1 Flexissegurança nas relações de trabalho. Que bicho é esse

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1 Flexissegurança nas relações de trabalho. Que bicho é esse
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Flexissegurança nas relações de trabalho. Que bicho é esse?
Sumário
Resumo ....................................................................................................................................... 1
Introdução ................................................................................................................................... 2
1. A nova onda européia ............................................................................................................. 2
2. A ideologia neoliberal em xeque ............................................................................................ 3
3. Contraste econômico das nações ............................................................................................ 5
4. Considerações finais ............................................................................................................... 7
Referências Bibliográficas.......................................................................................................... 8
Resumo
Um novo debate se instaura nos países membros da União Européia: a flexissegurança nas
relações de trabalho. Basicamente a nova onda se inspira no modelo da Dinamarca, Suécia e
Holanda. De um lado, pretende flexibilizar ainda mais a mobilidade do emprego, facilitando
as formas de contratação e a dispensa sem ônus e, de outro, compensar a classe trabalhadora
(trade-off), através de um robusto seguro-desemprego aliado a uma rigorosa política de
recolocação de trabalho (outplacement). Não se ignore que as realidades prodigiosas desses
aludidos países do norte europeu constituem situações ímpares, oásis na crise do mercado de
trabalho mundial. Logo, ao nosso crivo, estará fadada ao insucesso a eventual migração para
terras brasileiras da proposta européia de flexissegurança nas relações de trabalho. Em nossa
opinião, o problema do desemprego não se combate com flexibilização ou precarização das
relações de trabalho, mas antes pelo aquecimento da economia e por uma política que reduza
os encargos previdenciários e fiscais sobre a folha de pagamento.
Palavras-chave: flexisegurança – desemprego – flexibilização - relação de trabalho
flexissegurança – União Européia
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Flexissegurança nas relações de trabalho. Que bicho é esse?
José Affonso Dallegrave Neto1
Introdução
Idéia atualmente debatida por todos os Ministros do Emprego que integram a União Européia,
a flexissegurança (ou “flexiseguridad” ou “flexicurity” ou “flexissegurança”2) pretende
conciliar dois valores sensivelmente antagônicos, quais sejam a flexibilidade do mercado de
trabalho e a segurança dos trabalhadores contra o desemprego que amarga o número de 16
milhões de trabalhadores europeus no fechamento do ano de 2007.
Nessa direção é o “Livro Verde sobre Relações Laborais da União Européia”, editado em
novembro de 2006, que propugna pela “modernização do Direito do Trabalho para fazer
frente ao desafio do século XXI”. Em igual sentido mencione-se também a Diretiva n. 21 da
União Européia que objetiva “promover a flexibilidade combinada com segurança”.
1. A nova onda européia
Inspirados nos exemplos da Dinamarca, Holanda e Suécia, basicamente a nova onda deseja,
de um lado, flexibilizar ainda mais a mobilidade do emprego, facilitando as formas de
contratação e a dispensa sem ônus e, de outro, compensar a classe trabalhadora (trade-off),
através de um robusto seguro-desemprego aliado a uma rigorosa política de recolocação de
trabalho (outplacement).
Neste contexto, o principal ideólogo da flexissegurança, o professor da Universidade de
Tilburg, na Holanda, Ton Wilthagen, sugere uma nova perspectiva: “em vez de se diminuir a
segurança dada aos trabalhadores é possível encontrar novas formas de protecção e, ao
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Mestre e Doutor em Direito pela UFPR; Membro da ANDT - Academia Nacional de Direito do Trabalho;
Membro da JUTRA – Associação Luso Brasileira dos Juristas do Trabalho. Professor da Ematra IX, da
Unicuritiba e PUC/PR. Email: [email protected].
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Pelas regras do português, a grafia correta seria “flexissegurança” com dois “s”. Contudo, trata-se de
neologismo consagrado pelos portugueses com apenas um “s”: flexisegurança.
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mesmo tempo, dar às empresas mecanismos para enfrentar a competição mundial”. Em tom
crítico, o jurista português Ricardo Nascimento comenta essa proposição de Wilthagen:
“A flexisegurança, conceito importado da Dinamarca trata-se aos olhos de
muitos, de uma receita mágica para o gravíssimo problema de desemprego
europeu. Neste modelo, quanto maior for a flexibilidade, maior protecção
será dada aos trabalhadores e é na experiência dinamarquesa e de outros
países do norte da Europa que se encontra o mais elevado nível de apoio ao
desempregado, ao mesmo tempo que se dá aos empregadores mais
flexibilidade nos despedimentos”3.
De uma análise fria e sem romantismo, chega-se a inferência de que se trata de mais uma
medida em sintonia com a ideologia neoliberal, vez que os objetivos são claros: facilitar a
vida da iniciativa privada em detrimento das condições de trabalho que se tornarão mais
precárias em face da política de flexibilidade em seus diversos aspectos: contratação
temporária; dispensa sem ônus; modalidades de salário vinculadas ao resultado; fixação de
horários flexíveis visando atender exclusivamente a demanda da produção.
2. A ideologia neoliberal em xeque
Há quem sustente que a ortodoxa ideologia neoliberal está com seus dias contados em face da
recente crise imobiliária dos créditos subprime dos EUA, a qual afetou o mundo inteiro e pôs
em xeque o sistema financeiro propelido pelo mercado. Reflexo disso é a recente medida do
governo americano de ampliar a autonomia do Fed (Federal Reserve dos EUA) sobre os
bancos de investimento e o apelo do FMI para que os países ricos não se limitem à política
monetária, mas recorram às políticas fiscais anticíclicas4. Como se vê, começa-se a esboçar
um retorno ao velho ideal de Keynes que propugna pela intervenção do Estado sobre a
Economia, ruindo-se assim um dos principais pilares da ideologia neoliberal.
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Apud: Ricardo Nascimento. Flexisegurança ou flexibilizar a insegurança? 2ª. Edição, n. 36, Acesso:
14/05/2007. Fonte: www.oadvogado.direitonline.com/artigo/artigo.asp?id=36
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COSTA, Antonio Luiz M. C. Retorno ao pêndulo. Globalização. Ante a crise, a hegemonia do neoliberalismo
se dissolve a olhos vistos. Revista Carta Capital n. 492, Ano XIV, pág. 23.
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Nessa esteira de lançar para o Estado o ônus econômico, advêm as diretrizes da
flexissegurança, as quais devem ser vistas com parcimônia. De um lado a anunciada
compensação para a classe trabalhadora implicará ônus para os cofres públicos, representando
inevitável aumento de impostos a serem pagos pela sociedade. De outro lado, a vantagem da
recolocação de novo posto de trabalho (“outplacemente”) será vista como um direito
meramente programático de eficácia duvidosa.
A propósito, impende distinguir duas figuras nascidas nessa atual era dos modernos conceitos
de gestão de pessoal. A do head hunter, incumbido de procurar no mercado de trabalho os
candidatos que uma empresa pretende admitir, e a do outplacement, definida como toda a
ação de orientação e assistência ao profissional que busca um posto de trabalho no mercado.
De nossa parte as figuras do head hunter e do outplacement só se tornam eficientes diante de
dois fatores. O primeiro é o aquecimento da economia, baseado numa política de concessão
de crédito com juros baixos, aumento de consumo e, por conseguinte, alta oferta de trabalho.
O segundo fator é a disponibilidade de mão-de-obra qualificada, sendo que para tanto será
preciso que o Estado invista em ensino profissionalizante. Do contrário, de nada adiantará
invocar os préstimos de um caçador de talentos num mercado de trabalho estagnado. Milagre
econômico não existe!
No Brasil tivemos um exemplo de tentativa fracassada, quando se editou a MP n. 2164-41, em
24/08/2001, e introduziu, através do art. 476-A da CLT, a possibilidade do empregador
suspender o contrato, por um período de dois a cinco meses, para a participação do
empregado em curso ou programa de qualificação profissional. Tudo custeado pelo FAT. Na
prática, um fiasco que só serviu para suspender sem ônus os contratos de trabalho das
montadoras em períodos de recessão e para engordar os cofres das Centrais Sindicais
responsáveis pela realização de tais cursos profissionalizantes. Os objetivos de qualificar o
trabalhador e combater o desemprego nem de longe foram alcançados.
Em face desses fatores de incredulidade ou receio, o próprio comissário europeu de Assuntos
Sociais, Vladimir Spidla, em reunião ministerial de Villach na Áustria, em 20 de janeiro de
2006, advertiu: “A flexibilidade sem a segurança é uma coisa muito dura, que pode conduzir a
uma deterioração das condições de trabalho”.
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A flexissegurança se apresenta como uma espécie de terceira via entre o modelo americano de
total desregulamentação, de um lado, e a segurança do emprego surgida no modelo de
Constitucionalização dos Direitos Sociais, iniciado pela Constituição mexicana de 1917 até a
brasileira de 1988, de outro. Os exemplos que inspiram a nova idéia são o da Suécia, Holanda
e (principalmente) da Dinamarca.
3. Contraste econômico das nações
Não se ignore que as realidades prodigiosas desses aludidos países do norte europeu
constituem situações ímpares, oásis na crise do mercado de trabalho mundial. Vejamos alguns
números da Dinamarca.
Nos quesitos: competitividade internacional; segurança e satisfação no emprego; nível de
bem-estar econômico, a Dinamarca está em primeiro lugar no quadro de países que integram a
União Européia. Ainda: na Dinamarca todos os trabalhadores recebem subsídios de
desemprego até o trabalhador obter novo trabalho, sendo que o Estado gasta 5% do seu PIB
com despesa pública com emprego. Ademais, na Dinamarca a política de outplacemente
proíbe o trabalhador de se negar a empregar-se, sendo a proteção mais propriamente do
indivíduo do que dos postos de trabalho. Lá há uma efetiva política de cooperação entre
empresários e trabalhadores para o interesse geral de todos.
Diante desse cenário, resta-nos a indagação: Tal modelo dinamarquês servirá para o Brasil?
Registre-se que os portugueses também se fizeram essa pergunta e a grande maioria dos
lusitanos acompanham a opinião do Presidente da JUTRA, o jurista José Augusto Ferreira da
Silva:
“Agora aparece uma nova panacéia que se chama "Flexisegurança". Idéia
importada
da
Dinamarca,
país
com
condições
sócio-económicas
completamente diversas das de Portugal e que, manifestamente, não terá
qualquer êxito em Portugal, onde só servirá para "flexibilizar" cada vez
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mais as leis laborais , sem qualquer contrapartida na "segurança" para os
desempregados”5.
Ora, se o modelo trabalhista proposto nem para Portugal serve, com maior razão servirá para
o Brasil que tem déficit interno alto e uma política de desemprego frágil e limitada a pouco
mais de três meses.
Em nossa opinião, o problema do desemprego não se combate com flexibilização ou
precarização das relações de trabalho, mas antes pelo aquecimento da economia e por uma
política que reduza os encargos previdenciários sobre a folha de pagamento.
Os números e dados confirmam a nossa inferência. Senão Vejamos.
Desde a chamada Reforma Trabalhista implantada pelo Governo FHC, tivemos a edição da
Lei 9601/98, que introduziu o banco de horas e o contrato a prazo com redução do FGTS para
2% e pela metade o Sistema “S”; depois foi editada a MP 1709/98 que introduziu o art. 58-A
e regulamentou o trabalho parcial com a redução do período de férias. Depois sobreveio a MP
1779/99 que introduziu o art. 476-A, da CLT, e a possibilidade de suspensão temporária com
redução de custos e financiamento pelo FAT. Depois, foi editada a Lei 10.243/01 que
beneficia os empregadores que concedem salário-utilidade sem qualquer incidência de
encargos (art. 458, § 2º.) e ainda regulamenta os minutos de preparo, através do art. 58, § 1o,
da CLT que declara que os 10 minutos diários destinados ao início e término de jornada
consignada em cartão ponto não são considerados como de efetivo trabalho.
Diante de tamanhas medidas flexibilizadoras, o desemprego deveria cair nesse período de
1998 a 2001, contudo não foi o que vimos.
Conforme índices do DIEESE e BACEN, em 12/97 o desemprego atingiu 4,5% da PEA,
período que iniciou a Reforma Trabalhista do Governo FHC. Em 12/99 subiu para 6,7%. Em
12/02 subiu novamente para 10,50%, quando findou a “reforma trabalhista”. Em 12/03 e
12/04 a taxa de desemprego fechou próxima da casa dos 10%. Somente a partir de 12/05 a
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SILVA, José Augusto Ferreira da. In: “Empregabilidade em crise, Dezesseis milhões de desempregados na
Europa e meio milhão só em Portugal”. Fonte: www.fazer.com.br/a2_default2.asp?cod_materia=2398. Acesso
em 07/10/07. O autor preside a JUTRA – Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho.
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taxa de desemprego começou a cair, alcançando a sua menor taxa em 12/07, na casa dos
7,40%.
Diante dessa queda da taxa de desemprego, exsurge uma questão: o que explica essa mudança
de rumo?
Pelos números vistos, não foi a flexibilização da legislação trabalhista que combateu o
desemprego brasileiro, mas o aquecimento da economia. Observa-se que por dois anos
seguidos nesse período o PIB foi maior do que a inflação anual, período em que também se
verificou sensível aumento da oferta de crédito popular consignado com juros mais baixos
para o trabalhador, através da edição da Lei 10.820 (DOU: 19/12/03).
A fim de corroborar que o combate ao desemprego está vinculado ao aquecimento da
economia e não à precarização do trabalho, vale a pena verificar a flutuação da Taxa de Juros
Selic ocorrida no período.
Em 12/02, data em que findou a Reforma Trabalhista, os juros estavam em 25,50% a.a.. Em
12/05, quando o desemprego começou baixar, a taxa Selic também caiu para 18,50%. Em
12/06 caiu novamente para 13,25% e, finalmente, em 12/07 despencou para 11,50%. No
mesmo ano, em 12/07, adveio a menor taxa de desemprego registrada: 7,40% e um
crescimento de 7% no número de Carteiras de Trabalho assinadas em comparação com o ano
anterior.
4. Considerações finais
Moral da história: o que combate o desemprego não é a flexibilização da lei trabalhista nem o
endividamento do Estado com aumento de quotas de Seguro-Desemprego, mas o aquecimento
da economia propiciado pelo alargamento da oferta de crédito pessoal com juros baixos e a
elevação do consumo aliada a uma política de desoneração previdenciária e fiscal da folha de
pagamento. Logo, ao nosso crivo, estará fadada ao insucesso a eventual migração para terras
brasileiras da proposta européia de flexissegurança nas relações de trabalho.
O exemplo português segue a mesma lógica: Em 12/2003, com a aprovação do Código do
Trabalho foram explicitados os seus objetivos na Exposição de Motivos. São eles: “promoção
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da adaptabilidade e flexibilidade da disciplina laboral, nomeadamente quanto à organização
do tempo, espaço e funções laborais, de modo a aumentar a competitividade da economia, das
empresas e o conseqüente crescimento do emprego”. Os índices de desemprego atingiram 5%
da PEA nessa época de edição do Código. Hoje, mais de 4 anos de vigência desta legislação
flexível, o índice de desemprego em Portugal aumentou para pouco mais de 8%. Conclusão: a
nova lei flexível não serviu de mecanismo eficiente para o combate ao desemprego.
Referências Bibliográficas
NASCIMENTO, Ricardo. Flexisegurança ou flexibilizar a insegurança? 2ª. Edição, n. 36,
Acesso: 14/05/2007. Fonte: www.oadvogado.direitonline.com/artigo/artigo.asp?id=36
COSTA, Antonio Luiz M. C. Retorno ao pêndulo. Globalização. Ante a crise, a hegemonia
do neoliberalismo se dissolve a olhos vistos. Revista Carta Capital n. 492, Ano XIV.
SILVA, José Augusto Ferreira da. In: “Empregabilidade em crise, Dezesseis milhões de
desempregados
na
Europa
e
meio
milhão
só
em
Portugal”.
Fonte:
www.fazer.com.br/a2_default2.asp?cod_materia=2398. Acesso em 07/10/07. O autor preside
a JUTRA – Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho.
Data de elaboração: 05/06/2008