Guilherme Faquetti
Transcrição
Guilherme Faquetti
FACULDADE CANTAREIRA CURSO DE MÚSICA Análise da Transcrição da Allemande da BWV 1009 de J. S. Bach por John Duarte GUILHERME FAQUETTI RIBEIRO São Paulo Outubro/2012 GUILHERME FAQUETTI RIBEIRO Análise da Transcrição da Allemande da BWV 1009 de J. S. Bach por John Duarte Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Música da Faculdade Cantareira, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Bacharel em Música. Orientador: Prof. Ms. Roberto Anzai. São Paulo Outubro/2012 FICHA CATALOGRÁFICA R369a RIBEIRO, Guilherme Faquetti FICHA CATALOGRÁFICA Análise da Transcrição da Allemande da BWV 1009 de J. S. Bach por John Duarte / Guilherme Faquetti Ribeiro. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Cantareira. São Paulo: FIC, 2012. Orientador: Orientador: Prof. Ms. Roberto Anzai. Inclui bibliografia. 1. Suite BWV 1009 – Allemande – Análise transacional 2.Johann Sebastian Bach 2. Compositor alemão 4. Suítes para violoncelo 5. Ficha catalográfica elaborada pela Ferreira CRB-8/SP n. 6428 Suítes para violão 6. bibliotecária John DuarteIris I. Estevez Guilherme Faquetti Ribeiro CDU 78(730) Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Iris Estevez Ferreira CRB-8/SP n. 6428 1. Dedico este trabalho à minha esposa Ruth Neves dos Santos. Agradecimentos Agradeço a Deus, pois sem ele não teria condições de realizar este trabalho. Agradeço aos meus pais, responsáveis pelo incentivo e apoio de minha formação musical. Agradeço a minha esposa Ruth Neves dos Santos, pelo apoio, alegria proporcionada, companhia e atenção. Agradeço ao eterno amigo e grande professor Henrique Pinto, pois sem ele minha entrada nesta instituição não teria acontecido. Agradeço aos meus professores, Jose Eduardo Janke, Geraldo Ribeiro, Fernando Lima e Everton Gloeden pela contribuição em minha formação musical. Agradecimentos ao meu orientador pelas horas de dedicação e orientação deste trabalho. Resumo O presente trabalho tem como objetivo desvendar os processos criativos de John William Duarte (1919 - 2004) para a realização da transcrição da Allemande da suíte BWV 1009, de Johann Sebastian Bach - escrita originalmente para violoncelo através das escolhas do transcritor, mostrando os processos que foram necessários para a adaptação da obra, para violão solo (novo meio fônico). Palavras chave: Transcrição, J. S. Bach, John Duarte, Suítes para violoncelo, violão. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................1 1. TRANSCRIÇÃO 1.1 Transcrição: Definição e considerações............................................................4 1.2 Aspectos históricos da transcrição musical.......................................................6 2. TRANSCRIÇÃO DE JOHN DUARTE DA ALLEMANDE DA SUÍTE BWV 1009 2.1 Sobre os referenciais teóricos e os manuscritos utilizados.............................22 2.2 Aspectos ferramentais e estruturais alterados na transcrição de John Duarte............................................................................................................25 2.2.1 Análise dos aspectos ferramentais........................................................25 2.2.2 Análise dos aspectos estruturais...........................................................33 2.3 Outros Aspectos..............................................................................................37 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................43 ANEXOS ANEXO A – Manuscrito de A. M. Bach da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S. Bach......................................................................................................................48 ANEXO B - Manuscrito de J. P. Kellner da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S. Bach......................................................................................................................50 ANEXO C - Manuscrito “Westphal” da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S. Bach......................................................................................................................52 ANEXO D - Manuscrito Anônimo do séc. XVIII da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S. Bach.........................................................................................................54 ANEXO E - Transcrição de J. Duarte (1965) da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S.Bach...............................................................................................................56 LISTA DE FIGURAS FIG. 1 - Ilustração da origem dos manuscritos das suítes para violoncelo solo de J. S. Bach, de acordo com Schwemer e Woodfull-Harris; cópias disponíveis para consulta estão em negrito.....................................................................................24 FIG. 2 - O primeiro compasso dos manuscritos de J. S. Bach e a transcrição de J. Duarte (1965)........................................................................................................26 FIG. 3 - Afinação do violão – som real – e afinação do violoncelo.......................27 FIG. 4 - Compassos 7 e 8, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)........................................................................................................28 FIG. 5 - Compasso 16, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)........................................................................................................29 FIG. 6 - Compassos 11 e 12, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)...................................................................................................31 FIG. 7 - Compassos 21e 22, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)........................................................................................................35 FIG. 8 - Compasso 2 da transcrição de Duarte (1965) referente à Allemande da BWV 1009.............................................................................................................35 FIG. 9 - Compasso 10, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)........................................................................................................36 FIG. 10 - Compasso 14, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965).....................................................................................................38 1 Introdução Para o pesquisador César Souza Funk (2006) o violão é um instrumento que apesar de atualmente contar com um repertório próprio de maior envergadura, apresenta uma situação em que uma parte considerável de seu repertório é composta por transcrições musicais. Ainda segundo o pesquisador, entre os transcritores dedicados ao instrumento, destacam-se no séc. XIX Mauro Giuliani (1781-1829), Fernando Sor (1778-1839) transcrevendo para o instrumento seções de obras de Rossini e Mozart; Johann Kasper Mertz (1806-1858) que transcreveu canções de Shubert para violão solo e Francisco Tarrega (1852-1909). Este último de acordo com Sobral (2007) com o propósito de promover o instrumento paralelamente a um trabalho de composições próprias, empreendeu a tarefa de transcrever um grande número de obras para violão de diversos compositores renomados de sua época e de períodos anteriores. Ao tratar transcrição como o processo de modificação do meio fônico original de uma determinada composição, é possível mostrar a acuidade da relação compositor/transcritor, e como este se relaciona com a obra do primeiro, cabendo-o analisar cuidadosamente o original da obra escolhida e levando em consideração todos os detalhes afeitos ao instrumento, no caso o violão, para a adaptação da obra no novo meio fônico. Realizar uma transcrição musical implica estudar minuciosamente a obra do compositor em questão - no caso J. S. Bach - levando em consideração o estilo, época e as conseqüências do processo de adaptação para o instrumento escolhido (de LIMA JÚNIOR, 2003, p. 21). Ao mostrarmos a relação entre transcritor e compositor, podemos também levantar a pergunta sobre as semelhanças e diferenças entre as atividades que envolvem arranjo e transcrição e aonde a Allemande da suíte BWV 1009 se enquadra, uma vez que ambos os processos pertencem ao campo da recriação musical. Entre os transcritores - modernos - da obra de Bach para violão solo destacam-se Frank Koonce, à partir da obra escrita para Alaúde publicada pela “Second Edition”, Stanley Yates com a transcrição das suítes para cello disponíveis 2 pela editora “Mel Bay Publications Inc", Ken Hummer com sua transcrição feita a partir das Invenções publicadas pela “Alfred Publishing”, e John Duarte com a transcrição das suítes BWV 1007 e 1009 publicadas pela editora “Schott”, a última gravada por Andrés Segovia no disco “Segovia Collection Vol. 1: The Legendary Andrés Segovia in an All-Bach Program” lançado pela “MCA Records” e parte do objeto de estudo neste trabalho. A transcrição de John Duarte da Allemande da Suíte BWV 1009 para violoncelo de J. S. Bach foi escolhida devido à importância do primeiro como compositor e transcritor dedicado ao violão, “publicou mais de 200 obras originais e arranjos” (DUARTE, 2004), tem composições gravadas pelos concertistas John Williams no disco “The Virtuoso Guitar” (ZANON, s.d), Antigoni Goni no disco “John Duarte: Guitar Music” lançado pela Naxos e sua Suíte Inglêsa, op. 31, gravada por Andrés Segovia disponível no disco “Segovia on Stage” lançado pela gravadora “MCA Records”. Além de ter trabalhos como compositor e transcritor, é um autor. Entre suas publicações estão os livros “Melody and Harmony for Guitarists”, “Andrés Segovia: As I Knew Him” ambas disponíveis pela editora "Mel Bay Publications, Inc" e contribuições para o “New Gove Dictionary of Music and Musicians”. (DUARTE, 2004). A questão que o trabalho levanta é em relação à maneira como John Duarte resolve os problemas de recursos referentes ao violão, seja de adaptação de oitavas, acréscimo de uma linha melódica no baixo, ou a escolha da tonalidade, em que a realização de sua reelaboração encerra em si dois problemas básicos – um de ordem estética, inerente a cada região tonal, de acordo com seu conjunto de características e o colorido estabelecido pela região utilizada, e outro referente às questões de ordem técnica, relacionada aos recursos que cada região ou tonalidade oferece, e a maneira de como estes recursos serão explorados pelo transcritor (de LIMA JÚNIOR, 2003, p.41). Neste trabalho o processo de transcrição será abordado através da comparação dos fac-símiles existentes da Allemande da Suíte BWV 1009 para violoncelo de J. S. Bach e a transcrição, buscando mostrar seus processos intelectuais na realização da reelaboração da obra, e como Duarte se relaciona com a obra de J. S. Bach. Todas estas observações sobre transcrições nos levam a uma 3 questão: Quais os recursos utilizados por John Duarte para a realização de sua transcrição? Para explicarmos esta pergunta, o primeiro capítulo deste trabalho contém um objetivo descritivo e será dedicado às transcrições musicais, no qual abordaremos sua definição ou definições e suas características, a importância para a formação do repertório e como contribuiu para o desenvolvimento da música instrumental e do violão. Para entendermos do que se trata uma transcrição, o “como” e o “porquê” de serem feitas, serão usados como referência autores que desenvolveram este tema em teses, artigos, livros de história da música e dicionários musicais. Como os trabalhos de Antônio Afonso Gonçalves, Sarah-Anne Churchill, João Victor Bota, Donald J. Grout e Claude V. Palisca. No segundo capítulo, este com um objetivo exploratório, será feita a análise da transcrição de John Duarte da Allemande da Suíte BWV 1009 para violoncelo de J. S. Bach, levando em consideração todos os aspectos quanto às diferenças instrumentais e os recursos utilizados por John Duarte entrando em contato com sua interpretação particular da obra através do seu olhar de transcritor, com a finalidade de entendermos seus processos intelectuais, e as dificuldades técnicas para a realização de sua transcrição. Aqui serão utilizadas as edições fac-símilares que seguem a fundamentação teórica de James Grier (1916 - 2002), e os parâmetros de comparação de Flavia Vieira Pereira (2011) para que seja possível a comparação entre os manuscritos e a transcrição para violão solo de John Duarte. E por fim esperamos responder às questões aqui levantadas, entender o que é uma transcrição musical, o “como” e o “porquê” das transcrições serem produzidas, e esclarecer os processos intelectuais do transcritor, através dos critérios aqui adotados em relação à transformação da obra em questão para o novo meio fônico, no caso do violoncelo para o violão. 4 1. Transcrição Musical 1.1 Transcrição: definição e considerações “transcrição deriva do verbo latino transcriber, composto de trans (de uma parte para a outra; para alem de) e scribere (escrever) (BARBEITAS, 2000) Segundo o musicólogo Flavio Terrigno Barbeitas, em artigo publicado no ano de 2000, a definição acima aproxima o conceito de transcrição e tradução, uma vez que a palavra tradução originaria do Latim transducere (trans + ducere), significa “levar, transferir, conduzir para além de”. Outras definições para o termo, que não diferem da aproximação de tradução, significam em música que transcrição é: “o processo de modificação do meio fônico de determinada composição, a passagem de obras escritas em notação antiga para a notação moderna, ou ainda, o registro de obras ouvidas em discos ou apresentações ao vivo” (de LIMA JÚNIOR, 2003, p. 21,22). Já o pesquisador João Victor Bota (2008) transpõe o significado de tradução ao afirmar que se trata de um processo de recriação quando entendida como modificação do meio fônico. Ao pensar a transcrição em música como uma atitude composicional que vai além das simples transposições das alturas das notas musicais, em que procura converter a obra musical aos novos meios agregando-lhe uma parte das características do novo meio expressivo, sem perder de vista os parâmetros formais da obra original. Segundo o autor, “a recriação musical é ela própria um processo de composição. De fato, as transcrições musicais são práticas inventivas e por isso carregam consigo marcas 5 autorais e estilísticas. Nesse sentido, podem ser compreendidas como (re) composições de um material sonoro — que é traduzido para outras formações instrumentais — capazes de revelar novas cores e desenhos musicais” (BOTA, 2008, p.3). Uma das questões relativas a esta temática, que é preciso esclarecer para evitar mal-entendidos e proporcionar maior entendimento sobre o conceito de transcrição em música, é referente às diferenças e semelhanças com o arranjo musical. Para Bota (2008) ambos fazem parte de recriação musical compreendidos como processos de tradução para novos meios, tanto para uma nova instrumentação ou para uma rearmonização, longe de serem idênticos. O autor ainda afirma que: “a transcrição será entendida como o processo de recriação com maiores compromissos em manter as estruturas formais e harmônicas originais, ao mesmo passo que envolve, paradoxalmente, um grande investimento autoral do compositor/transcritor. Os arranjos, por outro lado, são constituídos de forma mais livre, não sendo necessário, portanto, a manutenção da estrutura da música (do ponto de vista da forma) original (2008, p.1)”. Para contrapor a idéia acima, de Lima Júnior (2003) tem uma visão menos flexível (quanto ao entendimento de transcrição como modificação do meio) ao afirmar que “Quando ocorrem modificações em que partes diferentes são escritas (compostas), criadas para compensar de alguma maneira a ausência de outro instrumento1, por exemplo, aí se manifesta a atividade do arranjador e não mais a do transcritor” e que transcrever implica adaptar um original ao novo meio fônico sem modificar-lhe a essência2. A palavra ou termo transcrição em música (ou transcrição musical) pode ter vários significados e algumas definições que ora se contrastam ou se complementam em seus pormenores. Será adotada aqui a definição que aborda o 1 “Os casos de adaptação de obras para instrumento solo, tais como violoncelo, flauta, etc., em que se acrescenta parte ou partes inexistentes do original” (JUNIOR, 2003, p.23). 2 Entenderemos por “essência” de acordo com o autor não a forma, mas sim as adaptações que não a modificam, muitas vezes importadas de outros instrumentos e que se fazem necessárias para a veiculação da música em novos meios. 6 termo transcrição musical como modificação do meio fônico original de uma determinada composição que mantém as estruturas formais da obra e está em conformidade com o trabalho de caráter exploratório de Pereira (2011). No trabalho da autora é proposto investigar o limite de ação prática, e ela constata que em uma transcrição musical os aspectos estruturais (estrutura rítmica, formal, harmônica e melódica) de uma obra musical não são modificados ou são muito pouco modificados em relação aos aspectos ferramentais (tonalidade/altura, meio instrumental, timbre, sonoridade, textura, articulação de fraseado e dinâmica) da obra transcrita. Ainda, segundo de Lima Júnior, “Realizar uma transcrição musical implica estudar minuciosamente a obra do compositor em questão, incluindo o estilo da época e as conseqüências do processo de adaptação para o instrumento escolhido. Ao transcritor, que muitas vezes lança-se na empreitada de transcrever obras de uma determinada época ou compositor, quase sempre com o objetivo de difundir uma determinada produção musical, cabe as tarefas de analisar acuradamente o original da obra escolhido, levando em consideração todos os detalhes adaptando-os ao novo meio fônico” (2003, p.21, 22). A partir das considerações veiculadas e descritas aqui sobre a transcrição musical, veremos como esta prática se desenvolveu, e contribui para a formação e promoção do repertório da música instrumental através do olhar de diferentes épocas da história da música, e sob o ponto de vista de diversos instrumentos solistas e agrupamentos instrumentais. 1.2 Aspectos históricos da transcrição musical Não pretendemos esgotar a transcrição musical como um processo evolutivo histórico neste trabalho, mas se faz necessário a abordagem deste aspecto para a sua compreensão e entender os motivos da produção musical baseada em transcrições com base nas definições anteriormente consideradas, sempre com o objetivo de entender como esta prática aconteceu em diferentes épocas da história da música. Aqui pelas diversas práticas de modificação do meio fônico original de uma determinada composição dialogarem encontraremos outras nomenclaturas 7 referente às práticas que envolvem a reelaboração musical, como transcrição, orquestração, redução, reescritura, paráfrase musical e arranjo. Apesar de não condizer com a definição adotada neste trabalho verifica-se que “a essência da transcrição musical remonta à pré-história, quando os cantos de pássaros ou ruídos da natureza eram provavelmente imitados pela voz humana, flauta primitiva e instrumentos de percussão” (BORÈM apud GONÇALVES, 2004, p.19). Para Gonçalves (2004) isso sugere que a composição musical também seja uma forma de transcrição, pois o homem inventou os instrumentos musicais, e de acordo com Schaeffner (1895 - 1980), o corpo foi o nosso primeiro instrumento musical. E para Barbeitas (2000), uma interpretação radical do sentido de transcrição/tradução permitiria afirmar que escrever poesia é traduzir e que compor música é transcrever. Talvez sendo na Idade Média o início de uma das concepções de transcrição musical como mudança de meio fônico, podemos verificar que os instrumentos musicais participavam, junto às vozes, na execução de todo tipo de música polifônica, apesar de não sabermos ao certo qual a medida ou forma exacta desta participação. “No século XVI a música instrumental ainda estava estritamente vinculada, quer no estilo, quer na execução, à música vocal. Os instrumentos podiam ser utilizados para substituir ou dobrar vozes nas composições polifônicas, tanto sacras como profanas” (GROUT, PALISCA, 1994, p.258). Em Gonçalves encontramos que: “A música vocal via transcrição, tornou-se a principal fonte do repertório 3 instrumental em desenvolvimento na Renascença . Grupos instrumentais, como o consorte de violas da gamba, eram formados em número correspondente ao número 4 5 de vozes dos motetos e madrigais , geralmente de três a seis. Prática comum, os 3 Apesar de estarmos falando de música instrumental é importante ressaltar que a produção musical entre os séculos XV e XVI era de notadamente um repertório de polifonia vocal na que diz respeito à música escrita (GROUT, PALISCA, 1994, p.254) 4 Gênero de música vocal de origem sacra com desenvolvimento à partir do séc. XIII, também chamado de “Moteto Medieval” durante este período. Os idiomas utilizados para o moteto eram o Latim ou o Francês. Após a Reforma, verifica-se a manutenção do Latim para motetos de inspiração católica e adoção do vernáculo (principalmente alemão) para motetos protestantes. (DE ANDRE, 2006, 9). Em Grout, Palisca (1994) verificamos outro gênero vocal francês que teve um papel importante não só do repertório baseado em transcrições, mas também no desenvolvimento da música instrumental como gênero independente na Itália, foi a Chanson. 8 instrumentistas liam diretamente das partes originais e não requeriam a figura do transcritor, que permaneceu anônima até pelo menos o século XVI” (GONÇALVES apud BORÉM, 1998, p.18). De acordo com Boyd (2001) no verbete Arrangement, no dicionário “The New Grove Dictionary Music and Musicians”, nota-se que os primeiros tipos de transcrição na renascença são as intabulações6 para teclado e alaúde do repertório polifônico vocal. Os primeiros exemplos de transcrição para teclados estão no início do século XIV no manuscrito “Robertsbridge ( GB-LblAdd.28550)”, cujos conteúdos incluem intabulações de dois motetos vindo dos apêndices musicais do contemporâneo Roman de Fauvel ( F-Pn fr.146). Longe de ser simples transcrição dos originais vocais, estas apresentam uma elaboração florida que é instrumental na concepção, e isto é algo que permanece característica de todas as intabulações para teclado posteriores. Ainda de acordo com o verbete, vale mencionar que, quanto às intabulações para alaúde, o primeiro exemplo data somente de 1507, no “Intabulatura de Lauto: Libro Primo” de Francesco Spinacino, publicado por Petrucci. O fato das intabulações para alaúde surgirem quase duzentos anos após aquelas para teclado, segundo Wolff (2003), decorre de mudanças na construção e técnica de execução do instrumento, ocorridas no século quinze, em que foram expandidas suas possibilidades polifônicas. Ainda segundo Daniel Wolff (2003) a arte da intabulação resultou em um vasto repertório de peças e se refere como uma valiosa fonte para pesquisas históricas, em que documentaram a transição do sistema modal para o tonal, ao mesmo tempo que impulsionaram o surgimento do estilo instrumental. 5 Gênero de música vocal de origem italiana, “floresceu sob a influência de diversos gêneros, principalmente do MOTETO, da CHANSON POLIFÔNICA FRANCESA e da FROTTOLA. Foi o principal gênero poético-musical (difundido pelo mundo europeu) utilizado desde o início do séc. XVI até meados do séc. XVII (o presente resumo apresenta apenas as características do Madrigal Renascentista e não as mudanças posteriores dentro de padrões estéticos do início do Barroco)”. (DE ANDRE, 1006, p.26). 6 Os arranjos de obras vocais para instrumentos de teclado ou de cordas dedilhadas realizados durante o período renascentista eram chamados de intabulações. (WOLFF, 2003) 9 De acordo com Adam Carse (1967), era comum os compositores não designarem diretamente os instrumentos que deveriam tocar suas músicas até o século XVII, “exceto no caso das tablaturas para Lute” (GONÇALVES, 2004, p.20). Ainda para Gonçalves (2004) o repertório instrumental se desenvolveu à partir do séc. XVI, graças também à prática e eficiência dos músicos, que na ausência de condições, não deixavam de produzir musicalmente. Praticavam a transposição e faziam adaptações constantes através da prática da transcrição musical. Bota (2004) mostra que esse costume começou a ser paulatinamente modificado por alguns compositores como Claudio Monteverdi (1567-1643), que passaram a compor suas peças tendo em vista o timbre específico de cada instrumento musical que era indicado em suas composições, como em sua Ópera Orfeu. A partir do séc. XVII no período Barroco, Grout e Palisca (1994) afirmam que os compositores começaram a se sentir atraídos pela idéia de escreverem especificamente para um determinado meio fônico, em vez de compor música que podia ser cantada ou tocada por quase qualquer combinação de vozes e/ou instrumentos, como anteriormente acontecia. Começou a diferenciar-se o estilo vocal e instrumental tornando-se tão distintos que os compositores podiam utilizar conscientemente recursos vocais na escrita instrumental e vice-versa. Ainda segundo o autor, durante a primeira metade do séc. XVII, a música instrumental gradualmente foi adquirindo grande importância face à música vocal, tanto em quantidade, quanto conteúdo. O “The New Grove Dictionary Music and Musicians” no verbete Arrangement explica que o crescente interesse pela música instrumental de todos os tipos que caracterizam o período barroco trouxe consigo um novo tipo de transcrição7, em que a música vocal pela primeira vez não participa. Transcrições8 de um meio instrumental para outro foram particularmente cultivada no período (final do século XVII e início do XVIII). Em Weimar, J. G. Walther e J. S. Bach (1685-1750) adaptaram concertos de Albinoni, Torelli, Telemann, Vivaldi e outros para o órgão e 7 A palavra arranjo foi substituída pela palavra transcrição devido às considerações dos conceitos de transcrição deste trabalho 8 A palavra arranjo foi substituída pela palavra transcrição devido às considerações dos conceitos de transcrição deste trabalho 10 para o cravo. Em muitos casos, Bach faz uma transcrição quase literal do original, mas muitas vezes ele sutilmente altera a harmonia ou preenche a textura com novos contrapontos, além de fazer transcrições de suas próprias obras para outros instrumentos, como é o caso das obras dedicadas ao Alaúde como a BWV 995 e a BWV 1006a que possuem versões para violoncelo e violino. (WOLFF, ALLESSANDRINI 2007, p. 54). Outro exemplo mais complexo das transcrições de sua própria obra é a Sinfonia da Cantata BWV 29 - escrita em 1720 - em que J. S. Bach provavelmente a utiliza para a composição do prelúdio da Partita em Mi Maior BWV 1006 - 1731. Na Partita em Mi, Bach trabalhou, no prelúdio, uma ágil melodia para violino sem acompanhamento que na Sinfonia da Cantata é confiada a um solo de órgão acompanhado de orquestra, na tonalidade de ré maior, no entanto a estrutura geral da peça foi mantida (BOTA 2008, p. 10). Outro compositor do período barroco que tem um grande número de obras transcritas principalmente para teclado foi Georg Friedrich Handel (1685 1759), com grande parte de suas obras orquestrais com transcrições realizadas pelo inglês Willian Babel (1690 - 1723), que adquiriu uma reputação internacional como cravista em grande parte através de transcrições virtuosas de árias e aberturas. Apesar de ter vivido mais de cem anos antes de Liszt, suas transcrições são de grande complexidade de realização, e entre as pertencentes ao século XVIII da obra de Handel disponíveis para nós hoje são todas à partir de óperas que W. Babel escreveu durante seu tempo em Londres - nesta época a cidade era um “viveiro” de transcrições musicais - começando com sua primeira ópera Rinaldo composta em 1711 (CHURCHILL, 2011). O autor João Victor Bota afirma que, “No período barroco, a cópia manual de partituras e a transcrição de músicas podiam servir como técnica de aprendizado em composição musical. Os músicos de então entendiam que o ato de ler uma partitura e copiá-la servia como processo de análise e memorização de determinada música. Nesse sentido, a transcrição seria uma tarefa não só de cópia, mas de reelaboração dos modelos musicais iniciais com objetivos pedagógicos, ao submeter um estudante de composição às dificuldades das músicas originais, como a forma, harmonia, contraponto etc” (2008). Segundo o mesmo pesquisador, um exemplo um pouco diferente do citado acima, das recriações musicais bachianas, é o ilustrado por Samuel Adler (2000, 11 p.6) referindo-se ao trabalho de W. A. Mozart (1756-1791) na reorquestração da obra Messiah, de G. F. Haendel (1685-1759). Nessa transcrição são usados trombones e clarinetas no efetivo orquestral, como se fosse uma tentativa de proporcionar uma satisfação à escuta dos ouvintes do final do séc. XVIII ao incluir na obra de Haendel recursos de orquestração característicos do período mozartiano 9. No caso da clarineta, deve-se mencionar que Mozart foi um dos primeiros autores a escrever um vasto repertório para esse instrumento em música de câmara, solo e também incluí-la nas suas partituras orquestrais. As marcas autorais contidas nas transcrições de Mozart possuem uma explicação social muito interessante, pois o mundo da música estava nesse momento sofrendo um processo de transformação, que culminaria na mudança de seu lugar social do artesanato (ars mechanica) para o reino da Grande Arte em fins do século XVIII. O processo de transformação do mundo da música na segunda metade do séc. XVIII tem origens nas transformações da própria sociedade com o complexo movimento conhecido como IIuminismo, que segundo Grout, Palisca (1994) começou como uma revolta do espírito humano contra a religião sobrenatural e a Igreja, a favor da religião natural e da moral prática; contra o formalismo em prol da naturalidade; contra a autoridade em prol da liberdade do indivíduo e contra o privilégio em prol da igualdade de direitos e da instrução universal. Ainda segundo os autores, duas idéias fundamentais do pensamento no séc. XVIII eram a crença na eficácia do conhecimento experimental aplicado e a crença no valor dos sentimentos naturais comuns a todos os homens, que concordavam em considerar o indivíduo como ponto de partida da investigação e como critério último da ação. O progresso na aplicação das descobertas científicas avançou junto à revolução industrial. Entretanto, a crescente difusão da filosofia do sentimento e glorificação do homem natural coincidiu com a ascensão da classe média. O séc. XVIII foi um período cosmopolita e as diferenças nacionais eram minimizadas enquanto se sublinhava a natureza comum de todos os homens10. Ainda segundo os autores, a ascensão numerosa da classe média a uma posição influente, o século XVIII assistiu aos 9 Vale mencionar que Mozart transcreveu várias de suas peças de câmara em movimentos sinfônicos (WOLFF, ALLESANDRINI, 2007) 10 “Eram numerosos os monarcas de origem estrangeira: reis alemães na Inglaterra, na Suécia e na Polônia, um rei espanhol em Nápoles, um duque Frances na Toscânia, uma princesa alemã como Imperatriz da Rússia” (GROUT, PALISCA, 1994, p.477). 12 primeiros passos de um processo de popularização dos espaços e do ensino, tanto a filosofia e a ciência como a literatura e as belas-artes começaram a se dirigir a um público amplo e não apenas a um grupo seleto de peritos e conhecedores. Na música, o mecenato estava em franco declínio e começou a se formar o público moderno com grandes concertos destinados a um auditório variado, rivalizando com os antigos concertos e academias particulares. Se é verdade que a música ocupava um lugar de destaque no meio artístico europeu do século XIX, para Bota (2008) as mudanças sociais possibilitaram um grande desenvolvimento da atividade musical no período, como a emergência de um mercado editorial, de um público pagante de concertos e o surgimento de vários teatros e casas de concerto, e ainda segundo o autor não menos importantes eram os saraus realizados nos salões domésticos que colocavam em contato nomes das elites artística e econômica européias, proporcionando, além de lazer e entretenimento, novas formas de mecenato. Ainda, segundo o autor, “Deve-se levar em conta que as transcrições do tipo redução pianística 11 — bastante comuns no século XIX na Europa — eram diretamente associáveis à demanda de repertório camerístico consumido pela pequena burguesia, já que muitos compositores atendiam a encomendas de editoras musicais que buscavam abastecer o mercado com obras musicais que pudessem ser tocadas em casa por tal clientela, que era freqüentadora assídua de casas de ópera e salas de concerto. Num período anterior ao desenvolvimento de técnicas de gravação (as primeiras viriam somente à partir do final do séc. XIX), as reduções ou arranjos para pequenos conjuntos instrumentais proporcionavam ao público uma espécie de nova possibilidade de 11 “...um tipo bastante especial de transcrição pianística é a redução de partitura orquestral (ou de outro conjunto de instrumentos) para piano correpetidor, ou seja, uma versão utilizada em concerto ou muitas vezes apenas para ensaios e que freqüentemente nem chega a ser anotada numa partitura; alguns pianistas com grande proficiência em leitura de partituras orquestrais têm a capacidade de realizar reduções durante o ato da execução. Nas performances, podem adaptar ligeiramente os elementos musicais do original que serão tocados para acompanhar um coro, cantores solistas ou atuar de forma pedagógica em aulas de regência (nestas, simulariam — por assim dizer — a orquestra, enquanto um aluno treina os gestos de regência, como entradas, cortes de som, fermatas etc). [...]Outra prática comum é a transposição de tom (como comumente é chamada), ou seja, a mudança das alturas das notas musicais de forma a adequar-se à tessitura de um cantor, podendo, portanto, tocar a mesma música em diversas tonalidades, transpondo mentalmente durante a performance musical” (BOTA, 2008, p.15) 13 escuta de uma obra musical já conhecida anteriormente por meio de recitais e concertos” (2008, p.14). Apesar da prática da redução de uma obra ao piano não ser invenção do séc. XIX, foi neste período que o número de transcrições aumentou consideravelmente, não só devido às encomendas editoriais e ascensão econômica da classe média, mas também conduzido por dois opostos, ainda que paralelos: o aumento da demanda de música amadora se fazendo em casa e o desenvolvimento do virtuosismo técnico, especialmente aquele exibido em concertos públicos. As transcrições para piano constituíram em um importante veículo, através do qual um segmento crescente do público musical pode conhecer uma grande variedade de obras musicais e assistir a concertos virtuosísticos em toda a Europa. O piano deixa de ser um instrumento restrito às classes aristocráticas e começa a ser um instrumento característico nas casas burguesas, arranjos12 das sinfonias, óperas, canções para piano solo e dueto para pianos apareceram em números crescentes em catálogos de editoras musicais, que evidencia a proliferação da música para amadores. O desempenho dessas peças em casa tornou-se um caminho de jovens músicos para aprender intimamente o repertório originalmente composto para orquestras de câmara, orquestras, e casas de ópera. Ainda mais do que transcrições para piano solo, que tendem a ser de execução mais difícil, as reduções a quatro mãos das obras podiam ser realizadas por amadores e ainda transmitir todos os elementos essenciais do original. (VAN DINE, 2010) Compositor e pianista de sucesso em sua época, observa-se à partir do catálogo Eckhardt e Mueller (2001) que Franz Liszt (1811-1886) possui um trabalho volumoso de transcrições musicais. O pesquisador Colton (1992) escreve que entre elas temos a transcrição fiel das nove sinfonias de Beethoven em que segundo as palavras do próprio compositor “se esforça para superar as piores dificuldades e fornece ao mundo do intérprete ao piano-forte, fidelidade o quanto for possível de uma 12 O autor utilizado para referência pontual do texto usa o termo arranjo para as reduções com característica de música doméstica, destinada para amadores ou com característica pedagógica. 14 ilustração do gênio de Beethoven”13; outra transcrição meticulosa de Liszt é da “Sinfonia Fantástica” de Hector Berlioz (1803-1869), completada quando tinha 22 anos de idade e dá ao público uma versão acessível do trabalho do compositor. Ainda segundo o pesquisador, além da transcrição musical promover acessibilidade ao público das obras originais, a promoção do compositor é uma segunda conseqüência, pois promove não só a música, mas a reputação de quem a compôs. Foi desta maneira que as transcrições de Liszt das canções de Franz Schubert (1838-1856) promoveram seu nome, que até aquele momento, não era amplamente reconhecido fora de Viena, devemos destacar também a transcrição para piano e orquestra da obra Wanderer Fantasy, de Schubert, escrita originalmente para piano solo, no qual Liszt realiza uma orquestração como transcrição. Outra prova de que as transcrições promoviam o nome do compositor está na transcrição de Liszt da abertura da ópera Tannhauser de Richard Wagner (1813-1883), no qual o compositor aprecia o gesto e informa que a transcrição "foi como um sonho tornado em realidade, maravilhoso... 14”, neste exemplo foi Wagner, e não Liszt, o beneficiado com a publicidade favorável gerado pela transcrição, comprovado pelo fato de que Liszt tinha se retirado dos palcos de concertos em 1847, dois anos antes da transcrição da obra (COLTON, 1992). As recriações musicais de Liszt podem repartir-se em duas categorias, de acordo com Walker (2001) em que foram estabelecidos pelo próprio compositor e seus significados são distintos: a transcrição e a paráfrase. O primeiro deve ser uma recriação fiel ao original em que Liszt criou soluções pianísticas individuais com a variedade de problemas encontrados na tradução de música à partir de um meio para outro. Já a paráfrase é uma transcrição livre para variar o original e tecer sua própria fantasia em torno dele, também pode levar à nomenclatura reminiscências. “As Paráfrases de Liszt em óperas de Mozart, Bellini, Donizetti e Verdi, por vezes, encapsula um ato inteiro em uma peça de concerto de 15 minutos, justapondo e combinando os temas em rota” (WALKER, 2001), o pesquisador Colton (1992) 13 Suas palavras literais foram: “I will, at least, endeavour to overcome the worst difficulties and furnish the pianoforte-playing world with as faithful as possible an illustration of Beethoven's genius”. (COLTON apud TOLLEFSON 1992, p.7) 14 KLOSS, Erich. Briefwechsel zwischen Wagner und Liszt. Leipzig: Breitkopf & Hartel, 1910. 15 afirma que em muitas de suas paráfrases musicais Liszt não só elabora uma sucessão de temas, mas também organiza e desenvolve o material musical em um todo, dramático e coerente. De acordo com Bota (2008) outro compositor fundamental para essa reflexão sobre transcrição musical no séc. XIX foi Gustav Mahler (1860-1911), que mostrou grande interesse por transcrições e reorquestrações: temos em sua obra diversos ciclos de canções nas versões para canto e piano, ou canto e orquestra. Foi um processo comum a reelaboração de uma mesma peça na versão para canto e acompanhamento instrumental e, posteriormente, em versão apenas instrumental que incorporava as próprias sinfonias. É o caso da canção de Antonio de Pádua Pregando aos Peixes (Des Antonius von Padua Fischpredigt), encontrada na versão instrumental como terceiro movimento da Sinfonia 2, Ressureição, no qual Mahler transferiu as linhas vocais para os instrumentos da orquestra, na forma de solos e em combinações. Ainda segundo o pesquisador, a mesma sinfonia, a canção Luz Primeva (Urlicht) encontrada no ciclo de canções A Trompa Mágica do menino (Des Knaben Wunderhorn), funcionava como quarto movimento dessa obra e é um caso diferente do anterior, pois o compositor mantinha o contralto como solista, de forma que esta sinfonia ficou conhecida como a primeira com participação vocal na obra do compositor austríaco. “Mahler também realizou diversos trabalhos de reorquestração de obras tradicionais do repertório orquestral — que ele, como grande regente de carreira internacional, podia pessoalmente interpretar tais versões — como o ciclo das sinfonias de Beethoven. Ele justificava-se com o curioso argumento de que Beethoven, imerso em surdez durante boa parte de sua atividade composicional, não havia acompanhado os avanços instrumentais — portanto as orquestrações das suas obras podiam, sim, ser melhoradas. Com postura idêntica diante das próprias obras (que passaram por diversas revisões ao longo de sua vida), declarava que depois da morte dele, se algo não soasse bem, deveria ser mudado. Essa concepção de que a obra não está acabada nunca e que pode, portanto, ser sempre aprimorada com novas orquestrações, é reveladora de como o processo composicional desse compositor era feito por meio de sucessivas transcrições de um mesmo material musical.” (BOTA 2008, p.20) 16 Para a pesquisadora Flavia Vieira Pereira (2011) as transcrições musicais para diferentes meios fônicos freqüentemente têm sido realizadas pelo próprio compositor, ou por outros trabalhando após a sua morte. Um exemplo expressivo é o da obra Quadros de uma Exposição de Modest Mussorgsky (1839-1881) orquestrada por Maurice Ravel em 1922. Também Igor Stravinsky (1882-1971) tem uma versão de sua Sagração da Primavera para dois pianos, estreada em Paris por ele e Debussy antes mesmo da estréia do balé com orquestra. De acordo com Boyd (2001), no início do séc. XX muitos compositores começaram a investigar o passado como uma semente para uma nova linguagem musical, passando a coletar e a reelaborar as músicas do passado, em Grout e Palisca (1994) verifica-se que os fatores sociais e tecnológicos tiveram um papel fundamental na evolução da cultura musical. O rádio, a televisão e a fidelidade das gravações fizeram parte da origem de um crescimento inédito do público e dos diversos gêneros musicais. Estes processos tecnológicos possibilitaram uma ampla difusão do repertório clássico, bem como a música séria do passado mais remoto e do presente. Estimularam ainda o desenvolvimento de um enorme repertório de música popular, incluindo blues, jazz, rock e suas versões comerciais, bem como a chamada música folclórica, e assim sucessivamente. O fenômeno da música popular não é moderno; esta música sempre floresceu a par da música erudita, afetando-a de diversas formas. Mas agora as novidades difundem-se rapidamente, tanto na música popular como na música erudita, enquanto grupos de compositores e ouvintes surgem, divergem e desaparecem não menos rapidamente (GROUT, PALISCA, 1994, p. 697). A música folclorica deixou de ser recolhida pelo processo que consistia em tentar transcrevê-la em notação convencional, para ser recolhida com a fidelidade que a gravação tornou possível; o material recolhido era analisado objetivamente, com técnicas desenvolvidas no âmbito da nova etnomusicologia permitindo descobrir a verdadeira natureza da música, em vez de ignorar as suas irregularidades ou de tentar adequá-las nas regras da música erudita, como tantas vezes haviam feito os 17 românticos. Este conhecimento levou a um maior respeito pelas características da música de tradição oral. Em vez de tentar incluir o vocabulário da música popular em estilos pré-existentes, os compositores utilizaram-na na criação de novos estilos, especialmente no alargamento do campo da tonalidade. A Europa central foi o local de um dos primeiros estudos sistemáticos e científicos da música de tradição oral. Do trabalho pioneiro de Leoš Janáček (1854 - 1928) na região da República Checa, seguiu-se pouco tempo depois, o de dois eruditos e compositores húngaros, Zoltán Kodály (1882 – 1967) e Béla Bartók (1881 – 1945) (GROUT, PALISCA, 1994). A importância de Bartók no campo das transcrições é grande, segundo o autor citado acima, publicou cerca de duas mil melodias populares, especialmente da Romênia, da Hungria e da Iugoslávia, sendo estas apenas uma parte das que recolheu pela Turquia, Europa central, e Norte da África. Batók escreveu livros e artigos sobre a música popular, publicou coletâneas de obras populares, escreveu arranjos ou composições baseadas em melodias populares e criou um estilo em que combinou, com mais intimidade do que vários outros compositores antes dele, elementos populares com as técnicas mais complexas da música erudita. A harmonia elaborada em sua música é uma conseqüência secundária do movimento de contraponto, e decorre da natureza da melodia que pode se basear em escalas de tons inteiros, pentatônicas, modais ou irregulares, incluindo as escalas encontradas na música popular. Ainda segundo o autor, Bela Bartók foi um dos compositores cuja obra ficou para a posterioridade entre aqueles que desenvolveram sua atividade na primeira metade do séc. XX. No trabalho da pesquisadora Pereira (2011) ao observar o pensamento de Ferruccio Busoni em um texto de 1910, intitulado “Valeur de L’Arrangement”, no qual é colocado a transcrição e o arranjo no momento inicial da criação artística, seria como se neste momento eles tornassem uma coisa só, embora sejam especificidades distintas e que buscam sua própria autenticidade,. “Cheguei a pensar que toda anotação já é uma transcrição de uma invenção abstrata. À partir do momento que o bico da pena se apodera, a idéia perde sua figura de 18 origem... Mesmo a interpretação da peça é uma transcrição. A invenção se torna uma sonata: já é um arranjo do original” (PEREIRA apud. BUSONI, 2011: 28). No caso de Bartók e de vários outros compositores, esta reflexão justifica o uso da transcrição musical mesmo em obras originais, no caso do compositor húngaro, a transcrição em suas peças se justifica mais ainda quando se trata do uso de escalas irregulares encontradas na música popular de suas pesquisas, pois pode se considerar uma obra composta a partir de uma transcrição. Outro compositor do séc. XX que usou obras anteriores em suas obras originais foi Igor Stravinsky (1882-1971). De acordo com Vazzoler (2008) o balé Pulcinella estabelece um diálogo direto com a música de Giovanni Battista Pergolesi (17101736) colocada pelo compositor como a obra em que iniciou o primeiro impulso decisivo em direção ao passado no que diz respeito às suas composições com orientação estética neoclássica. Ainda segundo o autor, em Pulcinella verifica-se um claro reconhecimento da música de Pergolesi mesmo apresentando modificações na condução dos baixos, na alteração de notas da cadência e também na instrumentação original. Para o pesquisador Bota (2008) encontra-se que apesar das modificações citadas acima, o reconhecimento da obra de Pergolesi em Stravinsky se dá pela apropriação do material melódico, e que o compositor faria ainda cerca de três revisões dela ao longo da vida, de modo que a suíte mais conhecida difere do balé original por não incluir solistas vocais. Ainda segundo o autor, em relação a composições originais a partir de obras escritas anteriormente por compositores do séc. XX, Arnold Schoenberg (18741951) escreveu seu Concerto para Violoncelo a partir do Concerto para Cravo em Ré Maior de Matthias Monn (1717-1750), e dedicou ao violoncelista Pablo Casals (1876-1973). Em sua recriação Schoenberg realiza verdadeiras homenagens a Pablo Casals, que remete a músicas do repertório hispânico, ao incluir na composição elementos rítmicos e pizzicati-glissandi, para o violoncelo solista, fazendo, portanto, uma alusão clara à identidade nacional do homenageado. Há também o Concerto para Quarteto de Cordas e Orquestra: livremente adaptado a partir do Concerto Grosso de Handel em Si Bemol Maior, op.6, no.7 composto em 19 1739. Entretanto, esta obra de Handel pertence a uma série maior de Concerti Grossi, que por sua vez foi influenciada por uma série de composições homônimas de Arcângelo Corelli (1653-1713). Na versão de Schoenberg, de 1933, o quarteto solista é acompanhado de orquestra cujo timbre instrumental muda rapidamente, além de ocorrerem diversos processos de rearmonização em relação à música original. Quando se pensa no trio de compositores Arnold Schoenberg (1874-1951), Anton Webern (1883-1945) e Alban Berg (1885-1935), é impossível desagregá-los da idéia de processos composicionais ligados à dissolução do tonalismo e também da sistematização dos primeiros processos dodecafônicos e seriais das qualidades sonoras. Contudo, uma faceta menos conhecida do trio vienense é a de compositores transcritores que se autodenominavam “Sociedade de Execuções Musicais Privadas”. Os três autores tiveram uma significativa produção de transcrições15 do que podemos chamar de música ligeira (BOTA, 2008, p.22). A título de conclusão do seu tratado de harmonia, Schoenberg “reconhece no som três qualidades: a altura [Höhe], o timbre [Farbe] e a intensidade [Stärke]” (SCHOENBERG, 2001, p. 578). O pesquisador Bota (2008), fazendo uso da prerrogativa anterior, escreve que um de seus alunos, Anton Webern (1883-1945), realizou uma orquestração para a obra Fuga Ricercata a Sei Voci, contida na coleção Oferenda Musical, de Bach. E em artigo da pesquisadora Ambiel (2005) encontra-se que os procedimentos empregados por Webern, em especial no tratamento temático, são a serialização do motivo tímbrico 16 e a técnica Klangfarbenmelodie17. Estes procedimentos incidem diretamente no timbre da obra, entretanto outros elementos como a instrumentação, as gradações de andamento e a dinâmica são também significativos e podem revelar um diferente aspecto 15 Em uma publicação da gravadora “Naive SA.”, intitulada “Arnold Schoenerg: Weihnachtsmusic & Transcription” encontramos algumas destas transcrições, todas as peças desta publicação são miniaturas transcritas e entre as composições figuram obras de Malher, Busoni e J. Strauss Jr. 16 “Webern distribui a linha melódica do tema em trechos menores (células ou motivos) e os serializa timbristicamente” (AMBIEL, 2005: 341). 17 “Klangfarbenmelodie ( SCHOENBERG, 1978: 421-2 ): melodia de timbres. Uma de suas aplicações é o tratamento de maneira a distribuir a linha melódica entre vários instrumentos” (AMBIEL, 2005: 341). 20 estrutural implícito. Ainda sobre a mesma obra, Ferraz (2008) afirma que na transcrição de Webern, a nota musical é atravessada pelo timbre e por uma noção de espacialidade resultante dos modos de difusão de cada instrumento e da quebra da linearidade melódica, e que a música de Bach é representada por uma idéia que é alheia à obra original através da questão do uso das técnicas mencionadas acima e pelo efeito provocado. Para o pesquisador Silvio Ferraz, em artigo publicado em 2008, atravessar uma música por uma idéia que lhe é alheia corresponde à primeira definição de reescritura musical. Embora não seja o objetivo deste trabalho, vale a pena falar sobre ela, pois envolve a transcrição em algum nível, especialmente ao citar a obra do compositor italiano Luciano Berio (1925-2003). Ainda segundo o autor, em um texto sobre Voci e Naturale de Berio, Jürg Stenzl indica três formas de aproximação para a reescritura. Primeiro, uma identificação com o original e a existência de algum ponto que une a obra do compositor com a sonoridade que o atrai e é de interesse composicional, como se fosse seu agenciamento, a forma como reúne sonoridades e referências. Segundo, reaver esta sonoridade para representá-la, fazer dela um campo de descoberta através de análises, escutas e detalhamentos. Por fim, uma terceira forma de aproximação que implica em ultrapassar o original, “abusar do original”. Estas três etapas de aproximação, sobretudo a terceira que consiste na desconstituição do original, é aquilo que o autor chama de reescritura. Aqui me parece que a primeira e a segunda etapa tenha maior grau de proximidade com a transcrição, pois consiste na reunião e na representação da sonoridade de interesse composicional. Ainda segundo o autor, Berio praticou esta forma de criação musical em várias de suas obras, desde a reescritura de obras próprias, como seus Chemins (afirmando mais de uma vez que este ciclo de peças foi a melhor análise que realizou de suas Sequenzas), até a reescritura do repertório de músicas tradicionais. É assim que ele compõem “Coro”, obra na qual está presente a reescritura do coro de trompas dos Banda Linda (África Central), transcrita pelo etnomusicólogo Simha Aron. Sua composição de Voci e Naturale também se dá na forma de reescritura a partir de cantos sicilianos, na maioria de pregões e de vendedores de rua (FERRAZ, 2008). 21 Entre as obras mais ousadas, no que diz respeito às relaborações musicais, para Bota (2008), a Sinfonia de Luciano Berio possui cinco andamentos que se sucedem numa estrutura simétrica, sendo o terceiro Scherzo o centro da obra. Neste movimento o compositor interpola sobre o Scherzo da 2ª Sinfonia de Gustav Mahler, diversas citações musicais, entre elas fragmentos de La Mer de Claude Debussy (1862 – 1893), Farben das op.16 de Arnold Schönberg, dois temas de Wozzeck de Alban Berg, entre outros, cortando constantemente o desenrolar do discurso. Ao instrumental, sobrepõe um grupo vocal citando fragmentos de textos essencialmente extraídos de L’Innommable, de Samuel Beckett (SANTANA, 2007). Neste terceiro movimento de sua Sinfonia, Luciano Berio homenageia aqueles que considerava grandes compositores da História da Música. Aqui, o ouvinte informado é capaz de reconhecer diversos trechos de peças dos compositores homenageados. Em suas citações, Berio não faz nenhuma transcrição no sentido restrito do termo, mas, utiliza-se de várias pequenas transcrições literais de peças que foram trabalhadas no interior de um discurso musical. Observa-se, portanto, que a prática da transcrição não pode ser pensada de maneira descolada, nem de seu contexto original nem de seu destino final. Desse modo, a condução é realizada pelo compositor/transcritor, que escolhe os caminhos e as possibilidades estilísticas de se estabelecerem tais conexões (BOTA, 2008). 22 2. A TRANSCRIÇÃO DE JOHN DUARTE DA ALLEMANDE DA SUITE BWV 1009 2.1 Sobre os referenciais teóricos e os manuscritos utilizados Entre os referencias teóricos utilizados neste capítulo, Schwemer e WoodfullHarris (2000) e Campos (2010) apontam quatro manuscritos existentes das suítes para violoncelo de J. S. Bach. Neste capítulo utilizaremos edições fac-símilares18 destes manuscritos referente à Allemande da suíte BWV 1009 à partir da edição de Schwemer e Woodfull-Harris (2000), que são as cópias de Anna Magdalena Bach (1701-1760), J. P. Kellner (1705-1772), o “manuscrito Westphal” e uma cópia de autor anônimo. Estas são as cópias às quais temos acesso hoje em dia, e elas serão utilizadas neste trabalho com a suposição de serem - ou alguma entre as citadas aqui - as possíveis cópias utilizadas para a realização da transcrição de John Duarte referente à Allemande da BWV 1009. Utilizaremos também como referencial teórico o trabalho de Flavia Vieira Pereira (2011) em que usaremos suas diretrizes referentes aos aspectos ferramentais e estruturais que podem ser alterados em uma reelaboração musical. É importante deixar claro que estes aspectos se referem aos diversos tipos de reelaboração, entre eles arranjos, orquestrações, reduções, adaptações, paráfrases e transcrições. A manipulação destes aspectos é que definem o tipo de reelaboração em diferentes obras. Para a realização da comparação destes manuscritos com a transcrição, discorreremos neste capítulo primeiro sobre os manuscritos utilizados, em seguida sobre os aspectos ferramentais e estruturais que podem ser alterados em uma reelaboração musical; para assim realizar uma comparação, através das diretrizes de Pereira (2011), das possíveis fontes utilizadas por John Duarte com sua transcrição com o intuito de entendermos seus processos intelectuais, e as dificuldades técnicas para a realização da mesma. Edição fac-símilar – Cópia fotográfica do original de uma obra, em que todas ou a maior parte da informação visual apresentado nas fontes originais é retida e apresentada em fac-símile (GRIER, 1996) 18 23 No que diz respeito aos manuscritos das suítes para violoncelo de J. S. Bach, de acordo com Campos (2010), a suíte BWV 995, para alaúde, foi transcrita da suíte BWV 1011 - para violoncelo - sendo que a primeira é a única que possui a assinatura do próprio Bach. Ainda segundo a autora existem fontes importantes para consulta das suítes para violoncelo de J. S. Bach, que inclui a Allemande da suíte BWV 1009, objeto deste trabalho, entre elas fac-símiles de manuscritos realizados por Anna Magdalena Bach, Johann Peter Kellner, o “manuscrito Westphal” e uma cópia Anônima do séc. XVIII, todos disponíveis na edição de Schwemer e WoodfullHarris, realizada em 2000. Para Prindle (2011), a falta de um manuscrito autografado pelo compositor dificulta a realização de uma edição definitiva, dando margem à realização de um número significativo de edições sem padrões de autenticidade, o que não é o caso das edições utilizadas neste trabalho. Segundo Campos (2010), o próprio J.S.Bach, a partir de um manuscrito anterior de sua autoria teria realizado uma cópia de suas suítes para violoncelo. A partir desta cópia, Anna Magdalena Bach teria feito outra provavelmente entre 1727 e 1731, que fez parte de um material de estudos em dois volumes. A primeira parte desse material era formada por cópias das sonatas e partituras para violino, e na segunda, encontravam-se as seis suítes para violoncelo. Esta cópia foi provavelmente preparada para Henrich Ludwig Schwanberg (1696-1774), aluno de J. S. Bach, que atuava como músico na corte de Brunswick-Wofënbuttel. De um dos mais importantes copistas das obras de J. S. Bach, o manuscrito de J. P. Kellner é considerado a fonte mais antiga das suítes que sobreviveram até os dias de hoje, escrito provavelmente em 1726, a partir do manuscrito original do autor. Já o “manuscrito Westphal” é parte de uma coleção de manuscritos de obras instrumentais de Bach, realizada por dois copistas anônimos durante a segunda metade do séc. XVIII. Este manuscrito pertenceu a Johann Christoph Westphal (1727 – 1799) - organista, impressor e comerciante de música em Hamburgo - e foi copiado a partir de outra fonte de origem desconhecida que também serviu de referência para a primeira edição comercial das suítes publicada em Paris no ano de 1824. Servindo de referência também para a cópia do manuscrito de origem 24 anônima do séc. XVIII, que é provavelmente da região norte ou central da Alemanha. FIGURA 1 – Ilustração da origem dos manuscritos das suítes para violoncelo solo de J. S. Bach, de acordo com Schwemer e Woodfull-Harris; cópias disponíveis para consulta estão em negrito. 25 2.2 Aspectos ferramentais e estruturais utilizados na transcrição de John Duarte Os aspectos ferramentais e estruturais são entendidos de acordo com Pereira (2011) como características que podem ou não serem modificadas em uma reelaboração musical. Serão usados aqui para que seja possível a comparação através de um referencial entre os manuscritos e a transcrição realizada por Duarte (1965) referente à Allemande da BWV 1009. Entre os aspectos ferramentais ainda de acordo com a autora temos o meio instrumental, altura, timbre, textura, sonoridade, articulação e dinâmica. Estas são as características que ao passarem por modificações em uma reelaboração musical, mantêm proximidade ao original e guarda sua fidelidade preservada. Já entre os aspectos estruturais temos a estrutura melódica, harmônica, rítmica e formal. Estes são aqueles que se tirados, acrescentados ou modificados acabam provocando uma grande transformação em uma reelaboração musical, apresentando diferenças mais claras e alterando o grau de fidelidade em relação ao original. 2.2.1 Análise dos aspectos ferramentais Em uma comparação entre a transcrição de John Duarte e os manuscritos de J. S. Bach, analisaremos primeiro as modificações dos aspectos ferramentais. Entre eles temos a mudança de meio instrumental que é o ponto de partida para a transcrição musical neste trabalho. Aqui, ao transcrever uma obra, “transporta-se” de um meio instrumental para outro. No caso não só da Allemande, mas de toda a suíte BWV 1009, a obra é transportada do violoncelo ao violão, “conseqüentemente esta mudança afetara o timbre e a sonoridade” (PEREIRA, 2011). Em uma primeira comparação em relação a este “transporte”, serão analisadas características que podem ou não ser alteradas com esta mudança de meio, e os aspectos ferramentais que envolvem esta mudança, como a altura, timbre, textura, sonoridade, articulação e dinâmica. Altura 26 Em relação à altura verificamos através da comparação dos manuscritos com a transcrição para violão de J. Duarte (1965) que há uma transposição correspondente a um intervalo de 6ª Maior ascendente19, que é comprovada pela mudança da clave, sua armadura e da disposição das notas no pentagrama como mostra a FIGURA 2. A. M. Bach J. P. Kellner “Manuscrito Westphal” Anônimo sec. XVIII J. Duarte (1965) FIGURA 2 – O primeiro compasso dos manuscritos de J. S. Bach e a transcrição de J. Duarte (1965) Uma possível explicação para esta transposição é a diferença de tessitura e afinação dos meios instrumentais envolvidos. No que se refere à tessitura do violão, temos como som real mais grave a nota MI escrita na primeira linha suplementar inferior da clave de FÁ, enquanto no violoncelo temos a nota mais grave Do, escrita 19 Como o violão é um instrumento transpositor de oitava, o som real da transposição é uma 6ª Maior ascendente, e não uma 13ª como demonstra a partitura. 27 na segunda linha suplementar inferior, também na clave de FÁ. Ou seja, uma 3ª Maior de diferença. No que se refere à afinação, encontramos no violão a seguinte disposição intervalar – do grave para o agudo – 4ª justa, 4ª justa, 4ª justa, 3ª Maior e 4ª justa. No violoncelo a disposição intervalar entre as quatro cordas é de 5ª justa entre cada uma delas (BORGES, 2007) conforme a FIGURA 3. FIGURA -3. Afinação do violão – som real – e afinação do violoncelo. Ainda em relação à explicação para a transposição de uma 6ª Maior ascendente na transcrição de Duarte (1965), podemos verificar que a transposição de alturas pode ser motivada pelo possível uso das cordas soltas no violão, pois a possibilidade de transcrever a peça para a tonalidade de LÁ possibilita o uso das cordas soltas MI (nas duas oitavas), LÁ, RÉ e SI, facilitando a execução da obra em questão no novo meio fônico, e associando a altura escolhida às principais funções harmônicas – tônica, dominante e subdominante – a essas cordas (TEIXEIRA 2009) . Ainda em relação à possibilidade de maior comodidade para o intérprete quanto à execução da obra no violão, podemos encontrar um outro caso de alterações na altura, que se encontra nos compassos 7 e 8, a partir da última semicolcheia do compasso 7. Aqui, Duarte (1965) opta por alterar a realização intervalar do contraponto 8ª abaixo como mostra a FIGURA 4, provavelmente para que haja maior aproveitamento das cordas soltas. 28 A. M. Bach J. P. Kellner “Manuscrito Westphal” Anônimo sec. XVIII20 J. Duarte (1965) FIGURA 4 – Compassos 7 e 8, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965) Uma última alteração na altura encontra-se no compasso 16. Nesta modificação, Duarte (1965) opta por realizar as primeiras três semicolcheias que ocupam o lugar da segunda semínima, uma 8ª acima em relação aos manuscritos, como mostra a FIGURA 5. Uma possível explicação desta modificação é de ordem estética, pois pela indiferença na dificuldade de execução por parte do intérprete, pela distância intervalar entre a melodia original e contraponto escrito, e pelo fato de que “a proximidade dos sons é também um fator que insinua o fluxo da percepção” (de 20 Neste trecho observa-se que o manuscrito Anônimo do séc. XVIII apresenta diferenças em relação aos outros manuscritos, na última semicolcheia do compasso 7 a nota DO não é alterada para SOL como acontece nos outros manuscritos consultados e a transcrição de Duarte (1965), que altera a nota referente à ultima semicolcheia do compasso 7, mesmo com todas as transposições de alturas envolvidas como a transposição da peça inteira e a transposição do contraponto mostrado na FIGURA 4. 29 OLIVEIRA, ZULA, 2007) pode-se presumir que a distância imposta pelo transcritor pode potencializar a percepção de ambos os planos sonoros. A. M. Bach J. P. Kellner “Manuscrito Westphal” Anônimo sec. XVIII J. Duarte (1965) FIGURA 5 – Compasso 16, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965) Entre os aspectos ferramentais, a altura é responsável por mudanças significativas da sonoridade da obra em questão, porém, esta será alterada não apenas por estas distâncias impostas pelo transcritor, mas pela mudança de meio instrumental e a dissimilaridade sonora dos instrumentos envolvidos, que será identificada como timbre. 30 Timbre21 O timbre é a qualidade do som que apresenta maior complexidade na medição e na especificação dos parâmetros envolvidos na sua percepção. Seu conceito abstrato aparentemente simples, refere-se comumente à cor ou à qualidade do som. É percebido a partir da interação de inúmeras propriedades estáticas e dinâmicas próprias de cada instrumento musical, que agregam um conjunto extremamente complexo de atributos auditivos. (LOUREIRO, de PAULA, 2006). De acordo com Pereira (2011), pela dificuldade de falar sobre timbre através de sua subjetividade inerente aos seus aspectos psicológicos, iremos buscar, a partir de exemplos práticos, trechos onde o timbre é explorado na obra original e como é tratado na transcrição. A partir de uma escuta da transcrição de Duarte (1965) observa-se ainda, segundo as observações da autora, o quanto um instrumento de características distintas é capaz de assumir um material que não foi a princípio pensado para ele, e mostra que o discurso musical não se limita às sonoridades particulares que se pode obter em determinados instrumentos. Em uma transcrição, o timbre é automaticamente afetado a partir da mudança de meio, no caso da transcrição de Duarte (1965), do violoncelo para violão, em que ambos os instrumentos possuem conceitos de qualidades sonoras diferentes e “de maneira geral, a qualidade de sustentação das notas no violoncelo é compensada através da capacidade de realização polifônica no violão” (TEIXEIRA, 2009) como mostra a FIGURA 6. Textura22 21 De acordo com M. A. Loureiro e H. B. de Paula (2006) a definição oficial pela ASA (American Standard Association) dissocia o timbre dos conceitos de intensidade e altura e define como um “atributo do sentido auditivo em termos do qual o ouvinte pode julgar que dois sons similarmente apresentados com a mesma intensidade e altura, são dissimilares” (RISSET e WESSEL apud M. A. LOUREIO, H. B. de PAULA, 2006). Ainda segundo os autores diferentemente de outros atributos do som musical, tais como altura, volume e duração, o timbre não pode ser associado a apenas uma dimensão física, não podendo ser especificado quantitativamente pelo sistema tradicional de notação musical. 22 Textura é concebido como o elemento da estrutura musical condicionado pelo número de vozes e outros componentes projetando materiais musicais num meio sonoro e por inter-relações e interações aonde existem dois ou mais componentes (BERRY, 1987). 31 Em uma comparação realizada entre os manuscritos e a transcrição na FIGURA 5 podemos observar que além do timbre do violão apresentar esta capacidade polifônica em detrimento à sustentação de notas, a “quantidade de planos sonoros”, de acordo com Falcon (2011), é alterada. Nos manuscritos, verifica-se apenas uma linha melódica, e na transcrição podemos verificar que existem duas linhas melódicas simultâneas com o preenchimento de acordes no final da seção, alterando a densidade23 em que é expandida, o número de vozes ou linhas concorrentes. Ainda em relação à FIGURA 6 podemos verificar uma mudança momentânea na “hierarquia existente entre os planos sonoros” (FALCON 2011) na terceira semicolcheia, da quarta semínima do compasso 11, em que na transcrição, a melodia original na nota SI é substituída pela nota FÁ#, e o acompanhamento polifônico realiza simultaneamente a nota SI na altura da linha melódica original. A. M. Bach J. P. Kellner “Manuscrito Westphal” Anônimo séc. XVIII J. Duarte (1965) FIGURA 6 – Compassos 11 e 12, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965) 23 Densidade para Berry (1987) está ligado ao numero de vozes, ou linhas melódicas concorrentes que se relacionam em uma determinada obra musical. 32 Sonoridade24 De acordo com Pereira (2011), com a mudança do timbre como conseqüência natural da mudança de meio instrumental, automaticamente ocorre mudança na sonoridade. Na Allemande da suíte BWV 1009, a mudança de sonoridade é marcante pela transposição das alturas, timbre característico de cada instrumento e diferentes articulações propostas na transcrição. Com a realização do contraponto escrito por Duarte (1965) em sua transcrição, parece que ele busca adquirir uma sonoridade condizente com as possibilidades do violão, através da sua capacidade polifônica. Caso contrário, o violão soaria pobre, dentro de suas capacidades sonoras. Articulação25 Ainda segundo Pereira (2011), as articulações em geral tendem a ser ressaltadas nas transcrições. Violino, violão e piano são instrumentos diferentes e conseqüentemente suas projeções de som também. Surgem dificuldades evidentes em empregar nas transcrições as mesmas articulações exploradas nas obras originais, devido às particularidades mecânicas e timbrísticas de cada instrumento. Na Allemande da BWV 1009, Duarte (1965) explora a sonoridade do instrumento, através da diversidade de articulações que o instrumento possui. Ainda segundo a autora o violão não consegue explorar a idêntica variedade de articulações que o arco do violoncelo pode proporcionar. Porém consegue projetar uma sonoridade com o mesmo equilíbrio do violoncelo, devido às suas características sonoras. 24 De acordo com M. A. Loureiro e H. B. de Paula (2006), a representação sonológica de um instrumento musical envolve a estimação dos parâmetros físicos que contribuem para a percepção da altura, intensidade e timbre como atributos sonoros. “Articulação é o nome dado ao processo técnico de falar, a maneira de proferir as diversas vogais e consonantes. De acordo com o Lexicon de Meyer (1903), articular é ‘dividir’, expor algo ponto por ponto; fazer com que as partes separadas de um todo apareçam claramente, sobretudo os sons e as sílabas das palavras. Na música, compreede-se por articulação, o ligar e o destacar das notas, o legato e o staccato bem como suas misturas” (HARNONCOURT, 1984, p. 49). 25 33 Assim, as articulações e acentos são aspectos que estão sujeitos a alterações, em função do instrumento do qual se irá transportar. Quanto às alterações de articulações utilizadas por Duarte (1965) podemos observar ao longo de sua transcrição, que as notas que possuem ligadura são, sem exceção, fusas, e nunca mais de duas notas são ligadas em conjunto. Já em uma comparação com os manuscritos utilizados neste trabalho, podemos verificar ligaduras de até sete notas em conjunto, como demonstrado anteriormente no compasso 16 - FIGURA 5. Já em relação às notas em staccato ou acentos sugeridos, não foram encontradas, tanto nos manuscritos, quanto na transcrição. Dinâmica26 Nas transcrições em geral, busca-se preservar a mesma dinâmica do original, entretanto, este aspecto acaba sofrendo alterações ao ser adaptado ao novo meio instrumental. No caso do violão, um instrumento no qual o volume de som é menor em relação à maioria dos instrumentos de orquestra, inclusive ao violoncelo, a dinâmica pode ser compensada para se ajustar (PEREIRA 2011). Porém, na transcrição da Allemande da suíte BWV 1009, esta compensação não existe, devido ao fato de Duarte (1965) não fazer indicações de dinâmica, assim como a inexistência de indicações de dinâmica nos manuscritos consultados para a comparação. 2.3.2 Análise dos aspectos estruturais Em comparação entre a transcrição de John Duarte e os manuscritos de J. S. Bach, analisaremos agora os aspectos estruturais. Entre eles temos a estrutura 26 A dinâmica se refere à intensidade musical. “Ao executarmos uma obra musical, seja instrumental ou vocal, temos a possibilidade de graduar o volume em três níveis de intensidade: fraco, médio ou forte. Isso é o que chamamos de dinâmica e é ela quem dá à música sua expressividade. É importante notar que as intensidades expressas na música são relativas e dentre os níveis de dinâmica há variações de graduação. Além disso, uma mesma dinâmica escrita para instrumentos diferentes não implica em uma intensidade exatamente igual. Um forte emitido por um trombone será naturalmente mais intenso que um forte emitido por um violino” (MARCHETTI et al., 2005, p. 16) 34 melódica, harmônica, rítmica e formal. Estas características são aquelas que, se tiradas, acrescentadas ou modificadas, acabam provocando uma grande transformação em uma reelaboração musical, apresentando diferenças mais claras e alterando o grau de fidelidade em relação ao original. Estrutura melódica Na Allemande da suíte BWV 1009, com as mudanças de altura pontuais, podemos observar no compasso 16 - FIGURA 5 – no grupo de figuras que envolvem a segunda semicolcheia, o transcritor determina sua realização uma oitava acima do que está nos manuscritos. Com isso, a estrutura intervalar melódica entre a obra original e a transcrição é alterada em que na última semicolcheia, referente ao grupo da primeira semínima tem o intervalo de 3ª Maior abaixo, em comparação com a primeira semicolcheia referente ao grupo da segunda semínima nos manuscritos originais, enquanto na transcrição, o intervalo neste mesmo trecho é de 6ª Menor acima. Outro momento em que a estrutura intervalar é modificada se encontra no contraponto escrito nos compassos 7 e 8 - FIGURA 4. Neste momento, os manuscritos apresentam entre a penúltima e última semicolcheia do compasso 7, o intervalo de 5ª Justa acima – com exceção do manuscrito Anônimo do séc. XVIII, que apresenta este salto entre a última semicolcheia do compasso 7 e a primeira do compasso 8 – enquanto na transcrição, Duarte (1965) determina que este intervalo seja realizado uma 4ª Justa abaixo. Ainda outra modificação da estrutura melódica se encontra no compasso 22 FIGURA 7. Aqui se observa uma interessante mudança na disposição intervalar entre os manuscritos e a transcrição, onde nas duas primeiras semicolcheias do compasso 22, temos o intervalo de 10ª Menor nos manuscritos contra o intervalo de 8ª na transcrição talvez para deixar claro o contraponto do transcritor. 35 A. M. Bach J. P. Kellner Manuscrito “Westphal” Anônimo séc. XVIII Duarte (1965) FIGURA 7 – Compassos 21 e 22, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965). Estrutura Harmônica Quanto à estrutura harmônica, podemos considerar que uma harmonia é sugerida, mas não explicitamente realizada através da escrita do contraponto, e que esta escrita cria um maior movimento para a transcrição no violão, como mostra um trecho do compasso 2, na FIGURA 8. FIGURA 8 – Compasso 2 da transcrição de Duarte (1965) referente à Allemande da BWV 1009 Ao analisar as características desta peça, não consideraremos uma realização harmônica, mas sim, uma escrita contrapontística, em que existe uma linha melódica 36 grave, independente em relação às outras vozes. E tem como características uma realização do contraponto que serve como elemento de unificação da obra como um todo, com possibilidade de determinação dos acordes a serem construídos - ou deduzidos - com base na melodia grave escrita e liberdade rítmica em relação à melodia original (de ANDRE, 2006). Estrutura rítmica Este aspecto não foi alterado em relação à obra original, entretanto comentaremos uma divergência entre os manuscritos consultados que influenciam na escolha de Duarte (1965) em sua transcrição, como mostra a FIGURA 8, embora não influencie na estrutura rítmica geral de sua reelaboração. A. M. Bach J. P. Kellner “Manuscrito Westphal” Anônimo séc. XVIII Duarte (1965) FIGURA 9 – Compasso 10, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965). 37 Na segunda semínima do compasso 10, conforme mostra a FIGURA 9, há uma alteração rítmica na transcrição de Duarte (1965) em comparação com os manuscritos da obra em questão, com exceção do “manuscrito Westphal” que apresenta a mesma estrutura rítmica de uma fusa e três semicolcheias em relação à transcrição. Os demais manuscritos apresentam no trecho referido uma semicolcheia, uma fusa e duas semicolcheias. Estrutura formal27 De acordo com de Andre (2006) a forma básica de cada uma das peças utilizadas em uma suíte é a forma binária ||: A: ||: B: || o que condiz com a forma da peça estudada. Ainda segundo o autor, habitualmente, quando a obra se apresenta em uma tonalidade MAIOR, a parte A caminha, seguindo a representação harmônica de Hindemith (1949), de I para V, e a parte B, de V para I. Quando uma peça está em uma tonalidade MENOR, a parte A caminha de I para III, e a parte B de III para I. No caso da Allemande da suíte BWV 1009, a obra se apresenta em tonalidade MAIOR na forma binária, e a estrutura formal apresentada nos manuscritos não é alterada na transcrição de Duarte (1965). 2.3 Outros Aspectos Aqui serão abordadas outras características da transcrição de Duarte que não se enquadram nas diretrizes de Pereira (2011) e, por coincidência, apresentam diferenças não só entre os manuscritos e a transcrição, mas também entre os próprios manuscritos utilizados. 27 Em um sentido estético o termo forma significa em música que a peça é organizada. Este termo pode se referir ao numero de partes - seções - como “forma binária”, “forma ternária” ou “formarondó”; pode se referir ao tamanho destas partes e a complexidade de suas inter-relações como “forma sonata”; ou pode fazer referência a características rítmicas e métricas de andamento que identificam uma dança como “minueto” ou “scherzo”. Neste trabalho, entenderemos este termo como número de partes para indicar seções ou subdivisões de uma composição (SCHOENBERG, 2008) 38 No compasso 21, conforme a FIGURA 7, observa-se que no manuscrito de A. M. Bach não existe a figura correspondente ao espaço da terceira semínima do pentagrama como existe nos demais manuscritos e na transcrição de Duarte (1965). Ainda em relação à FIGURA 7, no começo do compasso 22, existe um ornamento de apojatura inferior no Manuscrito “Westphal” e no Manuscrito Anônimo do séc. XVIII, que não existe nos manuscritos de A. M. Bach e J. P. Kellner. Assim como também não existe na transcrição de Duarte (1965). Ainda em relação aos ornamentos, outro trecho que chama a atenção é o compasso 14. Aqui existe uma indicação de trinado na primeira semicolcheia da terceira semínima existente no manuscrito de J. P. Kellner, que não existe em outros manuscritos, nem na transcrição de Duarte (1965), de acordo com a FIGURA 10. A. M. Bach J. P. Kellner Manuscrito “Westphal” Anônimo séc. XVIII Duarte (1965) FIGURA 10 – Compasso 14, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965). 39 A relevância destas outras considerações para este trabalho, está no fato de que além delas poderem proporcionar ao intérprete maiores opções para a execução da obra em relação aos ornamentos mostrados, a diferença entre os próprios manuscritos em comparação com a transcrição pode nos oferecer indicativos da possibilidade de J. Duarte ter utilizado um manuscrito ou mais, entre os quatro utilizados aqui para a comparação de sua transcrição. 40 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com a pesquisa de caráter descritivo neste trabalho, podemos compreender a transcrição musical como um processo da própria composição musical, em que ao passar uma obra de um meio qualquer para outro – a composição da mente do compositor para o papel, ou de uma gravação para o papel – se configura em algum nível, salvo os casos da interpretação musical. Aqui o tema foi tratado como uma obra já pronta em mudança de meio fônico, que tem sua estrutura formal respeitada. Procuramos saber como esta prática se estabeleceu através dos tempos, e o motivo de haver obras com esta característica em abundância, no repertório da música ocidental. Aqui descrevemos o porquê desta prática, mostrando que a transcrição fez parte do desenvolvimento da música instrumental desde a Renascença. E descrevemos como esta prática se desenvolveu deste momento em diante, em que a transcrição musical como mudança de meio fônico foi utilizada como técnica de aprendizado em composição musical no período barroco; serviu de meio de divulgação de diferentes obras e compositores, em uma época de encomendas editoriais, ascensão econômica da classe média, aumento da demanda de música amadora, e o desenvolvimento do virtuosismo técnico, como foi o fim do séc. XVIII e o séc. XIX. Vimos aqui que a transcrição no séc. XX se tornou prática ainda mais corrente, devido às novidades tecnológicas que esta época proporcionou, através da gravação, com o recolhimento sonoro de diversos estilos musicais para posteriores publicações, e que neste mesmo século os compositores fizeram uso desta prática, inclusive aplicando os novos métodos composicionais, como é o caso da orquestração de Anton Webern (1883-1945) para a obra Fuga Ricercata a Sei Voci, contida na coleção Oferenda Musical, de J. S. Bach, ou do terceiro movimento da sinfonia de Luciano Bério, em que o compositor utiliza-se de várias pequenas transcrições literais de peças que foram trabalhadas no interior de um discurso musical. 41 À partir destes exemplos dos compositores do séc. XX, podemos afirmar “que as transcrições podem determinar uma nova atitude estética” (BOTA, 2008, p.93) como é o caso da transcrição de Duarte (1965), em que ao transportar a Allemande da Suíte BWV 1009 do violoncelo para violão, toma atitudes que podem ter motivações técnicas na abordagem da peça ao novo meio fônico, mas provoca mudanças estéticas na obra, através das mudanças ocorridas. Mudanças essas analisadas sob a nomenclatura de aspectos ferramentais e estruturais da obra em questão. Entre estas mudanças, verificamos que entre os aspectos ferramentais, todos sofreram alterações. Estas são as características que ao passarem por modificações em uma reelaboração musical, mantém proximidade ao original e mantém sua fidelidade preservada, em relação à obra original, de acordo com Pereira (2011). Já entre os aspectos estruturais, verificamos alterações na Estrutura Melódica, devido às modificações da estrutura intervalar entre transcrição e os manuscritos, e a Estrutura Harmônica, devido à realização de um contraponto que cria a sensação de movimento, e pode sugerir uma harmonia na realização da obra, por Duarte (1965). Entre as características não alteradas, temos a Estrutura Rítmica e a Estrutura Formal, ponto de partida para considerar uma reelaboração como transcrição musical neste trabalho. No item outras considerações, observamos outras alterações existentes entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965), e entre os próprios manuscritos, que não se adequam às diretrizes de Pereira (2011), como a comparação entre notas que simplesmente não existem no manuscrito de A. M. Bach, como é o caso dos compassos 21 e 22, - FIGURA 7, e do compasso 14 - FIGURA 10 – em que podemos verificar um ornamento presente apenas na cópia de J. P. Kellner. Por fim, com todas estas comparações, buscamos deixar claros os recursos utilizados pelo transcritor, para a realização de sua transcrição musical. Com este trabalho, procuramos deixar claro os critérios utilizados por Duarte (1965) na realização de sua transcrição referente à Allemande da suíte BWV 1009, e esperamos que este possa auxiliar de alguma maneira futuros transcritores a realizar suas próprias transcrições para violão solo, à partir de obras escritas para outros meios fônicos. 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADLER, Samuel; HESTERMAN, Peter. The Study of Orchestration (in Six Enhanced Multimedia Discs. New York: WW Norton, 2002. AMBIEL, Áurea Helena de Jesus. O TRATAMENTO TEMÁTICO NA ORQUESTRAÇÃO DO RICERCAR A 6 DE J. S. BACH POR ANTON WEBERN. In: ANPPOM – Décimo Quinto Congresso, 15, 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Música da UFRJ. 1446p. p.341 -346. BARBEITAS, Flavio Terrigno. Reflexões sobre a prática da transcrição: as suas relações com a interpretação na música e na poesia. 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