Texto completo - Programa de Pós
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA MIRELLA PATRICIA CHAVES LIMA GRAMÁTICA EM SALA DE AULA: COMO FICA O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA? Salvador 2015 MIRELLA PATRICIA CHAVES LIMA GRAMÁTICA EM SALA DE AULA: COMO FICA O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA? Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, do Instituto de Letras, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Denise Chaves de Menezes Scheyerl. Salvador 2015 Lima, Mirella Patrícia Chaves. Gramática em sala de aula: como fica o ensino de língua inglesa / Mirella Patrícia Chaves Lima. – Salvador, 2015. vii, 135 f. Inclui anexos e apêndices. Orientadora: Profª. Drª. Denise Chaves de Menezes Scheyerl. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia (UFBA), Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, 2015. 1. Linguística Aplicada. 2. Ensino – Aprendizagem de Língua Estrangeira. 3. Instrução Gramatical. 4. Brasil. I. Título. CDD – 420.07 MIRELLA PATRICIA CHAVES LIMA GRAMÁTICA EM SALA DE AULA: COMO FICA O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA? Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras, Instituto de Letras, da Universidade Federal da Bahia. Aprovada em 25 de setembro de 2015. ________________________________ Profª Drª Denise Chaves de Menezes Scheyerl Universidade Federal da Bahia - UFBA Orientadora ________________________________ Profª Drª. Jael Glauce da Fonseca Universidade Federal da Bahia Membro Interno ________________________________ Prof. Drª. Fernanda Mota Pereira Universidade Federal da Bahia – UFBA Membro Externo Dedico este trabalho ao meu amado e saudoso pai, por ter sido sempre um incentivador de meus estudos e por ter me ensinado as mais nobres lições da vida. AGRADECIMENTOS A Deus, por todas as bênçãos concedidas; A minha querida orientadora, Denise Scheyerl, por ter sido tão paciente, compreensiva, sensível e incentivadora da presente pesquisa; A minha amada mãe, pelo apoio, pelo constante incentivo e pelas orações; Ao meu companheiro, Edson Lima, pela paciência, pelo incentivo e por nunca me deixar desistir; A minha querida irmã, pelas palavras de ânimo e encorajamento nos momentos difíceis; Ao meu bem mais precioso, meu amado filho Guilherme, por ser minha fonte de inspiração, de coragem e força. LIMA, Mirella Patrícia Chaves. Gramática em sala de aula: como fica o ensino de língua inglesa? NÚMERO DE f. 135, 2015. Dissertação (Mestrado). Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2015. RESUMO Como introduzir a gramática em sala de aula tem sido um ponto crucial nas discussões sobre ensino de línguas estrangeiras. Tradicionalmente, a instrução gramatical limitava-se às longas explicações sobre as estruturas linguísticas e à aplicação de exaustivos exercícios de fixação. Com o advento das pesquisas no campo da Linguística Aplicada, novas orientações foram surgindo a respeito do ensino de gramática. Nessa perspectiva, o estudo da gramática não mais se restringe a conhecer a estrutura da língua e a organizar frases desprovidas de sentido. Faz-se necessário que as formas linguísticas estejam atreladas ao sentido que expressam, bem como às funções comunicativas. Em observância a essa mudança de paradigma, este estudo tem o objetivo de investigar a abordagem de duas professoras de língua inglesa em relação ao ensino de gramática, bem como verificar se o seu contexto de atuação influencia na maneira como o professor aborda a gramática em suas aulas. Para este estudo, realizamos uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, tendo como instrumentos de coleta de dados: a) um questionário, com o objetivo de coletar informações sobre o contexto de atuação das professoras; b) uma entrevista com roteiro estruturado, a fim de investigar como as professoras compreendem o ensino de gramática e conhecer a proposta metodológica por elas adotada e c) a observação presencial de aulas, com o intuito de verificar como as professoras lidam, na prática, com a instrução gramatical. As participantes do estudo são duas professoras atuantes em diferentes contextos de sala de aula, a saber, uma escola pública e um curso de idiomas. Os resultados obtidos apontaram que determinadas premissas concernentes ao discurso das professoras divergem significativamente de sua prática de ensino, como também indicaram a necessidade de se explorar mais consistentemente o significado e as funções comunicativas nas aulas de língua inglesa. Os dados revelaram também que determinados fatores, tais como número de aprendizes na turma, infraestrutura, tempo disponível para aulas e autonomia das professoras, interferem nos procedimentos adotados pelas professoras para conduzir o ensino da gramática nestes contextos específicos. Palavras-chave: Linguística Aplicada, Ensino - Aprendizagem de Língua Estrangeira, Instrução gramatical. LIMA, Mirella Patrícia Chaves. Gramática em sala de aula: como fica o ensino de língua inglesa? NÚMERO DE f. 135, 2015. Dissertação (Mestrado). Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2015. ABSTRACT How to introduce grammar in the classroom has been crucial in discussions about foreign language teaching. Traditionally, grammar instruction was limited to long explanations about linguistic structures and application of exercises. With the advance of research in the field of applied linguistics, new orientations have emerged about the teaching of grammar. From this perspective, the study of grammar is no longer restricted to know the structure of the language and organize meaningless sentences. It is necessary that linguistic forms are linked to the meaning they express and their communicative functions. Observing this change of paradigm, this study aims to investigate the perspective of two English language teachers in relation to grammar teaching, and verify if the action context influences the way the teachers deal with grammar in their classes. For this study, we conducted a qualitative ethnographic research, using the following data collection instruments: a) a questionnaire, in order to gather information about the teachers’ context of performance; b) an interview with a structured script, in order to investigate how informants understand the teaching of grammar and know the methodological approach adopted by them and c) Classroom observation, in order to verify how the teachers deal in practice with grammatical instruction. The study’s participants are two teachers acting in different classroom contexts, namely, a public school and a language institute. The results showed that certain assumptions concerning the discourse of the teachers diverge significantly from their teaching practice. They indicated the need to explore more consistently the meaning and communicative functions in English classes. The data also revealed that certain factors such as number of learners in the classroom, infrastructure, available time for classes and teachers’ autonomy, interfere in the procedures adopted by the teachers to conduct the teaching of grammar in these specific contexts. Key-words: Applied Linguistics, Teaching and learning of foreign languages, Grammar instruction. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 09 2. O PERCURSO DA PESQUISA 14 2.1 A etnografia em sala de aula 14 2.2 Cenário da pesquisa e perfil dos participantes 15 2.3 Instrumentos de coleta 17 3. REFLETINDO SOBRE A TEORIA 20 3.1 Concepções de língua e suas implicações 20 3.2 Um passeio pelas teorias de aquisição 25 3.3 Para que gramática, afinal? 28 3.4 Com licença, sou a gramática, posso entrar? 34 4. O QUE NOS DIZ A PESQUISA? 54 4.1 Análise dos questionários 54 4.2 Análise das entrevistas 59 4.3 Análise das aulas 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS 111 REFERÊNCIAS 125 APÊNDICES 130 ANEXOS 134 9 1. INTRODUÇÃO Aprender uma língua estrangeira pressupõe desenvolver habilidades que nos permitem comunicar na língua-alvo. Dentre tais habilidades, “a habilidade de reconhecer e produzir sentenças bem formadas é parte essencial no aprendizado de uma segunda língua1” (THORNBURY, 1999, p. 3). Nesse sentido, aprender a língua envolve, entre outras coisas, aprender as regras que determinam a estrutura da língua. No entanto, quando se pensa em uma língua não se pode descartar o seu caráter dinâmico e interativo e sua primordial finalidade: a comunicação. A gramática, sendo elemento crucial no aprendizado de uma língua estrangeira, não deve ser entendida de maneira diferente, ou seja, não deve estar dissociada de um contexto que favoreça o desenvolvimento da capacidade de comunicação. Porém, durante um longo período, a instrução gramatical esteve, de fato, vinculada tão somente ao estudo das estruturas que regem o funcionamento da língua, sem qualquer associação com contextos de uso efetivo da língua. Segundo Sheen (2002), a instrução gramatical pode ocorrer de duas maneiras, com o “foco na forma” ou “foco nas formas”. O foco na forma pressupõe direcionar a atenção dos alunos para os elementos linguísticos conforme eles surgem casualmente nas aulas, sendo que o foco das aulas está no significado e na comunicação. O foco nas formas, por sua vez, se refere ao ensino tradicional de itens gramaticais. Doughty e Williams (1998) ressaltam que a principal premissa da instrução com foco na forma é a de que o significado e o uso da língua já devem estar evidentes para o aprendiz quando sua atenção for direcionada para o aspecto linguístico. Com o advento das pesquisas no campo da Linguística Aplicada, novas orientações foram surgindo a respeito do ensino de Língua Estrangeira (doravante LE) e, consequentemente, de gramática. A própria concepção de gramática adquiriu sentido mais abrangente, conforme a seguinte definição: Os aprendizes precisam aprender não apenas que formas são possíveis, mas que formas irão expressar sentidos específicos. Visto por essa perspectiva, a gramática é uma ferramenta para a formação de sentido. A implicação disso para os professores de língua é que a atenção dos alunos precisa estar centralizada não apenas nas formas da língua, mas nos sentidos que essas formas concentram2 (THORNBURY,1999, p. 4). 1 Todas as traduções ao longo do trabalho são de responsabilidade da autora. O trecho traduzido se refere à: The ability both to recognize and to produce well-formed sentences is an essential part of learning a second language. 2 Learners need to learn not only what forms are possible, but what particular forms will express their particular meanings. Seen from this perspective, grammar is a tool for making meaning. The implication 10 Compreendida dessa maneira, o ensino de gramática não se restringe mais em conhecer a estrutura da língua e organizar frases isoladas desprovidas de sentido. É necessário que as formas linguísticas estejam atreladas aos sentidos que expressam. Almeida Filho (2003, p. 4) aponta a passagem do audiolinguismo para o comunicativismo como fator determinante para mudanças na concepção de gramática e de ensino de LE. O método audiolingual fundamentava-se nos princípios do behaviorismo, o que implica em uma visão restrita de língua. “A língua era vista como um conjunto de hábitos condicionados que se adquiria através de um processo mecânico de estímulo e resposta” (CESTARO, 2007, p. 6). Nessa perspectiva, as aulas de inglês priorizavam o ensino dos padrões estruturais da gramática. Por ser um método de ensino que desconsiderava o contexto real e efetivo de uso da língua, o audiolinguismo passou a ser alvo de inúmeras críticas ao longo dos anos sessenta. Cestaro (2007, p. 7) aponta a incapacidade de conduzir o aluno a estágios mais avançados, devido à dificuldade de avançar do automatismo à expressão espontânea, como a maior ressalva ao método audiolingual. Harmer (2007, p. 80), por sua vez, ressalta que ao tentar banir os erros das aulas de línguas, o audiolinguismo contradiz a opinião de vários teóricos que acreditam que os erros são elementos essenciais no processo de aquisição. O comunicativismo, portanto, surgiu como uma proposta de ensino interativo capaz de preencher algumas lacunas deixadas pelo audiolinguismo. A prioridade do ensino passou a ser a de capacitar os aprendizes para a comunicação efetiva na língua alvo e a atenção passou a ser direcionada prioritariamente para as funções comunicativas. Nesse sentido, Widdowson (1978, p. 2) afirma que “[...] nós não aprendemos somente como compor e compreender sentenças como unidades linguísticas isoladas de incidência aleatória, mas também como usar tais sentenças apropriadamente para alcançar objetivos comunicativos3”. De fato, aprender uma língua não significa exclusivamente entender, falar, ler e escrever frases precisas, uma vez que o sucesso na comunicação nem sempre depende da precisão linguística. Apesar de o comunicativismo ser uma proposta de ensino aceita por diversos linguistas e professores de línguas, Thompson (1996, p.9) ressalta que ainda existem diversas interpretações errôneas sobre o que a abordagem comunicativa preconiza. Dentre as quais, destacarei uma: comunicativismo significa não ensinar gramática. for language teachers is that the learner’s attention needs to be focused not only on the forms of the language, but on the meanings these forms convey. 3 [...] we do not only learn how to compose and comprehend correct sentences as isolated linguistic units of random occurance, we also learn how to use sentences appropriately to achieve a communicative purpose. 11 Segundo Thompson (1996, p.11), é consensual a necessidade de que um determinado tempo das aulas seja dedicado à gramática, o que não significa, porém, simplesmente retornar ao tratamento tradicional das regras gramaticais. Sendo assim, uma proposta de ensino nos moldes do comunicativismo não banirá o estudo da gramática, mas o proporcionará sob uma nova perspectiva, conforme descrito por Thompson (1996, p.11): [...] os aprendizes são, a princípio, expostos ao novo elemento linguístico em um contexto compreensível, para que eles possam entender sua função e significado. Somente depois a atenção deles é direcionada para examinar as formas gramaticais usadas para transmitir aquele significado4. Nos moldes do comunicativismo, as atividades propostas devem estar vinculadas a contextos reais do cotidiano para que sejam de fato significativas e relevantes. Acredita-se que o uso de atividades comunicativas em sala de aula não só motiva os aprendizes como também favorece um ambiente de aprendizado mais natural e cria mais oportunidades de assimilação subconsciente. Almeida Filho e Barbirato (2000) discutem a noção equivocada que, às vezes, é vigente entre professores de LE sobre as atividades comunicativas: Muitos professores já estavam familiarizados com atividades comunicativas, mas a ideia de fazer uso delas sistematicamente e de desenvolver um planejamento e materiais distintos com tais atividades não estava e nem está amplamente estabelecida como prática profissional em nosso meio. O uso de atividades comunicativas ainda é visto como a introdução de exercícios extras nas aulas de LE, geralmente com o propósito de oferecer uma prática a mais de algum ponto gramatical ou para servir como variedade motivadora. Esta é uma visão equivocada e que nem de longe exaure o grande potencial das atividades comunicativas como deflagradoras de aquisição de uma nova língua (ALMEIDA FILHO, BARBIRATO, 2000, p. 4). Em virtude dessa visão equivocada do comunicativismo e do uso de atividades comunicativas nas aulas de LE, é comum que professores continuem fundamentando suas práticas em modelos tradicionais de ensino que pouco favorecem a interação entre os alunos e pouco oportunizam momentos efetivos de comunicação e atribuam a qualquer atividade lúdica ou inovadora o título de atividade comunicativa. Sendo professora de língua inglesa há treze anos, atuando na rede pública e, acreditando na possibilidade de um ensino de línguas de qualidade nas escolas brasileiras, sinto-me motivada a encarar o desafio da pesquisa e a contribuir, de alguma maneira, para uma mudança no cenário do ensino de línguas da atualidade. Embora 4 [...] learners are first exposed to new language in a comprehensible context, so that they are able to understand its function and meaning. Only then is their attention turned to examining the grammatical forms that have been used to convey that meaning. 12 discorde de propostas de ensino que enfoquem exclusivamente nos padrões estruturais da língua, considero a instrução gramatical crucial para o aprendizado de uma língua. Acredito que a questão a ser discutida não é mais ensinar ou não ensinar gramática, mas de que maneira a gramática deve ser ensinada para que contribua efetivamente para o desenvolvimento da competência comunicativa do aprendiz. Para tanto, é importante discutir a concepção de gramática que subjaz a prática dos professores de línguas e as implicações disso para a rotina das aulas de língua inglesa. Faz-se necessário conhecer a maneira como os professores lidam com o ensino da gramática nas aulas de língua estrangeira, bem como questionar se a prática docente contribui para o aprendizado reflexivo, participativo e interativo. Sendo assim, proponho para este estudo a investigação do seguinte problema: Qual é a concepção de duas professoras de língua inglesa atuantes em diferentes contextos, a saber, escola pública e curso de idiomas, frente ao ensino de gramática? Considerando a necessidade de se repensar o papel da gramática no aprendizado de LE e tendo em mente a função do professor como promotor de um ensino significativo e relevante para os aprendizes, os objetivos desse trabalho de pesquisa são: Objetivo geral: Discutir e repensar o ensino da gramática na contemporaneidade em contextos formais de aprendizagem. Objetivos específicos: 1. Mapear as estratégias utilizadas pelas professoras que as auxiliam no ensino da gramática; 2. Confrontar o discurso e as ações pedagógicas dos sujeitos investigados; 3. Investigar se as aulas de língua inglesa propiciam o estudo da gramática em consonância com as noções de significado e comunicação; 4. Confrontar o contexto de ação dos sujeitos investigados com a sua abordagem de ensinar gramática. Para a viabilização deste estudo foram delineadas as seguintes perguntas de pesquisa: 13 1. Como as professoras abordam o ensino de gramática nos contextos investigados e que aspectos desses contextos interferem nas suas práticas? 2. Que estratégias são utilizadas pelas professoras, a fim de conduzirem o ensino da gramática? 3. Que premissas concernentes ao ensino de gramática presentes no discurso das professoras convergem e/ou divergem com suas ações pedagógicas? 4. Como as professoras direcionam a atenção dos alunos para o sentido e para as funções comunicativas da língua quando lidam com aspectos gramaticais? 5. Como o contexto de atuação (escola pública ou curso de idiomas) interfere na maneira como as professoras abordam o ensino da gramática em suas aulas? Para desenvolver este estudo, a presente dissertação está organizada da seguinte maneira: a) Introdução, contendo a delimitação do tema e a justificativa, o problema, os objetivos e as perguntas de pesquisa; b) Capítulo I, no qual é apresentado o arcabouço metodológico da pesquisa; c) Capítulo II, que apresentará os subsídios teóricos que fundamentam o estudo; d) Capítulo III, que consiste da análise e discussão dos dados e, por fim, seguem-se as Considerações Finais, as Referências Bibliográficas, os Apêndices e os Anexos. 14 2. O PERCURSO DA PESQUISA Neste capítulo apresento os procedimentos metodológicos adotados para a realização da pesquisa, detalhando os instrumentos utilizados para a geração de dados, o cenário da pesquisa e o perfil dos participantes. 2.1 A etnografia em sala de aula Uma vez que pretendo identificar a perspectiva de duas professoras de língua inglesa frente ao ensino de gramática, observando que estratégias elas utilizam a fim de conduzir o seu ensino e que aspectos do seu contexto de atuação interferem nas estratégias utilizadas, opto por uma abordagem qualitativa de base etnográfica. Conforme Cançado (1994), um dos campos em que a aplicação da etnografia vem crescendo é a educação, devido à insatisfação com os resultados obtidos por meio de estudos experimentais que “simulam” situações de sala de aula, deixando de lado a verdadeira interação de sala de aula. Desse modo, tendo em vista a complexidade, o dinamismo, as ações e as interações que compõem o universo da sala de aula, considero que a pesquisa etnográfica fornece os subsídios adequados para que possamos observar, apreender e interpretar fenômenos educacionais. André (1995) aponta cinco aspectos que caracterizam a etnografia em educação: a) O uso de técnicas que são tradicionalmente associadas à etnografia, tais como a observação participante, a entrevista e a análise de documentos; b) O foco no pesquisador como instrumento principal na coleta e análise de dados; c) A ênfase no processo, naquilo que está ocorrendo e não no produto ou resultados finais; d) O trabalho de campo, em que o pesquisador aproxima-se das pessoas e das situações mantendo com elas contato direto por período que pode variar muito, indo desde algumas semanas até vários meses ou anos; e) A descrição e a indução. O pesquisador faz uso de uma grande quantidade de dados descritivos: situações, pessoas, ambientes depoimentos e diálogos. Por 15 fim, a pesquisa etnográfica busca a formulação de conceitos, abstrações teorias e não sua testagem. A metodologia adotada nesta pesquisa possui as características acima apresentadas de maneira que é possível situá-la no âmbito da abordagem etnográfica. Cançado (1994, p. 57) ressalta que “este tipo de pesquisa depende crucialmente de um relacionamento de confiança entre o pesquisador, o professor e os alunos”. Desse modo, a imagem do pesquisador/observador como um espião é incompatível com o pesquisador etnográfico. Sendo assim, preocupei-me, primordialmente, em estabelecer essa relação de confiança com os participantes para que a realização do estudo não gerasse constrangimentos ou causasse incômodos à rotina da sala de aula. Telles (2002) ressalta que a pesquisa educacional deve ser emancipatória e, sob esse paradigma emancipador, o pesquisador e o professor estabelecem uma relação de parceria em que o professor é também agente da investigação, conhecedor dos objetivos e métodos da pesquisa, um ser sabente de sua prática pedagógica com potencial para refletir suas ações. Desse modo, opõe-se à visão tão comumente proliferada do professor como sujeito investigado, cujo papel é unicamente o de fornecer os dados e informações necessárias para a pesquisa. Partindo desse pressuposto, tentei manter um constante diálogo com os professores participantes sobre os objetivos da pesquisa, sobre os procedimentos adotados bem como ouvir suas opiniões, questionamentos e contribuições. Afinal, considero que o desenrolar da pesquisa constitui-se em um oportuno momento de aproximação e intercâmbio de conhecimento. Ainda de acordo com Telles (2002, p.98) “o tempo de contato entre pesquisador e professor é determinante na qualidade dos resultados da investigação e frequentemente a relação criada entre ambos transcende os limites da escola e o período da pesquisa realizada”. Neste estudo, as contribuições mútuas e os benefícios advindos da interação entre a pesquisadora e os professores participantes construíram relações que tendem a permanecer após a conclusão da pesquisa. 2.2 Cenário da pesquisa e perfil dos participantes A fim de verificar de que maneira a gramática é abordada em contextos formais de aprendizagem, optei por dois cenários com características bem diversas, a saber, uma escola pública e um curso de idiomas. 16 A escola pública em questão é uma instituição estadual que oferece o Ensino Médio e funciona em três turnos na cidade de Porto Seguro. A escolha por essa unidade de ensino justifica-se pela familiaridade da pesquisadora com a instituição, uma vez que já havia visitado a escola anteriormente em outras ocasiões para divulgação de eventos promovidos pela instituição na qual a pesquisadora atua. A professora participante da pesquisa (denominada de P1) era a única professora de língua inglesa do quadro efetivo de professores dessa unidade escolar quando a pesquisa foi realizada, fator determinante para que fosse a colaboradora do estudo. Ademais, a receptividade e a sensibilidade para com o pesquisador foram fundamentais para a seleção. O segundo cenário de investigação, o curso de idiomas, é uma instituição que oferece cursos de inglês e espanhol na cidade de Porto Seguro. A escolha por esse curso, em especial, foi decorrente de dois fatores preponderantes: a disponibilidade e demonstração de interesse da professora (denominada de P2) em colaborar com o estudo e o fato de se tratar de uma instituição tradicional e bem conceituada na cidade de Porto Seguro atendendo a um vasto público. A professora em questão, ao ser consultada sobre a possibilidade de participar da pesquisa mostrou-se bastante entusiasmada e aceitou de imediato. Além disso, foi relevante o fato de que se trata de uma professora com formação acadêmica na área, haja vista que em cursos de idioma é comum que os professores sejam falantes do idioma, porém não tenham formação docente. Considero, inclusive, que um estudo que contemple essa distinção entre o ensino promovido pelo professor com formação docente e o professor sem a formação docente pode trazer contribuições significativas para refletirmos sobre o ensino de línguas. No entanto, o enfoque da pesquisa direcionou para um perfil de profissional que aliasse o conhecimento prático ao conhecimento teórico, uma vez que acredito que o professor com formação específica na área tem mais subsídios e melhores condições para explicitar suas concepções, descrever suas ações pedagógicas, a fim de se observar de que maneira tais concepções se evidenciam na prática. Além da formação acadêmica e a predisposição demonstrada pelas professoras, outro fator determinante para a escolha das participantes foi a vasta experiência de ensino que ambas possuem. A seguir, apresento um breve perfil de cada professora participante: P1 é licenciada em Letras com habilitação em Inglês e Português pela Universidade de Salvador. P1 residiu nos Estados Unidos durante dez anos, onde aprendeu a língua inglesa. Atualmente, P1 leciona inglês em uma escola pública da rede 17 estadual, instituição participante desta pesquisa, e em um curso de idiomas também situado na cidade de Porto seguro. P2 é licenciada em Letras com habilitação em Inglês e Português pela Universidade Federal de Goiás, tendo estudado língua inglesa desde os quatorze anos de idade em um curso privado de idiomas. P2 residiu na Inglaterra durante quatro anos. Atualmente, P2 atua como professora de língua inglesa em uma escola pública federal como professora substituta e no curso de idiomas cenário desta pesquisa. Ademais, ela ministra aulas particulares. A seguir, descreverei os instrumentos de coleta utilizados para realização da pesquisa. 2.3 Instrumentos de coleta Considerando a natureza da pesquisa e a necessidade de adentrar a sala de aula, a fim de perceber como o ensino da gramática se concretiza na prática pedagógica, parti de algumas pressuposições e orientações metodológicas: a) Apesar de inicialmente o comportamento dos professores e alunos ser alterado com a entrada do pesquisador no cenário da pesquisa, os participantes voltarão a agir como de costume quando for estabelecido um clima de confiança entre o pesquisador e participantes (NUNAN, 1995). b) Os professores colaboradores serão honestos quando requisitadas informações por meio de entrevistas, questionários ou outros instrumentos (RICHARDS; LOCKART apud RODRIGUES, 2005). c) Embora não se possa assegurar a completa neutralidade do pesquisador, pode-se garantir certa isenção. O pesquisador etnográfico, portanto, deve ter uma postura de não julgamento em relação ao seu foco de pesquisa (CANÇADO, 1994). d) É importante delimitar o período em que o pesquisador estará presente na escola, o que interfere diretamente na qualidade da aprendizagem e do contato entre o pesquisador e a escola (TELLES, 2002). e) O pesquisador deve estar familiarizado com o contexto em que realizará a pesquisa bem como deve negociar com os participantes o tempo que lhes será requisitado e o grau de envolvimento que terá com eles (TELLES, 2002). 18 f) Cada instrumento de coleta adotado pretende documentar informações específicas sobre a prática pedagógica cotidiana (TELLES, 2002). Os dados obtidos por meio de uma etnografia em sala de aula podem ser obtidos de um número pequeno de informantes. Ainda assim, no final da coleta pode-se obter uma extensa quantidade de registros, o que gera a necessidade de cortes e vieses direcionados pelo foco da pesquisa (ANDRÉ, 1995). Observando os aspectos acima mencionados foram utilizados os seguintes instrumentos de coleta: 1) Questionário: O questionário teve a finalidade de coletar informações acerca da formação acadêmica dos professores, de suas experiências profissionais, de suas rotinas de trabalho, bem como a respeito dos recursos físicos e humanos disponíveis na instituição de ensino. O questionário continha questões objetivas e abertas perfazendo um total de vinte e sete questões (vide apêndice). 2) Entrevista semiestruturada: A entrevista teve a finalidade de levantar dados a respeito da perspectiva dos professores em relação ao ensino de gramática. Por meio da entrevista, objetivei também que as professoras explicitassem que estratégias e procedimentos elas adotam na prática a fim de conduzir o ensino da gramática. A entrevista, inicialmente, consistiu de nove questões que foram complementadas com outras perguntas surgidas no decorrer da entrevista. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas para análise posterior. 3) Anotações de observação: A observação das aulas teve o objetivo de verificar de que maneira a gramática é tratada nas aulas e que tipos de procedimentos, estratégias e exercícios são utilizados a fim de propiciar o aprendizado das estruturas gramaticais, verificando ainda se há uma preocupação com o significado e a função comunicativa aliados à forma. Através das observações, busquei também identificar as convergências e divergências entre o discurso das professoras e suas práticas pedagógicas. Ao todo, foram observadas seis aulas de cada professora. Durante as observações foram produzidas notas de campo nas quais a pesquisadora registrava todos os aspectos relevantes para a pesquisa. As aulas foram também gravadas em áudio. Dentre as aulas observadas, foi selecionada uma aula da professora do curso de idiomas e duas aulas da professora da escola pública para análise. Foram selecionadas as aulas com maior saliência de aspectos gramaticais. É válido ressaltar a diferença existente na 19 duração da aula em cada contexto. No curso de idiomas, cada aula tem duração de uma hora e quinze minutos. Na escola pública, cada aula tem duração de cinquenta minutos. Desse modo, para fins de análise, foi considerado o período de uma hora e quinze minutos no curso de idiomas e de uma hora e quarenta minutos na escola pública. Optei por analisar os dados coletados nesta carga horária por termos verificado, em ambos os contextos, certa regularidade na condução das aulas, ou seja, durante o período integral de observação não verifiquei diversificação relevante nos procedimentos adotados. Durante as observações, a pesquisadora manteve-se posicionado discretamente na sala de aula e, em nenhum momento, interferiu nas interações ocorrentes entre os professores e seus alunos. No primeiro dia de observação, ambas as professoras preocuparam-se em explicar brevemente aos alunos a presença da pesquisadora. Os alunos não fizeram questionamentos a esse respeito e comportaram-se naturalmente não se importando com a presença da pesquisadora. No capítulo a seguir, apresentarei e discutirei o arcabouço teórico que fundamentou o desenvolvimento da pesquisa. 20 3 REFLETINDO SOBRE A TEORIA 3.1 Concepções de língua e suas implicações O aprendizado de uma língua estrangeira pode e deve ser uma experiência rica e prazerosa. Aprender uma segunda língua significa embarcar em uma grande aventura em que descobrimos, a cada dia, novos elementos e novas formas de nos expressarmos e interagirmos com o mundo. Quando pensamos na língua inglesa, mais especificamente, pode-se dizer que somos constantemente convidados a viver essa aventura. Diante de um mundo globalizado, somos expostos diariamente a inúmeras situações em que a língua inglesa se faz presente. O inglês tornou-se a língua dos negócios, da diplomacia, da internet etc. Atualmente, dificilmente ficamos alheios à influência desse idioma em nossas vidas. Ventura (apud PAIVA, 1996, p.36) define bem as dimensões que o uso da língua inglesa já alcançou em todo o mundo: É uma epidemia que contamina 750 milhões de pessoas no planeta. Essa língua sem fronteiras está na metade dos 10.000 jornais do mundo, em mais de 80% dos trabalhos científicos e no jargão de inúmeras profissões, como a informática, a economia e a publicidade. Desse modo, o aprendizado da língua inglesa não só proporciona o contato com novos povos e culturas, como também possibilita o engajamento com o mundo acadêmico, científico e tecnológico, assumindo o papel de língua global, como destaca Schutz (2006, p. 3): Ao assumir o papel de língua global, o inglês torna-se uma das mais importantes ferramentas, tanto acadêmicas quanto profissionais. É hoje inquestionavelmente reconhecida como a língua mais importante a ser adquirida na atual comunidade internacional. Esse fato parece incontestável e parece ser irreversível. O inglês acabou tornando-se o meio de comunicação por excelência tanto do mundo científico como do mundo de negócios. Nessa perspectiva, ressalto aqui o quanto é valioso e gratificante o aprendizado dessa língua que insiste em fazer parte de nossas vidas. Porém, ao se pensar no ensino de línguas estrangeiras, não raro, nos deparamos com um cenário desanimador. Há uma tendência em conceber a língua como mero sistema de formas dissociadas de sentido e 21 sem qualquer vínculo com contextos de uso efetivo. Os PCN para o Ensino Médio afirmam que as Línguas Estrangeiras na escola “passaram a pautar-se, quase sempre, apenas no estudo de formas gramaticais, na memorização de regras e na prioridade da língua escrita”. Essa visão estruturalista confere sérias implicações para os processos e resultados de aprendizagem de uma língua estrangeira. A concepção de língua como estrutura nos remete aos postulados de Saussure que, em seu célebre Curso de Linguística Geral, dedica um capítulo à delimitação do objeto da linguística. Entre todas as formas de manifestações da linguagem, Saussure (1996, p. 17) elege a língua como o objeto integral e concreto da linguística e a define da seguinte maneira: Mas o que é língua para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias pelo corpo social para o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Saussure (1996) delimita, portanto, o conceito de língua dentro da própria linguagem e atribui à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem, fazendo dela o objeto da linguística. Saussure (1996) ainda estabelece a dicotomia langue (língua) versus parole (fala). De acordo com essa dicotomia, pode-se compreender a língua como sistema linguístico que constitui o lado social da linguagem ao passo que a fala se refere ao ato individual, caracterizada como elemento acessório da linguagem. Em suma, o autor caracteriza a língua como a “parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la, nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade” (Saussure, 1996, p.22). Tendo em vista essa concepção, o caráter interacional da língua é excluído. Sob sua perspectiva, a língua é um sistema abstrato e fechado que conhece somente sua própria ordem, sendo impossível para os seus usuários modificá-la. Sendo assim, a língua é uma convenção de normas e regras bem estabelecidas e fatores linguísticos externos não devem, portanto, ser preocupação da linguística. Desse modo, Saussure não estabelece relações entre a língua e seus usuários. Essa concepção de língua postulada por Saussure é criticada por diversos teóricos. Dentre as contraposições feitas às proposições saussurianas, é indispensável mencionar as contribuições do pensador Mikhail Bakhtin. A crítica de Bakhtin (2006, p. 108) à noção de língua como sistema estável, imutável fica explícita a seguir: A língua, como sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e do seu ensino. Esse 22 sistema não pode servir de base para a compreensão e explicação dos fatos linguísticos enquanto fatos vivos e em evolução. Ao contrário, ele nos distancia da realidade evolutiva e viva da língua e de suas funções sociais. Para Bakthin (2006), é somente quando a criatividade se encerra, quando a língua deixa de evoluir que é possível pensar em sistematizações. Essa noção de língua, portanto, só se admite quando lidamos com línguas mortas. Línguas vivas estão em constante processo evolutivo e se transformam conforme seu uso. Em oposição a essa noção de sistema, Bakhtin concebe a língua como uma atividade social de natureza essencialmente dialógica. A língua é determinada por uma ideologia, assim como todo signo linguístico é ideológico: A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida (BAKHTIN, 2006, p.95). Segundo Bakhtin, “a língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico e relativo à vida” (BAKHTIN, 2006, p.96). Diante do exposto, considero relevantes e pertinentes as críticas de Bakhtin em relação ao conceito estruturalista de língua. Afinal, como se pode pensar a língua desconsiderando o seu valor ideológico? Dissociar a língua de seu aspecto interacional é, de fato, ignorar sua dinamicidade, historicidade e caráter evolutivo. A língua perpetua todas as relações sociais e não deve, portanto, ser compreendida como um objeto abstraído de realidade histórica e social. Imbuída dessas reflexões, reitero a constatação bakhtiniana que descarta qualquer possibilidade de tratar uma língua viva como um sistema de normas imutáveis. Apenas línguas mortas podem ser analisadas sob essa perspectiva. Através do uso, as línguas são recriadas e transformadas na interação entre seus falantes. As línguas são, em sua essência, interativas. Por conta disso, acredito que o ensino das línguas não pode seguir por diferente caminho. Em face dessas discussões, fica claro que a concepção de língua adotada implica diretamente na maneira como a língua será ensinada. Se acreditamos que a língua é um sistema de normas, compreendemos que o ensino da língua deve consistir em transmitir as regras que fundamentam a língua. Se acreditamos que a língua, além de abranger os aspectos formais e normativos, envolve os aspectos contextuais de uso efetivo, a cultura, a ideologia, faz-se necessário que o ensino englobe muitos outros elementos para além da estrutura linguística em si. É válido questionar que caminho tem sido delineado para o ensino de línguas estrangeiras na atualidade. 23 Almeida Filho (2005) aborda a problemática do ensino de línguas nas escolas brasileiras que parece preocupar-se quase que exclusivamente com a aprendizagem consciente das formas da língua combinada com exercícios de automatização de modelos. Segundo esse autor, “o grande pressuposto é de que o domínio da forma (gramatical e do léxico) levará por extensão e transferência ao uso normal da línguaalvo” (ALMEIDA FILHO, 2005, p.22). Partindo dessa perspectiva de ensino de línguas, têm-se como resultado aprendizes incapazes de produzir e se comunicar efetivamente na língua-alvo. Contudo, essa não é a única consequência advinda do ensino descontextualizado e sem propósitos de comunicação e interação. Ao nível ideológico, os resultados são ainda mais preocupantes: As implicações de uma abordagem de ensino de LE que priorize as formas ao nível de sistema de língua-alvo não se exaurem na crítica de pressupostos e materiais de ensino. Ao nível ideológico, também as experiências de linguagem que essa prática específica enseja a quem quer aprender uma língua estrangeira representam um alto custo. Em termos de conteúdos socialmente relevantes ou mesmo transformadores, ela se caracteriza como plenamente estéril. O atendimento à forma tem causado uma simplificação da linguagem que por sua vez reduz a verossimilhança com as negociações, conflitos e desencontros próprios da vida. Não há nas amostras de linguagem o que objetar, questionar ou indagar mais a respeito. Embora o propósito não seja esse, o seu efeito tem sido, na melhor das hipóteses, uma experiência educacional superficial, e na pior, um processo subliminar de alienação auxiliado pela língua estrangeira (ALMEIDA FILHO, 2005, p.20). As palavras de Almeida Filho (2005) suscitam uma série de questões que merecem destaque e profunda reflexão entre os profissionais atuantes no ensino de línguas estrangeiras. A princípio, observa-se uma inversão no papel que a língua deve desempenhar nas salas de aula de línguas. Sendo a língua reflexo de uma ou de múltiplas culturas, ela deve propiciar a aproximação com o mundo que nos cerca, com as questões político-sociais presentes em nossas vidas. Conforme os PCN (1998), a Língua Estrangeira no ensino “envolve um complexo processo de reflexão sobre a realidade social, política e econômica, com valor intrínseco importante no processo de capacitação que leva à libertação. Em outras palavras, Língua Estrangeira no ensino fundamental é parte da construção da cidadania.” No entanto, a língua, ao ser compreendida como mero sistema linguístico, proporciona distanciamento e alienação. O ensino, sob essa perspectiva, exclui qualquer possibilidade de formação de cidadãos críticos e reflexivos, uma vez que privamos nossos aprendizes de discutir temas relevantes por meio da língua estrangeira. Outra questão de similar importância diz respeito à formação e à atuação do professor de línguas estrangeiras. Pressupõe-se que o professor seja um agente 24 transformador, capaz de motivar seus aprendizes a indagar, refletir e se posicionar criticamente diante do mundo. As práticas pedagógicas fazem sentido quando favorecem o aprendizado por meio da interação, do intercâmbio de ideias e experiências. O aprendiz, portanto, não pode ser compreendido como mero reprodutor de informações e conceitos, mas um indivíduo que constrói o conhecimento e se constrói a partir do diálogo com o que há de convergente e/ou divergente com os demais com os quais dialoga. No entanto, nos deparamos cotidianamente com propostas educacionais que não ultrapassam os limites do ensino promotor do domínio cognitivo. Diante desse cenário, a função do professor fica extremamente restrita à transmissão de conteúdos que pouco ou nada contribuem para a formação crítica de seus aprendizes. Nesse sentido, Almeida Filho (2005) utiliza o termo “sonâmbulos políticos” para descrever a massa de professores que continuam adotando práticas de ensino desprendidas de consciência política e social. Em face do exposto, observa-se um cenário de ensino de línguas com as seguintes características: a língua compreendida como sistema de regras, professores com formação precária, práticas pedagógicas desprovidas de senso crítico e consciência política, aulas fundamentadas no gramaticalismo e aprendizes incapazes de usar a língua efetivamente e por meio da língua refletir sobre a realidade que os cerca. Diante dessa realidade, SIQUEIRA e ANJOS (2012, p. 137) ressaltam que: Nesse cenário carente de práticas significativas, inevitavelmente, o atraso e a frustração se sobrepõem à criatividade e à vontade de fazer diferente. Para que isso aconteça, o ensino e a aprendizagem de LE precisam ter sentido para os alunos e, com certeza, o professor tem papel crucial na consolidação desse processo. Com pequenas mudanças de postura, por exemplo, os resultados já serão outros na sala de aula. De fato, tornar o ensino significativo para os aprendizes parece ser a chave para que encontremos um novo rumo para o ensino de línguas estrangeiras. É preciso que os aprendizes saibam com que finalidade aprendem a língua e percebam que, como afirma RAJAGOPALAN (2003, p.70), “o verdadeiro propósito do ensino de línguas estrangeiras é formar indivíduos capazes de interagir com pessoas de outras culturas e modos de pensar e agir”. A língua oportuniza o contato, o intercâmbio, a aproximação com o outro. Desse modo, me parece imprescindível que as propostas de ensino de LE ultrapassem os limites do domínio cognitivo e favoreçam o reconhecimento, a compreensão e o respeito às diferenças étnicas e culturais. Isso só é possível quando se adota uma visão abrangente de língua e de ensino de línguas, para além de um arcabouço estrutural e gramaticalizante. 25 Identificar os problemas, entretanto, não é suficiente para que mudanças significativas aconteçam. As pesquisas em Linguística Aplicada sugerem novas orientações de ensino, no entanto, ainda existe uma considerável lacuna entre a pesquisa e o ensino. É questionável, inclusive, de que maneira essas pesquisas alcançam, e se alcançam, a massa dos professores de línguas. A Linguística Aplicada vem sendo campo promissor de estudos, mas ainda tem desafios que precisam ser enfrentados. Almeida Filho (2005) ressalta a necessidade de pesquisas capazes de trazer indicações seguras de como verificar ou fortalecer hipóteses no sentido de que se constituam princípios mais estáveis da aprendizagem de línguas. É preciso investigar em que medida as práticas de ensino utilizadas nas escolas divergem dos pressupostos de aquisição. Compreender como a língua é adquirida pode auxiliar no processo de ensino e evitar que tempo seja despendido em técnicas que não promovem seu uso efetivo em contextos reais. No entanto, as teorias de aquisição, as quais discutirei a seguir, parecem não explicar o fenômeno da aquisição satisfatoriamente, haja vista a dificuldade de se obter conclusões definitivas quando tratamos de um processo tão dinâmico e complexo. 3.2 Um passeio pelas diferentes teorias de aquisição As discussões em torno do ensino de línguas se fundamentam, de certo modo, nos pressupostos de aquisição. No entanto, apesar das diversas teorias existentes, me parece que nenhuma delas explica o fenômeno da aquisição em sua completude. De qualquer maneira, é imprescindível revisitar as teorias mais difundidas e discutir as implicações desses fundamentos para o ensino de línguas e para a maneira como a gramática é abordada nas aulas de Língua Estrangeira. Desse modo, destacarei o behaviorismo, a teoria da gramática universal, a hipótese do input, bem como a teoria sociocultural. A teoria behaviorista parte da premissa de que o conhecimento linguístico provém do ambiente e das experiências vivenciadas em um processo contínuo de estímulos e respostas. A aprendizagem da língua se restringe à formação de hábitos automáticos, o que induz o ensino às práticas de repetição mecânica e memorização. Através da repetição, o aprendiz é estimulado a reproduzir a mesma resposta inúmeras vezes a fim de que se constitua o hábito. O behaviorismo foi a teoria que fundamentou o método audiolingual, que se caracteriza pelo ensino indutivo da gramática por meio de exaustivos exercícios de repetição. Segundo Franco (2013, p. 216): 26 A aprendizagem de língua materna (L1) era vista como um processo relativamente simples, em que o falante aprendia um conjunto de hábitos novos em resposta ao estímulo do ambiente. Ao aprender uma L2, por já se ter um conjunto de hábitos definidos na L1, o processo de aprendizagem implica a substituição de hábitos antigos por novos. Esse modelo exclui a criatividade do processo de aprendizado e reduz tal processo ao automatismo e à formação de hábitos condicionados. A teoria da gramática universal de Chomsky, por outro lado, enfatiza a capacidade inata dos humanos para a aquisição da linguagem, considerando que o ambiente e os insumos por ele fornecidos são insuficientes para o desenvolvimento da linguagem. Para Chomsky (1959) a competência linguística de um falante não deve ser limitada a um modelo baseado em imitação e formação de hábitos. Chomsky ressalta a capacidade humana de utilizar um número finito de elementos para elaborar um número infinito de enunciados, ou seja, a capacidade humana de entender e produzir uma variedade infinita de sentenças mesmo que nunca tenham sido expostos a tais sentenças anteriormente. Nesse sentido, Chomsky aponta para a criatividade como elemento inerente ao desenvolvimento da linguagem humana. A gramática universal, por sua vez, funcionaria como um guia na aprendizagem de línguas. Tendo como foco o processamento mental e a asserção de que a linguagem é uma faculdade inata, esta teoria é um contraponto a qualquer perspectiva ambientalista ou sócio interacionista para o aprendizado de línguas. Já a hipótese do input formulada por Krashen5 (1985) e mais tarde denominada hipótese da compreensão preconiza que o elemento chave para a aquisição é a exposição ao insumo natural, por meio do qual o aprendiz assimila de maneira subconsciente a linguagem. Desse modo, o autor considera necessária interação significativa na língua alvo para que a aquisição seja possível. Os falantes devem estar preocupados, a princípio, com as mensagens que transmitem e com seu entendimento e não com a forma de seus enunciados. Para Krashen, a preocupação com a forma faz-se desnecessária. Nesse sentido, apenas o insumo positivo, ou seja, a exposição a produções autênticas da língua seria o fundamento para a aquisição de uma língua. Os pressupostos dessa teoria, de certa maneira, provocaram a exclusão do estudo da forma conforme ressalta Marchetti (2009, p. 41): 5 Tal hipótese afirma que os humanos adquirem a linguagem através da exposição e compreensão do insumo. Sob essa perspectiva, se o insumo é compreensível e o sujeito é exposto a um volume suficiente de insumo, a gramática necessária é automaticamente fornecida e o professor não precisa deliberadamente tentar ensinar a gramática. 27 Esse modelo que só reconhece a exposição natural levou, mais tarde, a interpretações equivocadas da abordagem comunicativa, o que resultou em uma fuga completa da forma e em um grande volume de materiais de “conversação”, jogos, dramatizações, etc. De fato, por certo período, o abandono ao estudo da forma parece ter sido tendência àqueles que buscavam adotar uma abordagem comunicativa para o ensino de línguas estrangeiras. No entanto, uma visão mais ampla do comunicativismo abre espaço para o estudo da forma, embora esta não seja o foco e esteja sempre atrelada à veiculação de sentido em situações reais de uso da língua. As implicações da exclusão ou inclusão do estudo da forma e da instrução gramatical nas aulas de Língua Estrangeira serão mais profundamente discutidas posteriormente. A teoria sociocultural, por sua vez, está alicerçada no pressuposto de que a aquisição emerge da interação. Segundo Paiva (2009, p. 4): A teoria sociocultural (TSC), baseada no pensamento de Vigostsky, reivindica que a aprendizagem de uma língua é um processo socialmente mediado. A mediação é um princípio fundamental, e a língua é um artefato cultural que media as atividades psicológicas e culturais. Ainda segundo a autora: É no mundo social que os aprendizes de língua observam os outros usando a língua e os imitam. É também com a colaboração de atores sociais que o aprendiz de língua passa de um estágio a outro (p.5). Sob a ótica da teoria sociocultural, é na interação que o processo de aprendizagem acontece. Para o ensino, portanto, é preciso que se instaure um ambiente de trocas de experiências, informações e vivências a fim de que ocorra a negociação de sentidos e a possibilidade de uso efetivo da língua. De maneira prática, observa-se um cenário em que o professor é um mediador e que tem a função de proporcionar atividades em pares e pequenos grupos nas quais a colaboração mútua seja o elemento propulsor da aprendizagem. Tendo em vista as diferentes e divergentes acepções das teorias de aquisição, Paiva (2009, p. 6) sugere que a aquisição de uma segunda língua seja compreendida como um conjunto de conexões em um sistema dinâmico e complexo que une tais teorias. De acordo com a autora: Um modelo complexo, [...], pode acomodar elementos incompatíveis; pois, ao mesmo tempo em que admite, por exemplo, a existência de uma capacidade inata que faz com que o aprendiz de uma língua aprenda mais do que ele encontra no input que recebe, o modelo admite também a importância da repetição e da criação de hábitos automáticos. 28 Desse modo, Paiva propõe um modelo de aquisição nos quais estão envolvidos elementos que embora, a princípio, pareçam controversos, na verdade se complementam quando analisados mais cuidadosamente. Nessa perspectiva, são considerados componentes desse sistema complexo: os automatismos, a interação, a afiliação; que corresponderia ao grau de relacionamento com a cultura da segunda língua, as mediações sociais, o input, a capacidade inata, as conexões e o output. Para Paiva (2009, p. 7): [...], a ASL deve ser entendida como um sistema não linear e dinâmico, composto de inter-relações entre elementos biológicos, psicológicos, sociais e tudo o que o social implica, tais como aspectos históricos, econômicos, culturais e políticos. São essas interconexões que nos fazem pensar e agir através da linguagem, linguagem essa também entendida como um sistema em constante movimento de auto-organização, com seus elementos interagindo entre si e se auto influenciando. Como se pode perceber com as considerações de Paiva, os aspectos biológicos, psicológicos e sociais não são antagônicos e sim complementares. O processo de aquisição envolve uma rede de conexões neurais, psicológicas e de mediações sociais constantes e intermináveis. Daí a complexidade de entendimento do processo de aquisição. Proposições que tendem a admitir a coexistência desses fatores parecem mais proveitosas do que posturas que consideram apenas um dos aspectos e excluem os demais. Sob essa ótica, propõe-se um ensino de línguas em que sejam oferecidas oportunidades de aprendizagem “por meio de atividades que exponham os aprendizes a input autêntico, às repetições, à interação, à negociação de sentido e às diversas práticas sociais da linguagem onde as identidades possam ser exercidas” (PAIVA, 2009, p.12). Com essa postura, adota-se uma prática que não exclui elementos essenciais, mas que os agrega de forma colaborativa. É nesse sentido que defendo a relevância da instrução gramatical nas aulas de língua estrangeira. Para tanto, precisa-se pensar a gramática em uma dimensão ampla e dinâmica, dimensão esta que discutirei a seguir. 3.3 Para que gramática, afinal? Embora em determinados momentos da história do ensino de línguas estrangeiras o papel da gramática tenha sido excluído e tenha havido um esforço no sentido de manter o foco exclusivamente na comunicação, é inegável a contribuição da 29 gramática para o aprendizado de uma língua, até mesmo porque, quando nos comunicamos, a gramática, inevitavelmente, se manifesta. Entretanto, é preciso pensar a gramática em uma dimensão que ultrapasse a mera sistematização de regras por meio das quais sentenças são organizadas. Nesse sentido, Thornbury (2001) preconiza que a gramática deve ser compreendida mais como um processo do que como um produto, ou seja, a gramática não é algo pronto e sim algo que acontece. Para o autor, uma premissa comum e equivocada subjacente a práticas de ensino de línguas estrangeiras é a de que se o produto é ensinado, o processo será uma consequência natural, ou seja, o professor fragmenta a língua em pequenas partes e o aprendiz será capaz de reorganizá-las em comunicação real. Thornbury (2001, p.2) ressalta que: Ignora-se o fato de que produto e processo são coisas bem diferentes – existe gramar (produto) e existe grammaring (processo), sendo que a última não pode ser tão facilmente inferida a partir da primeira. Em resumo, a descrição da língua em uso não é o mesmo que a língua sendo usada6. Desse modo, o ensino de gramática que pretende ser efetivo não pode se restringir à análise da língua. Faz-se necessário que os aspectos estruturais sejam trabalhados em consonância com o significado e a função comunicativa, uma vez que a combinação de palavras para a formação de sentenças é apenas parte do que a gramática, de fato, representa. Essas considerações reforçam nosso pensamento de que não é preciso abolir o estudo da forma nas aulas de língua e sim atrelá-lo às noções de significado e função em uma dinâmica que atente para os diversos aspectos que constituem a língua. Não se pode pensar em gramática, portanto, sem pensar nos sentidos que podem ser veiculados e nos propósitos comunicativos vigentes. Afinal, a comunicação é o objetivo primordial de um aprendiz de língua estrangeira. Nesse sentido, Winddowson (1978) sugere a distinção entre usage e use, sendo que o primeiro se refere “às palavras e sentenças como manifestações do sistema linguístico e o segundo se refere à maneira como esse sistema é utilizado para propósitos comunicativos”. Em outras palavras, diria que usage engloba o conhecimento dos padrões de organização do sistema linguístico ao passo que use se refere ao emprego desses padrões em situações reais de comunicação. Desse modo, o primeiro corrobora o desenvolvimento da competência meramente linguística enquanto 6 It ignores the fact that the product and the process are two quite different things – that there is grammar and there is grammaring, and the latter is not easily inferable from the former. In short, a description of used language is not the same as language being used. 30 o segundo corrobora o desenvolvimento da competência comunicativa. Winddowson (1978) ressalta que o mero conhecimento linguístico é de pouca utilidade quando não é complementado pelo conhecimento de uso apropriado. É comum, por exemplo, que um aprendiz domine certas regras e padrões linguísticos, porém não consiga empregá-los na comunicação. Este cenário, inclusive, é frequente entre professores de língua inglesa, principalmente de escolas públicas. Com formação precária, tais professores desenvolveram apenas a competência linguística e são capazes de explicar, exemplificar, formular atividades de fixação e também avaliar o desenvolvimento da competência linguística de seus aprendizes. Por outro lado, são incapazes de usar a língua efetivamente e, consequentemente, são incapazes de proporcionar aos seus alunos um contexto de aprendizagem que favoreça o desenvolvimento da competência comunicativa. Estamos, portanto, diante de uma das maiores contradições do ensino de línguas estrangeiras. Afinal, um professor que não possui habilidades comunicativas, de modo algum, irá dispor de ferramentas e procedimentos que possam conduzir seus aprendizes para o desenvolvimento de tais habilidades. Obviamente, não se descarta a relevância da competência linguística ou das atividades utilizadas para desenvolvê-la. Porém, ressalta-se que, isoladamente, ela não contempla os propósitos de aprendizagem de uma língua. Conforme Widdowson (1978, p. 67): [...] tradicionalmente o foco da atenção tem recaído sobre as habilidades linguísticas e comumente presume-se que uma vez que essas habilidades são adquiridas em uma medida razoável, as habilidades comunicativas surgirão como uma consequência mais ou menos automática. As evidências que temos, entretanto, sugerem que este não é o caso: a aquisição de habilidades linguísticas não parece garantir a consequente aquisição de habilidades comunicativas. Ao contrário, nos parece que o excesso de ênfase em drills e exercícios para a produção e recepção de sentenças tende a inibir o desenvolvimento das habilidades comunicativas. Isso não significa que tais drills e exercícios não são necessários. Afinal, como dito previamente, as habilidades comunicativas incluem as habilidades linguísticas: não se pode adquirir habilidades comunicativas sem ter adquirido habilidades linguísticas7. De fato, os moldes tradicionais de ensino enfatizam o desenvolvimento de habilidades estritamente linguísticas. Porém, converter esse conhecimento de usage em use não é tarefa tão simples. Conhecer os mecanismos de funcionamento da língua não 7 [...] traditionally the focus of attention has been on the linguistic skills and that it has commonly been supposed that once these are acquired in reasonable measure the communicative abilities will follow as a more or less automatic consequence. What evidence we have, however, suggests that this is not the case: the acquisition of linguistic skills does not seem to guarantee the consequent acquisition of communicative abilities in a language. On the contrary, it would seem to be the case that an overemphasis on drills and exercises for the production and reception of sentences tends to inhibit the development of communicative abilities. This is not meant to imply that such drills and exercises are not necessary. As was pointed out earlier, the abilities include the skills: one cannot acquire the former without acquiring the latter. 31 é suficiente para que o aprendiz seja capaz de utilizar a língua em contextos reais de comunicação. O aprendiz pode ser capaz de formular sentenças adequadamente, porém ser incapaz de empregá-las com uma finalidade comunicativa atentando, inclusive, para as convenções de uso da língua. Os moldes de ensino que prezam exclusivamente o ensino de gramática descontextualizada e de maneira explícita seguem uma concepção de ensino com foco nas formas (LONG, 1991). Em contrapartida, o foco na forma sugere atentar para a forma através de atividades cujo foco primordial é o sentido (LÍVIA apud MARCHETTI, 2009). O foco nas formas, portanto, é uma perspectiva excludente de ensino. Os propósitos comunicativos e as noções de função e sentido são omitidos. O foco na forma, por outro lado, admite o estudo do sistema, mas não o enfatiza. A atenção deve estar, sobremaneira, voltada para o sentido que a forma em si carrega. Entretanto, alguns estudiosos, tais como Long e Robinson (apud DUTRA; MELLO, 2004) classificam programas nocionais- funcionais (base dos cursos que seguem a abordagem comunicativa) como sintéticos ou com o foco nas formas. Os autores enfatizam que, na verdade, os materiais utilizados e os procedimentos adotados são preparados com a finalidade de apresentar e praticar itens ou formas linguísticas, ou seja, o foco primordial não é o sentido em si, mas a própria estrutura linguística. Dutra e Mello (2004), por sua vez, concordam em parte com tal posicionamento. Eles admitem que quando pensamos somente nos itens ou formas linguísticas escolhidas para o ensino, de fato, parece que o foco recai novamente nas formas. Porém, quando somamos a essa perspectiva a noção de língua como comunicação e a ideia de gramática como regras de uso da língua alinhadas com a veiculação de sentidos, distanciamo-nos de uma proposta de ensino alicerçada no foco nas formas. A partir do exposto, considero que embora alguns programas nocionaisfuncionais utilizados na abordagem comunicativa delineiem itens gramaticais para estudo, não necessariamente o objetivo seja meramente a apresentação e prática das estruturas em si. Parece-me mais coerente considerar que tais estruturas funcionam como ferramenta, como meio para se chegar a um propósito maior: a veiculação de sentidos e de funções comunicativas. Pensar nesses programas como simplesmente foco nas formas significa reduzi-los significativamente. Quando falamos sobre abordagem comunicativa, é válido ressaltarmos a existência de duas versões distintas. A versão forte prevê que a aprendizagem ocorra incidental e implicitamente por meio do input que o aprendiz recebe (DUTRA; MELLO, 2004). Esse pressuposto advém primordialmente da teoria do input 32 compreensível de Krashen (1985) que preconiza que a aquisição acontece por meio da exposição natural ao insumo positivo e não através da instrução formal. Obviamente, concordo com os benefícios de expor o aprendiz a um insumo positivo e possibilitar que um processo intuitivo e subconsciente de construção do sistema linguístico se desencadeie. No entanto, conforme Marcheti (2009): No contexto brasileiro, o contato com a língua-alvo no aprendizado de uma LE restringe-se, quase sempre, a algumas horas semanais e à sala de aula. Fica inviável aguardar que o conhecimento da forma se dê de modo natural, já que a quantidade de insumo a que o aluno é exposto é restrita (p.59). Mediante a escassez de tempo e de oportunidades de exposição natural à línguaalvo, é desejável que, em certa medida, os aprendizes sejam conduzidos através de procedimentos e atividades que enfatizem tanto a forma quanto sua função comunicativa. Nesse sentido, a versão fraca da abordagem comunicativa admite que a forma seja estudada por meio de estruturas contextualizadas, sendo que tais estruturas são direcionadas a um determinado propósito comunicativo. Diante do exposto, faz-se necessário o entendimento de que práticas de ensino orientadas exclusivamente pelo foco nas formas são, certamente, ineficazes e improdutivas. Por outro lado, diversos argumentos me fazem crer que propostas de ensino orientadas pelo foco na forma tem grande potencial de eficácia e produtividade, uma vez que o foco na forma, de acordo com Mello (2004, p.58): [...] não elimina o foco no significado da sala de aula. Ao contrário, o foco na forma adiciona a esse o componente gramatical dentro de contextos específicos, o que, no meu entender, é uma vantagem sobre abordagens exclusivistas e polarizadoras. Isso emana de uma visão mais ampla do que seja a linguagem, isto é, a sintaxe, a semântica, a pragmática e a fonologia de dada língua acontecem simultaneamente no processo interacionalcomunicativo. Não há módulos isolados a serem ensinados na sala de L2; o que naturalmente leva à conclusão de que forma e significado são faces de um caleidoscópio linguístico e não podem ser ensinados isoladamente. Nassaji e Fotos (2004) também corroboram a visão de que o foco na forma seja potencialmente vantajoso, apontando quatro razões pelas quais devemos pressupor a necessidade e relevância da instrução gramatical nas aulas de línguas. Inicialmente, os autores questionam a viabilidade de se aprender uma língua sem certo grau de consciência e atenção à forma presumindo que os mecanismos de noticing são essenciais para o aprendizado de L2. Em seguida, ressaltam a “hipótese da ensinabilidade” proposta por Pienemamn (1988), que sugere que algumas estruturas podem ser adquiridas sem a necessidade de instrução gramatical ao passo que outras 33 podem ser favorecidas pelo ensino da forma. A terceira razão apontada pelos autores diz respeito ao nível de acuidade linguística de aprendizes que foram submetidos a programas cujo foco recaía exclusivamente na comunicação. Estudos apontam que mesmo sendo expostos a um insumo significativo por longos períodos, os aprendizes não alcançam um nível de acuidade desejável quando nenhuma atenção é direcionada à forma. Por fim, Nassaji e Fotos (2004) enfatizam as evidências dos efeitos positivos da instrução gramatical nas aulas de línguas estrangeiras através de estudos realizados em laboratórios e em salas de aulas ao longo dos últimos vinte anos. Em resumo, os argumentos apresentados por Nassaji e Fotos mais uma vez me fazem pensar em uma perspectiva de ensino que alia a forma ao significado e à comunicação. Sob essa ótica, Gil (2004) sugere que o foco na forma e o foco na comunicação, na verdade, devem funcionar como dois focos complementares e não antagônicos. Essa perspectiva “parece ser mais adequada para criar uma ponte entre a teoria e prática pedagógica real, do que a oposição entre os dois focos, comum em muitos estudos sobre a interação na sala de aula de língua estrangeira” (GIL, 2004, p.41). Thornbury (1999) esclarece de que maneira se constroem as relações “gramática versus significado” e “gramática versus função”. Segundo o autor, pode-se dizer que a “gramática é parcialmente o estudo de que formas são possíveis”, ou seja, o estudo da gramática consiste, parcialmente, em observar de que maneira as formas linguísticas são organizadas e padronizadas para que se construam sentenças possíveis. Mas por que se diz que esta concepção expressa apenas parcialmente o que a gramática representa? Por que algumas sentenças, ainda que possíveis e estruturalmente bem formadas não fazem sentido e não veiculam mensagens coerentes com a intenção do falante, como exemplo “This is 2680239. We are at home right now. Please leave a message after the beep”8. Segundo Thornbury (1999, p. 3): A sentença We are at home right now é possível. Isto é, é gramaticalmente bem formada. Porém, ela não faz sentido neste contexto. A forma empregada não transmite o exato significado que o falante necessita externar. Desse modo, precisamos considerar outra característica da gramática, que é o seu 9 potencial de construção de significados . 8 Este é o 2680239. Nós estamos em casa agora. Por favor, deixe uma mensagem depois do sinal. The sentence we are at home right now is possible. That is, it is grammatically well-formed. But it doesn’t make sense in this context. The former the speaker has chosen doesn’t convey the exact meaning the speaker requires. We now need to consider another feature of Grammar, and that is, its meaningmaking potential. 9 34 Diante do exposto, percebe-se que forma e sentido são elementos indissociáveis. De nada adianta formularem-se sentenças de acordo com as regras e padrões estabelecidos se não formos capazes de vincular significados a tais estruturas e usá-las apropriadamente de acordo com o contexto em que se inserem. Além do contexto, fazse necessário ainda atentar para a intenção do falante, ou seja, para a função da língua. Segundo Thornbury (1999) quando processamos a linguagem não estamos apenas tentando dar sentido às palavras e à gramática, nós também estamos tentando inferir a intenção do falante, isto é, estamos tentando inferir a função do que fora dito ou escrito. De fato, utilizamos a língua com uma finalidade em mente, com uma intencionalidade e propósitos definidos. Uma determinada forma, por sua vez, pode adquirir diferentes significados e servir para diferentes propósitos comunicativos ou funções. Portanto, é preciso observar o contexto para que possamos identificar adequadamente o sentido expresso e a função almejada pelo falante. Em face dessa perspectiva tridimensional de gramática que engloba forma, significado e função comunicativa, presumo sua amplitude e ressalto a necessidade de que o ensino de línguas estrangeiras propicie o estudo da gramática considerando, obviamente, tanto os níveis fonológico, sintático e morfológico quanto os níveis semântico, pragmático e discursivo. Desta forma, visamos a um ensino contextualizado e promissor. A seguir, discutirei alternativas para o ensino de gramática nas aulas de língua inglesa levando em consideração sua amplitude e relevância. 3.4 Com licença, eu sou a gramática, posso entrar? Para pensarmos na maneira como a gramática pode ser trabalhada nas aulas de línguas estrangeiras é válido compreender a maneira como o uso da gramática progride durante o processo de aquisição da língua materna. Quando pensamos na comunicação de crianças nos estágios iniciais do desenvolvimento da fala, observamos a seguinte progressão: A linguagem inicial de crianças apresenta pouca gramática. Inicialmente, elas se comunicam exclusivamente através dos gestos e do tom de voz, em seguida começam a produzir suas primeiras palavras por volta dos doze meses. Essas são palavras individuais que servem para se referir ou descrever aspectos do seu cotidiano: bola, gato, sujo, papai, sapato. Eles também usam a língua para dar comandos– Dá! Coloca! Sobe! Pare! – e para comunicar significados sociais: Oi, Tchau. Essas duas principais funções da linguagem – às vezes chamadas, respectivamente, de referencial e a interpessoal – formam 35 um tipo de modelo para o uso subsequente da linguagem10 (THORNBURY, 2001, p.15). Desse modo, observamos que quando as crianças começam a utilizar as palavras na comunicação, estas são usadas isoladamente e, normalmente, expressam significados que se referem ao contexto imediato. Isto é, usam vocabulário específico para se referir a objetos ao seu redor ou para que suas necessidades momentâneas, tais como alimentação, entretenimento ou descanso, sejam atendidas. Na medida em que a criança necessita expressar mensagens mais complexas, o uso de palavras isoladas parece não ser mais eficiente. Desse modo, elas passam a usar duas ou mais palavras a fim de alcançar seus propósitos comunicativos. Thornbury (2001) ressalta que, nesta fase, as crianças já são capazes de formar mini sentenças, uma vez que, normalmente, a junção das palavras não é arbitrária. Quando a criança diz, por exemplo, “Eu quer”, não se pode afirmar que esta construção seja totalmente agramatical, tendo em vista que a maneira como as palavras estão dispostas condiz com um padrão linguístico “Sujeito + Verbo”, ou seja, existe uma regra que fundamenta a formação da sentença, embora a criança não tenha consciência dela. Conforme os pensamentos a serem expressos passam a ser mais complexos e as sentenças mais elaboradas, observamos que o grau de complexidade gramatical dessas sentenças também evolui. Nesse sentido, Thornbury (2001) afirma que a aquisição da língua materna segue uma progressão do lexical para o gramatical e que adquirir a primeira língua significa, em grande medida, aprender a usar sua gramática. De fato, o que observamos no processo de aquisição da língua materna é uma evolução da palavra para a sentença. À medida que as crianças começam a formular sentenças, há também uma evolução gradativa que vai do uso de estruturas gramaticais simples, como a mera disposição “Sujeito + Verbo”, até o uso de estruturas mais complexas, tais como o emprego da concordância verbal. De modo semelhante, ocorre o aprendizado de uma língua estrangeira. É comum que nos estágios iniciais de aprendizado, a comunicação, de certa maneira, se fundamente meramente no léxico ou em estruturas gramaticais simples até que o aprendiz adquira competência linguística necessária para formular sentenças com maior grau de complexidade gramatical. Existe, 10 Early child language is low on grammar. Initially communicating solely through gesture and tone of voice, children start to produce their first words at around twelve months. These are individual words that serve to refer to, or describe, features of their everyday world: ball, cat, dirty, Daddy, shoe. They also use language to get things done – Give!, Put!, Up, Stop! – and to communicate social meanings: Hi, Bye-bye. These two major language functions – sometimes called, respectively, the referential and the interpersonal – form a kind of template for all subsequent language use. 36 porém, uma diferença importante entre o processo de aquisição da língua materna e o aprendizado de uma língua estrangeira: o contexto em que tais processos ocorrem. Tendo em vista que adquirimos a língua materna em contato constante e somos expostos diariamente a insumos autênticos de uso da língua, aprendemos a estruturar nossas construções de acordo com determinados padrões sem termos consciência de tais padrões. Quando aprendemos uma língua estrangeira, por outro lado, o contato com a língua alvo é muito mais restrito e, muitas vezes, a exposição ao insumo se limita a algumas horas semanais em sala de aula, razão pela qual ter consciência de certos aspectos estruturais pode facilitar o processo de aprendizagem. Desse modo, podemos inferir que parte do processo de ensino de uma língua estrangeira consiste em prover as ferramentas para que o aprendiz obtenha consciência de certos padrões linguísticos. Evidentemente, este não é um posicionamento consensual. Existem diversos questionamentos acerca da real necessidade de conhecer conscientemente as regras da língua para que sejamos aptos a usá-la apropriadamente. Para melhor assimilarmos essa problemática, é imprescindível discutir as noções de conhecimento implícito e conhecimento explícito. Segundo Ellis (2006, p.95), o conhecimento explícito é constituído pelos aspectos que os falantes aprenderam sobre a língua. Esse conhecimento é consciente e, normalmente, é acessado através de um processo controlado. O conhecimento implícito, por sua vez, é inconsciente, pode ser acessado facilmente e está disponível para uso na comunicação rápida e fluente. Este conhecimento é o que permite que o falante utilize determinadas estruturas sem saber que regras as fundamentam. Muitos questionam se o conhecimento explícito tem algum valor e se funciona como facilitador do desenvolvimento de conhecimento implícito, ou seja, se os aprendizes são capazes de utilizar o conhecimento explícito em situações de comunicação. Para Krashen (1985), o conhecimento explícito e o conhecimento implícito são independentes. Desse modo, o conhecimento explícito não se converte em conhecimento implícito, ou seja, o conhecimento consciente das regras de uso da língua não é acionado no momento em que o falante produz enunciados em situações espontâneas de comunicação. Segundo a hipótese do monitor (KRASHEN, 1985), o conhecimento explícito é acionado somente com o propósito de monitorar a produção do falante, isto é, fiscalizar e corrigir possíveis erros, o que só acontece quando o aprendiz está atento à forma e não ao significado. Quando estamos envolvidos em uma conversação, por exemplo, não estamos conscientes da maneira como as sentenças devem ser estruturadas e não atentamos para a forma. É o nosso conhecimento implícito 37 que se manifesta em situações de comunicação que exigem fluidez e celeridade. O conhecimento explícito, por sua vez, só se manifesta quando o aprendiz dispõe de tempo para pensar na forma e, se necessário, corrigir seu enunciado por meio de um processo consciente e controlado. Sob essa perspectiva, o conhecimento explícito não pode ser internalizado e se tornar automático, o que o torna limitado e pouco útil. Em contrapartida, Ellis (2006, p.86) argumenta que o conhecimento explícito é usado tanto no processo de formulação da mensagem quanto em seu monitoramento e que muitos aprendizes são hábeis em acionar seu conhecimento explícito para ambas as finalidades sem necessitar de tempo para isso, especialmente, se as regras foram automatizadas. Nesse sentido, o autor afirma que o conhecimento explícito pode ser convertido em conhecimento implícito, uma vez que o aprendiz esteja pronto para adquirir a estrutura linguística alvo e que essa conversão ocorra através de determinados processos, tais como o noticing e o noticing the gap. Segundo o autor: O conhecimento explícito de uma estrutura gramatical torna mais provável que os aprendizes atentem para a estrutura do input e realizem a comparação cognitiva entre o que eles observam no input e o que produzem como output (ELLIS, 2006, p.97).11 Sob essa perspectiva, o conhecimento explícito assume um papel muito mais relevante, uma vez que o conhecimento explícito permite que o aprendiz atente para determinados aspectos linguísticos e tenha a percepção (noticing) da maneira como estes são empregados, bem como permite que o aprendiz perceba a lacuna existente entre o que ele produz e o insumo positivo a que está sendo exposto (noticing the gap). A noção de noticing no aprendizado de línguas foi introduzida pelo pesquisador Richard Schmidt que veio ao Brasil com a intenção de aprender português. O pesquisador manteve um diário com anotações sobre sua própria experiência de aprendizado, que consistia em aulas formais associadas ao seu contato constante com a língua-alvo em situações reais de uso. De acordo com Thronbury (2001, p.36): Schmidt concluiu que a instrução em sala de aula foi útil porque auxiliou na percepção de determinados aspectos da língua presentes no insumo natural a que estava sendo exposto. Ele também presumiu que não era suficiente ser apresentado à forma e tê-la treinado através de drills: ele precisava perceber como a forma era usada naturalmente. Em outras palavras, os dois tipos de experiência pareciam se complementar. Sem a instrução formal, aspectos específicos da língua em uso natural teriam passado despercebidos. Mas sem a interação em situações reais, os resultados da instrução formal poderiam simplesmente ter ficado armazenados no cérebro sem utilidade. Além disso, 11 Explicit knowledge of a gramatical structure makes it more likely that learners will attend to the structure in the input and carry out the cognitive comparison between what they observe in the input and their own output. 38 Schmidt insistiu que ambos os tipos de aprendizado exigiu um grau de atenção. Em outras palavras, o processo de aprendizado envolve processos de consciência12. Meu posicionamento neste estudo condiz com esta perspectiva abrangente que presume a relevância do conhecimento explícito e da consciência no processo de aprendizagem. Evidentemente, como as observações de Schmidt sugerem, faz-se necessário que a instrução formal esteja aliada ao uso da língua em contextos reais de comunicação. Nesse sentido, é essencial discutir a importância do uso de procedimentos de consciousness-raising, ou seja, de procedimentos que tornem os aprendizes conscientes dos aspectos linguísticos durante o processo de ensino-aprendizagem. Segundo Thornbury (2001, p.36), tradicionalmente, os aprendizes obtinham essa consciência mediante a apresentação (presentation) da forma pelo professor. A apresentação comumente precede as atividades de prática e produção, em um modelo de ensino denominado PPP (Presentation + Practice + Production). Para o autor, a fragilidade dessa estratégia consiste exatamente na noção de presentation, uma vez que não há garantia que o aprendiz será capaz de transferir a estrutura apresentada em sala de aula para contextos reais de comunicação, mesmo que a prática e a produção também tenham sido contempladas. Esse modelo de ensino pressupõe uma linearidade no processo que evolui diretamente do input para o output. Thornbury (2001, p.38) aponta uma diferenciação entre esse modelo (Presentation + Practice) e uma perspectiva orientada pela noção de consciousness-raising: A diferença incide basicamente na redução de expectativas. Numa proposta de consciousness-raising não há expectativa de produção precisa e imediata – premissa que subjaz uma metodologia do tipo presentation. O objetivo de uma proposta de consciousness-raising é fornecer dados que provavelmente se tornarão intake, e que, quando chegado o momento oportuno, terá o efeito de dar início à reestruturação da gramática mental do aprendiz. (...) Esta é uma visão bem diferente da concebida no modelo presentation-practice, que assume uma ligação direta entre input e output, entre ensino e aprendizado. As duas concepções podem ser representadas da seguinte forma: 1) PP (Presentation + Practice) = input – output 2) C-R (Consciousness-raising) = input – noticing -intake – output13 (THORNBURY, 2001, p.38). 12 Schmidt concluded that classroom instruction was useful because it helped him notice things in the natural input he was exposed to. He also suspected that simply being taught and drilled a form was not enough: he needed to notice it being used naturally. In other words, the two types of experience (instruction plus and instruction minus) seemed to complement each other quite neatly. Without the formal instruction, specific features of naturally-occurring language use might have washed right over him. But without the real-life interaction, the outcomes of formal instruction may have simply sat on a shelf in the brain and gathered dust. What’s more, Schmidt insisted that both kinds of learning required a degree of attention. In other words, language involves conscious processes. 13 The difference is basically one of reduced expectations. With consciousness-raising there is not the expectation of immediate and consistently accurate production – the assumption underlying a presentation-type methodology. The aim of consciousness-raising is to provide the kind of data that is 39 Em outras palavras, o modelo de ensino PPP parte do pressuposto de que o aprendiz desconhece a forma e que o professor tem a função de apresentá-la. A apresentação, portanto, é a primeira etapa do ciclo, é o contato inicial do aprendiz com a forma que se pretende fixar. Em um segundo momento, os aprendizes são orientados a praticar a estrutura linguística previamente apresentada, a fim de que, com a prática controlada, alcancem a precisão linguística desejada. Desse modo, evita-se que o aprendiz cometa erros durante a produção. A última etapa do ciclo, por sua vez, almeja a fluência. Uma vez que o aprendiz já foi apresentado à forma, teve a oportunidade de praticá-la sob a orientação do professor, espera-se que ele esteja apto à produção utilizando a estrutura estudada sem que os erros persistam. Como se percebe a relação input – output é quase imediata. O aprendiz é levado a produzir pouco tempo depois de ter sido exposto à estrutura em estudo. Desse modo, há uma elevada expectativa para que a produção aconteça apropriadamente no final do ciclo. Em contrapartida, uma proposta de consciousness-raising não exige que o aprendiz seja capaz de produzir tão precisamente e imediatamente após ter sido exposto a determinado insumo. O percurso é mais longo e não estabelece uma relação direta entre input e output. Presume-se que o ciclo inicia-se com a exposição ao insumo e que a partir do insumo ele perceba (notice) o uso de determinadas estruturas linguísticas. Obviamente, são utilizadas estratégias e atividades específicas, a fim de que o aprendiz atente para a forma em si, embora também seja imprescindível que o foco da atenção seja o sentido. O intake, por sua vez, consiste na internalização dessa estrutura, o que não implica, entretanto, em seu uso imediato. O intake permite que o aprendiz reestruture mentalmente sua gramática e que seja capaz de utilizá-la em momento oportuno. Nesse sentido, não existe uma expectativa de output logo após o input. Ellis (1995) propõe uma abordagem de ensino de gramática que consiste em atividades que direcionam a atenção dos aprendizes para a estrutura alvo no input, bem como permite a identificação e compreensão de seu significado. Essa abordagem, portanto, enfatiza o processo de compreensão do input em vez de enfatizar o processo de produção de output. As atividades delineadas com esse propósito são denominadas interpretation tasks. Segundo Ellis (1995), esse modelo de ensino de gramática envolve os seguintes processos: a) Interpretação, processo por meio do qual os aprendizes se likely to become intake, which, when the time is right, will have the effect of triggering the restructuring of the learner’s mental grammar. (...) This is a different view of learning than implied by presentationpractice, which assumes a direct link between input and output, between teaching and learning. The two views can be represented like this: 1 PP (Presentation + Practice) = input – output 2) C-R (Consciousness-raising) = input – noticing -intake – output (THORNBURY, 2001, p.38). 40 esforçam para compreender o input e, para tanto, prestam atenção a aspectos linguísticos específicos e seus significados; b) Integração, que ocorre quando os aprendizes são capazes de internalizar determinadas estruturas e incorporá-las à sua interlíngua; c) Produção, que pode auxiliar os aprendizes a dominar estruturas linguísticas que já estão inseridas em sua interlíngua. Sob essa ótica, a produção assume um papel diferenciado na aquisição de estruturas linguísticas. A princípio, faz-se necessário que o aprendiz compreenda o uso de tais estruturas, as internalize para que, então, seja capaz de produzir enunciados utilizando-as. Assim, a compreensão é o elemento chave para a aquisição, o foco do ensino recai na interpretação e não existe uma necessidade imediata de produção. Sugere-se que “os professores possam proveitosamente tentar concentrar a atenção dos aprendizes na percepção e compreensão de características gramaticais específicas do input, uma vez que é desta maneira que a aquisição de novos itens é iniciada14” (ELLIS, 1995, p.91). Thornbury (2001) ressalta que forçar o aprendiz a produzir uma estrutura recentemente aprendida pode ser improdutivo, visto que o esforço despendido na articulação desvia a atenção do aprendiz do simples entendimento de como determinada estrutura funciona. Para o autor, o processo de reestruturação, ou seja, o processo por meio do qual o aprendiz reorganiza sua gramática mental a fim de acomodar novas informações, é um processo complexo e não necessariamente ocorre instantaneamente. De fato, quando penso em experiências pessoais de aprendizado de línguas, pressuponho o benefício advindo de atividades que nos direcionem para a compreensão da forma, sem que sejamos imediatamente submetidos a atividades de produção. A exigência imediata de produção, inclusive, pode aumentar o nível de ansiedade do aprendiz, já que há uma expectativa pela verificação de sua capacidade de produção da estrutura linguística em estudo. Nada garante que o aprendiz será capaz de internalizar a estrutura e acomodá-la em sua gramática mental instantaneamente. Parece-me que esse processo de reorganização acontece mais gradativamente e, às vezes, requer mais tempo. É válido ressaltar que não estou assumindo um posicionamento que visa a banir atividades de produção. Afinal, a produção é a finalidade do aprendizado e discordo sumariamente de qualquer perspectiva de ensino alicerçada na passividade e mera receptividade. Apenas defendo a premissa de que para sermos capazes de produzir eficazmente determinadas estruturas é válido sabermos de que maneira elas funcionam e os significados que expressam. Nesse sentido, acredito que o uso de Grammar 14 [...] teachers might profitably try to focus learner’s attention on noticing and understanding specific grammatical features of input, as it is by this means that the acquisition of new features gets started. 41 Interpretation Tasks pode desempenhar um papel fundamental no ensino de gramática. Segundo Ellis (1995) as interpretation tasks têm as funções de habilitar os aprendizes, a fim de que identifiquem os significados transmitidos por determinadas estruturas gramaticais, promover o input de maneira que o aprendiz seja induzido a observar aspectos gramaticais que provavelmente seriam ignorados, bem como capacitar os aprendizes para a comparação entre a lacuna existente entre a maneira como determinada forma funciona e a maneira como os aprendizes a utilizam quando se comunicam, o que é possível quando a atenção dos aprendizes é direcionada para os erros que tipicamente cometem. Os erros, dessa maneira, são importantes elementos para a construção da consciência linguística do aprendiz. Observemos um exemplo de Grammar Interpretation task que pretende elucidar a diferença entre o uso do Simple Past e o Present Perfect proposto por Thornbury (2001): O professor fala para a turma que eles vão escutar algumas mensagens de voz que o professor acabou de receber. Todas as mensagens são de amigos que estão viajando ou que acabaram de retornar de viagem. A primeira tarefa consiste em adivinhar a que cidade ou país a mensagem se refere. Disponibilizo-as em inglês, com sua tradução em nota: Hi, Joe. How are you? Great holiday! We’ve been to the Louvre and the Eiffel Tower, but we haven’t been to Versailles yet. We’ll phone you back. Bye. Joe, it’s Barry. Fantastic holiday! We went everywhere – the Colisseum, St Peters, Hadrian’s Villa – and we had great Italian food. Speak to you soon. Bye. Hi, Joe, Cathy here. How was your holiday? I went sightseeing and shopping and spent a fortune. Didn’t have time to see Big Ben! But I bought you a fab Tshirt. Bye. Joe, baby! Donald speaking. Amazing holiday. Taj Mahal, Rajahstan. I’ve travelled thousands of miles, all by train. Third class. And I’ve met some really interesting people. I’ve seen a tiger! Money running out, have to go… Hello, Joe. It’s six o´clock Tuesday evening. Just phoning to tell you about my trip. I had a great time. I climbed to the top of Ayers’ Rock, can you believe it! And I went surfing at Bondi Beach. But I never made it to Cairns. I have some great photos to show you. Well, speak to you soon. Bye.15 15 Oi, Joe. Como você está? Ótimo feriado! Nós estivemos no Louvre e na torre Eiffel, mas ainda não estivemos em Versailles. Nós te ligaremos de volta. Tchau. 42 Após verificar a primeira tarefa, o professor solicita que os alunos escutem as mensagens novamente e indiquem que amigos ainda estão viajando e que amigos já retornaram de suas viagens. Vamos refletir um pouco sobre os benefícios em utilizar tarefas dessa natureza, a fim de facilitar a percepção e compreensão da forma em uso. A princípio, observo que a primeira tarefa tem o foco exclusivamente no significado. Os aprendizes não necessitam atentar para a forma a fim de reconhecer as cidades ou países a que as mensagens se referem. Muito mais relevante para a realização dessa tarefa é o conhecimento de mundo do aprendiz. O reconhecimento de algumas palavras- chave, tais como Louvre, Big Ben, Colisseum e Taj Mahal associados a uma provável familiaridade do aprendiz com esses lugares serão suficientes para que o aprendiz complete a tarefa. Vale ressaltar que o desafio proposto na tarefa também é ponto positivo. Além disso, a tarefa promove o contato do aprendiz com um gênero textual habitual: as mensagens de voz. Diante da informalidade do discurso, é possível que os aprendizes verifiquem, inclusive, a possibilidade e legitimidade de construções que não seguem um rigor gramatical, tais como Didn’t have time to see Big Ben! e have to go. Desse modo, nos afastamos de uma concepção de gramática estritamente padronizada que não reconhece a viabilidade de variações linguísticas. A segunda tarefa, por sua vez, direciona a atenção dos aprendizes para a forma. Eles não serão capazes de identificar se os locutores ainda estão viajando ou se retornarem de viagem sem observar a maneira como os verbos são empregados. O propósito, portanto, é fazer com que eles percebam que o uso do present perfect implica em uma relação com o presente ao passo que o uso do simple past não estabelece essa relação. É imprescindível ressaltar que apesar de direcionar a atenção para a forma, o foco continua sendo o significado. Segundo Thornbury (2001), “os aprendizes precisam perceber de que maneira a escolha da forma impacta no significado”. A escolha Joe, é o Barry. Feriado fantástico! Nós fomos a todos os lugares – o Coliseu, a São Pedro, a vila Hadrian – e nós comemos uma ótima comida italiana. Falo com você em breve. Tchau. Oi, Joe, É a Cathy. Como foi o feriado? Eu fui visitar os pontos turísticos e fazer compras e gastei uma fortuna. Não tive tempo de ver o Big Ben! Mas eu comprei uma camisa fabulosa para você. Tchau. Joe, querida! É o Donald. Feriado incrível. Taj Mahal, Rajahstan. Eu viajei milhares de quilômetros, tudo de trem. Terceira classe. E nós conhecemos algumas pessoas muito interessantes. Eu vi um tigre. O dinheiro já está acabando, tenho que ir… Oi, Joe. São seis horas da tarde de terça. Só estou ligando para te contar sobre minha viagem. Eu tive ótimos momentos. Eu subi ao topo da Ayers’ Rock, você acredita! Eu fui surfar na praia Bondi. Mas não fiz isso na Cairns. Tenho fotos ótimas para te mostrar. Bem, falo com você em breve. Tchau. 43 inapropriada do simple past ou do present perfect, por exemplo, pode transmitir uma mensagem diferente da pretendida pelo falante. É essa relação forma-sentido que precisa ser enfatizada. Ensinar a forma sem estabelecer essa relação com o sentido me parece pouco produtivo. Evidentemente, em algumas situações, o falante é compreendido ainda que utilize estruturas inapropriadas, como em He don’t live here. Apesar do uso inadequado do auxiliar don’t é muito provável que o ouvinte capte a mensagem. No entanto, é essencial que o aprendiz seja exposto a input e a atividades que favoreçam a percepção de que a maneira como ele usa essa estrutura difere da maneira como ela é comumente utilizada. Em suma, posso enumerar as seguintes vantagens nas tarefas acima exemplificadas: Retomada do conhecimento de mundo do aprendiz; Desafio na execução da tarefa; Familiaridade do aprendiz com gênero textual utilizado; Reconhecimento de variações linguísticas; Percepção do impacto da forma no sentido; Ausência de expectativa de produção imediata. Sobre o último ponto, gostaria de ponderar que não excluo a possibilidade de produção após a utilização de uma tarefa de interpretação gramatical. Considerado o contexto, o desempenho dos aprendizes e principalmente a percepção do professor, acredito que seja válido inserir, por exemplo, uma terceira tarefa em que o aprendiz teria que escrever uma mensagem para um amigo tendo em mente sua última viagem. Outra alternativa seria solicitar que cada aprendiz escrevesse sua própria mensagem, lessem em voz alta para que os colegas tentassem mais uma vez identificar o local a que se referem e se a viagem estava em progresso ou se já havia sido finalizada. Cabe ao professor decidir se é oportuno ou não propor uma atividade de produção imediata. Meu posicionamento neste estudo condiz muito mais com propostas de flexibilidade e versatilidade para o ensino da gramática do que com fórmulas estanques e dogmáticas. A seguir, demonstrarei uma atividade por mim elaborada e aplicada a uma turma de 1º ano de ensino Médio, a fim de direcionar a atenção dos aprendizes para a diferença entre o Simple Past e o Present Perfect: O professor divide a turma em dois grupos e propõe um quiz com questões sobre conhecimentos gerais, tais como: 44 How long did the dinosaurs live? How long did Steve Jobs work for Apple? How long has “real” been the official currency in Brazil? How has Brasília been the capital city in Brazil? How long was Rio de Janeiro the capital city in Brazil? How long did Paul McCartney play with the Beatles?16 Para cada questão, o professor apresenta três alternativas. Os grupos devem, portanto, escolher dentre as alternativas a que considera correta. Quando os grupos finalizam a tarefa o professor faz a correção e verifica qual grupo obteve mais acertos. Com essa primeira tarefa, os aprendizes são expostos a um insumo no qual o present perfect e o simple past são utilizados para indicar duração do tempo. No entanto, é possível que nesse primeiro momento os aprendizes ainda não tenham atentado para a diferença entre as estruturas em uso, já que o foco da primeira tarefa esteve primordialmente no sentido. Na tarefa seguinte, os aprendizes recebem duas alternativas de resposta para cada questão: Exemplo: a) Brasília has been the capital city of Brazil for 55 years. ( ) b) Brasília was the capital of Brazil for 55 years. ( )17 Nesta tarefa, os alunos precisam atentar para a forma a fim de verificar a alternativa adequada. Possivelmente, observarão que a escolha da forma impactará no sentido. Em seguida o professor orienta os aprendizes a agruparem as respostas do exercício anterior no quadro abaixo: It’s still happening. It doesn’t happen anymore. 16 Por quanto tempo os dinossauros viveram? Por quanto tempo Steve Jobs trabalhou para a Apple? Há quanto tempo o real tem sido a moeda oficial do Brasil? Há quanto tempo Brasília tem sido a capital do Brasil? Por quanto tempo o Rio de Janeiro foi a capital do Brasil? Por quanto tempo Paul McCartney tocou com os Beatles? 17 A) Brasília tem sido a capital do Brasil há 55 anos; B) Brasília foi a capital do Brasil por 55 anos. 45 Brasília has been the capital city in Brazil for… Paul McCartney played with the Beatles for…18 No final da atividade, caso o professor considere relevante e oportuno, é possível solicitar que os aprendizes elaborem em grupo um quiz da mesma natureza a fim de desafiar o grupo adversário. Tendo em vista que o emprego inadequado do tempo verbal implicará em uma alteração no sentido expresso, é provável que os aprendizes sejam cautelosos na escolha da forma a ser utilizada. Por ser uma atividade de produção escrita os aprendizes dispõem, inclusive, de mais tempo para refletir sobre o uso apropriado das estruturas. Outra vantagem da atividade é a interação entre os aprendizes. No momento em que elaboram o quiz, eles provavelmente compartilharão conhecimento de mundo, informações de interesse coletivo, curiosidades etc. Vale lembrar ainda a autenticidade e a originalidade da produção dos aprendizes, bem como a oportunidade de comunicação efetiva na língua-alvo. Considero ainda a pertinência do desdobramento dessas atividades escritas em uma atividade de prática oral. Nada impede que o professor, por exemplo, solicite que os alunos preencham o quadro abaixo com informações pessoais sem se identificarem: It’s still happening It doesn’t happen anymore I have worn glasses for five years. I lived in Rio de Janeiro for seven years.19 Em seguida, os quadros preenchidos poderiam ser redistribuídos aleatoriamente entre os alunos. Os aprendizes teriam que formular perguntas e direcioná-las aos colegas que eles pressupõem ter preenchido o quadro. Exemplo: Juliana, did you live in Rio de Janeiro for seven years20? Com essa atividade, os alunos estariam engajados em um procedimento que apesar de exigir atenção à forma, também oferece a oportunidade de conhecer um pouco 18 Ainda está acontecendo. Brasília tem sido a capital do Brasil há… Não acontece mais. Paul McCartney tocou com os Beatles por… 19 Ainda está acontecendo. Eu tenho usado óculos há cinco anos. 20 Não acontece mais. Eu morei no Rio de Janeiro por sete anos. Juliana, você morou no Rio de Janeiro por sete anos? 46 mais sobre os colegas. As experiências vivenciadas e compartilhadas por cada um constituiriam o sentido a ser resgatado. É importante ressaltar que propor atividades de interpretação gramatical talvez exija muito mais do professor, uma vez que os materiais didáticos disponíveis quase sempre apresentam atividades tradicionais de fixação das estruturas linguísticas. É provável, portanto, que o professor necessite elaborar tais atividades, a fim de garantir que o foco na forma e foco no significado, de fato, estejam atrelados e se complementem. Poderíamos argumentar que a explicitação da regra, seguida de exemplos bem contextualizados, seria uma alternativa mais simples, que exige menos tempo e que também viabiliza a compreensão. De fato, é irrefutável que este caminho é mais curto, menos sinuoso e proporciona mais segurança ao professor, haja vista a previsibilidade das aulas planejadas nesses moldes. Contudo, também é irrefutável que facilitar os procedimentos de noticing e noticing the gap através de atividades que consigam aliar forma e sentido e, mais do que isso, enfatizar as implicações da forma no sentido e na comunicação traz resultados mais positivos para a aprendizagem. Entretanto, não descarto completamente a validade e funcionalidade de procedimentos tradicionais do ensino de gramática. Afinal, devido à complexidade e todas as nuances que envolvem o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras, considero que defender categoricamente um modelo de ensino em detrimento dos demais não condiz com uma proposta de trabalho crítica e reflexiva. Inúmeros aspectos podem corroborar a escolha do procedimento adotado pelo professor, tendo em vista que ele não precisa e nem mesmo deve ser orientado por concepções estanques, dogmáticas e prescritivas sobre ensino. A sala de aula é também um ambiente de experimentação, de tentativas tanto frustradas como bem sucedidas. Conforme salienta Rodrigues (2005, p.16): O ensino dificilmente poderia ser encapsulado em uma teoria única e onipresente que traria nortes seguros e definitivos para a ação pedagógica. Neste cenário complexo, a relação entre a teoria, as nossas concepções e a nossa prática estará em constante diálogo, pacífico ou não. O diálogo entre a teoria e a prática, a reflexão sobre a ação pedagógica em si e sobre as próprias experiências de aprendizagem permitem que o professor desenvolva um senso de plausibilidade, ou seja, a compreensão subjetiva do professor acerca do ensino que ele proporciona (PRABHU, 1990). É o senso de plausibilidade que nos 47 permite dizer por que ensinamos da maneira como ensinamos. De acordo com Prabhu (1990, p. 172): Professores precisam atuar por meio de uma concepção pessoal de como o ensino os conduz ao aprendizado desejado – uma noção de causa que tenha alguma credibilidade para eles. Essa concepção pode emergir de diversas origens, incluindo a experiência passada como aprendiz (com as interpretações de como o ensino que lhe fora proporcionado auxiliou ou não auxiliou no aprendizado), experiências prévias como professor (com interpretações semelhantes sobre o ensino), exposição a um ou mais métodos durante o período de formação (com uma avaliação subjetiva dos métodos e talvez um grau de identificação com um ou outro), o que o professor sabe ou pensa sobre as ações e opiniões de outros professores, e até mesmo a experiência do professor como pai ou mãe 21. Diante de todos os aspectos que constituem o senso de plausibilidade do professor, e do caráter multifacetário de cada ambiente de aprendizagem e de cada sala de aula em particular, pode-se afirmar que, mesmo que o professor adote um método específico para conduzir suas aulas, deve haver sempre espaço para o ecletismo. Sendo capaz de refletir sua prática, o professor é também capaz de avaliar em que medida procedimentos advindos de diferentes abordagens podem colaborar para sua ação pedagógica. Essa possibilidade de flexibilidade metodológica rompe os limites por vezes tão firmemente estabelecidos por métodos de ensino positivistas. Segundo Leffa (1988, p. 235): As abordagens que dão origem aos métodos são geralmente monolíticas e dogmáticas. Por serem uma reação ao que existia antes, tendem a um maniqueísmo pedagógico sem meio-termo: tudo estava errado e agora tudo está certo. Abordagens pedagógicas, que pela experiência do professor deveriam conviver na prática, tornam-se preceitos antagônicos e irredutíveis: indução versus dedução, escrita versus fala, significado versus forma, aprendizagem versus aquisição, material autêntico versus material adaptado – são apenas alguns exemplos. Daí que a história do ensino de línguas tem sido comparada por alguns metodólogos aos movimentos de um pêndulo, balanceando sempre de um lado a outro; uma constante sucessão de tese e antítese sem jamais chegar à síntese. De fato, professores de línguas estão constantemente diante de dicotomias e de conceitos nem sempre antagônicos, mas por vezes antagonizados, que normalmente os fazem questionar que postura adotar: ensinar ou não ensinar gramática? Foco na forma 21 Teachers need to operate with some personal conceptualisation of how their teaching leads to desired learning – with a notion of causation that has a measure of credibility for them. The conceptualisation may arise from a number of different sources, including a teacher’s experience in the past as a learner (with interpretations of how the teaching received at that time did or did not support one’s learning), a teacher’s earlier experience of teaching (with similar interpretations from the teaching end), exposure to one or more methods while training as a teacher (with subjective evaluation of the methods concerned and perhaps a degree of identification with one or another of them), what a teacher knows or thinks of the other teacher’s actions or opinions, and perhaps a teacher’s experience as a parent or caretaker. 48 ou foco na comunicação? Ensino dedutivo ou indutivo? Corrigir os erros ou não corrigir os erros? Exercícios de repetição ou atividades com foco na comunicação? O entendimento de que precisamos escolher entre uma coisa ou outra é extremista e excludente, haja vista que concepções aparentemente opostas podem, na verdade, ser complementares. Quando nos referimos mais especificamente à instrução gramatical explícita, por exemplo, consideramos duas abordagens distintas: a abordagem dedutiva e abordagem indutiva. Na abordagem dedutiva, as regras, princípios, conceitos ou teorias são apresentados primeiramente, e depois são tratadas suas aplicações. Na abordagem indutiva observo alguns exemplos e a partir deles inferimos um princípio ou conceito geral (WIDODO, 2006). A princípio, pode-se pensar que tais abordagens são completamente antagônicas e que o professor deve escolher uma delas para orientar sua prática pedagógica. Porém, muito mais produtivo do que escolher entre dedução ou indução seria pensar em dedução e indução, uma vez que os aprendizes podem se beneficiar mais de uma ou de outra a depender, inclusive, da estrutura gramatical em estudo. Ellis (2006), por exemplo, sugere que estruturas simples podem ser melhor ensinadas dedutivamente ao passo que regras mais complexas podem ser melhor ensinadas indutivamente. Evidentemente, ambas as abordagens apresentam vantagens e desvantagens e uma pode se sobrepor à outra em determinados momentos tendo em vista o perfil dos aprendizes, o propósito da aula, o tempo e material disponíveis, o item gramatical em estudo, dentre outras variáveis. Widido (2006) elenca as principais vantagens e desvantagens das referidas abordagens através dos quadros a seguir: Quadro 1. Vantagens e desvantagens da abordagem dedutiva para o ensino de gramática: 1. A abordagem dedutiva vai diretamente ao ponto e pode, portanto, poupar tempo. 2. Alguns aspectos da regra (por exemplo, a forma) podem ser mais simplesmente e claramente explicados. 3. Vários Vantagens exemplos diretos imediatamente fornecidos. de prática/aplicação são 49 4. A abordagem dedutiva respeita a inteligência e maturidade de muitos aprendizes adultos em particular e reconhece o papel dos processos cognitivos na aquisição da língua. 5. Atende às expectativas de muitos aprendizes sobre ensino em salas de aula particularmente aqueles que têm um estilo analítico. 1. Começar a aula com uma apresentação pode não ser atrativo para alguns aprendizes, especialmente para os mais jovens. 2. Aprendizes mais jovens podem não entender os conceitos ou a terminologia gramatical apresentada. Desvantagens 3. Explicação gramatical estimula um modelo de aula centrado no professor e na transmissão de conteúdo, o que entrava o envolvimento e a interação do aprendiz imediatamente. 4. A explicação gramatical é raramente lembrada como outras formas de apresentação (por exemplo, demonstração). 5. A abordagem dedutiva estimula a crença de que aprender uma língua é simplesmente conhecer suas regras. Fonte: Widodo (2006) Diante do exposto, verifica-se que uma abordagem dedutiva de ensino de gramática demanda menos tempo e planejamento do professor. É possível, inclusive, que professores optem por esta abordagem devido ao pouco tempo disponível para planejamento. Infelizmente, as condições de trabalho dos professores no Brasil são precárias. A carência de espaço físico adequado, recursos tecnológicos, materiais didáticos, bem como carga horária elevada e poucas oportunidades de formação continuada constituem um cenário desanimador. Desse modo, optar por um modelo de ensino já conhecido, em que já existe uma vasta gama de materiais disponíveis parece ser a alternativa mais comum entre os profissionais de ensino de línguas. Por outro lado, como mencionado por Widodo (2006), o modelo dedutivo também atrai a atenção de 50 muitos aprendizes cujo estilo de aprendizagem é analítico e que preferem que o professor assuma o papel central nas aulas. Quanto à abordagem indutiva, observemos as vantagens e desvantagens elencadas por Widodo (2006) através do quadro seguinte: Quadro 2. Vantagens e desvantagens da abordagem indutiva para o ensino de gramática: 1. Os aprendizes são treinados para descobrir a regra, o que poderia aumentar a autonomia e autoconfiança do aprendiz. 2. Maior grau de capacidade cognitiva dos aprendizes é explorada. 3. Os aprendizes são mais ativos no processo de aprendizado, ao invés de serem simplesmente sujeitos Vantagens passivos. Deste modo, eles ficam mais motivados. 4. A abordagem envolve habilidades de reconhecimento de padrões e de resoluções de problemas e determinados aprendizes se interessam por estes desafios. 5. Se as atividades de resoluções de problemas forem feitas colaborativamente, os aprendizes têm a oportunidade de praticar a língua. 1. A abordagem demanda tempo e energia, uma vez que conduz o aprendiz a obter um conceito apropriado da regra. 2. Os conceitos transmitidos implicitamente podem conduzir o aprendiz a obter um conceito errado sobre a regra. 3. A abordagem enfatiza os professores planejando as aulas. Desvantagens 4. Estimula o professor a elaborar o material de ensino cuidadosamente e sistematicamente 5. A abordagem pode contrastar com o estilo de 51 aprendizagem de alguns aprendizes, bem como suas experiências passadas de aprendizado. Alguns simplesmente preferem que as regras sejam explicitadas. Fonte: Widodo (2006) De acordo com o explicitado no quadro anterior, a abordagem indutiva requer mais participação ativa do aprendiz, uma vez que ele tem o papel de inferir as regras subtendidas nos exemplos fornecidos pelo professor. Esse modelo, portanto, estimula a autonomia do aprendiz bem como o desafia a reconhecer padrões linguísticos e a solucionar problemas. Parece-me que essa abordagem atende mais apropriadamente a um público que aprecia desafios e que se sente motivado com a perspectiva de conduzir mais ativamente o aprendizado. Mais uma vez ressalto que não pretendo sobrepujar um modelo em detrimento do outro. É provável que um seja mais eficaz e viável em determinado contexto e em outro não. Saliento também que alternar entre um modelo e outro a depender do propósito, da estrutura linguística trabalhada bem como do tempo disponível pode ser uma opção válida para o professor. O que não se pode perder de vista é a importância de vincular o estudo da forma com o sentido e seu uso. O professor precisa estar atento para que sua prática não se encerre na simples transmissão de regras e a exaustiva reprodução de padrões linguísticos desvinculados de significado e de propósitos comunicativos. Faz-se necessário, também, que o professor tenha consciência das razões pela quais suas escolhas são realizadas. Precisamos pensar que cada escolha, cada iniciativa e cada procedimento adotado nas aulas refletem diretamente no aprendizado do aluno. Desse modo, as ações precisam ser pensadas e refletidas, a fim de que os resultados obtidos sejam os mais positivos possíveis. Compreendo que o ecletismo metodológico no ensino não significa que qualquer coisa serve e que qualquer resultado já é um resultado, muito menos que uma combinação aleatória de procedimentos advindos de diversos métodos seja uma fórmula para o ensino de línguas estrangeiras. Tendo em vista o senso de plausibilidade do professor, espera-se que ele seja capaz de justificar suas escolhas e que sua prática não seja meramente intuitiva. É imprescindível que o professor tenha consciência do por que age da maneira como age, ou seja, suas ações precisam ser previstas e planejadas conscientemente, a fim que sejam alcançados objetivos também pré-definidos. Nesse sentido, Prabhu (1990) afirma que quando o senso de plausibilidade está envolvido no processo de ensino, o professor 52 também está efetivamente envolvido e o ensino não é mecânico. Desse modo, a atividade de ensino é mais produtiva e o professor tem condições de avaliar o seu grau de satisfação com determinada atividade ou técnica, por exemplo. Prabhu (1990) também associa o fracasso na implementação de métodos de ensino ao fato de que, não raro, os professores seguem o método mecanicamente sem um senso de compreensão e identificação. Consequentemente, a prática se molda em rotinas firmemente estabelecidas e automáticas. Considerando a importância da competência do professor no sentido de implementar uma prática de ensino particular alicerçada tanto em seu conhecimento teórico quanto em suas experiências de ensino, bem como a insatisfação com o conceito de método como o princípio organizacional que rege o ensino das línguas, Kumaravadivelu (2001, p.544-545), define a noção de pedagogia pós-método caracterizando-a como um sistema tridimensional: [...] uma maneira de conceituar a pedagogia pós-método é visualizá-la tridimensionalmente como uma pedagogia da particularidade, da praticabilidade e da possibilidade. Como pedagogia da particularidade, o pósmétodo rejeita a defesa de um conjunto de princípios e procedimentos genéricos e predeterminados destinados a alcançar objetivos também genéricos e predeterminados. Ao invés disso, pretende-se facilitar o progresso de uma pedagogia sensível ao contexto, alicerçada na real compreensão das particularidades linguísticas, socioculturais e políticas locais. Como pedagogia da praticabilidade, o pós-método rejeita a dicotomia entre teóricos como produtores do conhecimento e professores como consumidores do conhecimento. Ao contrário, pretende-se romper com essa dicotomia permitindo e estimulando os professores a teorizar sobre suas práticas como também a por em prática suas próprias teorias. Como pedagogia da possibilidade, a pedagogia pós- método rejeita a noção restrita de ensino de línguas que se limita ao tratamento de elementos funcionais e linguísticos obtidos dentro da sala de aula. Ao contrário, pretende-se explorar a consciência sociopolítica que os aprendizes trazem consigo para a sala de aula a fim de que possa também funcionar como um catalisador em uma busca contínua por formação de identidade e transformação social 22. Dentre os parâmetros delineados pelo autor, gostaria de ressaltar a praticabilidade, uma vez que considero de relevância o papel do professor autônomo 22 [...] one way of conceptualizing a postmethod pedagogy is to look at it three-dimensionally as a pedagogy of particularity, practicality, and possibility. As a pedagogy of particularity, postmethod pedagogy rejects the advocacy of a predetermined set of generic principles and procedures aimed at realizing a predetermined set of generic aims and objectives. Instead, it seeks to facilitate the advancement of a context-sensitive, location-specific pedagogy that is based on a true understanding of local linguistic, sociocultural, and political particularities. As a pedagogy of practicality, postmethod pedagogy rejects the artificial dichotomy between theorists who have been assigned the role of producers of knowledge and teachers who have been assigned the role of consumers of knowledge. Instead, it seeks to rupture such a reified role relationship by enabling and encouraging teachers to theorize from their practice and practice what they theorize. As a pedagogy of possibility, postmethod pedagogy rejects the narrow view of language education that confines itself to the linguistic functional elements that obtain inside the classroom. Instead, it seeks to branch out to tap the sociopolitical consciousness that participants bring with them to the classroom so that it can also function as a catalyst for a continual quest for identity formation and social transformation. 53 capaz de assumir a direção e a responsabilidade de sua prática pedagógica. Este professor é capaz de utilizar a sala de aula como um espaço de experimentação, capaz de avaliar o que funciona e o que não funciona com seus aprendizes, capaz de reconhecer convergências e divergências entre as premissas metodológicas e o contexto em que está inserido. É também capaz de observar cuidadosamente os resultados obtidos com sua prática e operar mudanças quando necessárias, capaz de reconhecer as concepções de ensino, de aprendizagem e de língua que fundamentam sua prática, capaz de fazer escolhas coerentes e criteriosas alicerçadas em um construto teórico do qual ele efetivamente faz parte. No que tange ao ensino de gramática, cerne desta pesquisa, mais uma vez observo a necessidade desse professor crítico e atuante que reconhece a gramática em uma perspectiva holística, considerando tanto os níveis fonológico, sintático, morfológico, bem como os níveis semântico, pragmático e discursivo. O professor autônomo e crítico consegue vislumbrar, dentre tantos posicionamentos teóricos e ideológicos divergentes, aquele que mais se adéqua a sua realidade e traz resultados mais efetivos. Considero que esse professor tem condições de proporcionar um ensino de gramática eficaz e consonante com propósitos de comunicação e com a veiculação de sentidos, em uma tríade na qual a forma, o sentido e o uso coexistem e cooperam no processo de aprendizado da língua. A seguir, apresentarei a análise dos dados, por meio da qual verificarei que perspectiva de gramática tem sido adotada nas aulas das professoras participantes deste estudo. 54 4 O QUE NOS DIZ A PESQUISA? 4.1 Análise dos questionários Os dados coletados através dos questionários me ajudam a perceber as diferenças inerentes ao contexto de atuação de cada professora participante deste estudo. O quadro abaixo sintetiza as respostas fornecidas pelas professoras. Em seguida, farei algumas considerações sobre as principais convergências e divergências encontradas nos diferentes contextos: Questões Dados de P1 (Professora da Dados de P2 (Professora escola pública) do curso de idiomas) Curso de graduação e ano Licenciatura em Letras de conclusão: com habilitação em Inglês/Português Ano de Conclusão: 2010 Tipo de instituição em que Instituição Privada cursou a graduação: Curso de Pós-graduação: Não completou o curso de pós-graduação (especialização) Frequência na participação Uma vez por ano de atividades de formação continuada: Participação em atividades Não participou de nenhuma de formação continuada atividade de formação nos últimos seis meses: continuada nos últimos seis meses Tempo de atuação como 10 anos professora: Número de instituições em 2 instituições: escola que atua como professora e pública estadual e curso de a sua natureza: idiomas Quantidade de aulas 42 horas ministradas por semana (considerando todas as instituições em que trabalha): Tempo de atuação na 6 anos instituição participante da pesquisa: Carga horária semanal total 40 horas na instituição participante Licenciatura em Letras com habilitação em Inglês/Português Ano de Conclusão: 2004 Instituição Pública Federal Não completou o curso de pós-graduação (especialização) Uma vez por ano Não participou de nenhuma atividade de formação continuada nos últimos seis meses 17 anos 2 instituições: curso de idiomas e escola pública federal (professora temporária) Aulas particulares 23 horas 3 anos 6 horas 55 da pesquisa: Quantidade de horas-aula 32 horas ministradas na instituição participante da pesquisa: Horas semanais 8 horas disponíveis para planejamento na instituição participante da pesquisa: Considera o tempo Sim disponível para planejamento satisfatório? Costuma fazer o planejamento sozinho ou em parceria com colegas de área? Conta com apoio pedagógico no planejamento das atividades de ensino? Caso positivo, em que consiste esse apoio? Número de turmas em que ministra aulas na instituição participante da pesquisa: Média de alunos por turma: Vínculo trabalhista com a instituição participante da pesquisa: Recursos disponíveis para uso em sala de aula: 6 horas Não há tempo disponível para planejamento. O planejamento já vem pronto no manual. Não há necessidade de planejamento por parte do professor. Sozinha, uma vez que é a Não planeja as aulas. O única professora de Inglês manual já traz a aula do quadro efetivo da escola planejada. e todas as turmas dos turnos matutino e noturno lhe pertencem. Não Não 16 turmas 2 turmas 45 alunos Estatutário 15 alunos Celetista Quadro branco, marcadores para quadro branco, projetor de slides e livro didático. Quadro branco, marcadores para quadro branco, televisão, aparelho de som, acesso a internet, livro didático, fotocópias, CD e DVD. Recursos que costuma Quadro branco, marcadores Televisão, DVD, quadro e utilizar nas aulas: para quadro branco, livro didático. projetor de slides e livro didático. Quantidade de alunos na 45 alunos 9 turma participante da pesquisa: Faixa etária da turma 16 anos 13 a 19 anos participante da pesquisa: Alunos possuem livros Sim Sim didáticos? Frequência em que o livro Algumas vezes por mês Semanalmente didático é utilizado: 56 Participou na escolha do Sim livro didático? O livro escolhido foi o Sim adotado? Avaliação do livro didático Bom adotado pela instituição: Não _______ Bom Comparando os dados fornecidos por P1 e P2, pode-se destacar algumas semelhanças e algumas significativas divergências quanto ao contexto de atuação das professoras-colaboradoras. Intencionalmente, a nossa seleção de professoras colaboradoras contemplou profissionais com formação específica na área. Sendo assim, ambas são licenciadas em Letras com habilitação em Língua inglesa. Coincidentemente, ambas têm vasta experiência de ensino e já atuam como professoras há bastante tempo. Quanto à formação continuada, ambas afirmam participar de atividades dessa natureza apenas uma vez por ano, sendo que nenhuma delas esteve envolvida em atividades de formação continuada nos últimos seis meses. Nesse ponto, observo que a conjuntura dos diferentes contextos não se distancia. Ao contrário do que se poderia imaginar, a professora atuante no curso de idiomas parece não ter oportunidades constantes de formação continuada e de treinamento contínuo propiciados pela instituição, evidenciando uma surpreendente similaridade com a escola pública. No tocante à atuação enquanto professoras, verifico que ambas trabalham em mais de uma instituição, realidade bastante comum entre os professores no Brasil. Esse aspecto certamente implica em uma elevada carga horária e em uma rotina de trabalho estafante. Outro aspecto que também surpreendente se refere ao tempo disponível para o planejamento subsidiado pela instituição de ensino. A professora da escola pública dispõe de um tempo denominado “Atividade Complementar” (AC) para que planeje e organize suas atividades de ensino. Desse modo, P1 dispõe de 8 horas semanais para o planejamento de suas aulas e demais atividades pedagógicas. P2, por outro lado, não dispõe de tempo subsidiado pela instituição para o planejamento. Nesse aspecto, podese perceber um privilégio da escola pública em relação ao curso de idiomas. A questão do planejamento remete ainda à questão da autonomia do professor. Enquanto P1 tem autonomia para planejar suas atividades de ensino, P2 precisa seguir um planejamento pré-determinado pela instituição através de um manual. A professora, portanto, limita-se a seguir as orientações descritas no manual, o que, segundo P2, dispensaria o professor das atividades de planejamento. A autonomia de P2 também é inibida no que tange à escolha do material didático. O livro utilizado por P2 é 57 determinado pela instituição sem que os professores participem ou discutam a elaboração desse material. Essa prática, de fato, é comum nos cursos de idiomas. Hierarquicamente, parece-me que o professor é submetido ao material de ensino. P1, por outro lado, tem autonomia para escolher o livro a ser utilizado. Os dados obtidos através dos questionários apontam ainda para o fato de que o trabalho desenvolvido pelo professor de língua inglesa é, na maioria das vezes, um trabalho solitário. Ambas as professoras, além de não contar com apoio pedagógico da instituição, não costumam realizar o planejamento de suas ações pedagógicas em parceria com seus colegas. P1, simplesmente porque não dispõe de tempo subsidiado pela instituição para que esses momentos de intercâmbio de conhecimento se concretizem e P2, porque é a única professora de Língua inglesa da instituição nos turnos em que trabalha. Outro ponto de divergência relevante entre os diferentes contextos se refere à quantidade de alunos por turma. As turmas de P1 possuem aproximadamente 45 alunos, ao passo que no curso de idiomas onde P1 atua são admitidos, no máximo, 15 alunos. Com certeza, esse fator numérico interfere significativamente na dinâmica das aulas e nos procedimentos adotados na condução do ensino, o que consegui comprovar mediante os dados obtidos na entrevista e na observação das aulas. Quanto aos recursos disponíveis para uso em sala de aula, verifico também algumas discrepâncias. Na escola pública, a professora dispõe basicamente do livro, do quadro, dos marcadores para quadro e do projetor de slides. Durante o período de observação, contudo, o projetor de slides não ficou à disposição na sala, o que me faz supor que esse recurso seja compartilhado entre todos os professores e que precisa ser previamente reservado para uso. Por outro lado, P2 dispõe de quadro branco, marcadores para quadro branco, televisão, aparelho de som, acesso a internet, livro didático, fotocópias, CD e DVD. Conforme respostas do questionário, entretanto, P1 limita-se em usar a televisão, DVD, quadro e livro didático, o que se justifica devido à metodologia utilizada e ao pouco tempo disponível para atividades extras, conforme relato de P1 durante a entrevista. No mais, verifico que a adoção do livro didático é comum em ambos os contextos, ressaltando que P2 utiliza o material com mais regularidade (semanalmente), uma vez que essa é uma exigência da instituição. P1, por sua vez, tem autonomia para definir quando usar o livro e, dessa maneira, opta por utilizá-lo apenas algumas vezes por mês. 58 Diante do exposto, faz-se necessário enfatizar alguns pontos positivos e negativos dos dois cenários a fim de levantarmos possíveis fatores que interfiram na condução das aulas e, consequentemente, no ensino da gramática. Cenário I: A escola pública Pontos positivos: a) Autonomia da professora na escolha do livro didático, o que estimula a reflexão e a análise criteriosa do material de ensino; b) Autonomia no planejamento das aulas, o que permite que a professora avalie que propostas melhor se enquadram à realidade de sua sala de aula; c) Autonomia quanto ao uso do livro didático, uma vez que não há uma exigência institucional, para que o livro seja integralmente utilizado; d) Possibilidade de inserção de atividades variadas, além daquelas previstas no livro didático e e) Tempo disponível para o planejamento. Pontos negativos: a) Infraestrutura inadequada para o ensino de uma língua estrangeira; b) Escassez de recursos e materiais importantes para a condução das aulas; c) Raras oportunidades de formação continuada para a professora; d) Ausência de apoio pedagógico para o planejamento das atividades de ensino; e) Ausência de intercâmbio de conhecimento com outros profissionais atuantes na mesma área; f) Carga horária elevada, uma vez que o professor em regime de 20 horas semanais precisa ministrar 16 aulas a cada semana; g) Salas superlotadas, visto que é uma tarefa realmente desafiadora ensinar eficientemente uma língua estrangeira para turmas compostas por cerca de 45 alunos e h) Carga horária da disciplina, haja vista que a professora tem apenas um encontro semanal com a turma com duração de uma hora e quarenta minutos. Cenário II: O curso de idiomas Pontos positivos: a) Infraestrutura adequada para o ensino de língua estrangeira; b) Disponibilidade de recursos e materiais; c) Número apropriado de alunos por turma e d) Carga horária adequada do curso, uma vez que a professora tem dois encontros semanais com a turma com duração de uma hora e quinze minutos, totalizando duas horas e trinta minutos por semana. Pontos negativos: a) Raras oportunidades de formação continuada; b) Ausência de apoio pedagógico para o planejamento das atividades de ensino; c) Ausência de 59 intercâmbio de conhecimento com outros profissionais atuantes na mesma área; d) Ausência de autonomia por parte da professora na escolha dos materiais de ensino; e) Ausência de autonomia por parte da professora na condução das aulas; f) Exigência institucional para que o livro seja integralmente utilizado e que a professora siga o manual do professor rigorosamente e d) Ausência de tempo subsidiado pela instituição para o planejamento. Curiosamente, ao contrário do que costumamos imaginar, em alguns aspectos a professora da escola pública parece estar numa situação um pouco mais confortável do que a professora do curso de idiomas. Embora no curso de idiomas a estrutura física e os recursos disponíveis sejam mais atrativos, percebo que a professora carece de um elemento fundamental para a função exercida pelo professor de língua estrangeira: autonomia. Desse modo, ficamos diante de um cenário em que o professor está encapsulado em uma metodologia onipresente que tende a silenciar e coibir qualquer iniciativa advinda do professor, desconsiderando que apenas o professor é capaz de avaliar consistentemente que estratégias melhor se adequam à sua sala de aula. Diante dos pontos positivos e negativos listados, verifico também que, nos dois cenários, pouca importância tem sido atribuída à necessidade de formação continuada dos professores de língua estrangeira. As professoras participantes desta pesquisa são apenas um exemplo representativo de tantos outros profissionais que carecem de oportunidades de refletir coletivamente e discutir suas ações pedagógicas, beneficiandose do diálogo com outros professores que encaram diariamente similares desafios e conflitos. Em suma, me parece que os pontos positivos da escola pública somados aos pontos positivos dos cursos de idiomas, acrescidos da preocupação com o desenvolvimento e aprimoramento dos professores por parte das instituições, constituiriam um cenário animador para a promoção do ensino de língua estrangeira. 4.2 Análise das entrevistas A entrevista semiestruturada teve como objetivos principais identificar as concepções das professoras colaboradoras em relação à gramática e ao ensino de gramática bem como sua avaliação em relação ao material didático adotado na instituição em que trabalham. Busquei também uma explicitação por parte das professoras sobre os procedimentos adotados em suas aulas quando elas lidam com o 60 ensino de estruturas gramaticais. A princípio, o roteiro da entrevista constava de nove perguntas principais (vide apêndice), que foram complementadas com perguntas surgidas no decorrer da entrevista, a fim de que alguns pontos fossem esclarecidos. Metodologicamente, decidi analisar as respostas de cada professora individualmente. As perguntas complementares serão destacadas com a sigla PC, ao que se segue: Pergunta 1: Qual é a sua formação acadêmica e quais são as principais contribuições dessa formação para a sua atuação em sala de aula? P1: Então, a minha formação é Licenciatura em Letras com ênfase em Língua inglesa. Bom, o meu caso é um pouquinho diferente. Eu já sabia inglês. Eu morei nos Estados Unidos durante dez anos. O conhecimento da língua inglesa eu já tinha. Gramaticalmente falando e tudo mais eu já sabia tudo, né? Como quando eu vim para Porto Seguro comecei a trabalhar com educação, justamente por isso, você sabe inglês, você acaba sendo professora de inglês. Então, eu fui pra a faculdade. Então, ela só me passou a questão da didática e tudo mais, entendeu? Mas com relação à língua inglesa mesmo eu já sabia tudo. Então, ela só veio confirmar tudo que eu já sabia. Pergunta 2: Há quanto tempo você atua como professora de língua inglesa? P1:Há uns dez anos mais ou menos. Porque eu comecei logo que eu vim embora para o Brasil. Eu trabalhava com educação infantil, com o Fundamental I, segmentos que não precisavam tanto, na época, do ensino superior, aquela história toda. Quando me foram aparecendo novas oportunidades, especialmente para concurso e tudo mais, então eu precisei da graduação. Eu fui pra colégios grandes da cidade e aí precisava da formação superior. Por isso que eu decidi, “então tá bom”, “vou dar aula de inglês, então vamos pra faculdade e fazer tudo como deve ser feito”. A partir das respostas de P1 às questões 1 e 2, vê-se que a motivação para P1 tornar-se professora de língua inglesa surgiu devido ao conhecimento adquirido durante os anos em que residiu nos Estados Unidos. Ao falar sobre o conhecimento da língua, P1 nos remete à dicotomia existente entre saber a língua e saber sobre a língua, ou seja, entre o conhecimento implícito que nos permite utilizar determinadas estruturas linguísticas sem necessariamente sabermos as regras que as fundamentam e o conhecimento explícito, constituído pelos aspectos linguísticos que o falante conscientemente aprende sobre a língua (ELLIS, 2006). As afirmações de P1 fazem-me supor que ao iniciar sua carreira como professora de língua inglesa, ela era detentora tanto do conhecimento implícito quanto do conhecimento gramatical explícito, uma vez que afirma que “O conhecimento da língua inglesa eu já tinha. Gramaticalmente falando e tudo mais eu já sabia tudo, né?”. No entanto, P1 reconhecia a necessidade de complementar esse conhecimento com fundamentos didático-metodológicos que o curso de graduação poderia lhe oferecer. 61 Desse modo, o interesse em ingressar na Licenciatura em letras partiu essencialmente dessa lacuna e das oportunidades que lhe foram surgindo em que a formação acadêmica era um pré-requisito básico. Pergunta 3: Como você define o termo “gramática”? P1: Gramática? Difícil dizer assim, transformar em palavras. Eu creio assim que gramática, pelo que eu entendo, é o que nos direciona, é o que nos norteia para estabelecer uma comunicação da forma correta, né? Então, a minha visão de gramática é essa. Ela nos direciona. Ela é o norte que nós temos para nos comunicarmos corretamente, entendeu? É lógico que tem muitas coisas de gramática, especialmente da língua portuguesa, que os alunos, os leigos ficam pensando pra que precisam daquilo. Então, algumas coisas eu confesso que eu não consigo entender muito bem pra que é necessário. Mas se existe, com certeza, é necessário. Essa coisa de oração coordenada, oração subordinada, essas nomenclaturas, né? A gramática como forma de nos nortear a falar corretamente, eu acho perfeito. Mas essa coisa das nomenclaturas é que a gente fica sem entender a necessidade. O posicionamento de P1 sugere que a gramática é um recurso do qual lançamos mão para nos comunicarmos. No entanto, observo que P1 associa a gramática diretamente com as regras do “bem falar”, ou seja, com os padrões da norma culta, o que lhe dá um caráter eminentemente normativo. Thornbury (2001) ressalta que embora produzir sentenças bem formadas seja parte essencial do aprendizado da língua, essa concepção suscita algumas questões problemáticas, tendo em vista a dificuldade de definir o que são sentenças bem formadas, bem como o fato de que o discurso natural e espontâneo costuma violar as regras gramaticais. Desse modo, direcionar a atenção dos aprendizes unicamente para o padrão da língua pode gerar um distanciamento entre a sala de aula e o contexto real de uso da língua, onde a norma culta costuma ser negligenciada, bem como pode legitimar um discurso de preconceito linguístico. Sendo assim, faz-se necessário que os aprendizes tenham a oportunidade de apreciar as variações linguísticas existentes e que a gramática não seja compreendida meramente como a imposição de normas prescritivas de correção. Além disso, observo que P1 questiona a necessidade de utilizar a metalinguagem, ou seja, o uso da língua para descrever ou analisar um fenômeno linguístico (CICUREL apud DUTRA 2004) para o ensino da língua. Desse modo, percebo que P1 considera que a análise consciente da língua e o conhecimento das nomenclaturas não tem papel relevante para o aprendizado da língua. Pergunta 4: Que concepção de gramática você utiliza para conduzir a sua prática de ensino? P1: Olha, muitas vezes não tem como você explicar alguma coisa, abrir a visão do seu aluno com relação a certas coisas sem que você utilize 62 nomenclatura gramatical. Então, muitas vezes eu tenho que falar “aqui você precisar usar um advérbio, aqui você precisa procurar o verbo”. Então, o uso da nomenclatura gramatical é necessário para que eu possa mostrar para o meu aluno para onde que vai. Basicamente isso. Como o meu objetivo com a língua inglesa é ensinar ao meu aluno como estruturar a fala, então, eu procuro utilizar o menos possível a nomenclatura gramatical pra não confundir meu aluno. Porque a minha intenção não é fazer ele fazer uma análise sintática. É fazer ele estruturar a fala. A minha gramática é voltada para a estrutura da oralidade, da fala mesmo, da comunicação falada. Embora P1 tenha afirmado previamente não compreender a necessidade das nomenclaturas para o ensino da língua, ela afirma utilizar esse recurso em determinados momentos. No entanto, P1 ressalva que utilizar as nomenclaturas pode confundir seus alunos e por essa razão evita fazê-lo. Fica claro que P1 concebe a gramática como meio de viabilizar o desenvolvimento da oralidade. P1 parece eleger a habilidade oral como prioridade do ensino de línguas e, para tanto, considera que a análise linguística tem um papel secundário e só faz sentido quando coopera para que o objetivo maior, a comunicação, seja alcançado. Nesse sentido, P1 afirma que “A minha gramática é voltada para a estrutura da oralidade, da fala mesmo, da comunicação falada”. O trecho acima evidencia também uma preocupação, talvez remanescente das teorias naturalistas que preconizam a ausência da instrução gramatical nas aulas de LE, com a necessidade de explicitação das regras gramaticais. O discurso de P1 faz parecer que, dizer ao aluno quando ele precisa usar um verbo ou advérbio seja algo problemático e que ela só o faz por falta de opção. Daí P1 afirmar “às vezes eu tenho que falar”, ou seja, não lhe resta alternativa. E por mais que P1 evite adentrar nesse universo aparentemente proibido, o do conhecimento explícito da gramática, às vezes faz-se necessário. Imbuídos de premissas metodológicas que questionam a finalidade e a utilidade da instrução gramatical no ensino de Línguas estrangeiras, é comum que professores alimentem um sentimento de transgressão quando promovem o ensino explícito da gramática. Nesse sentido, (RODRIGUES, 2005, p.75) salienta que: Por vezes, para cumprir o ideal de uma determinada metodologia, o professor de línguas precisa empreender o esforço, a nosso ver não justificado, de evitar que o aluno estude gramática porque seu objetivo é conversação, ou apenas leitura, assim eliminando a priori qualquer relação que porventura exista entre o ensino da gramática e o desenvolvimento das competências linguística e comunicativa. Rodrigues (2005, p. 90) atenta ainda para o fato de que: As abordagens que tendem a equacionar a aquisição da língua materna à aprendizagem de língua estrangeira, dessa forma reduzindo o enfoque na instrução gramatical, ou mesmo eliminando-o, foram fundamentadas em 63 experiências de aprendizagem com alunos de inglês, na verdade, como segunda língua, isto é aqueles que imigraram a um país onde a língua-alvo é usada efetivamente no convívio do usuário com falantes dessa língua e, por isso, possuem algumas condições privilegiadas para o desenvolvimento de sua proficiência. Desse modo, considerando a eminente relação entre a gramática e o desenvolvimento das competências linguística e comunicativa, bem como o fato de que aprendizes de inglês como língua estrangeira não dispõem das mesmas condições dos aprendizes de inglês como segunda língua, acredito que os professores precisam se eximir de qualquer sentimento de transgressão ou culpa ao lidar com a gramática explicitamente em suas aulas. Evidentemente, não estou defendendo uma proposta de ensino que se limite à explicitação gramatical, porém não excluo essa possibilidade quando o professor julgar necessário. Pergunta 5: Em sua prática pedagógica, você adota alguma orientação teórica específica que fundamente os procedimentos utilizados para o ensino de gramática? P1: É como eu te falei. O meu objetivo é fazer com que o meu aluno domine a habilidade da oralidade, da fala. Infelizmente, eu não posso praticar a oralidade com eles por causa da quantidade de alunos, infelizmente. Mas eu direciono eles, eu coloco eles no caminho que eles precisam. Eu passo pra eles o mínimo necessário que eles precisam pra se comunicar, pra estruturar a fala deles corretamente, entendeu? Então, o meu foco é esse. Como o meu foco é a fala, tudo que eu faço gira em torno de como você precisa fazer para estruturar corretamente pra você falar. E aí entram algumas regras da gramática da língua inglesa, essas peculiaridades da língua, entendeu? Então, é basicamente nisso que eu me fundamento. E quando ele consegue fazer isso, se ele quiser aprimorar os conhecimentos dele lá pra frente ele vai ter condições porque o básico ele já recebeu de mim. PC: Mas há uma metodologia específica que fundamente o ensino? P1: Eu utilizo muito da minha própria experiência. Você entender o contexto, você procurar não traduzir as palavras, simplesmente entender o que elas significam sem buscar um referencial em português necessariamente, porque é assim que você internaliza a língua. Eu sei por conta da vivência que eu tive. Eu não tive professor pra me ensinar, eu não tive dicionário, eu não tive google tradutor. Então é baseado na minha vivência e na minha experiência também. Eu não sou professora só aqui. Eu sou professora num curso de idiomas. E lá tem a metodologia dele de fazer com que o aluno aprenda através da estrutura pronta. E ele descobre o significado daquilo e ele passa a utilizar aquilo, entendeu? E a metodologia que eles usam é exatamente a metodologia, entre aspas, que acontece quando você tá lá fora vivenciando isso. Você tem que decifrar o significado daquilo que você tá ouvindo ali. E a partir dali você imitar aquilo e falar igual. Eu sempre falo para os meninos. Eu acabei de falar pra eles ali agora. Vocês me viram colocando aqui What’s your favorite color? Então, na hora de responder você não diz my color favorite. Você vai seguir exatamente o que eu falei. O Inglês você ouviu daquele jeito, você repete daquele jeito. Você não tenta mudar a língua. Porque quem tá falando com você é o dono da língua. É o nativo da língua. Então, você vai aprender a partir do momento em que você copia exatamente do jeito que ele está falando. É assim que você aprende, entendeu? 64 As respostas fornecidas por P1 acerca de sua metodologia e procedimentos para o ensino de gramática suscitam uma série de questões importantes para discussão. Primeiramente, percebo uma contradição em relação aos objetivos de ensino externados pela professora e as possibilidades reais de aprendizagem. P1 reafirma seu interesse em direcionar seus aprendizes para o desenvolvimento de habilidades orais, ao mesmo tempo em que manifesta a sua frustração em não poder praticar a oralidade com seus alunos, tendo em vista seu número elevado na turma. Dessa maneira, o objetivo almejado não encontra os procedimentos adequados para que se concretize. Segundo, mais uma vez percebo a concepção de gramática como um instrumento que direciona, orienta os aprendizes a falar de acordo com a norma culta. Além disso, quando P1 afirma “Eu direciono eles, eu coloco eles no caminho que eles precisam. Eu passo pra eles o mínimo necessário que eles precisam pra se comunicar e aí entram algumas regras da gramática da língua inglesa”, parece que P1 presume que seus aprendizes estarão aptos a converter o conhecimento explícito da gramática em habilidade de comunicação, ainda que não sejam criadas oportunidades de prática e produção. Terceiro, verifico que P1 considera que o aprendizado da língua acontece essencialmente através de um processo de imitação de estruturas prontas, tendo como espelho o falante nativo. Para P1, o uso da língua materna com fins de tradução deve ser evitado e o aprendiz precisa decifrar os significados com base no contexto. Observo que, de certa maneira, P1 tende a equacionar o ensino promovido em sala de aula com o processo de aprendizagem que ocorre em contextos de imersão. Aqui, portanto, faz-se necessário estabelecermos uma distinção entre o ensino de inglês como língua estrangeira e o ensino de inglês como segunda língua. Como mencionado previamente, P1 residiu nos Estados Unidos durante 10 anos e aprendeu a língua inglesa em um contexto onde a língua-alvo é efetivamente usada por falantes nativos. Desse modo, em sua experiência de aprendizagem a língua inglesa se configura em uma segunda língua. No entanto, seus aprendizes vivenciam uma situação diferenciada, em que a sala de aula é provavelmente um dos poucos espaços em que eles têm contato efetivo com a língua. Sendo assim, é válido questionar se os mesmos princípios são válidos em ambas as situações, já que o nível de exposição ao insumo linguístico ocorre de maneira bem diferenciada nos referidos contextos. Obviamente, existem teorias que coadunam com o posicionamento de P1, como a hipótese do input de Krashen (1985) para quem a exposição ao insumo natural é a chave para que o aprendiz assimile de maneira subconsciente a linguagem. Essa teoria, entretanto, parece desconsiderar que as 65 condições privilegiadas de um cenário onde a língua alvo é usada efetivamente a todo o momento, não são contempladas no contexto onde a sala de aula é o espaço prioritário de aprendizagem, onde por vezes os anseios, objetivos e expectativas de mais quarenta aprendizes coexistem. Por outro lado, observo que apesar de P1 tentar equacionar a aquisição natural da língua com o aprendizado da língua estrangeira em contextos escolares, P1 não descarta a importância da instrução gramatical, conforme sugere Krashen (1985) para quem a preocupação com a forma faz-se desnecessária. P1, portanto, parece considerar relevante que aspectos estruturais sejam observados, a fim de que os aprendizes consigam alcançar o nível desejado de acurácia linguística, elemento que P1 parece considerar preponderante na aprendizagem da língua. O quarto aspecto observado no posicionamento de P1 se refere a um discurso de propriedade da língua inglesa tão comumente e equivocadamente difundido. Sarmento (2003, p. 162) atenta para o fato de que: Cada vez mais, nossos alunos usarão o inglês para se comunicar com pessoas que não são falantes nativos dessa língua. Mesmo se tivermos em mente apenas os falantes nativos, a falantes nativos de qual país estamos nos referindo? Inglaterra? Estados Unidos? Austrália? De que comunidade de fala dentro de cada país? Falantes nativos de inglês são a minoria entre a comunidade de falantes dessa língua.. Desse modo, espelhar-se em um falante nativo ideal parece não ter sentido, tendo em vista o status de língua franca e mundial do inglês na atualidade. O próprio conceito de natividade é questionável, já que, conforme Rajagopalan (apud SARMENTO, 2003, p. 163), “está relacionado à crença da existência de um ser que tem um domínio tão perfeito de sua língua materna que pode, dessa forma, ser considerado a autoridade máxima em assuntos relacionados à sua língua”. Nesse sentido, reproduzir um discurso de imitação do falante nativo, argumentando ser ele o proprietário da língua, além de desconsiderar o status de inglês como língua franca, pode colocar os aprendizes em uma posição de submissão em face à imposição de um padrão linguístico considerado superior. Por fim, observo que, aparentemente, não há uma metodologia específica que fundamente a prática pedagógica de P1. Embora P1 considere coerente a metodologia utilizada no curso de idiomas onde também atua, provavelmente, a escola pública não lhe fornece os subsídios necessários para que as aulas sejam conduzidas da mesma maneira, suposição confirmada com as observações das aulas. No entanto, P1 traz para o contexto da escola pública alguns pressupostos adquiridos tanto da sua experiência de 66 aprendizagem como da sua experiência de ensino no curso de idiomas, o que parece constituir a sua abordagem de ensinar. Almeida Filho (1993) define a abordagem de ensinar do professor como uma filosofia de trabalho, um conjunto de pressupostos, princípios e até mesmo crenças intuitivas quanto à natureza da linguagem humana, de uma língua estrangeira em particular, do ensino e do aprendizado de línguas bem como do papel do professor e dos alunos nesse processo. Resumidamente, posso dizer que alguns dos pressupostos da abordagem de ensinar de P1 que são identificáveis por meio de seu discurso são: a) A habilidade oral deve ser enfatizada no ensino da língua, mesmo em contextos desfavoráveis à prática e à produção; b) A instrução gramatical contribui para que o aluno adquira acurácia na língua; c) A norma culta deve ser enfatizada para que os aprendizes aprendam a falar “corretamente”; d) O aprendizado da língua ocorre essencialmente através da reprodução de enunciados emitidos por falantes nativos; e) O uso da língua materna para fins de tradução deve ser evitado; f) Os significados devem ser inferidos por meio do contexto em que estão inseridos ; g) A repetição de estruturas prontas é essencial para que o aprendiz assimile e internalize a língua e h) Os erros são considerados desvios que precisam ser evitados. Desse modo, observo que P1 parece ser fortemente influenciada pelos pressupostos do audiolinguismo, embora em momento algum ela tenha feito referência explícita a essa metodologia. Pergunta 6: O material didático utilizado é predeterminado pela instituição de ensino ou você possui autonomia para escolhê-lo? P1: Bom, o livro didático que a escola adquiriu eu tive autonomia de escolher. Eu recebi várias coleções, analisei todas elas e cheguei à conclusão de que essa coleção aqui é a melhor coleção. Eu gostei da linguagem dele, eu gostei do conteúdo dos textos, do formato dos exercícios. Confesso a você que não vou usar todos os exercícios. Mas os que eu vou usar são coisas que eu tenho certeza que são coisas que eles conseguem alcançar, entendeu? Me permite trabalhar o skimming, o scanning, identificação de informações no texto. Então, eu gostei muito dele. Mas eu não preciso ficar utilizando só ele para montar as minhas aulas, pra planejar as minhas aulas. É lógico que eu posso utilizar outros livros. Só que eles não terão acesso a esses livros. Só quem terá sou eu. O livro é uma novidade. Antes eles não tinham. Então, eu me acostumei muito a passar as coisas no quadro, a explicar e já elaborar o exercício, já ter o exercício na minha cabeça que eu vou colocar ali. Eu sempre digo pra eles “Olha gente, vocês conseguindo resolver isso aqui, vocês alcançarão o mínimo necessário pra vocês trabalharem esse conteúdo”. Aí depois eu junto isso tudo dentro de um texto que o livro traz pra fazer com que eles visualizem, então, na parte textual, na parte de interpretação tudo aquilo que eles aprenderam de gramática nas aulas anteriores. Quando aparece alguma coisa eu digo a eles “Aí o advérbio de frequência, olha um auxiliar aqui, tá vendo?” Eu faço questão de mostrar pra eles. “Olha aí, tá vendo a quantidade de coisa que você não sabia e agora você não sabe por conta daquilo que você aprendeu nas aulas anteriores? Quantas coisas você consegue identificar 67 agora”. É legal quando eles veem que eles estão saindo melhores do que quando eles entraram. Isso dá uma motivação pra eles, entendeu? Nesse excerto, verifico que P1 teve autonomia para escolher o livro didático utilizado, fator bastante positivo, uma vez que implica em um trabalho de observação, análise e reflexão por parte da professora no sentido de adotar um material que melhor contemple a realidade dos seus aprendizes. Como P1 menciona, a adoção de livros de língua inglesa na escola pública é algo relativamente novo. Certamente, o uso do livro aumenta a motivação dos aprendizes que, outrora, tinham como único recurso o quadro branco. P1 afirma ter escolhido o livro tendo em mente os seguintes critérios: linguagem, conteúdo dos textos e os tipos de exercícios propostos. P1 não faz referência à maneira como a gramática é abordada pelo livro, o que me leva a crer que esse critério não foi relevante para a escolha. Por outro lado, P1 ressalta a utilidade dos textos apresentados no livro no sentido de direcionar a atenção dos aprendizes para estruturas gramaticais previamente estudadas. Observo, portanto, que P1 opta, na prática, pelo percurso “da gramática para o texto”. Os alunos, a princípio, são expostos às estruturas gramaticais para que, posteriormente, observem o emprego dessas estruturas no texto. Desse modo, P1 parece considerar relevante que os alunos tenham a oportunidade de atentar para o uso da gramática nos textos escritos. Porém, uma vez que os aprendizes apenas trabalham com os textos após a exposição da gramática, me parece que a instrução gramatical, a priori, ocorre de maneira descontextualizada e o foco recai exclusivamente na forma, excluindo os significados e as funções comunicativas desse processo. Pergunta 7: Como você avalia a concepção de gramática no material didático adotado? A perspectiva de ensino de gramática presente nesse material condiz com a sua? P1: A gramática é trabalhada de forma bem simples no livro. Bem simples. A única questão que interfere um pouquinho é porque ele tem muito vocabulário. O livro utiliza de muito vocabulário. Então, como a gente tem dificuldade na tradução porque o acesso à tradução é complicado por conta da falta de dicionários, aquela história toda. Então, muitos dos exercícios de gramática que ele utiliza eu decido não utilizar e muitos conteúdos e peculiaridades da gramática que ele traz, eu decido não usar porque eu sei que vai ser complexo e que vai ser trabalhoso para trabalhar na sala de aula por conta da falta de conhecimento de vocabulário. Mas existem vários exercícios de gramática aqui que são possíveis de ser trabalhados sim. Então, eu prefiro passar a gramática antes e depois eu vou para o livro pra complementar e pra trabalhar os textos. Dentro dos textos, as perguntas de interpretação que seguem, todas eles contem questões ou aspectos gramaticais daquilo que eu expliquei nas aulas passadas, que eles já internalizaram da forma mais simplificada possível. Eu sempre trago bem mastigado pra eles, entendeu? Pra que eles possam compreender. Porque 68 todos esses livros são pra pessoas que vêm tendo inglês desde a primeira série, entendeu? Pra quem já tem um certo domínio da língua. Que fazem inglês fora, que gostam, que têm interesse. A gente que numa classe de 45 alunos de ensino médio de escola pública, a realidade é diferente. Eles não têm o preparo necessário pra poder encarar isso daqui independentes. Eles não têm essa autonomia. Eu tenho que ficar junto com eles, ajudando eles a traduzir. Por isso eu escolho atividades mais simples que eles conseguem dominar sem muito da minha interferência. Tem exercícios maravilhosos aqui, tem conteúdos maravilhosos aqui, se eles dominassem a questão do vocabulário pra que eles consigam chegar à resposta correta... Se eles não dominarem o vocabulário, eles não vão conseguir chegar à resposta correta. Por mais que eles conheçam a gramática. Eles não vão conseguir porque tem palavras demais. P1 não deixa claro de que maneira a gramática é trabalhada no livro didático adotado, declarando apenas que o enfoque dado à gramática é “bem simples”. Para fins de esclarecimento, faz-se necessário pontuar que o livro adotado é o High up da editora Macmillan. Consultando o guia didático do referido livro, verifico que a coleção, no que tange à gramática, “dedica-se ao desenvolvimento do conhecimento gramatical do aluno por meio de atividades contextualizadas pelo gênero e assunto do texto de leitura” (DIAS et all, 2013). Ademais, os autores do material ressaltam que se pautaram “por fornecer análises dedutivas e indutivas dos aspectos gramaticais da língua inglesa”. Analisando o material, observo que, de fato, há uma estreita relação entre as estruturas gramaticais em estudo e os textos e atividades propostas previamente. As seções Grammar, In other words e Practice makes perfect lidam mais explicitamente com a gramática. Na seção Grammar, observo que a gramática é explorada por meio de exercícios em que os alunos são conduzidos a detectar determinados aspectos da estrutura linguística em estudo, normalmente associando a estrutura à sua função comunicativa. A seção seguinte, In other words fornece uma explicação em língua portuguesa dos aspectos gramaticais. A seção Practice makes perfect, por sua vez, fornece oportunidades adicionais de prática por meio de exercícios com enfoque gramatical. É válido ressaltar que as mencionadas seções são antecedidas por outras quatro outras seções que lidam com aspectos socioculturais, leitura, análise dos gêneros textuais e vocabulário. Tais seções também trazem uma vasta gama de exemplos da estrutura linguística a ser estudada. Em suma, percebo que o material contextualiza a gramática e direciona a atenção dos aprendizes para as funções e o sentido das estruturas linguísticas apresentadas. Desse modo, percebo que a principal divergência entre o enfoque dado à gramática pelo material adotado e a prática pedagógica de P1 se refere à opção pelas abordagens dedutiva ou indutiva. Como o guia da coleção descreve, o livro fornece análises dedutivas e indutivas dos aspectos gramaticais ao passo que P1 parece optar 69 exclusivamente por uma análise dedutiva, como se pode perceber nas seguintes afirmações: “eu prefiro passar a gramática antes e depois eu vou para o livro pra complementar e pra trabalhar os textos” e “eu sempre trago bem mastigado pra eles, entendeu? Pra que eles possam compreender”. P1, dessa maneira, percorre o caminho inverso daquele proposto pelo material em uso. Os textos e exercícios propostos previamente pelo livro funcionariam como elementos para a contextualização da gramática e forneceriam subsídios para que os alunos pudessem inferir os aspectos gramaticais a partir dos exemplos fornecidos. No entanto, P1 considera que a gramática precisa ser apresentada explicitamente antes do trabalho com a leitura, tendo em vista a deficiência de seus alunos em relação ao vocabulário. Sendo assim, o modelo dedutivo prevalece em sua prática pedagógica. Pergunta 8: De que maneira novos itens gramaticais são introduzidos em suas aulas? P1: Normalmente eu passo pra eles um referencial da língua portuguesa. Pra mostrar pra eles que o inglês não é inventation, não é imagination, não é nada disso. Existe uma lógica. Então, existem certos recursos pra nos comunicar em português que em inglês não é diferente. Então, esses recursos também existem em inglês: pronomes interrogativos, pronomes possessivos, advérbios de frequência e uma série de coisas. Então, eu procuro sempre traçar um paralelo pra mostrar pra eles o quão simples e semelhante ao português a língua inglesa é, entendeu? Então, eu sempre procuro trazer esse paralelo pra eles primeiro e aí depois eu entro com as particularidades da língua inglesa. Então, eu vou passo a passo. Então, eu vou conceituando e explicando as regras pra depois eu entrar na parte procedimental, que é a parte de fazer, realizar os exercícios. Então, esses três passos eu procuro seguir sempre. Sucintamente, diria que a maneira como P1 insere estruturas gramaticais em suas aulas percorre as três etapas seguintes: 1) Estabelece-se um paralelo entre a língua inglesa e a língua portuguesa, ressaltando as semelhanças existentes entre a gramática das duas línguas; 2) explicitam-se os conceitos e regras da estrutura gramatical em estudo; 3) Propõem-se exercícios de fixação do conteúdo. Conforme P1, essas etapas constituem uma rotina bem estabelecida, de acordo com um modelo de ensino essencialmente dedutivo, no qual o professor transmite o conteúdo sem que o aprendiz participe ativamente do processo. Conforme discutido no capítulo teórico, existem alguns aspectos negativos em relação à abordagem dedutiva para o ensino da gramática. Dentre elas destaco que uma abordagem dedutiva estimula a crença de que aprender uma língua é simplesmente conhecer suas regras. A explicitação gramatical estimula um modelo de aula centrado no professor e que bloqueia o envolvimento dos aprendizes. Além disso, começar a aula com apresentação da gramática pode não ser motivador, especialmente para os aprendizes mais jovens (WIDODO, 2006). Tendo em vista a 70 faixa etária dos aprendizes de P1, é possível afirmar que os mesmos se beneficiariam de oportunidades de engajamento e participação efetiva na construção do conhecimento, de momentos em que fossem desafiados a solucionar problemas e reconhecer as regras a partir de um modelo indutivo. Afinal, o modelo indutivo envolve o aprendiz no processo e corrobora o desenvolvimento de sua autonomia e autoconfiança (WIDODO, 2006). Obviamente, não pretendo ser taxativa e excluir a dedução da sala de aula. Apenas considero que a previsibilidade das aulas norteadas por um modelo único e fixo de dedução, através do qual os alunos passivamente “assimilam” o conhecimento apresentado pelo professor e o reproduz com o auxílio de exercícios de prática escrita pouco contribui para que o aprendiz, de fato, desenvolva sua competência comunicativa. Segundo Thornbury (2001), a prática de ensino de línguas estrangeiras parece se fundamentar na equivocada premissa de que se a estrutura é ensinada de maneira fragmentada, o aprendiz será capaz de reorganizá-la para fins de comunicação efetiva. Sendo assim, parece suficiente apresentar a forma e promover oportunidades de fixação, como se as habilidades comunicativas surgissem como uma consequência natural. No entanto, conforme a experiência de Schmidt relatada por Thornbury (2001) sugere, a instrução formal precisa ser complementada pela interação na língua alvo em situações reais de uso. De certa maneira, o posicionamento de P1 parece partir da premissa mencionada e problematizada por Thornbury, uma vez que P1 afirma ser a comunicação o seu objetivo primordial de ensino, embora relate a impossibilidade da prática oral e muito menos da produção, haja vista a quantidade de alunos em sala. Desse modo, P1 parece supor que seus aprendizes estarão aptos, de certo modo, em converter o conhecimento sistêmico em competência comunicativa, ainda que não tenham tido oportunidades para prática e produção. Outra premissa que parece fundamentar as ações de P1 se refere ao papel da língua materna para o aprendizado de línguas estrangeiras. Para P1, a língua materna funciona como um elemento facilitador quando o aprendiz é levado a comparar sua língua materna com a língua estrangeira. Seu posicionamento converge com a perspectiva de Moraes (apud PEREIRA, 2001) para quem a língua estrangeira configura-se em uma leitura que o sujeito faz a partir da língua materna. Nesse sentido, Pereira (2001, p. 60) acrescenta o pensamento de que essa leitura é uma tentativa de “entender a língua estrangeira comparando-a com algo similar ao que nos é familiar, associando a nossa estruturação subjetiva, a nossa língua materna”. 71 Pergunta 9: Alguns teóricos defendem que o ensino da gramática deve ser evitado ou, até mesmo, banido da sala de aula. Qual é o seu posicionamento em relação a isso? P1: Então, é o que eu te falei aquela hora. O meu foco é fazer com que ele consiga se estruturar para adquirir autonomia pra falar. É como eu te falei, não tem como você alcançar isso sem utilizar certas nomenclaturas gramaticais, né? Eu sempre falo pra eles “Se você falar dessa maneira, por exemplo, se você falar you is, você vai ser entendido. Mas é a mesma coisa de você falar nós é. Quando você fala nós é, as pessoas te entendem, mas sabem que você tá falando errado. Quando você vai me responder, você pode responder somente sim ou não. Mas quando você me dá a resposta completa, você monta a frase completa, você está trabalhando seu cérebro pra que ele se comunique me contando isso. Então, é pra isso que eu peço respostas completas. Eu não posso deixar você passar o resto da vida falando Yes e No. Então, eu peço pra você me dar a resposta completa e dentro dessa resposta completa você vai estar aplicando as regras de como se comunicar corretamente”. Então, eu deixo sempre bem claro pra eles, “Quando vocês tiverem ouvindo as pessoas falando lá fora, vocês vão ouvir as pessoas que não estão respeitando a gramática, mas é da mesma forma da língua portuguesa. A gramática precisa ser ensinada? Precisa. Você precisa aprender a falar corretamente? Precisa. Mas você não vai deixar de estabelecer comunicação se, porventura, você não se colocar dessa maneira”. Pra que isso não gere uma insegurança na hora dele falar. Mas dentro da escola, infelizmente, felizmente ou infelizmente, eu não sei, eu preciso cobrar a gramática normativa. Pra isso que eu estou ensinando. Porque nós somos uma escola. Mais uma vez percebo a preocupação de P1 com a gramática normativa. Para P1, a escola é o espaço onde os aprendizes precisam aprender a falar de acordo com as regras gramaticais. Embora reconheça que os falantes, em situações espontâneas de comunicação, negligenciem tais regras e que nem sempre isso implica em um empecilho para que a comunicação se estabeleça; P1 parece considerar preponderante que os “erros” sejam evitados e que os aprendizes aprendam e utilizem a norma culta da língua. O posicionamento de P1, de certa maneira, converge com as asserções de Neves (2000, p. 52) que, ao discutir o ensino de gramática de língua portuguesa, afirma que “a escola tem a obrigação, sim, de manter o cuidado com a adequação social do produto linguístico de seus alunos, isto é, ela tem que garantir que seus alunos entendam que têm que adequar registros”. Embora Neves discuta o ensino da gramática da língua materna, pode-se estabelecer um paralelo com a língua estrangeira, uma vez que a variação linguística é característica de toda e qualquer língua. Para Neves (2000, p. 52), a escola precisa garantir aos aprendizes “que eles tenham condições de mover-se nos diferentes padrões de tensão ou frouxidão, em conformidade com as situações de produção”. No que tange ao ensino de língua estrangeira, a evolução das estruturas “frouxas” para as estruturas mais coesas é descrita por Givon (apud RODRIGUES, 2005) como a transição de um pragmatic mode a um syntatic mode. Noutras palavras, os aprendizes, a princípio, utilizam estruturas pouco elaboradas que normalmente 72 infligem as regras gramaticais e, desse modo, a comunicação se estabelece precariamente (pragmatic mode). Com o progresso na aprendizagem, no entanto, é desejável que o aprendiz seja capaz de construir estruturas mais coesas visando à adequação do código linguístico (syntatic mode). Obviamente, concordo que a escola precisa preocupar-se com o ensino da norma culta. Contudo, faz-se necessário que as variações linguísticas não sejam ignoradas e muito menos discriminadas, para que atitudes de intolerância e preconceito linguístico não sejam estimuladas. Nesse sentido, Rodrigues (2005, p. 41) salienta que: O que precisa ser desencorajado, por certo, é a atitude preconceituosa para com os falantes de outras variedades linguísticas que não a norma culta (até porque não usamos apenas uma variedade linguística), pois tal preconceito se assenta na ideia errônea de que as línguas são homogêneas, e o que escapa a essa homogeneidade é considerado “defeito” de raciocínio ou incapacidade intelectual. Diante do exposto, considero que a maneira como o professor lida com as variações linguísticas e o feedback fornecido nas situações em que aprendizes cometem erros na sala de aula terão um importante impacto no processo de ensino-aprendizagem. A meu ver, o erro deve ser considerado como um elemento inerente ao processo de aprendizagem, o que não significa ignorá-lo. Por outro lado, também não significa transformar a aula de língua estrangeira em um cenário de tensão, no qual a correção se faz presente a cada cinco minutos, inibindo a produção do aprendiz. Desse modo, faz-se necessário que a correção não interrompa o processo de comunicação. E como isso seria possível? Thornbury (2001) ressalta que é preciso fazer com que o aprendiz perceba o impacto que a forma tem sobre o sentido. Embora, muitas vezes, mesmo com o emprego da forma inadequada sejamos capazes de identificar a mensagem veiculada, é importante negociar o sentido da mensagem com o aprendiz, demonstrando que a forma inadequada pode causar um mal entendido ou ambiguidade. Para isso, o professor pode até mesmo fingir não ter entendido a mensagem que o aprendiz pretendia transmitir. Em termos práticos, observemos os exemplos de correção fornecidos por Thornbury (2001) em duas diferentes situações: Situação 1: T What did you do at the weekend, Ana? S I go to the mountains. 73 T Not go. What’s the past of go? S goed? T No, it’s irregular. Look (writes on board): go – went S I went to the mountains. T Good. Juan, what did you do at the weekend?23 Situação 2: T What did you do at the weekend, Ana? S I go to the mountains. T Last weekend, I mean. S Last weekend, I…erm…went to the mountains. T Did you go alone? S No, I go with my friend. T You went with your friend? S Yes, I went with my friend.24 Thornbury (2001) destaca as diferenças entre os dois tipos de abordagens. Na primeira situação, visualizamos um exemplo de feedback negativo, em que o professor direciona a atenção do aprendiz diretamente para a inadequação da forma empregada. O aprendiz, por sua vez, reestrutura sua fala na tentativa de corrigir o erro explicitamente apontado. Para o autor, esse tipo de abordagem que foca exclusivamente na forma não é a ideal quando se pretende explorar as possibilidades de comunicação. Como pudemos observar, nessa situação, o processo de comunicação foi bruscamente interrompido. Na segunda situação, a intenção do professor é chamar a atenção do aprendiz para a 23 P O que você fez no fim de semana, Ana? A Eu vou para as montanhas. P Não “go”. Qual é o passado de “go”? A “goed”? P Não, é irregular. Observe (a professora escreve no quadro): go – went A Eu fui para as montanhas. P Bom. Juan, o que você fez no fim de semana? 24 P O que você fez semana passada, Ana? A Eu vou para as montanhas. P Eu me referi à semana passada. A Semana passada, eu... hum... fui para as montanhas. P Você foi sozinha? A Não, eu vou com uma amiga. P Você foi com uma amiga? A Sim, eu fui com uma amiga. 74 autocorreção sem interromper a fluência da conversa. A princípio, a professora demonstra que o enunciado do aprendiz não está claro ou que está ambíguo, ao dirigirse ao aprendiz dizendo Last weekend, I mean. Em seguida, o professor apenas repete o enunciado do aprendiz You went with your friend?, como se estivesse apenas verificando a informação. No entanto, ele enfatiza o enunciado a fim de que o aprendiz perceba o erro cometido e corrija a si mesmo. Para Thornbury (2001), dessa maneira, o foco na forma é contemplado sem que a fluência do diálogo seja prejudicada. A preocupação com o sentido é mantida, embora o sentido tenha que ser negociado, o que para o autor é algo natural. Afinal, a negociação de sentidos é o que acontece em situações de comunicação genuína. Com base nas considerações acima, reafirmo que a escola, certamente, precisa preocupar-se com a adequação linguística para que os aprendizes, inclusive, consigam evoluir para estágios mais avançados de uso da língua estrangeira. No entanto, não se pode ignorar a existência e a legitimidade das variações linguísticas. Afinal, não raro, os próprios aprendizes trazem típicos exemplos de “erros” gramaticais percebidos em filmes, músicas, textos etc. Se postulamos que o falante nativo é o falante ideal digno de fiel imitação e que a norma culta é a única válida, esses postulados caem por terra quando nos deparamos com exemplos que os aprendizes trazem para a aula em que o falante nativo utiliza um padrão diferente daquele que a escola afirma ser o único legítimo. A seguir, analisarei os dados fornecidos por P2 durante a entrevista. Pergunta 1: Qual a sua formação acadêmica e quais são as principais contribuições dessa formação para a sua atuação na sua prática diária? P2: A minha licenciatura era chamada de Licenciatura dupla. Na época, era português e uma língua estrangeira, no caso, inglês. Tinha a licenciatura simples que era só português com as literaturas ou dupla que era português, literatura e uma língua estrangeira. PC: Quando você iniciou o curso? P2: Eu iniciei em 98, mas eu entrei muito nova. Então, eu fiz um ano, aí tranquei dois anos pra viajar pelo mundo. Aí depois eu retornei e terminei. PC: Quando você concluiu? P2: Em 2004. PC: Quais são as principais contribuições dessa formação para a sua atuação em sala de aula? P2: Inclusive, isso foi até um ponto da minha monografia. Foi realmente... era mais quantitativo: quantas pessoas... Eu fui analisar, na verdade, quantas 75 pessoas se arriscavam a começar na profissão antes de formar. Foi até tema meu. No meu caso, eu só comecei a dar aula quando eu entrei na faculdade, porém eu não esperei as matérias específicas não. Já desde o primeiro dia de aula, eu com 17 anos, já comecei a dar aula num cursinho pré-vestibular. No começo, como o cursinho pré-vestibular, ele não é fiscalizado pelo MEC, eu me senti mais à vontade pra dar aula, né? . Então, simplesmente eu copiei um modelo, né? Tinha uma apostila que um dia o professor trabalhou comigo e eu copiei o que o professor fazia trabalhando. Então, eu me arrisquei. Claro que com muito erro e muito acerto também. Mas assim, o curso foi imprescindível pra... desde o estágio, né? De te dar segurança em sala de aula, te dar algumas técnicas. Agora, não existe uma receita certa, né? Então, é realmente uma mescla de experiências com o curso. Mas o curso dá o pontapé inicial de você ter um apoio pedagógico, apoio dos seus colegas. Eu fiz estágio no colégio de aplicação da própria universidade. Então, fui muito bem acolhida. Eu fiz estágio tanto de literatura quanto de português quanto de inglês. Então, o curso me ajudou muito, mas assim, desde caloura eu já dou aula. E era imitando os professores. É tipo assim, é uma peneira. Você vai peneirando o que seus professores fizeram com você. Você gostou e você tenta aplicar. A partir das respostas da informante, observo que ela iniciou a graduação ainda muito nova. Decidiu, portanto, trancar o curso por dois anos e viajar por alguns países. P2 morou durante dois anos na Inglaterra, o que, obviamente, foi uma experiência enriquecedora em relação ao aprendizado do idioma. Pode-se perceber, também, que apesar de ter interrompido o curso, P2 retoma os estudos no curso de Letras quando retorna ao Brasil, o que demonstra sua identificação e afinidade com a área. Parece-me que a experiência de ter vivido em um país falante de língua inglesa, reforçou o seu desejo de atuar como professora dessa língua. Desse modo, estamos diante de uma profissional que escolheu ser professora de língua inglesa. Observo também que P2 considera imprescindível a formação para a atuação dos professores de língua inglesa e caracteriza como “risco” a iniciativa de ministrar aulas antes de ter a formação adequada. O tema, inclusive, despertou seu interesse para a pesquisa. Portanto, fica claro que P2, apesar de também ter se arriscado na profissão antes de concluir o curso, ou pelo menos ter cursado algumas disciplinas específicas de cunho didático e metodológico, considera que nessa condição o profissional não tem segurança suficiente para delinear sua prática pedagógica e, consequentemente, acaba por imitar a prática de outros profissionais. Nesse sentido, é comum que o novo profissional seja fortemente influenciado pela prática dos professores com os quais aprendeu a língua. Quando ela afirma que “simplesmente copiou um modelo”, torna-se nítido que há pouca ou quase nenhuma reflexão por parte do professor sobre como conduzir suas aulas. No entanto, quando afirma que houve “muito erro e acerto” demonstra que, àquela altura, já era capaz de avaliar os resultados de sua prática a ponto de perceber que alguns procedimentos não geravam os resultados esperados. 76 P2 enfatiza os estágios como importante etapa na construção do profissional e ressalta a não existência de um modelo de ensino predeterminado que possa ser aplicado e que garanta o sucesso da aprendizagem. A participante fala sobre “uma mescla de experiências com o curso”, o que aponta para a importância de considerar tanto o conhecimento teórico adquirido nas aulas da licenciatura quanto o conhecimento construído com as experiências em sala de aula, seja nos estágios ou em seus reais ambientes de trabalho. Observemos que P2 descreve a graduação como o “pontapé inicial”. Nesse sentido, a graduação é apenas o início da formação do docente a ser complementada durante toda sua vida profissional. P2 enfatiza também que “o curso me ajudou muito, mas desde caloura eu já dou aula. E era imitando os professores. É tipo assim, é uma peneira. Você vai peneirando o que seus professores fizeram com você. Você gostou e você tenta aplicar”. Mais uma vez percebo que P2 considera a experiência obtida na prática como fundamental para a formação, o que me leva a considerar, inclusive, a necessidade de inserir mais amplamente os estudantes da graduação nos contextos de sala de aula. Os estágios, muitas vezes, são oferecidos somente nos últimos semestres dos cursos e os alunos entram em contato com a escola um pouco tardiamente e, até então, a única referência de prática pedagógica é aquela obtida nas suas próprias experiências de aprendizagem com os professores com os quais tiveram a oportunidade de estudar. Como ressalta P2, no início de sua atuação profissional, ela copiava o modelo ao qual foi submetida, selecionando os procedimentos que ela aprovava. Não havia, portanto, nenhum fundamento teórico ou crítico-reflexivo em suas escolhas. O curso, em si, portanto, fornece as ferramentas para que o profissional deixe de reproduzir a prática de outros profissionais aleatoriamente e tenha sua própria concepção do ensino. Porém, sem o contato amplo com a sala de aula, espaço de experimentação e apreciação de resultados, acredito que a formação não contempla o cunho prático da profissão. Desse modo, considero importante a existência de programas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID –, que visam à inserção de estudantes de licenciaturas nos contextos das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica. Pergunta 2: Há quanto tempo você atua como professora de língua inglesa? 77 P2: Então, há mais de dez anos. Assim que eu me formei, já faz mais de dez anos. Então, deixa eu ver... há quinze anos eu dou aula. Assim, tive algumas pausas, né? Inclusive, quando eu morei fora eu trabalhei no meio pedagógico, mas com pessoas especiais. Não focada na língua inglesa, focada mais no lado terapêutico. Pergunta 3: Como você define o termo “gramática”? P2: Gramática é o conjunto de regras que regem a língua, né? Que padroniza o sistema de comunicação pra que mesmo com a influência de regionalismos, influência de estrangeirismos, pra que haja comunicação de maneira padronizada. Então, digamos assim que gramática é o conjunto de regras que regem a língua. Observo que P2 define o termo “gramática” considerando as concepções subjacentes à gramática normativa. Nesse sentido, a gramática se restringe à prescrição de regras, à padronização e ao estabelecimento de regularidades da língua. LarsenFreeman (2001) ressalta que não é produtivo pensar em gramática como um conjunto de estruturas descontextualizadas, estáticas e desprovidas de sentido, bem como não é útil pensar em gramática unicamente como um conjunto de regras prescritivas sobre a forma linguística. A autora destaca que as estruturas gramaticais não possuem apenas forma (morfossintaxe). Elas também expressam sentidos (semântica) em contextos de uso apropriado (pragmática). A definição fornecida por P2, no entanto, contempla exclusivamente a forma em si e desconsidera as dimensões do sentido e do uso da gramática. Pergunta 4: Que concepção de gramática você utiliza para conduzir a sua prática de ensino? P2: Olha, isso depende do foco. Depende da necessidade do aluno. Depende do foco do aprendizado do aluno. Por exemplo, quando você dá aula pro ensino médio é um foco. É mais interpretação de texto, então, a gramática é mais voltada pro Enem e pro vestibular. Tanto quanto pra interpretação de texto, quanto perguntas. No próprio Enem tem perguntas específicas da gramática. Agora quando é num curso que é um curso livre, a gramática é só um apoio pra o aprendizado da língua no geral. Porque aí você trabalha as quatro habilidades, né? Você trabalha, então, a interpretação de texto, né? A oralidade, a audição, a escrita. Então, a gramática é só mais um instrumento. Agora eu acho que quando é o inglês voltado para o cursinho pré-vestibular ou segundo grau, ela é... digamos que é um foco maior na gramática. Nesse trecho da entrevista, fica evidente a sensibilidade de P2 ao contexto de atuação, atendendo ao parâmetro da particularidade proposto por Kumaravadivelu (2001) em face de uma pedagogia pós-método. P2 deixa claro que os interesses e objetivos do grupo de aprendizes precisam ser levados em consideração ao decidirmos que perspectiva de ensino adotar. No entanto, me parece reducionista a visão de P2 em relação ao papel que a gramática assume nas aulas de Ensino Médio e até mesmo em 78 cursos de pré-vestibular. Obviamente, este público almeja preparar-se para os exames de Enem e vestibulares, porém pensar o ensino da língua, seja lá em que contexto for, como mera instrumentalização para leitura e para aptidão em responder questões essencialmente estruturais restringe consideravelmente a potencialidade da língua e de sua gramática. De certa maneira, o posicionamento de P2 condiz com as orientações dos PCN para o Ensino Fundamental (1998) que recomendam que a leitura seja o foco do ensino das línguas estrangeiras modernas, haja vista as dificuldades de operacionalização do ensino das demais habilidades. Só para ilustrar, os PCN apontam os seguintes aspectos como desfavoráveis ao trabalho com as quatro habilidades: classes superlotadas, carência de recursos didáticos, carga horária reduzida, pouco domínio da oralidade por parte da maioria dos professores. No entanto, alguns outros aspectos precisam ser também considerados e refletidos: a) Embora considere a função primordial da leitura no ensino de línguas estrangeiras, me parece que não pleitear o trabalho com as habilidades de produção (fala e escrita) coloca o aluno em uma permanente condição de relativa passividade. Por que relativa? Obviamente, não considero que a leitura seja uma atividade passiva, porém faz-se necessário dar voz ao aprendiz através do desenvolvimento de habilidades de produção; b) Considerando a cidade onde P2 atua, em que o turismo é a fonte principal de renda de maior parte da população e onde centenas de turistas falantes de língua inglesa circulam diariamente, é provável que os aprendizes tenham real interesse na comunicação falada e seus objetivos de aprendizagem não se reduzam à aprovação em exames escritos. Oportunidades de emprego, inclusive, muitas vezes dependem de uma mínima habilidade com a oralidade; c) Mesmo que o professor não tenha condições de trabalhar sistematicamente as quatro habilidades durante suas aulas, acredito que seja possível, ainda que timidamente, garantir que alguma atenção seja dispensada às quatro habilidades e d) O trabalho com as quatro habilidades dinamiza as aulas e motiva os alunos. Ainda nesse trecho da entrevista, quando P2 afirma “quando é num curso que é um curso livre, a gramática é só um apoio pra o aprendizado da língua no geral e quando é o inglês voltado para o cursinho pré-vestibular ou segundo grau, ela é... digamos que é um foco maior na gramática”, percebo duas concepções bem antagônicas. Na primeira perspectiva, em que se encaixam os cursos livres, a gramática funciona como ferramenta para o aprendizado da língua como um todo. Parece-me que, nesse contexto, ela aparece de maneira mais implícita. Na segunda perspectiva, em que se enquadram as escolas de Ensino Médio e os cursos de pré-vestibular, considero que a 79 perspectiva é mais gramaticalizante, ou seja, com um fim em si mesmo, e se apresenta mais explicitamente. Pergunta 5: Em sua prática pedagógica você adota alguma orientação teórica específica que fundamente os procedimentos utilizados para o ensino de gramática? P2: Olha, não claramente. Mas, a franquia ela te dá... bom, ela é baseada no sistema áudio visual. Então, isso já te direciona. É uma franquia. Você precisa seguir o que ela pede para ser seguido. E na faculdade a gente aprendeu o que vem a ser áudio visual, tal. Mas a franquia não dá tratamento específico explicando porque daquilo tudo e como funciona. Ela joga ali e fala o jeito que eu tenho que trabalhar. Mas ela não dá nome aos bois, mas é direcionado do jeito que a franquia pede. PC: Vocês têm algum tipo de treinamento para utilizar a metodologia recomendada pela franquia? P2: Sim. Eu tenho um DVD, onde a gente passa o DVD baseado em pequenas situações do cotidiano imitando o nativo em situação real e a partir dali primeiro é trabalhado, como a ordem natural da língua, primeiro o aluno escuta aquele diálogo, eu explico o que tá sendo falado ali, em inglês. A explicação toda é vocabulário em inglês. Aí o aluno repete, meio que decora aquela frase e só no final da aula que ele abre o livro, que ele vê aquilo escrito e ao ver aquilo escrito, instiga a curiosidade de saber o porquê da sistematização da frase daquele jeito. Então, parte-se da fala, repetição, da internalização, depois a escrita e por último a gramática. A gramática é o menos principal, é o foco menor. Mas a franquia, ela dá a metodologia, mas ela não dá nome aos bois. Nesse trecho, pode-se perceber que no contexto de atuação de P2, a metodologia é estabelecida pela própria instituição. O professor limita-se a seguir as orientações metodológicas da franquia. Os professores são treinados para seguir os procedimentos do método utilizado, porém não existe uma discussão acerca dos pressupostos que fundamentam a metodologia adotada. P2 deixa claro que a franquia fornece os subsídios para que o professor saiba como proceder, no entanto, não existe uma preocupação em discutir com seus profissionais as razões pelas quais tais procedimentos são adotados. Desse modo, o professor segue a metodologia mecanicamente sem um senso de compreensão e identificação por meio de uma rotina firmemente estabelecida, o que Prabhu (1990) considera ser uma das causas do fracasso na implementação de métodos de ensino. O método em questão, que a professora identifica como o método audiovisual, pode ser entendido como uma variação do método audiolingual, dadas as semelhanças de procedimentos e as teorias de ensino em que ambos se apoiam. (FERNANDES, 2004, p. 11). Como P2 ilustra, o método fundamenta-se no princípio da reprodução de enunciados que, no contexto de atuação de P2, são fornecidos através de material gravado em DVD. Conforme Fernandes (2004, p.12), para esses atos de repetição 80 (respostas), diante do modelo fornecido (estímulo), seria emitido um reforço-positivo ou negativo- pelo instrutor. Outra premissa do método suscitada pela professora é a ordem em que as habilidades são trabalhadas nas aulas. A princípio os alunos ouvem, depois falam (repetindo o modelo) para posteriormente, serem expostos à leitura e escrita. É importante observar que P2 associa o modelo procedimental do método à “ordem natural da língua”, ou seja, à maneira como adquirimos a língua materna. No entanto, as atividades de repetição mecânica de estruturas concebem a aprendizagem da língua como um processo mecânico, desvinculado das funções comunicativas e dos contextos de uso da língua. Além disso, tais atividades são monótonas e desmotivadoras, característica que não relembra com precisão a experiência prévia de aquisição da língua materna. (RODRIGUES, 2005, p.47). Quanto ao tratamento gramatical, em específico, P2 esclarece que o ensino ocorre indutivamente. Os aprendizes são expostos a exemplos, os quais devem ser repetidos e memorizados. Os enunciados de P2 parecem referendar a ideia de que a incansável repetição de sentenças conduzirá à internalizarão e, consequentemente, ao aprendizado da língua. Gramática, segundo P2, é o foco menor na aprendizagem e, portanto, só lhe é dada alguma atenção no final do processo, quando as etapas de escutar, falar, ler e escrever já tenham sido contempladas. Pergunta 6: O material didático utilizado em suas aulas é predeterminado pela instituição de ensino ou você tem autonomia para escolhê-lo? P2: Totalmente predeterminado. Os livros são feitos com uma gráfica própria da franquia, que, aqui no Brasil, se encontra no Rio de Janeiro. Por exemplo, quando o aluno faz a matrícula aqui, ele é obrigado a comprar o livro. A franquia já fornece todo o material pronto. Desde o CD, o livro, a gente tem o livro de texto, que é onde têm essas situações, esses dialogozinhos e a gramática e o vocabulário. A gente tem o livro de compreensão auditiva, que vem o cdzinho também que o aluno pode fazer em casa e marcar as respostas e tem o livro de exercícios, o workbook, que é uma mistura de gramática, de vocabulário, de tudo que é feito, que ele preenche ali lacunas ou marca x ou etc. então, esse material já vem pronto do Rio de Janeiro e é obrigatório o uso dele. Às vezes quando eu tenho a liberdade de fazer um warm up, quando eu tenho uma aula extra na sexta feira eu posso fazer uma música... mas é bem enfaixado, bem engessado. PC: Mesmo que você queira somente inserir ou acrescentar algo, você tem dificuldade em fazê-lo? P2: Se a turma é muito boa, dá tempo de trazer bastante coisa. Eu trago o máximo que posso. PC: Esse material complementar é escolhido por você ou pela instituição? P2: Sim. A escolha é minha. E a maioria que eu trago é baseado em exercícios gramaticais. A fala em sala de aula já é muito grande e os alunos 81 têm um pouco de dificuldade se eu trago exercícios baseados em fala porque o método é tão encaixadinho que poucas vezes que eu trouxe exercícios de trabalhar em pares, um conversando com o outro, eles ficaram um pouco perdidos assim. Porque sai daquela coisa de professor pergunta aluno responde, professor pergunta aluno responde, ou aluno pergunta a aluno, mas todo mundo escutando, eu ajudando e tal. Trabalhar em pares, por exemplo, só os dois ali, eles ficam perdidos achando que tão fazendo alguma coisa errada. Então, sai um pouco, é raro, mas dá pra fazer. Os trechos acima suscitam importantes questões a serem pensadas sobre o contexto de atuação de P2. A princípio, percebo que a autonomia de P2 é bem restrita em relação ao material didático. Por se tratar de uma franquia, como de costume, o material é predeterminado e usado nas diferentes regiões do país, independente das particularidades de cada região. P2 tem autonomia apenas para utilizar algum material extra quando há também algum tempo extra, uma vez que o material didático deve ser explorado completamente e o tempo disponível deve dar conta, prioritariamente, das atividades propostas pelo material didático oficial. P2, entretanto, afirma que tenta inserir atividades complementares sempre que possível, o que, às vezes, só é viável com turmas que mantenham um bom ritmo no aprendizado e consigam cumprir as atividades do livro um pouco antes do previsto. Percebo que P2, portanto, considera relevante a inserção de material diversificado nas aulas. É válido ressaltar que somente nesses raros momentos P2 parece ter real autonomia na condução de suas aulas. Verifico também que P2 normalmente opta por exercícios gramaticais quando tem a oportunidade de fornecer atividades extras para seus aprendizes, o que demonstra que P2 não ignora as oportunidades de explorar a gramática da língua. Segundo ela, “A fala em sala de aula já é muito grande e os alunos têm um pouco de dificuldade se eu trago exercícios baseados em fala porque o método é tão encaixadinho que poucas vezes que eu trouxe exercícios de trabalhar em pares, um conversando com o outro, eles ficaram um pouco perdidos assim”. Merece atenção a diferença de sentido no emprego da palavra “fala” mencionada por P2 nesse trecho. No primeiro momento, quando P2 afirma que a “fala” em sala de aula é muito grande, P2 se refere às atividades de repetição e de prática controlada em que o professor media as perguntas e as respostas. Em seguida, quando P2 menciona que “se eu trago exercícios baseados em fala”, verifico que fala, nesse contexto, se refere à comunicação efetiva entre os estudantes. Conforme P2, os alunos estão tão habituados à prática controlada que não sabem como lidar com situações espontâneas de comunicação. A fala de P2 sugere que a interação em sala de aula é muito limitada e os aprendizes não estão aptos a estabelecer comunicação em pares ou pequenos grupos, uma vez que, via de regra, a ênfase na língua oral acontece por meio de um processo mecânico e automatizado. 82 Considerando as premissas que subjazem o método em questão, em que a língua é vista meramente como um conjunto de hábitos condicionados, P2 ao descrever o que ocorre em sua sala de aula quando tenta promover a interação e a comunicação entre os aprendizes, suscita uma das maiores críticas ao método audiolingual/audiovisual: a dificuldade dos aprendizes em lidar com situações reais de comunicação no momento em que se defrontavam com falantes nativos. O referido método ignora a capacidade humana de gerar frases novas, ou seja, sua capacidade de se comunicar espontaneamente (LEFFA, 1998). Pergunta 7: Como você avalia a concepção de gramática presente no material didático adotado? A perspectiva de ensino de gramática nesse material condiz com a sua? P2: Parcialmente sim. Bom, eu dou aula particular também. Na minha aula particular eu uso comunicative aprroach, que é um material também em que as aulas são todas dadas em inglês. Parcialmente também porque aqui se segue a ordem natural da língua. Por exemplo, a gente quando criança, a gente escuta os pais, ou vizinho ou irmão falando. A gente escuta, repete aquilo no contexto, vai repetindo, e vai usando aquilo ali e vai aprendendo como é que aquilo ali é feito, né? Então, meio que tenta forjar o ensino natural da língua. Primeiro eles escutam, aí tem o visual pra ajudar a entender, como a criança tem ali o visual no contexto do pai e da mãe falando. Aqui a gente tem o visual imitando a vida real. Mas ele meio que repete ali sem saber o porquê. Então ele repete bem focado na oralidade pra depois dá a sistematização. Então, tenta-se imitar o aprendizado natural de uma língua, né? Então, a gente tenta fazer isso aqui. Nesse sentido, condiz um pouco com o que eu acredito que funcione. Mas a minha metodologia é um pouco mais instigante. No meu material particular, eu dou mais materiais autênticos, assim, revistas, depoimentos de pessoas, jornal, e aí eu coloco o aluno pra pensar. Eu faço várias indagações sobre aquilo até ele..., eu puxo dele, digamos assim, a gramática. Aqui não é muito assim. Então, aqui é um pouco com o que eu acredito, mas parcialmente eu acredito mais nessa coisa de tirar do aluno, ir fazendo perguntas até ele vê que a gramática é daquele jeito. Então, eu tento fazer isso na minha aula particular, puxar dele. Às vezes eles acertam, às vezes eles erram, às vezes eles ficam felizes em acertar e eu vou fazendo de um jeito em que eu induzo ele a acertar. Então, parcialmente. Aqui não é totalmente o que eu penso. Mas um pouco dessa coisa de tentar imitar o processo natural da língua, sim. Mais uma vez percebo que P2 recorre ao argumento da naturalidade, considerando que o método adotado pelo material e pelo curso apresenta marcantes semelhanças com a aquisição natural da língua materna. Entretanto, apesar de concordar parcialmente com os procedimentos metodológicos em questão, P2 opta por uma metodologia diferente quando tem autonomia para fazê-lo. Desse modo, P2 prefere utilizar a abordagem comunicativa em suas aulas particulares. Observo que P2 não apresenta uma posição de resistência ao método audiovisual, no entanto, destaca a sua incompletude em alguns aspectos. Como exemplo, posso citar a ausência de materiais autênticos e a possibilidade de reflexão gramatical por parte dos alunos. P2 caracteriza 83 como “mais instigante” uma proposta de ensino que vislumbre a participação efetiva dos aprendizes na construção do conhecimento. O posicionamento de P2 sugere que uma abordagem de ensino baseado na transmissão/ apresentação de gramática é menos eficaz do que uma abordagem por meio da qual o aluno é desafiado, e ao mesmo tempo, conduzido a trazer à tona o conhecimento. Segundo Thornbury (2001) uma abordagem que se fundamenta na mera transmissão e apresentação de conteúdos assume que há algo que os alunos desconhecem e que o papel do professor é prover este conhecimento. Desse modo, partimos de um modelo de aprendizagem deficitário, como se os aprendizes nada tivessem a oferecer. Os enunciados de P2 sugerem a sua discordância em ignorar o conhecimento que o aprendiz traz consigo e o seu potencial para refletir sobre a língua e tirar suas próprias conclusões sobre o seu funcionamento. É importante ressaltar também o caráter pessoal conferido à metodologia usada em suas aulas particulares quando a professora afirma que “a minha metodologia é mais instigante”. Apesar de, a princípio, afirmar utilizar a abordagem comunicativa em suas aulas particulares, P2 personaliza sua metodologia de ensino no trecho em destaque, o que aponta para uma tendência no ensino de línguas de modo geral. Apesar de optar por uma abordagem em específico, o professor crítico e reflexivo não mais adere irrestritamente a uma determinada metodologia sem questionar os seus pressupostos e suas reais contribuições para o aprendizado. Pergunta 8: De que maneira os itens gramaticais são introduzidos em suas aulas? P2: Então, eles são introduzidos através de diálogos. São situações, né? Cada unidade apresenta duas ou três situações, que podem ser independentes ou pode ser uma história longa dividida em três pedaços. Então, cada situação, primeiro eu apresento duas vezes sem falar nada. A primeira vez com pouca figura. E a segunda vez o mesmo diálogo com mais figurinhas tentando representar o que a pessoa tá falando. Depois eu parto para o explanation que é mais focado no significado das palavras. Exemplo, tem o desenhinho do sol e alguém falando Good morning. Então, ele já pensa que deve ser alguma coisa a ver com o dia. Então, ele aprende mais instintivamente o vocabulário, a pronúncia em si do que gramática. Então, ela é totalmente contextualizada na fala. Aí, às vezes, assim, o material como é mais juvenil, voltado mais para o público juvenil, tem algumas gírias. Por isso que eu digo que é mais voltado para o vocabulário em si do que gramática. Então, ela é feita de maneira não muito reflexiva. Ela é jogada para o aluno. Aí dependendo da turma quando eu vejo que eles não estão conseguindo repetir, eu jogo uma explicação gramatical ali na hora mesmo, mas bem pouca. Por exemplo, quando eu dei comparativos de adjetivos. Começa com os curtos, né? Taller e smaller, eles entenderam. Aí quando eu passei para o segundo diálogo e falou more beautiful. Então, perguntaram por que não era beautifuller? Aí na hora de repetir já. Então, não é beautifuller porque beautiful é longo. Então é more beautiful. E já sigo a aula. E só no final vejo isso de novo. Eu acho ruim de falar “Espera aí, depois eu te falo”. Ali, com o tempo o aluno pode desistir de fazer essas perguntas. Aí eu jogo um pouquinho até onde eu posso, até onde não atrapalhe a aula e aí continuo. Deixo para o final, quando nós abrimos o livro, observamos as regras e os exemplos. 84 Diante do exposto por P2, pode-se observar que a aula segue uma ordem bem estabelecida e os procedimentos são seguidos precisamente, o que pôde ser constatado com as observações das aulas. O professor possui um manual que se configura em uma espécie de roteiro de aula. Cabe ao professor, portanto, seguir todas as orientações e procedimentos ali descritos. Observemos que P2 descreve cuidadosamente as etapas da aula atentando, inclusive, para detalhes como “cada situação, primeiro eu apresento duas vezes sem falar nada”. Parece configurar-se aqui um processo mecânico de condução das aulas, no qual o professor tem quase nenhuma autonomia e cujo papel é unicamente reproduzir as orientações do manual. Como já enfatizado por P2 previamente, a fala constitui a base para o ensino tanto do vocabulário quanto da própria gramática. As palavras e a estrutura gramatical a serem trabalhadas na aula estão presentes nos diálogos. Os aprendizes repetem as estruturas associando-as às imagens disponíveis. Conforme P2, caso os alunos não questionem a respeito da gramática, a aula prossegue sem qualquer intervenção nesse sentido, visto que a sistematização acontece apenas no fim da aula, quando os alunos provavelmente já memorizaram as sentenças contendo a estrutura gramatical em estudo. Observo, entretanto, que P2 não corrobora a perspectiva de ter o aluno apenas reproduzindo frases sem o entendimento do seu funcionamento. Desse modo, ela interfere e explicita a regra quando julga necessário, como descrito no trecho “Por exemplo, quando eu dei comparativos de adjetivos. Começa com os curtos, né? Taller e smaller, eles entenderam. Aí quando eu passei para o segundo diálogo e falou more beautiful. Então, perguntaram por que não era beautifuller? Aí na hora de repetir já. Então, não é beautifuller porque beautiful é longo. Então é more beautiful. E já sigo a aula. E só no final vejo isso de novo”. Ainda assim, percebo que a instrução gramatical nessa etapa da aula se configura quase como um tópico proibido. P2 se limita a uma explicação o mais breve o possível “até onde não atrapalhe a aula”. Afinal, a aula precisa seguir a sequência prescrita no manual, segundo o qual a regra é explicitada no final da aula. P2, entretanto, se desprende da prescrição metodológica quando precisa atender a uma solicitação do aprendiz, considerando a importância de elucidar as dúvidas e de estimulá-lo a questionar quando houver a necessidade. Então, resumidamente, diria que a instrução gramatical ocorre, a princípio, através da exposição ao insumo. O aprendiz supostamente internaliza as estruturas linguísticas através da imitação. Nesses moldes de ensino, a gramática ensinada é a normativa. “Os alunos, portanto, devem praticar a língua, ou seja, repeti-la. Os erros são 85 vistos como desvios a serem evitados a fim de não serem internalizados pelo aluno. Por isso, o aprendiz não é encorajado a experimentar ou usar a língua de forma espontânea, autônoma e criativa” (SCHULZ; VIAPIANA, 2012, p. 6). Como se pode verificar tanto na descrição de P2 quanto nas aulas observadas, de fato, não existem oportunidades de uso efetivo da língua e de produção utilizando as estruturas gramaticais em estudo. O desenvolvimento da habilidade oral restringe-se à reprodução dos padrões linguísticos e à prática controlada através de drills. Mais uma vez pondero que não descarto a validade desses tipos de procedimentos, mas questiono se o seu uso exclusivo poderá contribuir para o desenvolvimento da competência comunicativa do aprendiz. Pergunta 9: Alguns teóricos defendem que o ensino da gramática deve ser evitado ou, até mesmo, banido da sala de aula. Qual é o seu posicionamento em relação a isso? P2: Olha, isso aí eu acho muito enfaixado. Eu acho que depende muito do contexto da sala de aula, da faixa etária, do objetivo do aluno em aprender a língua. Eu já dei aula em franquias onde a gramática era quase que ignorada. Os alunos aprendiam por repetição, simplesmente por repetição e substituição. Por exemplo, This chair is blue. This chair is yellow. This chair is white. Aí eles pensavam “então deve ser as cores”. Então, eles iam por instinto aí. Só que quando ia pra Those chairs are white. Eles não sabiam por que não bota s em white, por exemplo. Então, demorava um pouco mais para eles entenderem a sistematização, mas eles decoravam. Se eles chegavam num restaurante e pediam I wanna a steak, please? Aí se a pessoa falava rare, médium aí eles já travavam. Eles só sabiam falar I wanna a steak with french fries e pronto. Porque decorou. Agora se o garçom sai daquele contexto e pergunta rare or medium a pessoa já travava. Eu acho que quando você dá um pouco de gramática, ela dá um pouco mais de flexibilidade de expressar o que se quer naquele contexto. Agora se você dá a comunicação por si só, ela pode ficar enfaixada, ele pode ficar com aquela decoreba e com aquilo a pessoa pode sentir insegurança e não conseguir comunicar. Então, não pode ser nada radical. Então, eu acho um muito radical achar que a gramática tem que ser banida. Mas também acho absurdo também no vestibular colocar regrinhas que não vão atrapalhar a comunicação. Então, como a língua é um processo que tá sempre em andamento, tá sempre em evolução, assim também tem que ser a metodologia de ensino da gramática e da língua em si. Não deve ser radical. Nesse trecho, o posicionamento de P2 demonstra sua oposição à exclusão da instrução gramatical das aulas de LE, tendo em vista a flexibilidade que a gramática proporciona. A professora revela certo ceticismo em relação a propostas de ensino cujo foco seja exclusivamente a comunicação. No entanto, parece-me que P2 tem uma visão um tanto equivocada em relação ao ensino com foco na comunicação, associando este tipo de ensino às práticas automatizadas de repetição e substituição e, consequentemente, memorização. Na verdade, quando P2 afirma que “Eu já dei aula em franquias onde a gramática era quase que ignorada. Os alunos aprendiam por repetição, 86 simplesmente por repetição e substituição. Por exemplo, This chair is blue. Yellow. This chair is yellow. White. This chair is white. Aí eles pensavam então deve ser as cores. Então, eles iam por instinto aí. Só que quando ia pra Those chairs are white. Eles não sabiam por que não bota s em White, por exemplo”, verifico diversas semelhanças entre os procedimentos aqui descritos com aqueles adotados em seu atual contexto de atuação. O único aspecto que parece distinguir o cenário descrito e o seu cenário de atuação é que um ignora a instrução gramatical ao passo que o outro reserva um tempo no final das lições para que as regras gramaticais sejam explicitadas. Por outro lado, P2 também parece rejeitar uma proposta gramaticalizante que enfatize “regrinhas que não vão atrapalhar a comunicação”, afirmando que no que tange ao ensino de uma língua, de natureza dinâmica e evolutiva, não podemos ser radicais. Desse modo, percebo que P2 não corrobora a exclusão da gramática da sala de aula bem como não coaduna com uma proposta que priorize o conhecimento sobre a língua em detrimento do conhecimento da língua. Para P2, o conhecimento sobre a língua funciona como um facilitador para a comunicação, já que “... quando você dá um pouco de gramática, ela dá um pouco mais de flexibilidade de expressar o que se quer naquele contexto”. Nesse sentido, observo que P2 vislumbra a gramática como ferramenta de veiculação de sentidos em diferentes contextos de uso, embora sua prévia definição do termo gramática (resposta à pergunta 2) tenha se aproximado mais da noção de gramática como recurso de padronização do que como recurso de flexibilização. 4.3 Análise das aulas Esta seção, dedicada à análise das aulas observadas, pretende elucidar que estratégias são utilizadas pelas professoras participantes desta pesquisa para conduzir o ensino da gramática. Além disso, objetivo verificar se a maneira como a gramática é abordada nas aulas direciona a atenção dos aprendizes tanto para a forma quanto para o significado e uso da língua. Através dessas análises, poderei verificar que aspectos contextuais, ou seja, fatores relacionados ao contexto de atuação destas profissionais, interferem no trabalho com a gramática em sala de aula. Conforme mencionado no capítulo sobre os pressupostos metodológicos, optei por analisar duas aulas geminadas de P1 e uma aula de P2, considerando as aulas com maior índice de saliência de aspectos gramaticais e também por termos verificado certa 87 regularidade na condução das aulas, sendo que durante o período total de observação não verifiquei diversificação dos procedimentos e estratégias utilizadas. Metodologicamente, optei por fazer uma descrição detalhada das aulas incluindo excertos com a transcrição dos enunciados de P1 e P2, bem como das interações com os aprendizes. Dividi essa descrição em etapas para que pudéssemos destacar os aspectos relevantes de diferentes momentos da aula. As aulas de P1 foram descritas em quatro etapas e a aula de P2 foi descrita em sete etapas. Observe-se que, para fins de transcrição, utilizo as siglas P1 e P2 para me referir às professoras, AA para me referir aos alunos coletivamente e uso nomes fictícios para me referir a algum aluno individualmente. Aulas de P1 Etapa 1 P1 inicia a aula cumprimentando os alunos e esclarecendo que irá apresentar conteúdo novo da unidade e aconselha os estudantes a registrarem anotações para fins de consulta posterior. Em seguida, P1 inicia a explicação sobre o conteúdo da aula, que se refere aos advérbios de frequência. Observemos o excerto abaixo com as explicações fornecidas por P1: Excerto 1: P1: Então tá, olha só. Quando nós falamos a respeito de frequência, quais as palavras que vêm a sua mente? Quando eu quero representar a frequência em que eu faço alguma coisa, quais são as palavras que a gente usa? Advérbios de frequência, né? Advérbios de frequência em língua portuguesa, vocês sabem do que se trata, né? Quando você quer dizer, por exemplo, que você vem de ônibus pra escola. O que você diz? Joana: Eu sempre venho de ônibus pra escola. P1: Isso. Você usa “sempre”. Quando você quer dizer que você só vem a pé pra escola. O que você usaria pra dizer a frequência em que você vem de ônibus? Gabriel: De vez em quando. P1: Quando você só vem a pé, como você diria a frequência em que você vem de ônibus? Ana: Nunca. P1. Isso. Eu só venho a pé. Então, eu nunca venho de ônibus para a escola. Agora, e se você vem para a escola de ônibus uma vez ou outra, a cada quatro ou cinco dias? Rafael: Às vezes. P1: Então, essas palavras são chamadas de advérbios de frequência, tá? É quando você diz “sempre”, “às vezes”, “nunca”, “frequentemente”, “geralmente”. Então, são palavras que você usa para expressar a frequência. Em inglês, não é diferente, mas existem algumas regrinhas 88 que nós precisamos conhecer pra podermos estruturar a nossa fala corretamente. Em português, não é dada muita atenção a isso. Eu não sei se é da língua portuguesa mesmo não se preocupar com isso. Mas o fato é que em inglês é diferente. Existe uma regra pra você se expressar corretamente e essa regra precisa ser respeitada, pelo menos enquanto nós estivermos falando em gramática normativa. Depois, se você quiser falar tudo embolado pra lá, isso é um problema seu, entendeu? Mas gramaticalmente falando, existem regras e essas regras precisam ser conhecidas pela pessoa desejosa a aprender a falar corretamente, Então tá, vamos fazer aqui o gráfico, o esboço da frequência. Através do excerto 1 verifico que a prática de P1 possui convergência com uma abordagem de ensino tradicional de línguas, uma vez que preserva algumas características do método gramática-tradução, dentre as quais posso destacar o ensino da língua por meio da língua materna e o conhecimento explícito das regras gramaticais para formação de frases (LEFFA,1988). Como mencionado previamente durante a entrevista, P1 considera necessária a construção de um paralelo com a língua materna. P1 inicia a apresentação do conteúdo gramatical trazendo à tona o conhecimento dos aprendizes em relação aos advérbios de frequência da língua portuguesa. Para P1, esse procedimento facilita o entendimento, uma vez que faz com que os aprendizes percebam as semelhanças existentes entre as duas línguas. O excerto acima nos permite verificar ainda a preocupação de P1 com a gramática normativa. P1 reforça o pensamento de que os aprendizes precisam aprender a falar “corretamente”. E falar “corretamente”, a seu ver, significa obedecer categoricamente às regras gramaticais, desconsiderando, inclusive, que em situações de uso autêntico da língua, algumas dessas regras são comumente infligidas sem prejuízo para o sentido. Além disso, depreende-se do excerto acima a noção de que apenas a norma culta é admitida e o usuário que negligencia esse padrão socialmente estabelecido terá um problema de comunicação, como fica nítido no trecho “Depois, se você quiser falar tudo embolado pra lá, isso é um problema seu, entendeu? Mas gramaticalmente falando, existem regras e essas regras precisam ser conhecidas pela pessoa desejosa a aprender a falar corretamente”. Etapa 2 P1 faz a as seguintes anotações no quadro e pede que os alunos as registrem no caderno: 89 100% _____________ 75% ____________50% _________ 25%____________0% (always) (frequently) (generally) (sometimes) (rarely) (never) (seldom) (normally) (often) P1 prossegue com as explicações a respeito do esboço acima: Excerto 2 P1: Eu costumo fazer essa linha de frequência. Por exemplo, quando você fala em 100% do tempo? Como você chamaria em português? Sempre, né? Em inglês, eu vou chamar de always. Então, always é 100% do tempo. Depois a gente cai um pouquinho. Essa frequência cai para, digamos assim, 75% do tempo. Sabe aquela coisa que é, tipo assim, cinco vezes por semana. Já não é sempre mais. Esse aqui eu vou chamar de frequently. Quando você fala frequentemente é um pouco menos que sempre. Então, em inglês, tem várias palavras que nós podemos considerar sinônimas de frequently. Eu posso chamar também de generally, normally ou often. Generally eu posso chamar de geralmente, normally de normalmente e often é frequentemente também. Caindo mais um pouquinho a frequência, pra 50%, nós temos o “às vezes”. Às vezes eu vou, às vezes eu não vou. Eu vou chamar isso aqui de sometimes. Sometimes é o famoso “às vezes”, o famoso “de vez em quando”, tá? Caindo mais um pouquinho minha frequência, eu venho pra 25% do tempo. Sabe aquela coisa mais esporádica? Quando é mais esporádico a gente chama de “raramente”, não é? Eu vou chamar isso de rarely. Alguns livros trazem também uma palavra um pouquinho mais eloquente, que é a palavra seldom. O seldom é uma palavra mais bem elaborada, digamos assim. Então, dificilmente, você ouve uma pessoa com um linguajar mais popular usando a palavra seldom, tá? Usa-se mais rarely. Então, se vocês precisarem colocar a tradução, fiquem à vontade. Na verdade, o meu objetivo com vocês vai ser que vocês memorizem os advérbios de frequência porque vocês precisam saber que frequência vocês vão querer expressar quando vocês estiverem falando. Mas assim, isso vai ser secundário. Primeiramente, vai entrar a parte da gramática, a parte da forma correta de vocês estruturarem a frase. Vocês já conheciam todas essas palavras? AA: Não. P1: Então, voltando aqui em português claro. O que significa always? AA: Sempre. P1: Frequently? AA: Frequentemente. P1: Generally? AA: Geralmente. P1: Normally? AA: Normalmente. P1: Often? AA: Frequentemente. P1: Sometimes? AA: Às vezes. P1: Rarely? AA: Raramente. P1: Seldom? AA: Raramente. P1: Never? 90 AA: Nunca. Os procedimentos adotados na etapa 2 evidenciam que o modelo de ensino proposto por P1 organiza hierarquicamente as dimensões da forma e do sentido. P1 deixa nítido que a preocupação prioritária dos aprendizes deve residir na estruturação da frase, ou seja, o essencial é que os aprendizes consigam posicionar os advérbios adequadamente na sentença. Por outro lado, o sentido expresso pelas formas em uso é caracterizado como secundário por P1.Vale ressaltar ainda que o discurso de P1 sugere que a dimensão do sentido se esgota em um mero processo de memorização. Tais considerações ficam evidenciadas no trecho “o meu objetivo com vocês vai ser que vocês memorizem os advérbios de frequência porque vocês precisam saber que frequência vocês vão querer expressar quando vocês estiverem falando. Mas assim, isso vai ser secundário. Primeiramente, vai entrar a parte da gramática, a parte da forma correta de vocês estruturarem a frase”. Ainda na etapa 2, pode-se verificar uma relevante divergência entre o discurso e a prática de P1. Durante a entrevista, P1 menciona que, com base na sua experiência de aprendizagem, considera importante que o aprendiz compreenda o contexto, que a tradução das palavras seja evitada e que os aprendizes possam compreender seus significados sem buscar um referencial na língua portuguesa. No entanto, os procedimentos adotados a fim de introduzir os advérbios de frequência são notoriamente um contraponto às referidas proposições de P1 durante a entrevista. Na prática, P1 optou por utilizar a tradução como recurso exclusivo na condução do ensino. E embora tenha mencionado a importância da compreensão do contexto, não houve contextualização efetiva que possibilitasse que os aprendizes inferissem os significados sem necessidade do referencial da língua portuguesa. Desse modo, houve pouca ou nenhuma participação dos aprendizes na construção dos sentidos, caracterizando um modelo centralizador de ensino em que o professor é o detentor do conhecimento a ser transmitido aos aprendizes. Acredito que o conteúdo trabalhado, inclusive, proporciona vastas possibilidades de contextualização. Para fins de ilustração, esboço uma atividade que poderia contribuir para o processo de inferência dos sentidos dos advérbios de frequência: 1. Os aprendizes seriam expostos a uma sequência de sentenças descrevendo aspectos da rotina da escola. Exemplos: 91 The classes always start at 7:30. The students sometimes have classes on Saturdays. The students never have Italian classes. Students usually walk around the halls during the break.25 2. Após a leitura das sentenças acima e a observação do uso dos advérbios de frequência, os aprendizes responderiam a uma atividade de Verdadeiro ou Falso sobre aspectos restritos à sua sala de aula. Exemplos: Ana always comes to school by bus. ( ) João never uses the cell phone in class. ( ) The teacher often asks the students to make silence. ( ) 26 Em seguida, os aprendizes poderiam ser questionados sobre a posição do advérbio na frase e deduzirem a regra subtendida nos exemplos. Através de atividades dessa natureza, os aprendizes teriam o primeiro contato com o item em estudo de maneira mais contextualizada e sem a necessidade da explicação gramatical, a priori. Afinal, como ressalta Widodo (2006), a explicação gramatical é dificilmente lembrada como outras formas de apresentação, tais como a demonstração. Obviamente, destaco que o exemplo fornecido é apenas uma entre tantas outras possibilidades de contextualizar e explorar o conteúdo. O próprio livro didático adotado na escola traz uma proposta bastante interessante. A unidade 2 do livro, que apresenta como um dos objetivos a identificação e utilização dos advérbios de frequência, propõe uma reflexão sobre estereótipos e fornece exemplos em que os advérbios de frequência são utilizados, tais como They always carry an umbrella27 e They are always punctual28 ao se referir aos estereótipos britânicos. Uma das atividades propostas no livro ainda sugere que os alunos discutam em classe e façam uma lista de outros estereótipos 25 As aulas sempre começam às 07:30. Os estudantes, às vezes, têm aulas aos sábados. Os estudantes nunca têm aulas de italiano. Os estudantes normalmente caminham pelos corredores durante o intervalo. 26 Ana sempre vem para a escola de ônibus. João nunca usa o celular na sala. A professora frequentemente pede aos estudantes que façam silêncio. 27 Eles sempre carregam um guarda-chuva. 28 Eles são sempre pontuais 92 conhecidos pelos estudantes. O material orienta que os professores peçam exemplos de estereótipos de mineiros, gaúchos, baianos etc. Portanto, o professor poderia construir essa lista juntamente com os alunos e escrever no quadro os exemplos. Em muitos desses exemplos, o uso dos advérbios de frequência seria possível, como em Gaúchos usually eat barbecue29 ou Baianos are always late30. Além de direcionar a atenção dos aprendizes para a forma em uso, os exemplos fornecidos poderiam provocar uma proveitosa discussão em torno do tema. Essa seria uma oportunidade de demonstrar aos aprendizes que estereótipos não traduzem uma verdade irrefutável, uma vez que consistem em generalizações simplistas que podem, inclusive, originar discursos preconceituosos. Considerando que a sala de aula é um espaço onde devemos ultrapassar os limites do ensino promotor do domínio cognitivo e favorecer o reconhecimento, compreensão e respeito às diferenças étnicas e culturais, a discussão acerca dos estereótipos seria uma importante ocasião para refletir tais diferenças. Embora o livro possua essa interessante proposta, P1 optou por não utilizar as atividades fornecidas no material e preferiu partir para a explicitação do tópico gramatical. Nesse sentido, a prática de P1 condiz com seu discurso, uma vez que P1 afirmou durante a entrevista que o livro é utilizado apenas depois que o conteúdo gramatical é previamente exposto. Etapa 3 Excerto 3 P1: Muito bem. Então, qual é a jogada aqui? A jogada aqui está na forma correta de você colocar esse advérbio na frase. Em português, você fala assim “Eu vou para a escola de vez em quando de ônibus” ou “Eu vou para a praia sempre”, não é assim? Em Inglês, não pode acontecer dessa maneira. Em inglês, existe a ordem correta para você colocar. E a ordem correta é... P1, então, anota no quadro: Sujeito + advérbio + verbo + complemento. Excerto 4 P1: É como se fosse uma fórmula matemática. Não é uma fórmula matemática, mas é uma fórmula gramatical. Essa é a ordem que você deve usar ao estar se expressando ao utilizar um advérbio de frequência. Eu digo, por exemplo, “Eu sempre peço aos meus alunos que façam silêncio, mas eles nunca fazem”. Então, em português, pelo menos no meu caso, a partir do momento que eu conheci isso daqui, há muito tempo atrás, eu me acostumei com essa forma de me colocar. Então, até quando eu falo português, eu sempre coloco o advérbio na posição certa 29 30 Gaúchos geralmente comem churrasco. Baianos estão sempre atrasados. 93 na frase. Eu não sei se isso é também uma exigência da língua portuguesa. Vou até perguntar pra uma professora de língua portuguesa. Mas, em inglês, isso é importante. E é exatamente isso que vai ser cobrado na prova. Então, é bem simples. Não é um assunto que nós vamos ficar quatro ou cinco aulas falando disso. Pra mim, basta que vocês memorizem essa fórmula aqui e o assunto já está encerrado. Então, só tem uma coisa importante sobre o advérbio de frequência que vocês precisam lembrar. Porque é isso que eu vou cobrar de vocês. E o que é isso que eu vou cobrar? É justamente a ordem em que eu estruturo o que eu quero falar. Então, primeiro vem o sujeito, depois vem o advérbio, depois vem o verbo e depois vem o complemento. Porém, tem uma exceção. A exceção vai ocorrer quando estivermos falando do verbo to be. Isso eu vou precisar que vocês lembrem. Olha aí o verbo to be de novo batendo a nossa porta. O verbo to be, ele virá antes do advérbio de frequência. Então, quando for o verbo to be, teremos primeiro o sujeito, depois o verbo to be, depois o advérbio de frequência e por fim, o complemento. Essa regrazinha eu preciso que vocês coloquem aí como um caso especial. Então, com o verbo to be é diferente. É um caso especial. Anotem aí. A ordem dele é diferente. É sujeito, verbo to be, advérbio e depois complemento. Então, eu não vou dizer “Eu sempre estou em casa aos domingos”. Eu preciso dizer “Eu estou sempre em casa aos domingos”. Entenderam? Não posso dizer “Ela sempre cansada depois do trabalho”. O correto é “Ela está sempre cansada depois do trabalho”. Então, quando for verbo To be, a ordem vai ser diferente. Eu preciso que vocês memorizem porque essa é uma regra. É mais uma regra que vocês vão memorizar para que vocês possam falar corretamente, tá bom? Nessa etapa da aula, percebo nitidamente que P1 direciona a atenção dos aprendizes unicamente para a forma e os procedimentos adotados não contemplam as dimensões do significado e do uso. Larsen-Freeman (2001) ressalta que equacionar a gramática com a forma e o ensino de gramática com o ensino das regras linguísticas explícitas concernentes à forma é excessivamente limitador. A autora salienta ainda que gramática tem a ver com forma e uma maneira de ensinar a forma é mostrar as regras, entretanto, ressalva que gramática é muito mais do que forma e que o ensino que se restringe ao ensino das regras é pouco proveitoso. Nesse sentido, Larsen-Freeman (2001) propõe um modelo tridimensional de gramática que contempla a forma (padrões morfossintáticos, lexicais e fonéticos), o significado (significados gramaticais e lexicais) e o uso (contexto social, contexto linguístico discursivo e pressuposições sobre o contexto). Essas dimensões estão interconectadas, porém não devem ser concebidas hierarquicamente. Desse modo, presumo que no ensino da gramática, a forma não deve ser priorizada em detrimento das dimensões do uso e do sentido. A atenção dos aprendizes deve ser direcionada às três dimensões para que tanto a forma, quanto o uso e o significado sejam contemplados. Afinal, saber estruturar uma sentença sem saber quando, porque e que sentido essa estrutura veicula não teria uma finalidade prática. Os procedimentos adotados por P1, no entanto, priorizam a organização da sentença e evidenciam que sua concepção de gramática converge com uma perspectiva meramente estruturalista, o que também poderá ser verificado através dos exercícios propostos na etapa seguinte da aula. 94 Etapa 4 P1 propõe uma atividade escrita. P1, então, escreve no quadro a seguinte atividade para que os alunos copiem e respondam: Exercício 1 Organize as frases abaixo: a) Julia/by bus/always/to school/goes b) never/soccer/on weekends/play/you c) sometimes/explains/the teacher/exercises d) I/study/frequently/for the tests e) are/at home/you/always31 P1 ressalta que o exercício servirá para que os estudantes memorizem a estrutura e os orienta a consultarem as anotações para completarem a atividade. Os estudantes iniciam a atividade e P1 caminha pela sala auxiliando os alunos com dificuldades na execução da tarefa. Após o término da atividade, P1 prossegue com a correção. No excerto abaixo visualizamos de que maneira P1 conduz a correção: Excerto 5 P1: Olha só, como vocês colocaram isso daqui na ordem certa? A1: Júlia goes... P1: Olha só, o que vem depois do sujeito? AA: O advérbio AA: O verbo P1: É o verbo to be que tem nessa frase? AA: Não P1: Se não é verbo to be, o que vem depois do sujeito? AA: O advérbio P1: Então, quem é o advérbio? AA: Always P1: Então, o que vem depois do advérbio? AA: O verbo P1: Isso. E quem é o verbo nessa frase? AA: Goes 31 a) b) c) d) e) Julia/de ônibus/sempre/para a escola/vai nunca/futebol/ nos fins de semana/ joga/ você às vezes/explica/a professora/exercícios Eu/estudo/frequentemente/para os testes está/em casa/você/sempre 95 P1: Então, vai ficar Julia always goes...”. E quem são os complementos? AA: To school by bus P1: Muito bem. Então, temos Julia always goes to school by bus. A ordem corretinha. As demais sentenças são corrigidas seguindo a mesma dinâmica. Na sentença E, entretanto, P1 salienta que quando o verbo empregado for o verbo to be, a ordem é diferenciada, pois se trata de um caso especial. Em seguida, P1 comunica aos aprendizes que eles farão uma atividade de produção em que terão que escrever dez frases usando advérbios de frequência, sendo que em cinco delas o verbo to be deve ser empregado e nas demais devem ser empregados os verbos sugeridos por P1 e anotados no quadro. P1, então, registra as seguintes anotações no quadro: Exercício 2 Produzir dez frases utilizando os advérbios de frequência e os verbos fornecidos: Verbo To be Verbos Complementos Am Play At home Is Study At the park Are Watch At the beach Wash On Mondays Eat On weekends Work On my birthday Play Drink go P1 salienta que os alunos podem usar outros complementos e orienta os aprendizes a realizarem a tarefa em casa e entregarem na aula seguinte. Por fim, P1 despede-se dos aprendizes e finaliza a aula. O primeiro exercício proposto demonstra notoriamente a preocupação de P1 com a organização das frases. Dessa maneira, o único objetivo perceptível no exercício concerne à prática da regra de ordenação de estruturas que contenham os advérbios de frequência. Observo, portanto, que os exemplos fornecidos no exercício são completamente descontextualizados e que não há nenhuma tentativa de explorar o 96 significado e o uso de tais estruturas. Larsen-Freeman (2001) sugere que para lidar com qualquer estrutura gramatical, o professor precisa partir de alguns questionamentos básicos: Como ela é formada? O que ela significa? Quando e por que ela é usada? O exercício 1 e os procedimentos de correção adotados por P1, no entanto, parecem contemplar apenas o primeiro questionamento. No final da aula, é provável que os aprendizes consigam explicitar as regras apresentadas. Porém, é também provável que esse conhecimento não ultrapasse os limites da sala de aula, uma vez que não foi estabelecida uma relação entre a forma e seu significado e uso efetivo. Nesse sentido, Larsen-Freeman (2001) fala sobre a existência de um conhecimento inerte. Segundo a autora, o conhecimento inerte é o conhecimento que pode ser recordado pelo aprendiz quando lhe é solicitado, porém não está disponível em situações de uso espontâneo. Desse modo, o conhecimento permanece inerte quando ele não está disponível para ser transferido do contexto da sala de aula para o mundo. Para Larsen-Freeman, quando as condições de aprendizado são associadas à aplicabilidade, é mais provável que essa transferência aconteça. No entanto, as condições de aprendizado fornecidas por P1 parecem não favorecer essa importante relação com a aplicação do conhecimento. Ainda nessa etapa da aula, através do segundo exercício proposto, percebo a intenção de P1 em promover uma oportunidade de produção. No entanto, é válido questionar se a proposta de P1, de fato, se caracteriza como uma atividade de produção. Afinal, P1 predetermina os verbos a serem utilizados e, de certa maneira, limita as possibilidades de produção do aprendiz. Quando pensamos em produção, na verdade, pensamos em oportunidades de interagir por meio da língua veiculando sentidos e tendo um propósito comunicativo em mente. No exercício proposto, entretanto, não vislumbro um propósito comunicativo e muito menos uma preocupação com o sentido veiculado pelas sentenças. Diante da proposta de P1, é provável que os aprendizes elaborem frases descontextualizadas e sem significado. Desse modo, mais uma vez percebo uma necessidade de interação do ensino proposto com o uso efetivo da língua. Aula de P2 Etapa 1 97 P2 inicia a aula cumprimentando os alunos. Em seguida, P2 apresenta um vídeo no qual o vocabulário da unidade é apresentado. Esta seção é intitulada words in action. Os alunos visualizam imagens acompanhadas do áudio que as descrevem. P2 orienta os aprendizes a ouvirem e repetirem as seguintes palavras e frases transmitidas no vídeo: forehead, the woman is kissing the baby forehead, tooth, this baby has only one tooth, teeth, this woman has beautiful teeth, toothbrush, toothpaste, lights, the lights are on, fair, some different kinds of fairs, she’s a brunette, mobile phone, cell phone, he’s holding a mobile phone, brownies, this brownie looks delicious. Ao finalizarem essa atividade, P2 exibe a próxima seção do vídeo intitulada What’s going on?. Nessa seção, mais uma vez são exibidas imagens acompanhadas de áudio e os estudantes são orientados a repetirem os enunciados: He’s brushing his teeth, she’s brushing her hair. Em seguida, P2 exibe uma imagem na qual um garoto com um ferimento na testa conversa com uma garota. P2, então esclarece: Excerto 1 P2: Look at this picture. This girl is this boy’s friend, ok? She is his friend. What do you think they are talking about? João: His accident. Maria: His forehead.32 Como se percebe, esta primeira etapa da aula introduz novo vocabulário através da associação de palavras e frases a imagens. Os aprendizes precisam repetir a fim de que memorizem os itens lexicais que brevemente serão retomados durante as próximas etapas da aula. Desde o início da aula, portanto, percebo que a repetição é um elemento chave na condução do ensino. Outro aspecto evidente nessa primeira etapa se refere à descontextualização do vocabulário durante a apresentação. As palavras são apresentadas isoladamente ou em sentenças também descontextualizas, uma vez que não há nenhum tipo de relação direta entre as sentenças utilizadas. Etapa 2 32 P2: Olhe a ilustração. Esta garota é amiga deste garoto, ok? Ela é amiga dele. Sobre o que vocês acham que eles estão conversando? A1: O acidente dele. A2: A testa dele. 98 P2 exibe a Situação 1. Conforme P2 mencionou na entrevista, cada unidade de ensino do livro contem três situações que simulam situações do cotidiano. Na Situação 1, um garoto narra à amiga um pequeno acidente ocorrido na noite anterior, o que provocou um ferimento em sua testa, através do seguinte diálogo: Girl: What happened to your forehead? Boy: The power went out last night while I was brushing my teeth. Girl: So? Boy: When I bent down to rinse the toothpaste out of my mouth I hit my head on the faucet.33 P2 exibe a situação duas vezes. Em seguida, P2 segue para a etapa denominada de “explicação” (Explanation), em que ela explora cada enunciado do diálogo através de perguntas. Antes de fazer perguntas sobre cada enunciado, P2 repete o áudio por três vezes. Sobre o primeiro enunciado What happened to your forehead?, P2 questiona: Excerto 2 P2: What do we call this part of our body? (apontando para a testa do garoto) AA: Forehead. P2: Very good! Look at this boy’s forehead. Did something happen to his forehead? AA: Yes. P2: Does the girl know what happened to his forehead? AA: No. P2: What is she asking the boy? Carlos: What happened with your forehead? P2: No, no, no. What happened to your forehead? Repeat! Carlos: What happened to your forehead?34 P2, então, exibe a passagem várias vezes até que cada aluno tenha repetido o enunciado individualmente. 33 Garota: O que aconteceu com sua testa? Garoto: A energia foi embora ontem à noite enquanto eu estava escovando meus dentes. Garota: E daí? Garoto: Quando eu abaixei para cuspir a pasta de dente da boca, eu bati minha cabeça torneira. 34 P2: Como nós chamamos essa parte de nosso corpo? (apontando para a testa do garoto) AA: Testa. P2: Muito bem! Olhem para a testa do garoto. Alguma coisa aconteceu com a testa dele? AA: Sim. P2: A garota sabe o que aconteceu com a testa dele? AA: Não. P2: O que ela está perguntando ao garoto? Carlos: O que aconteceu com (with) sua testa? P2: Não, não, não. O que aconteceu com (to) sua testa? Repita! Carlos: O que aconteceu com (to) sua testa? 99 Nessa etapa da aula já é possível detectar quais estruturas gramaticais estarão em foco. O diálogo é construído predominantemente por meio de enunciados em que o passado simples e o passado contínuo estão em uso. Existe, de fato, uma grande preocupação com a memorização. Desse modo, além de repetir o diálogo na íntegra por duas vezes, cada enunciado é também explorado isoladamente através da repetição e de perguntas de verificação. Como se pode perceber, as perguntas de verificação conduzem novamente os aprendizes à reprodução do enunciado. Aliás, o objetivo desta etapa parece residir na reprodução fiel do enunciado explorado. Assim, conforme evidenciado no excerto acima, quando um dos aprendizes emprega a preposição with indevidamente, ele é corrigido de imediato pela professora. Afinal, evitar o erro é essencial em uma proposta de ensino fundamentada no behaviorismo. Richter (2002, p. 74), no entanto, ressalva que “a insistência na correção a qualquer custo diminui a motivação”. Segundo o autor: É enervante para o aluno querer comunicar-se, expressar-se, sabendo que do outro lado da mensagem está alguém que não se interessa pelo que lhe vai no subjetivo, estando, isto sim, à espreita policialesca de qualquer “crime” contra o idioma! Pilhas e pilhas de pesquisa já mostraram que a mera repetição exaustiva de formas não leva a utilizar bem essas formas. Até essa etapa da aula, de fato, ainda não vislumbrei nenhuma iniciativa de comunicação efetiva. Até então, o que temos visto limita-se à repetição das formas e um zelo à correção linguística. Depreende-se, do que pode ser observado por meio dos procedimentos adotados, a premissa de que a prática leva à perfeição. Etapa 3 P1 exibe o próximo segmento The power went out last night while I was brushing my teeth por três vezes. E para fins de explicação, P2 faz questionamentos e os alunos respondem: Excerto 3 P2: How do you say these in English? (apontando para a imagem no televisor) AA: Teeth. P2: Is it plural or singular? AA: Plural P2: Very good! What’s the singular? AA: Tooth P2: Perfect! In your opinion, is candy good or bad for your teeth? 100 AA: Bad. P2: In this balloon (apontando para aimagem no televisor), is this boy brushing his teeth? AA: Yes. P2: What’s the boy doing? AA: Brushing his teeth. P2: In this balloon, is this boy using a toothbrush? AA: Yes. P2: What’s the boy using to brush his teeth? AA: a toothbrush. P2: In this balloon, are the lights in or off? AA: On P2: Ok, do we need electricity to turn the lights on? AA: Yes. P2: Do we need power to turn the lights on? AA: Yes. P2: Do we refer to the electricity supply to our home and community as power? AA: Yes. P2: Synonym for electricity…? AA: Power. P2: Excellent! What do we need to operate the TV, the DVD and lights? AA: Power. P2: In this balloon, are the lights on or off? AA: Off. P2: Do lights operate when power goes out? AA: No. P2: When the power goes out, does everything that needs power turn off? AA: Yes. P2: According to this boy, did the power go out at his house last night? AA: Yes. P2: According to this boy, did the power go out at his house an hour ago? AA: No. P2: Did the power go out last night? AA: Yes. P2: What happened to the power at this boy’s house last night, Ana? Ana: The power went out. P2: What happened to the power at this boy’s house last night, everybody? AA: The power went out. P2: What’s the past of go out? AA: Went out. P2: According to this boy, the power went out last night while he was brushing his teeth? AA: Yes. P2: Did the power go out last night while he was watching TV or while he was brushing his teeth? AA: While he was brushing his teeth. P2: Lucas, imagine you are this boy and I’m your friend. Tell me if you were watching TV or if you were brushing your teeth when the power went out last night. Lucas: I was brushing my teeth. P2: What happened last night while the boy was brushing his teeth? AA: The power went out.35 35 P2: Como você diz isso em Inglês? (apontando para a imagem no televisor) AA: Dentes. P2: É plural ou singular? AA: Plural. P2: Muito bem! Qual é o singular? AA: Dente. P2: Perfeito! Em sua opinião, doce é bom ou ruim para seus dentes? AA: Ruim P2: Neste balão (apontando para a imagem no televisor), o garoto está escovando os dentes? 101 P2, então, repete o áudio do segmento The power went out last night while I was brushing my teeth até que cada aluno repita individualmente. Nessa etapa da aula, percebo que o professor continua conduzindo as interações. Até então, não há nenhum tipo de interação entre os alunos. Os alunos se limitam a responder em coro ou individualmente, quando solicitados, aos questionamentos do professor. É válido ressaltar que todas as perguntas feitas pelo professor estão descritas AA: Sim. P2: O que o garoto está fazendo? AA: Escovando os dentes. P2: Neste balão, o garoto está usando uma escova de dentes? AA: Sim. P2: O que o garoto está usando para escovar os dentes? AA: Uma escova de dentes. P2: Neste balão, as luzes estão apagadas ou acesas? AA: Acesas. P2: Ok, nós precisamos de energia para ligar as luzes? AA: Sim. P2: Nós nos referimos ao fornecimento de energia em nossa casa e comunidade com o termo “energia”? AA: Sim. P2: Sinônimo para eletricidade? AA: Energia. P2: Excelente! O que nós precisamos para operar a TV, o DVD e as luzes? AA: Energia. P2: Neste balão, as luzes estão acesas ou apagadas? AA: Apagadas. P2: As luzes funcionam quando a energia acaba? AA: Não. P2: Quando a energia acaba, tudo que precisa de energia se desliga? AA: Sim. P2: De acordo com este garoto, a energia acabou em sua casa ontem à noite? AA: Sim. P2: De acordo com este garoto, a energia acabou em sua casa há uma hora? AA: Não. P2: A energia acabou ontem à noite? AA: Não. P2: A energia acabou noite passada? AA: Sim. P2: O que aconteceu com a energia na casa deste garoto na noite passada, Ana? Ana: A energia acabou. P2: O que aconteceu com a energia na casa deste garoto na noite passada, pessoal? AA: A energia acabou. P2: Qual é o passado de go out? AA: Went out. P2: De acordo com este garoto, a energia acabou na noite passada enquanto ele estava escovando os dentes? AA: Sim. P2: A energia acabou noite passada enquanto ele estava assistindo TV ou enquanto ele estava escovando os dentes? AA: Enquanto ele estava escovando os dentes. P2: Lucas, imagine que você é este garoto e eu sou sua amiga. Fale-me se você estava assistindo TV ou escovando os dentes quando a energia acabou noite passada. Lucas: Eu estava escovando os dentes. P2: O que aconteceu noite passada enquanto o garoto estava escovando os dentes? AA: A energia acabou. 102 em seu manual. Desse modo, o professor também tem papel limitado, uma vez que ele apenas reproduz o roteiro disponível em seu manual e verifica a adequação das respostas. Outros aspectos relevantes podem ser depreendidos nessa etapa da aula. A princípio, verifico uma preocupação em explorar o sentido do vocabulário e das sentenças, seja por meio da associação com as imagens ou por meio das perguntas que visam a esclarecer e também verificar o entendimento, por exemplo, do termo power e da estrutura the power went out. Em seguida, constatamos outros princípios orientadores característicos da metodologia audiovisual, tais como os descritos por Paiva (2005): deve-se aprender a língua e não sobre a língua, as estruturas devem ser praticadas até serem automatizadas, as regras gramaticais devem ser aprendidas intuitivamente e os hábitos linguísticos são formados pela saturação da prática. Tendo em mente esses princípios, percebo que existe uma constante preocupação da professora em reforçar através da repetição a estrutura gramatical a fim de que o aprendiz identifique o padrão e seja capaz de reproduzi-lo. Ainda no que tange ao ensino da gramática, verifico que nessa etapa há dois momentos em que o professor faz menção mais explícita à gramática a fim de conferir a compreensão dos aprendizes. A princípio, a professora ressalta a distinção entre o singular e o plural das formas tooth e teeth. Posteriormente, ela questiona sobre o passado do verbo go out. Considerando que, diante do método em questão, as situações de aprendizagem devem ser bem controladas de forma a prevenir os erros e, casos eles ocorram, devem ser sempre corrigidos para evitar a fossilização (PAIVA, 2005), parece-me que a breve menção a esses aspectos estruturais funcionou como um recurso para que o erro seja evitado. Afinal, as formas irregulares tanto do plural quanto dos verbos causam recorrentes dúvidas entre os aprendizes de língua inglesa devido ao contraste com a língua portuguesa. Desse modo, parece-me que alertar previamente para o uso apropriado da forma pretende inibir o erro na fase de reprodução da estrutura. Etapa 4 P2 exibe o segmento So por três vezes e inicia o procedimento de perguntas e respostas: Excerto 4 103 P2: When the boy says to the girl that the power went out last night while he was brushing his teeth, does the girl need more information to understand what happened to the boy’s forehead? AA: Yes. P2: What does the girl say to ask the boy to give her more information? AA: So? P2: In this situation, does the girl want to understand what happened to the boy’s forehead? AA: Yes. P2: Is she saying “so” to ask the boy to explain what happened to his forehead after the power went out last night at his house? AA: Yes. P2: When someone says something and you need more information in order to understand, can you say “so” to ask the person to explain it better and to give you more information? AA: Yes. P2: What does the girl say to ask the boy to give her more information about what happened to his forehead? AA: So.36 P2 exibe o segmento com o enunciado So e cada aluno repete individualmente. Nessa etapa, novamente percebo que a atenção dos aprendizes é direcionada para o sentido que a expressão so veicula e para a função comunicativa que o termo desempenha, uma vez que a professora insistentemente especifica que so pode ser usado quando se pretende pedir explicações adicionais ou esclarecimentos acerca de um acontecimento. Etapa 5 O próximo segmento contendo o enunciado When I bent down to rinse the toothpaste out of my mouth é exibido três vezes. E em seguida, na fase de explicação ocorrem as seguintes interações: Excerto 5 P2: Is the boy now giving more information about what happened to his forehead? 36 P2: Quando o garoto diz à garota que a energia acabou noite passada enquanto ele estava escovando os dentes, a garota precisa de mais informações para entender o que aconteceu com a testa do garoto? AA: Sim. P2: O que a garota diz ao garoto para pedir mais informações? AA: “So”? P2: Nesta situação, a garota quer entender o que aconteceu com a testa do garoto? AA: Sim. P2: Ela está usando “so” para pedir ao garoto que explique o que aconteceu com a testa dele depois que a energia acabou noite passada, em sua casa? AA: Sim. P2: Quando alguém diz algo e você precisa mais informações para entender, você pode dizer “so” para pedir a pessoa que explique melhor e forneça mais informações? AA: Sim. P2: O que a garota diz para pedir ao garoto mais informações sobre o que aconteceu com a testa dele? AA: “So”. 104 AA: Yes. P2: What’s this called in English? (apontando para a imagem do creme dental) AA: Toothpaste. P2: Very good! In your opinion, did the boy put the toothpaste on the toothbrush to clean his teeth? AA: Yes. P2: What’s is this called in English? (apontando para a imagem da boca) AA: Mouth P2: In your opinion, is there water in the boy’s mouth? AA: Yes. P2: yes, There is water inside his mouth. Did he fill his mouth with water and now he is filling out? AA: Yes. P2: Is he rinsing his mouth? AA: Yes. P2: Ok, do I need water to rinse my mouth when I brush my teeth? AA: Yes. P2: So, what’s the boy doing here? AA: Rinsing his mouth. P2: If you rinse your mouth do you wash it by filling your mouth with water and then spilling the water out? AA: Yes. P2: Do you generally rinse your mouth before brushing your teeth or after brushing your teeth? AA: After brushing my teeth. P2: In this balloon, is the boy brushing his teeth or rinsing his mouth? AA: Rinsing his mouth. P2: In this balloon, is there toothpaste in the boy’s mouth? AA: Yes. P2: Is he rinsing his mouth to take the toothpaste out of his mouth? AA: yes. P2: Do we use “out of” to indicate the movement from the inside of something to the outside? AA: Yes. P2: In this balloon, is the boy rinsing the toothpaste out of his mouth? AA: Yes. P2: What is the boy rinsing out of his mouth? AA: The toothpaste. P2: What is the boy doing? AA: He is rinsing the toothpaste out of his mouth. P2: In this balloon here, is he lining his body forward and down (a professora curva-se para demonstrar)? AA: Yes. P2: So, in this balloon, is the boy bending down? AA: Yes. P2: When you bend down, do you line your body forward and down? AA: Yes. P2: In this balloon, is the boy bending down to rinse the toothpaste out of his mouth? AA: Yes. P2: Why is the boy bending down? AA: To rinse the toothpaste out of his mouth. P2: After he brushes his teeth, did he bend down to wash his face? AA: No. P2: Right. He bent down to rinse the toothpaste out of his mouth. So, did he bend down to wash his face or did he bend down to rinse the toothpaste out of his mouth? AA: He bent down to rinse the toothpaste out of his mouth. P2: Perfect! What did the boy do after he brushes his teeth with the toothpaste? AA: He bent down… P2: To? 105 AA: Rinse the toothpaste out of his mouth.37 37 P2: O garoto está dando mais informações sobre o que aconteceu com sua testa? AA: Sim. P2: Como isso é chamado em inglês? AA: Creme dental. P2: Muito bem. Em sua opinião, o garoto colocou creme dental na escova de dente para limpar seus dentes? AA: Sim. P2: Como isso é chamado em inglês? AA: Boca. P2: Em sua opinião, há água na boca do garoto? AA: Sim. P2: Sim, há água na boca dele. Ele encheu a boca com água e agora está esvaziando? AA: Sim. P2: Ele está enxaguando a boca dele? AA: Sim. P2: Certo, eu preciso de água para enxaguar minha boca quando escovo meus dentes? AA: Sim. P2: Então, o que o garoto está fazendo aqui? AA: Enxaguando a boca dele. P2: Se você enxaguar sua boca, você lava a boca enchendo com água e depois a esvazia? AA: Sim. P2: Você geralmente enxágua sua boca antes de escovar os dentes ou depois de escovar os dentes. AA: Depois de escovar os dentes. P2: Neste balão, o garoto está escovando os dentes dele ou enxaguando sua boca? AA: Enxaguando sua boca. P2: Neste balão, há creme dental na boca do garoto? AA: Sim. P2: Ele está enxaguando a boca para tirar o creme dental da boca? AA: Sim. P2: Nós usamos “out of” para indicar o movimento de dentro de algo para fora? AA: Sim. P2: Neste balão, o garoto está enxaguando o creme dental da boca? AA: Sim. P2: O que o garoto está enxaguando da boca? AA: O creme dental. P2: O que o garoto está fazendo? AA: Ele está enxaguando o creme dental da boca. P2: Neste balão aqui, ele está se curvando para frente? AA: Sim. P2: Então, neste balão, o garoto está curvando-se? AA: Sim. P2: Quando você curva-se, você alinha seu corpo para frente e para baixo? AA: Sim. P2: Neste balão, o garoto está curvando-se para enxaguar o creme dental da boca? AA: Sim. P2: Por que o garoto está curvando-se? AA: Para enxaguar o creme dental da boca. P2: Depois de escovar os dentes, ele curvou-se para lavar o rosto? AA: Não. P2: Certo. Ele curvou-se para enxaguar o creme dental da boca. Então, ele curvou-se para lavar o rosto ou para enxaguar o creme dental da boca? AA: Ele curvou-se para enxaguar o creme dental da boca. P2: Perfeito! O que o garoto fez depois de escovar os dentes com o creme dental? AA: Ele curvou-se... P2: Para? AA: Enxaguar a boca. 106 Cada aluno repete o enunciado When I bent down to rinse the toothpaste out of my mouth individualmente. Por fim, P2 exibe o último enunciado I hit my head on the faucet por três vezes e segue com a etapa da explicação: Excerto 6 P2: What’s this called in English? (apontando para a imagem no televisor) AA: Faucet P2: Very good! When you hit something, do you touch it with a lot of force? AA: Yes. P2: What’s the boy hitting his head on? AA: On the faucet. P2: Ok. According to the boy, when he bent down to rinse the toothpaste out of his mouth, did he hit his hand on the faucet? AA: No. P2: Did he hit his head on the faucet when he bent down to rinse the toothpaste out of his mouth? AA: Yes. P2: When he bent down to rinse the toothpaste out of his mouth, did he hit his hand or did he hit his head on the faucet? AA: His head. P2: Which part of the head did he hit on the faucet? AA: The forehead. P2: Maria, imagine you are the boy. Tell us what you were doing when the power went out last night. Maria: I was brushing my teeth. P2: And did you see the faucet when you bent down to rinse the toothpaste out of your mouth? Maria: No. P2: And what happened when you bent down to rinse the toothpaste out of your mouth? Maria: I hit my head on the faucet. P2: Very good! Joana, what happened to the boy when the power went out last night? Joana: He hit his head on the faucet. P2: Perfect!38 38 P2: Como isso é chamado em inglês? AA: Torneira. P2: Muito bem! Quando você bate em alguma coisa, você a toca com muita força? AA: Sim. P2: Em que o garoto está batendo a cabeça? AA: Na torneira. P2: Certo. De acordo com o garoto, quando ele curvou-se para enxaguar o creme dental da boca, ele bateu a mão na torneira? AA: Não. P2: Ele bateu a cabeça na torneira quando ele curvou-se para enxaguar o creme dental da boca? AA: Sim. P2: Quando ele curvou-se para enxaguar o creme dental da boca, ele bateu a mão ou ele bateu a cabeça na torneira? AA: A cabeça. P2: Que parte da cabeça ele bateu na torneira? AA: A testa. P2: Maria, imagine que você é o garoto. Diga-nos o que você estava fazendo quando a energia acabou noite passada. Maria: Eu estava escovando meus dentes. P2: Você viu a torneira quando você curvou-se para enxaguar o creme dental da boca? Maria: Não. P2: E o que aconteceu quando você curvou-se para enxaguar o creme dental da boca? 107 P2, então, repete o segmento com o enunciado I hit my head on the faucet para que cada aluno repita individualmente. A etapa 5 preserva as mesmas características das etapas anteriores, o que alicerça o nosso posicionamento acerca da previsibilidade das ações em sala de aula. Assim como P1 é capaz de descrever cuidadosamente os procedimentos da aula, é possível que os alunos também sejam capazes de fazê-lo, uma vez que as aulas decorrem basicamente por meio dos mesmos mecanismos. Durante o período integral de observação, poucas variações foram verificadas, tais como o acréscimo de algumas atividades com drills ou algumas oportunidades de interação entre os estudantes mediada pelo professor. Nesse ponto, faz-se necessário ressaltar que em nenhum momento durante o período de observação nos defrontamos com situações de comunicação genuína entre os aprendizes. Os raros momentos em que os aprendizes interagem acontecem por meio de um processo mediado e controlado pela professora, cujo papel é dirigir comandos do tipo João ask Maria if the power went out last night. Desse modo, verifico que apesar da intenção de demonstrar através dos exemplos e do insumo fornecido a função comunicativa das estruturas linguísticas, não há oportunidades para que tais estruturas sejam efetivamente utilizadas. Não são propostas atividades que propiciem a interação com propósitos comunicativos, o que tanto ignora quando restringe a capacidade criativa dos aprendizes. De fato, parece-me que a palavra “controle” parece ser o cerne que fundamenta as ações recorrentes na sala de aula de P2. P2 é controlada pelo manual do professor que direciona todas as suas ações. Os aprendizes, por sua vez, são também controlados pelo roteiro estabelecido no manual e pelos procedimentos adotados por P2. Todas as ações parecem ser previstas para que nada escape à previsibilidade e à segurança promovida por um modelo de ensino que se alicerça na repetição, imitação e reprodução, mas que não consegue avançar para a etapa da produção. Etapa 6 P2 exibe um vídeo ilustrando o acidente do garoto. O vídeo consiste em apenas imagens sem áudio. P2, então, questiona e os alunos respondem: Maria: Eu bati minha cabeça na torneira. P2: Muito bem! Joana, o que aconteceu com o garoto quando a energia acabou noite passada? Joana: Ele bateu a cabeça na torneira. P2: Perfeito! 108 Excerto 7 P2: In this situation, did the boy hit his head on the faucet? AA: Yes. P2: Did he hit his forehead when he bent down to rinse the toothpaste out of his mouth? AA: Yes. P2: In your opinion, was it the boy’s intention to hit his forehead? AA: No. P2: Was it an accident? AA: Yes. P2: Suggest a title to the situation. Mário: An accident. P2: Any more suggestions? AA: No. P2: Ok, Let’s check.39 P2 exibe o vídeo novamente e no final o título da situação é revelado. P2 congratula Mário por ter acertado o título da situação. Então, P2 prossegue a aula com o intuito de verificar a pronúncia dos alunos. Para tanto, ela exibe cada enunciado e cada aluno individualmente é orientado a repetir o enunciado. Nessa etapa, observo que um dos objetivos é que os alunos “deduzam” o título da situação a partir da exibição do vídeo. Desse modo, P2 retoma algumas questões acerca do incidente ocorrido com o personagem. No entanto, a seguinte pergunta realizada por P2 “Was it an accident?” praticamente revela o título que deveria ser sugerido pelo aluno. Assim sendo, um dos aprendizes rapidamente sugere o título an accident. Diante desse tipo de prática, percebo o quão pouco os aprendizes contribuem na construção do processo de ensino-aprendizagem. Mesmo em situações em que o aprendiz deveria usar sua capacidade de inferência, o professor revela a informação de antemão para que o aprendiz apenas a reproduza. Dessa maneira, o professor continua se configurando como detentor do conhecimento que deve ser transmitido ao aluno, cujo papel parece ser o de passivamente receptar e apreender o que lhe é fornecido. 39 P2: Nesta situação, o garoto bateu a cabeça na torneira? AA: Sim. P2: Ele bateu a testa quando ele curvou-se para enxaguar o creme dental da boca? AA: Sim. P2: Em sua opinião, foi intenção do garoto bater a testa ? AA: Não. P2: Foi um acidente? AA: Sim. P2: Sugiram um título para a situação. Mário: Um acidente. P2: Alguma outra sugestão? Mário: Não. P2: Certo, vamos verificar. 109 Essa fase da aula também tem a finalidade de verificar a pronúncia dos aprendizes. Sendo assim, cada aluno deve repetir cada enunciado individualmente. O professor, por sua vez, prossegue com as correções necessárias a fim de reprimir nova ocorrência do erro. É preciso ressaltar que, até então, os aprendizes não tiveram contato com nenhum material escrito. Afinal, conforme P2 havia mencionado na entrevista, o percurso do ensino obedece a uma ordem no que concerne o trabalho com as quatro habilidades. A princípio, os aprendizes escutam e falam para posteriormente lerem e escreverem. Segundo Thornbury (2001), se herdou do audiolinguismo a premissa de que a forma escrita pode interferir negativamente na pronúncia. Entretanto, o autor destaca que os aprendizes cometerão erros de pronúncia de qualquer maneira e, que quanto antes lidarmos com isso, melhor. Noutras palavras, poderíamos dizer que talvez seja melhor que os aprendizes observem e percebam as diferenças entre a fala e a escrita o mais cedo o possível. É importante que se tenha a percepção de que a fala e a escrita são dimensões distintas, que preservam características também distintas, e que a pronúncia é um dos aspectos que merece atenção. O autor considera ainda que é muito mais fácil observar informações lexicais e gramaticais a partir da forma escrita do que da falada. Dessa maneira, sugere que talvez não seja proveitoso postergar o contato com a escrita quando o que se pretende que as regras sejam aprendidas indutivamente. Etapa 7 P2 toca o DVD novamente e cada aluno repete uma fala. Então, P2 reinicia a interação com os aprendizes: Excerto 8 P2: What’s the title of the situation? AA: An accident. P2: What’s the first question the girl asks? AA: What happened to your forehead? P2: What does the boy answer? AA: The power went out last night while I was brushing my teeth.40 40 P2: Qual é o título da situação? AA: Um acidente. P2: Qual é a primeira pergunta feita pela garota? AA: O que aconteceu com sua testa? P2: O que o garoto responde? AA: A energia acabou noite passada enquanto eu estava escovando meus dentes. 110 P2, então, inicia uma explicação gramatical em língua portuguesa: Excerto 9 P2: Então, duas coisas aconteceram. Uma estava em progresso quando a outra aconteceu. O que estava em progresso? I was brushing my teeth, né? Então, não demora um minuto? Nesse minuto ou dois minutos, algo aconteceu. É o mesmo que falar assim: Eu estava estudando quando o meu telefone tocou. Eu estava tomando banho quando a minha mãe me chamou. Então, nesse caso, quando tem alguma coisa acontecendo e outra acontece no meio, a gente usa while, não é isso? Então, o que aconteceu? The power...? AA: went out P2: While...? AA: I was brushing my teeth. P2: Very good ! Então, a frase completa é I was brushing my teeth while the power went out. A última etapa da aula, portanto, consiste em uma explicitação gramatical acerca do uso do passado contínuo e do passado simples no sentido de esclarecer que uma ação estava em andamento quando outra ação a interrompe. Para demonstrar essa relação entre os acontecimentos, P1 fornece exemplos na língua portuguesa e retoma o exemplo tão exaustivamente repetido ao longo da aula. Porém, nenhum outro exemplo é fornecido em língua inglesa. A essa altura, presume-se que os alunos já tenham reconhecido o uso do passado simples e do passado contínuo, portanto, P1 não direciona atenção às regras de estruturação da sentença como também não utiliza a nomenclatura para dizer que tempos verbais estão sendo empregados. 111 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nestas considerações finais, refletirei sobre os resultados obtidos com esta pesquisa que teve como objetivo geral discutir e repensar o ensino de gramática na contemporaneidade, investigando como as professoras, participantes do estudo, abordam o ensino de gramática em suas aulas. Para tanto, verifiquei que estratégias elas utilizam e quais premissas convergem com suas ações pedagógicas, bem como se essas professoras direcionam a atenção para o sentido e para as funções comunicativas da língua. Finalmente, quis observar como o contexto de atuação dos sujeitos interfere em suas práticas. Para cumprir tais objetivos, estabeleci cinco perguntas de pesquisa, que serão respondidas a seguir à luz dos dados obtidos e analisados. 1. Como as professoras abordam o ensino de gramática nos contextos investigados e que aspectos desse contexto interferem nas suas práticas? Diante dos dados obtidos ficou evidente um distanciamento entre os dois contextos investigados no que concerne o trabalho com a gramática em sala de aula. No contexto da escola pública, determinados fatores tais como carência de infraestrutura adequada, escassez de tempo e de materiais e o elevado número de aprendizes por turma, parecem contribuir para um modelo de ensino tradicional em que a gramática é sempre apresentada pelo professor e reforçada através de exercícios de fixação. Notoriamente, observou-se uma supremacia às regras de estruturação da língua em detrimento do trabalho com o significado e com as funções comunicativas. Aliado aos fatores contextuais já mencionados, observou-se que a perspectiva da professora em relação ao ensino da gramática também contribui para que este modelo de ensino seja adotado. P1 afirma constantemente a necessidade de que regras sejam memorizadas e reforça esse discurso diante de seus aprendizes. Os procedimentos adotados em aula, por sua vez, condizem com uma proposta cujo objetivo final parece recair unicamente na memorização das regras e na aplicação dessas regras em exercícios de reprodução. Dessa maneira, a abordagem de gramática no contexto da escola pública preserva características tradicionalistas que pouco contribuem para o desenvolvimento da competência comunicativa dos aprendizes. No cenário do curso de idiomas, verifica-se uma abordagem de ensino de gramática moldada nos pressupostos do audiolinguismo. Assim sendo, as aulas se fundamentam em um modelo indutivo e a exposição ao insumo é o ponto de partida 112 para a apresentação às estruturas linguísticas. Procedimentos de repetição são incansavelmente utilizados. Desse modo, também se observa que a reprodução assume um papel preponderante no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, ao passo que no contexto da escola pública a reprodução se concretiza por meio de exercícios escritos, no curso de idiomas, é a repetição falada, seja ela individual ou coletiva, que conduz o ensino. O pressuposto que parece fundamentar a abordagem de ensino no curso de idiomas é o de que, a repetição exaustiva das estruturas linguísticas permite que os aprendizes automatizem as formas e os habilita a transpor esse conhecimento automatizado para situações reais de comunicação. Contudo, P2 não tem condições de verificar se os aprendizes são, de fato, capazes de realizar essa transposição, haja vista que não existem oportunidades de interação efetiva por meio da língua alvo durante as aulas. Diante do exposto, verificamos que a principal divergência entre os contextos de ensino recai na escolha por um modelo dedutivo ou indutivo de ensino. A explicitação gramatical é o ponto de partida das aulas de P1, ao passo que, nas aulas de P2, a exposição ao insumo e sua repetição são os primeiros procedimentos adotados a fim de que a gramática seja contemplada. 2. Que estratégias são utilizadas pelas professoras a fim de conduzir o ensino da gramática? Os dados obtidos evidenciaram que as estratégias utilizadas para a condução do ensino de gramática se diferenciam significativamente entre os dois contextos. Entretanto, revelaram também que ambas as professoras adotam estratégias bem rotineiras para o ensino de gramática, ou seja, não foram observadas variações procedimentais na condução do ensino de estruturas gramaticais. As professoras mantiveram uma postura uniforme sempre que lidavam com algum aspecto de cunho gramatical. As aulas de P1 se fundamentam em uma abordagem tradicional de ensino de LE. Ressalto que o termo “tradicional” é aqui empregado para se referir às técnicas características do método gramática e tradução, comumente observadas na prática de P1. Dessa maneira, em suas aulas, a gramática é apresentada por meio de explicações em língua portuguesa. P1 costuma estabelecer um paralelo entre as estruturas estudadas em língua inglesa com as estruturas já conhecidas pelos aprendizes na língua portuguesa. Desse modo, P1 sempre inicia a apresentação da gramática questionando o 113 funcionamento das mesmas estruturas na nossa língua materna. A participação dos aprendizes, portanto, restringe-se a essa breve descrição de alguns aspectos linguísticos da língua portuguesa. Ademais, P1 é a protagonista no processo de ensinoaprendizagem, cujo papel é explicitar as regras para posteriormente fornecer exemplos. Curiosamente, muitos desses exemplos são fornecidos ainda em língua portuguesa. Os exemplos fornecidos em língua inglesa, por sua vez, configuram-se em frases descontextualizadas das quais o sentido é pouco explorado. Os exercícios propostos são sempre estruturais e objetivam essencialmente que as regras de organização das frases sejam memorizadas. Aliás, faz-se necessário ressaltar que P1 endossa constantemente o discurso de que os aprendizes precisam memorizar as regras, a fim de que consigam se comunicar corretamente. A observação das aulas evidenciou ainda que todas as atividades delineadas para o estudo da gramática são fornecidas na modalidade escrita. Considerando a quantidade de alunos na turma, não é difícil imaginarmos os obstáculos que P1 enfrentaria ao tentar propor atividades com a oralidade. Em suma, posso afirmar que P1 fundamenta-se, essencialmente, em uma abordagem dedutiva de ensino de gramática, em que a explicitação gramatical é o fio condutor do ensino. Suas ações pedagógicas, portanto, remetem a um modelo de ensino centrado no professor e na transmissão de conteúdo. Os aprendizes, por outro lado, limitam-se a receptar passivamente o conhecimento transmitido e reproduzi-lo mediante exercícios estruturais escritos. Quanto a P2, os dados evidenciaram que o caminho percorrido para o ensino da gramática é o inverso, ou seja, as aulas de P2 são alicerçadas em um modelo indutivo. Os aprendizes são, a princípio, expostos a exemplos e conduzidos à repetição exaustiva dos padrões linguísticos para que, posteriormente, sejam explicitadas as regras. No entanto, observei que a proposição do modelo indutivo parece não cumprir integralmente sua finalidade, uma vez que apesar dos aprendizes terem tido o contato prévio e constante com a estrutura alvo, terem repetido inúmeras vezes o padrão linguístico, terem tido a oportunidade de observar e perceber seu funcionamento, é o professor quem faz a explicitação sobre a gramática. Os aprendizes, por sua vez, também têm a limitada função de apreender o que é transmitido pelo professor. Desse modo, percebo que, mesmo no curso de idiomas, as habilidades de reconhecimento de padrões e de resolução de tarefas também não são devidamente reconhecidas e exploradas. Vale ressaltar ainda que, embora a aula seja conduzida em língua inglesa, a explicitação gramatical é realizada em língua portuguesa. 114 Outro aspecto relevante a ser mencionado se refere ao trabalho com a habilidade oral. Em contraste ao que ocorre nas aulas de P1, a habilidade oral é priorizada durante as aulas de P2. Os aprendizes só entram em contato com a escrita quando as etapas de ouvir e falar são integralmente contempladas. Os aprendizes são expostos a vídeos em que são exibidas situações que simulam acontecimentos do dia-a-dia. Essas situações são exploradas através de perguntas e os alunos são conduzidos à reprodução de todos os enunciados que compõem os diálogos presentes nessas situações. Dessa maneira, fica evidente que a imitação da pronúncia e a reprodução dos padrões linguísticos constituem a base do ensino. Surpreende-me, entretanto, que mesmo no curso de idiomas não sejam propostas atividades de produção. Em momento algum, presenciei propostas de atividades de produção que vislumbrassem o uso das estruturas linguísticas estudadas em situações de comunicação genuína entre os aprendizes. Sendo assim, quando afirmo que há uma priorização do trabalho com a oralidade, entenda-se oralidade como mera reprodução de enunciados. Diante do exposto, verifico que as estratégias de ensino de gramática adotadas por ambas as professoras, apesar das diferenças mencionadas, parecem ainda deixar uma nítida lacuna quanto ao tratamento gramatical, haja vista a dificuldade de estabelecer um paralelo entre o conhecimento explorado em sala de aula e as oportunidades de uso efetivo das estruturas alvo. 3. Que premissas concernentes ao ensino de gramática presentes no discurso das professoras convergem e/ou divergem com suas ações pedagógicas? Os dados obtidos revelam que as premissas presentes no discurso das professoras participantes desta pesquisa, ora convergem, ora divergem de suas ações em sala de aula. Para fins de organização, apresento uma relação das premissas que puderam ser apreendidas através do discurso das professoras, destacando os aspectos convergentes e divergentes. Através da análise das respostas de P1 à entrevista e da observação das aulas, identifico que as seguintes premissas convergem com a sua prática pedagógica: a) A gramática é o elemento que direciona os aprendizes a falar “corretamente”: As aulas de P1 evidenciam sua preocupação com o cumprimento das regras estruturais da língua. Dessa maneira, P1, reafirma constantemente, para os 115 aprendizes a necessidade de que eles conheçam as regras e as respeitem. Além disso, os exercícios propostos também comprovam o quanto P1 direciona a atenção dos aprendizes aos padrões de organização das sentenças. b) A escola é o espaço onde o aprendiz precisa aprender a gramática normativa: a sala de aula de P1 é um recinto onde a norma culta reina plenamente, haja vista que não observei nenhum momento em que outras variações linguísticas fossem sequer mencionadas. c) Os erros são considerados desvios que precisam ser evitados: as atividades propostas pretendem praticar exaustivamente as estruturas linguísticas, a fim de que elas sejam memorizadas, reproduzidas e que os erros sejam, consequentemente, evitados. A ausência de atividades de produção também corrobora para que os erros não ocorram, uma vez que a imprevisibilidade e os riscos inerentes à produção normalmente ocasionam erros. d) É importante traçar um paralelo entre a língua inglesa e a língua portuguesa para que os aprendizes percebam as semelhanças existentes entre a gramática das duas línguas e compreendam as estruturas mais facilmente: ao apresentar novas estruturas linguísticas, P1 preocupa-se em elicitar as contribuições dos aprendizes, considerando o seu conhecimento sobre a língua materna. A correlação entre a estrutura alvo na língua inglesa e a estrutura alvo na língua materna é o ponto de partida de P1 na exposição de um conteúdo de cunho gramatical. e) As estruturas gramaticais são mais bem assimiladas quando apresentadas previamente. Desse modo, só depois da exposição ao conteúdo gramatical os aprendizes devem ter contato com os textos, para que visualizem, na prática, os exemplos da gramática em uso: os dados demonstraram que a prática pedagógica de P1 alicerça-se em um modelo dedutivo de ensino e, dessa maneira, as aulas de P1 constituem um ciclo em que a explicitação da gramática antecede atividades de prática e de leitura. f) As estruturas gramaticais devem ser trabalhadas da forma mais simplificada possível para facilitar a compreensão: as aulas observadas evidenciaram uma tendência em equacionar as regras gramaticais a fórmulas imutáveis que os aprendizes precisam simplesmente memorizar. Verifiquei também que as frases utilizadas para fins de exemplificação durante as explicações possuem baixo grau de complexidade linguística e são constituídas de vocabulário bem elementar. As sentenças que constituem os exercícios escritos preservam as mesmas características. 116 g) A ausência de domínio de vocabulário, por parte dos aprendizes, impede que algumas atividades gramaticais presentes no livro sejam utilizadas nas aulas: todas as atividades gramaticais propostas durante o período de observação foram formuladas pela própria professora e eram constituídas de vocabulário elementar. A seguir, enumero as premissas presentes no discurso de P1 que divergem de sua prática pedagógica: a) O ensino da gramática deve viabilizar, essencialmente, o desenvolvimento da oralidade e promover a comunicação falada: os dados obtidos evidenciam que, discursivamente, em sala de aula, P1 reafirma seu objetivo de promover o desenvolvimento da habilidade oral. No entanto, as ações em si não condizem com uma proposta de trabalho com a oralidade, haja vista que todas as atividades propiciadas fundamentam-se na leitura e escrita. Em nenhum momento, os aprendizes tiveram oportunidades de vivenciar o uso da língua por meio da fala, seja por meio da prática controlada ou da produção. O considerável número de aprendizes na turma, a saber, quarenta e cinco alunos, parece inviabilizar o trabalho com a oralidade e frustrar as expectativas de P1 em relação aos objetivos que o ensino de LE deve alcançar. b) Às vezes, faz-se necessário utilizar as nomenclaturas para fins de explicação do conteúdo gramatical, porém, elas devem ser evitadas para não confundir o aluno: durante a observação das aulas não verifiquei nenhuma ressalva ou cautela quanto ao emprego de nomenclaturas para fins de explicitação de regras estruturais da língua. P1, habitualmente, faz uso de nomenclaturas para conduzir o ensino da gramática. Desse modo, considero que essa conduta na prática pedagógica de P1 é muito mais recorrente do que seu discurso sugere. c) O aprendiz precisa evitar o uso da língua materna para fins de tradução e deve inferir os significados das palavras e frases por meio do contexto em que estão inseridas: considerando que as aulas são ministradas exclusivamente em língua portuguesa e que as frases utilizadas, tanto nos exemplos quanto nos exercícios, são descontextualizadas, verifiquei uma nítida divergência entre esta premissa e a prática de P1. d) A repetição falada de estruturas prontas é essencial para que o aprendiz assimile e internalize a língua: a prática de repetição da fala, ainda que em coro, não foi 117 presenciada nas aulas observadas. Desse modo, mesmo considerando a repetição da fala um elemento primordial para a internalização da língua, P1 não utiliza esse recurso nesse contexto de atuação. e) O aprendiz deve imitar o falante nativo e falar como ele: como já mencionado, as aulas não propiciam o trabalho com a habilidade oral. Além disso, observei que durante as aulas não houve exposição a insumo autêntico, ou seja, os aprendizes não tiveram oportunidades de ouvir a insumos provenientes de falantes nativos e, tão pouco, imitá-los. Em relação a P2, identifiquei as seguintes premissas presentes em seu discurso que se concretizam em suas aulas e convergem com suas ações pedagógicas: a) Em cursos livres, a gramática funciona como ferramenta para o aprendizado da língua e para o desenvolvimento das quatro habilidades: as aulas, de fato, contemplam as quatro habilidades linguísticas, obedecendo rigorosamente a ordem de ouvir, falar, ler e escrever. As estruturas gramaticais em estudo, por sua vez, são contempladas em todas essas modalidades. b) O aprendizado da língua e, consequentemente, da gramática, deve seguir ordenadamente as etapas de ouvir, falar, ler e, por fim, escrever: a ordenação do ensino nessas etapas é sistematicamente respeitada pela professora na condução de suas aulas. c) A sistematização do conteúdo gramatical deve ocorrer somente quando os aprendizes já tiverem tido a oportunidade de ouvir, compreender e repetir as estruturas em uso: conforme presenciei durante a observação das aulas, P2 apenas explicita o funcionamento das estruturas gramaticais uma vez que os aprendizes tenham sido expostos ao insumo auditivo diversas vezes, que a compreensão dos enunciados tenha sido verificada e que os aprendizes tenham repetido os enunciados por diversas vezes. d) Quando surge alguma dúvida em relação aos aspectos gramaticais, independente da etapa da aula, o professor precisa intervir e esclarecer o funcionamento das estruturas em estudo, a fim de que o aprendiz não permaneça meramente reproduzindo as frases sem a devida compreensão de seu funcionamento: presenciei momentos em que, ainda que brevemente, P2 interrompe os procedimentos da aula para esclarecer algum aspecto gramatical quando lhe é solicitado. 118 Mediante a observação das aulas e os dados obtidos na entrevista, identifiquei as seguintes divergências entre o discurso e a prática pedagógica de P2: a) Uma proposta de ensino em que os aprendizes são conduzidos a inferir sobre o funcionamento das estruturas gramaticais é mais efetiva do que uma proposta em que as regras são explicitadas pelo professor: embora os aprendizes sejam expostos a exemplos de uso das estruturas gramaticais previamente e que o professor levante alguns questionamentos acerca do sentido veiculado por tais estruturas, é a própria professora quem explicita e sistematiza o tópico gramatical e não é possível verificar, portanto, se os aprendizes foram capazes de fazer as devidas inferências e reconhecer os padrões linguísticos. b) A gramática funciona como um mecanismo de flexibilização que permite que o aprendiz consiga produzir enunciados para além daqueles automatizados por meio de repetições nas aulas de língua inglesa: durante o período de observação não presenciei atividades de produção. Todas as interações ocorreram por meio da prática controlada em que professor, de antemão, direcionava que estrutura e que vocabulário utilizar. Desse modo, não vislumbrei iniciativas de uso criativo da língua e produção de enunciados realmente diferenciados daqueles tão exaustivamente repetidos durante a aula. Por essa razão, acredito que a noção de gramática como mecanismo de flexibilização não foi contemplada nas aulas de P2, uma vez que a capacidade criativa dos aprendizes é quase que ignorada. No discurso de P2, ficaram evidentes também duas outras premissas, as quais não consegui identificar convergência ou divergência com sua prática pedagógica, pelos motivos que esclareço a seguir: a) Em cursos pré-vestibulares e no ensino médio, o foco do ensino de língua estrangeira deve residir na leitura, e a gramática, por sua vez, deve instrumentalizar o aprendiz para a habilidade leitora: uma vez que não observei a prática de P2 nesses contextos de atuação, nada posso afirmar em relação à concretização dessa premissa em suas ações pedagógicas. b) A maneira como o professor aborda a gramática nas aulas deve se pautar nos interesses e objetivos do grupo de aprendizes: considerando que os aprendizes não 119 foram envolvidos nesta pesquisa e que, portanto, desconheço seus interesses e objetivos, não posso verificar se o ensino de gramática adotado dialoga harmoniosamente com os propósitos dos aprendizes. 4. Como as professoras direcionam a atenção dos alunos para o sentido e para as funções comunicativas da língua quando lidam com aspectos gramaticais? Considerando os procedimentos adotados e as atividades propostas em sala de aula, verificamos que P1 não direciona efetivamente a atenção de seus aprendizes para o sentido e para as funções comunicativas ao trabalhar com aspectos gramaticais. A observação das aulas de P1 evidenciou grande preocupação com a manipulação das formas em detrimento da produção de significados com propósitos comunicativos. Ao trabalhar com os advérbios de frequência, por exemplo, P1 enfatizou a regra de ordenação das sentenças, ressaltando para os aprendizes unicamente a importância de que a regra fosse memorizada. No entanto, os exemplos fornecidos e os exercícios propostos são completamente descontextualizados e não veiculam sentidos que, de fato, dialoguem com a realidade dos aprendizes. Além disso, também não vislumbramos oportunidades de uso efetivo das formas com propósitos de comunicação. Notoriamente, P1 apenas menciona o sentido e as funções comunicativas. Isto é, P1 revela o significado das formas e declara em que situações tais formas são empregadas. Contudo, os aprendizes não são expostos a exemplos significativos como também não são conduzidos à produção de enunciados que cumpram propósitos de comunicação. Quanto a P2, verificamos que durante suas aulas o sentido das estruturas é explorado por meio de perguntas de verificação. P2 questiona insistentemente a respeito do significado das sentenças que são utilizadas como insumo. A princípio, os aprendizes são expostos ao insumo. Em seguida, são conduzidos à repetição das estruturas linguísticas para, finalmente, serem questionados sobre os significados que elas veiculam. Observa-se, portanto, que há uma preocupação em garantir a compreensão das mensagens transmitidas pelas estruturas. Em relação às funções comunicativas, verifica-se que há a intenção de demonstrar através dos exemplos e do insumo fornecido a função desempenhada pelas formas. As imagens e diálogos demonstrados facilitam a compreensão das estruturas em uso. No entanto, observa-se também que não há oportunidades para que tais estruturas sejam efetivamente utilizadas. Desse modo, é 120 provável que os aprendizes sejam capazes de descrever as situações em que as formas podem ser empregadas, porém não é possível verificar se eles são capazes de usar efetivamente essas formas nas situações descritas. 5. O contexto de atuação (escola pública ou curso de idiomas) interfere na maneira como as professoras abordam o ensino da gramática em suas aulas? Alguns aspectos do contexto de atuação, de certo, influenciam na abordagem adotada para o ensino da gramática. No entanto, não posso ser taxativa ao elencar que aspectos, de fato, exercem uma interferência direta na maneira como as professoras conduzem o ensino de gramática em suas aulas, considerando que não tive como averiguar qual seria a postura destas profissionais caso o contexto fosse outro. Desse modo, o que pretendo aqui é descrever que aspectos possivelmente impedem ou dificultam para que o professor concretize, na prática, algumas das premissas e concepções identificadas em seu discurso. Nesta pesquisa, as professoras participantes parecem estar situadas em dois segmentos extremos: P1, sendo professora de uma escola pública da rede estadual, carece de uma infraestrutura adequada para o ensino de uma LE, ainda mais quando consideramos o número excessivo de alunos por turma. Porém, P1 dispõe de ampla autonomia na condução de suas ações pedagógicas. P2, por outro lado, ao atuar em um curso de idiomas, conta com uma infraestrutura apropriada e suas turmas são compostas de, no máximo, quinze alunos. Contudo, P2 dispõe de pouca autonomia para conduzir suas atividades de ensino. O método imposto e o tempo disponível para que se cumpra integralmente o material didático, de certa maneira, parecem aprisioná-la em um arcabouço didático que nem sempre reflete suas expectativas em relação ao ensino de LE. Partindo dessas considerações, concluo que os aspectos a seguir listados podem interferir na condução do ensino da gramática: a) Número de aprendizes nas turmas: Os dados obtidos na entrevista demonstraram recorrentemente que P1 concebe e anseia que a gramática funcione como ferramenta para a comunicação falada. É nítido o interesse e expectativa de que seus aprendizes desenvolvam habilidades orais. No entanto, ao se deparar com uma realidade de quarenta e cinco alunos na turma, não é difícil imaginar as dificuldades enfrentadas 121 por P1 ao tentar implementar atividades orais. Desse modo, o discurso de P1 também sugere certa frustração nesse sentido. A professora parece não dispor de alternativas para que esse propósito do ensino se concretize, em sua prática. b) Infraestrutura: P1 carece de uma infraestrutura em sala de aula que lhe permita utilizar habitualmente de recursos audiovisuais. Na sala em que realizei a observação, não havia televisão, aparelho de som ou projetores. Desse modo, parece-me inviável que P1 utilize insumo auditivo, por exemplo, para inserir aspectos gramaticais nas aulas. Na entrevista, P1 deixa claro sua convicção de que os falantes nativos e a imitação de estruturas por eles produzidas desempenham importante papel no aprendizado. No entanto, a ausência desses recursos inviabiliza iniciativas que se pautem em atividades auditivas. Assim sendo, o único insumo em língua inglesa a que os aprendizes são expostos é aquele proveniente da fala de P1 ao fornecer exemplos e ler textos. A realidade vivenciada por P1 é representativa de uma gama de profissionais que esbarram cotidianamente com os mesmos empecilhos e, que, não raro, apesar da vontade de trabalhar as quatro principais habilidades linguísticas, precisa eleger entre elas aquela que é exequível em seu contexto de atuação. c) Tempo: P1 tem um encontro semanal com a turma. São duas aulas geminadas com duração de cinquenta minutos cada. Desse modo, P1 dispõe de uma hora e quarenta minutos semanais para contemplar o ensino da língua. P2, por sua vez, tem dois encontros semanais com a turma, com duração de uma hora e quinze minutos cada. Assim sendo, ela dispõe de duas horas e trinta minutos semanais para cumprir com os objetivos do ensino. No curso de idiomas, portanto, contabilizamos cinquenta minutos adicionais em relação à escola pública. Vale ressaltar ainda que, no curso de idiomas, são previstos os feriados, datas festivas etc. As aulas não ministradas, por coincidirem com estas datas, são remanejadas para um dia alternativo. Além disso, conforme mencionado por P1 previamente durante a entrevista, existe a possibilidade de agendar aulas extras às sextas feiras, quando a professora julga necessário. Se adicionarmos ao fator tempo a quantidade de alunos; verifico uma discrepância considerável entre os dois contextos. Considero que alguns indícios apontam para uma possível interferência do fator tempo nas ações pedagógicas das professoras. P1, por exemplo, opta declaradamente por uma abordagem dedutiva de ensino. A abordagem dedutiva, certamente, poupa tempo, uma vez que o professor vai direto ao ponto e fornece as regras e os exemplos imediatamente. A opção por uma abordagem indutiva, 122 possivelmente, demandaria mais tempo tanto durante o planejamento das aulas quanto durante a sua condução. P2, por outro lado, ao dispor de maior carga horária de aulas, além de ter condições de trabalhar as quatro habilidades, conduz o ensino por meio de uma abordagem indutiva. Conforme observado nas aulas, há um tempo disponível para que P2 questione e verifique a compreensão dos aprendizes dos enunciados proferidos nos diálogos. O aprendiz escuta, repete e, supostamente, compreende o sentido expresso pelas estruturas utilizadas. Vale ressaltar, entretanto, que a adoção desse modelo de ensino, no caso de P2, é muito mais uma exigência metodológica da instituição do que uma escolha pessoal da professora. d) Autonomia: Os dados demonstraram uma nítida divergência entre os dois contextos de atuação no que tange ao quesito autonomia. P1 parece ter ilimitada autonomia na condução de sua prática pedagógica. P2, por outro lado, carece de autonomia em diversos aspectos. Para fins de exemplificação, posso citar a ausência de autonomia na escolha dos materiais didáticos e na opção por procedimentos e estratégias de ensino. Gostaria de pontuar que, durante esta pesquisa, o pesquisador teve dificuldades interpretativas para identificar se determinadas manifestações em sala de aula advinham da professora em si ou do método empregado. Essa confusão, entretanto, não me parece ter sido ocasionada porque P2 está convicta de todas as premissas inerentes ao método. Parece-me, contudo, que P2 incorpora tais premissas no momento em que entra em sala de aula. O método, de certo modo, parece cumprir um ideal de ignorar e silenciar as perspectivas, crenças e expectativas do professor. Desse modo, percebo que, em relação ao ensino de gramática, P2 afirma em seu discurso que, em suas aulas particulares, a abordagem é mais desafiadora. Segundo P2, ela conduz os aprendizes a inferir sobre o funcionamento da língua, propondo questionamentos que façam com que os aprendizes reconheçam os padrões linguísticos. Para tanto, P2 afirma utilizar materiais autênticos, tais como revistas, jornais e depoimentos. As afirmações de P2 sugerem que suas aulas particulares exigem mais participação efetiva do aprendiz na construção do conhecimento. Diante disso, somos levados a supor que, caso P2 tivesse autonomia na condução das aulas no curso de idiomas, a sua abordagem de ensino da gramática, nesse contexto, seria delineada nos mesmos moldes utilizados em suas aulas particulares, uma vez que P2 acredita que essa perspectiva de ensino é mais eficiente. Considerando os resultados obtidos com esse trabalho de pesquisa, verifica-se que o ensino de gramática nas aulas de LE continua sendo um grande desafio para os 123 professores, mesmo em contextos onde, supostamente, são oferecidas as condições adequadas para sua condução. O desafio recai tanto na escolha de procedimentos que se adéquem e atendam ao estilo de aprendizagem dos aprendizes, haja vista a heterogeneidade de estilos dentro de uma classe, quanto na efetiva inserção do significado e das funções comunicativas nas aulas de gramática. De modo geral, percebe-se que os professores de língua inglesa não têm dificuldades em lidar com as estruturas linguísticas e conseguem demonstrar eficientemente aos aprendizes como essas estruturas se organizam sistematicamente para a formação de sentenças. No entanto, parece que os professores de línguas não têm sido tão eficientes na tarefa de atrelar o aspecto sistêmico ao semântico e pragmático. Nesse sentido, faz-se necessário repensar a eficácia das estratégias de ensino tão comumente utilizadas por professores de LE em suas práticas pedagógicas. Faz-se necessário ainda refletirmos se os professores de LE têm sido capazes de, conforme sugere Scheyerl (2009), “construir o conhecimento em parceria com o aluno, ajudando-o a percorrer reflexivamente todos os esquemas referenciais que conduzem ao entendimento desse conhecimento.” Afinal, é um enorme contraponto promover o aprendizado de uma língua sem a efetiva participação e real envolvimento dos aprendizes. Esse estudo limitou-se a verificar a perspectiva dos professores e, portanto, foram averiguados aspectos inerentes ao ensino. Considero que uma pesquisa futura destinada a verificar a perspectiva do aprendiz, considerando os resultados na aprendizagem e avaliando o grau de eficiência das abordagens utilizadas em diferentes contextos de ensino de LE, seria de valorosa contribuição para refletirmos sobre a condução do ensino da gramática. De qualquer maneira, mediante a pesquisa por ora realizada, os dados obtidos e os referenciais teóricos aqui discutidos apontam algumas orientações para o ensino de gramática que, de certo, precisam ser observadas e conduzidas à prática. Destaco a seguir as orientações que podem ser inferidas ao longo desse estudo: a) Apresentar a gramática em contextos significativos para os aprendizes, atrelando o conhecimento sistêmico ao conhecimento de mundo. b) Promover a compreensão da organização e do uso das estruturas linguísticas sem necessariamente exigir do aprendiz a imediata produção. c) Demonstrar de que maneira a escolha da forma impacta no sentido. 124 d) Conduzir o processo de correção de maneira que o aprendiz perceba as inadequações em seus enunciados e desenvolva a habilidade de autocorreção. e) Conduzir o ensino de maneira que habilite o aprendiz a evoluir da produção de estruturas “frouxas” para a produção de estruturas mais coesas. f) Promover atividades em que as estruturas linguísticas possam ser utilizadas na negociação de sentidos e no cumprimento das funções comunicativas da língua. g) Envolver o aprendiz efetivamente no processo de ensino-aprendizagem de modo que ele contribua com a construção do conhecimento, por meio da reflexão das estruturas em uso, do reconhecimento dos padrões linguísticos e da resolução de problemas. h) Alternar entre as abordagens dedutiva e indutiva, a depender dos aspectos contextuais, tais como o perfil dos aprendizes, o propósito da aula, o tempo e os materiais disponíveis, a estrutura gramatical em estudo, dentre outros. No início desse trabalho, quando justifico a realização dessa pesquisa e aponto os fatores que me motivaram a conduzir esse estudo, afirmo o meu objetivo em contribuir, de alguma maneira, para uma mudança no cenário do ensino de língua inglesa na atualidade. Nesse sentido, essa pesquisa originou um projeto de Extensão com professores da rede pública municipal de Porto seguro, cujo objetivo é criar um espaço de discussão e planejamento de estratégias que nos permitam por em prática as orientações acima descritas. De certo, ao concluir esse estudo, o sentimento é de grande satisfação, haja vista a convicção de que, ainda que timidamente, a pesquisa pôde colaborar para a reflexão do ensino de gramática na contemporaneidade bem como para a possível realização de mudanças. 125 REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, J.C.P. Ontem e hoje no ensino de línguas no Brasil. In: STEVENS, C.; CUNHA M.J.C (Org.). Caminhos e colheitas no ensino de inglês no Brasil. 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O material didático utilizado em suas aulas é predeterminado pela instituição de ensino ou você possui autonomia para escolhê-lo? 7. Como você avalia a concepção de gramática no material didático adotado? A perspectiva de ensino de gramática presente nesse material condiz com a sua? 8. De que maneira novos itens gramaticais são introduzidos em suas aulas? 9. Alguns teóricos defendem que o ensino da gramática deve ser evitado ou, até mesmo, banido da sala de aula. Qual é o seu posicionamento em relação a isso? 131 APÊNDICE B Questionário 1. Especifique seu curso de graduação e o ano de conclusão. 2. Em que tipo de instituição você fez o curso superior? ( ( ( ( ) Pública Federal ) Pública Estadual ) Privada ) Outros _____________________________ 3. Assinale a(s) modalidade(s) de curso de pós-graduação que você possui: ( ( ( ( ( ( ) Aperfeiçoamento ) Especialização ) Mestrado ) Doutorado )Não fiz curso de pós graduação )Não completei curso de pós-graduação 4. Com que frequência você participa de atividades de formação continuada (cursos de capacitação, eventos científicos, treinamento etc.)? 5. Você participou de alguma atividade de formação continuada nos últimos seis meses? Caso positivo, qual a natureza da atividade e que temática foi abordada? 6. Há quanto tempo você atua como professora de língua inglesa? 7. Você atua como professora em alguma outra instituição além da participante nesta pesquisa? Caso positivo, em quantas outras instituições você atua e qual a natureza da(s) mesma(s): escola pública, escola privada, curso de idiomas etc.? 8. Ao todo, quantas horas-aula você ministra por semana? (Considere todas as instituições de ensino em que trabalha) 9. Há quanto tempo você trabalha nesta instituição*? 10. Nesta instituição*, qual é sua carga horária semanal total de trabalho? 132 11. Quantas horas-aula semanais você ministra nesta instituição*? 12. Nesta instituição*, quantas horas semanais você tem disponíveis para planejamento? 13. Você considera o tempo disponível para planejamento suficiente? 14. Você costuma fazer o planejamento de suas aulas juntamente com os demais professores de língua inglesa ou sozinha? Por quê? 15. Nesta instituição*, você conta com apoio pedagógico no planejamento de suas atividades de ensino? Caso positivo, em que consiste esse apoio? 16. Nesta instituição*, você ministra aulas para quantas turmas? 17. Nesta instituição*, qual é a média de alunos por turma? 18. Qual é o seu vínculo trabalhista com esta instituição*? ( ) CLT ( ) Estatutário ( ) Contrato temporário ( ) outros 19. Assinale os recursos que estão disponíveis para uso em suas aulas nesta instituição*: ( ) Quadro branco ( ) Marcadores para quadro branco ( ) Televisão ( ) Aparelho de som ( ) Computador ( ) Acesso a internet ( ) Projetor de slides ( ) Retroprojetor ( ) Livro didático ( ) Jornais e revistas informativas em língua inglesa ( ) fotocópias ( ) Livros de literatura em língua inglesa ( ) CD 133 20. Dentre os recursos assinalados acima, quais deles você costuma utilizar? 21. A turma participante desta pesquisa é composta por quantos alunos? 22. Qual a faixa etária dos alunos desta turma? 23. Os alunos desta turma possuem livros didáticos? ( ) sim ( ) Não 24. Com que frequência o livro didático é utilizado em suas aulas? ( ( ( ( ) Semanalmente ) Algumas vezes por mês ) Uma vez por mês ) Nunca 25. Você participou na escolha do livro didático adotado? ( ) Sim ( ) Não 26. Caso positivo, o livro escolhido foi o adotado na instituição*? ( ) Sim ( ) Não 27. Como você avalia o livro didático adotado pela instituição*? ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Razoável ( ) Ruim ( ) Péssimo *Refere-se à instituição participante da pesquisa. 134 ANEXOS Table 1 – Advantages and disadvantages of the deductive approach to teaching grammar. 1. The deductive approach goes straightforwardly to the point and can, therefore, be time-saving. 2. A number of rule aspects (for example, form) can be more simply and clearly Advantages explained than elicited from examples. 3. A number of direct practice/application examples are immediately given. 4. The deductive approach respects the intelligence and maturity of many adult learners in particular and acknowledges the role of cognitive processes in language acquisition. 5. It confirms many learners’ expectations about classroom learning particularly for those who have an analytical style. 1. Beginning the lesson with a grammar presentation may be off-putting for some learners, especially younger ones. 2. Younger understand Disadvantages learners may the concepts not or able to encounter grammar terminology given. 3. Grammar explanation encourages a teacher-fronted, transmission-style classroom, so it will hinder learner involvement and the interaction immediately. 4. The explanation is seldom as memorable as other forms of presentation (for example, demonstration). 5. The deductive approach encourages the belief that learning a language is simply a case of knowing the rule. 135 Table 2 – Advantages and disadvantages of the inductive approach to teaching grammar. 1. Learners are trained to be familiar with the rule discovery; this could enhance learning autonomy and self-reliance. 2. Learners’ greater degree of cognitive depth is “exploited”. Advantages 3. The learners are more active in the learning process, rather than being simply passive recipients. In this activity, they will be motivated. 4. The approach involves learners’ patternrecognition and problem-solving abilities in which particular learners are interested in this challenge. 5. If the problem-solving activity is done collaboratively, learners get an opportunity for extra language practice. 1. The approach is time and energyconsuming as it leads learners to have the appropriate concept of the rule. 2. The concepts given implicitly may lead the learners to have the wrong concepts of the Disadvantages rule taught. 3. The approach can place emphasis on teachers in planning a lesson. 4. It encourages the teacher to design data or materials taught carefully and systematically. 5. The approach may frustrate the learners with their personal learning style, or their past learning experience (or both) would prefer simply to be told the rule.