembre, FJ 18), y grava un presupuesto de hecho o "hecho imponible" (art. 28 LGT) revelador de capacidad económica (art. 31.1 CE) fijado en la Ley (art. 133.1 CE).” Oportuna, nessa perspectiva conceitual do tributo99, a conclusão de ESCRIBANO LÓPEZ 100, segundo o qual “será tributo toda prestación pecuniaria o, 99 Sobre o tema, é possível consultar também a precisa síntese de COLLADO YURRITA, Miguel Ángel. Concepto y contenido del derecho financeiro. El derecho tributário. “in” COLLADO YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, pág. 29, segundo o qual “el tributo puede ser definido como uma prestación pecuniaria esteblecida coercitivamente por el Estado u outro Ente público, con poder o potestad para ello, con la finalidad de cubrir los gastos públicos.”. 100 ESCRIBANO LÓPEZ, Francisco. Algunas propuestas metodológicas para la (re)construcción de un Derecho Financiero del siglo XXI. I jornada metodológica "Jaime García Añoveros" sobre la metodología académica y la enseñanza del derecho financiero y tributario. Instituto de Estudios Fiscales. 1 de febrero de 2002. Disponível em: http://www.ief.es/documentos/recursos/publicaciones/documentos_trabajo/2002_11.pdf. Consultado em: 21/04/2015. 124 excepcionalmente, in natura, exigida coactivamente, de acuerdo con la capacidad económica de cada ciudadano, com la finalidad de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos, siendo el destinatario del pago, necesariamente, un ente público, mediante un sistema de categorias que se configuran sobre un deber de base solidaria inspirado en los princípios de igualdad y generalidade.” 101 . É nessa toada, portanto, que o Estado desenvolve sua atividade financeira por meio da qual obtém os recursos necessários para o atendimento das finalidades por ele encampadas102; embora a atividade financeira do Estado não se limite a isso, ou seja, revela maior abrangência, como, a propósito, acentua SAINZ DE BUJANDA103, para o qual é possível distinguir três momentos fundamentais dessa atividade financeira do Estado, a saber: “1º. La obtención de recursos; 2º. La gestión de los recursos obtenidos; y 3º. El gasto que de los mismos se realiza para el sostenimiento de los servicios públicos. Las normas por las que se rigen esos tres grupos de actos u operaciones, integram el Derecho financiero.”. Sob o prisma da obtenção de recursos, ou seja, observando-se o aspecto arrecadatório da atividade financeira do Estado e sua relação com a empresa, evidencia-se claramente a existência de uma obrigação de natureza tributária, cujas 101 Em semelhantes termos: CARRERA RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financieiro. Volume II. Madrid: Tecnos, 2004, pág. 18, segundo o qual: “del médio de detraer de las economias privadas los recursos econômicos necessarios para atender el gasto público o, dicho más simplemente, de establecer tributos, se consigue articulando un mecanismo, la obligación tributaria u obligación de pago del tributo, que surge cuando se realizan los hechos previstos em la ley”. 102 FERNANDES OLIVEIRA, Regis; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 5ª.. Ed. São Paulo: revista dos tribunais, 2002, págs. 18-19. 103 SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y derecho: introducción al derecho financiero de nuestro tempo. Volume I. Madrid: Institutos de estúdios políticos, 1962, pág. 30. 125 raízes se encontram no direito civil. Portanto, revela-se útil e necessário para adequada compreensão do tema aqui desenvolvido a alusão ao conceito e ao objeto de obrigação na perspectiva do direito civil 104, em um sentido jurídico, embora não se possa desconhecer que a obrigação, conforme afirma DIEZ-PICAZO105 “constituye un fenómeno mucho más amplio que el puro deber jurídico”. Assim, desde o ponto de vista jurídico, obrigação, em um sentido estrito, é a relação jurídica pessoal por meio da qual uma parte (devedora) fica obrigada a cumprir, espontânea ou coercitivamente, uma prestação patrimonial em beneficio da outra (credora). Há, portanto, uma relação jurídica que une os sujeitos em torno do objeto da obrigação consistente em dar, fazer ou não fazer, podendo o credor exigir o cumprimento da prestação do devedor ou daquele que assumiu a condição de responsável. Assim, o cerne da relação jurídica-obrigacional é o vínculo. Esse vínculo, aliás, biparte-se no débito e na responsabilidade. Cria-se, desse modo, uma relação de subordinação jurídica, devendo o devedor praticar ou deixar de praticar algo em favor do credor. Em sentido contrário, existe o poder atribuído ao credor de exigir a prestação. Não cumprida voluntariamente a prestação, o credor pode valer-se de medidas coercitivas previstas em lei para objetivar a satisfação daquilo que lhe é devido. 104 CARRASCO PARRILLA também utilize esse mesmo caminho, partindo dos fundamentos do direito civil para melhor explicitar a obrigação tributária. CARRASCO PARRILLA, Pedro José. Consecuencias del retraso en el pago de las deudas tributarias. Cuenca : Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2000, pág. 23. 105 DIEZ-PICAZO, Luiz. Fundamentos del derecho civil patrimonial. Volumen primero. 2ª. ed. Madrid: Tecnos, 1983, pág. 334. 126 Precisa, nesse passo, a lição de PONTES DE MIRANDA106, em seu clássico tratado de direito civil, no sentido de que a pretensão consiste em poder exigir a prestação. A ação é mais do que a pretensão, porque, com ela, não só se exige, age-se. E o credor age com o objetivo de atingir o patrimônio do devedor, e, por conseguinte, de modo coercitivo, alcançar a satisfação da prestação, sendo certo que nas obrigações que impliquem no pagamento de certa soma em dinheiro, os bens do devedor serão atingidos até o limite necessário à integral quitação da dívida. Note-se que a expressão ação é aqui empregada em um sentido processual, vinculada, pois, ao monopólio estatal para solucionar conflitos, exercendo, assim, a jurisdição. Com efeito, diante da vedação geral da autotutela no sistema processual brasileiro, o credor expõe o seu direito, aponta a pretensão e a ação, bem como pede que o Estado, por meio do órgão competente, isto é, o Poder Judiciário, cumpra a sua promessa de fazer ser respeitado o direito. Ao tratar da relação entre ação e obrigação, BETTI107 afirmou que “sin la acción, la obligación no sería ya capaz de actuar como palanca, eventualmente, de la voluntad del obligado; ya no habría responsabilidad realizable en el mundo de los hechos”. 106 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo XXII. Rio de Janeiro: Borsói, 1971, pág. 17. 107 BETTI, Emílio. Teoria general de las obligaciones. Tomo I. Tradução e notas de derecho español por José Luis de los Mozos. Madrid: Editoria revista de derecho privado, 1969, pág. 239. 127 Em resumo, obrigação e ação condenatória ou executiva formam uma síntese, ou seja, constituem premissa e consequência, fora da qual a premissa perderia seu valor lógico de premissa e a obrigação perderia seu valor jurídico de razão da ação108. Resta, portanto, assentado o discernimento, na relação obrigacional, entre dois momentos, o marcado pelo dever de prestar, imposto ao devedor, e o assinalado pelo correlativo direito à prestação, atribuído ao credor (sujeito ativo), isto é, o seu chamado “poder de agressão”109 sobre o patrimônio do devedor (sujeito passivo), por meio da ação proposta perante o Poder Judiciário diante configuração da mora110; cuja satisfação da obrigação – especialmente as de natureza pecuniária que envolvem a entrega de uma determinada quantidade de dinheiro 111 – depende da efetiva disponibilidade de bens e direitos de titularidade do devedor ou responsável. 108 BETTI, E.: op. cit., pág. 239. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Volume V. Tomo I. FIGUEIREDO TEIXEIRA, Sálvio de (coordenador). Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 18. 110 Acerca dos requisitos configuradores da mora, CARRASCO PARRILLA aponta os seguintes: “incumplimiento de una obligación, que esta obligación sea positiva y cuya prestación sea exigible, que la deuda sea líquida, que el retraso en el cumplimiento sea imputable al deudor y que exista, salvo que la ley establezca lo contrario, interpelación por parte del acreedor al deudor para que cumpla la obligación”. CARRASCO PARRILLA, P. J.: op. cit., Consecuencias del retraso en el pago de las deudas tributarias, pág. 26. 109 111 Conforme CARVALHO DE MENDONÇA, “o dinheiro é a mercadoria por todos voluntariamente aceita para desempenhar a função de intermediária nas aquisições de outras mercadorias e na obtenção de serviços indispensáveis, satisfazendo as necessidades humanas no convívio social; é, ainda, o meio normal de pagamento, se tem a consagração da lei. Com efeito, ele ilimitadamente divisível, serve não somente para facilitar as operações de troca, por mínimas que sejam, as quais, pela sua intervenção, se passam a denominar comprar e vendas, como para realizar diversos atos, onde se não dá propriamente a transmissão de bens, servindo de exemplo os mútuos, as prestações de juros, as prestações para indenização de danos, os pagamentos de impostos e de penas pecuniárias etc.”. CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro. Volume III. Tomo II. 1ª. ed. Campinas: Bookseller, 2003, págs. 17-18. 128 Feitas essas considerações, percebe-se que embora as estruturas da relação jurídica-obrigacional de caráter tributário tenham sido construídas com base no direito civil, verifica-se, em matéria tributária, uma maior amplitude e, também, uma maior complexidade, na relação que se estabelece entre o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (contribuinte ou responsável) em torno de uma prestação pecuniária (tributo) ou não-pecuniária (deveres instrumentais)112, nos termos de uma legislação específica. Com efeito, a relação jurídica tributária é tradicional e alternativamente identificada ora como sendo uma relação (a) entre sujeitos jurídicos – ou seja, entre o sujeito passivo, como obrigado, e, portanto, sujeito de um dever jurídico, e o Estado, como titular do correspondente direito subjetivo, ora diversamente, (b) como uma relação não mais interpessoal, porque corresponderia a uma relação entre o dever jurídico do obrigado, sujeito passivo, e o correspondente direito subjetivo do Estado, sujeito ativo, ao tributo. Esta relação de correspondência entre obrigação e crédito tributário significa que o direito de crédito do Estado é um reflexo da obrigação do sujeito passivo, e nisso consiste o relacionamento entre a obrigação e o crédito tributário113. No modelo espanhol, a Ley General Tributaria (58/2003, de 17 de diciembre) define a relação jurídico-tributária da seguinte forma: 112 LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro e tributário. 16ª. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pág. 230. 113 a SOUTO MAIOR BORGES, José. Lançamento Tributário. 2 . Ed.. São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 50. 129 Artículo 17. La relación jurídico-tributaria. 1. Se entiende por relación jurídico-tributaria el conjunto de obligaciones y deberes, derechos y potestades originados por la aplicación de los tributos. Em comentários ao artigo 17.1 da Ley General Tributaria, PÉREZ ROYO 114 observa que “se trata de una definición despojada de los principales elementos o determinaciones del concepto y, como tal, aplicable a cualquier conjunto de normas sobre un objeto previamente acotado”; sem deixar, porém, de oportunamente esclarecer que a relação jurídica tributária é, “antes que nada, la que se constituye por la de crédito y deuda115 entre el ente público acreedor y el sujeto passivo deudor.”116 114 PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho financiero y tributario. Parte general. 14ª. ed. Madrid: 2004, pág. 132. 115 Acerca da deuda tributaria o Artículo 58 da Ley 58/2003, de 17 de diciembre, General Tributaria Española, estabelece que: “Artículo 58. Deuda tributaria. 1. La deuda tributaria estará constituida por la cuota o cantidad a ingresar que resulte de la obligación tributaria principal o de las obligaciones de realizar pagos a cuenta. 2. Además, la deuda tributaria estará integrada, en su caso, por: a) El interés de demora. b) Los recargos por declaración extemporánea. c) Los recargos del período ejecutivo. d) Los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las cuotas, a favor del Tesoro o de otros entes públicos. 3. Las sanciones tributarias que puedan imponerse de acuerdo con lo dispuesto en el título IV de esta ley no formarán parte de la deuda tributaria, pero en su recaudación se aplicarán las normas incluidas en el capítulo V del título III de esta ley.” 116 Em parecidos termos se manifestou CARRERA RAYA ao afirmar que “la obligación tributaria, como la obligación de Derecho civil, origina un vínculo o nexo jurídico entre dos sujetos, acreedor y deudor, que determina que el primero de ellos pueda exigir del deudor el cumplimiento de uma determinada prestación.” CARRERA RAYA, F. J.: op.cit., pág. 18. 130 Não obstante reconheça a presença indispensável do “crédito” e da “deuda” na relação tributária, o mesmo autor 117 também reconhece que o conteúdo dessa relação está integrado por obrigações materiais, ou seja, de ingresso de certa quantidade de dinheiro, bem como por obrigações formais e, nesse contexto, por sanções derivadas da infração de certos deveres materiais e formais, evidenciando a complexidade de tal relação. Com uma visão mais crítica, CALVO ORTEGA118 assinala que “este planteamiento de presentar hoy un concepto de relación jurídico tributária en el articulado de la ley no tiene sentido”. Sobretudo porque, prossegue o autor, “en el ordenamiento actual, y en la LGT, cada uno de los hechos tributários tiene su propria substantividad y independencia jurídica: hecho imponible, declaración, autoliquidación, recaudación (ingresso), obligaciones formalies, etc.”. Não há nenhuma dúvida que a relação tributária apresenta um maior nível de complexidade quando comparada com a relação puramente privada, ou seja, formada unicamente por entes privados. É que a relação tributária não se esgota no dever de transferir certa quantidade de dinheiro para o ente público, a título de tributo, mas também envolve a prática de atos e a manutenção de certos comportamentos, destinados a fazer ou deixar de fazer algo, consistindo, pois, 117 PÉREZ ROYO, F.: op. cit., pág. 133. CALVO ORTEGA, Rafael. Aplicación de las normas en la nueva ley general tributaria. In: Economía, derecho e tributación: estudios en homenaje a la professora Gloria Begué Cantón. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005, págs. 723-745. 118 131 conforme constata o professor CARRASCO PARRILLA119, em uma série de “deberes y facultades de carácter formal o procedimental”, razão pela qual “se llegó a la conclusión de que la relación jurídica tributaria era una relación de contenido complejo”. Nessa ordem de ideias, a explicação total do fenômeno tributário exige um marco amplo, onde caiba, simultaneamente, a obrigação de pagar o tributo e a atuação da administração tributária e dos particulares (dentro de um feixe de relações recíprocas de conteúdo ativo e passivo, outorgando direitos e deveres próprios), encaminhada à liquidação e consequente arrecadação dos tributos. Em todo o caso, a coexistência dessa pluralidade de situações não impede de afirmar a unidade essencial do fenômeno tributário, enquanto “instituto jurídico, que se expressa en última instancia en la subordinación, directa o indirectamente, de dichas situaciones a la finalidad financeira a que el instituto del tributo sirve: la contribuicón al sostenimiento de los gastos públicos en función de la capacidad contributiva.”120. Portanto, reconhecida a abrangência da relação jurídico tributária, observa-se que desde a perspectiva do crédito e da dívida, o objeto do ingresso tributário é uma soma em dinheiro que se deve ao ente público (sujeito ativo), diante da ocorrência 119 CARRASCO PARRILLA, P. J.: op. cit., Consecuencias del retraso en el pago de las deudas tributarias, pág. 43. 120 FALCÓN Y TELLA, Ramón. El Tributo como instituto Jurídico: vínculos que lo integran. In: Revista de la Facultad de Derecho Universidad Complutense. Estudios de Derecho Financiero y Tributario. Madrid, 1996, págs. 127-147. 132 da hipótese de incidência, ou seja, diante de um ato ou fato de natureza e expressão econômica, com efeitos jurídicos, relativos a uma atividade ou ao patrimônio do sujeito passivo, independentemente da forma com que se realize. Necessário considerar que tal obrigação surge, primariamente, no campo do direito privado, até porque é comum afirmar que o direito tributário é um “direito de sobreposição”, pois se fundamenta em fatos ou atos e seus efeitos do direito privado para, e somente após, determinar as respectivas consequências fiscais, ou seja, declarando a realização ou não do fato gerador e suas características 121. Nas palavras de ARAÚJO FALCÃO122, “é o fato gerador um fato jurídico em sentido estrito (...) um fato econômico, ao qual o Direito empresta relevo jurídico”. No mesmo sentido, ensina LOBO TORRES123: “Fato gerador é a circunstância da vida – representada por um fato, ato ou situação jurídica – que, definida em lei, dá nascimento à obrigação tributária.” Nas obrigações bilaterais, as partes são, reciprocamente, credoras e devedoras. No âmbito privado, tomando, por exemplo, o contrato de compra e venda, o direito do comprador de exigir a entrega da coisa depende do cumprimento de sua própria obrigação de pagar o preço ajustado. Por outro lado, se somente um dos contratantes tiver jurídico em virtude do contrato, este será unilateral. 121 ABRAHAM, MARCUS. O planejamento tributário e o direito privado. São Paulo: Quartier Latin, 2007, págs. 200-201. 122 ARAÚJO FALCÃO, Amílcar de. Fato gerador da obrigação tributária. 6a. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1994, pp. 27-29. 123 a LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro e tributário. 3 . ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, pág. 205. 133 De acordo com NAVARRO COELHO124, o direito tributário está baseado nessa dualidade, ou seja, obrigações unilaterais (impostos) e obrigações bilaterais (taxas e contribuições). A obrigação tributária, embora encontre semelhanças com a obrigação de âmbito privado, possui, tal como anteriormente exposto, peculiaridades próprias, especialmente porque sendo o Estado credor, a autoridade fiscal não pode dispor do direito, restando-lhe o rigoroso cumprimento das disposições legais respectivas. Com efeito, admitir a disposição privada dos tributos, mediante a produção de efeitos dos ajustes particulares em prejuízo do ente público, bem como permitir que o ente público pudesse, de forma livre, ajustar a incidência ou não dos tributos ou mesmo fixar casuisticamente os valores devidos, seria introduzir um fator de caos na gestão fiscal, incompatível com a massificação e a necessária normalização desta gestão específica, caracterizada por dimensões extraordinárias e um mecanismo inevitável 125. Oportuna, nesse ponto, a lição do professor COLLADO YURRITA 126, que, ao tratar dos aspectos conceituais do tributo identifica-o como “una prestación coactiva en cuanto que viene impuesta por la ley prescindiendo de la voluntad del obligado, 124 NAVARRO COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9a. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pág. 438. 125 Sobre o princípio de indisponibilidade das situações jurídico-tributárias, consultar-se: CALVO ORTEGA, R.: op. cit., págs. 723-745. Em Espanha, a Ley 58/2003, de 17 de diciembre, General Tributaria, em seu Artículo 18, prevê a “Indisponibilidad del crédito tributario” nos seguintes termos: “El crédito tributario es indisponible salvo que la ley establezca otra cosa.” 126 COLLADO YURRITA, M. A.: op. cit., pág. 29. 134 basta con que se realice el supuesto de hecho de la norma, el llamado hecho imponible, para que surja la obligación tributaria.” A doutrina brasileira não discrepa desse entendimento. Tanto é assim que AMARO127 afirma que o nascimento da obrigação tributária independe de manifestação de vontade do devedor dirigida à sua criação. Vale dizer, não se exige a manifestação de vontade do devedor no sentido que querer assumir a obrigação. Ainda que o devedor ignore ter “nascido” a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação correspondente ao seu objeto (principal ou acessório). Claro que a autonomia da vontade se faz presente no âmbito privado e se exterioriza, por exemplo, na celebração do contrato de compra e venda, a partir do qual se produzirão consequências tributárias, notadamente a incidência dos impostos respectivos, sendo certo que dita incidência independe da vontade das partes atingidas pela exigibilidade do crédito tributário por parte do ente público, que atua nos termos da lei. Por isso, a contar do momento da consumação (realização, verificação) do fato imponível (também chamado de fato gerador), o Estado (sujeito ativo) tem o 127 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12a. ed.. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 246. 135 direito de exigir do contribuinte (sujeito passivo) o dever de entregar o dinheiro, objeto da obrigação 128. Há, portanto, uma necessária distinção, no sentido de denominar 'hipótese de incidência' o conceito legal (descrição legal, hipotética, de um fato, estado de fato ou conjunto de circunstâncias de fato) e 'fato imponível' o fato efetivamente acontecido, num determinado tempo e lugar, configurando rigorosamente a hipótese de incidência.129 Há, portanto, dois momentos lógicos (e cronológicos): primeiramente, a lei descreve um fato e di-lo capaz (potencialmente) de gerar (dar nascimento) uma obrigação. Depois, ocorre o fato; vale dizer: acontece, realiza 130. O vínculo obrigacional que corresponda ao conceito de tributo nasce, por força de lei, da ocorrência do fato imponível. A configuração do fato (aspecto material), sua conexão com alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto espacial) e sua consumação num momento fático determinado (aspecto temporal), reunidos unitariamente determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela lei: criação de uma obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada, num momento preciso 131. Necessário mencionar que a Ley General Tributária Espanhola, em seu artigo 20, prevê que a obrigação tributária principal – pagamento de tributos – se origina 128 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, pág. 23. 129 ATALIBA, G.: op. cit., pág. 49. 130 ATALIBA, G.: op. cit., pág. 51. 131 ATALIBA, G.: op. cit., pág. 68. 136 pela realização do fato imponível. Isso significa que, assim como ocorre na legislação brasileira, surge sempre com independência da vontade das partes. “Artículo 20. Hecho imponible. 1. El hecho imponible es el presupuesto fijado por la ley para configurar cada tributo y cuya realización origina el nacimiento de la obligación tributaria principal. 2. La ley podrá completar la delimitación del hecho imponible mediante la mención de supuestos de no sujeción.” Em realidade, sob o ponto de vista estrutural, o fato imponível decompõe-se em dois elementos, a saber: (a) um objetivo, que se refere aos atos, fatos ou situações contempladas nas leis e cuja realização origina a exigibilidade da obrigação tributária; e (b) um subjetivo, que se refere ao protagonista ou protagonistas dos atos, fatos ou situações descritas nas leis (aspecto objetivo) 132. 132 Em termos semelhantes, consultar: LUCHENA MOZO, Gracia María. La relación jurídico-tributaria. El hecho imponible. In: COLLADO YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, págs. 271272. “No olvidemos que habíamos establecido que en el supuesto de hecho fijado en una norma podían diferenciarse dos elementos: uno, el objetivo —ya tratado—; y otro, el subjetivo. Pues bien, el elemento subjetivo del presupuesto de hecho se manifestará en la relación que habrá de producirse entre el presupuesto de hecho objetivo y el sujeto que lo lleva a efecto en el mundo de los hechos. Es el vínculo a través del cual se conecta el presupuesto de hecho con el sujeto que será su realizador y a cuyo cargo hace surgir la consecuencia jurídica prevista abstractamente.”. 137 Advirta-se que, assim como o aspecto objetivo é determinado pela quantificação da dívida tributária, o aspecto subjetivo do fato imponível predetermina o obrigado ou obrigados principais do tributo133. Portanto, a pessoa física ou jurídica está objetivamente obrigada ao comportamento prescrito na norma tributária pelo simples fato de incidência da norma sobre a situação fática verificada e que se encontra expressamente regulada. Assim é que a relação jurídica de direito tributário corresponde a uma relação entre quem está investido de poderes para criar a norma tributária, tem competência para aplicá-la e, portanto, tem legitimidade para exigir o cumprimento da prestação (sujeito ativo) e aquele que se acha juridicamente obrigado ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (sujeito passivo). Infere-se que se a obrigação tributária for identificada com o dever de prestar o tributo, o dever jurídico tributário específico, imputado normativamente ao sujeito passivo, estará, como visto, em relação com o crédito tributário, precisamente porque o direito de crédito tributário é um direito-reflexo da obrigação tributária. Esse relacionamento é expresso, entre outros dispositivos, pelo artigo 139 do Código Tributário Nacional do Brasil, segundo o qual o crédito tributário decorre da obrigação tributária. 133 MENÉNDEZ MORENO, Alejandro. Derecho financiero y tributario. Parte general. Lecciones de Cátedra. 13ª. ed. Valladolid: Lex Nova/Thomson Reuters, 2013, pág. 188. 138 “Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.” É certo que a relação tributária formal compreende os deveres instrumentais a cargo do sujeito passivo, instituídos por lei, para possibilitar e assegurar o cumprimento da obrigação principal. Porém, o sujeito passivo da obrigação tributária está obrigado a praticar inúmeros atos e condutas de ordem formal ou burocrática. Deve prestar declarações ao Fisco, emitir notas fiscais, manter livros fiscais à disposição dos agentes públicos, fornecer informações econômicas sobre suas atividades, inscrever-se no cadastro fiscal. Todos esses deveres são meramente instrumentais, em conteúdo patrimonial. O Código Tributário Nacional optou pelo conceito de obrigação acessória (art. 113, 2º.)134. Distinguem-se, no Brasil, as obrigações tributárias em principais e acessórias, nos termos do artigo 113, caput, in verbis: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. 134 LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro e tributário. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pág. 238. 139 § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.” Verifica-se da análise do disposivo legal brasileiro que o conteúdo da obrigação tributária principal é o dar ao ente tributante dinheiro ou, excepcionalmente, algo que pecuniariamente se possa exprimir. Assim sendo, é atributo da obrigação tributária principal o ser economicamente avaliável; a sua expressão em termos pecuniários ou reduzíveis à pecúnia. Daí, a sua patrimonialidade135. Acrescente-se que, sob esse prisma, a obrigação principal compreende tanto o pagamento de tributo como a penalidade pecuniária. Afinal, se é certo que as normas tributárias preveem o pagamento de tributos, não menos certo é que essas mesmas normas tributárias estabeleçam sanções, no caso de descumprimento. Aliás, a sanção constitui elemento destinado a “estimular” o cumprimento da obrigação. 135 SOUTO MAIOR BORGES, José. Obrigação tributária (uma introdução metodológica). 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 81. 140 A propósito do tema, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça 136, ao julgar como recurso repetitivo o REsp 1.251.513⁄PR, relacionou as seguintes parcelas ou rubricas que compõem o crédito tributário: Principal: é valor do tributo devido ou da multa isolada devida; Multa: é o valor da multa devida quanto atrelada ao principal, podendo ser de ofício, no caso de infração à legislação tributária, ou de mora, no caso de atraso no pagamento do principal; Juros de mora: são os juros incidentes em razão de atraso no pagamento do principal; e Encargos: demais encargos incidentes sobre a dívida. Por sua vez, em sentido inverso, o conteúdo específico das obrigações acessórias consiste apenas num fazer, não fazer ou tolerar, ou seja, na linguagem do Código Tributário Nacional, em prestações positivas ou negativas a cargo do sujeito passivo e instituídas no interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos137. Esclareça-se que a expressão corrente do meio jurídico de que o acessório segue o principal, no sentido de que a extinção do principal também extingue o acessório, não se aplica, em sentido idêntico, à obrigação tributária. Isso porque, o fato de um contribuinte recolher todo o tributo não o exime, por exemplo, de apresentar uma declaração relativa ao tributo. Ou seja: no âmbito tributário, a obrigação acessória não se extingue com a principal 138. 136 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.513⁄PR. Relator: Ministro Mauro Cambpell Marques. Órgão julgador: Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do julgamento: 10/08/2011. 137 SOUTO MAIOR BORGES, J.: op. et loc. cit.. 138 SCHOURI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 461. 141 Aliás, pode haver “obrigação acessória” mesmo em casos em que não haja “obrigação principal”, como nos casos de imunidade tributária. Com efeito, a entidade imune pode, nos termos da respectiva legislação de regência, continuar obrigada a cumprir obrigações acessórias, como, por exemplo, efetivar a escrituração regular de documentos com vistas a auxiliar as autoridades fiscais na fiscalização e, consequentemente, na verificação do atendimento aos requisitos constitucionais para receber a proteção 139. Por conseguinte, verifica-se que, isoladamente, o § 2º do artigo 113 do Código Tributário Nacional estabelece a obrigação tributária por si só desprovida de conteúdo patrimonial, limitada a praticar ou deixar de praticar algo, podendo converter-se em obrigação principal reveladora de cunho patrimonial, a título de penalidade pecuniária (§ 3º do artigo 113 do Código Tributário Nacional) Nesse contexto, o descumprimento de obrigação acessória apta a gerar conversão em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária, configuradora da chamada “multa isolada”, deve atender aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação da penalidade140. 139 Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal: STF. AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 702.604 / AM – AMAZONAS. Relator(a): Ministro Joaquim Barbosa. Julgamento: 25/09/2012. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJe 25/10/2012. 140 O plenário do Supremo Tribunal Federal admitiu o recurso extraordinário RE 640.452 RG / RO, em data de 06/10/2011, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, em que se pretende discutir essa matéria, mediante decisão assim resumida: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PUNIÇÃO APLICADA PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DEVER INSTRUMENTAL 142 Em termos semelhantes, a Ley General Tributária Espanhola também diferencia a obrigação tributária principal e acessória, consoante os exatos termos dos artigos 19 e 25, a seguir transcritos: “Artículo 19. Obligación tributaria principal. La obligación tributaria principal tiene por objeto el pago de la cuota tributaria.” De acordo com o artigo 19 acima transcrito, a obrigação tributária principal, na perspectiva espanhola, está relacionada com a entrega de uma soma em dinheiro ao ente público, caracterizando-se por sua natureza contributiva, na medida em que, conforme destaca FALCÓN Y TELLA141, “a través de ella se hace efectivo el interes básico que preside la organización del tributo, y por su carácter autônomo, no dependiente de ninguna outra obligación, y definitivo, ya que el ingresso efectuado em pago de la misma extingue el vínculo entre a Hacienda Pública y el deudor tributário”, razão pela qual fica constatada certa semelhança com o modelo brasileiro, cuja análise foi há pouco realizada. RELACIONADO À OPERAÇÃO INDIFERENTE AO VALOR DE DÍVIDA TRIBUTÁRIA (PUNIÇÃO INDEPENDENTE DE TRIBUTO DEVIDO). ‘MULTA ISOLADA’. CARÁTER CONFISCATÓRIO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. QUADRO FÁTICO-JURÍDICO ESPECÍFICO. PROPOSTA PELA EXISTÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL DEBATIDA.”. 141 FALCÓN Y TELLA, R.: op. cit., págs. 127-147. 143 CARRERA RAYA142 acrescenta que “debe quedar claro que la obligación tributaria es el mecanismo técnico-jurídico que se arbitra para que los poderes públicos puedan exigir tributos. Pero asimismo debe ponerse de manifesto que identificamos este concepto, la obligación tributaria, com la obligación de pagar la cuota tributaria, que sera la principal que asuma el sujeto pasivo”. Não obstante seja possível identificar, tanto no modelo brasileiro como no espanhol, a obrigação tributária principal como obrigação de dar certa soma em dinheiro ao ente público, MARTÍN QUERALT; LOZANO SERRANO; TEJERIZO LÓPEZ e CASADO OLLERO143 advertem que “la cuantía a ingresar por un determinado tributo puede no coincidir con la cuota tributaria, al englobar otros componentes eventuales de la deuda, pero en tal caso, estos últimos no serán el objeto de la obligación tributaria principal, sino de otras obligaciones surgidas de presupuestos de hechos distintos del hecho imponible”. Com efeito, acerca da abrangência da “deuda tributaria” a Ley General Tributária Espanhola, em seu artículo 58, estabelece que: “Artículo 58. Deuda tributaria. 142 143 CARRERA RAYA, F. J.: op. cit., pág. 18. MARTÍN QUERALT, Juan; LOZANO SERRANO, Carmelo; TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel; a CASADO OLLERO, Gabriel. Curso de Derecho Financiero y Tributário. 18 . ed.. Madrid: Tecnos, 2007, pág. 258. 144 1. La deuda tributaria estará constituida por la cuota o cantidad a ingresar que resulte de la obligación tributaria principal o de las obligaciones de realizar pagos a cuenta. 2. Además, la deuda tributaria estará integrada, en su caso, por: a) El interés de demora. b) Los recargos por declaración extemporánea. c) Los recargos del período ejecutivo. d) Los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las cuotas, a favor del Tesoro o de otros entes públicos.” Em comentários ao referido artigo 58.2 da LGT, PEREZ ROYO 144 reconhece a presença de uma série de conceitos heterogêneos, colocados sob a expressão “deuda tributaria”. A inclusão conjunta de todos eles dentro do um só conceito (dívida tributária) tem uma justificativa arrecadatória ou, dito de outro modo, a “identificación de los que pueden aparecer em una misma liquidación o um mismo recibo o documento de ingresso, pero sín que pueda decidirse que el régimen jurídico substantivo sea el mismo”. 144 PÉREZ ROYO, F.: op. cit., pág. 197. 145 Em um mesmo sentido, porém acrescendo à análise do referido artigo 58.2 da LGT, o professor CARRASCO PARRILLA145 utiliza o conceito dos chamados “elementos acessórios” ou “componentes acidentais” da dívida tributária, quando assinala que “excepto los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las cuotas a favor del Tesoro o de otros entes públicos, el resto de componentes del art. 58.2 representan lo que se ha venido denominando como ‘elementos accesorios’ de la deuda tributaria y que nosotros consideramos más oportuno denonimar componentes extraordinarios o accidentales de la deuda tributaria”. Isso porque, a aludida Ley General Tributária Espanhola contempla como obrigações tributárias acessórias as seguintes: “Artículo 25. Obligaciones tributarias accesorias. 1. Son obligaciones tributarias accesorias aquellas distintas de las demás comprendidas en esta sección que consisten en prestaciones pecuniarias que se deben satisfacer a la Administración tributaria y cuya exigencia se impone en relación con otra obligación tributaria. Tienen la naturaleza de obligaciones tributarias accesorias las obligaciones de satisfacer el interés de demora, los recargos por declaración extemporánea y los 145 CARRASCO PARRILLA, P. J.: op. cit., Consecuencias del retraso en el pago de las deudas tributarias, pág. 46. 146 recargos del período ejecutivo, así como aquellas otras que imponga la ley. 2. Las sanciones tributarias no tienen la consideración de obligaciones accesorias.” Nas palavras do professor CARRASCO PARRILLA146 “la LGT otorga, en su art. 25, la naturaleza de obligaciones tributarias accesorias al interés de demora, los recargos por declaración extemporánea, los recargos del período ejecutivo así como a aquellas otas que imponga la ley, lo cual supone establecer una lista abierta de obligaciones tributarias accesorias, dependiente de la voluntad del legislador”. A discussão acerca dos componentes da dívida tributária tem especial relevância diante dos processos concursais aplicáveis à pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI), cuja análise será feita nos capítulos seguintes da presente tese. Quanto à posição do sujeito ativo da relação tributária, vale dizer que na obrigação tributária, o credor, em geral, é o Estado, no limite da competência atribuída pela Constituição Federal do Brasil, nomeadamente, a União, os Estadosmembros, os Municípios integrantes dos Estados-membros e o Distrito Federal. Não se pode olvidar, porém, que os órgãos responsáveis pela administração tributária 146 CARRASCO PARRILLA, Pedro José. Elementos integrantes de la deuda tributaria. “in” COLLADO YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, pág. 296. 147 desenvolvem os procedimentos de cobrança de tributos com o objetivo de assegurar as receitas tributárias. Nesse diapasão, a fim de identificar adequadamente os integrantes da relação jurídica tributária, é imperioso mencionar que o sujeito ativo, segundo o código tributário nacional do Brasil, em seu artigo 119, é “a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Para NAVARRO COELHO147, a insuficiência do dito artigo é evidente. Por primeiro, ignora a diferença entre a competência para legislar sobre relações jurídico-tributárias e a capacidade para lançar e receber tributos na qualidade de sujeito ativo da obrigação tributária. São, ainda segundo o autor, categorias diferentes. A competência tributária revela uma aptidão legislativa ou regulamentar. A capacidade tributária desvela relação jurídica entre os sujeitos ativo e passivo. Obviamente, o ente político investido de competência para legislar pode ser, ao mesmo tempo, o sujeito ativo da relação jurídica obrigacional. À União, por exemplo, compete legislar sobre o imposto de renda. A um só tempo ela é sujeito ativo na relação jurídica tributário típica desse imposto. Porém, nem sempre é assim. A competência para instituir contribuições sociais previdenciárias é da União Federal, mas a capacidade tributária ativa para exigir-las e recebe-las é da autarquia previdenciária responsável pela seguridade social, ente diverso, portanto, do que detém a competência legislativa. Analisando o sujeito ativo do tributo na perspectiva do direito espanhol, MARTÍN QUERALT, LOZANO SERRANO, TEJERIZO LÓPEZ E CASADO 147 NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 682. 148 OLLERO148 esclarecem que “sujeto activo es el ente público que desarrolla los procedimientos de aplicación del tributo. Pensando en la obligación tributaria principal, sería el ente que ocupa la posición de acreedor del crédito tributario, pero dado que el tributo es susceptible de desplegarse a través de procedimientos diversos y de relaciones que no siempre tienen por objeto el pago de dicha obligación, ni contemplan en su lado pasivo al deudor tributario, el concepto de sujeto activo debe ensancharse para aprehender todos aquellos supuestos y relaciones que por su contenido y su régimen jurídico escapan de ese marco obligacional.”. Por sua vez, ainda de acordo com o código tributário nacional do Brasil, “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”. (artigo 121). Revela-se pertinente na presente tese, a alusão ao parágrafo único no artigo 121 do Código Tributário Nacional do Brasil, especialmente pela distinção entre contribuinte e responsável, nos seguintes termos: “O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; 148 MARTÍN QUERALT, Juan; LOZANO SERRANO, Carmelo; TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel; a CASADO OLLERO, Gabriel. Curso de Derecho Financiero y Tributário. 18 . ed.. Madrid: Tecnos, 2007, pág. 287. 149 II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o administrador judicial, pelos tributos devidos pela massa falida em caso de concurso de credores; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, tudo consoante os termos do artigo 134 do Código Tributário Nacional. De igual modo, são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos os mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, a teor do disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional. 150 Outrossim, igualmente ao que dispõe a legislação brasileira, a Ley General Tributária Espanhola também define expressamente o sujeito passivo da obrigação tributária, definindo-os, no artigo 36, da seguinte forma: “Artículo 36. Sujetos pasivos: contribuyente y sustituto del contribuyente. 1. Es sujeto pasivo el obligado tributario que, según la ley, debe cumplir la obligación tributaria principal, así como las obligaciones formales inherentes a la misma, sea como contribuyente o como sustituto del mismo. No perderá la condición de sujeto pasivo quien deba repercutir la cuota tributaria a otros obligados, salvo que la ley de cada tributo disponga otra cosa. En el ámbito aduanero, tendrá además la consideración de sujeto pasivo el obligado al pago del importe de la deuda aduanera, conforme a lo que en cada caso establezca la normativa aduanera. 2. Es contribuyente el sujeto pasivo que realiza el hecho imponible. 3. Es sustituto el sujeto pasivo que, por imposición de la ley y en lugar del contribuyente, está obligado a cumplir la obligación tributaria principal, así como las obligaciones formales inherentes a la misma. 151 El sustituto podrá exigir del contribuyente el importe de las obligaciones tributarias satisfechas, salvo que la ley señale otra cosa.” Também a Ley General Tributária Espanhola, tal como ocorre com a legislação brasileira, prevê, no artigo 41, a responsabilidade tributária, nos termos abaixo: “1. La ley podrá configurar como responsables solidarios o subsidiarios de la deuda tributaria, junto a los deudores principales, a otras personas o entidades. A estos efectos, se considerarán deudores principales los obligados tributarios del apartado 2 del artículo 35 de esta Ley.” Inegavelmente, é a partir dessa construção legal que o Estado (sujeito ativo) torna efetiva a retirada de recurso do particular (sujeito passivo), praticando, assim, os atos concernentes à arrecadação tributária, que, de acordo com o artigo 160.1 da Ley General Tributaria Espanhola, consiste “en el ejercicio de las funciones administrativas conducentes al cobro de las deudas tributarias”. 152 Conforme o entendimento de MARTÍN QUERALT; LOZANO SERRANO; TEJERIZO LÓPEZ E CASADO OLLERO149, a arrecadação tributária (a) constitui uma função administrativa, atualmente realizada por órgãos administrativos, sem prejuízo da colaboração das entidades financeiras para receber os valores pagos pelos obrigados tributários e efetuar os serviços da caixa da administração tributária. (b) O âmbito administrativo da função arrecadatória não se limita ao Estado, mas se estende, em geral, aos demais entes públicos, tanto estatais como integrantes de outras administrações territoriais. (c) Do ponto de vista objetivo, a função arrecadatória não apenas abrange os tributos, mas qualquer outro débito com a Fazenda Pública por receitas de Direito Público. Oportuno, nesse sentido, o entendimento do professor CARRASCO PARRILLA150 quando afirma que “la regulación de la función recaudatoria se lleva a cabo, em lo que se refiere a sus aspectos materiales o substantivos, esto es, los relativos al pago y otras formas de extinción, así como a las garantias del crédito tributário, em los arts. 59 a 80 de la LGT, mientras que em lo relativo a sus aspectos formales o procedimentales son los arts. 160 a 177 de la LDT (englobados bajo la correspondiente titulación capitular ‘Actuaciones y procedimiento de recaudación’) los encargados de darle cobertura.”. 149 MARTÍN QUERALT, Juan; LOZANO SERRANO, Carmelo; TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel; CASADO OLLERO, Gabriel. Curso de Derecho Financiero y Tributário. 18a. ed.. Madrid: Tecnos, 2007, pág. 478. 150 CARRASCO PARRILLA, Pedro José. Procedimiento de recaudación. “in” COLLADO YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, pág. 456. 153 Em matéria de tributação empresarial, verifica-se uma clara prevalência da tributação sobre bens e serviços, quando comparada a tributação sobre renda e propriedade, por exemplo. É o que se extrai da análise do quadro151 abaixo: . Com relação à tendência histórica observada no período de 05 anos (20092013), observa-se que houve redução na participação das bases Renda (-1,46 pontos percentuais da arrecadação), Folha de Salários (-0,72 pontos percentuais de arrecadação), Transações Financeiras (-0,11 pontos percentuais da arrecadação) e um aumento das bases Bens e Serviços (+1,88 pontos percentuais da arrecadação), Outros Tributos (+0,09 pontos percentuais da arrecadação) e Propriedade (+0,03 151 CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2013 (Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2013. 154 pontos percentuais da arrecadação), conforme pode ser observado no quadro152 abaixo. Note-se que tributação de bens e serviços, por ser aplicada sobre a alienação, transferência, produção de bens ou prestação de serviços, tem caráter preponderantemente empresarial, ou seja, incide a partir do desenvolvimento da atividade econômica, representando, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 por 49,10%, 50,45%, 49,98%, 50,61% e 51,28%, respectivamente, do resultado da arrecadação obtida, conforme estudo divulgado no mês de dezembro de 2014 pelo centro de estudos tributários e aduaneiros da Receita Federal do Brasil (órgão do Ministério da Fazenda), representando, assim, praticamente a metade da receita tributária brasileira. 152 CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2012 (Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2014. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-eaduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria2013.pdf#page=7&zoom=auto,-274,217. Consulta em: 29/08/2015, às 20:50. 155 Na comparação internacional, levando-se em consideração os países integrantes da OCDE, é nítida a percepção de que o sistema tributário do Brasil tem elevada concentração nos bens e serviços, enquanto em outros prevalece a tributação sobre renda e patrimônio. Com efeito, as comparações dos valores de carga tributária nacional com as de outros países devem ser feitas com cuidado, pois algumas espécies tributárias existentes em um país podem não existir em outros. CARGA TRIBUTÁRIA SOBRE BENS E SERVIÇOS – BRASIL E PAÍSES DA OCDE 2012. Quando se compara a tributação por base de incidência, observa-se que para a base Renda o Brasil tributa menos do que a média dos países da OCDE, enquanto que para a base Bens e Serviços, tributa mais. 156 CARGA TRIBUTÁRIA SOBRE RENDA, LUCRO E GANHOS DA CAPITAL BRASIL E PAÍSES DA OCDE 2012. Não se pode afirmar que o esforço fiscal, nesse caso (tributação de bens e serviços), seja efetivamente suportado pelo titular da empresa, seja ele pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI), cujos conceitos já foram anteriormente expostos. Isso porque, na composição do preço final dos produtos e serviços ofertados ao destinário ou consumidor são considerados: o custo efetivo de produção (matéria-prima, por exemplo), a tributação incidente e o lucro perseguido pela pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI) que exerce a atividade econômica. Evidentemente, o repasse da carga tributária para o consumidor final encarece o preço dos produtos e serviços, produzindo um impacto extremamente negativo em matéria de competitividade 157 empresarial internacional, sobretudo quando a realidade inexorável aponta, cada vez mais, para a globalização dos mercados. Logo, embora a pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI) que desenvolve a atividade econômica seja, para fins tributários, o sujeito passivo da relação tributária, em termos práticos o ônus tributário é, muitas vezes, transferido para o consumidor final. Com base nisso, pode-se afirmar que a empresa, no contexto da tributação, desempenha, muitas vezes, a função de um simples veículo ou o meio pelo qual se vale o Estado para arrecadar, fazendo com que o ônus tributário seja, na realidade, suportado, muitas vezes, pela grande massa populacional, que necessita dos produtos ou serviços, produzidos ou comercializados pela pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI). Por outro lado, a análise dos dados obtido da mesma fonte153 mostra que, em matéria de tributos sobre a renda, calculados com base na renda das pessoas físicas (que não exercem atividade própria de empresário e se apresentam, na maioria dos casos, como assalariados) e pessoas jurídicas (aqui compreendidas as pessoas que exercem atividade econômica por sua própria conta e risco, notadamente 153 empresário individual, sociedade empresária ou EIRELI), a CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2012 (Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2013. 158 participação, em termos comparativos com a tributação de bens e serviços, revela ser pequeno, nesse ponto (tributação sobre a renda), o esforço do setor empresarial, nomeado no gráfico simplesmente como “pessoa jurídica”. . Isso não significa que a empresa seja, por isso, uma vilã. Muito ao contrário: sob o enfoque puramente arrecadatório é através da empresa que o Estado brasileiro obtém mais da metade (51,28%) dos seus recursos somente que a tributação de bens e serviços. De mais a mais, os benefícios advindos do efetivo exercício da atividade econômica ultrapassam os limites da tributação – e consequentemente da arrecadação – e alcançam aspectos de extrema relevância, tal como a geração de emprego, a pesquisa e o desenvolvimento. Não se está aqui a defender o aumento da carga tributária brasileira em um sentido global, que, aliás, quando comparada com os países integrantes da chamada América Latina (ALC) se revela verdadeiramente elevada, superando, 159 inclusive, os níveis de alguns países da OCDE, tal como atesta a publicação conjunta do CIAT (Centro Interamericano de Administrações Tributárias), da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e da (OCDE) Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Esse trabalho é parte da Iniciativa Fiscal LAC da OCDE, que visa melhorar as políticas fiscais e sobre gastos públicos para apoiar um maior crescimento econômico e uma distribuição mais justa da renda na região da ALC, tendo recebido financiamento da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) e da Fundação Internacional para a América Latina de Administração e Políticas Públicas (FIIAPP). . 160 O quadro acima mostra que as receitas tributárias no Brasil foram robustas e aumentaram nas últimas duas décadas, seja em matéria de tributos sobre bens e serviços, seja sobre a renda ou a propriedade. Enfim, em todos os aspectos evidencia-se a maior proporção de tributos em relação ao PIB na América Latina durante o período 1990-2009, chegando a atingir níveis mais elevados do que 17 países da OCDE em 2010, segundo a referida publicação conjunta do CIAT (Centro Interamericano de Administrações Tributárias), da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e da (OCDE) Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico154. Esclareça-se que o Produto Interno Bruto (PIB) corresponde ao valor dos bens finais e serviços produzidos em uma economia em determinando período (ano, semestre, trimestre ou mês). É importante salientar que no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) apenas considera-se os bens e serviços finais da cadeia de produção, excluindo todos os insumos intermediários (matérias-primas, mão-de-obra, impostos e energia). A exclusão dos bens e serviços intermediários é necessária para evitar a dupla contagem dos valores gerados em toda a cadeia de produção, evitando a ocorrência de distorções e equívocos na soma geral. 154 Estatísticas sobre Receita na América Latina 1990 – 2010. Disponível em http://www.oecd.org/ctp/tax-global/BRAZIL_PT_country%20note_final.pdf. Acesso em 22 de junho de 2014. 161 Comparações - mais recentes155 - dos valores de carga tributária brasileira com a de outros Países integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)156 - organização internacional e intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado - realizadas no citado estudo divulgado no mês de dezembro de 2014 pelo centro de estudos tributários e aduaneiros da Receita Federal do Brasil (órgão do Ministério da Fazenda), comprova que a relação “carga tributária x Produto Interno Bruto (PIB)” é equivalente a 35,9% e, portanto, praticamente igual a do Reino Unido e superior a de países como Espanha, Canadá, Estados Unidos e Chile. . 155 CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2013 (Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2014. 156 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi criada em 1948 para executar o Plano Marshall US-financiado para a reconstrução de um continente devastado pela guerra. Ao tornar os governos individuais reconhecer a interdependência das suas economias, ele abriu o caminho para uma nova era de cooperação que iria mudar a face da Europa. Incentivado por seu sucesso ea perspectiva de levar o seu trabalho para frente em um palco global, o Canadá e os EUA se juntou membros OECE em assinar a nova Convenção da OCDE em 14 de dezembro de 1960. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) nasceu oficialmente em 30 de setembro de 1961, quando a Convenção entrou em vigor. Outros países juntaram-se, começando com o Japão em 1964. Hoje, 34 países membros da OCDE em todo o mundo girar regularmente um ao outro para identificar os problemas, discutir e analisá-los, e promover políticas para resolvê-los. Assim, também, que os países que há algumas décadas eram ainda jogadores pequenos no cenário mundial. Brasil, Índia e República Popular da China emergiram como novos gigantes económicos. Os três deles, com a Indonésia e África do Sul, são parceiros-chave da Organização e contribuir para o seu trabalho de uma forma sustentada e abrangente. Junto com eles, a OCDE traz em torno de sua mesa 39 países que respondem por 80% do comércio mundial e dos investimentos, dando-lhe um papel fundamental na resposta aos desafios enfrentados pela economia mundial. OCDE utiliza a sua riqueza de informações sobre uma ampla gama de tópicos para ajudar os governos a promover a prosperidade e lutar contra a pobreza através do crescimento económico e da estabilidade financeira. Nós ajudar a garantir as implicações ambientais do desenvolvimento econômico e social são tidos em conta. O trabalho da OCDE baseia-se na monitorização contínua de eventos em países membros, bem como fora da área da OCDE, e inclui projecções regulares de evolução económica de curto e médio prazo. O Secretariado da OCDE coleta e analisa dados, após o que as comissões discutir política em relação a esta informação, o Conselho toma decisões, e, em seguida, os governos implementem recomendações. Informações disponíveis em: http://www.oecd.org. Consultado em: 31/08/2015, às 17:37. 162 CARGA TRIBUTÁRIA X PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) Lançando um olhar sobre a série histórica (2004 a 2013) dessa relação “carga tributária x Produto Interno Bruto (PIB)” no Brasil, duas constatações são perceptíveis: A primeira é que entre 2004 e 2013 o volume arrecadado cresceu sugnificativamente (de R$ 634.539,30 para R$ 1.741.658,30), refletindo um substancial crescimento econômico. A segunda é que, ainda em termos percentuais, a relação “carga tributária x Produto Interno Bruto (PIB)” saiu de 32,40% (2004) para 35,95% (2013), representando inegável aumento do ônus tributário. 163 . Contraditoriamente, essa expansão da arrecadação e da carga fiscal não tem sido refletida, em uma mesma proporção, no aumento da oferta e da qualidade dos serviços públicos, estando ainda distante de um nível ideal, embora se deva reconhecer que houve uma melhoria. Nesse aspecto, é crescente a preocupação com a qualidade do gasto público, tema que exige a elaboração de um estudo a parte, alheio aos objetivos pretendidos com a presente tese doutoral. EVOLUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA X PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) 164 Não obstante, cabe aqui uma menção pontual ao artigo de autoria de REZENDE; CUNHA e BEVILACQUA157, no qual reconhecem que para evitar os prejuízos que os aumentos na carga tributária provocam, com respeito à competitividade econômica, a contenção do crescimento dos gastos, apoiada em melhor conhecimento sobre onde economizar sem comprometer a provisão de serviços essenciais, ganhou destaque nas providências adotadas para promover o ajuste fiscal. É que o esgotamento das possibilidades de continuar sustentando o ajuste fiscal mediante aumento de impostos requer atenção cada vez maior no controle dos gastos. Para isso, é necessário desenvolver um sistema de informações que permita avaliar os custos dos programas e atividades mantidos pelo governo, de modo a evitar o tradicional recurso a cortes lineares que prejudicam atividades essenciais sem afetar aquelas que são exercidas com um nível elevado de ineficiência. De igual modo, em matéria de eficiência e competitividade, é fundamental um esforço em torno da simplificação e racionalização do sistema tributário, seja na perspectiva do Estado, seja na do contribuinte. No contexto da tributação incidente sobre a atividade econômica de natureza empresarial, considerando que o cumprimento da obrigação tributária constitui 157 REZENDE, Fernando; CUNHA, Armando e BEVILACQUA, Roberto. Informações de custos e qualidade do gasto público: lições da experiência internacional. In: Revista de Administração Pública. Número 44(4):959-92. Rio de Janeiro: FGV/EBAPE - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Jul./Ago, 2010. págs. 959-992. 165 obrigação inafastável do empresário, um dos grandes desafios têm sido a simplificação e a desoneração dos procedimentos de arrecadação, criando, assim, um ambiente favorável à atratividade de investimentos para, por conseguinte, propiciar o desenvolvimento econômico. Indubitavelmente, é imperiosa a adoção de mecanismos que propiciem efetiva melhoria dos procedimentos de arrecadação tributária, simplificando-os ao máximo, com vistas a reduzir os custos suportados pelo sujeito passivo da obrigação, especialmente o empresário, seja individual ou coletivo, aumentando, assim, a produtividade e a eficiência do sistema. O SIMPLES Nacional constitui uma iniciativa importante nesse aspecto, conforma adiante se demonstrará. 166 3. TRATAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO E FAVORECIDO AO MICROEMPRESÁRIO E AO EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE. 3.1. DISTINÇÕES BÁSICAS NECESSÁRIAS: MICROEMPRESÁRIO E EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE. Em 14 de dezembro de 2006, com a edição do vigente Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte – Lei complementar 123/2006 e alterações posteriores – houve a revogação expressa da Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996, assim como da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, que tratavam, respectivamente, do regime especial de tributação das Micro e Pequenas Empresas, que na Espanha são conhecidas simplesmente por PYMES, e dos demais assuntos pertinentes a esses agentes econômicos, reunindo, em um único texto, as matérias empresarial (ou mercantil) e tributária, buscando atender o contido na Constituição Federal, em seu artigo 179, IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País). Note-se que, muito embora a principal vantagem assegurada na Lei complementar 123/2006 esteja no campo tributário (simplificação da relação e diminuição da carga), a referida Lei também contempla benefícios em outros temas, tais como: acesso aos mercados nas aquisições públicas, simplificação das relações 167 de trabalho, associativismo, estímulo ao crédito e à capitalização, estímulo à inovação, regras civis e empresariais e acesso à justiça. Não obstante, considerando os objetivos da presente tese, serão aqui analisados apenas os benefícios tributários decorrentes da Lei complementar 123/2006, decorrentes da opção pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte – SIMPLES Nacional. Para tanto, é indispensável destacar que foram, por meio da referida Lei complementar 123/2006 e alterações posteriores, instituídas duas figuras jurídicas distintas no ordenamento brasileiro, a saber: As microempresas, compreendidas como a sociedade simples, a sociedade empresária, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e o empresário a que se refere o artigo 966 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)158, devidamente registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas (serviços notariais e de registro com competência específica), em se tratando de sociedade simples, ou registrada no Registro de Empresas Mercantis (Junta 158 Código Civil. “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”. 168 Comercial), em se tratando de sociedade empresária, empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e o empresário individual, que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais)159. Já as empresas de pequeno porte, definidas como a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e o empresário a que se refere o artigo 966 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)160, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis (Junta Comercial) ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)161. Note-se que tanto as microempresas como as empresas de pequeno porte que atendam ao requisito econômico acima aludido e não se inserirem em nenhuma das vedações (que serão adiante especificadas) elencadas na Lei complementar 123/2006 podem, em princípio, fazer opção pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte – SIMPLES Nacional. 159 Equivalente, atualmente, a aproximadamente 108.000,00 euros. “Código Civil. Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. 160 Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”. 161 Equivalente a aproximadamente 1.080.000,00 euros. 169 Diga-se, “em princípio”, pois é possível que, mesmo sendo viável o enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, ainda assim o SIMPLES Nacional poderá não ser acessível em virtude da natureza da atividade econômica desenvolvida, como será adiante demonstrado. Desse modo, existem certas situações nas quais a empresa é enquadrada na condição de Microempresa como as Empresa de Pequeno Porte, porém não tem a possibilidade de optar pelo SIMPLES Nacional. Registre-se que o legislador utilizou as expressões empresa e empresário para indicar as figuras jurídicas acima referidas, sem observar, porém, o conceito de empresário delineado no artigo 966 da Lei 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), o qual já foi objeto de análise na presente tese, especialmente no capítulo 2, item 2.1, quando se buscou esclarecer o real alcance da expressão empresa, identificando, ademais, os seus titulares, ora qualificados como pessoa física, ora como pessoa jurídica. Certo é que, ao definir os respectivos destinatários da Lei Complementar 123/2006, não se preocupou o legislador com o fato de que nem todas as atividades econômicas exploradas caracterizam empresa, utilizando-se, indiscriminadamente, as expressões Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte para se referir, também, às atividades econômicas de natureza intelectual, artística, científica ou 170 literária, as quais, na essência, não se configuram empresa no sentido estrito, embora exercidas, em regra, com ânimo lucrativo. Não obstante na perspectiva do direito empresarial (ou mercantil) a “desatenção” do legislador mereça crítica, sob o prisma do direito tributário a inclusão de atividades econômicas que não sejam rigorosamente empresarias (indústria, comércio e serviços desprovidos de natureza intelectual, artística, científica ou literária), revela iniciativa positiva, uma vez o principal benefício da Lei Complementar 123/2006 se insere no campo da tributação, mediante ingresso no chamado SIMPLES Nacional, seja para simplificar procedimentos, seja para reduzir os impactos da carga tributária, como se demonstrará adiante. Essa é uma realidade que, de algum modo, segundo CASALTA NABAIS 162, também se verifica no plano internacional e supranacional, pois, de um lado, o Modelo de Convenção sobre o Rendimento e sobre o Patrimônio da OCDE dispõe nas alíneas c) e h) do no. 1º. do seu art. 3º., respectivamente, que o termo “empresa” aplica-se ao exercício de qualquer atividade econômica e a expressão atividade empresarial inclui o exercício de serviços profissionais e de outras atividades de caráter independente. De outro lado, prossegue CASALTA NABAIS, o Código de Conduta da Fiscalidade das Empresas da EU omite qualquer referência ao sentido da expressão 162 CASALTA NABAIS, José. Introdução ao direito fiscal das empresas. Coimbra: Almedina, 2013, págs. 14-15. 171 empresas, o que revela tendência de alargamento dos limites conceituais traçados pela legislação empresarial (ou mercantil). Acrescente-se que, em matéria de definição das chamadas Pequeñas y Medianas Empresas (PYMES) espanholas, o Código de Comercio “no establece una distinción clara entre los empresarios en función de su dimensión, de forma que el estatuto jurídico del empresario es, en principio, único para todos ellos. No obstante, la clasificación económica que distingue entre pequeñas, medianas y grandes empresas (en función de criterios diversos, como puede ser el volumen de facturación, número de trabajadores, y otros), se fue abriendo paso, primero en la legislación admininistrativa, para pasar a ejercer también influencia en leyes mercantiles especiales.”163. Nesse sentido, o Real Decreto 1.515/2007, de 16 de novembro, aprovou o Plan General de Contabilidad de Pequeñas y Medianas Empresas e os critérios contábeis específicos para microempresas, utilizando-se de elemento quantitativo para fins de enquadramento, sintetizado no artigo 2º., por meio do qual se verifica que “podrán aplicar este Plan General de Contabilidad de Pymes todas las empresas, cualquiera que sea su forma jurídica, individual o societaria, que durante dos ejercicios consecutivos reúnan, a la fecha de cierre de cada uno de ellos, al menos dos de las circunstancias siguientes”: 163 BROSETA PONT, Manuel. Manual de derecho mercantil. Vol. 1. 20ª. Ed. Madrid: Tecnos, 2013, pág. 92. 172 “a) Que el total de las partidas del activo no supere los dos millones ochocientos cincuenta mil euros. b) Que el importe neto de su cifra anual de negocios no supere los cinco millones setecientos mil euros. c) Que el número medio de trabajadores empleados durante el ejercicio no sea superior a cincuenta.” Ademais, o referido Plan General de Contabilidad menciona a microempresa, em seu artigo 4º., exigindo, em termos quantitativos, que durante dois exercícios consecutivos as empresas reúnam, na data de encerramento de cada um deles, as seguintes circunstâncias: “a) Que el total de las partidas del activo no supere el millón de euros. b) Que el importe neto de su cifra anual de negocios no supere los dos millones de euros. c) Que el número medio de trabajadores empleados durante el ejercicio no sea superior a diez.”. A conjugação de critérios (ativo, volume anual de negócios e número de trabalhadores) adotada no Plan General de Contabilidad de Pequeñas y Medianas Empresas está em consonância com a Recomendación de la Comisión Europeia, de 173 6 de mayo de 2003, sobre la definición de microempresas, pequeñas y medianas empresas [notificada con el número C(2003) 1422], Publicado no DOUE núm. 124, de 20 de mayo de 2003, páginas 36 a 41, especialmente nos artigos 1º. e 2º., a saber: “Artículo 1 Empresa Se considerará empresa toda entidad, independientemente de su forma jurídica, que ejerza una actividad económica. En particular, se considerarán empresas las entidades que ejerzan una actividad artesanal u otras actividades a título individual o familiar, las sociedades de personas y las asociaciones que ejerzan una actividad económica de forma regular. Artículo 2 Los efectivos y límites financieros que definen las categorías de empresas 1. La categoría de microempresas, pequeñas y medianas empresas (PYME) está constituida por las empresas que ocupan a menos de 250 personas y cuyo volumen de 174 negocios anual no excede de 50 millones de euros o cuyo balance general anual no excede de 43 millones de euros. 2. En la categoría de las PYME, se define a una pequeña empresa como una empresa que ocupa a menos de 50 personas y cuyo volumen de negocios anual o cuyo balance general anual no supera los 10 millones de euros. 3. En la categoría de las PYME, se define a una microempresa como una empresa que ocupa a menos de 10 personas y cuyo volumen de negocios anual o cuyo balance general anual no supera los 2 millones de euros.”. Graficamente, os criterios acima podem ser assim ilustrados: . Em resumo, tem-se que: 175 O cálculo do número de trabalhadores é um critério de crucial importância para determinar inicialmente a que categoria pertence uma PYME. Abarca “el personal que trabaja a tiempo completo, a tiempo parcial y los trabajadores de temporada y comprende los tipos siguientes: • asalariados; • personas que trabajan para la empresa, que tienen con ella un vínculo de subordinación y están asimiladas a asalariados con arreglo al Derecho nacional; • propietarios que dirigen su empresa; • socios que ejercen una actividad regular en la empresa y disfrutan de ventajas financieras por parte de la empresa”164. 164 VERHEUGEN, Günter. La nueva definición de PYME. Comunidades Europeas: Publicaciones de empresa e industria, 2006. 176 Ademais, para determinar “el volumen de negocios anual se calculan los ingresos percibidos durante el año de que se trate por su empresa en concepto de ventas o prestación de servicios, una vez realizada la deducción de los descuentos.”165 Além disso, “el balance general anual se refiere al valor de los principales activos de su empresa.”166. É possível extrair um aspecto positivo da análise da citada Recomendação da Comissão Europeia que, para fins de enquadramento na condição de PYMES, menciona a empresa em sentido amplo, para abranger uma atividade econômica independentemente de sua forma jurídica, desde que verificada a sua regularidade. Isso mostra a preocupação de incluir na condição PYMES atividade que não sejam rigorosamente empresariais e abre a possibilidade de oferta de uma série de benefícios aptos a permitir o desenvolvimento desses agentes econômicos, superando os limites que a legislação empresarial ou mercantil estabelece, em regra, para definir ou de alguma forma reportar-se à empresa e seus respectivos titulares, sejam pessoas físicas (empresário individual) ou jurídicas. Diante do exposto, é possível concluir que tanto no Brasil como na Espanha, os conceitos de empresa e empresário no âmbito empresarial ou mercantil e tributário 165 166 Idem. Idem. 177 são diferentes, sendo certo que a legislação tributária - ou a ela correlata - identifica a empresa, via de regra, como sinônimo de atividade econômica, qualquer que seja ela, e, desde que presente o propósito lucrativo, impõe ao respectivo titular (pessoa física ou jurídica) o cumprimento das respectivas obrigações tributárias, porém também reserva-lhe, nessa mesma perspectiva, benefícios especiais às PYMES. 178 3.2. PORTE ECONÔMICO ENQUADRAMENTO DO COMO PRESSUPOSTO MICROEMPRESÁRIO E DO BÁSICO PARA EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE NO SIMPLES NACIONAL E A SUA RELAÇÃO COM A CAPACIDADE ECONÔMICA PARA FINS TRIBUTÁRIOS. Percebe-se, claramente, que o legislador adotou um critério econômico (receita bruta) como primeiro pressuposto para enquadramento da pessoa física ou jurídica, conforme o caso, na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte. Nesse sentido, revela-se oportuno esclarecer que, para fins do disposto na Lei complementar 123/2006, considera-se receita bruta o produto da venda de bens e serviços ou o preço dos serviços, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos. Tal como anteriormente exposto existem dois níveis distintos que foram estabelecidos pela Lei complementar 123/2006 (Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte), cujo respectivo enquadramento decorre do volume da receita bruta obtida anualmente. Certo é que a opção pelo SIMPLES Nacional exige, como condição prévia, o enquadramento em uma dessas três faixas, isto é, Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, impedindo que as empresas com faturamento superior a R$ 179 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) tenham acesso ao regime tributário diferenciado e favorecido, submetendo-as a uma maior carga tributária. Nessa perspectiva, evidencia-se adequada a opção do legislador brasileiro ao instituir o SIMPLES Nacional, vinculando a possibilidade de acesso a um critério econômico (receita bruta anual), de maneira a proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados empresariais. Constitui-se, pois, medida coerente, vez que tendente a assegurar a concorrência em condições justas entre o grupo integrado por microempresas ou empresas de pequeno porte, de uma parte, e, de outra, os grandes empresários, tal como determina a Constituição Federal, em seu artigo 179, IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País). Constata-se aqui, inegavelmente, a presença do elemento capacidade econômica no marco do direito tributário, que possui o seu sentido e conteúdo delimitados pela noção de igualdade, especialmente, em seu aspecto formal, como exigência do tratamento isonômico de situações iguais; e em seu aspecto material, como proibição de discriminações ilegítimas167. 167 HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Capacidad econômica y sistema fiscal. Madrid: Oriol-Urquijo, 1998, pág. 26. 180 A Constituição brasileira, ao tratar da competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com vistas à instituição de impostos, taxas e contribuição de melhoria, faz expressa menção à capacidade econômica do contribuinte, nos seguintes termos: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. § 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.” 181 Segundo BARROS CARVALHO168, a referida expressão capacidade econômica do contribuinte tem o condão de denotar dois momentos distintos no direito tributário. Primeiro, realizar o princípio “pré-jurídico” da “capacidade contributiva absoluta ou objetiva”, no sentido de demonstrar a escolha, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza, como, no caso do SIMPLES Nacional, da indicação do faturamento ou da receita bruta anualmente auferida. Por outro lado, também é capacidade econômica, sob o prisma relativo ou subjetivo, a repartição da repercussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o “tamanho econômico do evento”. Quando empregada nesse último sentido, embora revestida de caracteres próprios, sua existência está diretamente relacionada à realização do princípio da igualdade, previsto no artigo 5º, caput, do Texto Constitucional, in verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”. Conquanto a capacidade econômica seja relevante para nortear a graduação da tributação, o influxo dos princípios constitucionais (dignidade da pessoa humana, proteção à propriedade, à família, à liberdade econômica, etc.) exige que a 168 BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de direito tributário. 21ª. Ed.. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 182. 182 imposição tributária seja orientada em um sentido que denote a capacidade do contribuinte fazer face à tributação169, ou seja, a dimensão do fato econômico é dosada de maneira que somente incidirá o tributo depois de assegurado o chamado mínimo existencial. Verifica-se que, de um lado, o legislador identificou as microempresas ou empresas de pequeno porte pelo “signo de riqueza”, ou seja, pela receita bruta anual, considerando as respectivas faixas e limites; de outra banda, tratou o fato gerador (efetivo exercício da atividade econômica para produção ou circulação de bens ou serviços) a partir do “tamanho econômico do evento” instituindo um regime tributário (SIMPLES Nacional) menos oneroso para o sujeito passivo. Advirta-se que a dimensão do tema, ou seja, a capacidade econômica no marco do direito tributário é de tamanha magnitude que ultrapassa fronteiras, fazendo-se também presente no ordenamento jurídico espanhol, inclusive em nível constitucional. Com efeito, com redação mais precisa e específica, a Constituição Espanhola alude à capacidade econômica para fins tributários, nos seguintes termos: “Artículo 31 1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica 169 PITTEN VELLOSO, Andrei. Constituição tributária interpretada. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 36. 183 mediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio. 2. El gasto público realizará una asignación equitativa de los recursos públicos, y su programación y ejecución responderán a los criterios de eficiencia y economía. 3. Sólo podrán establecerse prestaciones personales o patrimoniales de carácter público con arreglo a la ley.”. Nessa mesma direção, a Ley General Tributaria (Ley 58/2003, de 17 de diciembre de 2003), trata da questão da capacidade econômica ou contributiva da seguinte maneira: “Artículo 3. Principios de la ordenación y aplicación del sistema tributario. 1. La ordenación del sistema tributario se basa en la capacidad económica de las personas obligadas a satisfacer los tributos y en los principios de justicia, generalidad, igualdad, progresividad, equitativa distribución de la carga tributaria y no confiscatoriedad.” 184 A partir da análise dos artigos acima referidos, o professor COLLADO YURRITA e a professora MORENO GONZÁLEZ170 identificam três significados diferentes para a capacidade econômica na perspectiva tributária, quais sejam: “En primer lugar, la capacidad económica es el fundamento que justifica el hecho mismo de contribuir y, por tanto, el cumplimiento del deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos establecido en el art. 31.1 CE. En segundo lugar, el principio de capacidad económica opera como límite para el legislador en la configuración de los tributos. […] Por último, la capacidad económica es la medida, razón o proporción de cada contribución, […] y, desde este punto de vista, es expresión de la igualdad objetiva en la ley y manifestación de la progresividad tributaria, ya que a iguales índices de capacidad económica, la presión tributaria soportada debe ser la misma, pero una mayor capacidad económica debe ser sometida a una presión tributaria mayor.”171 As conclusões dos professores COLLADO YURRITA e MORENO GONZÁLEZ guardam perfeita sintonia com as decisões do Tribunal Constitucional Espanhol, especialmente com a sentencia 221/1992, de 11 de diciembre de 1992, segundo a qual, no Fundamento jurídico 4, a “[…] capacidad económica, a efectos de contribuir a los gastos públicos, tanto significa como la incorporación de una exigencia lógica 170 COLLADO YURRITA, Miguel Ángel; MORENO GONZÁLEZ, Saturnina. Principios constitucionales del derecho tributário: principios materiales. “in” COLLADO YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, págs. 118-119. 171 Em termos parecidos, Patricio Masbernat Muñoz afirma que a “capacidad económica dice relación con la potencialidad económica vinculada a la titularidad y disponibilidad de la riqueza; con la aptitud, la posibilidad real, la suficiencia de un sujeto de derecho para hacer frente a la exigencia de una obligación tributaria concreta por parte de una Administración Pública.” MASBERNAT MUÑOZ, Patricio. El principio de capacidad económica como principio jurídico material de la tributación: su elaboración doctrinal y jurisprudencial en España. “in” Revista Ius et Praxis, Año 16, Nº 1, 2010, pp. 303 – 332. Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales de la Universidad de Talca/Chile. 185 que obliga a buscar la riqueza allí donde la riqueza se encuentra (SSTC 27/1981, fundamento jurídico 4º y 150/1990). […]”172. Portanto, de acordo com a citada sentencia 221/1992 , “[…] basta que dicha capacidad económica exista, como riqueza o renta real o potencial en la generalidad de los supuestos contemplados por el legislador al crear el impuesto, para que aquél principio constitucional quede a salvo (STC 37/1987, fundamento jurídico 13). […]”. A capacidade econômica opera, portanto, como um limite ao poder legislativo em materia tributaria. Ainda de acordo com o Tribunal Constitucional Espanhol, em sua Sentencia 26/2015, de 19 de febrero de 2015, Fundamento jurídico 4, “[…] esto significa que el legislador (estatal o autonómico) no podrá establecer tributos sobre una materia que no refleje riqueza real o potencial, o lo que es lo mismo, sea inexpresiva de capacidad económica (STC 193/2004, de 4 de noviembre, FJ 5), exigiéndose por tanto siempre que se someta a tributación “una concreta manifestación de riqueza o de renta real, que no inexistente, virtual o ficticia” (SSTC 221/1992, de 11 de diciembre, FJ 4; 193/2004, de 4 de noviembre, FJ 6; y 19/2012, de 15 de febrero, FJ 7). […]”. 172 Em termos semelhantes, o Tribunal Constitucional de Espanha decidiu, nos termos da Sentença 193/2004, de 4 de novembro de 2004, que “[…] Esta recepción constitucional del deber de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos según la capacidad económica de cada contribuyente configura un mandato que vincula, no sólo a los ciudadanos, sino también a los poderes públicos (STC 76/1990, de 26 de abril, FJ 3) ya que, si los unos están obligados a contribuir de acuerdo con su capacidad económica al sostenimiento de los gastos públicos los otros están obligados, en principio, a exigir en condiciones de igualdad esa contribución a todos los contribuyentes cuya situación ponga de manifiesto una capacidad económica susceptible de ser sometida a tributación (STC 96/2002, de 25 de abril, FJ 7)” 186 Portanto, a graduação tributária fixada em função da capacidade econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos ditames do princípio da igualdade em matéria tributária173. Segundo SALDANHA SANCHES174, a adoção do conceito de capacidade econômica como princípio ordenador da repartição da carga fiscal – uma questão cada vez mais importante quando aumenta o pesa da carga fiscal – teve uma consequência decisiva: a concretização dos conceitos gémeos capacidade econômica e justiça fiscal. A consequência seguinte foi a consagração constitucional desses princípios como componente “normal” dos Estados constitucionais e a atribuição aos tribunais de poderes e competência para a sua concretização. Voltando à realidade brasileira, não há dúvida de que o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte – SIMPLES Nacional, criado pela Lei Complementar nº 123⁄2006 e destinado a conferir às microempresas e empresas de pequeno porte tratamento tributário mais favorável, encontra como fonte de inspiração nos artigos 173 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3ª. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pág. 40. A respeito do tema, pode-se consultar também a decisão do Tribunal Constitucional Espanhol, na Sentencia 60/2015, de 18 de marzo de 2015, Fundamento jurídico 4, “[…] Más concretamente, pero ahora con relación al principio de igualdad ante la ley tributaria del art. 31.1 CE, hemos señalado que dicho principio conlleva la prohibición en la concesión de privilegios tributarios discriminatorios, es decir, de beneficios tributarios injustificados desde el punto de vista constitucional que puedan constituir una quiebra del deber genérico de contribuir al sostenimiento de los gastos del Estado (STC 96/2002, de 25 de abril, FJ 7). Y ello porque “la exención, como quiebra del principio de generalidad que rige la materia tributaria, al neutralizar la obligación tributaria derivada de la realización de un hecho revelador de capacidad económica, es constitucionalmente válida siempre que responda a fines de interés general que la justifiquen (por ejemplo, por motivos de política económica o social, para atender al mínimo de subsistencia, por razones de técnica tributaria, etc.), quedando, en caso contrario, proscrita, desde el punto de vista constitucional, por cuanto la Constitución a todos impone el deber de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos en función de su capacidad económica” (STC 96/2002, FJ 7). […]” 174 SALDANHA SANCHES, José Luis. Justiça fiscal. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010, pág. 30. 187 146, III, "d" e parágrafo único (Emenda Constitucional nº 42 de 2003), e 170, IX, da Constituição Federal, os quais assim dispõem: “Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: [...] d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, da contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, "d", também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I – será opcional para o contribuinte; II – poderão ser estabelecidas enquadramento diferenciadas por Estado; condições de 188 III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de a recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.” “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.” Com efeito, indispensável destacar que o SIMPLES Nacional, nos moldes concebidos pela legislação, não se define como novo tributo, mas como um sistema – em seu todo – mais benéfico de cobrança de tributos já existentes, de modo mais favorável às microempresas e empresas de pequeno porte, conforme reconheceu o 189 Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento de recurso em mandado de segurança175. Nessa mesma linha, CARRAZZA176 leciona que em meio a todas estas questões, uma ideia, porém, precisa ficar clara: a Lei Complementar 123⁄2006 não instituiu nenhum novo tributo, mas apenas abriu espaço, em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte que voluntariamente – constitui opção – aderirem ao SIMPLES Nacional, à unificação da fiscalização, do lançamento e da arrecadação de determinados impostos e contribuições. Em nenhum momento – convém que se frise – ignorou as garantias formais e materiais, plasmadas pela Constituição Federal, que protegem o contribuinte contra eventuais excessos fazendários. Dito de outra forma, o SIMPLES Nacional não criou – para as microempresas e empresas de pequeno porte que a ele voluntariamente aderirem – novas incidências tributárias, mas, pelo contrário, mitigou as existentes, por meio de uma série de reduções de bases de cálculo e de alíquotas, de simplificações contábeis, de isenções e de benefícios fiscais em geral. 175 STJ. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 29.568 - AM (2009⁄0096410-0). Relator: Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 20/08/2013. Data da Publicação/Fonte: DJe 30/08/2013. 176 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2.012, pág. 346 190 Curial frisar que os professores REGO FEITOSA e SALEMA FERREIRA 177 advertem que a possibilidade de graduar os tributos segundo a capacidade econômica do sujeito passivo da relação tributária só é possível naqueles casos cuja incidência econômica seja direta, ou seja, aquele agente que a lei indicou para satisfazer a obrigação tributária é o mesmo que irá suportar o ônus econômico do tributo. Isso, porém, não impede que, em determinadas circunstâncias de mercado, esse ônus econômico do tributo seja agregado aos preços finais de mercadorias, produtos e serviços. Logo, em relação aos tributos indiretos, o respeito ao comando legal acerca da capacidade econômica não se torna possível, porque aquele que realmente assume o ônus econômico do tributo, o “contribuinte de fato”, não coincide com o “contribuinte de direito”. Esclareça-se que o "contribuinte de direito" é o sujeito que concretiza a hipótese de incidência descrita na norma, vale dizer, realiza o fato gerador do tributo. Por sua vez, o "contribuinte de fato" é aquele que sofre o ônus financeiro da tributação que lhe é repassado pelo “contribuinte de direito” por força de autorização legal decorrente da não-cumulatividade da exação incidente sobre o produto/serviço adquirido. O contribuinte de fato não pratica o fato gerador, não faz parte da relação jurídico-tributária que se estabelece com o Estado e, na verdade, nada tem de contribuinte, no sentido técnico da palavra e único que deveria ser utilizado, 177 REGO FEITOSA, Raymundo Juliano e SALEMA FERREIRA, Alexandre Henrique. A incidência econômica dos tributos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3012, 30 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20055>. Acesso em: 12 maio 2014. 191 conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 983.814 - MG178. Infere-se, ainda de acordo com a análise da decisão, que a relevância do "contribuinte de fato" exsurge no campo das ciências econômicas quando da análise da carga tributária imposta aos consumidores ou no momento da formulação do preço de venda de determinado produto. Porém, a caracterização do chamado "contribuinte de fato" no campo do direito, na verdade, tem função meramente didática para explicar a sistemática da tributação indireta. É o caso típico do consumidor final. Este, quase sempre, arca com o ônus tributário dos impostos que incidem sobre a circulação de mercadorias e a industrialização de produtos. Feitas essas considerações, vale dizer ainda que, conforme anteriormente destacado, é possível que, mesmo sendo viável o enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, o SIMPLES Nacional não seja acessível em virtude da natureza da atividade econômica desenvolvida, como será adiante demonstrado. Portanto, o critério econômico (receita bruta anual) acima explicitado constitui a principal – porém não a única – exigência formulada pelo legislador para permitir o acesso ao SIMPLES Nacional, conforme adiante ficará demonstrado. 178 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 983.814 - MG (2007/0218339-7). Relator: Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 04 de dezembro de 2007. 192 3.3. VEDAÇÕES ESPECÍFICAS PARA ENQUADRAMENTO DA EMPRESA NA CONDIÇÃO DE MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE PELAS PESSOAS JURÍDICAS Relembre-se que o enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte é possível tanto para a pessoa física (empresário individual) como também para pessoa jurídica (seja uma sociedade ou uma EIRELI). Assim sendo, uma vez atendido o requisito econômico (receita bruta anual) é, em princípio, possível o enquadramento na condição de microempresário e ao empresário de pequeno porte. Porém, a pessoa jurídica que esteja inserida em determinadas situações não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado, ou seja, não poderá optar pelo SIMPLES Nacional, ainda que atenda ao critério econômico (receita bruta anual). Portanto, segundo a Lei Complementar 123/2006, não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o SIMPLES Nacional, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica que se inclua em alguma das situações adiante relacionadas: 193 3.3.1. A pessoa jurídica de cujo capital participe outra pessoa jurídica. Primeiramente, veda-se a qualificação como microatividade econômica ou atividade econômica de pequeno porte da sociedade, simples ou empresária, de cujo capital participe outra pessoa jurídica. Não importa se minoritária ou majoritária. O mero fato de uma pessoa jurídica integrar a composição societária é suficiente para impedir o enquadramento. O legislador quis evitar a criação de estruturas societárias que pudessem burlar o sistema, pois, em tese, seria possível que uma grande corporação fosse dividida em várias microempresas e/ou empresas de pequeno porte, cujo faturamento de cada uma delas não ultrapassasse os limites fixados pela Lei Complementar 123/2006, ou seja, no máximo igual a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), beneficiando-se dessa condição para todos os fins e efeitos, especialmente no âmbito tributário. 3.3.2. A pessoa jurídica que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa jurídica com sede no exterior. Os artigos 1.126179 e seguintes do Código Civil brasileiro fazem distinção entre a sociedade nacional e a sociedade estrangeira. 179 “Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração. Parágrafo único. Quando a lei exigir que todos ou alguns sócios sejam brasileiros, as ações da sociedade anônima revestirão, no silêncio da lei, a forma nominativa. Qualquer que seja o tipo da 194 Exige a legislação brasileira que, para ser considerada nacional, a sociedade, além de ser aqui constituída, tenha a sede de sua administração no Brasil. Consequentemente, será considerada brasileira a sociedade organizada de acordo com a legislação nacional, sendo registrada no Brasil e mantendo aqui a sede social, sendo irrelevante a origem do capital, bem como a nacionalidade e o domicílio dos seus respectivos sócios. Note-se que a vigente Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, baixada pelo Dec.-lei 4.657/1942, ao dispor sobre direito internacional privado, estatui, em seu artigo 11, que “As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § 1 o Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.”. Observe-se que a referida Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro não se pronunciou, expressamente, sobre a nacionalidade das pessoas jurídicas, partindo do pressuposto de que, por constituírem criações de determinado ordenamento jurídico, reger-se-ão pela mesma lei que as criou, pouco importando, por isso, definir a nacionalidade. sociedade, na sua sede ficará arquivada cópia autêntica do documento comprobatório da nacionalidade dos sócios.”. 195 Assim, conforme acentua DINIZ180, poder-se-á determinar a nacionalidade da pessoa jurídica pela lei na qual ela tem sua origem, ou seja, aplicar-se-á o princípio locus regit actum (o lugar determina o ato) no que atina à constituição das pessoas jurídicas. Portanto, a sociedade organizada de acordo com a legislação estrangeira, sendo registrado no exterior e lá mantendo a sua sede administrativa, ainda que os sócios sejam todos brasileiros e o capital oriundo do Brasil, será considerada estrangeira. Nos termos do artigo 1.134181 do código civil brasileiro, a sociedade estrangeira não poderá funcionar no Brasil, ainda que por estabelecimentos subordinados, sem a autorização do Poder Executivo, pelo que, se desejar funcionar em território brasileiro, deverá solicitar autorização do Governo Federal para instalação e funcionamento, em requerimento dirigido ao Ministro de Estado Chefe 180 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 13ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, págs. 11-12-13. 181 “Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira. § 1o Ao requerimento de autorização devem juntar-se: I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país; II - inteiro teor do contrato ou do estatuto; III - relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade; IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional; V - prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; VI - último balanço. § 2o Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo.”. 196 da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, protocolizado no Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI, que o examinará sem prejuízo da competência de outros órgãos federais. A sociedade empresária estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com os plenos poderes especificados no art. 2º, inciso V, da Instrução Normativa Nº 7, de 05 de dezembro de 2013, editada pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI). Por conseguinte, ainda que o funcionamento no Brasil seja autorizado pelo Governo Federal, também não poderá a sociedade estrangeira ser enquadrada como micro ou pequena empresa, de acordo com o § 4 o do artigo 3º da Lei Complementar 123/2006. Interessante destacar que por dois meios pode o empresário estrangeiro atuar no Brasil: aqui constituindo estabelecimento subordinado, mediante a obtenção da autorização pelas autoridades competentes, ou tornando-se acionista de sociedade anônima brasileira - hipótese em que tal autorização é desnecessária, exceto quando tal for proibido por lei especial. 197 Ao permitir o Código Civil que as sociedades estrangeiras possam funcionar no país como acionistas de sociedade anônima, o legislador reiterou a possibilidade que já vinha albergada pelo artigo 64 do Decreto-lei 2.627/40: as sociedades estrangeiras, ao invés de requererem autorização para funcionar no país, aqui constituem, por meio de terceiros, uma sociedade da qual adquirem parcela substancial do capital social – desde que não existe expressa proibição legal 182, o que lhes permite, inclusive, deter o respectivo controle183. Ressalte-se que a partir de uma interpretação literal do artigo 1.134 do Código Civil concluir-se-ia pela limitação à condição de acionista de sociedade anônima brasileira, vedando-se, pois, a possibilidade da sociedade estrangeira tornar-se sócia de uma sociedade limitada, por exemplo. Não é esse, porém, o entendimento predominante entre os doutrinadores brasileiros. Na realidade, o texto deveria ter se referido genericamente à sociedade brasileira. Por evidente descuido, o legislador reproduziu a norma revogada (art. 64 do Decreto-lei 2.627/40) que cuidava da matéria no âmbito das sociedades anônimas. Segundo GONÇALVES NETO184, ainda na égide da lei anterior as Juntas Comerciais firmaram o entendimento de que a norma em questão devia ser 182 O artigo 222 da Constituição Federal limita a participação do capital estrangeiro em empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens a trinta por cento do capital total e votante da sociedade. Já o artigo 199, § 3º., da Constituição Federal, veda a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. 183 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da; SZTAJN, Rachel. Código Civil Comentado: Direito de Empresa (artigos 887 a 926 e 966 a 1.195). São Paulo: Atlas, 2008, Volume XI, pág.762. 184 GONÇALVES NETO, A. A.: op. cit., Direito de Empresa. págs. 556-557. 198 interpretada no sentido de facultar o arquivamento de contrato social em que figurasse a participação de sociedade estrangeira em qualquer sociedade brasileira (seja anônima, limitada ou de outro tipo), independentemente de autorização governamental. Não se pode olvidar que, mesmo admitindo a possibilidade da sociedade estrangeira participar na condição de sócia de sociedade brasileira e sem autorização governamental prévia, não será possível o enquadramento na condição de micro e pequena empresa, diante da vedação anteriormente apontada, por se tratar de sócia pessoa jurídica. Nada impede, porém, que, atualmente, uma sociedade brasileira que tenha como sócio um estrangeiro – pessoa física ou natural – seja enquadrada como micro ou pequena empresa. Isso porque, a Lei complementar 123/2006 não faz qualquer proibição nesse sentido, diferentemente do antigo estatuto das micro e pequenas empresas (a revogada lei 9.841/1999), sendo certo, contudo, que a sociedade, constituída apenas por pessoas físicas residentes no exterior e ou por pessoas jurídicas estrangeiras, deverá ser dirigida por administrador residente no Brasil, nos termos da Instrução Normativa Nº 10, de 05 de dezembro de 2013, editada pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), e respectivo manual de registro empresarial. 199 3.3.3. A pessoa jurídica de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como empresário individual ou que seja sócia de outra empresa já enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Novamente preocupou-se o legislador com a possibilidade de fraudes no regime próprio das micro ou pequenas empresas, ao impedir que alguém, por exemplo, mantivesse parte da atividade negocial sob firma individual, com faturamento anual equivalente ao limite máximo legal, isto é, R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), e, simultaneamente, mantivesse outra parte sob a titularidade de uma sociedade simples ou empresária da qual participasse como sócio, e que, por sua vez, faturasse anualmente, como pessoa jurídica, soma correspondente a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Desse modo, seria beneficiada a atividade econômica com faturamento equivalente ao dobro do limite legal permitido para fins da Lei Complementar 123/2006. Note-se que a vedação em comento alcança a situação em que a soma do faturamento do empresário individual e da sociedade da qual participe como sócio ultrapasse o limite legal fixado na Lei Complementar 123/2006. 200 Portanto, na hipótese da soma dos faturamentos anuais obtidos pelo microempresário individual e pela pessoa jurídica enquadrada como micro ou pequena empresa não superar R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) nenhum problema haverá. 3.3.4. A pessoa jurídica cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Observe-se, de início, flagrante equívoco técnico nas expressões “titular” ou “sócio” utilizadas pelo legislador para indicar a vedação ao regime das micro e pequenas empresas. Segundo MAMEDE185, a expressão titular aqui empregada diz respeito ao empresário individual e não ao administrador societário. Portanto, entende acertadamente o autor que se trata do titular da empresa, ampliando a proibição às pessoas físicas. 185 MAMEDE, Gladstone e outros. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 30. 201 Assim, a atividade negocial não será qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte, beneficiando-se do tratamento jurídico diferenciado previsto na Lei Complementar 123/2006, quando o empresário (titular da empresa) ou sócio da sociedade simples ou empresária participar com mais de 10% do capital de outra empresa não beneficiada pelas disposições dessa mesma Lei. Essencialmente, o problema é participar, com mais de 10%, do capital social de outra sociedade, simples ou empresária, não beneficiada pela Lei Complementar. Isso pode decorrer tanto pelo fato dessa outra sociedade ter faturamento superior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) ou de alguma outra vedação aqui comentada. Oportuno salientar que receita bruta global, conforme já acima explicitado, é o somatório da receita de ambas as sociedades, simples ou empresária, na hipótese de sócio, ou da receita bruta da sociedade e do empresário individual. De mais a mais, cumpre realçar que tal vedação não alcança à participação no capital de cooperativas de crédito, bem como em centrais de compras, bolsas de subcontratação, no consórcio formado por microempresas e empresas de pequeno porte para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho, na sociedade de propósito específico – também formadas por microempresas e empresas de pequeno porte, destinada à realizar negócios de compra e venda de bens, para os mercados nacional e internacional, e em associações assemelhadas, 202 sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte. 3.3.5. A pessoa jurídica cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Aqui, novamente, observe-se o flagrante equívoco técnico nas expressões “titular” ou “sócio” utilizadas pelo legislador para indicar a vedação ao regime das micro e pequenas empresas, equívoco esse que já foi objeto dos comentários acima. Ainda na mesma linha, ou seja, com o propósito de evitar práticas fraudulentas, não se admite o enquadramento de pessoa jurídica com fins lucrativos, na qual o titular ou sócio seja administrador de sociedade, cuja receita somada com aquela já obtida pelo empresário individual (titular da empresa) ou sociedade, empresária ou simples, ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Duas observações devem ser feitas. 203 Primeiramente, é necessário distinguir fins lucrativos de fins econômicos. Lucro, em sentido estrito, é a remuneração do capital investido, constituindo um tipo de fruto civil (acessório) desse capital (principal). Nas associações, por exemplo, não há fins lucrativos, embora nada vede a obtenção de receitas financeiras. Por exemplo, a instituição de ensino, classificada como associação, pode cobrar mensalidade e taxas escolares e, ainda assim, continuar sendo uma associação. Em segundo lugar, a abrangência “administrador ou equiparado” exige do intérprete e aplicador da norma redobrada atenção para evitar injustiças. Conforme MAMEDE186, estarão incluídos os administradores societários em sentido estrito, quais sejam o administrador societário, nas sociedades contratuais, seja ou não sócio, bem como os membros da diretoria nas sociedades estatutárias. Por equiparados, deve-se incluir qualquer sócio, quando a sociedade tenha administração coletiva (que compete a todos os sócios), bem como os membros o conselho de administração, nas sociedades por ações que os tenham. 3.3.6. A pessoa jurídica constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de consumo. As cooperativas são regidas no Brasil pela Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que, em seu artigo 4º., as define como “sociedades de pessoas, com 186 MAMEDE, Gladstone e outros. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 33. 204 forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados”. Nesse contexto, convém destacar que as sociedades de pessoas são aquelas em que a realização do objeto social depende mais dos atributos individuais dos sócios que da contribuição material que eles oferecem, diferenciando-se, portanto, das sociedades de capital, cuja contribuição material é mais importante que as características subjetivas dos sócios187. Ademais, independentemente de seu objeto a cooperativa é considerada pelo legislador188 como sociedade simples, ou seja, não se constitui empresa, justificando-se o emprego da expressão “natureza civil” no prefalado artigo 4º, afastando-se, outrossim, a aplicação do regime jurídico falimentar, que é próprio do empresário e da sociedade empresária. Segundo CASTRO189, a cooperativa não deveria ter sido enquadrada como sociedade simples e nem como sociedade empresária, eis que sua natureza jurídica é própria. Assiste razão à autora. De fato, as especificidades próprias da 187 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 13ª. São Paulo: Saraiva, 2009, Volume 2, pág. 25. 188 Código Civil. Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. 189 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Manual de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pág. 258. 205 cooperativa, fixadas na Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, são, por si, a demonstração desse equívoco do legislador pátrio. Com efeito, são características da sociedade cooperativa: I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços; II - variabilidade do capital social representado por quotaspartes; III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV - incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; VI - quorum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital; VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral; VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; IX neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços. Por outro lado, a prestação de serviços aos associados permite aos cooperados obter, dentro de uma economia de mercado, uma distribuição mais justa 206 da riqueza, pois, mediante a celebração de contrato de sociedade cooperativa, as pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. Ao contrário dos demais modelos de organização econômica, no cooperativismo percebe-se duas relações jurídicas intrinsecamente ligadas entre si, que é qualificada pela doutrina pátria como princípio da dupla qualidade: a relação societária, em que os cooperados praticam atos na qualidade de sócios; a relação de serviços, em que os cooperados são usuários dos serviços da cooperativa, na qualidade de clientes.190 Portanto, regra geral, as cooperativas não podem ser micro ou pequenas empresa, salvo as de consumo. Nesse sentido, consideram-se sociedades cooperativas de consumo, aquelas que tenham por objeto a compra e fornecimento de bens aos consumidores, consoante os termos do artigo 69 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997. O objetivo de tais cooperativas de consumo é fortalecer a economia doméstica, adquirindo, o mais diretamente possível do produtor, ou a outras 190 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica. 2ª. Ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pág. 21. 207 cooperativas, os gêneros de alimentação, de vestuário e de outros artigos de uso e consumo pessoal, da família ou do lar; distribuindo-os, nas melhores condições de qualidade e preço, aos consumidores, associados ou não, no interesse dos quais podem ainda prover a outros serviços afins191. 3.3.7. A pessoa jurídica que participe do capital de outra pessoa jurídica. A simples participação no capital de outra pessoa jurídica é suficiente para impedir o acesso ao regime das micro e pequenas empresas. Tal como ocorre na hipótese de impedimento ou exclusão reservada à pessoa jurídica cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), que, como visto, não pode ser micro ou pequena empresa; na hipótese ora analisada, a vedação também não se estende à participação no capital de cooperativas de crédito, bem como em centrais de compras, bolsas de subcontratação, no consórcio formado por microempresas e empresas de pequeno porte para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho, na sociedade de propósito específico – também formadas por microempresas e empresas de pequeno porte, destinada à realizar negócios de compra e venda de bens, para os mercados nacional e internacional, e em associações assemelhadas, sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos 191 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedades Comerciais. 13ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 368. 208 de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte. 3.3.8. A pessoa jurídica que exerça atividade de banco comercial, de investimentos e de desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financiamento e investimento ou de crédito imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitalização ou de previdência complementar. As atividades econômicas acima enunciadas, em razão do vulto econômico que lhe lhes é peculiar, não se revelam compatíveis com os princípios norteadores da Lei Complementar 123/2006 e, por isso, a pessoa jurídica que as explore não poderá ser enquadrada como micro ou pequena. 3.3.9. A pessoa jurídica resultante ou remanescente de cisão ou qualquer outra forma de desmembramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido em um dos 5 (cinco) anos-calendário anteriores. Consoante dispõe o artigo 229 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, “a cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se 209 a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão”. A ideia que normalmente se tem de cisão representa apenas uma das formas pelas quais a cisão pode se realizar. Diz-se que a cisão e total quando todo o a patrimônio é transferido para outras sociedades, extinguindo-se a sociedade cindida. Dentro da cisão total, distingue-se a cisão pura da cisão absorção. Na cisão pura, opera-se a ideia geral da cisão, isto é, uma sociedade transfere seu patrimônio para duas ou mais sociedades novas, que serão constituídas a partir do patrimônio transferido. Tal operação, normalmente, tem por função atender as exigências de uma organização mais racional das atividades exercidas pela sociedade, mediante a atuação separada em relação a cada atividade exercida192. Na cisão absorção, a sociedade transfere seu patrimônio para duas ou mais sociedades já existentes, pois a transferência para uma sociedade constitui uma incorporação. 192 GALGANO, Francesco apud TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 2008, pág. 583. 210 SÁNCHEZ CALERO193, analisando a Lei das Sociedades por Ações Espanhola, afirma que a cisão “es um fenómeno opuesto a la fusión por el que se escinde el patrimonio de uma sociedad, com extinción de ésta o no, para ser transpasado em bloque la parte o partes del patromonio segregado a otra o otras sociedades, ya existentes o de nueva criación.”. É preciso não confundir cisão da sociedade com dissolução, total ou parcial, da sociedade. O contrato de sociedade é resolúvel, vale dizer, comporta uma solução jurídica, um fim, um término. Essa resolução poderá ser total, implicando o fim da própria pessoa jurídica, sua extinção, assim como poderá ser parcial, ou seja, concretizar-se em relação a um ou alguns sócios, conservando-se o elo contratual entre os demais194. Evidentemente que a mera dissolução parcial não se insere na proibição em comento, e não impede o enquadramento como micro ou pequena empresa. 3.3.10. A pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade por ações. A sociedade anônima ou por ações apresentou-se como o instrumento típico da grande empresa capitalista e, com efeito, surgiu e se desenvolveu como este sistema econômico195. 193 194 SÁNCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 364. MAMEDE, Gladstone e outros. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 43. 195 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, pág. 457. 211 No Brasil, as sociedades anônimas ou por ações têm sido, dentro desse contexto, utilizadas para configurar juridicamente grandes empresas, enquanto que a sociedade limitada é o tipo que melhor se presta à constituição de empresas de pequeno e médio porte196. É certo, contudo, que as pequenas empresas, aquelas que aufiram, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), poderiam ser revestidas da condição de sociedade anônima ou por ações, sem que isso, por si só, implicasse em tentativa de violação a dispositivo da Lei Complementar 123/2006, de maneira que a vedação em foco não se revela coerente com a liberdade de escolha do tipo societário que melhor se adapta a realidade dos respectivos sócios. 3.3.11. Cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade. A presente vedação constitui uma resposta do legislador às tentativas de desvirtuamento dos benefícios oriundos da Lei Complementar 123/2006, caracterizadas pela utilização de sociedades fictícias, ou seja, formadas por pessoas 196 LUCENA, J. W.: op. cit., pág. 176. 212 que não possuem qualquer afecctio societatis e, por vezes, nem possuem os recursos necessários ao desenvolvimento das atividades produtivas. O real objetivo da utilização de tais sociedades fictícias é dividir a verdadeira receita bruta total da empresa, que, efetivamente ultrapassa o equivalente a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), e, inevitavelmente, impede a sua permência no regime favorecido e diferenciado, submetendo-a ao regime de tributação das empresas de maior porte. Portanto, é louvável e adequada a restrição instituída pelo legislador. 213 3.4. IMPEDIMENTOS AO EXERCÍCIO DA OPÇÃO PELO SIMPLES NACIONAL PELO MICROEMPRESÁRIO E ELA EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE. Tal como destacado anteriormente, como pressuposto para acesso ao SIMPLES Nacional, a Lei Complementar 123/2006 exige que o sujeito passivo da obrigação tributária esteja enquadrado na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte. Também consoante já acima assinalado, o critério exigido para tal enquadramento fundamenta-se, primordialmente, na receita bruta anual obtida; vedando-se, porém, as situações que não se coadunam com os princípios norteadores da legislação protetiva197, bem como as que podem propiciar a obtenção indevida de benefício ou mesmo a utilização de práticas fraudulentas, conforme anteriormente analisado. Todavia, de acordo com o artigo 17 da Lei complementar 123/2006, ainda que obtido o enquadramento na condição de Micro ou Pequena empresa e independentemente da receita bruta anual obtida, não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do SIMPLES Nacional, a Microempresa ou a Empresa de Pequeno Porte que: 197 Por exemplo: Sociedades anônimas não podem ser micro ou pequena empresa. 214 I - que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, gerenciamento de ativos (asset management), compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); II - que tenha sócio domiciliado no exterior; III - de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal; IV - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa; V - que preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, exceto quando na modalidade fluvial ou quando possuir características de transporte urbano ou metropolitano ou realizar-se sob fretamento contínuo em área metropolitana para o transporte de estudantes ou trabalhadores; VI - que seja geradora, transmissora, distribuidora ou comercializadora de energia elétrica; VII - que exerça atividade de importação ou fabricação de automóveis e motocicletas; 215 VIII - que exerça atividade de importação de combustíveis; IX - que exerça atividade de produção ou venda no atacado de: a) cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes; b) bebidas a seguir descritas: 1 - alcoólicas; 2 - cervejas sem álcool; X - que realize cessão ou locação de mão-de-obra; XI - que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis. XII - que realize atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando se referir a prestação de serviços tributados pelo ISS. XIII - com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível. Se é certo que no desenvolvimento das nações, a tributação exerce um papel importante no enfrentamento das desigualdades, não menos certo é que quanto mais justo o sistema tributário, menor tende a ser o grau de concentração de riqueza e renda nacional.198 198 POCHMANN, Márcio. Desigualdade e Justiça Tributária. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/destaque/DesigualdadeJusticaTributaria_CDES.pdf. Acesso em: 15 nov. 2009. 216 Porém, as limitações estatuídas na Lei complementar 123 de 2006 implicam em flagrante violação da justiça tributária. Dita violação é facilmente perceptível e decorre de uma postura contraditória do legislador, que embora parta, num primeiro momento, de um acertado critério econômico para identificar os sujeitos merecedores de um tratamento diferenciado, definindo-os como micro ou pequenos empresários, venha a estabelecer, em seguida, de forma arbitrária, a vedação de várias atividades econômicas ao regime tributário simplificado. Não se nega que algumas restrições se mostram adequadas a perspectiva da extrafiscalidade tributária. São legítimas as restrições relativas ao domicílio estrangeiro do sócio da micro ou pequena empresa; das sociedades que tenham a participação de entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal, bem como as referentes à venda de cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes e bebidas. Certo é que não se mostra justo criar mecanismos de exclusão que se fundamentem exclusivamente no tipo de atividade econômica explorada, a fim de afastar certas e determinadas atividades ecônomicas do SIMPLES Nacional, ainda que atendam aos demais requisitos exigidos para enquadramento na condição de Micro ou Pequena Empresa. É que a igualdade tributária envolve a uniformidade dos tributos, segundo a qual a repartição desses deve obedecer ao mesmo critério para todos os 217 destinatários da imposição tributária. Ou seja, todos devem estar adstritos ao pagamento de tributos com base no mesmo critério 199. Aí é que se insere de um lado a equidade horizontal, defendida como uma das maiores virtudes e um dos maiores objetivos da política fiscal. A equidade horizontal significa que os indivíduos com a mesma renda e nas mesmas condições devem ser tratados fiscalmente da mesma forma e devem sofrer a mesma carga de incidência fiscal. De outro lado, na equidade vertical significa que o governo deve proceder a um tratamento igualitário de todos os contribuintes 200. Portanto, as empresas que se encontrem na situação jurídica de microempresa e empresas de pequeno porte, tendo em vista o único critério legítimo para assim as qualificar (receita bruta anual), devem fazer jus ao tratamento jurídico constitucional especial (adesão ao SIMPLES nacional), e qualquer outro critério por meio do qual se pretenda retirar de alguma parcela dessas empresas esse direito implica em grave afronta à Constituição Federal. Para ÁVILA201, o raciocínio de igualdade é comparativo de quaisquer objetos (fatos, situações ou atividades) relacionados a sujeitos que, no que concerne a eles, tenham interesses juridicamente protegidos. Ademais, quando se fala em sujeitos passivos da obrigação tributária, não se está fazendo alusão apenas àqueles que se situam no pólo passivo da relação obrigacional tributária. Na maioria das vezes, o 199 FARIAS MORAES COUTINHO, João Hélio de. Uma tentativa de compreensão holística da isonomia tributária a partir de abordagens analíticas dos seus vieses e de suas imbricações. Disponível em: http://www.ipet.org.br/artigos/tentativa.htm. Acesso em: 15 nov. 2009. 200 CALIENDO VELLOSO DA SILVEIRA, Paulo Antônio. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, pág. 277. 201 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 43. 218 raciocínio de igualdade envolve a comparação entre o regime jurídico aplicado a diferentes contribuintes ou responsáveis. Entretanto, os sujeitos, objetos de comparação, devem ser comparados ou medidos a partir de uma medida comum de comparação, que consiste no segundo elemento relevante em matéria de igualdade. Nesse sentido, oportuna a lição de TIPKE citado por SCHOURI, segundo o qual: “A igualdade, que se distingue da identidade, é sempre relativa. O que é completamente igual é idêntico. O princípio e que o igual deve ser tratado igualmente não quer dizer idêntico, mas relativamente igual. Quando se pretende aplicar corretamente o princípio da igualdade, deve-se apurar a exata relação, perguntando-se: igual em relação a que (em relação em que)? Quaisquer diferenças podem, pois, não justificar tratamento desigual. Para a comparação relativa torna-se necessário um critério de comparação. Logra-se extrair um critério concreto de comparação do princípio de sistematização, isto é, do motivo ou da valoração que constitui o fundamento da lei. O princípio é o critério de comparação ou de justiça estabelecido compulsoriamente pelo legislador para determinados assuntos legalmente disciplinados.” 202. É preciso atentar para o fato de que uma distinção entre contribuintes com base em motivos meramente subjetivos e não fundamentada em finalidade 202 TIPKE, Klaus apud SCHOURI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pág. 6. 219 objetivamente verificável e constitucionalmente aferível, é, no dizer de ÁVILA203, “irrazoável”. Nesse contexto, são precisas as palavras de TIPKE apud SCHOURI: “A ideia da generalidade do conceito de justiça fundamenta-se no princípio da igualdade. Por isso, o princípio da igualdade exige substancialmente consequência valorativa ou coerência. O legislador deve seguir até o fim os princípios materiais pelos quais ele se decidiu com coerência sistêmica ou valorativa; uma vez tendo ele tomado decisões valorativas, deve mantê-las coerentemente. Inconsequência é medir com duas medidas, é uma ruptura sistêmica e leva a tratamento desigual de grupos que se encontram em situação equivalente, se medidas de acordo com os critérios materiais que servem para a comparação.” 204. A problemática da igualdade envolve, pois, a medida de comparação e a finalidade que justifica sua utilização. Infere-se que o Poder Legislativo, em cumprimento à determinação emanada na Constituição, editou a lei complementar 123 no ano de 2006 para atingir determinada finalidade (estimular o desenvolvimento das micro e pequenas empresas), escolhendo como medida de comparação o tamanho da empresa, a partir da receita bruta anual obtida. Ora, isso significa que a lei, para atingir determinada finalidade (estimular o desenvolvimento do pequeno empresário), escolheu uma medida de comparação 203 ÁVILA, H.: op. cit., Teoria da igualdade tributária, pág. 44. TIPKE, Klaus apud SCHOURI, L. E.: op. cit., Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, pág. 7. 204 220 (tamanho ou porte), aferindo-se por meio de um elemento indicativo (receita bruta anual). Portanto, para o Legislativo seria o porte da empresa a característica relevante para aferir a necessidade de estímulo estatal por meio da desoneração parcial dos tributos. Em outras palavras, a receita bruta seria um elemento cuja existência indicaria o porte da empresa; e o porte pequeno seria uma propriedade cuja existência revelaria a necessidade de estímulo estatal. Dito de outro modo, haveria, no entender do Poder Legislativo, uma vinculação fundada, de um lado, entre a receita bruta anual e o tamanho da empresa e, de outro, entre o tamanho da empresa e a necessidade de estimulo estatal. Essa regra geral foi, porém, excepcionada com uma regra de exclusão do benefício 205 com base na atividade econômica explorada, independentemente da receita bruta anual auferida. Com efeito, tem-se que a utilização de critérios distintos daquele constitucionalmente fixado, incidente no grupo das microempresas e empresas de pequeno porte, para dele retirarem-se algumas poucas atividades, viola de maneira frontal e direta o princípio constitucional da isonomia, com sérias e profundas consequências para a liberdade de iniciativa e de concorrência206. Seria oportuno indagar por que o Poder Legislativo não escolheu como elemento indicativo do tamanho da empresa, em vez do seu faturamento, o seu número de empregados ou a sua produtividade. Porém, de se notar que independentemente de qual seja o melhor critério indicativo, o que importa é que o Legislador institui um deles, qual seja, o 205 206 ÁVILA, H.: op. cit., Teoria da igualdade tributária, pág. 38. RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 224. 221 faturamento ou receita bruta anual e não poderia, portanto, afrontar os critérios que ele próprio estabeleceu. Não há motivo legítimo para excluir do benefício do SIMPLES Nacional empresas que, a exemplo das formadas por profissionais liberais, enquadram-se diretamente na definição inicial da própria lei complementar 123/2006 acerca de microempresas e empresas de pequeno porte. Sobretudo porque, não se pode olvidar que tanto o fundamento para proteção e estímulo das micro e pequenas empresas, como o da igualdade estão previstos na Constituição Federal e não poderia este ter sido excepcionado por meio de lei infraconstitucional. Como consequência, algumas verdadeiras microempresas e empresas de pequeno porte que se encontram excluídas, pelo texto legal, do tratamento tributário privilegiado são alocadas em situação de exclusão injustificável e inadmissível. Por meio do artifício legal acima enunciado, arcam com deveres tributários superiores aos que são exigidos das demais microempresas e empresas de pequeno porte.207 Caberia, portanto, precipuamente ao Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, a guarda da Constituição Federal e, por conseguinte, a preservação dos princípios nela insculpidos, conforme definido no artigo 102, eis que a ele compete: processar e julgar, originariamente: a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, bem como julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, 207 RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 228. 222 quando a decisão recorrida: (a) contrariar dispositivo desta Constituição; ou (b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. Frise-se que, as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzem eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Nesse sentido, buscando corrigir o desvio do legislador, que ao tratar do acesso ao Simples Tributário, cometeu flagrante violação ao princípio da igualdade, salvaguardado pela Constituição federal, foi arguida, em diversas oportunidades, a inconstitucionalidade das vedações e exclusões estabelecidas pela legislação respectiva. Referida declaração de inconstitucionalidade foi arguida tanto de forma direta como indiretamente, ainda na vigência da Lei 9.317 de 1996, que regulava o SIMPLES Tributário até a edição da Lei complementar 123 de 2006. Dentro desse contexto, oportuno fazer a transcrição das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, que, lamentavelmente, trilharam por interpretação equivocada da Constituição e mantiveram no ordenamento jurídico pátrio as graves violações ao princípio da igualdade. 223 Apreciando o Recurso de Agravo de Instrumento 671240/SP, o Supremo Tribunal Federal assim se pronunciou: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. SIMPLES. LEI N. 9.317/96, ART. 9º, INC. XIII. 1) ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE: PRECEDENTE DO IMPROCEDÊNCIA. PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL. 2) ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 150, INC. III, ALÍNEA A, E 195, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO: INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. 208 Do voto do julgamento do recurso ementado nos termos acima, extrai-se a conclusão equivocada de que: A PREVISÃO, NO ARTIGO 9º DA LEI Nº 9.317/96, DE UM REGIME DE VEDAÇÕES, EM SI, NÃO VIOLA NEM INIBE A EFICÁCIA DA POLÍTICA DE TRATAMENTO JURÍDICO PREFERENCIAL A MICRO E PEQUENAS EMPRESAS: PELO CONTRÁRIO, A CRIAÇÃO DE 208 Supremo Tribunal Federal – STF. Recurso: AI 671240 / SP - SÃO PAULO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 06/04/2009. Publicação: DJe-075 DIVULG 23/04/2009 PUBLIC 24/04/2009. Partes: AGTE.(S): JACK AND JILL SCHOLL LTDA. ADV.(A/S): FÁBIO PALLARETTI CALCINI E OUTRO(A/S). AGDO.(A/S): UNIÃO. ADV.(A/S): PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. 224 REQUISITOS OBJETIVOS DE INCLUSÃO E DE VEDAÇÃO REFORÇA, NA ESSÊNCIA, A IDÉIA DE PREFERENCIALIDADE E, TAL COMO INSTITUÍDA PELO LEGISLADOR, NÃO PODE SER ANTEVISTA COMO DESPIDA DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. E mais: NÃO É LEGÍTIMO O RECONHECIMENTO JUDICIAL DO DIREITO DE OPÇÃO A CONTRIBUINTES QUE, PELOS CRITÉRIOS LEGAIS, CLARAMENTE EXCLUÍDOS DO FORAM BENEFÍCIO, SOB PENA DE EXTRAPOLAR O PODER JUDICIÁRIO A SUA CONDIÇÃO DE MERO LEGISLADOR NEGATIVO, NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, INVADINDO A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO LEGISLADOR. 4. A ATIVIDADE BÁSICA DA AUTORA RELACIONA-SE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO E ENSINO, E A VEDAÇÃO LEGAL NÃO SE APLICA APENAS ÀS SOCIEDADES DE PROFESSORES, MAS IGUALMENTE ÀS QUE SE DEDICAM, PRÓPRIAS DE MODO DE GERAL, A PROFISSÃO, ATIVIDADES CUJO 225 EXERCÍCIO DEPENDA DE HABILITAÇÃO LEGAL, COMO É O CASO DOS AUTOS. Ademais, apreciando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1643 / UF, o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou: ACÃO DIRETA SISTEMA DE INTEGRADO IMPOSTOS DE E MICROEMPRESAS PORTE. INCONSTITUCIONALIDADE. PAGAMENTO CONTRIBUIÇÕES E EMPRESAS CONFEDERAÇÃO DE DE DAS PEQUENO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEGITIMIDADE IMPEDIDAS ATIVA. DE PESSOAS OPTAR CONSTITUCIONALIDADE. 1. JURÍDICAS PELO HÁ REGIME. PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE OS OBJETIVOS INSTITUCIONAIS DA REQUERENTE E O INCISO XIII DO ARTIGO 9º DA LEI 9317/96, UMA VEZ QUE O PEDIDO VISA A DEFESA DOS INTERESSES DE PROFISSIONAIS LIBERAIS, NADA OBSTANTE JURÍDICAS ENTIDADE REFERÊNCIA PRESTADORAS LEGITIMIDADE DECRETO A ATIVA DE 27/05/54 SINDICAL COORDENADORA DA DE A PESSOAS SERVIÇOS. 2. CONFEDERAÇÃO. O RECONHECE-A DE DOS GRAU COMO SUPERIOR, INTERESSES DAS 226 PROFISSÕES LIBERAIS EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL. PRECEDENTE. CONSTITUCIONAL (CF, 3. POR DISPOSIÇÃO ARTIGO 179), AS MICROEMPRESAS E AS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE DEVEM SER BENEFICIADAS, NOS TERMOS DA LEI , OBRIGAÇÕES PELA "SIMPLIFICAÇÃO ADMINISTRATIVAS, PREVIDENCIÁRIAS E DE SUAS TRIBUTÁRIAS, CREDITÍCIAS, OU PELA ELIMINAÇÃO OU REDUÇÃO DESTAS" (CF, ARTIGO 179). 4. NÃO HÁ OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA SE A LEI, POR MOTIVOS EXTRAFISCAIS, IMPRIME TRATAMENTO MICROEMPRESAS E DESIGUAL EMPRESAS DE A PEQUENO PORTE DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DISTINTA, AFASTANDO DO REGIME DO SIMPLES AQUELAS CUJOS SÓCIOS TÊM CONDIÇÃO DE DISPUTAR O MERCADO DE TRABALHO SEM ASSISTÊNCIA DO ESTADO. AÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE DIRETA DE JULGADA IMPROCEDENTE.209. 209 Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 1643 / UF - UNIÃO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 05/12/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 14-03-2003 PP-00027. EMENT VOL-02102-01 PP-00032. Parte(s): REQTE.: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS – CNPL. ADVDOS.: AMADEU ROBERTO GARRIDO DE PAULA E OUTROS. REQDO.: PRESIDENTE DA REPÚBLICA. REQDO.: CONGRESSO NACIONAL. 227 De mais a mais, em julgamento proferido no Recurso de Agravo de Instrumento 452642, o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SISTEMA "SIMPLES". OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INEXISTÊNCIA. ART. 9º, DA LEI 9.317/96. I. - NÃO HÁ OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA SE A LEI, POR MOTIVOS EXTRAFISCAIS, IMPRIME TRATAMENTO DESIGUAL A MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DISTINTA. ADI 1.643, PLENÁRIO. "DJ" DE 14.3.2003. PRECEDENTES. II. - AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO: A TURMA, POR VOTAÇÃO UNÂNIME, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. 2ª TURMA, 13.12.2005. 210. E mais. Por ocasião do julgamento proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1643 MC / UF, o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou: 210 Supremo Tribunal Federal – STF. AI 452642 AgR / MG - MINAS GERAIS. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 13/12/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 24-02-2006 PP-00033. EMENT VOL-02222-06 PP-01046. RT v. 95, n. 851, 2006, p. 150-151. Parte(s): AGTE.(S): META CONSULTORIA E CONTABILIDADE S/C. ADV.(A/S): LUIZ CLÁUDIO CORREA SANTOS. AGDO.(A/S): UNIÃO. ADV.(A/S): PFN - SÉRGIO MOACIR DE OLIVEIRA ESPÍNDOLA. 228 AÇÃO DIRETA MEDIDA DE LIMINAR. INCONSTITUCIONALIDADE. "SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE - SIMPLES": LEI Nº 9.317, DE 5 DE DEZEMBRO DE 1996. PESSOA JURÍDICA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CUJO EXERCÍCIO DEPENDA DE HABILITAÇÃO PROFISSIONAL LEGALMENTE EXIGIDA: NÃO PODE OPTAR PELO "SISTEMA SIMPLES". 1. HÁ PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE OS OBJETIVOS ESTATUTÁRIOS DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS E A LEI QUESTIONADA, QUE INSTITUIU O "SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E DAS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE - SIMPLES". 2. AINDA QUE CLASSIFICADAS COMO MICROEMPRESAS OU EMPRESAS DE PEQUENO PORTE PORQUE A RECEITA BRUTA ANUAL NÃO ULTRAPASSA OS LIMITES FIXADOS NO ART. 2º, INCISOS I E II, DA LEI Nº 9.317, DE 5 DE DEZEMBRO DE 1996, NÃO PODEM OPTAR PELO "SISTEMA SIMPLES" AS PESSOAS JURÍDICAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS QUE DEPENDAM DE 229 HABILITAÇÃO PROFISSIONAL LEGALMENTE EXIGIDA. 3. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA.211. As decisões acima expostas podem ser analisadas sob três aspectos, a saber: Quanto ao primeiro, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, ao admitir uma indiscriminada discricionariedade do legislador, para o fim de incluir ou vedar o acesso ao Simples Tributário, sob o argumento da mera “preferencialidade”, somente reforça a clara e patente violação ao princípio da igualdade. A propósito, afirma ÁVILA212 que não há, nas decisões do Supremo Tribunal Federal, uma clara divisão entre justificação da desigualdade com base em fins internos (finalidades fiscais) e fins externos (finalidades extrafiscais). Esta compreensão traz consigo dois problemas. Primeiro, a perda da função de controle do princípio da igualdade: enquanto a desigualdade com base em fins internos (finalidades fiscais) deve corresponder à capacidade contributiva dos contribuintes (relação “parâmetro-medida”), a desigualdade com base em fins externos (finalidades extrafiscais) deve ser proporcional (relação “medida-fim-bem-jurídico”), no sentido de saber se a medida (o meio) é apto para promover a finalidade extrafiscal almejada (relação “meio-fim”), se a medida consiste no meio mais suave 211 Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 1643 MC / UF - UNIÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 30/10/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 19-12-1997 PP-00041. EMENT VOL-01896-01 PP-00126. Parte(s): REQTE.: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS - C.N.P.L. ADVDOS.: AMADEU ROBERTO GARRIDO DE PAULA E OUTRO. REQDO.: PRESIDENTE DA REPÚBLICA. REQDO.: CONGRESSO NACIONAL. 212 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 2ª. Ed.. São Paulo: Saraiva, 2006, págs. 350351. 230 relativamente ao direito fundamental à igualdade de tratamento (relação “meiomeio”) e se as vantagens decorrentes da promoção da finalidade extrafiscal estão em relação de proporção com as desvantagens advindas da desigualdade (relação “vantagens x desvantagens”). Por outro lado, um segundo aspecto que se extrai das decisões do Supremo Tribunal Federal, diz respeito à orientação tradicional da Corte Maior quanto à impossibilidade de atuação como legislador positivo, ou nas palavras dos ministros, “de extrapolar o poder judiciário a sua condição de mero legislador negativo, no controle de constitucionalidade, invadindo a competência constitucional do legislador.”. Segundo Tavares, é preciso discordar de posicionamentos que consideram inadmissível que o Poder Judiciário, em particular o Supremo Tribunal Federal, possa garantir, por si só, o ingresso no regime simplificado àquelas microempresas e empresas de pequeno porte prévia e indevidamente excluídas.213 Com efeito, a limitação da função jurisdicional à atuação de legislador negativo não se coaduna com a atual compreensão sobre o caráter normativo dos princípios, identificados como verdadeiras normas jurídicas, com força irradiante e presencialidade normativa, de forma a permitir que os mesmos possam indicar a solução mais adequada diante do caso concreto. 213 RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 230. 231 Sendo assim, no dizer de SANTOS SICCA214, não é incompatível com a separação dos poderes a atividade de controle da razoabilidade da discriminação, a fim de verificar o nexo de causalidade entre o meio adequado e a finalidade perseguida, bem como a própria legitimidade desta perante a Constituição; tarefa, sem dúvida, de significativa complexidade, a ser cumprida com base nos ensinamentos da teoria constitucional. Curiosamente, nos últimos anos, os Tribunais brasileiros, especialmente o Supremo Tribunal Federal, têm se pautado por um verdadeiro “ativismo” nas suas ações, repercutindo em julgamentos que evidenciam, não raro, uma interferência nos demais poderes constituídos (Executivo e Legislativo). A esse respeito, BARROSO sustenta que a grande marca do constitucionalismo contemporâneo é a ascensão institucional do Judiciário e o espaço que tem ocupado na paisagem política. Judicialização e ativismo judicial são temas que mobilizam, nos dias que correm, não apenas a comunidade jurídica, como a sociedade em geral. No Brasil e no mundo. A expansão judicial tem suscitado críticas e preocupações que apontam para riscos diversos.215 Porém, no instante em que é chamado a corrigir tamanha distorção jurídica, mediante aplicação dos preceitos e princípios constitucionais, o Tribunal Supremo opta pelo caminho negativo, entendendo que estaria atuando como legislador, caso 214 SANTOS SICCA, Gerson dos. Isonomia tributária e capacidade contributiva no Estado contemporâneo. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_164/R164-13.pdf. Acesso em: 17 de nov. de 2009. 215 BARROSO, Luís Roberto. Ativismo judicial mobiliza Justiça e sociedade. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-dez-15/retrospectiva-2009-ativismo-judicial-mobiliza-justicasociedade#_ftn2_9388. Acesso em: 15 de dez de 2009. 232 reconhecesse a violação clara ao princípio da igualdade, em virtude da expressa vedação ao simples nacional dos prestadores de serviço decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural. Embora não estejam claras as razões dessa contradição, ao que parece existe uma motivação econômica nas decisões, considerando-se o eventual impacto negativo nas contas públicas causado pelo acolhimento da pretensão jurídica, de fundamento constitucional-tributário. Isso porque, segundo poderiam pensar os ministros da Suprema Corte, o acesso de um maior número de contribuintes a um sistema tributário mais brando (SIMPLES nacional) poderia causar uma queda na arrecadação tributária. Na verdade, a conclusão mais provável é exatamente no sentido contrário. Embora não se defenda, sob nenhuma hipótese, a sonegação, é notório que uma elevada carga tributária associada à ausência de percepção quanto à correta aplicação dos tributos, no sentido de revertê-los em proveito da população, funciona como “justificativa” para essa prática ilícita. Ao passo que, o sistema tributário que contempla simplicidade de administração e alíquotas condizentes com a capacidade contributiva, estimula a formalidade e a arrecadação tributária. Ou seja, nem mesmo sob esse aspecto a decisão encontra amparo e justificativa plausíveis. 233 De um terceiro prisma, percebe-se outro grave equívoco da decisão do Tribunal Supremo, quando afirma que os profissionais liberais não são dignos de merecer o tratamento tributário simplificado, por terem “condições de disputar o mercado de trabalho sem a tutela do Estado”. Com efeito, não há nada que justifique esse posicionamento do Supremo Tribunal, notadamente quando considerado o componente econômico que diferencia a atuação dos agentes econômicos. Isso porque, seja qual for a profissão, o certo é que no ambiente de livre concorrência, aquele que dispuser de um maior volume de recursos financeiros, terá, indubitavelmente, maior facilidade para disputar e “ganhar” mercado. Consequentemente, em matéria de concorrência em âmbito privado, as eventuais ajudas do Estado devem ter como um dos pressupostos básicos a vulnerabilidade econômica dos agentes, segundo o qual a parte mais fraca merece e necessita de tratamento diferenciado para obtenção do justo equilíbrio de forças. NATALINO ISTI, citado por PINHEIRO e SADDI, afirma que é o Direito que constitui e disciplina os mercados, à medida que a economia os juridifica e o direito estalebece e rege relações econômicas e mercantis, em que o próprio Estado ordena uma tal construção que promove interesses específicos. Assim, não há como debater mercados sem Direito ou economia, em especial se considerarmos que se 234 trata de uma instituição que, antes de mais nada, é uma estrutura de relações humanas 216 . É bem verdade que, em boa hora, após tramitação no Congresso desde 2012, foi aprovada a Lei Complementar nº 147 de 2014, que altera a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, a fim de permitir a opção pelo SIMPLES Nacional, nos termos de uma tabela específica (Anexo VI desta Lei Complementar 123/2006), das seguintes atividades de prestação de serviços: I medicina, inclusive laboratorial e enfermagem; II - medicina veterinária; III odontologia; IV - psicologia, psicanálise, terapia ocupacional, acupuntura, podologia, fonoaudiologia, clínicas de nutrição e de vacinação e bancos de leite; V - serviços de comissaria, de despachantes, de tradução e de interpretação; VI - arquitetura, engenharia, medição, cartografia, topografia, geologia, geodésia, testes, suporte e análises técnicas e tecnológicas, pesquisa, design, desenho e agronomia; VII representação comercial e demais atividades de intermediação de negócios e serviços de terceiros; VIII - perícia, leilão e avaliação; IX - auditoria, economia, consultoria, gestão, organização, controle e administração; X - jornalismo e publicidade; XI - agenciamento, exceto de mão de obra; XII - outras atividades do setor de serviços que tenham por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada; XIII – serviços advocatícios. No entanto, ainda persiste a exclusão em relação a certa e determinadas atividades, conforme acima demonstrado. 216 CASTELAR PINHEIRO, A.; SADDI, J.: op. cit., pág. 16. 235 3.5. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS E ABRANGÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL PARA OS MICROEMPRESÁRIOS E EMPRESÁRIOS DE PEQUENO PORTE. No Brasil, são várias as espécies tributárias que incidem em razão do desenvolvimento da atividade econômica, o que impõe elevada carga tributária ao sujeito passivo e o obriga a manter uma estrutura necessária à administração dos mais diversos impostos, taxas e contribuições, atentando-se para competências tributárias entre a União, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios, cada um com hipóteses de incidência próprias e alíquotas variadas. Estudo Banco Mundial217 denominado Doing Business 2015 estabelece relevante comparação entre 189 países, classificando as respectivas economias pelo grau de facilidade de se fazer negócios. Com efeito, o Doing Business mede, analisa e compara as regulamentações aplicáveis às empresas, de maneira que uma posição próxima ao topo do ranking significa que o ambiente regulatório é mais propício para a criação e operação de uma empresa local. Um dos temas do estudo Doing Business 2015 é o “pagamento de impostos”. Para o desenvolvimento desse tema, foi utilizado um cenário para medir os impostos e contribuições pagos por uma empresa-padrão e a complexidade do sistema de cumprimento das obrigações fiscais de uma economia. Assim sendo, considerando 217 O Banco Mundial é como uma cooperativa, com 188 países membros. Não é um banco no sentido comum, mas se apresenta como uma parceria única para reduzir a pobreza e apoiar o desenvolvimento. É fonte de assistência financeira e técnica aos países em desenvolvimento ao redor do mundo. (informações obtidas em: www.worldbank.org. Consultado em 02/09/2015.). 236 que dentro do critério utilizado a empresa tem um volume de negócios de 1.050 vezes a renda per capita (USD 11.690), isso, por si só, já impede o seu enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno porte. Portanto, o indicador de pagamentos de impostos reflete o número total de impostos e contribuições pagos, o método de pagamento, a frequência de pagamento, a frequência de apresentação e o número de agências envolvidas para esta empresa de estudo de caso padronizado durante o segundo ano de operação. Inclui impostos devidos pela empresa, como o imposto sobre vendas, o imposto sobre o valor acrescentado e os impostos sobre o trabalho do funcionário. Constata-se, a partir da análise do quadro abaixo, que o Brasil, em comparação com os demais países e, em particular, com a Espanha, precisa avançar, com urgência, em especialmente do quesito “tempo (horas por ano)” 218. É surpreendente destacar que a empresa-padrão brasileira leva 2.900 horas por ano para preparar, declarar e pagar os três principais tipos de impostos e contribuições: o imposto de renda da empresa, o imposto sobre valor agregado ou sobre vendas e 218 De acordo com a metodologia informada para o desenvolvimento da pesquisa, o tempo é registrado em horas por ano. O indicador mede o tempo gasto para preparar, declarar e pagar os três principais tipos de impostos e contribuições: o imposto de renda da empresa, o imposto sobre valor agregado ou sobre vendas e os impostos trabalhistas. O tempo de preparação inclui o tempo gasto para reunir todas as informações necessárias para computar o imposto a pagar e calcular o valor a ser pago. Se for necessário manter livros contábeis separados para fins de tributação — ou fazer cálculos separados — o tempo associado a esses processos será incluído. Esse tempo adicional é incluído somente se o trabalho contábil normal não for suficiente para cumprir os requisitos de contabilidade fiscal. O tempo da declaração inclui o tempo gasto para preencher todos os formulários de devolução de impostos necessários e declarar à autoridade tributária as devoluções pertinentes. O tempo de pagamento considera as horas necessárias para fazer o pagamento on-line ou pessoalmente. Quando os impostos e as contribuições são pagos pessoalmente, o tempo inclui os atrasos durante a espera. 237 os impostos trabalhistas, enquanto que uma empresa com características semelhantes na Espanha tenha que dispender apenas 167 horas por ano. No tocante ao peso da carga tributária, considera-se a taxa tributária total219 medida pelo valor dos impostos e das contribuições obrigatórias pagos por uma empresa-padrão no segundo ano de operação, expressos como uma parcela dos lucros comerciais, ou seja, o lucro líquido antes do pagamento de todos os impostos. Portanto, o lucro comercial apresenta uma imagem clara do lucro real da empresa antes da aplicação de todos os impostos a pagar durante o exercício financeiro. Nesse ponto, o resultado é igualmente preocupante, pois em todos os itens pesquisados (impostos sobre os lucros; contribuições e impostos sobre o trabalho; outros impostos e alíquota de imposto total) o resultado brasileiro é claramente pior que o espanhol. Facilidade de se fazer negócios no Brasil - Doing Business 2015 219 A taxa tributária total destina-se a proporcionar uma medida abrangente do custo de todos os impostos pagos pela empresa. É diferente da taxa tributária estatutária, que fornece apenas o fator a ser aplicado à base tributária. No cálculo da taxa tributária total, o imposto a pagar real é dividido pelo lucro comercial. 238 Facilidade de se fazer negócios na Espanha - Doing Business 2015 No entanto, o empresário enquadrado como Micro ou Pequeno poderá optar pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte - SIMPLES Nacional, observadas, contudo, as vedações da Lei complementar 123 de 2006, razão pela qual se submeterá a um regime de menor complexidade em matéria de administração dos tributos, tanto no tocante ao número de pagamento como no fator tempo (horas por ano), assim como será tributado com carga menos impactante. Isso porque atuará conforme prevê o artigo 13 da Lei Complementar 123/2006, o que implica no recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: (i) Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. De competência da União, incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza e tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou 239 jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos na hipótese anterior. Segundo o artigo 43 do Código Tributário Nacional, a incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. Entretanto, conforme anota Hugo de Brito Machado, não há renda, nem provento, sem que haja acréscimo patrimonial, pois não se admite a tributação de algo que na verdade em momento algum ingressou no patrimônio, implicando incremento do valor líquido deste220. (ii) Imposto sobre Produtos Industrializados. Entendidos como tais aqueles que tenham sido submetidos a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. Trata-se de imposto da competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos do importador, industrial, comerciante ou arrematante; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. 220 BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de direito tributário. 13ª. ed.. São Paulo: Malheiros, 1998, pág. 219. 240 Adota o referido imposto, por imperativo constitucional, o princípio da seletividade das alíquotas em razão da essencialidade dos produtos, a fim de favorecer, em princípio, o consumidor final. Remédios, por exemplo, devem ter alíquotas menores que bebidas, cigarros e refrigerantes221. (iii) Contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas (CSLL). Destina-se ao financiamento da seguridade social, foi instituída pela Lei 7.689, de 15 de dezembro de 1988. Note-se que a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social. Outrossim, será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos do art. 195222 da Constituição Federal e da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, 221 222 NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 535. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. § 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a 241 mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de contribuições sociais. (iv) Contribuição social para financiamento da Seguridade Social (COFINS). Instituída pela Lei complementar n° 70, de 30 de dezembro de 1991, de competência da União, é devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social, incide sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza. (v) Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). correspondente fonte de custeio total. § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-deobra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas; § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. 242 De competência da União, é tributo resultante da Lei Complementar nº 26, de 11 de setembro de 1975, com vigência a partir de 1º de julho de 1976, regulamentada pelo Decreto nº 78.276/1976, e hoje gerido pelo Decreto nº 4.751 de 17 de junho de 2003, e têm por objetivos: - Integrar o empregado na vida e no desenvolvimento das empresas; - Assegurar ao empregado e ao servidor público o usufruto de patrimônio individual progressivo; - Estimular a poupança e corrigir distorções na distribuição de renda; e - Possibilitar a paralela utilização dos recursos acumulados em favor do desenvolvimento econômico-social. Desde 1.988 o Fundo PIS-PASEP não conta com a arrecadação para contas individuais. O art. 239 da Constituição Federal alterou a destinação dos recursos provenientes das contribuições para o PIS e para o PASEP, que passaram a ser alocados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, para o custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. (vi) Contribuição Patronal Previdenciária – CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei n o 8.212, de 24 de julho de 1991. Trata-se de mais uma contribuição para financiamento da Seguridade Social, cujos recursos sempre têm se mostrado insuficiente para atender às demandas da sociedade, notadamente no tocante à saúde, à previdência e à assistência social. 243 (vii) Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. De competência dos Estados e do Distrito Federal e incide sobre: I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios; V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual; VI – a entrada de mercadoria importada do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo permanente do estabelecimento; VII – o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; VIII – a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente. 244 Não são três impostos, mas um só, sobre a circulação de mercadorias e serviços específicos, pois a não-cumulatividade os interliga. Por outro lado, a expressão operação garante que a circulação de mercadoria é a adjetivação, consequência. Portanto, somente terá relevância jurídica aquela operação mercantil que acarrete a circulação da mercadoria como meio e forma de transferir-lhe a titularidade. Por isso, o imposto não deve incidir sobre a mera saída ou circulação física que não configure real mudança de titularidade de domínio. 223 De se notar que os Estados e o Distrito Federal podem conceder (ou revogar) isenções, em matéria de ICMS, não por meio de lei ordinária, mas de decreto legislativo, ratificando convênio entre eles firmado 224. (viii) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS. De competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias225. 223 NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 562. CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22ª. Ed.. São Paulo: Malheiros, 2006, pág. 842. 224 225 Serviços de informática e congêneres Serviços de pesquisas e desenvolvimento de qualquer natureza 245 O recolhimento dos tributos acima enunciados por meio do Simples Nacional confere ao microempresário e ao empresário de pequeno porte o benefício de utilizar um único instrumento de recolhimento, bem como a vantagem de realizar o pagamento numa única data, evitando, desse modo, a administração de vários tributos e contribuições, com desperdício de tempo e recursos preciosos. Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres Medicina e biomedicina Serviços de medicina e assistência veterinária e congêneres Serviços de cuidados pessoais, estética, atividades físicas e congêneres Serviços relativos a engenharia, arquitetura, geologia, urbanismo, construção civil, manutenção, limpeza, meio ambiente, saneamento e congêneres Serviços de educação, ensino, orientação pedagógica e educacional, instrução, treinamento e avaliação pessoal de qualquer grau ou natureza Serviços relativos a hospedagem, turismo, viagens e congêneres Serviços de intermediação e congêneres Serviços de guarda, estacionamento, armazenamento, vigilância e congêneres Serviços de diversões, lazer, entretenimento e congêneres Serviços relativos a fonografia, fotografia, cinematografia e reprografia Serviços relativos a bens de terceiros Serviços relacionados ao setor bancário ou financeiro, inclusive aqueles prestados por instituições financeiras autorizadas a funcionar pela União ou por quem de direito Serviços de transporte de natureza municipal Serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres Serviços de distribuição e venda de bilhetes e demais produtos de loteria, bingos, cartões, pules ou cupons de apostas, sorteios, prêmios, inclusive os decorrentes de títulos de capitalização e congêneres. Serviços portuários, aeroportuários, ferroportuários, de terminais rodoviários, ferroviários e metroviários. Serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Serviços de exploração de rodovia. Serviços de programação e comunicação visual, desenho industrial e congêneres. Serviços de chaveiros, confecção de carimbos, placas, sinalização visual, banners, adesivos e congêneres. Serviços funerários. Serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos, objetos, bens ou valores, inclusive pelos correios e suas agências franqueadas; courrier e congêneres. Serviços de assistência social. Serviços de avaliação de bens e serviços de qualquer natureza. Serviços de biblioteconomia. Serviços de biologia, biotecnologia e química. Serviços técnicos em edificações, eletrônica, eletrotécnica, mecânica, telecomunicações e congêneres. Serviços de desenhos técnicos. Serviços de desembaraço aduaneiro, comissários, despachantes e congêneres. Serviços de investigações particulares, detetives e congêneres. Serviços de reportagem, assessoria de imprensa, jornalismo e relações públicas. Serviços de meteorologia. Serviços de artistas, atletas, modelos e manequins. Serviços de museologia. Serviços de ourivesaria e lapidação. Serviços relativos a obras de arte sob encomenda. 246 Por sua vez, as alíquotas são variáveis de acordo com o faturamento e obedecem a tabelas que se constituem anexos à Lei complementar 123/2006, cuja aplicação depende da natureza da atividade econômica explorada (comércio, indústria e serviços). Com efeito, o recolhimento de tributos por meio do SIMPLES Nacional engloba a maior parte dos tributos a que se submete o micro e o pequeno empresário. Porém, não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas, a saber: (i) Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF. De competência da União, tem como fato gerador: I - quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; II quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; III - quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; IV - quanto às operações relativas a títulos e valores 247 mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável. Segundo NAVARRO COÊLHO, o IOF nasceu como imposto extrafical para equalizar o mercado financeiro, tendo o Poder Executivo licença para manejar suas alíquotas por ato administrativo, nos limites fixados em lei. O imposto, quanto aos seus fatos jurígenos, reporta-se às formas e conceitos de Direito Privado relativos aos contratos de câmbio (troca de moedas), de seguro, crédito (mútuo) e os concernentes a títulos e valores mobiliários (títulos de crédito, mercado de futuros, etc.) normatizados pelo Código Civil e legislação mercantil/empresarial (ii) 226 . Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II. De competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. Evidencia nítida natureza extrafiscal, pois funciona como valioso instrumento de política econômica, voltado à proteção da indústria nacional contra a práticas concorrenciais desleais, em especial para evitar dumping. (iii) Imposto sobre a Exportação, para o Exterior, de Produtos Nacionais ou Nacionalizados – IE. 226 NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 540. 248 De competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional. Dado que o imposto é extrafiscal e devido ao fato de que a balança comercial depende fundamentalmente do esforço de exportação, o imposto é minimamente exigido, comuníssimo o uso da alíquota zero (isenção atípica), pois o fator constitutivo do dever tributário está no mandamento da norma de tributação e não na sua hipótese de incidência (ou fato gerador)227. (iv) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. De competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município. Atualmente, a função desse imposto é predominantemente extrafiscal, pois funciona como disciplinamento auxiliar da propriedade estatal, em espacial no combate aos latifúndios improdutivos. (v) Imposto de Renda, relativo aos rendimentos ou ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda fixa ou variável. 227 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9a. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pág. 521. 249 (vi) Imposto de Renda relativo aos ganhos de capital auferidos na alienação de bens do ativo permanente. (vii) Contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. Trata-se de um depósito bancário realizado pelo empregador em decorrência de contratos de trabalhos firmados sob a égide a Consolidação das Leis de Trabalho – CLT (Decreto-lei 5.452, de 1º. de maio de 1943). Todo trabalhador deve possuir uma conta de FGTS na Caixa Econômica Federal para cada vínculo empregatício existente, na qual o empregador depositará o percentual correspondente a 8% do salário bruto desse trabalhador. (viii) Contribuição para manutenção da Seguridade Social, relativa ao trabalhador. Conforme já assinalado, as contribuições para seguridade social são também realizadas pelo trabalhador, cujo recolhimento independente daquelas efetuadas pelo empregador, ou seja, o microempresário ou o empresário de pequeno porte. 250 (ix) Contribuição para a Seguridade Social, relativa à pessoa do empresário, na qualidade de contribuinte individual. No tocante à contribuição para Seguridade Social cabe ainda destacar que a contribuição realizada pelo micro ou pequeno empresário não se confunde com aquela realizada por ele na qualidade de contribuinte individual, visando, por exemplo, a percepção de benefício da aposentadoria, pensão ou auxílios em caso de doença que incapacite para as atividades laborais. (x) Imposto de Renda relativo aos pagamentos ou créditos efetuados pela pessoa jurídica a pessoas físicas. (xi) Contribuição para o PIS/Pasep, Cofins e IPI incidentes na importação de bens e serviços. (xii) ICMS devido: a) nas operações ou prestações sujeitas ao regime de substituição tributária; b) por terceiro, a que o contribuinte se ache obrigado, por força da legislação estadual ou distrital vigente; c) na entrada, no território do Estado ou do Distrito Federal, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, bem como energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou industrialização; d) por ocasião do desembaraço aduaneiro; e) na 251 aquisição ou manutenção em estoque de mercadoria desacobertada de documento fiscal; f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal; g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal; h) nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal de bens ou mercadorias, não sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. (xiii) ISS devido: a) em relação aos serviços sujeitos à substituição tributária ou retenção na fonte; b) na importação de serviços; (xiv) Demais tributos de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, não relacionados nos itens anteriores. Ademais, o microempresário e o empresário de pequeno porte também deverão recolher, em separado, os seguintes tributos: (i) Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. De competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem 252 imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. (ii) Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos. De competência dos Estados, tem como fato gerador: I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nas hipóteses anteriores. (iii) Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Está na competência dos Estados, nos termos da Constituição Federal, artigo 155, inciso III, impondo a lei suprema, no § 6º do mesmo artigo, que suas alíquotas mínimas serão fixadas pelo Senado Federal, podendo ser diferenciadas. Evidentemente, a incidência deste ou daquele tributo dependerá da atividade econômica exercida e, por conseguinte, de se verificar ou não a ocorrência do fato imponível. 253 Outrossim, no tocante às obrigações acessórias, as microempresas e empresas de pequeno porte, optantes pelo SIMPLES Nacional, também serão beneficiadas pela simplificação na escrituração dos tributos quando comparada as empresas que não tem acesso ao regime, pois deverão adotar para os registros e controles das operações e prestações por elas realizadas, os seguintes livros: (i) Caixa, escriturado por estabelecimento, no qual deverá estar escriturada toda a sua movimentação financeira e bancária (podendo ser dispensado no caso de empresas que possuam livro Razão e Diário, devidamente escriturados); (ii) Registro de Inventário, no qual deverão constar registrados os estoques existentes no término de cada ano-calendário, quando contribuinte do ICMS; (iii) Registro de Entradas, destinado à escrituração dos documentos fiscais relativos às entradas de mercadorias ou bens e às aquisições de serviços de transporte e de comunicação efetuadas a qualquer título pelo estabelecimento, quando contribuinte do ICMS; (iv) Registro dos Serviços Prestados, destinado ao registro dos documentos fiscais relativos aos serviços prestados sujeitos ao ISS, quando contribuinte do ISS (O município poderá, a seu critério, substituir os Livros por Declaração Eletrônica dos serviços prestados); 254 (v) Registro de Serviços Tomados, destinado ao registro dos documentos fiscais relativos aos serviços tomados sujeitos ao ISS (o município poderá, a seu critério, substituir os Livros por Declaração Eletrônica dos serviços tomados); (vi) Livro de Registro de Entrada e Saída de Selo de Controle, caso exigível pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); (vii) Livro Registro de Impressão de Documentos Fiscais, pelo estabelecimento gráfico para registro dos impressos que confeccionar para terceiros ou para uso próprio; (viii) Livros específicos pelos contribuintes que comercializem combustíveis; (ix) Livro Registro de Veículos, por todas as pessoas que interfiram habitualmente no processo de intermediação de veículos, inclusive como simples depositários ou expositores. 255 4. SIMPLES NACIONAL COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO: OBJETIVOS DE NATUREZA EXTRAFISCAL DO REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO. Conforme anteriormente exposto, não se pode negar que o tributo tem a função de viabilizar a obtenção de recursos pelo Estado, especialmente a partir da atuação dos agentes privados que atuam na economia e praticam atos submetidos à tributação, como, por exemplo, a obtenção de renda, a produção e/ou a circulação de bens e a prestação de serviços. Sem embargo, também não se pode e nem se deve desconhecer a existência de tributos que, além da função arrecadatória, servem para orientar comportamentos, no sentido de estimular ou desestimular condutas, direcionando, enfim, o destinatário da norma tributária a atuar nessa ou naquela direção. É o que se denomina de fins extrafiscais do tributo, adotada tanto no Brasil228, como também na Espanha229, cuja constitucionalidade já foi reconhecida pelos respectivos Tribunais Constitucionais. 228 O Supremo Tribunal Federal Brasileiro, no Recurso AI 360461 AgR / MG - MINAS GERAIS, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, em Julgamento realizado em: 06/12/2005, pelo Órgão Julgador: Segunda Turma, assim decidiu: E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - IPI AÇÚCAR DE CANA - LEI Nº 8.393/91 (ART. 2º) - ISENÇÃO FISCAL - CRITÉRIO ESPACIAL APLICABILIDADE - EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO - ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - NORMA LEGAL DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO - INADMISSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO EXTRAFISCAL DO IPI. - A concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário, que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público (RE 157.228/SP), destina-se - a partir de critérios 256 Consoante CASALTA NABAIS, a extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que, embora formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou sociais através da utilização do instrumento fiscal e não - exclusivamente, acrescente-se - a obtenção de receitas para fazer face às despesas pública 230. Analisando o tema da extrafiscalidade, especialmente no tocante aos resultados econômicos ou sociais perseguidos por meio da utilização de instrumentos fiscais, DOMINGUES DE OLIVEIRA menciona “a defesa da indústria nacional, a orientação dos investimentos para setores produtivos ou mais racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal - a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. A isenção tributária que a União Federal concedeu, em matéria de IPI, sobre o açúcar de cana (Lei nº 8.393/91, art. 2º) objetiva conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da Constituição da República. Essa pessoa política, ao assim proceder, pôs em relevo a função extrafiscal desse tributo, utilizando-o como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais. […]. (sem destaques no original). 229 Segundo o Tribunal Constitucional da Espanha, na SENTENCIA 19/2012, de 15 de febrero de 2012, Fundamento jurídico 3. “El legislador puede configurar el tributo, entonces, no sólo para atender a su finalidad recaudatoria o redistributiva, sino que también puede articularlo teniendo en cuenta consideraciones extrafiscales (SSTC 37/1987, de 26 de marzo, FJ 13; 197/1992, de 19 de noviembre, FJ 6; 194/2000, de 19 de julio, FJ 8; y 276/2000, de 16 de noviembre, FJ 6). Dicho de otra manera, desde una perspectiva constitucional, nada cabe oponer al uso de los tributos “no sólo como instrumento recaudatorio, sino también como medio para la consecución de tales fines extrafiscales” (STC 173/1996, de 31 de octubre, FJ 5), razón por la cual nada impide el uso de los tributos como un instrumento de política económica sobre un determinado sector (STC 7/2010, de 27 de abril, FJ 5), pues a ello no se opone “el principio de capacidad económica establecido en el artículo 31.1 de la Constitución”, dado que “el respeto a dicho principio no impide que el legislador pueda configurar el presupuesto de hecho del tributo teniendo en cuenta consideraciones extrafiscales” (STC 31/1987, de 26 de marzo, FJ 12) o, lo que es lo mismo, “es admisible que el legislador establezca impuestos que, sin desconocer o contradecir el principio de capacidad económica, estén orientados al cumplimiento de fines o a la satisfacción de intereses públicos que la Constitución preconiza o garantiza” (SSTC 37/1987, de 26 de marzo, FJ 13; y 221/1992, de 11 de diciembre, FJ 4).” (sem destaques no original). 230 CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2004, pág. 629. 257 adequados ao interesse público, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial etc.”231. Nesse sentido, é possível compreender e justificar as finalidades almejadas pela norma tributária indutora, especialmente quando conectada com a capacidade econômica do sujeito passivo para, com base nisso, alcançar as microempresas e as empresas de pequeno porte, sujeitando-as a um regime especial de tributação que seja mais simples e menos gravoso. Revela-se, portanto, adequada a conclusão de ALBIÑANA GARCÍAQUINTANA quando afirma que “[…] el objetivo o el fin comienza a ser no-fiscal cuanda ataca a la equidade y, por tanto, a la igualdade, a la generalidad o la capacidad económica.”232. Com efeito, em um sentido amplo, a tributação extrafiscal inclui, além das normas com função indutora (extrafiscalidade em sentido estrito), outras que também se movem por razões não fiscais, mas desvinculadas da busca do impulsionamento econômico por parte do Estado.233. 231 DOMINGUES DE OLIVEIRA, José Marcos. Direito tributário e meio ambiente: proporcionalidade, tipicidade aberta, afetação da receita. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pág. 37. 232 ALBIÑANA GARCÍA-QUINTANA, César. Los impuestos de ordenamento económico. Hacienda o Pública Española, n 71, 1981, págs. 17 a 29 (23). 233 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pág. 32. 258 É de salientar que a extrafiscalidade se expande por dois grandes domínios, cada um deles traduzindo uma técnica de intervenção ou conformação social por via fiscal: (i) a dos impostos extrafiscais, orientados para a dissuasão ou evitação de determinados comportamentos (que hão de integrar os chamados agravamentos extrafiscais de impostos fiscais), e (ii) a dos benefícios fiscais dirigidos ao fomento, incentivo ou estímulo de determinados comportamentos. 234. 4.1. O SIMPLES NACIONAL COMO INSTRUMENTO DE COMBATE À INFORMALIDADE NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. No tocante ao primeiro ponto, ou seja, a dissuasão ou evitação de determinados comportamentos, a Lei Complementar 123/2006 oferece relevante contributo para o desenvolvimento, atuando, portanto, com viés de norma tributária indutora, quando, sem perder de vista o interesse arrecadatório, visa corrigir ou pelo menos minimizar o problema da informalidade, caracterizada pelo exercício de atividade econômica sem o atendimento dos requisitos legais exigidos e – talvez o mais grave – sem sujeitar o respectivo titular, seja pessoa física ou jurídica, à incidência tributária direta, configurando autêntica sonegação e, consequentemente, incorrendo em um ilícito tributário. Este fenômeno da informalidade possui sérias implicações no âmbito econômico já que não só impacta nas questões vinculadas ao mercado de trabalho, como também na estrutura das economias, em seus aspectos distributivos, nas 234 CASALTA NABAIS, J.: op. cit., O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, pág. 630. 259 relações existentes entre os governos e as empresas privadas, nas estatísticas das contas nacionais e sociais, entre outras235 e, em particular, na sustentação do sistema público de previdência e na arrecadação em geral. Essa é a linha defendida por CORBACHO, FRETES CIBILS e LORA236 quando enfatizam que “la informalidad puede prejudicar la recaudación tributaria, pero sus consecuencias no acaban ahí. Los trabajadores informales que no están cubiertos por sistemas de seguridad social carecen de protección contra los riesgos de enfermedad e inseguridad económica en la vejez, y posiblemente no gocen de los otros beneficios que reciben sus pares empleados formalmente.” No estudo produzido, CORBACHO, FRETES CIBILS e LORA também destacam que “las empresas que operan en el sector informal tieden a funcionar en una escala muy pequeña, lo que en la práctica elimina los riesgos de sanciones.” Porém, funcionam em uma escala muito reduzida e isso, prosseguem os autores, “puede implicar sacrificios en materia de productividad y quizá limite el acceso a los recursos productivos, desde el crédito hasta la tecnologia.”. Não por outra razão, é fácil constatar que a informalidade tem custos para a economia e para a sociedade que vai muito além da perda de arrecadação tributária, 235 GÓMEZ SABAÍNI, Juan Carlos; MORÁN, Dalmiro. Política tributaria en América Latina: agenda para una segunda generación de reformas - CEPAL - Serie Macroeconomía del Desarrollo. Chile: Publicación de las Naciones Unidas, 2013, pág. 60. 236 CORBACHO, Ana; FRETES CIBILS, Vicente; y LORA, Eduardo. Recaudar no basta: los impuestos como instrumento de dasarrallo. Washington, D.C.: Banco Interamericano de Desarrollo, 2013, pág. 99. 260 eis que termina por limitar o crescimento dos agentes econômicos e, por conseguinte, trava o processo de desenvolvimento, especialmente no âmbito econômico. Há, segundo CASTELAR PINHEIRO e GIAMBIAGI237, um círculo vicioso na informalidade. Conforme mais empresas deixam de pagar seus impostos e contribuições, mais é necessário taxar as empresas e os trabalhadores formais para manter a arrecadação. Da mesma forma, a competitividade espúria obtida pelas empresas informais força muitos dos seus concorrentes a seguirem pelo mesmo caminho para se manterem viáveis. O próprio combate à informalidade sofre com este círculo vicioso. Quando essa assume a magnitude que tem hoje no Brasil, a imposição de sanções se torna difícil, pois sonegar e burlar a lei passam a fazer parte do cotidiano de uma parcela da população. Existem cadeias produtivas que funcionam quase inteiramente na informalidade. O próprio consumidor, na busca de preço baixo, torna-se sócio deste processo. A notícia é que a redução da informalidade pode gerar uma dinâmica positiva, se houver o cuidado de, aumentando o número de empresas formais, reduzir-se a carga tributária incidente sobre cada uma delas. 237 CASTELAR PINHEIRO, Armando; GIAMBIAGI, Fábio. Rompendo o marasmo: a retomada do desenvolvimento no Brasil. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, pág. 174. 261 Vários estudos238 sobre a informalidade no âmbito da América Latina têm apresentado claras provas de que o sistema tributário influi sobre a economia informal dado que os impostos e os aportes na seguridade social se somam aos custos da mão de obra e estes constituem fatores chave no diz respeito à informalidade. Assim, quanto maior seja a diferença entre o custo total para o exercício da atividade econômica na economia oficial e os ganhos obtidos com a informalidade, maior será o “incentivo” para que os empresários evitem esta diferença e sucumbam à economia informal por meio da evasão das obrigações impositivas. Ademais, “aquí entran en juego no sólo cuestiones meramente económicas sino aquellas relacionadas con la calidad de las instituciones y el nivel de gobernanza, la moral tributaria y el vínculo entre los contribuyentes y el Estado a través de una adecuada provisión de bienes y servicios públicos.”239. Certo é que a “la formalización de contribuyentes, en tanto reduce la evasión tributaria y promueva el cumplimiento voluntario, permite mejorar la equidad horizontal y vertical entre contribuyentes. Por lo tanto es esperable que toda política pública que apunte a reducir los niveles de informalidad produzca, directa o indirectamente, efectos positivos sobre la equidad entre los contribuyentes.” 238 240 . GÓMEZ SABAÍNI, Juan Carlos; MORÁN, Dalmiro. Política tributaria en América Latina: agenda para una segunda generación de reformas - CEPAL - Serie Macroeconomía del Desarrollo. Chile: Publicación de las Naciones Unidas, 2013, pág. 60. 239 GÓMEZ SABAÍNI, J. C.; MORÁN, D.: op. cit., pág. 60. 240 MARTNER, Ricardo; PODESTÁ, Andrea y GONZÁLEZ, Ivonne. Políticas fiscales para el crecimiento y la igualdad - CEPAL - Serie Macroeconomía del Desarrollo. Chile: Publicación de las Naciones Unidas, 2013, pág. 56. 262 Nos últimos anos, o crescimento econômico e a redução dos níveis de desigualdade na América Latina resultaram em uma moderada redução do tamanho da economia informal em todos os países da região 241. Nesse contexto, houve o incremento do interesse da política tributária sobre as PYMES da América Latina e, em particular, do Brasil, notadamente por meio do gradual enquadramento dos empresários na condição de Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (que implica na consequente formalização da atividade econômica), bem como da contínua adesão ao SIMPLES Nacional caracterizado pela simplificação e desoneração tributária. 241 MARTNER, R.; PODESTÁ, A. y GONZÁLEZ, I.: op.cit., pág. 56. 263 4.2. O SIMPLES NACIONAL COMO MECANISMO DE ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO A PARTIR DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELOS AGENTES PRIVADOS. Não é possível negar que o sistema tributário exerce forte influência na vida econômica do país, contribuindo – ou não – para o seu desenvolvimento, seja pela forma de exigir e, consequentemente, permitir o cumprimento da obrigação (complexidade ou simplicidade do sistema tributário) ou pela medida da tributação (peso da carga tributária), seja pelo retorno que esses tributos, em seu sentido econômico, podem produzir para a sociedade. No dizer de BECKER, a principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada.242. Com efeito, as normas tributárias indutoras podem se revelar eficientes instrumentos de estímulo ao comportamento dos agentes econômicos, promovendo o aumento da demanda, da produção, dos investimentos internos e da oferta de emprego. Tais fatores são indispensáveis ao crescimento econômico, componente da equação geradora do desenvolvimento nacional.243. 242 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5ª. Edição. São Paulo: Noeses, 2010, pág. 629. 243 CARNEIRO ASSUNÇÃO, Matheus. Incentivos Fiscais e Desenvolvimento Econômico: a função das normas tributárias indutoras em tempos de crise. Disponível em: 264 Quanto a essa natureza indutora do SIMPLES Nacional, dirigida, portanto, à expansão da atividade econômica de natureza privada e, consequentemente, ao desenvolvimento econômico do país, cumpre esclarecer que não existe uma definição universalmente aceita de desenvolvimento no sentido mais amplo da palavra. EROS GRAU, por exemplo, acentua que o desenvolvimento pressupõe mudanças dinâmicas de natureza quantitativa e qualitativa e um processo de mobilidade social contínuo, ocorrendo um salto de uma estrutura social para a outra e a elevação do nível econômico, social e intelectual de toda a comunidade 244. BERCOVICI, de sua vez, destaca o papel central das reformas estruturais na política dos países em subdesenvolvidos, constituindo condição prévia e necessária de desenvolvimento, para o qual é preciso atuação ampla e intensa do Estado como coordenador do planejamento, visando modificar as estruturas socioeconômicas e a distribuição e descentralização da renda, de forma a integrar toda a população no âmbito social e político245. Nesse ponto, ganha relevo a formulação de uma política de desenvolvimento construída em uma firme base legal; conectando o direito com o desenvolvimento, o que, aliás, não constitui uma novidade. http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XVPremio/politica/MHpfceXVPTN/Tema_3_MH.pdf. Consulta em: 28 de julho de 2014. 244 GRAU, E. R.. op. cit., Elementos de direito econômico: págs. 7-8. 245 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, págs. 51-52. 265 Nas palavras de TRUBEK, houve várias versões de “direito e desenvolvimento” nos últimos cinquenta anos. A primeira estava relacionada com uma visão do desenvolvimento capitalista e da substituição de importações promovida pelo Estado. Ela enfatizava o papel do direito como instrumento para tornar o Estado mais eficaz, também mantê-lo dentro do quadro do constitucionalismo democrático. A segunda estava ligada à pauta socialista, cuja concepção considerava o direito um instrumento e tinha uma idéia de legitimidade democrática. Uma terceira versão de “direito e desenvolvimento” inspirou-se na crença neoliberal nos mercados como motores de crescimento, numa profunda desconfiança do Estado e numa concepção do direito como ferramenta para possibilitar o ordenamento privado e refrear o Estado. 246. Ainda de acordo com as formulações de TRUBEK, constata-se que, num olhar retrospectivo, todas essas “versões anteriores” de “direito e desenvolvimento” perderam o encanto. Nem mercados e nem Estados, quando “optaram” pela dominação de um em relação ao outro prosperaram. Viu-se que o Estado pode ser tão tirano quanto emancipador, o mercado pode ser uma fonte de opressão quanto de energia e inovação; a ajuda externa, tanto um instrumento de hegemonia quanto um gesto de boa vontade.247. 246 TRUBEK, David M., A coruja e o gatinho: há futuro para o “direito e desenvolvimento”. “In”: RODRIGUEZ, José Rodrigo. (organizador). O novo direito e desenvolvimento: presente, passado e futuro. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 218. 247 TRUBEK, David M., A coruja e o gatinho: há futuro para o “direito e desenvolvimento”. “In”: RODRIGUEZ, José Rodrigo. (organizador). O novo direito e desenvolvimento: presente, passado e futuro. São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 220-221. 266 Desse ponto de vista, as prioridades essenciais para criação desse ambiente institucional favorável à atuação empresarial dos agentes privados conducentes ao desenvolvimento devem estar ligadas, dentre outras, à proteção aos direitos de propriedade bem definidos; a um regime de direito empresarial que simplifique o investimento de capital, especialmente por meio da participação desses investidores em sociedades empresárias; e um regime tributário não punitivo – em virtude da excessiva carga – e sem distorções decorrentes, por exemplo, da alta complexidade.248. Obviamente, sob a ótica de complementaridade e reciprocidade, o Estado estabelece uma interação com os titulares da atividade econômica de caráter privado que atuam no mercado, tanto para disciplinar o seu funcionamento quanto para utilizá-la para atingir fins maiores, como o desenvolvimento em sentido amplo, no marco da Constituição. A propósito, a atual Constituição brasileira (1988) é típica no reencontro entre constitucionalismo e desenvolvimento no sentido coletivo-social do termo, sendo certo que Constituição significa mais do que limitação do poder estatual, e o desenvolvimento não se limita ao mero crescimento econômico. É que o desenvolvimento, como processo, depende tanto da remoção de obstáculos à expansão da autonomia, tais como a pobreza, o desrespeito sistemático aos direitos fundamentais, a degradação ambiental, a violência social, a corrupção e a deficiência dos serviços públicos, como da ampliação de oportunidade individuais e coletivas geradas pelo crescimento sustentável da economia, por políticas 248 DAVIS, Kevin E.; TREBILCOCK, Michael J.. A relação entre direito e desenvolvimento: otimistas versus céticos. Rev. direito GV vol.5 no.1 São Paulo jan./jun. 2009, págs. 217-268. 267 compensatórias, pela qualificação da educação, ou pela ampliação das esferas de participação na vida pública.249. Tratando o desenvolvimento com foco na liberdade, SEN defende que uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto nacional bruto e de outras variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele. Os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento. Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo com a melhora da vida e das liberdades. 250. Na mesma linha, NUNES DOS ANJOS FILHO sustenta que o desenvolvimento, enquanto fenômeno, não se limita ao aspecto puramente econômico, ainda que se abrace a visão mais ampla de desenvolvimento econômico, que prega a mudança de estrutura e a melhor distribuição de renda com vistas à melhoria qualitativa das condições de vida da população em geral 251. Certo é que estimular capacidade empreendedora da população, mediante o exercício de atividades econômicas submetidas a um regime tributário simplificado e, 249 VILHENA VIEIRA, Oscar; DIMOULIS, Dimitri. Constituição e desenvolvimento. “In”: RODRIGUEZ, José Rodrigo. (Organizador). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 52. 250 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, págs. 28-29. 251 NUNES DOS ANJOS FILHO, Robério. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 31. 268 sobretudo, com carga compatível com a dimensão econômica da empresa, materializa a extrafiscalidade e promove o desenvolvimento. É possível, diante de todo o exposto, perceber a diferença entre desenvolvimento e crescimento. Este último seria apenas o crescimento da renda e do Produto Interno Bruto (PIB), porém sem implicar ou trazer uma mudança estrutural mais profunda. E isso por duas razões alternativas: ou porque tal transformação estrutural já se verificou e o país, portanto, já se desenvolveu, ou então o crescimento é apenas transitório e não se auto sustentará, justamente por não conseguirá alterar a estrutura.252. Não se pode desconhecer a amplitude da expressão desenvolvimento e a existência de suas várias dimensões, como, por exemplo, as dimensões humana e a ambiental. Porém, não obstante as formulações acima, também não se pode negar que a acepção econômica do desenvolvimento tem papel proeminente - embora não excludente dos demais, pois, de alguma forma, as demais estão vinculadas à produção e circulação de riquezas. É que a busca pela igualdade entre os cidadãos de uma mesma nação exige, com frequência, um esforço financeiro do Estado, que resulta, consequentemente, em um maior gasto público para assegurar a todos 252 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 5ª. Ed. São Paulo RT, 2008, pág. 354. 269 condições dignas de existência. Para tanto, é necessária disponibilidade de capital estatal visando o cumprimento desse objetivo. Nesse contexto é que se inserem as microempresas e as empresas de pequeno porte, por meio das quais os cidadãos têm a possibilidade de atuar no livre mercado, promovendo a circulação de riquezas e, em contrapartida, contribuindo para ampliar a base arrecadatória. Embora a análise evolutiva do Produto Interno Bruto (PIB) não seja o único instrumento hábil para aferir o desenvolvimento (em sentido amplo) do país, revelase perfeitamente possível e adequada a associação entre os níveis de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a expansão do número de microempresas e empresas de pequeno porte em funcionamento, acompanhado da expansão do volume de faturamento ou receita bruta anual, gerando resultados positivos em benefício da sociedade. No Brasil, segundo dados do Cadastro Sebrae de Empresas (CSE), o total de empresas existentes no Brasil saltou de 4.950 mil, em 2009, para 8.905 mil, em 2012, representando aumento de quase 80% em apenas quatro anos, o que corresponde a um crescimento médio anual de aproximadamente 22,0%. Nesse período, o número de microempresas (ME) no país passou de 4,1 milhões para 5,1 milhões, aumento de 25,2%, e o de empresas de pequeno porte 270 (EPP), que era de 660,5 mil, em 2009, totalizou 945,0 mil, em 2012, com alta de 43,1%, superando o crescimento das médias e grandes empresas (MGE), de 25,2%. As taxas de crescimento na quantidade de empresas, registradas, de 2009 para 2010, foram mais expressivas, muito provavelmente em função do aumento de 7,5% do PIB, em 2010253. Some-se a isso, o fato de que os faturamentos médios reais anuais das microempresas e das empresas de pequeno porte nos anos de 2011 para 2012 registraram expressivos aumentos, conforme pode ser observado nos gráficos abaixo, atingindo a casa dos R$ 98 mil no caso das microempresas e R$ 954,9 mil nas empresas de pequeno porte. EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO MÉDIO REAL ANUAL DAS MICROEMPRESAS (em R$) 253 PAIVA FONSECA, Paulo Jorge de (coordenação técnica) et alii. A evolução das microempresas e empresas de pequeno porte de 2009 a 2012. Brasília: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae, 2014, pág. 11. 271 EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO MÉDIO REAL ANUAL DAS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (EM R$) Frise-se que em 2012 o faturamento médio real dos optantes pelo SIMPLES Nacional foi de R$ 271.200,32, microempresas (ME) no país passou de 4,1 milhões para 5,1 milhões, aumento de 25,2%, e o de empresas de pequeno porte (EPP)254. Isso mostra que é acertada a associação entre a variação positiva do PIB e a expansão do número de empresas, especialmente as micro e pequenas, que se traduz principalmente em desenvolvimento econômico, mas atinge a sociedade de forma ampla, na medida em que viabiliza a capacidade empreendedora e a geração de emprego, bem como estimula a formação profissional em busca do aperfeiçoamento. 254 PAIVA FONSECA, P. J. (coordenação técnica) et alii: op. cit., pág. 40. 272 Voltando-se, portanto, para uma vertente econômica do desenvolvimento, uma primeira corrente de economistas, de inspiração mais teórica, considera crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento econômico. Já uma segunda corrente, voltada para a realidade empírica entende que o crescimento econômico é condição indispensável para o desenvolvimento econômico, mas não é condição suficiente. Contudo, a experiência tem mostrado que o desenvolvimento econômico não pode ser confundido com crescimento, porque os frutos dessa expansão (do crescimento) nem sempre beneficiam a economia como um todo e o conjunto da população 255. Desenvolvimento econômico define-se, portanto, pela existência de crescimento econômico contínuo, em ritmo superior ao crescimento demográfico, envolvendo mudanças de estruturas e melhoria de indicadores econômicos e sociais. Compreende um fenômeno de longo prazo implicando o fortalecimento da economia nacional, a ampliação da economia de mercado e a elevação geral da produtividade 256. Nessa ordem de ideias, vários estudos passaram a relacionar o desenvolvimento econômico e a tributação, com destaque, no Brasil, para as iniciativas capitaneadas por DINIZ DE SANTI, no âmbito do projeto “Reforma Fiscal: 255 256 SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento econômico. São Paulo: Atlas, 1999, pág. 20. SOUZA, N. de J. de: op. cit., pág. 22. 273 tributação, responsabilidade e desenvolvimento econômico e social”, ancorado no Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas 257. É que ao tributar mirando o desenvolvimento, ou seja, ao tributar de forma indutora, o Estado acaba, inegavelmente, por produzir efeitos positivos na economia. Tais efeitos se apontam como: distributivos, quando se tem em conta que é possível, com a tributação, redistribuir a renda; alocativos, quando se tem em conta que a própria incidência do tributo não é neutra sobre a economia, pois acaba por ter reflexos na forma como a totalidade dos recursos é dividida para utilização no setor público e no setor privado; e estabilizadores, quando se tem em conta que a política fiscal deve ser formulada objetivando alcançar ou manter um elevado nível de emprego, uma razoável estabilidade no nível de preços, equilíbrio na balança de pagamentos e uma taxa aceitável de crescimento econômico 258 . E não há dúvida de que os microempresários e os empresários de pequeno porte (PYMES) devem ser destinatários das normas tributárias indutoras, por serem vetores fundamentais no processo de desenvolvimento, seja pela capacidade de gerar renda, seja pala capacidade de gerar emprego, seja, finalmente, pelo potencial arrecadatório em prol do Estado e da sociedade. Dentro desse contexto, as normas tributárias indutoras representam, indiscutivelmente, forma de “intervenção indireta” do Estado, que atua no marco 257 DINIZ DE SANTI, Eurico Marcos. Tributação e desenvolvimento. “In”: RODRIGUEZ, José Rodrigo. (Organizador). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, págs. 87-100. 258 SCHOURI, L. E.: op. cit., Direito tributário, pág. 37. 274 normativo e regulador da atividade econômica, envolvendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, nos termos do artigo 174, caput, da Constituição Federal (1988), cujo exato teor é o seguinte: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” É nesse marco da Constituição vigente desde 1988, que, no Brasil, buscou-se organizar o ambiente econômico com vistas ao desenvolvimento, dando cumprindo a essas funções estatais de “incentivo” e “planejamento”; o que exige, inevitavelmente, reconhecer a repercussão econômica dos tributos, tanto no sentido arrecadatório, que envolve a efetiva transferência de riquezas do setor privado (especialmente, mas não exclusivamente por parte daqueles que desenvolvem atividade econômica) para o setor público, como no sentido de estimular ou desestimular condutas e comportamentos com vistas ao desenvolvimento. Portanto, o Estado deve ser ente formulador de políticas públicas, regulador das atividades econômicas e solucionador de conflitos259, criando um ambiente institucional propício ao exercício da atividade econômica por agentes privados. 259 ANGARITA, Antonio; PINTO SICA, Ligia Paula; DONAGGIO, Angela. Estado e empresa: uma relação imbricada. 1. Ed. São Paulo: Direito GV, 2013, pág. 27. 275 4.3. PROEMINÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICA: JUSTIÇA FISCAL E EFICIÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO COMO FUNDAMENTOS BÁSICOS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO. 4.3.1. Crise econômica mundial: a origem e seus reflexos no Brasil. Ninguém pode duvidar que o crédito ofertado pelos mercados financeiros seja um dos instrumentos utilizados para potencializar a produção de bens, a respectiva comercialização e a prestação e/ou contratação de serviços. Também os Estados passaram a utiliza-lo em larga escala mediante a emissão de títulos públicos, atingindo com isso, em alguns casos, um grau de indesejável e - por vezes insustentável dependência dos mercados financeiros. Foi dentro desse contexto que em 2007 surgiram os primeiros sinais que algo extremamente grave estava por trás do súbito trancamento dos mercados interbancários260 que reduziram consideravelmente a oferta de crédito naquele período. Ignorando os sinais dados em 2007, o mercado retomou um quadro de aparente normalidade quando, em 2008, a crise atingiu o seu ápice “con la caída de Lehman Brothers en septiembre de 2008, una institución financiera de un tamaño y 260 LARA RESENDE, André. Os limites do possível: a economia além da conjuntura. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2013, pág. 117. 276 una relevancia en el sistema que parecía que nunca podía dejarse caer y sin embargo las autoridades así lo decidieron […]”261. A decisão do governo americano de não interferir para evitar a “quebra” do Lehman Brothers, por meio de ações tomadas pelo Banco Central (Federal reserve), revelou indubitável contradição, pois havia forte expectativa de que a reação estatal seria repetida, tal como ocorreu em situações semelhantes, como por exemplo, em relação a Bear Stearns durante o mês de março do mesmo ano, transmitindo, portanto, a ideia de que o Estado não socorreria as instituições financeiras insolventes, provocando pânico entre os investidores. Com efeito, identifica-se que o elemento detonador da atual crise, a qual apresenta uma magnitude nunca antes vista pelas gerações atuais, foi a exaustão do ciclo de alta dos imóveis dos Estados Unidos 262, caracterizada pela inadimplência descontrolada dos tomadores de empréstimos imobiliários, causando forte retração nesse mercado, gerando o excesso de oferta e a consequente queda de preços, além da impossibilidade de pagamento dos títulos emitidos pelos bancos financiadores para captação de recursos, resultando, assim, no inadimplemento perante um considerável número de investidores, situados nas mais diversas localidades, fazendo com que a crise assumisse proporções mundiais, alastrando-se para outros países em razão da globalização dos mercados financeiros. 261 MALARET, Elisenda. Intervención de los estados miembros y derecho europeo de las ayudas públicas: estado y mercado en la crisis económica. In: Estado y mercado en situación de crisis. RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, José María; VELASCO CABALLERO, Francisco (coordenadores). Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid, nº 14, 2010, Estado y mercado en situación de crisis, págs. 65-86. 262 LARA RESENDE, A.: op. cit., pág. 118. 277 Diante do agravamento da crise, “nadie reclama, por ahora, claro (¡!), la idea de menos Estado y más Mercado; ya todos vuelven a mirar a ‘papá’ Estado y reclaman variopintas actuaciones, ayudas económicas; en suma, involucración del Estado en el Mercado.”.263 A verdade é que somente foi possível amenizar os efeitos drásticos da crise graças a uma ativa intervenção do Estado nos mercados. Esta intervenção “se concretó en medidas tales como la masiva inyección de dinero público en el sistema financiero (10 billones de euros sólo en Europa), la reducción de los tipos de interés al mínimo, o la puesta en marcha de estímulos fiscales.”264 Estas decisões políticas, aliadas a iniciativa de promover uma profunda reforma do sistema financeiro internacional, notadamente para aumentar o nível de regulação e controle estatal, tiveram o efeito geral de devolver a confiança aos mercados e aos agentes econômicos, especialmente para permitir a retomada da oferta de crédito, bem como a produção e circulação de bens ou serviços por parte dos agentes econômicos em níveis adequados. Segundo VALLESPÍN, “se ha reproducido, por tanto, la misma pauta de salida a la crisis – en el caso de que no retorne con mayor virulencia – que ya había sido puesta en práctica durante las anteriores crisis del capitalismo”265. 263 ESCRIBANO, Francisco. Políticas de ingreso y gasto público frente a la crisis económica. In: Estado y mercado en situación de crisis. RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, José María; VELASCO CABALLERO, Francisco (coordenadores). Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid, nº 14, 2010, Estado y mercado en situación de crisis, págs. 87-108. 264 VALLESPÍN, Fernando. ¿Tiene el estado social moderno que salvar un mercado en crisis? In: Estado y mercado en situación de crisis. RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, José María; VELASCO CABALLERO, Francisco (coordenadores). Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid, nº 14, 2010, Estado y mercado en situación de crisis, págs. 15-22. 265 VALLESPÍN, F., op cit., págs. 15-22. 278 No Brasil, essa mesma fórmula foi utilizada, ou seja, houve massiva injeção de dinheiro público na economia, sobretudo por intermédio das instituições financeiras de caráter Público, redução da taxa básica de juros que serve de base para remuneração dos títulos emitidos pelo tesouro nacional, bem como a utilização de estímulos fiscais, aliado ao controle de preços públicos (tarifa de energia e combustível). Os resultados obtidos no Brasil nos anos de 2008 a 2012 foram satisfatórios266. Porém, nos anos de 2013 e 2014 o modelo começou a dar sinais de esgotamento da capacidade de manutenção da atividade econômica, bem como dos níveis de emprego e renda da população, tudo isso em meio a uma inflação persistentemente elevada e um cenário político turbulento, uma vez que em 2014 foram realizadas as eleições presidenciais. Certo é que, após a conclusão das eleições no final de 2014, com a reeleição da presidente, houve uma mudança brusca da política. Tanto é assim que o ano de 2015 tem sido marcado pelo forte ajuste fiscal levado a efeito pelo governo federal, caracterizado pelo fim de incentivos fiscais, forte redução do crédito por intermédio das instituições financeiras de caráter Público, elevação da taxa básica de juros, aumentos dos preços administradores (energia elétrica e combustível) e cortes orçamentários em programas sociais, tudo isso com vistas ao equilíbrio das contas públicas atingidas por um déficit (despesas do Estado superiores às receitas) 267. 266 Nesse sentido: “Una crisis que se transforma en mundial por la globalización de los mercados financieros, si bien algunos países emergentes dotados de fuertes instituciones públicas o de mercados menos abiertos se han visto afectados en menor medida (Brasil, India, China en particular).”. MALARET, E.: op. cit., págs. 65-86.(original sem grifos). 267 Segundo dados do Banco Central do Brasil, no ano de 2015 o deficit nominal (quando as despesas com juros e correção monetária são consideradas no cálculo do déficit) soma R$113,6 279 4.3.2. O SIMPLES Nacional como modelo de tributação em tempos de crise. Não há dúvida que o Brasil foi alcançado, ainda que um pouco tardiamente, pelos efeitos da crise econômica mundial de 2008, cujos impactos nas contas públicas estão a exigir, no momento atual, a adoção de uma série de medidas econômicas, as quais têm claramente ocasionado a redução do ritmo da atividade econômica dos agentes privados268; atingindo, assim, as empresas de um modo geral, porém, em particular, de modo mais contundente as microempresas e as empresas de pequeno porte, que são bastante dependentes do mercado consumidor interno, não tendo, em regra, atuação no mercado internacional para fins de diversificação da produção. Nos países em desenvolvimento, tal como o Brasil e outros países latinoamericanos, o sistema tributário é um relevante pilar na estrutura da economia capaz de encorajar ou desencorajar os atores no cenário econômico, por isso não pode atuar como freio na sua evolução269, sobretudo em tempos de crise econômica. É nesse contexto de crise econômica e escassez de recursos públicos e privados que ganha especial relevo o SIMPLES Nacional, que embora, como já bilhões, comparativamente ao deficit de R$37,6 bilhões no mesmo período de 2014. No acumulado em doze meses, o resultado nominal deficitário alcançou R$ 419,9 bilhões (7,47% do PIB), 0,33 pontos percentuais do PIB inferior ao registrado no mês anterior. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC. Consulta em: 04/06/2015. 268 Segundo o relatório Perspectivas Econômicas da OCDE, o PIB brasileiro deve sofrer retração de 0,8% neste ano (2015). Em 2016, a estimativa é de retorno ao crescimento, com alta de 1,1%. 269 SCAPIN, Andréia; KÖVESI, Ariel. Arrecadar não basta: a tributação deve ser instrumento de desenvolvimento. Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2013, 15:10h. 280 frisado, não tenha – pelo menos no modelo atual – o propósito de reduzir as diversas espécies tributárias, ao menos possibilita o recolhimento tributário por meio de um único instrumento, bem como – e principalmente – reduz o peso da tributação decorrente do exercício da atividade econômica. Para manter ou atingir um nível adequado de desenvolvimento econômico, ninguém pode negar que o ideal é ter uma carga tributária compatível com a necessidade de financiar as atividades consideradas típicas do Estado e que esses tributos sejam aplicados e arrecadados de forma a causar o menor dano possível à eficiência da economia. Há, porém, graus variados de ineficiência, e parece, sobretudo entre os economistas, haver um consenso de que o sistema tributário brasileiro penaliza a economia mais do que o necessário, pela intensidade com que distorce os preços relativos, bem como eleva os custos de cobrança e recolhimento270. Não por outra razão é que ganha relevância o SIMPLES Nacional, caracterizado pela simplicidade, desburocratização e carga compatível com o porte econômico. Recomenda-se, por outro lado, o fortalecimento da administração tributária para reduzir práticas evasivas, a criação de incentivos que impulsionem o uso eficiente de recursos naturais finitos e a realização de acordos institucionais produzindo receita para que governos locais possam atuar como agentes de desenvolvimento271. 270 271 CASTELAR PINHEIRO, A.; GIAMBIAGI, F.: op. cit., págs. 156-157. Idem. 281 Nessas circunstâncias, minimizar os efeitos perversos dos tributos sobre a competividade das micro e pequenas empresas (PYMES) é fundamental para o desenvolvimento econômico; e a busca de simplicidade na tributação é essencial, uma vez que a complexidade está associada aos elevados custos para administrar os tributos e cumprir as obrigações tributárias. Não por outra razão a boa tributação torna-se essencial para evitar prejuízos ao crescimento econômico.272 Inegavelmente, a tarefa de configurar os tributos de modo eficiente, tanto na perspectiva do sujeito ativo (que recolhe os tributos), como também para o sujeito passivo (em sua atividade arrecadatória), com vistas as desenvolvimento envolve uma análise ampla, que ultrapassa os limites do Direito, exigindo-se a contribuição de outras áreas de conhecimento. Nessa linha de raciocínio, FERREIRO LAPATZA assinala, com absoluta precisão, que “nadie ha dicho nunca, ni yo podra decir jamás, que los conocimientos de economia, de contabilidad, de estatística, de sociología o de demografia hayan de estar ausentes a la hora de configurar los tributos o de regular su aplicación.” 273. É necessário, pois, acentuar a relação entre o Direito e as outras áreas de conhecimento, especialmente a Economia, no sentido de que se estabeleça uma 272 VARSANO, Ricardo. Sistema tributário para o desenvolvimento. “In”: Desenvolvimento em debate – 212. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/liv ro_debate/2-SistemaTributario.pdf. Consultado em: 19/04/2015. 273 FERREIRO LAPATZA, J. J.. El estatuto del contribuyente y las facultades normativas de la admnistración. In: Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1998, pág. 316. 282 frutífera relação entre a produção de leis (e também regulamentos e instrumentos normativos em geral) e o ambiente de negócios no qual se realizam as trocas econômicas. Essa interação deve produzir resultados favoráveis ao desenvolvimento econômico do país. Isso porque, quando o sistema tributário é marcado pela eficiência e consequente minimização de custos para administrar e arrecadar tributos, ocorre um efeito positivo duplo, pois atinge tanto o sujeito ativo como o passivo. Assim, “el diseño eficiente de los sistemas fiscales deberá ir encaminado a minimizar los excesos de gravamen y los costes de administración y cumplimiento que produce. De este modo, aseguraremos que para una recaudación dada (efecto renta) el resto de costes generados son del menor tamaño posible.” 274. Chega a ser intuitivo, pois, que a tributação deve ser efetivada de modo a não aniquilar o sujeito passivo da relação tributária, que alimenta os cofres do Estado e permite a obtenção dos recursos necessários ao custeio da “máquina” pública. Com efeito, a busca de um sistema tributário ótimo, aqui entendido como aquele que realize as suas funções de financiamento de políticas públicas e promoção dos direitos fundamentais, evitando, ao máximo, interferências (negativas) nas decisões econômicas pela sua excessividade (elevada carga) e complexidade (alto custo de administração) é, sem dúvida, o grande desiderato do Direito Tributário. 274 SANZ-SANZ, José Félix; SANZ LABRADOR, Ismael. Política fiscal y crecimiento económico: Consideraciones microeconómicas y relaciones macroeconómicas - CEPAL - Serie Macroeconomía del Desarrollo. Chile: Publicación de las Naciones Unidas, 2013. 283 Evidentemente, o ponto ótimo de arrecadação é teórico e de muito difícil fixação, ainda mais porque, na prática, inúmeras variáveis entram em cena, dado o dinamismo econômico que a maioria das sociedades apresenta, com milhares de agentes interagindo diuturnamente 275 . Não por outra razão, FERREIRO LAPATZA afirma, com razão, que o Direito Tributário deveria acentuar sua vertente de ciência social (normativa) propondo medidas de política fiscal – de política jurídico-fiscal – que possam ser tão necessárias e significativas como as propostas econômicas para alcançar os fins de um sistema tributário que “cumpla con las cuatro reglas smithianas de la imposión: economia, certeza, comodidad y justicia.”276 Nessa linha de raciocínio, ganha novamente relevo o diálogo entre o Direito e a Economia, especialmente quando se colocam em evidência dois fatores que se complementam: justiça ou equidade e eficiência. Porém, “muchos economistas sostienen que existe una relación inversa – trade off – entre princípios de equidad y de eficiencia. En la medida en que tratemos que la distribuición sea equitativa nos alejamos de la eficiencia.” 277 275 GUERRA MARTINS, Marcelo. Tributação, propriedade e igualdade fiscal: sob elementos de direito & economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, págs.231-233. 276 FERREIRO LAPATZA, J. J. e outros. Informe sobre la simplificación del ordenamento tributario: base imponible, renta empresarial y beneficios fiscales. Madrid: Marcial Pons, 2008, pág. 19. 277 CALSAMIGLIA, Albert. Justicia, eficiencia y optimización de la legislación. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho [Publicaciones periódicas]. Núm. 29, 2006, pág. 125. 284 Certo é que justiça ou equidade e eficiência nem sempre se opõe. Dito de outro modo: sempre que possível, justiça e eficiência devem atuar em sintonia, buscando um equilibro. Não é adequada a visão de são sempre contraditórios, porquanto o que existe (ou deve existir) entre o Direito e a Economia é uma relação de cooperação (e não de confronto). A (re)construção do equilibro entre a intervenção econômica eficiente e a salvaguarda dos direitos não pode ser vista como uma luta entre categorias profissionais (economistas e juristas). Uma postura excessivamente eficientista tende a criar números problemas na esfera dos direitos. Por outro lado, uma postura excessivamente garantista paralisa a cooperação social, pois ao fim termina prevalecendo o entendimento de que o Estado fornece tudo e nada exige em contrapartida, desestimulando a capacidade inventiva ao deixar de recompensar a iniciativa do agente. Em verdade, a contribuição de CALSAMIGLIA mostra que existe uma relação de conexão (positiva) entre justiça e eficiência, no sentido de que uma sociedade idealmente justa é uma sociedade eficiente. E mais: uma sociedade que desperdice recursos não é uma boa sociedade. Logo, nem é eficiente e nem tampouco justa. Além disso, a eficiência é um componente da justiça, ainda que não seja o único e 285 nem o principal. Dito de outro modo: a eficiência não triunfa sempre frente a outros critérios integrantes da justiça 278. Seguindo nessa direção, a economia fornece teorias para prever como as pessoas reagem a incentivos e ferramentas para avaliar a eficiência das leis na realização de objetivos sociais importantes. 279 De outro, o Direito oferece perspectivas teóricas sobre a conformação de medidas econômicas com o ordenamento jurídico vigente, bem como instrumentos legais de promover os objetivos almejados pelo Estado no exercício de suas funções distributivos, alocativos e estabilizadores, comentadas de acordo com fundamentos de Luís SCHOURI280. Por que, então, não associar eficácia à eficiência na elaboração de certas normas jurídicas? Eficácia como aptidão para produzir efeitos e eficiência como aptidão para atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter ou visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira mais produtiva. Elas deveriam ser metas do sistema jurídico tributário. A perda de recursos e esforços representa custo social, indesejável sob qualquer perspectiva que se empregue para avaliar os efeitos281. 278 CALSAMIGLIA, Albert. Justicia, eficiencia y optimización de la legislación. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho [Publicaciones periódicas]. Núm. 29, 2006, págs. 126, 142 e 151. 279 CARNEIRO ASSUNÇÃO, Matheus. Incentivos Fiscais e Desenvolvimento Econômico: a função das normas tributárias indutoras em tempos de crise. Disponível em: http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XVPremio/politica/MHpfceXVPTN/Tema_3_MH.pdf. Consulta em: 28 de julho de 2014. 280 SCHOURI, L. E.: op.cit., Direito tributário, pág. 37. 281 SZTAJN, Rachel. Law and economics. “In”: SZTAJN, Rachel; zylbersztajn (organização). Direito & Economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, pág. 81. 286 Outro aspecto relevante em matéria legislativa, é que as leis devem ser efetivas e eficazes. As leis têm funções diretivas e devem conseguir os objetivos que pretendem. Nesse caso, diz-se que são efetivas. Por outra parte, uma lei também precisa eficaz, no sentido de que os destinatários a obedeçam espontaneamente e apenas em casos excepcionais a descumpram, submetendo-se as sanções decorrentes. Em sendo assim, “una buena ley no es aquella que señala unos objetivos justos, sino aquella que además los consigue.” 282 O SIMPLES Nacional persegue esse fim. A análise dos dados na linha do tempo mostra que o SIMPLES Nacional aponta nessa direção, na medida em que fica constatada a real expansão da arrecadação de um lado e, do outro, o crescente número de PYMES. Dados da Receita Federal do Brasil (incluídos no anexo da presente tese) mostram um expressivo salto na arrecadação por meio do Simples Nacional. No ano de 2008, a arrecadação foi de aproximadamente vinte e quatro milhões de reais, passando para, aproximamente, sessenta e dois milhões de reais em 2014. 282 CALSAMIGLIA, A.: op. cit., pág. 145. 287 Evidentemente, o legislador, em matéria de SIMPLES Nacional, ao tempo em que busca aumentar a capacidade competitiva de uma parte dos microempresários e empresários de pequeno porte, com acesso ao sistema, não perde de vista o interesse arrecadatório do Estado, na medida em que termina por estimular a formalização da atividade econômica em virtude do abrandamento da carga fiscal, sujeitando o sujeito passivo, por conseguinte, a um maior controle dos órgãos de fiscalização. Enfim, tem-se aqui a nítida função indutora do tributo, que se constitui tendência do mundo moderno de utilizar o tributo com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades econômicas ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia283. Sem dúvida que o ideal seria promover uma profunda reforma no sistema tributário, com base nos critérios universais de justiça e eficiência. Porém, isso exige a participação efetiva do Poder Legislativo, que tem postergado essa tarefa e não parece disposto a enfrentar o tema na atual legislatura. Por isso, sobretudo nesse momento de crise, a boa experiência do SIMPLES Nacional não só pode como deve ser fonte inspiradora de reformas do sistema tributário, tendentes à simplificação, desburocratização e desoneração, preservando a arrecadação, mas exigindo, de outro lado, por parte do Estado brasileiro, o atendimento aos critérios de eficiência e 283 73. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 23a ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 288 economia em matéria de gasto público, tal como prevê a Constituição Espanhola, em seu artigo 31.2284. Não obstante tenha ficado claro que o SIMPLES Nacional se revela um modelo de tributação adequado em tempos de crise, seja pela simplificação e desoneração da carga tributária suportada aos microempresários e empresários de pequeno porte, o certo é que, em alguns casos, isso, por si só, não tem sido suficiente para evitar uma situação de insolvência empresarial. Nesses casos, é cada vez mais comum a utilização de processos concursais, na tentativa de soerguer a empresa e superar a crise, recuperando-a; ou para promover a liquidação de bens e demais direitos titularizados pelo microempresário ou empresário de pequeno porte, destinando o respectivo produto para pagamento dos respectivos débitos. Sem dúvida, que a recuperação da empresa ou falência do microempresário ou do empresário de pequeno porte produz efeitos na esfera tributária, não apenas pelo inadimplemento das obrigações tributárias – o que gera um efeito imediato, mas também pela perda da potencialidade arrecadatória decorrente da exploração da atividade econômica – o que provoca um prejuízo futuro. 284 Com relação a este artigo da Constituição Espanhola, pode consultar-se: CARRASCO PARRILLA, Pedro José. El gasto público y los princípios constitucionales españoles. In URIBE ARZETE, Enrique; CARRASCO PARRILLA, Pedro José (coordenadores). Tendencias recientes de la justicia constitucional en el mundo: ensayos escogidos. México: Miguel Ángel Porrua, librero-editor, 2011, págs. 201-223. 289 Diante disso, é necessário buscar respostas para as seguintes questões: (i) Qual é o mecanismo legal destinado à superação da crise e consequente preservação da empresa (no sentido funcional da expressão, ou seja, enquanto atividade econômica organizada) enquadrada como Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte? (ii) É razoável impor ao Estado o sacrifício tributário decorrente da crise empresarial? (iii) Em que medida o Empresário Individual, o titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, bem como os sócios, acionistas e/ou administradores da sociedade empresária devem responder pela crise e assumir a responsabilidade para satisfação dos créditos? 290 SEGUNDA PARTE: CRISE EMPRESARIAL: O CRÉDITO TRIBUTÁRIO DIANTE DA POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU FALÊNCIA DAS MICROEMPRESAS E DAS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. 291 5. CRISE EMPRESARIAL E ABERTURA DO PROCESO CONCURSAL DESTINADO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE: OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DE MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE PRESERVAÇÃO DAS GARANTIAS ECONÔMICA E DO E A PRIVILÉGIO NECESSÁRIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 5.1. INSOLVÊNCIA EMPRESARIAL COMO CONSEQUÊNCIA DA CRISE ECONÔMICA, FINANCEIRA OU PATRIMONIAL. Se de um lado ficou demonstrado que a livre iniciativa é um pilares da ordem econômica consagrada pela Constituição brasileira, ninguém pode negar que no desenvolvimento da atividade econômica organizada, com vistas à produção e/ou circulação de bens ou serviços, inúmeros fatores determinarão, com maior ou menor intensidade, se o resultado da empresa será positivo ou negativo. Em outras palavras: se haverá lucro ou prejuízo. Certo é que o desenvolvimento da atividade econômica de caráter empresarial ocorre dentro dos limites da previsibilidade possível, ou seja, no marco das informações disponíveis ao empresário, seja individual ou coletivo, permitindo que se possa traçar uma estratégia empresarial a partir desse cenário. Porém, as eventuais imprecisões dessa estratégia ou mesmo a ocorrência de fatos imprevisíveis e inevitáveis podem trazer dificuldades na condução da empresa, 292 levando-a a um quadro de insolvência, definida por Pontes de Miranda 285 como o estado do devedor que não adimple, não solve, enfim não paga os credores no tempo e modo devidos. Saliente-se, que para compreender o significado jurídico da insolvência é, sem dúvida, necessário conecta-lo com o conceito de incumprimento. Enquanto que o incumprimento é um fato que se apresenta quando o devedor, injustificadamente, isto é, sem uma relevante razão jurídica, não cumpre uma obrigação regularmente constituída perante um credor, a insolvência pressupõe um estado ou uma situação patrimonial de caráter especial em que se encontra o devedor, em virtude da qual não pode satisfazer a totalidade das obrigações de pagar quantia certa aos seus credores, uma vez que não dispõe de bens suficientes para fazê-lo. Sem dúvida, o risco empresarial é assumido pelo respectivo titular da atividade econômica (empresário ou sociedade empresária). Porém, considerando a necessidade de obtenção de crédito por parte do empresário ou sociedade empresário, especialmente aqueles enquadrados na condição de micro ou pequenos, visando o efetivo desenvolvimento dos negócios, os efeitos do incumprimento são suportados diretamente pelos credores, os quais podem se deparar com a completa frustração da obrigação em virtude de um quadro insolvência. 285 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo XXVII. Rio de Janeiro: Borsói, 1971, pág. 6. 293 Por conseguinte, se o resultado da empresa for positivo, todos ganham. Os sócios recebem o lucro. Os trabalhadores têm a garantia de emprego e renda. O consumidor conta com a oferta do produto ou do serviço em condições que busquem alcançar o binômio (qualidade versus preço), em face da concorrência entre os empresários. Se não bastasse, o Estado obterá a receita tributária proveniente da atividade econômica, aplicando os recursos em prol da sociedade, especialmente para disponibilizar serviços públicos compatíveis com a dignidade da pessoa humana. Ocorre, porém, que nem sempre o resultado positivo almejado pelo empresário é concretizado. Por vezes, ocorre o inverso, ou seja, a empresa suporta prejuízos, com reflexos entre os trabalhadores, os consumidores e o Estado, no tocante à consequente perda das receitas tributárias. Sabendo-se que no âmbito da empresa não existe um estado de inocuidade absoluta e de segurança total, pois dimensionar o risco é ponderar alternativas, não entre risco e ausência de risco (o risco zero), mas entre risco aceitável e risco inaceitável286, ponderações que devem ser feitas tanto pelo credor negocial, a exemplo dos bancos e fornecedores de insumos, como também pelo devedor, no tocante à sua respectiva capacidade de solvência dos débitos contraídos em razão do exercício da atividade econômica. 286 FRADE, Catarina. A literacia financeira na gestão do risco de crédito. in” II Congresso de direito da insolvência. Coimbra: 2014, pág. 335. 294 A recente crise econômica mundial mostrou que o crédito para as pessoas em geral e para o empresário, em particular, é como um medicamento, cuja dose deve ser cuidadosamente administrada, pois os efeitos colaterais do uso exagerado, além de inevitáveis, têm consequências verdadeiramente drásticas não apenas para o setor privado, mas também para o setor público, pois os Estados, como no Brasil, foram “chamados” a promover a injeção de recursos na economia mediante a emissão de título de dívida, gerando um aumento do nível de endividamento público, com sacrifício para toda sociedade. Nos últimos anos, consoante destacado no capítulo anterior, vários países, inclusive o Brasil, foram afetados pela já referida crise mundial, que potencializou os riscos inerentes ao exercício da atividade econômica organizada, dada a escassez do crédito, a elevação das taxas de juros para financiamento (seja do setor produtivo, seja do mercado consumidor), bem como a consequente retração do mercado consumidor. Não obstante os esforços decorrentes da política econômica adotada pelo governo brasileiro, caracterizada por erros, como aumento excessivo dos gastos púbicos287, mas também por acertos, como, por exemplo, a ampliação do acesso ao Simples Nacional por atividades econômicas que, antes da Lei Complementar 147/2014, não tinham acesso ao regime especial de tributação, o certo é que a crise atingiu a empresa brasileira de forma mais aguda no ano de 2015. 287 Sobre o tema, consutar: LARA RESENDE, A.: op. cit., págs. 269-277. 295 Vale dizer que a crise empresarial pode ser apresentada sob três diferentes ângulos, a saber: crise econômica, crise financeira e crise patrimonial. Por crise econômica deve-se entender a retração considerável dos negócios desenvolvidos pelo titular da empresa, seja Empresário Individual, Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou pela Sociedade Empresária. Evidencia-se quando os consumidores já não adquirem igual quantidade de produtos ou já não contratam igual volume de serviços. A crise econômica pode ser generalizada, revelando um cenário macroeconômico adverso, em nível local (no País) ou mundial, o que, por vezes, decorre de equívocos cometidos pela política governamental (de um País de destaque ou de um bloco econômico mundialmente relevante), mas também pode (a crise) ser segmentada (concentrando-se em determinado setor, como, por exemplo, a construção civil) ou atingir especificamente uma empresa. Já a crise financeira é revelada pela ausência de recursos financeiros para fazer face ao pagamento regular dos débitos contraídos pelo titular da empresa. É a crise de liquidez. O ativo (formado por bens e direitos) pode até ser, no momento, maior do que o passivo, porém faltam ao devedor as disponibilidades necessárias e suficientes para a satisfação dos credores. Há, aí, a insolvência ocasional 288 caracterizada pela ausência ou insuficiência de recursos financeiros para fazer face ao pagamento das dívidas, não obstante possam existir bens e direitos que permitam a satisfação futura dos débitos. No dizer de ULHOA COELHO, a 288 PONTES DE MIRANDA, F. C.: op. cit., Tratado de direito privado. Tomo XXVII, pág. 5. 296 exteriorização jurídica da crise financeira é a impontualidade 289, ou seja, a falta de pagamento da dívida na data do respectivo vencimento. Por outro lado, a crise patrimonial é a insolvabilidade, configurada como estado econômico em que a pessoa física ou jurídica não pode satisfazer as dívidas, porque o ativo, isto é, os bens e direitos economicamente valoráveis, é menor do que o passivo, ou seja, a soma dos débitos constituídos pelo titular da empresa. É, sem dúvida, a forma mais grave da crise. No Brasil, a Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, ao disciplinar o regime de insolvência empresarial, tratou a crise de forma genérica e abrangente, referindo-se apenas à “crise econômico-financeira”, consoante os exatos termos do artigo 47; sendo certo, porém, que as distinções doutrinárias ora repercutidas (entre crise econômica, crise financeira e crise patrimonial) revelam-se extremamente úteis quando se pretende adotar mecanismos de recuperação da empresa e manutenção da atividade econômica. Oportuno frisar que a Lei 11.101/2005 não utilizou a expressão insolvência para justificar a aplicação do respectivo regime jurídico aplicável ao empresário, seja individual ou coletivo. 289 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à lei de falência e de recuperação de empresas. 9º. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 57. 297 Entretanto, embora não traga em seu texto, de modo expresso, a palavra insolvência, a Lei 11.101/2005 descreve, em seu artigo 94, uma série de hipóteses justificadoras da abertura do processo falimentar, por iniciativa de qualquer credor do empresário (pessoa física ou jurídica). Portanto, poderá ser decretada a falência do devedor empresário (pessoa física ou jurídica), que, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido (de falência), situação que revela a chamada insolvência ocasional. É a chamada impontualidade injustificada. Também é possível decretar a falência do devedor empresário (pessoa física ou jurídica), que, sendo parte demandada em ação de execução com vistas à cobrança de qualquer quantia líquida, deixa de pagar ou depositar a respectiva quantia e nem oferece bens suficientes para garantir o pagamento da dívida dentro do prazo legal, situação que, assim como a anterior, revela a chamada insolvência ocasional. Trata-se da execução frustrada. Ademais, pode ter a falência decretada, o devedor empresário (pessoa física ou jurídica) que pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial: (a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos; (b) realiza ou, por 298 atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não; (c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo (situação caracterizadora de crise patrimonial ou insolvabilidade); (d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor; (e) dá ou reforça garantia a um credor por dívida contraída anteriormente, sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo (situação que, mais uma vez, é caracterizadora de crise patrimonial ou insolvabilidade); (f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores (insolvência ocasional), abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; (g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial (insolvência ocasional). Em resumo: são os atos de falência. A jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça 290 consolidou-se exatamente no sentido de que “o pressuposto para a instauração de processo de falência é a insolvência caracterizada a partir de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico.” Em síntese, “no caso do direito brasileiro, caracteriza a insolvência para fins falimentares, nos termos do art. 94 da Lei n. 11.101/2005, a impontualidade injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III).”. 290 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.433.652 / RJ RECURSO ESPECIAL 2013/0200388-3. Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 18/09/2014. 299 Assim é que, mesmo sem ter utilizado expressamente a palavra insolvência, a Lei 11.101/2005, ao descrever situações ou condutas, claramente vinculou a incidência do regime jurídico ali disciplinado a um quadro de insolvência empresarial. Diferentemente da legislação brasileira, a lei Concursal da Espanha (Ley 22/2003, de 9 de julio), faz uma menção simples, porém expressa e direta da insolvência, ao dispor, no Artículo 2, que, “2. Se encuentra en estado de insolvencia el deudor que no puede cumplir regularmente sus obligaciones exigibles.” Assim, de acordo com a legislação espanhola, o mero descumprimento das obrigações exigíveis é suficiente para caracterizar a insolvência. Trata-se, segundo os professores ALFONSO SÁNCHEZ e POLO GARRIDO 291, de um estado de “insolvencia actual” que compreende a “insolvencia técnica ou provisional”292 e a “insolvencia patrimonial”293. Sem embargo, ao tratar da insolvência sob a perspectiva do direito espanhol, JIMÉNEZ SANCHEZ 294 enfatiza o aspecto patrimonial, quando afirma que “puede suceder que el deudor se encuentre en situación de insolvencia, esto es, que en relación com su patrimonio le sea imposible, por un lado, llevar a cabo el débito, y, 291 ALFONSO SÁNCHEZ, Rosália; POLO GARRIDO, Fernando. La solicitude de declaración de concurso de la sociedade cooperativa. Aspectos controvertidos. In: GÓMES MANRESA, María Fuensanta; PARDO LÓPEZ, María Magnolia (Dirs./Coords). Economía social y derecho: problemas jurídicos actuales de las empresas de economia social. Granada: Editorial Comares, 2013, pág. 159. 292 Identificada na presente tese como crise financeira, caracterizada pela ausência de recursos para fazer face ao pagamento regular dos débitos contraídos pelo titular da empresa, ainda que o ativo seja superior ao passivo (dívidas). Trata-se de uma situação de falta de liquidez. 293 294 Produzida quando o valor do ativo é inferior a do passivo, porquanto o patrimônio neto é negativo. JIMÉNEZ SANCHEZ, G. J. (coordinación): op. cit., pág. 569. 300 por otro, proporcionar el equivalente para la satisfacción debida al acreedor para hacer frente a la conseguiente responsabilidad, porque su patrimonio resulta insuficiente.”. E bem verdade que, na Espanha, “[…] el esfuerzo legislador de los últimos años há gravitado en la potenciación de los institutos preconcursales y en la modificación del proceso concursal en todo aquello que sea necesario para que los esfuerzos realizados por el deudor o los acreedores, en situaciones cercanas a la insolvencia y que, por desgracia no puedan evitar iniciar es proceso concursal, no se vean penalizados.”295. Inexoravelmente, esse quadro de insolvência e de crise, uma vez instalado, pode atingir a empresa de maneira irremediável, conduzindo-a a extinção, atingindo, assim, os trabalhadores, os consumidores e os credores, inclusive o Estado, no tocante aos eventuais débitos tributários e a perda da arrecadação futura. Busca-se, diante disso, responder a primeira questão levantada ao final do capítulo 4, ou seja, qual é o mecanismo legal destinado à superação da crise e consequente preservação da empresa (no sentido funcional da expressão, ou seja, enquanto atividade econômica organizada), especialmente quando enquadrada na 295 NAVARRO LÉRIDA, Mª del Sagrario. Derecho Mercantil. Lección 6. In: PACHECO JIMÉNEZ, Mª Nieves; CONTRERAS CORTÉS, Mª Carmen; ROMERO FLOR, Luis María (coord.). Lecciones introductoras del Derecho. Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2014. 301 condição de microempresa e da empresa de pequeno porte, que possui, conforme anteriormente acentuado, importante apelo social? 302 5.2. RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO MECANISMO LEGAL DESTINADO À SUPERAÇÃO DA CRISE E CONSEQUENTE PRESERVAÇÃO DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE E OS SEUS EFEITOS SOBRE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 5.2.1. A insuficiência dos pressupostos legais exigidos para apresentação do pedido de processamento da recuperação judicial da empresa para aferir a potencialidade recuperatória. Diante da crise empresarial, é possível que o empresário (individual ou coletivamente), incluindo-se os que se enquadrem na condição de Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, seja submetido aos regimes da Lei 11.101/2005 para buscar a preservação da atividade econômica, evitando, assim, a sua extinção, mediante a utilização do regime de recuperação judicial ou até mesmo por meio da falência. Esclareça-se que não se submetem à recuperação judicial e nem tampouco à falência as pessoas que exercem atividade econômica desprovida de natureza empresarial. Com efeito, a exclusividade empresarial dos regimes previstos na Lei 11.101/2005 constitui óbice que merece ser revisto, a fim de permitir a incidência de toda e qualquer atividade econômica 296 aos respectivos regimes, alargando a 296 Em Portugal, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, prevê, em seu Artigo 2.º: Sujeitos passivos da declaração de insolvência: 1 - Podem ser objecto de processo de insolvência: a) Quaisquer pessoas singulares ou colectivas; b) A herança jacente; 303 compreensão da empresa297. Antes, porém, é necessário corrigir problemas outros que se apresentam no vigente regime da Lei 11.101/2005, notadamente para concretizar o mandamento constitucional que assegura tratamento favorecido e diferenciado para o microempresário e para o empresário de pequeno porte. Em linhas gerais, a recuperação judicial objetiva o soerguimento da empresa atingida pela crise, enquanto que a falência tem o propósito central de promover a liquidação dos bens utilizados no desenvolvimento da atividade econômica para fazer face aos débitos contraídos pelo devedor empresário, ocasionando, em regra, a extinção da empresa. Porém, o primado da recuperação não tem um valor absoluto, no sentido de que a decisão de recuperar a empresa deva obedecer a um critério e esse critério é, por motivos de eficácia econômica, o potencial de recuperabilidade da empresa. c) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais; d) As sociedades civis; e) As sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem; f) As cooperativas, antes do registo da sua constituição; g) O estabelecimento individual de responsabilidade limitada; h) Quaisquer outros patrimónios autónomos. 2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior: a) As pessoas colectivas públicas e as entidades públicas empresariais; b) As empresas de seguros, as instituições de crédito, as sociedades financeiras, as empresas de investimento que prestem serviços que impliquem a detenção de fundos ou de valores mobiliários de terceiros e os organismos de investimento colectivo, na medida em que a sujeição a processo de insolvência seja incompatível com os regimes especiais previstos para tais entidades.” 297 Conforme o artigo 5º. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que prevê, em seu Artigo 5.º: “Para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica.” 304 Portanto, impõe-se que se recupere a empresa apenas quando se justifique ou, por outro ângulo, que se recupere a empresa sempre que se justifique 298 . Advirta-se que nem todo devedor-empresário terá a possibilidade de buscar, com base na Lei 11.101/2005, a recuperação judicial da empresa. É que o artigo 48 da referida Lei, estabeleceu uma série de requisitos, cuja ausência de qualquer deles é fator impeditivo da recuperação judicial da empresa. Somente será admitido o processamento da recuperação judicial da empresa se o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou a sociedade empresária demonstrar, no momento do pedido, que preenche, cumulativamente, os pressupostos elencados no artigo 48 da Lei 11.101/2005, ou seja, faça prova de que: (i) exerce regularmente - mediante registro na Junta Comercial - suas atividades há mais de dois anos; (ii) não é falido por sentença judicial transitada em julgado, e se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; (iii) não tenha, há menos de cinco anos, obtido concessão de benefício idêntico, ou seja, a recuperação judicial; (iv) não tenha sido condenado ou não tenha, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei 11.101/2005. 298 SERRA, Catarina. Entre o princípio e os princípios da recuperação de empresas (um work in progress). “in” II Congresso de direito da insolvência. Coimbra: 2014, pág. 81. 305 Porém, não é só. Ainda de acordo com a Lei 11.101/2005, o regime de recuperação da empresa é marcado pela judicialização. Não por outra razão, o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou a sociedade empresária precisará ingressar com um pedido formal de recuperação perente o Poder Judiciário, por intermédio de advogado, na localidade em que se encontre o principal estabelecimento empresarial, assim entendido como o centro vital da empresa, não sendo, de outra parte, necessariamento aquele a que os atos constitutivos indicam como sede ou título principal. Dentro desse contexto, ao tratar da competência do juízo responsável pela apreciação do pedido de recuperação da empresa, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, durante o julgamento do Recurso Especial nº 1.006.093 – DF, que “[…] a qualificação de principal estabelecimento, referido no art. 3º 299 da Lei n. 11.101⁄2005, revela uma situação fática vinculada à apuração do local onde são exercidas as atividades mais importantes da empresa, não se confundindo, necessariamente, com o endereço da sede, formalmente constante do estatuto social […].” 300. Caberá, portanto, ao empresário individual, à empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou à sociedade empresária, formalizar o pedido de recuperação judicial perante o Juízo competente, apresentando os documentos exigidos no artigo 51 da Lei 11.101/2005, a saber: 299 Lei. 11.101/2005. “Art. 3o É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.”. 300 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.006.093 - DF (2006⁄0220947-8). Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 20.05.2014. 306 “Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômicofinanceira; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; 307 IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de 308 natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.” Muito embora sob o ponto de vista estritamente legal, o juiz esteja adstrito à análise dos pressupostos acima referidos e, com base neles, possa, por conseguinte, admitir o processamento do pedido de recuperação judicial da empresa, para, a partir daí, abrir a possibilidade de uma solução (entre o devedor e seus credores) com vistas ao soerguimento da empresa (aqui mais uma vez entendida no sentido funcional da expressão, ou seja, entendida como atividade econômica organizada) e à superação da crise, a verdade é que o sistema inaugurado em 2005 já apresenta sinais de que precisa ser aperfeiçoado, pois, segundo afirma Carlos Henrique Abrão, de quase dois mil casos apresentados ao longo da vigência da Lei 11.101/2005 menos de 10% de empresas que requereram recuperação judicial foram efetivamente reorganizadas301. É que a apresentação farta documentação exigida pela Lei 11.101/2005, bem como atendimento dos pressupostos anteriormente relacionados, têm se revelado insuficientes para estabelecer a prévia e necessária distinção entre as empresas que são viáveis e, consequentemente, recuperáveis, e as empresas inviáveis, cuja falência é o caminho adequado para seguir. Significa que nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. A realidade inexorável mostra que a reorganização de atividades econômicas é custosa. Em 301 ABRÃO. Carlos Henrique. Lei de recuperação judicial exige uma inadiável reforma. Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2014, 9h30. Consultado em: 05/06/2015. 309 outras palavras: alguém tem que pagar pela recuperação, seja na forma de investimentos no negócio em crise, seja na forma de perdas parciais ou totais do crédito302, somando-se, ainda, os custos processuais envolvidos. Portanto, a simples exposição das causas da crise econômico-financeira e a apresentação de documentos contábeis não são pressupostos suficientes para identificar a viabilidade da empresa e a possibilidade concreta de recuperação, ou seja, não são instrumentos hábeis para evitar o desperdício de recursos, a elevação dos prejuízos dos credores e o consequente estado de artificialidade na manutenção da empresa. O sistema concursal anterior (Decreto-lei 7.661/1945), revogado pela Lei 11.105/2005, já padecia de idêntica falha, razão pela qual sofria coerente e contundente crítica de REQUIÃO303, que assim afirmava: “uma das críticas que fazemos ao atual sistema das concordatas (substituído pelo regime da recuperação judicial da empresa) consiste no fato de não se cogitar, em seu estudo, do aspecto econômico e financeiro. Não se exige um projeto que demonstre a viabilidade do cumprimento da concordata preventiva impetrada”. No regime atual, de acordo com o disposto no artigo 53 304 da Lei 11.101/2005, o plano de recuperação contendo a perfeita discriminação dos meios 302 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 3. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 382. 303 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Vol. 2. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, págs. 81-82. 304 Lei 11.101/2005. “Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter: 310 propostos para superação da crise, além da sua respectiva viabilidade econômica, somente precisa ser apresentado no prazo de 60 dias a partir da publicação da decisão judicial, que, diante dos pressupostos legais e documentos apresentados pelo devedor empresário, autoriza o processamento da recuperação judicial. Dessa forma, os efeitos da recuperação judicial já se projetam contra os credores, inclusive os tributários, conforme adiante se demonstrará, como consequência automática da decisão de processamento proferida com base na simples apresentação da documentação acima relacionada, sem que haja sequer o prévio conhecimento da potencial recuperabilidade da empresa, uma vez que o plano de recuperação não precisa ser entregue em juízo nessa fase inicial do processo. Com efeito, uma das formas de evidenciar a viabilidade da empresa é provar, no mínimo, o atendimento da sua função social e econômica, como forma de justificar o pedido de recuperação judicial, com a consequente harmonização de interesses (do próprio devedor, dos credores e dos trabalhadores) e a eventual socialização do prejuízo provocado pelo devedor empresário que se encontra em crise, consoante estabelece o artigo 47 da Lei 11.101/2005. I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo; II – demonstração de sua viabilidade econômica; e III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.”. 311 Nos termos do artigo 47 da referida Lei 11.101/2005, “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do interesses dos emprego dos credores, trabalhadores promovendo, e assim, dos a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” Reconhece-se, expressamente, que a empresa exerce função social e econômica, pois é fonte geradora de emprego, renda e arrecadação tributária, bem como assegura o equilíbrio do mercado, uma vez que quanto maior for o número de agentes econômicos atuando, maior será a concorrência entre eles, de maneira que o consumidor será beneficiado com a melhor oferta de produtos e serviços, além de servir de permanente estímulo à inovação. Some-se a isso que a noção de função, no sentido em que é utilizada a expressão nesta matéria, significa um poder, mais especificamente, o poder de dar aos bens utilizados na exploração da atividade econômica um determinado destino. Por sua vez, o adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse 312 coletivo e não ao interesse exclusivo do proprietário desses bens; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro305. E diante da crise empresarial, o significado da função social da empresa assume contornos próprios no âmbito da Lei 11.101/2005, pois quando se atribui ou reconhece, às pessoas, espaços de liberdade, genéricos ou específicos, visando o desenvolvimento de atividade econômica, pressupõe, à partida, campos de livre arbítrio. Porém, a referência a uma função social exprime a ideia de que a discricionariedade aí implícita não seria total: os comportamentos levados a efeito, no seu seio, deveriam respeitar o escopo social – com repercussões no campo econômico – que presidiu à sua constituição, quer produzindo uma maior utilidade pessoal, quer social, a que se pode acrescentar o complemento económica 306. Entretanto, a função social da empresa só será plenamente preenchida se houver lucro (componente econômico) suficiente para gerar emprego e renda, razão pela qual deve haver eficiência. Eficiência, nesse caso, significa exercer a atividade de forma a obter os melhores resultados307, produzindo o maior rendimento possível. Cabe ressaltar que embora o lucro deva ser um utilizado como um dos elementos passíveis de atestar a presença da função social da empresa, não pode 305 KONDER COMPARATO, Fábio. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, pág. 32. 306 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da rocha e. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, pág. 1.231. 307 SZTAJN, Rachel. Da Recuperação judicial. “in” SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro; A. DE MORAES PITOMBO, Antônio Sérgio. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 – artigo por artigo. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2007, págs. 223-224. 313 ser considerado isoladamente, isto é, como único fator determinante. Isso porque, especialmente em tempos de crise econômica mundial, o lucro decorrente do exercício de algumas atividades econômicas poderá ser convertido em prejuízo, cujos reflexos são projetados sobre os credores, aos quais interessa uma solução que possa amenizar tais efeitos negativos, sendo certo que a recuperação judicial da empresa pode ser um instrumento legal que conduza ao soerguimento da empresa. Propõe-se, portanto, que o elemento lucro (ou prejuízo), para fins de apuração da função social da empresa, seja examinado conjuntamente com a presença (ou ausência) de bens e direitos integrantes do ativo do empresário individual, da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou da sociedade empresária, em volume suficiente para cobertura de todos os débitos acumulados. O ideal seria, portanto, que o sistema concursal brasileiro contemplasse previsão legal para exigir que, no momento da apresentação do pedido de recuperação judicial da empresa, fosse apresentada pelo devedor, além do plano de recuperação (com a discriminação pormenorizada dos meios a serem empregados para soerguimento da atividade econômica), a demonstração de sua viabilidade econômica; e o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Dentro desse contexto, seria fundamental que o empresário individual ou coletivo, no momento da apresentação do pedido de recuperação judicial, demonstrasse que o ativo, isto é, os bens e direitos economicamente valoráveis, é 314 no mínimo igual ou superior ao passivo, ou seja, a soma dos débitos constituídos pelo titular da empresa. Esse pressuposto objetivo serviria para evitar o eventual desvio premeditado dos bens e direitos do empresário em crise, que, de má-fé, poderia oculta-los indevidamente, sem que isso pudesse ser facilmente provado pelos credores, os quais muitas vezes se veem diante de uma empresa que, embora sob crise patrimonial, tem, tecnicamente e com amparo na legislação vigente, acesso ao regime da recuperação judicial. Assim sendo, apesar da crise econômico-financeira, uma vez comprovada a disponibilidade de bens e direitos em montante suficiente para satisfazer o passivo, estaria presente o inafastável equilíbrio de interesses entre o devedor, os credores e os trabalhadores. Portanto, somente deveria ter acesso ao regime de recuperação judicial da empresa aquele empresário ou sociedade empresária que demonstrasse a suficiência de bens para satisfação integral dos débitos vencidos e/ou vincendos. Isso evitaria, também, o desperdício de recursos com a apresentação de pedidos de recuperação ao Poder Judiciário de empresas em situação de crise irreversível, que, na realidade, deviam se submeter ao regime falimentar para liquidar os bens e direitos até então existentes, com intuito de satisfazer os créditos constituídos, já que prejudicada a função social almejada. 315 Por isso, é verdadeiramente urgente a alteração legislativa que inclua, no rol dos requisitos exigidos ao desenvolvimento válido e regular da recuperação judicial, a necessária e prévia demonstração da viabilidade da empresa, mediante a apresentação de documentos que comprovem o atendimento de pressupostos jurídicos e econômicos, notadamente a disponibilidade de bens em valor equivalente a, no mínimo, o passivo acumulado até a data do pedido. Dentro dessa perpectiva, a recuperação judicial assumiria um caráter de processo pré-insolvencial, ou seja, a crise poderia se situar no plano econômico (retração considerável dos negócios) ou no plano financeiro (revelada pela ausência de recursos financeiros para fazer face ao pagamento regular dos débitos) ou até em ambos, mas não no plano patrimonial, pois o conjunto de bens e direitos economicamente valoráveis ainda seria maior ou igual ao passivo acumulado. 5.2.2. A decisão de processamento como termo inicial da recuperação judicial: conteúdo e efeitos. Diante da rigorosa observância dos requisitos legal, bem como verificada a presença dos documentos necessários, o juiz proferirá decisão de simples processamento da recuperação judicial, que não se confunde com a decisão concessiva da recuperação judicial, cuja prolatação depende, no regime da Lei 11.101/2005, da prévia e indispensável manifestação dos credores. 316 Claramente, o regime brasileiro de recuperação judicial da empresa exige a prévia manifestação dos credores privados, compreendendo os trabalhadores, bancos, fornecedores de produtos e prestadores de serviços, para, somente diante de manifestação minimamente favorável, permitir que o juiz conceda a recuperação perseguida pelo empresário, a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou a sociedade empresária, submetendo-a ao cumprimento de um plano de reestruturação aprovado por esses credores privados. Com efeito, a decisão de processamento permite que, enquanto não se constrói uma solução definitiva para a crise (entre devedor e credores), a empresa possa continuar em funcionamento, devendo o juiz com fundamento no artigo 52 da Lei 11.101/2005, determinar ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores, bem como ordenar a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, além do seguinte: 5.2.2.1. Nomeação do administrador judicial. Nessa decisão de processamento, o juiz nomeará o administrador judicial, que será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada, nos termos ao artigo 21 da Lei 11.101/2005. 317 Ressalte-se que não poderá exercer as funções de administrador judicial quem, nos últimos cinco anos, no exercício do idêntico cargo – em outro processo de recuperação judicial ou falência, tenha sido destituído pelo juiz em virtude da prática de atos ilegais ou conduta desidiosa, tenha deixado de prestar contas dentro dos prazos legais ou, ainda, ter a prestação de contas reprovada. Ficará também impedido de exercer a função de administrador judicial quem tiver relação de parentesco ou afinidade com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente 308. Acrescente-se que não caberá ao administrador judicial exercer atividades de gestão da empresa em recuperação. Em regra, durante o processo de recuperação judicial, o empresário individual ou os administradores da sociedade empresária requerente, serão mantidos na condução da atividade empresarial309. Em caso de 308 Consultar a respeito do tema o artigo 30 da Lei 11.101/2005. Nos termos do artigo 64 da Lei 11.101/2005, justifica-se o afastamento do empresário individual ou dos administradores da sociedade empresária requerente da gestão da empresa, nas seguintes hipóteses: 309 I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente; II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto na Lei 11.101/2005; III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores; IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas: a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial; b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas; c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular; 318 afastamento do empresário individual ou os administradores da sociedade empresária requerente da gestão da empresa, o juiz convocará a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando-se lhe, no que couber, todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial. Portanto, o administrador judicial não será o gestor da empresa em recuperação judicial, cabendo-se, porém, exercer a fiscalização das atividades do devedor empresário e o cumprimento do plano de recuperação judicial, podendo requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação; competindo-lhe, ainda, apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor; bem como apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação310. Outrossim, cumprirá ao administrador judicial verificar a legalidade, veracidade e legitimidade dos créditos indicados na relação apresentada pelo devedor empresário, no momento da apresentação do pedido de recuperação judicial, com base nos respectivos livros contábeis e documentos comerciais e d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 da Lei 11.101/2005, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial; V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê; VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial. 310 Consultar a respeito do tema o artigo 22, inciso II, da Lei 11.101/2005. 319 fiscais, assim como nos documentos que forem apresentados ao administrador judicial pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas. Assim é que, uma vez concluída a verificação dos créditos, o administrador judicial o administrador judicial fará publicar edital contendo a relação de credores devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas interessadas terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação. Frise-se que a relação a relação de credores organizada pelo administrador judicial não tem caráter definitivo, uma vez que, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a referida relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. O procedimento de verificação de créditos culmina na elaboração e consolidação do quadro-geral de credores, que será elaborado pelo administrador judicial e homologado pelo juiz, considerando a ordem de classificação de créditos estabelecida no artigo 83 da Lei 11.101/2005, a saber: (i) - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e cinquenta salários-mínimos por trabalhador, e os decorrentes de acidentes de trabalho; (ii) - créditos com garantia 320 real até o limite do valor do bem gravado; (iii) - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; (iv) - créditos com privilégio especial (os previstos no artigo 964 do Código Civil311; os assim definidos em outras leis civis e comerciais; aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar n o 123, de 14 de dezembro de 2006); (v) - créditos com privilégio geral (os previstos no artigo 965 do Código Civil 312 ; os previstos no parágrafo único do art. 67 da Lei 11.101/2005; os assim definidos 311 Têm privilégio especial: I - sobre a coisa arrecadada e liquidada, o credor de custas e despesas judiciais feitas com a arrecadação e liquidação; II - sobre a coisa salvada, o credor por despesas de salvamento; III - sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeitorias necessárias ou úteis; IV - sobre os prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas, ou quaisquer outras construções, o credor de materiais, dinheiro, ou serviços para a sua edificação, reconstrução, ou melhoramento; V - sobre os frutos agrícolas, o credor por sementes, instrumentos e serviços à cultura, ou à colheita; VI - sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico, nos prédios rústicos ou urbanos, o credor de aluguéis, quanto às prestações do ano corrente e do anterior; VII - sobre os exemplares da obra existente na massa do editor, o autor dela, ou seus legítimos representantes, pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição; VIII - sobre o produto da colheita, para a qual houver concorrido com o seu trabalho, e precipuamente a quaisquer outros créditos, ainda que reais, o trabalhador agrícola, quanto à dívida dos seus salários. 312 Têm privilégio geral: I - o crédito por despesa de seu funeral, feito segundo a condição do morto e o costume do lugar; II - o crédito por custas judiciais, ou por despesas com a arrecadação e liquidação da massa; III - o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido, se foram moderadas; IV - o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor, no semestre anterior à sua morte; V - o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família, no trimestre anterior ao falecimento; 321 em outras leis civis e comerciais); (vi) - créditos quirografários (aqueles não previstos nas demais hipóteses anteriores; os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite de cento e cinquenta salários-mínimos por trabalhador; (vii) - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; (viii) créditos subordinados (os assim previstos em lei ou em contrato; e os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício). Trata-se de uma das mais importantes obrigações do administrador judicial, uma vez que funciona o quadro-geral de credores como um marco, a partir do qual várias medidas serão tomadas para o andamento do processo de recuperação judicial. Para José da Silva Pacheco313, sem esse quadro-geral, o processo não segue, permanece entravado, causando prejuízos a credores, à ordem pública, à justiça, ocasionando tumulto e congestionamento nos juízos. Caberá, ainda, ao administrador judicial, presidir314 a assembleia-geral de credores, na qual será debatida a aprovação ou a rejeição ou até mesmo a eventual modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor VI - o crédito pelos salários dos empregados do serviço doméstico do devedor, nos seus derradeiros seis meses de vida; VII - os demais créditos de privilégio geral. 313 DA SILVA PACHECO, José. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 64. 314 Conforme o artigo 37 da Lei 11.101/2005. 322 empresário315, atuando, assim, o administrador judicial, de forma imparcial, na organização dessa tentativa de negociação levado a efeito no âmbito do processo de recuperação judicial da empresa. 5.2.2.2. Dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades. Também na referida decisão de processamento, o juiz determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando que, em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão "em Recuperação Judicial". Frise-se que o deferimento do processamento da recuperação judicial não atinge o direito material dos credores, razão pela qual não é possível admitir, nessa fase, a modificação ou exclusão dos débitos, cujos respectivos registros do nome do devedor nos bancos de dados e cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, assim como nos tabelionatos de protestos. 315 Conforme o artigo 35, inciso I, da Lei 11.101/2005. 323 Por outro lado, é necessário demarcar os limites dessa dispensa de apresentação de certidões, que atinge apenas as relações privadas. Isso porque, se o regime de recuperação judicial não alcança os créditos tributários, significa que para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais será, por conseguinte, necessária a apresentação de certidões destinadas à comprovação da regularidade tributária para tal fim. 5.2.2.3. Suspensão das ações ou execuções que envolvam créditos de caráter negocial contra o devedor. Ainda em decorrência da decisão de processamento, o juiz ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, pelo prazo de cento e oitenta dias, restabelecendo-se, após o decurso desse prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções; sendo certo que o regime de suspensão não se aplica às ações que envolvam quantia ilíquida, assim como as de natureza trabalhista, as quais serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, bem como às ações de execução de natureza tributária. A razão de ser da norma que determina a pausa momentânea das ações e execuções - stay period - na recuperação judicial é a de permitir que o devedor empresário em crise consiga (re)negociar, de forma conjunta, com todos os credores mediante a apresentaçao de um plano de recuperação e, ao mesmo tempo, 324 preservar o seu patrimônio, o qual ficará indisponível e sob controle judicial 316, por um lapso de tempo, afastando-se o eventual alcance – inclusive judicial – dos bens imprescindíveis à continuidade da atividade econômica. Significa que dentro do prazo de cento e oitenta dias, a contar da decisão de processamento, o empresário tentará viabilizar a apresentação e a aprovação do plano de recuperação. Porém, constata-se uma firme tendência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o prazo de 180 dias, fixado pela lei para suspensão das ações e execuções, não é peremptório. De acordo com a jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça, “nada impede, pois, que o juízo da recuperação, dada as especificidades de cada caso, amplie o prazo legal.”317. Nessa linha de raciocínio, uma vez deferido o processamento revela-se incabível o prosseguimento automático das execuções individuais, mesmo depois de decorrido o prazo de 180 dias previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei 11.101⁄2005. Vale dizer que em se tratando de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação 316 Lei 11.101/2005. “Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.” 317 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.374.259 - MT (2011⁄0306973-4). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 13 de junho de 2012. 325 respectiva, não se permitindo, contudo, durante esse prazo de suspensão por cento e oitenta dias, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Esclareça-se que o impedimento ao exercício dos direitos pelos credores excluídos da recuperação, somente se aplica ao regime geral ou ordinário, que pode ser utilizado por todo e qualquer devedor empresário que preencha os pressupostos acima enunciados, porém não cabe invocar tal benefício caso o microempresário ou empresário de pequeno porte opte pelo regime especial, que não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos por essa espécie de plano 318, revelando o regime atual, nesse ponto, mais um prejuízo para os microempresários ou empresários de pequeno porte. 5.2.2.4. Abertura do prazo para apresentação do plano de recuperação judicial pelo microempresário ou empresário de pequeno porte. Determina o artigo 53 da Lei 11.101/2005 que o plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência. 318 Lei 11.101/2005. Artigo 71, Parágrafo único. “O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.” 326 Conforme foi demonstrado, a apresentação do plano em momento posterior à prolatação da decisão que autoriza o processamento evidencia falha no regime brasileiro, cuja correção é medida necessária e urgente. Isso porque, consoante acima exposto, não é exigida, a título de pressuposto para abertura do regime de recuperação judicial da empresa, a comprovação da sua viabilidade econômico, financeira e patrimonial, comprovação essa que evitaria a ocorrência de distorções no sistema, no sentido de que termina mantendo no mercado empresas que não mais apresentam viabilidade. Assim é que, enquanto não houver alteração legislativa, cabe ao empresário, inclusive Micro ou Pequeno, cumprir a determinação do artigo 53 da Lei 11.101/2005, especialmente no tocante ao prazo legal, sob pena de ver frustrada a possibilidade de recuperação judicial, pois o juiz, diante da inércia, decretará a falência. 5.2.3. A ineficiência do plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte para concretização do mandamento constitucional de tratamento favorecido e diferenciado: a assimetria de posições como entrave para a construção de uma solução puramente negocial. De acordo com a Lei 11.101/2005, as microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar um plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial. 327 Trata-se de uma opção reservada exclusivamente aos microempresários e aos empresários de pequeno porte que, a depender da situação, podem, caso desejem, apresentar um plano “ordinário” de recuperação judicial, o qual é destinado aos empresários em geral e que preencham os requisitos anteriormente expostos. Nesse sentido, dispõe o artigo 70 da mencionada Lei 11.101/2005 que: “Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1 o desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo. § 1o As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei. § 2o Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.” No entanto, um simples exame das condições que obrigatoriamente devem constar no plano especial é suficiente para revelar a ineficiência da recuperação “especial” destinada aos microempresários ou empresários de pequeno porte em crise econômico-financeira. 328 Isso porque, segundo o artigo 71 da Lei 11.101/2005, caso o microempresário ou o empresário de pequeno porte opte pelo plano especial de recuperação judicial algumas condições, o referido plano rigorosamente preverá parcelamento no prazo máximo de apenas 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC319, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas. Ademais, o plano especial preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial, bem como estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o microempresário ou o empresário de pequeno porte aumentar despesas ou contratar empregados. Com efeito, a necessidade de autorização do juiz, depois de ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para que o microempresário ou o empresário de pequeno porte possa aumentar despesas ou contratar empregados é o único ponto razoável, pois evidencia efetiva preocupação com a manutenção da empresa, no tocante aos atos de gestão praticados, pelo respectivo titular, durante o 319 Segundo o Banco Central do Brasil, define-se Taxa Selic como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais. Para fins de cálculo da taxa, são considerados os financiamentos diários relativos às operações registradas e liquidadas no próprio Selic (depositário central dos títulos que compõem a dívida pública federal interna de emissão do Tesouro Nacional) e em sistemas operados por câmaras ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação (art. 1° da Circular n° 2.900, de 24 de junho de 1999, com a alteração introduzida pelo art. 1° da Circular n° 3.119, de 18 de abril de 2002). Disponível em: https://www.bcb.gov.br/?SELICCONCEITO. Consulta em 05/07/2015. 329 período da recuperação judicial, que eventualmente possam resultar no agravamento da crise econômico-financeira. Em verdade, é de uma ineficiência latente a limitação do prazo de 36 (trinta e seis) meses para solução dos débitos negociais contraídos pelo microempresário ou o empresário de pequeno porte em crise econômico-financeira, débitos esses que compreendem diversas classes de credores, dentre os quais se destacam os credores com garantia real, com privilégio especial, com privilégio geral, quirografários e subordinados, enquanto que os débitos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial320, devem ser pagos no prazo máximo de um ano, sendo certo que o plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. Impressiona o fato de que um país como o Brasil, cujo tecido empresarial é composto predominantemente por microempresários ou empresários de pequeno porte, que respondem pelo significativo percentual de 99% de todos os estabelecimentos instalados no território brasileiro; 52% dos empregos formais de estabelecimentos privados não agrícolas do país e de quase 42% da massa de 320 Lei 11.101/2005. Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. 330 salários paga aos trabalhadores destes estabelecimentos, as medidas de saneamento e reestruturação empresarial não sejam planejadas pelo legislador com o propósito de assegurar a recuperação desses microempresários ou empresários de pequeno porte. Frise-se que mesmo quando demonstrada a viabilidade econômico-financeira da microempresa ou da empresa de pequeno porte, inclusive sob o ponto de vista patrimonial, ou seja, ainda que o ativo seja igual ou superior ao passivo acumulado, os maiores credores da microempresa ou da empresa de pequeno porte costumam ser instituições financeiras, que direcionam o maior volume de crédito para as grandes. Dados321 divulgados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)322 em 31 de agosto de 2015, relativos aos desembolsos realizados no ano de 2014 comprovam que os maiores volumes de créditos foram direcionados para médias e grandes empresas: 321 Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias /Arquivos/empresa/estatisticas/Bol_Desempenho_e_Setorial.pdf. Consulta: 04/10/2015. 322 O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empresa pública federal, é hoje o principal instrumento de financiamento de longo prazo para a realização de investimentos em todos os segmentos da economia, em uma política que inclui as dimensões social, regional e ambiental. 331 Significa que a importância dada a eventual perda do crédito concedido às microempresas ou às empresas de pequeno porte é reduzida, pois no mercado financeiro o risco (de crédito), isto é, o risco de o devedor falhar o cumprimento pontual, onera, sobretudo, esse devedor que pode ficar privado do seu patrimônio e arredado do mercado. As perdas para os credores financeiros têm um impacto muito menor, não só em virtude dos aprovisionamentos que legalmente têm de fazer, mas também da possibilidade de acionar seguros e garantias323. E se as perdas são menores quanto aos créditos concedidos às microempresas ou às empresas de pequeno porte, menores são as margens de disposição de tais credores para aceitarem negociações, no âmbito da recuperação judicial, que impliquem alterações nas condições originalmente contratadas para os respectivos pagamentos, notadamente quando o plano estabelece reduções e alongamento do prazo para satisfação dos débitos. O problema é que o critério determinante para recuperação da empresa é hoje, numa palavra, a vontade dos credores. Mais precisamente, cabe aos credores o poder fundamental de decidir destino da empresa, optando pela recuperação quando – e só quando – a recuperação seja de seu interesse. O pressuposto subjacente é o de que os credores estão nas melhores condições para avaliar as perspectivas futuras da empresa e a oportunidade de recuperação 324, porquanto, paradoxalmente, as microempresas e as empresas de pequeno porte terminam ficando em desvantagem, pois em se tratando de uma grande empresa, o risco de crédito e a eventual perda para o credor terão maior repercussão e exatamente por 323 324 FRADE, C.: op. cit., pág. 336. SERRA, C.: op. cit., págs. 81-82. 332 isso encontrará maior disposição para estabelecer negociações tendentes à solução do débito. Por esse motivo, a manutenção do atual regime dificulta as possibilidades de recuperação judicial das microempresas e das empresas de pequeno porte, pois a aprovação do plano depende da manifestação favorável dos credores e, ainda que venham a concordar, o prazo de 36 meses para pagamento é insuficiente, prejudicando a possibilidade de cumprimento, podendo resultar em falência e consequente liquidação de bens. Com efeito, os maiores interessados na recuperação das microempresas e das empresas de pequeno porte costumam ser os seus próprios titulares que terminam suportando a maior carga negativa da falência – caso a tentativa de recuperação não prospere, enquanto que nas grandes empresas a perda costuma ser mais intensamente suportada pelos credores, pois os volumes de recursos envolvidos são substancialmente maiores. Nas hipóteses em que é possível presumir o desequilíbrio econômico das partes (credores e devedor) em torno de uma ampla negociação da dívida, especialmente quando a parte vulnerável é o devedor (microempresário ou empresário de pequeno porte) torna-se necessário que a assimetria seja reduzida por meio de previsões legais de caráter vinculante, isto é, compulsoriamente aplicadas às partes, submetendo-as a determinadas condições (que só a clareza e a transparência da Lei podem proporcionar) diante da prova inconteste do preenchimento de pressupostos objetivos, notadamente a demonstração do 333 potencial de recuperabilidade, a fim de garantir a superação da crise e a manutenção da empresa. Aliás, a clareza e a transparência da Lei conferem um adequado nível de previsibilidade ao mercado, de maneira que o empresário em crise e seus credores sabem, de antemão, quais caminhos podem ser utilizados pelo devedor e, por conseguinte, quais os limites dos prejuízos a serem suportados em caso de uma recuperação judicial da empresa. 5.2.3.1. O refinanciamento das dívidas das microempresas e das empresas de pequeno porte como meio de recuperação da empresa. Diante dos problemas apontados, propõe-se, portanto, que em face da demonstração objetiva das condições jurídicas e econômicas para recuperação judicial das microempresas e das empresas de pequeno porte, cujo plano especial 325 contemple modificação nas condições originalmente contratadas para pagamento, o juiz conceda a recuperação judicial da empresa e, por conseguinte, vincule o devedor e seus credores a um cronograma escalonado de pagamentos, como decorrência da pura e simples previsão legal, afastando-se, assim, o caráter negocial do plano especial. Seria fundamental, portanto, que a aprovação das medidas de refinanciamento das dívidas e a capitalização das microempresas e empresas de 325 Mantendo-se a possibilidade do microempresário ou do empresário pequeno porte livremente optar pelo regime ordinário de recuperação, cujo respectivo plano pudesse estabelecer outros meios de recuperação da empresa, que, nesse caso, poderiam ser aprovados por simples deliberação majoritária dos credores, já que isso não implicaria na imprevisível supressão do crédito, evidenciando-se, portanto, a natureza verdadeiramente negocial do regime. 334 pequeno porte como meio de superação da crise não dependesse de um acordo de vontades entre os microempresários ou os empresários de pequeno porte e seus respectivos credores, em virtude da assimetria de posições econômicas e consequente desvantagem negocial de tais microempresários ou os empresários de pequeno porte. Assim, dada a presunção de vulnerabilidade dos microempresários e empresários de pequeno porte perante os seus credores negociais, o plano especial, deveria trazer previsão de pagamento no prazo de até cem parcelas mensais e sucessivas, seguindo condições semelhantes ao regime de parcelamento de débitos tributários, de maneira que nos anos iniciais o valor pago fosse pequeno e sofra elevações até a quitação final e definitiva dos débitos. No tocante aos débitos tributários de empresa em recuperação judicial, a Lei 13.043, de 13 de novembro de 2014, prevê condições fixas de parcelamento em 84 (oitenta e quatro) prestações mensais e consecutivas, calculadas observando-se os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada: I - da 1ª à 12ª prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento); II da 13ª à 24ª prestação: 1% (um por cento); III - da 25ª à 83ª prestação: 1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento); e IV - 84ª prestação: saldo devedor remanescente. Ocorre que em se tratando de microempresas e empresas de pequeno porte, os prazos para parcelamento dos débitos tributários serão 20% (vinte por cento) 335 superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas 326, atingindo-se, portanto, o prazo total de cem meses, que seria, segundo proposta de alterção legislativa lançada na presente tese, idêntico para os créditos negociais submetidos ao regime de recuperação judicial. Ademais, o regime especial de recuperação das microempresas e empresas de pequeno porte, no tocante ao parcelamento dos débitos submetidos ao respectivo plano, deveria estabelecer, como regra, a não incidência de juros sobre o saldo devedor, a ser pago em até cem meses. A desoneração é significativa, especialmente porque, no Brasil, as taxas de juros, sobretudo cobradas das microempresas e empresas de pequeno porte por instituições financeiras, costuma ter patamares elevados327. Com efeito, a não incidência dos juros que aqui se propõe, além de adequada em se tratando de microempresas e empresas de pequeno porte, tampouco é desarrozoada, pois, no regime falimentar em vigor, não são exigíveis da massa 326 Lei 11.101/2005. Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de o recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei n 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional. Parágrafo único. As microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% (vinte por cento) superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas. 327 Segundo informaçãoes divulgadas pelo Banco Central do Brasil em 23.9.2015, a taxa média de juros das operações de crédito do sistema financeiro, computadas as contratações com recursos livres e direcionados, atingiu 29% a.a. em agosto, após elevações de 0,6 p.p. no mês e 5 p.p. em doze meses. O custo médio situou-se em 45,3% a.a. no crédito livre (+1 p.p. no mês e +8,3 p.p. em doze meses) e em 10,2% a.a. no crédito direcionado (+0,1 p.p. e +2,1 p.p.). Nos empréstimos às empresas, a taxa média de juros alcançou 20,3% a.a. (+0,5 p.p. no mês e +3,9 p.p. em doze meses). Nas contratações com recursos livres, a taxa avançou 0,5 p.p. no mês, ao atingir 28,5% a.a., refletindo, principalmente, elevações no custo médio em capital de giro (+1,1 p.p.) e conta garantida (+0,7 p.p.). No crédito direcionado às empresas, a taxa média alcançou 10,6% a.a., após aumento mensal de 0,4 p.p. Informação disponível em: http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM. Consulta em: 16/10/2015. 336 falida os juros vencidos após a decretação da falência328, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados329, incidindo, sobre o principal devido, apenas e tão somente a correção monetária330, que, por não acarretar propriamente um acréscimo à dívida, constitui mera recomposição do poder aquisitivo da moeda naturalmente corroído pela inflação, observando-se, para tanto, os índices oficiais que refletem a variação de um conjunto de preços em determinados períodos. Logo, se na hipótese de decretação de falência, os credores não receberiam o acréscimo atinente aos juros sobre o principal 331 devido – principal esse cuja satisfação é duvidosa, pois depende tão somente da disponibilidade de recursos da massa falida, em se tratando de recuperação judicial é ainda mais lógica a não incidência de tais acessórios, já que a empresa estará em efetivo funcionamento, com maior probabilidade de satisfação da dívida. 328 Lei 11.101/2005. “Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados. Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem a garantia.” 329 Os créditos subordinados constituem a última classe de credores a ser satisfeita no regime falimentar. Segundo o artigo 83, VIII, da Lei 11.101/2005, são créditos subordinados: a) os assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício. 330 Segundo a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "É entendimento consolidado da Corte que a evolução dos fatos econômicos tornou insustentável a não-incidência da correção monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo-se ela imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena realização dos danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações" (REsp n. 247.685/AC. Relator Ministro: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Decisão em: 5.6.2000). 331 Corrigido monetariamente com base em um índice oficial de inflação (INPC/IBGE). 337 Por outro lado, no tocante à redução do passivo, caberia a Lei estabelecer previsão, no sentido de admitir o deságio dos créditos quirografários ou ordinários no percentual de até 49,0%. É que se houvesse a decretação de falência, o regimentar brasileiro em vigor prevê, no artigo 158, inciso II, da Lei 11.101/2005, que constitui causa de declaração de extinção do passivo, “o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo”. Ante o exposto, constata-se que tanto a proposta de não incidência de juros sobre os débitos submetidos ao regime especial de recuperação, como a proposta de deságio incidente sobre os créditos quirografários, não colocaria os credores em condição inferior aquela que a falência lhes reserva. Pelo contrário: haveria um potencial maior de recebimento efetivo do crédito, uma vez que a microempresa ou a empresa de pequeno porte, estando submetida ao regime especial de receperação, estaria em efetivo funcionamento, com potencial capacidade de geração de renda, ao passo que a falência, no modelo atual, é marcada pela liquidação dos bens da empresa e pela provável a extinção da atividade econômica. 338 Some-se a isso que a falência, no modelo atual, constitui procedimento moroso, ou seja, com elevado tempo de tramitação judicial, e que proporciona baixa capacidade de recebimento do crédito submetido ao concurso de credores. A propósito, na já referida pesquisa denominada Doing Business 2015, que estabelece relevante comparação entre 189 países, classificando as respectivas economias pelo grau de facilidade de se fazer negócios, foi detectado que o tempo médio de um processo falimentar no Brasil é de quatro anos, considerando-se uma taxa de recuperação de apenas 25,8%. Resolução de Insolvência no Brasil - Doing Business 2015332 A simples análise comparativa do dado “taxa de recuperação”, partindo da perspectiva brasileira333 (taxa de 25,8), passando pelos países da América Latina e Caribe (taxa de 36,0), e chegando aos países da OCDE (taxa de 71,9), mostra a necessidade de introduzir urgente modificação na legislação brasileira, pois o regime 332 Disponível em: http://portugues.doingbusiness.org/data/exploreeconomies/brazil#resolvinginsolvency. Consulta em: 04/10/2015. 333 O Estado de São Paulo foi utilizado como referência para a pesquisa. 339 falimentar, cujo viés é predominantemente liquidatário, não atende, obviamente, ao interesse do devedor empresário, e tampouco dos credores, que suportam perdas significativas, já que recupera-se apenas 25,8% dos créditos submetidos ao concurso. 5.2.3.2. A capitalização das microempresas e das empresas de pequeno porte como elemento concretizador da recuperação da empresa. Para além do refinanciamento das dívidas acumuladas pelas microempresas e das empresas de pequeno porte submetidas ao regime especial de recuperação judicial, é igualmente urgente a criação de mecanismos que estimulem a capitalização de tais empresas, trazendo “dinheiro novo” (fresh money) para a consecução das atividades econômicas, permitindo, assim, a efetiva superação da crise e a solução do passivo constituído. De acordo com a Lei 11.101/2005, verifica-se que a única previsão legal voltada ao incentivo para capitalização das empresas em recuperação judicial, independentemente de serem ou não microempresas e das empresas de pequeno Porte, está contida no artigo 67, a saber: “Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, 340 respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei. Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação.” Não há dúvida de que “quien concede crédito para eludir el concurso merece ser objeto de una protección especial en tanto en cuanto permite con los nuevos ingresos facilitados la sostenibilidad de la empresa y el mantenimiento del empleo”334, razão pela qual atribuir natureza extraconcursal aos créditos constituídos durante a recuperação, bem como conceder privilégio geral aos créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, é providência minimamente necessária à capitalização da empresa. 334 ALONSO LEDESMA, Carmen. Refinanciación y reestructuración: la posición de las entidades de crédito. XXXII Jornadas de Estudio de la Abogacía del Estado sobre la legislación concursal: respuestas jurídicas para una crisis. Disponível em: http://www.mjusticia.gob.es/cs/Satellite/Portal/1292348287413?blobheader=application%2Fpdf&blobh eadername1=Content-Disposition&blobheadervalue1=attachment%3B+filename%3D Ponencia_de_Carmen_Alonso_Ledesma.PDF. Consulta em: 17/10/2015. 341 Porém, tal medida, embora necessária, não é suficiente para estimular à capitalização das empresas em recuperação, sobretudo em se tratando de microempresas e das empresas de pequeno porte, cujo acesso ao crédito não costuma ser fácil, ainda mais quando se encontra em estado de crise. Com efeito, é fundamental que a capitalização das microempresas e das empresas de pequeno porte possa ocorrer, por meio de investidores, inclusive estrangeiros, que vislumbrem potencial de crescimento empresarial, mas que, por outro lado, possam contar com mecanismos de proteção patrimonial em caso de decretação de falência. Nesse sentido, revela-se útil estabelecer a completa separação patrimonial entre os bens da recuperanda e esses novos ativos, notadamente quanto aos recursos aportados pelos investidores na Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte submetida ao regime de recuperação judicial. Dita separação pode ser alcançada por meio da constituição de uma Sociedade de Propósito Específico, que concentraria o “dinheiro novo” (fresh money) e seria a titular dos novos ativos. A formação do capital seria feita por meio da injeção de recursos e transferência de bens corpóreos e incorpóreos por parte dos credores, inclusive os empregados da Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte, mas principalmente por terceiros investidores. Adotando a forma de 342 sociedade anônima, permitiria a aquisição de ações ou debêntures por investidores, seja diretamente, seja por meio dos chamados fundos de investimento. Em matéria de fundos de investimento, o Brasil conta com um setor do mercado de capitais denominado de Private Equity e Venture Capital, que congrega intermediários financeiros especializados em selecionar empresas que, embora não façam parte da bolsa de valores, possuem bons negócios, com elevada expectativa de crescimento. A atividade de Private Equity e Venture Capital se apresenta como uma alternativa viável ao financiamento tradicional, obtido por meio de bancos. Gestores de Private Equity e Venture Capital são agentes mais adaptados para mitigar o risco associado ao investimento em empresas com pouco ou nenhum histórico financeiro e poucos ativos tangíveis que possam constituir-se como garantia real335. Portanto, esse “dinheiro novo” (fresh money), assim como os demais ativos que seriam destinados à expansão da atividade econômica, constituiriam patrimônio em separado e não poderiam ser atingidos pela eventual convolação em falência da Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte em recuperação judicial. Ademais, os investidores – participantes da Sociedade de Propósito Específico – estariam imunes ao eventual risco de alcance dos seus bens em 335 LIMA RIBEIRO, Leonardo de; TIRONI,Luís Fernando. Ativos intangíveis: avaliação e mensuração no contexto de private equity e venture capital. Texto para discussão no. 1280. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2007. 343 decorrência da eventual falência da Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte em recuperação judicial. Dentro desse contexto, a Sociedade de Propósito Específico – cujo prazo de duração coincidira com o período da recuperação judicial, diante da paulatina evolução da Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte, com o consequente – e esperado – resultado positivo, asseguraria, periodicamente, o recebimento de um percentual do lucro pelos investidores, bem como, opcionalmente, permitiria que, finda a recuperação judicial, fosse possível converter os recursos aportados em frações do capital da Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte. Porém, até que sejam incorporadas as alterações legislativas nos termos propostos na presente tese, resta ao microempresário ou o empresário de pequeno porte que constate a inviabilidade do plano especial de recuperação judicial em vigor, utilizar o regime ordinário, reservado aos empresários em geral e legalmente estruturado a partir de uma visão das grandes ou macroempresas. 5.2.4. A “opção” do microempresário ou do empresário de pequeno porte pelo regime ordinário de recuperação judicial diante da ineficiência do regime especial vigente: por uma tentativa de solução negocial quanto aos créditos privados. Caso o microempresário ou o empresário de pequeno porte constate que os termos e condições previstos na Lei 11.101/2005, no tocante ao plano especial, 344 sejam ineficientes para possibilitar a superação da crise336, outra opção não lhe restará senão buscar, por meio do regime ordinário de recuperação judicial, uma solução negocial com os credores. Isso significa que, demonstrando os pressupostos anterimentes expostos, o microempresário ou o empresário de pequeno porte deverá elaborar um plano (ordinário) de recuperação, o qual conterá a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados, meios esses que estão relacionados de forma exemplificativa no artigo 50 da Lei 11.101/2005 337, cabendo ao devedor, no mesmo 336 E tal como visto, o regime legal vigente (plano especial de recuperação judicial) é, pelas razões anteriormente expostas, manifestamente ineficiente para superar a crise da Microempresa ou da Empresa de Pequeno Porte. 337 Lei 11.101/2005. “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.” 345 documento, demonstrar a viabilidade338 econômica da proposta e consequentemente da manutenção da empresa, bem como apresentar um laudo econômico-financeiro e de avaliação dos respectivos bens e ativos, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Admitindo-se que o juiz tenha deferido o processamento da recuperação judicial da empresa, caberá ao devedor empresário que a requereu, apresentar um plano de recuperação, no prazo máximo de sessenta dias, conforme prevê o já mencionado artigo 53 da Lei 11.101/2005. Uma vez entregue o plano de recuperação da empresa em juízo, qualquer credor que esteja submetido ao regime da recuperação e cujo crédito tenha sido objeto de verificação pelo administrador judicial, conforme acima mencionado, poderá manifestar ao juiz sua objeção. Porém, não competirá ao juiz decidir acerca da objeção apresentada pelo credor ou credores, cabendo-lhe, no regime ordinário da recuperação judicial, convocar a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. 338 Para Rachel Sztajn, viabilidade significa exequibilidade, possibilidade de êxito, de pagamento das obrigações, de um lado, e de manutenção das operações por logo prazo, de outro. SZTAJN, R.: op. cit., Da Recuperação judicial. “in” SOUZA JÚNIOR, Francisco Sátiro; A. DE MORAES PITOMBO, Antônio Sérgio. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 – artigo por artigo, pág. 229. 346 Vale dizer que a assembleia-geral será organizada339 em quatro grupos de credores, a saber: (i) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; (ii) titulares de créditos com garantia real; (iii) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; (iv) titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores acima mencionadas deverão aprovar a proposta por maioria de votos, que serão computados de acordo com o seguinte critério: nas classes dos (ii) titulares de créditos com garantia real e dos (iii) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. Já nas classes dos (i) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho e (iv) titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. Indubitavelmente, o regime brasileiro de recuperação judicial da empresa, com base em plano ordinário, constitui um momento destinado à abertura de negociações entre o devedor em crise e os seus credores340 privados. Se houver manifestação favorável da maioria dos credores presentes à assembleia-geral, o juiz 339 Conforme o artigo 41 da Lei 11.101/2005. ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 246. 340 347 poderá conceder a recuperação judicial, devendo, porém, exercer o controle de legalidade do plano de recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica341 que deverá ser exercido pelos credores. Esse controle da legalidade poderá ser feito de ofício pelo juiz ou mediante provocação de qualquer interessado, aí incluído o Ministério Público e até terceiros não abrangidos pelo regime da recuperação judicial, mas que tenha sido, de alguma maneira, afetados pelas condições do plano, a exemplo da Fazenda Pública 342. Note-se, porém, que mesmo na hipótese de não serem alcançados os votos necessários à aprovação do plano, o juiz, com base na Lei 11.101/2005, em seu artigo 58, parágrafo 1º, interferirá diretamente na relação privada, podendo conceder a recuperação judicial, mediante decisão supressiva da vontade dos credores, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: (i) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; (ii) a aprovação de duas das classes de credores ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas; (iii) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores. 341 Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.359.311 - SP (2012⁄0046844-8). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 09 de setembro de 2014. No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.314.209 - SP (2012⁄0053130-7). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 22 de maio de 2012. 342 MAMEDE, Gladstone. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. IV. 6ª. ed. São Paulo: Atlas, 2014, pág. 173. 348 Criou o artigo 58, parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005, um quórum alternativo para concessão da recuperação judicial. Porém, apenas excepcionalmente, ou seja, não sendo obtido o quórum mínimo necessário para aprovação regular do plano pelos credores – na forma prevista nos artigos anteriormente mencionados – e desde que presentes os pressupostos legais acima enumerados, é que poderá o juiz conceder a recuperação judicial, com fundamento no citado artigo 58, parágrafo 1º. Ressalte-se que a viabilização dessa hipótese (prevista no artigo 58, parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005) exige que o plano não implique concessão de tratamento diferenciado aos credores - integrantes de uma mesma classe - que tenham rejeitado a proposta, conforme prevê o artigo 58, parágrafo 2º, da Lei 11.101/2005343. Nesse caso, supera-se o caráter negociação da recuperação pelo poder do juiz, que a concederá diante da demonstração do atendimento dos requisitos legais, ainda que os credores não tenham deliberado favoravelmente. Segundo MAMEDE344, afora essa licença extraordinária, não se outorgou ao juiz qualquer poder de, contrariando a deliberação majoritária dos credores, conceder a recuperação judicial do empresário. 343 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.388.051 - GO (2013⁄0169896-0). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 10 de setembro de 2013. 344 MAMEDE, G.: op. cit., Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. IV, pág. 173. 349 Denota-se que ao entregar aos credores a tarefa de decidir sobre a viabilidade ou inviabilidade da proposta apresentada pelo devedor empresário, optou o legislador pela chamada solução de mercado, fazendo com que o regime de recuperação da empresa assuma um caráter negocial (entre o devedor empresário e os credores submetidos ao plano de recuperação). Por isso, é possível dizer que o plano de recuperação é um negócio de cooperação celebrado entre devedores e credores, submetido à homologação do juiz. No que diz respeito ao negócio de cooperação, assemelha-se ao contrato plurilateral345; no que se refere à homologação judicial, pode-se considerar o meio pelo qual o negócio de cooperação fica revestido de legalidade 346. De fato, aplicam-se às tratativas referentes à aprovação do plano de recuperação o princípio da liberdade contratual, decorrente da autonomia da vontade. São apenas episódicos - e pontuais, com motivos bem delineados - os aspectos previstos em lei em que é dado ao Estado intervir na avença levada a efeito entre devedor e credores347. Têm-se, como exemplos, as seguintes hipóteses de ingerência legal na seara negocial do plano de recuperação: (a) que o plano não preveja "prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da 345 MELLO FRANCO, Vera Helena; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise: comparação com as posições do direito europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, pág. 234. 346 Em semelhantes termos: “A recuperação judicial é um acordo coletivo, cabendo ao Judiciário controlar essa transação judicial coletiva e, enfim, homologá-la, se não há vícios, ou seja, se não atenta contra a Constituição da República, aos princípios jurídicos e às leis vigentes no país. (MAMEDE, G., op. cit., Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. IV, pág. 173.). 347 Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1.359.311 - SP (2012⁄0046844-8). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 09 de setembro de 2014. 350 legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial", ou "prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial"348. Assim é que, diante das hipóteses acima analisadas, abre-se, em princípio, a possibilidade de concessão da recuperação judicial, cujo plano implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos349, inclusive aqueles que tenham apresentado objeções à proposta, porém foram vencidos pela maioria. A verdade é que não obstante o crédito privado - submetido ao regime da recuperação judicial - ostentar natureza de direito disponível, relativiza-se o fato de que essa disponibilidade constitui um direito individual do credor. Ocorre que o modelo coletivista estabelecido na Lei 11.101/2005 submete todos os credores às condições do plano aprovado, inclusive os eventuais dissidentes, não lhes sendo dada a oportunidade de exigir o crédito nas condições originárias caso a vontade da maioria prevaleça, já que uma vez aprovado o plano ocorrerá a novação da dívida. Na realidade, o direito individual ao crédito é suprimido pela manifestação da maioria, o que, em termos práticos, significa a socialização dos riscos da atividade 348 349 Conforme o artigo 54 da Lei 11.101/2005. Conforme o artigo 59 da Lei 11.101/2005. 351 econômica desenvolvida pelo devedor empresário em recuperação judicial, retirando, em certo sentido, o autêntico caráter negocial do regime e, sem dúvida, relativizando a autonomia da vontade que deve permear os pactos privados. Esta superação do princípio da relatividade contratual, também está presente no modelo concursal espanhol, conforme registra a professora PULGAR EZQUERRA350 quando afirma que “[…] Esta superación del principio de relatividad contractual, en el modelo español, puede acontecer incluso respecto de acreedores titulares de pasivo financiero dotado de garantía real, no sólo hasta donde no alcance la garantía, ámbito en el que serían equiparables a los acreedores ordinarios, sino también incluso respecto de donde ésta alcance, con arreglo a un criterio de valoración de la garantía establecido en la DA 4ª.2 LC.”. O problema é que, pelo menos dentre da realidade brasileira, não é possível ignorar o fato de que as negociações estabelecidas no âmbito da assembleia-geral de credores não são marcadas pela cooperação entre os credores, mas sim pela atuação individualista, considerando a existência, em regra, de interesses muito conflitantes e divergentes351, que podem provocar distorções no regime de recuperação judicial, levando à aprovação de planos de empresas que não possuem 350 PULGAR EZQUERRA, Juana. El nuevo paradigma concursal europeo y su incorporación al derecho español. En: Estudios sobre el futuro Código Mercantil: libro homenaje al profesor Rafael Illescas Ortiz. Getafe: Universidad Carlos III de Madrid, 2015, pp. 253-268. ISBN 978-84-89315-79-2. Disponível em: http://earchivo.uc3m.es/bitstream/handle/10016/21082/paradigma_pulgarezquerra_RIO_2015.pdf?sequence =1. Consulta em: 13/10/2015. 351 Conforme observam CASTELAR PINHEIRO, A.; SADDI, J.: op. cit., pág. 218. 352 efetivas condições de soerguimento e a rejeição de plano de empresas potencialmente recuperáveis. O certo é que nem sempre os credores se movem por critérios objetivos. Em última análise, pode acontecer que optem pela aprovação do plano de recuperação mesmo quando a empresa não seja economicamente viável e que, inversamente, recusem a recuperação, a despeito da viabilidade econômica da empresa. Conforme SERRA352, ambas as situações contrariam os interesses públicos que estão na base dos regimes de resolução da crise das empresas e, em particular, os interesses subjacentes ao primado da recuperação. Ninguém pode negar que a indevida manutenção de empresas inviáveis, à custa de um sacrifício demasiado dos credores, pode gerar uma repercussão profundamente negativa no cumprimento de obrigações assumidas por esses mesmos credores perante terceiros (bancos, fornecedores de matéria-prima, empregados e o próprio Estado no tocante aos créditos tributários), afetando toda a cadeia produtiva. Por sua vez, impedir que empresas recuperáveis alcancem a aprovação do plano de recuperação, mediante aprovação da assembleia-geral de credores e 352 SERRA, C.: op. cit., pág. 82. 353 possam utilizar os meio adequados para superação da crise e fato igualmente negativo. Significa que, quanto maior (ou menor) for o poder de “convencimento” do empresário em recuperação em relação aos credores submetidos ao regime, maior (ou menor) será a possibilidade de obter a aprovação do plano de recuperação na assembleia-geral. Conforme foi anteriormente assinalado, o volume de crédito destinado às microempresas e às empresas de pequeno porte é significativamente pequeno, em termos comparativos, ao destinado as grandes ou macroempresas. E se esses pequenos volumes de crédito destinado para as microempresas e empresas de pequeno porte estiverem concentrados nas mãos de grandes credores, como instituições financeiras e grandes fornecedores de insumos, a conclusão é a seguinte: se o prejuízo é diminuto quanto ao crédito concedido às microempresas e às empresas de pequeno porte em recuperação, menor será a disposição negocial desses grandes credores para aceitarem as condições de pagamento previstas um plano (ordinário) de recuperação, cuja aprovação depende substancialmente da manifestação favorável desses maiores credores. Não por outra razão é que a presente tese sustenta a necessidade de um profundo aperfeiçoamento do plano especial de recuperação das microempresas e empresas de pequeno porte em crise, cuja concessão do regime dependeria 354 objetivamente do preenchimento dos pressupostos legais respectivos, reservando aos credores a possibilidade de apresentarem objeções apenas e tão somente relacionadas à eventual inobservância de tais pressupostos. Assim, a construção de uma solução negocial para a crise ficaria reservada as grandes ou macroempresas que têm um maior poder de “convencimento” em relação aos credores - especialmente os maiores - submetidos ao regime de recuperação judicial. Note-se que ainda assim, ou seja, mesmos em se tratando de grandes credores e de grandes devedores em recuperação, vale ressaltar que, quando o plano de recuperação da empresa envolvesse reduções do débito e alongamento dos prazos para pagamento, seria necessário demarcar certos limites mínimos. Nesse sentido, poderia o legislador estabelecer que critérios de pagamento, considerando percentuais máximos admissíveis para redução da dívida combinados com prazos máximos de resgate. É que a alteração nas condições originais de pagamento de débitos regularmente constituídos em virtude da atividade econômica, mediante a supressão da vontade por meio de decisão majoritária dos credores, de forma desmedida e sem critérios minimamente delineados pela Lei de regência, vinculando todos os credores a uma só condição, embora alguns não a desejassem, submete a relação contratual a um incalculável e imprevisível grau de incerteza. 355 Certo é que, uma vez definidas na Lei as condições de pagamento dos débitos em caso de recuperação judicial, os credores, no momento da contratação do financiamento, da venda à prazo, da locação, enfim, da relação contratual que envolvesse a concessão de crédito, poderia projetar os riscos de uma eventual crise empresarial do devedor, tendo em conta certos limites de perdas previamente calculadas. Haveria, sem dúvida, mais transparência e maior previsibilidade no regime. Não obstante, o caráter negocial da recuperação judicial ainda assim poderia estar presente. Para tanto, bastaria compatibilizar a fixação de tais critérios legalmente definidos com a possibilidade do devedor, dentro do prazo demarcado para satisfação das dívidas, diante da disponibilidade de recusos comprovada pelo administrador judicial, oferecer, em um leilão, aos credores de determinadas classes, em idênticas condições e oportunidades, a antecipação de pagamentos para quem estivesse disposto a suportar uma redução do crédito em patamares superiores aos fixados pela Lei. Assim, dentro desse ambiente negocial, quem estivesse disposto a suportar uma perda superior aquela estabelecida no texto legal, poderia participar desse leilão e assegurar o recebimento antecipado do respectivo crédito. Com efeito, não significa que a aprovação do plano de recuperação judicial da empresa com base em deliberação majoritária dos credores seja incompatível com todos os meios de recuperação da empresa e consequente superação da crise. Quando, por exemplo, o plano envolva a venda de ativos ou a mudança do regime de administração da empresa, a decisão da maioria pode e deve ser respeitada. 356 5.2.5. Repercussões negativas da recuperação judicial da empresa para o crédito tributário e a necessidade de resguardar a sua indisponibilidade e respeitar a inderrogabilidade da obrigação tributária. 5.2.5.1. O problema do esvaziamento da coercibilidade da execução fiscal e a necessidade de aplicar a expressa prevista legal que disciplina a matéria. É bem verdade que o crédito tributário não integra o regime de recuperação judicial, uma vez que o artigo 187 do Código Tributário Nacional estabelece que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores, porquanto não pode ser atingido pelas condições previstas no plano aprovado, sobretudo porque o Estado não pode renunciar ao crédito tributário, nem transmiti-lo a um terceiro, ainda que onerosamente, nem tampouco pode ser atingido por novações pactuadas pelo devedor e os demais credores353. Nesse sentido, de acordo com o Código Tributário Nacional, em seu artigo 141, “o crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.” 353 Conforme CALVO ORTEGA: “Frente a la regla general de la novación em las obligaciones privadas (modificación de la prestación, substituición del deudor o subrogación en la situación del acreedor) el Derecho Tributario ofrece como principio la indisponibilidad de las situaciones subjetivas tanto en la prestación propriamente dicha como en los sujetos acreedor y deudor.” (CALVO ORTEGA, Rafael. Curso de derecho financiero. 14ª. ed. MADRID: Civitas, 2010, pág. 78.). 357 Como se pode facilmente observar, trata-se de uma característica que diferencia nitidamente o regime da obrigação tributária das obrigações de caráter privado, as quais têm fundamento no Código Civil e na legislação correlata. A explicação dessa forma de ser da obrigação tributária radica na presença do interesse público a cujo serviço deve atuar a administração. Nas palavras de PÉREZ ROYO354, “la Ley demanda a la Administración, no simplesmente que cobre el tributo, sino que lo haga precisamente de aquel que aparece fijado en la própria Ley. Los pactos que los particulares hagan al respecto tienen un alcance meramente privado, sin repercusión en la relación jurídica tributária.”. Certo é que a indisponibilidade do crédito tributário encontra expressa previsão na Ley General Tributária espanhola (Ley 58/2003, de 17 de diciembre), que, em seu artículo 18, estabelece que “el crédito tributario es indisponible salvo que la ley establezca otra cosa.” Constata-se, portanto, que a indisponibilidade do crédito tributário encontra expressa previsão legal, tanto no Brasil como na Espanha. O grande problema é que apesar da expressa previsão contida no artigo 6º., § 7o, da Lei 11.101/2005, no sentido de que “as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”, de acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito da 354 PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho financiero y tributario. Parte general. 19ª. ed. Madrid: 2009, pág. 135. 358 Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça355 e reiterado em diversos julgamentos356, embora o deferimento do processamento da recuperação judicial não tenha, por si só, o condão de suspender as execuções fiscais, na dicção do art. 6º, § 7º, da Lei n. 11.101/05, a pretensão constritiva direcionada ao patrimônio da empresa em recuperação judicial deve, sim, ser submetida à análise do juízo perante o qual tramita o pedido de recuperação judicial (que não se confunde com o juízo em que se processa a ação de execução movida pela Fazenda Pública), sob o argumento da preservação da empresa. E mais: de acordo com o entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça357, “embora a execução fiscal não se suspenda em razão do deferimento da recuperação judicial da empresa executada, são vedados atos judiciais que importem na redução do patrimônio da empresa ou excluam parte dele 355 Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Agravo Regimental no conflito de competência nº 136.040 - GO (2014⁄0240987-0). Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador: Segunda Seção. Data do Julgamento: 13 de maio de 2015. 356 Precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: EDcl no REsp 1.505.290/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 22/05/2015; AgRg no CC 136.040/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 19/05/2015; AgRg no REsp 1.519.405/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 06/05/2015; AgRg no CC 133.509/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/03/2015, DJe 06/04/2015; AgRg no CC 138836/SC, Rel. Min- istro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/03/2015, DJe 30/03/2015; AgRg no CC 129.079/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 19/03/2015; EDcl nos EDcl no CC 128.618/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 16/03/2015; AgRg no REsp 1.462.032/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 12/02/2015; AgRg no CC 124.052/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2014, DJe 18/11/2014; AgRg no REsp 1.462.017/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 12/11/2014. (VIDE INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA N. 472 e 451). 357 Conforme decisões proferedidas nos seguintes recursos: AgRg no CC 129.622/ES, Segunda Seção, Rel.Ministro Raul Araújo, DJe 29/09/2014; AgRg no CC 125.205/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, DJe 03/03/2015; AgRg no Resp 1.462.032/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dje 12/02/2015; AgRg no REsp 1.453.496/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 29/09/2014; EDcl no AgRg no CC 132.094/AM, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, DJe 16/12/2014. 359 do processo de recuperação, sob pena de comprometer, de forma significativa, o seguimento desta.” 358. Isso tem trazido inegável prejuízo ao Estado, pois embora esteja assegurada a continuidade da ação de execução movida pela Fazenda com o propósito de compelir o devedor empresário a pagar os tributos e contribuições inadimplidas, especialmente em decorrência do efetivo exercício da atividade econômica que envolve a produção e/ou circulação de bens ou serviços, caso não ocorra a respectiva quitação, a coercitividade desta ação de execução fica completamente esvaziada, dada a impossibilidade de serem alcançados os bens de valor equivalente à soma devida. Nota-se que as decisões em comento estão fundamentadas na falsa premissa de que a função social da empresa pode ignorar o interesse dos credores. Tal como acima exposto, a função social da empresa, justificadora da manutenção da atividade produtiva, só será plenamente preenchida se houver equilíbrio entre os interesses do devedor empresário e dos credores, ainda que sejam consideradas na busca desse equilíbrio - as condições de vulnerabilidade dos microempresários e empresários de pequeno porte e a necessidade de submetê-los a um tratamento favorecido e diferenciado. Aliás, o referido artigo 47359 da Lei 11.101/2005, ao tratar da recuperação judicial, colocou expressamente em relevo o interesse dos credores, razão pela qual 358 Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Embargos de Declaração no Recurso Especial Nº 1.505.290 - MG (2014⁄0267904-0). Relator: Ministro Herman Benjamin. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 28 de abril de 2015. 360 se o devedor empresário não tiver condições patrimoniais para assegurar a satisfação dos créditos vencidos360 é porque se mostra duvidosa a viabilidade da empresa, razão pela qual a decretação da falência, com o consequente afastamento do respectivo(s) titular(es) do comando da empresa, pode evitar o agravamento do prejuízo aos credores, inclusive de natureza tributária, e permitir que os bens de produção possam ser utilizados com mais eficiência por terceiros. Vale dizer que a eventual decretação da falência do devedor não ocasiona, necessariamente, a extinção da atividade econômica de caráter empresarial. Isso porque, caso ocorra a aquisição em bloco dos meios de produção que eram utilizados pelo falido, o terceiro adquirente poderá empregá-los na exploração de atividade idêntica ou semelhante, de forma eficiente; permitindo, assim, o efetivo alcance da função social da empresa. O problema é que, conforme acima exposto, não tem sido esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que busca assegurar a continuidade de empresas, muitas vezes irrecuperáveis, à custa de um sacrifício desproporcional dos credores, especialmente o credor tributário. Diante da consolidação desse entendimento equivocado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e a improvável mudança por parte da Corte, a solução para o problema também é alterar a Lei 11.101/2005, estabelecendo de forma clara 359 Lei 11.101/2005. “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (original sem destaques). 360 Sobretudo porque em se tratando de crédito tributário, o SIMPLES Nacional já reserva aos microempresários e empresários de pequeno porte condições diferenciadas em matéria de simplificação e desoneração tributária. 361 e precisa que os bens e direitos do devedor empresário em recuperação judicial podem ser alcançados pela Fazenda para satisfazer os eventuais débitos, salvo se houver adesão ao regime legal de parcelamento dos débitos tributários, sem prejuízo, é claro, do exercício pleno do direito de defesa por parte do devedor empresário. 5.2.5.2. Dispensa da prova de pagamento ou parcelamento dos débitos tributários como requisito imprescindível para a concessão da recuperação judicial: crítica ao posicionamento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça Conforme acima exposto, é grave o problema decorrente da construção jurisprudencial que impede a Fazenda de alcançar, mediante ação judicial de execução fiscal, os bens integrantes do patrimônio do devedor empresário em recueperação judicial, sob o argumento da preservação da empresa. Poder-se-ia ponderar, porém, que, de acordo com o procedimento instituído pela Lei 11.101/2005, a aprovação do plano deve ocorrer, em regra, dentro do prazo de até cento e oitenta dias a contar da decisão de processamento e, além disso, a efetiva concessão da recuperação judicial da empresa ficaria na dependência da comprovação da regularidade tributária do empresário requerente, mediante a apresentação das respectivas certidões negativas de débitos tributários ou certidões positivas com efeito negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do débito, pois conforme prevê o artigo 57 da Lei 11.101/2005: 362 “Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151361, 205362, 206363 da 361 Código Tributário Nacional. “Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora: I - com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele; II - sem imposição de penalidade, nos demais casos. Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a concessão da moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do direito à cobrança do crédito; no caso do inciso II deste artigo, a revogação só pode ocorrer antes de prescrito o referido direito. Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001) o § 1 Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001) § 2o Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001) § 3o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) § 4o A inexistência da lei específica a que se refere o § 3o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005).”. 362 Código Tributário Nacional. “Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.”. 363 Código Tributário Nacional. “Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”. 363 Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.” Dentro dessa perspectiva, ainda que estivessem presentes os respectivos pressupostos, somente se houvesse a comprovação do regular pagamento dos tributos e contribuições devidos - por empresário ou sociedade empresária requerente - é que poderia ser concedida a recuperação judicial da empresa pleiteada. Prosseguindo nessa linha de raciocínio, na ausência da regularidade tributária, não seria possível conceder a recuperação judicial e o juiz decretaria a falência. Não se pode e nem se deve afirmar que na hipótese de falência, o crédito tributário estaria assegurado. Claro que não estará. Porém, surpreendentemente, talvez a falência apresente uma maior probabilidade de satisfação do crédito tributário do que a concessão da recuperação judicial. A despeito da expressa previsão contida no citado artigo 57 da Lei 11.101/2005, no sentido de que após a anexação do plano ao processo de recuperação judicial aprovado nos termos previstos na mesma lei, o devedorempresário requerente, individual ou coletivamente considerado, deverá apresentar as certidões negativas de débitos tributários ou certidões positivas com efeito negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do débito, essa exigência tem sido desprezada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que tem se pronunciado sobre o tema nos seguintes termos: 364 “A APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS FISCAIS PELO CONTRIBUINTE NÃO É CONDIÇÃO IMPOSTA AO DEFERIMENTO DO SEU PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL.”364. A ausência de lei específica para regular o parcelamento de débitos tributários de devedores em recuperação judicial, nos moldes mencionados no artigo 155-A, § 3o, do Código Tributário Nacional, impediria, no entendimento emanado do Superior Tribunal de Justiça, em 26 de agosto de 2014, a aplicabilidade do artigo 57 da Lei 11.101/2005 - que exige a comprovação da regularidade tributária como pressuposto para a concessão da recuperação judicial. Isso porque, conforme afirmado no referido julgamento, a lei geral de parcelamentos de débitos tributários (Lei 10.522, de 19 de julho de 2002) “não representa um direito efetivo ao devedor de obter o parcelamento, mas sim uma faculdade da Fazenda Pública que fixa a seu critério o prazo e examina as garantias que devem ser apresentadas”. Por tal razão, a Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, “não poderia ser aplicada às empresas em recuperação judicial”. Conclui-se, naquela ocasião, que “enquanto não for editada lei específica sobre o parcelamento dos créditos tributários de devedores em recuperação judicial, parece evidente a impossibilidade de aplicação do disposto no art. 57 da Lei 11.101⁄2005 e no art. 191-A do CTN no sentido de exigir a prova da suspensão da exigibilidade do crédito tributário.”365. 364 STJ. AgRg no Recurso Especial Nº 1.376.488 - DF (2013⁄0095627-3). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do Julgamento: 26 de agosto de 2014. 365 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.187.404 - MT (2010⁄0054048-4). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 19 de junho de 2013. 365 Ocorre que em 13 de novembro de 2014, foi publicada a Lei 13.043, que incluiu o artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, criando parcelamento específico para as empresas que obtiverem o deferimento da recuperação judicial, a saber: “Art. 10-A. O empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos dos arts. 51, 52 e 70 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observandose os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada: I - da 1ª à 12ª prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento); II - da 13ª à 24ª prestação: 1% (um por cento); III - da 25ª à 83ª prestação: 1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento); e IV - 84ª prestação: saldo devedor remanescente. § 1º O disposto neste artigo aplica-se à totalidade dos débitos do empresário ou da sociedade empresária constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da 366 União, mesmo que discutidos judicialmente em ação proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, ressalvados exclusivamente os débitos incluídos em parcelamentos regidos por outras leis. § 2º No caso dos débitos que se encontrarem sob discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não à causa legal de suspensão de exigibilidade, o sujeito passivo deverá comprovar que desistiu expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente, renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial e o recurso administrativo. § 3º O empresário ou a sociedade empresária poderá, a seu critério, desistir dos parcelamentos em curso, independentemente da modalidade, e solicitar que eles sejam parcelados nos termos deste artigo. § 4º Além das hipóteses previstas no art. 14-B, é causa de rescisão do parcelamento a não concessão da recuperação judicial de que trata o art. 58 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, bem como a decretação da falência da pessoa jurídica. § 5º O empresário ou a sociedade empresária poderá ter apenas um parcelamento de que trata o caput, cujos 367 débitos constituídos, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, poderão ser incluídos até a data do pedido de parcelamento. § 6º A concessão do parcelamento não implica a liberação dos bens e direitos do devedor ou de seus responsáveis que tenham sido constituídos em garantia dos respectivos créditos. § 7º O parcelamento referido no caput observará as demais condições previstas nesta Lei, ressalvado o disposto no § 1º do art. 11, no inciso II do § 1º do art. 12, nos incisos I, II e VIII do art. 14 e no § 2º do art. 14-A.” Ressalta-se que a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) regulamentaram o parcelamento de débitos de tributos federais de empresas em recuperação judicial, por meio da portaria número 1, de 13 de fevereiro de 2015. Porém, surpreendentemente, nem mesmo a edição – e consequente publicação – da Lei 13.043/2014 foi suficiente para alterar o entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de afastar a exigência contida no artigo 57 da Lei 11.101/2005. Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em 19 de junho de 2015, que: 368 “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL CONFLITO NO DE AGRAVO REGIMENTAL COMPETÊNCIA. NO AUSÊNCIA DE QUALQUER DOS VÍCIOS ELENCADOS NO ART. 535 DO CPC. MERO INCONFORMISMO. EDIÇÃO DA LEI N. 13.043, DE 13.11.2014. PARCELAMENTO DE CRÉDITOS DE JURISPRUDÊNCIA EMPRESA EM MANTIDA. RECUPERAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração somente são cabíveis quando houver, na decisão, obscuridade, contradição, omissão ou erro material, consoante dispõe o art. 535 do CPC. 2. No caso concreto, não se constata o vício alegado pela embargante, que busca rediscutir matérias devidamente examinadas e rejeitadas pela decisão embargada, o que é incabível nos embargos declaratórios. 3. A edição da Lei n. 13.043, de 13.11.2014, por si, não descaracteriza o conflito de competência acerca de quem deverá decidir sobre a alienação dos bens submetidos, simultaneamente, à execução fiscal e à 369 recuperação judicial decretada anteriormente ao referido diploma. 4. Embargos de declaração rejeitados.” 366. Constata-se, portanto, que a manutenção desse entendimento contraria a indisponibilidade do crédito tributário - res publica em essência, cuja efetiva satisfação fica, na prática, à mercê da iniciativa do devedor em recuperação judicial no sentido de pagar o débito de uma única vez ou parceladamente; sobretudo porque, conforme foi anteriormente demonstrado, a coercibilidade inerente à ação executiva fiscal foi totalmente esvaziada em decorrência de outro entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que tem, reiteradamente, inadmitido o alcance dos bens do empresário ou sociedade empresária que esteja em recuperação judicial. Não obstante, embora de forma incipiente, começam a surgir, dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça, decisões contrárias a esse entendimento, reconhecendo-se, portanto, a necessidade de garantir minimamente a satisfação do crédito tributário. Assim é que, nos termos da decisão proferida em 05 de março de 2015, no Recurso Especial Nº 1.512.118 - SP (2015⁄0009213-1)367, sob a relatoria do Ministro 366 Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no AgRg no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 119.202 - SP (2011⁄0235349-0). Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. Órgão julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 19 de junho de 2015. (sem destaques no original) 370 Herman Benjamin, reconheceu-se que a interpretação da legislação federal não pode conduzir a resultados práticos que impliquem a supressão de norma vigente. Portanto, segundo a decisão, “a melhor técnica de exegese impõe a releitura da orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção, que, salvo melhor juízo, analisou o tema apenas sob o enfoque das empresas em Recuperação Judicial.”. Dessa forma, com base na referida decisão, deve-se adotar a seguinte linha de compreensão do tema: a) constatado que a concessão do Plano de Recuperação Judicial foi feita com estrita observância dos artigos 57 e 58 da Lei 11.101/2005 (ou seja, com prova de regularidade fiscal), a eventual Execução Fiscal em curso será suspensa em virtude da previsão contida no artigo 151 368 do Código Tributário 367 “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO UNIVERSAL DE BENS. ART. 185.-A DO CTN. INAPLICABILIDADE EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXEGESE HARMÔNICA DOS ARTS. 5º E 29 DA LEI 6.830⁄1980 E DO ART. 6º, § 7º, DA LEI 11.101⁄2005. 1. Segundo preveem o art. 6, § 7º, da Lei 11.101⁄2005 e os arts. 5º e 29 da Lei 6.830⁄1980, o deferimento da Recuperação Judicial não suspende o processamento autônomo do executivo fiscal. 2. Importa acrescentar que a medida que veio a substituir a antiga concordata constitui modalidade de renegociação exclusivamente dos débitos perante credores privados. 3. Nesse sentido, o art. 57 da Lei 11.101⁄2005 expressamente prevê que a apresentação da Certidão Negativa de Débitos é pressuposto para o deferimento da Recuperação Judicial – ou seja, os créditos da Fazenda Pública devem estar previamente regularizados (extintos ou com exigibilidade suspensa), justamente porque não se incluem no Plano (art. 53 da Lei 11.101⁄2005) a ser aprovado pela assembleia-geral de credores (da qual, registre-se, a Fazenda Pública não faz parte – art. 41 da Lei 11.101⁄2005). 4. Consequência do exposto é que o eventual deferimento da nova modalidade de concurso universal de credores mediante dispensa de apresentação de CND – Certidão Negativa de Débitos Tributários - não impede o regular processamento da Execução Fiscal, com as implicações daí decorrentes (penhora de bens, etc.). 5. Não se desconhece a orientação jurisprudencial da Segunda Seção do STJ, que flexibilizou a norma dos arts. 57 e 58 da Lei 11.101⁄2005 para autorizar a concessão da Recuperação Judicial independentemente da apresentação da prova de regularidade fiscal. 6. Tal entendimento encontrou justificativa na demora do legislador em cumprir o disposto no art. 155-A, § 3º, do CTN – ou seja, instituir modalidade de parcelamento dos créditos fiscais específico para as empresas em Recuperação Judicial. 7. A interpretação da legislação federal não pode conduzir a resultados práticos que impliquem a supressão de norma vigente. Assim, a melhor técnica de exegese impõe a releitura da orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção, que, salvo melhor juízo, analisou o tema apenas sob o enfoque das empresas em Recuperação Judicial.” (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.512.118 - SP (2015⁄0009213-1). Relator Ministro Herman Benjamin. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 05 de março de 2015.). (original sem destaques). 368 Código Tributário Nacional. “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I - moratória; 371 Nacional; b) caso contrário, isto é, se foi erroneamente deferido, no juízo competente, o Plano de Recuperação judicial independentemente da apresentação da Certidão Negativa de Débitos Tributários ou da Certidão Positiva com Efeito Negativa (em virtude da adesão ao parcelamento previsto na Lei 13.043/2014), incide a regra do artigo 6º, § 7º 369 , da Lei 11.101⁄2005, de modo que a Execução Fiscal terá regular prosseguimento, com evidentes e inarredáveis consequências na esfera patrimonial do devedor em recuperação judicial, pois não é legítimo concluir que a recuperação judicial do devedor empresário em crise possa ser feita exclusivamente em relação aos seus credores privados, e, ainda assim, às custas dos créditos de natureza fiscal, pois isso implicaria na socialização dos riscos da atividade econômica privada. Nesta última hipótese, seja qual for a medida de constrição sobre os bens e direitos do devedor em regime de recuperação judicial, adotada na Execução Fiscal, será possível, com base nas circunstâncias concretas, devidamente provadas nos autos e valoradas pelo juízo do executivo processado no rito da Lei de Execução II - o depósito do seu montante integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001) VI – o parcelamento. Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes.” (original sem destaques). 369 o Lei 11.101/2005. “Art. 6 A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.” “§ 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.” (original sem destaques). 372 Fiscal (Lei 6.830/1980), a aplicação do artigo 620 do Código de Processo Civil 370, a fim de que se obeserve o princípio da menor onerosidade, desde que fique assegurado o interesse do crédito tributário. É urgente, portanto, a prevalência desse entendimento Recurso Especial Nº 1.512.118 - SP (2015⁄0009213-1), para, a partir de uma releitura da orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça que, além de impedir que a Fazenda possa alcançar os bens do devedor em recuperação judicial, admite a aprovação do plano de recuperação judicial independentemente da prova da regularidade das obrigações tributárias, assegurar que as empresas verdadeiramente viáveis possam utilizar adequadamente o regime da recuperação judicial, com o fito de superar a situação de crise. Paralelamente, também é útil e necessária a alteração do artigo 57 da Lei 11.101/2005, a fim de fixar, em termos claros e peremptórios, a necessidade inafastável do devedor empresário apresentar as certidões negativas de débitos tributários ou certidões positivas com efeito negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do débito, logo após a juntada do plano de recuperação aprovado, sob pena de não ser concedida a recuperação judicial da empresa. Somente assim será possível preservar a indisponibilidade do crédito tributário, a fim de evitar a indesejável socialização dos riscos e prejuízos advindos do exercício da atividade econômica desenvolvida pelo empresário individual ou sociedade empresária. 370 Código de Processo Civil. “Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.” 373 É bem verdade que não se pode e nem se deve desconhecer que a exigência prevista no § 2º do artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, alterado pela referida Lei 13.043/2014, no sentido que no caso dos débitos que se encontrarem sob discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não à causa legal de suspensão de exigibilidade, o sujeito passivo, ou seja, o empresário – invidual ou coletivamente considerado que se encontre em processo de reperação judicial – deverá comprovar que desistiu expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente, renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial e o recurso administrativo, pode, efetivamente, constituir flagrante prejuízo para o referido sujeito passivo que porventura entenda ser indevida a exigência do respectivo tributo. Em casos como tais, seria oportuna e adequada a utilização de um mediador, na linha do pensamento esposado pela professora GONZÁLEZ-CUÉLLAR SERRANO371, que afirma: “[…] no basta con que se constate una controversia entre los intervinientes sobre la tutela jurídica de sus intereses, sino que es necesario que concurra una situación de inseguridad acerca de la certeza de sus posiciones tanto por parte de la Hacienda Pública como del obligado tributario.” Tais incertezas, ainda de acordo com a professora GONZÁLEZ-CUÉLLAR SERRANO372, são muito frequentes na aplicação do Direito Tributário e se 371 GONZÁLEZ-CUÉLLAR SERRANO, Maria Luisa. La posibilidad de incorporar la mediación como forma de terminación convencional de los procedimientos tributarios. In: MARTÍNEZ PISÓN, Juan Arrieta; COLLADO YURRITA, Miguel Ángel; ZORNOZA PÉREZ, Juan (Directores). Tratado sobre la ley general tributaria: Homenaje a Álvaro Rodríguez Bereijo. Tomo II. Navarra: Thomson Reuters, 2010, págs. 259-279. 372 Idem. 374 apresentam em relação com o estabelecimento dos “hechos, su calificación y valoración o la aplicación de las consecuencias jurídicas previstas en la norma.” A figura do mediador visando apaziguar os interesses também serviria para conferir a necessária celeridade na solução do problema, permitindo uma solução em ritmo compatível com a urgente necessidade de colocar o empresário, especialmente o microempresário e o empresário de pequeno porte, sob o regime da recuperação judicial da empresa. A experiência mostra que as dicusssões acerca de controvérsias tributárias perante o Poder Judiciário têm sido marcadas pela excessiva demora na solução definitiva e essa lentidão trará inegáveis prejuízos ao empresário que deseja obter decisão concessiva da recuperação judicial. Como no regime atual, a adesão ao regime de parcelamento tributário previsto no referido § 2º do artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, alterado pela referida Lei 13.043/2014 depende da comprovação de que o empresário desistiu expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente, renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial e o recurso administrativo, a mediação, além de assegurar celeridade à solução, conferiria justiça fiscal aos envolvidos. Vale registrar que a lentidão dos processos judiciais, especialmente em matéria tributária, também é um problema identificado em outros países, como 375 Portugal, pois, no dizer de VALDEZ373: “[…] sendo Portugal um Estado democrático de Direito, dever-se-ia pensar que a administração da Justiça se fizesse em termos razoáveis, o que infelizmente não acontece […]”, merecendo destaque a afirmação do autor de que os processos mais antigos “[…] levam para cima de 7 anos para serem julgados em primeira instância […]”, fato que agrava a situação dos contribuintes, que ficam obrigados “[…] a pagar ou a prestar garantia indefinidamente para sustar a execução fiscal.”. Nessa ordem de idéias, defende-se na presente tese a necessidade de aperfeiçoamento do regime de recuperação judicial da empresa que tenha por base o equilíbrio de interesses, tanto do devedor empresário em recuperação como dos seus respectivos credores, preservando-se, no âmbito tributário, de um lado, a indisponibilidade do crédito e, do outro, a garantia do contribuinte de pagar pelos tributos verdadeiramente devidos, não se mostrando justa a imposição legal que o obriga a desistir da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente, ser obrigado a renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial e o recurso administrativo, como pressupostos para adesão ao regime de parcelamento e, por conseguinte, como requisito para obter decisão concessiva da sua recuperação judicial. Portanto, a introdução da figura do mediador no regime da recuperação judicial da empresa, especialmente no tocante aos débitos tributários, não só pode como deve ser objeto de alteração legislativa para esse fim. 373 VALDEZ, Vasco. A evolução das garantias dos contribuintes em Portugal. In: FREIRE E ALMEIDA, Daniel; GOMES, Fábio Luiz; CATARINO, João Ricardo (organizadores). Garantias dos contribuintes no sistema tributário: homenagem a Diogo Leite Campos. São Paulo: Saraiva, 2013, págs. 695-704. 376 5.2.5.3. Alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor empresário como meio de recuperação judicial e os riscos quanto à satisfação dos débitos tributários. Se não bastassem os dois problemas acima expostos, o crédito tributário tem sofrido, ainda, as consequências decorrentes da previsão contida no artigo 60 da Lei 11.101/2005, a saber: “Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142374 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141375 desta Lei.”376 374 “Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades: I – leilão, por lances orais; II – propostas fechadas; III – pregão.” 375 “Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, subrogam-se no produto da realização do ativo; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. o § 1 O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; 377 Advirta-se que o referido artigo 60 da Lei 11.101/2005, sob a denominação “alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor” não trata do trespasse de estabelecimento empresarial. Isso porque, segundo dispõe o já citado artigo 1.142 do Código Civil, “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”. Estabelecimento empresarial é, portanto, o conjunto ou “todo complexo” de bens que o empresário ou sociedade empresária organiza para fins de exploração da empresa, e, caso venha a ser vendido ou alienado, exigirá a elaboração do contrato denominado trespasse377. Não é correto confundir, portanto, o trespasse do estabelecimento empresarial com a venda ou alienação das filiais ou de unidades produtivas isoladas. o II – parente, em linha reta ou colateral até o 4 (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. o § 2 Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.” 376 Original sem destaques. 377 Conforme afirma Fábio Ulhoa Coelho, “o contrato de compra e venda de estabelecimento denomina-se trespasse.” (ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 1. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 184.) 378 A distinção é útil ou relevante, especialmente para preservação do crédito tributário. É que se o plano aprovado estiver baseado no artigo 50, inciso VII378, da Lei 11.101/2005, haverá trespasse ou venda do estabelecimento empresarial e, por conseguinte, o ato estará sujeito ao regime ordinário de sucessão, isto é, o adquirente assumirá a responsabilidade pelos débitos constituídos pelo vendedor/alienante, aplicando-se, quanto aos créditos privados, o disposto no artigo 1.146 do Código Civil, a saber: “Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.”.379 No tocante aos créditos tributários, o artigo 133 do Códito Tributário Nacional disciplina satisfatoriamente a matéria, nos seguintes termos: 378 Lei 11.101/2005. “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados.”. 379 Original sem destaques. 379 “Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. § 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) I – em processo de falência; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) § 2o Não se aplica o disposto no § 1 o deste artigo quando o adquirente for: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) 380 I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) II – parente, em linha reta ou colateral até o 4 o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) § 3o Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)” Portanto, em matéria tributária, se houver trespasse do estabelecimento empresarial no âmbito do processo de recuperação judicial, serão aplicados os incisos I ou II do artigo 133 do Código Tributário Nacional e adquirente responderá pelos débitos tributários integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade ou subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da 381 alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. Porém, não haverá sucessão no tocante aos débitos tributários em caso de venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada, realizada em virtude da aprovação do plano de recuperação apresentado em processo de recuperação judicial (artigos 133, § 1o, inciso II, do Código Tributário Nacional, e 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005) ou em processo de falência aplicável às empresas inviáveis e submetidas ao regime de venda dos bens do falido previsto no artigo 140380 da Lei 11.101/2005, que contempla, inclusive, o trespasse do estabelecimento empresarial sob a denominação de “alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco” como critério preferencial a ser observado. Acresente-se que haverá sucessão, nesses casos, diante da constatação das hipóteses descritas nos artigos 133, § 2 o, do Código Tributário Nacional, e 141381, § 1o, da Lei 11.101/2005 (que tratam de hipóteses idênticas). 380 Lei 11.101/2005. “Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados. § 1o Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas mais de uma forma de alienação. § 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores. o § 3 A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos específicos. o § 4 Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registro público, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo.”. 381 Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, subrogam-se no produto da realização do ativo; 382 SECCHI MUNHOZ 382 reconhece, com precisão, que o legislador, na redação do artigo 60 da Lei 11.101/2005, não adotou a melhor técnica, na medida em que as expressões “filiais” ou “unidades produtivas isoladas” não possuem um significado jurídico adequado para a situação em tela. Segundo o autor, “melhor seria o emprego da expressão estabelecimento, cujo conceito foi amplamente desenvolvido pela doutrina, encontrando-se positivado no art. 1.142” do Código Civil. Porém, enquanto não houver alteração legislativa nos termos sugeridos pelo autor, é necessário empregar corretamente as expressões, traçando a adequada distinção entre o trespasse – que envolve a venda ou alienação do estabelecimento empresarial – e a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada. Constata-se que o alcance da previsão contida no parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005 - que afasta a responsabilidade sucessória do adquirente dos bens quanto aos débitos do alienante em recuperação judicial, restringe-se à hipótese em que o respectivo plano aprovado estiver baseado no referido artigo 50, inciso VII383, da mesma Lei 11.101/2005. II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. o § 1 O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. (original sem destaques) 382 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Da Recuperação judicial. “in” SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro; A. DE MORAES PITOMBO, Antônio Sérgio. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 – artigo por artigo. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2007, pág. 298. 383 Lei 11.101/2005. “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: 383 Induvidoso, portanto, que o objetivo pugnado pelo legislador, por meio do parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, foi estimular um maior número de interessados a manifestar o desejo de adquirir a filial ou a unidade produtiva isolada do devedor empresário em crise, e, com isso, potencializar as possibilidades de soerguimento da empresa, ainda que uma parte dos bens utilizados no desenvolvimento da atividade econômica passe a pertencer a terceira pessoa, que venha a adquiri-los no marco da recuperação judicial, com a anuência dos credores submetidos a esse regime legal. Criou-se, por meio do parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, o que o jargão jurídico-econômico convencionou chamar de “blindagem” 384 , ou seja, cercar o bem de todas as garantias de que não será atingido por qualquer outro tipo de ônus, incluindo expressamente os de natureza tributária. Oportuno destacar que não haverá sucessão nem mesmo quando aos créditos de natureza trabalhista. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal 385 proclamou a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, consoante os termos de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade – ADI número 3934 / DF - Distrito Federal, assim resumido: VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados.”. 384 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência. 10ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pág. 184. 385 Supremo Tribunal Federal. ADI número 3934 / DF - Distrito Federal. Relator(a): Mininstro Ricardo Lewandowski. Data do julgamento: 27/05/2009. 384 EMENTA: AÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE. DIRETA DE ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I - Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas recuperação judicial. decorrente II - Não de falência há, ou também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III - Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV - Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V - Ação direta julgada improcedente. Vale dizer que o entendimento do Supremo Tribunal Federal acima exposto, quando aplicado dentro dos estreitos limites da Lei 11.101/2005, conciliando-o com a necessária e prévia demonstração da regularidade fiscal da empresa não acarreta nenhum prejuízo. Ao contrário: de um lado, estará assegurado o interesse dos terceiros na aquisição de filial ou unidade produtiva isolada de empresário em recuperação judicial, e, lado outro, haverá a preservação, no todo ou em parte, dos postos de trabalho, na medida em que o adquirente certamente destinará os bens ao 385 desenvolvimento da atividade econômica e, por conseguinte, precisará de mão-deobra especializada. Ademais, não se pode olvidar que os créditos trabalhistas estão submetidos ao regime da recuperação judicial da empresa, cuja aprovação do plano que prevê a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada exige, também, a manifestação majoritária dos trabalhadores. Isso significa que se os trabalhadores concordaram, por maioria ou por unanimidade, com a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada, no marco do artigo 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, não há nenhum sentido na tentativa de imposição de responsabilidade sucessória do eventual adquirente de tal filial ou unidade produtiva isolada quanto aos débitos trabalhistas que porventurem não puderem ser quitados por meio dos recursos obtidos com a referida venda ou alienação. Em tese, a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada, no marco do artigo 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, não traria consequência para o crédito tributário. Isso porque, de novo em tese, o devedor manteria bens e direitos outros em montante suficiente para garantir o pagamento dos eventuais débitos tributários. O problema é que, como o legislador não estabeleceu a necessidade do empresário individual ou coletivo comprovar, no momento do pedido de recuperação judicial, que o ativo, isto é, os bens e direitos economicamente valoráveis, seja, no 386 mínimo, igual ou superior ao passivo, ou seja, a soma dos débitos constituídos pelo titular da empresa, é possível que, após a venda a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada, fique configurado um estado de insolvência no sentido patrimonial da expressão (ativo inferior ao passivo). Diante disso, é possível que, depois de consumada a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada, inexistam bens e direitos que assegurem o cumprimento de obrigações tributárias. Isso poderia ser evitado pela simples aplicação do artigo 57 da Lei 11.101/2005, que, conforme anteriormente destacado, exige, como pressuposto para concessão da recuperação judicial, a apresentação das certidões negativas de débitos tributários ou certidões positiva com efeito negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do débito. Assim, o crédito tributário estaria minimamente garantido. O problema é que o Superior Tribunal de Justiça tem, também nesse ponto, trilhado um caminho equivocado quando aprecia a matéria em comento, uma vez que, além de afastar a exigência contida do artigo 57 da Lei 11.101/2005, bem como impedir que a Fazenda alcance, por meio da Ação de Execução Fiscal, bens do devedor em recuperação judicial suficientes para assegurar o pagamento dos 387 débitos tributários, entrega ao juiz - da recuperação judicial - todo o controle dos bens do devedor, em prejuízo do crédito tributário. Segundo o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça386: “[…] o juízo responsável pela recuperação judicial detém a competência relacionadas, para direta dirimir ou todas as indiretamente, questões com tal procedimento, inclusive aquelas que digam respeito à alienação judicial conjunta ou separada de ativos da empresa recuperanda, diante do que prescrevem os arts. 6º, caput e § 2º, 47, 59 e 60, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005.”. Frise-se que a “alienação judicial conjunta” ou “separada de ativos da empresa recuperanda” não estão submetidas ao mesmo regime sucessório, conforme foi anteriormente mencionado. Deve-se, considerar que a expressão “alienação judicial conjunta”, da forma empregada na decisão, equivale ao trespasse (venda do estabelecimento), enquanto que a alienação judicial “separada de ativos da empresa recuperanda” corresponde à venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada. Somente essa última, vale lembrar, está submetida ao regime do 386 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 112.638 - RJ (2010⁄0111796-0). RELATOR MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 10 de agosto de 2011. 388 artigo 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, porquanto, fora do alcance do referido dispositivo legal, haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, como ocorre nos casos de alienação do estabelecimento empresarial (venda conjunta do complexo de bens). Portanto, não poderia o Superior Tribunal de Justiça reservar tratamento idêntico para hipóteses distintas, sobretudo diante das consequências negativas advindas para o crédito tributário. Porém, esse equívoco tem se repetido, mesmo nos casos em que o Juiz da Execução Fiscal constata que se trata de trespasse e não de simples venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada. Ou seja, afasta a responsabilidade sucessória do adquirente, mesmo quando se revela imperiosa a sua aplicação. Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que: “AGRAVO NO COMPETÊNCIA. JUDICIAL. CONFLITO SOCIEDADE TRESPASSE RECONHECIMENTO PELO JUÍZO DE DO POSITIVO EM RECUPERAÇÃO ESTABELECIMENTO. SUCESSÃO FEDERAL. DE TRIBUTÁRIA EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA CONTRA A SOCIEDADE ADQUIRENTE. DECLARADA COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. 389 AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. 1. Configura-se o conflito de competência quando, de um lado, está o Juízo da Recuperação Judicial, que declarou a inexistência de sucessão dos ônus e obrigações decorrentes do trespasse do estabelecimento da sociedade recuperanda; de outro, o Juízo Federal, que, reconhecendo a sucessão tributária, promove execução fiscal contra a sociedade adquirente. 2. Não há que se falar em ofensa à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal) se, na decisão agravada, não houve declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais suscitados, tampouco se negou sua vigência, mas apenas se extraiu da regra seu verdadeiro alcance, a partir de uma interpretação sistêmica. 3. A 2ª Seção deste Tribunal pacificou o entendimento de que, não obstante a execução fiscal, em si, não se suspenda com o deferimento da recuperação judicial, cabe ao Juízo Universal o prosseguimento dos atos de execução, sob pena de inviabilizar a recuperação da sociedade. 4. É do Juízo da Recuperação Judicial a competência para definir a existência de sucessão dos ônus e obrigações, nos casos de alienação de unidade produtiva 390 da sociedade recuperanda, inclusive quanto à responsabilidade tributária da sociedade adquirente. 5. Agravo não provido.” 387 Não há dúvida que a empresa que desempenha adequadamente a sua função social deve ser preservada, mediante a utilização do instituto da recuperação judicial. Porém, é necessário, mais vez, chamar a atenção para o fato de que os interesses do devedor e dos credores precisam ser harmonizados. Não é possível transferir todo o ônus da recuperação judicial para os credores. E o pior: transferir tal ônus para os credores que não estejam sequer submetidos ao regime da recuperação judicial, como é o caso do credor tributário. Já foi dito que o Estado exerce papel fundamental no estímulo da atividade econômica dos agentes privados. De igual modo, já foi afirmado que a simplificação e a desoneração tributária são pontos fundamentais para concretização desse estímulo. Porém, admitir a alienação de filial ou unidade produtiva isolada ou até mesmo a alienação do estabelecimento empresarial no âmbito da recuperação judicial, esvaziando o acervo de bens do devedor mesmo diante do inadimplemento da obrigação tributária e sem assegurar ao Estado as garantias minimamente necessárias à satisfação do crédito tributário, implica, na prática, na violação da indisponibilidade do crédito tributário e na indevida socialização dos riscos da 387 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 116.036 SP (2011⁄0038013-2) . Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 12 de junho de 2013. 391 atividade econômica, impondo prejuízo para toda a sociedade que, direta ou indiretamente, contribui, por meio de impostos e contribuições, para o custeio das despesas estatais. A solução para o problema apresentado depende de alteração legislativa que tendente a modificar a redação do artigo 57 da Lei 11.101/2005, pontuando a obrigatoriedade da apresenção das certidões negativas de débitos tributários ou certidões positivas com efeito negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do débito, após a aprovação do plano de recuperação, especialmente em caso de alienação de filial ou unidade produtiva isolada ou até mesmo a alienação do estabelecimento empresarial no âmbito da recuperação judicial, sob pena de não ser concedida a recuperação judicial da empresa. É urgente – enquanto a alteração legislativa não se torna realidade – a prevalência do entendimento – ainda isolado – que foi manifestado no Recurso Especial Nº 1.512.118 - SP (2015/0009213-1), nos termos da decisão – anteriormente citada – proferida em 05 de março de 2015, para, a partir de uma releitura da orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, permitir que a Fazenda possa alcançar os bens do devedor em recuperação judicial – já que, como foi dito, o crédito tributário não integra tal regime; bem como se promova a correta aplicação do regime sucessório previsto no artigo 133 do Código Tributário Nacional, especialmente nos casos de trespasse do estabelecimento empresarial, quando o adquirente do complexo de bens se torna responsável pelo pagamento dos débitos do alienante. 392 6. DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA EM VIRTUDE DA FRUSTRAÇÃO DA TENTATIVA DE RECUPERAÇÃO DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE: ABERTURA DO PROCESSO CONCURSAL DESTINADO À LIQUIDAÇÃO 6.1. FUNDAMENTOS DA CONVERSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA Consoante acima exposto, a recuperação judicial objetiva o soerguimento da atividade econômica organizada, diante do estado de crise reconhecida e confessada em juízo pelo empresário individual ou coletivo. Porém, foi igualmente demonstrado que a concessão do regime de recuperação judicial, no regime vigente, dependerá, inevitavelmente, da aprovação de um plano de recuperação apresentado pelo devedor-empresário individual ou coletivo, mediante manifestação minimamente favorável por parte dos credores. Ocorre que nem sempre a empresa apresenta a necessária viabilidade, porquanto não há outro caminho a seguir que não seja o da liquidação patrimonial por meio da abertura do processo falimentar, pois “a manutenção de uma empresa inviável no mercado pode gerar prejuízos ainda maiores” 388 para os credores. Acrescente-se que a falência também tem como escopo assegurar a adequada distribuição dos recursos obtidos com a alienação judicial dos bens do 388 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. Vol. 3. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 7. 393 falido, organizando-se os credores por classes, obedecendo-se, assim, a ordem legal de recebimento das quantias devidas a cada um deles, até o esgotamento dos recursos, assegurando-se a perfeita igualdade de tratamento entre os credores da mesma classe; cabendo destacar, ainda, que a decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor, de maneira que as obrigações líquidas se tornam prontamente exigíveis, mas a satisfação fica na dependência da posição do crédito na ordem de classificação legal e, obviamente, da disponibilidade de recursos do falido. Nesse passo, o artigo 75 da Lei 11.101/2005, estabeleceu que a “falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.”. Sob esse prisma da preservação e otimização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, PEINADO GRACIA afirma que “el fin del Derecho concursal es precisamente garantizar la conservación de la empresa, sustituyendo provisional o definitivamente al empresario, según un modelo asistencial, tiene una incidencia directa en las expectativas que legitimamente deban tutelarse a los acreedores.” 389. Embora exista um componente processual na falência, já que se desenvolve perante o Poder Judiciário, não há como negar a prevalência do Direito Empresarial ou Mercantil no instituto, uma vez que, no sistema brasileiro, o regime falimentar somente – tal e como anteriormente assinalado – somente pode ser aplicado aos 389 PEINADO GRACIA, Juan Ignacio. La distribución del riesgo de insolvência. Estudios sobre la Ley Concursal. Libro homenaje a Manuel Olivencia. Tomo I. Madrid: Marcial Pons, 2005, págs. 431. 394 que desenvolvem atividade econômica organizada para produção e/ou circulação de bens ou serviços, ou seja, empresários, tanto no sentido individual como coletivo da expressão. Oportuno esclarecer que a decretação da falência pode ocorrer por diversas situações, seja por iniciativa de qualquer credor390, empresário ou não, seja por iniciativa do próprio empresário391 - individual ou coletivamente considerado, assim como pode resultar da tentativa frustrada de recuperar judicialmente a empresa. Aliás, embora o regime falimentar brasileiro contemple expressa previsão no sentido de conferir legitimidade ao próprio empresário, tanto o individual como coletivamente considerado, a apresentar, ao juízo competente, requerimento para obter a decretação da sua própria falência, não estabelece a lei nenhuma 390 Conforme prevê o artigo 94 da Lei 11.101/2005, será decretada a falência, a pedido de qualquer credor (empresário ou não), nos casos em que o empresário: I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) saláriosmínimos na data do pedido de falência (impontualidade injustificada) ou II – judicialmente executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal (tríplice omissão) ou, ainda, III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial (atos de falência): a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos; b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não; c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo; d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor; e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo; f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial. 391 Consoante o artigo 105 da Lei 11.101/2005, o próprio empresário em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial. 395 consequência em caso de eventual inércia desse empresário, que poderia ser, a exemplo do que estabelece a legislação espanhola, um fator determinante para definir a conduta empresarial, definido a falência como fortuita ou culposa. Dentro desse contexto, a verdade é que carece a legislação falimentar brasileira (Lei 11.101/2005) de uma previsão de caráter preventivo para os credores e de natureza punitiva para os administradores da empresa, inclusive aquelas revestidas da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, no sentido de responsabiliza-los (os administradores), diante do agravamento da situação de insolvência em caso de inércia na apresentação do pedido de decretação de sua própria falência, sobretudo quando não preenche nem sequer os requisitos necessários para a recuperação judicial da empresa. Sob esse prisma, a modificação da legislação brasileira poderia partir da contribuição da legislação concursal espanhola, sendo possível utilizar as bases previstas no artigo 5º da Ley 22/2003, de 9 de julio, Concursal, a saber: “Artículo 5. Deber de solicitar la declaración de concurso. 1. El deudor deberá solicitar la declaración de concurso dentro de los dos meses siguientes a la fecha en que hubiera conocido o debido conocer su estado de insolvencia. 2. Salvo prueba en contrario, se presumirá que el deudor ha conocido su estado de insolvencia cuando haya acaecido alguno de los hechos que pueden servir de 396 fundamento a una solicitud de concurso necesario conforme al apartado 4 del artículo 2 y, si se trata de alguno de los previstos en su párrafo 4.º, haya transcurrido el plazo correspondiente.” Some-se a isso que a Ley 22/2003, de 9 de julio, Concursal, em seu artigo 165, prevê que o descumprimento do dever de solicitar o concurso, acarreta a presunção de culpabilidade, que, uma vez configurada, resultará nas consequências previstas no artigo 172 da mesma lei, inclusive, em se tratando de pessoa jurídica, para os administradores ou liquidadores de fato ou de direito. Portanto, reconhecendo a necessidade de aperfeiçoamento da legislação brasileira e sem desconhecer as diversas possibilidades de decretação da falência do empresário, tanto o individual como coletivamente considerado, em atenção aos limites e objetivos traçados na presente tese, a análise do tema ficará adstrita às possibilidades de decretação da falência em virtude da frustração da tentativa de recuperação judicial, com as consequências daí derivadas, especialmente quanto aos créditos tributários. Assim sendo, considerando que, uma vez concedida a recuperação judicial, o devedor, nos termos do artigo 61, caput, da Lei 11.101/2005, permanecerá sob o controle do juiz apenas nos dois anos subsequentes. Se porventura os credores submetidos ao regime de recuperação judicial – exceto os créditos trabalhistas que devem ser satisfeitos em até um ano – emitirem manifestação favorável ao pagamento em prazo superior a dois anos, o juiz, dentro do prazo de dois anos 397 contados a partir da decisão concessiva da recuperação judicial, preferirá sentença de encerramento, deixando que os eventuais créditos vincendos sejam satisfeitos nos termos ajustados no plano aprovado. Em caso de inadimplemento das respectivas obrigações após o prazo de dois anos, ou seja, quando já proferida a sentença de encerramento da recuperação judicial, caberá ao credor optar pela execução específica da obrigação ou pela apresentação de pedido autônomo de falência. Durante o processo de recuperação judicial, o juiz, com fundamento no artigo 73 da Lei 11.101/2005, decretará a falência: (i) Por deliberação da assembleia-geral de credores392, na forma do artigo 42 da Lei 11.101/2005, isto é, será considerada aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes. (ii) Pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação dentro do prazo improrrogável de sessenta dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial – que não se confunde com a decisão que a concede. 392 Conforme o artigo 41 da Lei 11.101/2005, a assembleia-geral será organizada em quatro grupos de credores: (i) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; (ii) titulares de créditos com garantia real; (iii) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; (iv) titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte 398 (iii) Quando os credores rejeitarem o plano de recuperação judicial, cujas manifestações contrárias alcancem uma dimensão impeditiva da concessão da recuperação judicial com base em ato do juiz, fundamentado no artigo 58, parágrafo 1º., da Lei 11.101/2005, cuja análise foi feita no capítulo 5 da presente tese. (iv) Em virtude do descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1o do artigo 61 da Lei 11.101/2005, hipótese em que os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial. Vale dizer que diante da ineficiência do regime atual de recuperação judicial da microempresa ou da empresa de pequeno porte e enquanto não houver uma reforma legislativa que verdadeiramente assegure a superação da crise econômicofinanceira do empresário enquadrado nessa condição (de microempresa ou empresa de pequeno porte), restará perseguir a correta e adequada aplicação dos dispositivos da Lei 11.101/2005, a fim de, mesmo diante do decreto falimentar, obter o aproveitamento dos ativos, inclusive intangíveis, a fim de permitir, em certo sentido, a manutenção da empresa, mediante o aproveitamento dos fatores de produção por parte de terceiros. Isso porque, uma vez decretada a falência, o juiz pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial. 399 Admitindo-se que o pronunciamento seja favorável à continuidade da empresa, será determinada a alienação dos bens da microempresa ou da empresa de pequeno porte em processo falimentar de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados. Buscando atender aos princípios da celeridade e da economia processual consagrado pelo referido artigo 75, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, especialmente em se tratando de microempresa ou empresa de pequeno porte, o juiz homologará, com fundamento no artigo 145 da mesma Lei, qualquer outra modalidade de realização do ativo, desde que aprovada pela assembleia-geral de credores, inclusive com a constituição de sociedade de credores ou dos empregados do próprio devedor, com a participação, se necessária, dos atuais sócios ou de terceiros. No caso de constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor, estes poderão utilizar créditos derivados da legislação do trabalho para a aquisição ou arrendamento da empresa 393. 393 Pensamento semelhante encontra-se presente na doutrina espanhola. Nesse sentido: “[…] la apertura de la fase de liquidación en la LC no es incompatible, insistimos, con la finalidad conservativa o continuadora de la empresa, ya que en la fase de liquidación se prevé la posibilidad de enajenación de la empresa como un todo, con el objeto de no destruir esa unidad de producción de bienes y servicios. Lo señalado, nos lleva a adelantar una hipótesis; y es que aunque parezca contradictorio puede resultar más sencillo la continuidad y asunción por parte de los trabajadores de la empresa o de la unidad productiva en el marco de la fase de liquidación, que lograr un convenio de continuidad con los acreedores de la concursada.” PASTOR SEMPERE, Carmen. Recuperación de pequeñas y medianas empresas en concurso a través de sociedades cooperativas y su contribución a 400 6.2. SENTENÇA DECRETATÓRIA DA FALÊNCIA: EFEITOS RELEVANTES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 6.2.1. Repercussões da decretação da falência quanto às ações de execução fiscal. Consoante os termos do parágrafo único do referido artigo 73 da Lei 11.101/2005, o inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial também possibilita a decretação da falência durante o respectivo processo de recuperação judicial. Nessa linha de raciocício, poder-se-ia argumentar que como o crédito tributário não se encontra abrangido pelo regime da recuperação judicial, estaria aberta a possibilidade de requerimento da falência em virtude do inadimplemento de obrigação tributário, uma vez presentes os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade; evitando, assim, o esvaziamento dos bens do devedor empresário em virtude das condições previstas no plano de recuperação aprovado pelos demais credores em detrimento dos interesses da Fazenda. Todavia, segundo o entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça394, “legitimar a Fazenda Pública a requerer falência das empresas inviabilizaria a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, não la «responsabilidad social concursal». “in” Revista Deusto de Estudios Cooperativos nº 2. ISSN: 22553452, Núm. 2 (2013), Bilbao, pp. 61-82. 394 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 363.206 - MG (2001⁄0148271-0). Relator Ministro Humberto Martins. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 04 de maio de 2010. 401 permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, tampouco dos interesses dos credores, desestimulando a atividade econômicocapitalista.” 395. Infere-se, pois, que, também nesse ponto, a jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça é contrária aos interesses da Fazenda, no sentido, evidentemente, de afastar a legitimidade ativa para requerer falência. Uma vez decretada a falência, ocorrerá a dissolução da sociedade empresária, cuja personalidade jurídica será preservada enquanto durar o regime de liquidação396. De fato, por meio da ação falimentar, instaura-se o processo judicial que se caracteriza pelo concurso de credores e pela liquidação, ou seja, pela realização do ativo, cujo produto será destinado ao pagamento, no todo ou em parte, do passivo, para, após, confirmados os requisitos estabelecidos pela legislação, promover-se a dissolução da pessoa jurídica, com a extinção da respectiva personalidade397, salvo se porventura ocorrer a reabilitação da falida. 395 Em semelhantes termos: STJ - RESP 287824-MG (RDDT 128/147); RESP 164389-MG (RDR 30/249); RESP 138868-MG (RDR 11/375, RSTJ 110/304). Frise-se que PERIN JÚNIOR compartilha desse pensamento quando afirma que “[…] entendemos que o mesmo não ocorre em relação ao credor fiscal, que não poderá pedir a falência do contribuinte empresário, devendo obrigatoriamente propor ação executiva, nos termos do que dispõe de forma clara o art. 187 do Código Tributário Nacional, alterado pela Lei Complementar n. 118/2005.” PERIN JÚNIOR, Écio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 137. 396 Consultar a respeito a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça: "A pessoa jurídica já dissolvida pela decretação da falência subsiste durante seu processo de liquidação, sendo extinta, apenas, depois de promovido o cancelamento de sua inscrição perante o ofício competente. Inteligência do art. 51 do Código Civil". (Recurso Especial n. 1.359.273/SE. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Relator para o Acórdão Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador: Primeira Turma, DJe 14.5.13) 397 É o que se retira da literalidade do art. 51 do Código Civil: “Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. § 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução. § 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado. 402 Advirta-se, porém, que a decretação da falência produzirá diversos efeitos, dentre os quais a formação da massa falida, em dois sentidos diferentes: subjetivo e objetivo. A massa falida subjetiva (também chamada de massa passiva ou dos credores) é o sujeito de direito despersonalizado voltado à defesa dos interesses gerais dos credores da falida398, desprovida da condição de pessoa jurídica, cuja representação (da massa falida) cabe ao administrador judicial 399. Por sua vez, a massa falida objetiva nada mais é do que o conjunto de bens arrecadados do patrimônio da falida, tratando-se de uma universalidade de bens, a que se atribui capacidade processual exclusivamente, mas que não detém personalidade jurídica própria nos mesmos moldes da pessoa natural ou da pessoa jurídica 400. Todo esse acervo patrimonial não personificado nasce com o decreto de falência e sobre ele recai a responsabilidade patrimonial imputada, ou imputável, à empresa falida. Forte em tais razões decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a “massa falida, como se sabe, não detém personalidade jurídica, mas personalidade judiciária - isto é, atributo que permite a participação nos processos instaurados pela empresa, ou contra ela, no Poder Judiciário.” 401. § 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.” (original sem destaques). 398 ULHOA COELHO, F., op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 3. Pág. 322. 399 Lei 11.101/2005. “Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo.” (original sem destaques). 400 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.359.041 - SE (2012⁄0267889-1). Relator Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 18 de junho de 2013. 401 Nesse sentido: EDcl no REsp 1.359.259/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 7/5/2013. 403 Assim sendo, as execuções fiscais ajuizadas anteriormente ao decreto falimentar prosseguirão no juízo executivo fiscal, cabendo ao administrador judicial representar massa falida. Já nas ações ajuizadas após a sentença falimentar, deverá a Fazenda indicar, na respectiva Certidão da Dívida Ativa 402, a expressão “massa falida”, dirigindo contra esta a sua pretensão execução403. Contudo, deve ser observado o princípio da universalidade do juízo falimentar, a fim de promover a distribuição dos recursos da massa falida entre os credores, de maneira que o crédito tributário deverá ser satisfeito, a depender da disponibilidade de recursos, em terceiro lugar na ordem de classificação. Por essa razão é que a continuidade da execução fiscal encontrará, em um determinado momento, óbice no seu prosseguimento, já que embora a discussão do mérito do crédito tributário 402 Lei 6.830/1980. “Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. § 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública. § 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato. § 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo. § 4º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional. § 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter: I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo; V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida. § 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.” (original sem destaques). 403 Nos termos da Lei de execução fiscal (Lei n. 6.830/1980), em seu artigo 4º, inciso IV, “A execução fiscal poderá ser promovida contra: IV - a massa.”. 404 ocorra no juízo fazendário, a sua eventual satisfação se dará no juízo universal ou falimentar. 6.2.2. Concurso de credores e a posição dos créditos tributários na classificação geral do regime falimentar. Tendo em vista que, na falência, contra o mesmo patrimônio (massa falida objetiva) se dirigem dois ou mais credores (massa falida subjetiva), existe concorrência, existe, pois, concurso de credores. Porém, esse fato somente assume relevância – e gravidade – se o patrimônio é insuficiente, ou parece insuficiente, para satisfação de todos os credores que concorrem. Segundo PEINADO GRACIA404, “la concurrencia de créditos sobre un mismo patrimonio que se anuncia insuficiente es el origen de la concursalidad, y la regla óptima acogida por el legislador es el principio de igualdad de trato” ou par conditio creditorum405 em contraposição ao princípio sintetizado na expressão “primeiro no tempo, tem preferência no direito” ou prior in tempore, potior in iure, que significa que o credor que cobra primeiro recebe primeiro406. 404 PEINADO GRACIA, J. I., op. cit., pág. 457. Consta da exposição de motivos da Ley Concursal Española (Ley 22/2003, de 9 de julio) expressa referência ao princípio de igualdade de tratamento dos credores submetidos ao processoo concursal: “[…] Se considera que el principio de igualdad de tratamiento de los acreedores ha de constituir la regla general del concurso, y que sus excepciones han de ser muy contadas y siempre justificadas. […]”. (original sem destaques). 406 Nesse sentido: Código de Processo Civil. “Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro serlhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora”. (original sem destaques). 405 405 Saliente-se, porém, que os efeitos dessa igualdade de tratamento evidenciam-se, em verdade, diretamente entre os credores que integram uma mesma classe, já que, de certa forma paradoxalmente, o regime falimentar é caracterizado pela existência de preferências entre classes de credores. Percebe-se que a existência de preferências ou privilégios estabelecidos no regime falimentar, “puede interpretarse en clave valorativa de los diferentes elementos integrantes de un proceso productivo”407. Certo é que o empresário (pessoa física ou jurídica), em virtude do regular desenvolvimento da atividade econômica, assumirá obrigações em diversas esferas. Em outras palavras: terá diversos credores. Some-se a isso que tais créditos poderão ter natureza privada ou pública. Certamente, dentre os créditos de natureza privada, alguns têm maior capacidade de negociação, porquanto podem prever e “precificar” os riscos assumidos diante da eventual decretação da falência do devedor empresário, sobretudo em se tratando de empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou sociedade limitada, cujo respectivo patrimônio constitui o limite da responsabilidade assumida. É o caso dos bancos e dos grandes fornecedores de mercadoria ou prestadores de serviços, cujos créditos, muitas vezes, são concedidos mediante garantia real. Já outros, embora também tenha natureza privada, são desprovidos desse poder, porquanto são credores comuns, isto é, sem garantia ou privilégio. Outros ainda são vulneráveis, encaixando-se, nessa situação, os trabalhadores. Já os créditos públicos, especialmente os de 407 Consultar a respeito: PEINADO GRACIA, J. I., op. cit., pág. 432. 406 natureza tributária, constituem, como já acentuado, a fonte de recursos para o Estado fazer face ao custeio das despesas. Tudo isso, justifica a existência da classificação dos créditos na falência, ora considerando-se o caráter alimentar (créditos trabalhistas), ora considerando o poder de negociação (credores com garantia real), ora o interesse arrecadatório do Estado. Dentro desse contexto, com a decretação da falência estará aberto o concurso de credores, caracterizado pela divisão, com vistas à satisfação dos credores, do patrimônio do devedor (massa falida objetiva), sendo certo que este constitui o único meio para que credores concorrentes busquem a satisfação dos seus respectivos créditos408, porquanto o juízo falimentar, além de universal, exerce força atrativa sobre os demais; observadas as raras exceções legais 409 no tocante à tramitação – em outro juízo – dos processos que envolvam matéria “estranha” à falência (como, por exemplo, matéria tributária) embora deva fica claro que o controle dos bens e consequente distribuição de recursos entre os credores somente possa ocorrer no juízo falimentar. Portanto, de acordo com o disposto no artigo 83 da Lei 11.101/2005, os créditos, na falência, serão classificados da seguinte maneira: 408 PONTES DE MIRANDA, F. C., op. cit., Tratado de direito privado. Tomo XXVII, pág. 152. 409 Lei 11.101/2005. “Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo.”. (original sem destaques). 407 “Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV – créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006 V – créditos com privilégio geral, a saber: a) os previstos no art. 965 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei; 408 c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; VI – créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo; VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; VIII – créditos subordinados, a saber: a) os assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.” Verifica-se, facilmente, que o crédito tributário se encontra em terceiro lugar nessa ordem, razão pela qual o pagamento do crédito tributário na falência, somente poderá ocorrer após a integral satisfação dos créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor trabalhista410, e os decorrentes de acidentes de trabalho, bem como os créditos com 410 Serão considerados quirografários, os eventuais saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor trabalhista. 409 garantia real até o limite do valor do bem gravado 411, desde que, obviamente, exista disponibilidade de recurso na massa falida objetiva. Vale dizer que o crédito tributário a ser satisfeito nessa terceira posição corresponde ao principal devido à Fazenda, excluindo-se, portanto, os juros de mora e as multas tributárias, consoante entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. JUROS DE MORA APÓS A DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA, EM MOMENTO POSTERIOR, CONDICIONADA À COMPROVAÇÃO DA SUFICIÊNCIA DO ATIVO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.” 412. Referida determinação não impossibilita a cobrança futura dos juros de mora devidos após a decretação da falência, mas apenas condiciona o seu pagamento à comprovação futura da suficiência do ativo, nos termos do artigo 124, parágrafo 411 Também serão considerados quirografários os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento. 412 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 408.304 - SE (2013⁄0340986-0).Relatora Ministra Assusete Magalhães. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 18 de junho de 2015. (original sem destaques). 410 único, da Lei 11.101/2005 413 . Portanto, os juros de mora decorrentes do inadimplemento da obrigação tributária somente são exigíveis até a decretação da quebra e, após esta, ficam condicionados à suficiência do ativo da massa 414. Por outro lado, com a vigência da Lei 11.101/2005, tornou-se possível a cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida, tendo em vista que o artigo 83, inciso VII, da referida lei prevê que “as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias” sejam satisfeitas, de acordo com a disponibilidade de recursos da massa falida objetiva, em sétimo lugar na classificação geral dos créditos na falência415. Assim é que, como decorrência do regular desenvolvimento do processo falimentar, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens, avaliando-os, separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem. 413 Lei 11.101/2005. “Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados. Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem a garantia.”. 414 Oportuno esclarecer que em “[…] se tratando de empresa cuja falência foi decretada, impõe-se a diferenciação entre as seguintes situações: (a) antes da decretação da falência, são devidos os juros de mora, independentemente da existência de ativo suficiente para pagamento do principal, sendo viável, portanto, a aplicação da taxa SELIC, que se perfaz em índice de correção monetária e juros e (b) após a decretação da falência, a incidência da referida taxa fica condicionada à suficiência do ativo para pagamento do principal. (Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL 526.223 / RS (2003/0043026-3). Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data do Julgamento: 26/04/2005.). 415 Nesse sentido: Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.223.792/MS. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Órgão julgador: Segunda Turma. DJe de 26.2.2013. 411 Uma vez concluída a arrecadação dos bens, será iniciada a realização do ativo ou a venda a terceiros dos bens que integram a massa falida no sentido objetivo da expressão. De acordo com o já referido artigo 140 da Lei 11.101/2005, a venda dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: (i) alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; (ii) alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; (iii) alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; (iv) alienação dos bens individualmente considerados. Outrossim, em razão dos custos e no interesse da massa falida, o juiz poderá autorizar os credores a adquirir ou adjudicar, de imediato, os bens arrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de classificação e preferência entre eles, ouvido o Comitê de credores416. Concluída a realização de todo o ativo, ou seja, vendidos os bens integrantes da massa falida, com a distribuição do seu produto entre os credores atendendo à classificação prevista no citado artigo 83 da Lei 11.101/2005, o administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30 (trinta) dias, que, em seguida, cuidará de encerrar a falência por sentença, ainda que existam créditos pendentes, 416 Lei 11.101/2005. “Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das classes de credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição: I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes; II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes; III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes. IV - 1 (um) representante indicado pela classe de credores representantes de microempresas e empresas de pequeno porte, com 2 (dois) suplentes.”. 412 inclusive os de natureza tributária, já que se exauriram os bens do empresário individual, empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou sociedade empresária. Diante da insuficiência de bens para satisfação do crédito tributário, a questão que se coloca diz respeito ao possível alcance de bens integrantes do patrimônio do adminstrador da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da sociedade empresária caracterizada pela responsabilidade administradores quanto ao cumprimento das obrigações sociais. limitada dos 413 6.3. INSATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA EM VIRTUDE DA INSUFICIÊNCIA DOS ATIVOS E A RESPONSABILIZAÇÃO PATRIMONIAL DO(S) INTEGRANTE(S) DAS PESSOAS JURÍDICAS FALIDAS. 6.3.1. Diferentes regimes de responsabilização patrimonial do(s) integrante(s) das pessoas jurídicas falidas a partir das distintas naturezas obrigacionais. Conforme já foi anteriormente demonstrado, empresário individual é a pessoa física ou natural, cuja atuação regular, ou seja, mediante inscrição na Junta Comercial e perante demais órgãos integrantes da administração pública, por si só, não é suficiente para produzir uma pessoa jurídica. Portanto, em se tratando de um empresário individual, os seus bens pessoais, ou seja, da própria pessoa física ou natural, respondem pelas obrigações assumidas em decorrência do efetivo exercício da atividade econômica de caráter empresarial. Não há um patrimônio separado. Independentemente da ocorrência ou não de fraude praticada pelo empresário individual, confundem-se os bens e direitos destinados ao efetivo exercício da atividade econômica empresarial com os bens que, de igual modo, integram o patrimônio da pessoa física ou natural do empresário individual, e que são destinados a fins não econômicos ou empresariais, como, por exemplo, o simples lazer. 414 De igual modo, no sistema espanhol, o empresário individual responde, “como todo deudor, con todos sus bienes presentes y futuros (art. 1.911 Código Civil 417).”. “La responsabilidade patrimonial del empresario individual comprende no sólo los bienes que están afectados al ejercicio de la actividad empresarial, sino también los que no lo están; o dicho en otros términos, no hay una distinción a estos efectos entre su patrimonio mercantil y civil.”418. Portanto, a responsabilidade do empresário individual (pessoa física ou natural), na órbita patrimonial, decorre, pura e simplesmente, dessa condição, porquanto deverá responder com todos os seus bens419 pelo pagamento dos débitos contraídos em decorrência do exercício da atividade econômica de natureza empresarial. Assim, diante do exaurimento dos bens do empresário individual (pessoa física ou natural), especialmente após a realização do ativo em processo falimentar, estará consumado o prejuízo dos credores. 417 Código Civil Español. “Art. 1.911. Del cumplimiento de las obligaciones responde el deudor con todos sus bienes, presentes y futuros.” Disponível em: http://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A1889-4763. Acesso em: 09 de março de 2014. 418 419 SANCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 68. Ressalvado o chamado bem de família, que não pode ser alcançado pelos débitos do empresário segundo a Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, “Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.” 415 A questão assume, porém, um contorno diferente em se tratando de pessoa jurídica, especialmente aquelas que se caracterizam pela limitação da responsabilidade dos sócios pelo cumprimento das obrigações sociais, com destaque para a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI e para a sociedade limitada, uma vez que, como anteriormente assinalado, a sociedade anônima ou por ações não pode ser enquadrada na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte. Nessa linha de raciocício, já foi explicitado que o patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI420, tal como ocorre com as sociedades empresárias, responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa física ou natural que a integra, sem prejuízo da responsabilidade patrimonial do respectivo administrador. Também já foi demonstrado, nos capítulos anteriores, que a pessoa jurídica, enquanto criação da lei, é desprovida, por óbvio, de vida natural, razão pela qual tem que ser dirigida pelas pessoas físicas ou naturais dos seus respectivos sócios ou acionistas com poderes de administração, como também por meio de terceiros que, embora não ostentem a condição de sócios ou acionistas, devem, de igual modo, imprimir em sua gestão todas as cautelas necessárias, atuando com probidade e boa-fé, sempre no limite da legalidade. 420 Enunciado 470 da V Jornada de direito civil. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJCoedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direitocivil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015. 416 A possibilidade de atribuição de responsabilidade aos administradores de pessoas jurídicas, especialmente aquelas constituídas no intuito de desempenhar a atividade econômica de caráter empresarial, está assentada na legislação brasileira, bem como na jurisprudência emanada dos tribunais do Brasil. Contudo, não se pode deixar de registrar que os pressupostos legais que autorizam o alcance dos bens dos administradores de pessoas jurídicas, inclusive aquelas submetidas ao regime falimentar, não são idênticos. Em linhas gerais, a legislação - e consequentemente a jurisprudência que se produz, ora é pautada pela vulnerabilidade do devedor diante da pessoa jurídica, como nos casos de trabalhadores e consumidores, ora leva em conta a indisponibilidade do crédito, como é o típico caso do crédito tributário. Em atenção aos limites da presente tese, a análise do tema será feita, preponderantemente, com base nas repercussões tributárias da responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas concursadas. Nesse sentido, vale dizer que carece a Lei 11.101/2005 de um regime de responsabilidade dos administradores da pessoa jurídica concursada, que, a partir de um modelo específico de conduta, mas sem perder de vista a natureza de cada um dos créditos, possa concentrar a decisão de alcançar os bens particulares dos 417 administradores no juízo falimentar, sobretudo porque, diante dos respectivos pressupostos autorizadores, restaria atendido o principio da universalidade do juízo do par conditio creditorum, para, utilizando os bens dos administradores, satisfazer determinados credores. 6.3.2. Fundamentos da legislação societária que autorizam a responsabilização patrimonial do(s) integrante(s) das pessoas jurídicas e seus efeitos no âmbito falimentar. Trata-se da analisar as repercussões externas da responsabilidade dos administradores, sócios ou não, conducentes a provocar prejuízos aos terceiros que contrataram com a pessoa jurídica, cuja falência foi decretada. Não se pode e nem se deve confundir com as eventuais repercussões (negativas) internas (dentro da sociedade) que a conduta dos sócios e/ou administradores pode produzir. Desde uma perspectiva externa, ou seja, observado o problema da responsabilidade dos sócios e/ou administradores perante os credores submetidos ao regime falimentar, prevê a Lei 11.101/2005 duas situações distintas, a saber: A primeira delas trata de sociedade cuja principal característica é a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais, independentemente da prática de qualquer ato eivado de fraude e ma-fé, sendo (a responsabilidade) decorrência, pura e simples, da espécie societária. 418 Nesse sentido, dispõe o artigo 81 da Lei 11.101/2005 que: “Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem. § 1o O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência. § 2o As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ou liquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão sujeitos às obrigações que cabem ao falido.” Evidentemente, as sociedades empresárias que, por sua natureza, admitem a extensão automática dos efeitos da falência para os sócios, cuja responsabilidade solidária e ilimitada é a regra, não possuem, porém, efetiva repercussão prática. 419 Dados extraídos da Junta Comercial do Estado de Pernambuco 421, acerca das constituições e extinções empresariais registradas no ano corrente (2015), demonstram que a maioria significativa dos atos societários empresariais praticados envolve sociedade limitada e, em seguida, sociedade por ações (que não podem ser enquadradas na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, em face da vedação prevista na Lei Complementar 123/2006). Junta Comercial do Estado de Pernambuco - Constituições por tipo jurídico em 2015 Tipo Empresário Sociedade Ltda. Sociedade Anônima Cooperativa Outras Sociedades Eireli Jan 508 428 5 0 2 121 Fev 567 388 1 0 1 182 Mar 764 571 3 2 1 208 Abr 593 474 4 5 2 226 Mai 646 531 5 2 1 210 Jun 3.391 501 2 6 1 206 Jul 2.005 489 4 3 6 203 Ago 700 459 9 5 2 216 Set 585 467 3 3 1 208 Total 9.759 4.308 36 26 17 1780 Junta Comercial do Estado de Pernambuco - Extinções por tipo jurídico em 2015 Tipo Empresário Sociedade Ltda. Sociedade Anônima Cooperativa Outras Sociedades Eireli 421 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set 172 1.435 1.503 1.224 1.381 1.142 1.407 1.296 1.199 134 131 184 152 206 231 229 246 214 0 1 3 2 1 3 0 1 215 0 0 0 1 0 4 1 1 1 0 1 1 0 1 0 0 1 0 8 7 24 10 15 16 16 23 21 Disponível em: http://www.jucepe.pe.gov.br/. Consulta em: 18/10/2015. Total 10.759 1.727 226 8 4 140 420 Já no tocante às sociedades limitadas, estabelece o artigo 82 da Lei 11.101/2005, em matéria de responsabilidade pessoal, que: “Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil. § 1o Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo. § 2o O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.” 421 6.3.2.1. Responsabilização patrimonial pela simples qualidade de titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou sócio(s) da sociedade limitada. É fundamental estabelecer a distinção entre as obrigações e responsabilidades derivadas da simples condição de titular da totalidade do capital da EIRELI ou da mera condição de sócio quotista da sociedade limitada, e as decorrentes do efetivo exercício da administração da empresa. Segundo o Código Civil, em seu artigo 1.001, “as obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais.” 422. Com efeito, a principal obrigação do sócio ou titular da EIRELI é transferir para a pessoa jurídica os bens, direitos ou recursos equivalentes ao capital fixado no ato constitutivo ou eventual instrumento de alteração. Segundo o artigo 1.052 do Código Civil, que trata das sociedades limitadas423, o modelo de responsabilidade dos sócios restrito ao valor das suas quotas, porquanto diante da efetivação da transferência dos bens, direitos ou recursos para a pessoa jurídica, ou, dito de outro modo, uma vez integralizado o capital, “não há 422 423 Aplicável também à EIRELI, em virtude do disposto no referido artigo 980-A, § 6º, do Código Civil. Aplicável, no que couber, à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. 422 nenhuma responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, de natureza negocial”424, em razão do disposto no artigo 1.052 do Código Civil 425. Há, porém, duas exceções: (i) a responsabilidade solidária dos sócios pelo aporte do saldo de capital social subscrito e não integralizado; e (ii) a responsabilidade pessoal do sócio em decorrência da prática de conduta antijurídica, ou seja, quando as deliberações sociais infringirem o contrato ou a lei, tornando ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram (artigo 1.080 do Código Civil). Registre-se, por oportuno, que a responsabilidade solidária dos sócios pela integralização capital social atua como uma garantia dos credores da sociedade, porquanto poderão exigir, de qualquer dos sócios, o aporte do capital necessário para cobrir a diferença (entre o capital subscrito e o efetivamente integralizado), no caso de falência426, ou mesmos independentemente desta, desde que não encontrem, para efeito de penhora, bens livres da sociedade. Atente-se para o fato de que, uma vez integralizado o capital da pessoa jurídica, a impossibilidade de responsabilizar, patrimonialmente, o titular da EIRELI ou dos sócios da sociedade limitada quanto às obrigações contraídas em virtude de efetivo exercício da atividade econômica de caráter empresarial, aplica-se e, de um modo geral, deve ser respeitada ante os credores negociais ou comerciais (bancos, fornecedores e prestadores de serviços). Essa é a regra geral, e sobre ela podem 424 ULHOA COELHO, F., op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2. Pág. 416. Código Civil: “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” (original sem destaques). 426 TAVARES BORBA, José Edwaldo. Direito societário. 14ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, pág. 118. 425 423 ser aplicadas exceções; caberá ao juiz avaliar se as circunstâncias e elementos do caso concreto são suficientes para excepcioná-la427. Acrescente-se, ainda em matéria de responsabilidade dos sócios428, que, segundo o artigo 1.059 do Código Civil “os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.”. Nessa mesma direção, o artigo 1.009, do Código Civil, estabelece que “a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.”. Destarte, é dever dos sócios429 se informarem sobre os resultados econômicos da sociedade. Ainda que o sócio não exerça a administração da sociedade, tal sócio tem o dever, irrenunciável, de fiscalizar as contas sociais e acompanhar os resultados econômicos da sociedade, considerando o disposto no artigo 1.078 430, inciso I, do Código Civil. 427 MEYERHOF SALAMA, Bruno. O fim da responsabilidade limitada no Brasil: história, direito e economia. São Paulo: Malheiros, 2014, pág. 424. 428 E também do titular da EIRELI. 429 E também do titular da EIRELI. 430 Código Civil. “Art. 1.078. A assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de: I - tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico; II - designar administradores, quando for o caso; III - tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia. o § 1 Até trinta dias antes da data marcada para a assembléia, os documentos referidos no inciso I deste artigo devem ser postos, por escrito, e com a prova do respectivo recebimento, à disposição dos sócios que não exerçam a administração. § 2o Instalada a assembléia, proceder-se-á à leitura dos documentos referidos no parágrafo antecedente, os quais serão submetidos, pelo presidente, a discussão e votação, nesta não podendo tomar parte os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal. 424 Esse dever é irrenunciável e indelegável, para fins de evitar a responsabilidade social, no caso de recebimento de dividendos fictícios ou ilícitos 431, salvo prova da ocorrência de fraude contábil e societária perpetrada contra o sócio quotista sem poderes de administração, especialmente em se tratando de sócios minoritários. 6.3.2.2. Responsabilização patrimonial pela condição de administrador da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da sociedade limitada. Na legislação brasileira, a sociedade limitada, assim como a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI432, é administrada por uma ou mais pessoas designadas no ato constitutivo ou em instrumento apartado. Porém, a administração atribuída no ato constitutivo (em se tratando de sociedade limitada) a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade. Admite-se, nesse tipo societário, a designação de administradores não sócios, que dependerá, porém, de aprovação da unanimidade dos sócios, § 3o A aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado econômico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal. § 4o Extingue-se em dois anos o direito de anular a aprovação a que se refere o parágrafo antecedente.” 431 MONTE SIMIONATO, F. A., op. cit., pág. 595. 432 A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, embora não ostente a qualidade de sociedade empresária, constitui pessoa jurídica que estará submetida as regras previstas para as sociedades limitadas, inclusive no tocante à administração. (Conforme o Código Civil, Artigo Art. 980A, § 6º, segundo o qual “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.”. (original sem destaques).”. 425 enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização. Saliente-se que, na sociedade limitada, o exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução. Aliás, tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa. Sob a perspectiva formal, a cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no órgão de registro empresarial competente (Junta Comercial), mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência. Oportuno frisar, que a renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade, desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e publicação. A administração é, portanto, o órgão da sociedade incumbido de fazer presente a sua vontade no mundo exterior. É por meio desse órgão que a sociedade assume obrigações e exerce direitos. Não são, assim, meros mandatários da sociedade, mas consiste em um órgão de representação legal, por meio do qual a sociedade manifesta sua vontade. 426 Assim é que a pessoa jurídica adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de um terceiro, seja um procurador constituído pela pessoa jurídica, seja sócio ou não, desde que seja escolhido na forma e nos termos do ato constitutivo e no marco da legislação pertinente. Demarcada, portanto, a limitação da responsabilidade do titular da EIRELI ou dos sócios da sociedade limitada, é possível aprofundar a análise para reconhecer que os administradores da pessoa jurídica, em razão pura e simplesmente dessa condição, na execução de atribuições e no exercício dos poderes inerentes as suas funções, podem causar prejuízos à própria pessoa jurídica, mas também – e, sobretudo – aos terceiros (credores), especialmente em decorrência do inadimplemento de obrigações privadas e/ou públicas (com relevo para as de caráter tributário), cuja satisfação pode restar prejudicada diante da insuficiência de bens da pessoa jurídica, notadamente em caso de decretação da falência, que resultará na provável – ainda que não seja obrigatória – paralisação da atividade econômica e consequente cessação da potencial geração de riquezas. É por isso que se exige do administrador da pessoa jurídica, no exercício de suas atribuições, os deveres de cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Não por outra razão é que se proíbe o desenvolvimento de tal função às pessoas impedidas por lei especial, bem como aos condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou condenados por crime falimentar, de prevaricação, 427 suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação433. Embora, em regra, não seja o administrador pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da pessoa jurídica e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder (i) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; (ii) com violação da lei ou do estatuto, conforme expressa previsão contida na Lei 6.404/1976 (que disciplina as sociedade anônimas), em seu artigo 158, cuja incidência nas sociedades limitadas pode decorrer da previsão do contrato social434. Logo, o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade, em virtude de ato regular de gestão; mas é civilmente responsável pelos prejuízos que causar, quando culposamente descumprir dever legal ou previsto no ato constitutivo, sendo que, nesta última situação, os atos praticados dentro do âmbito de suas atribuições obrigam a pessoa jurídica perante terceiros; e, em princípio, os atos praticados fora do âmbito de suas atribuições não vinculam a pessoa jurídica perante terceiros, pois são da direta e exclusiva responsabilidade do administrador. Frise-se, em princípio, porque, sob certas circunstâncias e à luz do primado da boa-fé, tais atos do administrador, apesar de exercidos fora do âmbito de suas atribuições específicas ou além de seus 433 Conforme disciplina o artigo 1.011 do Código Civil. Conforme prevê o Código Civil: “Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.” 434 428 poderes, podem vincular a sociedade, quando (i) forem ratificados posteriormente; (ii) a sociedade deles auferir vantagem; e (iii) a sua preservação impuser-se por efeito de outras regras e preceitos destinados a tutelar a posição de terceiros435. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da pessoa jurídica falida que se reveste da condição de EIRELI ou sociedade limitada (prevista no artigo 82 da Lei n.º 11.101/05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos436. 6.3.2.3. Responsabilização patrimonial em virtude da presença dos requisitos autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil. Para além das possibilidades de responsabilização acima mencionadas, mediante a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, diante da constatação de uso abusivo da pessoa jurídica, o juiz poderá deixar de aplicar as regras de separação patrimonial entre a pessoa jurídica e o(s) seu(s) integrante(s), 435 VIEIRA VON ADAMEK, Marcelo. Responsabilidade civil dos administradores de s/a e as ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 221-222. 436 Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no: RECURSO ESPECIAL Nº 1.180.714 - RJ (2010⁄0022474-9). Relator(a): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data do julgamento: 05/04/2011. 429 porque é necessário coibir a fraude perpretada graças à manipulação da legislação vigente437. Assim, se o titular da EIRELI ou os sócios da sociedade limitada fizerem uso indevido da pessoa jurídica, isto é, com desvio de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou prejudicarem terceiros (fraude) ou, ainda, diante da confusão patrimonial, devem (titular da EIRELI ou os sócios da sociedade) responder pessoalmente pelos prejuízos que causarem438; permitindo que os credores alcancem os seus respectivos bens e direitos para pagamento dos débitos contraídos em nome da pessoa jurídica. Portanto, os pressupostos para desconsideração da personalidade jurídica são o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, a fim de assegurar o pagamento dos débitos contraídos em nome da pessoa jurídica que estabeleça, ordinariamente, limites à responsabilidade dos sócios quanto ao cumprimento das obrigações sociais regularmente constituídas439. 437 ULHOA COELHO, F, op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2, pág 42. PAES DE ALMEIDA, Amador. Manual das sociedades comerciais: direito de empresa. 17ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 40. 439 Vale lembrar que, embora com repercussão prática diminuta, existem sociedades empresárias nas quais os sócios respondem, como seus bens particulares, de forma solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, independentemente de abuso da personalidade jurídica (a sociedade em nome coletivo, prevista no artigo 1.039 do Código Civil, é um exemplo disso). 438 430 Significa, pois, que a personalidade jurídica das pessoas jurídicas não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso do direito440. No tocante aos créditos privados de caráter negocial, isto é, decorrentes das relações contratuais estabelecidas entre empresários, a matéria se encontra disciplinada pelo Código Civil brasileiro, em seu artigo 50, que determina que em caso de abuso441 da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Deve-se, pois, presumir a fraude na manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre o patrimônio dela e de um ou mais de seus integrantes, aplicando a desconsideração da personalidade jurídica. Mas não se deve deixar de desconsiderar a personalidade jurídica da pessoa jurídica, somente porque o sócio demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada, por outro modo, a fraude442. 440 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. I. 25ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 379. 441 Os contornos do abuso de direito estão definidos no Código Civil, em seu artigo 187. “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”. 442 ULHOA COELHO, F, op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2, pág 46. 431 As causas que justificam o levantamento do véu da pessoa jurídica enraízamse em uma conduta abusiva de direitos - e não necessariamente em um ato isoladamente observado -, qualificada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial entre os bens da empresa e dos sócios. Em realidade, cuida-se de superação de uma ficção jurídica, que é a pessoa jurídica, sob cujo véu se esconde a pessoa física ou natural do titular da EIRELI, sócio ou acionista de sociedade empresária. É, enfim, técnica voltada à exigibilidade de créditos, técnica essa consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela pessoa jurídica, mas na ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo incólume para seus outros fins443 ou, mais especificamente, ineficácia do contrato ou estatuto social da sociedade, como assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça444. Portanto, o objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of the legal entity ou lifiting the corporate veil) é exatamente possibilitar a coibição de fraude, sem comprometer o próprio instituto da personalidade jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar 443 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (Disregard Doctrine). Revista dos Tribunais, n. 410. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, pág. 14. 444 STJ. RECURSO ESPECIAL 1.312.591 - RS (2012⁄0046226-0). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 11/06/2013. 432 a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraude445. Há de se ter em conta que “só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ou sócios que hajam nele incorrido”, como preceitua o Enunciado 7 aprovado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Isto é, a responsabilização dos administradores e sócios pelas obrigações imputáveis à pessoa jurídica, em regra, não encontra amparo tão-somente na mera demonstração de insolvência para o cumprimento de suas obrigações (Teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica), fazendo-se necessário para tanto a demonstração do desvio de finalidade (este compreendido como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a demonstração da confusão patrimonial (esta subentendida como a inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de seus sócios, configurando-se quando os bens dos sócios estão registrados em nome da sociedade, e vice-versa), como assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça446. 445 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2. 14ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, págs. 37-38. 446 STJ. RECURSO ESPECIAL 1.200.850/SP. Relator: Ministro Massami Uyeda. Órgão julgador: T3 Terceira Turma. Data da publicação: 22/11/2010. No mesmo sentido “A mera inadimplência da pessoa jurídica, por si só, não enseja a desconsideração da personalidade jurídica.” (Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 588.587/RS Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 2014/0247034-7. Relator Ministro Raul Araújo. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do julgamento: 21/05/2015.). 433 Esclareça-se que o encerramento irregular da atividade, entendido pela mera circunstância de a pessoa jurídica encerrar as suas respectivas atividades econômicas de cunho empresarial, sem a devida baixa do seu registro na Junta Comercial, se não evidenciado nenhum dano decorrente de violação ao contrato social da empresa, fraude, ilegalidade, confusão patrimonial ou desvio de finalidade da pessoa jurídica, não autoriza a desconsideração de sua personalidade jurídica447. Tampouco a dissolução regular da pessoa jurídica permite a incidência do citado artigo 50 do Código Civil brasileiro, cuja aplicação, como já exposto, depende da caracterização do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. Nem mesmo em casos de decretação de falência, que se constitui, no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em uma forma de dissolução regular da pessoa jurídica, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada. Ou seja, ainda que tenha sido decretada a falência da pessoa jurídica, a desconsideração da personalidade jurídica também dependerá da necessária “fundamentação ancorada em fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial.” 448. 447 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial Nº 1.386.576 - SC (2013⁄0177463-0). Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Órgão julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 19 de maio de 2015. Em semelhantes termos: STJ - REsp 1241873-RS, AgRg no AREsp 478914MG, REsp 1419256-RJ, AgRg no AREsp 251800-SP. 448 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 693.235 - MT (2004⁄0140247-0). Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 17 de novembro de 2009.“FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOS-DIRETORES DE EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). TEORIA MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DE DIREITO OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.” (original sem destaques). Em semelhantes termos: “RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ("disregard doctrine"). HIPÓTESES. 1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao grupo controlador a responsabilidade pela dívida, pressupõe - ainda que em juízo de superficialidade - a indicação comprovada de atos fraudulentos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade. 434 Acrescente-se que como a desconsideração da personalidade jurídica somente pode ser decretada por ato judicial, a matéria também encontra reflexos processuais. Dentro desse contexto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a desconsideração da personalidade jurídica, como simples incidente processual, que pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da ampla defesa449. Portanto, no plano negocial caracterizado pela autonomia da vontade e pelo desejo puro e simples de assumir os riscos decorrentes da concessão do crédito, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, nos exatos moldes concebidos pela legislação brasileira, não é passível de ser aplicada diante da simples ausência de patrimônio (da pessoa jurídica) suficiente para satisfazer o débito regularmente contraído, mesmo que judicialmente cobrado. É que o mero inadimplemento, com consequente prejuízo do credor (empresário ou sociedade empresária), não é, por si só, justo e legal fundamento para se atribuir abusividade à conduta da pessoa jurídica devedora para, por via de consequência, levantar o véu da sociedade. 2. No caso a desconsideração teve fundamento no fato de ser a controlada (devedora) simples longa manus da controladora, sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art. 50 do Código Civil de 2002. 3. Recurso especial conhecido. (REsp 744107⁄SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 20⁄05⁄2008, DJe 12⁄08⁄2008)” 449 STJ. AgRg no REsp 1523930 / RS Agravo Regimental no Recurso Especial 2015/0070976-9. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do julgamento: 16/06/2015. 435 Diante do exposto, é preciso notar que o modelo de responsabilidade previsto na legislação civil-empresarial constitui uma resposta adequada as situações inseridas na categoria de créditos privados de caráter negocias ou comerciais (bancos, fornecedores e prestadores de serviços, constituídos no marco da autonomia da vontade e da liberdade contratual, caracterizadas, outrossim, na maioria das vezes, pela “precificação” do risco, que passa a compor o custo do produto ou serviço (objeto do negócio jurídico celebrado). Porém, nas situações em que o Estado ocupa a condição de credor de um tributo não pago pelo empresário individual ou coletivo: seria, nesse caso, um credor voluntário ou involuntário? Pode-se argumentar que a dívida tributária põe o Estado simplesmente na posição de credor involuntário. Afinal, a tributação decorre de mera incidência da lei sobre ato unilateral, e não de acordo negociado entre o Estado e o empresário individual ou coletivo450. Logo, é plenamente justificável a colocação do tema em análise sob a égide do Código Tributário Nacional. 450 MEYERHOF SALAMA, B., op. cit., pág. 421. 436 6.3.3. Limites e possibilidades de responsabilização patrimonial do integrante da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da Sociedade Empresária Limitada: luzes e sombras sobre a previsão do Código Tributário Nacional e as contribuições do Direito Espanhol. A responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado ou simplesmente administradores, quanto ao pagamento dos débitos tributários, encontra-se disciplinada no Código Tributário Nacional, cujo artigo 135, inciso III, estabelece que: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”. Comparativamente, são diferentes os pressupostos exigidos pelo Código Civil e pelo Código Tributário Nacional para fins de responsabilização patrimonial dos respectivos administradores da pessoa jurídica. Isso decorre da mencionada distinção entre as obrigações que se encontram situadas ora na esfera privada, 437 nomeadamente no regime civil-empresarial, no qual as relações negociais são permeadas pela autonomia da vontade, ora na órbita pública, especialmente no campo tributário, caracterizada pela prerrogativa Estatal de exigir do particular o pagamento de tributos. Não obstante, tal como ocorre no regime civil-empresarial, consolidou-se o entendimento de que o simples inadimplemento da obrigação e a insuficiência de bens da pessoa jurídica para fazer face ao pagamento dos débitos constituídos não são suficientes para responsabilizar o respectivo administrador. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 451, firmada no julgamento do Recurso Especial 1.101.728/SP, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, publicado em 23/3/09, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, “a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.”. Dentro desse contexto, em termos práticos, o redirecionamento da ação de execução fiscal - que visa à cobrança e futura satisfação do crédito tributário - para o adminstrador da pessoa jurídica é cabível apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, ou, ainda, no caso de 451 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.101.728/SP. Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Publicado em 23/3/09. 438 dissolução irregular da pessoa jurídica, não se incluindo - frise-se - o simples inadimplemento de obrigações tributárias. Na linha dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, “a certidão emitida pelo Oficial de Justiça, atestando que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial, é indício de dissolução irregular, apto a ensejar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente, de acordo com a Súmula 435/STJ452.”. Ainda segundo firme orientação jurisprudencial 453, o pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, em ação de execução fiscal, pressupõe a permanência formal do titular da EIRELI ou de determinado sócio na administração da sociedade empresária no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador. Ademais, nessa mesma linha, embora seja necessário demonstrar quem exercia a administração no momento da dissolução da pessoa jurídica, é necessário, antes, que aquele responsável pela dissolução tenha sido também, simultaneamente, o detentor da administração na oportunidade do vencimento do 452 Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”. Em termos semelhantes, consultar a decisão do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1.289.471/PE. Relator Ministro Herman Benjamin, Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em 28/2/2012. DJe 12/4/2012. 453 EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 2/4/2009, DJe 4/5/2009. No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.483.228/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/11/2014; AgRg no REsp 1153339/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 2/2/2010. 439 tributo. É que só se dirá responsável o titular da EIRELI ou sócio da sociedade empresária que, tendo poderes e recursos para tanto, simplesmente deixou de pagar o tributo, desviando a respectiva quantia (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de administração no momento do vencimento do débito), e que, também, conscientemente, optou pela irregular dissolução da pessoa jurídica (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular). Imperioso frisar que a falência, também para os fins e efeitos do Direito Tributário, não configura, por si só, modo irregular de dissolução da pessoa jurídica, pois, além de estar prevista legalmente, consiste, no regime brasileiro, em uma verdadeira faculdade estabelecida em favor do empresário que declara crise econômico-financeira e confessa a impossibilidade de satisfazer débitos assumidos. Com a falência, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento do processo, “só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos.” 454. Nessa toada, considerando a previsão do Código Tributário Nacional em conjunto com o Código Civil e a Lei 11.101/2005 (que regula o regime falimentar), consolidou-se o entendimento jurisprudencial455 no sentido de que, uma vez encerrado o processo falimentar, sem a constatação de bens da pessoa jurídica suficientes à satisfação do crédito tributário, extingue-se a execução fiscal, cabendo 454 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp nº 128.924/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 03/09/2012. 455 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento Nº 1.396.937 - RS (2011⁄00144954). Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 06 de maio de 2014. 440 o redirecionamento para os respectivos administradores tão somente quando constatada a ocorrência de uma das hipóteses previstas no caput do artigo 135, quanto às pessoas relacionadas no respectivo inciso III (os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado), do Código Tributário Nacional. Constata-se, portanto, que apesar da diferença de tratamento da matéria – considerando-se o disposto no Código Civil e no Código Tributário Nacional, os efeitos são semelhantes: (i) o simples inadimplemento da obrigação (negocial ou tributária) não é suficiente para responsabilizar o administrador; e (ii) somente existirá responsabilidade dos administradores da pessoa jurídica diante da prática de ato ilícito, ou seja, mediante fraude, excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Evidentemente, essa não tem se revelado a solução ideal no tocante às obrigações tributárias, pois, na prática, conduzem ao prejuízo suportado pelo Estado e, por conseguinte, por toda sociedade. Considerando-se que o regime de responsabilização se encontra calcado na culpa ou dolo do administrador da pessoa jurídica, porquanto se trata de responsabilidade subjetiva, a questão probatória tem sido um óbice por vezes intransponível para a Fazenda, na tentativa de superar a personalidade jurídica e imputar ao administrador a obrigação de pagar o tributo. 441 Considerando, ainda, o disposto no caput do artigo 135 do CTN, é bem verdade que provar que não houve ato com “excesso de poderes” não é complicado, porque basta um simples exame dos documentos constitutivos da EIRELI ou da sociedade empresária. Porém, a prova do dolo e da fraude exige um esforço muito maior. No contexto da presente tese, seria a crise econômica, setorial ou financeira da empresa prova suficiente para indicar que os tributos não foram dolosamente adimplidos? 456 A resposta pode e deve buscar fundamentos no modelo de conduta do administrador da pessoa jurídica, descrito no Código Civil e na Lei 6.404/76. Lembre-se que é dever do administrador da pessoa jurídica, no exercício de suas atribuições, agir com o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Portanto, se a crise econômica, setorial ou financeira da empresa deriva da violação de tais deveres de cuidado e a diligência, em virtude de conduta culposa ou dolosa, impõe-se, induvidosamente, a responsabilidade do administrador da pessoa jurídica, pois estará configurada a “infração de lei, contrato social ou estatutos”. Certo é que, mesmo preservada a natureza subjetiva da responsabilidade dos adminstradores da pessoa jurídica, melhor técnica legislativa poderia ser empregada no sentido de admitir, de forma direta e tão somente em virtude da decretação da 456 Consultar: MEYERHOF SALAMA, B, op. cit., págs 447-448. 442 falência, a abertura de incidente destinado a investigar a conduta (culposa ou dolosa) dos administradores e, se fosse o caso, determinar a sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos débitos tributários, diante da mera insuficiência dos bens da massa falida. Situada, portanto, a questão no plano da responsabilidade dos administradores da pessoa jurídica quanto aos débitos tributários constituídos até a decretação da falência – assumindo-se que dita decretação implica na cessação das respectivas atividades da empresa, revela-se útil e necessária a análise dos dispositivos da legislação espanhola sobre a matéria, em razão das contribuições que podem ser implementadas no Brasil. Em termos de direito comparado, o regime espanhol prevê, no artigo 176 da LGT, um procedimento para exigir a responsabilidade subsidiaria, nos seguintes moldes: “Artículo 176. Una vez declarados fallidos el deudor principal y, en su caso, los responsables solidarios, la Administración tributaria dictará acto de declaración de responsabilidad, que se notificará al responsable subsidiario. Por seu turno, o Real Decreto 939/2005, de 29 de julio, por el que se aprueba el Regulamento General de Recaudación, estabelece em seu artigo 61.2 que: “Una 443 vez declarados fallidos los deudores principales y los responsables solidarios, la acción de cobro se dirigirá frente al responsable subsidiario.” Já o artigo 124 do referido Regulamento General de Recaudación disciplina o procedimento de declaração de responsabilidade. Por sua vez, o artigo 43457 da Ley General Tributaria da Espanha, com a redação dada pelo artigo 1.3 da Ley 7/2012, de 29 de octubre, disciplina, de forma pormenorizada, a questão da responsabilidade dos administradores de pessoas jurídica, tratando-os como “responsables subsidiarios de la deuda tributaria” da seguinte forma: “Artículo 43. Responsables subsidiarios. 1. Serán responsables subsidiarios de la deuda tributaria las siguientes personas o entidades: a) Sin perjuicio de lo dispuesto en el párrafo a) del apartado 1 del artículo 42 de esta ley, los administradores de hecho o de derecho de las personas jurídicas que, habiendo éstas cometido infracciones tributarias, no hubiesen realizado los actos necesarios que sean de su incumbencia para el cumplimiento de las obligaciones y 457 A última atualização desse artigo foi publicada em 22/09/2015, encontrando-se em vigor desde 12/10/2015, conforme informação contida Ref. BOE-A-2015-10143 (Se modifica la letra e) del apartado 1 por el art. único.5 de la Ley 34/2015, de 21 de septiembre), passando a contar a seguinte redação “(e) Los representantes aduaneros cuando actúen en nombre y por cuenta de sus comitentes. No obstante, esta responsabilidad subsidiaria no alcanzará a la deuda aduaneira.” Dita alteração, porém, não produziu nenhuma consequência para a presente tese. 444 deberes tributarios, hubiesen consentido el incumplimiento por quienes de ellos dependan o hubiesen adoptado acuerdos que posibilitasen las infracciones. Su responsabilidad también se extenderá a las sanciones. b) Los administradores de hecho o de derecho de aquellas personas jurídicas que hayan cesado en sus actividades, por las obligaciones tributarias devengadas de éstas que se encuentren pendientes en el momento del cese, siempre que no hubieran hecho lo necesario para su pago o hubieren adoptado acuerdos o tomado medidas causantes del impago. Consoante se depreende da análise do artigo 43.1, da LGT, estão contempladas duas hipóteses de responsabilidade dos administradores: (i) a decorrente da prática de infrações tributárias [art. 43.1, letra a)] e (ii) a resultante do encerramento de suas atividades com obrigações tributárias pendentes [art. 43.1, letra b) ]. Destaque-se, de pronto, que a figura do administrador de fato, reconhecida na LGT, poderia constar da legislação tributária brasileira, a fim de potencializar a satisfação do crédito tributário458. 458 Acerca da condição de administrador de fato na LGT, consultar: ÁLVAREZ MARTÍNEZ, Joaquín. La responsabilidad de los administradores de las personas juridicas en la ley general tributaria. 3ª. ed. 445 Ademais, mesmo considerando a semelhança entre os regimes (brasileiro e espanhol), no tocante a natureza culposa da responsabilidade dos administradores no marco das letras (a) 459 , e (b) 460 do artigo 43.1 da LGT da Espanha, aqui se constata um maior nível de detalhamento do padrão de conduta do administrador, a justificar a aplicação da responsabilidade subsidiária, modelo esse que poderia ser “importado” para o CTN brasileiro, construindo as bases para a sua aplicação, inclusive, em regimes falimentares. De outro vértice, a cessação das atividades mencionada no art. 43.1, letra b, da LGT, constitui a paralização material da atividade econômica de natureza empresarial ou mercantil, com a extinção e desaparecimento da pessoa jurídica, a qual conserva, todavia, intacta a sua personalidade jurídica. Navarra: Aranzadi, 2012, pág. 73. “La Administración tributaria sólo podrá exigir a los administradores de hecho las responsabilidades contempladas en las letras a) e b) del artículo 43.1 de la Ley arriba citada cuando pueda demostrar, de manera indubitada, que el sujeto al que se deriva la responsabilidad reúne tal condición, labor que, como ya hemos indicado, resultará, en no pocas ocasiones, compleja y dificultosa, razón por la cual han venido a señalarse, desde la óptica jurisprudencial, una serie de circunstancias o indicios que pueden resultar acreditativos de dicha cualidad. Tales circunstancias serían, entre otras, las siguientes: la condición de accionista mayoritario (o, en su caso, familiar cercano y directo -padre/madre- de los socios mayoritarios); el desempeño de las funciones-de-apoderado-general con amplíssimas facultades (por lo general, idénticas a las de los propios administradores formalmente designados); la importancia de la remuneración percibida; y, por último, el trato personal y constante con proveedores y clientes y la relación inmediata con el personal de la sociedade.” 459 Conforme MARTÍN QUERALT, J.; LOZANO SERRANO, C. TEJERIZO LÓPEZ, J.M.; CASADO OLLERO, G.. op. cit., pág 300. 460 Nesse sentido: ÁLVAREZ MARTÍNEZ, J., op. cit., pág. 155. “El hecho de que la letra b) del artículo 43.1 de la LGT hoy vigente ha venido a requerir de forma expresa, para proceder a la exigencia de la mencionada responsabilidad, la presencia de ciertos comportamentos de los administradores que que revelan un evidente comportamento culpable de los mismos desde la perspectiva tributaria.”. (original sem destaques) 446 Segundo o professor ÁLVAREZ MARTÍNEZ, a aplicação do dispositivo em comento, exige que “la persona jurídica cuyas actividades cesaron no se encuentre sometida a un procedimiento concursal o no haya procedido a extinguirse jurídicamente, esto es, que no se hayan llevada a cabo las operaciones de disolución de la misma previstas en la legislación mercantil como antesala de su liquidación”461, pois nesses casos os administradores das pessoa jurídica, cuja falência tenha sido decretada, são substituídos por outros sujeitos e órgãos, como os integrantes da administração concursal462, o que exigiria as adequações necessárias para conciliar com o regime brasileiro. Nesse sentido, o artigo 43.1 da LGT traçou distinção entre os administradores das pessoas jurídicas duas hipóteses distintas de responsabilidade subsidiária: “comisión de infracciones tributarias” e “cese en la actividad de las personas jurídicas”, ressaltando, em relação a cada uma delas, sua correspondente extensão, para o qual utilizou as expressões “deuda tributaria” ou “obligaciones tributarias devengadas pendientes”. Assim sendo, na medida em que se refere a expressão “deuda tributaria”, resulta coerente a conclusão de que conforme estabelece o artigo 58 da LTG, “La 461 462 ÁLVAREZ MARTÍNEZ, J., op. cit., pág. 132. Artigo 43,1, letra c, da LGT: “1. Serán responsables subsidiarios de la deuda tributaria las siguientes personas o entidades: c) Los integrantes de la administración concursal y los liquidadores de sociedades y entidades en general que no hubiesen realizado las gestiones necesarias para el íntegro cumplimiento de las obligaciones tributarias devengadas con anterioridad a dichas situaciones e imputables a los respectivos obligados tributarios. De las obligaciones tributarias y sanciones posteriores a dichas situaciones responderán como administradores cuando tengan atribuidas funciones de administración.” (original sem destaques). 447 deuda tributaria estará constituida por la cuota o cantidad a ingresar que resulte de la obligación tributaria principal o de las obligaciones de realizar pagos a cuenta”, sendo certo, ainda, que a “deuda tributaria” estará integrada: “a) El interés de demora. b) Los recargos por declaración extemporánea. c) Los recargos del período ejecutivo. y d) Los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las cuotas, a favor del Tesoro o de otros entes públicos”. Logo, é forçoso concluir que “los administradores de las personas jurídicas mencionados en la letra a) del artículo 43.1 de la actual LGT deberán hacer frente a todos y cada uno de los elementos enumerados en el precepto arriba transcrito. 463”. Ainda de acordo com a LGT espanhola, conforme agora o artigo 43.2: “Serán responsables subsidiarios de las deudas tributarias derivadas de tributos que deban repercutirse o de cantidades que deban retenerse a trabajadores, profesionales u otros empresarios, los administradores de hecho o de derecho de las personas jurídicas obligadas a efectuar la declaración e ingreso de tales deudas cuando, existiendo continuidad en el ejercicio de la actividad, la presentación de autoliquidaciones sin ingreso por tales conceptos tributarios sea reiterativa y pueda acreditarse 463 ÁLVAREZ MARTÍNEZ, J., op. cit., pág. 233. 448 que dicha presentación no obedece a una intención real de cumplir la obligación tributaria objeto de autoliquidación.”. Diferenciam-se as situações previstas nas letras (a) e (b) do artigo 43.1 com aquela descrita no citado artigo 43.2. da LGT. Enquanto que na letra (a) do artigo 43,1 da LGT, há alusão aos administradores das pessoas jurídicas que praticaram infrações; a letra (b) diz respeito as situações de cessação irregular das atividades, com dívidas tributárias pendentes, estabelecendo-se, em ambas, a necessidade de culpabilidade do agente. Já o artigo 43.2 da LGT, além de exigir a “continuidad en el ejercicio de la actividad”, alude a “presentación de autoliquidaciones sin ingresso”; porém, conforme afirma MIGUEL ARIAS464 “no efectua alusión alguna a la existencia de dolo o culpa en su proceder”, de maneira que “nos encontramos ante un supuesto de responsabilidad que requiere demonstrar una intención fraudulenta en la apresentación de autoliquidaciones sin ingresso por el deudor principal – entidad jurídica”. Diante do exposto, revela-se útil e necessário alterar a legislação brasileira, modernizando-a a partir das contribuições da legislação espanhola, no tocante aos procedimentos necessários à apuração da conduta dos administradores – de fato e direito – das pessoas jurídicas utilizadas com fins empresariais, e, por conseguinte, contemplar as prescrições legais em termos semelhantes ao modelo espanhol, com 464 MIGUEL ARIAS, Sabina de. El nuevo supuesto de responsabilidad tributaria de administradores de personas jurídicas del artículo 43.2 de la LGT. Quincena Fiscal 12. Aranzadi num.12/2013, págs. 15-36. 449 as respectivas consequências jurídicas reservadas aos administradores de fato e de direito das pessoas jurídicas, submetendo-os ao regime de responsabilidade subsidiária. Propõe-se, portanto, a modificação da legislação tributária brasileira para permitir que, em caso de falência da pessoa jurídica por meio da qual a atividade econômica é exercida, seja possível atribuir ao (s) respectivo (s) administrador (es) de fato ou de direito, responsabilidade subsidiária pelos débitos tributários, cuja satisfação não foi possível em virtude da insuficiência de bens integrantes da massa falida. Para tanto, vale dizer, mais uma vez, que a falência, nos termos do artigo 1.044465 do Código Civil, constitui causa de dissolução de pleno direito da sociedade empresária. Aliás, dissolução regular, conforme já se pronunciou a jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a saber: "[…] a falência não configura modo irregular de dissolução de sociedade, pois, além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do 465 Código Civil. Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência. 450 comerciante impossibilitado de honrar compromissos assumidos.” 466. Não obstante, ainda de acordo com a jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça, tal e como anteriomente já foi assinalado: “[…] com a quebra, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos.” 467 Isso significa que caso não ocorra alteração legislativa, persisirá o entendimento jurisprudencial de que a falência somente autoriza a responsabilidade dos administradores em caso de prática de ato ou fato “eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos”. Contraditoriamente, a Lei Complementar 123/2006, ao disciplinar os procedimentos de dissolução regular e voluntária da microempresa ou da empresa de pequeno porte (fora do âmbito falimentar), com a consequente baixa do registro empresarial e extinção da empresa, estabeleceu, em seu artigo 9º., § 4o e § 5, a 466 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp nº 128.924/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 03/09/2012. 467 Idem. 451 responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores, nos seguinte termos: “Art. 9o O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão dos 3 (três) âmbitos de governo ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos titulares, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção. § 4o A baixa do empresário ou da pessoa jurídica não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados tributos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da falta do cumprimento de obrigações ou da prática comprovada administrativo ou e judicial apurada de outras em processo irregularidades praticadas pelos empresários, pelas pessoas jurídicas ou por seus titulares, sócios ou administradores 452 § 5o A solicitação de baixa do empresário ou da pessoa jurídica importa empresários, responsabilidade dos administradores no titulares, dos período da solidária sócios dos e dos ocorrência dos respectivos fatos geradores.”. 468 Portanto, considerando o acima exposto e partindo do pressuposto de que a falência constitui causa de dissolução regular da sociedade empresária, reforça-se, ainda mais, a coerência da proposta de alteração legislativa para atribuir responsabilidade subsidiária aos administradores – de fato ou de direito – da pessoa jurídica em casos de decretação da falência, sobretudo porque fora do regime falimentar, isto é, no marco da Lei Complementar 123/2006, a responsabilidade é mais severa – já que de caráter solidário – e a sua aplicação ocorre independentemente da prova de prática de ato ou fato “eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos”. Assim, haveria harmonia entre os regimes (da Lei Complementar 123/2006 e da Lei 11.10/2005) diante da falência da pessoa jurídica enquadrada como microempresa ou da empresa de pequeno porte, cuja tentativa de recuperação não logrou êxito, porquanto seria possível, independentemente da prova de prática de ato ou fato “eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos”, admitir a responsabilidade patrimonial do(s) respectivo(s) administrador 468 Sem destaques no original. 453 no tocante às obrigações tributárias469, apenas e tão somente em virtude da insuficiência de bens e direitos integrantes da massa falida para satisfazer o crédito tributário. 469 Obrigações tributárias que foram constituídas com base em um tratamento jurídico favorecido e diferenciado (SIMPLES Nacional) e, em face do pedido de recuperação judicial, ainda foi autorizada a adesão a um específico regime legal de parcelamento de débitos em condições especiais. 454 CONCLUSÕES Alcançado o ponto final do presente trabalho, mostra-se necessário oferecer uma reflexão que ponha relevo nos aspectos centrais desenvolvidos, notamente quanto aos problemas apresentados e nas soluções apontadas. Resgatando os aspectos iniciais da pesquisa, constata-se que a intervenção do Estado na economia, no marco da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, deve ser concentrada substancialmente nos serviços públicos essenciais em favor da sociedade, deixando a cargo dos agentes econômicos de caráter privado a exploração da atividade voltada à produção e comercialização de bens ou serviços. Com efeito, ao concentrar esforços nos serviços públicos essenciais o Estado pode atuar com maior nível de eficiência, o que implica na redução de custos e melhoria contínua da qualidade de tais serviços. Por outro lado, ao assegurar a atuação dos agentes privados em geral e, em particular, dos microempresários e empresários de pequeno porte, o Estado incentiva a criatividade empreendedora e o avanço tecnológico, criando um ambiente atrativo para a prática da livre concorrência no mercado e, por conseguinte, apto à geração de emprego e renda. Se não bastasse, ao garantir e estimular a atividade econômica, o Estado obtém ganhos financeiros, já que o agente econômico frequentemente ocupa a posição de sujeito passivo na relação tributária, razão pela qual o crescimento empresarial implica na expansão da arrecadação tributária. 455 Não significa, porém, que os agentes possam atuar sem quaisquer regras, pois isso levaria a inevitáveis distorções e consequente domínio do mercado por aqueles que dispusessem de maior disponibilidade de recursos - os detentores do capital ou macro empresas que atuam frequentemente em escala mundial, impondo aos microempresários e empresários de pequeno porte dificuldades quanto ao desenvolvimento da atividade e impedindo o crescimento econômico de tais agentes. Não por outra razão, é fundamental que o Estado exerça um papel regulador da atividade econômica, a fim de criar um ambiente estável, previsível e seguro para os negócios. Isso significa que é dever do Estado respeitar e garantir os direitos de propriedade, assegurar a força obrigatória dos contratos, manter um regime concorrencial que equilibre as assimetrias econômicas entre micro e macro empresas. Some-se a isso a necessidade de criação, manutenção e contínuo aperfeiçoamento de um regime de tributação centrado na simplificação de procedimentos, na justiça e na igualdade. Diante de tantos desafios, reforça-se a constatação de que o Estado deve concentrar seus esforços nos serviços públicos, atuando diretamente no mercado – por meio das empresas públicas ou sociedade de economia mista – apenas excepcionalmente, ou seja, nos exatos limites do artigo 173 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, isto é, quando estiverem presentes os “imperativos da segurança nacional” ou “relevante interesse coletivo”. 456 Assim, essa questão do Estado criar direito (no sentido do Estado ter capacidade de promover situações novas, segundo as quais o homem pode exercer melhor suas liberdades, considerando que liberdade é sinônimo de poder do indivíduo) e a ele se submete, salvo nas teorias autoritárias, parece a melhor prática para assegurar o exercício da democracia (prática democrática). Dessa maneira, pode ser dito que o Estado “cria” o direito e não convém a ele próprio destruí-lo, uma vez que o direito pode ser instrumento para alcançar o desejável desenvolvimento econômico, com desdobramentos sociais.470 Nessa perspectiva, vale dizer que cabe ao Estado ampliar áreas em que liberdades podem ser exercidas, especialmente quando garante e estimula a atividade econômica por meio das microempresas ou empresas de pequeno porte ou simplesmente PYMES. É que, consoante foi demonstrado, as microempresas e as empresas de pequeno porte têm inegável importância na política econômica nacional pelo que representam na geração de emprego, notadamente quando se compara com os resultados produzidos pelas médias e grandes empresas ao longo de 2011 a 2015, o que repercute diretamente sobre a distribuição de renda no país, como também na participação do Produto Interno Bruto. Aliás, dentro de uma perspectiva comparativa, ficou claramente demonstrado que tanto no Brasil como na Espanha, as microempresas e as empresas de pequeno porte (PYMES) têm sido responsáveis pela geração de emprego e renda, nos mais variados segmentos da economia, justificando-se a adoção de um 470 ANGARITA, A.; PINTO SICA L. P.; DONAGGIO, A.; op. cit., pág. 15. 457 tratamento diferenciado e favorecido, a fim de mantê-las em marcha, bem como permitir a expansão das mesmas. Seguindo o fio condutor do presente trabalho, ou seja, atuando no âmbito das repercussões tributárias em decorrência da relação entre a empresa e o Estado, foi posto em evidência o real alcance da expressão empresa, a partir das bases no direito mercantil ou empresarial. Constatou-se, assim, que a empresa é, acima de tudo, um fenômeno econômico, caracterizado pela produção e/ou a circulação de bens ou serviços, exercida de forma individual ou coletiva, com o propósito – nem sempre realizável – de obter lucro a partir da conjugação de certos fatores de produção. Nesse sentido, muito embora a teoria da empresa abarcada pelo Código Civil brasileiro limite o seu campo de incidência às atividades de indústria, comércio e serviços, excluídos os de natureza intelectual, artística, científica ou literária, é cada vez mais firme e clara a tendência de inserir no contexto empresarial essas atividades excluídas, submetendo-as à legislação mercantil ou empresarial. Prova disso é a previsão da Lei Complementar 123/2006 que assegura a possibilidade de enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno porte não apenas as atividades comerciais e industriais, como também os prestadores de serviços, inclusive os de caráter intelectual, artístico, científico e literário. Avançando sobre as repercussões tributárias da empresa, a pesquisa situa o empresário, individual ou coletivamente considerado, como sujeito passivo da relação tributária. Dentro desse contexto, além de identificar as simetrias e 458 assimetrias dos regimes tributários do Brasil e da Espanha no tocante ao crédito tributário, a pesquisa demonstrou que a tributação de bens e serviços, aplicada, portanto, sobre a alienação, transferência, produção de bens ou prestação de serviços, ou seja, revestida de caráter preponderantemente empresarial, alcançou, no ano de 2013, o percentual de 51,28% do resultado da arrecadação obtida, conforme estudo divulgado no mês de dezembro de 2014 pelo centro de estudos tributários e aduaneiros da Receita Federal do Brasil (órgão do Ministério da Fazenda), representando, assim, mais da metade da receita tributária brasileira. Ainda dentro do contexto da relação tributária (Estado – Empresa), a pesquisa utilizou dados consolidados pelo Banco Mundial (no estudo Doing Business 2015) que, ao estabelecer comparação entre vários países, inclusive Brasil e Espanha, constatou que o Brasil precisa avançar, com urgência, no quesito “tempo” (medido em horas por ano) gasto para preparar, declarar e pagar as três principais espécies de impostos e contribuições (imposto de renda da empresa, imposto sobre valor agregado ou sobre vendas e os impostos trabalhistas). Isso porque, uma empresapadrão brasileira (que não pode ou não quer ser enquadrada no SIMPLES nacional) leva 2.900 horas por ano para o desenvolvimento dessa tarefa, ou seja, preparar, declarar e pagar os referidos de impostos e contribuições, enquanto que uma empresa com características semelhantes na Espanha precisa dispender apenas 167 horas por ano. Nesse ponto, é claramente perceptível a vantagem na utilização do SIMPLES Nacional, como regime tributário das microempresas e das empresas de pequeno porte, que implica o recolhimento mensal, mediante documento único de 459 arrecadação, do imposto de renda da empresa, imposto sobre valor agregado ou sobre vendas e os impostos trabalhistas, porquanto reduz significativamente o tempo gasto para prepará-los, declará-los e pagá-los, concluindo-se pela necessidade de expansão do regime, cuja iniciativa já foi posta em marcha, conforme os termos do projeto de lei 25/2007 - em tramitação no Congresso Nacional - que estabelece novos critérios para enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequno Porte, alterando a receita bruta anual máxima de R$ 360.000,00 para R$ 900.000,00 (em caso de Microempresa) e de R$ 3.600.000,00 para R$ 14.000.000,00 (em caso de Empresa de Pequeno Porte) 471 . No tocante ao peso da carga tributária, também foram utilizados os dados do Banco Mundial (no estudo Doing Business 2015) para constatar que a taxa tributária total medida pelo valor dos impostos e das contribuições obrigatórias pagos por uma empresa-padrão (não optante do SIMPLES Nacional) no segundo ano de operação, expressos como uma parcela dos lucros comerciais, ou seja, o lucro líquido antes do pagamento de todos os impostos, é maior do que a carga suportada pelas microempresas e empresas de pequeno porte optante pelo SIMPLES Nacional, que estão submetidas as alíquotas máximas de 11,61% (no setor de comércio), 12,11% (no setor industrial) e 17,42% (no setor de serviços). Por outro lado, a pesquisa também reconhece que a redução no ritmo da atividade econômica no Brasil tem levado muitas empresas, inclusive as 471 Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra? codteor=1379809&filename=EMA+1/2015+%3D%3E+PLP+25/2007. Consulta em: 07/09/2015. 460 enquadradas na condição de microempresas ou empresas de pequeno porte, a recorrerem ao regime da recuperação judicial, regulado pela Lei 11.101/2005. Porém, tal como foi constatado, impressiona o fato de que um país como o Brasil, cujo tecido empresarial é composto predominantemente por microempresários ou empresários de pequeno porte, que respondem pelo significativo percentual de 99% de todos os estabelecimentos instalados no território brasileiro; 52% dos empregos formais de estabelecimentos privados não agrícolas do país e de quase 42% da massa de salários paga aos trabalhadores destes estabelecimentos, as medidas de saneamento e reestruturação empresarial não sejam planejadas pelo legislador com o propósito de assegurar a recuperação desses microempresários ou empresários de pequeno porte. O problema é que o critério determinante para recuperação da empresa é hoje, numa palavra, a vontade dos credores negociais, submetido ao regime. Mais precisamente, cabe aos credores o poder fundamental de decidir destino da empresa, optando pela recuperação quando – e só quando – a recuperação seja de seu interesse, porquanto, paradoxalmente, as microempresas e as empresas de pequeno porte terminam ficando em desvantagem, pois em se tratando de uma grande empresa, o risco de crédito e a eventual perda para o credor terão maior repercussão e exatamente por isso encontrará maior disposição para estabelecer negociações tendentes à solução do débito. Nas hipóteses em que é possível presumir o desequilíbrio econômico das partes (credores e devedor) em torno de uma ampla negociação da dívida, 461 especialmente quando a parte vulnerável é o devedor (microempresário ou empresário de pequeno porte) torna-se necessário que a assimetria seja reduzida por meio de previsões legais de caráter vinculante, isto é, compulsoriamente aplicadas às partes, submetendo-as a determinadas condições diante da prova inconteste do preenchimento de pressupostos objetivos, notadamente a demonstração do potencial de recuperabilidade, a fim de garantir a superação da crise e a manutenção da empresa. Para além de um modelo de refinanciamento das dívidas das microempresas e das empresas de pequeno porte como meio de recuperação da empresa, foi constatada, por outro lado, a necessidade de estimular a capitalização de tais microempresas e das empresas de pequeno porte como elemento concretizador dessa recuperação da empresa. Portanto, a proposta de um novo regime especial de recuperação para as microempresas e as empresas de pequeno porte, partindo dessas premissas, revela-se necessária e urgente. Não obstante, a pesquisa constata que as manifestações do Superior Tribunal de Justiça se consolidaram de maneira extramente desfavorável para o crédito tributário, que embora não esteja formalmente abrangido pelo regime da recuperação judicial em face da sua indisponibilidade, tem enfrentado dificuldades na sua satisfação, dada a impossibilidade de alcançar bens do devedor-empresário. 462 Se é certo que cabe ao Estado incentivar a atividade econômica desenvolvida por empresários, sobretudo enquadrados na condição de microempresas ou empresas de pequeno porte, não menos certo é que a criação de óbice judicial a satisfação do crédito tributário em virtude de posicionamento jurisprudêncial consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, acarreta prejuízo ao Estado e, por conseguinte, socializa os riscos da atividade econômica com a sociedade, dada a perda arrecadatória. Por isso, a atuação do Estado em matéria de estímulos tributários aos empresários, ainda que enquadrados na condição de microempresas ou empresas de pequeno porte, além de universal, deve ser concentrada em temas como simplificação e redução do peso da carga, ou seja, em medidas tributárias que afastem a necessidade da recuperação judicial. Porém, caso não reste outra opção ao empresário em crise, as medidas fiscais devem preservar o critério da universalidade para, no máximo, assegurar, mediante lei específica, condições especiais de pagamento dos tributos em atraso, o que implica na concessão de prazos e reduções de encargos, nos moldes fixados na Lei 13.043, que incluiu o artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, criando parcelamento específico para as empresas que obtiverem o deferimento da recuperação judicial. 463 Idealmente, o caminho exige a promoção de alteração legislativa que estabeleça, além dos pressupostos legais previstos no artigo 48 da Lei 11.101/2005 para admitir o processamento de uma recuperação judicial da empresa, travas de caráter econômico-financeiro destinadas a efetiva comprovação da recuperabilidade da empresa, a fim de evitar a manutenção – no mercado – de empresários que em verdade devem ser submetidos ao regime falimentar voltado à liquidação patrimonial e consequente extinção da atividade; permitindo, assim, que outros empresários possam preencher o “espaço” deixado em virtude da extinção daquela empresa, o que implica na verdadeira solução de mercado e do estímulo à concorrência . Conclui-se, ainda, que o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de admitir a recuperação judicial da empresa em crise, independentemente da regularidade tributária, acarreta a distorção no mercado ao permitir que empresas irrecuperáveis sejam artificialmente mantidas, implicando, outrossim, em prejuízo ao regime da livre concorrência, na medida em que “desonera” indevidamente a empresa do pagamento dos tributos enquanto que as demais suportam a carga tributária decorrente do regular exercício da atividade econômica. Por fim, conclui-se que diante do eventual insucesso da recuperação judicial será aberto processo falimentar – também regulado pela Lei 11.101/2005. Porém, constata-se que as medidas tendentes a atribuir responsabilidade pessoal, de caráter patrimonial, aos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado ou simplesmente administradores, quanto ao pagamento dos 464 débitos tributários, têm se revelado insuficientes e ineficazes. Assim é que, a partir das contribuições da legislação espanhola, a pesquisa aponta para o caminho da alteração legislativa que, ao contemplar a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado ou simplesmente administradores, quanto ao pagamento dos débitos tributários, previna a ocorrência de práticas fraudulentas e minimize os impactos negativos da insolvência. 465 BIBLIOGRAFIA ABRAHAM, MARCUS. O planejamento tributário e o direito privado. São Paulo: Quartier Latin, 2007. ABRÃO. Carlos Henrique. Lei de recuperação judicial exige uma inadiável reforma. Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2014, 9h30. 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NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 702.604 / AM – AMAZONAS. Relator(a): Ministro Joaquim Barbosa. Julgamento: 25/09/2012. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJe 25/10/2012. STF. Recurso extraordinário RE 640.452 RG / RO, em data de 06/10/2011, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa. STF. ADPF 46 / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Ministro Marco Aurélio. Relator(a) p/ Acórdão: Ministro Eros Grau. Julgamento: 05/08/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJe-035. Divulgação 25-02-2010. STF. ADI número 3934 / DF - Distrito Federal. Relator(a): Ministro Ricardo Lewandowski. Data do julgamento: 27/05/2009. STF. Recurso: AI 671240 / SP - SÃO PAULO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 06/04/2009. Publicação: DJe-075 DIVULG 23/04/2009 PUBLIC 24/04/2009. STF. Recurso: AI 512985 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO. AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Órgão Julgador: Turma. Data do Julgamento: 16/10/2007. Segunda 495 STF. AI 452642 AgR / MG - MINAS GERAIS. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 13/12/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 24-022006, PP-00033. EMENT VOL-02222-06 PP-01046. RT v. 95, n. 851, 2006, p. 150151. STF. Recurso AI 360461 AgR / MG - MINAS GERAIS, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, em Julgamento realizado em: 06/12/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. STF. RE 407099 / RS - RIO GRANDE DO SUL. Relator(a): Ministro Carlos Velloso. Julgamento: 22/06/2004. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJ 06-082004. PP-00062. STF. ADI 1643 / UF INCONSTITUCIONALIDADE. - UNIÃO Relator(a): FEDERAL. AÇÃO Min. MAURÍCIO DIRETA DE CORRÊA. Julgamento: 05/12/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 14-032003 PP-00027. EMENT VOL-02102-01 PP-00032. STF. ADI 1643 MC / UF - UNIÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 30/10/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 19-121997 PP-00041. EMENT VOL-01896-01 PP-00126. 496 SUPERIOR TRIBUNAL JUSTIÇA STJ. EDcl nos EDcl no AgRg no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 119.202 - SP (2011⁄0235349-0). Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. 16 de junho de 2015. Órgão julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 19/06/2015. STJ. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 408.304 - SE (2013⁄03409860).Relatora Ministra Assusete Magalhães. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 18 de junho de 2015. STJ. AgRg no REsp 1523930 / RS Agravo Regimental no Recurso Especial 2015/0070976-9. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do julgamento: 16 de junho de 2015. STJ. AgRg no AREsp 588.587/RS Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 2014/0247034-7. Relator Ministro Raul Araújo. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do julgamento: 21 de maio de 2015. 497 STJ. AgRg no Recurso Especial Nº 1.386.576 - SC (2013⁄0177463-0). Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Órgão julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 19 de maio de 2015. STJ. Recurso de Agravo Regimental no conflito de competência nº 136.040 GO (2014⁄0240987-0). Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador: Segunda Seção. Data do Julgamento: 13 de maio de 2015. STJ. AgRg no CC 129.079/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO. Data do Julgamento:11 de março de 2015, DJe 19/03/2015. STJ. EDcl nos EDcl no CC 128.618/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO. Data do Julgamento: 11 de março de 2015, DJe 16/03/2015. STJ. AgRg no CC 125.205/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 03/03/2015. STJ. Recurso de Embargos de Declaração no Recurso Especial Nº 1.505.290 - MG (2014⁄0267904-0). Relator: Ministro Herman Benjamin. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 28 de abril de 2015. 498 STJ. AgRg no REsp 1.519.405/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma. Data do julgamento: 28 de abril de 2015, DJe 06/05/2015. STJ. AgRg no REsp 1.462.032/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma. Data do julgamento: 05 de fevereiro de 2015, DJe 12/02/2015. STJ. EDcl no AgRg no CC 132.094/AM, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, DJe 16/12/2014. STJ. AgRg no REsp 1.483.228/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/11/2014. STJ. AgRg no CC 124.052/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Seção. Data do julgamento: 22 de outubro de 2014, DJe 18/11/2014. STJ. AgRg no REsp 1.462.017/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, Segunda Turma. Data do julgamento: 14 de outubro de 2014, DJe 12/11/2014. 499 STJ. AgRg no CC 129.622/ES, Segunda Seção, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 29/09/2014. STJ. AgRg no REsp 1.453.496/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 29/09/2014. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.433.652 / RJ RECURSO ESPECIAL 2013/0200388-3. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 18 de setembro de 2014. STJ. Recurso Especial Nº 1.359.311 - SP (2012⁄0046844-8). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 09 de setembro de 2014. STJ. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.376.488 - DF (2013⁄0095627-3). Relator: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 26 de agosto de 2014. STJ. AgRg no Agravo de Instrumento Nº 1.396.937 - RS (2011⁄0014495-4). Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 06 de maio de 2014. STJ. EDcl no REsp 1.505.290/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 28/04/2015, DJe 22/05/2015. 500 STJ. AgRg no AREsp 352.264⁄SE. Relator Ministro Herman Benjamin, Órgão Julgador: Segunda Turma. DJe de 27⁄03⁄2014. STJ. Recurso: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 187.172 - DF (2012⁄0117403-3). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do Julgamento: 18 de fevereiro de 2014. STJ. AgRg no Resp 1.462.032/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dje 12/02/2015. STJ. Recurso Especial nº 1.388.051 - GO (2013⁄0169896-0). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 10 de setembro de 2013. STJ. Recurso em Mandado de Segurança nº 29.568 - AM (2009⁄0096410-0). Relator: Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 20 de agosto de 2013. Data da Publicação/Fonte: DJe 30 de agosto de 2013. STJ. Recurso Especial nº 1.187.404 - MT (2010⁄0054048-4). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 19 de junho de 2013. 501 STJ. Recurso Especial nº 1.359.041 - SE (2012⁄0267889-1). Relator Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 18 de junho de 2013. STJ. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 116.036 - SP (2011⁄00380132) . Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 12 de junho de 2013. STJ. RECURSO ESPECIAL 1.312.591 - RS (2012⁄0046226-0). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 11 de junho de 2013. STJ. EDcl no REsp 1.359.259/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma. Data do Julgamento: 2 de maio de 2013, DJe 7/5/2013. STJ. Recurso Especial n. 1.359.273/SE. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Relator para o Acórdão Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador: Primeira Turma, DJe 14.5.13). STJ. AgRg no CC 133.509/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25 de março de 2015, DJe 06/04/2015. STJ. Recurso: AGRG NO ARESP 42.985/RS. Relator: Ministro Humberto Martins. Órgão julgador: T2 - Segunda Turma. Data da publicação: 1º. de março de 2013. 502 STJ. Recurso: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 16.808 - GO (2011⁄0074843-7). Relator: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Órgão julgador: T1 - PRIMEIRA Turma. Data do julgamento: 19 de fevereiro de 2013. STJ. Recurso Especial 1.223.792/MS. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Órgão julgador: Segunda Turma. DJe de 26 de fevereiro de 2013. STJ. AgRg no AREsp nº 128.924/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 03 de setembro de 2012. STJ. Recurso Especial nº 1.374.259 - MT (2011⁄0306973-4). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 13 de junho de 2012. STJ. Recurso Especial nº 1.314.209 - SP (2012⁄0053130-7). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 22 de maio de 2012. STJ. AgRg no REsp 1.289.471/PE. Relator Ministro Herman Benjamin, Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em 28 de fevereiro de 2012. DJe 12/4/2012. STJ. Recurso Especial nº 1.251.513⁄PR. Relator: Ministro Mauro Cambpell Marques. Órgão julgador: Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do julgamento: 10 de agosto de 2011. 503 STJ. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 112.638 - RJ (2010⁄0111796-0). RELATOR MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 10 de agosto de 2011. STJ. Recurso Especial Nº 1.180.714 - RJ (2010⁄0022474-9). Relator(a): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data do julgamento: 05 de abril de 2011. STJ. Recurso Especial nº 1.200.850/SP. Relator: Ministro Massami Uyeda. Órgão julgador: T3 - Terceira Turma. Data da publicação: 22 de novembro de 2010. STJ. Recurso Especial nº 363.206 - MG (2001⁄0148271-0). Relator Ministro Humberto Martins. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 04 de maio de 2010. STJ. AgRg no REsp 1153339/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 2/2/2010. STJ. Recurso Especial nº 693.235 - MT (2004⁄0140247-0). Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 17 de novembro de 2009. 504 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 785.101 - MG (2005/0157147-3). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 19 de maio de 2009. STJ. EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 2 de abril de 2009, DJe 4/5/2009. STJ. RECURSO ESPECIAL 1.101.728⁄SP. Relator: Ministro Teori Albino Zavascki. Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do julgamento: 11 de março de 2009. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 901.068 - PR (2006⁄0248171-5). Relator: Ministro Luiz Fux. Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do julgamento: 04 de dezembro de 2008. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 744.107⁄SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 20 de maio de 2008, DJe 12⁄08⁄2008. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 983.814 - MG (2007/0218339-7). Relator: Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 04 de dezembro de 2007. STJ. RECURSO ESPECIAL 526.223 / RS (2003/0043026-3). Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data do Julgamento: 26 de abril de 2005. 505 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 623.367⁄RJ. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Órgão julgador: T1 - Segunda Turma. Data do Julgamento: 15 de junho de 2004. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 247.685/AC. Relator Ministro: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Decisão em: 5.6.2000. 506 ANEXO 507 RESUMO DA ARRECADAÇÃO DO SIMPLES NACIONAL 472 Valores em R$ milhões QUANTIDADE DE "DAS" MÊS MUNICÍESTADOS PIOS UNIÃO TOTAIS ago/07 1.377.700 1.026,38 302,84 90,63 1.419,85 set/07 1.603.621 1.261,05 371,97 113,5 1.746,53 out/07 1.572.319 1.173,42 342,73 107,8 1.623,95 nov/07 1.537.446 1.268,18 378,48 113,17 1.759,83 dez/07 1.592.756 1.320,75 392,81 116,4 1.829,96 7.683.842 6.049,78 1.788,83 541,51 8.380,12 jan/08 1.601.645 1.462,53 441,93 125,53 2.030,00 fev/08 1.553.769 1.214,55 347,59 114,93 1.677,07 mar/08 1.604.156 1.215,61 341,52 116,45 1.673,59 abr/08 1.621.108 1.318,69 372,82 124,68 1.816,19 mai/08 1.637.878 1.394,65 391,97 130,86 1.917,47 jun/08 1.685.901 1.459,82 407,97 133,42 2.001,21 jul/08 1.697.033 1.493,35 409,76 139,28 2.042,39 ago/08 1.669.044 1.568,20 429,2 144,97 2.142,38 set/08 1.710.336 1.593,84 433,8 149,17 2.176,81 out/08 1.701.926 1.629,15 442,42 153,73 2.225,30 nov/08 1.677.694 1.658,02 444,36 153,84 2.256,22 dez/08 1.719.298 1.640,06 437,25 151,79 2.229,09 TOTAL 2007 TOTAL 2008 19.879.788 17.648,47 4.900,58 1.638,66 24.187,71 jan/09 1.032.638 909,26 236,62 90,44 1.236,32 fev/09 1.134.247 1.224,65 336,83 104,87 1.666,34 mar/09 2.748.979 2.302,32 591,2 222,32 3.115,84 abr/09 1.707.755 1.547,13 394,24 150,61 2.091,97 mai/09 1.738.527 1.555,22 390,81 151,43 2.097,47 jun/09 1.703.919 1.602,58 405,5 151,34 2.159,42 jul/09 1.777.662 1.674,00 420,02 158,8 2.252,81 ago/09 1.748.033 1.727,16 431,01 163,75 2.321,93 set/09 1.749.298 1.729,62 429,62 162,83 2.322,07 out/09 1.720.780 1.728,32 424,52 163,39 2.316,23 nov/09 1.831.462 1.928,13 473,35 178,73 2.580,21 dez/09 TOTAL 2009 1.879.753 20.773.053 1.999,28 19.927,66 490,03 5.023,76 185,74 1.884,24 2.675,05 26.835,66 jan/10 1.849.874 2.246,13 563,57 197,68 3.007,38 fev/10 1.776.107 1.696,33 397,18 166,29 2.259,79 mar/10 1.967.169 1.775,07 411,48 179,17 2.365,72 abr/10 1.841.110 1.974,18 468,29 190,64 2.633,10 mai/10 2.188.429 2.160,59 486,92 204,51 2.852,03 jun/10 2.274.955 2.309,73 554,19 222,8 3.086,72 jul/10 2.141.527 2.180,50 508,09 212,78 2.901,36 472 Fonte: Receita Federal do Brasil. Disponível http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/. Consulta em: 07/09/2015. em: 508 ago/10 2.181.378 2.293,03 532,33 223,92 3.049,28 set/10 2.206.403 2.401,50 559,47 234,35 3.195,32 out/10 2.243.779 2.472,59 572,06 243,89 3.288,55 nov/10 2.317.347 2.484,03 574,71 240,39 3.299,13 dez/10 2.541.766 2.703,91 630,55 258,42 3.592,88 25.529.844 26.697,59 6.258,83 2.574,83 35.531,25 jan/11 2.412.803 2.954,71 705,56 271,93 3.932,20 fev/11 2.296.967 2.182,20 483,51 223,49 2.889,20 mar/11 2.405.299 2.273,92 506,11 236,05 3.016,08 abr/11 2.349.940 2.412,91 539,58 247,65 3.200,14 mai/11 2.480.806 2.482,29 553,97 255,83 3.292,09 jun/11 2.610.396 2.735,17 623,75 276,24 3.635,16 jul/11 2.654.821 2.695,19 602,35 275,25 3.572,79 ago/11 2.716.384 2.763,08 608,34 285,77 3.657,19 set/11 2.702.795 2.837,06 624,89 290,36 3.752,30 out/11 2.717.231 2.798,67 608,79 291,23 3.698,70 nov/11 2.770.779 2.816,13 614,87 289,79 3.720,80 dez/11 TOTAL 2011 2.867.012 30.985.233 2.964,51 31.915,83 660,05 7.131,78 303 3.246,60 3.927,56 42.294,20 jan/12 2.861.442 3.345,57 762,02 324,04 4.431,63 fev/12 882.971 158,06 25,52 19,78 203,36 mar/12 4.631.991 4.667,67 987,96 505,99 6.161,62 abr/12 2.988.363 2.814,99 599,54 304,29 3.718,82 mai/12 3.092.347 2.754,09 578,2 302,68 3.634,98 jun/12 2.969.426 2.934,88 631,75 311,21 3.877,83 jul/12 3.078.160 2.880,43 606,54 311,34 3.798,30 ago/12 3.172.837 2.998,64 629,03 324,78 3.952,46 TOTAL 2010 set/12 3.078.326 3.111,12 656,15 331,4 4.098,67 out/12 3.344.071 3.095,34 642,77 335,18 4.073,28 nov/12 3.266.196 3.226,57 678,67 340,45 4.245,69 dez/12 3.291.405 3.270,30 694,38 339,42 4.304,10 36.657.535 35.257,65 7.492,53 3.750,55 46.500,74 jan/13 3.515.525 3.627,52 793,22 365,92 4.786,66 fev/13 3.210.560 2.914,41 595,85 312,97 3.823,23 mar/13 3.553.961 2.884,35 578,28 319,47 3.782,10 TOTAL 2012 abr/13 3.719.636 3.221,09 662,56 344,24 4.227,90 mai/13 3.708.619 3.371,76 697,35 360,94 4.430,05 jun/13 3.593.025 3.418,00 713,46 361,72 4.493,18 jul/13 3.786.242 3.370,35 689,76 365,99 4.426,10 ago/13 3.830.525 3.566,43 728,69 379,09 4.674,21 set/13 3.802.707 3.604,02 746,95 383,81 4.734,78 out/13 4.079.740 3.682,92 749,28 397,66 4.829,86 nov/13 4.049.927 3.851,25 796,11 408,38 5.055,74 dez/13 TOTAL 2013 4.168.176 3.902,56 807,87 409,1 5.119,53 45.018.643 41.414,66 8.559,39 4.409,31 54.383,35 509 jan/14 4.410.555 4.294,97 912,69 439,05 5.646,71 fev/14 4.060.479 3.517,37 695,33 384,97 4.597,67 mar/14 4.200.327 3.555,64 699,36 397,16 4.652,17 abr/14 3.523.218 3.217,70 637,81 365,13 4.220,65 mai/14 5.172.056 4.144,40 821,38 454,27 5.420,04 jun/14 4.221.860 3.872,16 786,12 417,62 5.075,90 jul/14 4.463.860 3.716,46 728,88 417,3 4.862,64 ago/14 4.437.772 3.944,80 783,13 431,77 5.159,70 set/14 4.600.347 4.060,61 806,98 445,31 5.312,89 out/14 4.473.375 4.139,72 817,91 460,35 5.417,98 nov/14 4.565.747 4.452,42 890,11 482,51 5.825,04 dez/14 4.722.210 4.425,46 889,95 475,87 5.791,29 52.851.806 47.341,71 9.469,66 5.171,31 61.982,68 jan/15 4.907.330 4.921,97 1.016,85 518,02 6.456,83 fev/15 4.621.059 4.089,57 752,78 489,9 5.332,25 mar/15 5.300.103 4.067,63 726,06 508,31 5.302,00 abr/15 4.995.762 4.381,29 806,55 533,91 5.721,75 mai/15 4.994.766 4.300,12 782,51 531,73 5.614,36 jun/15 4.894.142 4.371,94 813,04 532,69 5.717,67 jul/15 SUBTOTAL 2015 TOTAL GERAL 4.998.608 4.386,85 804,74 541,32 5.732,92 34.711.770 30.519,37 5.702,53 3.655,88 39.877,78 274.091.514 256.772,72 56.327,89 TOTAL 2014 26.872,89 339.973,50