Leia ou baixe todos os artigos do Professor
Transcrição
Leia ou baixe todos os artigos do Professor
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Crise pode ter fim em 18 meses, estima bloco DA REDAÇÃO Os líderes da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), grupo de 21 países que conta com EUA, Japão e China, disseram ontem que a crise global poderá ser superada em 18 meses. Reunidos em Lima (Peru), eles, porém, não deram detalhes de como isso será alcançado. "Nós já tomamos medidas extraordinárias e urgentes para estabilizar nossos setores financeiros e reforçar nosso crescimento econômico", disse o bloco em nota. Mas mesmo entre alguns dos líderes que participaram do encontro no Peru há dúvidas de que a crise global possa ser vencida já em meados de 2010. Para o presidente mexicano, Felipe Calderón, o prazo é mais uma estimativa do que uma previsão. E o primeiro-ministro canadense, Stephen Harper, foi mais além. "Eu acho que seria especulação se comprometer com esse tipo de prazo." Os líderes reafirmaram o compromisso contra novas barreiras para investimentos e comércio exterior, em um momento em que "o risco de menor crescimento mundial pode levar a pedidos de medidas protecionistas". Texto Anterior: OMC prepara nova reunião em dezembro Próximo Texto: Marcos Cintra: O começo e o fim Índice MARCOS CINTRA O começo e o fim Deixo de escrever neste espaço porque passarei a integrar o secretariado do prefeito Gilberto Kassab O ESCRITOR italiano Cesare Pavese descreveu com exatidão um prazer que usufruí durante mais de cinco anos através desta coluna na Folha. Disse ele: "É bom escrever porque reúne duas alegrias: falar sozinho e falar a uma multidão". Esse prazer, infelizmente, será interrompido, ainda que por efeito de outra grande satisfação: a de servir ao governo de minha cidade na condição de auxiliar direto do prefeito Gilberto Kassab, que me honrou com o convite para ser seu secretário. Pelas regras editoriais da Folha, detentores de cargos no Poder Executivo não podem manter colunas fixas no jornal. Portanto aproveito este espaço, e do qual abuso pela última vez, para agradecer a meus estimulantes editores e a meus tolerantes leitores. Nunca tive a pretensão de ensinar, mas tenho absoluta certeza de que o exercício periódico de ser um comentarista econômico me fez aprender bastante, ainda que muito menos do que o necessário para me igualar aos fantásticos economistas que, ao longo dos anos, dividiram comigo este espaço privilegiado. Foram mais de uma centena de artigos sobre os mais variados assuntos. Falei sozinho, e com todos, sobre política, sobre erros e acertos de vários governos, e sobre a teoria e a prática da lúgubre ciência, a economia ("the dismal science"). Mas desejo sair de cena reafirmando minha crença inabalável no bom senso que um dia irá prevalecer na questão tributária, com a aprovação do Imposto Único sobre Transações Financeiras. Foi o tema que representou, para mim, a alegria da descoberta, ou a insolência da novidade, como o saudoso senador Roberto Campos o descreveu em um de seus memoráveis artigos nesta mesma Folha. A ousadia de enfrentar os velhos paradigmas tributários foi estimulada pelo inigualável suporte que recebi do saudoso publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira. Se me tornei um iconoclasta, penitenciado pela convicção do acerto da causa, foi em grande parte pela oportunidade proporcionada por esta coluna, que ele generosamente me ofereceu. E mais ainda pela reconfortante sensação de saber que um dos homens mais perspicazes e sinceros que conheci manifestou inúmeras vezes seu apoio à tese do Imposto Único que, preciso confessar, ele inspirou e ajudou a formular. Aproveito esta despedida para dizer que terminarei em breve mais um ciclo de reflexões e de pesquisas quantitativas sobre o Imposto Único, tese nascida na Folha através do artigo "Por uma revolução tributária", publicado em janeiro de 1990. Simulações sobre o impacto de diferentes modelos tributários na economia brasileira mostrarão irretorquivelmente que o mito da cumulatividade e de seus malefícios precisa ser repensado com maturidade e espírito crítico. E que urge reconsiderar o preconceito nascido entre nós contra a tributação sobre movimentação financeira, que Vito Tanzi, um dos maiores tributaristas do mundo, considerou como uma das duas grandes inovações tecnológicas tributárias ocorridas no século passado. Espero que este novo esforço para romper as unanimidades fáceis e popularescas acerca da questão tributária brasileira seja repercutido nas páginas deste mesmo jornal que vem me acolhendo com tanta fidalguia, em diferentes condições, desde 1983. Valeu. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Internet: www.marcoscintra.org [email protected] Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Internet vira aposta do varejo no Natal Crise ameaça consumo, mas preço e pagamento do comércio eletrônico devem atrair mais clientes para lojas virtuais Estimativas indicam vendas on-line de R$ 1,35 bilhão na semana do Natal e alta de 25%; expansão prevista era de 40% antes da crise JULIO WIZIACK DA REPORTAGEM LOCAL Grupos varejistas com lojas no mundo real e no virtual estão contando mais do que nunca com o braço eletrônico de sua operação para aumentar o faturamento na semana do Natal, mesmo diante da crise financeira. Estimativas da consultoria e-bit indicam que, entre 15 e 24 de dezembro, as vendas online chegarão a R$ 1,35 bilhão, 25% superiores às do mesmo período de 2007. Apesar do otimismo, previa-se que o índice seria de 40% antes de a crise atingir a economia real. "Os brasileiros estão preocupados, mas irão às compras", diz Pedro Guasti, presidente da e-bit. Pesquisa do Provar (Programa de Administração de Varejo) da FIA-USP mostra que, neste Natal, 21% dos consumidores comprarão pela rede, contra 11,6% no de 2007. Segundo Paula Carvalho Pereda, pesquisadora do Provar, a intenção de compra pela internet quase dobrou, enquanto no varejo tradicional praticamente não houve alteração. "Só 74% dos consumidores pretendem fazer compras nas lojas tradicionais neste ano, contra 73,8% em 2007", diz Pereda. Nesse mesmo período, o número de consumidores eletrônicos passou de 9,5 milhões para 13 milhões, crescimento de 37%. A receita prevista para este ano é de R$ 10 bilhões, contra os R$ 6,3 bilhões registrados em 2007. "Hoje 25% dos internautas compram pela rede", afirma Guasti. Há três anos, esse índice não chegava a 10%. Comodidade e preço Vários motivos explicam a preferência dos consumidores pelo varejo eletrônico. O primeiro é prático. "Não tenho tempo e as lojas nesta época ficam lotadas", diz Manoel Netto, gerente de uma empresa de criação de produtos. "Pesquisei produtos e preços e já escolhi tudo. Entregam na minha casa, com embalagem especial." Mas é o preço a principal atração da internet. Segundo o Provar, algumas categorias apresentam deflação nos últimos 12 meses, queda que não ocorre no varejo convencional. A pesquisa do Provar revela que, no acumulado do ano, as maiores quedas foram as de aparelhos celulares (19,93%), seguidas pelas de eletroeletrônicos (12,72%) e bens de informática (11,85%). Há dois anos, CDs, livros e DVDs tinham mais saída pela internet. "Agora são eletrônicos e bens de informática," diz Guasti. Além disso, as facilidades de pagamento pela internet são maiores. "Boa parte dos produtos mais caros continua sendo parcelada em até 12 vezes", afirma Guasti. "No varejo tradicional dá para pagar em até seis vezes no cartão de crédito. Dez vezes já é difícil de achar." No Extra.com, a previsão é que os eletrônicos respondam por até 70% das vendas no Natal. "Esperamos dobrar o faturamento deste Natal", diz Oderi Leite, diretor do Extra.com. "Vamos monitorar a concorrência com uma ferramenta eletrônica e responderemos às promoções na velocidade de um clique no mouse" diz Leite. As previsões de vendas na internet são otimistas porque os produtos deverão ter aumento só no próximo trimestre. As dificuldades de crédito, no entanto, também se repetem na rede. Carlos Montenegro, sócio da Sack's, loja virtual de perfumes e cosméticos importados, afirma que fornecedores tinham estoque e não repassaram a variação cambial. Mas, segundo ele, está mais caro oferecer o parcelamento. A venda em até 12 vezes está mantida, mas, no mercado, houve uma alta dos juros de 1,40% ao mês para 1,80% a quem vai tomar financiamento para capital de giro. Para compensar, uma saída é vender produtos mais baratos do que no mundo real. Na Sack's, a diferença é de 15%. Essa política comercial não chega a ser uma competição entre o "real" e o "virtual". Afinal, as vendas pela internet não chegam a 3% do total do comércio. Mas, em alguns casos, essa atuação faz muita diferença. Além disso, a maior parte das grandes lojas virtuais pertence a grupos do mundo real. A Americanas, por exemplo, faturou no terceiro trimestre R$ 1,7 bilhão. O braço eletrônico do grupo, a B2W (Americanas.com, Submarino e Shoptime), obteve receita de R$ 1,1 bilhão. Há nove anos, a Americanas.com não respondia por 2% da receita do grupo. Texto Anterior: Marcos Cintra: O começo e o fim Próximo Texto: Meirelles vê recuperação gradual do crédito no país Índice MARCOS CINTRA Depois da tormenta O ambiente econômico é negativo, uma vez que os mercados reais já foram contaminados pela crise UMA TEMPESTADE , ou um incêndio, é terrível. Mas o pior pode vir depois, em seu rescaldo. A atual crise financeira semeou o pânico em todos os mercados do mundo. A globalização e os misteriosos instrumentos financeiros criados nas últimas décadas fizeram um trabalho de quase completa destruição da credibilidade das instituições financeiras mundiais. Felizmente, tudo indica que esse tempo passou. Mas fica uma esteira de destruição de valores por todo o espaço econômico global. Cabe agora juntar os cacos e avaliar o que o futuro nos reserva. Inicialmente, cabe apontar que, apesar de a violência do olho do furacão já haver se dissipado, o ambiente econômico é alarmantemente negativo. A crise financeira já contaminou os mercados reais. A falta de crédito, o entesouramento de valores e a suspensão dos investimentos já comprometeram o crescimento econômico futuro pela via dos canais de comércio e de transferências de capitais. A virulência da recessão que se avizinha já assusta as economias de todo o mundo desenvolvido, e a expectativa otimista de que os países emergentes seriam capazes de sustentar, ainda que fragilmente, a economia mundial torna-se cada dia mais irrealista. Nesse terreno desolado existe apenas a sensação confortadora de que a pronta ação das autoridades econômicas em todo o mundo foi capaz de controlar o pânico. Balões de oxigênio contendo pura liquidez foram distribuídos abundantemente, mas, como alertou Anna Schwartz, em entrevista recente, o problema fundamental pode estar alhures, ou seja, na perda de credibilidade do sistema quanto à sua solvência. Reconstruir esse monumental edifício pode levar décadas. O que esperar daqui para a frente? Certamente haverá um período de acomodação dos mercados, como o que estamos adentrando no momento. Os fundamentos econômicos passarão a ser reavaliados, e as oportunidades de investimento serão timidamente avaliadas nos próximos seis meses a um ano. Os primeiros balanços e demonstrações de lucros e perdas após a tormenta ainda irão assombrar os mercados e os investidores. A volatilidade e a incerteza irão prevalecer, porém dentro de faixas estreitas e mais racionais. Essa deverá ser a marca dos meses à frente. Determinar valor de qualquer ativo será uma tarefa difícil e altamente arriscada. Será a hora das oportunidades, quando surgirão os vencedores dessa crise, e quando o mundo estará escolhendo seus novos jogadores estratégicos. Mas, como afirmei no início, o pior será o rescaldo. Como o mundo irá drenar a crescente liquidez que alaga os mercados mundiais? Como evitar as pressões inflacionárias que surgirão? Como refluir os capitais públicos que invadiram os "board rooms" das empresas em todo o mundo? Como evitar que a intervenção estatal, necessária no momento como um típico "bem público", seja confundida com a estatização da gestão e com os ultrapassados métodos de produção centralizados? Como reconquistar credibilidade para o mercado e permitir que ele continue sendo o melhor mecanismo gerador de riqueza já usado pela humanidade? Como administrar o crescente endividamento do setor público e evitar o crescimento da carga tributária? Que blindagens contra futuras crises serão erigidas e que restrições ao crescimento econômico elas poderão implicar? Não temos respostas para essas dúvidas. O futuro será um emocionante desenrolar de novos desafios. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] Frase "Não é loteamento de cargo, não é apadrinhamento. Aliás, o meu perfil, graças a Deus, sempre foi muito técnico. Vou levar pessoas que eu acho que têm uma colaboração efetiva a dar" MARCOS CINTRA indicado para ocupar a Secretaria do Trabalho de Kassab MARCOS CINTRA No olho do furacão A única opção é a compra de participação acionária dos bancos pelos tesouros dos países envolvidos A CRISE financeira de 2008 pode ser explicada de forma bastante simples. Ela decorre do descasamento entre o valor dos títulos financeiros em circulação e o valor do lastro garantidor, como bens imobiliários e outros ativos. Durante anos, o estoque de crédito cresceu a taxas elevadas, e o lastro desse espantoso crescimento financeiro aumentou concomitantemente, impulsionado principalmente pelo mercado imobiliário americano. Mas a bolha nos preços dos ativos imobiliários estourou quando os mutuários começaram a tornar-se inadimplentes. Os financiamentos cresceram mais que a renda dos mutuários, e o valor de mercado das garantias caiu. Os títulos lastreados por esses imóveis tornaram-se ativos podres. Como haviam sido vendidos e refinanciados pelos "hedge funds" em todo o mundo, sem limites e com precária regulamentação, as perdas alastraram-se rapidamente. Para ter uma idéia, o BIS (Banco para Compensações Internacionais) registra, em dezembro de 2007, o absurdo volume de US$ 596 trilhões em contratos de derivativos, duas vezes o montante verificado no mesmo mês de 2005. Foi uma crise previsível, na medida em que o processo de descasamento ocorreu ao longo dos últimos dois anos, e não foram poucos os alertas emitidos por alguns especialistas. Mas eles foram ignorados pelas autoridades financeiras norte-americanas, entusiasmadas com a prosperidade do período. Teoricamente, há duas soluções: 1) sustentar os preços das garantias, principalmente dos ativos imobiliários, para tornar possível o início de um penoso, porém ordenado, processo de desalavancagem financeira, ou 2) deixar os títulos perderem valor até que o equilíbrio entre crédito e garantias seja restabelecido. A primeira alternativa já foi perdida pelas autoridades norte-americanas, pois pouco foi feito para sustentar os mutuários inadimplentes e preservar o valor de mercado dos imóveis. Isso poderia ter sido feito mediante amplo programa público de refinanciamento de hipotecas. A segunda alternativa está em curso: deixar os ativos perderem valor, gerando perdas nos balanços do setor financeiro. Isso, contudo, contamina o mercado real por causa da perda de confiança no setor financeiro, da conseqüente queda de liquidez e da severa restrição de crédito à produção e ao comércio. As engrenagens da economia param de girar por falta de lubrificação. Os líderes das principais economias se reuniram no fim de semana nos EUA para encontrar soluções para o pânico que se instalou nos mercados mundiais. Uma coisa é certa: não haverá recursos públicos capazes de absorver os agonizantes títulos podres, nem mesmo se todos os governos dos países ricos se juntarem. A crise agora é de confiança, e a única alternativa é a compra de participação acionária do setor bancário pelos tesouros dos países envolvidos. Em face da gravidade do pânico, apenas os governos são capazes de garantir liquidez e solvência. Nenhuma outra instituição é capaz de reverter essa maré de desconfiança e sustar uma iminente corrida bancária mundial. Espero que, ao ser publicada, esta coluna, escrita na sexta-feira, possa ser seguida de notícias positivas das autoridades do G7 reunidas no sábado e ontem nos EUA. Com certeza, as soluções propostas não serão muito diferentes das que estão discutidas aqui. Mas, se a cúpula do G7 não se entender, e a forte participação estatal no setor bancário não for decidida rapidamente, há que esperar tempos bicudos à frente. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] ARTIGO Crise ressuscita Minsky Obra de professor morto em 1996 sobre instabilidade financeira é reeditada nos EUA MARCOS ANTONIO CINTRA DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS A CRISE financeira internacional aumentou o interesse pela obra do professor Hyman P. Minsky (1919-1996). Seus dois principais livros, publicados inicialmente por editoras universitárias, foram reeditados pela McGraw-Hill, possibilitando o acesso a uma nova geração de economistas, analistas e investidores. Vários analistas têm invocado suas idéias para tentar compreender a natureza da crise iniciada no mercado americano de hipotecas de alto risco. O colunista do "Financial Times", Martin Wolf, por exemplo, afirmou: "Eu reli a obra-prima de Minsky, "Stabilizing an Unstable Economy" [Estabilizando uma economia instável]. (...) Minsky estava certo. Um longo período de rápido crescimento, baixa inflação, taxas de juros baixas e estabilidade macroeconômica estimulou a complacência e uma maior disposição de assumir risco. A estabilidade levou à instabilidade". Graduado em matemática pela Universidade de Chicago em 1941, Minsky realizou seu doutoramento em economia na Universidade Harvard, em 1954, onde conviveu com Alvin Hansen, um dos principais discípulos de John Maynard Keynes nos EUA, com Joseph Schumpeter e com Wassily Leontief. A partir de releitura da "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", de Keynes, desenvolveu a "hipótese da instabilidade financeira". Para isso, analisou as decisões de investimento dos empresários movidas pelas expectativas de ganhos futuros. A concretização dessas decisões, porém, requer a disponibilidade de recursos financeiros. As fontes de financiamento podem ser internas (lucros retidos) ou externas (crédito bancário, ações etc.). Os recursos externos permitem a expansão dos investimentos além da capacidade das fontes internas, na expectativa de obtenção de receitas superiores aos custos dos financiamentos. Trata-se, no entanto, de uma aposta de alto risco. As receitas esperadas são incertas, mas as dívidas possuem desembolsos predefinidos. A expansão dos lucros sanciona as projeções passadas e realimenta as expectativas futuras. Isso contribui para a redução das margens de segurança dos empresários, que ampliam os investimentos, com maior endividamento. Tangidos pela busca do lucro em um ambiente de expectativas otimistas, os bancos reduzem seus critérios de alocação do crédito e elevam a alavancagem (uso de capital de terceiros para ampliar suas operações). A introdução de inovações financeiras e a sua rápida difusão e imitação por outras instituições facilitam esse movimento expansivo do crédito e da liquidez, em geral, por meio de brechas nas restrições impostas pelas autoridades monetárias. Com a expansão do endividamento, no entanto, as corporações ficam vulneráveis às alterações nos fluxos de lucros, nas taxas de juros e de câmbio etc. Quando as expectativas revertem, as estruturas financeiras construídas durante a euforia revelam-se insustentáveis. Os bancos procuram reestruturar seus portfólios, buscando ativos mais líquidos (títulos da dívida pública). Essa estratégia defensiva pode desencadear uma abrupta contração do crédito e, por conseguinte, falência em diversos segmentos. Para Minsky, portanto, os períodos de instabilidade financeira resultam do aumento da fragilidade das estruturas de ativos e passivos dos agentes econômicos, engendrado durante a fase de prosperidade. O boom econômico, a "exuberância irracional", o endividamento excessivo, a busca pela liquidez, o pânico são fenômenos endógenos à própria dinâmica de uma economia monetária. A fim de conter essa instabilidade intrínseca, faz-se necessária a adoção de regras para os mercados financeiros, tais como limites à alavancagem dos bancos, à interpenetração patrimonial entre os agentes financeiros e não-financeiros, à exposição a determinados setores e investidores etc. Caso contrário, os movimentos de euforia e de pessimismo tendem a ser exacerbados. Essa dinâmica, descrita em seus livros, tem aparecido de forma recorrente no comportamento dos agentes econômicos e reproduzido nas reportagens dos jornais. Durante o período de crescimento (2002-2006), as famílias e os bancos americanos assumiram cada vez mais dívidas e mais complexas (inovações financeiras). A incapacidade de honrar os compromissos e a desvalorização dos imóveis e dos ativos lastreados nas hipotecas desencadearam o chamado "Minsky moment", em agosto de 2007. Os investidores começaram a vender as hipotecas e seus preços desabaram, introduzindo uma ampla demanda por moeda. Os bancos centrais foram obrigados a injetar montanhas de recursos para tentar preservar a liquidez dos mercados. Infelizmente, não há nenhuma de suas obras editada no país, exceto um artigo publicado na revista "Economia e Sociedade", do Instituto de Economia da Unicamp ("Integração financeira e política monetária", 1994). As editoras brasileiras também poderiam aproveitar esse "momento Minsky" e publicar seus principais livros, facilitando o acesso de milhares de estudantes de graduação e pós-graduação em economia, administração e finanças. MARCOS CINTRA As eleições de domingo A política está repelindo o cidadão, quando deveria convidá-lo para participar do atual processo eleitoral NÃO FOSSEM os estímulos da imprensa, as eleições do próximo domingo passariam quase despercebidas em São Paulo. Na cidade que produz 12% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, 36% do PIB estadual, e onde estão sendo jogados os lances estratégicos da sucessão presidencial de 2010, o andamento da campanha dá a impressão de que se está numa pequena cidade do interior do país. Estamos longe da excitação democrática que marcou as eleições anteriores. O processo de escolha dos governantes municipais neste ano ocorre como se fosse um mero exercício de reflexão pessoal, destituída da presença visual, sonora e midiática dos candidatos. O único instrumento eleitoral de massa que sobrevive é o horário eleitoral gratuito, ameaçado pelo crescimento da TV por assinatura. Isso é bom ou é ruim? Avanço ou retrocesso? Ambas as coisas. O lado bom é que os excessos eleitorais praticamente desapareceram na cidade. As restrições da Lei Cidade Limpa foram assimiladas pela população. A campanha está mais madura, mais reflexiva e menos teatral. Serenidade e civilidade estão marcando positivamente o atual processo. Porém, nem tudo são flores. A essência do processo de livre escolha dos candidatos está sendo prejudicada pelo excesso de regulamentação. Receio que isso reflita a rejeição da sociedade brasileira aos políticos. Se isso estiver de fato acontecendo, urge reverter essa tendência, e dignificar o debate político, sob pena de favorecer os que fazem da política uma profissão e um meio de vida, em vez de uma contribuição de cada cidadão à comunidade. Há restrições a tudo, sempre sob o manto cívico do controle do abuso do poder econômico. Proíbe-se a distribuição de material publicitário e há excessiva burocracia na prestação de contas. Restringe-se até o uso da internet, um instrumento de comunicação moderno, limpo, barato e altamente democrático. Restam poucas alternativas aos candidatos. A primeira é a campanha boca a boca, pessoal, olho no olho, a democracia em puro estágio ateniense. Isso, no entanto, é impraticável numa cidade com 11 milhões de habitantes e durante o prazo de apenas 90 dias. A alternativa restante é o uso da dispendiosa propaganda na mídia impressa. É 8 ou 80. A Justiça Eleitoral (que, aliás, nem existe nas grandes democracias como os Estados Unidos) criou no Brasil um sistema híbrido. Há, de um lado, o candidato comum, condenado à invisibilidade política, incapaz de transmitir sua mensagem, e, de outro, os atuais detentores de mandatos, ou aos ricos e famosos. Com isso, as poucas possibilidades que um candidato novo tem para atingir a opinião pública restringem-se aos jornais e às revistas, cujos anúncios têm custos elevados. A estrutura favorece os políticos de carreira e dificulta a participação de quem está fora da vida pública. A renovação e a alternância, valores básicos da democracia, sairão prejudicadas. A sociedade brasileira deve punir o mau político, restringir os excessos, porém jamais estigmatizar a política. A impressão é que isso está ocorrendo em nosso país. Sinto que, no comportamento dos eleitores e também no marco regulatório vigente, o atual processo eleitoral reflete um clima de rancor, de raiva e de desconfiança com a política. A política está repelindo o cidadão, quando deveria convidá-lo para participar. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 63, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Direitos do trabalhador doméstico A mudança na legislação para domésticos pode ser um brutal retrocesso social oculto sob o manto da igualdade de direitos O INFERNO está repleto de almas bem-intencionadas. Pode ser o caso dos que defendem a PEC em estudo no governo que pretende "conceder" ao trabalhador doméstico o "direito" a jornada de oito horas, pagamento de hora extra, adicional noturno, salário-família e FGTS obrigatório. É "politicamente correto" aplaudir essas medidas. Afinal, dirão os mais ingênuos, por que discriminar contra os trabalhadores domésticos? Mas o que eles não percebem é que cada país tem suas instituições peculiares, que não devem ser autoritariamente alteradas, mas, quem sabe, preservadas quando são funcionais e produzem bons resultados. Quanto ao trabalho doméstico, os costumes e as instituições brasileiros, em vez de serem discriminatórios contra esses trabalhadores, são favoráveis a eles. E as alterações em estudo podem gerar mais perdas do que ganhos para todos. Apenas para exemplificar o risco que se corre no caso de uniformização trabalhista para os empregados domésticos, cumpre lembrar o mal causado pelo Estatuto da Terra para os trabalhadores rurais. O sistema de colonato, instituição secular brasileira, permitia aos empregados nas fazendas fazer o cultivo intercalar nos cafezais. Ao mesmo tempo em que colhiam frutos de seu trabalho em benefício próprio, ainda ajudavam a manter limpas as lavouras cafeeiras, aumentando a produtividade e a rentabilidade do café no Brasil, que se tornou o maior produtor e exportador mundial. Além disso, os fazendeiros forneciam casas nas colônias para os trabalhadores, que complementavam os rendimentos com atividades como o cultivo próprio de hortas e a criação de animais. Toda essa estrutura social foi subitamente desmontada pelo Estatuto da Terra, que incorporou os rendimentos paralelos ao salário dos trabalhadores. Isso gerou conflitos insuperáveis e passivos trabalhistas para os fazendeiros. O resultado foi o êxodo para as cidades, o abandono de residências rurais, o afluxo de milhões para favelas nas cidades e um enorme déficit habitacional, que ainda onera nossa sociedade. Portanto, o governo deve ser cauteloso ao considerar o desmonte de instituições criadas ao longo dos anos no tocante ao trabalho doméstico. Erros poderão resultar em aumento do desemprego, prejudicando os milhões de trabalhadores nessa atividade. Ademais, não há sinais de rejeição ou de desconforto na relação patrão-empregado. É importante dizer que hoje os domésticos são, no meu entender, discriminados a seu favor. Há exceções, mas a regra no Brasil é a de um relacionamento cordial entre patrões e empregados domésticos, em que o binômio trabalho-descanso segue, de comum acordo, as especificidades de cada domicílio. A esses funcionários são concedidos habitação, alimentação, vestuário e, não raro, tratamento médico. É mais comum a empregada doméstica ser tratada como membro da família do que como mucama escrava, como querem fazer crer alguns membros do governo que desejam mexer em vespeiro, achando que isso poderá lhes trazer dividendos políticos. Cuidado com o andor, pois a mudança pode ser um brutal retrocesso social oculto sob o manto da modernidade e da igualdade de direitos. PS: convido os leitores para o lançamento de meu livro "Os Riscos de São Paulo" na Livraria Martins Fontes (Paulista, 509), hoje, às 17h30. Nele trato dos grandes temas que emergem em metrópoles mundiais como São Paulo. A presença dos amigos e leitores será uma honra para mim. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A Verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS ANTONIO CINTRA Gestão de ativo COM A desregulamentação financeira, a gestão da riqueza passou a depender, crescentemente, de estratégias de diversificação dos ativos (compra e venda de moedas, commodities, petróleo, título de dívidas, ações, derivativos etc.). Por conseguinte, a negociação de ativos (trading) transformou-se na principal atividade dos sistemas financeiros. A concorrência levou os administradores de portfólio a utilizar derivativos e tomar créditos no mercado, oferecendo a própria carteira como garantia, para operar volumes crescentes de recursos, às vezes muito acima do patrimônio, com o objetivo de maximizar ganhos de capital. Nesse processo, houve a junção das estratégias das grandes instituições financeiras com a expertise dos fundos hedge. A despeito de possuírem ativos de US$ 1,4 trilhão, os fundos hedge, com os recursos emprestados, multiplicam suas aplicações por meio de operações complexas e opacas. Os bancos (com ativos globais de US$ 63,5 trilhões) e os investidores institucionais (com US$ 46 trilhões) emulam suas estratégias e amplificam o volume de capital nos movimentos iniciados pelos "hedge funds". Os sistemas financeiros interligados passam a ser condicionados pelas decisões desses fundos de investimento, que determinam o sentido dos movimentos de valorização e desvalorização dos estoques de ativos mobiliários e imobiliários mundiais. Em momentos de estabilidade, esses investidores ampliam suas aplicações de maiores riscos. Na incerteza, com o aumento excessivo das oscilações dos preços dos ativos, precipitam uma busca frenética pela redução das posições mais arriscadas, e ordens maciças de venda são disparadas pelos modelos de avaliação. Como todos os agentes relevantes acabam seguindo a mesma estratégia de gestão de riscos para orientar seus investimentos, o mercado financeiro global fica sujeito a ondas de euforia, que podem gerar bolhas especulativas, e ondas de turbulências. Nesse momento de aversão ao risco, os grandes investidores globais vendem ações, moedas e bônus de países emergentes, como o Brasil, commodities, petróleo e compram títulos do Tesouro americano, a despeito da crise em seu sistema financeiro. Até o momento, as medidas tomadas para conter essas ondas de instabilidade têm sido ad hoc sob o ímpeto das necessidades mais prementes para evitar a propagação do risco sistêmico. Todavia, vai ficando evidente a necessidade de uma re-regulação desse sistema, em que todos os agentes (e indivíduos) viraram fundos hedge, pois adotam agressivas estratégias financeiras. O Congresso americano discute amplo projeto de reforma de suas instituições de supervisão e regulação. Pode ser um começo. MARCOS ANTONIO CINTRA é da equipe de editorialistas da Folha . Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Kenneth Maxwell, que escreve às quintas-feiras nesta coluna. MARCOS CINTRA Conselho da Cidade Repensar São Paulo deve ser a palavra de ordem para os gestores urbanos; a proposta é criar um fórum de discussão AS CIDADES abrigam 3,4 bilhões de pessoas e até 2025 a esse contingente será adicionado mais de 1,5 bilhão de indivíduos. Esse crescimento causa apreensão, principalmente nas megacidades de países em desenvolvimento, como São Paulo. A capital paulista registra inúmeros problemas por causa de sua acelerada expansão populacional. Entre 1960 e 2008, sua população quase triplicou, passando de 3,8 milhões de habitantes para 11 milhões. Ou seja, em apenas 48 anos, aumentou em 7,2 milhões o número de pessoas na cidade -isso equivale a uma Londres, por exemplo. Até 2025, São Paulo terá mais 1,5 milhão de pessoas. É fundamental repensar a cidade e seus problemas. A dinâmica urbana assume novas formas e gera novas demandas que precisam ser criteriosamente analisadas. A ocupação do solo se deu desordenadamente devido à proliferação de favelas e de loteamentos irregulares. Áreas de preservação ambiental e terrenos públicos e privados continuam sendo ocupados ilegalmente, gerando benefícios privados e grandes transtornos públicos. A água é um das grandes questões. A carência dela na região metropolitana é maior do que nas áreas mais secas do Nordeste. São 165 mil litros por pessoa por ano na Grande São Paulo, contra 400 mil litros per capita no sertão nordestino. Quanto ao lixo, São Paulo gasta R$ 1 bilhão por ano para processar as 13 mil toneladas produzidas diariamente. A reciclagem ainda é insuficiente, e os aterros estão próximos do esgotamento. A destinação de esgoto "in natura" nos rios, córregos e represas também angustia os paulistanos. Só no entorno das represas Guarapiranga e Billings, responsáveis pela maior parte da água consumida na cidade, moram mais de 2 milhões de pessoas, e o esgotamento hídrico dessas moradias é jogado nelas sem nenhum tratamento. A poluição do ar também atenta contra a qualidade de vida. Inala-se em São Paulo uma quantidade diária de poluentes que, segundo a USP, reduz em um ano e meio a expectativa de vida da população. O trânsito é o problema imediato que mais tem atormentado o paulistano. Locomover-se por São Paulo é uma tortura cada dia mais cruel e que gera prejuízos de mais de R$ 33 bilhões por ano, como avaliei em estudo sobre o tema. Trata-se de um dos maiores desafios na elaboração de políticas urbanas. O colapso é iminente porque o número de veículos em circulação cresce assustadoramente. Um "mix" de medidas é necessário, mas o fundamental é rever o modelo viário, tão dispendioso quanto ineficiente. Repensar São Paulo deve ser a palavra de ordem para os gestores urbanos. Um ponto de partida para discutir esses problemas foi minha sugestão de criação do Conselho da Cidade, em evento no Sindicato dos Engenheiros, que teve a presença do prefeito Gilberto Kassab. A proposta é criar um fórum de discussão cuja diretriz básica é a elaboração de um novo modelo urbano para São Paulo. Técnicos têm participado, e uma agenda de temas vem sendo apresentada e será publicada em livro em setembro. O Conselho da Cidade é uma iniciativa pioneira que surge em resposta à expectativa de degradação ainda maior da qualidade de vida em metrópoles como São Paulo. É preciso criar alternativas para os sofridos moradores dessa e de outras megametrópoles que estão surgindo no mundo. Velhas soluções não serão respostas adequadas aos novos desafios. É preciso repensar as cidades. Sugestões e colaboração serão bem-vindas. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Do caos ao equilíbrio A boa saúde financeira da cidade de São Paulo interessa a todos e os dados mostram que ela tem melhorado FELIZMENTE a saúde financeira da Prefeitura de São Paulo vem se recuperando durante a gestão Serra/Kassab, após se encontrar em situação falimentar quatro anos atrás. Segundo o relatório de gestão fiscal do primeiro quadrimestre de 2008 apresentado pela Secretaria das Finanças do município, o resultado primário (diferença entre a arrecadação de tributos e as despesas sem o serviço da dívida) caiu durante a gestão petista a níveis extremamente críticos, passando de R$ 1,5 bilhão em 2001 para R$ 612 milhões em 2004. Vale citar que a situação só não foi pior no último ano do período analisado porque houve forte elevação da carga tributária municipal em razão da criação de taxas e contribuições. Em 2001, a dívida consolidada da prefeitura paulistana representava 193% da receita corrente líquida. Nos anos seguintes, ela passou para 236% em 2002, 245% em 2003 e 247% em 2004. Mas a pior herança foi a dívida não fundada, oculta, com fornecedores, com a Eletropaulo, com a Sabesp e com o Iprem, cujo montante chegou a R$ 2,2 bilhões. A partir de 2005, após a derrota do PT, iniciou-se um programa de recuperação financeira na cidade de São Paulo e já naquele exercício o saldo primário saltou para R$ 1,8 bilhão, mesmo com a extinção de tributos como a taxa do lixo e a isenção da taxa da luz para imóveis localizados em logradouros sem iluminação pública. Nos dois anos seguintes, o resultado manteve-se na casa de R$ 1,7 bilhão, e, em abril deste ano, já na gestão Kassab, a prefeitura registrou um superávit primário superior a R$ 2,9 bilhões. Em 2005, a relação dívida/receita corrente líquida caiu para 221% e nos anos seguintes manteve uma trajetória decrescente. Foi para 197% em 2006, 189% em 2007 e em 2008 está em 186%. Ainda há desafios que o prefeito e a Câmara dos Vereadores devem levar adiante para consolidar um quadro fiscal-tributário que permita ao Executivo promover os investimentos que se fazem necessários. A questão da dívida ainda preocupa porque não foi exercida pelo governo petista a opção de amortização extraordinária de 20%, o que elevou os juros cobrados pela União de 6% para 9%. Ademais, a correção pelo IGP-DI não permite a redução do saldo devedor. Além disso, o Executivo e o Legislativo devem atuar em conjunto para reduzir tributos e simplificar a vida do contribuinte. Há categorias, como os representantes comerciais, que poderiam ter as alíquotas do ISS revistas dos atuais 5% para 2%. A prefeitura não perderia receita, já que muitos profissionais que hoje se estabelecem em cidades vizinhas, mesmo prestando serviço em São Paulo, voltariam à cidade e passariam a recolher o tributo nela. Cumpre ressaltar que a recuperação financeira de São Paulo ocorreu concomitantemente a importantes reduções de tributos. Foi reduzido o ISS para instituições de ensino, para empresas de informática e outras mais; o IPTU caiu até 100% para contribuintes que se adequaram à Lei Cidade Limpa, e houve isenção desse imposto para imóveis prejudicados por enchentes. A boa saúde financeira da principal cidade do país interessa a todos e os dados mostram que ela tem melhorado, principalmente nos últimos dois anos. Ainda há muito para ser feito, mas passos importantes foram dados para que a prefeitura aumente seus investimentos (como vem sendo feito no Metrô), sem novos aumentos da carga tributária para o contribuinte paulistano. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Golpe na democracia A Justiça Eleitoral liquidou a forma mais democrática e barata de propaganda política: a internet IMAGINE uma democracia ideal. Você com liberdade total para analisar a proposta do seu candidato, no momento que lhe fosse mais oportuno. Nada de horário político obrigatório, nada de bueiros entupidos com santinhos dos candidatos, nada de muro pichado ou poluição sonora. Todos os candidatos, ricos e pobres, com direitos e recursos iguais para transmitir suas idéias. Essa democracia ideal já existe em alguns lugares do mundo. No Brasil, ainda não. Aqui, a Justiça Eleitoral "legislou" por meio da resolução nº 22.718/2008, que acabou por liquidar a forma mais democrática, barata e ecologicamente correta de propaganda política: a internet. Quem tem bastante dinheiro não se aflige com a resolução nº 22.718, pois pode comprar propaganda em jornais e em revistas ou imprimir centenas de milhares de folhetos. Afinal, a nova legislação preservou o ranço das campanhas políticas antigas, dominadas pelos coronéis, pelo poder econômico e pelos currais eleitorais. Imagine só. De um lado da balança, os velhos caciques da política brasileira vão poder mostrar seus nomes e seus números na mídia impressa. Eles podem pagar por isso. Do outro lado da balança, os novos candidatos, ainda desconhecidos, que têm propostas boas, mas que não têm nem dinheiro e muito menos redutos (currais) eleitorais, vão continuar na obscuridade. Segundo o artigo 18 da resolução nº 22.718, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o candidato pode ter uma página da internet, mas não pode fazer propaganda eletrônica. Ora, quem entende um pouquinho de internet sabe que o fato de ter um site não significa necessariamente que ele será acessado. Como alguém vai acessar um site se não souber que ele existe? Se não souber seu endereço eletrônico? Qualquer jovem eleitor de 16 anos sabe que não basta ter uma página na internet para ser conhecido. Para isso, é necessário ter uma ampla divulgação. Isso é feito pelos mecanismos de busca ou por meio de propaganda em sites, em portais e em blogs. Sem isso, o site não ganha visibilidade e será como uma página de um livro fechado e perdido nos porões das bibliotecas eletrônicas da web. O TSE tirou dos candidatos pobres o único espaço gratuito (ou barato) que teriam para fazer propaganda de suas idéias. Espaço em que se poderia propagar e discutir idéias livremente, como na ágora da Grécia Antiga. Diante disso, para que servem os projetos de inclusão digital tão propalados hoje em dia? Proibindo a propaganda na internet, a resolução nº 22.718 obriga indiretamente o candidato a recorrer aos dispendiosos e poluidores "santinhos". Aqueles que você recebe ao parar nos semáforos. Quantas árvores serão necessárias derrubar nas eleições deste ano para garantir a impressão de milhões de santinhos dos candidatos? Para publicar "banners" na internet, não é necessário derrubar árvores, muito menos entupir bueiros e a rede de esgotos no dia das eleições. Diante da proibição de uma propaganda barata e ecologicamente correta pela internet, fica aqui a pergunta: teria a Justiça Eleitoral, às cegas, dado um golpe de espada na democracia? MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA O "affair" Daniel Dantas Se a Justiça fosse mais eficaz, a ânsia por punições midiáticas exemplares seria saciada pela certeza das condenações ECONOMISTA festejado, estudou no MIT, onde o famoso professor Dornbusch afirmava ter sido seu melhor aluno em toda a sua carreira. Cercado de admiradores influentes, como Mário Henrique Simonsen, galgou degraus no mundo empresarial durante os anos 90. Foi confidente, consultor e quem sabe até co-autor na elaboração dos planos de estabilização econômica com importantes economistas, como André Lara Rezende e Pérsio Arida. Enfim, uma carreira brilhante, mas que tragicamente descambou para o lado oculto da vida empresarial. Contudo Daniel Dantas e seus sequazes podem deixar um legado didático para o país. Sua prisão abriu uma intensa discussão sobre a Justiça. O cidadão sente-se inseguro quando sua privacidade e sua liberdade são subitamente ameaçadas por grampos e por ações policialescas espalhafatosas. Mas, por outro lado, o homem comum sente-se agredido ao ver que o mal campeia solto e que a impunidade estimula a criminalidade. O mais notável na discussão que seguiu as prisões e solturas sucessivas de Daniel Dantas é que, de todas as posições do espectro ideológico, ouvem-se manifestações tanto de apoio como de crítica à Polícia Federal, ao STF, aos métodos autoritários da polícia e à excessiva complacência da Justiça. Todos têm suas razões. Quem pode criticar o ministro Gilmar Mendes quando afirma que "é necessário que o ato judicial constritivo de liberdade especifique, de modo fundamentado, elementos concretos que justifiquem a medida"? Como discordar de Vinicius Mota, na Folha do dia 13 último, quando afirma que "a prisão, antes de uma sentença, deveria ser exceção, e não regra, como está se tornando"? Ou como não dar crédito ao alerta de Alberto Zacharias Toron, que na mesma edição relembra que "o combate à criminalidade deve ser feito dentro dos marcos da legislação e com a rigorosa observância do devido processo legal, pois, do contrário, campeará o autoritarismo de quem se julga intérprete dos interesses do povo"? Por outro lado, ante a inoperância, a ineficiência e a incrível morosidade do Poder Judiciário brasileiro, o princípio basilar dos direitos dos cidadãos, de não ser punido sem julgamento, assume ares de privilégio e na prática garante impunidade aos criminosos. Estão certos, portanto, os que exigem mais rigor e se insurgem contra a leniência da Justiça, pois concretamente implica impunidade, principalmente para os ricos e poderosos. Assim, como discordar de Frei Betto, que também na mesma edição da Folha diz: "Agora nem o flagrante merece punição (...) o círculo vicioso se confirma: a polícia prende, a Justiça solta. E alguns disso se aproveitam e fogem. Ou a pena prescreve, sacramentando a impunidade"? Como não dar ouvidos a Eliane Cantanhêde, ainda na mesma edição do jornal, quando afirma que "o povão está cansado de lero-lero e de ver os céus coalhados de gaviões e as gaiolas entupidas de pardais"? O trágico nessa situação é que todos estão certos. A situação é que está dramaticamente errada. Com Justiça morosa e ineficiente, o devido processo legal, que é precioso direito dos cidadãos, acaba se transformando em privilégio dos malfeitores. Se a Justiça fosse mais rápida e mais eficaz, certamente essa ânsia por punições midiáticas exemplares seria saciada pela certeza das condenações tempestivas e a crise entre magistrados e opinião pública não teria razão de ser. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Caminhões, trânsito e custo urbano A restrição à circulação de caminhões é um ponto de partida para São Paulo desatar o nó no trânsito A IMINÊNCIA de um colapso no trânsito paulistano levou a prefeitura a restringir a circulação de caminhões na região central da cidade como forma de minimizar a crise de mobilidade instalada no município. Os primeiros dias dessa restrição mostraram resultados satisfatórios e revelaram que a medida pode ajudar a reduzir os bilionários prejuízos que a lentidão no trânsito impõe a todos. Ainda que alguns técnicos argumentem que é cedo para avaliar os efeitos das medidas, vale comparar os congestionamentos nos primeiros quatro dias de funcionamento das restrições com as médias observadas em julho de 2007. Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a média dos engarrafamentos no período da manhã em julho do ano passado atingiu o pico de 61 km; com a restrição aos caminhões, a maior extensão ficou, na média dos quatro primeiros dias, em 48 km, ou seja, houve redução de 21,3%. No período da tarde/noite, os congestionamentos atingiram, respectivamente, os índices máximos de 134 km e 126 km às 19h, com queda de 6%. Vale citar que às 20h, período em que a lentidão historicamente ainda é crítica na cidade, a diminuição foi de 24%. Em determinados períodos do dia, o impacto positivo das medidas tem sido bastante significativo. Entre 8h e 10h, houve queda nas médias dos congestionamentos de em torno de 20%. Já no período de 12h30 às 14h, a redução foi da ordem de 35% e, das 17h às 20h, os engarrafamentos foram quase 10% menores. A conclusão é que as novas regras de circulação para os caminhões na cidade de São Paulo estão gerando benefícios significativos. A retirada de metade da frota que circula na região central da cidade está reduzindo os congestionamentos e, conseqüentemente, a velocidade média dos veículos aumenta, provocando redução nos prejuízos que o trânsito travado impõe à sociedade. Se a queda nas extensões dos congestionamentos provocasse elevação da ordem de 25% na velocidade média dos veículos, os ganhos econômicos seriam expressivos. Os cidadãos deixariam de desembolsar mais de R$ 1 bilhão por ano -cerca de R$ 2,74 milhões por dia- apenas com o consumo adicional de combustíveis e com os gastos relacionados ao tratamento dos efeitos da poluição sobre a saúde. Além disso, haveria a redução no custo por quilômetro das mercadorias transportadas na cidade e o resultado final seria um ganho pecuniário anual da ordem de R$ 1,6 bilhão. Se a esse valor for adicionado o custo relacionado ao menor tempo que as pessoas vão permanecer paradas durante os horários de pico, os benefícios seriam superiores a R$ 8 bilhões por ano -cerca de R$ 22 milhões por dia. A restrição à circulação de caminhões é um ponto de partida para São Paulo começar a desatar o nó no trânsito. Outras medidas devem se somar a ela como forma de enfrentar uma situação que se tornou crítica e que ameaça se aprofundar. É preciso que o poder público e o setor produtivo atuem em sintonia visando aliviar o estresse diário imposto aos paulistanos quando se deslocam pela cidade e reduzir os elevados custos que a lentidão gera. É importante que a administração municipal adote uma posição aberta e participativa para que a solução a ser implantada, após anos de descaso, resulte em uma situação compatível com os interesses de todos os envolvidos. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org mcintra marcoscintra.org MARCOS CINTRA IR, gastos públicos e desigualdade De nada adianta arrecadar tributos progressivamente e gastá-los regressivamente, pois uma ação anula a outra O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou o estudo "Justiça Tributária: Iniqüidades e Desafios", mostrando uma realidade inquestionável: no Brasil, a renda continua fortemente concentrada, e o sistema tributário é altamente regressivo. O trabalho afirma que uma das causas dos desequilíbrios distributivos é a concentração da arrecadação nos tributos indiretos. A alternativa apresentada pelo presidente do Ipea, Marcio Pochmann, em evento no CDES, seria eliminar tributos indiretos, como a Cofins, e compensar a perda de arrecadação através do aumento do número de alíquotas do Imposto de Renda da pessoa física -de 3 para 12-, elevando sua progressividade. Contraditoriamente, o estudo mostra que o quadro tributário brasileiro vem se ajustando positivamente quanto a sua progressividade nos últimos anos. Entre 1995 e 2007, a carga tributária dos tributos indiretos passou de 12,7% do PIB para 14,4% (mais 1,7 ponto) e a dos tributos diretos saltou de 5,8% para 10,3% (mais 4,5 pontos). Nesse sentido, as radicais alterações sugeridas pelo Ipea perdem motivação. Surpreende que uma instituição que deveria estar sintonizada com as tendências tributárias modernizantes se prenda a conceitos e a propostas ultrapassados. Instituições internacionais como o Institute for Policy Innovation, e acadêmicos renomados, como Larry Kotlikoff, da Universidade de Boston, vêm defendendo, por questões de custo e eficiência, a substituição da tributação sobre a renda e o patrimônio por tributos sobre o consumo. No mundo globalizado, tributar a renda de forma excessivamente progressiva, como propõe o Ipea, é um equívoco. Essa é uma base com grande mobilidade, sobretudo num ambiente de grande mobilidade de capitais, como ocorre atualmente. As práticas evasivas contra a elevada tributação pelo Imposto de Renda variam desde o profissional com alto rendimento que estabelece domicílio fiscal onde a tributação é menor até o contribuinte que opta pela sonegação ou pela informalidade. Ademais, o Ipea procura resolver o problema da desigualdade agindo pela ótica da arrecadação de tributos, quando o enfrentamento dessa anomalia seria mais eficiente se as ações ocorressem através do aumento da progressividade do gasto público. Ao mostrar em seu estudo que os gastos com previdência social e com o pagamento de juros são elevados no Brasil, o Ipea deveria notar que nessas variáveis se encontram mecanismos de distribuição de renda. Os gastos previdenciários distribuem, ao passo que o serviço da dívida concentra renda. De que vale arrecadar progressivamente e gastar regressivamente? Uma ação anula a outra. Vale notar que entre 2001 e 2007 os gastos com benefícios previdenciários se mantiveram em torno de 28% do total das despesas do Tesouro Nacional, enquanto os encargos com a dívida mobiliária saltaram de 7,6% para 13%. Ou seja, nos últimos anos a carga tributária cresceu com ênfase nos tributos diretos, como mostrou o Ipea, mas as despesas financeiras, absorvidas pelos rentistas, quase duplicaram. A idéia de tributar progressivamente a renda para combater as desigualdades, como propõe o Ipea, é ineficaz e ultrapassada. Reestruturar os gastos públicos poderia gerar resultados muito mais satisfatórios na correção da distribuição de renda no país. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Tapa na cara Não há como continuar com uma política pública que jogue a classe média assalariada aos leões A CRIAÇÃO da nova CPMF, batizada de CSS, revela mastodôntica inabilidade política do governo petista e de sua base parlamentar. Apesar de ser um bom tributo, como tenho reiteradamente afirmado neste espaço, o "imposto do cheque" foi travestido de vilão. Houve mesquinharia política, e outras razões menos nobres, para explicar por que condenaram a CPMF -referida pelo renomado tributarista Vito Tanzi como uma das mais importantes inovações tecnológicas tributárias dos últimos anos- a assumir o papel de bode expiatório. Análises incompletas e equivocadas foram manipuladas para serem tidas como verdadeiras e hoje poucos têm a coragem de defender esse tributo, apesar de suas reconhecidas qualidades. No entanto, cabe lembrar que a CPMF é repudiada se for um tributo a mais a elevar a carga tributária brasileira. Porém seria amplamente aceita pela sociedade se fosse instituída como substituta de outros tributos. Levantamento realizado pela empresa Cepac - Pesquisa & Comunicação revela que 64% das pessoas a aceitariam se ela substituísse, por exemplo, a contribuição ao INSS incidente sobre a folha de pagamento das empresas. Nesse sentido, há em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC 242/08, do Partido da República, que propõe a criação de um tributo de 0,5% sobre débitos e créditos bancários, que permitiria a total eliminação da contribuição ao INSS sobre a folha de pagamento das empresas e também uma significativa elevação dos limites de isenção do Imposto de Renda da pessoa física incidente sobre os rendimentos do trabalho. A PEC do PR, batizada de Imposto Mínimo, foi discutida com a cúpula do governo (Dilma Rousseff, Guido Mantega e José Múcio Monteiro). Todos demonstraram interesse na proposta e acenaram com a possibilidade de apoio do governo desde que o projeto tivesse origem no Congresso. O plano foi posto em marcha e o texto encontra-se na Comissão de Reforma Tributária como emenda do partido. Em vez de caminhar nessa direção, que com certeza encontraria apoio da sociedade, principalmente dos assalariados e da sofrida classe média brasileira, o governo e sua base parlamentar metem-se nessa esparrela de simples e bruta recriação da CPMF. É possível que o rolo compressor do governo resulte em aprovação da CSS no Congresso, mas as querelas jurídicas poderão inviabilizar sua efetiva implementação. Será uma vitória de Pirro para o governo, para o PT e para a bancada da saúde. A ex-ministra Marta Suplicy, em entrevista publicada pela Folha, afirmou que precisa reconquistar a classe média que a abandonou nas últimas eleições municipais e deu a vitória a José Serra. O presidente Lula não deve se esquecer de que foi o voto da classe média que o levou à Presidência e também que ele perdeu disputas todas as vezes em que as bandeiras desfraldadas a afrontaram. Hoje, a criação da CSS representa uma agressão à classe média brasileira. O presidente Lula parece não enxergar o que Marta Suplicy já percebeu: não há como continuar com uma política pública que privilegie apenas os interesses da base e do topo da pirâmide econômica, jogando a classe média assalariada aos leões. Mas tudo indica que o erro será repetido. Marta perdeu o PMDB e o PR, típicos partidos de classe média, para o prefeito Gilberto Kassab. E Lula quer criar a CSS, um tapa na cara da burguesia. Mas, se o PT tiver juízo, ainda há tempo para usar a emenda do PR para desonerar o trabalho e reconquistar a classe média. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA À beira de um colapso O prejuízo anual causado pela lentidão do trânsito na capital paulista é estimado em mais de R$ 33 bilhões DADOS DA Anef (Associação das Empresas Financeiras das Montadoras) mostram que o saldo de recursos para financiamento de veículos saltou de R$ 42,4 bilhões em 2004 para R$ 120 bilhões no primeiro trimestre de 2008, e a expectativa é que essa trajetória ascendente continue. Com tanto dinheiro financiando veículos, as vendas no mercado interno ultrapassaram 1 milhão de unidades em maio deste ano. Em 2007, essa quantidade foi alcançada em junho. O recorde de automóveis vendidos no ano passado será certamente batido neste ano, devendo se aproximar de 2,5 milhões de unidades. Em apenas oito anos, as vendas de veículos no mercado interno brasileiro dobraram. Saltaram de 1,1 milhão de unidades em 1999 para o recorde de 2,2 milhões em 2007. As indústrias automobilísticas têm investido grandes somas em suas linhas de produção para explorar o promissor mercado nacional. Dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) mostram que, enquanto a relação habitante-automóvel é de 1,2 nos Estados Unidos, de 3,1 na Coréia do Sul e de 4,7 no México, no Brasil ela é de 7,9. Ou seja, há um contingente enorme de pessoas no mercado brasileiro contido na estratégia das montadoras de expandir mercados, uma vez que nos países ricos essa meta está restrita. Por conta do potencial de expansão da frota de veículos, do volume de crédito crescente e da estabilidade econômica, as montadoras estão investindo neste ano um montante recorde de recursos no Brasil para aumentar a produção. Estão previstos cerca de US$ 5 bilhões em investimentos em 2008, 130% a mais comparativamente ao valor investido no ano passado. O cenário descrito causa apreensão porque, com mais veículos em circulação, a tendência é que, em muitos centros urbanos, a situação do trânsito se torne crítica em pouco tempo e em cidades como São Paulo, que tem a maior frota nacional e já convive com um trânsito caótico, há a perspectiva de um colapso iminente. Os congestionamentos na capital paulista crescem rapidamente e já ultrapassam, com freqüência, 200 quilômetros de extensão. Nos últimos anos entraram em circulação na cidade de São Paulo quase 700 veículos, em média, por dia, gerando um rápido aumento na demanda por vias de circulação. Como em curto prazo a oferta de vias é inelástica, e os investimentos em infra-estrutura e em transporte de alta capacidade foram insuficientes para criar alternativas de locomoção de pessoas e de mercadorias, a crise de mobilidade foi inevitável na principal economia do país, e o prejuízo que essa situação causa impressiona. O prejuízo anual causado pela lentidão do trânsito na capital paulista é estimado em mais de R$ 33 bilhões. São cerca de R$ 27 bilhões referentes ao tempo que as pessoas perdem nos congestionamentos e mais de R$ 6,5 bilhões de custos relacionados ao consumo adicional de combustíveis, ao impacto dos poluentes sobre a saúde das pessoas e ao efeito sobre o transporte de cargas. A expectativa é que o custo bilionário dos congestionamentos em São Paulo cresça por conta da projeção de mais carros em circulação. Em breve, a cidade pode parar de vez. A luz amarela está acessa aos gestores públicos e isso exige uma posição mais efetiva dos três níveis de governo e a celebração de parcerias entre os setores público e privado para que o caos instalado não se aprofunde. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA O império da Lei No rol de causas institucionais do crescimento, incluem-se fatores como ética, moralidade pública e privada, segurança ADVOGADOS especializados acham que o julgamento dos acusados pelo animalesco assassinato da pequena Isabella levará de três a quatro anos para ser concluído. O acusado de ser o mandante do assassinato da religiosa Dorothy Stang no Pará acabou de ser inocentado pela Justiça, contrariando todas as expectativas e as provas apresentadas. O caso da morte da jornalista Sandra Gomide levou quase seis anos para ser julgado e o assassino ainda pôde recorrer em liberdade. Invasores de propriedades agem livremente, como os sem-terra, os sem-teto e outros sem-vergonha. Em nosso país, essa lista macabra é interminável. Mas por que falo sobre essas coisas em uma coluna econômica? Um dos grandes desafios para os economistas, desde a economia política dos mercantilistas, dos fisiocratas e dos clássicos como David Ricardo, Malthus e Adam Smith, seguidos por Kuznets, Solow, Galbraith, Kindleberger, North, Celso Furtado, Arrow, Barro, Alesina, Rodrik e tantos outros, tem sido encontrar as causas do crescimento econômico. Acreditou-se inicialmente que seria causado pela disponibilidade de recursos naturais. Mas ao longo da história do pensamento econômico essa questão tem gerado várias outras explicações, todas não plenamente satisfatórias, entre elas a oferta de alimentos, a taxa de natalidade, o progresso tecnológico, as taxas de poupança e investimento, o capital humano e várias outras causas. Mais modernamente, os economistas se encontram debruçados, e convencidos, de que a causa eficiente do crescimento econômico pode ser encontrada nas instituições, mais especificamente no que chamam de "rule of Law" (império da Lei), de segurança jurídica, de estabilidade institucional etc. Recente reportagem publicada na revista "The Economist" de 15 de março apresenta uma excelente síntese desse tema e analisa o potencial explicativo dessas variáveis institucionais, bem como a polêmica causada por algumas limitações desses conceitos. Resumidamente, o "state of the art" nesse texto afirma que, se as regras e as instituições são instáveis e ineficientes, a política macroeconômica torna-se menos eficaz e não produz os resultados esperados. Os exemplos lembrados são os países da ex-Cortina de Ferro, que logo após a democratização adotaram políticas econômicas corretas com grande rapidez, mas com resultados pífios dadas as falhas de governança, a má qualidade da burocracia pública e a pouca confiabilidade institucional vigentes durante sua implementação. No rol de causas institucionais do crescimento, incluem-se fatores como ética, moralidade publica e privada, segurança pública, agilidade e rapidez no funcionamento do sistema judiciário, garantias de direito de propriedade, direitos humanos, respeito ambiental e muitos outros temas correlatos. Os fatos que ocorrem no Brasil com trágica regularidade nos fazem questionar até que ponto o país está institucionalmente preparado para oferecer aos cidadãos uma vida sob o império da Lei, com segurança institucional e respeitos aos direitos coletivos e individuais. O noticiário dos jornais é desapontador. Temo que ainda tenhamos um longo caminho a percorrer e que as bases de um crescimento auto-sustentado ainda não estejam firmemente implantadas. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA O custo econômico do congestionamento A lógica que tem prevalecido nos últimos anos em São Paulo é a das grandes obras, caras e ineficientes AO LER este artigo, muitos leitores o farão antes, após ou, quem sabe, até mesmo durante os gigantescos congestionamentos de São Paulo. Esse problema atinge diretamente, todos os dias, milhões de pessoas que precisam se deslocar pelo município. O trânsito paulistano se tornou uma calamidade que vai muito além do estresse diário que causa no cidadão. As horas perdidas todos os dias nos engarrafamentos, que com freqüência ultrapassam 200 km, implicam custos bilionários que estão sendo objeto de um estudo voltado para mensurar sua grandeza. No período entre fevereiro de 2003 e fevereiro de 2008, a quantidade de automóveis em São Paulo aumentou 768.931 unidades; 12.815 novos carros todo mês ou 427 por dia. Quando se considera no mesmo intervalo de tempo a frota total (carros, motocicletas, caminhões, utilitários e outros), observa-se um crescimento de 1.213.935 veículos, equivalente a 20.232 por mês ou 674 a mais por dia na frota paulistana, que cresceu em média mais de 5% ao ano. Mas a infra-estrutura viária não foi capaz de atender essa expansão. O modelo viário do município vem há décadas privilegiando grandes obras, de custo elevado, que hoje apenas transferem pontos de congestionamentos para alguns metros adiante. São Paulo precisa de uma nova concepção viária, que invista na revascularização do trânsito. Um exemplo disso seria a construção de pontes sobre os rios Pinheiros e Tietê. Se os quase R$ 3 bilhões espalhafatosamente gastos nos túneis Ayrton Senna, Jânio Quadros, Rebouças, Faria Lima e na ponte estaiada do Real Parque tivessem sido utilizados para construir 80 pequenas pontes com três vias em cada sentido, como existem em profusão na Europa, a cidade teria menos congestionamentos. Outro exemplo seria a remoção de obstáculos para o uso mais intenso das vias paralelas às grandes artérias, sempre entupidas, criando um sistema reticular de ruas na cidade, permitindo assim a desconcentração do fluxo de veículos. A lógica que tem prevalecido nos últimos anos é a das grandes obras, caras e ineficientes. A cidade está prestes a parar de vez por conta da combinação da precariedade dos sistemas viário e de transporte coletivo com o aumento acelerado da quantidade de carros. O custo que essa situação impõe é espantoso. Eles podem ser classificados em dois tipos: o tempo ocioso das pessoas no trânsito e os gastos pecuniários impostos à sociedade. O primeiro tipo é um conceito chamado em economês de "custo de oportunidade". Considerando apenas os períodos críticos dos congestionamentos pela manhã e tarde/ noite e o custo da hora de trabalho em São Paulo, esse valor teórico hoje é de R$ 26,8 bilhões. Há quatro anos, era de R$ 15,4 bilhões. Quanto ao custo pecuniário, ele deriva de uma comparação entre o trânsito fluindo e congestionado. Consideram-se os gastos referentes ao consumo de gasolina pelos carros e do diesel pelos ônibus, o impacto dos poluentes na saúde da população e o aumento no custo do transporte de carga. O resultado foi um custo total superior a R$ 6,5 bilhões por ano. Há quatro anos, ele era de R$ 5,3 bilhões. Ademais, os custos se mostram crescentes e causam forte impacto negativo na estrutura econômica da cidade e do país, na saúde das pessoas, no bolso do cidadão e na qualidade de vida da população. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA A esquecida classe média A classe média só tem sido lembrada na hora de pagar a conta tributária da significativa expansão dos gastos públicos TEME-SE QUE a proposta de reforma tributária do governo aumente a pesada carga tributária de 36% do PIB que incide sobre a população brasileira. Se isso ocorrer, será mais uma vez a classe média que sofrerá a maior parte das conseqüências. Vale lembrar que os ganhos econômicos atuais têm excluído a classe média. Na base da pirâmide econômica, os avanços têm sido significativos com o Bolsa Família, a elevação do salário mínimo para mais de US$ 200 mensais e o aumento do emprego e da renda familiar. Da mesma forma, o topo da pirâmide não pode reclamar de Lula, que tem praticado uma política econômica reconhecidamente pró-mercado e que tem produzido altos lucros e polpudos rendimentos financeiros para os setores rentistas e empresariais. Nada a criticar. Contudo a classe média só tem sido lembrada na hora de pagar a conta tributária da significativa expansão dos gastos públicos. Entendem-se nesse estrato social os assalariados que pagam Imposto de Renda, ou seja, cujos rendimentos situam-se acima do limite de isenção de R$ 1.372,81. Esse grupo tem sido onerado implacavelmente pelos impostos diretos e indiretos. Nesse sentido, vale ressaltar uma importante iniciativa do Partido da República batizada de Imposto Mínimo, que busca complementar o projeto de reforma tributária do ministro Guido Mantega por meio da desoneração do trabalho, tanto para o empregador como para o empregado. O Brasil tributa em excesso os rendimentos do trabalho. A proposta, discutida com os ministros Guido Mantega e Dilma Rousseff, elimina a partir de janeiro de 2009 os 20% do INSS patronal. Em seu lugar, seria criada uma contribuição previdenciária de 0,5%, que incidiria sobre o débito das movimentações financeiras. Conforme simulações com base na matriz insumo-produto do IBGE, essa medida promoveria uma expressiva redução na carga tributária e nos preços em todos os setores da economia. Para beneficiar a classe média assalariada, o projeto do Imposto Mínimo do PR propõe uma significativa elevação do limite de isenção do IRPF, que poderia chegar a até R$ 30 mil por mês, e a perda de arrecadação seria compensada por meio da cobrança de até 0,5% sobre o crédito das movimentações financeiras. Não haveria cobrança das pessoas que movimentam até o limite de isenção do IRPF. Vale ressaltar que o projeto elimina o IR para o trabalho assalariado. O Imposto de Renda incidente sobre rendimentos de capital, remessas ao exterior e outros continuaria sendo cobrado da mesma forma como ocorre atualmente. Alguns críticos são contra a eliminação do IRPF para níveis de renda como o previsto na proposta, sob a alegação de que o patamar de isenção é relativamente alto quando comparado com a renda per capita e que essa medida criaria uma espécie de "paraíso fiscal" no país. Essas conclusões são falsas: primeiro porque não é correto definir classe média por meio de conceitos relativistas. Quanto à crítica de que se estaria criando um "paraíso fiscal", cabe citar que, conforme apurou o Banco Mundial em 2003, 40% do Brasil é informal. Ou seja, o país já é um "semiparaíso fiscal", e a substituição do IRPF por um tributo sobre a movimentação financeira seria a vacina contra essa anomalia. A desoneração do trabalho é um projeto viável para o Brasil: valoriza a classe média, base do crescimento sustentado; combate a sonegação de impostos; e minimiza a metástase dos nódulos de "paraísos fiscais" disseminados entre nós. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Trânsito. Coragem, prefeito Há medidas que poderiam melhorar o transporte da cidade, mas é preciso coragem para implementá-las EM 2000 , na preparação de plano de governo para São Paulo, propus a alteração do modelo viário, promovendo sua urgente revascularização. A proposta era parar de concentrar o fluxo viário nas grandes artérias, onde ocorrem os congestionamentos, fazendo-o fluir pelas vias secundárias ociosas. Como diz o secretário municipal dos Transportes, "uma viagem de helicóptero no horário de pico permite ver que o trânsito está carregado em grandes avenidas e livre em vias paralelas". A observação é pertinente, mas pouco resolverá apontar 140 rotas alternativas, como prometido, pois, suspeito eu, todos já as conhecem e delas já se utilizam. As autoridades perderam tempo e dinheiro quando mantiveram o modelo arterial no trânsito paulistano. A construção de dispendiosas artérias (que são os focos de congestionamentos) custaram quase R$ 3 bilhões (túneis subaquáticos, pontes estaiadas que comportam navegação de transatlânticos, vias monumentais e outras extravagâncias). Se, em vez disso, a cidade tivesse gastado esses recursos para promover a remoção de obstáculos viários, para a construção de dezenas de pequenas pontes e viadutos nas marginais e para a configuração de uma rede reticular de ruas, o trânsito fluiria mais livremente ocupando a totalidade do leito carroçável, em vez de se concentrar nos 5% das pistas arteriais, totalmente ateroscleróticas. Nova York tem 22 mil veículos por km2, e em São Paulo ainda são 4.500 veículos por km2. Porém aqui há congestionamentos mais graves que lá, pois Manhattan possui um sistema quadriculado de vias que são homogeneamente utilizadas. Aqui existem serpentes de congestionamentos cercadas de ruas vazias. Nos artigos "Neuróticos e improdutivos" e "Revascularização do trânsito em São Paulo", publicados nesta coluna em 26/11/2007 e em 10/12/2007, respectivamente, procurei mostrar as implicações econômicas da calamidade que virou o trânsito paulistano. O caos verificado diariamente no principal centro econômico do país (o município representa 12% do PIB brasileiro) compromete a competitividade da produção nacional. O custo de transporte, de carga e passageiros, aumenta. O custo de oportunidade das pessoas paradas no trânsito é de mais de R$ 27 bilhões por ano, sem contar o desperdício de combustível e os efeitos maléficos da poluição. A impressão que se tem é que as autoridades têm medo de agir. Há medidas que poderiam melhorar o transporte na cidade, mas é preciso coragem e determinação para implementá-las. Algumas delas são: 1) Agir com rigor na fiscalização de veículos velhos e inseguros. Nas ruas, circulam até carrinhos de mão e carroças com tração animal; 2) Restrição à circulação de caminhões de grande porte. São Paulo precisa funcionar 24 horas por dia, e horário para transporte de carga deve ser entre as 22h e as 6h; 3) Investir em terminais de transbordo. Isso evitaria os ridículos comboios de ônibus vazios em fila indiana na região central e grandes avenidas (vale a pena verificar a avenida Paulista!); 4) Implantar pedágio urbano, como em Londres, Milão, Estocolmo, Cingapura e Oslo. É preciso igualar a utilidade marginal privada ao custo social pelo uso do automóvel. Essas ações, e inúmeras outras, seriam paliativos para amenizar a absurda crise de mobilidade na cidade, enquanto se espera pela solução definitiva, que é o transporte de massa eficiente. Esperar passivamente vai matar a cidade e muitos de nós iremos juntos. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Boazinha, mas com problemas A proposta de reforma tributária é limitada, silencia sobre importantes tributos, como o IR e o IPI A PROPOSTA de reforma tributária tem um defeito de fundo: não contribui para aumentar o número de contribuintes e assim reduzir a carga tributária individual. Ela centraliza a legislação do ICMS e quase cria um imposto único federal sobre valor agregado. Isso simplifica, unifica e poderá resultar em economias operacionais e administrativas importantes para o governo federal. Mas, por outro lado, cria para o governo central um grande imposto cujos fatos geradores serão em grande parte coincidentes com a base do ICMS (a única exceção são os serviços, que serão tributados pelo novo IVA-F, e não pelo ICMS, com algumas exceções). Os fatos geradores sofrerão tributação dupla, estadual e federal, cujas alíquotas devem ser somadas para caracterizar a carga tributária total incidente sobre eles. Com certeza será superior a 20%-22%, o que deverá estimular a evasão e a sonegação. A proposta é limitada. Ela silencia sobre importantes tributos. Há inúmeros detalhes, alguns oportunisticamente inseridos em meandros pouco explícitos do projeto e que demandarão análise detalhada. Mas chamo a atenção inicialmente para alguns aspectos gerais. 1) A reforma é parcial. Não abrange tributos como o IR, o IPI e os impostos municipais, contemplando apenas tributos sobre o consumo. É perfunctória quanto à desoneração da folha de pagamentos; 2) Não há indicações quantitativas sobre os impactos das medidas nem sobre alíquotas, bases e formas de cálculo. Convém lembrar que, em matéria tributária, o diabo mora nos detalhes; 3) Altera critérios de partilha fiscal. Como ponto positivo, inclui novos tributos federais nos mecanismos de divisão da arrecadação. Por outro lado, dificulta a apuração para saber se Estados e municípios vão receber mais ou menos recursos; 4) Desconstitucionaliza critérios de partilha do ICMS. Isso vai prejudicar as capitais e os grandes municípios brasileiros; 5) Critérios de partilha incertos. Os métodos de "enforcement" não estão claramente definidos principalmente porque os repasses não serão de cima para baixo (União para Estados e municípios). As transferências serão laterais (entre Estados). Não se sabe quanto vai custar a estrutura de fiscalização, quem irá fiscalizar nem se os mecanismos de punição de Estados que não repassarem o ICMS serão eficazes; 6) Incertezas dos impactos do ICMS no destino. As compensações pelo Fundo de Equalização são incertas e subjetivas, não dando garantias seguras aos Estados perdedores; 7) Reforma protelatória. O governo pressupõe que governadores e prefeitos só pensam em seus respectivos mandatos e que aceitarão azedumes se ocorrerem daqui a 10 ou 20 anos; 8) Nota fiscal eletrônica. É uma medida ingênua e de difícil execução, já que gera custos para sua instalação, não considera o ambiente socioeducacional da população nem que a informalidade é quase uma regra no Brasil. Será uma "espada de Dâmocles" sobre a cabeça dos Estados, na medida em que sua não-implementação fará com que eles não participem do Fundo de Equalização. Se o governo acha que ela resolve o problema da sonegação, é bom lembrar que basta tirar o aparelho da tomada que a operação não será registrada; 9) Abertura para a multiplicação de alíquotas. Os especialistas em IVA consideram ideal a existência de apenas uma alíquota ou, no máximo, duas ou três. Voltaremos ao tema. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Fim da CPMF e inflação A hipótese mais provável é que o fim da CPMF serviu para aumentar as margens de lucro das empresas OS CRÍTICOS da CPMF diziam que ela era altamente inflacionária. Segundo eles, o tributo tinha um peso de 2% nos preços. Portanto, dada a magnitude do choque ocorrido com sua extinção, era de esperar que poderia ocorrer deflação. Mas nada disso aconteceu. Com base na matriz interindustrial do IBGE, calculei o impacto da CPMF sobre os preços em 42 setores da economia brasileira. Em seguida, comparei essa carga com os dados do IPCA de janeiro, divulgados na semana passada, para aferir se a extinção do "tributo do cheque" teve efeito sobre a inflação. A precisão dessa análise requer avaliações mais pormenorizadas, mas a comparação entre o que ocorreu com os preços no primeiro mês sem a contribuição e o peso que ela tinha nos setores produtivos é um sinalizador imediato para que se apure se, do ponto de vista da inflação, a extinção da CPMF foi um avanço. A CPMF representava, em média, 1,61% no preço dos bens e serviços. Portanto, sua extinção deveria reduzir os preços em torno disso, supondo repasse total desse impacto nos preços ao consumidor. Porém o IBGE apontou que em janeiro o IPCA subiu 0,54%. Obviamente, fatores como sazonalidade, a estrutura de cada setor produtivo e o ritmo da atividade econômica devem ser considerados para fazer uma análise mais precisa. Mas, neste primeiro momento, a expectativa que se criou é que os preços cairiam sem o tributo, dada a magnitude do esperado choque de preços causado pela extinção da CPMF. É oportuno primeiramente fazer algumas considerações a respeito de índice global. Quando se compara janeiro de 2007 com o mesmo mês de 2008, vê-se que o IPCA atual se posicionou 0,10 ponto percentual acima do registrado no ano passado. Já o acumulado de 12 meses no primeiro mês deste ano (4,56%) manteve a trajetória de crescimento observada em dezembro de 2007 (4,46%). Quanto ao núcleo do IPCA, observa-se que o índice saiu de 0,35% em janeiro de 2007 para 0,41% no mesmo mês de 2008. O acumulado de 12 meses passou de 3,62% em dezembro de 2007 para 3,68% no mês seguinte. Portanto, observa-se que em todas essas comparações a inflação global subiu em vez de cair. Em termos de comparação setorial, o peso da CPMF é de no máximo 2,25% na indústria do café. Segundo alguns críticos do tributo, esse setor deveria reduzir seus preços em torno disso, mas o IPCA mostrou que no caso do café moído houve inflação de 0,16% e, no solúvel, a redução de preços foi de apenas 0,73%. No setor de eletroeletrônicos, a CPMF tinha custo tributário de 1,74% sobre o faturamento, mas seus preços aumentaram 0,11%; na indústria automobilística, o tributo pesava 1,69% e houve inflação de 0,26%; na indústria farmacêutica, o tributo representava 1,49%, mas o IPCA registrou 0,15%. Na área de transportes, que tem peso elevado para os consumidores, a CPMF representava 1,33%, mas os preços aumentaram 0,4%; e, nos serviços pessoais, em que o ônus do tributo era de 1,31%, os preços cresceram 0,64%. A inflação mensal de janeiro perdeu fôlego em relação a dezembro, mas isso está longe de ser explicado pelo fim da CPMF. Muito pelo contrário, a comparação setorial mostra que a hipótese mais provável é que a redução do custo tributário serviu para aumentar as margens de lucro das empresas. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Delírio burocrático Na questão tributária, o país precisa mudar paradigmas em vez de aprofundar seus defeitos, como tem ocorrido ENTENDER a confusa legislação tributária no Brasil é uma tarefa difícil até para os mais experientes tributaristas. Para o contribuinte é um fator de risco considerável, já que qualquer falha de interpretação pode significar indício de fraude para o fisco, expondo-o a severas punições. A burocracia tributária no Brasil é uma praga cada vez mais resistente. A produção de normas não cessa e torna a vida do contribuinte um inferno. Há estimativas mostrando que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, até 2007 foram editadas nos três níveis de governo quase 236 mil normas tributárias no país. Isso equivale a 50 novas regras por dia útil. É uma proliferação insana de leis, decretos, medidas provisórias, emendas, normas complementares, entre outros instrumentos jurídicos, que acabam impondo pesados custos aos contribuintes, sobretudo às empresas. Se já não bastasse a opressão fiscal que extrai cerca de 36% da renda do setor produtivo, as empresas no Brasil são obrigadas a conviver com gastos adicionais para atender às imposições acessórias do fisco. Esse "custos de conformidade", como a literatura especializada vem chamando esses encargos impostos aos contribuintes, chegam a 0,75% do PIB (tomando por base pesquisas feitas junto à média das empresas abertas brasileiras). E podem atingir o equivalente a 5,82% do PIB, quando se considera esse desembolso para as companhias abertas com receita bruta anual de até R$ 100 milhões, classe que inclui a ampla maioria das empresas brasileiras. Recentemente o Banco Mundial, em parceria com a consultoria PricewaterhouseCoopers, publicou um estudo comparando o tempo que as empresas gastam para apurar tributos a pagar em 178 países. Uma empresa submetida à legislação tributária brasileira gasta por ano 2.600 horas (equivalente a 108 dias e oito horas) com a burocracia nos três níveis de governo, enquanto que a média mundial é de 1.344 horas (equivalente a 56 dias no ano). No Chile são necessárias 316 horas; na China, 872; na Índia, 272; na Rússia, 448; e, na Argentina, 615. A estrutura tributária brasileira como um todo é muito ruim, mas há tributos que são símbolos do caos que prevalece no país. Continuam vigindo, por exemplo, o PIS e a Cofins, contribuições que passaram a ter uma calamitosa proliferação de normas e procedimentos regulatórios desde quando os críticos da cumulatividade impuseram a tese de que a solução seria cobrá-las sobre o valor agregado. E, sintomaticamente, o único tributo que era simples, transparente, sem custo para o governo ou para o contribuinte e altamente produtivo na arrecadação, a CPMF, foi sumariamente trucidada por uma bem urdida ação política, e que irá acarretar impactos altamente nocivos à economia do país. Surge agora mais uma fonte para alimentar o apetite burocrático de nossos tributaristas: a Nota Fiscal Eletrônica. Será mais uma tentativa de "aperfeiçoar o obsoleto", como diria o saudoso Roberto Campos. Será mais um instrumento para aumentar o custo tributário das empresas, a tornar ainda mais complexa a vida dos agentes econômicos em nosso país, e que em nada irá diminuir os estímulos à evasão e à sonegação que a complexidade e a alta carga tributária inevitavelmente produzem em nossa economia. Na questão tributária, o país precisa mudar paradigmas em vez de aprofundar seus defeitos, como nossa burocracia pública vem insistindo em fazer. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Escolha perigosa O Brasil, com carga tributária de 33,4%, escolheu o modelo europeu, típico de países que optaram pelo "welfare state" AGORA QUE a reforma tributária volta a ser discutida, cabe avaliar o que se pretende fazer no Brasil e o que se passa em outros países, notadamente nos mais avançados. Usando dados da OCDE para 2005, reuni alguns países membros, em três grupos: o dos países ricos, com carga tributária média de 41,8% (Suécia, França, Reino Unido e Alemanha); o dos países intermediários, com carga tributária média de 34,9% (Itália, Hungria, Espanha e Coréia do Sul); e o das economias emergentes, com carga tributária média de 33,8% (República Tcheca, Grécia, Portugal, Turquia e Eslováquia). Ao final, adicionei os dados referentes ao mesmo ano em questão para os Estados Unidos e o Brasil. Há dois grandes padrões de tributação em uso no mundo de hoje. Em primeiro lugar, o padrão europeu de tributação, caracterizado por alta carga tributária, sempre superior a 30% do PIB, independentemente da renda per capita, e em alguns casos supera 40%, podendo até chegar a 51,2%, como é o caso da Suécia. A composição da carga tributária nesse padrão mostra que o maior componente na arrecadação de tributos oscila entre os impostos indiretos sobre venda (IVAs) e as contribuições sociais sobre folha de pagamento. Em relação à arrecadação total, os tributos sobre vendas representam de 28% nos países ricos a até 40% nos emergentes, e a participação dos tributos sobre a folha de pagamentos situa-se entre 30% nas economias intermediárias e 33% nos países desenvolvidos. Já o Imposto de Renda no modelo europeu tem um peso de 14% nos países emergentes e de 25% nas economias ricas para as pessoas físicas , enquanto para as empresas ele pesa 7% na arrecadação das economias avançadas e 10% nos países intermediários e emergentes. Esse padrão vem se acentuando ao longo do tempo, com o Imposto de Renda perdendo espaço para tributos indiretos e sobre folha de salários. O segundo padrão, o americano, em uso principalmente nos Estados Unidos, caracteriza-se por maior dependência do Imposto de Renda, principalmente das pessoas físicas, ao passo que as tributações sobre folha de pagamentos e sobre vendas vêm em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Nesse modelo, a carga tributária é mais baixa, como é o caso dos Estados Unidos, com carga de impostos de 26,8% do PIB. O Brasil, com carga tributária de 33,4%, escolheu o modelo europeu, típico de países que optaram pela economia do "welfare state". O que mais chama a atenção nessa tipificação tributária é que o modelo europeu tributa mais pesadamente a circulação, ao passo que o modelo americano concentra seu esforço de arrecadação na renda das pessoas. Os Estados Unidos, por exemplo, não possuem IVA, que, além de ser impróprio para uso em países com estrutura política federativa, se caracteriza por pesada burocracia de apuração e recolhimento, dando ampla margem para a prática de evasão e sonegação. Na Europa, ele vem sendo questionado por conta de fraudes freqüentes nas operações entre países daquele continente. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA O pior dos mundos A oposição deu boa desculpa ao governo para justificar a sua incompetência na gestão dos serviços públicos NUM ATAQUE de "delirium juvenilis" (não sei se isso existe), a oposição resolveu mostrar que é macha... e deu no que deu. Após a peça orçamentária para 2008 estar negociada no Congresso, cortou subitamente R$ 40 bilhões da CPMF, que representam quase 8,5% da receita federal e praticamente a metade dos gastos discricionários da União. Uma barbárie desse tipo jamais foi praticada pela oposição, nem mesmo nos tempos mais raivosos do PT na oposição. A realidade é que não se pode cortar na carne do orçamento público e ficar impune. Outros impostos serão aumentados (vide IOF e CSLL) e, pior, o déficit público poderá aumentar (o que se espera não venha a ocorrer, mas poderá ser inevitável). Apesar de a CPMF ser um bom imposto, como tenho insistentemente afirmado, ela é rejeitada por 75% da população. A oposição poderia capitalizar politicamente aceitando a prorrogação (o que seria bom para o país) e, sob protestos, culpar o governo pela "odiosa" prorrogação do tributo. Mas preferiu se entrincheirar heroicamente em praça pública. Colheu uma autêntica vitória de Pirro. O governo poderá agora, com a maior desfaçatez, adotar medidas que não ousaria praticar até o fatídico 13 de dezembro e jogar tudo no colo da valente oposição, que agora diz se sentir "traída". A teoria de que a única maneira de reduzir a carga tributária é cortar o suprimento de oxigênio do orçamento público é ingênua e revela desconhecimento da máquina governamental. Os economistas sabem que alguns fenômenos são assimétricos quando vão em direções opostas. Chamam isso de "ratchet effect", ou efeito anzol. Por exemplo, a velocidade e a fluidez no aumento de gastos são sempre mais suaves do que na redução, sempre marcada por atritos e resistências. Nesse sentido, a luta contra a carga tributária e contra o aumento de gastos exige mais do que atos heróicos de suspensão de receitas, pois os gastos continuarão a serem feitos; exige trabalho penoso, persistente, para fazer a própria população entender que o governo não é a solução de todos os seus problemas. A maioria é contra impostos, mas não se cansa de exigir mais serviços do poder público. É correto lutar com unhas e dentes contra o aumento de impostos e de gastos, como a sociedade brasileira fez contra a MP 232. Mas outra coisa totalmente diferente é decepar do orçamento público pedaços inteiros já comprometidos, como aconteceu com a CPMF. A culpa é da oposição, dirá o governo, que agora, cândida e inocentemente, pode adotar medidas como violar abertamente o sigilo fiscal e pessoal dos brasileiros, ao seqüestrar suas movimentações bancárias e seus extratos de cartões de créditos (o que já foi feito), aumentar impostos por decreto (o que também já fez), punir bancos e comerciantes com elevações no custo do crédito (idem) e jogar água fria nas expectativas de manutenção do superávit primário e na obtenção do grau de investimento, que já está deixando de orelha em pé as agências de avaliação de risco. A oposição conseguiu o pior dos mundos. Não vai reduzir a carga tributária, deu de bandeja boa desculpa ao governo para justificar sua incompetência na administração dos serviços públicos e perdeu de vez a legitimidade para negociar desonerações tributárias (como a desoneração da folha de salários), a reforma tributária e mais recursos para áreas essenciais (como a saúde) que haviam sido arrancadas do governo a fórceps na discussão da CPMF. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA As abusivas tarifas bancárias A redução no nº de tarifas e seu congelamento por 6 meses não impedem que o setor bancário continue praticando abusos OS BANCOS não têm do que reclamar. Lucros bilionários recordes têm sido registrados todo ano, e em 2007 não será diferente. A rentabilidade deve superar a do setor petrolífero, que tradicionalmente lidera o ranking. Nada contra altos lucros, desde que sejam produzidos por atividades justificáveis e socialmente responsáveis. De janeiro a setembro de 2007, os cinco maiores bancos (Bradesco, Itaú, ABN Real, Santander e Unibanco) anunciaram lucros líquidos de R$ 18,5 bilhões -alta de 90% ante o mesmo período de 2006. O aumento do volume de crédito e o maior número de pessoas utilizando os serviços bancários contribuíram para inflar os ganhos do setor, o que é bom. Mas um item que tem sido determinante para os resultados são as tarifas cobradas, que são abusivas e precisam ser coibidas. Se o setor bancário fosse plenamente competitivo, elas não teriam mostrado a evolução vista nos últimos anos. Entre 1994 e 2006, a receita dos bancos com a prestação de serviços subiu sete vezes, de R$ 6,4 bilhões para R$ 52,8 bilhões. A participação das tarifas na receita total no período saltou de 6,5% para 17,7% e deve superar 20% em 2007. Um estudo do Dieese, publicado em 2006, mostra a evolução do peso das tarifas. Em 1994, essa receita equivalia a 26% das despesas com pessoal nos 50 maiores bancos. Em 2005, ela representou 102,3%. O aumento do peso das tarifas na receita do setor bancário não aconteceu por acaso. Em 1994, o BC deu total liberdade para os bancos cobrarem pelos serviços que prestavam como forma de compensá-los pela perda do "floating", um ganho expressivo que eles obtinham na época da inflação galopante e que o Plano Real fez desaparecer. Hoje, os bancos ganham mais com a cobrança de tarifas do que com o "float" inflacionário dos anos 80 e 90. O tema ganhou destaque quando o Ministério Público abriu inquérito contra o BC e o CMN argumentando que os órgãos, que deveriam coibir os abusos praticados pelos bancos, permitiram que o setor explorasse seus clientes. O governo federal, pressionado, resolveu intervir para regulamentar o preço dos serviços cobrados pelas instituições. As despesas que os bancos lançam nas contas dos clientes muitas vezes passam sem serem notadas pois muitos valores são pequenos. Mas, se forem somados no fim do mês ou do ano, compondo um extrato unificado, o consumidor perceberá que cada vez mais esses serviços abocanham uma fatia considerável de seu orçamento. Em realidade, as tarifas funcionam como uma CPMF, abocanhando parcelas crescentes dos recursos financeiros da população que movimenta contas bancárias. A questão das tarifas bancárias no Brasil envolve tanto sua proliferação como os valores cobrados e os reajustes aplicados. Segundo a consultoria Vida Econômica, em 13 bancos pesquisados foram apurados 58 serviços tarifados para as empresas e 41 para as pessoas físicas, sendo que esses clientes chegaram a arcar com aumentos tarifários de 4.661% e 49.900%, respectivamente, no período entre 2001 e 2006. A redução da quantidade de tarifas para 20 e seu congelamento por seis meses, a partir de abril de 2008, não impedem que o setor bancário continue praticando abusos. As medidas não enfrentam o problema da promiscuidade que reina entre os bancos e o BC. É preciso rever a legislação antitruste e acabar com a imunidade dos bancos às análises do Cade, da SDE e da Seae. Seria importante para estimular a concorrência e conter a escalada tarifária. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Revascularização do trânsito em SP A revascularização do trânsito em SP, fazendo-o fluir por um número maior de vias, deveria ser a diretriz a ser seguida SÃO PAULO é vitima de uma concepção urbanística ultrapassada, que vê a cidade como um núcleo central rodeado por centros periféricos residenciais e comerciais de segunda ordem. O sistema viário segue essa lógica, com a construção de grandes artérias radiais para onde flui o trânsito, na expectativa de os veículos circularem em velocidades mais elevadas em direção a esses pontos centrais. A perdurar esse modelo, os problemas de congestionamento irão se agravar com o tempo, como vimos no artigo "Neuróticos e improdutivos", publicado nesta coluna em 26/11/07. Se o leitor sobrevoar a cidade em um helicóptero, verificará que os congestionamentos se concentram nas grandes vias arteriais e em seus acessos, ao passo que o restante do leito carroçável fica quase sem fluxo de veículos, mesmo nos horários de pico. A perversa lógica viária arrasta os motoristas para essas artérias por meio de complexo sistema de mão e contramão, bloqueios de vias e redes de semáforos que privilegiam as grandes correntes de tráfego. Essa concepção viária induz à execução dos megaprojetos de vias arteriais como os de gigantescos túneis, avenidas, viadutos e pontes (a grandiosidade da ponte estaiada da Berrini deixa a impressão de que transatlânticos irão circular abaixo dela nas raquíticas águas do rio Pinheiros!!). Essas grandes obras têm se revelado inúteis, pois apenas deslocam os congestionamentos para alguns metros adiante. Vale uma comparação de São Paulo com a ilha de Manhattan, em Nova York. Na capital paulista, são 1.509 km2, por onde circulam quase 6 milhões de veículos, ou seja, cerca de 4.000 veículos por km2. Em Manhattan, com área de 87,5 km2, circula 1,9 milhão de veículos, ou 22 mil carros por km2. Mesmo tendo densidade de veículos 4,5 vezes maior, os congestionamentos lá são bem menos intensos. Os veículos ocupam de maneira mais ou menos homogênea toda as vias da ilha, fazendo o trânsito fluir por toda a superfície com mais velocidade. Essa comparação mostra que a revascularização do trânsito em São Paulo, fazendo-o fluir por um número maior de vias, deveria ser a diretriz a ser seguida em curto prazo. O sistema arterial concentrador não funciona mais. O modelo arterial demanda investimentos pesados em grandes obras viárias, como a ponte estaiada da Berrini (R$ 230 milhões orçados) e os túneis Jânio Quadros (R$ 1,2 bilhão), Ayrton Senna (R$ 1,02 bilhão) e os Rebouças e Faria Lima (R$ 220 milhões), apenas para citar as mais conhecidas. Com os mesmos recursos teria sido possível revascularizar o trânsito construindo 88 novas pontes de porte médio, como a da Cidade Jardim, por exemplo, com seis vias cada uma, ao custo unitário de R$ 30 milhões. Seriam criadas 528 novas pistas em pontes que atravessariam os rios Pinheiros e Tietê a cada 500 metros, complementando as atuais 30, que viraram pontos de estrangulamento. O objetivo deve ser revascularizar o trânsito. Em vez de grandes obras, bastaria um conjunto de obras de porte menor por todos os pontos críticos da cidade de forma a criar um sistema integrado de circulação paralela às grandes artérias. A médio prazo se estaria criando uma malha de vias reticulares por toda a cidade, desconcentrando fluxos de veículos, retirando-os das artérias entupidas e aproveitando melhor cada metro quadrado dos mais de 16 mil quilômetros de vias existentes em São Paulo e que hoje ficam ociosas, exceto para o trânsito local. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Neuróticos e improdutivos O sistema viário de São Paulo é arterial; é preciso revascularizá-lo, pois as artérias entupiram PODE PARECER que hoje não escreverei sobre economia. Mas o tema que abordarei tem profundas implicações econômicas. Trata-se da calamidade nos transportes e nos congestionamentos na cidade de São Paulo. Hoje já não é preciso muito para que os congestionamentos ultrapassem 200 quilômetros. Uma blitz policial, um ou dois carros quebrados e mais alguns acidentes nas principais vias de circulação e a cidade pára. A probabilidade de que uma combinação desses fatores ocorra aumenta a cada momento, na medida em que a frota paulistana supera 5,9 milhões de veículos e todo mês 30 mil novas unidades são adicionadas a ela. As conseqüências dessa situação são dramáticas. Estimar o que isso significa em valor produziria números assustadores, que certamente agravam o "custo Brasil" e reduzem as vantagens competitivas das produções paulistana e brasileira. O desgaste dos equipamentos causados pelos congestionamentos, a poluição que geram e o aumento do consumo de combustíveis já são aspectos negativos consideráveis em qualquer análise econômica. Contudo isso será pouco quando comparado ao valor econômico das horas de trabalho desperdiçadas e na perda de qualidade de vida dos habitantes da cidade, causada pelo desgaste físico e psicológico do trânsito parado. Hoje, durante o período do rodízio, os congestionamentos em São Paulo atingem em média 85 quilômetros pela manhã e 120 quilômetros à tarde/noite. Considerando que essa situação ocorre em vias duplas (quatro pistas) temos cerca de 615 mil carros. Caso sejam ocupados em média por duas pessoas, são cerca de 3,7 milhões de trabalhadores parados por hora. Se nesse período eles pudessem produzir, ao custo de três salários mínimos, a previsão de perda diária supera R$ 105 milhões, ou mais de R$ 27 bilhões no ano. Há solução? Transportes coletivos, com ênfase em investimentos em metrô, são sempre citados como a solução futura para esses problemas. Mas até lá o que poderá acontecer? A carência de recursos é enorme e nem sequer iremos atingir níveis de investimento para começar a resolver a situação. Essa posição passiva implica dizer que não haverá solução até o país se tornar rico e ter recursos para investir ou atrair investimentos externos. Mas isso não ocorrerá com essas condições de trânsito, que geram deseconomias externas e restringem a capacidade de crescimento da renda, do emprego e dos recursos para investimento. Provavelmente o problema se encontre no modelo de circulação adotado em nossa cidade. Creio que há como reduzir os congestionamentos e assim esperar até que os investimentos em transportes coletivos sejam aumentados e gerem efeitos positivos. Buscar soluções deve ser a prioridade de qualquer governo, mas simplesmente não fazer nada até que isso ocorra é suicídio econômico e tortura mental e psicológica para a população. O sistema viário de São Paulo é arterial, herança dos planos urbanos do passado e do conluio entre grandes empreiteiros e administradores públicos. É preciso revascularizar com urgência a estrutura viária paulistana, pois as artérias entupiram. Voltarei a tratar do tema no próximo artigo. Só lamento que as autoridades de nossa cidade se omitam, e simplesmente esperem recursos para investir em transporte e trânsito. Enquanto isso, o "custo São Paulo" explode, e a população é obrigada a ficar cada vez mais tempo dentro de seus veículos, tornando-se mais neurótica e menos produtiva. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA O IVV é um retrocesso O potencial de sonegação, já elevado no varejo, crescerá com um tributo cobrado na ponta do consumo OS MUNICÍPIOS podem perder o ISS com o projeto de reforma tributária que deve chegar ao Congresso neste mês. Em seu lugar, o governo propõe que passem a cobrar um novo imposto -o IVV (imposto sobre venda a varejo). O IVV é um tributo pago no último estágio do processo de fabricação e distribuição de mercadorias, como ocorre nos Estados Unidos. É adicionado na nota fiscal quando o consumidor adquire um bem em um estabelecimento varejista. Ou seja, ao efetuar uma compra em uma loja, farmácia ou restaurante, por exemplo, o cliente teria o imposto somado ao preço final, e o comerciante seria o responsável pelo seu recolhimento ao fisco municipal. O IVV é uma espécie tributária que causará prejuízos ao setor produtivo e aos municípios. É um motivo de preocupação para o comércio varejista e para as prefeituras e vai aprofundar uma das principais anomalias que a reforma tributária deveria corrigir, que é a sonegação. Os varejistas devem ver o IVV com muita apreensão porque ele irá impor ao segmento novos custos de administração tributária, subtraindo-lhes capital de giro e pressionando suas margens de lucro. Outro aspecto a ser considerado desse imposto refere-se ao fato de que o potencial de evasão tributária, que já é elevado no varejo, irá crescer com a criação de um tributo cobrado na ponta do consumo. As grandes redes varejistas devem ser as mais prejudicadas, uma vez que, até pela necessidade de planejamento, elas precisam formalizar suas operações mercantis, enquanto no pequeno comércio a informalidade será estimulada, aumentando o peso da sonegação como fator de competitividade. Para os prefeitos, a proposta também é motivo de preocupação. Eles vão perder a base de incidência tributária que mais cresce na economia moderna, que é a prestação de serviços. Entre 2002 e 2006, o ISS foi a receita que mais aumentou (11,4%), somando mais de R$ 15 bilhões no ano passado. O governo propõe que a perda do ISS seja compensada com um IVV com alíquota de cerca de 1,5% e que a União transfira recursos para as prefeituras no primeiro ano de sua vigência. No segundo ano, essas transferências cessariam, e os municípios poderiam reduzir ou aumentar a alíquota do IVV em um ponto percentual. As administrações municipais devem atentar para o fato de que elas passariam a ter competência sobre uma espécie tributária extremamente complexa, que exigiria a manutenção de pesadas estruturas para administrar e fiscalizar um imposto no qual não têm tradição. Um dos principais desafios na implementação da reforma tributária é o efetivo combate à sonegação. A ética tributária está destroçada no país. A evasão fiscal é uma prática socialmente aceita, e não dá para imaginar que um imposto que seria cobrado em milhões de pontos-de-venda no território nacional possa ser adequadamente arrecadado. Negociar preço de mercadoria com base no diferencial "com nota" ou "sem nota" faz parte da rotina dos consumidores no Brasil. Vale lembrar que nos Estados Unidos a sonegação do imposto sobre vendas ("sales tax") é considerada uma prática generalizada. O problema não é tão grave nos EUA pelo fato de a base de incidência ter peso relativamente baixo. No Brasil, ela é o principal item da arrecadação. O burocrático IVV é um retrocesso para o país. É um imposto que prejudica as prefeituras, impõe mais custos tributários aos varejistas e acentua a sonegação e a corrupção. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA O mito da regressividade da CPMF O ônus da CPMF sobre o orçamento das famílias fica na casa de 1,3% uniforme em qualquer faixa de renda ESTE ARTIGO é apenas para registrar a existência de um mito cuja inveracidade precisa ser revelada: a inerente regressividade dos impostos indiretos em geral, e da CPMF em particular. Em exercício que produzi utilizando quatro faixas mensais de renda familiar da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003 do IBGE, onde apliquei em cada item que compõe a estrutura de gastos familiares a carga direta e indireta desse tributo (calculada com o uso do modelo de Leontieff com base na matriz interindustrial do IBGE), o resultado mostrou que a regressividade do imposto não é significativa, devendo mais corretamente ser classificado como proporcional. Na menor faixa de rendimento (R$ 454,69) a CPMF (direta e indireta) representa 1,64% da renda; na segunda (R$ 1.215,33), 1,58%; na terceira (R$ 2.450,05), 1,51%; e na quarta (R$ 8.721,92), 1,41%. No artigo Imposto sobre Circulação Financeira, publicado na Folha em 24/9/95, a então deputada federal Maria da Conceição Tavares descreveu o resultado de uma simulação para apurar a suposta regressividade do IPMF (atual CPMF) sobre as pessoas físicas e concluiu que esse tipo de tributo "recai fundamentalmente sobre o segmento de maiores rendas". Segundo ela é falso o argumento de que o imposto pune basicamente os mais pobres, uma vez que, em seus exercícios, constatou-se que as alíquotas médias efetivas são maiores para as camadas de renda mais alta. Conclusões semelhantes foram publicadas por Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi Sataka Bugarin no estudo "Parâmetros Tributários da Economia Brasileira", publicado na Revista de Estudos Econômicos - FEA-USP (out-dez/2006). Os autores concluem que a CPMF é o imposto mais harmonioso do sistema tributário brasileiro. A tabela desta página, extraída do trabalho citado e que reproduz faixas de renda selecionadas, mostra que a CPMF é um imposto proporcional. O ônus desse tributo sobre o orçamento das famílias se mantém na casa de 1,3%, ou seja, ele é uniforme em qualquer faixa de renda, não é regressivo. Os dados da tabela revelam ainda que a tese de que a tributação sobre o consumo é mais injusta também não se sustenta. A distribuição da carga entre as faixas de renda praticamente não se altera, ficando na casa dos 28% para quase todos os níveis de renda familiar. Vale a pena chamar a atenção na tabela para a regressividade do ICMS, um imposto sobre valor agregado. Essa sistemática é considerada muitas vezes como justa e o estudo revela que nela as pessoas mais pobres são mais oneradas. Pode-se concluir que a tese da regressividade essencial dos tributos indiretos e da CPMF tem pés de barro. É um mito que se desfaz. Antes de repetir, sem a necessária crítica, alguns conceitos heurísticos de livros-texto de economia, os leitores cuidadosos devem saber que a questão exige análise caso a caso. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Tributos, salários e empregos A movimentação financeira se revela um tributo simples, insonegável e de robusta capacidade arrecadatória A DISCUSSÃO sobre a reforma tributária trouxe à tona a necessidade de desonerar os rendimentos do trabalho. Somando as contribuições tributárias de patrões e empregados, o ônus sobre os salários no país supera 40%, uma extravagância considerando o nível de renda per capita nacional, sem falar na urgente necessidade de ampliar as oportunidades de emprego formal. Hoje, os gastos das empresas com as contribuições para a Previdência são de 36% do salário nominal, que, somados aos custos relacionados ao tempo não-trabalhado, dobram a despesa das empresas com a contratação de um funcionário. A discussão sobre a prorrogação da CPMF também evidenciou que a excessiva carga tributária poderia ser combatida de forma mais inteligente se, em vez de extinguir a CPMF, ela fosse utilizada para substituir outros encargos mais perniciosos à economia. O governo identificou a folha de salários das empresas como forte candidata para dar início a esse processo gradual de redimensionamento dos ônus tributários que agravam a economia. No intuito de avaliar o efeito do uso da arrecadação da CPMF como alternativa para a desoneração da folha de pagamento, a FGV avaliou qual seria o efeito sobre os investimentos e os níveis de emprego e dos preços caso as contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha fossem extintas e a receita que elas geram tivessem como base alternativa as movimentações financeiras, a mesma da CPMF. Esse estudo acha-se disponível em http://www.marcoscintra.org/novo/geral.asp?id=702 e teve como referência dados da Previdência Social e do IBGE para o ano de 2004. Inicialmente, apurou-se que os encargos totais recolhidos ao INSS pelas empresas sobre a folha de salários foi superior a R$ 57,5 bilhões, incluindo contribuições específicas ao Sistema "S" e demais encargos como seguros etc. No caso da CPMF, a arrecadação no mesmo período foi um pouco superior a R$ 26,4 bilhões, o que implica uma base de incidência de quase R$ 7 trilhões. Ou seja, com base nesses números, o trabalho estima que, para substituir aquela arrecadação previdenciária, obtendo uma receita equivalente, seria preciso uma contribuição sobre a movimentação financeira (CMF) de 0,8153%. O segundo passo no estudo foi avaliar qual o impacto dessa CMF com alíquota de 0,8153% sobre os principais agregados macroeconômicos. No caso do PIB, haveria uma expansão adicional real de 1,75%, e, no nível de emprego, o aumento seria de 1,65%. No nível de preços, haveria uma redução de 0,86% no IGP (Índice Geral de Preços) e de 0,57% no IPC (Índice de Preços ao Consumidor). Quanto ao consumo, o estudo também revela um resultado positivo. A demanda global teria uma expansão de 1,96%. Foram produzidas ainda simulações alternativas considerando a substituição parcial das contribuições previdenciárias. A primeira considerou a eliminação só dos 20% incidente sobre a folha e sua substituição por uma CMF de 0,45820%. Nesse caso, o PIB real cresceria 0,98%, e o nível de emprego, 0,92%. O IGP cairia 0,48%, e o IPC, 0,32%. A demanda global teria expansão de 1,09%. A movimentação financeira vem se revelando um tributo de excelente relação custobenefício, simples, insonegável e de robusta capacidade arrecadatória. Sua continuidade, portanto, deve ser defendida, desde que sua arrecadação seja utilizada para permitir a eliminação de outros tributos mais prejudiciais à economia brasileira. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA A esquecida classe média A intuição de sindicalista de Lula lhe indicou que haveria que compensar o destituído se quisesse favorecer o opulento O GOVERNO Lula vem praticando uma política econômica totalmente "market friendly". Os negócios prosperam, os investimentos aumentam, e os lucros atingem volumes recordes. Isso é bom, pois o emprego e a renda nacional aumentam. Por outro lado, o presidente afirma orgulhosamente que "o legado do nosso governo é a consolidação das políticas sociais". Novamente, isso é bom, ainda que custe muito dinheiro. A intuição de sindicalista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe indicou que haveria que compensar os destituídos se quisesse favorecer os opulentos. Pratica-se, portanto, uma política positiva nos dois extremos da pirâmide econômica, no topo e na base. Essa política vem funcionando. Mas a que custo? O resultado do Tesouro Nacional referente ao período de janeiro a julho de 2007 revela alguns dados importantes. O saldo primário do governo central se expandiu, dando a impressão de maior capacidade de solvência do país, o que é muito bom. Relativamente ao PIB (Produto Interno Bruto), o superávit primário aumentou de 3,19% para 3,35%, crescendo nominalmente de R$ 41,5 bilhões para R$ 47,7 bilhões. Surpreendentemente, no entanto, no mesmo período, a dívida líquida total do Tesouro Nacional cresceu, ao invés de encolher, de 23,2% para 26% do PIB, o que é muito ruim. O aumento fica mais dramático quando se considera que, na composição da dívida líquida total, a dívida externa caiu de R$ 140,6 bilhões para R$ 115,5 bilhões, o que evidencia a explosiva elevação da dívida interna líquida, de R$ 379 bilhões em julho de 2006 para R$ 520 bilhões no mesmo mês de 2007, um crescimento de mais de 37% no período. Vale lembrar que a elevação do superávit primário ocorreu durante um período de forte crescimento dos gastos do governo central. No período janeiro-julho entre 2006 e 2007, as despesas saltaram de 16,25% para 16,75% do PIB, um expressivo aumento de meio ponto percentual. Nominalmente, as despesas aumentaram 12,87%. O aumento do superávit primário, portanto, é o resultado de um enorme sacrifício para a sociedade brasileira, pois as receitas do governo central aumentaram ainda mais que as despesas, passando de R$ 240 bilhões entre janeiro-julho de 2006 para R$ 271,7 bilhões no mesmo período de 2007. O aumento na receita foi de 13,2%, contra 12,9% das despesas, levando à absorção, apenas pelo governo central, de 23,5% do PIB em 2006 e de 24,3% do PIB em 2007. Ou seja, no período em questão, o poder público federal absorveu 0,8 ponto percentual a mais da riqueza nacional. Vêem-se, portanto, dois fatos preocupantes: em primeiro lugar, que o superávit primário aumentou por conta de novas elevações das receitas, e não da parcimônia nas despesas, como seria desejável. Em segundo lugar, que, mesmo com o aumento do saldo primário do governo central, a dívida líquida não caiu, pelo contrário, aumentou. O governo continua gastando muito, sempre mais e, dizem alguns, cada vez pior. Esses dados preocupam e merecem uma reflexão. O custo dessa política pró-mercado com políticas sociais é o achatamento da classe média, pagadora de impostos e que tem sido forçada a suportar uma crescente e asfixiante carga tributária. A corda sempre estoura em algum ponto. Resta saber até quando a classe média suportará tanto arrocho. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA "Cansei", "Cansamos" e outras manifestações públicas estão se tornando rotina, mas são vazias de conteúdo O BRASILEIRO não sabe, ou não quer, exercer sua cidadania. Um exemplo de complacência no tocante à defesa de seus direitos é a tolerância com os desmandos da administração pública. Felizmente, isso começa a mudar. Pouco, mas surge uma movimentação social em defesa de direitos e contra abusos. Mas ainda estamos longe do exercício da cidadania como se vê nos países avançados. O brasileiro está aprendendo a reclamar, mas ainda não sabe reivindicar, até porque em geral os movimentos sociais de protesto têm se limitado a serem isso mesmo, protestos. Não são acompanhados de propostas e de cobrança por ações específicas. Neste mesmo espaço, em 10/7/ 2006, critiquei essa situação no artigo "Está péssimo, mas qual a proposta?". Afirmei que a mobilização de protesto é louvável, mas que seus efeitos se esgotariam se não for seguida de ações práticas. Havia dito que movimentos como o da Rádio Jovem Pan -"Brasil, país dos impostos"haviam cumprido importante papel. E depois? O que fazer? Nesse ponto, a cidadania se silencia e tudo fica como antes. Da mesma forma, o milionário movimento "Quero mais Brasil", que uniu em 2006 entidades empresariais e sindicais, só resultou em mais faturamento para a mídia. Pouco restou de concreto. Por que esses milhões de reais não são usados no financiamento de "think tanks", usinas de estudos e de propostas concretas para os problemas brasileiros? Por que sindicatos, federações e centrais de trabalhadores não investem na elaboração de caminhos a serem trilhados pelo país, em vez de só se queixarem? Aliás, essa questão começa a ser levantada, como pode ser averiguado no artigo ""Think tanks" - por que o Brasil precisa deles", de Raymundo Magliano Filho e Carlos Eduardo Lins da Silva ("Valor", 26/7/2007). A incompetência na gestão pública já está se tornando um caso de morticínio no transporte aéreo. As vítimas do acidente da TAM mostram que o limite já foi ultrapassado. Em vez de só reclamarem, as pessoas precisam propor soluções em todos os setores, dos transportes à violência, da corrupção à sonegação, da política aos serviços sociais. Em breve, o trânsito na cidade de São Paulo irá paralisar a cidade, fazendo as pessoas abandonarem seus veículos nos congestionamentos. Na questão tributária, por exemplo, em vez de bater em uma mesma tecla, a da abusiva tributação e a da pantagruélica burocracia, a mobilização dos cidadãos deveria evoluir para a apresentação de projetos. O risco é que, sem isso, a reforma tributária vire um bordão sem conteúdo, ou, pior ainda, seja transformada em instrumento políticoeleitoral, como tem acontecido ultimamente. Temo que hoje se estejam repetindo esses erros. "Cansei", "Cansamos" e outras manifestações públicas, organizadas ou não, estão se tornando rotina. Mas são movimentos vazios de conteúdo. Servem apenas para desopilar fígados, mas não produzem resultados visíveis. E o mais desanimador é que, apesar dessas manifestações de puro descontentamento, na hora decisiva das eleições o povo não muda sua atitude e mantém as coisas como sempre estiveram. Cadê as propostas? Os formadores de opinião (entidades empresariais e de trabalhadores, partidos políticos, universidades etc.) devem cumprir seu papel de estabelecer um debate público de qualidade, sob pena de os politiqueiros, e seus marqueteiros de ocasião, continuarem ocupando esse vazio que se estabeleceu em nosso país. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] A prorrogação da CPMF A CPMF poderia, e deveria, ser gradualmente aumentada para substituir impostos convencionais A EXPERIÊNCIA de quase 15 anos de um imposto sobre a movimentação financeira no Brasil vem deixando por terra vários argumentos contrários a esse tipo de tributo. Uma das mais fortes críticas à CPMF se refere à desintermediação bancária que ela provocaria. Afirmam que 0,38% da CPMF é o máximo suportável e que acima disso haveria estimulo à sonegação e à "desbancarização" da economia. Os fatos desmentem essas previsões. Em dezembro de 1996 (a CPMF começou a ser cobrada em 1997), os depósitos à vista representavam 1,8% do PIB, e, no mesmo mês de 2006, a participação era de 4,4% do PIB. Vale citar que a Receita Federal publicou em setembro de 2001 o "Texto para Discussão" nº 15 ("CPMF - Mitos e Verdades sob as Óticas Econômica e Administrativa"), em que conclui que "a própria experiência brasileira tem demonstrado que a maioria das teses pessimistas divulgadas na implementação do imposto não ocorreu". A remonetização (fuga bancária) no atual estágio globalizado da economia é tese improvável. As operações mercantis são efetuadas cada vez mais por meio eletrônico, e a operação com moeda manual implicaria custo e risco elevados. Um caso evidente de que as pessoas utilizam cada vez mais os meios eletrônicos para efetuar pagamentos pela internet é o da empresa norte-americana PayPal. O preço do serviço equivale ao custo de transação causado pela CPMF. No PayPal, há casos como o de recebimento via cartões (débito e crédito), em que a tarifa chega a 4,9% mais US$ 0,30. Isso mostra que o argumento de que a alíquota da CPMF não poderia ser superior a 0,38% é falso. O custo de operação financeira oferecido pela empresa americana chega a ser mais de dez vezes maior que o da CPMF, e o número de pessoas que utilizam o serviço continua crescendo geometricamente. Outra evidência nesse sentido é percebida no Brasil. Estudo da Anefac de 2000 avaliou o custo das tarifas bancárias no país. Os valores, em termos equivalentes sobre a movimentação bancária dos clientes, são superiores à CPMF. No caso das empresas, os serviços bancários chegaram a 1,43% sobre o faturamento. Para as pessoas físicas, a renda equivalente para igualar as tarifas cobradas pelos bancos com a CPMF de 0,38% está acima do 97º percentil da distribuição de renda no Brasil. Estudo do site Vida Econômica mostra que, entre janeiro de 2001 e o mesmo mês de 2006, as tarifas bancárias cresceram consideravelmente (para as empresas, 50% das tarifas subiram acima da inflação, e, para as pessoas físicas, 90% tiveram aumento acima do IPCA). Isso leva a crer que esse custo cresceu em relação ao estudo de 2000 da Anefac. Portanto o argumento de que um imposto sobre movimentação financeira, por implicar custos de transação mais altos, levaria a desintermediação bancária não se sustenta e a CPMF poderia, e deveria, ser gradualmente aumentada para substituir impostos convencionais e para desonerar a folha de salários via redução das contribuições ao INSS pagas pelas empresas. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Inacreditável: vem aí mais um imposto Com o IVV, cria-se uma combinação perfeita para novos focos de sonegação, de evasão e de corrupção PASMEM! O governo cogita criar mais um imposto. Sugiro aos varejistas que coloquem suas barbas de molho, uma vez que eles podem ser a bola da vez na nova investida que o poder público ensaia contra os contribuintes. A investida coloca na linha de tiro do fisco os comerciantes, uma vez que se cogita resgatar o nefasto projeto do imposto sobre venda a varejo (IVV), apresentado pelo deputado Mussa Demes quando elaborou o substitutivo à PEC (Projeto de Emenda à Constituição) nº 175/95. A instituição do IVV alcançaria milhões de pequenos estabelecimentos na cadeia varejista de comércio, impondo-lhes novos custos de administração tributária e subtraindo-lhes capital de giro. O governo pretende enviar ao Congresso Nacional, a partir de agosto, sua nova proposta tributária: a criação de um IVA federal e outro estadual. No âmbito dos tributos da União, pretende-se unificar o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e a Cide (contribuição sobre combustíveis) e na esfera estadual a intenção é integrar o ISS (Imposto Sobre Serviços) à base do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Se de um lado a proposta em estudo causa apreensão aos varejistas, de outro os prefeitos devem ver no projeto um motivo de preocupação, já que teriam de abrir mão da receita que mais cresceu entre 2002 e 2006 (o ISS aumentou 11,4%) e, como compensação, passariam a cobrar um tributo absurdamente complexo como o IVV. Ou seja, os municípios perderiam a base "serviços", em expansão no mundo globalizado e terceirizado da atualidade, e teriam pesados custos de administração e fiscalização de um imposto no qual não têm tradição. Cabe citar que há estimativas apontando que 30% das prefeituras perderão um terço ou mais de suas receitas próprias se o ISS for incorporado ao IVA. Na região paulista do Grande ABC, por exemplo, a expectativa dos prefeitos é que as perdas sejam da ordem de R$ 400 milhões. O IVV é um tributo ultrapassado sob todos os pontos de vista, e que não se enquadra na tradição tributária brasileira. Num país onde a sonegação destroçou a ética tributária e onde a evasão passou a ser costume socialmente ratificado, como imaginar que o IVV seja adequadamente arrecadado em cada um dos milhões de pontos-de-venda a varejo? É um tributo que pode funcionar em economias como a norte-americana, mas jamais na brasileira. Esse sistema tributário vai na contramão de tudo o que a sociedade espera. O contribuinte quer menos tributos, menos burocracia, menos fiscais e menos corrupção. Nada disso será conseguido se o IVV for aprovado. Trata-se de uma proposta burocrática, convencional e conservadora. Vai prejudicar os municípios e infernizar a vida do comércio varejista e do consumidor final. Com o IVV, cria-se uma combinação perfeita para gerar novos focos de sonegação, de evasão e de corrupção. O deformado sistema tributário brasileiro ficará ainda mais horripilante. Em suma, a instituição de um tributo como o IVV trará sérios prejuízos aos comerciantes e às prefeituras. Além disso, vai aprofundar as graves anomalias sobre a economia do país provocadas pela caótica estrutura tributária. O novo imposto é um golpe contra os municípios, um abuso contra os comerciantes e uma afronta contra os contribuintes em geral. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA A função dos impostos A ênfase na extrafiscalidade dos tributos, ainda que seja legítima, vem se sobrepondo aos seus objetivos fiscais OS CRÍTICOS dos impostos não-declaratórios sobre movimentação financeira, mais especificamente ao projeto do Imposto Único, afirmam que, por serem gerais, universais e com estrutura simplificada de alíquotas, o governo perde a capacidade de calibrar o sistema de acordo com seus propósitos e de praticar políticas econômicas seletivas. Daí surge uma questão: afinal, qual é a função dos impostos? Ao longo dos tempos, os tributos passaram a ter funções extrafiscais. Passou-se a acreditar que a redistribuição de renda e de riqueza, pela cobrança punitiva de impostos dos mais eficientes e mais poderosos, seria sua função essencial. O ativismo governamental e a política econômica keynesiana enfatizaram o papel dos impostos, e da isenção deles, como meios para alcançar o desenvolvimento econômico. Ecologistas e sanitaristas passaram a usar o sistema tributário como forma de proteção do ambiente e de punição para infratores. Planejadores urbanos e regionais enxergam no sistema tributário mecanismos de indução para alcançar objetivos socialmente desejáveis. Agricultores querem a reforma agrária pela tributação dos latifúndios. Instituições policiais enxergam nos impostos uma forma de identificar meliantes. Em suma, todos procuram no sistema tributário solução de seus problemas. Em 2001, o então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, disse: "Isso serve apenas para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis". A ênfase na extrafiscalidade dos tributos, ainda que legítima, vem se sobrepondo aos objetivos fiscais, tornando o sistema tributário brasileiro complexo e pouco funcional em sua função essencial, que é a de arrecadar recursos para financiar o Estado. A estrutura tornou-se cara, ineficiente, corrupta e indutora das mais variadas formas de evasão. O formalismo teórico, típico da burocracia pública e da academia, que busca identificar os impactos alocativos e distributivos dos tributos com milimétrica precisão, revela-se cada vez mais ilusório, dado que construído no campo da alta abstração. No artigo "Impostos e paradoxos", publicado nesta Folha em 28/4/98, Mangabeira Unger, atual ministro-chefe da Secretaria de Planejamento de Ações de Longo Prazo, abrange a necessidade de resgatar a função fiscal do sistema tributário, afirmando que a visão acadêmica desdobra-se em meio a "ilusões edificantes e tranqüilizadoras", mas "o mundo é selvagem e obscuro". O autor afirma que mesmo impostos indiretos, e por que não cumulativos, podem "gerar muito dinheiro com pouco desarranjo econômico", ao passo que impostos diretos e progressivos, tão caros aos economistas de gabinete, "como o Imposto de Renda sobre a pessoa física, não produzem a receita necessária. Nem pode fazê-lo, por enquanto, sem acarretar desincentivos, fugas e evasões devastadoras". Unger vai além e diz que o essencial é gerar "dinheiro para o Estado investir no social". É preciso resgatar a função arrecadatória dos impostos no Brasil. Criar exceções beneficiando esse ou aquele segmento deforma cada vez mais o atual "Frankenstein" tributário brasileiro. Ademais, a ênfase nesse princípio básico das finanças públicas deve estar em sintonia com a realidade da estrutura do país, onde predominam a absurda complexidade, a brutal sonegação e o elevado custo para os agentes públicos e privados. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Globalização e tributos Tributos como a Cofins poderiam ser substituídos por um imposto sobre movimentação financeira UM DOS mais expressivos desafios que se apresentam aos legisladores, tributaristas, economistas e administradores ante o processo de globalização refere-se à adequação da estrutura de financiamento do Estado a uma conjuntura internacional regida por uma estratégia fiscal competitiva e baseada em sofisticados sistemas da era da informática. Nesse sentido, nota-se um esforço para reformar os sistemas tributários convencionais, que vêm se mostrando crescentemente desgastados pela corrosão da eficácia dos mecanismos de exação das estruturas burocráticas, que se tornam cada vez mais impotentes para dirigir e controlar o processo fiscal em seus respectivos Estados nacionais. A tônica dominante nesse esforço renovador tem sido a busca de métodos formais de controle e fiscalização cada vez mais onerosos para o poder público e para o setor privado. Os gastos da administração tributária pública se agigantam. Ao mesmo tempo, os custos de conformidade impostos ao setor privado para atender as novas obrigações tributárias acessórias estimulam a concorrência desleal mediante a crescente sofisticação dos mecanismos de planejamento tributário, de evasão e de movimentação de fatores de produção e de capitais em todo o mundo. Ademais, cabe lembrar que os agentes privados atuam em um ambiente que conta com paraísos fiscais e zonas preferenciais que potencializa dramaticamente os efeitos deletérios de uma reforma convencional. Igualmente perturbador é que essas tendências acham-se presentes com maior intensidade em países como o Brasil, onde a atual estrutura já impõe pesados custos para os agentes públicos e privados e estimulam fortemente a sonegação. É imprescindível a identificação de uma base imponível tributária, mais adequada à realidade em curso. Há que evitar reformas baseadas na estrutura clássica de impostos, que, no dizer do saudoso Roberto Campos (1917-2001), "é uma curiosa relíquia artesanal na era eletrônica". O avanço tecnológico e a revolução da informática afetam em profundidade as formas como as trocas econômicas se realizam nas economias contemporâneas. A moeda manual vem sendo substituída pela escritural, em suas várias modalidades, como o cheque, o cartão e a moeda eletrônica. Em breve as economias serão desmonetizadas. O termo "cashless society", criado pela revista "The Economist" em 2001, resume um novo ambiente econômico em gestação no mundo moderno. Alvin Toffler, em sua recente obra, "Revolutionary Wealth", indica que a produção e as relações comerciais poderão no futuro dispensar a existência de moeda manual. A única base imponível que pode reduzir custos e combater a evasão tributária não reside no lado real da atividade econômica, mas no circuito monetário. A informatização dos bancos e a predominância da moeda eletrônica convergirão para a adoção de sistemas baseados em impostos sobre movimentação financeira em várias partes do mundo. Nesse sentido, o Brasil se encontra em uma posição privilegiada no cenário mundial, uma vez que seu sistema bancário é um dos mais modernos e a moeda manual representa cerca de 3% do PIB, uma das proporções mais baixas do mundo. Tributos como a Cofins e o INSS patronal, por exemplo, poderiam ser gradualmente substituídos por um imposto sobre a movimentação financeira, tendo a CPMF como embrião desse processo. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS ANTONIO CINTRA Banquete especulativo Restringir as transações na BM&F pode conter o processo de compra especulativa do real AS AUTORIDADES econômicas brasileiras apostam que a integração do sistema financeiro doméstico aos mercados globais promoverá a convergência da taxa de juros interna aos padrões internacionais. Com isso, espera-se construir uma curva de juros -a curto, médio e longo prazos-, reduzindo o custo do capital e possibilitando ao país ingressar em um ciclo de crescimento sustentado. Há indicações de que o mercado externo já absorveria títulos da dívida pública brasileira de 30 anos, em reais. Fato realmente auspicioso, produto da elevada liquidez financeira internacional. Essas mesmas autoridades, no entanto, têm pautado um ritmo muito lento de redução dos juros domésticos, dificultando a convergência das taxas, mesmo diante da queda nas expectativas de inflação. Os investidores, liderados pelos "hedge funds", montam diferentes operações -arbitragens, contratos a termo de venda de dólar e compra de real ("Non-Deliverable Forward") e posições nos mercados de derivativos de câmbio da BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros)-, efetuando um agressivo processo especulativo a fim de absorver os altos juros internos e ampliar seus ganhos com a valorização da taxa de câmbio. Se o diferencial de juros não pode ser reduzido de forma abrupta para não comprometer a meta de inflação, se controles sobre os fluxos de capitais externos não podem ser introduzidos para não prejudicar a formação da curva de juros, outros caminhos podem ser buscados. Já ficou evidente que a venda de "swaps" reversos na BM&F e a compra de dólares no mercado à vista realizadas pelo BC apenas sancionam as operações dos especuladores, garantindo seus lucros. As duas modalidades de intervenção cambial são favoráveis à especulação, e os investidores ganham nas duas pontas, contra o BC e, no limite, contra o Tesouro. Todo ataque especulativo é uma investida contra os cofres públicos (ou as reservas, no caso de uma desvalorização da moeda). Além do assalto ao Tesouro, as operações forçam a valorização excessiva do real, com repercussões na estrutura produtiva e no estoque da dívida pública, pois o BC é forçado a esterilizar as compras de dólares por meio de emissões de títulos, dificultando a gestão da política fiscal. As autoridades econômicas poderiam ao menos conter essas ações mais especulativas. Diferentes economistas têm feito diversas propostas: proibir os investidores estrangeiros de operar com derivativos na BM&F; aumentar as margens nas operações de derivativos, reduzindo a alavancagem; exigir maior capitalização dos bancos nas operações com moeda estrangeira e com derivativos que envolvam moeda estrangeira; tributar os ganhos de capital obtidos por meio de especulação e arbitragem com o real. Essas decisões não comprometem as estratégias privadas de ganho de capital investimentos na Bovespa, fusões e aquisições, em imóveis. Tampouco comprometem os objetivos do BC, seja para ampliar as reservas para reduzir os prêmios de riscos dos empréstimos externos tomados pelo setor privado para financiar o investimento produtivo, seja para formar a curva de juros. São medidas que visam defender os interesses da República, da esfera pública da nação, contendo as investidas ao Tesouro Nacional e, portanto, de uma parte expressiva da renda e da riqueza da imensa maioria da população brasileira que paga impostos e não participa do banquete especulativo. Isso exige tão somente que as autoridades econômicas restaurem o caráter público de seus cargos, salvaguardando os interesses do Tesouro, protegendo os bens públicos da sangria especulativa. MARCOS ANTONIO CINTRA , doutor em economia pelo IE/Unicamp, é da equipe de editorialistas. Hoje, excepcionalmente, não é publicada a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN . MARCOS CINTRA Sigilo e imposto "dedo-duro" Se for único, um tributo sobre movimentação financeira será simpático e aceito; se for mais um, será rejeitado APESAR DA retórica oficial, o governo considera a CPMF um tributo eficaz, de baixo custo, transparente e, sobretudo, insonegável. Mas não tem coragem de dizer isso, como fez a Receita Federal em 2001, quando afirmou que o tributo é altamente produtivo, tem excelente relação custo-benefício (sua arrecadação ocorre sem praticamente nenhum custo para o governo e para o contribuinte), é o único a alcançar plenamente a economia informal ou ilegal e é moderno (alcança operações que estão se tornando comuns, como o comércio eletrônico). Esse testemunho desmentiu teses pessimistas de que sua cobrança, iniciada em 93 como IPMF, provocaria inflação e desintermediação financeira. Vale lembrar que os males do efeito cascata, sempre apontados pelos críticos, são mais do que compensados pela alíquota baixa e pela impossibilidade de sonegação e evasão, típicas de tributos sobre movimentação financeira, se cotejados com modelos convencionais declaratórios do tipo IVA. A sociedade também já percebeu que a CPMF é um tributo justo, que todos pagam, e que não recai preferencialmente sobre os que não podem se defender da sanha fiscalista do governo, como os assalariados e as empresas formais. Essa constatação ficou clara na manifestação dos leitores da coluna, que declararam preferência pela extinção de outros tributos, e não pela eliminação da CPMF, como pode ser verificado na edição de 30 de abril. Mas não se pode negar que a mobilização contra a prorrogação da CPMF encontra algum respaldo localizado e que pode ter origem mais acentuadamente no que chamei, no passado, de efeito "dedo-duro" (vide artigo "O efeito dedo-duro", na Folha de 10 de abril de 1994), do que na "cascata" de seu efeito cascata. Quando foi instituída em 1996, a legislação da CPMF proibia, em nome do sigilo bancário, o cruzamento da movimentação financeira com o Imposto de Renda. Dizia o artigo 11 da lei 9.311/96, que "a Secretaria da Receita Federal resguardará (...) o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição de crédito tributário relativo a outras contribuições e impostos". Essa proibição foi extinta com a lei 10.174/ 2001, e o leão passou a atemorizar os contribuintes. A partir de então a oposição à CPMF se agigantou. O fato é que um tributo sobre movimentação financeira granjeia simpatia e aceitação se for único -e rejeição e antipatia se for um a mais. A sociedade agradeceria se o governo e a oposição, em vez de discutirem o falso problema da cumulatividade, unissem esforços para apoiar uma ampla reforma tributária. Impostos sobre movimentação financeira deveriam substituir os tributos convencionais, cuja falência, explicitada pela complexidade, sonegação e corrupção do atual sistema,está cada dia mais exposta. No fundo, governo e sociedade já se convenceram de que um imposto cumulativo com alíquota baixa e universal é melhor do que um imposto sobre o valor agregado com alíquota alta, complexo e alvo de forte sonegação. Aperfeiçoar o tributo, desonerando da CPMF os mercados financeiro e de capitais, é o caminho correto, pois preserva as vantagens do tributo sobre movimentação financeira, que, como afirmou Maria da Conceição Tavares em artigo na Folha de 24 de setembro de 1995, é "uma das poucas bases potenciais de arrecadação futura na qual é possível ancorar o aumento da receita pública sem penalizar os setores produtivos e segmentos sociais". MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA 95% preferem a CPMF O contribuinte não vê a CPMF com um "mau" tributo, caso contrário seria o primeiro que ele gostaria de eliminar NA COLUNA DE 16 deste mês, tentei mostrar que a guerra santa contra a CPMF nada mais é do que uma luta política sem sentido, tendo como principais contendores o governo e os partidos de oposição, capitaneados pelos Democratas. O debate se mostra contraditório e insincero de ambas as partes. Ambas alegam que a CPMF é um tributo ineficiente, em cascata, mas ao mesmo tempo reivindicam os méritos pela criação de outros tributos igualmente cumulativos, como é o caso do Supersimples e da tributação sobre o lucro presumido. Esquecem que tributos como o ICMS, que se deseja federalizar, é parcialmente cumulativo quando a cadeia de débito e crédito se rompe, como ocorre rotineiramente no setor de serviços (que abarca 65% do PIB brasileiro) ou nas atividades rurais regidas em grande parte pelas relações informais de produção, ou quando os créditos dos exportadores viram pó, como ocorre no país. Igualmente incoerente é a posição de ambos, que não se posicionam contra o ISS, um tributo cumulativo e que tem sido alvo da ganância arrecadatória do governo federal, que deseja incluí-lo em seu projeto de criação de um IVA estadual. Esse debate parece confirmar a opinião do saudoso Roberto Campos (1917-2001), quando se referiu à intrigante distinção feita no Brasil entre dois tipos de cascata, uma benigna e outra maligna. A cascata maligna inclui tributos odiados como a CPMF e parte do PIS/Cofins. Contra eles são disparadas as mais violentas críticas. Já a cascata benigna diz respeito a tributos classificados como notáveis contribuições à ciência tributária. São eles o Simples e o IRPJ sobre o lucro presumido. O que mais intriga, no entanto, é saber por que o governo luta por um tributo como a CPMF, que alega ser ruim, como afirmou recentemente o ministro Paulo Bernardo? Por que não a eliminam e compensam a arrecadação com aumento de tributos "bons" como o Imposto de Renda, o ICMS e a Cofins não-cumulativa? O governo faz um discurso maroto. Sabe que a população é contra a CPMF, como é contra qualquer outro tributo. Ao mesmo tempo, faz de conta que considera o tributo um mal necessário, esperando com isso atenuar a rejeição que a defesa de qualquer imposto acarreta contra sua imagem. Na tentativa de aferir a opinião dos contribuintes, fiz uma pergunta a meus leitores na coluna de 16 deste mês, que responderam o seguinte: - 5% apenas preferem acabar com a CPMF e manter os demais tributos como se acham; - 95% preferem que a CPMF continue, mas pedem a redução de outros tributos nestas proporções: - 20% desejam reduzir o IR das empresas de 25% para 11%; - 24% desejam reduzir o ICMS de 17% para 14%; - 29% desejam reduzir o INSS patronal de 20% para 4%; e - 22% desejam eliminar o IPI e reduzir a Cide-combustíveis em 50%. Minhas expectativas foram confirmadas. Os contribuintes não consideram a CPMF um "mau" tributo, caso contrário seria o primeiro que eles gostariam de eliminar do sistema tributário nacional. Esse resultado, quando comparado com as opiniões dos tecnocratas econômicos, nos leva a duas possíveis conclusões alternativas: 1) os contribuintes são imbecis e não sabem o que é bom para a economia nem para eles mesmos, ou 2) a tecnocracia econômica está muito distante da realidade, vivendo encastelada em suas torres de marfim e perdida em modelos teóricos divorciados da economia real. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA CPMF: vai para o trono ou não vai? Em vez de extinguir a CPMF, é preciso pôr fim aos tributos como IR, IPI, INSS patronal e ICMS, que infernizam a vida dos contribuintes do país NÃO É A CPMF que deve ser extinta, como querem seus opositores. São os impostos que infernizam a vida do contribuinte -IR, IPI, INSS patronal e ICMS- que devem ser substituídos. Façamos um teste de múltipla escolha, perguntando aos pagadores de impostos brasileiros. A receita da CPMF em 2006 foi de R$ 32,1 bilhões. Sabendo que todas as alternativas apresentadas abaixo têm idêntico impacto orçamentário, qual delas é preferível para você? 1) A eliminação da CPMF e a continuidade de todos os outros tributos com suas alíquotas atuais; 2) A redução da alíquota do IR das empresas de 25% para 11%, e a continuidade da atual CPMF; 3) A redução do ICMS de 17% para 14%, e a continuidade da atual CPMF; 4) A redução da contribuição patronal sobre a folha de salários das empresas de 20% para 4%, e a continuidade da atual CPMF. 5) A extinção do IPI e a redução da Cide-Combustíveis em 50%, e a continuidade da atual CPMF. Aposto que a alternativa 1 não seria a preferida. Convido os leitores a enviarem suas opções para meu e-mail. Divulgarei o resultado em minha próxima coluna, mantendo em sigilo a identidade dos votantes. Em 1990, quando propus o imposto único sobre transações, estava criando um carneirinho angelical, que agora desejam transformar em um bode fedorento, o que ele não é. O imposto veio para ficar, ainda que o tema tenha sido transformado em uma oportunista disputa política. De um lado está o governo, que, apesar da retórica dúbia de seus representantes, luta intransigentemente para manter a vigência do tributo. Do outro, um partido político, os Democratas (ex-PFL), que se contradiz, pois ataca a cascata tributária presente na CPMF, mas esquece que a mesma cascata se acha presente no Super-Simples, inovação que não se cansa de elogiar e cuja paternidade não cessa de reivindicar. Os Democratas, agora na oposição, querem a imediata extinção da CPMF, mas omitem da sociedade três informações fundamentais: 1) A de que se for preciso substituir a receita perdida, deverá haver aumento de alíquota de outro tributo para gerar receita equivalente; 2) Que, alternativamente, há que se apontar onde serão efetuados os cortes de gastos sociais e previdenciários custeados pela receita do tributo que desejam extinguir; e 3) A de que o tributo foi instituído por esse mesmo partido, que apoiou a criação e todas as suas prorrogações anteriores enquanto era governo. Vejamos o seguinte: A CPMF foi criada em 1996, sob a liderança do partido que hoje defende sua extinção; na época, seu líder na Câmara afirmou que o partido "vota "sim" com o Brasil pela CPMF"; o líder do governo, também desse partido, "recomenda o voto "sim" para esse projeto de maior importância para o Brasil"; o líder no Senado elogiou "o bom senso dos deputados federais que aprovaram a CPMF". Primeira prorrogação (1997): na Câmara, o líder desse partido, que compunha a base governista, pede urgência para o projeto; 93% da bancada vota pela prorrogação. Segunda prorrogação (1999): o autor e um dos relatores do projeto de prorrogação e de elevação da alíquota da CPMF (de 0,20% para 0,38%) no Senado foram desse partido; na Câmara, o relator era desse mesmo partido, e declarou que "a instituição da CPMF não trouxe conseqüências negativas à vida econômica nacional, não causou inflação, não acarretou desintermediação financeira, não ocasionou verticalização do sistema de produção, não afugentou o capital estrangeiro, não assustou as Bolsas de Valores (...); a experiência brasileira com a CPMF foi positiva (...)"; 100% da bancada daquele partido votou "sim". Terceira prorrogação (2001): liderança do partido, que compunha o governo, recomenda voto "sim" pela prorrogação, e 97% da bancada acompanha o líder. Quarta prorrogação (2003): já na oposição, o PFL recomenda "não". Quinta prorrogação (2007): na oposição, os Democratas dizem "Xô, CPMF". Não menciono os nomes dos parlamentares, mas eles podem ser encontrados nas atas do Congresso. Nessa patética contenda política, os argumentos técnicos estão cheios de contradições e incoerências das duas partes, situação e oposição, como veremos na próxima coluna. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA O bom combate O "bom combate" está nas reformas necessárias para aperfeiçoar de maneira institucional a economia NO ARTIGO anterior, publicado em 19 de março passado, foi mostrado que: a) Inicialmente o Plano Real adotou uma política de estabilização composta de câmbio administrado (valorizado) e política fiscal expansionista; essa combinação resultou em déficits nas contas externas, expansão da dívida pública, juros reais elevados e explosão da carga tributária, ao mesmo tempo em que o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foi pressionado fortemente para baixo; b) a política recente de metas de inflação, câmbio flexível e superávits primários teve resultados favoráveis, mas o crescimento continua pífio; c) a recomendação quase unânime dos economistas é cortar os gastos públicos para permitir a redução mais rápida das taxas de juros reais e a correção da excessiva depreciação do real. Existem, contudo, insuperáveis dificuldades políticas e sociais para cortar gastos do governo. Assim, o melhor caminho a ser seguido é acelerar o crescimento econômico, mantendo constantes os gastos nominais. Vale lembrar que a aceleração do crescimento teria que vir de fontes exógenas, independentemente de qualquer alteração voluntarista em variáveis como juros e câmbio. O debate sobre como retomar o crescimento não deveria mais se situar no campo da política macroeconômica de estabilização, mas, sim, no âmbito específico da teoria do desenvolvimento e crescimento econômicos. Essas duas áreas da economia não devem ser confundidas. É um erro acreditar que, reduzindo os custos da política de estabilização, como administrar o câmbio e acelerar a redução das taxas de juros, se estará criando condições sustentadas de crescimento. Pelo contrário, o resultado poderá ser a desestabilização da economia, pondo a perder as conquistas obtidas ao longo dos últimos anos. As variáveis tradicionais, como recursos naturais, poupança e investimentos, determinam apenas parcialmente o crescimento econô- mico. Fatores intangíveis como capital humano, educação, nível tecnológico, segurança jurídica, respeito a contratos, estabilidade institucional, marcos regulatórios bem definidos, bem-estar pessoal como saúde e segurança, credibilidade política, tamanho adequado do Estado e carga tributária suportável são as verdadeiras determinantes do crescimento. As variáveis de política macroeconômica influenciam o crescimento apenas de forma transitória. Em resumo, como afirmou recentemente Otávio de Barros em debate no Conselho Superior de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o "bom combate" não está na crítica aos juros ou ao câmbio, mas, sim, nas reformas necessárias para aperfeiçoar institucionalmente a economia brasileira. E, infelizmente, nesse campo somente existe espaço para pessimismo. As reformas política, tributária, do judiciário, previdenciária e trabalhista não têm andamento; o ambiente político se deteriora a olhos vistos. Não há avanços na questão da segurança pessoal e patrimonial; cresce o desrespeito à propriedade e às decisões judiciais. Os investimentos em saúde e educação mostram-se cada vez mais insuficientes para equiparar o Brasil aos padrões internacionais. É preciso se concentrar nessas variáveis instrumentais de aceleração do crescimento econômico e deixar o Banco Central e as autoridades monetárias prosseguirem com seu trabalho, que, em termos gerais, só merecem elogios pelos resultados alcançados. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA É preciso cortar gastos públicos O quadro econômico e social atual não dispensaria as ações distributivistas que o governo vem adotando O CORTE NOS gastos públicos é quase unanimemente recomendado como a receita para corrigir supostos desequilíbrios nos juros e no câmbio, e para acelerar o crescimento do PIB. Vale lembrar que no início do Plano Real o controle da inflação e o crescimento econômico foram obtidos com a combinação de câmbio valorizado e política fiscal expansionista. Segundo cálculos de Amir Khair, entre 1995 e 2004 as despesas consolidadas de custeio saltaram de 28% para 32% do PIB, sendo metade desse aumento devido à previdência, 32% a pessoal e 18% a outros custeios. O resultado foi a geração de déficits nas contas externas, o crescimento da dívida pública interna, a escalada dos juros e o aumento da carga tributária. O "crowding-out" do setor privado reduziu os investimentos e inibiu o crescimento econômico. No entanto, durante os últimos anos, a aplicação de uma política econômica baseada nas metas de inflação, na liberdade cambial e na contenção fiscal produziu resultados positivos no controle inflacionário (o IPCA, que fora de 8,9% em 1999, caiu para 3,1% em 2006), na superação dos déficits externos (o saldo saiu de déficit de US$ 6,6 bilhões em 1998 para superávit de US$ 46,1 bilhões em 2006) e na contenção da dívida pública. A continuidade dessa política poderá conceder ao Brasil a qualidade de "investment grade". Contudo ainda não chegamos lá. A dívida líquida interna pública ultrapassa 50% do PIB e as despesas com juros nos setores público e privado absorvem 18% do PIB, em parte por causa da Selic e dos "spreads" bancários elevados. Apesar da carga tributária de 40% do PIB, o déficit público é de cerca de 3,5% do PIB. Esse quadro de forte extração fiscal e de alto custo do capital reduz investimentos no setor privado que, de outro lado, sofre pela falta de infra-estrutura, totalmente negligenciada pelo governo federal como parte de seu esforço de obtenção de superávits primários. Não surpreende, portanto, que o crescimento econômico acha-se estagnado. Por outro lado, qualquer tentativa voluntarista de alterar os juros e administrar a taxa de câmbio poderia desajustar gravemente as condições macroeconômicas atuais. Nessas circunstâncias, o corte nos gastos públicos é de fato uma importante variável de ajuste, capaz de manter o atual "equilíbrio" macroeconômico e, ao mesmo tempo, criar condições para reduzir os juros e desvalorizar o real, o que resultaria em aceleração do crescimento e formação de um círculo virtuoso de crescimento. Infelizmente, cortar gastos públicos não é tão simples. A atual administração, que manteve a política macroeconômica iniciada nos governos anteriores, foi eleita com a marca política do "welfare state". O quadro econômico e social brasileiro não dispensaria com facilidade as ações distributivistas que o governo vem adotando. Mesmo que a concepção e a gestão desses programas possam ensejar fortes reparos, a verdade é que a adoção dessa política tem sido capaz de trazer maior estabilidade política, menos "social unrest", a expansão do mercado interno e maior inclusão social. Graças a isso, o núcleo moderno e globalizado da economia brasileira tem sido capaz de crescer continuamente, sem sobressaltos, e prosseguir absorvendo novos espaços econômicos e sociais de expansão. Sem o corte de gastos o país estará condenado à estagnação econômica e fadado a ser um gigante emasculado, flácido, modorrento e incapaz de assumir um papel de relevância na economia mundial? Ou haveria como manter os programas sociais e ao mesmo tempo ampliar os investimentos em infra-estrutura e reduzir a relação dívida pública/PIB, abrindo caminho para mais crescimento econômico? Creio que sim. Basta que o crescimento ocorra a taxas mais elevadas que a expansão dos gastos. Maior crescimento e continuidade do atual sistema de metas de inflação, do câmbio flutuante e da contenção fiscal reduziriam a relação dívida/PIB e os juros e permitiriam a desvalorização do real. Mas esse é o dilema. Como acelerar o crescimento sem cortar os gastos públicos? Voltaremos ao tema na próxima coluna. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA China: ajuste ou crise? Apesar do crescimento espetacular da China nos últimos 20 anos, seus fundamentos preocupam NA TERÇA-FEIRA, uma crise financeira originada na China atingiu as Bolsas de Valores em todo o planeta, causando quedas comparáveis às verificadas após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Até o momento, a repercussão do estouro da Bolsa de Xangai continua reverberando em cadeia por todos os continentes. O que muitos afirmaram que poderia ser um fato passageiro e de impacto declinante ao longo dos dias seguintes acabou revelando possuir uma capacidade de contágio e de difusão que justifica a questão colocada agora perante todos nós: o mundo está passando por um ajuste, possivelmente saudável e necessário, ou corre-se o risco de surgimento de uma crise financeira global, com repercussões no Brasil? Poucos arriscariam uma resposta taxativa a essa questão. É importante saber que o mundo globalizado pode fazer com que uma economia estruturalmente saudável e com bons fundamentos macroeconômicos seja arrastada por uma crise totalmente alheia a qualquer causa interna. A evolução das Bolsas no Brasil, por exemplo, já não reflete apenas as avaliações fundamentalistas feitas por auditores e analistas de mercado com relação à eficiência, produtividade e lucratividade das empresas nacionais. Em longo prazo, a correlação entre preços de ativos e seus fundamentos mostram evidentemente uma maior correlação. Mas cada vez mais são as avaliações e as estratégias de investidores estrangeiros que determinam a evolução dos preços desses ativos, seguindo uma nova lógica globalizada. Ajuste ou crise? É sabido que a economia chinesa adquiriu grande importância como condutora da economia mundial. Seu gigantesco mercado interno, seus "greenfields" totalmente abertos a receber novos investimentos, seus custos de mão-de-obra competitivos e a pressão que exerce nos mercados internacionais de insumos e commodities fazem com que o mundo caminhe cada vez mais no ritmo ditado pela China. A importância dos EUA é preponderante, mas se trata de uma economia madura e que foi capaz de ajustar sua política econômica de forma a evitar que a bonança dos últimos anos termine em crise recessiva profunda. Nesse sentido, mudanças súbitas de rumo na economia mundial devem vir mais provavelmente da China e de alguns outros países emergentes importantes. E quando se fala em China, quem a controla? As decisões econômicas são políticas, os mercados ainda são incipientes, e a insegurança é enorme. Os analistas estão prevendo, há meses, o estouro da bolha nos preços dos ativos chineses. Apesar do crescimento espetacular da China nos últimos 20 anos, seus fundamentos começam a preocupar. Os salários estão aumentando cerca de 10% ao ano; a inflação está em elevação, embora ainda em patamares baixos, de 2% a 3% ao ano; a moeda continua desvalorizada; as reservas atingem US$ 1 trilhão e, mesmo que represadas no financia mento do déficit americano, são constante fonte de dúvidas e incertezas para a estabilidade mun dial. A qualidade dos créditos e a exposição ao risco preocupam. Os marcos regulatórios financeiros são precários, e surgem demandas por ações corretivas por parte do governo. Contudo o fator causal mais evidente para a atual instabilidade na China é o excesso de liquidez causado pelos juros reais negativos. A inflação nos preços dos ativos, inclusive imobiliários, é uma realidade que as recentes elevações das reservas bancárias não controlaram. Se os incidentes de Xangai na terça-feira se transformarão ou não em uma crise mundial dependerá de como as autoridades reagirão ao excesso de liquidez. A tradição indica que a resposta para evitar a bolha especulativa que acometeu aos chineses poderá ser prioritariamente regulatória, com maiores controles e aperfeiçoamentos institucionais. Porém se a dose das medidas restritivas, como a imposição de maior tributação e a elevação dos juros, for excessiva, sempre haverá o risco de uma desaceleração mais forte da economia chinesa, o que poderá, com o enfraquecimento da economia norteamericana, dar início a uma gripe recessiva que certamente se transformará em uma pneumonia dupla para países emergentes como o Brasil. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A Verdade Sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Contabilidade de padaria e o INSS Os que criticam a alteração no cálculo do déficit da Previdência estão adotando a contabilidade de padaria O MINISTRO Nelson Machado, responsável pelo INSS, deseja separar as despesas e receitas previdenciárias das que são subsídios e transferências unilaterais desvinculadas do sistema brasileiro de previdência propriamente dito. Há programas, como a aposentadoria rural e para os idosos, que, ainda que tomem a forma de pagamentos chamados de "aposentadorias", em realidade são transferências assistenciais desvinculadas de financiamento previdenciário e que, portanto, deveriam ser contabilizadas em contas separadas. A tabela nesta página revela que os benefícios rurais representam cerca de dois terços do déficit do RGPS (Regime Geral de Previdência Social). Da mesma forma, as isenções de contribuições previdenciárias concedidas a entidades ligadas à saúde (como as Santas Casas) e à educação (ProUni) não se justificam por critérios atuariais previdenciários, como seria o caso se os funcionários desses setores tivessem características laborais e expectativa de vida diferentes dos demais trabalhadores. Tais vantagens são concedidas para favorecer setores considerados pelo governo como prioritários. Assim, os valores correspondentes a tais gastos (ou renúncias de receitas) deveriam ser contabilizados como receitas do INSS e constar do orçamento da saúde e da educação como despesas. Essa questão serve para mostrar a diferença entre a contabilidade da padaria da esquina e o orçamento público. A contabilidade da padaria é muito simples: tudo o que entra vai para o bolso direito, e tudo o que sai vem do bolso esquerdo. Esse tipo de contabilidade só nos permite aferir se entrou mais do que saiu, ou vice-versa. Nada mais. A contabilidade pública é muito diferente. Ela explicita todos os valores arrecadados e todos os gastos, classificando-os por tipos e categorias de receitas e desembolsos. É possível saber o quanto se gasta em cada programa de custeio ou de investimento e de onde vêm os recursos para sua cobertura. A contabilidade pública produz uma enorme quantidade de informações e permite análises mais criteriosas das relações custo-benefício de cada programa ou projeto. Na contabilidade da padaria da esquina, só se sabe se há déficit ou superávit. Curiosamente, muitos criticam as alterações contábeis propostas pelo ministro Machado. Afirmam que se trata apenas de uma artimanha do governo para se esquivar da reforma da Previdência. E complementam a crítica dizendo que as alterações propostas não resolvem o problema de caixa do governo. Os que externam essa opinião estão implicitamente adotando o princípio da contabilidade da padaria. É verdade que o Brasil gasta em previdência pública e privada cerca de 12,2% do PIB. É demais, e provavelmente há muita ineficiência, privilégios e distorções nesses programas, que ademais incluem indevidamente gastos assistenciais não-previdenciários. Contudo, para resolver esses problemas, é necessário dispor de informações corretas, que os critérios contábeis e orçamentários atuais ocultam. E, nesse sentido, estimulam as soluções simplistas, em geral erradas e injustas, como cortes indiscriminados de benefícios, aumentos gerais de alíquotas das contribuições, criação de novos tributos etc. Em realidade, existe déficit previdenciário no sentido estrito do termo, mas menor do que os alardeados R$ 42,1 bilhões. Os benefícios urbanos do RGPS em 2006 custaram R$ 146,3 bilhões (incluindo despesas administrativas), e as receitas líquidas chegaram a R$ 123,5 bilhões (receita previdenciária bancária de R$ 122,9 bilhões; outras receitas previdenciárias próprias, R$ 10,1 bilhões; deduzidas as transferências a terceiros, principalmente ao sistema "S", de R$ 9,5 bilhões). O déficit é de R$ 22,8 bilhões. Considerando que a Previdência possui arrecadação tributária própria (0,1% da CPMF), o déficit do regime geral pode cair para cerca de R$ 14 bilhões. Tais informações podem auxiliar, e muito, na busca de soluções corretas para o problema. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA A fábula dos porcos assados Qualquer semelhança com sistemas tributários só pode ser mera coincidência! CERTA VEZ , ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, que até então os comiam crus, experimentaram a carne assada e acharam-na deliciosa. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque. O tempo passou, e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo. Mas as coisas nem sempre funcionavam bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso do sistema, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou, ainda, às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas. As causas eram, como se vê, difíceis de determinar -na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: havia maquinário diversificado, indivíduos dedicados a acender o fogo e especialistas em ventos -os anemotécnicos. Havia um diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, um diretor de Técnicas Ígneas, um administrador-geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas. Eram milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno. Um dia, um incendiador chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o problema era fácil de ser resolvido -bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor -e não as chamas- assasse a carne. Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o diretor-geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe: "Tudo o que o senhor propõe está correto, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades? E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras de ar? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Hein?". "Não sei", disse João, encabulado. "O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo?" "O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos engenheiros em porcopirotecnia? Vamos, diga-me!" "Não sei, senhor." "Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia -isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo." João Bom-Senso, coitado, não falou mais um "a". Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões de Reforma e Melhoramentos, que falta o Bom-Senso. Será que o cidadão brasileiro fará como o João Bom-Senso, mesmo com a arrecadação federal tendo batido novo recorde em 2006 e a burocracia galopante continuar a ser estímulo para a sonegação e a corrupção fiscais? O texto original, de autoria desconhecida, circulou entre alunos de pós-graduação em Piracicaba em 1981. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A Verdade Sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org [email protected] MARCOS CINTRA Imposto único fajuto A tese do imposto único venceu. Mas, ainda que a filosofia de ação seja correta, a aplicação é equivocada O BRASIL está aderindo à filosofia do imposto único, mas de forma totalmente errada. O governo adotou a unicidade tributária para as micro e pequenas empresas, que representam quase 95% das pessoas jurídicas no país. Trata-se do Supersimples, que, aliás, deveria ser chamado de supercomplicado. Esse sistema unifica impostos federais, estaduais e municipais em uma só base de cálculo e em apenas uma guia de arrecadação. Para as demais empresas, o governo acena com a criação de um "único imposto sobre valor agregado", como reiterou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso de posse, que unificaria o IPI, o ICMS, o ISS, o PIS-Cofins, a CPMF e possivelmente as contribuições previdenciárias ao INSS sobre folha de salários. Como se vê, a tese do imposto único venceu no Brasil. Mas, ainda que a filosofia de ação seja correta, a forma de sua aplicação é equivocada. No Supersimples, a unificação tomará por base de cálculo a receita bruta das empresas; e, no caso do imposto único sobre valor agregado, a base de cálculo será o faturamento. Nas duas situações, a base tributária continuará sendo declaratória, como é hoje. A arrecadação dependerá do faturamento registrado mediante a emissão de nota fiscal. E, como a alíquota deverá ser alta para manter a atual arrecadação, todos os vícios e distorções já verificados em nosso modelo tributário, como a sonegação e a evasão, serão perpetuados e contaminarão o novo modelo simplificado que se pretende implantar. Nesse sentido, por que não dar o passo final na direção de um modelo tributário universal, insonegável, menos iníquo e de mais baixo custo, adotando a movimentação financeira como base de cálculo desses novos modelos unificados e simplificados? A CPMF é um tributo em uso no Brasil há mais de 15 anos, sem nenhuma comprovação de haver causado distorções no funcionamento da economia. Porém os ferrenhos adeptos da ortodoxia e da "sabedoria convencional" (no sentido pejorativo que Galbraith lhe atribuiu) insistem em apontá-la como um tributo a ser eliminado, xingando-lhe de "tributo cumulativo" e de "em cascata". O argumento contra a CPMF é que, por ser cumulativa, altera os preços relativos, causa distorções no processo produtivo e prejudica as exportações. Trata-se de uma discussão antiga, e recomendo aos que desejam tomar conhecimento desse debate que consultem o livro "Tributação no Brasil e o Imposto Único", disponível em www.marcoscintra.org/novo/cadastro/index.asp?tag=tributacao, com especial referência às páginas 169 a 176, e entendam as razões que me levam a acreditar que todas as objeções foram devidamente refutadas. Recentemente, surgiram propostas de transformação da CPMF em um tributo permanente. O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) propôs torná-la definitiva, mas com a redução da alíquota do atual 0,38% para 0,08% num prazo de "dez ou 15 anos". A mesma proposta foi aventada por Fabio Giambiagi, que propõe uma alíquota declinante até chegar a 0,01% em 2010, para detectar indícios de fraudes pela Receita Federal. A intenção de transformar a CPMF em um tributo dedo-duro é mais uma criação incompreensível da tecnocracia brasileira. Afinal, a CPMF nada mais é do que a multiplicação do valor da movimentação bancária pela alíquota de 0,38%. A obrigatoriedade de reportar às autoridades fazendárias o valor dessa conta pode ser replicada de forma absolutamente equivalente simplesmente reportando o volume da própria movimentação bancária, que é a informação relevante para a Receita Federal. Não há, portanto, nenhuma justificativa lógica para a perpetuação da CPMF se o que se deseja é apenas utilizá-la como instrumento de fiscalização. Acredito que a CPMF deva ser utilizada de forma mais nobre, como ponto de partida para fazer uma faxina no sistema tributário brasileiro. Se não for assim, deve ser imediatamente eliminada. A sua convivência com tributos convencionais é incompatível com a filosofia que levou à proposta de sua criação como um imposto único. Ser um imposto a mais contradiz a sua natureza. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org MARCOS ANTONIO CINTRA A integração financeira APÓS 2003, os bancos, o mercado de capitais e de derivativos no Brasil aprofundaram seus vínculos com o sistema financeiro internacional. Os bancos nacionais e estrangeiros desenvolveram estratégias para expandir o crédito pessoal, mediante associação com financeiras e com redes de varejistas e o crédito corporativo. Até novembro de 2006, a concessão de empréstimos alcançou R$ 125 bilhões, o mesmo valor emitido pelo mercado de capitais. Essa expansão da Bolsa de Valores de São Paulo esteve associada com a entrada dos investidores estrangeiros, os quais passaram a responder por 35% do volume negociado. Nas emissões de ações, os estrangeiros subscreveram mais de 60% da oferta. Simultaneamente ampliou-se o volume médio de negócios com American Depositary Receipts de empresas brasileiras na Bolsa de Valores de Nova York. Até o início de novembro, o volume negociado em ADRs de empresas brasileiras em Nova York ultrapassou o total transacionado no mercado à vista da Bovespa. A dinâmica do mercado doméstico ficou condicionada às operações dos investidores estrangeiros na Bovespa e em Nova York. Na Bolsa de Mercadorias & Futuros, o volume de negócios atingiu o recorde de US$ 8,8 trilhões (R$ 19,1 trilhões) até novembro. Ao mesmo tempo, o interesse do investidor internacional pelos altos juros praticados no Brasil fervilhou os negócios com contratos futuros de reais no exterior conhecidos como Non Deliverable Forward (NDF). Por meio desses contratos, os investidores estrangeiros podem comprar reais e vender dólares em uma data no futuro sem entrega física da moeda. A taxa de câmbio real/dólar passou a ser fortemente condicionada por essas operações e pelos contratos futuros de real negociados na Bolsa de Mercadorias de Chicago. Finalmente, ampliou-se internacionalização de parte da riqueza das famílias e das empresas brasileiras. Segundo o BC, o estoque de capitais brasileiros no exterior atingiu US$ 111,7 bilhões em dezembro de 2005, um crescimento de 20% sobre o ano anterior. Essa integração crescente dos mercados e dos agentes sofisticou o sistema financeiro doméstico e fomentou uma nova coalizão de interesses bastante distinta daquela que impulsionou o crescimento do setor industrial brasileiro (1930-1980). O atual modelo de desenvolvimento liderado pelas finanças e pelos setores exportadores de commodities contém muitas semelhanças com o padrão de crescimento característico da República Velha (1889-1930), exportador de café e integrado ao sistema financeiro internacional. Enfim, o êxito de alguns segmentos da sociedade não necessariamente garante os interesses da nação. MARCOS ANTONIO CINTRA é editorialista da Folha.