BARRIGA DE ALUGUEL ENTRE CASAIS HOMOAFETIVOS: COMO
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BARRIGA DE ALUGUEL ENTRE CASAIS HOMOAFETIVOS: COMO
BARRIGA DE ALUGUEL ENTRE CASAIS HOMOAFETIVOS: COMO O DIREITO BRASILEIRO E A BIOÉTICA REAGEM A ESSES CASOS? FONSECA, Nadja Santos da1; WOLTMANN, Angelita2 Resumo O presente artigo trata da união homoafetiva no que concerne ao direito desses casais formarem uma família com filhos, sejam eles gerados por barriga de aluguel, ou no caso de casais femininos, o direito de uma das companheiras gerarem a criança com o óvulo da outra. O direito decorrente dessas relações homoafetivas sofreu e vem sofrendo grandes mudanças no Direito brasileiro, notadamente em relação ao Direito de Família. Esses pares clamam por leis e direitos e, frente às omissões legislativas e ao avanço da biotecnologia, é o Poder Judiciário e a Bioética que têm se encarregado de debater o problema e solucionar controversas em casos concretos que chegam aos tribunais, de forma positiva, no sentido de efetivar direitos desses casais homoafetivos. Palavras-Chave: Barriga de Aluguel. Casais homoafetivos. Direito. Bioética. Abstract This article deals with the union homoafetiva regarding the right of these couples form a family with children, whether generated by surrogacy, or in the case of female couples, the right of one of the partners generate the child with the other egg. The right arising from these relationships homoafetivas suffered and has undergone major changes in Brazilian law, especially with respect to family law. These pairs clamor for laws and rights, in the face of legislative omissions and advancement of biotechnology, the Judiciary and Bioethics who have taken it upon themselves to discuss the problem and resolve controversial in cases that come to court, positively, in the sense effect of these rights homosexual couples. Key-words: Rental belly. Homosexual couples. Right. Bioethics. Introdução (com Revisão de Literatura) O presente artigo visa verificar a possibilidade dos pares homoafetivos se tornarem “pais”, seja por uma barriga de aluguel ou até mesmo os pares femininos de gerarem seus próprios filhos. O problema de pesquisa trabalhado centra-se em como o Direito brasileiro e a Bioética reagem aos casos de barriga de aluguel por casais homoafetivos. A hipótese, por conseguinte, é de que é possível, através de uma interpretação concretista, seja pelo Direito 1 Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). Doutoranda em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Acadêmica do Doutorado em Ciências Jurídicas Universidade de Buenos Aires (UBA). 2 Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 39 (via legislação, jurisprudência ou resoluções) ou pela Bioética ampliar a expressão “família” para fins de concretização de direitos fundamentais. Destaca-se a mudança na concepção de família constitucionalmente protegida, o que hoje trouxe importante evolução jurídica ao romper com paradigmas de uma sociedade patriarcal, já ultrapassados. Assim, o objetivo do presente artigo será examinar as possibilidades de gerar filhos através de uma barriga de aluguel e os limites dimensionados pelo Brasil, contando um pouco de como o nosso Judiciário e a Bioética vêem esses casos. Trazer à baila este assunto é de suma importância, uma vez que o Direito, e porque não dizer o Direito de Família, vem sofrendo mudanças significativas no que diz respeito aos Direitos dos casais homoafetivos. A sociedade transformou-se e, aos poucos, exigiu uma resposta do próprio Estado, já que o direito a liberdade, tal como concebida na Revolução Francesa, em 1789, já não é suficiente para desintegrar as desigualdades. Faz-se necessário uma revisão nos conceitos e concepção de direitos, e, para tanto, nenhuma outra disciplina se presta mais do que a Bioética. Para que o problema de pesquisa fosse desvendado, foi preciso dividir o artigo em algumas seções. Trabalha-se a Família, desde a união civil até o debate sobre a união homoafetiva, para, posteriormente, à luz da Bioética e do Direito, abordar o cerne da temática, qual seja, o útero (ou barriga) de aluguel para casais homoafetivos, seja via fertilização assistida ou outros métodos. Com relação à definição de um conceito para família como instituição, há pluralidade de conceituação, não apenas em decorrência de ser ínsita a uma série de ciências humanas, como também no universo jurídico, pelas aludidas modificações a que está sujeita. Sofreu e vem sofrendo profundas mudanças no seu tempo, implicando uma alteração de sua noção. A maioria dos estudiosos do tema é uníssona em considerar a família como célula básica da sociedade, razão pela qual há uma urgência em conceituá-la e apontar as suas espécies. O Direito de Família estabelece um tratamento diferenciado às pessoas, e isto por diversas razões, dentre as quais, a circunstância de ser a família o primeiro ente coletivo no qual a pessoa se insere e deve passar a conviver de maneira grupal. A conceituação de família oferece de plano, um paradoxo para a sua compreensão. O Código Civil, não a define. Como regra geral, porém, o Direito Civil apresenta uma definição que considera membros da família pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 40 Dessa forma, Rodrigues (2004, p.6) expõe que a família se apresenta como “instituição que surge e se desenvolve do conúbio entre o homem e a mulher e que vai merecer a mais deliberada proteção do Estado, o qual nela vê a célula básica de organização social”. Neste contexto e tendo assim como fonte essencial, o art. 226 da Carta Magna de 1988, em seu parágrafo 4º, destaca: “Entende-se também como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais ou seus descendentes”. O que prevalece no direito de família é seu conteúdo personalíssimo, focado numa finalidade ética e social, direito esse que se violado poderá implicar na suspensão ou extinção do poder familiar, na dissolução da sociedade conjugal, ou seja, propriamente nos direitos exercidos pelos membros de uma família na sociedade. Maria Berenice Dias (2009, p.35), bem destaca que: O direito das famílias, por estar voltado à tutela da pessoa – é personalíssimo, adere indelevelmente à personalidade da pessoa em virtude de sua posição na família durante toda a vida. Em sua maioria é composto de direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis. O Direito, não regula sentimentos, contudo, dispõe sobre os efeitos que a conduta determinada por esse afeto pode representar como fontes de direitos e deveres, criadores de relações jurídicas previstas nos diversos ramos do ordenamento, algumas ingressando no Direito de Família. O conceito de família é relativo, altera-se continuamente, renovando-se como ponto de referência do indivíduo na sociedade e, assim, qualquer análise não pode prescindir de enfocar o momento histórico e o sistema normativo em vigor. A família é uma realidade, um fato natural, uma criação da natureza. Hoje, nesta nova visão de família, que já não é aquela formada apenas pela celebração de um casamento entre homem e mulher, mas sim uma família marcada por laços de afeto e valores mútuos. Durante muito tempo viu-se no casamento – ou união civil - a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à união livre, mais ou menos estável, traduzindo essa posição em nosso Código Civil do século passado, persistiu por tantas décadas em razão de inescondível posição e influência da igreja católica. Essa oposição dogmática, em um país no qual largo percentual da população é historicamente formado de uniões sem casamento, coube à doutrina, a partir da metade do século XX, tecer posições em favor dos direitos dos “concubinos”. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 41 Advirta-se de início que contemplada a terminologia união estável e companheiros na legislação mais recente, a nova legislação colocou o termo “concubina”, na posição para as quais há impedimentos para o casamento. Isso fica muito claro, quando se observa, no art.1727, do Código Civil de 2002: Art.1.727: “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”. A união do homem e da mulher preexiste à noção jurídica. Possuí as características de um acordo de vontades que busca efeitos jurídicos. Nessa discussão, o art. 226 da Nossa Lei Maior, de 1988, em seu parágrafo 3º, traz elencado que a família é à base de tudo, reconhecendo como união estável a convivência de homem e mulher sob o mesmo teto e convivendo como se marido e esposa fossem. Assim: “Art.226º §3º Para efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Há, portanto, um sentido amplo de união, desde a aparência ou posse de estado de casado à notoriedade social. Ainda neste campo, embora não mencionados em nosso ordenamento, há as relações ou uniões homoafetivas, fenômeno importante no campo do Direito de Família moderno. Assim dita, Girardi (2005, p.50): [...] com base no princípio da dignidade da pessoa humana, que as necessidades humanas no plano da realização da personalidade e, em decorrência disso, da sexualidade, não são isonômicas, e que as uniões homossexuais vão além do simples fato de se constituírem por pares de mesmo sexo, pois são uniões que têm sua gênese no afeto, na mútua assistência e solidariedade entre os pares e, dessa forma, não seria mais possível se deixar de reconhecer efeitos jurídicos para esse tipo de união. Nesse sentido a união civil é um fato jurídico, qual seja um fato social que gera efeitos jurídicos e ainda significa dizer, o reconhecimento da singularidade do potencial humano, na medida em que todas as pessoas merecem o tratamento de liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana. Em nenhum outro ato da vida são necessários tantos formalismos e solenidades como no casamento. De qualquer forma, durante muito tempo o casamento era a única forma de constituir família. Porém, como já dito, o art.226 da Constituição Federal de 1988, parágrafo 3º protege a união estável entre “homem” e “mulher” como entidade familiar. E mantida também pelo art. 1.723 do Código Civil de 2002: “É reconhecida como entidade familiar a Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 42 união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” A regulamentação das relações familiares no âmbito do Direito de Família vem sofrendo uma série de alterações nos últimos tempos fruto de profundas mudanças sucedidas no seio da sociedade mundial, bem como do desaparecimento de determinados dogmas e princípios antes considerados inabaláveis. A homoafetividade é uma dessas mudanças. Buscando outorgar direitos a essas uniões, o Estatuto das Famílias (VENOSA, 2009, p.416) dispõe expressamente acerca da união afetiva: Art.68 É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas do mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com o objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber às regras concernentes à união estável. Parágrafo Único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se: I. Guarda e convivência com os filhos; II. Adoção de filhos; III. Direito Previdenciário; IV. Direito a herança. Neste aspecto, há de se convir que uma relação não discriminada, mas que se torne pública e protegida por lei, leva as pessoas com esse tipo de orientação sexual a assumirem assim, um compromisso, saindo da clandestinidade e angústia que essa possa lhe causar. Em resposta a esta questão, registra-se o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, desse modo concedendo aos parceiros direitos e deveres semelhantes ao casamento. Segundo o Supremo Tribunal Federal (2011, [s.p.]), “[...] O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica [...].” As uniões do mesmo sexo agora se utilizam das disposições de diversos princípios constitucionais e à ausência de legislação proibitiva no Brasil, com o advento da Resolução 175 de 14 de maio de 2013, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. Negar aos casais do mesmo sexo o acesso ao matrimônio e a todos os seus benefícios legais conexos representa uma discriminação baseada na orientação sexual. Outros argumentos para o casamento do mesmo sexo são baseados no que é considerado como uma questão de direitos humanos universais, preocupações com a saúde física e mental, igualdade perante a lei e o objetivo de normalizar as relações homoafetivas. Segundo Venosa (2009, p.209): “O parentesco é o vínculo que une duas ou mais pessoas, em Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 43 decorrência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um genitor comum”. As famílias homoparentais são uma das possibilidades de construção familiar atual, possível de viver em sociedade. Essa noção fica ainda melhor definida nas palavras de Farias e Maia (2009, p.68): “O conceito de homoparentalidade diz respeito à capacidade de pessoas com orientação sexual homossexual exercerem a parentalidade”. Dessa forma, descreve Zambrano (2006, p.10) que: homoparentalidade é um neologismo criado em 1996 pela associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas (APGL), em Paris, nomeando a situação na qual pelo menos um dos adultos que auto designe homossexual, é (ou pretende ser) pai ou mãe de,pelo mínimo uma criança. O uso desse termo nos transfere à orientação sexual (homoerotismo) dos pais, associando o mesmo aos cuidados com os filhos (parentalidade). O seu emprego se justifica pela necessidade de colocar em evidência uma situação cada vez mais presente na sociedade atual, nomeando assim um tipo de família, dando a ela sua real existência. No âmbito das relações de parentesco e a consagração do princípio da igualdade entre os sexos, não seria possível manter o sistema de proteção da pessoa dos filhos baseada em critérios discriminatórios de gênero, tendo sido alterados as regras relacionadas à matéria, conforme elencado no art. 226 da Constituição de 1988, parágrafo 5º: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Negar a este novo molde familiar os laços de parentesco é negar a existência de um vínculo entre seus membros e a diversidade de expressão adotada na contemporaneidade. Assim, é claro que os casais do mesmo sexo, sejam homens ou mulheres, devem também gozar dos direitos reprodutivos, seja de maneira natural ou artificial. Por isso, debatese tanto na Bioética3 quanto no Direito à questão da barriga de aluguel a tais casais. Metodologia e/ou Material e Métodos Para a elaboração deste artigo foram usadas fontes bibliográficas4, documentais e, de modo exemplificativo, notícias retiradas dos meios de comunicação, visto que o assunto é polêmico e ainda não há definição legal no país. 3 Bioética é o estudo do comportamento moral do homem em relação às ciências da vida. (CONTI, 2004, p.5) Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 44 Cabe salientar que a pesquisa é qualitativa e exploratória. Resultados e Discussões Antes de trazer exemplos e opiniões de juristas e bioeticistas sobre o tema, é necessário dar ênfase para a Fertilização Assistida, Barriga de Aluguel ou Útero de substituição. Reconhecidos os casais homoafetivos como entidade familiar, a Resolução 175 de 14 de maio de 2013, além de conceder aos parceiros direitos e deveres concernentes ao casamento, também prevê o direito a fertilização in vitro e barriga de aluguel. As transformações por que vem passando a sociedade e a descoberta das técnicas de reprodução assistida, especialmente o da fertilização in vitro implica, necessariamente, uma nova visão da família, com a reformulação dos conceitos de paternidade e maternidade. Salienta-se que a Reprodução Assistida nada mais é que técnicas pelas quais é possível auxiliar na reprodução humana, como descreve Badalotti (2013, p.1): “Entende-se por Reprodução Assistida (RA) o conjunto de técnicas laboratoriais que visa obter uma gestação substituindo ou facilitando uma etapa deficiente no processo reprodutivo.” No Brasil, a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, após 18 anos de vigência, recebeu modificações relativas à reprodução assistida, o que gerou a Resolução nº 1.957/2010, que substitui a primeira“in totum”, isto é, vedou a resolução de 1992. Vale destacar que ambas as resoluções, reconhecem a infertilidade humana como um problema de saúde e as principais mudanças entre estas são nas suas terminologias, quais sejam: - as palavras “reprodução humana” substituíram as palavras “infertilidade humana”; - não são mais usuários de RA e sim pacientes da RA; - o “casal infértil” se tornou “toda pessoa capaz”. - receptora “não deve” [...] para a receptora “não pode” [...] A grande novidade da Resolução, é que agora qualquer pessoa, não importando se heterossexual ou homossexual, solteira ou casada, se portadora de infertilidade/esterilidade ou não, pode procurar uma clínica de RA e se submeter aos tratamentos para engravidar, gestar, parir e criar uma família. 4 Podem-se citar alguns autores como: Venosa, Mariana Farias, Ana Cláudia Maia, Maria Claudia Crespo Brauner e Maria Berenice Dias, que defendem a causa dos pares de casais dignamente. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 45 Assim nesse complexo de fatores, manifesta-se independentemente da orientação sexual e representa uma das melhores maneiras que se tem conhecimento desse indivíduo realizar-se como ser humano e estabelecerem-se no contexto de seus relacionamentos sociais, ressaltando a possibilidade da busca pelo desejo de se tornarem pais e mães, pois várias são as evidências que apontam para a igual habilidade de conduzir a educação de uma criança. No Brasil, não há legislação regulamentando a utilização das técnicas de reprodução assistida e tampouco as suas consequências no Direito de Família, apenas a Resolução acima, que constitui único ato normativo a critérios éticos, que serve de mera orientação, mas não têm força de lei,uma vez que esta é uma resolução administrativa e decisões judiciais5. O art. 1.597 do Código Civil de 2002 insere, de forma tímida, três incisos para estender o manto da presunção pater is est, a alguns casos de utilização de técnicas de reprodução assistida, mas, vale salientar que referidas normas não regulamentam qualquer técnica. Assim: Art. 1.597 Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I. Nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II. Nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III. Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. Todavia, especialmente o inciso V, do já referido artigo, é bastante inovador, ao prever a inseminação heteróloga, ou seja, com a utilização de esperma de doador, desde que haja prévia autorização do marido, como se descreve: “V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”. Entende-se que, in casu, se trata de presunção absoluta por configurar verdadeira a paternidade socioafetiva e vários estudiosos do assunto admitem o uso da analogia para ampliar o âmbito de incidência da norma para alcançar os casos de fertilização in vitro com utilização de sêmen de terceiro. Na ausência de norma legal a respeito, lança-se mão da Resolução nº 1.957/10, do Conselho Federal de Medicina como parâmetro moral e ético para dirimir eventuais questões surgidas com a prática de alguma das técnicas de reprodução assistida. A propósito, a Bioética tem a função de debater e auxiliar o Direito em tais casos. 5 Projeto de Lei 1184/03- Semelhanças e divergências entre a resolução do CFM e o PL. nº 90/99(Substitutivo) - Proíbem a “Barriga de Aluguel”. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 46 Neste contexto, sendo a bioética uma ciência que visa estabelecer um elo entre a conduta humana e a ciência (saúde, ética e moral) e tendo seus princípios fundamentais alicerçados em quatro (4) Princípios basilares, descritos por Martins (2008). Destaca-se que, ainda, o exposto por Brauner (2003, p. 51-52): [...] os recentes direitos sexuais e reprodutivos reconhecem o direito das pessoas de organizar sua vida reprodutiva e de buscar cuidados científicos para solução de problemas com sua saúde sexual e reprodutiva. Desse modo, deve ser considerada legítima toda forma de intervenção objetivando assegurar o restabelecimento das funções reprodutivas, ou de alternativas que resultem no nascimento dos filhos desejados. Da mesma forma, opina Gama apud Silva (2003, p.20) : O direito de família sofreu direta repercussão dos avanços tecnológicos na área de reprodução humana, mormente envolvendo as fontes da paternidade, maternidade e filiação, e todas essas transformações permitiram a ocorrência de um importante fenômeno, denominado “desbiologização”, ou seja, a substituição do elemento carnal pelo elemento biológico ou psicológico. Cabe salientar que as mudanças no campo da biotecnologia somada ao novo conceito de família ao qual, podemos dizer que vivemos cotidianamente trás em sua bagagem não só às mulheres e homens inférteis a possibilidade da procriação, mas sim aos casais homoafetivos de gerarem, sua prole. O lapso legislativo ocorre também, no caso da utilização de útero alheio para produzir filho próprio, fenômeno que acaba por ser regulamento pela Resolução do Conselho Federal de Medicina, todavia, insuficiente para resolver outros temas pertinentes. A referida resolução somente autoriza a utilização da barriga de aluguel se houver um problema médico que impeça ou contra indique a gestação pela doadora genética. Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado. Ainda assevera tal resolução que as doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 47 O art. 13 do Código Civil de 2002 veda a disposição de parte do corpo: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Do ponto de vista criminal há aqueles que entendem que não há tipificação legal de tal fato (barriga de aluguel) no ordenamento jurídico penal brasileiro, haja vista que a Lei nº 9.434/97- Lei dos Transplantes de Órgãos,em seu artigo 15,prevê que é um crime punido com a pena de reclusão de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias multa, e, ainda, que incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação. As técnicas de reprodução assistida sem uma regulamentação específica podem gerar uma situação de risco ou casos polêmicos. No Congresso Nacional brasileiro tramita um projeto de lei para regulamentar as terapias de reprodução assistida desde 2003. A falta de regulamentação específica acaba tornando as questões que envolvem as técnicas de reprodução assistidas, inclusive a doação temporária de útero, polêmicas e difíceis de serem analisadas. A legislação brasileira possui uma séria lacuna no que diz respeito à utilização da denominada “barriga de aluguel” para aqueles casais que, infelizmente, não podem reproduzir sem tal recurso, pois para uma lei ser publicada são necessários trâmites burocráticos, o que, de certa forma, esta ao nascer já estaria ultrapassada frente às evoluções sociais e biotecnológicas e, estas não acompanham à feitura das leis. Conclusão As famílias hoje não seguem um padrão rígido e formal de constituição e desenvolvimento. As famílias são plurais, admitindo a possibilidade de novas uniões conjugais. Entretanto, toda essa pluralidade, possui um elo em comum, o afeto. As uniões de pessoas do mesmo sexo tem potencial para no caso concreto possuírem essa característica de afeto, basta apenas analisar a presença dos elementos fundamentais, de ter uma vida em comum, com mútua assistência afetiva e patrimonial, fidelidade, durabilidade, continuidade e publicidade. Ou seja, no plano fático, podem se igualar às uniões de pessoas de sexos diversos. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 48 Cada vez mais, casais homoafetivos têm desejos de ter filhos, seja por adoção, fertilização in vitro ou barriga de aluguel, e, apesar da omissão legislativa, o Judiciário tem amparado e concretizado os direitos fundamentais dessas famílias. O Direito da Família e o da procriação pertence a todos e é reconhecido na Declaração dos Direitos Humanos que destaca que, além da igualdade e dignidade, o ser humano tem direito a fundar uma família. Referências BADALOTTI, Mariangela. Bioética e Reprodução Assistida. Disponível em: http://www.pucrs.br/bioetica/cont/mariangela/bioeticaereproducao.pdf. Acesso em: 14 out. 2013. BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana. Conquistas médicas e o debate bioético. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar. 2003. CÓDIGOS 4 EM 1. 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