cotidiano da economia
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Gerson Gomes da Silva COTIDIANO DA ECONOMIA 1 NOTA DO AUTOR O livro “Cotidiano da Economia” é uma coletânea de artigos publicados nos jornais A Gazeta e Folha do Estado, de Cuiabá. São textos que refletem o período em que o governo Fernando Henrique (1994-2002) utilizava-se dos mecanismos da paridade cambial para sustentar sua política econômica. Nessa época, muitas crises financeiras eram causadas pela contaminação dos mercados globalizados, pelas quedas das bolsas. O Brasil conviveu durante muito tempo com altas taxas de inflação, logo, os textos evidenciam os obstáculos enfrentados e os esforços empreendidos pelo governo em consolidar o Plano Real e, por extensão, a estabilidade econômica. 2 SUMÁRIO Meus Caros Amigos 04 Mundo Cor-de-Rosa 06 Ilha de Ostras 09 A Bola, digo, as Bolsas Rolam 11 As Saídas Laterais 13 Circuit Breaker 15 O Turismo Doméstico e suas Mazelas 17 O Príncipe e a Sopa de Papelão 19 Crise Financeira Mundial – A Batalha Nossa de Cada Dia 22 Mato Grosso: Perspectivas Sempre 25 Na Corda Bamba 28 E o Vento Levou 31 No País dos Dinossauros 33 Os Aviões e a Fome 35 O Cão Morde o Rabo 38 Depois da Tempestade, Vem a Tempestade 40 Os Esqueletos 43 Do Outro Lado do Mundo 45 Alô Trabalho 47 Os Muros de Wall Street 50 Notícias de Rodapé 52 Os Desvalidos 55 Na Solidão da Crise 57 Meu Reino por um Cavalo 59 Encontros Cucarachas 61 Mudando de Conversa 63 Que tal um Peixe Doido? 65 Sob as Ondas 68 3 Olhos nos Olhos 70 Distante do Cais? 72 Herói Melancia 74 A Difícil Arte de Conjugar o Verbo Desenvolver 76 Laranja para Todos 78 Às Margens do Rio Sena 80 Maquiados 82 A Arte de Ganhar Dinheiro Fácil 84 Não Chorem por Nós 86 Balada dos Dez Anos 88 Afinal, quem somos nós? 90 4 MEUS CAROS AMIGOS Comenta-se por aí com certa dose de ironia e desdém, essa quase unanimidade da fina flor da sociedade brasileira, leia-se políticos e intelectuais, para com o neoliberalismo e o seu modelo de livre mercado, em que o Estado bate em retirada, deixando por conta da selvageria dos investidores e da concorrência comercial salutar. Os mais cépticos com o tal raciocínio neoliberal muito em moda, chegam a ressuscitar as empoeiradas idéias estatizantes de John Maynard Keynes que, em contra-senso com a constelação estrelar dos economistas que estão na berlinda, de Harvard a Massachussets Institute Tecnology, não afina com seu pragmatismo monetarista. Esse mundo de papelada, conseqüência (como um papel carbono) do modelo engendrado pelos governos Tatcher e Reagan, ruiu o castelo de areia de muita gente. Abertura de mercado, privatizações, desregulamentações e etc. Tudo em nome da internacionalização comercial e financeira. Essas coisas que mais se falam: títulos da dívida, bônus do tesouro, pregões das bolsas de valores e blá, blá, blá, patati, patatá. Fazendo rima: mas deixa pra lá. No Brasil, essas coisas nunca tiveram o encanto das flores, para não dizer outra coisa. Mas que sempre houve uma lacuna imensurável entre esse povo e a cúpula governamental, remotas à época do regime militar, não se discute. Só que naquela época, enquanto o pau comia, pelo menos os artistas, políticos e intelectuais, os chamados dissidentes, ocupavam esse espaço entre o povo e o governo. Os artistas, de forma destacada, formavam um dique de resistência. Com a repetição de uma história que todos conhecem, após tantos planos econômicos fracassados e uma Década Perdida, o governo deve fechar um acordo com o FMI, depois de fazer os principais pontos do receituário mercadológico e que não deu certo. Por causa da crise internacional, dizem. Os artistas parecem que também se cansaram de nadar contra a correnteza. Sobra ao povo os reboleiros do É o Tchan. Resta também uma platéia sozinha "procurando uma vaga no vai e vem dos seus quadris", como dia Cazuza. Ia dizer que Chico Buarque andava muito sumido e lembrar um daqueles discos, ainda em vinil, que ele mandava recado aos caros amigos, se 5 desculpando das visitas escassas e denunciando que a coisa tava preta. Mas Chico Buarque acaba de lançar um cd novo, Cidades. Ia falar de um autêntico não alinhado, Fidel Castro. Ele passou pela Bahia, comeu vatapá junto com ACM e, de repente, aparece em Portugal tascando elogios em Fernando Henrique. Mas deixa pra lá. O mundo tá mudando, caros amigos desconectados. É o lado diet, como o desemprego que desfaz os laços que o indivíduo tem com a sociedade, nas palavras do ex-ministro Rubens Ricupero. De resto, falta-nos ser mais conectivo com o rumo traçado. Venceu a unanimidade. Deixa pra lá. 6 O MUNDO COR-DE-ROSA "O mundo apresenta duas faces ao terminar o século 20: uma de crescimento e desenvolvimento em uma escala sem precedentes na História; mas também uma de sombras pelo medo da incerteza econômica e da instabilidade”. - Flávio Cotti, presidente da Confederação Suíça. Jacob Bazarian, meu professor de filosofia, gostava de ler textos de diversos autores com uma visão extremamente pessimista em relação ao mundo, às instituições e às pessoas. Fazia parte de a sua didática perguntar aos alunos de que época eram aqueles textos. Não precisava nem dizer, que ninguém acertava, pois eram geralmente muito antigos, alguns antes de Cristo. Mas como se mantinham atuais! Falavam da perdição da juventude, corrupção, violência e imoralidades. Como se o mundo estivesse nos seus últimos dias. Queria o professor, nos desvendar alguns mistérios da natureza humana, que pouco muda com o tempo. Pois bem. Ultimamente, com o fenômeno da globalização provocando mudanças radicais no comportamento das pessoas, tenho lembrado muito daqueles textos antigos e daquelas visões proféticas que se mantiveram atuais, reduzindo mais de dois mil anos a poucos passos além da próxima esquina. O mundo, que, para compreendê-lo melhor, a didática dividiu-o em Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea; esteve cheio de manifestações que traduziam as incertezas da população diante de grandes mudanças movidas pelos inventos, descobertas e revoluções, como foi, aliás, a revolução industrial. Na transição, mais do que em outros momentos, o futuro se mostra incerto. A chegada do Terceiro Milênio tem trazido uma expectativa maior, em virtude da nossa formação religiosa, às vezes esbarrando nos novos valores e conceitos de uma sociedade que se desenvolve aquém das conquistas tecnológicas. O acelerado crescimento populacional do planeta aumenta a incógnita quanto à exclusão social. Tempos atrás, a imprensa mostrou a fome no Sudão. Na história da humanidade muitos exemplos demonstram a necessidade de se chegar ao fundo do poço para que a capacidade criativa do ser humano seja exigida e, assim, possa acender a luz no fim do túnel. Por conta disso, 7 talvez ainda seja cedo para julgarmos a globalização e as conseqüências "liberais" do livre comércio. Analistas internacionais têm apontado evidências entre o crash de 29 e a crise financeira atual. Preocupados com o Capitalismo, ou antes, com o capital especulativo sem fronteiras. O andar da carruagem ainda não exigiu a intervenção mais drástica do FMI, do Grupo dos Sete países mais ricos e do Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos). Na década de oitenta, o Banco Central norte-americano liberou o crédito para que a crise não tomasse conta do país. Na última semana, a mesma instituição, através do seu presidente, mandou um recado, dizendo que os juros poderiam baixar caso necessário. No mundo contemporâneo, antes das grandes catástrofes ou até para evitá-las, as autoridades governamentais reúnem-se periodicamente para dar suporte à manutenção da ordem estabelecida ou para procurar novas regras para uma nova ordem. E como o mundo vem carecendo urgentemente! Os abalos nas finanças, corroendo a economia e envolvendo a política antes do caos social. Não entendo muito a relação que existe entre fatos, pessoas, política, meio ambiente, economia e coisas. As grandes questões que causam maior impacto envolvem o meio ambiente, o fundamentalismo religioso e as etnias. Apareceu mais um, na última hora. (Desde o ano passado descobriu-se o bug do milênio, uma pane nos chips dos computadores que fará retroagir a data do ano 2000 para 1900, criando uma confusão planetária para tomar o século inesquecível). Pairam dúvidas se teremos água para beber e ar para respirar. Já nascem sapos pernetas em regiões dos Estados Unidos e ovelhas cegas, na Patagônia, Argentina. Nos seres humanos, por enquanto, o câncer de pele é o primeiro aviso que precisamos cuidar da saúde do planeta. Outra questão preocupante é se o radicalismo religioso e as etnias não envolverão as nações numa guerra fratricida minada por tantos ataques terroristas. Entretanto, pelo visto, existem mais certezas do que temores. Eis algumas dessas certezas: o ser humano é a grande riqueza, para o qual os avanços tecnológicos de educação terão que capacitá-lo para promover as grandes transformações do mundo; o capitalismo é o único sistema que tem provado ser ainda o ideal; o comércio se movimentará através de blocos, num mercado comum, moeda única. E novas regras tomando lugar da soberania dos países. Aliás, quais 8 serão os países periféricos? Aqueles que não conseguirem reservar lugar no bloco dos iluminados. Eu não navego pela Internet para saber as últimas notícias do mundo. Nem me interessa muito saber para onde caminha a humanidade. Porém, a despeito daqueles textos do meu professor, este mundo globalizado tem sido pintado mais para cor-de-rosa do que possam imaginar os anunciantes do apocalipse. A internacionalização neste final de século é o grande combustível para fomentar a esperança das pessoas. Estamos pouco distante da virada do século para nos omitirmos das mudanças que estão sendo efetuadas em todos os sentidos. Como, por exemplo, quando as empresas fundem-se umas às outras ou são adquiridas pelas grandes corporações; não estão apenas reduzindo custos e aumentando lucro e patrimônio, mas, na busca da eficiência, tentam se aproximar do consumidor, com produtos e serviços de qualidade, estimulando a competição e moldando as novas regras comerciais. O mundo, antes dividido entre Estados Unidos e União Soviética, perdeu seu lado mau, e, nessa visão maniqueísta, que desde que o mundo é mundo, precisa ter o bem e o mal, lá vamos nós em busca do paraíso. Ele parece estar próximo. É fato. Produziram-se axiomas que fez florescer na cabeça das pessoas, muito mais esperanças do que temeridade frente à inexorabilidade do mundo globalizado que se descortina cheio de certezas, como é certa a exaustão da capacidade do planeta de produzir água para matar a sede das pessoas. A maior ameaça ao mundo cor-de-rosa seria o volume de ativos irreais, a Bolha do Século explodir, como vem sendo pressentida, caso a crise financeira queira chegar a Wall Street. Mas a nossa capacidade de sonhar tem provado ser maior do que a habilidade do homem em resolver seus problemas domésticos. 9 ILHA DE OSTRAS Para um mundo até então imensurável, os recursos high tec eliminaram as fronteiras e o colocou numa caixinha de surpresas (quem diria!). Num ambiente em que nem todos têm lugar para assento, quê diria os mais de cem milhões de internautas conectados? Eles devem obter respostas às quantas andam as perspectivas hoje, para as suposições uns tanto evidentes para o futuro. Pois nunca se sabe além da ponta do nariz o que se pode ocorrer amanhã. Contudo, na era da comunicação virtual, nasce o filhote de um animal em extinção, no Alaska, enquanto uma criança é jogada, pela mãe, no saco de lixo, nos bolsões de miséria, da periferia das metrópoles. É o mundo. Um pouco de tudo isto - os mercados financeiros interligados-foi proposto na nova química elaborada pelo Consenso de Washington. O capital volátil em excesso é como parasitas que abandonam o cadáver logo após o sangue exaurir. Correm o mundo como se este fosse leito de moribundos. É claro, alguém fica fora da festança. A essa massa de gente que não se adaptou ao "admirável mundo novo", a palavra "da hora" é exclusão. Perguntase: afastamento ou eliminação? Se for afastamento, ao menos dá uma vaga idéia de temporalidade; ou seja, haverá vagas para eles, um dia, talvez. Quanto à eliminação, parece um pouco xenófobo e, ao contrário; retira, de forma abrupta, a idéia de continuidade. Cá entre nós, estamos mais acostumados a marginalizados, sem-terra, sem-teto, sem - isto, sem - aquilo. Coisas de periferia mundial. Essa riqueza que corre pelos terminais dos computadores, mudando de um ponto ao outro do planeta, não disponibiliza o tempo suficiente para gerar algo útil como empregos, alimentos, empreendimentos que vão fomentar o desenvolvimento. Em síntese, não há como manter a corrente da riqueza, distribuindo-a, mesmo que não seja lá tão igualitária assim. Não sei em qual travesseiro repousa a cabeça dos homens incumbidos de distribuir as cartas desse jogo, bem ao estilo "jogo de cartas marcadas". O megainvestidor húngaro George Soros, conhecido como o maior investidor deste mundo de dinheiro esvoaçante reclamou também da falta de uma regra, pois até ele, que lucra movimentando bilhões de dólares, também acredita que os países mais 10 pobres podem ir à débâcle. O que ele quis dizer é algo como: ponham limites nisso tudo. É, fica difícil dormir com o barulho que faz lá fora. Aos do lado de fora, uma pausa, talvez o retiro ou a cessão aos vencedores. Num poema de Michel Quoist, um sacerdote queixa-se a Deus por não ter a quem desabafar e ter de ouvir as súplicas dos fiéis. Não se pode deixar extinguir a crença no possível. Manuel Bandeira imortalizou Pasárgada, baseado no encantamento com "esse nome de uma cidadezinha fundada por Ciro, o Antigo, nas montanhas do sul da Pérsia, para lá passar os verões”. No fundo, o poeta buscava a fuga para um paraíso, a evasão do mundo indesejado. Cabe aos mandatários e aos seus comandados o exílio voluntário. Nos moldes contemporâneos, os dirigentes mundiais têm os seus refúgios, onde despencam sua carga e se refazem para enfrentar a jornada: Camp Davis, nos Estados Unidos; Castel Gandolf, no Vaticano; Ilha Martinica ou os campos verdes da Escócia, pela Família Real Britânica. Porém, como os membros da Família Imperial Japonesa até hoje se recusam a desculpar-se formalmente pelas atrocidades contra chineses e coreanos, não sei onde descarregam seus pesados fardos. Ora, a Granja do Torto, já foi esconderijo do governo militar do Brasil, mas, o nosso presidente civil refugia-se na sua fazenda, em Rio Claro ou numa área da Marinha, no Rio de Janeiro. 11 A BOLA, digo, AS BOLSAS ROLAM Recomenda a prudência médica não antecipar sofrimento. A ansiedade faz um mal danado ao coração. Não sofra antes, principalmente quando o assunto trata de equilíbrio econômico financeiro mundial e a palavra crash nas bolsas de valores - o termômetro para tudo isso - é uma temeridade cada vez mais presente. O seu corolário nos chamados países emergentes obriga aos arreglos nem sempre assimilados pela população. Não dá nem pra arriscar palpites como para os jogos do selecionado nacional. É esperar pra ver. No caso brasileiro, cada dia surge uma nova armadilha para ser desarmada e, agora, especificamente na ciranda dos capitais especulativos de curto prazo. Aquele que se esvai que nem fumaça. No Japão, o caráter do seu povo com padrões morais rígidos não suporta os efeitos da crise com sua quebradeira. Lá, houve um aumento de suicídios em 5,6% em relação ao ano passado. Do lado de cá se recomenda esquecer os números mefíticos e acompanhar as peripécias da seleção de Zagallo. Enquanto a bola rola nos gramados da França, as bolsas asiáticas, com a desvalorização do yen, começaram a semana despencando ladeira abaixo. Nesse ambiente desestimulador o governo lançou o preço mínimo para a privatização do sistema Telebrás. A metade do valor pretendido pelo ex-ministro Sérgio Moita. Em números exatos R$ 13,47 bilhões. Taí uma questão que eu não consigo protelar, como qualquer brasileiro preocupado com o futuro dos seus filhos. É o seguinte: quando expirar o prazo estipulado para o processo de desestatização em 2001, para onde correremos em busca de recursos? É uma montanha de dinheiro obtido com a venda de um patrimônio que não existirá mais. Nesse exercício da equipe econômica para segurar dinheiro externo tem uma nova modalidade. A volta do overnigth e juros pós fixados empreendido pelo governo recentemente, demonstrou que o mercado não está mais engolindo os títulos de 90 dias oferecidos a juros de 22% ao ano. Para a política econômica de Fernando Henrique, em meio a tantas críticas ouvem-se poucas soluções. Nas propostas (até que enfim!) apresentadas pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva tem uma alternativa, copiada do Chile, para o problema do capital especulativo, qual seja, a de fixar um prazo de quarenta dias, 12 pelo menos, antes de bater asas e desaparecer. Por lá tem o Reserve Requiriment que é um depósito prévio de fluxo de capitais de curtíssimo prazo. A nossa cantilena de não vá embora pelo amor de Deus ao capital especulativo, nem precisa dizer, está amparada nos maiores juros de captação. Esse jeito claudicante como se comporta a economia brasileira está relacionada à falta de mecanismos que possam regular a economia internacional sem intervir na soberania de cada país. Desde a realização do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, não há notícias sobre aquelas organizações criadas para cuidar da saúde da economia mundial. Comentou-se acerca de uma contribuição do Congresso Americano ao FMI (Fundo Monetário Internacional) de US$ 18 bilhões por conta do susto da crise asiática. Comenta-se muito das causas e dos efeitos da crise monetária internacional, mas não se fala nas soluções que envolvem a atuação dos megainvestidores numa nova ordem financeira. O Bank of International Settlementes (BIS), uma espécie de banco central dos bancos centrais, bem como o Acordo Multilateral de Investimentos (MAI) e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foram criados com essa finalidade que inclui a extinção do FMI ou um outro órgão com poder mais fiscalizador das contas públicas dos países envolvidos. Enquanto não houver estardalhaços em Wall Street as tentativas nesse sentido parece não caminhar mais apressadamente. Se fosse no futebol, os Estados Unidos, centro do capitalismo, estaria pisando na bola. 13 AS SAÍDAS LATERAIS Sempre que alguma autoridade de organismos internacionais resolve emitir suas opiniões no mercado livre das idéias, não tem dado outra. Seus pensamentos são assimilados como placas de trânsito sinalizando para uma direção nem sempre favoráveis à saúde financeira mundial. Aí congestiona tudo, embora nem sempre estejam eles certos. Dá bola fora igual à bicicleta de Roberto Carlos, no fatídico jogo da Copa. Que horror! Assim, as últimas declarações de Alan Greenspan, presidente do banco central americano, o FED, FEDeu. Da mesma forma como a opinião de Joseph E. Stiglitz, vice-presidente do Banco Mundial, a respeito de uma nova receita econômica, um tal de "consenso de Washington" ainda produz farpas até hoje. E olha, o assunto vem desde janeiro. Virão outros, até que a lanterna ilumine a porta da saída. É claro, da crise asiática. Porém, restrito a área doméstica, Peter Mandelson, do Partido Trabalhista britânico, em visita ao Brasil, ressuscitou a chamada Terceira Via, um meio termo de fazer inveja ao bom costume mineiro. Uma linha política do neoliberalismo que não fica nem na direita tradicional e nem na esquerda centralizadora. Muito pelo contrário. Não deixa de ser uma alternativa, como essa retomada da emenda do parlamentarismo. O terceiro mandato para Fernando Henrique (de tão certa a sua reeleição) começa a ser costurado pelo PSDB. FHC, entretanto procura uma brecha para se esquivar da crise dos palanques. Simplesmente deixar de visitar o Estado onde a disputa do candidato do seu partido esbarra com os candidatos aliados, pode ser uma saída... Com um muro bem na frente. Mas voltando a Greenspan. As bolsas passaram a semana na gangorra, num sobe e desce de causar enjôo. A crise asiática já promoveu um déficit de US$ 15,57 bilhões nos EUA, não obstante a sua economia se encontrar numa posição privilegiada como nunca, nos últimos 50anos. Então tá. O problema, no entanto, é a eminência de ocorrer alta nas taxas de juros para frear a possibilidade de um aumento da inflação; esta, causada pela crescente oferta de empregos que elevam os salários. 14 Uma saída? Uma luz iluminou pelos lados da China, quando da visita do presidente Bill Clinton naquele país. Mesmo porque o informe do presidente do Banco Central japonês, Masaru Hayami expôs ainda mais a estagnação da economia nipônica. Ainda é preciso reduzir impostos e resolver os problemas dos bancos. O PROER está fazendo o maior sucesso na terra do sol nascente. No Brasil, Greenspan provocou queda na Bovespa em 1.07%. Também o título negociado da dívida brasileira, o C-Bonds caiu 0,94%. Até a minibanda teve a faixa de variação cambial ampliada em 0,001. Sabemos lá para onde sinalizarão as novas idéias dos experts do Instituto de Tecnologia de Massachussets, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Fundo Monetário Internacional ou, do púlpito de um congresso ou banco central de alguma grande potência. Algo e Ou são palavras que entre as vírgulas ajudam a escrever um texto cheio de dúvidas e indagações. Se não acontecer nenhum acidente de percurso, o boom de entusiasmo ninguém tira das 76 empresas que disputam a privatização do Sistema Telebrás, o maior da América Latina, avaliado preliminarmente num lance mínimo de R$ 13,47 bilhões. Ninguém tasca a euforia em adquirir essa verdadeira mina de ouro das telecomunicações. Nem Greenspan. 15 CIRCUIT BREAKER! Todo mundo está careca de saber. A crise financeira venha de onde vier; Ásia, Japão ou Rússia tem estacionamento gratuito e sem limite de tempo nos países emergentes. E que, o Brasil, como não poderia deixar de ser, pela fragilidade de sua economia, aponta, vira e mexe, como a próxima vítima. Mais careca de saber estamos todos nós: até as eleições, nada de mudança na política cambial e muito menos nas reformas que se fazem imprescindíveis. Os motivos: esta crise é diferente da de outubro de 97; o País possui reservas de mais de setenta bilhões de reais; contam-se inúmeras empresas para serem privatizadas e começa a entrar o volume de dinheiro obtido com as últimas privatizações. Isso compensaria os valores que estão saindo do país, por títulos não renovados, que o país emprestou para utilizar na agricultura. Nuvens dissipadas, o que enxergamos no céu azul? A Rússia quebrada. Novamente a história da "bola da vez" e o que determina o "Risco Brasil", os títulos da dívida externa brasileira renegociada sofrem deságio maior do que de outubro de 97, ou seja, a desconfiança é maior que a confiança dos investidores internacionais, na possibilidade de o governo brasileiro saldar a dívida com vencimento em 2014. Afinal, o C-bond não tem garantia alguma. Risco eminente voltamos a refazer a situação das contas públicas: déficit primário, déficit nominal, déficit público. Seja ela considerada com juros ou sem os juros, nem mesmo uma nova fórmula criada pelo governo com a intenção de aproximá-lo do padrão internacional, o que, na verdade, tenta esconder um número impróprio em época de eleição. Ele estaria nos 8%. Ficou nos 6,5%. Não precisa ser nenhum Paul Krugman, economista do MIT ou ter estudado em Harvard. Nem ser doutor honoris causa na Souboume. E um déficit respeitável que não consegue esconder a matemática dos gastos acima da receita do governo, que é o principal devedor do mercado. A desconfiança nasce nos números do déficit público em relação ao PIB. O governo já mandou um recado: a ficha só vai cair depois das eleições. Enquanto isso se faz de conta que se está tentando resolver o problema com medidas paliativas. O país precisa de superávit. Esses arreglos de última hora parecem maquiagem, ou, o mais atual, remédio falsificado. Não vai curar a doença. 16 Reforma administrativa, tributária e da previdência. Pelo menos. E de forma consistente, sem ter que estar agradando aqui e ali. Uma verdade que dói no bolso foi divulgada na semana passada. É que a nossa carga tributária (algo em tomo de 30% do PIB), bem pesadinha, deve continuar assim, bem pesadinha, por mais dez anos. Se quiser obter equilíbrio nas contas públicas. O governo gasta e gasta mal. Estudos do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, concluíram também que, a carga tributária máxima para esse PIB seria de no máximo 36%. Alerta máximo. São padrões de primeiro mundo, onde a letra i de imposto é a letra i de investimento. Retoma em serviços como educação, saúde, segurança, trabalho. Mas aqui abaixo da linha do Equador, não é o caos social que determina a ação do governo. O circuit breaker, mecanismo de proteção que a Bolsa de Valores de São Paulo utiliza para interromper o pregão, desperta mais atenção das autoridades que a fome e o desemprego. Nem parece que estamos em época de eleição. Ou parece? 17 O TURISMO DOMÉSTICO E SUAS MAZELAS Dia desses, nosso Presidente FHC, queixava-se do turista brasileiro que vai gastar lá fora, quase dez vezes mais que o visitante estrangeiro em nossa Pátria. O brasileiro é conhecido pelos atendentes de lojas e vendedores de bagulheiras no exterior, como comprador excepcional. Nosso Presidente está muito bem inserido no contexto, como diria o inesquecível Chacrinha, no que se refere à busca de divisas, influência dessa tal internacionalização da economia. A máxima conhecida e aprimorada, em época de tigres combalidos, nesse meio, é: o dinheiro não tem pátria nem bandeira. A par dos problemas que envolvem o nosso turismo interno, o Brasil em Ação constrói e moderniza os principais aeroportos para atender a demanda. As passagens aéreas tiveram um decréscimo em tomo de 40% para esta alta temporada. Na televisão, as propagandas estatais conclamam: Conheça o Brasil. "Arri Égua!” Pude comprovar, pessoalmente, a maqueta do novo aeroporto de Natal-RN, exposto no saguão do atual, bastante acanhado. O engenheiro Anísio (aliás, um cuiabano), um dos responsáveis pela obra em andamento, também falou de Fortaleza e São Luiz. Estão quase prontos, revelou. E o nosso Marechal Rondon deve ser ampliado em breve, completou, saudoso e eufórico, como a mandar abraços para a "torrinha" quente. Foi, também, em Natal que começou uma série de acontecimentos que comprovam que o nosso turismo carece de algo mais para podermos competir com cidades da América Latina, como Buenos Aires e Montevidéu, com movimento proporcionalmente maior que o nosso. Um avião retomou para o Rio de Janeiro com turistas brasileiros e estrangeiros, por falta de acomodação hoteleira. FHC, naquele dia, havia solicitado empenho nas construções de hotéis três estrelas, específicos para atender essa classe de visitantes. O Brasil, que já tem a miséria, a violência e os menores abandonados como principal postal, logo depois de Pelé e o Corcovado, é claro; começa, agora, a ser conhecido como o país das especulações financeiras internacionais, devido a essas mexidas na economia para atrair investimentos estrangeiros. Poderia (e como!) ser o paraíso do turismo internacional. Nosso país é bonito demais. Nossa 18 riqueza de fauna e flora. Somos os campeões da biodiversidade. E a pujança deste povo, essa cultura, essa imensidão de terras, esse falar. É para deixar qualquer gringo arretado. Mas, voltando ao assunto, um jornal inglês divulgou as cidades mais caras do mundo: Londres, Osaka, Tóquio e Moscou. Dessa, parece que escapamos. Que nada! Na América Latina, adivinhem qual a cidade mais cara? O Rio de Janeiro. Violenta, não precisa nem falar, "taí" um fato: o bondinho que faz a linha Cosme Velho - Corcovado foi assaltado, quebrando um jejum de cento e quatorze anos. Foram levados todos os pertences dos turistas estrangeiros, como jóias, relógios, dinheiro. Esses mesmos turistas tiveram o ônibus assaltado, em frente ao hotel. Azar deles? Azar nosso. Esses nunca mais aparecerão por aqui, a despeito da desculpa gastronômica do prefeito Conde. Ainda estamos nessa fase de desculpas. Bem, Cuiabá não tem bondinho e eu desconheço turistas voltando por falta de acomodações na nossa rede hoteleira. Também não temos tantos visitantes assim. Mas essa prorrogação da piracema para o dia 20 de fevereiro não pegou legal para os pescadores que procuram nossos rios no período de férias escolares. Antes de desculpas "à lá Conde", mereciam um pouco mais de respeito. Eles são a propaganda viva que faz nosso Estado ser conhecido tanto no país quanto no exterior. Nenhum cartão-postal de agências de viagens consegue substituir. Paralelamente, um significativo esforço do setor local busca alternativas em conjunto com Mato Grosso do Sul, Paraná e Amazonas, tentando baratear o transporte aéreo para trazer mais visitantes ao turismo ecológico. A indústria do turismo não pode esperar somente de investimentos de infra-estrutura. Depois que ONGs são postas na parede, escondendo interesses nada nacionalistas, certas atitudes dos órgãos de defesa do meio ambiente não ficam bem claras. O turismo de hobby está se desenvolvendo na Argentina com muita gente do Brasil. Tudo regulamentado. Portanto, bom atendimento, educação e respeito a regras pré-estabelecidas fazem parte do ingrediente básico dessa área com tanto espaço para crescer. E é claro, transportes mais baratos, hotéis três estrelas,... 19 O PRÍNCIPE E A SOPA DE PAPELÃO As recentes pesquisas do Vox Populi e do jornal Última Hora, de Porto Alegre, agitaram os meios políticos o suficiente para a imprensa voltar a apontar a mira de sua metralhadora pragmática contra o governo. Mas os resultados das pesquisas foram apenas pretextos, já que a idéia solta não admite concorrente num segundo turno, e parece não levar em conta os sete percentuais de rejeição para o presidente e a confirmação do crescimento em favor do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, no Rio Grande do Sul. O alvo predileto da imprensa ainda é o descaso do governo para com os problemas como o incêndio de Rondônia, o desemprego e a seca do nordeste. Por essas e outras a sua imagem cada vez mais se aproxima com a de um príncipe. Na última entrevista coletiva em estilo Clinton só faltou escrever Whithe House em torno do brasão do púlpito, porque os cabelos grisalhos e a empáfia podiam muito bem incluir o país no grupo dos nove países mais ricos do mundo. O marketing político pode até conseguir reverter a queda nas pesquisas e aproximá-lo mais do povo, afinal ainda é a melhor performance a passeios de jet ski. Mas, no entanto, dificilmente conseguirá reverter a imagem de monarca que ele mesmo fixou com sua postura soberba. Se FHC não tivesse chamado todos os aposentados de vagabundos, nem discriminado uma ala do seu stablishment como banda podre na sua assepsia política, nem deixasse para Deus resolver o problema da seca no nordeste, talvez a imprensa o esquecesse e os problemas da Nação passassem incólumes nas brancas nuvens da nossa memória curta. Declarações infelizes em momento inoportuno acontecem. Às vezes viram marca de um governo, como o de João Baptista Figueiredo que "preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo". Mas o comportamento de monarca que os cronistas políticos dos principais jornais brasileiros têm-lhe aplicado, arrisco a dizer, está associado ao furor com que se dedica somente a consolidação do plano real e as tendências inexoráveis de internacionalização. Na verdade, a agenda do receituário financeiro e econômico internacional absorveu os planos do presidente. Nos cinco artigos publicados nesta Gazeta, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso tentou esclarecer as conseqüências sociais da globalização, 20 porque "esta tendência irreversível toma improvável que o êxito dos países do sul derive exclusivamente da mão-de-obra barata e dos recursos naturais”. Assim, pois, a transformação do Estado tem a necessidade intrínseca de modernização que exigem privatizações, concessões, aumento de arrecadação, contenção de despesas e reformas em todos os aspectos. Tudo isso, mais a sustentação do plano real neste período de transição, na verdade, consome sua consideração em detrimento de outros problemas que passam a ser conseqüências exclusivas da globalização. Problemas já enfrentados, inclusive por outros países. Este é o refrão mais usado para justificar a exclusão social. Em outras palavras, atravessamos um paradoxo, se o Brasil será apenas um país periférico à hegemonia comercial dos Estados Unidos, fornecedor de mão-de-obra barata e produtos primários, ou conseguiremos avançar em blocos de países emergentes para desempenhar um papel mais justo, como se procura impor nas regras do Mercosul, liderado pelo Brasil. Ficaram para 2004 questões polêmicas da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) liderada pelos Estados Unidos, enquanto na chamada Rodada do Milênio, as barreiras protecionistas aos produtos agrícolas, principalmente com a Comunidade Econômica Européia têm colocado o Brasil e os Estados Unidos a falarem a mesma língua. Mas as perspectivas não se resumem apenas nisso. Primeiro evidencia-se que o país necessita vencer a crise de identidade, às vezes colocada de forma cômica pelo mesmo receituário dos organismos financeiros internacionais, conforme o jornal Folha de São Paulo divulgou "o Brasil que não era o México, depois que não era a Tailândia e, agora, que não é a Rússia”, com respeito à declaração de FHC de que o "Brasil não tem fragilidades". Não tem, mas está constantemente como a bola da vez. A preocupação da imprensa com o autismo do presidente e com a empáfia do seu comportamento logo conseguirá rotular-lhe de Príncipe. Quando morreu a princesa Diana e a comoção tomou conta da Inglaterra, os jornais e tablóides sensacionalistas britânicos perguntavam: onde está a nossa rainha? A rainha Elisabeth demorou em compartilhar a dor de seus súditos. Logo uma manchete perguntará também pelo nosso príncipe. Como se vê, o presidente está conseguindo despertar esse sentimento dinástico. Quem sabe os três degraus que separam o mundo britânico do nosso mundo tupiniquim não abriguem diferenças abissais como imaginamos; nem 21 distâncias imensuráveis entre mendigos que recusam alimentos porque querem dormir em paz e mães que dão sopa de papelão para iludir a fome dos filhos. Para um mundo globalizado com data marcada para acontecer, fica óbvio quem chegará por último nessa corrida em que a renda do país concentra-se numa minoria. Com greves na educação e índices altos de desemprego fica a incógnita se as pessoas conseguirão estar preparadas para acompanhar as conquistas tecnológicas. Há muito por se fazer para se evitar a exclusão social, do nosso quadro já bastante desolador. 22 CRISE FINANCEIRA MUNDIAL A batalha nossa de cada dia A crise financeira mundial, desencadeada com a queda das Bolsas de Valores nos países do sudeste asiático, foi anunciada pela televisão, da mesma forma espetacular quando do início da guerra do Golfo Pérsico, no momento em que a cidade de Bagdá, no Iraque, começava a ser bombardeada. Causou semelhante sensação inesperada de apreensão. Não precisava ser nenhum expert em assuntos econômicos para entender a gravidade da situação. Algo estava mal. E continua mal. O último sobressalto ocorreu no dia 24, quando foi oficializada a falência, anunciada em prantos pelo presidente da Yamaichi Securities, quarta maior instituição financeira do Japão, o que não ocorria desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em meio à turbulência, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Jacques Chirac, da França, encontram-se em Saint George de L’Oyapock, na Guiana e defendem uma reorganização financeira no cenário internacional. A APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico) já elabora um plano de auxílio para o setor. No Brasil, a resposta veio rápida. Desde o dia 10, cinqüenta e uma medidas contidas no Pacote de Ajuste Fiscal, procuram conter a saída de dólares e proteger o Plano Real. No corre-corre dos meios políticos, a afirmação do Ministro da Fazenda, Pedro Malan, merece análise mais profunda: o Brasil resolve sozinho os seus problemas. Será? Estávamos nos esquecendo das visitas periódicas da equipe do FMI (Fundo Monetário Internacional). Na época, o nome de Michel Camdessus era constante nos jornais. Com o sentimento nacionalista mais arrefecido e o processo de globalização batendo à nossa porta, não podemos desprezar a influência externa como não podemos nos esquecer que o problema é nosso e as criticas, dependendo do remetente e destinatário, não auxiliam em nada. As medidas contidas no Pacote de Ajuste Fiscal mexem com todos os segmentos da sociedade. A tese está em dividir responsabilidades para não sobrecarregar uma parcela da população, o que freqüentemente ocorre cada vez em que o governo resolve alterar as regras do jogo. 23 O Custo Brasil, composto de juros e tributação, principalmente, com o pacotaço, atingirá de forma mais violenta a nossa indústria. O que se ouviu dos representantes setoriais dá a medida exata do que está acontecendo. A alíquota do IPI (Imposto para Produtos Industrializados) saltou de zero a 5%, em alguns casos 8%, para a aquisição de máquinas e equipamentos. Mas o governo, concedendo incentivos para a fabricação de carros com motor a injeção eletrônica, impediu estragos mais contundentes na indústria automobilística. Já os mesmos incentivos cortados da ZFM (Zona Franca de Manaus), através do FINAM e na região do nordeste pelo FINOR tem efeito avassalador, pois, alteram-se regras que foram fundamentais quando da captação de empresas estrangeiras instaladas nessas regiões. De todos os setores, o da agricultura, não sentiu o mesmo impacto, conforme o depoimento de um destacado produtor do norte paranaense, por causa da soja possuir muita liquidez no mercado internacional e pela safra ter sido plantada antes do pacote. Daqui pra frente a estória é outra. Pelo noticiário soube-se mais. Somente as empresas do setor financeiro parecem estar imunes, alegam os representantes setoriais mais afetados. Os bancos pagam alíquotas de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 18% enquanto os outros pagam 8%. Mas a Receita Federal tem constatado manobras fiscais, utilizadas pelos bancos para reduzir o lucro e assim, a base de incidência do imposto. Para corrigir essa distorção, estuda-se a unificação das contribuições ou, de pelo menos, de alíquotas. Foram mais de duzentas propostas de emendas no Congresso Nacional, sendo que as de maior número destinaram-se à medida provisória que trata do aumento do Imposto de Renda Pessoa Física. Apesar desse aumento de imposto acarretar um dano muito maior ao trabalhador, pois vem descontado na fonte, ele é o menos injusto; cabe ao governo mecanismos para fazer com que todos paguem. A frase do Ministro Pedro Malan, portanto, serve para conclamar a participação de toda a sociedade. Os problemas venham de onde vierem, precisam ser resolvidos. Não podemos esquecer de seguir em frente, retomando a Reforma Administrativa, agora com novo impulso concedido ao governo, permitindo demitir funcionários. A queda da estabilidade, num país em que municípios e estados 24 chegam a comprometer mais de 100% da arrecadação com o quadro de funcionários, reveste-se de suma importância. A Reforma Administrativa em conjunto com o Programa de Privatização necessitam de continuidade. Precisa haver viabilidade econômica no Brasil. Assim que vencermos mais esta batalha. 25 MATO GROSSO: PERSPECTIVAS SEMPRE Enquanto o mês de janeiro não finda, mantêm-se o clima de esperança e incerteza matizando o quadro social nacional. Faltam muitas pinceladas para se vislumbrarem as cores. O último retoque partiu de uma revista de grande circulação territorial, em pesquisa por amostragem em dez das principais capitais do país, revelando que uma massa de 65% da população brasileira continua contando com uma vida melhor. Esperança e incerteza. Motivos todos têm para pender para qualquer dos dois lados. Confiança excessiva no futuro e um temor quase doentio do retomo ao passado. O desemprego estimado para 7% em 98 e a crise financeira ainda não totalmente debelada causam maior desespero aos cépticos. As notícias vindas do epicentro da crise não são dos gatos asiáticos, agora são dos frangos... Constipados! Os corolários dos seus espirros por aqui ainda não foram revelados. Essa famigerada globalização derruba uma porção de cancelas entre as nações e alguns problemas e soluções aproximam-se um dos outros. Não é que a Coréia está pedindo jóias, ouro e tudo o mais da sua população? Tudo isso para resolver seu déficit financeiro. Esse recurso já foi utilizado pelo Brasil. Nosso plano de ajuda aos bancos, quem diria, foi copiado pelo Japão. Ainda sob a influência dos resquícios do fim de ano, os menos céticos e alarmistas da boa-venturança pulam sobre pacotes, crises, corte de R$ 6,3 bilhões do orçamento de 98 e a necessidade de entrar mais US$ 46 bilhões de capitais estrangeiros. Apesar dos números, ainda olham firmes para um futuro que só eles enxergam. É a confiança nos próprios meios. Nós aqui em Mato Grosso podemos ficar com estes últimos. Basta dar uma espiada para trás e perceber que sobraram menos problemas e mais soluções para o Estado. Quando uma leva de contingentes migrantes, principalmente do sul, deslocou para o centro-oeste em busca da divulgada Fronteira Agrícola, e embora vultosos investimentos governamentais tenham sido alceados para isso, sabemos que não foram somente os investimentos de um lado e um período de estagnação 26 com uma terra já cansada de suas regiões do outro lado; mas, principalmente, a vontade intrínseca de produzir e vencer que possibilitaram a este Estado chegaria condição a que se encontra atualmente. A exemplo das demais unidades da federação, temos uma amostragem de problemas muito semelhantes, destoando apenas pela vocação própria de cada região. O desemprego, a dívida interna, atraso no pagamento de funcionários públicos, falta de recursos próprios, má vontade política e uma perniciosa dependência do erário público para movimentar a economia. Este último parece-me apresentar-se como o mais sério e mais carente de solução. Temos também nossos números, alguns desoladores, mas como propusemo-nos a seguir os otimistas de plantão, afinal, estamos numa democracia e na democracia segue-se a maioria, vamos lá. As demissões e as privatizações têm ocupado um espaço maior na mídia, demonstrando, assim, um delineamento do quadro futuro. A agonia do BEMAT, cujo custo de transformação totalizou R$ 174 milhões, deu tempo para que os 869 funcionários demitidos buscassem alternativas para onde seriam absorvidos, além de terem sido costurados acordos com o sindicato para que houvesse condições de proteção aos futuros desempregados. A saída dos funcionários despeja R$ 40 milhões na praça, valor estimado em indenizações. Aquelas viradas bruscas de mesa, com direito a diminuição de salários, ficam mais para os centros industrializados. Para a nossa indústria de carne suína, palmito em conserva, biscoito, açúcar, laminados de aço, cimento e couro wet blue, o setor energético dará ênfase, mudando de importador para exportador de energia, possibilitando que a indústria mude a produção commodities para valores agregados. No setor energético encontra-se a oportunidade de alterar a vocação para a dependência do setor público, dando condições reais à iniciativa privada. O Mercosul, iniciado em 96, catapultou um aumento de 100%. Atingiu a cifra de US$ 12,80 milhões de negócios com os nossos vizinhos sul-americanos. No campo, a soja, que foi o sustentáculo da balança comercial brasileira em 97, teve na liquidez o principal fator que impediu que a agricultura fosse atingida pelo pacote do governo. Para 98, a abertura de mercado com a globalização põe à prova seus recursos de revitalização. Em Mato Grosso, acrescenta-se a isso tudo o endividamento do setor. 27 Se o PRONAF (Programa Nacional de Fomento a Agricultura Familiar) corresponder às expectativas mais otimistas, temos a chance de manter o pequeno produtor na propriedade, o que, na altura das circunstâncias, tem na cultura de subsistência a melhor opção para tempos difíceis. As privatizações levadas a efeito a nível nacional para equilibrar a receita não mudam muito do quadro agreste. A Cemat foi para outras mãos e junto com ela os déficits. A Sanemat, municipalizada, pode ter o mesmo destino. Gritos à parte, o Estado está sendo saneado. Resta saber a consistência das agências de fomento, criadas a partir da dissolução do banco estadual. Seja como for, as medidas tomadas preparam a região para um outro caminho. Torcemos para que seja o caminho da consolidação da integração sul-americana: essa é a nossa saída. Os governos estadual e municipal correm atrás do equilíbrio financeiro. Cada qual segura o seu abacaxi distribuído pelos ajustes federais. No fim, acaba caindo em cima do povo. Pelo menos por enquanto, não estão nos pedindo ouro. Esta região que ainda não experimentou a estagnação que as metrópoles enfrentam, tem na pujança desses milhares de migrantes que, juntos com o povo deste Estado formaram uma certeza: a de encontrar perspectivas sempre, pois foi sempre assim desde o começo. 28 NA CORDA BAMBA O chamado "risco sistêmico" podemos nos conformar, prevalecerá durante o ano todo, de acordo com as previsões lógicas do Ministro Malan. Talvez o pernosticismo desse jargão utilizado para designar o estado mundial pós crash asiático de outubro, consiga esmiuçar o que se encontra por trás da manchete do New York Times, do último dia 5 de fevereiro: "Brasil paga para proteger a moeda e os pobres ficam com o verdadeiro custo”. Desde a participação de FHC, no Fórum Econômico Mundial, realizado recentemente na Suíça, a opinião acética dos economistas que cunham o pensamento econômico mundial, coloca o Brasil como o próximo país a ser atingido pela febre da Ásia. Uma alternativa para se evitar a indesejada locatária, até então apátrida seria primeiramente a desvalorização da moeda. Como isso não aconteceu, a nossa vulnerabilidade está latente. Afinal, estamos ou não no caminho certo? Em países terceiro-mundistas, o degradante aspecto social impossibilita distinguir a diferença entre atividade econômica, com sua produção e distribuição de riquezas e as finanças, com seus investimentos e variações da moeda. Quando o país possui um potencial como o Brasil, esgotam-se a compreensão e a paciência para um desemprego crescente, como o que vem ocorrendo atualmente. No entanto, preocupações dos polemistas internacionais de um lado, proliferam boas novas no noticiário nacional: estamos arrecadando mais, o crédito no exterior foi restabelecido, a safra de grãos supera as expectativas, o mercado consumidor continua aquecido e as reformas, fundamentais para tirar o País do atraso continuam... A socos e gravatadas, mas continuam. Nunca é demais citar. A Receita conseguiu a terceira melhor arrecadação da história, com um aumento de 29% em janeiro deste ano. Somente a Contribuição Provisória (ou permanente) sobre Movimentação Financeira, alcançou R$ 740 milhões. Claro, graças ao lançamento do Pacote Fiscal, em novembro passado, comprovando que havia realmente necessidade da intervenção governamental. Mas também as vendas da indústria para o comércio, que colocaram quase 10% acima, em relação ao ano anterior, sinalizam boas perspectivas. 29 Lá fora, foi restituído o crédito brasileiro, com a emissão de 500 milhões em moeda escritural européia (ecus), valores que a equipe econômica pretende, além de criar um clima mais otimista no exterior, diminuir a dívida interna e saldar a perda do Banco Central, no Pacote, que ficou em quase R$ 10 bilhões. Este dado ilustra as pegadas do caminho, de início de ano: até o dia 10 de fevereiro já havia entrado US$ 1,5 bilhão de investimentos externos, através de consistentes entradas de capitais de curto prazo. Finalmente, para não ser prolixo, o mercado consumidor continua firme. E ainda mais! As medidas adotadas em resposta ao pandemônio econômico de outubro, precisavam ser completadas com aumento na arrecadação e diminuição de despesas, de acordo com prognósticos do Ministro. Para ser repetitivo: foi a terceira maior da história. A aprovação da Reforma da Previdência, a toque de privilégios, que desperta a ira de muitos, pretende-se desvencilhar de um déficit anual de mais de R$ 4 bilhões, que obriga injeções diárias de R$ 15 milhões, para equilibrar a receita. Então, as despesas tende-se a diminuir. Outra boa nova foi dada pelo Ministro da Agricultura, Arlindo Porto, em Lucas do Rio Verde, MT: a produção de grãos deste ano deve ultrapassar (e bem) as expectativas de 80,7 milhões de toneladas. Se chegar a 82 milhões de toneladas, será também a maior da história. Mesmo assim, os plantonistas da economia mundial sopram nossos ventos alísios para o caos. "Peraí", algumas verdades escondidas por trás das notícias começam a ser endossadas pelos nossos indicadores. Nada mais é surpresa. Está comprovado o aumento do endividamento pelos cartões de crédito e cheque especial pessoa física. "TW" o aquecimento ilusório da economia. Em São Paulo, Estado mais rico do país, o número de cheques sem fundos dobrou para 2,2 milhões contra l milhão do mês de dezembro de 96. Os carnês em atraso já chegam aos 4 milhões. Nossa Pequena Empresa Grandes Negócios vai sendo compelida para a economia informal pelo aumento da inadimplência. Pior mesmo é o desemprego, que desmonta os últimos fios de esperança do cidadão, desestruturando o que ele tem de melhor: a dignidade. Estados, como o Mato Grosso, um pouco mais dependente das ações do executivo estadual, terá dificuldades em assentar a quantidade de desempregados resultantes 30 das privatizações, porquanto o impulso energético, que como já foi dito, mudará o perfil desta região, levará tempo para surtir os primeiros efeitos. Outras medidas, como o Contrato Temporário de Trabalho, já chegam ao campo, sedimentando de vez as tentativas de organização trabalhista que assegure seus direitos. Antes de desembocar na marginalidade e na violência urbana, o desemprego precisa ser contido. Na época do Milagre Brasileiro, as coisas pareciam bonitas: a economia crescia a uma taxa média anual superior a 11%. Depois, quando o povo pôde escolher o seu mandatário, tivemos, de chofre, o caçador de marajá modernizador. O povo está só - disse a Ministra Zélia, toda chorosa, depois do "obaoba" que confiscou nossa poupança. Outro dia, o neoliberal Gustavo Franco, presidente do Banco Central, fez lembrar aqueles tempos afoitos, quando investiu palavras ásperas contra certo jornalista de SP que criticava a economia brasileira. Na Argentina, país que aprendeu a acompanhar o Brasil no caminho rumo ao Primeiro Mundo, talvez encontremos algumas respostas para estas regras maniqueístas que já derrubaram muros e constroem agora blocos: Mercosul, Alca, MCE. Lá também. Os indicadores mostram um quadro animador: crescimento da economia foi de 8%, a inflação foi eliminada antes do Brasil, investimentos estrangeiros totalizaram mais de US$ 7 bilhões, desde 93. Assim mesmo, como no nosso País, a situação não está controlada. As províncias estão falidas, o desemprego e a pobreza se ampliaram. Em relação à pobreza, ela está maior que na década de 80, em toda a América Latina. Já existe gente perguntando-se se o preço da crise, como desvalorização da moeda, não seria um mal menor que o peso dos juros, que reduz o poder de compra e aumenta a falência de empresas, o chamado efeito dominó, recaindo sobre a massa de desempregados. O Ministro acha que não: "seria pior" diz ele. Num outro extremo, o técnico Mário Lobo Zagallo, da Seleção Brasileira de Futebol, depois de uma participação pífia na Copa Ouro, mais acostumado às leis da sorte que a lógica dos números, disse: - Às vezes, a gente vai por um caminho, achando que ele é o certo... O Brasil que quer vencer a Copa também quer chegar ao Primeiro Mundo. 31 E O VENTO NÃO LEVOU Se os índices das taxas de juros baixarem para um patamar entre 24% e 22% ou, como deseja eleitoralmente FHC, aos 18%, o país terá desviado de vez da ameaça de tempestade na economia, empurrando-a para os rumos do Japão ou Rússia. Depende do resultado da reunião desta quarta-feira, 15, em Brasília, pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central. Seja qual for a decisão da equipe de Gustavo Franco, o ambiente externo, pelo menos, está bastante propício, depois da visita de três dias do economista Paul Krugman, do Instituto de Tecnologia de Massachusets, que endossou todos os mecanismos utilizados até então pela equipe econômica brasileira para proteger a moeda. Como conferencista internacional, festejado no mundo inteiro, não há notícia melhor. Aparentemente, o Brasil e por extensão toda a América Latina, estão respirando aliviados desde meados de março, depois que o efeito da crise das bolsas dos países asiáticos esmoreceu a nossa vulnerabilidade. Isso porque, em virtude do afastamento dos investidores do mercado asiático, carrearam-se recursos para os chamados países previsíveis como o Brasil, Argentina, Chile e México. A emissão de bônus internacional latino-americano chegou aos US$ 10, 2 bilhões, já considerados o maior da história. No Brasil, todos nós sabemos o que foi feito para se evitar o perigo. Um antibiótico com o nome de "pacote de outubro" elaborado pelo Laboratório Malan & Cia. Também estamos descobrindo, aos poucos, os seus efeitos colaterais. O mais doloroso chama-se desemprego. Ultimamente até epidemias veio rondar algumas regiões, tirando o sono dos integrantes do governo, ainda participando da "dança dos ministérios". Terá chegado a hora de olharmos para o umbigo? Tudo indica que sim. O déficit público e externo está na mesa do Ministro da Economia. Ele passou o abacaxi da dívida pública para os Estados. Se existe alguma relação entre dois fatos, não se sabe, na verdade a União limitou a emissão de títulos estaduais. Estados com» SP, RJ e RS só poderão emitir papéis em 2008. Goiás, por exemplo, tem uma dívida 234% maior que a receita líquida anual. 32 Realmente, os esforços para ultrapassar as reservas de US$ 62 bilhões disponíveis antes da crise de outubro de 97, foram notáveis. Mas, a última emissão de bônus da República para captar US$ 1,25 bilhão, com prazo de dez anos, teve um custo de 3,75 percentuais acima das taxas similares e é o terceiro deste ano. Além dos custos, discutíveis por alguns economistas, existe a dificuldade em lidar com a abundância de dinheiro no mercado. A entrada de títulos de curto prazo com finalidades puramente especulativas força a equipe econômica a intervir constantemente no mercado. Até agora, a equipe de Malan tem levado sorte. 33 NO PAÍS DOS DINOSSAUROS Quase que diariamente, as páginas reservadas para os assuntos financeiros dos principais jornais do País, divulgam as peripécias da equipe econômica em buscar alternativas para equilibrar as contas públicas, imprescindíveis para a estabilização econômica. Mais destaque tem sido dado ao déficit público de R$ 5,9 bilhões que nem mesmo a CPMF, disfarçada de contribuição, com seus quase R$ 6 bilhões arrecadados em 97, conseguiu impedir que as comportas escancarassem em outros R$ 6 bilhões de dívidas. Para se entender o dinamismo da economia, que anoitece falando uma coisa e amanhece dizendo outra, o Produto Interno Bruto (PIB) serve como referência para elucidar dúvidas, e demonstra que o governo está deixando passar a hora de atacar seriamente esse problema. O rombo nos cofres da Nação deixa uma fragilidade que, qualquer aumento irrisório de R$ 10,00 do salário mínimo, por exemplo, com reflexos nos gastos dos Estados e Municípios, gera um déficit na Previdência de quase R$ 7 bilhões, equivalente a quase 1% do PIB. O déficit fiscal em 6,18%. O PIB brasileiro está comprometido em 6%. Para se ter uma idéia, o México, em 94 teve 8% e a Malásia, em 96, 10% do comprometimento do PIB. Foi um corre-corre nos meios econômicos internacionais. Numa outra ponta (onde estão os funcionários públicos, empregados privados, empresários e os desempregados) tem as garras da Receita Federal, cuja arrecadação de impostos chegou a um patamar superior aos 28%, nos últimos quatro anos. Neste ano, estima-se atingir em tomo de R$ 140 bilhões. Quer dizer, não fosse a Receita Federal, como estaria a situação? Ademais, por incrível que possa parecer, esses números mostram o crescimento do intervencionismo estatal que, contradizendo a retórica da política neoliberal, ainda está longe de ceder espaço "das minas de ouro" para que o setor possa produzir. É a mesma cantilena de sempre, o país perdulário para uma arrecadação insuficiente. Não se pode deduzir de onde mais tirar dinheiro, dinheiro, dinheiro. Porventura, as reformas tributárias e administrativas consigam diminuir o tamanho do Estado, dando-lhe condições de cobrar de forma mais justa e equânime 34 e, principalmente, retomando os impostos em prestação de serviço de melhor qualidade. O LEÃO MODERNO - depois de implantado novo sistema de informatização, Everardo Maciel - secretário da Receita Federal -, disse que além do Brasil, somente o Canadá possui sistema tão avançado para arrecadar impostos. O leão está com as garras cada vez mais afiadas. Eis alguns exemplos: a) aumento de 50% do pessoal habilitado na fiscalização, b) correção na tributação em alguns setores como clubes, faculdades, igrejas e instituições financeiras, c) investigação sobre operações financeiras e de comércio realizadas em "paraísos fiscais", pondo em prática a Lei de Transferências, d) cadastro nacional de pessoas jurídicas e, e) eliminação da Nota Fiscal manual. Uma coisa é certa: as instituições que formam o aparelho estatal, e que servem para prestação de serviços ao cidadão, continuam no tempo do "onça", ou melhor, dos dinossauros, confirmando o despreparo do país para o Terceiro Milênio. Moderno mesmo, por enquanto, só o leão da Receita Federal. 35 OS AVIÕES E A FOME A estiagem no nordeste brasileiro já era secular nos milagrosos anos 70. Lembro-me de quando os aviões da FAB - a Força Aérea Brasileira - faziam acrobacias nas nuvens, na tentativa de provocar chuvas e com isso amenizar a dor dos flagelados pela seca. Não sei bem porque, mas vinha logo a lembrança da figura de Don Quixote de La Mancha, lutando inutilmente contra os moinhos de vento. Foi ainda sob a censura do regime militar que, tanto a literatura quanto o cinema e a música panfletavam, (como aquele avião da FAB) o mote que persiste até os dias de hoje acerca desse problema que se arrasta governos após governos e expõe nossas mazelas no exterior, como no incêndio em Roraima. Sempre utilizado repetidas vezes para justificar o injustificável que é a falta de prioridade para problemas crônicos como a seca, o chavão era e ainda é o desvio do dinheiro público e o clientelismo. De lá até o governo Fernando Henrique, muitos governantes desceram das nuvens à terra inóspita nordestina, como na última grande estiagem de quinze anos atrás. Mas quase nada mudou no discurso. Ou melhor, veio acrescentar aos vícios da política, uma letargia hipócrita que aumenta MAIS! A distância que separa a ação do governo para com a fome, espaço suficiente para que a estiagem devaste as plantações e ponha na miséria pouco menos de 10 milhões de flagelados, espalhados nos 1200, dos 1800 municípios que formam o nordeste, onde vivem quase 30 milhões de brasileiros. Só no Ceará, são mais de 2,5 mil pessoas expostas à crueldade da miséria, conforme os alardes da imprensa nacional. Nesta semana, numa edição mais moderna e democrática em relação há quase trinta anos atrás, mais dois aviões baixaram das nuvens que não derramam água e muito menos alimentos, para fazer outras acrobacias. Desta vez, políticas. Em terras áridas dos municípios de Acoplara e Quixeramobim, no Ceará, aterrissaram respectivamente, o presidente Fernando Henrique e o presidente de honra do Partido dos Trabalhadores, pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Lula criticou as medidas paliativas do governo, pois o "povo não pode viver eternamente de solidariedade", enquanto FHC dispensou as criticas, pedindo 36 para "unirmo-nos em busca de soluções". Pouco importa as farpas para quem já está saqueando os depósitos de alimentos das prefeituras. É muito triste saber que um país que caminha em passos simuladamente firmes para a modernidade, acrescente mais esse flagelo no fardo pesado de injustiças sociais, como o menor abandonado e a prostituição infantil. E olha, no caso da seca, as autoridades meteorológicas haviam alertado, desde final do ano de 97, sobre os efeitos do El Niño. Seria até exigir muito de um governo, cuja idiossincrasia se expressa na morosidade com que busca soluções para o desemprego e epidemias que vão e voltam como bumerangue. É de fazer inveja para bicho preguiça. Ainda assim, como entender a contabilidade da fome? Por exemplo, na última seca, foram gastos cerca de US$ 2 bilhões em programas assistencialistas, leiam-se programas paliativos com fins demagógicos. Desta vez, para deter o aumento dos saques, foram liberados R$ 180 milhões que muito mal darão para beneficiar a metade dos flagelados. Entretanto, para a obra de transposição do Rio São Francisco, que criaria um leito perene de 2,1 mil km, abastecendo 220 municípios e irrigando 110 mil hectare de terra, resolvendo de maneira definitiva a questão, estima-se metade desses recursos, ou seja, com U$ l bilhão sanaria pelo menos por uns trinta anos o problema de quase seis milhões de habitantes. Neste caso, a imprensa vem atribuindo aos parlamentares baianos o impedimento na execução da obra, porque faltaria água para projetos energéticos e de irrigação, de fundamentais importâncias para o Estado da Bahia. Se conseguirem chegar a um entendimento que beneficie todas as partes interessadas - e nisto FHC é mestre - um projeto dessa envergadura, com resultados eficazes, juntar-se-ia a outra muito bem-sucedida, que foi a implantação da fruticultura em Petrolina e Juazeiro, que levaram longos 25 anos. Existem até mesmo soluções com menos dispêndio, se se levar em conta o veio de água correndo furtivamente a alguns metros abaixo do solo. CÉU DE BRIGADEIRO - Enquanto as cestas básicas do governo não chegam a todos os atingidos pela calamidade (a previsão é de 20 dias), uma outra previsão, a dos meteorologistas (os mesmos que informaram os efeitos do El Niño) revela uma boa notícia: deve chover nos próximos dias! Bem, até lá, os aviões 37 emergenciais conduzindo Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva, já estarão sobrevoando outras nuvens, quiçá, encharcadas de água, finalmente. 38 O CÃO MORDE O RABO A equipe econômica do governo ainda não conseguiu desvencilhar-se do círculo vicioso em que se meteu. Desde setembro de 95, data em que o déficit primário (aquele que não leva em conta os juros da dívida pública) e o déficit nominal (aquele que leva em conta, sim, os valores expressos em títulos) começaram a avariar uma performance anterior superavitária em relação ao PIB (conjunto de riquezas produzidas pelo país durante certo período) ou Produto Interno Bruto, como queiram. Evidentemente, que o mundo não vai acabar com o anúncio recente do crescimento negativo que já chega ao quase 1% nos prejuízos primários e 6,53% nos prejuízos nominais. Afinal, a alternância entre superavitário e deficitário, nesse período de 95 a fevereiro de 98, foi estimado como normal pelos experts que acompanham as idas e vindas da economia brasileira. Cada vez mais, porém, não somente expõe a diferença que foi a mudança de rumo imprescindível para a implantação do real, com sua conseqüente paralisia no crescimento da Nação como, da mesma forma, acentua-se a dificuldade latente do governo em dirigir uma política social, com problemas em grande parte inerentes à política econômica pela qual optou. Enquanto persistir o imbróglio pulverizado por esse tripé: 1. Reduzir o déficit público; 2. Recuperar o crescimento e; 3. Impedir a fuga dos capitais estrangeiros fica demonstrado a incapacidade do governo em conseguir encontrar uma fórmula para sair dessa roda-viva. Uma notícia dada no final de abril, após a expectativa criada com a redução do TBC (a taxa básica dos juros) teve repercussão semelhante a uma vitória decisiva da seleção brasileira de futebol, numa quartas de final, caso já estivéssemos disputando a Copa do Mundo na França, e o sonho plausível do pentacampeonato estivesse mais palpável. Pois é. A notícia da mexida na minibanda, a faixa estipulada pelo Banco Central, para que a cotação do dólar possa oscilar livremente, deu sinal de 39 SEGURANÇA para aqueles que convivem no dia-a-dia dos números da economia, como os investidores e exportadores. Embora a equipe econômica tenha divulgado ser "uma mudança lenta e gradual", dando números de 2% a 3% nos intervalos (correspondentes ao piso e teto da minibanda) para dois a três anos, nas entrelinhas, onde o movimento econômico toma vulto, a senha foi outra: LIBERDADE para o mercado. Uma pequena janela é claro. Do outro lado, porém, vinha um consistente sinal sob as causas dessa medida, dizendo que "as coisas" estavam sob controle. Explica-se: num ambiente onde vigora uma política de âncora cambial, com persistentes intervenções do governo, qualquer alteração em direção às leis selvagens da oferta e da procura demonstra, por menor que seja, uma forte confiança nos destinos da política econômica. A obrigação do governo em comprar dólar quando a cotação aproxima-se do piso e ofertar dólares quando ocorre o mesmo na faixa do teto da minibanda, é apenas uma faceta do exercício da equipe econômica em manter o controle cambial. A rigor, não devemos nos preocupar com índices econômicos de um período restrito como o que trata este artigo. Estes indicadores são como ondas de freqüência modulada das emissoras de rádio FM, que ao contrário das ondas médias e curtas, não batem na atmosfera e voltam e, por isso, restritas mais ao perímetro urbano. Como a Rádio Cidade FM, por exemplo. Desde que o governo mantenha a forma de controlar e as coisas não descambe, tudo bem. A votação da reforma da previdência é uma dessas formas e, esse círculo vicioso que pode ser comparado a um cão mordendo o próprio rabo, precisa ser quebrado, porque as dentadas são na pele do povo, reproduzidas no desemprego, na fome dos flagelados, nas epidemias,... 40 DEPOIS DA TEMPESTADE, VEM A TEMPESTADE Após o segundo turno das eleições em que o quadro político nacional se desenhou, o Pacote Fiscal proposto pelo governo federal e a prevista liberação de U$ 45 bilhões pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) são considerados fundamentais para equacionar, ou, pelo menos, começar a trilhar o caminho de equilíbrio das contas públicas. Os holofotes se voltam para os acontecimentos internos que promete demorar, com previsível desencadeamento de ações judiciais contra as medidas do governo. Entretanto, uma outra interrogação procura resposta nos chamados mercados internacionais. A solução dos problemas monetários e econômicos brasileiros que pareciam ser domésticos, de repente, inclina-se para as perspectivas do ambiente externo. Antes das negociações com FMI, falou-se muito em fazer o dever de casa. Agora, já é de consenso de que de nada valerão os esforços na execução do Pacote Fiscal, mesmo contando com a sua aprovação na íntegra, se não houver, paralelamente, um ambiente externo propício. Do outro lado, a queda dos juros nos Estados Unidos e na Europa e o saneamento no sistema bancário japonês, vem sendo apontados como os principais motivos para uma indisfarçável euforia na comunidade econômica nacional e internacional, preocupada com a posição do País, fincado na rota da crise financeira internacional. Essa perspectiva otimista tem um lastro. Foram injetados 90 bilhões de dólares no Fundo Monetário Internacional, pelo Grupo dos 7 e o Parlamento japonês ofereceu 500 bilhões de dólares ao sistema bancário. Os Estados Unidos cresceram 3,3%, acima dos 2% esperados por Wall Street. As bolsas responderam em alta nas últimas semanas. A turbulência passou? Teria passado se não houvesse um pessoal acompanhando a trajetória da dinheirama no mundo, para daí emitir suas premonições. Paul Krugman, professor do Massachussets Institute, insiste para que o governo japonês provoque a inflação, sem a qual, nada de boas notícias no front externo. 41 Li num desses inúmeros artigos sobre economia, uma previsão nada otimista de David Roche, analista de investimentos de uma financeira britânica, a Independem Strategy. Ele diz que deve haver uma contração potencial no crédito de 4 trilhões de dólares. Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, lembrou que esse valor equivale ao tamanho da economia do Japão, simplesmente a segunda maior do mundo. Definitivamente, a crise externa não se resume na simples queda de juros nos Estados Unidos e na Europa e no esforço do governo japonês. O fantasma da crise de 1929 ainda atormenta as mentes mais brilhantes da economia mundial. E quando o facho do holofote se dirige para o enfrentamento, justamente desses problemas externos, mais se fala em currency board, que nada mais é do que a conversão rígida utilizada por alguns países, no qual desaparece a interferência do banco central. Essas idéias são puxadas por aqueles que defendem as exportações como a alternativa, se não a única, para sair do labirinto cambial que a equipe econômica se meteu, como Delfim Neto, por exemplo. Mas isso, desde que haja uma desvalorização do real em, pelo menos 25%. O assunto se arrasta e só pára quando alguém lembra a experiência semelhante feita no México que amargas conseqüências funestas até hoje. O ex-ministro da economia da Argentina (91-96) e atual candidato à presidência daquele país em 99, Domingo Cavallo, em entrevista ao jornal Gazeta Mercantil, em 26 de outubro, combateram o número excessivo de moedas e políticas monetárias soberanas, receitando também a conversibilidade rígida, o currency board feito em seu país, como antídoto à crise financeira internacional, porque, segundo ele, fica mais adequado economia globalizada. Oferecer alternativas em reais e em dólares aos financistas brasileiros que colocaram dinheiro em títulos públicos, pode baixar mais rapidamente as taxas de juros. Esta é a sugestão do exministro para o pacote fiscal brasileiro. Analisando outros fatos, como os depoimentos de Alan Greenspan, do Fed, o banco central americano e de Bill Clinton, no mês de setembro, não fica difícil relacionar com as medidas que logo vieram. O Fed tomou iniciativa em relação aos juros, ao receber o recado sinistro, quando foi feito o salvamento do LTCM, o fundo de investimentos inquebrável, um tipo de titanic dos títulos; e depois o presidente dos Estados Unidos, preocupado com o mercado interno invadido por produtos asiáticos e os seus clientes latino-americanos, do qual o Brasil corresponde com 42 mais de 40% do PIB, correndo o risco de ser mais um empecilho ao escoamento dos produtos americanos. Nesse panorama externo destaca-se, a meu ver, uma seqüência lógica nas atitudes dos mandatários em relação à crise financeira. Foi assim com Clinton e Greenspan nos Estados Unidos e também foi assim, na Comunidade Européia, logo após a eleição de Gerhard Schroder, na Alemanha. E no Brasil? Resta-nos a apreensão às atitudes claudicantes do governo em negociar com a sociedade, sempre confiante (taí FHC reeleito), mas que pode cansar de tanto sacrifício. Se em outras partes depois da tempestade vem a bonança; aqui, de repente vem outra tempestade. 43 OS ESQUELETOS Entendemos melhor o presente quando olhamos para o passado, dizem. E a partir daí podemos construir o futuro, não é verdade? Sempre achei isso tudo muito bonito. E olha, tem gente perdendo o bonde da história, à procura de respostas para os problemas econômicos, financeiros e monetários do Brasil. Viajam longe, de Cabral a Marechal Deodoro. Outros chegam até a década de sessenta e já trazem muita luz para iluminar o fundo do poço. Tenho dado mais atenção para essa turma de sessenta. O País quebrou mesmo, o que podemos fazer? Se o governo optará pela redução dos juros, flexibilização do real ou incentivará a produção, ainda é uma incógnita. Talvez possamos mesmo aprender com o passado e evitar surpresas desagradáveis no futuro. Com a estabilização da moeda ficou para trás a inflação e muito do que ela encobria, no hábito pernóstico político e na interpretação equivocada da prática das leis. Chamam de retirar os esqueletos do armário, as conseqüências do período em que o País emitia moeda toda vez que fosse necessário e o custo ficava zero; método muito utilizado na fase inflacionária. Pois é, os efeitos da senhoriagem um dia ressuscitariam, como ressuscitou. Mas a praticidade numérica dos economistas rouba-lhes a imaginação, pois esqueletos subentendem-se um passo antes do pó. Assombração e fantasma não, eles perseguem. O que tem assombrado muito da lassidão como ficaram as nossas contas públicas, são essas coisas. Na ocasião em que se engendraram muitos dos males de hoje, as leis considerava o dinheiro obtido com o endividamento público como receita, portanto, a inflação não entrava na contabilidade e o equilíbrio orçamentário era na marra. Aliás, se por um lado a interpretação da lei encobriu um rombo devastador, por outro, o nosso conceito de déficit público é muito mais abrangente que muitos países, inclusive da Europa, que não consideram Estados e Municípios. Não é um consolo, mas eles já tiveram seus esqueletos também, mas, creio, já devem ter retirado do armário há mais tempo que nós. Por isso é que grande parte da elite governamental considera o nosso fundo do poço como um divisor de águas. 44 O pacote fiscal se for realmente aplicado, poderá arremessar este País a uma condição de igualdade perante as nações desenvolvidas. O conjunto de medidas forma uma espécie de circuit breaker, como o presidente Fernando Henrique chamou, num dos seus discursos, antes do anúncio do pacote. No conjunto de medidas destaca-se muito o rombo da Previdência, mas no equacionamento da dívida dos Estados e Municípios e a aplicação da Lei Camata, que restringe os gastos do orçamento com o salário do servidor em 60% talvez esteja o principal parâmetro para que as medidas propostas pelo governo tenham amparo e sejam exeqüíveis. Estados como Alagoas, por exemplo, consomem toda a receita com gastos com salário do funcionalismo. Essa má fase da história brasileira pode construir um País melhor ou pior para as gerações futuras. E isso depende em grande parte do próprio País. Que a deflação não se prolongue tanto e vire recessão e esta não se aprofunde, transformando-se em depressão. E que as condições internacionais se acomodem. Na jogatina mundial o Brasil foi mau jogador. Errou o arremesso dos dados e, como demonstrou desconhecer as regras (se é que existem) dessa farra financeira, estamos numa situação de bêbedo desamparado. Mas o problema é nosso. Não será nenhum crupiê que virá retirar nossos esqueletos do armário. 45 DO OUTRO LADO DO MUNDO É bem assim. As diferenças abissais entre os chamados países do terceiro mundo e os do primeiro mundo, às vezes assustam. Não fosse a mídia divulgar a cultura primeiro-mundista desde que nos sentimos gente, cairíamos da cadeira. Um pouco preparados, nem tanto. Somos emergentes. Emergentes do que, não sei. Essas coisas que mostram que estamos longe de sentir, pelo menos, o aroma deixado pelo caminho por onde passa o cidadão desenvolvido, a gente acompanha no dia a dia, via satélite. Como a televisão brasileira é dominada pela programação americana, o padrão de parâmetro que nos baseamos para com a turma do lado de lá, segue o que os filmes e noticiários das grandes redes dos EUA nos mostram. A singularidade da democracia, a distribuição da riqueza abundante, o patriotismo e o caráter coletivo e eficaz como enfrentam seus maiores problemas, como as catástrofes (que, por causa disso, nunca chegam a ser grandes catástrofes). A perturbável comparação ciosa desponta no interior de quem enfrenta momentos de auto - estima como estes que nós brasileiros passamos com o exaustivo exercício de nadar, nadar e morrer na praia. Ainda bem que este colosso não é feito somente da simetria dos indicadores econômicos. Come pelas beiradas a alegre turma da produção. O Sol Nascente - De uns tempos para cá, todos esses problemas que tanto tem afligido a economia mundial nos trouxe um parceiro inesperado, da turma dos ricos, o Japão. Embora a crise japonesa seja atribuída aos bancos, com trilhões em títulos podres, o problema parece estar mais relacionado ao cidadão japonês que detesta gastar, criando a crise de demanda - sobram produtos no mercado, os preços caem e, mesmo assim não há consumo e vem a estagnação. O primeiro-ministro japonês Keizo Obuchi vem tentando tirar o seu país da crise, desde que assumiu o lugar de Ryutaro Hashimoto. Na contabilidade de pacotes, somam-se oito e US$ 150 bilhões. Foi anunciado o nono pacote de US$ 197 bilhões, divididos entre incremento de obras públicas, cortes de impostos e financiamentos de empresas. 46 E como grande potência, o Japão está ajudando o Brasil com US$ 1,2 bilhão, diretamente do seu Ministério das Finanças, sem passar pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais), no pacote de ajuda juntamente com o FMI, Grupo dos 10, BID e BIRD. Mas o motivo que me levou a escrever esta breve história está no projeto do governo japonês. Ele pretende distribuir nada menos que US$ 164 a aproximadamente 35 milhões de pessoas, entre adolescentes, velhos e aposentados para que se gaste da maneira que bem entender. Deste lado de onde o sol morre a gente não aprendeu ainda a distinguir produto supérfluo de gêneros de primeira necessidade. Nem o governo federal, agora já se pode perceber, soube se adaptar com um período pós-inflacionário. Então, distribuir dinheiro para a população é mesmo coisa do outro mundo. ALÔ TRABALHO Numa visão globalizada, as causas do desemprego são atribuídas a fatores distintos; como os problemas estruturais devido ao excesso de regulamentação em alguns países europeus; o efeito sazonal, como o que baixou o índice de 7,65 % para os festejados 7,45%, no Brasil; a filosofia do downsizing, com os aportes tecnológicos inovadores; e a própria internacionalização dos agentes transformadores da produção. Entretanto, seja nos países emergentes ou nos desenvolvidos, a crise externa recente tem colocado mais combustível ao problema do desemprego, considerado como um dos maiores males que aflige o mundo neste final de século. De fato, menos possíveis ficam as soluções enquanto os prognósticos indicarem para uma recessão planetária. Quanto a essa recessão planetária, ela já fez aniversário, pois foi depois dos problemas na Ásia que se alardeou aos quatro cantos de um possível crash global. Há, portanto, que se ressalvar o pânico generalizado que afugenta os investidores, sejam de capitais especulativos ou diretos. O pânico ocupa a vaga do empregado na outra ponta do efeito dominó, contagiando desde o operário mais humilde até as mais influentes autoridades de certo mundo globalizado. Por conta dos problemas financeiros, um considerável número de estudiosos da crise internacional continua receitando o incremento no setor produtivo, como uma panacéia no meio desses problemas difusos entre a produção e o comércio. De acordo com a opinião generalizada que se encontra nos editoriais da mídia categorizada, houve alguma disposição nesse sentido, quando a queda dos juros na Europa ensaiava optar por essa direção, depois das eleições na Alemanha. Porém, tanto na Alemanha quanto no Japão, os governos estão revendo suas políticas sociais e, portanto, distanciando-se do foco do problema. Artigos do The Economist e Financial Times, transcritos no jornal Gazeta Mercantil, no final de novembro, revelam situações semelhantes no que tange ao enfrentamento do desemprego. E, assim como a legislação trabalhista brasileira foi taxada como protecionista por aqueles que defendiam (e ainda defendem) a abertura imediata do nosso mercado, e de resto, outras nações do Mercosul; em países como o Japão e a Alemanha (do Primeiro Mundo, pois), essas 48 questões estão sendo colocadas à frente da mesa de negociações, com o enfrentamento direto dos impedimentos legais. Notícia econômica: "A globalização e a recessão estão dando o tiro de misericórdia na ideologia japonesa do emprego vitalício". O governo de Keizo Obuchi vem promovendo uma desregulamentação no setor e a adoção do trabalho temporário em sua plenitude é uma questão de tempo. De repente, uma surpresa: é que uma agência de emprego estatal japonesa tem o mesmo nome chamativo como o governo brasileiro procura divulgar sua propaganda contra a falta de trabalho (ligue para 0800-610101). Também se chama Alo Trabalho: Haro Waku. E na Alemanha? Os analistas concluem que a população deve perder um pouco dos principais fundamentos do seu Estado do Bem Estar Social. "Schroder muda projeto", diz a nota, revelando que o governo recém - eleito vai mudar seu projeto inicial para com a questão do desemprego. Estima-se em seis milhões, o número de alemães empregados com salário inicial pouco abaixo de US$ 370. Como o governo isenta das contribuições previdenciárias o trabalho de baixa remuneração, os empregadores acharam uma "brecha" para fugir das tributações, enfatizando as admissões desses funcionários. Resultado: o governo vai generalizar o ônus com uma lei a ser aprovada em abril. No Brasil, as leis são empecilhos removíveis, mormente quando o assunto recorrente trata de globalização. Nesse caso, diminui-se o tempo com edições de medidas provisórias. Enquanto se aguarda um arrocho no poder aquisitivo da classe trabalhadora com o novo pacote, os ministros do trabalho do Mercosul, em recente reunião, reafirmaram o compromisso com treinamento e capacitação profissional. Mas o corte de 50% para o Orçamento de 99 desestabiliza o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e deve inviabilizar o financiamento de projetos sociais voltados para o preparo e alocação nos postos de trabalho, pois canaliza recursos para o Codefat e este dirige para o Planfor e Proger. Em seguida, vem a medida provisória n 1.726, de 3/11/98, Mas já houve outras; como a de n 9.601, de 21/1/98 e a de n 1.709/3, de 29/10/98. Com a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, o governo espera atenuar o desemprego, pois; a medida, num período de dois a cinco meses o empregado participará de treinamentos de qualificação profissional, recebendo os proventos e esses, livres de tributação para o empregador. 49 Como o desemprego é um flagelo de dimensão mundial, as medidas adotadas pelo governo confirmam um acompanhamento não muito distante de receitas exóticas. Quem arriscaria previsões animadoras para 99? 50 OS MUROS DE WALL STREET Entender o mercado de capitais não é tarefa fácil. Bem mais simples são os "chavões" que procuram encerrar nossas dúvidas, como este: "a bolsa sobe na expectativa e desce quando os fatos se concretizam". Já é alguma luz nesse jogo cheio de lances inusitados, nas quais as empresas tomam dinheiro dos investidores através da venda das ações, e os lucros passam a ser um moto - contínuo naquela frenética loucura dos pregões. Tudo repercute nas Bolsas - desde crises externas, planos econômicos e investimentos estrangeiros até inofensivas fofocas, como as das estripulias sexuais de Clinton e Monica Lewinsky. Só nessas horas, quando alguém vai mexer no nosso bolso é que nós, os mais simples dos mortais, despertamos para a importância dos indicadores econômicos. Uns exemplos mais à mão, são os índices que medem o desempenho médio das cotações do mercado acionário. Quem gosta de navegar pela internet, vai surfar por uma penca deles, com seus respectivos nomes esdrúxulos: Daw Jones, FT-100, Nikkey, Merval, IBV, IPC, AllOrdinaires... Que os indicadores aglutinam em blocos, das Américas, Europa e Ásia - Pacífico. Observe a tendência de alta. Por três vezes consecutivas na última semana o mais importante indicador norte-americano, o índice industrial Daw Jones rompeu a barreira imaginável de 10 mil pontos. E daí? Bem mais fácil seria entender índices de mortalidade infantil e crescimento da pobreza. Mas enquanto capitalistas, a pujança da economia americana influencia a vida do mais simples cidadão. Todo mundo sabe que as cotações acionárias e cambiais conferem minuto a minuto a saúde econômica planetária. O referencial é e sempre será (até que ocorra algo pior), o colapso ocorrido na Bolsa de New York em 1929, desatando um efeito dominó que contagiou outros segmentos da economia mundial. Quem não ouviu falar na Grande Depressão, da década de 30? A partir daqueles acontecimentos, convencionou-se em estipular uma barreira no crescimento econômico, da inflação, do desemprego; entre outros. Essa tal de Inflation Targeting (meta de inflação), importada pelo atual presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e utilizada já por outros países, foi destacada desse contexto para fins domésticos. É uma parede de temeridade erguida por Waïl Street. 51 Por outro lado, esses 10 mil pontos alcançados pelo índice Daw Jones é um marco, pois, os livros - textos (O Colapso da Bolsa, John Kenneth Galbraith) não explicam a quebra nas bolsas pela simples e suposta falta de regulamentação do mercado. E o consenso acaba se generalizando pelo mote: excesso de otimismo e "quando isso tudo vai parar”. "O Dow Jones Industrial precisou de 77 anos para chegar dos 100 aos 1000 pontos, e apenas de 15 para saltar dos 1000 aos 10 mil pontos" - escreveu Mário Zamarian, da Gazeta Mercantil, em 19.03.99. Quer dizer, a corrida está bem mais rápida. Excesso de otimismo, como se dizia antes, e irracionalidade, como Banco Central americano classifica o momento atual da economia americana, parece dizer a mesma coisa, embora mais de sessenta anos os separem. "A economia do país está esticada, o que pode significar uma economia de riscos", disse Greenspan, presidente do FED, o Banco Central americano (Gazeta Mercantil). No jornal Folha de São Paulo, de 17.03, diz: o país não deve alterar a taxa básica de juros (atualmente fixadas em 4,75% a. a.), porém o Departamento de Tesouro deverá alterar sua previsão de expansão, de cerca de 2,5%, para um crescimento superior a 3%. Robert J. Samuelson, em Cartas de Washington, Revista Exame, edição 684, revela que o PIB americano cresceu ao ritmo espantoso de 5,6%, superando de longe a previsão feita pela maioria dos economistas. Embora o assunto deste articulista fosse a poupança dos americanos, ou seja, numa outra ponta, ele alerta quanto a uma estagnação da economia americana, quando diz que “o abalo resultante atingirá mais profundamente a Ásia e a América Latina, porque um quarto e dois terços, respectivamente, das exportações dessas regiões destinam-se aos Estados Unidos”. Os reguladores da "mão (nem tanto) invisível do mercado" estão conectados com as bolsas. Ora, a rua onde se localiza a Bolsa de Valores de New York, não esconde o que sugere o seu nome. Um dia os muros de Wall Street irão desabar. 52 NOTICIAS DE RODAPÉ O termômetro utilizado para medir o aprofundamento da crise brasileira não é mais as cotações das bolsas de valores. Agora é a ascensão do dólar que mede a expectativa quanto aos sinais que direciona a política econômica do governo. O dólar já ultrapassa R$ 2,00. Por conta desse nó cambial que parecia desatado com a desvalorização do real, surge um outro nó na cabeça de todo mundo que flutua, como a nossa moeda. A imaginação flutua. O pessimismo vem de todos os lados, tanto externos quanto internos. Pesquisas sondam o grau de auto-estima do cidadão brasileiro. O Presidente da República baixa o facho da sua característica empáfia e cede a um temperamento mais comedido para conversar com os governadores da oposição. Por outro lado, aqueles que acompanham o projeto desenvolvimentista da nação, o fazem como se fossem um técnico de futebol numa partida com seus dois tempos cronometrados e sem direito a acréscimo. Para estes, foi-se uma década perdida. José Alexandre Scheikman, economista brasileiro, reconhecido internacionalmente, adiantou que já são duas décadas perdidas. Traduzindo: não dá mais para se chegar lá (lá, no caso, é esse mundinho globalizado, cujos compartimentos não alojam todo mundo). Lester Thurow, americano, economista do MIT, não entende nosso vigor em querer se se instalar no patamar dos países desenvolvidos sem antes investir em educação. E aponta os países africanos que não estão nem aí com esse negócio de mundo globalizado. Eles assumiram a exclusão e ponto. Esse negócio de década(s) perdidas(s) se prende mais aos anos oitentas para cá. Mas se formos analisar sob o ponto de vista de plano de desenvolvimento do país, a política se incumbiu disso um pouco mais para trás. Nos anos quarentas, com Getúlio Vargas tirando a base econômica do café e transferindo-a para as indústrias; os anos cinqüenta persistiram esse mesmo projeto de proteção às indústrias, com Juscelino Kubitschek e a indústria de base nos anos setentas, com Ernesto Geisel, parecendo que o ciclo de importações havia chegado ao fim. Mas o que brilha aos olhos dessa elite é o sonho mais recente de se promover o crescimento, ao mesmo tempo em que se reduziria a diferença social no 53 Brasil e o país pudesse, assim, ter a cara limpa para entrar na sala dos primeiro mundistas. Apesar de tantos projetos, tudo foi construído em cima de uma legião de miseráveis. E nisso, ponha décadas. A elaboração complicada como se compõe o PIB - a quantidade de mercadorias e serviços produzidos no país durante um determinado período - não afere bens intangíveis, como o caráter, a criatividade, empenho e determinação de um povo. Mas se for buscar no passado, minha carta se chama Barão de Mauá, que foi dono do Banco do Brasil, estaleiros, fazendas, títulos, etc. e etc. que, no meu ponto de vista, é um exemplo de espírito empreendedor do brasileiro. E até você, caro leitor, sacará da sua memória o vigor empreendedor e criativo de algum membro familiar, que sempre labutou e engrandeceu esta nação, porque todos os projetos sustentaram-se no sacrifício e disposição dos nossos antepassados como agora se sustenta sobre os menos favorecidos. Por isso que não dá para concordar com esse pessimismo, embora discordando das insistentes políticas econômicas dos nossos governos e atitudes claudicantes, como deste governo atual que escuta o marulho da cachoeira bem próxima, mas não é capaz de desviar o barco do rumo trágico. Neste caso, o nosso problema diferencia de outros países arrasados por guerras e pela fúria da natureza, como no ano passado, na América Central, que arremeteu aquelas nações há, pelo menos, quarenta anos de atraso, o tempo para reconstruir o país arrasado. Nossa Cidade Verde tem registrado na sua história uma epidemia de varíola que dizimou sua população. São Paulo e Rio recebem todo ano a visita indefectível das chuvas que, pela própria rotina de visita já demonstra a incompetência dos serviços públicos. Celso Pitta (prefeito de São Paulo) ainda tem a cara de pau de culpar os moradores que jogam lixo nas ruas e entopem os bueiros. Fora os efeitos do El Niño e, agora a La Niña, nada mais nos importuna. É o país abençoado que tanto se alardeia. Por tudo isso e até pelo respeito aos que tanto lutaram pelo engrandecimento deste país é que não dá para engolir a choramingueira. Como a história é feita pelos vencedores pode ser que no futuro a nossa história seja contada pelos capitais que atravessaram o mundo de um ponto ao outro. Mas o custo de se construir a história de um país se encontra no rodapé dos livros, jornais, 54 revistas e afins. Neste momento, sobra, no máximo, a gritaria para que o seu líder ouça o clamor destes que, verdadeiramente constroem este país. 55 OS DESVALIDOS Muitas cidades deste imenso país incorporam à sua massa populacional um outro tipo de gente que perambulam pelas ruas, dormem sob as pontes e viadutos. É todo o tipo de gente, de dementes a abandonados pelas famílias e os esfomeados, mas, principalmente crianças. Crianças esfomeadas. O mundo se espanta com um cenário cada vez mais agregado ao nosso cotidiano. Cotidiano esse muito parecido com um quadro de Vincent Van Gogh que não consegue esconder a angústia do autor, neste caso, a própria hipocrisia da sociedade. Entretanto, alguns personagens desse quadro dão um matiz de humor negro. Mas, como eu dizia, o mundo se espanta. O Banco Interamericano de Desenvolvimento, também espantado, impõe condições para liberar recursos financeiros para o Brasil. Ou o Brasil aplica os recursos de maneira eficaz no combate a essa degradação social ou nada feito. Por causa disso, o governo federal repassa esse corte de 30% ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Também o Plano de Geração de Renda Mínima foi cortado em seus recursos em 66%. Esses planos não são muita coisa em relação crescente escalada da pobreza que infesta o meio urbano. Betinho deve estar se revolvendo no túmulo, pois, se é uma gota no oceano, essa gota é um rio para essa gente sem representatividade, e por isso, sem ter como brigar pela sobrevivência. Que saudades de Betinho. Embora certas práticas divulgadas atualmente pela mídia já existiam há alguns verões, queimam-se mendigos, expulsam andarilhos, como fez a Prefeitura de Corumbá, querendo pintar um mundo utópico. No interior de São Paulo era muito comum transferência dessas pessoas de um ponto ao outro em vagões reservados dos demais passageiros. Como muito mal colocamos o pé dentro da recessão que promete ser doída para a classe média, o que imaginar para esse tipo de população desclassificada? Talvez desapareça aos poucos enquanto a mão pesada da recessão empurre de cima da pirâmide estratificadora das camadas sociais mais uma classe que o desemprego deve formar. 56 Não é querer ser incendiário. Até porque incêndio e panfletos já foram gastos para decompor um cenário que assusta mais aos turistas estrangeiros. Afinal existem saídas e talvez até essa não fosse a ideal. Mas era a única. 57 NA SOLIDÃO DA CRISE Qual o momento certo de o Brasil enfrentar seus problemas sem que estes estejam aliados a fatores externos? Uma boa pergunta que vinha incomodando - embora inconscientemente- a memória da maioria dos brasileiros. É por isso que agora, com a poeira baixando ao nível do entendimento se descubra: a moratória do governo de Minas provocou algo além da evasão dos dólares do país a culminar na desvalorização real. Estamos, pelo menos, encarando as nossas próprias fraquezas. De repente, o emaranhado de termos do jargão econômico que maquiavam a situação brasileira, sempre atribuída a fatores externos mostrou nossos problemas internos mais de perto, bem simples, aliás: os gastos do governo sempre maiores do que arrecada. E isso, qualquer brasileiro sabe. E como sabe. Afinal, a inflação foi sua melhor escola na mágica de fazer o salário cobrir as despesas domésticas e os exercícios de remarcações quase diárias lhe deu know how, e, por isso mesmo todo esse temor, enquanto a moeda americana flutua livre sem achar ainda um ponto de equilíbrio. Como disse a respeito o mato-grossense Roberto Campos antes de deixar a função parlamentar na semana passada: “... se a economia de um país é saudável, mesmo o capital meramente especulativo acaba se tomando permanente”. O Brasil relutou. A economia em constante transformação nunca foi um axioma, porém, essa opinião é apenas uma entre tantas que ocupam os jornais. Das mais acéticas, como de Jefrey Sachs e Rudiger Dornsbuch às mais brandas (por motivos óbvios) de autoria de Stanley Fischer, do FMI. Grosso modo, a comunidade econômica internacional é unânime em apontar a teimosia da equipe brasileira que demorou em desvalorizar a moeda e, seguindo os mesmos erros do México, em 94, corre o risco do overshooting (a maxdesvalorização) num desses "chutes para cima" acabar enroscando num patamar muito alto e não descer mais. Se ainda é cedo para tais considerações não se sabe. O que se %abe é que é um caminho que já vem sendo trilhado por alguns dos países emergentes, com algumas similaridades e esse argumento de que o Brasil não é o México, perde fundamentação. Fica claro o aproveitamento político com a reeleição presidencial e 58 os interesses do FMI em proteger os investidores estrangeiros que não podiam perder mais, depois da moratória russa que Jefrey Sachs chama de "o lobby de Wall Street". Na verdade a "lição de casa" necessária para adentrar no mundo globalizado precisa, também, ser mais bem analisada, pois, na macroeconomia muito se questiona o novo capitalismo com a derrocada do comunismo. O premier japonês propôs recentemente um capitalismo mais forte, amparado no dólar, euro e iene. Os fundamentos do tratado de Breton Woods, de 1944, quando foi abandonado o padrão ouro, volta e meia vira tema de algum artigo nos indicadores econômicos. O Fundo Monetário Internacional está sendo muito criticado e os fracassos nos países asiáticos lhes são atribuídos. Entretanto, ao que parece, não são os países emergentes que fazem os experts da economia internacional esmiuçarem as regras cambiais e financeiras. Mas o Japão, por ser a segunda maior potência do mundo, dói no calcanhar de muitos. É como se lá do lado dos ricos, o Japão fosse uma espécie de Itamar, versão Primeiro Mundo, sugerindo que as coisas não são assim tão lindas. Ou será que ricos e pobres não estão precisando olhar para o umbigo para questionar e procurar novas regras, um new deal. 59 MEU REINO POR UM CAVALLO Os brasileiros não conseguem dissociar a Argentina do eterno rival, notadamente no futebol e que se estende, ao que parece, a outras modalidades, conforme podemos constatar no futebol de areia, de salão, vôlei, basquete... A lista é extensa, deixa pra lá. Até porque, fica restrito mesmo aos esportes. Em outras frentes, como a economia, por exemplo, nós brasileiros, ou melhor, os macaquitos como eles nos chamam, estamos atrelados. Como namorados apaixonados, de mãos dadas que inclui encontros e muxoxos. O atual super-ministro Domingo Cavallo, esteve em Brasília, para avisar de algumas medidas que implicam infringir alguns regulamentos do Mercosul. Vale dizer, a paridade do peso ao dólar foi criado por Cavallo. Como em todos os planos econômicos abaixo da linha do Equador ele vem desatar um nó que ninguém conseguiu. No Brasil foi menos rígido por causa das famosas minibandas que equilibrava a lei da oferta e da procura pela moeda americana e antes do plano desabar, Armínio Fraga substituiu Gustavo Franco e fez a moeda flutuar. A Argentina enfrenta algo semelhante, sendo a questão principal se ela vai ou não acabar com a paridade. Temos de torcer por ela. Incrível, mas é verdade. De acordo com os experts no assunto, não seria nada bom ao Brasil se a Argentina quebrasse. Tanto isso é verdade que a taxa Selic subiu de 15,5% para 15,75%, contendo um viés de baixa, como chamam a tendência depreciativa. Como as nossas reservas não passam muito além dos US$ 30 bilhões e, embora o contexto seja um pouco diferente, a verdade é que a nossa situação não é o que aparentava. Qualquer sopro e o nosso castelo de sonhos vêm abaixo. Aos olhos dos investidores, somos todos países emergentes e o tira-e-põem dos seus dólares segue o termômetro das crises. Somos todos Zés Manés, Juans, Pablos. Noutras palavras: farinha do mesmo saco. Pero no mucho? Si señior. Mais globalizados que nunca. Mas são nas externalidades dos blocos econômicos, como o Mercosul, a Alca e Comunidade Européia que surgem as interrogações. O atual ministro cogita a criação de uma cesta de moedas, mas, como alguns países da América Latina já se converteram ao dólar. Sabe-se que, ao contrário dos brasileiros, a moeda 60 americana sempre possuiu mais trânsito entre os argentinos, tendo uma base mais abrangente na sua economia. A última pesquisa divulgada aponta 70% de argentinos preferindo o regime de conversibilidade. Se a Argentina fizer o mesmo, da minha parte, fico duvidando - assim como se duvida da masculinidade de outrem - da propagada garra Argentina, aquele sangue espanhol, regado a vinho, dos quais tememos e admiramos ao mesmo tempo, quando as seleções de futebol dos dois países se defrontam. O nacionalismo argentino é digno de admiração. O ministro argentino está frente a frente com essa questão da conversibilidade. Caso a Argentina opte em abandonar a sua moeda em favor da moeda norte americana estará dando um passo atrás no nacionalismo que os levam às lágrimas quando entoam o hino nacional e erguem a bandeira celeste no mastro. É através da política fiscal e monetária que o Estado exerce a sua função estabilizadora, portanto a moeda nacional é bem mais que um papel pintado e não precisa ser expert nesses assuntos para saber o que representa a moeda de um país à sua soberania. Não vou me estender. Naquela célebre história de William Shakespeare, o herói da hora precisava apenas de um cavalo para derrotar os franceses e gritou: "Meu reino por um cavalo". E venceu. O ministro Domingo Cavallo tem se desdobrado em intermináveis viagens enquanto o presidente De la Rua visita o Papa. Todos os esforços para tentar solucionar uma crise de um plano por ele criado. Nesse amálgama de blocos econômicos, para não virarmos farinha do mesmo saco é preciso que Domingo Cavallo vença. 61 ENCONTROS CUCARACHAS Escrevo este artigo, sexta-feira. O assunto da hora são os jogos olímpicos. Se bem que, pelo visto e espaço dado até o momento, a mídia só desviará, um pouco, a atenção dos Jogos Olímpicos de Sydney, se for para mostrar as manifestações de grupos de ecologistas, religiosos, sindicalistas, socialistas, anarquistas, neonazistas (e outros istas) em Praga, na República Theca e Eslovaca, onde começa a reunião do FMI e Banco Mundial, nesta segunda-feira, 18. Estão conseguindo o que pretendiam: virar notícia. São aguardados, além, é claro, dos promotores do evento, mais de 20 mil manifestantes para protestarem contra a falta de política dos países mais ricos para com as crianças que morrem de fome por causa da dívida de países do terceiro mundo; pelo poder irrestrito das grandes marcas que dominam a economia e por problemas ecológicos; mas, principalmente, pelos rumos da globalização. Essas manifestações de protesto estão ficando comuns tanto quanto as reuniões dos principais órgãos mundiais. Foram os mesmos quebra-quebras nos últimos eventos, como o Fórum Econômico Mundial, em Melbourne, Austrália e, a Cúpula do Milênio, em Nova Iorque, Estados Unidos, que tratou do crescimento da pobreza e o avanço da aids. Todos acompanhados de protestos das entidades não governamentais. Os motivos para tantos protestos são, basicamente, os mesmos, assim como, os pontos convergentes também são os mesmos. Nem um lado nem o outro apresentam soluções, apenas alternativas que, ao que parece, não surtiram bons êxitos. Se atentarmos sob o ponto de vista ecológico, a resposta parte da atual constatação de que a camada de ozônio está cada vez maior; e no que tange a uma melhor distribuição de riquezas, razão dos maiores problemas sociais, não se revela benefícios para os mais pobres, de acordo com relatório recente do próprio Banco Mundial; e as marcas, centro de fogo e ódio dos manifestantes, crescem pelo mundo afora, através de fusões e aquisições, ameaçando a soberania das nações. Vejam senhores, que, apesar de não aparecer (pelo menos eu não vi) nenhum manifestante com cara de terceiro-mundista, com bocas desdentadas e coisas desse gênero, aqueles alegres farristas arianos travestidos de ciclopes (o 62 monstro de um olho só, no meio da testa), com exceção de alguns religiosos e neonazistas, esses grupos estão protestando por problemas mais nossos do que deles. Logo, conclui-se que, eles aviam as receitas e reclamam do gosto. Mas os encontros e manifestações poderiam ser nossos. Embora quem polua o ambiente sejam os países ricos, o efeito estufa tende a afetar mais os países pobres, pela sua falta de estrutura; são as crianças dos países do terceiro mundo que morrem de fome por causa da pesada dívida externa a ser paga, assim como os efeitos da globalização só poderão afetar os países recentemente aceitos na nova arquitetura, depois de fazerem a lição de casa. Aliás, essa história de marcas, os ícones do capitalismo, motivo de fúria de grande parte de ongs promotoras dessas manifestações, pela sua influência nos ditames dos modismos, são os pontos congruentes da discrepância dessa má distribuição de rendas. Valores elementares são mudados em favor das imposições do mercado. Cito algo considerado pelo “O Estado de São Paulo” como surrealista. Em junho deste ano, autoridades do governo fluminense e representantes de comunidades de favelados do Rio de Janeiro e Belo Horizonte reuniram-se com o objetivo de discutir medidas que servissem ao plano antiviolência, na época, em elaboração pelo governo. Saiu-se com essa. O líder comunitário Celso Peres, do Morro da Mangueira, sugeriu que se instituísse uma espécie de bolsa para que os jovens favelados pudessem comprar os produtos da moda. “É por cobiçá-los que eles se envolvem com o crime” - disse. Notório como o mundo consumista fica bem aí, basta os nativos esticarem os beiços. As baratas, sem tardança, se rendem. 63 MUDANDO DE CONVERSA Fica difícil evitar o velho chavão encontrado aqui e ali, nas notas econômicas, rezando que o modelo adotado pelo Consenso de Washington, principal mentor do neoliberalismo em moda, notadamente no nosso país, produziu – perdoem-me a redundância - um consenso: o de que ele necessita de alguns ajustes. Pelo menos é o que dá para perceber ao ler nas entrelinhas dos relatórios fornecidos pelos principais organismos internacionais, divulgados e interpretados pela mídia, a cada encerramento de megaencontros e fóruns. Há uma clara tendência à reavaliação disso tudo em marcha e não é de hoje. No ano passado, por exemplo, foi um indiano quem recebeu o prêmio Nobel de economia por oferecer um trabalho com novo foco na pobreza. Colocava alguns índices para serem avaliados à luz do neoliberalismo. Neste ano, mudou um pouco o tom da conversa, após dois americanos serem laureados com o mesmo prêmio. São eles: James Heckman e Daniel McFaden que “desenvolveram métodos estatísticos para rastrear tendência das decisões individuais que servirão para identificar como as pessoas analisam qualquer coisa que afeta a escolha”. O trabalho deles escapa da crítica por si só ao tema sobre o modelo neoliberal. Interessa-nos, sobretudo as declarações de James Heckman, especializado em economia do trabalho que, participando de um seminário sobre pobreza e desigualdade, no Rio, revelou que menos regulamentação no trabalho pode elevar renda, acrescentando que o excesso de regulamentação é o responsável pelo elevado índice de informalidade no mercado de trabalho latinoamericano. Ele também aprecia a abertura econômica trazida pela globalização. Trocando idéias com muitas pessoas, antes ortodoxas neste assunto, descobre-se que já aceitam uma desregulamentação no nosso mercado de trabalho. Olhando as nossas leis trabalhistas, não seria exagero afirmar que elas impedem um azeitamento desse setor. Evidentemente que não são responsáveis por todos os males que nos penalizam. Mas, tem lá sua parcela de contribuição. E, visto por esse lado, as declarações do economista nem precisam de espaço e tempo para se encaixar com os últimos relatórios dos principais órgãos internacionais que atestam 64 o crescimento da pobreza no mundo e a distância entre os países ricos e os países pobres. Os países ricos estão ficando mais ricos e os mais pobres, mais pobres. Antes, se as dívidas de curto prazo não pesassem tanto sobre as receitas. Todavia, se o remédio escolhido foi esse, é nesse panorama que todos precisam ter acesso ao trabalho. Entretanto, os índices de desenvolvimento humano (IDH) que levam em conta a distribuição da riqueza somada às incessantes manifestações de protesto de militantes de Ongs, que pregam um redirecionamento do processo de globalização não deixam alterar o tema da conversa. Ainda bem que produziu alguns bons frutos. O mais notável trata do perdão da dívida de alguns países da África. Pelo visto, ainda é pouco para tentar diminuir as diferenças entre os países ricos e os pobres, pois, apesar da retórica, eles caminham em sentidos antagônicos, aumentando suas diferenças sociais. Não vamos longe. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Ministério do Planejamento, aponta novo crescimento da pobreza no Brasil. O combate à fome e a miséria foi a principal bandeira de campanha, empunhada pelo atual presidente, optante da extinta Terceira Via (saída lateral para o neoliberalismo). Oportuna foi a sua declaração, no retorno da viagem que fez à Alemanha e Holanda, referindo-se ao outro Fernando, o Collor de Mello, que exagerara na abertura da economia do país. Abertura que não pára. A última partiu do setor de energia que precisa construir mais termelétricas e usinas hidrelétricas. Os investidores no setor colocaram uma condição: somente com a dolarização das contas de luz. Dessa forma, enquanto não se muda de assunto, o consumidor vai pagando pelas receitas. 65 QUE TAL UM PEIXE DOIDO? O mote da internacionalização dos mercados e tudo o mais dão conta do desaparecimento das fronteiras. Processo sem volta, dizem, apesar dos protestos de Seatle e Porto Alegre. O que poderia relacionar esse processo com a encefalopatia espongofame bovina (BSE), nome técnico da famigerada vaca louca? Aparentemente nada. Seus passos lentos e sem más intenções abriram as porteiras para dar passagem à vaca louca que virou bode expiat..., Ou melhor, uma vaca expiatória dentro das leis comerciais mundiais. Será bem-vinda. A dose repentina de nacionalismo esperneando diante das retaliações do Canadá pouco altera a nossa índole, muito mais para a assimilação de receituários. O próprio Itamaraty, incumbido de nossas relações diplomáticas, jamais esboçou muita atitude refratária. Ainda estamos no meio da seqüência dos mercados integrados, onde se destacam empresas de energia e telecomunicações, enquanto nas prateleiras dos supermercados vemos os produtos feitos especialmente para o mercosur, con los peso neto, cremma e cepillo dental. A atitude do Canadá parece um símbolo do recado padronizado do primeiro mundo. O que temos nós de nos metermos a fabricar aviões? Na abertura comercial tudo é one way – para eles. Há males que vem para o bem, e, nestas ocasiões seria oportuno atentarmos onde esse dito processo de globalização comercial se impõe de forma mais velada, como aquelas empresas de fachada, que se dizem nacionais, mas não as são. Tiro um exemplo de uma pequena nota da Folha de São Paulo. A empresa Cadadia do Brasil, responsável pela publicação do jornal “Metro” distribuídos no metropolitano de São Paulo, na verdade é comandada pelo grupo sueco MTG (Modern Times Group) e pela sócia holandesa Clarita BV. A Constituição Federal proíbe a participação de grupos estrangeiros em empresas jornalísticas no país. Por esse motivo o deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PTRJ) entrou com uma representação no Ministério Público contra essa empresa. Tomara que toda essa história da integração comercial acabe num final feliz, sem amputar muito da formação intrínseca nacional. Num romance de José de Alencar, um dos primeiros escritores a revelar a autêntica cena nacional, há a descrição de uma enchente, na qual as águas vão subindo traiçoeira e lentamente 66 até tragarem os dois personagens Peri e Ceci. Não posso afirmar se a vaca louca é um dos expoentes dessas águas turvas da internacionalização, pois tudo se apresenta de forma ingênua, quando se fala num processo bem orquestrado pelo Consenso de Washington. Mas pode repetir situações cômicas como a tal vaca doida. A intensificação dessa abertura comercial deve mesmo alterar costumes, gostos, prazeres, mexendo com muita coisa da nossa identidade. Um amigo comentou certa vez sobre a comida cuiabana e a relação com os produtos que caem tão bem ao nosso paladar. Exemplificando (sic), dizia que, num velório, uma das filhas lastimava a morte da mãe: - Nunca mais vou comer carne com arroz de mamãe. Com essa história de vaca louca que já envolveu o Brasil num episódio cômico com o Canadá, acho que esse assunto apetitoso está mais globalizado do que se imagina. Quando chegará a vez de nossa carne-com-arroz, com pequi, Maria Isabel e as apetitosas peixadas? Há algumas semanas, o noticiário mostrou um quebra-quebra dos italianos, numa manifestação contra o governo que pretende (ia) proibir o comércio da bisteca, porque se suspeita que possa transmitir a doença da vaca louca. A italianada enfurecida saiu às ruas, bradando palavras de guerra contra o governo. Nossa proximidade com a língua-mãe, o latim, dava para distinguir algumas palavras. Um italiano, muito parecido com a nossa personagem órfã que lastimava de não poder mais comer a carne com arroz de mamãe, também gritava aos quatro ventos: - La bisteca! La bisteca! Não sei no que deu essa história. Imagine-se o Estado de Mato Grosso realizando seu velho sonho de comercializar com outros países através da saída pelo Pacífico. O churrasco, a feijoada e a caipirinha brasileiros são produtos exportáveis há algum tempo. Por que não o pacu também não ser o maior produto de exportação da nossa região, levando a mojica, o pirão e a nossa pimentinha às mesas de outros países? Oh my Got! E se aparece um tipo de doença no nosso peixe, proveniente da infestação de peixe japonês, os toroços, jogados indiscriminadamente pelas redes de esgoto e entrando numa reação química com 67 uma boa dose de mercúrio escorrido dos garimpos? Ouvi no mercado do Porto essa resposta: Deus não há de deixar. 68 SOB AS ONDAS Na crise fiscal e aumento significativo da dívida pública que caracterizou a década de 90, a venda de ativos foi (e ainda é) uma opção de se resolver um problema de escassez de recursos que promovera uma tensão entre as esferas do governo quanto às transferências financeiras. Os Estados se apoderavam dos recursos dos bancos estaduais e, quando estes, sangrados até a morte, tinham de ser privatizados, os Estados então deixavam de pagar, por exemplo, as contas de energia elétrica fornecida pelo órgão federal. Em contrapartida, o governo federal deixava de repassar aos Estados e Municípios os valores do imposto de renda dos funcionários... São picuinhas, apenas exemplos ilustrativos que espelham todo o processo de privatização no país. Embrionou-se no governo Geisel, tomou forma no de João Batista Figueiredo - com restrição ao capital estrangeiro - para depois, no de José Sarney abrir completamente, sem ressalvas. Se não me falha a memória, a estatal Petrobrás foi uma das poucas a resistir durante todo o processo de desestatização empreendido pelo governo. Apesar da abertura irrestrita do seu capital, inclusive às minorias, para os quais foi dada a opção de utilizar a conta do FGTS, ela continua a merecer dos nativos o merecido apreço, embora aquém do bordão “o petróleo é nosso”, ícone do nacionalismo da era Getulista. Durante esse período, o governo foi surfando por cima das ondas modernizadoras do neoliberalismo. Agora com a plataforma P-36 indo a pique, cuja operação de seguridade impedirá prejuízos estratosféricos, permite uma comparação com um surf ao contrário, onde repousam além de US$ 1 milhão, mais nove corpos dos operários da brigada de incêndio. Andei lendo em sites do Rio e São Paulo, além dos periódicos que me chegam diariamente e o que mais se destaca é a analogia da Petrobrás com esse sentimento nacionalista. Mais um pouco e alguém lembraria a frase do presidente Fernando Henrique, classificando aqueles pessimistas diante das vicissitudes nativas, como “fracassomaníacos”. Se estava esquecida, taí. A estatal Petrobrás anda desamparada de bons fluidos, pois os inúmeros acidentes ambientais causados por ela dão margem a desconfiar ser tudo uma sabotagem empreendida por interesses alheios ao nosso brio patriótico. É fácil de entender o relacionamento emocional. Vou citar exemplos da nossa terrinha 69 quente. Quem, ao contar uma história aos filhos, poderá deixar de citar o Lanches Havaí, lá da Getúlio Vargas, o Chuá, o ônibus Baleia, as Casas Pernambucanas, da Treze de Junho. Numa história aos netinhos, certamente teria de ser citada a Usina Flexas, do memorável ciclo da cana-de-açúcar. São apegos compreensíveis que poderiam ser classificados contabilmente no ativo diferido do coração. Pegue-se a nova investida do governo federal na LBV, Legião da Boa Vontade que pode desembocar nessa mesma frustração. Somente o salário do presidente da entidade, José Paiva Neto, divulgado pelo Jornal Nacional, como sendo de mais de R$ 13.000,00, além das propriedades da entidade – dá para sentir certo desconsolo. Certo ou errado, as pessoas vivem em cima de tais expectativas. Alguns passos atrás, a atitude do procurador da república, Luiz Francisco, aquele que gravou a conversa de Antônio Carlos Magalhães, sobre denúncias a Jader Barbalho, o presidente do Senado, joga água fria na torcida por essa massa renovadora e explícita de jovens juizes adentrando nossos tribunais. Seria o mesmo o que vem ocorrendo recentemente no país vizinho, o Paraguai. Os novos procuradores de lá estão indo fundo nas investigações sobre os roubos de carros brasileiros, inclusive o do próprio presidente do país. 70 OLHOS NOS OLHOS Quanto mais se avança esse processo de internacionalização de tudo, num verdadeiro x-bagunça, naturalmente, mais se misturam alhos com bugalhos, retrocedendo a atos e costumes bem antigos – pelo menos na intenção. Lá se vai uma pá de séculos entre os alhos e os bugalhos. Antes de inventarem a moeda, o comércio foi uma das primeiras atividades econômicas da humanidade, onde se destacaram os fenícios, cartagineses, gregos e árabes, ainda sob a forma de escambo. Imagine esta cena jurássica: algumas tribos deixavam mercadorias num certo local e voltavam no dia seguinte para checar o que outras tribos tinham deixado no mesmo lugar. Já era um flerte comercial. Num salto de muitos séculos, com o desenvolvimento das relações comerciais chegou-se ao mercantilismo e a esse comércio internacional de hoje, com todo o jogo de protecionismo que inclui alíquotas, tarifas alfandegárias, cotas de importação, (incluindo a terminologia incompreensível do economês), vaca louca e muita sacanagem por parte das grandes nações. Agora, observe a cena moderninha: na hora de se fechar um negócio, os alhos ainda não se misturaram aos bugalhos, representados assim com os Silvas & Rockfellers & Bills Gates ou Smiths & Matarazzos. Apesar da influência das poderosas multinacionais tem de restar um pouco da idiossincrasia de cada qual. Mas há a possibilidade do fast track, um mecanismo que permite ao presidente norte-americano negociar antes do jamegão do Congresso. Por essas e outras, cabe invocar tradições antigas. Com tanto protecionismo, temos de recorrer ao fio de bigode, ou, à lá George W. Bush, com os olhos nos olhos - desde que não pinte um clima ô George, é que assédio por aqui tá dando cadeia. Com a recente inauguração do Hipermercado Ideal em nossa cidade, lembrei-me da Rede de Supermercados Jumbo, do Grupo Pão de Açúcar, que, aliás, deve ampliar a lista de empreendedores aportando novamente por aqui. De boas lembranças a figura do senhor José Augusto, um exímio negociador que deve estar encabulado com essa estória de “olhos nos olhos”. Ele nutria tal desdém pelas máquinas calculadoras e era partidário dos olhos nos olhos, do fio de bigode e da palavra, este, sim, acima de tudo. Quando o 71 fechamento de um negócio chegava naquela encruzilhada do dar e receber, no meio a tantas listas de preços, tratados que, às vezes não se consubstanciavam, ele sacava de uma caneta enroscada no vão da orelha para fazer contas, mais corretas, mais justas e mais simples do que as inúmeras equações produzidas pelo computador. Óbvio, tudo apenas serve de ilustração. Concebe-se por outro prisma as empresas, grandes corporações multinacionais e blocos econômicos, como o nosso Mercosul que entra em conflito com as pretensões da Alca – Área de Livre Comércio das Américas. A disputa pela sua uma antecipação proposta pelo Chile e referendada pelos Estados Unidos para 2003, que o Brasil insiste para 2005, atiça conjeturas agora com a aterrissagem em Brasília, do primeiro ministro francês Lionel Jospin. Ele e mais uma comitiva que só perde para componentes de escolas de samba sinalizam para uma importância estratégica do Brasil, como líder de uma região que interessa aos americanos e, agora, à União Européia. Depois do fiasco da visita de FH a Washington, atrapalhado por causa de um comunicado do Departamento de Estado americano aos demais membros do Mercosul, revelando segredos, os “olhos nos olhos” desviaram-se encabulados. Sem alongar, cá para nós, ou Alca ou União Européia, consiste sabermos que faltam ao Brasil algumas reformas, principalmente a tributária. Usar o termo proteger causa furor aos modernistas, mas um pouco de atenção à nossa indústria e a nossa consagrada vocação à criatividade deve ser ponderada. Um pouco de auto-estima não fará mal ao Brasil. 72 DISTANTE DO CAIS? Bastaria citar a Embraer, classificada entre as quatro maiores empresas mundiais do setor ou o Programa de Combate a Aids, destaques internacionais mais recentes e nem precisaria trazer à luz dos meios científicos poucos divulgados as pesquisas do genoma brasileiro, muito elogiado pelos organismos internacionais - para, definitivamente arrancar os arrebites que prendem o País a rapa do tacho primeiro-mundista. Porém, em contradição ao imenso e inesgotável potencial, que nem o período colonial logrou estancar, são os números frios e rígidos dos indicadores sócio-econômicos, como estes divulgados recentemente pela ONU, o tal do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) que acrescenta aos já triviais números econômicos – que cuidam da administração da escassez de recursos – os dados relevantes sob a ótica social. São demonstrativos mais doloridos, a mexer com os brios do mais insensato dos brasileiros. Uma analogia entre os recursos gastos com políticas econômicas forasteiras e os recursos necessários para elucidar problemas domésticos, ficam, obviamente inevitável. A cada divulgação desses índices, descobrem-se poucas mudanças no nosso maior flagelo, que é a miséria com a conseqüente estúpida exclusão social que perdura ano após ano, mandatos após mandatos. Os percentuais de diferença de renda da população continuam entre os maiores do mundo. Dói, ao olhar essas planilhas, por se saber dos recursos que se esvaem como polens de flores ao sopro da brisa, em pagamentos de juros da dívida ou uma “simples” operação da nossa política monetária, como vem fazendo o Banco Central para segurar a alta do dólar, o que não impede a desvalorização do real que já chega aos 25%. Essa jogatina dos mercados já levou a se classificar uma década, como Década Perdida, quando os esforços conseguidos são simplesmente jogados fora. Na classificação latino-americana, pois afinal, nosso parâmetro deve começar pelos nossos vizinhos, revela um País que fica a desejar perante a Colômbia e o Paraguai, por exemplo, sem recorrer à Argentina, que ficou bem melhor classificada que o Brasil. Mas, sem olhar para os outros vizinhos latinoamericanos que deixam os nossos índices ainda mais vergonhosos, e olhando para 73 o nosso próprio umbigo, porque, afinal, aqui está o problema, a coisa não parece tão complicada como se tenta pintar. É uma questão de prioridade. Assim como na nossa vida doméstica, optamos pela saúde, educação, alimentação, família etc. o nosso dever de casa, visto grosso modo, leva em conta a cartilha dos mercados internacionais. Mas estudos dos organismos oficiais brasileiros demonstram os problemas e as soluções, bem menos heterodoxas como essas levadas a cabo pela política econômica. Os jornais divulgaram quase simultaneamente aos dados da ONU um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) que deu números precisos dos recursos necessários para erradicar a pobreza no País. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) complementa com mais informações fundamentais que, juntas, formam uma ferramenta elementar para direcionar qualquer projeto rumo ao nosso umbigo, que é o que interessa. Não obstante, o cenário continua sendo como o de um barco, exatamente assim se apresenta o País. Nosso potencial nos deixa agarrados a um mundo moderno; o porto ao qual todas as nações se destinam. Mas com essas disparidades que ainda não conseguimos nos livrar, somos impelidos às agruras do oceano aberto. Sujeitos às intempéries. Um temor fica sempre rondando feito um fantasma, a de que as amarras se soltem e sejamos soprados à rapa do tacho terceiro-mundista. 74 HERÓI MELANCIA A reunião dos sete países mais industrializados do mundo, acrescentando-se a Rússia, o G-8, terminou neste domingo, em meio a pancadarias. Uma rotina, após Seatle, EUA. Mas foi na reunião do Banco mundial e o FMI, que aconteceu em Praga, República Checo e Eslovaca, simultaneamente aos Jogos Olímpicos de Sidney, que tratei desse assunto neste mesmo espaço da Folha. Chamei-os de “Encontros Cucarachas”. Os cucarachas são as baratas americanas... Ou os latinos, pois, seria a mesma coisa. O que me intrigava, na ocasião, era o tema dos manifestantes. Aliás, compunham-se de ecologistas, religiosos, sindicalistas, entre outros. Bem, entre outros, aqui vão: anarquistas e neonazistas. Nada contra. Mas que são bem reacionários, isso eles são. Apenas lembrei que na Europa, não faz muito tempo, chamavam os ecologistas, que se abrigavam sob o manto do Partido Verde, de ecologistas melancias, pois, eram verdes por fora e vermelhos por dentro. Assim como o bipartidarismo político no Brasil abrigou diversas correntes de pensamento. Porém, vendo as imagens dos manifestantes depredando lojas, armando barricadas e ateando fogo em tudo, chamou-me a atenção para o tema, pois defendiam questões bem aqui do nosso quintal, como a miséria, a má distribuição de renda, a fome, o endividamento. É claro que numa sociedade altamente politizada, o teor dos protestos dava mais destaque a países africanos. Mas estávamos nós, tupiniquins, também, no meio daquelas faixas de protestos. E quem protestava? Uns arianos, ora de cabelos raspados, ora muito cabeludos, piercings pendurados das orelhas aos pés, punks com aquela linda crista de galo no meio da cabeça. Cadê alguém da nossa turminha? Faltava no meio deles, algum tipo aqui das nossas bandas, com aquele lindo rosto de subnutrido, geralmente com um dente faltando na boca; porque, brasileiro lá fora, vê uma câmara e já escancara um sorriso. Daí veio aquela inquietação. Ué, por que esse povo tá protestando por nós? Para essa pergunta nunca obtive resposta. E fui assistindo eventos após eventos os protestos dos tais manifestantes antiglobalização, preocupadíssimos com os problemas dos países pobres. 75 Sei não. Tem um outro lado que não faz se acreditar muito nisso. A discriminação por sul-americanos e asiáticos, principalmente na Europa, é fato corriqueiro. Daí porque fiquei decepcionado com a morte de um jovem de vinte e três anos, Carlos Di Liani. Seus pais devem estar se perguntando, por que e por quem ele morreu? O que ele sabia sobre o outro lado do Atlântico, ou do escuro interior do continente africano? Teria ele a mesma interpretação acerca de nação de excluídos? Talvez nem soubesse o que estava fazendo no meio daqueles manifestantes, empunhando faixas de com mensagens de um problema distante. A mídia disse que Carlo é a primeira vítima dos confrontos antiglobalização. Assim como, às vezes, esse famigerado processo de internacionalização que se dá em todos os níveis, fica um pouco sem sentido, a morte desse garoto deixa um cadáver à beira de uma estrada, para onde certas causas caminham, assim meio sem sentido. 76 A DIFÍCIL ARTE DE CONJUGAR O VERBO DESENVOLVER Partindo deste que lhes escreve, fica um tanto suspicaz. Sou daqueles cuiabanos só de tchapa. Longe da terrinha quente chegava às lágrimas ao abrir as caixas de pacu frito trazido por algum visitante saudoso. Depois, nas páginas engorduradas de “O Estado de Mato Grosso” ou de a “Tribuna Cuiabana” que envolviam aquelas caixas apetitosas, procurava por notícias. Vibrei com a construção da rodoviária e a implantação da UFMT. Com este álibi, peço-lhes que não me levem no embalo deste período eleitoral. Os homens públicos passam, mas os seus feitos têm de ficar. De uns tempos para cá – seria nas duas gestões de Dante de Oliveira? - as perspectivas de Mato Grosso estão enfeitadas de boas notícias a infestar os jornais que, para colecioná-las, precisaria apurar muito bem os sentidos para não ferir os ouvidos. Caberia aquela máxima do otimismo: se melhorar estraga. Evidente que não é bem assim. Existirá sempre algo a somar, fazer, engendrar. A cada dia surgem novas histórias dando conta dessa fase, na agricultura teve a vez da uva, mas, agora, o algodão está na berlinda. Sem dúvida, a industrialização toma maior espaço na agenda do governo estadual. Pintam com verniz colorido o quadro que estampará a nova sociedade desta terra de Pascoal Moreira Cabral. Espera-se, por conta disso, “um novo tipo de migrante, aquele que se instalará na cidade e exigirá melhor qualidade de vida e que ocupará o espaço da alta tecnologia, prevendo-se uma cidade voltada para a industrialização”, de acordo com a opinião de um estudioso do assunto, que me foge, agora, da memória. Existem notícias boas ou ruins. Notícias que tratam da administração da cidade são, efetivamente, bem caracterizadas. Quando se pensava que o governo dirigia-se somente aos grandes parceiros estrangeiros na implementação da industrialização com o seu programa “Hora de Investir”, porque se noticiaram vários encontros com empresários nacionais e internacionais, eis que a administração anuncia o “Fácil”, sistema em que, empresas que faturam anualmente até R$ 25.600,00 estarão isentas de pagar ICMS. Bem na hora. Crescimento nunca foi desenvolvimento. Na distância entre eles faltam os investimentos sociais que garantirão melhor qualidade de vida. Essa 77 alternância é interessante. Lembram daquela indagação do comercial: são gostosos por que são fresquinhos ou são fresquinhos por que são gostosos? Naturalmente, quanto mais se faz, mais aparece o que se tem por fazer. Haja ajustes. E são muitos. A recente inauguração do Centro de Eventos do Pantanal dispensa comentários com os benefícios que trará à cidade. Veio preencher uma lacuna que colocava empecilhos a vários setores empresariais há muito tempo. Este é um lado. Logo no primeiro evento, apareceu o despreparo da cidade para o aumento repentino da população flutuante. A falta de acomodações na rede hoteleira para abrigar a todos os participantes é outro lado. Não existem leitos suficientes para demanda. Se puxarmos esta linha, aparecerão tantos outros problemas. Ainda mais para quem quer se especializar no turismo ecológico. Planejar no presente é imperioso quando o futuro se apresenta desta maneira. 78 LARANJAS PARA TODOS Vão aparecendo as crises financeiras, econômicas, políticas e outras escambas indecifráveis e começam as conjecturas filosóficas tratando do nosso futuro, invocando o passado. Esse negócio do apagão traz o romantismo das velas candentes. Na época do inesquecível Plano Cruzado o tema muito difundido nas esquinas, como a “do Pecado” onde duas avenidas de coronéis muito romanticamente se encontram: a Escolástico e a Duarte, popular Prainha – a conversa era ter dinheiro e não ter com o que gastar. Sinal dos novos tempos... Mas vamos ao que interessa. Uma das frutas mais apreciadas seja naturalmente ou em forma de doces e sucos, é a nossa laranja. Em forma de sucos, é um dos nossos melhores produtos de exportação. Que frutinha deliciosa. A laranjada-baía que é da Bahia (lógico!), a laranja-azeda que é azeda (lógico) e a laranjalima (que não sei porque tem esse nome ilógico), mas tem uma casca fina que costuma facilitar que a faca corte a mão da gente (ui, ui, ui). Tudo bem. Por quem diabos, me respondam, resolveram adotar o nome dessa apreciada fruta para designar aquelas pessoas que substituem outras em operações ilegais? A prática, pelo visto, vem dos primórdios da terra brasilis, mas tornouse pública por intermédio de quem? Ele mesmo, PC Farias, figura recorrente na memória quando se trata de falcatruas. Cá entre nós, ele próprio é um laranja também no meio de tanta safadeza que rola por aí. Uma matéria da Folha de São Paulo (caderno A9, 18.06.01) diz que a Receita Federal quebra sigilos bancários e descobre mil “laranjas”. Foi durante as investigações da CPI do PC. Encontraram tantos nomes falsos que virou um marco, um bench mark, como dizem os marketerios, na elaboração de falcatruas. Isso dura até hoje e “até de forma mais ousada”, conforme o jornal. Deve ser interessante o perito fazer o rastreamento dessas contas, pois o obriga a uma viagem por “mares nunca dantes navegados” com um retorno inesperado depositado na conta de algum figurão. No mês passado, quando averiguavam a ex-SUDAM surgiu um desses aqui do Mato Grosso. Na montagem dessas empresas fantasmas utilizam-se dos mecanismos das factorings que compram cheques de lojistas e empresas contratadas pelos bancos para facilitarem a compensação de cheques, o que é legal. Mas, de posse desses dados, a imaginação dos contraventores cria negócios 79 da China. Por isso que as coisas precisam sempre caminhar para que sejam às claras, com quebras de sigilos bancários e, neste particular, que sejam para esclarecer os verdadeiros fraudadores e não pessoas simples que muitas vezes se perdem no meio da burocracia e acabam sendo utilizadas. Numa outra modalidade, os pensionistas foram as vítimas mais visadas. A maioria esmagadora da população é formada de pessoas assim, o que deixa uma oferta considerável de laranja para os aproveitadores de plantão. 80 ÀS MARGENS DO RIO SENA Calma lá, navegantes! Escrevo daqui mesmo da nossa puída Cuiabá e bocejante Várzea Grande, por isso, não há motivo para aranzel, apenas mais um espasmo primeiromundista. Que está muito na moda, não é mesmo? Pra sair um pouco da trela do nosso dia-a-dia, afinal, Roberto França nunca foi inteiramente um tucano. Em minha opinião sempre se virou feito um anum. Um solitário anum se equilibrando no fio de luz. Fio de luz de alta tensão, bem explicado. Seu destino estava traçado. Ademais, o FHC dando prosseguimento aos ditames de seu marketing autoriza a liberação do FGTS, que alguns economistas chamam de esqueletos, para aidéticos e septuagenários, ou, com todo o respeito, mas... Para uma parcela que já está no bico do corvo. Um assunto bestialógico que os marketeiros julgam entender estar falando a língua do povo. De outra, vem essa. O Ministério dos Transportes anda preocupado com a diminuição de usuários de transportes coletivos no Brasil. De acordo com noticiário de A Gazeta, de ontem, o Ministério fez uma pesquisa (e precisava descobrir o óbvio?) em várias capitais, inclusive a de Mato Grosso e concluiu que na Cidade Verde 38% das pessoas andam a pé. Vôte! A pé? Com esse bafão cozinhando as entranhas e as sombras das árvores sendo relegadas apenas na arribalta, os andarilhos são, antes de tudo, uns heróis. É torcer para que, dessas reuniões para discutir os problemas do transporte coletivo em Cuiabá, saia alguma coisa de concreto, já que de cidade verde resta-nos pouco, portanto, não dá pra contar com uma providencial sombra. O tal do Aglomerado Urbano que pode incluir Cuiabá e Várzea Grande num mesmo sistema integrado de transporte podia sair das pranchetas dos técnicos e servir de alento para os 38% que andam sob o nosso estatelado sol. Mas pelo jeito ainda vai rolar muito rococó. Tranqüilos estão os franceses, à beira do rio Sena. O prefeito de Paris (Folha de SP, Caderno A13, 1º/08/01) pretender transformar em praia as margens do rio, para servir de lazer aos parisienses. Não tenho bola de cristal e previsível mesmo somente os engarrafamentos de ônibus, nos horários de rush, nos cruzamentos da Prainha com 81 a Generoso Ponce. Fora isso, só posso imaginar como ficará a obra que recuperará as margens do nosso querido RioquasesecoCuiabá. Ainda estão na construção do emissário de esgoto. Vem ainda muitas desapropriações e talvez ações judiciais dos proprietários. Aguardemos. Mas, cá entre nós, meu Bom Jesus, como é triste passar pela ponte e ver aquele pessoal pescando sobre as pedras. Quem te viu e quem te vê, ó Rio Cuiabá, sabe do que estou falando. Imaginemos, então. Deverá haver uma passarela em toda a extensão do rio, do bairro do Porto até a ponte do Coxipó, na Avenida Fernando Corrêa. Se se levar em conta a experiência de cidades interioranas do Estado de São Paulo, como Sorocaba, por exemplo, que iniciaram a recuperação plantando árvores nas margens dos rios, imagino alguma coisa muito bonita que se aproxima do que pretendem lá no rio Sena, em Paris. Lá, é coisa de primeiro mundo. Aqui é em primeiro lugar, um resgate. E por que não? 82 MAQUIADOS Esse negócio de direitos do consumidor é coisa recente no vocabulário dos nativos, não faz muito tempo, exigir direitos do consumidor era igual a certas mercadorias: supérfluo. Compravam-se automóveis do ano anterior com um friso lateral, um farolzinho na frente e pronto, lá se ia mais cruzeiros (era a nossa moeda) no preço final. Isso se arrastava a outros itens, como óleo comestível, sempre com quantidade a menor do que a anunciada na embalagem. Daí vem a ameaça de um apagãozinho e a coisa volta. Os tempos são outros, no entanto. A economia forçada e produção reduzida nas indústrias, alguns produtos, como biscoitos, latas de cervejas e o providencial das horas difíceis, o papel higiênico, tradicionalmente composto de 40 metros, são drasticamente reduzidos no tamanho, quantidade e medida. O papel higiênico caiu para 30 metros. Mais interessante: não existe nada de ilegal. Assim como em matéria de tributação, a elisão fiscal é um recurso para se evitar muitos tributos, diminuir o tamanho, medida e quantidade dos produtos como os fabricantes estão fazendo nada tem de errado, até porque vem informado na embalagem. A questão é mais do hábito do consumidor que só percebe a diferença na hora de utilizar o produto. Justamente neste momento, uma indústria localizada na Fazenda Aricá, em Santo Antônio do Leverger, pretende exportar o nosso conhecido licor de pequi. Com apagão e tudo, nossa bebida vai ganhar o paladar dos gringos. Só nos resta desejar boa sorte aos empreendedores, pois coragem eles têm. De resto, a vida contemporânea está mais sintonizada com as maquiagens de produtos e até de pessoas, inclusive de caráter maquiado, muito em moda. Neste último domingo, o Fantástico apresentou uma penca de produtos que têm ganhado a preferência de muita gente preocupada com a estética. Muito desses produtos, como bem mostrou o programa, são um perigo à saúde. Enquanto as diferenças nos produtos maquiados, como latas de cerveja e bolachas, são pequenos detalhes informados nas embalagens, o mesmo não acontece com os visuais das grandes celebridades. Anda veiculando pela internet o novo visual do Michael Jakson, o fenômeno musical dos oitentas, que se já havia deixado para bem longe aquele menino do Jakson’s Five, agora, ele vem aparecendo numa nova produção com o rosto envolto num lenço, estilo Durango 83 Kid, Zorro e outros heróis de capa e espada, na intenção de esconder uma pretensa doença contagiosa. Nunca se sabe o que está por trás de produtos e pessoas. O Festival de Inverno da Chapada mostrou uma coisa interessante... Quase não teve a divulgação e o foguetório de outros anos, entretanto, de acordo com a opinião de muitos chapadeiros convictos, foi um excelente festival, arriscando um amigo a dizer que foi um dos melhores dos últimos anos. A propaganda divulga, mas, muitas vezes, apenas maquia a realidade. Nisso, minha vizinha lá do bairro, tira de letra: antes de subir a serra, enrola a cabeleira em bobs de nylon e veste um vestido hindu sempre à espreita e se transforma numa autêntica chapadeira. Os chapadenses autênticos são assim. Falando nisso, não estive na Chapada nas noites do show, mas, na praça central, todo muito sabe daqueles hippies que ficam por lá perambulando, fazendo trancinhas, tatuagens e etc... Lasco uma pergunta: Quantos xampus e quantas Véus de Noivas seriam necessários para trazer aquilo ao normal? Fica a resposta por conta de vocês. PS: A história de hoje está meio devagar. Assim como cruzar com temerosos automóveis de limpador de pára-brisas acionados, retirando pingos de chuva que cai no centro da cidade, e não nos bairros ou vice versa. Assim como as trovoadas anunciam tempestades que não vêm. Bem típico dessa época seca, quente e empoeirada. Mas que não impede de se enxergar a beleza que é as flores dos cajueiros e mangueiras brotando à superfície da estiagem. Até Quinta. 84 A ARTE DE GANHAR DINHEIRO FÁCIL Ganhar dinheiro nunca foi tarefa fácil. Logo, todos os atalhos imagináveis são tentados. Alguns até perfeitamente compreensíveis. Porém, de uns tempos para cá, com a alta taxa de desemprego e a crise que todo mundo sabe, parece que ganhar dinheiro honestamente vem passando por algumas modificações, fazendo o desonesto parecer honesto, mascarando-o, ou, para ficar numa palavra mais na moda, “maquiando-o”. Atualmente batem às nossas portas e portões vendedores disfarçados de representantes de entidades filantrópicas que vão contando umas histórias até apresentar o produto que realmente querem vender, que nada tem de fins filantrópicos. Vez por outra aparecem uns representantes de tal empresa de pesquisa com as mesmas argumentações que desembocam na mesma oferta de algum produto novo. Quando não é na porta e portões da nossa casa é no nosso telefone. Por trás do trimmmm... Aparecem todos os tipos de bugigangas. Não vou falar dos pedidos para ser sócio de alguma sociedade beneficente que te encurralam na parede com argumentações humanitárias, tomando-lhe o tempo precioso. Ficamos com os outros, de fins lucrativos que vendem de tudo, de consórcio, sacos para lixo, cartões de crédito, automóveis e assinaturas de revistas. As vendas via telefone já não são novidades e já se incorporaram ao cotidiano doméstico. Nesse corre-corre, prestam um bom serviço tanto para o vendedor quanto para o comprador se considerarmos o tempo despendido para tal, pois fica fácil dizer sim, como também para dizer não. No entanto, para as negativas, os vendedores vão criando saídas para empurrar o produto goela abaixo do comprador, neste caso, um cidadão (ã) consumidor, que tem um Código para ampará-lo. As concessionárias de telecomunicações usaram e abusaram desses expedientes induzindo os usuários a se utilizarem de caixas-postais para guardar os recados. Depois de algumas interpelações judiciais foram obrigadas a mudar de tática. A transparência nunca é demais. Por fim, de todas as modalidades, a venda de assinaturas de revistas vem trazendo mais problemas para o PROCON resolver, mais especificamente da 85 Editora Três, responsável pela assinatura da Revista Isto É, diga-se de passagem, uma das mais conceituadas revistas do Brasil. Quem me enviou um e-mail para registrar a sua reclamação e solicitar a publicação foi uma senhora moradora do CPA II, dona Deunice, que relatou esta história. Certo dia a Editora Três, de São Paulo, Capital, telefonou para oferecer a assinatura de uma revista em promoção, assina uma e ganha a outra como brinde. Ela, no entanto, não aceitou. O que de nada adiantou, pois passaram a lhe enviar as revistas e, claro, a fatura de R$ 245,00. Ela, imediatamente pagou a tal fatura de R$ 245,00. Ué, por que pagou? Esta é a pergunta imediata dos menos atentos. Ocorre que as pessoas honestas são assim mesmo, querem se livrar de possíveis débitos. Já as pessoas ou empresas más intencionadas se aproveitam do caráter honesto do brasileiro comum. Após muitas reclamações, a empresa cancelou a remessa das revistas, mas não devolveu o valor pago. Para finalizar a história, a dona Deunice teve de procurar a Justiça comum se quisesse resolver o seu problema. Esse é outro raciocínio dos maus intencionados que contam com a desistência daqueles que são feridos em seus direitos pelos transtornos que lhe causam para reaver seu dinheiro. Não é o caso de dona Deunice e, parece que de muitos outros consumidores, pois são muitos, que estão indo atrás, sim, dos seus direitos. É estranho que uma empresa como a Editora Três que edita e distribui a revista Isto É recorra a esse tipo de atitude. Fica aqui o mesmo espaço para alguma réplica da parte da conceituada revista. 86 NÃO CHOREM POR NÓS A bola da vez ou a próxima vítima, tanto faz. O Brasil já está sendo incluído como o primeiro país a ser atingido pela crise da Argentina, caso ela venha a acontecer. Essa probabilidade não é remota como se deseja. Se valermos dos inúmeros exemplos quando o assunto trata de economia e finanças internacionais, a Argentina e o Brasil fazem uma tabelinha como se estivessem conectados via premonição. Porque têm as mesmas características de serem emergentes, um a pós o outro, como coelhinhos saltitantes, seguem a mesma trilha. Aliás, já houve um termo para classificar essa situação, um tal de “efeito orlof” - eu sou você amanhã. Depois de passarem por maus momentos com o peso atrelado ao dólar, eles abandonaram esse tipo de regime cambial, mas agora se fala em volta ao câmbio fixo, com o dólar valendo entre 2,50 a 3,50 pesos. Pelo que se ouve nos noticiários da tv e nas opiniões dos analistas econômicos dos jornais, a alternativa pretendida pelo governo Duhalde não tem sustentação para se manter e há quem diga que é mais uma atitude de desespero do governo argentino. Se for contar com as reservas do Banco Central Argentino, pelo que li, são muito poucas essas reservas e devem evaporar-se no primeiro solavanco dos investidores internacionais. Enquanto assistimos ao povo argentino sucumbir-se aos problemas econômicos, com feriados bancários para providenciar remendos e mais remendos e esforços diplomáticos do Brasil pedindo para que olhem para a Argentina, pois, só com o apoio internacional o país vizinho teria condições de sair dos problemas, seguimos menos mal em relação a eles, mas com a pulga atrás da orelha. Uma missão do FMI está, atualmente, no Brasil, revendo acordos e aproveitando a ocasião para informar que a dívida brasileira representa 10% de toda a dívida mundial. É muito grande, mas, de acordo com Armínio Fraga, o presidente do Banco Central, “somos um país grande”. Essa história de país grande, tenho minhas dúvidas, porque os problemas acompanham sua dimensão geográfica. Mas, esperamos que ele esteja certo sobre o sentido que está tentando transmitir com essas palavras. Desde que aceitou o comando do Banco Central suas atitudes tem sido de muita coerência, procurando antecipar-se aos problemas, como raposa velha que é. Ainda nesta semana estreou um novo sistema de 87 pagamentos nas compensações interbancárias que, mesmo para quem não sabe acerca dos fundamentos econômicos, pode perceber a intenção de transferir responsabilidades aos próprios bancos, nas entrelinhas, o Banco Central fica apenas olhando e, se for necessário, intervém. Essa característica de antecipar-se aos problemas, sendo às vezes considerado como exagerado, nessas ocasiões, como o da crise Argentina, deve se manifestar. O que deve se evitar é o tal do “efeito orlof”, o que os platinos estão passando hoje, nós tivermos de passar amanhã. A comunidade internacional não aceitou as lágrimas da Argentina sozinha. Aceitaria as nossas? 88 BALADA DOS DEZ ANOS Depois de uma semana do feriado de 1º de maio, muita gente segue sua vida na ociosidade e sem muitas perspectivas. O desemprego tomou dimensões preocupantes em diversos pontos do globo, haja vista as costumeiras manifestações de protesto por toda parte do mundo por ocasião do “Dia do Trabalho”, o que comprova que o problema aflige não somente o Brasil, mas, a toda a humanidade. No Brasil, país sempre citado pelos economistas por ter uma legislação trabalhista muito rígida, necessitando de uma maior flexibilidade para que os problemas desse setor sejam minimizados, sabe-se que há algum tempo o trabalho escapuliu do cotidiano do brasileiro. Evidentemente que estou me referindo àquele trabalho regularizado, com carteira assinada e, conseqüentemente com os seus direitos garantidos: férias, 13º salário, etc. O espaço desse trabalho regularizado foi preenchido pelo emprego informal. É uma questão de sobrevivência para a qual se criam novas relações entre patrões e empregados, um perde-ganha de ambas as partes. Podemos entendê-lo como os tais biscates, o jeito que cada qual procura se virar para poder sobreviver, e nisso, graças a Deus, somos bastante criativos. São os pais de família que precisam sustentar a sua prole, mas também são os jovens que precisam conquistar seu espaço, estudar, produzir, ajudar no orçamento familiar, participar da construção e da melhoria do seu país. Os tempos são outros e, à primeira vista, as causas do desemprego são associadas à globalização econômica, financeira e comercial ou simplesmente às crises que vez por outra aporta no Brasil. Pelo aspecto internacional, os imigrantes são apontados como causas principais do desemprego nos países que os recebem, competindo como oferta de mão-de-obra de baixo custo em relação aos operários locais. Para os nossos problemas visando fomentar a geração de emprego e renda percebe-se a preocupação do governo no momento em que adota várias medidas. Entre essas medidas a contratação de aprendiz, o PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador, condomínios de empregadores, no intuito de regularizar o trabalhador rural, a fruição de benefícios previdenciários para 89 trabalhadores eventuais, o que não deixa de ser uma forma de combater a informalidade. De todas essas medidas destaco a contratação de aprendiz, na forma da lei, e, a mais brilhante de todas, os incentivos para empresas contratarem trabalhadores acima de 40 anos, sendo esse último, se não me engano, iniciativas de Celso Russomano (SP) e Emanuel Pinheiro (MT). No Brasil, quando o assunto é trabalho, existe uma regra bem clara: até os vinte e cinco anos de idade, somos muito novos para trabalhar, pois, não temos experiência; acima dos trinta e cinco anos, somos muito velhos, e já não servimos para produzir, ou, se produzimos, deixamos a desejar. Fazendo as contas, sobram apenas dez anos destinados ao labor. É muito pouco para um país com potencial de crescimento inesgotável como o nosso, demonstrando, no mínimo, um desperdício que deve refletir na elaboração do PIB (Produto Interno Bruto) que mede as riquezas produzidas no País num certo período. Portanto, deve-se acrescer às medidas do governo, outras ações da sociedade organizada que vise coibir o preconceito por parte do setor de recrutamento das empresas, recheadas de teorias da era da globalização que alijam dos seus quadros essa parcela de trabalhadores que muito tem a oferecer, mesmo considerando os atuais padrões de produtividade. Senão, seguiremos nessa cantilena das ninfas em que o trabalhador forma-se no período intermediário dos vinte e cinco aos trinta e cinco anos de idade. Quem é que quer dançar essa música? 90 AFINAL, QUEM SOMOS NÓS? Pelas leis de mercado, não há dúvida: os mais de cento e setenta milhões de brasileiros podem muito bem ser chamados de Um, dois, três, da Silva, quatro. Desde que o mercado tornou-se proeminente na vida dos mortais, mortais emergentes, é claro, é que viramos uma montanha de números, na verdade uma montanha russa feita de números, por onde tais bolsas de valores sobem e descem num frenesi maior que nos dias de carnaval. À margem da capacidade de o governo efetuar suas intervenções, no sentido de estabilizar a economia, as bolsas de valores sobem e descem porque quem investe nesse tipo de negócio teme alguma coisa relacionada à confiança de retorno de seus investimentos, como a de ações de empresas serem abruptamente desvalorizadas. As bolsas de valores, pelo que se percebe no noticiário, são os primeiros sintomas do termômetro da economia. É como apalpar um bebê para sentir se está quentinho, se está com febre, se fez xixi, cocô.... Êpa! Se for cocô mole, taí um sintoma de alguma infecção. No caso que nos interessa, resta saber se a infecção é generalizada, quando a coisa fica mais séria, caso contrário, dá para intervir com algum antibiótico. É por isso que, quando o noticiário insiste em falar que as bolsas caíram é bom nos precavermos. E os motivos são os mais insuspeitos, uma declaração equivocada de uma autoridade provoca estardalhaços irreversíveis. Aliás, como fez nesses últimos dias, o secretário do tesouro dos Estados Unidos, Paul O’Neill, ao referir-se a uma possível ajuda financeira ao Brasil, dizendo que precisa assegurar de que “o dinheiro que recebem seja bem aproveitado, e não saia do país para uma conta na Suíça”. Mas um grande acontecimento como aquele de onze de setembro, quando desabaram as torres gêmeas de New York também causam os mesmos danos. Para o Brasil, a declaração do secretário de tesouro americano jogou o dólar nas alturas, porém, tudo começou com as notícias que antes tinham derrubado as bolsas de valores de todo mundo ao referirem-se às empresas americanas, cuja contabilidade não revelava o que realmente elas eram. 91 E aí, meu caro amigo Um, dois, três da Silva, Quatro, pode me perguntar: o que temos nós a ver com isso? Tudo, pelo visto. Senão, por que estaríamos com o dólar nas alturas? Nesse momento, quando as coisas vão ficando um pouco mais sérias, entram em cena outros investidores, que existem para outros tipos de investimentos, alguns voláteis, alguns mais consistentes, os chamados investimentos diretos, normalmente utilizados para construção de indústrias, obras, etc. Se os temores começam com as bolsas de valores, espalham-se e contagiam a todos. Surgem logo, os ricos. Uma deles é o tal risco Brasil, mais ou menos como se fosse uma tabela que apontasse um limite quando os investidores põem em dúvida a capacidade de o país honrar os seus compromissos. Mas quem fica com aquele frio na barriga, embora não estejamos trepados em nenhuma montanha russa, somos nós. Em meio à torre de Babel, só tem um ingrediente que me causa diarréia nisso tudo: é esse componente político atribuído à sucessão presidencial. Um tanto suspicaz. Dá uma impressão de acordo, de conivência, de alguma coisa forjada em surdina para beneficiar um candidato específico. Se for isso, é uma brincadeira cara. O ex-ministro da economia, Delfim Neto, disse que, para arejar as contas nacionais, é necessário algo em torno de U$ 20 bilhões. Então, para sabermos se somos um país da África ou a Argentina, o melhor é esperar.