ONCOLOGIA ATUAL_INCA - UROLOGIA-1
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ONCOLOGIA ATUAL_INCA - UROLOGIA-1
CAPÍTULO 6 Câncer de Próstata Ricardo de Almeida Jr. Antonio Augusto Ornellas Leandro Koifman Marcos Tobias-Machado ! EPIDEMIOLOGIA O câncer de próstata (CP) é a neoplasia mais comum em homens (excluindo o câncer de pele não melanoma) significando 25% de todos os tumores malignos diagnosticados no sexo masculino e correspondendo a mais de 217.000 casos novos nos Estados Unidos em 2010. Mais de 32.000 indivíduos morrerão em decorrência da doença.1 Estima-se que, atualmente, o risco de um norte-americano ser diagnosticado com CP é de um em seis indivíduos (15%), e o risco de óbito pela neoplasia é de um em 30 (3,3%).2 No Brasil, para 2010, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estimou 53.000 novos casos, com 8.000 mortes pela doença.3 Na Europa, a mortalidade é de 23 casos/1 milhão. No Brasil, oscila próximo a 17/100 mil. A mortalidade vem caindo nos EUA por vários motivos: disponibilização do exame do PSA, diagnósticos precoces, migração para estádios mais iniciais no diagnóstico, melhora do arsenal terapêutico, popularização da prostatectomia radical (PR) e da radioterapia (RT) e aumento da eficácia da quimioterapia em casos extremos. Indivíduos da raça negra apresentam maior risco de desenvolverem câncer de próstata, tumores mais agressivos e mais precoces.1,4 Embora a maioria dos casos de câncer de próstata seja esporádica, a presença de neoplasia familiar pode incorrer em doença mais agressiva e em maior risco de mortalidade. ! FATORES DE RISCO Os fatores que determinam o risco de desenvolvimento clínico do CP não são bem conhecidos, embora alguns tenham sido identificados. Existem três fatores de risco bem estabelecidos para CP: o aumento da idade, origem étnica e hereditariedade. Se um parente de primeiro grau tem CP, o risco é de, pelo menos, o dobro. Se dois ou mais parentes de primeiro grau são afetados, o risco aumenta de 5 a 11 vezes.5,6 Pacientes com CP hereditário geralmente têm um início da doença de 6 a 7 anos antes dos casos espontâneos.7 A frequência do câncer detectado em autópsias é quase o mesmo em diferentes partes do mundo.8 Este achado está em nítido contraste com a incidência de CP clínico, que difere muito entre diferentes áreas geográficas: alta nos EUA e no Norte da Europa, e baixa no sudeste da Ásia.9 No entanto, o risco de câncer de próstata aumenta se homens japoneses imigrarem para o Havaí, e mais ainda se imigrarem para a Califórnia com o risco, aproximando-se ao dos homens americanos.10 Esses achados indicam que os fatores exógenos afetam no risco de progressão da chamada doença latente para clínica. Fatores como o consumo de alimentos, padrão de comportamento sexual, consumo de álcool, exposição à radiação ultravioleta e exposição ocupacional têm sido discutidos como sendo de importância etiológica.11 Fatores dietéticos e nutricionais podem influenciar o desenvolvimento ou não da doença, incluindo a ingestão total de energia (refletido pelo índice de massa corporal), gordura, carne cozida, micronutrientes e vitaminas (carotenoides, retinoides, vitaminas C, D e E), frutas e hortaliças, minerais (cálcio, selênio) e fitoestrogénios (isoflavonoides, flavonoides, lignanas). Diversos grandes estudos randomizados em curso tentam esclarecer o papel de tais fatores de risco e potencial de sucesso na prevenção do câncer de próstata.12 Em resumo, os fatores hereditários são importantes na determinação do risco de desenvolvimento de CP clínica, enquanto os fatores exóge- nos podem ter um impacto importante sobre este risco. A questão-chave é se há evidências suficientes para recomendar mudanças no estilo de vida (menor ingestão de gordura animal e aumento da ingestão de frutas, cereais e legumes), a fim de diminuir o risco.13 Há alguma evidência para apoiar essa recomendação e esta informação pode ser dada a parentes de pacientes com CP que perguntam sobre o impacto da dieta. ! DIAGNÓSTICO Toque Retal A maioria dos tumores da próstata está localizada na zona periférica e pode ser detectada por meio do toque retal quando o volume tumoral é maior ou igual a 0,2 mL. Um toque retal suspeito é indicação absoluta para a biópsia. Em 18% dos pacientes o diagnóstico é feito somente com alteração ao toque.14 Além disso, o valor preditivo positivo de um toque retal suspeito varia conforme o valor do PSA sendo 5,14 e 30% em homens com PSA entre 0 a 2,5 e 2,6 a 4,0 ng/mL, respectivamente.15 Nódulo detectado por meio da US transretal (USTR) não deve ser considerado, isoladamente, como indicação de biópsia. Antígeno prostático específico – PSA As elevações nos níveis de PSA como variável independente são o melhor preditor de câncer quando comparamos o toque retal e a USTR.16 Até 45% dos diagnósticos são feitos somente pelas alterações no PSA.14 O PSA deve ser colhido, de preferência, com 4 horas de jejum, na ausência de infecção do trato urinário e evitando-se, na véspera, manipulações prostáticas. Catalona et al.16 demonstraram que dos indivíduos com PSA entre 2,5 e 4,0, 50% progrediram para PSA > 4,0 em 4 anos e um terço destes apresentaram elevação rápida do PSA e um tumor extenso. O valor exato para a realização de biópsia de próstata ainda não foi determinado, mas valores maiores que 2,5 ng/mL usualmente são empregados em indivíduos com menos de 60 anos.17 Algumas modificações na avaliação do PSA foram sugeridas com a intenção de melhorar a especificidade no diagnóstico precoce do CP: Relação PSA livre/total: foi usada para estratificar o risco de CP quando PSA está entre 4 e 10 ng/mL, mostrando que quanto menor esta relação, maior o risco de CP. 56% dos pacientes com relação < 0,10 e somente em 8% dos homens com relação > 0,258). Velocidade do PSA total: (variação anual do nível sérico do PSA total de preferência colhido com o mesmo kit > 0,75 ng/mL). Quando o PSA está entre 2,5 e 4,0 ng/mL, sua velocidade não deve exceder 0,4 ng/mL/ano.18 Densidade do PSA (PSAd): 0,15 sugere CaP (cálculo dividindo o PSA pelo volume prostático mensurado pela ultrassonografia transretal.19 Portanto, a decisão de realizar uma biópsia de próstata deve ser inicialmente avaliada com base nos resultados do toque retal e PSA, mas deve, também, levar em conta múltiplos fatores, como a relação PSA livre/total, idade, velocidade do PSA, densidade do PSA, história familiar, etnia, história de biópsia prévia e comorbidades.20 Biópsia prostática O câncer de próstata é diagnosticado em um quarto a um terço das biópsias. A biópsia guiada por US é o padrão ouro e, embora a via transretal seja 43 PARTE IX UROLOGIA utilizada na maioria das vezes, a via transperineal também pode ser utilizada. Os índices de detecção são comparáveis.21 Além disso, o acesso perineal é muito útil em situações especiais, como após uma amputação de reto. Um total de 12 fragmentos representativos de toda a glândula deve ser retirado, incluindo, sistematicamente, as faces posterolaterais, dividindo-se em três regiões (base, médio e ápice). As áreas suspeitas, quando estas são identificadas pelo toque ou USTR, também devem ser biopsiadas. Rebiópsia Embora a maioria dos tumores seja detectada na 1ª biópsia, em 70 a 80% dos pacientes a biópsia deixa dúvidas quando resulta negativa. Djavan et al.22 demonstraram que com PSA entre 4 e 10 ng/mL a positividade da 1ª para a 4ª biópsia vai decrescendo (22, 10, 5 e 4%), demonstrando que as 3ª e 4ª biópsias devem ser realizadas para casos selecionados decorrente de sua baixa positividade e maiores índices de complicações.23 Não há consenso quanto ao exato número de fragmentos na rebiópsia, entretanto, mais da metade dos diagnósticos foi feita em novos fragmentos, além das sextantes. A coleta de mais fragmentos (biópsia estendida ou de saturação), além de aumentar a chance de positividade, fornece melhores dados sobre a extensão extracapsular.22 O momento ideal de uma rebiópsia é incerto e depende do resultado histológico da primeira biópsia e do nível de suspeita de CaP. Recomenda-se, preferencialmente, realizar a nova biópsia após, pelo menos, 6 semanas da anterior. Não há maior índice de complicações quando seguidas tais recomendações.23 Ressonância Magnética (RM) Se persistir a suspeita clínica de CP mesmo com biópsias negativas, podemos utilizar da RM com espectroscopia para tentar identificar áreas suspeitas com sensibilidade de 86% e especificidade de 94% para identificar focos de câncer > 0,5 mL.24 Ressecção Transuretral da Próstata (RTU) O uso da RTU de próstata para diagnóstico deve ser considerado nos casos de biópsias repetidas negativas com persistência de elevação no PSA e/ou toque suspeito em pacientes com sintomas obstrutivos (suspeita de tumor na zona de transição), apesar de seu baixo índice de detecção de aproximadamente 8%.25 ! PATOLOGIA Neoplasia intraepitelial prostática (PIN) O patologista deve descrever a neoplasia intraepitelial de alto grau, que é a única lesão reconhecidamente pré-maligna da próstata. O número de fragmentos comprometidos pela lesão tem sido descrito por alguns autores como importante, pois se relaciona com diagnóstico de câncer em rebiópsias.26 Este diagnóstico é feito em 4 a 16% dos casos, e o diagnóstico de câncer em biópsia repetida tem sido descrito em 13 a 25%.27,28 Proliferação atípica de pequenos ácinos (ASAP) 44 Trata-se de lesão suspeita para o diagnóstico de câncer cujos critérios histológicos são insuficientes para conclusão definitiva. Existem diversos mimetizadores de câncer ou o tumor pode estar escassamente representado na biópsia. Nesses casos é obrigatória a realização do exame imuno-histoquímico, com o uso de marcadores das células basais. A glândula normal, não tumoral, tem uma camada de células secretoras e uma camada de células basais que expressam citoqueratina de alto peso molecular e proteína p63. A glândula tumoral não possui a camada basal, assim, não existe a marcação, o que auxilia enormemente o patologista na definição do diagnóstico. Em estudo recente foi demonstrado que após a imuno-histoquímica o diagnóstico é possível de ser concluído em mais de 70% das vezes, evitando uma rebiópsia.29 Todos os pacientes com diagnóstico de ASAP devem sofrer uma rebiópsia caso o patologista mantenha este diagnóstico mesmo após o exame complementar imuno-histoquímico. Neste caso, o achado de câncer na rebiópsia gira em torno de 40 a 50% e é feito, geralmente, na primeira rebiópsia.27,30 Câncer de próstata (CP) O fator prognóstico mais importante no CP é a graduação histológica de Gleason. Baseia-se em um escore onde são considerados os dois padrões predominantes que resultam uma soma. São cinco padrões nomeados de 1 a 5 que resultam em uma somatória de 2 a 10, sendo o 2 o mais bem diferenciado e o 10 o menos diferenciado e mais agressivo. O grau de Gleason é dado em números arábicos, e o resultado da soma está à frente dos números que compõem a equação entre parênteses. O primeiro número é o mais representado na lâmina e o segundo o padrão secundário. O último consenso da International Society of Urologic Pathology (ISUP) valoriza o grau mais grave na biópsia tentando evitar a subgraduação, uma ocorrência frequente. Assim, uma biópsia que tenha um padrão primário 3 com uma porção menor, porém significativa 4, deve ser considerado 7 (4 + 3). Da mesma forma, se houver um padrão 5, mesmo que pequeno, ele deve ser parte da soma como o padrão secundário.31,32 O grau de Gleason é informado mesmo em tumores muito pequenos. Quando o tumor está presente em apenas um fragmento de biópsia, o grau de Gleason deve ser dobrado. Alguns recomendam a avaliação do Gleason em cada fragmento individual, enquanto outros consideram um Gleason final após o exame de todos os fragmentos. Estudo recente mostra que essa segunda análise se correlaciona melhor com os achados da prostatectomia radical.33 Entretanto, tem-se discutido a terapia focal que trataria o tumor-índice, ou seja, aquele com maior grau de agressividade. Desse modo se houver um tumor bilateral com um componente bem diferenciado em um dos lobos da próstata, essa informação deve ser dada. Adenocarcinomas graus 2 a 4 são extremamente raros na biópsia de próstata e devem ser analisados com extrema precaução. A segunda informação importante é a quantificação do volume tumoral. Esta deve ser dada em número ou porcentagem de fragmentos positivos com relação ao total de fragmentos de biópsia. Deve ser informada a extensão daquele fragmento mais acometido por tumor e, por fim, a média aritmética da porcentagem total de tumor em todos os fragmentos analisados. Todas essas medidas se relacionam com o estadiamento e o comportamento do tumor. Alguns autores informam o volume tumoral em milímetros.34-36 A terceira informação é a presença ou ausência de invasão perineural. Este achado é encontrado por volta de 20% dos casos de câncer e se correlaciona com tumor não órgão-confinado e com recidiva bioquímica.37 ! ESTADIAMENTO A avaliação da extensão do câncer de próstata deve ser individualizada e normalmente se utiliza exame de toque retal, dosagem de antígeno prostático específico, padrão de Gleason, número de fragmentos positivos e porcentagem da amostra envolvida pelo câncer na biópsia. Cintilografia óssea complementada com tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) e radiografia do tórax estão indicadas em situações específicas nas quais seus resultados influenciarão, diretamente, na decisão do tratamento.38 Para pacientes com níveis de PSA < 20, escore de Gleason igual a 6 e estádio igual a T2a, o risco de metástases linfonodais e a distância é menor que 3%, não sendo necessária a solicitação de cintilografia óssea e de tomografia de abdome e pelve. Pacientes com níveis de PSA > 20 ng/mL ou escore de Gleason igual a 7 ou estádio igual a T2b ou com suspeita clínica de metástases devem fazer cintilografia óssea e TC de abdome e pelve. Os demais exames serão necessários se houver suspeita clínica. Esquemas de estratificação de risco com base nos níveis séricos de PSA, escore de Gleason, dados da biópsia e categoria clínica do tumor (TNM) classificam os tumores em: Baixo risco: PSA < 10 e Gleason < 7 e estágio clínico T1c ou T2a. Risco intermediário: PSA > 10 e < 20 ou Gleason 7 ou estágio clínico T2b. Alto risco: PSA > 20 ou Gleason > 7 ou estágio clínico T2c. Para fins didáticos, os tumores de próstata são divididos em: Localizado: restrito à próstata (T1 e T2). Localmente avançado: com invasão dos tecidos adjacentes (T3 e T4). Metastáticos: tumores avançados com metástase linfonodal (N+) ou a distância (M+). O método mais comumente utilizado para visualização da próstata é a USTR. No entanto, apenas 60% dos tumores são identificados dessa forma. A combinação de TR e USTR pode detectar CP T3a com mais precisão do que qualquer método isolado.45 USTR não é capaz de determinar a extensão do tumor com precisão suficiente para ser recomendada para uso rotineiro. Cerca de 60% dos tumores pT3 não serão detectados no pré-operatório por USTR.46 Ultrassonografia tridimensional (US-3D) é um método não invasivo que reproduz imagens do volume total de estruturas sólidas, com uma acurácia de 91%.47 Maior sensibilidade para a detecção do câncer tem sido obtida com a adição de Doppler colorido e contraste. A presença ou a ausência de vasos que atravessam a cápsula prostática pode determinar a extensão extracapsular, sendo considerado um sinal preditivo significativo (Fig. 1).48,49 A diferenciação entre os tumores T2 e T3 não deve ser baseada apenas em USTR, pois é amplamente operador-dependente,50,51 além de não se ter demonstrado, com este método, superioridade ao TR na predição de doença órgão-confinada.52,53 Invasão das vesículas seminais é fator preditivo de recidiva local e doença a distância e sua biópsia pode ser utilizada para aumentar a precisão do estadiamento pré-operatório.54 A biópsia é reservada para pacientes com um risco substancial de invasão das vesículas e para quando pode modificar a conduta.55,56 Pacientes com qualquer uma das biópsias da base prostática positiva para câncer são mais propensos a terem biópsia de vesícula seminal positiva.57 O escore de Gleason da biópsia, o nível sérico de PSA e o estádio clínico são preditores independentes de características patológicas adversas após a prostatectomia radical (PR). Dentre os parâmetros analisados na biópsia prostática, o percentual de tecido com câncer é preditor de margens cirúrgicas positivas, invasão de vesícula seminal e doença não órgão-confinada.58 Um aumento do número de fragmentos de biópsias positivas prevê, independentemente, extensão extracapsular, margem cirúrgica e invasão dos linfonodos.59,60 Pode ser útil correlacionar o escore de Gleason da biópsia com o estádio patológico final, pois cerca de 70% dos pacientes têm doença localizada quando o escore de Gleason da biópsia é 6. A TC e a RM não são suficientemente confiáveis na avaliação de invasão local do tumor.61-63 Quadro 1. Sistemas de estadiamento clínico para o câncer de próstata TNM 1997 e 1992 1997 1992 DESCRIÇÃO TX TX Tumor primário não avaliado T0 T0 Sem evidência de tumor T1 T1 Tumor não palpável – sem evidência por imagem T1a T1a Tumor encontrado em tecido removido por RTU; 5% ou menos é canceroso e grau histológico < 7 T1b T1b Tumor encontrado em tecido removido por RTU; > 5% é canceroso e grau histológico > 7 T1c T1c Tumor identificado por biópsia da próstata em razão de elevação do PSA T2 T2 Tumor palpável confinado à próstata T2a Tumor envolve menos da metade de um lobo T2a Tumor envolve um lobo ou menos T2b Tumor envolve mais que um lobo T2b Tumor envolve mais da metade de um lobo, mas não ambos os lobos None T2c Tumor envolve mais que um lobo T3 T3 Tumor palpável além da próstata T3a T3a Extensão extracapsular unilateral Ressonância magnética (RM) T3b T3b Extensão extracapsular bilateral T3c T3c Tumor invade vesícula(s) seminal(is) T4 T4 Tumor é fixo ou invade estruturas adjacentes (não as vesículas seminais) T4a T4a Tumor invade colo vesical, esfíncter externo e/ou reto T4b T4b Tumor invade músculo elevador e/ou é fixo à parede pélvica RM com coil endorretal pode permitir maior precisão no estadiamento local, complementando as variáveis clínicas por meio de caracterização da anatomia zonal da próstata e de alterações moleculares com espectroscopia.64,65 Quando comparada com o TR e achados da biópsia, a RM com coil, em casos selecionados, incrementa significativamente o estadiamento local do CP,66 em particular quando interpretados por radiologistas experientes na identificação pré-operatória de extensão extracapsular e invasão da vesícula seminal.67-69 Pode haver impacto sobre a decisão de preservar ou ressecar o feixe neurovascular no momento da cirurgia.70-72 Quando avaliada a capacidade de prever doença órgão-confinada, a contribuição da RM com coil endorretal para nomogramas de estadiamento foi significativa em todas as categorias de risco, sendo o maior benefício observado em pacientes de risco intermediário e alto.73 A combinação de RM com contraste dinâmico proporciona superioridade no estadiamento de CP em comparação com qualquer técnica independente.74 Ressonância magnética com espectroscopia permite a avaliação do metabolismo do tumor, mostrando as concentrações relativas de citrato, colina, creatinina e poliaminas (Fig. 2). Diferenças nas concentrações destes metabólitos permitem melhor localização do tumor na zona periférica, aumentando a precisão da detecção de extensão extracapsular, diminuindo a variabilidade interobservador.75 Além disso, foram demonstradas correlações entre o padrão de sinais metabólicos e Gleason patológico, sugerindo a possibilidade de avaliação não invasiva da agressividade do CP.76 São limitantes da RM a sinalização relacionada com a hemorragia pós-biópsia e alterações inflamatórias da próstata. N(+) N(+) Envolvimento dos linfonodos NX NX Linfonodos regionais não avaliados N0 N0 Ausência de metástases para linfonodos N1 N1 Metástases para um linfonodo regional, 2 cm de tamanho N2 N2 Metástases para um (> 2 mas 5 cm) ou múltiplas com nenhum > 5 cm N3 N3 Metástases para linfonodo regional > 5 cm de tamanho M(+) M(+) Disseminação metastática a distância MX MX Metástases a distância não avaliadas M0 M0 Sem evidência de metástases a distância M1 M1 Metástases a distância M1a M1a Envolvimento de linfonodos não regionais M1b M1b Envolvimento dos ossos M1c M1c Envolvimento de outros sítios a distância TNM, tumor, nodos, metástases; RTU, ressecção transuretral. CÂNCER DE PRÓSTATA Ultrassonografia transretal (USTR) O estadiamento tumoral pelo TNM é mostrado no Quadro 1. Na avaliação do estádio do tumor local, a distinção entre doença intracapsular (T1- T2) e extracapsular (T3-T4) tem o impacto mais profundo sobre as decisões de tratamento. O toque retal (TR) subestima a extensão do tumor. Uma correlação positiva entre TR e estádio patológico do tumor ocorre em torno de 50% dos casos.39 No entanto, exames mais detalhados (de imagem) são recomendados somente em casos selecionados, quando afetam diretamente a decisão de tratamento. Não há relação direta entre os níveis séricos de PSA e o estádio clínico e patológico do tumor.40-42 Uma combinação de níveis séricos de PSA, pontuação de Gleason na biópsia e TR tem provado ser mais útil na predição do estádio patológico final do que os parâmetros individuais isoladamente.43 A relação PSA livre/total pode predizer estádio patológico favorável em um subgrupo de pacientes onde TR é normal, e o PSA total está entre 4,1-10,0 ng/mL.44 CAPÍTULO 6 Estádio tumoral (T) 45 PARTE IX UROLOGIA FIGURA 1. (A-D) Ultrassonografia transretal da próstata com Doppler colorido mostrando a vascularização do tumor. COLINA FIGURA 2. Exemplo de espectroscopia da próstata. Área com altos níveis de colina + creatina e baixos níveis do citrato são compatíveis ao tumor. Em vermelho, o mapa da colina mostrando áreas com níveis elevados de colina. (Cortesia do Dr. Adilson Prando.) Estádio nodal (N) 46 Tem maior importância em casos em que tratamentos potencialmente curativos são planejados. Valores elevados de PSA, estádios T2b-T3, tumores indiferenciados e invasão tumoral perineural têm sido associados a maior risco de presença de metástases.42,77,78 Os nomogramas podem ser utilizados para definir um grupo de pacientes com baixo risco de metástases (< 10%).79 Nesses casos, os pacientes com PSA < 20 ng/mL, estádio T2a e Gleason 6 podem ser poupados de procedimentos para estadiamento nodal antes de tratamento potencialmente curativo.42 O padrão de Gleason 4 em biópsias tem sido utilizado para definir o risco de doença nodal. Se qualquer fragmento de biópsia apresenta predominância de padrão 4 de Gleason, ou mais de três fragmentos apresentam qualquer componente padrão 4 de Gleason, o risco de metástase nodal é de 20-45%. Para os demais pacientes, o risco é de 2,5%, reforçando a ideia de que estadiamento nodal é desnecessário em pacientes selecionados.80 TC e RM apresentam desempenho semelhante na detecção de metástases nos linfonodos pélvicos, embora TC pareça ligeiramente superior.81 O limiar em centímetros usado para decidir se um linfonodo é suspeito varia entre 0,5 e 2 cm. Um limite de 0,8 cm a 1 cm tem sido recomendado como o critério para o diagnóstico de metástases linfonodais.82 A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) pode fornecer uma resposta decisiva em casos de resultados de imagem suspeita. No entanto, o linfonodo pode ser difícil de acessar decorrente da posição anatômica. Além disso, a PAAF não é altamente sensível e uma taxa de falso-negativo de 40% tem sido relatada.82 Em pacientes assintomáticos recém-diagnosticados com CP e nível sérico de PSA < 20 ng/mL, a probabilidade de resultados positivos em TC e RM é de cerca de 1%.66 Em pacientes de maior risco, a especificidade de uma varredura positiva é elevada (93-96%), de maneira que podem ser poupados de linfadenectomia.83 O padrão ouro para o estadiamento nodal é a linfadenectomia, quer por técnica aberta ou laparoscópica. A fossa obturadora nem sempre é o principal local para depósitos metastáticos, e a dissecção limitada à fossa obturadora perde cerca de 50% de metástases linfonodais.84,85 Estádio metastático (M) O esqueleto axial está envolvido em 85% dos pacientes que morrem de CP.86 A presença e a extensão de metástases ósseas refletem, com precisão, o prognóstico individual do paciente. A extensão da doença óssea é a única variável que influencia os níveis séricos de fosfatase alcalina óssea e PSA. No entanto, em contraste com o PSA, a fosfatase alcalina óssea demonstrou uma correlação estatística com o grau de doença óssea.87 A detecção precoce de metástases ósseas alertará para possíveis complicações inerentes ao esqueleto. A cintilografia óssea continua sendo o método mais sensível para avaliar metástases ósseas, sendo superior à avaliação clínica, radiografia óssea, dosagem sérica de fosfatase alcalina e fosfatase prostática ácida.88-90 Um sistema de graduação semiquantitativo com base na extensão da doença óssea mostrou correlação com a sobrevida.91 Estudos têm mostrado que 18F-fluoreto/TC é uma modalidade de imagem altamente sensível e específica para detecção de metástases ósseas.92,93 No entanto, ainda não há resultados definitivos suficientes para que recomendações sejam feitas.94 RM de corpo inteiro e cintilografia óssea apresentam acurácia similar e podem ser usadas de maneira complementar.95 Além do osso, o CP pode disseminar-se para qualquer órgão; mais comumente afeta os gânglios linfáticos distantes, pulmão, fígado, cérebro e pele. A avaliação sistêmica por meio de radiografia de tórax, ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética está indicada apenas se os sintomas sugerem a possibilidade de metástase dos tecidos moles. A necessidade de marcadores sorológicos confiáveis para melhorar a avaliação antes do tratamento dos pacientes com CP tem sido reconhecida. Atualmente, o PSA é o marcador de escolha. Nível sérico de PSA su- ! TRATAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA LOCALIZADO Prostatectomia radical A primeira prostatectomia radical (PR) foi realizada no início do século XX por Young,104 utilizando uma abordagem perineal, enquanto Memmelaar e Millin foram os primeiros a executar PR retropúbicas.105 Em 1982, Walsh e Donker descreveram a anatomia do plexo venoso dorsal e os feixes neurovasculares. Isto resultou em uma redução significativa na perda de sangue, melhorando as taxas de continência e potência.106 Atualmente, o PR é o único tratamento para CP localizado que mostra benefício na sobrevida câncer-específica, em comparação com o tratamento conservador, como mostrado em um estudo prospectivo e randomizado.107 A cirurgia envolve a remoção de toda a próstata, entre a uretra e a bexiga, e ressecção de ambas as vesículas seminais, juntamente com o tecido circundante suficiente para se obter margem negativa. Muitas vezes este procedimento é acompanhado por uma dissecção dos nódulos linfáticos pélvicos bilaterais expondo o nervo obturador (Fig. 3A). Os tempos cirúrgicos principais da prostatectomia radical retropúbica pela via aberta são mostrados na Figura 3A-G. Em homens com CP localizado e uma expectativa de vida de 10 anos, a meta de uma PR por qualquer abordagem deve ser a erradicação da doença, preservando a continência e, sempre que possível, a potência.108 Em estudo comparativo, não randomizado, entre PR e radioterapia, em 1.682 pacientes, a sobrevida câncer-específica em 5 anos foi de 80 e CÂNCER DE PRÓSTATA 72% (p = 0,01), respectivamente. Entretanto, a sobrevida global foi equivalemte para os dois grupos. Não há limite de idade para PR e não deve ser negado este procedimento em razão da idade por si só.109 Em vez disso, o aumento das comorbidades aumenta consideravelmente o risco de morte por outras causas não relacionadas com o câncer.110,111 A estimativa da expectativa de vida é fundamental no aconselhamento de um paciente à cirurgia. A prostatectomia radical pode ser realizada por via retropúbica, perineal, laparoscópica ou assistida por robô. A experiência e a habilidade do cirurgião estão associadas a menores taxas de complicações e melhores resultados oncológicos. Mais do que a técnica em si, estes resultados são dependentes da experiência do cirurgião. A presença de margem cirúrgica positiva está associada a um aumento no risco de recidiva bioquímica e local da doença, com maior taxa de tratamento secundário. O PSA, o escore de Gleason e o estadiamento clínico pré-operatório são fatores de risco relacionados com a maior incidência de margem cirúrgica positiva. As taxas de continência após PR diferem muito de acordo com o critério utilizado em sua definição. A maioria das séries considera como continência a ausência do uso de pads após 12 meses da cirurgia. A idade dos pacientes e a experiência do cirurgião são os principais fatores determinantes da continência. Em estudo com 1.213 PRs realizadas em diferentes serviços, a taxa de continência foi de 89% em 2 anos.112 Com relação à função sexual, a definição de potência sexual pós-operatória é a capacidade de se manter um intercurso sexual satisfatório com ou sem uso de medicações inibidoras da fosfodiesterase-5. São fatores importantes para a recuperação da função erétil a potência prévia à cirurgia, a idade do paciente e a técnica cirúrgica empregada. A preservação bilateral dos feixes vasculonervosos depende de dissecção minuciosa, evitando-se tração excessiva e uso de energia térmica próxima aos nervos (Fig. 4). Revisão de literatura mostrou taxas de potência para prostatectomia retropúbica de cerca de 60% em 2 anos para pacientes sem disfunção erétil no pré-operatório.113 Esse resultado foi comparável com os das cirurgias minimamente invasivas. Apesar de se aceitar que a linfadenectomia proporciona informações prognósticas, ainda não foi atingido um consenso a respeito de quando está indicada. Pacientes com valor de PSA < 10 ng/dL e escore de Glea- CAPÍTULO 6 perior a 100 ng/mL pré-tratamento é o indicador isolado mais importante de doença metastática, com um valor preditivo positivo de 100%.96 Em contrapartida, pacientes com baixa concentração sérica de PSA raramente têm sido diagnosticados com metástases ósseas detectáveis. Cintilografia óssea é desnecessária em pacientes assintomáticos com PSA inferior a 20 ng/mL e com tumores bem ou moderadamente diferenciados. Em contraste, pacientes com tumores pouco diferenciados e localmente avançados devem ser submetidos à cintilografia óssea independentemente do valor do PSA.97-103 FÁSCIA ENDOPÉLVICA NERVO OBTURADOR A B C E F PREVENÇÃO DO FEIXE VASCULONERVOSO FEIXE VASCULONERVOSO D G FIGURA 3. Prostatectomia radical retropúbica por via aberta. (A) Linfadenectomia pélvica direita completada com a exposição do nervo obturador. (B) Abertura da fáscia endopélvica. (C) Dissecção e secção da uretra. A sonda de Foley ajuda a identificar a uretra. (D) Ligadura e secção dos pedículos laterais da próstata. (E) Quando, possível, devemos preservar o feixe vasculonervoso para tentar manter a função sexual do paciente. (F) Ligadura dos ductos deferentes. (G) Anastomose da bexiga à uretra após a prostatectomia radical e reconstrução do colo vesical. 47 PARTE IX Uretra Enervação UROLOGIA FIGURA 4. Anatomia do pedículo vasculonervoso e suas relações com a uretra e com a próstata. Historicamente, a dose de radiação necessária ao controle da doença estava relacionada com o volume tumoral. Dados mais recentes demostram que há escalonamento da dose na resposta ao tratamento, com menos recorrência com doses acima de 72 Gy. Na prática diária, uma dose mínima de 74 Gy é recomendada. Em pacientes de disco intermediário e alto, doses maiores de 78 Gy são indicadas. A radioterapia de intensidade modulada possibilita aumentar as doses de radiação homogeneamente, até o limite máximo de 86 Gy, respeitando as tolerâncias dosimétricas nos orgãos de risco. Não há indícios de que a irradiação profilática de linfonodos pélvicos clinicamente negativos tenha algum impacto na sobrevida. As complicações mais comuns da radioterapia são sintomas miccionais irritativos (disúria, urgência, noctúria) e proctite, que melhoram, em média, após 2 meses do final do tratamento. Em pacientes com próstatas mais volumosas, retenção urinária pode ocorrer. Disfunção erétil ocorre em 45% dos pacientes após radioterapia. ! BRAQUITERAPIA son < 7 possuem baixo risco de metástase no gânglio linfático, sendo sua indicação facultativa nestes casos. Já em pacientes de alto risco, linfadenectomia estendida deve ser considerada. Prostatectomia radical laparoscópica (PRL) As técnicas minimamente invasivas não apresentam diferenças significativas no que diz respeito a resultados funcionais e oncológicos a curto prazo e possibilitam menor sangramento intraoperatório e recuperação mais rápida do paciente. Em várias séries de PRL realizadas, os índices de margens positivas têm sido semelhantes aos descritos para prostatectomia retropúbica, dependendo, basicamente, da extensão da doença. As médias de margens positivas têm sido entre 10 e 56%, sendo dependente do estádio patológico da peça cirúrgica. Nos casos de pT2 variam de 10 a 15% e, em pT3, de 26 a 56%.114-122 Em estudo recente, a probabilidade estimada de recorrência bioquímica livre após 5 e 7 anos foi de 97 e 96%, respectivamente.123 Os resultados de sobrevida global câncer-específica são pouco relatados na literatura pelo pouco tempo de existência da técnica. A sobrevida estimada em 3 anos, em grandes séries atuais variou de 84 a 99%.119,121,123-125 Resultados funcionais Continência pós-operatória As taxas de continência urinária pós-PRL têm índices variáveis, explicados por diferenças nas definições de continência, métodos de avaliação e experiência da equipe cirúrgica. As taxas de continência urinária pósPRL foram de 81,7% em média (entre 60 e 90,3%), em 12 meses, e 94,3% (entre 92,8 e 95,8%) em 18 meses.126-128 Função sexual Avaliação e comparação dos resultados são difíceis pelos diferentes métodos de avaliação e as diversas definições do grau de função sexual dos pacientes. Os fatores importantes para a preservação da função sexual após a PRL são a idade do paciente, a qualidade das ereções pré-operatórias, o estádio da doença, as comorbidades associadas e a possibilidade ou não de preservação dos feixes vasculonervosos. Os índices de função sexual variam de 40 a 71%.121,123,126,128,129 Com a preservação bilateral dos feixes vasculonervosos em pacientes com idade inferior a 60 anos, a preservação sexual após 12 meses foi de 81%.119 ! RADIOTERAPIA 48 Apesar de estudos sugerirem resultados a longo prazo inferiores com relação à prostatectomia radical, a radioterapia externa (RXT) está indicada em todos os pacientes com câncer de próstata localizado, com exceção daqueles com obstrução urinária infravesical. Radioterapia conformacional tridimensional é o padrão ouro. Nos centros de excelência, a radioterapia modulada de intensidade passou a ser a mais utilizada. A braquiterapia é principalmente utilizada em estádios iniciais e na doença de baixo volume. Após a experiência negativa do início da década de 1970 com braquiterapia (BT),130 atualmente cerca de 20% dos pacientes tratados com esta modalidade permanecem livres de recorrência local em 15 anos.131 Consiste no implante via perineal de sementes radioativas de iodo 125 ou de palladium 103 guiado por USG transretal. Os principais argumentos para sua indicação são a abordagem menos invasiva e o menor tempo de tratamento e convalescença comparado com a radioterapia externa. Estudos sobre pacientes submetidos à BT com acompanhamento médio entre 36 e 120 meses mostram sobrevida câncer-específica (SCE) em 5 e 10 anos, variando entre 71-93% e 65-85%, respectivamente.132,133 Existe relação bem estabelecida entre a dose implantada e taxas de recorrência.134 Pacientes recebendo D90 > 140 Gy demonstraram taxa de controle oncológico significantemente mais alta. Para doença localizada, as taxas de recorrência em 5 anos são similares às da RTX (> 72 Gy), combinação RTX + BT e da prostatectomia radical.135 A BT pode ser indicada em pacientes com CaP localizado, na presença dos seguintes critérios: Estágio clínico T1b-T2a. Ausência de padrão de Gleason 4 ou 5. PSA 10 ng/mL. 50% dos fragmentos da biópsia envolvidos. Volume de próstata de < 50 cm3. Ausência de sintomas urinários obstrutivos. ! CRIOTERAPIA A crioterapia usa técnicas de congelamento que induzem a célula à morte por desidratação resultante da maturação proteica, ruptura direta da membrana celular com cristais de gelo, estases vasculares e microtrombia, resultando em estagnação da microcirculação com consecutiva isquemia e apoptose.136,137 O congelamento da próstata é assegurado pela colocação de agulhas de crioterapia por via perineal guiada por ultrassonografia transretal. Dois ciclos de congelar e descongelar são usados, atingindo-se temperatura de -40°C. Pacientes que são candidatos ideais para crioterapia são aqueles com doença mínima de baixo risco, principalmente aqueles sem condição clínica de submeter-se a outras modalidades. A próstata deve ter o tamanho < 40 g, PSA < 20 ng/mL, e o escore de Gleason < 7. Não existem, até o momento, dados de controle, a longo prazo, que justifiquem a indicação desta modalidade como de escolha para o tratamento do CaP localizado. Complicações comuns após crioterapia: disfunção erétil (80%), incontinência urinária (4,4%), dor pélvica (1,4%) e retenção urinária em aproximadamente 2%.138,139 ! VIGILÂNCIA ATIVA E OBSERVAÇÃO Grande parte dos CPs localizados não apresentará consequências clínicas se acompanhados, pois costumam ocorrer em pacientes idosos, com co- O objetivo da HIFU é utilizar temperatura acima de 65°C, com destruição do câncer através de necrose coagulativa. De acordo com recente revisão, a HIFU mostrou sobrevida livre de recidiva projetada em 3 e 5 anos de 63 e 87% (com base em PSA e dados de biópsia), com média de acompanhamento que variou somente de 12 a 24 meses. Não existem trabalhos com acompanhamento longo e nível de evidência que permitam a recomendação desta modalidade como forma de tratamento rotineiro do câncer de próstata localizado. ! TRATAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA LOCALMENTE AVANÇADO Prostatectomia radical (PR) Tratamento cirúrgico exclusivo do CP estádio clínico T3 é bem documentado em séries atuais para casos selecionados, mostrando evolução satisfatória. Deprivação androgênica neoadjuvante na PR provocou redução de 30 a 50% no volume da próstata, com queda de 90% nos níveis de PSA. Essa abordagem, com objetivo de reduzir as possibilidades de margens cirúrgicas positivas, foi alcançada, como mostram os estudos prospectivos. Entretanto, a utilização dessa estratégia de tratamento não proporcionou menor taxa de recorrência bioquímica, nem melhorou a sobrevida. Por isso, para CP localmente avançado, tanto estudos retrospectivos como prospectivos não suportam a indicação de bloqueio androgênico neoadjuvante à prostatectomia radical. Radioterapia Tratamento de pacientes com CP localmente avançado ou com tumores de alto risco à base de radioterapia ou de braquiterapia exclusiva parece inadequado, sendo a adição de bloqueio androgênico muito apropriada nos tumores estádio T3. O benefício teórico da deprivação androgênica neoadjuvante é reduzir o volume-alvo e também aproveitar o potencial efeito sinérgico citotóxico da radiação. Os melhores resultados da radioterapia para tumores localmente avançados foram mostrados pelo estudo de Bolla, que comparou radioterapia exclusiva com radioterapia associada a bloqueio androgênico antes de iniciar a radioterapia, e manteve assim por 3 anos. Sobrevida em 10 anos parece melhorar com supressão androgênica prolongada (45%) quando comparada com os que não receberam bloqueio hormonal (32%), mostrando que essa é a tendência atual no tratamento do CP de alto risco.144 Todos os estudos até o momento estabeleceram que o conceito ideal, é terapia combinada à cirurgia e radioterapia. Entretanto, ainda precisam ser realizados estudos para comparar radioterapia com supressão androgênica prolongada (> 3 anos) e, também, para avaliar PR seguida de radioterapia. Na PR, a radioterapia adjuvante para pacientes com doença residual é mais eficaz quando existe baixa contagem de células na loja prostática e as melhores indicações se restringem a margens cirúrgicas positiva e à ex- ! TRATAMENTO DE RESGATE APÓS CIRURGIA E RADIOTERAPIA CÂNCER DE PRÓSTATA ! ULTRASSONOGRAFIA FOCADA DE ALTA INTENSIDADE (HIFU) tensão extracapsular, devendo ser realizada precocemente. Radioterapia de resgate ou de salvamento geralmente é realizada quando há recidiva bioquímica; nesses casos, a resposta ao tratamento é 20% inferior à radioterapia imediata. Aplicação radioterápica no leito cirúrgico proporciona evolução livre de recidiva bioquímica de 50 a 88% em 5 anos. Resultados da radioterapia adjuvante em pacientes com CP de alto risco, categorizados como pT3N0, mostram melhora na sobrevida livre de progressão bioquímica. Melhora da sobrevida em 10 anos, de pacientes que receberam radioterapia pós-operatória (74%), comparada com os que não foram irradiados (66%), mostra diferença notável. CAPÍTULO 6 morbidades e limitações da expectativa de vida. Como os tratamentos potencialmente curativos (cirurgia, radioterapia, métodos ablativos) apresentam potencial considerável de complicações, condutas mais conservadoras podem ser apropriadas em muitas situações. Contudo, não somos capazes de prever com exatidão o comportamento biológico das neoplasias prostáticas quando de seu diagnóstico. Há evidências de que pacientes com expectativa de vida de pelo menos 10 anos apresentam ganhos significativos de sobrevida (câncer-específica e geral) quando submetidos à prostatectomia radical em comparação com a observação.140,141 No entanto, pacientes com tumores clinicamente localizados com escore de Gleason < 6, em até dois fragmentos de biópsia e PSA <10 ng/mL são menos propensos a apresentarem progressão e podem, eventualmente, beneficiar-se de protocolos conservadores.8 A vigilância ativa inclui o acompanhamento de pacientes com CP clinicamente localizado, de baixo risco, com reavaliações periódicas destes critérios através de PSA, toque retal e novas biópsias no intuito de identificar progressão tumoral, retardando o tratamento curativo. No entanto, há preocupações reais quanto à possibilidade de se perder a melhor oportunidade terapêutica e a janela de cura com condutas conservadoras.142,143 Tratamento de resgate após prostatectomia radical Após PR, cerca de 30% dos pacientes apresentará recorrência bioquímica (RB).145-147 Sem tratamento, cerca de 45% destes pacientes morrerão em 15 anos decorrente do CP.148 RB pode representar recorrência local ou sistêmica da doença, sendo necessário diferenciar as duas situações. A importância de definir RB é identificar, precocemente, pacientes com falha terapêutica e selecionar aqueles para quem a terapia de salvamento possa ou deva ser indicada.152 Portanto, o estádio da doença identificado por determinada definição de RB deve estar associado a desenvolvimento de metástases ou à mortalidade câncer-específica para que seja clinicamente significativo. Definição de recorrência bioquímica pós-prostatectomia radical A definição de RB mais comumente utilizada é um nível sérico de PSA > 0,2 ng/mL, seguido de uma nova dosagem confirmatória.5 Em pacientes com RB nestes níveis após PR, verificou-se que cerca de um terço apresenta metástases em média de 8 anos após a detecção da RB, e cerca de 40% morrerá, em média de 5 anos após o desenvolvimento de metástases.145 Portanto, nem todo paciente com níveis de PSA > 0,2 ng/mL apresentará metástase ou mortalidade. Alguns autores, consequentemente, preconizam uma definição operacional de RB > 0,4 ng/mL para relato de desfechos após PR.150 Níveis de PSA ultrassensível > 0,03 ng/mL parecem identificar aqueles pacientes que apresentarão RB e, mesmo, maior taxa de mortalidade,151 mas a utilidade clínica do PSA ultrassensível ainda não está estabelecida. Um aspecto importante relativo à RB é o padrão de recorrência, se local e sistêmica. Infelizmente, não há uma maneira consistente de se diferenciar esses dois estados da doença. De maneira geral, níveis de PSA persistentes após PR, alta velocidade do PSA pós-operatório e tempos de duplicação do PSA (PSADT) curtos no pós-operatório representam doença sistêmica oculta.152,153 O tempo decorrido desde a cirurgia até a RB e o grau de diferenciação tumoral são úteis na diferenciação entre recorrência local e sistêmica.153,154 A cinética do PSA parece ser particularmente importante, já que pacientes com PSADT > 15 meses têm baixa probabilidade de mortalidade câncer-específica, enquanto aqueles com PSA-DT < 3 meses têm curta sobrevida e maior probabilidade de doença sistêmica.145,155 Até metade dos pacientes com RB pode ter, inicialmente, doença local ou regional, e talvez se beneficiem com radioterapia.156 Resgate pós-prostatectomia radical As abordagens radioterapêuticas locais para diminuição da probabilidade de RB ou tratamento de RB após prostatectomia radical são radioterapia adjuvante imediata (RTA) ou radioterapia de salvamento (RTS). Radioterapia adjuvante imediata Os fatores de risco para RB pós-PR são margens cirúrgicas positivas, invasão de vesícula seminal, escore de Gleason alto, PSA pré-operatório alto e PSA mensurável pós-RP.143,157,158 Pacientes com tumores pT3 e/ou com margens cirúrgicas positivas apresentam alto risco para recorrência local. Três estudos prospectivos e randomizados merecem menção no que se refere à RTA pós-operatória em pacientes com CP estádio clínico < T2 e estádio patológico T3. O estudo europeu EORTC 22911 randomizou 1.005 pacientes com tumores pT3 ou tumores com mar- 49 PARTE IX UROLOGIA gem cirúrgica positiva para observação (n = 503) ou RT imediata pós-operatória (n = 502), no período de 1992 a 2001.159 RT convencional de 60 Gy foi iniciada em uma mediana de 90 dias após a cirurgia e o acompanhamento se deu por uma mediana de 5 anos. Sobrevida livre de progressão bioquímica e sobrevida livre de progressão clínica foram significativamente maiores no grupo irradiado (p < 0,0001 e p = 0,0009, respectivamente), assim como a taxa cumulativa de falha locorregional foi significativamente menor no grupo irradiado (p < 0,0001). O acompanhamento de 5 anos não permitiu que se avaliasse o tempo para desenvolvimento de metástases ou sobrevida. O estudo americano SWOG S8794 randomizou 425 pacientes submetidos à prostatectomia radical e com estádio pT3 a observação (n = 211) ou RT pós-operatória (n = 214), entre os anos de 1988 e 1997.16 RT foi realizada cerca de 4 meses após a cirurgia, numa dose de 60 a 64 Gy, na loja prostática e tecidos paraprostáticos. O acompanhamento médio foi de 12 anos. Na sobrevida livre de metástases, o desfecho primário foi significativamente maior no grupo submetido à RT (HR 0,71; p = 0,016), assim como a sobrevida global (HR 0,72; p = 0,023). O número de pacientes com CP pT3 que deve ser submetido à RT para prevenir uma morte em um acompanhamento de 12 anos foi calculado em 9,1. Em relato prévio deste mesmo estudo, aos 10 anos de acompanhamento médio, outros desfechos importantes (sobrevida livre de recorrência bioquímica e sobrevida livre de recorrência clínica) já se mostravam melhores no grupo irradiado, com significância estatística.160 O estudo alemão, ARO 96-02/AUO AP 09/95, com desenho semelhante aos já citados, mas com número menor de pacientes (n = 385) e acompanhamento curto (5 anos) também demonstrou significativo aumento da sobrevida livre de recorrência bioquímica no grupo tratado com RT.161 Os estudos relatados acima fornecem evidência consistente de que RTA imediata pós-operatória aumenta a sobrevida livre de recorrência bioquímica, a sobrevida livre de metástases e a sobrevida global de pacientes com estádio pT3 e/ou com margens cirúrgicas positivas. Radioterapia de salvamento 50 RTS é um tratamento oferecido aos pacientes com CP clinicamente localizado e que apresentam RB após PR. Aos pacientes submetidos à PR com alto risco para RB (extensão extracapsular, invasão de vesícula seminal, margens cirúrgicas positivas), pode ser oferecida RTA, como visto na seção anterior. No entanto, quase metade dos pacientes com estas características não apresentará RB aos 5 anos de acompanhamento, como se verifica no braço controle dos estudos acima relatados.162 Sendo assim, boa parte destes pacientes poderá ser submetida à RTA desnecessariamente. Por essa razão, uma alternativa é realizar RTS naqueles pacientes que efetivamente apresentarem RB. Os resultados de RTS no controle da RB variam de 40-60%.163-165 A irradiação do leito prostático e das fossas obturadoras melhora as taxas de sucesso de RTS, quando comparada com a irradiação exclusiva do leito prostático.166 A seleção adequada de pacientes para RTS depende do conhecimento de fatores associados à boa ou má resposta à RTS. Um estudo de coorte retrospectiva com 501 pacientes submetidos à RTS com acompanhamento de 45 meses identificou como preditores de RB e progressão metastática os seguintes fatores: escore de Gleason 8-10, PSA pré-RTS > 2 ng/mL, margens cirúrgicas negativas, invasão de vesícula seminal e PSADT < 10 meses.167 Estas variáveis, além de outras, foram posteriormente utilizadas para a construção de um nomograma para predizer a probabilidade livre de progressão bioquímica em 6 anos de pacientes candidatos a RTS.157 Tal nomograma demonstrou uma boa acurácia preditiva. As variáveis estatisticamente significativas que foram utilizadas na construção do nomograma são: a dosagem única de PSA antes da RTS, o escore de Gleason da peça cirúrgica da prostatectomia assim como as margens cirúrgicas, a utilização ou não de hormonioterapia antes ou durante a RTS e a presença ou ausência de metástases para linfonodos. As maiores taxas de sobrevida foram observadas no grupo que recebeu RTS com níveis de PSA pré-RTS < 0,5 ng/mL. As taxas neste grupo foram semelhantes aos resultados de RTA nos estudos SWOG S8794 e EORTC 22911, citados anteriormente. O desempe- nho do nomograma foi superior a outros modelos publicados com base no PSADT, intervalo livre de doença, e/ou escore de Gleason. O nomograma foi externamente validado em outra base de dados e constitui um importante instrumento para a seleção de pacientes para RTS.168 RTS é uma alternativa adequada de tratamento de resgate, quando administrada precocemente a pacientes com RB após PR. Tratamento de resgate após radioterapia e braquiterapia As taxas de RB após RT externa podem chegar a 40%.30 No que se refere à braquiterapia (BT), RB pode ocorrer em cerca de 20 a 50% dos casos.169 Definição de recorrência bioquímica pós-radioterapia A definição de RB pós-RT, proposta por um painel de consenso da American Society of Therapeutic Radiology and Oncology (ASTRO) em 1996, é de três elevações consecutivas dos níveis de PSA, com a data da recorrência calculada no ponto médio entre o último PSA estável e o primeiro PSA em elevação.170 Em 2005, uma conferência de consenso, reunindo a ASTRO e o Radiation Therapy Oncology Group (RTOG), propôs como definição o aumento acima de nadir do PSA > 2 ng/mL após RT externa com ou sem terapia hormonal, sendo a data da recorrência aquela do exame que identificou o aumento. O mesmo consenso recomendou que a definição original da ASTRO fosse utilizada somente para RT realizada na ausência de terapia hormonal.171 Cerca de metade dos pacientes submetidos à RT poderá ter progressão da doença em 10 anos após o tratamento, e 20 a 50% dos pacientes que apresentam RB desenvolverão metástases em 5 e 10 anos após a detecção de RB.172 Ademais, 15% apresentarão mortalidade câncer-específica em uma mediana de 7 anos após a RB.173 No contexto de RB após RT, a cinética do PSA também auxilia na determinação de recorrência local ou sistêmica. PSADT curto está significativamente associado a risco maior de progressão metastática, mortalidade câncer-específica e menor sobrevida global, especialmente na RB com PSADT < 3 meses.174,175 PSADT curto sugere recorrência sistêmica e não local. Não há necessidade de se realizar biópsia prostática para confirmação de recorrência local. No entanto, recomenda-se sua realização em pacientes candidatos a tratamento de resgate após RT. A biópsia não deve ser realizada antes de 2 anos após a RT, já que um terço de biópsias positivas aos 12 meses após a RT converter-se-ão em biópsias negativas aos 24 a 30 meses.176 Resgate pós-radioterapia Algumas modalidades de tratamento de resgate podem ser oferecidas na falha do tratamento radioterápico, como braquiterapia de salvamento (após RT externa), terapias minimamente invasivas (crioablação e ultrassonografia focada da alta intensidade) e prostatectomia radical de salvamento (PRS). A PRS é tradicionalmente associada a maus resultados funcionais e oncológicos. Resultados mais animadores têm sido relatados em séries mais recentes, apesar de a PRS continuar sendo uma cirurgia tecnicamente desafiadora. Cerca de um terço a metade dos pacientes submetidos à PRS apresenta complicações clínicas e cirúrgicas, dentre elas, infecção urinária, esclerose de colo vesical, retenção urinária, fístula urinária, abscesso e lesão de reto.177 O perfil da doença em pacientes submetidos à PRS está mudando na era PSA, com diminuição dos níveis médios de PSA pré-PRS e aumento da proporção de pacientes com doença localizada.178 Este fato pode favorecer os resultados oncológicos, já que a sobrevida livre de progressão da doença em 5 anos para pacientes com PSA < 10 ng/mL e/ou doença confinada ao órgão (pT2) gira em torno de 60-80%, o que sugere que o tratamento de resgate deve ser implementado precocemente após detecção da RB.178,179 Escore de Gleason > 7 tem impacto negativo na sobrevida livre de doença e na sobrevida câncer-específica.180 As taxas de continência observadas após PRS nas maiores séries contemporâneas situam-se em torno de 50%.179 Apesar de contemporâneas, parte dos pacientes tratados nestas séries provém da era pré-PSA e o tratamento radioterápico não envolvia as modernas técnicas atualmente utilizadas. Uma série recente de casos de PRS realizada em 55 pacientes, entre 2004 e 2008, após RT com técnicas modernas, demostrou resultados oncológicos e funcionais bastante satisfatórios.181 Doença órgão-confinada foi encontrada em 73% dos As células da próstata são fisiologicamente dependentes de andrógenos para estimular seu crescimento, função e proliferação. A testosterona, embora não seja tumorigênica, é essencial ao crescimento e perpetuação das células tumorais,183 sendo sua secreção regulada pelo eixo hipotálamo-hipófisário. Se as células da próstata são privadas da estimulação androgênica, sofrem apoptose (morte celular programada). Qualquer tratamento que resulte, em última análise, da supressão da atividade androgênica, é referido como bloqueio hormonal (BH). Mesmo que o tratamento hormonal efetivamente atenue os sintomas da doença avançada, não há provas conclusivas, até o momento, de que isso prolongue a vida. Sendo assim, o tratamento visa melhorar a sobrevida e a qualidade de vida. Dois estudos fundamentais, Huggins e Hodges, com as estratégias de supressão androgênica, tornaram-se a base do tratamento do CP avançado.184,185 Bloqueio hormonal Bloqueio hormonal com monoterapia Considerado como manobra inicial de tratamento, utilizando-se a orquiectomia ou castração farmacológica com análogo do LH-RH ou estrógeno.186,187 Bloqueio androgênico máximo Em pacientes submetidos a bloqueio hormonal com monoterapia (castração química ou cirúrgica) que apresentam progressão da doença, a adição de antiandrógenos não esteroides tem sido utilizada, com queda do PSA em 45 a 67% dos casos e tempo médio de resposta de 6 meses. Entretanto, não está claro se há aumento global da sobrevida.188,189 O bloqueio androgênico máximo (BAM) não interfere na sobrevida em 1 ou 2 anos, porém proporciona pequeno aumento (2-3%) na sobrevida em 5 anos, havendo a necessidade de tratar 21 pacientes para beneficiar um.190,191 Tal benefício ocorre à custa de maior toxicidade, incidência de efeitos adversos e custos. Os efeitos colaterais mais significativos com a adição dos antiandrógenos foram: ginecomastia, algia mamária, disfunções hepáticas e gastrointestinais e alterações psicológicas, interferindo com a qualidade de vida.192 Bloqueio hormonal intermitente O bloqueio hormonal intermitente (BHI) apresenta como vantagens a melhora da qualidade de vida e a atividade sexual de pacientes tratados com castração hormonal. Além disso, implica em diminuição de custos relacionados com o tratamento.193 Para o BHI preconiza-se, após o início da hormonoterapia com análogos LHRH, sua manutenção até que o PSA atinja níveis preferencialmente indetectáveis, nadir < 4 ng/mL ou diminuição de 80% do valor inicial do PSA, (mantido por 6 a 9 meses). Após a suspensão do tratamento, o acompanhamento é feito com a dosagem do PSA, sendo o bloqueio hormonal reinstituído quando o PSA mostrar elevação significativa. Esses valores são controversos, desde aumento de 50% do valor inicial até valores absolutos maiores de 5 a 10 ng/mL. Outro critério é a evidência clínica de progressão tumoral.194 Destaca-se que a doença permanece responsiva ao manuseio hormonal na maioria dos casos, embora os intervalos necessários para que se restabeleça o tratamento diminuam a cada ciclo subsequente.195 A intermitência representa melhor qualidade de vida, com resultados oncológicos não inferiores ao bloqueio contínuo.196 Excetuando-se os tumores metastáticos sintomáticos, não existe consenso sobre o melhor momento do início da terapia hormonal. Alguns autores mostraram maior benefício do tratamento imediato com relação ao tardio, ou seja, quando do surgimento de sintomas ou elevação significativa do PSA. O estudo mais importante foi o EORTC-30846, que mostrou ganho significativo de sobrevida nos pacientes com linfonodos positivos submetidos à hormonoterapia adjuvante pós-prostatectomia radical, comparados com aqueles com início do tratamento após elevação do PSA. A sobrevida específica de 10 anos foi de 95,7 vs. 69,2%, e os índices de progressão neste período foram de 75 vs. 28,8%.197 Outros estudos, inclusive de metanálises, também demonstraram vantagem na sobrevida global para pacientes que receberam hormonoterapia imediata.198 CÂNCER DE PRÓSTATA ! TRATAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA METASTÁTICO Bloqueio Imediato vs. tardio CAPÍTULO 6 pacientes e margens cirúrgicas positivas somente em 11%. Houve dois casos de lesão de reto e esclerose do colo vesical ocorreu em 11% dos casos. A taxa de continência urinária foi de 80% em 1 ano. Apesar de ainda estar associada a complicações cirúrgicas, PRS é um tratamento de resgate que proporciona resultados oncológicos e funcionais satisfatórios a um grupo selecionado de pacientes, caracterizado por expectativa de vida > 10 anos, CP de baixo risco pré-RT, doença confinada à próstata (< T2c), PSA pré-PRS < 10 ng/mL, escore de Gleason < 7, intervalo longo até RB, PSADT > 12 meses.178,179,182 Análogo LHRH vs. orquiectomia Existem pelo menos quatro estudos compreendendo sete publicações com um total de 1.149 pacientes, comparando goserelina e orquiectomia. Não se observou diferença estatística na comparação dos dois grupos quanto à resposta terapêutica e a sobrevida global.199-202 É recomendada a utilização de antiandrogênico administrado por 5 a 7 dias antes e durante as 3 primeiras semanas após o início do uso do LHRH, nos casos de risco de retenção urinária e compressão medular. Antiandrógenos vs. castração O uso de antiandrógenos não hormonais como monoterapia apresenta maiores índices de manutenção de libido, potência sexual, capacidade física, densidade mineral óssea e menor índice de fogachos comparados com o uso de castração (cirúrgica ou hormonal).203,204 Em revisão sistemática com metanálise avaliando o uso de antiandrógenos não esteroides com castração química, o estudo concluiu que os pacientes submetidos unicamente aos antiandrógenos apresentam sobrevida discretamente inferior, não sendo esta opção terapêutica recomendada na maioria dos casos de tratamento hormonal de 1ª linha. Em casos selecionados, a monoterapia com antiandrógenos pode ser considerada, visando preservar a qualidade de vida.205,206 Não existem estudos comparativos quanto à melhor dosagem entre bicalutamida, flutamida e nilutamida. Tratamento de segunda linha Com o bloqueio hormonal de 2ª linha, a melhora sintomática e a queda do PSA podem ser observadas em 20 a 80% dos casos, com uma duração da resposta de 2 a 6 meses.207 No entanto, nenhum estudo demonstrou benefício na sobrevida com o uso desses tratamentos, que podem ser caros e também tóxicos, com potencial efeito negativo na qualidade de vida, particularmente nos pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos.208 Recomenda-se que continue a supressão androgênica medicamentosa nos pacientes que não foram submetidos à orquiectomia.209,210 Suspensão de antiandrógenos Nos pacientes em tratamento com bloqueio androgênico máximo (BAM) e progressão bioquímica, a suspensão do antiandrógeno promove resposta clínica (queda do PSA acima de 50%) em cerca de 20 a 30% dos casos. A duração média do efeito foi de 3 a 5 meses, podendo durar até 2 anos. Não existem fatores conhecidos que prevejam quais pacientes irão responder a esta estratégia terapêutica. Troca de antiandrógenos A troca dos antiandrógenos pode levar à resposta bioquímica (queda do PSA) em 20 a 43% dos pacientes, com efeito paliativo na diminuição da dor e melhora da qualidade de vida.211,212 Castração secundária Os casos selecionados onde foi utilizada monoterapia com antiandrógenos podem beneficiar-se com a castração secundária (química ou cirúrgica). A resposta varia de 25 a 69%.212 51 PARTE IX UROLOGIA Estrogênio Cabazitaxel O uso de estrogênio via oral (doses de 1 e 3 mg/dia) continua sendo uma opção de 2ª linha em pacientes com CP metastático, produzindo respostas bioquímicas e melhora da dor em 25 a 67% dos pacientes.213 Os principais efeitos colaterais do uso do estrógeno são as complicações cardiovasculares e tromboembólicas, o que limita seu uso como 1ª linha. Em pacientes com falha terapêutica ao docetaxel, já existe tratamento de 2a linha com cabazitaxel. Em estudo fase III com 755 pacientes, comparativo com mitoxantrona, a sobrevida média global foi de 15,1 meses com cabazitaxel e 12,7 meses com mitoxantrona (hazard ratio, 0,72; intervalo de confiança de 95%, 0,61-0,84; P < 0,0001), com ganho de 30% a favor da 1a droga.225 Cetoconazol Estudos randomizados mostraram queda significativa do PSA em 32% dos pacientes tratados com cetoconazol. As respostas clínicas parecem ser melhores quando o cetoconazol é utilizado concomitantemente à retirada dos antiandrógenos.214 A toxicidade da droga nas doses habituais (400 mg/3 /dia) é muito alta, limitando seu uso. Existem indícios de que doses menores também possam ser eficazes (200 mg/3 /dia ou 300 mg/3 /dia associadas à hidrocortisona).215 Glicocorticoides Os corticoides apresentam baixo custo, são bem tolerados e têm respostas objetivas em 16 a 34% dos pacientes, porém são de curta duração. Estão indicados após falha das manipulações hormonais secundárias com antiandrógenos e devem ser associados à quimioterapia, já que os resultados são melhores nessa situação.216-218 Abiraterona Abiraterona é um inibidor da CYP17, uma enzima expressa nos testículos, na suprarrenal e nos tecidos tumorais da próstata. CYP17 catalisa a conversão de pregnenolona e progesterona aos seus 17- -hidroxi derivados e pela sua atividade 17-hidroxilase à formação subsequente de desidroepiandrosterona (DHEA) e androstenediona. A inibição da atividade CYP17 pela abiraterona diminui, assim, os níveis circulantes de testosterona. Em pacientes hormônio-refratários, este fármaco foi capaz de diminuir o PSA > 50 em 85% dos pacientes, e mais de 90 em 40% dos pacientes sem tratamento quimioterápico prévio;219 em 50% após uso de docetaxel,220,221 e em 33% após cetoconazol.221 Estudo clínico de fase III em doentes anteriormente tratados com docetaxel mostrou aumento da sobrevida global em 3,9 meses.222 Com base nestes resultados, a abiraterona foi aprovada pelo Food and Drug Administration para o tratamento do câncer de próstata metastático resistente à castração previamente tratados com um regime de quimioterapia contendo docetaxel. ! QUIMIOTERAPIA Na década de 1990 foram realizados estudos randomizados com uso de mitoxantrona combinada a outros agentes, principalmente com a prednisona, que demonstraram melhora de qualidade de vida, porém sem efeito na sobrevida global.216,217 Atualmente, o campo da Oncologia Clínica vem mostrando resultados bem mais animadores no tratamento do CP refratário à terapia hormonal, principalmente com o uso dos taxanes (docetaxel e cabazitaxel) e o crescente desenvolvimento das vacinas. Docetaxel 52 Dois estudos randomizados compararam a eficácia do docetaxel com relação à mitoxantrona em pacientes com CP metastático hormônio-independente. O estudo SWOG 9916 comparou docetaxel + estramustine vs. mitoxantrona + prednisona. A sobrevida media no braço docetaxel + estramustine foi de 17 meses vs. 15,6 meses para o braço da prednisona. Já o estudo TAX 327 comparou dois esquemas de uso de docetaxel (semanalmente e a cada três semanas) vs. mitoxantrona + prednisona. A sobrevida mediana do braço de docetaxel a cada 3 semanas foi de 19,2 meses vs. 16,3 meses para o braço da mitoxantrona (p = 009). Pela primeira vez houve demonstração de ganho de sobrevida com o braço utilizando docetaxel nesses pacientes. Com isso, regimes fundamentados no uso de docetaxel são considerados, atualmente, como de 1ª linha no tratamento dos tumores de próstata hormônio-refratários.218,223,224 ! VACINA As vacinas são estudadas há muito tempo, com resultados inicialmente modestos. Recentemente foi aprovada para uso a Provenge (sipuleucel-T), após estudo duplo-cego, multicêntrico, fase III, onde foram randomizados 512 pacientes em uma relação 2:1, sendo 341 para a droga e 171 para placebo, administrado IV a cada 2 semanas, por três ciclos. Houve redução de 22% do risco de morte no grupo tratado com sipuleucel-T. O grande dificultador dessa forma terapêutica ainda é seu custo elevado.226 ! BIFOSFONATOS Doença hormônio-refratária O bloqueio hormonal administrado por longo prazo diminui a densidade mineral óssea e aumenta o risco de fraturas.227 Por sua vez, as fraturas esqueléticas em homens com CP estão associadas, negativamente, à sobrevida global desses pacientes.228 A terapia com bisfosfonatos diminui a reabsorção óssea, podendo prevenir ou reverter a perda da densidade mineral óssea.229 Dentre esses, o zoledronato é o bisfosfonato de terceira geração mais potente testado. Em modelos pré-clínicos foi pelo menos 100 vezes mais potente que clodronato ou pamidronato, e pelo menos 1.000 vezes mais potente que o etidronato.230 Também mostrou ser seguro e eficaz na prevenção de complicações esqueléticas em três estudos randomizados envolvendo mais de 3 mil pacientes com diversas neoplasias.231 O zoledronato reduziu significativamente a incidência de eventos relacionados com o esqueleto, bem como retardou a primeira ocorrência desses eventos.232,233 A dose recomendada do zoledronato é de 4 mg por via intravenosa a cada 4 semanas, pois doses maiores estão associadas à deterioração da função renal.234 Os efeitos adversos foram bem tolerados e representados por dor óssea, necrose de mandíbula, náusea, constipação, fadiga, anemia, mialgia, vômitos, fraqueza e anorexia. O zoledronato é seguro e bem tolerado em pacientes com insuficiência renal leve a moderada.235 Doença hormônio-sensível O ácido zoledrônico tem-se mostrado eficaz na recuperação da densidade mineral óssea em pacientes que se apresentam com osteopenia ou osteoporose induzida por bloqueio hormonal. Nessa situação, a aplicação do ácido zoledrônico, 4 mg, endovenoso deve ser realizada a cada 3 meses ou anual. Alternativa é o emprego de alendronato oral.236 ! TRATAMENTO DA COLUNA VERTEBRAL O tratamento das metástases em coluna vertebral é paliativo e pode envolver radioterapia, cirurgia, ou ambas. Não existe consenso quanto à melhor forma de tratamento. A síndrome de compressão medular, no CP avançado, configura uma urgência médica.237 Radioterapia paliativa é indicada se houver metástases ósseas localizadas e sintomáticas. Nesse contexto, obtemos 80% de alívio sintomático, mas com 50% dos pacientes apresentando reaparecimento da dor. Não parece haver diferença nos resultados da terapia em dose única ou fracionada, no entanto, a necessidade de retratamento e fraturas é maior quando utilizado dose única. ! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Jemal A, Siegel R, Xu J et al. Cancer statistics. CA Cancer J Clin 2010;60:277-300. 2. Jemal A, Siegel R, Ward E et al. Cancer statistics. CA Cancer J Clin 2008;58:71-96. CÂNCER DE PRÓSTATA 29. Leite KRM, Srougi M, Sañudo A et al. The use of immunohistochemistry for diagnosis of prostate cancer. Int Braz J Urol 2010;36:583-90. 30. Epstein JI, Potter SR. The pathological interpretation and significance of prostate needle biopsy findings: implications and current controversies. J Urol 2001;166:402-10. 31. Epstein JI, Allsbrook Jr WC, Amin MB et al. ISUP grading committee. The 2005 International Society of Urologic Pathology (ISUP) Consensus Conference on Gleason grading of Prostatic Carcinoma. Am J Surg Pathol 2005;29:1228-42. 32. Rubin MA, Dunn R, Kambham N et al. 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