Louise Nakagawa – mestrado
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Louise Nakagawa – mestrado
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENERGIA Dissertação de Mestrado PAULO GUILHERME SEIFER “Gestão de projetos de microssistemas de geração e distribuição de energia elétrica: procurando seu sucesso e sustentabilidade” Santo André Ago/2012 PAULO GUILHERME SEIFER “Gestão de projetos de microssistemas de geração e distribuição de energia elétrica: procurando seu sucesso e sustentabilidade” Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade Federal do ABC para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Federico Bernardino Morante Trigoso Santo André Ago/2012 AGRADECIMENTOS Esta dissertação é o fruto de uma busca por mudanças, tanto profissionais como pessoais. O caminho até sua conclusão foi tortuoso, e sem dúvida não seria possível sem o apoio de diversas pessoas, e a estas eu ofereço meu sincero obrigado. À Janaína, por ser meu pilar na decisão de iniciar esse caminho, e por me acompanhar na maior parte, e por sua disposição de discutir Ostrom e Sen. À Anna Carolina, Natalia e Gilsa, por todo companheirismo. À Louise por seu companheirismo, e apoio nos momentos mais difíceis desta jornada. Ao pessoal da UFMA e da Ilha dos Lençóis, por me receber e possibilitar a realização da pesquisa de campo desta dissertação. Ao Professor Arilson, que me apresentou Ostrom e Sen, que são as pedras fundamentais deste trabalho. Ao Professor Federico, por toda sua habilidade na minha orientação (que admito, deve ter sido difícil), e sua paciência nos momentos em que os resultados pareciam mais distantes. E, claro, por toda sua contribuição, que sem dúvida enriqueceu ainda mais este trabalho. E à minha família, cuja importância vai muito além do que pode ser descrito aqui. SUMÁRIO Lista de tabelas Lista de figuras Lista de abreviaturas Resumo Abstract Capítulo 1 – O PROBLEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO.................... 1 1.1 Introdução................................................................................................. 1 1.2 Objetivos.................................................................................................... 10 1.2.1 Objetivo geral..................................................................................... 10 1.2.2 Objetivos específicos........................................................................... 10 1.3 Justificativa e marco teórico.................................................................... 10 1.4 Metodologia............................................................................................... 15 1.5 Contribuição.............................................................................................. 17 Capítulo 2 – CULTURA, INSTITUIÇÕES, CAPACIDADES E TRANSIÇÃO ENERGÉTICA............................................................................ 18 2.1 Introdução................................................................................................. 18 2.2 Comunidade rural, cultura e território.................................................. 18 2.3 Transição energética e difusão de inovações.......................................... 23 2.3.1 Conceitos de transição energética...................................................... 23 2.3.2 A adoção da tecnologia e o processo de difusão................................ 26 2.3.3 A demanda pela nova fonte energética............................................... 30 2.4 Abordagem de Capacidades.................................................................... 31 2.4.1 Conceitos básicos................................................................................ 31 2.4.2 Críticas e contra-críticas à Abordagem de Capacidades................... 35 2.4.3 Abordagem de Capacidades e a eletrificação rural descentralizada por MIGDI............................................................................................................. 36 2.5 Abordagem Institucional.......................................................................... 38 2.5.1 Conceitos básicos ............................................................................... 38 2.5.2 A construção das instituições.............................................................. 44 2.5.3 Arranjos institucionais........................................................................ 45 2.6 Síntese do capítulo.................................................................................... 49 Capítulo 3 – A ELETRIFICAÇÃO RURAL E PRÁTICAS DE GESTÃO... 49 3.1 Introdução................................................................................................. 49 3.2 Aspectos relevantes dos projetos de eletrificação rural......................... 50 3.2.1 A motivação para a eletrificação rural e quem a realiza................... 50 3.2.2 A questão da propriedade de infraestrutura de gestão...................... 56 3.2.3 Estrutura de manutenção e as questões da dificuldade de acesso e capacitação............................................................................................................ 58 3.2.4 Estrutura de cooperativas e associação de moradores...................... 66 3.2.5 Criação de empresas/Negócios locais................................................ 67 3.2.6 Concessionária de serviços de energia elétrica................................. 67 3.2.7 Participação do Estado....................................................................... 68 3.3 Síntese do capítulo.................................................................................... 71 Capítulo 4 – OBSERVAÇÕES DE CAMPO..................................................... 74 4.1 Histórico do projeto.................................................................................. 74 4.2 A gestão do sistema................................................................................... 77 4.3 A equipe da UFMA................................................................................... 78 4.4 A Ilha dos Lençóis..................................................................................... 79 4.5 Análise Institucional................................................................................. 85 4.5.1 Atores e suas funções.......................................................................... 85 4.5.2 Atividades............................................................................................ 85 4.5.3 A eletricidade na vida dos usuários segundo a Abordagem de Capacidades.......................................................................................................... 87 4.6 Análise dos resultados.............................................................................. 90 4.7 Síntese do capítulo.................................................................................... 97 Capítulo 5 – MÉTODO PARA A GESTÃO DE PROJETOS DE ELETRIFICAÇÃO RURAL.............................................................................. 101 5.1 Método.................................................................................................... 102 5.2 Distribuição temporal dos estágios.......................................................... 115 5.3 Síntese do capítulo.................................................................................... 118 Capítulo 6 – CONCLUSÃO................................................................................ 120 Capítulo 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................... 129 Anexos................................................................................................................... 136 Lista de tabelas e box Tabela 1.1 – Valores de referência para microcentrais hidrelétricas segundo Eletrobrás e OLADE.......................................................................... 3 Box 3.1 O programa Ecowatt........................................................................... 52 Tabela 3.1 – Instituições e a possibilidade de sucesso de seus projetos de eletrificação......................................................................................................... 54 Box 3.2 Projeto “Luz do Sol”............................................................................ 57 Box 3.3 Eletrificação rural descentralizada realizada pela concessionária COELBA............................................................................................................ 60 Box 3.4 Estrutura de eletrificação rural descentralizada instalada em Hossahali, India.................................................................................................. 62 Lista de figuras Figura 2.1 – IAD framework................................................................................ 41 Figura 4.1 – Diagrama do sistema híbrido na Ilha dos Lençóis...................... 75 Figura 4.2a – Sede da infraestrutura................................................................. 75 Figura 4.2b – Geradores eólicos......................................................................... 75 Figura 4.2c – Gerador Diesel.............................................................................. 75 Figura 4.3a – Conversores de Corrente Contínua para Alternada (Inversores)............................................................................................................ 76 Figura 4.3b – Conjunto de baterias.................................................................... 76 Figura 4.4 – Localização da Ilha dos Lençóis com relação à São Luis – MA. 80 Figura 4.5 – Ilha dos Lençóis............................................................................... 80 Figura 4.6a – Casa de madeira............................................................................ 81 Figura 4.6b – Casas de palha............................................................................... 81 Figura 5.1 – Diagrama de Gantt proposto para a distribuição temporal dos estágios................................................................................................................... 116 Lista de abreviaturas AM.................. Associação de Moradores ANEEL........... Agência Nacional de Energia Elétrica CEAM............ Companhia Energética do Amazonas CELPA........... Centrais Elétricas do Pará S.A. CEMIG........... Companhia Energética de Minas Gerais CESP.............. Companhia Energética de São Paulo CFCB.............. Centro Fotovoltaico de Carga de Baterias COELBA........ Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia Eletrobrás........ Centrais Elétricas Brasileiras FSADU........... Fundação Sousândrade de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal do Maranhão GEDAE.......... Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas GTZ................ Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit IAD................. Institutional Analysis and Development ICMBio........... Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IISc................. Indian Institute of Science ITDG.............. Intermedian Technology Development Group MIGDI............ Microssistema de geração e distribuição de energia elétrica MME.............. Ministério de Minas e Energia NEA................ Núcleo de Energias Alternativas OLADE........... Organização Latino Americana pra o Desenvolvimento PBS................. Palli Biduyti Samities PIE.................. Produtor Independente de Energia PRODEEM..... Programa de Desenvolvimento Energético dos Estados e Municípios REB................ Rural Electrification Board RESEX........... Reserva Extrativista SFD................. Sistema Fotovoltaico Domiciliar SIGFI.............. Sistema individual de geração por fonte intermitente UFMA............. Universidade Federal do Maranhão USAID............ United States Agency for International Development RESUMO Esta dissertação trata dos elementos que podem levar um projeto de eletrificação rural descentralizada por MIGDI ou SIGFI ao sucesso ou ao fracasso. Observa-se uma predominância de fracassos nestes projetos, e também uma literatura dispersa em termos de conclusões sobre a motivação para estes fracassos. Toma-se aqui como elemento comum subjetivo os incentivos perversos como causa disto. Para confirmar essa hipótese é utilizada a Análise Institucional, além da Abordagem de Capacidades como suporte para compreensão de como o Bem-estar dos indivíduos é afetado pela eletrificação. A análise é realizada por meio de uma revisão da literatura de eletrificação rural, na qual são destacados o interventor, suas motivações e características; a questão da propriedade da infraestrutura; a estrutura de manutenção e o processo de capacitação dos usuários; a organização da gestão como cooperativa e como mercado; a questão da eletrificação feita pela concessionária de serviços de eletricidade; e a questão da eletrificação pelo Estado. Foi observado que os altos custos de transação podem servir de incentivo para que os atores envolvidos se distanciem de suas funções, aumentando a chance de colapso da infraestrutura. Estas observações são confirmadas por meio de uma pesquisa de campo realizada na Ilha dos Lençóis, onde estes elementos de altos custos são observados, mas características locais da comunidade e a situação de incerteza na gestão da infraestrutura ainda a sustentam evitando o colapso. Por fim é proposto um método para a gestão de projetos de eletrificação rural por MIGDI ou SIGFI, construídos de modo a buscar a diminuição dos custos de transação e aumentar a chance de sucesso da infraestrutura. PALAVRAS-CHAVE: Eletrificação rural descentraliza, MIGDI, SIGFI, Gestão do projeto, Análise Institucional, Abordagem de Capacidades. ABSTRACT This dissertation deals with the elements that can lead a decentralized rural electrification project by MIGDI or SIGFI to success or failure. There is a predominance of failure in these projects, and also a scattered literature in terms of conclusions about the motivations to these failures. Here is considered as common subjective element the perverse incentives as the cause of this. To confirm this hypothesis is used the Institutional Analysis, and the Capability Approach, as support for understanding how the well-being of individuals is affected by the electrification. The analysis is performed by a literature review of rural electrification, which highlights the intervenor, their motivations and characteristics; the questions of ownership of infrastructure; the maintenance structure and the process of users training; the management organization as a cooperative and as a market; the question of made by the utility of electricity services; and the question of the electrification made by the State. It was observed that the high transaction costs can bring the incentives for the active actors get off their functions, increasing the chance of infrastructure breakdown. These observations are confirmed in the field research performed in Ilha dos Lençóis, where the elements of high transaction costs are observed, but local characteristics of the community and the uncertain situation of the infrastructure management avoid their breakdown. At last are proposed a method to manage the project of rural electrification by MIGDI or SIGFI, built in a way to seek the reduction of the transaction costs and increase the chance of success of infrastructure. KEY WORDS: Decentralizes rural electrification, MIGDI, SIGFI, Project management, Institutional Analysis, Capability Approach. Capítulo 1 – O PROBLEMA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1 Introdução A energia elétrica pode ser entendida como uma energia nobre. Isso ocorre em função de fatores como a facilidade de transporte (em especial, com poucas perdas), e a facilidade na sua conversão para outras formas de energia, o que a torna um elemento fundamental para a forma de industrialização e produção (material e intelectual) na sociedade atual. Em decorrência destes fatores, a eletrificação desde seus primórdios foi vista como elemento estratégico para o desenvolvimento de uma nação. Isso pode ser observado em momentos da história recente, alguns de forma implícita, como a Doutrina Truman, que considera que o modelo de desenvolvimento americano deveria ser o modelo a ser seguido por outras nações. Pode ser observado também de forma mais explícita, como no plano de industrialização das nações socialistas, como em manifestações públicas de Lênin sobre a importância da eletrificação, ou das ciências elétricas (MORANTE, 2004). Essa visão de desenvolvimento era fundamentada fortemente no conceito de crescimento econômico, sendo a medida deste confundida, até recentemente, com a própria medida de desenvolvimento. Assim, para um país de orientação capitalista, trazer para um país menos desenvolvido um modelo semelhante ao já adotado nos países considerados ricos, significaria um aumento das chances de tirar tais países do subdesenvolvimento. Apesar da importância depositada na eletrificação, esta não se difundiu de forma universal. A quantidade de pessoas em todo o mundo, inclusive no Brasil, que ainda não dispõe deste recurso ainda é muito elevada. Dentre os diversos motivos que levam a esta situação pode-se destacar o financeiro como o de maior importância. Isto tanto no sentido da extrema pobreza impedindo (ou mesmo, não justificando) a difusão do uso da eletricidade, como no sentido de que eletrificar um determinado território pode ser por demais custoso, como destacado a seguir. Segundo Gouvello (2003) e Haanyiaka (2006), grande parte desta situação vem das reformas liberais ocorridas a partir da 2a metade do século passado, das quais uma conseqüência foi 1 uma série de mudanças no setor elétrico de diversos países, sendo na sua maioria, países ditos em desenvolvimento. Destas mudanças destaca-se a privatização do setor elétrico, fato que trouxe a geração, a transmissão e a distribuição de eletricidade para o modelo baseado em mercado (GOUVELLO, 2003; HAANYIKA, 2006), cuja pedra fundamental é a maximização dos lucros. Essas mudanças acabaram por influenciar diretamente o processo de eletrificação de comunidades rurais pois, como citado, o elemento motivador para esse processo deixou de ser o “estratégico”, onde a eletricidade é vista como elemento para desenvolvimento, e passou a ser o financeiro, passando a eletricidade a ser vista como fonte de lucro. O baixo interesse econômico na eletrificação rural normalmente ocorre em função de algumas características comuns de comunidades rurais. Características como a baixa densidade populacional, resultando em baixa taxa de retorno em função do investimento são amplamente apontados como fatores que desestimulam as empresas concessionárias a fornecer eletricidade para tais comunidades. Ainda pode-se destacar as dificuldades técnicas, como, por exemplo, em comunidades rurais de Bangladesh, que possuem densidade populacional interessante em termos financeiros, mas cujas características geográficas impedem o processo de extensão de rede (GOUVELLO et al., 2003), que seria o processo natural em um sistema centralizado de geração e distribuição de energia elétrica. Ainda assim, o acesso à eletricidade é visto hoje como um vetor para o desenvolvimento, sendo o acesso universal a esta forma de energia ambicionada. Nesse sentido, o esforço para a eletrificação ainda se dá por meio da extensão de rede, atingindo em maior intensidade as comunidades mais próximas dos centros urbanos, onde o custo para a extensão é mais baixo (GOUVELLO, 2003; GÓMEZ e SILVEIRA, 2010). Acabam prejudicadas neste processo as comunidades rurais mais afastadas, ou ainda, isoladas, assim consideradas ou em função da distância dos centros urbanos, ou pelas dificuldades geográficas de acesso. Uma possibilidade para tais comunidades rurais isoladas é o uso de microssistemas de geração e distribuição de energia elétrica (MIGDI) ou sistemas individuais de geração de energia 2 elétrica por fonte intermitente (SIGFI)1, por meio de tecnologias como painéis fotovoltaicos, pequenas turbinas eólicas, pico/nanohidrelétricas, baseadas em biomassa etc. Embora esta denominação esteja dirigida ao uso dessas tecnologias de geração pelas distribuidoras de energia elétrica seu uso pode ser generalizado. Nesta dissertação esta denominação é estendida a todo tipo de projetos que utilizem fontes de geração de até 100 kW de potência instalada, tal como indicado na Resolução no 493, da ANEEL. Não existe um valor limite para a geração em pequena escala, mas sim algumas convenções desenvolvidas especialmente para fins legais, como é o caso da definição da Eletrobrás para as dimensões de centrais hidrelétricas (micro, pequena etc). Os valores limites acabam condicionados à quantidade de exigências para que a central possa ser construída: quanto menor a central, menor a quantidade de exigências (FARRET, 2010). Um exemplo dos valores abaixo dos quais a geração é considerada pequena escala é apresentada na tabela 1.1. Nela são apresentados os limites para a Eletrobrás e para a Organização Latino-Americana de Desenvolvimento (OLADE). O valor utilizado nesta dissertação como referência para pequena escala é o equivalente ao de microcentrais hidrelétricas (em especial, para o valor da Eletrobrás). O valor estipulado de 100kW é hoje o valor limite para potência instalada para que um microssistema seja enquadrado como MIDGI (ANEEL, 2012). Tabela 1.1 – Valores referência para microcentrais hidrelétricas segundo Eletrobrás e OLADE Tamanho da central Micro Fonte Potência Altura (metros) (kW) Baixa Média Alta OLADE até 50 15 15 a 50 50 Eletrobrás até 100 15 15 a 50 50 Fonte: adaptado de Farret (2010) 1 Estes sistemas têm seus procedimentos e condições de fornecimento regulados pela Resolução Normativa No. 493, de 5 de Junho de 2012, da ANEEL (2012). Como esta dissertação não trata especificamente do formato de geração e distribuição, cabendo aqui tanto microssistema como sistema individual, quando for utilizado apenas o termo MIDGI, subentende-se a referência aos dois, a não ser em caso explícito de especificidade do microssistema. 3 O uso de fontes renováveis, como a solar e a eólica, é incentivado desde o início de projetos de eletrificação rural como projetos de intervenção planejada para o desenvolvimento local, por volta da década de 1970. Neste período começaram a surgir os questionamentos e preocupações com relação às mudanças climáticas provocadas pelo estilo de vida da sociedade atual, e pela primeira crise do petróleo, tendo então o discurso do desenvolvimento acrescido do de sustentabilidade. Até este período (e pode-se supor que ainda ocorra) houve a prevalência do uso de geradores com base em combustíveis fósseis, mas existe muito pouca documentação a respeito (ZERRIFFI, 2010). Apesar dos benefícios providos pela substituição da fonte fóssil, muitos relatos apontam para o descarte incorreto de equipamentos ligados à eletrificação, como baterias automotivas, que podem implicar em dano ambiental. Vale destacar também que é questionável o quão limpa pode ser considerada a energia gerada, visto que em alguns casos pode haver danos ao meio ambiente na construção do gerador (como é o caso de alguns tipos de painéis fotovoltaicos), na produção da fonte energética (como é o caso da biomassa), ou mesmo pelo seu simples funcionamento (como a geração eólica e hídrica, com possíveis danos mais destacados na geração em grande escala). O uso de fontes renováveis, além da relativa vantagem ambiental promovida pela substituição do combustível fóssil, pode implicar também em vantagem econômica ao indivíduo abastecido, visto que os combustíveis que alimentam tais geradores (sol, vento, água, biomassa) normalmente não representam ônus ao usuário. Além disso, a substituição da fonte fóssil também pode representar segurança aos indivíduos, visto que elimina-se a necessidade do transporte e manuseio deste (MORANTE, 2004). Por outro lado, existe o problema da aquisição do equipamento e da sua manutenção, o que pode implicar em gastos que podem superar os anteriores com combustíveis fósseis, não sendo a vantagem financeira uma consequência direta da simples substituição da fonte de energia. No projeto da infraestrutura para a geração em pequena escala, a determinação de qual fonte renovável será utilizada representa mais uma questão técnico-econômica, em função da disponibilidade da fonte, o custo do equipamento gerador, entre outros, do que ambiental, dada a dificuldade de mensurar os danos que o uso de determinada fonte ou gerador podem causar. Esta questão, porém, foge do escopo deste trabalho, sendo pertinente apenas nas 4 implicações que estes podem causar na gestão do projeto (como por exemplo, as dificuldades oriundas de gerenciar uma floresta energética para a geração de biomassa)2. Em termos de infraestrutura, a energia elétrica pode ser gerada e distribuída das seguintes formas (COURILLON et al., 2003): 1. sistemas isolados residenciais; 2. sistemas isolados comunitários; 3. mini-redes locais. Nos sistemas isolados residenciais a eletricidade é gerada na própria residência em que será utilizada. O uso das fontes solar e eólica, em função da intermitência, exige o uso de baterias para que o funcionamento dos recursos elétricos seja constante. Nos sistemas isolados comunitários, a geração de eletricidade é feita em um ponto comum à comunidade, mas a eletricidade não é transmitida de forma direta à residência. Esse é o caso dos centros de carga de bateria: aqui a residência do usuário é alimentada por uma bateria, que quando está com sua carga abaixo da profundidade aceitável, e levada para carga nestes centros. No caso das mini-redes, ou mini-grids, a eletricidade é gerada em um ponto único e transmitida de forma direta às residências. Este tipo de estrutura é mais comum na geração por fontes hídrica e biomassa, como o uso de gaseificadores e motores à base de óleos vegetais ou biodiesel. Dada a intermitência das fontes solar e eólica, são poucos os relatos destas neste tipo de estrutura. Um projeto de infraestrutura para a eletrificação rural descentralizada envolve todo o equipamento necessário para a geração e também, normalmente, o equipamento mínimo necessário para o aproveitamento básico do sistema, como a fiação domiciliar e lâmpadas. Em projetos mais amplos, podem ser incluídas bombas de água, equipamento para o 2 Por esse motivo, o conceito de sustentabilidade aqui será utilizado em termos de projeto, e não em termos ambientais, o que será destacado adiante. 5 beneficiamento de insumos, além de ferramentas elétricas diversas e equipamentos voltados para o bem-estar e saúde. A grande gama de possibilidades tecnológicas para a geração, unida às formas de organização da infraestrutura, tornam difícil a abordagem de forma exaustiva de todas as possíveis infraestruturas para MIGDI dentro do espaço desta dissertação. Assim, para análise, serão considerados os sistemas híbridos compostos por geradores solares, eólicos e, eventualmente, diesel. Essa escolha se deve ao fato de existirem diversos projetos com estes sistemas no Brasil, além de ser possível encontrar infraestruturas com este tipo de gerador nas três formas de geração e distribuição destacadas anteriormente, e pelo fato de serem tecnologias que ainda despertam, per se, a curiosidade, ou por vezes a desconfiança, daqueles que por ela são atendidos. Os resultados obtidos nestes projetos são os mais diversos. Alguns fracassam, muitas vezes pela “distância” da tecnologia empregada com a realidade da comunidade, ou pela falta de suporte, na forma de manutenção etc, sendo gradativamente abandonados e a comunidade retornando à sua condição energética anterior à eletrificação. Outros projetos, por sua vez, superam tais e outras dificuldades, afastando assim a possibilidade de fracasso e abandono da infraestrutura. Definir tais projetos como sucesso, porém, depende da forma como o interventor, ou mesmo um avaliador externo, define o que é sucesso. Tipicamente admite-se como tendo sucesso um projeto que atingiu sua sustentabilidade, e é nesse ponto em que se encontra a grande divergência nas formas de avaliação. Alguns autores admitem que um projeto atingiu a sustentabilidade se este se mantém após a saída do desenvolvedor (NARVARTE e LORENZO, 2010), outros porém acrescentam a este critério o fato da infraestrutura desenvolvida gerar alguma forma de lucro (OSTROM et al., 1993), por fim, alguns optam por compreender a sustentabilidade como a persistência da estrutura ao menos durante o tempo de vida útil do equipamento definido pelo fornecedor (por exemplo: 25 anos para infraestruturas baseadas em painéis fotovoltaicos). Compreender o sucesso como a existência da infraestrutura pelo tempo de vida útil do equipamento não soa justo com o projeto em si, visto que no intervalo de tempo entre o início de sua operação e o tempo de vida útil diversas situações podem ocorrer, como a chegada da 6 rede convencional à comunidade, ou mesmo a reestruturação da infraestrutura. Ainda, mesmo que as situações descritas não ocorram, como atribuir sucesso a uma infraestrutura que, no colapso de seu gerador, colapse conjuntamente? Assim, este critério não será utilizado nesta pesquisa. Pensando o sucesso do projeto como a continuidade regular das atividades da infraestrutura mesmo após a saída do interventor, fica mais coerente com o discurso comum que motiva a eletrificação rural assumir que esta deva prover lucro, que nesse caso se reflete nos benefícios que se supõe devam atingir os usuários na comunidade. Assim, será considerada como bem sucedida a infraestrutura que atingiu a autonomia com relação ao interventor e ainda proporcionou aos indivíduos da comunidade atendida benefícios ao seu bem-estar (estes vistos de acordo com a Abordagem de Capacidades, que será melhor abordada no capítulo 2 da dissertação). Além das características particulares já citadas das comunidades rurais, outro ponto importante a ser considerado diz respeito à quem desenvolve projetos de MIGDI. instituições de ensino, concessionárias de energia elétrica, organizações não-governamentais, instituições religiosas etc, são alguns dos interventores (ou fomentadores), que tem sua própria motivação, carregam suas ideologias, e são influenciados pela própria cultura na gestão de projetos desta natureza. Dada a diversidade de desenvolvedores e ideologias, não é difícil observar que a diversidade de estratégias, abordagens da problemática e modelos de gestão dos projetos também é grande. Alguns projetos ignoram as particularidades culturais da comunidade atendida, outros não consideram necessário o acompanhamento do sistema após a instalação e alguns realizam um trabalho mais elaborado, levando em conta muito mais que apenas os aspectos técnicos. O que se observa na análise de resultados de projetos de MIGDI é que esta diversidade acarreta em resultados também diversos, sendo predominantes os fracassos. As particularidades culturais e territoriais das comunidades rurais, a proximidade do usuário com o sistema gerador, a qualidade da energia fornecida e, em especial, as grandes mudanças energéticas e tecnológicas que ocorrem, entre outras, são pontos que tornam a gestão de um projeto de MIGDI diferente de projetos de natureza urbana. 7 Essas observações mostram que a gestão de um projeto de MIGDI, desde sua concepção, até o momento em que o projeto torna-se sustentável, deve considerar muito mais aspectos que os meramente técnicos. Neste contexto, o foco deste trabalho é a gestão de projetos desta natureza. A gestão pode ser compreendida como a administração do projeto, em seus estágios, desde o design inicial até sua implantação, entrada em funcionamento e acompanhamento ao longo do tempo. Aqui vale uma distinção importante a respeito do que é um projeto e do que é uma prática industrial comum, ou uma produção em escala. Shtub et al. (1994:2) diferem sistemas de gerenciamento de operação e produção em três tipos distintos: os desenvolvidos para a produção em massa, os para produção em lote e aqueles que são desenvolvidos para projetos não repetitivos, como os voltados para a construção de um novo produto. No caso da produção em massa, toda a estrutura industrial é voltada para a produção de um determinado produto ou serviço, com equipamentos e procedimentos específicos, exigindo pouco esforço gerencial e controle na sua condução, mas aqui a flexibilização fica dificultada justamente pela especialização de toda a estrutura. No caso da produção em lote, diversos produtos ou serviços são desenvolvidos dentro de uma mesma estrutura, de acordo com sua demanda, permitindo assim sua flexibilização, mas exigindo maior controle e gerência de material e escalonamento da produção. Já no caso dos produtos e serviços desenvolvidos dentro do contexto de baixa demanda, como são os casos de projetos, o gerenciamento é fundamental em todos os estágios, como o planejamento, monitoramento e controle das atividades da organização. Tal distinção é importante, pois se observa certo esforço na busca de projetos que possam ser replicáveis em diversos locais (ZERRIFFI, 2010). Isto permitiria que benefícios como a economia de escala refletida em produtos e mão de obra, além da diminuição dos custos de transação oriundos do desenvolvimento de um novo projeto. Esta visão de replicabilidade acaba se tornando enganosa, dadas as particularidades de cada local onde será realizada a eletrificação, podendo resultar no fracasso na implantação do MIGDI apenas pela não adequação de um projeto, antes bem sucedido em um local, em outro. Com relação ao conceito de projetos, citando Archibald (1976) e um documento técnico da General Electric (1997), Shtub et al. (1994:5) apresentam projeto como “o processo total 8 requerido para produzir um novo produto, nova planta, novo sistema, ou outro resultado específico” e “uma atividade estreitamente definida que é planejada para uma duração finita com um objetivo específico a ser atingido”3, respectivamente. A gerência de projetos, para os autores, é uma arte, caracterizada por intuição, julgamentos aprendidos, eventos únicos e ocorrências singulares (IBID., pg. 42). Ainda, dados todos os fatores relacionados à gerência, como as incertezas e riscos nos diversos estágios do desenvolvimento do projeto, o gerente de projetos deve ser familiar com um grande número de disciplinas e técnicas (IBID., pg 14). Dentro do contexto de desenvolvimento de infraestruturas voltadas para o desenvolvimento, Ostrom et al. (1993) definem como estágios do projeto o seu design, os aspectos financeiros, a construção, a operação e manutenção e o seu uso efetivo. Todos estes estágios são organizados e regidos por um ou mais arranjos institucionais, que buscam guiar o desenvolvimento da infraestrutura do seu início ao final. As instituições podem ser compreendidas com as regras, normas e estratégias que buscam guiar os atores em ações repetitivas, dentro de um contexto específico. Assim, pode-se compreender também a gestão por uma visão institucional, que permite compreender quais são as motivações, ou incentivos, que se apresentam a todos os atores envolvidos. Da mesma forma da citada diversidade de desenvolvedores e ideologias, além da diversidade de tecnologias e formas de organização técnica da infraestrutura, também se observa diversidade nas formas de gestão de projetos de eletrificação rural descentralizada para comunidades isoladas por meio de MIGDI. Variações na forma de gerir projetos desta natureza podem ser encontradas nos estágios iniciais do projeto, na sua concepção e design; no processo de construção da infraestrutura; e no estágio final, nas estruturas de gerência e manutenção. Da mesma forma como citado anteriormente, o número de sucessos e fracassos em função do modelo de gestão adotado também é variado, não sendo possível apontar um modelo único de gestão que tenha tido sucesso de forma universal. A partir do exposto, pretende-se aqui responder às seguintes perguntas: 3 “the entire process required to produce a new product, new plant, new system, or other specified results” e “a narrowly defined activity which is planned for a finite duration with a specific goal to be achieved”. 9 1 – Quais são os fatores predominantes para o sucesso ou fracasso de projetos de eletrificação, rural? 2 – É possível implantar modelos de eletrificação que levem em conta as particularidades territoriais e culturais no momento de elaboração do projeto? 1.2 Objetivos 1.2.1 Objetivo geral - Formular um método que possa guiar o interventor na gestão de projetos de eletrificação rural descentralizada por MIGDI procurando o sucesso e a sustentabilidade do empreendimento. 1.2.2 Objetivos específicos - Identificar quais são os fatores que apresentam maior relevância na gestão de projetos de MIGDI visando aumentar as chances de que tais projetos tenham de obter sucesso; - analisar de que forma os diferentes arranjos para a gestão da infraestrutura de MIGDI são afetados por particularidades territoriais e culturais. 1.3 Justificativa e marco teórico A análise da literatura a respeito da eletrificação rural descentralizada feita por meio de MIGDI mostra diversos elementos que podem ser associados ao sucesso ou ao fracasso destes projetos. Muitos convergem para elementos como a presença de uma estrutura de manutenção, a necessidade da capacitação, ou da transferência tecnológica, entre outros, mas não é possível apontar um único elemento como determinante no resultado do projeto. Além disso, se considerarmos a eletrificação rural como um processo de transição energética, uma intervenção planejada, e ainda admitirmos, para efeito de análise, a eletrificação pela 10 extensão de rede, teremos outros elementos que contribuem para compreender o processo como um todo, acrescentando elementos importantes para a compreensão do sucesso e do fracasso destes projetos. Algumas pesquisas como Morante (2004) e Serpa (2001) destacam a importância do conhecimento da cultura local, seus hábitos energéticos, seu contato com o urbano e sua história como essencial para o correto planejamento do projeto. Destacam também a forma de participação e organização da comunidade para construção do sistema (SERPA, 2001, SÁNCHES, 2007) e a necessidade da transferência tecnológica na forma de capacitação técnica (SERPA, 2001). A importância desses aspectos vem em especial das grandes mudanças energéticas e tecnológicas pela qual passa a comunidade, sendo que a sua não observação pode resultar na rejeição da tecnologia por eventuais dificuldades ou demora excessiva de adaptação à nova realidade. Dentro ainda do princípio de conhecimento da cultura local, Gómez e Montero (2010) defendem a compreensão do processo de eletrificação dentro do corpo de conhecimento da construção social da tecnologia, buscando compreender a tecnologia, no caso a relacionada à eletrificação rural descentralizada, como um elemento moldado pela, e que afeta, a cultura da comunidade que a recebe. Outro ponto destacado em pesquisas trata do dimensionamento e da distribuição da potência gerada. Dimensionar os sistemas em função de uma expectativa de demanda, além de definir uma estratégia de distribuição de potência elétrica que compreenda as relações locais pode ser observado em Morante (2004). O correto dimensionamento do sistema é fundamental para que o uso da MIGDI não fique excessivamente restrito, ou superdimensionado, evitando gastos desnecessários. A distribuição de potência também é importante em função de constrangimentos que podem ocorrer entre usuários na comunidade. Santos (2002), Sánches (2007) e Narvarte e Lorenzo (2010) destacam a importância da qualidade dos equipamentos utilizados para a MIGDI, bem como de uma estrutura de manutenção e a gerência do sistema após a instalação. A importância da estrutura de manutenção é observada nestes trabalhos em especial pelas características particulares das comunidades rurais, onde a distância entre as casas costuma ser grande, dificultando o 11 trabalho do técnico de manutenção. É importante destacar também a observação da ocorrência de atos de vandalismos (MORAES, 2009) e sua prevenção (HAANYIAKA, 2008; NARVARTE E LORENZO, 2010) como itens a serem considerados no projeto. A forma de transferência dos custos, a incidência de subsídios e a definição de um público alvo, se tornam elementos importantes dada a pobreza que muitas vezes é observada nas comunidades rurais. Este aspecto é tratado em pesquisas como Santos (2002), Dunnet (2009) e Sánches (2007). Alguns trabalhos também buscam estabelecer algumas diretrizes, ou mesmo desenvolver um modelo para a gerência de projetos de eletrificação rural via MIGDI. São os casos, por exemplo, de Santos (2002), que trata especificamente da eletrificação via painéis fotovoltaicos, abordando os aspectos de regulação do sistema, qualidade de material e equipamentos, transferências de custos, entre outros. Kumar et al. (2009) busca estabelecer uma heurística para a seleção da tecnologia e do modelo de gestão do sistema. Gouvello e Maigne (2003), não estabelece um modelo propriamente dito para a eletrificação por painéis fotovoltaicos, mas aborda seus diversos aspectos, buscando compreendê-los e estabelecer diretrizes para o seu tratamento. A questão acerca do desenvolvimento, e de como os atores compreendem o processo de eletrificação também tem grande relevância. A diferença na visão dos atores envolvidos daquilo que se compreende como necessidade do ator que receberá o serviço (neste caso, a eletricidade), é destacada por alguns autores como um elemento de relevância para o sucesso da empreitada. Amartya Sen define como desenvolvimento o aumento das capacidades de que dispõe o indivíduo, ou seja, daquilo que o indivíduo valoriza fazer, ser ou estar, e a liberdade para decidir torná-las realidade (SEN, 1999). A visão de Sen busca compreender o desenvolvimento fora da visão usual de crescimento econômico, ainda mais, de forma individual, e não coletiva. A visão de uma comunidade a respeito do desenvolvimento, porém, pode ser a mais variada. A visão comum, por exemplo, dos habitantes da vila de Uroa, na Tanzânia, apresentada por Winther (2008), é de que o desenvolvimento advindo da eletrificação por extensão de rede veio na forma de uma aproximação do estilo de vida na cidade, com seus equipamentos modernos e o sentimento de pertencimento ao mundo. 12 Long e van der Ploeg (1989) argumentam contra a visão de projetos de intervenção planejada como projetos discretos no espaço-tempo, ou seja, projetos onde tudo correlacionado fica restrito ao tempo definido como sendo o tempo de vida do projeto. Estes autores argumentam que tais projetos são parte de um contínuo no espaço-tempo, onde o conhecimento prévio dos atores, sua vivência em intervenções anteriores, seu contato prévio com o Estado ou outro agente interventor, e as relações a serem criadas entre os diversos atores são relevantes. Argumentam ainda que a intervenção acaba se tornando um ato de confrontação entre diversos “mundos” e experiências sócio-políticas que podem ser significantes para a geração de novas formas de prática social e ideológica. Barnes (2007), por meio de um extensivo estudo do processo de eletrificação rural em diversos países, realizado em conjunto com outros pesquisadores, aponta diversos fatores como importantes para o sucesso deste tipo de intervenção, além de desmistificar outros. Um primeiro ponto importante apontado pelo autor é que não existe um arranjo institucional prevalente para o sucesso da eletrificação. Podem ser observados casos de sucesso e fracasso tanto em casos em que a organização foi feita na forma de cooperativa, como em serviços públicos ou em privados. Também destaca a necessidade de estrutura estatal dedicada à eletrificação rural, seja na forma de fiscalização ou de fomento, de modo a garantir a regulação deste tipo de atividade. O autor aponta também a necessidade do comprometimento das partes envolvidas para o sucesso da empreitada, ou ainda o comprometimento com uma visão de desenvolvimento. Este aspecto constitui um elemento comum em todos os casos apresentados pelo autor e seus colaboradores. Ainda, o processo de eletrificação é um processo de contínuo ajuste, onde as decisões tomadas em um estágio do processo podem repercutir de forma a exigir sua correção no futuro, demandando o acompanhamento contínuo do interventor, ou de pessoal qualificado com condições técnicas para realizar tais ajustes. Em outro trabalho extenso, este voltado especificamente para projetos de eletrificação rural descentralizada, Zerriffi (2010), argumenta que projetos com alto nível de subsídio têm poucas chance de êxito, em função especialmente das dificuldades econômicas que podem acometer o prestador do serviço. Também argumenta em favor de uma estrutura descentralizada, com participação de atores locais, em função da sua compreensão das características locais. Além disso, segundo este autor, o incentivo para o uso da eletricidade para atividades produtivas aumenta as chances de sucesso por representar uma forma de 13 retorno financeiro ao usuário, e conseqüentemente, retorno financeiro para o prestador do serviço (ao menos por evitar a inadimplência). O trabalho de Zerriffi mostra ainda que a eletrificação rural descentralizada pode ter sucesso mesmo sem a participação do estado. Esta diversidade de elementos vistos como importantes para o sucesso de uma empreitada relativa à MIGDI condiz com a visão de Ostrom et al. (1993). Estes autores argumentam, por meio de uma análise a respeito de projetos de infraestrutura para o desenvolvimento assistido em países da Europa pós 2ª Guerra Mundial e em países em desenvolvimento, que não é possível apontar uma única causa para fracassos em programas desta natureza, como a falta de treinamento, má qualidade de equipamentos, entre outros, mas pode-se sim definir uma única causa subjetiva que conduz a tais fracassos, que são os incentivos perversos que motivam os atores envolvidos no diversos estágios deste tipo de projeto. Incentivos são “modificações positivas e negativas nos resultados que o indivíduo observa como conseqüência de ações particulares dentro de um conjunto de regras em um contexto físico e social particular”4 (OSTROM et al., 1993:8). Incentivos vêm na forma de recompensas ou punições para comportamentos. Um indivíduo que vê seu vizinho se favorecendo de forma inapropriada de algum recurso do qual também faz uso, pode se sentir motivado a se beneficiar da mesma forma, ou a deixar de participar da sua manutenção por não concordar com o ato. O indivíduo que nota a ausência de punições para um ato ilícito seu pode se sentir motivado a voltar a realizá-lo, ou ainda, de torná-lo prática comum. Os elementos que podem constituir o sistema de incentivos e de que forma os atores podem responder a esse sistema, porém, é dependente das características territoriais e culturais, e dependente da motivação que guia o interventor a desenvolver o sistema. Assim, entende-se aqui, que a construção de um modelo único de gestão fica comprometida pelo fato de que as características das comunidades não são universais, assim como as motivações do interventor também não são. Argumenta-se nesta pesquisa, e se pretende demonstrar, que as características destacadas anteriormente são, ou geram, elementos de incentivo para os atores na sua decisão de atuar de 4 “[…] positive and negative changes in outcomes that individuals perceive as likely to result from particular actions taken within a set of rules in a particular physical and social context.” 14 forma a manter a infraestrutura da MIGDI ou não. A qualidade de equipamentos, a manutenção oferecida, a utilidade compreendida da empreitada pelos usuários são alguns incentivos que estes têm para permanecer ou não como usuários da infraestrutura. Por outro lado, as instituições que guiam os atores envolvidos na construção da infraestrutura e depois no provimento do serviço, além de deverem tratar os incentivos descritos anteriormente, também oferecem incentivos para que estes mantenham um comportamento adequado ou que o desvie, comportamento este que se reflete na qualidade do serviço oferecido e, conseqüentemente, no conjunto de incentivos que recebe o usuário. Ainda, os resultados observados pelos indivíduos em outras ações de intervenção podem influenciar a visão destes a respeito da ação de eletrificação rural. A observação da limitação do sistema, do não atendimento daquilo que o usuário entende como importante, também podem motivá-lo a abandonar o sistema. Para a compreensão de como as instituições desenvolvidas tratam o sistema de incentivos e guiam o comportamento dos atores dentro do ambiente da infraestrutura, será utilizado o Institutional Analisys and Development (IAD) framework, desenvolvido pelo Workshop in Political Theory and Policy Analisys, grupo de pesquisa de Indiana University, Estados Unidos, tendo como principal referência os trabalhos de Elinor Ostrom. Além deste, será utilizada a Abordagem de Capacidades para a compreensão das necessidades dos indivíduos da comunidade e de que forma estas são atendidas pela infraestrutura desenvolvida. O IAD framework e a Abordagem de Capacidades serão melhor abordados no capítulo 2 desta pesquisa, onde serão apresentados seus fundamentos e particularidades metodológicas. A forma dispersa como o tema da eletrificação rural por MIGDI é abordado, e a forma como as pesquisas apresentadas se complementam, ou mesmo se contradizem no sentido de apontar respostas que não são únicas, justificam a tentativa de abordar o problema da eletrificação rural pela ótica da motivação subjetiva dos incentivos, justificando, assim, a abordagem proposta nesta pesquisa. 1.4 Metodologia Foi realizada a revisão documental do histórico de instalações desta natureza no Brasil, observando as tecnologias empregadas para a geração, o modelo de gestão de projeto adotado, 15 a abordagem dada às diferenças culturais, a ocorrência e a forma de capacitação técnica, a estrutura de manutenção, além de outras informações julgadas relevantes no decorrer do projeto. Também foi realizada a revisão documental de instrumentos de avaliação de projetos de eletrificação rural, buscando identificar suas virtudes e limitações. Foi utilizada a revisão documental para a seleção do sítio onde seria realizada a pesquisa de campo. A seleção foi conduzida de modo a buscar projetos em comunidades cujo registro documental fosse o mais amplo e completo possível, de modo a possibilitar a reconstrução histórica do processo de eletrificação. Em função deste histórico foi selecionado como campo o Projeto ”Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha dos Lençóis, no município de Cururupu – MA”, desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com apoio do Ministério das Minas e Energia. Foi elaborado um instrumento para a avaliação de projetos de eletrificação rural descentralizada por MIGDI com o objetivo de compreender as estruturas das instituições envolvidas no processo de construção e uso da infraestrutura. Esse instrumento foi constituído de um roteiro para a entrevista semiestruturada e um questionário (anexo 1) para a pesquisa socioeconômica, e permitiu constituir as arenas envolvidas, compreendendo as posições dos atores (interventor e usuários) e os incentivos que guiam o comportamento destes. A pesquisa foi conduzida em dois sítios, um em São Luiz – MA, onde foram entrevistados os atores relacionados à UFMA, e na Ilha dos Lençóis – MA, onde foram entrevistados os atores relacionados à Associação de Moradores e conduzida uma pesquisa amostral, compreendendo aspectos socioeconômicos. A tabulação dos dados obtidos na etapa anterior permitiu identificar quais são os incentivos que guiam o comportamento dos atores envolvidos e como as instituições atuam sobre estes. Em conjunto com os dados obtidos na revisão documental deste projeto, foi possível compor um quadro histórico do processo de eletrificação da comunidade da Ilha dos Lençóis. Esta dissertação é concluída com a proposta de um método que visa guiar o interventor no projeto de MIDGI de modo que os custos nos estágios sejam minimizados, aumentando assim as chances de sucesso da infraestrutura. 16 1.5 Contribuição Esta dissertação deve apresentar a seguinte contribuição: - Definição de um método para a construção de instituições apropriadas para o gerenciamento de uma infraestrutura de eletrificação rural descentralizada por MIGDI baseado em uma proposta de metodologia para a avaliação do desempenho deste tipo de infraestrutura. 17 Capítulo 2 – CULTURA, INSTITUIÇÕES, CAPACIDADES E TRANSIÇÃO ENERGÉTICA 2.1 Introdução A proposta desta dissertação é compreender o sucesso e o fracasso da eletrificação rural por MIGDI tendo em vista os incentivos que se apresentam aos atores que de alguma forma se envolvem no processo, tanto no desenvolvimento e construção da infraestrutura, como na sua operação, manutenção e uso. Acontecer o incentivo, per se, não implica em comportamento predeterminado do indivíduo: uma vez apresentando o incentivo, fatores como os valores morais, a percepção da punição entre outros são ponderados por este de modo a guiá-lo na tomada de decisão. Também na sua incidência, os incentivos podem ocorrer das mais diversas formas. Ao observar seus vizinhos fazendo uso de uma nova fonte energética, ou de recursos alimentados por esta, um indivíduo pode se sentir motivado a adotá-la. O mesmo pode ocorrer ao observar que uma determinada tecnologia pode lhe prover melhorias no bem-estar. Da mesma forma, a observação de que um determinado recurso não pode ser amplamente utilizado pela falta de uma manutenção apropriada pode estimular o indivíduo a abandoná-lo. Neste capítulo serão apresentados alguns conceitos para que se possa compreender melhor o processo de eletrificação rural por MIGDI e os incentivos que podem se apresentar nesse processo. Também serão apresentadas algumas formas de se compreender a cultura, a comunidade e o território. A seguir, será discutida a transição energética em seus aspectos conceituais básicos. Também será tratada a Abordagem de Capacidades, como instrumento para a compreensão do bem-estar do indivíduo. Por fim, será tratada a abordagem institucional adotada nesta dissertação. 2.2 Comunidade rural, cultura e território Essa seção tratará de alguns conceitos que são de fundamental importância para a compreensão, e mesmo delimitação, do problema que é apresentado nesta dissertação. Não existe uma definição universal do que é rural, ou mesmo um consenso a respeito do conceito 18 (MORANTE, 2004). No Brasil, cada município possui sua área urbana e área rural, sendo os limites entre eles definidos de forma arbitrária pelas Câmaras Municipais. Ocorre que delimitar o rural desta forma não permite compreender as particularidades das comunidades que serão atendidas pelo processo de eletrificação. Abramovay (apud FAVARETO, 2006) apresenta três dimensões que caracterizam a ruralidade, que são a “proximidade com a natureza, a ligação com as cidades, e as relações interpessoais derivadas da baixa densidade populacional e do tamanho reduzido de suas populações” (pg. 103). No que diz respeito à proximidade com a natureza, destaca-se o uso produtivo desta, em especial na produção de bens primários. Este também é o elemento de ligação com as cidades, e a cidade essencialmente um consumidor do que é produzido no campo. Para Favareto (2006), a partir da década de 1970, em função de diversos fatores, em especial pela estagnação do urbano, a relação entre o rural e essas dimensões muda, sendo que: “No que diz respeito à proximidade com a natureza, os recursos naturais, antes voltados para a produção de bens primários, são agora objeto de novas formas de uso social, com destaque para a conservação da biodiversidade, o aproveitamento do potencial paisagístico disto derivado, e a busca de novas fontes renováveis de energia. Quanto à relação com as cidades, os espaços rurais deixam de ser meros exportadores de bens primários para dar lugar a uma maior diversificação e integração intersetorial de suas economias, com isso arrefecendo, e em alguns casos mesmo invertendo, o sentido demográfico e de transferência de rendas que vigorava no momento anterior. As relações interpessoais, por fim, deixam de apoiar-se numa relativa homogeneização e isolamento para dar lugar a um processo crescente de individuação e de heterogeneização, compatível com a maior mobilidade física, com o novo perfil populacional e com a crescente integração entre mercados antes mais claramente autônomos no rural e no urbano, mercados de bens e serviços, mas também o mercado de trabalho e o mercado de bens simbólicos.” (pg.103) Apesar da forma como rural e urbano se confundem nos dias atuais, sendo seus limites já não tão evidentes, ainda existem as comunidades cujo contato com o urbano é mínimo, e que mantém características mais próximas das dimensões do rural apresentadas por Abramovay. Esse é o caso das comunidades ditas tradicionais, onde o contato com o urbano é mínimo, e normalmente restrito a um número pequeno de indivíduos da comunidade. 19 Tal isolamento implica, muitas vezes, no surgimento de uma cultura particular da comunidade, moldada por ações de sobrevivência, como a caça, a agricultura familiar, a ação coletiva para auxílio mútuo, enfim, ações que não passam pelo cotidiano do cidadão urbano típico. Ainda, comunidades rurais tradicionais são particulares em suas características. George Foster (1964) indica, de fato, que não existem duas comunidades rurais iguais. A importância da compreensão da cultura local vem do fato de que esta pode representar uma barreira para a entrada da nova tecnologia, assim como é modificada por esta. Goméz e Montero (2010), por exemplo, destacam a importância da cultura ao tratarem o processo de eletrificação dentro da linha de construção social da tecnologia. Já Winther (2008) destaca as diversas mudanças culturais que ocorrem em uma vila em Zanzibar, Tanzânia, após a eletrificação. Apesar da sua importância, definir o que é cultura é uma tarefa ingrata, senão de impossível consenso. Laplantine (2007) cita o levantamento de Kroeber5, que listou mais de 50 possíveis definições. Geertz (1989), por exemplo, em uma visão semiótica6 da cultura, cita Weber ao dizer que o “homem é um animal amarrado à teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo estas teias e sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.” (GEERTZ, 1989:15). O próprio Laplantine propõe como definição para a cultura “o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividade adquiridas através de um processo de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros” (2007:120)(grifo no original). Um aspecto importante da cultura que é observado por Foster (1964), é o de que esta é, essencialmente, um emaranhado de instituições de diversas naturezas, sendo a própria cultura 5 Em provável referência ao seu trabalho com Kluckhohn, Culture, a Critical Review of Concepts and Definitions (1952), Cambridge, amplamente citado quando à necessidade de indicar as dificuldades na definição de cultura. 6 Semiótica é uma área ampla das ciências humanas, assim como ampla em termo de definições. Uma das formas de compreendê-la é como sendo “a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura” (NÖTH, 1995:17). Para uma melhor compreensão da semiótica, seus significados e história, ver NÖTH (1995) e NÖTH (1996). 20 o elemento que absorve as tensões entre estas instituições. A mudança em uma instituição acaba refletindo em todas e, conseqüentemente na própria cultura da comunidade. Evidentemente as culturas, assim como as instituições que as compões, são dinâmicas, mas a entrada de uma nova tecnologia envolve, invariavelmente, uma aceleração no processo de mudança cultural. Envolverá a mudança dos valores, a mudança de significações etc. A entrada da eletricidade em uma comunidade implica em diversas mudanças, que vão desde o padrão da sua cesta energética7, até a mudança na sua cultura. Esse processo pode ser melhor compreendido como um processo de transição energética, destacado na próxima seção, onde a eletricidade faz o papel de substituir determinados tipos de fontes dentro de determinadas condições relativas às características do território e das particularidades do indivíduo. A mudança na cesta energética é a primeira grande mudança para o indivíduo. A substituição de equipamentos alimentados por diesel, querosene, gasolina (lamparinas etc), lenha, ou ainda de pilhas constitui-se uma das maiores mudanças diretas da entrada da eletricidade na vida do indivíduo. Essa mudança vem, em especial, da possibilidade do uso de lâmpadas, do uso de rádios, TV etc., e muitas vezes, acaba refletindo de forma positiva na economia do indivíduo, dados os custos e dificuldades de obtenção de algumas das fontes anteriores (como por exemplo, no tempo despendido para a coleta da lenha). Um exemplo de como a mudança tecnológica pode modificar diversos aspectos de uma sociedade pode ser observado pela entrada da iluminação elétrica na comunidade. Essa mudança implica na substituição de uma fonte, tipicamente fóssil, de energia para iluminação; implica em valores mensais de gastos diferentes (não raras vezes menor); resulta em uma qualidade de luz diferente; em tempo de duração da iluminação diferente. Destas mudanças diretas podem resultar o maior contato entre as pessoas da comunidade à noite; a atração de insetos peçonhentos; a possibilidade de estudos à noite (na casa ou na escola); o aumento de custos com insumos (no caso, a lâmpada). Ainda, a substituição de uma fonte tradicional por uma nova, implica em uma nova forma de dependência. 7 Cesta energética pode ser entendida como o conjunto de recursos energéticos utilizados pela comunidade para a obtenção de serviços, como iluminação, cocção entre outros. 21 Tanto a mudança energética como a cultural são eventos particulares para cada comunidade. A forma como a comunidade absorve estas mudanças e como estas refletirão no processo de desenvolvimento será consequência de diversos fatores, dos quais destaca-se, nesse ponto, o conjunto de características da comunidade antes do processo de eletrificação (cultura, recursos, economia etc). Ainda, um conceito pouco empregado na literatura voltada à eletrificação rural, mas de valor, em especial para a compreensão da relação entre a comunidade, sua cultura, e seu “espaço”, é o de território. Haesbaert (2011) aponta diversas formas de compreender o que é o território, com base na relação entre o espaço e os que o habitam. Ele destaca quatro formas mais evidentes e distintas entre si: a política, a econômica, a “natural” e a cultural. A noção política trata do espaço delimitado e controlado, onde se exerce alguma forma de poder. No caso da noção econômica, o território pode ser visto como fonte de recursos, ou como palco das lutas entre classe, sendo aqui a divisão do espaço como elemento econômico. A noção “natural” (aspas do original) trata da relação entre o homem e o ambiente físico, no equilíbrio entre os grupos e os recursos naturais. Apesar de todas estas noções terem valor no que diz respeito à eletrificação rural, a noção de território cultural é a que apresenta maior impacto, como pode ser observado na literatura. Esta noção “prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.” (Ibid., pg. 40). Essa forma de observar o território, de “morada dos deuses (ou o espaço se confundindo com os próprios deuses)” (HAESBAERT e LIMONAD, 2007:46)(grifo no original), pode ser observada nos relatos de Winther (2008) sobre a eletrificação vila de Urôa, em Zanzibar, onde os anciões locais pediram proteção aos espíritos da floresta para que a eletrificação fosse bem sucedida, enquanto que na vila vizinha houve a recusa da eletricidade ao se observar a destruição de seu espaço sagrado pela concessionária de energia. 22 2.3 Transição energética e difusão de inovações Há cerca de 10.000 anos o homem realizou um dos mais importantes passos na evolução de sua sociedade: desenvolveu técnicas de agricultura, no que seria conhecido como Revolução do Neolítico (DIAMOND, 2001). Esta mudança fez com que o homem se estabelecesse em um local, permitindo o aparecimento de aglomerações sociais, fazendo surgir estruturas sociais próximas às que temos atualmente, fato difícil de sustentar em sociedades de caçadores-coletores, como eram antes. Mas o fato mais importante, que motiva a construção desta seção, é que a agricultura ofereceu ao caçador-coletor uma fonte de energia mais regular e, talvez, mais segura, já que diminuiu a necessidade da caça e seus perigos. Assim esta revolução é vista como um dos mais importantes momentos de transição energética da história do homem. Associada a esta transição vieram o já citado assentamento do homem, com o surgimento de uma sociedade organizada e estratificada, a formação de vilas, cidades, o desenvolvimento de tecnologias voltadas para a agricultura, provavelmente um desenvolvimento mais apurado da astronomia, entre outros. Assim foi também com o uso do carvão, petróleo, urânio e também é com a eletricidade, fontes que a partir da descoberta de suas propriedades incentivaram uma série de mudanças no seu entorno. 2.3.1 Conceitos sobre transição energética O estudo da transição energética esbarra em alguns problemas, como apontam Elias e Victor (2005), a começar pela falta de uma definição precisa do que vem a ser este fenômeno. A falta de uma definição, ainda segundo estes autores, implica na dificuldade no estabelecimento de critérios para sua quantificação, que por sua vez, dificulta o estabelecimento de uma relação de causa e efeito entre a transição energética e o bem-estar. De forma mais geral, a transição energética envolve a mudança de uma fonte, como por exemplo, a biomassa, para outra mais eficiente, como o carvão. Apesar da simplicidade da idéia, uma análise mais profunda mostra diversos detalhes que devem ser considerados e que, pela falta da sua observação, dificultam a sua compreensão. Como por exemplo, pode-se 23 comentar o fato da energia ser necessária para diversos serviços, implicando muitas vezes no uso de diversas fontes; ou compreender que fatores levam o indivíduo a adotar uma nova fonte; em como fica sua relação com a fonte antiga; e por que ocorre, por vezes, a volta ao uso da fonte anterior, entre outros. O processo de transição é muitas vezes visto por meio de metáforas, como “escada energética” [energy ladder] ou “empilhamento energético” [energy stacking] (ELIAS e VICTOR, 2005). No caso da visão “escada”, a transição ocorre pela mudança gradativa de fontes, da menos eficiente para outras mais eficientes, enquanto que no empilhamento ocorre a agregação da nova fonte a um portfólio de outras utilizadas e, eventualmente, a substituição de uma delas. A análise da literatura mostra uma coerência maior da visão “empilhamento” que a da “escada”. Especificamente no caso da eletrificação, a “escada” implicaria na substituição de toda fonte que pudesse ser substituída pela eletricidade, mas o que de fato ocorreu em muitos lugares foi a substituição de alguns serviços, como a iluminação, e a manutenção de fontes tradicionais, como, por exemplo, para a cocção (DAVIS, 1998; MURPHY, 2001; SERPA, 2001; CAMPBELL et al., 2003; MORANTE, 2004; MADUBANSI e SHACKLETON, 2006; WINTHER, 2008). O que motiva a manutenção de fontes tradicionais são as mais diversas causas, como cultura, renda, segurança entre outros. O que isso demonstra é que a concentração da investigação da transição energética na própria energia talvez não seja o ponto ideal. De fato, Wilhite et al. (1996) mostram (em uma análise no contexto urbano) que a fonte energética, per se, não é considerada em primeiro plano pelos indivíduos (que no estudo residem em Oslo, Noruega, e Fukuoka, Japão), mas sim os serviços oferecidos pelas fontes. Talvez a visão secundária da energia não possa ser estendida de forma integral ao meio rural, dada a relação mais íntima do indivíduo com a energia (na coleta, transporte, pela segurança etc.)8. Observar a energia em função do serviço oferecido talvez seja mais apropriado para compreender a relação do homem com a energia (SOVACOOL, 2011) e assim melhor compreender o processo de transição energética. 8 No caso específico da eletrificação, existe a carga social, em especial de inclusão, ou pertencimento, que será melhor discutida adiante. 24 Na visão de serviços a energia é vista de acordo com sua capacidade de oferecer recursos para a iluminação, a cocção, o aquecimento, o entretenimento, o transporte, entre outros. Isso permite compreender o processo de transição para além do processo em si, considerando inclusive suas motivações. Davis (1998), Serpa (2001), Morante (2004) e Winther (2008) mostram que o uso de eletricidade não se difunde universalmente nos possíveis serviços. Sovacool (2011) mostra ainda uma relação com a renda, onde o número de serviços pode ser inversamente proporcional ao número de fontes utilizadas (maior renda implica em mais serviços, estes, por sua vez, alimentados por menos fontes; menor renda, menos serviços alimentados por mais fontes). Esta tendência também é observada em Davis (1998) e Madubansi e Shackelton (2006), que mostram em estudos na África do Sul que a predominância de uso de eletricidade ocorre entre as famílias de maior renda. Parte da justificativa disto vem do fato que a transição energética envolve a mudança para equipamentos mais sofisticados, desenvolvidos para a conversão daquela energia para o serviço desejado. No caso específico da eletrificação, a aquisição de lâmpadas, ventiladores, rádios, televisores, fogões elétricos, fazem parte dos equipamentos necessários para que seus serviços equivalentes sejam atendidos. Outro ponto importante vem do fato da fonte energética normalmente vir de fora da comunidade, o que demanda que certa infraestrutura esteja disponível para o fornecimento da energia (ELIAS e VICTOR, 2005). Com base nestes fatores, Leach (1992) identifica a renda como um elemento restritivo ao acesso de novas fontes de energia, isso pela necessidade de aquisição de equipamentos, e o custo da nova fonte como elemento para sua manutenção. No caso da infraestrutura Leach (1988 apud ELIAS e VICTOR, 2005) aponta o tamanho da cidade como fator para a sua maior difusão. Nesse caso, quanto maior a cidade, maior demanda, que justificaria economicamente o investimento na tal infraestrutura. Evidentemente isso não é um processo imediato, mas sim histórico, sendo a infraestrutura crescente de acordo com a demanda. Esse tipo de comportamento pode ser observado em Madubansi e Shackleton (2006), que relatam não observar esse fenômeno em cinco grandes vilas Sul-africanas (das quais quatro haviam sido recentemente eletrificadas). Serpa (2001), observa a preferência do caiçara por equipamentos que não dependam de manutenção complicada, pois equipamentos 25 tecnologicamente mais complicados implicariam em uma maior dependência da “distante” cidade. No caso da eletricidade, além do valor da compra do equipamento conversor, existe ainda o montante inicial para o acesso à própria fonte energética. Quando feita por extensão de rede, muitas vezes exige a mudança na forma de casas tradicionais por questão de segurança, o que não é necessário em sistema autônomos como os fotovoltaicos pela baixa potência fornecida, apesar de existir, nesse caso, o valor do próprio sistema gerador (MURPHY, 2001). 2.3.2 A adoção da tecnologia e o processo de difusão A seção anterior apresentou a visão de renda e da presença de uma infraestrutura apropriada como limitantes para a entrada de uma nova fonte energética em um domicílio, mas supõe que o indivíduo deseje a entrada desta fonte. Nesse caso, cabe aqui outra questão: o que motiva o indivíduo a desejar a mudança para uma nova fonte energética? Uma primeira visão é oferecida por Elias e Victor (2005), na qual o uso de uma nova fonte mais eficiente implicaria no menor dispêndio de tempo do indivíduo com a fonte anterior. Isso implicaria, por exemplo, na substituição da lenha por carvão na cocção, fazendo com que o tempo gasto na coleta de lenha seja minimizado. Essa forma de observar a motivação acaba esbarrando, novamente, no fator do serviço. Observa-se na literatura que os indivíduos de mais baixa renda ainda preferem o uso da lenha para a cocção (DAVIS, 1998; MURPHY, 2001; MADUBANSI E SHACKLETON, 2006; WINTHER, 2008), seja pelo sabor da comida ou pela velocidade da cocção. Se tomarmos novamente a visão de serviços, e não de fonte, pode-se observar certa tendência de satisfação de necessidades segundo a ótica da hierarquia das necessidades humanas de Maslow (MORANTE, 2004). Nessa visão, o indivíduo buscaria sanar suas necessidades dentro da seqüência de necessidades: 1 - fisiológicas; 2 - segurança; 3 - amor/relacionamento; 4 - estima e 26 5 - realização pessoal. Assim, a mudança ocorreria preferencialmente em função de melhorias que possa proporcionar ao serviço. Elias e Victor (2005) observam a seqüência cocção e aquecimento, iluminação e diversão, na preferência de transição. Uma vez que um determinado serviço seja atendido de forma satisfatória por uma fonte, os gastos do indivíduo passariam a ocorrer com o serviço não tão bem atendido. Isso pode ser observado pela já citada preferência do uso da lenha (que pode ser associado à necessidade fisiológica), e pelo uso preferencial da eletricidade, no primeiro momento da eletrificação, para a iluminação (que pode ser associado à necessidade de segurança) (DAVIS, 1998; MURPHY, 2001; SERPA, 2001; MORANTE, 2004; MADUBANSI E SHACKLETON, 2006; WINTHER, 2008), que compensaria as deficiências da iluminação com velas ou querosene, oferecendo um serviço melhor. É interessante observar que Winther (2008) relata a sensação de pertencimento da vila de Uroa, que se sentiu mais “cidade” após a eletrificação, mostrando até mesmo o preenchimento da necessidade de estima. Quem dita a forma como o serviço será considerado, ou os critérios para a qualidade de um determinado serviço, é a cultura local. Winther (2008) mostra como o povo de Uroa, em Zanzibar, resistiu ao uso de fogões elétricos, dado o peso do sabor na cultura, dando preferência para o uso da tecnologia tradicional para a cocção, mesmo este ainda carregando a mulher com todo o fardo da coleta de lenha e o dispêndio de tempo na cozinha9. Serpa (2001) e Morante (2004) mostram o incômodo da forte iluminação na hora de dormir dos moradores do Lagamar de Cananéia, proporcionada pelas novas lâmpadas, que foi corrigido pelo uso de lâmpadas de menores potências e luminosidade próxima às das velas e candeeiros, tradicionalmente mantidos acesos durante o período de sono. Ainda, Wilhite et al. (1996) mostram como a cultura determina o uso da energia em regiões urbanas, nesse caso, Oslo e Fukuoka. A importância da cultura fica mais evidente quando tratamos de mudanças que podem ser consideradas como induzidas, como as propostas por programas de desenvolvimento. Murphy (2001), Serpa (2001), Morante (2004), Goméz e Montero (2010) destacam a importância da 9 Winther estende sua discussão para as questões de gênero, em especial pelo peso da posse de equipamento pela mulher, mas o sabor ainda parece ser a motivação maior para a resistência à mudança. 27 cultura local no processo de aceitação e validação das novas tecnologias que entram com a nova fonte. Goméz e Montero (2010) baseiam-se na construção social da tecnologia para que uma determinada tecnologia seja aceita pela comunidade. Longe de ser um processo neutro, o processo de construção de uma tecnologia ocorre sob a pressão de diversos fatores, sejam estes de natureza econômica, mercadológica, política, ideológica, religiosa, entre outros. Estes fatores exercem pressão sobre os atores envolvidos, influenciando suas decisões dentro do universo de escolhas possíveis para construção desta, que também é restrita pelo estoque de conhecimento disponível (TRIGUEIRO, 2008). Desta forma, essas pressões podem influenciar a validação de uma determinada tecnologia em uma comunidade. Murphy (2001) destaca os fracassos obtidos em diversos programas voltados para a substituição de fogões tradicionais (os fogões de 3-pedras) em vilas africanas, como tecnologias mais eficientes de conversão. Destaca ainda um caso de sucesso, onde houve o envolvimento de artesãos e de mulheres locais no processo de construção da tecnologia, que a adequou à cultura local. Goméz e Montero (2010), também, apresentam casos em que houve o repúdio de uso de determinadas fontes energéticas (no caso, restos de biomassa), para a eletrificação por serem consideradas sujas. Tomar a cultura como referência para compreender a relação da comunidade com os serviços convida a estender a transição energética do âmbito domiciliar para o da comunidade. Nesse, a análise deve se valer dos princípios da difusão de inovações, dada toda a carga de novas tecnologias associadas ao aproveitamento da nova fonte energética. Serpa define a difusão como sendo “o processo pelo qual uma inovação passa a ser socialmente aceita ou, simplesmente, designa todos os processos ordenados que produzam semelhanças culturais em várias sociedades que não as produzidas pela invenção” (2001, p. 10). A literatura apresenta poucos documentos que tratem do processo de difusão da eletrificação como um todo, em especial da eletrificação rural. Destes destacam-se os textos a respeito da geração por sistemas fotovoltaicos domiciliares. McEarchen e Hansen (2008), em um detalhado estudo a respeito da difusão de SFDs na forma comercial em vilas no Sri Lanka, mostram diversos fatores como responsáveis pela decisão ou não pela adoção da nova 28 tecnologia. Dentro deste contexto (tecnológico e territorial) os autores mostram como características da vila o relevo (terrenos altos são sujeitos a neblina, passando a imagem de mau desempenho); tolerância ao comportamento inovador; presença de escolas primárias (para a divulgação da tecnologia); distância da vila para os centros urbanos (a proximidade do centro urbano cria a expectativa da extensão da rede) e a pró-atividade dos indivíduos da vila para a busca do desenvolvimento local. A taxa de adoção da tecnologia (ainda em McEarchen e Hansen (2008)) é determinada por fatores como a presença do padre (como um divulgador comercial), presença de minorias étnicas (pela menor dependência do governo), ajuda mútua, entre outros. Com relação à decisão individual pela adoção, os fatores mais determinantes vêm do capital social, em especial da rede social do indivíduo, como a quantidade de indivíduos que possuem o novo sistema que fazem parte de sua rede, ou do tamanho e do grau de afinidade entre estes indivíduos, entre outros fatores. Tratando então da indução da entrada da nova fonte energética, duas visões se sobrepõem: a indução pelo meio comercial e a indução pelos programas de desenvolvimento. Tanto a visão comercial como a desenvolvimentista buscam arregimentar indivíduos como divulgadores, como citam McEarchen e Hansen (2008) e Serpa (2001), normalmente indivíduos com grande capital social (como padres, professores, líderes locais) que influenciem as decisões dos demais; também buscam divulgar a tecnologia por meio de estruturas de acesso público, como escolas, igrejas, bombas d’água, entre outros. O envolvimento local no processo de entrada da tecnologia também é um fator importante para o processo de adoção desta. Isso é destacado em Murphy (2001), Serpa (2001), Morante (2004) e Winther (2008). O envolvimento local indica que os indivíduos da comunidade não atuarão como atores passivos no processo de entrada, mas sim serão ativos na tentativa de superação de barreiras que possam surgir para sua adoção. A falta de participação local pode ter efeitos diversos que vão da simples passividade na entrada da tecnologia até a sua rejeição completa. Em um exemplo interessante, Winther (2008) mostra como uma vila em Zanzibar se opôs ao processo de eletrificação em decorrência da forma como a concessionária local “agrediu” seu território. Da mesma forma, 29 Murphy (2001) apresenta os citados exemplos de tecnologias para cocção que foram simplesmente apresentados às comunidades e cuja absorção não ocorreu. 2.3.3 A demanda pela nova fonte energética Estabelecida a entrada da tecnologia na comunidade, outro importante fator é a demanda de energia. Este fator é especialmente relevante na geração em que ocorre a acumulação de energia em baterias, seja em sistemas domiciliares (como fotovoltaicos ou eólicos), ou coletivos (como sistemas fotovoltaicos multiusuários ou centros de carga de bateria). A demanda é importante pela necessidade de dimensionamento apropriado do sistema, dimensionamento este que é muitas vezes limitado por fatores financeiros de projeto. Assim como diversos fatores influenciam o processo de decisão pela transição energética e a difusão das novas tecnologias associadas, Morante (2004, pg. 210-221) aponta fatores semelhantes para o consumo na nova fonte. Tais fatores são; Fatores técnicos: o Usos finais mais eficientes; o Sub/sobredimensionamento do sistema de geração; Fatores gerenciais: o Consideração das características dos indivíduos no desenvolvimento do projeto; o Existência de uma estrutura de manutenção apropriada; o Relação do indivíduo com o sistema decorrente da informação passada a ele no momento da instalação (medo ou confiança no uso); o Infraestrutura de suporte material; Fatores psicológicos: o Observação das particularidades da comunidade e de seus valores; Fatores geográficos: o Clima, vegetação etc; o Distância dos centros urbanos; Fatores demográficos: o Estrutura familiar; o Idade; 30 o Gênero; o Grau de escolaridade; Fatores socioculturais: o Hábitos em geral; o Freqüência de viagens; o Influência do estilo de vida urbano e Fatores econômicos: o Atividades voltadas para subsistência; o Fluxo monetário; o Renda. Dada a quantidade de fatores, Morante (2004) aponta para o fato de que o consumo de energia elétrica gerada em Sistemas Fotovoltaicos Domiciliares pode ser considerado como aleatório. Apesar disso, dois pontos podem ser considerados importantes: 1. O consumo de eletricidade em SFDs tende a seguir o padrão de uma função gama, que indica que muitos consomem pouco e poucos consomem muito; 2. Apesar do observado no item anterior, por uma característica comum em comunidades tradicionais, a da equidade, no ato do projeto e na primeira instalação, é interessante que o desenvolvedor instale sistemas iguais para todos, para que sejam evitados constrangimentos que podem, inclusive, levar ao colapso do projeto. 2.4 Abordagem de Capacidades A Abordagem de Capacidades foi desenvolvida por Amartya Sen como um instrumento para a economia do Bem-estar. Nela, Sen busca apresentar uma forma de compreender a situação do indivíduo, o que pode ser entendido como seu bem-estar, como em outras abordagens, como a Utilitarista. Esta abordagem exerce um papel importante nesta pesquisa, pois é por meio dela que se pretende compreender de que forma a eletrificação modifica o Bem-estar do indivíduo atendido, permitindo verificar os benefícios da infraestrutura para a comunidade. 2.4.1 Conceitos básicos 31 Um primeiro ponto a destacar a respeito desta abordagem é que, ao contrário de visões mais usuais do bem-estar, na Abordagem de Capacidades o indivíduo não busca sempre maximizar seu prazer. De fato, afastando uma padronização do comportamento humano, nesta abordagem o indivíduo busca quaisquer objetivos que julgue válidos, ou importantes (SEN 1985), tenham eles valor para ele mesmo, ou para outras pessoas. O próprio ato de busca é, por si só, algo relevante para a compreensão do “estado das coisas” [state of affairs] do indivíduo, definindo assim sua condição de agente. A condição de agente pode ser compreendida como a capacidade da pessoa em buscar aquilo que deseja, seja para ele mesmo, ou para outra pessoa. Ter acesso à informação e não ser reprimido nessa busca são elementos que contribuem para que a liberdade de condição de agente seja atingida. Neste caso, a simples liberdade de poder buscar algo bom para si ou para outros, já constitui um elemento importante para o indivíduo. Outro ponto importante da Abordagem de Capacidades é a dependência de contexto; a importância da cultura na definição do que o indivíduo considera importante ou não; a influência da sua atual situação nas suas necessidades. Aqui o indivíduo não é independente das coisas que o cercam, é influenciado e, de certa forma, moldado pelo meio. Assim, indivíduos de culturas distintas, ou mesmo dentro da mesma sociedade, vivendo a mesma cultura, podem valorar de formas distintas as mesmas coisas. Assim como a valorização de determinadas “coisas” podem diferir entre indivíduos, a forma como estes se beneficiam desta “coisa” também varia. Um indivíduo com alguma dificuldade motora não tirará o mesmo benefício de uma bicicleta como um indivíduo com condição motora normal. Um indivíduo constrangido dentro do grupo escolar terá um aproveitamento escolar distinto de outro perfeitamente integrado ao grupo escolar. Mesmo dois indivíduos aparentemente em iguais condições terão benefícios distintos de uma mesma “coisa”, dadas as diferenças inerentes de todos. A conseqüência disto é que a oferta de algum benefício não implica no seu pleno aproveitamento, menos ainda no fato de que o objetivo desta oferta, que é, em princípio, o Bem-estar, será atingido. Assim, Sen argumenta que o melhor indicador para o Bem-estar não 32 é a oferta da commodity, mas sim o aproveitamento efetivo desta, que ocorre quando o indivíduo a converte para algo que lhe seja funcional, ou seja, em uma funcionalidade. Funcionalidade é tudo relacionado a ser, estar e fazer [beings e doings] (estar nutrido, ser aceito pelo grupo social ao qual o indivíduo pertence etc) (SEN, 1985a). De fato, quando a escola é oferecida a alguém, esperamos que o resultado dos estudos lhe seja algo funcional, mas se consideramos que cada um aproveita o benefício de forma distinta, a simples oferta da escola pode não ser revertida em algo funcional para a criança. A falta de luz noturna para estudos, necessidade não atendida de óculos etc., podem prejudicar o seu desempenho, indicando que para que o estudo se torne algo funcional para ela outras ações são necessárias. Da mesma forma que indivíduos convertem de forma distinta uma commodity em funcionalidades, o valor dado por estes à funcionalidade também é distinto. Buscando o rigor matemático, Sen (1985d, p. 8) define o conjunto de funcionalidades (Pi) de um indivíduo como um vetor de funcionalidades, expresso da seguinte forma: { Pi (x i )= b i∣ bi= f i (c (x i )), ∀ f i (¿)∈ F i } Sendo xi um vetor de commodities relativo ao indivíduo i, c(.) a função de características da commodity, fi(.) a função que reflete o padrão de uso da commodity, Fi o conjunto de funções fi(.) utilizáveis (escolhidas por i), bi(.) o conjunto de funcionalidades escolhidas para uso e, por fim, Pi(.) o conjunto de funcionalidades viáveis de x escolhidas por i. Tomando, por exemplo, a lâmpada para a iluminação noturna, pode-se tomar dela diversas utilidades, como o estudo noturno, ou conforto para o descanso, ou segurança contra animais, entre outros. Se o indivíduo tem, por exemplo, acesso à escola, a associação entre estes dois itens, na medida em que o indivíduo consegue se beneficiar de cada um de forma pessoal (caracterizado pela função c(.)), resultará na funcionalidade de estar educado. Apesar do valor da funcionalidade ser um bom referencial para o Bem-estar do indivíduo, nem toda funcionalidade pode ser entendida como Bem-estar. Funcionalidade é tudo 33 associado a ser, estar e fazer, e isso inclui estados que não acrescentem valor ao Bem-estar do indivíduo (pode, inclusive, diminuir seu Bem-estar, se o indivíduo julgar isto importante). A condição de agente, por sua vez, que pode ser entendida como funcionalidade, ou ainda ter como objetivo atingir uma funcionalidade, fica independente na sua definição de Bem-estar, visto que nem toda funcionalidade resulta em Bem-estar, nem toda busca do agente resulta em benefício para si mesmo e ação não é, de fato, “ser”, “estar” ou “fazer”. A condição de agente pode, inclusive, afetar negativamente o Bem-estar do indivíduo, como mostra Sen no seu exemplo do homem que deixa de comer um lanche para salvar outro que se afoga (SEN, 1985a). Tão importante, ou até mais (de acordo com o pesquisar que trata do tema), que as funcionalidades de que dispõe um indivíduo, são aquelas de que o indivíduo pode dispor, ou que tem liberdade para atingir. De fato, Sen argumenta que “uma boa vida é, entre outras coisas, uma vida de liberdade”10 (1985a, p. 202). Um exemplo geralmente citado é o caso do contraste entre o indivíduo que jejua e do faminto: ambos passam pela mesma privação de não se alimentar, sofrendo as conseqüências de tal, mas o jejuante tem a capacidade de interromper o jejum, tendo condições de atingir a funcionalidade de estar livre da fome, enquanto o faminto não dispõe de tais condições. Essa condição de possibilidade de atingir a funcionalidade, de liberdade de atingir a funcionalidade, é definida por Sen como Capacidade (IBID.). Novamente buscando o rigor matemático, o conjunto de capacidades (Qi) de um indivíduo pode ser definido como { Qi (X i )= bi∣b i= f i (c (x i )), ∀ f (¿)∈ Fi , ∀ x i ∈ X i } Sendo Xi o conjunto de commodities sobre os quais o indivíduo i tem direitos e Qi(.) o conjunto de capacidades de que o indivíduo dispõe, ou sua liberdade de escolha (SEN, 1985d, p. 9). Retomando o exemplo da lâmpada para a iluminação noturna, novamente, com a presença da lâmpada e o acesso à escola, aqui o indivíduo tem a possibilidade de exercer a funcionalidade de “estar educado”, não necessariamente a exercendo. 10 “... good life is inter alia a life of freedom”. 34 Assim como a liberdade é importante no que diz respeito a atingir ou não uma funcionalidade, ela também é para a já citada condição de agente. Nem toda ação que um indivíduo realiza ele o faz por livre vontade, fazendo sim por força da necessidade. Por outro lado, nem toda ação que o indivíduo deseja realizar, de fato lhe é possível. Assim, a liberdade para realizar a ação que deseja é algo importante até mesmo porque a liberdade para a condição agente é importante para que o indivíduo possa buscar funcionalidades que valorize. Esse aspecto relacionado à liberdade (o conjunto de capacidades e a condição de agente) é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, pois lhe dá a liberdade de buscar um padrão de vida que julgue bom, seja pela seleção de funcionamentos dentro do seu conjunto de capacidades, ou mesmo pela possibilidade de buscá-los, dentro da sua condição de agente. Sua importância torna-a base para o próprio conceito de desenvolvimento humano, sendo este compreendido, por Sen, como o aumento das liberdades individuais (SEN, 1999). Retomando o conceito de Bem-estar, as funcionalidades são o elemento responsável, de forma direta, pelo Bem-Estar do indivíduo11; e o conjunto de capacidades, a liberdade de atingir o Bem-Estar, ou liberdade de Bem-Estar (SEN, 1985a). Assim, para a compreensão do “estado de coisas” do indivíduo, a compreensão dos quatro elementos (Bem-Estar, liberdade de BemEstar, condição de agente, liberdade de condição de agente), é fundamental (Ibid.). A Abordagem de Capacidades não é uma teoria per se para a análise de temas como a pobreza, a desigualdade, o desenvolvimento etc, mas sim um instrumento que auxilia na compreensão destes fenômenos (ROBEYNS, 2006). De fato, Sen buscou compreender a pobreza (SEN, 1983), o padrão de vida (SEN, 1985c), o desenvolvimento (SEN, 1999), as diferenças entre gêneros (SEN, 1985d, anexo 2; SEN, 1987) entre outros com o uso desta abordagem como instrumento para compreensão de tais fenômenos. 2.4.2 Críticas e contra-críticas à Abordagem de Capacidades 11 Resultando naquilo que o Utilitarismo julgue como referência para o Bem-estar (o prazer, ou a felicidade, por exemplo) 35 É fato que uma teoria “fechada”, completa e com definições claras e inequívocas goza da preferência acadêmica pelo conforto de sua aplicação sempre correta (ou, quando não, evidentemente errada), mas esse não é o caso da Abordagem de Capacidades. As dificuldades na sua aplicação são muitas, como a definição do elemento a ser pesquisado (tipicamente funcionalidades e/ou capacidades), quais instâncias destes elementos devem ser observadas (quais funcionalidades e/ou quais capacidades) e como valorá-las (o valor que tal instância tem para o indivíduo e, eventualmente, o valor agregado desta para a comunidade)12. Tais dificuldades levam alguns pesquisadores a considerar a Abordagem de Capacidades como vaga e complexa, carecendo de definições mais claras em função do tema abordado, ou mesmo de maior clareza per se, para que seja aplicável13. No entanto, Chiappero-Martinetti (2008) mostra que seu caráter irrestrito e a ausência da limitação de definições fechadas para suas partes constituintes não são de fato um problema, mas sim uma força sendo que “o real desafio é desenvolver métodos de avaliação [and assessment] e encontrar ferramentas técnicas de medida capazes de capturar e preservar esta riqueza adequadamente”14 (CHIAPPEROMARTINETTI, 2008, p. 268). Seria, de fato frustrante se, após romper com os limites impostos ao comportamento humano, aos limites impostos à ambição humana, aos limites impostos por uma métrica padrão, a Abordagem de Capacidades fosse, também, limitada por alguma definição que desrespeita-se aquele que pode ser compreendido como um de seus princípios mais básicos, que é o caráter particular de cada indivíduo. 2.4.3 Abordagem de Capacidade e a eletrificação rural descentralizada por MIGDI A respeito das dificuldades de trabalho com a Abordagem de Capacidades, muito tem sido discutido15. Isto não implica no seu descarte como instrumento no projeto de eletrificação rural. Pelo contrário, sendo uma eletrificação rural uma ação de mudança energética e, conseqüentemente, tecnológica, com impactos (tipicamente consideráveis) na comunidade rural atendida, a Abordagem de Capacidades pode exercer um papel importante em dois 12 Sobre tais dificuldades pode-se consultar Robeyns (2003). Dois exemplos deste tipo de discussão podem ser observados em Sugden (1992) e Townsend (1985). A resposta de Amartya Sen para Peter Townsend esta em (SEN, 1985b) e no caso de Sugden, na referência citada na seqüência deste texto. 14 “... – the real challenge is to develop methods of evaluation and assessment and to find technical measurement tools able to capture and preserve this richness adequately.” 15 Ver Robeyns (2003), Comim (2008), Chiappero-Martinetti (2008), Grasso (2002). 13 36 pontos fundamentais do processo de eletrificação: a definição dos benefícios esperados da eletrificação (no estágio de projeto) e a avaliação dos benefícios obtidos (após a instalação). A avaliação no estágio de projeto é importante, pois permite ao desenvolvedor identificar as necessidades do indivíduo da comunidade, ou da comunidade com um todo, permitindo que o projeto seja guiado na busca das necessidades (capacidades e funcionalidades) apresentadas por estes16. É importante observar que o mais natural em projetos desta natureza seria buscar atender necessidades imediatas ou, de forma direta, funcionalidades, e não capacidades (até pela dificuldade natural de definir capacidades). Mas um ponto observado com freqüência nos casos de fracasso de projetos de eletrificação rural descentralizada é a dificuldade do indivíduo em conseguir expandir o uso do sistema (muitas vezes pelo simples dimensionamento deste). A observação da possibilidade de expansão destes, em especial com respeito aos ser, estar e fazer, que o indivíduo julgue importante é fundamental na busca da sustentabilidade do projeto. Além das capacidades e funcionalidades, a condição de agente também é um elemento a ser observado no projeto, assim a eletrificação rural descentralizada pode contribuir para que o indivíduo busque funcionalidades que não foram atendidas no projeto. Pode-se afirmar que, de fato, todos os elementos do “estado das coisas” do indivíduo (bem-estar, liberdade de bemestar, condição de agente e liberdade de condição de agente), podem ser afetados pela eletrificação rural. Algumas capacidades oferecidas pela eletrificação rural são amplamente conhecidas, como o acesso à iluminação noturna (para estudos ou para a substituição do querosene); à iluminação em escolas ou outros edifícios comunitários de valor; à refrigeração (de vacinas, alimentos, ou ainda de pescados – para fins produtivos); à simplificação de atividades domésticas, ao bombeamento de água, etc. O beneficiamento de produtos pode exercer papel de capacidade, ao oferecer maior rendimento na produção de alimentos, assim como pode exercer um papel na condição de 16 Evidentemente uma capacidade se torna funcionalidade efetiva quando atingida, ou realizada, pelo indivíduo, mas pode-se esperar que muitas capacidades se tornem funcionalidades assim que disponíveis, então serão consideradas aqui funcionalidades toda a necessidade que espera-se seja imediatamente realizada assim que o recurso para tal esteja disponível e capacidade aquela que não atende esta expectativa. 37 agente, ao oferecer uma fonte de rendimentos ao indivíduo. O mesmo pode ser observado, por exemplo, no acesso à informação. Vale observar que, como já citado, a eletrificação rural é uma ação de mudança energética e, conseqüentemente, mudança tecnológica. Isto implica na eventual perda de técnicas tradicionais como, por exemplo, de iluminação, ou de produção, o que significa que o fracasso da eletrificação pode significar a perda de funcionalidades que o indivíduo dispunha antes do processo de eletrificação. Neste sentido, é fundamental o acompanhamento do processo de transição energética, ao menos até que o projeto atinja a sua sustentabilidade, buscando avaliar se os objetivos relacionados aos “estados das coisas” dos indivíduos foram atingidos, ou o que falta para tal. Ressalta-se, porém, que a análise neste estágio não deve ficar restrita aos objetivos de projeto, mas deve sim buscar avaliar o estados dos indivíduos da comunidade de forma mais abrangente possível, buscando identificar os efeitos da eletrificação dentro dos objetivos originais de projetos, e outros elementos que tenham sido afetados de forma indireta por esta. 2.5 Abordagem institucional Como destacado no capítulo 1 desta dissertação, Ostrom et al. (1993) apontam os incentivos perversos como os elementos responsáveis pelo fracasso dos projetos de intervenção planejada analisados por estes autores. É o incentivo que estimula um indivíduo a se dedicar ao trabalho de manutenção de uma infraestrutura; é o incentivo que estimula um indivíduo a buscar ganhos ilícitos em um projeto; é o incentivo que dita se um indivíduo deve ou não continuar a acreditar que pode ter sua “vida mudada”, ou “melhorada”, por uma infraestrutura desenvolvida por gente de fora de sua comunidade, ou melhor, da sua realidade. 2.5.1 Conceitos básicos O institucionalismo é oriundo das ciências sociais, sendo abordada nas áreas da Economia, da Ciência Política, além da Sociologia, e busca compreender as mediações entre as estruturas sociais e as manifestações individuais (THERET, 2003). Tomando como exemplo a infraestrutura de eletrificação rural, a Análise Institucional buscará compreender de que forma 38 os atores envolvidos são motivados a exercer suas funções dentro da infraestrutura. Tomando como exemplo o caso do agente responsável pela medição de consumo de energia elétrica: se este possui estreitos laços com os usuários, de que forma o instrumento de mediação é efetivo para que o agente não fique constrangido com a necessidade de acusar o consumo de energia por algum usuário inadimplente? De que forma o instrumento mediação será efetivo para que sua manifestação individual não se sobreponha à necessidade da estrutura, ou da infraestrutura? Evidentemente, no caso da não acusação, a infraestrutura pode ser comprometida pelo fato de esta ser sendo utilizada e não estar ocorrendo o necessário retorno financeiro. De forma simplificada, pode-se compreender a motivação para a Análise Institucional da seguinte forma: ao estabelecer uma relação formal, se observa a forma como cada ator atuará nesta relação e o que é esperado de retorno de cada um. Em uma situação ideal, se poderia supor que os atores atuariam de modo a honrar a relação, sendo o resultado obtido o ótimo, mas não é isso que ocorre. De fato, para que cada ator realize sua parte na relação dificuldades, ou custos, devem ser superados. Estes custos são denominados custos de transação, e podem ser observado tanto antes (ex ante) da realização da relação como após (ex post). A questão é que tais custos podem motivar os atores a deixar de cumprir sua parte, e é aqui que entra o instrumento mediador, na forma de motivador para que a realização da parte de cada ator implique em benefícios maiores que a fuga de suas obrigações. Retomando o exemplo do agente responsável pela medição do consumo de energia elétrica, de forma simples, a relação firmada impõe que este busque a informação de consumo e a passe para seu responsável, que procederá com os trâmites de cobrança. Na realização de sua parte da relação, o ator pode se deparar com o custo de superar o constrangimento de “delatar” alguém com quem tenha laços pessoais para que a informação seja passada ao seu responsável e, da mesma forma, o responsável pela ação do ator tem que superar os custos relacionados a monitorar a ação deste, de modo a impedir que o ator se desvie de sua obrigação. Nesse caso, o instrumento mediador deve garantir que os ganhos ao ator sejam maiores em caso do cumprimento de sua obrigação, do que no caso do desvio efetivo, o que pode se dar por mecanismos de punição. 39 Os instrumentos de mediação citado são, justamente, as instituições, foco da Análise Institucional. As instituições são o conjunto de regras que regem as interações humanas repetitivas, que buscam tornar o comportamento humano previsível, diminuindo as incertezas nas interações (OSTROM, 2005). Se tomássemos, por exemplo, a interação entre duas pessoas que não seguissem regra alguma, seja formal, informal, cultural etc, seria impossível “predizer”, com algum grau de confiabilidade, qual seria o comportamento de um ante uma ação do outro. As instituições podem ser construídas como regras para o espaço em que ocorre a interação, podem ser normas de cunho moral, podem ser as estratégias que guiam os atores, ou ainda podem ser assuntos tomados como verdades indiscutíveis, como as leis físicas. Todos esses elementos podem guiar os atores nas suas interações. Evidentemente, a simples presença da instituição (ou da regra) não torna o comportamento previsível, mas sua presença proporciona, ao menos, confiança aos atores envolvidos. São as instituições que fornecem as bases para que determinados incentivos ocorram, seja por meio de regras, ou pela falta delas; que permitem ou coíbem determinados comportamentos (OSTROM et al., 1993). Uma instituição ineficiente, que não coíba o comportamento oportunista de alguns, fatalmente irá incentivar a fuga de outros indivíduos, ou mesmo disseminar o mesmo oportunismo, levando a própria instituição ao colapso. Vale aqui uma distinção importante: a instituição são as regras, as pessoas compõe a organização (NORTH, 1990). Esta distinção é importante, pois ao tratarmos da instituição, buscamos fazê-lo de forma independente da organização. A instituição, assim, rege o comportamento dos que fazem parte da organização, buscando evitar, por exemplo, o comportamento oportunista. A instituição eficiente diminui as possibilidades para que o comportamento oportunista ocorra. Esta forma de comportamento pode ser observada de várias formas, como o free-rider, que busca o benefício em função do trabalho do outro; o rent-seeker, que faz uso de formas ilícitas para maximizar seus lucros; o moral hazard, que diminui sua responsabilidade sobre algo a partir do momento em que outro compartilha desta responsabilidade (p. ex.: o indivíduo que diminui seus cuidados com a segurança ao fazer um seguro); o shirking, 40 quando o indivíduo não fiscalizado trabalha de forma preguiçosa, menos que os demais; além de qualquer outra forma de corrupção17. Como citado, as instituições regem as interações humanas repetitivas, ou seja, regem ambientes como o mercado, a empresa, a escola, ou qualquer outro em que um determinado fim é buscado, ou negociado, de forma comum. Para compreender a forma como ocorrem as interações dentro de um ambiente determinado e como ocorrem os diversos incentivos dentro deste ambiente, Ostrom e seus colegas do Workshop in Political Theory and Policy Analysis propõe o seguinte framework: Figura 2.1 – IAD framework Fonte: Traduzido para o Português de Ostrom (2005) Ostrom (2005) define o espaço em que ocorrem tais interações como arena de ação [action arena], esse espaço não é necessariamente um espaço físico e sua abrangência pode ir além dos limites formais estabelecidos nos exemplos anteriores (isso em função da influência de atores de outras instituições ligadas a essas). O que compõe a arena de ação e de fato a define, são os participantes e as situações de ação, como, por exemplo, o ator responsável pela medição e a ação de medição. Cada situação de ação é definida, ou caracterizada, pelos participantes que fazem parte dela, pelas posições que esses participantes têm dentro da arena, pelos resultados obtidos pela ação em função da decisão dos participantes, pelos custos ou benefícios associados aos resultados da ação, pela ligação entre a ação e os resultados, pelo controle que os atores tem dentro do 17 Optou-se por manter os nomes do original em inglês para os possíveis comportamentos oportunistas, mas poderiam ser equivalentes em português: free-rider, o aproveitador, ou parasita; moral hazard: o acomodado, ou relaxado; o rent-seeker: o estelionatário; e o shrinker: o folgado. 41 contexto da ação e pela informação disponível para os participantes da ação na sua tomada de decisão a respeito da situação de ação. As decisões dos participantes também são influenciadas pelas variáveis exógenas à arena, que são os atributos da comunidade, as características biofísicas e materiais envolvendo a ação de situação e as regras que regem a ação18. Novamente com o ator responsável pela medição do consumo de energia elétrica, sua decisão sobre a ação de medição terá como influências sua posição dentro da estrutura, do que resultará a medição ou não, a distância que ele deve percorrer para realizar a medição, se ele passará ou não por constrangimentos com o pessoal da comunidade ao medir, se é mais compensador ou não deixar de realizar a ação em função do constrangimento ante as punições impostas pela regra, se o seu supervisor terá condições de verificar a correta realização da medição etc. Os resultados obtidos nas situações de ação podem ser determinantes para o sucesso ou fracasso da infraestrutura. Um dos aspectos da análise institucional é a necessidade do estabelecimento de critérios de avaliação [Evaluative Criteria] (OSTROM, 2005, pg. 66). Dentro do contexto do desenvolvimento de infraestruturas para o desenvolvimento humano, buscando o sucesso da empreitada, as instituições envolvidas podem ser avaliadas segundo sua capacidade de prover incentivos para que alguns objetivos sejam cumpridos. Estes objetivos são (OSTROM et al., 1993; OSTROM, 2005): 1. eficiência econômica – a eficiência econômica ocorre quando nenhuma realocação de recursos para beneficiar um indivíduo seja possível sem prejudicar outro; aqui inclui-se a alocação de recursos para todos os âmbitos da infraestrutura; 2. equivalência fiscal – nesse caso, espera-se que o “preço” cobrado de cada indivíduo seja equivalente ao seu uso da infraestrutura; 3. redistribuição – um problema comum em projetos que não envolvam alguma forma de subsídio, é a exclusão dos mais pobres, o que, de certa forma, é um grande paradoxo, dada a natureza dos projetos discutidos aqui. A redistribuição 18 Um síntese pode ser encontrada na figura 2.1 de Ostrom (2005:33). 42 visa, justamente, atingir os mais pobres, permitindo a estes, o acesso à infraestrutura, seja por alguma forma de subsídio, ou de crédito; 4. responsabilidade dos indivíduos envolvidos – a responsabilidade esta em todos os aspectos da infraestrutura e, quando não é atingida, cai nos comportamentos oportunistas citados anteriormente; 5. adaptabilidade – nesse caso, o arranjo institucional deve ser capaz de responder a eventos que poderiam fazer sucumbir a infraestrutura. Bardhan (1993) também observa a equidade como elemento fundamental para o bom funcionamento da cooperação informal, assim como o comportamento recíproco. Parte disso vem da própria natureza fiscalizadora de comunidades tradicionais, onde o indivíduo toma como base para a qualidade do seu bem-estar o “sucesso” do seu vizinho (FOSTER 1964). Nesse sentido, Bardhan (1993) também destaca a desconfiança nas atividades que envolvem a participação de membros das comunidades mais abastados, sempre alvos de desconfiança. Com relação aos custos de transação, Ostrom et al. (1993), em um amplo levantamento de projetos de intervenção planejada, identificam diversos custos relacionados à construção e operação de infraestruturas. Evidentemente estes custos não são exclusivos de tal situação, mas podem ser apontados como presentes e de grande relevância. Os custos de transação que podem ser destacados nos projetos de infraestrutura aqui discutidos são: 1. custos de transformação – relacionados ao processo de transformação de uma dada entrada em uma saída, no caso o custo de construção propriamente dita da infraestrutura, ou o custo gerar o benefício para a comunidade; 2. custos de coordenação – relacionados à coordenação dos diversos atores envolvidos no projeto; 3. custos de informação – relacionados à obtenção de informações de tempo e local (destacado adiante) sobre o meio em que a infraestrutura será desenvolvida e atuará e informações científicas mais atuais para o desenvolvimento da mesma; 4. custos estratégicos – relacionados ao desenvolvimento de instituições que coíbam os comportamentos oportunistas (rent-seeking, free-rider, corrupção, shirking e moral hazard); outro custo estratégico diz respeito à falta de informação segura sobre algo, 43 ou adverse selection, por exemplo, na compra de um carro usado não se sabe que tipo de problemas ele traz, correndo-se o risco de comprar um carro realmente ruim. 2.5.2 A construção de instituições Um resultado esperado da Análise Institucional é que se desenvolvam instituições mais eficientes, de modo a estrutura obter melhores resultados. Ora, se é possível identificar os custos relacionados à manutenção de uma infraestrutura, é possível que se busquem instituições que motivem os atores envolvidos a superar tais custos. Da mesma forma, é possível identificar quais arranjos instituições podem ser construídos de modo a que os custos sejam minimizados (os arranjos institucionais serão abordados adiante). A construção de instituições é um dos aspectos abordados em Ostrom (1990), neste caso, instituições voltadas para a autogestão de bens esgotáveis comuns [common-pool resources], como a pesca, a colheita de árvores entre outros. Nele Ostrom analisa diversas cooperativas, determinando uma série de princípios comuns observados nos casos de sucesso. Projetos de eletrificação rural apresentam características distintas das analisadas por Ostrom, mas o quadro apresentado pela autora mostra-se válido aqui também. O quadro de princípios de design [design principles] de Ostrom (1990) indica quais elementos devem ser observados na construção da estrutura de autogestão e é apresentado a seguir: 1. limites bem definidos – aqui observa-se a necessidade da boa definição de atribuição aos atores envolvidos, ou seja, da definição dos direitos e deveres de cada um; 2. congruência nas regras de apropriação e provimento – definição de regras coerentes entre a propriedade dos sistemas e a forma de provimento de manutenção do sistema; 3. escolha coletiva – aqui os atores envolvidos tem participação nas decisões tomadas a respeito da infraestrutura; 4. monitoramento – a fiscalização propriamente dita das obrigações dos atores envolvidos; 44 5. sanções graduais – a aplicação de sanções, ou punições, dosadas em função da gravidade da falta; 6. mecanismo de resolução de conflitos – a construção da instituição deve favorecer a rápida resolução de conflitos (tipicamente pequenos) por seus próprios membros; 7. direito de organização – direito da comunidade de estabelecer suas instituições além da esfera governamental; 8. organização por aninhamento de interesses, ou usos [nested enterprises, no original] – o desenvolvimento de instituições distintas de acordo com o uso do recurso, como o uso para bombeamento de água e o uso domiciliar, por exemplo. A geração descentralizada de energia elétrica não pode ser considerada como um bem esgotável comum, ainda mais no caso das fontes solar e eólica, foco desta pesquisa, mas alguns destes princípios são destacados na literatura, em artigos específicos. Isso pode ser observado em Sanchéz (2007), que em seu trabalho sobre geração hídrica no Perú destaca a importância da definição clara das posições dos atores envolvidos na gestão do sistema. Em sua análise a respeito do sistema fotovoltaico instalado na África do Sul e as dificuldades encontradas em aliar um modelo pré-pago de consumo e a forma de aquisição dos cartões de carga, Santos (2002) evidencia a necessidade de congruência entre a propriedade e o provimento. A escolha coletiva, ou a participação dos usuários na construção da infraestrutura e nas suas decisões é destacada em Serpa (2001) em sua análise a respeito da eletrificação por sistemas fotovoltaicos domiciliares em Cananéia e novamente em Sanchéz (2007). Em Dornan (2011), por meio da análise de sistemas fotovoltaicos domiciliares instalados em Fiji, fica evidente a necessidade da estrutura de monitoramento dos atores envolvidos, em especial do pessoal de manutenção. Os demais princípios não foram observados de forma evidente na literatura, mas pode-se supor que sua presença aumente as chances de sucesso da infraestrutura de eletrificação rural descentralizada. 2.5.3 Arranjos institucionais Para compreender os arranjos institucionais em projetos de intervenção é necessário, antes de tudo compreender alguns aspectos voltados para a construção da infraestrutura. A respeito disso, Ostrom et al. (1993) apresentam aspectos de grande relevância que podem ajudar a 45 compreender de que forma os possíveis arranjos institucionais podem contribuir ou não para o sucesso da infraestrutura. Um primeiro ponto a ser destacado é que infraestrutura pode ser dividida em dois estágios, que são o de produção e o de provimento. O estágio de produção é o estágio em que um determinado bem é produzido, e o estágio de provimento, onde este bem é servido aos usuários. Se tomarmos como exemplo a produção de energia elétrica, no estágio de produção teremos tudo relacionado com a produção de energia elétrica, como a tomada da fonte primária, sua conversão, o controle da sua qualidade, entre outros, enquanto no estágio de provimento, teremos tudo relacionado à transmissão e distribuição, como a qualidade das linhas de transmissão até a chegada ao domicílio do usuário, eventualmente algum equipamento que seja de responsabilidade do interventor, a cobrança pelo consumo, entre outros. Outro aspecto importante apontado em Ostrom et al. (1993) é o conhecimento além do conhecimento científico. O conhecimento definido como científico por Ostrom et al. é o conhecimento do interventor. Aqui se destaca a necessidade do conhecimento das pessoas da comunidade, definido como conhecimento de tempo e espaço. Essa ideia converge com as outras já apresentadas nessa dissertação. De fato, é reconhecido como um elemento fundamental para a solução de problemas que podem se apresentar na construção da infraestrutura e adequação ao local onde será instalada (SERPA, 2001), ou nos estágios de produção e provimento. Conhecer todos os aspectos técnicos da construção de uma ponte, por exemplo, podem não ser suficientes para mantê-la íntegra, caso não se conheça o regime de cheias do local de sua construção. Por fim, Ostrom et al. (1993) reforçam a necessidade da presença da estrutura de manutenção para a infraestrutura, assim como é observado em diversos trabalhos voltados para a eletrificação rural e também em outros relacionados à transição energética. Estes autores, em seu levantamento, observam que a ausência desta estrutura é um dos aspectos que podem levar ao colapso da infraestrutura. 46 Os arranjos institucionais variam muito em função da estrutura associada a um projeto de infraestrutura. Com o arranjo, variam também os custos de transação citados anteriormente e, conseqüentemente, os incentivos de cada indivíduo (OSTROM et al. 1993). Um exemplo desta variedade é a construção de um sistema de irrigação. Para a análise tomaremos as situações definidas como mercado simples, mercado diferenciado e de grupo de usuário. No arranjo por mercado simples, cada indivíduo interessado no sistema de irrigação lida diretamente com o projetista, o construtor e com a estrutura de operação e manutenção. No mercado diferenciado, o indivíduo lida com firmas que agreguem os estágios de projeto, construção e operação e manutenção, além de dispor de empresas de crédito para viabilizar a empreitada. Em ambos os casos, o sistema de irrigação é individual. No caso do grupo de usuários, forma-se um grupo de usuários interessados que, representados por alguns indivíduos selecionados, busca a infraestrutura de forma coletiva. O grupo de usuários interage com o mercado diferenciado. Nos três casos, o custo relacionado à transformação no estágio de provimento pode ser considerado baixo. Nesse mesmo estágio, o custo de coordenação é alto no mercado simples, visto que o indivíduo deve lidar com todos as partes envolvidas e médio nos demais. Os custos relacionados à informação são baixos, para tempo e lugar, dada a proximidade do projetista com os indivíduos, e altos no científico. A estrutura de grupos de usuários se mostra mais eficiente nos custos estratégicos que as demais, dada a fiscalização próxima de todos sobre todos. Com relação ao estágio de construção, os custos de transformação se mostram baixos para o mercado diferenciado e para o grupo de usuário (por utilizar a estrutura de mercado diferenciado) pela possibilidade da economia de escala na produção, fato difícil de ser conseguido no mercado simples. O custo de coordenação aqui também é menor para o mercado diferenciado e para o grupo de usuários. A obtenção de informações de tempo e espaço novamente tem custo baixo, enquanto que a científica aqui se mostra menos custosa para o mercado diferenciado e para o grupo de usuários. Nesse caso, os custos estratégicos também são menores para o mercado diferenciado e para o grupo de usuários. 47 Por fim, a eficiência, a equivalência fiscal e a redistribuição são fatores onde o grupo de usuários se mostra mais eficiente que os demais, enquanto que na responsabilidade e adaptabilidade as estruturas podem ser consideradas equivalentes. Vale observar que o objetivo desta análise não é decretar o fracasso antecipado de um arranjo institucional, mas sim identificar os pontos que podem fazer com que o fracasso ocorra. Uma vez identificados os pontos, instituições podem ser desenvolvidas de modo a minimizar seus impactos e buscar a sustentabilidade do projeto. 2.6 Síntese do capítulo O objetivo deste capítulo foi o de apresentar conceitos básicos que devem nortear as análises que seguem sobre projetos de eletrificação rural descentralizada. Como já observado, tais análises terão como base a identificação dos incentivos que aumentam ou diminuem as chances de sucesso de tais projetos. A relação entre cultura, comunidade e território não permite observar os incentivos per se, mas permite observar que sejam quais forem estes, a resposta do indivíduo a este fica profundamente condicionada em seus valores culturais, ou ainda, em seus valores morais. Pode-se observar pela análise do processo de transição energética diversos elementos de incentivo ao indivíduo. Ver seus vizinhos fazendo uso com sucesso de uma determinada tecnologia. Verificar nessa tecnologia benefícios pode ser um incentivo para que o indivíduo adote esta tecnologia. Compreender os incentivos pela Abordagem de Capacidades também se faz importante, visto que por meio desta podemos compreender aquilo que o indivíduo realmente valoriza, que deseja para si ou para os outros. Ter de uma fonte energética elementos que possa incrementar seu bem-estar, sua condição de agente, pode servir de incentivo para o indivíduo faça uso desta. Por fim, moldar instituições que tratem destes incentivos, positivos ou perversos, gerados pelas próprias instituições ou por outros fatores, constitui-se na tarefa que permite que a infraestrutura atinja ou não o sucesso na sua empreitada. 48 Capítulo 3 – A ELETRIFICAÇÃO RURAL E PRÁTICAS DE GESTÃO 3.1 Introdução Um projeto de eletrificação dentro de um ambiente comum à empresa concessionária de serviços de energia elétrica tem por padrão levar em consideração apenas aspectos técnicos e econômicos para sua realização. Por exemplo, a extensão da rede para a alimentação de um loteamento dentro de um bairro poderia levar em consideração apenas os custos envolvidos na colocação de equipamentos como postes, cabos, transformadores, e dimensioná-los dentro de uma expectativa de demanda determinada de forma estatística em função da demanda das regiões adjacentes à que será servida. Isto porque espera-se deste novo usuário um comportamento próximo daqueles outros que vivem de maneira similar à este. Como já explicitado no capítulo 1 desta dissertação esta forma de visão não pode ser adotada de forma direta no caso da eletrificação rural de comunidades isoladas. As dificuldades decorrentes em realizar a extensão de rede, seja por motivos econômicos ou geográficos, a cultura particular da comunidade a ser servida, o acesso a recursos que façam uso da eletricidade, as dificuldades em manter e gerir o sistema, são alguns aspectos que tornam a eletrificação de comunidades isoladas diferente da eletrificação convencional realizada pelas empresas concessionárias. Para tais comunidades a forma de eletrificação que se busca é a descentralizada, que implica no fato de que a eletricidade será gerada de forma específica para este atendimento, tipicamente dentro da comunidade, ou ao menos próximo a esta (espacialmente). Para compreender melhor a eletrificação rural descentralizada, e as formas como ela ocorre, serão destacados a seguir alguns aspectos relevantes e que em diversos casos podem ser considerados independentes em projetos de eletrificação rural. São eles: (1) a motivação da eletrificação e quem a realiza, (2) a questão da propriedade da infraestrutura de geração, (3) a estrutura de manutenção para a infraestrutura, (4) o uso da estrutura de cooperativas e associações de moradores, (5) estruturas de mercado e por fim (6) a problemática da infraestrutura mantida pela concessionária. 49 3.2 Aspectos relevantes dos projetos de eletrificação rural 3.2.1 A motivação para a eletrificação rural e quem a realiza Apesar do recente interesse acadêmico na eletrificação rural, ela ocorre desde os primórdios da eletrificação. Assim, por exemplo, o uso de geradores eólicos para alimentação de baterias é reportado em Re-focus (2002) como ocorrendo a pelo menos 100 anos. Ainda, a prática da eletrificação rural se mostra muito frequente, em especial quando se observa a formação de cooperativas de eletrificação, prática comum nos Estados Unidos (YADOO e CRUICKSHANK, 2010) e no Brasil. Definir uma motivação para esse período histórico talvez não seja o mais apropriado, ou ainda, meramente especulativo, tendo em vista a falta de estudos sobre este tema para este período, por isso esse período não será abordado aqui. Com relação ao processo de eletrificação a partir da década de 1970, mais documentado, dois elementos podem ser destacados como motivadores para a prática da eletrificação rural descentralizada: a promoção do desenvolvimento e o atendimento a leis nacionais de universalização. Como já citado, a associação entre a eletrificação e alguma visão de desenvolvimento data desde o período da Doutrina Truman, nos Estados Unidos, e dos movimentos de industrialização das nações socialistas pela antiga URSS (MORANTE, 2004). Com o objetivo declarado de auxiliar nações ditas subdesenvolvidas, gradativamente surgiram instituições de ajuda internacional, como USAID (EUA), Cooperação Espanhola (Espanha); grupos privados, como o GTZ (Alemanha), ou ITDG (Reino Unido – atualmente denominado Practical Action), além de grupos específicos do Banco Mundial, ou organizações religiosas, entre outros que, por meio de alguma forma de intervenção, buscavam promover aquilo que compreendiam como desenvolvimento na região por eles assistidas. A eletrificação rural fazia parte dos instrumentos utilizados com vista ao desenvolvimento, sendo as organizações citadas acima ávidas em seu uso. Com as reformas nos setores elétricos de diversos países, aqui incluído o Brasil, (HAANYIAKA, 2006), a busca pela universalização ao acesso à eletricidade como forma de desenvolvimento acabou perdendo sua força, pois a figura da empresa pública foi substituída 50 por concessionárias regidas pelas leis de mercado. A motivação para a eletrificação agora passou a ser a abertura de um novo mercado consumidor. Ainda assim, a ideia de que a eletricidade pode ser um vetor para o desenvolvimento não perdeu sua força19. No entanto, surge a necessidade de um mecanismo que trouxesse para a empresa concessionária a responsabilidade que antes foi pública. No caso brasileiro esse mecanismo foi a criação da Lei 10.438, de 26 de abril de 2.002, a Lei de Universalização de Acesso à Eletricidade, que define que todos têm direito ao acesso à eletricidade, cabendo ao Estado a concretização deste direito. Como forma de estímulo ao cumprimento da lei, foi criado o programa “Luz para Todos”, em novembro de 2003, com o objetivo de diminuir o ônus financeiro das concessionárias na eletrificação de locais poucos atrativos financeiramente e de fomentar o uso de tecnologias alternativas para geração. Este programa sucedeu outros de mesmo fim, como o PRODEEM e o programa “Luz no Campo”, desenvolvidos em um governo anterior com o mesmo objetivo, mas por meios diferentes para a obtenção da universalização. Esse movimento de transferência de responsabilidade, ainda que estimulada por incentivos financeiros, acabou resultando também em uma mudança de motivação por parte do interventor. Este, que antes era a instituição que tinha como motivação a busca pelo desenvolvimento do local em que a intervenção ocorre, agora passa a ser a concessionária, cujo objetivo direto é o cumprimento de metas estabelecidas pela agência reguladora (no Brasil, a ANEEL). Um exemplo de como a mudança de visão ocorre é o caso ECOWATT (ver Box 3.1). Nele, a empresa CESP deixa claro que compreende sua colaboração ao desenvolvimento socioeconômico da região como sendo a taxa de retorno de 10% sobre o valor investido. Neste caso, a questão do desenvolvimento é abordada não sob a ótica do usuário, mas sim do interventor, assumindo-se que o “sacrifício” do lucro do interventor é suficiente para que os usuários atendidos tenham condições de buscar o desenvolvimento. 19 Houveram mudanças em termos de conceitos. A visão de desenvolvimento se diversificou, deixando de ser apenas desenvolvimento econômico, passando a socioeconômico e finalmente, deixando-se de compreender a eletricidade como elemento suficiente para tal, somando-se a esse a providência de elementos relacionados ao acesso (como construção de estradas), saúde, produtividade etc. 51 Box 3.1 O programa Ecowatt O programa ECOWATT foi desenvolvido nos municípios de Iguape, Iporanga e Cananéia, na região do Vale do Ribeira, tendo como objetivo atender consumidores de baixa renda, baixa demanda e que ocupavam área de proteção ambiental (ZILLES et al.1997 apud SERPA 2001). Desenvolvido no ano de 1997, o programa realizou a instalação de 120 sistemas fotovoltaicos domiciliares. A escolha do sistema fotovoltaico veio em função de poucos estudos sobre as possibilidades de sistemas eólicos e híbridos (SERPA 2001), e teve como base para dimensionamento o uso de duas lâmpadas 9 W (4h/dia), 1 TV branco e preto (3h/dia) e um rádio (3h/dia). A CESP optou pelo processo de licitação pública para a compra dos equipamentos, que foi vencida pela empresa SIEMENS SA (SANTOS 2002). A CESP optou pelo planejamento com base em um retorno de 10% do valor investido, utilizando a forma de leasing para o estabelecimento de uma relação comercial com as famílias selecionadas para o atendimento. O valor de 10% como taxa de retorno, ao invés de uma taxa maior, foi entendido como contribuição social da concessionária para o desenvolvimento sócio-econômico da região (CESP 1997 apud SANTOS 2002). Para o processo de instalação a SIEMENS SA optou pela terceirização do serviço, com o objetivo de diminuir seus custos (SANTOS 2002). Serpa observa que o treinamento foi feito de forma rápida. Foi oferecido um manual de instruções ao usuário atendido, e o suporte foi oferecido por meio de linha telefônica 0800 (SERPA 1998 apud SANTOS 2002). Santos (2002) observa que o sistema de geração oferecido pela empresa SIEMENS SA foi sobredimensionado, e o de armazenamento subdimensionado, implicando na sua subutilização (em função do equipamento elétrico escolhido para uso) e, consequentemente, na impossibilidade de uso de toda energia elétrica disponível, além do custo passado ao usuário não ser compatível com seu real uso. Também observa problemas relacionados à qualidade dos equipamentos, que apresentaram problemas sistemáticos durante a duração do projeto. O nível de conhecimento dos usuários do sistema, segundo Serpa (2001) estava entre médio e baixo, sendo alto apenas o do usuário que hospedou o técnico contratado para instalação pela empresa SIEMENS SA, que teve a oportunidade de absorver mais conhecimento em função do seu contato. As consequências da forma de desenvolvimento da CESP no projeto ECOWATT foram que em novembro de 1998 o nível de inadimplência chegava a 70% (SANTOS 2002) e Serpa (2001) registrou a falência total do projeto no ano de 2001. Vale observar que durante o projeto a CESP foi privatizada, passando a ser ELEKTRO, que pouco interesse demonstrou em reverter o quadro apresentado. 52 Barnes (2007), em seu estudo sobre os desafios da eletrificação rural, aponta que uma das premissas para que o projeto de eletrificação rural tenha sucesso é justamente a motivação do interventor. Para que o projeto possa ser efetivo, a busca pelo desenvolvimento deve ser esse motivador. De fato, o comprometimento do interventor com a infraestrutura e o objetivo desta pode significar um incentivo para que os custos de transação relacionados ao processo de eletrificação sejam superados. Evidentemente, o fato de o interventor ter o compromisso com o desenvolvimento não implica, necessariamente, no sucesso da empreitada. As variáveis que são consideradas neste, a forma como é conduzido, e as próprias características do interventor são elementos que contribuem para o sucesso ou fracasso da eletrificação rural descentralizada. Um problema recorrente nos projetos de eletrificação rural descentralizada é o fato de este ser guiado apenas por aspectos técnicos relacionados à forma de geração e distribuição da energia, ignorando as particularidades da comunidade atendida. Nesse sentido, Serpa (2001) e Goméz e Montero (2010) argumentam que a presença do cientista social é um elemento fundamental para que o processo de eletrificação tenha maior chance de êxito. Isso ocorre porque o cientista social pode auxiliar a compreender os valores da comunidade, sua relação com o território, suas reais necessidades e de que forma a nova forma de energia pode ser melhor apropriada pela comunidade. Nesse sentido, o cientista social tem o conhecimento necessário para tal, diminuindo assim os custos para a obtenção de informação e, ainda, diminuindo a assimetria entre a qualidade da informação do interventor e da comunidade. Além disso, as informações obtidas e a diminuição da assimetria de informação diminuem os custos de transação associados ao projeto, aumentando suas chances de êxito. Van Els (2008) argumenta que este pode ter sido um dos elementos que motivou o sucesso para recentes projetos de eletrificação descentralizada na região amazônica, e este pode ser observado também em outros processos de transição energética, como observa Murphy (2001), quando apresenta casos de sucesso relacionados à participação do cientista social. Por fim, as próprias características do interventor, enquanto organização, podem influir nos resultados do processo de eletrificação. Segundo Moraes et al. (2012), a probabilidade de um 53 projeto de eletrificação rural atingir a sustentabilidade varia em função da instituição que o mantém após o início de suas operações. Sua análise tem como base as instalações realizadas com painéis fotovoltaicos e é aplicada também para sistemas fotovoltaicos de bombeamento de água (objeto de análise do artigo citado). Os autores desenvolveram a seguinte tabela para análise: Tabela 3.1 – Instituições e a possibilidade de sucesso de seus projetos de eletrficação Tipo de Características instituições Possibilidade do projeto ter sucesso a longo prazo Especializadas - Atuam na região de maneira assídua e constante. Muito grande - Sua especialização permite que contem com pessoas e logística necessária para trabalhos focados no uso da tecnologia fotovoltaica. - Como exemplo pode-se mencionar empresas especializadas, concessionárias de energia elétrica com área para o uso da tecnologia fotovoltaica, instituições governamentais com área especializada. Consolidadas - Atuam na região durante muito tempo. Grande - Contam com pessoas e logística necessária para trabalhos em campo. - Como exemplo pode-se mencionar fundações, instituições de grande vínculo com a região, concessionárias de energia elétrica, instituições consolidadas municipais, estaduais ou federais. Temporais - Atuam na região de forma esporádica. Pouca - Embora participem pessoas especializadas não contam com a logística necessária para trabalhos em campo durante vários anos. - Como exemplo pode-se mencionar ONG´s, laboratórios ou centros de pesquisa de Universidades ou instituições científicas, instituições governamentais com expectativa de curta duração. Ocasionais - Atuam na região ocasionalmente. Pouquíssima - Embora envolvam pessoas especializadas não contam com a logística necessária para trabalhos em campo durante vários anos. - Como exemplo pode-se mencionar ONG´s não consolidadas, empresas motivadas por marketing, iniciativas particulares, partidos políticos. Fonte: Adaptado de Moraes et al. (2012) 54 Assim, instituições de atuação constante em uma determinada região e com a especialização necessária para o trabalho com a tecnologia empregada (Especializadas e Consolidadas) apresentam uma maior probabilidade de garantir a sustentabilidade do projeto, enquanto organizações Temporais e Ocasionais apresentam baixa probabilidade de conseguir essa meta. Para os autores é imperativo que instituições do tipo Temporais e Ocasionais transfiram a responsabilidade pelo sistema implementado para instituições Consolidadas ou Especializadas. Também é altamente recomendável que organizações Consolidadas criem uma área especializada dentro de sua estrutura para que possam manter tais sistemas. Um exemplo que já se tornou clássico em termos de projetos de eletrificação rural descentralizada é o que é conduzido por laboratórios de instituições de Ensino, normalmente no modelo de projeto piloto. Tais projetos muitas vezes têm como foco apenas a tecnologia que será empregada, ignorando outros aspectos como a própria gestão do sistema e sua manutenção. É comum o interventor manter consigo a responsabilidade sobre estes. Fato é que estes se tornam onerosos para a instituição de ensino, que por não possuir uma estrutura específica para tal, e com presença constante no local de instalação da infraestrutura, acaba muitas vezes no abandono do sistema. Tratando especificamente de sistemas híbridos, o Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas (GEDAE), da Universidade Federal do Pará, é pioneiro no Brasil. O grupo instalou, até o ano 2004, seis sistemas: um no Estado do Amazonas, na vila de Campinas, município de Manacapuru, em 1996, um no Estado de Rondônia, na vila de Araras, município de Mamoré, em 2001, e quatro no Estado do Pará, na vila de Praia Grande, município de Ponta de Pedras, em 1998, na vila de Joanes, município de Salvaterra, em 1997, na vila de Tamaruteua, em 1999 e na vila de São Tomé, município de Maracanã (BARBOSA et al, 2005). Os sistemas desenvolvidos pelo GEDAE têm o formato de minigrid para geração e transmissão. A forma de gestão dos sistemas é variada. Os sistemas das vilas de Joanes e Campinas são gerenciados pelas concessionárias locais (CELPA e CEAM, respectivamente), os das vilas de Praia Grande, Tamaruteua e São Tomé, gerenciados em conjunto pela comunidade e pela prefeitura local, enquanto que o da vila de Araras é gerenciado por um 55 Produtor Independente de Energia (PIE – Guascor), sendo que nesse modelo, a energia gerada é fornecida de forma direta à rede (BARBOSA et al., 2005). Os resultados, até 2004, eram de apenas três infraestruturas funcionando, as de São Tomé, Campinas e de Araras, enquanto as de Praia Grande e Tamaruteua vinham operando apenas com o sistema de backup diesel, e Joanes não funcionava. As causa apontadas para os problemas das infraestruturas são essencialmente a falta de manutenção, consequência de escassez financeira, falta de manutenção preventiva, falta de especialização para os técnicos e pouca participação das prefeituras locais (BARBOSA et al. 2005, BARBOSA et al. 2004). 3.2.2 A questão da propriedade da infraestrutura de geração A posição de proprietário da infraestrutura é independente que qualquer outra. A propriedade do sistema de geração não necessariamente é do interventor, e o proprietário também não é, necessariamente, o responsável pela estrutura de manutenção. Isso tanto para o formato de minigrid, ou centro de carga de baterias ou mesmo domiciliar. A forma mais trivial de propriedade é aquela em que o próprio interventor se mantém como proprietário, como no caso em que as concessionárias realizam a intervenção. Outra forma é aquela em que o usuário é o proprietário, que é a mais usual em intervenções que utilizam sistemas domiciliares. Há ainda a forma em que é constituída uma microempresa que se torna proprietária e mantém o sistema. Menos usual é o caso em que a propriedade da infraestrutura é transferida a alguma organização, que apenas mantém sua posse (recebendo pela locação do sistema). A questão da propriedade influencia, diretamente, os custos que serão passados ao usuário. O maior impacto para o usuário é observado onde este assume a propriedade do sistema. Neste caso, o usual é que este assuma, também, os custos de aquisição do sistema. No caso da constituição de microempresas, é usual que estas aluguem os sistemas, diminuindo assim os custos para o usuário. Ainda assim, os custos de aquisição do sistema ficam com a microempresa. Este é o caso do Projeto Luz do Sol (ver Box 3.2). Nele o 56 financiamento oferecido pelo Banco do Nordeste tornava acessível a aquisição dos sistemas por parte das microempresas, que por sua vez, tinham sua receita pelo uso do sistema pelos usuários. Box 3.2 Projeto “Luz do Sol” As informações a seguir foram extraídas de Santos (2002), trabalho que buscou avaliar modelos de gestão para sistemas fotovoltaicos para a eletrificação rural. O “Projeto Luz” do Sol foi desenvolvido no Estado de Alagoas pela Fundação Teotônio Vilela, atual Instituto Eco-Engenho, em parceria com o Banco do Nordeste e, no início, com a empresa americana Golden Photon a partir do ano de 1996. A infraestrutura original era a de Centro Fotovoltaico de Carga de Baterias (CFCB), e foi administrada por microempresas constituídas por pessoas da própria comunidade. Os sistemas foram adquiridos via financiamento com o Banco do Nordeste (responsável pelo financiamento de componentes brasileiros do sistema). Toda a tecnologia era da Golden Photon (também responsável pelo financiamento destes). A manutenção preventiva ficaria a cargo dos microempresários, enquanto a manutenção especializada ficaria por conta de técnicos de campo funcionários do interventor (sem ônus para as microempresas). Esse formato original apresentou problemas, em especial relacionados à participação da empresa Golden Photon. O primeiro problema destacado diz respeito à qualidade do equipamento empregado, e do seu dimensionamento. A empresa tratou de todos os assuntos relacionados ao projeto nos Estados Unidos, o que dificultou o contato com a Fundação e comprometeu a adequação do sistema ao campo em que seria aplicado. Isso implicou em diversos problemas de ordem técnica, provocando a descrença no sistema por parte de muitos usuários. Além disso, houve a expectativa na empresa de retorno financeiro pela venda dos sistemas, o que de fato não ocorreu, em especial porque o número de sistemas vendidos não atingiu a meta necessária para que houvesse lucro. Esses fatores levaram a Golden Photon a abandonar o projeto, que acabou tendo todos os aspectos financeiros assumidos pelo Banco do Nordeste, mediante o compromisso com a Fundação Teotônio Vilela de que os sistemas deixariam de ser CFCBs para ser SFDs. A estrutura de microempresariado foi mantida, mas agora este alugava os equipamentos domiciliares. Os microempresários eram treinados pela Fundação Teotônio Vilela, que também era responsável por providenciar a documentação destes (como RG e CPF), quando estes não tinham, e responsável também pela abertura e legalização das microempresas. O Banco do Nordeste, por sua vez, oferecia linhas de financiamento para o pagamento dos sistemas em 12 anos. Originalmente essas linhas eram dedicadas para a compra de 30 57 sistemas (29 para aluguel e 1 para o microempresário). Ainda, o banco era responsável pela contratação de um contador para verificar a contabilidade das microempresas. A estrutura de manutenção foi mantida. No entanto, a capacitação do microempresário e seu treinamento para a manutenção preventiva ficaria a cargo do técnico de campo. Santos observa que dada a quantidade de manutenção requerida, está já não se caracterizava mais como preventiva, mas sim como corretiva. Um dos problemas observados por Santos diz respeito à capacidade dos microempresários de honrar a dívida assumida com o Banco do Nordeste. O problema residia na alta inadimplência dos usuários, justamente com o microempresário, que acarretava no baixo retorno para este e, consequentemente, na dificuldade em pagar o valor do financiamento. Parte desse problema vinha das relações próximas entre os usuários e o microempresário, que não procuravam cobrar os usuários inadimplentes. De fato, o contato direto com estes usuários era, tipicamente, feito pelo técnico de campo, que buscava conscientizá-los da necessidade do pagamento em dia. Durante a pesquisa de Santos, os sistemas ainda operavam. Entretanto é pouca a documentação a respeito deles após esse período, mas uma consulta ao site do Instituto Eco-Engenho mostra que este projeto vem sendo revitalizado, e que conta com 90 microempresários instituídos, com 2.700 sistema fotovoltaicos instalados, atendendo aproximadamente 13.500 pessoas (ECO-ENGENHO, 2012). Vale citar, que em decorrência dos altos custos envolvidos na aquisição destes sistemas, carregar o usuário com o ônus da aquisição faz com que o sistema não se torne acessível de forma universal, implicando no fato de que os mais pobres continuarão a não ter acesso a este. Nesse sentido, a propriedade centralizada, seja por uma microempresa constituída para tal, pelo interventor, ou mesmo pela concessionária, passando aos usuários os custos de uso, pode tornar o sistema acessível a um maior número de usuários, atingindo, inclusive a redistribuição proposta por Ostrom (1990) em seus Princípios de Design. 3.2.3 A estrutura de manutenção e as questões da dificuldade de acesso e capacitação Já foi motivo de discussão a necessidade da formação de uma estrutura de manutenção como parte dos projetos de eletrificação rural descentralizada. No princípio esta questão praticamente não era tratada, sejam por quaisquer que fossem os motivos (como a crença de que quem recebe a infraestrutura buscará se qualificar para mantê-la), não sendo, inclusive, 58 exclusividade da eletrificação, como pode ser observado em Ostrom et al. (1993), ao relatar os fracassos em projetos de intervenção pela ausência da estrutura de manutenção. Hoje há o consenso de sua importância, apesar de poder ser observado que muitos interventores ainda não apresentam a dedicação necessária para a construção de uma estrutura sólida que permita aumentar as chances de sucesso do projeto de eletrificação rural descentralizada. A questão da manutenção, em especial para sistema como o híbrido por fontes eólica e solar, apresenta dois problemas essenciais, que são: a especialização necessária ao técnico que a realizará e a distância entre a comunidade e os centros urbanos. A essas questões podem ser somadas a questão da especificidade do material utilizado, tanto em relação à sua oferta em mercado (seja pelas placas fotovoltaicas ou mesmo pelo aerogerador) como em relação aos que são construídos especificamente para esta aplicação, como controladores de carga de baterias. Também deve-se incluir a questão da baixa expectativa de manutenção, que pode gerar desagrado ao usuário que paga pelo serviço elétrico e pode se sentir lesado por não observar o constante trabalho do técnico. A especialização necessária ao técnico de manutenção é o primeiro ponto a ser destacado. Técnicos voltados à manutenção da rede convencional de energia elétrica tem na sua prática diária o contato com elementos voltados à transmissão da eletricidade, já no caso da eletrificação rural descentralizada, há a necessidade, também, do conhecimento dos elementos de geração, que aqui são as placas fotovoltaicas, os aerogeradores e equipamentos específicos como os controladores de carga de baterias, inversores, entre outros. Esta necessidade é observada para todas as configurações para geração aqui apresentadas. A menor especialização do técnico pode resultar em altos custos financeiros para a infraestrutura, e um exemplo disso pode ser observado no caso da COELBA, destacado no Box 3.3. Nele, Brito (2011) relata que a falta de conhecimento técnico apropriado de alguns técnicos destacados para a manutenção dos SIGFI instalados em diversos pontos do Estado da Bahia resultou na troca desnecessária de painéis fotovoltaicos. Isso implica em um alto custo para a empresa concessionária, tendo em vista o preço dos painéis com relação ao custo, muitas vezes menor, da manutenção que seria realmente necessária (tipicamente a 59 substituição de um componente específico – um diodo – de baixíssimo custo). Além disso, a falta de especialização do técnico pode resultar em um alto período de interrupção do sistema em decorrência da necessidade de pesquisa, ou da busca por alguma forma de auxílio para a solução do problema, o que pode resultar no desagrado do usuário e, eventualmente, no abandono do sistema por parte deste. Box 3.3 Eletrificação rural descentralizada realizada pela concessionária COELBA As informações à seguir são baseadas no trabalho de Brito (2011), que buscou avaliar o tempo de interrupção de sistemas domiciliares instalados na Bahia pela concessionária COELBA. A empresa concessionária no Estado da Bahia, a COELBA, iniciou em 2005 a instalação de diversos sistemas domiciliares para a o atendimento à famílias sem acesso à eletricidade, em resposta à Lei de Universalização do Acesso à Eletricidade. Foram inicialmente instalados 3.000 sistemas, sendo instalados até o ano de 2009 mais de 15.000. A empresa utilizou o sistema SIGFI (Sistema Individual de Geração por Fonte Intermitente) para tal, e foram inicialmente instalados sistemas com capacidade de geração de 13 kWh. No entanto foi cogitado o uso de sistemas de capacidade de 30 kWh para o atendimento da demanda de consumo. Este sistema é homologado pela ANEEL, e seu uso autorizado para concessionárias para fins de atendimento de demanda em caso de necessidade de descentralização. Os sistemas foram instalados sem medidores. Segundo Brito, a instalação dos SIGFIs pode ser vantajosa para a empresa concessionária em comparação com a extensão de rede, visto que os valores gastos para a extensão e ligação de uma residência podem ser utilizados para instalação de 2 SIGFIs. A manutenção é realizada tanto por técnicos da COELBA como por funcionários de empresas terceirizadas. Não há uma estrutura dedicada ao atendimento próxima aos usuários. Ainda, a COELBA possui estoque de equipamentos para substituição, além de contrato com os fornecedores destes. Brito observa que a duração de interrupção do fornecimento de energia elétrica (DIC – Duração de Interrupção por unidade Consumidora, variável utilizada em seu trabalho) é maior que a observada para os padrões urbanos, e isto pode ser consequência de diversos fatores. Um primeiro ponto observado vem da dificuldade apresentada aos usuários para informar a interrupção. Para tal os usuários devem informar via telefone, que nem sempre é acessível a eles, ou se dirigir a um posto de atendimento dedicado, este também não acessível, em função da distância. 60 Outro fator vem das dificuldades de acesso aos sistemas, isto em função das distâncias, das dificuldades geográficas, ou mesmo da acessibilidade em dias chuvosos. Brito observa que um problema que poderia agravar ainda mais a situação é o da localização espacial dos sistemas instalados foi resolvido pela instalação de sistemas de georeferenciamento nos equipamentos, o que permitiu, inclusive, coibir o roubo destes. Também é um fator determinante na qualidade do serviço a falta de treinamento específico para a manutenção destes sistemas. Isso implica, de forma direta, na demora para a solução de problemas, ocasionando o aumento do tempo de interrupção. A falta de treinamento pode implicar em gastos desnecessários para a concessionária, tendo em vista diagnósticos errados podem resultar na troca de equipamentos inteiros, com é o caso da desnecessária troca do painel fotovoltaico em função da queima de um componente específico (um diodo). Apesar dos problemas relacionados ao tempo de interrupção, Brito observa que a necessidade de atendimento não é grande. Foram observados períodos de até 8 meses sem chamados. De fato, a maior incidência de problemas foi observada nas baterias, sendo esta, na maioria das vezes, decorrente de sua vida útil. Apesar disso, em função do tempo de interrupção de sistemas ser efetivamente alto, segundo Brito, para o ano de 2010 a COELBA avaliava a possibilidade de criação de equipes específicas para o atendimento dos SIGFIs. Com relação à distância, este é um elemento que também impõe grande dificuldade na questão da gestão nestes projetos, representando um incentivo à má prestação do serviço, ou mesmo ao abandono deste, por parte do técnico de manutenção. A esse fator pode ser somada a dificuldade de acesso: nesse caso a distância, per se, não é o elemento que proporciona o incentivo perverso, mas sim a dificuldade em chegar ao local onde a manutenção é necessária, ou até mesmo, de localizá-lo. Um exemplo de como a distância pode estimular o técnico a abandonar o sítio onde o sistema foi instalado pode ser observado no projeto ECOWATT, descrito no Box 3.1. Aqui, a distância do local onde o técnico ficava estabelecido e o local onde os sistemas domiciliares estavam instalados, além da dificuldade em acessá-lo, compuseram um forte incentivo perverso para que o técnico abandona-se sua função; essa distância também implicou no alto custo de obtenção de informações, dificultando o monitoramento do trabalho do técnico, o que resultou na efetiva fuga de suas obrigações. Diversos autores destacam a importância do técnico de manutenção no local onde o sistema está instalado. De fato, sua presença no local implica na diminuição dos custos oriundos da distância. A efetividade desta forma de estruturação pode ser observada no caso da eletrificação por meio de um gaseificador na Vila de Hossahali, na Índia, descrito no Box 3.4. 61 Nesse caso, o técnico é também operador do sistema e fica evidente sua necessidade quando se observa que a maior parte dos momentos em que o sistema não operou de forma apropriada coincide com a ausência do técnico. Box 3.4 Estrutura de eletrificação rural descentralizada instalada em Hossahali, India A vila Hosahalli fica a cerca de 100 km de Bangalore, no distrito de Tumkur, na Índia e recebeu, no ano de 1988, um sistema de gaseificação desenvolvido pelo Centre for Sustainable Technologies, do Indian Institute of Science (vale citar que o IISc esta localizado em Bangalore). A vila não era eletrificada, e por tal motivo era utilizado o querosene como fonte energética para lamparinas. Também não possuía bomba d'água (a “fonte” de água – de má qualidade – fica à distância de 1 km da vila) e nem moinho para grãos (SRIDHAR et al. s.d.). O primeiro sistema de gaseificação instalado consistia de um gaseificador acoplado a um motor-gerador diesel, com capacidade de 3,75 kWe. Em 1997 foi substituído por um sistema equivalente, com 20 kWe. Em ambos os casos gás produzido pelo gaseificador opera de forma conjunta com o diesel, não substituindo-o de forma completa (SRIDHAR et al. s.d.). Os custos do sistema foram subsidiados pelo IISc, ficando a cargo da comunidade os gastos com manutenção, combustível e salários do operador. O sistema opera predominantemente no período noturno e alimenta uma carga total de 30,7 kW, distribuídos em iluminação, bombeamento de água para consumo, bombeamento para irrigação e um moinho (RAVINDRANATH et al. 2004). O sistema de gaseificação produz gás combustível a partir de biomassa, isto implica na necessidade de alimentação do sistema, diferente dos sistemas solar, eólico e hídrico. Para a alimentação do sistema podem ser utilizados restos de algum beneficiamento de biomassa (cascas, por exemplo), madeira etc. No caso específico de Hosahalli, essa necessidade foi suprida pela criação de uma floresta energética, composta de 58% de eucalipto, 22% cassia siamea, 13% de acacia auriculiformis e 7% de dalbergia sisso (RAVINDRANATH et al. 2004). A floresta energética foi desenvolvida em 1988 com o tamanho de 2,5 há. Em 1991-92 foi ampliada para 4,0 ha. A produtividade desta floresta é discutível. Ravindranath et al. (2004) reportam uma produtividade de 6t/ha/ano, enquanto Santos (2006) reporta a produtividade de 10 t/ha/ano. 62 Um projeto de geração de eletricidade por meio de um gaseificador pode ser visto como um dos mais desafiadores e complexos. Ao contrário de painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas, que praticamente não apresentam trabalho na operação, e cuja manutenção é altamente especializada, ou ainda com relação às microcentrais hidrelétricas, cuja manutenção é um pouco mais complicada, mas a operação nem tanto, cuidados com esses tópicos são fundamentais no caso da gaseificação. Os cuidados com a biomassa, sua preparação (corte, secagem etc), o acionamento e a alimentação do gaseificador, a limpeza das cinzas, substituição da água de lavagem, de filtros (ambos para a limpeza do gás combustível), limpeza do gaseificador e do motor etc., são um exemplo de toda a complexidade e exigência que este tipo de sistema demanda. A estrutura montada por Hosahalli é de cooperativa, onde há a divisão de tarefas no que concerne ao manejo da biomassa. Nos primeiros momentos da instalação, a comunidade recebia visitas diárias dos técnicos do IISc, mas até 2006 as visitas passaram a ser semanais (SANTOS 2006). O operador é o único funcionário contratado pela comunidade e sua presença é imprescindível, pois é o único capaz de operar o sistema (RAVINDRANATH et al. 2004). Com relação ao custo da energia produzida, os valores encontrados variaram de 5,85 Rs/kWh, para a carga de 6,0 kW até 3,34 Rs/kWh, para a carga de 20 kW (RAVINDRANATH et al. 2004). Cada usuário paga pelo tanto consumido. Já com relação à disponibilidade do sistema, Ravindranath et al. (2004) consideraram o período de 1998 à 2003 de funcionamento para acompanhamento. Neste período o sistema operou em 90% dos dias, com 70% de sua operação no modo de substituição de diesel, e apenas 25% com 100% diesel. As causas para a operação em 100% diesel foram, essencialmente, a falta de biomassa para a gaseificação, algum problema com o gaseificador e a ausência do operador. Os problemas relacionados ao gaseificador (reparo, substituição de peças e manutenção em geral) representam 36% dos de todos os problemas observados; as paralisações em função do motor (reparo e manutenção), 5%; não disponibilidade de biomassa processada, 42%; não disponibilidade de diesel, 4%; ausência do operador, 9%; outros problemas (de ordem social), 4%. Há de destacar, porém, que a grande complexidade na operação do gaseificador não é observada no sistema híbrido solar-eólico (mesmo com o acréscimo do motor a combustão). A quantidade esperada de manutenção no sistema objeto deste estudo é muito menor. Isso 63 pode levar ao questionamento do por que pagar a alguém por um serviço “que não é prestado”, ou não é “necessário”. Uma forma de diminuir a necessidade da presença constante “em espera” do técnico em manutenção é o treinamento dos usuários para a prática da manutenção preventiva e de pequenas manutenções. Essa prática é defendida por Serpa (2001), Santos (2002) e Morante (2004), e nela busca-se transferir para o usuário todos os aspectos de manutenção que não exijam conhecimento específico, ou problemas que o usuário seja capaz de detectar e atuar na sua solução. Nesse caso entram a limpeza de painéis solares, de partes acessíveis dos aerogerador, a substituição de fusíveis, troca de lâmpadas, eventualmente a substituição de baterias, enfim, toda prática que o projetista possa observar como acessível ao usuário. Este nível de capacitação é o que Morante et al. (2006) definem como nível básico de capacitação. Além da habilidade para pequenas manutenções, os autores acrescentam ainda a habilidade para coleta de dados, realizar leitura de instrumentos e administrar ferramentas e peças de reposição. Esta forma de capacitação foi utilizada, por exemplo, nas instalações fotovoltaicas domiciliares realizadas pelo pessoal do LSF-IEE/USP no Lagamar de Cananéia (SERPA, 2001). Morante et al. (2006) definem ainda mais três níveis para a capacitação. O nível intermediário é compreendido como o nível técnico tradicional, ou seja, do técnico que atua, tipicamente, em regiões urbanas e é capaz de realizar manutenções específicas mais complexas que as básicas. Dada a complexidade da tecnologia fotovoltaica, para a qual foi desenvolvida esta estrutura de níveis, o nível avançado compreende as pessoas cujo treinamento é específico para a tecnologia, enquanto no nível especializado estão aqueles que compreendem todos os aspectos da tecnologia sendo, inclusive, capazes de projetar sistemas. Retomando o conceito apresentado na sessão anterior, a prática da capacitação no nível básico é comum a todas as instituições. De fato, essa capacitação pode ser realizada durante o processo de construção da infraestrutura, o que diminui os custos para as instituições. O nível intermediário, por sua vez, ocorre com menor incidência na literatura. É mais usual observarmos a presença do técnico intermediário em empreendimentos realizados por instituições Consolidadas, como as concessionárias de energia elétrica. Geralmente estas 64 aproveitam funcionários de seus quadros para a realização deste tipo de manutenção. Cabe ressaltar que aqui se apresentam os problemas destacados anteriormente nos casos ECOWATT e COELBA. A capacitação avançada e especializada pode ser observada em instituições Especializadas, como é o caso da Fundação Teotônio Vilela (atual Instituto EcoEngenho, destacado no Box 3.2). Esta possuía técnico de campo especializado, além de capacidade para a realização de projetos (o que pode ser observado pela capacidade da instituição de converter o sistema CFCB por sistemas domiciliares). Também é observada em casos em que a concessionária compõe quadros específicos para a eletrificação rural, com é caso da CEMIG, que compôs um corpo de funcionários para o desenvolvimento de projetos de eletrificação rural (SANTOS, 2002). Uma forma de minimizar os gastos relativos à capacitação, em casos onde ocorre a eletrificação descentralizada em grande escala (como na Bahia, por exemplo), é a formação de centros para a capacitação. Neste caso alguns usuários selecionados na comunidade se deslocam ao centro, onde são treinados, e retornam à comunidade para que possam multiplicar o conhecimento adquirido. Um exemplo é o caso da experiência dos yachachiq, no Perú, onde em um centro para pesquisa e capacitação voltada para a segurança alimentar camponeses são capacitados para transferir os conhecimentos desenvolvidos neste para as suas comunidades, assim multiplicando-o. A formação de camponeses no centro, passando depois pela multiplicação, é motivada pela diferença linguística entre estes e os técnicos. Assim as pessoas escolhidas da comunidade podem funcionar como intermediários do linguajar técnico com os demais camponeses, além da garantia na qualidade da informação passada ao camponês (MORANTE, 2007). A respeito da distância, Brito (2011) argumenta que um dos problemas apresentados no COELBA é justamente a ausência da manutenção preventiva, ou do nível básico de capacitação, que poderia reduzir muito o tempo de interrupção do sistema justamente pela atuação do próprio usuário. Ainda sobre a distância, agora sobre a dificuldade de localização do sistema a ser atendido na zona rural, a COELBA resolveu o problema por meio da utilização de um sistema de georeferenciamento. Por fim, um problema que pode resultar no fracasso do sistema é a falta de acesso aos equipamentos para que possa ser realizada a sua substituição. De fato, Leach (1988 apud 65 ELIAS e VICTOR, 2005) e Madubansi e Shackleton (2006) apontam como um dos elementos para o sucesso da transição energética a presença de uma estrutura que a suporte. Isso também é destacado por Santos (2002), como uma das premissas necessárias para o sucesso da aplicação de sistema domiciliares fotovoltaicos. 3.2.4 – Estrutura de cooperativas e associações de moradores Neste formato de gestão os próprios usuários são responsáveis pela gestão do sistema. Conceitualmente este formato envolve a associação voluntária de pessoas em função de um bem comum, que é gerido por estes. A diferença entre Associação de Moradores e Cooperativas é conceitual. No caso da Cooperativa, sua formação e propósito são econômicos, e ligados diretamente ao produto de seu trabalho. A Associação de Moradores é formada tendo em vista o bem comum de seus associados, moradores de uma mesma região. E sua existência independente de qualquer produto. Se tomarmos como exemplo a eletrificação, a Cooperativa estaria ligada direta e exclusivamente ao sistema de geração, enquanto a Associação de Moradores administraria o sistema, mas não de forma exclusiva, sendo este um dos recursos voltados ao bem comum de interesse desta. No Brasil a formação de Associação de Moradores é mais simples que a de Cooperativas, o que faz com que esse formato seja preferido para a gestão dos sistemas de eletrificação isolados. O funcionamento dessas associações, no entanto, não difere de uma cooperativa (VAN ELS, 2012). Isto ocorre porque, apesar da diferença conceitual, a Associação de Moradores acaba funcionando de forma dedicada ao sistema. Pode-se observar muitos casos de sucesso de sistemas que utilizam o modelo cooperativo (YADOO e CRUICKSHANK, 2010; VAN ELS 2012). Um ponto comum a estes projetos vem da forma que como as estruturas cooperativas recebem suporte. Em casos de sucesso, como em Bangladesh (YADOO e CRUICKSHANK, 2010; GOUVELLO et al., 2003) ou na Costa Rica (FOLEY, 2007), há a presença de uma estrutura governamental que dá suporte a essas iniciativas, fornecendo o que é necessário para que as Cooperativas tenham sucesso. 66 3.2.5 – Criação de empresas locais/Negócios locais O uso do modelo de mercado também é empregado como alternativa para a gestão de infraestruturas de eletrificação rural. Aqui o usuário adquire o seu sistema, ou o aluga de uma empresa. Essa empresa, por sua vez, pode ser o próprio interventor, ou um grupo constituído por ele, que assuma o processo de gerência. Um exemplo deste formato é o empregado no projeto “Luz do Sol” (ver Box 3.2), onde o interventor constituía pequenas microempresas com os usuários interessados e estes, por meio de linhas de crédito com o Banco Nordeste, adquiriam o equipamento necessário para a constituição de um Centro Fotovoltaico de Carga de Baterias e retiravam seus lucros da carga provida aos usuários da infraestrutura. Outro exemplo de sucesso é o caso da ONG Energética, situada em Cochabamba, na Bolívia. A Energética é uma instituição voltada para o desenvolvimento, que trabalha de forma direta com o uso energético diverso, gerado por fontes renováveis. A Energética desenvolve todo o projeto de eletrificação. Depois de implementado, passa a atuar como suporte técnico e responsável pela disponibilização de material para reposição (ENERGETICA, 2012). Até o ano 2001, os sistemas desenvolvidos pela Energética havia atingido um total de 10.572 famílias, em diversos projetos (BOLIVIASOSTENIBLE, 2012). Esta forma de gestão apresenta como limitação uma tendência à dificuldade na redistribuição, visto que as pessoas mais pobres da comunidade podem não dispor de condições financeira sequer para arcar com custos da recarga da bateria, ou mesmo da locação do equipamento. 3.2.6 – Concessionárias de serviços de energia elétrica Por fim, o formato de serviço por concessionária opera de forma semelhante ao de mercado. Neste caso o sistema de geração é propriedade da empresa concessionária e é instalado no local de demanda, cabendo ao usuário o pagamento pelo uso. Esse modelo vem sendo 67 utilizado no Brasil com bastante ênfase desde o início da Lei de Universalização de Acesso à Eletricidade e do Programa “Luz para Todos”, e também em diversos países20. Em um primeiro momento pode-se supor que, por ser conduzido por empresas da área de geração de energia elétrica, haverá maior probabilidade de que esses projetos tenham sucesso, mas não é esse o quadro que se observa. Em primeiro lugar, concessionária não se enquadram no critério de instituições Especializadas, visto que não se encontra no local onde haverá a instalação (ora, se estivesse, pode-se supor que haveria a rede convencional de energia elétrica) e que, como citado anteriormente, o conhecimento necessário para o trabalho com a tecnologia empregada na geração híbrida aqui descrita é diferente do conhecimento do técnico para a rede convencional. Nesse caso, para que as chances de sucesso aumentem, há a necessidade de um setor especializado na concessionária para as tecnologias empregadas, o que as tornaria instituições Especializadas. A vantagem da empresa concessionária, nesse caso, é a maior possibilidade de acesso ao conhecimento científico, ou especializado nas tecnologias solar e eólica, o que pode significar uma maior facilidade na formação deste setor especializado. Da mesma forma que a avaliação institucional da concessionária não a garante como instituição com maior probabilidade de sucesso no processo de eletrificação, os outros aspectos apontados aqui continuam sendo os elementos que contribuem com a chance de sucesso. Desta forma, projetos que contam com a participação do cientista social, tem sua propriedade definida, uma estrutura de manutenção capacitada e próxima do local de instalação e uma estrutura para a reposição de material para suprir as necessidades da infraestrutura tem maiores chances de sucesso. Estes aspectos podem ser observados nos já citados casos do ECOWATT e da COELBA, onde a falta de um planejamento apropriado em termos de dimensionamento do sistema, respeitando as necessidades locais, e a falta de uma estrutura de manutenção apropriada resultaram no fracasso do primeiro e vem resultando em um desempenho questionável do segundo. Ainda, com relação à propriedade, Santos (2002) apresenta o caso dos projetos pilotos desenvolvidos pela CEMIG, na década de 1990, sob o patrocínio do programa 20 Aqui vale observar que a Resolução no 493 da ANEEL, sobre o uso de MIGDIs e SIGFIs, é dirigida para estabelecer as condições para a instalação e operação a serem feitas pela distribuidora (ANEEL, 2012). 68 PRODEEM, onde a concessionária ficava responsável pela administração do sistema, enquanto a prefeitura do município onde eram instalados os sistemas assumia a manutenção, o que implicava em uma inversão na posição em função da qualificação dos atores, que resultou em problemas na infraestrutura montada. 3.2.7 Participação do Estado As formas de participação do Estado na eletrificação rural não são tema central nesta pesquisa, mas devem ser citadas, justamente em função do exposto anteriormente a respeito do compromisso do desenvolvedor, destacado por Barnes (2007) em seu trabalho e, também, pelo fato desta intervenção estar sujeita ao quadro político que se apresenta no momento da participação e de que modo sua mudança influi na eletrificação rural. Como já destacado diversas vezes aqui, uma das formas de participação vem pela formalização de Leis de Universalização, como ocorre no Brasil, por meio da Lei 10.438, de 26 de abril de 2.002, e tendo como instrumento de fomento o programa “Luz para Todos”, criado em novembro de 2003. No formato brasileiro a concessionária tem exclusividade para a exploração comercial do uso da eletricidade, sendo esta questionada apenas no caso do não atendimento da lei. Uma forma de tornar o empreendimento legal é a sua organização no formato de Produtor Independente de Energia (PIE), onde a eletricidade produzida é passada integralmente para a rede da empresa concessionária, que então a repassa para o local onde inicialmente seria aproveitada. Esse modelo que foi empregado em alguns projetos do GEDAE, em alguns projetos de aproveitamento hídrico na região amazônica (VAN ELS et al., 2012) e seu uso vem sendo estimulado para a indústria sucroalcooleira para que se produza eletricidade por meio de cogeração e se venda para a rede, de modo a aumentar a oferta energética no Sistema Interligado Nacional. O programa “Luz para Todos” foi precedido pelo PRODEEM, programa criado sob outro governo em dezembro de 1994. O PRODEEM, Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios, tinha um premissa diferente do programa “Luz para Todos”. Enquanto o “Luz para Todos” atua estritamente como financiador para programas de eletrificação rural, 69 tendo o uso produtivo da eletricidade como um dos critérios para a aprovação do financiamento, o PRODEEM tinha como prioridade o atendimento de serviços de ordem social, como iluminação de escolas, bombeamento de água, iluminação coletiva e outros serviços coletivos, além disso, houve prioridade, ainda que não justificada, para o uso de sistemas fotovoltaicos, sendo estes a maioria absoluta nos sistemas instalados. Van Els (2008) aponta diversos problemas relacionados ao PRODEEM, e pode se registrar um grande número de fracassos, muito em função dos problemas expostos anteriormente aqui, como manutenção deficiente, mal uso de equipamento, mal dimensionamento, entre outros. Outra forma de participação do Estado vem na forma de elemento regulador e fiscalizador, como ocorre, por exemplo, em Bangladesh (YADOO e CRUICKSHANK, 2010). Aqui, um órgão específico, denominado Rural Electrification Board (REB) é responsável pelo estímulo à formação de cooperativas para a eletrificação rural, as Palli Bidyuti Samities (PBSs). A diferença deste para outros programas, tanto quando ao PRODEEM como para o “Luz para Todos”, é que o REB é responsável pela capacitação do pessoal das PBSs, além de auxiliar em todos os aspectos financeiros e nos estágios iniciais de operação das cooperativas. Além disso, as PBSs são consideradas como independentes, mas ainda ficam sob constante fiscalização da REB para que seja garantida sua sustentabilidade financeira. Barnes (2007) aponta a presença de um órgão específico do Estado, como é a REB, que execute a regulação e monitoração dos empreendimentos de eletrificação rural descentralizada, como importante para que estes empreendimentos tenham maior chance de conseguir o sucesso. De forma oposta ao exposto acima, alguns países ainda mantém como responsabilidade do Estado a eletrificação rural, como é o caso de Cuba. A partir de 1993, como uma resposta às metas apresentadas na conferência Rio 92, o governo de Cuba passou a estimular o uso de fontes renováveis de forma descentralizada para a geração de energia elétrica (CHERNI e HILL, 2009; SUAREZ, 2012). Desta forma foram instaladas diversas usinas de pequeno porte para aproveitamento hídrico, parques eólicos, além do aproveitamento de biomassa e biogás, assim como o aproveitamento solar. A participação do governo cubano ocorreu de diversas formas, seja por suporte científico ou por apoio financeiro, na forma de subsídios. Esse foi o caso, por exemplo, aplicação solar, onde o governo cubano trabalhou em parceria com a ONG Cuba Solar (CHERNI e HILL, 2009). 70 Não foi localizado estudo recente que trate da qualidade das instalações fotovoltaicas de Cuba, mas em um estudo de 1999, Lopez et al. (2000) indicam que, apesar de um relativo sucesso, os sistemas padecem dos mesmos problemas apresentados em outras situações, em especial pela falta de capacitação apropriada dos usuários. Até o ano de 2010 estavam em funcionamento 6150 sistemas fotovoltaicos, 180 hidrelétricas, 18 aeogeradores, 3 parques eólicos, 223 biodigestores e plantas de biogás (CUBAENERGIA, 2012) Dado o exposto, a participação do Estado no projeto de eletrificação, assim como no caso em que a concessionária assume a empreitada, não é sinônimo de sucesso. Da mesma forma, os projetos ficam sujeitos aos problemas expostos anteriormente, como as dificuldades na manutenção, o mal dimensionamento etc. O Estado pode ser efetivo no que diz respeito à diminuição dos custos relacionados à informação científica, como ocorre em Cuba ou em Bangladesh, e também o monitoramento das atividades pode coibir comportamento oportunista, aumentando as chances de sucesso da empreitada. No contexto do projeto propriamente dito, a participação do Estado pode ser considerada como premissa para a construção do sistema e de suas instituições em função da regulação que este possa impor. 3.3 Síntese do capítulo Este capítulo teve como objetivo apresentar as várias partes de um projeto de eletrificação rural, e qual sua participação na medida do sucesso do projeto. Foram apresentados como elementos a motivação do interventor, bem como suas características como instituição; a questão da propriedade da infraestrutura; o peso que tem a estrutura de manutenção, o acesso e a capacitação em projetos de eletrificação rural; a forma de organização por cooperativas e associação de moradores; a formação de um mercado local; foi verificado se o fato da concessionária ser responsável pela eletrificação significa sucesso para tal; e foi verificado de que forma a participação do Estado influencia no resultado do projeto. Um primeiro ponto observado aqui é que a especialização da instituição que realiza o processo de eletrificação é um ponto de grande peso para o sucesso da eletrificação. Uma Instituição Especializada deve ter menores custos para obtenção de informações, dada sua atuação no local de aplicação, além dos custos científicos, em função do know-how, que se espera desta. Em um primeiro momento, pode-se supor que a empresa concessionária seja, 71 naturalmente, uma instituição Especialista, mas isso depende da presença de um setor especializado na eletrificação rural e nas tecnologias empregadas, além de possuir meios para o deslocamento para os locais a serem atendidos. Da mesma forma, o Estado é mais efetivo quando possui um setor especializado neste tipo de empreitada, como nos exemplos citados. No contexto do projeto, a presença da estrutura de manutenção no local, e a capacitação dos usuários, ao menos, no nível mais básico de treinamento, é um elemento quase unânime na literatura. De fato, a maior autonomia dos usuários com relação ao sistema diminui os custos relativos á manutenção. A presença de um técnico com conhecimento ao menos intermediário no local diminuem as chances de grandes interrupções no fornecimento de energia elétrica, evitando o abandono do sistema apenas pela sua inoperância. Com relação à forma de organização da gestão do sistema, tanto o sistema cooperativo, como a formação de um mercado local, podem ter sucesso. A formação de Associações de Moradores, ou Cooperativas, apresentam a vantagem da proximidade entre os usuários, que podem diminuir os custos relativos ao monitoramento das atividades, evitando o comportamento oportunista, além disso, essa forma de organização supõe a participação coletiva nos processos de decisão, o que pode trazer o envolvimento dos usuários nas decisões do sistema. A estrutura de mercado, por sua vez, pode apresentar maior sustentabilidade no que diz respeito aos aspectos financeiros, visto que sua estrutura é moldada, justamente, neste sentido. Um aspecto negativo com relação à estrutura de mercado é o fato de apresentar maiores dificuldades para a realização da redistribuição, visto que os mais pobres podem não ter condições para adquirir o acesso. Este aspecto também é presente na estrutura por cooperativa, mas pela própria natureza comunitária da estrutura, pode-se esperar maior esforço para a redistribuição seja atingida. Por fim, a questão da propriedade do sistema é de fundamental importância, em especial pelos aspectos financeiros envolvidos. Vale observar que todos os aspectos descritos anteriormente continuam válidos aqui. Ainda há a necessidade da capacitação e da estrutura apropriada de manutenção. Uma cooperativa pode ser construída para gerir o sistema, mesmo esta não sendo a proprietária. A participação do Estado continua presente na foram de regulador e monitor do sistema. Mas a questão financeira é efetivamente afetada pela questão da propriedade, em especial pelos altos custos envolvidos na aquisição do equipamento necessário para a 72 eletrificação por sistema híbrido solar-eólico. Neste sentido, a chance de que uma comunidade assuma de forma total os ônus de propriedade do sistema implica em grande chance de fracasso do sistema, em especial pelas dificuldades financeiras que normalmente são observadas em comunidades rurais, enquanto que a propriedade do sistema por uma instituição que seja capaz de mantê-la financeiramente aumenta sobremaneira a chance de sucesso. O mesmo vale para o caso da formação de mercados locais, sendo a possibilidade do uso de microcréditos, ou financiamentos, além do maior giro de capital, um elemento que pode aumentar as chances de sucesso do sistema. 73 Capítulo 4 – OBSERVAÇÕES DE CAMPO A pesquisa de campo foi realizada no “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA”, e avaliou a gestão do sistema híbrido solar-eólico-diesel instalado neste local pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O objetivo da pesquisa de campo foi o de identificar os elementos que podem compor o sistema de incentivos que se apresentam. Este projeto foi selecionado por ser do tipo híbrido solar-eólico-diesel, e por ser recente em termos de projeto e implementação. Além disso, houve boa receptividade por parte dos pesquisadores da UFMA para com esta pesquisa. A pesquisa foi realizada tanto na Ilha dos Lençóis como na cidade de São Luiz, onde foram entrevistados os professores associados ao projeto. Na Ilha dos Lençóis foram entrevistadas as pessoas associadas com a Associação de Moradores criada para auxiliar na gestão do sistema. A seguir serão apresentados de forma breve o histórico do projeto; a forma como ocorre a sua gestão; um breve descritivo da equipe da UFMA que conduziu o projeto; a comunidade da Ilha dos Lençóis; e por fim, será realizada a análise do sistema de incentivos. 4.1 Histórico do projeto O sistema instalado na Ilha dos Lençóis (município de Cururupu – MA) é híbrido, tendo como fontes energéticas a solar, a eólica e o diesel. O uso das fontes segue com prioridade para a solar e a eólica. O gerador diesel utilizado quando necessário. O sistema conta com 162 módulos fotovoltaicos, sendo 9 linhas conectadas em paralelo e 18 painéis ligados em série, perfazendo um total de 21 kWp. Ainda conta com 3 aerogeradores, com 7,5 kW nominal e 21,5 kW total. Um motor diesel de 37,5 kVA. Este conjunto alimenta um conjunto de 120 baterias de 150 Ah, arranjadas de modo a fornecer 240 V, que são as responsáveis diretas pelo abastecimento da comunidade (MORAES, 2011). O motor diesel entra em operação apenas quando a energia convertida pelos painéis solares e aerogeradores não é suficiente para 74 manter a carga nas baterias em níveis aceitáveis para o abastecimento. A configuração do sistema é do tipo minigrid, que pode ser considerada apropriada em função da proximidade das casas na parte ocupada da ilha. A figura 4.1 apresenta um diagrama elétrico do sistema instalado na Ilha dos Lençóis, e as figuras 4.2a, 4.2b e 4.2c apresentam as partes componentes do sistema instalado (os painéis solares estão instalados no teto da sede da infraestrutura). Figura 4.1 – Diagrama do sistema híbrido na Ilha dos Lençóis Fonte: BONAN et al. (2009) apud MORAES (2011). Figura 4.2a – Sede da Figura 4.2b – Geradores Figura 4.2c – Gerador Diesel infraestrutura eólicos Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 75 A figura 4.3a apresenta um dos conversores de corrente contínua para alternada desenvolvidos especificamente para a aplicação na Ilha dos Lençóis, enquanto a figura 4.3b apresenta o conjunto de baterias utilizado para armazenamento de energia para posterior distribuição para as residências. Figura 4.3a – Conversor de Corrente Figura 4.3b – Conjunto de baterias Contínua para Alternada (Inversor) Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 Uma das premissas que nortearam o desenvolvimento do projeto foi que o sistema deveria ser tão autônomo quanto possível, exigindo o mínimo possível de ação humana na sua operação e manutenção, e o máximo de disponibilidade (RIBEIRO et al., 2010). Tendo isto em vista, a UFMA desenvolveu um sistema de controle próprio, além de inversores (responsáveis pela conversão de corrente contínua para alternada). O resultado de seu trabalho é o fornecimento de energia elétrica com características idênticas à da fornecida pela concessionária, o que não exige modificação nos eletrodomésticos dos usuários (MORAES, 2011). 76 O projeto, denominado “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA” (Convênio 021/2005 – MME – UFMA – FSADU – Sistema de Geração de Energia da Ilha dos Lençóis), foi desenvolvido como piloto, por estímulo do MME, que visava desenvolver sistemas descentralizados de geração por fontes renováveis. Originalmente deveria ser desenvolvido na Ilha do Cajoal, município de São Luis, mas por motivos diversos a comunidade local não aceitou a instalação. Houve, então, a necessidade de escolha de outro sítio, sendo este definido como a Ilha dos Lençóis. A mudança implicou em diversos problemas de logística em função da distância. Outro fator de complicação foi o fato da ilha pertencer a uma RESEX, a Reserva Extrativista de Cururupu, o que impõe uma dinâmica diferente ao trabalho de construção da infraestrutura, e mesmo ao próprio conceito do projeto, visto as exigências socioambientais implicadas. O projeto contou com apoio financeiro do programa “Luz para Todos”, em convênio firmado no ano de 2005, e começou a operar no ano de 2008. O convênio tinha duração de 3 anos, e a infraestrutura deveria então ser assumida pela comunidade, por meio de sua Associação de Moradores, mas em decorrência dos impasses a respeito da gerência do sistema, o convênio foi prorrogado por 1 ano, resultando assim na manutenção do statu quo com a UFMA ainda esta presente na infraestrutura, administrando-a. Para a construção do sistema houve a participação das pessoas da comunidade, em especial para a instalação dos aerogeradores e algumas outras partes da infraestrutura. Para a construção da casa onde estão instalados os equipamentos foi contratada uma empresa. 4.2 A gestão do sistema A gestão do sistema ocorre de forma extremamente simplificada, e as tarefas são divididas entre a Associação de Moradores (AM) da ilha e a UFMA. A tomada de decisões é realizada em reuniões com o pessoal da UFMA e a AM, normalmente na escola da ilha, mas segundo 77 relatos, participam poucos moradores nessas, restando, normalmente, a decisão para a própria UFMA. Ainda segundo os relatos, já há algum tempo (não foi possível precisar quanto) não ocorrem reuniões. A Associação de Moradores da Ilha dos Lençóis foi criada com dois propósitos. O primeiro mais objetivo e imediato, seria o de representar uma entidade jurídica que recolhesse taxas dos moradores, e um segundo que seria o de assumir administrativamente a infraestrutura de geração. As atividades realizadas pelos envolvidos na AM são de caráter voluntário, não envolvendo dedicação exclusiva por parte destes. Em um primeiro momento a cobrança pelos serviços foi feita por meio de níveis de uso de carga utilizada pelos moradores, com as taxas divididas em três níveis. Isto foi necessário porque na época da instalação não haviam sido instalados medidores nas residências. Foi verificado que alguns moradores mentiam sobre as cargas que utilizavam (ocultando equipamentos – caracterizando o comportamento oportunista), o que motivou a instalação dos medidores, e hoje a cobrança é feita em função do consumo efetivo. Segundo os relatos, além de evitar que ocorra o comportamento oportunista, os custos diminuíram para os moradores com a instalação dos medidores, muito pela motivação da prática de economia de energia. A tarefa de manutenção é divida entre a UFMA e a AM, com a manutenção considerada tecnicamente mais específica realizada pela universidade, e a mais simples, aquelas que podem ser realizadas via orientação por telefone, realizada em conjunto pela escola e a AM. Como a premissa do projeto exigia, não há a necessidade de intervenção por parte da AM de forma direta no sistema em sua operação. O sistema de controle desenvolvido pela UFMA opera de forma independente todo o sistema, garantindo a geração e distribuição de energia, inclusive quando ocorre a entrada do sistema de back-up. 78 Hoje estão sendo realizadas tratativas para que o sistema deixe de ser responsabilidade da UFMA e passe a ser assistido pela concessionária local (CEMAR). Alguns entraves burocráticos ainda não permitem que a troca de proprietário seja realizada. 4.3 A equipe da UFMA O sistema foi desenvolvido pela equipe do Laboratório do Núcleo de Energias Alternativas (NEA), que pertence ao Departamento de Energia Elétrica da UFMA. Esta equipe era essencialmente disciplinar, composto, na sua maioria, por engenheiros de formação elétrica. Não foi observado nenhum participante, ou colaborar, que possuísse formação em Ciências Sociais e Humanas. A análise do material publicado pelo NEA com relação ao projeto mostra uma grande ênfase aos aspectos técnicos da infraestrutura. Em MENDEZ et al. (2008), relatório técnico desenvolvido após o início de operações do sistema, há o relato de que o modelo de gestão para o infraestrutura ainda não estava desenvolvido na ocasião. Foi observada, à época, a necessidade da participação de outras instituições para o desenvolvimento de um modelo definitivo. As entrevistas com o pessoal da UFMA mostram que houve grande expectativa de que o pessoal da ilha assumisse a gestão da infraestrutura. De certa forma fica a impressão de que na visão da UFMA esta seria uma contraparte justa do pessoal da ilha pelo serviço prestado. A expectativa de que a Associação de Moradores pudesse assumir a administração do sistema se frustrou quando a equipe da UFMA observou a pouca presença de moradores nas reuniões e a falta de consenso nas decisões, enfim, as dificuldades encontradas em organizar a comunidade. Esta constatação fez com que a UFMA descartasse a possibilidade de autogestão, buscando alternativas, como a da prefeitura de Cururupu assumir a gestão do 79 sistema. A mais recente alternativa é a da concessionária de energia elétrica do Maranhão, a CEMAR, assumir a infraestrutura. Outro ponto que desagradou o pessoal da UFMA foi a falta de voluntários para o treinamento para a manutenção do sistema. Houve a possibilidade de treinar dois moradores da ilha para pequenas manutenções, além da instalação nas casas, mas não houve acordo para que um deles se deslocasse até São Luis para que fosse treinado para a manutenção da infraestrutura. Estas dificuldades encontradas trouxeram certa frustração ao pessoal da UFMA, pois sua expectativa de contraparte na infraestrutura não se concretizou. Isso fez com que qualquer possibilidade futura de autogestão fique frustrada. No entanto, não comprometeu a manutenção do serviço por parte da escola, que continua. 4.4 A Ilha dos Lençóis A Ilha dos Lençóis faz parte do município de Cururupu, no estado do Maranhão. A viagem de barco (pesqueiro) do continente para a ilha dura cerca de 8 horas. O porto mais próximo, cuja viagem mais longa dura cerca de 4 horas situa-se no município de Apicum-Açu, o que faz com que as atividades “urbanas” do pessoal da ilha sejam realizadas neste município. É comum, inclusive, que alguns moradores da ilha possuam residência ali (figuras 4.4 e 4.5). 80 Figura 4.4 – Localização da Ilha dos Lençóis (marcador B) com relação à São Luis – MA (marcador A) Fonte: Google Maps Figura 4.5 – Ilha dos Lençóis Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 A ilha possui aproximadamente 90 residências, a maioria de palha ou de madeira (ver figuras 4.6a e 4.6b). As únicas construções observadas de alvenaria são a infraestrutura de geração, a 81 escola e o ambulatório (os dois últimos construídos pela prefeitura). A construção das residências reflete algumas características da ilha: além do custo menor da madeira, ou da palha, a distância do continente dificulta o transporte de material de alvenaria, o que aumenta em muito os custos de uma construção desta natureza. Além disso, as dunas que compõe a ilha mudam frequentemente de lugar, por vezes obrigando os moradores a desmontar sua residência e montá-la em outro local. O deslocamento das dunas é implacável. Durante a visita a este sítio como parte desta pesquisa, as dunas já vinham cobrindo a escola e cobriam a base dos aerogeradores instalados (o que impedia a manutenção de uma das torres que apresentou problema). Figura 4.6a – Casa de madeira Figura 4.6b – Casas de palha Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 Foto: Paulo Seifer, 11/12/2012 A população da ilha é de aproximadamente 395 pessoas, e a maioria é de filhos da ilha. Segundo a pesquisa amostral realizada para esta dissertação, a maioria dos moradores adultos já esteve em Apicum-Açu ou Cururupu, e praticamente todos os domicílios possui ao menos um morador que vai ao menos uma vez por mês a uma dessas cidades (preferencialmente Apicum-Açu). O maior motivador observado para essa frequência é o financeiro. Pode-se observar que muitos moradores (senão a maioria) são beneficiários do programa Bolsa Família. Dados os constrangimentos envolvidos nessa temática, não foi possível confirmar essa informação. 82 A ocupação predominante dos moradores é relativa à pesca, sendo que poucos não se dedicam a esta atividade. A pesca é realizada em alto-mar e os pescados são, tipicamente, levados para Apicum-Açu imediatamente após sua coleta, o que pode resultar em dias de afastamento dos pescadores de suas casas. O turismo e o comércio complementam estas atividades, mas ficando restritos a duas famílias de moradores dedicadas a estas atividades e alguns moradores que complementam suas rendas em períodos de grande procura turística. A ilha conta ainda com um professor e uma enfermeira, cujos rendimentos vêm da prefeitura de Cururupu. O peixe e o camarão são o alimento predominante na ilha. Estes são obtidos de forma direta do mar, e o complemento (arroz, vegetais etc) vem de Apicum-Açu, pois a agricultura é inviável na ilha. Também existem algumas criações de bovinos e caprinos, que são criados soltos, mas cujo abate ocorre com muito pouca frequência. Na atividade de pesca existe certa regularidade na composição da tripulação dos barcos. O usual é que a tripulação envolva pessoas de domicílios diferentes, mas isso não implica em compromisso formal entre o barqueiro e sua tripulação, que pode ser modificada sem prejuízo (formal) pelo proprietário do barco a qualquer instante. No caso das atividades de comércio e turismo, nesse caso mais especificamente a manutenção da pousada local, estas são essencialmente familiares. A única exceção é a de um morador da ilha (original da ilha vizinha Bate-Vento) que auxilia no comércio. Pode-se afirmar que as atividades descritas acima são as únicas regulares e organizadas na ilha que podem ser observadas de forma independente da Associação de Moradores, objeto desta pesquisa e que será melhor descrita adiante21. As ações de ajuda mútua são observadas, em especial, quando ocorrem problemas com barcos, ou quando é necessário deslocar uma casa pela invasão das dunas etc., mas são todas ações pontuais, com começo e fim bem limitados, e com práticas bem definidas pelos habitantes. Instituições regulares e de atuações constantes, que apresentem um conjunto definido de regras, e algum serviço prestado à 21 É importante estabelecer esta distinção entre as atividades usuais da ilha e as da Associação de Moradores, visto as diferenças nas suas práticas. 83 comunidade, não são observadas (além da Associação de Moradores). A escola e o ambulatório poderiam ser citados como atividades fora do padrão usual na ilha, mas estas são realizadas, cada uma, por apenas uma pessoa (o professor é de fora da ilha). A mudança da ilha para RESEX implicou em algumas mudanças para a população local. A primeira diz respeito ao que pode ser construído em termos de infraestrutura. Além da já citada mudança na dinâmica do projeto, um elemento importante acabou sendo excluído, que seria a construção de uma fábrica de gelo para atender às necessidades de conservação do pescado. A construção deste sistema atenderia uma exigência do programa “Luz para Todos”, que é o da inclusão de uma atividade produtiva ao sistema de geração e, de forma direta, forneceria gelo para os barcos, eliminando (ou ao menos diminuindo) a necessidade de deslocamento para Apicum-Açu para a aquisição, além de gerar renda para a AM formar caixa para a infraestrutura. O abandono deste sistema veio em função de divergências entre a UFMA e o ICMBio sobre os impactos que este poderia causar no meio-ambiente. Além desta mudança, um ponto de destaque é a participação de moradores da ilha na gestão da RESEX, o que traz para os participantes uma rotina diferente da usual, os introduzindo em um ambiente distinto do seu. O sistema desenvolvido pela UFMA não representou o primeiro contato dos moradores da ilha com a eletricidade. Em 1998 foi instalado pela prefeitura de Cururupu um sistema gerador a diesel (que seria aproveitado como back-up pela UFMA em seu sistema) que alimentava algumas residências no período noturno. Segundo os relatos, a qualidade do sistema era ruim, apresentando diversas falhas e sendo abandonado em alguns anos. Esse fato não impediu que alguns moradores adquirissem aparelhos eletrodomésticos, em especial a televisão. Outro ponto importante relacionado ao isolamento da comunidade é o fato de que, apesar da distância entre a ilha e o continente, é possível o uso de aparelhos celulares, visto que no ponto mais alto das dunas é possível captar o sinal da antena de celular de Apicum-Açu. 84 Ainda, alguns moradores contam com aparelhos de telefonia rural, que são dedicados a locais isolados. Estes fatores indicam que o elemento de isolamento de fato da ilha, hoje, é predominantemente geográfico, com relação à distância para a cidade e a necessidade da viagem de barco. Desde a aquisição dos primeiros aparelhos de televisão durante a instalação do primeiro gerador e da possibilidade real da telefonia, o contato com o urbano, ainda que virtual, é razoavelmente constante. É sabido que isso implicou em mudanças culturais na comunidade, mas não foi possível verificar o quão grande foi o impacto dessas mudanças, visto que ocorreram há muito tempo e os entrevistados para essa pesquisa não souberam quantificar. É importante observar que, segundo relatos, a população da ilha vinha gradativamente diminuindo antes da oferta regular de eletricidade. Após a instalação da infraestrutura pela UFMA, observou-se o caminho inverso, com o regresso de filhos da ilha e a diminuição da migração por motivos que serão destacados adiante. A comunidade recebeu de forma positiva a proposta da UFMA para a instalação da infraestrutura de geração de energia elétrica na ilha. Com relação a assumir a gestão do sistema, no entanto, não pareceu propensa a aceitar. De fato, a dimensão da infraestrutura, a tecnologia empregada e os custos envolvidos, mostraram-se elementos que “assustaram” a comunidade. Com relação aos custos, a inevitável troca de baterias foi usada como exemplo para o fato de que os moradores não têm condições financeiras de assumir independentemente a infraestrutura. A proximidade da comunidade da ilha com a geração, bem como o entendimento da forma como a eletricidade é gerada e suas limitações no consumo, vêm despertando nos moradores da ilha certo apresso pela economia de energia. Esta pode ser observada pelos relatos de 85 críticas a quem consome sem necessidade, como pelo uso de equipamentos sem necessidade, ou pelas luzes desnecessariamente acessas. Outro ponto importante, que mostra a apropriação da tecnologia pela comunidade, são os relatos de que alguns aspectos simples de manutenção no sistema gerador já são realizados pelo próprio pessoal da AM. Isto acontece em função da experiência obtida pela realização destes procedimentos simples, e em função de orientação do pessoal da UFMA. As entrevistas permitiram verificar certo receio dos moradores com relação ao futuro do sistema. É sabido que o convênio da UFMA com o MME logo acabará, e a situação de indefinição com relação a quem assumirá a gestão do sistema causa preocupação. A comunidade hoje entende que a situação da gestão do sistema não é a ideal, e que deve haver logo uma definição sobre quem será responsável pela infraestrutura. Também entende que a gestão, por parte da UFMA é mais complicada em função da distância e do conflito de atividades (no caso, a docência). Hoje a expectativa é que a CEMAR assuma a gestão do sistema. 4.5 Análise institucional 4.5.1 Atores e suas funções Os atores que fazem parte da infraestrutura são a UFMA, a Associação de Moradores e, também, os usuários do sistema. A AM é composta pelo presidente, vice-presidente e um tesoureiro/secretário. Esses atores são a parte diretiva da associação, mas por se tratar de uma associação de moradores, todos os moradores da ilha, em tese, também fazem parte. No caso da UFMA, são parte da equipe o coordenador do projeto, um professor que realiza a ligação entre a UFMA e a AM, tratando inclusive dos trâmites de cobrança, além de um conjunto de alunos que colabora com o projeto, tem suas pesquisas vinculadas a este. 86 A coordenação das atividades relativas à infraestrutura é do pessoal da UFMA, respeitando sua hierarquia interna. Os atores da ilha são responsáveis pela medição e cobrança das contas, aqui respeitando a hierarquia da AM. A UFMA é responsável pela tomada de decisão a respeito da infraestrutura, mas isto normalmente é realizada com base em informações diversas e desejos da comunidade, expressos via AM. Não há um corpo de regras estabelecido com relação à hierarquia das instituições UFMA e AM. As regras resumem-se às relativas ao pagamento, sendo que o domicílio que não efetuar o pagamento por um período de tempo deve ser desligado. 4.5.2 Atividades A instalação e manutenção nas casas é realizada por eletricistas treinados na comunidade e na infraestrutura de geração, pela UFMA. Há pouca incidência de problemas nas ligações realizadas nas casas, exigindo pouca manutenção; o mesmo é observado no caso da infraestrutura. No caso da manutenção na infraestrutura de geração, esta pode ocorrer por meio de instruções dadas ao pessoal da AM, em casos simples (como eventual desligamento), ou de forma direta, pela intervenção da universidade. Quando necessária, a intervenção ocorre com a ida de professores e/ou alunos à ilha para a realização da manutenção. O deslocamento é longo e custoso. Pode ocorrer a necessidade de retorno à São Luis para a obtenção de material, ou mesmo de envio deste à Apicum-Açu, o que pode retardar a solução do problema, implicando também em maiores gastos. 87 Como este projeto piloto é anterior à Resolução Normativa No. 493, de 05 de junho de 2012 (ANEEL, 2012), o serviço prestado pelos eletricistas locais e pela UFMA, não é, de fato, fiscalizado. Apenas o compromisso entre as pessoas da Ilha é o regulador destas atividades. Outra atividade corriqueira é a cobrança pelo acesso à eletricidade, que é feita pela própria AM. O vice-presidente é responsável pelo registro de consumo dos moradores, os valores registrados são enviados para a UFMA, que gera boletos para o pagamento da conta. Estes boletos são enviados para a ilha, tipicamente por ônibus (fica de posse do motorista), e recolhido em Apicum-Açu por alguém da AM; ou então são levados por alguém da UFMA que vá à ilha. Os valores são pagos ao presidente da AM, que deposita o valor total na conta da AM. A cobrança é realizada para a composição de caixa para reposição de material da infraestrutura, agora, especificamente, para a troca do banco de baterias. Há por parte da UFMA a fiscalização da medição e do depósito. Caso algum morador fique um determinado período sem pagar, deve ter seu acesso cortado. A ausência de uma regulação para o fornecimento de energia elétrica em projetos piloto como o realizado pela UFMA na Ilha dos Lençóis até o momento de realização desta pesquisa abria a oportunidade para o comportamento oportunista de diversas formas. A distância entre os técnicos da UFMA para o sítio onde o problema se apresenta poderia estimular estes a não prestar a manutenção, mas as entrevistas mostram que isso não ocorre. As manutenções de urgência normalmente são prontamente atendidas (ou dentro de um prazo admissível, considerando a concorrência de atividades dos professores na UFMA). Parte disto vem do compromisso da UFMA em manter o serviço por eles oferecido e absorvido pela população local. Outro fator importante é o compromisso com o MME para 88 que o sistema seja mantido. Ainda, tendo em vista a busca da UFMA pela saída do projeto, com a eventual posse do sistema pela concessionária, não é interessante que a universidade apresente um sistema inoperante à esta. Com relação à medição e à cobrança, também haveria espaço para o comportamento oportunista pela distância entre a UFMA e a ilha, mas a fiscalização indireta, realizada pela verificação do consumo no gerador e no depósito feito na conta da AM, coíbe tal ação. Com relação ao comportamento free-rider, que poderia ser observado por meio de ligações clandestinas, o “gato”, este não ocorre, seja pela falta de pessoal com qualificação para realizar a ligação, pela forma indireta de verificá-la pelo consumo no gerador, ou pelo simples fato de que o tamanho reduzido do espaço ocupado na ilha torna o “gato” evidente. Ainda, como já citado, a presença do medidor impede (ou ao menos dificulta) a falsa informação de consumo. 4.5.3 A eletricidade na vida dos usuários segundo a Abordagem de Capacidades Apesar da eletricidade não ser exatamente uma novidade para as pessoas da comunidade, o seu fornecimento regular, e com qualidade, trouxe possibilidades vistas como benefícios para os indivíduos. Dois pontos amplamente destacados são a escola e o ambulatório da ilha. No caso do ambulatório o fornecimento regular de eletricidade permitiu a estocagem de remédios, além do atendimento (eventual) noturno. Com relação à escola, o impacto pode ser considerado maior. O fornecimento noturno de eletricidade permitiu que as aulas fossem ministradas à noite, o que possibilitou que o ensino fosse estendido para todo o 1º grau (antes ocorria até a 4ª série do 1º grau). Dessa forma as crianças, que antes iriam se mudar (ao menos durante a semana) para Apicum-Açu ou Cururupu para concluir seus estudos, e aquelas que 89 interromperiam os estudos pela necessidade da família de força de trabalho, puderam permanecer mais tempo na ilha estudando. Infelizmente a ilha não conta com o 2º grau, e por tal motivo, a realidade do afastamento da família ou dos estudos encarada mais tardiamente na vida dos jovens. Como discutido em outro ponto desta dissertação, a eletricidade, per se, não pode ser considerada um “fornecedor” de capacidades, mas sim um instrumento que colabora neste sentido. Isto se faz evidente no caso do ambulatório, pois sem esta a capacidade de estocagem de remédios seria comprometida, mas sem os remédios, a capacidade de acesso à saúde simplesmente não ocorre. No caso da escola, a presença da eletricidade acaba se tornando mais atuante no bem-estar, em uma forma mais direta relacionada à capacidade de acesso à educação, ao permitir o ensino noturno, e de forma indireta, na capacidade de estar com sua família, ou de estar no seu ambiente, ao permitir que parte maior dos estudos sejam realizados na ilha. A presença da televisão, sempre vista de forma controversa nas pesquisas, mostra-se positiva na comunidade. Muitos argumentam que a TV é um elemento nocivo para as comunidades isoladas por trazer aos indivíduos da comunidade desejos que antes não tinham, justamente por apresentar realidades diferentes, muitas vezes menos “sofridas” que as deles. O vínculo existente entre os indivíduos da ilha com a cidade de Apicum-Açu, ou mesmo Cururupu, faz com que as realidades diferentes apresentadas na TV tenham seu impacto diminuído (evidentemente não é possível medir a dimensão deste impacto, mas é possível afirmar que muito do que é apresentado na TV não é mais novidade para os indivíduos). Outro elemento visto como negativo com relação à presença da TV é o fato de que as pessoas deixam de se relacionar nos períodos de descanso para acompanhar a programação desta. Infelizmente não foi possível obter elementos que corroborassem ou se opusessem à esta visão, mas foi possível notar que a TV já está presente, mesmo em pequena escala, desde a primeira eletrificação, promovida pela prefeitura de Cururupu em 1998 (MORAES, 2011). De fato, neste período, esta visão de desagregação deve ter sido mais presente, mas agora é difícil de ser observada. Vale citar também que, independente da TV, muitos pescadores hoje aproveitam o período noturno, que antes seria o preferencial para as “reuniões em volta da 90 fogueira” para realizar reparos em seu equipamento, o que é possível em função da eletricidade. Com relação à TV foram apresentados pelos moradores da ilha dois benefícios que podem ser compreendidos como acréscimo ao bem-estar: o entretenimento e a informação. No caso de se entreter, de se distrair dos problemas diário, a TV se mostra muito presente no cotidiano dos moradores da ilha. Assistir novelas se tornou hábito de muitos moradores, assim como se reunir na casa de outros moradores, ou na mercearia local para assistir partidas de futebol. Os telejornais, por outro lado, exercem um importante papel no tocante a trazer informação aos moradores, contribuindo tanto com a capacidade de se manter informados, ou situados a respeito das coisas que os cercam, como também munindo os moradores de informações e, por vezes incentivos, para que estes exerçam sua condição de agente. Outra ferramenta importante, mas que está presente de forma mais tímida devido ao seu custo, é o refrigerador. Ele permite a estocagem de alimentos, mais especificamente do pescado, o garante à família o acesso ao alimento mesmo em períodos curtos de estiagem, auxiliando na capacidade de se manter alimentado. Pode-se observar nas entrevistas, que a condição de agente de alguns moradores vem mudando gradativamente em função de eventos como a transformação da ilha em RESEX, a participação de alguns moradores como representantes nas tomadas de decisão a respeito de ações na ilha, e a formação da Associação de Moradores, que fizeram com que alguns moradores mudassem a sua visão de algumas necessidades de reprimidas para necessidades de fato, e passassem a exercer sua condição de agente na busca de saciar estas. Dois exemplos relatados foram a busca pela construção de um trapiche para que os barcos ancorassem, em especial para o turismo, e a busca por meios mais eficazes para o saneamento na ilha. 91 Por fim, o acesso ao instrumento eletricidade permitiu o acesso a outro instrumento: o dinheiro. Isso ocorre de duas formas, uma direta, pela economia, sendo que os gastos com eletricidade são menores que os gastos com combustíveis, e pelo atrativo de conforto aos turistas. Aqui valem duas observações: a primeira é que, de fato, o sistema ainda utiliza combustível para seu sistema de back-up, mas este opera esporadicamente; a segunda é que os efeitos da eletricidade no turismo ainda não são mensuráveis, mas por problemas outros, como má divulgação do local, mas a presença da eletricidade é amplamente divulgada (ainda que na pouca divulgação). 4.6 Análise dos resultados A eficiência econômica é um dos pontos mais importantes a destacar aqui, mas sob duas óticas: a que diz respeito à capacidade da infraestrutura se manter economicamente e no que diz respeito aos resultados desta. De forma direta em termos de capacidade de se manter, pode-se afirmar que não há eficiência. Segundo as entrevistas, os valores obtidos pela AM a título de formação de caixa para substituição de baterias é muito baixo, o que implica na incapacidade da AM, per se, manter a infraestrutura. Há ainda o fato de que todo o trabalho é voluntário, restando o comprometimento moral como instrumento de garantia da responsabilidade dos atores envolvidos. Já no que diz respeito aos resultados, como destacado anteriormente, estes são positivos. O uso efetivo da eletricidade, e as possibilidades por ela abertas, como será destacado a seguir, são vistos de forma positiva pela comunidade. Estes aspectos indicam que pelo desempenho da infraestrutura pode haver o desejo de manter o serviço, superando-se, assim as fragilidades da estrutura institucional, mas as dificuldades impostas pelos custos e baixo retorno financeiro podem acabar resultando no colapso desta. Pode-se afirmar, pelo que foi observado, que os atores envolvidos atuam de forma responsável de acordo com suas funções. Há sim muita fragilidade com relação à estrutura institucional que se apresenta na infraestrutura, mas o desejo de que o sistema tenha sucesso, além da proximidade dos atores da AM com os usuários (o que torna a cobrança maior) acaba sustentando esta frágil estrutura. 92 Com relação à equidade fiscal, a mudança do formato de cobrança estratificada para a cobrança pela quantidade realmente utilizada trouxe o sentimento aos usuários de que o novo formato é mais justo. É importante ressaltar que a mudança na forma de cobrança veio junto de uma diminuição nos valores de diversas contas, o que reforçou o sentimento de satisfação. Em um primeiro momento pode-se supor que a satisfação veio justamente da diminuição do valor da conta, mas nas entrevistas e conversas informais houve o destaque para o uso inapropriado de alguns moradores, o que mostra que, de fato, foi a mudança no formato quem trouxe a satisfação. No caso da redistribuição, que é um critério importante para um projeto de intervenção para o desenvolvimento, esta fica um pouco comprometida na Ilha dos Lençóis, tendo em consideração de que há a necessidade de pagamento pela instalação. O que se observou, porém, foi uma quantidade pequena de domicílios sem ligação, e a declaração por parte do pessoal da AM de que são realizadas novas ligações com frequência, indicando que, apesar do acesso não ser de fato universal em função da barreira financeira da instalação, a tendência é que em breve todos os domicílios estejam ligados à rede local. Isso, evidentemente, é uma especulação. É importante destacar que ficou evidente, também, a caracterização da UFMA como instituição temporal nesse projeto de intervenção. Não há por parte do NEA uma equipe dedicada à administração do sistema. Os envolvidos são professores e alunos, que tem nesta atividade uma responsabilidade oriunda do convênio firmado com o MME, possuindo de fato outras obrigações profissionais. A gestão do sistema de geração e distribuição da Ilha dos Lençóis é extremamente simples, e as entrevistas e conversas informais deixam transparecer a visão de todos de que este sistema de gestão é provisório, e evidencia também o desejo de todos que uma solução permanente seja logo obtida. 93 Essa simplicidade acaba não comprometendo a qualidade do serviço prestado, visto a qualidade técnica do sistema desenvolvido e sua eficiência em atender a premissa de autossuficiência. É importante ressaltar que o sistema é novo, com apenas 4 anos de uso intensivo. Os problemas que hoje se apresentam podem ser contornados sem o comprometimento do serviço. A forma como a gestão está estruturada faz com que alguns pontos de alto custo possam ser encontrados. Em primeiro lugar, é importante destacar a distância entre a UFMA e a ilha como um dos elementos mais evidentes de custos. A falta de pessoal treinado para manutenções no sistema de geração implica na necessidade de que pessoal da UFMA se desloque até a ilha para que a manutenção seja realizada. Não sendo esta uma atividade regular do pessoal da UFMA, que em tese já não deveria mais ter compromisso com o sistema, uma vez findo o convênio, os custos acabam se tornando ainda maiores, dadas as atividades regulares que devem ser postergadas para o atendimento na ilha. Enquanto o sistema não apresenta problemas inerentes ao seu tempo de uso, esse custo representa problema superável, mas isso pode mudar se problemas começarem a ocorrer regularmente. A informalidade na fiscalização é outro elemento que pode representar problema no futuro. Novamente a distância da escola para a ilha acaba tornando o contato do gestor informal limitado, fazendo com que eventuais comportamentos oportunistas demorem a ser detectados, visto que, como citado, há a necessidade de verificação do consumo geral no sistema para verificar o roubo de energia. Os custos econômicos para a manutenção direta do sistema não são elevados, visto que, como mostram os relatos, esses se resumem à aquisição de combustível para o sistema diesel, custo que diminuiu sensivelmente após o desenvolvimento do sistema com base em fontes renováveis. Os custos relacionados à manutenção do equipamento, porém, são muito elevados. Esses estão relacionados à troca do banco de baterias, à substituição de partes dos 94 sistemas e à manutenção do sistema desenvolvido especificamente para a infraestrutura na ilha. Na ocasião da visita ao sítio estava sendo preparada a substituição do banco de baterias e a preparação do conserto de uma das torres do aerogerador que apresentou problema. Nestas situações ficou evidente a impotência do pessoal da ilha ante estes problemas, uma vez que o valor obtido pelas taxas de uso não é suficiente para compor o fundo de caixa da AM, e a impossibilidade destes de realizar de forma independente a manutenção na torre do aerogerador. Apesar da forma de gestão ser evidentemente inapropriada, observa-se certa comodidade. Parte disso vem do fato de que os problemas que hoje ocorrem são poucos, não comprometendo a qualidade do serviço, e também vem do fato de que hoje se busca que a CEMAR assuma o sistema, o que faz com que não se invista em uma mudança na forma de gestão. O estado atual da gestão da infraestrutura é reflexo da forma como a gestão foi considerada durante o processo de desenvolvimento da infraestrutura. Como já citado, após o início de operações do sistema, em 2008, ainda não havia um modelo definido. Acredita-se aqui que esta indefinição sobre a gestão venha do fato de a equipe de desenvolvimento do NEA/UFMA ser praticamente disciplinar, desconsiderando a necessidade da participação de cientistas sociais no processo de desenvolvimento. Esta ausência acabou mascarando os potenciais problemas da aplicação direta de modelos que possam, por ventura, ter funcionado em outros sítios. Houve, por parte do pessoal da UFMA, confiança de que a comunidade assumiria o controle do sistema gerador, desde os aspectos de gerência até o que fosse possível em termos de manutenção. Esta expectativa acabou frustrada, e como consequência, a maior parte da manutenção, e alguns aspectos administrativos ainda são mantidos pela UFMA. 95 A confiança citada anteriormente veio, basicamente, de dois aspectos: a observação histórica dos aspectos de ajuda mútua em comunidades, e a obrigação moral de uma resposta de auxílio da comunidade à construção da infraestrutura de geração de energia elétrica, visto como um benefício incontestável à comunidade, representado na forma de tomada do sistema para si. A resposta negativa da comunidade se deve a alguns fatores, como a autolimitação imposta pelas pessoas ao se julgar incapazes de auxiliar na manutenção, ou ainda aos custos envolvidos em uma eventual mudança na rotina diária (parar de pescar para estudar, por exemplo), ou mesmo à falta de interesse. Fato é que não há uma causa única para tal, não podendo haver generalizações. É importante observar, antes de tudo, que apesar das diversas afinidades que podem ser observadas entre as pessoas da comunidade, não se pode esperar um comportamento único, ou ações sincronizadas destes, então a expectativa de que todos da comunidade (ou ao menos a maioria) adeririam à administração proposta por uma Associação de Moradores se mostra irreal. Outro ponto a destacar é a diferença na prática de uma Associação de Moradores para o que os indivíduos estavam habituados. A prática comum de ajuda mútua se observa em ações pontuais, nem sempre planejadas, e com duração determinada. Já a Associação de Moradores demanda envolvimento constante, reuniões regulares e a discussão e tomada de decisões sobre temas que nem sempre são do cotidiano dos indivíduos, e para os quais muitos se julgam inaptos a colaborar. É interessante observar que as três pessoas ligadas burocraticamente à Associação de Moradores trabalham com práticas diferentes da comum no local, que é a pesca, que são o presidente da AM, proprietário da mercearia e do barco exclusivo de transporte; o vice, dedicado ao turismo local; e o secretário, que atua na pesca, mas que exerce função também relacionada aos assuntos da RESEX (representa a ilha ante o ICMBio). Apesar de não conseguir estabelecer uma estrutura mais ampla de manutenção por meio de voluntários na própria ilha, esta se mostrou compatível com o que é observado em outras pesquisas, em especial no que diz respeito à capacitação técnica. De forma geral, o 96 treinamento apresentado nas diversas pesquisas trata de manutenção preventiva, ou mesmo de pequenos reparos, em um nível básico de capacitação. Hoje algumas pessoas na ilha são plenamente capazes de realizar a instalação elétrica (aqui no nível intermediário de capacitação) nas casas em função de um treinamento oferecido pela UFMA. Tais ligações são pagas, representando um acréscimo na renda das pessoas qualificadas, mas não fazem parte da administração do sistema, ficando à parte da AM. A UFMA teve a expectativa de que seria possível treinar alguém da ilha para realizar alguns serviços de manutenção na infraestrutura (em um nível intermediário de capacitação), mas não houve a possibilidade de realizar tal treinamento. Diferente do treinamento para a instalação nas casas, o treinamento para a manutenção da infraestrutura seria realizado na própria universidade, o que implicaria no deslocamento do morador para São Luis, por um período maior que o do outro treinamento, resultando em um afastamento das atividades que lhe conferem renda de fato. Foi feita a oferta de treinamento a um morador que se mostrou apto, mas não foi oferecida bolsa, ou equivalente (fundamental, já que teria que parar de trabalhar com seus afazeres na ilha), e acrescido o fato da pouca educação que teve, este se julgou incapaz de realizar o treinamento. Não é possível afirmar se algum morador, de fato, teria condições de assumir a manutenção (mesmo que parte menor desta), mas nas condições apresentadas não foi possível, sequer, acompanhar o treinamento. Tais situações descritas refletem muito do que ocorreu logo após o início das operações da infraestrutura. Isso implica no fato de que eventuais mudanças nas práticas da comunidade, na sua forma de observar sua relação com a infraestrutura, entre outras, não foram considerados no desenvolvimento da forma de gestão. De fato, pode-se observar pelos relatos que algumas mudanças vêm ocorrendo, sendo que estas contribuem de forma direta para que esta forma de gestão se mantenha. As mudanças que vêm ocorrendo na ilha em função da formação da AM, do acesso regular à eletricidade, e mesmo da mudança da ilha para RESEX, evidenciadas no que já foi exposto, mostram uma adaptação de parte dos moradores com as novas práticas. 97 Isto pode ser observado pela forma como alguns moradores vem buscando se envolver com os problemas relacionados à comunidade. Como já citado, os membros da AM vêm buscando alternativas para problemas como o saneamento e a construção de um trapiche. Os relatos mostram também que após a formação da AM este tipo de discussão vem ocorrendo com mais frequência. É interessante observar que as cobranças pela solução dos problemas também ocorrem, mostrando que os moradores não ligados à AM compreendem seu papel. De forma diretamente relacionada à infraestrutura, os benefícios obtidos pela presença da eletricidade faz com que o pessoal da ilha tenha interesse em que o sistema mantenha seu funcionamento. Isso fica evidente na disposição do pessoal da ilha em tentar realizar a manutenção por meio de orientação por telefone, no aprendizado por experiência na manutenção de pequenos problemas e no relato de que poucos usuários deixam de pagar pelo uso, e quando o fazem, normalmente é por dificuldades financeiras. Também a citada preocupação com o consumo excessivo de energia mostra como os moradores compreendem, ao menos de forma básica, o aspecto operacional do sistema. E o fato de este conhecimento ser externado na forma de preocupação e crítica, mostra que os moradores vêm se apropriando da tecnologia, tendo ela como elemento já comum do seu diaa-dia. Tais mudanças demonstram a forma como a tecnologia vem sendo apropriada pelos usuários na Ilha dos Lençóis e de que forma esta apropriação esta modificando, ainda que de forma aparentemente tênue, sua visão sobre o sistema de geração. Isto pode implicar na mudança do que North (2005) definiria como modelos mentais, ou ainda, se considerarmos a racionalidade limitada, podemos considerar que a gama de possibilidades admissíveis no cálculo racional vem gradativamente se expandindo. Estes elementos podem ser motivadores para mudanças institucionais e, no momento da gestão da infraestrutura em que esta pesquisa foi realizada, poderia facilitar a construção de instituições que implicassem no maior envolvimento da população local na gestão do sistema. 98 Apesar disso, se considerarmos a influência das ações passadas (no que pode ser descrito como path-dependence) para as mudanças que ocorrem com o passar do tempo nas instituições, temos que a forma como foi construído o sistema de gestão da infraestrutura, e a percepção dos usuários de que a UFMA não pretende manter-se como gestora, além do fato de que não pretende contar com os moradores para a realização da gestão, acarreta em um sentimento de que a situação hoje vivida, de manutenções simples, medição e cobrança como únicas responsabilidades, é apenas temporária, não estimulando maior envolvimento dos moradores nas questões da infraestrutura, restando a estes aguardar pela definição de quem assumirá a gestão do sistema. Isto pode, inclusive, influenciar no exposto anteriormente, limitando a apropriação da tecnologia pela falta de estímulo, tendo em vista o suposto contato apenas temporário com os aspectos mais complicados de manutenção da infraestrutura. Não é possível determinar de que forma estas mudanças efetivamente contribuiriam na gestão do sistema e na diminuição dos custos envolvidos. Tendo em vista as especificidades do sistema, em especial o uso intensivo de tecnologia que demanda tempo de estudo em engenharia, pode-se afirmar que assumir a manutenção da infraestrutura de forma integral é de fato inviável. Da mesma forma, os custos envolvidos na manutenção são muito altos para o padrão de renda da comunidade. Estes fatores indicam que autogestão do sistema, de fato, seria muito complicada, mas não significam que a gestão não possa ser moldada para esta nova realidade na busca pela diminuição dos custos envolvidos nesta. A ausência de um modelo bem definido de gestão e a desconsideração da forma como a comunidade se molda na sua relação com a infraestrutura foram determinantes para que a situação de impasse e desejo de transferência de propriedade para outra instituição (no caso, a CEMAR). 99 4.7 Síntese do capítulo Neste capítulo foi apresentada a pesquisa de campo realizada na Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA, que avaliou o “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA”, desenvolvido pela UFMA. A avaliação buscou compreender de que forma os diversos custos de transação se apresentavam aos atores envolvidos, e de que forma estes representavam incentivos para seus comportamentos. Foi possível observar que os custos de transação são compatíveis com os observados na literatura. A distância entre a UFMA e a Ilha dos Lençóis representa um incentivo para que a manutenção não seja realizada, o que foi possível constatar pelas entrevistas. A não formação de uma estrutura de gestão apropriada, sem a definição clara de propriedade e responsabilidades, além dos custos financeiros observados em função da tecnologia empregada e a relatada incapacidade do pessoal da ilha em arcar com tal ônus, resulta em insegurança por parte do pessoal da ilha. Em contrapartida, o pessoal da ilha relata diversos elementos positivos com relação aos recursos que podem ser utilizados em função da eletricidade fornecida de forma regular pela infraestrutura. Isso pode ser observado nos relatos com relação à escola local e ao posto de saúde, com relação à televisão e à iluminação, entre outros. Estes elementos atuam de forma direta no bem-estar dos indivíduos da ilha, mesmo no caso dos que ainda não possuem acesso à eletricidade em suas casas (caso da escola e do posto de saúde), e na condição de agente, ao fornecer acesso à informação e ao mostrar outras possibilidades de modo de vida. Estes pontos demonstram a forma como o acesso à eletricidade pode contribuir de fato com o desenvolvimento do indivíduo, em especial sob a ótica da Abordagem de Capacidades. Ao observar os altos custos de transação e dos consequentes incentivos, pode-se ter a expectativa de que a infraestrutura colapse. No entanto o que se observa é que há um esforço para que isto não ocorra. Isto em especial pelos benefícios que a comunidade obteve com a presença regular da eletricidade, e pelo fato de que há a expectativa de que a situação hoje enfrentada logo seja resolvida pela passagem da propriedade da infraestrutura para outra instituição, cuja expectativa seja a concessionária CEMAR. 100 Capítulo 5 – MÉTODO PARA A GESTÃO DE PROJETOS DE ELETRIFICAÇÃO RURAL Os capítulos anteriores desta dissertação tiveram como objetivo formar a base para a construção do método proposto a seguir. A exposição teórica do capítulo 2 permitiu construir um corpo de conhecimento para a compreensão da eletrificação rural descentralizada dentro de sua complexidade e dinâmica, trazendo para a base da análise, como elemento fundamental desta, os incentivos que são apresentados aos participantes deste tipo de projeto. O capítulo 3 buscou apresentar dois aspectos que são amplamente negligenciados em projetos de eletrificação rural, que são as limitações daquele que realiza o projeto, e os modelos de gestão do sistema após o início de sua operação. Os exemplos apresentados (longe de ser uma exposição exaustiva, mas acredita-se aqui que suficiente) visaram mostrar que não existe um modelo único que garanta o sucesso na eletrificação rural descentralizada. De fato, o aumento da possibilidade de sucesso está na diminuição dos custos envolvidos nos diversos estágios da construção e provimento do sistema, seja qual for o modelo adotado. Na pesquisa de campo, apresentado no capítulo 4, buscou-se reforçar o exposto nos capítulos anteriores por meio do estudo realizado no “Projeto Sistema Híbrido de Geração Elétrica Sustentável para a Ilha dos Lençóis, município de Cururupu – MA” no Estado do Maranhão. Nele foi possível observar as dificuldades inerentes à participação de uma instituição Temporária (UFMA); os custos decorrentes da não consideração da gestão durante o projeto do sistema; as mudanças decorrentes da entrada do sistema na rotina da comunidade e a forma como estas mudanças poderiam influir na própria gestão do sistema. A construção do método tem como base o exposto acima, mas também toma como premissas dois aspectos importantes, que são o conhecimento do marco regulatório para este tipo de projeto, e o nível e a forma de subsídios que incidem sobre este. O conhecimento do marco regulatório, como apontado por Santos (2002), é importante para o estabelecimento de limites, metas e padrões de qualidade para os projetos. No caso específico brasileiro, como já destacado, há a Resolução Normativa No. 493, de 05 de junho de 2012, que trata dos procedimentos e condições de fornecimento para MIGDI e SIGFI (ANEEL, 2012). A resolução não trata da forma de gestão do sistema, ou de sua construção, temas desta 101 dissertação, mas sim de parâmetros de qualidade para o fornecimento, o que é uma variável cujo conhecimento é de fundamental importância para o projetista. No caso dos subsídios, sua necessidade também é discutida por diversos autores, mas aqui será tratada como uma variável externa ao projeto. Isto porque sua presença pode sim influenciar o desenvolvimento do projeto, mas sua ausência não é suficiente para que o projeto resulte em fracasso. É importante ressaltar que este método não é um roteiro fechado criado para ser seguido à risca, de forma cega, pelo projetista. Ao contrário, é um guia que aponta momentos notáveis do projeto e indica possibilidades de sua condução, apresentando onde podem ser encontradas as dificuldades e as possíveis formas de contorná-las. Cabe ao projetista determinar como conduzir o projeto e as decisões que devem ser tomadas. Retomando as palavras de Shtub, Bard e Globerson (1994:42) a gerência de projetos é uma arte, caracterizada por intuição, julgamentos aprendidos, eventos únicos e ocorrências singulares. Embora o método proposto pareça razoavelmente evidente, podendo ser considerado, inclusive, óbvio, de fato são poucos os projetos que tomam os estágios a seguir como importantes. Como já citado, elementos relacionados aos aspectos sociais e humanos, como a gestão, ou a capacitação, ou ainda o conhecimento da comunidade e suas necessidades, são amplamente negligenciados, o que resulta, normalmente, no fracasso dos projetos. 5.1 Método O método a seguir é apresentado no formato de estágios, levando em conta o objetivo do estágio, considerações de como realizá-lo e a sua justificativa. Na próxima sessão este método será apresentado no formato de diagrama de Gantt. Estágio 0 (E0) – Premissas para o projeto do sistema As organizações envolvidas no projeto do sistema devem estar comprometidas com os benefícios que esta empreitada possa trazer à comunidade atendida; 102 as organizações envolvidas devem entender sua própria posição dentro da empreitada, compreendendo suas limitações e a expectativa de tempo que a organização pode dispor para dedicar à empreitada; o caso a organização não tenha condições de manter sua participação, deve ter outras organizações que possam assumir a infraestrutura em momento oportuno; o nível de subsídios, sua forma e duração, devem ser conhecidos previamente. A importância do comprometimento com o “desenvolvimento”22, ou com os benefícios que podem vir da eletrificação é apontada por Barnes (2007), que em seus estudos de caso observou que a chance do projeto de eletrificação rural atingir a sustentabilidade é maior quando quem promove o processo de intervenção está comprometido com o “desenvolvimento” que pode ser obtido por aqueles que são atendidos. Evidentemente isso não significa a abdicação de qualquer pretensão pessoal de benefícios, mas garante que o foco do interventor estará no indivíduo atendido, e não na tecnologia empregada, ou na melhoria da estatística de atendimentos de uma concessionária, por exemplo. Moraes et al. (2012), como já destacado, aponta as possibilidades de determinados tipos de instituições tem de conseguir com que seus projetos de eletrificação atinjam a sustentabilidade. daí vem a importância da organização se situar dentro da empreitada e, caso corresponda às categorias de organizações Temporárias ou Ocasionais, realizar a intervenção apenas caso exista uma organização Consolidada ou Especializada que assuma o suporte à infraestrutura em momento oportuno. Vale também observar que a importância de que a instituição que desenvolverá a infraestrutura possua técnicos com nível especializado para sua construção, evitando a simples replicabilidade, e sendo capaz de desenvolver os estágios a seguir com menor custo para obtenção da informação científica. Por fim, Zerriffi (2010) aponta que a probabilidade de que um empreendimento tenha sucesso com um alto grau de subsídios é baixa. Este aspecto fica muito evidente no que foi observado na pesquisa de campo na Ilha dos Lençóis, onde o sistema desenvolvido tem alto custo para 22 Barnes (2007) considera como elemento importante, de fato, o compromisso do interventor, não sendo importante sua forma particular de compreender o desenvolvimento. E é justamente a presença de alguma visão sobre o desenvolvimento, segundo o autor, que garante esse compromisso. 103 manutenção, o que impossibilita que a comunidade local assuma a infraestrutura de forma totalmente autônoma. Estágio 1 (E1) – Compreensão da cultura local e sua relação com o território; observação de suas necessidades básicas. Por meio de método etnográfico, coletar informações a respeito da comunidade, de seus indivíduos, compreender suas relações e sua relação com o território em que se situam, além da sua distribuição espacial dentro do território deve-se observar as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade segundo a ótica da Abordagem de Capacidades, buscando verificar de que forma a eletrificação pode contribuir para que capacidades sejam obtidas para suprir estas necessidades; este estágio deve prover informações que permitam definir o modelo de geração e distribuição e o modelo de gestão que apresentem melhor adequação e quais são as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade. A importância da participação do cientista social neste tipo de empreitada, como já citado nesta dissertação, é justificada por Serpa (2001) e Goméz e Montero (2010), tendo em vista que, como observado por Foster (1964), não existem duas comunidades iguais. Essa singularidade com relação à comunidades isoladas faz com que a determinação de variáveis específicas seja difícil, tornando a presença do cientista social fundamental para a coleta destas informações. O trabalho do cientista social, porém, não se encerra neste estágio do projeto, mas é fundamental até a saída definitiva do interventor, pela necessidade de registro das mudanças que venham ocorrer após a instalação do sistema e a determinação de que forma estas mudanças serão tratadas, com será descrito nos próximos estágios. Um exemplo da importância desta atividade pode ser visto em Winther (2008), que narra a forma como uma vila repudiou a entrada da eletricidade. Na sua narrativa, a empresa concessionária em Zanzibar, com o objetivo de abrir espaço para a instalação de postes para eletrificação de uma determinada vila, retirou algumas árvores em uma região considerada sagrada pelos seus habitantes, o que resultou no imediato repúdio destes para a entrada da 104 eletricidade, impedindo que isso ocorresse. Outro exemplo mostra como a forma que a medição é feita na vila em que foi realizado seu estudo provocou incômodo nos seus habitantes. Aqui, a concessionária instalou os medidores de eletricidade dentro das residências, e se reservou (legalmente) o direito de entrar nas residências, mesmo sem a autorização dos moradores, para que a medição fosse realizada. O pagamento também provocava grande constrangimento, pois era realizado em um dia específico, o que resultava em filas e no fato de que “todos nestas filas acabariam por conhecer a situação financeira de todos”. Não há a prática no Brasil de instalar os medidores dentro das residências, mas um interventor sem a devida atenção pode provocar situações de constrangimento como a observada. A questão da fila para o pagamento, porém, ocorre na Ilha dos Lençóis. Nas entrevistas realizadas não foi registrado constrangimento pela situação, mas dado o fato de que a medição é realizada há pouco tempo, essa situação não pode ser desconsiderada. Com relação ao modelo de gestão a ser empregado, informações como o contato com o urbano, outras organizações já existentes ou que tenham existido na comunidade, identificação de lideranças, a capacidade da comunidade em arcar com os custos relativos à infraestrutura, podem contribuir para que o modelo seja determinado. Aqui novamente na Ilha dos Lençóis, a observação de que a comunidade não possuía nenhuma forma de organização prévia para um fim comum, como uma própria associação, poderia ser um indicativo para o interventor que esta forma de organização não fosse a mais apropriada para um sistema do porte que foi desenvolvido em um primeiro momento da gestão. Como já citado, isso não torna proibitivo o uso do formato de autogestão por meio da Associação de Moradores, mas demandaria um trabalho mais apurado da UFMA para que este formato se tornasse efetivo. A compreensão das necessidades das pessoas na comunidade segundo a Abordagem de Capacidades exerce dois papeis fundamentais para a eletrificação rural dentro das premissas aqui apresentadas: (1) o papel de tornar o desenvolvimento algo mais tangível para as pessoas da comunidade que dispõe da eletricidade e (2) incentivar a manutenção do sistema pelo fato dos serviços oferecidos serem, de fato, úteis. Observar as necessidades das pessoas permite tornar a eletrificação mais efetiva, justamente, na expansão das liberdades dos indivíduos, tornando-a de fato, um indutor para o desenvolvimento, dentro dos moldes propostos por Amartya Sen (1999). Além disso, com a visão de que a eletricidade pode efetivamente contribuir para que algumas de suas necessidades possam ser satisfeitas, o usuário pode 105 buscar se apropriar de fato da tecnologia, eventualmente envolvendo-se mais com o sistema. Essa apropriação da tecnologia pode promover os elementos necessários para que ocorra um aprimoramento da modelo institucional implantando em um primeiro momento, tendo em vista uma maior eficiência institucional (NORTH, 2005). A possibilidade do uso da escola em períodos noturnos e a possibilidade de ter o posto de atendimento médico sempre com eletricidade foram elementos de grande valor apontados pelo pessoal da Ilha dos Lençóis. Isso permitiu manter as famílias mais tempo próximas em função da permanência das crianças na ilha, além de permitir o atendimento básico de saúde. O uso noturno de escolas, ou mesmo do estudo noturno é destacado por diversos autores (SERPA, 2001; MORANTE, 2004; WINTHER 2008). Também são destacados o bombeamento de água, a refrigeração para remédios e vacinas etc. Além disso, o acesso à informação, por meio da TV, e mesmo de celulares (que podem ter a carga das baterias realizadas nas casas), é um elemento apontado como importante, caracterizando um incremento na condição de agente deles. Estágio 2 (E2) – Determinação dos usos energéticos, seus custos e expectativa de uso da eletricidade Deve-se determinar quais são os usos energéticos dos indivíduos da comunidade, de que forma estes são distribuídos no uso diário e seus custos diversos (financeiro, tempo etc). A determinação dos usos energéticos e a expectativa de uso permitem dimensionar o sistema gerador em função da substituição direta, por exemplo, de velas por lâmpadas, e o acréscimo de tecnologias como refrigeradores, TV, entre outros (SERPA, 2001; MORANTE 2004). Com relação ao dimensionamento, é importante observar, no caso de sistemas domiciliares, que no início das operações do sistema é conveniente que os sistemas domiciliares tenham todos a mesma configuração, com o objetivo de não provocar o sentimento de inveja entre os usuários (MORANTE, 2004). 106 As informações de usos energéticos contribuem, também, com a verificação de necessidades das pessoas da comunidade, permitindo verificar de que forma a entrada de novas tecnologias, ou a manutenção de antigas, pode afetar o bem-estar dos usuários. Estágio 3 (E3) – Determinação da forma de geração e distribuição e do modelo de gestão e da estrutura de manutenção Com base nas informações de território e da comunidade, além da definição no estágio 0 de que organização atuará na infraestrutura e de que forma ocorrerá esta atuação, definir se a geração e distribuição ocorrerá no formato individual domiciliar, individual coletivo ou minigrid e se a gestão ocorrerá no formato de autogestão, mercado, ou concessionária. As decisões sobre qual o modelo de geração e distribuição e modelo de gestão devem ser tomadas orientadas a diminuir os custos relacionados. Por exemplo, no caso da geração individual, os custos financeiros relativos à manutenção podem ser menores que no caso da construção de um sistema dedicado, mas por outro lado, os custos relativos ao deslocamento do técnico de manutenção, e relativos ao monitoramento de seu trabalho podem ser grandes. Da mesma forma, enquanto a geração por meio de minigrid pode apresentar custos relativos à informação menores, os custos financeiros podem ser grandes. Ostrom et al. (1993) argumenta em favor da participação da população na realização. O conhecimento local a respeito das características do território pode contribuir em diversos aspectos, seja na forma de diminuição de custos, de soluções mais apropriadas para problemas, ou simplesmente, na adequação da tecnologia aos seus usuários (indo além do trabalho etnográfico). De forma um pouco indireta, Schumacher (1989) em proposta a respeito de tecnologias intermediárias, argumenta a favor da adequação da tecnologia ao local em que será empregada, sendo a participação daqueles que serão seus usuários na sua construção uma forma de se obter a adequação. Com relação à gestão, um primeiro ponto é o da gestão próxima ao sistema, como cooperativa, associação de moradores ou mesmo empresa local. Ostrom et al. (1993) argumentam que o modelo que apresenta menores custos relativos à obtenção de informação é 107 o modelo com a participação de grupos de usuários na gestão do sistema, dessa forma apresentando menores incentivos ao comportamento oportunista. Isso não implica necessariamente na exclusão da concessionária do sistema, mas sim na descentralização deste, o que resulta em que parte das decisões sejam tomadas localmente. Já no caso da centralização das decisões na concessionária, os custos relativos à informação seriam maiores, mas por outro lado, os custos relativos ao conhecimento técnico-científico necessário para a manutenção do sistema tendem a ser menores. Um elemento base para a gestão do sistema é a estrutura de manutenção que será adotada. De fato, a necessidade de uma estrutura de manutenção é defendida por vários autores (OSTROM et al. 1993; SANTOS, 2002; MORANTE, 2004; SÁNCHES, 2007; NARVARTE e LORENZO, 2010), os quais recomendam sua presença próxima ao sistema desejável. De fato, em casos como o do ECOWATT, fica evidente que a distância do gestor para o sistema acabou implicando em alto custo de informação, permitindo o comportamento oportunista do técnico na forma de fuga da sua obrigação e resultando na ausência total da manutenção, o que levou ao colapso do sistema, e que poderá ser observado na atual situação da COELBA, caso a questão das dificuldades relativas à manutenção não sejam sanadas. No caso da Ilha dos Lençóis, o compromisso do pessoal da UFMA com a infraestrutura e a própria comunidade, além da pouca incidência de problemas no sistema ainda é suficiente para que tal comportamento não ocorra. Evidentemente o fato de sistemas centralizados como o do ECOWATT ou o da COELBA apresentarem custos maiores relativos à informação, não tornam esse modelo inviável. Parte dessa problemática pode ser sanada com a presença do técnico próximo ao local onde o sistema se encontra. A presença de um agente próximo do local onde a infraestrutura está instalada e próximo aos usuários é destacada também por Santos (2002), como apresentado no capítulo 3. Sua proximidade diminui os custos relativos à obtenção de informação e também relativos à manutenção propriamente dita. 108 Dessa forma, definir os modelos para a geração e distribuição e de gestão inclui compreender principalmente onde estão os custos relativos ao sistema e de que recursos podem ser dispostos pela organização e pela comunidade para saná-los. Projetos de sistemas individuais podem levar o interventor a projetar sistemas com capacidades diferentes para cada usuário, de acordo com seu uso do sistema. Esta filosofia de projeto apresenta problemas relacionados ao descontentamento dos usuários com relação à diferença nas capacidades de seus sistemas. Morante (2004) sugere que no início do processo de intervenção os sistemas projetados tenham todos a mesma capacidade de geração. Posteriormente podem gradativamente ser ampliados, de acordo com a visão de necessidade. Um problema semelhante (também um sentimento de injustiça, mas agora pelo excesso de cobrança) pôde ser observado na Ilha dos Lençóis, que não é um sistema individual, mas aqui decorrente, novamente, do formato de cobrança estratificado. Além do já destacado problema da informação mentirosa a respeito do uso de energia, havia também o problema da discrepância de usos dentro de uma mesma faixa (em especial no caso da Pousada, que apesar de muito pouco utilizada, ainda tinha que pagar por um consumo que não ocorria), problema este que foi sanado com a instalação dos medidores. Estágio 4 (E4) – Definição de regras, limites e propriedade Definição das regras que estruturarão a gestão do sistema, o organograma da estrutura de gestão, o papel de cada ator envolvido e sua participação no processo decisório e a propriedade do sistema. Sánches (2007), na descrição da forma como a organização ITDG reestruturou e reativou o sistema de geração hídrica no distrito do Conchán, Peru, mostra que um dos elementos de maior importância para a “nova” infraestrutura foi justamente a construção de regras claras e precisas, determinando a participação de cada ator envolvido na gestão do sistema (ver descrição do modelo capítulo 3). O observado por Sánches é coerente com o exposto por Ostrom (1990) nos princípios de design propostos em seu trabalho “Governing the Commons”, onde diversos sítios onde a autogestão de bens públicos esgotáveis são estudados. Em seu trabalho Ostrom demonstra que 109 a definição clara de regras, de limites e propriedades, além de uma estrutura para a solução rápida de problemas são elementos que aumentam a probabilidade da autogestão ter sucesso. Ostrom também destaca a importância de mecanismos de solução rápida para os problemas, ou conflitos que possam vir a ocorrer. A importância desse elemento fica muito evidenciada quando tratamos de bens públicos esgotáveis, mas não deixa de ser importante também no caso da eletrificação. Levando em conta as mudanças que ocorrem no dia-a-dia dos usuários, bem como das novas formas de dependência que são inevitáveis, a solução rápida de problemas se torna importante não só pela qualidade do serviço prestado, mas também como uma forma de preservação da confiança dos usuários no sistema. Estágio 5 (E5) – Capacitação da população local Treinamento dos usuários para o uso apropriado do sistema, manutenção preventiva e pequenos reparos. A capacitação da população local implica, tipicamente, no primeiro contato dos usuários com a tecnologia, neste caso, de fato como “usuários”. Pode-se observar em alguns casos a resistência ao processo de eletrificação. Em algumas situações essa resistência vem de outros processos de intervenção na mesma comunidade que resultaram em resultados ruins, que impõe barreira a novas intervenções (FOSTER, 1962; LONG e VAN DER PLOEG, 1989). Em outras a resistência vem pela descrença na forma como a energia será gerada (nesse caso por painéis fotovoltaicos e aerogeradores), que pode ser preterida pela possibilidade (muitas vezes prometida por políticos locais) da extensão de rede, fato que ocorreu com a equipe da UFMA, que tinha como proposta inicial de projeto a Ilha do Cajoal. O processo de capacitação constitui o “desvendar de uma magia”, buscando dirimir resistências (SERPA, 2001), e tornar a realidade da nova tecnologia acessível aos novos usuários. Uma estratégia destacada por Serpa para o primeiro contato dos usuários com a tecnologia é a eletrificação de uma edificação de uso comum e de valor para a comunidade, como uma escola, por exemplo. Esta estratégia foi empregada com êxito nas comunidades de Retiro e Varadouro, na região do Lagamar de Cananéia, quando do processo de instalação de sistemas fotovoltaicos domiciliares pelo LSF-IEE/USP. 110 Ainda, Morante et al. (2006) definem que os materiais utilizados para a capacitação devem ser os mais simples e didáticos possível. Isso pode ser destacado pelo fato de comunidades isoladas tipicamente possuírem alto índice de analfabetismo, ou mesmo de semianalfabetismo. Essa, por exemplo, foi uma barreira no caso ECOWATT, onde os usuários receberam manuais que não eram capazes de compreender (SERPA, 2001). Nesse aspecto, destaca-se, novamente, a participação dos usuários na construção do sistema, e também, o uso de materiais que sejam visualmente “inequívocos”, como o uso de fios de cores diferentes para a instalação elétrica (MORANTE et al., 2007). Além disso, a capacitação dos usuários permite que a tecnologia seja melhor absorvida, facilitando a apropriação desta por parte dos usuários. Espera-se que esta apropriação resulte no uso correto do equipamento, preservando sua vida útil e garantindo a segurança dos usuários. A manutenção preventiva envolve atividades corriqueiras relacionadas à eletricidade dentro do domicílio, como troca de lâmpadas, de interruptores, limpeza de painéis solares entre outros. O objetivo é aliviar a carga do técnico de manutenção local e preservar o equipamento, em especial o gerador (em sistemas individuais), mantendo sua expectativa de vida útil. Aqui pode ser englobado o uso consciente do equipamento, de forma referente aos gastos energéticos. Parte da importância disso vem da própria natureza do sistema, que pelo uso de baterias e capacidade de geração mais limitada que a convencional, demanda maior cuidado no seu consumo. Parte também vem da importante mudança na prática do pagamento do consumo, que antes ocorria ex ante o consumo (como na aquisição de velas, querosene) e agora ocorre ex post (pelo pagamento da conta de consumo). Estes aspectos puderam ser observados na Ilha dos Lençóis nos relatos dos entrevistados. Com relação à manutenção preventiva, foi destacado que hoje os usuários já são capazes de realizar a troca de lâmpadas, que no início era motivo de temor por parte destes. Já com relação ao uso apropriado, um relato e uma observação são pertinentes aqui. Primeiro, foi possível observar o uso excessivo da eletricidade por parte de alguns moradores que utilizavam equipamentos de som de alta potência, o que pode implicar em sobrecarga na fiação domiciliar e gastos excessivos de energia no sistema gerador. O outro relato trata de um “desligamento” do sistema, que foi resultado da tentativa de um usuário de retirar, ele 111 mesmo, a fiação da sua casa, que resultou em um curto-circuito que provocou o “desligamento”. Outro aspecto fundamental da capacitação está relacionado à gestão do sistema. Este aspecto é muito pouco discutido, mas envolve o treinamento para que a população local, ou aqueles que de alguma forma vão se envolver com a administração do sistema, sejam capazes de gerilo de forma apropriada. São diversos fatores que levam à não consideração deste aspecto, mas fica evidente, em especial nos trabalhos de Van Els (2008) e Sánches (2007) (ambos para a geração hídrica), que infraestruturas em que houve a qualificação dos usuários para tal tem maior chance obter a sustentabilidade. Uma forma de diminuir os custos relacionados à capacitação é pelo uso de um centro de formação para a capacitação de usuários selecionados, e depois pela multiplicação do conhecimento dentro da comunidade, por meio destes usuários, como destacado na experiência yachachiq (MORANTE, 2007). Neste caso, tendo a concentração da informação em um ponto comum, pode-se atuar nos diversos níveis de capacitação, diminuindo assim os custos relativos ao treinamento. Estágio 6 (E6) – Construção do sistema Na construção do sistema devem ser observadas a qualidade do material empregado e a possibilidade da participação da população local no processo de construção. A participação da população local na construção do sistema é destacada por Serpa (2001) e Morante (2004), além de Ostrom, Wynne e Schroeder (1993). Serpa (2001), em seu relato sobre a instalação do sistema fotovoltaicos individuais na região do Lagamar de Cananéia, mostra a forma como a prática da ajuda mútua foi resgatada com esta estratégia funcionando, inclusive, como um dos estágios de capacitação técnica dos usuários. 112 Outro ponto importante diz respeito ao sentimento de propriedade do sistema, à apropriação deste pelo usuário atendido. Este ponto é destacado em Ostrom et al. (1993), que argumentam que o trabalho realizado junto à infraestrutura traz ao indivíduo atendido a sensação de responsabilidade ante sua construção e, no futuro, sua manutenção. Estágio 7 (E7) – Administração e acompanhamento de desempenho / realização de ajustes O início da administração do sistema deve ser de forma conjunta entre o interventor e os usuários que o administrarão, sendo gradativamente assumida de forma exclusiva pelos usuários; nesse período deve ser observado o desempenho do sistema, sendo realizados os ajustes necessários para aprimorar sua eficiência. Uma das conclusões Douglas Barnes (2007), em seu livro The Chalenge of Rural Electrification é que o sistema não pode ser observado como algo estático, mas sim dinâmico. Isso implica na necessidade da constante avaliação dos resultados obtidos por este e na aplicação dos ajustes necessários para que sua operação se torne mais eficiente. Ostrom et al. (1993) propõe como parte dos critérios para a avaliação das instituições que regem a infraestrutura a equidade fiscal e a redistribuição. Um exemplo de reavaliação positiva, com relação ao critério de equidade fiscal pôde ser observado na Ilha dos Lençóis, que é o caso da instalação dos medidores de consumo de energia elétrica. Nesse caso os usuários que não se utilizavam do comportamento oportunista quando a cobrança era realizada pela estratificação da conta, deixaram se sentir lesados quando o sistema passou a contar com medidores, passando a considerar o processo mais justo. Os ajustes podem envolver mudanças mais radicais na infraestrutura do sistema, como observado no projeto “Luz do Sol”, descrito em Santos (2002). Neste caso, o projeto, desenvolvido por uma ONG em parceira com uma empresa e com o Banco do Nordeste, contava a infraestrutura de um Centro Fotovoltaico de Cargas de Baterias, gerido por microempresários locais, treinados pela ONG. Observou-se que a distância percorrida pelos usuários com as baterias era um elemento de forte estímulo ao abandono do sistema, mas o elemento de maior desgaste para a infraestrutura era o fato de que o usuário não recolhia a 113 mesma bateria que havia levado, ou seja, não havia a fidelidade no uso da bateria. Isso significa que o usuário ficava dependente do uso apropriado da bateria por parte de outros usuários (como garantir que a bateria não sofresse a descarga completa), o que foi observado que não ocorria. Dessa forma, os usuários acabavam pagando e carregando até suas residências baterias já comprometidas pelo mau uso, o que era um forte estimulante para o abandono do sistema. A solução encontrada pela ONG foi a substituição do CFCB por sistemas individuais domiciliares, que eliminou a necessidade do transporte da bateria e tornou cada usuário responsável exclusivamente pela sua bateria. Outro elemento que pode estimular a mudança institucional é o próprio processo de aprendizado inerente ao uso. O aprendizado, como observado por North (2005), pode conduzir a novos modelos mentais que podem permitir o aprimoramento das instituições vigentes. Este pode ser, inclusive, utilizado pelo interventor para o gradativo ganho de autonomia dos usuários com relação à administração da infraestrutura. Este estágio implica também na observação do desempenho do sistema no que diz repeitos à liberdades atingidas pelos usuários, às necessidades cujo atendimento com a eletricidade não havia sido observado e às novas necessidades que surgem em função das novas tecnologias, dentro dos princípios da Abordagem de Capacidades. Isto significa que as necessidades das pessoas devem ser observadas de forma constante para que as suas condições de bem-estar e de agente sejam regularmente incrementada, fazendo com que eletricidade cumpra o papel de vetor para o desenvolvimento. Isto também é importante por dois aspectos: (1) a determinação das necessidades individuais implica em um problema metodológico (ROBEYNS, 2006), que por sua vez pode implicar em uma compreensão inicial destas não tão profunda quanto o necessário para um atendimento amplo das necessidades, sendo que a sua observação constante deve aumentar a possibilidade de uma compreensão maior destas e (2) pelo comprometimento do interventor com o desenvolvimento da comunidade assistida, o que significa que a simples aplicação da tecnologia não pode ser entendida como um indutor direto de desenvolvimento. 114 Além disso, a constante observação do bem-estar das pessoas e seu incremento sempre que possível pode servir de incentivo para o envolvimento maior das pessoas da comunidade para a manutenção da infraestrutura, diminuindo assim as chances de colapso do sistema. Estágio 8 (E8) – Visitas periódicas para acompanhamento e realização de ajustes Após a autonomia na gestão da infraestrutura pela saída do interventor, é importante que este acompanhe o sistema por algum período para a garantia de que este não colapse em função de eventos não previstos, ou não vivenciados nos estágios anteriores. A justificativa para este estágio é semelhante à do estágio anterior, a não ser pelo fato de que aqui a gestão do sistema já não conta mais com a participação do interventor. É importante ressaltar que a maioria dos projetos de eletrificação rural descentralizada fracassa justamente após a saída do interventor. Mas é possível observar, também, que muitos casos poderiam ser evitados, seja por ajustes na estrutura de manutenção, em mecanismos de financiamento, ou em qualquer outro aspecto do projeto. Um caso interessante pode ser observado no caso da geração hídrica em Conchán, visto em Sánches (2007). Aqui, o sistema de geração, baseado em uma microcentral hidrelétrica fracassou por diversos motivos. Após a intervenção da ONG ITDG o sistema foi reestruturado, havendo sido constituída uma Associação de Moradores para a administração do sistema e uma pequena empresa responsável pela manutenção deste. Para a reestruturação foram adotadas regras claras sobre propriedade e direitos, além de realizado o treinamento das pessoas selecionadas para trabalhar na manutenção (estágios 4 e 5 deste método). Com esse procedimento a geração elétrica na comunidade de Conchán foi reestabelecida, a despeito do fracasso da tentativa anterior, pela reestruturação do modelo de gestão empregado. 5.2 Distribuição temporal dos estágios O conjunto de estágios a seguir toma como referência três momentos notáveis do projeto de eletrificação rural: (1) o projeto do sistema e sua implementação; (2) o início de operação e operação supervisionada pelo interventor e (3) a saída do interventor e autonomia do sistema. 115 Retomando as premissas, aqui de forma resumida: E0 – Premissas para o projeto do sistema; E1 – Compreensão da cultura local e sua relação com o território; observação de suas necessidades básicas; E2 – Determinação dos usos energéticos, seus custos e expectativa de uso da eletricidade; E3 – Determinação da forma de geração e distribuição e do modelo de gestão e da estrutura de manutenção; E4 – Definição de regras, limites e propriedade; E5 – Capacitação da população local; E6 – Construção do sistema; E7 – Administração e acompanhamento de desempenho / realização de ajustes; E8 – Visitas periódicas para acompanhamento e realização de ajustes. Os estágios não são necessariamente sequenciais, podendo em alguns casos ser desenvolvidos de forma concorrente. Também é importante ressaltar que, apesar de poder ser definidos inícios para todos os estágios, pode-se considerar que nem todos tenham um fim, de modo que suas atividades devem ser continuadas até a saída definitiva do interventor. Este é o caso, por exemplo, do estágio E1, visto que o acompanhamento da comunidade segue até o fim das atividades do interventor. Da mesma forma, o estágio E3 e E4 não podem ser considerados findados em nenhum momento, visto que a avaliação dos resultados da infraestrutura implica na revisão destes. O primeiro estágio, E0, de fato deve preceder a todos. Os estágios E1 e E2 são dependentes da composição da equipe, enquanto o estágio E3 e E4 dependem da compreensão do interventor sobre si mesmo, visto que a definição de propriedade é parte deste estágio. Os estágios E1 e E2, que compreendem basicamente a caracterização da comunidade, podem ser realizados de forma concorrente. De fato, apesar dos resultados esperados para cada um serem razoavelmente distintos (compreensão das características da comunidade e de que modo estas características influenciarão e serão influenciadas pela eletrificação; compreensão das necessidades dos indivíduos da comunidade; e compreensão dos seus usos energéticos), estabelecer limites entres resultados, realizando assim pesquisas distintas, pode ser desnecessário. 116 O estágio E3 é dependente dos resultados obtidos nos estágios E1 e E2, além da definição de propriedade da infraestrutura em E0, devendo assim ser realizado após a conclusão destes. Da mesma forma E4 depende das definições sobre o modelo de gestão definido em E3 e da propriedade em E0. O estágio E5, de certa forma, pode ocorrer em qualquer momento a partir do estágio E1. A capacitação dos usuários com a tecnologia específica que será instalada depende dos resultados do estágio E3. Mas a capacitação pode se iniciar com conceitos básicos a respeito do uso da eletricidade, o que pode, inclusive, contribuir com o processo de decisão no estágio E3 a partir da observação do desempenho dos usuários na capacitação. Após a decisão sobre o modelo de geração e distribuição a capacitação deve ser conduzida em função da tecnologia que será efetivamente empregada. Os demais estágios acabam sendo dependentes dos anteriores, devendo então ser realizados de forma seqüencial. Desta forma, a sequência proposta é a mostrada na figura 5.1, como diagrama de Gantt: Figura 5.1 Diagrama de Gantt proposto para a distribuição temporal dos estágios Elaboração do autor 117 Tomando como exemplo o estágio 5, que se refere à capacitação da população local, pode-se estabelecer como seu início formal, ou mesmo um limite para o início, o período de construção e funcionamento da infraestrutura, mais precisamente no momento da construção desta, tendo em vista que os usuários comecem a utilizar o sistema com um conhecimento mínimo ao menos. Mas isso não impede que a capacitação seja iniciada de forma concorrente com os primeiros estágios de estudos na comunidade, com treinamentos simples para aspectos comuns da eletrificação. Ainda, o processo de capacitação é um processo constante, implicando no fato que, apesar do fato de que o pessoal deve ter um treinamento ao menos mínimo no início de operação do sistema, a capacitação se estende de forma indefinida de acordo com as novas tecnologias, ou com o envolvimento que possa aumentar do pessoal da comunidade com a sua manutenção. 5.3 Síntese do capítulo Este capítulo concentra todo o corpo de conhecimento abordado nos capítulos 2 e 3 desta dissertação, e o resultado da pesquisa de campo conduzida na Ilha dos Lençóis, abordada no capítulo 4. O resultado aqui apresentado é um método que busca guiar o interventor em um projeto de eletrificação rural descentralizado, com o objetivo de aumentar a chance de que o projeto tenha sucesso. Este método foi construído de modo a buscar a minimização dos custos de transação nos diversos estágios do projeto. Para tal foram utilizadas como base para a construção as observações históricas em outros projetos de eletrificação por meio da análise dos custos de transação envolvidos, além das constatações em campo na Ilha dos Lençóis. As particularidades da manutenção da infraestrutura, tanto com relação às dificuldades de acesso como com os diversos níveis de capacitação, as questões relativas à propriedade da infraestrutura, à própria natureza do interventor, à estrutura de gestão (cooperativa ou com base em mercados) são tratadas dentro do corpo do método. 118 Ainda, com o objetivo de que o processo de eletrificação efetivamente implique em uma melhoria no bem-estar, o método tem como referência o uso da Abordagem de Capacidades para compreender o desenvolvimento, aqui como aumento das liberdades do indivíduo. Assim, pode-se esperar que as necessidades básicas que possam ser atendidas pelo acesso à eletricidade sejam sanadas com o oferecimento de recursos para tal. Faz-se necessário observar que novas necessidades podem surgir em função dos novos recursos oferecidos pela tecnologia, o que implica no fato de que é necessária a avaliação regular da condição de bemestar dos indivíduos atendidos, situação que é contemplada pelo método. A visão de desenvolvimento pela ótica da Abordagem de Capacidades pode, inclusive, implicar na formação de incentivos para que o pessoal atendido na comunidade pela infraestrutura a mantenha, auxiliando na superação dos custos de transação em seus diversos estágios. Os estágios são distribuídos em 4 momentos notáveis do desenvolvimento da infraestrutura, que são um necessário estágio onde o próprio interventor deve se situar, conhecendo suas limitações e compreendendo a necessidade da correta motivação. A seguir, o estágio de projeto, onde a infraestrutura é dimensionada em função das características da comunidade e das necessidades das pessoas que serão atendidas. Na construção e funcionamento da infraestrutura, onde esta efetivamente passará a fazer parte da vida das pessoas da comunidade. Por fim, o estágio em que o interventor deixa de atuar de forma direta na infraestrutura, mas não a abandona, realizando avaliações periódicas do seu desempenho e efetividade no atendimento às necessidades da comunidade. 119 Capítulo 6 – CONCLUSÃO Este trabalho teve como objetivo geral formular um método que pudesse guiar o interventor na gestão de projetos de eletrificação rural descentralizada por MIDGI ou SIGFI, com base na geração híbrida solar e eólica, eventualmente com sistema diesel de backup, procurando o sucesso e a sustentabilidade deste tipo de empreendimento. Como objetivos específicos foram propostas (1) a identificação dos fatores que apresentam maior relevância na gestão destes projetos visando aumentar suas chances de sucesso e (2) analisar de que forma os diferentes arranjos para a gestão da infraestrutura são afetados por particularidades territoriais e culturais. Estes objetivos vinham como suporte para responder às perguntas: 1 – Quais são os fatores predominantes para o sucesso ou fracasso de projetos de eletrificação rural? 2 – É possível implantar modelos de eletrificação que levem em conta as particularidades territoriais e culturais no momento de elaboração do projeto? Ainda no capítulo 1 foi proposto que não seria possível apresentar uma causa única para os casos de fracasso em projetos de eletrificação. Tais resultados são consequência dos incentivos perversos que estimulam os atores envolvidos a desviar seu comportamento, provocando assim o colapso da infraestrutura. A literatura sobre eletrificação rural permite observar diversos pontos com altos custos de transação em seus diversos estágios. O primeiro ponto diz respeito às características do interventor. Nesse caso, os maiores custos são relativos à informação. Uma instituição que não tenha atuação constante na região em que ocorrerá o processo de eletrificação terá maiores dificuldades para obter informações de tempo e local. Da mesma forma, se esta instituição não possuir um setor especializado nas tecnologias empregadas, aqui a solar, a eólica e a diesel, seus custos para obter tal conhecimento serão grandes. 120 No que diz respeito à manutenção, a distância a ser percorrida pelo técnico, bem como a dificuldade em fiscalizar esta ação são elementos que podem estimular o comportamento oportunista. Ainda com relação à manutenção, a falta de conhecimento técnico pode implicar em custos financeiros maiores que o necessário, acarretando em alta ineficiência financeira. Como exposto na dissertação, não necessariamente o interventor será o responsável pela manutenção, ou sua propriedade, mas caso isso ocorra, refletem-se aqui os custos citados no parágrafo anterior. A gestão pelo modelo de Cooperativa, Associação de Moradores, ou a forma de gestão baseada em mercado apresentam características próprias, com seus custos particulares. No caso da gestão baseada em mercados, permanecem as dificuldades com relação à propriedade destacados a seguir. Nesse caso pode-se ter a expectativa da movimentação financeira, sendo aqui a maior dificuldade a de se atingir a redistributividade. Já no formato cooperativo há a vantagem da proximidade entre os usuários coibir o comportamento oportunista. No caso da eletrificação realizada pela empresa concessionária do serviço de energia elétrica, incorrem os mesmos problemas abordados anteriormente. As dificuldades no acesso ao local onde é realizada a eletrificação e necessidade da capacitação continuam sendo problemas, ao contrário do que se poderia supor pelo fato destas empresas serem voltadas especificamente ao serviço de fornecimento de energia elétrica. O mesmo é observado no caso da eletrificação realizada pelo Estado. Os custos relacionados à problemática da propriedade do sistema são maiores no que diz respeito ao aspecto financeiro, de fato. Nesse caso, em função das tecnologias empregadas para a conversão das fontes solar e eólica, além das baterias, os gastos para a manutenção do sistema pode tornar proibitiva a propriedade da infraestrutura pela comunidade. Grande parte dos custos destacados na literatura pôde ser observada na pesquisa de campo na Ilha dos Lençóis. Foi possível compreender, porém, que esta relação não é direta, ou determinística. A motivação do ator não se resume à dificuldades enfrentadas na realização de suas tarefas. Apesar da distância entre a UFMA e a Ilha dos Lençóis, os professores desta universidade continuam realizando a manutenção de modo que a quantidade de interrupções e sua duração sejam sempre baixas. Como citado anteriormente, parte da motivação vem do 121 compromisso moral de alguns atores da universidade, e parte vem da necessidade de que o sistema opere com qualidade para que estimule candidatos à proprietários do sistema (não parece que a produção científica ainda seja um motivador). A proximidade do pessoal da Associação de Moradores com os usuários é outro elemento de destaque, visto a constante fiscalização e cobrança. Além disso, a visão dos usuários de que a eletricidade trouxe benefícios é um forte incentivador para que se mantenha o sistema em funcionamento. Dessa forma, o sistema de incentivos pode ser apontado como elemento determinante no sucesso ou no fracasso de infraestruturas de eletrificação rural. Mas é importante ressaltar que os incentivos não são restritos aos custos enfrentados, mas também compreendem a visão dos benefícios do sistema, os compromissos morais etc. Também foi possível detectar, em especial pela revisão da literatura, que sim, é possível considerar aspectos territoriais e culturais no projeto da infraestrutura, mas que de fato esta tarefa não é trivial. Pode-se definir como características que devem ser fundamentalmente observadas os hábitos energéticos e as demandas para o bem-estar que podem ser atendidas de forma direta ou indireta pela eletrificação, mas não é possível definir um corpo específico de variáveis a ser observado. Para tanto, é fundamental a participação do Cientista Social, que deve ser capaz de determinar as variáveis determinantes que podem influir, em especial, no sistema de incentivos para a infraestrutura. Desta forma, ficam respondidas as perguntas propostas originalmente no início desta dissertação. Com relação aos objetos propostos, destacando-se em primeiro lugar os objetivos específicos, os fatores de maior relevância de modo a aumentar as chances de sucesso da infraestrutura são os relacionados: às características do interventor, à questão da propriedade do sistema, à estrutura de manutenção e à capacitação dos usuários e pessoal técnico. 122 Com relação à forma de gestão, seja pelo modelo de Cooperativa ou de mercado, as particularidades territoriais e culturais acabam implícitas em função da já destacada dificuldade em definir variáveis comuns para a observação. Com base nas respostas às perguntas anteriores, e tendo em vista os objetivos específicos destacados, foi proposto o seguinte corpo do método: Estágio 0 (E0) – Premissas para o projeto do sistema As organizações envolvidas no projeto do sistema devem estar comprometidas com os benefícios que esta empreitada possa trazer à comunidade atendida; as organizações envolvidas devem compreender sua própria posição dentro empreitada, compreendendo suas limitações e a expectativa de tempo que a organização pode dispor para dedicar à empreitada; o caso a organização não tenha condições de manter sua participação, deve ter outras organizações que possam assumir a infraestrutura em momento oportuno; o nível de subsídios, sua forma e duração, devem ser conhecidos previamente. Estágio 1 (E1) – Compreensão da cultura local e sua relação com o território; observação de suas necessidades básicas. Por meio de método etnográfico, coletar informações a respeito da comunidade, de seus indivíduos, compreender suas relações e sua relação com o território em que se situam, além da sua distribuição espacial dentro do território deve-se observar as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade segundo a ótica da Abordagem de Capacidades, buscando verificar de que forma a eletrificação pode contribuir para que capacidades sejam obtidas para suprir estas necessidades; este estágio deve prover informações que permitam definir o modelo de geração e distribuição e o modelo de gestão que apresentem melhor adequação e quais são as necessidades apresentadas pelos indivíduos da comunidade. 123 Estágio 2 (E2) – Determinação dos usos energéticos, seus custos e expectativa de uso da eletricidade Deve-se determinar quais são os usos energéticos dos indivíduos da comunidade, de que forma estes são distribuídos no uso diário e seus custos diversos (financeiro, tempo etc). Estágio 3 (E3) – Determinação da forma de geração e distribuição e do modelo de gestão e da estrutura de manutenção Com base nas informações de território e da comunidade, além da definição no estágio 0 de que organização atuará na infraestrutura e de que forma ocorrerá esta atuação, definir se a geração e distribuição ocorrerá no formato individual domiciliar, individual coletivo ou minigrid e se a gestão ocorrerá no formato de autogestão, mercado, ou concessionária. Estágio 4 (E4) – Definição de regras, limites e propriedade Definição das regras que estruturarão a gestão do sistema, o organograma da estrutura de gestão, o papel de cada ator envolvido e sua participação no processo decisório e a propriedade do sistema. Estágio 5 (E5) – Capacitação da população local Treinamento dos usuários para o uso apropriado do sistema, manutenção preventiva e pequenos reparos. Estágio 6 (E6) – Construção do sistema Na construção do sistema devem ser observadas a qualidade do material empregado e a possibilidade da participação da população local no processo de construção. 124 Estágio 7 (E7) – Administração e acompanhamento de desempenho / realização de ajustes O início da administração do sistema deve ser de forma conjunta entre o interventor e os usuários que o administrarão, sendo gradativamente assumida de forma exclusiva pelos usuários; nesse período deve ser observado o desempenho do sistema, sendo realizados os ajustes necessários para aprimorar sua eficiência. Estágio 8 (E8) – Visitas periódicas para acompanhamento e realização de ajustes Após a autonomia dos usuários na gestão da infraestrutura, é importante que o interventor acompanhe o sistema por algum período para a garantia de que este não colapse em função de eventos não previstos, ou não vivenciados nos estágios anteriores. Este método toma como base os conceitos de que os custos de transação devem ser minimizados nos diversos estágios da construção da infraestrutura. Isto é obtido justamente pela observação das características da comunidade que será atendida, pela definição de regras claras e da propriedade do sistema, pela capacitação dos usuários para o uso do sistema etc. Os estágios do método podem ser distribuídos de maneira temporal segundo o seguinte diagrama de Gantt, especificado na figura 5.1: 125 Figura 5.1 Cronograma proposto para a distribuição temporal dos estágios Elaboração do autor Esta dissertação propõe uma forma de tornar efetiva a intervenção por meio de eletrificação descentralizada para o desenvolvimento de comunidades tradicionais. Isto se faz necessário em função dos regulares fracassos observados historicamente em projetos de eletrificação rural descentralizada. E a forma proposta aqui tomou como base a Análise Institucional e a Abordagem de Capacidades. A Análise Institucional se mostrou muito eficiente no que diz respeito a compreender as relações entre os atores, os custos envolvidos na realização das suas ações, as instituições criadas para a gestão da infraestrutura, e o consequente sistema de incentivos que se forma destas relações. O uso da Abordagem de Capacidades, por sua vez, traz a infraestrutura e seus serviços mais próximos à realidade das pessoas atendidas pela eletricidade. Isto pode resultar, de fato, no 126 almejado desenvolvimento, que aqui é compreendido como o aumento das liberdades dos indivíduos. Evidentemente, o alcance da eletricidade no incremento do bem-estar e da condição de agente fica limitado aos serviços que esta pode oferecer, não sendo difícil perceber que novas necessidades podem surgir em função dos novos recursos, mas o bom direcionamento do projeto e o seu acompanhamento podem trazer benefícios efetivos aos que são atendidos. E esses benefícios podem, por sua vez, implicar em maior interesse das pessoas em manter o sistema em funcionamento, representando incentivos positivos para a manutenção da infraestrutura. Apesar de soar evidente que o indivíduo deva ser o centro de todo o processo, não é isso que ocorre na maioria dos casos. O foco muitas vezes é desviado para o desenvolvimento da tecnologia a ser empregada, ou à melhoria das estatísticas de acesso, ou mesmo à busca da legitimação da marca de uma empresa pela ação de intervenção. Nestes casos é comum que se considerem os assuntos relativos ao indivíduo como segundo plano, ou mesmo que sejam assuntos que naturalmente serão resolvidos, sem a necessidade de gastar maior tempo neles. E isso normalmente implica no fracasso da empreitada. Não é difícil perceber os problemas que o fracasso no processo de eletrificação pode causar. A perda de equipamentos adquiridos para aproveitar as novas possibilidades é o mais evidente, mas talvez a resignação com a condição enfrentada e a descrença em ações de intervenção sejam os mais contundentes. E esta dissertação buscou trazer para o cerne da eletrificação rural descentralizada, o indivíduo, em especial a pessoa da comunidade tradicional que receberá o acesso à eletricidade, e isto é feito, justamente, por meio da Análise Institucional e da Abordagem de Capacidades. Desta pesquisa são propostos os seguintes desdobramentos: 1) Avaliação dos elementos que podem efetivamente contribuir para as mudanças institucionais em empreendimentos de MIGDI e de que forma estas mudanças podem ser incorporadas na gestão da infraestrutura; 127 2) Estender o método para as outras fontes para MIGDI, como o pequeno aproveitamento hídrico, o uso de biomassa, tanto por queima direta como em gaseificadores etc; 3) No caso do aproveitamento energético da biomassa, compreender como poderia ser incorporada a gerência de uma floresta energética no método; 4) Compreender de que forma esse método pode ser estendido para outras ações de intervenção para ao desenvolvimento que envolvam alguma forma de infraestrutura, que por sua vez envolva o provimento e/ou produção regulares; 5) Composição de um corpo de critérios para a aprovação de financiamento para este tipo de infraestrutura com base nos elementos constantes no método; 6) O uso do IAD framework, bem como da própria Abordagem de Capacidades, demandam o uso de teorias de suporte para seu “preenchimento”; nesse sentido, seria interessante a aplicação das técnicas aqui utilizadas com o suporte, por exemplo, dos conceitos de Campos e habitus, de Pierre Bourdieu, que poderiam auxiliar na composição do framework, bem como compreender os valores e as necessidades das pessoas da comunidade analisada (auxiliando, inclusive, a compreender as necessidades reprimidas); 7) Com o desenvolvimento da proposta do item 6, é possível construir uma metodologia mais ampla, e possivelmente completa, para a realização do estágio 1 do método e a realização das avaliações periódicas propostas nos itens 7 e 8. 128 Capítulo 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANNEL, Resolução Normativa No. 493 de 05 de junho de 2012. 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As questões são abertas, sem opções de resposta, mas com respostas possíveis dentro de um universo discreto de possibilidades. 1) Quantas pessoas há na residência? Respostas variaram de 3 a 11 pessoas. 2) Quantos adultos? Respostas variaram de 2 a 6 adultos. 3) Quantos idosos (acima de 64 anos)? Respostas variaram de 1 a 3 idosos. 4) Quantas pessoas entre 10 e 19 anos? Respostas variaram de 1 a 7 anos. 5) Quem tem o grau de escolaridade mais alto? Respostas variaram entre filho/filha e mãe. 6) Qual o grau de escolaridade de quem tem a maior escolaridade? Resposta variou entre 4ª série do 1º grau e 2ª série do Colegial. 7) Há quanto tempo está na Ilha? Todos entrevistados são filhos da ilha (sempre moraram nela) 8) Quais são os eletrodomésticos tem na residência? Predominância de aparelhos audiovisuais; metade das residências com geladeiras. 9) Com que frequência alguém na residência vai para o continente? Predominância de visita mensal ao continente (predominância do município de Apicum-Açu). 10) Quanto tempo fica? Todos entre 2 e 3 dias. 11) Principal fonte de renda? Predominância Pesca (apenas 1 Turismo) 136 Publicações realizadas durante o Mestrado SEIFER, Paulo, MORANTE TRIGOSO, Federico Bernardino, A busca pelo sucesso em projetos de eletrificação rural descentralizada por meio de sistemas híbridos de geração de energia elétrica, Anais do VI Encontro Nacional da ANPPAS – Belém, 18 a 21 de setembro de 2012. SEIFER, Paulo, MORANTE TRIGOSO, Federico Bernardino, Proposta de diretrizes para o desenvolvimento de projetos de eletrificação rural descentralizada por meio de sistemas híbridos de geração de energia elétrica, Anais do VIII Congresso Brasileiro de Planejamento Energético – Curitiba, 12 a 15 de agosto de 2012. 137