dudi miolo f2 - Oswaldo Corrêa da Costa

Transcrição

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Dudi Maia Rosa e as mortes da pintura
Oswaldo Corrêa da Costa
São Paulo, 2005
METALIVROS
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© 2005 Metavídeo sp Produção
e Comunicação Ltda.
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textos
Oswaldo Corrêa da Costa
obras
Dudi Maia Rosa
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estágio administrativo
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distribuição e vendas
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escaneamento, provas
e fechamento de arquivos digitais
Bureau São Paulo
impressão e acabamento
Pancrom Indústria Gráfica Ltda., São Paulo
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sumário
introdução, 11
as mortes da pintura, 15
o que é pintura pós-meta?, 39
Dudi Maia Rosa, 50
apêndice, 165
aspectos biográficos, 185
bibliografia, 187
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Arte e propaganda cotejam dois verbos: inspirar e comunicar. Propaganda se inspira para comunicar? Arte comunica inspiração? E nesses pontos cessam todas as nossas pretensões.
A F/Nazca Saatchi & Saatchi abraçou um projeto de incentivo a artistas contemporâneos brasileiros pela tradição
que seu sobrenome carrega e pela grata inspiração que
eles suscitam no seu trabalho.
É com muito orgulho que patrocinamos esta edição, um
gesto gostoso de retribuir à transparência e à cor com as
quais Dudi Maia Rosa nos ilumina, expondo algumas de
suas obras na sede da agência, em São Paulo.
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para meu pai, pelo amor às palavras, para minha mãe, pelo amor às formas,
e para minhas irmãs, pelos exemplos de semelhança e diferença.
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Só sou livre quando minha vontade, fundamentando-se crítica
e filosoficamente naquilo que existe, é capaz de formular bases
de novos fenômenos.
kasimir malevich, Non-Objective Art and Suprematism, 1919
introdução
Ao escrever sobre a pintura de Dudi Maia Rosa, sinto-me
tentado a colocar a palavra pintura entre aspas, mas o leitor
logo se aborreceria. No entanto, uma de suas caraterísticas é não ser, estritamente falando, pintura. Seja qual for
o nome que lhe dermos, procurarei argumentar que se
trata de uma resposta criativa aos dilemas de um artista
que tem vocação de pintor, mas que é também do seu
tempo. Mais precisamente, seu trabalho é uma tentativa
de reconciliar a compulsão de pintar com a intuição dos
limites da pintura tradicional como linguagem para tratar de questões contemporâneas. “Ser moderno é saber o
que não é mais possível.”1
Antes de discutir a resposta específica de Maia Rosa,
procurarei, como pano de fundo, mapear algumas das
“mortes” da pintura, em especial as que considero as duas
mais recentes: a crise da metapintura (pintura cujo tema
é a própria pintura) nos anos 1950; e a crise mais abrangente que durou aproximadamente de 1968 (ano politicamente turbulento na Europa e nos Estados Unidos)
até 1982, quando a Documenta vii de Rudy Fuchs, bem
ou mal, reconduziu a pintura a uma posição de destaque. O primeiro capítulo é ilustrado com citações (muitas tão coloridas quanto imagens) de artistas, historiadores da arte e filósofos, enquanto os demais capítulos são
ilustrados com imagens. Se o pós-modernismo existe —
uma das questões que examinaremos no primeiro capítulo —, terá sido alguma dessas duas crises um sintoma da
transição do modernismo para o pós-modernismo? Se, por
outro lado, o pós-modernismo não passa de uma ilusão de
ótica narcisista, o que terá causado tais rupturas na conti-
11
nuidade do modernismo? Ou seriam as próprias rupturas
ilusões, frutos de guerras culturais que assumiram autonomia retórica? É certo que, por toda parte, durante as crises, artistas “desavisados” continuaram nutrindo o prazer
de aplicar substância sobre superfície, às vezes com resultados vitais e inovadores.
No começo da década de 1980, quando o trabalho de
Maia Rosa adquire contornos próprios, a pintura estava
começando a recuperar estatura artística. O mercado de
arte recebeu a volta da pintura com entusiasmo semelhante àquele com que acolheu a arte pop na década de
1960. Em ambos os casos, galeristas e colecionadores celebraram o retorno do figurativo, mais facilmente digerível
do que os pólos opostos da abstração gestual da década de
1950 e da arte minimalista e conceitual da década de 1970.
Parte dessa nova pintura, no entanto, manifestava que algo havia mudado, que a inocência e, até certo ponto, o
idealismo modernistas haviam sido irremediavelmente
perdidos. Na década de 1950 e 1960, houve uma reação à
metapintura, e algumas dessas manifestações pioneiras serão examinadas no segundo capítulo. Por conveniência, e
sem maior seriedade, chamaremos essa pintura de pintura pós-meta. Na década de 1980, a volta da pintura foi uma
manifestação de horror vacui, uma resposta ao desaparecimento da pintura como veículo de vanguarda devido ao
surgimento de novas mídias — happenings, instalações,
performances, fotografia, vídeo, land art. Boa parte da nova pintura não passava de uma recuperação nostálgica e
pouco crítica, defasada das questões contemporâneas; limitava-se a reprises de metapintura ou, no caso do neo-ex-
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pressionismo, manifestações anteriores. Mas havia também uma pintura criticamente engajada, incluindo a de
Maia Rosa, que retomou o caminho interrompido da pintura que chamo de pós-meta.
Espero que os dois primeiros capítulos atraiam leitores que, de outra forma, não tomariam contato com a
obra de Maia Rosa. Aos já familiarizados, espero que a
inserção de sua obra no contexto descrito nesses capítulos estimule novos olhares e promova uma apreciação
mais completa de sua relevância.
No terceiro capítulo, examinaremos como a obra de
Maia Rosa surgiu em seu contexto imediato — São Paulo, década de 1970 — e como ela reagiu às possibilidades
reduzidas de pintura crítica e criativa. O processo não foi
sereno. A trajetória de Maia Rosa teve a cota de hesitações e desacertos, por vezes parecendo um tatear no escuro. Não foi motivada por questões intelectuais; não
houve declaração de objetivos, manifesto, agenda política ou ideologia explícita. Foi — e continua sendo — um
processo carregado de inquietude experimental, com
um rastro de obras eutanasiadas. Maia Rosa se aproxima
mais do antigo clichê do artista como receptor sensível
— a noção de Ezra Pound de que “os artistas são a antena da raça humana” — do que do clichê contemporâneo do estrategista com pós-graduação em artes plásticas.
Os historiadores da arte inevitavelmente fazem curadoria da história da arte, e é certamente tentador e possível
repetir o mesmo com a história de Maia Rosa, enxergando-a como uma evolução coerente. Mas os desvios foram
ingredientes necessários dos êxitos, e serão incluídos e
discutidos como tais. Também examinaremos um aspecto interessante da obra de Maia Rosa: a maneira como o
material — resina e fibra de vidro — funciona tal qual
uma “assinatura”. Tudo que é preso nesse “âmbar” se
transforma, reconhecivelmente, em propriedade do artista. Uma vez eliminada a necessidade de estilo ou temática própria, o artista está livre para saquear a história da
arte, tanto abstrata quanto figurativa, sem perder a identidade visual. Tal como a pintura modernista auto-referencial da década de 1950 (examinada no primeiro capítulo), o meio aqui é a mensagem, mas, diferentemente
daquela, nunca toda a mensagem.
12
Walter Benjamin expressou uma vez o desejo de
produzir um livro composto inteiramente de citações2.
Tal método teria a virtude de reduzir o número de juízos
de valor, embora continuassem presentes, inevitavelmente, na escolha das citações. Neste texto, pretendo citar, e
muito, pois parto da premissa de que o leitor deveria interessar-se menos pelas minhas opiniões do que pelas informações que reuni para que faça os próprios julgamentos.
O fato de que houve algum critério na escolha das citações não deve impedir que o leitor as use da maneira que
lhe convier. Além de representar uma contribuição para
a morte do crítico (se me permitirem mal interpretar a
freqüentemente mal interpretada “morte do autor” declarada por Barthes), o uso abundante de citações é coerente com o protagonista desta obra, que cita com freqüência, tanto no trabalho quanto na conversa. Fiz o possível
para evitar o uso de palavras especializadas; quando inevitável, procurei incluir uma definição dos termos utilizados. Duchamp sabia bem o valor de ser enigmático, um
charme de que prefiro ser incapaz.
Nutro grande respeito pelas convenções acadêmicas, e procurei segui-las sempre que possível. Não sou,
porém, um acadêmico, nem este livro pretende sê-lo.
Trata-se de uma visão pessoal, sem nenhuma ambição
catedrática. Ao escrevê-lo, pude contar com informações
colhidas em conversas com diversos interlocutores, que
contribuíram com tempo e vivência. O próprio artista foi
uma inspiração constante, e espero que meu ângulo de
abordagem faça jus ao diálogo que mantivemos durante
quase vinte anos. Nenhum texto pode dar conta da obra
de Maia Rosa. Para tanto seria preciso combinar esta e
muitas outras abordagens. Espero que esta seja apenas a
primeira de muitas. Rafael Vogt Maia Rosa, filho do artista, foi de valor inestimável durante todas as etapas do
processo. Além de responder prontamente a todos os
meus pedidos de informação, esclarecimentos ou fotografias, Rafael escreveu-me palavras emocionantes e
emocionadas sobre o pai, e espero que ele algum dia se
anime a publicar suas observações privilegiadas. Devo
boa parte da energia necessária para este projeto ao fato
de o entusiasmo, tanto do pai como do filho, ter sido independente da coincidência de meus pontos de vista
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com os deles. Preciso também declarar que, como colecionador de arte brasileira, fui capaz de adquirir, no decorrer dos anos, algumas obras de Maia Rosa. A princípio, pretendia excluí-las deste livro, por razões óbvias,
mas isso teria diminuído, ainda que pouco, sua abrangência. Em vez de cometer esse pequeno desserviço ao
artista e ao leitor, preferi adotar o ponto de vista de que
esses trabalhos são mais do artista do que meus.
Carlos Fajardo, José Resende e Antônio Dias compartilharam generosamente as lembranças do contexto
formativo da arte brasileira nos anos 1960 e 1970 e da situação da pintura na época. Ivo Mesquita, Rodrigo Naves e
Alberto Tassinari tiveram a paciência de escutar minhas
teses e comentá-las de maneira prestativa e construtiva.
Rodrigo Naves leu o manuscrito e me encorajou com extrema generosidade, estímulo precioso, pois sua maneira
de ver a arte, assim como a prosa e a independência profissional, me tem servido de exemplo. Visto que cada um tinha visão bastante diferente sobre o período, a responsabilidade por qualquer inconsistência em minha narrativa
é inteiramente deles; enquanto o mérito de qualquer coerência extraída desse caos é, naturalmente, todo meu…
À influencia benéfica de Lilian Tone, devo uma postura
crítica mais rigorosa, uma noção ligeiramente melhorada do que não dizer, e uma preferência tardia por substantivos a adjetivos. À minha filha, Olivia Costa, que abriu
territórios previamente insuspeitados de emoção, devo
mais do que jamais conseguiria expressar.
1 Roland Barthes, apud bois, Yve-Alain. Painting as Model. Cambridge:
The mit Press, 1990, p. 243.
2 harrison, Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990,
An Anthology of Changing Ideas. Oxford, uk: Blackwell Publishers Ltd.,
1997, p. 9.
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as mortes da pintura
Não se pode pensar em pintura no suprematismo; a pintura danou-se há muito tempo, e o próprio artista é um
preconceito do passado.1
kasimir malevich, 1920
E eles vêm nos falar de pintura, eles vêm e nos lembram
desse recurso lamentável que é a pintura!2
andré breton, 1928
Reduzi a pintura à sua conclusão lógica e expus três telas, vermelha, azul e amarela. Afirmei: acabou tudo. Cores básicas. Todo plano é um plano, e não haverá mais
representação.3
alexander rodchenko, 1939
A pintura acabou; devemos desistir dela.4
barnett newman, final dos anos 1930
15
Não entendo esses pintores que, ao mesmo tempo em
que se declaram sensíveis aos problemas contemporâneos, ainda se colocam diante da tela como se ela fosse
uma superfície que precisasse ser preenchida de cores e
de formas, em um estilo mais ou menos personalizado
e convencional.5
piero manzoni, 1960
Estamos testemunhando hoje a exaustão e ossificação de
todos os vocabulários estabelecidos, de todas as línguas, de
todos os estilos. (…) A pintura de cavalete (como qualquer
outro meio clássico de expressão no campo da pintura e
da escultura) já teve o seu dia. Hoje ela sobrevive das sobras, às vezes ainda sublimes, do seu longo monopólio.6
pierre restany, 1960
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Já não tenho dúvidas que a era do fim do quadro está definitivamente inaugurada. Para mim a dialética que envolve
o problema da pintura avançou, juntamente com as experiências (as obras), no sentido da transformação da pintura-quadro em outra coisa (para mim o não-objeto), que já
não é mais possível aceitar o desenvolvimento “dentro do
quadro”, o quadro já se saturou. Longe de ser a “morte da
pintura”, é a sua salvação, pois a morte mesmo seria a continuação do quadro como tal, e como “suporte” da “pintura”. (…) O problema da pintura se resolve na destruição
do quadro, ou na sua incorporação no espaço e no tempo.7
hélio oiticica, 1961
Estou mais do que convencida sobre a crise do plano (retângulo) — Mondrian, o maior de todos, fez com o retângulo o que Picasso fizera da figura. Esgotou-o de vez. (…)
É crise da estrutura — não estrutura formal como sempre
houve, mas estrutura total —, é o retângulo que já não satisfaz como meio de expressão. Basta ele ser colocado na
parede que ele estabelece automaticamente o diálogo sujeito/objeto (representação) pela sua própria posição…8
lygia clark, 1964
Estou apenas fazendo a última pintura que alguém pode fazer.9
ad reinhardt, 1965
O problema da pintura não é o ilusionismo inescapável
em si. Mas esse ilusionismo inerente traz consigo uma
ilusoriedade defasada e uma alusividade indeterminada.
O meio ficou antigo. A antiguidade consiste, especificamente, na fragmentação da experiência que resulta de
marcas sobre uma superfície plana.10
robert morris, 1966
Os formalistas, tanto críticos como artistas, não questionam a natureza da arte, mas, como já disse: “Ser artista
hoje significa questionar a natureza da arte”. Quem
questiona a natureza da pintura não está questionando a
natureza da arte. Se um artista aceita a pintura (ou a escultura), está aceitando a tradição que vem junto.11
joseph kosuth, 1969
A tentativa sistemática, obsessiva e persistente de livrar a
pintura de uma vez por todas de suas roupagens idealistas confere à obra de Ryman um lugar especial na arte
dos anos 60, como, mais uma vez, “apenas as últimas
pinturas que alguém pode fazer”. (…) Se lembramos
que foram as primeiras pinturas de Stella que sinalizaram a seus colegas que o fim da pintura havia finalmente chegado (estou pensando em desertores das fileiras da
pintura como Dan Flavin, Donald Judd, Sol LeWitt e
Robert Morris), parece bastante claro que a carreira do
próprio Stella é uma agonia prolongada acerca das implicações incontestáveis daqueles trabalhos (…).12
douglas crimp, 1981
[Depois da arte conceitual] a prática da arte não seria
mais definida como atividade artesanal, um processo de
criação de objetos refinados em um determinado meio,
mas como um conjunto de operações num campo de
práticas significadoras, talvez centrada em algum meio,
mas certamente não limitada por ele.13
victor burgin, 1986
16
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Acho que existe uma longa tradição modernista de testar
o limite da arte — começando com os dada e os suprematistas (se preferir) —, e muitos artistas já fizeram a última pintura que poderia ser feita. É uma terra de ninguém que muitos de nós gostamos de freqüentar, e a
questão é não perder o senso de humor, porque, afinal,
não passa de arte.14
sherrie levine, 1986
Warhol (…) teve que elaborar as etapas finais da pictorialização, iniciada por Rauschenberg e Johns, e chegou
ao limiar da abolição da pintura, que logo viria a acontecer, facilitada consideravelmente pela obra do próprio
Warhol, no contexto da arte minimalista e conceitual.15
benjamin buchloh, 1989
Entre 1966 e 1968, em Nova York e em outros lugares,
Robert Huot, John Baldessari, Robert Barry, Jan Dibbets,
Mel Ramsden, Lawrence Weiner e outros artistas produziram seus “últimos” monocromos ou fizeram suas variantes da tela vazia antes de enveredarem para a arte conceitual. Seus trabalhos conceituais só são inteligíveis e só
podem ser avaliados em referência à atividade e ao meio
da pintura, o que, infelizmente, era exatamente do que
esses artistas estavam tentando escapar, pois eles baseavam seus trabalhos na “lógica” da pintura modernista, ao
mesmo tempo em que não permitiam que fossem avaliados esteticamente com relação à pintura.16
thierry de duve, 1990
17
Quando disse, trinta anos atrás, que a pintura estava acabada, não imaginei que estaria tão definitivamente acabada. A realização de Pollock e de outros artistas significava que o desenvolvimento da cor nesse século não
poderia mais continuar sobre uma superfície plana. Sua
capacidade adventícia de destruir o naturalismo também
não poderia mais continuar. Talvez Pollock, Newman,
Rothko e Still tenham sido os últimos pintores.17
donald judd, 1993
É tão engraçado quanto patético que, de cinco em cinco
anos, a morte da pintura seja anunciada, invariavelmente
seguida da notícia da sua ressurreição. Isso não quer dizer
que não há uma certa verdade escondida atrás dessa oscilação do pêndulo — senão esse fenômeno já teria acabado há muito tempo. Não seria sintomático que, logo após
a invenção da fotografia, Paul Delaroche tenha previsto
pela primeira vez a morte da pintura? Isso certamente
aponta para uma das razões, não da morte da pintura —
isso não existe —, mas da sensação de que a pintura estava ameaçada. Essa sensação, tão velha quanto a modernidade, (…) vem à tona periodicamente na história da
pintura moderna e, ainda hoje, continua conosco.18
thierry de duve, 2003
A morte da pintura está encomendada desde Manet, e a
tarefa de todo artista moderno é tentar realizá-la. Isso é o
modernismo, tal como o conheço.19
yve-alain bois, 2003
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Por que nunca se anunciou a morte da escultura, do desenho, da gravura? A necessidade de matar a pintura —
de modo geral a forma dominante de arte visual desde
Giotto — pode ser entendida como o impulso de matar
o pai, um psicodrama tão velho quanto a humanidade.
Mas nem a necessidade de fazê-lo nem a impressão de
tê-lo feito significam que a façanha tenha sido realizada.
Porque a pintura, é claro, não pode ser morta, assim como tocar um instrumento ou escrever um livro. Quando
Reinhardt afirmava que havia feito a última pintura possível, queria dizer que havia chegado ao final de um processo historicamente determinado, característico do modernismo, no qual um meio — no caso a pintura —
deixou de funcionar como veículo para expressar algo externo e se transformou em objeto auto-referencial, tratando apenas de pintura. Depois de Reinhardt, nenhum
avanço formal parecia possível; o limite do meio como
linguagem — o monocromo plano — já havia sido alcançado. Os pintores poderiam até ter o que dizer, mas
para isso seria necessário dar um passo atrás (em termos
formais). Tal retrocesso não era coerente com a dinâmica interna da vanguarda, daí a noção de que os pintores
não poderiam mais pertencer a ela.
Na realidade, o próprio conceito de vanguarda sempre foi contingente e problemático; bastava ser de vanguarda, e raramente se perguntava: “Vanguarda de que
corrida ou qual exército?” Como veremos, uma das características que definiria o pós-modernismo seria a perda de
fé nas vanguardas. Em todo caso, as afirmações feitas pelos combatentes nas guerras culturais do modernismo encerram inúmeras tautologias20. Tipicamente, essas afirmações funcionam assim: primeiro se desenvolve uma
regra ética, por exemplo, “para ser relevante, a obra de arte precisa inovar”; então se reifica21essa regra, para que a
origem subjetiva seja esquecida; e depois se incorpora a
regra como juízo de valor, ou seja, passa-se a só considerar relevantes as obras que inovam. Outra tautologia sustenta que, “para ter integridade, a obra de arte deve respeitar a verdade de seus materiais”, fazendo com que
apenas aquelas obras em que os materiais se comportam
“naturalmente” sejam consideradas íntegras.
18
A tautologia mais influente do período do pós-guerra
é associada ao crítico Clement Greenberg, para quem a
pintura, para se defender da influência crescente da cultura popular (kitsch), precisava purgar-se de tudo que fosse
estranho ao meio, tal como a narrativa, a representação e
o espaço ilusionista. Só a pintura livre de qualquer referência externa ou espaço ilusionista tinha integridade, pois a
integridade exigia justamente tais características. Não surpreende que essa armadilha semântica tenha encurralado
quem a criou, levando a um beco formal sem saída.
A história singular da pintura vai da pintura de uma
variedade de idéias com uma variedade de sujeitos e objetos à pintura de uma idéia com uma variedade de sujeitos e
objetos, à pintura de um sujeito com uma variedade de objetos, de um objeto com uma variedade de sujeitos, de um
objeto e um sujeito, de um objeto sem nenhum sujeito, de
um sujeito sem nenhum objeto, até chegar à idéia de nenhum objeto e nenhum sujeito e nenhuma variedade.22
ad reinhardt
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Deve ser dito, em defesa de Greenberg, que sua cruzada
para fortalecer a pintura entrincheirando-a em sua área
de competência foi com freqüência mal-entendida. Alguns acharam que ele tinha desencadeado um processo
que levava inevitavelmente à morte da pintura, mas essa
era a última coisa que desejava. Greenberg era apaixonado pela pintura, e queria que vivesse para sempre, num
estado constante, mas não autodestrutivo, de investigação formal. Por causa de mal-entendidos, sua reserva
com relação a Reinhardt e Stella, assim como ao minimalismo, deixou alguns observadores perplexos.
Acima de tudo, Clement Greenberg é o crítico do gosto.
(…) De que outra maneira podemos explicar, à luz das
suas teorias — se elas têm qualquer lógica —, sua falta
de interesse por Frank Stella, Ad Reinhardt e outros que
se encaixam no seu esquema histórico? Não seria porque
(…) o trabalho deles não é de seu gosto?23
joseph kosuth
(…) a incapacidade de Greenberg de aceitar a chamada
arte minimalista poderia ser vista como um lapso de coragem em frente à lógica de sua própria posição.24
charles harrison e paul wood
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Apesar dos danos que infligiu ao espaço ilusionista, Greenberg merece uma análise mais cuidadosa. Sua reserva
era coerente, pois Reinhardt e Stella estavam atravessando o Rubicão até um ponto sem volta, enquanto o minimalismo, pior, rejeitava a pintura completamente. Pode
ser parte essencial do modernismo testar os limites formais, mas deveria operar como o paradoxo de Zeno, segundo o qual nunca se chega ao destino quando se percorre cada vez 95% da distância que falta. Mas a história
da arte não leva em conta tais sutilezas, e, até hoje, preferiu Reinhardt e Stella a Morris Louis, Kenneth Noland,
Jules Olitski e Larry Poons, pintores que, em Modernist
Painting (1960), Greenberg considera paradigmáticos.
A história demonstra que, apesar de todos os anúncios da morte da pintura, ela se manteve viva e, em muitos casos, saudável. Mas é também um fato histórico
que, para muitos observadores, algum tipo de morte tenha ocorrido, primeiro na década de 1950 e depois no
período entre 1968 e 1982. Se as mortes realmente ocorreram, o que são as pinturas que continuaram sendo feitas? Zumbis, clones, ciborgues? E o que dizer da pintura
que voltou com grande vigor na década de 1980? Seria
um Lázaro reciclado? Ou será que as mortes da pintura
não passaram de disputas de poder manifestadas no âmbito da linguagem enquanto a suposta/pretensa vítima,
na realidade, nunca sequer esteve doente? Como a pintura continua em cartaz em todos os museus e galerias
de arte, é preciso examinar mais de perto algumas das
maneiras como as mortes foram retratadas.
20
Uma primeira interpretação, que se aplica aos anos
1950, é entender a morte como sendo apenas daquela categoria especializada de pintura que tinha a missão de
testar os próprios limites formais. Alguns artistas da década de 1950 e 1960, como Reinhardt e Stella, com as pinturas negras (cor perfeita para o luto), conseguiram, de
fato, uma redução terminal. Os que não foram tão longe
— Louis, Noland, Poons and Olitski — foram perdendo
prestígio. Os pintores de maior impacto — Johns, Rauschenberg, Warhol e Lichtenstein — retornaram à figuração, mas a uma figuração sem representação, desprovida
de espaço ilusionista (assunto que será aprofundado no
segundo capítulo), coerente com o interesse pela pintura enquanto objeto, e não linguagem. Neste aspecto, pelo menos, estavam em sintonia com os formalistas. Mas
muita pintura abstrata continuou sendo feita, até mesmo
investigando questões formais. Parte dela era brilhante e
relevante, mesmo quando tinha sabor de elegia ou protegia o túmulo da metapintura.
[Robert Ryman] é talvez o último pintor modernista,
no sentido de que seu trabalho é o último a conseguir,
com elegância, sustentar um discurso modernista, sendo
capaz de fortalecê-lo, se necessário, mas podendo, sobretudo, miná-lo radicalmente e exauri-lo pelo excesso.25
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Por outro ângulo, pensando no período que vai do fim
dos anos 1960 até o começo dos 1980, pode-se pensar que
não foi a pintura propriamente dita que morreu, mas sua
preeminência histórica. Apesar de a escultura ter sido
sempre um meio fundamental, é difícil negar que quase
todos os artistas considerados importantes dos últimos séculos tenham sido pintores e que o meio predominante
de expressão artística dos últimos 300 anos foi óleo sobre
tela. Mas, começando no final da década de 1960, é crescente a sensação de que a pintura como um todo — seja
ela abstrata ou figurativa — era um meio de expressão
antiquado e ultrapassado. As manifestações de vanguarda passaram a ser a performance, o happening, a body art,
a land art e objetos que não se definiam nem como pintura nem como escultura, feitos com materiais sem tradição nas belas-artes. Muitas obras eram efêmeras, e deixavam vestígios em forma de fotografias ou vídeos. Não foi
coincidência que, quase simultaneamente, a foto e o vídeo passaram a ser explorados pelos artistas plásticos. Assim, a morte da pintura pode ser entendida como uma
rendição da primazia ao novo pluralismo de mídias.
Parafraseando a descrição que Yve-Alain Bois faz da
posição de Hubert Damisch26, podemos pensar o paradoxo de uma terceira forma, considerando a pintura como
um jogo dentro do qual as partidas podem terminar, mas
nunca o jogo. Através da história, muitas partidas já foram
disputadas, e várias estão ocorrendo neste momento. As
partidas podem acontecer simultânea ou seqüencialmente, e cada uma é disputada de acordo com um conjunto
historicamente determinado de regras. Por exemplo, na
partida pintura surrealista, o objetivo é documentar a vida
oculta do subconsciente por meio de manifestações visuais. Na partida pintura formalista, o objetivo é purificar o
meio e “entrincheirá-lo na sua área de competência” pela
eliminação gradual de qualquer coisa alheia à pintura, tal
como a narrativa, a representação e o espaço ilusionista.
O único objetivo de cinqüenta anos de arte abstrata
é apresentar a arte-como-arte e nada mais, é transformála na única coisa que somente ela é, separando-a e definindo-a mais e mais, tornando-a cada vez mais pura e
vazia, mais absoluta e mais exclusiva (…).27
ad reinhardt
21
A situação-limite da partida pintura formalista é o monocromo pintado28, e não a tela vazia, porque se trata de
uma partida da pintura. A tela vazia pertence à categoria
dos readymades, participantes do jogo mais amplo da arte.
Todas as partidas culturais, incluindo as da pintura,
são governadas por um conjunto de metarregras: é preciso partir de um conjunto de convenções, é preciso estabelecer credibilidade por um raciocínio persuasivo (por
meio da persona do artista, suas palavras ou as de seus defensores), e é preciso desenvolver e desafiar essas convenções. O que mais importa é que a pintura não pode terminar enquanto alguém lembrar as regras de qualquer
das partidas e se propuser a jogá-las (para o que bastaria
uma pessoa). O impacto da ideologia sobre qualquer concepção da pintura é, naturalmente, fundamental. As normas que regulam as partidas e todos seus lances refletem
o contexto político e cultural. Não me proponho a examinar esse impacto, apenas tocarei no assunto quando investigarmos se existe mesmo esse tal de pós-modernismo.
Toda a arte se transformou num jogo com o qual o
homem se distrai; você poderia dizer que sempre foi assim, mas agora ela é completamente um jogo.29
francis bacon
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Em resumo, as mortes recorrentes da pintura podem ser
interpretadas, no mínimo, de três maneiras: como as
mortes tautológicas de um tipo específico de pintura, tal
como a morte da metapintura nos anos 1950; como o fim
da supremacia da pintura, tal como aconteceu no final
dos anos 1960; e como o fim de uma partida numa seqüência de muitas. Os dois primeiros pontos de vista são
historicistas — implicam uma seqüência de causa e efeito através da história —, enquanto o terceiro parece mais
uma fita de Moebius. Mas, se podemos hoje explicar ou
refutar as mortes da pintura enquanto fatos, não podemos ignorá-las enquanto acontecimentos. Elas foram reais para muitos artistas de vanguarda, e, na medida em
que pareceram verdadeiras para estes e outros participantes do jogo da arte, alteraram o rumo dos acontecimentos.
Boa parte da pintura produzida nos anos subseqüentes a
essas crises reagiu às percepções de impasse, portanto
pouco importa se elas se justificavam ou não.
A trajetória de Dudi Maia Rosa foi, com certeza,
uma resposta ao estado de sítio da pintura durante os
anos 1970, década em que o meio parecia falido. A pintura pop já havia perdido energia, e a arte que mais chamava a atenção da mídia usava meios alternativos. O que levou a pintura ao impasse? Quais “traumas” cumulativos
empurraram a pintura contra a parede? Temos pelo menos cinco candidatos ao papel de carrasco: o desenvolvimento da fotografia (Daguerre30, 1839); da reprodução
mecânica (processo Klic de fotogravura, 1879); da abstra-
22
ção (Kandinsky, 1910); do readymade (porta-garrafas de
Duchamp, 191431); e do monocromo (Malevich, 1918).
A fotografia assumiu a função da pintura de representar objetivamente a realidade externa. A reprodução
mecânica, ao disseminar imagens de pinturas, eliminou
a primazia da vivência direta. Em seguida, a abstração
enfraqueceu a pintura até enquanto representação subjetiva da realidade externa. O readymade diminuiu a importância da habilidade manual, fundindo a pittura è cosa mentale de Leonardo ao desprezo de Duchamp pela
arte retiniana. O monocromo, finalmente, pôs em xeque
até a representação subjetiva da realidade interna, deixando a auto-referência — a “arte-como-arte” de Reinhardt
— como último reduto da pintura de vanguarda.
Dentre tantos fatores, o readymade talvez tenha sido o último a se consolidar, tão precoce foi o gesto de
Duchamp.
(…) o readymade (…) é uma mensagem da qual Duchamp foi apenas o mensageiro, um anúncio cujo recado
é: agora é tecnicamente possível e institucionalmente legítimo fazer arte com qualquer coisa e todas as coisas.
(…) A arte conceitual tornou possível o artista que não é
pintor, mas com esta observação: a arte conceitual registra o momento em que a mensagem de Duchamp foi recebida, e não enviada.32
thierry de duve
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Assim como o readymade, nenhuma das invenções foi
traumática em sua época. Suas marolas só lenta e gradualmente penetraram na trama da tela.
(…) a obra de vanguarda nunca é historicamente eficaz
ou plenamente significativa nos seus momentos iniciais.
Não poderia ser porque é traumática: um buraco na ordem simbólica da sua época, que não está pronta para recebê-la, não é capaz de recebê-la, pelo menos não imediatamente, pelo menos não sem mudanças estruturais.
(Esse é outro aspecto da arte que os críticos e historiadores precisam registrar: não apenas as desconexões simbólicas, mas a incapacidade de significar).33
hal foster
A primeira onda de monocromos (incluindo os de Malevich e Rodchenko) levou as lições do cubismo e de
Kandinsky até o limite redutivo, abrindo um “buraco na
ordem simbólica” que, grosso modo, foi “incapaz de significar” porque o público consumidor de arte não estava
preparado para a abstração, muito menos para os monocromos (especialmente quando estes estavam sendo produzidos por artistas russos, determinados a construir a sociedade ideal sobre as cinzas do capitalismo). O clima
manteve-se hostil à abstração durante os anos do “retorno à ordem” — final dos anos 1920 e 1930 —, e foi só depois da Segunda Guerra Mundial que ela vingou na Europa ocidental e na América. Como resultado, nos anos
1950 surgiu uma segunda onda de monocromos. Artistas
como Manzoni, Fontana, Kelly, Klein, Reinhardt e Stella
tinham, por assim dizer, pais bem aceitos para matar: o
tachismo na Europa e o expressionismo abstrato nos Estados Unidos. Pela segunda vez, os monocromos levaram a abstração ao limite, um limite talvez mais expandido, pois dispensava o idealismo socialista que marcou
a primeira onda.
É certo que, por meio da problemática da abstração,
pintores americanos [da geração do expressionismo abstrato], assim como já na década de 1920 os expoentes do
suprematismo, neoplasticismo, purismo etc., podiam nutrir a ilusão de que, longe de estar participando de uma
única partida dentro de um grupo de partidas constituindo o jogo da “pintura”, estavam retornando aos alicerces
do jogo, a seus données imediatos, constitutivos. Dessa
forma, o episódio americano não representou tanto um
novo desenvolvimento na história da abstração quanto
uma nova saída, um recomeço — mas num nível teórico
e prático mais profundo, e com meios mais poderosos —
da partida com o título de abstração que começou trinta
ou quarenta anos antes.34
hubert damisch
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É apenas no contexto dessa “problemática da abstração” que a morte da metapintura poderia ocorrer, uma
vez que se trata de uma crise de inovação formal, exigência menos central no campo da pintura figurativa.
A incorporação de Marx e Freud garantiu ao surrealismo
papel de vanguarda, mas a forma surrealista era vista pelos defensores da abstração como formalmente conservadora e ultrapassada.
Picasso, Braque, Mondrian, Miró, Kandinsky, Brancusi, até Klee, Matisse e Cézanne extraem a inspiração
central do meio em que trabalham. [em nota de rodapé:]
Devo essa formulação a um comentário feito por Hans
Hoffman, professor de arte, em uma palestra. Tendo isso
em vista, o surrealismo nas artes plásticas constitui-se
tendência reacionária, que tenta restaurar assuntos “externos”. O objetivo principal de um pintor como Dali é
representar os processos e conceitos da consciência, não
os processos do meio.35
clement greenberg
Eu dispensaria toda a arte expressionista, dadaísta, futurista e surrealista. Elas não são coerentes com a arte-como-arte.36
ad reinhardt
Não há dúvida de que, no campo da produção visual, o
surrealismo sempre se caracterizou pela manutenção de
esquemas formais gastos e ligados à ordem perspectivista.
(…) Mas é impossível ignorar a operação surrealista no
conjunto do campo cultural: as questões levantadas pelos
dispositivos críticos de Breton e Bataille tornam muitas
vezes infantis e reformistas as teorizações de Seuphor ou,
mais tarde, de Max Bill.37 (…) o surrealismo colocou
questões decisivas, para a prática da arte inclusive: a questão do desejo na produção, a relação arte e política, a solidariedade da instituição arte com a ordem burguesa, o inconsciente freudiano etc. (…) O que o dadaísmo colocava
em xeque não era apenas a linguagem da arte, ou a função da arte, mas sobretudo o estatuto da arte, os modos de
relação vigentes entre o trabalho de arte e a vida social.38
ronaldo brito
24
Para os defensores da abstração, parecia um retrocesso
quando a arte contemporânea se voltou para os herdeiros
da corrente figurativa do modernismo — os chamados
neodadaístas — para uma saída:
A capitulação completa à figuração marcada pelo
surgimento da arte pop em 1962 precipitou uma crise de
grandes proporções. O bastião da abstração havia sido finalmente invadido.39
diane waldman
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Na realidade, o próprio abismo categórico entre abstração
e representação começou a ser questionado por artistas
como Andy Warhol e Gerhard Richter. Antes da Segunda
Guerra Mundial, já existia dentro da linhagem abstrata
uma divisão entre uma corrente racional, funcional, geométrica, materialista, que se via como instrumento do desenvolvimento da sociedade (a maioria dos membros da
Bauhaus, o construtivismo soviético, a arte concreta); e
uma corrente irracional, expressiva, informal, espiritual,
que procurava acessar estados psicológicos e emocionais
(surrealismo abstrato, Klee, Kandinsky). Algumas manifestações conseguiram abarcar mais de uma tendência: o
neoplasticismo, aquela “jóia do pensamento idealista”,
aspirava a um “idioma plástico universal, baseado na estruturação vertical/horizontal, e do qual estaria banida a
maior dose possível de subjetividade”, mas permanecia
dependente do “plano tradicional da estética — a arte não
era pensada como prática de conhecimento inserida num
quadro político e ideológico, mas como busca, como
aventura espiritual, no máximo como formulação de imanências universais”40. A busca de Mondrian por uma harmonia universal possuía raiz mística; portanto, ele só conseguiu “formular suas teorias de produção em bases
metafísicas, no interior do círculo mágico da arte e fora da
História (…)”41. A questão importante, no entanto, é que
as correntes da abstração antes da Segunda Guerra Mundial tratavam principalmente42 de algo externo à pintura.
Se as origens da abstração gestual estavam no surrealismo,
com raízes no subconsciente, depois da Segunda Guerra,
no Ocidente, os artistas começaram a se interessar mais
por obras que são (objetos) em vez de obras que dizem
(linguagem), obras que dizem respeito apenas a si próprias, que existem apenas como parte da realidade, e não como representação dela.
25
Não existe boa pintura sobre nada.
adolph gottlieb e mark rothko, 1947
Não existe boa pintura sobre algo.
ad reinhardt, 194743
A arte exclui o desnecessário. Frank Stella achou necessário pintar listras. Não há mais nada em sua pintura.
Frank Stella não se interessa por expressão ou sensibilidade. Ele se interessa pelas necessidades da pintura. Os
símbolos são cifras que passam de pessoa a pessoa. A pintura de Frank Stella não é simbólica. Suas listras são os
caminhos do pincel sobre a tela. Esses caminhos só levam para dentro da pintura.44
carl andré
Interessam-me coisas que sugerem o mundo em vez de
sugerir a personalidade. Interessam-me coisas que sugerem coisas que existem em vez de juízos de valor. (…) você faz uma coisa e aí você faz outra coisa (…) Acho que isso quer dizer é que, digamos, na pintura, os processos que
a envolvem carregam maior certeza e, creio, maior significado do que seus aspectos referências. Creio que os processos inerentes à pintura valem tanto quanto, senão mais
do que, qualquer valor referencial que tenha a pintura.45
jasper johns
A invenção do readymade me parece a invenção da realidade, ou seja, a descoberta radical de que a realidade,
em contraste com uma visão do mundo, é a única coisa
importante. Desde então a pintura não mais representa
a realidade mas é ela própria a realidade (produzida por
si mesma).46
gerhard richter
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Outro motivo para a pintura de vanguarda se voltar contra a representação externa foi a maneira avassaladora como a fotografia e a reprodução mecânica se encarregaram dessa tarefa, de maneira que privilegiava o comércio
sobre a estética. O jovem Clement Greenberg, em AvantGarde e Kitsch (1939), sustentou que a única maneira de
a vanguarda escapar da contaminação pelo kitsch seria
por meio de uma retirada para um plano mais elevado,
da auto-investigação onde, supunha, a capacidade de cada meio de falar de si seria insuperável. É irônico que
Greenberg, um homem de esquerda, se tenha tornado o
defensor mais notável da eliminação efetiva de qualquer
conteúdo político na arte. Primeiro, ele apoiou os expressionistas abstratos, que se interessavam mais pelo sublime
do que pelo material e cujo formalismo era impregnado
de metafísica (quando não contaminado por figuras, como as mulheres pintadas por de Kooning). Depois, ele
apoiou a escola Color Field, cujo formalismo era corretamente auto-referencial. Mas uma arte que só podia versar
sobre o sublime ou sobre ela mesma perdia muito da capacidade de crítica social, uma alienação aliás bem-vinda
pelos contemporâneos que consideravam o engajamento
social antitético à pureza da arte. Após a Segunda Guerra, as vertentes que se celebravam, que celebravam o inefável ou que celebravam a cultura de consumo — respectivamente o formalismo, o expressionismo abstrato e a
arte pop (apesar do quociente irônico da terceira) — viraram mercadorias ideais para exportação, enquanto a arte
politicamente engajada se tornou anátema.
Depois dos anos heróicos do expressionismo abstrato, uma geração de artistas está desenvolvendo um novo
regionalismo americano, mas, desta vez, por causa da mídia, o regionalismo é nacional, e até exportável para a Europa, já que, desde 1945, cuidadosamente preparamos e
reconstruímos a Europa em nossa imagem, de maneira
que dois tipos de vocabulário visual americanos — Kline,
Pollock e de Kooning por um lado, e os artistas pop por
outro — passaram a ser compreensíveis no exterior.47
henry geldzahler
26
Caso pareça que estou superestimando o papel do capitalismo americano (…), deixe-me frisar o óbvio, que a
história da arte moderna, desde os seus primórdios, foi
alimentada por diversas sociedades industrializadas, não
só os Estados Unidos. Examinando essa história, com sua
ideologia de arte-pela-arte, conscientizamo-nos do papel
cada vez maior desempenhado por um formalismo estéril — à custa da possibilidade de conteúdo. (…) A tradição do formalismo me deixou fundamentalmente incapaz de examinar, por meio de “minha arte”, as coisas que
mais me preocupam e, portanto, incapaz de mudar qualquer coisa por meio de “minha arte”. Essas algemas ideológicas erradicaram toda possibilidade de uma prática
social com relação à arte, até mesmo a possibilidade de
pensá-la, e a expressão da arte moderna tornou-se a rejeição da sociedade e de nossa condição de seres sociais.
Obviamente, os Estados Unidos não são culpados por toda essa situação, mas são responsáveis por levá-la a uma
intensidade notável e inusitada. Essa arte não só é produzida para uma classe média privilegiada, como evoluiu
até um nível espetacular de elitismo, distante até da própria vida e dos problemas de seus produtores.48
ian burn (Art & Language)
Já na década de 1960, os dias da arte puramente formalista estavam contados. A seleção cultural se assemelha à
seleção natural; a arte que melhor se adapta sobrevive, e
adaptação significa habilidade de inserção institucional.
Nesse contexto, a pintura formalista não estava à altura
dos movimentos artísticos — minimalismo, process, arte
povera, performance, land art e arte conceitual — que
surgiram na época. O salto para o objeto foi a evolução
lógica da exaustão do plano, uma exaustão que, como já
vimos, Greenberg nunca desejou, mas que foi entendida
como decorrência inevitável de suas premissas.
(…) a pintura que nada representa é atraída para a
órbita dos objetos (…).49
ferreira gullar
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Três dimensões, esse é o espaço real. Isso resolve o problema do ilusionismo e do espaço literal, o espaço dentro e em volta das marcas e cores, o que elimina uma das
mais marcantes e inaceitáveis relíquias da arte européia.
Os diversos limites da pintura não estão mais presentes.
Um trabalho pode ser tão poderoso quanto se possa imaginar. O espaço real é intrinsecamente mais poderoso e
específico do que a tinta sobre uma superfície plana.50
donald judd
(…) durante a década de 1960, parecia finalmente impossível ignorar a condição terminal da pintura. Os sintomas
estavam em toda parte: no trabalho dos próprios pintores,
que pareciam estar, todos, ou seguindo os passos de Ad
Reinhardt, realizando “apenas as últimas pinturas que alguém poderia fazer”, ou permitindo que suas pinturas fossem contaminadas por elementos estranhos, tal como
imagens fotográficas; na escultura minimalista, que rompeu definitivamente com a pintura e seus laços inevitáveis
com um idealismo já secular; em todos aqueles outros
meios aos quais os artistas recorreram à medida que, um
por um, foram abandonando a pintura. A dimensão que
sempre havia resistido até os feitos de ilusionismo mais
brilhantes da pintura — o tempo — se tornou a dimensão
na qual os artistas passaram a encenar as atividades, usando o filme, o vídeo e a performance. E, depois de esperar
durante toda a era do modernismo, finalmente a fotografia reapareceu, pronta para reivindicar seus direitos.51
douglas crimp
27
É por isso que (…) pintei fotos, para que eu não tivesse
nada a ver com a peinture: ela impede o caminho de
qualquer expressão que seja apropriada a nossa época.52
gerhard richter
Quando consideramos que em 1951 Fontana fez seus primeiros monocromos cortados, Rauschenberg seus sete
painéis brancos e Kelly seus relevos brancos, podemos
pensar que há outro episódio crucial, numa escala internacional, na história recorrente do monocromo. Como
sempre, tratava-se de uma tentativa de encontrar uma saída para a crise da pintura abstrata através do salto para a
terceira dimensão.53
thierry de duve
(…) nos anos 60 [havia a] impressão clara de que o minimalismo consumara um modelo formalista do modernismo, ao mesmo tempo completando e rompendo com
ele; (…) Judd interpreta o desejo supostamente greenbergiano por uma pintura objetiva tão literalmente que
deixa a pintura inteiramente para trás e parte para a criação de objetos.54
hal foster
Num certo sentido, o reducionismo por trás da objetivação
da arte e o impulso subseqüente de “desmaterializar” o objeto podem ser todos vistos como uma continuação, em
vez de uma superação, do essencialismo modernista.55
charles harrison e paul wood
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Em 1968, ano de grande turbulência política, a pintura de
maneira geral, e até a pintura pop, parecia cada vez mais
anacrônica, e qualquer artista que estivesse atingindo a
maioridade naquela época — tal como Maia Rosa — teria
de lançar mão de uma caveira e se perguntar: “Pintar ou
não pintar?” Se ele seguisse a primeira opção, poderia pintar como se nada tivesse acontecido ou como se algo tivesse acontecido. Esse “algo” é um quantum fugaz, como
uma partícula subatômica que não pode ser observada,
mas cuja existência é deduzida a partir do impacto sobre as
outras. A passagem do modernismo para o pós-modernismo, noção que parecia bem aceita nos anos 1980 mas que
hoje parece cada dia mais contestada, é uma candidata ao
papel de “algo”. As citações abaixo dão uma idéia da ascensão e aparente queda do conceito de pós-modernismo.
[Com as] brigas [de Courbet] com o Salão de 1851,
(…) eu diria que algo chamado vanguarda começou.56
thierry de duve
(…) vous n’êtes que le premier dans la décrépitude de
votre art.57
charles baudelaire (a Manet, 1865)
As ambições de Manet são fundamentalmente realistas.
Ele começa aspirando à transcrição objetiva da realidade,
de um mundo ao qual se pertence inteiramente, tal como
encontrado na obra de Velasquez e de Hals. Enquanto,
porém, Velasquez e Hals aceitavam sua relação com o
mundo a que pertenciam, que observavam e pintavam,
Manet tem uma consciência clara de que sua relação com
a realidade é bem mais problemática. E para pintar o seu
mundo com a mesma plenitude de resposta, a mesma paixão pela verdade que ele encontra na obra de Velasquez e
de Hals, ele é forçado a pintar não apenas o seu mundo,
mas também a sua relação problemática com ele: sua
consciência de si como estando dentro mas, no entanto,
não pertencendo ao mundo. Nesse sentido, Manet é o primeiro pintor pós-kantiano: o primeiro pintor cuja autoconsciência levanta questões de extrema dificuldade, que
não podem ser ignoradas: o primeiro pintor para quem a
própria consciência é o grande tema da sua arte.58
michael fried
28
Associo o modernismo à intensificação, quase a exacerbação, dessa tendência autocrítica que começou com o
filósofo Kant (…). A essência do modernismo reside, a
meu ver, em usar os métodos característicos de uma disciplina para criticar a própria disciplina — não com o
objetivo de subvertê-la, mas de firmá-la mais fortemente
na sua área de competência.59
clement greenberg
O plano pictórico polivalente subjacente à (…) pintura
pós-moderna tornou o curso da arte, mais uma vez, algo
não linear e imprevisível. O que chamo de leito raso
(flatbed) é mais do que uma diferença superficial se for
entendido como uma mudança, dentro da pintura, que
transformou a relação entre o artista e a imagem, a imagem e o espectador. No entanto, essa mudança interna
não é mais do que um sintoma de mudanças que vão
muito além de questões do plano pictórico, ou mesmo
da própria pintura. Faz parte de uma subversão que contamina todas as categorias purificadas. As incursões cada
vez mais profundas da não-arte no território da arte continuam alienando o connoisseur à medida que a arte deserta e debanda para territórios estranhos, deixando os
velhos critérios governando uma planície em erosão.60
leo steinberg
A modernidade se insurge contra as funções normalizadoras da tradição; a modernidade vive da experiência de
se rebelar contra tudo o que é normativo. (…) Octavio
Paz, um companheiro viajante da modernidade, reparou
já em meados dos anos 60 que “a vanguarda de 1967 repete as façanhas e gestos daquela de 1917. Estamos vivenciando o fim da idéia da arte moderna”.61
jürgen habermas
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Apropriação, site specificity, impermanência, acumulação,
caráter discursivo, hibridização — essas diferentes estratégias caracterizam boa parte da arte do presente e as distinguem da arte de seus antepassados modernistas (…) Esse
impulso desconstrutivista é característico da arte pós-moderna em geral e não dever ser confundido com a tendência autocrítica do modernismo. A teoria modernista pressupõe que o mimetismo, a adequação de uma imagem a
um referente, pode ser posto entre parênteses ou suspenso
(…). Quando a obra pós-moderna fala de si própria, não é
mais para proclamar sua autonomia, sua auto-suficiência,
sua transcendência; pelo contrário, é para narrar sua própria contingência, insuficiência, falta de transcendência.62
craig owens
29
A vanguarda mostrou várias faces durante os seus primeiros cem anos de existência: revolucionária, dândi, anarquista, esteta, tecnóloga, mística. Pregou também uma
variedade de crenças. O único aspecto que parece manter-se razoavelmente constante no discurso vanguardista
é o tema da originalidade (…) Na medida em que a obra
de Sherrie Levine desconstrói a noção modernista de
origem, seu esforço não pode ser visto como uma extensão do modernismo. Ele é, como o discurso da cópia,
pós-moderno. Isso quer dizer que também não pode ser
visto como de vanguarda. (…) Por causa do ataque crítico que lança sobre a tradição que o precede, poderíamos
querer ver no trabalho de Levine mais um passo na marcha para a frente da vanguarda. Mas isso seria equivocado.
Ao desconstruir as noções irmãs de origem e originalidade, o pós-modernismo estabelece uma ruptura com o domínio conceitual da vanguarda, olhando para ela a partir
do outro lado de um vão que, por sua vez, estabelece
uma separação histórica. O período histórico que a vanguarda compartilhou com o modernismo acabou. Isso
parece óbvio. O que o torna mais do que um fato meramente jornalístico é uma concepção do discurso que o
encerrou. Trata-se de um complexo de práticas culturais,
entre elas uma crítica desmistificadora e uma arte realmente pós-moderna, que, hoje, atuam para anular as propostas básicas do modernismo e liquidá-las através do desmascaramento da sua condição fictícia. É, portanto, a
partir de uma estranha e nova perspectiva que olhamos
para o passado e vemos o ponto de origem modernista se
fragmentar infinitamente em réplicas.63
rosalind krauss
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A obra de Andy Warhol (…) gira em torno da comodificação, e as grandes imagens de propaganda da garrafa de
Coca-Cola ou da lata de sopa Campbell’s, que explicitamente realçam o fetichismo da transição para o capital
tardio, deveriam ser declarações políticas poderosas e críticas. Se não o são, deveríamos procurar entender por
quê, e nos perguntar, com um pouco mais de seriedade,
quais são as possibilidades de arte política ou crítica no
período pós-moderno do capitalismo tardio.64
fredric jameson
O modernismo tardio representava a ordem — a obediência à funcionalidade do estilo internacional, o respeito
pela “especificidade” e “tradição” da estética de Greenberg —, tudo em seu devido lugar, cumprindo o seu dever, desempenhando o seu papel prescrito na cultura patriarcal. (…) Parece provável que o “conceitualismo”
está destinado, pelo menos por enquanto, a ser representado como aquele “movimento” que, ao minar o modernismo, preparou o caminho para o pós-modernismo.
(…) Venho utilizando o termo “pós-modernismo” para
me referir à arte produzida depois que o modernismo
tardio de Greenberg perdeu sua hegemonia ideológica
— do conceitualismo em diante. (…) O “modernismo”
veio junto com as revoluções sociais, políticas e tecnológicas do começo do século xx e se caracteriza pela presença de um sujeito — existencialmente inquieto e desconfortavelmente consciente da natureza convencional
da linguagem — que fala de um mundo de “relatividade” e “incerteza”. O sujeito pós-moderno precisa viver
com o fato de que não apenas as suas línguas são arbitrárias mas ele próprio é um “efeito de linguagem”, uma
precipitação da própria ordem simbólica da qual o sujeito humanista se supunha senhor.65
victor burgin
30
A arte moderna acentua o desencadeamento psíquico, a
pulverização da imagem. Desse ponto de vista, evoca a experiência de uma espécie de pré-narcisismo na nossa vida
psíquica. O pós-modernismo, ao tentar juntar os estilhaços dessa representação, evoca, por outro lado, um momento da constituição psíquica em que, sob influência do
impulso erótico ou da ansiedade da morte, o sujeito tenta
unificar o ego. Digamos que a arte moderna insiste no indivíduo como um ser fragmentado, errante, perdido, incapaz de se encontrar no espelho de qualquer ideologia. Ela
segura esse momento de fragmentação num gesto que
não confere significado mas é, na sua própria existência
formal, um gesto de soberania fugaz e entusiasmo momentâneo. O pós-modernismo, por sua vez, tenta integrar
essa divagação numa unidade eclética e, embora certamente contenha elementos regressivos, constitui um passo além da idéia de uma vanguarda, na medida em que
impõe um conteúdo e a elaboração de uma mediação.66
julia kristeva
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(…) se o minimalismo rompe com a arte modernista tardia, ele também prepara o terreno para a arte pós-moderna. (…) [Depois do minimalismo] o objeto de investigação crítica passa a ser menos a essência do meio e mais
“o efeito (função) social de um trabalho” e, mais importante ainda, a intenção da intervenção artística não é
tanto assegurar uma convicção transcendental na arte
mas, sobretudo, empreender um teste imanente de suas
regras discursivas e seus regulamentos institucionais. De
fato, esse último ponto pode fornecer uma distinção provisória entre arte formalista, modernista, e a arte pós-moderna, de vanguarda: convencer versus suscitar dúvida;
buscar o essencial versus revelar o condicional.67
hal foster
(…) o retorno à ordem figurativa que vemos atualmente
[é sintoma] da crise do discurso modernista hoje. (…)
Apesar de [Robert Ryman] ser considerado pós-moderno
por alguns, eu diria que é mais correto chamá-lo de guardião do túmulo da pintura modernista, ao mesmo tempo
ciente do fim e da impossibilidade de chegar a esse fim
sem elaborá-lo.68
yve-alain bois
Vou me concentrar em três momentos do século xx, cada um distante trinta anos do anterior: meados dos anos
1930, que considero o apogeu do alto modernismo; meados dos anos 1960, que marcam o surgimento pleno do
pós-modernismo; e meados dos anos 1990.69
hal foster
31
Na medida em que o modernismo está envolvido com a
especificidade, talvez tenha terminado (nos anos 1960).
(…) Os artistas [minimalistas e conceituais] tentaram levar o modernismo — a arte, e não a pintura modernista
— para além do limiar da tela vazia, enquanto procuravam barrar o formalismo — a necessidade de juízo estético — justamente naquele limiar.70
thierry de duve
(…) o sujeito que nos anos 1960 se pronunciou morto era
um sujeito particular, que apenas fingia ser universal,
apenas presumia ser porta-voz de todo mundo. (…)
Num certo sentido, a incorporação moderna da (…) alteridade permitiu sua erupção pós-moderna como diferença.71
hal foster
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(…) O que aconteceu com o pós-modernismo? Há pouco tempo ele parecia uma noção grandiosa. Para JeanFrançois Lyotard, o pós-modernismo marcou o fim das
grandes narrativas que faziam da modernidade sinônimo
de progresso (a marcha da razão, o acúmulo da riqueza,
o avanço da tecnologia, a emancipação dos trabalhadores e assim por diante). Já para Fredric Jameson, o pósmodernismo possibilitou uma narrativa Marxista atualizada de diferentes estágios da cultura moderna, que
correspondem a diferentes modos de produção capitalista. Enquanto isso, para os críticos que se dedicavam à arte avançada, o pós-modernismo marcou um movimento
na direção de romper com o desgastado modelo da arte
modernista preocupada com refinamentos formais à revelia tanto das determinações históricas quanto das transformações sociais.72
hal foster
[Nos anos 1980] nós tínhamos exaurido uma das grandes
experiências daquele século, que foi o modernismo. Talvez o termo “pós-moderno” seja superestimado e não signifique mais muita coisa, mas, mesmo assim, o modernismo estava disponível para consumo.73
john armleder
(…) esse tal pós-modernismo: nenhum argumento jamais me convenceu de que isso existe mesmo.74
yve-alain bois
32
Antes de descartar o conceito de pós-modernismo — assim como a pintura, ele talvez esteja vivo para lutar de
novo —, seria útil relacionar alguns dos fatores infra-estruturais e superestruturais que caracterizariam a condição pós-moderna:
Infra-estruturais
A transição do predomínio da indústria para o predomínio dos serviços.
Boa parte do modernismo ocorreu num mundo dualista, dividido entre capitalismo e comunismo. A dissolução
gradual do comunismo deixa a mídia comercial (especialmente a televisão) sem rivais na disseminação de valores.
A transição de uma mentalidade colonial (exercício
direto do poder) para uma mentalidade pós-colonial (exercício direto da sedução) está por trás do multiculturalismo
e da revisão da história da arte para incluir países, antes
considerados marginais, como participantes legítimos.75
A informática permitiu que as bolsas de valores crescessem exponencialmente; a busca de novas ações para
comprar e vender provocou interesse crescente por mercados emergentes; o que, por sua vez, gerou maior interesse
institucional e acadêmico pelas culturas desses mercados.
Superestruturais
A arte moderna acredita numa vanguarda, ao contrário da arte pós-moderna; a própria noção de vanguarda
pressupõe a idéia de progresso, idéia oriunda das ciências
exatas e de aplicação questionável às artes.
A originalidade é uma exigência da vanguarda; um
traço característico do pós-modernismo é o pastiche.
No modernismo, o novo é interessante por definição,
e o que não é não pode interessar; no pós-modernismo,
um trabalho não é preciso inovar para ser interessante.
A arte moderna tende a interpretar a história da arte
de maneira linear, historicista (por exemplo: o famoso “torpedo” de Alfred Barr); o pós-modernismo vê a história da
arte como estratégica, mais próxima a uma espiral ou laço.
O modernismo é visto como sujeito a uma lógica interna; o pós-modernismo rejeita a noção.
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O modernismo tende a valorizar a auto-expressão; o
pós-modernismo a vê como um mito, associado ao “grande gesto” autoral.
A arte moderna era radical, revolucionária, chocante e suscitava a pergunta: “Isso é arte?” Era utópica e idealista; a arte pós-moderna rejeita todas essas ambições.
A arte moderna é cultura “alta”, um antídoto para o
kitsch; a arte pós-moderna acolhe o “baixo” e anula essa
diferença.
O modernismo respeita a integridade de cada meio;
no pós-modernismo, os artistas misturam meios, usando palavras e fotos como arte, e não como literatura e fotografia.
Nas partidas do modernismo existem regras, até para ser quebradas; nas partidas do pós-modernismo não
existem regras, exceto a que diz: “Não há regras”.
Artistas modernos têm iconografia e estilo reconhecíveis e não misturam meios; artistas pós-modernos são
ecléticos, livres para ser ao mesmo tempo abstratos e figurativos e misturam meios.
No modernismo, havia separação entre abstração e
representação; no pós-modernismo, a abstração é apenas
outra forma de representação.
No modernismo, a pintura era saudável e dominante;
sob o pós-modernismo, ela é uma linguagem ressuscitada.
O modernismo é patriarcal, exclusivo, geograficamente polarizado, culturalmente local e atraído pelo real;
o pós-modernismo é sem gênero, inclusivo, global, multicultural e atraído pelo hiper-real.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o modernismo se transformou em cultura oficial, contradição interna que o tornou incapaz de cumprir a missão histórica
de desempenhar um papel crítico.
O modernismo acreditava no aperfeiçoamento da
humanidade com a tecnologia e o planejamento racionalista; enquanto Lyotard define o pós-modernismo como
uma postura de “incredulidade perante metanarrativas”.
A estética modernista enfatiza as características imanentes da obra de arte; enquanto o pós-modernismo a vê
como um texto cultural para ser desconstruído como
parte de uma relação crítica entre sujeito e objeto.
33
Embora os pontos acima possam ser polêmicos, a
lista como um todo sugere que mudanças fundamentais
devem ter ocorrido, mesmo lembrando que nada permaneceu estático durante o período do modernismo indisputável. Hoje, percebe-se com crescente clareza que
pós-modernismo é um nome enganoso para uma nova
fase do modernismo, fase que diverge consideravelmente da anterior (ou das anteriores). Aspectos antes considerados essenciais ao modernismo talvez fossem essenciais
apenas a uma fase. Quem diria que Jean-François Lyotard, cujo livro A Condição Pós-Moderna é um dos tratados fundamentais do pós-modernismo, daria, ao que parece, a última palavra sobre o assunto.
O que é, então, o pós-moderno? (…) É sem dúvida parte do moderno. (…) Uma obra só pode se tornar moderna se for primeiro pós-moderna. O pós-modernismo assim entendido não é o modernismo terminal, mas
nascente, e esse estado é constante. (…) Um artista ou
escritor pós-moderno está na posição de um filósofo: o
texto que escreve, a obra que produz não são, em princípio, governados por regras preestabelecidas e não podem
ser julgados por um juízo determinante que aplique categorias estabelecidas ao texto ou à obra. Essas regras e
categorias são o que a obra de arte está procurando. O artista e o escritor, então, estão trabalhando sem regras para formular as regras daquilo que terá sido feito.76
jean-françois lyotard
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Nessa versão, o impressionismo já foi pós-moderno, assim
como o cubismo, o suprematismo e todos os outros movimentos que desafiaram regras preestabelecidas. Mas, se o
pós-moderno é apenas um rótulo enganoso para o atual
estado do modernismo, ainda precisamos entender qual
pintura reflete essa condição. Uma das respostas possíveis, ligada a Yve-Alain Bois, é entender que a modernidade contemporânea está fadada a reencenar repetidamente o fim da pintura, sempre flertando com o limite,
mas nunca o realizando, situação que perdurará enquanto vigorarem as estruturas subjacentes do capitalismo.
[Ad Reinhardt] diz em uma de suas últimas declarações:
“Se digo que estou fazendo as últimas pinturas, não quero dizer que a pintura está morrendo. De alguma maneira, você sempre volta ao começo”. (…) Por isso (…)
[Reinhardt] sempre invocava a “tradição” da “última pintura”: “Freqüentemente, sinto que estou inventando
uma nova linguagem, a linguagem de Manet, Monet,
Mondrian, Malevich”.77
yve-alain bois
Não era preciso esperar a “última pintura” de Ad Reinhardt para ter consciência de que, por seu historicismo
(sua concepção linear da história) e essencialismo (sua
idéia de que a essência da pintura existia, de forma velada
e esperando ser desvendada), só se pode entender o nascimento da pintura abstrata como um prenúncio do fim.
(…) Mondrian postulou incessantemente que sua pintura
estava preparando o caminho para o fim da pintura — sua
dissolução na esfera totalmente abrangente da vida-comoarte ou do ambiente-como-arte —, que ocorreria assim
que a essência absoluta da pintura fosse “determinada”.78
yve-alain bois
34
É curioso que [Mondrian] nunca tenha sentido nenhuma compulsão em direção do monocromo, que poderia
com facilidade ter fornecido, aparentemente, o tipo de
plano absoluto que buscava. Mas, como um readymade
iconoclasta, o monocromo não poderia ter funcionado
para ele como uma ferramenta para desconstruir a pintura, ou, mais especificamente, para desconstruir a ordem
simbólica na pintura (da tradição, da lei, da história). (…)
Será que em algum momento chegaremos ao fim? Duchamp (o imaginário), Rodchenko (o real), Mondrian (o
simbólico), entre outros, todos eles acreditavam no fim
— todos eram donos da verdade final, todos falavam apocalipticamente. Mas será que chegou o fim? Dizer que
não (a pintura está viva, basta ver as galerias) é, sem dúvida, se recusar a ver o óbvio, pois nunca foi tão evidente
que hoje a maioria das pinturas abandonou a tarefa que,
historicamente, pertencia à pintura moderna (a de, precisamente, elaborar o fim da pintura); quase todas não passam de artefatos criados por produtores permutáveis. No
entanto, dizer que o fim já chegou é aceitar uma concepção historicista da história, linear e total (ou seja, não se
pode mais pintar depois de Duchamp, Rodchenko, Mondrian; a obra deles tornou a pintura desnecessária, ou:
não se pode mais pintar na era dos meios de massa, dos
jogos de computador e do simulacro). (…) Pode-se concluir, portanto, que, se a partida “pintura modernista”
acabou, isso não quer dizer, necessariamente, que o jogo
“pintura” terminou: ainda sobram muitos anos para essa
arte. Mas a situação é mais complicada ainda, pois a partida “pintura modernista” era a partida do fim da pintura;
era tanto uma reação à sensação de fim quanto uma elaboração desse fim. E essa partida foi historicamente determinada pela industrialização (a fotografia, a mercadoria etc.). Sustentar que o “fim da pintura” está encerrado
significa sustentar que essa situação histórica não é mais
a nossa. Mas quem seria ingênuo o suficiente para defender essa posição quando a reprodutibilidade e a fetichização permearam todos os aspectos da vida, tornaram-se
nosso mundo “natural?”79
yve-alain bois
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Desse ponto de vista, ao mesmo tempo fascinante e deprimente, o que caracterizaria a pintura relevante de hoje seria uma elaboração interminável e quixotesca do
fim, como um brinquedo de pilha batendo repetidamente contra a parede.
Se não existe verdade — uma das lições de entender toda manifestação cultural com um texto —, talvez
seja mais convincente interpretar o que vinha sendo chamado de pós-modernismo como uma fase do modernismo que gerou determinadas respostas a novas circunstâncias, entre elas a dissolução de imperativos evocados
por palavras como vanguarda, radical, revolucionário,
chocante, originalidade, integridade, estilo, progresso, linear, historicista, patriarcal, imanente, autoral… A única exigência que talvez sobreviva, mais por relevância do
que por modernidade, é que os artistas respondam à sua
época. Mas, se com “relevância” quero dizer a habilidade de dialogar com a época, talvez esteja cometendo minha própria tautologia. Portanto, fica a critério do leitor
julgar se tal pintura é mais interessante do que a pintura
atual que fala de tempos anteriores.
Apesar de muitos pintores, durante a atual fase do
modernismo, terem agido como se nada tivesse acontecido, alguns deles, dos anos 1950 em diante, começaram
a reconhecer, de uma maneira ou de outra, que as abordagens anteriores não serviam mais. Embora marcadamente originais, não estavam tão preocupados com a
inovação; caso contrário teriam optado por meios mais
contemporâneos. Estavam mais interessados em refletir
a complexidade e heterogeneidade de seu tempo. Creio
que a originalidade das obras provém justamente do sucesso com que fazem isso. Para economizar palavras, e
plenamente consciente da imprecisão de minha escolha,
doravante chamarei essa pintura — ou seja, a pintura que
demonstra consciência de que a trajetória tortuosa que levou de Courbet e Manet a Reinhardt e Stella está esgotada — de pós-meta. Conforme comentamos na introdução, a primeira onda de pintura pós-meta, que durou de
meados dos anos 1950 até o fim dos 1960, foi uma resposta à metapintura. Dudi Maia Rosa é um pioneiro da segunda onda, dos anos 1980, que não só elaborou as conquistas da primeira geração como também respondeu à
35
aparente obsolescência da pintura sob o impacto das novas mídias. Antes de examinar as soluções de Maia Rosa,
creio que vale a pena revisitar o seu contexto histórico, a
primeira onda de soluções que mostraram, mais eloqüentemente do que qualquer teorização, algumas das diferentes maneiras como a consciência pós-meta se manifesta.
Nascemos com a sensibilidade de um determinado
período da civilização. E isso conta muito mais do que
tudo o que podemos aprender sobre uma época. As artes
têm um desenvolvimento que vem não só do indivíduo,
mas também de uma força cumulativa, a civilização que
nos precede. Não se pode fazer apenas uma coisa qualquer. Um artista talentoso não pode fazer apenas o que
quiser. Se apenas usasse seu talento, não existiria. Não
somos senhores do que produzimos. Isso nos é imposto.80
henri matisse
Não basta, para que haja pintura, que o pintor retorne
aos seus pincéis. (…) ainda é necessário que [ele] consiga nos demonstrar que a pintura é algo sem a qual não
podemos viver, indispensável, e que seria uma loucura
— ou pior, um erro histórico — deixá-la à deriva hoje.81
hubert damisch
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1 Retirado da obra Suprematism, 34 Drawings, de Kasimir Malevich,
apud bois, Yve-Alain. Painting as Model, Cambridge: The mit Press,
1990, p. 230.
2 Trecho de Surrealism and Painting, de André Breton, apud harrison,
Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology
of Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 444.
3 Retirado do manuscrito Trabalhando com Mayakowsky, de Alexander
Rodchenko, apud dabrowsky, dickerman e galassi, Aleksandr
Rodchenko. Nova York: The Museum of Modern Art, 1998, p. 43.
4 Carta de Barnett Newman a Adolph Gottlieb, apud hess, Thomas B.
Barnett Newman. Nova York: The Museum of Modern Art, 1971, p. 27.
5 manzoni, Piero. Free Dimension. In: harrison, Charles e wood,
Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing Ideas.
Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 709.
6 restany, Pierre. The New Realists. In: harrison, Charles e wood,
Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing Ideas.
Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 711.
7 oiticica, Hélio. Aspiro ao Grande Labirinto. Rio de Janeiro: Editora
Rocco, 1986, pp. 26-28.
8 Carta de Lygia Clark a Hélio Oiticica, apud figueiredo, Luciano
(ed.) Lygia Clark — Hélio Oiticica: Cartas, 1964-74. Rio de Janeiro:
Editora ufrj, 1996, pp. 17-18.
9 glaser, Bruce. An Interview with Ad Reinhardt. In: rose, Barbara.
(ed.) Art as Art, The Selected Writings of Ad Reinhardt. Berkeley:
University of California Press, 1991, p. 13.
10 morris, Robert. “Notes on sculpture 1-3”. In: harrison, Charles
e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing
Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 819.
11 kosuth, Joseph. “Art after philosophy”. In: harrison, Charles e
wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing
Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 844.
12 crimp, Douglas. “The end of painting.” In: On The Museum’s Ruins.
Cambridge: The mit Press, 1993, pp. 94-99 (publicado originalmente
na revista October, n. 16, primavera de 1981).
13 burgin, Victor. The End of Art Theory: Criticism and Postmodernity.
Atlantic Highlands: Humanities Press International, 1986, p. 39.
14 levine, Sherrie. “From criticism to complicity — entrevista.”
In: harrison, Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990,
An Anthology of Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers,
1997, p. 1084.
15 buchloh, Benjamin. “Andy Warhol’s one-dimensional art:
1956-1966.” In: mcshine, Kynaston (ed.). Andy Warhol: A Retrospective.
Nova York: The Museum of Modern Art, 1989, p. 56.
16 de duve, Thierry. “The Monochrome and the Blank Canvas.”
In: guilbault, Serge (ed.), Reconstructing Modernism: Art in New York,
Paris, and Montreal 1945-1964. Cambridge: The mit Press, 1990, p. 278.
17 judd, Donald. Some aspects of color in general and red and black
in particular. In: elger, Dietmar (ed.). Donald Judd. Colorist.
Ostfildern-Ruit: Hatje Cantz Verlag, 2000, p. 112.
18 The Mourning After: A Roundtable. Artforum, março 2003, p. 211.
19 Ibid., p.267.
20 Um argumento circular, que é verdadeiro em virtude apenas
da estrutura lógica.
21 Essa palavra tem um sentido específico em Marx e, mais tarde,
em Lukács, mas é usada aqui de maneira mais aberta para designar
o ato de separar algo de suas origens funcionais, ou seja, fazer com
36
que algo pareça ter uma existência independente do homem, quando
se trata, na realidade, de um artefato humano.
22 In: rose, Barbara (ed.). Art as Art, The Selected Writings of
Ad Reinhardt. Berkeley: University of California Press, 1991, p. 55.
23 kosuth, Joseph. “Art After Philosophy.” In: harrison, Charles
e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, an anthology
of changing ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 843.
24 harrison, Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990,
an anthology of changing ideas. Oxford: Blackwell Publishers,
1997, p. 798.
25 bois, Yve-Alain. Ryman’s Tact. In: Painting as Model. Cambridge:
The mit Press, 1990, p. 225.
26 Ver bois, Yve-Alain. Painting as Model. Cambridge: The mit Press,
1990. p. 241-2, e bois, Yve-Alain. The Limit of Almost. In: Ad Reinhardt.
Nova York: Rizzoli, 1991, p. 14.
27 In: rose, Barbara (ed.). Art as Art, The Selected Writings of
Ad Reinhardt. Berkeley: University of California Press, 1991, p. 53.
28 As Pinturas Brancas de Robert Rauschenberg, feitas em 1951, foram
criadas para servir de pano de fundo para as sombras de dançarinos,
e influenciaram a obra 4”33” de John Cage, de 1952, que contém
três movimentos silenciosos. Nenhuma das duas obras pretendia ser
formalmente radical: a segunda tinha a intenção de ser um pano de fundo
para os ouvintes tomarem consciência de sons do meio ambiente que
ficam abaixo do seu patamar de consciência. Em 1960, Yves Klein
apresentou sua Sinfonia Monotonal — composta de uma nota que
durava vinte minutos, seguida de vinte minutos de silêncio —, também
como pano de fundo, dessa vez, para a criação de uma Antropometria
(ver segundo capítulo).
29 bacon, Francis. Interview with David Sylvester. In: harrison,
Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology
of Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 629.
30 Nem todas as datas são consensuais.
31 Duchamp adotou o termo readymade em Nova York, em 1915, para se
referir à sua pá de neve e, retroativamente, aplicou-o também à sua roda
de bicicleta de 1913. Esta última, estritamente falando, é uma assemblage
de dois readymades. O porta-garrafas de 1914 é geralmente aceito como o
primeiro readymade “puro”, apesar de o termo ainda não ter sido adotado
naquele ano. Agradeço a Francis Naumann esse esclarecimento.
32 The Mourning After: A Roundtable. Artforum, março de 2003, p. 269.
33 foster, Hal. The Return of the Real. Cambridge: The October Press,
1991, p. 29. Idem.
34 In: bois, Yve-Alain. Painting as Model. Cambridge: The mit Press,
1990, p. 256.
35 greenberg, Clement. Avant-Garde and Kitsch. In: o’brian,
John (ed.). The Collected Essays and Criticism, Volume 1,
Perceptions and Judgments 1939-1944. Chicago: The University
of Chicago Press, 1988, p. 9.
36 In: rose, Barbara (ed.). Art as Art, The Selected Writings of
Ad Reinhardt. Berkeley: University of California Press, 1991, p. 16.
37 brito, Ronaldo. Neoconcretismo. Malasartes n. 3, Rio de Janeiro,
abr-jun 1976, p. 13.
38 Ibid., p.10.
39 waldman, Diane. Roy Lichtenstein. Londres: Thames & Hudson,
1971, p. 7.
40 brito, Ronaldo. Neoconcretismo. Malasartes n. 3, Rio de Janeiro,
abr-jun 1976, pp.10-11. Idem.
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41 Ibid., p.10. Idem.
42 É claro que, por mais que se pretenda, não existe ato puro, apenas
interpretação pura (quando muito). Enquanto os grandes mestres
do modernismo — Cézanne, Matisse, Picasso — falavam do mundo,
também refletiam sobre a condição da pintura. E, por mais que a pintura
formalista pretendesse se limitar à própria pintura, ela também refletia
a condição do mundo.
43 “Ten quotations from the Old New York School.” In: rose, Barbara
(ed.). Art as Art, The Selected Writings of Ad Reinhardt. Berkeley:
University of California Press, 1991, p. 166.
44 andré, Carl. Preface to Stripe Painting. In: miller, Dorothy C. (ed.).
Sixteen Americans. Nova York: The Museum of Modern Art, 1959, p. 76.
45 johns, Jasper. Interview with David Sylvester. In: harrison, Charles
e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing
Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, pp. 721 e 724.
46 richter, Gerhard. Notes. In: harrison, Charles e wood, Paul
(eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing Ideas. Oxford:
Blackwell Publishers, 1997, p. 1047.
47 Henry Geldzahler apud buchloh, Benjamin. Andy Warhol’s
One-Dimensional Art: 1956-1966. In: mcshine, Kynaston (ed.).
Andy Warhol: A Retrospective. Nova York: The Museum of Modern
Art, 1989, p. 57.
48 burn, Ian. The Art Market: Affluence and Degradation. In: harrison,
Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of
Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p.909.
49 gullar, José Ferreira. “Teoria do não-objeto.” In: Malasartes no 1,
Rio de Janeiro, set-nov 1975, p. 26.
50 judd, Donald. Specific Objects. In: Complete Writings: 1975-86.
Eindhoven: Stedelijk van Abbemuseum, 1987, p. 121.
51 crimp, Douglas. “The end of painting.” In: On the Museum’s Ruins.
Cambridge: The mit Press, 1993, pp. 92-93. Publicado originalmente
na October no 16, primavera de 1981.
52 Entrevista com Benjamin Buchloh publicada em nasgaard, Roald.
Gerhard Richter, Paintings. Londres: Thames and Hudson, 1988, p. 18.
53 de duve, Thierry. “The monochrome and the blank canvas.”
In: guilbalt, Serge (ed.). Reconstructing Modernism: Art in
New York, Paris, and Montreal 1945-1964. Cambridge: The mit Press,
199, p. 302 (nota 25).
54 foster, Hal. The Return of the Real. Cambridge: The October Press,
1991, pp. 35 e 44.
55 harrison, Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An
Anthology of Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 798.
56 de duve, Thierry. “The monochrome and the blank canvas.”
In: guilbalt, Serge (ed.). Reconstructing Modernism: Art in New York,
Paris, and Montreal 1945-1964. Cambridge: The mit Press, 1990, p. 298.
57 Citado por fried, Michael. Three American Painters. In: harrison,
Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology
of Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 769.
58 fried, Michael. Three American Painters. In: harrison, Charles e
wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing
Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 774 (nota 2).
59 greenberg, Clement. Modernist Painting. In: o’brien, John (ed.).
The Collected Essays and Criticism, Volume 4, Modernism with a Vengeance
1957-1969. Chicago: The University of Chicago Press, 1988, p.85.
60 steinberg, Leo. Other Criteria — Confrontations with
Twentieth-Century Art. Londres: Oxford University Press, 1972, p. 91.
37
61 habermas, Jürgen. “Modernity — an incomplete project.”
In: harrison, Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990,
An Anthology of Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997,
pp.1001-2.
62 owens, Craig. “The allegorical impulse: towards a Theory of
Postmodernism.” October no 13, pp. 79-80.
63 krauss, Rosalind. “The originality of the avant-garde: a postmodernist
repetition.” October, n. 18, outono, 1981, p. 66.
64 jameson, Fredric. “The deconstruction of expression.” In: harrison,
Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of
Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 1077.
65 burgin, Victor. “The absence of presence.” In: harrison, Charles
e harrison, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of
Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, pp. 1099-1100.
66 kristeva, Julia. Entrevista com Catherine Francblin. In: harrison,
Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of
Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 1085.
67 foster, Hal. The Return of the Real. Cambridge: The October
Press, 1996, pp. 54 e 58.
68 bois, Yve-Alain. Ryman’s Tact. In: Painting as Model. Cambridge:
The mit Press, 1990, pp. 223 e 232.
69 foster, Hal. The Return of the Real. Cambridge: The October Press,
1996, p. 207.
70 de duve, Thierry. “The monochrome and the blank canvas.”
In: guilbault, Serge (ed.). Reconstructing Modernism: Art in New
York, Paris, and Montreal 1945-1964. Cambridge: The mit Press,
1990, pp. 264 e 286.
71 foster, Hal. The Return of the Real. Cambridge: The October
Press, 1996, pp. 212 e 217.
72 Ibid., p.205.
73 Entrevista com John Armleder, Artforum, março 2003, p. 215.
74 “The mourning after: a roundtable.” In: Artforum, março 2003, p. 268.
75 Tal transição ainda está longe de ser completa: o exercício do poder
de maneira direta e sem apoio da comunidade internacional ainda
ocorre (vide invasão do Iraque pelos eua em 2003), mas já se tornou
a exceção (ultrajante) que prova a regra.
76 lyotard, Jean-François. “What is postmodernism?” In: harrison,
Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of
Changing Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p. 1014.
77 bois, Yve-Alain. “The limit of almost.” In: ad reinhardt. Nova York,
Rizzoli, 1991, p.14.
78 bois, Yve-Alain. Painting as Model. Cambridge: The mit Press, 1990,
pp. 230-231.
79 Idem, p.242.
80 matisse, Henri. “Statements to tériade.” In: harrison, Charles e
wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing
Ideas. Oxford: Blackwell Publishers, 1997, p.364.
81 Apud bois, Yve-Alain. Painting as Model. Cambridge: The mit Press,
1990. p.255.
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É tão difícil encontrar o começo. Ou, melhor dizendo, é difícil começar
no começo sem tentar recuar ainda mais.
ludwig wittgenstein, On Certainty (471), 19691
o que é pintura pós-meta?
É difícil precisar onde começa a metapintura, mas Robert Ryman é um bom candidato para o título de último
pintor a construir uma carreira notável dentro dessa linhagem. Segundo Yve-Alain Bois, “(…) é só com Robert
Ryman que a demonstração teórica da posição histórica
da pintura como um domínio excepcional de destreza
manual foi levada ao máximo e, de certa maneira, desconstruída”2. Se Ryman é o “guardião do túmulo da pintura modernista”3, supostamente liquidada e enterrada
com as últimas obras de Reinhardt e as primeiras de Stella, resta saber o que vem depois da ressurreição em termos conscientes, e não apenas cronológicos.
Se o que chamo de pós-meta — a pintura que vem
depois da metapintura — também não tem começo preciso, é tentador situá-lo em Johns e Rauschenberg, cujas
credenciais duchampianas foram enfatizadas pelo rótulo
neo-dada na década de 1950. Ambos surgiram alguns
anos antes de Ryman4, o que mostra como a transição da
metapintura para a pintura pós-meta foi pouco linear.
Vale ressaltar que a escolha de Johns e Rauschenberg
como ponto de partida da pintura pós-meta é fruto, em
certa medida, de uma distorção retrospectiva. Tal postura
resulta de um reposicionamento contínuo e subliminal
dos acontecimentos com vista a conferir primazia histórica a certos artistas americanos. Nos anos 1950, a Europa
não se interessava muito pelos acontecimentos artísticos
transatlânticos e só começou a absorver essa arte e valores
depois que Rauschenberg ganhou o Leão de Ouro na bienal de Veneza de 1964. Arriscando uma generalização,
pode-se afirmar que os artistas europeus da época, refle-
39
tindo uma cultura menos pragmática e de debates ideológicos mais acirrados, estavam mais interessados no conteúdo político e menos nos aspectos formais da arte-comoarte (e com a ética greenbergiana) do que os colegas
norte-americanos. Como resultado, as manifestações artísticas européias e latino-americanas análogas à arte pop
— conhecidas como “nova figuração”, “novo realismo”
e “nova objetividade” — foram com maior freqüência explicitamente ideológicas. Faz parte da revisão da história
da arte pelos “vencedores” diminuir a importância de tais
inclinações e retratar o debate sobre a especificidade do
meio como algo mais difundido do que na verdade o foi.
Dito isso, este capítulo examinará como alguns pintores, começando por Johns e Rauschenberg, manifestaram uma consciência pós-meta, tanto na temática como
na adoção de um procedimento distanciado com relação
à mecânica da pintura, um afastamento que refletia a
perda de ideais modernistas. A angústia gerada por essa
perda se revela nos Diálogos de Samuel Beckett, obra fundamentalmente moderna sobre os dilemas existenciais da
própria modernidade:
beckett: Falo de uma arte que, desgostosa, vira as costas
[“para o plano do plausível”], cansada de suas débeis façanhas, cansada de fingir ser capaz, de ser capaz, de realizar
um pouco melhor, de andar um pouco mais longe no caminho sombrio.
duthuit: E prefere o quê?
beckett: A expressão de que não há nada a expressar, nada de onde extrair a expressão, nenhum poder de expres-
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sar, nenhuma vontade de expressar, junto com a obrigação de expressar. (…) A situação [de Bram van Velde] é a
de quem está desamparado, sem possibilidade de agir,
sem possibilidade de, no caso, pintar, já que é obrigado a
pintar. O ato de quem, desamparado, incapaz de agir,
age, no caso pinta, já que é obrigado a pintar.
duthuit: Por que é obrigado a pintar?
beckett: Não sei.
duthuit: Por que não tem remédio senão pintar?
beckett: Porque não há nada a pintar e nada com que
pintar.5
Não é objetivo deste capítulo examinar cada artista de modo abrangente ou profundo. Pretende-se apenas dar uma
idéia da variedade de respostas possíveis ao desafio da pintura após uma de suas “mortes”. Outros exemplos poderiam ter sido incluídos, mas acredito que oito (todos, com exceção do último, surgidos na década de 1950 e 1960) seja
um número de pintores suficiente para esboçar um entendimento de como esse aspecto pós-meta, indefinível, se manifesta na superfície pintada.
Como deverá ficar claro, uma caraterística recorrente
entre os artistas que examinaremos aqui é um descaso pela
distinção entre abstração e representação. Uma segunda
caraterística, presente na obra de vários deles, é a indicialidade 6. Por sua importância para a crítica da narrativa e do
ilusionismo, o conceito merece um exame mais detalhado:
um índice — uma mão estampada ou um braço moldado
— é um rastro da realidade, mais íntegro segundo a ética
moderna do que uma representação — tal como uma mão
desenhada ou um braço esculpido —, visto que esta depende do ilusionismo e, assim, é considerada enganosa. A indicialidade também é importante para a crítica da subjetividade — a sensação de que não haveria mais lugar para o
grande gesto autoral do homem branco virtuoso, personificado heroicamente por Picasso e levado à escala cinematográfica por Pollock. O desdém pela destreza manual encontra expressão perfeita na impressão de imagens prontas, por
meio da serigrafia e de outros métodos, assim como na
moldagem de objetos prontos. O readymade puro leva o
desdém ao extremo, marcando o ponto onde cessa a indicialidade e começa a realidade.
40
Na história das obras indiciais, em que a colagem e a
assemblage exercem papel fundamental, destacam-se dois
trabalhos de Rauschenberg: Figura Feminina (Fotocópia
Azul), de 19497, no qual uma luz ultravioleta agindo sobre
uma folha de papel fotossensível criou a impressão corporal
de uma modelo deitada; e Marca de Pneu de Automóvel, de
19518, em que um carro com um pneu coberto de tinta
passou sobre um rolo de papel de quase 7 metros. É justamente o caráter indicial, decorrente do uso de objetos ou
imagens preexistentes, que permite que as impressões de
Rauschenberg, as fundições de Johns e as serigrafias de
Warhol não possam ser chamadas de ilusionistas e narrativas, acusações que costumam cercar qualquer temática representativa. Em outras palavras, é a indicialidade que permite a contemporaneidade. Como veremos, as Antropometrias
de Yves Klein também são indiciais, mas de outra maneira.
Uma terceira caraterística presente na produção de alguns artistas, principalmente os pintores pop, é o uso de
imagens dos meios de comunicação de massa, que refletem a iconografia de sua geração. Para os pintores abstratos
da época, o retorno à representação deve ter parecido um
grande retrocesso, mas Johns e Rauschenberg estavam encarnando a nova cultura de consumo promovida pela mídia triunfante do pós-guerra e, coerentemente, adotando
técnicas seriais e industriais na arte que produziam.
Nas primeiras entrevistas, Johns e Rauschenberg declararam admiração pelos expressionistas abstratos e pela
arte-como-arte. A afirmação é menos surpreendente do que
parece se pensarmos que, apesar de recusar a abstração,
suas obras seminais também evitavam o vocabulário tradicional de truques de representação, privilegiando a “coisificação” das coisas. Na realidade, a pintura pós-meta se
contrapõe à metapintura sem ser propriamente uma reação
contra ela. Além de compartilhar, com toda a pintura moderna, a condição de reflexão sobre o meio (senão os protagonistas escolheriam outro), a pintura pós-meta, ao adotar a
indicialidade como prática legitimadora de uma nova figuração sem representação, está em perfeita sintonia com a
ética modernista e a rejeição desta ao ilusionismo e à narrativa. Com base nessa ética ela estaria, também, criando
uma nova tautologia, segundo a qual um índice teria mais
integridade do que uma representação.
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robert rauschenberg
O Desenho Apagado de de Kooning, de 1953, foi um prenúncio do destino que aguardava a arte-como-arte e antecipou — no sentido contrário — o que o movimento da
apropriação viria a fazer nos anos 1980 (também reivindicando uma paternidade duchampiana). Mas foram as
combine paintings e as transfer paintings de Rauschenberg que fincaram a primeira bandeira no solo pós-meta:
as combines desdenhavam a autonomia das mídias defendida por Greenberg (sem abrir mão da auto-referencialidade); as transfers, indiciais por excelência, reintroduziram a representação ao mesmo tempo em que evitavam
o problema do ilusionismo. A obra Monograma inclui até
um pneu manchado com tinta branca, eco da Marca de
Pneu de Automóvel. Certa vez, Rauschenberg disse que
seu trabalho funcionava “na brecha entre a arte e a vida”.
Se um pneu desenhado está mais para a arte e um pneu
de verdade, apropriado com readymade, está mais para a
vida, a marca de um pneu ocupa um espaço entre uma
coisa e outra. O que sugere que a brecha entre arte e vida
é solo fértil para a indicialidade.
Refletindo o declínio da subjetividade artística, os objetos usados nas combines e as imagens usadas nas transfers eram readymades a serviço de uma estética oriunda da
colagem ou da assemblage. Na época em que Rauschenberg começou a produzir as primeiras obras, tais tendências ainda estavam fermentando; há algo selvagem e libertino nos trabalhos dos anos 1950, especialmente o modo
desleixado com que o componente gestual, herdado da
geração anterior, coexiste de maneira tensa com a nova
iconografia dos meios de massa. Representa um cruzamento pós-meta, incômodo, mas pioneiro, entre a abstração e a representação.
1 robert rauschenberg
Monograma, 1963
combine painting, 106,7 x 162,6 x 162,6 cm
Moderna Museet, Estocolmo
fotografia Anders Allsten
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jasper johns
O que pode ser considerado pós-meta nas primeiras obras
de Johns é a temática readymade, esvaziada do aspecto
lingüístico (como mensagem ou narrativa) e utilizada
como puro pretexto para a pintura, um veículo neutro
para perder-se nos aspectos culinários. O uso de alvos,
bandeiras e alfabetos demonstra um desconforto com relação à iconografia subjetiva, uma preferência por objetos em vez de sujeitos. Tal como em Rauschenberg, isso
dá voz a um novo zeitgeist, uma diminuição do gesto autoral em benefício de uma postura mais distante, mais
fria. O novo espírito também se manifesta no uso da
moldagem direta, da colagem, de estênceis e de impressões em tamanho natural, práticas indiciais que trazem o
mundo exterior de volta para a pintura sem recorrer à
narrativa ou ao ilusionismo. Um exemplo cristalino de figuração sem representação.
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yves klein
Em 1960, Klein criou a primeira Antropometria, lambuzando de tinta Azul Klein Internacional9 uma modelo
nua e dirigindo os movimentos dela sobre uma tela estendida no chão. O que isso teria de pós-meta é o uso do corpo como pincel na criação de uma pintura abstrata com
sotaque figurativo por causa da natureza do “pincel”. Da
mesma maneira que cada pincelada é um índice de um
pincel, cada “pincelada corporal” é um índice de um corpo, e somente repetidas pinceladas podem obscurecer esse fato. Nas obras de Rauschenberg mencionadas acima, a
natureza indicial permaneceu basicamente inalterada; já
nas Antropometrias, Klein usa o corpo como um pincel
ativo. À medida que as pinceladas corporais se sobrepõem, as Antropometrias se vão aproximando cada vez mais
do gestualismo abstrato, um movimento cujo símbolo é
justamente a pincelada. Parte do interesse pós-meta das
Antropometrias resulta da transformação gradual da pincelada corporal na pincelada tradicional, testando esse limite. As Antropometrias em que a modelo apenas deitou,
inerte, sobre a tela são mais rigorosamente indiciais. Mais
próximas de Rauschenberg e Johns, carregam menos da
ambigüidade indicial entre representação e abstração.
Outro aspecto que poderia ser chamado pós-meta em
Klein é o interesse em suprimir a mão do artista, presente
nos monocromos, onde rolos e esponjas foram usados para apagar sua marca. Em 1959, Klein presenciou uma performance da Meta-matic 17, uma máquina de desenhar
construída por Jean Tinguely, que o fascinou. Sem ir tão
longe a ponto de querer tornar-se ele próprio uma máquina, aspiração que tanto Warhol como Lichtenstein logo
manifestariam, Klein conseguiu eliminar o contato direto
com a tinta. O corpo da modelo era como um autômato,
sujeito às instruções do artista, sem vontade própria, deitado na brecha entre a máquina e a vida.
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andy warhol
Uma faceta da obra de Warhol que nos parece pós-meta
é a completa eliminação da mão do artista nas pinturas
de carimbo e estêncil de 1961-1962, as primeiras a ser inteiramente serigrafadas. O fato de muitas terem sido executadas por assistentes é apenas uma extensão disso, pois
o processo da serigrafia já havia tornado o toque do artista irrelevante10. A série de pinturas de Oxidação, de 1978,
em que o artista urinou sobre telas cobertas de tinta metálica, significa um retrocesso, já que aparenta envolver,
mais uma vez, a mão do artista.
Warhol freqüentemente manifestou desconforto com
a pintura. Em 1966, chegou a desistir dela publicamente, mas não sem antes ter feito muito para prolongar-lhe
a longevidade, ambigüidade típica de sua vida, imagem
e obra. À exceção dos retratos, ele manteve a decisão por
quase uma década. “Até 1966, a obra de Warhol (…) oscila constantemente entre um desafio extremo à estatura
e credibilidade da pintura e um uso repetido de meios
estritamente pictóricos operando dentro do esquema estreitamente definido das convenções pictóricas”.11
Warhol também contribuiu para apagar a divisão
entre abstração e representação, tratando-as como equivalentes e sujeitando-as a procedimentos idênticos. O
uso de fotografias serigrafadas como sujeitos icônicos, individualmente ou em série, leva a prática indicial e a crítica do gesto autoral ainda mais longe do que com Rauschenberg.
2 jasper johns
Alvo com quatro caras, 1955
encáustica e colagem sobre tela
com moldes de gesso, 75 x 71 x 10 cm
Museu de Arte Moderna, Nova York
doação de sr e sra Robert Scull
3 yves klein
Antropometria (ant 130), 1960
pigmento seco em resina
sintética sobre papel
sobre prancha, 194 x 127 cm
Museu Ludwig, Colônia
4 andy warhol
Mint Marilyn, 1962
tinta de serigrafia e tinta polímera
sintética sobre tela, 50,8 x 40,6 cm
coleção Jasper Johns
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roy lichtenstein
Diversos aspectos da obra de Lichtenstein são candidatos
à categoria pós-meta:
Ele representa representações, ou seja, encontra uma
maneira engenhosa de reintroduzir a representação e, ao
mesmo tempo, reter o achatamento do plano pictórico.
Ele expressa um desejo de simular a perfeição mecânica dos meios de comunicação.
A palheta de cores primárias substitui a subjetividade
cromática dos expressionistas abstratos pela impessoalidade cromática da propaganda.
A obra demonstra uma desconfortável incongruidade
entre estilo e temática.
5 roy lichtenstein
Pincelada amarela i, 1965
óleo sobre tela, 173 x 142 cm
Kunsthaus de Zurique
6 malcolm morley
s.s. Amsterdã em frente
a Roterdã, 1966
liquitex sobre tela, 157,5 x 213,4 cm
coleção Norman e Irma Braman
cortesia Sperone Westwater,
Nova York
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As pinturas de pinceladas dão uma reviravolta satírica
na noção de indicialidade. Enquanto cada pincelada é o índice de um pincel, uma representação de uma pincelada feita com retículas, mesmo que produzidas com pincel, perde
a indicialidade. Seria, na realidade, apenas a boa e velha representação, não fossem as ironias geradas pela abordagem
fria e mecânica de um ato tão quente e emocional, assim como o status da pincelada como “o” ícone do expressionismo.
O estilo inconfundível também permitiu que Lichtenstein
se apoderasse de qualquer tema. Esse fácil reconhecimento
permite ao artista saquear os arquivos da história da arte —
no caso de Lichtenstein, na direção de Monet, Cézanne,
Picasso e Mondrian. Também dá livre trânsito entre a abstração e a representação, tornando-as equivalentes, subversão desempenhada com maior visibilidade por Warhol e
Richter, mas também por Malcolm Morley.
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malcolm morley
Nos anos 1960, Morley ficou conhecido como um dos iniciadores do movimento fotorrealista, mas a representação
exímia da realidade exterior não era sua intenção. A vontade pós-meta de pintar manifesta-se na escolha de uma
imagem apenas como pretexto para pintar, a reprodução
ocorrendo sem a consciência de estar reproduzindo, variante peculiar da representação das representações.
O processo de Morley já foi bem descrito por muitos:
O método de [Morley], no passado e hoje, tem sido superpor uma trama sobre uma fonte fotográfica e
pintar um quadrado de cada vez, mantendo os demais
cobertos. Desde os anos 1960 ele tem usado uma lupa
para pintar os menores quadrados. Freqüentemente a
tela é virada de cabeça para baixo ou de lado, para interromper o ritmo natural das pinceladas e desligar a referência figurativa.12
[Morley] começava com fotografias, dividindo-as
em pequenos quadrados, que, uma vez ampliados, eram
copiados minuciosamente sobre tela. Cada quadrado é
pintado como se fosse uma pequena pintura abstrata.
Sem interesse em demonstrar habilidade técnica, Morley estava preocupado em registrar a percepção, em pintar o que via. Às vezes, ele até virava o modelo e a pintura de cabeça para baixo, num esforço de evitar resultados
convencionais e para desconsiderar a hierarquia tradicional entre figura e fundo.13
Usando um sistema de tramas, [Morley] especializase em produzir ampliações fotográficas pintadas à mão.
Com um lápis, ele subdivide o modelo em um número
grande de quadrados. O primeiro passo na transposição é
utilizar essa trama, muito ampliada, para subdividir a tela branca. O próximo passo consiste em cortar uma tira
de quadrados do modelo, muitas vezes invertendo-o ou
virando-o de lado para não ser distraído pela imagem.
Com a ajuda de uma lupa, ele reproduz o modelo à
mão, quadrado por quadrado, usando cores Liquitex. Ao
fazê-lo, ele substitui as combinações cromáticas grosseiras, obtidas na impressão pela superposição de pranchas
de quatro cores, pela justaposição de cores na tela, objetivando uma mistura retiniana. Como Morley “traduz” a
impressão quadrado por quadrado, as relações objetivas
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dentro da imagem, que ele ignorou ao pintar, permanecem inalteradas.14
É irônico que, para ilustrar aqui o trabalho de Morley, precisemos usar “combinações cromáticas grosseiras” para reproduzir uma obra cromaticamente mais
densa e complexa, feita a partir de “combinações cromáticas grosseiras”.
“Ao preencher a trama, quadrado por quadrado,
[Morley] assegura a igualdade de valor para todas as áreas da tela.”15 Essa igualdade de valor não é, por si só, uma
característica pós-meta, estando implícita em toda pintura all over. Mas, no caso de Morley, faz parte do impulso
pós-meta de reduzir a subjetividade autoral. Com o processo de Morley, a imagem passa a ser irrelevante durante o ato de pintar, e tudo o que interessa é a aplicação de
substância sobre superfície. Enquanto o observador desavisado verá a imagem resultante como uma representação, quem quiser aproximar-se da intenção do artista precisará efetuar uma manobra mental distanciadora. O
ponto sutil e circular, alcançado virtuosa e laboriosamente, está no fato de que “é muito mais difícil fazer
uma pintura abstrata que é verdadeira do que uma pintura abstrata que é abstrata”.16
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antônio dias
Nas primeiras obras, de 1962-1963, Dias demonstrou consciência do estado problemático da pintura, evitando a
tela e inscrevendo formas e símbolos da cultura nativa
brasileira sobre superfícies ásperas de Duratex17 coberto
de gesso. “Com o golpe de Estado de 1964, recrudescem
as vertentes políticas das manifestações culturais e passam para segundo plano as pesquisas especificamente
formais.”18 A subseqüente e celebrada fase “visceral” de
Dias, que durou de 1964 a 1967, os primeiros anos da ditadura militar, é cheia de caveiras, ossos, partes de corpos, nuvens atômicas e máscaras de gás, mas o artista
manteve distância do plano pictórico tradicional, prendendo toda espécie de objetos e acolchoados sobre os suportes de madeira e Duratex. No entanto, ao se mudar
para a Europa em 1967, algo permitiu que Dias voltasse
à tela plana tradicional. Esse “algo” foi uma transição para uma nova temática conceitual, que passava por cima
da questão narrativa na pintura. Em Paris e Milão, Dias
teve mais contato com perspectivas teóricas, e o entendimento mais profundo das bases ideológicas da cultura e
do circuito da arte transformou sua obra numa crítica
pictórica dos sistemas de representação. Como os problemas se modificam, ele também se modificou, lembrando
a resposta que John Maynard Keynes deu a uma queixa
de que ele teria mudado de posição: “Quando os fatos
mudam, minha opinião muda. E o senhor, o que faz?”
Curiosamente, essa solução pós-meta nasceu de uma
tentativa anterior de superar o problema narrativo. Em
torno de 1967-1968, Dias “pintava as telas de preto e depois as salpicava de branco, numa experiência de, através
da pintura, procurar a crítica pela ‘representação da nãorepresentação.’ Depois mostrava as telas a diversas pessoas: não adiantava, elas viam ‘estrelinhas’ ”19. O artista não
teve escolha senão dar ao mundo o que o mundo queria.
Tal como em outros exemplos neste capítulo, é difícil dizer se esse tipo de arte é abstração ou representação,
o que sugere a pergunta pós-meta “que relevância tem
essa distinção?”
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7 antônio dias
Anywhere is my land, 1968
tinta acrílica sobre tela, 130 x 195 cm
coleção particular
8 gerhard richter
Pintura abstrata (Richter no 418), 1977
óleo sobre tela, 225 x 200 cm
Albright-Knox Art Gallery, Buffalo,
Nova York.
George B. e Jenny R. Matthews,
Albert H. Tracy, and Edmund Hayes
Funds, 1980
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gerhard richter
Se você mostra a uma pessoa a imagem de um cachimbo
e pergunta o que vê, a grande maioria responde “um cachimbo”, em vez de “uma imagem de um cachimbo”,
questão levantada por Magritte em Ceci N’est pas une Pipe. Nos anos 1960, Richter resolveu pintar fotografias para
não ter “nada a ver com peinture”20, o que o colocou num
caminho aparentado. Pois a pintura de uma fotografia abstrata continua sendo uma representação, já que retrata um
objeto, mesmo parecendo abstrato. O que de fato seria,
num certo sentido; apesar de não ser, em outro. Os trabalhos de Richter exploram essa ambigüidade, propondo,
entre outras coisas, a equivalência entre pinturas de fotos
de temas figurativos e pinturas de fotos de temas abstratos.
Em 1976, procurando uma nova direção, Richter
começou a fazer o que chamava de “esboços” de pinturas abstratas. “No começo, Richter não ousava considerar os esboços pinturas normais. Eles eram puramente
subjetivos demais, de maneira que, para transformá-los
em pintura, era preciso um distanciamento — obtido
usando fotografias, em geral de detalhes, como modelos
para pintar. As pinturas resultantes, as chamadas pinturas abstratas ‘macias’ ou ‘lisas’ (…), eram na realidade
pinturas fotográficas executadas impecavelmente (…)”21.
A obra aqui ilustrada pertence à série, e o aspecto pósmeta seria a aparência abstrata da representação (nãoabstrata) de um tema abstrato.
As pinturas abstratas “livres” que Richter fez em seguida deixaram de se basear em fotografias, conforme indicado pela palavra “livre”, mas mantiveram, “como fundo, o espaço modulado, ilusionista e oriundo da fotografia
das abstrações macias (…)”22. Apesar de não ser, a meu
ver, tão pós-meta quanto as “macias”, as “livres” também
aparentam espontaneidade expressiva quando vistas de
longe, mas se revelam metodicamente artificiais de perto,
semelhante à aparência que teria uma pincelada representada por Lichtenstein se as retículas fossem tão pequenas
que só pudessem ser percebidas de perto.
A ambigüidade como método condiz honestamente com a condição humana: “(…) sempre presente está o
paradoxo essencial de que, a partir de procedimentos distanciados e mecânicos, possa surgir o que Richter chama
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de ‘utopia, alma, o futuro, esperança’, baseado na crença
de que aquilo que a natureza deixa acontecer freqüentemente produz compreensões mais profundas do que
qualquer coisa que o artista possa inventar”23.
Enquanto a obra de Richter é solo fértil para considerações pós-meta, ou até pré-meta, o artista não tem “paciência com a autonomia auto-referencial defendida para a pintura pela crítica formalista americana, mas segue
as noções, mais comuns no século xx, de que as obras
abstratas são representações simbólicas de idéias sobre a
realidade”24. Ao mesmo tempo em que rejeita a peinture
como algo que “impede qualquer expressão própria ao
nosso tempo”25, Richter “perpetua a tradição da pintura
engajada modernista”26. Ema (1966) “era antiduchampiana, pois mostrava que a tradição figurativa não tinha
acabado, que ainda havia o que se fazer”27.
Talvez ainda houvesse o que fazer, mas Richter parece oscilar perenemente entre a vontade-de-pintar e
uma perturbadora noção da impossibilidade-de-pintar:
“O sentimento que gerou os Cinzas tinha um sabor de
crise existencial. Richter lembrou que essas pinturas o fizeram pensar na frase de John Cage ‘Não tenho nada a
dizer, e é o que estou dizendo’ ”28. “Se Richter pinta da
posição de quem não tem nenhuma certeza para pintar,
sua solução é sustentar um estado de suspensão, como se
a qualidade mais valiosa que ele tem para oferecer fosse
sua incerteza de ter qualquer coisa de positivo a oferecer.
Sua mistura de ceticismo e idealismo aparenta encontrar
sua melhor expressão nas (…) pinturas abstratas”29.
Richter diria que, nas atuais condições, a ambigüidade crônica e onipresente “não é uma contradição. É
apenas o estado natural das coisas. Poderia dizer que é a
nossa angústia normal”30. Angústia normal captura tão
perfeitamente a condição do pintor contemporâneo, e é
tão presente na carreira de Maia Rosa, que teria sido o
subtítulo deste livro se não ameaçasse desencorajar todo
leitor avesso a dor.
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9 leda catunda
Vedação em quadrinhos, 1983
tinta acrílica sobre toalhas, 200 x 250 cm
coleção particular
leda catunda
Outra maneira de pintar sem pintar é tomar uma superfície com imagens impressas e cobrir as indesejadas, procedimento típico dos primeiros trabalhos de Leda Catunda, única artista deste capítulo a surgir nos anos 1980.
Apesar de diferente, tal maneira de “trabalhar ao contrário” lembra Maia Rosa, e talvez seja também um eco da
gravura, de talhar ou desenhar o inverso. É igualmente
uma maneira eficaz de pôr de lado qualquer nostalgia da
peinture ou da auto-referencialidade, e sugere um contraste entre a não-indicialidade das imagens prontas
apropriadas por eliminação e a indicialidade das imagens prontas apropriadas por transferência (por exemplo,
transferindo a imagem para a tela por frição ou via serigrafia). Ambas são maneiras eficazes de lidar com os “problemas” da narrativa e do ilusionismo.
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1 Apud judd, Donald. Complete Writings: 1975-1986. Eindhoven:
Stedelijk van Abbemuseum, 1987, p. 25.
2 bois, Yve-Alain. “Ryman’s tact.” In: Painting as Model. Cambridge:
The mit Press, 1990, p. 231.
3 Ibid., p.232.
4 Ryman fez o que considera o primeiro trabalho profissional em 1955,
mas a primeira individual em galeria foi em 1967 e a primeira individual
em museu em 1972.
5 Trecho da obra Three Dialogues, de 1949, de Samuel Beckett apud
harrison, Charles e wood, Paul (eds.). Art in Theory, 1900-1990. Oxford:
Blackwell Publishers Ltd., 1997, p. 606.
6 Uma marca é indicial se é um traço de um objeto ou aponta para
ele. Uma mão estampada é indicial, mas uma mão desenhada não
é (mesmo em tamanho real); um braço moldado é indicial, mas um
braço esculpido não é (mesmo em tamanho real).
7 Em colaboração com Susan Weil.
8 Em colaboração com John Cage.
9 “Com a ajuda de químicos, Klein inventou essa tinta suspendendo
pigmento puro e seco dentro de uma resina sintética cristalina junto com
solventes compatíveis. Ao contrário dos veículos tradicionais, o novo meio
não amortecia as partículas individuais de pigmento, deixando-as com
o brilho e intensidade iniciais. O novo veículo era versátil o suficiente
para ser aplicado com pincel, spray, rolo ou até engrossado e acumulado
numa superfície. Secava rapidamente, deixando um aspecto fosco, frágil,
porém duradouro, e que, como o veludo, oferecia uma superfície peluda
e absorvente da luz, que parecia dissolver-se numa profundidade escura
e luminosa”. Fonte: www.tamu.edu/mocl/picasso/tour/t60d.html.
10 Existe, é claro, uma longa tradição de pintura inteira ou parcialmente
executada por assistentes, mas não com a expectativa de que o resultado
seja equivalente e a execução irrelevante.
11 buchloh, Benjamin. “Andy Warhol’s one-dimensional art: 1956-1966.”
In: Andy Warhol: A Retrospective. Nova York: The Museum of Modern
Art, 1989, p. 56.
12 adams, Brooks. “More than a Maverick” in: Art in America, dezembro
de 2001, p. 67.
13 www.galeries.nl/mnexpo.asp?exponr=4624.
Site da exposição de Malcolm Morley na Galeria Xavier Hufkens,
Bruxelas, 24/fev/2001.
14 calas, Nicolas e calas, Elena. Icons and Images of the Sixties.
Nova York: E.P. Dutton & Co., Inc., 1971, p. 157.
15 Nicholas Serota, em prefácio do catálogo da exposição Malcolm
Morley: Paintings 1965-1982. Londres: The Whitechapel Art Gallery, 1983.
16 Malcolm Morley, citado em www.speronewestwater.com/cgibin/iowa/artists/record.html?record=8
17 Material barato feito de fibra de madeira e transformado em placas
à semelhança de aglomerado ou compensado.
18 duarte, Paulo Sérgio. The ‘60s: Transformations of Art in Brazil.
Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998, pp. 30-31.
19 duarte, Paulo Sérgio. Antonio Dias. Rio de Janeiro: Edição Funarte,
1979, p.28 (nota 3).
20 Entrevista com Benjamin Buchloh. In: nasgaard, Roald. Gerhard
Richter, Paintings. Londres: Thames and Hudson, 1988, p. 18 (citação
completa no Capítulo 1).
21 nasgaard, Roald. Gerhard Richter, Paintings. Londres: Thames and
Hudson, 1988, p. 106.
49
22 Idem.
23 Ibidem, p. 74.
24 Ibidem, p. 107.
25 Entrevista com Benjamin Buchloh. In: nasgaard, Roald. Gerhard
Richter, Paintings. Londres: Thames and Hudson, 1988, p. 18.
26 Idem, p.108.
27 Gerhard Richter apud nasgaard, Roald. Gerhard Richter, Paintings.
Londres: Thames and Hudson, 1988, p. 51.
28 nasgaard, Roald. Gerhard Richter, Paintings. Londres: Thames
and Hudson, 1988, p. 79.
29 Idem, p.110.
30 Entrevista com Benjamin Buchloh. In: nasgaard, Roald. Gerhard
Richter, Paintings. Londres: Thames and Hudson, 1988. p. 26.
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Todo bom artista pinta quem ele é.
jackson pollock
O eu, terrível e constante, é para mim o assunto da pintura.
barnett newman
Sempre pintamos nossa própria história.
gerhard richter
Dudi Maia Rosa
Maia Rosa (n.1946) começou a estudar arte em 1966,
ano em que Warhol desistiu de pintar. Na época, a pintura ainda parecia estar em pleno vigor graças à visibilidade da arte pop e dos vários movimentos correlatos na
Europa e na América Latina, mas tratava-se da tempestade antes da calmaria. Maia Rosa iniciou a formação
artística com a gravura, principalmente a litografia e a
gravura em metal; e o processo de fazer o inverso da
imagem desejada, intrínseco a esses meios, iria ressoar
quase vinte anos mais tarde em suas obras de resina e fibra de vidro. Em 1971, com a pintura já em crise, Maia
Rosa entrou para a Escola Brasil:1, onde mais tarde lecionou. Instituição experimental, que durou pouco mas
marcou muito a história da arte de São Paulo, a Escola
Brasil: foi fundada em 1970 por Carlos Fajardo (n.1941),
Luiz Paulo Baravelli (n.1942), José Resende (n.1945) e
Frederico Nasser (n.1945), todos ex-alunos de Wesley
Duke Lee (n.1931), pioneiro da nova figuração brasileira
dos anos 1960. Lee havia estudado na Parsons School of
Design de Nova York e utilizava o método de desenho
difundido no livro The Natural Way to Draw, de Kimon
Nicolaides, um manual publicado em 1941. Já na 31a edição em 1969, o clássico enfatizava a observação em vez
da destreza e era conhecido pela técnica do “desenho
cego”, segundo a qual os estudantes devem desenhar
olhando apenas para o sujeito, sem examinar o resultado até o final. É notável como um método de desenho,
utilizado por uma linhagem didática que começa com
Lee nos anos 1960, seguido pela Escola Brasil: no início
dos 1970 e depois por Carlos Fajardo (que teve mais alu-
50
nos desde 1974 do que a soma dos dois anteriores), alcançou tamanho impacto sobre tantos artistas paulistas.
A Escola Brasil: não era especificamente uma escola de
pintura, e era ecumênica ao evitar juízos de valor e liberal na preferência pelo aprender em vez do ensinar, mas
a transposição dos exercícios de desenho cego para a tela (prática, na realidade, desestimulada por Fajardo) gerou um estilo de pintura figurativa, caracterizada por
contornos lineares soltos e imprecisamente preenchidos
por manchas de cor (como seria de esperar de um exercício cego). A “estética cega”, combinada com uma palheta de cores pastéis tropicais, oriunda de Lee e encontrada em muitos trabalhos associados à Escola Brasil: é
bem exemplificada neste trabalho único, uma colaboração lúdica entre um pioneiro (Lee), um fundador (Nasser) e um estudante (Maia Rosa) (fig. 10, p.51).
Três exposições de Maia Rosa — ocorridas em 1978,
1980 e 1982 — podem ser caraterizadas como formativas
por preceder a adoção de sua marca registrada, a resina.
Banhista (fig.14, p.53), uma de várias telas que obedecem
a um esquema de figuras em primeiro plano sobre um
fundo geométrico, fez parte da primeira delas, que ocorreu no Museu de Arte de São Paulo (masp). Além de antecipar o trânsito fácil entre abstração e figuração, elemento pós-meta que viria a caraterizar o trabalho posterior, a
justaposição parece estar formalmente ligada ao trabalho
do amigo e ex-professor de Escola Brasil: Carlos Fajardo
(fig. 12, p. 52), cuja exposição na Galeria Luisa Strina no
mesmo ano também mostrou figuras pintadas sobre um
fundo geométrico. Fajardo estava procurando evitar o
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10 wesley duke lee, frederico
nasser, dudi maia rosa
Sem título, 1971
óleo sobre tela, 110 x 130 cm
coleção do artista
11 Banhista, 1978
aquarela e lápis sobre papel
s/dimensões
coleção do artista
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12 carlos fajardo
Sem título, 1977
acrílica sobre tela, 200 x 300 cm
coleção particular
13 piero della francesca
O sonho de Constantino, 1452-1466
afresco, 329 x 190 cm
Basílica de São Francisco, Arezzo
52
aspecto narrativo na pintura sem repetir velhas fórmulas
abstratas. Procurou fazê-lo colocando pessoas contra a tela e traçando-lhes a silhueta, introduzindo, dessa forma,
um elemento indicial.
A superposição do figurativo sobre o geométrico talvez explique também por que a pintura favorita de Maia
Rosa é O Sonho de Constantino, de Piero della Francesca (fig.13, p.52), que faz parte da série de afrescos sobre a
Lenda da Verdadeira Cruz, localizada em Arezzo2.
Maia Rosa estava ciente dos problemas com os quais Fajardo (em particular) e a pintura (em geral) se estavam debatendo, mas não tentou enfrentá-los nas obras
mostradas no masp. Qualquer desconforto que possa ter
sentido ao fazer uma exposição de pinturas foi aliviado
pela inclusão de uma variedade de curiosos objetos de
cerâmica. De acordo com Rafael Vogt Maia Rosa, filho e
observador arguto do artista, as cerâmicas mostradas no
masp são “algo, até hoje, bastante misterioso e lúdico para mim e que se desdobrou na compulsão que meu pai
tem por fazer e fazer coisas com a mão o dia inteiro. Hoje mesmo ele fez uma mesa; e são lustres, cadeiras, objetos sempre graciosos e maravilhosamente inúteis”3. De
maneira reveladora, o catálogo da exposição, em vez de
mostrar reproduções das pinturas, foi ilustrado com reproduções de aquarelas (fig.11, p.51) feitas a partir daquelas, introduzindo assim uma mediação ou distanciamento, outro aspecto da pintura pós-meta. A decisão talvez
reflita, também, a semelhança das pinturas que fazia na
época com desenhos pintados, como se pode perceber
na comparação entre um detalhe de Banhista e o mesmo detalhe da ilustração do catálogo. Em ambos, manifesta-se claramente a estética do desenho cego.
A segunda exposição individual de Maia Rosa ocorreu em 1980 na Cooperativa de Artes Visuais de São Paulo. Embora os problemas da pintura permanecessem os
mesmos de 1978, desta vez houve uma tentativa de embate. A maioria dos doze trabalhos da mostra evitava o tradicional quadrado ou retângulo, e os mais extremos sobrepunham telas de diferentes formatos (fig. 15, p.54).
A única tela retangular da exposição é anterior às demais e, mesmo assim, sugere sobreposição de telas dentro
do plano pictórico e é intitulada Anjo (fig.16, p.55).
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14 Banhista, 1978
acrílica sobre tela, 150 x 250 cm
(detalhe)
coleção Paulo R. Maia Rosa
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15 Neo-Noé, 1980
acrílica sobre tela, 162 x 300 cm
coleção Stella Ferraz
16 Anjo, 1979
acrílica sobre tela, 150 x 250 cm
coleção particular
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17 Sem título, 1981
esmalte sobre madeira
e plástico, ø 210 cm
coleção João Sattamini/
Comodato Museu de Arte Contemporânea de Niterói
18 IO, 1981
esmalte sobre madeira
e elásticos, 120 x 210 cm
coleção particular
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Tal como nas telas irregulares de outros artistas —
notavelmente as que Richard Smith produziu nos anos
1960 —, a tentativa procura resolver o problema do ilusionismo projetando o plano pictórico para o espaço. Enquanto solução, creio que esse tipo de expediente não satisfaz, talvez por ser falsa a premissa de que o ilusionismo
é desonesto, uma das tautologias reificadas mencionadas
no primeiro capítulo. Mesmo se aceitássemos a legitimidade do problema, lembramos que tal caminho já havia
sido bem trilhado por artistas como Donald Judd, cuja
obra havia projetado o plano para o espaço da maneira
mais convincente; e Hélio Oiticica e Lygia Clark, cuja
pesquisa espacial foi mais longe ainda, levando à completa dissolução do objeto de arte.
A terceira e última exposição de Maia Rosa antes do
período que mais nos interessa aconteceu em 1982 na
Galeria São Paulo. Foi a primeira mostra individual numa galeria comercial, e certamente a mais ambiciosa até
então. Nenhum dos oito trabalhos seguia formato convencional: quatro eram de madeira pintada; dois eram telas com anexos de madeira; e dois combinações de telas.
Em vez da tinta acrílica de costume, todos foram pintados com esmalte industrial. O esmalte tornou-se, assim,
um passo intermediário na progressão entre a tinta acrílica e a resina. Também era, por natureza, mais resistente
à gestualidade do que a tinta acrílica, ocupando, como
tal, lugar precoce na história dos obstáculos que Maia
Rosa cria para sua habilidade ou, mais especificamente,
para sua propensão gestual. As superfícies esmaltadas (figs.
17 e 18, pp.56 e 57) também eram naturalmente brilhantes, produzindo aparência mais artificial, a caminho das
superfícies de resina que em breve iria desenvolver.
A exposição da Galeria São Paulo foi um passo em
direção à maturidade artística de Maia Rosa. O maneirismo gestual ainda ancorava os trabalhos numa prática de
pintura convencional, enquanto as formas e os volumes
inquietos mostravam a clara vontade de ir além.
No começo de 1983, Maia Rosa descobriu o material
que se tornou sua solução e marca registrada: “Vi um pessoal trabalhando com fibra, fazendo um carro, e pensei
que seria fácil fazer com esse material uns chassis com
uma forma livre, pois era isso que vinha tratando no mo-
58
mento. Fiz um curso de duas horas sobre o material e já
imediatamente fiz [o] primeiro trabalho. O processo de
inversão me encantou, tinha a ver com a gravura e a
transparência. Foi uma novidade que me fez pensar o lado de dentro. Como ele era transparente para o outro lado, me fez considerar uma construção da estrutura. Foi
uma nova maneira de pensar o que vinha fazendo, pois
os trabalhos da Galeria São Paulo eram mais expressionistas e sentia que me exauriria se assim continuasse fazendo. Então a resina veio como um desafio para reformular o trabalho. E mais, que o suporte, a ‘tinta’ e o
pigmento se fizeram uma coisa só!”4
Fica claro que um desejo inicial de construir suportes mais complexos para a pintura foi redirecionado para
uma exploração do próprio suporte. E, para que o suporte aparecesse, a pintura teria de ser feita por trás. A economia de superfície foi imposta, portanto, pela exploração da natureza do novo meio. Mas o desejo de pintar na
frente não morreu, apenas entrou em hibernação, e reapareceria periodicamente, com resultados às vezes pouco felizes, conforme veremos.
Os métodos usados por Maia Rosa para moldar resina foram se transformando, mas nos primeiros anos ele
construía uma fôrma com uma ripa de plástico flexível,
deitava-a sobre uma base (inicialmente o chão de concreto do estúdio, depois outras superfícies duras, como
uma ou mais portas de madeira ou placas de fórmica, cobertas por uma substância desmoldante) e despejava resina líquida, geralmente misturada com pigmento, dentro da fôrma. Depois que a resina secava, Maia Rosa
forrava o interior com mantas de fibra de vidro e adicionava uma segunda camada de resina, geralmente incolor. Ao secar, as mantas de fibra de vidro e a resina se
fundiam, criando uma superfície rígida e transparente,
através da qual se vê uma trama delicada, em maior ou
menor grau, dependendo da cor e intensidade do pigmento. Nos primeiros dez anos, Maia Rosa ainda adicionava por trás um esqueleto de canaletas de fibra de vidro
para dar maior rigidez às obras.
Antes de analisar os primeiros trabalhos que Maia Rosa produziu com a técnica, seria útil examinar dois trabalhos que poderiam, à primeira vista, parecer precedentes.
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19 carlos vergara
Auto-retrato com índio carajá, 1968
acrílica sobre acrílico moldado
80 x 126 x 15 cm
coleção Gilberto Chateaubriand/mam-rj
20 ron davis
Ring (Anel), 1968
resina poliéster moldada e fibra
de vidro, 154 x 335 cm
Museu de Arte Moderna, Nova York
59
Vergara (fig. 19, p. 59), um dos pioneiros da nova figuração brasileira, criou o auto-retrato em 1968. A justaposição de uma foto típica de carteira de identidade com
imagens de um índio reflete a condição de um artista
cosmopolita, que vive num grande centro urbano, cercado por uma cultura baseada em propaganda e construída sobre a eliminação da cultura anterior. O uso de acrílico moldado dá à obra aparência semelhante às de Maia
Rosa, e requer, da mesma forma, pintura por trás, mas o
estilo gráfico, assim como a fundição competentemente
industrial, imita uma sinalização comercial. Neste caso,
não se trata tanto de uma investigação das possibilidades
do material; ele está sendo usado, principalmente, como
veículo para uma narrativa simbólica.
Entre 1966 e 1972, Ron Davis (fig. 20, p. 59) criou peças de resina e fibra de vidro cuja fatura se aproxima bastante do trabalho de Maia Rosa. As obras de Davis, que
foram feitas durante os anos em que a abstração “pós-pintoresca” defendida por Greenberg estava em alta, combinam duas tendências correlatas da época, o hard edge
(“borda precisa”) e o fetish finish (“acabamento precioso”).
Apesar de estes trabalhos sedutores serem contemporâneos
no uso de um material industrial, são claramente a extensão de uma prática formal modernista, tanto que, em 1972,
Davis retornou às telas, sem jamais olhar para a frente.
Ao contrário dos trabalhos de Maia Rosa, que tinha
preferência por superfícies não tratadas, nos de Davis “a
superfície é polida e lustrada para remover a menor imperfeição. Finalmente, a superfície é encerada e polida de
novo para completar o processo e acabar a pintura”5. Nesse apagar de qualquer traço da mão, Davis está mais próximo do espírito contemporâneo do que Maia Rosa, com
sua verdade-do-material. Por outro lado, o trabalho de Davis pertence à tradição de metapintura dos anos 1950 e
1960; enquanto os de Maia Rosa, inocência perdida em
data posterior, são comentários sobre a metapintura.
Na prática, o distanciamento imposto pelo novo material foi catártico, permitindo que Maia Rosa elaborasse e
exorcizasse as influências ao reencenar uma história pessoal e seletiva da pintura modernista, um processo penoso
e angustiado. Começando do fim, como se pode ver nos
monocromos expostos em 1984 e 1985, Maia Rosa foi
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trabalhando em direção ao passado, vasculhando-o na exposição de “portas” de 1986. Mas por que a necessidade
de revisitar, com dois anos inteiros de monocromos, uma
morte que preocupara mais as gerações anteriores? Creio
que Maia Rosa precisou “matar o pai” modernista antes
de se permitir um conteúdo pós-meta que não fosse nem
auto-referencial nem narrativo-ilusionista. Só depois do
exorcismo, que se deu pela reprise da morte e visita ao túmulo, é que pôde seguir caminho.
Ao contrário de Davis, Maia Rosa vem insistindo
nesse meio difícil e trabalhoso, apesar dos perigos consideráveis à saúde, por mais de vinte anos. É significativo
que um artista com tamanha facilidade para desenho e
pintura resolva obstruir essa facilidade por causa de uma
vaga mas insistente intuição de que não pode exercê-la
livremente. Pode-se argumentar que a auto-obstrução é
um ingrediente precioso nas obras bem-sucedidas, mas,
antes de nos adiantarmos demais, gostaria de examinar
as obras monocromáticas de 1983-1985.
Nas palavras de Maia Rosa: “Imediatamente me pus
a fazer as fibras grandes e já com as soluções de estrutura.
Foi como uma intuição onde tudo veio de uma vez só.
Tudo ‘pronto’ na minha cabeça. Estranho! Como tinha
eu essas soluções para uma coisa que nunca tinha lidado
antes? Um engenheiro apareceu junto com o pintor”6.
Talvez não seja surpreendente que os trabalhos
grandes tenham surgido de modo tão decisivo porque
Maia Rosa, transbordando de entusiasmo pelo novo processo (“Apareceram também os pigmentos transparentes
que ‘coloriam’ a resina. Fiquei encantado. Se não fosse o
cheiro fortíssimo, teria ‘bebido’ ”7), dedicou-se a explorar
as possibilidades do meio, temporariamente entregue à
auto-referencialidade defendida por Greenberg. Conforme mencionado anteriormente, a exploração induziu
certa austeridade formal e cromática com o intuito de salientar as caraterísticas do material, tornando supérflua a
atividade gráfica ou gestual das pinturas expostas na Galeria São Paulo em 1982.
Na época, o artista associou sua condição com a de
Jonas, preso dentro do ventre da baleia. A parábola de
perder-se e encontrar-se, de seguir ou não o caminho virtuoso, sempre teve ressonância para o artista, tanto que
60
um dos maiores trabalhos da exposição da Galeria São
Paulo levava o título Como Jonas (fig.21, p.61).
O artista descreve a progressão para a primeira obra
de fibra, o oval verde ilustrado abaixo: “A transição do Jonas ‘virtual’ para o Jonas ‘literal’ me pareceu algo tangível e evidente. (…) o fato de estar trabalhando, pela resina, os quadros por trás (dentro deles), me fez sentir que
estava de verdade dentro da baleia-trabalho, como se tivesse sido engolido mesmo pelo processo. O verde oval é
também uma baleia que pelas linhas estruturais me parece uma mira para acertar o centro da questão (Eu).
Acreditei que um processo construtivo junto com um intuitivo-religioso me equilibraria para a empreitada.”8
Maia Rosa não se está referindo apenas ao fato literal de se encontrar dentro do corpo do trabalho, mas,
também, à sensação crescente de que o novo material o
havia desviado para uma direção contrária a seus dotes
gráficos e inclinação para a pintura. A contradição faz
parte da “miséria normal” do cotidiano: o artista sentia-se
prisioneiro de uma lógica interna, de uma investigação
que havia tomado rumos próprios, diferentes da intenção
original de construir novas formas para a pintura frontal,
mas, ao mesmo tempo, estava contente com os novos trabalhos e sentia-se estimulado pelo novo processo. Além
disso, também estava tendo dificuldade em reconciliar
outra contradição, que viria à tona freqüentemente nos
anos seguintes: a aparência relativamente fria e fabricada
do novo trabalho não condizia com a noção de que a arte se dá no calor emocional do embate. Maia Rosa sentia
que o que estava fazendo era distanciado, talvez até cínico, quando sua natureza era outra. Parecia-lhe menos artístico ter uma idéia e depois executá-la do que ter uma
idéia como parte integral da execução, como solução para um problema resultante do corpo-a-corpo da criação.
Tudo muito pouco duchampiano para um artista que
sempre apreciou Duchamp. Maia Rosa permaneceria dividido pela competição entre facções da sua personalidade até pelo menos o fim dos anos 1990, e os balanços
pendulares provocados pela luta ajudam a entender as
freqüentes mudanças de direção. A exigência do eleitorado, manifestada em diferentes cruzamentos, inclui: dar
asas ao lado gráfico e pintor; respeitar o lado que sabe
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21 Como Jonas, 1982
esmalte sobre tela e madeira,
150 x 350 cm
coleção particular
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22 Sem título, 1983
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 170 x 492 cm
coleção Renata Mellão
23 Sem título, 1983
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 200 x 574 cm
coleção Gema Giaffone
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que a “pintura morreu”; render-se ao lado que quer registrar a presença sobre a superfície; e agradar aos pares reais ou internalizados (Wesley, Fajardo, Leonilson, entre
outros). A esse quadro, somam-se as aflições habituais da
vida profissional: pressões econômicas do mercado; atenções caprichosas da crítica; e atenções oscilantes de curadores e colecionadores. Mesmo assim, o retrato da intranqüilidade permanece incompleto.
Os dois primeiros trabalhos “maduros” feitos com resina e fibra de vidro já estavam prontos em agosto de 1983,
quando Maia Rosa recebeu a visita de Thomas Cohn, na
época o galerista mais ativo e importante do Rio de Janeiro. Cohn havia admirado um trabalho do artista numa exposição coletiva em 19829, e Leonilson, que acabava de fazer uma exposição individual na galeria de Cohn, os havia
24 Sem título, 1983
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 200 x 200 cm
coleção João Leão Sattamini
Museu de Arte Contemporânea
de Niterói
25 Sem título, 1983
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, ø 210 cm
coleção Augusto Livio Malzoni
63
apresentado. Impressionado, Cohn adquiriu ambos os trabalhos e marcou uma individual para abril do ano seguinte. Encorajado a seguir a nova direção, Maia Rosa completou pelo menos mais duas obras ainda em 198310. Os quatro
trabalhos recorreram a formas geométricas básicas (uma
vez excluídos o quadrado e o retângulo): diamante, oval,
triângulo equilátero e círculo (figs.22 a 25, pp.62 e 63).
É notável nos quatro trabalhos a progressiva redução
da atividade gráfica e, conseqüentemente, a clareza cada
vez maior da aparência — o círculo vermelho é praticamente só cor e forma. As varetas estruturais desempenham, forçosamente, um papel gráfico, mas há também
uma trama delicada, invisível na reprodução, do padrão
das mantas de fibra de vidro, uma presença inefável que
seria afogada por pinceladas.
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26 Goetheanum, Dornach, Suíça, 1924
Rudolf Steiner (arquiteto)
27 fachada da Escola Waldorf
em Santo Amaro, São Paulo
28 Janela Antroposófica, 1983
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 246 cm
coleção João Leão Sattamini/
Comodato Museu de Arte
Contemporânea de Niterói
64
Um trabalho completamente transparente (sem
pigmento) parecia o próximo passo. Transparência fez
Maia Rosa pensar em vidro; vidro o fez pensar em janela; e janela em Rudolf Steiner, cujos ensinamentos têm
sido importantes para o artista. Steiner, que foi também
excelente arquiteto, desenhou uma janela icônica para
o Goetheanum (fig. 26, p. 64) em Dornach, Suíça, sede
mundial do movimento antroposófico11. A forma da janela tornou-se um dos símbolos da antroposofia e aparece na fachada da escola antroposófica freqüentada
pelos três filhos de Maia Rosa (fig. 27, p. 64). O próprio
artista participou de diversas atividades da escola: “montagens de teatro, bazares natalinos, foi a apresentações
de música etc. Ele sempre foi muito envolvido, tendo
feito parte de grupo de estudos de textos do Steiner”12.
Nas palavras de Maia Rosa: “A janela [antroposófica]
veio como uma tentação, pois eu queria um trabalho
absolutamente transparente e pensei no Duchamp13. E,
quando associei a janela da escola com aquela estrutura única, não resisti, copiei literalmente o desenho estrutural, que me pareceu perfeito”14. Tão perfeito que
um segundo trabalho de idêntico formato foi feito no
mesmo ano (fig. 28, p. 64).
Além das obras reproduzidas acima, a primeira exposição de Maia Rosa na Galeria Thomas Cohn, inaugurada em abril de 1984, incluiu mais duas (figs. 29 e
30, p. 66).
A última foi pensada como obra de parede, mas,
após um processo conturbado de produção, que incluiu
uma temporada exposta a intempéries no jardim da casa
do artista, terminou como obra de chão (fig. 29, p. 66).
Na época, o artista expressou os objetivos em termos puramente auto-referenciais: “Hoje o trabalho é
uma peça só, já nasce inteiro no tocante à estrutura.
(…) quero esvaziar minha pintura de pretensões conceituais, quero ser um pintor vazio de idéias, fazer um
trabalho claro, cristalino”15.
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29 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, ø 210 cm
coleção paricular
30 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 215 x 130 cm
coleção Kim Esteve
31 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção particular
66
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A primeira exposição de monocromos foi a mais
bem-sucedida da carreira de Maia Rosa até então, tanto
crítica como comercialmente, e o motivou a continuar
explorando o veio. Durante o ano seguinte, o artista produziu uma sucessão de monocromos em novas formas
(dois paralelogramos, um semicírculo, um triângulo retângulo, uma segunda janela antroposófica e formas parecidas com as letras M, N, O e T); onze desses trabalhos
foram mostrados em novembro de 1985 na individual do
artista na Galeria Subdistrito, em São Paulo (figs.32, 33 e
35 a 42, pp.67 a 75). A sua natureza não-narrativa pede
poucos comentários; eles funcionam ou não baseados na
habilidade que têm de gerar um gestalt “claro, cristalino”.
O último trabalho é um eco de IO (fig. 18, p. 57) de
1981. Se compararmos a quantidade de atividade gráfica
67
de ambas as versões, perceberemos algo que recorre na
obra de Maia Rosa: a sensação de que a densidade gestual é inversamente proporcional à satisfação com o momento artístico. Se o material e a forma atingem logo unidade satisfatória, o gesto parece menos necessário. Mas, se
ambos não cooperam, parece haver uma tentativa de evoluir pelo acúmulo. A densidade de atividade superficial,
portanto, funciona como um sismógrafo de ansiedade ou
de confiança no resultado final. Isso vai contra o lado de
Maia Rosa que acredita que “menos é mais”, mas é coerente com a noção de que soluções artísticas ocorrem no
calor da fatura (figs. 41 e 42, pp. 74 e 75).
Um monocromo cristalino daqueles anos acabou
sendo destruído — o primeiro de vários que, por diversos
motivos, sofreriam o mesmo destino (fig. 34, p. 69).
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32 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 240 cm
coleção particular
33 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção particular
34 Sem título, 1984
resina poliéster e fibra de vidro,
240 x 210 cm
original destruído, replica 2005,
110 x 90 cm
coleção particular
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35 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção Kim Esteve
36 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção Conrado Malzone
37 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção particular
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38 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção Augusto Livio Malzoni
39 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
Museu Stedelijk, Amsterdã
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40 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção particular
41 Sem título, 1985
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 300 x 300 cm
coleção particular
42 Sem título, 1984
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 220 x 300 cm
coleção do autor
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43 Narrow street (Rua estreita), 1984
lápis e crayon sobre papel,
21 x 23,5 cm
coleção do artista
44 Sem título, 1985
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
cortesia Galeria Brito Cimino
45 Sem título, 1985
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção Alvaro e Biba Magalhães
46 Sem título, 1985
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção Felippe Crescenti
76
A exposição da Subdistrito encerrou a fase inicial,
monocromática, das obras de resina e fibra de vidro. O
trabalho posterior de Maia Rosa tem credenciais pós-meta
mais convincentes, mas os monocromos permanecem incomparáveis na clareza e elegância, na superfície ligeiramente coagulada que, quando vista de perto, parece pele.
Enquanto criava os monocromos, Maia Rosa reprimiu os impulsos gráficos, que encontraram outras saídas, como o desenho, cujo título vem de uma frase do IChing Narrow Street (fig. 43, p. 76).
No final de 1985, Maia Rosa começou a ficar inquieto. A reprise do fim do modernismo já tinha sido suficientemente elaborada, e havia pressão das facções internas que não estavam sendo atendidas. Os três trabalhos
subseqüentes constituíam experiências, e nunca foram
“introduzidos à sociedade” por meio do baile de debutantes que representa uma exposição individual.
O primeiro evidencia uma trama irregular de varetas estruturais. Partindo da “intenção primeira” de sugerir uma “pedra preciosa”16, acabou parecendo um paletó
(fig.44, p.77).
O segundo ressuscitou o motivo da investigação inicial da fibra de vidro: a construção de suportes irregulares
para pintura frontal. Neste caso, trata-se de uma forma
teatral, semelhante ao arco de um proscênio. Motivado
em parte pela frustração acumulada de só pintar pelo
verso, Maia Rosa descartou a disciplina dos últimos dois
anos e voltou a pintar pela frente, regalando-se com a liberdade repentina e divertindo-se com o desafio de pintar
ambos os lados. A obra, que parece uma crisálida com
metade da metamorfose completa, é emblemática das
polaridades do artista: metade fria e transparente; metade
gestual e policromada. Apesar de bem-sucedido, o trabalho não gerou similares. Tal como a maioria dos impulsos não satisfeitos de Maia Rosa, o procedimento voltaria
a se manifestar (fig. 45, p. 77).
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A terceira tentativa gerou o monocromo mais facetado de todos, e também densamente marcado por trás.
Da mesma maneira que a quantidade de marcas pode
funcionar como um sismógrafo de incerteza, algo semelhante ocorre aqui com o número de ângulos. Quando
está pensando no ponto de vista do observador, Maia Rosa escreve palavras ao contrário para que apareçam corretamente quando vistas de frente, mas, neste caso, a palavra “fim” aparece invertida, como se o artista estivesse
anunciando a si próprio que este seria o último monocromo (fig. 46, p. 77).
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Mudando radicalmente de direção, Maia Rosa produziu então um retângulo convencional (fig. 48, p. 79), o
primeiro desde 1980, inspirado por uma gravura de Hans
Arp (fig. 47, p. 78). Este foi o primeiro trabalho de resina
e fibra de vidro a mostrar uma composição, e gerou uma
série que recebeu o apelido de “portas”.
A retomada do conteúdo pictórico significou mudança importante na obra de Maia Rosa. Acredito que resultou de uma intuição de que, em vez de um retrocesso, representaria, graças à resina, uma solução plenamente
contemporânea. Em outras palavras, Maia Rosa deu esse
passo porque pôde. Ele também se deu conta de que não
precisava mais evitar os quadrados e os retângulos; o trabalho era tão inconfundível que permaneceria claramente
dele, independente da forma ou do conteúdo (semelhante a Lichtenstein). A impossibilidade de ser derivativo —
ou, inversamente, a possibilidade de ser tão pictoricamente derivativo quanto quisesse — decorre do grau de especificidade do material. Após reencenar a “morte do pai”
com os monocromos, Maia Rosa pôde se dar ao luxo de
lhe pedir a bênção (parte de uma dialética humana com
raízes profundas), aproveitando-se da nova liberdade pictórica para prestar homenagem a sua formação.
47 hans arp
Composição ii, 1958
água-forte a cores feita a partir
de colagem, 25 x 25 cm
edição de 75
coleção Márcio Maia Rosa
48 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
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A maioria das influências absorvidas por Maia Rosa
veio de livros, reflexo da condição de todo artista que vive num país onde o contato direto com a grande arte internacional é limitado. Durante o fim dos anos 1960 e o
começo dos 1970, ele havia colecionado avidamente os
fascículos semanais da publicação italiana L’Arte Moderna17, absorvendo religiosamente o conteúdo (em 1970, o
Goetheanum, de Steiner, foi capa)18. O artista colecionou um total de dezesseis volumes da coleção, cada um
contendo entre oito e dez fascículos, e muitas das reproduções entraram para seu vocabulário. Digo reproduções, e não obras, porque os museus de bolso ou imaginários não fornecem escala ou tatilidade, portanto, uma
conseqüência curiosa desse acesso é que na memória as
imagens são brilhantes. À medida que as novas “portas”
de Maia Rosa passeavam pelos livros de história da arte,
o brilho de suas superfícies de resina era perfeitamente
adequado à textura dessa memória pictórica. É com isso
que o aspecto pós-meta da obra de Maia Rosa atinge plenitude, na liberdade de ação. Não existe mais frente e
trás na história da arte; e a oposição entre abstrato e figurativo tornou-se uma diferença que não difere. Mas a liberdade pode ser movediça, especialmente para um artista
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não-formulaico ou não-programático, porque os compassos (ou muletas) fornecidos anteriormente pelas teleologias19 de vanguarda não operam mais, e o campo de escolhas torna-se de um ecletismo sem precedentes.
O segundo trabalho em forma de porta, mas com
um recorte curioso, contém pinceladas que remetem
claramente ao expressionismo abstrato (figs. 49 e 50, pp.
80 e 81).
A altura padrão de uma porta no Brasil é 2,10 metros.
Como Maia Rosa começou a usar uma ou mais portas lado
a lado, como plataformas, os trabalhos do período freqüentemente têm essa altura ou largura. A matriz representava
um padrão modular que podia ser multiplicado à vontade,
deixando-o livre para pensar apenas no conteúdo. Mas a repetição em série da forma também introduziu um elemento mecanizante, o que incomodou certas facções internas.
No início de 1986, quando Thomas Cohn visitou o
ateliê de Maia Rosa para planejar a próxima exposição, gostou imediatamente das duas novas portas. Maia Rosa tinha
pensado em expor alguns monocromos, junto com alguns
ou todos os trabalhos de entressafra ilustrados acima, e talvez uma parede inteira de novas portas, mistura que refletia
o momento de transição. Mas Cohn não se entusiasmou
com o que lhe pareceu uma falta de direção clara. De acordo com Maia Rosa, Cohn “ficou superentusiasmado com
essa nova frente de trabalho” (referindo-se às portas), mas
“argumentou que [os outros] trabalhos seriam como ‘âncora’, portanto, uma coisa negativa para o meu processo”20.
Cohn achou a “crisálida” tão conclusiva que se perguntou:
“ ‘Que exposição é essa onde o melhor trabalho é (…) o
mais antigo ou um dos mais antigos?’, querendo dizer que
não se poderia desenvolver tendo o melhor trabalho de cara (…)”21. O resultado foi que Cohn propôs uma exposição
contendo somente portas; e Maia Rosa, relutantemente,
concordou. Durante os meses seguintes, Maia Rosa moldou mais doze variações, e em outubro de 1986 a exposição, contendo catorze portas, foi inaugurada na Galeria
Thomas Cohn, no Rio de Janeiro. Para maximizar o impacto, todas foram concentradas em duas das quatro paredes da sala de exposições (figs.51 a 61, pp. 82 a 85).
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49 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
50 mark rothko
N.o 8 (Barra Branca), 1958
óleo sobre tela, 207 x 232,4 cm
coleção particular (mostrado de lado)
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51 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
52 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
53 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção Augusto Livio Malzoni
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54 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção do autor
55 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
56 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção Pedro Henrique Lopes Borio
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57 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção do autor
58 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
59 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
60 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
61 Sem título, 1986
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 80 cm
coleção particular
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62 carlos fajardo
Sem título, 1969
fórmica sobre compensado, 73 x 181 cm
coleção do artista
63 alfredo volpi
Elementos de fachada e bandeirinha, 1960
têmpera sobre madeira, 108 x 72,5 cm
coleção particular
Uma inspiração para as portas foi uma série importante de trabalhos com superfície de fórmica que Carlos
Fajardo (fig. 62, p. 86) produziu no final dos anos 1960,
um dos quais faz parte da coleção de Maia Rosa.
Embora as portas não sejam inspiradas em obras específicas (com exceção da gravura de Hans Arp), elas estão saturadas de história da arte, sintonizadas num subconsciente coletivo estético com viés brasileiro. As obras de
Volpi (fig.63, p.86), Barnett Newman (fig.64, p.87), Max
Bill (fig.65, p.87) e Serge Poliakoff (fig.66 p.87) reproduzidas a seguir são possíveis exemplos dessa ressonância.
A meu ver, as portas de Maia Rosa são uma das soluções pós-meta mais individuais e satisfatórias para os dilemas da pintura e, como tal, um conjunto importante na
evolução da pintura brasileira. Mas nem todo o eleitorado
estava contente. Apesar de Maia Rosa sentir-se orgulhoso
das portas, elas também representavam um desligamento
entre idéia e execução, separação que preocupava até Donald Judd: “Um artista não é desprovido de idéias e princípios, mas esses não podem ser completamente formulados de antemão, antes de o trabalho ser desenvolvido, e aí
simplesmente encarnados. É da essência da arte que o
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64 barnett newman
Dionysius, 1949
óleo sobre tela, 170,2 x 124,5 cm
The National Gallery of Art,
Washington
cortesia de Annalee Newman,
em homenagem ao
50 o aniversário da instituição
65 max bill
Quatro conjuntos usando os mesmos
elementos de cor, 1972
serigrafia, 46,4 x 36,4 cm
edição de 75 (Marlborough Graphics)
66 serge poliakoff
Composição, 1969
gouache sobre papel,
22,5 x 31 cm
cortesia Galerie Koch, Hanover
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processo de fatura e a utilização de tudo que a compõe influencie, sugira e imponha idéias e qualidades”22. A quantidade de pigmento usado foi tamanha que a transparência da resina não aparecia mais. Para o artista, as
superfícies opacas, despidas de atividade táctil e gráfica,
deixavam vagamente algo a desejar. As dúvidas se intensificaram quando Wesley Duke Lee — ainda uma figura
artística paterna e alguém que, como disse Maia Rosa,
“conta com seu Colt 45 gráfico para resolver os problemas”23 — se referiu à série como “portas de geladeira”24.
Tais escrúpulos, aliados à frustração crescente de ter sido
desviado da pintura frontal pela lógica interna dos trabalhos, geraram um estado de espírito de crescente incerteza. Quando Leonilson viu a “crisálida” na Galeria Subdistrito, entre 1986 e 1987, ficou “todo emocionado”,
induzindo Maia Rosa a pintar pela frente um monocromo branco com o qual ficara insatisfeito. A tentativa foi
malsucedida, e Maia Rosa acabou destruindo o resultado25. Em retrospecto, esse foi o começo pouco promissor
de um período difícil na carreira do artista, que incluiu a
participação na Bienal de São Paulo de 1987 e duas exposições individuais na Subdistrito, em 1989 e 1991.
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Convidado para expor com a representação brasileira na Bienal de 1987, o pêndulo criativo de Maia Rosa
oscilou na direção oposta à ordem serena das portas, numa reação clara à suposta esterilidade. Com grande empenho, expôs um enorme (200 x 500 cm) e oito grandes
(240 x 210 cm) trabalhos26, quase todos carregadamente
pintados ou talhados na frente. Como um todo, o conjunto mostrava variedade eclética de procedimentos e
técnicas, e não havia nada de fácil no conflito evidente e
na incerteza à flor da pele. Acredito que as experiências
não foram, na maioria, tão bem-sucedidas quanto Maia
Rosa teria desejado. Todos, menos o último (Amor/Roma), me parecem expressões de uma pesquisa empírica
que não havia ainda encontrado o que procurava. Sintomaticamente, o maior é literalmente uma colagem de
trabalhos abortados, como se uma combinação de insuficiências pudesse gerar uma suficiência. A reação geral
foi modesta, especialmente entre curadores estrangeiros
(com o poder de montar panoramas internacionais), e
Maia Rosa sentiu intensamente essa falta de retorno. Minha impressão é que, ao trabalhar na frente, na superfície,
em vez de reafirmar alguma identidade histórica enquanto artista, como talvez pensasse estar fazendo, Maia Rosa
estava, na realidade, subtraindo parte essencial do que era
único em sua obra. Enquanto isso, a grande densidade gráfica dos trabalhos parecia telegrafar a ansiedade de quando
se suspeita alguma insuficiência (fig.67, p.89).
Maia Rosa sabia que as coisas não iam bem: “Na Bienal de 1987 me senti como mosca na vidraça. Foi uma
divisão de águas. A crisálida me dava uma possibilidade
de ‘se der errado por trás, eu resolvo pela frente’. Então
nos trabalhos da Bienal acabei fazendo regra desse ‘achado’. Tempos confusos, (…) golpe duro na vaidade e nas
convicções. (…) entrei numa zona cinza”27.
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67 Sem título, 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 240 cm
coleção Monica Radomysler
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Até os dois trabalhos em preto-e-branco conseguiram transmitir excesso. O preto foi moldado com resina
misturada com pigmento preto e talhado na frente com
um buril28 (fig. 68, p. 90). O branco, um dos dois trabalhos expostos sem tratamento de superfície, foi resultado
de um processo bastante particular: o artista moldou-o
com resina clara, e, depois de seca, desenhou por trás
com pedra de grafite. A seguir, despejou uma camada de
resina misturada com pigmento branco e deitou a manta de fibra de vidro, criando assim um “sanduíche de grafite”29 (fig.69, p.92).
Um trabalho curioso, que mostrava uma tabuleta
pintada com a inscrição “Não mate o mandarim”30 (fig.
70, p. 93), inaugurou o que viria a ser um leitmotif, pequenas placas, quadradas ou retangulares, contendo ou
não palavras.
O último trabalho a ficar pronto em tempo para a
Bienal — Amor/Roma (fig. 71, p. 95)— gerou um final
feliz. Durante a fatura, Maia Rosa descobriu uma maneira de dar mais textura à superfície, resolvendo um
aspecto que o vinha incomodando: a lisura quase
industrial dos trabalhos. Até então, Maia Rosa vinha
despejando a resina líquida sobre o chão de concreto
do estúdio ou sobre placas de madeira, garantindo
certo nivelamento à superfície final. Para Amor/Roma,
o artista colocou uma folha de celofane sobre as portas
que usava como base antes de despejar resina e colocar
fibra de vidro. A reação entre o celofane e a resina gerou um calor forte que enrugou o celofane, resultando
numa superfície aleatoriamente ondulada. Após destacar o celofane, o resultado foi aceito como uma espécie
de “verdade do material”. Dessa maneira, Maia Rosa
pôde começar a fazer superfícies mais tácteis e lidar
com o problema da “porta de geladeira” sem recorrer
ao arsenal culinário da pintura. E, como o resultado era
intrinsecamente satisfatório, não havia necessidade de
pintar ou talhar na frente.
As palavras amor e roma contêm, é claro, as mesmas letras, e apenas a assimetria do R impede que uma
espelhe a outra. Há também algo de brincalhão e magrittiano numa abstração gestual à de Kooning, com as
palavras “pop art” ao lado de dois perfis se beijando.
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68 Sem título, 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 240 x 210 cm
coleção Pedro Henrique Lopes Borio
69 Sem título, 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 240 x 210 cm
coleção Pedro Henrique Lopes Borio
70 Sem título (“Não mate
o mandarim”), 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 240 x 210 cm
coleção Galeria Thomas Cohn
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71 Amor/Roma, 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 240 x 210 cm
coleção Augusto Livio Malzoni
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A próxima exposição individual de Maia Rosa só viria
a ocorrer dois anos mais tarde, e foi a primeira em três
anos. O intervalo deveu-se em parte a um desligamento
crescente da Galeria Thomas Cohn, o que aumentou as
dificuldades econômicas e emocionais daqueles anos.
Inaugurada em setembro de 1989, a segunda mostra na
Subdistrito continha nove trabalhos: quatro abstratos, um
tríptico abstrato, um triângulo, dois verticais figurativos e
um quadrado branco gravado com a palavra “Lúcifer”.
Três das obras, além de uma quarta, exposta somente na
Bienal de 1987, foram subseqüentemente destruídas pelo
artista, sintoma claro de insatisfação com o momento. Todas foram trabalhadas, pela frente e por trás, utilizando
uma nova resina epóxi, pois Maia Rosa estava ficando cada vez mais intoxicado com os vapores emitidos pela resina poliéster. Entretanto, a experiência com a resina epóxi
foi decepcionante; comparada com a poliéster, ela era
menos tóxica, porém mais mole, leitosa, demorava mais
para secar, e era muito mais cara.
Tal como na Bienal de 1987, havia grande variedade
de novas técnicas em exposição, porém mais sintomáticas de aspirações não atendidas do que de uma vertente
experimental segura. Tomando emprestada uma técnica
da água-forte, Maia Rosa embrulhou duas obras em papel metálico e corroeu a primeira com ácido nítrico e a
segunda com percloreto de sódio (um sal cáustico); (figs.
72 e 73, pp. 97 e 99).
Como a resina não era afetada pelo ácido nem pelo
sal, a segunda obra também foi submetida às “doces”
atenções de um maçarico.
A exposição foi a primeira em que Maia Rosa se referiu explicitamente à religião em dois trabalhos figurativos, que parecem problemáticos devido à instabilidade
gráfica e à excessiva densidade gestual. O primeiro era
São João Batista (fig.74, p.100), santo que, por causa do
simbolismo do batismo, é especialmente importante para Maia Rosa. O trabalho foi feito com tinta acrílica sobre uma superfície de resina epóxi derramada em folhas
de papel colorido (permanecem visíveis uma amarela e
outra verde, na parte superior).
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72 Sem título, 1989
resina epóxi, pigmento, papel metálico
prateado e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção particular
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73 Imaginação Brasileira, 1989
resina epóxi, pigmento, papel metálico
prateado e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção particular
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74 São João Batista, 1989
acrílica sobre resina epóxi, papel
e fibra de vidro, 209 x 133 cm
coleção do artista
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75 Sem título, 1989
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 210 x 100 cm
coleção Ricardo van Steen
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Sobre a segunda obra figurativa (fig. 75, p. 101)—
um corpo coberto por uma citação do Novo Testamento
(“Desperta, tu que dormes entre os mortos, e Cristo te
esclarecerá!” —Efésios 5:14) —, o artista comentou: “A
figura me parece um cadáver se decompondo, mas o espírito está disponível para acordar desse ‘pesadelo’ ”31. As
palavras bíblicas são talhadas na superfície, enquanto a
figura, pintada atrás com pigmento branco, é submersa
em resina, em contraste com São João Batista, em que a
tinta é aplicada sobre a superfície e permanece exposta.
O trabalho que me parece mais fascinante na exposição é um quadrado branco com rugas de celofane,
contendo numa trama visível de varas de alumínio e a
palavra “Lúcifer”. A obra nasceu de um acúmulo de rancores: contra a natureza química da resina, por constituir-se numa prisão tóxica; contra a natureza transparente
do meio, que inibe a vontade de atacar a superfície com
gestos; e contra os primeiros monocromos, por terem
imposto a dinâmica interna sobre a evolução natural do
artista. Todos ressentimentos sintomáticos da recusa de
Maia Rosa, na época, em aceitar a natureza do processo
que havia desenvolvido. “Lúcifer (fig.76, p.103) pode dar
uma medida de como meu pai estaria vendo parte da
sua produção de 1984 e 1985. O trabalho transparente,
um fiber ‘clássico’, era visto como ‘luciférico’. (…) um
sintoma da desconfiança dele, naquele momento, em
relação a seus primeiros monocromos. Essa obra acabou
sendo destruída alguns anos mais tarde.”32
O tríptico, que foi a primeira peça feita para a exposição, lembra a força e a graça de que são capazes os trabalhos quando os contrastes se encontram de maneira
feliz. Os painéis do centro e da direita são os únicos da
exposição sem ação de superfície, em contraposição ao o
painel da esquerda, em que a pele da resina foi descascada para mostrar a textura interna. Maia Rosa enxertou folhas de papel transparente na estrutura dos três painéis,
junto com papel canson (esquerda), grafite (centro) e
nanquim (direita); (fig. 77, pp. 104 e 105).
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76 Lúcifer, 1989
resina epóxi e fibra de vidro
s/ dimensões
destruído
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77 Sem título, 1989
resina poliéster, papel canson,
nanquim, grafite e fibra de vidro
3 painéis, 100 x 100 cm cada um
coleção Família Rodolfo Nugents
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A exposição individual seguinte ocorreu em outubro
de 1991, também na Galeria Subdistrito. O desastroso Plano Collor de março de 1990 havia congelado todas as contas correntes e depósitos bancários, fazendo daquele o annus miserabilis da história recente brasileira. O mercado de
arte havia efetivamente desaparecido, tanto em produção
como em consumo. “Havia um clima bem triste no ar, o
João Sattamini (dono da Subdistrito) estava bem doente.”33
Para o artista, foi o período mais difícil da vida profissional,
e alguns dos trabalhos expostos revelam tal condição. Nas
palavras de Rafael Vogt Maia Rosa: “Praticamente todas as
obras fazem alusão à questão religiosa, sobretudo à morte.
O convite mesmo é o trabalho do Cristo morto (verde, de
lona, pintado em preto), que também foi destruído”34. No
entanto, a pesquisa técnica continuou febril, com um processo novo à mostra — superfícies de gesso moldadas sobre
bases de resina e fibra de vidro. Infeliz com o epóxi, Maia
Rosa voltou a usar resina poliéster.
No caso de Nicodemus (fig.78, p.107), o gesso foi pintado com um borrado impressionista que lembra Monet
tardio, e a resina e a fibra de vidro ficaram inteiramente escondidas. Tornaram-se base, conforme o propósito original
de Maia Rosa ao adotar o material. Em obras como essa,
“a operação foi um sucesso, mas o paciente morreu”, pois
a obliteração da resina e da fibra de vidro deprecia o que é
particular na obra do artista. Não por coincidência, o excesso gráfico reaparece, telegrafando desconforto.
Il Selo (fig.79, p.108) mostra, entre manchas de pigmento vermelho, a reaparição da transparência, caraterística pouco evidente na época. A obra foi moldada numa caixa de papelão da qual foi descolada; daí o título,
também uma alusão ao sétimo selo bíblico.
A maior peça era uma grande lápide de gesso com
as palavras “santo sepulcro” (fig.80, p.109) talhadas em
letra de fôrma. Antes de despejar a resina e colocar a
manta de fibra de vidro, Maia Rosa espalhou uma camada de pasta de gesso sobre folhas de papel laminado. Ao
secar, o gesso enrugou o papel da mesma maneira imprevisível que o calor gerado pela resina enruga o celofane. Apesar de a resina e a fibra de vidro permanecerem
escondidas, a falta de pintura ressalta os sulcos, permitindo que o gesso se comporte como uma resina porosa.
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78 Nicodemus, 1991
acrílica sobre gesso sobre resina
epóxi e fibra de vidro, 210 x 240 cm
coleção Museu de Arte Moderna,
São Paulo
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79 Il Selo, 1991
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção Kim Esteve
80 Santo Sepulcro, 1991
gesso sobre resina poliéster
e fibra de vidro, 220 x 215 cm
coleção Dulce e João Carlos
de Figueiredo Ferraz
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Maia Rosa acredita que Santo Sepulcro marca o fim
do período difícil, ensinando-lhe que “o que importa é o
que está acontecendo dentro, e não fora”35. A lição vale
tanto para a resina quanto para as pessoas, e permitiu que
o artista voltasse a trabalhar por dentro, sem nenhuma
ação externa. A referência religiosa se estendeu até a próxima exposição, que ocorreu semanas depois (9/11/1991 a
12/01/1992) na Capela do Morumbi em São Paulo. A antiga capela, reformada em 1980, havia sido usada para diversas instalações de natureza secular, mas o simbolismo
110
histórico do lugar e a religiosidade de Maia Rosa convergiram naturalmente. Ele produziu três grandes quadrados representando a Trindade e pendurou um em cada
parede. “A princípio eles são iguais: em cima do cimento encerado, cera derretida e resina pigmentada. Mas o
que se deu é que foram feitos um depois do outro, e sempre sobrava um pouco de cera do anterior, e daí o próximo continha uma memória do anterior. Primeiro o vermelho (Pai), segundo o verde (Filho) e depois o roxo
(Espírito Santo)”36 (fig.81, pp. 110 e 111).
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81 Pai, Filho e Espírito Santo, 1991
resina poliéster, pigmento,
fibra de vidro e cera
3 painéis, 290 x 290 cm cada um
coleção Dulce e João Carlos
de Figueiredo Ferraz
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Se os trabalhos denotam recuperação de autoconfiança do artista, o processo aparece consolidado com a
exposição individual seguinte. A Subdistrito havia fechado após a morte prematura de João Manuel Sattamini, e
Maia Rosa recebeu um convite para expor na Galeria
Millan em 1993. Pouco antes, expôs no Instituto Estadual de Artes Visuais de Porto Alegre, onde moldou diretamente no chão do espaço o maior trabalho de sua carreira (fig. 82, p. 112).
Na obra, Maia Rosa se entrega plenamente ao que
torna único seu trabalho, ou seja, a resina translúcida
com atividade subcutânea. Aqui, a resina pigmentada foi
derramada sobre uma grande folha de celofane, enrugando a superfície inteira. Uma trama de varetas de madeira sustenta a estrutura por trás. A obra, para ser removida, teve de ser serrada em partes. No ano seguinte, ela
iria ser remontada para uma exposição no Paço Imperial
do Rio de Janeiro, mas não agüentou a movimentação e
teve de ser descartada.
Reconciliar não significa acomodar, e novas técnicas foram desenvolvidas para a exposição na Galeria
Millan. Destaca-se, em especial, um quarteto de quadrados com superfícies de alumínio corroído por percloreto
de sódio e ácido nítrico (figs.83 a 86, pp. 114 a 117). Como
a resina não apareceria, Maia Rosa voltou a trabalhar
com a menos tóxica resina epóxi.
O piso da galeria foi inteiramente coberto com uma
camada de resina vermelha, despejada in loco sobre folhas de papel de alumínio protegendo o chão de cimento (fig.87, p. 119).
Além do quarteto de alumínio e do chão vermelho,
havia um monolito de gesso inclinado na parede e, surpreendentemente, um óleo sobre tela (fig. 87, p. 119). O
monolito foi a primeira “caixa” de Maia Rosa, ou seja,
uma estrutura completamente cheia, sem cavidade anterior. A tela, que o artista pintou cobrindo-se de tinta e rolando sobre a superfície, lembra as Antropometrias de
Yves Klein e foi inspirada pela Ressurreição de Cristo, o
famoso afresco de Piero della Francesca em Sansepolcro
(fig.137, p. 162). A intenção era simbolizar o ressurgimento de Maia Rosa após anos de dificuldade, mas quase gerou o contrário: “Meu pai pintou [a tela] com o próprio
corpo, o que o deixou verde — e provavelmente intoxicado — por quase três meses; ele ficou como um complementar marciano do piso vermelho que fez na galeria
e que também exalava um fedor que fez daquele cubículo um pequeno inferno químico”37. Infeliz com a obra
— tanto com o resultado quanto com a maneira de ela
interagir com os outros trabalhos da exposição —, Maia
Rosa acabou destruindo essa que foi a primeira tela desde 1982, e possivelmente a última (fig. 87, p. 119).
82 Sem título, 1993
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 300 x 1.250 cm
destruído
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83 Soldado i, 1993
alumínio sobre resina epóxi
e fibra de vidro, 145 x 145 cm
coleção particular
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84 Soldado ii, 1993
alumínio sobre resina epóxi
e fibra de vidro, 145 x 145 cm
coleção Ronaldo Graça Couto
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85 Soldado iii, 1993
alumínio sobre resina epóxi
e fibra de vidro, 145 x 145 cm
acervo do Banco Itaú S.A.
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86 Soldado iv, 1993
alumínio sobre resina epóxi
e fibra de vidro, 145 x 145 cm
coleção Carmo e Jovelino Mineiro
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87 Vista da instalação com quadro
“Ressurreição”, 1993
óleo sobre tela, s/ dimensões
destruído
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88 Aos polignaneses, 1994
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 215 x 300 cm
coleção Zeca Revoredo
89 Esquema para a confecção
da obra “Aos polignaneses”, c. 1994
papel e grafite, 4 x 3 cm
coleção do autor
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Convidado a participar da Bienal de São Paulo do
ano seguinte, Maia Rosa aproveitou as lições da anterior
e expôs um conjunto mais equilibrado e econômico, no
qual as particularidades da resina e da fibra de vidro estavam mais claramente em evidência. Todas as obras foram feitas com a preferida, porém mais tóxica, resina poliéster. Eram “caixas”, ou seja, fechadas por trás, e foram
inclinadas contra a parede para ressaltar a caraterística.
O maior trabalho (figs. 88 e 89, pp. 122 e 121), um
monocromo azul com superfície enrugada e uma pequena placa sem texto, foi criado em cima de uma grande
folha de celofane, onde “uns vinte litros”38 de resina azul
foram despejados numa pequena piscina retangular um
pouco acima do centro. Ao secar, a piscina de resina
puxou a folha inteira em direção a si, criando rugas no
sentido da placa. Em seguida, Maia Rosa despejou resina pigmentada azul na área restante. O trabalho foi então selado por trás com uma folha de resina da mesma
cor, transformando-se em caixa. Tanto o título quanto o
azul-marítimo referem-se ao vilarejo de pescadores de
Polignano, no sul da Itália, de onde os ancestrais maternos de Maia Rosa emigraram para o Brasil.
Também foram expostos dois monocromos quadrados, parte da tradição inquieta de pesquisa material. O primeiro, Para Ismael (fig. 90, p. 122), foi intitulado em memória ao mecânico de Maia Rosa, que havia sido
horrivelmente “assassinado a marretadas”39. O artista fez
uma base de argila na qual “pressionou vários objetos,
muitos deles metálicos, latas, ferramentas e ferros, marcando o molde de argila com certa agressividade”40. Após
tirar o molde de gesso, não satisfeito com o resultado, “pegou um martelo e começou a bater na superfície do quadro com toda a violência até que só restasse uma memória
do que estava lá, uma ruína”41, num paralelo lúgubre com
o destino do mecânico. O segundo monocromo (fig. 91,
p. 123) foi criado despejando resina pigmentada vermelha
em uma folha de parafina branca sobre a qual o artista havia escrito uma linha horizontal de números aleatórios,
que ficaram levemente visíveis na parte superior.
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90 Para Ismael, 1994
gesso e argila sobre
resina poliéster, 230 x 230 cm
coleção particular
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91 Sem título, 1994
parafina, resina poliéster, pigmento,
cera e fibra de vidro, 230 x 230 cm
coleção Metrópolis de Arte
Contemporânea
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Havia também um tríptico de quase-monocromos
fundidos sobre celofane. Cada peça continha um nome
— Moisés, Elias e Jesus — escrito sobre uma pequena
área retangular de cera de abelha, que puxou as rugas do
celofane. Os nomes parecem hieróglifos antigos graças à
escrita invertida, e a religiosidade contrapõe-se ao silêncio secular de Aos Polignaneses (fig. 88, p. 120), trabalho
equivalente ao tríptico em área de superfície (fig. 92, pp.
124-125).
O trabalho mais agitado da exposição se chamava
Venial (fig. 93, p. 127), em cujo verso constavam os nomes de vários pecados veniais (gula, inveja, raiva…). A
obra participou, mais tarde, da bienal de Johannesburgo
e, ao voltar, ficou desaparecida por tanto tempo no labirinto da alfândega do Aeroporto de Guarulhos que foi
destruída junto com outros bens não retirados.
O período entre a Bienal de 1994 e a exposição seguinte, na Galeria Valú Ória em 1997, foi de novo difícil.
A Galeria Millan fechou, o pai e o cunhado de Maia Rosa faleceram, e o próprio artista fez uma operação de
ponte safena em dezembro de 1996. Após um mês de
descanso, ele pôs-se a trabalhar como “uma espécie de
prova de que estava na ativa”42. A galeria era relativamente pequena e escura, mas o artista ficou feliz com o resultado. Com poucas exceções, todas as obras foram realizadas com técnica nova. Maia Rosa primeiro moldava, em
argila ou isopor, um receptáculo de gesso contendo diferentes níveis de profundidade, onde despejava “litros e litros”43 de resina pigmentada, criando uma piscina grossa
e viscosa. Apenas uma cor foi usada em cada trabalho,
mas as tonalidades variavam de acordo com a profundidade da piscina, sendo mais escuras onde ela era mais
funda e mais claras onde mais rasa.
92 Transfiguração, 1994
resina poliéster, pigmento,
fibra de vidro e cera de abelha
três painéis, 215 x 100 cm cada um
coleção Ricard Akagawa
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93 Venial, 1994
resina poliéster, parafina,
pigmento e fibra de vidro,
300 x 300 cm, destruído
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94 São Miguel, 1997
resina poliéster, pigmento,
fibra de vidro e gesso, 203 x 102 cm
coleção Luis Perego
95 Em nome, 1997
resina poliéster, pigmento,
fibra de vidro e gesso, 203 x 98 cm
coleção Mario Cafieiro
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O contraste entre São Miguel (fig. 94, p. 129) e Em
Nome (fig. 95, p. 129) pode ajudar a esclarecer o efeito.
Em ambos, moldes de isopor foram usados para criar
gessos, que foram reforçados com um fundo de resina e
fibra de vidro. Ambas as superfícies mostram a figura de
São Miguel, padroeiro das curas, mas a semelhança termina aí. Em São Miguel, litros de resina pigmentada
turquesa foram despejados sobre a base, formando uma
piscina e ocultando o gesso em diferentes níveis. Nos
lugares mais fundos, a cor turquesa fica tão escura que
parece preta, mas o pigmento é o mesmo em todas as
partes. Em contraste, a superfície de gesso de Em Nome
permaneceu inalterada.
A variação tonal é ainda mais marcante no trabalho
Sem título de 1997 (fig. 96, p. 130) que aparenta ter duas
cores mas só contém uma. A base de gesso, tirada de um
molde de argila, tinha um perímetro raso, equivalente a
uma moldura em torno de uma cavidade. Por causa das
profundidades diferentes, o perímetro aparece mais claro do que a parte central. Se existisse a charada “qual
monocromo tem duas cores?”, essa obra seria a resposta. Como se pode imaginar, os trabalhos são extremamente pesados.
As diferenças tonais também ficam claras em Bodas
(fig. 98, p. 131). Da mesma maneira que o cume de uma
montanha submersa surge como ilha, as partes brancas
só aparecem porque a resina cor de vinho não submergiu inteiramente o gesso.
O título refere-se ao primeiro milagre de Cristo. Numa festa de casamento, o estoque de vinho termina; e Jesus transforma água em vinho do mais fino. “E, então, alguns perguntam: ‘Quem é esse anfitrião que guarda o
melhor vinho para o final…’ Pois está aí apenas mais
uma metáfora para as transformações no trabalho…”44
Nem todas as obras da exposição usaram a técnica
de piscina de resina; além de Em Nome, com superfície
de gesso, três outras, como Ora et Labora (fig. 97, p. 130),
tinham superfície “tradicional” de resina moldada sobre
base de gesso.
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96 Sem título, 1997
resina poliéster, pigmento, gesso
e fibra de vidro, 118 x 118 cm
coleção particular
97 Ora et Labora, 1997
resina poliéster, pigmento, gesso
e fibra de vidro, 93 x 107 cm
coleção Stella Ferraz
98 Bodas, 1997
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 120 x 122 cm
coleção Geraldo Abbondanza Neto
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No ano seguinte, no Centro Cultural São Paulo,
Maia Rosa mostrou uma série de dezoito desenhos congestionados, refletindo a cirurgia a que se submetera e a
nova consciência da mortalidade. As obras mostram como o impulso gráfico do artista continuava batendo forte (fig. 99, p. 132).
Em contraste com os quatro anos que se passaram
entre a exposição na galeria Millan (1993) e Valú Ória
(1997), os quatro anos que antecederam a exposição seguinte foram dos mais felizes e produtivos da carreira de
Maia Rosa. Durante o período, o artista pôde se reconciliar de maneira lúcida e duradoura com a maneira de
sua sensibilidade interagir com o material, até então
132
nem sempre a contento. Além da costumeira variedade
de técnicas, a exposição na Galeria Brito Cimino em
2001 transmitia uma sensação de retorno ao lar, de aceitação do caminho que, às vezes, lhe parecia ter escolhido. Se as obras ainda vestiam as lutas do artista e nunca
pareciam fáceis, também transmitiam sensação de áspera maestria e maturidade duramente conquistada, tanto
individualmente como em conjunto. Uma parede de
“portas” contrastava com as demais, com trabalhos em
uma variedade de formatos. Surgiu ainda um novo tema:
quatro trabalhos em que as molduras ou bordas pareciam
tomar precedência sobre o plano pictórico (figs. 100 a
103, pp. 133 a 135).
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99 Grande Isquemia , 1998
carvão sobre papel, 80 x 100 cm
coleção do artista
100 Sem título, 2001
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 100 x 100 cm
coleção particular
101 Narciso, 2001
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 169 x 159,5 cm
coleção particular
102 Sem título, 2001
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 171,5 x 198 cm
coleção sesc São Paulo
103 Sem título, 2001
resina poliéster, fibra de vidro
e alumínio, 110,5 x 129,5 cm
coleção Instituto Takano
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104 Sem título, 2001
gesso, resina poliéster, pigmento,
fibra de vidro e folha de chumbo,
115 x 166 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
105 Sem título, 2002
resina poliéster, e fibra
de vidro, 205 x 77 cm
coleção particular
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O trabalho mais pesado, uma variação da técnica de
piscina de resina, foi feito despejando a resina em uma caixa de gesso moldada com argila com grossas bordas brancas. Dentro há um Z invertido, cuja escuridão, em vez de
resultar de uma maior profundidade da resina, deve-se ao
revestimento com folha de chumbo (fig. 104, p. 136).
Numa das portas, foi usada uma técnica parecida com
a empregada em Aos Polignaneses (1994). Resina clara foi
despejada numa fração menor e estanque, puxando e enrugando uma folha de celofane em direção a si antes que fosse despejada resina pigmentada na seção maior. Assim como aquele, este trabalho é uma síntese especialmente
bem-sucedida de muitas das qualidades presentes na obra
de Maia Rosa. Em vez de resistir ao que deu certo, no ano
seguinte o artista fez uma versão azul e uma vermelha.
Tirando o nome da música Expresso 2222, um dos
hinos da Tropicália e um símbolo de brasilidade, 2222
(figs. 105 e 106, pp. 137 e 138) é pura pintura pós-meta,
em que nada corresponde à aparência. A ilusão de matéria não resulta do acúmulo de camadas de tinta mas
do enrugamento do celofane. A gestualidade jaz enterrada. Possível brincadeira com abstração e representação (afinal, isto é uma cama ou dois retângulos?), os
trabalhos também dão uma idéia de como poderiam
ter sido os monocromos da década de 1980 caso a técnica de enrugamento tivesse sido desenvolvida a tempo. E há algo de impudentemente confiante nas cores
Dulcora, carnavalescas, como se qualquer nostalgia
das sutilezas cromáticas da pintura houvesse sido declarada oficialmente morta.
A autoconfiança se repetiu na exposição do ano seguinte no Centro Maria Antonia de São Paulo. Em um
dos trabalhos, a resina poliéster foi despejada sobre uma
base de vidro, criando a superfície de resina mais plana
que o artista já fizera. Em contraste com as superfícies
enrugadas de celofane, esta se aproxima da escola de fetish finish da Califórnia e mostra até que ponto Maia Rosa se tinha desvencilhado da necessidade de “ataque de
superfície”. É também um dos trabalhos mais puros que
ele jamais criou, apesar de ser legítimo perguntar se pureza é virtude quando tão despida de acidentes de superfície (fig. 107, p. 139).
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106 2222, 2001
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 205 x 77 cm
coleção do autor
107 Sem título, 2002
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 79 x 129 cm
coleção Liliana Leirner
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108 Santo Expedito, 2002
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 100 x 80 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
109 Sem título, 2002
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 100 x 80 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
110 Sem título, 2002
resina epóxi, acrílico pigmentado,
fibra de vidro e isopor,
120 x 200 x 120 cm
e, em segundo plano,
Sem título, 2002
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 160 x 180 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
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Outra novidade foi uma peça no chão, em forma de
livro aberto, parecendo um biombo. Frente e verso foram criados no mesmo molde — em forma de V com tiras transversais de madeira — e retêm o grão das ripas,
da mesma maneira em que certas paredes de concreto
mostram o grão da madeira onde foram moldadas.
Os outros trabalhos da exposição denotavam a costumeira, porém mais confiante do que nunca, diversidade de
procedimentos. Incluíam uma cabeça de fibra de vidro
pousada no chão (fig.110, p. 141); um retângulo azul rodeado de uma moldura ornamental da mesma cor; uma piscina de resina vermelha contendo pedaços de cera com as palavras “prometo”, “cumpro” e “Santo Expedito” (das causas
perdidas)45; (fig.108, p. 140) e uma lápide negra contendo
141
uma cratera onde, em trabalhos anteriores, apareceria uma
placa (fig. 109, p. 140).
As citações vêm naturalmente a Maia Rosa, cujas conversas são salpicadas com frases memoráveis de grandes artistas. Enquanto o desenvolvimento da “assinatura” de resina e
fibra de vidro autorizou o assalto aos arquivos da história da
arte, tal inclinação parece estar presente desde o começo da
carreira. A recorrência, por décadas, de certos motivos ou temas formais é um traço correlato, uma espécie de autocitação. Os exemplos seguintes de citação e recorrência, uns
mais convincentes do que outros, representam fios correndo
através do trabalho. Não quero enfatizar a importância dessas práticas, muito menos apresentá-las em ordem de importância, apenas chamar atenção à sua existência.
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o braço estendido
111 pablo picasso
Guernica, 1937
óleo sobre tela. 349 x 776 cm
Museo Nacional Reina Sofia, Madri
112 Torso, 1976
acrílica sobre tela, s/ dimensões
coleção Museu de Arte de São Paulo
113 Sem título, 1978
acrílica sobre tela, s/ dimensões
destruído
114 Lázaro, 1997
gesso, resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 134 x 175 cm
coleção Paulo R. Maia Rosa
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anjos
O Anjo (fig. 16, p. 55) da exposição de 1980 na Cooperativa foi precursor, em título, dos três anjos que o artista fez
após retomar os temas figurativos.
fig. 56, p. 83
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115 Sem título, 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 240 x 210 cm
coleção particular
116 Sem título, 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 240 x 210 cm
destruído
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quadrados
117 Sem título, 1971
materiais não identificados,
19 x 21,5 cm
coleção Marcio Maia Rosa
118 Sem título, 1972
mteriais não identificados,
98 x 99,5 cm
coleção do artista
146
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fig. 96, p. 130
147
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justaposição de quadrados
ou retângulos
119 Gilda, 1979
acrílica sobre tela, 200 x 200 cm
coleção Clarisse Reade
120 Sem título, 1981
esmalte sobre tela e madeira,
s/ dimensões, coleção Lena Alcide
121 Sim, 1982
esmalte sobre tela, 200 x 200 cm
coleção João Leão Sattamini/
Comodato Museu de Arte
Contemporânea de Niterói
148
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abstrações contendo perfis
122 São João com Ipiranga, 1978
acrílica sobre tela, 100 x 100 cm
coleção Mary Porto
fig.71, p.95
150
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inclusões amarelas
fig.74, p. 100
151
123 Sem título, 1987
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 240 x 210 cm
destruído
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Adão e Eva
124 lucas cranach, o Velho
Adão e Eva, 1533
óleo sobre painel, s/ dimensões
Museum der Bildenden
Kunste, Leipzig
125 man ray
Marcel Duchamp e Brogna
Perlmutter como Adão e Eva
em Ciné-Sketch, 1924
fotografia, 16,5 x 23 cm
Cortesia do Philadelphia
Museum of Art, Cortesia de
Lynne e Harold Honickman da
coleção Julien Levy, 2001
126 Adão e Eva, 1991
óleo sobre resina poliéster,
pigmento e fibra de vidro,
s/ dimensões, coleção particular
152
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Michelangelo
Maia Rosa fez este Cristo, que mais tarde foi destruído,
baseado num desenho desta Pietà realizado durante uma
visita ao museu Accademia em Florença.
127 michelangelo buonarroti
Pietà di Palestrina, c.1555
mármore, s/ dimensões,
Accademia, Florença
128 Cristo, 1991
esmalte sobre lona, resina poliéster
e fibra de vidro, s/ dimensões,
destruído
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Piero Manzoni, das páginas
de L’Arte Moderna
O título arobaL te arO é o mesmo de seu gêmeo preto
Ora et Labora (fig. 97, p. 130) porém espelhado.
129 piero manzoni
Achrome, 1958
caulim sobre tela, 83 x 67 cm
Museu Kaiser Wilhelm
(coleção Lauffs), Krefeld
130 arobaL te arO, 1997
gesso, resina poliéster e fibra
de vidro, 134 x 120 cm
coleção Dr. Flaquer
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placas, com ou sem dizeres
fig.70, p.93
fig.88, p. 120
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131 Sem título, 2003
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 100 x 100 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
132 Sem título, 1989
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, s/ dimensões
coleção particular
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133 Ver Juntos-Ponto Sonho, 2002
resina poliéster,
pigmento e fibra de vidro.
dois painéis, 160 x 80 cm cada um
coleção particular
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134 18 horas, 1997
resina poliéster, pigmento
e fibra de vidro, 96 x 107 cm
coleção particular
fig.109, p.140
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recortes
fig.51, p.82
135 Instrumento, 1981
esmalte sobre madeira e elásticos,
s/dimensões
coleção particular
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Procurei mostrar a singularidade das respostas que
Maia Rosa desenvolveu para a crise da pintura que vigorou
do final dos anos 1960 até o início dos 1980. Seu trabalho
evita as práticas anteriores, em reconhecimento à obsolescência, e descobre maneiras de prolongar a vida da pintura
enquanto meio experimental. A necessidade de inovar é
considerada, às vezes, herança obsoleta da vanguarda modernista, mas a natureza humana tende a achar a novidade
estimulante e a repetição, depois de certo ponto, uma tortura (se ouvimos uma música que adoramos vinte vezes seguidas, provavelmente já estaremos odiando-a na vigésima,
apesar de permanecer a mesma). Além de evitar práticas
obsoletas, o trabalho de Maia Rosa evidencia diversas caraterísticas pós-meta: pintura atrás da superfície; novos materiais plásticos; livre trânsito entre abstração e representação;
ausência de estilo; e citação histórica — mais notavelmente o reviver da transição do que seria o fim do modernismo
para o que seria o pós-modernismo (ou, se rejeitamos o termo pós-modernismo, da metapintura para a pintura pósmeta). As caraterísticas pós-meta relativamente ausentes são
a indicialidade e a iconografia dos meios de massa, mas
nunca foi intenção de Maia Rosa ser enciclopédico.
Entre outras qualidades artísticas de Maia Rosa, parece-me fundamental a estética da incerteza46. Se a certeza
traz conforto, esta é freqüentemente obtida à custa da vulnerabilidade; e sem vulnerabilidade não existe empatia; e
sem empatia não existe intimidade47. Uma evolução estética coerente simplesmente não faz parte da verdadeira experiência humana. Muito da natureza torturada da trajetória
de Maia Rosa se deve ao temperamento permeável, freqüentemente nas garras da dúvida, exposto às guerras civis.
Seu caminho, duro, tem sido o de evitar falsas certezas, de
não se tornar ilustrador de ideologias ou programas estéticos. A recompensa tem sido uma versão “zen-católica” de
perder-se para encontrar-se. A incerteza é amiga da ambigüidade, e a ambigüidade está por toda parte em pintura
que não é pintura. Tanto que o próprio Maia Rosa às vezes
tem dificuldade em distinguir se suas obras aparecem invertidas em fotografias, pois passou a maioria do tempo trabalhando nelas por trás. Essa vocação reversível se anunciou
cedo, como se vê no auto-retrato de 1973, que mostra a imagem do artista invertida na janela (fig.136, p.162).
161
O desenvolvimento relativamente tardio de Maia Rosa,
assim como a falta de identificação, já como artista maduro,
com qualquer movimento ou tendência brasileira, impediu
o sucesso prematuro que lançou muitas carreiras em busca
do tempo perdido. Até nos momentos mais difíceis, Maia
Rosa nunca deixou de experimentar, mesmo quando o resultado não era plenamente satisfatório. O acúmulo de experiência gerou maior controle sobre o processo de moldagem, mas nunca maior controle sobre o resultado, sempre
uma fonte de mistério e surpresa. Sua práxis dedica-se a
contrariar a crença de Marcel Proust de que, “como regra,
vivemos com nosso ser reduzido ao mínimo; a maioria de
nossas faculdades permanecem dormentes porque dependem do Hábito, que sabe o que é preciso fazer, e dispensa os
seus serviços”48. É mais próxima de uma lembrança de
Rauschenberg: “A maioria das pessoas com quem amadureci faziam questão do fracasso. Uma vez perguntei a Bill de
Kooning como se sentia sobre os pintores de hoje que pareciam pintar ‘de Koonings’ o tempo todo. Ele repetiu algo
que Gertrude Stein disse que Picasso havia dito: ‘Ah, mas
eles não conseguem fazer os ruins!’ Isso é verdade. Sempre
sinto que, se não consigo fazer algo que não gosto, estou
perdendo meu toque”49.
No ensaio Painting: The Task of Mourning (1986), YveAlain Bois escreve que “a geração mais recente de pintores
‘abstratos’ [pensa que] podemos esquecer que o fim precisa
ser interminavelmente revivido para recomeçarmos tudo de
novo”50. A conclusão de Bois é que, enquanto as condições
econômicas que geraram o modernismo não mudarem, o
fim da pintura deverá ser constantemente reencenado. O
reviver é, em outras palavras, um estado de constante ressurreição. É em tal metáfora que a religiosidade profundamente vivenciada de Maia Rosa e a prática artística encontram
um denominador comum simbólico. Já mencionamos que
a inspiração por trás do malfadado Venial de 1983 foi a Ressurreição de Cristo de Piero della Francesca (fig.137, p.162),
pintor favorito de Maia Rosa.
Seja em obras como Ressurreição (1993) e Lázaro
(1997), seja na maneira de o artista enxergar sua recuperação de depressões coronárias ou artísticas, a ressurreição é a
metáfora ideal para a sobrevida da pintura nas mãos de
quem não podia nem desistir nem recuar.
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136 Auto-Retrato na Janela, 1973
óleo sobre tela, 110 x 120 cm
coleção Paulo R. Maia Rosa
137 piero della prancesca
A Ressurreição de Cristo, 1463-1465
mural em afresco e têmpera,
225 x 200 cm
Pinacoteca Comunal, Sansepolcro
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1 Os dois pontos eram parte do nome e simbolizavam abertura.
2 E-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 20 de março de 2003.
3 E-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 18 de março de 2003.
4 E-mail de Dudi Maia Rosa de 20 de setembro de 2003.
5 Ver “The technique of Ronald Davis’ plastic paintings”, texto de Ben B.
Johnson, chefe do Departamento de Conservação do Los Angeles County
Museum of Art, disponível em www.abstract-art.com/RonDavis/b_shows/b6_oklnd/oak_cat/oak35_cat.html.
6 E-mail de Dudi Maia Rosa de 20 de setembro de 2003.
7 Idem (22 de setembro de 2003).
8 Idem (20 e 22 de setembro de 2003).
9 Entre a Mancha e a Figura, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1982.
10 Algumas datas de execução são incertas.
11 Antroposofia “é um tipo de estudo que leva à experiência concreta das
dimensões espirituais do ser humano e do mundo. A palavra ‘antroposofia’ significa ‘sabedoria do ser humano’ ou (…) ‘consciência da própria
humanidade’. O espírito só pode ser conhecido por meios espirituais. A
antroposofia oferece um caminho interno de estudo para obter tal conhecimento. Toma como ponto de partida a consciência crítica moderna e a
nossa orientação contemporânea na direção da ciência e da tecnologia”
(retirado do site do Goetheanum, disponível em: www.goetheanum.ch/rsteiner_e/anthro.html).
12 E-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 22 de setembro de 2003.
13 O artista está se referindo às duas janelas de Duchamp — Fresh Widow, de 1920, e The Brawl at Austerlitz, de 1921 —, assim como o Grande
Vidro (The Bride Stripped Bare by Her Bachelors, Even), de 1915-1923.
14 E-mail de Dudi Maia Rosa de 22 de setembro de 2003.
15 Trecho extraído da matéria “Dudi Maia Rosa, a criação de pontes
através da arte”, assinada por Frederico Morais e publicada no jornal
O Globo em 26 abril de 1984. Apud: fundação bienal são paulo. “Em
busca da essência: elementos de redução na arte brasileira.” São Paulo,
1987, p. 42. (catálogo da exposição).
16 E-mail de Dudi Maia Rosa de 26 de setembro de 2003.
17 russoli, Franco (ed.). L’Arte Moderna. Milão: Fratelli Fabbri
Editori, 1967.
18 E-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 22 de setembro de 2003.
19 Doutrina segundo a qual as coisas evoluem de modo propositado
em direção a um objetivo (da palavra grega telos) determinado pela
própria coisa em desenvolvimento, tal como um ser em direção
à auto-realização ou uma espécie em direção à perfeição ostensiva.
O princípio marca um contraste com relação à evolução mecanicista
e sem objetivo. Definição retirada do site do departamento de artes
plásticas da Universidade de Okanagan, disponível em:
www.ouc.bc.ca/fina/glossary/t_list.html.
20 E-mail de Dudi Maia Rosa de 12 de março de 2003.
21 Idem (27 de setembro de 2003). Thomas Cohn não se recorda dessa
conversa, mas me confirmou que a postura teria sido “típica”.
22 judd, Donald. Complete Writings: 1975-86. Eindhoven: Stedelijk van
Abbemuseum, 1987, p. 26.
23 E-mail de Dudi Maia Rosa de 29 de setembro de 2003.
24 Conversa telefônica com Dudi Maia Rosa de 29 de setembro de 2003.
25 E-mail de Dudi Maia Rosa de 26 de setembro de 2003.
26 Vê-se pelas superfícies trissecadas que cada obra foi moldada sobre três
portas lado a lado.
27 E-mail de Dudi Maia Rosa de 29 de setembro de 2003.
163
28 Instrumento de gravura usado para riscar superfícies de metal.
29 Conversa telefônica com Rafael Vogt Maia Rosa de 6 de outubro
de 2003.
30 O título é baseado em O Mandarim, fábula de Eça de Queiroz
sobre a tentação: um europeu, sempre que toca um sino, mata
um mandarim do outro lado do mundo e herda toda sua fortuna
(e-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 3 de outubro de 2003).
31 E-mail de Dudi Maia Rosa de 7 de outubro de 2003.
32 E-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 14 de março de 2003.
33 Idem (13 de março de 2003).
34 Ibid.
35 Conversa telefônica com Dudi Maia Rosa de 12 de outubro de 2003.
36 E-mail de Dudi Maia Rosa de 3 de novembro de 2003.
37 E-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 14 de março de 2003.
38 Idem (20 de outubro de 2003).
39 Ibid. (22 de outubro de 2003).
40 Ibid. (13 de outubro de 2003).
41 Ibid.
42 Ibid.
43 Ibid.
44 E-mail de Rafael Vogt Maia Rosa de 20 de outubro de 2003.
45 Idem (19 de outubro de 2003).
46 Sou grato a Rodrigo Naves pela centelha da idéia. Durante palestra
sobre Oswaldo Goeldi, em resposta a um membro da platéia que lhe
pediu uma comparação com Lívio Abramo, Naves disse: “O problema
com Lívio Abramo é que tinha certeza demais”.
47 Sou grato a Jerome Wile pelo encadeamento.
48 proust, Marcel. Remembrance of Things Past. Nova York: Random
House, 1982. p.706.
49 Robert Rauschenberg, publicado em rose, Barbara. An Interview
with Robert Rauschenberg. Nova York: Random House, 1987. p.91.
50 bois, Yve-Alain. Painting as Model. Cambridge: The mit Press,
1990. p.243.
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apêndice
Aqui publicamos algumas das obras mais recentes de
Dudi Maia Rosa, produzidas a partir do final do período
coberto pela reflexão de Oswaldo Corrêa da Costa (do início de sua carreira até o ano de 2003), indicando assim, a
trajetória atual do artista.
O editor
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138 Forâneo, 2003
cera, fibra de vidro, resina
poliéster e pigmento,
197 x 198 x 5 cm
coleção Galeria Nara Roesler
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139 POA, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro
200 x 200 x 8 cm
coleção Alexandre Martins Fontes
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140 Sem Título, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro
200 x 200 x 8 cm
coleção particular
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141 Lamar, 2004
resina poliéster pigmentada e fibra
de vidro
200 x 200 x 8 cm
coleção particular
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142 Donald, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro
200 x 200 x 8 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
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143 Para Renée, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro
200 x 200 x 8 cm
coleção Pinacoteca do Estado de
São Paulo
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144 Sem título, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
coleção particular
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145 Sem título, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
coleção particular
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146 Sem título, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
coleção do autor
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147 Sem título, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
coleção Oswaldo Pepe e Ricardo Braga
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148 Sem título, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
coleção Gilberto Chateaubriand/
mam-rj
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149 Sem título, 2004
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
coleção particular
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150 Sem título, 2005
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
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151 Sem título, 2005
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
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152 Sem título, 2005
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
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resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
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154 Sem título, 2005
resina poliéster pigmentada
e fibra de vidro, 200 x 200 x 8 cm
cortesia Galeria Brito Cimino
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Dudi Maia Rosa
26 de dezembro de 1946
São Paulo, sp
Tem seu primeiro contato com
a atividade artística por meio
de sua mãe, pintora e gravadora,
Renée Maia Rosa
aspectos biográficos
2001
Começa a lecionar desenho
no Museu de Arte Moderna
de São Paulo
1984-92
Passa a integrar um grupo
de estudos antroposóficos
em São Paulo
1979
Participa, com outros artistas, da
fundação da Cooperativa dos
Artistas Plásticos de São Paulo
1973
Casa-se com a artista
plástica Gilda Vogt Maia Rosa.
Fixa residência e estúdio
no bairro de Santo Amaro,
em São Paulo, onde leciona
pintura, desenho, gravura
e aquarela até 1981
1972
Maciej Babinski orienta-o em
aulas de aquarela, São Paulo
1971-1974
Integra a Escola Brasil: como
aluno e, depois, como professor
de gravura, São Paulo
1970
Passa a freqüentar o ateliê
de Wesley Duke Lee, São Paulo
1969-1970
Viaja à Europa e aos Estados
Unidos da América
1968
Cursa, por um mês, faculdade
de engenharia em Mogi das
Cruzes, São Paulo
185
1967
Trabalha como assistente
de Di Cavalcanti na realização
de painel do pintor para
o Hotel Jequitimar no Guarujá,
São Paulo
1966
Assiste a aulas de gravura com
Trindade Leal na Faculdade
Armando Álvares Penteado,
São Paulo
1960
Inicia convivência com
o artista plástico José Carlos
Cezar Ferreira — “Boi”
exposições individuais
2004
Galeria Brito Cimino, São Paulo,
sp, Brasil
2002
Centro Universitário Maria
Antônia, São Paulo, sp, Brasil
Gravuras, Museu Victor Meirelles,
Florianópolis, sc, Brasil
2001
Pinturas, Galeria Brito Cimino,
São Paulo, sp, Brasil
1999
Museu de Arte de Ribeirão Preto,
São Paulo, sp, Brasil
Desenhos, Centro Cultural
Vergueiro, São Paulo, sp, Brasil
Galeria Valú Ória, São Paulo,
sp, Brasil
1994
Galeria Volpi, Fundação Cassiano
Ricardo, São José dos Campos, sp,
Brasil
1993
Instituto Estadual de Artes Visuais,
Porto Alegre, rs, Brasil
Torreão, Porto Alegre, rs, Brasil
Galeria André Millan, São Paulo,
sp, Brasil
Capela do Morumbi, Centro
Cultural de São Paulo, sp, Brasil
Pinturas, Galeria Subdistrito,
São Paulo, sp, Brasil
exposições coletivas
1986
Portas, Thomas Cohn Arte
Contemporânea, Rio de Janeiro,
rj, Brasil
Portas, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Niterói, rj, Brasil
Fibers, Galeria Subdistrito, São
Paulo, sp, Brasil
Fibers, Thomas Cohn Arte
Contemporânea, Rio de Janeiro,
rj, Brasil
Pinturas, Galeria São Paulo,
sp, Brasil
2004
Versão Brasileira, Galeria Brito
Cimino, São Paulo, sp, Brasil
3a Mostra do Programa Anual
de Exposições e Linha
Imaginária, Centro Cultural
São Paulo, sp, Brasil
Tomie Ohtake na Trama
Espiritual da Arte Brasileira,
Novo Museu, Curitiba, pr, Brasil
Tomie Ohtake na Trama
Espiritual da Arte Brasileira,
Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro, rj, Brasil
1980
Pinturas, Cooperativa
dos Artistas Plásticos de
São Paulo, sp, Brasil
1979
Aquarelas, Pindorama,
São Paulo, sp, Brasil
1978
Museu de Arte de São Paulo,
sp, Brasil
2005
5a Bienal do Mercosul, Porto
Alegre, rs, Brasil
Cromofagia, Galeria Nara
Roesler, São Paulo, sp, Brasil
Arte em Metropólis, Instituto
Tomie Ohtake, São Paulo,
sp, Brasil
2003
Tomie Ohtake na Trama
Espiritual da Arte Brasileira,
Instituto Tomie Ohtake,
São Paulo, sp, Brasil
2002
28(+) Pintura, Espaço Virgílio,
São Paulo, sp, Brasil
Gênio do Lugar — Circuito Vila
Buarque, Centro Universitário
Maria Antonia, São Paulo, sp,
Brasil
Metropólis, Pinacoteca do Estado
de São Paulo, sp, Brasil
Anos 70 — Trajetórias, Instituto
Itaú Cultural de São Paulo, sp,
Brasil
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Recortes, Galeria Brito Cimino,
São Paulo, sp, Brasil
Obra Nova, Museu de Arte
Contemporânea da Universidade
de São Paulo, sp, Brasil
Pintura Anos 90, Museu de Arte
Moderna de São Paulo, sp, Brasil
Espírito da Nossa Época, Museu
de Arte Moderna de São Paulo,
sp, Brasil
Mostra do Redescobrimento Brasil 500 anos, São Paulo, sp, Brasil
Marca do Corpo, Dobra da Alma,
Curitiba, pr, Brasil
22a Mostra da Gravura de Curitiba,
pr, Brasil
iii, Galeria Brito Cimino, São
Paulo, sp, Brasil
16o Salão Nacional de Artes
Plásticas, Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, rj,
Brasil
Viajantes, Instituto Itaú Cultural
de São Paulo, sp, Brasil
A Falta, Galeria Valú Ória,
São Paulo, sp, Brasil
Múltiplos, Galeria Valú Ória,
São Paulo, sp, Brasil
Novas Curadorias, Museu
de Arte Moderna de São Paulo,
sp, Brasil
Paisagem Sublime, Museu
de Arte Moderna de São Paulo,
sp, Brasil
1995
i Bienal de Johannesburgo,
África do Sul
Havanna — São Paulo, Junge
Kunst aus Lateinamerika, Berlim,
Alemanha
Monotipias com Garner Tullis,
Museu de Arte Moderna
de São Paulo, sp, Brasil
Projeto Arte Cidade, São Paulo,
sp, Brasil
Coleção João Carlos Figueiredo
Ferraz, mar, Ribeirão Preto,
sp, Brasil
Remetente, Porto Alegre, rs, Brasil
Viagens de Identidades, Casa
das Rosas, São Paulo, sp, Brasil
Artistas da Bienal em Niterói,
Universidade Federal do Rio
Janeiro, rj, Brasil
1994 Bienal Brasil Século xx,
São Paulo, sp, Brasil
186
Paço Imperial, Rio de Janeiro,
rj, Brasil
22a Bienal Internacional
de São Paulo, sp, Brasil
Panorama da Arte Atual
Brasileira, Museu de Arte
Moderna de São Paulo, sp,
Brasil
1992
Sanart, Ankara, Turquia
Inauguração da Galeria André
Millan, São Paulo, sp, Brasil
Universidade Federal do
Rio de Janeiro 10 Anos, rj, Brasil
O que Faz Você Agora Geração
60?, Museu de Arte
Contemporânea da Universidade
de São Paulo, sp, Brasil
Brazilian Projects, Los Angeles,
Estados Unidos da América
Fundação Mokity Okada, Brasil
— Japão
Brasil Já, Colônia, Alemanha
1987
Panorama da Pintura Atual Brasileira, Museu de Arte Moderna de
São Paulo, sp, Brasil
19a Bienal Internacional
de São Paulo, sp, Brasil
Reducionismo, xix Bienal
Internacional de São Paulo,
sp, Brasil
1986
Trama do Gosto, Fundação
Bienal de São Paulo, sp, Brasil
Primeira Exposição Internacional
de Esculturas Efêmeras,
Fortaleza, ce, Brasil
1983
3x4 Grandes Formatos, João
Fortes, Rio de Janeiro, rj, Brasil
Brasiliana e Brasileiros, Museu
de Arte de São Paulo, sp, Brasil
Entre a Mancha e a Figura,
Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro, rj, Brasil
Aquarelas, Livraria Universo
São Paulo, sp, Brasil
Contemporâneos Brasileiros,
Galeria São Paulo, sp, Brasil
O Desenho como Instrumento,
Pinacoteca do Estado de São
Paulo, sp, Brasil
1979
Dois Metros e uma Página,
Cooperativa dos Artistas Plásticos
de São Paulo, sp, Brasil
1978
Papéis & Cia, Paço das Artes,
São Paulo, sp, Brasil
1976
Centro Campestre do sesc,
São Paulo, sp, Brasil
1973
Panorama da Arte Atual
Brasileira, Museu de Arte
Moderna de São Paulo, sp,
Brasil
Jovem Arte Contemporânea,
Museu de Arte Contemporânea
da Universidade de São Paulo, sp,
Brasil
1967
Galeria Atrium, São Paulo,
sp, Brasil
coleções públicas
Museu Stedelijk Amsterdã,
Holanda
Museu de Arte de São Paulo
Museu de Arte Moderna
de São Paulo
Museu de Arte Contemporânea
da Universidade de São Paulo
Centro Cultural São Paulo,
São Paulo, sp
Coleção Fundação Padre
Anchieta, São Paulo, sp
Museu Victor Meirelles,
Florianópolis, sc
Coleção Dulce e João Carlos
Figueiredo Ferraz, Ribeirão
Preto, sp
Coleção Gilberto Chateaubriand,
Museu de Arte Moderna, rj
Coleção João Leão Sattamini,
Museu de Arte Contemporânea,
Niterói, rj
Coleção Banco Itaú S.A.
Coleção sesc sp
Coleção Instituto Takano
Coleção Pinacoteca do Estado
de São Paulo, sp
Coleção Metrópolis de Arte Contemporânea, São Paulo, sp
prêmios
Prêmio aquisição jac - Jovem Arte
Contemporânea, 1971 Prêmio
aquisição mam - Panorama da
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Coleção Dulce e João Carlos
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Agradecemos aos museus, coleções
particulares, arquivos e fotógrafos
que autorizaram a reprodução de
trabalhos e que apoiaram a execução
deste livro. Agradecemos especialmente a Rafael Vogt Maia Rosa pela
sua especial cooperação. Nos casos
em que estão forem especificadas,
as reproduções pertencem aos arquivos
do artista ou do autor.
créditos fotográficos
Amy Walchli
fig. 125
Ana Theophilo
figs. 14, 112, 113, 123
Arnaldo Pappalardo
figs. 15-18, 21-25, 28-33, 35-42,
44-46, 48, 49, 51-61, 85-87, 119-121
arquivo do artista
figs. 10, 11, 26, 27, 43, 62, 78, 79,
81, 89, 126, 128, 133, 136, 138
Bob Toledo
figs. 101-107, pp. 184, 189, 189
Caio Reisewitz
figs. 107-110
Dorothy Zeidman
fig. 4
Eduardo Brandão
figs. 9, 67-71, 74, 115, 116, 122
Eduardo Ortega
figs. 88, 90-99, 130, 134
Fernando Chaves
figs. 117, 118, 150-154
Gagosian Gallery, Nova York
fig. 50
Horst Merkel
fig. 100
Lorene Emerson
fig. 64
Luiz Carlos Felizardo
fig. 80
Romulo Fialdini
figs. 72-76, 123, 131
Ronaldo Graça Couto
fig. 84
Valentino Fialdini
figs. 131, 139-149
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação [cip]
[Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil]
Dudi Maia Rosa e as mortes da pintura / [textos e versão
para o inglês Oswaldo Corrêa da Costa]. — São Paulo :
Metalivros, 2005.
Edição bilíngüe: português/inglês.
Bibliografia.
isbn 85-85371-58-7
1. Artes plásticas 2. Artistas plásticos -Brasil 3. Gravura
4. Pintura 5. Rosa, Dudi Maia — Crítica e interpretação
i. Costa, Oswaldo Corrêa da.
05-9037
cdd - 730.981
Índices para catálogo sistemático:
1. Artistas plásticos brasileiros: Apreciação crítica 730.981
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3:50 PM
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site pessoal do artista
www.dudimaiarosa.blogspot.com
uma publicação
metalivros
rua Alegrete 44
01254-010 São Paulo sp
tel +55 11 3672 0355
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http://www.metalivros.com.br
galeria brito cimino
rua Gomes de Carvalho 842
04547-003 São Paulo sp
tel +55 11 3842 0634
[email protected]
http://www.britocimino.com.br