Angélica Beatriz Souza e Silva
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Angélica Beatriz Souza e Silva
Os processos criativos de Hugo Rodas na construção do espetáculo “Rei David”. Angélica Beatriz Souza e Silva1 RESUMO Hugo Rodas, uruguaio radicado no Brasil, exerce múltiplas funções nas artes cênicas, dentre elas: direção, atuação e encenação. Com um amplo percurso artístico, principalmente em Brasília, participa de diversos espetáculos. O foco deste artigo é abordar o processo criativo de Rodas no espetáculo Rei David, montado e apresentado em Brasília em 2012. O roteiro e as canções originais são de Marcus Mota, e a direção e a encenação de Hugo Rodas. Para o desenvolvimento do trabalho houve o contato com Hugo Rodas e acompanhamento de todos os ensaios, com registros em anotações, fotografias e filmagens. A análise proposta visa expor e discutir as principais decisões criativas de Hugo Rodas neste processo. Palavras-chave: Processo Criativo. Hugo Rodas. Decisões Criativas. Rei David. ABSTRACT Hugo Rodas, Uruguayan living in Brazil, plays multiple functions in the scenic arts, among them: direction, acting and staging. With an extensive artistic background, especially in Brasilia, he participates in several spectacles. The focus in this article will be on the Rodas’s creative process in the spectacle “Rei David” (King David), which was assembled and presented in Brasilia in 2012. It has Marcus Mota’s screenplay and original songs, and Hugo Rodas’ direction and staging. For developing this work I was in contact with the director Hugo Rodas, I watched and registered the rehearsal with notes, pictures and films. These analyses proposed aims to present and discuss the most important creative decisions of Hugo Rodas in this process. Keywords: Creative Process. Hugo Rodas. Creative Decisions. “Rei David” (King David). Este artigo pretende ampliar as informações já levantadas sobre os processos criativos de Hugo Rodas. Assim apresenta-se como uma versão revisada e ampliada dos artigos: “O processo criativo de Hugo Rodas no espetáculo ‘Os Saltimbancos’” e “Análise das decisões criativas de Hugo Rodas no processo de construção do espetáculo ‘Rei David’”, publicados respectivamente nos Anais dos anos de 2012 e 2013 da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas – ABRACE. Antes de aprofundar nas análises sobre os processos criativos realizo uma breve apresentação sobre Hugo Rodas. Ele é uruguaio radicado no Brasil, exerce as funções de diretor, encenador, ator, consultor, figurinista entre outras. Sua formação artística no Uruguai antes da sua chegada ao Brasil é abordada por Claudia Moreira de Souza em sua dissertação de mestrado: “O garoto de Juan Lacaze, Invenções no teatro de Hugo Rodas” (2007). No que diz respeito à formação de Rodas, Souza aborda sua participação de 1956 a 1964 no Tetro Circular, grupo que se preocupava com a formação dos seus integrantes, e 1 - Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília – UnB. Atua como atriz, pesquisadora e tutora da Universidade Aberta do Brasil – UAB. Cursa Mestrando em Artes na UnB, na linha de pesquisa Processos Composicionais para a Cena, orientada pelo Prof. Dr. Marcus Mota. Universidade de Brasília | Instituto de Artes | Programa de Pós-Graduação IV COMA – IV Coletivo da Pós-Graduação em Arte: LUGAR in COMUM [2013] www.coletivocoma.net/ | [email protected] 83 proporcionava a eles aulas de voz, dança, direção e atuação com artistas locais como Omar Grasso, Teresa Trujillo e Graciela Figueroa. O grupo seguia inspirado em Constantin Stanislavski e Jerzy Grotowski. Em seguida, Rodas optou por integrar o Grupo de Dança Teatro, de Graciela Figueroa, quando ela retornou dos estudos em Nova York. Em 1975 esse grupo foi convidado para se apresentar no Brasil, no Festival de Inverno de Ouro Preto. Depois do contato com Brasil, Rodas e Figueroa estabeleceram residência no país. Hugo Rodas chegou a Brasília em março de 1975. De Cunto e Martinelli (2005, p. 37) destacam que ele veio convidado por Lúcia Toller para ministrar um curso de dança em sua academia, com duração de quinze dias. O próprio artista afirma no livro Hugo Rodas (2010, p. 08) que esse tempo na cidade, apesar de pequeno, foi suficiente para que seu trabalho seduzisse as pessoas. Assim, ele adquiriu mais confiança e ambicionou continuar na cidade, o que foi possível graças a um convite recebido para ministrar aulas teatrais na sede social do Clube do Congresso. Desde então, o artista tem registrado uma ampla produção artística em Brasília. Em 37 anos de trabalho, que vão de 1975 a 2012, Marcus Mota identifica que Rodas possui uma produção média de 9 nove espetáculos por ano (2010, p.18). Com essa ampla produção múltiplos percursos poderiam ser utilizados para as análises dos trabalhos de Rodas. Entretanto, também são várias as complicações nesse caminho. Entre as dificuldades encontradas no trabalho de diversos pesquisadores e artistas cênicos, está a questão de que os espetáculos possuem um “caráter efêmero e mutável”, bem como uma raridade e pobreza na documentação textual e iconografia (ROUBINE, 1998. pp. 15-16). Complementando essas análises Patrice Pavis afirma que o termo espetáculo “aplica-se à parte visível da peça (...) e outras atividades que implicam uma participação do público” (2008, p.141). Considerando essas questões, para realizar a pesquisar optei por abordar o processo criativo de Hugo Rodas em um espetáculo no qual eu pudesse ter acesso ao máximo de informações sobre o seu trabalho ao longo do processo. Para levantar os dados seria necessário acompanhá-lo presenciando os ensaios, a produção e as apresentações de um espetáculo. Durante a pesquisa de mestrado soube que Rodas trabalharia como diretor e encenador no espetáculo “Rei David” no segundo semestre de 2012. Conhecendo minha pesquisa a equipe de produção do espetáculo me chamou para trabalhar como ensaísta e pesquisadora associada no processo. Aceitei o convite e isso me possibilitou acompanhar todos 32 os ensaios, os 3 ensaios gerais e as 10 apresentações realizadas. Com a intenção de levantar o máximo de material possível para a análise ao longo da produção registrei os ensaios em vídeo, fotos e anotações. Ao todo o material soma mais de 130 horas de vídeo, 500 fotos e 90 páginas de anotações manuscritas. As principais reflexões sobre as observações realizadas focaram na direção de atores. Rei David foi montado com apoio financeiro do Fundo de Arte e Cultura do GDF – Universidade de Brasília | Instituto de Artes | Programa de Pós-Graduação IV COMA – IV Coletivo da Pós-Graduação em Arte: LUGAR in COMUM [2013] www.coletivocoma.net/ | [email protected] 84 FAC. Os ensaios aconteceram de agosto a novembro de 2012, com apresentações entre os dias 28 de novembro e 02 de dezembro do mesmo ano, no Anfiteatro 09 da Universidade de Brasília -UnB. A proposta do espetáculo é organizada a partir de releituras do mito bíblico que envolve David. Para escrever o roteiro Marcus Mota (2013, p. 4 e 5) explica que teve como base as pesquisas dos arqueólogos Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, que discutem a veracidade da história bíblica de David. As pesquisas são publicadas nos livros A Bíblia não tinha razão e David e Salomão: Em busca dos reis bíblicos e as raízes da tradição ocidental; e as discussões do historiador Eric Hobsbawm. Mota desenvolve o roteiro utilizando uma proposta de espetáculo dramático-musical em três atos e compõe as 12 canções do espetáculo com uma releitura do mito sobre rei David, mostrando-o como um homem comum que ganha poder conquistando o povo e torna-se seu herói. Essa produção envolveu o trabalho de diferentes artistas. Além de Rodas e Mota, as canções contam com a participação do orquestrador Marcelo Dalla; o sonoplasta Glauco Maciel, a Orquestra: Brasília Big Band e Convidados, composta de 39 pessoas mais o regente de orquestra Ademir Júnior; o coro Laugi e Convidados, com 12 integrantes mais o regente Paulo Santos; o elenco com 20 atores cantores e uma equipe técnica de 18 pessoas. Ao todo a equipe engloba 89 pessoas.2 Para as análises são utilizados os materiais provenientes dos registros coletados ao longo do processo, uma vez que concordo com o pressuposto de Cecília Salles (1998, p. 12) que é impossível ter acesso aos mecanismos mentais do artista em sua criação. Ela define que na crítica genética as análises partem do que se foi registrado, e assim seguirei minhas considerações nessa perspectiva. O acompanhamento dos ensaios foi fundamental tanto para o levantamento de materiais para esta pesquisa como para observar as tomadas de decisões que conduziram o processo e para não me equivocar sobre o que os encaminhamentos do processo. Neste ponto os registros são fundamentais para que eu não recorra apenas à memória e tenha fontes confiáveis para embasar as análises. Sobre o espaço do ensaio, Pavis no Dicionário de Teatro observa que os ensaios podem se configurar de formas distintas e para Peter Brook: A palavra francesa evoca um trabalho quase mecânico, ao passo que os ensaios se desenvolvem cada vez de maneira diferente, e são, às vezes, criativos. (...) O alemão Probe ou o espanhol ensayo (“tentativa”) traduz melhor a idéia de experimentação e de tateio antes da adoção da solução definitiva (2008, p.129). Os ensaios de Rei David configuravam-se exatamente como espaço de experimentações. Para a compreensão do desenvolvimento do processo foi indispensável a presença nos ensaios. Neles aconteciam as tomadas de decisões que definiam o espetáculo. 2 - A ficha completa do espetáculo está disponível em: <http://ladiunb.com.br/ficha.html> Acesso em 30 novembro de 2013. Universidade de Brasília | Instituto de Artes | Programa de Pós-Graduação IV COMA – IV Coletivo da Pós-Graduação em Arte: LUGAR in COMUM [2013] www.coletivocoma.net/ | [email protected] 85 As escolhas aconteciam exatamente pelo processo de experimentação. Hugo Rodas apresentava a ideia para o elenco, que a executava. A partir do que o diretor visualizava, aconteciam as modificações. Os ensaios seguiam a rotina com aquecimento, proposto por Rodas ou pelo elenco. Rodas e Mota expunham o que seria trabalhado no dia. Passavam as partes trabalhadas anteriormente até chegarem a cena que seria trabalhada. Rodas e o elenco construíam a cena. Seguia um momento de preparação para o próximo ensaio com trabalho musical, de decorar as canções. Sendo importante destacar que tanto as canções como os textos foram modificados durante os ensaios. Rodas iniciou o trabalho partindo do roteiro proposto, contudo, ao observar o que era apresentado ele reorganizava a ordem dos acontecimentos e parte do material textual e musical. Mota também estava presente nos ensaios, e em muitos momentos reescrevia o texto com atores e com o diretor; em outros momentos o próprio diretor propunha como reescrever. O roteiro inicial possuía 14 cenas e 13 canções, sendo a última o salmo de David cantando, enquanto que o roteiro final deste processo é constituído de 17 cenas e foram mantidas as 13 músicas, no entanto o salmo não foi usado no final, mas na abertura do espetáculo e sem a letra, só a melodia juntamente com projeções de cenas de guerras. Para visualizar melhor essa reorganização do roteiro elaborei um quadro que ilustra as cenas que se mantiveram iguais e as que mudaram de ordem. A primeira coluna apresenta a ordem e nomenclatura das cenas no início do processo, e correspondem ao roteiro elaborado por Marcus Mota, que serviu de base para o desenvolvimento do trabalho. A coluna do meio é comparativa, apesentando os símbolos que indicam se as cenas continuaram as mesmas com o símbolo de = (igual). Se foram modificadas é apresentada o símbolo de ≠ (diferente). E, na última coluna, é apresentado a ordem final em que as cenas foram organizadas. Nessa coluna, quando após o título da cena for apresentado os símbolos: (= cena nº), por exemplo: (nº= cena1) significa que esta cena no início do processo era a cena 1. Se aparece (nº= cena 2), indica que a cena no roteiro inicial era a cena 2, conforme pode ser visualizado na primeira coluna. O número que estiver após o sinal de igual sempre será correspondente ao número da cena da primeira coluna. Como as cenas eram compostas por músicas e textos, na última coluna também constam indicações sobre modificações musicais. Assim, as alterações realizadas são indicadas entre parênteses. Esse esquema foi proposto para facilitar a visualização de forma simplificada da reorganização das cenas e das músicas do roteiro inicial para o final. Desse modo temos o quadro abaixo: Tabela de Cenas Comparativo –Início do processo: Número das cenas - Título das Tabela de Cenas –Final do processo Número das cenas - Título das Universidade de Brasília | Instituto de Artes | Programa de Pós-Graduação IV COMA – IV Coletivo da Pós-Graduação em Arte: LUGAR in COMUM [2013] www.coletivocoma.net/ | [email protected] 86 cenas. 1Abertura instrumental. Guerra, retomadas de temas da peça. 2- Entrada do Coro, carregando um Caixão. Canção de abertura. Puxador de bumbo na frente do coro. 3- De como David começa a se tornar quem é após roubar um Sacerdote. 4- Recrutamento dos Homens de David, quando se forma uma quadrilha que ficará famosa. 5- Conjunto de performances com os pequenos crimes de David, cantados e dançados em cena. cena funk. Barbárie. (músicos gritam nos riffs e gritam). 6- Encontro com o fazendeiro rico. 7- Reunião dos malfeitores, festa, debate entre os cantadores sobre as contradições de David. Samba – Rap. 8- O sonho de David. Os gigantes. Acampamento do ladrões. David acorda aos gritos. (Pesadelo de David) 9- Encontro com o Rei. = = = = ≠ = ≠ ≠ ≠ 10- A Canção Da Mulher De Tecoa. ≠ 11- O traidor traído. (Expurgos. David julga seus homens) 12- Reviravolta.(O rei julga e condena David à morte) ≠ 13- Quando a carreira do bandido David chega ao fim e começa o mito. (Monólogo final de David) 14 – FINALLE. Coro canta salmo de David. ≠ ≠ ≠ cenas. 1Abertura instrumental. Guerra, retomadas de temas da peça. (Música = salmo de David da cena nº 14) 2- Entrada do Coro, carregando um Caixão. Canção de abertura. (Sem o puxador de bumbo) 3- De como David começa a se tornar que é após roubar um Sacerdote. 4-Recrutamento dos homens de David, quando se forma a quadrilha que ficará famosa. 5- O bando cantando e dançando em cena. Cena funk. Barbárie. (A música se manteve =, porém com modificações.) 6- Encontro com o fazendeiro rico. 7 – Invasão da casa do fazendeiro. Morte do Fazendeiro e estupro de suas filhas. 8- A Canção Da Mulher De Tecoa. (= cena nº10) 9 – Sonho de David. Os gigantes. Acampamento do ladrões. David acorda aos gritos. (Pesadelo de David) (= cena nº08) 10- Cena do murmurinho. (O bando questiona a quem colocaram no poder: David.) 11- Desfile e encontro com o Rei. 12- Canção da Mulher do Oficial de David. (Mantém só a música da cena) 13- Segundo encontro com o Rei. 14- O traidor traído. (= cena nº11) 15- Reviravolta. (O rei julga e condena David à morte) (= cena nº12) 16- Quando a carreira do bandido David chega ao fim e começa o mito. (Monólogo final de David) (= cena nº13) Universidade de Brasília | Instituto de Artes | Programa de Pós-Graduação IV COMA – IV Coletivo da Pós-Graduação em Arte: LUGAR in COMUM [2013] www.coletivocoma.net/ | [email protected] 87 CENA 17 . FINALLE. (Canção final) Todos cantam o Samba – Rap. (Música = cena nº 7) A partir da tabela observa-se como ocorreram as principais modificações na ordem das cenas do roteiro. A partir da cena 5 iniciaram as modificações, e houve certo entrave no desenvolvimento do processo, pois, até então seguia-se um ritmo constante nas construções das cenas, sendo que cada uma era desenvolvida em uma semana e todas seguiam a mesma ordem do que era proposto no roteiro inicial. Para solucionar as questões das cenas 5, 6 e 7 foram mais de quatro semanas de ensaio, um tempo longo, pois as mudanças foram significativas, como reorganização dos fatos no desenvolvimento da história, criação de novos textos para cenas 6 e 7, e modificação no roteiro do local da música Samba-Rap que compunha a cena 7. A cena 5, “Celebração dos efeitos de David e seu homens”, consiste em uma canção com cinco estrofes em ritmo de funk. Rodas explicou a Mota o que ele esperava que a letra da música abordasse e a partir dessas considerações houve modificações na letra das duas últimas estrofes. Rodas também experimentou diferentes formas para modificar principalmente o ritmo inicial e final da canção. A solução encontrada foi cortar a introdução e iniciar a cena já na parte em que o coro cênico cantava e finalizar com a fala de David interrompendo a canção e conduzindo para a cena 6. Paralelamente houve o trabalho com o texto da cena 6 “Encontro com o fazendeiro rico”. Foram diversas propostas tanto de Mota, como Rodas e dos próprios interpretes dos personagens principais da cena. A cada dia surgiam novas propostas e novas indicações do diretor. Ele buscava diferentes possibilidades para explicitar o que era abordado na história. Nesse momento do roteiro Rodas percebeu que para melhor compreensão da história seria necessário a inserção de uma próxima cena que indicasse a continuidade dos acontecimentos da cena 6. Assim, ao longo dos ensaios ainda se construiu o texto da cena 7. Ela foi a primeira cena trabalhada nessa dinâmica no processo. Contudo, cada ensaio poderia ser visto como sucessões de mudanças aleatórias até que se estabeleceu o texto final que foi utilizado no espetáculo. Outra modificação significativa foi a solução que a musica do Samba- Rap, que se encontrava na cena 7 deveria ser deslocada para o final da cena. Porém, antes de chegar a essa conclusão foram longos ensaios. Rodas experimentou diferentes organizações nas estrofes da música, diferentes interpretes para cada estrofe, tanto em solos como em grupos. O diretor nos ensaios verificou diferentes locais para o encaixe da música, tanto antes como depois das cenas 7, 8 e 9, conforme estabelecidas já na ordem que constam no roteiro final. Após solucionar essas primeiras modificações, as próximas alterações na estrutura do roteiro original foram realizadas com mais fluidez, retomando o ritmo de criação do Universidade de Brasília | Instituto de Artes | Programa de Pós-Graduação IV COMA – IV Coletivo da Pós-Graduação em Arte: LUGAR in COMUM [2013] www.coletivocoma.net/ | [email protected] 88 espetáculo que existiu no início do trabalho. Sendo esse ritmo de modificações incorporado pelo ritmo de desenvolvimento do processo. Notei que ao longo do processo, as modificações eram constantes, e isso gerava uma sensação de incompreensão sobre a razão de tantas mudanças aparentemente aleatórias. Como mencionado acima reflito que essas mudanças são “aparentemente aleatórias” considerando o que Luigi Pareyson aponta em Os problemas da estética: Este estado de tateamento e de aventura total é contrário à experiência artística: o decurso do processo artístico é de algum modo orientado, porque o artista mesmo não possuindo nenhum critério objetivo e mesmo não dispondo de um projeto preestabelecido, está em condições de reconhecer e distinguir, no curso da produção, aqui que deve cancelar, ou corrigir, ou modificar, e aquilo que, pelo contrário, está bem conseguindo e pode considerar como definitivo.(2001, p.187) Associo essa citação como o que ocorreu durante o processo. Ainda que não estivesse visível a objetividade das decisões, existia no diretor a consciência do que precisava ser modificado, e do que deveria ser enfatizado ou o que deveria ser cortado, tanto no nível textual, como musical. Ao final do trabalho verificou-se como a reorganização favoreceu o desenvolvimento dos fatos ao longo do espetáculo. Essas breves análises apresentas consistem apenas parte de um estudo muito mais amplo sobre toda a estrutura do espetáculo. Estou ciente de que a análise de um grande volume de materiais consiste em trabalho árduo e a falta de objetividade pode ser um grande complicador da pesquisa. Neste momento ainda estou pesquisando o clipping do espetáculo. Estou buscando principalmente as reportagens e críticas para ampliar a investigação. Almejo assim uma outra perspectiva que possa dialogar com as percepções que tive imersa no processo. Sobre o processo criativo observado, noto que a direção de Hugo Rodas envolve os aspectos de atuação, encenação, coreografia e musicalidade de modo articulado. As conduções de cada uma dessas questões é sempre permeada pelas outras. Assim, as decisões sobre determinado aspecto considera sempre o conjunto da obra. Devido as limitações deste artigo não poderei desenvolver mais detalhes específicos. Análises mais desenvolvidas e mais especificadas serão apresentadas na dissertação de mestrado que será defendida no programa de pós-graduação em Artes na Universidade de Brasília. Referências CARVALHO, Eliezer Faleiros. Breve panorama histórico do teatro brasiliense In: VILLAR, Fernando Pinheiro e CARVALHO, Eliezer Faleiros de (Orgs.). Histórias do teatro brasiliense. Brasília: Artes Cênicas - IdA/UnB, Brasília, 2004. DE CUNTO, Yara e MARTINELLI, Susi. A História que se dança 45 anos do movimento da dança em Brasília. Instituto Asas e Eixos, patrocínio Fundo de Arte e Cultura - FAC, Brasília, 2005. Universidade de Brasília | Instituto de Artes | Programa de Pós-Graduação IV COMA – IV Coletivo da Pós-Graduação em Arte: LUGAR in COMUM [2013] www.coletivocoma.net/ | [email protected] 89 MOTA, Marcus. Teatro, Música E Estranhamento: a dramaturgia e recepção de David. In: Simpósio da International Brecht Society, vol.1, 2013. Porto Alegre. Anais... Porto AlegreUFRGS, 2013. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/ppgac/anais-do-simposio-dainternational-brecht-society-vol-1-2013-textos-completos/> Acesso em: 30 novembro 2013. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processo de criação. Petrópolis, Vozes, 1987. PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. Tradução Maria Helena Nery Garcez. São Paulo: Martins Fontes, 2001. PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. Tradução Sérgio Sálvia Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2011. ____________. Dicionário de teatro. Traduzido sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 2008. Hugo Rodas. Brasília: Editora ARP Brasil, 2010. RODAS, Hugo. Entrevista concedida a esta pesquisadora em 13 de setembro de 2012. ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Tradução e apresentação, Yan Michalski. 2a. Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1998. SALLES, Cecília Almeida. 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