2 Vol XIX 2010 - Revista Nascer e Crescer
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2 Vol XIX 2010 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 19, nº 2, Junho 2010 19| 2 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2010 Volume | XIX Número | 02 Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves - Cidade Rodrigues, CHP - HMP - Clara Barbot, CHP - HMP - Conceição Casanova, CHPV-VC - Eloi Pereira, H Maria Pia, CHP - HMP - Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD - Fátima Praça, CHVNG - E - Filomena Caldas, CHP - HMP - Gama Brandão, CHAA - Gonçalves Oliveira, H Famalicão, CHMA - Henedina Antunes, HBEB - Hercília Guimarães, HSJ, FMUP - Ines Lopes, CHVNG - UE - José Barbot, CHP - HMP - José Carlos Areias, FMUP - José Carlos Sarmento, CHVS - José Cidrais Rodrigues, HPH – ULSM - José Pombeiro, MJDinis – CHP - MJD - Lopes dos Santos, HPH – ULSM - Lucília Norton, IPOPF-G - Luís Almeida Santos, HSJ, FMUP - Luís Januário, HPC - Luís Vale, CHP - HSA - Manuel Salgado, HPC - Manuela Selores, CHP - HSA - Marcelo Fonseca, HPH – ULSM - Margarida Lima, CHP – HSA, ICBAS - Margarida Medina, CHP - HSA - Maria Augusta Areias, CHP - MJD - Nuno Grande, ICBAS - Octávio Cunha, Hospital Privado da Boa-Nova - Óscar Vaz, H Mirandela – CHNordeste - Paula Cristina Ferreira, CHP - HSA - Pedro Freitas, HS Oliveira, Guimarães – CHAA - Raquel Alves, CHP - UMP - Rei Amorim, HS Luzia - CHAM - Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCV - Rodrigues Gomes, Fundação Calouste Gulbenkian - Rosa Amorim, CHP - UMP - Rui Carrapato, HS Sebastião – CHEDV Secretariado Administrativo | Secretary Maria José Bento, IPOPF-G Conselho Científico Internacional | | International Scientific Board tel: (+351) 226 089 900; fax: (+351) 226 000 841 Conselho Científico Nacional | | National Scientific Board - Alain de Broca (Amiens), Centre Hospitalier Universitaire Amiens - Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Devré - D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital - Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital - J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin - José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, MJDinis - CHP; Armando Pinto, IPOPF-G; Carmen Carvalho, MJDinis - CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Cristina Rocha, CHEDV; Gustavo Rocha, HS João, João Barreira, HS João, Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Almeida, HP Hispano, Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP; Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro, ICBAS Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Almerinda Pereira, HBEB, Armando Pinto, IPOPFG; Carla Carvalho, HSM Maior; Conceição Santos Silva, CHPV-VC; Fátima Santos, CHVNGVC; Fernanda Manuela Costa, HS António - CHP; Helena Jardim, HS João; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHVS; Miguel Costa, CHEDV; Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia Aroso, HP Hispano; Sónia Carvalho, CHMA. Caso Dermatológico – Manuela Selores, HS António - CHP; Susana Machado, HS António - CHP Caso Electroencefalográfico – Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia - CHP; Margarida Reis Lima, HPP Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio – CHP, ICBAS Coordenação Técnica | Editorial Coordenation Margarida Lima, HS António – CHP, ICBAS Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica - Alberto Caldas Afonso, HSJ, FMUP - Agustina Bessa Luís - Almerinda Pereira, HBEB - Álvaro Aguiar, FMUP - Ana Maria Leitão, HSSM - Ana Maria Ribeiro, CHEDV - Ana Ramos, CHP - HMP - António Lima, CHEDV - António Martins da Silva, ICBAS - António Vilarinho, CHVNG - E - Arelo Manso, C H Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD) - Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS - Carlos Duarte, CHP - UMP Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por SciELO; Scopus; EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX; Index das Revistas Médicas Portuguesas Design gráfico bmais comunicação Execução gráfica e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto dirigidos a Coordenação da Revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: (+351) 226 089 900; telemóvel: (+351) 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) - 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2010, vol XIX, n.º 2 número2.vol.XIX 67 Editorial 68 Artigos Originais Cristina Godinho Aleitamento Materno – Análise da Situação num Meio Semi-urbano Sandra Rebimbas, Camila Pinto e Rui Pinto 74 Casos Clínicos Anomalias da Lateralização – Dois Casos Clínicos Andreia Teles, Maria José Dinis, Lourdes Ferreira, Isabel Carvalho, Pinho de Sousa e Anabela João 78 Pott’s Puffy Tumor – Caso Clínico Ana Ramalho, Ana Faro, Glória Silva, José Rodrigues e Carlos P. Duarte 81 Teratoma Sacrococcígeo: Caso Clínico Teresa Andrade, David Montes, Fátima Carvalho, Manuel Dias e Carmen Carvalho 85 Artigo de Revisão Gastroenterite Aguda Rosa Lima e Jorge Amil Dias de Pediatria Inter-Hospitalar 91 Ciclo do Norte Algoneurodistrofia: Uma Entidade a Reconhecer Susana Castanhinha, Vanessa Mendonça, Clara Vieira, Cristina Miguel, Maria José Vieira e Sónia Carvalho 95 Artigo Recomendado 98 100 Helena Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 102 Perspectivas Actuais em Bioética Sobre o Ensino da Bioética: Um Desafio Transdisciplinar António Carneiro Torres Lima Cardiologia Pediátrica na Prática 109 AClínica Manifestações Cardíacas nas Doenças Musculares Sílvia Álvares 116 Pediatria Baseada na Evidência Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos Sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte I Luís Azevedo 125 Qual o seu Diagnóstico? Caso Electroencefalográfico Rui Chorão 127 Caso Endoscópico Fernando Pereira 129 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 131 Caso Radiológico Filipe Macedo 134 Pequenas Histórias A Grande Desilusão Margarida Guedes 135 Normas de Publicação NASCER E CRESCER summary revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 number2.vol.XIX 67 Editorial 68 Original Articles Cristina Godinho Breastfeeding – Analysis of the Situation in Semi-urban Environment Sandra Rebimbas, Camila Pinto e Rui Pinto 74 Case Reports Anomalies of Lateralization – 2 Case Report Andreia Teles, Maria José Dinis, Lourdes Ferreira, Isabel Carvalho, Pinho de Sousa e Anabela João 78 Pott’s Puffy Tumor – case report Ana Ramalho, Ana Faro, Glória Silva, José Rodrigues e Carlos P. Duarte 81 Sacrococcigeal Teratoma: Case Report Teresa Andrade, David Montes, Fátima Carvalho, Manuel Dias e Carmen Carvalho 85 Review Articles Acute Gastroentiritis Rosa Lima e Jorge Amil Dias 91 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Algoneurodystrophy: an Unrecognized Entity Susana Castanhinha, Vanessa Mendonça, Clara Vieira, Cristina Miguel, Maria José Vieira e Sónia Carvalho 95 Recommended Article 98 100 Helena Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 102 Current Perspectives in Bioethics Concerning Bioethical Training: a Multidisciplinary Challenge António Carneiro Torres Lima Cardiology in Clinical 109 Paediatric Practice Cardiac Manifestations in Neuromuscular Diseases Sílvia Álvares 116 Evidence Based Paediatrics Critical Appraisal and Practical Implementation of Diagnostic Tests Accuracy Studies – Part I Luís Azevedo 125 What is your diagnosis? EEG Case Report Rui Chorão 127 Endoscopic Case Fernando Pereira 129 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 131 Radiological Case Filipe Macedo 134 Short Stories The Big Disappointment Margarida Guedes 135 Instructions for Authors NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 editorial A propósito de bancos de leite humano, li no “site” da Human Milk Banking Association of North América, (www.hmbana.org/index/history), que “o marketing dos produtos alimentares artificiais, iniciado nos finais de 1800 e que se manteve até à actualidade, baseou-se numa mensagem consistente e de aprovação médica de desenvolvimento científico e de boa nutrição. Esta foi a campanha de marketing de maior sucesso alguma vez levada a cabo.” A espécie humana modificou a sua alimentação inicial, milhares de crianças passaram a ser alimentados com leite modificado de uma espécie diferente. Mais de uma geração de mulheres não amamentaram os seus filhos, interrompendo-se a transmissão de conhecimentos intergeracionais, perdendo-se uma cultura. Isto leva-nos a reflectir sobre as causas da baixa prevalência do aleitamento materno (AM), não só no nosso país como noutros países desenvolvidos. Estudos referem que 90% das mães portuguesas iniciam o AM, mas 50% desistem da amamentação durante o 1º mês. Aos 6 meses só 39.7% das mães amamentam os seus filhos, dos quais, apenas 23% fizeram AM exclusivo. As mães que mais amamentam, são as de nível de escolaridade mais elevado e as multíparas com experiência favorável em gravidez anterior. O reinício da actividade laboral materno não parece ter grande influência na continuidade do AM - contrariamente ao que se poderia pensar, as mães desempregadas são as que menos amamentam! A maior parte das razões evocadas para o abandono do AM é de carácter subjectivo e prende-se com o receio de que o bebé esteja a “passar fome”. Outro dos pontos em comum nos estudos publicados sobre este assunto e que diz particular respeito a todos os profissionais de saúde é o facto de que o leite de fórmula utilizado como suplemento ser prescrito pelo médico assistente ou pediatra em 40-80%, dos casos, conforme os estudos. Será que, como diz Nancy E. Wight ( Journal of Pediatrics 2001), “In our hubris, we have assumed we can do better than “Mother Nature”? A amamentação não é um acto instintivo, necessita de aprendizagem e treino. O seu sucesso depende da motivação da mulher, do desejo afectivo da mãe em amamentar e mesmo do seu conjuge e ainda do apoio especializado dos profissionais de saúde. Se nós, os maiores prescritores de leite artificial, não mudarmos a nossa atitude, por indiferença ou ignorância, em termos de fisiologia da lactação, de apoio e suporte ao processo, no estabelecimento da lactação, provavelmente teremos que esperar mais algumas gerações para atingirmos o principal objectivo da “Healthy People 2010” e da “Global Strategy on Infant and Young Child Feeding” da responsabilidade da OMS/UNICEF: que 50% das crianças sejam amamentadas exclusivamente até aos seis meses de vida. A nossa esperança reside, actualmente, no empenho de vários profissionais que, aproveitando as políticas nacionais de promoção do AM, fizeram formação nesta área e iniciaram a promoção do AM nos respectivos locais de trabalho. Um destes frutos é a criação dos “Hospitais Amigos dos bebés”. É com esta dedicação que acreditamos que em breve muitas outras Instituições, Hospitais ou Centros de Saúde, possam candidatar-se a este título. Todos, recém-nascidos, famílias e sociedade, ganhariam com isso. Cristina Godinho editorial 67 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Aleitamento Materno Análise da Situação num Meio Semi-urbano Sandra Rebimbas1, Camila Pinto2 e Rui Pinto3 RESUMO Introdução: O leite materno é o melhor alimento que uma mãe pode oferecer ao seu filho. Não existe outro leite que tenha as suas qualidades. Objectivos: Conhecer a prevalência do aleitamento materno, os factores de abandono e o período em que ocorre, num meio semi-urbano específico. Material e Métodos: Estudo descritivo, retrospectivo efectuado na Unidade de Saúde Famílias em Lourosa, através de questionário aplicado às mães com filhos entre os 6 e os 18 meses de idade inclusivé, de 1 Julho a 30 Setembro de 2007. O inquérito incluía dados demográficos como a idade da mãe e o nível sócio-económico, e variáveis como o número de filhos, hábitos tabágicos, tipo de parto, fontes de informação, intenção de amamentar e duração da mesma, motivos evocados para o seu abandono. Resultados: Efectuados 42 inquéritos, correspondentes a 45,6% das crianças que se enquadravam no estudo. Verificou-se que todas as mães tinham a intenção de amamentar, destas 88,1% iniciaram a amamentação e 30,9% amamentaram durante pelo menos 6 meses. O maior declínio na prevalência deu-se entre o primeiro e segundo mês de vida. As mães possuíam bons conhecimentos sobre a amamentação (90,5%) contudo, persistiam alguns mitos de impacto desfavorável (35,7%). Os técnicos de saúde foram a principal fonte de informação seguindo-se a literatura e a família. Os __________ 1 Serv. Pediatria, CHVNGaia / Espinho EPE 2 Unid. Saúde Familiar, Lourosa Unid. Neonatologia – Serviço de Pediatria, CHVNGaia / Espinho EPE 3 68 artigo original original article principais motivos evocados para o abandono do leite materno são subjectivos nomeadamente a não satisfação do bebé, a noção de pouca quantidade e qualidade de leite. Iniciar leite adaptado foi aconselhado pelo médico assistente em 80,5%. Conclusões: A taxa de início da amamentação é aceitável mas ocorre declíneo acentuado durante o segundo mês de vida. A insegurança materna quanto à quantidade e qualidade do seu leite é o principal motivo de abandono de leite materno. Nesta unidade de cuidados de saúde primários é necessário reforçar estratégias para promoção do início e principalmente manutenção da amamentação. Palavras chave: Abandono precoce; Amamentação; Prevalência. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 68-73 INTRODUÇÃO Amamentar é um acto fisiológico característico dos mamíferos e constitui a melhor fonte de alimento na fase inicial da vida do ser humano. A amamentação tem benefícios para a mãe, filho e comunidade. As crianças amamentadas são mais saudáveis, têm melhor desenvolvimento cognitivo, maior protecção para doenças infecciosas, alérgicas e crónicas como obesidade, diabetes, hipercolesterolemia ou mesmo doenças malignas e reduz o risco de Síndrome de morte súbita. As crianças são expostas a uma maior variedade de sabores de acordo com a alimentação materna o que pode favorecer a sua aceitação futura. É considerada uma alimentação ecológica por não gastar recursos da terra e não contribuir para a poluição. A amamentação estreita o vínculo mãe-filho e é mais económico para as famílias e comunidade nomeadamente ao reduzir o custo da alimentação e tratamento das doenças. A mãe também tem vantagens pois a amamentação contribui para: involução uterina mais precoce, redução da hemorragia pós-parto, recuperação do peso, diminui risco de cancro da mama e dos ovários e a probabilidade de nova gravidez precoce(1,2,3,4,5,6). Revisões sobre a amamentação mostram que as mães lactantes que recebem apoio profissional amamentam durante mais tempo que as restantes. Factores que se sabe estarem relacionados com o abandono são: tabagismo, exposição a ambientes com tabaco, medicação materna, problemas orgânicos ou psicológicos como obesidade ou depressão e circunstâncias que dificultam a amamentação como o regresso ao trabalho(2). A Declaração Innocenti, revista em 2005, para protecção, promoção e suporte da amamentação subscrita pela OMS, UNICEF entre outras organizações de apoio à criança, tem como objectivo que o leite materno se mantenha único alimento e bebida nos primeiros 6 meses de vida e como complemento à alimentação até aos 2 anos ou mais(7). A Academia Americana de Pediatria recomenda aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses, prolongando como complemento até aos 12 meses ou mais, de acordo com o desejo da mãe e do bebé(5). Na União Europeia não existe nenhum consenso oficial relativo à amamentação(4). A UNICEF e a OMS lançaram em 1991 a Iniciativa Hospitais Amigos dos Bebés tendo proposto um conjunto de 10 medidas que os Hospitais devem pôr em prática para serem considerados “Amigos dos Bebés”. Em Portugal existem desde 2005 alguns hospitais certificados(8). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 A prevalência e duração da amamentação são muito variáveis. Os dados globais da OMS mostram que menos de 40% dos lactentes até aos 6 meses de idade são alimentados com aleitamento materno exclusivo(9). Na União Europeia, encontramos aos 2 meses valores de 42% na Alemanha e 85% na Áustria e aos 6 meses 10% e 46% respectivamente(4). Nos EUA os dados são muito heterogéneos mas são geralmente inferiores(10). Em Portugal não existem estatísticas nacionais sobre o aleitamento materno(1). Em estudos locais efectuados no nosso país a prevalência à alta da maternidade varia de 91% a 99,2%, aos 3 meses de 48.7% a 54,7% e aos 6 meses 22,4% a 34,1%(11-13). OBJECTIVOS A elaboração deste estudo pretende uma melhor compreensão das decisões e comportamento relativamente à amamentação, num meio semi-urbano, para que nele se desenvolvam estratégias da sua promoção nos períodos que se mostrem como mais vulneráveis ao abandono da amamentação. Assim teve como objectivos: - Avaliar a prevalência da amamentação nos primeiros 6 meses. - Analisar os factores que contribuem para o abandono da amamentação relacionados com o bebé, a mãe e variáveis socioeconómicas e culturais. - Conhecer as fontes de informação da mãe e o seu nível de conhecimentos. - Conhecer o período crítico para o abandono da amamentação. - Relacionar a vontade de amamentação antes do parto com o comportamento posterior. MATERIAL E MÉTODOS Estudo retrospectivo efectuado na Unidade de Saúde Familiar (USF)- Famílias em Lourosa, freguesia de Santa Maria da Feira através do inquérito aplicado às mães com filhos entre os 6 e os 18 meses de idade inclusivé, que recorreram a esta unidade para consulta de Saúde Infantil, de 1 Julho a 30 Setembro de 2007. Foram factores de exclusão a gemelaridade, prematuridade, recém nascidos com baixo peso ao nascimento (<2500g) e internamento neonatal(14). Considerou-se aleitamento materno quando o leite materno foi a única fonte láctea ou suplementada com leite adaptado de forma ocasional, mas não de forma mantida(15). O inquérito incluía para além dos dados demográficos como a idade da mãe e o nível de escolaridade, as seguintes variáveis: o número de filhos, hábitos tabágicos, caracterização da gravidez como desejada ou indesejada, vigilância da gravidez, tipo de parto, forma de aleitamento da própria mãe, fontes de informação, intenção de amamentar e duração da mesma, motivos evocados para o seu abandono e quem o aconselhou. A avaliação do nível socio-económico foi efectuada com base na escala do Censuses and Surveys que classifica as populações de acordo com a ocupação profissional(16). Na avaliação de conhecimentos as perguntas sobre as vantagens do leite materno correspondem a 50% da classificação dos conhecimentos e as perguntas relacionadas com mitos os restantes 50%. Foram classificados da seguinte forma: Bom - 75 a 100%; Razoável – 50 a 74% Insatisfatório – 0 a 49% RESULTADOS Dados gerais A USF tinha 92 crianças inscritas que se enquadravam no inquérito. Foram preenchidos 42 questionários, o que corresponde a informação de 45,6% das crianças nesta USF. Dados maternos e factores socioculturais A maioria das mães (69%) estava na faixa etária dos 25 aos 34 anos (Quadro I). Sessenta e sete por cento eram primíparas e 33% multíparas (Quadro I). Sete das catorze multíparas (50%) amamentaram pelo menos 6 meses. Todas as multíparas amamentaram os filhos anteriores. Nesta amostra 16,7% das mães estava desempregada. Em termos de escolaridade 66,7% tinha o ensino básico, com as restantes repartidas de igual for- ma entre a escolaridade secundária e o ensino superior. Das sete mães com ensino superior, cinco (71%) amamentaram pelo menos 6 meses, enquanto das com ensino básico e secundário o fizeram 25% e 14% respectivamente. A classificação sócio-económica da população activa mostrou predomínio da classe V (57,1%), que corresponde a operários e outros trabalhadores não especializados, trabalhadores rurais e outros trabalhadores manuais e pessoal serventário (Quadro II), em que 25% amamentou pelo menos 6 meses. No extremo oposto, na classe I ou seja profissões liberais, dirigentes administrativos e patentes superiores das forças armadas, ficou 14,3% (5) das quais 60% (3) amamentou pelo menos 6 meses. Das sete mães desempregadas só uma (14%) amamentou até aos 6 meses. As mães foram amamentadas em 64,3% (27). Destas, nove amamentaram pelo menos 6 meses (33,3%). Relativamente aos hábitos tabágicos 23,8% (10) fumaram nos 18 meses anteriores, três das quais amamentaram pelo menos 6 meses (30%). Quadro I - Faixa etária materna e número de filhos. Idade materna (Anos) (n=42) ≤ 19 3 (7,1%) 20-24 6 (14,3%) 25-34 29 (69%) ≥ 35 4 (9,5%) Número de filhos (n=42) 1 28 (66,7%) 2 12 (4,8%) ≥3 2 (28,6%) Quadro II - Nível sócio-económico com base na escala do Censuses and Surveys. Nível sócio-económico da população activa (n=35) I 5 (14,3%) II 1 (2,8%) III 4 (11,4%) IV 5 (14,3%) V 20 (57,1%) artigo original original article 69 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Vigilância da gravidez e tipo de parto Neste estudo 92,9% das mulheres tiveram uma gravidez vigiada sendo em 88,1% dos casos desejada. Uma das três (33%) cuja gravidez não foi vigiada e três das cinco (60%) que não a desejaram amamentaram pelo menos 6 meses. Todas as gravidezes não desejadas foram vigiadas e todas as não vigiadas eram desejadas. Quanto ao tipo de parto 54,8% (23) foram eutócicos, 14,3% (6) instrumentados (ventosa/fórceps) e 30,9% (13) por cesariana, tendo amamentado pelo menos 6 meses oito (34,8%), duas (33,3%) e três (23,1%) respectivamente. Conhecimentos sobre o leite materno Os resultados dos conhecimentos sobre a amamentação são apresentados no Quadro III. As mães foram unânimes a dizer que o leite materno constitui a alimentação mais natural e económica para os seus bebés. A vantagem menos conhecida foi que o leite materno contribui para a protecção de alergias 11,9% (5). A grande maioria, 95,2% (40) sabe que também tem benefícios para si própria. No Quadro IV apresenta-se a avaliação de conhecimentos e respectiva classificação. Verificou-se que 90,5% das mães tinha bons conhecimentos sobre leite materno, embora 35,7% acredite em um ou mais mitos desfavoráveis nomeadamente de que a mãe pode enfraquecer por amamentar (26,2% das mães) ou mesmo ser causa de obesidade (14,3%). Fontes de informação A fonte de informação sobre a amamentação (Quadro V) mais frequente para a mãe foi os técnicos de saúde (97,6%), seguida dos livros/revistas (73,8%), e a família (62%). As mães que fizeram curso de preparação para o parto tiveram uma taxa de prevalência da amamentação, semelhante à nossa amostra: 11% (1) não iniciaram a amamentação, e 33,3% (3) amamentaram pelo menos 6 meses. 70 artigo original original article Apenas uma mãe referiu não se considerar bem informada sobre o aleitamento materno. Início e duração da amamentação Todas as mães referiram que antes do parto desejavam amamentar mas só 88,1% a iniciaram. Essa percentagem foi diminuindo progressivamente e pelos 6 meses só 30,9% a mantinha (Gráfico 1). Abandono da amamentação Os motivos de abandono da amamentação estão descriminados no Gráfico 2. Os mais frequentemente alegados foram subjectivos, nomeadamente “o bebé não ficava satisfeito” (61,1%), “tinha pouco leite “(44,4%) e “o leite era fraco” (41,7%). A razão mais objectiva, nomeadamente a má progressão ponderal, é referida por apenas oito mães (22,2%). Quadro III - Conhecimentos sobre as vantagens do leite materno e crenças associadas. Conhecimentos sobre as vantagens do leite materno (n = 42) Mais económica 42 (100%) Mais saudável para o bebé 40 (95,2%) Alimentação natural 42 (100%) Ligação emocional “mãe-bebé” mais forte 41 (97,6%) Mais saudável para a mãe 40 (95,2%) Protege das infecções 41 (95,2%) Protege das alergias 37 (88,1%) Crenças sobre amamentação (n = 42) A mãe pode aumentar de peso 6 (14,3%) A mãe pode enfraquecer 11 (26,2%) Leite adaptado é melhor que o materno 0 Quadro IV - Avaliação dos conhecimentos sobre leite materno. N.º de Número de vantagens do crenças LM conhecidas 7 0 6 0 7 1 6 1 5 1 7 2 n = 42 (%) Classificação (%) 23 (54,8%) 4 (9,5%) 10 (23,8%) 1 (2,4%) 2 (4,8%) 2 (4,8%) Bom (100%) Bom (92,9%) Bom (83,3%) Bom (76,2%) Razoável (69.0%) Razoável (66,7%) Quadro V - Fontes de informação sobre aleitamento materno Fontes de informação (n = 42) Pessoal de saúde 41 (97,6%) Livros/Revistas 31 (73,8%) Família 26 (62,0%) Amigas/colegas 18 (42,8%) Televisão/Rádio 18 (42,8%) Curso de preparação para o parto 9 (21,4%) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 O regresso ao trabalho foi evocado como motivo de abandono precoce por 25% das mães. Relativamente à decisão de introdução de leite adaptado, 80,5% foi influenciada pelo médico assistente que em 21 casos (53,8%) o prescreveu, 38,9% foi exclusiva da mãe e 11% sugerida por algum familiar. DISCUSSÃO A elaboração deste estudo, mais do que determinar as causas, pretendeu sobretudo obter dados que ajudem a pro- mover uma amamentação com sucesso na população de Lourosa, tal como recomendado pelas associações científicas a favor da amamentação. O estudo tem como limitação a dimensão da amostra. Embora corresponda a 45,6% (42) da população em estudo é um número pequeno para se tirarem relações causais estatisticamente significativas. Embora se aproxime de outros estudos efectuados no nosso país, é preocupante que logo na alta hospitalar 11,9% das mães que tinham intenção de ama- Prevalência da amamentação Gráfico 1: Prevalência do aleitamento materno nos primeiros 6 meses de idade. Motivos de abandono da amamentação Gráfico 2: Motivos evocados pela mãe para abandonar a amamentação. mentar, nunca o fizeram, alertando para falhas nas estratégias desenvolvidas a nível hospitalar. O período crítico para o abandono foi entre o primeiro e o segundo mês de vida onde ocorreu uma diminuição de 26,2%. A partir daí a diminuição foi mais gradual. Aos 6 meses a prevalência era de 30,9%, o que não difere significativamente de outros estudos efectuados em Portugal(11-13). A consulta de vigilância ao mês de idade é assim um dos momentos essenciais para investir na manutenção do leite materno. A literatura diz-nos que a decisão quanto ao tipo de aleitamento é efectuada na maioria dos casos, antes do parto o que reforça a importância do trabalho de promoção da amamentação durante a gravidez, aproveitando as consultas de vigilância pré-natal(10). A maioria das famílias desta amostra é da classe sócio-económica V, e com escolaridade básica. Uma vez mais os dados sugerem que é a classe oposta (I) e as mães que possuem ensino superior que se associam a maior taxa de prevalência da amamentação (60% e 71% respectivamente amamentaram pelo menos 6 meses). O parto distócico têm sido considerado factor de risco ao abandono(15,17), e nesta amostra a ocorrência é elevada (45,2%), comparativamente a outros estudos nomeadamente no Hospital Garcia da Orta (36%)(13). Este parto, especificamente por cesariana, associou-se a menor prevalência da amamentação (23% aos 6 meses). Este estudo sugere que o facto de uma gestação não ser desejada, não deve ser motivo de desinvestimento na amamentação uma vez que 60% das mulheres que não a desejaram, amamentaram pelo menos 6 meses. A experiência materna de amamentar é a melhor arma para que de futuro o volte a fazer, e ajude as suas filhas na decisão de amamentar(1,15). Neste estudo esse aspecto não foi evidente (33,3% nas mães que tinham sido amamentadas versus 30,9%). As mães apresentaram um bom nível de conhecimentos sobre as vantagens do aleitamento, contudo não é de me- artigo original original article 71 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 nosprezar o facto de 35,7% possuir uma ou mais crenças desfavoráveis, como o risco de enfraquecer a mãe (26,2%), ou ser causa de obesidade (14,3%). Este aspecto chama a atenção para que nas estratégias de esclarecimento e fomento da amamentação, não seja esquecido a importância da desmistificação dessas crenças populares negativas. Os técnicos de saúde foram o principal veículo de informação (97,6%) para as mães ao contrário de outros estudos em que foi a família, os livros/revistas e meios, ficando a influência dos primeiros limitada a valores na ordem dos 44% a 9%(10,11,15). Motivar os profissionais para tornarem a sua mensagem mais eficaz e duradoura e criar condições para o fazerem é fundamental. A baixa percentagem de mães que realizaram cursos de preparação para o parto (21,4%) deve-se à existência única desta formação no centro de saúde da sede do concelho e com um número limitado de vagas para o curso. Contudo, na nossa amostra, elas não tiveram melhor desempenho que as restantes, ao contrário do sugerido por alguns autores(1). As mães consideraram-se bem informadas sobre o aleitamento materno (97,6%) o que difere de outros estudos em que só 88% o consideraram(15). Os motivos evocados para abandono do leite materno revelam no entanto que efectivamente não estão suficientemente informadas uma vez que são de longe os mais subjectivos: “bebé não satisfeito”,” pouco leite”,” leite fraco”. A avaliação ponderal, que atesta a sua suficiência surge como um aspecto pouco evocado. Este dado é comum a muitas outras séries sendo de reconhecer que a insegurança, comum a muitas mães, sobre a quantidade e qualidades do seu leite, são factores determinantes para o abandono. Para ultrapassar a situação é fundamental a antecipação às dúvidas e a disponibilidade para as resolver. O regresso à actividade profissional foi evocado como motivo de abandono da amamentação por um quarto das inquiridas. Isto alerta para a necessidade de discutir com a mãe estratégias individualizadas que permitam manter a amamentação como a possibilidade de recorrer a 72 artigo original original article métodos de extracção e conservação do leite materno, bem como do aconselhamento para a negociação e flexibilidade laboral aproveitando das disposições legais de apoio à amamentação. O facto de não trabalharem fora de casa, não teve qualquer relação com o amamentar durante um maior período de tempo, uma vez que só uma das sete mães desempregadas amamentou até aos 6 meses. Na maioria das vezes a decisão de iniciar o leite adaptado coube ao médico assistente tal como referido em outros estudos(14). Este facto deve alertar-nos para o perigo do facilitismo na prescrição deste leite. O encorajamento e a detecção de erros na amamentação consomem mais tempo aos profissionais de saúde o que deverá ser levado em conta pelos órgãos de Direcção e Gestão dos Serviços de Saúde. Talvez a solução passe, à semelhança de outros países, pela presença de um pediatra no ambulatório que nos Centros de Saúde tenha a seu cargo um programa de promoção e manutenção da amamentação, e para o qual possa contar com uma enfermeira com experiência na área materno infantil. Caberia a esta equipa incentivar a prestação por parte dos restantes profissionais de esclarecimentos nas consultas de vigilância da grávida, dar apoio e formação às mães durante a gravidez (em cursos de preparação para o parto ou em sessões informativas) reforçando os benefícios da amamentação, desmistificando crenças e fornecendo informação sobre como ultrapassar os principais obstáculos. Esta equipa deveria ter, nos primeiros meses de vida dos lactentes, disponibilidade diária para esclarecimento de dúvidas e apoio às mães no sentido de ultrapassar dificuldades e transmitir segurança quanto à satisfação, suficiência e qualidade do seu leite, comprovando com os valores objectivos da progressão ponderal(1,2,10,18). Esta intervenção seria não só de grande benefício para a criança como também uma boa oportunidade para estreitar o relacionamento dos pais com os Cuidados de Saúde Primários da sua área de residência. COMENTÁRIOS A amamentação apesar de ser natural, não é uma realidade para a maioria dos lactentes. O período crítico de abandono ocorre entre o primeiro e o segundo mês de vida. A reduzida dimensão da amostra inviabilizou o tratamento estatístico dos dados mas a multiparidade, mães com ensino superior e nível socio-económico mais elevado foi neste estudo associado a maior duração da amamentação. A insegurança materna sobre as qualidades nutritivas e a quantidade do seu leite são factores determinantes para o abandono. Neste meio semi-urbano especifico ainda há muito por fazer, sendo necessário reforçar estratégias para promoção e manutenção da amamentação. BREASTFEEDING - ANALYSIS OF THE SITUATION IN A SEMI-URBAN ENVIRONMENT ABSTRACT Introduction: Breast milk is the best food that a mother can give to her child. There is no other milk that has its qualities. Objectives: To determine the prevalence of breast-feeding, the reason for abandonment and the period in which it occurs, in a semi-urban environment. Material and Methods: Descriptive retrospective study conducted at the Health Unit in Lourosa, through a questionnaire applied to mothers with children between 6 and 18 months of age inclusive, from July 1 to September 30, 2007. The survey included demographic data such as age of mother, socio-economic status, the number of children, smoking habits, type of delivery, sources of information, intention and duration of breastfeeding and the reasons given for its abandonment Results: We obtained 42 questionnaires, representing 45.6% of children who were in the study. All mothers had the intention to breastfeed, 88,1% started breastfeeding and 30,9% breastfed for at least 6 months. The largest decline in prevalence was between the first and NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 second months of life. Mothers have good knowledge about breastfeeding (90.5%) however, there are still some unfavorable myths (35.7%). The health staff was the main source of information as also relevant literature and family. The main reasons given for the abandonment of breastfeeding are subjective including the unsatisfaction of the baby, the notion of low quantity and quality of the milk. The invitation of infant formula had the agreement of the attending physician in 80.5%. Conclusions: The rate of initiation of breastfeeding is acceptable but it declined severely during the second month of life. Maternal insecurity as to the quantity and quality of their milk were the main reason for the abandonment of breastfeeding. In this unit of primary health care it is necessary to strengthen strategies to promote the initiation and maintenance of breastfeeding. Keywords: Early weaning; Breastfeeding; Prevalence. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 68-73 BIBLIOGRAFIA 1. Levy L, Bértolo H. Manual de aleitamento materno. Edição Comité Português para a UNICEF/COMISSÃO Nacional, Iniciativa HOSPITAIS Amigos dos Bebés. 2002; 7-13. 2. Ahluwalia IB, Morrow B, Hsia J. Why Do Women Stop Breastfeeding? Findings From the Pregnancy Risk Assessment and Monitoring System. Pediatrics. 2005; 116: 1408-12. 3. Albuquerque M, Oliveira G, Abrantes M, Cunha A, Oliveira B. Aleitamento Materno. 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CORRESPONDÊNCIA Sandra Rebimbas Rua Bispo Florentino Andrade e Silva, 13 - 3º Esq 4520-290 Santa Maria da Feira Telefone: 963 354 283 E-mail: [email protected] artigo original original article 73 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Anomalias da Lateralização Dois Casos Clínicos Andreia Teles1, Maria José Dinis1, Lourdes Ferreira3, Isabel Carvalho2, Pinho de Sousa4 e Anabela João3 RESUMO As anomalias da lateralização são situações raras e muitas vezes complexas, podendo constituir uma anomalia isolada ou integrar síndromes complexos. Os autores apresentam dois casos clínicos de recém-nascidos de termo com anomalias da lateralização. O primeiro tratava-se de um caso de Situs Inversus Totalis diagnosticado no período neonatal na sequência de episódio de dificuldade respiratória do recém-nascido. O segundo, um caso de Situs Ambiguus com diagnóstico ecográfico pré-natal. Com a apresentação destes casos os autores pretendem alertar para a importância do diagnóstico precoce e discutir a metodologia de estudo destas anomalias que não é consensual no seio da comunidade científica. Palavras-chave: discinésia ciliar primaria, heterotaxia, malrotação intestinal, situs. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 74-7 INTRODUÇÃO O termo Situs significa posição ou localização. Situs Solitus refere-se à disposição normal das aurículas cardíacas e dos órgãos abdominais, correspondendo à organização habitual dos órgãos torácicos e abdominais Situs Inversus Totalis refere-se à inversão em espelho da loca- __________ 1 Serviço de Pediatria – Unidade de Neonatologia e Serviço de Cirurgia Pediátrica do CHVNGaia/Espinho, EPE 74 casos clínicos case reports lização habitual dos órgãos torácicos e abdominais. Qualquer alteração na organização destas estruturas, que não seja um Situs Solitus ou um Situs Inversus, denomina-se Situs Ambiguus(1,2) ou heterotaxia. As anomalias da lateralização estão associadas a um largo espectro de alterações das quais se destaca: doença cardíaca congénita; malrotação intestinal, discinésia ciliar primária (DCP) e síndromes de asplenia/poliesplenia. O principal objectivo do seu estudo é o diagnóstico de patologia associada e a detecção precoce de complicações. Quando o diagnóstico é pré-natal é mandatório a realização de ecocardiograma fetal para diagnóstico de patologia cardíaca estrutural e /ou anomalias do ritmo. A incidência de cardiopatia congénita associada a Situs Inversus Totalis varia de 3 a 5% e na heterotaxia de 50 a 100%(2;3). Está também indicado a realização de estudo citogenético fetal. No estudo pós-natal estão indicados a radiografia toracoabdominal, o ecocardiograma e a tomografia computadorizada toracoabdominal, para clarificar a anatomia e detectar anomalias associadas(3;4,5). Outros exames complementares de diagnóstico podem justificar-se pela associação a patologias como por exemplo malrotação intestinal ou DCP. A realização de estudos gastrointestinais contrastados para a detecção de malrotação, pelo risco aumentado de vólvulo e isquemia intestinal, não é consensual. Para alguns autores este estudo deve ser efectuado(2;4,5) e se concluir haver malrotação os pacientes devem ser submetidos ao Procedimento de Ladd2,4. Para outros esta avaliação só é necessária se os pacientes desenvolverem sintomatologia sugestiva(6). CASOS CLÍNICOS Caso 1 Recém-nascido do sexo masculino, filho de pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. Gestação vigiada, sem intercorrências e com ecografias no período prénatal sem alterações descritas. Parto às 39 semanas, cesariana por estado fetal não tranquilizador, com Índice de Apgar 9/10 e antropometria adequada à idade gestacional. Internamento às 24 horas de vida na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais por quadro de dificuldade respiratória ligeiro. Efectuou rastreio séptico que foi negativo e radiografia de tórax (Figura 1) que mostrou silhueta cardíaca invertida e com ápex coincidente com a câmara gástrica. Realizou ecografia abdominal que confirmou a existência de Situs Inversus Totalis e presença de dois baços acessórios e sem outras alterações. Figura 1 - radiografia de tórax com silhueta cardíaca e câmara gástrica à direita NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Boa evolução clínica durante o internamento sem necessidade de oxigénio suplementar. Alta ao quarto dia de vida orientado para consulta externa. Na segunda semana de vida iniciou quadro de tosse produtiva com períodos de exacerbação. Internamento aos 30 dias de vida por quadro compatível com bronquiolite mas sem identificação de vírus nas secreções nasofaríngeas. Foi orientado para a consulta externa onde efectuou sequencialmente exames complementares de diagnóstico abaixo descritos: TAC torácico que revelou duas atelectasias e uma área de «air trapping»; teste do suor que foi negativo, estudo imu- nológico que não mostrou alterações e biopsia nasal que não foi conclusiva. Os exames estão descritos no Quadro I. Manteve infecções respiratórias nomeadamente bronquiolite, rinosinusite, otite média aguda. Iniciou, aos 6 meses, terapêutica com corticóide inalado e broncodilatador em fases de agudização e efectua cinesioterapia respiratória duas a três vezes por semana. Foi recomendada a prescrição precoce de antibioterapia nas infecções respiratórias. Actualmente com 21 meses, mantém infecções respiratórias muito frequentes. A evolução estatoponderal tem sido normal. Caso 2 Recém-nascido do sexo feminino filho de pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. Gravidez vigiada diagnóstico pré-natal de alteração da lateralidade visceral – Situs Ambiguus, sendo referido na ecografia obstétrica: («…câmara gástrica em posição oposta à ponta cardíaca. Vesícula biliar do mesmo lado das câmaras cardíacas.»). Foi realizado ecocardiograma fetal que revelou levocardia com levoápex e interrupção da veia cava inferior com continuidade ázigus-veia cava superior. Parto eutócico, às 40 semanas, recém-nascido com Índice de Apgar 9/9 e antropometria adequada à idade gestacional. Quadro I - Exames complementares de diagnóstico no Caso 1 Exame Complementar de Diagnóstico Resultado Tomografia computorizada tórax Atelectasia na vertente porterior do lobo inferior direito; atelectasia subsegmentar no lobo inferior esquerdo; área de «air-trapping» na vertente medial do lobo superior direito Teste de suor Negativo Estudo imunológico* Sem alterações Broncofibroscopia Secreções mucopurulentas bilateralmente mais a nível dos basais, que apresentam sinais inflamatórios. Lavado brônquico-microbiológico Haemophilus influenzae Biópsia nasal Inadequada para avaliação estrutura segmentar por metaplasia pavimentar * Imunoglobulinas ; C3 e C4; subpopulações linfocitárias; doseamento de α 1 antitripsina; testes multialergéneos alimentares e inalatórios. Quadro II: Exames complementares de diagnóstico no Caso 2 Exame Complementar de Diagnóstico Resultado Radiografia de Tórax silhueta cardíaca à esquerda e câmara gástrica à direita Ecografia abdominal Situs Inversus abdominal; um baço acessório. Ecocardiograma Sem alterações além de interrupção da VCI* intrahepática e continuidade ázigos – VCS** Tomografia computadorizada toracoabdominal levocardia sem alterações morfo-estruturais valorizáveis. Fígado localizado à esquerda… Pâncreas e baço com topografia invertida registando-se a presença de baço acessório pericentimétrico. Aorta abdominal localizada à esquerda e de normal calibre. Ausência do segmento intra-hepático da VCI, processando-se a drenagem para a VCS através do sistema ázigus. Estômago à direita. Intestino delgado e grosso com topografia invertida, sem outras alterações Clisteres opacos 1º - topografia anómala do cólon ascendente que apresenta orientação oblíqua para a esquerda, situando-se o cego em posição alta e à esquerda da linha média, aspectos que fazem pressupor a existência da malrotação intestinal. 2º - não se confirma malrotação apresentando o intestino configuração normal mas invertida * VCI – veia cava inferior; ** VCS – veia cava superior casos clínicos case reports 75 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 O recém-nascido manteve-se sempre clinicamente bem. Após o nascimento efectuou o seguinte estudo: radiografia de tórax e ecografia abdominal que confirmaram a existência de Situs Ambiguus, ecocardiograma que confirmou a anomalia venosa sistémica descrita no período pré-natal, TAC toracoabdominal que descreveu toda a anatomia e dois clisteres opacos que excluíram malrotação intestinal. Os exames estão descritos no Quadro II. Os achados mencionados são compatíveis com síndrome de poliesplenia. Actualmente com dois anos de idade, apresenta evolução estatoponderal e desenvolvimento normais. Até à data, não manifestou sintomas clínicos de obstrução intestinal. DISCUSSÃO As alterações do Situs são raras e complexas e podem ser um diagnóstico isolado ou fazer parte de síndromes mais complexos com repercussões importantes na morbilidade e mortalidade dos pacientes. No período pré-natal perante uma suspeita de anomalia da lateralização o ecocardiograma fetal é essencial. Embora as anomalias cromossómicas não sejam frequentes está indicado o estudo citogenético fetal. No período pós-natal perante uma suspeita diagnóstica de anomalia da lateralização o estudo imagiológico com radiografia toracoabdominal, TAC toracoabdominal e ecocardiograma permitem afirmar o diagnóstico. Em casos mais difíceis de caracterizar anatomicamente ou no pré operatório de patologia cardíaca associada, a ressonância magnética pode estar indicada para completar o estudo(3). Perante um recém-nascido com dificuldade respiratória inexplicada e Situs Inversus o diagnóstico de DCP deve ser fortemente considerado(7,8). Apenas 50% dos indivíduos com DCP apresentam Situs Inversus e só 25% dos que têm Situs Inversus apresentam DCP(7,9). O desenvolvimento de rinosinusite precocemente, broncospasmo, tosse produtiva recorrente, e infeccções das vias aéreas superiores e inferiores irão corroborar o diagnós- 76 casos clínicos case reports tico. O teste do óxido nítrico exalado tem alta especificidade e sensibilidade, mas não é conclusivo porque pode estar alterado em outras patologias(7), mas pode ser considerado um teste de exclusão poque níveis altos de óxido nítrico exalado não são compatíveis com DCP(9). A biopsia ciliar com observação de defeitos específicos dos cílios por microscopia electrónica é o teste diagnóstico apesar de poder não apresentar alterações(9,10). A suspeita ou o diagnóstico de DCP são indicação de monitorização da função respiratória, tratamento precoce e agressivo das infecções respiratórias e cinesioterapia respiratória para compensar a alterada função ciliar. A antibioterapia precoce pode prevenir ou atrasar o desenvolvimento de bronquiectasias, o factor mais importante na afectação da qualidade de vida(8). No primeiro caso apresentado a suspeita levantou-se no período neonatal e a evolução clínica foi compatível. Para alguns autores pacientes com Situs Inversus e com infecções respiratórias recorrentes e/ou crónicas não necessitam de estudos adicionais previamente à realização de biopsia(8). No nosso caso a biopsia foi realizada apenas aos 16 meses de idade. As medidas preconizadas foram instituídas precocemente e foram excluídas outras patologias que clinicamente mimetizam DCP, como a fibrose quística e imunodeficiências. A biopsia nasal não foi conclusiva o que não exclui o diagnóstico. O síndrome de heterotaxia está frequentemente associado a anomalias da rotação intestinal que podem predispor a vólvulo e isquemia. Tal como mencionado anteriormente não é consensual o rastreio destas anomalias, neste contexto assim como a sua correcção no caso de estarem presentes. O procedimento de Ladd parece ser seguro e eficaz na prevenção do vólvulo e de obstrução2,4,5. No segundo caso apresentado após o diagnóstico de Síndrome de Heterotaxia foi efectuado estudo de anomalias da rotação intestinal e dado o ângulo duodenal apresentar configuração normal não existe risco aumentado de vólvulo pelo que não está programada cirurgia. Este caso é compatível com síndrome de poliesplenia. Para alguns autores, os síndromes de asplenia/poliesplenia dada a grande variabilidade de alterações passíveis de serem encontradas, a terminologia a usar será de síndrome de heterotaxia seguido da descrição das alterações (ex: interrupção veia cava inferior, dextrocardiaca, poliesplenia, entre outras)(3). Dado a elevada taxa de associação entre alteração do situs e cardiopatia congénita, o seu diagnóstico é urgente, crucial e consensual, ao contrário do restante estudo a efectuar. ANOMALIES OF LATERALIZATION TWO CASES REPORT ABSTRACT The anomalies of lateralization are rare and often complex, and may be isolated or integrate complex syndromes. The authors present two clinical cases of full-term infants with anomalies of lateralization. Case 1: situs inversus totalis diagnosed in the neonatal period following an episode of respiratory distress. Case 2: situs ambiguous diagnosed by prenatal ultrasound. The Authors emphasize the importance of an early diagnosis and discuss strategy of these anomalies, still a matter of controversy within the scientific community. Keywords: primary ciliary dyskinesia, heterotaxy, intestinal malrotation, situs. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 74-7 BIBLIOGRAFIA 1. 2. Miranda Penman Splitt, John Burn, Judith Goodship. Defects in the determination of left-right asymmetry. J Med Genet. 1996;33:498-503. David B. Tashjian, Bevin Weeks, Martina Brueckner, Robert J. Touloukian. Outcomes after a Ladd procedure for intestinal malrotation with heterotaxia. J Pediatr Surg. (2007) 42, 528-31. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 3. 4. 5. 6. Kimberly E. Applegate, MD, Marilyn J. Goske, MD, Gregory Pierce, MD, Daniel Murphy, MD. Situs Revisited: Imaging of the heterotaxy syndrome. Radiographics. 1999; 19: 837-52. Situs Inversus. Pediatric Surgery Update. 2006 March; 26 (3). Lee SE, Kim HY, Jung SE, Lee SC, Park KW, Kim WK. 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CORRESPONDÊNCIA Andreia Cristina Martins Oliva Teles Rua Dr. Ferreira Leite,76 4400-648 Vila Nova Gaia Tlm: (00351) 918 895 558 E-mail: [email protected] casos clínicos case reports 77 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Pott’s Puffy Tumor Caso Clínico Ana Ramalho1, Ana Faro1, Glória Silva1, José Rodrigues1 e Carlos P. Duarte1 RESUMO A osteomielite do osso frontal, também conhecida como tumor de Pott, é uma complicação rara da sinusite frontal. Manifesta-se mais vezes na adolescência e geralmente quando há envolvimento intracraniano, em particular por um quadro meníngeo, que pode ter uma evolução insidiosa. Relata-se o caso de um adolescente de 12 anos com uma apresentação atípica. Palavras-chave: Pott’s Puffy Tumor; sinusite Nascer e Crescer 2010; 19(2): 78-80 INTRODUÇÃO As complicações supurativas da sinusite são raras, mas com grande morbilidade e mortalidade. Neste artigo descrevemos uma complicação de sinusite frontal e etmoidal, descrita na literatura como Pott’s Puffy tumor, uma tumefacção mole frontal que traduz irritação meníngea por colecção abcedada suprajacente a osteomielite. De acordo com a literatura encontrada estão descritos apenas 21 casos na era antibiótica e a última revisão de 2001 relata sete casos(1). intensas referidas à região temporal esquerda, pulsáteis, acompanhadas de vómitos, com cerca de doze horas de evolução. Sem outros sinais de alarme, é medicado com terapêutica sintomática. Por agravamento volta ao terceiro dia de doença ao SU, agora com tumefacção dolorosa na região parietal esquerda, lesão herpética labial, febre e tosse produtiva. Apresenta dor à palpação dos seios frontais e maxilares. Nega traumatismo de crânio. Radiografia de crânio evidencia sinusite frontal (Figura 1), sem sinais de fractura. Analiticamente com 13 500/uL leucócitos com 80% neutrófilos e Proteína C Reactiva (PCR) de 25,7 mg/dL. É medicado com amoxicilina e ácido clavulâmico 875mg+125mg de 12/12h. Volta ao quinto dia de doença por agravamento dos sintomas e edema periorbitário bilateral. Apresenta-se prostrado, com queixas álgicas de maior intensidade, mantendo Glasgow de 15. Analiticamente apresenta agora 11 500 leuc/uL com 88% de neutrófilos e PCR de 17,8mg/dL. Realiza Tomografia computadorizada craneo-encefálica (TC-CE) (Figuras 2A - 2D) que mostra empiema e colecção gasosa fronto-parieto-occipital esquerda e occipito-parietal direita supradjacente aos locais de empiema e opacificação dos seios esfenoidais, etmoidais e frontal esquerdo. Internado e medicado com ceftriaxone e metronidazol associados a dexametasona. Ao sexto dia de doença há um agravamento do quadro, com rigidez da nuca, aumento do edema peri-orbitário bilateral, irritabilidade, gemido, sem resposta verbal e sem abertura expontânea dos olhos (nove na escala de Glasgow). É drenado o empiema do couro cabeludo, observando-se descolamento da glia e abcesso sub-periósteo. O exame bacteriológico é negativo em meio para Figura 1 - Radiografia de crânio evidenciando sinusite frontal esquerda. Figura 2A - TC-CE com evidência de sinusite etmoidal. CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino, doze anos de idade, sem antecedentes pessoais de relevo, com antecedentes familiares maternos de enxaqueca. Recorre ao Serviço de Urgência (SU) por cefaleias __________ 1 Serviço de Pediatria do Hospital do Divino Espírito Santo, Ponta Delgada 78 casos clínicos case reports NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 aeróbios, estando presentes em exame directo bacilos Gram+ e Gram-. Por agravamento do quadro neurológico realiza nova TC-CE, agora com maior edema cerebral e colecção falciforme infradjacente à calote em relação com provável osteomielite, edema palpebral pré-septal e sinusite etmoidal esquerda. Transferido para Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) por bradicárdia, hipertensão e instabilidade neurológica. Ao oitavo dia de doença realiza nova TC-CE que evidencia maior herniação sub-falciana e nesse mesmo dia inicia quadro convulsivo, do hemicorpo drtº e midríase à esquerda, com hemiplegia direita pós ictal. É realizada trepanação coronal esquerda com drenagem do empiema subdural e lavagem. Inicia vancomicina em perfusão e fenitoína. Ao quarto dia pós-operatório mantém parésia membro superior direito e afasia de emissão. À data de alta completa 19 dias de Ceftriaxone, 19 dias de metronidazol, 11 dias de vancomicina e está em desmame gradual de fenitoína, ainda com parésia do membro superior direito. DISCUSSÃO As complicações supurativas da sinusite embora raras, podem ter sequelas neurológicas devastantes e até mes- Figura 2B - TC-CE com evidência de sinusite frontal. mo mortais2. Como tal é importante que o Pediatra esteja alerta para a clínica e imagem associadas ao empiema intracraneano sinogénico de forma a permitir diagnóstico e terapêutica atempadas. Envolvem mais frequentemente a órbita e/ou o Sistema Nervoso Central, manifestando-se em graus tão variados que se estendem desde a celulite peri-orbitária até à trombose do seio cavernoso, empiema subdural e abcesso cerebral(2). “Pott’s Puffy tumor” é uma entidade inicialmente descrita por sir Percival Pott, definida como tumefacção mole frontal(3) que traduz irritação meníngea. Trata-se de uma colecção abcedada supradjacente a osteomielite(4). As causas são várias sendo a mais comum a sinusite frontal, mas também a etmoidal, o traumatismo de crânio, a radioterapia e transplante capilar(5). A maior frequência de infecção intra-craneana na adolescência deve-se segundo Kaplan a uma maior irrigação sanguínea e fluxo pelo sistema diplóico avalvular e crescimento dos seios frontais que tornam a parede mais fina. A estes factores de risco associam-se ainda possíveis defeitos ósseos (congénitos ou adquiridos) que permitem a penetração da infecção através do crânio(2). Em alguns estudos o seio frontal foi mesmo definido como o principal catalizador e denominador comum às com- plicações supurativas intra-cranianas; igualmente provada a predominância no sexo masculino e na adolescência(9). Neste caso a sinusite surge num adolescente cujo surto de crescimento favorece a disseminação hematogénea dos êmbolos sépticos. Os agentes mais frequentes incluem bactérias anaeróbias e aeróbias, com predomínio ao Streptococcus, Staphylococcus, Enterococcus e Bacterioides sp(2). O diagnóstico exige elevada suspeição clínica e o auxílio de meios complementares de diagnóstico como a TC-CE e Ressonância Magnética Nuclear (RMN). A cintigrafia poderá ser útil na detecção e diagnóstico de osteomielite(2). A terapêutica passa por craniectomia urgente com remoção do abcesso e do osso lesado o mais precocemente possível; excepção feita ao doente com pequeno abcesso subperiósteo, no qual se deve iniciar terapêutica mantendo vigilância apertada da sua acuidade visual e estado de consciência(1,2). A antibioterapia, segundo as recomendações para terapêutica da sinusite aguda e suas complicações da Academia Americana de Pediatria, inclui cefotaxime ou ceftriaxone e vancomicina endovenosos, ajustada segundo resultados culturais e prolongada, em média, por 6 a 8 semanas(4, 7). A drenagem sinusal está indicada Figura 2C - TC-CE: fina lâmina epidural fronto temporal esquerda em relação com colecção suprajacente à calote Figura 2D - TC-CE: evidênciando presença de bolhas na colecção suprajacente à calote compatível com empiema casos clínicos case reports 79 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 sempre que exista complicações intracraneana ou orbitaria de doença sinusal(8). Neste caso em particular a protelação da craniectomia tendo em vista uma maior estabilização do doente condicionou isquémia cerebral e convulsões tónico-clónicas com hemiparésia sequelar. A drenagem sinusal não foi considerada prioritária para a resolução do quadro uma vez que se mantinha algum arejamento dos seios perinasais. Recomenda-se, sempre que possível, a intervenção precoce com drenagem do empiema como forma de prevenir eventuais sequelas neurológicas ou agravamento clínico(2). A mortalidade elevada, atingindo os 12%(4), ocorre por aumento da pressão intra-craneana e herniação transtentorial, trombose, isquémia e sépsis, mas também os défices neurológicos condicionam uma considerável morbilidade a longo prazo(2). CONCLUSÃO O diagnóstico precoce é de extrema importância na orientação terapêutica do Pott’s Puffy Tumor pela alta mortalidade e morbilidade. O tumor mole craneano necessita como tal de despertar a suspeita do Clínico de modo que a história, exame físico e exames complementares de diagnóstico permitam orientação e intervenção rápidas e adequadas. 80 casos clínicos case reports POTT’S PUFFY TUMOR CASE REPORT ABSTRACT Osteomielitis of the frontal bone, otherwise known as Pott’s pufft tumor, is a rare complication of frontal sinusitis. It affects mainly adolescents and presenting symptoms are usually of meningeal involvement, which may be insidious. We report the case of a 12 year-old boy with an atypical presentation. Keywords: Pott’s Puffy Tumor; sinusitis Nascer e Crescer 2010; 19(2): 78-80 BIBLIOGRAFIA 1. Bambakidis N C, Cohen A R. “Intracranial Complications of frontal sinusitis in children: Pott’s Puffy tumor Revisited”, Pediatr Neurosurg. 2001; 35: 82-3. 2. Germiller J A MD, PhD et al. “Intracranial complications of sinusitis in children and adolescents and their outcomes”, Arch Otolaryngol head and neck surg. 2006; 132: 969-76. 3. Potts P. “Observations on the nature and consequences of wounds and contusions of the head, etc.”. London, 1760; 38-58. 4. Bağdatoğlu C, et al. “A rare clinical entity: Pott’s Puffy tumor – a case report”, Pediatr Neurosurg. 2001; 34: 156. 5. Koch S E, Wintroub B U. “A clinical marker for osteomyelitis of the skull” Arch Dermatol. 1985; 121: 548. 6. Bambakidis N C, Cohen A R. “Intracranial Complications of frontal sinusitis in children: Pott’s Puffy tumor Revisited”; Pediatr Neurosurg. 2001; 35: 82-3. 7. “Clinical practice guideline: management of Sinusitis”, Pediatrics. 2001; 108 (3): 806. 8. Lieser J D et Derkay C S. “Pediatric sinusitis: when do we operate?”, Current Opinion in Otolaryngology & Head and Neck surgery. 2005; 13: 64. 9. El-Hakim H, Malik A C, Aronyk K, Ledi E, Bhargava R. “The prevalence of intracranial complications in pediatric frontal sinusitis”, Intern. Journal of Pediatric Otorhinolarngology. 2006; 70: 1383-7. CORRESPONDÊNCIA Ana Raquel Ramalho R. Rodrigo Rodrigues, 36, 2º esq-sul 9500-180 Ponta Delgada Tlm: (+351) 966 131 745 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Teratoma Sacrococcígeo Caso Clínico Teresa Andrade1, David Montes1, Fátima Carvalho2, Manuel Dias3 e Carmen Carvalho1 RESUMO O teratoma sacrococcígeo, embora raro, é a neoplasia mais frequentemente diagnosticada no período neonatal. O diagnóstico é geralmente estabelecido após o nascimento, apesar do uso da ultrassonografia obstétrica permitir um número crescente de sinalizações pré-natais. O principal diagnóstico diferencial é o mielomeningocelo. A monitorização de marcadores tumorais sugestivos da presença de células malignas de um tumor do saco vitelino associado, tal como a alfa-fetoproteína, e a ressecção precoce do tumor são recomendáveis. Apresenta-se o caso clínico de um recém-nascido do sexo feminino a quem foi detectado ao nascimento uma massa sacrococcígea. A ressonância magnética nuclear admitiu tratar-se de um teratoma sacrococcígeo e o valor de alfa-fetoproteína era normal para a idade da doente. Foi realizada ressecção total do tumor com remoção do cóccix e confirmado o diagnóstico em estudo anátomo-patológico. A reavaliação posterior da criança revelou um valor decrescente da alfa-fetoproteína, ausência de défices motores e um bom aspecto cosmético. A apresentação deste caso clínico pretende realçar a importância do diagnóstico precoce, fundamental para a abordagem terapêutica adequada e melhor prognóstico. Palavras-chave: Teratoma sacrococcígeo, tumor de células germinativas, recém-nascido. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 81-4 INTRODUÇÃO Os teratomas são neoplasias sólidas que derivam da diferenciação anormal das células germinativas primordiais. Derivam das três camadas germinativas (ectoderme, mesoderme e endoderme) e podem ter localização gonadal ou extragonadal. A localização mais frequente é a sacrococcígea, seguida da ovárica, testicular e cerebral, entre outras(1). O teratoma sacrococcígeo, embora raro, é a neoplasia mais frequentemente diagosticada no período neonatal, com uma prevalência de 1 em 35 000 a 40 000 recém-nascidos vivos(2,3). A maioria destes tumores tem ocorrência esporádica, embora esteja descrita uma maior incidência familiar e um predomínio no sexo feminino numa relação 1:4(1,3,4). É habitualmente uma lesão benigna e a etiologia permanece desconhecida(5). Tabela 1 - Classificação dos teratomas sacrococcígeos (American Academy of Pediatrics Surgery Section). Teratoma Sacrococcígeo Características Tipo I Massa externa, com componente interno mínimo ou ausente Tipo II Massa predominantemente externa, com extensão interna para o espaço pré-sagrado Tipo III Massa externa e interna com extensão para a cavidade abdominal Tipo IV Massa totalmente interna, sem componente externo. __________ 1 2 3 Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, CHPorto - Maternidade de Júlio Dinis. Serviço de Cirurgia Pediátrica, CHPorto Unidade Maria Pia. Serviço de Anatomia Patológica, CHPorto Maternidade Júlio Dinis. O teratoma sacrococcígeo é habitualmente suspeitado ao nascimento ou durante as primeiras semanas, embora cada vez mais durante o período pré-natal, como um achado ultrassonográfico(1,6). Os diagnósticos diferenciais incluem o mielomeningocelo, o lipoma e o quisto dermóide, mas também tumores malignos como o sarcoma de Ewing/PNET, o neuroblastoma e o domiossarcoma(5). O diagnóstico de probabilidade é estabelecido com base na detecção imagiológica do tumor, por ecografia e ressonância magnética nuclear, e na constatação de níveis altos de marcadores tumorais, tais como a alfa-fetoproteína (AFP) e a hormona gonadotrófica coriónica humana (B-HCG). Níveis elevados de AFP podem indicar malignidade; infelizmente no periodo neonatal estes valores estão normalmente elevados e só alcançam valores normais cerca dos 9 meses de idade. O diagnóstico definitivo é estabelecido após análise anátomopatológica e estudos genéticos da massa tumoral(7,8). Este tipo de tumor pode ser classificado, de acordo com as características histoló- casos clínicos case reports 81 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 gicas, em benigno (maduro, constituído por tecidos diferenciados) ou maligno (imaturo, composto por elementos embrionários) ou, de acordo com a extensão interna ou externa da massa tumoral, em 4 tipos diferentes (Tabela 1)(6). Virtualmente qualquer tecido pode estar presente num teratoma sacrococcígeo. O tratamento de eleição é a ressecção completa do teratoma com excisão do cóccix para diminuir o risco de recorrências, devendo verificar-se se há adesão ao recto(5,8,9). A quimioterapia está geralmente reservada para os teratomas sacrococcígeos malignos(4,10). O prognóstico está dependente da idade do diagnóstico, da malignidade do tumor e facilidade da recessão cirúrgica(4). CASO CLÍNICO Recém-nascido do sexo feminino, de raça caucasiana, fruto de gestação vigiada, sem intercorrências. As ecografias pré-natais não revelaram alterações. An- Figura 1 - Teratoma sacrococcígeo: aspecto no 1º dia de vida. tecedentes familiares irrelevantes. O parto foi espontâneo, eutócico, hospitalar, com Índice de Apgar 8/9/10 (aos 1°, 5° e 10° minutos, respectivamente). Somatometria adequada à idade gestacional. No exame físico ao nascimento apresentava uma tumefacção na região sacrococcígea, com 3 x 4 cm de diâmetro, redonda, móvel, com consistência elástica, coberta por pele de tonalidade vinosa e com pêlos (Figura 1). O restante exame era normal, nomeadamente a motricidade dos membros inferiores. O toque rectal revelou ligeira proeminência anterior ao cóccix, sem componente pré-sagrado. A ressonância magnética nuclear da região lombossagrada mostrou presença de lesão predominantemente cística no espaço pré-sagrado, localizado entre o recto e a metade inferior do sacro e cóccix, estendendo-se até à gordura subcutânea, com topografia sugestiva de teratoma sacrococcígeo (Figura 2). O doseamento sérico da AFP revelou um valor de 27 800 UI/L. A ressecção cirúrgica da tumefacção sacrococcigea, com remoção total do cóccix, decorreu sem intercorrências, no 11º dia de vida. O exame histológico evidenciou presença de massa cística com 4,5 x Figura 2 - Ressonância magnética nuclear da região lombossagrada (corte sagital), mostrando lesão com componente maioiritariamente cística no espaço pré-sagrado (seta). Figura 3 - Cortes histológicos do teratoma sacrococcígeo com evidência de tecidos diferenciados (A- epitélio respiratório; B- epitélio intestinal; C- tecido cerebral; D- ácinos pancreáticos). 82 casos clínicos case reports NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 3,0 cm de diâmetro compatível com teratoma sacrococcígeo maduro, constituído por retalhos de vários tecidos, nomeadamente esquelético, respiratório, intestinal, pancreático e cerebral (Figura 3). A reavaliação posterior revelou um valor decrescente da AFP, ausência de défices motores e um bom aspecto cosmético. Aos 3 anos de idade a criança apresentava um crescimento estaturo-ponderal dentro dos percentis normais, ausência de défices motores ou sensitivos e continência de esfíncteres. Os marcadores analíticos tumorais mantinham-se normais. DISCUSSÃO O teratoma sacrococcígeo é a neoplasia congénita mais comumente detectada no recém-nascido(2). Cerca de 80% das crianças afectadas são do sexo feminino, tal como no caso descrito. O prognóstico é habitualmente favorável, dependendo da idade do diagnóstico, das características anatomo-patológicas do tumor e da precocidade da ressecção cirúrgica. O diagnóstico foi suspeitado e estabelecido no período neonatal, facto associado a um melhor prognóstico, visto que a incidência de malignidade aumenta com o aumento da idade do diagnóstico (5% no período neonatal em comparação com 75% após o ano de idade)(5). Do ponto de vista anátomo-patológico, o teratoma sacrococcígeo pode continuar a crescer em plano posterior, com formação de protusão externa, ou em plano anterior, com dissecção de planos e distorção de órgãos, com ou sem invasão (recto, vagina e bexiga) (3) . No caso que se descreve, a presença de massa predominantemente externa, com extensão interna para o espaço pré-sagrado permite a sua classificação em teratoma sacrococcígeo tipo II, de acordo com a classificação da Academia Americana de Pediatria. Histologicamente, a classificação assenta no tipo de tecido presente. Nos teratomas sacrococcígeos maduros, como no caso apresentado, os elementos mais frequentemente encontrados são tecido neuroglial, pele, epitélios respiratório e intestinal, cartilagem, e músculos liso e estriado(3). Estão geral- mente associados a melhor prognóstico do que os teratomas sacrococcígeos com tecidos imaturos. A associação a outras malformações congénitas ocorre em 5 a 26% dos casos, com destaque para as malformações genito-urinárias, nomeadamente hidronefrose, displasia renal e atrésia uretral(3,6) . O diagnóstico provável, tal como descrito na literatura(7,8), foi estabelecido com base na clínica e na detecção imagiológica do tumor, por ressonância magnética nuclear. O valor da AFP, normal para a idade(14), apontava para um teratoma maduro. O diagnóstico definitivo foi estabelecido após análise anátomo-patológica da massa tumoral. A diminuição significativa e progressiva dos valores da AFP após a ressecção cirúrgica corroboraram o diagnóstico. A abordagem clínica de um teratoma sacrococcígeo deve ser interdisciplinar, entre obstetrícia, neonatologia, cirurgia pediátrica e oncologia pediátrica(3). A cesariana electiva está geralmente indicada no feto com um teratoma sacrococcigeo de grandes dimensões (> 5 cm), para evitar a ruptura do tumor e a distocia. Em presença de hidropsia fetal está indicada a cesariana assim que seja atingida a maturidade pulmonar (> 30 semanas)(6). A ressecção completa do teratoma, com remoção do cóccix, realizado neste caso, é o tratamento de eleição(5,8,9), sendo que a não excisão do cóccix está associada a recorrência do tumor(5,8). Não sendo um teratoma com características malignas, não houve necessidade de quimioterapia. O seguimento pós-cirúrgico inclui o doseamento seriado da AFP. A sua normalização ocorre ao longo de cerca de 9 meses por se manter a produção da mesma pelo fígado do lactente(7,10). O mais importante factor prognóstico é o tamanho do componente sólido do tumor. Tumores predominantemente císticos, tal como no caso descrito, mesmo de grande tamanho, associam-se geralmente a melhor prognóstico, sobretudo pela menor presença de rede vascular e hemorragia(6). As sequelas a longo prazo, são relativamente comuns após ressecção cirúrgica do teratoma sacrococcígeo e in- cluem alterações da motilidade intestinal, incontinência urinária, aspecto estético da cicatriz e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida11. No entanto, tendem a melhorar com o tempo e, quando analisadas a nível individual, não têm uma prevalência significativamente superior à população geral(13). Neste caso a evolução foi favorável, com bom aspecto cosmético e sem défices motores. SACROCOCCYGEAL TERATOMA: A CASE REPORT ABSTRACT Sacrococcygeal teratoma, although rare, is the most common tumour detected in the newborn period. The tumour is usually diagnosed after birth, but the routine use of obstetric ultrasonography has allowed an increasing prenatal detection rate. Myelomeningocel is the main differential diagnosis. Tumour markers monitorization, such as alpha-fetoprotein, and prompt surgical excision is recommended. The authors report the case of a term newborn girl presenting a sacrococcygeal mass. The magnetic resonance imaging suggested corresponding to sacrococcygeal teratoma. Alfa-fetoprotein was in the normal range for the age of the infant. The total surgical resection of the tumour and coccyx was performed. Follow-up revealed a decreasing alpha-feto-protein, no adverse effects with no motor deficits and a good cosmetic aspect. The present report aims to emphasize the importance of an early diagnosis, since it should carry a prompt management and a better outcome. Keywords: Sacrococcygeal teratoma, germ cell tumour, newborn. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 81-4 BIBLIOGRAFIA 1. 2. Adkins ES. Teratomas and other germ cell tumors. Gabra HO, Jesudason EC, McDowell HP, et al. Sacrococcygeal teratoma – a 25 year experience in a casos clínicos case reports 83 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 3. 4. 5. 6. 7. 84 UK regional center. 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CORRESPONDÊNCIA Teresa Andrade Maternidade Júlio Dinis, CHP Largo da Maternidade 4050-371 PORTO Tlm: (00351) 919 742 860 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Gastroenterite Aguda Rosa Maria Lima1,2 e Jorge Amil Dias2 RESUMO A gastroenterite aguda (GEA) na criança é, ainda, uma das causas mais comuns de hospitalização e importante problema de saúde pública, no nosso país. Resulta da infecção do tracto gastrointestinal por variados agentes patogénicos que alteram a função intestinal. Assim episódios frequentes contribuem para má-nutrição ao interferirem com a absorção de nutrientes, pelo catabolismo aumentado provocado pela infecção e a redução da ingestão calórica pelos vómitos. O presente trabalho tem como objectivo fazer uma revisão sistemática de aspectos clínicos relevantes e consensos terapêuticos de acordo com recomendações recentes das Sociedades Europeia e Latino Americana de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica. Palavras-chave: diarreia, gastroenterite, rotavírus, rehidratação Nascer e Crescer 2010; 19(2): 85-90 INTRODUÇÃO A gastroenterite aguda (GEA) permanece uma das causas mais comuns de mortalidade em idade pediátrica, em países em desenvolvimento. A maioria das mortes acontece em zonas onde o acesso a água potável e cuidados de saúde são limitados. Neste contexto episódios frequentes de infecção intestinal contribuem para a má-nutrição ao interferirem com a absorção de nutrientes, ao catabolismo aumentado provocado pela infecção e à redução da ingestão pelos vómitos. Na Europa, a maioria dos casos __________ 1 2 Serv. Gastrenterologia Pediátrica - CHPorto Unid. Gastrenterologia Pediátrica - HSJoão de diarreia aguda do que o número de dejecções(1,2). apresenta um curso leve a moderadamente severo e a evolução fatal é rara. Em Portugal a GEA é causa comum de hospitalização e importante problema de saúde pública. A GEA resulta da infecção do tracto gastrointestinal por variados agentes patogénicos que alteram a função intestinal. O presente trabalho consiste numa revisão sistemática de aspectos clínicos relevantes e consensos terapêuticos de acordo com recomendações recentes das Sociedades Europeia e Latino Americana de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica. EPIDEMIOLOGIA A GEA é problema bastante comum na infância e em crianças pequenas. Crianças até aos 3 anos têm em média 1 a 2 episódios por ano, com um pico de incidência entre os 6 e os 23 meses(3). A diarreia tem habitualmente duração média de 5,0±2,2 dias(4). A etiologia da GEA varia entre os países, dependendo de factores como a localização geográfica, factores socioeconómicos e clima. Cerca de 40% dos casos de diarreia nos primeiros 5 anos de vida devem-se ao Rotavírus, e 30% a outros vírus, nomeadamente Norovírus e Adenovírus. Em 20 a 30 % são identificados agentes bacterianos (Salmonella, Campylobacter jejuni, Yersinia enterocolítica, E. coli enteropatogénica ou Clostridium difficile), sendo que nos países do Norte da Europa o Campylobacter é o agente mais frequente enquanto no Sul prevalece a Salmonella (Tabela 1). DEFINIÇÃO Define-se como a diminuição de consistência das fezes (líquidas ou semilíquidas) e/ou aumento na frequência das dejecções para mais de 3 nas 24 horas, com ou sem febre ou vómitos. A diarreia habitualmente dura menos de 7 dias e se prolongar por mais de 14 dias designa-se por diarreia persistente. Nos primeiros meses de vida, a alteração de consistência das fezes é um sinal mais significativo Tabela 1 Agente Frequência – Portugal (%) Frequência – Europa (%) Rotavírus 31 – 40 10 – 35 Adenovírus 11 – 13 2 – 10 Outros vírus 12 2 – 20 Salmonella spp 12 – 28 5–8 Campylobacter spp 2,1 – 2,4 4 -13 Shigella spp 0 – 0,6 0,3 – 1,4 Yersínia enterocolítica 0 – 1,6 0,4 – 3 S/ agente identificado 36 45 – 60 artigo de revisão review articles 85 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Os parasitas causam menos frequentemente diarreia aguda em crianças saudáveis, com maior frequência de Giardia intestinal, Criptosporidium e Entamoeba histolytica(2,5,6). Os vários estudos demonstram que a etiologia vírica tem o pico de incidência entre Janeiro a Março, e no nosso país a Salmonella pode ser responsável por um pico em Julho e Agosto(2,5). FISIOPATOLOGIA Os vários agentes infecciosos provocam lesão intestinal através de variados mecanismos que estão mencionados na Tabela 2. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A doença manifesta-se por diarreia líquida, por vezes com sangue, após período de incubação de 1 a 7 dias. Os vómitos e a febre podem estar ausentes, suceder ou preceder a diarreia; quando presentes, habitu- almente terminam em poucas horas após hidratação adequada, e no máximo em 48 horas. Alguns sintomas podem ser preditivos da etiologia. A febre elevada (>40ºC) é comum na infecção por Shigella. A presença de sangue nas fezes é habitualmente preditiva de etiologia bacteriana. O envolvimento do SNC é maior com os agentes bacterianos, particularmente Shigella e Salmonella. A associação de sintomas respiratórios com as infecções víricas está provavelmente relacionada com a época sazonal(2). Manifestações subsequentes dependem do grau de grau de desidratação. Raramente podem ocorrer complicações como invaginação intestinal, choque tóxico ou hipovolémico com insuficiência pré-renal na desidratação severa, convulsões resultantes de alterações electrolíticas ou de hipoglicemia, ou ainda mais raramente encefalite. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA A história clínica bem elaborada e o exame físico cuidado são fundamentais. A história clínica fornece informação determinante para a orientação diagnóstica e terapêutica. Os dados importantes a colher são enumerados na Tabela 3. No exame físico da criança com GEA, é particularmente importante avaliar o grau de desidratação; a forma mais exacta é através da percentagem de perda ponderal. Todas as crianças devem ser examinadas despidas, pesadas e deve ser calculado o grau de desidratação, que pode ser dividido em 3 grupos: sem desidratação ( < 3% de perda ponderal), leve a moderada (3 a 8 % de perda ponderal) e severa (> 9 % perda ponderal). A Tabela 4 enumera os sinais físicos que permitem calcular a gravidade da desidratação. O tempo de reperfusão capilar, a prega cutânea e o padrão respiratório Tabela 2 Mecanismos de lesão intestinal Agentes infecciosos Mecanismo fisiopatológico Invasão e lesão da mucosa Shigella Yersinia enterocolítica Campylobacter jejuni Estirpes invasoras de E. coli (EPEC) 9 Invasão da mucosa intestinal com ulceração e sangue Secreção activa de água e sódio Vibrio cholerae Estirpes enterotóxicas de E. coli (ETEC) 9 Libertação enterotoxina Fixação em receptores específicos dos enterócitos Activação de mediadores intracelulares (AMPc, GMPc, Ca++) Secreção intestinal activa de Cl-, Na+ e H2O Rotavírus 9 Invasão e destruição dos enterócitos maduros das vilosidades, sendo substituídos por enterócitos imaturos, com ↓ capacidade de absorção e ↓ actividade enzimática (dissacaridases) 9 Infecção não é contínua (intervalos de mucosa normal) Giardia lamblia E. coli enteropatogénica (EPEC-aderentes) 9 Adesão à mucosa → lesão das microvilosidadades Lesões parciais da mucosa Clostridium difficile Produção de citotoxinas Estirpes de E. coli enterohemorrágica (EHEC -O157:H7) 86 artigo de revisão review articles 9 Alguns antibióticos (grupo da Clindamicina) desequilibram a flora intestinal facilitando a proliferação deste agente 9 Produção de citotoxina que destrói a mucosa intestinal com produção de pseudomembranas 9 Produção duma citotoxina (verotoxina), responsável pelo S. hemolíticourémico que, por vezes (5 a 10%) ocorre após diarreia com sangue NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Tabela 3 Dados importantes a obter da história clínica de uma criança com diarreia Idade, Peso anterior Número de dias de diarreia Número de dejecções nas últimas 24 horas Consistência das fezes Presença de sangue Número de episódios vómitos Febre, quantificar Micções (N / <normal) (número de fraldas) Quantidade de líquidos ingeridos Ingestão alimentar Aleitamento materno Medicação já efectuada (SRO / antipiréticos / outros) Viagem nas últimas 2 semanas Contacto com outros casos (domicílio / creche / escola) Patologia pré-existente anormal constituem os sinais mais fidedignos na avaliação da desidratação(2). O tempo de reperfusão capilar é avaliado num dedo da mão do doente ao nível do coração, em temperatura ambiente agradável. A pressão deve ser gradualmente aumentada, na superfície palmar da falange distal e depois aliviada de imediato. O tempo normal é inferior 1,5 – 2 segundos. A prega cutânea é avaliada na parede abdominal lateral ao nível do umbigo. A prega que se forma pela pressão do polegar e indicador normalmente retorna ao normal de imediato após ser libertada. A hipernatremia e o excesso de gordura subcutânea podem dar sinais falsos negativos de desidratação, a desnutrição pode transmitir um sinal falso positivo. Na diarreia severa, quando há complicações ou dúvidas sobre o diagnóstico, deverão realizar-se outras investigações de acordo com o quadro clínico. O exame microbiológico de fezes não deve realizar-se por rotina. A demonstração do agente, vírus ou bactéria responsável pela GEA, não é relevante para a decisão terapêutica para o doente individual. No entanto em situações par- ticulares (Tabela 5), a procura de agente causal por exame cultural, demonstração do antigénio ou toxina, ou por detecção de DNA pode ser importante e, como tal, recomendada. Em caso de infecção nosocomial em doentes hospitalizados, isto é, início de diarreia há mais de 3 dias após admissão, deve ser pesquisado Rotavírus e/ou toxina de Clostridium difficile. O isolamento de agente bacteriano é raro, e o exame cultural de fezes não deve fazer parte da avaliação inicial de um doente com diarreia nosocomial. As análises de sangue não são habitualmente necessárias em casos de desidratação leve a moderada, uma vez que os resultados não influenciam o tratamento. A etiologia vírica ou bacteriana não se esclare com parâmetros como a PCR e a velocidade de sedimentação. Estão indicadas para crianças com desidratação severa ou se necessitam de rehidratação endovenosa e devem incluir o hemograma completo, equilíbrio ácido-base, electrólitos, ureia e creatinina(2). A identificação de leucócitos nas fezes em exame a fresco com coloração por azul de metileno pode sugerir etiologia bacteriana invasiva da mucosa embo- Tabela 4 Sem desidratação (<3% perda ponderal) Desidratação leve a moderada (3 – 8%) Desidratação severa (> 9 %) Estado geral/ nível de consciência Bom, acordado Agitado, irritável ou prostrado Apático, letárgico Sede Normal Com sede, ávido de líquidos Bebe muito pouco ou recusa Freq. Cardíaca Normal Normal a elevado Taquicardia e se agravamento bradicardia Pulso Normal Normal a diminuído Fraco ou não palpável Respiração Normal Normal ou profunda Profunda, respiração acidótica Olhos Normal Encovados Profundamente encovados Lágrimas Presentes Diminuídas Ausentes Mucosas Húmidas Secas Muito secas Prega cutânea Desaparece de imediato Desaparece após <2’’ Permanece> 2 ‘’ Tempo de reperfusão capilar Normal Lento Muito lento Extremidades Quentes Frias Frias, cianóticas Diurese Normal a diminuída Diminuída Mínima artigo de revisão review articles 87 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Tabela 5 Exame cultural das fezes, quando pedir: Evolução severa, com perda ponderal estimada> 9% Diarreia com sangue Viagem recente para países de risco (África, Ásia, América do Sul) Imunodeficiência congénita ou adquirida ou terapia imuno-supressora Suspeita de colite por Clostridium difficile ou S. hemolítico-urémico Diarreia persistente (mais de 2 semanas) Surtos epidémicos Quando infecção intestinal tem de ser excluída para confirmar outras etiologias como a Doença Inflamatória Intestinal. ra tenha alguma significativa margem de erro. Contudo, não existe nenhum marcador nas fezes seguramente preditivo de infecção bacteriana(2). TRATAMENTO O tratamento essencial da GEA consiste na reposição de fluidos e electrólitos e na manutenção da alimentação entérica para prevenir o catabolismo e promover a regeneração dos enterócitos. Rehidratar A rehidratação oral deve ser a primeira linha no tratamento de crianças com GEA. A Solução de Rehidratação Oral (SRO) foi desenvolvida depois da descoberta do mecanismo de co-transporte de sódio e glicose nos enterócitos. A água segue passivamente o influxo de sódio e glicose. Ficou demonstrado que as bactérias enterotoxinogénicas como o Vibrio cholerae e as estirpes enterotóxicas de E. coli mantêm intactas a morfologia da mucosa intestinal e as suas funções absortivas e, apesar da lesão dos enterócitos pelo Rotavírus a SRO também se mostra eficaz(7). As SRO de osmolaridade reduzida (conteúdo em sódio de 75 mmol/L) ou hipotónica (Na+ 60 mmol/L) são recomen- 88 artigo de revisão review articles dadas como tratamento da GEA na Europa. A solução hipertónica (Na+ 90 mmol/L) foi inicialmente recomendada, mas vários trabalhos demonstraram de forma consistente que menores concentrações de sódio e glicose aumentam a absorção de água podendo ser mais eficazes que as soluções com osmolaridade mais elevada, e ao mesmo tempo reduziam o risco potencial de induzirem hipernatrémia por perda aumentada de água(2,7,8). Uma revisão sistemática de Hahn incluiu 15 ensaios controlados randomizados em 2397 crianças menores de 5 anos, com diarreia aguda, tratados com SRO de osmolaridade reduzida ou hipotónica vs SRO hipertónica; esta revisão demonstrou que as crianças tratadas com SRO de osmolaridade reduzida ou hipotónica tiveram menor necessidade de rehidratação endovenosa, excreção fecal e risco de vómitos, quando comparados com crianças tratadas com SRO hipertónica e sem risco significativo de hiponatrémia(9). Assim, a SRO hipertónica não é actualmente recomendada em crianças. Os refrigerantes e Colas contêm muito elevada concentração de açúcar (> 110 g/L), concentrações mínimas de sódio ou de potássio e possuem osmolaridade demasiado elevada (> 780 mOsm/L) pelo que estão fortemente contra-indicados. Na desidratação leve a moderada (3 a 5% de perda ponderal) a quantidade de líquidos a ser ministrada é de 30 a 50 ml/Kg de peso corporal; na desidratação moderada (> 5 a 8%), a quantidade é de 60 a 80 ml/Kg, durante um período de 3 a 4 horas. Quando a rehidratação oral não é possível, a rehidratação enteral por sonda nasogástrica é tão eficaz e mais correcta do que a rehidratação endovenosa. Está associada a menos efeitos adversos e internamentos mais curtos. Uma revisão da Cochrane, envolvendo 1811 crianças com GEA, mostrou não existir diferença significativa entre a terapia oral e endovenosa no que respeita ao risco de hipo ou hipernatremia e ganho ponderal. A diarreia terminou em média cerca de 6 horas mais cedo nos doentes tratados com rehidratação oral, e o tempo de internamento foi significativamente mais curto, em média de 1.2 dias. A mortalidade foi rara, mas ocorreu em 6 crianças com terapia endovenosa e 2 crianças com rehidratação oral. Apenas em 1 de cada 25 crianças que iniciaram rehidratação oral foi necessário mudar para terapia endovenosa(10). Não é recomendado o uso de SRO com outros substractos por falta de evidência científica conclusiva(2,8). O internamento na GEA deve ser limitado de forma a prevenir a infecção nosocomial, garantindo-se um tratamento seguro e eficaz. As crianças que se apresentam desidratadas e/ou tiveram mais de 8 episódios de diarreia e/ou mais de 4 episódios de vómitos nas últimas 24 horas ou com menos de 6 meses de idade, têm risco elevado de complicações pelo que devem ficar em vigilância, e só poderão ter alta quando a ingestão de fluidos e alimentar é satisfatória. Recomendações dietéticas A alimentação deve ser mantida e não se recomendam pausas alimentares superiores a 4 horas. Devem manter a dieta habitual, não se justificando a mudança para dietas especiais, nomeadamente com baixo teor de lactose e/ou gorduras ou hidrolisados proteicos(2,8). Tratamento farmacológico Na maior parte das diarreias infecciosas, o tratamento com fármacos não está indicado. Revêem-se brevemente os principais produtos descritos para a GEA. Anti-eméticos Não devem ser usados por rotina em crianças com GEA e vómitos, pela elevada percentagem de efeitos colaterais, no entanto podem ser úteis em crianças com vómitos severos(2,8). A metoclopramida está frequentemente associada a síndrome extra-piramidal, particularmente nos casos de sobredosagem, já que as crianças podem vomitar o medicamento e levar os pais a repetir a dose! Anti-peristálticos A loperamida é um agonista dos receptores opióides provocando redução da motilidade intestinal. Está NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 contra-indicada no tratamento da GEA em crianças, pelos efeitos colaterais sérios, nomeadamente distensão abdominal, ileo paralítico, letargia e morte, relatados em crianças com menos de 3 anos(2,8). Anti-secretórios O racecadrotil é um fármaco anti-secretor que exerce o seu efeito antidiarreico através da inibição da encefalinase intestinal, reduzindo activamente a secreção de água e electrólitos. Pode ser útil na fase inicial (em que o componente secretor é mais relevante) de diarreias víricas. Pode ser considerado no tratamento de crianças com GEA, no entanto serão necessários mais estudos de eficácia e segurança para fazer essa recomendação(2,8, 1). Micronutrientes O zinco tem funções tróficas anti-oxidativas, com efeitos que favorecem as funções imunológicas e de barreira da mucosa intestinal. Embora o seu mecanismo de acção seja desconhecido, o tratamento com zinco demonstrou aumentar a absorção de água e electrólitos pelo intestino, favorece a rápida regeneração do epitélio intestinal aumentando os níveis de enzimas das microvilosidades, reduz a gravidade e duração da diarreia aguda e persistente. Estes efeitos foram demonstrados em crianças que vivem em países em desenvolvimento, onde a deficiência de zinco é comum. Não existem provas de eficácia do seu uso em crianças europeias com GEA. No entanto, levando em conta as recomendações da OMS, deve suplementar-se com zinco qualquer criança malnutrida. A dose é de 10 mg/dia em menores de 6 meses e 20 mg/dia após essa idade durante 10 a 14 dias(2,8,14,13). Probióticos Podem ser efectivos no tratamento da diarreia de etiologia vírica. Apesar de numerosos estudos com resultados contraditórios, meta-análises revelam que o Lactobacillus GG e o Saccharomyces boulardii se mostraram benéficos(2,8). Antibióticos Não são recomendados na grande maioria das crianças com diarreia aguda. Nas GEA de etiologia bacteriana só são recomendados para patogéneos específicos, nomeadamente nos casos de Vibrio cholerae, Entamoeba histolytica, Shigella e Giardia intestinal(2,7). Os antibióticos estão indicados no tratamento de diarreia por agentes bacterianos nas seguintes situações: menos de 3 meses de idade, imunodeficiência primária ou secundária, terapia imunosupressora ou se existe sepsis como complicação. O tratamento antibiótico da infecção por Shigella reduz de forma significativa a duração da febre, diarreia e a excreção fecal do agente e, portanto, a infectividade. É recomendado o tratamento antibiótico na diarreia com confirmação cultural ou na suspeita. O tratamento empírico preferencial é a azitromicina durante 5 dias. No tratamento empírico endovenoso a primeira escolha é o ceftriaxone durante 2 a 5 dias(2). Na GEA por Salmonella não se recomenda tratamento antibiótico em crianças saudáveis, uma vez que, não afecta a duração da febre ou diarreia e pode induzir o estado de portador(2). Na diarreia por Campylobacter jejuni, o tratamento reduz a duração dos sintomas, sobretudo em crianças com diarreia disentérica, e reduz a duração da excreção fecal e portanto reduz a infectividade, sendo recomendada em creches ou instituições(2). Diarreia persistente Designa-se diarreia persistente (DP) quando se inicia de forma aguda e dura 14 dias ou mais, habitualmente associada a má evolução ponderal(14,15). É importante factor de morbilidade e mortalidade em todo o mundo, e ao contrário da diarreia aguda em que a desidratação é o mais importante factor de mortalidade, a DP pode ter vários efeitos no desenvolvimento da criança, nomeadamente deficiências de micronutrientes, paragem do crescimento e atraso cognitivo. Existem poucos dados acerca dos factores de risco para o desenvolvimento de diarreia persistente nos países desen- volvidos. Os dados acerca dos países em desenvolvimento revelam que as crianças com menos de 6 meses têm um risco mais elevado de desenvolver diarreia persistente. Um estudo de Vernacchio, realizado nos Estados Unidos, que seguiu prospectivamente 604 crianças com idades entre os 6 meses e os 3 anos, revelou uma incidência da diarreia persistente de 0,18 episódios por criança por ano, ocorrendo mais frequentemente no Inverno e Primavera, com duração média de 22 dias (14–64 dias) e sendo o Norovirus, Rotavirus e Sapovirus os agentes habitualmente associados. Estes dados estão em contradição com estudos realizados em países em desenvolvimento em que a etiologia bacteriana é mais frequente e com maior morbilidade e mortalidade(16). Embora o conhecimento da patogenese da diarreia intratável e de lesão da mucosa tenha aumentado, ainda estamos longe de conhecer os mecanismos moleculares que levam à lesão intestinal prolongada na DP de etiologia infecciosa. Duas formas de lesão podem ocorrer, colonização infecciosa persistente e enteropatia pós-infecciosa que não recupera ou com recuperação muito lenta. A atrofia vilositária e a infiltração da lâmina própria resultantes levam a perda da barreira epitelial e perda das funções de absorção com desnutrição e consequente atraso de reparação epitelial (14,15). O tratamento da diarreia persistente inclui as medidas de rehidratação, reabilitação nutricional e terapêutica farmacológica. A rehidratação deve obedecer aos mesmos princípios da GEA. As medidas dietéticas incluem a manutenção do aleitamento materno. Nas crianças alimentadas com fórmula láctea, em que se evidencie acidez das fezes e presença de açúcares redutores (método de execução simples com 5 gotas da parte líquida das fezes, 10 gotas de água e 1 pastilha de Cliniteste®) deverá suspender-se a ingestão de lactose através leite próprio e manter-se bom aporte calórico. Se a diarreia persiste deverá ponderar-se dieta elementar e proceder-se a estudo adicional etiológico (outros défices enzimáticos ou de transporte da glicose no epitélio artigo de revisão review articles 89 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 intestinal). É recomendada a suplementação com zinco. Devem ser tratadas infecções extra-intestinais. Deve ser investigada possível infecção intestinal se a diarreia se mantém após a abordagem dietética inicial. Em caso de insucesso terapêutico com estas medidas e se não há ganho ponderal deve iniciar-se nutrição parentérica para controlar a desnutrição e promover a recuperação nutricional durante as investigações subsequentes(14). Prevenção Estão disponíveis duas vacinas contra o Rotavirus. A eficácia contra a doença severa por Rotavírus está demonstrada ser superior a 95%. A vacinação é recomendada pelas Sociedades Europeias de Infecciologia e Gastrenterologia Pediátrica (ESPID, ESPGHAN), para todas as crianças entre as 7 semanas e as 26 semanas de vida(17). Do mesmo modo, a Sociedade de Infecciologia Pediátrica e a Secção de Gastrenterologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria recomendam que devem ser levadas em conta as recomendações das Sociedades Europeias, e a decisão sobre a vacinação deve ser feita em conjunto com os pais tendo em consideração a segurança e eficácia(18). ACUTE GASTROENTERITIS ABSTRACT Acute gastroenteritis in children is still one of the most common causes of hospitalization and a major public health problem in our country. It is caused by various pathogens that alter the intestinal function. Therefore frequent episodes contribute to malnutrition by interfering with the absorption of nutrients, an increased catabolism due to infection and the reduction of caloric intake by vomiting. This paper aims to review systematically the clinical relevance and therapeu- 90 artigo de revisão review articles tic consensus in accordance with recent guidelines of European and Latin American Societies of Gastroenterology, Hepatology and Pediatric Nutrition. Keywords: diarrhea, gastroenteritis, rotavirus, rehydration Nascer e Crescer 2010; 19(2): 85-90 BIBLIOGRAFIA 1. Baqui AH, Black RE, Yunus M, et al. Methodological issues in diarrhoeal diseases epidemiology: definition of diarrhoeal episodes. Int J Epidemiol 1991; 20:1057-63. 2. Gaurino A, Albano A, Ashkenazi et al. ESPGHAN/ESPID guidelines for AGE management in European children. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2008; 46:S81-S184. 3. Van Damme P, Giaquinto C, Huet F, et al. Multicenter prospective study of the borden of rotavirus acute gastroenteritis in Europe, 2004 - 2005: the REVEAL study. J Infect Dis 2007; 195 (S1): 4-16. 4. Guandalini S, Pensabene L, Zikri MA, Dias JA, et al. Lactobacillus GG administered in oral rehydratation solution to children with acute diarrhea: a multicenter European trial. J Pediatr Gastrenterol Nutr 2000; 30: 54-60. 5. Valente I, Aguiar A, Afonso A, et al. Gastroenterite aguda na criança – estudo prospectivo multicêntrico. Nascer e Crescer 2006; S159-60. 6. Rodrigues F, Alves M, Alves A, et al. Etiologia das gastroenterites agudas em UICD: estudo prospectivo de 12 meses. Acta Pediatr Port 2007; 38(1): 13-7. 7. Guandalini S. Acute diarrhea, in Pediatric Gastrointestinal Disease edited by Walker 2004, 166-79. 8. Castrellón P, Allué P et Lindo E. Manejo de la gastroenteritis aguda en menores de 5 años: un enfoque basado en la evidencia. An Pediatr 2010; 72 (3): 220.e1-220.e20. 9. Hahn S, Kim Y, Garner P. Reduced osmolarity oral rehydratation solution for treating dehydration due to diarrhoea in children: systematic review. BMJ 2001; 323: 81-5. 10. Hartling L, Bellemare S, Wiebe N, et al. 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Os autores descrevem o caso de uma adolescente de 11 anos com algoneurodistrofia com evolução clínica favorável após diagnóstico e tratamento precoces. Pretendem com este caso alertar para a importância da sua identificação precoce, fazendo uma breve revisão desta entidade nosológica. Palavras-chave: algoneurodistrofia, síndrome da dor regional complexa, dor neuropática, pseudoparalisia Nascer e Crescer 2010; 19(2): 91-4 INTRODUÇÃO A algoneurodistrofia, também conhecida como Síndrome da Dor Regional Complexa tipo I, Distrofia Simpática Reflexa ou Atrofia de Sudeck, é uma doença rara que se caracteriza por dor neuropática, pseudoparalisia, tumefacção, sinais vasomotores e autonómicos num membro, na ausência de lesão nervosa identificada. __________ 1 Serviço de Pediatria, CH Médio Ave, Unidade de Famalicão Trata-se de uma entidade clínica descrita pela primeira vez em 1864 pelos médicos Mitchell, Moorehouse and Keen, durante a Guerra Civil Americana(1) e classificada em 1994 como Síndrome da Dor Regional Complexa (SDRC) tipo I pela International Association for the Study of Pain (IASP)(2). Diferencia-se da SDRC tipo II, também chamada causalgia, por esta ocorrer, geralmente, após lesão nervosa. No entanto, os critérios de diagnóstico ainda não são universalmente aceites(3). É uma doença muitas vezes subdiagnosticada, da qual se desconhece a prevalência. Em idade pediátrica afecta principalmente o sexo feminino (67-84%) (4,6-9) durante a adolescência (média 12,4-13,4 anos(4,6-9); idade mínima descrita: 2 anos(5)). O tempo entre o início dos sintomas e o seu diagnóstico pode variar, em média, entre 4 e 12 meses(4,6,8). A sua etiologia e fisiopatologia são controversas, não sendo identificável o factor desencadeante em pelo menos metade dos casos(4,6). CASO CLÍNICO Adolescente do sexo feminino, 11 anos de idade, caucasóide, natural e residente em Vila Nova de Famalicão, internada no Serviço de Pediatria por dor intensa no membro superior esquerdo. Trata-se da terceira filha de pais não consanguíneos e saudáveis, sem doença heredo-familiar conhecida. Dos antecedentes pessoais, destacava-se um internamento aos 9 anos por suspeita de abuso sexual. O contexto socio-familiar era desfavorável: residia com os pais (mãe empregada doméstica; pai operário fabril) numa habitação rural com quintal e animais e cumpria tarefas domésticas diárias (engomar roupa e lavar louça), estando os irmãos (13 e 15 anos) institucionalizados por negligência parental. Frequentava o 5º ano com razoável aproveitamento e apresentava bom relacionamento com os colegas. Seria saudável até três dias antes do internamento, altura em que iniciou dor no punho esquerdo, sem factor desencadeante aparente. Verificou-se agravamento progressivo do quadro com hiperestesia, edema e rubor da mão e punho esquerdos, motivo pelo qual recorreu ao Serviço de Urgência (SU) do nosso hospital. À admissão apresentava dor com extensão em luva até à metade distal do antebraço esquerdo, com hiperestesia (intolerância ao toque e roupa), associada a cianose, edema ligeiro (Sinal de Godet negativo) e hipotermia na mesma localização (Figura 1). Verificava-se hipersudorese da mão, dedos em semi-flexão (postura em garra) e aparente incapacidade funcional. Os pulsos radiais eram amplos e simétricos e os reflexos osteo-tendinosos dos membros superiores eram normais e simétricos. Não apresentava outros sintomas associados e o restante exame objectivo era irrelevante, à excepção de humor triste. Negava história recente de traumatismo, patologia infecciosa ou medicação. Realizou exames complementares de diagnóstico que não revelaram alterações, nomeadamente: radiografia dos punhos e mãos, hemograma, bioquímica com avaliação da função renal e do metabolismo fosfo-cálcico, velocidade de sedimentação, proteína C reactiva, estudo imunológico (imunoglobulinas, anticorpos anti-nucleares, factor reumatóide) e serologias (TASO, EBVe CMV). ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 91 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Figura 1 – Pseudoparalisia e pele marmoreada do membro superior esquerdo da adolescente com algoneurodistrofia. Ficou internada no Serviço de Pediatria com o diagnóstico provável de algoneurodistrofia. Foi medicada com ibuprofeno oral (40 mg/kg/dia), fisioterapia diária e apoio psicológico. Efectuou-se igualmente intervenção familiar, de modo a atenuar as tarefas domésticas. A evolução clínica foi favorável, com recuperação funcional progressiva, regressão do edema e das alterações tróficas da pele e diminuição da área de hiperalgesia. Teve alta após dez dias de internamento apresentando dor ligeira e circunscrita à eminência óssea da apófise cubital. Manteve medicação com ibuprofeno e exercícios de fisioterapia durante um mês. Teve alta da consulta externa quatro meses após o início dos sintomas, encontrando-se nessa altura assintomática e com exame físico normal (Figura 2). DISCUSSÃO A fisiopatologia proposta para a algoneurodistrofia assenta na criação de um arco nervoso reflexo anómalo, que se propaga da periferia até ao córtex cerebral com posterior transmissão eferente à medula espinhal(10). A partir desta, surge um impulso do sistema nervoso simpático (SNS), que resulta numa hiperestimulação da actividade simpática periférica, com correspondente resposta inflamatória neurovascular, que origina dor. Este estímulo doloroso activa o reinício do arco reflexo por “curto-circuito”. A dor intensa resulta da acção de neuropéptidos do sistema nervoso periférico e mediadores inflamatórios (citocinas, IL-1, IL-6, TNF-alfa) e de uma maior sensibilidade dos axónios lesados à epinefrina e outras substâncias libertadas por nervos simpáticos locais. Este pro- Figura 2 – Mãos da adolescente após meses de tratamento, na altura da alta da Consulta. 92 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting cesso de inflamação neurogénica origina dor e hiperestesia(12). A imobilização pode perpetuar o arco reflexo, sendo crucial a sua evicção de modo a interromper este circuito. Actualmente não existem marcadores bioquímicos, histológicos ou anatomopatológicos específicos(18). Geralmente são crianças com patologia psiquiátrica, com dor abdominal recorrente e cefaleias, que têm excessiva responsabilidade, disfunção socio-familiar ou escolar e vítimas de abuso sexual(4,11-14). Podem ter sinais de hipersensibilidade simpática (hipersudorese palmo-plantar) e baixo limiar à dor. Os sintomas são variados e localizam-se geralmente no membro inferior (87% numa série(3)), podendo também afectar os membros superiores. Em 37% dos casos pode haver atingimento contralateral(4). Tipicamente os doentes manifestam dor neuropática, pseudoparalisia, tumefacção, sinais vasomotores e autonómicos num membro, sem identificação de lesão nervosa. O mesmo doente pode apresentar diferentes sintomas que variam ao longo do curso da doença, indicando que diferentes fenómenos disautonómicos podem ocorrer ao longo da doença. A dor neuropática é caracterizada como intensa, contínua, tipo queimadura, em luva ou em meia, não se localizando a um dermátomo. Associa-se a hiperestesia (hiperalgesia e alodinia) e hiperpatia. O edema ou tumefacção não apresenta sinal de Godet. O membro afectado apre- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 senta postura bizarra devido a pseudoparalisia. Das alterações do SNS, destaca-se hipotermia com cianose (em fases precoces pode existir hipertermia com rubor), pele marmoreada, hipersudorese e mais raramente queixas urológicas (hiper ou arreflexia do detrusor, urgência miccional). Podem estar associados movimentos involuntários dos membros (tremor, espasmos musculares, distonia)(15). Numa fase tardia, a doença pode evoluir com alterações tróficas cutâneas, ungueais ou musculares (contracturas). Na apresentação clínica precoce, pode ser necessário realizar o diagnóstico diferencial com várias patologias, nomeadamente: 1) patologia reumática (artrite idiopática juvenil, febre reumática, lúpus sistémico, artrite reactiva, esclerodermia, fasceíte eosinofílica); 2) ortopédica (tendinite, sinovite, artrite séptica, osteomielite, neoformação óssea, fractura, síndrome do canal cárpico, síndrome costo-clavicular); 3) vascular (oclusão arterial, tromboflebite); 4) infecciosa (celulite); 5) psicossomática (reacção de conversão)(14). Os exames auxiliares de diagnóstico, tanto laboratoriais como imagiológicos, têm um papel relevante em casos de diagnóstico duvidoso. O hemograma, os marcadores de função renal e hepática, a proteína C reactiva e a velocidade de sedimentação são normais. A radiografia óssea não revela alterações na maioria dos casos embora possa evidenciar osteopenia em estadios avançados. Em casos duvidosos, a cintigrafia óssea pode ser orientadora, revelando tipicamente hipoperfusão nas zonas afectadas numa fase precoce e hiperperfusão numa fase mais avançada, mas os estudos existentes são contraditórios(7,16,17). A tomografia computorizada e a ressonância magnética são normais. Outros exames auxiliares, como a termografia ou testes específicos do sistema nervoso autónomo, não têm lugar na prática clínica diária. O tratamento tem como objectivo recuperar a função do membro afectado. Para tal, a intervenção deve ser precoce, multidisciplinar (médico, fisioterapeuta, psicólogo e anestesista) e envolver activamente a família(11). A terapêutica conservadora implica fisioterapia intensiva (dentro do limiar da dor), apoio psicológico e terapêutica médica. Na fase inicial da doença, os fármacos de primeira linha podem ser os anti-inflamatórios não esteróides em dose anti-inflamatória (ex.: ibuprofeno 40 mg/kg/dia), com o intuito de moderar a dor e permitir a fisioterapia intensiva. Em estadios mais avançados, poderá ser necessário o recurso a outros fármacos e modalidades terapêuticas, nomeadamente: antidepressivos tricíclicos, calcitonina, bifosfonatos, corticóides, nifedipina, bloqueio regional do SNS, simpatectomia e estimulação eléctrica nervosa transcutânea. Em casos de difícil controlo ou perante sequelas persistentes (alterações tróficas, perda de função ou dor crónica), os doentes deverão ser referenciados para a Consulta de Dor(11). O prognóstico é favorável quando a terapêutica é iniciada precocemente (nos primeiros três meses) esperando-se resolução completa em semanas a meses(13,14). As formas persistentes ou associadas a sequelas são geralmente consequência de atraso no diagnóstico. No entanto, o curso da doença é variável e estão descritas formas recorrentes(8). No presente caso, a adolescente apresentava os sintomas típicos, o que possibilitou um diagnóstico precoce. Apresentava alguns factores predisponentes, nomeadamente o encargo diário com as tarefas domésticas, a história prévia de suspeita de abuso sexual e o contexto socio-familiar desfavorável. Não foi identificado nenhum agente causal agudo (nomeadamente episódio de traumatismo, que pudesse ter originado lesão nervosa “minor”), indicando um quadro conversivo inicial. Não foi necessário recorrer a exames imagiológicos além da radiografia simples dada a clínica típica, a ausência de sinais de compromisso neurocirculatório, a exclusão de patologia ortopédica e a resposta favorável ao tratamento com resolução quase completa do quadro em 10 dias após o diagnóstico. Tanto a fisioterapia como o apoio psicológico e a intervenção psico-familiar tiveram um papel fundamental. O presente caso ilustra uma apresentação clínica muito típica, em que foi possível iniciar precocemente a terapêutica adequada, com boa resposta clínica e prognóstico favorável. CONCLUSÃO A algoneurodistrofia é uma entidade rara e subdiagnosticada, cujo diagnóstico é essencialmente clínico. É importante o tratamento precoce para evitar sequelas. Perante uma criança ou adolescente com dor neuropática, pseudoparalisia e sintomas disautonómicos num membro, deve sempre considerar-se como hipótese de diagnóstico a algoneurodistrofia. ALGONEURODYSTROPHY – AN UNRECOGNIZED ENTITY ABSTRACT Algoneurodystrophy is a rare and underdiagnosed disease, with clinical diagnosis based on typical signs of neuropathic pain, pseudoparalysis, swelling and vasomotor and autonomic signs localized in an extremity without an identifiable nervous lesion. Prognosis is usually favorable in children. An early diagnosis and multidisciplinary treatment are essential to avoid sequels or evolution to chronicity. The authors describe the clinical case of an eleven-year-old adolescent with algoneurodystrophy with good clinical outcome after early diagnosis and treatment. They present a short review of this entity emphasizing the importance of an early diagnosis. Keywords: algoneurodystrophy, complex regional pain syndromes, neuropathic pain pseudoparalysis Nascer e Crescer 2010; 19(2): 91-4 BIBLIOGRAFIA 1. Mitchell SW, Morehouse GR, Keen WW. Gunshot wounds and other injuries of nerves. Philadelphia: Lippincott, 1864. ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 93 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 2. Merskey H, Bogduk N, eds. Classification of chronic pain. Descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms. 2nd ed. Seattle: IASP Press, 1994; 41-2. 3. Schott G D. Nosological entities?: Reflex sympathetic dystrophy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2001; 71:291-95. 4. 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The accumulation of knowledge since the previous guideline on nutrition of preterm infants from the Committee on Nutrition of the European Society of Paediatric Gastroenterology and Nutrition in 1987 has made a new guideline necessary. Thus, an ad hoc expert panel was convened by the Committee on Nutrition of the European Society of Paediatric Gas- troenterology, Hepatology, and Nutrition in 2007 to make appropriate recommendations. The present guideline, of which the major recommendations are summarised here (for the full report, see http:// links.lww.com/A1480), is consistent with, but not identical to, recent guidelines from the Life Sciences Research Office of the American Society for Nutritional Sciences published in 2002 and recommendations from the handbook Nutrition of the Preterm Infant. Scientific Basis and Practical Guidelines, 2nd ed, edited by Tsang et al, and published in 2005. The preferred food for premature infants is fortified human milk from the infant’s own mother, or, alternatively, formula designed for premature infants. This guideline aims to provide proposed advisable ranges for nutrient intakes for stable-growing preterm infants up to a weight of approximately 1800 g, because most data are available for these infants. These recommendations are based on a considered review of available scientific reports on the subject, and on expert consensus for which the available scientific data are considered inadequate. Keywords: child development, embryonic and foetal development, nutritional requirements, premature infant feeding Este documento ( position paper) da ESPGHAN vem actualizar o documento prévio de 1987. COMENTÁRIOS De facto, nos últimos 20 anos a mortalidade neonatal dos prematuros diminuiu de forma sustentada, especialmente a mortalidade dos de prematuridade extrema (23-28 semanas) e dos de muito baixo peso (<1000 g). Esta melhoria notável deve-se sem dúvida a avanços major em técnicas especializadas, como a ventilação de alta frequência, à administração materna de corticoide prenatal, à administração pósnatal de surfactante artificial, entre outras, mas também à experiência crescente de neonatologistas e enfermagem especializada, neste âmbito. A associar a estes melhoramentos, nos cuidados de saúde dados a estes prematuros, é necessariamente forçoso incluir um conjunto de estratégias nutricionais em expansão, que passam certamente por novas fórmulas e suplementos, bem como soluções intravenosas de nutrientes. Intensa investigação tem vindo a ser levada a cabo no sentido da aquisição de evidência científica no reconhecimento das melhores práticas na estratégia nutricional do prematuro(1,2). Mais ou menos consensual, e segundo a Academia Americana de Pediatria, o crescimento posnatal ideal do prematuro deve ser o mesmo do feto normal da mesma idade gestacional a crescer no útero da sua mãe, não só em termos de índices antropométricos mas também em termos de composição corporal(3). No entanto, a abordagem terá que ser necessariamente mais complexa uma vez que é claro haver diferentes gastos energéticos inerentes ao ambiente de cuidados intensivos, e doenças e condições adversas acompanhantes à prematuridade; o crescimento normal do feto dará uma estimativa razoável da nutrição exigida para pelo menos possibilitar esse crescimento(2). Mesmo assim, será que asseguraremos o máximo potencial de crescimento e funcionalidade, para os quais o feto está previamente determinado gene- ticamente, tendo como referência apenas a conquista de uma taxa de crescimento fetal normal? Ainda actualmente, quase todos os prematuros ficam aquém desta taxa de crescimento, especialmente aqueles com idades gestacionais e/ou pesos mais baixos, apresentando quase todos restricção do crescimento quando atingem a idade gestacional de termo. Ou seja, apesar de todos os avanços dos últimos anos em Neonatologia, o suporte nutricional dos prematuros não acompanhou a melhoria da sua taxa de sobrevivência(4). De facto, não é fácil conseguir fornecer os aportes de energia e proteínas que estes necessitam..... E porque é este o ponto? Nutrir um prematuro é um enorme desafio; se as exigências do crescimento e maturação de órgãos são grandes, tendo em conta as referências intrauterinas, artigo recomendado recommended article 95 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 como anteriormente referido, o handicap intestinal deste grupo constitui um óbice árduo de transpôr. A intolerância alimentar é muito frequente e díficil de contornar, estando sempre presente, em Neonatologia, que alimentar um prematuro se associa a um receio major: o risco de despoletar o desenvolvimento de enterocolite necrotizante (NEC). Este trabalho dá um enorme contributo na orientação do cálculo das necessidades nutricionais do prematuro, que se não conseguidas por via entérica pode ser complementada ou substituída, no limite e temporariamente, pela nutrição parentérica, com os seus riscos inerentes(5). Ainda neste âmbito, a insulina é a principal hormona anabólica do feto, estimulando a síntese proteica e diminuindo o seu catabolismo; é segregada desde muito precocemente, cerca das 15 semanas de gestação, e a sua produção cresce com a idade gestacional; no entanto, o benefício da suplementação extra de insulina aos prematuros, com o objectivo de melhorar os aportes de nutrição entérica ou parentérica, carece de evidência científica(6). E, em acrescento na complexidade deste tema, este trabalho também faz referência à possível importância da velocidade de aquisição de peso; ou seja, um catch-up growth rápido poder estar relacionado com o desenvolvimento de obesidade e doença cardiovascular mais tarde, possivelmente por mecanismos de programming metabólico(7). Ainda, cada vez é mais robusta a evidência científica de que défices nutricionais ocorridos em janelas críticas do desenvolvimento limitam componentes fundamentais do crescimento com influências/consequências duradouras. Recentemente, grupos independentes demonstraram que o crescimento cerebral dos prematuros é menor que o dos lactentes com crescimento normal nascidos de termo, cujo restricção estaria associada a atrasos cognitivos; ao contrário, a melhoria da nutrição dos prematuros com fórmulas mais ricas e específicas dava origem a cérebros maiores (e também maior número de neurónios e sinapses) e com melhores desempenhos cogniti__________ 1 Serviço de Pediatria, H Maria Pia / CHP 96 artigo recomendado recommended article vos, mesmo na adolescência(8). De facto, a substância cinzenta cerebral e a retina são particularmente ricas em ácidos gordos poliinsaturados de cadeia longa, estando funções neurológicas complexas relacionadas com o aporte energético/ proteico bem como com a composição dos ácidos gordos da dieta(9). Assim, será da mestria da gestão deste balanço e do equilíbrio destes diferentes parâmetros, que poderá resultar maior ou menor eficácia e sucesso, na nutrição do prematuro. É mandatório, ao abordar nutrição entérica dos prematuros, considerar a importância da alimentação trófica ou mínima, ou priming feeding. É claro que a nutrição entérica precoce é benéfica: previne a atrofia intestinal e por outro lado, estimula a maturação morfológica e funcional do sistema gastrointestinal, parecendo promover a tolerância alimentar e reduzir a incidência de NEC, especialmente se usados o colostro ou o leite materno. De facto, provavelmente o modo de iniciar com sucesso a nutrição enteral no prematuro é usando este tipo de alimentação, ou seja, a administração enteral de pequenas quantidades de leite materno ou fórmula (5-25 ml/kg/dia). Será certamente um modo de combater a inanição intestinal determinada pelo jejum, tendo com certeza também uma influência major na manutenção das funções de barreira e imunológica da mucosa intestinal, importantes na protecção de mecanismos de translocação bacteriana e de sensibilização a macromoléculas por aumento da permeabilidade, não esquecendo o seu papel na modulação da microbiota intestinal(10,11). E, mais uma vez, o leite materno é o melhor alimento para o prematuro...(2) Particularmente importante para este grupo, é a existência de evidência científica robusta de que o leite materno confere protecção para o desenvolvimento de NEC; esta vantagem parece ser específica para o leite fresco da própria mãe do lactente, e não do leite humano em geral, dos bancos de leite(12,13). Mais uma vez, esta especificidade mãe-filho, é possivelmen- te baseada em sinaléptica bioquímica e microbiológica, em que certamente os oligossacarídeos têm um papel importante. De facto, estes constituem o terceiro maior componente do leite materno, atingindo o seu teor máximo ao quarto dia de colostro, decrescendo depois com a duração da amamentação. A complexidade da sua composição (existem mais de 200 formas de carácter ácido ou neutro) é influenciada pela genética materna e resultam da elongação da lactose. Estes oligossacarídeos parecem ser elementos chave na prevenção da adesão bacteriana intestinal neonatal, conseguida por mimetismo molecular. Muitos microorganismos iniciam o processo infeccioso pela adesão, via proteínas ligadoras de carbohidratos, aos oligossacarídeos expressos nas membranas das células epiteliais. Os oligiossacarídeos do leite materno parecem ser potentes inibidores da adesão bacteriana às superfícies epiteliais, interferindo na interaccção ligando-receptor entre o microorganismo e a célula da superfície mucosa do hospedeiro. Assim, será fácil de perceber que sendo esta especificidade determinada pela sua natureza química, e esta dependente da genética materna, então talvez o leite da própria mãe confira esta pessoalização ao par mãe-filho(1,14,15). Em suma, os oligossacarídeos do leite materno no intestino do recém– nascido são resistentes à hidrólise, conferindo-lhe potenciais efeitos benéficos na sua saúde intestinal neonatal e de defesa do hospedeiro, particularmente importantes no prematuro e com especificidade mãe-filho. Por tudo o que foi dito, é urgente melhorar as estratégias nutricionais deste grupo em particular, sendo que talvez a consciencialização e o reconhecimento do problema, não o aceitando passivamente e como uma inevitabilidade, possa ser o primeiro passo para a mudança. Helena Ferreira Mansilha1 Nascer e Crescer 2010; 19(2): 95-7 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 BIBLIOGRAFIA 1. 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Patients and methods: Height and weight were measured for 11653 children and adolescents between 5 and 17 years of age in 8 cross-sectional surveys. The Bogalusa Heart Study contributed data from 1973–1994, and routine school screening provided 2008–2009 data. Trends in mean BMI, mean gen- COMENTÁRIOS Chegam-nos más notícias deste conhecido estudo prospectivo iniciado na década de 70 do século passado, em Bogalusa, Louisiana: desde 1973 que a proporção de crianças e adolescentes com excesso de peso mais do que triplicou, o que conduziu a que cerca de metade das crianças apresente excesso de peso ou obesidade. A pandemia do século XXI, o excesso de peso/obesidade, está assim para durar. As consequências serão dramáticas pois estando e continuando a haver cada vez mais uma população adulta com excesso de peso/obesidade, aumentará de tal modo a morbilidade e a mortalidade que pela primeira vez na nossa história recente, os filhos de hoje poderão ter uma esperança de vida menor do que a dos seus pais(1). Urge assim combater este flagelo: mudar o estilo de vida no que respeita, por exemplo, ao regime alimentar, exercício físico e padrões de sono. De fora, porque incontrolável na prática actual, ficam os genes, poderosos determinantes da obesidade. De facto, os genes alteram-se ao longo de milhões de anos, e não em 30 ou 40 anos, e sendo assim, terá que ser no am- 98 artigo recomendado recommended article der-specific BMI-for-age z scores, prevalence of overweight/obesity (BMI 85th percentile), and prevalence of obesity (BMI 95th percentile) according to age, race, and gender were examined. Results: Since 1973–1974, the proportion of children and adolescents aged 5 to 17 years who are overweight (overweight plus obese) has more than tripled, from 14.2% to 48.4% in 2008–2009. Similarly, the proportion of obese children and adolescents has in- biente, o “local”onde procurar os factores influenciadores da mudança epidemiológica do fenótipo. Identificando os factores ambientais, estaremos em condições de podermos procurar a via mais eficaz de combate à epidemia, que é a prevenção. Tratar a obesidade não é fácil e ainda que o fosse, prevenir será sempre a via mais adequada. Mas como prevenir na prática? Alguns factores estão identificados: obesidade dos pais, elevado peso ao nascer, demasiado aumento de peso no primeiro ano de vida, elevado índice de massa corporal pelos 3-4 anos, passar mais de 8 horas por semana a ver televisão e dormir pouco ( <10,5 h) pelos 3 anos(2). Pragmaticamente, como actuar no dia-a-dia? Tem-se afirmado que amamentar contribui para prevenir a obesidade(3). No entanto, parece que mais do que a duração da amamentação, será a introdução mais tardia da diversificação alimentar o que mais contribui para proteger os adultos da obesidade(4). Amamentar a pedido poderá contribuir para a epidemia da obesidade, pois muitas destas refeições serão como que lanches e então estaremos a condicionar as crianças a maus hábitos creased more than fivefold from 5.6% in 1973–1974 to 30.8% in 2008–2009. The prevalence of overweight or obesity, and secular changes, were similar among black and white boys and girls. Conclusions: In semirural Bogalusa, the childhood obesity epidemic has not plateaued, and nearly half of the children are now overweight or obese. Keywords: overweight, obesity, trends, rural alimentares, ao habituá-las a querer continuar a lanchar frequentemente, ou seja a comer de mais(5). A amamentação em regime de quase exclusividade durante 6 meses é recomendada. Devemos ter em conta a diferença do padrão de crescimento observado com esta prática alimentar com o das crianças alimentadas artificialmente, que é o que está expresso nas habituais curvas de crescimento do Boletim de Saúde Infantil. Nas crianças amamentadas regista-se um maior aumento de peso nos primeiros meses, seguido de um progressivo declínio nos últimos meses. Um padrão semelhante, mas menos pronunciado, regista-se na curva de comprimento(6). O rápido aumento de peso nos três primeiros meses de vida relaciona-se com várias determinantes da doença cardiovascular observadas no adulto jovem, nomeadamente obesidade e diabetes. Resta saber que factores condicionam este rápido aumento de peso para que se possa intervir, prevenindo(7). Um deles poderá ser a maior quantidade de adiponectina do leite materno(8). A introdução precoce (antes dos 4 meses) da diversificação alimentar pare- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 ce levar a um risco aumentado de obesidade(9). Adultos que dormem pouco podem ser mais obesos(10,11,12). A razão está na desregulação endócrina da privação do sono, traduzida pela diminuição dos níveis de leptina, aumento dos da grelina e o consequente aumento do apetite e diminuição da saciedade. O mecanismo da desregulação induzido pelo sono parece estar relacionado com o desequilíbrio do sistema nervoso vegetativo induzido pelas alterações do sono(13). Igualmente na criança, a privação do sono eleva o risco de obesidade(14). Depois do ano de vida, a introdução de um regime alimentar saudável como é o padrão mediterrânico, na alimentação da criança e da família constituirá uma garantia de um risco diminuído de obesidade. Como sabemos, este padrão alimentar é essencialmente um regime vegetariano. Com efeito, a carne, o leite e ovos são discretos fornecedores proteicos, assegurando os aminoácidos essenciais, sendo os grandes fornecedores os cereais, as leguminosas e o peixe. Arroz com feijão e massa com grão constituem poderosas e equilibradas fontes proteicas. Os principais fornecedores energéticos são cereais de reduzida refinação, a batata e a castanha e, mas muito menos, a gordura animal, contando a da vaca muito pouco. As principais gorduras de adição são o azeite e a banha de porco. Quantidades generosas de legumes, hortaliças e fruta fresca e seca asseguram água, fibras, minerais, vitaminas e “misteriosos” fitoesteróis, anti-oxidantes, etc. Os benefícios deste padrão estão continuamente a ser demonstrados(15). Finalmente, a prática regular de exercício físico e a redução de actividades sedentárias como a exposição ao vídeo contribuem para se reduzir o risco de obesidade. O envolvimento firme da família em todos estes comportamentos é fundamental para que se passe de um bem arquitectado projecto a uma prática realista e duradoura. Tojal Monteiro1 Nascer e Crescer 2010; 19(2): 98-9 BIBLIOGRAFIA 1. Olshansky SJ, Passaro DJ, Hershow RC. A potential decline in life expectancy in United States in the 21st century. N Engl J Med 2005; 352:113845. 2. Reilly JJ, Armstrong J, Dorosty A R, Emmett PM, Ness A, Rogers I et al. Early life risk factors for obesity in childhood: cohort study. BMJ 2005; 330:1357-9. 3. American Academy of Pediatrics. Policy statement: breastfeeding and the use of human milk. Pediatrics 2005; 115: 496 – 506. 4. Schack-Nielsen L, Sorensen T, Mortensen EL, Michaelsen KF. Late introduction of complementary feeding, rather than duration of breastfeeding, may protect against adult overweight. Am J Clin Nutr 2010;91: 619-27. 5. Erlanson-Albertsson C, Zetterstrom R. 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Arch Intern Med 2007; 167: 2461-8. __________ 1 Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA artigo recomendado recommended article 99 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Longer-term Psychiatric Adjustment of Children and Parents After Meningococcal Disease Garralda ME; Gledhill J; Nadel S; Neasham D; O’Connor M; Shears D. Pediatr Crit Care Med 2009 Vol. 10, No. 6 Objective: To ascertain whether increases in psychological symptoms in children and parents post meningococcal disease are sustained over time, and to examine the psychosocial and illness associations of 12-mo psychological outcome. Design: A prospective, cohort study using repeated measures. Setting: Three pediatric intensive care units and 19 general pediatric wards across greater London. Patients: Fifty-six children, aged 3 to 16 yrs, admitted to hospital with meningococcal disease and their parents. Measures and Main Results: Child and parent psychological symptoms were measured, using the Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ) and the General Health Ques- COMENTÁRIOS A doença meningocócica, tal como outras doenças pediátricas potencialmente fatais, causam um stress agudo em crianças e pais, sendo frequentes os sintomas psicológicos que fazem parte de um sistema de alarme que é disparado em situações de crise. Estudos têm-se debruçado sobretudo nos sintomas de stress pós-traumático em situações graves como acidentes de tráfico, cancro ou queimaduras. Por outro lado, a admissão em unidades de cuidados intensivos, por si só é causadora de intensa ansiedade e angústia para crianças e pais. Os mesmos autores já tinham verificado, no caso da doença meningocócica, um aumento de problemas emocionais e comportamentais nas crianças, e de perturbação mental nos pais, três meses após a alta. Neste trabalho, pretendem avaliar se es- 100 artigo recomendado recommended article tionnaire (GHQ) at three time points: before/during hospital admission, 3 mos, and 12 mos post discharge. The Impact of Event Scale (IES) was used at the two follow-up points. Child outcomes: During the follow-up period, there were statistically significant increases over preillness levels in parent-rated emotional, conduct, hyperactivity, and impact SDQ scores; the most significant change at 12-mo follow-up was an increase in impact on daily living scores. At 12 mos, five (11%) of 43 children were at risk for posttraumatic stress disorder. The strongest correlations of 12mo child psychological symptoms (total SDQ scores)—in addition to premorbid total SDQ score—were illness-related changes in parenting, maternal IES and GHQ scores. Parental outcomes: sas alterações são persistentes no tempo e a sua associação com a doença e factores psicossociais. Os autores avaliaram crianças acometidas de doença meningocócica e seus progenitores em serviços de pediatria e cuidados intensivos de Londres. Essa avaliação focalizou-se para termos uma apreciação do estado pré-mórbido da criança, tendo sido repetidos os mesmos instrumentos de avaliação, três e doze meses depois da alta hospitalar. A hipótese de trabalho era a de que estes sintomas iriam diminuindo ao longo do tempo, para níveis próximos do estado prévio à doença. Foram envolvidas neste estudo prospectivo 56 crianças, entre os 3 e 16 anos. Às crianças admitidas foi avaliada a gravidade da doença, incluindo a presença de meningite e de sépsis. O instru- At 12 ms, 13 (24%) of 54 mothers and six (15%) of 40 fathers scored at high risk for posttraumatic stress disorder. The strongest correlation of maternal posttraumatic stress disorder symptoms (IES scores) was paternal posttraumatic stress disorder symptoms. Conclusions: Admission to hospital with meningococcal disease is followed by an increase in psychological symptoms in children at home, some of which are persistent and impairing, and by continuing posttraumatic stress symptoms in a proportion of children and parents. Psychosocial (pre- and postmorbid) factors predict problems at 12-mo follow-up. Keywords: psychological; meningococcal disease; children; parents; pediatric intensive care unit; outcomes mento escolhido para avaliação do estado psicológico da criança, através dos pais e professores – o Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ), é de fácil e rápida utilização, apropriado para situações de elevado stress experimentado pelos pais, e está aferido para a população portuguesa, por Loureiro, Fonseca e Gaspar(1). Além disso, este questionário permite ainda avaliar o impacto dos sintomas, isto é, em que grau é que esses sintomas incomodam ou aborrecem a criança, e o grau em que interferem com as actividades do quotidiano, as relações de amizade, a aprendizagem e as actividades de lazer. Por exemplo, uma criança pode ter problemas de atenção e concentração, mas isso não prejudicar a aprendizagem ou o seu funcionamento em geral. O Impact of Events Scale (IES)(2) permite avaliar a existência de sintomas NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 de stress pós-traumático, nas crianças e nos pais, explorando sinais de reviver o trauma de modo intrusivo (imagens súbitas, sonhos com as vivências, recordações que causam ansiedade) ou de evitamento de estímulos relacionados com o trauma. Para avaliar as mudanças nas práticas parentais que podem surgir após uma doença que coloque os filhos em risco de vida, foi utilizada uma versão modificada da Parenting Assessment (PA) – tornar-se menos severo, mais protector, mais restritivo de actividades, tornar-se mais impaciente, mais crítico com a criança, por exemplo. Das 56 crianças avaliadas, 42 tiveram uma permanência em serviços de cuidados intensivos. Após um ano, quatro das crianças apresentavam sequelas físicas: amputações, enxertos de pele e fraqueza muscular transitória. Do ponto de vista emocional, os resultados apontam para um aumento sustentado e significativo de sintomas e do seu impacto nas actividades do quotidiano, relativamente ao período prévio à doença. A hiperactividade, tem uma expressão mais importante aos três meses, diminuindo com o tempo. Pelo contrário, os sintomas emocionais como a criança ter preocupações, apresentar-se chorosa ou triste ou assustar-se facilmente, tinham ainda um forte impacto ao fim de um ano. Cerca de 11 e 12% das crianças apresentavam sintomas de stress pós-traumático aos 3 e 12 meses, respectivamente. Curiosamente, as correlações mais significativas verificavam-se com as mudanças das práticas parentais relacionadas com a doença. Relativamente aos pais, apesar da diminuição dos sintomas de perturbação emocional ao longo do tempo, ao fim de um ano, cerca de 23% das mães e 11% dos pais apresentavam níveis elevados de sintomas de stress pós-traumático. Por esta altura, verificavam-se ainda mudanças significativas nas atitudes e práticas parentais: mais protector(a) e preocupado (a) com a saúde da criança, fazer mais as vontades e ser menos severo (a). Do ponto de vista clínico, este trabalho permite-nos afirmar que é importante prestar atenção a eventuais perturbações emocionais nas crianças que sofreram uma doença meningocócica e que algumas padecerão de stress pós-traumático, mesmo passado um intervalo de tempo considerável. Para além de poderem prejudicar o funcionamento psicossocial da criança e serem fonte de sofrimento, poderão também interferir com os cuidados de saúde futuros: reacções de angústia com consultas médicas ou procedimentos de diagnóstico. Segundo recomendações do National Institute for Clinical Excellence(3) (NICE), os profissionais de saúde deveriam alertar os pais ou cuidadores para o risco do desenvolvimento do stress pós-traumático quando as crianças se confrontam com um incidente traumático. Este quadro pode ser explicado de uma forma sucinta, com o aparecimento de sintomas como pesadelos (que se relacionam ou não com o evento traumático), perturbações do sono, medos e comportamento “pegajoso”, ansiedade ou evitamento de qualquer estímulo que faça recordar o acontecimento. A criança deveria então ser observada ao fim de um mês: estes problemas, que habitualmente vão diminuindo com o tempo, se forem intensos por esta altura, devem levar à decisão de orientar a criança para tratamento psicológico ou psiquiátrico. Também os serviços deverão estar atentos às repercussões nas famílias, cujas crianças estiveram gravemente doentes, já que uma proporção de mães e pais desenvolverão sintomas de stress pós-traumático, podendo beneficiar de intervenções de suporte social e familiar(4). Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2010; 19(2): 100-1 BIBLIOGRAFIA 1. h t t p s : / / w o c . u c . p t / f p c e / g e t F i l e . do?tipo=2&id=2854 2. www.sdqinfo.com 3. National Institute for Clinical Excellence. Post traumatic stress disorder: the management of PTSD in adults and children in primary and secondary care, National Clinical Practice Guideline, nº 26.National Institute for Clinical Excellence, 2005 4. Perrin JM, MacLean WF. Children with Chronic Illness: the prevention of dysfunction. The Ped Clin North Amer 1998, 35 (6), 1325-37. __________ 1 Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia / CHPorto artigo recomendado recommended article 101 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Sobre o Ensino da Bioética: Um Desafio Transdisciplinar* António Carneiro Torres Lima1 RESUMO Perante a nova realidade de modelação da vida pelas biotecnologias, cientistas, humanistas e pedagogos, na sua irreprimível inquietude e capacidade de questionamento, têm procurado encontrar respostas para os problemas em aberto, neste imparável movimento e incontestável sucesso da Bioética. Por ser uma área do conhecimento, que engloba várias disciplinas e devido ao seu grande desenvolvimento num curto espaço de tempo, colocam-se, hoje, novos desafios. O ensino da Bioética configura-se como nova experiência sem modelo didáctico definitivo. E a forma tradicional de ensino radicada na concepção disciplinar já não é eficaz para a completa compreensão da Bioética. A natureza transdisciplinar da sua reflexão e a incidência da sua prática, na singularidade do humano, atribuem-lhe um estatuto epistemológico ainda por definir claramente. Por isso, a Bioética lida com saberes na encruzilhada de várias disciplinas e daí alguns autores sugerirem uma concepção interdisciplinar ou transdisciplinar para o seu ensino. Veremos, também, que a concepção filosófica, de inspiração personalista, desenvolvida nos países europeus, por __________ 1 Mestre em Bioética e Ética Médica, pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Membro da Sociedade Portuguesa de Bioética e perito para a área da Antropologia. Doutorando em Bioética e Investigador no Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa no Projecto “Natureza e Ética” (POCI/FIL/60410/2004). __________ * Este ensaio é dedicado aos Sres. Professores Doutores Daniel Serrão, Walter Osswald e Luís Archer pelo ensino da Bioética em Portugal. 102 comparação com os modelos de reflexão anglo-americanos, fortalece a sua dimensão transdisciplinar e reconhece, na antropologia, o suporte fundamentador para o seu ensino. Assim, considerando a proximidade e a permeabilidade das culturas e dos valores morais das sociedades portuguesa e da Europa continental, a concepção europeia da Bioética parece ser a mais apropriada para o ensino entre nós. Palavras-chave: Bioética; educação; ensino e antropologia. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 102-8 INTRODUÇÃO Neste breve ensaio “Sobre o Ensino da Bioética: Um Desafio Transdisciplinar”, partimos do facto inovador de a Bioética configurar uma área de conhecimento que engloba várias disciplinas e ter tido um grande desenvolvimento em pouco tempo, suscitando vários desafios. O ensino da Bioética configura uma nova experiência académica sem paradigma didáctico definitivo. A forma tradicional de ensino radicada na concepção disciplinar não é eficaz para a completa compreensão desta nova área do saber, como expressão de uma nova sabedoria prática. Assim sendo, a Bioética lida com saberes na encruzilhada(1) de várias disciplinas, configurando saberes de âmbito pluridisciplinar e pluralista, integrante e unitivo(2), interdisciplinar e transdisciplinar para o seu ensino. A concepção hodierna da Bioética, sobretudo a que se tem vindo a desenvolver nos países europeus, vinca a sua dimensão transdisciplinar e reconhece, na antropologia, o suporte para o seu fundamento. Assim, considerando a proximidade e permeabilidade das culturas e dos valores morais das socieda- perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics des portuguesa e europeia, a concepção europeia da Bioética parece ser a mais adequada para o ensino. Ainda neste nosso trabalho reflexivo, daremos conta do tipo de interacção que os múltiplos participantes na teorização em Bioética vêm exercendo entre si, apresentaremos as diversas formas de convivência multidisciplinar e interdisciplinar, procuraremos definir as características de uma verdadeira transdisciplinaridade e tentaremos caracterizar a Bioética como uma reflexão transdisciplinar. Isto porque — como enunciam Patrão Neves e Walter Osswald —“a Bioética é um domínio transdisciplinar da reflexão e da prática sobre as implicações éticas decorrentes dos progressos biotecnológicos no plano humano, animal e ambiental. De origem ainda recente, a Bioética tem vindo a desenvolver-se por diferentes vias complementares como sejam a académico-científica, através da investigação e do ensino, e a institucional, através das comissões que se lhe dedicam. Hoje é indispensável para cientistas, urgente para diferentes profissionais, estimulante para académicos, pertinente para a sociedade, desenvolvendo-se tanto ao nível de um saber e acção especializados, como ao nível do debate público”(3). POR QUÊ ENSINAR A BIOÉTICA? Os novos conhecimentos sobre a vida e a natureza, decorrentes dos progressos biotecnológicos no plano humano, animal e ambiental, geraram técnicas com arrojado poder de manipulação da vida, com poder de a artificializar, modificar por parte da acção humana, mediada pelas biotecnologias e que estão na base do surgimento e avassalador desenvolvimento da Bioética(2). Por conseguinte, o NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 crescente uso dessas técnicas foram revelando a discrepância entre o progresso das tecnologias e a maturidade das reflexões morais sobre as suas consequências. Facto evidente dessa discrepância é o próprio surgimento da Bioética, na década de setenta, pelo seu rápido desenvolvimento, e o reconhecimento da necessidade de ensiná-la, nas universidades, ao lado do ensino das ciências e sua aplicação. Estamos face a uma abordagem que marca a mundividência de todos aqueles que se têm dedicado à reflexão teórica e implementação prática do processo ensino-aprendizagem da educação/formação graduada e Pós-graduada em Bioética. Ideias, reflexões e análises, que ofereçam padrões, daquilo que é bom e do que é mau, do que é certo e do que é errado, do que é legítimo e do que é ilegítimo, à luz dos valores morais vigentes, estão a ser implementadas como parte integrante da formação profissional nas áreas da biologia, da saúde, do ambiente, do direito, da economia, entre outras. No dealbar deste novo milénio, já se percebeu que biólogos, médicos, enfermeiros, ecologistas, etc, somente estarão preparados para o exercício profissional, se, na sua competente formação teórica, científica e técnica, também forem treinados para o reconhecimento de situações de conflitos éticos, análise crítica das suas implicações, apurado sentido de (co-) responsabilidade(s) e obrigação moral de tomar decisões relacinadas com as implicações éticas decorrentes dos progressos biotecnológicos no plano humano, animal e ambiental. Como nos lembra Pellegrino(5), a exigência deste perfil profissional surge, não como inovação do academismo teórico, mas como reivindicação das sociedades modernas e pluralistas. O crescente número de cursos de Bioética em universidades americanas, latino-americanas, canadianas, australianas, europeias, brasileiras, portuguesas, etc., estão a proporcionar não apenas o ensino da Bioética, ao nível de graduação, aperfeiçoamento e especialização, mas também, em algumas delas, surge a oferta de formação específica, com atribuição do título de mestre e/ou doutor em Bioética. Por conseguinte, nos países com forte desenvolvimento biotecnológico, o ensino da Bioética está predominantemente voltado para os problemas éticos, gerados pela aplicação das novas tecnologias, tendo, porém, maior amplitude noutras latitudes os de cariz biotecnológico emergente, bem como os problemas nacionais específicos(6,7), inerentes à diversidade cultural, social, económica e ambiental. A depender da área de ensino (Biologia, Medicina, Filosofia, Direito, Teologia, Economia, Tecnologias da Comunicação e da Informação, etc.), ou da região em que se ministrem cursos de Bioética, é importante que problemas específicos de cada país, tanto quanto problemas pertinentes dos desenvolvimentos da tecnologia, sejam reflectidos e analisados à luz dos valores morais, prevalecentes nessa sociedade(8), reconhecendo que a idoneidade moral que se exige, a par com a competência nos seus respectivos domínios académico-profissional, não invalidam os benefícios de uma formação em Bioética, como contributo para um juízo moral criterioso(9). COMO ENSINAR A BIOÉTICA? Porque a Bioética é uma nova e complexa área de novos saberes, com uma história recente, com pouco mais de três décadas, foi-se desenvolvendo e diversificando numa rapidez de crescimento sem precedentes na história das ciências, configurando, na actualidade, uma ampla variedade de áreas tematizadas e questionamentos fundamentais sobre o seu próprio significado. Assim — mais do que uma “moda efémera” — segundo os primeiros críticos da Bioética — ela é, sobretudo, como gostam de afirmar Patrão Neves e Walter Osswald, “filha do seu tempo: por um lado porque emerge na intercepção de uma pluralidade de circunstâncias, apresentando-se espácio-temporalmente situada e profundamente enraizada nas necessidades concretas de uma sociedade; por outro, porque se desenvolve ao ritmo da sua capacidade de ir respondendo satisfatoriamente aos problemas reais que aborda. Eis o que justifica o sucesso e a consequente expansão ou efectiva globalização da Bioética”(3). Porém, no contexto do tema que estamos a abordar, o ensino da Bioética, com Lenoir(10) podemos perguntar: É a Bioética uma disciplina? Um movimento? Ou — como também se questiona Bernard(11) — uma nova ciência a exigir métodos próprios para a produção de conhecimento? Aprendemos que a Bioética é mais do que uma disciplina, é também mais do que uma Ética Médica e — o tempo o confirmará — talvez não seja apenas uma ética aplicada, mas uma “ética implicada” na reflexão-acção, com sentido(12), desenvolvendo-se ao nível de um saber e acção especializados, sobre os progressos biotecnológicos no plano humano, animal e ambiental. Por consequência, como ensinar a Bioética é o desafio pedagógico da actualidade. E, a este desafio responde, com intenção e preocupações de promoção do ensino da Bioética no mundo, Lenoir : “Se o escopo da Bioética deve ser multidisciplinar, resta saber se é preferível tê-la dentro de uma formação clássica — com o educador encarregado, responsável por recorrer às competências de outros participantes, segundo as modalidades que ele pode definir — ou se deve constituir uma nova disciplina. Nesta última hipótese, coloca-se o problema da concepção da formação a ser usada por futuros professores de Bioética”(10). Este magno desafio exige reflexões sobre dois aspectos essenciais, que discutiremos de seguida: primeiro, a busca de uma concepção pedagógica, que melhor possa responder às exigências da Bioética; segundo: a compreensão dos fundamentos da antropologia da Bioética, tanto nos países anglo-americanos como nos europeus. QUE BASES CONCEPTUAIS PARA O ENSINO DA BIOÉTICA? A Bioética desenvolve-se num contexto caracterizado pela confluência de saberes de várias disciplinas e em plena era da ciência moderna. Como indicaremos de seguida, assim aconteceu, por exemplo, no âmbito da Epistemologia da Biologia(13) e da Epistemologia das Ciências da Educação, que apresentaremos adiante, em nota de fim do documento, no presente ensaio. perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 103 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 E ainda que a divisão do conhecimento em disciplinas seja arbitrária (o objecto das ciências é a natureza que, em si, é único e indivisível), cientistas e educadores foram no passado, e continuam no presente, a ser herdeiros de uma cultura que identifica as disciplinas como algo inerente ao conhecimento científico. Consequentemente, os saberes existentes na interface das disciplinas, apresentam difícil consolidação por pertencerem a áreas, supostamente, diferentes. Assim se foram forjando termos e conceitos que, na encruzilhada das disciplinas, procuram sistematizar as suas imbricações. Para vários autores, os termos multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade devem ser entendidos do seguinte modo: • Multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade: Consiste na simples justaposição de disciplinas. Por conseguinte, nenhum pressuposto de ligação entre elas é exigido; • Interdisciplinaridade: Requer o conhecimento do conceito de cada disciplina envolvida a fim de integrá-las. • Transdisciplinaridade: Requer uma unidade conceptual entre as disciplinas e uma “metateoria” das mesmas. Na elaboração geral de cursos e currículos, a multidisciplinaridade é a forma mais simples e a mais usada em qualquer parte do mundo. A interdisciplinaridade, por sua vez, é mais difícil, porém vamos encontrá-la em certas áreas do saber interdisciplinar da Biologia, da Química, da Genética, do Desenvolvimento Pessoal e Social, etc. A transdisciplinaridade é considerada extremamente difícil de ser alcançada devido à ausência de conhecimentos profundos em mais do que uma disciplina prevista para a sua integração. É oportuno verificar que esta magna dificuldade decorre, precisamente, da tradição histórica de produzir e transmitir conhecimento em unidades didácticas, chamadas disciplinas, as quais descaracterizam a unidade existente na ciência. Hoje, perceber que para ser bioeticista é preciso sensibilidade e abertura ao contributo específico da Biologia, Me- 104 dicina, Filosofia, Enfermagem, Sociologia, Economia, Política, Teologia, Direito, Comunicação Social, etc., enquanto âmbitos do saber e da prática para a problematização e elucidação das temáticas da Bioética, num cumprimento amplo do desígnio de transdisciplinaridade que caracteriza a Bioética e que se vai constituindo em países europeus, como proposta de concepção didáctica. Porém, numa lista de quarenta e quatro cursos de Bioética, divulgados em vários sites de universidades norte-americanas, a maioria não define a concepção da disciplina, e, em apenas cinco (11%), o termo interdisciplinaridade é usado para definir a concepção didáctica do curso. Na mesma linha de pensamento existe quem admita ser a Bioética o protótipo do conhecimento interdisciplinar. Em contrapartida, para outros que verificam a complexidade do ensino da Bioética, assinalam a possibilidade de se adiar a definição de uma concepção didáctica, propondo, contudo, que o objectivo do seu ensino cumpra a finalidade de fazer com que os alunos tenham a capacidade de articular as diferentes visões disciplinares. Fazendo um ponto da situação sobre o actual cenário do ensino da Bioética, apercebemo-nos que os países europeus se direccionam no sentido da transdisciplinaridade, enquanto as universidades americanas acentuam a interdisciplinaridade. E sendo a interdisciplinaridade uma ponte para a transdisciplinaridade é legítimo aceitar modelos didácticos que não querem atravessá-la. Porém, à medida que o tempo ajuda a decantar ou consolidar as experiências pedagógicas, nas várias partes do mundo, a Bioética, colhendo o contributo das várias experiências do seu processo de aprendizagem, verá melhor compreendida a sua concepção didáctica. Por conseguinte, o desiderato da transdisciplinaridade, eventualmente debilitado por alguns pedagogos, emerge não como termo da esperança didáctica da sua implementação, mas como fronteira pedagógica da acção humana no ensino da Bioética. perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics SÍNTESE DE FACTORES PARA O PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR NO ENSINO DA BIOÉTICA. Sintetizamos o conjunto de condicionantes ou pressupostos para o emergir de um paradigma transdisciplinar, no ensino da Bioética, nos seguintes factores: • Nova consciência e responsabilidade ética da opinião pública; • Possibilidades acrescidas das ciências biomédicas; • Complexificação das ciências da vida, da saúde e do ambiente; • Eventual uso indevido das novas tecnologias e abusos cometidos por clínicos; • Complexidade dos problemas no campo da biomedicina, tecnicização da medicina e desumanização das terapias médicas; • Insegurança ética de alguns profissionais da saúde devido a uma formação em ética menos sólida que a desejável; • Infracção da congruência e da coerência exigível a todo o sistema teórico ou o resvalar para uma postura eclética no exercício da actuação bioética; • Pluralismo ético da sociedade; • Pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na abordagem dos temas, assuntos, problemas e dilemas éticos; • Maior consciência da importância dos direitos do homem; • Implementação do consentimento informado, livre e esclarecido; • Crise da noção de progresso como essencialmente positivo e a intensificação do questionar da ciência; • A problematização de uma adequada distribuição dos recursos técnicos e humanos; • A convivência de diferentes convicções religiosas e seculares. Todos estes factores indicados convergem para a preocupação fundamental, que está na base do nascimento da Bioética, do surgimento da necessidade do ensino da Bioética e do “desafio transdisciplinar que faz incidir a sua reflexão sobre as questões que decorrem da NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 aplicação das biotecnologias ao homem e que ameaçam a dignidade da pessoa humana, na integralidade da sua singularidade e na universalidade da sua humanidade”(2), em ordem a uma visão global que promova um desenvolvimento harmónico e leve a uma abordagem holística da pessoa humana. Enfim, a Bioética especifica-se como novo domínio do saber, fundamentando-se sobretudo na transdisciplinaridade da sua reflexão-acção e, também, no ineditismo das suas temáticas(2). ALGUNS DESAFIOS Sabemos, por experiência própria, que a Bioética é, reconhecidamente, um saber que exige práticas pedagógicas específicas. A diversidade de saberes que constitui a Bioética e o seu objectivo didáctico de abrir horizontes, para a percepção e compreensão de responsabilidades morais, traduzem a sua complexidade. Atingir este objectivo será difícil se a reflexão e a transmissão de conhecimentos de forma compartimentada, ministrados por docentes, muitas vezes, sem compromisso académico com a própria finalidade de ensinar a Bioética. Por isso, é fundamental que os docentes, directamente responsáveis pelo ensino da Bioética, dominem o conceito de cada disciplina envolvida (interdisciplinaridade) ou, melhor ainda, consigam, com esforço, tempo e dedicação, perceber a unidade conceptual entre as disciplinas que integram um curso de Bioética (transdisciplinaridade). E porque a bioética se situa em zonas de intersecção de vários saberes, designadamente das tecnociências (sobretudo a Biologia e a Medicina), das humanidades (Filosofia, Ética, Teologia, Psicologia, Antropologia), das ciências sociais (Economia, Politologia e Sociologia) e doutras disciplinas como o Biodireito, a transdisciplinaridade significa que os cientistas têm de integrar, na sua estrutura mental, os valores, as normas morais, as jurídicas e os critérios humanistas, assim como estes têm de incorporar, nos seus paradigmas, os métodos e critérios científicos(14). Esta busca transdisciplinar faz-se, além disso, numa sociedade plural (nem sempre pluraista) de horizontes ideológicos heterogéneos acerca do valor da vida e da morte. Esta heterogeneidade que constitui mesmo a causa de múltiplos problemas bioéticos. Por isso ela não deve ser negada, sob pena de desvirtuar a Bioética, que deverá até dar voz àqueles que a não têm, registando as diferentes vozes que compõem o discurso bioético, rumo a espaços dinâmicos de estudo fundamentado e por muitas outras actividades6, de investigação e de diálogo profícuo, capaz de fornecer, ao grande público e aos governos, as perspectivas capazes de fundamentar a definição das grandes opções oficiais sobre a política educativa, científica e tecnológica. Finalmente, para o ensino da Bioética, compreende-se que uma concepção multidisciplinar em sentido estrito não satisfará. A simples justaposição de conhecimentos de Antropologia, Filosofia, Biologia, Genética, Ética, Direito, Teologia, etc., sem que os professores e os alunos percebam a interdependência destas disciplinas, a sua unidade e conheçam a especificidade dos seus conteúdos, jamais resultará em processo de ensino-aprendizagem eficaz. FUNDAMENTAÇÃO TRANSDISCIPLINAR DA BIOÉTICA Do estudo comparado e do percurso pelos paradigmas dos países europeus e dos anglo-americanos, Patrão Neves(15) traça o processo de surgimento da Bioética, os diversos factores que moldaram o seu desenvolvimento, salientando a necessidade e a importância de uma fundamentação filosófica para a Bioética e afirmando que é a tradição filosófica de uma comunidade que molda a sua mentalidade analítica e crítica(7). Com base nesta concepção, salienta, ainda, que foi nos países anglo-americanos que a Bioética se desenvolveu e criou as condições favoráveis à sua tecnicização e funcionalização, existindo, portanto, a figura do profissional bioeticista nas instituições de saúde norte-americana. Salienta, também, que, nestes países, a tradição filosófica que fundamenta a Bioética conduz ao desenvolvimento de normas, isto porque, nos países anglo-americanos, prevalece o entendimento de que “o conjun- to de regras, que conduzam a uma boa acção, caracteriza uma moral”(15). Na Europa continental, pelo contrário, prevalece a tendência para se compreender a Bioética como uma nova disciplina filosófica de dimensão transdisciplinar, embora com “diferentes perfis e diferentes espaços geoculturais”(16). Na Europa, a figura do bioeticista é substituída pela do consultor, e a tradição filosófica que fundamenta a Bioética inquire “acerca do fundamento do agir humano, dos princípios que determinam a moralidade da acção, constituindo-se numa ética”. Estas diferenças decorrem dos diferentes factores que modelaram o desenvolvimento da bioética nos países anglo-americanos e europeus, respectivamente. Nos Estados Unidos, mais do que na Europa, existe um conjunto de modelos de análise teórica para a fundamentação da Bioética, dos quais mencionamos alguns, a saber: • O modelo principalista (Beauchamp e Childress)(16), amplamente divulgado, no qual os princípios da beneficência, não maleficência, justiça e autonomia (denotando preferência por este último), são os norteadores das decisões. Este modelo foi muito bem recebido pelos profissionais da saúde, na prática clinica e tem as suas raízes na história da filosofia ou na tradicional ética médica; • O modelo libertário (Engelhardt)(17), inspirado no liberalismo americano, parte das concepções expressas por Robert Nozick(8) sobre o valor central da autonomia e do valor do indivíduo, levando-as ao extremo; • O modelo da virtude (Pellegrino e Thomasma)(18), parte da tradição grega de uma ética da virtude, colocando a tónica no agente, especialmente orientado para despertar nos profissionais da saúde o valor da virtude e incorporando plenamente o paciente no seu processo de decisão; • O modelo casuístico (Josen e Toulmin)(19), radicando na ausência de quaisquer princípios orientadores para a acção, preconizando que cada caso seja analisado como um caso, perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 105 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 estabelecendo-se comparações e analogias com outros casos; • O modelo do cuidado (Gilligan)(20), contrapondo o valor do cuidado ao da justiça, defendendo o valor do cuidado como o mais personalizado e atendendo ao valor dos indivíduos envolvidos; é um esquema mais fundamentado na psicologia do que na filosofia; • O modelo contemporâneo (Finnis)(21) que afirma que o conhecimento, a vida estética, a vida lúdica, a racionalidade prática, a religiosidade e a amizade são bens fundamentais em si mesmos; • O modelo contratualista (Veatch)(22) radicado na importância de um tríplice contracto: entre médico-e-paciente, entre médico-e-sociedade e entre médico-e-princípios orientadores da relação médico-doente. Nos países europeus, de um modo geral, não existe uma atitude de boa aceitação dos modelos anglo-americanos. Segundo Patrão Neves, o paradigma europeu prevalecente é de inspiração personalista, enraizado na filosofia europeia contemporânea — na fenomenologia, no existencialismo, na perspectiva narrativa, na hermenêutica, enfatizando a interpretação na bioética, contribuindo como “ética interpretativa” para uma melhor assistência ética no contexto de cuidados de saúde, pela sua repercussão de dimensões do humano tantas vezes negligenciadas(15). Por conseguinte, a tendência personalista radica na dignidade universal da pessoa como valor supremo, coloca a pessoa no centro das acções e das decisões e enuncia as categorias essenciais da pessoa como pessoa. Por ter a pessoa como centro, o modelo personalista busca, na fundamentação antropológica, um desenvolvimento harmonioso entre teoria e prática. A pessoa torna-se o fundamento da ordem ética e a antropologia o fundamento da bioética(15). Desta forma, Patrão Neves estabelece que, para os países europeus, é na antropologia que se encontra a fundamentação filosófica da Bioética. Entende-se, assim, que são os saberes da antropologia filosófica e também da antropologia cultural, que constituem os pilares (refe- 106 renciais teóricos) desta fundamentação. Depreende-se também que, para que se compreenda o valor intrínseco da pessoa como fundamento da ordem ética, é necessário que se compreenda o que é a pessoa humana na plenitude das suas dimensões: a dimensão cultural (linguagem, história, crenças, arte e ciência); a dimensão metafísica (transcendência, espiritualidade, morte, imortalidade); a dimensão corpórea (funções, propriedades e valores do corpo humano), conhecimentos estes que constituem o conteúdo de livros didácticos de Antropologia Filosófica(9). Também “o sucessivo alargamento temático da Bioética terá contado, necessariamente, com um crescente número de intervenientes de formação académico-profissional cada vez mais diversificada. A sua identificação contribuirá para consolidar a Bioética como uma reflexão e uma prática de natureza transdisciplinar, isto é, que envolve diferentes domínios académico-científicos e técnico-profissionais sem, todavia, se reduzir ao seu campo de intersecção (interdisciplinaridade), mas antes projectando-se num plano epistemológico e num campo de actividades específicos, que se situam para além das perspectivas particulares das disciplinas que a constituem”(15). Portanto, “... a perspectiva europeia tende a compreender a Bioética como uma nova disciplina filosófica de dimensão transdisciplinar, a expressão de uma nova sabedoria” e que “já se constitui, em países europeus, como uma proposta de concepção didáctica”, num esforço para garantir a prossecução do desenvolvimento científico-tecnológico, no respeito pela dignidade humana e ao serviço da humanidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dos autores compulsados para a elaboração deste nosso breve ensaio “Sobre o Ensino da Bioética: Um Desafio Transdisciplinar”, podemos apresentar as seguintes considerações finais e perspectivas: Para aqueles que consideram a Bioética como uma área do saber complexa e recente, não existe, para o seu ensino, uma tradição pedagógica específica nem uma experiência didáctica consolidada. perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics No percurso feito por Luís Archer “Da Genética à Bioética”, verificamos que, nesse itinerário, o Autor coloca-nos face à incorporação de conhecimentos de várias disciplinas para a construção do conteúdo específico do seu saber, apresentando-nos a reflexão feita por geneticistas no início deste século, na qual o conceito de “transdisciplinaridade” estava implícito e que acaba por fundamentar. Na verdade, é necessário fazer a distinção entre a Bioética como um conjunto de assuntos, temas, problemas e dilemas, em áreas interdisciplinares diversificadas, e a sua vertente multidisciplinar e transdisciplinar. Assim, apontando o carácter multidisciplinar e transdisciplinar da Bioética — enquanto saber multidisciplinar, “a Bioética é uma disciplina nova do conhecimento que os homens lúcidos do nosso tempo reclamam com urgência das ciências ‘duras’, das ciências humanas e das ciências sociais (…)”, e, como sabedoria transdisciplinar, a Bioética “pretende manter a autonomia e independência tanto das áreas científicas quanto das humanistas, respeitando e aceitando os seus diferentes métodos, linguagem, objectivos e conclusões, mas procurando encontrar a sua complementaridade na busca de respostas consensuais para a defesa da dignidade humana”(23) sendo, “hoje, a nossa melhor ponte para um futuro que não seja a catástrofe da humanidade”. Quanto ao tratamento da bioética como metodologia, este proporciona-nos traçar uma fronteira entre mundividências distinguíveis e, por vezes, até opostas. E é claro que numa dessas mundividências, o questionamento pelo genuinamente humano no Homem é um problema com sentido. Porque o homem, não sendo coisificável, nem objectivável, enquanto sujeito, iniciativa ou centro de actos que, por essência, é, nem susceptível de definição, enquanto processo de realização de si. A atenção ao humano no Homem mantém-se como questionamento, inquietação ou apelo constante para todo o agir humano com sentido, no cumprimento do “desejo de viver bem com e para os outros em instituições justas”. Mas dizer que questionamento e inquietação fazem sentido, não significa dizer de forma assertiva que a dimensão responso- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 rial é acessível de modo inquestionável e fixada de uma vez por todas. Significa antes, dizer de modo afirmativo que o Mundo e o Homem são e que, portanto, a verdade ética consiste na adequação e coincidência entre a narrativa da vida, o discurso vivenciado, a autobiografia ou a biografar na coerência com uma finalidade unificadora e da “visée do bem”, a experiência moral referente às realidades vividas pelo ser humano, as acções do nosso recto agir humano e a realidade do nosso mundo circundante, na sua globalidade, completude e veracidade. Mesmo que essa verdade, na sua globalidade, só seja alcançável no infinito, rasgando as amarras que, por vezes, nos prendem à telúrica finitude. Por conseguinte, neste sentido, a Bioética configura-se como uma busca permanente de respostas consensuais, para a defesa da dignidade da pessoa humana, bem como da verdade como expressão do eschaton, a advir, um sempre a vir, ( Zu-Kunft ), na enunciação feliz de Jean Ladrière, de Paul Ricoeur, de Joseph Ratzinger, etc. Ora, se partirmos deste princípio, então a liberdade do agir genuinamente humano consiste em dar o nosso assentimento, consciente, livre e responsável à verdade, reconhecendo, porém, que esse é sempre um assentimento dado sob a forma de uma busca permanente e persistente. De uma verdadeira busca do Outro que plenifica e dá sentido incondicional, insuperável, inultrapassável ao nosso ser, viver e existir, também como seres educáveis/formáveis pela Bioética, “a grande e generosa utopia do século XXI, sobre a qual se irá construir uma economia global mais justa, uma ecologia mais sensata, uma política mais responsável e uma religião mais alegre — tudo contribuindo para a realização do melhor bem dos seres humanos em paz”(23). E como a Bioética enfrenta o excesso do limite da acção humana sobre o próprio homem — o excesso do limite entre o verdadeiramente humano e o não humano, o excesso do limite entre o dever austero e integral e o seu repúdio, podendo promover apenas os direitos individuais à autonomia, ao desejo e à felicidade light, o excesso do limite entre o que é legítimo e o que não é legítimo, o excesso do limite entre o bem e o mal, o excesso de limite entre a prudência e a imprudência. Como ensina Aristóleles, na Ética a Nicómaco “... é impossível ser prudente, não sendo bom”. Portanto, a grande questão suscitada pela Bioética, de acordo com esta nossa perspectiva, continua a ser: até onde é que se pode introduzir o artificial na vida humana sem fazer perigar a integridade da sua natureza bio-psico-social e espiritual? Ou, quais são os limites éticos para a acção médica ou científico-técnica? Ou, então, num registo de ampliação valencial, extensivo às questões humanas ou antropológicas, a saber: o que é o homem? Quem somos e a que aspiramos? Que tipo de homem queremos e devemos construir para o futuro? Contudo, o forte impulso sob o qual se desenvolve a Bioética, no mundo actual, reflecte concepções filosóficas diferentes e distinguíveis nos países anglo-americanos e nos países europeus. Desta forma, é possível que concepções antropológicas e formulações pedagógicas diferentes também prevaleçam nestes dois conjuntos de países, fundamentando distintamente o ensino da Bioética. Considerando que a sociedade portuguesa se integra, como membro de pleno direito na União Europeia, é naturalmente herdeira de tradições, culturas e valores morais que comunga e partilha mais com os países europeus do que com os anglo-americanos, esperando-se que também aqui predomine uma Bioética, ora como fundamentação filosófica na antropologia, ora como uma concepção pedagógica transdisciplinar. Ainda de considerar que a Bioética, na sua origem, natureza e dimensão ergonómica global, como afirma Patrão Neves(15), é essencialmente um novo modo de pensar, a partir do humano como valor fundamental; de agir, a partir de regras que salvaguardem o homem; e de ser, na mais plena realização de si. Porém, esta dimensão ergonómica global, a ter presente numa concepção pedagógica transdisciplinar, deve incorporar, também — conforme propõe Garrafa — “a preservação da biodiversidade, a finitude dos recursos naturais, o equilíbrio dos ecossistemas, os alimentos trangénicos, o racismo e outras formas de discriminação, a questão da alocação dos recursos escassos, bem como as macro-questões como as gritantes disparidades sócio-económicas e sanitárias colectivas e persistentes verificadas na maioria dos países pobres do Hemisfério Sul”. Assim a Bioética, sob a sua actual perspectiva ergonómica global, (a ter presente numa concepção pedagógica transdisciplinar, não perdendo, como já salientámos, a sua perspectiva biomédica), reforça a sua dimensão ambiental, ganha uma dimensão social, contemplando o ser humano na sua dimensão comunitária e socialmente organizado no âmbito das ciências sociais, pugna por um ethos social centrado no impacto que as biotecnologias podem ter nas relações humanas, nas relações da pessoa humana e das comunidades com as diversas instituições e nas relações entre Estados. Em síntese, “a Bioética, — como afirmam Patrão Neves e Walter Osswald — na transdisciplinaridade da sua dimensão teórica e na projecção pública da sua dimensão prática, permanece radicalmente aberta a todos quantos se interessem pelos temas e problemas que a constituem, além de mobilizadora do envolvimento das sociedades em que se desenvolve como uma nova ética social. Neste contexto, a Bioética é hoje também expressão privilegiada e específica de uma longa tradição humanista numa civilização científico-tecnológica”(3). CONCERNING BIOETHICAL TRAINING: A MULTIDISCIPLINARY CHALLENGE ABSTRACT In confronting the new realities of life modelling effected through biotechnologies, humanists, scientists and pedagogues in their eternal insuppressible inquietude and capacity for questioning, have sought answers for the open problems in the unstoppable movement and incontestable success in Bioethics. Being an area of knowledge that encompasses various disciplines and due to its great development in a short space of time, new challenges are presented today. Thus perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 107 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 the teaching of Bioethics is a new experience with no definitive didactic model. The traditional form of teaching following the concept of disciplines is clearly inefficient for the complete understanding of Bioethics. The multidisciplinary nature of its aspects and practice in the individual human being gives it an epistemological status that has yet to be clearly defined. Therefore Bioethics deals with knowledge on the frontiers between various disciplines and thus several authors have suggested an interdisciplinary or multidisciplinary approach to its teaching. When the philosophical basis of personalised inspiration that has been developed in the European countries is compared with the Anglo-American working model the multidisciplinary dimension is strengthened and recognises in anthropological terms the fundamental support for its teaching. To conclude it is considered that the proximity and permeability of the cultures and moral values or Portuguese society and continental Europe that the European conception of Bioethics seems to be more appropriate for teaching purposes in Portugal. Keywords: Bioethics, education, training, philosophical foundations, and anthropology. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 102-8 BIBLIOGRAFIA 1. Oswald W. A Encruzilhada Bioética. Brotéria-Cultura e Informação.1999; 149:230-35. 2. Neves MCP. O que é a Bioética? Cadernos de Bioética. 1996; 11: 7-27.a 108 3. Neves MCP, Osswald W. Bioética Simples. Lisboa, Ed. Verbo. 2007:19 e texto na contra-capa. 4. Archer L. Bioética: Avassaladora. Porquê?Brotéria. 1996; 142:449-72 5. Pellegrino ED. La relación entre la autonomía y la integridad en la ética médica. Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana. 1990; 108(5,6):379-90. 6. Pellegrino ED. The Metamorphosis of Medical Ethics. A 30-year Retrospective. JAMA 1993; 296: 1158-62. 7. Neves MCP, Lima M. 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Nascer e Crescer 2010; 19(2): 109-15 INTRODUÇÃO A grande maioria das doenças neuromusculares associa-se a alterações cardíacas que são responsáveis por elevada morbilidade e mortalidade. Constituem um grupo heterogéneo de doenças, causadas por anomalias dos genes que codificam varias proteínas com funções diferentes na célula muscular. Algumas destas proteínas são componentes da membrana da célula muscular, outras do envelope nuclear ou podem ser enzimas específicas do músculo(1). As manifestações cardíacas dependem do tipo da doença e possivelmente da localização da anomalia genética, envolvendo geralmente o desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica e arritmias (Quadro I)(2). __________ 1 Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Maria Pia – CHP AVALIAÇÃO CARDÍACA EM DOENTES COM DISTROFIA MUSCULAR A avaliação cardíaca deve ser efectuada em todas as crianças com doença neuromuscular com atingimento cardíaco. A Academia Americana de Pediatria estabeleceu recomendações para o seguimento cardíaco nos vários tipos de doença(3). A avaliação cardíaca inclui uma história clínica e um exame físico pormenorizados para identificar sinais e sintomas de insuficiência cardíaca (IC) e arritmias. É difícil valorizar os sintomas e sinais de IC em doentes com fraqueza muscular generalizada. A perda de peso, tosse, náusea, vómitos, ortopneia e aumento da fadiga podem representar sinais de falência cardíaca e devem ser investigados. Queixas de síncope ou tonturas e taquicardia ou palpitações podem ser sinais de bradi ou taquiarritmias(4). O electrocardiograma e ecocardiograma devem ser efectuados como parte da avaliação inicial. A Monitorização Electrocardiográfica Ambulatória Contínua (MEAC-Holter) é recomendada em doenças associadas a perturbações do ritmo e da condução. Em doentes com má janela ecocardiográfica, devido às deformidades esqueléticas, pode ser necessário recorrer à ressonância magnética cardíaca para uma avaliação mais exacta da disfunção ventricular. Os peptídeos natriuréticos (BNP e NT- proBNP) são usados frequentemente nos adultos para distinguir a doença pulmonar da insuficiência cardíaca. Conquanto os estudos nesta população sejam escassos, estes marcadores bioquímicos podem ser úteis na abordagem diagnóstica e seguimento dos doentes(4). Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) É a forma mais frequente de distrofia muscular com uma incidência de 1:3500 nados vivos do sexo masculino e uma prevalência de 1:100 000 homens. O envolvimento cardíaco é frequente, mas os sintomas estão habitualmente ausentes, devido às limitações musculo-esqueléticas dos doentes. O desenvolvimento de cardiomiopatia (CMP) geralmente precede o aparecimento de sintomas sendo importante a sua identificação precoce. A avaliação cardíaca é recomendada entre os 6 e os 10 anos, ou à data da apresentação, e a periodicidade de avaliação deve ser de 2/2 anos até aos 10 anos e posteriormente anualmente ou mais frequente dependendo das alterações encontradas(3). As alterações electrocardiográficas estão já presentes antes dos 10 anos de idade e são variadas: ondas R elevadas e uma relação R/S anormal nas precordiais direitas, ondas Q profundas em D1, aVL, V5 e V6(5). A partir dos 10 anos, desenvolve-se o processo cardiomiopático; aos 14 o ecocardiograma mostra CMP dilatada em 50% dos doentes (Figura 1), dos quais 36% são sintomáticos. Acima dos 18 anos de idade praticamente todos os doentes apresentam CMP (57% sintomáticos)(6). O tratamento inicial preconizado da CMP na DMD são os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA). Estudos recentes mostraram benefício adicional com a adição do beta bloqueante Carvedilol, à semelhança do que ocorre em adultos com cardiomiopatia dilatada(7). O uso de beta bloqueante em 22 doentes com DMD mostrou uma melhoria ligeira, mas estatisticamente significativa, da fracção de ejecção avaliada por ressonância magnética(8). a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 109 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Estes fármacos diminuem os sintomas de insuficiência cardíaca, melhoram a fracção de ejecção e o estado neurohormonal. Quando iniciados precocemente no curso da disfunção cardíaca podem também diminuir a progressão das alterações cardíacas(9), embora não haja consenso em torno desta questão. Continua a ser controversa a utilização dos IECA em doentes ainda com função ventricular esquerda dentro da normalidade(2). Em 2005 Duboc e al, num estudo com 57 doentes com DMD, mostraram uma resposta favorável à terapêutica com perindopril ao fim de um seguimento de cinco anos(10). Os mesmos autores, verificaram uma menor mortalidade nos indivíduos randomizados inicialmente a perindopril, após um seguimento de dez anos(11). Também Ramaciotti investigou a utilização de enalapril na disfunção ventricular esquerda em doentes com DMD e encontrou uma melhoria da fracção de ejecção em 43% dos doentes(12). Como é prática habitual, os inotrópicos e diuréticos estão também indicados na insuficiência cardíaca descompensada(4). Também deverá ser ponderada a introdução de anticoagulação / antiagregantes planetários, nos doentes com disfunção cardíaca severa, como prevenção de eventos tromboembólicos sistémicos(3,4). Até recentemente os doentes com DMD faleciam entre os 15 e os 20 anos de idade por complicações respirató- Quadro I - Manifestações cardíacas em diferentes doenças neuromusculares Doença DM Duchenne DM de Becker DM EmeryDreifus (forma autossómica dominante) DM Emery-Dreifuss Ligada ao Cromossoma X Distrofia Miotonica Ataxia de Friedreich Mutação genética Manifestações cardíacas Distrofina Frequentes CMP dilatada Distrofina Frequentes CMP dilatada/ Idade de início das manifestações cardíacas Sintomas cardíacos Meios de diagnóstico Terapêutica Pouco frequente antes dos 10 anos Ausentes habitualmente Exame clínico ECG Eco Rx tórax BNP/NT Pro BNP Sintomático para a insuficiência cardíaca Pouco frequente em crianças. Adolescência ou adulto jovem Os sintomas cardíacos podem ser o quadro de apresentação Exame clínico ECG Eco Rx tórax BNP/NT Pro BNP Sintomático para a insuficiência cardíaca Transplante cardíaco Sincope, pré-sincope, palpitações, dispneia, intolerância ao esforço Lamina A/C Disfunção do nó sinusal FA frequente Arritmias V Incidência de CMP variável Emerina Defeitos de Condução Arritmias V e SV CMP rara Adolescente, adulto jovem Sincope, pré-sincope, palpitações, dispneia, intolerância ao esforço DMPK Frequentes Alterações da condução Arritmias SV e V Disfunção miocárdica rara Arritmias graves na infância Envolvimento cardíaco geralmente mais progressivo do que o muscular Frequentemente sem sintomas Morte súbita em 10-30% Bradicardia e taquicardia sintomaticas Frataxina Frequentes CMP hipertrófica. Pode progredir para CMP dilatada Arritmias V Pouco frequente antes dos 5 anos Sintomas cardíacos ausentes ou ligeiros Geralmente 2ª década mas pode surgir na infância Exame clínico ECG Holter Eco Exame clínico ECG Holter Eco Exame clínico ECG Holter Eco Exame clínico ECG Eco Colocação de pace-maker CDI Antiarritmicos Anticoagulação (FA) Tca sintomática para a insuficiência cardíaca Colocação de pace-maker Antiarritmicos Anticoagulação (FA) Colocação de pace-maker EEF se sintomas de bradicardia e Holter normal. Antiarritmicos (taquiarritimias) Alguma evidência que a idebenona pode reduzir o grau de hipertrofia cardíaca Abreviaturas: CDI- cardiodesfibrilador implantável; CMP- cardiomiopatia; ECG- electrocardiograma; ECO- ecocardiograma; EEF- estudo electrofisiológico; FA - fibrilação auricular; Rx-radiografia;Tca- terapêutica; V- ventricular (Adaptado de: English KM, Gibbs JL.Cardiac monitoring and treatment for children and olescents with neuromuscular disorders. Dev Med Child Neurol. 2006;48(3):231-5). 110 a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 rias, ICC ou arritmias. Com a evolução dos meios terapêuticos, nomeadamente as técnicas de ventilação não invasiva, registou-se um aumento da esperança de vida na DMD. A disfunção cardíaca é observada mais frequentemente e a insuficiência cardíaca crónica é uma das causas de morte mais importante(13), o que despertou um maior interesse na vigilância e seguimento cardiovascular desta patologia. Os doentes em tratamento com corticoides devem ter um seguimento cardíaco mais frequente com monitorização da tensão arterial e peso. Relativamente às arritmias, estas são frequentes, nomeadamente extrassístoles ventriculares, podendo ocorrer associadas à disfunção ventricular. Quando identificadas pode haver indicação para terapêutica médica. A implantação de cardiodesfribilador (CDI) é dificultada pelas alterações músculo-esqueléticas e pela atrofia muscular. Distrofia Muscular de Becker (DMB) A incidência de DMB é de 1:18450 NV do sexo masculino. É causada por níveis reduzidos ou variantes anormais de distrofina e não à sua ausência. Embora a distribuição da fraqueza muscular seja semelhante à DMD, a idade de início da sintomatologia muscular é variável, podendo surgir manifestações aos 12 anos, conquanto habitualmente ocorram mais tarde. Na DMB o grau de envolvimento cardíaco é desproporcionado relativamente ao atingimento do músculo esquelético. Cerca dos 20 anos, 50% dos doentes têm alterações electrocardiográficas e aos 30 anos, 40% apresentam cardiomiopatia na ecocardiografia(14); 70% desenvolve insuficiência cardíaca congestiva (ICC) acima dos 40 anos de idade(4). Podem ocorrer arritmias ventriculares, tal como na DMD. A avaliação cardíaca na DMB é recomendada aos 10 anos, ou à data do Figura 1 - Ecocardiograma bidimensional/modo M (eixo longo para-esternal) – CMP dilatada do VE num doente com Distrofia Muscular de Duchenne: observa-se dilatação do ventrículo esquerdo e hipomotilidade global, com fracção de ejecção de cerca de 34%; no interior do VE é visível uma imagem ecodensa (T) correspondendo a um trombo intracardíaco. Legenda: CMP – cardiomiopatia; AE – aurícula esquerda; AO – aorta; S – septo interventricular; VD – ventrículo direito; VE – ventrículo esquerdo; T – trombo intracardíaco diagnóstico e posteriormente anual, de 2/2 anos ou mais frequente conforme a evolução clínica. O tratamento médico da IC é sobreponível ao que foi descrito anteriormente para a DMD. O transplante cardíaco e o “pacing” biventricular foram utilizados em alguns doentes. A colocação de CDI está indicada na presença de arritmias ventriculares graves(4,6,9,14). Mulheres Portadores de DMD ou DMB Estão descritas alterações cardíacas em mulheres heterozigotas para a DMD e DMB, embora o desenvolvimento de insuficiência cardíaca seja raro. A avaliação cardíaca (incluindo ECG e ecocardiograma) deverá realizar-se entre os 16 e 25 anos, ou mais cedo na presença de sintomas. A periodicidade de avaliação é recomendada de 5 em 5 anos a partir dos 25 anos de idade(3). Distrofia muscular de Emery Dreifuss A distrofia muscular de Emery Dreifuss (EDMD) pode ocorrer como uma doença recessiva ligada ao cromossoma X (XL- EDMD), causada por uma mutação no gene que codifica a proteína emerina, ou como autossómica dominante (AD- EDMD) originada por uma mutação no gene da lamina(6). Na XL- EDMD a doença inicia-se na infância, mas tem uma progressão lenta. As manifestações cardíacas traduzem-se pela ocorrência frequente de bradicardia (entre os 20 e os 40 anos), evoluindo para bloqueio aurículo-ventricular (Figura 2). As arritmias são mais frequentes que as alterações cardiomiopáticas. A fibrilação auricular e flutter auriculares são comuns, obrigando a medicação antiarritmica e a hipocoagulação no caso de fibrilação. Pode haver indicação para a implantação de pace-maker por bradiarritmia. Actualmente recomenda-se a implantação de pacemaker em doentes assintomáticos que mostram sinais de doença do nó sinusal ou do nó aurículo ventricular. A avaliação cardíaca deve ser feita na altura do diagnóstico (incluindo ECG, ecocardiografia e Holter), repetindo-se anualmente a realização de ECG e Holter. A ecocar- a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 111 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Figura 2 - Bloqueio AV 1º grau - prolongamento anormal do intervalo PR (maior que 0,20 s) mantendo-se a relação 1:1 entre P e QRS. Figura 3 - Traçado de Holter – período de taquicardia ventricular diografia deverá ser efectuada quando entendido necessário. Na AD- EDDM (laminopatias) a variabilidade fenotipica é maior do que na XL_EDDM. Há disfunção do ventrículo esquerdo, que progride com a idade, paralelamente às alterações do ritmo: arritmias ventriculares e supraventriculares (Figura 3) (sendo a abordagem semelhante à anterior) e alterações da condução. Podem existir alterações cardíacas graves com envolvimento músculo-esquelético ligeiro. Recomenda-se a implantação de pace-maker na presença de doença do nó sinusal ou aurículo-ventricular. A incidência de morte súbita é elevada e não parece ser reduzida pela implantação de pace-maker, o que sugere uma causa arritmogénica ventricular. Deverá ser pon- 112 derada a implantação de um CDI perante a necessidade de pace-maker. A insuficiência cardíaca é tratada como habitualmente; se são usados os betabloqueantes, deve haver uma monitorização frequente da situação clínica(6). A avaliação cardíaca deve ser feita na altura do diagnóstico (incluindo ECG, ecocardiografia e Holter), repetindo-se anualmente ou mais frequente se necessário. Distrofia muscular das cinturas Actualmente estão reconhecidas vários subtipos geneticamente diferentes de distrofia muscular das cinturas (LGMD), cuja hereditariedade é recessiva em 90% dos casos ou autossómica dominante nos restantes. a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice As manifestações cardíacas são específicas da doença, daí a importância do diagnóstico genético exacto. Surgem com maior frequência nas sarcogliconopatias (LFMD2C a 2F), sobretudo sob a forma de cardiomiopatia. A incidência de arritmias é baixa. As arritmias e alterações da condução são mais prevalentes nas formas autossómicas dominante. A monitorização cardíaca depende do diagnostico genético, mas é recomendado que as sarcogliconopatias e a LGMD2I tenham um seguimento como preconizado para a DMD e DMB(6,16,17). DISTROFIA MIOTÓNICA A distrofia muscular miotónica é a forma mais frequente de distrofia muscular nos adultos, com uma prevalência de 2-14:100 000 indivíduos e incidência de 1:8000 NV. É devida a expansão na repetição dos trinucleotídeos citosina, timina e guanina (CTG) do gene proteína quinase situado no cromossoma 19. Estão identificadas duas variantes, a tipo 1 (DM1), mais frequente, e a tipo2 (DM2), só recentemente classificada. Na DM1 podem reconhecer-se três formas: uma forma congénita com manifestações cardíacas graves neonatais: cardiomiopatia hipertrófica, miocárdio não compactado, alterações do ritmo e morte súbita; uma forma leve que se detecta acima dos 50 anos e está associada a fraqueza muscular ligeira e uma expectativa de vida normal; e a forma clássica, mais frequente, que se manifesta entre os 20-40 anos(4,6). As manifestações cardíacas na DM1 são frequentes e ocorrem sob a forma de arritmias supraventriculares em 25% dos doentes (flutter e fibrilação auricular, taquicardia auricular) e ventriculares (taquicardia ventricular mono e polimórfica e fibrilação ventricular). Outras alterações incluem PR prolongado, bloqueio de ramo. Aparentemente a cardiomiopatia é rara e predominam as alterações do ritmo que são mais graves quanto mais cedo for a idade de diagnóstico. Estas alterações tendem a progredir com a idade dos doentes, sendo responsáveis por 20% das mortes, que ocorre em média aos 53 anos. O risco de morte súbita é também importante (é causa de NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 morte em 10% dos casos), pelo que queixas como sincope e pré-sincope devem ter uma investigação aprofundada com a realização de estudo electrofisiológico se necessário(4,6,17,18). A necessidade de implantação de pace-maker/CDI deve ser ponderada em função dos sintomas do doente e das alterações encontradas no ECG ou Holter(17,18). A avaliação cardíaca deve fazer-se aquando do diagnóstico (incluindo ECG, ecocardiografia e Holter) e posteriormente anualmente(4). ATAXIA DE FRIEDREICH A Ataxia de Friedreich (FRDA) é uma doença autossômica recessiva, causada por uma expansão na repetição dos trinucleotídeos GAA no gene da frataxina situado no cromossoma 9. É uma doença em que há envolvimento do sistema nervoso periférico ( neuropatia) e dos sistema nervoso central. A incidência é de 1 em cada 50.000 indivíduos e a doença manifesta-se entre os dez e os quinze anos de idade. A cardiomiopatia hipertrófica (Figura 4) está presente em cerca de 2/3 dos doentes. A ecocardiografia revela habitualmente hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo. Os achados electrocardiográficas relacionam-se com a hipertrofia ventricular esquerda (inversão das ondas T, desvio esquerdo do eixo eléctrico, anomalias da repolarização ventricular) (Figura 5) e arritmias ventriculares e supraventriculares. Nos estádios finais da doença pode haver progressão para cardiomiopatia dilatada. A insuficiência cardíaca e arritmias representam as causas de morte mais frequentes(4,16). A vigilância cardíaca deve iniciar-se precocemente, com realização de ecocardiograma e electrocardiograma. As arritmias devem ser tratadas com antiarritmicos ou implantação de dispositivos médicos. A idebenona tem sido utilizada no tratamento destes doentes e em cerca de 50% mostrou reduzir a hipertrofia cardíaca(4,16,19-21). CONCLUSÃO As manifestações cardiovasculares mais frequentes das doenças neuromusculares são a cardiomiopatia, alterações da Figura 4 - Ecocardiograma bidimensional, eixo longo (A) e eixo curto (B) para-esternal, – CMP hipertrófica do VE (doente com ataxia de Friedreich): observa-se hipertrofia simétrica das paredes do VE Legenda: CMP – cardiomiopatia; AE – aurícula esquerda; AO – aorta; S – septo interventricular; VD – ventrículo direito; VE – ventrículo esquerdo; PP – parede posterior do VE Figura 5 - Electrocardiograma mostrando alterações de repolarização ventricular esquerda (criança com ataxia de Friedrich e cardiomiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo) condução e arritmias. A avaliação cardíaca é fundamental no seguimento dos doentes e deve ser feita na altura do diagnóstico e depois regularmente dependendo do tipo de doença em causa (Quadro II) e das alterações mais frequentes. A terapêutica anticongestiva está indicada na presença de cardiomiopatia. Continua a ser controversa a utilização dos IECA/ beta-bloqueantes numa fase pré- clínica da cardiomiopatia. O transplante cardíaco poderá ter indicação a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 113 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Quadro II - Recomendações para a avaliação cardíaca em varias doenças neuromusculares Doença neuromuscular Ecocardiograma ECG Holter DMD Inicial aos 6 anos 6- 10 anos: de 2/2 anos >10 anos: anual Inicial aos 6 anos 6- 10 anos: de 2/2 anos >10 anos: anual Inicial aos 6 anos >6: 1-2 anos Mulher Portadora de DMD Inicial aos 16 anos >16 anos: 5/5 anos Inicial aos 16 anos >16 anos: 5/5 anos Inicial aos 16 anos >16 anos: 5/5 anos DMB Inicial aos 10 anos > 10 anos: 1-2 anos Inicial aos 10 anos > 10 anos: 1-2 anos Inicial aos 10 anos > 10 anos: 1-2 anos AD-EDMD (laminopatia) Inicial ao diagnóstico Depois anualmente Inicial ao diagnóstico Depois anualmente Quando indicado XL-EDMD Inicial ao diagnóstico Depois de 5/5 anos Inicial ao diagnóstico Depois anualmente Quando indicado Sarcoglicanopatias/ LGMD2I Inicial ao diagnóstico Depois anualmente Inicial ao diagnóstico Depois anualmente Quando indicado Distrofia miotónica (forma clássica) Inicial ao diagnóstico Quando indicado Inicial ao diagnóstico Depois anualmente Quando indicado Legenda: DMD – Distrofia Muscular de Duchenne; DMB – Distrofia Muscular de Becker (adaptado de HSU DT. Cardiac manifestations of neuromuscular disorders in children. Paediatr Respir Rev. 2010;11(1):35-8). nalgumas doenças neuromusculares em insuficiência cardíaca terminal. Determinadas doenças associam-se a alterações da condução graves com indicação para implantação de pace-maker. A implantação de cardiodesfribilador terá que ser ponderada na presença de taquiarritmias com risco de morte súbita. Dada a maior sobrevida destes doentes a elevada prevalência de alterações cardiovasculares, cada vez mais estão a ser adoptadas estratégias de prevenção, nomeadamente relativamente à morte súbita. CARDIAC MANIFESTATIONS IN NEUROMUSCULAR DISEASES ABSTRACT The muscular dystrophies are a heterogeneous group of conditions associated with cardiac disturbances (cardiomyopathy, arrhythmias) that may be the major determinants of the prognosis of the disease. The aim of this review is to summarize the cardiac features seen in patients 114 with different muscular dystrophies, the diagnostic approach and therapeutic intervention and to present the recommendations for cardiac follow-up. Keywords: muscular dystrophy; child cardiomyopathy, arrythmias, conduction defects, cardiac monitoring. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 109-15 BIBLIOGRAFIA 1. Seidman JG, Seidman C. The genetic basis for cardiomyopathy: from mutation identification to mechanistic paradigms. Cell 2001;104:557–67. 2. English KM, Gibbs JL.Cardiac monitoring and treatment for children and adolescents with neuromuscular disorders. Dev Med Child Neurol. 2006;48(3):231-5). 3. American Academy of Pediatrics, Section on Cardiology and Cardiac Surgery Cardiovascular Health Supervision for Individuals Affected by Duchenne or Becker Muscular Dystrophy PEDIATRICS 2005; 116:1569-73 a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 4. HSU DT. Cardiac manifestations of neuromuscular disorders in children. Paediatr Respir Rev. 2010 Mar;11(1):35-8. 5. Nigro C, Comi LI, Politano L, Bain RJ. The incidence and evolution of cardiomyopathy in Duchenne muscular dystrophy. Int J Cardiol 1990 Mar;26(3):271-7. 6 Beynon RP, Ray SG. Cardiac involvement in muscular dystrophies. QJ Med 2008;101:337-44 7. Kajimoto H, Ishigaki K, Okumura K, Tomimatsu H, Nakazawa M, Saito K et al Beta-blocker therapy for cardiac dysfunction in patients with muscular dystrophy. Circ J. 2006 Aug;70(8):991-4. 8. Rhodes J, Margossian R, Darras BT, Colan SD, Jenkins K J, Geva T, Powell AJ. Safety and Efficacy of Carvedilol Therapy for Patients with Dilated Cardiomyopathy Secondary to Muscular Dystrophy .Pediatr Cardiol 2008; 29 (2):343-51 9. Jefferies JL, Eidem BW, Belmont JW, Craigen WJ, Ware SM,Fernbach SD, Neish SR, Smith EO, Towbin NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 JA. 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Safety, Tolerability, and Pharmacokinetics of High-Dose Idebenone in Patients With Friedreich Ataxia Arch Neurol. 2007;64(6):803-8 a cardiologia pediátrica na prática clínica paediatric cardiology in clinical practice 115 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Avaliação Crítica e Implementação Prática de Estudos Sobre a Validade de Testes Diagnósticos – Parte I Luís Filipe Azevedo1, Altamiro da Costa Pereira1 RESUMO Na rubrica de Pediatria Baseada na Evidência têm vindo a ser abordados os aspectos conceptuais, metodológicos e operacionais relativos à prática da MBE no âmbito específico da Pediatria. Neste artigo é apresentado um exemplo prático de aplicação dos conceitos, métodos e competências abordados nos artigos anteriores, debruçando-se especificamente sobre a avaliação crítica e aplicação prática de estudos sobre a validade de testes diagnósticos. É apresentado um cenário clínico em que surge a necessidade de encontrar e avaliar a evidência científica existente sobre a validade e utilidade da determinação da procalcitonina na distinção entre pneumonia de etiologia bacteriana e vírica em crianças. São discutidos os métodos de pesquisa da evidência mais actual e apropriada à questão; e é sugerida uma metodologia sistemática para a avaliação crítica de estudos sobre a validade de testes diagnósticos, incluindo três fases distintas: (1) avaliação da qualidade metodológica do estudo; (2) avaliação da importância científica e prática dos seus resultados e (3) avaliação da aplicabilidade prática dos mesmos. Neste artigo será desenvolvido o processo até à avaliação da qualidade metodológica do estudo, sendo no próximo número desta rubrica abordadas as questões relacionadas com a avaliação quantitativa e qualitativa da importância dos resultados e a avaliação da sua aplicabilidade prática. __________ 1 Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde – CINTESIS. 116 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics Palavras-chave: Medicina baseada na evidência, diagnóstico, testes diagnósticos, especificidade, sensibilidade, valores preditivos, razões de verosimilhança, curvas ROC, procalcitonina, pneumonia, criança. Nascer e Crescer 2010; 19/(2): 116-24 INTRODUÇÃO A Pediatria Baseada na Evidência foi genericamente definida, no primeiro artigo desta série(1), como a aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes pediátricos(2-4). No segundo e terceiro artigos da série(5,6) foram desenvolvidos em maior detalhe os aspectos relacionados com a formulação de questões clínicas, a eficaz pesquisa da evidência científica e a avaliação crítica da mesma. No quarto e quinto artigos(7,8) iniciou-se a apresentação de um conjunto de cenários práticos que exemplificam a aplicação dos métodos e competências abordadas, tendo sido o primeiro exemplo dedicado à avaliação crítica e implementação prática de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise e o segundo dedicado aos ensaios clínicos aleatorizados. No sexto e sétimo artigos da série, será apresentado um cenário prático no qual é exemplificada a pesquisa, avaliação crítica e implementação prática de estudos sobre a validade de testes diagnósticos. No sexto artigo será apresentado o cenário prático e serão discutidas questões relacionadas com a pesquisa bibliográfica dirigida à questão clínica formulada e com a avaliação crítica de estudos sobre a validade de testes diagnósticos, no respeitante à avaliação da qualidade metodológica dos mesmos. No próximo número desta rubrica, no sétimo artigo da série, será completada a discussão da avaliação crítica dos estudos sobre a validade de testes diagnósticos, focando as questões relacionadas com a avaliação quantitativa e qualitativa da importância dos resultados e a avaliação da sua aplicabilidade prática. CENÁRIO CLÍNICO Maria, de 5 anos de idade, é trazida pelas sua mãe ao serviço de urgência de pediatria com febre, há cerca de 8 dias, tosse e expectoração abundante e de coloração amarelada, sem sangue. Refere dor tipo pelurítico na face anterior do hemitórax direito, agravada pela tosse. Há cerca de uma semana teve rinorreia e odinofagia que entretanto melhoraram. A mãe sublinha o agravamento da prostração, anorexia e febre nas últimas 48h. Nega queixas urinárias ou abdominais. No exame físico a Maria apresenta-se hipoactiva, tem febre de 39,2ºC e não apresenta sinais de dificuldade respiratória. À auscultação pulmonar é possível verificar crepitações e roncos dispersos bilateralmente e presença de sopro tubar no lobo inferior direito, associado a broncofonia. Tem abdómen mole e depressível e não tem sinais meníngeos. A Maria não tem outras alterações relevantes no exame físico, é uma criança sem antecedentes patológicos ou familiares relevantes e vive com a mãe, que está desempregada, vive só, tem baixa escolaridade e parcos recursos económicos. O clínico responsável pela Maria – um interno de pediatria – após a recolha da história clínica e a realização do exame físico senta-se por um momento, enquanto a mãe da Maria veste de novo a criança, e começa a tratar dos pedidos dos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 exames complementares de diagnóstico que pretende requisitar, tendo em conta que no topo da sua lista de diagnósticos diferenciais está um quadro de pneumonia. Faz o pedido de uma radiografia do tórax, face e perfil direito, e preenche o pedido de um hemograma, ionograma, bioquímica simples e determinação da proteína C reactiva (PCR), dado que são os testes que considera necessários e que habitualmente são pedidos na sua instituição nestes casos. Ao fazer estes pedidos tenta lembrar-se das razões porque considera necessários cada um dos testes que solicita, tornando-se claro no seu espírito que uma das principais questões a que tenta responder é a da etiologia vírica ou bacteriana do eventual quadro de pneumonia, dado que isto terá consequências extremamente importantes na decisão sobre o plano terapêutico. Em particular, relativamente à questão típica e fundamental da necessidade de prescrição ou não de antibióticos. Pondera sobre quais os dados mais úteis nesta distinção entre pneumonias bacterianas e víricas, para além da história clínica e do exame físico, que neste caso não eram muito esclarecedores. A radiografia torácica ajudará, assim como o hemograma (nível e tipo de leucocitose) e a PCR, no entanto, não pode deixar de suspirar ao pensar que nestas situações, não raras vezes, mesmo depois destes testes, continua com dúvidas. Neste exercício, acaba por lembrar-se que, na semana anterior, os técnicos do laboratório de bioquímica do hospital tinham estado, numa reunião de serviço, a falar sobre um teste que tinham implementado recentemente no hospital – a procalcitonina – e que era útil na distinção entre infecções víricas e bacterianas. Perante uma hipótese de reduzir a sua incerteza e ansiedade num problema com que se depara comummente na urgência, e porque nunca antes tinha ouvido falar da determinação da procalcitonina neste contexto, o interno decide, enquanto espera pelos resultados dos exames solicitados, procurar qual a evidência científica existente sobre a utilidade da determinação da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança. FORMULAÇÃO DA QUESTÃO Neste contexto, coloca-se ao interno uma questão relativa à utilidade, e em particular a validade, da utilização da determinação da procalcitonina no diagnóstico de pneumonia de etiologia bacteriana, e mais especificamente na distinção entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica. Assim, ao pensar na formulação da questão clínica, deverá ter em atenção os seus quatro elementos essenciais, seguindo o acrónimo que os identifica – PICO(5): (1) a população são crianças com sinais e sintomas compatíveis com pneumonia; (2) a intervenção a avaliar será a determinação da procalcitonina e (3) a variável de resultado clínico será a determinação da existência e etiologia da pneumonia através de um teste (ou conjunto de testes) padrão de referência, neste caso, a identificação bacteriológica ou serológica do agente vírico ou bacteriano responsável pela infecção. PESQUISA DA EVIDÊNCIA Tendo em conta a questão clínica de interesse, a procura de evidência científica deverá focar-se, essencialmente, em estudos sobre a validade do teste diagnóstico em avaliação – procalcitonina na distinção entre pneumonias de etiologia vírica ou bacteriana. Neste caso, o interno começou por fazer uma pesquisa bibliográfica utilizando o serviço de acesso à base de dados Medline da PubMed(5). Para isto, começou por identificar termos MeSH(5) associados ao termo “procalcitonin”, tendo verificado que este termo MeSH existe classificado como “Substance name” (“procalcitonin” [Substance Name]). Em seguida, decidiu utilizar, para a identificação do problema e patologia, os termos genéricos (bacterial AND viral AND infection). Adicionou termos para identificação do grupo etário de interesse (crianças, usando a definição dos 0 aos 18 anos de idade), com auxílio dos termos MeSH aplicados através da utilização da funcionalidade Limits do Pubmed (infant [MeSH] OR child[MeSH] OR adolescent [MeSH]). Por último, utilizando estas três partes da query ligadas por operadores booleanos AND utilizou a funcionalidade clinical queries do Pubmed para adicionar filtros de pesquisa metodo- lógicos específicos para questões de diagnóstico, optando por um modo de pesquisa mais sensível (“broad, sensitive search”) (5) . Esta versão final da query de pesquisa ((“procalcitonin” [Substance Name]) AND (bacterial AND viral AND infection) AND (infant [MeSH] OR child[MeSH] OR adolescent [MeSH]) AND (Diagnosis/ Broad[filter])) permitiu-lhe, à data de realização da pesquisa, a identificação de 40 artigos. Uma rápida análise dos títulos e resumos destes resultados permitiu-lhe identificar vários artigos altamente relevantes, sobre a questão em análise e no grupo etário pretendido. Na posição 7 da lista, encontrou o artigo de Don et al., publicado em 2007, no Scandinavian Journal of Infectious Diseases e intitulado “Efficacy of serum procalcitonin in evaluating severity of community-acquired pneumonia in childhood”(9). Na verdade, este é só um dos vários estudos encontrados e que respondem à questão em análise, sendo a sua escolha ditada por ser um dos mais recentes e um dos que responde de forma mais específica à questão, após análise do seu resumo. Neste caso, poderia ser de enorme utilidade a existência de uma revisão sistemática e eventual estudo de meta-análise sobre esta matéria, no entanto, a discussão será desenvolvida relativamente à avaliação crítica deste artigo original em particular. O passo seguinte foi aceder à versão integral do artigo e iniciar a sua análise crítica. AVALIAÇÃO CRÍTICA DA EVIDÊNCIA – ESTUDOS SOBRE VALIDADE DE TESTES DIAGNÓSTICOS O diagnóstico é um dos mais nobres actos da prática médica. O diagnóstico poderá ser genericamente definido como um processo probabilístico e iterativo de decisão que, fazendo o melhor uso possível de toda a informação disponível a cada momento, visa classificar o indivíduo numa determinada entidade nosológica à qual estão associados um determinado plano terapêutico e um determinado prognóstico. O diagnóstico implica, antes de mais, ter a capacidade de discriminar entre indivíduos com e sem a entidade nosológica em análise (por simplicidade, fala-se habitualmente em doentes e não pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 117 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 doentes, mas de uma forma mais geral pode ser contemplada a discriminação entre diferentes formas de uma doença ou, eventualmente, estádios diferentes de gravidade, progressão ou impacto da doença). Neste contexto, definem-se como testes diagnósticos quaisquer dados, medições ou classificações que permitam discriminar entre populações com e sem a entidade nosológica em consideração. Nesta definição genérica incluem-se quer os habituais exames complementares de diagnóstico (imagiológicos, hematológicos, bioquímicos, microbiológicos, imunológicos, genéticos, etc.), quer os dados provenientes da história clínica, antecedentes pessoais e familiares e exame físico. A utilização adequada e consciente dos testes diagnósticos exige o conhecimento e compreensão das propriedades fundamentais que os caracterizam. Destas, destacam-se as seguintes: (a) A reprodutibilidade (reliability ou reproducibility), definida como a concordância entre medições ou classificações repetidas de um mesmo fenómeno (intra-observador, intra-instrumento, inter-observadores ou inter-instrumentos). Esta é uma das propriedades mais importantes, e muitas vezes esquecida, de um teste diagnóstico, sendo obvio, por exemplo, que não faz sentido falar em validade de um teste se primeiro não for garantido que o mesmo é adequadamente reprodutível(10). É importante sublinhar que para qualquer teste diagnóstico, e ao contrário do que é habitual fazer-se, é recomendada a prévia confirmação da sua reprodutibilidade, antes mesmo de olhar à sua validade. (b) A validade (accuracy ou validity) do teste diagnóstico, que será abaixo definida e abordada em detalhe ao longo deste artigo. (c) A caracterização da aceitabilidade, riscos e custos associados ao teste diagnóstico. (d) A caracterização dos efeitos da utilização do teste diagnóstico nas decisões e variáveis de resultado clínico relevantes e a sua custo-efectividade. 118 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics Sendo várias as suas características ou propriedades relevantes, é muito comum, no entanto, colocar uma ênfase especial na validade dos testes diagnósticos, entre outras razões, porque é nesta propriedade que assenta a aplicação dos resultados do teste no processo de tomada de decisão clínica, tal como ao longo deste artigo iremos demonstrar. A validade de um teste diagnóstico pode ser definida como a sua capacidade de medir ou classificar aquilo que realmente pretende medir ou classificar. Assim, a validade mede a capacidade do teste classificar adequadamente o indivíduo como não doente quando este é não doente e doente quando este é doente. Este estudo é feito através da comparação do resultado do teste em avaliação com aquilo que é considerado, num determinado momento no tempo, como sendo o resultado mais próximo da verdade, ou seja, o resultado de um teste diagnóstico padrão de referência (gold standard), aceite consensualmente para a situação em apreço. Tal como acontece noutras áreas da investigação clínica, quando pretendemos estudar a validade ou utilidade diagnóstica de um determinado teste diagnóstico existem várias fases ou questões de complexidade crescente que podem ser colocadas e cujas respostas exigem o adequado desenho de estudos com características, dificuldades e viéses específicos(11-13). Neste contexto Sackett e Haynes definem quatro fases com questões distintas no âmbito do estudo da validade ou utilidade diagnóstica de um teste(11): Fase 1 Tenta responder à questão “será que os resultados do teste em indivíduos com a entidade nosológica em consideração (doentes) são diferentes dos resultados do teste em pessoas normais/ saudáveis?”. Fase 2 Tenta responder à questão “será que os indivíduos com determinados resultados do teste têm maior probabilidade de ter a doença do que indivíduos com outros resultados diferentes?”. Fase 3 Tenta responder à questão “será que os resultados do teste diagnóstico em avaliação conseguem discriminar adequadamente entre indivíduos com e sem a doença, no âmbito da população de indivíduos em quem faria sentido suspeitar da presença da mesma no contexto real da prática clínica onde o teste será potencialmente utilizado?”. Fase 4 Tenta responder à questão “será que os indivíduos submetidos ao teste diagnóstico em avaliação acabam por atingir os resultados clínicos pretendidos (probabilidade e tempo de sobrevivência, capacidade funcional, qualidade de vida, etc.) de forma mais eficaz?”. A discussão que se segue refere-se essencialmente aos estudos de fase 3, que são os mais habitualmente encontrados na literatura desta área. O interno que atendeu a Maria no SU já encontrou o estudo sobre a validade da procalcitonina sérica na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica que procurava. Assim, o desafio seguinte será o de definir e aplicar um conjunto de critérios que lhe permitam avaliar este artigo relativamente a três aspectos fundamentais (Tabela 1): (A) a qualidade metodológica do estudo; (B) a importância dos seus resultados e (C) a aplicabilidade prática dos mesmos. No presente artigo será desenvolvida a discussão dos aspectos relacionados com a avaliação da qualidade metodológica do estudo e no número seguinte desta série discutir-se-ão as questões relativas à avaliação quantitativa e qualitativa da importância dos resultados e a sua aplicabilidade na prática clínica. (A) AVALIAÇÃO DA QUALIDADE METODOLÓGICA DO ESTUDO O estudo da validade de um teste diagnóstico faz-se, habitualmente, através da comparação concorrente e independente do seu resultado com o resultado de um teste padrão (gold standard), assumido para determinada situação clínica e num determinado momento no tempo. Desta forma, o tipo de estudos geralmente encontrados, e mais apropriados neste âmbito, são estudos observacionais, tipicamente transversais (pros- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Tabela 1: Critérios de avaliação de estudos sobre a validade de testes diagnósticos relativamente à: (A) qualidade metodológica, (B) importância dos resultados e (C) aplicabilidade prática dos resultados. (A) Avaliação da qualidade metodológica do estudo: 1. O espectro de doença nos participantes do estudo é representativo do da população que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no contexto clínico real de utilização do mesmo 2. Os critérios de selecção dos participantes, o contexto, o local e o período em que o estudo foi realizado são claramente descritos? 3. Os métodos de amostragem dos participantes são claramente descritos? Foi usado um método de amostragem consecutiva seguindo os critérios de selecção estabelecidos? 4. O estudo e a recolha dos dados foram planeados antes da aplicação do teste em avaliação e do teste padrão (estudo prospectivo) ou depois da realização destes (estudo retrospectivo)? 5. O teste padrão de referência (gold standard) utilizado é adequado à situação clínica e consegue discriminar adequadamente entre os indivíduos com e sem a entidade nosológica em consideração? 6. O espaço temporal entre a aplicação do teste padrão e do teste diagnóstico em avaliação foi suficientemente curto de modo a poder assumir-se que não existiram alterações relevantes do estado do indivíduo entre estes dois momentos? 7. Todos os participantes, ou uma amostra aleatória dos participantes, foram submetidos ao teste padrão de referência? 8. Todos os participantes receberam o mesmo teste padrão de referência independentemente do resultado do teste diagnóstico em avaliação? 9. O teste padrão de referência é independente do teste diagnóstico em avaliação (i.e. o teste em avaliação não é parte integrante do teste padrão de referência)? 10. A aplicação e execução do teste padrão de referência e do teste em avaliação são descritas em suficiente detalhe que permita a sua replicação? 11. O resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste padrão (ocultação)? O resultado do teste padrão foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste em avaliação (ocultação)? 12. Quando o resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado, a informação clínica disponível era semelhante àquela que está habitualmente disponível no contexto clínico real de utilização do mesmo? 13. Os resultados dos testes classificados como ambíguos, intermédios, não interpretáveis ou omissos são descritos e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados? 14. Os participantes que abandonaram o estudo ou que tiveram um seguimento incompleto são descritos, as razões de perda ou abandono descritas e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados? (B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados 15. São apresentadas medidas adequadas à quantificação da validade do teste diagnóstico em avaliação? O teste diagnóstico em avaliação demonstra uma importante capacidade de discriminação? 16. É apresentada a precisão das estimativas das medidas de validade do teste diagnóstico em avaliação? (C) Avaliação da aplicabilidade prática dos resultados 17. Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas características específicas? Serão os resultados do estudo generalizáveis para o meu contexto específico? 18. O teste diagnóstico em avaliação está disponível e é aplicável, válido e reprodutível no contexto onde me insiro? 19. Estará o doente disposto a ser submetido ao teste diagnóstico? Existem riscos ou eventos adversos eventualmente associados à sua aplicação? 20. Será possível encontrar estimativas clinicamente relevantes das probabilidades préteste, de forma a optimizar a utilização da informação diagnóstica proveniente do teste? 21. Serão os resultados do teste diagnóstico úteis para a resolução do problema do meu doente? 22. Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos objectivos ou resultados clínicos esperados e poderá a realização do teste diagnóstico contribuir para a concretização dos mesmos? pectivos ou retrospectivos), com aplicação concorrente e independente do teste em avaliação e do teste padrão numa amostra apropriada de indivíduos da população em estudo. Neste contexto, e tendo em atenção as várias fontes de erros sistemáticos e aleatórios que podem surgir neste tipo de estudos(12,13), definem-se habitualmente os seguintes critérios (Tabela 1) para avaliação da qualidade metodológica de estudos sobre a validade de testes diagnósticos(4,12-18): 1) O espectro de doença nos participantes do estudo é representativo do da população que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no contexto clínico real de utilização do mesmo? Diferenças sócio-demográficas e clínicas entre populações podem levar a que as estimativas de validade de um determinado teste diagnóstico variem bastante. Este fenómeno deve-se mais à natural heterogeneidade destas medidas e à impossibilidade de generalização dos resultados do estudo do que à existência de reais erros sistemáticos ou viéses. As estimativas da validade dos testes diagnósticos poderão ter utilidade clínica muito limitada se o espectro de doença nos participantes seleccionados para o estudo não é representativo daquele encontrado na população que irá, potencialmente, ser submetida ao teste no contexto clínico real de utilização do mesmo. O termo espectro de doença refere-se não só à gravidade e evolução da entidade nosológica em consideração, mas também às características sócio-demográficas dos indivíduos e à presença e frequência de outros diagnósticos diferenciais e/ou comorbilidades. Os estudos mais úteis são aqueles que incluem participantes que reflectem adequadamente a diversidade encontrada no contexto prático real. Estudos que comparam indivíduos nos extremos do espectro da doença (ex: comparações de indivíduos definitivamente doentes com indivíduos saudáveis) tendem a sobrestimar a validade e utilidade dos testes diagnósticos (11,19,20) . É fundamental que o estudo inclua um espectro adequado de participantes e que os critérios e métodos de selecção pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 119 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 dos mesmos sejam descritos de forma adequada e completa. No estudo de Don et al.(9), cuja análise crítica agora iniciamos, verifica-se que os autores descrevem na subsecção “Study subjects” da secção de métodos que recrutaram consecutivamente 125 crianças previamente saudáveis e com suspeita clínica de pneumonia, no contexto de um serviço de urgência hospitalar numa cidade italiana. Os autores excluíram 25 das crianças por não terem amostras sanguíneas (n=17) ou exames radiográficos não compatíveis com pneumonia (n=8). As 100 crianças finalmente incluídas no estudo tinham uma mediana de idades de 3,7 anos, 19% tinham < 24 meses, 38% tinham ≥ 5 anos e 49% eram do sexo masculino. Destes 100 doentes com pneumonia confirmada, 74 foram tratados em ambulatório e 26 necessitaram de internamento hospitalar; 18 tinham pneumonia de etiologia pneumocócica, 25 bacteriana atípica (Mycoplasma + Clamídia), 23 vírica e 34 eram de etiologia indeterminada. A descrição feita pelos autores sugere que a amostra estudada seja adequadamente representativa da população de doentes a quem se aplicaria o teste da procalcitonina na prática clínica em contexto real para a discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica. 2) Os critérios de selecção dos participantes, o contexto, o local e o período em que o estudo foi realizado são claramente descritos? Os testes diagnósticos podem ter propriedades distintas em função do espectro de doença, características sócio-demográficas, presença e frequência de diagnósticos diferenciais e/ou comorbilidades, contexto de aplicação do teste (cuidados primários de saúde versus cuidados secundários ou terciários) ou objectivo da sua aplicação (rastreio versus confirmação diagnóstica). Por isto, e em íntima ligação com o descrito no ponto anterior, os estudos sobre validade de testes diagnósticos deverão conter uma descrição adequada e completa dos critérios de selecção (inclusão e exclusão) dos participantes, do contexto e local nos quais o estudo foi realizado e do período temporal de recrutamento considera- 120 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics do. Esta informação é fundamental para poder fazer-se um adequado julgamento sobre o espectro de participantes estudados e sobre a generalização possível dos resultados do estudo.(14,19,20) No estudo de Don et al.(9), na secção de métodos, tal como mencionado no ponto anterior, são referidos adequadamente os critérios de selecção dos participantes(21), o contexto, o local e o período em que o estudo foi realizado. É, assim, possível confirmar a adequação e representatividade da amostra de crianças analisada. Os critérios de inclusão e exclusão utilizados sugerem que os resultados do estudo, se válidos, possam ser generalizáveis para crianças sem patologias crónicas com suspeita de pneumonia vistas em serviços de urgência de qualquer país europeu, nomeadamente, generalizáveis para o nosso contexto português. 3) Os métodos de recrutamento/ amostragem dos participantes são claramente descritos? Foi usado um método de amostragem consecutiva seguindo os critérios de selecção estabelecidos? Um outro elemento fundamental neste tipo de estudos é o método de recrutamento dos participantes. Existem vários possíveis métodos de recrutamento neste tipo de estudos(19). Um dos métodos mais típico e adequado é o recrutamento consecutivo de indivíduos apresentando sinais e/ou sintomas sugestivos ou compatíveis com a entidade nosológica em consideração ou referenciados por outros profissionais de saúde com esta suspeita. Outros métodos de recrutamento possíveis, eventualmente menos apropriados, incluem(11,19): (a) recrutamento de indivíduos após aplicação do teste de referência e com aplicação subsequente do teste padrão; (b) recrutamento após aplicação do teste padrão de referência e confirmação da presença ou ausência da doença, com aplicação subsequente do teste em avaliação; (c) recrutamento de indivíduos com confirmação prévia da presença da doença (casos) e recrutamento independente de indivíduos sem doença (controlos), na forma de estudos de casos e controlos; (d) estudos retrospectivos baseados em registos hospitalares e com identificação de indivíduos a quem foi aplicado o teste em avaliação, o teste padrão ou ambos. Quanto ao processo de amostragem, os métodos mais apropriados são a amostragem consecutiva, sistemática ou aleatória. Obviamente, estas diferentes opções de recrutamento/amostragem de participantes terão implicações directas nas características dos mesmos, no espectro de doença e na frequência de diagnósticos alternativos e comorbilidades. Assim, uma descrição clara do desenho do estudo e métodos de recrutamento e amostragem é fundamental na avaliação crítica deste tipo de estudos. No estudo de Don et al.(9), na secção de métodos, tal como mencionado no ponto anterior, são descritos adequadamente e de uma forma completa o desenho do estudo e os métodos de amostragem e recrutamento dos participantes(21). Foi feito o recrutamento de uma amostra consecutiva de 100 crianças com suspeita de pneumonia seguindo os critérios de selecção previamente definidos. 4) O estudo e a recolha dos dados foram planeados antes da aplicação do teste em avaliação e do teste padrão (estudo prospectivo) ou depois da realização destes (estudo retrospectivo)? O planeamento do estudo e da recolha de dados previamente à realização dos testes envolvidos (estudos prospectivos) permite um controlo mais adequado dos dados e a obtenção de dados mais completos e apropriados, garantindo uma qualidade muito superior dos mesmos e do estudo em geral (menor quantidade de variáveis em falta e de dados omissos ou ininterpretáveis).(14) Os estudos planeados após a realização dos testes em avaliação e dos testes padrão de referência (estudos retrospectivos), geralmente dependem da consulta e recolha de informação a partir de registos clínicos e/ou administrativos, e por esta razão estão geralmente associados a dados de menor qualidade, menos completos, eventual enviesamento na selecção e recrutamento dos participantes e eventual violação do princípio da independência entre os resultados dos testes comparados.(13,14,20) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 No estudo de Don et al.(9), a descrição dos métodos utilizados torna claro que o estudo foi planeado previamente, sendo um estudo transversal e prospectivo com medição concorrente do teste em avaliação (procalcitonina) e do teste padrão de referência (diagnóstico clínico, radiológico e confirmação serológica da etiologia da pneumonia), utilizando um protocolo previamente definido. 5) O teste padrão de referência (gold standard) utilizado é adequado à situação clínica e consegue discriminar adequadamente entre os indivíduos com e sem a entidade nosológica em consideração? Um teste padrão de referência (gold standard) é genericamente definido como o teste ou conjunto de testes que, num determinado momento no tempo, é aceite consensualmente como sendo o que melhor consegue reflectir o verdadeiro estado de doença ou não doença do indivíduo, no contexto em consideração. É a partir da comparação entre os resultados deste e do teste em avaliação que podemos estimar as suas medidas de validade. As metodologias habituais para a estimação da validade de um teste diagnóstico assumem implicitamente que o teste padrão de referência tem uma validade perfeita (100% de sensibilidade e de especificidade) e que, portanto, quaisquer discrepâncias entre este e o teste em avaliação são fruto das deficiências deste último. No entanto, dever-se-á ter em atenção que (1) em muitas circunstâncias não existem, de facto, testes padrão de referência; (2) muitas vezes existe discordância entre os especialistas quanto ao padrão mais adequado; (3) o padrão disponível pode não ter validade perfeita (e pode até, eventualmente, não ser melhor que o teste em avaliação) e (4) o teste padrão pode implicar riscos ou ser demasiado invasivo, sendo necessário substituí-lo por alternativas menos invasivas. Assim sendo, a escolha do padrão de referência é um aspecto de extrema importância e, por vezes, difícil. O julgamento sobre a adequação do teste padrão de referência é um aspecto fundamental na avaliação da qualidade deste tipo de estudos e exige conhecimentos e experiência específicos na área clínica em consideração.(13,14,18) No estudo de Don et al.(9) interessava dispor de um teste padrão de referência que, em doentes com sinais e sintomas compatíveis com pneumonia, distinguisse entre etiologias bacterianas e víricas. Os testes padrão utilizados pelos autores e descritos na subsecção de “Aetiological classification” dos métodos foram os testes serológicos para detecção de 5 tipos diferentes de bactérias e 9 tipos de vírus mais frequentes(21). Genericamente estes testes padrão de referência poderiam ser potencialmente adequados ao diagnóstico da etiologia da pneumonia, no entanto, deverá ser sublinhado que em 34 dos 100 participantes não foi possível, com a bateria utilizada, identificar especificamente o agente causador da pneumonia. Este facto torna difícil a interpretação dos resultados e pode condicionar potenciais viéses associados a sobre ou subestimação das medidas de validade do teste em avaliação. Apesar de serem explícita e adequadamente descritos, estes casos de etiologia desconhecida têm importantes implicações e pela sua magnitude (34%) limitam a utilidade dos resultados do estudo. 6) O espaço temporal entre a aplicação do teste padrão e do teste diagnóstico em avaliação foi suficientemente curto de modo a poder assumir-se que não existiram alterações relevantes do estado do indivíduo entre estes dois momentos? Idealmente a aplicação do teste em avaliação e do teste padrão deverão ser feitas concorrentemente. Quando não é possível obter simultaneamente os resultados de ambos os testes existe sempre um risco de má classificação, crescente com a magnitude do período temporal, devido à eventual alteração do estado do indivíduo ou a sua doença. Os períodos temporais que poderão de facto levar à existência deste tipo de viéses são variáveis em função do tipo de doença ou situação clínica.(13,14,18) No estudo de Don et al.(9), o protocolo de recolha de dados implicava a colheita de sangue periférico segundo rotina habitual na altura da admissão no serviço de urgência e este servia para a determinação quer do teste em avalia- ção (procalcitonina) quer da bateria de testes serológicos usados como padrão de referência. A realização dos testes propriamente ditos foi feita nos dias que se seguiram à colheita, não havendo um espaço temporal significativo entre a aplicação do teste e do padrão. 7) Todos os participantes, ou uma amostra aleatória dos participantes, foram submetidos ao teste padrão de referência? Idealmente todos os participantes deveriam ser submetidos ao teste em avaliação e ao teste padrão de referência. Na impossibilidade de serem todos submetidos a ambos os testes, uma alternativa aceitável é a de submeter ao teste padrão apenas uma amostra aleatória dos participantes, garantindo a representatividade e não enviesamento das estimativas de validade. Infelizmente, em muitas circunstâncias verifica-se que os testes padrão de referência só são aplicados numa amostra dos participantes que é seleccionada por conveniência ou na dependência do resultado do teste em avaliação. Estas opções levam a estimativas enviesadas da validade do teste e deverão ser evitadas, estando associadas ao chamado viés de verificação parcial (partial verification bias, work-up bias ou sequential ordering bias).(13,18) No estudo de Don et al.(9), todos os doentes foram submetidos ao teste padrão de referência, no entanto, é de salientar que em 34 dos 100 doentes não foi possível identificar o agente causador da patologia, levantando a hipótese destas etiologias desconhecidas poderem condicionar enviesamento na estimativa das medidas de validade do teste. 8) Todos os participantes receberam o mesmo teste padrão de referência independentemente do resultado do teste diagnóstico em avaliação? O chamado viés de verificação diferencial (differential verification bias) acontece quando para alguns dos participantes do estudo os resultados do teste em avaliação são verificados/comparados com os resultados de testes padrão de referência diferentes daqueles aplicados pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 121 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 nos restantes participantes. Isto é particularmente problemático se os testes padrão utilizados são diferentes quanto à definição ou capacidade de discriminação da entidade nosológica em consideração ou quando a aplicação dos diferentes padrões está associado ao resultado do próprio teste a avaliar (ex: utilização de um padrão mais invasivo e mais válido em doentes que tenham resultados positivos no teste em avaliação). Estas situações estão, naturalmente, associadas a enviesamento na determinação da validade do teste.(13,14,18) No estudo de Don et al.(9), todos os participantes receberam o mesmo conjunto de testes padrão seguindo um protocolo comum e independentemente do resultado do teste em avaliação. 9) O teste padrão de referência é independente do teste diagnóstico em avaliação (i.e. o teste em avaliação não é parte integrante do teste padrão de referência)? Quando o próprio teste em avaliação é utilizado para estabelecer o diagnóstico final, ou seja, quando este faz parte integrante do padrão de referência utilizado, as medidas de validade obtidas serão, muito provavelmente, enviesadas (incorporation bias).(13,18) Este aspecto só é aplicável quando o teste padrão de referência é constituído por um conjunto de testes, em vez de um teste único, e o resultado do teste em avaliação, para além de ser conhecido, é incorporado de facto nesse conjunto. No estudo de Don et al.(9), que temos vindo a avaliar criticamente, quer os critérios de selecção quer o teste padrão de referência são independentes do teste em avaliação (procalcitonina). 10) A aplicação e execução do teste padrão de referência e do teste em avaliação são descritas em suficiente detalhe que permita a sua replicação? A forma de aplicação e execução do teste padrão de referência e do teste em avaliação deverão ser descritas de forma detalhada e completa ou dadas referências adequadas para o efeito. Este aspecto é importante para controlar a varia- 122 pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics bilidade que poderá surgir na sequência de protocolos distintos de aplicação dos testes e para garantir a possibilidade de replicação dos mesmos noutros contextos.(14,18) No estudo de Don et al.(9), nas subsecções de “Aetiological classification” e “Laboratory studies” da secção de métodos são descritos em detalhe e devidamente referenciados os protocolos de execução técnica dos testes padrão de referência e do teste em avaliação. 11) O resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste padrão (ocultação)? O resultado do teste padrão foi obtido e interpretado sem o conhecimento prévio do resultado do teste em avaliação (ocultação)? Os resultados do teste padrão e do teste em avaliação deverão ser obtidos e interpretados sem o conhecimento do resultado um do outro. A ocultação dos resultados dos testes é importante uma vez que o conhecimento prévio dos resultados poderá levar a estimativas enviesadas da validade do teste em avaliação (review bias). A importância deste aspecto poderá ser tanto maior quanto mais afectada de subjectividade estiver a obtenção e interpretação dos resultados dos testes.(13,14,18) No estudo de Don et al.(9), na secção de métodos é descrito o protocolo de execução dos testes padrão e do teste em avaliação, sendo possível verificar que as execuções dos mesmos foram feitas em laboratórios independentes e sem conhecimento prévio dos resultados uns dos outros. 12) Quando o resultado do teste em avaliação foi obtido e interpretado, a informação clínica disponível era semelhante àquela que está habitualmente disponível no contexto clínico real de utilização do mesmo? A obtenção e interpretação dos resultados de testes diagnósticos podem ser afectadas pela existência, nesse momento, de outra informação clínica relevante. Assim, e para que as estimativas das medidas de validade de um teste diagnóstico não sejam enviesadas, o ideal será que a informação disponível na altura da obtenção e interpretação do resultado do teste seja idêntica àquela que estará disponível no contexto clínico real de utilização do mesmo.(14,18) No estudo de Don et al.(9), o protocolo de selecção de participantes e de recolha de dados reproduz de forma bastante próxima aquilo que aconteceria a uma criança com suspeita de pneumonia que recorre a um serviço de urgência num contexto clínico real. Desta forma, é seguro assumir que a informação clínica disponível era semelhante àquela que está habitualmente disponível no contexto clínico real de utilização do teste. 13) Os resultados dos testes classificados como ambíguos, intermédios, não interpretáveis ou omissos são descritos e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados? Não raramente os testes diagnósticos têm resultados classificados como ambíguos, intermédios ou não interpretáveis. Muitas vezes os investigadores optam por ignorar na análise e não reportar estes resultados, sendo que isto pode levar ao enviesamento das estimativas de validade dos testes diagnósticos, especialmente se, por qualquer razão, estes resultados estão associados ao verdadeiro estado do indivíduo (doente ou não doente). Frequentemente, também, existem situações em que por uma ou outra razão os resultados dos testes não estão disponíveis (dados omissos). Da mesma forma, estas situações podem levar ao enviesamento das estimativas de validade, especialmente quando associadas ao verdadeiro estado do indivíduo. Idealmente, os investigadores deverão sempre reportar este tipo de situações e as eventuais razões pelas quais estas surgiram, de forma a que o leitor possa julgar o impacto real da sua existência nas estimativas de validade do teste.(13,14,18) No estudo de Don et al.(9) é particularmente relevante a existência de 34% de testes padrão de referência classificados como tendo “etiologia desconhecida”. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Os resultados destes testes padrão não interpretáveis são adequada e explicitamente descritos neste artigo, no entanto, podem condicionar potenciais viéses na estimação das medidas de validade. Relativamente ao teste em avaliação (procalcitonina), todos os 100 participantes finais do estudo tiveram a sua determinação realizada e devidamente reportada. Chama-se, no entanto, a atenção para a existência de 17 crianças das 125 inicialmente recrutadas para as quais não foi possível obter amostras de sangue que permitissem a realização dos testes. Esta situação é devidamente reportada no artigo e os indivíduos foram excluídos da análise. 14) Os participantes que abandonaram o estudo ou que tiveram um seguimento incompleto são descritos, as razões de perda ou abandono descritas e os métodos e procedimentos usados no seu tratamento explicados? O abandono do estudo ou a perda de seguimento, no caso de estudos prospectivos, são fenómenos importantes e por vezes de magnitude preocupante. Estes fenómenos podem enviesar de forma importante as estimativas de validade, especialmente quando a sua ocorrência não acontece de forma aleatória, mas antes associada ao verdadeiro estado de doente ou não doente dos participantes. Este enviesamento existe porque os indivíduos que abandonam ou são perdidos são tipicamente diferentes daqueles que permanecem no estudo. Razões frequentes para este tipo de ocorrências são os eventos adversos, a invasividade dos testes ou o estado de saúde (eventualmente diminuído) dos indivíduos, estando, por exemplo, estas razões associadas geralmente à presença de doença, e por isso ligadas a um eventual enviesamento das medidas de validade.(13,14,18) No estudo de Don et al.(9), não existe registo de quaisquer abandonos ou perdas de seguimento nos participantes do estudo, não constituindo este último ponto um problema para a qualidade metodológica do artigo em avaliação. (B) E (C) AVALIAÇÃO DA IMPORTÂNCIA E DA APLICABILIDADE PRÁTICA DA EVIDÊNCIA A avaliação da importância científica e prática dos resultados passa pela adequada interpretação e contextualização das medidas de validade do teste diagnóstico (sensibilidade, especificidade, valores preditivos, likelihood ratios, etc.) e subsequente verificação, em última análise, da real capacidade de discriminação do teste diagnóstico entre os indivíduos com e sem a entidade nosológica em consideração. A definição, cálculo e demonstração da interpretação e relevância destes conceitos serão discutidos no próximo número desta série. A última questão no processo de avaliação crítica da evidência será a questão da aplicabilidade prática da mesma. O objectivo do profissional de saúde será a eventual aplicação da evidência científica aos seus problemas clínicos e aos seus doentes, logo, a avaliação da aplicabilidade prática é uma questão fulcral neste contexto. Na segunda parte deste artigo, serão também exploradas as questões e critérios aplicáveis à avaliação da aplicabilidade prática dos resultados deste tipo de estudos. CONCLUSÃO O diagnóstico é um dos actos mais nobres da prática clínica. A utilização adequada dos testes diagnósticos depende do conhecimento das suas propriedades e características operacionais, em particular da sua validade, e do desenvolvimento de competências que permitam maximizar a utilização da informação que a partir deles é possível obter. Ao longo deste artigo foi possível verificar que a qualidade dos estudos sobre validade de testes diagnósticos está dependente do controlo de um vasto conjunto de fontes de erros sistemáticos e aleatórios que devem ser conhecidas, prevenidas e detectadas. A aplicação de uma conjunto de critérios básicos para a avaliação da qualidade metodológica destes estudos foi discutida e ilustrada através de um exemplo prático. Na segunda parte deste artigo, serão discutidos a aplicação prática das medidas de validade dos testes diagnósticos e os princípios quantitativos que permitem integrar a informação dada pelo resultado de um teste no processo de decisão diagnóstica. O estudo de Don et al.(9) sobre a validade da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia bacteriana e vírica na criança foi apresentado e discutido ao longo deste artigo. Verificou-se que este artigo, apesar de globalmente adequado quanto à sua qualidade metodológica, tem dois problemas importantes: (1) a utilização de um teste padrão de referência que, sendo genericamente adequado, não consegue identificar a etiologia específica em 34% dos doentes, com o potencial de enviesamento associado e a consequente redução da amostra a analisar e (2) o estudo tem um tamanho de amostra limitado (agravado pelos resultados inconclusivos do padrão de referência), com consequentes estimativas de validade do teste diagnóstico de precisão muito limitada (erros aleatórios associados às pequenas amostras) e, para além disto, os autores não reportam explicitamente a precisão das suas estimativas, não dando oportunidade aos leitores de avaliar criticamente este aspecto. No próximo número desta série será discutido o desfecho do cenário clínico apresentado e, à luz da avaliação quantitativa e qualitativa da importância dos resultados do estudo e da aplicabilidade prática dos mesmos, dando continuidade à avaliação crítica do artigo de Don et al.(9), será discutida a relevância e adequação da utilização da procalcitonina na discriminação entre pneumonias de etiologia vírica e bacteriana na criança. CRITICAL APPRAISAL AND PRACTICAL IMPLEMENTATION OF DIAGNOSTIC TESTS ACCURACY STUDIES – PART I ABSTRACT This section of Evidence Based Paediatrics has been covering the conceptual, methodological and operational issues related to the practice of EBM in the field of Paediatrics. In the present article a practical example is developed allowing the application of concepts, methods and pediatria baseada na evidência evidence based paediatrics 123 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 competencies covered in previous articles and specifically devoted to the critical appraisal and practical implementation of diagnostic tests accuracy studies. A clinical scenario is presented and explored regarding the search and critical appraisal of scientific evidence about the accuracy of serum procalcitonin in the distinction of bacterial from viral pneumonia in children. Methods for searching the current best evidence are discussed and a systematic approach for the critical appraisal of diagnostic tests accuracy studies is suggested, including: (1) assessment of the methodological quality of the study; (2) assessment of the scientific and practical impact of its results and (3) assessment of their practical applicability. In the present article we will discuss the search and critical appraisal process covering only the assessment of the methodological quality of the study, in the next article of this section matters regarding the quantitative and qualitative assessment of the impact of results and their practical applicability will be covered. Keywords: Evidence based medicine, diagnosis, diagnostic tests, specificity, sensitivity, predictive values, likelihood ratios, ROC curves, procalcitonin, pneumonia, childhood. Nascer e Crescer 2010; 19/(2): 116-24 BIBLIOGRAFIA 1. Azevedo LF, Costa Pereira A: Pediatria Baseada na Evidência. Nascer e Crescer Revista do Hospital de Crianças Maria Pia 2007, vol 16:29-31. 2. Evidence-Based Medicine Working Group: Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. Evidence-Based Medicine Working Group. Jama 1992, 268:2420-2425. 3. 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Scand J Infect Dis 2005, 37:806-812. CORRESPONDÊNCIA [email protected]. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Caso Electroencefalográfico Rui Chorão1 Apresenta-se o caso de lactente do sexo feminino, com 9 meses de idade, enviada por neurologista do hospital da área por suspeita de crises epilépticas. Aos 8 meses de idade começou a apresentar episódios descritos como de versão cefálica para a direita, por vezes com revulsão ocular, e postura em flexão dos membros superiores e inferiores e mãos fechadas. Duravam segundos a minutos e repetiam-se ao longo do dia em diferentes situações. Parava se fosse interceptada e retomava depois. Não tinha cianose (antes, ficava ruborizada), sialorreia ou clonias. À observação mostrava muito bom contacto e ausência de sinais neurológicos focais. O desenvolvimento era adequado à idade. Foi pedido aos familiares vídeo dos episódios, que não foi possível obter. Quando reavaliada para a realização de electroencefalograma (EEG) com vídeo vinha medicada com valproato de sódio, instituído por pediatra, que atribuiu aos fenómenos natureza epiléptica. O vídeo-EEG mostrou um traçado normal (Figura 1), nomeadamente durante episódios, semelhante aos descritos. Nestes ficava ruborizada e apresentava movimentos de báscula da bacia, com os membros inferiores aduzidos e mãos fechadas (figura 2); se distraída, parava de imediato e interagia normalmente. Qual o seu diagnóstico? Figura 1 - Traçado de repouso vigil normal para a idade, com ritmo de base a 5-6 Hz, simétrico e reactivo e ausência de elementos gráficos anómalos. Figura 2 – Sequência do vídeo, com ar sonhador, mãos apertadas, movimentos de baloiço da anca e adução dos membros inferiores (última imagem). __________ 1 Unidade de Neurofisiologia Pediátrica, Hospital Maria Pia, Centro Hospitalar do Porto caso electroencefalográfico EEG case report 125 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 DIAGNÓSTICO Episódios de auto-gratificação DISCUSSÃO As situações de auto-gratificação ou auto-estimulação (ou masturbação infantil) são muitas vezes confundidas com quadros neurológicos (mais frequentemente crises epilépticas, mas também distonia ou discinésias paroxísticas) ou outros quadros médicos (dor abdominal)(1,2). Não é raro, como no caso que se apresenta, ser instituída medicação antiepiléptica(2,3). O facto de a auto-estimulação, nesta faixa etária, não envolver manipulação dos genitais pode dificultar o diagnóstico(1,3). Assim, estas crianças são muitas vezes submetidas a diversos exames complementares de diagnóstico mais ou menos inócuos, que poderiam ser dispensados. Nas poucas séries publicadas de crianças referenciadas a consultas de Neurologia Pediátrica, verificou-se que a síndrome de auto-gratificação se inicia quase sempre durante o primeiro ano de vida, sendo muito mais comum em lactentes do sexo feminino(1-4). Os episódios ocorrem em situações de tédio ou fadiga, ou, pelo contrário, de satisfação ou ansiedade, e geralmente na cadeira dos bebés. Estes apresentam-se com contracção dos membros superiores e inferiores, geralmente com os inferiores “em tesoura”, e fazem movimentos de balanceio da anca ou também do tronco e pescoço e têm um ar distante, “desligado”, com olhar fixo e por vezes pestanejo. Frequentemente ocorre rubor facial e diaforese; muitas vezes emitem sons(1-3). Ao contrário das crises epilépticas, cessam 126 caso electroencefalográfico EEG case report de imediato se se distrair a criança ou se esta iniciar outra actividade, o que confirma a ausência de alteração do estado de consciência e o seu carácter voluntário. Por vezes, no entanto, a criança pode mostrar-se aborrecida, mesmo irritada, ao ser interrompida(3). Apesar de fisiológico, este comportamento poderá ser mais frequente em crianças com pouco afecto ou ansiosas. Ainda alguns autores sugerem a necessidade de excluir irritação perineal e história de abuso sexual(2). A observação directa dos episódios, geralmente através de um vídeo caseiro, pode ser diagnóstico(2,4). O EEG, sobretudo se acompanhado de registo dos episódios em vídeo, sendo normal, é útil e pode ser mais tranquilizador. É necessário explicar-lhes que se trata de um comportamento normal, transitório e sem qualquer risco(2). Por outro lado, deve explicar-se que não devem reprimir a criança e que poderão interromper este comportamento simplesmente brincando com ela. Palavras-chave: Auto-gratificação, vídeo, lactentes EEG CASE REPORT ABSTRACT Auto-gratification disorder is often misdiagnosed as other paroxysmal events, namely epileptic seizures. It typically occurs in female infants and begins during the first year of life. The episodes are stereotyped and some clinical issues can strongly suggest the diagnosis. Home video may lead to the diagnosis and avoid unnecessary investigations. An illustrative case of a 9 month-old baby female is presented. The events had been initially diagnosed as epileptic fits. Video-EEG disclosed a normal tracing, even during the typical “attack”: posture with contraction of the limbs, rubbing hands, hip flexion and knee extension with scissoring of the lower limbs, facial flush and perspiration; it was stopped by distracting her. Keywords: Auto-gratification, video, infant Nascer e Crescer 2010; 19(2): 125-6 BIBLIOGRAFIA 1. Nechay A, Ross LM, Stephenson JBP, O’Regan M. Gratification disorder (“infantile masturbation”): a review. Arch Dis Child 2002;89:225-6. 2. Yang ML, Fullwood E, Goldstein J, Mink JW. Masturbation in infancy and early childhood presenting as a movement disorder: 12 cases and a review of the literature. Pediatrics 2005;116:1427-32. 3. Omran MS, Ghofrani M, Juibary AG. Infantile masturbation and paroxysmal disorders. Indian J Pediatr 2008;75:183-5. 4. Casteels K, Wouters C, Van Geet C, Devlieger H. Video reveals self-stimulation in infancy. Acta Pædiatr 2004;93:844-6. AGRADECIMENTO Adriana Ribeiro, Técnica Superior de Neurofisiologia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Caso Endoscópico Fernando Pereira1 Uma criança de 6 anos, sexo masculino, raça caucasiana, filha de pais não consanguíneos foi enviada à consulta externa de Gastroenterologia Pediátrica pelo seu médico especialista de Otorrinolaringologia, por apresentar tosse crónica nocturna de longa data. Tratava-se de criança com rinite e asma brônquica conhecidas desde os primeiros anos de vida e controlada com tratamento médico (Fluticasona, Montelucaste, Cetirizina e Brometo de Ipatrópio SOS) alérgico aos ácaros e pó da casa, sem história de regurgitação ou vómitos frequentes, disfagia, odinofagia ou em- Figura 1 pactamento alimentar e com normal desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor. Observado por ORL por apresentar “ronqueira” nocturna e obstrução nasal frequente, foi-lhe diagnosticada hipertrofia das adenóides vindo a ser operado. A tosse persistiu após a cirurgia pelo que foi solicitada a nossa colaboração. O exame objectivo da criança era normal, pesava 31kg e media 122cm e o estudo analítico de rotina era também normal sendo positivos os testes cutâneos para ácaros e pó da casa. Decidimos efectuar uma pHmetria de 24h que não evidenciou a presença de refluxo patológico e uma endoscopia digestiva alta que permitiu observar ao nível do esófago os aspectos que mostramos nas figuras 1 e 2. Qual lhe parece ser a situação responsável pelo aspecto endoscópico: 1 – Infecção por Cândida Albicans 2 – Presença de restos alimentares 3 – Esofagite com abcessos eosinofílicos 4 – Variante do normal Figura 2 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto caso endoscópico endoscopic case 127 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 COMENTÁRIOS As imagens que mostramos são do esófago médio (Figura 1 ) e do esófago distal (Figura 2). Em ambas se verifica a existência de áreas de congestão da mucosa, com estriação longitudinal mais evidente na figura 2 e áreas de mucosa, recobertas de exsudado branco, que parece assumir também uma distribuição longitudinal seguindo as linhas de estriação. Foram efectuadas biópsias a diversos níveis do esófago que revelaram permeação intra-epitelial da mucosa esofágica por abundantes eosinófilos (mais de 100 por campo de ampliação). As biópsias do estômago evidenciaram discretas lesões de gastrite crónica superficial sem participação de eosinófilos e sem H pylori. Não foram observadas estruturas sugestivas de fungos. Mediante este resultado histológico está excluída a possibilidade de infecção por Cândida Albicans, naturalmente também a hipótese de restos alimentares que não apresentam aque- 128 caso endoscópico endoscopic case le aspecto endoscópico e seguramente que não se poderia tratar de variante do normal. Este quadro clínico, com pHmetria de 24h normal e com o intenso infiltrado eosinofílico observado é compatível com o diagnóstico de esofagite eosinofílica. O doente efectuou tratamento com fluticasona deglutida verificando-se acentuada melhoria do seu quadro. Foi enviado à consulta de Alergologia para estudo de alergia alimentar. Conclusão: esofagite eosinofílica em doente com asma brônquica. ABSTRACT A six year-old boy presented with chronic nocturnal cough. History of bronchial asthma controlled with medical treatment, alergy to house dust and acarus. Upper endoscopy and biopsy confirmed criteria for eosinophilic esophagitis. There was a good response to swallowed fluticasone. Keywords: Nocturnal Chronic cough, bronchial asthma, eosinophlic esophagitis. Nascer e Crescer 2010; 19(2): 127-8 BIBLIOGRAFIA 1. Liocouras C.A., Spergel JM, Ruchelli E, Verma R, Mascarenhas M, Semeão E, Flick J, Kelly J, Withehorn T, Mamula P, Markowits J. Eosinophilic Esophagitis: a 100-Year Experience in 381 Children. Clinical Gastroenterology and Hepatology 2005; 3: 1198-206. 2. Sant’Anna AMGA, Rolland S, Fournet JC, Yazbeck S and Drouin E. Eosiniphilic Esophagitis in Children: symptoms, Histology and pHprobe resultss. JPGN 2004;39:373-7. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 11 anos de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia devido a neoformação a nível do dorso da língua, de crescimento lento, indolor, sem hemorragia espontânea, ocorrendo esta por traumatismo ocasional nos dentes ou com os alimentos. Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal. Ao nível oral apresenta boa higiene oral, não sendo visíveis cáries dentárias. Apresenta tumefacção no dorso da língua à esquerda, de contornos bem definidos, de consistência mole, revestida por mucosa normal e de cor amarelada (Figura 1). Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto caso estomatológico oral pathology case 129 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 No caso exposto o diagnóstico a colocar é o de Papiloma da língua. As lesões vegetantes da cavidade oral englobam o papiloma, a verruga vulgar e o carcinoma verrugoso. São caracterizadas por apresentarem um crescimento exofitico, lento e podem surgir em qualquer área da mucosa oral, independentemente desta ser ou não queratinizada. O papiloma é a lesão tumoral benigna mais frequente, não apresentando predisposição por género e os locais de aparecimento mais frequente são a língua e o palato. Histopatologicamente, esta lesão tem um crescimento exofitico pedunculado, com núcleos de tecido conjuntivo fibroso revestidos por projecções epiteliais papilares. O epitélio apresenta paraqueratose e hiperqueratose. A papilomatose e a acantose também se observam e sugerem possível infecção por vírus do papiloma (HPV), embora só algumas destas lesões apresentem antigénios do vírus. Os HPV são vírus 130 caso estomatológico oral pathology case que podem induzir lesões hiperplásicas, papilomatosas e verrugosas no epitélio escamoso estratificado da pele e das mucosas. Outra lesão verrugosa benigna muito frequente na pele e raramente na boca é a verruga vulgar, estando esta directamente relacionada ao HPV. A infecção ocorre por auto-inoculação ou por contágio directo sendo os lábios a região mais afectada. A verruga e o papiloma podem ser indistinguíveis do ponto de vista clínico e apresentam muitas semelhanças histológicas. O carcinoma verrugoso é uma neoplasia maligna da cavidade oral que surge pela 5ª década de vida e tem como factores de risco o consumo de tabaco e a infecção por HPV, apresentando também crescimento exofitico. Neste caso foi realizada biópsia excisional da lesão com margem de segurança e realizada a sutura com fio reabsorvível. O pós-operatório decorreu sem intercorrências. O estudo histológico revelou que a exérese da lesão tinha sido completa e que se tratava de um papiloma escamoso. ABSTRACT An 11 year-old boy was referred to our department due to a slow growing and painless neoformation of the dorsum of the tongue. Excisional biopsy was performed, and the histology revealed a squamous papiloma. Keywords: papiloma, warty carcinoma, HPV Nascer e Crescer 2010; 19(2): 129-30 BIBLIOGRAFIA Regezi JA, Sciubba JJ. Tumores odontogênicos. In: Patologia bucal: correlação clínica patológica. 3ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. 292-308. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Caso Radiológico Filipe Macedo1 Lactente com 2 meses de idade, com suspeita de torcicolo congénito por apresentar desde o nascimento inclinação lateral da cabeça. Ecografia cervical sem alterações dos músculos esternocleidomastoideus. Sem melhorias com a fisioterapia. Faz radiografia da coluna cervical e dorsal. Qual o seu diagnóstico? Figura 1 – radiografia de face da coluna cervical e dorsal. __________ 1 SMIC - Porto caso radiológico radiological case 131 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 ACHADOS Observa-se inclinação lateral esquerda da cabeça e pescoço por escoliose de convexidade direita de curto raio, a nível dorsal alto. Existem anomalias da formação das 3 primeiras vértebras, com hemivértebra em D3 e aspecto de bifidez em D1 e D2. DIAGNÓSTICO Escoliose congénita por anomalias da formação vertebral. DISCUSSÃO A escoliose congénita é causada por erros embriológicos precoces na formação da coluna vertebral, de etiologia mal conhecida. Resulta em deformidades vertebrais, de formação (hemivértebra, vértebra em borboleta), de segmentação (vértebra em bloco) ou mistas. A idade de diagnóstico varia muito podendo fazer-se nos primeiros dias de vida ou só na vida adulta(1). Em alguns casos pode fazer-se o diagnóstico pré-natal por ecografia(2). É frequente a existência de outras alterações associadas, nomeadamente do foro genito-urinário ou cardiovascular. O tratamento depende da deformidade específica, podendo fazer-se apenas o acompanhamento radiográfico, colocar coletes ou ser necessário cirurgia. 132 caso radiológico radiological case IMAGIOLOGIA 1- Rx convencional É o primeiro exame. Faz o diagnóstico e o acompanhamento. Envolve radiação ionizante. 2- TC É o melhor método para caracterizar detalhadamente as anomalias ósseas, sobretudo com reconstruções 3D, sendo muito útil na avaliação pré-operatória(3). Envolve bastante radiação ionizante. tion in certain vertebras. The diagnosis of congenital scoliosis must be considered in cases of abnormal tilting of the head and neck. Keywords: congenital scoliosis, imaging 3- Ressonância magnética Para além de caracterizar a escoliose é o melhor método para avaliar anomalias neurológicas intra-espinais associadas(4). Sem radiação ionizante. 1. Shahcheraghi GH, Hobby MH. Patterns and progression in congenital scoliosis. J Pediatr Orthop 1999; 19: 766-75 2. Benacerraf BR, Green MF, Barss VA. Prenatal sonographic diagnosis of congenital hemivertebra. J Ultrasound Med 1986; 5: 257-9 3. Hedequist DJ, Emans JB. The correlation of preoperative three-dimensional computed tomography reconstructions with operative findings in congenital scoliosis. Spine 2003 Nov; vol 28: 2531-34 4. Belmont PJ Jr, Kurklo TR, Taylor KF, Freedman BA, Prahinski JR, Kruse RW. Intraspinal anomalies associated with isolated congenital hemivertebra: the role of routine magnetic resonance imaging. J Bone Joint Surg Am 200 Aug; 86-A(8): 1704-10 A possibilidade de uma escoliose congénita deve ser considerada na investigação da criança com desvios da cabeça e pescoço. ABSTRACT We present a case of a two month old infant with clinical suspicion of congenital torticollis because of lateral flexion of the head and neck since birth. There was no response to physiotherapy and the neck ultrasound was normal. An x-ray of the cervical and dorsal spine showed congenital scoliosis with failure of forma- Nascer e Crescer 2010; 19(2): 131-2 BIBLIOGRAFIA NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 Cuidados ConƟnuados ee Cuidados ConƟnuados PaliaƟvos PaliaƟvos Cursos CursosPré-Congresso Pré-Congresso Suporte Suportede deVida VidaPediátrico Pediátrico VenƟlação VenƟlaçãoNão NãoInvasiva Invasiva Doenças Infecciosas Doenças Infecciosas Curso CursoPós-Congresso Pós-Congresso Imagiologia ImagiologiaPediátrica Pediátrica Ginecologiaem emPediatria Pediatria Ginecologia Contracepçãoeegravidez gravidez Contracepção Grande Prematuridade Prematuridade Abusoeeviolência violênciasexual sexual Abuso Prematuridade Tardia Prematuridade Tardia Cirurgiade demínimo mínimoacesso acesso Cirurgia Apoio: BIAL BIAL Apoio: Inscriçõeseeenvio envio de de resumos resumos em em Inscrições hƩp://www.reuniao-cmin-hmp.co.cc hƩp://www.reuniao-cmin-hmp.co.cc DataLimite Limite--23 23de de Outubro Outubro de de 2010 2010 Data Organização Organização Departamento da Infância e da Adolescência Departamento da Infância e da Adolescência do Centro Hospitalar do Porto do Centro Hospitalar do Porto Colaboração Colaboração CH Alto Ave, CH Entre Douro e Vouga, CH Médio Ave, CH Alto Ave, CH Entre Douro e Vouga, CH Médio Ave, CH Nordeste, CH Póvoa de Varzim | V. Conde, CH Tâmega e CH Nordeste, CH Póvoa de Varzim | V. Conde, CH Tâmega e Sousa, CH Trás-os-Montes e Alto Douro, CH V. Nova de Gaia e Sousa, CH Trás-os-Montes e Alto Douro, CH V. Nova de Gaia e Espinho, Hospital de Braga | Escala Braga, Hospital de S. João, Espinho, Hospital de Braga | Escala Braga, Hospital de S. João, Hospital Santa Maria Maior (Barcelos), ULS Alto Minho, ULS Hospital Santa Maria Maior (Barcelos), ULS Alto Minho, ULS Matosinhos, ACeS Gondomar, ACeS Porto Ocidental Matosinhos, ACeS Gondomar, ACeS Porto Ocidental Secretariado Secretariado Rua da Boavista, 827 | 4050 Porto Rua da Boavista, 827 | 4050 Porto E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] Tel.: 925542332 | 226089900 - Ext 3188 Tel.: 925542332 | 226089900notícias - Ext 3188 133 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 A Grande Desilusão Ela sempre foi a menina alegre e brincalhona da rua. Orgulhava-se de conhecer toda a gente, e não perdia nenhum dos preparativos das festas da padroeira ou dos ensaios para as marchas de São Pedro. Tinha lá vivido dez anos até ser internada no grande hospital da cidade. Transferida com suspeita de trombose pulmonar, rapidamente generalizada. Foram semanas de prognóstico incerto, com muitas dúvidas colocadas na melhor abordagem, mas seis meses mais tarde, a mãe foi informada que o provável síndrome antifosfolipidico catastrófico estaria estabilizado, e poderia reiniciar as suas rotinas. Que histórias incríveis ela iria contar a todos, nem conseguia esperar. Mas, na aldeia uma história paralela corria….de uma pneumonia inicial, passou para um sangue contaminado que se foi estendendo pelo corpo e a teria paralisado, podendo a qualquer altura voltar. Na manhã seguinte entrou na camioneta que levava as crianças da aldeia à escola, e não ouviu as palmas ou as saudações de alegria que mil vezes imaginara, e muito menos conseguiu perceber porque é que todos colocavam a mochila a ocupar o assento do lado, não lhe dando lugar… A mãe, ao ver a sua tristeza, foi falar com o director de turma, que teve uma excelente ideia…E se ela começasse a ter aulas em casa? Margarida Guedes1 __________ 1 Serviço de Pediatria, Hospital de Santo António, CHPorto 134 pequenas histórias short stories NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os profissionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a [email protected] ou [email protected], como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modificações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conflito de interesses ou financiamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje. org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconografia, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliografia; 6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão confor- mes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih. gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página. Em destaque: Incluir duas a quatro frases curtas que sintetizem os resultados e conclusões, salientando a mensagem mais importante do trabalho. Estas deverão ser escritas em português e em inglês. Modificações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográficas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publi- normas de publicação instructions for authors 135 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 2 cação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to [email protected] or [email protected] and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modifications, - accepted with corrections or modifications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 136 normas de publicação instructions for authors 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements; 10- Highlights. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The first page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Key-words: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/ bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the first three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of figures or tables must not exceed eight for original articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specified numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conflicts of interest. All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of the manuscript. Highlights: They should include two to four short sentences that summarize the results and conclusions, highlighting the most important message of the work. These should be written in Portuguese and English. Modifications and revisions: If the paper is accepted subject to modifications, these must be submitted within fifteen days of notification. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff. Vol. 19, nº 2, Junho 2010 19| 2