UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA Daianna Lima Thiengo Avaliação da satisfação de familiares com o atendimento fornecido por um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI) da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro 2015 Daianna Lima Thiengo Avaliação da satisfação de familiares com o atendimento fornecido por um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI) da cidade do Rio de Janeiro. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Linha de Pesquisa Saúde Mental e Violências Orientador Prof. Dr. Giovanni Marcos Lovisi Rio de Janeiro 2015 2 T434 Thiengo, Daianna Lima. Avaliação da satisfação de familiares com o atendimento fornecido por um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI) da cidade do Rio de Janeiro / Daianna Lima Thiengo. – Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2015. 139 f.; 30 cm. Referências: f. 104-125. Orientador: Giovanni Marcos Lovisi. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva, 2015. 1. Satisfação do usuário. 2. Qualidade da assistência à saúde. 3. Cuidadores. 4. Serviços de saúde mental. 5. Epidemiologia. 6. Saúde pública. I. Lovisi, Giovanni Marcos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III. Título. CDD 362.1 3 4 Agradecimentos Primeiramente, a Deus pela determinação concedida e pela concretização de mais um sonho e de muitos outros que se tornarão realidade. Ao meu orientador, Prof. Dr. Giovanni Marcos Lovisi, que me acolheu e me orientou com tamanha dedicação, ao longo de todos estes anos. Às professoras Drª. Lúcia Abelha, Drª. Leticia Legay, Profª. Drª Jacqueline Cintra pelo acolhimento e contribuições em todo o curso. Às minhas amigas de percurso, Dra. Priscila Krauss, Dra. Simone Agadir, Dra. Tatiana Carpinteiro, Me. Edna Monteiro e Me. Vivian Costa por todos os momentos de auxílio, companheirismo e divertimento, principalmente via "WhatsApp". À equipe do CAPSI CARIM e aos familiares que aceitaram participar e contribuiram para este estudo. Aos meus pais e irmã que sempre me apoiaram e compartilharam comigo tanto os momentos difíceis como os de alegria. Ao meu marido, Guilherme, pelos momentos de compreensão e carinho, que me encorajou nos momentos de desânimo, e que esteve ao meu lado todo esse tempo. Este trabalho não poderia ter sido construído sem a ajuda dos que me cercam e querem meu bem. A todos, meu muito Obrigada. 5 ♫"Happiness hit her like a train on a track Coming towards her stuck still no turning back"♫ Música: Dogs day are over Artista: Florence And The Machine 6 Lista de Abreviaturas e Siglas ᵅ Alpha de Crombach ANOVA Análise de Variância β Beta CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CAPA Child and Adolescent Psychiatric Assessment CAPS Centro de Atenção Psicossocial CAPSI Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil CARIM Centro de Atenção e Reabilitação da Mocidade CIDI Composite International Diagnostic Interview CID-10 Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CSQ Client Satisfaction Questionnaire DAWBDA Developmental and Well-Being Assessment DECS Descritores de Ciências em Saúde DISC-IV Diagnostic Interview Schedule for Children DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (4º Edição) DSM-IV-TR Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (4º Edição - texto revisado) dp desvio padrão EMEP Estratégias de Modos de Enfrentamento de Problemas ESQ Experience of Servive Questionnaire vii 7 EVE Eventos de Vida Estressantes F Teste F IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IC Intervalo de confiança IPSI Inpatiente Parental Satisfaction Index KSADS-PL Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for School-Age Children Log10 Logaritmo de base 10 M Média MAPS Multidimensional Assessment of Parental Satisfaction MINI Mini International Neuropsychiatric Interview MOS Medical Outcome Studies NI Não Informado NOAS Norma Operacional de Assistência à Saúde OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas OPAS Organização Pan-Americana da Saúde p P-valor PSQ Parent Satisfaction Questionnaire r Correlação de Pearson R Estatística de teste R2 Coeficiente de Determinação RAS Rede de Atenção à Saúde SATIS-BR Avaliação da Satisfação dos Familiares com os Serviços de Saúde Mental SPSS Statistical Package for the Social Sciences viii 8 SUS Sistema Único de Saúde t Teste T T Teste de Tolerância TDAH Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro VIF Variance Inflation Factor WHO World Health Organization ix 9 Lista de Tabelas ARTIGO 1 Tabela 1. Características dos estudos que investigaram a prevalência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes nos últimos 13 anos........................................................................................................................32 Tabela 2. Características dos estudos que investigaram a prevalência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes e principais resultados...............................................................................................................35 ARTIGO 2 Tabela 1. Características dos estudos que avaliaram a satisfação com os serviços de saúde mental infantojuvenil entre familiares nos últimos 20 anos........................................................................................................................87 Tabela 2. Características dos estudos que avaliaram a satisfação com os serviços de saúde mental infantojuvenil entre familiares nos últimos 20 anos (Continuação).........................................................................................................89 ARTIGO 3 Tabela 1. Características sociodemográficas e psicossociais dos familiares de pacientes atendidos no CAPSI CARIM entre os meses de agosto e outubro, 2014....................................................................................................................127 10 x Tabela 2. Média de satisfação dos familiares segundo grupo diagnóstico dos pacientes atendidos no CAPSI CARIM entre os meses de agosto e outubro, 2014.....................................................................................................................130 Tabela 3. Teste t e análise de variância (Anova) entre satisfação com o serviço global e variáveis sociodemográficas e psicossociais.........................................131 Tabela 4. Análise de correlação entre as variáveis psicossociais e subitens da escala de satisfação com o serviço de saúde mental (SATIS-BR)....................132 Tabela 5. Regressão múltipla entre a variável satisfação global com o serviço e variáveis independentes que permaneceram no modelo final............................134 11 xi Lista de Quadros ARTIGO 2 Quadro 1. Sintaxes empregadas nas respectivas bases de dados durante busca bibliográfica.........................................................................................................83 Quadro 2. Itens do “Checklist for Measuring Quality” utilizados para a avaliação qualitativa dos artigos.........................................................................................85 12 xii Lista de Figuras TESE Figura 1. Esquema de possíveis variáveis que contribuem para a satisfação com os serviços de saúde mental.................................................................................77 ARTIGO 1 Figura 1. Fluxograma da revisão sistemática........................................................30 ARTIGO 2 Figura 1. Fluxograma da revisão sistemática........................................................90 13 xiii Resumo THIENGO, Daianna Lima. Avaliação da satisfação de familiares com o atendimento fornecido por um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI) da cidade do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva). Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. INTRODUÇÃO: Após a reforma da assistência psiquiátrica, a família passou a ser parte integrante do processo de avaliação do serviço de saúde mental. Nesse contexto, uma das medidas mais utilizadas para a avaliação da qualidade do serviço é a satisfação. OBJETIVO: O presente estudo teve como objetivo avaliar a satisfação com o serviço e sua relação com aspectos sociodemográficos e psicossociais, entre familiares de pacientes de um CAPSI. MÉTODOS: Estudo Seccional, com cárater de pesquisa avaliativa, onde participaram 102 familiares que acompanhavam pacientes em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, na cidade do Rio de Janeiro, entre os meses de agosto e outubro de 2015. Os familiares responderam sobre características sociodemográficas, eventos de vida estressantes, sobrecarga, qualidade de vida, apoio social e estratégias de enfrentamento. A satisfação com o serviço foi avaliada através da Escala de Avaliação da Satisfação dos Familiares com os Serviços de Saúde Mental (SATIS-BR). RESULTADOS: Os familiares estavam satisfeitos com o serviço (M=3,9; dp=0,6). Fatores relacionados à satisfação foram: resultados do tratamento, acolhida e competência do serviço, privacidade e confidencialidade do serviço, diagnóstico de autismo do paciente, sexo feminino do familiar, menor sobrecarga, melhor qualidade de vida nos aspectos físico, psicológico e ambiental, maior apoio material e maior utilização de estratégias de enfrentamento focalizadas no problema. CONCLUSÃO: É possível que as reuniões em grupo promovidas pelo serviço tenham auxiliado esses familiares a lidar com a sobrecarga de cuidados do dia-a-dia, influenciado de forma positiva a avaliação da satisfação com o serviço. Identificar os fatores que possam influenciar a satisfação dos familiares com o serviço, pode ser de grande auxílio para a construção de serviços mais adequados às necessidades dessas famílias e pacientes. Palavras - chave: Satisfação do usuário, qualidade da assistência à saúde, cuidadores, serviços de saúde mental. 14 xiv Abstract INTRODUCTION: After the reform of psychiatric care , the family has become an integral part of the evaluation process of the mental health service. In this context, one of the measures most commonly used to assess the quality of service is the satisfaction. OBJECTIVE: This study aimed to assess satisfaction with the service and its relationship to sociodemographic and psychosocial aspects , among relatives of patients of a CAPSI. METHODS: Sectional study, with character evaluative research, attended by 102 family members who accompany patients in a Psychosocial Care Center of Children in the city of Rio de Janeiro, between August and October 2015. The family asked about sociodemographic characteristics, stressful life events, burden, quality of life, social support and coping strategies. Satisfaction with the service was assessed by Scale for Evaluation of Family Satisfaction with Mental Health Services (SATIS -BR). RESULTS: Family members were, on average, satisfied with the service. Factors related to satisfaction were: treatment outcomes, hospitality and competence of service, privacy and confidentiality of the service, diagnosed with autism patient, female family, less burden, better quality of life in physical, psychological and environmental aspects, greater material support and greater use of coping strategies focused on the problem. CONCLUSION: Identify factors that may influence the satisfaction familiar with the service, can be of great help for the construction of more adequate services to the needs of these families and patients. Keywords: Users’ satisfaction, quality of health care, caregivers, mental health services 15 xv Sumário Lista de Abreviaturas e Siglas...........................................................................................................vii Lista de Tabelas.................................................................................................................................x Lista de Quadros................................................................................................................................xi Lista de Figuras................................................................................................................................xiii Resumo............................................................................................................................................xiv Abstract.............................................................................................................................................xv 1. Introdução.....................................................................................................................................18 2. Referencial Teórico......................................................................................................................21 2.1. Transtornos mentais na população infantojuvenil....................................................................21 2.1.1. Artigo 1: Prevalência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes e fatores associados: Uma revisão sistemática.............................................................................26 2.2. Sobregarca sobre o familiar ao cuidar de uma criança ou jovem com transtorno mental......................................................................................................................................39 2.2.1. A inclusão de familiares na assistência em saúde mental................................................42 2.3. Assistência em saúde mental infantojuvenil no Brasil.............................................................45 2.3.1. Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI’s) ........................................45 2.3.2. Caracterização dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil................................47 2.4. Satisfação com os serviços de saúde ......................................................................................49 2.4.1. Conceitos de satisfação....................................................................................................49 2.4.2. Satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental............................................51 2.4.3. Artigo 2: Satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental para crianças e adolescentes: Uma revisão sistemática........................................................................54 3. Justificativa...................................................................................................................................62 4. Objetivos.......................................................................................................................................64 4.1. Objetivo Geral.......................................................................................................................64 16 4.2. Objetivos Específicos...........................................................................................................64 5. Material e Métodos.......................................................................................................................65 5.1. Desenho de Estudo..............................................................................................................65 5.2. Local de Estudo....................................................................................................................65 5.3. População de Estudo...........................................................................................................67 5.4. Critérios de Inclusão.............................................................................................................68 5.5. Instrumentos.........................................................................................................................68 5.6. Coleta de Dados...................................................................................................................72 5.7. Análise dos Dados................................................................................................................72 5.8. Aspectos Éticos....................................................................................................................73 6. Resultados...............................................................................................................................75 6.1. Artigo 3: Satisfação de familiares com um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI) da cidade do Rio de Janeiro..................................................................................75 7. Referências................................................................................................................................104 8. Anexos.......................................................................................................................................126 17 1. Introdução A literatura científica demonstra que as famílias influenciam e são influenciadas pela saúde dos seus membros, sendo fundamental também avaliar o contexto de saúde e doença através do familiar (DONABEDIAN, 2005). No processo de adoecimento, a família, que possui características de proximidade e convivência, tem maiores condições de acompanhar o processo de saúde-doença de seus membros (WHO, 2001). Nos últimos anos, a nova política de saúde mental no Brasil possibilitou uma maior participação da família no cenário da assistência psiquiátrica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera essa nova política como um dos grandes avanços em saúde mental por assegurar os direitos humanos aos portadores de transtornos mentais, além de considerar a família como mais uma estratégia de intervenção (BANDEIRA et al., 2011; WHO, 1996). Após a reforma da assistência psiquiátrica os serviços de atenção comunitária em saúde mental, incluindo os serviços infantojuvenis, passaram a exigir uma participação mais ativa dos familiares. A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança ou jovem, podendo proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e desenvolvimento, especialmente em se tratando de crianças e jovens com transtorno mental, os quais requerem atenção e cuidados específicos. A família pode colaborar na melhora da incapacidade da criança e do jovem com transtorno mental, sendo tal fator determinante na evolução do tratamento e sua adaptação (SPROVIERI, ASSUMPÇÃO, 2001). Deste modo, os familiares podem contribuir para a ação política e coletiva, sendo mais uma ferramenta que poderá auxiliar na avaliação dos serviços em saúde mental (WEISS, 1988). A avaliação da percepção da satisfação dos familiares sobre o serviço de saúde poderá interferir na acessibilidade, na criação de vínculos e na consequente continuidade do cuidado, e terá reflexos na capacidade da equipe para coordenar o cuidado (SANT'ANNA, FONTOURA, 1996; OPAS, 1990). A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem estimulado a prática de avaliar os serviços de saúde com o objetivo de garantir a qualidade dos mesmos. 18 No que diz respeito ao campo da avaliação em saúde, essa se trata de realizar um julgamento sobre uma intervenção ou serviço, onde esse julgamento possa produzir informações relevantes para aprimorar a intervenção ou a estrutura de um serviço (BROUSELLE et al., 2011). Existem dois tipo de avaliação: avaliação normativa, onde o julgamento de uma intervenção ou serviço se dá através do cumprimento de critérios ou normas pré-estabelecidas, e pesquisa avaliativa, onde através de procedimentos científicos busca-se compreender as relações que existem entre os diferentes componetes de uma intervenção ou serviço (BROUSELLE et al., 2011). Diferentes atores podem atuar juntos e promover mudanças no processo de intervenção ou serviço (PASSOS, BENEVIDES, 2009). Deste modo, em meados da década de 90, a OMS passou a recomendar na abordagem avaliativa, a inclusão de pessoas envolvidas com o acompanhamento de pacientes, como familiares (RIBEIRO, 2007; GOMES, ERDMANN, 2005; VASCONCELLOS, 1992). Uma das medidas mais utilizadas para se avaliar a qualidade de um serviço é através da satisfação (MISHIMA, 2010). A satisfação com o serviço diz respeito a um conjunto variado de reações diante à experiência dos cuidados em saúde (ESPERIDIÃO, TRAD, 2006). As características que contribuem para satisfação com os serviços de saúde em geral são: características dos pacientes, como aspectos sociodemográficos e clínicos; características dos profissionais, como traços de personalidade e qualidade técnica; aspectos da relação médicopaciente; e fatores estruturais e ambientais, como tempo no serviço e frequência de atendimento (TESSLER, GAMACHO, 2000). Em relação à saúde mental, os fatores associados à satisfação com os serviços ainda não foram bem definidos devido à escassez de estudos. Algumas pesquisas internacionais relatam associação entre satisfação e maior colaboração do serviço, menor gravidade do transtorno mental, menos eventos estressantes, menor sobrecarga do familiar e mais apoio social ao familiar (STENGARD et al., 2000; SANT'ANNA, FONTOURA, 1996). No Brasil, até então, não havia nenhum estudo sobre este tema, em relação aos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI). Portanto a avaliação dos familiares sobre a satisfação com os serviços de saúde mental 19 pode ser particularmente útil, porque eles podem assumir a posição de principais provedores de cuidados nas atividades cotidianas, na supervisão aos comportamentos problemáticos e no uso dos medicamentos, deste modo afetando os resultados do tratamento (SANT'ANNA, FONTOURA, 1996; OPAS, 1990). Além disso, incluir os familiares de crianças e jovens na avaliação do tratamento e conhecer os fatores que contribuem para sua satisfação com o serviço, pode permitir ao serviço a adoção de práticas que auxiliem o familiar, contribuindo para diminuição do grau de sobrecarga com o papel de cuidador e possibilitando maior continuidade ao tratamento (BANDEIRA et al., 2005; SANT'ANNA, FONTOURA, 1996). 20 2. Referencial Teórico 2.1. Transtornos mentais na população infantojuvenil Segundo a Organização Mundial da Saúde (2001), a faixa etária que compreende a infância vai de 0 à 9 anos de idade, enquanto que a adolescência compreende a faixa etária entre 10 e 19 anos. Já o conceito de juventude compreende dos 15 aos 24 anos de idade. Conforme estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), as crianças representam cerca de 27% e os adolescentes representam cerca de 25% da população mundial (OSELKA, TROSTER, 2000). Segundo estimativas obtidas através da interpolação da população entre os Censos do IBGE, no Brasil em 2012, residiam cerca de 15,1% crianças e 17,9% de adolescentes (BRASIL, 2012). Nestas populações são encontradas altas taxas de prevalência de transtornos mentais. Em revisão de literatura internacional, que incluiu trabalhos realizados a partir de 1980, foram encontradas taxas de prevalência global de transtornos mentais que variaram de 1,0% a 51,0% (média de 15,8%). As taxas de prevalência tendem a aumentar proporcionalmente com a idade, sendo que a prevalência média entre os pré-escolares foi de 10,2%, entre os pré-adolescentes (seis a doze ou treze anos), de 13,2%, e entre os adolescentes, de 16,5% (Roberts et al, 1998). No Brasil, estudos registraram taxas de prevalência em crianças e adolescentes de 12,6 a 35,2%, quando os informantes foram os pais ou crianças/adolescentes; quando utilizada uma entrevista diagnóstica, a taxa variou entre 7 e 12,7% (PAULA et al., 2007). Estes transtornos incluem desde transtornos globais do desenvolvimento (como o autismo) até outros ligados a fenômenos de externalização (como transtornos de conduta, hiperatividade), internalização (depressão, transtornos de ansiedade) e uso abusivo de substâncias. Além da sintomatologia, há considerável variação no período de incidência, já que alguns transtornos aparecem na infância e outros apenas na adolescência, e nos tipos de prejuízos relacionados, adicionando complexidade à avaliação diagnóstica (COUTO et al., 2008). Os transtornos mais comuns estão associados aos 21 sintomas psicopatológicos relacionados ao comportamento, atenção, aos sintomas emocionais (como depressão) e hiperatividade (HOFFMAN et al., 2008). Contudo ainda existem algumas dificuldades para identificação de transtornos mentais na população infantojuvenil, tais como: a indefinição de normal e patológico para determinada idade e contexto sociocultural; as variações qualitativas e quantitativas de cada sintoma; o fator do desenvolvimento, a implicação em avaliar algo que a priori está em transformação. Outras variáveis que podem interferir na avaliação de sintomas são a percepção do informante e suas características (pais, professores e vizinhos terão percepções distintas acerca de uma mesma problemática); os métodos e tipos de instrumentos para avaliação usados por diferentes profissionais que nem sempre são padronizados, o que gera diferentes classificações (LAURIDSEN-RIBEIRO, TANAKA, 2005). Apesar da dificuldade de classificações dos diagnósticos na população infantojuvenil, temos duas classificações internacionais amplamente utilizadas. As classificações mais utilizadas são o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM/ 4° Review (DSM-IV-TR, 2002) e o International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – ICD/ 10ª Review (OMS, 1992). O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) foi publicado em 1952 pela Associação Americana de Psiquiatria. Ele foi desenvolvido a partir do antigo sistema de classificação adotado em 1918 para reunir a necessidade do Departamento de Censo Americano de uniformizar estatísticas vindas de hospitais psiquiátricos e de sistemas de categorização usados pelo exército norte-americano. Existem cinco revisões para o DSM desde sua primeira publicação em 1952. A maior revisão foi a DSM-IV publicada em 1994 (SCHAFFER, 1996). Uma revisão do DSM-IV, conhecida como DSM-IV-TR, foi publicada em 2000. Nesta última, as categorias diagnósticas e a vasta maioria dos critérios específicos para diagnósticos permaneceram inalteradas. Cada seção traz informações extras em cada diagnóstico que foi atualizado, assim como para alguns códigos diagnósticos devido à manutenção de sua consistência com o Composite International Diagnostic (APA, 2000). Em maio de 2013 foi 22 lançado o DSM-V, a versão mais atual do manual, porém esta versão ainda passa por críticas quanto à sua validade (BURNS et al., 2013). Os grupos de transtornos e respectivos códigos que comumente se referem à infância e adolescência no DSM-IV-TR são: Retardo Mental 317 - Retardo mental leve; 318.0 - Retardo mental moderado; 318.1 - Retardo mental severo; 318.2 - Retardo mental profundo; 319 - Retardo mental, gravidade inespecificada. Transtornos de Aprendizagem 315.0 - Transtorno de leitura; 315.1 - Transtorno de matemática; 315.2 - Transtorno de expressão escrita; 315.9 - Transtorno de aprendizagem não especificado. Transtorno de Coordenação Motora (315.4) Transtornos da Comunicação 315.31 - Transtorno da linguagem expressiva; 315.31 - Transtorno da linguagem expressiva e receptiva; 315.39 - Transtorno fonológico; 307.0 - Gagueira; 307.9 - Transtorno da comunicação não especificado. Transtornos Gerais do Desenvolvimento 299.00 - Autismo; 299.80 - Transtorno de Rett; 299.10 Transtorno desintegrativo da infância; 299.80 - Transtorno de Asperger. Transtornos do Comportamento e Déficit de Atenção 314.xx - Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (314.01 tipo combinado; 314.00 - tipo predominante desatento); 314.9 Transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade não especificado; 23 312.8 - Transtorno de conduta; 313.81 - Transtorno de rebeldia persistente; 312. 9 - Transtorno do comportamento disruptivo não especificado). Transtornos de Alimentação da Primeira Infância e da Infância 307.52 - Pica; 307.53 - Transtorno da ruminação; 307.59 Transtorno da alimentação da primeira infância e na infância. Transtorno de Tiques 307.23 - Trastorno de Tourette; 307.22 - Transtorno de tique nervoso crônico motor ou vocal; 307.21 - Transtorno de tique transitório; 307.20 - Transtorno nervoso não especificado. Transtornos de Eliminação 787.6 - Com obstipação e incontinência urinária; 307.7 - Sem obstipação e com incontinência urinária; 307.6 - Enurese, não relacionada à condição clínica geral. Outros Transtornos da Primeira Infância, da Infância ou da Adolescência 309.21 - Transtorno de ansiedade de separação; 313.23 Mutismo seletivo; 313.89 - Transtorno reativo do vínculo na primeira infância ou na infância; 307.3 - Transtorno do movimento estereotipado; 313.9 - Transtorno da primeira infância, da infância ou da adolescência não especificado. Outra classificação muito utilizada, a Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) é a última de uma série que se iniciou em 1893 (OMS,1992). Neste os transtornos foram agrupadas de forma a torná-los mais adequados aos objetivos de estudos epidemiológicos gerais e para a avaliação de assistência à saúde no mundo todo. 24 O capítulo V corresponde aos Transtornos mentais e comportamentais. É muito utilizada em pesquisas fora do âmbito nacional. Os grupos de transtornos e respectivos códigos que comumente se referem à infância e adolescência segundo o CID-10 são: Retardo mental F70 - Retardo mental leve; F71 - Retardo mental moderado; F72Retardo mental grave; F73 Retardo mental profundo; F78- Outro retardo mental; F79 - Retardo mental não especificado. Transtornos do desenvolvimento psicológico F80 - Transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem; F81 - Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares; F82 - Transtorno específico do desenvolvimento motor; F83 - Transtornos específicos misto do desenvolvimento; F84 - Transtornos globais do desenvolvimento, F88 - Outros transtornos do desenvolvimento psicológico; F89 Transtorno do desenvolvimento psicológico não especificado. Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência F90 - Transtornos hipercinéticos; F91 - Distúrbios de conduta; F92 - Transtornos mistos de conduta e das emoções; F93 - Transtornos emocionais com início especificamente na infância; F94 - Transtornos do funcionamento social com início especificamente durante a infância ou a adolescência; F95 Tiques; F98 - Outros transtornos comportamentais e emocionais com início habitualmente durante a infância ou a adolescência. Transtorno mental não especificado (F99). As informações desse capítulo foram complementadas no artigo a seguir. 25 2.1.1. Artigo 1 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 2.2. Sobrecarga sobre o familiar ao cuidar de uma criança ou jovem com transtorno mental A família é uma instituição da sociedade, a qual deve proporcionar a seus elementos apoio emocional, econômico e social, que possibilitem seu desenvolvimento e sua inserção social (TERKELSEN, 1980). Esta constitui um grupo com dinâmicas de relação muito diversificadas, cujo funcionamento muda em decorrência de qualquer alteração que venha a ocorrer em um de seus membros ou no grupo como um todo (SILVA, DESSEN, 2001). Quando um de seus membros encontra-se doente, pode se gerar a tensão na família, no sentido de compreender a doença e atendê-la, ou seja, o funcionamento das famílias sob condições incomuns de tensão pode leva-lás à desorganização, não facilitando a saúde emocional e não favorecendo a inserção social do paciente (TERKELSEN, 1980). O impacto sentido pela família com a chegada de uma criança com algum tipo de deficiência pode ser muito forte. Segundo Brito, Dessen (1999), esse momento é traumático, podendo causar uma forte desestruturação na estabilidade familiar. O momento inicial é sentido como o mais difícil para a família (PETEAN, 1995), a qual tem que buscar a sua reorganização interna (TAVEIRA, 1995) que, por sua vez, depende de sua estrutura e funcionamento enquanto grupo e, também, de seus membros, individualmente. A família pode passar por um longo processo de superação até chegar à aceitação da sua criança com algum transtorno mental: do choque, da negação, da raiva, da revolta e da rejeição, dentre outros sentimentos, até a construção de um ambiente familiar mais preparado para incluir essa criança como um membro integrante da família (SILVA, DESSEN, 2001). Na maior parte das vezes, a família é a fonte do principal cuidador, onde na maioria das vezes as mulheres adultas e idosas se sobressaem nestes cuidados (RICARTE, 2009; STONE et al., 1987). Sabe-se, também, que algumas situações costumam determinar esta escolha: proximidade parental (esposas e filhas), proximidade física, proximidade afetiva e o fato de ser mulher (MENDES, 1995). Ricarte (2009) salienta que existe sempre um cuidador principal, sendo este, alguém reconhecido e percebido pelo próprio dependente, como quem está 39 mais presente, que o acompanha e presta os cuidados diretos. O Ministério da Saúde afirma que: "Cuidador é a pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, cuida do doente ou dependente, no exercício das suas atividades diárias, tais como alimentação, higiene pessoal, medicação de rotina, acompanhamento aos serviços de saúde e demais serviços requeridos no cotidiano - como por exemplo, a ida a bancos ou farmácias, excluídas as técnicas ou procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas, particularmente na área da enfermagem." (BRASIL, 1999, pág. 20). Os problemas relacionados ao comportamento do individuo com transtorno mental e a própria condição do transtorno podem ser os causadores das tensões mais comuns encontradas entre os familiares. Neste caso são comuns padrões repetitivos de comportamento, tais como estereotipias, baixo nível de comunicação e necessidade de grandes cuidados, fatores estes que aumentam a tensão entre os familiares (SCHIMIDT et al., 2007). O grau de incapacidade social da criança ou adolescente com transtorno mental tende a contribuir para o estresse parental (SILVA, DESSEN, 2004). Pisula (1998) examinou o perfil de estresse em 138 mães de crianças com várias incapacidades mentais (autismo, Síndrome de Down, paralisia infantil e transtornos mentais diversos) e crianças normais. O perfil de estresse nas mães se diferenciou nos grupos segundo a natureza da incapacidade, onde quanto maior o nível de incapacidade da criança, mais frequente eram os eventos estressantes e maiores os níveis de sobrecarga familiar. A convivência com o transtorno mental pode implicar em um aumento da sobrecarga familiar caracterizada por dificuldades como: problemas no relacionamento com o familiar, aumento da frequência de eventos estressantes por conviverem com uma situação instável e de dependência para atividades cotidianas (WAIDMAN, 2004). A sobrecarga pode ainda ser objetiva ou subjetiva. A primeira, identificada com maior intensidade, talvez por ser mais concreta, está· 40 relacionada com as demandas reais que a convivência com o transtorno mental impõe como dar comida, cuidar das roupas, dos horários dos medicamentos. Já a sobrecarga subjetiva refere-se à percepção pessoal do familiar sobre a experiência de conviver com a crianças e o adolescentes com transtorno mental, seus sentimentos quanto à responsabilidade e preocupações que envolvem o cuidado à sua saúde (HIRDES, KATORISKY, 2005). A sobrecarga subjetiva muitas vezes está relacionada a sentimentos de desamparo, tristeza e culpa (BANDEIRA et al., 2005). Se os eventos estressantes ocorrem de forma contínua e o familiar não conta com estratégias adequadas para lidar com isto, o organismo exaure suas reservas de energia adaptativa e a fase de exaustão se manifesta (LIPP, 1989). Um modo de o familiar lidar com tal situação é através das estratégias de enfrentamento ou coping. O coping possui duas funções: centrado no problema, quando modifica as relações entre pessoas e ambientes; e centrado na emoção, cujo objetivo é adequar a resposta emocional ao problema. A construção de estratégias de enfrentamento constitui-se como ponto fundamental para lhe dar com tal situação (SAVÓIA, 1999). Outro possível fator para lhe dar com a sobrecarga é a busca pelo apoio social. O apoio social pode ser definido pela integração social do individuo com pessoas próximas à ele ou através das redes de serviços, fazendo com que o individuo se sinta seguro e cuidado (BAPTISTA et al., 2006). Konstantareas (1991) ressalta o acesso à assistência profissional competente, bons programas educacionais, estilo de vida familiar confortável e acesso à disponibilidade de uma ajudante, que deveriam tornar mais manejável a experiência estressante da não funcionalidade da criança, oferecendo apoio tanto no plano material como no plano psicológico. Alguns estudos apontam ainda que a falta de apoio social, a gravidade do transtorno mental e alterações na vida familiar encontram-se associados a um importante impacto na qualidade de vida do familiar cuidador (CAQUEO-URÍZAR et al., 2009). O conceito de qualidade de vida já foi explorado por diversos autores ao longo dos anos, e de um modo mais abrangente a qualidade de vida diz respeito 41 à sensação de bem-estar pessoal que provém da satisfação ou insatisfação com diferentes áreas da vida do dia a dia (FERRANS, POWERS, 1985). A qualidade de vida muitas vezes se confunde com o conceito de saúde, já que também possui relação com o bem-estar físico, social, psicológico e espiritual (PIMENTEL, 2006). Para Glozman (2004), familiares cuidadores encontram-se em alto risco de ter reduzida a sua qualidade de vida, especialmente devido ao tempo e energia gastos ao prover cuidados. Segundo Pereira e Bellizo (2004), é a partir da compreensão dos comportamentos do indivíduo em sofrimento mental que o familiar pode melhorar sua qualidade de vida, diminuindo seus encargos. Deste modo, a qualidade de vida se torna uma excelente ferramenta a ser medida quando se trata de familiares cuidadores de doentes crônicos. A possibilidade de avaliar a qualidade de vida familiar tornar-se uma construção de políticas públicas de ajuda valiosa na saúde que providenciem serviços adequados de apoio e informação aos familiares (HU et al., 2011) Deste modo, com todo o sofrimento gerado em relação a uma criança ou um adolescente com algum transtorno mental, não são raras as vezes em que a saúde mental dos cuidadores familiares também é abalada. O aumento da sobrecarga pode vir a gerar sensação de desamparo, diminuição da qualidade de vida, aumento de eventos estressantes e até mesmo depressão. Além disso, a parte financeira também é afetada, principalmente com o consumo de medicamentos e os gastos com tratamentos e terapias (SILVA, DESSEN, 2001; BRADFORD, 1997). Outro modo das famílias lidarem com a sobrecarga de cuidadosé através do auxílio e apoio que pode ser oferecido através dos serviços de saúde. 2.2.1. A inclusão de familiares na assistência em saúde mental infantojuvenil A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança e do jovem, podendo proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e 42 desenvolvimento, especialmente em se tratando de crianças e adolescentes com transtorno mental, as quais requerem atenção e cuidados específicos. Ela é ainda a matriz mais importante do desenvolvimento humano e também a principal fonte de saúde de seus membros (SPROVIERI, ASSUMPÇÃO, 2001). Com relação à criança e o jovem, quando possível, as famílias devem ser parte integrante do tratamento, pois se observa maior dificuldade de melhora quando não se conta como a participação e o apoio do familiar no atendimento (SILVA, DESSEN, 2001). A família pode colaborar na melhora da incapacidade da criança e do jovem com transtorno mental, sendo tal fator determinante na evolução do tratamento e sua adaptação (SPROVIERI, ASSUMPÇÃO, 2001). A ação de intervenções terapêuticas, como o uso de psicofármacos, vem sendo comprovada para condições debilitantes na população infantojuvenil com transtorno mental, assim como a efetividade de estratégias comunitárias, psicossociais e familiares (MCCLEAN, WRRY, 2003; MUFSON et al., 2004). Ao dar apoio à família para enfrentar as dificuldades no relacionamento com o transtorno mental e a sobrecarga, a carga emocional da família poderá ser amenizada, aumentando o nível de interação e empatia entre eles (MELMAN, 2002). A responsabilidade pelo cuidado do portador de transtorno mental no contexto que antecede o movimento da reforma psiquiátrica era atribuída à instituição hospitalocêntrica, restando à família somente a tarefa de identificar a desorganização, encaminhar o familiar, visitá-lo, bem como fornecer as informações necessárias sobre a história de sua enfermidade. Após a reforma psiquiátrica os serviços de atenção comunitária em saúde mental passaram a incluir a participação mais efetiva dos familiares, permitindo com que estes se comprometessem mais com a construção de projetos de inserção social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de cidadania que minimizem o estigma e promovam a qualidade de vida dos portadores de sofrimento psíquico (BRASIL, 2004, a). Deste modo, é de extrema importância que os serviços de saúde mental e seus profissionais reestruturem sua forma de trabalho com a família. Em geral, o que a família busca é apoio e orientação para maneiras de cuidar e conviver 43 com seu familiar (MIELKE et al., 2010). Para isso as equipes dos serviços em saúde mental infantojuvenil precisam desenvolver estratégias de inserção da família no cuidado. Estudos realizados demonstram que os serviços de saúde mental têm utilizado espaços, como grupos terapêuticos de familiares, atendimento individual aos familiares por um profissional do serviço (psicólogo, assistente social), oficinas terapêuticas e visitas domiciliares (ROSA, 2005). Os familiares tornam-se essenciais no processo de tratamento da criança e o do jovem com transtorno mental. No entanto necessitam saber como lidar com as situações estressantes, evitando comentários críticos ao paciente ou se tornando super protetores. Nesse momento é fundamental a participação do serviço junto ao familiar, no acolhimento, escuta e orientação (MIELKE, 2010). o acolhimento e a escuta são ferramentas prioritárias para o estabelecimento de ações participativas na atenção psicossocial (MIELKE, 2010). No caso de cuidar de crianças e jovens com algum transtorno mental, torna-se muito importante que os familiares dosem o grau de exigências, ao conhecer melhor o transtorno mental. Transtornos mais graves, como retardo mental grave, remetem a mais cuidados pelos familiares, tanto nas atividades cotidianas, como trocar de roupa, banho, escovar os dentes, comer, quanto no uso de medicamentos e atividades específicas, orientadas pelos profissionais do serviço, para serem realizadas em casa. O cotidiano de um familiar de crianças ou jovens com transtorno mental é inegavelmente árduo e marcado por extrema dedicação (COSTA et al., 2010). O processo terapêutico de crianças e jovens com algum transtorno mental é o momento onde o paciente passa por cuidados efetivos exercidos, muitas vezes não só por um profissional, mas por uma equipe multiprofissional tendo por finalidade o tratamento dos sintomas de seu transtorno e a manutenção e garantia de sua continuidade ao tratamento, visando sua melhora. É neste momento também que deve haver uma parceria entre a equipe multiprofissional e os familiares do paciente, juntos pelo mesmo objetivo da melhora e qualidade de vida da criança e do jovem (LAZURE, 1994). Sendo assim, a família passa a ser um aliado eficiente em conjunto com a medicação e a terapêutica oferecida pela equipe multiprofissional. Tanto a família quanto a equipe responsável pela criança ou jovem necessitam estar 44 alinhadas com o objetivo de adquirir confiança e vínculo, para que se estabeleça uma relação de confiança e de aceitação ao tratamento, o que irá garantir a efetivação do tratamento e estabilização do quadro (LAZURE, 1994). Se os familiares estão inseridos e participantes durante o processo terapêutico, conseguem lidar com menos apreensão e assim oferecer cuidados de melhor qualidade ao doente, principalmente quando estão inseridos em reuniões e/ou grupos de família, sendo estes espaços propícios para a reflexão, discussão, escuta, troca de experiências, angústias e orientações, constituindo-se estes como efetivos espaços privilegiados de atendimento (LAZURE, 1994). 2.3. Assistência em saúde mental infantojuvenil no Brasil 2.3.1. Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI’s) A promulgação da Carta Constitucional de 1988 foi um marco da democracia e dos direitos, afirmando sem ressalvas a condição cidadã de crianças e adolescentes, assegurando-lhes: “O direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, 2005). Esse mesmo processo de afirmação da condição de sujeitos a crianças e adolescentes resultou na promulgação de Lei n.º 8.069, de 13/7/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Do mesmo modo, estava posto o desafio para as políticas em Saúde Mental (BRASIL, 2005). Em 1992, a II Conferência Nacional de Saúde Mental apontou para os efeitos negativos da institucionalização de crianças e jovens. Em 2001, a III 45 Conferência Nacional de Saúde Mental, foi contundente sobre o tema, determinando que não fossem adiadas as ações políticas e assistenciais necessárias para que um novo tempo se instaurasse no que diz respeito ao cuidado e tratamento infantojuvenil. No ano seguinte, foi estabelecido que os Centros de Atenção Psicossocial passassem a ser definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional, dando origem aos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI’s) (COUTO et al., 2008; BRASIL, 2004, b). Os CAPSI’s são constituídos de serviços de cuidado mais adequados aos princípios e diretrizes explicitados no Movimento da Reforma Psiquiátrica, iniciada no Brasil a partir da década de 1980 (SCANDOLARA et al., 2009). São formalmente definidos pela Portaria nº 224 de 29 de janeiro de 1992 do Ministério da Saúde como unidades locais/regionalizadas, que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional, podendo atuar como porta de entrada da rede de serviços para as ações relativas à Saúde Mental (BRASIL, 1992). É um serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes, gravemente comprometidos psiquicamente. Estão incluídos nessa categoria os portadores de autismo, psicoses, neuroses graves e todos aqueles que, por sua condição psíquica, estão impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais (BRASIL, 2004, a). A faixa etária para atendimento no CAPSI é até 21 anos (BRASIL, 2004, b). Os CAPSI'S constituíam-se como serviços de referência, voltado para uma população de cerca de duzentos mil habitantes, ou outro parâmetro populacional a ser definido pelo gestor local, atendendo a critérios epidemiológicos (BRASIL, 2002). Porém no ano de 2010, nova portaria foi lançada sob o número 4.279, a qual estabelecia novas diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo o CAPSI. O presente documento tratava das diretrizes para a estruturação da Rede de Atenção à Saúde (RAS) como estratégia para superar a fragmentação da atenção e da gestão nas Regiões de Saúde e aperfeiçoar o funcionamento político (BRASIL, 2010). 46 No ano seguinte, divulgou-se uma nova portaria sob o número 3.088 (republicada em 21 de maio de 2013), que instituía a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A Rede de Atenção Psicossocial é um sistema mais amplo, que tem entre outros objetivos promover cuidados em saúde especialmente para grupos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes, jovens, pessoas em situação de rua e populações indígenas. A Rede de Atenção Psicossocial é constituída por diversos componentes, como por exemplo os Centros de Atenção Psicossociais, nas suas diferentes modalidades, incluindo o atendimento infantojuvenil. A partir desta nova Rede ficou instituído que o CAPSI passaria a atender crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. O mesmo continua a se configurar um serviço aberto e de caráter comunitário, indicado agora para municípios ou regiões com população acima de cento e cinquenta mil habitantes (BRASIL, 2011). Segundo a Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde (2014), o Brasil possuía cerca de 2.096 Centros de Atenção Psicossocial. Destes, apenas 196 se referem aos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, representando apenas 9,3% de toda rede de assistência voltada para crianças e adolescentes no Brasil. A maior parte dos CAPSI's está concentrada na região sudeste, sendo o estado de São Paulo o que possui mais CAPSI’s - 58 unidades, seguido pelo estado do Rio de Janeiro - 25 unidades. A região norte é a que menos possui este tipo de serviço (BRASIL, 2014). 2.3.2. Caracterização dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis. Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis caracterizam-se por: 47 a) constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária destinado a crianças e adolescentes com transtornos mentais; b) possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), de acordo com a determinação do gestor local; c) responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental de crianças e adolescentes no âmbito do seu território; d) coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de unidades de atendimento psiquiátrico a crianças e adolescentes no âmbito do seu território e) supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, na atenção à infância e adolescência; f) realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essenciais para a área de saúde mental regulamentados pela Portaria/GM/MS nº 1077 de 24 de agosto de 1999 e medicamentos excepcionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS nº 341 de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área assistencial; g) funcionar de 8:00 às 18:00 horas, em dois turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno que funcione até às 21:00 horas. A assistência prestada ao paciente no CAPSI inclui: atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros); atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outros); atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio; visitas e atendimentos domiciliares; atendimento à família; 48 atividades comunitárias enfocando a integração da criança e do adolescente na família, na escola, na comunidade ou quaisquer outras formas de inserção social; desenvolvimento de ações intersetoriais, principalmente com as áreas de assistência social, educação e justiça; uma refeição diária para os pacientes assistidos em um turno de 04 horas e os assistidos em dois turnos (08 horas) receberão duas refeições diárias; A equipe técnica mínima para atuação no CAPSI deve ser composta por um médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental; um enfermeiro; quatro profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; e cinco profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão (BRASIL, 2004, a). 2.4. Satisfação com os serviços de saúde 2.4.1. Conceito de satisfação com o serviço A avaliação de políticas e programas é muito importante para a saúde pública, já que contribui para a busca de uma sociedade mais saudável e auxilia na prevenção de desperdício de recursos (VAUGHAN,2004). É um dos caminhos da gestão para buscar a qualidade do atendimento prestado. A avaliação de um determinado serviço diz respeito a um processo intencional, técnico e político, onde denota compromisso ético e social do serviço com a população (ADAMI, MARANHÃO, 1995). Um dos métodos mais utilizados para a avaliação dos serviços é a avaliação da satisfação dos usuários (MISHIMA, 2010). Segundo Kerber (2010) a avaliação da satisfação permite analisar a resposta da comunidade à oferta de 49 serviços de saúde e possibilita uma melhor adequação dos cuidados às expectativas dos usuários. Desta forma, a análise da satisfação é um importante instrumento no planejamento e organização da assistência, com vista à adequação da resposta às necessidades da comunidade (ROSA et al., 2011). A satisfação dos usuários com o serviço pode ainda contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida, pois promove a adesão ao tratamento e, com isso a continuidade na utilização dos serviços (ARAKAWA et al., 2012). A satisfação com um serviço diz respeito a um conjunto variado de reações diante à experiência dos cuidados em saúde. É um conceito de natureza subjetiva, em que os fatores psicossociais (expectativas, desejos, vulnerabilidade, desigualdades) têm importante relevância (ESPERIDIÃO, TRAD, 2006). Para satisfazer o usuário do serviço é necessário compreender suas necessidades e, em seguida, construir um modo de trabalho efetivo e consistente que possa satisfazer essas necessidades. Deste modo, o serviço deverá transformar essas necessidades em requisitos e cumpri-los da melhor maneira possível. Isso implica ao serviço dedicação para coleta de dados e informações para entender os requisitos e as percepções do usuário (DEMING, 1990). A avaliação da qualidade do cuidado à saúde pode dar-se em três componentes: estrutura, processo de cuidado e resultados. As medidas de estrutura envolvem informações sobre recursos físicos, humanos, materiais, formas de organização, funcionamento, procedimentos, tipo e especialização dos equipamentos, dentre outros. As medidas de processo, ou seja, as atividades realizadas pelos provedores de assistência referem-se tanto à competência técnica, como à relação interpessoal. Já as medidas de resultado se referem ao efeito que ações e procedimentos tiveram sobre o estado de saúde dos usuários (DONABEDIAM, 1980). A avaliação dos serviços pode ainda ser dividida em duas dimensões: 1) desempenho técnico, ou seja, a aplicação do conhecimento e da tecnologia médica de modo a maximizar os benefícios e minimizar os riscos, de acordo com as preferências de cada paciente; 2) o relacionamento pessoal com o paciente, de modo a satisfazer os preceitos éticos, as normas sociais e as legítimas expectativas e necessidades dos 50 pacientes. A partir da interação entre o cliente e o médico, existe um processo complexo, que vai desde componentes comportamentais até componentes técnicos muito específicos (DONABEDIAN, 1978). Espiridião, Trad (2006) em seu estudo teórico a cerca da satisfação de usuários dos serviços em saúde identificou quatro fatores que podem influenciar a satisfação com um determinado serviço: 1) características dos pacientes (sociodemográficas; expectativas; estados de saúde); 2) características dos profissionais (personalidade, qualidade técnica e perfil); 3) aspectos da relação médico-paciente; 4) fatores estruturais e ambientais. Segundo Agostinho et al. (2009), a satisfação com o serviço pode ainda estar relacionada à fatores emocionais, culturais e de assistência, e portanto fazse fundamental entender quais destes influenciam essa percepção e de que maneira. 2.4.2 Satisfação de familiares com o serviço de saúde mental A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem estimulado a prática de avaliar os serviços de saúde com o objetivo de garantir a qualidade dos mesmos. Em meados da década de 90, a OMS passou a recomendar na abordagem avaliativa, a inclusão de pessoas envolvidas com o acompanhamento de pacientes, como por exemplo, familiares (DONABEDIAN, 2005; WHO, 2001, WHO, 1996). O envolvimento dos familiares, em colaboração com os profissionais dos serviços de saúde mental, apresenta vantagens para a melhora do tratamento, estando associado ao melhor funcionamento social dos indivíduos com transtornos mentais, à redução de conflitos familiares e à diminuição da sobrecarga dos familiares cuidadores dos pacientes. Assim, além de tornar a família parte integrante do processo de avaliação da intervenção proposta pelos serviços, também pode atuar como uma estratégia de incentivo a sua participação 51 e maior compromisso com a assistência oferecida (ALMEIDA, 2002). Os fatores que contribuem para a satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental ainda não foram bem definidos. Algumas pesquisas internacionais relatam associação entre satisfação e maior colaboração do serviço, maior autonomia do paciente, menor sobrecarga do familiar e mais apoio social (CAMILO et al., 2012; BANDEIRA et al., 2005). Um estudo brasileiro, realizado com 54 familiares de usuários de um serviço em saúde mental semiintensivo e intensivo, identificou uma correlação entre a satisfação global e qualidade de vida. Quanto maior a satisfação com o serviço, maior a qualidade de vida (SANTOS, 2010). O estudo de Grella, Grusky (1989) verificou que a maioria de familiares de pessoas em sofrimento mental estava insatisfeita em relação ao serviço comunitário oferecido, devido à pouca interação com os profissionais, principalmente no que diz respeito ao apoio de informação. Já Pereira, Cais (2001), em um estudo voltado à identificação do modo como a família percebe o serviço de saúde mental, verificaram associada à satisfação dos familiares o espaço de tratamento e convívio, além do acolhimento como necessidade de apoio ao enfrentamento dos conflitos vivenciados. Ou seja, a satisfação dependeria da eficiência do tratamento resultante dos vínculos formados no processo de assistência, além das características clínicas do paciente e fatores psicossocias do familiar (Fig. 1). 52 Figura 1. Esquema de possíveis variáveis que contribuem para a satisfação com os serviços de saúde mental. Segundo Perreault et al. (2011) há uma necessidade de aumentar a participação dos familiares no tratamento e na avaliação dos serviços, tendo em vista que essa colaboração ainda deixa a desejar e que os familiares se ressentem com isso. As queixas dos familiares estão relacionadas com a falta de informação sobre os transtornos psiquiátricos e o tratamento dos pacientes e com a falta de orientações sobre como agir com os indivíduos com transtornos mentais no dia a dia (PERREAULT et al., 2011; STENGARD et al., 2000). Pouca ênfase tem sido dada à avaliação da satisfação dos familiares com esses serviços seus fatores associados, apesar das recomendações feitas sobre a necessidade da inclusão dos familiares no monitoramento e avaliação dos serviços (WHO, 2001; STENGARD et al., 2000). As informações deste capítulo foram complementadas no artigo a seguir. 53 2.4.3 Artigo 2 54 55 56 57 58 59 60 61 3. Justificativa A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado avaliações de resultados do atendimento que também contemplem a perspectiva dos familiares. A satisfação com o serviço é uma das medidas mais utilizadas para a avaliação da qualidade do serviço. O conceito de satisfação tem sido formulado por diferentes modelos explicativos, sendo o mais utilizado o modelo da expectativa, segundo o qual o indivíduo avalia o serviço a partir de uma comparação que ele faz entre as expectativas que possuía previamente e os resultados reais de sua experiência com o serviço (BANDEIRA et al., 2011). O nível de satisfação ou de insatisfação pode ainda estar vinculado à aspectos dos serviços, como resultados do tratamento, acolhida e competência da equipe, privacidade e confidencialidade do serviço, disponibilidade de medicamentos, etc., assim como o transtorno apresentado pela criança e/ou jovem e também à influência de fatores psicossociais dos familiares, como menor sobrecarga, mais apoio social, menos eventos estressantes (GOUVEIA et al., 2009; COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES DE SAÚDE, 2008). Poucos estudos internacionais têm dado atenção à satisfação com o serviço entre familiares de crianças e jovens com algum tipo de transtorno mental (WILLIANS et al., 2012; LIN et al., 2009; LIPTAK et al., 2006). Até então, nenhum estudo brasileiro havia sido identificado a respeito desta temática com esta população. Porém, utilizar as avaliações dos familiares sobre a satisfação pode ser particularmente útil, porque eles são os principais provedores de cuidados a estas crianças e jovens, nas atividades cotidianas, na supervisão aos comportamentos problemáticos e no uso dos medicamentos, afetando os resultados do tratamento, como melhor adesão, menor taxa de abandono e menor taxa de hospitalizações futuras dos pacientes (BANDEIRA, BARROSO, 2005; HASLER et al., 2004; HANSON, 2001; PITTA et al, 1995; SILVA, FORMIGLI, 1994). A relação com os familiares tem auxiliado os profissionais a identificarem os aspectos do tratamento que já atendem às necessidades dos pacientes e aqueles que ainda necessitam ser melhorados para atingir esses objetivos. Além disso, incluir os familiares na avaliação do tratamento pode ter um efeito positivo 62 em seu bem-estar, diminuindo seu grau de sobrecarga como papel de cuidador (BANDEIRA, BARROSO, 2005). Esta foi uma proposta de trabalho inovadora no país, onde foram utilizados instrumentos validados no Brasil permitindo a comparação com estudos internacionais. 63 4.Objetivos 4.1.Objetivo Geral: Avaliar a satisfação com o serviço e seus fatores relacionados entre familiares de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil na região metropolitana do Rio de Janeiro. 4.2.Objetivos Específicos: Descrever perfil sociodemográfico destes familiares e variáveis clínicas dos usuários dos serviços; Avaliar a sobrecarga sofrida pelos familiares; Avaliar a presença de apoio social percebido pelos familiares; Identificar os principais eventos estressantes no último ano; Identificar os mecanismos de proteção (coping) utilizados pelos familiares; Identificar possíveis diferenças de nível de satisfação entre os transtornos apresentados; Identificar possíveis relações entre os níveis de satisfação e as outras variáveis estudadas. 64 5. Material e Métodos 5.1. Desenho de Estudo Trata-se de um Estudo Epidemiológico Seccional Descritivo. Os estudos seccionais possuem algumas vantagens, como o fato de serem mais rápidos e relativamente mais baratos quando comparados aos estudos de coorte e casocontrole. Embora apresentam maior poder de generalização, apresentam, entretanto, algumas limitações. Dentre elas, problemas com relação ao viés temporal, visto que é difícil separar causa e efeito. Ainda assim, foi possível testar a relação entre os eventos examinados (THIENGO et al, 2012). Além disto, o presente estudo avaliou a satisfação com o serviço de saúde mental infantojuvenil, na perspectiva dos familiares, possuindo portanto caráter de pesquisa avaliativa, do tipo somativa, que é definida como pesquisa de avaliação de resultados de serviços ou programas (CONTRANDIOPOULOS, 2000). 5.2. Local de Estudo O local escolhido para realização do estudo foi o CAPSI CARIM. O CAPSI CARIM foi um dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial Infantil no Brasil. O mesmo pertence ao território da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1980, por motivos administrativos, o setor de adolescente do Instituto de Psiquiatria, o qual pertence à UFRJ, foi anexado ao serviço infantil do mesmo, dando origem ao setor Infantojuvenil. Em meio às transformações provocadas pela Reforma Psiquiátrica, em 1998, o então setor Infantojuvenil foi transformada em CAPSI, sob o nome de Centro de Atenção e Reabilitação da Mocidade - CARIM. 65 Atualmente o CAPSI CARIM está regulamente matriculado no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), pertencendo à esfera administrativa federal, com gestão municipal, mas ainda possui atendimentos em parceria com a UFRJ. Possui nível de atenção ambulatorial e atividades de média e alta complexidade. O fluxo de atendimento é por demanda espontânea ou referenciada. As crianças e adolescentes vem em grande maioria acompanhadas dos familiares que procuram o serviço por meio de diferentes encaminhamentos: dos ambulatórios, das emergências psiquiátricas, dos conselhos distritais, etc. Tanto as crianças ou adolescentes quanto os familiares são recebidos para uma consulta, realizada por um membro da equipe técnica (psicóloga), que tem a função de checar os diagnósticos dos pacientes. A maior parte dos atendimentos (cerca de 70%) diz respeito a crianças e adolescentes com retardo mental ou diferentes tipos de autismo. No ano de 2014, cerca de 150 crianças e adolescentes eram atendidas pela instituição. O CAPSI CARIM também vem recebendo crianças e adolescentes com transtornos por uso de substâncias. Em seu quadro de profissionais estão médicos psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, cuidadores em saúde e pedagogos, atuando em sua maioria em contrato de trabalho celetista. A equipe conta ainda com estagiários do curso de Psicologia, e mais recentemente de estagiários do curso de Fonoaudiologia da UFRJ. O serviço possui atendimento de forma individual e em grupo. O atendimento clínico é complementado por atividades terapêuticas cotidianas, levando as crianças e adolescentes a interagir entre si, pintar, ouvir música, entre outras (FARAH, BARBOZA, 2000). Há ainda refeições no café da manhã, almoço e lanche à tarde. Todas realizadas em coletivo para que as crianças e adolescentes possam interagir entre si e com a equipe do serviço. Os familiares também participam de reuniões em grupo enquanto às crianças ou adolescentes estão em atendimento. Nessas reuniões, familiares e um psicólogo discutem a respeito das dificuldades de cuidados no dia-a-dia e possíveis resoluções. Além disso, há sempre um psicólogo e assistente social a disposição dos familiares para tratar de assuntos mais específicos e que requerem confidencialidade. Os atendimentos ocorrem de segunda à sexta-feira, 66 nos turnos da manhã e tarde. É aconselhável pelo serviço que os familiares compareçam com os pacientes 1 à 2 vezes por semana. Uma vez por semana, todas às quintas-feiras, é realizada uma reunião entre a equipe de profissionais, onde são discutidos os casos que demandam mais atenção e as dificuldades encontradas no atendimento da respectiva semana. O serviço também possui atividades de ensino e pesquisa vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde (CNES), a região metropolitana do Rio de Janeiro possui oito CAPSI’s. O CAPSI CARIM pertence à área programática 2.1, mas também atende moradores da área programática 2.2 da região metropolitana do Rio de Janeiro, a qual possui dois CAPSI’s. O CAPSI CARIM fica no bairro Botafogo, um dos principais pólos de saúde da cidade, já que possui um grande número de clínicas e hospitais (AMABAssociação de moradores e amigos de Botafogo. Disponível em: www.amabotafogo.org.br/perfil.asp. Acesso: 12/09/2013). A área programática 2.1 compreende aos seguintes bairros: Glória, Catete, Laranjeiras, Cosme Velho, Botafogo, Humaitá, Urca, Leme Copacabana, Jardim Botânico, Lagoa, Gávea, Ipanema, Leblon, Rocinha, São Conrado, Vidigal. Já a área programática 2.2 compreende aos bairros do Alto da Boa Vista, Andaraí, Grajaú, Maracanã, Praça da Bandeira, Tijuca e Vila Isabel. 5.3. População do Estudo Todos os familiares de crianças e jovens com algum tipo de transtorno mental (CID-10), que frequentaram o serviço entre os meses de agosto e outubro de 2014. 67 5.4. Critérios 5.4.1. Critérios de Inclusão Familiar com idade acima de 18 anos; Familiar que residia com a criança ou adolescente; Familiar que acompanha o paciente no serviço há pelo menos 6 meses*. 5.4.2. Critérios de Exclusão Familiares menores de 18 anos. Familiar que não residia e convivia com a criança ou adolescente no dia-adia; 5.5. Instrumentos 5.5.1. Escala de avaliação da satisfação dos familiares com os serviços de Saúde mental (SATIS-BR): Este questionário tem como objetivo conhecer as experiências dos familiares junto aos serviços de saúde mental. O instrumento utilizado foi a versão abreviada que possui 11 itens, dos quais, 3 são questões qualitativas, enquanto 8 são questões do tipo Likert. Estes itens estão agrupados em 3 categorias: resultados do tratamento, acolhida e competência da equipe e privacidade e confidencialidade do serviço. Estes foram os únicos itens utilizados para o cálculo do grau de satisfação dos familiares (que varia entre nada satisfeito e muito satisfeito). Foi calculada uma média, que varia de 1 à 5, que indicou um grau maior de satisfação dos familiares, quanto mais próxima do valor máximo 5. Os escores podem ser obtidos de forma independente ou pode-se ainda obter uma média global de satisfação. * O critério de 6 meses foi adotado pela pesquisadora, pois foi considerado como característico para classificar o familiar e o paciente como pertencentes ao serviço. Outros estudos em saúde mental utilizaram critérios semelhantes (CAVALCANTI et al., 2009; OLIVEIRA et al., 2008). 68 A versão abreviada da escala foi escolhida, pois a diferença entre a versão abreviada e a estendida é que esta última possui questões sociodemográficas, que não são utilizadas para obtenção do escore de satisfação. A pesquisadora principal optou por usar as próprias questões sociodemográficas. Essa escala foi elaborada pela Divisão de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1996) e validada e adaptada para uso no Brasil (BANDEIRA et al., 2002). 5.5.2. Escala de Eventos Estressantes (EVE): Para identificar a presença de eventos de vida produtores de estresse no último ano, foi utilizada a escala Stressful Life Events (HOLMES, RAHE, 1967), adaptada e validada para uso no Brasil por Lopes et al. (2003). Esta escala se baseia em uma lista de acontecimentos considerados eventos significativos, como separação/divórcio, falecimento de pessoa próxima, perda do emprego, entre outros, partindo da pressuposição de que o esforço exigido no reajuste do indivíduo à sociedade, após essas mudanças significativas em sua vida, criaría um desgaste que poderia desencadear doenças sérias. Através dessa escala foram investigados neste estudo a presença de quatorze eventos estressantes: conflitos matrimoniais; história de separação ou divórcio; perda do emprego; conflitos com pessoas próximas; problema físico grave; problemas financeiros; envolvimento judicial; história de acidente de trânsito, incêndio ou catástrofe; história de seqüestro; falecimento de pessoa próxima; história de abuso sexual; história de furto; história de agressão e história de assalto residencial (LOPES et al., 2003; KENDLER et al., 1995). 5.5.3. Escala de sobrecarga (Burden Interview): A Burden Interview é um instrumento de 22 itens que avalia a sobrecarga objetiva e subjetiva dos prestadores de cuidados associados à incapacidade funcional e comportamental de individuos com alguma morbidade (BANDEIRA et al., 2008). A escala avalia o impacto da sobrecarga nos seguintes aspectos da vida do familiar: saúde, vida 69 social e pessoal, situação financeira, bem-estar emocional e relações interpessoais. As alternativas de resposta para cada item estão apresentadas em uma escala de 0 a 4, na qual 0 significa nunca; 1 = raramente; 2 = algumas vezes; 3 = freqüentemente e 4 = sempre. O último item da escala avalia, avalia de forma global, o quanto o familiar se sente sobrecarregado por cuidar de um paciente psiquiátrico. Para esse item, as alternativas de resposta são: 0 = nem um pouco, 1 = um pouco, 2 = moderadamente, 3 = muito, 4 = extremamente. A pontuação total da escala é obtida através da soma de todos os itens e pode variar de 0 a 88. Quanto maior o escore total, maior a carga. O resultado permite ainda concluir qual o nível de sobrecarga do indivíduo: pouca ou nenhuma carga, leva a moderada, moderada a intensa e intensa carga. Esta escala foi elaborada por Zarit (1980) e validada para o Brasil por Scazufca (2002). Apesar de ter sido desenvolvida a partir da experiência clínica e de pesquisa dos seus autores com pacientes idosos com demência e seus familiares, seus itens são abrangentes e lidam com dimensões comuns a várias doenças físicas e mentais. Diversos autores utilizaram esse instrumento com cuidadores de crianças e adolescentes com transtorno mental, tanto no Brasil quanto no exterior (TIM et al., 2012; TORQUATO et al. 2011; DADA et al., 2011; PIMENTA et al., 2010). 5.5.4. Escala de Apoio Social (MOS): Esta escala mede a percepção do individuo sobre o grau de apoio social (variando entre nunca e sempre) e possui itens distribuídos em uma escala tipo likert compreendendo cinco dimensões funcionais de apoio social: material (4 perguntas – provisão de recursos práticos e ajuda material); afetivo (3 perguntas – demonstrações físicas de amor e afeto); emocional (4 perguntas – expressões de afeto positivo, compreensão e sentimentos de confiança); interação social positiva (4 perguntas – disponibilidade de pessoas para se divertirem ou relaxarem) e informação (4 perguntas – disponibilidade de pessoas para a obtenção de conselhos ou orientações). O instrumento foi adaptado e validado para uso no Brasil (GRIEP et al., 2005; CHOR et al., 2001). 70 5.5.5. Escala de Modos de Enfrentamento do Problema (EMEP): A escala de modos de enfrentamento do problema (EMEP) é apontada como muito sensível à análise de como indivíduos envolvidos em problemáticas de saúde pessoal e de familiares lidam com tais contextos ao longo do tempo. Esta escala do tipo Likert possui 45 itens, distribuídos em 4 fatores: enfrentamento focalizado no problema; enfrentamento focalizado na emoção; busca de suporte social; busca de práticas religiosas. As respostas foram dadas em uma escala de cinco pontos (variando entre “eu nunca faço isso” e “eu faço isso sempre”). Foi calculada uma média, que varia de 1 à 5, que indicou um grau maior de estratégias positivas, quanto mais próxima do valor máximo 5. O instrumento foi validado e adaptado para uso no Brasil (SEIDL et al. 2001). 5.5.6. Escala de Qualidade de Vida (WHOQOL-BREF): Este instrumento do tipo Likert possui 26 itens, dos quais os dois primeiros se referem à qualidade de vida de modo geral e à satisfação com a própria saúde, enquanto o restante está divididos entre os domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente (THE WHOQOL GROUP, 1997). Suas opções de resposta estão divididas entre nada, muito pouco, mais ou menos, bastante e frequentemente, com respectivamente valores entre 1 e 5. Possui caráter transcultural, onde valorizam a percepção individual da pessoa, podendo avaliar qualidade de vida em diversos grupos e situações, tendo sido validado para uso no Brasil (FLECK et al., 2000). 5.5.7. Questionário sociodemográfico: Através de perguntas elaboradas pelos pesquisadores foram registrados dados sobre idade, estado civil, número de filhos, escolaridade, cor, naturalidade, nacionalidade e profissão. Os critérios de Classificação Econômica da ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) foram usados na estratificação socioeconômica. Trata-se de uma classificação brasileira, baseada em informações sobre o grau de instrução do chefe da família e a posse e número de eletrodomésticos na casa. Esta classificação estratifica o entrevistado em cinco diferentes categorias (de A a E). Esta variável foi agrupada no presente estudo em três categorias: alta (A e B), média (C) e baixa (D e E) para posterior análise de variância. 71 5.5.8. Variáveis que dizem respeito à clínica: Através de perguntas elaboradas pelos pesquisadores foram registrados dados sobre diagnóstico, uso de drogas e álcool, idade do diagnóstico, tempo de acompanhamento no serviço, acompanhamento clínico ou recreativo fora do serviço e se o paciente frequenta escola especial. 5.6. Coleta dos Dados Os familiares foram convidados a participar da entrevista através de solicitação realizada durante o atendimento com o grupo de familiares. No caso de dois familiares ou mais, a escolha ficava a critério dos familiares. Aqueles que consentissem em participar eram entrevistados, enquanto aguardavam o retorno do atendimento do paciente. O familiar era conduzido a uma sala separada onde foram explicados os objetivos, a questão do sigilo, a não obrigatoriedade da participação e verificou-se os critérios de inclusão. O familiar que consentía em participar, assinava o termo de consentimento livre e esclarecido. As informações diagnósticas dos pacientes foram conferidas no prontuário do mesmo. As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora principal do projeto, durando cerca de 50 minutos. 5.7. Análise dos Dados Foram realizadas análises estatísticas descritivas, como cálculos das porcentagens, médias e desvios-padrão para descrição dos familiares e de variáveis que diziam respeito aos pacientes do serviço. Com o objetivo de avaliar a aderência dos dados contínuos à distribuição normal, sendo esta suposição importante para a seleção dos testes estatísticos, foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnoff. As variáveis que não apresentaram normalidade foram transformadas em logaritmo para uma distribuição mais próxima da normal. Foi utilizado logaritmo de base 10 (Log10). 72 Para comparação entre a variável desfecho (satisfação com o serviço global) e a variável dicotômica sexo foi utilizado o teste t. Para verificar se existia uma diferença significativa entre a variável desfecho e as variáveis ordinais foi utilizada análise de variância (ANOVA), com posterior análise de Post-Hoc de Bonferroni, essa última para identificar entre quais grupos ocorria diferença significativa. Para comparar a variável desfecho com as variáveis contínuas foi utilizado teste de correlação de Pearson. Em seguida, as variáveis significativas no teste t e ANOVA foram transformadas em variáveis dummy para que se pudesse observar algum efeito destas variáveis sobre o modelo de regressão. Para identificar a variação da variável satisfação com o serviço global em relação as variáveis independentes foi realizada análise de regressão linear simples, onde as variáveis que obtiveram p≤0,20 entraram posteriormente na análise de regressão linear múltipla. Segundo Abbad e Torres (2002), por se tratar de um assunto, onde não há uma teoria consistente sobre o fenômeno, optou-se apenas em descrever relacionamentos pouco conhecidos entre variáveis através do modelo de regressão Stepwise. Através desse método, ao introduzir um novo preditor no modelo, procede-se à verificação da importância dos que já lá tinham sido anteriormente incluídos. Desta forma garante-se que são excluídos preditores que eram importantes, mas que perderam a importância pela entrada de novas variáveis no modelo de regressão. A significância admitida no modelo de regressão linear múltipla foi p≤0,05. A estatística de colinearidade também foi observada através dos testes de tolerância (T= próximo de 0) e Variance Inflation Factor (VIF = <5). Os dados foram computados e analisados por meio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 21.0. 5.8. Aspectos Éticos O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (CAEE: 25173914.6.0000.5286). Antes da entrevista cada familiar foi informado sobre a pesquisa e esclarecido sobre suas 73 dúvidas, devendo para tanto assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; quando impedidos devido à ausência de nível educacional, foi obtida impressão digital. Os familiares foram assegurados de que sua participação era voluntária, sem prejuízos para atendimento do paciente, tendo o familiar plena liberdade para sair do estudo a qualquer momento e recusar-se a responder às perguntas que ocasionassem constrangimentos de alguma natureza. Algumas perguntas podíam causar embaraço ao entrevistado. Para reduzir o risco de criar uma situação embaraçosa, todas as perguntas foram feitas com seriedade e em local privado, tendo o entrevistado direito a se recusar a responder em qualquer momento. O pesquisador suspenderia a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano ao participante, consequente à pesquisa, previsto ou não no termo de consentimento, porém o mesmo não foi necessário. De um modo geral, não houve riscos associados ou decorrentes da pesquisa, mas em caso de possível desconforto emocional durante a entrevista seria oferecido suporte terapêutico no serviço, gerando benefício para o familiar. Todos os dados foram mantidos confidenciais e somente seriam utilizados para providências de cuidados de saúde com o consentimento expresso do familiar. Os casos foram identificados através de um código numérico. A lista com o nome de cada participante será mantida em sigilo pela pesquisadora principal. 74 6. Resultados 6.1. Artigo 3 Satisfação de familiares com o atendimento oferecido por um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI) da cidade do Rio de Janeiro Resumo Introdução: Após a reforma da assistência psiquiátrica, a família passou a ser parte integrante do processo de avaliação dos serviços de saúde mental. Nesse contexto, uma das medidas mais utilizadas para a avaliação do serviço é a satisfação. O presente estudo teve como objetivo a avaliação de um CAPSI e sua relação com aspectos sociodemográficos e psicossociais, entre familiares de pacientes deste serviço. Métodos: Estudo epidemiológico seccional que utilizou: questionário sociodemográfico, escala de eventos de vida estressantes, de qualidade de vida, de sobrecarga, de apoio social e de estratégias de enfrentamento. Resultados: Foram entrevistados 102 familiares, cuja a média de satisfação global com o serviço foi de 3,9 (dp=0,6). Fatores relacionados à satisfação foram: resultados do tratamento, acolhida e competência do serviço, privacidade e confidencialidade do serviço, diagnóstico de autismo do paciente, ser familiar do sexo feminino, menor sobrecarga, melhor qualidade de vida nos aspectos físico, psicológico e ambiental, maior apoio material e maior utilização de estratégias de enfrentamento focalizadas no problema. Conclusão: Identificar os fatores que possam influenciar a satisfação dos familiares com o serviço, pode ser de grande auxílio para a construção de serviços mais adequados à essas famílias e pacientes. Palavras-chave: Satisfação do usuário, cuidadores familiares, serviços de saúde mental. Thiengo DL, Fonseca D, Abelha L, Lovisi GM. Satisfação de familiares com o atendimento oferecido por um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI) da cidade do Rio de Janeiro. Artigo aprovado para publicação através do Cadernos de Saúde Coletiva, IESC/UFRJ, Rio de Janeiro. 75 Abstract Introduction: After the reform of psychiatric care, the family has become an integral part of the evaluation process of the mental health service. In this context, one of the measures most commonly used to evaluate the service is satisfaction. This study aimed to evaluate a CAPSI and its relationship to sociodemographic and psychosocial aspects, among relatives of its patients. Methods: Sectional epidemiological study that used: sociodemographic questionnaire, scale of stressful life events, quality of life, burden, social support and coping strategies. Results: 102 families were interviewed, whose average overall satisfaction with the service was 3,9 (sd = 0,6). Satisfaction related factors were: treatment outcomes, hospitality and service competence, service privacy and confidentiality, diagnosis of autism, being female relative, less burden, better quality of life regarding physical, psychological and environmental aspects, greater material support and greater use of coping strategies focused on the problem. Conclusion: The identification of factors that may influence the families satisfaction with the service, can be of great help for the construction of more adequate services to these families and patients. Keywords: Users’ satisfaction, family caregivers, mental health services 76 Introdução O principal objetivo das políticas em saúde mental, no atendimento às crianças e jovens com transtornos mentais, é a construção de uma rede de cuidados capaz de responder de forma efetiva às necessidades da população infantojuvenil (COUTO et al., 2008). No Brasil, os serviços especializados no atendimento à crianças e jovens com transtornos mentais são os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSI). Este serviço possui caráter comunitário, indicado para regiões com população acima de cento e cinquenta mil habitantes, onde a idade limite para atendimento é até 21 anos (BRASIL, 2011; BRASIL, 2004). Após a reforma da assistência psiquiátrica os serviços de atenção comunitária em saúde mental, incluindo os serviços infantojuvenis, passaram a ter como estratégia da atenção, uma participação mais ativa dos familiares. Os familiares devem ser parte integrante do tratamento, pois se observa maior dificuldade de melhora quando não se obtém a participação do familiar no atendimento (SILVA et al., 2001). Além disso, tornar a família integrante do processo de avaliação dos serviços de saúde mental funciona como parte fundamental para aprimoramento do serviço de saúde (ALMEIDA, 2002). Nos últimos anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado a avaliação dos CAPSI's que também contemplem a perspectiva dos familiares (DONABEDIAM, 2005; WHO, 1996). Neste contexto uma das medidas mais utilizadas para a avaliação da qualidade do serviço é a satisfação com o serviço (BANDEIRA et al., 2011; DONABEDIAM, 2005). A satisfação com o serviço diz respeito a um conjunto variado de reações diante da experiência dos cuidados em saúde (ESPERIDIÃO, TRAD, 2006). A satisfação com o serviço dependeria da eficiência do tratamento, dos vínculos formados no processo de assistência, além das características clínicas do pacientes e fatores psicossociais do familiar (COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE, 2008). Poucos estudos internacionais têm dado atenção à satisfação com o serviço entre familiares de crianças e jovens com algum tipo de transtorno mental. Liptak et al. (2006) em seu estudo comparando familiares de crianças com 77 autismo e retardo mental verificou que famílias de crianças com retardo mental estavam mais satisfeitas com o serviço. O estudo de Garlandi et al. (2007) verificou que a menor sobrecarga e maior frequência no serviço estavam correlacionadas à maior satisfação dos familiares com o serviço. Outros estudos identificaram uma correlação entre variáveis sociodemográficas, menor gravidade do transtorno mental e maior satisfação com o serviço (BLADER, 2007; COPELAND et al., 2004; BRINKMEYER et al, 2004). Escassos estudos epidemiológicos acerca da satisfação com os serviços de saúde mental foram identificados no contexto brasileiro. Esses estudos tem como foco familiares de pacientes adultos com diagnóstico de esquizofrenia (BANDEIRA et al., 2011; SANTOS, 2010). Diante da necessidade de mais estudos sobre a satisfação de familiares com os serviços de atendimento infantojuvenil, o objetivo principal do estudo foi avaliar a satisfação com o serviço entre familiares de pacientes atendidos em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil na região metropolitana do Rio de Janeiro. Também foram objetivos identificar diferenças entre a satisfação dos familiares segundo o transtorno mental dos pacientes e identificar possíveis relações entre a satisfação com o serviço e aspectos sociodemográficos e psicossociais. Métodos Trata-se de um estudo epidemiológico seccional realizado entre os meses de agosto e outubro de 2014. Local do estudo O estudo foi realizado no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil CARIM, na região metropolitana do Rio de Janeiro. O CAPSI CARIM foi um dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial Infantil no Brasil. Em meio às transformações provocadas pela Reforma Psiquiátrica, em 1998, o então setor Infantojuvenil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi transformado em CAPSI, sob o nome de Centro de Atenção e Reabilitação da Mocidade - CARIM. Atualmente, o mesmo pertence à esfera administrativa 78 federal, com gestão municipal, mas ainda possui atendimentos em parceria com a UFRJ. Possui atendimento ambulatorial e atividades de média e alta complexidade. No ano de 2014, o serviço possuía aproximadamente 150 pacientes em atendimento. O fluxo de atendimento é por demanda espontânea ou referenciada. Em seu quadro de profissionais estão médicos psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e cuidadores em saúde. Os familiares também participam de reuniões em grupo enquanto os pacientes estão em atendimento. Nessas reuniões familiares e um psicólogo discutem a respeito das dificuldades de cuidados no dia-a-dia e possíveis resoluções. Além disso, há sempre um psicólogo e assistente social a disposição dos familiares para tratar de assuntos mais específicos e que requerem confidencialidade. Os atendimentos ocorrem de segunda a sexta-feira, nos turnos da manhã e tarde. Critérios de inclusão Foram adotados critérios de inclusão como: familiar com idade acima de 18 anos, que residiam com a criança ou jovem e que acompanhavam o paciente há pelo menos seis meses no serviço. Instrumentos A fim de cumprir com os objetivos do presente estudo, foram utilizados instrumentos para a descrição de variáveis sociodemográfics e psicossociais. O questionário sociodemográfico utilizado incluiu perguntas sobre idade, cor, estado civil, entre outras. Foram utilizados os critérios de Classificação Econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa para estratificação socioeconômica (ABEP, 2012). Além disto os familiares também foram questionados a respeito do uso de álcool e drogas pela criança ou jovem, tempo de acompanhamento no serviço e se faziam acompanhamento complementar fora do serviço. O diagnóstico foi obtido através do prontuário do paciente. Para avaliar a satisfação com o serviço foi utilizada a escala de Avaliação da Satisfação dos Familiares com os Serviços de Saúde Mental (SATIS-BR). Esse instrumento é o único validado para uso no Brasil capaz de 79 avaliar a satisfação de familiares com um serviço de saúde mental no contexto brasileiro e pode ser aplicado em familiares de crianças ou jovens (BANDEIRA et al., 2002; WHO, 1996). A versão utilizada foi uma versão abreviada que possui 11 itens, dos quais, 3 são questões qualitativas, enquanto 8 são questões do tipo Likert, agrupadas em 3 categorias: resultados do tratamento, acolhida e competência da equipe e privacidade e confidencialidade do serviço. É calculada uma média, que varia de 1 à 5, que indica um grau maior de satisfação dos familiares, quanto mais próxima ela estiver do valor máximo. A compreensão dos familiares acerca das questões da escala de satisfação foi verificada por meio da Técnica de Sondagem, onde os participantes justificavam suas respostas a cada um dos itens da escala, contribuindo assim para a segurança dos dados (GUILLEMIN, 1993). Escala de Eventos de Vida Estressantes (Stressful Life Events) foi utilizada para identificar a presença de catorze acontecimentos considerados eventos importantes pelo individuo no último ano, como por exemplo conflitos matrimoniais, perda do emprego, e problema físico grave. Essa escala foi validada para uso no Brasil por Lopes et al. (2003). Burden Interview foi utilizada para avaliar a sobrecarga percebida pelos familiares. É um instrumento de 22 itens do tipo Likert que avalia o impacto da sobrecarga nos seguintes aspectos da vida do familiar: saúde, vida social e pessoal, situação financeira, bem-estar emocional e relações interpessoais. A escala permite classificar o nível de sobrecarga em pouca ou nenhuma, leve à moderada, moderada à intensa e intensa carga. Seu uso foi validado para o Brasil por Scazufca (2002). Para avaliar a qualidade de vida foi utilizada a WHOQOL-BREF. Este instrumento do tipo Likert possui 26 itens, dos quais os dois primeiros se referem à qualidade de vida de modo geral e à satisfação com a própria saúde, enquanto o restante está dividido entre os domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente (WHOQOL, 1997). O instrumento fornece uma média, que varia entre 0 e 100, a qual indicará um grau maior de qualidade de vida, quanto mais próximo do valor máximo. Foi validado para uso no Brasil (FLECK et al., 2000). 80 O apoio social percebido foi obtido através da escala de Apoio Social da Medical Outcomes Support. Este instrumento possui 19 itens distribuídos em uma escala tipo Likert compreendendo cinco dimensões funcionais de apoio social: material, afetivo, emocional, interação social positiva e informação, em uma média que varia de 0 à 100, que indicará um grau maior de apoio social, quanto mais próxima do valor máximo. Seu uso foi validado para o Brasil (GRIEP et al., 2005). Para identificar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares foi utilizada a Escala de Modos de Enfrentamento do Problema (EMEP Versão Abreviada). A escala do tipo Likert possui 45 itens, distribuídos em 4 fatores: enfrentamento focalizado no problema, enfrentamento focalizado na emoção, busca de apoio social e busca de práticas religiosas. É calculada uma média, que varia de 1 à 5, que indicará um grau maior de estratégias positivas, quanto mais próxima ela estiver do valor máximo. O instrumento foi validado e adaptado para uso no Brasil (SEIDL et al, 2001). Coleta de dados Os familiares foram convidados a participar da entrevista através de solicitação realizada durante o atendimento com o grupo de familiares. Aqueles que consentissem em participar eram entrevistados, em ambiente privado, verificando-se inicialmente seus critérios de inclusão. Houve participação de apenas um familiar por paciente. Os dados foram coletados por meio de entrevista estruturada, realizada pela pesquisadora principal, com duração de aproximadamente 50 minutos. Análise estatística Foram realizadas análises estatísticas para a descrição das características sociodemográficas e psicossociais dos familiares e pacientes. Com o objetivo de avaliar a aderência dos dados contínuos à distribuição normal foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnoff. As variáveis que não apresentaram normalidade foram transformadas em logaritmo (Log10), para uma distribuição mais próxima da normal. 81 Para comparação entre a variável desfecho (satisfação global com o serviço) e a variável dicotômica sexo foi utilizado o Teste t. Para verificar se existia uma diferença significativa entre a variável desfecho e as variáveis ordinais foi utilizada análise de variância (ANOVA), com posterior análise de PostHoc de Bonferroni, essa última para evidenciar entre quais grupos ocorria essa diferença. Para comparar a variável desfecho com as variáveis contínuas foi utilizado teste de correlação de Pearson. Em seguida, as variáveis significativas no teste t e ANOVA foram transformadas em variáveis dummy para que se pudesse observar algum efeito destas variáveis sobre o modelo de regressão. Para identificar a variação da variável satisfação global com o serviço em relação as variáveis independentes foi realizada análise de regressão linear simples, onde as variáveis que obtiveram p≤0,20 entraram posteriormente na análise de regressão linear múltipla stepwise. A significância admitida no modelo de regressão linear múltipla foi p≤0,05. A estatística de colinearidade também foi observada através dos testes de tolerância (T= próximo de 0) e Variance Inflation Factor (VIF = <5). Os dados foram computados e analisados por meio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 21.0. Aspecto Ético O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (CAEE: 25173914.6.0000.5286). Resultados De 142 crianças e jovens inscritos no CAPSI durante o período de coleta dos dados, 11 pacientes moravam em abrigos, sem contato com seus familiares; 25 familiares não possuíam os critérios de inclusão; e 4 familiares recusaram a participação na pesquisa sem qualquer razão para isso, totalizando 102 familiares. 82 Características dos participantes Em relação as características sociodemográficas, a idade dos familiares variou de 21 a 80 anos, com uma média de 45,3 anos (dp = 12,3). A maior parte dos entrevistados era do sexo feminino (71,6%), composta por mães (54,0%), com apenas ensino fundamental (53,9%) e pertenciam à classe socioeconômica C (62,7%). Entre os entrevistados, 31,4% afirmaram viver maritalmente; 44,1% se declararam de cor branca; 45,1% eram naturais do Rio de Janeiro e 32,5% tinham trabalho formal. A média de filhos por famílias foi de 2,36 (dp=1,4). Em relação aos pacientes do serviço, a média de idade foi de 11,6 anos (dp=5,6), variando entre 4 e 21 anos. Os diagnósticos mais frequentes foram Autismo infantil (40,2%) e Retardo mental (30,4%). Dois pacientes (2,0%) foram apontados como usuários de maconha. A média em meses de permanência no serviço foi de 40,7 (dp=36,4). Somente 29% dos pacientes frequentam escola especial. Além disso, metade dos pacientes não participa de nenhuma atividade recreativa ou terapia complementar (por exemplo fonoaudiologia ou terapia ocupacional) fora do CAPSI (Tabela 1). Aspectos psicossociais dos familiares No que diz respeito aos eventos de vida estressantes, 27,5% dos familiares relataram algum episódio de vida estressantes no último ano. Os mais comuns foram: envolvimento judicial (10,7%) e falecimento de pessoa próxima (9,8%). O domínio psicológico da qualidade de vida, a dimensão afetiva da escala de apoio social e as estratégias de enfrentamento focalizadas no problema obtiveram a maior média. A maior parte dos entrevistados apresentou sobrecarga entre "leve e moderada" (55,9%) (Tabela 1). O escore médio de satisfação global foi de 3,9 (dp=0,6), indicando que, em geral, os familiares dos pacientes estavam entre "mais ou menos satisfeitos" e "satisfeitos". Os escores médios de satisfação também foram calculados de acordo com as subescalas, sendo 3,6 (dp=0,7) para a subescala “Resultados do tratamento”; 3,7 (dp=0,8) para a subescala “Acolhida e competência da equipe”; e 83 4,3 (dp=0,5) para a subescala “Privacidade e confidencialidade do serviço” (Tabela 1). Em relação às perguntas qualitativas da escala, a maior parte dos familiares (54,1%) afirmou gostar da atenção do profissionais aos pacientes. As principais queixas foram: falta de atendimento individual para o paciente (8,8%) e falta de infraestrutura (7,8%). Aproximadamente 37,3% dos familiares acreditavam que o serviço poderia ser melhorado. 84 Tabela 1. Características sociodemográficas e psicossociais dos familiares de pacientes atendidos no CAPSI CARIM entre os meses de agosto e outubro, 2014. Variáveis Frequência (%) Média (dp) Sexo Masculino Feminino 29 (28,4%) 73 (71,6%) - Idade em anos - 45,3 (2,3) Cor Branca Parda Negra Indígena 46 (45,1%) 41(40,2%) 14(13,7%) 1(1,0%) - Estado Civil Solteiro(a) Casado(a) Divorciado(a) Vive maritalmente Viúvo(a) 22(21,6%) 30 (29,4%) 14(13,7%) 32(31,4%) 4(3,9%) - Escolaridade Analfabeto Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior 2(2,0%) 55(53,9%) 32(31,4%) 13(12,8%) - Naturalidade Rio de Janeiro Sudeste Nordeste Outros 46(45,1%) 11(10,8%) 42(41,2%) 3(2,9%) - Profissão Desempregado(a) Do Lar Trabalho Informal Trabalho Formal Aposentado(a) 8(7,8%) 33(32,4%) 15(14,7%) 34(32,5%) 13(12,6%) - Classificação Socioeconômica A2 A1 B2 B1 C D 1(1,0%) 2(2,0%) 17(16,7%) 6(5,8%) 64(62,7%) 12(11,8%) - Parentesco com o Paciente Mãe 56(54,8%) - Pai Pais adotivos Avó Avô Tio(a) 22(21,6%) 4(4,0%) 13(12,7%) 5(4,9%) 2(2,0%) - - 2,36(1,4) Número de Filhos Transtorno mental 85 31(30,4%) 41(40,2%) 14(13,7%) 3(2,9%) 5(4,9%) 2(2,0%) - 6(5,9%) - Idade da criança/adolescente em anos - 11,6 (5,6) Tempo no serviço em meses - 40,7(36,4) Retardo mental Autismo infantil Distúrbios da atividade e da atenção Transtorno depressivo recorrente Transtorno de Asperger Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares Transtornos psicóticos agudos e transitórios Frequência no serviço 1x por semana 2x por semana 68(66,7%) 34(33,3%) - Acompanhamento fora Não Escola especial Atividade recreativa Outros 51(50,0%) 30(29,4%) 7(6,9%) 14 (13,7%) - Uso de substância psicoativa pelo paciente Não Sim 100(98,0%) 2(2,0%) Eventos de Vida Estressantes Nenhum evento Um evento Acima de dois eventos 65(63,7%) 28(27,5%) 9(8,8%) - Sobrecarga Pouca ou nenhuma carga Leve a moderada Moderada a intensa Intensa carga 23(20,5%) 53(55,9%) 25(22,6%) 1(1,0%) - Qualidade de Vida Qualidade de Vida_Domínio Físico Qualidade de Vida_Domínio Psicológico Qualidade de Vida_Domínio Social Qualidade de Vida_Domínio Ambiental - Apoio Social Apoio Social_Dimensão Material Apoio Social_Dimensão Afetiva Apoio Social_Dimensão Emocional Apoio Social_Dimensão de Informação Apoio Social_Dimensão de Interação Positiva - Estratégias de Enfrentamento Estratégia_Focalizada no Problema Estratégia_Focalizada na Emoção Estratégia_Focalizada na Busca de Práticas Religiosas Estratégia_Focalizada no Apoio Social - Satisfação com o Serviço Global Resultados do Tratamento Acolhida e Competência Privacidade e Confidencialidade no Serviço - 66,2(17,4) 70,4(12,6) 58,9(13,8) 53,2(14,4) 66,4(15,0) 80,9(15,9) 70,6(14,4) 73,4(13,6) 74,6(17,4) 3,5(0,5) 1,8(1,5) 3,1(0,8) 3,2(0,7) 3,9(0,6) 3,6(0,7) 3,7(0,8) 4,3(0,5) 86 O grupo de familiares de pacientes com Transtorno depressivo apresentou a maior média de satisfação global com o serviço (M=4,5, dp=0,7). O grupo de familiares de pacientes com Transtorno psicótico apresentou a média mais baixa de satisfação global com o serviço (M=3,2, dp=0,6) (Tabela 2). 87 Tabela 2. Média de satisfação dos familiares segundo grupo diagnóstico dos pacientes atendidos no CAPSI CARIM entre os meses de agosto e outubro, 2014. Variáveis Retardo metal Autismo infantil Distúrbios da atividade e da atenção T. Depressivo recorrente T. Asperger T. específicos do desenvolvimento das habilidades escolares T. Psicóticos agudos e transitórios Satisfação com o Serviço Global 3,6(0,6) 4,1(0,6) 3,8(0,3) 4,5(0,7) 4,0(0,6) 3,4(0,7) 3,2(0,6) Resultados do Tratamento 3,3(0,7) 3,8(0,7) 3,7(0,4) 4,3(0,8) 4,0(1,0) 2,9(0,7) 3,0(0,8) Acolhida e Competência 3,5(0,8) 3,9(0,7) 3,7(0,5) 4,6(0,5) 3,8(1,0) 3,0(0,2) 3,0(0,9) Privacidade e Confidencialidade 4,1(0,6) 4,5(0,5) 4,2(0,4) 4,6(0,5) 4,7(0,4) 4,0(0,5) 4,2(0,7) Resultados da análise estatística O Teste t indicou diferença estatisticamente significante entre os sexos e a média de satisfação global com o serviço (Média _feminino: 4,00; Média_masculino: 3,63 / F=2,47, p=0,01). Já a análise de variância (ANOVA) permitiu concluir que existiam diferenças significativas entre a média de satisfação global com o serviço e os grupos de diagnóstico e sobrecarga. Na análise Post-Hoc, foi possível identificar que houve diferença significativa na média de satisfação global com o serviço entre o grupo de familiares de pacientes com autismo infantil em comparação com o grupo de familiares de pacientes com retardo mental (Mautismo: 4,1 / Mretardo: 3,6; p=0,02). Houve também diferença significativa na média de satisfação global com o serviço entre o grupo de familiares com "pouca sobrecarga" em comparação aos demais grupos de sobrecarga (Mpouca sobrecarga: 4,4 / Mcarga intermediária e intensa: 3,6; p=0,00) (Tabela 3). 88 Tabela 3. Teste t e análise de variância (Anova) entre satisfação com o serviço global e variáveis sociodemográficas e psicossociais. Variáveis F p-valor 2,47 2,08 0,01 0,12 Cor 1,28 0,28 Estado Civil 2,01 0,10 Naturalidade 0,14 0,93 Escolaridade 1,72 0,15 Profissão 0,22 0,92 Grau Socioeconômico 0,67 0,64 Parentesco com o Paciente 1,38 0,21 Diagnóstico do Paciente 3,94 0,03 Acompanhamento Fora 1,06 0,37 Eventos de Vida Estressante 0,19 0,82 Sobrecarga 17,85 0,00 Teste t Sexo Frequência no serviço * ANOVA F= Estatística F *Ambas entre grupos. A análise de correlação entre a variável desfecho e as variáveis independentes contínuas indicou correlação moderada positiva e significativa entre satisfação com o serviço global e as variáveis psicossociais: domínios físico, psicológico e ambiental da qualidade de vida; apoio material; e estratégias de enfrentamento focalizadas no problema, o que indicou que familiares mais satisfeitos de um modo global também apresentaram maior qualidade de vida na dimensão física, psicológica e ambiental, mais apoio material e fazem mais uso de estratégias de enfrentamento focalizadas no problema. As variáveis domínio físico (qualidade de vida) e apoio material também se mostraram mais correlacionadas com os subitens da escala de satisfação. Também houve correlação moderada positiva entre a satisfação com o serviço global e os subitens da escala de satisfação (Tabela 4). 89 Tabela 4. Análise de correlação significativa entre as variáveis psicossociais e subitens da escala de de satisfação com o serviço de saúde mental (SATIS-BR). Satisf_ 1 total Satisf_ 1 resultado Satisf_ 1 acolhida Satisf_ privacidade Quali_ físico Quali_ psico Quali_ 1 ambiental Apoio_ material Enfrent_ problema 1 1 1 ,708** ,751** ,601** ,726** ,578** ,407** ,728** ,724** ,708** 1 ,749** ,478** ,620 ,458* ,377 ,671 ,691** ,751** ,749** 1 ,578** ,668 ,609** ,491 ,559** ,701 ,601** ,478** ,578** 1 ,598 ,552 ,256 ,563 ,435 Quali_físico ,726** ,620 ,668 ,598 1 ,406** ,443** ,568* ,308** Quali_psico ,578** ,458* ,609** ,552 ,406** 1 ,510** ,514 ,368** Quali_ ,407** ,377 ,491 ,256 ,443** ,510** 1 ,450 ,466** ,728** ,671 ,559** ,563 ,568* ,514 ,450 1 ,386** ,724** ,691** ,701 ,435 ,308** ,368** ,466** ,386** 1 Satisf_total Satisf_ resultado 1 Satisf_ acolhida 1 Satisf_ privacidade ambiental Apoio_ 1 1 material Enfrent_ problema *. A correlação é significativa no nível 0,05 (2 extremidades). **. A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades). 1 . Variável transformada em logaritmo de base 10. 90 A regressão linear múltipla incluiu as variáveis que obtiveram p≤0,20 na regressão linear simples. Deste modo, entraram na regressão múltipla as variáveis: idade do paciente; domínio físico, domínio psicológico e domínio ambiental da qualidade de vida; apoio material; estratégias de enfrentamento focalizadas no problema e na busca de práticas religiosas. Além disso, as variáveis sexo, sobrecarga e diagnóstico foram transformadas em variável dummy. Ao final do modelo restaram apenas as variáveis domínio físico da qualidade de vida, apoio material, estratégias focalizadas no problema. Em relação às variáveis dummy, a variável "dummy_Alta_Carga" foi a única que permaneceu no modelo final. No modelo final, as variáveis independentes conseguiram explicar cerca de 70% a variação da avaliação da satisfação com o serviço total. O valor de R2 explica mais de 2/3 da satisfação com o serviço. Os valores observados estão variando em média 6,7% em torno dos valores previstos pela fórmula (erro padrão residual = 6,7), portanto este modelo é efetivo na prática. Não houve efeito de colinearidade observado através da análise de tolerância (T= próximo de 0) e VIF (<5). Deste modo, a probabilidade de que o resultado observado esteja errado é muito pequena (p<0,05). Através do coeficiente padronizado, pode-se identificar que a estratégia de enfrentamento focalizada no problema é a que mais influencia a avaliação da satisfação global com o serviço na regressão linear múltipla. Além disso, em relação à variável dummy, há evidências que o modelo seja diferente para familiares com alta e pouca ou nenhuma carga. Deste modo, observamos que o coeficiente da variável dummy foi negativo, indicando que ao manter as outras variáveis constantes no modelo, a satisfação global com o serviço é inferior nos familiares com maior sobrecarga (Tabela 5). 91 Tabela 5. Regressão múltipla entre a variável satisfação global com o serviço e variáveis independentes que permaneceram no modelo final. β β Erro padrão padronizado t IC pvalor 0,256 0,026 - 9,693 0,204 − 0,309 0,00 0,007 0,00 0,243 3,089 0,001− 0,002 Apoio _material 0,010 0,00 0,260 3,299 Enfrent_ problema 0,050 0,009 0,397 DUMMY_Alta _carga -0,027 0,014 -,163 Constante Quali_físico Tolerância VIF - - 0,03 0,455 2,198 0,001 − 0,002 0,01 0,456 2,194 5,522 0,032 − 0,069 0,00 0,547 1,829 -2,637 -0,048 − -0,007 0,01 0,541 1,349 β = Beta t= Estatística t IC= Intervalo de Confiança VIF= Variance Inflation Factor O modelo obteve F=64,25 (p≤0,01), deste modo, é possível afirmar que o modelo ajuda a prever a satisfação 2 com o serviço de um modo global. O R foi 0,69. Já o R ajustado foi 0,71 (erro padrão=0,03949). Fórmula do modelo de regressão final: y= 0,256+0,007 Qual_físico+0,010 Apoio_material+0,050 Enfrent_problema + (0,027) DUMMY_Alta_carga. 92 Discussão No presente estudo, os familiares entrevistados estavam, em média, satisfeitos com o serviço prestado pelo CAPSI. Em uma recente revisão sistemática a respeito dos estudos que investigaram a satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental infantojuvenil, verificou-se que na maior parte dos estudos os familiares também estavam satisfeitos com o serviço (THIENGO et al., 2014). Estudos internacionais com o mesmo escore máximo de pontuação, obtiveram médias de satisfação global semelhantes às encontradas no presente estudo (DVIR et al., 2012; REY et al, 1999). Os familiares estavam em média mais satisfeitos com as medidas de privacidade e confidencialidade fornecidas pelo serviço. A maior satisfação neste subitem pode ser explicado pelo fato de que os profissionais do serviço cumpriram seu papel ao oferecer segurança e confiança na relação com os familiares do serviço, quando estes necessitam discutir assuntos pessoais (SEOANE, FORTES, 2009). A falta de atendimento individual dos pacientes e infraestrutura foi um dos poucos aspectos de que os familiares não gostaram nos serviços. Um estudo qualitativo, realizado com familiares de um CAPS, ressaltou às insatisfações dos familiares quanto à infraestrutura, falta de recursos financeiros e humanos empregados no CAPS (KANTORSKI et al., 2012). Segundo Kantorski et al. (2012), a família frequentemente valoriza esses parâmetros como um marcador importante na qualidade da assistência prestada ao usuário do serviço de saúde mental. Em relação aos subitens da escala de satisfação, houve maior correlação entre a satisfação global com o serviço e acolhida e competência, contrariando os resultados dos estudos de Santos (2010) e Bandeira et al. (2002), que encontraram maior correlação com resultados do tratamento. O presente estudo, ao entrevistar familiares de crianças e jovens, pode ter lidado com uma população com angústias e expectativas bem diferentes, como por exemplo, dificuldade em aceitar o diagnóstico e medo e insegurança quanto ao futuro da criança ou jovem (CERVENY, 2006). Nesse contexto, ser bem acolhido pelo serviço pode ter sido um importante componente do tratamento. 93 A multiplicidade de fatores que poderiam influenciar a satisfação global com o serviço levou os pesquisadores à adotar um modelo multivariado de análise. O modelo demonstrou que familiares com maior sobrecarga estavam em média menos satisfeitos com o serviço em comparação com os familiares com pouca ou nenhuma sobrecarga. Tais dados podem ser explicados pelo estudo de Severo et al. (2007), o qual demonstrou que familiares que vivenciam situações de maior sobrecarga no dia-a-dia, também indicaram que as informações sobre a ausência de expectativa de cura para os pacientes consistiam em um ponto negativo do contato com os serviços de saúde mental, o que no presente estudo poderia explicar o fato de familiares com maior sobrecarga apresentarem uma média menor de satisfação global com o serviço. Quanto maior o escore de qualidade de vida nos aspectos físico, psicológico e ambiental, maior a satisfação global com o serviço. Segundo Borba et al. (2008), um dos fatores que podem influenciar diretamente na qualidade de vida do familiar é a sobrecarga, já que esta pode interferir e implicar diretamente num processo de adoecimento dos familiares, diminuindo sua qualidade de vida. Mello e Furegato (2008), em uma pesquisa de investigação sobre o significado de um CAPS entre os familiares, os mesmos afirmaram que o serviço trazia alívio da sobrecarga gerada pela convivência prolongada com o indivíduo com transtorno mental. É possível que a relação com os profissionais e as reuniões em grupo, tenham auxiliado esses familiares a lidar com a sobrecarga de cuidados do dia-adia, melhorando assim sua qualidade de vida, e como consequência influenciado a avaliação da satisfação com o serviço. De fato, entre os subitens da escala de satisfação, o que apresentou as maiores correlações com as dimensões de qualidade de vida foi "Acolhida e Competência da equipe". O apoio material foi outra variável que além de se correlacionar com a satisfação global com o serviço, permaneceu presente no modelo final da regressão. Este apoio refere-se à ajuda direcionada aos familiares em caso de necessidade, por exemplo, ajuda em dinheiro ou auxílio em tarefas diárias (SHERBOUNE, STERWART, 1991). Konstantares (1991) ressalta que a ajuda nas tarefas do dia-a-dia a um cuidador informal deveria tornar mais fácil o ato de cuidar de uma criança com transtorno mental oferecendo apoio material e 94 psicológico. Como consequência, o apoio social recebido fora do serviço de saúde, poderia implicar em uma menor sobrecarga, resultando em maior qualidade de vida, refletindo positivamente na sua avaliação em relação ao serviço de saúde. As estratégias de enfrentamento focalizadas no problema também foram evidenciadas pelo estudo através da análise de correlação. Além disso, foi a variável que apresentou maior força no modelo final de regressão. As estratégias de enfrentamento voltadas para o problema, buscam o manejo da situação estressante, que no caso é cuidar de uma criança ou jovem com transtorno mental (DAMIÃO et al., 2009). Sabe-se que os cuidados diários aos pacientes podem interferir e implicar diretamente num processo de adoecimento dos familiares, 2008). diminuindo suas estratégias de enfrentamento (BORBA et al., Na presente análise deste estudo, as estratégias de enfrentamento voltadas para o problema se mostraram de extrema importância. Segundo estudo de Borba et al. (2008), as estratégias de enfrentamento precisam ser trabalhadas pelo serviço de saúde para fortalecer os vínculos e a capacidade dos familiares de proverem os cuidados necessários aos pacientes. Assim como no estudo de Pereira e Cais (2001), é possível que essas estratégias focalizadas no problema também tenham sido trabalhadas com efetividade pelas reuniões com o grupo de familiares promovidas pelo serviço, o que resultou em um retorno positivo na avaliação do serviço. O sexo feminino também foi maioria entre os familiares, em consonância com outros estudos, onde a figura feminina tem sido descrita como o principal cuidador familiar (SANTOS, 2010). Além disso, o sexo feminino foi o único fator demográfico associado à maior satisfação global com o serviço. O estudo de Santos (2010), relata que a mulher, por uma questão cultural, apresentaria maior aceitação em relação aos cuidados oferecidos pelo serviço de saúde, o que, no presente estudo, poderia ter influenciado a avaliação da satisfação com o serviço. Campos e Soares (2005) afirmam também que são as mulheres que ficam mais em casa e acabam se responsabilizando pelos cuidados da pessoa com transtorno mental. No presente estudo, ao dividir esses cuidados 95 com o serviço de saúde é provável que tenha havido uma diminuição da sobrecarga e como consequência uma avaliação positiva do serviço. O diagnóstico de autismo também se mostrou associado à satisfação global com o serviço em comparação ao grupo de familiares de pacientes com o diagnóstico de retardo mental. Esse resultado contraria o estudo longitudinal de Liptak et al. (2006), que ressaltava que o sentimento de angústia e impotência dos familiares de crianças com autismo poderia afetar negativamente a interação dos familiares com os prestadores de cuidados de seus filhos, prejudicando a satisfação com o serviço. Porém o presente estudo não identificou tal constatação. É provável que as reuniões com os grupos de pais promovidas pelo serviço do CAPSI estejam sendo efetivas para os familiares de pacientes com autismo e com isso minimizando as angústias e frustrações destes familiares, oferecendo impacto direto na satisfação com o serviço. Ao fazerem parte dos grupos de apoio oferecidos pelo serviço, os participantes relatam melhora nas relações sociais, na capacidade para lidar com situações pertinentes ao transtorno mental, aumento da confiança e alívio emocional (CONTEL, VILLASBOAS, 1999). Por se tratar de um estudo seccional, o mesmo não permitiu estabelecer uma relação de causalidade entre os fatores estudados e a satisfação com o serviço. Todavia, optou-se por manter os fatores estudados na análise de correlação e regressão, pois podem ser de grande relevância para o planejamento das ações em saúde relacionadas ao cuidado das crianças ou jovens e seus familiares. Há uma necessidade de realização de mais estudos, sobretudo estudos longitudinais que possam colaborar com o tema. Ao se trabalhar com medidas de satisfação podem ocorrer viéses que resultam em respostas excessivamente positivas, tais como o viés de gratidão e/ou de aceitação (ESPERIDIÃO, TRAD, 2005). Em relação a estudos em serviços públicos, é provável os familiares estivessem relutantes em criticar os serviços sobre os quais eles são tão dependentes e com isso o receio dos familiares de perder o acesso ao serviço (ESPERIDIÃO, TRAD, 2005). Ainda assim, cuidados metodológicos foram tomados para diminuir a probabilidade 96 desses viéses, como a garantia de anonimato e uso de instruções detalhadas em ambiente privado (MERCIER, CORTEN, 1994). Conclusão No presente estudo, os familiares entrevistados estavam, em média, satisfeitos com o serviço de saúde mental infantojuvenil. Diversos fatores estiveram relacionados à satisfação global com o serviço, como resultados do tratamento, acolhida e competência do serviço e privacidade e confidencialidade no serviço. Sexo feminino do familiar foi o único fator demográfico relacionado à satisfação com o serviço de modo global. Em relação as variáveis pertinentes ao paciente, o diagnóstico de autismo foi o único que se mostrou relacionado com a satisfação com o serviço de modo global. Além disso, fatores psicossociais também foram evidenciados pelo estudo, como menor sobrecarga, maior qualidade de vida nos aspectos físico, psicológico e ambiental, maior apoio material e maior utilização de estratégias de enfrentamento focalizadas no problema. Além disso, é possível que a boa relação com os profissionais e as reuniões em grupo promovidas pelo serviço também tenham auxiliado esses familiares a lidar com a sobrecarga de cuidados do dia-a-dia, resultando em um retorno positivo na avaliação da satisfação com o serviço. Este estudo trouxe mais contribuições para um campo teórico e prático pouco explorado em saúde mental. É necessário que mais estudos possam ser realizados, para que se amplie a discussão em saúde mental infantojuvenil. De fato, identificar os fatores que possam influenciar a satisfação dos familiares com o serviço, pode ser de grande auxílio para a construção de um serviço mais adequado à essas famílias e pacientes. 97 Agradecimentos À doutora Nathália Armony e a toda equipe do CAPSI CARIM pelo interesse no estudo e acolhida dos pesquisadores. Fonte de Financiamento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Conflito de Interesse Nada a declarar. Referências do artigo ALMEIDA, P.F. O desafio da produção de indicadores para avaliação de serviços em saúde mental: um estudo de caso do centro de atenção psicossocial rubens côrrea/RJ. 2002. 137f. Dissertação. Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA - ABEP. Dados com base no levantamento socioeconômico de 2012 - IBOPE. Disponível em: <www.abep.org>. Acesso: 18/10/2013. 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