Ruidera - Universidad de Castilla

Transcrição

Ruidera - Universidad de Castilla
UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA
FACULTAD DE CIENCIAS JURÍDICAS Y SOCIALES
RÉGIMEN ESPECIAL DE TRIBUTACIÓN COMO MECANISMO DE
DESARROLLO DE LAS PYMES BRASILEÑAS Y LOS RETOS DE LA
PROTECCIÓN DEL CRÉDITO TRIBUTARIO EN LOS PROCESOS
CONCURSALES.
RONEY JOSÉ LEMOS RODRIGUES DE SOUZA
TOLEDO/ESPANHA, 2015
2
UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA
FACULTAD DE CIENCIAS JURÍDICAS Y SOCIALES
RÉGIMEN ESPECIAL DE TRIBUTACIÓN COMO MECANISMO DE
DESARROLLO DE LAS PYMES BRASILEÑAS Y LOS RETOS DE LA
PROTECCIÓN DEL CRÉDITO TRIBUTARIO EN LOS PROCESOS
CONCURSALES.
TESE DE DOUTORADO APRESENTADA COMO REQUISITO PARA
OBTENÇÃO DO DIPLOMA DE DOUTOR EM DIREITO
DIRETOR DE TESE: PROF. DR. D. PEDRO JOSE CARRASCO
PARRILLA
TOLEDO/ESPANHA, 2015
3
DEDICATÓRIA
À Karina, minha esposa, amorosa companheira, cúmplice fiel de sonhos e
desafios, que meu deu incondicional apoio e permanente estímulo para a
concretização desse trabalho.
Aos meus pais, Almir e Risoleide, que me proporcionaram formação
educacional, cujo lastro sólido permitiu chegar aos estudos de doutorado.
À minha irmã, Patricia, que torceu efusivamente pela conclusão da tese.
4
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela vida, força e capacidade intelectiva;
Ao
Professor
Doutor
Raymundo
Juliano,
exemplo
de
perseverança
profissional e dignidade no incansável exercício do magistério, por ter me conduzido
à Universidad Castilla-La Mancha.
Ao Professor Doutor Pedro Carrasco, por ter me recebido na Universidad
Castilla-La Mancha com irretocável receptividade, aceitando a direção da presente
tese, orientando e estimulando o desenvolvimento do trabalho, com compreensão e
disponibilidade.
Aos componentes do Tribunal que apreciou o trabalho de investigação que
resultou na concessão do Diploma de Estudos Avançados – DEA, agradecimento
esse que faço na pessoa do respectivo presidente, o Professor Doutor Miguel Ángel
Collado Yurrita, pelas sugestões construtivas.
A todos os que integram a Universidade de Castilla-La Mancha, pela
excelência do trabalho desenvolvido, especialmente Maria Jose Esteban, Silvia
Recio, Elisa Cano Vázquez e Luis María Romero Flor.
5
Aos meus queridos colegas de profissão, aqui representados por Roberta
Cruz e Catarina Oliveira.
A todos os que, direta ou indiretamente, contribuíram para a construção do
presente trabalho.
6
RESUMEN
Este trabajo es el resultado de la investigación desarrollada en el programa de
Doctorado Interpretación de los derechos y libertades constitucionalmente
reconocidos. Se hizo un análisis del régimen especial de tributación como
mecanismo de desarrollo de las pymes brasileñas y los retos de la protección del
crédito tributario en los procesos concursales. La cuestión fue examinada en un
triple enfoque, ya que comienza con el análisis de las bases constitucionales para
luego concentrarse en las cuestiones y problemas de derecho mercantil y tributario.
Siguiendo esta línea de pensamiento, en un primer momento, la investigación marca
espacio de actuación del Estado y de los agentes económicos, especialmente
aquellos que caen bajo la condición de la micro y pequeña empresa. En la
secuencia, lleva a cabo un estudio sobre los aspectos conceptuales de la empresa y
sus efectos tributarios, para la construcción de las bases de un enfoque específico
del régimen especial de tributación para las PYMES de Brasil, llamado SIMPLES
Nacional. Además de demostrar las ventajas de la construcción y el mantenimiento
del SIMPLES Nacional, se argumenta la necesidad de ampliarlo para llegar a un
mayor número de empresarios, pues la simplificación tributaria deseada y alivio
equitativo de micro y pequeñas empresas proporcionan un mejor desempeño
competitivo de las mismas, generando empleos e ingresos. Sin embargo, se
estableció un límite a los esfuerzos del Estado en materia de incentivos tributarios a
la micro y pequeña empresa, mientras que en el caso de un estado inexorable de la
crisis, aunque sea posible aceptar condiciones especiales y universales para el pago
de los tributos en retraso por parte de los Microempresarios y Pequeños
empresarios en dificultades económicas y financieras, no es razonable a las
7
situaciones que se convierten en crédito tributario incobrable, bajo pena de
caracterizar una socialización indeseable de los riesgos y las pérdidas de la empresa
con toda la sociedad, cuyos efectos negativos afectan también a la libre
competencia, ya que algunos empresarios, bajo el pretexto de la situación de crisis,
podrían, aunque temporalmente, relevados de la obligación de pagar los tributos y
podrían permanecer operando sin la necesaria regularidad, mientras que otros
soportarían la carga tributaria imponible.
PALABRAS CLAVE: ESTADO - ACTIVIDAD ECONÓMICA - MICROEMPRESA PEQUEÑA EMPRESA - TRIBUTACION - REGÍMENES ESPECIALES - CRISIS
EMPRESARIAL - PROCESO CONCURSAL.
8
RESUMO
Este trabalho é o resultado da pesquisa desenvolvida no programa de Doutorado
Interpretación de los derechos y libertades constitucionalmente reconocidos. Foi feita
uma análise do regime especial de tributação como mecanismo de desenvolvimento
das PYMES brasileiras e os desafios da proteção do crédito tributário nos processos
concursais. A matéria foi apreciada sob um enfoque tríplice, uma vez que se inicia
com a análise dos fundamentos constitucionais para, em seguida, concentrar
esforços nas questões e problemas de direito mercantil e tributário. Seguindo essa
linha de raciocínio, em um primeiro momento, a pesquisa demarca o espaço de
atuação do Estado e dos agentes econômicos, especialmente aqueles que se
enquadram na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte. Na
sequencia, realiza um estudo sobre os aspectos conceituais da empresa e suas
repercussões tributárias, construindo as bases para uma abordagem específica
sobre os regimes especiais de tributação das PYMES brasileiras, denominado
SIMPLES Nacional. Além de demonstrar as vantagens da criação e da manutenção
do SIMPLES Nacional, defende-se a necessidade de ampliá-lo para alcançar um
maior número de empresários, pois a almejada simplificação tributária e a justa
desoneração
das Micro
e Pequenas empresas
proporcionam um melhor
desempenho competitivo das mesmas, gerando emprego e renda. Não obstante, foi
estabelecido um limite para o esforço do Estado em matéria de estímulos tributários
para a Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte, considerando que em caso
um inexorável estado de crise, embora seja possível admitir condições especiais e
universais para pagamentos dos tributos em atraso por parte dos microempresários
e empresários de pequeno porte em dificuldades econômicas e financeiras, não é
9
razoável admitir situações que tornem incobrável o crédito tributário, sob pena de
caracterizar uma indesejável socialização dos riscos e prejuízos da empresa com
toda a sociedade, cujos efeitos negativos também atingem a livre concorrência, já
que alguns empresários, a pretexto do estado de crise, ficariam, ainda que
temporariamente, exonerados da obrigação de pagar tributos e poderiam
permanecer atuando sem a necessária regularidade tributária, enquanto outros
suportariam a carga tributária que lhes é imposta.
PALAVRAS-CHAVE: ESTADO – ATIVIDADE ECONÔMICA – MICROEMPRESA –
EMPRESA DE PEQUENO PORTE – TRIBUTAÇÃO – REGIMES ESPECIAIS –
CRISE EMPRESARIAL – PROCESSO CONCURSAL.
10
ÍNDICE
INTRODUÇÃO...........................................................................................................22
PRIMEIRA PARTE:
REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO PARA AS MICROEMPRESAS E
EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL: FUNDAMENTOS, APLICAÇÃO
E OBJETIVOS............................................................................................................29
1. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA NO
BRASIL: A INTERAÇÃO ENTRE O ESTADO E OS AGENTES PRIVADOS NA
ATUALIDADE............................................................................................................28
1.1. LIMITES E POSSIBILIDADES DA INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NA
ECONOMIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL......................................................................................................................30
1.1.1.
O
Estado
como
provedor
dos
serviços
públicos
para
a
coletividade......................................................................................................30
1.1.2. Exploração da atividade econômica pelo Estado: intervenção direta por
meio das empresas públicas e das sociedades de economia mista...............35
1.2. A LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL COMO FUNDAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE
ECONÔMICA PELOS AGENTES PRIVADOS. ........................................................38
11
1.2.1. As bases da ordem econômica na Constituição da República Federativa
do Brasil...........................................................................................................38
1.2.2. A garantia constitucional da livre iniciativa e a intervenção indireta na
economia: o Estado normalizador e regulador da atividade privada...............39
1.3.
TRATAMENTO
DIFERENCIADO
E
FAVORECIDO
DESTINADO
AOS
AGENTES ECONÔMICOS ENQUADRADOS COMO MICROEMPRESÁRIOS E
EMPRESÁRIOS DE PEQUENO PORTE NO MARCO DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL..................................................................49
1.3.1. A lei complementar 123/2006 como norma concretizadora do
mandamento
constitucional
que
assegura
tratamento
diferenciado
e
favorecido ao microempresário e ao empresário de pequeno porte...............49
1.3.2. Repercussão econômica das microempresas e empresas de porte
como
justificativa
para
preservação
do
tratamento
diferenciado
e
favorecido........................................................................................................51
2. REPERCUSSÕES TRIBUTÁRIAS DA ATIVIDADE ECONÔMICA: A EMPRESA,
O EMPRESÁRIO E O PODER DE TRIBUTAR.........................................................62
2.1.
CONTORNOS
CONCEITUAIS
DA
EMPRESA
E
SEUS
REFLEXOS
TRIBUTÁRIOS ..........................................................................................................62
2.1.1. As dimensões da empresa: subjetiva, objetiva e funcional...................64
2.1.2. Atividades econômicas desprovidas de natureza empresarial..............69
12
2.1.3. Repercussões tributárias dos conceitos de empresa, empresário,
estabelecimento e lucro...................................................................................74
2.2.
CARACTERIZAÇÃO
JURÍDICA
DO
EMPRESÁRIO:
TITULARIDADE
INDIVIDUAL E COLETIVA DA EMPRESA...............................................................83
2.2.1. Titularidade individual da empresa........................................................85
2.2.1.1. Empresário individual..........................................................................87
2.2.1.2. Empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...............95
2.2.2. Sociedade empresária.........................................................................103
2.3.
RELAÇÃO
JURÍDICA
TRIBUTÁRIA
E
ATIVIDADE
ECONÔMICA
EMPRESARIAL: A ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE
OBTENÇÃO DE RECEITAS PARA O ESTADO.....................................................117
3. TRATAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO E FAVORECIDO
(SIMPLES NACIONAL) AO MICROEMPRESÁRIO E AO EMPRESÁRIO DE
PEQUENO PORTE..................................................................................................166
3.1. DISTINÇÕES BÁSICAS NECESSÁRIAS: O MICROEMPRESÁRIO E O
EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE...................................................................166
3.2.
PORTE
ECONÔMICO
ENQUADRAMENTO
DO
COMO
PRESSUPOSTO
MICROEMPRESÁRIO
E
DO
BÁSICO
PARA
EMPRESÁRIO
DE
PEQUENO PORTE NO SIMPLES NACIONAL E A SUA RELAÇÃO COM A
CAPACIDADE ECONÔMICA PARA FINS TRIBUTÁRIOS....................................178
13
3.3. VEDAÇÕES ESPECÍFICAS PARA ENQUADRAMENTO DA EMPRESA NA
CONDIÇÃO DE MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE PELAS
PESSOAS JURÍDICAS............................................................................................192
3.3.1. A
pessoa
jurídica
de
cujo
capital
participe
outra
pessoa
jurídica.................................................................................................193
3.3.2. A pessoa jurídica que seja filial, sucursal, agência ou representação, no
País,
de
pessoa
jurídica
com
sede
no
exterior................................................................................................193
3.3.3. A pessoa jurídica de cujo capital participe pessoa física que seja
inscrita como empresário individual ou que seja sócia de outra empresa
já enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte,
desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00
(três milhões e seiscentos mil reais)...................................................199
3.3.4. A pessoa jurídica cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez
por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei
Complementar, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$
3.600.000,00
(três
milhões
e
seiscentos
mil
reais)...................................................................................................197
3.3.5. A pessoa jurídica cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado
de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que a receita bruta
global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil
reais)...................................................................................................202
3.3.6. A pessoa jurídica constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de
consumo..............................................................................................203
14
3.3.7. A pessoa jurídica que participe do capital de outra pessoa
jurídica.................................................................................................207
3.3.8. A pessoa jurídica que exerça atividade de banco comercial, de
investimentos e de desenvolvimento, de caixa econômica, de
sociedade de crédito, financiamento e investimento ou de crédito
imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores
mobiliários e câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de
seguros
privados
e
de
capitalização
ou
de
previdência
complementar.....................................................................................208
3.3.9. A pessoa jurídica resultante ou remanescente de cisão ou qualquer
outra forma de desmembramento de pessoa jurídica que tenha
ocorrido
em
um
dos
5
(cinco)
anos-calendário
anteriores............................................................................................208
3.3.10.
A pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade por
ações...................................................................................................210
3.3.11.
Cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o
contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e
habitualidade.......................................................................................211
3.4.
IMPEDIMENTOS
À
OPÇÃO
PELO
SIMPLES
NACIONAL
PELO
MICROEMPRESÁRIO E EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE..........................213
3.5. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS E ABRANGÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL
PARA
OS
MICROEMPRESÁRIOS
E
EMPRESÁRIOS
DE
PEQUENO
PORTE.....................................................................................................................235
15
4. SIMPLES NACIONAL COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO:
OBJETIVOS DE NATUREZA EXTRAFISCAL DO REGIME ESPECIAL DE
TRIBUTAÇÃO..........................................................................................................255
4.1.
O
SIMPLES NACIONAL
COMO
INSTRUMENTO
DE COMBATE
À
INFORMALIDADE NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA......................258
4.2.
O
SIMPLES
NACIONAL
COMO
MECANISMO
DE
ESTÍMULO
AO
DESENVOLVIMENTO A PARTIR DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA
PELOS AGENTES PRIVADOS...............................................................................263
4.3. PROEMINÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL EM TEMPOS DE CRISE
ECONÔMICA: JUSTIÇA FISCAL E EFICIÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO COMO
FUNDAMENTOS BÁSICOS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO.............275
4.3.1. Crise econômica mundial: a origem e seus reflexos no Brasil............275
4.3.2. O SIMPLES Nacional como modelo de tributação em tempos de
crise...............................................................................................................279
SEGUNDA PARTE:
CRISE EMPRESARIAL: O CRÉDITO TRIBUTÁRIO DIANTE DA POSSIBILIDADE
DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU FALÊNCIA DAS MICROEMPRESAS E DAS
EMPRESAS DE PEQUENO PORTE.......................................................................287
5. CRISE EMPRESARIAL E ABERTURA DO PROCESSO CONCURSAL
DESTINADO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA MICROEMPRESA E DA
EMPRESA DE PEQUENO PORTE: OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DE
MANUTENÇÃO
DA
ATIVIDADE
ECONÔMICA
E
A
NECESSÁRIA
16
PRESERVAÇÃO
DAS
GARANTIAS
E
DO
PRIVILÉGIO
DO
CRÉDITO
TRIBUTÁRIO...........................................................................................................291
5.1.
INSOLVÊNCIA
EMPRESARIAL
COMO
CONSEQUÊNCIA
DA
CRISE
ECONÔMICA, FINANCEIRA OU PATRIMONIAL...................................................291
5.2. RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO MECANISMO LEGAL DESTINADO À
SUPERAÇÃO
DA
CRISE
E
CONSEQUENTE
PRESERVAÇÃO
DA
MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE E OS SEUS EFEITOS
SOBRE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO.........................................................................297
5.2.1. A insuficiência dos pressupostos legais exigidos para apresentação do
pedido de processamento da recuperação judicial da empresa para aferir a
potencialidade recuperatória.........................................................................302
5.2.2. A decisão de processamento como termo inicial da recuperação
judicial: conteúdo e efeitos............................................................................315
5.2.2.1. Nomeação do administrador judicial......................................316
5.2.2.2. Dispensa da apresentação de certidões negativas para que o
devedor exerça suas atividades..........................................................322
5.2.2.3. Suspensão das ações ou execuções que envolvam créditos de
caráter negocial contra o devedor.......................................................323
5.2.2.4. Abertura do prazo para apresentação do plano de recuperação
judicial
pelo
microempresário
ou
empresário
de
pequeno
porte....................................................................................................325
17
5.2.3. A ineficiência do plano especial de recuperação judicial para
microempresas e empresas de pequeno porte para concretização do
mandamento constitucional de tratamento favorecido e diferenciado: a
assimetria de posições como entrave para a construção de uma solução
puramente negocial.......................................................................................326
5.2.3.1. O refinanciamento das dívidas das microempresas e das
empresas
de
pequeno
porte
como
meio
de
recuperação
da
empresa................................................................................................333
5.2.3.2. A capitalização das microempresas e das empresas de pequeno
porte
como
elemento
concretizador
da
recuperação
da
empresa................................................................................................339
5.2.4. A “opção” do microempresário ou do empresário de pequeno porte pelo
regime ordinário de recuperação judicial diante da ineficiência do regime
especial vigente: por uma tentativa de solução negocial quanto aos créditos
privados.........................................................................................................343
5.2.5. Repercussões negativas da recuperação judicial da empresa para o
crédito tributário e a necessidade de resguardar a sua indisponibilidade e
respeitar a inderrogabilidade da obrigação tributária....................................356
5.2.5.1. O problema do esvaziamento da coercibilidade da execução
fiscal e a necessidade de aplicar a expressa prevista legal que disciplina
a matéria...............................................................................................356
5.2.5.2. Dispensa da prova de pagamento ou parcelamento dos débitos
tributários
como
requisito imprescindível
para
a
concessão
da
recuperação judicial: crítica ao posicionamento consolidado pelo
Superior Tribunal de Justiça..................................................................361
18
5.2.5.3. Alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas
do devedor empresário como meio de recuperação judicial e os riscos
quanto à satisfação dos débitos tributários...........................................376
6. DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA EM VIRTUDE DA FRUSTRAÇÃO DA
TENTATIVA DE RECUPERAÇÃO DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE
PEQUENO PORTE: ABERTURA DO PROCESSO CONCURSAL DESTINADO À
LIQUIDAÇÃO...........................................................................................................392
6.1. FUNDAMENTOS DA CONVERSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM
FALÊNCIA...............................................................................................................392
6.2. SENTENÇA DECRETATÓRIA DA FALÊNCIA: EFEITOS RELEVANTES EM
MATÉRIA TRIBUTÁRIA..........................................................................................400
6.2.1. Repercussões da decretação da falência quanto às ações de execução
fiscal. ...............................................................................................................400
6.2.2. Concurso de credores e a posição dos créditos tributários na
classificação geral do regime falimentar..........................................................404
6.3. INSATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA EM VIRTUDE DA
INSUFICIÊNCIA DOS ATIVOS E A RESPONSABILIZAÇÃO PATRIMONIAL DO(S)
INTEGRANTE(S) DA PESSOA JURÍDICA FALIDA...............................................413
6.3.1. Diferentes regimes de responsabilização patrimonial do(s) integrante(s)
das pessoas jurídicas falidas a partir das distintas naturezas obrigacionais...413
19
6.3.2. Fundamentos da legislação societária que autorizam a responsabilização
patrimonial do(s) integrante(s) das pessoas jurídicas e seus efeitos no âmbito
falimentar.........................................................................................................417
6.3.2.1. Responsabilização patrimonial pela simples qualidade de titular
da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou
sócio(s) da sociedade limitada..............................................................421
6.3.2.2. Responsabilização patrimonial pela condição de administrador
da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da
sociedade limitada.................................................................................424
6.3.2.3. Responsabilização patrimonial em virtude da presença dos
requisitos autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica
prevista no Código Civil.........................................................................428
6.3.3. Limites e possibilidades de responsabilização patrimonial do (s)
integrante da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou
Sociedade Empresária Limitada: luzes e sombras sobre a previsão do Código
Tributário Nacional e as contribuições do Direito Espanhol............................436
CONCLUSÕES........................................................................................................454
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................465
JURISPRUDÊNCIA..................................................................................................493
ANEXO:
RESUMO
DA
ARRECADAÇÃO
DO
SIMPLES
NACIONAL...............................................................................................................507
20
ABREVIATURAS
AgRg.
Agravo Regimental.
BCB
Banco Central do Brasil.
CC
Código Civil.
C. de c.
Código de Comercio
CE
Constitución Española.
CF
Constituição Federal.
CEPAL
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.
CIAT
Centro Interamericano de Administrações Tributárias.
CJF
Centro de Estudos Jurídicos.
CTN
Código Tributário Nacional.
DIEESE
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
DIRCE
Directorio Central de Empresas.
DJe
Diário de Justiça Eletrônico.
DREI
Departamento de Registro Empresarial e Integração.
ECAD
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição.
EDcl.
Embargos Declaratórios.
EIRELI
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.
EPP
Empresa de Pequeno Porte.
FJ
Fundamento jurídico.
LC
Lei Complementar.
LGT
Ley General Tributária.
ME
Microempresa.
MEySS
Ministerio de empleo y Seguridad Social.
21
MGE
Média e Grande Empresa.
MPE
Micro e Pequena Empresa.
MTE
Ministério do Trabalho e Emprego.
OCDE
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
PIB
Produto Interno Bruto.
PYMES
Pequeñas y medianas empresas.
RAIS
Relação Anual de Informações Sociais.
RESP.
Recurso Especial.
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
STF
Supremo Tribunal Federal.
STJ
Superior Tribunal de Justiça.
TC
Tribunal Constitucional.
UE
União Europeia.
VAB
Valor Añadido Bruto.
22
INTRODUÇÃO
A análise do tema RÉGIMEN ESPECIAL DE TRIBUTACIÓN COMO
MECANISMO DE DESARROLLO DE LAS PYMES BRASILEÑAS Y LOS RETOS
DE LA PROTECCIÓN DEL CRÉDITO TRIBUTARIO EN LOS PROCESOS
CONCURSALES revela-se atual e relevante. Atual porque, cada vez mais, as
microempresas e as empresas de pequeno porte têm assumido protagonismo em
matéria de desenvolvimento da atividade econômica por agentes privados,
constituindo parcela expressiva das empresas existentes no Brasil e isso, por si só,
já denota a relevância do tema, pois ninguém duvida que a atuação empresarial é,
inegavelmente, um poderoso instrumento de geração de emprego e renda, além de
estimular inovação tecnológica visando o aprimoramento dos produtos e serviços
oferecidos ao mercado consumidor. Some-se a isso o fato de que o
desenvolvimento da atividade econômica pelos agentes privados é uma importante
fonte de arrecadação de tributos, satisfazendo, em boa medida, a necessidade de
obtenção dos recursos necessários para o custeio dos serviços públicos ofertados
pelo Estado em benefício da sociedade.
Portanto, o objeto da presente pesquisa foi delimitado para permitir a análise
do marco legal dentro do qual a atividade econômica é explorada pelos
microempresários e empresários de pequeno porte, os quais se encontram
submetidos à incidência de regimes tributários especiais, regimes esses que podem
ser determinantes para contribuir com o desenvolvimento econômico, exigindo-se,
porém, diante de um cenário marcado pela crise empresarial, a busca pelo equilíbrio
23
necessário para assegurar a recuperação - e consequente manutenção - da
empresa, de um lado, e a proteção do crédito tributário, de outro.
Sob o ponto de vista metodológico, a pesquisa se desenvolve com base na
doutrina, com ênfase nos autores brasileiros e espanhóis, tendo sido utilizada
também farta jurisprudência, além da análise crítica da legislação aplicável ao tema.
Divida em duas grandes partes, a presente pesquisa analisa primeiramente
os regimes especiais de tributação para as microempresas e as empresas de
pequeno porte no Brasil e, posteriormente, trata da crise empresarial e suas
repercussões, especialmente quanto à situação do crédito tributário diante da
possibilidade de recuperação judicial ou falência das microempresas e das
empresas de pequeno porte.
No primeiro capítulo, realiza-se uma abordagem constitucional, procurando
identificar os limites e as possibilidades da intervenção do Estado na economia.
Para tanto, busca fixar o conceito de serviço público, inserindo-o no âmbito das
tarefas estatais.
Demarcado, assim, o campo de atuação do Estado, qual seja, a prestação de
serviços públicos, a pesquisa visa demonstrar que existe previsão constitucional
acerca da existência de um regime que, em regra, garante a livre iniciativa e
24
assegura a livre concorrência empresarial, permitindo, assim, a atuação dos agentes
privados no mercado de consumo, mediante a oferta de produtos e serviços,
estabelecendo um feixe de relações econômicas permeadas pela circulação de
riquezas.
Não obstante, ainda dentro dessa perspectiva, busca-se encontrar as
situações que possibilitam a intervenção do Estado na atividade econômica, ora
atuando diretamente no mercado por intermédio das chamadas empresas públicas
ou pelas sociedades de economia mista (que se caracteriza pela participação
majoritária do Estado), ora exercendo um papel regulatório da atividade privada.
Sem dúvida, a intervenção do Estado na atividade econômica está relacionada com
a questão do tamanho do Estado, não no sentido de analisar as políticas públicas de
caráter social voltadas à distribuição de renda e consequente injeção de recursos na
economia,
mas,
sobretudo,
mediante
a
atuação
do
“Estado-empresário”,
concentrando-se a análise nesse último ponto para identificar em que medida o
Estado deve atuar diretamente no mercado.
Mantendo
o
foco
na
previsão
constitucional,
identifica-se
que
as
microempresas e as empresas de pequeno porte têm acesso a um tratamento
favorecido e diferenciado, que visa dar efetividade as garantias de livre iniciativa e
de livre concorrência empresarial, passando, necessariamente, pela questão
tributária, seja do ponto de vista da simplificação dos procedimentos necessários à
manutenção da regularidade fiscal, seja em relação ao tamanho da carga tributária
25
suportada pelo microempresário ou pelo empresário de pequeno porte, buscando-se
uma resposta satisfatória para justificar esse tratamento favorecido e diferenciado.
No segundo capítulo, procura-se, ainda, na presente pesquisa, definir o real
alcance da expressão empresa, à luz da legislação brasileira, demarcando, assim,
primeiramente um viés subjetivo, centrado na pessoa física ou jurídica do
empresário, especialmente o microempresário ou o empresário de pequeno porte;
outro patrimonial, que decorre da reunião dos bens materiais e/ou imateriais
necessários à consecução da atividade econômica; e um terceiro, de caráter
funcional, centrado no efetivo exercício organizado e profissional dessa atividade
econômica que, em verdade, compreende a produção e a circulação de bens ou
serviços, excluídos os de natureza intelectual, artística, científica ou literária.
Assim, uma vez traçadas essas definições em torno da empresa no âmbito do
direito mercantil ou empresarial, a pesquisa avança em busca das repercussões
tributárias da empresa. Nesse contexto, estabelecendo a relação entre o Estado e a
empresa, com base na legislação brasileira em comparação com a legislação
espanhola, mas também observando a tributação em números, para justificar a
imperiosa necessidade de adoção de mecanismos que propiciem efetiva melhoria
dos procedimentos arrecadatórios, já que isso produz benefícios para ambos
(Estado-credor e Empresário-devedor), pois confere maior produtividade da gestão
tributária; além, é claro, da importância de perseguir a redução dos custos tributários
suportados pelo sujeito passivo da obrigação, especialmente em se tratando de
microempresário ou de empresário de pequeno porte, seja individual ou coletivo.
26
Em seguida, para adequada exposição do tema, foram analisados, no terceiro
capítulo, os critérios legais que autorizam - ou não - o enquadramento do empresário
na condição de Micro ou Pequeno. A análise de tais critérios é indispensável para o
desenvolvimento da tese, já que se trata de um aspecto fundamental na medida em
que o enquandramento na condição de microempresário ou empresário de pequeno
porte constitui fundamento necessário (porém, insuficiente) para o exercício da
opção pelo regime tributário especial e diferenciado, denominado SIMPLES
Nacional. Nesse ponto, ou seja, o enquadramento na condição de microempresário
ou empresário de pequeno porte como fundamento necessário (porém, insuficiente)
para o exercício da opção pelo SIMPLES Nacional, a pesquisa lança luzes sobre o
problema das vedações legais ao regime especial.
No quarto capítulo, partindo da premissa de que não se pode e nem se deve
desconhecer a existência de tributos que, além da função arrecadatória, servem
para orientar comportamentos, isto é, estimular ou desestimular condutas,
direcionando, enfim, o destinatário da norma tributária a atuar nessa ou naquela
direção, foram destacados os fins extrafiscais do tributo, demonstrando em que
medida o SIMPLES Nacional responde não só pelo crescimento da atividade
econômica dos agentes privados, como também pela redução do problema da
informalidade e, por conseguinte, resulta na expansão da arrecadação tributária,
especialmente no cenário de crise econômica.
É nesse contexto de crise econômica que se desenvolve a segunda parte da
presente pesquisa. Colocando em evidência o problema da crise empresarial e suas
27
repercussões para o crédito tributário diante da possibilidade de recuperação judicial
ou falência das microempresas e das empresas de pequeno porte, o quinto capítulo
analisa a tentativa de recuperação judicial da empresa - com vistas à manutenção
da atividade econômica - e a necessária preservação das garantias e do privilégio
do crédito tributário, propondo, inclusive, alterações profundas no atual regime, a fim
de assegurar a existência de um efetivo plano especial de recuperação da
microempresa ou da empresa de pequeno porte.
A questão que se coloca, especialmente a partir de uma visão crítica da
jurisprudência, é em que medida o Estado deve suportar prejuízos decorrentes do
inadimplemento da obrigação tributária diante da tentativa empreendida pelo
microempresário ou pelo empresário de pequeno porte para recuperar judicialmente
a empresa em crise. Em outras palavras: qual o tamanho do sacrifício que o credor
tributário deve suportar para manter a microempresa ou a empresa de pequeno
porte, especialmente quando já adotou medidas de estímulo da atividade econômica
por meio do SIMPLES Nacional?
O sexto e último capítulo trata da decretação da falência em virtude da
frustração da tentativa de recuperação da Microempresa e da Empresa de Pequeno
Porte, com a consequente instauração do processo falimentar destinado à liquidação
dos bens para satisfazer os credores, inclusive os créditos tributários.
28
Dentro dessa perspectiva, procura-se identificar os limites e as possibilidades
de responsabilização patrimonial do Empresário Individual ou do sócio e/ou
administrador da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da
Sociedade Empresária Limitada pelos débitos tributários no âmbito concursal,
mediante a incidência das disposições do Código Tributário Nacional, propondo a
assimulação das contribuições do Direito Espanhol nessa matéria, a fim de coibir
fraudes e, consequentemente, reduzir os prejuízos suportador pelo Estado em
virtude da falência empresarial.
29
PRIMEIRA PARTE:
REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO PARA AS MICROEMPRESAS E
EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL: FUNDAMENTOS, APLICAÇÃO
E OBJETIVOS.
30
1. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA NO
BRASIL: A INTERAÇÃO ENTRE O ESTADO E OS AGENTES PRIVADOS NA
ATUALIDADE.
1.1. LIMITES E POSSIBILIDADES DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA
ECONOMIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL.
1.1.1. O Estado como provedor dos serviços públicos para a coletividade.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece, em seu
artigo 173, que:
“Art.
173.
Ressalvados
os
casos
previstos
nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.”.
Nesse mesmo sentido, a Constituição da Espanha, em seu artigo 128,
reconhece a iniciativa pública na atividade econômica, ao estabelecer que a lei
poderá reservar ao setor público, recursos ou serviços essenciais, especialmente em
31
caso de monopólio, reservando-se, todavia, a possibilidade de intervenção dos
agentes privados para o interesse geral.
Eis o exato teor do dispositivo Constitucional Espanhol:
“Artículo 128
1. Toda la riqueza del país en sus distintas formas y sea
cual fuere su titularidad está subordinada al interés
general.
2. Se reconoce la iniciativa pública en la actividad
económica. Mediante ley se podrá reservar al sector
público recursos o servicios esenciales, especialmente en
caso de monopolio y asimismo acordar la intervención de
empresas cuando así lo exigiere el interés general.”
Percebe-se que o artigo 128.2 da Constituição Espanhola, reconhece, pura e
simplesmente, a iniciativa pública na atividade econômica, independentemente da
necessidade de preenchimento de requisitos ou condições específicas. Por outro
lado, a iniciativa pública não depende da ausência ou da presença de ente privado
que esteja apto a exercê-la. Aliás, o referido artigo 128.2 admite expressamente até
32
mesmo a intervenção de empresas quando assim exigir o interesse geral, mediante
lei1.
Por sua vez, a análise do dispositivo constitucional brasileiro - especialmente
em razão do emprego da expressão “só será permitida” - revela a presença do
elemento subsidiariedade, no sentido de orientar a intervenção do Estado na ordem
econômica, cuja atuação, nas atividades que possam e devam ser executadas por
entes privados, será realizada (pelo Estado) somente em caráter excepcional e
eventual, quando presentes os “imperativos da segurança nacional” ou “relevante
interesse coletivo”.
TOSHIO MUKAI adverte que “segurança nacional” e “relevante interesse
coletivo” são, por natureza, conceitos jurídicos indeterminados2. Assim, a
indeterminação confere uma ampla margem de discricionariedade ao Poder
Legislativo, na criação de leis de caráter intervencionista, sob o fundamento de
regulamentação da Constituição Federal, porém reserva, por consequência, ao
Poder Judiciário, especialmente ao Supremo Tribunal Federal, a tarefa de, em última
instância, examinar a eventual ocorrência de violações ao texto constitucional.
Oportuno esclarecer, ainda, que a expressão “atividade econômica”
empregada no texto constitucional compreende a produção e/ou a circulação de
1
O Tribunal Constitucional Espanhol, em sua Sentença 111/1983, de 02 de dezembro, reconheceu a
possibilidade de que, em matéria de intervenção de empresas, “la expresión «mediante ley» que
utiliza el mencionado precepto” (artigo 128.2 da Constituição Espanhola), “además de ser
comprensiva de Leyes generales que disciplinan con carácter general la intervención, permite la Ley
singularizada de intervención que mediando una situación de extraordinaria y urgente necesidad y,
claro es, un interés general legitimador de la medida, está abierta al Decreto-ley, por cuanto la
mención a la Ley no es identificable en exclusividad con el de Ley en sentido formal”.
2
MUKAI, Toshio. A administração pública na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, págs.
130-131.
33
bens e/ou serviços. Não se confunde, seguramente, com a atuação estatal voltada à
efetiva prestação de “serviço público” em proveito da coletividade, seja diretamente,
nas hipóteses, por exemplo, de saúde e educação, ou por delegação aos entes
privados, sob o regime de concessão ou permissão, como nos casos, por exemplo,
de transporte de passageiros e administração de aeroportos.
Certo é que, independentemente da forma como for conceituado, o “serviço
público” será aquele cuja prestação constitua tarefa típica do Estado, vocacionada
para o atendimento do interesse coletivo, de modo que sua execução por
particulares dependa de transferência formal e expressa, por meio de mecanismos e
procedimentos expressamente previstos para tanto (concessão, permissão e
autorização) 3.
Restaria perguntar: no Brasil, pode o Estado qualificar qualquer atividade que
deseje como serviço público, assumindo-a e submetendo-a ao regime de direito
público? Ou é necessário que a atividade possua uma nítida natureza de serviço
público?
Segundo BANDEIRA DE MELLO, é realmente o Estado, por meio do Poder
Legislativo, que define ou não como “serviço público” esta ou aquela atividade,
desde que respeitados os limites constitucionais4. Além dos serviços públicos
mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser assim qualificados, desde
que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas pelas normas relativas à
3
RAMOS TAVARES, André. Direito constitucional econômico. 2ª. Ed. São Paulo: Método, 2006, pág.
297.
4
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11ª. Ed. São Paulo:
Malheiros, 1999, pág. 487.
34
ordem econômica, as quais são garantidoras da livre iniciativa. É que a exploração
da atividade econômica em sentido estrito compete aos particulares e não ao
Estado. Este apenas em caráter excepcional deverá atuar empresarialmente nesta
órbita.
Coerente, nesse contexto, a distinção feita por EROS GRAU de que o
“serviço público” está para o setor público assim como a “atividade econômica” está
para o setor privado, propondo que a “atividade econômica em sentido amplo” seja
compreendida como território dividido em dois campos: o do “serviço público” e a da
“atividade econômica em sentido estrito” 5. Ainda conforme EROS GRAU, a situação
prevista no mencionado artigo 173 da Constituição Federal configura “atividade
econômica em sentido estrito”, ou seja, atividade econômica de caráter privado, cuja
exploração pelo Estado, repita-se, somente poderá ocorrer em caráter excepcional e
eventual.
Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, durante o
julgamento de um caso concreto, assim se pronunciou: “A atividade econômica em
sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a
atividade econômica em sentido estrito.” 6.
Preciso, nesse passo, ALBINO DE SOUZA quando afirma que enquanto o
“serviço público” é prestado em decorrência de recursos tributários, a atividade
econômica exercida com base nos custos e margens de lucros, sejam estes do tipo
5
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11ª. Ed. São Paulo: 2006, pág.
105.
6
STF. ADPF 46 / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Ministro Marco Aurélio. Relator(a) p/
Acórdão: Ministro Eros Grau. Julgamento: 05/08/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJe-035. Divulgação 25-02-2010.
35
capitalista, como acréscimos sobre os custos, garantidos pelo valor de venda, sejam
“lucros sociais” decorrentes de “preços políticos”, garantidos pelo Poder Público 7.
Destaque-se que, para cumprimento dos objetivos perseguidos na presente
tese, restringir-se-á a pesquisa à atividade econômica em sentido estrito, explorada
preponderantemente pelos agentes privados.
1.1.2. Exploração da atividade econômica pelo Estado: intervenção direta por
meio das empresas públicas e das sociedades de economia mista.
Esclareça-se, entretanto, que é útil para o desenvolvimento desta tese a
distinção realizada por AFONSO DA SILVA, quando identifica a atuação estatal
mediante “participação” e “intervenção”. A primeira com base nos artigos 173 a 177
da Constituição Federal, caracterizando o Estado administrador de atividades
econômicas; a segunda fundada no artigo 174 do texto constitucional, em que o
Estado aparece como agente normativo e regulador da atividade econômica,
compreendendo
as
funções
de
fiscalização,
incentivo
e
planejamento,
caracterizando o Estado regulador, o Estado promotor e o Estado planejador da
atividade econômica8.
Utilizando-se de recurso didático semelhante, RAMOS TAVARES adota os
temas “intervenção direta do Estado brasileiro na economia” e “intervenção indireta
7
ALBINO DE SOUZA, Washington Peluso. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002, pág. 423.
8
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19ª. Ed. São Paulo: Malheiros,
2001, pág. 785.
36
do Estado brasileiro na economia” 9, que correspondem, respectivamente, as
expressões “participação” e “intervenção”.
De uma forma ou de outra, o fato é que também o Supremo Tribunal
Federal10, por ocasião do Julgamento do Recurso Extraordinário número 407099 / RS,
reconheceu que os instrumentos de participação do Estado na economia são: “as
empresas públicas” e as “sociedades de economia mista”.
Note-se que, na “participação” ou “intervenção direta”, o Estado explora
diretamente a atividade econômica (atividade econômica em sentido estrito), por
meio da criação, mediante lei específica, de sociedades de economia mista e de
empresas públicas, dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Frise-se
que a empresa pública é constituída com patrimônio próprio e capital exclusivo da
União, ao passo que a sociedade de economia mista adota forma de sociedade
anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a
entidade da administração indireta, nos termos do artigo 5º., incisos II e III, do
Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967.
Cumpre assinalar que as empresas públicas e as sociedades de economia
mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado, a
teor do disposto no artigo 173, § 2º, da Constituição Federal.
9
RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, págs. 279-325.
STF. RE 407099 / RS - RIO GRANDE DO SUL. Relator(a): Ministro Carlos Velloso.
Julgamento: 22/06/2004. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJ 06-08-2004 PP-00062.
10
37
Tal regra, no dizer do MAFFINI, cumpre o primado de isonomia, na medida
em que coíbe a concessão de benefícios fiscais em favor das entidades
empresariais do Estado que venha a privilegiá-las em detrimento das empresas
privadas que operem no mesmo nicho econômico 11.
11
MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. 2ª. Ed. São Paulo: RT, 2008, pág. 233.
38
1.2. A LIVRE INICIATIVA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL COMO FUNDAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE
ECONÔMICA PELOS AGENTES PRIVADOS.
1.2.1. As bases da ordem econômica na Constituição da República Federativa
do Brasil.
Ciente da importância de dotar o Brasil de um ambiente não somente apto ao
desenvolvimento da atividade econômica, mas também - e, sobretudo - capaz de
estimula-la, o legislador constituinte de 1988 fixou as bases da ordem econômica
brasileira nos artigos 170 a 192 da atual Constituição da República, compreendidos
em quatro capítulos: um sobre os princípios da atividade econômica; outro acerca da
política urbana; um terceiro a respeito de política agrícola e fundiária e sobre a
reforma agrária; e, finalmente, um quarto que trata do sistema financeiro nacional.
Ao conjunto harmônico desses elementos, convencionou-se denominar de
“Constituição Econômica”, sem lhe atribuir plena autonomia, porém tomando-a como
um segmento da Constituição voltado para este tema específico 12. De fato, o
constituinte de 1988 teve a clara intenção de constitucionalizar os grandes temas da
vida econômica e financeira, embora tenha deixado, em algumas situações, a cargo
do legislador ordinário a elaboração de leis específicas para esse fim.
12
ALBINO DE SOUZA, Washington Peluso. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002, pág. 454.
39
Embora se trate de um conjunto harmônico, existe uma diversidade de temas
dentro dessa “Constituição Econômica” (artigos 170 a 192 do texto constitucional).
Sem embargo de reconhecer a importância de todos eles, impõe-se, para fins de
desenvolvimento da presente tese, restringir a análise à questão da livre iniciativa,
expressamente consagrada no caput do artigo 170 da Constituição Federal, o qual
cuida dos princípios da atividade econômica.
1.2.2. A garantia constitucional da livre iniciativa e a intervenção indireta na
economia: o Estado normalizador e regulador da atividade privada.
SÁNCHEZ CALERO, a partir da análise do ordenamento jurídico espanhol,
afirma que “se califica el término de Constituición económica (que se emplea a
veces como sinónimo de orden público económico) la fijación en las normas
fundamentales de un país de un regímen económico concreto.”.13
“La Constituición Española de 1978”, prossegue o autor, “hace una
declaración expresa del reconocimiento de la libertad de empresa en el marco de la
economía de mercado. Los poderes públicos garantizan y protegen su ejercicio y la
defensa de la productividad, de acuerdo con las exigencias de la economía general
y, en su caso, de la planificación (art. 38)’”.
13
SANCHEZ CALERO, Fernando. Principios de derecho mercantil. 13ª. Ed. Madrid: ThomsonAranzadi, 2008, págs. 51-52.
40
Portanto, por esse aspecto, constata-se que as Constituições do Brasil e da
Espanha não só reconhecem como asseguram a livre iniciava.
Frise-se que para além da previsão contida no referido artigo 170, a
Constituição Federal do Brasil, em seu 1º., inciso IV, deu especial destaque à livre
iniciativa, a ponto de elevá-la a condição de verdadeiro fundamento norteador do
Estado brasileiro, ao lado da
soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa
humana e do pluralismo político, in verbis:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa.”
Garantiu, ainda, a Constituição Federal, no artigo 5º., inciso XIII, integrante do
capítulo atinente aos direitos e deveres individuais e coletivos, que “é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer”, reforçando o compromisso do legislador
constituinte com a liberdade de desenvolvimento da atividade econômica de caráter
privado.
41
Esclareça-se que a livre iniciativa garantida constitucionalmente não se
restringe à liberdade de iniciativa econômica, sendo apenas, no dizer de RAMOS
TAVARES14, uma de suas dimensões. Isso porque, a livre iniciativa de que trata a
Constituição há de ser, realmente, entendida em seu sentido amplo, compreendendo
não apenas liberdade econômica, ou liberdade de desenvolvimento de empresa,
mas abrange todas as demais formas de organização econômica, individuais ou
coletivas, e a própria liberdade contratual ou comercial.
Para AFONSO DA SILVA15, a livre iniciativa envolve a liberdade de indústria e
comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Consta do artigo 170
da Constituição Federal, como um dos esteios da ordem econômica, assim como de
seu parágrafo único que assegura “a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.”.
Dentro
dessa
acepção
constitucional,
a
livre
iniciativa
assegura
a
possibilidade de desenvolvimento de atividade econômica por ente puramente
privado, porém, por outro lado, impõe a necessidade de se submeter às limitações
impostas pelo Estado, a fim de evitar abusos e distorções dessa liberdade,
conciliando-a, assim, com outros valores igualmente relevantes, como o respeito ao
consumidor e ao meio ambiente, por exemplo, promovendo, assim, autêntica
regulação econômica.
14
15
RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág.239.
SILVA, J. A.: op. cit., pág. 771.
42
Quanto o Estado atua como agente normativo e regulador da atividade
econômica, realiza verdadeira “intervenção indireta”, o que compreende as funções
de fiscalização, incentivo e planejamento, nos termos do artigo 174, caput, da
Constituição Federal, in verbis:
“Art. 174. Como agente normativo e regulador da
atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei,
as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado.”
Para POSNER16, quando definida de forma apropriada, a expressão
“regulação econômica” se refere “a todos os tipos de impostos e subsídios, bem
como aos controles legislativo e administrativo explícitos sobre taxas, ingressos no
mercado, e outras facetas da atividade econômica.”.
É forçoso, portanto, reconhecer que a livre iniciativa, no marco da
Constituição Brasileira, não autoriza o agente privado a atuar sem limites, sendo
necessária, nesse sentido, a atuação do Estado regulador para assegurar a mínima
ordem nesse ambiente produtivo e negocial, no qual interagem, permanentemente,
empresários e consumidores, configurando forma de intervenção indireta na
economia.
16
POSNER, Richard A.. Teorias da regulação econômica. Tradução: MOTA PRADO, Mariana. In:
MATTOS, Paulo (coord.). Regulação econômica e democracia. São Paulo: Ed. 34, 2004, pág. 50.
43
CASTELAR PINHEIRO e SADDI17 estabelecem a didática distinção entre
“regulação” e “regulamentação”, quando afirmam ser a “regulação” realizada em um
plano mais elevado e geral de intervenção estatal para estabelecer limites à
liberdade de ação ou de escolha das empresas, dos profissionais liberais e/ou dos
consumidores, enquanto a “regulamentação” se refere ao detalhamento normativo
dessa intervenção.
Segundo afirma TÔRRES18, no constitucionalismo contemporâneo, dois
poderes criadores de normas coexistem: a autonomia privada, ou poder privado apto
para produção de normas entre particulares, e o poder público, mediante órgãos
habilitados para esse fim, podendo o legislador criar normas limitadoras daquele,
quando em presença de justificativas baseadas na função social dos contratos, da
propriedade, do trabalho, das sociedades ou na regulação de uma ordem econômica
justa e solidária.
No Brasil, desde a organização das formas de produção e distribuição dos
bens e serviços até as relações de consumo, todas as etapas da cadeia produtiva
são objetos de normas que representam formas de intervenção do Estado no
domínio econômico, sem assumir que este, contudo, exerça a condição de produtor,
mas sim atue no campo regulatório. Regulação é, portando, um instrumento legal
17
CASTELAR PINHEIRO, Armando; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, pág. 254.
18
TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elisão tributária.
São Paulo: RT, 2003, pág. 110.
44
para ordenar mercados, manifestada por via regulamentadora das atividades
econômicas 19.
Em verdade, o mercado, como anota NATALINO IRTI, citado por EROS
GRAU20, é uma ordem, no sentido de regularidade e previsibilidade de
comportamentos, cujo funcionamento pressupõe a obediência, pelos agentes que
nele atuam, de determinadas condutas. Essa uniformidade de condutas é que
permite aos agentes econômicos desenvolver cálculos que irão orientar as decisões
a serem tomadas, por parte deles, no dinamismo do mercado. Ora, como o mercado
é movido por interesses egoísticos – a busca do maior lucro possível – e a sua
relação típica é a relação de intercâmbio, expectativa daquela regularidade de
comportamentos é que o constitui como uma ordem.
São várias as razões que justificam o uso da regulação econômica com o
intuito de ordenar o mercado. Entretanto, considerando os limites e objetivos da
presente tese, evidencia-se aqui a preocupação com a criação de um ambiente
econômico que assegure a livre concorrência entre os agentes privados,
especialmente diante da reconhecida desigualdade econômica entre os mesmos,
que, em regra, provoca desvantagens para os pequenos empresários, cuja condição
de competitividade pode e deve ser equilibrada mediante intervenção estatal, com
fundamento na Constituição Federal, notadamente no artigo 170, incisos IV (livre
19
SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas,
2004, pág. 51.
20
GRAU, E. R.: op. cit., A ordem econômica na Constituição de 1988, págs. 30-31.
45
concorrência) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País).
A atividade econômica desenvolvida pelos agentes privados tem nessa
liberdade sua base. Ressalte-se, porém, que os limites constitucionais à livre
iniciativa devem atuar nos limites indicados pelas normas constitucionais
econômicas, que privilegiam valores coletivos enquanto garantem a liberdade dos
particulares. Essa liberdade de iniciativa é que qualifica uma economia de mercado
que é tutelada pelo princípio da livre concorrência 21.
Portanto, a liberdade de competição deve ser defendida por uma lei de
repressão às práticas comerciais abusivas, por órgãos administrativos, com o
propósito de reforçar a tutela da concorrência. Trata-se de sustentar certo paradoxo,
por meio do qual se promove a intervenção estatal (contrária à ampla liberdade
privada empresarial) justamente e na exata medida do necessário para manter-se a
mesma liberdade econômica. Na realidade, paradoxal seria permitir que a livre
concorrência, exercida com abuso, fosse tão distorcida que significasse sua própria
eliminação 22.
É induvidoso que essa intervenção estatal para regular a atividade
econômica, significa, por outras palavras, reconhecer que o mercado é modelado
21
22
SZTAJN, R.: op. cit., Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados, pág. 16.
RAMOS TAVARES, André. Direito constitucional da empresa. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2013, pág. 46.
46
pelo direito. Dito de outro modo, significa que os agentes privados iniciam e
desenvolvem atividade econômica “dentro” do um arcabouço jurídico que tem como
base a Constituição Brasileira.
Portanto, para que os agentes econômicos decidam produzir e sobre o que
produzir, deve ser assegurado a existência, mas também o desenvolvimento dos
mercados. Nesse sentido, a liberdade de iniciativa econômica é corolário da
liberdade de mercados, liberdade de oferecer a própria força de trabalho, bens de
produção e recursos financeiros em mercados. Embora os mercados não devem ser
subtraídos do controle do Estado, do poder coercitivo que as normas jurídicas têm 23.
Nessa ordem de ideias, o Estado, de um lado coloca limites na atuação dos
agentes econômicos, mas, de outro, também atua (o Estado) dentro de limites, pois
a Constituição do Brasil estabelece um extenso rol de direitos e garantias, que, na
esfera comercial, industrial ou de prestação de serviços, assegure, por exemplo, o
reconhecimento do direito de propriedade, especialmente aos bens de produção
imprescindíveis ao agente econômico, consoante expressamente estabelece a
Constituição Federal, em seu artigo 5º., inciso XXII, a saber:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
23
SZTAJN, R.: op. cit., Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados, págs. 58-59.
47
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXII - é garantido o direito de propriedade.”.
O reconhecimento da função social da propriedade, por sua vez, quando
ligado à livre iniciativa, deve ser referido tanto aos bens e meio de produção, quanto
aos bens e/ou serviços, resultantes da atividade econômica voltada para
mercados24.
Logo,
reconhecendo
que
o
mercado
constitui
um
“ambiente”
institucionalmente concebido pelo Estado, no qual a atividade econômica é
desenvolvida, preponderantemente pelos agentes privados, que atuam de modo
individual ou coletivamente (por meio de sociedades contratuais ou institucionais
criadas), a fim de resguardar o Estado, por meio da regulação em sentido amplo, e
os próprios agentes, a partir da existência do marco legal que assegura o
desenvolvimento de tal atividade.
Não por outra razão, nas palavras de EROS GRAU, cada agente econômico
necessita de garantias (i) contra o Estado e (ii) contra os outros agentes econômicos
que atuam no mercado. Vale dizer, cálculo e segurança inerentes à produção
24
SZTAJN, R.: op, cit., Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados, pág. 17.
48
capitalista exigem uma dupla garantia: (a) contra o Estado e (b) em favor do
mercado 25.
25
GRAU, E. R.: op. cit., A ordem econômica na Constituição de 1988, págs. 30-38.
49
1.3.
A
ORDEM
ECONÔMICA
CONSTITUCIONAL
BRASILEIRA
COMO
FUNDAMENTO PARA O TRATAMENTO DIFERENCIADO E FAVORECIDO AO
MICROEMPRESÁRIO E AO EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE.
1.3.1.
A
lei
complementar
123/2006
mandamento
constitucional
que
como
assegura
norma
concretizadora
tratamento
diferenciado
do
e
favorecido ao microempresário e ao empresário de pequeno porte.
Conforme expressamente prevê a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 170, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados, dentre outros princípios, o tratamento favorecido para
as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no País.
Ademais, o referido texto constitucional ainda estabelece, em seu artigo 179,
que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às
microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento
jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou
redução destas por meio de lei.
No dizer de MARTINS, manifestou o legislador forte e séria preocupação de
tratamento privilegiado às empresas, sob a ótica do número de empregados, do
50
faturamento e da facilitação da escrituração e do regime tributário específico.
Necessário destacar que as micro e pequenas empresas ressoam imprescindíveis
no cenário econômico, aparecem na lista das contratações de mão-de-obra, além de
serem presença constante em licitações estatais, fortalecendo, assim, o crescimento
das regiões sazonais ou não, representando parcela significativa do produto interno
bruto 26.
Em cumprimento ao mandamento constitucional, a regulamentação das
disposições constitucionais voltadas ao tratamento diferenciado, simplificado e
favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte deu-se por meio
de diversos instrumentos legislativos, tal como a lei 8.864, de 28 de março de 1994,
a Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de 1996, e a Lei nº 9.841, de 05 de outubro de
1999.
Atualmente, a matéria é disciplinada pela Lei Complementar número 123, de
14 de dezembro de 2006 - Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de
Pequeno Porte, que revogou, expressamente, a Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de
1996, e a Lei nº 9.841, de 05 de outubro de 1999, tratando do tema de forma
abrangente,
especialmente
no
que
se
refere,
exemplificada,
mas
não
exclusivamente, à definição de microempresa e de empresa de pequeno porte; dos
tributos e contribuições; do estímulo ao crédito e à capitalização; das regras civis e
empresariais e do acesso à justiça.
26
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 32ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, págs. 149-150.
51
Atende-se, assim, não apenas ao comando constitucional específico, como
também a normas basilares. De fato, as microempresas e as empresas de pequeno
porte, tratados separadamente na referida Lei Complementar número 123, de 14 de
dezembro de 2006, e posteriores alterações, por sua inserção social, realizam com
mais eficácia os fundamentos da República de respeito à dignidade humana e de
valorização do trabalho e da livre iniciativa; justamente por isso, tem condição
privilegiada de permitir a realização dos ambiciosos objetivos fundamentais do
Estado brasileiro, cujo registro é sempre pertinente: construir uma sociedade livre,
justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de
todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação 27.
1.3.2. Repercussão econômica das microempresas e empresas de porte como
justificativa para preservação do tratamento diferenciado e favorecido.
Certo é que a economia, deixada agir tão-somente segundo as livres forças
do mercado, tende a situações caracterizadoras de monopólio, no qual a oferta fica
concentrada nas mãos de poucos, e oligopólio, que corresponde a uma situação na
qual apenas uma pessoa ou uma empresa se apresenta como vendedora de um
dado produto 28.
27
MAMEDE, Gladstone. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. Vol. I. 5ª. Ed.
São Paulo: Atlas, 2011, pág. 100.
28
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, págs. 271-273.
52
Dentro desse contexto, os empresários e as sociedades empresárias de
grande porte tendem a controlar parcela representativa do mercado, impondo aos
menores condições concorrenciais desfavoráveis, em decorrência do poder
econômico. Afiguram-se, com isso, as dificuldades de criação e desenvolvimento a
que microempresas e as empresas de pequeno porte ficam expostas.
Nesse sentido, a adoção de um tratamento favorecido pode fomentar a
sobrevivência dos pequenos, provocando maior presença de agentes econômicos
na economia, o que invariavelmente se traduz em benefícios aos consumidores a ao
próprio mercado em face do estímulo da concorrência 29.
Por outro ângulo, como a Constituição Federal estabeleceu a liberdade de
iniciativa, tal como acima destacado, garantindo a participação de todos no mercado,
deve assegurar, de igual modo, a liberdade de concorrência como forma de alcançar
um equilíbrio entre os grandes grupos e o direito de estar no mercado também para
as microempresas e as empresas de pequeno porte 30.
Também é essa a conclusão de RAMOS TAVARES31 quando afirma que o
tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela a necessidade de
proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em
29
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance
do art. 170 da Constituição Federal. 2ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 304.
30
LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 1995, pág.
84.
31
RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 216.
53
relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa maneira
efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de iniciativa).
É inegável que uma economia equilibrada tem na aparição, proteção e
desenvolvimento de microempresas e empresas de pequeno porte um dos seus
mais fortes sustentáculos32.
Isso porque, as microempresas e as empresas de pequeno porte, conhecidas
na Espanha simplesmente por PYMES, tem notável potencial de geração de
emprego e renda, proporcionando, pois, um relevante e positivo impacto social para
País, que, somando a isso, ainda conta com a expansão da base de arrecadação
tributária.
Com efeito, no Brasil, a maior parte das atividades econômicas é
desempenhada por micro ou pequeno empresário. Vale dizer, sem eles nossa
economia trava, com eles nossa economia pode crescer. Para proteger tais
empresários é mister que se compatibilizem as exigências da atividade empresarial
com o volume de recursos movimentado por estes, isto é, não se pode exigir dos
micro e pequenos empresários o mesmo que se exige de uma grande companhia33.
32
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance
do art. 170 da Constituição Federal. 2ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 304.
33
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. Vol. 1. 5ª. Ed.
São Paulo: Atlas, 2013, pág. 651.
54
No mais recente e minucioso estudo34 publicado em 2015, por meio de uma
frutífera parceria entre o SEBRAE 35 e o DIEESE36. Em 2013, havia cerca de 6,6
milhões de estabelecimentos de micro e pequenas empresas. Entre 2003 e 2013, o
crescimento médio do número de micro e pequenas empresas foi de 3,0% ao ano;
entre 2003 e 2008, ficou em 3,2% ao ano; enquanto que entre 2008 e 2013 foi de
2,8% ao ano. Em 2003, havia 5,0 milhões de estabelecimentos, já em 2013 eram 6,6
milhões.
Portanto, em todo o período, foram criados aproximadamente 1,7 milhões de
novos estabelecimentos, expansão de 33,8% no total de micro e pequenas
empresas.
MPE: Micro e Pequena Empresa.
34
MGE: Média e Grande Empresa.
Anuário do trabalho na micro e pequena empresa: 2015. 7ª. ed. / SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas (Org.);
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos [responsável pela elaboração da pesquisa, dos textos, tabelas, gráficos e mapas]. –
Brasília, DF; DIEESE, 2015, 296 págs.
35
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) é uma entidade privada sem
fins lucrativos. É um agente de capacitação e de promoção do desenvolvimento, criado para dar apoio aos
pequenos negócios de todo o país. Desde 1972, trabalha para estimular o empreendedorismo e
possibilitar a competitividade e a sustentabilidade dos empreendimentos de micro e pequeno porte.
36
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
55
Por outro lado, o estudo do SEBRAE/DIEESE confirmou a importância das
micro e pequenas empresas na estrutura econômica brasileira e para o emprego,
que representava em 2013, no Brasil, segundo os dados da Relação Anual de
Informações Sociais (RAIS) - registro administrativo do Ministério do Trabalho -,
cerca de 6,6 milhões de estabelecimentos responsáveis por 17,1 milhões de
empregos formais privados não agrícolas. Com as mudanças tecnológicas e nos
processos de trabalho que ocorrem nas grandes empresas, os microempresários e
os empresários de pequeno porte assumiram papel ainda mais significativo na
geração de postos de trabalho.
MPE: Micro e Pequena Empresa.
MGE: Média e Grande Empresa.
Ainda de acordo com o estudo do SEBRAE/DIEESE, entre os anos de 2003 e
2013 foi verificado um aumento de 33,8% no número de estabelecimentos
empresariais enquadrados na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno
Porte, o que fez quase dobrar o número de empregos formais gerados dentro desse
56
período em razão da atividade desenvolvida por tais agentes econômicos, criando
7,3 milhões de empregos.
Precisamente no ano de 2013, as microempresas e empresas de pequeno
porte alcançaram, em média, o significativo percentual de 99% de todos os
estabelecimentos instalados no território brasileiro; 52% dos empregos formais de
estabelecimentos privados não agrícolas do país e de quase 42% da massa de
salários paga aos trabalhadores destes estabelecimentos.
Setorialmente, o comércio manteve-se como a atividade com maior número
de microempresas e empresas de pequeno porte e responde, na média do período,
por mais da metade do total das microempresas e empresas de pequeno porte
brasileiras. No entanto, a participação relativa do comércio caiu de 54,6%, em 2003,
57
para 47,2% do total das microempresas e empresas de pequeno porte, em 2013,
representando cerca de 3,1 milhões de agentes econômicos enquadrados nessa
condição no comércio.
Por sua vez, o setor de serviços não apenas se manteve como o segundo
mais expressivo em número de microempresas e empresas de pequeno porte, como
teve a participação elevada de 31,3%, do total de microempresas e empresas de
pequeno porte, em 2003, para 37,3%, em 2013, quando havia cerca de 2,5 milhões
de microempresas e empresas de pequeno porte no setor de serviços.
A indústria apresentou ligeira queda na participação relativa, saindo de 11,0%
do total das microempresas e empresas de pequeno porte, em 2003, para 10,6%,
em 2013, época em que a indústria possuía 701 mil microempresas e empresas de
pequeno porte.
58
Portanto, as microempresas e empresas de pequeno porte têm inegável
importância na política econômica nacional pelo que representam na geração de
emprego, notadamente quando se compara com os resultados produzidos pelas
médias e grandes empresas ao longo de 2011 a 2015, o que repercute diretamente
sobre a distribuição de renda no país37, como também na participação do Produto
Interno Bruto, cujo segmento é responsável por 25% 38.
MPE: Micro e Pequena Empresa.
37
MGE: Média e Grande Empresa.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey,
2002, pág. 462.
38
Disponível em: http://www.insper.edu.br/noticias/pequenas-empresas-representam-25-do-pibbrasileiro/acesso em 28 de fevereiro de 2014.
59
No âmbito Europeu, as micro, pequenas e medianas (PYMES) são o motor o
motor da economia europeia. Constituem, segundo VERHEUGEN 39, uma fonte
fundamental de postos de trabalho, assim como geram espírito empresarial e
inovação na União Europeia, razão pela qual são vitais para promover a
competitividade e o emprego.
Segundo o Directorio Central de Empresas (DIRCE), em 1º. de janeiro do ano
de 2014 havia na Espanha 3.114.361 empresas, das quais 3.110.522 (99,88%) são
PYMES (entre 0 y 249 assalariados), ou seja, 99,88% do tecido empresarial está
constituído por PYMES.40
Empresas según estrato de asalariados y porcentaje total, en España y en la UE27, 2013
Em comparação com a União Europeia, as microempresas (de 0 a 9
empregados) na Espanha representam 95,8% do total de empresas, 3,4 pontos
acima da estimativa disponível para o conjunto da União Europeia no ano de 2013
(92,4%). Também há uma diferença significativa na representatividade das
39
VERHEUGEN, Günter. La nueva definición de PYME. Comunidades Europeas: Publicaciones de
empresa e industria, 2006.
40
RETRATO DE LAS PYME 2015. Subdirección General de Apoyo a la PYME. Dirección General de
Industria y de la Pequeña y Mediana Empresa. www.ipyme.org Madrid: Ministério de industria,
energía y turismo secretaría general técnica. Subdirección general de desarrollo normativo, informes
y publicaciones. Centro de publicaciones, enero de 2015.
60
empresas espanholas pequenas (3,5%), 2,9 pontos abaixo da estimativa para o
conjunto da UE28 (6,4%).
Entre 2003 y 2013, o número total de empresas na Espanha aumentou em
172.019 unidades, o que representa um incremento acumulado em dito período de
5,8%.
No ano de 2013, o número de PYMES diminuiu em 28.584 empresas, o que
significa uma retração de 0,91% em relação a 2012 e de 8,9% quanto comparado ao
máximo alcançado em 2007.
Sem embargo, no ano de 2014, de acordo com os dados do Ministerio de
empleo y Seguridad Social (MEySS), no gráfico abaixo, verifica-se uma evolução do
número de empresas em função do seu tamanho.
61
Atendendo a distribuição setorial, verifica-se como varia o tamanho
empresarial em função dos setores econômicos a que pertencem a empresa. Assim,
85,8% das empresas industriais são microempresas e, entre elas, 47,4% tem entre 1
y 9 empregados. Com efeito, os setores de construção e o resto dos serviços
aglutinam o maior número de empresas (com 61,5% e 55,1%, respectivamente) no
segmento de microempresas sem assalariados. Enquanto no setor de comércio,
cerca de 50% são microempresas sem assalariados e 47% tem entre 1 y 9
empregados.
Ademais, 11,73% das empresas do setor da indústria são pequenas
empresas (de 10 a 49 empregados), porcentagem muito superior ao que
representam as pequenas empresas sobre o total de empresas (3,5%).
Distribución sectorial por tamaño de empresa, 2013.
Durante o ano de 2014, a PYME espanhola manteve uma particular
importância em sua contribuição na geração de emprego empresarial, ocupando
66% do total de trabalhadores. Em particular, as empresas de menor dimensão são
as que empregam um maior número de trabalhadores no segmento de PYME. As
62
microempresas e as pequenas empresas representam respectivamente 32,6% e
18,6% do emprego total.
Empleo según estrato de asalariados y porcentaje sobre el total en España, y porcentaje en la
UE27, 2014.
Durante 2014, o crescimento interanual do número total de empregados nas
PYMES é de 1,63%, com um aumento de 116.515 postos de trabalho, mantendo-se
assim uma variação positiva pelo segundo ano consecutivo. É bem verdade que as
grandes e as medianas empresas foram as que experimentaram uma maior taxa de
incremento, com 3,08% e 2,74%, respectivamente. O emprego no estrato das
grandes empresas se traduz em um incremento de 134.933 postos de trabalho.
Porém, é incontestável a participação das PYMES na geração de emprego.
Em 2013, o valor añadido bruto (VAB) espanhol - equivalente ao Produto
Interno Bruto (PIB) no Brasil - por ocupado da economia espanhola, de acordo com
os dados do INE (contabilidad nacional), é de 58.619 euros, o que representa uma
63
taxa de crescimento interanual de 2,21%, situando-se acima da média da UE-28,
estimada pela Comissão Europeia em 47.485 euros.
Constata-se claramente, portanto, que tanto no Brasil como na Espanha, as
micro e pequenas empresas (PYMES) têm sido responsáveis pela geração de
emprego e renda, nos mais variados segmentos da economia, justificando-se a
adoção de um tratamento diferenciado e favorecido, a fim de mantê-las em marcha,
bem como permitir a expansão das mesmas.
64
2. REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA DA ATIVIDADE ECONÔMICA: A EMPRESA, O
EMPRESÁRIO E O PODER DE TRIBUTAR.
2.1.
CONTORNOS
CONCEITUAIS
DA
EMPRESA
E
SEUS
REFLEXOS
TRIBUTÁRIOS.
2.1.1. As dimensões da empresa: subjetiva, objetiva e funcional.
O Código Civil brasileiro de 2002, adotando o mesmo critério fixado pelo
artigo 2.082 do Código Civil italiano de 1942, não conceituou a empresa, preferindo
fixar o conceito apenas de empresário, nos seguintes termos:
“Art.
966.
Considera-se
empresário
quem
exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
A empresa foi, então, introduzida nesse contexto como sendo uma relação
entre atividade econômica e organização, voltado ao desenvolvimento do comércio,
da indústria e da prestação de serviços, em regra desprovido de caráter intelectual,
científico, literário ou artístico, exercida pelo empresário, de forma individual ou
coletiva, constituindo, nessa última hipótese, a sociedade empresária.
65
Porém, inexistindo definição legal de empresa, mas sim a de seu titular - o
empresário -, passaram os juristas a buscar um conceito jurídico e sua natureza no
âmbito do Direito41. Entre eles se destaca ASQUINI, que, citado por RICARDO
NEGRÃO, defende que há diversos perfis jurídicos sob os quais o Código Civil
italiano (que influenciou fortemente o Código Civil brasileiro) considera o fenômeno
econômico da empesa.
Assim, conforme ASQUINI, o primeiro aspecto, denominado perfil subjetivo, é
considerado a partir da definição do artigo 2.082 do Código Civil italiano, que
corresponde ao citado artigo 966 do Código Civil brasileiro. Vislumbra-se aqui o
aspecto subjetivo, de quem exerce a empresa – o empresário ou a sociedade
empresária, que, em nome próprio, desenvolve atividade econômica organizada –
incluindo a organização do trabalho alheio e do capital próprio ou alheio – e com o
fim de operar para o mercado e não para consumo próprio, agindo, outrossim, de
forma profissional, isto é, não eventual.
Por sua vez, no perfil funcional se emprega a palavra “empresa” sob o
aspecto funcional ou dinâmico, ou, como definido por ASQUINI: “a empresa aparece
como aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um
determinado escopo produtivo”.
41
NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa: teoria geral da empresa e direito
societário. Vol. I. 8ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 64-67.
66
De mais a mais, o terceiro perfil, denominado objetivo ou patrimonial, referese à empresa como patrimônio. O exercício da atividade empresarial (perfil
funcional) pelo empresário ou sociedade empresária (perfil subjetivo) exige a
utilização de um conjunto de bens dirigidos a uma finalidade específica, sintetizado
sob a expressão azienda, expressamente conceituada no artigo 2.555 do Código
Civil italiano, cuja redação inspirou o legislador pátrio, que optou, todavia, pela
nomenclatura estabelecimento empresarial, utilizada no artigo 1.142 do Código Civil
brasileiro, a saber:
Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo
de bens organizado, para exercício da empresa, por
empresário, ou por sociedade empresária.
O último perfil de ASQUINI é o corporativo ou institucional. Nas palavras do
autor: “o empresário e seus colaboradores, dirigentes, funcionários, operários, não
são de fato, simplesmente, uma pluralidade de pessoas ligadas entre si por uma
soma de relações individuais de trabalho, com fim individual; mas formam um núcleo
social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundem os
fins individuais do empresário e dos singulares colaboradores: a obtenção do melhor
resultado econômico, na produção. A organização se realiza através da hierarquia
das relações entre o empresário dotado de um poder de mando – e os
colaboradores, sujeitos à obrigação de fidelidade no interesse comum.” 42.
42
NEGRÃO, R.: op. cit., pág. 67.
67
No dizer de RIPERT, as palavras empresa e empresário pertencem à língua
corrente. O uso lhes deu sentido diferente. A primeira é usada para designar toda
atividade orientada para certo fim; a segunda para qualificar o homem que,
profissionalmente, executa certos trabalhos 43.
Já na perspectiva portuguesa, MENEZES CORDEIRO44 reconhece que a
empresa não é nem uma pessoa nem uma coletividade, nem um mero conjunto de
elementos materiais. Segundo o autor, deve-se entendê-la (a empresa) como um
conjunto concatenado de meio materiais e humanos, dotados de uma especial
organização e de uma direção, de modo a desenvolver uma atividade segundo
regras de racionalidade econômica. Ainda conforme o autor, os elementos da
empresa podem ser agrupados da seguinte forma: (i) elemento humano que
abrange todos os que colaboram na empresa, desde trabalhadores aos titulares
(“donos”); (ii) elemento material integrado por coisas corpóreas e incorpóreas
destinadas ao exercício da atividade econômica; (iii) uma organização compreendida
pela articulação dos elementos humano e material; e, por fim, (iv) uma direção no
sentido aglutinador dos meios envolvidos.
Entende o autor que a empresa é, pois, uma organização produtiva que
exprime no seu cerne a síntese entre os fatos e o ordenamento jurídico apto a
permitir a sua existência e o seu funcionamento.
43
RIPERT, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. Campinas: Red livros, 2002, págs.
291-292.
44
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da rocha e. Manual de direito comercial. 2ª. Ed. Coimbra:
Almedina, 2009, pág. 281.
68
Na visão espanhola, JIMÉNEZ SANCHEZ45, afirma que “desde un punto de
vista estrictamente jurídico patrimonial, la empresa se habrá de concebir, a nuestro
juicio, como una específica modalidad de riqueza productiva, constitutiva de un bien
o valor patromonial de explotación” “resultante de la materialización de la iniciativa
creadora del empresario, de la proyección patrimonial de su labor organizadora de
los distintos factores produtivos, faculdades, poderes y técnicas jurídicas, y la
actividad de produción e intermedición de bienes y servicios para el mercado a
través del estabelecimiento mercantil. Este valor patrimonial de explotación se
sustenta en tres soportes fundamentales: el empresario (sujeto organizador), el
establecimiento (objeto organizado) y la organización.”.
Constata-se, a partir das manifestações doutrinárias emanadas de autores
anteriormente mencionados, que a empresa é, acima de tudo, fenômeno econômico
ou atividade econômica, caracterizada pela produção e/ou a circulação de bens ou
serviços, exercida de forma individual ou coletiva, com o propósito – nem sempre
realizável – de obter lucro.
Existem, de fato, três dimensões na empresa: uma subjetiva, centrada na
pessoa do empresário; outra patrimonial, que decorre da reunião dos bens materiais
e/ou imateriais necessários à consecução da atividade econômica; e uma terceira,
45
JIMÉNEZ SANCHEZ, Guillermo J. (coordinación). Lecciones de Derecho Mercantil. 11ª. Ed..
Madrid: Tecnos, 2007, pág. 68.
69
de caráter funcional, centrada no efetivo exercício organizado e profissional dessa
atividade econômica.
No dizer de REQUIÃO46, a empresa somente nasce quando de inicia a
atividade sob a orientação do empresário.
2.1.2. Atividades econômicas desprovidas de natureza empresarial.
Oportuno frisar que nem toda atividade econômica é configuradora da
empresa. Isso porque, o Código Civil brasileiro, por força do parágrafo único do
artigo 966, excluiu da condição de empresário quem exerce profissão intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, mesmo que exista intuito lucrativo, ainda
com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão
constituir elemento de empresa.
A exclusão das atividades intelectuais do campo da empresa é o resultado de
uma clara opção legislativa, uma vez que, do ponto de vista organizacional, da
busca de lucro, da existência de um ou mais estabelecimentos, não há diferença
substancial em relação ao campo de atividades reservado ao empresário 47.
Cabe observar que a disposição contida no aludido parágrafo único do artigo
966 (Código Civil brasileiro) foi inspirada no artigo 2.238 do Código Civil italiano, que
está inserido no capítulo relativo à empresa, ou seja, a profissão intelectual, no
46
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. I. 25ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 59.
DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. Vol. 1. São Paulo: Malheiros,
2004, pág. 140.
47
70
sistema italiano, não tem qualquer vinculação com a matéria relativa à empresa,
exceto se elemento de uma atividade organizada em forma de empresa.
GONÇALVES NETO48, em comentários ao disposto no parágrafo único do
artigo 966 (Código Civil brasileiro), afirma que ser “elemento de atividade organizada
em empresa” ou, simplesmente, “elemento de empresa” significa ser parcela dessa
atividade e não a atividade em si, isoladamente considerada. Evidencia-se, assim,
que “a única possibilidade de enquadrar a atividade intelectual no regime jurídico
empresarial será considerando-a como parte de um todo mais amplo apto a se
identificar como empresa – ou, mais precisamente, como um dos vários elementos
em que se decompõe determinada empresa.”.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a missão de
processar e julgar as matérias de sua competência originária e recursal,
assegurando a uniformidade na interpretação das normas infraconstitucionais, por
meio do Centro de Estudos Jurídicos do CJF, ao promover III Jornada de Direito
Civil49, com o intuito de melhor elucidar as questões relacionadas ao regime
empresarial, editou os enunciados 193, 194 e 195, reconhecendo que o “exercício
das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de
empresa”, destacando, ainda, que os “profissionais liberais não são considerados
empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante
48
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do
Código Civil. 4ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 78.
49
Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro
ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos
Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovadosda-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf.
Consultado em: 07/09/2015.
71
que a atividade pessoal desenvolvida”, e também que “a expressão ‘elemento de
empresa’ demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da
absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como
um dos fatores da organização empresarial.”.
Vale dizer que o caráter econômico é indissociável da empresa. É atividade
econômica porque visa criar riquezas, gerar lucro, por meio da produção e/ou a
circulação de bens ou serviços. Por isso, o cálculo empresarial utilizado na formação
de preço de tais produtos ou serviços é composto dos custos, inclusive tributários, e
de uma margem de lucro.
Cabe ressaltar, ainda, que algumas atividades desenvolvidas, embora
criativas, não se configuram empresa, por lhes faltar o intuito lucrativo, que é próprio
desta (a empresa). É fato que nem sempre o lucro se materializa para o empresário,
que, em alguns, acumula sucessivos prejuízos, impondo-se, por vezes, como
consequência irremediável, a falência.
Pois bem, como atividades exercidas pelas instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, pelos partidos políticos ou pelas entidades
sindicais dos trabalhadores não são configuradoras da empresa. Não há, em tais
atividades, o fator econômico empresarial. Inexiste, pois, o dispêndio de capital
próprio e/ou de terceiros para criar riquezas, destina-las ao mercado de consumo,
obter lucro e revertê-lo em proveito do empresário.
72
Tais entidades, por vezes se constituem na forma de associações, resultantes
da união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, sem que haja,
entre os associados, direitos e obrigações recíprocos, nos termos do artigo 53 do
Código Civil, a saber:
“Art. 53. Constituem-se as associações pela união de
pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e
obrigações recíprocos.”
Note-se que, pelo fato de não perseguir escopo lucrativo, a associação não
está impedida de gerar renda que sirva para a mantença de suas atividades e
pagamento do seu quadro de empregados. Pelo contrário, o que se deve observar é
que, em uma associação, os seus membros não pretendem partilhar lucros, como
ocorre com os sócios de uma sociedade empresária50. Portanto, aqui o propósito
lucrativo é que não existe.
Não importa que tenham patrimônio, o qual se destina para atingir as
finalidades estatutárias próprias51. Irrelevante, também, que, em decorrência de tais
atividades associativas aufiram lucro, revertido em prol dos interesses filantrópico,
religioso, social, etc.
50
STOLZE GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 214.
51
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, pág. 27.
73
Para a compreensão do que seja o elemento lucro, CAVALLI utiliza a noção
de economicidade, a significar intenção de realizar lucro em sentido amplo, que
impõe, como atributo da atividade, a noção de economicidade de gestão, entendido
como equilíbrio estrutural entre ingressos e dispêndios52.
A economicidadede de gestão, assim, relaciona-se à possibilidade de ganho,
que se deve valorar no contexto da sociedade de produção de massa. Esta
orientação doutrinária, assim, coloca na conta de índole econômica da sociedade
atual a necessidade de incluir o elemento lucro na configuração do empresário.
O argumento da índole econômica na sociedade industrial é utilizado por
parte da doutrina para justificar a razão pela qual determinadas atividades não tem
viés econômico e, portanto, quando exercidas, não concretizam a condição de
empresário. Nesse sentido, atribui-se à expressão atividade econômica o significado
de que, pelo exercício da atividade, o empresário cria riquezas, isto é, cria bens ou
serviços. Este argumento é utilizado para justificar por qual motivo algumas
atividades, embora criativas, não são qualificativas do empresário.
Não basta, pois, para ser qualificada como econômica que uma atividade
criadora de riqueza dê origem a um bem. É necessário que a produção deste bem
seja orientada à satisfação de necessidades alheias, isto é, as trocas do mercado.
52
MACHADO CAVALLI, Cássio. Empresa, direito e economia: elaboração de um conceito jurídico de
empresa no direito comercial brasileiro contemporâneo a partir do dado teórico econômico. 2012. 304
f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Rio Grande do Sul, 2012, págs. 131-132.
74
A empresa é, portanto, o núcleo convergente de vários interesses, que
realçam sua importância econômico-social, como: (i) lucro do empresário, individual
ou coletivamente considerado (sociedade empresária), que assegura a sua própria
manutenção; (ii) salário do trabalhador, permitindo sua sobrevivência e a de sua
família53; (iii) interesse do consumidor, assim entendido como o destinatário final dos
bens e/ou serviços produzidos pelo empresário; e (iv) a tributação, que viabiliza a
obtenção, pelo Estado, dos recursos necessários ao seu custeio.
Não por outra razão é que se reconhece, no âmbito da legislação brasileira, a
relevância da empresa, enquanto fonte produtora de riquezas, geradora de emprego
e renda para os trabalhadores, resguardados os interesses dos credores,
justificando-se, por vezes, a sua preservação (da empresa), por sua função social e
necessário estímulo à atividade econômica 54.
2.1.3. Repercussões tributárias dos conceitos de empresa, empresário,
estabelecimento e lucro.
Curial frisar que a fixação dos conceitos de empresa, empresário,
estabelecimento e lucro são determinantes para o direito tributário e, por
conseguinte, na cobrança de tributos.
53
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de empresa. Vol. 8. 3ª. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, págs. 47-48.
54
Lei. 11.101/2005. “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da
situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a
preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”.
75
Com efeito, os conceitos econômicos oriundos do direito privado, se e quando
corretamente inseridos no direito tributário são imprescindíveis na compreensão do
que pode ou deve ser tributado.
É que o direito privado, especialmente aqui o direito empresarial, abriga parte
das regras que regem relações potencialmente tributáveis. É a apreensão de um
dado da realidade fática, ocorrido sob o pálio de normas jurídicas oriundas de outros
ramos do direito (mormente o direito privado, consoante referido), que possibilitará a
cobrança de tributos por parte do Estado-Administração. O estudo de tais conceitos
tem inegáveis reflexos no direito tributário. Afinal, se a lei tributária não pode sequer
modificar
os institutos e
conceitos de direito
privado,
consoante
dispõe
expressamente o artigo 11055 do Código Tributário Nacional, as mudanças operadas
nesses
mesmos
institutos
pela
própria
lei
civil
e/ou
empresarial
irão,
consequentemente, alterar a estrutura das relações jurídico-tributárias, avultando
como importante a análise do efetivo alcance dessas transformações no direito
tributário56.
Bem por isso é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no limite de sua
respectiva competência (infraconstitucional), ao tratar da questão da imunidade de
instituição de ensino, desprovida de intuito lucrativo, colocou em relvo o propósito
55
Código Tributário Nacional. “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o
alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito
Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”.
56
MOREIRA, André Mendes e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Reflexos do Novo Código Civil no
Direito Tributário. In: Direito Tributário e o Novo Código Civil. In: TREIGER GRUPENMACHER, Betina
(organizadora).
São
Paulo:
Quartier
Latin,
2004,
p.
197.
Disponível
em:
http://sachacalmon.com.br/publicacoes/artigos/reflexos-do-novo-codigo-civil-no-direito-tributario/.
Consultado em: 19/04/2015.
76
elementar de servir à coletividade, colaborando com o Poder Público no exercício de
funções precipuamente estatais e suprindo, dessa forma, as deficiências
prestacionais, produzindo decisão assim ementada:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO
SEM FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE.
ACÓRDÃO
RECORRIDO QUE, FUNDADO NAS PROVAS DOS
AUTOS E EM PERÍCIA TÉCNICA, CONCLUI PELO
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 14 DO
CTN. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.
EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO CERTIFICADO
DE ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, PELO
TRIBUNAL A QUO, QUE DESATENDE À FINALIDADE
DA NORMA IMUNIZANTE. AGRAVO REGIMENTAL DO
DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO.”57.
Da análise detalhada dos fundamentos do julgamento em tela, verifica-se
expressa referência à Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 150, inciso
VI, c, prevê tão somente a concessão da imunidade tributária às entidades de
assistência sociais sem fins lucrativos, delegando à lei infraconstitucional os
requisitos para a incidência da norma imunizante:
57
STJ. Recurso: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 187.172 - DF (2012⁄0117403-3).
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do
Julgamento: 18/02/2014.
77
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas
ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os
requisitos da lei.”.
Some-se a isso o fato de que o código tributário nacional do Brasil (CTN), em
seu art. 9º., inciso IV, traz um rol de imunidades fiscais concedidas a determinadas
pessoas, liberando-as do obrigação de pagar determinados tributos e afastando, por
consequência, a incidência de regra jurídica de tributação em situações específicas
e
satisfatoriamente
caracterizadas;
eis
a
dicção
desse
dispositivo
legal
complementar:
“Art. 9o. - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:
(...)
78
IV - cobrar imposto sobre:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, observados os
requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;
d) papel destinado exclusivamente à impressão de
jornais, periódicos e livros.
§ 1o. - O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por
lei,
às entidades nele
referidas,
da
condição
de
responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte,
e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei,
assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias
por terceiros.
§ 2o. - O disposto na alínea a do inciso IV aplica-se,
exclusivamente, aos serviços próprios das pessoas
jurídicas de direito público a que se refere este artigo, e
inerentes aos seus objetivos.”58.
58
Sem destaques no texto original.
79
Os pressupostos para a concessão da benesse pleiteada encontram-se no
artigo 14 do código tributário nacional do Brasil (CTN), que dispõe as exigências do
que se entende por ausência de finalidade lucrativa, a saber:
“Art. 14 - O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º.
é subordinado à observância dos seguintes requisitos
pelas entidades nele referidas:
I
-
não
distribuírem
qualquer
parcela
de
seu
patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na
manutenção dos seus objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas
em
livros revestidos de
formalidades capazes
de
assegurar sua exatidão.
§ 1o. Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou
no § 1o. do artigo 9º., a autoridade competente pode
suspender a aplicação do benefício.
§ 2o. Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV
do
artigo
9º.
são
exclusivamente,
os diretamente
relacionados com os objetivos institucionais das entidades
80
de que trata este artigo, previstos nos respectivos
estatutos ou atos constitutivos.”59
Também enfrentando a questão da imunidade, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) decidiu:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE
SEGURANÇA.
RECURSO
ADMINISTRATIVO.
DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ISS. CONTRIBUINTE
DO IMPOSTO. EMPRESA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE
ECONÔMICA.
FINALIDADE
LUCRATIVA.
ENQUADRAMENTO NÃO-CARACTERIZADO.
1. Nos casos em que o ato questionado pelo contribuinte
for objeto de recurso administrativo, a contagem do prazo
para aforamento do writ somente tem início com a decisão
final naquele procedimento, data a partir da qual se torna
exeqüível o ato impugnado.
2. O novo Código Civil Brasileiro, em que pese não ter
definido expressamente a figura da empresa, conceituou
no
art.
966
o
empresário
como
"quem
exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços" e, ao
assim proceder, propiciou ao interprete inferir o conceito
jurídico de empresa como sendo "o exercício organizado
59
Sem destaques no texto original.
81
ou profissional de atividade econômica para a produção
ou a circulação de bens ou de serviços".
3. Por exercício profissional da atividade econômica,
elemento
que
integra
o
núcleo
do
conceito
de
empresa,
há que se entender a exploração de
atividade com finalidade lucrativa.
4. Em se tratando o ECAD de associação civil, que não
explora de fato qualquer atividade econômica, visto que
desprovida de intento lucrativo, não se subsume, à toda
evidência, no conceito de empresa, razão por que não é
ele contribuinte do imposto sobre serviço de qualquer
natureza tipificado no art. 8º do Decreto-Lei n. 406, de
31.12.68.
5. Recurso especial a que se nega provimento.”60
De igual modo, o Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão de cúpula do
Poder Judiciário, ao qual compete, precipuamente, a guarda da Constituição,
conforme definido no art. 102 da Constituição Federal, ao se pronunciar sobre a
questão da imunidade, a saber:
“AGRAVO
REGIMENTAL
INSTRUMENTO
60
2.
EM
IMUNIDADE
AGRAVO
DE
TRIBUTÁRIA.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 623.367⁄RJ. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Órgão
julgador: T1 - Segunda Turma. Data do Julgamento: 15⁄06⁄2004. Original sem destaques em negrito.
82
ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. COMPROVAÇÃO
DE
EXISTÊNCIA
DOS
REQUISITOS
PARA
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. ART. 14 DO CÓDIGO
TRIBUTÁRIO
NACIONAL.
LEGISLAÇÃO
INTERPRETAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL.
REFLEXA.
SÚMULA
279/STF.
AGRAVO
REGIMENTAL
A
DE
OFENSA
PRECEDENTES.
QUE
SE
3.
NEGA
PROVIMENTO.”61
Infere-se da análise dos julgados acima, a utilidade e necessidade de domínio
dos conceitos de direito privado, espacialmente os conceitos fundamentais de
empresa, empresário e lucro, que se constituíram objeto do presente tópico.
61
STF. Recurso: AI 512985 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO. AG. REG. NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do
Julgamento: 16/10/2007.
83
2.2. CARACTERIZAÇÃO DO EMPRESÁRIO: TITULARIDADE INDIVIDUAL OU
COLETIVA DA EMPRESA.
São duas as espécies de empresário: o individual, aquele que exercita a
atividade econômica em seu próprio nome, assumindo individualmente os riscos, e o
coletivo, que é revestido pela figura da sociedade empresária, formada, em geral,
por, no mínimo, duas pessoas, que partilham resultados positivos ou negativos da
atividade econômica, suportando, pois, em conjunto, os riscos respectivos.
Quando se está diante de uma sociedade empresária, é importante atentar
para o fato de que os seus sócios não são empresários: o empresário, nesse caso, é
a própria sociedade, ente ao qual o ordenamento jurídico confere personalidade e,
por conseguinte, capacidade para ser titular de direito e contrair obrigações. Assim,
pode-se dizer que a expressão empresário, por vezes utilizada na legislação pátria,
designa um gênero, do qual são espécies o empresário individual (pessoa física ou
natural) e a sociedade empresária62, que, quando regularmente constituída e
registrada em órgão próprio cria a pessoa jurídica.
A propósito, conforme RUGGIERO63, a pessoa jurídica pode ser definida
como “qualquer unidade orgânica resultante de uma coletividade organizada de
pessoas ou de um complexo de bens a que, para consecução de um fim social
62
SANTA CRUZ RAMOS, André Luiz. Direito empresarial esquematizado. 2ª. Ed. São Paulo: Método,
2012, pág. 38.
63
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. 1ª. Tradução da 6ª. ed italiana por Paolo
Capitanio. Campinas: Bookseller, 1999, pág. 550.
84
duradouro e permanente, é pelo Estado reconhecida uma capacidade de direitos
patrimoniais.”.
Nesse sentido, imperioso ressaltar que a distinção entre empresário individual
(pessoa física ou natural) e pessoa jurídica também tem sido feita pelos Tribunais
braseiros, conforme se verifica a partir da simples análise da decisão proferida pelo
Superior Tribunal de Justiça, a seguir transcrita:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. INSOLVÊNCIA CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 458,
II, E 515, § 1º, DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. OMISSÃO. NÃOOCORRÊNCIA.
MANIFESTAÇÃO
DIRETA
DO
TRIBUNAL ACERCA DO PONTO PRETENSAMENTE
OMISSO.
JULGAMENTO
DA
CAUSA
MADURA.
APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 515, § 3º, DO CPC.
PEDIDO DE INSOLVÊNCIA CIVIL MANEJADO CONTRA
SÓCIO DE EMPRESA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DA
FIGURA DO COMERCIANTE. RECURSO ESPECIAL
NÃO CONHECIDO.
(...)
5. A pessoa física, por meio de quem o ente jurídico
pratica a mercancia, por óbvio, não adquire a
personalidade
desta.
Nesse
caso,
comerciante
é
85
somente a pessoa jurídica, mas não o civil, sócio ou
preposto, que a representa em suas relações comerciais.
Em suma, não se há confundir a pessoa, física ou
jurídica, que pratica objetiva e habitualmente atos de
comércio, com aquela em nome da qual estes são
praticados. O sócio de sociedade empresarial não é
comerciante, uma vez que a prática de atos nessa
qualidade são imputados à pessoa jurídica à qual está
vinculada, esta sim, detentora de personalidade
jurídica própria. Com efeito, deverá aquele sujeitar-se ao
Direito Civil comum e não ao Direito Comercial, sendo
possível, portanto, a decretação de sua insolvência civil.
6. Recurso especial não conhecido” 64.
2.2.1. Titularidade Individual da Empresa
2.2.1.1. Empresário Individual
Empresário individual é a pessoa física ou natural, cuja atuação regular, por si
só, não é suficiente para produzir uma pessoa jurídica, que exige a constituição
válida de uma sociedade empresária ou de uma Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada - EIRELI, consoante será demonstrado. Portanto, em se
tratando de um empresário individual, os seus bens pessoais, ou seja, da própria
pessoa física ou natural, respondem pelas obrigações assumidas em decorrência do
64
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 785.101 - MG (2005/0157147-3). Relator: Ministro Luis Felipe
Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 19/05//2009. Original sem
destaques em negrito.
86
efetivo exercício da atividade econômica de caráter empresarial. Não há um
patrimônio separado. Confundem-se, então, os bens destinados ao efetivo exercício
da atividade econômica empresarial, que compõe o estabelecimento empresarial,
com os bens que, de igual modo, integram o patrimônio da pessoa física ou natural
do empresário individual, e que são destinados a fins não econômicos ou
empresariais, como, por exemplo, o simples lazer.
De igual modo, no sistema espanhol, o empresário individual responde, “como
todo deudor, con todos sus bienes presentes y futuros (art. 1.911 Código Civil65).”.
“La responsabilidade patrimonial del empresario individual comprende no sólo los
bienes que están afectados al ejercicio de la actividad empresarial, sino también los
que no lo están; o dicho en otros términos, no hay una distinción a estos efectos
entre su patrimonio mercantil y civil.”.66
Esclareça-se que o entendimento, por vezes errôneo, no sentido de confundir
o empresário individual (pessoa física ou natural) com a pessoa jurídica (sociedade
empresária ou EIRELI) decorre da interpretação e aplicação da lei tributária que os
equipara (empresário individual e pessoa jurídica) para fins de exigibilidade de
impostos, taxas e contribuições.
65
Código Civil Español. “Art. 1.911. Del cumplimiento de las obligaciones responde el deudor con
todos sus bienes, presentes y futuros.” Disponível em: http://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A1889-4763. Acesso em: 09 de março de 2014.
66
SANCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 68.
87
Apenas para fins fiscais o empresário individual, ainda chamado por alguns
de firma individual, foi equiparado à pessoa jurídica. No entender de GONÇALVES
NETO67, o que o legislador prescreveu, aí, foi o seguinte: o empresário individual, ou,
para alguns a firma individual, por não ser pessoa jurídica, fica equiparado para
efeito de sobre ele incidirem as regras específicas de tributação aplicáveis à pessoa
jurídica.
Em suma: para os efeitos da legislação do direito privado, a empresa
individual não é e nunca foi considerada pessoa jurídica. A eventual equiparação do
empresário individual com a pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário 68.
Igualmente oportuno frisar que o empresário individual deve ter capacidade
plena para o exercício das atividades civis e empresarias, bem como não poderá
incorrer em nenhum tipo impedimento legal, que se constitua fator proibitivo do
exercício da atividade econômica de cunho empresarial.
É o que se extrai da simples análise dos artigos 972 e 973 do Código Civil
brasileiro:
67
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Apontamentos de direito comercial. Curitiba: Juruá, 1998,
págs. 174-175.
68
SOARES DE CASTRO, Moema Augusta. Manual de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense,
2007, pág. 44.
88
“Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os
que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não
forem legalmente impedidos.”
“Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer
atividade própria de empresário, se a exercer, responderá
pelas obrigações contraídas.”
É que o legislador pátrio entendeu por bem limitar o exercício pessoal de
direitos, dependendo da idade, saúde ou cognição mental de determinadas pessoas,
sempre levando em conta a necessidade de protegê-las, de tal sorte que são
classificados como absolutamente incapazes ou relativamente incapazes69.
Por conseguinte, de acordo com o artigo 3º do Código Civil, são
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil e
empresarial: os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência
mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e os
que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Por seu turno,
consoante dispõe o artigo 4º do mesmo Código, são incapazes, relativamente a
certos atos, ou à maneira de exercê-los: os maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência
69
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 7ª.
Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pág. 71.
89
mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento
mental completo; e os pródigos70.
Por outro lado, embora a Constituição da República estatuir, em seu artigo
5º., inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, há determinadas
pessoas que, embora plenamente capazes, não podem exercer atividade econômica
de caráter empresarial.
Dita proibição funda-se em razões de ordem pública em decorrência, por
vezes, das funções que exercem, como nos casos de magistrados, membros do
ministério público, agentes públicos, militares e estrangeiros com visto provisório, por
exemplo. Também em decorrência da decretação de falência, o empresário falido
fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial até a sentença que
extingue suas obrigações. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer
ao juiz da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro, consoante os
termos do artigo 102, parágrafo único, da Lei 11.101/2005.
Não se trata de incapacidade jurídica, mas de incompatibilidade da atividade
negocial em relação a determinadas situações. Um verdadeiro impedimento legal.
70
Em razão de alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.146, de 2015, a partir do dia 06 de
janeiro de 2016, passará a vigorar a seguinte redação dos artigos 3º. e 4º. do Código Civil:
o
“Art. 3 São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores
de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade.
o
Art. 4 São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de
dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por
deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento
mental completo; IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.”
90
Portanto se exercer atividade econômica violando a proibição legal, a pessoa física
ou natural estará praticando irregularmente atos válidos71, porquanto responderá
pelas obrigações assumidas.
Especificamente no campo tributário, ninguém se escusa da obrigação
tributária sob a alegação de estar privado do gozo de certo direito ou limitado, por
medidas legais, administrativas ou judiciais, no exercício de qualquer atividade
econômica ou afastado da administração de seus bens ou negócios72.
É o que dispõe o artigo 126, incisos I e II, do código tributário nacional do
Brasil, a saber:
“Art. 126. A capacidade tributária passiva independe:
I - da capacidade civil das pessoas naturais;
II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que
importem privação ou limitação do exercício de atividades
civis, comerciais ou profissionais, ou da administração
direta de seus bens ou negócios;
Some-se a isso, a exigência imposta pelo artigo 967 do Código Civil brasileiro,
de que “é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas
Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.”.
71
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 13ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 23.
72
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 730.
91
De acordo com a Lei 8.934/94 e o Decreto 1.800/96, a execução dos serviços
de Registro Público de Empresas compete às Juntas Comerciais, que estarão
administrativamente subordinadas ao governo da respectiva unidade federativa.
Significa que cada um dos Estados integrantes da Federação – assim como o
Distrito Federal – mantém uma Junta Comercial, subordinando-se ao controle e
supervisão, em matéria técnica, ao Departamento de Registro Empresarial e
Integração – DREI, órgão de caráter Nacional, vinculado ao Ministro de Estado
Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.
Portanto, cumpre à autoridade competente da Junta Comercial, antes de
efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do
requerimento,
bem como
fiscalizar
a
observância
das prescrições legais
concernentes ao ato ou aos documentos apresentados, razão pela qual verificada a
existência de vício insanável, o requerimento será indeferido; quando for sanável, o
processo será colocado em exigência.
Logo, obedecidos tais requisitos (capacidade, ausência de impedimentos), o
empresário individual, antes de iniciar a exploração da atividade econômica, deverá
promover sua inscrição no registro público de empresas (junta comercial), mediante
requerimento que conterá: (i) seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil, e, se
casado, o regime de bens; (ii) a firma sob a qual exercerá a atividade, com a
respectiva assinatura autógrafa, ou seja, o modo como assinará a firma individual,
(iii) o capital empregado; (iv) a delimitação do objeto social; e (v) a sede.
92
É preciso acentuar que dita inscrição na junta comercial, embora seja uma
obrigação, não é constitutiva de direitos. Explique-se: é que a inscrição do
empresário individual é, em princípio, um ato declaratório, visto que tem por fim dar
publicidade à condição jurídica de quem exerce atividade econômica reputada
passível de registro perante o registro público de empresas. Se descumprir essa
obrigação, não deixa de ser empresário73, porquanto “a inscrição do empresário ou
sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua
caracterização”
74
. Entretanto, não promovendo sua inscrição, fica sujeito a
responder por perdas e danos perante eventuais prejudicados, consoante previsto
no artigo 1.151, a saber:
“Art. 1.151. O registro dos atos sujeitos à formalidade
exigida no artigo antecedente será requerido pela pessoa
obrigada em lei, e, no caso de omissão ou demora, pelo
sócio ou qualquer interessado.
§ 1o Os documentos necessários ao registro deverão ser
apresentados no prazo de trinta dias, contado da lavratura
dos atos respectivos.
73
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do
Código Civil. 4ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, págs. 80-81.
74
Enunciado 199 da Comissão de direito de empresa, III Jornada de direito civil. Jornadas de
direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR
JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível
em:
http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-dedireito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015.
93
§ 2o Requerido além do prazo previsto neste artigo, o
registro somente produzirá efeito a partir da data de sua
concessão.
§ 3o As pessoas obrigadas a requerer o registro
responderão por perdas e danos, em caso de omissão
ou demora.”.75
Acrescente-se que a inscrição do empresário no registro público de empresas
(junta comercial) é somente a primeira das várias obrigações necessárias à perfeita
regularização da empresa. É que, sob as perspectivas administrativa e tributária, o
empresário necessita obter licenças do Poder Público antes de iniciar a atividade,
especialmente perante a Receita Federal do Brasil 76, inscrevendo-se no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica (equiparando-se, para fins tributários, a pessoa física
do empresário individual à pessoa jurídica) antes de iniciar as respectivas atividades,
nos termos do disposto na Instrução Normativa RFB nº 1.183 de 19 de agosto de
2011, a saber:
“Art. 4º Todas as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil,
inclusive as equiparadas, estão obrigadas a inscrever no
CNPJ cada um de seus estabelecimentos localizados no
Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades.”.
75
76
Original sem destaques.
Órgão equivalente a Agencia Tributaria Espanhola.
94
Assim é que aquele que exerce a empresa de modo clandestino afronta a
legislação fiscal, sujeitando-se a consequências administrativas, civis e penais. O
risco de apreensão de mercadorias, interdição do local de trabalho, incidência de
multas e imposição de impedimentos é grande. Caso seja surpreendido, pode perder
aquilo que estruturou 77.
No entanto, a inscrição e modificação dos dados no Cadastro Nacional de
Pessoas Jurídicas - CNPJ devem ser garantidas a todos os empresários regular e
previamente inscritos no órgão de registro (Junta Comercial), sem a imposição de
restrições infra-legais, que obstaculizem o exercício da livre iniciativa e
desenvolvimento pleno de suas atividades econômicas, conforme já decidiu o
Superior Tribunal de Justiça – STJ 78.
Em se tratando de Empresário Individual enquadrado como microempresário
ou empresário de pequeno porte, cujos critérios serão adiante demonstrados, o
registro na Junta Comercial competente ocorrerá independentemente da prova da
regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou
acessórias, sem prejuízo das responsabilidades do empresário por tais obrigações,
apuradas antes ou após o ato de extinção, conforme dispõe o artigo 9º. da Lei
Complementar 123/2006.
Outrossim, ainda em se tratando de empresários, de sociedades empresárias
e de demais equiparados que se enquadrarem como microempresário ou
empresário de pequeno porte, o registro poderá ser deferido pela Junta Comercial,
77
BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 118.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 901.068 - PR (2006⁄0248171-5). Relator: Ministro Luiz Fux. Órgão
julgador: T1 - Primeira Turma. Data do julgamento: 04/12/2008.
78
95
independentemente da apresentação da certidão de inexistência de condenação
criminal, que será substituída por declaração do titular, firmada sob as penas da lei,
de não estar impedido de exercer atividade mercantil em virtude de condenação
criminal.
Ademais, as extinções (baixas) dos registros na Junta Comercial referentes a
empresários e pessoas jurídicas que se enquadrarem como microempresário ou
empresário de pequeno porte, poderá ocorrer independentemente da regularidade
de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias,
do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de
que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos titulares,
dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o
ato de extinção.
2.2.1.2. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI.
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI surgiu com a
publicação da Lei número 12.441, de 11 de julho de 2011, que entrou em vigor 180
(cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.
Referida Lei promoveu a alteração do artigo 44 do Código Civil brasileiro para
ampliar o rol das pessoas jurídicas de direito privado, mediante a inclusão do VI,
cujo exato teor é o seguinte:
96
"Art.
44.
São
pessoas
jurídicas
de
direito
privado.................................................................................
VI - as empresas individuais de responsabilidade
limitada.”
Outrossim, foi adicionado ao Código Civil de 2002 o artigo 980-A, inserido no
Título I-A, Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, ao Livro II, Do
Direito de Empresa.
DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE
LIMITADA
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade
limitada será constituída por uma única pessoa titular da
totalidade do capital social, devidamente integralizado,
que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior saláriomínimo vigente no País.
§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela
inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a
denominação
social
da
responsabilidade limitada.
empresa
individual
de
97
§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de
responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma
única empresa dessa modalidade.
§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada
também poderá resultar da concentração das quotas de
outra
modalidade
independentemente
societária
das
razões
num
que
único
sócio,
motivaram
tal
concentração.
§ 4º ( VETADO).
§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de
responsabilidade limitada constituída para a prestação de
serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente
da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem,
nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da
pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade
limitada, no que couber, as regras previstas para as
sociedades limitadas.
Advirta-se que, nos termos do artigo 45 do Código Civil, começa a existência
legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo na
Junta Comercial, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do
98
Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato
constitutivo.
Portanto, somente será possível afirmar que a Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada – EIRELI estará submetida ao regime próprio das
Pessoas Jurídicas após o deferimento do pedido de registro apresentado à Junta
Comercial competente.
De igual modo, assim como ocorre com o Empresário Individual, caso a
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI seja enquadrada na
condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, o registro na Junta
Comercial competente ocorrerá independentemente da prova da regularidade de
obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, sem
prejuízo das responsabilidades do empresário por tais obrigações, apuradas antes
ou após o ato de extinção, conforme dispõe o artigo 9º. da Lei Complementar
123/2006.
Outrossim, ainda em se tratando de Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada – EIRELI enquadrada na condição de Microempresa ou Empresa de
Pequeno
Porte,
o
registro
poderá
ser
deferido
pela
Junta
Comercial,
independentemente da apresentação da certidão de inexistência de condenação
criminal, que será substituída por declaração do titular, firmada sob as penas da lei,
de não estar impedido de exercer atividade mercantil em virtude de condenação
criminal.
99
Constata-se que a disciplina legal desta nova pessoa jurídica revela um
caráter inovador ao possibilitar a sua criação por um único titular, pessoa física ou
natural, que estará submetida aos mesmos pressupostos legais exigidos para
atuação como Empresário Individual – já anteriormente apontados, especialmente
quanto à comprovação da capacidade plena para o exercício das atividades civis e
empresarias, bem como a ausência impedimento legal, que se constitua fator
proibitivo do exercício da atividade econômica de cunho empresarial.
E mais: exige-se, como requisito constitutivo da Empresa Individual de
Responsabilidade
Limitada
–
EIRELI
que
o
capital
inicial
destinado
ao
desenvolvimento da respectiva atividade econômica empresarial seja, no mínimo,
equivalente a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Além destas modificações mencionadas, a Lei 12.441/2011 também alterou o
Código Civil, em seu artigo 1.033, parágrafo único, para admitir a conversão, em
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI, da sociedade
empresária porventura atingida, após a sua regular constituição e desenvolvimento,
pela ausência de pluralidade social, dado que, no Brasil, não se admite a figura da
sociedade unipessoal. Desta maneira, constatada ausência da pluralidade social
pela retirada de um ou mais sócios, o (sócio) remanescente poderá pleitear a
conversão da sociedade em EIRELI, a fim de aproveitar todos os atos pertinentes ao
exercício da empresa, evitando, assim, a extinção societária.
Nesse sentido, dispõe o artigo 1.033, parágrafo único, do Código Civil:
100
"Art. 1.033..........................................................................
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV
caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de
concentração de todas as cotas da sociedade sob sua
titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas
Mercantis, a transformação do registro da sociedade
para empresário individual ou para empresa individual
de responsabilidade limitada, observado, no que
couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste
Código."79
Após a introdução da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada –
EIRELI no ordenamento jurídico brasileiro, permite-se que a pessoa física que
deseja atuar empresarialmente constitua um novo sujeito de direito, uma pessoa
jurídica, que lhe permite o desempenho das atividades econômicas empresariais,
sem a necessidade de ter ao lado um sócio, somente para preencher uma lacuna
legislativa, pois, antes da Lei número 12.441, de 11 de julho de 2011, a criação de
uma pessoa jurídica para fins empresariais exigia, em regra, a constituição de uma
sociedade empresária, formada por, no mínimo, duas pessoas.
Atualmente, é possível considerar as pessoas jurídicas como entidades que a
lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direito e obrigações,
79
Original sem destaques.
101
desvinculando-as da necessidade de existir a prévia pluralidade de pessoas 80, como
condição geral e regularmente necessária para sua constituição.
Com efeito, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não
tem forma nem figura societária, mas sim mera pessoa jurídica de direito privado
adstrita a único titular, cujo patrimônio está exclusivamente vinculado ao negócio
empresarial 81.
Portanto, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é
sociedade, mas novo ente jurídico personificado 82.
Por se revestir da condição de pessoa jurídica, o patrimônio da empresa
individual de responsabilidade limitada – EIRELI responderá pelas dívidas da pessoa
jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa física ou natural que a
constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da
personalidade jurídica83 na eventual constatação de fraudes ou abusos.
80
VILELA CARDOSO, Paulo Leonardo. O empresário de responsabilidade limitada. São Paulo:
Saraiva, 2012, pág. 83.
81
ABRÃO, Carlos Henrique. Empresa individual. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 12.
82
Enunciado 469 da V Jornada de direito civil. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados
aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho
da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJCoedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direitocivil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015.
83
Enunciado 470 da V Jornada de direito civil. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados
aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho
da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJCoedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direitocivil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015.
102
Certamente, a autonomia patrimonial que resulta na perfeita separação entre
os bens da pessoa jurídica com os da pessoa física do respectivo titular, é a maior
vantagem que a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI oferece.
Com isso, é possível adotar verdadeira estratégia negocial voltada à projeção
dos riscos que o empresário, revestido da condição de pessoa jurídica, não somente
deseja, mas, sobretudo, consegue suportar, dimensionando, assim, no âmbito das
obrigações de cunho negocial, excluídas as de caráter trabalhista ou tributário, para
demonstrar aos credores, a partir da informação contida no ato constitutivo, qual é a
dimensão do patrimônio da pessoa jurídica e, consequentemente, qual o tamanho
da responsabilidade que pode e deve ser assumida.
Saliente-se, porém, que a criação efetiva e regular da empresa individual de
responsabilidade limitada – EIRELI exige o cumprimento da obrigação de promover
o registro no órgão próprio, que, em se tratando de atividade econômica organizada
é a Junta Comercial.
Conforme TOMAZETTE, em todo caso, a constituição originária ou derivada
da EIRELI representará uma declaração de vontade do seu titular. Tal declaração
não tem natureza de um contrato, pois não há conjugação de vontades, mas de uma
declaração unilateral de vontade. Com essa declaração de vontade será possível o
surgimento dessa nova pessoa jurídica, o qual só se concretizará com o registro do
ato constitutivo na junta comercial 84.
84
TOMAZETTE, M.: op. cit., Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, pág. 63.
103
Frise-se, por oportuno, que tal como ocorre com a figura do empresário
individual (pessoa física ou natural), também é exigido do titular da empresa
individual de responsabilidade limitada – EIRELI a demonstração da sua plena
capacidade, nos termos anteriormente demonstrados, bem como se impõe a
completa ausência de impedimentos legais que vedem o exercício da empresa.
2.2.2. Sociedade Empresária.
Conforme anteriormente exposto, o exercício da empresa poderá ocorrer de
forma singular, cujo respectivo titular poderá atuar tanto na condição de mera
pessoa física ou natural (empresário individual) como na qualidade de pessoa
jurídica formada por uma única pessoa (empresa individual de responsabilidade
limitada – EIRELI).
Porém, também é possível que o desenvolvimento da atividade econômica
empresarial seja feito coletivamente, mediante a conjugação de esforços de duas ou
mais pessoas, constituindo, então, a sociedade empresária, que, no Brasil, frise-se,
exige, em regra, a pluralidade social, afastando a possibilidade de formação de
sociedade de uma só pessoa.
Não se pode e nem se deve confundir a sociedade empresária com a
sociedade simples, pois, enquanto na primeira a atividade econômica desenvolvida
104
configura empresa (em seu perfil funcional 85), ou seja, a produção ou circulação de
bens ou serviços, na segunda o objeto explorado tem caráter intelectual, científico
ou literário; muito embora a busca pela percepção de lucro seja traço característico
de ambas (sociedade empresária e simples).
A sociedade empresária corresponde a um mecanismo jurídico que é titular
de bens e recursos financeiros, os quais lhe permitem o exercício de uma atividade
econômica destinada a proporcionar lucros aos sócios, mas também os sujeita a
eventuais perdas 86.
Ressalte-se, ainda, que a regular constituição da sociedade exige a
elaboração de instrumento escrito, em geral de natureza contratual, que contenha os
elementos essenciais de âmbito genérico, ou seja, aplicável a todo e qualquer
negócio jurídico, quais sejam: agente capaz (se dotado de poderes de administração
da sociedade), objeto lícito e possível e forma prescrita ou não defesa em lei;
admitida a possibilidade do sócio incapaz, por meio de representante ou assistente,
dela participar (da sociedade empresária), desde que (o incapaz) não tenha poderes
de administração e esteja o capital social totalmente integralizado, ou seja, os bens
e os recursos financeiros necessários à formação do patrimônio social tenham sido
efetivamente transferidos no momento do ingresso (do incapaz).
85
Vide item 2.1 da presente tese.
MALHEIROS DUCLERC VERÇOSA, Haroldo. Direito das sociedades: teoria geral das sociedades;
as sociedades em espécie do código civil. 3ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pág. 39.
86
105
De outro lado, a regular constituição da sociedade também exige a presença
de elementos específicos do direito societário, tais como, a necessidade de que
todos os sócios contribuam para formação do capital social, seja com bens, créditos
ou dinheiro; bem como a participação de todos os sócios nos resultados, positivos
ou negativos, da sociedade.
Consoante dispõe o código civil brasileiro, em seu artigo 981:
“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas
que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a
partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo
único.
A
atividade
pode
restringir-se
à
realização de um ou mais negócios determinados.”
Invariavelmente, o escopo final do ato constitutivo de uma sociedade
empresária é uma espécie de denominador comum, sem o qual não teriam razão a
existência e a própria formação da sociedade, e do vínculo societário 87.
87
MONTE SIMIONATO, Frederico A. Tratado de direito societário. Vol. 1. São Paulo: Forense, 2009,
pág. 2.
106
O instrumento de constituição societária pode, no Brasil, ser particular ou
público (lavrado por um Notário), de acordo com a conveniência e interesse dos
envolvidos, sendo certo que, quando a constituição ocorre por meio de instrumento
particular, cujas cláusulas e condições sociais são inseridas para compor, ao final,
um só documento, sem a interveniência ou a chancela notarial, reduzindo, assim, os
custos incorridos na formalização da pessoa jurídica.
De todo modo, seja público ou particular, a regularidade constitutiva impõe o
registro do ato constitutivo da sociedade empresária na junta comercial competente,
a exemplo, aliás, do que ocorre com o Empresário Individual e a Empresa Individual
de Responsabilidade Limitada – EIRELI.
De maneira que a sociedade empresária somente será uma pessoa jurídica
após o deferimento do pedido de registro na Junta Comercial, cujo ato constitutivo,
no tocante ao respectivo conteúdo, além das cláusulas livremente estipuladas pelas
partes, ou seja, no mínimo duas pessoas, eis que, repita-se, no Brasil não se admite
sociedade unipessoal, mencionará obrigatoriamente o seguinte:
(i) nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se
pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se
jurídicas.
(ii) a denominação, objeto, sede e prazo da sociedade.
107
(iii) o capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo
compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária. Sem
embargo da maioria da doutrina e das legislações optarem pela fixação de um
capital mínimo, quando da constituição da sociedade por quotas de responsabilidade
limitada, trilhou o legislador brasileiro caminho oposto, omitindo-se a respeito e
assim deixando ao exclusivo alvedrio dos sócios a estipulação do capital, com o qual
dará início a sociedade às atividades conducentes à realização de seu objeto
social88. Não se exige um capital mínimo. Porém, é necessário compatibilizá-lo com
a função econômica da empresa, no sentido de que não poderá ser um valor ínfimo.
(iv) a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la, seja com
dinheiro seja com bens e direitos.
(v) as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em
serviços, em caso de sociedade simples, porém vedando-se tal possibilidade de
contribuição nas sociedades limitadas.
(vi) as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus
poderes e atribuições.
(vii) a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas.
88
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. 4ª. ed.. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, págs. 228-229.
108
(viii) se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações
sociais.
Vale dizer que, a exemplo do que ocorre com o Empresário Individual, quando
a sociedade empresária for enquadrada como Microempresa ou Empresa de
Pequeno Porte, o deferimento do pedido de registro na Junta Comercial competente
ocorrerá independentemente da prova da regularidade de obrigações tributárias,
previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, sem prejuízo das
responsabilidades do empresário por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato
de extinção, conforme dispõe o artigo 9º. da Lei Complementar 123/2006.
Outrossim, ainda em se tratando de microempresário ou empresário de
pequeno
porte,
o
registro
poderá
ser
deferido
pela
Junta
Comercial,
independentemente da apresentação da certidão de inexistência de condenação
criminal, que será substituída por declaração do titular, firmada sob as penas da lei,
de não estar impedido de exercer atividade mercantil em virtude de condenação
criminal.
A fim de facilitar e desonerar a constituição das sociedades que se
enquadrarem como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, a Lei 123/2006
também estabeleceu a dispensa do visto do advogado no respectivo ato constitutivo.
Quando regularmente constituída, mediante registro em órgão próprio registro
de empresas, que, no Brasil, tal como já destacado, é a Junta Comercial, a
109
sociedade empresária adquire personalidade jurídica que a distingue dos seus
integrantes, consoante dispõe o Código Civil, em seu artigo 45:
“Começa a existência legal das pessoas jurídicas de
direito privado com a inscrição do ato constitutivo no
respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização
ou
aprovação
de
Poder
Executivo,
averbando-se no registro todas as alterações por que
passar o ato constitutivo”.
Oportuna frisar que o fato de não se revestir da condição de pessoa jurídica,
por lhe faltar o registro, não desobriga a sociedade, por intermédio dos respectivos
sócios, do cumprimento das obrigações assumidas perante os credores. Aliás, no
marco do código tributário nacional, a capacidade tributária passiva independe de
estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma
unidade econômica ou profissional, razão pela qual os sócios componentes de uma
sociedade, sem registro no órgão próprio, não podem se escusar do cumprimento
das obrigações respectivas, cabendo-lhes suportar, com os respectivos bens
pessoais, o pagamento dos tributos devidos em virtude da exploração da atividade
econômica.
É que a irregularidade constitutiva, caracterizada pela ausência de registro do
instrumento particular ou público, resulta na ausência de personalidade jurídica e na
110
inexistência da pessoa jurídica, dotada de autonomia patrimonial, razão pela qual a
responsabilidade
dos
sócios
é
solidária
e
ilimitada,
diante
do
eventual
inadimplemento das obrigações decorrentes do exercício da atividade.
LYON PUELMA afirma que “personas jurídicas con base corporativa aquellas
que tienen como substrato personal una colectividad de individuos. El acto
constitutivo de una persona jurídica contiene la declaración común de voluntad de
sus miembors en orden a unirse en asociación, a formar un todo colectivo, al cual
cada uno se declara pertenecer como miembro subordinado.”.89
Com efeito, formada a sociedade empresária pela conjugação de vontades
individuais, que lhe propiciam os bens e o capital necessários à consecução das
atividades econômicas, a consequência mais importante é o desabrochar de sua
personalidade jurídica. A sociedade empresária transforma-se em novo ser,
estranho à individualidade das pessoas que participaram de sua constituição,
compondo
um
patrimônio
próprio,
possuidor
de
órgãos
de
deliberação,
administração e execução que ditam e fazem cumprir sua vontade com vistas ao
desenvolvimento da empresa. Seu patrimônio, no terreno obrigacional, assegura sua
responsabilidade direta perante os terceiros 90. Dito de outro modo, os bens da
pessoa jurídica é que garantem o pagamento das obrigações dos credores.
89
LYON PUELMA, Alberto. Personas jurídicas. 4ª. Ed. Santiago (Chile): Ediciones Universidad
Católica de Chile, 2006, pág. 97.
90
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1. 25ª.. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 373.
111
Dentro desse contexto, é a sociedade empresária quem adquire direitos,
assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com
poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador,
consoante dispõe o artigo 1.022, do Código Civil brasileiro.
No mesmo sentido, o ordenamento jurídico espanhol, conforme DÍAZ
MORENO91, “reconoce personalidad jurídica a las sociedades mercantiles una vez
constituídas (art. 116.2 C. de c.). Ello suponde que la sociedad goza de una
personalidad distinta a la de los socios que la componen y que ella misma podrá ser
titular de derechos y obligaciones, tendrá la consideración de comerciante, usará su
proprio nombre, tendrá un domicilio y una nacionalidad y será titular de un
patrimonio propio con el que responderá de las deudas sociales”.
Vale dizer que no Brasil tem efetiva relevância dois tipos ou espécies de
sociedades empresárias ou mercantis: as limitadas e as anônimas ou por ações.
Isso porque, uma vez regularmente constituídas e estando o capital social
totalmente integralizado, caracterizam-se as sociedades limitadas e as anônimas ou
por ações pela limitação da responsabilidade dos sócios quanto ao pagamento das
obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica, ocasionando, como regra geral,
a impossibilidade do credor alcançar os bens individuais dos sócios na hipótese de
eventual inadimplemento das dívidas decorrentes do exercício da atividade
econômica empresarial.
91
DÍAZ MORENO, Alberto et alli. Lecciones de derecho mercantil. Madrid: Tecnos, 2007, pág. 157.
112
Esse é o princípio da autonomia patrimonial. Sua importância para o
desenvolvimento de atividades econômicas, da produção e circulação de bens e
serviços, é fundamental, na medida em que limita a possibilidade de perdas nos
investimentos mais arriscados92. A partir da afirmação do postulado jurídico de que o
patrimônio individual dos sócios não responde por dívidas contraídas pela sociedade
limitada ou pela anônima, de capital totalmente integralizado e revestida da condição
de pessoa jurídica, motivam-se os investidores e empreendedores a tomarem parte
no negócio.
No dizer de ASCARELLI, sociedade e sócio ou acionista constituem distintos
sujeitos jurídicos; nem o sócio ou acionista pode obrigar a sociedade, nem a
sociedade pode obrigar o acionista. Nome e sede da sociedade diferem do nome e
domicílio do sócio ou acionista; separados são os patrimônios respectivos; os
créditos do sócio ou acionista não são os da sociedade; as dívidas da sociedade não
são as do sócio ou acionista; os bens da sociedade não estão no condomínio dos
sócios ou acionistas. A responsabilidade limitada coaduna-se, pois, com a
personalidade jurídica da sociedade e com a rigorosa distinção entre o patrimônio do
sócio ou acionista e o da sociedade 93.
Sem embargo, nem todos os tipos societários asseguram proteção do
patrimônio individual dos sócios, eis que a legislação brasileira ainda preserva a
existência de sociedades empresárias de pouquíssima repercussão prática no
92
ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2. 14ª. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, pág. 16.
93
ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 1ª. Ed. Campinas:
Bookseller, 2001, pág. 461.
113
Brasil, tais como a sociedade nome coletivo, integrada exclusivamente por pessoas
físicas que respondem, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais, bem
como a sociedade em comandita simples formada por sócios de duas categorias: os
comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas
obrigações sociais, e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota
representatativa de parcela do capital social.
Conforme SÁNCHEZ CALERO, “desde este punto de vista podríamos hablar
de una relatividad del concepto de personalidad jurídica, que varía de país a país.
Además, aun reconocida la personalidad para toda clase de sociedades, no en todas
ellas ese reconocimiento tiene el mismo alcance, lo que se pone de manifiesto, por
ejemplo, si observamos que en los tipos sociales es diversa la sepación completa
entre la responsabilidad patrimonial de la sociedad y la de los sócios por deudas
sociales.”94.
Portanto, embora não se desconheça a existência de vários tipos de
sociedade empresária, os problemas e as questões tratadas na presente tese estão
preponderantemente relacionadas com as sociedades que, como regra geral,
oferecem a limitação de responsabilidade aos respectivos sócios ou acionistas.
O fato é que qualquer que seja o tipo societário adotado livremente pelos
sócios ou imposto por determinação legal, certo é que a titularidade da atividade
94
SÁNCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 167.
114
econômica organizada cabe à sociedade empresária, por intermédio de uma ou
mais pessoas investida de poderes de administração, que pratica, de forma isolada
ou em conjunto (dois ou mais administradores), todos os atos necessários à
consecução do objeto social explorado, objetivando a obtenção de lucro para futura
e oportuna repartição entre os sócios.
Exige-se do administrador da sociedade, no exercício de suas atribuições, o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios, vedando-se o desenvolvimento de tal
função às pessoas impedidas por lei especial, aos condenados a pena que vede,
ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou condenados por crime
falimentar, suborno, contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional,
contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé
pública ou a propriedade, dentre outros, enquanto perdurarem os efeitos da
respectiva condenação.
Salvo imposição decorrente de legislação específica, é certo que os sócios
têm a possibilidade de escolher o tipo de sociedade empresária mais adequada ao
desenvolvimento da atividade econômica.
Consoante anteriormente assinalado, os objetivos traçados na presente tese
estão voltados para as sociedades limitadas, que, além de serem as mais utilizadas
no Brasil dada a ausência de responsabilidade patrimonial dos sócios pelas dívidas
115
contraídas em nome da sociedade, são as que melhor se compatibilizam com as
exigências de enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de
Pequeno Porte. Isso porque, como será adiante demonstrado, as sociedades
anônimas ou por ações, pela mera presunção de maior porte econômica, são
legalmente impedidas de obter esse enquadramento.
Contudo, não se pode e nem se deve olvidar que as sociedade limitadas
estão subsidiariamente submetidas ao regime das sociedades anônimas ou por
ações, aplicando-se, no que couber, as disposições contidas na Lei 6.404/76 – que
rege, com exclusividade, as sociedades anônimas ou por ações.
A depender do tipo societário, será possível que a administração social caiba
ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria, conforme
estabelece a Lei que disciplina a sociedade anônima ou por ações (Lei 6.404/76),
em seu artigo 138, que exige que os membros dos órgãos de administração sejam
pessoas físicas ou naturais, devendo os diretores ser residentes no Brasil, segundo
preceitua o artigo 146 da mesma Lei 6.404/76. Em se tratando de sociedade
limitada, a administração caberá a uma ou mais pessoas designadas no contrato
social ou em ato separado, segundo o artigo 1.060 do código civil.
Assim é que os administradores serão incumbidos de fazer presente a
vontade da sociedade no mundo exterior. É por meio deles que a sociedade assume
obrigações e exerce direitos. Não são, assim, meros mandatários da sociedade, mas
116
constituem um órgão de representação legal, por meio do qual a sociedade
manifesta sua vontade.
A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por
meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio
de um terceiro, seja um procurador constituído pela pessoa jurídica, seja um
administrador não sócio escolhido na forma e nos termos do contrato e da legislação
pertinente.
117
2.3.
RELAÇÃO
JURÍDICA
TRIBUTÁRIA
E
ATIVIDADE
ECONÔMICA
EMPRESARIAL: A ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO INSTRUMENTO DE
OBTENÇÃO DE RECEITAS PARA O ESTADO.
A partir da análise dos fundamentos constitucionais da ordem econômica
brasileira - realizada no primeiro capítulo da presente tese, é possível constatar que,
de um lado, assegura-se a livre iniciativa mediante o desenvolvimento de atividade
econômica pelos agentes privados, atendendo a demanda da sociedade por
produtos e serviços, mediante o pagamento de certo preço; reserva-se ao Estado,
por outro lado, a atuação em outro plano, por meio da oferta dos serviços públicos,
muitos dos quais prestados sem nenhum ônus direto para o usuário, mas que, sem
dúvida, tem um custo para quem os realiza.
Embora não caiba aqui aprofundar o debate acerca da quantidade, qualidade
e dimensão dos referidos serviços públicos, não há dúvida que, em menor ou maior
escala, o Estado necessita obter recursos para o custeio de tais serviços.
Dentro desse contexto, a instituição de tributos é, sem dúvida, um instrumento
utilizado pelo Estado para manter a estrutura de serviços públicos em
funcionamento. Com efeito, sem a tributação não poderia o Estado realizar os seus
fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica 95, dando
ensejo a uma relação, ora harmoniosa ora conflituosa, entre o Estado – que
95
a
BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 5 . ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1992,
págs. 3-5.
118
necessita de recursos – e o titular da empresa – que os detém e os transfere, em
parte, na forma de tributos.
Não por outra razão, a Constituição Brasileira, no Título VI, dedica o Capítulo I
ao Sistema Tributário Nacional. A Seção I cuida dos Princípios Gerais. O artigo 145
ostenta a seguinte redação:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – impostos;
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou
pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou
postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras
públicas”.
A propósito, convém delimitar o conceito de tributo de acordo com a previsão
contida na legislação brasileira, precisamente no Código Tributário Nacional, a
saber:
119
“Art. 3o. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória,
em moeda ou cujo valor nela sem possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Segundo BARROS CARVALHO96, a expressão “prestação pecuniária
compulsória” quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro,
afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias.
Assim, concretizado o fato previsto na norma jurídica, nasce, automática e
infalivelmente, o elo mediante o qual alguém ficará adstrito ao comportamento
obrigatório de uma prestação pecuniária.
Destaque-se, por outro lado, que a expressão “instituída em lei” contida na
definição legal de tributo encontra fundamento no princípio constitucional da
legalidade, que não é exclusivamente tributário, contido no artigo 5 o, inciso II, da
carta Constitucional brasileira, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Certo é que esse dispositivo seria suficiente para conferir segurança jurídica
ao contribuinte, quanto aos limites da atuação do Estado, no tocante à criação e
exigibilidade de tributos.
96
a
BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de Direito Tributário.17 . ed.. São Paulo: Saraiva, 2005,
pág. 25.
120
Porém, o legislador constituinte brasileiro foi além. Assegurou, por meio do
artigo 150, inciso I, o qual prevê que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas
ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Incontroverso, pois, que a cobrança de qualquer tributo pela Fazenda Pública
(nacional, estadual, municipal ou distrital) só poderá ser validamente operada se
houver uma lei que a autorize.
A propósito dessa questão, o professor BRANCO GUIMARÃES97 estabelece
fundamental distinção entre os princípios da legalidade e do consentimento em
matéria tributária, esclarecendo que o princípio do consentimento pode ser definido
como “o princípio pelo qual o contribuinte, directamente ou através de seu
representante, tem direito a ter um conhecimento prévio e atempado dos impostos
que vai pagar, entendida esta realidade como um conhecimento prévio do tipo de
imposto, da forma de pagamento e o montante previsível do mesmo.”.
Já o princípio da legalidade, de acordo com o professor BRANCO
GUIMARÃES, revela dupla faceta: “a lei é instrumento de actuação da
97
BRANCO GUIMARÃES, Vasco. As garantias dos particulares na relação jurídica-tributária: uma
revisão necessária. In: FREIRE E ALMEIDA, Daniel; GOMES, Fábio Luiz; CATARINO, João Ricardo
(organizadores). Garantias dos contribuintes no sistema tributário: homenagem a Diogo Leite
Campos. São Paulo: Saraiva, 2013, págs. 669-694.
121
Administração e regulador das relações entre os intervenientes da relação jurídica
de imposto mas é também a garantia dos contribuintes e demais obrigados nessa
relação.”, de maneira que a lei é a um só tempo “o fundamento e o limite da
actuação dos intervenientes da relação jurídica de imposto.”.
Segundo CARRAZA98, sem esta precisa tipificação, ou seja, expressa
previsão legal, de nada valem regulamentos, portarias, atos administrativos e outros
atos normativos infralegais, que, por si só, não têm a propriedade de criar ônus ou
gravames para os contribuintes.
Cabe mencionar, a título comparativo, que a Ley General Tributária espanhola
(Ley 58/2003, de 17 de diciembre) oferece uma delimitação conceitual de tributo
mais ampla que o Código Tributário Nacional brasileiro, pois enfatiza a questão do
gasto público, cuja interpretação adequada deve ser feita conforme os termos do
artigo 31 da Constituição Espanhola.
Segundo a Ley General Tributária da Espanha:
“Artículo 2. Concepto, fines y clases de los tributos.
98
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros,
2005, pág. 242.
122
1. Los tributos son los ingresos públicos que consisten en
prestaciones pecuniarias exigidas por una Administración
pública como consecuencia de la realización del supuesto
de hecho al que la ley vincula el deber de contribuir, con
el fin primordial de obtener los ingresos necesarios para el
sostenimiento de los gastos públicos.
Los tributos, además de ser medios para obtener los
recursos necesarios para el sostenimiento de los gastos
públicos, podrán servir como instrumentos de la política
económica general y atender a la realización de los
principios y fines contenidos en la Constitución”.
Por sua vez, a artigo 31 da Constitución Española:
“1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos
públicos de acuerdo con su capacidad económica
mediante un sistema tributario justo inspirado en los
principios de igualdad y progresividad que, en ningún
caso, tendrá alcance confiscatorio.
2. El gasto público realizará una asignación equitativa de
los recursos públicos, y su programación y ejecución
responderán a los criterios de eficiencia y economía.
3. Sólo podrán establecerse prestaciones personales o
patrimoniales de carácter público con arreglo a la ley.”
123
Acrescente-se que o Tribunal Constitucional da Espanha, nos Fundamentos
Jurídicos (item 4) da sentença 276/2000, de 16 de novembro de 2000, ao
desenvolver o aspecto conceitual do tributo, colocou em relevo não apenas a
questão da sustentação do gasto público, mas também destacou o aspecto da
coatividade da cobrança, consoante se verifica do texto abaixo:
“el
tributo,
desde
una
constitucional, constituye
perspectiva
una
estrictamente
prestación patrimonial
coactiva que se satisface, directa o indirectamente, a los
entes
públicos
con
la
finalidad
de
contribuir
al
sostenimiento de los gastos públicos (SSTC 182/1997, de
28 de octubre, FJ 15, y 233/1999, de 16 de diciembre, FJ
18), y grava un presupuesto de hecho o "hecho imponible"
(art. 28 LGT) revelador de capacidad económica (art. 31.1
CE) fijado en la Ley (art. 133.1 CE).”
Oportuna, nessa perspectiva conceitual do tributo99, a conclusão de
ESCRIBANO LÓPEZ 100, segundo o qual “será tributo toda prestación pecuniaria o,
99
Sobre o tema, é possível consultar também a precisa síntese de COLLADO YURRITA, Miguel
Ángel. Concepto y contenido del derecho financeiro. El derecho tributário. “in” COLLADO YURRITA,
Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª.
Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, pág. 29, segundo o qual “el tributo puede ser definido
como uma prestación pecuniaria esteblecida coercitivamente por el Estado u outro Ente público, con
poder o potestad para ello, con la finalidad de cubrir los gastos públicos.”.
100
ESCRIBANO LÓPEZ, Francisco. Algunas propuestas metodológicas para la (re)construcción de
un Derecho Financiero del siglo XXI. I jornada metodológica "Jaime García Añoveros" sobre la
metodología académica y la enseñanza del derecho financiero y tributario. Instituto de Estudios
Fiscales.
1
de
febrero
de
2002.
Disponível
em:
http://www.ief.es/documentos/recursos/publicaciones/documentos_trabajo/2002_11.pdf. Consultado
em: 21/04/2015.
124
excepcionalmente, in natura, exigida coactivamente, de acuerdo con la capacidad
económica de cada ciudadano, com la finalidad de contribuir al sostenimiento de los
gastos públicos, siendo el destinatario del pago, necesariamente, un ente público,
mediante un sistema de categorias que se configuran sobre un deber de base
solidaria inspirado en los princípios de igualdad y generalidade.”
101
.
É nessa toada, portanto, que o Estado desenvolve sua atividade financeira
por meio da qual obtém os recursos necessários para o atendimento das finalidades
por ele encampadas102; embora a atividade financeira do Estado não se limite a isso,
ou seja, revela maior abrangência, como, a propósito, acentua SAINZ DE
BUJANDA103, para o qual é possível distinguir três momentos fundamentais dessa
atividade financeira do Estado, a saber: “1º. La obtención de recursos; 2º. La gestión
de los recursos obtenidos; y 3º. El gasto que de los mismos se realiza para el
sostenimiento de los servicios públicos. Las normas por las que se rigen esos tres
grupos de actos u operaciones, integram el Derecho financiero.”.
Sob o prisma da obtenção de recursos, ou seja, observando-se o aspecto
arrecadatório da atividade financeira do Estado e sua relação com a empresa,
evidencia-se claramente a existência de uma obrigação de natureza tributária, cujas
101
Em semelhantes termos: CARRERA RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financieiro.
Volume II. Madrid: Tecnos, 2004, pág. 18, segundo o qual: “del médio de detraer de las economias
privadas los recursos econômicos necessarios para atender el gasto público o, dicho más
simplemente, de establecer tributos, se consigue articulando un mecanismo, la obligación tributaria u
obligación de pago del tributo, que surge cuando se realizan los hechos previstos em la ley”.
102
FERNANDES OLIVEIRA, Regis; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 5ª.. Ed. São
Paulo: revista dos tribunais, 2002, págs. 18-19.
103
SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y derecho: introducción al derecho financiero de
nuestro tempo. Volume I. Madrid: Institutos de estúdios políticos, 1962, pág. 30.
125
raízes se encontram no direito civil. Portanto, revela-se útil e necessário para
adequada compreensão do tema aqui desenvolvido a alusão ao conceito e ao objeto
de obrigação na perspectiva do direito civil 104, em um sentido jurídico, embora não
se possa desconhecer que a obrigação, conforme afirma DIEZ-PICAZO105
“constituye un fenómeno mucho más amplio que el puro deber jurídico”.
Assim, desde o ponto de vista jurídico, obrigação, em um sentido estrito, é a
relação jurídica pessoal por meio da qual uma parte (devedora) fica obrigada a
cumprir, espontânea ou coercitivamente, uma prestação patrimonial em beneficio da
outra (credora). Há, portanto, uma relação jurídica que une os sujeitos em torno do
objeto da obrigação consistente em dar, fazer ou não fazer, podendo o credor exigir
o cumprimento da prestação do devedor ou daquele que assumiu a condição de
responsável.
Assim, o cerne da relação jurídica-obrigacional é o vínculo. Esse vínculo,
aliás, biparte-se no débito e na responsabilidade. Cria-se, desse modo, uma relação
de subordinação jurídica, devendo o devedor praticar ou deixar de praticar algo em
favor do credor. Em sentido contrário, existe o poder atribuído ao credor de exigir a
prestação. Não cumprida voluntariamente a prestação, o credor pode valer-se de
medidas coercitivas previstas em lei para objetivar a satisfação daquilo que lhe é
devido.
104
CARRASCO PARRILLA também utilize esse mesmo caminho, partindo dos fundamentos do
direito civil para melhor explicitar a obrigação tributária. CARRASCO PARRILLA, Pedro José.
Consecuencias del retraso en el pago de las deudas tributarias. Cuenca : Ediciones de la Universidad
de Castilla-La Mancha, 2000, pág. 23.
105
DIEZ-PICAZO, Luiz. Fundamentos del derecho civil patrimonial. Volumen primero. 2ª. ed. Madrid:
Tecnos, 1983, pág. 334.
126
Precisa, nesse passo, a lição de PONTES DE MIRANDA106, em seu clássico
tratado de direito civil, no sentido de que a pretensão consiste em poder exigir a
prestação. A ação é mais do que a pretensão, porque, com ela, não só se exige,
age-se. E o credor age com o objetivo de atingir o patrimônio do devedor, e, por
conseguinte, de modo coercitivo, alcançar a satisfação da prestação, sendo certo
que nas obrigações que impliquem no pagamento de certa soma em dinheiro, os
bens do devedor serão atingidos até o limite necessário à integral quitação da
dívida.
Note-se que a expressão ação é aqui empregada em um sentido processual,
vinculada, pois, ao monopólio estatal para solucionar conflitos, exercendo, assim, a
jurisdição. Com efeito, diante da vedação geral da autotutela no sistema processual
brasileiro, o credor expõe o seu direito, aponta a pretensão e a ação, bem como
pede que o Estado, por meio do órgão competente, isto é, o Poder Judiciário,
cumpra a sua promessa de fazer ser respeitado o direito.
Ao tratar da relação entre ação e obrigação, BETTI107 afirmou que “sin la
acción, la obligación no sería ya capaz de actuar como palanca, eventualmente, de
la voluntad del obligado; ya no habría responsabilidad realizable en el mundo de los
hechos”.
106
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo XXII. Rio de
Janeiro: Borsói, 1971, pág. 17.
107
BETTI, Emílio. Teoria general de las obligaciones. Tomo I. Tradução e notas de derecho español
por José Luis de los Mozos. Madrid: Editoria revista de derecho privado, 1969, pág. 239.
127
Em resumo, obrigação e ação condenatória ou executiva formam uma
síntese, ou seja, constituem premissa e consequência, fora da qual a premissa
perderia seu valor lógico de premissa e a obrigação perderia seu valor jurídico de
razão da ação108.
Resta, portanto, assentado o discernimento, na relação obrigacional, entre
dois momentos, o marcado pelo dever de prestar, imposto ao devedor, e o
assinalado pelo correlativo direito à prestação, atribuído ao credor (sujeito ativo), isto
é, o seu chamado “poder de agressão”109 sobre o patrimônio do devedor (sujeito
passivo), por meio da ação proposta perante o Poder Judiciário diante configuração
da mora110; cuja satisfação da obrigação – especialmente as de natureza pecuniária
que envolvem a entrega de uma determinada quantidade de dinheiro 111 – depende
da efetiva disponibilidade de bens e direitos de titularidade do devedor ou
responsável.
108
BETTI, E.: op. cit., pág. 239.
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Volume V. Tomo I. FIGUEIREDO
TEIXEIRA, Sálvio de (coordenador). Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 18.
110
Acerca dos requisitos configuradores da mora, CARRASCO PARRILLA aponta os seguintes:
“incumplimiento de una obligación, que esta obligación sea positiva y cuya prestación sea exigible,
que la deuda sea líquida, que el retraso en el cumplimiento sea imputable al deudor y que exista,
salvo que la ley establezca lo contrario, interpelación por parte del acreedor al deudor para que
cumpla la obligación”. CARRASCO PARRILLA, P. J.: op. cit., Consecuencias del retraso en el pago
de las deudas tributarias, pág. 26.
109
111
Conforme CARVALHO DE MENDONÇA, “o dinheiro é a mercadoria por todos voluntariamente
aceita para desempenhar a função de intermediária nas aquisições de outras mercadorias e na
obtenção de serviços indispensáveis, satisfazendo as necessidades humanas no convívio social; é,
ainda, o meio normal de pagamento, se tem a consagração da lei. Com efeito, ele ilimitadamente
divisível, serve não somente para facilitar as operações de troca, por mínimas que sejam, as quais,
pela sua intervenção, se passam a denominar comprar e vendas, como para realizar diversos atos,
onde se não dá propriamente a transmissão de bens, servindo de exemplo os mútuos, as prestações
de juros, as prestações para indenização de danos, os pagamentos de impostos e de penas
pecuniárias etc.”. CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro.
Volume III. Tomo II. 1ª. ed. Campinas: Bookseller, 2003, págs. 17-18.
128
Feitas essas considerações, percebe-se que embora as estruturas da relação
jurídica-obrigacional de caráter tributário tenham sido construídas com base no
direito civil, verifica-se, em matéria tributária, uma maior amplitude e, também, uma
maior complexidade, na relação que se estabelece entre o sujeito ativo (Estado) e o
sujeito passivo (contribuinte ou responsável) em torno de uma prestação pecuniária
(tributo) ou não-pecuniária (deveres instrumentais)112, nos termos de uma legislação
específica.
Com efeito, a relação jurídica tributária é tradicional e alternativamente
identificada ora como sendo uma relação (a) entre sujeitos jurídicos – ou seja, entre
o sujeito passivo, como obrigado, e, portanto, sujeito de um dever jurídico, e o
Estado, como titular do correspondente direito subjetivo, ora diversamente, (b) como
uma relação não mais interpessoal, porque corresponderia a uma relação entre o
dever jurídico do obrigado, sujeito passivo, e o correspondente direito subjetivo do
Estado, sujeito ativo, ao tributo. Esta relação de correspondência entre obrigação e
crédito tributário significa que o direito de crédito do Estado é um reflexo da
obrigação do sujeito passivo, e nisso consiste o relacionamento entre a obrigação e
o crédito tributário113.
No modelo espanhol, a Ley General Tributaria (58/2003, de 17 de diciembre)
define a relação jurídico-tributária da seguinte forma:
112
LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro e tributário. 16ª. Ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2009, pág. 230.
113
a
SOUTO MAIOR BORGES, José. Lançamento Tributário. 2 . Ed.. São Paulo: Malheiros, 1999, pág.
50.
129
Artículo 17. La relación jurídico-tributaria.
1. Se entiende por relación jurídico-tributaria el conjunto
de obligaciones y deberes, derechos y potestades
originados por la aplicación de los tributos.
Em comentários ao artigo 17.1 da Ley General Tributaria, PÉREZ ROYO 114
observa que “se trata de una definición despojada de los principales elementos o
determinaciones del concepto y, como tal, aplicable a cualquier conjunto de normas
sobre un objeto previamente acotado”; sem deixar, porém, de oportunamente
esclarecer que a relação jurídica tributária é, “antes que nada, la que se constituye
por la de crédito y deuda115 entre el ente público acreedor y el sujeto passivo
deudor.”116
114
PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho financiero y tributario. Parte general. 14ª. ed. Madrid: 2004,
pág. 132.
115
Acerca da deuda tributaria o Artículo 58 da Ley 58/2003, de 17 de diciembre, General Tributaria
Española, estabelece que:
“Artículo 58. Deuda tributaria.
1. La deuda tributaria estará constituida por la cuota o cantidad a ingresar que resulte de la obligación
tributaria principal o de las obligaciones de realizar pagos a cuenta.
2. Además, la deuda tributaria estará integrada, en su caso, por:
a) El interés de demora.
b) Los recargos por declaración extemporánea.
c) Los recargos del período ejecutivo.
d) Los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las cuotas, a favor del Tesoro o de otros entes
públicos.
3. Las sanciones tributarias que puedan imponerse de acuerdo con lo dispuesto en el título IV de esta
ley no formarán parte de la deuda tributaria, pero en su recaudación se aplicarán las normas incluidas
en el capítulo V del título III de esta ley.”
116
Em parecidos termos se manifestou CARRERA RAYA ao afirmar que “la obligación tributaria,
como la obligación de Derecho civil, origina un vínculo o nexo jurídico entre dos sujetos, acreedor y
deudor, que determina que el primero de ellos pueda exigir del deudor el cumplimiento de uma
determinada prestación.” CARRERA RAYA, F. J.: op.cit., pág. 18.
130
Não obstante reconheça a presença indispensável do “crédito” e da “deuda”
na relação tributária, o mesmo autor 117 também reconhece que o conteúdo dessa
relação está integrado por obrigações materiais, ou seja, de ingresso de certa
quantidade de dinheiro, bem como por obrigações formais e, nesse contexto, por
sanções derivadas da infração de certos deveres materiais e formais, evidenciando
a complexidade de tal relação.
Com uma visão mais crítica, CALVO ORTEGA118 assinala que “este
planteamiento de presentar hoy un concepto de relación jurídico tributária en el
articulado de la ley no tiene sentido”. Sobretudo porque, prossegue o autor, “en el
ordenamiento actual, y en la LGT, cada uno de los hechos tributários tiene su propria
substantividad
y
independencia
jurídica:
hecho
imponible,
declaración,
autoliquidación, recaudación (ingresso), obligaciones formalies, etc.”.
Não há nenhuma dúvida que a relação tributária apresenta um maior nível de
complexidade quando comparada com a relação puramente privada, ou seja,
formada unicamente por entes privados. É que a relação tributária não se esgota no
dever de transferir certa quantidade de dinheiro para o ente público, a título de
tributo, mas também envolve a prática de atos e a manutenção de certos
comportamentos, destinados a fazer ou deixar de fazer algo, consistindo, pois,
117
PÉREZ ROYO, F.: op. cit., pág. 133.
CALVO ORTEGA, Rafael. Aplicación de las normas en la nueva ley general tributaria. In:
Economía, derecho e tributación: estudios en homenaje a la professora Gloria Begué Cantón.
Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005, págs. 723-745.
118
131
conforme constata o professor CARRASCO PARRILLA119, em uma série de
“deberes y facultades de carácter formal o procedimental”, razão pela qual “se llegó
a la conclusión de que la relación jurídica tributaria era una relación de contenido
complejo”.
Nessa ordem de ideias, a explicação total do fenômeno tributário exige um
marco amplo, onde caiba, simultaneamente, a obrigação de pagar o tributo e a
atuação da administração tributária e dos particulares (dentro de um feixe de
relações recíprocas de conteúdo ativo e passivo, outorgando direitos e deveres
próprios), encaminhada à liquidação e consequente arrecadação dos tributos.
Em todo o caso, a coexistência dessa pluralidade de situações não impede de
afirmar a unidade essencial do fenômeno tributário, enquanto “instituto jurídico, que
se expressa en última instancia en la subordinación, directa o indirectamente, de
dichas situaciones a la finalidad financeira a que el instituto del tributo sirve: la
contribuicón al sostenimiento de los gastos públicos en función de la capacidad
contributiva.”120.
Portanto, reconhecida a abrangência da relação jurídico tributária, observa-se
que desde a perspectiva do crédito e da dívida, o objeto do ingresso tributário é uma
soma em dinheiro que se deve ao ente público (sujeito ativo), diante da ocorrência
119
CARRASCO PARRILLA, P. J.: op. cit., Consecuencias del retraso en el pago de las deudas
tributarias, pág. 43.
120
FALCÓN Y TELLA, Ramón. El Tributo como instituto Jurídico: vínculos que lo integran. In: Revista
de la Facultad de Derecho Universidad Complutense. Estudios de Derecho Financiero y Tributario.
Madrid, 1996, págs. 127-147.
132
da hipótese de incidência, ou seja, diante de um ato ou fato de natureza e expressão
econômica, com efeitos jurídicos, relativos a uma atividade ou ao patrimônio do
sujeito passivo, independentemente da forma com que se realize. Necessário
considerar que tal obrigação surge, primariamente, no campo do direito privado, até
porque é comum afirmar que o direito tributário é um “direito de sobreposição”, pois
se fundamenta em fatos ou atos e seus efeitos do direito privado para, e somente
após, determinar as respectivas consequências fiscais, ou seja, declarando a
realização ou não do fato gerador e suas características 121.
Nas palavras de ARAÚJO FALCÃO122, “é o fato gerador um fato jurídico em
sentido estrito (...) um fato econômico, ao qual o Direito empresta relevo jurídico”. No
mesmo sentido, ensina LOBO TORRES123: “Fato gerador é a circunstância da vida –
representada por um fato, ato ou situação jurídica – que, definida em lei, dá
nascimento à obrigação tributária.”
Nas obrigações bilaterais, as partes são, reciprocamente, credoras e
devedoras. No âmbito privado, tomando, por exemplo, o contrato de compra e
venda, o direito do comprador de exigir a entrega da coisa depende do cumprimento
de sua própria obrigação de pagar o preço ajustado. Por outro lado, se somente um
dos contratantes tiver jurídico em virtude do contrato, este será unilateral.
121
ABRAHAM, MARCUS. O planejamento tributário e o direito privado. São Paulo: Quartier Latin,
2007, págs. 200-201.
122
ARAÚJO FALCÃO, Amílcar de. Fato gerador da obrigação tributária. 6a. ed.. Rio de Janeiro:
Forense, 1994, pp. 27-29.
123
a
LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro e tributário. 3 . ed.. Rio de Janeiro: Renovar,
1996, pág. 205.
133
De acordo com NAVARRO COELHO124, o direito tributário está baseado
nessa dualidade, ou seja, obrigações unilaterais (impostos) e obrigações bilaterais
(taxas e contribuições).
A obrigação tributária, embora encontre semelhanças com a obrigação de
âmbito privado, possui, tal como anteriormente exposto, peculiaridades próprias,
especialmente porque sendo o Estado credor, a autoridade fiscal não pode dispor do
direito, restando-lhe o rigoroso cumprimento das disposições legais respectivas.
Com efeito, admitir a disposição privada dos tributos, mediante a produção de
efeitos dos ajustes particulares em prejuízo do ente público, bem como permitir que
o ente público pudesse, de forma livre, ajustar a incidência ou não dos tributos ou
mesmo fixar casuisticamente os valores devidos, seria introduzir um fator de caos na
gestão fiscal, incompatível com a massificação e a necessária normalização desta
gestão específica, caracterizada por dimensões extraordinárias e um mecanismo
inevitável 125.
Oportuna, nesse ponto, a lição do professor COLLADO YURRITA 126, que, ao
tratar dos aspectos conceituais do tributo identifica-o como “una prestación coactiva
en cuanto que viene impuesta por la ley prescindiendo de la voluntad del obligado,
124
NAVARRO COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9a. ed.. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, pág. 438.
125
Sobre o princípio de indisponibilidade das situações jurídico-tributárias, consultar-se: CALVO
ORTEGA, R.: op. cit., págs. 723-745. Em Espanha, a Ley 58/2003, de 17 de diciembre, General
Tributaria, em seu Artículo 18, prevê a “Indisponibilidad del crédito tributario” nos seguintes termos:
“El crédito tributario es indisponible salvo que la ley establezca otra cosa.”
126
COLLADO YURRITA, M. A.: op. cit., pág. 29.
134
basta con que se realice el supuesto de hecho de la norma, el llamado hecho
imponible, para que surja la obligación tributaria.”
A doutrina brasileira não discrepa desse entendimento. Tanto é assim que
AMARO127 afirma que o nascimento da obrigação tributária independe de
manifestação de vontade do devedor dirigida à sua criação. Vale dizer, não se exige
a manifestação de vontade do devedor no sentido que querer assumir a obrigação.
Ainda que o devedor ignore ter “nascido” a obrigação tributária, esta o vincula e o
submete ao cumprimento da prestação correspondente ao seu objeto (principal ou
acessório).
Claro que a autonomia da vontade se faz presente no âmbito privado e se
exterioriza, por exemplo, na celebração do contrato de compra e venda, a partir do
qual se produzirão consequências tributárias, notadamente a incidência dos
impostos respectivos, sendo certo que dita incidência independe da vontade das
partes atingidas pela exigibilidade do crédito tributário por parte do ente público, que
atua nos termos da lei.
Por isso, a contar do momento da consumação (realização, verificação) do
fato imponível (também chamado de fato gerador), o Estado (sujeito ativo) tem o
127
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12a. ed.. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 246.
135
direito de exigir do contribuinte (sujeito passivo) o dever de entregar o dinheiro,
objeto da obrigação 128.
Há, portanto, uma necessária distinção, no sentido de denominar 'hipótese de
incidência' o conceito legal (descrição legal, hipotética, de um fato, estado de fato ou
conjunto de circunstâncias de fato) e 'fato imponível' o fato efetivamente acontecido,
num determinado tempo e lugar, configurando rigorosamente a hipótese de
incidência.129 Há, portanto, dois momentos lógicos (e cronológicos): primeiramente, a
lei descreve um fato e di-lo capaz (potencialmente) de gerar (dar nascimento) uma
obrigação. Depois, ocorre o fato; vale dizer: acontece, realiza 130.
O vínculo obrigacional que corresponda ao conceito de tributo nasce, por
força de lei, da ocorrência do fato imponível. A configuração do fato (aspecto
material), sua conexão com alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto
espacial) e sua consumação num momento fático determinado (aspecto temporal),
reunidos unitariamente determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela
lei: criação de uma obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada,
num momento preciso 131.
Necessário mencionar que a Ley General Tributária Espanhola, em seu artigo
20, prevê que a obrigação tributária principal – pagamento de tributos – se origina
128
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1981, pág. 23.
129
ATALIBA, G.: op. cit., pág. 49.
130
ATALIBA, G.: op. cit., pág. 51.
131
ATALIBA, G.: op. cit., pág. 68.
136
pela realização do fato imponível. Isso significa que, assim como ocorre na
legislação brasileira, surge sempre com independência da vontade das partes.
“Artículo 20.
Hecho imponible. 1. El hecho imponible es
el presupuesto fijado por la ley para configurar cada
tributo y cuya realización origina el nacimiento de la
obligación tributaria principal. 2. La ley podrá completar la
delimitación del hecho imponible mediante la mención de
supuestos de no sujeción.”
Em realidade, sob o ponto de vista estrutural, o fato imponível decompõe-se
em dois elementos, a saber: (a) um objetivo, que se refere aos atos, fatos ou
situações contempladas nas leis e cuja realização origina a exigibilidade da
obrigação tributária; e (b) um subjetivo, que se refere ao protagonista ou
protagonistas dos atos, fatos ou situações descritas nas leis (aspecto objetivo) 132.
132
Em termos semelhantes, consultar: LUCHENA MOZO, Gracia María. La relación jurídico-tributaria.
El hecho imponible. In: COLLADO YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María
(coord). Derecho tributario: parte general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, págs. 271272. “No olvidemos que habíamos establecido que en el supuesto de hecho fijado en una norma
podían diferenciarse dos elementos: uno, el objetivo —ya tratado—; y otro, el subjetivo. Pues bien, el
elemento subjetivo del presupuesto de hecho se manifestará en la relación que habrá de producirse
entre el presupuesto de hecho objetivo y el sujeto que lo lleva a efecto en el mundo de los hechos. Es
el vínculo a través del cual se conecta el presupuesto de hecho con el sujeto que será su realizador y
a cuyo cargo hace surgir la consecuencia jurídica prevista abstractamente.”.
137
Advirta-se que, assim como o aspecto objetivo é determinado pela
quantificação da dívida tributária, o aspecto subjetivo do fato imponível predetermina
o obrigado ou obrigados principais do tributo133.
Portanto, a pessoa física ou jurídica está objetivamente obrigada ao
comportamento prescrito na norma tributária pelo simples fato de incidência da
norma sobre a situação fática verificada e que se encontra expressamente regulada.
Assim é que a relação jurídica de direito tributário corresponde a uma relação
entre quem está investido de poderes para criar a norma tributária, tem competência
para aplicá-la e, portanto, tem legitimidade para exigir o cumprimento da prestação
(sujeito ativo) e aquele que se acha juridicamente obrigado ao pagamento de tributo
ou penalidade pecuniária (sujeito passivo).
Infere-se que se a obrigação tributária for identificada com o dever de prestar
o tributo, o dever jurídico tributário específico, imputado normativamente ao sujeito
passivo, estará, como visto, em relação com o crédito tributário, precisamente
porque o direito de crédito tributário é um direito-reflexo da obrigação tributária. Esse
relacionamento é expresso, entre outros dispositivos, pelo artigo 139 do Código
Tributário Nacional do Brasil, segundo o qual o crédito tributário decorre da
obrigação tributária.
133
MENÉNDEZ MORENO, Alejandro. Derecho financiero y tributario. Parte general. Lecciones de
Cátedra. 13ª. ed. Valladolid: Lex Nova/Thomson Reuters, 2013, pág. 188.
138
“Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação
principal e tem a mesma natureza desta.”
É certo que a relação tributária formal compreende os deveres instrumentais a
cargo do sujeito passivo, instituídos por lei, para possibilitar e assegurar o
cumprimento da obrigação principal. Porém, o sujeito passivo da obrigação tributária
está obrigado a praticar inúmeros atos e condutas de ordem formal ou burocrática.
Deve prestar declarações ao Fisco, emitir notas fiscais, manter livros fiscais à
disposição dos agentes públicos, fornecer informações econômicas sobre suas
atividades, inscrever-se no cadastro fiscal. Todos esses deveres são meramente
instrumentais, em conteúdo patrimonial. O Código Tributário Nacional optou pelo
conceito de obrigação acessória (art. 113, 2º.)134.
Distinguem-se, no Brasil, as obrigações tributárias em principais e acessórias,
nos termos do artigo 113, caput, in verbis:
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do
fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente.
134
LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro e tributário. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2009, pág. 238.
139
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação
tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou
negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou
da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua
inobservância,
converte-se
em
obrigação
principal
relativamente à penalidade pecuniária.”
Verifica-se da análise do disposivo legal brasileiro que o conteúdo da
obrigação
tributária
principal
é
o
dar
ao
ente
tributante
dinheiro
ou,
excepcionalmente, algo que pecuniariamente se possa exprimir. Assim sendo, é
atributo da obrigação tributária principal o ser economicamente avaliável; a sua
expressão em termos pecuniários ou reduzíveis à pecúnia. Daí, a sua
patrimonialidade135. Acrescente-se que, sob esse prisma, a obrigação principal
compreende tanto o pagamento de tributo como a penalidade pecuniária. Afinal, se é
certo que as normas tributárias preveem o pagamento de tributos, não menos certo
é que essas mesmas normas tributárias estabeleçam sanções, no caso de
descumprimento. Aliás, a sanção constitui elemento destinado a “estimular” o
cumprimento da obrigação.
135
SOUTO MAIOR BORGES, José. Obrigação tributária (uma introdução metodológica). 2ª. ed. São
Paulo: Malheiros, 1999, pág. 81.
140
A propósito do tema, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça 136, ao
julgar como recurso repetitivo o REsp 1.251.513⁄PR, relacionou as seguintes
parcelas ou rubricas que compõem o crédito tributário: Principal: é valor do tributo
devido ou da multa isolada devida; Multa: é o valor da multa devida quanto atrelada
ao principal, podendo ser de ofício, no caso de infração à legislação tributária, ou de
mora, no caso de atraso no pagamento do principal; Juros de mora: são os juros
incidentes em razão de atraso no pagamento do principal; e Encargos: demais
encargos incidentes sobre a dívida.
Por sua vez, em sentido inverso, o conteúdo específico das obrigações
acessórias consiste apenas num fazer, não fazer ou tolerar, ou seja, na linguagem
do Código Tributário Nacional, em prestações positivas ou negativas a cargo do
sujeito passivo e instituídas no interesse da arrecadação e fiscalização dos
tributos137.
Esclareça-se que a expressão corrente do meio jurídico de que o acessório
segue o principal, no sentido de que a extinção do principal também extingue o
acessório, não se aplica, em sentido idêntico, à obrigação tributária. Isso porque, o
fato de um contribuinte recolher todo o tributo não o exime, por exemplo, de
apresentar uma declaração relativa ao tributo. Ou seja: no âmbito tributário, a
obrigação acessória não se extingue com a principal 138.
136
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.513⁄PR. Relator: Ministro Mauro Cambpell Marques. Órgão
julgador: Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do julgamento: 10/08/2011.
137
SOUTO MAIOR BORGES, J.: op. et loc. cit..
138
SCHOURI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 461.
141
Aliás, pode haver “obrigação acessória” mesmo em casos em que não haja
“obrigação principal”, como nos casos de imunidade tributária.
Com efeito, a entidade imune pode, nos termos da respectiva legislação de
regência, continuar obrigada a cumprir obrigações acessórias, como, por exemplo,
efetivar a escrituração regular de documentos com vistas a auxiliar as autoridades
fiscais na fiscalização e, consequentemente, na verificação do atendimento aos
requisitos constitucionais para receber a proteção 139.
Por conseguinte, verifica-se que, isoladamente, o § 2º do artigo 113 do
Código Tributário Nacional estabelece a obrigação tributária por si só desprovida de
conteúdo patrimonial, limitada a praticar ou deixar de praticar algo, podendo
converter-se em obrigação principal reveladora de cunho patrimonial, a título de
penalidade pecuniária (§ 3º do artigo 113 do Código Tributário Nacional)
Nesse contexto, o descumprimento de obrigação acessória apta a gerar
conversão
em
obrigação
principal
relativamente
à
penalidade
pecuniária,
configuradora da chamada “multa isolada”, deve atender aos critérios da
proporcionalidade e da razoabilidade na fixação da penalidade140.
139
Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal: STF. AG. REG. NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 702.604 / AM – AMAZONAS. Relator(a): Ministro Joaquim Barbosa. Julgamento:
25/09/2012. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJe 25/10/2012.
140
O plenário do Supremo Tribunal Federal admitiu o recurso extraordinário RE 640.452 RG / RO, em
data de 06/10/2011, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, em que se pretende discutir essa
matéria, mediante decisão assim resumida: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PUNIÇÃO
APLICADA PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DEVER INSTRUMENTAL
142
Em termos semelhantes, a Ley General Tributária Espanhola também
diferencia a obrigação tributária principal e acessória, consoante os exatos termos
dos artigos 19 e 25, a seguir transcritos:
“Artículo 19. Obligación tributaria principal.
La obligación tributaria principal tiene por objeto el pago
de la cuota tributaria.”
De acordo com o artigo 19 acima transcrito, a obrigação tributária principal, na
perspectiva espanhola, está relacionada com a entrega de uma soma em dinheiro
ao ente público, caracterizando-se por sua natureza contributiva, na medida em que,
conforme destaca FALCÓN Y TELLA141, “a través de ella se hace efectivo el interes
básico que preside la organización del tributo, y por su carácter autônomo, no
dependiente de ninguna outra obligación, y definitivo, ya que el ingresso efectuado
em pago de la misma extingue el vínculo entre a Hacienda Pública y el deudor
tributário”, razão pela qual fica constatada certa semelhança com o modelo
brasileiro, cuja análise foi há pouco realizada.
RELACIONADO À OPERAÇÃO INDIFERENTE AO VALOR DE DÍVIDA TRIBUTÁRIA (PUNIÇÃO
INDEPENDENTE DE TRIBUTO DEVIDO). ‘MULTA ISOLADA’. CARÁTER CONFISCATÓRIO.
PROPORCIONALIDADE.
RAZOABILIDADE.
QUADRO
FÁTICO-JURÍDICO
ESPECÍFICO.
PROPOSTA PELA EXISTÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL
DEBATIDA.”.
141
FALCÓN Y TELLA, R.: op. cit., págs. 127-147.
143
CARRERA RAYA142 acrescenta que “debe quedar claro que la obligación
tributaria es el mecanismo técnico-jurídico que se arbitra para que los poderes
públicos puedan exigir tributos. Pero asimismo debe ponerse de manifesto que
identificamos este concepto, la obligación tributaria, com la obligación de pagar la
cuota tributaria, que sera la principal que asuma el sujeto pasivo”.
Não obstante seja possível identificar, tanto no modelo brasileiro como no
espanhol, a obrigação tributária principal como obrigação de dar certa soma em
dinheiro ao ente público, MARTÍN QUERALT; LOZANO SERRANO; TEJERIZO
LÓPEZ e CASADO OLLERO143 advertem que “la cuantía a ingresar por un
determinado tributo puede no coincidir con la cuota tributaria, al englobar otros
componentes eventuales de la deuda, pero en tal caso, estos últimos no serán el
objeto de la obligación tributaria principal, sino de otras obligaciones surgidas de
presupuestos de hechos distintos del hecho imponible”.
Com efeito, acerca da abrangência da “deuda tributaria” a Ley General
Tributária Espanhola, em seu artículo 58, estabelece que:
“Artículo 58. Deuda tributaria.
142
143
CARRERA RAYA, F. J.: op. cit., pág. 18.
MARTÍN QUERALT, Juan; LOZANO SERRANO, Carmelo; TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel;
a
CASADO OLLERO, Gabriel. Curso de Derecho Financiero y Tributário. 18 . ed.. Madrid: Tecnos,
2007, pág. 258.
144
1. La deuda tributaria estará constituida por la cuota o
cantidad a ingresar que resulte de la obligación tributaria
principal o de las obligaciones de realizar pagos a cuenta.
2. Además, la deuda tributaria estará integrada, en su
caso, por:
a) El interés de demora.
b) Los recargos por declaración extemporánea.
c) Los recargos del período ejecutivo.
d) Los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las
cuotas, a favor del Tesoro o de otros entes públicos.”
Em comentários ao referido artigo 58.2 da LGT, PEREZ ROYO 144 reconhece
a presença de uma série de conceitos heterogêneos, colocados sob a expressão
“deuda tributaria”. A inclusão conjunta de todos eles dentro do um só conceito
(dívida tributária) tem uma justificativa arrecadatória ou, dito de outro modo, a
“identificación de los que pueden aparecer em una misma liquidación o um mismo
recibo o documento de ingresso, pero sín que pueda decidirse que el régimen
jurídico substantivo sea el mismo”.
144
PÉREZ ROYO, F.: op. cit., pág. 197.
145
Em um mesmo sentido, porém acrescendo à análise do referido artigo 58.2 da
LGT, o professor CARRASCO PARRILLA145 utiliza o conceito dos chamados
“elementos acessórios” ou “componentes acidentais” da dívida tributária, quando
assinala que “excepto los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las cuotas
a favor del Tesoro o de otros entes públicos, el resto de componentes del art. 58.2
representan lo que se ha venido denominando como ‘elementos accesorios’ de la
deuda
tributaria
y
que
nosotros
consideramos
más
oportuno
denonimar
componentes extraordinarios o accidentales de la deuda tributaria”.
Isso porque, a aludida Ley General Tributária Espanhola contempla como
obrigações tributárias acessórias as seguintes:
“Artículo 25. Obligaciones tributarias accesorias.
1. Son obligaciones tributarias accesorias aquellas
distintas de las demás comprendidas en esta sección que
consisten en prestaciones pecuniarias que se deben
satisfacer a la Administración tributaria y cuya exigencia
se impone en relación con otra obligación tributaria.
Tienen
la
naturaleza
de
obligaciones
tributarias
accesorias las obligaciones de satisfacer el interés de
demora, los recargos por declaración extemporánea y los
145
CARRASCO PARRILLA, P. J.: op. cit., Consecuencias del retraso en el pago de las deudas
tributarias, pág. 46.
146
recargos del período ejecutivo, así como aquellas otras
que imponga la ley.
2. Las sanciones tributarias no tienen la consideración de
obligaciones accesorias.”
Nas palavras do professor CARRASCO PARRILLA146 “la LGT otorga, en su
art. 25, la naturaleza de obligaciones tributarias accesorias al interés de demora, los
recargos por declaración extemporánea, los recargos del período ejecutivo así como
a aquellas otas que imponga la ley, lo cual supone establecer una lista abierta de
obligaciones tributarias accesorias, dependiente de la voluntad del legislador”.
A discussão acerca dos componentes da dívida tributária tem especial
relevância diante dos processos concursais aplicáveis à pessoa física (empresário
individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI), cuja análise será
feita nos capítulos seguintes da presente tese.
Quanto à posição do sujeito ativo da relação tributária, vale dizer que na
obrigação tributária, o credor, em geral, é o Estado, no limite da competência
atribuída pela Constituição Federal do Brasil, nomeadamente, a União, os Estadosmembros, os Municípios integrantes dos Estados-membros e o Distrito Federal. Não
se pode olvidar, porém, que os órgãos responsáveis pela administração tributária
146
CARRASCO PARRILLA, Pedro José. Elementos integrantes de la deuda tributaria. “in” COLLADO
YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte
general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, pág. 296.
147
desenvolvem os procedimentos de cobrança de tributos com o objetivo de assegurar
as receitas tributárias. Nesse diapasão, a fim de identificar adequadamente os
integrantes da relação jurídica tributária, é imperioso mencionar que o sujeito ativo,
segundo o código tributário nacional do Brasil, em seu artigo 119, é “a pessoa
jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”.
Para NAVARRO COELHO147, a insuficiência do dito artigo é evidente. Por
primeiro, ignora a diferença entre a competência para legislar sobre relações
jurídico-tributárias e a capacidade para lançar e receber tributos na qualidade de
sujeito ativo da obrigação tributária. São, ainda segundo o autor, categorias
diferentes. A competência tributária revela uma aptidão legislativa ou regulamentar.
A capacidade tributária desvela relação jurídica entre os sujeitos ativo e passivo.
Obviamente, o ente político investido de competência para legislar pode ser, ao
mesmo tempo, o sujeito ativo da relação jurídica obrigacional. À União, por exemplo,
compete legislar sobre o imposto de renda. A um só tempo ela é sujeito ativo na
relação jurídica tributário típica desse imposto. Porém, nem sempre é assim. A
competência para instituir contribuições sociais previdenciárias é da União Federal,
mas a capacidade tributária ativa para exigir-las e recebe-las é da autarquia
previdenciária responsável pela seguridade social, ente diverso, portanto, do que
detém a competência legislativa.
Analisando o sujeito ativo do tributo na perspectiva do direito espanhol,
MARTÍN QUERALT, LOZANO SERRANO, TEJERIZO LÓPEZ E CASADO
147
NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 682.
148
OLLERO148 esclarecem que “sujeto activo es el ente público que desarrolla los
procedimientos de aplicación del tributo. Pensando en la obligación tributaria
principal, sería el ente que ocupa la posición de acreedor del crédito tributario, pero
dado que el tributo es susceptible de desplegarse a través de procedimientos
diversos y de relaciones que no siempre tienen por objeto el pago de dicha
obligación, ni contemplan en su lado pasivo al deudor tributario, el concepto de
sujeto activo debe ensancharse para aprehender todos aquellos supuestos y
relaciones que por su contenido y su régimen jurídico escapan de ese marco
obligacional.”.
Por sua vez, ainda de acordo com o código tributário nacional do Brasil,
“Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo
ou penalidade pecuniária”. (artigo 121).
Revela-se pertinente na presente tese, a alusão ao parágrafo único no artigo
121 do Código Tributário Nacional do Brasil, especialmente pela distinção entre
contribuinte e responsável, nos seguintes termos:
“O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta
com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
148
MARTÍN QUERALT, Juan; LOZANO SERRANO, Carmelo; TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel;
a
CASADO OLLERO, Gabriel. Curso de Derecho Financiero y Tributário. 18 . ed.. Madrid: Tecnos,
2007, pág. 287.
149
II - responsável, quando, sem revestir a condição de
contribuinte,
sua
obrigação
decorra
de
disposição
expressa de lei.”
Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação
principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que
intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos
devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos
por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros,
pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo
espólio; V - o administrador judicial, pelos tributos devidos pela massa falida em
caso de concurso de credores; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários
de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles,
em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de
pessoas, tudo consoante os termos do artigo 134 do Código Tributário Nacional.
De
igual
modo,
são
pessoalmente
responsáveis
pelos
créditos
correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos os mandatários,
prepostos, empregados, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas
de direito privado, a teor do disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional.
150
Outrossim, igualmente ao que dispõe a legislação brasileira, a Ley General
Tributária Espanhola também define expressamente o sujeito passivo da obrigação
tributária, definindo-os, no artigo 36, da seguinte forma:
“Artículo 36. Sujetos pasivos: contribuyente y sustituto del
contribuyente.
1. Es sujeto pasivo el obligado tributario que, según la ley,
debe cumplir la obligación tributaria principal, así como las
obligaciones formales inherentes a la misma, sea como
contribuyente o como sustituto del mismo. No perderá la
condición de sujeto pasivo quien deba repercutir la cuota
tributaria a otros obligados, salvo que la ley de cada
tributo disponga otra cosa.
En el ámbito aduanero, tendrá además la consideración
de sujeto pasivo el obligado al pago del importe de la
deuda aduanera, conforme a lo que en cada caso
establezca la normativa aduanera.
2. Es contribuyente el sujeto pasivo que realiza el hecho
imponible.
3. Es sustituto el sujeto pasivo que, por imposición de la
ley y en lugar del contribuyente, está obligado a cumplir la
obligación tributaria principal, así como las obligaciones
formales inherentes a la misma.
151
El sustituto podrá exigir del contribuyente el importe de las
obligaciones tributarias satisfechas, salvo que la ley
señale otra cosa.”
Também a Ley General Tributária Espanhola, tal como ocorre com a
legislação brasileira, prevê, no artigo 41, a responsabilidade tributária, nos termos
abaixo:
“1. La ley podrá configurar como responsables solidarios o
subsidiarios de la deuda tributaria, junto a los deudores
principales, a otras personas o entidades. A estos efectos,
se considerarán deudores principales los obligados
tributarios del apartado 2 del artículo 35 de esta Ley.”
Inegavelmente, é a partir dessa construção legal que o Estado (sujeito ativo)
torna efetiva a retirada de recurso do particular (sujeito passivo), praticando, assim,
os atos concernentes à arrecadação tributária, que, de acordo com o artigo 160.1 da
Ley General Tributaria Espanhola, consiste “en el ejercicio de las funciones
administrativas conducentes al cobro de las deudas tributarias”.
152
Conforme o entendimento de MARTÍN QUERALT; LOZANO SERRANO;
TEJERIZO LÓPEZ E CASADO OLLERO149, a arrecadação tributária (a) constitui
uma função administrativa, atualmente realizada por órgãos administrativos, sem
prejuízo da colaboração das entidades financeiras para receber os valores pagos
pelos obrigados tributários e efetuar os serviços da caixa da administração tributária.
(b) O âmbito administrativo da função arrecadatória não se limita ao Estado, mas se
estende, em geral, aos demais entes públicos, tanto estatais como integrantes de
outras administrações territoriais. (c) Do ponto de vista objetivo, a função
arrecadatória não apenas abrange os tributos, mas qualquer outro débito com a
Fazenda Pública por receitas de Direito Público.
Oportuno, nesse sentido, o entendimento do professor CARRASCO
PARRILLA150 quando afirma que “la regulación de la función recaudatoria se lleva a
cabo, em lo que se refiere a sus aspectos materiales o substantivos, esto es, los
relativos al pago y otras formas de extinción, así como a las garantias del crédito
tributário, em los arts. 59 a 80 de la LGT, mientras que em lo relativo a sus aspectos
formales o procedimentales son los arts. 160 a 177 de la LDT (englobados bajo la
correspondiente titulación capitular ‘Actuaciones y procedimiento de recaudación’)
los encargados de darle cobertura.”.
149
MARTÍN QUERALT, Juan; LOZANO SERRANO, Carmelo; TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel;
CASADO OLLERO, Gabriel. Curso de Derecho Financiero y Tributário. 18a. ed.. Madrid: Tecnos,
2007, pág. 478.
150
CARRASCO PARRILLA, Pedro José. Procedimiento de recaudación. “in” COLLADO YURRITA,
Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª.
Ed.. Barcelona: Atelier libros jurídicos, 2009, pág. 456.
153
Em matéria de tributação empresarial, verifica-se uma clara prevalência da
tributação sobre bens e serviços, quando comparada a tributação sobre renda e
propriedade, por exemplo.
É o que se extrai da análise do quadro151 abaixo:
.
Com relação à tendência histórica observada no período de 05 anos (20092013), observa-se que houve redução na participação das bases Renda (-1,46
pontos percentuais da arrecadação), Folha de Salários (-0,72 pontos percentuais de
arrecadação), Transações Financeiras (-0,11 pontos percentuais da arrecadação) e
um aumento das bases Bens e Serviços (+1,88 pontos percentuais da arrecadação),
Outros Tributos (+0,09 pontos percentuais da arrecadação) e Propriedade (+0,03
151
CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2013
(Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros,
2013.
154
pontos percentuais da arrecadação), conforme pode ser observado no quadro152
abaixo.
Note-se que tributação de bens e serviços, por ser aplicada sobre a
alienação, transferência, produção de bens ou prestação de serviços, tem caráter
preponderantemente empresarial, ou seja, incide a partir do desenvolvimento da
atividade econômica, representando, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013
por 49,10%, 50,45%, 49,98%, 50,61% e 51,28%, respectivamente, do resultado da
arrecadação obtida, conforme estudo divulgado no mês de dezembro de 2014 pelo
centro de estudos tributários e aduaneiros da Receita Federal do Brasil (órgão do
Ministério da Fazenda), representando, assim, praticamente a metade da receita
tributária brasileira.
152
CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2012
(Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros,
2014. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-eaduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria2013.pdf#page=7&zoom=auto,-274,217. Consulta em: 29/08/2015, às 20:50.
155
Na comparação internacional, levando-se em consideração os países
integrantes da OCDE, é nítida a percepção de que o sistema tributário do Brasil tem
elevada concentração nos bens e serviços, enquanto em outros prevalece a
tributação sobre renda e patrimônio. Com efeito, as comparações dos valores de
carga tributária nacional com as de outros países devem ser feitas com cuidado,
pois algumas espécies tributárias existentes em um país podem não existir em
outros.
CARGA TRIBUTÁRIA SOBRE BENS E SERVIÇOS – BRASIL E PAÍSES DA
OCDE 2012.
Quando se compara a tributação por base de incidência, observa-se que para
a base Renda o Brasil tributa menos do que a média dos países da OCDE, enquanto
que para a base Bens e Serviços, tributa mais.
156
CARGA TRIBUTÁRIA SOBRE RENDA, LUCRO E GANHOS DA CAPITAL BRASIL E PAÍSES DA OCDE 2012.
Não se pode afirmar que o esforço fiscal, nesse caso (tributação de bens e
serviços), seja efetivamente suportado pelo titular da empresa, seja ele pessoa física
(empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI), cujos
conceitos já foram anteriormente expostos.
Isso porque, na composição do preço final dos produtos e serviços ofertados
ao destinário ou consumidor são considerados: o custo efetivo de produção
(matéria-prima, por exemplo), a tributação incidente e o lucro perseguido pela
pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou
EIRELI) que exerce a atividade econômica. Evidentemente, o repasse da carga
tributária para o consumidor final encarece o preço dos produtos e serviços,
produzindo um impacto extremamente negativo em matéria de competitividade
157
empresarial internacional, sobretudo quando a realidade inexorável aponta, cada vez
mais, para a globalização dos mercados.
Logo, embora a pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica
(sociedade empresária ou EIRELI) que desenvolve a atividade econômica seja, para
fins tributários, o sujeito passivo da relação tributária, em termos práticos o ônus
tributário é, muitas vezes, transferido para o consumidor final.
Com base nisso, pode-se afirmar que a empresa, no contexto da tributação,
desempenha, muitas vezes, a função de um simples veículo ou o meio pelo qual se
vale o Estado para arrecadar, fazendo com que o ônus tributário seja, na realidade,
suportado, muitas vezes, pela grande massa populacional, que necessita dos
produtos ou serviços, produzidos ou comercializados pela pessoa física (empresário
individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI).
Por outro lado, a análise dos dados obtido da mesma fonte153 mostra que, em
matéria de tributos sobre a renda, calculados com base na renda das pessoas
físicas (que não exercem atividade própria de empresário e se apresentam, na
maioria dos casos, como assalariados) e pessoas jurídicas (aqui compreendidas as
pessoas que exercem atividade econômica por sua própria conta e risco,
notadamente
153
empresário
individual,
sociedade
empresária
ou
EIRELI),
a
CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2012
(Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros,
2013.
158
participação, em termos comparativos com a tributação de bens e serviços, revela
ser pequeno, nesse ponto (tributação sobre a renda), o esforço do setor empresarial,
nomeado no gráfico simplesmente como “pessoa jurídica”.
.
Isso não significa que a empresa seja, por isso, uma vilã. Muito ao contrário:
sob o enfoque puramente arrecadatório é através da empresa que o Estado
brasileiro obtém mais da metade (51,28%) dos seus recursos somente que a
tributação de bens e serviços.
De mais a mais, os benefícios advindos do efetivo exercício da atividade
econômica ultrapassam os limites da tributação – e consequentemente da
arrecadação – e alcançam aspectos de extrema relevância, tal como a geração de
emprego, a pesquisa e o desenvolvimento.
Não se está aqui a defender o aumento da carga tributária brasileira em um
sentido global, que, aliás, quando comparada com os países integrantes da
chamada América Latina (ALC) se revela verdadeiramente elevada, superando,
159
inclusive, os níveis de alguns países da OCDE, tal como atesta a publicação
conjunta do CIAT (Centro Interamericano de Administrações Tributárias), da CEPAL
(Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e da (OCDE) Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Esse trabalho é parte da Iniciativa Fiscal LAC da OCDE, que visa melhorar as
políticas fiscais e sobre gastos públicos para apoiar um maior crescimento
econômico e uma distribuição mais justa da renda na região da ALC, tendo recebido
financiamento da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o
Desenvolvimento (AECID) e da Fundação Internacional para a América Latina de
Administração e Políticas Públicas (FIIAPP).
.
160
O quadro acima mostra que as receitas tributárias no Brasil foram robustas e
aumentaram nas últimas duas décadas, seja em matéria de tributos sobre bens e
serviços, seja sobre a renda ou a propriedade. Enfim, em todos os aspectos
evidencia-se a maior proporção de tributos em relação ao PIB na América Latina
durante o período 1990-2009, chegando a atingir níveis mais elevados do que 17
países da OCDE em 2010, segundo a referida publicação conjunta do CIAT (Centro
Interamericano de Administrações Tributárias), da CEPAL (Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe) e da (OCDE) Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico154.
Esclareça-se que o Produto Interno Bruto (PIB) corresponde ao valor dos
bens finais e serviços produzidos em uma economia em determinando período (ano,
semestre, trimestre ou mês).
É importante salientar que no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) apenas
considera-se os bens e serviços finais da cadeia de produção, excluindo todos os
insumos intermediários (matérias-primas, mão-de-obra, impostos e energia). A
exclusão dos bens e serviços intermediários é necessária para evitar a dupla
contagem dos valores gerados em toda a cadeia de produção, evitando a ocorrência
de distorções e equívocos na soma geral.
154
Estatísticas sobre Receita na América Latina 1990 – 2010.
Disponível em http://www.oecd.org/ctp/tax-global/BRAZIL_PT_country%20note_final.pdf. Acesso em
22 de junho de 2014.
161
Comparações - mais recentes155 - dos valores de carga tributária brasileira
com a de outros Países integrantes da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento
Econômico
(OCDE)156
-
organização
internacional
e
intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do
mercado - realizadas no citado estudo divulgado no mês de dezembro de 2014 pelo
centro de estudos tributários e aduaneiros da Receita Federal do Brasil (órgão do
Ministério da Fazenda), comprova que a relação “carga tributária x Produto Interno
Bruto (PIB)” é equivalente a 35,9% e, portanto, praticamente igual a do Reino Unido
e superior a de países como Espanha, Canadá, Estados Unidos e Chile.
.
155
CALADO SANTANA, Irailson (organizador). Estudos Tributários Carga Tributária no Brasil – 2013
(Análise por Tributo e Bases de Incidência). Brasília: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros,
2014.
156
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi criada em 1948
para executar o Plano Marshall US-financiado para a reconstrução de um continente devastado pela
guerra. Ao tornar os governos individuais reconhecer a interdependência das suas economias, ele
abriu o caminho para uma nova era de cooperação que iria mudar a face da Europa. Incentivado por
seu sucesso ea perspectiva de levar o seu trabalho para frente em um palco global, o Canadá e os
EUA se juntou membros OECE em assinar a nova Convenção da OCDE em 14 de dezembro de
1960. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) nasceu oficialmente
em 30 de setembro de 1961, quando a Convenção entrou em vigor.
Outros países juntaram-se, começando com o Japão em 1964. Hoje, 34 países membros da OCDE
em todo o mundo girar regularmente um ao outro para identificar os problemas, discutir e analisá-los,
e promover políticas para resolvê-los.
Assim, também, que os países que há algumas décadas eram ainda jogadores pequenos no cenário
mundial. Brasil, Índia e República Popular da China emergiram como novos gigantes económicos. Os
três deles, com a Indonésia e África do Sul, são parceiros-chave da Organização e contribuir para o
seu trabalho de uma forma sustentada e abrangente. Junto com eles, a OCDE traz em torno de sua
mesa 39 países que respondem por 80% do comércio mundial e dos investimentos, dando-lhe um
papel fundamental na resposta aos desafios enfrentados pela economia mundial.
OCDE utiliza a sua riqueza de informações sobre uma ampla gama de tópicos para ajudar os
governos a promover a prosperidade e lutar contra a pobreza através do crescimento económico e da
estabilidade financeira. Nós ajudar a garantir as implicações ambientais do desenvolvimento
econômico e social são tidos em conta.
O trabalho da OCDE baseia-se na monitorização contínua de eventos em países membros, bem
como fora da área da OCDE, e inclui projecções regulares de evolução económica de curto e médio
prazo. O Secretariado da OCDE coleta e analisa dados, após o que as comissões discutir política em
relação a esta informação, o Conselho toma decisões, e, em seguida, os governos implementem
recomendações. Informações disponíveis em: http://www.oecd.org. Consultado em: 31/08/2015, às
17:37.
162
CARGA TRIBUTÁRIA X PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB)
Lançando um olhar sobre a série histórica (2004 a 2013) dessa relação “carga
tributária x Produto Interno Bruto (PIB)” no Brasil, duas constatações são
perceptíveis:
A primeira é que entre 2004 e 2013 o volume arrecadado cresceu
sugnificativamente (de R$ 634.539,30 para R$ 1.741.658,30), refletindo um
substancial crescimento econômico.
A segunda é que, ainda em termos percentuais, a relação “carga tributária x
Produto Interno Bruto (PIB)” saiu de 32,40% (2004) para 35,95% (2013),
representando inegável aumento do ônus tributário.
163
.
Contraditoriamente, essa expansão da arrecadação e da carga fiscal não tem
sido refletida, em uma mesma proporção, no aumento da oferta e da qualidade dos
serviços públicos, estando ainda distante de um nível ideal, embora se deva
reconhecer que houve uma melhoria.
Nesse aspecto, é crescente a preocupação com a qualidade do gasto público,
tema que exige a elaboração de um estudo a parte, alheio aos objetivos pretendidos
com a presente tese doutoral.
EVOLUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA X PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB)
164
Não obstante, cabe aqui uma menção pontual ao artigo de autoria de
REZENDE; CUNHA e BEVILACQUA157, no qual reconhecem que para evitar os
prejuízos que os aumentos na carga tributária provocam, com respeito à
competitividade econômica, a contenção do crescimento dos gastos, apoiada em
melhor conhecimento sobre onde economizar sem comprometer a provisão de
serviços essenciais, ganhou destaque nas providências adotadas para promover o
ajuste fiscal.
É que o esgotamento das possibilidades de continuar sustentando o ajuste
fiscal mediante aumento de impostos requer atenção cada vez maior no controle dos
gastos. Para isso, é necessário desenvolver um sistema de informações que permita
avaliar os custos dos programas e atividades mantidos pelo governo, de modo a
evitar o tradicional recurso a cortes lineares que prejudicam atividades essenciais
sem afetar aquelas que são exercidas com um nível elevado de ineficiência.
De igual modo, em matéria de eficiência e competitividade, é fundamental um
esforço em torno da simplificação e racionalização do sistema tributário, seja na
perspectiva do Estado, seja na do contribuinte.
No contexto da tributação incidente sobre a atividade econômica de natureza
empresarial, considerando que o cumprimento da obrigação tributária constitui
157
REZENDE, Fernando; CUNHA, Armando e BEVILACQUA, Roberto. Informações de custos e
qualidade do gasto público: lições da experiência internacional. In: Revista de Administração Pública.
Número 44(4):959-92. Rio de Janeiro: FGV/EBAPE - Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas. Jul./Ago, 2010. págs. 959-992.
165
obrigação inafastável do empresário, um dos grandes desafios têm sido a
simplificação e a desoneração dos procedimentos de arrecadação, criando, assim,
um ambiente favorável à atratividade de investimentos para, por conseguinte,
propiciar o desenvolvimento econômico.
Indubitavelmente, é imperiosa a adoção de mecanismos que propiciem efetiva
melhoria dos procedimentos de arrecadação tributária, simplificando-os ao máximo,
com vistas a reduzir os custos suportados pelo sujeito passivo da obrigação,
especialmente o empresário, seja individual ou coletivo, aumentando, assim, a
produtividade e a eficiência do sistema.
O SIMPLES Nacional constitui uma iniciativa importante nesse aspecto,
conforma adiante se demonstrará.
166
3. TRATAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO E FAVORECIDO AO
MICROEMPRESÁRIO E AO EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE.
3.1.
DISTINÇÕES
BÁSICAS
NECESSÁRIAS:
MICROEMPRESÁRIO
E
EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE.
Em 14 de dezembro de 2006, com a edição do vigente Estatuto Nacional da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte – Lei complementar 123/2006 e
alterações posteriores – houve a revogação expressa da Lei nº 9.317, de 5 de
dezembro de 1996, assim como da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, que
tratavam, respectivamente, do regime especial de tributação das Micro e Pequenas
Empresas, que na Espanha são conhecidas simplesmente por PYMES, e dos
demais assuntos pertinentes a esses agentes econômicos, reunindo, em um único
texto, as matérias empresarial (ou mercantil) e tributária, buscando atender o contido
na Constituição Federal, em seu artigo 179, IX (tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no País).
Note-se que, muito embora a principal vantagem assegurada na
Lei
complementar 123/2006 esteja no campo tributário (simplificação da relação e
diminuição da carga), a referida Lei também contempla benefícios em outros temas,
tais como: acesso aos mercados nas aquisições públicas, simplificação das relações
167
de trabalho, associativismo, estímulo ao crédito e à capitalização, estímulo à
inovação, regras civis e empresariais e acesso à justiça.
Não obstante, considerando os objetivos da presente tese, serão aqui analisados
apenas os benefícios tributários decorrentes da Lei complementar 123/2006,
decorrentes da opção pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e
Contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte –
SIMPLES Nacional.
Para tanto, é indispensável destacar que foram, por meio da referida Lei
complementar 123/2006 e alterações posteriores, instituídas duas figuras jurídicas
distintas no ordenamento brasileiro, a saber:
As microempresas, compreendidas como a sociedade simples, a sociedade
empresária, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e o
empresário a que se refere o artigo 966 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil)158, devidamente registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas
(serviços notariais e de registro com competência específica), em se tratando de
sociedade simples, ou registrada no Registro de Empresas Mercantis (Junta
158
Código Civil. “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza
científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o
exercício da profissão constituir elemento de empresa.”.
168
Comercial), em se tratando de sociedade empresária, empresa individual de
responsabilidade limitada (EIRELI) e o empresário individual, que aufira, em cada
ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta
mil reais)159.
Já as empresas de pequeno porte, definidas como a sociedade empresária, a
sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e o
empresário a que se refere o artigo 966 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil)160, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis (Junta
Comercial) ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, que aufira,
em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e
sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos
mil reais)161.
Note-se que tanto as microempresas como as empresas de pequeno porte que
atendam ao requisito econômico acima aludido e não se inserirem em nenhuma das
vedações (que serão adiante especificadas) elencadas na Lei complementar
123/2006 podem, em princípio, fazer opção pelo Regime Especial Unificado de
Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e empresas
de pequeno porte – SIMPLES Nacional.
159
Equivalente, atualmente, a aproximadamente 108.000,00 euros.
“Código Civil. Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
160
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza
científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o
exercício da profissão constituir elemento de empresa.”.
161
Equivalente a aproximadamente 1.080.000,00 euros.
169
Diga-se, “em princípio”, pois é possível que, mesmo sendo viável o
enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, ainda
assim o SIMPLES Nacional poderá não ser acessível em virtude da natureza da
atividade econômica desenvolvida, como será adiante demonstrado.
Desse modo, existem certas situações nas quais a empresa é enquadrada na
condição de Microempresa como as Empresa de Pequeno Porte, porém não tem a
possibilidade de optar pelo SIMPLES Nacional.
Registre-se que o legislador utilizou as expressões empresa e empresário para
indicar as figuras jurídicas acima referidas, sem observar, porém, o conceito de
empresário delineado no artigo 966 da Lei 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), o
qual já foi objeto de análise na presente tese, especialmente no capítulo 2, item 2.1,
quando se buscou esclarecer o real alcance da expressão empresa, identificando,
ademais, os seus titulares, ora qualificados como pessoa física, ora como pessoa
jurídica.
Certo é que, ao definir os respectivos destinatários da Lei Complementar
123/2006, não se preocupou o legislador com o fato de que nem todas as atividades
econômicas exploradas caracterizam empresa, utilizando-se, indiscriminadamente,
as expressões Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte para se referir,
também, às atividades econômicas de natureza intelectual, artística, científica ou
170
literária, as quais, na essência, não se configuram empresa no sentido estrito,
embora exercidas, em regra, com ânimo lucrativo.
Não obstante na perspectiva do direito empresarial (ou mercantil) a
“desatenção” do legislador mereça crítica, sob o prisma do direito tributário a
inclusão de atividades econômicas que não sejam rigorosamente empresarias
(indústria, comércio e serviços desprovidos de natureza intelectual, artística,
científica ou literária), revela iniciativa positiva, uma vez o principal benefício da Lei
Complementar 123/2006 se insere no campo da tributação, mediante ingresso no
chamado SIMPLES Nacional, seja para simplificar procedimentos, seja para reduzir
os impactos da carga tributária, como se demonstrará adiante.
Essa é uma realidade que, de algum modo, segundo CASALTA NABAIS 162,
também se verifica no plano internacional e supranacional, pois, de um lado, o
Modelo de Convenção sobre o Rendimento e sobre o Patrimônio da OCDE dispõe
nas alíneas c) e h) do no. 1º. do seu art. 3º., respectivamente, que o termo
“empresa” aplica-se ao exercício de qualquer atividade econômica e a expressão
atividade empresarial inclui o exercício de serviços profissionais e de outras
atividades de caráter independente.
De outro lado, prossegue CASALTA NABAIS, o Código de Conduta da
Fiscalidade das Empresas da EU omite qualquer referência ao sentido da expressão
162
CASALTA NABAIS, José. Introdução ao direito fiscal das empresas. Coimbra: Almedina, 2013,
págs. 14-15.
171
empresas, o que revela tendência de alargamento dos limites conceituais traçados
pela legislação empresarial (ou mercantil).
Acrescente-se que, em matéria de definição das chamadas Pequeñas y
Medianas Empresas (PYMES) espanholas, o Código de Comercio “no establece una
distinción clara entre los empresarios en función de su dimensión, de forma que el
estatuto jurídico del empresario es, en principio, único para todos ellos. No obstante,
la clasificación económica que distingue entre pequeñas, medianas y grandes
empresas (en función de criterios diversos, como puede ser el volumen de
facturación, número de trabajadores, y otros), se fue abriendo paso, primero en la
legislación admininistrativa, para pasar a ejercer también influencia en leyes
mercantiles especiales.”163.
Nesse sentido, o Real Decreto 1.515/2007, de 16 de novembro, aprovou o
Plan General de Contabilidad de Pequeñas y Medianas Empresas e os critérios
contábeis específicos para microempresas, utilizando-se de elemento quantitativo
para fins de enquadramento, sintetizado no artigo 2º., por meio do qual se verifica
que “podrán aplicar este Plan General de Contabilidad de Pymes todas las
empresas, cualquiera que sea su forma jurídica, individual o societaria, que durante
dos ejercicios consecutivos reúnan, a la fecha de cierre de cada uno de ellos, al
menos dos de las circunstancias siguientes”:
163
BROSETA PONT, Manuel. Manual de derecho mercantil. Vol. 1. 20ª. Ed. Madrid: Tecnos, 2013,
pág. 92.
172
“a) Que el total de las partidas del activo no supere los
dos millones ochocientos cincuenta mil euros.
b) Que el importe neto de su cifra anual de negocios no
supere los cinco millones setecientos mil euros.
c) Que el número medio de trabajadores empleados
durante el ejercicio no sea superior a cincuenta.”
Ademais, o referido Plan General de Contabilidad menciona a microempresa, em
seu artigo 4º., exigindo, em termos quantitativos, que durante dois exercícios
consecutivos as empresas reúnam, na data de encerramento de cada um deles, as
seguintes circunstâncias:
“a) Que el total de las partidas del activo no supere el
millón de euros.
b) Que el importe neto de su cifra anual de negocios no
supere los dos millones de euros.
c) Que el número medio de trabajadores empleados
durante el ejercicio no sea superior a diez.”.
A conjugação de critérios (ativo, volume anual de negócios e número de
trabalhadores) adotada no Plan General de Contabilidad de Pequeñas y Medianas
Empresas está em consonância com a Recomendación de la Comisión Europeia, de
173
6 de mayo de 2003, sobre la definición de microempresas, pequeñas y medianas
empresas [notificada con el número C(2003) 1422], Publicado no DOUE núm. 124,
de 20 de mayo de 2003, páginas 36 a 41, especialmente nos artigos 1º. e 2º., a
saber:
“Artículo 1
Empresa
Se
considerará
empresa
toda
entidad,
independientemente de su forma jurídica, que ejerza una
actividad económica. En particular, se considerarán
empresas las entidades que ejerzan una actividad
artesanal u otras actividades a título individual o familiar,
las sociedades de personas y las asociaciones que
ejerzan una actividad económica de forma regular.
Artículo 2
Los efectivos y límites financieros que definen las
categorías de empresas
1. La categoría de microempresas, pequeñas y medianas
empresas (PYME) está constituida por las empresas que
ocupan a menos de 250 personas y cuyo volumen de
174
negocios anual no excede de 50 millones de euros o cuyo
balance general anual no excede de 43 millones de euros.
2. En la categoría de las PYME, se define a una pequeña
empresa como una empresa que ocupa a menos de 50
personas y cuyo volumen de negocios anual o cuyo
balance general anual no supera los 10 millones de euros.
3. En la categoría de las PYME, se define a una
microempresa como una empresa que ocupa a menos de
10 personas y cuyo volumen de negocios anual o cuyo
balance general anual no supera los 2 millones de euros.”.
Graficamente, os criterios acima podem ser assim ilustrados:
.
Em resumo, tem-se que:
175
O cálculo do número de trabalhadores é um critério de crucial importância
para determinar inicialmente a que categoria pertence uma PYME. Abarca “el
personal que trabaja a tiempo completo, a tiempo parcial y los trabajadores de
temporada y comprende los tipos siguientes: • asalariados; • personas que trabajan
para la empresa, que tienen con ella un vínculo de subordinación y están asimiladas
a asalariados con arreglo al Derecho nacional; • propietarios que dirigen su empresa;
• socios que ejercen una actividad regular en la empresa y disfrutan de ventajas
financieras por parte de la empresa”164.
164
VERHEUGEN, Günter. La nueva definición de PYME. Comunidades Europeas: Publicaciones de
empresa e industria, 2006.
176
Ademais, para determinar “el volumen de negocios anual se calculan los
ingresos percibidos durante el año de que se trate por su empresa en concepto de
ventas o prestación de servicios, una vez realizada la deducción de los
descuentos.”165
Além disso, “el balance general anual se refiere al valor de los principales
activos de su empresa.”166.
É possível extrair um aspecto positivo da análise da citada Recomendação da
Comissão Europeia que, para fins de enquadramento na condição de PYMES,
menciona a empresa em sentido amplo, para abranger uma atividade econômica
independentemente de sua forma jurídica, desde que verificada a sua regularidade.
Isso mostra a preocupação de incluir na condição PYMES atividade que não
sejam rigorosamente empresariais e abre a possibilidade de oferta de uma série de
benefícios aptos a permitir o desenvolvimento desses agentes econômicos,
superando os limites que a legislação empresarial ou mercantil estabelece, em
regra, para definir ou de alguma forma reportar-se à empresa e seus respectivos
titulares, sejam pessoas físicas (empresário individual) ou jurídicas.
Diante do exposto, é possível concluir que tanto no Brasil como na Espanha, os
conceitos de empresa e empresário no âmbito empresarial ou mercantil e tributário
165
166
Idem.
Idem.
177
são diferentes, sendo certo que a legislação tributária - ou a ela correlata - identifica
a empresa, via de regra, como sinônimo de atividade econômica, qualquer que seja
ela, e, desde que presente o propósito lucrativo, impõe ao respectivo titular (pessoa
física ou jurídica) o cumprimento das respectivas obrigações tributárias, porém
também reserva-lhe, nessa mesma perspectiva, benefícios especiais às PYMES.
178
3.2.
PORTE
ECONÔMICO
ENQUADRAMENTO
DO
COMO
PRESSUPOSTO
MICROEMPRESÁRIO
E
DO
BÁSICO
PARA
EMPRESÁRIO
DE
PEQUENO PORTE NO SIMPLES NACIONAL E A SUA RELAÇÃO COM A
CAPACIDADE ECONÔMICA PARA FINS TRIBUTÁRIOS.
Percebe-se, claramente, que o legislador adotou um critério econômico (receita
bruta) como primeiro pressuposto para enquadramento da pessoa física ou jurídica,
conforme o caso, na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte.
Nesse sentido, revela-se oportuno esclarecer que, para fins do disposto na Lei
complementar 123/2006, considera-se receita bruta o produto da venda de bens e
serviços ou o preço dos serviços, não incluídas as vendas canceladas e os
descontos incondicionais concedidos.
Tal como anteriormente exposto existem dois níveis distintos que foram
estabelecidos pela Lei complementar 123/2006 (Microempresa ou Empresa de
Pequeno Porte), cujo respectivo enquadramento decorre do volume da receita bruta
obtida anualmente.
Certo é que a opção pelo SIMPLES Nacional exige, como condição prévia, o
enquadramento em uma dessas três faixas, isto é, Microempresa ou Empresa de
Pequeno Porte, impedindo que as empresas com faturamento superior a R$
179
3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) tenham acesso ao regime
tributário diferenciado e favorecido, submetendo-as a uma maior carga tributária.
Nessa perspectiva, evidencia-se adequada a opção do legislador brasileiro ao
instituir o SIMPLES Nacional, vinculando a possibilidade de acesso a um critério
econômico (receita bruta anual), de maneira a proteger os organismos que possuem
menores condições de competitividade em relação às grandes empresas e
conglomerados empresariais.
Constitui-se, pois, medida coerente, vez que tendente a assegurar a
concorrência em condições justas entre o grupo integrado por microempresas ou
empresas de pequeno porte, de uma parte, e, de outra, os grandes empresários, tal
como determina a Constituição Federal, em seu artigo 179, IX (tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e
que tenham sua sede e administração no País).
Constata-se aqui, inegavelmente,
a
presença
do elemento
capacidade
econômica no marco do direito tributário, que possui o seu sentido e conteúdo
delimitados pela noção de igualdade, especialmente, em seu aspecto formal, como
exigência do tratamento isonômico de situações iguais; e em seu aspecto material,
como proibição de discriminações ilegítimas167.
167
HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Capacidad econômica y sistema fiscal. Madrid: Oriol-Urquijo,
1998, pág. 26.
180
A Constituição brasileira, ao tratar da competência tributária entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com vistas à instituição de impostos,
taxas e contribuição de melhoria, faz expressa menção à capacidade econômica do
contribuinte, nos seguintes termos:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou
pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou
postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras
públicas.
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a esses
objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e
nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte.
§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de
impostos.”
181
Segundo
BARROS
CARVALHO168,
a
referida
expressão
capacidade
econômica do contribuinte tem o condão de denotar dois momentos distintos no
direito tributário. Primeiro, realizar o princípio “pré-jurídico” da “capacidade
contributiva absoluta ou objetiva”, no sentido de demonstrar a escolha, pela
autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza, como,
no caso do SIMPLES Nacional, da indicação do faturamento ou da receita bruta
anualmente auferida.
Por outro lado, também é capacidade econômica, sob o prisma relativo ou
subjetivo, a repartição da repercussão tributária, de tal modo que os participantes do
acontecimento contribuam de acordo com o “tamanho econômico do evento”.
Quando empregada nesse último sentido, embora revestida de caracteres próprios,
sua existência está diretamente relacionada à realização do princípio da igualdade,
previsto no artigo 5º, caput, do Texto Constitucional, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes.”.
Conquanto a capacidade econômica seja relevante para nortear a graduação
da tributação, o influxo dos princípios constitucionais (dignidade da pessoa humana,
proteção à propriedade, à família, à liberdade econômica, etc.) exige que a
168
BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de direito tributário. 21ª. Ed.. São Paulo: Saraiva, 2009,
pág. 182.
182
imposição tributária seja orientada em um sentido que denote a capacidade do
contribuinte fazer face à tributação169, ou seja, a dimensão do fato econômico é
dosada de maneira que somente incidirá o tributo depois de assegurado o chamado
mínimo existencial.
Verifica-se que, de um lado, o legislador identificou as microempresas ou
empresas de pequeno porte pelo “signo de riqueza”, ou seja, pela receita bruta
anual, considerando as respectivas faixas e limites; de outra banda, tratou o fato
gerador (efetivo exercício da atividade econômica para produção ou circulação de
bens ou serviços) a partir do “tamanho econômico do evento” instituindo um regime
tributário (SIMPLES Nacional) menos oneroso para o sujeito passivo.
Advirta-se que a dimensão do tema, ou seja, a capacidade econômica no
marco do direito tributário é de tamanha magnitude que ultrapassa fronteiras,
fazendo-se também presente no ordenamento jurídico espanhol, inclusive em nível
constitucional.
Com efeito, com redação mais precisa e específica, a Constituição Espanhola
alude à capacidade econômica para fins tributários, nos seguintes termos:
“Artículo 31
1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos
públicos de acuerdo con su capacidad económica
169
PITTEN VELLOSO, Andrei. Constituição tributária interpretada. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 36.
183
mediante un sistema tributario justo inspirado en los
principios de igualdad y progresividad que, en ningún
caso, tendrá alcance confiscatorio.
2. El gasto público realizará una asignación equitativa de
los recursos públicos, y su programación y ejecución
responderán a los criterios de eficiencia y economía.
3. Sólo podrán establecerse prestaciones personales o
patrimoniales de carácter público con arreglo a la ley.”.
Nessa mesma direção, a Ley General Tributaria (Ley 58/2003, de 17 de
diciembre de 2003), trata da questão da capacidade econômica ou contributiva da
seguinte maneira:
“Artículo 3. Principios de la ordenación y aplicación del
sistema tributario.
1. La ordenación del sistema tributario se basa en la
capacidad económica de las personas obligadas a
satisfacer los tributos y en los principios de justicia,
generalidad,
igualdad,
progresividad,
equitativa
distribución de la carga tributaria y no confiscatoriedad.”
184
A partir da análise dos artigos acima referidos, o professor COLLADO
YURRITA e a professora MORENO GONZÁLEZ170 identificam três significados
diferentes para a capacidade econômica na perspectiva tributária, quais sejam: “En
primer lugar, la capacidad económica es el fundamento que justifica el hecho mismo
de contribuir y, por tanto, el cumplimiento del deber constitucional de contribuir al
sostenimiento de los gastos públicos establecido en el art. 31.1 CE. En segundo
lugar, el principio de capacidad económica opera como límite para el legislador en la
configuración de los tributos. […] Por último, la capacidad económica es la medida,
razón o proporción de cada contribución, […]
y, desde este punto de vista, es
expresión de la igualdad objetiva en la ley y manifestación de la progresividad
tributaria, ya que a iguales índices de capacidad económica, la presión tributaria
soportada debe ser la misma, pero una mayor capacidad económica debe ser
sometida a una presión tributaria mayor.”171
As conclusões dos professores COLLADO YURRITA e MORENO GONZÁLEZ
guardam perfeita sintonia com as decisões do Tribunal Constitucional Espanhol,
especialmente com a sentencia 221/1992, de 11 de diciembre de 1992, segundo a
qual, no Fundamento jurídico 4, a “[…] capacidad económica, a efectos de contribuir
a los gastos públicos, tanto significa como la incorporación de una exigencia lógica
170
COLLADO YURRITA, Miguel Ángel; MORENO GONZÁLEZ, Saturnina. Principios constitucionales
del derecho tributário: principios materiales. “in” COLLADO YURRITA, Miguel Ángel (dir.) e LUCHENA
MOZO, Gracia María (coord). Derecho tributario: parte general. 3ª. Ed.. Barcelona: Atelier libros
jurídicos, 2009, págs. 118-119.
171
Em termos parecidos, Patricio Masbernat Muñoz afirma que a “capacidad económica dice relación
con la potencialidad económica vinculada a la titularidad y disponibilidad de la riqueza; con la aptitud,
la posibilidad real, la suficiencia de un sujeto de derecho para hacer frente a la exigencia de una
obligación tributaria concreta por parte de una Administración Pública.” MASBERNAT MUÑOZ,
Patricio. El principio de capacidad económica como principio jurídico material de la tributación: su
elaboración doctrinal y jurisprudencial en España. “in” Revista Ius et Praxis, Año 16, Nº 1, 2010, pp.
303 – 332. Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales de la Universidad de Talca/Chile.
185
que obliga a buscar la riqueza allí donde la riqueza se encuentra (SSTC 27/1981,
fundamento jurídico 4º y 150/1990). […]”172.
Portanto, de acordo com a citada sentencia 221/1992 , “[…] basta que dicha
capacidad económica exista, como riqueza o renta real o potencial en la generalidad
de los supuestos contemplados por el legislador al crear el impuesto, para que aquél
principio constitucional quede a salvo (STC 37/1987, fundamento jurídico 13). […]”.
A capacidade econômica opera, portanto, como um limite ao poder legislativo
em materia tributaria. Ainda de acordo com o Tribunal Constitucional Espanhol, em
sua Sentencia 26/2015, de 19 de febrero de 2015, Fundamento jurídico 4, “[…] esto
significa que el legislador (estatal o autonómico) no podrá establecer tributos sobre
una materia que no refleje riqueza real o potencial, o lo que es lo mismo, sea
inexpresiva de capacidad económica (STC 193/2004, de 4 de noviembre, FJ 5),
exigiéndose por tanto siempre que se someta a tributación “una concreta
manifestación de riqueza o de renta real, que no inexistente, virtual o ficticia” (SSTC
221/1992, de 11 de diciembre, FJ 4; 193/2004, de 4 de noviembre, FJ 6; y 19/2012,
de 15 de febrero, FJ 7). […]”.
172
Em termos semelhantes, o Tribunal Constitucional de Espanha decidiu, nos termos da Sentença
193/2004, de 4 de novembro de 2004, que “[…] Esta recepción constitucional del deber de contribuir
al sostenimiento de los gastos públicos según la capacidad económica de cada contribuyente
configura un mandato que vincula, no sólo a los ciudadanos, sino también a los poderes públicos
(STC 76/1990, de 26 de abril, FJ 3) ya que, si los unos están obligados a contribuir de acuerdo con su
capacidad económica al sostenimiento de los gastos públicos los otros están obligados, en principio,
a exigir en condiciones de igualdad esa contribución a todos los contribuyentes cuya situación ponga
de manifiesto una capacidad económica susceptible de ser sometida a tributación (STC 96/2002, de
25 de abril, FJ 7)”
186
Portanto, a graduação tributária fixada em função da capacidade econômica
dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos ditames do princípio da igualdade em
matéria tributária173.
Segundo SALDANHA SANCHES174, a adoção do conceito de capacidade
econômica como princípio ordenador da repartição da carga fiscal – uma questão
cada vez mais importante quando aumenta o pesa da carga fiscal – teve uma
consequência decisiva: a concretização dos conceitos gémeos capacidade
econômica e justiça fiscal. A consequência seguinte foi a consagração constitucional
desses princípios como componente “normal” dos Estados constitucionais e a
atribuição aos tribunais de poderes e competência para a sua concretização.
Voltando à realidade brasileira, não há dúvida de que o Regime Especial
Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas
e empresas de pequeno porte – SIMPLES Nacional, criado pela Lei Complementar
nº 123⁄2006 e destinado a conferir às microempresas e empresas de pequeno porte
tratamento tributário mais favorável, encontra como fonte de inspiração nos artigos
173
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3ª. Ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003, pág. 40. A respeito do tema, pode-se consultar também a decisão do Tribunal
Constitucional Espanhol, na Sentencia 60/2015, de 18 de marzo de 2015, Fundamento jurídico 4,
“[…] Más concretamente, pero ahora con relación al principio de igualdad ante la ley tributaria del art.
31.1 CE, hemos señalado que dicho principio conlleva la prohibición en la concesión de privilegios
tributarios discriminatorios, es decir, de beneficios tributarios injustificados desde el punto de vista
constitucional que puedan constituir una quiebra del deber genérico de contribuir al sostenimiento de
los gastos del Estado (STC 96/2002, de 25 de abril, FJ 7). Y ello porque “la exención, como quiebra
del principio de generalidad que rige la materia tributaria, al neutralizar la obligación tributaria
derivada de la realización de un hecho revelador de capacidad económica, es constitucionalmente
válida siempre que responda a fines de interés general que la justifiquen (por ejemplo, por motivos de
política económica o social, para atender al mínimo de subsistencia, por razones de técnica tributaria,
etc.), quedando, en caso contrario, proscrita, desde el punto de vista constitucional, por cuanto la
Constitución a todos impone el deber de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos en función
de su capacidad económica” (STC 96/2002, FJ 7). […]”
174
SALDANHA SANCHES, José Luis. Justiça fiscal. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos,
2010, pág. 30.
187
146, III, "d" e parágrafo único (Emenda Constitucional nº 42 de 2003), e 170, IX, da
Constituição Federal, os quais assim dispõem:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
[...]
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária, especialmente sobre:
[...]
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido
para as microempresas e para as empresas de
pequeno
porte,
inclusive
regimes
especiais
ou
simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II,
da contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da
contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso
III, "d", também poderá instituir um regime único de
arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado
que:
I – será opcional para o contribuinte;
II
–
poderão
ser
estabelecidas
enquadramento diferenciadas por Estado;
condições
de
188
III – o recolhimento será unificado e centralizado e a
distribuição da parcela de a recursos pertencentes aos
respectivos entes federados será imediata, vedada
qualquer retenção ou condicionamento;
IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão
ser compartilhadas pelos entes federados, adotado
cadastro nacional único de contribuintes.”
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham
sua sede e administração no País.”
Com efeito, indispensável destacar que o SIMPLES Nacional, nos moldes
concebidos pela legislação, não se define como novo tributo, mas como um sistema
– em seu todo – mais benéfico de cobrança de tributos já existentes, de modo mais
favorável às microempresas e empresas de pequeno porte, conforme reconheceu o
189
Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento de recurso em mandado de
segurança175.
Nessa mesma linha, CARRAZZA176 leciona que em meio a todas estas
questões, uma ideia, porém, precisa ficar clara: a Lei Complementar 123⁄2006 não
instituiu nenhum novo tributo, mas apenas abriu espaço, em favor das
microempresas e das empresas de pequeno porte que voluntariamente – constitui
opção – aderirem ao SIMPLES Nacional, à unificação da fiscalização, do
lançamento e da arrecadação de determinados impostos e contribuições. Em
nenhum momento – convém que se frise – ignorou as garantias formais e materiais,
plasmadas pela Constituição Federal, que protegem o contribuinte contra eventuais
excessos fazendários.
Dito de outra forma, o SIMPLES Nacional não criou – para as microempresas
e empresas de pequeno porte que a ele voluntariamente aderirem – novas
incidências tributárias, mas, pelo contrário, mitigou as existentes, por meio de uma
série de reduções de bases de cálculo e de alíquotas, de simplificações contábeis,
de isenções e de benefícios fiscais em geral.
175
STJ. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 29.568 - AM (2009⁄0096410-0). Relator:
Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 20/08/2013.
Data da Publicação/Fonte: DJe 30/08/2013.
176
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2.012, pág. 346
190
Curial frisar que os professores REGO FEITOSA e SALEMA FERREIRA 177
advertem que a possibilidade de graduar os tributos segundo a capacidade
econômica do sujeito passivo da relação tributária só é possível naqueles casos cuja
incidência econômica seja direta, ou seja, aquele agente que a lei indicou para
satisfazer a obrigação tributária é o mesmo que irá suportar o ônus econômico do
tributo. Isso, porém, não impede que, em determinadas circunstâncias de mercado,
esse ônus econômico do tributo seja agregado aos preços finais de mercadorias,
produtos e serviços. Logo, em relação aos tributos indiretos, o respeito ao comando
legal acerca da capacidade econômica não se torna possível, porque aquele que
realmente assume o ônus econômico do tributo, o “contribuinte de fato”, não
coincide com o “contribuinte de direito”.
Esclareça-se que o "contribuinte de direito" é o sujeito que concretiza a
hipótese de incidência descrita na norma, vale dizer, realiza o fato gerador do tributo.
Por sua vez, o "contribuinte de fato" é aquele que sofre o ônus financeiro da
tributação que lhe é repassado pelo “contribuinte de direito” por força de autorização
legal decorrente da não-cumulatividade da exação incidente sobre o produto/serviço
adquirido. O contribuinte de fato não pratica o fato gerador, não faz parte da relação
jurídico-tributária que se estabelece com o Estado e, na verdade, nada tem de
contribuinte, no sentido técnico da palavra e único que deveria ser utilizado,
177
REGO FEITOSA, Raymundo Juliano e SALEMA FERREIRA, Alexandre Henrique. A incidência
econômica dos tributos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3012, 30 set. 2011. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/20055>. Acesso em: 12 maio 2014.
191
conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial
983.814 - MG178.
Infere-se, ainda de acordo com a análise da decisão, que a relevância do
"contribuinte de fato" exsurge no campo das ciências econômicas quando da análise
da carga tributária imposta aos consumidores ou no momento da formulação do
preço de venda de determinado produto. Porém, a caracterização do chamado
"contribuinte de fato" no campo do direito, na verdade, tem função meramente
didática para explicar a sistemática da tributação indireta. É o caso típico do
consumidor final. Este, quase sempre, arca com o ônus tributário dos impostos que
incidem sobre a circulação de mercadorias e a industrialização de produtos.
Feitas essas considerações, vale dizer ainda que, conforme anteriormente
destacado, é possível que, mesmo sendo viável o enquadramento na condição de
Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, o SIMPLES Nacional não seja
acessível em virtude da natureza da atividade econômica desenvolvida, como será
adiante demonstrado.
Portanto, o critério econômico (receita bruta anual) acima explicitado constitui a
principal – porém não a única – exigência formulada pelo legislador para permitir o
acesso ao SIMPLES Nacional, conforme adiante ficará demonstrado.
178
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 983.814 - MG (2007/0218339-7). Relator: Ministro Castro Meira.
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 04 de dezembro de 2007.
192
3.3. VEDAÇÕES ESPECÍFICAS PARA ENQUADRAMENTO DA EMPRESA NA
CONDIÇÃO DE MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE PELAS
PESSOAS JURÍDICAS
Relembre-se que o enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa
de Pequeno Porte é possível tanto para a pessoa física (empresário individual) como
também para pessoa jurídica (seja uma sociedade ou uma EIRELI).
Assim sendo, uma vez atendido o requisito econômico (receita bruta anual) é,
em princípio, possível o enquadramento na condição de microempresário e ao
empresário de pequeno porte. Porém, a pessoa jurídica que esteja inserida em
determinadas
situações
não
poderá
se
beneficiar
do
tratamento
jurídico
diferenciado, ou seja, não poderá optar pelo SIMPLES Nacional, ainda que atenda
ao critério econômico (receita bruta anual).
Portanto, segundo a Lei Complementar 123/2006, não poderá se beneficiar do
tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o
SIMPLES Nacional, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica que se inclua em
alguma das situações adiante relacionadas:
193
3.3.1. A pessoa jurídica de cujo capital participe outra pessoa jurídica.
Primeiramente, veda-se a qualificação como microatividade econômica ou
atividade econômica de pequeno porte da sociedade, simples ou empresária, de
cujo capital participe outra pessoa jurídica. Não importa se minoritária ou majoritária.
O mero fato de uma pessoa jurídica integrar a composição societária é suficiente
para impedir o enquadramento. O legislador quis evitar a criação de estruturas
societárias que pudessem burlar o sistema, pois, em tese, seria possível que uma
grande corporação fosse dividida em várias microempresas e/ou empresas de
pequeno porte, cujo faturamento de cada uma delas não ultrapassasse os limites
fixados pela Lei Complementar 123/2006, ou seja, no máximo igual a R$
3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), beneficiando-se dessa condição
para todos os fins e efeitos, especialmente no âmbito tributário.
3.3.2. A pessoa jurídica que seja filial, sucursal, agência ou representação, no
País, de pessoa jurídica com sede no exterior.
Os artigos 1.126179 e seguintes do Código Civil brasileiro fazem distinção
entre a sociedade nacional e a sociedade estrangeira.
179
“Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha
no País a sede de sua administração.
Parágrafo único. Quando a lei exigir que todos ou alguns sócios sejam brasileiros, as ações da
sociedade anônima revestirão, no silêncio da lei, a forma nominativa. Qualquer que seja o tipo da
194
Exige a legislação brasileira que, para ser considerada nacional, a sociedade,
além de ser aqui constituída, tenha a sede de sua administração no Brasil.
Consequentemente, será considerada brasileira a sociedade organizada de
acordo com a legislação nacional, sendo registrada no Brasil e mantendo aqui a
sede social, sendo irrelevante a origem do capital, bem como a nacionalidade e o
domicílio dos seus respectivos sócios.
Note-se que a vigente Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro,
baixada pelo Dec.-lei 4.657/1942, ao dispor sobre direito internacional privado,
estatui, em seu artigo 11, que “As organizações destinadas a fins de interesse
coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se
constituírem. § 1 o Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou
estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo
brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.”.
Observe-se que a referida Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
não se pronunciou, expressamente, sobre a nacionalidade das pessoas jurídicas,
partindo do pressuposto de que, por constituírem criações de determinado
ordenamento jurídico, reger-se-ão pela mesma lei que as criou, pouco importando,
por isso, definir a nacionalidade.
sociedade, na sua sede ficará arquivada cópia autêntica do documento comprobatório da
nacionalidade dos sócios.”.
195
Assim, conforme acentua DINIZ180, poder-se-á determinar a nacionalidade da
pessoa jurídica pela lei na qual ela tem sua origem, ou seja, aplicar-se-á o princípio
locus regit actum (o lugar determina o ato) no que atina à constituição das pessoas
jurídicas.
Portanto, a sociedade organizada de acordo com a legislação estrangeira,
sendo registrado no exterior e lá mantendo a sua sede administrativa, ainda que os
sócios sejam todos brasileiros e o capital oriundo do Brasil, será considerada
estrangeira.
Nos termos do artigo 1.134181 do código civil brasileiro, a sociedade
estrangeira não poderá funcionar no Brasil, ainda que por estabelecimentos
subordinados, sem a autorização do Poder Executivo, pelo que, se desejar funcionar
em território brasileiro, deverá solicitar autorização do Governo Federal para
instalação e funcionamento, em requerimento dirigido ao Ministro de Estado Chefe
180
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 13ª. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, págs. 11-12-13.
181
“Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização
do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo,
todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.
§ 1o Ao requerimento de autorização devem juntar-se:
I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país;
II - inteiro teor do contrato ou do estatuto;
III - relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome,
nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de
cada um no capital da sociedade;
IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no
território nacional;
V - prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições
exigidas para a autorização;
VI - último balanço.
§ 2o Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade
requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em
vernáculo.”.
196
da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República,
protocolizado no Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI, que o
examinará sem prejuízo da competência de outros órgãos federais.
A sociedade empresária estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter,
permanentemente, representante no Brasil, com os plenos poderes especificados no
art. 2º, inciso V, da Instrução Normativa Nº 7, de 05 de dezembro de 2013, editada
pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI).
Por conseguinte, ainda que o funcionamento no Brasil seja autorizado pelo
Governo Federal, também não poderá a sociedade estrangeira ser enquadrada
como micro ou pequena empresa, de acordo com o § 4 o do artigo 3º da Lei
Complementar 123/2006.
Interessante destacar que por dois meios pode o empresário estrangeiro atuar
no Brasil: aqui constituindo estabelecimento subordinado, mediante a obtenção da
autorização pelas autoridades competentes, ou tornando-se acionista de sociedade
anônima brasileira - hipótese em que tal autorização é desnecessária, exceto
quando tal for proibido por lei especial.
197
Ao permitir o Código Civil que as sociedades estrangeiras possam funcionar
no país como acionistas de sociedade anônima, o legislador reiterou a possibilidade
que já vinha albergada pelo artigo 64 do Decreto-lei 2.627/40: as sociedades
estrangeiras, ao invés de requererem autorização para funcionar no país, aqui
constituem, por meio de terceiros, uma sociedade da qual adquirem parcela
substancial do capital social – desde que não existe expressa proibição legal 182, o
que lhes permite, inclusive, deter o respectivo controle183.
Ressalte-se que a partir de uma interpretação literal do artigo 1.134 do Código
Civil concluir-se-ia pela limitação à condição de acionista de sociedade anônima
brasileira, vedando-se, pois, a possibilidade da sociedade estrangeira tornar-se
sócia de uma sociedade limitada, por exemplo.
Não é esse, porém, o entendimento predominante entre os doutrinadores
brasileiros. Na realidade, o texto deveria ter se referido genericamente à sociedade
brasileira. Por evidente descuido, o legislador reproduziu a norma revogada (art. 64
do Decreto-lei 2.627/40) que cuidava da matéria no âmbito das sociedades
anônimas.
Segundo GONÇALVES NETO184, ainda na égide da lei anterior as Juntas
Comerciais firmaram o entendimento de que a norma em questão devia ser
182
O artigo 222 da Constituição Federal limita a participação do capital estrangeiro em empresa
jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens a trinta por cento do capital total e votante
da sociedade. Já o artigo 199, § 3º., da Constituição Federal, veda a participação direta ou indireta de
empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
183
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da; SZTAJN, Rachel. Código Civil Comentado: Direito de
Empresa (artigos 887 a 926 e 966 a 1.195). São Paulo: Atlas, 2008, Volume XI, pág.762.
184
GONÇALVES NETO, A. A.: op. cit., Direito de Empresa. págs. 556-557.
198
interpretada no sentido de facultar o arquivamento de contrato social em que
figurasse a participação de sociedade estrangeira em qualquer sociedade brasileira
(seja anônima, limitada ou de outro tipo), independentemente de autorização
governamental.
Não se pode olvidar que, mesmo admitindo a possibilidade da sociedade
estrangeira participar na condição de sócia de sociedade brasileira e sem
autorização governamental prévia, não será possível o enquadramento na condição
de micro e pequena empresa, diante da vedação anteriormente apontada, por se
tratar de sócia pessoa jurídica.
Nada impede, porém, que, atualmente, uma sociedade brasileira que tenha
como sócio um estrangeiro – pessoa física ou natural – seja enquadrada como micro
ou pequena empresa. Isso porque, a Lei complementar 123/2006 não faz qualquer
proibição nesse sentido, diferentemente do antigo estatuto das micro e pequenas
empresas (a revogada lei 9.841/1999), sendo certo, contudo, que a sociedade,
constituída apenas por pessoas físicas residentes no exterior e ou por pessoas
jurídicas estrangeiras, deverá ser dirigida por administrador residente no Brasil, nos
termos da Instrução Normativa Nº 10, de 05 de dezembro de 2013, editada pelo
Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), e respectivo manual de
registro empresarial.
199
3.3.3. A pessoa jurídica de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita
como empresário individual ou que seja sócia de outra empresa já
enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, desde
que a receita bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões
e seiscentos mil reais).
Novamente preocupou-se o legislador com a possibilidade de fraudes no
regime próprio das micro ou pequenas empresas, ao impedir que alguém, por
exemplo, mantivesse parte da atividade negocial sob firma individual, com
faturamento anual equivalente ao limite máximo legal, isto é, R$ 3.600.000,00 (três
milhões e seiscentos mil reais), e, simultaneamente, mantivesse outra parte sob a
titularidade de uma sociedade simples ou empresária da qual participasse como
sócio, e que, por sua vez, faturasse anualmente, como pessoa jurídica, soma
correspondente a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).
Desse modo, seria beneficiada a atividade econômica com faturamento
equivalente ao dobro do limite legal permitido para fins da Lei Complementar
123/2006.
Note-se que a vedação em comento alcança a situação em que a soma do
faturamento do empresário individual e da sociedade da qual participe como sócio
ultrapasse o limite legal fixado na Lei Complementar 123/2006.
200
Portanto, na hipótese da soma dos faturamentos anuais obtidos pelo
microempresário individual e pela pessoa jurídica enquadrada como micro ou
pequena empresa não superar R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)
nenhum problema haverá.
3.3.4. A pessoa jurídica cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez
por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei
Complementar, desde que a receita bruta global anual ultrapasse R$
3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).
Observe-se, de início, flagrante equívoco técnico nas expressões “titular” ou
“sócio” utilizadas pelo legislador para indicar a vedação ao regime das micro e
pequenas empresas.
Segundo MAMEDE185, a expressão titular aqui empregada diz respeito ao
empresário individual e não ao administrador societário. Portanto, entende
acertadamente o autor que se trata do titular da empresa, ampliando a proibição às
pessoas físicas.
185
MAMEDE, Gladstone e outros. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa
de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 30.
201
Assim, a atividade negocial não será qualificada como microempresa ou empresa
de pequeno porte, beneficiando-se do tratamento jurídico diferenciado previsto na
Lei Complementar 123/2006, quando o empresário (titular da empresa) ou sócio da
sociedade simples ou empresária participar com mais de 10% do capital de outra
empresa não beneficiada pelas disposições dessa mesma Lei.
Essencialmente, o problema é participar, com mais de 10%, do capital social de
outra sociedade, simples ou empresária, não beneficiada pela Lei Complementar.
Isso pode decorrer tanto pelo fato dessa outra sociedade ter faturamento superior a
R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) ou de alguma outra vedação
aqui comentada.
Oportuno salientar que receita bruta global, conforme já acima explicitado, é o
somatório da receita de ambas as sociedades, simples ou empresária, na hipótese
de sócio, ou da receita bruta da sociedade e do empresário individual.
De mais a mais, cumpre realçar que tal vedação não alcança à participação no
capital de cooperativas de crédito, bem como em centrais de compras, bolsas de
subcontratação, no consórcio formado por microempresas e empresas de pequeno
porte para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho,
na sociedade de propósito específico – também formadas por microempresas e
empresas de pequeno porte, destinada à realizar negócios de compra e venda de
bens, para os mercados nacional e internacional, e em associações assemelhadas,
202
sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos
de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses
econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte.
3.3.5. A pessoa jurídica cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado
de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que a receita bruta
global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil
reais).
Aqui, novamente, observe-se o flagrante equívoco técnico nas expressões
“titular” ou “sócio” utilizadas pelo legislador para indicar a vedação ao regime das
micro e pequenas empresas, equívoco esse que já foi objeto dos comentários
acima.
Ainda na mesma linha, ou seja, com o propósito de evitar práticas
fraudulentas, não se admite o enquadramento de pessoa jurídica com fins lucrativos,
na qual o titular ou sócio seja administrador de sociedade, cuja receita somada com
aquela já obtida pelo empresário individual (titular da empresa) ou sociedade,
empresária ou simples, ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil
reais).
Duas observações devem ser feitas.
203
Primeiramente, é necessário distinguir fins lucrativos de fins econômicos.
Lucro, em sentido estrito, é a remuneração do capital investido, constituindo um tipo
de fruto civil (acessório) desse capital (principal). Nas associações, por exemplo, não
há fins lucrativos, embora nada vede a obtenção de receitas financeiras. Por
exemplo, a instituição de ensino, classificada como associação, pode cobrar
mensalidade e taxas escolares e, ainda assim, continuar sendo uma associação.
Em segundo lugar, a abrangência “administrador ou equiparado” exige do
intérprete e aplicador da norma redobrada atenção para evitar injustiças. Conforme
MAMEDE186, estarão incluídos os administradores societários em sentido estrito,
quais sejam o administrador societário, nas sociedades contratuais, seja ou não
sócio, bem como os membros da diretoria nas sociedades estatutárias. Por
equiparados,
deve-se
incluir
qualquer
sócio,
quando
a
sociedade
tenha
administração coletiva (que compete a todos os sócios), bem como os membros o
conselho de administração, nas sociedades por ações que os tenham.
3.3.6. A pessoa jurídica constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de
consumo.
As cooperativas são regidas no Brasil pela Lei nº 5.764, de 16 de dezembro
de 1971, que, em seu artigo 4º., as define como “sociedades de pessoas, com
186
MAMEDE, Gladstone e outros. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa
de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 33.
204
forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência,
constituídas para prestar serviços aos associados”.
Nesse contexto, convém destacar que as sociedades de pessoas são aquelas
em que a realização do objeto social depende mais dos atributos individuais dos
sócios que da contribuição material que eles oferecem, diferenciando-se, portanto,
das sociedades de capital, cuja contribuição material é mais importante que as
características subjetivas dos sócios187.
Ademais, independentemente de seu objeto a cooperativa é considerada pelo
legislador188 como sociedade simples, ou seja, não se constitui empresa,
justificando-se o emprego da expressão “natureza civil” no prefalado artigo 4º,
afastando-se, outrossim, a aplicação do regime jurídico falimentar, que é próprio do
empresário e da sociedade empresária.
Segundo CASTRO189, a cooperativa não deveria ter sido enquadrada como
sociedade simples e nem como sociedade empresária, eis que sua natureza jurídica
é própria. Assiste razão à autora. De fato, as especificidades próprias da
187
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 13ª. São Paulo: Saraiva, 2009, Volume 2, pág.
25.
188
Código Civil. Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que
tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples,
as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações;
e, simples, a cooperativa.
189
CASTRO, Moema Augusta Soares de. Manual de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense,
2007, pág. 258.
205
cooperativa, fixadas na Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, são, por si, a
demonstração desse equívoco do legislador pátrio.
Com efeito, são características da sociedade cooperativa: I - adesão
voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de
prestação de serviços; II - variabilidade do capital social representado por quotaspartes; III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado,
facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for
mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV - incessibilidade das
quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; V - singularidade de
voto,
podendo
as cooperativas centrais,
federações e
confederações de
cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério
da proporcionalidade; VI - quorum para o funcionamento e deliberação da
Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital; VII - retorno
das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo
associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral; VIII - indivisibilidade
dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; IX neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X - prestação de
assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da
cooperativa; XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de
reunião, controle, operações e prestação de serviços.
Por outro lado, a prestação de serviços aos associados permite aos
cooperados obter, dentro de uma economia de mercado, uma distribuição mais justa
206
da riqueza, pois, mediante a celebração de contrato de sociedade cooperativa, as
pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o
exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.
Ao
contrário
dos
demais
modelos
de
organização
econômica,
no
cooperativismo percebe-se duas relações jurídicas intrinsecamente ligadas entre si,
que é qualificada pela doutrina pátria como princípio da dupla qualidade: a relação
societária, em que os cooperados praticam atos na qualidade de sócios; a relação
de serviços, em que os cooperados são usuários dos serviços da cooperativa, na
qualidade de clientes.190
Portanto, regra geral, as cooperativas não podem ser micro ou pequenas
empresa, salvo as de consumo.
Nesse sentido, consideram-se sociedades cooperativas de consumo, aquelas
que tenham por objeto a compra e fornecimento de bens aos consumidores,
consoante os termos do artigo 69 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997.
O objetivo de tais cooperativas de consumo é fortalecer a economia
doméstica, adquirindo, o mais diretamente possível do produtor, ou a outras
190
BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica. 2ª. Ed.. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000, pág. 21.
207
cooperativas, os gêneros de alimentação, de vestuário e de outros artigos de uso e
consumo pessoal, da família ou do lar; distribuindo-os, nas melhores condições de
qualidade e preço, aos consumidores, associados ou não, no interesse dos quais
podem ainda prover a outros serviços afins191.
3.3.7. A pessoa jurídica que participe do capital de outra pessoa jurídica.
A simples participação no capital de outra pessoa jurídica é suficiente para
impedir o acesso ao regime das micro e pequenas empresas.
Tal como ocorre na hipótese de impedimento ou exclusão reservada à pessoa
jurídica cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de
outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita
bruta global anual ultrapasse R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais),
que, como visto, não pode ser micro ou pequena empresa; na hipótese ora
analisada, a vedação também não se estende à participação no capital de
cooperativas de crédito, bem como em centrais de compras, bolsas de
subcontratação, no consórcio formado por microempresas e empresas de pequeno
porte para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho,
na sociedade de propósito específico – também formadas por microempresas e
empresas de pequeno porte, destinada à realizar negócios de compra e venda de
bens, para os mercados nacional e internacional, e em associações assemelhadas,
sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos
191
ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedades Comerciais. 13ª. Ed. São Paulo: Saraiva,
2003, pág. 368.
208
de sociedade, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses
econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte.
3.3.8. A pessoa jurídica que exerça atividade de banco comercial, de
investimentos e de desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade
de crédito, financiamento e investimento ou de crédito imobiliário, de
corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e câmbio, de
empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de
capitalização ou de previdência complementar.
As atividades econômicas acima enunciadas, em razão do vulto econômico
que lhe lhes é peculiar, não se revelam compatíveis com os princípios norteadores
da Lei Complementar 123/2006 e, por isso, a pessoa jurídica que as explore não
poderá ser enquadrada como micro ou pequena.
3.3.9. A pessoa jurídica resultante ou remanescente de cisão ou qualquer
outra forma de desmembramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido
em um dos 5 (cinco) anos-calendário anteriores.
Consoante dispõe o artigo 229 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, “a
cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para
uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se
209
a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o
seu capital, se parcial a versão”.
A ideia que normalmente se tem de cisão representa apenas uma das formas
pelas quais a cisão pode se realizar.
Diz-se que a cisão e total quando todo o a patrimônio é transferido para
outras sociedades, extinguindo-se a sociedade cindida. Dentro da cisão total,
distingue-se a cisão pura da cisão absorção.
Na cisão pura, opera-se a ideia geral da cisão, isto é, uma sociedade
transfere seu patrimônio para duas ou mais sociedades novas, que serão
constituídas a partir do patrimônio transferido. Tal operação, normalmente, tem por
função atender as exigências de uma organização mais racional das atividades
exercidas pela sociedade, mediante a atuação separada em relação a cada
atividade exercida192.
Na cisão absorção, a sociedade transfere seu patrimônio para duas ou mais
sociedades já existentes, pois a transferência para uma sociedade constitui uma
incorporação.
192
GALGANO, Francesco apud TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e
direito societário. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 2008, pág. 583.
210
SÁNCHEZ CALERO193, analisando a Lei das Sociedades por Ações
Espanhola, afirma que a cisão “es um fenómeno opuesto a la fusión por el que se
escinde el patrimonio de uma sociedad, com extinción de ésta o no, para ser
transpasado em bloque la parte o partes del patromonio segregado a otra o otras
sociedades, ya existentes o de nueva criación.”.
É preciso não confundir cisão da sociedade com dissolução, total ou parcial,
da sociedade. O contrato de sociedade é resolúvel, vale dizer, comporta uma
solução jurídica, um fim, um término. Essa resolução poderá ser total, implicando o
fim da própria pessoa jurídica, sua extinção, assim como poderá ser parcial, ou seja,
concretizar-se em relação a um ou alguns sócios, conservando-se o elo contratual
entre os demais194.
Evidentemente que a mera dissolução parcial não se insere na proibição em
comento, e não impede o enquadramento como micro ou pequena empresa.
3.3.10.
A pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade por ações.
A sociedade anônima ou por ações apresentou-se como o instrumento típico
da grande empresa capitalista e, com efeito, surgiu e se desenvolveu como este
sistema econômico195.
193
194
SÁNCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 364.
MAMEDE, Gladstone e outros. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa
de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 43.
195
ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas:
Bookseller, 1999, pág. 457.
211
No Brasil, as sociedades anônimas ou por ações têm sido, dentro desse
contexto, utilizadas para configurar juridicamente grandes empresas, enquanto que
a sociedade limitada é o tipo que melhor se presta à constituição de empresas de
pequeno e médio porte196.
É certo, contudo, que as pequenas empresas, aquelas que aufiram, em cada
ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil
reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais),
poderiam ser revestidas da condição de sociedade anônima ou por ações, sem que
isso, por si só, implicasse em tentativa de violação a dispositivo da Lei
Complementar 123/2006, de maneira que a vedação em foco não se revela coerente
com a liberdade de escolha do tipo societário que melhor se adapta a realidade dos
respectivos sócios.
3.3.11.
Cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o
contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e
habitualidade.
A presente vedação constitui uma resposta do legislador às tentativas de
desvirtuamento
dos
benefícios
oriundos
da
Lei
Complementar
123/2006,
caracterizadas pela utilização de sociedades fictícias, ou seja, formadas por pessoas
196
LUCENA, J. W.: op. cit., pág. 176.
212
que não possuem qualquer afecctio societatis e, por vezes, nem possuem os
recursos necessários ao desenvolvimento das atividades produtivas.
O real objetivo da utilização de tais sociedades fictícias é dividir a verdadeira
receita bruta total da empresa, que, efetivamente ultrapassa o equivalente a R$
3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), e, inevitavelmente, impede a sua
permência no regime favorecido e diferenciado, submetendo-a ao regime de
tributação das empresas de maior porte.
Portanto, é louvável e adequada a restrição instituída pelo legislador.
213
3.4. IMPEDIMENTOS AO EXERCÍCIO DA OPÇÃO PELO SIMPLES NACIONAL
PELO MICROEMPRESÁRIO E ELA EMPRESÁRIO DE PEQUENO PORTE.
Tal como destacado anteriormente, como pressuposto para acesso ao
SIMPLES Nacional, a Lei Complementar 123/2006 exige que o sujeito passivo da
obrigação tributária esteja enquadrado na condição de Microempresa ou Empresa
de Pequeno Porte.
Também consoante já acima assinalado, o critério exigido para tal
enquadramento fundamenta-se, primordialmente, na receita bruta anual obtida;
vedando-se, porém, as situações que não se coadunam com os princípios
norteadores da legislação protetiva197, bem como as que podem propiciar a
obtenção indevida de benefício ou mesmo a utilização de práticas fraudulentas,
conforme anteriormente analisado.
Todavia, de acordo com o artigo 17 da Lei complementar 123/2006, ainda que
obtido o enquadramento na condição de Micro ou Pequena empresa e
independentemente da receita bruta anual obtida, não poderão recolher os impostos
e contribuições na forma do SIMPLES Nacional, a Microempresa ou a Empresa de
Pequeno Porte que:
197
Por exemplo: Sociedades anônimas não podem ser micro ou pequena empresa.
214
I - que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de
assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a
pagar e a receber, gerenciamento de ativos (asset management), compras de
direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de
serviços (factoring);
II - que tenha sócio domiciliado no exterior;
III - de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta,
federal, estadual ou municipal;
IV - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as
Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja
suspensa;
V - que preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros,
exceto quando na modalidade fluvial ou quando possuir características de transporte
urbano ou metropolitano ou realizar-se sob fretamento contínuo em área
metropolitana para o transporte de estudantes ou trabalhadores;
VI - que seja geradora, transmissora, distribuidora ou comercializadora de energia
elétrica;
VII - que exerça atividade de importação ou fabricação de automóveis e
motocicletas;
215
VIII - que exerça atividade de importação de combustíveis;
IX - que exerça atividade de produção ou venda no atacado de:
a) cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e
pólvoras, explosivos e detonantes;
b) bebidas a seguir descritas:
1 - alcoólicas;
2 - cervejas sem álcool;
X - que realize cessão ou locação de mão-de-obra;
XI - que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis.
XII - que realize atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando se referir a
prestação de serviços tributados pelo ISS.
XIII - com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal,
municipal ou estadual, quando exigível.
Se é certo que no desenvolvimento das nações, a tributação exerce um papel
importante no enfrentamento das desigualdades, não menos certo é que quanto
mais justo o sistema tributário, menor tende a ser o grau de concentração de riqueza
e renda nacional.198
198
POCHMANN,
Márcio.
Desigualdade
e
Justiça
Tributária.
Disponível
em:
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/destaque/DesigualdadeJusticaTributaria_CDES.pdf. Acesso em: 15
nov. 2009.
216
Porém, as limitações estatuídas na Lei complementar 123 de 2006 implicam
em flagrante violação da justiça tributária. Dita violação é facilmente perceptível e
decorre de uma postura contraditória do legislador, que embora parta, num primeiro
momento, de um acertado critério econômico para identificar os sujeitos
merecedores de um tratamento diferenciado, definindo-os como micro ou pequenos
empresários, venha a estabelecer, em seguida, de forma arbitrária, a vedação de
várias atividades econômicas ao regime tributário simplificado.
Não se nega que algumas restrições se mostram adequadas a perspectiva da
extrafiscalidade tributária. São legítimas as restrições relativas ao domicílio
estrangeiro do sócio da micro ou pequena empresa; das sociedades que tenham a
participação de entidade da administração pública, direta ou indireta, federal,
estadual ou municipal, bem como as referentes à venda de cigarros, cigarrilhas,
charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e
detonantes e bebidas.
Certo é que não se mostra justo criar mecanismos de exclusão que se
fundamentem exclusivamente no tipo de atividade econômica explorada, a fim de
afastar certas e determinadas atividades ecônomicas do SIMPLES Nacional, ainda
que atendam aos demais requisitos exigidos para enquadramento na condição de
Micro ou Pequena Empresa.
É que a igualdade tributária envolve a uniformidade dos tributos, segundo a
qual a repartição desses deve obedecer ao mesmo critério para todos os
217
destinatários da imposição tributária. Ou seja, todos devem estar adstritos ao
pagamento de tributos com base no mesmo critério 199.
Aí é que se insere de um lado a equidade horizontal, defendida como uma das
maiores virtudes e um dos maiores objetivos da política fiscal. A equidade horizontal
significa que os indivíduos com a mesma renda e nas mesmas condições devem ser
tratados fiscalmente da mesma forma e devem sofrer a mesma carga de incidência
fiscal. De outro lado, na equidade vertical significa que o governo deve proceder a
um tratamento igualitário de todos os contribuintes 200.
Portanto, as empresas que se encontrem na situação jurídica de microempresa
e empresas de pequeno porte, tendo em vista o único critério legítimo para assim as
qualificar (receita bruta anual), devem fazer jus ao tratamento jurídico constitucional
especial (adesão ao SIMPLES nacional), e qualquer outro critério por meio do qual
se pretenda retirar de alguma parcela dessas empresas esse direito implica em
grave afronta à Constituição Federal.
Para ÁVILA201, o raciocínio de igualdade é comparativo de quaisquer objetos
(fatos, situações ou atividades) relacionados a sujeitos que, no que concerne a eles,
tenham interesses juridicamente protegidos. Ademais, quando se fala em sujeitos
passivos da obrigação tributária, não se está fazendo alusão apenas àqueles que se
situam no pólo passivo da relação obrigacional tributária. Na maioria das vezes, o
199
FARIAS MORAES COUTINHO, João Hélio de. Uma tentativa de compreensão holística da
isonomia tributária a partir de abordagens analíticas dos seus vieses e de suas
imbricações. Disponível em: http://www.ipet.org.br/artigos/tentativa.htm. Acesso em: 15 nov. 2009.
200
CALIENDO VELLOSO DA SILVEIRA, Paulo Antônio. Direito tributário e análise econômica do
direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, pág. 277.
201
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 43.
218
raciocínio de igualdade envolve a comparação entre o regime jurídico aplicado a
diferentes contribuintes ou responsáveis.
Entretanto, os sujeitos, objetos de comparação, devem ser comparados ou
medidos a partir de uma medida comum de comparação, que consiste no segundo
elemento relevante em matéria de igualdade.
Nesse sentido, oportuna a lição de TIPKE citado por SCHOURI, segundo o
qual: “A igualdade, que se distingue da identidade, é sempre relativa. O que é
completamente igual é idêntico. O princípio e que o igual deve ser tratado
igualmente não quer dizer idêntico, mas relativamente igual. Quando se pretende
aplicar corretamente o princípio da igualdade, deve-se apurar a exata relação,
perguntando-se: igual em relação a que (em relação em que)? Quaisquer diferenças
podem, pois, não justificar tratamento desigual. Para a comparação relativa torna-se
necessário um critério de comparação. Logra-se extrair um critério concreto de
comparação do princípio de sistematização, isto é, do motivo ou da valoração que
constitui o fundamento da lei. O princípio é o critério de comparação ou de justiça
estabelecido compulsoriamente pelo legislador para determinados assuntos
legalmente disciplinados.” 202.
É preciso atentar para o fato de que uma distinção entre contribuintes com
base em motivos meramente subjetivos e não fundamentada em finalidade
202
TIPKE, Klaus apud SCHOURI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção
econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pág. 6.
219
objetivamente verificável e constitucionalmente aferível, é, no dizer de ÁVILA203,
“irrazoável”.
Nesse contexto, são precisas as palavras de TIPKE apud SCHOURI: “A ideia
da generalidade do conceito de justiça fundamenta-se no princípio da igualdade. Por
isso, o princípio da igualdade exige substancialmente consequência valorativa ou
coerência. O legislador deve seguir até o fim os princípios materiais pelos quais ele
se decidiu com coerência sistêmica ou valorativa; uma vez tendo ele tomado
decisões valorativas, deve mantê-las coerentemente. Inconsequência é medir com
duas medidas, é uma ruptura sistêmica e leva a tratamento desigual de grupos que
se encontram em situação equivalente, se medidas de acordo com os critérios
materiais que servem para a comparação.” 204.
A problemática da igualdade envolve, pois, a medida de comparação e a
finalidade que justifica sua utilização.
Infere-se que o Poder Legislativo, em cumprimento à determinação emanada
na Constituição, editou a lei complementar 123 no ano de 2006 para atingir
determinada finalidade (estimular o desenvolvimento das micro e pequenas
empresas), escolhendo como medida de comparação o tamanho da empresa, a
partir da receita bruta anual obtida.
Ora, isso significa que a lei, para atingir determinada finalidade (estimular o
desenvolvimento do pequeno empresário), escolheu uma medida de comparação
203
ÁVILA, H.: op. cit., Teoria da igualdade tributária, pág. 44.
TIPKE, Klaus apud SCHOURI, L. E.: op. cit., Normas tributárias indutoras e intervenção
econômica, pág. 7.
204
220
(tamanho ou porte), aferindo-se por meio de um elemento indicativo (receita bruta
anual). Portanto, para o Legislativo seria o porte da empresa a característica
relevante para aferir a necessidade de estímulo estatal por meio da desoneração
parcial dos tributos. Em outras palavras, a receita bruta seria um elemento cuja
existência indicaria o porte da empresa; e o porte pequeno seria uma propriedade
cuja existência revelaria a necessidade de estímulo estatal. Dito de outro modo,
haveria, no entender do Poder Legislativo, uma vinculação fundada, de um lado,
entre a receita bruta anual e o tamanho da empresa e, de outro, entre o tamanho da
empresa e a necessidade de estimulo estatal. Essa regra geral foi, porém,
excepcionada com uma regra de exclusão do benefício 205 com base na atividade
econômica explorada, independentemente da receita bruta anual auferida.
Com efeito,
tem-se
que
a
utilização
de
critérios distintos
daquele
constitucionalmente fixado, incidente no grupo das microempresas e empresas de
pequeno porte, para dele retirarem-se algumas poucas atividades, viola de maneira
frontal e direta o princípio constitucional da isonomia, com sérias e profundas
consequências para a liberdade de iniciativa e de concorrência206.
Seria oportuno indagar por que o Poder Legislativo não escolheu como
elemento indicativo do tamanho da empresa, em vez do seu faturamento, o seu
número de empregados ou a sua produtividade.
Porém, de se notar que independentemente de qual seja o melhor critério
indicativo, o que importa é que o Legislador institui um deles, qual seja, o
205
206
ÁVILA, H.: op. cit., Teoria da igualdade tributária, pág. 38.
RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 224.
221
faturamento ou receita bruta anual e não poderia, portanto, afrontar os critérios que
ele próprio estabeleceu.
Não há motivo legítimo para excluir do benefício do SIMPLES Nacional
empresas que, a exemplo das formadas por profissionais liberais, enquadram-se
diretamente na definição inicial da própria lei complementar 123/2006 acerca de
microempresas e empresas de pequeno porte. Sobretudo porque, não se pode
olvidar que tanto o fundamento para proteção e estímulo das micro e pequenas
empresas, como o da igualdade estão previstos na Constituição Federal e não
poderia este ter sido excepcionado por meio de lei infraconstitucional.
Como consequência, algumas verdadeiras microempresas e empresas de
pequeno porte que se encontram excluídas, pelo texto legal, do tratamento tributário
privilegiado são alocadas em situação de exclusão injustificável e inadmissível. Por
meio do artifício legal acima enunciado, arcam com deveres tributários superiores
aos que são exigidos das demais microempresas e empresas de pequeno porte.207
Caberia, portanto, precipuamente ao Supremo Tribunal Federal, órgão de
cúpula do Poder Judiciário, a guarda da Constituição Federal e, por conseguinte, a
preservação dos princípios nela insculpidos, conforme definido no artigo 102, eis que
a
ele
compete:
processar
e
julgar,
originariamente:
a
ação
direta
de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, bem como julgar,
mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,
207
RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 228.
222
quando a decisão recorrida: (a) contrariar dispositivo desta Constituição; ou (b)
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
Frise-se que, as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade produzem eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Nesse sentido, buscando corrigir o desvio do legislador, que ao tratar do
acesso ao Simples Tributário, cometeu flagrante violação ao princípio da igualdade,
salvaguardado pela Constituição federal, foi arguida, em diversas oportunidades, a
inconstitucionalidade das vedações e exclusões estabelecidas pela legislação
respectiva.
Referida declaração de inconstitucionalidade foi arguida tanto de forma direta
como indiretamente, ainda na vigência da Lei 9.317 de 1996, que regulava o
SIMPLES Tributário até a edição da Lei complementar 123 de 2006.
Dentro desse contexto, oportuno fazer a transcrição das decisões proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal, que, lamentavelmente, trilharam por interpretação
equivocada da Constituição e mantiveram no ordenamento jurídico pátrio as graves
violações ao princípio da igualdade.
223
Apreciando o Recurso de Agravo de Instrumento 671240/SP, o Supremo
Tribunal Federal assim se pronunciou:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. SIMPLES.
LEI N. 9.317/96, ART. 9º, INC. XIII. 1) ALEGAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE:
PRECEDENTE
DO
IMPROCEDÊNCIA.
PLENÁRIO
DO
SUPREMO
TRIBUNAL. 2) ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS.
150, INC. III, ALÍNEA A, E 195, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO: INCIDÊNCIA
DAS SÚMULAS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL.
AGRAVO
AO
QUAL
SE
NEGA
SEGUIMENTO. 208
Do voto do julgamento do recurso ementado nos termos acima, extrai-se a
conclusão equivocada de que:
A PREVISÃO, NO ARTIGO 9º DA LEI Nº 9.317/96, DE
UM REGIME DE VEDAÇÕES, EM SI, NÃO VIOLA NEM
INIBE A EFICÁCIA DA POLÍTICA DE TRATAMENTO
JURÍDICO PREFERENCIAL A MICRO E PEQUENAS
EMPRESAS: PELO CONTRÁRIO, A CRIAÇÃO DE
208
Supremo Tribunal Federal – STF. Recurso: AI 671240 / SP - SÃO PAULO. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 06/04/2009. Publicação: DJe-075
DIVULG 23/04/2009 PUBLIC 24/04/2009. Partes: AGTE.(S): JACK AND JILL SCHOLL LTDA.
ADV.(A/S): FÁBIO PALLARETTI CALCINI E OUTRO(A/S). AGDO.(A/S): UNIÃO. ADV.(A/S):
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL.
224
REQUISITOS
OBJETIVOS
DE
INCLUSÃO
E
DE VEDAÇÃO REFORÇA, NA ESSÊNCIA, A IDÉIA DE
PREFERENCIALIDADE E, TAL COMO INSTITUÍDA
PELO LEGISLADOR, NÃO PODE SER ANTEVISTA
COMO
DESPIDA
DE
RAZOABILIDADE
E
PROPORCIONALIDADE.
E mais:
NÃO É LEGÍTIMO O RECONHECIMENTO JUDICIAL DO
DIREITO DE OPÇÃO A CONTRIBUINTES QUE, PELOS
CRITÉRIOS
LEGAIS,
CLARAMENTE EXCLUÍDOS
DO
FORAM
BENEFÍCIO,
SOB
PENA DE EXTRAPOLAR O PODER JUDICIÁRIO A SUA
CONDIÇÃO DE MERO LEGISLADOR NEGATIVO, NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, INVADINDO
A
COMPETÊNCIA
CONSTITUCIONAL
DO
LEGISLADOR. 4. A ATIVIDADE BÁSICA DA AUTORA
RELACIONA-SE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE
EDUCAÇÃO E ENSINO, E A VEDAÇÃO LEGAL NÃO SE
APLICA
APENAS
ÀS
SOCIEDADES
DE
PROFESSORES, MAS IGUALMENTE ÀS QUE SE
DEDICAM,
PRÓPRIAS
DE
MODO
DE
GERAL,
A
PROFISSÃO,
ATIVIDADES
CUJO
225
EXERCÍCIO
DEPENDA DE HABILITAÇÃO LEGAL,
COMO É O CASO DOS AUTOS.
Ademais, apreciando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1643 / UF, o
Supremo Tribunal Federal assim se manifestou:
ACÃO
DIRETA
SISTEMA
DE
INTEGRADO
IMPOSTOS
DE
E
MICROEMPRESAS
PORTE.
INCONSTITUCIONALIDADE.
PAGAMENTO
CONTRIBUIÇÕES
E
EMPRESAS
CONFEDERAÇÃO
DE
DE
DAS
PEQUENO
NACIONAL
DAS
PROFISSÕES LIBERAIS. PERTINÊNCIA TEMÁTICA.
LEGITIMIDADE
IMPEDIDAS
ATIVA.
DE
PESSOAS
OPTAR
CONSTITUCIONALIDADE.
1.
JURÍDICAS
PELO
HÁ
REGIME.
PERTINÊNCIA
TEMÁTICA ENTRE OS OBJETIVOS INSTITUCIONAIS
DA REQUERENTE E O INCISO XIII DO ARTIGO 9º DA
LEI 9317/96, UMA VEZ QUE O PEDIDO VISA A DEFESA
DOS INTERESSES DE PROFISSIONAIS LIBERAIS,
NADA
OBSTANTE
JURÍDICAS
ENTIDADE
REFERÊNCIA
PRESTADORAS
LEGITIMIDADE
DECRETO
A
ATIVA
DE
27/05/54
SINDICAL
COORDENADORA
DA
DE
A
PESSOAS
SERVIÇOS.
2.
CONFEDERAÇÃO.
O
RECONHECE-A
DE
DOS
GRAU
COMO
SUPERIOR,
INTERESSES
DAS
226
PROFISSÕES LIBERAIS EM TODO O TERRITÓRIO
NACIONAL.
PRECEDENTE.
CONSTITUCIONAL
(CF,
3.
POR
DISPOSIÇÃO
ARTIGO
179),
AS
MICROEMPRESAS E AS EMPRESAS DE PEQUENO
PORTE DEVEM SER BENEFICIADAS, NOS TERMOS
DA
LEI
,
OBRIGAÇÕES
PELA
"SIMPLIFICAÇÃO
ADMINISTRATIVAS,
PREVIDENCIÁRIAS
E
DE
SUAS
TRIBUTÁRIAS,
CREDITÍCIAS,
OU
PELA
ELIMINAÇÃO OU REDUÇÃO DESTAS" (CF, ARTIGO
179). 4. NÃO HÁ OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
TRIBUTÁRIA SE A LEI, POR MOTIVOS EXTRAFISCAIS,
IMPRIME
TRATAMENTO
MICROEMPRESAS
E
DESIGUAL
EMPRESAS
DE
A
PEQUENO
PORTE DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DISTINTA,
AFASTANDO DO REGIME DO SIMPLES AQUELAS
CUJOS SÓCIOS TÊM CONDIÇÃO DE DISPUTAR O
MERCADO DE TRABALHO SEM ASSISTÊNCIA DO
ESTADO.
AÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
DIRETA
DE
JULGADA
IMPROCEDENTE.209.
209
Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 1643 / UF - UNIÃO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 05/12/2002. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 14-03-2003 PP-00027. EMENT VOL-02102-01 PP-00032.
Parte(s): REQTE.: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS – CNPL. ADVDOS.:
AMADEU ROBERTO GARRIDO DE PAULA E OUTROS. REQDO.: PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
REQDO.: CONGRESSO NACIONAL.
227
De mais a mais, em julgamento proferido no Recurso de Agravo de
Instrumento 452642, o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SISTEMA "SIMPLES".
OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INEXISTÊNCIA.
ART. 9º, DA LEI 9.317/96. I. - NÃO HÁ OFENSA AO
PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA SE A LEI, POR
MOTIVOS EXTRAFISCAIS, IMPRIME TRATAMENTO
DESIGUAL A MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE
PEQUENO PORTE DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
DISTINTA. ADI 1.643, PLENÁRIO. "DJ" DE 14.3.2003.
PRECEDENTES.
II.
-
AGRAVO
NÃO
PROVIDO.
DECISÃO: A TURMA, POR VOTAÇÃO UNÂNIME,
NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO,
NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. 2ª TURMA,
13.12.2005. 210.
E
mais.
Por
ocasião
do
julgamento
proferido
na
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade 1643 MC / UF, o Supremo Tribunal Federal assim se
manifestou:
210
Supremo Tribunal Federal – STF. AI 452642 AgR / MG - MINAS GERAIS. AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO.
Julgamento: 13/12/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 24-02-2006 PP-00033.
EMENT VOL-02222-06 PP-01046. RT v. 95, n. 851, 2006, p. 150-151. Parte(s): AGTE.(S): META
CONSULTORIA E CONTABILIDADE S/C. ADV.(A/S): LUIZ CLÁUDIO CORREA SANTOS.
AGDO.(A/S): UNIÃO. ADV.(A/S): PFN - SÉRGIO MOACIR DE OLIVEIRA ESPÍNDOLA.
228
AÇÃO
DIRETA
MEDIDA
DE
LIMINAR.
INCONSTITUCIONALIDADE.
"SISTEMA
INTEGRADO
DE
PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS
MICROEMPRESAS
E
EMPRESAS
DE
PEQUENO
PORTE - SIMPLES": LEI Nº 9.317, DE 5 DE DEZEMBRO
DE 1996. PESSOA JURÍDICA PARA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS
CUJO
EXERCÍCIO
DEPENDA
DE
HABILITAÇÃO PROFISSIONAL LEGALMENTE EXIGIDA:
NÃO PODE OPTAR PELO "SISTEMA SIMPLES". 1. HÁ
PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE OS OBJETIVOS
ESTATUTÁRIOS DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS
PROFISSÕES LIBERAIS E A LEI QUESTIONADA, QUE
INSTITUIU O "SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO
DE
IMPOSTOS
E
CONTRIBUIÇÕES
DAS
MICROEMPRESAS E DAS EMPRESAS DE PEQUENO
PORTE - SIMPLES". 2. AINDA QUE CLASSIFICADAS
COMO
MICROEMPRESAS
OU
EMPRESAS
DE
PEQUENO PORTE PORQUE A RECEITA BRUTA
ANUAL NÃO ULTRAPASSA OS LIMITES FIXADOS NO
ART. 2º, INCISOS I E II, DA LEI Nº 9.317, DE 5 DE
DEZEMBRO DE 1996, NÃO PODEM OPTAR PELO
"SISTEMA
SIMPLES"
AS
PESSOAS
JURÍDICAS
PRESTADORAS DE SERVIÇOS QUE DEPENDAM DE
229
HABILITAÇÃO PROFISSIONAL LEGALMENTE EXIGIDA.
3. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA.211.
As decisões acima expostas podem ser analisadas sob três aspectos, a saber:
Quanto ao primeiro, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, ao admitir
uma indiscriminada discricionariedade do legislador, para o fim de incluir ou vedar o
acesso ao Simples Tributário, sob o argumento da mera “preferencialidade”,
somente reforça a clara e patente violação ao princípio da igualdade.
A propósito, afirma ÁVILA212 que não há, nas decisões do Supremo Tribunal
Federal, uma clara divisão entre justificação da desigualdade com base em fins
internos (finalidades fiscais) e fins externos (finalidades extrafiscais). Esta
compreensão traz consigo dois problemas. Primeiro, a perda da função de controle
do princípio da igualdade: enquanto a desigualdade com base em fins internos
(finalidades fiscais) deve corresponder à capacidade contributiva dos contribuintes
(relação “parâmetro-medida”), a desigualdade com base em fins externos
(finalidades extrafiscais) deve ser proporcional (relação “medida-fim-bem-jurídico”),
no sentido de saber se a medida (o meio) é apto para promover a finalidade
extrafiscal almejada (relação “meio-fim”), se a medida consiste no meio mais suave
211
Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 1643 MC / UF - UNIÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR
NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA
Julgamento: 30/10/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 19-12-1997 PP-00041.
EMENT VOL-01896-01 PP-00126. Parte(s): REQTE.: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS
PROFISSÕES LIBERAIS - C.N.P.L. ADVDOS.: AMADEU ROBERTO GARRIDO DE PAULA E
OUTRO. REQDO.: PRESIDENTE DA REPÚBLICA. REQDO.: CONGRESSO NACIONAL.
212
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 2ª. Ed.. São Paulo: Saraiva, 2006, págs. 350351.
230
relativamente ao direito fundamental à igualdade de tratamento (relação “meiomeio”) e se as vantagens decorrentes da promoção da finalidade extrafiscal estão
em relação de proporção com as desvantagens advindas da desigualdade (relação
“vantagens x desvantagens”).
Por outro lado, um segundo aspecto que se extrai das decisões do Supremo
Tribunal Federal, diz respeito à orientação tradicional da Corte Maior quanto à
impossibilidade de atuação como legislador positivo, ou nas palavras dos ministros,
“de extrapolar o poder judiciário a sua condição de mero legislador negativo, no
controle
de constitucionalidade,
invadindo
a
competência
constitucional
do
legislador.”.
Segundo Tavares, é preciso discordar de posicionamentos que consideram
inadmissível que o Poder Judiciário, em particular o Supremo Tribunal Federal,
possa garantir, por si só, o ingresso no regime simplificado àquelas microempresas e
empresas de pequeno porte prévia e indevidamente excluídas.213
Com efeito, a limitação da função jurisdicional à atuação de legislador negativo
não se coaduna com a atual compreensão sobre o caráter normativo dos princípios,
identificados
como
verdadeiras
normas
jurídicas,
com
força
irradiante
e
presencialidade normativa, de forma a permitir que os mesmos possam indicar a
solução mais adequada diante do caso concreto.
213
RAMOS TAVARES, A.: op. cit., Direito constitucional econômico, pág. 230.
231
Sendo assim, no dizer de SANTOS SICCA214, não é incompatível com a
separação dos poderes a atividade de controle da razoabilidade da discriminação, a
fim de verificar o nexo de causalidade entre o meio adequado e a finalidade
perseguida, bem como a própria legitimidade desta perante a Constituição; tarefa,
sem dúvida, de significativa complexidade, a ser cumprida com base nos
ensinamentos da teoria constitucional.
Curiosamente, nos últimos anos, os Tribunais brasileiros, especialmente o
Supremo Tribunal Federal, têm se pautado por um verdadeiro “ativismo” nas suas
ações, repercutindo em julgamentos que evidenciam, não raro, uma interferência
nos demais poderes constituídos (Executivo e Legislativo).
A
esse
respeito,
BARROSO
sustenta
que
a
grande
marca
do
constitucionalismo contemporâneo é a ascensão institucional do Judiciário e o
espaço que tem ocupado na paisagem política. Judicialização e ativismo judicial são
temas que mobilizam, nos dias que correm, não apenas a comunidade jurídica,
como a sociedade em geral. No Brasil e no mundo. A expansão judicial tem
suscitado críticas e preocupações que apontam para riscos diversos.215
Porém, no instante em que é chamado a corrigir tamanha distorção jurídica,
mediante aplicação dos preceitos e princípios constitucionais, o Tribunal Supremo
opta pelo caminho negativo, entendendo que estaria atuando como legislador, caso
214
SANTOS SICCA, Gerson dos. Isonomia tributária e capacidade contributiva no Estado
contemporâneo. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_164/R164-13.pdf.
Acesso em: 17 de nov. de 2009.
215
BARROSO, Luís Roberto. Ativismo judicial mobiliza Justiça e sociedade. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2009-dez-15/retrospectiva-2009-ativismo-judicial-mobiliza-justicasociedade#_ftn2_9388. Acesso em: 15 de dez de 2009.
232
reconhecesse a violação clara ao princípio da igualdade, em virtude da expressa
vedação ao simples nacional dos prestadores de serviço decorrentes do exercício de
atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural.
Embora não estejam claras as razões dessa contradição, ao que parece existe
uma motivação econômica nas decisões, considerando-se o eventual impacto
negativo nas contas públicas causado pelo acolhimento da pretensão jurídica, de
fundamento constitucional-tributário.
Isso porque, segundo poderiam pensar os ministros da Suprema Corte, o
acesso de um maior número de contribuintes a um sistema tributário mais brando
(SIMPLES nacional) poderia causar uma queda na arrecadação tributária.
Na verdade, a conclusão mais provável é exatamente no sentido contrário.
Embora não se defenda, sob nenhuma hipótese, a sonegação, é notório que uma
elevada carga tributária associada à ausência de percepção quanto à correta
aplicação dos tributos, no sentido de revertê-los em proveito da população, funciona
como “justificativa” para essa prática ilícita. Ao passo que, o sistema tributário que
contempla simplicidade de administração e alíquotas condizentes com a capacidade
contributiva, estimula a formalidade e a arrecadação tributária.
Ou seja, nem mesmo sob esse aspecto a decisão encontra amparo e
justificativa plausíveis.
233
De um terceiro prisma, percebe-se outro grave equívoco da decisão do
Tribunal Supremo, quando afirma que os profissionais liberais não são dignos de
merecer o tratamento tributário simplificado, por terem “condições de disputar o
mercado de trabalho sem a tutela do Estado”.
Com efeito, não há nada que justifique esse posicionamento do Supremo
Tribunal, notadamente quando considerado o componente econômico que diferencia
a atuação dos agentes econômicos.
Isso porque, seja qual for a profissão, o certo é que no ambiente de livre
concorrência, aquele que dispuser de um maior volume de recursos financeiros,
terá, indubitavelmente, maior facilidade para disputar e “ganhar” mercado.
Consequentemente, em matéria de concorrência em âmbito privado, as
eventuais ajudas do Estado devem ter como um dos pressupostos básicos a
vulnerabilidade econômica dos agentes, segundo o qual a parte mais fraca merece e
necessita de tratamento diferenciado para obtenção do justo equilíbrio de forças.
NATALINO ISTI, citado por PINHEIRO e SADDI, afirma que é o Direito que
constitui e disciplina os mercados, à medida que a economia os juridifica e o direito
estalebece e rege relações econômicas e mercantis, em que o próprio Estado
ordena uma tal construção que promove interesses específicos. Assim, não há como
debater mercados sem Direito ou economia, em especial se considerarmos que se
234
trata de uma instituição que, antes de mais nada, é uma estrutura de relações
humanas
216
.
É bem verdade que, em boa hora, após tramitação no Congresso desde
2012, foi aprovada a Lei Complementar nº 147 de 2014, que altera a Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, a fim de permitir a opção pelo
SIMPLES Nacional, nos termos de uma tabela específica (Anexo VI desta Lei
Complementar 123/2006), das seguintes atividades de prestação de serviços: I medicina, inclusive laboratorial e enfermagem; II - medicina veterinária; III odontologia; IV - psicologia, psicanálise, terapia ocupacional, acupuntura, podologia,
fonoaudiologia, clínicas de nutrição e de vacinação e bancos de leite; V - serviços de
comissaria, de despachantes, de tradução e de interpretação; VI - arquitetura,
engenharia, medição, cartografia, topografia, geologia, geodésia, testes, suporte e
análises técnicas e tecnológicas, pesquisa, design, desenho e agronomia; VII representação comercial e demais atividades de intermediação de negócios e
serviços de terceiros; VIII - perícia, leilão e avaliação; IX - auditoria, economia,
consultoria, gestão, organização, controle e administração;
X - jornalismo e
publicidade; XI - agenciamento, exceto de mão de obra; XII - outras atividades do
setor de serviços que tenham por finalidade a prestação de serviços decorrentes do
exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística
ou cultural, que constitua profissão regulamentada; XIII – serviços advocatícios.
No entanto, ainda persiste a exclusão em relação a certa e determinadas
atividades, conforme acima demonstrado.
216
CASTELAR PINHEIRO, A.; SADDI, J.: op. cit., pág. 16.
235
3.5. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS E ABRANGÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL
PARA OS MICROEMPRESÁRIOS E EMPRESÁRIOS DE PEQUENO PORTE.
No Brasil, são várias as espécies tributárias que incidem em razão do
desenvolvimento da atividade econômica, o que impõe elevada carga tributária ao
sujeito passivo e o obriga a manter uma estrutura necessária à administração dos
mais diversos impostos, taxas e contribuições, atentando-se para competências
tributárias entre a União, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios, cada um
com hipóteses de incidência próprias e alíquotas variadas.
Estudo Banco Mundial217 denominado Doing Business 2015 estabelece
relevante comparação entre 189 países, classificando as respectivas economias
pelo grau de facilidade de se fazer negócios. Com efeito, o Doing Business mede,
analisa e compara as regulamentações aplicáveis às empresas, de maneira que
uma posição próxima ao topo do ranking significa que o ambiente regulatório é mais
propício para a criação e operação de uma empresa local.
Um dos temas do estudo Doing Business 2015 é o “pagamento de impostos”.
Para o desenvolvimento desse tema, foi utilizado um cenário para medir os impostos
e contribuições pagos por uma empresa-padrão e a complexidade do sistema de
cumprimento das obrigações fiscais de uma economia. Assim sendo, considerando
217
O Banco Mundial é como uma cooperativa, com 188 países membros. Não é um banco no sentido
comum, mas se apresenta como uma parceria única para reduzir a pobreza e apoiar o
desenvolvimento. É fonte de assistência financeira e técnica aos países em desenvolvimento ao redor
do mundo. (informações obtidas em: www.worldbank.org. Consultado em 02/09/2015.).
236
que dentro do critério utilizado a empresa tem um volume de negócios de 1.050
vezes a renda per capita (USD 11.690), isso, por si só, já impede o seu
enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno porte.
Portanto, o indicador de pagamentos de impostos reflete o número total de
impostos e contribuições pagos, o método de pagamento, a frequência de
pagamento, a frequência de apresentação e o número de agências envolvidas para
esta empresa de estudo de caso padronizado durante o segundo ano de operação.
Inclui impostos devidos pela empresa, como o imposto sobre vendas, o imposto
sobre o valor acrescentado e os impostos sobre o trabalho do funcionário.
Constata-se, a partir da análise do quadro abaixo, que o Brasil, em
comparação com os demais países e, em particular, com a Espanha, precisa
avançar, com urgência, em especialmente do quesito “tempo (horas por ano)” 218. É
surpreendente destacar que a empresa-padrão brasileira leva 2.900 horas por ano
para preparar, declarar e pagar os três principais tipos de impostos e contribuições:
o imposto de renda da empresa, o imposto sobre valor agregado ou sobre vendas e
218
De acordo com a metodologia informada para o desenvolvimento da pesquisa, o tempo é
registrado em horas por ano. O indicador mede o tempo gasto para preparar, declarar e pagar os três
principais tipos de impostos e contribuições: o imposto de renda da empresa, o imposto sobre valor
agregado ou sobre vendas e os impostos trabalhistas. O tempo de preparação inclui o tempo gasto
para reunir todas as informações necessárias para computar o imposto a pagar e calcular o valor a
ser pago. Se for necessário manter livros contábeis separados para fins de tributação — ou fazer
cálculos separados — o tempo associado a esses processos será incluído. Esse tempo adicional é
incluído somente se o trabalho contábil normal não for suficiente para cumprir os requisitos de
contabilidade fiscal. O tempo da declaração inclui o tempo gasto para preencher todos os formulários
de devolução de impostos necessários e declarar à autoridade tributária as devoluções pertinentes. O
tempo de pagamento considera as horas necessárias para fazer o pagamento on-line ou
pessoalmente. Quando os impostos e as contribuições são pagos pessoalmente, o tempo inclui os
atrasos durante a espera.
237
os impostos trabalhistas, enquanto que uma empresa com características
semelhantes na Espanha tenha que dispender apenas 167 horas por ano.
No tocante ao peso da carga tributária, considera-se a taxa tributária total219
medida pelo valor dos impostos e das contribuições obrigatórias pagos por uma
empresa-padrão no segundo ano de operação, expressos como uma parcela dos
lucros comerciais, ou seja, o lucro líquido antes do pagamento de todos os impostos.
Portanto, o lucro comercial apresenta uma imagem clara do lucro real da empresa
antes da aplicação de todos os impostos a pagar durante o exercício financeiro.
Nesse ponto, o resultado é igualmente preocupante, pois em todos os itens
pesquisados (impostos sobre os lucros; contribuições e impostos sobre o trabalho;
outros impostos e alíquota de imposto total) o resultado brasileiro é claramente pior
que o espanhol.
Facilidade de se fazer negócios no Brasil - Doing Business 2015
219
A taxa tributária total destina-se a proporcionar uma medida abrangente do custo de todos os
impostos pagos pela empresa. É diferente da taxa tributária estatutária, que fornece apenas o fator a
ser aplicado à base tributária. No cálculo da taxa tributária total, o imposto a pagar real é dividido pelo
lucro comercial.
238
Facilidade de se fazer negócios na Espanha - Doing Business 2015
No entanto, o empresário enquadrado como Micro ou Pequeno poderá optar
pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos
pelas microempresas e empresas de pequeno porte - SIMPLES Nacional,
observadas, contudo, as vedações da Lei complementar 123 de 2006, razão pela
qual se submeterá a um regime de menor complexidade em matéria de
administração dos tributos, tanto no tocante ao número de pagamento como no fator
tempo (horas por ano), assim como será tributado com carga menos impactante.
Isso porque atuará conforme prevê o artigo 13 da Lei Complementar 123/2006,
o que implica no recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação,
dos seguintes impostos e contribuições:
(i)
Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
De competência da União, incide sobre a renda e proventos de qualquer
natureza e tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou
239
jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os
acréscimos patrimoniais não compreendidos na hipótese anterior.
Segundo o artigo 43 do Código Tributário Nacional, a incidência do imposto
independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição
jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
Entretanto, conforme anota Hugo de Brito Machado, não há renda, nem
provento, sem que haja acréscimo patrimonial, pois não se admite a tributação de
algo que na verdade em momento algum ingressou no patrimônio, implicando
incremento do valor líquido deste220.
(ii)
Imposto sobre Produtos Industrializados.
Entendidos como tais aqueles que tenham sido submetidos a qualquer
operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o
consumo. Trata-se de imposto da competência da União, sobre produtos
industrializados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de
procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos do importador,
industrial, comerciante ou arrematante; III - a sua arrematação, quando apreendido
ou abandonado e levado a leilão.
220
BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de direito tributário. 13ª. ed.. São Paulo: Malheiros, 1998, pág.
219.
240
Adota o referido imposto, por imperativo constitucional, o princípio da
seletividade das alíquotas em razão da essencialidade dos produtos, a fim de
favorecer, em princípio, o consumidor final. Remédios, por exemplo, devem ter
alíquotas menores que bebidas, cigarros e refrigerantes221.
(iii)
Contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas (CSLL).
Destina-se ao financiamento da seguridade social, foi instituída pela Lei
7.689, de 15 de dezembro de 1988.
Note-se que a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o
direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.
Outrossim, será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos do art. 195222 da Constituição Federal e da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991,
221
222
NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 535.
A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos
da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a
ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do
trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem
vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais
segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão
concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de
concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele
equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à
seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º
- A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos
responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e
prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de
seus recursos. § 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como
estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios. § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a
manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º - Nenhum
benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a
241
mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e de contribuições sociais.
(iv)
Contribuição social para financiamento da Seguridade Social
(COFINS).
Instituída pela Lei complementar n° 70, de 30 de dezembro de 1991, de competência
da União, é devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela
legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com
atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social, incide sobre o
faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias,
de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.
(v)
Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de
Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep).
correspondente fonte de custeio total. § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só
poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver
instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 7º - São isentas de
contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam
às exigências estabelecidas em lei. § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o
pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de
economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a
aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos
benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo
poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da
utilização intensiva de mão-deobra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de
trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e
ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos
Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a
concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste
artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os
setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e
IV do caput, serão não-cumulativas; § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de
substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente
sobre a receita ou o faturamento.
242
De competência da União, é tributo resultante da Lei Complementar nº 26, de
11 de setembro de 1975, com vigência a partir de 1º de julho de 1976,
regulamentada pelo Decreto nº 78.276/1976, e hoje gerido pelo Decreto nº 4.751 de
17 de junho de 2003, e têm por objetivos: - Integrar o empregado na vida e no
desenvolvimento das empresas; - Assegurar ao empregado e ao servidor público o
usufruto de patrimônio individual progressivo; - Estimular a poupança e corrigir
distorções na distribuição de renda; e - Possibilitar a paralela utilização dos recursos
acumulados em favor do desenvolvimento econômico-social.
Desde 1.988 o Fundo PIS-PASEP não conta com a arrecadação para contas
individuais. O art. 239 da Constituição Federal alterou a destinação dos recursos
provenientes das contribuições para o PIS e para o PASEP, que passaram a ser
alocados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, para o custeio do Programa
do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de
Desenvolvimento Econômico pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social - BNDES.
(vi)
Contribuição Patronal Previdenciária – CPP para a Seguridade Social,
a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei n o 8.212, de 24
de julho de 1991.
Trata-se de mais uma contribuição para financiamento da Seguridade Social,
cujos recursos sempre têm se mostrado insuficiente para atender às demandas da
sociedade, notadamente no tocante à saúde, à previdência e à assistência social.
243
(vii)
Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação – ICMS.
De competência dos Estados e do Distrito Federal e incide sobre: I – operações
relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e
bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; II – prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas,
bens, mercadorias ou valores; III – prestações onerosas de serviços de
comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a
transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de
qualquer natureza; IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não
compreendidos na competência tributária dos Municípios; V – fornecimento de
mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de
competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o
sujeitar à incidência do imposto estadual; VI – a entrada de mercadoria importada do
exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda quando se tratar de bem destinado a
consumo ou ativo permanente do estabelecimento; VII – o serviço prestado no
exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; VIII – a entrada, no território
do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e
gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à
comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais,
cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
244
Não são três impostos, mas um só, sobre a circulação de mercadorias e serviços
específicos, pois a não-cumulatividade os interliga.
Por outro lado, a expressão operação garante que a circulação de mercadoria é
a adjetivação, consequência. Portanto, somente terá relevância jurídica aquela
operação mercantil que acarrete a circulação da mercadoria como meio e forma de
transferir-lhe a titularidade. Por isso, o imposto não deve incidir sobre a mera saída
ou circulação física que não configure real mudança de titularidade de domínio. 223
De se notar que os Estados e o Distrito Federal podem conceder (ou revogar)
isenções, em matéria de ICMS, não por meio de lei ordinária, mas de decreto
legislativo, ratificando convênio entre eles firmado 224.
(viii) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.
De competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador
a prestação de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar nº 116, de 31
de julho de 2003. Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços
nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva
fornecimento de mercadorias225.
223
NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 562.
CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22ª. Ed.. São Paulo:
Malheiros, 2006, pág. 842.
224
225
Serviços de informática e congêneres
Serviços de pesquisas e desenvolvimento de qualquer natureza
245
O recolhimento dos tributos acima enunciados por meio do Simples Nacional
confere ao microempresário e ao empresário de pequeno porte o benefício de
utilizar um único instrumento de recolhimento, bem como a vantagem de realizar o
pagamento numa única data, evitando, desse modo, a administração de vários
tributos e contribuições, com desperdício de tempo e recursos preciosos.
Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres
Medicina e biomedicina
Serviços de medicina e assistência veterinária e congêneres
Serviços de cuidados pessoais, estética, atividades físicas e congêneres
Serviços relativos a engenharia, arquitetura, geologia, urbanismo, construção civil, manutenção,
limpeza, meio ambiente, saneamento e congêneres
Serviços de educação, ensino, orientação pedagógica e educacional, instrução, treinamento e
avaliação pessoal de qualquer grau ou natureza
Serviços relativos a hospedagem, turismo, viagens e congêneres
Serviços de intermediação e congêneres
Serviços de guarda, estacionamento, armazenamento, vigilância e congêneres
Serviços de diversões, lazer, entretenimento e congêneres
Serviços relativos a fonografia, fotografia, cinematografia e reprografia
Serviços relativos a bens de terceiros
Serviços relacionados ao setor bancário ou financeiro, inclusive aqueles prestados por instituições
financeiras autorizadas a funcionar pela União ou por quem de direito
Serviços de transporte de natureza municipal
Serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres
Serviços de distribuição e venda de bilhetes e demais produtos de loteria, bingos, cartões, pules ou
cupons de apostas, sorteios, prêmios, inclusive os decorrentes de títulos de capitalização e
congêneres.
Serviços portuários, aeroportuários, ferroportuários, de terminais rodoviários, ferroviários e
metroviários.
Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
Serviços de exploração de rodovia.
Serviços de programação e comunicação visual, desenho industrial e congêneres.
Serviços de chaveiros, confecção de carimbos, placas, sinalização visual, banners, adesivos e
congêneres.
Serviços funerários.
Serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos, objetos, bens ou valores,
inclusive pelos correios e suas agências franqueadas; courrier e congêneres.
Serviços de assistência social.
Serviços de avaliação de bens e serviços de qualquer natureza.
Serviços de biblioteconomia.
Serviços de biologia, biotecnologia e química.
Serviços técnicos em edificações, eletrônica, eletrotécnica, mecânica, telecomunicações e
congêneres.
Serviços de desenhos técnicos.
Serviços de desembaraço aduaneiro, comissários, despachantes e congêneres.
Serviços de investigações particulares, detetives e congêneres.
Serviços de reportagem, assessoria de imprensa, jornalismo e relações públicas.
Serviços de meteorologia.
Serviços de artistas, atletas, modelos e manequins.
Serviços de museologia.
Serviços de ourivesaria e lapidação.
Serviços relativos a obras de arte sob encomenda.
246
Por sua vez, as alíquotas são variáveis de acordo com o faturamento e
obedecem a tabelas que se constituem anexos à Lei complementar 123/2006, cuja
aplicação depende da natureza da atividade econômica explorada (comércio,
indústria e serviços).
Com efeito, o recolhimento de tributos por meio do SIMPLES Nacional engloba
a maior parte dos tributos a que se submete o micro e o pequeno empresário.
Porém, não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na
qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a
legislação aplicável às demais pessoas jurídicas, a saber:
(i)
Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas
a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF.
De competência da União, tem como fato gerador: I - quanto às operações de
crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que
constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; II quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional
ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição
do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue
ou posta à disposição por este; III - quanto às operações de seguro, a sua efetivação
pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio,
na forma da lei aplicável; IV - quanto às operações relativas a títulos e valores
247
mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei
aplicável.
Segundo NAVARRO COÊLHO, o IOF nasceu como imposto extrafical para
equalizar o mercado financeiro, tendo o Poder Executivo licença para manejar suas
alíquotas por ato administrativo, nos limites fixados em lei. O imposto, quanto aos
seus fatos jurígenos, reporta-se às formas e conceitos de Direito Privado relativos
aos contratos de câmbio (troca de moedas), de seguro, crédito (mútuo) e os
concernentes a títulos e valores mobiliários (títulos de crédito, mercado de futuros,
etc.) normatizados pelo Código Civil e legislação mercantil/empresarial
(ii)
226
.
Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II.
De competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem
como fato gerador a entrada destes no território nacional.
Evidencia nítida natureza extrafiscal, pois funciona como valioso instrumento de
política econômica, voltado à proteção da indústria nacional contra a práticas
concorrenciais desleais, em especial para evitar dumping.
(iii)
Imposto sobre a Exportação, para o Exterior, de Produtos Nacionais
ou Nacionalizados – IE.
226
NAVARRO COÊLHO, S. C.: op. cit., pág. 540.
248
De competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos
nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território
nacional.
Dado que o imposto é extrafiscal e devido ao fato de que a balança comercial
depende fundamentalmente do esforço de exportação, o imposto é minimamente
exigido, comuníssimo o uso da alíquota zero (isenção atípica), pois o fator
constitutivo do dever tributário está no mandamento da norma de tributação e não na
sua hipótese de incidência (ou fato gerador)227.
(iv)
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.
De competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato
gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como
definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.
Atualmente, a função desse imposto é predominantemente extrafiscal, pois
funciona como disciplinamento auxiliar da propriedade estatal, em espacial no
combate aos latifúndios improdutivos.
(v)
Imposto de Renda, relativo aos rendimentos ou ganhos líquidos
auferidos em aplicações de renda fixa ou variável.
227
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9a. ed.. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, pág. 521.
249
(vi)
Imposto de Renda relativo aos ganhos de capital auferidos na
alienação de bens do ativo permanente.
(vii)
Contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
Trata-se de um depósito bancário realizado pelo empregador em decorrência de
contratos de trabalhos firmados sob a égide a Consolidação das Leis de Trabalho –
CLT (Decreto-lei 5.452, de 1º. de maio de 1943).
Todo trabalhador deve possuir uma conta de FGTS na Caixa Econômica Federal
para cada vínculo empregatício existente, na qual o empregador depositará o
percentual correspondente a 8% do salário bruto desse trabalhador.
(viii) Contribuição para manutenção da Seguridade Social, relativa ao
trabalhador.
Conforme já assinalado, as contribuições para seguridade social são também
realizadas pelo trabalhador, cujo recolhimento independente daquelas efetuadas
pelo empregador, ou seja, o microempresário ou o empresário de pequeno porte.
250
(ix)
Contribuição para a Seguridade Social, relativa à pessoa do
empresário, na qualidade de contribuinte individual.
No tocante à contribuição para Seguridade Social cabe ainda destacar que a
contribuição realizada pelo micro ou pequeno empresário não se confunde com
aquela realizada por ele na qualidade de contribuinte individual, visando, por
exemplo, a percepção de benefício da aposentadoria, pensão ou auxílios em
caso de doença que incapacite para as atividades laborais.
(x)
Imposto de Renda relativo aos pagamentos ou créditos efetuados
pela pessoa jurídica a pessoas físicas.
(xi)
Contribuição para o PIS/Pasep, Cofins e IPI incidentes na importação
de bens e serviços.
(xii)
ICMS devido: a) nas operações ou prestações sujeitas ao regime de
substituição tributária; b) por terceiro, a que o contribuinte se ache
obrigado, por força da legislação estadual ou distrital vigente; c) na
entrada, no território do Estado ou do Distrito Federal, de petróleo,
inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados,
bem como energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou
industrialização; d) por ocasião do desembaraço aduaneiro; e) na
251
aquisição ou manutenção em estoque de mercadoria desacobertada de
documento fiscal; f) na operação ou prestação desacobertada de
documento fiscal; g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao
regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em
outros Estados e Distrito Federal; h) nas aquisições em outros Estados e
no Distrito Federal de bens ou mercadorias, não sujeitas ao regime de
antecipação do recolhimento do imposto, relativo à diferença entre a
alíquota interna e a interestadual.
(xiii) ISS devido: a) em relação aos serviços sujeitos à substituição tributária ou
retenção na fonte; b) na importação de serviços;
(xiv) Demais tributos de competência da União, dos Estados, do Distrito
Federal ou dos Municípios, não relacionados nos itens anteriores.
Ademais, o microempresário e o empresário de pequeno porte também
deverão recolher, em separado, os seguintes tributos:
(i)
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana.
De competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial
urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem
252
imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na
zona urbana do Município.
(ii)
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles
Relativos.
De competência dos Estados, tem como fato gerador: I - a transmissão, a
qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou
por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de
direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III - a cessão de
direitos relativos às transmissões referidas nas hipóteses anteriores.
(iii)
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Está na competência dos Estados, nos termos da Constituição Federal, artigo
155, inciso III, impondo a lei suprema, no § 6º do mesmo artigo, que suas alíquotas
mínimas serão fixadas pelo Senado Federal, podendo ser diferenciadas.
Evidentemente, a incidência deste ou daquele tributo dependerá da atividade
econômica exercida e, por conseguinte, de se verificar ou não a ocorrência do fato
imponível.
253
Outrossim, no tocante às obrigações acessórias, as microempresas e
empresas de pequeno porte, optantes pelo SIMPLES Nacional, também serão
beneficiadas pela simplificação na escrituração dos tributos quando comparada as
empresas que não tem acesso ao regime, pois deverão adotar para os registros e
controles das operações e prestações por elas realizadas, os seguintes livros:
(i)
Caixa, escriturado por estabelecimento, no qual deverá estar
escriturada toda a sua movimentação financeira e bancária (podendo ser
dispensado no caso de empresas que possuam livro Razão e Diário, devidamente
escriturados);
(ii)
Registro de Inventário, no qual deverão constar registrados os
estoques existentes no término de cada ano-calendário, quando contribuinte do
ICMS;
(iii)
Registro de Entradas, destinado à escrituração dos documentos fiscais
relativos às entradas de mercadorias ou bens e às aquisições de serviços de
transporte e de comunicação efetuadas a qualquer título pelo estabelecimento,
quando contribuinte do ICMS;
(iv)
Registro
dos
Serviços
Prestados,
destinado
ao
registro
dos
documentos fiscais relativos aos serviços prestados sujeitos ao ISS, quando
contribuinte do ISS (O município poderá, a seu critério, substituir os Livros por
Declaração Eletrônica dos serviços prestados);
254
(v)
Registro de Serviços Tomados, destinado ao registro dos documentos
fiscais relativos aos serviços tomados sujeitos ao ISS (o município poderá, a seu
critério, substituir os Livros por Declaração Eletrônica dos serviços tomados);
(vi)
Livro de Registro de Entrada e Saída de Selo de Controle, caso
exigível pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
(vii)
Livro
Registro
de
Impressão
de
Documentos
Fiscais,
pelo
estabelecimento gráfico para registro dos impressos que confeccionar para terceiros
ou para uso próprio;
(viii)
Livros específicos pelos contribuintes que comercializem combustíveis;
(ix)
Livro Registro de Veículos, por todas as pessoas que interfiram
habitualmente no processo de intermediação de veículos, inclusive como simples
depositários ou expositores.
255
4. SIMPLES NACIONAL COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO:
OBJETIVOS DE NATUREZA EXTRAFISCAL DO REGIME ESPECIAL DE
TRIBUTAÇÃO.
Conforme anteriormente exposto, não se pode negar que o tributo tem a
função de viabilizar a obtenção de recursos pelo Estado, especialmente a partir da
atuação dos agentes privados que atuam na economia e praticam atos submetidos à
tributação, como, por exemplo, a obtenção de renda, a produção e/ou a circulação
de bens e a prestação de serviços.
Sem embargo, também não se pode e nem se deve desconhecer a existência
de
tributos
que,
além
da
função
arrecadatória,
servem
para
orientar
comportamentos, no sentido de estimular ou desestimular condutas, direcionando,
enfim, o destinatário da norma tributária a atuar nessa ou naquela direção.
É o que se denomina de fins extrafiscais do tributo, adotada tanto no Brasil228,
como também na Espanha229, cuja constitucionalidade já foi reconhecida pelos
respectivos Tribunais Constitucionais.
228
O Supremo Tribunal Federal Brasileiro, no Recurso AI 360461 AgR / MG - MINAS GERAIS,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, em Julgamento realizado em: 06/12/2005, pelo Órgão
Julgador: Segunda Turma, assim decidiu: E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - IPI AÇÚCAR DE CANA - LEI Nº 8.393/91 (ART. 2º) - ISENÇÃO FISCAL - CRITÉRIO ESPACIAL APLICABILIDADE - EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO - ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA
ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - NORMA LEGAL DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO - INADMISSIBILIDADE - RECURSO
IMPROVIDO. CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO EXTRAFISCAL DO IPI. - A
concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário, que, fundado em juízo de
conveniência e oportunidade do Poder Público (RE 157.228/SP), destina-se - a partir de critérios
256
Consoante CASALTA NABAIS, a extrafiscalidade traduz-se no conjunto de
normas que, embora formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade
principal ou dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou
sociais através da utilização do instrumento fiscal e não - exclusivamente,
acrescente-se - a obtenção de receitas para fazer face às despesas pública 230.
Analisando o tema da extrafiscalidade, especialmente no tocante aos
resultados econômicos ou sociais perseguidos por meio da utilização de
instrumentos fiscais, DOMINGUES DE OLIVEIRA menciona “a defesa da indústria
nacional, a orientação dos investimentos para setores produtivos ou mais
racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal - a implementar
objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. A isenção tributária
que a União Federal concedeu, em matéria de IPI, sobre o açúcar de cana (Lei nº 8.393/91, art. 2º)
objetiva conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da Constituição da República. Essa pessoa
política, ao assim proceder, pôs em relevo a função extrafiscal desse tributo, utilizando-o como
instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e
regionais. […]. (sem destaques no original).
229
Segundo o Tribunal Constitucional da Espanha, na SENTENCIA 19/2012, de 15 de febrero de
2012, Fundamento jurídico 3. “El legislador puede configurar el tributo, entonces, no sólo para atender
a su finalidad recaudatoria o redistributiva, sino que también puede articularlo teniendo en cuenta
consideraciones extrafiscales (SSTC 37/1987, de 26 de marzo, FJ 13; 197/1992, de 19 de
noviembre, FJ 6; 194/2000, de 19 de julio, FJ 8; y 276/2000, de 16 de noviembre, FJ 6). Dicho de otra
manera, desde una perspectiva constitucional, nada cabe oponer al uso de los tributos “no sólo como
instrumento recaudatorio, sino también como medio para la consecución de tales fines extrafiscales”
(STC 173/1996, de 31 de octubre, FJ 5), razón por la cual nada impide el uso de los tributos como un
instrumento de política económica sobre un determinado sector (STC 7/2010, de 27 de abril, FJ 5),
pues a ello no se opone “el principio de capacidad económica establecido en el artículo 31.1 de la
Constitución”, dado que “el respeto a dicho principio no impide que el legislador pueda configurar el
presupuesto de hecho del tributo teniendo en cuenta consideraciones extrafiscales” (STC 31/1987, de
26 de marzo, FJ 12) o, lo que es lo mismo, “es admisible que el legislador establezca impuestos que,
sin desconocer o contradecir el principio de capacidad económica, estén orientados al cumplimiento
de fines o a la satisfacción de intereses públicos que la Constitución preconiza o garantiza” (SSTC
37/1987, de 26 de marzo, FJ 13; y 221/1992, de 11 de diciembre, FJ 4).” (sem destaques no
original).
230
CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão
constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2004, pág. 629.
257
adequados ao interesse público, a promoção do desenvolvimento regional ou
setorial etc.”231.
Nesse sentido, é possível compreender e justificar as finalidades almejadas
pela norma tributária indutora, especialmente quando conectada com a capacidade
econômica do sujeito passivo para, com base nisso, alcançar as microempresas e
as empresas de pequeno porte, sujeitando-as a um regime especial de tributação
que seja mais simples e menos gravoso.
Revela-se, portanto, adequada a conclusão de ALBIÑANA GARCÍAQUINTANA quando afirma que “[…] el objetivo o el fin comienza a ser no-fiscal
cuanda ataca a la equidade y, por tanto, a la igualdade, a la generalidad o la
capacidad económica.”232.
Com efeito, em um sentido amplo, a tributação extrafiscal inclui, além das
normas com função indutora (extrafiscalidade em sentido estrito), outras que
também se movem por razões não fiscais, mas desvinculadas da busca do
impulsionamento econômico por parte do Estado.233.
231
DOMINGUES DE OLIVEIRA, José Marcos. Direito tributário e meio ambiente: proporcionalidade,
tipicidade aberta, afetação da receita. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pág. 37.
232
ALBIÑANA GARCÍA-QUINTANA, César. Los impuestos de ordenamento económico. Hacienda
o
Pública Española, n 71, 1981, págs. 17 a 29 (23).
233
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, pág. 32.
258
É de salientar que a extrafiscalidade se expande por dois grandes domínios,
cada um deles traduzindo uma técnica de intervenção ou conformação social por via
fiscal: (i) a dos impostos extrafiscais, orientados para a dissuasão ou evitação de
determinados comportamentos (que hão de integrar os chamados agravamentos
extrafiscais de impostos fiscais), e (ii) a dos benefícios fiscais dirigidos ao fomento,
incentivo ou estímulo de determinados comportamentos. 234.
4.1.
O
SIMPLES NACIONAL
COMO
INSTRUMENTO
DE COMBATE
À
INFORMALIDADE NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA.
No tocante ao primeiro ponto, ou seja, a dissuasão ou evitação de
determinados comportamentos, a Lei Complementar 123/2006 oferece relevante
contributo para o desenvolvimento, atuando, portanto, com viés de norma tributária
indutora, quando, sem perder de vista o interesse arrecadatório, visa corrigir ou pelo
menos minimizar o problema da informalidade, caracterizada pelo exercício de
atividade econômica sem o atendimento dos requisitos legais exigidos e – talvez o
mais grave – sem sujeitar o respectivo titular, seja pessoa física ou jurídica, à
incidência tributária direta, configurando autêntica sonegação e, consequentemente,
incorrendo em um ilícito tributário.
Este fenômeno da informalidade possui sérias implicações no âmbito
econômico já que não só impacta nas questões vinculadas ao mercado de trabalho,
como também na estrutura das economias, em seus aspectos distributivos, nas
234
CASALTA NABAIS, J.: op. cit., O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, pág. 630.
259
relações existentes entre os governos e as empresas privadas, nas estatísticas das
contas nacionais e sociais, entre outras235 e, em particular, na sustentação do
sistema público de previdência e na arrecadação em geral.
Essa é a linha defendida por CORBACHO, FRETES CIBILS e LORA236
quando enfatizam que “la informalidad puede prejudicar la recaudación tributaria,
pero sus consecuencias no acaban ahí. Los trabajadores informales que no están
cubiertos por sistemas de seguridad social carecen de protección contra los riesgos
de enfermedad e inseguridad económica en la vejez, y posiblemente no gocen de
los otros beneficios que reciben sus pares empleados formalmente.”
No estudo produzido, CORBACHO, FRETES CIBILS e LORA também
destacam que “las empresas que operan en el sector informal tieden a funcionar en
una escala muy pequeña, lo que en la práctica elimina los riesgos de sanciones.”
Porém, funcionam em uma escala muito reduzida e isso, prosseguem os autores,
“puede implicar sacrificios en materia de productividad y quizá limite el acceso a los
recursos productivos, desde el crédito hasta la tecnologia.”.
Não por outra razão, é fácil constatar que a informalidade tem custos para a
economia e para a sociedade que vai muito além da perda de arrecadação tributária,
235
GÓMEZ SABAÍNI, Juan Carlos; MORÁN, Dalmiro. Política tributaria en América Latina: agenda
para una segunda generación de reformas - CEPAL - Serie Macroeconomía del Desarrollo. Chile:
Publicación de las Naciones Unidas, 2013, pág. 60.
236
CORBACHO, Ana; FRETES CIBILS, Vicente; y LORA, Eduardo. Recaudar no basta: los
impuestos como instrumento de dasarrallo. Washington, D.C.: Banco Interamericano de Desarrollo,
2013, pág. 99.
260
eis que termina por limitar o crescimento dos agentes econômicos e, por
conseguinte, trava o processo de desenvolvimento, especialmente no âmbito
econômico.
Há, segundo CASTELAR PINHEIRO e GIAMBIAGI237, um círculo vicioso na
informalidade. Conforme mais empresas deixam de pagar seus impostos e
contribuições, mais é necessário taxar as empresas e os trabalhadores formais para
manter a arrecadação. Da mesma forma, a competitividade espúria obtida pelas
empresas informais força muitos dos seus concorrentes a seguirem pelo mesmo
caminho para se manterem viáveis. O próprio combate à informalidade sofre com
este círculo vicioso. Quando essa assume a magnitude que tem hoje no Brasil, a
imposição de sanções se torna difícil, pois sonegar e burlar a lei passam a fazer
parte do cotidiano de uma parcela da população. Existem cadeias produtivas que
funcionam quase inteiramente na informalidade. O próprio consumidor, na busca de
preço baixo, torna-se sócio deste processo. A notícia é que a redução da
informalidade pode gerar uma dinâmica positiva, se houver o cuidado de,
aumentando o número de empresas formais, reduzir-se a carga tributária incidente
sobre cada uma delas.
237
CASTELAR PINHEIRO, Armando; GIAMBIAGI, Fábio. Rompendo o marasmo: a retomada do
desenvolvimento no Brasil. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, pág. 174.
261
Vários estudos238 sobre a informalidade no âmbito da América Latina têm
apresentado claras provas de que o sistema tributário influi sobre a economia
informal dado que os impostos e os aportes na seguridade social se somam aos
custos da mão de obra e estes constituem fatores chave no diz respeito à
informalidade. Assim, quanto maior seja a diferença entre o custo total para o
exercício da atividade econômica na economia oficial e os ganhos obtidos com a
informalidade, maior será o “incentivo” para que os empresários evitem esta
diferença e sucumbam à economia informal por meio da evasão das obrigações
impositivas.
Ademais, “aquí entran en juego no sólo cuestiones meramente económicas
sino aquellas relacionadas con la calidad de las instituciones y el nivel de
gobernanza, la moral tributaria y el vínculo entre los contribuyentes y el Estado a
través de una adecuada provisión de bienes y servicios públicos.”239.
Certo é que a “la formalización de contribuyentes, en tanto reduce la evasión
tributaria y promueva el cumplimiento voluntario, permite mejorar la equidad
horizontal y vertical entre contribuyentes. Por lo tanto es esperable que toda política
pública que apunte a reducir los niveles de informalidad produzca, directa o
indirectamente, efectos positivos sobre la equidad entre los contribuyentes.”
238
240
.
GÓMEZ SABAÍNI, Juan Carlos; MORÁN, Dalmiro. Política tributaria en América Latina: agenda
para una segunda generación de reformas - CEPAL - Serie Macroeconomía del Desarrollo. Chile:
Publicación de las Naciones Unidas, 2013, pág. 60.
239
GÓMEZ SABAÍNI, J. C.; MORÁN, D.: op. cit., pág. 60.
240
MARTNER, Ricardo; PODESTÁ, Andrea y GONZÁLEZ, Ivonne. Políticas fiscales para el
crecimiento y la igualdad - CEPAL - Serie Macroeconomía del Desarrollo. Chile: Publicación de las
Naciones Unidas, 2013, pág. 56.
262
Nos últimos anos, o crescimento econômico e a redução dos níveis de
desigualdade na América Latina resultaram em uma moderada redução do tamanho
da economia informal em todos os países da região 241.
Nesse contexto, houve o incremento do interesse da política tributária sobre
as PYMES da América Latina e, em particular, do Brasil, notadamente por meio do
gradual enquadramento dos empresários na condição de Microempresa e Empresa
de Pequeno Porte (que implica na consequente formalização da atividade
econômica), bem como da contínua adesão ao SIMPLES Nacional caracterizado
pela simplificação e desoneração tributária.
241
MARTNER, R.; PODESTÁ, A. y GONZÁLEZ, I.: op.cit., pág. 56.
263
4.2.
O
SIMPLES
NACIONAL
COMO
MECANISMO
DE
ESTÍMULO
AO
DESENVOLVIMENTO A PARTIR DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA
PELOS AGENTES PRIVADOS.
Não é possível negar que o sistema tributário exerce forte influência na vida
econômica do país, contribuindo – ou não – para o seu desenvolvimento, seja pela
forma de exigir e, consequentemente, permitir o cumprimento da obrigação
(complexidade ou simplicidade do sistema tributário) ou pela medida da tributação
(peso da carga tributária), seja pelo retorno que esses tributos, em seu sentido
econômico, podem produzir para a sociedade.
No dizer de BECKER, a principal finalidade de muitos tributos (que
continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva
transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um
instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas
a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada.242.
Com efeito, as normas tributárias indutoras podem se revelar eficientes
instrumentos de estímulo ao comportamento dos agentes econômicos, promovendo
o aumento da demanda, da produção, dos investimentos internos e da oferta de
emprego. Tais fatores são indispensáveis ao crescimento econômico, componente
da equação geradora do desenvolvimento nacional.243.
242
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5ª. Edição. São Paulo: Noeses, 2010,
pág. 629.
243
CARNEIRO ASSUNÇÃO, Matheus. Incentivos Fiscais e Desenvolvimento Econômico: a função
das
normas
tributárias
indutoras
em
tempos
de
crise.
Disponível
em:
264
Quanto a essa natureza indutora do SIMPLES Nacional, dirigida, portanto, à
expansão da atividade econômica de natureza privada e, consequentemente, ao
desenvolvimento econômico do país, cumpre esclarecer que não existe uma
definição universalmente aceita de desenvolvimento no sentido mais amplo da
palavra.
EROS GRAU, por exemplo, acentua que o desenvolvimento pressupõe
mudanças dinâmicas de natureza quantitativa e qualitativa e um processo de
mobilidade social contínuo, ocorrendo um salto de uma estrutura social para a outra
e a elevação do nível econômico, social e intelectual de toda a comunidade 244.
BERCOVICI, de sua vez, destaca o papel central das reformas estruturais na
política dos países em subdesenvolvidos, constituindo condição prévia e necessária
de desenvolvimento, para o qual é preciso atuação ampla e intensa do Estado como
coordenador do planejamento, visando modificar as estruturas socioeconômicas e a
distribuição e descentralização da renda, de forma a integrar toda a população no
âmbito social e político245.
Nesse ponto, ganha relevo a formulação de uma política de desenvolvimento
construída em uma firme base legal; conectando o direito com o desenvolvimento, o
que, aliás, não constitui uma novidade.
http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XVPremio/politica/MHpfceXVPTN/Tema_3_MH.pdf.
Consulta em: 28 de julho de 2014.
244
GRAU, E. R.. op. cit., Elementos de direito econômico: págs. 7-8.
245
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da
constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, págs. 51-52.
265
Nas
palavras
de
TRUBEK,
houve
várias
versões
de
“direito
e
desenvolvimento” nos últimos cinquenta anos. A primeira estava relacionada com
uma visão do desenvolvimento capitalista e da substituição de importações
promovida pelo Estado. Ela enfatizava o papel do direito como instrumento para
tornar
o
Estado
mais
eficaz,
também
mantê-lo
dentro
do
quadro
do
constitucionalismo democrático. A segunda estava ligada à pauta socialista, cuja
concepção considerava o direito um instrumento e tinha uma idéia de legitimidade
democrática. Uma terceira versão de “direito e desenvolvimento” inspirou-se na
crença neoliberal nos mercados como motores de crescimento, numa profunda
desconfiança do Estado e numa concepção do direito como ferramenta para
possibilitar o ordenamento privado e refrear o Estado. 246.
Ainda de acordo com as formulações de TRUBEK, constata-se que, num
olhar retrospectivo, todas essas “versões anteriores” de “direito e desenvolvimento”
perderam o encanto. Nem mercados e nem Estados, quando “optaram” pela
dominação de um em relação ao outro prosperaram. Viu-se que o Estado pode ser
tão tirano quanto emancipador, o mercado pode ser uma fonte de opressão quanto
de energia e inovação; a ajuda externa, tanto um instrumento de hegemonia quanto
um gesto de boa vontade.247.
246
TRUBEK, David M., A coruja e o gatinho: há futuro para o “direito e desenvolvimento”. “In”:
RODRIGUEZ, José Rodrigo. (organizador). O novo direito e desenvolvimento: presente, passado e
futuro. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 218.
247
TRUBEK, David M., A coruja e o gatinho: há futuro para o “direito e desenvolvimento”. “In”:
RODRIGUEZ, José Rodrigo. (organizador). O novo direito e desenvolvimento: presente, passado e
futuro. São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 220-221.
266
Desse ponto de vista, as prioridades essenciais para criação desse ambiente
institucional favorável à atuação empresarial dos agentes privados conducentes ao
desenvolvimento devem estar ligadas, dentre outras, à proteção aos direitos de
propriedade bem definidos; a um regime de direito empresarial que simplifique o
investimento de capital, especialmente por meio da participação desses investidores
em sociedades empresárias; e um regime tributário não punitivo – em virtude da
excessiva carga – e sem distorções decorrentes, por exemplo, da alta
complexidade.248.
Obviamente, sob a ótica de complementaridade e reciprocidade, o Estado
estabelece uma interação com os titulares da atividade econômica de caráter
privado que atuam no mercado, tanto para disciplinar o seu funcionamento quanto
para utilizá-la para atingir fins maiores, como o desenvolvimento em sentido amplo,
no marco da Constituição.
A propósito, a atual Constituição brasileira (1988) é típica no reencontro entre
constitucionalismo e desenvolvimento no sentido coletivo-social do termo, sendo
certo que Constituição significa mais do que limitação do poder estatual, e o
desenvolvimento não se limita ao mero crescimento econômico. É que o
desenvolvimento, como processo, depende tanto da remoção de obstáculos à
expansão da autonomia, tais como a pobreza, o desrespeito sistemático aos direitos
fundamentais, a degradação ambiental, a violência social, a corrupção e a
deficiência dos serviços públicos, como da ampliação de oportunidade individuais e
coletivas geradas pelo crescimento sustentável da economia, por políticas
248
DAVIS, Kevin E.; TREBILCOCK, Michael J.. A relação entre direito e desenvolvimento: otimistas
versus céticos. Rev. direito GV vol.5 no.1 São Paulo jan./jun. 2009, págs. 217-268.
267
compensatórias, pela qualificação da educação, ou pela ampliação das esferas de
participação na vida pública.249.
Tratando o desenvolvimento com foco na liberdade, SEN defende que uma
concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de
riqueza e do crescimento do Produto nacional bruto e de outras variáveis
relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico,
precisamos enxergar muito além dele. Os fins e os meios do desenvolvimento
requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do
processo de desenvolvimento. Pela mesma razão, o crescimento econômico não
pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem
de estar relacionado, sobretudo com a melhora da vida e das liberdades. 250.
Na
mesma
linha,
NUNES
DOS
ANJOS
FILHO
sustenta
que
o
desenvolvimento, enquanto fenômeno, não se limita ao aspecto puramente
econômico, ainda que se abrace a visão mais ampla de desenvolvimento
econômico, que prega a mudança de estrutura e a melhor distribuição de renda com
vistas à melhoria qualitativa das condições de vida da população em geral 251.
Certo é que estimular capacidade empreendedora da população, mediante o
exercício de atividades econômicas submetidas a um regime tributário simplificado e,
249
VILHENA VIEIRA, Oscar; DIMOULIS, Dimitri. Constituição e desenvolvimento. “In”: RODRIGUEZ,
José Rodrigo. (Organizador). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São
Paulo: Saraiva, 2011, pág. 52.
250
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, págs.
28-29.
251
NUNES DOS ANJOS FILHO, Robério. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, pág.
31.
268
sobretudo, com carga compatível com a dimensão econômica da empresa,
materializa a extrafiscalidade e promove o desenvolvimento.
É possível, diante de todo o exposto, perceber a diferença entre
desenvolvimento e crescimento. Este último seria apenas o crescimento da renda e
do Produto Interno Bruto (PIB), porém sem implicar ou trazer uma mudança
estrutural mais profunda. E isso por duas razões alternativas: ou porque tal
transformação estrutural já se verificou e o país, portanto, já se desenvolveu, ou
então o crescimento é apenas transitório e não se auto sustentará, justamente por
não conseguirá alterar a estrutura.252.
Não se pode desconhecer a amplitude da expressão desenvolvimento e a
existência de suas várias dimensões, como, por exemplo, as dimensões humana e a
ambiental.
Porém, não obstante as formulações acima, também não se pode negar que
a acepção econômica do desenvolvimento tem papel proeminente - embora não
excludente dos demais, pois, de alguma forma, as demais estão vinculadas à
produção e circulação de riquezas. É que a busca pela igualdade entre os cidadãos
de uma mesma nação exige, com frequência, um esforço financeiro do Estado, que
resulta, consequentemente, em um maior gasto público para assegurar a todos
252
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 5ª. Ed. São Paulo RT,
2008, pág. 354.
269
condições dignas de existência. Para tanto, é necessária disponibilidade de capital
estatal visando o cumprimento desse objetivo.
Nesse contexto é que se inserem as microempresas e as empresas de
pequeno porte, por meio das quais os cidadãos têm a possibilidade de atuar no livre
mercado, promovendo a circulação de riquezas e, em contrapartida, contribuindo
para ampliar a base arrecadatória.
Embora a análise evolutiva do Produto Interno Bruto (PIB) não seja o único
instrumento hábil para aferir o desenvolvimento (em sentido amplo) do país, revelase perfeitamente possível e adequada a associação entre os níveis de crescimento
do Produto Interno Bruto (PIB) e a expansão do número de microempresas e
empresas de pequeno porte em funcionamento, acompanhado da expansão do
volume de faturamento ou receita bruta anual, gerando resultados positivos em
benefício da sociedade.
No Brasil, segundo dados do Cadastro Sebrae de Empresas (CSE), o total de
empresas existentes no Brasil saltou de 4.950 mil, em 2009, para 8.905 mil, em
2012, representando aumento de quase 80% em apenas quatro anos, o que
corresponde a um crescimento médio anual de aproximadamente 22,0%.
Nesse período, o número de microempresas (ME) no país passou de 4,1
milhões para 5,1 milhões, aumento de 25,2%, e o de empresas de pequeno porte
270
(EPP), que era de 660,5 mil, em 2009, totalizou 945,0 mil, em 2012, com alta de
43,1%, superando o crescimento das médias e grandes empresas (MGE), de 25,2%.
As taxas de crescimento na quantidade de empresas, registradas, de 2009 para
2010, foram mais expressivas, muito provavelmente em função do aumento de 7,5%
do PIB, em 2010253.
Some-se a isso, o fato de que os faturamentos médios reais anuais das
microempresas e das empresas de pequeno porte nos anos de 2011 para 2012
registraram expressivos aumentos, conforme pode ser observado nos gráficos
abaixo, atingindo a casa dos R$ 98 mil no caso das microempresas e R$ 954,9 mil
nas empresas de pequeno porte.
EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO MÉDIO REAL ANUAL DAS MICROEMPRESAS
(em R$)
253
PAIVA FONSECA, Paulo Jorge de (coordenação técnica) et alii. A evolução das microempresas e
empresas de pequeno porte de 2009 a 2012. Brasília: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas – Sebrae, 2014, pág. 11.
271
EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO MÉDIO REAL ANUAL DAS EMPRESAS DE
PEQUENO PORTE (EM R$)
Frise-se que em 2012 o faturamento médio real dos optantes pelo SIMPLES
Nacional foi de R$ 271.200,32, microempresas (ME) no país passou de 4,1 milhões
para 5,1 milhões, aumento de 25,2%, e o de empresas de pequeno porte (EPP)254.
Isso mostra que é acertada a associação entre a variação positiva do PIB e a
expansão do número de empresas, especialmente as micro e pequenas, que se
traduz principalmente em desenvolvimento econômico, mas atinge a sociedade de
forma ampla, na medida em que viabiliza a capacidade empreendedora e a geração
de emprego, bem como estimula a formação profissional em busca do
aperfeiçoamento.
254
PAIVA FONSECA, P. J. (coordenação técnica) et alii: op. cit., pág. 40.
272
Voltando-se, portanto, para uma vertente econômica do desenvolvimento,
uma primeira corrente de economistas, de inspiração mais teórica, considera
crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento econômico. Já uma
segunda corrente, voltada para a realidade empírica entende que o crescimento
econômico é condição indispensável para o desenvolvimento econômico, mas não é
condição suficiente. Contudo, a experiência tem mostrado que o desenvolvimento
econômico não pode ser confundido com crescimento, porque os frutos dessa
expansão (do crescimento) nem sempre beneficiam a economia como um todo e o
conjunto da população 255.
Desenvolvimento
econômico
define-se,
portanto,
pela
existência
de
crescimento econômico contínuo, em ritmo superior ao crescimento demográfico,
envolvendo mudanças de estruturas e melhoria de indicadores econômicos e
sociais. Compreende um fenômeno de longo prazo implicando o fortalecimento da
economia nacional, a ampliação da economia de mercado e a elevação geral da
produtividade 256.
Nessa
ordem de
ideias,
vários
estudos
passaram a
relacionar
o
desenvolvimento econômico e a tributação, com destaque, no Brasil, para as
iniciativas capitaneadas por DINIZ DE SANTI, no âmbito do projeto “Reforma Fiscal:
255
256
SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento econômico. São Paulo: Atlas, 1999, pág. 20.
SOUZA, N. de J. de: op. cit., pág. 22.
273
tributação, responsabilidade e desenvolvimento econômico e social”, ancorado no
Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas 257.
É que ao tributar mirando o desenvolvimento, ou seja, ao tributar de forma
indutora, o Estado acaba, inegavelmente, por produzir efeitos positivos na economia.
Tais efeitos se apontam como: distributivos, quando se tem em conta que é possível,
com a tributação, redistribuir a renda; alocativos, quando se tem em conta que a
própria incidência do tributo não é neutra sobre a economia, pois acaba por ter
reflexos na forma como a totalidade dos recursos é dividida para utilização no setor
público e no setor privado; e estabilizadores, quando se tem em conta que a política
fiscal deve ser formulada objetivando alcançar ou manter um elevado nível de
emprego, uma razoável estabilidade no nível de preços, equilíbrio na balança de
pagamentos e uma taxa aceitável de crescimento econômico
258
.
E não há dúvida de que os microempresários e os empresários de pequeno
porte (PYMES) devem ser destinatários das normas tributárias indutoras, por serem
vetores fundamentais no processo de desenvolvimento, seja pela capacidade de
gerar renda, seja pala capacidade de gerar emprego, seja, finalmente, pelo potencial
arrecadatório em prol do Estado e da sociedade.
Dentro desse contexto, as normas tributárias indutoras representam,
indiscutivelmente, forma de “intervenção indireta” do Estado, que atua no marco
257
DINIZ DE SANTI, Eurico Marcos. Tributação e desenvolvimento. “In”: RODRIGUEZ, José Rodrigo.
(Organizador). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo:
Saraiva, 2011, págs. 87-100.
258
SCHOURI, L. E.: op. cit., Direito tributário, pág. 37.
274
normativo e regulador da atividade econômica, envolvendo as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, nos termos do artigo 174, caput, da
Constituição Federal (1988), cujo exato teor é o seguinte:
“Art. 174. Como agente normativo e regulador da
atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei,
as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado.”
É nesse marco da Constituição vigente desde 1988, que, no Brasil, buscou-se
organizar o ambiente econômico com vistas ao desenvolvimento, dando cumprindo
a essas funções estatais de “incentivo” e “planejamento”; o que exige,
inevitavelmente, reconhecer a repercussão econômica dos tributos, tanto no sentido
arrecadatório, que envolve a efetiva transferência de riquezas do setor privado
(especialmente, mas não exclusivamente por parte daqueles que desenvolvem
atividade econômica) para o setor público, como no sentido de estimular ou
desestimular condutas e comportamentos com vistas ao desenvolvimento.
Portanto, o Estado deve ser ente formulador de políticas públicas, regulador
das atividades econômicas e solucionador de conflitos259, criando um ambiente
institucional propício ao exercício da atividade econômica por agentes privados.
259
ANGARITA, Antonio; PINTO SICA, Ligia Paula; DONAGGIO, Angela. Estado e empresa: uma
relação imbricada. 1. Ed. São Paulo: Direito GV, 2013, pág. 27.
275
4.3. PROEMINÊNCIA DO SIMPLES NACIONAL EM TEMPOS DE CRISE
ECONÔMICA: JUSTIÇA FISCAL E EFICIÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO COMO
FUNDAMENTOS BÁSICOS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO.
4.3.1. Crise econômica mundial: a origem e seus reflexos no Brasil.
Ninguém pode duvidar que o crédito ofertado pelos mercados financeiros seja
um dos instrumentos utilizados para potencializar a produção de bens, a respectiva
comercialização e a prestação e/ou contratação de serviços. Também os Estados
passaram a utiliza-lo em larga escala mediante a emissão de títulos públicos,
atingindo com isso, em alguns casos, um grau de indesejável e - por vezes insustentável dependência dos mercados financeiros.
Foi dentro desse contexto que em 2007 surgiram os primeiros sinais que algo
extremamente grave estava por trás do súbito trancamento dos mercados
interbancários260 que reduziram consideravelmente a oferta de crédito naquele
período.
Ignorando os sinais dados em 2007, o mercado retomou um quadro de
aparente normalidade quando, em 2008, a crise atingiu o seu ápice “con la caída de
Lehman Brothers en septiembre de 2008, una institución financiera de un tamaño y
260
LARA RESENDE, André. Os limites do possível: a economia além da conjuntura. São Paulo:
Portfolio-Penguin, 2013, pág. 117.
276
una relevancia en el sistema que parecía que nunca podía dejarse caer y sin
embargo las autoridades así lo decidieron […]”261.
A decisão do governo americano de não interferir para evitar a “quebra” do
Lehman Brothers, por meio de ações tomadas pelo Banco Central (Federal reserve),
revelou indubitável contradição, pois havia forte expectativa de que a reação estatal
seria repetida, tal como ocorreu em situações semelhantes, como por exemplo, em
relação a Bear Stearns durante o mês de março do mesmo ano, transmitindo,
portanto, a ideia de que o Estado não socorreria as instituições financeiras
insolventes, provocando pânico entre os investidores.
Com efeito, identifica-se que o elemento detonador da atual crise, a qual
apresenta uma magnitude nunca antes vista pelas gerações atuais, foi a exaustão
do ciclo de alta dos imóveis dos Estados Unidos 262, caracterizada pela inadimplência
descontrolada dos tomadores de empréstimos imobiliários, causando forte retração
nesse mercado, gerando o excesso de oferta e a consequente queda de preços,
além da impossibilidade de pagamento dos títulos emitidos pelos bancos
financiadores para captação de recursos, resultando, assim, no inadimplemento
perante um considerável número de investidores, situados nas mais diversas
localidades, fazendo com que a crise assumisse proporções mundiais, alastrando-se
para outros países em razão da globalização dos mercados financeiros.
261
MALARET, Elisenda. Intervención de los estados miembros y derecho europeo de las ayudas
públicas: estado y mercado en la crisis económica. In: Estado y mercado en situación de crisis.
RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, José María; VELASCO CABALLERO, Francisco (coordenadores).
Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid, nº 14, 2010, Estado y
mercado en situación de crisis, págs. 65-86.
262
LARA RESENDE, A.: op. cit., pág. 118.
277
Diante do agravamento da crise, “nadie reclama, por ahora, claro (¡!), la idea
de menos Estado y más Mercado; ya todos vuelven a mirar a ‘papá’ Estado y
reclaman variopintas actuaciones, ayudas económicas; en suma, involucración del
Estado en el Mercado.”.263
A verdade é que somente foi possível amenizar os efeitos drásticos da crise
graças a uma ativa intervenção do Estado nos mercados. Esta intervenção “se
concretó en medidas tales como la masiva inyección de dinero público en el sistema
financiero (10 billones de euros sólo en Europa), la reducción de los tipos de interés
al mínimo, o la puesta en marcha de estímulos fiscales.”264
Estas decisões políticas, aliadas a iniciativa de promover uma profunda
reforma do sistema financeiro internacional, notadamente para aumentar o nível de
regulação e controle estatal, tiveram o efeito geral de devolver a confiança aos
mercados e aos agentes econômicos, especialmente para permitir a retomada da
oferta de crédito, bem como a produção e circulação de bens ou serviços por parte
dos agentes econômicos em níveis adequados.
Segundo VALLESPÍN, “se ha reproducido, por tanto, la misma pauta de salida
a la crisis – en el caso de que no retorne con mayor virulencia – que ya había sido
puesta en práctica durante las anteriores crisis del capitalismo”265.
263
ESCRIBANO, Francisco. Políticas de ingreso y gasto público frente a la crisis económica. In:
Estado y mercado en situación de crisis. RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, José María; VELASCO
CABALLERO, Francisco (coordenadores). Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad
Autónoma de Madrid, nº 14, 2010, Estado y mercado en situación de crisis, págs. 87-108.
264
VALLESPÍN, Fernando. ¿Tiene el estado social moderno que salvar un mercado en crisis? In:
Estado y mercado en situación de crisis. RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, José María; VELASCO
CABALLERO, Francisco (coordenadores). Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad
Autónoma de Madrid, nº 14, 2010, Estado y mercado en situación de crisis, págs. 15-22.
265
VALLESPÍN, F., op cit., págs. 15-22.
278
No Brasil, essa mesma fórmula foi utilizada, ou seja, houve massiva injeção
de dinheiro público na economia, sobretudo por intermédio das instituições
financeiras de caráter Público, redução da taxa básica de juros que serve de base
para remuneração dos títulos emitidos pelo tesouro nacional, bem como a utilização
de estímulos fiscais, aliado ao controle de preços públicos (tarifa de energia e
combustível).
Os resultados obtidos no Brasil nos anos de 2008 a 2012 foram
satisfatórios266. Porém, nos anos de 2013 e 2014 o modelo começou a dar sinais de
esgotamento da capacidade de manutenção da atividade econômica, bem como dos
níveis de emprego e renda da população, tudo isso em meio a uma inflação
persistentemente elevada e um cenário político turbulento, uma vez que em 2014
foram realizadas as eleições presidenciais.
Certo é que, após a conclusão das eleições no final de 2014, com a reeleição
da presidente, houve uma mudança brusca da política. Tanto é assim que o ano de
2015 tem sido marcado pelo forte ajuste fiscal levado a efeito pelo governo federal,
caracterizado pelo fim de incentivos fiscais, forte redução do crédito por intermédio
das instituições financeiras de caráter Público, elevação da taxa básica de juros,
aumentos dos preços administradores (energia elétrica e combustível) e cortes
orçamentários em programas sociais, tudo isso com vistas ao equilíbrio das contas
públicas atingidas por um déficit (despesas do Estado superiores às receitas) 267.
266
Nesse sentido: “Una crisis que se transforma en mundial por la globalización de los mercados
financieros, si bien algunos países emergentes dotados de fuertes instituciones públicas o de
mercados menos abiertos se han visto afectados en menor medida (Brasil, India, China en
particular).”. MALARET, E.: op. cit., págs. 65-86.(original sem grifos).
267
Segundo dados do Banco Central do Brasil, no ano de 2015 o deficit nominal (quando as
despesas com juros e correção monetária são consideradas no cálculo do déficit) soma R$113,6
279
4.3.2. O SIMPLES Nacional como modelo de tributação em tempos de crise.
Não há dúvida que o Brasil foi alcançado, ainda que um pouco tardiamente,
pelos efeitos da crise econômica mundial de 2008, cujos impactos nas contas
públicas estão a exigir, no momento atual, a adoção de uma série de medidas
econômicas, as quais têm claramente ocasionado a redução do ritmo da atividade
econômica dos agentes privados268; atingindo, assim, as empresas de um modo
geral, porém, em particular, de modo mais contundente as microempresas e as
empresas de pequeno porte, que são bastante dependentes do mercado
consumidor interno, não tendo, em regra, atuação no mercado internacional para
fins de diversificação da produção.
Nos países em desenvolvimento, tal como o Brasil e outros países latinoamericanos, o sistema tributário é um relevante pilar na estrutura da economia
capaz de encorajar ou desencorajar os atores no cenário econômico, por isso não
pode atuar como freio na sua evolução269, sobretudo em tempos de crise
econômica.
É nesse contexto de crise econômica e escassez de recursos públicos e
privados que ganha especial relevo o SIMPLES Nacional, que embora, como já
bilhões, comparativamente ao deficit de R$37,6 bilhões no mesmo período de 2014. No acumulado
em doze meses, o resultado nominal deficitário alcançou R$ 419,9 bilhões (7,47% do PIB), 0,33
pontos percentuais do PIB inferior ao registrado no mês anterior. Disponível em:
http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC. Consulta em: 04/06/2015.
268
Segundo o relatório Perspectivas Econômicas da OCDE, o PIB brasileiro deve sofrer retração de
0,8% neste ano (2015). Em 2016, a estimativa é de retorno ao crescimento, com alta de 1,1%.
269
SCAPIN, Andréia; KÖVESI, Ariel. Arrecadar não basta: a tributação deve ser instrumento de
desenvolvimento. Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2013, 15:10h.
280
frisado, não tenha – pelo menos no modelo atual – o propósito de reduzir as
diversas espécies tributárias, ao menos possibilita o recolhimento tributário por meio
de um único instrumento, bem como – e principalmente – reduz o peso da tributação
decorrente do exercício da atividade econômica.
Para manter ou atingir um nível adequado de desenvolvimento econômico,
ninguém pode negar que o ideal é ter uma carga tributária compatível com a
necessidade de financiar as atividades consideradas típicas do Estado e que esses
tributos sejam aplicados e arrecadados de forma a causar o menor dano possível à
eficiência da economia. Há, porém, graus variados de ineficiência, e parece,
sobretudo entre os economistas, haver um consenso de que o sistema tributário
brasileiro penaliza a economia mais do que o necessário, pela intensidade com que
distorce os preços relativos, bem como eleva os custos de cobrança e
recolhimento270.
Não por outra razão é que ganha relevância o SIMPLES Nacional,
caracterizado pela simplicidade, desburocratização e carga compatível com o porte
econômico. Recomenda-se, por outro lado, o fortalecimento da administração
tributária para reduzir práticas evasivas, a criação de incentivos que impulsionem o
uso eficiente de recursos naturais finitos e a realização de acordos institucionais
produzindo receita para que governos locais possam atuar como agentes de
desenvolvimento271.
270
271
CASTELAR PINHEIRO, A.; GIAMBIAGI, F.: op. cit., págs. 156-157.
Idem.
281
Nessas circunstâncias, minimizar os efeitos perversos dos tributos sobre a
competividade das micro e pequenas empresas (PYMES) é fundamental para o
desenvolvimento econômico; e a busca de simplicidade na tributação é essencial,
uma vez que a complexidade está associada aos elevados custos para administrar
os tributos e cumprir as obrigações tributárias. Não por outra razão a boa tributação
torna-se essencial para evitar prejuízos ao crescimento econômico.272
Inegavelmente, a tarefa de configurar os tributos de modo eficiente, tanto na
perspectiva do sujeito ativo (que recolhe os tributos), como também para o sujeito
passivo (em sua atividade arrecadatória), com vistas as desenvolvimento envolve
uma análise ampla, que ultrapassa os limites do Direito, exigindo-se a contribuição
de outras áreas de conhecimento.
Nessa linha de raciocínio, FERREIRO LAPATZA assinala, com absoluta
precisão, que “nadie ha dicho nunca, ni yo podra decir jamás, que los conocimientos
de economia, de contabilidad, de estatística, de sociología o de demografia hayan
de estar ausentes a la hora de configurar los tributos o de regular su aplicación.” 273.
É necessário, pois, acentuar a relação entre o Direito e as outras áreas de
conhecimento, especialmente a Economia, no sentido de que se estabeleça uma
272
VARSANO, Ricardo. Sistema tributário para o desenvolvimento. “In”: Desenvolvimento em debate
–
212.
Disponível
em:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/liv
ro_debate/2-SistemaTributario.pdf. Consultado em: 19/04/2015.
273
FERREIRO LAPATZA, J. J.. El estatuto del contribuyente y las facultades normativas de la
admnistración. In: Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da
administração e no processo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1998, pág. 316.
282
frutífera relação entre a produção de leis (e também regulamentos e instrumentos
normativos em geral) e o ambiente de negócios no qual se realizam as trocas
econômicas. Essa interação deve produzir resultados favoráveis ao desenvolvimento
econômico do país. Isso porque, quando o sistema tributário é marcado pela
eficiência e consequente minimização de custos para administrar e arrecadar
tributos, ocorre um efeito positivo duplo, pois atinge tanto o sujeito ativo como o
passivo.
Assim, “el diseño eficiente de los sistemas fiscales deberá ir encaminado a
minimizar los excesos de gravamen y los costes de administración y cumplimiento
que produce. De este modo, aseguraremos que para una recaudación dada (efecto
renta) el resto de costes generados son del menor tamaño posible.” 274.
Chega a ser intuitivo, pois, que a tributação deve ser efetivada de modo a não
aniquilar o sujeito passivo da relação tributária, que alimenta os cofres do Estado e
permite a obtenção dos recursos necessários ao custeio da “máquina” pública. Com
efeito, a busca de um sistema tributário ótimo, aqui entendido como aquele que
realize as suas funções de financiamento de políticas públicas e promoção dos
direitos fundamentais, evitando, ao máximo, interferências (negativas) nas decisões
econômicas pela sua excessividade (elevada carga) e complexidade (alto custo de
administração) é, sem dúvida, o grande desiderato do Direito Tributário.
274
SANZ-SANZ, José Félix; SANZ LABRADOR, Ismael. Política fiscal y crecimiento económico:
Consideraciones microeconómicas y relaciones macroeconómicas - CEPAL - Serie Macroeconomía
del Desarrollo. Chile: Publicación de las Naciones Unidas, 2013.
283
Evidentemente, o ponto ótimo de arrecadação é teórico e de muito difícil
fixação, ainda mais porque, na prática, inúmeras variáveis entram em cena, dado o
dinamismo econômico que a maioria das sociedades apresenta, com milhares de
agentes interagindo diuturnamente
275
.
Não por outra razão, FERREIRO LAPATZA afirma, com razão, que o Direito
Tributário deveria acentuar sua vertente de ciência social (normativa) propondo
medidas de política fiscal – de política jurídico-fiscal – que possam ser tão
necessárias e significativas como as propostas econômicas para alcançar os fins de
um sistema tributário que “cumpla con las cuatro reglas smithianas de la imposión:
economia, certeza, comodidad y justicia.”276
Nessa linha de raciocínio, ganha novamente relevo o diálogo entre o Direito e
a Economia, especialmente quando se colocam em evidência dois fatores que se
complementam: justiça ou equidade e eficiência.
Porém, “muchos economistas sostienen que existe una relación inversa –
trade off – entre princípios de equidad y de eficiencia. En la medida en que tratemos
que la distribuición sea equitativa nos alejamos de la eficiencia.” 277
275
GUERRA MARTINS, Marcelo. Tributação, propriedade e igualdade fiscal: sob elementos de direito
& economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, págs.231-233.
276
FERREIRO LAPATZA, J. J. e outros. Informe sobre la simplificación del ordenamento tributario:
base imponible, renta empresarial y beneficios fiscales. Madrid: Marcial Pons, 2008, pág. 19.
277
CALSAMIGLIA, Albert. Justicia, eficiencia y optimización de la legislación. Doxa. Cuadernos de
Filosofía del Derecho [Publicaciones periódicas]. Núm. 29, 2006, pág. 125.
284
Certo é que justiça ou equidade e eficiência nem sempre se opõe.
Dito de outro modo: sempre que possível, justiça e eficiência devem atuar em
sintonia, buscando um equilibro. Não é adequada a visão de são sempre
contraditórios, porquanto o que existe (ou deve existir) entre o Direito e a Economia
é uma relação de cooperação (e não de confronto).
A (re)construção do equilibro entre a intervenção econômica eficiente e a
salvaguarda dos direitos não pode ser vista como uma luta entre categorias
profissionais (economistas e juristas). Uma postura excessivamente eficientista
tende a criar números problemas na esfera dos direitos. Por outro lado, uma postura
excessivamente garantista paralisa a cooperação social, pois ao fim termina
prevalecendo o entendimento de que o Estado fornece tudo e nada exige em
contrapartida, desestimulando a capacidade inventiva ao deixar de recompensar a
iniciativa do agente.
Em verdade, a contribuição de CALSAMIGLIA mostra que existe uma relação
de conexão (positiva) entre justiça e eficiência, no sentido de que uma sociedade
idealmente justa é uma sociedade eficiente. E mais: uma sociedade que desperdice
recursos não é uma boa sociedade. Logo, nem é eficiente e nem tampouco justa.
Além disso, a eficiência é um componente da justiça, ainda que não seja o único e
285
nem o principal. Dito de outro modo: a eficiência não triunfa sempre frente a outros
critérios integrantes da justiça 278.
Seguindo nessa direção, a economia fornece teorias para prever como as
pessoas reagem a incentivos e ferramentas para avaliar a eficiência das leis na
realização de objetivos sociais importantes.
279
De outro, o Direito oferece
perspectivas teóricas sobre a conformação de medidas econômicas com o
ordenamento jurídico vigente, bem como instrumentos legais de promover os
objetivos almejados pelo Estado no exercício de suas funções distributivos,
alocativos e estabilizadores, comentadas de acordo com fundamentos de Luís
SCHOURI280.
Por que, então, não associar eficácia à eficiência na elaboração de certas
normas jurídicas? Eficácia como aptidão para produzir efeitos e eficiência como
aptidão para atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter ou
visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira mais produtiva.
Elas deveriam ser metas do sistema jurídico tributário. A perda de recursos e
esforços representa custo social, indesejável sob qualquer perspectiva que se
empregue para avaliar os efeitos281.
278
CALSAMIGLIA, Albert. Justicia, eficiencia y optimización de la legislación. Doxa. Cuadernos de
Filosofía del Derecho [Publicaciones periódicas]. Núm. 29, 2006, págs. 126, 142 e 151.
279
CARNEIRO ASSUNÇÃO, Matheus. Incentivos Fiscais e Desenvolvimento Econômico: a função
das
normas
tributárias
indutoras
em
tempos
de
crise.
Disponível
em:
http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XVPremio/politica/MHpfceXVPTN/Tema_3_MH.pdf.
Consulta em: 28 de julho de 2014.
280
SCHOURI, L. E.: op.cit., Direito tributário, pág. 37.
281
SZTAJN, Rachel. Law and economics. “In”: SZTAJN, Rachel; zylbersztajn (organização). Direito &
Economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, pág. 81.
286
Outro aspecto relevante em matéria legislativa, é que as leis devem ser
efetivas e eficazes. As leis têm funções diretivas e devem conseguir os objetivos que
pretendem. Nesse caso, diz-se que são efetivas.
Por outra parte, uma lei também precisa eficaz, no sentido de que os
destinatários a obedeçam espontaneamente e apenas em casos excepcionais a
descumpram, submetendo-se as sanções decorrentes.
Em sendo assim, “una buena ley no es aquella que señala unos objetivos
justos, sino aquella que además los consigue.” 282
O SIMPLES Nacional persegue esse fim. A análise dos dados na linha do
tempo mostra que o SIMPLES Nacional aponta nessa direção, na medida em que
fica constatada a real expansão da arrecadação de um lado e, do outro, o crescente
número de PYMES.
Dados da Receita Federal do Brasil (incluídos no anexo da presente tese)
mostram um expressivo salto na arrecadação por meio do Simples Nacional. No ano
de 2008, a arrecadação foi de aproximadamente vinte e quatro milhões de reais,
passando para, aproximamente, sessenta e dois milhões de reais em 2014.
282
CALSAMIGLIA, A.: op. cit., pág. 145.
287
Evidentemente, o legislador, em matéria de SIMPLES Nacional, ao tempo em
que busca aumentar a capacidade competitiva de uma parte dos microempresários
e empresários de pequeno porte, com acesso ao sistema, não perde de vista o
interesse arrecadatório do Estado, na medida em que termina por estimular a
formalização da atividade econômica em virtude do abrandamento da carga fiscal,
sujeitando o sujeito passivo, por conseguinte, a um maior controle dos órgãos de
fiscalização.
Enfim, tem-se aqui a nítida função indutora do tributo, que se constitui
tendência do mundo moderno de utilizar o tributo com o objetivo de interferir na
economia privada, estimulando atividades econômicas ou regiões, desestimulando o
consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na
economia283.
Sem dúvida que o ideal seria promover uma profunda reforma no sistema
tributário, com base nos critérios universais de justiça e eficiência. Porém, isso exige
a participação efetiva do Poder Legislativo, que tem postergado essa tarefa e não
parece disposto a enfrentar o tema na atual legislatura. Por isso, sobretudo nesse
momento de crise, a boa experiência do SIMPLES Nacional não só pode como deve
ser fonte inspiradora de reformas do sistema tributário, tendentes à simplificação,
desburocratização e desoneração, preservando a arrecadação, mas exigindo, de
outro lado, por parte do Estado brasileiro, o atendimento aos critérios de eficiência e
283
73.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 23a ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág.
288
economia em matéria de gasto público, tal como prevê a Constituição Espanhola,
em seu artigo 31.2284.
Não obstante tenha ficado claro que o SIMPLES Nacional se revela um
modelo de tributação adequado em tempos de crise, seja pela simplificação e
desoneração da carga tributária suportada aos microempresários e empresários de
pequeno porte, o certo é que, em alguns casos, isso, por si só, não tem sido
suficiente para evitar uma situação de insolvência empresarial.
Nesses casos, é cada vez mais comum a utilização de processos concursais,
na tentativa de soerguer a empresa e superar a crise, recuperando-a; ou para
promover a liquidação de bens e demais direitos titularizados pelo microempresário
ou empresário de pequeno porte, destinando o respectivo produto para pagamento
dos respectivos débitos.
Sem dúvida, que a recuperação da empresa ou falência do microempresário
ou do empresário de pequeno porte produz efeitos na esfera tributária, não apenas
pelo inadimplemento das obrigações tributárias – o que gera um efeito imediato, mas
também pela perda da potencialidade arrecadatória decorrente da exploração da
atividade econômica – o que provoca um prejuízo futuro.
284
Com relação a este artigo da Constituição Espanhola, pode consultar-se: CARRASCO PARRILLA,
Pedro José. El gasto público y los princípios constitucionales españoles. In URIBE ARZETE, Enrique;
CARRASCO PARRILLA, Pedro José (coordenadores). Tendencias recientes de la justicia
constitucional en el mundo: ensayos escogidos. México: Miguel Ángel Porrua, librero-editor, 2011,
págs. 201-223.
289
Diante disso, é necessário buscar respostas para as seguintes questões: (i)
Qual é o mecanismo legal destinado à superação da crise e consequente
preservação da empresa (no sentido funcional da expressão, ou seja, enquanto
atividade econômica organizada) enquadrada como Microempresa e da Empresa de
Pequeno Porte? (ii) É razoável impor ao Estado o sacrifício tributário decorrente da
crise empresarial? (iii) Em que medida o Empresário Individual, o titular da Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, bem como os sócios, acionistas
e/ou administradores da sociedade empresária devem responder pela crise e
assumir a responsabilidade para satisfação dos créditos?
290
SEGUNDA PARTE:
CRISE EMPRESARIAL: O CRÉDITO TRIBUTÁRIO DIANTE DA POSSIBILIDADE
DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU FALÊNCIA DAS MICROEMPRESAS E DAS
EMPRESAS DE PEQUENO PORTE.
291
5.
CRISE
EMPRESARIAL
E
ABERTURA
DO
PROCESO
CONCURSAL
DESTINADO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA MICROEMPRESA E DA
EMPRESA DE PEQUENO PORTE: OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DE
MANUTENÇÃO
DA
ATIVIDADE
PRESERVAÇÃO
DAS
GARANTIAS
ECONÔMICA
E
DO
E
A
PRIVILÉGIO
NECESSÁRIA
DO
CRÉDITO
TRIBUTÁRIO.
5.1.
INSOLVÊNCIA
EMPRESARIAL
COMO
CONSEQUÊNCIA
DA
CRISE
ECONÔMICA, FINANCEIRA OU PATRIMONIAL.
Se de um lado ficou demonstrado que a livre iniciativa é um pilares da ordem
econômica consagrada pela Constituição brasileira, ninguém pode negar que no
desenvolvimento da atividade econômica organizada, com vistas à produção e/ou
circulação de bens ou serviços, inúmeros fatores determinarão, com maior ou menor
intensidade, se o resultado da empresa será positivo ou negativo. Em outras
palavras: se haverá lucro ou prejuízo.
Certo é que o desenvolvimento da atividade econômica de caráter
empresarial ocorre dentro dos limites da previsibilidade possível, ou seja, no marco
das informações disponíveis ao empresário, seja individual ou coletivo, permitindo
que se possa traçar uma estratégia empresarial a partir desse cenário.
Porém, as eventuais imprecisões dessa estratégia ou mesmo a ocorrência de
fatos imprevisíveis e inevitáveis podem trazer dificuldades na condução da empresa,
292
levando-a a um quadro de insolvência, definida por Pontes de Miranda 285 como o
estado do devedor que não adimple, não solve, enfim não paga os credores no
tempo e modo devidos.
Saliente-se, que para compreender o significado jurídico da insolvência é,
sem dúvida, necessário conecta-lo com o conceito de incumprimento. Enquanto que
o incumprimento é um fato que se apresenta quando o devedor, injustificadamente,
isto é, sem uma relevante razão jurídica, não cumpre uma obrigação regularmente
constituída perante um credor, a insolvência pressupõe um estado ou uma situação
patrimonial de caráter especial em que se encontra o devedor, em virtude da qual
não pode satisfazer a totalidade das obrigações de pagar quantia certa aos seus
credores, uma vez que não dispõe de bens suficientes para fazê-lo.
Sem dúvida, o risco empresarial é assumido pelo respectivo titular da
atividade econômica (empresário ou sociedade empresária). Porém, considerando a
necessidade de obtenção de crédito por parte do empresário ou sociedade
empresário, especialmente aqueles enquadrados na condição de micro ou
pequenos, visando o efetivo desenvolvimento dos negócios, os efeitos do
incumprimento são suportados diretamente pelos credores, os quais podem se
deparar com a completa frustração da obrigação em virtude de um quadro
insolvência.
285
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo XXVII. Rio de
Janeiro: Borsói, 1971, pág. 6.
293
Por conseguinte, se o resultado da empresa for positivo, todos ganham. Os
sócios recebem o lucro. Os trabalhadores têm a garantia de emprego e renda. O
consumidor conta com a oferta do produto ou do serviço em condições que
busquem alcançar o binômio (qualidade versus preço), em face da concorrência
entre os empresários. Se não bastasse, o Estado obterá a receita tributária
proveniente da atividade econômica, aplicando os recursos em prol da sociedade,
especialmente para disponibilizar serviços públicos compatíveis com a dignidade da
pessoa humana.
Ocorre, porém, que nem sempre o resultado positivo almejado pelo
empresário é concretizado. Por vezes, ocorre o inverso, ou seja, a empresa suporta
prejuízos, com reflexos entre os trabalhadores, os consumidores e o Estado, no
tocante à consequente perda das receitas tributárias.
Sabendo-se que no âmbito da empresa não existe um estado de inocuidade
absoluta e de segurança total, pois dimensionar o risco é ponderar alternativas, não
entre risco e ausência de risco (o risco zero), mas entre risco aceitável e risco
inaceitável286, ponderações que devem ser feitas tanto pelo credor negocial, a
exemplo dos bancos e fornecedores de insumos, como também pelo devedor, no
tocante à sua respectiva capacidade de solvência dos débitos contraídos em razão
do exercício da atividade econômica.
286
FRADE, Catarina. A literacia financeira na gestão do risco de crédito. in” II Congresso de direito da
insolvência. Coimbra: 2014, pág. 335.
294
A recente crise econômica mundial mostrou que o crédito para as pessoas em
geral e para o empresário, em particular, é como um medicamento, cuja dose deve
ser cuidadosamente administrada, pois os efeitos colaterais do uso exagerado, além
de inevitáveis, têm consequências verdadeiramente drásticas não apenas para o
setor privado, mas também para o setor público, pois os Estados, como no Brasil,
foram “chamados” a promover a injeção de recursos na economia mediante a
emissão de título de dívida, gerando um aumento do nível de endividamento público,
com sacrifício para toda sociedade.
Nos últimos anos, consoante destacado no capítulo anterior, vários países,
inclusive o Brasil, foram afetados pela já referida crise mundial, que potencializou os
riscos inerentes ao exercício da atividade econômica organizada, dada a escassez
do crédito, a elevação das taxas de juros para financiamento (seja do setor
produtivo, seja do mercado consumidor), bem como a consequente retração do
mercado consumidor. Não obstante os esforços decorrentes da política econômica
adotada pelo governo brasileiro, caracterizada por erros, como aumento excessivo
dos gastos púbicos287, mas também por acertos, como, por exemplo, a ampliação do
acesso ao Simples Nacional por atividades econômicas que, antes da Lei
Complementar 147/2014, não tinham acesso ao regime especial de tributação, o
certo é que a crise atingiu a empresa brasileira de forma mais aguda no ano de
2015.
287
Sobre o tema, consutar: LARA RESENDE, A.: op. cit., págs. 269-277.
295
Vale dizer que a crise empresarial pode ser apresentada sob três diferentes
ângulos, a saber: crise econômica, crise financeira e crise patrimonial.
Por crise econômica deve-se entender a retração considerável dos negócios
desenvolvidos pelo titular da empresa, seja Empresário Individual, Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou pela Sociedade Empresária.
Evidencia-se quando os consumidores já não adquirem igual quantidade de
produtos ou já não contratam igual volume de serviços. A crise econômica pode ser
generalizada, revelando um cenário macroeconômico adverso, em nível local (no
País) ou mundial, o que, por vezes, decorre de equívocos cometidos pela política
governamental (de um País de destaque ou de um bloco econômico mundialmente
relevante), mas também pode (a crise) ser segmentada (concentrando-se em
determinado setor, como, por exemplo, a construção civil) ou atingir especificamente
uma empresa.
Já a crise financeira é revelada pela ausência de recursos financeiros para
fazer face ao pagamento regular dos débitos contraídos pelo titular da empresa. É a
crise de liquidez. O ativo (formado por bens e direitos) pode até ser, no momento,
maior do que o passivo, porém faltam ao devedor as disponibilidades necessárias e
suficientes para a satisfação dos credores. Há, aí, a insolvência ocasional 288
caracterizada pela ausência ou insuficiência de recursos financeiros para fazer face
ao pagamento das dívidas, não obstante possam existir bens e direitos que
permitam a satisfação futura dos débitos. No dizer de ULHOA COELHO, a
288
PONTES DE MIRANDA, F. C.: op. cit., Tratado de direito privado. Tomo XXVII, pág. 5.
296
exteriorização jurídica da crise financeira é a impontualidade 289, ou seja, a falta de
pagamento da dívida na data do respectivo vencimento.
Por outro lado, a crise patrimonial é a insolvabilidade, configurada como
estado econômico em que a pessoa física ou jurídica não pode satisfazer as dívidas,
porque o ativo, isto é, os bens e direitos economicamente valoráveis, é menor do
que o passivo, ou seja, a soma dos débitos constituídos pelo titular da empresa. É,
sem dúvida, a forma mais grave da crise.
No Brasil, a Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, ao disciplinar o regime de
insolvência empresarial, tratou a crise de forma genérica e abrangente, referindo-se
apenas à “crise econômico-financeira”, consoante os exatos termos do artigo 47;
sendo certo, porém, que as distinções doutrinárias ora repercutidas (entre crise
econômica, crise financeira e crise patrimonial) revelam-se extremamente úteis
quando se pretende adotar mecanismos de recuperação da empresa e manutenção
da atividade econômica.
Oportuno frisar que a Lei 11.101/2005 não utilizou a expressão insolvência
para justificar a aplicação do respectivo regime jurídico aplicável ao empresário, seja
individual ou coletivo.
289
ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à lei de falência e de recuperação de empresas. 9º. Ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 57.
297
Entretanto, embora não traga em seu texto, de modo expresso, a palavra
insolvência, a Lei 11.101/2005 descreve, em seu artigo 94, uma série de hipóteses
justificadoras da abertura do processo falimentar, por iniciativa de qualquer credor
do empresário (pessoa física ou jurídica).
Portanto, poderá ser decretada a falência do devedor empresário (pessoa
física ou jurídica), que, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento,
obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma
ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido (de
falência), situação que revela a chamada insolvência ocasional. É a chamada
impontualidade injustificada.
Também é possível decretar a falência do devedor empresário (pessoa física
ou jurídica), que, sendo parte demandada em ação de execução com vistas à
cobrança de qualquer quantia líquida, deixa de pagar ou depositar a respectiva
quantia e nem oferece bens suficientes para garantir o pagamento da dívida dentro
do prazo legal, situação que, assim como a anterior, revela a chamada insolvência
ocasional. Trata-se da execução frustrada.
Ademais, pode ter a falência decretada, o devedor empresário (pessoa física
ou jurídica) que pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano
de recuperação judicial: (a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança
mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos; (b) realiza ou, por
298
atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar
credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a
terceiro, credor ou não; (c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem
o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver
seu passivo (situação caracterizadora de crise patrimonial ou insolvabilidade); (d)
simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a
legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor; (e) dá ou reforça garantia a
um credor por dívida contraída anteriormente, sem ficar com bens livres e
desembaraçados suficientes para saldar seu passivo (situação que, mais uma vez, é
caracterizadora de crise patrimonial ou insolvabilidade); (f) ausenta-se sem deixar
representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores
(insolvência ocasional), abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu
domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; (g) deixa de
cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação
judicial (insolvência ocasional). Em resumo: são os atos de falência.
A jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça 290 consolidou-se
exatamente no sentido de que “o pressuposto para a instauração de processo de
falência é a insolvência caracterizada a partir de situações objetivamente apontadas
pelo ordenamento jurídico.” Em síntese, “no caso do direito brasileiro, caracteriza a
insolvência para fins falimentares, nos termos do art. 94 da Lei n. 11.101/2005, a
impontualidade injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e a prática de
atos de falência (inciso III).”.
290
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.433.652 / RJ RECURSO ESPECIAL 2013/0200388-3. Relator:
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data do Julgamento:
18/09/2014.
299
Assim é que, mesmo sem ter utilizado expressamente a palavra insolvência, a
Lei 11.101/2005, ao descrever situações ou condutas, claramente vinculou a
incidência do regime jurídico ali disciplinado a um quadro de insolvência empresarial.
Diferentemente da legislação brasileira, a lei Concursal da Espanha (Ley
22/2003, de 9 de julio), faz uma menção simples, porém expressa e direta da
insolvência, ao dispor, no Artículo 2, que, “2. Se encuentra en estado de insolvencia
el deudor que no puede cumplir regularmente sus obligaciones exigibles.”
Assim, de acordo com a legislação espanhola, o mero descumprimento das
obrigações exigíveis é suficiente para caracterizar a insolvência. Trata-se, segundo
os professores ALFONSO SÁNCHEZ e POLO GARRIDO 291, de um estado de
“insolvencia actual” que compreende a “insolvencia técnica ou provisional”292 e a
“insolvencia patrimonial”293.
Sem embargo, ao tratar da insolvência sob a perspectiva do direito espanhol,
JIMÉNEZ SANCHEZ
294
enfatiza o aspecto patrimonial, quando afirma que “puede
suceder que el deudor se encuentre en situación de insolvencia, esto es, que en
relación com su patrimonio le sea imposible, por un lado, llevar a cabo el débito, y,
291
ALFONSO SÁNCHEZ, Rosália; POLO GARRIDO, Fernando. La solicitude de declaración de
concurso de la sociedade cooperativa. Aspectos controvertidos. In: GÓMES MANRESA, María
Fuensanta; PARDO LÓPEZ, María Magnolia (Dirs./Coords). Economía social y derecho: problemas
jurídicos actuales de las empresas de economia social. Granada: Editorial Comares, 2013, pág. 159.
292
Identificada na presente tese como crise financeira, caracterizada pela ausência de recursos para
fazer face ao pagamento regular dos débitos contraídos pelo titular da empresa, ainda que o ativo
seja superior ao passivo (dívidas). Trata-se de uma situação de falta de liquidez.
293
294
Produzida quando o valor do ativo é inferior a do passivo, porquanto o patrimônio neto é negativo.
JIMÉNEZ SANCHEZ, G. J. (coordinación): op. cit., pág. 569.
300
por otro, proporcionar el equivalente para la satisfacción debida al acreedor para
hacer frente a la conseguiente responsabilidad, porque su patrimonio resulta
insuficiente.”.
E bem verdade que, na Espanha, “[…] el esfuerzo legislador de los últimos
años há gravitado en la potenciación de los institutos preconcursales y en la
modificación del proceso concursal en todo aquello que sea necesario para que los
esfuerzos realizados por el deudor o los acreedores, en situaciones cercanas a la
insolvencia y que, por desgracia no puedan evitar iniciar es proceso concursal, no se
vean penalizados.”295.
Inexoravelmente, esse quadro de insolvência e de crise, uma vez instalado,
pode atingir a empresa de maneira irremediável, conduzindo-a a extinção, atingindo,
assim, os trabalhadores, os consumidores e os credores, inclusive o Estado, no
tocante aos eventuais débitos tributários e a perda da arrecadação futura.
Busca-se, diante disso, responder a primeira questão levantada ao final do
capítulo 4, ou seja, qual é o mecanismo legal destinado à superação da crise e
consequente preservação da empresa (no sentido funcional da expressão, ou seja,
enquanto atividade econômica organizada), especialmente quando enquadrada na
295
NAVARRO LÉRIDA, Mª del Sagrario. Derecho Mercantil. Lección 6. In: PACHECO JIMÉNEZ, Mª
Nieves; CONTRERAS CORTÉS, Mª Carmen; ROMERO FLOR, Luis María (coord.). Lecciones
introductoras del Derecho. Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2014.
301
condição de microempresa e da empresa de pequeno porte, que possui, conforme
anteriormente acentuado, importante apelo social?
302
5.2. RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO MECANISMO LEGAL DESTINADO À
SUPERAÇÃO
DA
CRISE
E
CONSEQUENTE
PRESERVAÇÃO
DA
MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE E OS SEUS EFEITOS
SOBRE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
5.2.1. A insuficiência dos pressupostos legais exigidos para apresentação do
pedido de processamento da recuperação judicial da empresa para aferir a
potencialidade recuperatória.
Diante da crise empresarial, é possível que o empresário (individual ou
coletivamente), incluindo-se os que se enquadrem na condição de Microempresa e
da Empresa de Pequeno Porte, seja submetido aos regimes da Lei 11.101/2005
para buscar a preservação da atividade econômica, evitando, assim, a sua extinção,
mediante a utilização do regime de recuperação judicial ou até mesmo por meio da
falência.
Esclareça-se que não se submetem à recuperação judicial e nem tampouco à
falência as pessoas que exercem atividade econômica desprovida de natureza
empresarial. Com efeito, a exclusividade empresarial dos regimes previstos na Lei
11.101/2005 constitui óbice que merece ser revisto, a fim de permitir a incidência de
toda e qualquer atividade econômica 296 aos respectivos regimes, alargando a
296
Em Portugal, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, prevê, em seu Artigo 2.º:
Sujeitos passivos da declaração de insolvência:
1 - Podem ser objecto de processo de insolvência:
a) Quaisquer pessoas singulares ou colectivas;
b) A herança jacente;
303
compreensão da empresa297. Antes, porém, é necessário corrigir problemas outros
que se apresentam no vigente regime da Lei 11.101/2005, notadamente para
concretizar o mandamento constitucional que assegura tratamento favorecido e
diferenciado para o microempresário e para o empresário de pequeno porte.
Em linhas gerais, a recuperação judicial objetiva o soerguimento da empresa
atingida pela crise, enquanto que a falência tem o propósito central de promover a
liquidação dos bens utilizados no desenvolvimento da atividade econômica para
fazer face aos débitos contraídos pelo devedor empresário, ocasionando, em regra,
a extinção da empresa.
Porém, o primado da recuperação não tem um valor absoluto, no sentido de
que a decisão de recuperar a empresa deva obedecer a um critério e esse critério é,
por motivos de eficácia econômica, o potencial de recuperabilidade da empresa.
c) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
d) As sociedades civis;
e) As sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial até à data do registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem;
f) As cooperativas, antes do registo da sua constituição;
g) O estabelecimento individual de responsabilidade limitada;
h) Quaisquer outros patrimónios autónomos.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) As pessoas colectivas públicas e as entidades públicas empresariais;
b) As empresas de seguros, as instituições de crédito, as sociedades financeiras, as empresas de
investimento que prestem serviços que impliquem a detenção de fundos ou de valores mobiliários de
terceiros e os organismos de investimento colectivo, na medida em que a sujeição a processo de
insolvência seja incompatível com os regimes especiais previstos para tais entidades.”
297
Conforme o artigo 5º. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que prevê, em
seu Artigo 5.º: “Para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de
trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica.”
304
Portanto, impõe-se que se recupere a empresa apenas quando se justifique
ou, por outro ângulo, que se recupere a empresa sempre que se justifique
298
.
Advirta-se que nem todo devedor-empresário terá a possibilidade de buscar,
com base na Lei 11.101/2005, a recuperação judicial da empresa. É que o artigo 48
da referida Lei, estabeleceu uma série de requisitos, cuja ausência de qualquer
deles é fator impeditivo da recuperação judicial da empresa.
Somente será admitido o processamento da recuperação judicial da empresa
se o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada –
EIRELI ou a sociedade empresária demonstrar, no momento do pedido, que
preenche, cumulativamente, os pressupostos elencados no artigo 48 da Lei
11.101/2005, ou seja, faça prova de que: (i) exerce regularmente - mediante registro
na Junta Comercial - suas atividades há mais de dois anos; (ii) não é falido por
sentença judicial transitada em julgado, e se o foi, estejam declaradas extintas, por
sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; (iii) não
tenha, há menos de cinco anos, obtido concessão de benefício idêntico, ou seja, a
recuperação judicial; (iv) não tenha sido condenado ou não tenha, como
administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes
previstos na Lei 11.101/2005.
298
SERRA, Catarina. Entre o princípio e os princípios da recuperação de empresas (um work in
progress). “in” II Congresso de direito da insolvência. Coimbra: 2014, pág. 81.
305
Porém, não é só. Ainda de acordo com a Lei 11.101/2005, o regime de
recuperação da empresa é marcado pela judicialização. Não por outra razão, o
empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI
ou a sociedade empresária precisará ingressar com um pedido formal de
recuperação perente o Poder Judiciário, por intermédio de advogado, na localidade
em que se encontre o principal estabelecimento empresarial, assim entendido como
o centro vital da empresa, não sendo, de outra parte, necessariamento aquele a que
os atos constitutivos indicam como sede ou título principal.
Dentro desse contexto, ao tratar da competência do juízo responsável pela
apreciação do pedido de recuperação da empresa, decidiu o Superior Tribunal de
Justiça, durante o julgamento do Recurso Especial nº 1.006.093 – DF, que “[…] a
qualificação de principal estabelecimento, referido no art. 3º 299 da Lei n. 11.101⁄2005,
revela uma situação fática vinculada à apuração do local onde são exercidas as
atividades mais importantes da empresa, não se confundindo, necessariamente,
com o endereço da sede, formalmente constante do estatuto social […].” 300.
Caberá, portanto, ao empresário individual, à empresa individual de
responsabilidade limitada – EIRELI ou à sociedade empresária, formalizar o pedido
de recuperação judicial perante o Juízo competente, apresentando os documentos
exigidos no artigo 51 da Lei 11.101/2005, a saber:
299
Lei. 11.101/2005. “Art. 3o É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial,
deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do
devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.”.
300
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.006.093 - DF (2006⁄0220947-8). Relator: Ministro Antonio Carlos
Ferreira. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 20.05.2014.
306
“Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será
instruída com:
I – a exposição das causas concretas da situação
patrimonial do devedor e das razões da crise econômicofinanceira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três)
últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente
para instruir o pedido, confeccionadas com estrita
observância
da
legislação
societária
aplicável
e
compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício
social;
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
III – a relação nominal completa dos credores, inclusive
aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a
indicação do endereço de cada um, a natureza, a
classificação
e
o
valor
atualizado
do
crédito,
discriminando sua origem, o regime dos respectivos
vencimentos e a indicação dos registros contábeis de
cada transação pendente;
307
IV – a relação integral dos empregados, em que constem
as respectivas funções, salários, indenizações e outras
parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de
competência, e a discriminação dos valores pendentes de
pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro
Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as
atas de nomeação dos atuais administradores;
VI – a relação dos bens particulares dos sócios
controladores e dos administradores do devedor;
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do
devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de
qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento
ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas
instituições financeiras;
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na
comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas
onde possui filial;
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações
judiciais em que este figure como parte, inclusive as de
308
natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos
valores demandados.”
Muito embora sob o ponto de vista estritamente legal, o juiz esteja adstrito à
análise dos pressupostos acima referidos e, com base neles, possa, por
conseguinte, admitir o processamento do pedido de recuperação judicial da
empresa, para, a partir daí, abrir a possibilidade de uma solução (entre o devedor e
seus credores) com vistas ao soerguimento da empresa (aqui mais uma vez
entendida no sentido funcional da expressão, ou seja, entendida como atividade
econômica organizada) e à superação da crise, a verdade é que o sistema
inaugurado em 2005 já apresenta sinais de que precisa ser aperfeiçoado, pois,
segundo afirma Carlos Henrique Abrão, de quase dois mil casos apresentados ao
longo da vigência da Lei 11.101/2005 menos de 10% de empresas que requereram
recuperação judicial foram efetivamente reorganizadas301.
É que a apresentação farta documentação exigida pela Lei 11.101/2005, bem
como atendimento dos pressupostos anteriormente relacionados, têm se revelado
insuficientes para estabelecer a prévia e necessária distinção entre as empresas que
são viáveis e, consequentemente, recuperáveis, e as empresas inviáveis, cuja
falência é o caminho adequado para seguir.
Significa que nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. A realidade
inexorável mostra que a reorganização de atividades econômicas é custosa. Em
301
ABRÃO. Carlos Henrique. Lei de recuperação judicial exige uma inadiável reforma. Revista
Consultor Jurídico, 10 de julho de 2014, 9h30. Consultado em: 05/06/2015.
309
outras palavras: alguém tem que pagar pela recuperação, seja na forma de
investimentos no negócio em crise, seja na forma de perdas parciais ou totais do
crédito302, somando-se, ainda, os custos processuais envolvidos.
Portanto, a simples exposição das causas da crise econômico-financeira e a
apresentação de documentos contábeis não são pressupostos suficientes para
identificar a viabilidade da empresa e a possibilidade concreta de recuperação, ou
seja, não são instrumentos hábeis para evitar o desperdício de recursos, a elevação
dos prejuízos dos credores e o consequente estado de artificialidade na manutenção
da empresa.
O sistema concursal anterior (Decreto-lei 7.661/1945), revogado pela Lei
11.105/2005, já padecia de idêntica falha, razão pela qual sofria coerente e
contundente crítica de REQUIÃO303, que assim afirmava: “uma das críticas que
fazemos ao atual sistema das concordatas (substituído pelo regime da recuperação
judicial da empresa) consiste no fato de não se cogitar, em seu estudo, do aspecto
econômico e financeiro. Não se exige um projeto que demonstre a viabilidade do
cumprimento da concordata preventiva impetrada”.
No regime atual, de acordo com o disposto no artigo 53 304 da Lei
11.101/2005, o plano de recuperação contendo a perfeita discriminação dos meios
302
ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 3. 11ª. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, pág. 382.
303
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Vol. 2. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, págs.
81-82.
304
Lei 11.101/2005. “Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no
prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da
recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:
310
propostos para superação da crise, além da sua respectiva viabilidade econômica,
somente precisa ser apresentado no prazo de 60 dias a partir da publicação da
decisão judicial, que, diante dos pressupostos legais e documentos apresentados
pelo devedor empresário, autoriza o processamento da recuperação judicial.
Dessa forma, os efeitos da recuperação judicial já se projetam contra os
credores, inclusive os tributários, conforme adiante se demonstrará, como
consequência automática da decisão de processamento proferida com base na
simples apresentação da documentação acima relacionada, sem que haja sequer o
prévio conhecimento da potencial recuperabilidade da empresa, uma vez que o
plano de recuperação não precisa ser entregue em juízo nessa fase inicial do
processo.
Com efeito, uma das formas de evidenciar a viabilidade da empresa é provar,
no mínimo, o atendimento da sua função social e econômica, como forma de
justificar o pedido de recuperação judicial, com a consequente harmonização de
interesses (do próprio devedor, dos credores e dos trabalhadores) e a eventual
socialização do prejuízo provocado pelo devedor empresário que se encontra em
crise, consoante estabelece o artigo 47 da Lei 11.101/2005.
I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art.
50 desta Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por
profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o
recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções,
observado o art. 55 desta Lei.”.
311
Nos termos do artigo 47 da referida Lei 11.101/2005,
“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do
devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora,
do
interesses
dos
emprego
dos
credores,
trabalhadores
promovendo,
e
assim,
dos
a
preservação da empresa, sua função social e o estímulo à
atividade econômica.”
Reconhece-se, expressamente, que a empresa exerce função social e
econômica, pois é fonte geradora de emprego, renda e arrecadação tributária, bem
como assegura o equilíbrio do mercado, uma vez que quanto maior for o número de
agentes econômicos atuando, maior será a concorrência entre eles, de maneira que
o consumidor será beneficiado com a melhor oferta de produtos e serviços, além de
servir de permanente estímulo à inovação.
Some-se a isso que a noção de função, no sentido em que é utilizada a
expressão nesta matéria, significa um poder, mais especificamente, o poder de dar
aos bens utilizados na exploração da atividade econômica um determinado destino.
Por sua vez, o adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse
312
coletivo e não ao interesse exclusivo do proprietário desses bens; o que não
significa que não possa haver harmonização entre um e outro305.
E diante da crise empresarial, o significado da função social da empresa
assume contornos próprios no âmbito da Lei 11.101/2005, pois quando se atribui ou
reconhece, às pessoas, espaços de liberdade, genéricos ou específicos, visando o
desenvolvimento de atividade econômica, pressupõe, à partida, campos de livre
arbítrio. Porém, a referência a uma função social exprime a ideia de que a
discricionariedade aí implícita não seria total: os comportamentos levados a efeito,
no seu seio, deveriam respeitar o escopo social – com repercussões no campo
econômico – que presidiu à sua constituição, quer produzindo uma maior utilidade
pessoal, quer social, a que se pode acrescentar o complemento económica 306.
Entretanto, a função social da empresa só será plenamente preenchida se
houver lucro (componente econômico) suficiente para gerar emprego e renda, razão
pela qual deve haver eficiência. Eficiência, nesse caso, significa exercer a atividade
de forma a obter os melhores resultados307, produzindo o maior rendimento possível.
Cabe ressaltar que embora o lucro deva ser um utilizado como um dos
elementos passíveis de atestar a presença da função social da empresa, não pode
305
KONDER COMPARATO, Fábio. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva,
1990, pág. 32.
306
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da rocha e. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina,
2001, pág. 1.231.
307
SZTAJN, Rachel. Da Recuperação judicial. “in” SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro; A. DE
MORAES PITOMBO, Antônio Sérgio. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei
11.101/2005 – artigo por artigo. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2007, págs. 223-224.
313
ser considerado isoladamente, isto é, como único fator determinante. Isso porque,
especialmente em tempos de crise econômica mundial, o lucro decorrente do
exercício de algumas atividades econômicas poderá ser convertido em prejuízo,
cujos reflexos são projetados sobre os credores, aos quais interessa uma solução
que possa amenizar tais efeitos negativos, sendo certo que a recuperação judicial da
empresa pode ser um instrumento legal que conduza ao soerguimento da empresa.
Propõe-se, portanto, que o elemento lucro (ou prejuízo), para fins de
apuração da função social da empresa, seja examinado conjuntamente com a
presença (ou ausência) de bens e direitos integrantes do ativo do empresário
individual, da empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou da
sociedade empresária, em volume suficiente para cobertura de todos os débitos
acumulados.
O ideal seria, portanto, que o sistema concursal brasileiro contemplasse
previsão legal para exigir que, no momento da apresentação do pedido de
recuperação judicial da empresa, fosse apresentada pelo devedor, além do plano de
recuperação (com a discriminação pormenorizada dos meios a serem empregados
para soerguimento da atividade econômica), a demonstração de sua viabilidade
econômica; e o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do
devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Dentro desse contexto, seria fundamental que o empresário individual ou
coletivo, no momento da apresentação do pedido de recuperação judicial,
demonstrasse que o ativo, isto é, os bens e direitos economicamente valoráveis, é
314
no mínimo igual ou superior ao passivo, ou seja, a soma dos débitos constituídos
pelo titular da empresa.
Esse pressuposto objetivo serviria para evitar o eventual desvio premeditado
dos bens e direitos do empresário em crise, que, de má-fé, poderia oculta-los
indevidamente, sem que isso pudesse ser facilmente provado pelos credores, os
quais muitas vezes se veem diante de uma empresa que, embora sob crise
patrimonial, tem, tecnicamente e com amparo na legislação vigente, acesso ao
regime da recuperação judicial. Assim sendo, apesar da crise econômico-financeira,
uma vez comprovada a disponibilidade de bens e direitos em montante suficiente
para satisfazer o passivo, estaria presente o inafastável equilíbrio de interesses
entre o devedor, os credores e os trabalhadores.
Portanto, somente deveria ter acesso ao regime de recuperação judicial da
empresa aquele empresário ou sociedade empresária que demonstrasse a
suficiência de bens para satisfação integral dos débitos vencidos e/ou vincendos.
Isso evitaria, também, o desperdício de recursos com a apresentação de
pedidos de recuperação ao Poder Judiciário de empresas em situação de crise
irreversível, que, na realidade, deviam se submeter ao regime falimentar para
liquidar os bens e direitos até então existentes, com intuito de satisfazer os créditos
constituídos, já que prejudicada a função social almejada.
315
Por isso, é verdadeiramente urgente a alteração legislativa que inclua, no rol
dos requisitos exigidos ao desenvolvimento válido e regular da recuperação judicial,
a necessária e prévia demonstração da viabilidade da empresa, mediante a
apresentação de documentos que comprovem o atendimento de pressupostos
jurídicos e econômicos, notadamente a disponibilidade de bens em valor equivalente
a, no mínimo, o passivo acumulado até a data do pedido.
Dentro dessa perpectiva, a recuperação judicial assumiria um caráter de
processo pré-insolvencial, ou seja, a crise poderia se situar no plano econômico
(retração considerável dos negócios) ou no plano financeiro (revelada pela ausência
de recursos financeiros para fazer face ao pagamento regular dos débitos) ou até
em ambos, mas não no plano patrimonial, pois o conjunto de bens e direitos
economicamente valoráveis ainda seria maior ou igual ao passivo acumulado.
5.2.2. A decisão de processamento como termo inicial da recuperação judicial:
conteúdo e efeitos.
Diante da rigorosa observância dos requisitos legal, bem como verificada a
presença dos documentos necessários, o juiz proferirá decisão de simples
processamento da recuperação judicial, que não se confunde com a decisão
concessiva da recuperação judicial, cuja prolatação depende, no regime da Lei
11.101/2005, da prévia e indispensável manifestação dos credores.
316
Claramente, o regime brasileiro de recuperação judicial da empresa exige a
prévia manifestação dos credores privados, compreendendo os trabalhadores,
bancos, fornecedores de produtos e prestadores de serviços, para, somente diante
de manifestação minimamente favorável, permitir que o juiz conceda a recuperação
perseguida pelo empresário, a empresa individual de responsabilidade limitada –
EIRELI ou a sociedade empresária, submetendo-a ao cumprimento de um plano de
reestruturação aprovado por esses credores privados.
Com efeito, a decisão de processamento permite que, enquanto não se
constrói uma solução definitiva para a crise (entre devedor e credores), a empresa
possa continuar em funcionamento, devendo o juiz com fundamento no artigo 52 da
Lei 11.101/2005, determinar ao devedor a apresentação de contas demonstrativas
mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus
administradores, bem como ordenar a intimação do Ministério Público e a
comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e
Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, além do seguinte:
5.2.2.1. Nomeação do administrador judicial.
Nessa decisão de processamento, o juiz nomeará o administrador judicial,
que
será
profissional
idôneo,
preferencialmente
advogado,
economista,
administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada, nos
termos ao artigo 21 da Lei 11.101/2005.
317
Ressalte-se que não poderá exercer as funções de administrador judicial
quem, nos últimos cinco anos, no exercício do idêntico cargo – em outro processo
de recuperação judicial ou falência, tenha sido destituído pelo juiz em virtude da
prática de atos ilegais ou conduta desidiosa, tenha deixado de prestar contas dentro
dos prazos legais ou, ainda, ter a prestação de contas reprovada. Ficará também
impedido de exercer a função de administrador judicial quem tiver relação de
parentesco ou afinidade com o devedor, seus administradores, controladores ou
representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente 308.
Acrescente-se que não caberá ao administrador judicial exercer atividades de
gestão da empresa em recuperação. Em regra, durante o processo de recuperação
judicial, o empresário individual ou os administradores da sociedade empresária
requerente, serão mantidos na condução da atividade empresarial309. Em caso de
308
Consultar a respeito do tema o artigo 30 da Lei 11.101/2005.
Nos termos do artigo 64 da Lei 11.101/2005, justifica-se o afastamento do empresário individual ou
dos administradores da sociedade empresária requerente da gestão da empresa, nas seguintes
hipóteses:
309
I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em
recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a
ordem econômica previstos na legislação vigente;
II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto na Lei 11.101/2005;
III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;
IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:
a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;
b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do
negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;
c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu
funcionamento regular;
318
afastamento do empresário individual ou os administradores da sociedade
empresária requerente da gestão da empresa, o juiz convocará a assembleia-geral
de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a
administração das atividades do devedor, aplicando-se lhe, no que couber, todas as
normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial.
Portanto, o administrador judicial não será o gestor da empresa em
recuperação judicial, cabendo-se, porém, exercer a fiscalização das atividades do
devedor empresário e o cumprimento do plano de recuperação judicial, podendo
requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de
recuperação; competindo-lhe, ainda, apresentar ao juiz, para juntada aos autos,
relatório mensal das atividades do devedor; bem como apresentar o relatório sobre a
execução do plano de recuperação310.
Outrossim,
cumprirá
ao
administrador
judicial
verificar
a legalidade,
veracidade e legitimidade dos créditos indicados na relação apresentada pelo
devedor empresário, no momento da apresentação do pedido de recuperação
judicial, com base nos respectivos livros contábeis e documentos comerciais e
d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51
da Lei 11.101/2005, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;
V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais
membros do Comitê;
VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.
310
Consultar a respeito do tema o artigo 22, inciso II, da Lei 11.101/2005.
319
fiscais, assim como nos documentos que forem apresentados ao administrador
judicial pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas
especializadas.
Assim é que, uma vez concluída a verificação dos créditos, o administrador
judicial o administrador judicial fará publicar edital contendo a relação de credores
devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas interessadas
terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.
Frise-se que a relação a relação de credores organizada pelo administrador
judicial não tem caráter definitivo, uma vez que, qualquer credor, o devedor ou seus
sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a
referida relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou
manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito
relacionado.
O procedimento de verificação de créditos culmina na elaboração e
consolidação do quadro-geral de credores, que será elaborado pelo administrador
judicial e homologado pelo juiz, considerando a ordem de classificação de créditos
estabelecida no artigo 83 da Lei 11.101/2005, a saber: (i) - os créditos derivados da
legislação do trabalho, limitados a cento e cinquenta salários-mínimos por
trabalhador, e os decorrentes de acidentes de trabalho; (ii) - créditos com garantia
320
real até o limite do valor do bem gravado; (iii)
- créditos tributários,
independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas
tributárias; (iv) - créditos com privilégio especial (os previstos no artigo 964 do
Código Civil311; os assim definidos em outras leis civis e comerciais; aqueles a cujos
titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; aqueles
em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de
pequeno porte de que trata a Lei Complementar n o 123, de 14 de dezembro de
2006); (v) - créditos com privilégio geral (os previstos no artigo 965 do Código Civil
312
; os previstos no parágrafo único do art. 67 da Lei 11.101/2005; os assim definidos
311
Têm privilégio especial:
I - sobre a coisa arrecadada e liquidada, o credor de custas e despesas judiciais feitas com a
arrecadação e liquidação;
II - sobre a coisa salvada, o credor por despesas de salvamento;
III - sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeitorias necessárias ou úteis;
IV - sobre os prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas, ou quaisquer outras construções, o
credor de materiais, dinheiro, ou serviços para a sua edificação, reconstrução, ou melhoramento;
V - sobre os frutos agrícolas, o credor por sementes, instrumentos e serviços à cultura, ou à colheita;
VI - sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico, nos prédios rústicos ou urbanos, o credor de
aluguéis, quanto às prestações do ano corrente e do anterior;
VII - sobre os exemplares da obra existente na massa do editor, o autor dela, ou seus legítimos
representantes, pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição;
VIII - sobre o produto da colheita, para a qual houver concorrido com o seu trabalho, e precipuamente
a quaisquer outros créditos, ainda que reais, o trabalhador agrícola, quanto à dívida dos seus
salários.
312
Têm privilégio geral:
I - o crédito por despesa de seu funeral, feito segundo a condição do morto e o costume do lugar;
II - o crédito por custas judiciais, ou por despesas com a arrecadação e liquidação da massa;
III - o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido, se foram
moderadas;
IV - o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor, no semestre anterior à sua
morte;
V - o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família, no trimestre
anterior ao falecimento;
321
em outras leis civis e comerciais); (vi) - créditos quirografários (aqueles não previstos
nas demais hipóteses anteriores; os saldos dos créditos não cobertos pelo produto
da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; os saldos dos créditos
derivados da legislação do trabalho que excederem o limite de cento e cinquenta
salários-mínimos por trabalhador; (vii) - as multas contratuais e as penas pecuniárias
por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; (viii)
créditos subordinados (os assim previstos em lei ou em contrato; e os créditos dos
sócios e dos administradores sem vínculo empregatício).
Trata-se de uma das mais importantes obrigações do administrador judicial,
uma vez que funciona o quadro-geral de credores como um marco, a partir do qual
várias medidas serão tomadas para o andamento do processo de recuperação
judicial. Para José da Silva Pacheco313, sem esse quadro-geral, o processo não
segue, permanece entravado, causando prejuízos a credores, à ordem pública, à
justiça, ocasionando tumulto e congestionamento nos juízos.
Caberá, ainda, ao administrador judicial, presidir314 a assembleia-geral de
credores, na qual será debatida a aprovação ou a rejeição ou até mesmo a eventual
modificação
do
plano
de
recuperação
judicial
apresentado
pelo
devedor
VI - o crédito pelos salários dos empregados do serviço doméstico do devedor, nos seus derradeiros
seis meses de vida;
VII - os demais créditos de privilégio geral.
313
DA SILVA PACHECO, José. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, pág. 64.
314
Conforme o artigo 37 da Lei 11.101/2005.
322
empresário315, atuando, assim, o administrador judicial, de forma imparcial, na
organização dessa tentativa de negociação levado a efeito no âmbito do processo
de recuperação judicial da empresa.
5.2.2.2. Dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor
exerça suas atividades.
Também na referida decisão de processamento, o juiz determinará a
dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas
atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando que, em todos os atos,
contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de
recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão
"em Recuperação Judicial".
Frise-se que o deferimento do processamento da recuperação judicial não
atinge o direito material dos credores, razão pela qual não é possível admitir, nessa
fase, a modificação ou exclusão dos débitos, cujos respectivos registros do nome do
devedor nos bancos de dados e cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, assim
como nos tabelionatos de protestos.
315
Conforme o artigo 35, inciso I, da Lei 11.101/2005.
323
Por outro lado, é necessário demarcar os limites dessa dispensa de
apresentação de certidões, que atinge apenas as relações privadas. Isso porque, se
o regime de recuperação judicial não alcança os créditos tributários, significa que
para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais será, por conseguinte,
necessária a apresentação de certidões destinadas à comprovação da regularidade
tributária para tal fim.
5.2.2.3. Suspensão das ações ou execuções que envolvam créditos de caráter
negocial contra o devedor.
Ainda em decorrência da decisão de processamento, o juiz ordenará a
suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, pelo prazo de cento e
oitenta dias, restabelecendo-se, após o decurso desse prazo, o direito dos credores
de iniciar ou continuar suas ações e execuções; sendo certo que o regime de
suspensão não se aplica às ações que envolvam quantia ilíquida, assim como as de
natureza trabalhista, as quais serão processadas perante a justiça especializada até
a apuração do respectivo crédito, bem como às ações de execução de natureza
tributária.
A razão de ser da norma que determina a pausa momentânea das ações e
execuções - stay period - na recuperação judicial é a de permitir que o devedor
empresário em crise consiga (re)negociar, de forma conjunta, com todos os credores
mediante a apresentaçao de um plano de recuperação e, ao mesmo tempo,
324
preservar o seu patrimônio, o qual ficará indisponível e sob controle judicial 316, por
um lapso de tempo, afastando-se o eventual alcance – inclusive judicial – dos bens
imprescindíveis à continuidade da atividade econômica.
Significa que dentro do prazo de cento e oitenta dias, a contar da decisão de
processamento, o empresário tentará viabilizar a apresentação e a aprovação do
plano de recuperação. Porém, constata-se uma firme tendência do Superior Tribunal
de Justiça no sentido de que o prazo de 180 dias, fixado pela lei para suspensão das
ações e execuções, não é peremptório. De acordo com a jurisprudência emanada do
Superior Tribunal de Justiça, “nada impede, pois, que o juízo da recuperação, dada
as especificidades de cada caso, amplie o prazo legal.”317. Nessa linha de raciocínio,
uma vez deferido o processamento revela-se incabível o prosseguimento automático
das execuções individuais, mesmo depois de decorrido o prazo de 180 dias previsto
no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei 11.101⁄2005.
Vale dizer que em se tratando de credor titular da posição de proprietário
fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou
promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de
irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de
proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se
submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de
propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação
316
Lei 11.101/2005. “Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não
poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade
reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados
no plano de recuperação judicial.”
317
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.374.259 - MT (2011⁄0306973-4). Relator:
Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data
do Julgamento: 13 de junho de 2012.
325
respectiva, não se permitindo, contudo, durante esse prazo de suspensão por cento
e oitenta dias, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de
capital essenciais a sua atividade empresarial. Esclareça-se que o impedimento ao
exercício dos direitos pelos credores excluídos da recuperação, somente se aplica
ao regime geral ou ordinário, que pode ser utilizado por todo e qualquer devedor
empresário que preencha os pressupostos acima enunciados, porém não cabe
invocar tal benefício caso o microempresário ou empresário de pequeno porte opte
pelo regime especial, que não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das
ações e execuções por créditos não abrangidos por essa espécie de plano 318,
revelando o regime atual, nesse ponto, mais um prejuízo para os microempresários
ou empresários de pequeno porte.
5.2.2.4. Abertura do prazo para apresentação do plano de recuperação judicial
pelo microempresário ou empresário de pequeno porte.
Determina o artigo 53 da Lei 11.101/2005 que o plano de recuperação será
apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da
publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob
pena de convolação em falência.
318
Lei 11.101/2005. Artigo 71, Parágrafo único. “O pedido de recuperação judicial com base em plano
especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos
não abrangidos pelo plano.”
326
Conforme foi demonstrado, a apresentação do plano em momento posterior à
prolatação da decisão que autoriza o processamento evidencia falha no regime
brasileiro, cuja correção é medida necessária e urgente.
Isso porque, consoante acima exposto, não é exigida, a título de pressuposto
para abertura do regime de recuperação judicial da empresa, a comprovação da sua
viabilidade econômico, financeira e patrimonial, comprovação essa que evitaria a
ocorrência de distorções no sistema, no sentido de que termina mantendo no
mercado empresas que não mais apresentam viabilidade.
Assim é que, enquanto não houver alteração legislativa, cabe ao empresário,
inclusive Micro ou Pequeno, cumprir a determinação do artigo 53 da Lei
11.101/2005, especialmente no tocante ao prazo legal, sob pena de ver frustrada a
possibilidade de recuperação judicial, pois o juiz, diante da inércia, decretará a
falência.
5.2.3. A ineficiência do plano especial de recuperação judicial para
microempresas e empresas de pequeno porte para concretização do
mandamento constitucional de tratamento favorecido e diferenciado: a
assimetria de posições como entrave para a construção de uma solução
puramente negocial.
De acordo com a Lei 11.101/2005, as microempresas e as empresas de
pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar um plano especial de
recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial.
327
Trata-se de uma opção reservada exclusivamente aos microempresários e
aos empresários de pequeno porte que, a depender da situação, podem, caso
desejem, apresentar um plano “ordinário” de recuperação judicial, o qual é destinado
aos empresários em geral e que preencham os requisitos anteriormente expostos.
Nesse sentido, dispõe o artigo 70 da mencionada Lei 11.101/2005 que:
“Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1 o desta Lei e que
se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa
de pequeno porte, nos termos da legislação vigente,
sujeitam-se às normas deste Capítulo.
§ 1o As microempresas e as empresas de pequeno porte,
conforme definidas em lei, poderão apresentar plano
especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua
intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51
desta Lei.
§ 2o Os credores não atingidos pelo plano especial não
terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.”
No entanto, um simples exame das condições que obrigatoriamente devem
constar no plano especial é suficiente para revelar a ineficiência da recuperação
“especial” destinada aos microempresários ou empresários de pequeno porte em
crise econômico-financeira.
328
Isso porque, segundo o artigo 71 da Lei 11.101/2005, caso o microempresário
ou o empresário de pequeno porte opte pelo plano especial de recuperação judicial
algumas condições, o referido plano rigorosamente preverá parcelamento no prazo
máximo de apenas 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas,
acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de
Custódia - SELIC319, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das
dívidas.
Ademais, o plano especial preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no
prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de
recuperação judicial, bem como estabelecerá a necessidade de autorização do juiz,
após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o
microempresário ou o empresário de pequeno porte aumentar despesas ou contratar
empregados.
Com efeito, a necessidade de autorização do juiz, depois de ouvido o
administrador judicial e o Comitê de Credores, para que o microempresário ou o
empresário de pequeno porte possa aumentar despesas ou contratar empregados é
o único ponto razoável, pois evidencia efetiva preocupação com a manutenção da
empresa, no tocante aos atos de gestão praticados, pelo respectivo titular, durante o
319
Segundo o Banco Central do Brasil, define-se Taxa Selic como a taxa média ajustada dos
financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos
federais. Para fins de cálculo da taxa, são considerados os financiamentos diários relativos às
operações registradas e liquidadas no próprio Selic (depositário central dos títulos que compõem a
dívida pública federal interna de emissão do Tesouro Nacional) e em sistemas operados por câmaras
ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação (art. 1° da Circular n° 2.900, de 24 de
junho de 1999, com a alteração introduzida pelo art. 1° da Circular n° 3.119, de 18 de abril de 2002).
Disponível em: https://www.bcb.gov.br/?SELICCONCEITO. Consulta em 05/07/2015.
329
período
da
recuperação
judicial,
que
eventualmente
possam
resultar
no
agravamento da crise econômico-financeira.
Em verdade, é de uma ineficiência latente a limitação do prazo de 36 (trinta e
seis) meses para solução dos débitos negociais contraídos pelo microempresário ou
o empresário de pequeno porte em crise econômico-financeira, débitos esses que
compreendem diversas classes de credores, dentre os quais se destacam os
credores com garantia real, com privilégio especial, com privilégio geral,
quirografários e subordinados, enquanto que os débitos derivados da legislação do
trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de
recuperação judicial320, devem ser pagos no prazo máximo de um ano, sendo certo
que o plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o
pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos
de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido
de recuperação judicial.
Impressiona o fato de que um país como o Brasil, cujo tecido empresarial é
composto predominantemente por microempresários ou empresários de pequeno
porte, que respondem pelo significativo percentual de 99% de todos os
estabelecimentos instalados no território brasileiro; 52% dos empregos formais de
estabelecimentos privados não agrícolas do país e de quase 42% da massa de
320
Lei 11.101/2005. Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1
(um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de
acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.
Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o
pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza
estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.
330
salários paga aos trabalhadores destes estabelecimentos, as medidas de
saneamento e reestruturação empresarial não sejam planejadas pelo legislador com
o propósito de assegurar a recuperação desses microempresários ou empresários
de pequeno porte.
Frise-se que mesmo quando demonstrada a viabilidade econômico-financeira
da microempresa ou da empresa de pequeno porte, inclusive sob o ponto de vista
patrimonial, ou seja, ainda que o ativo seja igual ou superior ao passivo acumulado,
os maiores credores da microempresa ou da empresa de pequeno porte costumam
ser instituições financeiras, que direcionam o maior volume de crédito para as
grandes.
Dados321 divulgados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES)322 em 31 de agosto de 2015, relativos aos desembolsos realizados
no ano de 2014 comprovam que os maiores volumes de créditos foram direcionados
para médias e grandes empresas:
321
Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias
/Arquivos/empresa/estatisticas/Bol_Desempenho_e_Setorial.pdf. Consulta: 04/10/2015.
322
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empresa pública federal, é
hoje o principal instrumento de financiamento de longo prazo para a realização de investimentos em
todos os segmentos da economia, em uma política que inclui as dimensões social, regional e
ambiental.
331
Significa que a importância dada a eventual perda do crédito concedido às
microempresas ou às empresas de pequeno porte é reduzida, pois no mercado
financeiro o risco (de crédito), isto é, o risco de o devedor falhar o cumprimento
pontual, onera, sobretudo, esse devedor que pode ficar privado do seu patrimônio e
arredado do mercado. As perdas para os credores financeiros têm um impacto muito
menor, não só em virtude dos aprovisionamentos que legalmente têm de fazer, mas
também da possibilidade de acionar seguros e garantias323.
E se as perdas são menores quanto aos créditos concedidos às
microempresas ou às empresas de pequeno porte, menores são as margens de
disposição de tais credores para aceitarem negociações, no âmbito da recuperação
judicial, que impliquem alterações nas condições originalmente contratadas para os
respectivos pagamentos, notadamente quando o plano estabelece reduções e
alongamento do prazo para satisfação dos débitos.
O problema é que o critério determinante para recuperação da empresa é
hoje, numa palavra, a vontade dos credores. Mais precisamente, cabe aos credores
o poder fundamental de decidir destino da empresa, optando pela recuperação
quando – e só quando – a recuperação seja de seu interesse. O pressuposto
subjacente é o de que os credores estão nas melhores condições para avaliar as
perspectivas futuras da empresa e a oportunidade de recuperação 324, porquanto,
paradoxalmente, as microempresas e as empresas de pequeno porte terminam
ficando em desvantagem, pois em se tratando de uma grande empresa, o risco de
crédito e a eventual perda para o credor terão maior repercussão e exatamente por
323
324
FRADE, C.: op. cit., pág. 336.
SERRA, C.: op. cit., págs. 81-82.
332
isso encontrará maior disposição para estabelecer negociações tendentes à solução
do débito.
Por esse motivo, a manutenção do atual regime dificulta as possibilidades de
recuperação judicial das microempresas e das empresas de pequeno porte, pois a
aprovação do plano depende da manifestação favorável dos credores e, ainda que
venham a concordar, o prazo de 36 meses para pagamento é insuficiente,
prejudicando a possibilidade de cumprimento, podendo resultar em falência e
consequente liquidação de bens.
Com efeito, os maiores interessados na recuperação das microempresas e
das empresas de pequeno porte costumam ser os seus próprios titulares que
terminam suportando a maior carga negativa da falência – caso a tentativa de
recuperação não prospere, enquanto que nas grandes empresas a perda costuma
ser mais intensamente suportada pelos credores, pois os volumes de recursos
envolvidos são substancialmente maiores.
Nas hipóteses em que é possível presumir o desequilíbrio econômico das
partes (credores e devedor) em torno de uma ampla negociação da dívida,
especialmente quando a parte vulnerável é o devedor (microempresário ou
empresário de pequeno porte) torna-se necessário que a assimetria seja reduzida
por meio de previsões legais de caráter vinculante, isto é, compulsoriamente
aplicadas às partes, submetendo-as a determinadas condições (que só a clareza e a
transparência da Lei podem proporcionar) diante da prova inconteste do
preenchimento de pressupostos objetivos, notadamente a demonstração do
333
potencial de recuperabilidade, a fim de garantir a superação da crise e a
manutenção da empresa.
Aliás, a clareza e a transparência da Lei conferem um adequado nível de
previsibilidade ao mercado, de maneira que o empresário em crise e seus credores
sabem, de antemão, quais caminhos podem ser utilizados pelo devedor e, por
conseguinte, quais os limites dos prejuízos a serem suportados em caso de uma
recuperação judicial da empresa.
5.2.3.1. O refinanciamento das dívidas das microempresas e das empresas de
pequeno porte como meio de recuperação da empresa.
Diante dos problemas apontados, propõe-se, portanto, que em face da
demonstração objetiva das condições jurídicas e econômicas para recuperação
judicial das microempresas e das empresas de pequeno porte, cujo plano especial 325
contemple modificação nas condições originalmente contratadas para pagamento, o
juiz conceda a recuperação judicial da empresa e, por conseguinte, vincule o
devedor e seus credores a um cronograma escalonado de pagamentos, como
decorrência da pura e simples previsão legal, afastando-se, assim, o caráter
negocial do plano especial.
Seria
fundamental,
portanto,
que
a
aprovação
das
medidas
de
refinanciamento das dívidas e a capitalização das microempresas e empresas de
325
Mantendo-se a possibilidade do microempresário ou do empresário pequeno porte livremente
optar pelo regime ordinário de recuperação, cujo respectivo plano pudesse estabelecer outros meios
de recuperação da empresa, que, nesse caso, poderiam ser aprovados por simples deliberação
majoritária dos credores, já que isso não implicaria na imprevisível supressão do crédito,
evidenciando-se, portanto, a natureza verdadeiramente negocial do regime.
334
pequeno porte como meio de superação da crise não dependesse de um acordo de
vontades entre os microempresários ou os empresários de pequeno porte e seus
respectivos credores, em virtude da assimetria de posições econômicas e
consequente desvantagem negocial de tais microempresários ou os empresários de
pequeno porte.
Assim, dada a presunção de vulnerabilidade dos microempresários e
empresários de pequeno porte perante os seus credores negociais, o plano especial,
deveria trazer previsão de pagamento no prazo de até cem parcelas mensais e
sucessivas, seguindo condições semelhantes ao regime de parcelamento de débitos
tributários, de maneira que nos anos iniciais o valor pago fosse pequeno e sofra
elevações até a quitação final e definitiva dos débitos.
No tocante aos débitos tributários de empresa em recuperação judicial, a Lei
13.043, de 13 de novembro de 2014, prevê condições fixas de parcelamento em 84
(oitenta e quatro) prestações mensais e consecutivas, calculadas observando-se os
seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada: I - da
1ª à 12ª prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento); II da 13ª à 24ª prestação: 1% (um por cento); III - da 25ª à 83ª prestação: 1,333% (um
inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento); e IV - 84ª prestação: saldo
devedor remanescente.
Ocorre que em se tratando de microempresas e empresas de pequeno porte,
os prazos para parcelamento dos débitos tributários serão 20% (vinte por cento)
335
superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas 326, atingindo-se,
portanto, o prazo total de cem meses, que seria, segundo proposta de alterção
legislativa lançada na presente tese, idêntico para os créditos negociais submetidos
ao regime de recuperação judicial.
Ademais, o regime especial de recuperação das microempresas e empresas
de pequeno porte, no tocante ao parcelamento dos débitos submetidos ao
respectivo plano, deveria estabelecer, como regra, a não incidência de juros sobre o
saldo devedor, a ser pago em até cem meses. A desoneração é significativa,
especialmente porque, no Brasil, as taxas de juros, sobretudo cobradas das
microempresas e empresas de pequeno porte por instituições financeiras, costuma
ter patamares elevados327.
Com efeito, a não incidência dos juros que aqui se propõe, além de adequada
em se tratando de microempresas e empresas de pequeno porte, tampouco é
desarrozoada, pois, no regime falimentar em vigor, não são exigíveis da massa
326
Lei 11.101/2005. Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de
o
recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei n 5.172, de 25 de outubro
de 1966 - Código Tributário Nacional.
Parágrafo único. As microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% (vinte por
cento) superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas.
327
Segundo informaçãoes divulgadas pelo Banco Central do Brasil em 23.9.2015, a taxa média de
juros das operações de crédito do sistema financeiro, computadas as contratações com recursos
livres e direcionados, atingiu 29% a.a. em agosto, após elevações de 0,6 p.p. no mês e 5 p.p. em
doze meses. O custo médio situou-se em 45,3% a.a. no crédito livre (+1 p.p. no mês e +8,3 p.p. em
doze meses) e em 10,2% a.a. no crédito direcionado (+0,1 p.p. e +2,1 p.p.).
Nos empréstimos às empresas, a taxa média de juros alcançou 20,3% a.a. (+0,5 p.p. no mês e +3,9
p.p. em doze meses). Nas contratações com recursos livres, a taxa avançou 0,5 p.p. no mês, ao
atingir 28,5% a.a., refletindo, principalmente, elevações no custo médio em capital de giro (+1,1 p.p.)
e conta garantida (+0,7 p.p.). No crédito direcionado às empresas, a taxa média alcançou 10,6% a.a.,
após aumento mensal de 0,4 p.p.
Informação disponível em: http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM. Consulta em: 16/10/2015.
336
falida os juros vencidos após a decretação da falência328, previstos em lei ou em
contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores
subordinados329, incidindo, sobre o principal devido, apenas e tão somente a
correção monetária330, que, por não acarretar propriamente um acréscimo à dívida,
constitui mera recomposição do poder aquisitivo da moeda naturalmente corroído
pela inflação, observando-se, para tanto, os índices oficiais que refletem a variação
de um conjunto de preços em determinados períodos.
Logo, se na hipótese de decretação de falência, os credores não receberiam
o acréscimo atinente aos juros sobre o principal 331 devido – principal esse cuja
satisfação é duvidosa, pois depende tão somente da disponibilidade de recursos da
massa falida, em se tratando de recuperação judicial é ainda mais lógica a não
incidência de tais acessórios, já que a empresa estará em efetivo funcionamento,
com maior probabilidade de satisfação da dívida.
328
Lei 11.101/2005. “Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a
decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o
pagamento dos credores subordinados.
Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos com
garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem a garantia.”
329
Os créditos subordinados constituem a última classe de credores a ser satisfeita no regime
falimentar. Segundo o artigo 83, VIII, da Lei 11.101/2005, são créditos subordinados: a) os assim
previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo
empregatício.
330
Segundo a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "É entendimento consolidado da Corte
que a evolução dos fatos econômicos tornou insustentável a não-incidência da correção monetária,
sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo-se ela imperativo
econômico, jurídico e ético indispensável à plena realização dos danos e ao fiel e completo
adimplemento das obrigações" (REsp n. 247.685/AC. Relator Ministro: Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Decisão em: 5.6.2000).
331
Corrigido monetariamente com base em um índice oficial de inflação (INPC/IBGE).
337
Por outro lado, no tocante à redução do passivo, caberia a Lei estabelecer
previsão, no sentido de admitir o deságio dos créditos quirografários ou ordinários no
percentual de até 49,0%.
É que se houvesse a decretação de falência, o regimentar brasileiro em vigor
prevê, no artigo 158, inciso II, da Lei 11.101/2005, que constitui causa de declaração
de extinção do passivo, “o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de
50% (cinqüenta por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o
depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não
bastou a integral liquidação do ativo”.
Ante o exposto, constata-se que tanto a proposta de não incidência de juros
sobre os débitos submetidos ao regime especial de recuperação, como a proposta
de deságio incidente sobre os créditos quirografários, não colocaria os credores em
condição inferior aquela que a falência lhes reserva.
Pelo contrário: haveria um potencial maior de recebimento efetivo do crédito,
uma vez que a microempresa ou a empresa de pequeno porte, estando submetida
ao regime especial de receperação, estaria em efetivo funcionamento, com potencial
capacidade de geração de renda, ao passo que a falência, no modelo atual, é
marcada pela liquidação dos bens da empresa e pela provável a extinção da
atividade econômica.
338
Some-se a isso que a falência, no modelo atual, constitui procedimento
moroso, ou seja, com elevado tempo de tramitação judicial, e que proporciona baixa
capacidade de recebimento do crédito submetido ao concurso de credores.
A propósito, na já referida pesquisa denominada Doing Business 2015, que
estabelece relevante comparação entre 189 países, classificando as respectivas
economias pelo grau de facilidade de se fazer negócios, foi detectado que o tempo
médio de um processo falimentar no Brasil é de quatro anos, considerando-se uma
taxa de recuperação de apenas 25,8%.
Resolução de Insolvência no Brasil - Doing Business 2015332
A simples análise comparativa do dado “taxa de recuperação”, partindo da
perspectiva brasileira333 (taxa de 25,8), passando pelos países da América Latina e
Caribe (taxa de 36,0), e chegando aos países da OCDE (taxa de 71,9), mostra a
necessidade de introduzir urgente modificação na legislação brasileira, pois o regime
332
Disponível em: http://portugues.doingbusiness.org/data/exploreeconomies/brazil#resolvinginsolvency. Consulta em: 04/10/2015.
333
O Estado de São Paulo foi utilizado como referência para a pesquisa.
339
falimentar, cujo viés é predominantemente liquidatário, não atende, obviamente, ao
interesse do devedor empresário, e tampouco dos credores, que suportam perdas
significativas, já que recupera-se apenas 25,8% dos créditos submetidos ao
concurso.
5.2.3.2. A capitalização das microempresas e das empresas de pequeno porte
como elemento concretizador da recuperação da empresa.
Para além do refinanciamento das dívidas acumuladas pelas microempresas
e das empresas de pequeno porte submetidas ao regime especial de recuperação
judicial, é igualmente urgente a criação de mecanismos que estimulem a
capitalização de tais empresas, trazendo “dinheiro novo” (fresh money) para a
consecução das atividades econômicas, permitindo, assim, a efetiva superação da
crise e a solução do passivo constituído.
De acordo com a Lei 11.101/2005, verifica-se que a única previsão legal
voltada ao incentivo para capitalização das empresas em recuperação judicial,
independentemente de serem ou não microempresas e das empresas de pequeno
Porte, está contida no artigo 67, a saber:
“Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas
pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive
aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens
ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados
extraconcursais, em caso de decretação de falência,
340
respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art.
83 desta Lei.
Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à
recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens
ou serviços que continuarem a provê-los normalmente
após o pedido de recuperação judicial terão privilégio
geral de recebimento em caso de decretação de falência,
no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante
o período da recuperação.”
Não há dúvida de que “quien concede crédito para eludir el concurso merece
ser objeto de una protección especial en tanto en cuanto permite con los nuevos
ingresos facilitados la sostenibilidad de la empresa y el mantenimiento del
empleo”334, razão pela qual atribuir natureza extraconcursal aos créditos constituídos
durante a recuperação, bem como conceder privilégio geral aos créditos
quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens
ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de
recuperação judicial, é providência minimamente necessária à capitalização da
empresa.
334
ALONSO LEDESMA, Carmen. Refinanciación y reestructuración: la posición de las entidades de
crédito. XXXII Jornadas de Estudio de la Abogacía del Estado sobre la legislación concursal:
respuestas
jurídicas
para
una
crisis.
Disponível
em:
http://www.mjusticia.gob.es/cs/Satellite/Portal/1292348287413?blobheader=application%2Fpdf&blobh
eadername1=Content-Disposition&blobheadervalue1=attachment%3B+filename%3D
Ponencia_de_Carmen_Alonso_Ledesma.PDF. Consulta em: 17/10/2015.
341
Porém, tal medida, embora necessária, não é suficiente para estimular à
capitalização das empresas em recuperação, sobretudo em se tratando de
microempresas e das empresas de pequeno porte, cujo acesso ao crédito não
costuma ser fácil, ainda mais quando se encontra em estado de crise.
Com efeito, é fundamental que a capitalização das microempresas e das
empresas de pequeno porte possa ocorrer, por meio de investidores, inclusive
estrangeiros, que vislumbrem potencial de crescimento empresarial, mas que, por
outro lado, possam contar com mecanismos de proteção patrimonial em caso de
decretação de falência.
Nesse sentido, revela-se útil estabelecer a completa separação patrimonial
entre os bens da recuperanda e esses novos ativos, notadamente quanto aos
recursos aportados pelos investidores na Microempresa ou na Empresa de Pequeno
Porte submetida ao regime de recuperação judicial.
Dita separação pode ser alcançada por meio da constituição de uma
Sociedade de Propósito Específico, que concentraria o “dinheiro novo” (fresh money)
e seria a titular dos novos ativos. A formação do capital seria feita por meio da
injeção de recursos e transferência de bens corpóreos e incorpóreos por parte dos
credores, inclusive os empregados da Microempresa ou na Empresa de Pequeno
Porte, mas principalmente por terceiros investidores. Adotando a forma de
342
sociedade anônima, permitiria a aquisição de ações ou debêntures por investidores,
seja diretamente, seja por meio dos chamados fundos de investimento.
Em matéria de fundos de investimento, o Brasil conta com um setor do
mercado de capitais denominado de Private Equity e Venture Capital, que congrega
intermediários financeiros especializados em selecionar empresas que, embora não
façam parte da bolsa de valores, possuem bons negócios, com elevada expectativa
de crescimento. A atividade de Private Equity e Venture Capital se apresenta como
uma alternativa viável ao financiamento tradicional, obtido por meio de bancos.
Gestores de Private Equity e Venture Capital são agentes mais adaptados para
mitigar o risco associado ao investimento em empresas com pouco ou nenhum
histórico financeiro e poucos ativos tangíveis que possam constituir-se como
garantia real335.
Portanto, esse “dinheiro novo” (fresh money), assim como os demais ativos
que seriam destinados à expansão da atividade econômica, constituiriam patrimônio
em separado e não poderiam ser atingidos pela eventual convolação em falência da
Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte em recuperação judicial.
Ademais, os investidores – participantes da Sociedade de Propósito
Específico – estariam imunes ao eventual risco de alcance dos seus bens em
335
LIMA RIBEIRO, Leonardo de; TIRONI,Luís Fernando. Ativos intangíveis: avaliação e mensuração
no contexto de private equity e venture capital. Texto para discussão no. 1280. Brasília: Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2007.
343
decorrência da eventual falência da Microempresa ou na Empresa de Pequeno
Porte em recuperação judicial.
Dentro desse contexto, a Sociedade de Propósito Específico – cujo prazo de
duração coincidira com o período da recuperação judicial, diante da paulatina
evolução da Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte, com o consequente –
e esperado – resultado positivo, asseguraria, periodicamente, o recebimento de um
percentual do lucro pelos investidores, bem como, opcionalmente, permitiria que,
finda a recuperação judicial, fosse possível converter os recursos aportados em
frações do capital da Microempresa ou na Empresa de Pequeno Porte.
Porém, até que sejam incorporadas as alterações legislativas nos termos
propostos na presente tese, resta ao microempresário ou o empresário de pequeno
porte que constate a inviabilidade do plano especial de recuperação judicial em
vigor, utilizar o regime ordinário, reservado aos empresários em geral e legalmente
estruturado a partir de uma visão das grandes ou macroempresas.
5.2.4. A “opção” do microempresário ou do empresário de pequeno porte pelo
regime ordinário de recuperação judicial diante da ineficiência do regime
especial vigente: por uma tentativa de solução negocial quanto aos créditos
privados.
Caso o microempresário ou o empresário de pequeno porte constate que os
termos e condições previstos na Lei 11.101/2005, no tocante ao plano especial,
344
sejam ineficientes para possibilitar a superação da crise336, outra opção não lhe
restará senão buscar, por meio do regime ordinário de recuperação judicial, uma
solução negocial com os credores.
Isso significa que, demonstrando os pressupostos anterimentes expostos, o
microempresário ou o empresário de pequeno porte deverá elaborar um plano
(ordinário) de recuperação, o qual conterá a discriminação pormenorizada dos meios
de recuperação a serem empregados, meios esses que estão relacionados de forma
exemplificativa no artigo 50 da Lei 11.101/2005 337, cabendo ao devedor, no mesmo
336
E tal como visto, o regime legal vigente (plano especial de recuperação judicial) é, pelas razões
anteriormente expostas, manifestamente ineficiente para superar a crise da Microempresa ou da
Empresa de Pequeno Porte.
337
Lei 11.101/2005. “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação
pertinente a cada caso, dentre outros:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou
vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária
integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação
vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos
administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder
de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos
próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou
convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de
garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como
termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos
contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos
créditos, os ativos do devedor.”
345
documento,
demonstrar
a
viabilidade338
econômica
da
proposta
e
consequentemente da manutenção da empresa, bem como apresentar um laudo
econômico-financeiro e de avaliação dos respectivos bens e ativos, subscrito por
profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Admitindo-se que o juiz tenha deferido o processamento da recuperação
judicial da empresa, caberá ao devedor empresário que a requereu, apresentar um
plano de recuperação, no prazo máximo de sessenta dias, conforme prevê o já
mencionado artigo 53 da Lei 11.101/2005.
Uma vez entregue o plano de recuperação da empresa em juízo, qualquer
credor que esteja submetido ao regime da recuperação e cujo crédito tenha sido
objeto de verificação pelo administrador judicial, conforme acima mencionado,
poderá manifestar ao juiz sua objeção.
Porém, não competirá ao juiz decidir acerca da objeção apresentada pelo
credor ou credores, cabendo-lhe, no regime ordinário da recuperação judicial,
convocar a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano de
recuperação.
338
Para Rachel Sztajn, viabilidade significa exequibilidade, possibilidade de êxito, de pagamento das
obrigações, de um lado, e de manutenção das operações por logo prazo, de outro. SZTAJN, R.: op.
cit., Da Recuperação judicial. “in” SOUZA JÚNIOR, Francisco Sátiro; A. DE MORAES PITOMBO,
Antônio Sérgio. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 – artigo
por artigo, pág. 229.
346
Vale dizer que a assembleia-geral será organizada339 em quatro grupos de
credores, a saber: (i) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou
decorrentes de acidentes de trabalho; (ii) titulares de créditos com garantia real; (iii)
titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou
subordinados; (iv) titulares de créditos enquadrados como microempresa ou
empresa de pequeno porte.
Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de
credores acima mencionadas deverão aprovar a proposta por maioria de votos, que
serão computados de acordo com o seguinte critério: nas classes dos (ii) titulares de
créditos com garantia real e dos (iii) titulares de créditos quirografários, com
privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados, a proposta deverá ser
aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos
presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores
presentes. Já nas classes dos (i) titulares de créditos derivados da legislação do
trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho e (iv) titulares de créditos
enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, a proposta deverá
ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do
valor de seu crédito.
Indubitavelmente, o regime brasileiro de recuperação judicial da empresa,
com base em plano ordinário, constitui um momento destinado à abertura de
negociações entre o devedor em crise e os seus credores340 privados. Se houver
manifestação favorável da maioria dos credores presentes à assembleia-geral, o juiz
339
Conforme o artigo 41 da Lei 11.101/2005.
ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 8ª. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 246.
340
347
poderá conceder a recuperação judicial, devendo, porém, exercer o controle de
legalidade do plano de recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao
abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica341 que deverá
ser exercido pelos credores.
Esse controle da legalidade poderá ser feito de ofício pelo juiz ou mediante
provocação de qualquer interessado, aí incluído o Ministério Público e até terceiros
não abrangidos pelo regime da recuperação judicial, mas que tenha sido, de alguma
maneira, afetados pelas condições do plano, a exemplo da Fazenda Pública 342.
Note-se, porém, que mesmo na hipótese de não serem alcançados os votos
necessários à aprovação do plano, o juiz, com base na Lei 11.101/2005, em seu
artigo 58, parágrafo 1º, interferirá diretamente na relação privada, podendo conceder
a recuperação judicial, mediante decisão supressiva da vontade dos credores, desde
que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: (i) o voto favorável de
credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à
assembleia, independentemente de classes; (ii) a aprovação de duas das classes de
credores ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação
de pelo menos uma delas; (iii) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de
mais de 1/3 (um terço) dos credores.
341
Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.359.311 - SP
(2012⁄0046844-8). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do
Julgamento: 09 de setembro de 2014. No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça. Recurso
Especial nº 1.314.209 - SP (2012⁄0053130-7). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador:
Terceira Turma. Data do Julgamento: 22 de maio de 2012.
342
MAMEDE, Gladstone. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. IV.
6ª. ed. São Paulo: Atlas, 2014, pág. 173.
348
Criou o artigo 58, parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005, um quórum alternativo
para concessão da recuperação judicial. Porém, apenas excepcionalmente, ou seja,
não sendo obtido o quórum mínimo necessário para aprovação regular do plano
pelos credores – na forma prevista nos artigos anteriormente mencionados – e
desde que presentes os pressupostos legais acima enumerados, é que poderá o juiz
conceder a recuperação judicial, com fundamento no citado artigo 58, parágrafo 1º.
Ressalte-se que a viabilização dessa hipótese (prevista no artigo 58,
parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005) exige que o plano não implique concessão de
tratamento diferenciado aos credores - integrantes de uma mesma classe - que
tenham rejeitado a proposta, conforme prevê o artigo 58, parágrafo 2º, da Lei
11.101/2005343.
Nesse caso, supera-se o caráter negociação da recuperação pelo poder do
juiz, que a concederá diante da demonstração do atendimento dos requisitos legais,
ainda que os credores não tenham deliberado favoravelmente.
Segundo MAMEDE344, afora essa licença extraordinária, não se outorgou ao
juiz qualquer poder de, contrariando a deliberação majoritária dos credores,
conceder a recuperação judicial do empresário.
343
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.388.051 - GO (2013⁄0169896-0). Relatora:
Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 10 de setembro de
2013.
344
MAMEDE, G.: op. cit., Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. IV,
pág. 173.
349
Denota-se que ao entregar aos credores a tarefa de decidir sobre a
viabilidade ou inviabilidade da proposta apresentada pelo devedor empresário, optou
o legislador pela chamada solução de mercado, fazendo com que o regime de
recuperação da empresa assuma um caráter negocial (entre o devedor empresário e
os credores submetidos ao plano de recuperação).
Por isso, é possível dizer que o plano de recuperação é um negócio de
cooperação celebrado entre devedores e credores, submetido à homologação do
juiz. No que diz respeito ao negócio de cooperação, assemelha-se ao contrato
plurilateral345; no que se refere à homologação judicial, pode-se considerar o meio
pelo qual o negócio de cooperação fica revestido de legalidade 346.
De fato, aplicam-se às tratativas referentes à aprovação do plano de
recuperação o princípio da liberdade contratual, decorrente da autonomia da
vontade. São apenas episódicos - e pontuais, com motivos bem delineados - os
aspectos previstos em lei em que é dado ao Estado intervir na avença levada a
efeito entre devedor e credores347. Têm-se, como exemplos, as seguintes hipóteses
de ingerência legal na seara negocial do plano de recuperação: (a) que o plano não
preveja "prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da
345
MELLO FRANCO, Vera Helena; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise:
comparação com as posições do direito europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, pág. 234.
346
Em semelhantes termos: “A recuperação judicial é um acordo coletivo, cabendo ao Judiciário
controlar essa transação judicial coletiva e, enfim, homologá-la, se não há vícios, ou seja, se não
atenta contra a Constituição da República, aos princípios jurídicos e às leis vigentes no país.
(MAMEDE, G., op. cit., Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. Vol. IV,
pág. 173.).
347
Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1.359.311 - SP
(2012⁄0046844-8). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do
Julgamento: 09 de setembro de 2014.
350
legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data
do pedido de recuperação judicial", ou "prazo superior a 30 (trinta) dias para o
pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos
de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido
de recuperação judicial"348.
Assim é que, diante das hipóteses acima analisadas, abre-se, em princípio, a
possibilidade de concessão da recuperação judicial, cujo plano implica novação dos
créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele
sujeitos349, inclusive aqueles que tenham apresentado objeções à proposta, porém
foram vencidos pela maioria.
A verdade é que não obstante o crédito privado - submetido ao regime da
recuperação judicial - ostentar natureza de direito disponível, relativiza-se o fato de
que essa disponibilidade constitui um direito individual do credor. Ocorre que o
modelo coletivista estabelecido na Lei 11.101/2005 submete todos os credores às
condições do plano aprovado, inclusive os eventuais dissidentes, não lhes sendo
dada a oportunidade de exigir o crédito nas condições originárias caso a vontade da
maioria prevaleça, já que uma vez aprovado o plano ocorrerá a novação da dívida.
Na realidade, o direito individual ao crédito é suprimido pela manifestação da
maioria, o que, em termos práticos, significa a socialização dos riscos da atividade
348
349
Conforme o artigo 54 da Lei 11.101/2005.
Conforme o artigo 59 da Lei 11.101/2005.
351
econômica desenvolvida pelo devedor empresário em recuperação judicial,
retirando, em certo sentido, o autêntico caráter negocial do regime e, sem dúvida,
relativizando a autonomia da vontade que deve permear os pactos privados.
Esta superação do princípio da relatividade contratual, também está presente
no
modelo concursal espanhol, conforme
registra a professora
PULGAR
EZQUERRA350 quando afirma que “[…] Esta superación del principio de relatividad
contractual, en el modelo español, puede acontecer incluso respecto de acreedores
titulares de pasivo financiero dotado de garantía real, no sólo hasta donde no
alcance la garantía, ámbito en el que serían equiparables a los acreedores
ordinarios, sino también incluso respecto de donde ésta alcance, con arreglo a un
criterio de valoración de la garantía establecido en la DA 4ª.2 LC.”.
O problema é que, pelo menos dentre da realidade brasileira, não é possível
ignorar o fato de que as negociações estabelecidas no âmbito da assembleia-geral
de credores não são marcadas pela cooperação entre os credores, mas sim pela
atuação individualista, considerando a existência, em regra, de interesses muito
conflitantes e divergentes351, que podem provocar distorções no regime de
recuperação judicial, levando à aprovação de planos de empresas que não possuem
350
PULGAR EZQUERRA, Juana. El nuevo paradigma concursal europeo y su incorporación al
derecho español. En: Estudios sobre el futuro Código Mercantil: libro homenaje al profesor Rafael
Illescas Ortiz. Getafe: Universidad Carlos III de Madrid, 2015, pp. 253-268. ISBN 978-84-89315-79-2.
Disponível
em:
http://earchivo.uc3m.es/bitstream/handle/10016/21082/paradigma_pulgarezquerra_RIO_2015.pdf?sequence
=1. Consulta em: 13/10/2015.
351
Conforme observam CASTELAR PINHEIRO, A.; SADDI, J.: op. cit., pág. 218.
352
efetivas condições de soerguimento e a rejeição de plano de empresas
potencialmente recuperáveis.
O certo é que nem sempre os credores se movem por critérios objetivos. Em
última análise, pode acontecer que optem pela aprovação do plano de recuperação
mesmo quando a empresa não seja economicamente viável e que, inversamente,
recusem a recuperação, a despeito da viabilidade econômica da empresa.
Conforme SERRA352, ambas as situações contrariam os interesses públicos
que estão na base dos regimes de resolução da crise das empresas e, em particular,
os interesses subjacentes ao primado da recuperação.
Ninguém pode negar que a indevida manutenção de empresas inviáveis, à
custa de um sacrifício demasiado dos credores, pode gerar uma repercussão
profundamente negativa no cumprimento de obrigações assumidas por esses
mesmos credores perante terceiros (bancos, fornecedores de matéria-prima,
empregados e o próprio Estado no tocante aos créditos tributários), afetando toda a
cadeia produtiva.
Por sua vez, impedir que empresas recuperáveis alcancem a aprovação do
plano de recuperação, mediante aprovação da assembleia-geral de credores e
352
SERRA, C.: op. cit., pág. 82.
353
possam utilizar os meio adequados para superação da crise e fato igualmente
negativo.
Significa que, quanto maior (ou menor) for o poder de “convencimento” do
empresário em recuperação em relação aos credores submetidos ao regime, maior
(ou menor) será a possibilidade de obter a aprovação do plano de recuperação na
assembleia-geral.
Conforme foi anteriormente assinalado, o volume de crédito destinado às
microempresas e às empresas de pequeno porte é significativamente pequeno, em
termos comparativos, ao destinado as grandes ou macroempresas. E se esses
pequenos volumes de crédito destinado para as microempresas e empresas de
pequeno porte estiverem concentrados nas mãos de grandes credores, como
instituições financeiras e grandes fornecedores de insumos, a conclusão é a
seguinte: se o prejuízo é diminuto quanto ao crédito concedido às microempresas e
às empresas de pequeno porte em recuperação, menor será a disposição negocial
desses grandes credores para aceitarem as condições de pagamento previstas um
plano (ordinário) de recuperação, cuja aprovação depende substancialmente da
manifestação favorável desses maiores credores.
Não por outra razão é que a presente tese sustenta a necessidade de um
profundo aperfeiçoamento do plano especial de recuperação das microempresas e
empresas de pequeno porte em crise, cuja concessão do regime dependeria
354
objetivamente do preenchimento dos pressupostos legais respectivos, reservando
aos credores a possibilidade de apresentarem objeções apenas e tão somente
relacionadas à eventual inobservância de tais pressupostos.
Assim, a construção de uma solução negocial para a crise ficaria reservada
as grandes ou macroempresas que têm um maior poder de “convencimento” em
relação aos credores - especialmente os maiores - submetidos ao regime de
recuperação judicial.
Note-se que ainda assim, ou seja, mesmos em se tratando de grandes
credores e de grandes devedores em recuperação, vale ressaltar que, quando o
plano de recuperação da empresa envolvesse reduções do débito e alongamento
dos prazos para pagamento, seria necessário demarcar certos limites mínimos.
Nesse sentido, poderia o legislador estabelecer que critérios de pagamento,
considerando percentuais máximos admissíveis para redução da dívida combinados
com prazos máximos de resgate.
É que a alteração nas condições originais de pagamento de débitos
regularmente constituídos em virtude da atividade econômica, mediante a supressão
da vontade por meio de decisão majoritária dos credores, de forma desmedida e
sem critérios minimamente delineados pela Lei de regência, vinculando todos os
credores a uma só condição, embora alguns não a desejassem, submete a relação
contratual a um incalculável e imprevisível grau de incerteza.
355
Certo é que, uma vez definidas na Lei as condições de pagamento dos
débitos em caso de recuperação judicial, os credores, no momento da contratação
do financiamento, da venda à prazo, da locação, enfim, da relação contratual que
envolvesse a concessão de crédito, poderia projetar os riscos de uma eventual crise
empresarial do devedor, tendo em conta certos limites de perdas previamente
calculadas.
Haveria, sem dúvida, mais transparência e maior previsibilidade no regime.
Não obstante, o caráter negocial da recuperação judicial ainda assim poderia estar
presente. Para tanto, bastaria compatibilizar a fixação de tais critérios legalmente
definidos com a possibilidade do devedor, dentro do prazo demarcado para
satisfação das dívidas, diante da disponibilidade de recusos comprovada pelo
administrador judicial, oferecer, em um leilão, aos credores de determinadas classes,
em idênticas condições e oportunidades, a antecipação de pagamentos para quem
estivesse disposto a suportar uma redução do crédito em patamares superiores aos
fixados pela Lei. Assim, dentro desse ambiente negocial, quem estivesse disposto a
suportar uma perda superior aquela estabelecida no texto legal, poderia participar
desse leilão e assegurar o recebimento antecipado do respectivo crédito.
Com efeito, não significa que a aprovação do plano de recuperação judicial da
empresa com base em deliberação majoritária dos credores seja incompatível com
todos os meios de recuperação da empresa e consequente superação da crise.
Quando, por exemplo, o plano envolva a venda de ativos ou a mudança do regime
de administração da empresa, a decisão da maioria pode e deve ser respeitada.
356
5.2.5. Repercussões negativas da recuperação judicial da empresa para o
crédito tributário e a necessidade de resguardar a sua indisponibilidade e
respeitar a inderrogabilidade da obrigação tributária.
5.2.5.1. O problema do esvaziamento da coercibilidade da execução fiscal e a
necessidade de aplicar a expressa prevista legal que disciplina a matéria.
É bem verdade que o crédito tributário não integra o regime de recuperação
judicial, uma vez que o artigo 187 do Código Tributário Nacional estabelece que a
cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores,
porquanto não pode ser atingido pelas condições previstas no plano aprovado,
sobretudo porque o Estado não pode renunciar ao crédito tributário, nem transmiti-lo
a um terceiro, ainda que onerosamente, nem tampouco pode ser atingido por
novações pactuadas pelo devedor e os demais credores353.
Nesse sentido, de acordo com o Código Tributário Nacional, em seu artigo
141, “o crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue,
ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora
dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na
forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.”
353
Conforme CALVO ORTEGA: “Frente a la regla general de la novación em las obligaciones
privadas (modificación de la prestación, substituición del deudor o subrogación en la situación del
acreedor) el Derecho Tributario ofrece como principio la indisponibilidad de las situaciones subjetivas
tanto en la prestación propriamente dicha como en los sujetos acreedor y deudor.” (CALVO ORTEGA,
Rafael. Curso de derecho financiero. 14ª. ed. MADRID: Civitas, 2010, pág. 78.).
357
Como se pode facilmente observar, trata-se de uma característica que
diferencia nitidamente o regime da obrigação tributária das obrigações de caráter
privado, as quais têm fundamento no Código Civil e na legislação correlata. A
explicação dessa forma de ser da obrigação tributária radica na presença do
interesse público a cujo serviço deve atuar a administração. Nas palavras de PÉREZ
ROYO354, “la Ley demanda a la Administración, no simplesmente que cobre el
tributo, sino que lo haga precisamente de aquel que aparece fijado en la própria Ley.
Los pactos que los particulares hagan al respecto tienen un alcance meramente
privado, sin repercusión en la relación jurídica tributária.”.
Certo é que a indisponibilidade do crédito tributário encontra expressa
previsão na Ley General Tributária espanhola (Ley 58/2003, de 17 de diciembre),
que, em seu artículo 18, estabelece que “el crédito tributario es indisponible salvo
que la ley establezca otra cosa.”
Constata-se, portanto, que a indisponibilidade do crédito tributário encontra
expressa previsão legal, tanto no Brasil como na Espanha.
O grande problema é que apesar da expressa previsão contida no artigo 6º., §
7o, da Lei 11.101/2005, no sentido de que “as execuções de natureza fiscal não são
suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de
parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária
específica”, de acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito da
354
PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho financiero y tributario. Parte general. 19ª. ed. Madrid: 2009,
pág. 135.
358
Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça355 e reiterado em diversos
julgamentos356, embora o deferimento do processamento da recuperação judicial
não tenha, por si só, o condão de suspender as execuções fiscais, na dicção do art.
6º, § 7º, da Lei n. 11.101/05, a pretensão constritiva direcionada ao patrimônio da
empresa em recuperação judicial deve, sim, ser submetida à análise do juízo
perante o qual tramita o pedido de recuperação judicial (que não se confunde com o
juízo em que se processa a ação de execução movida pela Fazenda Pública), sob o
argumento da preservação da empresa.
E mais: de acordo com o entendimento consolidado no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça357, “embora a execução fiscal não se suspenda em razão do
deferimento da recuperação judicial da empresa executada, são vedados atos
judiciais que importem na redução do patrimônio da empresa ou excluam parte dele
355
Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Agravo Regimental no conflito de competência nº
136.040 - GO (2014⁄0240987-0). Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador: Segunda
Seção. Data do Julgamento: 13 de maio de 2015.
356
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: EDcl no REsp 1.505.290/MG, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 22/05/2015; AgRg
no CC 136.040/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
13/05/2015, DJe 19/05/2015; AgRg no REsp 1.519.405/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 06/05/2015; AgRg no CC 133.509/DF, Rel. Ministro
MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/03/2015, DJe 06/04/2015; AgRg no CC
138836/SC, Rel. Min- istro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
25/03/2015, DJe 30/03/2015; AgRg no CC 129.079/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 19/03/2015; EDcl nos EDcl no CC 128.618/MT,
Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 16/03/2015;
AgRg no REsp 1.462.032/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,
julgado em 05/02/2015, DJe 12/02/2015; AgRg no CC 124.052/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2014, DJe 18/11/2014; AgRg no REsp
1.462.017/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe
12/11/2014. (VIDE INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA N. 472 e 451).
357
Conforme decisões proferedidas nos seguintes recursos: AgRg no CC 129.622/ES, Segunda
Seção, Rel.Ministro Raul Araújo, DJe 29/09/2014; AgRg no CC 125.205/SP, Rel. Ministro Marco
Buzzi, Segunda Seção, DJe 03/03/2015; AgRg no Resp 1.462.032/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, Dje 12/02/2015; AgRg no REsp 1.453.496/SC, Rel. Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 29/09/2014; EDcl no AgRg no CC 132.094/AM, Rel. Ministro
Moura Ribeiro, Segunda Seção, DJe 16/12/2014.
359
do processo de recuperação, sob pena de comprometer, de forma significativa, o
seguimento desta.” 358.
Isso tem trazido inegável prejuízo ao Estado, pois embora esteja assegurada
a continuidade da ação de execução movida pela Fazenda com o propósito de
compelir o devedor empresário a pagar os tributos e contribuições inadimplidas,
especialmente em decorrência do efetivo exercício da atividade econômica que
envolve a produção e/ou circulação de bens ou serviços, caso não ocorra a
respectiva quitação, a coercitividade desta ação de execução fica completamente
esvaziada, dada a impossibilidade de serem alcançados os bens de valor
equivalente à soma devida.
Nota-se que as decisões em comento estão fundamentadas na falsa premissa
de que a função social da empresa pode ignorar o interesse dos credores. Tal como
acima exposto, a função social da empresa, justificadora da manutenção da
atividade produtiva, só será plenamente preenchida se houver equilíbrio entre os
interesses do devedor empresário e dos credores, ainda que sejam consideradas na busca desse equilíbrio - as condições de vulnerabilidade dos microempresários e
empresários de pequeno porte e a necessidade de submetê-los a um tratamento
favorecido e diferenciado.
Aliás, o referido artigo 47359 da Lei 11.101/2005, ao tratar da recuperação
judicial, colocou expressamente em relevo o interesse dos credores, razão pela qual
358
Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Embargos de Declaração no Recurso Especial Nº
1.505.290 - MG (2014⁄0267904-0). Relator: Ministro Herman Benjamin. Órgão Julgador: Segunda
Turma. Data do julgamento: 28 de abril de 2015.
360
se o devedor empresário não tiver condições patrimoniais para assegurar a
satisfação dos créditos vencidos360 é porque se mostra duvidosa a viabilidade da
empresa, razão pela qual a decretação da falência, com o consequente afastamento
do respectivo(s) titular(es) do comando da empresa, pode evitar o agravamento do
prejuízo aos credores, inclusive de natureza tributária, e permitir que os bens de
produção possam ser utilizados com mais eficiência por terceiros.
Vale dizer que a eventual decretação da falência do devedor não ocasiona,
necessariamente, a extinção da atividade econômica de caráter empresarial. Isso
porque, caso ocorra a aquisição em bloco dos meios de produção que eram
utilizados pelo falido, o terceiro adquirente poderá empregá-los na exploração de
atividade idêntica ou semelhante, de forma eficiente; permitindo, assim, o efetivo
alcance da função social da empresa.
O problema é que, conforme acima exposto, não tem sido esse o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que busca assegurar a continuidade
de empresas, muitas vezes irrecuperáveis, à custa de um sacrifício desproporcional
dos credores, especialmente o credor tributário.
Diante da consolidação desse entendimento equivocado no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça e a improvável mudança por parte da Corte, a solução
para o problema também é alterar a Lei 11.101/2005, estabelecendo de forma clara
359
Lei 11.101/2005. “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da
situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a
preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (original sem
destaques).
360
Sobretudo porque em se tratando de crédito tributário, o SIMPLES Nacional já reserva aos
microempresários e empresários de pequeno porte condições diferenciadas em matéria de
simplificação e desoneração tributária.
361
e precisa que os bens e direitos do devedor empresário em recuperação judicial
podem ser alcançados pela Fazenda para satisfazer os eventuais débitos, salvo se
houver adesão ao regime legal de parcelamento dos débitos tributários, sem
prejuízo, é claro, do exercício pleno do direito de defesa por parte do devedor
empresário.
5.2.5.2. Dispensa da prova de pagamento ou parcelamento dos débitos
tributários como requisito imprescindível para a concessão da recuperação
judicial: crítica ao posicionamento consolidado pelo Superior Tribunal de
Justiça
Conforme acima exposto, é grave o problema decorrente da construção
jurisprudencial que impede a Fazenda de alcançar, mediante ação judicial de
execução fiscal, os bens integrantes do patrimônio do devedor empresário em
recueperação judicial, sob o argumento da preservação da empresa.
Poder-se-ia ponderar, porém, que, de acordo com o procedimento instituído
pela Lei 11.101/2005, a aprovação do plano deve ocorrer, em regra, dentro do prazo
de até cento e oitenta dias a contar da decisão de processamento e, além disso, a
efetiva concessão da recuperação judicial da empresa ficaria na dependência da
comprovação da regularidade tributária do empresário requerente, mediante a
apresentação das respectivas certidões negativas de débitos tributários ou certidões
positivas com efeito negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do débito,
pois conforme prevê o artigo 57 da Lei 11.101/2005:
362
“Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela
assembleia-geral de credores ou decorrido o prazo
previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o
devedor apresentará certidões negativas de débitos
tributários nos termos dos arts. 151361, 205362, 206363 da
361
Código Tributário Nacional. “Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera
direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou
deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a
concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora:
I - com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado, ou de
terceiro em benefício daquele;
II - sem imposição de penalidade, nos demais casos.
Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a concessão da moratória
e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do direito à cobrança do crédito; no caso
do inciso II deste artigo, a revogação só pode ocorrer antes de prescrito o referido direito.
Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.
(Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
o
§ 1 Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência
de juros e multas. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 2o Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à
moratória. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 3o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do
devedor em recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 4o A inexistência da lei específica a que se refere o § 3o deste artigo importa na aplicação das leis
gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo,
neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica. (Incluído
pela Lcp nº 118, de 2005).”.
362
Código Tributário Nacional. “Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado
tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do
interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio
fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.
Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida
e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.”.
363
Código Tributário Nacional. “Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a
certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em
que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”.
363
Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário
Nacional.”
Dentro dessa perspectiva, ainda que estivessem presentes os respectivos
pressupostos, somente se houvesse a comprovação do regular pagamento dos
tributos e contribuições devidos - por empresário ou sociedade empresária
requerente - é que poderia ser concedida a recuperação judicial da empresa
pleiteada.
Prosseguindo nessa linha de raciocínio, na ausência da regularidade
tributária, não seria possível conceder a recuperação judicial e o juiz decretaria a
falência. Não se pode e nem se deve afirmar que na hipótese de falência, o crédito
tributário estaria assegurado. Claro que não estará. Porém, surpreendentemente,
talvez a falência apresente uma maior probabilidade de satisfação do crédito
tributário do que a concessão da recuperação judicial.
A despeito da expressa previsão contida no citado artigo 57 da Lei
11.101/2005, no sentido de que após a anexação do plano ao processo de
recuperação judicial aprovado nos termos previstos na mesma lei, o devedorempresário requerente, individual ou coletivamente considerado, deverá apresentar
as certidões negativas de débitos tributários ou certidões positivas com efeito
negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do débito, essa exigência tem
sido desprezada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que tem se
pronunciado sobre o tema nos seguintes termos:
364
“A APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE
DÉBITOS FISCAIS PELO CONTRIBUINTE NÃO É
CONDIÇÃO IMPOSTA AO DEFERIMENTO DO SEU
PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTE
DA CORTE ESPECIAL.”364.
A ausência de lei específica para regular o parcelamento de débitos tributários
de devedores em recuperação judicial, nos moldes mencionados no artigo 155-A, §
3o, do Código Tributário Nacional, impediria, no entendimento emanado do Superior
Tribunal de Justiça, em 26 de agosto de 2014, a aplicabilidade do artigo 57 da Lei
11.101/2005 - que exige a comprovação da regularidade tributária como pressuposto
para a concessão da recuperação judicial. Isso porque, conforme afirmado no
referido julgamento, a lei geral de parcelamentos de débitos tributários (Lei 10.522,
de 19 de julho de 2002) “não representa um direito efetivo ao devedor de obter o
parcelamento, mas sim uma faculdade da Fazenda Pública que fixa a seu critério o
prazo e examina as garantias que devem ser apresentadas”. Por tal razão, a Lei
10.522, de 19 de julho de 2002, “não poderia ser aplicada às empresas em
recuperação judicial”. Conclui-se, naquela ocasião, que “enquanto não for editada lei
específica sobre o parcelamento dos créditos tributários de devedores em
recuperação judicial, parece evidente a impossibilidade de aplicação do disposto no
art. 57 da Lei 11.101⁄2005 e no art. 191-A do CTN no sentido de exigir a prova da
suspensão da exigibilidade do crédito tributário.”365.
364
STJ. AgRg no Recurso Especial Nº 1.376.488 - DF (2013⁄0095627-3). Relator: Ministro Luis Felipe
Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do Julgamento: 26 de agosto de 2014.
365
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.187.404 - MT (2010⁄0054048-4). Relator:
Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça.
Data do Julgamento: 19 de junho de 2013.
365
Ocorre que em 13 de novembro de 2014, foi publicada a Lei 13.043, que
incluiu o artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, criando parcelamento
específico para as empresas que obtiverem o deferimento da recuperação judicial, a
saber:
“Art. 10-A. O empresário ou a sociedade empresária que
pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação
judicial, nos termos dos arts. 51, 52 e 70 da Lei nº 11.101,
de 9 de fevereiro de 2005, poderão parcelar seus débitos
com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro)
parcelas mensais e consecutivas, calculadas observandose os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o
valor da dívida consolidada:
I - da 1ª à 12ª prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e
seis milésimos por cento);
II - da 13ª à 24ª prestação: 1% (um por cento);
III - da 25ª à 83ª prestação: 1,333% (um inteiro e
trezentos e trinta e três milésimos por cento); e
IV - 84ª prestação: saldo devedor remanescente.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se à totalidade dos
débitos do empresário ou da sociedade empresária
constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da
366
União, mesmo que discutidos judicialmente em ação
proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução
fiscal já ajuizada, ressalvados exclusivamente os débitos
incluídos em parcelamentos regidos por outras leis.
§ 2º No caso dos débitos que se encontrarem sob
discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não à
causa legal de suspensão de exigibilidade, o sujeito
passivo deverá comprovar que desistiu expressamente e
de forma irrevogável da impugnação ou do recurso
interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente,
renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais
se fundem a ação judicial e o recurso administrativo.
§ 3º O empresário ou a sociedade empresária poderá, a
seu critério, desistir dos parcelamentos em curso,
independentemente da modalidade, e solicitar que eles
sejam parcelados nos termos deste artigo.
§ 4º Além das hipóteses previstas no art. 14-B, é causa de
rescisão
do
parcelamento
a
não
concessão
da
recuperação judicial de que trata o art. 58 da Lei nº
11.101, de 9 de fevereiro de 2005, bem como a
decretação da falência da pessoa jurídica.
§ 5º O empresário ou a sociedade empresária poderá ter
apenas um parcelamento de que trata o caput, cujos
367
débitos constituídos, inscritos ou não em Dívida Ativa da
União, poderão ser incluídos até a data do pedido de
parcelamento.
§ 6º A concessão do parcelamento não implica a liberação
dos bens e direitos do devedor ou de seus responsáveis
que tenham sido constituídos em garantia dos respectivos
créditos.
§ 7º O parcelamento referido no caput observará as
demais condições previstas nesta Lei, ressalvado o
disposto no § 1º do art. 11, no inciso II do § 1º do art. 12,
nos incisos I, II e VIII do art. 14 e no § 2º do art. 14-A.”
Ressalta-se que a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN) regulamentaram o parcelamento de débitos de tributos federais de
empresas em recuperação judicial, por meio da portaria número 1, de 13 de
fevereiro de 2015.
Porém, surpreendentemente, nem mesmo a edição – e consequente
publicação – da Lei 13.043/2014 foi suficiente para alterar o entendimento
consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de afastar a
exigência contida no artigo 57 da Lei 11.101/2005.
Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em 19 de junho de
2015, que:
368
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO
REGIMENTAL
CONFLITO
NO
DE
AGRAVO
REGIMENTAL
COMPETÊNCIA.
NO
AUSÊNCIA
DE QUALQUER DOS VÍCIOS ELENCADOS NO ART.
535 DO CPC. MERO INCONFORMISMO. EDIÇÃO DA
LEI N. 13.043, DE 13.11.2014. PARCELAMENTO DE
CRÉDITOS
DE
JURISPRUDÊNCIA
EMPRESA
EM
MANTIDA.
RECUPERAÇÃO.
EMBARGOS
DE
DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Os embargos de declaração somente são cabíveis
quando houver, na decisão, obscuridade, contradição,
omissão ou erro material, consoante dispõe o art. 535 do
CPC.
2. No caso concreto, não se constata o vício alegado pela
embargante, que busca rediscutir matérias devidamente
examinadas e rejeitadas pela decisão embargada, o que é
incabível nos embargos declaratórios.
3. A edição da Lei n. 13.043, de 13.11.2014, por si, não
descaracteriza o conflito de competência acerca de
quem deverá decidir sobre a alienação dos bens
submetidos, simultaneamente, à execução fiscal e à
369
recuperação
judicial
decretada
anteriormente
ao
referido diploma.
4. Embargos de declaração rejeitados.” 366.
Constata-se, portanto, que a manutenção desse entendimento contraria a
indisponibilidade do crédito tributário - res publica em essência, cuja efetiva
satisfação fica, na prática, à mercê da iniciativa do devedor em recuperação judicial
no sentido de pagar o débito de uma única vez ou parceladamente; sobretudo
porque, conforme foi anteriormente demonstrado, a coercibilidade inerente à ação
executiva fiscal foi totalmente esvaziada em decorrência de outro entendimento
jurisprudencial consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que tem,
reiteradamente, inadmitido o alcance dos bens do empresário ou sociedade
empresária que esteja em recuperação judicial.
Não obstante, embora de forma incipiente, começam a surgir, dentro do
próprio Superior Tribunal de Justiça, decisões contrárias a esse entendimento,
reconhecendo-se, portanto, a necessidade de garantir minimamente a satisfação do
crédito tributário.
Assim é que, nos termos da decisão proferida em 05 de março de 2015, no
Recurso Especial Nº 1.512.118 - SP (2015⁄0009213-1)367, sob a relatoria do Ministro
366
Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no AgRg no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Nº 119.202 - SP (2011⁄0235349-0). Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. Órgão julgador:
Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 19 de junho de 2015. (sem
destaques no original)
370
Herman Benjamin, reconheceu-se que a interpretação da legislação federal não
pode conduzir a resultados práticos que impliquem a supressão de norma vigente.
Portanto, segundo a decisão, “a melhor técnica de exegese impõe a releitura da
orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção, que, salvo melhor juízo,
analisou o tema apenas sob o enfoque das empresas em Recuperação Judicial.”.
Dessa forma, com base na referida decisão, deve-se adotar a seguinte linha
de compreensão do tema: a) constatado que a concessão do Plano de Recuperação
Judicial foi feita com estrita observância dos artigos 57 e 58 da Lei 11.101/2005 (ou
seja, com prova de regularidade fiscal), a eventual Execução Fiscal em curso será
suspensa em virtude da previsão contida no artigo 151 368 do Código Tributário
367
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO UNIVERSAL DE BENS. ART. 185.-A
DO CTN. INAPLICABILIDADE EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
EXEGESE HARMÔNICA DOS ARTS. 5º E 29 DA LEI 6.830⁄1980 E DO ART. 6º, § 7º, DA LEI
11.101⁄2005.
1. Segundo preveem o art. 6, § 7º, da Lei 11.101⁄2005 e os arts. 5º e 29 da Lei 6.830⁄1980, o
deferimento da Recuperação Judicial não suspende o processamento autônomo do executivo fiscal.
2. Importa acrescentar que a medida que veio a substituir a antiga concordata constitui modalidade
de renegociação exclusivamente dos débitos perante credores privados.
3. Nesse sentido, o art. 57 da Lei 11.101⁄2005 expressamente prevê que a apresentação da Certidão
Negativa de Débitos é pressuposto para o deferimento da Recuperação Judicial – ou seja, os créditos
da Fazenda Pública devem estar previamente regularizados (extintos ou com exigibilidade suspensa),
justamente porque não se incluem no Plano (art. 53 da Lei 11.101⁄2005) a ser aprovado pela
assembleia-geral de credores (da qual, registre-se, a Fazenda Pública não faz parte – art. 41 da Lei
11.101⁄2005).
4. Consequência do exposto é que o eventual deferimento da nova modalidade de concurso
universal de credores mediante dispensa de apresentação de CND – Certidão Negativa de
Débitos Tributários - não impede o regular processamento da Execução Fiscal, com as
implicações daí decorrentes (penhora de bens, etc.).
5. Não se desconhece a orientação jurisprudencial da Segunda Seção do STJ, que flexibilizou
a norma dos arts. 57 e 58 da Lei 11.101⁄2005 para autorizar a concessão da Recuperação
Judicial independentemente da apresentação da prova de regularidade fiscal.
6. Tal entendimento encontrou justificativa na demora do legislador em cumprir o disposto no
art. 155-A, § 3º, do CTN – ou seja, instituir modalidade de parcelamento dos créditos fiscais
específico para as empresas em Recuperação Judicial.
7. A interpretação da legislação federal não pode conduzir a resultados práticos que
impliquem a supressão de norma vigente. Assim, a melhor técnica de exegese impõe a
releitura da orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção, que, salvo melhor juízo,
analisou o tema apenas sob o enfoque das empresas em Recuperação Judicial.” (Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.512.118 - SP (2015⁄0009213-1). Relator Ministro Herman
Benjamin. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 05 de março de 2015.). (original
sem destaques).
368
Código Tributário Nacional. “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I - moratória;
371
Nacional; b) caso contrário, isto é, se foi erroneamente deferido, no juízo
competente, o Plano de Recuperação judicial independentemente da apresentação
da Certidão Negativa de Débitos Tributários ou da Certidão Positiva com Efeito
Negativa (em virtude da adesão ao parcelamento previsto na Lei 13.043/2014),
incide a regra do artigo 6º, § 7º
369
, da Lei 11.101⁄2005, de modo que a Execução
Fiscal terá regular prosseguimento, com evidentes e inarredáveis consequências na
esfera patrimonial do devedor em recuperação judicial, pois não é legítimo concluir
que a recuperação judicial do devedor empresário em crise possa ser feita
exclusivamente em relação aos seus credores privados, e, ainda assim, às custas
dos créditos de natureza fiscal, pois isso implicaria na socialização dos riscos da
atividade econômica privada.
Nesta última hipótese, seja qual for a medida de constrição sobre os bens e
direitos do devedor em regime de recuperação judicial, adotada na Execução Fiscal,
será possível, com base nas circunstâncias concretas, devidamente provadas nos
autos e valoradas pelo juízo do executivo processado no rito da Lei de Execução
II - o depósito do seu montante integral;
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário
administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;
(Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
VI – o parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórias
dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes.” (original sem
destaques).
369
o
Lei 11.101/2005. “Art. 6 A decretação da falência ou o deferimento do processamento da
recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do
devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.”
“§ 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação
judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e
da legislação ordinária específica.” (original sem destaques).
372
Fiscal (Lei 6.830/1980), a aplicação do artigo 620 do Código de Processo Civil 370, a
fim de que se obeserve o princípio da menor onerosidade, desde que fique
assegurado o interesse do crédito tributário.
É urgente, portanto, a prevalência desse entendimento Recurso Especial Nº
1.512.118 - SP (2015⁄0009213-1), para, a partir de uma releitura da orientação
jurisprudencial adotada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça que,
além de impedir que a Fazenda possa alcançar os bens do devedor em recuperação
judicial, admite a aprovação do plano de recuperação judicial independentemente da
prova da regularidade das obrigações tributárias, assegurar que as empresas
verdadeiramente viáveis possam utilizar adequadamente o regime da recuperação
judicial, com o fito de superar a situação de crise.
Paralelamente, também é útil e necessária a alteração do artigo 57 da Lei
11.101/2005, a fim de fixar, em termos claros e peremptórios, a necessidade
inafastável do devedor empresário apresentar as certidões negativas de débitos
tributários ou certidões positivas com efeito negativo caso tenha sido realizado o
parcelamento do débito, logo após a juntada do plano de recuperação aprovado, sob
pena de não ser concedida a recuperação judicial da empresa.
Somente assim será possível preservar a indisponibilidade do crédito
tributário, a fim de evitar a indesejável socialização dos riscos e prejuízos advindos
do exercício da atividade econômica desenvolvida pelo empresário individual ou
sociedade empresária.
370
Código de Processo Civil. “Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a
execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”
373
É bem verdade que não se pode e nem se deve desconhecer que a exigência
prevista no § 2º do artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, alterado
pela referida Lei 13.043/2014, no sentido que no caso dos débitos que se
encontrarem sob discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não à causa
legal de suspensão de exigibilidade, o sujeito passivo, ou seja, o empresário –
invidual ou coletivamente considerado que se encontre em processo de reperação
judicial – deverá comprovar que desistiu expressamente e de forma irrevogável da
impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente,
renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial
e o recurso administrativo, pode, efetivamente, constituir flagrante prejuízo para o
referido sujeito passivo que porventura entenda ser indevida a exigência do
respectivo tributo.
Em casos como tais, seria oportuna e adequada a utilização de um mediador,
na linha do pensamento esposado pela professora GONZÁLEZ-CUÉLLAR
SERRANO371, que afirma: “[…] no basta con que se constate una controversia entre
los intervinientes sobre la tutela jurídica de sus intereses, sino que es necesario que
concurra una situación de inseguridad acerca de la certeza de sus posiciones tanto
por parte de la Hacienda Pública como del obligado tributario.”
Tais incertezas, ainda de acordo com a professora GONZÁLEZ-CUÉLLAR
SERRANO372, são muito frequentes na aplicação do Direito Tributário e se
371
GONZÁLEZ-CUÉLLAR SERRANO, Maria Luisa. La posibilidad de incorporar la mediación como
forma de terminación convencional de los procedimientos tributarios. In: MARTÍNEZ PISÓN, Juan
Arrieta; COLLADO YURRITA, Miguel Ángel; ZORNOZA PÉREZ, Juan (Directores). Tratado sobre la
ley general tributaria: Homenaje a Álvaro Rodríguez Bereijo. Tomo II. Navarra: Thomson Reuters,
2010, págs. 259-279.
372
Idem.
374
apresentam em relação com o estabelecimento dos “hechos, su calificación y
valoración o la aplicación de las consecuencias jurídicas previstas en la norma.”
A figura do mediador visando apaziguar os interesses também serviria para
conferir a necessária celeridade na solução do problema, permitindo uma solução
em ritmo compatível com a urgente necessidade de colocar o empresário,
especialmente o microempresário e o empresário de pequeno porte, sob o regime
da recuperação judicial da empresa.
A experiência mostra que as dicusssões acerca de controvérsias tributárias
perante o Poder Judiciário têm sido marcadas pela excessiva demora na solução
definitiva e essa lentidão trará inegáveis prejuízos ao empresário que deseja obter
decisão concessiva da recuperação judicial.
Como no regime atual, a adesão ao regime de parcelamento tributário
previsto no referido § 2º do artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002,
alterado pela referida Lei 13.043/2014 depende da comprovação de que o
empresário desistiu expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do
recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente, renunciou a quaisquer
alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial e o recurso
administrativo, a mediação, além de assegurar celeridade à solução, conferiria
justiça fiscal aos envolvidos.
Vale registrar que a lentidão dos processos judiciais, especialmente em
matéria tributária, também é um problema identificado em outros países, como
375
Portugal, pois, no dizer de VALDEZ373: “[…] sendo Portugal um Estado democrático
de Direito, dever-se-ia pensar que a administração da Justiça se fizesse em termos
razoáveis, o que infelizmente não acontece […]”, merecendo destaque a afirmação
do autor de que os processos mais antigos “[…] levam para cima de 7 anos para
serem julgados em primeira instância […]”, fato que agrava a situação dos
contribuintes,
que
ficam obrigados “[…] a
pagar ou
a
prestar garantia
indefinidamente para sustar a execução fiscal.”.
Nessa ordem de idéias, defende-se na presente tese a necessidade de
aperfeiçoamento do regime de recuperação judicial da empresa que tenha por base
o equilíbrio de interesses, tanto do devedor empresário em recuperação como dos
seus respectivos credores, preservando-se, no âmbito tributário, de um lado, a
indisponibilidade do crédito e, do outro, a garantia do contribuinte de pagar pelos
tributos verdadeiramente devidos, não se mostrando justa a imposição legal que o
obriga a desistir da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e,
cumulativamente, ser obrigado a renunciar a quaisquer alegações de direito sobre
as quais se fundem a ação judicial e o recurso administrativo, como pressupostos
para adesão ao regime de parcelamento e, por conseguinte, como requisito para
obter decisão concessiva da sua recuperação judicial.
Portanto, a introdução da figura do mediador no regime da recuperação
judicial da empresa, especialmente no tocante aos débitos tributários, não só pode
como deve ser objeto de alteração legislativa para esse fim.
373
VALDEZ, Vasco. A evolução das garantias dos contribuintes em Portugal. In: FREIRE E
ALMEIDA, Daniel; GOMES, Fábio Luiz; CATARINO, João Ricardo (organizadores). Garantias dos
contribuintes no sistema tributário: homenagem a Diogo Leite Campos. São Paulo: Saraiva, 2013,
págs. 695-704.
376
5.2.5.3. Alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do
devedor empresário como meio de recuperação judicial e os riscos quanto à
satisfação dos débitos tributários.
Se não bastassem os dois problemas acima expostos, o crédito tributário tem
sofrido, ainda, as consequências decorrentes da previsão contida no artigo 60 da Lei
11.101/2005, a saber:
“Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado
envolver alienação judicial de filiais ou de unidades
produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua
realização, observado o disposto no art. 142374 desta Lei.
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de
qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas
obrigações do devedor, inclusive as de natureza
tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141375
desta Lei.”376
374
“Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver,
ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades:
I – leilão, por lances orais;
II – propostas fechadas;
III – pregão.”
375
“Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais,
promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, subrogam-se no produto da realização do ativo;
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante
nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho
e as decorrentes de acidentes de trabalho.
o
§ 1 O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
377
Advirta-se que o referido artigo 60 da Lei 11.101/2005, sob a denominação
“alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor” não trata
do trespasse de estabelecimento empresarial.
Isso porque, segundo dispõe o já citado artigo 1.142 do Código Civil,
“considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”.
Estabelecimento empresarial é, portanto, o conjunto ou “todo complexo” de
bens que o empresário ou sociedade empresária organiza para fins de exploração
da empresa, e, caso venha a ser vendido ou alienado, exigirá a elaboração do
contrato denominado trespasse377.
Não é correto confundir, portanto, o trespasse do estabelecimento
empresarial com a venda ou alienação das filiais ou de unidades produtivas
isoladas.
o
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4 (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou
de sócio da sociedade falida; ou
III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
o
§ 2 Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos
contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.”
376
Original sem destaques.
377
Conforme afirma Fábio Ulhoa Coelho, “o contrato de compra e venda de estabelecimento
denomina-se trespasse.” (ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa.
Vol. 1. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 184.)
378
A distinção é útil ou relevante, especialmente para preservação do crédito
tributário. É que se o plano aprovado estiver baseado no artigo 50, inciso VII378, da
Lei 11.101/2005, haverá trespasse ou venda do estabelecimento empresarial e, por
conseguinte, o ato estará sujeito ao regime ordinário de sucessão, isto é, o
adquirente
assumirá
a
responsabilidade
pelos
débitos
constituídos
pelo
vendedor/alienante, aplicando-se, quanto aos créditos privados, o disposto no artigo
1.146 do Código Civil, a saber:
“Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde
pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência,
desde que regularmente contabilizados, continuando o
devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de
um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da
publicação,
e,
quanto
aos
outros,
da
data
do
vencimento.”.379
No tocante aos créditos tributários, o artigo 133 do Códito Tributário Nacional
disciplina satisfatoriamente a matéria, nos seguintes termos:
378
Lei 11.101/2005. “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação
pertinente a cada caso, dentre outros:
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos
próprios empregados.”.
379
Original sem destaques.
379
“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado
que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de
comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou
profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a
mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome
individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou
estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do
comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir
na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da
data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro
ramo de comércio, indústria ou profissão.
§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na
hipótese de alienação judicial: (Incluído pela Lcp nº 118,
de 2005)
I – em processo de falência; (Incluído pela Lcp nº 118, de
2005)
II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de
recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 2o Não se aplica o disposto no § 1 o deste artigo quando
o adquirente for: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
380
I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial,
ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em
recuperação judicial;(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4 o (quarto)
grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em
recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou
(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
III – identificado como agente do falido ou do devedor em
recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão
tributária.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 3o Em processo da falência, o produto da alienação
judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada
permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo
de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de
alienação,
somente
podendo
ser
utilizado
para
o
pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que
preferem ao tributário. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)”
Portanto, em matéria tributária, se houver trespasse do estabelecimento
empresarial no âmbito do processo de recuperação judicial, serão aplicados os
incisos I ou II do artigo 133 do Código Tributário Nacional e adquirente responderá
pelos débitos tributários integralmente, se o alienante cessar a exploração do
comércio, indústria ou atividade ou subsidiariamente com o alienante, se este
prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da
381
alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou
profissão.
Porém, não haverá sucessão no tocante aos débitos tributários em caso de
venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada, realizada em virtude da
aprovação do plano de recuperação apresentado em processo de recuperação
judicial (artigos 133, § 1o, inciso II, do Código Tributário Nacional, e 60, parágrafo
único, da Lei 11.101/2005) ou em processo de falência aplicável às empresas
inviáveis e submetidas ao regime de venda dos bens do falido previsto no artigo
140380
da
Lei
11.101/2005,
que
contempla,
inclusive,
o
trespasse
do
estabelecimento empresarial sob a denominação de “alienação da empresa, com a
venda de seus estabelecimentos em bloco” como critério preferencial a ser
observado. Acresente-se que haverá sucessão, nesses casos, diante da
constatação das hipóteses descritas nos artigos 133, § 2 o, do Código Tributário
Nacional, e 141381, § 1o, da Lei 11.101/2005 (que tratam de hipóteses idênticas).
380
Lei 11.101/2005. “Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas,
observada a seguinte ordem de preferência:
I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco;
II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente;
III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor;
IV – alienação dos bens individualmente considerados.
§ 1o Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas mais
de uma forma de alienação.
§ 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de
credores.
o
§ 3 A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à
operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos
específicos.
o
§ 4 Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registro
público, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo.”.
381
Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais,
promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, subrogam-se no produto da realização do ativo;
382
SECCHI MUNHOZ 382 reconhece, com precisão, que o legislador, na redação
do artigo 60 da Lei 11.101/2005, não adotou a melhor técnica, na medida em que as
expressões “filiais” ou “unidades produtivas isoladas” não possuem um significado
jurídico adequado para a situação em tela. Segundo o autor, “melhor seria o
emprego da expressão estabelecimento, cujo conceito foi amplamente desenvolvido
pela doutrina, encontrando-se positivado no art. 1.142” do Código Civil.
Porém, enquanto não houver alteração legislativa nos termos sugeridos pelo
autor, é necessário empregar corretamente as expressões, traçando a adequada
distinção entre o trespasse – que envolve a venda ou alienação do estabelecimento
empresarial – e a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada.
Constata-se que o alcance da previsão contida no parágrafo único do artigo
60 da Lei 11.101/2005 - que afasta a responsabilidade sucessória do adquirente dos
bens quanto aos débitos do alienante em recuperação judicial, restringe-se à
hipótese em que o respectivo plano aprovado estiver baseado no referido artigo 50,
inciso VII383, da mesma Lei 11.101/2005.
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante
nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho
e as decorrentes de acidentes de trabalho.
o
§ 1 O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do
falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. (original sem
destaques)
382
SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Da Recuperação judicial. “in” SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro; A.
DE MORAES PITOMBO, Antônio Sérgio. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência:
Lei 11.101/2005 – artigo por artigo. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2007, pág. 298.
383
Lei 11.101/2005. “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação
pertinente a cada caso, dentre outros:
383
Induvidoso, portanto, que o objetivo pugnado pelo legislador, por meio do
parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, foi estimular um maior número de
interessados a manifestar o desejo de adquirir a filial ou a unidade produtiva isolada
do devedor empresário em crise, e, com isso, potencializar as possibilidades de
soerguimento da empresa, ainda que uma parte dos bens utilizados no
desenvolvimento da atividade econômica passe a pertencer a terceira pessoa, que
venha a adquiri-los no marco da recuperação judicial, com a anuência dos credores
submetidos a esse regime legal.
Criou-se, por meio do parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, o que
o jargão jurídico-econômico convencionou chamar de “blindagem”
384
, ou seja,
cercar o bem de todas as garantias de que não será atingido por qualquer outro tipo
de ônus, incluindo expressamente os de natureza tributária.
Oportuno destacar que não haverá sucessão nem mesmo quando aos
créditos de natureza trabalhista. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal
385
proclamou a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 60 da Lei
11.101/2005,
consoante
os
termos
de
julgamento
da
ação
direta
de
inconstitucionalidade – ADI número 3934 / DF - Distrito Federal, assim resumido:
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos
próprios empregados.”.
384
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência. 10ª. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pág. 184.
385
Supremo Tribunal Federal. ADI número 3934 / DF - Distrito Federal. Relator(a): Mininstro Ricardo
Lewandowski. Data do julgamento: 27/05/2009.
384
EMENTA:
AÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE.
DIRETA
DE
ARTIGOS
60,
PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI
11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV,
6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988.
ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I - Inexiste reserva
constitucional de lei complementar para a execução dos
créditos
trabalhistas
recuperação
judicial.
decorrente
II
-
Não
de
falência
há,
ou
também,
inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão
de créditos trabalhistas. III - Igualmente não existe
ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão
de créditos trabalhistas em quirografários. IV - Diploma
legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e
assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos
postos de trabalho. V - Ação direta julgada improcedente.
Vale dizer que o entendimento do Supremo Tribunal Federal acima exposto,
quando aplicado dentro dos estreitos limites da Lei 11.101/2005, conciliando-o com
a necessária e prévia demonstração da regularidade fiscal da empresa não acarreta
nenhum prejuízo. Ao contrário: de um lado, estará assegurado o interesse dos
terceiros na aquisição de filial ou unidade produtiva isolada de empresário em
recuperação judicial, e, lado outro, haverá a preservação, no todo ou em parte, dos
postos de trabalho, na medida em que o adquirente certamente destinará os bens ao
385
desenvolvimento da atividade econômica e, por conseguinte, precisará de mão-deobra especializada.
Ademais, não se pode olvidar que os créditos trabalhistas estão submetidos
ao regime da recuperação judicial da empresa, cuja aprovação do plano que prevê a
venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada exige, também, a
manifestação majoritária dos trabalhadores. Isso significa que se os trabalhadores
concordaram, por maioria ou por unanimidade, com a venda ou alienação de filial ou
unidade produtiva isolada, no marco do artigo 60, parágrafo único, da Lei
11.101/2005, não há nenhum sentido na tentativa de imposição de responsabilidade
sucessória do eventual adquirente de tal filial ou unidade produtiva isolada quanto
aos débitos trabalhistas que porventurem não puderem ser quitados por meio dos
recursos obtidos com a referida venda ou alienação.
Em tese, a venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada, no
marco do artigo 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, não traria consequência
para o crédito tributário. Isso porque, de novo em tese, o devedor manteria bens e
direitos outros em montante suficiente para garantir o pagamento dos eventuais
débitos tributários.
O problema é que, como o legislador não estabeleceu a necessidade do
empresário individual ou coletivo comprovar, no momento do pedido de recuperação
judicial, que o ativo, isto é, os bens e direitos economicamente valoráveis, seja, no
386
mínimo, igual ou superior ao passivo, ou seja, a soma dos débitos constituídos pelo
titular da empresa, é possível que, após a venda a venda ou alienação de filial ou
unidade produtiva isolada, fique configurado um estado de insolvência no sentido
patrimonial da expressão (ativo inferior ao passivo).
Diante disso, é possível que, depois de consumada a venda ou alienação de
filial ou unidade produtiva isolada, inexistam bens e direitos que assegurem o
cumprimento de obrigações tributárias.
Isso poderia ser evitado pela simples aplicação do artigo 57 da Lei
11.101/2005, que, conforme anteriormente destacado, exige, como pressuposto
para concessão da recuperação judicial, a apresentação das certidões negativas de
débitos tributários ou certidões positiva com efeito negativo caso tenha sido
realizado o parcelamento do débito.
Assim, o crédito tributário estaria minimamente garantido.
O problema é que o Superior Tribunal de Justiça tem, também nesse ponto,
trilhado um caminho equivocado quando aprecia a matéria em comento, uma vez
que, além de afastar a exigência contida do artigo 57 da Lei 11.101/2005, bem como
impedir que a Fazenda alcance, por meio da Ação de Execução Fiscal, bens do
devedor em recuperação judicial suficientes para assegurar o pagamento dos
387
débitos tributários, entrega ao juiz - da recuperação judicial - todo o controle dos
bens do devedor, em prejuízo do crédito tributário.
Segundo o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça386:
“[…] o juízo responsável pela recuperação judicial detém
a
competência
relacionadas,
para
direta
dirimir
ou
todas
as
indiretamente,
questões
com
tal
procedimento, inclusive aquelas que digam respeito à
alienação judicial conjunta ou separada de ativos da
empresa recuperanda, diante do que prescrevem os arts.
6º, caput e § 2º, 47, 59 e 60, parágrafo único, da Lei n.
11.101/2005.”.
Frise-se que a “alienação judicial conjunta” ou “separada de ativos da
empresa recuperanda” não estão submetidas ao mesmo regime sucessório,
conforme foi anteriormente mencionado. Deve-se, considerar que a expressão
“alienação judicial conjunta”, da forma empregada na decisão, equivale ao trespasse
(venda do estabelecimento), enquanto que a alienação judicial “separada de ativos
da empresa recuperanda” corresponde à venda ou alienação de filial ou unidade
produtiva isolada. Somente essa última, vale lembrar, está submetida ao regime do
386
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 112.638 - RJ
(2010⁄0111796-0). RELATOR MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador: Segunda
Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 10 de agosto de 2011.
388
artigo 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, porquanto, fora do alcance do
referido dispositivo legal, haverá sucessão do adquirente nas obrigações do
devedor, inclusive as de natureza tributária, como ocorre nos casos de alienação do
estabelecimento empresarial (venda conjunta do complexo de bens).
Portanto, não poderia o Superior Tribunal de Justiça reservar tratamento
idêntico para hipóteses distintas, sobretudo diante das consequências negativas
advindas para o crédito tributário. Porém, esse equívoco tem se repetido, mesmo
nos casos em que o Juiz da Execução Fiscal constata que se trata de trespasse e
não de simples venda ou alienação de filial ou unidade produtiva isolada. Ou seja,
afasta a responsabilidade sucessória do adquirente, mesmo quando se revela
imperiosa a sua aplicação.
Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que:
“AGRAVO
NO
COMPETÊNCIA.
JUDICIAL.
CONFLITO
SOCIEDADE
TRESPASSE
RECONHECIMENTO
PELO
JUÍZO
DE
DO
POSITIVO
EM
RECUPERAÇÃO
ESTABELECIMENTO.
SUCESSÃO
FEDERAL.
DE
TRIBUTÁRIA
EXECUÇÃO
FISCAL
PROMOVIDA CONTRA A SOCIEDADE ADQUIRENTE.
DECLARADA COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL.
389
AUSÊNCIA
DE
VIOLAÇÃO
DA
CLÁUSULA
DE
RESERVA DE PLENÁRIO.
1. Configura-se o conflito de competência quando, de um
lado, está o Juízo da Recuperação Judicial, que declarou
a inexistência de sucessão dos ônus e obrigações
decorrentes
do
trespasse
do
estabelecimento
da
sociedade recuperanda; de outro, o Juízo Federal, que,
reconhecendo a sucessão tributária, promove execução
fiscal contra a sociedade adquirente.
2. Não há que se falar em ofensa à cláusula de reserva de
plenário (art. 97 da Constituição Federal) se, na decisão
agravada, não houve declaração de inconstitucionalidade
dos dispositivos legais suscitados, tampouco se negou
sua vigência, mas apenas se extraiu da regra seu
verdadeiro alcance, a partir de uma interpretação
sistêmica.
3. A 2ª Seção deste Tribunal pacificou o entendimento de
que, não obstante a execução fiscal, em si, não se
suspenda com o deferimento da recuperação judicial,
cabe ao Juízo Universal o prosseguimento dos atos de
execução, sob pena de inviabilizar a recuperação da
sociedade.
4. É do Juízo da Recuperação Judicial a competência
para definir a existência de sucessão dos ônus e
obrigações, nos casos de alienação de unidade produtiva
390
da
sociedade
recuperanda,
inclusive
quanto
à
responsabilidade tributária da sociedade adquirente.
5. Agravo não provido.” 387
Não há dúvida que a empresa que desempenha adequadamente a sua
função social deve ser preservada, mediante a utilização do instituto da recuperação
judicial. Porém, é necessário, mais vez, chamar a atenção para o fato de que os
interesses do devedor e dos credores precisam ser harmonizados. Não é possível
transferir todo o ônus da recuperação judicial para os credores. E o pior: transferir tal
ônus para os credores que não estejam sequer submetidos ao regime da
recuperação judicial, como é o caso do credor tributário.
Já foi dito que o Estado exerce papel fundamental no estímulo da atividade
econômica dos agentes privados. De igual modo, já foi afirmado que a simplificação
e a desoneração tributária são pontos fundamentais para concretização desse
estímulo.
Porém, admitir a alienação de filial ou unidade produtiva isolada ou até
mesmo a alienação do estabelecimento empresarial no âmbito da recuperação
judicial, esvaziando o acervo de bens do devedor mesmo diante do inadimplemento
da obrigação tributária e sem assegurar ao Estado as garantias minimamente
necessárias à satisfação do crédito tributário, implica, na prática, na violação da
indisponibilidade do crédito tributário e na indevida socialização dos riscos da
387
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 116.036 SP (2011⁄0038013-2) . Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Segunda Seção do
Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 12 de junho de 2013.
391
atividade econômica, impondo prejuízo para toda a sociedade que, direta ou
indiretamente, contribui, por meio de impostos e contribuições, para o custeio das
despesas estatais.
A solução para o problema apresentado depende de alteração legislativa que
tendente a modificar a redação do artigo 57 da Lei 11.101/2005, pontuando a
obrigatoriedade da apresenção das certidões negativas de débitos tributários ou
certidões positivas com efeito negativo caso tenha sido realizado o parcelamento do
débito, após a aprovação do plano de recuperação, especialmente em caso de
alienação de filial ou unidade produtiva isolada ou até mesmo a alienação do
estabelecimento empresarial no âmbito da recuperação judicial, sob pena de não ser
concedida a recuperação judicial da empresa.
É urgente – enquanto a alteração legislativa não se torna realidade – a
prevalência do entendimento – ainda isolado – que foi manifestado no Recurso
Especial Nº 1.512.118 - SP (2015/0009213-1), nos termos da decisão –
anteriormente citada – proferida em 05 de março de 2015, para, a partir de uma
releitura da orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção do Superior
Tribunal de Justiça, permitir que a Fazenda possa alcançar os bens do devedor em
recuperação judicial – já que, como foi dito, o crédito tributário não integra tal regime;
bem como se promova a correta aplicação do regime sucessório previsto no artigo
133 do Código Tributário Nacional, especialmente nos casos de trespasse do
estabelecimento empresarial, quando o adquirente do complexo de bens se torna
responsável pelo pagamento dos débitos do alienante.
392
6. DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA EM VIRTUDE DA FRUSTRAÇÃO DA
TENTATIVA DE RECUPERAÇÃO DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE
PEQUENO PORTE: ABERTURA DO PROCESSO CONCURSAL DESTINADO À
LIQUIDAÇÃO
6.1. FUNDAMENTOS DA CONVERSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM
FALÊNCIA
Consoante acima exposto, a recuperação judicial objetiva o soerguimento da
atividade econômica organizada, diante do estado de crise reconhecida e
confessada em juízo pelo empresário individual ou coletivo.
Porém, foi igualmente demonstrado que a concessão do regime de
recuperação judicial, no regime vigente, dependerá, inevitavelmente, da aprovação
de um plano de recuperação apresentado pelo devedor-empresário individual ou
coletivo, mediante manifestação minimamente favorável por parte dos credores.
Ocorre que nem sempre a empresa apresenta a necessária viabilidade,
porquanto não há outro caminho a seguir que não seja o da liquidação patrimonial
por meio da abertura do processo falimentar, pois “a manutenção de uma empresa
inviável no mercado pode gerar prejuízos ainda maiores” 388 para os credores.
Acrescente-se que a falência também tem como escopo assegurar a
adequada distribuição dos recursos obtidos com a alienação judicial dos bens do
388
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. Vol. 3.
2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 7.
393
falido, organizando-se os credores por classes, obedecendo-se, assim, a ordem
legal de recebimento das quantias devidas a cada um deles, até o esgotamento dos
recursos, assegurando-se a perfeita igualdade de tratamento entre os credores da
mesma classe; cabendo destacar, ainda, que a decretação da falência determina o
vencimento antecipado das dívidas do devedor, de maneira que as obrigações
líquidas se tornam prontamente exigíveis, mas a satisfação fica na dependência da
posição do crédito na ordem de classificação legal e, obviamente, da disponibilidade
de recursos do falido.
Nesse passo, o artigo 75 da Lei 11.101/2005, estabeleceu que a “falência, ao
promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa preservar e otimizar a
utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis,
da empresa.”.
Sob esse prisma da preservação e otimização produtiva dos bens, ativos e
recursos produtivos, PEINADO GRACIA afirma que “el fin del Derecho concursal es
precisamente garantizar la conservación de la empresa, sustituyendo provisional o
definitivamente al empresario, según un modelo asistencial, tiene una incidencia
directa en las expectativas que legitimamente deban tutelarse a los acreedores.” 389.
Embora exista um componente processual na falência, já que se desenvolve
perante o Poder Judiciário, não há como negar a prevalência do Direito Empresarial
ou Mercantil no instituto, uma vez que, no sistema brasileiro, o regime falimentar
somente – tal e como anteriormente assinalado – somente pode ser aplicado aos
389
PEINADO GRACIA, Juan Ignacio. La distribución del riesgo de insolvência. Estudios sobre la Ley
Concursal. Libro homenaje a Manuel Olivencia. Tomo I. Madrid: Marcial Pons, 2005, págs. 431.
394
que desenvolvem atividade econômica organizada para produção e/ou circulação de
bens ou serviços, ou seja, empresários, tanto no sentido individual como coletivo da
expressão.
Oportuno esclarecer que a decretação da falência pode ocorrer por diversas
situações, seja por iniciativa de qualquer credor390, empresário ou não, seja por
iniciativa do próprio empresário391 - individual ou coletivamente considerado, assim
como pode resultar da tentativa frustrada de recuperar judicialmente a empresa.
Aliás, embora o regime falimentar brasileiro contemple expressa previsão no
sentido de conferir legitimidade ao próprio empresário, tanto o individual como
coletivamente considerado, a apresentar, ao juízo competente, requerimento para
obter a decretação da sua própria falência, não estabelece a lei nenhuma
390
Conforme prevê o artigo 94 da Lei 11.101/2005, será decretada a falência, a pedido de qualquer
credor (empresário ou não), nos casos em que o empresário:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em
título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) saláriosmínimos na data do pedido de falência (impontualidade injustificada) ou
II – judicialmente executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia
à penhora bens suficientes dentro do prazo legal (tríplice omissão) ou, ainda,
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial
(atos de falência):
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento
para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou
fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro,
credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os
credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação
ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e
desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os
credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de
seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação
judicial.
391
Consoante o artigo 105 da Lei 11.101/2005, o próprio empresário em crise econômico-financeira
que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo
sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial.
395
consequência em caso de eventual inércia desse empresário, que poderia ser, a
exemplo do que estabelece a legislação espanhola, um fator determinante para
definir a conduta empresarial, definido a falência como fortuita ou culposa.
Dentro desse contexto, a verdade é que carece a legislação falimentar
brasileira (Lei 11.101/2005) de uma previsão de caráter preventivo para os credores
e de natureza punitiva para os administradores da empresa, inclusive aquelas
revestidas da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, no sentido
de responsabiliza-los (os administradores), diante do agravamento da situação de
insolvência em caso de inércia na apresentação do pedido de decretação de sua
própria falência, sobretudo quando não preenche nem sequer os requisitos
necessários para a recuperação judicial da empresa.
Sob esse prisma, a modificação da legislação brasileira poderia partir da
contribuição da legislação concursal espanhola, sendo possível utilizar as bases
previstas no artigo 5º da Ley 22/2003, de 9 de julio, Concursal, a saber:
“Artículo 5. Deber de solicitar la declaración de concurso.
1. El deudor deberá solicitar la declaración de concurso
dentro de los dos meses siguientes a la fecha en que
hubiera conocido o debido conocer su estado de
insolvencia.
2. Salvo prueba en contrario, se presumirá que el deudor
ha conocido su estado de insolvencia cuando haya
acaecido alguno de los hechos que pueden servir de
396
fundamento a una solicitud de concurso necesario
conforme al apartado 4 del artículo 2 y, si se trata de
alguno de los previstos en su párrafo 4.º, haya
transcurrido el plazo correspondiente.”
Some-se a isso que a Ley 22/2003, de 9 de julio, Concursal, em seu artigo
165, prevê que o descumprimento do dever de solicitar o concurso, acarreta a
presunção de culpabilidade, que, uma vez configurada, resultará nas consequências
previstas no artigo 172 da mesma lei, inclusive, em se tratando de pessoa jurídica,
para os administradores ou liquidadores de fato ou de direito.
Portanto, reconhecendo a necessidade de aperfeiçoamento da legislação
brasileira e sem desconhecer as diversas possibilidades de decretação da falência
do empresário, tanto o individual como coletivamente considerado, em atenção aos
limites e objetivos traçados na presente tese, a análise do tema ficará adstrita às
possibilidades de decretação da falência em virtude da frustração da tentativa de
recuperação judicial, com as consequências daí derivadas, especialmente quanto
aos créditos tributários.
Assim sendo, considerando que, uma vez concedida a recuperação judicial,
o devedor, nos termos do artigo 61, caput, da Lei 11.101/2005, permanecerá sob o
controle do juiz apenas nos dois anos subsequentes. Se porventura os credores
submetidos ao regime de recuperação judicial – exceto os créditos trabalhistas que
devem ser satisfeitos em até um ano – emitirem manifestação favorável ao
pagamento em prazo superior a dois anos, o juiz, dentro do prazo de dois anos
397
contados a partir da decisão concessiva da recuperação judicial, preferirá sentença
de encerramento, deixando que os eventuais créditos vincendos sejam satisfeitos
nos termos ajustados no plano aprovado. Em caso de inadimplemento das
respectivas obrigações após o prazo de dois anos, ou seja, quando já proferida a
sentença de encerramento da recuperação judicial, caberá ao credor optar pela
execução específica da obrigação ou pela apresentação de pedido autônomo de
falência.
Durante o processo de recuperação judicial, o juiz, com fundamento no artigo
73 da Lei 11.101/2005, decretará a falência:
(i)
Por deliberação da assembleia-geral de credores392, na forma do artigo 42 da
Lei 11.101/2005, isto é, será considerada aprovada a proposta que obtiver votos
favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos
presentes.
(ii)
Pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação dentro do
prazo improrrogável de sessenta dias da publicação da decisão que deferir o
processamento da recuperação judicial – que não se confunde com a decisão que a
concede.
392
Conforme o artigo 41 da Lei 11.101/2005, a assembleia-geral será organizada em quatro grupos
de credores: (i) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes
de trabalho; (ii) titulares de créditos com garantia real; (iii) titulares de créditos quirografários, com
privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; (iv) titulares de créditos enquadrados como
microempresa ou empresa de pequeno porte
398
(iii)
Quando os credores rejeitarem o plano de recuperação judicial, cujas
manifestações contrárias alcancem uma dimensão impeditiva da concessão da
recuperação judicial com base em ato do juiz, fundamentado no artigo 58, parágrafo
1º., da Lei 11.101/2005, cuja análise foi feita no capítulo 5 da presente tese.
(iv)
Em virtude do descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de
recuperação, na forma do § 1o do artigo 61 da Lei 11.101/2005, hipótese em que os
credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente
contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos
validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.
Vale dizer que diante da ineficiência do regime atual de recuperação judicial
da microempresa ou da empresa de pequeno porte e enquanto não houver uma
reforma legislativa que verdadeiramente assegure a superação da crise econômicofinanceira do empresário enquadrado nessa condição (de microempresa ou empresa
de pequeno porte), restará perseguir a correta e adequada aplicação dos
dispositivos da Lei 11.101/2005, a fim de, mesmo diante do decreto falimentar, obter
o aproveitamento dos ativos, inclusive intangíveis, a fim de permitir, em certo
sentido, a manutenção da empresa, mediante o aproveitamento dos fatores de
produção por parte de terceiros.
Isso porque, uma vez decretada a falência, o juiz pronunciar-se-á a respeito
da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial.
399
Admitindo-se que o pronunciamento seja favorável à continuidade da empresa, será
determinada a alienação dos bens da microempresa ou da empresa de pequeno
porte em processo falimentar de uma das seguintes formas, observada a seguinte
ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus
estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais
ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que
integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens
individualmente considerados.
Buscando atender aos princípios da celeridade e da economia processual
consagrado pelo referido artigo 75, parágrafo único, da Lei 11.101/2005,
especialmente em se tratando de microempresa ou empresa de pequeno porte, o
juiz homologará, com fundamento no artigo 145 da mesma Lei, qualquer outra
modalidade de realização do ativo, desde que aprovada pela assembleia-geral de
credores, inclusive com a constituição de sociedade de credores ou dos empregados
do próprio devedor, com a participação, se necessária, dos atuais sócios ou de
terceiros. No caso de constituição de sociedade formada por empregados do próprio
devedor, estes poderão utilizar créditos derivados da legislação do trabalho para a
aquisição ou arrendamento da empresa 393.
393
Pensamento semelhante encontra-se presente na doutrina espanhola. Nesse sentido: “[…] la
apertura de la fase de liquidación en la LC no es incompatible, insistimos, con la finalidad
conservativa o continuadora de la empresa, ya que en la fase de liquidación se prevé la posibilidad de
enajenación de la empresa como un todo, con el objeto de no destruir esa unidad de producción de
bienes y servicios. Lo señalado, nos lleva a adelantar una hipótesis; y es que aunque parezca
contradictorio puede resultar más sencillo la continuidad y asunción por parte de los trabajadores de
la empresa o de la unidad productiva en el marco de la fase de liquidación, que lograr un convenio de
continuidad con los acreedores de la concursada.” PASTOR SEMPERE, Carmen. Recuperación de
pequeñas y medianas empresas en concurso a través de sociedades cooperativas y su contribución a
400
6.2. SENTENÇA DECRETATÓRIA DA FALÊNCIA: EFEITOS RELEVANTES EM
MATÉRIA TRIBUTÁRIA.
6.2.1. Repercussões da decretação da falência quanto às ações de execução
fiscal.
Consoante os termos do parágrafo único do referido artigo 73 da Lei
11.101/2005, o inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial
também possibilita a decretação da falência durante o respectivo processo de
recuperação judicial.
Nessa linha de raciocício, poder-se-ia argumentar que como o crédito
tributário não se encontra abrangido pelo regime da recuperação judicial, estaria
aberta a possibilidade de requerimento da falência em virtude do inadimplemento de
obrigação tributário, uma vez presentes os requisitos da certeza, liquidez e
exigibilidade; evitando, assim, o esvaziamento dos bens do devedor empresário em
virtude das condições previstas no plano de recuperação aprovado pelos demais
credores em detrimento dos interesses da Fazenda.
Todavia, segundo o entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal
de Justiça394, “legitimar a Fazenda Pública a requerer falência das empresas
inviabilizaria a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, não
la «responsabilidad social concursal». “in” Revista Deusto de Estudios Cooperativos nº 2. ISSN: 22553452, Núm. 2 (2013), Bilbao, pp. 61-82.
394
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 363.206 - MG (2001⁄0148271-0). Relator
Ministro Humberto Martins. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 04 de maio de
2010.
401
permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores,
tampouco dos interesses dos credores, desestimulando a atividade econômicocapitalista.” 395.
Infere-se, pois, que, também nesse ponto, a jurisprudência consolidada no
Superior Tribunal de Justiça é contrária aos interesses da Fazenda, no sentido,
evidentemente, de afastar a legitimidade ativa para requerer falência.
Uma vez decretada a falência, ocorrerá a dissolução da sociedade empresária,
cuja personalidade jurídica será preservada enquanto durar o regime de
liquidação396. De fato, por meio da ação falimentar, instaura-se o processo judicial
que se caracteriza pelo concurso de credores e pela liquidação, ou seja, pela
realização do ativo, cujo produto será destinado ao pagamento, no todo ou em parte,
do passivo, para, após, confirmados os requisitos estabelecidos pela legislação,
promover-se a dissolução da pessoa jurídica, com a extinção da respectiva
personalidade397, salvo se porventura ocorrer a reabilitação da falida.
395
Em semelhantes termos: STJ - RESP 287824-MG (RDDT 128/147); RESP 164389-MG (RDR
30/249); RESP 138868-MG (RDR 11/375, RSTJ 110/304). Frise-se que PERIN JÚNIOR compartilha
desse pensamento quando afirma que “[…] entendemos que o mesmo não ocorre em relação ao
credor fiscal, que não poderá pedir a falência do contribuinte empresário, devendo obrigatoriamente
propor ação executiva, nos termos do que dispõe de forma clara o art. 187 do Código Tributário
Nacional, alterado pela Lei Complementar n. 118/2005.” PERIN JÚNIOR, Écio. Curso de direito
falimentar e recuperação de empresas. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 137.
396
Consultar a respeito a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça: "A pessoa jurídica já
dissolvida pela decretação da falência subsiste durante seu processo de liquidação, sendo extinta,
apenas, depois de promovido o cancelamento de sua inscrição perante o ofício competente.
Inteligência do art. 51 do Código Civil". (Recurso Especial n. 1.359.273/SE. Relator Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho. Relator para o Acórdão Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador: Primeira
Turma, DJe 14.5.13)
397
É o que se retira da literalidade do art. 51 do Código Civil:
“Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu
funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.
§ 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.
§ 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas
jurídicas de direito privado.
402
Advirta-se, porém, que a decretação da falência produzirá diversos efeitos,
dentre os quais a formação da massa falida, em dois sentidos diferentes: subjetivo e
objetivo. A massa falida subjetiva (também chamada de massa passiva ou dos
credores) é o sujeito de direito despersonalizado voltado à defesa dos interesses
gerais dos credores da falida398, desprovida da condição de pessoa jurídica, cuja
representação (da massa falida) cabe ao administrador judicial 399. Por sua vez, a
massa falida objetiva nada mais é do que o conjunto de bens arrecadados do
patrimônio da falida, tratando-se de uma universalidade de bens, a que se atribui
capacidade processual exclusivamente, mas que não detém personalidade jurídica
própria nos mesmos moldes da pessoa natural ou da pessoa jurídica 400. Todo esse
acervo patrimonial não personificado nasce com o decreto de falência e sobre ele
recai a responsabilidade patrimonial imputada, ou imputável, à empresa falida.
Forte em tais razões decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a “massa falida,
como se sabe, não detém personalidade jurídica, mas personalidade judiciária - isto
é, atributo que permite a participação nos processos instaurados pela empresa, ou
contra ela, no Poder Judiciário.” 401.
§ 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.”
(original sem destaques).
398
ULHOA COELHO, F., op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 3. Pág. 322.
399
Lei 11.101/2005. “Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as
ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e
aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão
prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa
falida, sob pena de nulidade do processo.” (original sem destaques).
400
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.359.041 - SE (2012⁄0267889-1). Relator
Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 18 de junho de 2013.
401
Nesse sentido: EDcl no REsp 1.359.259/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 7/5/2013.
403
Assim sendo, as execuções fiscais ajuizadas anteriormente ao decreto
falimentar prosseguirão no juízo executivo fiscal, cabendo ao administrador judicial
representar massa falida. Já nas ações ajuizadas após a sentença falimentar,
deverá a Fazenda indicar, na respectiva Certidão da Dívida Ativa 402, a expressão
“massa falida”, dirigindo contra esta a sua pretensão execução403.
Contudo, deve ser observado o princípio da universalidade do juízo falimentar,
a fim de promover a distribuição dos recursos da massa falida entre os credores, de
maneira que o crédito tributário deverá ser satisfeito, a depender da disponibilidade
de recursos, em terceiro lugar na ordem de classificação. Por essa razão é que a
continuidade da execução fiscal encontrará, em um determinado momento, óbice no
seu prosseguimento, já que embora a discussão do mérito do crédito tributário
402
Lei 6.830/1980. “Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como
tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores,
que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços
da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º,
será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange
atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo
órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos
os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de
findo aquele prazo.
§ 4º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional.
§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência
de um e de outros;
II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e
demais encargos previstos em lei ou contrato;
III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o
respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;
V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o
valor da dívida.
§ 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e
será autenticada pela autoridade competente.” (original sem destaques).
403
Nos termos da Lei de execução fiscal (Lei n. 6.830/1980), em seu artigo 4º, inciso IV, “A execução
fiscal poderá ser promovida contra: IV - a massa.”.
404
ocorra no juízo fazendário, a sua eventual satisfação se dará no juízo universal ou
falimentar.
6.2.2. Concurso de credores e a posição dos créditos tributários na
classificação geral do regime falimentar.
Tendo em vista que, na falência, contra o mesmo patrimônio (massa falida
objetiva) se dirigem dois ou mais credores (massa falida subjetiva), existe
concorrência, existe, pois, concurso de credores. Porém, esse fato somente assume
relevância – e gravidade – se o patrimônio é insuficiente, ou parece insuficiente,
para satisfação de todos os credores que concorrem.
Segundo PEINADO GRACIA404, “la concurrencia de créditos sobre un mismo
patrimonio que se anuncia insuficiente es el origen de la concursalidad, y la regla
óptima acogida por el legislador es el principio de igualdad de trato” ou par conditio
creditorum405 em contraposição ao princípio sintetizado na expressão “primeiro no
tempo, tem preferência no direito” ou prior in tempore, potior in iure, que significa
que o credor que cobra primeiro recebe primeiro406.
404
PEINADO GRACIA, J. I., op. cit., pág. 457.
Consta da exposição de motivos da Ley Concursal Española (Ley 22/2003, de 9 de julio)
expressa referência ao princípio de igualdade de tratamento dos credores submetidos ao processoo
concursal: “[…] Se considera que el principio de igualdad de tratamiento de los acreedores ha de
constituir la regla general del concurso, y que sus excepciones han de ser muy contadas y
siempre justificadas. […]”. (original sem destaques).
406
Nesse sentido: Código de Processo Civil. “Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro serlhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal
à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos
demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada
penhora”. (original sem destaques).
405
405
Saliente-se, porém, que os efeitos dessa igualdade de tratamento
evidenciam-se, em verdade, diretamente entre os credores que integram uma
mesma classe, já que, de certa forma paradoxalmente, o regime falimentar é
caracterizado pela existência de preferências entre classes de credores.
Percebe-se que a existência de preferências ou privilégios estabelecidos no
regime falimentar, “puede interpretarse en clave valorativa de los diferentes
elementos integrantes de un proceso productivo”407.
Certo é que o empresário (pessoa física ou jurídica), em virtude do regular
desenvolvimento da atividade econômica, assumirá obrigações em diversas esferas.
Em outras palavras: terá diversos credores. Some-se a isso que tais créditos
poderão ter natureza privada ou pública. Certamente, dentre os créditos de natureza
privada, alguns têm maior capacidade de negociação, porquanto podem prever e
“precificar” os riscos assumidos diante da eventual decretação da falência do
devedor empresário, sobretudo em se tratando de empresa individual de
responsabilidade limitada – EIRELI ou sociedade limitada, cujo respectivo patrimônio
constitui o limite da responsabilidade assumida. É o caso dos bancos e dos grandes
fornecedores de mercadoria ou prestadores de serviços, cujos créditos, muitas
vezes, são concedidos mediante garantia real. Já outros, embora também tenha
natureza privada, são desprovidos desse poder, porquanto são credores comuns,
isto é, sem garantia ou privilégio. Outros ainda são vulneráveis, encaixando-se,
nessa situação, os trabalhadores. Já os créditos públicos, especialmente os de
407
Consultar a respeito: PEINADO GRACIA, J. I., op. cit., pág. 432.
406
natureza tributária, constituem, como já acentuado, a fonte de recursos para o
Estado fazer face ao custeio das despesas. Tudo isso, justifica a existência da
classificação dos créditos na falência, ora considerando-se o caráter alimentar
(créditos trabalhistas), ora considerando o poder de negociação (credores com
garantia real), ora o interesse arrecadatório do Estado.
Dentro desse contexto, com a decretação da falência estará aberto o
concurso de credores, caracterizado pela divisão, com vistas à satisfação dos
credores, do patrimônio do devedor (massa falida objetiva), sendo certo que este
constitui o único meio para que credores concorrentes busquem a satisfação dos
seus respectivos créditos408, porquanto o juízo falimentar, além de universal, exerce
força atrativa sobre os demais; observadas as raras exceções legais 409 no tocante à
tramitação – em outro juízo – dos processos que envolvam matéria “estranha” à
falência (como, por exemplo, matéria tributária) embora deva fica claro que o
controle dos bens e consequente distribuição de recursos entre os credores somente
possa ocorrer no juízo falimentar.
Portanto, de acordo com o disposto no artigo 83 da Lei 11.101/2005, os
créditos, na falência, serão classificados da seguinte maneira:
408
PONTES DE MIRANDA, F. C., op. cit., Tratado de direito privado. Tomo XXVII, pág. 152.
409
Lei 11.101/2005. “Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as
ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais
e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão
prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa
falida, sob pena de nulidade do processo.”. (original sem destaques).
407
“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece
à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho,
limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por
credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem
gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua
natureza e tempo de constituição, excetuadas as
multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei n o 10.406, de 10 de
janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais,
salvo disposição contrária desta Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de
retenção sobre a coisa dada em garantia;
d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais
e das microempresas e empresas de pequeno porte de
que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro
de 2006
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei n o 10.406, de 10 de
janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
408
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais,
salvo disposição contrária desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da
alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do
trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I
do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por
infração das leis penais ou administrativas, inclusive as
multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem
vínculo empregatício.”
Verifica-se, facilmente, que o crédito tributário se encontra em terceiro lugar
nessa ordem, razão pela qual o pagamento do crédito tributário na falência, somente
poderá ocorrer após a integral satisfação dos créditos derivados da legislação do
trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor
trabalhista410, e os decorrentes de acidentes de trabalho, bem como os créditos com
410
Serão considerados quirografários, os eventuais saldos dos créditos derivados da legislação do
trabalho que excederem o limite 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor trabalhista.
409
garantia real até o limite do valor do bem gravado 411, desde que, obviamente, exista
disponibilidade de recurso na massa falida objetiva.
Vale dizer que o crédito tributário a ser satisfeito nessa terceira posição
corresponde ao principal devido à Fazenda, excluindo-se, portanto, os juros de mora
e as multas tributárias, consoante entendimento sedimentado no Superior Tribunal
de Justiça:
“PROCESSUAL
CIVIL
E
TRIBUTÁRIO.
AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO FISCAL. JUROS DE MORA APÓS A
DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE DE
COBRANÇA,
EM
MOMENTO
POSTERIOR,
CONDICIONADA À COMPROVAÇÃO DA SUFICIÊNCIA
DO
ATIVO.
PRECEDENTES
DO
STJ.
AGRAVO
REGIMENTAL IMPROVIDO.” 412.
Referida determinação não impossibilita a cobrança futura dos juros de mora
devidos após a decretação da falência, mas apenas condiciona o seu pagamento à
comprovação futura da suficiência do ativo, nos termos do artigo 124, parágrafo
411
Também serão considerados quirografários os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da
alienação dos bens vinculados ao seu pagamento.
412
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 408.304 - SE
(2013⁄0340986-0).Relatora Ministra Assusete Magalhães. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do
julgamento: 18 de junho de 2015. (original sem destaques).
410
único, da Lei 11.101/2005
413
. Portanto, os juros de mora decorrentes do
inadimplemento da obrigação tributária somente são exigíveis até a decretação da
quebra e, após esta, ficam condicionados à suficiência do ativo da massa 414.
Por outro lado, com a vigência da Lei 11.101/2005, tornou-se possível a
cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida, tendo em vista
que o artigo 83, inciso VII, da referida lei prevê que “as multas contratuais e as
penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as
multas tributárias” sejam satisfeitas, de acordo com a disponibilidade de recursos da
massa falida objetiva, em sétimo lugar na classificação geral dos créditos na
falência415.
Assim é que, como decorrência do regular desenvolvimento do processo
falimentar, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens, avaliando-os,
separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem.
413
Lei 11.101/2005. “Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a
decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o
pagamento dos credores subordinados.
Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos com garantia
real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem a garantia.”.
414
Oportuno esclarecer que em “[…] se tratando de empresa cuja falência foi decretada, impõe-se a
diferenciação entre as seguintes situações: (a) antes da decretação da falência, são devidos os juros
de mora, independentemente da existência de ativo suficiente para pagamento do principal, sendo
viável, portanto, a aplicação da taxa SELIC, que se perfaz em índice de correção monetária e juros e
(b) após a decretação da falência, a incidência da referida taxa fica condicionada à suficiência do
ativo para pagamento do principal. (Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL 526.223 / RS
(2003/0043026-3). Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data do
Julgamento: 26/04/2005.).
415
Nesse sentido: Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.223.792/MS. Relator Ministro
Mauro Campbell Marques. Órgão julgador: Segunda Turma. DJe de 26.2.2013.
411
Uma vez concluída a arrecadação dos bens, será iniciada a realização do
ativo ou a venda a terceiros dos bens que integram a massa falida no sentido
objetivo da expressão.
De acordo com o já referido artigo 140 da Lei 11.101/2005, a venda dos bens
será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de
preferência: (i) alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em
bloco; (ii) alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas
isoladamente; (iii) alienação em bloco dos bens que integram cada um dos
estabelecimentos do devedor; (iv) alienação dos bens individualmente considerados.
Outrossim, em razão dos custos e no interesse da massa falida, o juiz poderá
autorizar os credores a adquirir ou adjudicar, de imediato, os bens arrecadados, pelo
valor da avaliação, atendida a regra de classificação e preferência entre eles, ouvido
o Comitê de credores416.
Concluída a realização de todo o ativo, ou seja, vendidos os bens integrantes
da massa falida, com a distribuição do seu produto entre os credores atendendo à
classificação prevista no citado artigo 83 da Lei 11.101/2005, o administrador judicial
apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30 (trinta) dias, que, em seguida,
cuidará de encerrar a falência por sentença, ainda que existam créditos pendentes,
416
Lei 11.101/2005. “Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das
classes de credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição:
I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes;
II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou
privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes;
III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios
gerais, com 2 (dois) suplentes.
IV - 1 (um) representante indicado pela classe de credores representantes de microempresas e
empresas de pequeno porte, com 2 (dois) suplentes.”.
412
inclusive os de natureza tributária, já que se exauriram os bens do empresário
individual, empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI ou sociedade
empresária.
Diante da insuficiência de bens para satisfação do crédito tributário, a questão
que se coloca diz respeito ao possível alcance de bens integrantes do patrimônio do
adminstrador da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da
sociedade
empresária
caracterizada
pela
responsabilidade
administradores quanto ao cumprimento das obrigações sociais.
limitada
dos
413
6.3. INSATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA EM VIRTUDE DA
INSUFICIÊNCIA DOS ATIVOS E A RESPONSABILIZAÇÃO PATRIMONIAL DO(S)
INTEGRANTE(S) DAS PESSOAS JURÍDICAS FALIDAS.
6.3.1. Diferentes regimes de responsabilização patrimonial do(s) integrante(s)
das pessoas jurídicas falidas a partir das distintas naturezas obrigacionais.
Conforme já foi anteriormente demonstrado, empresário individual é a pessoa
física ou natural, cuja atuação regular, ou seja, mediante inscrição na Junta
Comercial e perante demais órgãos integrantes da administração pública, por si só,
não é suficiente para produzir uma pessoa jurídica. Portanto, em se tratando de um
empresário individual, os seus bens pessoais, ou seja, da própria pessoa física ou
natural, respondem pelas obrigações assumidas em decorrência do efetivo exercício
da atividade econômica de caráter empresarial. Não há um patrimônio separado.
Independentemente da ocorrência ou não de fraude praticada pelo empresário
individual, confundem-se os bens e direitos destinados ao efetivo exercício da
atividade econômica empresarial com os bens que, de igual modo, integram o
patrimônio da pessoa física ou natural do empresário individual, e que são
destinados a fins não econômicos ou empresariais, como, por exemplo, o simples
lazer.
414
De igual modo, no sistema espanhol, o empresário individual responde, “como
todo deudor, con todos sus bienes presentes y futuros (art. 1.911 Código Civil 417).”.
“La responsabilidade patrimonial del empresario individual comprende no sólo los
bienes que están afectados al ejercicio de la actividad empresarial, sino también los
que no lo están; o dicho en otros términos, no hay una distinción a estos efectos
entre su patrimonio mercantil y civil.”418.
Portanto, a responsabilidade do empresário individual (pessoa física ou
natural), na órbita patrimonial, decorre, pura e simplesmente, dessa condição,
porquanto deverá responder com todos os seus bens419 pelo pagamento dos débitos
contraídos em decorrência do exercício da atividade econômica de natureza
empresarial.
Assim, diante do exaurimento dos bens do empresário individual (pessoa
física ou natural), especialmente após a realização do ativo em processo falimentar,
estará consumado o prejuízo dos credores.
417
Código Civil Español. “Art. 1.911. Del cumplimiento de las obligaciones responde el deudor con
todos sus bienes, presentes y futuros.” Disponível em: http://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A1889-4763. Acesso em: 09 de março de 2014.
418
419
SANCHEZ CALERO, F.: op. cit., pág. 68.
Ressalvado o chamado bem de família, que não pode ser alcançado pelos débitos do empresário
segundo a Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, “Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da
entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus
proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A
impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as
benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou
móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em
qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se
movido: IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em
função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real
pelo casal ou pela entidade familiar.”
415
A questão assume, porém, um contorno diferente em se tratando de pessoa
jurídica,
especialmente
aquelas
que
se
caracterizam
pela
limitação
da
responsabilidade dos sócios pelo cumprimento das obrigações sociais, com
destaque para a empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI e para a
sociedade limitada, uma vez que, como anteriormente assinalado, a sociedade
anônima ou por ações não pode ser enquadrada na condição de microempresa ou
empresa de pequeno porte.
Nessa linha de raciocício, já foi explicitado que o patrimônio da empresa
individual de responsabilidade limitada – EIRELI420, tal como ocorre com as
sociedades empresárias, responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se
confundindo com o patrimônio da pessoa física ou natural que a integra, sem
prejuízo da responsabilidade patrimonial do respectivo administrador.
Também já foi demonstrado, nos capítulos anteriores, que a pessoa jurídica,
enquanto criação da lei, é desprovida, por óbvio, de vida natural, razão pela qual tem
que ser dirigida pelas pessoas físicas ou naturais dos seus respectivos sócios ou
acionistas com poderes de administração, como também por meio de terceiros que,
embora não ostentem a condição de sócios ou acionistas, devem, de igual modo,
imprimir em sua gestão todas as cautelas necessárias, atuando com probidade e
boa-fé, sempre no limite da legalidade.
420
Enunciado 470 da V Jornada de direito civil. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados
aprovados / coordenador científico Ministro ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ruy. Brasília: Conselho
da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/CEJCoedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direitocivil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Consultado em: 07/09/2015.
416
A possibilidade de atribuição de responsabilidade aos administradores de
pessoas jurídicas, especialmente aquelas constituídas no intuito de desempenhar a
atividade econômica de caráter empresarial, está assentada na legislação brasileira,
bem como na jurisprudência emanada dos tribunais do Brasil.
Contudo, não se pode deixar de registrar que os pressupostos legais que
autorizam o alcance dos bens dos administradores de pessoas jurídicas, inclusive
aquelas submetidas ao regime falimentar, não são idênticos.
Em linhas gerais, a legislação - e consequentemente a jurisprudência que se
produz, ora é pautada pela vulnerabilidade do devedor diante da pessoa jurídica,
como nos casos de trabalhadores e consumidores, ora leva em conta a
indisponibilidade do crédito, como é o típico caso do crédito tributário.
Em atenção aos limites da presente tese, a análise do tema será feita,
preponderantemente, com base nas repercussões tributárias da responsabilidade
dos administradores das pessoas jurídicas concursadas.
Nesse sentido, vale dizer que carece a Lei 11.101/2005 de um regime de
responsabilidade dos administradores da pessoa jurídica concursada, que, a partir
de um modelo específico de conduta, mas sem perder de vista a natureza de cada
um dos créditos, possa concentrar a decisão de alcançar os bens particulares dos
417
administradores no juízo falimentar, sobretudo porque, diante dos respectivos
pressupostos autorizadores, restaria atendido o principio da universalidade do juízo
do par conditio creditorum, para, utilizando os bens dos administradores, satisfazer
determinados credores.
6.3.2. Fundamentos da legislação societária que autorizam a responsabilização
patrimonial do(s) integrante(s) das pessoas jurídicas e seus efeitos no âmbito
falimentar.
Trata-se da analisar as repercussões externas da responsabilidade dos
administradores, sócios ou não, conducentes a provocar prejuízos aos terceiros que
contrataram com a pessoa jurídica, cuja falência foi decretada. Não se pode e nem
se deve confundir com as eventuais repercussões (negativas) internas (dentro da
sociedade) que a conduta dos sócios e/ou administradores pode produzir.
Desde uma perspectiva externa, ou seja, observado o problema da
responsabilidade dos sócios e/ou administradores perante os credores submetidos
ao regime falimentar, prevê a Lei 11.101/2005 duas situações distintas, a saber:
A primeira delas trata de sociedade cuja principal característica é a
responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais,
independentemente da prática de qualquer ato eivado de fraude e ma-fé, sendo (a
responsabilidade) decorrência, pura e simples, da espécie societária.
418
Nesse sentido, dispõe o artigo 81 da Lei 11.101/2005 que:
“Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade
com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta
a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos
jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por
isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se
assim o desejarem.
§ 1o O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio
que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido
excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto
às dívidas existentes na data do arquivamento da
alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas
até a data da decretação da falência.
§ 2o As sociedades falidas serão representadas na
falência por seus administradores ou liquidantes, os quais
terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas,
ficarão sujeitos às obrigações que cabem ao falido.”
Evidentemente, as sociedades empresárias que, por sua natureza, admitem a
extensão automática dos efeitos da falência para os sócios, cuja responsabilidade
solidária e ilimitada é a regra, não possuem, porém, efetiva repercussão prática.
419
Dados extraídos da Junta Comercial do Estado de Pernambuco 421, acerca
das constituições e extinções empresariais registradas no ano corrente (2015),
demonstram que a maioria significativa dos atos societários empresariais praticados
envolve sociedade limitada e, em seguida, sociedade por ações (que não podem ser
enquadradas na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, em face
da vedação prevista na Lei Complementar 123/2006).
Junta Comercial do Estado de Pernambuco - Constituições por tipo jurídico em 2015
Tipo
Empresário
Sociedade Ltda.
Sociedade Anônima
Cooperativa
Outras Sociedades
Eireli
Jan
508
428
5
0
2
121
Fev
567
388
1
0
1
182
Mar
764
571
3
2
1
208
Abr
593
474
4
5
2
226
Mai
646
531
5
2
1
210
Jun
3.391
501
2
6
1
206
Jul
2.005
489
4
3
6
203
Ago
700
459
9
5
2
216
Set
585
467
3
3
1
208
Total
9.759
4.308
36
26
17
1780
Junta Comercial do Estado de Pernambuco - Extinções por tipo jurídico em 2015
Tipo
Empresário
Sociedade Ltda.
Sociedade Anônima
Cooperativa
Outras Sociedades
Eireli
421
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set
172 1.435 1.503 1.224 1.381 1.142 1.407 1.296 1.199
134 131 184 152 206 231 229 246 214
0
1
3
2
1
3
0
1
215
0
0
0
1
0
4
1
1
1
0
1
1
0
1
0
0
1
0
8
7
24
10
15
16
16
23
21
Disponível em: http://www.jucepe.pe.gov.br/. Consulta em: 18/10/2015.
Total
10.759
1.727
226
8
4
140
420
Já no tocante às sociedades limitadas, estabelece o artigo 82 da Lei
11.101/2005, em matéria de responsabilidade pessoal, que:
“Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de
responsabilidade limitada, dos controladores e dos
administradores da sociedade falida, estabelecida nas
respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência,
independentemente da realização do ativo e da prova da
sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o
procedimento ordinário previsto no Código de Processo
Civil.
§ 1o Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do
trânsito em julgado da sentença de encerramento da
falência, a ação de responsabilização prevista no caput
deste artigo.
§ 2o O juiz poderá, de ofício ou mediante
requerimento
das
partes
interessadas,
ordenar
a
indisponibilidade de bens particulares dos réus, em
quantidade compatível com o dano provocado, até o
julgamento da ação de responsabilização.”
421
6.3.2.1. Responsabilização patrimonial pela simples qualidade de titular da
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou sócio(s) da
sociedade limitada.
É
fundamental
estabelecer
a
distinção
entre
as
obrigações
e
responsabilidades derivadas da simples condição de titular da totalidade do capital
da EIRELI ou da mera condição de sócio quotista da sociedade limitada, e as
decorrentes do efetivo exercício da administração da empresa.
Segundo o Código Civil, em seu artigo 1.001, “as obrigações dos sócios
começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam
quando liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais.” 422.
Com efeito, a principal obrigação do sócio ou titular da EIRELI é transferir
para a pessoa jurídica os bens, direitos ou recursos equivalentes ao capital fixado no
ato constitutivo ou eventual instrumento de alteração.
Segundo o artigo 1.052 do Código Civil, que trata das sociedades limitadas423,
o modelo de responsabilidade dos sócios restrito ao valor das suas quotas,
porquanto diante da efetivação da transferência dos bens, direitos ou recursos para
a pessoa jurídica, ou, dito de outro modo, uma vez integralizado o capital, “não há
422
423
Aplicável também à EIRELI, em virtude do disposto no referido artigo 980-A, § 6º, do Código Civil.
Aplicável, no que couber, à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI.
422
nenhuma responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, de natureza
negocial”424, em razão do disposto no artigo 1.052 do Código Civil 425.
Há, porém, duas exceções: (i) a responsabilidade solidária dos sócios pelo
aporte do saldo de capital social subscrito e não integralizado; e (ii)
a
responsabilidade pessoal do sócio em decorrência da prática de conduta antijurídica,
ou seja, quando as deliberações sociais infringirem o contrato ou a lei, tornando
ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram (artigo 1.080 do
Código Civil).
Registre-se, por oportuno, que a responsabilidade solidária dos sócios pela
integralização capital social atua como uma garantia dos credores da sociedade,
porquanto poderão exigir, de qualquer dos sócios, o aporte do capital necessário
para cobrir a diferença (entre o capital subscrito e o efetivamente integralizado), no
caso de falência426, ou mesmos independentemente desta, desde que não
encontrem, para efeito de penhora, bens livres da sociedade.
Atente-se para o fato de que, uma vez integralizado o capital da pessoa
jurídica, a impossibilidade de responsabilizar, patrimonialmente, o titular da EIRELI
ou dos sócios da sociedade limitada quanto às obrigações contraídas em virtude de
efetivo exercício da atividade econômica de caráter empresarial, aplica-se e, de um
modo geral, deve ser respeitada ante os credores negociais ou comerciais (bancos,
fornecedores e prestadores de serviços). Essa é a regra geral, e sobre ela podem
424
ULHOA COELHO, F., op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2. Pág. 416.
Código Civil: “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao
valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”
(original sem destaques).
426
TAVARES BORBA, José Edwaldo. Direito societário. 14ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, pág. 118.
425
423
ser aplicadas exceções; caberá ao juiz avaliar se as circunstâncias e elementos do
caso concreto são suficientes para excepcioná-la427.
Acrescente-se, ainda em matéria de responsabilidade dos sócios428, que,
segundo o artigo 1.059 do Código Civil “os sócios serão obrigados à reposição dos
lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo
contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.”.
Nessa mesma direção, o artigo 1.009, do Código Civil, estabelece que “a
distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos
administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou
devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.”.
Destarte, é dever dos sócios429 se informarem sobre os resultados
econômicos da sociedade. Ainda que o sócio não exerça a administração da
sociedade, tal sócio tem o dever, irrenunciável, de fiscalizar as contas sociais e
acompanhar os resultados econômicos da sociedade, considerando o disposto no
artigo 1.078 430, inciso I, do Código Civil.
427
MEYERHOF SALAMA, Bruno. O fim da responsabilidade limitada no Brasil: história, direito e
economia. São Paulo: Malheiros, 2014, pág. 424.
428
E também do titular da EIRELI.
429
E também do titular da EIRELI.
430
Código Civil. “Art. 1.078. A assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano,
nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:
I - tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de
resultado econômico;
II - designar administradores, quando for o caso;
III - tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.
o
§ 1 Até trinta dias antes da data marcada para a assembléia, os documentos referidos no inciso I
deste artigo devem ser postos, por escrito, e com a prova do respectivo recebimento, à disposição
dos sócios que não exerçam a administração.
§ 2o Instalada a assembléia, proceder-se-á à leitura dos documentos referidos no parágrafo
antecedente, os quais serão submetidos, pelo presidente, a discussão e votação, nesta não podendo
tomar parte os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal.
424
Esse
dever
é
irrenunciável
e
indelegável,
para
fins
de
evitar
a
responsabilidade social, no caso de recebimento de dividendos fictícios ou ilícitos 431,
salvo prova da ocorrência de fraude contábil e societária perpetrada contra o sócio
quotista sem poderes de administração, especialmente em se tratando de sócios
minoritários.
6.3.2.2. Responsabilização patrimonial pela condição de administrador da
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da sociedade
limitada.
Na legislação brasileira, a sociedade limitada, assim como a Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI432, é administrada por uma ou
mais pessoas designadas no ato constitutivo ou em instrumento apartado. Porém, a
administração atribuída no ato constitutivo (em se tratando de sociedade limitada) a
todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram
essa qualidade. Admite-se, nesse tipo societário, a designação de administradores
não sócios, que dependerá, porém, de aprovação da unanimidade dos sócios,
§ 3o A aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado econômico, salvo erro, dolo
ou simulação, exonera de responsabilidade os membros da administração e, se houver, os do
conselho fiscal.
§ 4o Extingue-se em dois anos o direito de anular a aprovação a que se refere o parágrafo
antecedente.”
431
MONTE SIMIONATO, F. A., op. cit., pág. 595.
432
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, embora não ostente a qualidade de
sociedade empresária, constitui pessoa jurídica que estará submetida as regras previstas para as
sociedades limitadas, inclusive no tocante à administração. (Conforme o Código Civil, Artigo Art. 980A, § 6º, segundo o qual “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma
única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a
100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras
previstas para as sociedades limitadas.”. (original sem destaques).”.
425
enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após
a integralização.
Saliente-se que, na sociedade limitada, o exercício do cargo de administrador
cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se,
fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução. Aliás, tratando-se
de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela
aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do
capital social, salvo disposição contratual diversa.
Sob a perspectiva formal, a cessação do exercício do cargo de administrador
deve ser averbada no órgão de registro empresarial competente (Junta Comercial),
mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência.
Oportuno frisar, que a renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à
sociedade, desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação
escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e publicação.
A administração é, portanto, o órgão da sociedade incumbido de fazer
presente a sua vontade no mundo exterior. É por meio desse órgão que a sociedade
assume obrigações e exerce direitos. Não são, assim, meros mandatários da
sociedade, mas consiste em um órgão de representação legal, por meio do qual a
sociedade manifesta sua vontade.
426
Assim é que a pessoa jurídica adquire direitos, assume obrigações e procede
judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os
havendo, por intermédio de um terceiro, seja um procurador constituído pela pessoa
jurídica, seja sócio ou não, desde que seja escolhido na forma e nos termos do ato
constitutivo e no marco da legislação pertinente.
Demarcada, portanto, a limitação da responsabilidade do titular da EIRELI ou
dos sócios da sociedade limitada, é possível aprofundar a análise para reconhecer
que os administradores da pessoa jurídica, em razão pura e simplesmente dessa
condição, na execução de atribuições e no exercício dos poderes inerentes as suas
funções, podem causar prejuízos à própria pessoa jurídica, mas também – e,
sobretudo
–
aos
terceiros
(credores),
especialmente
em
decorrência
do
inadimplemento de obrigações privadas e/ou públicas (com relevo para as de caráter
tributário), cuja satisfação pode restar prejudicada diante da insuficiência de bens da
pessoa jurídica, notadamente em caso de decretação da falência, que resultará na
provável – ainda que não seja obrigatória – paralisação da atividade econômica e
consequente cessação da potencial geração de riquezas.
É por isso que se exige do administrador da pessoa jurídica, no exercício de
suas atribuições, os deveres de cuidado e diligência que todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Não por outra razão
é que se proíbe o desenvolvimento de tal função às pessoas impedidas por lei
especial, bem como aos condenados a pena que vede, ainda que temporariamente,
o acesso a cargos públicos; ou condenados por crime falimentar, de prevaricação,
427
suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema
financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações
de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da
condenação433.
Embora, em regra, não seja o administrador pessoalmente responsável pelas
obrigações que contrair em nome da pessoa jurídica e em virtude de ato regular de
gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder
(i) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; (ii) com violação da lei
ou do estatuto, conforme expressa previsão contida na Lei 6.404/1976 (que
disciplina as sociedade anônimas), em seu artigo 158, cuja incidência nas
sociedades limitadas pode decorrer da previsão do contrato social434.
Logo, o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que
contrair em nome da sociedade, em virtude de ato regular de gestão; mas é
civilmente
responsável
pelos
prejuízos que
causar,
quando
culposamente
descumprir dever legal ou previsto no ato constitutivo, sendo que, nesta última
situação, os atos praticados dentro do âmbito de suas atribuições obrigam a pessoa
jurídica perante terceiros; e, em princípio, os atos praticados fora do âmbito de suas
atribuições não vinculam a pessoa jurídica perante terceiros, pois são da direta e
exclusiva responsabilidade do administrador. Frise-se, em princípio, porque, sob
certas circunstâncias e à luz do primado da boa-fé, tais atos do administrador,
apesar de exercidos fora do âmbito de suas atribuições específicas ou além de seus
433
Conforme disciplina o artigo 1.011 do Código Civil.
Conforme prevê o Código Civil: “Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste
Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada
pelas normas da sociedade anônima.”
434
428
poderes, podem vincular a sociedade, quando (i) forem ratificados posteriormente;
(ii) a sociedade deles auferir vantagem; e (iii) a sua preservação impuser-se por
efeito de outras regras e preceitos destinados a tutelar a posição de terceiros435.
Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e
administradores da pessoa jurídica falida que se reveste da condição de EIRELI ou
sociedade limitada (prevista no artigo 82 da Lei n.º 11.101/05) com a
desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um
sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe
seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda, supera-se
a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente
para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos436.
6.3.2.3. Responsabilização patrimonial em virtude da presença dos requisitos
autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica prevista no
Código Civil.
Para além das possibilidades de responsabilização acima mencionadas,
mediante a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, diante
da constatação de uso abusivo da pessoa jurídica, o juiz poderá deixar de aplicar as
regras de separação patrimonial entre a pessoa jurídica e o(s) seu(s) integrante(s),
435
VIEIRA VON ADAMEK, Marcelo. Responsabilidade civil dos administradores de s/a e as ações
correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 221-222.
436
Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no: RECURSO ESPECIAL Nº 1.180.714 - RJ
(2010⁄0022474-9). Relator(a): Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: QUARTA TURMA.
Data do julgamento: 05/04/2011.
429
porque é necessário coibir a fraude perpretada graças à manipulação da legislação
vigente437.
Assim, se o titular da EIRELI ou os sócios da sociedade limitada fizerem uso
indevido da pessoa jurídica, isto é, com desvio de sua legítima finalidade (abuso de
direito) ou prejudicarem terceiros (fraude) ou, ainda, diante da confusão patrimonial,
devem (titular da EIRELI ou os sócios da sociedade) responder pessoalmente pelos
prejuízos que causarem438; permitindo que os credores alcancem os seus
respectivos bens e direitos para pagamento dos débitos contraídos em nome da
pessoa jurídica.
Portanto, os pressupostos para desconsideração da personalidade jurídica
são o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, a fim de assegurar o
pagamento dos débitos contraídos em nome da pessoa jurídica que estabeleça,
ordinariamente, limites à responsabilidade dos sócios quanto ao cumprimento das
obrigações sociais regularmente constituídas439.
437
ULHOA COELHO, F, op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2, pág 42.
PAES DE ALMEIDA, Amador. Manual das sociedades comerciais: direito de empresa. 17ª. Ed.
São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 40.
439
Vale lembrar que, embora com repercussão prática diminuta, existem sociedades empresárias nas
quais os sócios respondem, como seus bens particulares, de forma solidária e ilimitada pelas
obrigações sociais, independentemente de abuso da personalidade jurídica (a sociedade em nome
coletivo, prevista no artigo 1.039 do Código Civil, é um exemplo disso).
438
430
Significa, pois, que a personalidade jurídica das pessoas jurídicas não
constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra
credores e pela teoria do abuso do direito440.
No tocante aos créditos privados de caráter negocial, isto é, decorrentes das
relações contratuais estabelecidas entre empresários, a matéria se encontra
disciplinada pelo Código Civil brasileiro, em seu artigo 50, que determina que em
caso de abuso441 da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Deve-se, pois, presumir a fraude na manipulação da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre o patrimônio dela e de um ou mais
de seus integrantes, aplicando a desconsideração da personalidade jurídica. Mas
não se deve deixar de desconsiderar a personalidade jurídica da pessoa jurídica,
somente porque o sócio demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão
patrimonial, se caracterizada, por outro modo, a fraude442.
440
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. I. 25ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág.
379.
441
Os contornos do abuso de direito estão definidos no Código Civil, em seu artigo 187. “Também
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”.
442
ULHOA COELHO, F, op. cit., Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2, pág 46.
431
As causas que justificam o levantamento do véu da pessoa jurídica enraízamse em uma conduta abusiva de direitos - e não necessariamente em um ato
isoladamente observado -, qualificada pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial entre os bens da empresa e dos sócios.
Em realidade, cuida-se de superação de uma ficção jurídica, que é a pessoa
jurídica, sob cujo véu se esconde a pessoa física ou natural do titular da EIRELI,
sócio ou acionista de sociedade empresária.
É, enfim, técnica voltada à exigibilidade de créditos, técnica essa consistente
não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela pessoa
jurídica, mas na ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados
efeitos, prosseguindo incólume para seus outros fins443 ou, mais especificamente,
ineficácia do contrato ou estatuto social da sociedade, como assim já decidiu o
Superior Tribunal de Justiça444.
Portanto, o objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
(disregard of the legal entity ou lifiting the corporate veil) é exatamente possibilitar a
coibição de fraude, sem comprometer o próprio instituto da personalidade jurídica,
isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em
relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar
443
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (Disregard
Doctrine). Revista dos Tribunais, n. 410. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, pág. 14.
444
STJ. RECURSO ESPECIAL 1.312.591 - RS (2012⁄0046226-0). Relator: Ministro Luis Felipe
Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 11/06/2013.
432
a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à
organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de
fraude445.
Há de se ter em conta que “só se aplica a desconsideração da personalidade
jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos
administradores ou sócios que hajam nele incorrido”, como preceitua o Enunciado 7
aprovado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.
Isto é, a responsabilização dos administradores e sócios pelas obrigações
imputáveis à pessoa jurídica, em regra, não encontra amparo tão-somente na mera
demonstração de insolvência para o cumprimento de suas obrigações (Teoria menor
da desconsideração da personalidade jurídica), fazendo-se necessário para tanto a
demonstração do desvio de finalidade (este compreendido como o ato intencional
dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a
demonstração da confusão patrimonial (esta subentendida como a inexistência, no
campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de
seus sócios, configurando-se quando os bens dos sócios estão registrados em nome
da sociedade, e vice-versa), como assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça446.
445
ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 2. 14ª. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, págs. 37-38.
446
STJ. RECURSO ESPECIAL 1.200.850/SP. Relator: Ministro Massami Uyeda. Órgão julgador: T3 Terceira Turma. Data da publicação: 22/11/2010. No mesmo sentido “A mera inadimplência da
pessoa jurídica, por si só, não enseja a desconsideração da personalidade jurídica.” (Superior
Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 588.587/RS Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial
2014/0247034-7. Relator Ministro Raul Araújo. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do julgamento:
21/05/2015.).
433
Esclareça-se que o encerramento irregular da atividade, entendido pela mera
circunstância de a pessoa jurídica encerrar as suas respectivas atividades
econômicas de cunho empresarial, sem a devida baixa do seu registro na Junta
Comercial, se não evidenciado nenhum dano decorrente de violação ao contrato
social da empresa, fraude, ilegalidade, confusão patrimonial ou desvio de finalidade
da pessoa jurídica, não autoriza a desconsideração de sua personalidade jurídica447.
Tampouco a dissolução regular da pessoa jurídica permite a incidência do
citado artigo 50 do Código Civil brasileiro, cuja aplicação, como já exposto, depende
da caracterização do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão patrimonial. Nem mesmo em casos de decretação de
falência, que se constitui, no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em uma
forma de dissolução regular da pessoa jurídica, a personalidade jurídica pode ser
desconsiderada. Ou seja, ainda que tenha sido decretada a falência da pessoa
jurídica, a desconsideração da personalidade jurídica também dependerá da
necessária “fundamentação ancorada em fraude, abuso de direito ou confusão
patrimonial.” 448.
447
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial Nº 1.386.576 - SC (2013⁄0177463-0).
Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Órgão julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento:
19 de maio de 2015. Em semelhantes termos: STJ - REsp 1241873-RS, AgRg no AREsp 478914MG, REsp 1419256-RJ, AgRg no AREsp 251800-SP.
448
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 693.235 - MT (2004⁄0140247-0). Relator Ministro
Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 17 de novembro de
2009.“FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOS-DIRETORES DE
EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
(DISREGARD DOCTRINE). TEORIA MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ANCORADA
EM FRAUDE, ABUSO DE DIREITO OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.”
(original sem destaques).
Em semelhantes termos: “RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA ("disregard doctrine"). HIPÓTESES.
1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao grupo
controlador a responsabilidade pela dívida, pressupõe - ainda que em juízo de superficialidade - a
indicação comprovada de atos fraudulentos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade.
434
Acrescente-se que como a desconsideração da personalidade jurídica
somente pode ser decretada por ato judicial, a matéria também encontra reflexos
processuais. Dentro desse contexto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
admite a desconsideração da personalidade jurídica, como simples incidente
processual, que pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos
quais se garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da ampla
defesa449.
Portanto, no plano negocial caracterizado pela autonomia da vontade e pelo
desejo puro e simples de assumir os riscos decorrentes da concessão do crédito, a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, nos exatos moldes concebidos
pela legislação brasileira, não é passível de ser aplicada diante da simples ausência
de patrimônio (da pessoa jurídica) suficiente para satisfazer o débito regularmente
contraído, mesmo que judicialmente cobrado. É que o mero inadimplemento, com
consequente prejuízo do credor (empresário ou sociedade empresária), não é, por si
só, justo e legal fundamento para se atribuir abusividade à conduta da pessoa
jurídica devedora para, por via de consequência, levantar o véu da sociedade.
2. No caso a desconsideração teve fundamento no fato de ser a controlada (devedora) simples longa
manus da controladora, sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art. 50 do Código
Civil de 2002.
3. Recurso especial conhecido.
(REsp 744107⁄SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do
Julgamento: 20⁄05⁄2008, DJe 12⁄08⁄2008)”
449
STJ. AgRg no REsp 1523930 / RS Agravo Regimental no Recurso Especial 2015/0070976-9.
Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do julgamento:
16/06/2015.
435
Diante do exposto, é preciso notar que o modelo de responsabilidade previsto
na legislação civil-empresarial constitui uma resposta adequada as situações
inseridas na categoria de créditos privados de caráter negocias ou comerciais
(bancos, fornecedores e prestadores de serviços, constituídos no marco da
autonomia da vontade e da liberdade contratual, caracterizadas, outrossim, na
maioria das vezes, pela “precificação” do risco, que passa a compor o custo do
produto ou serviço (objeto do negócio jurídico celebrado).
Porém, nas situações em que o Estado ocupa a condição de credor de um
tributo não pago pelo empresário individual ou coletivo: seria, nesse caso, um credor
voluntário ou involuntário?
Pode-se argumentar que a dívida tributária põe o Estado simplesmente na
posição de credor involuntário. Afinal, a tributação decorre de mera incidência da lei
sobre ato unilateral, e não de acordo negociado entre o Estado e o empresário
individual ou coletivo450.
Logo, é plenamente justificável a colocação do tema em análise sob a égide
do Código Tributário Nacional.
450
MEYERHOF SALAMA, B., op. cit., pág. 421.
436
6.3.3. Limites e possibilidades de responsabilização patrimonial do integrante
da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI ou da
Sociedade Empresária Limitada: luzes e sombras sobre a previsão do Código
Tributário Nacional e as contribuições do Direito Espanhol.
A responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de
pessoas jurídicas de direito privado ou simplesmente administradores, quanto ao
pagamento dos débitos tributários, encontra-se disciplinada no Código Tributário
Nacional, cujo artigo 135, inciso III, estabelece que:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos
correspondentes a obrigações tributárias resultantes de
atos praticados com excesso de poderes ou infração de
lei, contrato social ou estatutos:
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas
jurídicas de direito privado.”.
Comparativamente, são diferentes os pressupostos exigidos pelo Código Civil
e pelo Código Tributário Nacional para fins de responsabilização patrimonial dos
respectivos administradores da pessoa jurídica. Isso decorre da mencionada
distinção entre as obrigações que se encontram situadas ora na esfera privada,
437
nomeadamente no regime civil-empresarial, no qual as relações negociais são
permeadas pela autonomia da vontade, ora na órbita pública, especialmente no
campo tributário, caracterizada pela prerrogativa Estatal de exigir do particular o
pagamento de tributos.
Não obstante, tal como ocorre no regime civil-empresarial, consolidou-se o
entendimento de que o simples inadimplemento da obrigação e a insuficiência de
bens da pessoa jurídica para fazer face ao pagamento dos débitos constituídos não
são suficientes para responsabilizar o respectivo administrador.
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 451, firmada no
julgamento do Recurso Especial 1.101.728/SP, de relatoria do Ministro Teori Albino
Zavascki, publicado em 23/3/09, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, “a simples
falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância
que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É
indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à
lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.”.
Dentro desse contexto, em termos práticos, o redirecionamento da ação de
execução fiscal - que visa à cobrança e futura satisfação do crédito tributário - para o
adminstrador da pessoa jurídica é cabível apenas quando demonstrado que este
agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, ou, ainda, no caso de
451
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.101.728/SP. Relator Ministro Teori Albino
Zavascki. Publicado em 23/3/09.
438
dissolução irregular da pessoa jurídica, não se incluindo - frise-se - o simples
inadimplemento de obrigações tributárias.
Na linha dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, “a certidão emitida
pelo Oficial de Justiça, atestando que a empresa devedora não mais funciona no
endereço constante dos assentamentos da junta comercial, é indício de dissolução
irregular, apto a ensejar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente, de
acordo com a Súmula 435/STJ452.”.
Ainda
segundo
firme
orientação
jurisprudencial 453,
o
pedido
de
redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da
pessoa jurídica devedora, em ação de execução fiscal, pressupõe a permanência
formal do titular da EIRELI ou de determinado sócio na administração da sociedade
empresária no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que
desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador.
Ademais, nessa mesma linha, embora seja necessário demonstrar quem
exercia a administração no momento da dissolução da pessoa jurídica, é necessário,
antes,
que
aquele
responsável
pela
dissolução
tenha
sido
também,
simultaneamente, o detentor da administração na oportunidade do vencimento do
452
Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no
seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da
execução fiscal para o sócio-gerente.”. Em termos semelhantes, consultar a decisão do Superior
Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1.289.471/PE. Relator Ministro Herman Benjamin, Órgão
Julgador: Segunda Turma. Julgado em 28/2/2012. DJe 12/4/2012.
453
EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma,
julgado em 2/4/2009, DJe 4/5/2009. No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.483.228/SP, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/11/2014; AgRg no REsp 1153339/SP, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 2/2/2010.
439
tributo. É que só se dirá responsável o titular da EIRELI ou sócio da sociedade
empresária que, tendo poderes e recursos para tanto, simplesmente deixou de
pagar o tributo, desviando a respectiva quantia (daí exigir-se seja demonstrada a
detenção de administração no momento do vencimento do débito), e que, também,
conscientemente, optou pela irregular dissolução da pessoa jurídica (por isso,
também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular).
Imperioso frisar que a falência, também para os fins e efeitos do Direito
Tributário, não configura, por si só, modo irregular de dissolução da pessoa jurídica,
pois, além de estar prevista legalmente, consiste, no regime brasileiro, em uma
verdadeira faculdade estabelecida em favor do empresário que declara crise
econômico-financeira e confessa a impossibilidade de satisfazer débitos assumidos.
Com a falência, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa
jurídica até o encerramento do processo, “só estando autorizado o redirecionamento
da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado
de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos.” 454.
Nessa toada, considerando a previsão do Código Tributário Nacional em
conjunto com o Código Civil e a Lei 11.101/2005 (que regula o regime falimentar),
consolidou-se o entendimento jurisprudencial455 no sentido de que, uma vez
encerrado o processo falimentar, sem a constatação de bens da pessoa jurídica
suficientes à satisfação do crédito tributário, extingue-se a execução fiscal, cabendo
454
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp nº 128.924/SP, Relator Ministro Herman Benjamin,
DJe 03/09/2012.
455
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento Nº 1.396.937 - RS (2011⁄00144954). Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 06 de maio de 2014.
440
o redirecionamento para os respectivos administradores tão somente quando
constatada a ocorrência de uma das hipóteses previstas no caput do artigo 135,
quanto às pessoas relacionadas no respectivo inciso III (os diretores, gerentes ou
representantes de pessoas jurídicas de direito privado), do Código Tributário
Nacional.
Constata-se, portanto, que apesar da diferença de tratamento da matéria –
considerando-se o disposto no Código Civil e no Código Tributário Nacional, os
efeitos são semelhantes: (i) o simples inadimplemento da obrigação (negocial ou
tributária) não é suficiente para responsabilizar o administrador; e (ii) somente
existirá responsabilidade dos administradores da pessoa jurídica diante da prática de
ato ilícito, ou seja, mediante fraude, excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos.
Evidentemente, essa não tem se revelado a solução ideal no tocante às
obrigações tributárias, pois, na prática, conduzem ao prejuízo suportado pelo Estado
e, por conseguinte, por toda sociedade.
Considerando-se que o regime de responsabilização se encontra calcado na
culpa ou dolo do administrador da pessoa jurídica, porquanto se trata de
responsabilidade subjetiva, a questão probatória tem sido um óbice por vezes
intransponível para a Fazenda, na tentativa de superar a personalidade jurídica e
imputar ao administrador a obrigação de pagar o tributo.
441
Considerando, ainda, o disposto no caput do artigo 135 do CTN, é bem
verdade que provar que não houve ato com “excesso de poderes” não é complicado,
porque basta um simples exame dos documentos constitutivos da EIRELI ou da
sociedade empresária. Porém, a prova do dolo e da fraude exige um esforço muito
maior.
No contexto da presente tese, seria a crise econômica, setorial ou financeira
da empresa prova suficiente para indicar que os tributos não foram dolosamente
adimplidos? 456
A resposta pode e deve buscar fundamentos no modelo de conduta do
administrador da pessoa jurídica, descrito no Código Civil e na Lei 6.404/76.
Lembre-se que é dever do administrador da pessoa jurídica, no exercício de suas
atribuições, agir com o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
Portanto, se a crise econômica, setorial ou financeira da empresa deriva da
violação de tais deveres de cuidado e a diligência, em virtude de conduta culposa ou
dolosa, impõe-se, induvidosamente, a responsabilidade do administrador da pessoa
jurídica, pois estará configurada a “infração de lei, contrato social ou estatutos”.
Certo é que, mesmo preservada a natureza subjetiva da responsabilidade dos
adminstradores da pessoa jurídica, melhor técnica legislativa poderia ser empregada
no sentido de admitir, de forma direta e tão somente em virtude da decretação da
456
Consultar: MEYERHOF SALAMA, B, op. cit., págs 447-448.
442
falência, a abertura de incidente destinado a investigar a conduta (culposa ou
dolosa) dos administradores e, se fosse o caso, determinar a sua responsabilidade
subsidiária pelo pagamento dos débitos tributários, diante da mera insuficiência dos
bens da massa falida.
Situada,
portanto,
a
questão
no
plano
da
responsabilidade
dos
administradores da pessoa jurídica quanto aos débitos tributários constituídos até a
decretação da falência – assumindo-se que dita decretação implica na cessação das
respectivas atividades da empresa, revela-se útil e necessária a análise dos
dispositivos da legislação espanhola sobre a matéria, em razão das contribuições
que podem ser implementadas no Brasil.
Em termos de direito comparado, o regime espanhol prevê, no artigo 176 da
LGT, um procedimento para exigir a responsabilidade subsidiaria, nos seguintes
moldes:
“Artículo 176. Una vez declarados fallidos el deudor
principal y, en su caso, los responsables solidarios, la
Administración tributaria dictará acto de declaración de
responsabilidad,
que
se
notificará
al
responsable
subsidiario.
Por seu turno, o Real Decreto 939/2005, de 29 de julio, por el que se aprueba
el Regulamento General de Recaudación, estabelece em seu artigo 61.2 que: “Una
443
vez declarados fallidos los deudores principales y los responsables solidarios, la
acción de cobro se dirigirá frente al responsable subsidiario.” Já o artigo 124 do
referido Regulamento General de Recaudación disciplina o procedimento de
declaração de responsabilidade.
Por sua vez, o artigo 43457 da Ley General Tributaria da Espanha, com a
redação dada pelo artigo 1.3 da Ley 7/2012, de 29 de octubre, disciplina, de forma
pormenorizada, a questão da responsabilidade dos administradores de pessoas
jurídica, tratando-os como “responsables subsidiarios de la deuda tributaria” da
seguinte forma:
“Artículo 43. Responsables subsidiarios.
1. Serán responsables subsidiarios de la deuda tributaria
las siguientes personas o entidades:
a) Sin perjuicio de lo dispuesto en el párrafo a) del
apartado 1 del artículo 42 de esta ley, los administradores
de hecho o de derecho de las personas jurídicas que,
habiendo éstas cometido infracciones tributarias, no
hubiesen realizado los actos necesarios que sean de su
incumbencia para el cumplimiento de las obligaciones y
457
A última atualização desse artigo foi publicada em 22/09/2015, encontrando-se em vigor desde
12/10/2015, conforme informação contida Ref. BOE-A-2015-10143 (Se modifica la letra e) del
apartado 1 por el art. único.5 de la Ley 34/2015, de 21 de septiembre), passando a contar a seguinte
redação “(e) Los representantes aduaneros cuando actúen en nombre y por cuenta de sus
comitentes. No obstante, esta responsabilidad subsidiaria no alcanzará a la deuda aduaneira.” Dita
alteração, porém, não produziu nenhuma consequência para a presente tese.
444
deberes
tributarios,
hubiesen
consentido
el
incumplimiento por quienes de ellos dependan o hubiesen
adoptado acuerdos que posibilitasen las infracciones. Su
responsabilidad también se extenderá a las sanciones.
b) Los administradores de hecho o de derecho de
aquellas personas jurídicas que hayan cesado en sus
actividades, por las obligaciones tributarias devengadas
de éstas que se encuentren pendientes en el momento
del cese, siempre que no hubieran hecho lo necesario
para su pago o hubieren adoptado acuerdos o tomado
medidas causantes del impago.
Consoante se depreende da análise do artigo 43.1, da LGT, estão
contempladas duas hipóteses de responsabilidade dos administradores: (i) a
decorrente da prática de infrações tributárias [art. 43.1, letra a)] e (ii) a resultante do
encerramento de suas atividades com obrigações tributárias pendentes [art. 43.1,
letra b) ].
Destaque-se, de pronto, que a figura do administrador de fato, reconhecida na
LGT, poderia constar da legislação tributária brasileira, a fim de potencializar a
satisfação do crédito tributário458.
458
Acerca da condição de administrador de fato na LGT, consultar: ÁLVAREZ MARTÍNEZ, Joaquín.
La responsabilidad de los administradores de las personas juridicas en la ley general tributaria. 3ª. ed.
445
Ademais, mesmo considerando a semelhança entre os regimes (brasileiro e
espanhol), no tocante a natureza culposa da responsabilidade dos administradores
no marco das letras (a)
459
, e (b)
460
do artigo 43.1 da LGT da Espanha, aqui se
constata um maior nível de detalhamento do padrão de conduta do administrador, a
justificar a aplicação da responsabilidade subsidiária, modelo esse que poderia ser
“importado” para o CTN brasileiro, construindo as bases para a sua aplicação,
inclusive, em regimes falimentares.
De outro vértice, a cessação das atividades mencionada no art. 43.1, letra b,
da LGT, constitui a paralização material da atividade econômica de natureza
empresarial ou mercantil, com a extinção e desaparecimento da pessoa jurídica, a
qual conserva, todavia, intacta a sua personalidade jurídica.
Navarra: Aranzadi, 2012, pág. 73. “La Administración tributaria sólo podrá exigir a los administradores
de hecho las responsabilidades contempladas en las letras a) e b) del artículo 43.1 de la Ley arriba
citada cuando pueda demostrar, de manera indubitada, que el sujeto al que se deriva la
responsabilidad reúne tal condición, labor que, como ya hemos indicado, resultará, en no pocas
ocasiones, compleja y dificultosa, razón por la cual han venido a señalarse, desde la óptica
jurisprudencial, una serie de circunstancias o indicios que pueden resultar acreditativos de dicha
cualidad. Tales circunstancias serían, entre otras, las siguientes: la condición de accionista
mayoritario (o, en su caso, familiar cercano y directo -padre/madre- de los socios mayoritarios); el
desempeño de las funciones-de-apoderado-general con amplíssimas facultades (por lo general,
idénticas a las de los propios administradores formalmente designados); la importancia de la
remuneración percibida; y, por último, el trato personal y constante con proveedores y clientes y la
relación inmediata con el personal de la sociedade.”
459
Conforme MARTÍN QUERALT, J.; LOZANO SERRANO, C. TEJERIZO LÓPEZ, J.M.; CASADO
OLLERO, G.. op. cit., pág 300.
460
Nesse sentido: ÁLVAREZ MARTÍNEZ, J., op. cit., pág. 155. “El hecho de que la letra b) del artículo
43.1 de la LGT hoy vigente ha venido a requerir de forma expresa, para proceder a la exigencia de la
mencionada responsabilidad, la presencia de ciertos comportamentos de los administradores que que
revelan un evidente comportamento culpable de los mismos desde la perspectiva tributaria.”.
(original sem destaques)
446
Segundo o professor ÁLVAREZ MARTÍNEZ, a aplicação do dispositivo em
comento, exige que “la persona jurídica cuyas actividades cesaron no se encuentre
sometida a un procedimiento concursal o no haya procedido a extinguirse
jurídicamente, esto es, que no se hayan llevada a cabo las operaciones de
disolución de la misma previstas en la legislación mercantil como antesala de su
liquidación”461, pois nesses casos os administradores das pessoa jurídica, cuja
falência tenha sido decretada, são substituídos por outros sujeitos e órgãos, como
os integrantes da administração concursal462, o que exigiria as adequações
necessárias para conciliar com o regime brasileiro.
Nesse sentido, o artigo 43.1 da LGT traçou distinção entre os administradores
das pessoas jurídicas duas hipóteses distintas de responsabilidade subsidiária:
“comisión de infracciones tributarias” e “cese en la actividad de las personas
jurídicas”, ressaltando, em relação a cada uma delas, sua correspondente extensão,
para o qual utilizou as expressões “deuda tributaria” ou “obligaciones tributarias
devengadas pendientes”.
Assim sendo, na medida em que se refere a expressão “deuda tributaria”,
resulta coerente a conclusão de que conforme estabelece o artigo 58 da LTG, “La
461
462
ÁLVAREZ MARTÍNEZ, J., op. cit., pág. 132.
Artigo 43,1, letra c, da LGT: “1. Serán responsables subsidiarios de la deuda tributaria las
siguientes personas o entidades: c) Los integrantes de la administración concursal y los
liquidadores de sociedades y entidades en general que no hubiesen realizado las gestiones
necesarias para el íntegro cumplimiento de las obligaciones tributarias devengadas con anterioridad a
dichas situaciones e imputables a los respectivos obligados tributarios. De las obligaciones tributarias
y sanciones posteriores a dichas situaciones responderán como administradores cuando tengan
atribuidas funciones de administración.” (original sem destaques).
447
deuda tributaria estará constituida por la cuota o cantidad a ingresar que resulte de
la obligación tributaria principal o de las obligaciones de realizar pagos a cuenta”,
sendo certo, ainda, que a “deuda tributaria” estará integrada: “a) El interés de
demora. b) Los recargos por declaración extemporánea. c) Los recargos del período
ejecutivo. y d) Los recargos exigibles legalmente sobre las bases o las cuotas, a
favor del Tesoro o de otros entes públicos”.
Logo, é forçoso concluir que “los administradores de las personas jurídicas
mencionados en la letra a) del artículo 43.1 de la actual LGT deberán hacer frente a
todos y cada uno de los elementos enumerados en el precepto arriba transcrito. 463”.
Ainda de acordo com a LGT espanhola, conforme agora o artigo 43.2:
“Serán
responsables
subsidiarios
de
las
deudas
tributarias derivadas de tributos que deban repercutirse o
de cantidades que deban retenerse a trabajadores,
profesionales u otros empresarios, los administradores de
hecho o de derecho de las personas jurídicas obligadas a
efectuar la declaración e ingreso de tales deudas cuando,
existiendo continuidad en el ejercicio de la actividad, la
presentación de autoliquidaciones sin ingreso por tales
conceptos tributarios sea reiterativa y pueda acreditarse
463
ÁLVAREZ MARTÍNEZ, J., op. cit., pág. 233.
448
que dicha presentación no obedece a una intención real
de
cumplir
la
obligación
tributaria
objeto
de
autoliquidación.”.
Diferenciam-se as situações previstas nas letras (a) e (b) do artigo 43.1 com
aquela descrita no citado artigo 43.2. da LGT. Enquanto que na letra (a) do artigo
43,1 da LGT, há alusão aos administradores das pessoas jurídicas que praticaram
infrações; a letra (b) diz respeito as situações de cessação irregular das atividades,
com dívidas tributárias pendentes, estabelecendo-se, em ambas, a necessidade de
culpabilidade do agente. Já o artigo 43.2 da LGT, além de exigir a “continuidad en el
ejercicio de la actividad”, alude a “presentación de autoliquidaciones sin ingresso”;
porém, conforme afirma MIGUEL ARIAS464 “no efectua alusión alguna a la existencia
de dolo o culpa en su proceder”, de maneira que
“nos encontramos ante un
supuesto de responsabilidad que requiere demonstrar una intención fraudulenta en
la apresentación de autoliquidaciones sin ingresso por el deudor principal – entidad
jurídica”.
Diante do exposto, revela-se útil e necessário alterar a legislação brasileira,
modernizando-a a partir das contribuições da legislação espanhola, no tocante aos
procedimentos necessários à apuração da conduta dos administradores – de fato e
direito – das pessoas jurídicas utilizadas com fins empresariais, e, por conseguinte,
contemplar as prescrições legais em termos semelhantes ao modelo espanhol, com
464
MIGUEL ARIAS, Sabina de. El nuevo supuesto de responsabilidad tributaria de administradores
de personas jurídicas del artículo 43.2 de la LGT. Quincena Fiscal 12. Aranzadi num.12/2013, págs.
15-36.
449
as respectivas consequências jurídicas reservadas aos administradores de fato e de
direito das pessoas jurídicas, submetendo-os ao regime de responsabilidade
subsidiária.
Propõe-se, portanto, a modificação da legislação tributária brasileira para
permitir que, em caso de falência da pessoa jurídica por meio da qual a atividade
econômica é exercida, seja possível atribuir ao (s) respectivo (s) administrador (es)
de fato ou de direito, responsabilidade subsidiária pelos débitos tributários, cuja
satisfação não foi possível em virtude da insuficiência de bens integrantes da massa
falida.
Para tanto, vale dizer, mais uma vez, que a falência, nos termos do artigo
1.044465 do Código Civil, constitui causa de dissolução de pleno direito da sociedade
empresária. Aliás, dissolução regular, conforme já se pronunciou a jurisprudência
consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a saber:
"[…] a falência não configura modo irregular de dissolução
de sociedade, pois, além de estar prevista legalmente,
consiste numa faculdade estabelecida em favor do
465
Código Civil. Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas
enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência.
450
comerciante impossibilitado de honrar compromissos
assumidos.” 466.
Não obstante, ainda de acordo com a jurisprudência predominante do
Superior Tribunal de Justiça, tal e como anteriomente já foi assinalado:
“[…] com a quebra, a massa falida responde pelas
obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento
da falência, só estando autorizado o redirecionamento da
execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo
sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de
infração a lei, contrato social ou estatutos.” 467
Isso significa que caso não ocorra alteração legislativa, persisirá o
entendimento jurisprudencial de que a falência somente autoriza a responsabilidade
dos administradores em caso de prática de ato ou fato “eivado de excesso de
poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos”.
Contraditoriamente, a Lei Complementar 123/2006, ao disciplinar os
procedimentos de dissolução regular e voluntária da microempresa ou da empresa
de pequeno porte (fora do âmbito falimentar), com a consequente baixa do registro
empresarial e extinção da empresa, estabeleceu, em seu artigo 9º., § 4o e § 5, a
466
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp nº 128.924/SP, Relator Ministro Herman Benjamin,
DJe 03/09/2012.
467
Idem.
451
responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos
administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores, nos
seguinte termos:
“Art. 9o O registro dos atos constitutivos, de suas
alterações e extinções (baixas), referentes a empresários
e
pessoas
jurídicas
em
qualquer
órgão
dos
3
(três) âmbitos de governo ocorrerá independentemente
da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias
ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário,
da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de
empresas
de
que
participem,
sem
prejuízo
das
responsabilidades do empresário, dos titulares, dos sócios
ou dos administradores por tais obrigações, apuradas
antes ou após o ato de extinção.
§ 4o A baixa do empresário ou da pessoa jurídica não
impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados
tributos,
contribuições
e
respectivas
penalidades,
decorrentes da falta do cumprimento de obrigações ou da
prática
comprovada
administrativo
ou
e
judicial
apurada
de
outras
em
processo
irregularidades
praticadas pelos empresários, pelas pessoas jurídicas ou
por seus titulares, sócios ou administradores
452
§ 5o A solicitação de baixa do empresário ou da pessoa
jurídica
importa
empresários,
responsabilidade
dos
administradores
no
titulares,
dos
período
da
solidária
sócios
dos
e
dos
ocorrência
dos
respectivos fatos geradores.”. 468
Portanto, considerando o acima exposto e partindo do pressuposto de que a
falência constitui causa de dissolução regular da sociedade empresária, reforça-se,
ainda mais, a coerência da proposta de alteração legislativa para atribuir
responsabilidade subsidiária aos administradores – de fato ou de direito – da pessoa
jurídica em casos de decretação da falência, sobretudo porque fora do regime
falimentar, isto é, no marco da Lei Complementar 123/2006, a responsabilidade é
mais severa – já que de caráter solidário – e a sua aplicação ocorre
independentemente da prova de prática de ato ou fato “eivado de excesso de
poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos”.
Assim, haveria harmonia entre os regimes (da Lei Complementar 123/2006 e
da Lei 11.10/2005) diante da falência da pessoa jurídica enquadrada como
microempresa ou da empresa de pequeno porte, cuja tentativa de recuperação não
logrou êxito, porquanto seria possível, independentemente da prova de prática de
ato ou fato “eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou
estatutos”, admitir a responsabilidade patrimonial do(s) respectivo(s) administrador
468
Sem destaques no original.
453
no tocante às obrigações tributárias469, apenas e tão somente em virtude da
insuficiência de bens e direitos integrantes da massa falida para satisfazer o crédito
tributário.
469
Obrigações tributárias que foram constituídas com base em um tratamento jurídico favorecido e
diferenciado (SIMPLES Nacional) e, em face do pedido de recuperação judicial, ainda foi autorizada a
adesão a um específico regime legal de parcelamento de débitos em condições especiais.
454
CONCLUSÕES
Alcançado o ponto final do presente trabalho, mostra-se necessário oferecer
uma reflexão que ponha relevo nos aspectos centrais desenvolvidos, notamente
quanto aos problemas apresentados e nas soluções apontadas.
Resgatando os aspectos iniciais da pesquisa, constata-se que a intervenção
do Estado na economia, no marco da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, deve ser concentrada substancialmente nos serviços públicos essenciais
em favor da sociedade, deixando a cargo dos agentes econômicos de caráter
privado a exploração da atividade voltada à produção e comercialização de bens ou
serviços.
Com efeito, ao concentrar esforços nos serviços públicos essenciais o Estado
pode atuar com maior nível de eficiência, o que implica na redução de custos e
melhoria contínua da qualidade de tais serviços. Por outro lado, ao assegurar a
atuação dos agentes privados em geral e, em particular, dos microempresários e
empresários de pequeno porte, o Estado incentiva a criatividade empreendedora e o
avanço tecnológico, criando um ambiente atrativo para a prática da livre
concorrência no mercado e, por conseguinte, apto à geração de emprego e renda.
Se não bastasse, ao garantir e estimular a atividade econômica, o Estado
obtém ganhos financeiros, já que o agente econômico frequentemente ocupa a
posição de sujeito passivo na relação tributária, razão pela qual o crescimento
empresarial implica na expansão da arrecadação tributária.
455
Não significa, porém, que os agentes possam atuar sem quaisquer regras,
pois isso levaria a inevitáveis distorções e consequente domínio do mercado por
aqueles que dispusessem de maior disponibilidade de recursos - os detentores do
capital ou macro empresas que atuam frequentemente em escala mundial, impondo
aos microempresários e empresários de pequeno porte dificuldades quanto ao
desenvolvimento da atividade e impedindo o crescimento econômico de tais
agentes.
Não por outra razão, é fundamental que o Estado exerça um papel regulador
da atividade econômica, a fim de criar um ambiente estável, previsível e seguro para
os negócios. Isso significa que é dever do Estado respeitar e garantir os direitos de
propriedade, assegurar a força obrigatória dos contratos, manter um regime
concorrencial que equilibre as assimetrias econômicas entre micro e macro
empresas. Some-se a isso a necessidade de criação, manutenção e contínuo
aperfeiçoamento de um regime de tributação centrado na simplificação de
procedimentos, na justiça e na igualdade.
Diante de tantos desafios, reforça-se a constatação de que o Estado deve
concentrar seus esforços nos serviços públicos, atuando diretamente no mercado –
por meio das empresas públicas ou sociedade de economia mista – apenas
excepcionalmente, ou seja, nos exatos limites do artigo 173 da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, isto é, quando estiverem presentes os
“imperativos da segurança nacional” ou “relevante interesse coletivo”.
456
Assim, essa questão do Estado criar direito (no sentido do Estado ter
capacidade de promover situações novas, segundo as quais o homem pode exercer
melhor suas liberdades, considerando que liberdade é sinônimo de poder do
indivíduo) e a ele se submete, salvo nas teorias autoritárias, parece a melhor prática
para assegurar o exercício da democracia (prática democrática). Dessa maneira,
pode ser dito que o Estado “cria” o direito e não convém a ele próprio destruí-lo, uma
vez que o direito pode ser instrumento para alcançar o desejável desenvolvimento
econômico, com desdobramentos sociais.470 Nessa perspectiva, vale dizer que cabe
ao Estado ampliar áreas em que liberdades podem ser exercidas, especialmente
quando garante e estimula a atividade econômica por meio das microempresas ou
empresas de pequeno porte ou simplesmente PYMES.
É que, consoante foi demonstrado, as microempresas e as empresas de
pequeno porte têm inegável importância na política econômica nacional pelo que
representam na geração de emprego, notadamente quando se compara com os
resultados produzidos pelas médias e grandes empresas ao longo de 2011 a 2015,
o que repercute diretamente sobre a distribuição de renda no país, como também na
participação do Produto Interno Bruto.
Aliás, dentro de uma perspectiva comparativa, ficou claramente demonstrado
que tanto no Brasil como na Espanha, as microempresas e as empresas de
pequeno porte (PYMES) têm sido responsáveis pela geração de emprego e renda,
nos mais variados segmentos da economia, justificando-se a adoção de um
470
ANGARITA, A.; PINTO SICA L. P.; DONAGGIO, A.; op. cit., pág. 15.
457
tratamento diferenciado e favorecido, a fim de mantê-las em marcha, bem como
permitir a expansão das mesmas.
Seguindo o fio condutor do presente trabalho, ou seja, atuando no âmbito das
repercussões tributárias em decorrência da relação entre a empresa e o Estado, foi
posto em evidência o real alcance da expressão empresa, a partir das bases no
direito mercantil ou empresarial. Constatou-se, assim, que a empresa é, acima de
tudo, um fenômeno econômico, caracterizado pela produção e/ou a circulação de
bens ou serviços, exercida de forma individual ou coletiva, com o propósito – nem
sempre realizável – de obter lucro a partir da conjugação de certos fatores de
produção.
Nesse sentido, muito embora a teoria da empresa abarcada pelo Código Civil
brasileiro limite o seu campo de incidência às atividades de indústria, comércio e
serviços, excluídos os de natureza intelectual, artística, científica ou literária, é cada
vez mais firme e clara a tendência de inserir no contexto empresarial essas
atividades excluídas, submetendo-as à legislação mercantil ou empresarial. Prova
disso é a previsão da Lei Complementar 123/2006 que assegura a possibilidade de
enquadramento na condição de Microempresa ou Empresa de Pequeno porte não
apenas as atividades comerciais e industriais, como também os prestadores de
serviços, inclusive os de caráter intelectual, artístico, científico e literário.
Avançando sobre as repercussões tributárias da empresa, a pesquisa situa o
empresário, individual ou coletivamente considerado, como sujeito passivo da
relação tributária. Dentro desse contexto, além de identificar as simetrias e
458
assimetrias dos regimes tributários do Brasil e da Espanha no tocante ao crédito
tributário, a pesquisa demonstrou que a tributação de bens e serviços, aplicada,
portanto, sobre a alienação, transferência, produção de bens ou prestação de
serviços, ou seja, revestida de caráter preponderantemente empresarial, alcançou,
no ano de 2013, o percentual de 51,28% do resultado da arrecadação obtida,
conforme estudo divulgado no mês de dezembro de 2014 pelo centro de estudos
tributários e aduaneiros da Receita Federal do Brasil (órgão do Ministério da
Fazenda), representando, assim, mais da metade da receita tributária brasileira.
Ainda dentro do contexto da relação tributária (Estado – Empresa), a pesquisa
utilizou dados consolidados pelo Banco Mundial (no estudo Doing Business 2015)
que, ao estabelecer comparação entre vários países, inclusive Brasil e Espanha,
constatou que o Brasil precisa avançar, com urgência, no quesito “tempo” (medido
em horas por ano) gasto para preparar, declarar e pagar as três principais espécies
de impostos e contribuições (imposto de renda da empresa, imposto sobre valor
agregado ou sobre vendas e os impostos trabalhistas). Isso porque, uma empresapadrão brasileira (que não pode ou não quer ser enquadrada no SIMPLES nacional)
leva 2.900 horas por ano para o desenvolvimento dessa tarefa, ou seja, preparar,
declarar e pagar os referidos de impostos e contribuições, enquanto que uma
empresa com características semelhantes na Espanha precisa dispender apenas
167 horas por ano.
Nesse ponto, é claramente perceptível a vantagem na utilização do SIMPLES
Nacional, como regime tributário das microempresas e das empresas de pequeno
porte, que implica o recolhimento mensal, mediante documento único de
459
arrecadação, do imposto de renda da empresa, imposto sobre valor agregado ou
sobre vendas e os impostos trabalhistas, porquanto reduz significativamente o
tempo gasto para prepará-los, declará-los e pagá-los, concluindo-se pela
necessidade de expansão do regime, cuja iniciativa já foi posta em marcha,
conforme os termos do projeto de lei 25/2007 - em tramitação no Congresso
Nacional - que estabelece novos critérios para enquadramento na condição de
Microempresa ou Empresa de Pequno Porte, alterando a receita bruta anual máxima
de R$ 360.000,00 para R$ 900.000,00 (em caso de Microempresa) e de R$
3.600.000,00 para R$ 14.000.000,00 (em caso de Empresa de Pequeno Porte)
471
.
No tocante ao peso da carga tributária, também foram utilizados os dados do
Banco Mundial (no estudo Doing Business 2015) para constatar que a taxa tributária
total medida pelo valor dos impostos e das contribuições obrigatórias pagos por uma
empresa-padrão (não optante do SIMPLES Nacional) no segundo ano de operação,
expressos como uma parcela dos lucros comerciais, ou seja, o lucro líquido antes do
pagamento de todos os impostos, é maior do que a carga suportada pelas
microempresas e empresas de pequeno porte optante pelo SIMPLES Nacional, que
estão submetidas as alíquotas máximas de 11,61% (no setor de comércio), 12,11%
(no setor industrial) e 17,42% (no setor de serviços).
Por outro lado, a pesquisa também reconhece que a redução no ritmo da
atividade econômica no Brasil tem levado muitas empresas, inclusive as
471
Disponível
em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?
codteor=1379809&filename=EMA+1/2015+%3D%3E+PLP+25/2007. Consulta em: 07/09/2015.
460
enquadradas na condição de microempresas ou empresas de pequeno porte, a
recorrerem ao regime da recuperação judicial, regulado pela Lei 11.101/2005.
Porém, tal como foi constatado, impressiona o fato de que um país como o
Brasil,
cujo
tecido
empresarial
é
composto
predominantemente
por
microempresários ou empresários de pequeno porte, que respondem pelo
significativo percentual de 99% de todos os estabelecimentos instalados no território
brasileiro; 52% dos empregos formais de estabelecimentos privados não agrícolas
do país e de quase 42% da massa de salários paga aos trabalhadores destes
estabelecimentos, as medidas de saneamento e reestruturação empresarial não
sejam planejadas pelo legislador com o propósito de assegurar a recuperação
desses microempresários ou empresários de pequeno porte.
O problema é que o critério determinante para recuperação da empresa é
hoje, numa palavra, a vontade dos credores negociais, submetido ao regime. Mais
precisamente, cabe aos credores o poder fundamental de decidir destino da
empresa, optando pela recuperação quando – e só quando – a recuperação seja de
seu interesse, porquanto, paradoxalmente, as microempresas e as empresas de
pequeno porte terminam ficando em desvantagem, pois em se tratando de uma
grande empresa, o risco de crédito e a eventual perda para o credor terão maior
repercussão e exatamente por isso encontrará maior disposição para estabelecer
negociações tendentes à solução do débito.
Nas hipóteses em que é possível presumir o desequilíbrio econômico das
partes (credores e devedor) em torno de uma ampla negociação da dívida,
461
especialmente quando a parte vulnerável é o devedor (microempresário ou
empresário de pequeno porte) torna-se necessário que a assimetria seja reduzida
por meio de previsões legais de caráter vinculante, isto é, compulsoriamente
aplicadas às partes, submetendo-as a determinadas condições diante da prova
inconteste
do
preenchimento
de
pressupostos
objetivos,
notadamente
a
demonstração do potencial de recuperabilidade, a fim de garantir a superação da
crise e a manutenção da empresa.
Para além de um modelo de refinanciamento das dívidas das microempresas
e das empresas de pequeno porte como meio de recuperação da empresa, foi
constatada, por outro lado, a necessidade de estimular a capitalização de tais
microempresas e das empresas de pequeno porte como elemento concretizador
dessa recuperação da empresa.
Portanto, a proposta de um novo regime especial de recuperação para as
microempresas e as empresas de pequeno porte, partindo dessas premissas,
revela-se necessária e urgente.
Não obstante, a pesquisa constata que as manifestações do Superior Tribunal
de Justiça se consolidaram de maneira extramente desfavorável para o crédito
tributário, que embora não esteja formalmente abrangido pelo regime da
recuperação judicial em face da sua indisponibilidade, tem enfrentado dificuldades
na sua satisfação, dada a impossibilidade de alcançar bens do devedor-empresário.
462
Se é certo que cabe ao Estado incentivar a atividade econômica desenvolvida
por empresários, sobretudo enquadrados na condição de microempresas ou
empresas de pequeno porte, não menos certo é que a criação de óbice judicial a
satisfação do crédito tributário em virtude de posicionamento jurisprudêncial
consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, acarreta prejuízo ao Estado
e, por conseguinte, socializa os riscos da atividade econômica com a sociedade,
dada a perda arrecadatória.
Por isso, a atuação do Estado em matéria de estímulos tributários aos
empresários, ainda que enquadrados na condição de microempresas ou empresas
de pequeno porte, além de universal, deve ser concentrada em temas como
simplificação e redução do peso da carga, ou seja, em medidas tributárias que
afastem a necessidade da recuperação judicial.
Porém, caso não reste outra opção ao empresário em crise, as medidas
fiscais devem preservar o critério da universalidade para, no máximo, assegurar,
mediante lei específica, condições especiais de pagamento dos tributos em atraso, o
que implica na concessão de prazos e reduções de encargos, nos moldes fixados na
Lei 13.043, que incluiu o artigo 10-A na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002,
criando parcelamento específico para as empresas que obtiverem o deferimento da
recuperação judicial.
463
Idealmente, o caminho exige a promoção de alteração legislativa que
estabeleça, além dos pressupostos legais previstos no artigo 48 da Lei 11.101/2005
para admitir o processamento de uma recuperação judicial da empresa, travas de
caráter econômico-financeiro destinadas a efetiva comprovação da recuperabilidade
da empresa, a fim de evitar a manutenção – no mercado – de empresários que em
verdade devem ser submetidos ao regime falimentar voltado à liquidação patrimonial
e consequente extinção da atividade; permitindo, assim, que outros empresários
possam preencher o “espaço” deixado em virtude da extinção daquela empresa, o
que implica na verdadeira solução de mercado e do estímulo à concorrência .
Conclui-se, ainda, que o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça, no sentido de admitir a recuperação judicial da empresa em crise,
independentemente da regularidade tributária, acarreta a distorção no mercado ao
permitir que empresas irrecuperáveis sejam artificialmente mantidas, implicando,
outrossim, em prejuízo ao regime da livre concorrência, na medida em que
“desonera” indevidamente a empresa do pagamento dos tributos enquanto que as
demais suportam a carga tributária decorrente do regular exercício da atividade
econômica.
Por fim, conclui-se que diante do eventual insucesso da recuperação judicial
será aberto processo falimentar – também regulado pela Lei 11.101/2005. Porém,
constata-se que as medidas tendentes a atribuir responsabilidade pessoal, de
caráter patrimonial, aos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas
de direito privado ou simplesmente administradores, quanto ao pagamento dos
464
débitos tributários, têm se revelado insuficientes e ineficazes. Assim é que, a partir
das contribuições da legislação espanhola, a pesquisa aponta para o caminho da
alteração legislativa que, ao contemplar a responsabilidade dos diretores, gerentes
ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado ou simplesmente
administradores, quanto ao pagamento dos débitos tributários, previna a ocorrência
de práticas fraudulentas e minimize os impactos negativos da insolvência.
465
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
STF. AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 702.604 / AM – AMAZONAS.
Relator(a): Ministro
Joaquim
Barbosa.
Julgamento:
25/09/2012.
Órgão
Julgador: Segunda Turma. Publicação DJe 25/10/2012.
STF. Recurso extraordinário RE 640.452 RG / RO, em data de 06/10/2011, relatado
pelo Ministro Joaquim Barbosa.
STF. ADPF 46 / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Ministro Marco Aurélio.
Relator(a) p/ Acórdão:
Ministro Eros Grau. Julgamento: 05/08/2009. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJe-035. Divulgação 25-02-2010.
STF. ADI número 3934 / DF - Distrito Federal. Relator(a): Ministro Ricardo
Lewandowski. Data do julgamento: 27/05/2009.
STF. Recurso: AI 671240 / SP - SÃO PAULO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 06/04/2009. Publicação: DJe-075
DIVULG 23/04/2009 PUBLIC 24/04/2009.
STF. Recurso: AI 512985 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO. AG. REG. NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Órgão Julgador:
Turma. Data do Julgamento: 16/10/2007.
Segunda
495
STF. AI 452642 AgR / MG - MINAS GERAIS. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO
DE
INSTRUMENTO.
Relator(a):
Min.
CARLOS
VELLOSO.
Julgamento: 13/12/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 24-022006, PP-00033. EMENT VOL-02222-06 PP-01046. RT v. 95, n. 851, 2006, p. 150151.
STF. Recurso AI 360461 AgR / MG - MINAS GERAIS, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, em Julgamento realizado em: 06/12/2005. Órgão Julgador: Segunda
Turma.
STF. RE 407099 / RS - RIO GRANDE DO SUL. Relator(a): Ministro Carlos Velloso.
Julgamento: 22/06/2004. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJ 06-082004. PP-00062.
STF.
ADI
1643
/
UF
INCONSTITUCIONALIDADE.
-
UNIÃO
Relator(a):
FEDERAL.
AÇÃO
Min.
MAURÍCIO
DIRETA
DE
CORRÊA.
Julgamento: 05/12/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 14-032003 PP-00027. EMENT VOL-02102-01 PP-00032.
STF. ADI 1643 MC / UF - UNIÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA.
Julgamento: 30/10/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 19-121997 PP-00041. EMENT VOL-01896-01 PP-00126.
496
SUPERIOR TRIBUNAL JUSTIÇA
STJ. EDcl nos EDcl no AgRg no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº
119.202 - SP (2011⁄0235349-0). Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. 16 de
junho de 2015. Órgão julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça.
Data do Julgamento: 19/06/2015.
STJ. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 408.304 - SE (2013⁄03409860).Relatora Ministra Assusete Magalhães. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do
julgamento: 18 de junho de 2015.
STJ. AgRg no REsp 1523930 / RS Agravo Regimental no Recurso Especial
2015/0070976-9. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador: Terceira
Turma. Data do julgamento: 16 de junho de 2015.
STJ. AgRg no AREsp 588.587/RS Agravo Regimental no Agravo em Recurso
Especial 2014/0247034-7. Relator Ministro Raul Araújo. Órgão Julgador: Quarta
Turma. Data do julgamento: 21 de maio de 2015.
497
STJ. AgRg no Recurso Especial Nº 1.386.576 - SC (2013⁄0177463-0). Relator
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Órgão julgador: Terceira Turma. Data do
Julgamento: 19 de maio de 2015.
STJ. Recurso de Agravo Regimental no conflito de competência nº 136.040 GO (2014⁄0240987-0). Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Órgão Julgador:
Segunda Seção. Data do Julgamento: 13 de maio de 2015.
STJ. AgRg no CC 129.079/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA,
SEGUNDA SEÇÃO. Data do Julgamento:11 de março de 2015, DJe 19/03/2015.
STJ. EDcl nos EDcl no CC 128.618/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
SEGUNDA SEÇÃO. Data do Julgamento: 11 de março de 2015, DJe 16/03/2015.
STJ. AgRg no CC 125.205/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, SEGUNDA SEÇÃO, DJe
03/03/2015.
STJ. Recurso de Embargos de Declaração no Recurso Especial Nº 1.505.290 - MG
(2014⁄0267904-0). Relator: Ministro Herman Benjamin. Órgão Julgador: Segunda
Turma. Data do julgamento: 28 de abril de 2015.
498
STJ. AgRg no REsp 1.519.405/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda
Turma. Data do julgamento: 28 de abril de 2015, DJe 06/05/2015.
STJ. AgRg no REsp 1.462.032/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
Segunda Turma. Data do julgamento: 05 de fevereiro de 2015, DJe 12/02/2015.
STJ. EDcl no AgRg no CC 132.094/AM, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda
Seção, DJe 16/12/2014.
STJ. AgRg no REsp 1.483.228/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, DJe 18/11/2014.
STJ. AgRg no CC 124.052/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
Segunda Seção. Data do julgamento: 22 de outubro de 2014, DJe 18/11/2014.
STJ. AgRg no REsp 1.462.017/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, Segunda Turma.
Data do julgamento: 14 de outubro de 2014, DJe 12/11/2014.
499
STJ. AgRg no CC 129.622/ES, Segunda Seção, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe
29/09/2014.
STJ. AgRg no REsp 1.453.496/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
Primeira Turma, DJe 29/09/2014.
STJ.
RECURSO
ESPECIAL
Nº
1.433.652
/
RJ
RECURSO
ESPECIAL
2013/0200388-3. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta
Turma. Data do Julgamento: 18 de setembro de 2014.
STJ. Recurso Especial Nº 1.359.311 - SP (2012⁄0046844-8). Relator: Ministro Luis
Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 09 de
setembro de 2014.
STJ. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.376.488 - DF (2013⁄0095627-3). Relator:
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão julgador: Quarta Turma. Data do
Julgamento: 26 de agosto de 2014.
STJ. AgRg no Agravo de Instrumento Nº 1.396.937 - RS (2011⁄0014495-4). Relator
Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 06 de maio de 2014.
STJ. EDcl no REsp 1.505.290/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA. Data do Julgamento: 28/04/2015, DJe 22/05/2015.
500
STJ. AgRg no AREsp 352.264⁄SE. Relator Ministro Herman Benjamin, Órgão
Julgador: Segunda Turma. DJe de 27⁄03⁄2014.
STJ. Recurso: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 187.172 - DF
(2012⁄0117403-3). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Órgão julgador: T1
- Primeira Turma. Data do Julgamento: 18 de fevereiro de 2014.
STJ. AgRg no Resp 1.462.032/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, Dje 12/02/2015.
STJ. Recurso Especial nº 1.388.051 - GO (2013⁄0169896-0). Relatora: Ministra
Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 10 de
setembro de 2013.
STJ. Recurso em Mandado de Segurança nº 29.568 - AM (2009⁄0096410-0). Relator:
Ministro Castro Meira. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do
Julgamento: 20 de agosto de 2013. Data da Publicação/Fonte: DJe 30 de agosto de
2013.
STJ. Recurso Especial nº 1.187.404 - MT (2010⁄0054048-4). Relator: Ministro Luis
Felipe Salomão. Órgão julgador: CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça.
Data do Julgamento: 19 de junho de 2013.
501
STJ. Recurso Especial nº 1.359.041 - SE (2012⁄0267889-1). Relator Ministro Castro
Meira. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 18 de junho de 2013.
STJ. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 116.036 - SP (2011⁄00380132) . Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior
Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 12 de junho de 2013.
STJ. RECURSO ESPECIAL 1.312.591 - RS (2012⁄0046226-0).
Relator: Ministro
Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 11 de
junho de 2013.
STJ. EDcl no REsp 1.359.259/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma. Data do Julgamento: 2 de maio de 2013, DJe 7/5/2013.
STJ. Recurso Especial n. 1.359.273/SE. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia
Filho. Relator para o Acórdão Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador:
Primeira Turma, DJe 14.5.13).
STJ. AgRg no CC 133.509/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 25 de março de 2015, DJe 06/04/2015.
STJ. Recurso: AGRG NO ARESP 42.985/RS. Relator: Ministro Humberto Martins.
Órgão julgador: T2 - Segunda Turma. Data da publicação: 1º. de março de 2013.
502
STJ. Recurso: AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 16.808 - GO
(2011⁄0074843-7). Relator: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Órgão
julgador: T1 - PRIMEIRA Turma. Data do julgamento: 19 de fevereiro de 2013.
STJ. Recurso Especial 1.223.792/MS. Relator Ministro Mauro Campbell Marques.
Órgão julgador: Segunda Turma. DJe de 26 de fevereiro de 2013.
STJ. AgRg no AREsp nº 128.924/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 03 de
setembro de 2012.
STJ. Recurso Especial nº 1.374.259 - MT (2011⁄0306973-4). Relator: Ministro Luis
Felipe Salomão. Órgão Julgador: Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça.
Data do Julgamento: 13 de junho de 2012.
STJ. Recurso Especial nº 1.314.209 - SP (2012⁄0053130-7). Relatora: Ministra
Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 22 de maio
de 2012.
STJ. AgRg no REsp 1.289.471/PE. Relator Ministro Herman Benjamin, Órgão
Julgador: Segunda Turma. Julgado em 28 de fevereiro de 2012. DJe 12/4/2012.
STJ. Recurso Especial nº 1.251.513⁄PR. Relator: Ministro Mauro Cambpell Marques.
Órgão julgador: Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do julgamento:
10 de agosto de 2011.
503
STJ. AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 112.638 - RJ (2010⁄0111796-0).
RELATOR MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador: Segunda
Seção do Superior Tribunal de Justiça. Data do Julgamento: 10 de agosto de 2011.
STJ. Recurso Especial Nº 1.180.714 - RJ (2010⁄0022474-9). Relator(a): Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data do julgamento:
05 de abril de 2011.
STJ. Recurso Especial nº 1.200.850/SP. Relator: Ministro Massami Uyeda. Órgão
julgador: T3 - Terceira Turma. Data da publicação: 22 de novembro de 2010.
STJ. Recurso Especial nº 363.206 - MG (2001⁄0148271-0). Relator Ministro
Humberto Martins. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 04 de
maio de 2010.
STJ. AgRg no REsp 1153339/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 2/2/2010.
STJ. Recurso Especial nº 693.235 - MT (2004⁄0140247-0). Relator Ministro Luis
Felipe Salomão. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 17 de
novembro de 2009.
504
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 785.101 - MG (2005/0157147-3). Relator: Ministro
Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: T4 - Quarta Turma. Data do julgamento: 19 de
maio de 2009.
STJ. EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda,
Primeira Turma, julgado em 2 de abril de 2009, DJe 4/5/2009.
STJ. RECURSO ESPECIAL 1.101.728⁄SP. Relator: Ministro Teori Albino Zavascki.
Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do julgamento: 11 de março de 2009.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 901.068 - PR (2006⁄0248171-5). Relator: Ministro
Luiz Fux. Órgão julgador: T1 - Primeira Turma. Data do julgamento: 04 de dezembro
de 2008.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 744.107⁄SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves.
Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do Julgamento: 20 de maio de 2008, DJe
12⁄08⁄2008.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 983.814 - MG (2007/0218339-7). Relator: Ministro
Castro Meira. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 04 de
dezembro de 2007.
STJ. RECURSO ESPECIAL 526.223 / RS (2003/0043026-3). Relator Ministro Teori
Albino Zavascki. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data do Julgamento: 26 de abril
de 2005.
505
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 623.367⁄RJ. Relator: Ministro João Otávio de
Noronha. Órgão julgador: T1 - Segunda Turma. Data do Julgamento: 15 de junho de
2004.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 247.685/AC. Relator Ministro: Sálvio de Figueiredo
Teixeira. Decisão em: 5.6.2000.
506
ANEXO
507
RESUMO DA ARRECADAÇÃO DO SIMPLES NACIONAL
472
Valores em R$ milhões
QUANTIDADE DE
"DAS"
MÊS
MUNICÍESTADOS PIOS
UNIÃO
TOTAIS
ago/07
1.377.700
1.026,38
302,84
90,63
1.419,85
set/07
1.603.621
1.261,05
371,97
113,5
1.746,53
out/07
1.572.319
1.173,42
342,73
107,8
1.623,95
nov/07
1.537.446
1.268,18
378,48
113,17
1.759,83
dez/07
1.592.756
1.320,75
392,81
116,4
1.829,96
7.683.842
6.049,78
1.788,83
541,51
8.380,12
jan/08
1.601.645
1.462,53
441,93
125,53
2.030,00
fev/08
1.553.769
1.214,55
347,59
114,93
1.677,07
mar/08
1.604.156
1.215,61
341,52
116,45
1.673,59
abr/08
1.621.108
1.318,69
372,82
124,68
1.816,19
mai/08
1.637.878
1.394,65
391,97
130,86
1.917,47
jun/08
1.685.901
1.459,82
407,97
133,42
2.001,21
jul/08
1.697.033
1.493,35
409,76
139,28
2.042,39
ago/08
1.669.044
1.568,20
429,2
144,97
2.142,38
set/08
1.710.336
1.593,84
433,8
149,17
2.176,81
out/08
1.701.926
1.629,15
442,42
153,73
2.225,30
nov/08
1.677.694
1.658,02
444,36
153,84
2.256,22
dez/08
1.719.298
1.640,06
437,25
151,79
2.229,09
TOTAL 2007
TOTAL 2008
19.879.788
17.648,47
4.900,58
1.638,66
24.187,71
jan/09
1.032.638
909,26
236,62
90,44
1.236,32
fev/09
1.134.247
1.224,65
336,83
104,87
1.666,34
mar/09
2.748.979
2.302,32
591,2
222,32
3.115,84
abr/09
1.707.755
1.547,13
394,24
150,61
2.091,97
mai/09
1.738.527
1.555,22
390,81
151,43
2.097,47
jun/09
1.703.919
1.602,58
405,5
151,34
2.159,42
jul/09
1.777.662
1.674,00
420,02
158,8
2.252,81
ago/09
1.748.033
1.727,16
431,01
163,75
2.321,93
set/09
1.749.298
1.729,62
429,62
162,83
2.322,07
out/09
1.720.780
1.728,32
424,52
163,39
2.316,23
nov/09
1.831.462
1.928,13
473,35
178,73
2.580,21
dez/09
TOTAL 2009
1.879.753
20.773.053
1.999,28
19.927,66
490,03
5.023,76
185,74
1.884,24
2.675,05
26.835,66
jan/10
1.849.874
2.246,13
563,57
197,68
3.007,38
fev/10
1.776.107
1.696,33
397,18
166,29
2.259,79
mar/10
1.967.169
1.775,07
411,48
179,17
2.365,72
abr/10
1.841.110
1.974,18
468,29
190,64
2.633,10
mai/10
2.188.429
2.160,59
486,92
204,51
2.852,03
jun/10
2.274.955
2.309,73
554,19
222,8
3.086,72
jul/10
2.141.527
2.180,50
508,09
212,78
2.901,36
472
Fonte:
Receita
Federal
do
Brasil.
Disponível
http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/. Consulta em: 07/09/2015.
em:
508
ago/10
2.181.378
2.293,03
532,33
223,92
3.049,28
set/10
2.206.403
2.401,50
559,47
234,35
3.195,32
out/10
2.243.779
2.472,59
572,06
243,89
3.288,55
nov/10
2.317.347
2.484,03
574,71
240,39
3.299,13
dez/10
2.541.766
2.703,91
630,55
258,42
3.592,88
25.529.844
26.697,59
6.258,83
2.574,83
35.531,25
jan/11
2.412.803
2.954,71
705,56
271,93
3.932,20
fev/11
2.296.967
2.182,20
483,51
223,49
2.889,20
mar/11
2.405.299
2.273,92
506,11
236,05
3.016,08
abr/11
2.349.940
2.412,91
539,58
247,65
3.200,14
mai/11
2.480.806
2.482,29
553,97
255,83
3.292,09
jun/11
2.610.396
2.735,17
623,75
276,24
3.635,16
jul/11
2.654.821
2.695,19
602,35
275,25
3.572,79
ago/11
2.716.384
2.763,08
608,34
285,77
3.657,19
set/11
2.702.795
2.837,06
624,89
290,36
3.752,30
out/11
2.717.231
2.798,67
608,79
291,23
3.698,70
nov/11
2.770.779
2.816,13
614,87
289,79
3.720,80
dez/11
TOTAL 2011
2.867.012
30.985.233
2.964,51
31.915,83
660,05
7.131,78
303
3.246,60
3.927,56
42.294,20
jan/12
2.861.442
3.345,57
762,02
324,04
4.431,63
fev/12
882.971
158,06
25,52
19,78
203,36
mar/12
4.631.991
4.667,67
987,96
505,99
6.161,62
abr/12
2.988.363
2.814,99
599,54
304,29
3.718,82
mai/12
3.092.347
2.754,09
578,2
302,68
3.634,98
jun/12
2.969.426
2.934,88
631,75
311,21
3.877,83
jul/12
3.078.160
2.880,43
606,54
311,34
3.798,30
ago/12
3.172.837
2.998,64
629,03
324,78
3.952,46
TOTAL 2010
set/12
3.078.326
3.111,12
656,15
331,4
4.098,67
out/12
3.344.071
3.095,34
642,77
335,18
4.073,28
nov/12
3.266.196
3.226,57
678,67
340,45
4.245,69
dez/12
3.291.405
3.270,30
694,38
339,42
4.304,10
36.657.535
35.257,65
7.492,53
3.750,55
46.500,74
jan/13
3.515.525
3.627,52
793,22
365,92
4.786,66
fev/13
3.210.560
2.914,41
595,85
312,97
3.823,23
mar/13
3.553.961
2.884,35
578,28
319,47
3.782,10
TOTAL 2012
abr/13
3.719.636
3.221,09
662,56
344,24
4.227,90
mai/13
3.708.619
3.371,76
697,35
360,94
4.430,05
jun/13
3.593.025
3.418,00
713,46
361,72
4.493,18
jul/13
3.786.242
3.370,35
689,76
365,99
4.426,10
ago/13
3.830.525
3.566,43
728,69
379,09
4.674,21
set/13
3.802.707
3.604,02
746,95
383,81
4.734,78
out/13
4.079.740
3.682,92
749,28
397,66
4.829,86
nov/13
4.049.927
3.851,25
796,11
408,38
5.055,74
dez/13
TOTAL 2013
4.168.176
3.902,56
807,87
409,1
5.119,53
45.018.643
41.414,66
8.559,39
4.409,31
54.383,35
509
jan/14
4.410.555
4.294,97
912,69
439,05
5.646,71
fev/14
4.060.479
3.517,37
695,33
384,97
4.597,67
mar/14
4.200.327
3.555,64
699,36
397,16
4.652,17
abr/14
3.523.218
3.217,70
637,81
365,13
4.220,65
mai/14
5.172.056
4.144,40
821,38
454,27
5.420,04
jun/14
4.221.860
3.872,16
786,12
417,62
5.075,90
jul/14
4.463.860
3.716,46
728,88
417,3
4.862,64
ago/14
4.437.772
3.944,80
783,13
431,77
5.159,70
set/14
4.600.347
4.060,61
806,98
445,31
5.312,89
out/14
4.473.375
4.139,72
817,91
460,35
5.417,98
nov/14
4.565.747
4.452,42
890,11
482,51
5.825,04
dez/14
4.722.210
4.425,46
889,95
475,87
5.791,29
52.851.806
47.341,71
9.469,66
5.171,31
61.982,68
jan/15
4.907.330
4.921,97
1.016,85
518,02
6.456,83
fev/15
4.621.059
4.089,57
752,78
489,9
5.332,25
mar/15
5.300.103
4.067,63
726,06
508,31
5.302,00
abr/15
4.995.762
4.381,29
806,55
533,91
5.721,75
mai/15
4.994.766
4.300,12
782,51
531,73
5.614,36
jun/15
4.894.142
4.371,94
813,04
532,69
5.717,67
jul/15
SUBTOTAL
2015
TOTAL
GERAL
4.998.608
4.386,85
804,74
541,32
5.732,92
34.711.770
30.519,37
5.702,53
3.655,88
39.877,78
274.091.514
256.772,72
56.327,89
TOTAL 2014
26.872,89 339.973,50