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116 - Revista Santa Cruz EDITORIAL Feliz a quem foi dado participar do sagrado convívio, de forma a aderir, com todas as fibras do coração, àquele cuja beleza as santas multidões dos céus admiram sem cessar. Sua ternura comove; sua contemplação fortalece; sua benignidade cumula, sua suavidade satisfaz, sua lembrança ilumina docemente, seu odor revitaliza os mortos, e sua gloriosa visão encherá de gozo os habitantes da Jerusalém do alto. Ele é o esplendor da eterna glória, fulgor da luz eterna, espelho sem defeito (IV Carta de Santa Clara a Santa Inês de Praga). C om essas palavras de nossa mãe Santa Clara, ainda respirando os bons ares da celebração dos 800 anos de sua consagração àquele que é o “esplendor da eterna glória”, aqui estamos com mais um número da Revista Santa Cruz. Que, a exemplo de Clara, possamos amar e servir o mesmo Deus, “com todas as fibras do coração”. Uma boa leitura a todos! Revista Santa Cruz - 117 118 - Revista Santa Cruz SUMÁRIO EDITORIAL................................................................................................. 117 DOCUMENTAÇÃO Da Cúria geral: Mensagem do Ministro Geral: “Correrei sem nunca me cansar” .......................................................................................................................120 VIDA DA PROVÍNCIA 1. Ordenação presbiteral de frei João Ricardo Teodoro (Frei Luciano Lopes) ................................................................................127 2. Encontro da faixa etária VI (Frei Júnio Fernando Marques) .............................................................129 3. Congresso Clariano (Frei Kelisson Geraldo Machado) .........................................................131 4. “Experiência Assis 2012”: A tentação da palhota (Frei Fabiano A. Satler) ...........................................................................134 5. IV Capítulo Internacional das Esteiras “Under 10” ....................140 6. Entrevista com dom Diogo Reesink (Frei Arlaton L. Soares ) ...........................................................................144 REFLEXÃO A verdade cura (Frei Francisco van der Poel) ..................................................................149 MEMÓRIA Memória dos 50 anos do Concílio Vaticano II (Freis Eduardo Metz, Cristóvão Pereira e Basílio de Resende) .......153 UMAS E OUTRAS - Humor franciscano ................................................................................165 Revista Santa Cruz - 119 DOCUMENTAÇÃO - DA CÚRIA GERAL Mensagem do Ministro Geral por ocasião do encerramento do 8o centenário da consagração de Clara e da fundação da OSC. Ministro Geral frei José Rodriguez Carballo 120 - Revista Santa Cruz CORREREI SEM NUNCA ME CANSAR Amadas irmãs pobres de Santa Clara, irmãos e irmãs. Com as palavras de Santa Clara vos saúdo e vos desejo: “Saúde e Paz” Depois de um ano e meio de celebrações, com a memória litúrgica do trânsito de irmã Clara, estamos fechando o 8o centenário da sua consagração na Porciúncula (1211-1212), e da fundação da Ordem das Irmãs Pobres. E enquanto guardamos o quanto de bom se fez durante este centenário de aproximação à Pianticella de Francesco (Test SC 37), cheios de estupor por tudo aquilo que o Senhor fez naquela mulher cristã da qual a maior grandeza foi aquela de tomar a sério o Evangelho, continuando o caminho que frei Francisco, “verdadeiro amante e imitador” do Senhor, lhe indicou com a sua vida e as suas palavras, continuamos a agradecer o Pai das Misericórdias pelo dom de Clara e das Irmãs Pobres de ontem e de hoje, que, seguindo a sua “Forma de Vida”, fizeram e continuam a fazer do Evangelho a própria regra e vida (cf. RSC 1-2). As celebrações jubilares se fecham hoje, mas com elas não termina a nossa admiração por essa mulher nova, de quem queremos assimilar a mensagem mais profunda e autêntica, pois esta se nos apresenta cheia de atualidade, não obstante os 800 anos que nos separam da aventura desta mulher que, junto com o Poverello, entrou para sempre no mundo da legenda dos grandes seguidores daquele que por nós se fez caminho porque o seguimos como corça veloz, passo ligeiro e com pé seguro (2LAg 12). Neste contexto, de Clara mesma nos vem como primeiro convite: “conhece bem a tua vocação” (TestC 4). Conhecer significa certamente discernir os elementos essenciais da própria vocação e tomar consciência deles; mas significa também amar a própria vocação para vivê-la como convém. A quem recebeu um dom tão singular. Não se trata, pois, de um simples conhecimento teórico dos elementos essenciais da vocação cristã e, no nosso caso, da vocação francisclariana, Clara convidando-nos a conhecer a nossa vocação nos convida a passar de um conhecimento meramente intelectual e teórico a uma experiência de vida que, para uma Irmã pobre, significa viver a Revista Santa Cruz - 121 mesma forma de vida que Clara viveu e que através de seus escritos, particularmente a regra, transmitiu às suas irmãs. põem aos cristãos e de maneira especial aos consagrados. E nós não podemos ficar de braços cruzados perante tais interrogações. Conhece a tua vocação. O centenário foi uma boa ocasião para concentrar-nos sobre os elementos essenciais do carisma francisclariano. Em momentos de crise como aqueles que estamos vivendo – momentos de inverno, como dizem alguns – não podemos estacionar em uma identidade superficial, mas é necessário voltar ao essencial, cultivar as raízes, ir ao fundo, se não quisermos ficar nas intempéries, com todos os riscos que isso traz consigo. No fim deste centenário, Clara nos repete com força: “Conhece a tua vocação”, ou seja: ama a tua vocação, que, por sua vez, comporta revisitar a própria identidade e o caráter particular da nossa vocação hoje, não para por em dúvida quanto temos adquirido através da reflexão e do estudo levados adiante nestes anos, mas para reapropriarmos e fazê-la nossa em cada momento. O chamado feito a Francisco e Clara há 800 anos, hoje se dirige a nós e nos interpela. Nossa tarefa é acolhêlo e vivê-lo, guardá-lo e mantê-lo sempre atual, respondendo assim às expectativas e às necessidades dos homens e mulheres do nosso tempo. Basta não fechar os olhos para se dar conta da distância que existe entre as figuras de Francisco e Clara e nós, que nos dizemos seus filhos; a distância entre aquilo que propomos como projeto e a realidade concreta da nossa fraternidade francisclariana. Também a atual crise da igreja e do mundo nos circunda e a nossa firme vontade de ser fiéis ao Evangelho pede-nos um novo início, pede-nos para ter sempre diante dos olhos o ponto de partida (cf 2LAg11), porque só assim será possível Irmãs e irmãos, a Igreja e a nossa vocação de batizados nos interrogam sobre o sentido de nossas vidas, de nossas escolhas, e como seguidores de Francisco e Clara nos interrogam sobre o caráter específico de nossa vocação e missão francisclariana. Qual é a nossa missão específica na Igreja? É uma pergunta que não podemos ignorar. O mundo, de outra parte, angustiado e agitado por tantas tensões e crises, mas com grande simpatia por Francisco e Clara, nos faz perguntas como esta: “Quem vocês são e que ajuda vocês podem nos dar?” Mudando o que deve ser mudado, essas são as mesmas perguntas que a Igreja e o mundo 122 - Revista Santa Cruz uma mais profunda conversão do coração e uma renovação na fé, só assim será possível cultivar a fidelidade criativa (cf. VC 37), ter a lucidez, a audácia e a visão de futuro que os tempos atuais pedem, e ser para as pessoas de hoje memória e profecia. Outro aspecto essencial do magistério de Clara é que o Senhor é tudo: beleza, amor, doçura, benignidade. Em uma de suas cartas, Clara escreve a Inês: “cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar, cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente” (4CtaCL 10ss). Clara é a jovem que se deixou cortejar e, fascinada pela beleza do Esposo “da mais nobre linhagem”, se uniu em matrimônio com ele (1LAg 7). Clara descobriu em Jesus Cristo o “tesouro incomparável”, a pedra preciosa, mas é bem consciente da triste possibilidade de que a pedra e o tesouro possam ser jogados fora. Por esse motivo, Clara insiste na necessidade de vigiar a fim de que este mundo falaz não nos jogue fora o tesouro, a pérola que é Cristo. Essa preocupação a faz escrever a Ermentrude de Bruges, e nesta a todos nós: “traz à sua consumação o bem que começastes” (LErm 14); “não te surpreendam às vezes as imagens deste mundo enganador (LErm 6); sem conceder nem mesmo um olhar às seduções, que neste mundo falaz e irrequieto, laçam os cegos que prendem nele o seu coração. Toda inteira ama Aquele que por teu amor se doou todo (Cf. 3LAg 15). Essa mesma preocupação a leva a dizer à Inês “não permita que nenhuma sombra de tristeza atinja o seu coração” (cf. 3LAg 11), e ainda “como corça veloz e passo ligeiro, com pé seguro” (2LAg 12), avança com maior segurança “na estrada dos divinos mandamentos” (2LAg 15). “Vou tomá-la, vou conduzi-la ao deserto e falarei ao seu coração. Farei de ti minha esposa...” (Os 2,16 ss), lemos nas Sagradas Escrituras: “Arrasta-me atrás de ti! Corramos no odor dos teus bálsamos, ó esposo celeste! Vou correr sem desfalecer, até me introduzires na tua adega, até que tua esquerda esteja sob a minha cabeça, sua direita me abrace toda feliz”, escreve Clara (4LAg 30-32). É a linguagem dos enamorados. E Clara é antes de tudo isso: uma mulher enamorada do Amor mesmo; uma mulher que não vive para si, mas para Cristo que vive nela: “e não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2,20), poderia bem dizer Clara Revista Santa Cruz - 123 fazendo suas as palavras de Paulo. Clara é uma mulher conquistada por Cristo, seduzida pela beleza, da sua bela pobreza, da sua santa humildade e da sua inefável caridade (cf. 4LAg 18), que não deseja outra coisa senão unir-se a Cristo pobre e crucificado: “agarrate, virgem pobrezinha, a Cristo pobre”(2LAg18), poderá dizer a Inês, porque anteriormente tinha tornado real esse desejo na sua vida. Clara é uma mulher enamorada Daquele “cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente, cujo perfume dará vida aos mortos, cuja visão gloriosa tornará felizes todos os cidadãos da celeste Jerusalém” (4LAg 11-13). E esse amor por Cristo a leva a fazer dele o motivo cotidiano de sua contemplação, até se transformar toda inteira na sua imagem (cf. 2LAg 13), e permitir que na sua vida transpareça a vida de Cristo “o mais belo entre os filhos dos homens, tornado para a tua salvação o mais vil dos homens (cf. 2LAg 20). Seduzida pelo amor de Jesus Cristo, o ama apaixonadamente e se entrega incondicionalmente Àquele que doa e se doa sem medida.: “Toda inteira, ama Aquele que por teu amor se doou todo” (3LAg 15). 124 - Revista Santa Cruz Para Clara, o Senhor é tudo. Perguntamo-nos: que lugar ocupa o Senhor na minha vida? Quem é Jesus para mim? De outra parte, Clara é a esposa fiel. Perguntamonos: é possível no mundo de hoje ser fiel? Como podemos não diminuir o nosso empenho de fidelidade ao Senhor? Os meios que Clara contempla para não retroceder no propósito inicial de seguir Cristo pobre e crucificado e de caminhar com coragem no caminho da virtude, são simples e contemporaneamente muito eficazes: fazer continuamente memória do propósito inicial, tendo “sempre diante dos olhos o ponto de partida” (2LAg 11), olhar cada dia no Espelho (4LAg 15), pôr a mente, a alma e o coração no Espelho (cf. 3LAg 12-13), agarrando-se com todas as fibras do coração ao Cordeiro Imaculado (4LAg 8-9), sem nunca apagar o espírito da Santa oração e devoção (cf. RSC 7,2). Caras irmãs, caros irmãos: aqui está o segredo da fidelidade dos nossos compromissos batismais e, no nosso caso, quando prometemos com a profissão. Se queremos realmente permanecer salvos no propósito inicial, não há outra estrada que aquela de atualizar/ renovar constantemente esse propósito e aquele de permanecer unidos a Cristo, como os ramos à vinha. Os tempos como os nossos nos quais a fidelidade não é uma virtude que está na moda, como já afirmava Paulo VI, se faz necessário centrar-se Nele, para poder concentrar-se sobre elementos essenciais de nossa identidade e, deste modo, descentrar-se para ser portador do dom do Evangelho aos homens e mulheres de hoje. O amor a Cristo “a quem a potência é mais forte que todas as outras, mais larga é a sua generosidade; a sua beleza é mais sedutora, o seu amor é mais doce, e todo seu favor mais fim” (cf. 1LAg 9), faz de Clara uma mulher livre e lhe permite “avançar confiante e fielmente no caminho da bem-aventurança”(2LAg 13). Esse mesmo amor lhe permite permanecer sempre unida à vida. Essa é a razão primeira e última de sua grande fecundidade espiritual – mãe de numerosas virgens, a saúda a liturgia -, e da sua atraente atualidade. Clara, porém, nos ensina também a não encontrarmos Cristo sozinho. Unir-se a Cristo significa percorrer o caminho que nos leva ao Pai e aos outros. Para Clara, estar em comunhão com o seu Amado quer dizer dialogar em um mesmo amor ardente com aqueles que habitam o seu coração e a sua vida. As testemunhas do processo de canonização são um claro exemplo disso que dizemos. Assim como o pequeno jardim de São Damião se abre sobre a planície de Assis, o seu coração se estende às dimensões infinitas do coração de Deus. Clara nos ensina: no mesmo amor amamos o Outro e os outros. Deus é relação. Não há felicidade proveniente de Deus que não venha oferecida aos outros, que não seja acolhida nos outros, e não seja partilhada com os outros. A árvore boa da contemplação produz sempre o saboroso fruto da amizade e da fraternidade. Deste modo, o mesmo Jesus vem potencializar a nossa capacidade de amar, e a vida de relação se converte em terreno privilegiado no qual Deus Amor se oferece e se deixa tocar nos outros. “Correrei sem nunca me cansar...” Clara é uma mulher jovem e cheia de vida, também quando o seu corpo é frágil por causa da enfermidade, porque encontrou aquele que é a Vida, aquele que é tudo: “o amor, a beleza, a alegria, a esperança, toda nossa doçura, (LodAL 4-6). Clara é uma mulher feliz, porque encontrou aquele que é a causa de toda alegria e origem de toda beleza. Clara é a mulher feliz, porque preferiu “o desprezo do mundo às honras, à pobreza, às riquezas temporais, e Revista Santa Cruz - 125 confiou os seus tesouros, mais que à terra, ao céu”(1LAg 22). Esta Clara, a indigna serva de Jesus Cristo e das Irmãs, como ela mesma ama apresentar-se (Cf. 1LAg 2; 2LAg 2, 3LAg 2); “esposa, mãe, e irmã do senhor Jesus Cristo”(cf. 1LAg 12), é irmã mãe e nossa mestra, como se revelou de modo particular ao longo deste Centenário. Caríssimas irmãs e irmãos: que esta celebração nos leve a imitar o exemplo de fidelidade de Clara e que a sua intercessão nos proteja e nos acompanhe no nosso caminho de seguimento de Jesus Cristo, segundo a “Forma de Vida” que nos deixaram Francisco e Clara. Basílica de Santa Clara, Assis, 11 de agosto de 2012 Frei José Rodriguez Carballo, OFM Ministro Geral 126 - Revista Santa Cruz VIDA DA PROVÍNCIA Nesta seção, encontram-se os relatos sobre a ordenação presbiteral de frei João Ricardo Teodoro, do encontro dos frades da faixa etária VI, do Congresso Clariano de Canindé, e do IV Capítulo Internacional das Esteiras “Under ten”. Na sequência, uma pertinente reflexão a partir da “Experiência Assis 2012” e uma entrevista com dom Diogo Reesink. 1. ORDENAÇÃO PRESBITERAL DE FREI JOÃO RICARDO TEODORO Frei Luciano Lopes, OFM Depois de passar por dias nebulosos e chuvosos, durante o tríduo vocacional preparatório, no dia 23 de junho – dia da ordenação de frei João Ricardo Teodoro – tudo ficou diferente: o sol apareceu, num límpido céu azul, expandindo alegria para todos os que acorriam à Igreja Matriz de Elói Mendes (MG). A celebração foi presidida pelo bispo diocesano de Campanha, dom frei Diamantino Prata de Carvalho. Na homilia, dom Diamantino falou da necessidade de presbíteros evangelizadores, de discípulos Revista Santa Cruz - 127 missionários que semeiem a boa notícia do Evangelho a todos os povos. Exortou-nos que o serviço do presbítero deve ser exercido com boa vontade, a exemplo de São Francisco de Assis que testemunhou o evangelho do amor Divino na Igreja de seu tempo. Igualmente o presbítero deve ter um olhar de bondade para com todos, cuidar das pessoas com afeto e ternura, com um coração generoso. Sem isso – lembrou-nos o bispo –, nosso testemunho é vazio, sem valor e sem graça. Dom Diamantino concluiu a homilia, recitando os versos finais do Cântico das Criaturas: “Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-lhe graças e servi-o com grande humildade”. Frei João Ricardo, no final da celebração, expressou o seu agradecimento; primeiramente, a Deus e a todas as pessoas que rezaram e contribuíram para 128 - Revista Santa Cruz que esse dia acontecesse. Pediu a bênção de Deus para todos, em especial, seus pais, José Ricardo e Maria Zilda. Agradeceu a dom Diamantino, ao Ministro Provincial, frei Francisco Carvalho Neto, aos formadores que acompanharam sua caminhada vocacional, aos demais confrades da Província Santa Cruz, à fraternidade de Santos Dumont, aos aspirantes, aos postulantes, aos amigos de São Francisco, à OFS, aos religiosos e religiosas e a todas as pessoas que participaram da celebração litúrgica de sua ordenação presbiteral. Agradeceu também a presença dos parentes, o acolhimento da Paróquia Divino Espírito Santo, na pessoa dos padres Luiz Augusto e Wellington. 2. ENCONTRO DA FAIXA ETÁRIA VI Frei Júnio Marques, OFM Capitólio (MG), 2 a 7 de julho de 2012. Em um sítio sossegado, com vista muito agradável para as águas da represa de Furnas, aconteceu o encontro da Faixa Etária VI. Momento de descanso, contato com a natureza, saudável convivência e partilha de experiências. No dia 03, pela manhã, o moderador da formação permanente, frei Pedro de Assis, presidiu a Eucaristia. Ele acolheu os frades e desejou um bom encontro a todos. Durante o encontro, cultivamos a oração da Liturgia das Horas e celebrações da Eucaristia. Um ponto forte foram as partilhas de vida de cada frade. Cada um falou sobre as atividades que vem desenvolvendo, suas alegrias, dificuldades, sonhos e expectativas na nossa caminhada de Ordem e Província. Muita coisa interessante foi refletida como: o desejo de cultivar melhor a espiritualidade franciscana dentro de nossa Província Santa Cruz, o cuidado e a solicitude pela pessoa do confrade, uma presença evangelizadora de mais qualidade etc. De pé, da esquerda para direita: Kelisson, Francisco Alexandre, Emanuel, Saulo, Erótides, Irwin, Luiz Antônio. Agachados, da esquerda para direita: Reinaldo, Júnio, Robério, João Ricardo e Luciano Lopes. Revista Santa Cruz - 129 À noite, fomos a Capitólio, para participar do encontro dos “Amigos de São Francisco”. Fomos muito bem acolhidos, rezamos juntos, refletimos sobre o nosso carisma franciscano. Cada frade falou um pouco de si. Também eles partilharam sobre a caminhada do grupo e, no final, realizamos uma agradável confraternização. No dia 05, pela manhã, realizamos um passeio às margens do lago de Furnas, o que proporcionou a contemplação de paisagens muito agradáveis. Visitamos o Balneário Escarpas do Lago. Depois fomos ao Lar São Vicente, o asilo da cidade de Capitólio. Esse momento com os idosos contou com a ajuda 130 - Revista Santa Cruz de frei João Ricardo, que animou a turma com música e violão. Quando a fome apertou, fomos almoçar à beira do lago, em um bom restaurante da região. Depois do almoço, fomos conhecer a hidrelétrica e represa de Furnas. No dia 06, pela manhã, nos dedicamos à oração e partilha de experiências. Pela tarde, visitamos outros lugares agradáveis na região e celebramos a Eucaristia, presidida por frei João Ricardo. Foi um momento rico e muito agradável. Que o “Altíssimo, Onipotente e Bom Senhor” fortaleça a nossa vocação e nos dê a graça de uma vida saudável entre irmãos! 3. CONGRESSO CLARIANO EM CANINDÉ: “SANTA CLARA DE ASSIS E DE HOJE” Frei Kelisson Geraldo Machado, OFM Fui agraciado com a oportunidade de conhecer o Santuário de São Francisco das Chagas, em Canindé (CE), cidade carinhosamente chamada de “Assis brasileira”. Foi um momento privilegiado: a comemoração dos 800 anos do carisma de Santa Clara. Nos dias 8 a 11 de agosto, reuniram-se em Canindé mil e quinhentos irmãos e irmãs da Família Franciscana do Brasil. O “Regional Minas Gerais” se fez representar com 45 pessoas, membros da Família Franciscana. Da Província Santa Cruz se fizeram presentes os freis Jonas, Donizete, Eduardo Metz, Vicente Ronaldo e Kelisson. Alegro-me de partilhar com os irmãos da PSC um pouco do que experimentei nesse memorável Congresso. O Congresso O que, na verdade, aconteceu foi um grande encontro celebrativo iluminado pelo tema “Santa Clara de Assis e de Hoje”. Esse tema propunha lançar luzes para que nossa vida francisclariana seja, dia após dia, vivida em função do mesmo Amor que inflamou o coração da jovem Clara no seguimento de Jesus Cristo. A tarde do dia 9 foi marcada pela música, ocasião em que se apresentou uma coletânea de cantos Clarianos. À noite do mesmo dia, aconteceu a abertura oficial do Congresso com um momento orante presidido por dom Antônio Cavuto, OFMcap. Irmãos de cada Revista Santa Cruz - 131 Regional da Família Franciscana do Brasil entraram em procissão portando estandartes, alguns bem característicos da região. Faço aqui merecidas considerações sobre o estandarte do nosso Regional, com desenho elaborado pelas irmãs Clarissas Franciscanas. Em primeiro plano, a figura de Santa Clara; ao fundo, as montanhas e a bandeira do Estado de Minas Gerais. O referido estandarte foi confeccionado por nosso confrade frei Donizete. No alvorecer do segundo dia, a oração matinal aconteceu ao longo de uma caminhada que partiu da Basílica de São Francisco das Chagas até o Mosteiro do Santíssimo Sacramento. Esse gesto quis recordar as caminhadas de Francisco rumo ao Mosteiro de São Damião para encontrarse com Clara. Às 11h, dom frei Leonardo Ulrich Steiner presidiu a celebração da Eucaristia. À tarde, no momento da “A perfeita alegria”, os regionais apresentaram danças, teatros e músicas, característicos de cada região. Nosso Regional participou desse momento com a apresentação de uma Folia de Reis. À noite, durante a celebração da “Páscoa de Santa Clara”, foi apresentada uma dramatização da morte de Clara, preparada pelos jovens de Canindé. 132 - Revista Santa Cruz No grande dia 11, os irmãos e irmãs espalharam-se pelos quatro cantos da cidade para um momento de Adoração do Santíssimo Sacramento. Diversas igrejas de Canindé, de portas abertas e com o brado dos sinos, acolheram os representantes de cada região. Os irmãos das regiões Sudeste e Centro-Oeste tiveram o privilégio de fazer sua Adoração junto às irmãs Clarissas do Mosteiro de Canindé. À noite, dom frei José Belisário da Silva presidiu a Eucaristia. Logo após, a “Ciranda de Santa Clara”, comandada por Zé Vicente, encerrou com chave de ouro o Congresso Clariano. Clara de Assis e de hoje: caminho de unidade Em um momento de reflexão, frei Vitório Mazzuco convidounos a mergulhar na riqueza da espiritualidade de Francisco e Clara. Ele nos falou de Clara como luz e força do nosso carisma, abundância da divina suavidade, encontro do mistério humano e do mistério divino. Exortounos que o mundo francisclariano é um constante remar contra a correnteza dos valores superficiais oferecidos pela realidade atual. Frente a isso, devemos buscar, como única paixão, o Cristo Pobre, em fraternidade, à luz do Evangelho. Recordou-nos que o processo de conversão pressupõe mudança de mentalidade e de lugar. Clara saiu da casa paterna para encontrar-se com o esposo. Ela é a plantinha de Francisco, cujo diminutivo na cultura medieval é uma forma de reforçar a intimidade, de expressar com sinceridade a grandeza, a nobreza humana de uma pessoa. Por fim, frei Vitório lembrou-nos que celebrar é tornar presente: celebramos o mistério do encontro de Clara com o Esposo, o Cristo Pobre. Clara é caminho da unidade. A santa unidade, a mais profunda união com o Deus infinito que nos ama. Encontro do humano e do divino. É ser convidado para as bodas do Rei, ser tocado pelo divino amor que deixa em nós marcas indeléveis, tornando-nos belos como é belo o nosso Deus. Encontrar e amar o Cristo Pobre que abraçou nossa humanidade. Clara encontrou-se com o amado. A mística esponsal de Clara é o caminho de unidade pelo qual devemos percorrer. Rosto feminino do carisma Irmã Maria Clara do Santíssimo Sacramento, do Mosteiro de Guaratinguetá (SP), nos brindou com outra bela reflexão. Falounos que o rosto feminino do carisma nos aproxima da essência do seguimento do crucificado. A cruz é marco importante na espiritualidade clariana. Clara, não poucas vezes, foi luz nas angústias de Francisco. Clara deixa o palácio da família e abraça a pobreza. Sai pela porta dos fundos, enveredando-se numa aventura de amor ao Crucificado. Cristo é centro da espiritualidade clariana. Em carta à Inês de Praga, Clara a exorta a se espelhar em Jesus, espelho da eternidade que se manifestou a nós, no Mistério da encarnação. A contemplação clariana não é outra coisa senão o amor ao crucificado com o firme desejo de se conformar a ele. “Abrace o Cristo Pobre, você de estirpe nobre, e não perca de vista seu ponto de partida.” Revista Santa Cruz - 133 4. EXPERIÊNCIA ASSIS 2012 Os freis Hilton Farias de Souza e Fabiano Aguilar Satler participaram da “Experiência Assis 2012”, promovida pela FFB. Frei Fabiano faz um “balanço final” do que vivenciou nas terras do “Poverello” de Assis. Frei Hilton e frei Fabiano A tentação da palhota Frei Fabiano Aguilar Satler, OFM Ao fim desse itinerário de visita e de presença nos lugares associados à vida de Francisco na região da Umbria, do Lascio e da Toscana, uma certeza resulta clara: Assis não é o meu lugar, a Porciúncula não é o meu lugar, o Monte Alverne não 134 - Revista Santa Cruz é o meu lugar. Na verdade, nenhum dos eremitérios ou igrejinhas visitadas é o meu lugar. Explico-me. Esses lugares, principalmente os eremitérios no alto dos montes e no meio dos bosques, gritam o nome de Francisco, de Clara e dos seus primeiros companheiros. Nesses lugares, as pedras das grutas ou das igrejinhas falam continuamente ao longo de oito séculos: Francisco, Clara, Leão, Bernardo, Inês, Egídio, Rufino, Filipa, Masseo e tantos outros nomes da primeira geração do franciscanismo. O silêncio no meio dos eremitérios grita o nome de Deus. A natureza, no alto das montanhas ou na baixada dos vales, proclama em alta voz a fonte e a origem de quem ela espelha tamanha beleza. Diante de tudo isso, a tentação resulta clara: erguer aqui a nossa palhota e estabelecer nesses santuários a nossa zona de conforto. Ceder a essa tentação seria um grave erro por dois principais motivos. O primeiro deles é que o próprio Francisco não se estabeleceu nesses lugares. Nesse sentido, ele nada mais fez do que seguir, mais uma vez, os passos do Filho de Deus, que continuamente se afastava da multidão e subia ao monte para rezar e para descansar no Pai. O Pai, entretanto, não deixava o seu Filho descansar e o impelia, novamente, para o meio da multidão, para revelar a ela o rosto paterno-maternocompassivo de Deus. Foi assim com Francisco, que, enquanto a saúde o permitiu, alternava períodos passados nos eremitérios com períodos de itinerância e de pregação nos povoados e cidades próximos. Esses espaços sagrados do franciscanismo, portanto, ao mesmo tempo que são patrimônio espiritual, teológico, arquitetônico e ecológico da humanidade inteira, não são, paradoxalmente, o meu espaço. O segundo motivo é que o tempo de Francisco e de Clara, ao qual todos esses espaços nos remetem, não são, afinal, o nosso tempo. A essa constatação óbvia parecemos não dar a importância devida. Profundas mudanças marcam o nosso tempo em relação ao tempo de Francisco e de Clara. Por exemplo, há diferenças marcantes entre o primitivo sistema econômico da nascente burguesia do tempo de Francisco e o intrincado sistema econômico atual, onde a má gestão pública e econômica de um país pequeno qualquer repercute imediatamente na economia e na vida política de grandes países em continentes diversos. Começamos a viver, no nosso tempo - e estamos experienciando apenas o princípio das dores, as consequências de uma crise ecológica inexistente no tempo de Francisco. A guerra, algo totalmente amador no tempo de Francisco (é quase cômico notar que, como Francisco, para se tornar um soldado, bastava comprar a armadura, a espada, o cavalo e, pronto, o hábito fazia o monge, nesse caso, o guerreiro), tornouse, hoje, uma indústria bélica com vida própria e acima dos governos nacionais. E, para citar apenas uma última diferença, talvez a mais significativa delas para nós, franciscanos e franciscanas, Deus não ocupa mais, no nosso tempo, o horizonte que ele ocupava na sociedade feudal do tempo de Francisco. A pós-modernidade é uma realidade com a qual ainda não aprendemos a lidar ou apreender de maneira satisfatória. Diante dessa realidade, nós, franciscanos e franciscanas, temos a tarefa irrenunciável de discernir os elementos fundamentais do franciscanismo das origens e de traduzi-los para o nosso tempo e para o espaço social onde nos inserimos. Renunciar ou executar mal essa tarefa significa perder a nossa relevância carismática no meio da Igreja e do mundo. Se isso vier a acontecer, vamos morrer lenta e inexoravelmente e nos transformaremos em um capítulo, volumoso, certamente, nos anais da história eclesiástica. Essa não é uma realidade totalmente implausível. Revista Santa Cruz - 135 Como na teologia dos textos bíblicos, uma boa hermenêutica se fundamenta em uma boa exegese. Para ensaiarmos uma tradução significativa para o nosso tempo do franciscanismo das origens, é necessária uma compreensão adequada dos elementos fundamentais do fenômeno que foi o movimento de Francisco e de Clara. Se não fizermos isso, cairemos no erro de, a exemplo de alguns grupos de cunho pentecostal, que se multiplicam na Igreja do Brasil, nos fantasiarmos com um hábito franciscano e nos entregarmos à falta de higiene e de formação a que é submetida a população de moradores de rua. Esses grupos são sinceros na sua intenção. E pitorescos e exóticos. Nada mais. Assim, de uma maneira bem simples e informal, mais rezado no coração nesses dias de passagem pelos santuários franciscanos, do que refletido com a ajuda imprescindível das ciências acadêmicas, tento discernir alguns desses elementos, sobre os quais, acredito, há um certo consenso. O primeiro desses elementos do fenômeno franciscano é a dimensão da fraternidade. Essa dimensão é uma consequência lógica da identificação de Francisco com o crucificado que, com a encarnação, se fez nosso irmão e que sentenciou: todos vocês são 136 - Revista Santa Cruz irmãos (Mt 23,8). A fraternidade exprimiu-se de maneiras diversas na vida de Francisco e de Clara: no amor aos irmãos e às irmãs, nos regulamentos da vida comum, na organização dos serviços de governo da fraternidade, na sua comunhão com a Igreja, na sua irmandade com as demais criaturas e no envio missionário. A fraternidade na vida franciscana manifesta-se no microcosmo das relações interpessoais dentro da fraternidade local de frades, freiras ou franciscanos seculares, e no macrocosmo da fraternidade em níveis mais amplos: outros atores dentro da Igreja, sociedade e o restante da criação. Na sociedade civil, um termo fala forte: solidariedade. A fraternidade é o nome cristão para a solidariedade. O franciscanismo poderia fermentar as estruturas e a hierarquia da Igreja com um pouco mais de fraternidade. Teríamos, então, estruturas mais fraternas e menos piramidais, mais inclusivas e menos exclusivas, mais femininas e menos machistas de discernimento e de tomada de decisões na Igreja. E a Igreja teria, então, um lastro moral para propor, ao mundo, essa mesma fraternidade cordial e organizacional que ela vive. Infelizmente, pelo menos nos três ramos da Ordem dos Frades Menores, essa cultura organizacional fraterna foi perdida logo a seguir à morte de Francisco. Desde o generalato de São Boaventura, a Ordem Franciscana encontra-se dividida e discriminada institucionalmente entre frades clérigos (padres) e frades leigos (irmãos), sendo proibido a esses últimos o acesso ao ministério de superiores na Ordem. Essa discriminação fere a fraternidade querida por Francisco, que se veria, hoje, proibido de governar a sua fraternidade como ele o fez, até que renunciasse em favor de outro irmão, Pedro Catani. Por mais grave que essa discriminação possa parecer para alguns, não o é para a quase totalidade de frades na Ordem, clérigos e mesmo leigos. Neste sentido, pelo menos para os frades menores, sobre o tema da fraternidade deveria ser feito, paradoxalmente, o mais absoluto silêncio, sob o risco de expormos, ainda mais, a nossa arraigada incoerência institucional a respeito. O segundo elemento é o primado de Deus e a centralidade de Jesus como acesso à vida trinitária. Visitando as igrejas de Roma e das cidades medievais do itinerário de Francisco, uma constatação foi-se confirmando: das igrejas medievais que sobreviveram aos terremotos ao longo dos séculos, poucas sobreviveram ao renascimento e ao barroco. Do lado de fora ficou a fachada medieval em pedra. No interior, a exuberância do renascimento e do barroco, que substituiu a construção original. Há algo de carnavalesco nas igrejas renascentistas. O desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro são um grandioso e bonito espetáculo de cores e de esculturas imensas compondo carros alegóricos a cada ano maiores. Correndo o risco de parecer grosseiro, a sensação ao entrar em uma igreja renascentista foi essa: adentrar uma imensa Marquês de Sapucaí, sem samba e silenciosa, sem corpos nus, mas com pessoas vestidas com decoro, com esculturas feitas não de isopor para durarem a efemeridade de pouco mais de uma hora, mas de mármore para a posteridade. Tudo é belo. Entretanto, o olhar e a atenção se perdem diante de tantas esculturas, pinturas e mosaicos. Onde está o altar? Onde está o crucificado? Onde está o ressuscitado? Por ali, no meio daquela profusão de esculturas e de pinturas de santos, de papas, de anjos e de outras coisas que a criatividade humana foi capaz de fazer. Uma igreja medieval, como a de Santa Maria Maior, ao lado da casa do bispo, em Assis, é diferente. Há apenas a parede nua em pedra e o crucifixo ao fundo, com o altar. Desde a entrada, os nossos olhos se fixam apenas em um elemento: o ícone do crucificado. Abrimos e fechamos os nossos olhos na oração Revista Santa Cruz - 137 e temos sempre à nossa frente a mesma imagem: o crucificado. A mesma experiência pode ser feita nas igrejinhas dos eremitérios franciscanos. Talvez se trate apenas de uma experiência e preferência estética. No Brasil, entretanto, a profusão barroca é mais do que uma realidade arquitetônica ou estética. É uma forma de religiosidade que continua a marcar a nossa Igreja. A pessoa de Jesus e do seu evangelho encontram-se misturados e perdidos em um emaranhado de santos, de ladainhas, de novenas, de promessas e de outros produtos religiosos, que o pentecostalismo católico tenta manter vivo por meio de um marketing de caráter duvidoso. Puebla ressaltou o papel da religiosidade popular na América Latina. Mas, será isso ainda válido na geração da internet? A religiosidade barroca dos nossos pais está tendo alguma incidência na vida dos filhos? Acredito que pouco e, certamente, menos ainda em um futuro próximo. Nesse contexto, como propor às novas gerações a experiência salvífica do crucificado-ressuscitado que guiou o itinerário de Francisco? Como devolver à nossa Igreja a dimensão mistagógica dos seus ritos e sacramentos, levando àqueles que neles tomam parte uma transformação cristificante, a exemplo do que aconteceu com 138 - Revista Santa Cruz Francisco e Clara? Como passar do rito à vida e da vida ao rito em uma sociedade tão conflituosa e violenta como a brasileira? Acredito que esse caminho franciscano passa a léguas de distância do triste espetáculo de mau gosto em que tem se transformado a celebração da eucaristia no Brasil, que tem servido mais para emoldurar o ego de padres televisivos e cantores, do que para sinalizar o mistério do crucificado-ressuscitado presente em nosso meio. Nas nossas passagens pelos grandes santuários franciscanos, pudemos experimentar um pouco da beleza que o rito e o canto proporcionam ao orante. Essa milenar tradição orante da Igreja pode ser um ponto de partida para oferecer alimento saudável às novas gerações. Finalmente, o terceiro elemento talvez seja a dimensão ecológica do carisma franciscano. Assis e os seus arredores são exatamente aquilo que o nosso coração imagina: uma cidade cercada de oliveiras, de trigais manchados de flores campestres, onde o vento faz movimentos como nas águas de um oceano, cheia de canto de pássaros. Os eremitérios franciscanos são um misto de rocha bruta mesclado com um verde próprio dos bosques daqui. Junte-se a isso o céu azul, o canto dos pássaros, o sibilar do vento e o silêncio das montanhas e compreendemos com facilidade a personalidade ecológica de Francisco. Nele foram reunidas todas as virtudes cardeais ecológicas. Quando nos deparamos com os vícios e males ambientais da sociedade brasileira, compreendemos a atualidade de Francisco de Assis. Talvez esteja no nosso empenho pela integridade ambiental a principal contribuição da família franciscana do Brasil à diversidade carismática da Igreja. Há uma séria crise ambiental em curso em relação à qual estamos fechando os nossos olhos. Estamos nos comportando como os nossos antepassados do regime colonial e monárquico, que fecharam os olhos à grave questão da escravatura negra e encheram os conventos franciscanos e clarianos no Brasil com mão de obra escrava. Vamos perder, mais uma vez, o bonde da história? A Amazônia tornou-se uma das principais praças mundiais no que se refere à crise ambiental. Nela, tudo assume grandes proporções: a extensão geográfica, a imensidão das matas, o porte das árvores, a extensão dos rios e a capilaridade da bacia hidrográfica, o volume de água doce, a biodiversidade, a variedade étnica e linguística dos povos indígenas. Mas, nela igualmente assumem proporções catastróficas a devastação das matas, as queimadas, os conflitos relacionados com a invasão de reservas indígenas, a ambição das mineradoras e os projetos bilionários do Governo Federal para a região. Para grandes obras, grandes desvios de dinheiro para o caixa dois do partido no governo e de seus aliados. Um mapeamento da presença franciscana no Brasil mostrará o quanto estamos ausentes dessa realidade. Vamos perder, mais uma vez, o bonde da história? Apesar da ilusão presente, não acredito que o cristianismo do futuro no Brasil seja um fenômeno de massas. Menos ainda o será a vida consagrada e, por extensão, a vida franciscana. Temos uma opção simples a fazer: ou sermos uma minoria qualitativa que projeta o seu futuro em uma determinada direção, ou meros administradores de trabalhos e obras herdadas, instalados comodamente em nossa zona de conforto. No eremitério de Montecasale, há um simpático e idoso frade capuchinho. Lá, ele conta com um sorriso no rosto uma história apócrifa relacionada com São Francisco durante a sua estadia nesse local. Conta-se que, nesse local, dois jovens procuraram Francisco desejando tornarem-se frades. Francisco os levou até a horta e pediu aos dois para ajudá- Revista Santa Cruz - 139 lo a plantar couves da maneira como ele fazia: com raízes para cima e as folhas enterradas. Um dos candidatos assim o fez. O outro, entretanto, replicou: mas, não é essa a forma de se plantar o que quer que seja; as raízes devem ser postas na terra. São Francisco replicou: vejo que és inteligente; não és, porém, obediente. E dispensou o jovem. O outro candidato que plantou a couve, tal qual fora instruído por São Francisco, tornou-se, alguns anos depois, o guardião da fraternidade de frades desse lugar. E, conta-se, também, que a sua couve plantada às avessas enraizou e produziu belas folhas, enquanto a outra secou e murchou. Essa pequena história, piedosa, como tantas outras acerca de São Francisco, carrega uma verdade profunda: quem quiser se colocar na estrada do seguimento de Cristo, ao modo de Francisco, deve aprender a plantar couves com raízes para cima, isto é, fazer as coisas e ser de um jeito diferente do esperado. A morte de Cristo e o seu retorno à comunhão trinitária tem um motivo pedagógico: permitir que amadurecêssemos enquanto Igreja, que aprendêssemos a caminhar com nossas próprias pernas, guiados pela memória do ensinamento e da prática de Jesus. Também Francisco sentenciou pró- 140 - Revista Santa Cruz ximo à sua morte: fiz a minha parte, o Senhor vos ensine a fazer a vossa. Para discernirmos a parte que nos cabe, é importante subir os lugares ermos do franciscanismo da Itália e os lugares ermos no Brasil. Mas, tão importante quanto subir é descer e discernirmos a presença salvadora de Deus na conflituosa história humana. 5. MENSAGEM FINAL DO IV CAPÍTULO INTERNACIONAL DAS ESTEIRAS “UNDER 10” Aconteceu, em Guadalajara e na Cidade do México, nos dias 2 a 10 de junho de 2012, um encontro com os frades com menos de 10 anos de profissão solene. Da Província Santa Cruz, marcaram presença os freis Eron Cerrato e Edivaldo Nunes. A seguir, a “Mensagem Final” do referido encontro. Nós, Irmãos Menores com menos de dez anos de profissão solene (Under 10), provenientes dos cinco continentes, nos reunimos no “IV Capítulo Internacional das Esteiras”, celebrado em Guadalajara e na cidade do México, de 2 a 10 de junho de 2012. Vivemos um evento que contou com a presença de quase 200 frades vindos de todo o mundo, acompanhados pelo Ministro Geral da Ordem frei José Rodríguez Carballo, pelo Definitório Geral e pela Comissão organizadora. O lema deste Capítulo - Aspicientes in Jesum - tomado da Carta aos Hebreus, anunciava desde o início o que aconteceu durante as intensas jornadas de trabalho e fraternidade, isto é, uma releitura das bem-aventuranças evangélicas relacionadas com a nossa identidade franciscana. O Governo da Ordem se colocou a serviço dos jovens frades, compartilhando suas alegrias e preocupações, escutando atentamente as perguntas, inquietudes e esperanças de todos aqueles que participaram ou que seguiram o evento a distância. Encontro “Under ten” de oração com a celebração das Primeiras Vésperas da Santíssima Trindade, ícone teológico das relações na fé e, portanto, modelo de toda a fraternidade evangélica. A peregrinação ao santuário franciscano, que guarda a imagem de Nossa Senhora da Expectação, de Zapopan, a celebração eucarística e a festa no convento junto com a Juventude Franciscana (Jufra) e a Ordem Franciscana Secular, foram momentos em que, sem dúvidas, ficou evidenciada a profunda comunhão com o povo de Deus e com suas mais antigas tradições. Essa característica essencial do carisma franciscano nos permitiu, apesar da diversidade de origens e de línguas, que nos sentíssemos bemvindos e realmente parte da família franciscana do México. Os frades delegados de cada Conferência apresentaram as diferentes realidades de cada província ou custódia, compartilhando deste modo não só estatísticas, mas também, e sobretudo, experiências, formas de nova evangelização e projetos de futuro. Uma assembleia reunida em oração Reavivando o dom de Deus que está em nós A inauguração oficial deste Capítulo – assim como todas as sessões de trabalho – foi vivenciada em clima O Ministro Geral conduziu a reflexão central do Capítulo, expondo brevemente os aspectos mais Revista Santa Cruz - 141 relevantes de sua carta aos irmãos “Under 10”: Reaviva o dom de Deus que está em ti “, uma carta dirigida a todos os irmãos jovens da Ordem, porém não o fez mediante mera síntese; pelo contrário, partilhou com paixão as motivações pessoais e os conteúdos presentes no texto. dos irmãos leigos e sua formação, a dispersão nas atividades e seu impacto na vida comunitária, a vida de fé e o acompanhamento espiritual e pessoal, a renovada proximidade com o povo de Deus, sobretudo a comunhão com os mais pobres e desfavorecidos. Confiando-nos tudo aquilo que para ele é fonte de alegria ou preocupação dentro da Ordem, prosseguiu com a exposição sistemática de alguns elementos essenciais do carisma franciscano e da sua identidade: o primado de Deus, que orienta a vida de oração com renovada busca do silêncio e da ascese; a vida fraterna no contexto da distância entre gerações, do ativismo e das relações virtuais; a unidade entre vocação e missão que cada etapa da formação deve sempre de novo evidenciar. A identidade franciscana, à luz das bem-aventuranças, não pode ser outra coisa senão o testemunho da radicalidade evangélica, o seguimento que assume com coragem e paixão o desafio de viver em fraternidade e sine proprio. As perguntas apresentadas pela assembleia se deram em clima de gratidão e confiança, sem tirar a importância ou calar sobre as preocupações e questões que merecerão ser tratadas no futuro com coragem, entre elas: o papel Vários irmãos foram convidados a dar testemunho de sua própria experiência pessoal e falaram sobre seu ministério e sua missão em diferentes partes do mundo, dando voz ao dom da santidade que Deus continua outorgando de diferentes formas: a pregação itinerante na América do Sul, a missão ad gentes na Bolívia, em Marrocos e Terra Santa, a identidade oculta na China..., para citar só uns poucos exemplos. Em seguida, frei César Vaiani da Província de São Carlos Borromeu da Lombardia, Itália, nos ajudou num percurso de reflexão sobre os escritos de São Francisco relacionados com as bem-aventuranças evangélicas, explicitando sua interpretação franciscana e sua possível e necessária atualização. 142 - Revista Santa Cruz No dia dedicado à missão popular, pudemos viver mais de perto a realidade da formação inicial na Província dos Santos Francisco e Tiago (Jalisco), bem como aquela da Ordem Franciscana Secular e da Jufra. O encerramento do Capítulo foi celebrado com uma peregrinação a pé, seguida da celebração eucarística no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, modelo de evangelização e inculturação, na Cidade do México. O encontro, que começou em Guadalajara sob a proteção da imagem da Virgem de Zapopan, se concluiu num clima de oração e ação de graças, encomendandonos à intercessão de Maria, Mãe dos pobres. Os olhos fixos em Jesus Nós, os irmãos reunidos no IV Capítulo das Esteiras, reconhecendo honestamente as numerosas dificuldades das fraternidades e a tentação de viver de forma medíocre nossa cotidianidade, vimos e cremos que viver o Evangelho no estilo de São Francisco é belo e possível. Com espírito filial, pedimos a toda a Ordem ajuda fraterna para encontrar a fé e a paixão pelo caminho evangélico para redescobrir a fidelidade criativa e a radicalidade da vida, que Deus e o mundo não se cansam de exigir de nós. Acompanhandonos uns aos outros para viver a bem-aventurança de manter o olhar fixo no Senhor, para correr o risco de aventurar-nos em novas formas de evangelização, para comprometer-nos com autênticas relações evangélicas, de tal modo que a experiência de oração e fraternidade destes dias do Capítulo Internacional possa estender-se a todos os dias, a cada dia, até o último dia. Nós, os irmãos reunidos no Capítulo das Esteiras, agradecemos ao Senhor pelo dom de termos celebrado juntos nossa vocação, ao Ministro Geral que o convocara, ao Definitório Geral pela sua ativa participação, às províncias de Jalisco e do Santo Evangelho pela sua fraterna, generosa e festiva acolhida, bem como a todas as províncias da Ordem que nos enviaram a participar deste encontro fraterno. Por fim, agradecemos às distintas comissões que trabalharam na programação e realização deste acontecimento de graça. Que o Senhor vos dê a Paz. Guadalajara - Cidade do México, 2 a 10 de junho de 2012. Vossos irmãos “Under 10”, juntos com o Ministro Geral e seu Definitório. Revista Santa Cruz - 143 6. ENTREVISTA COM DOM DIOGO REESINK Frei Arlaton l. Soares, ofm No ano em que celebra as bodas de prata de ministério presbiteral, dom Diogo concede uma breve entrevista à “Revista Santa Cruz”. RSC: Dom Diogo, fale um pouco sobre sua família, seu País... Dom Diogo: Eu nasci em 1934, na cidade de Heerlen ao sul da Holanda, no berço de Arend Jan Reesink e Maria Cristina Philomena Kleykers. Sou filho de mineiros - não das Minas Gerais - mas das minas de carvão do sul da Holanda. Inclusive, 5 de meus irmãos trabalharam nas minas, e desenvolveram uma terrível doença pulmonar chamada silicose. Ela é provocada pela inalação de partículas de sílica cristalina presente nas minas, o que produz a inflamação e, posteriormente, a petrificação 144 - Revista Santa Cruz dos pulmões. Fui batizado como Johannes Antonius e vivi os primeiros anos de minha vida na alegre companhia de 10 irmãos, recebendo forte educação cristã de minha família. RSC: Como surgiu a vocação franciscana? Dom Diogo: Ainda muito jovem fui ‘pescado’ à vida religiosa e abracei a Ordem Franciscana como ideal de vida. Eu cantava num coro, cujo dirigente era franciscano. Um belo dia ele me perguntou se eu queria ser seminarista e aí, depois de uma breve preparação, entrei no seminário. Uma semana de-pois não aguentava de saudades. Combinei com mais dois companheiros e fugimos. Vinte minutos de bonde e estávamos em casa. Graças a uma conversa carinhosa e sábia com meus pais, duas, três horas depois já estava de volta. Quando cheguei em casa, minha mãe me perguntou. Depois nunca mais fugi, nem de casa, nem de seminário, nem das minhas responsabilidades. De tal modo que acabei colocando o meu futuro e meus caminhos em total espírito de obediência filial à Igreja e à minha Ordem religiosa, lançando-me sem medo num horizonte de desafios marcado por um “ir adiante sem fim”, disposto a servir, onde quer que fosse, ainda que para isso tivesse que abandonar minha terra natal, meus pais e irmãos, sem jamais perder, todavia, a referência fundamental deste importante elo familiar. RSC: Como foi sua chegada e adaptação em nosso País? Dom Diogo: Nosso seminário era “para as missões”. Eu sempre tive a ideia de ir para Nova Guiné. No último ano, fui conversar com o diretor espiritual e, no final, tive que escolher outro continente e escolhi o Brasil. Vim para cá com mais três colegas. Chegamos ao Rio de Janeiro no dia 1o de novembro de 1955. Fomos recebidos por Frei Solano. E as duas primeiras coisas que me impressionaram foram: a beleza da Baía de Guanabara, o canto das cantoras na Igreja do Santo Sepulcro, em Cascadura, na primeira missa de que participei no Brasil, o que frei Bruno achou de um péssimo gosto. Em 1956, entrei para o Noviciado em Daltro Filho (RS), onde fiquei mais dois anos, para os estudos de Filosofia. Foi um período muito rico. Gosto sempre de me lembrar daqueles anos. Naquela época, o que mais gostava era do teatro, onde trabalhávamos com frei Félix. Como Frade, recebi o nome de frei Diogo, e mais tarde, já no estado de Minas Gerais, concluí minha formação teológico-pastoral em Divinópolis, onde também fiz minha profissão Solene e, durante o período Conciliar do Vaticano II, recebi minha Ordenação Presbiteral, em 15 de julho de 1962. RSC: Dentre os lugares por onde o senhor residiu e as diversas funções que exerceu na Igreja, é possível dizer o que mais lhe marcou? Dom Diogo: Impulsionado pela perspectiva missionária, o início do meu ministério no Brasil foi se fazendo, primeiramente, como professor e formador nos colégios e seminários de Divinópolis, São João del-Rei, Belo Horizonte, Teófilo Otoni. Nessa tarefa, assumi trabalhos em paróquias, assistindo a juventude e comunidades pobres de lavradores na zona rural. Em dezembro de 1970, torneime ministro provincial, cargo que ocupei por longos 9 anos, durante os quais peregrinei de convento em convento, de comunidade em comunidade, de paróquia em paróquia de Minas e Sul da Bahia. Trabalhei como Reitor no Seminário Maior do Nordeste de Minas (SMNM), em Teófilo Otoni, de 1980 a 1982. Em 1983, fui nomeado guardião do Convento Santa Maria dos Anjos, em Betim. Em 1984, assumi o Revista Santa Cruz - 145 trabalho paroquial em Betim e isso me proporcionou uma das mais belas experiências missionárias da minha vida: cuidar dos hansenianos de Santa Isabel. Este foi o tempo de exercitar as virtudes de São Francisco, convertido pelos leprosos de Assis, pois aprendia a cada dia que tinha muito pouco a dar e muito mais a receber: curando-me a mim mesmo antes de curar os demais. No dia 2 de agosto de 1989, recebi a carta do Papa João Paulo II nomeando-me Bispo. Almenara, no Vale do Jequitinhonha, foi minha primeira diocese. “O pouco com Deus é muito!” Assim pensava o povo católico da América Latina e assim vivia a maioria das dioceses brasileiras, referências fortíssimas na formação do meu coração de Pastor. A missão agora era pastorear! E assim aconteceu no governo da Diocese de Almenara: O Bispo era um misto de bispo, pároco, sacristão, catequista, pai, provedor, e, sobretudo, amigo, que era a maior necessidade do povo. Transferido para Teófilo Otoni, em 1998, onde permaneci até 2009, quando encerrei meu ministério episcopal. Nessa diocese, destaco o trabalho diocesano que se buscou alicerçar sob três pilares de Ministérios: Palavra, Eucaristia e Caridade. 146 - Revista Santa Cruz Pelo Ministério da Palavra, a começar pela distribuição gratuita de Bíblias nas comunidades. O objetivo era fomentar a importância da Palavra de Deus, o que gerou posteriormente a estruturação das Escolas de Fé e Pastoral, a nível diocesano e setorial, além da elaboração do Diretório Diocesano de Catequese. No ministério da Eucaristia, procurou-se um trabalho sistemático de formação e atualização litúrgica nas comunidades. E por fim, pelo ministério da Caridade, buscou-se o favorecimento da organização de pequenas comunidades paroquiais para a acolhida dos menos favorecidos. Em todos os lugares por onde passei, procurei gastar meu tempo oferecendo a tantas pessoas cansadas e oprimidas, padres e leigos, ricos e pobres, um espaço de repouso e de paz, agindo com misericórdia e compaixão diante da miséria humana e respeitando a liberdade de cada pessoa. RSC: Antes de se tornar bispo, o senhor ocupou a função de Ministro Provincial, de 1970 a 1980. Como foi assumir esse serviço? Dom Diogo: Em 1970, para a surpresa de muitos da Província, fui eleito ministro provincial. Na ocasião, era vigário paroquial que muitos não se conheciam, ou só se conheciam de ouvir falar. Outra dificuldade enfrentada nos primeiros anos de minha gestão como ministro provincial foi a sobrecarga de trabalho dos definidores. Isto praticamente impossibilitou o trabalho Frei Constantino Koser, fr. Jerônimo e fr. Diogo. conjunto, após as reuniões do Defi nitório. Mesmo assim, da paróquia Nossa Senhora de buscamos garantir um trabalho Fátima, em Teófilo Otoni. O clima de equipe no âmbito da formação provincial daquela época era bem peculiar. Estava ocorrendo o e da pastoral. O meu trabalho, em processo, não muito tranquilo, de primeiro lugar, foi o de contato pessoal com os confrades. “abrasileiramento provincial”. Eu me lembro do que falei, em 1972, ao ser entrevistado pelo Serviço Provincial de Informação (SPI), sobre minha eleição e meus primeiros anos de governo: “Tiraram-me do palco e estou dirigindo a turma para representar bem no palco. Para um que sempre esteve no palco, e sempre foi dirigido por um diretor de teatro, por um mestre, por um guardião, não é muito fácil ser tirado do palco” (SPI, n. 2, 1972. p. 18-26). Como dito anteriormente, peregrinei durante meu governo de convento em convento, pois naquela época enfrentávamos um problema de comunhão fraterna entre os confrades, percebi RSC: O que significa celebrar 50 anos de ministério presbiteral? Dom Diogo: Ao completar 50 anos de sacerdócio ministerial, volto meu pensamento para o princípio desse caminho, que começa no ambiente religioso de minha família. Família de onze filhos. Minha gratidão ao frei (Quirillus) João Smeele, OFM, Irmã Úrsula Leveau (franciscana) e minha professora Sra. Fuchs – van Dijk (“juffrouw” van Dijk). Estes me ajudaram no caminho para a vida de frade e padre que inicia no “Missie College Sint Willybrord em Watersleyde, mais tarde Katwijk”. E o caminho continua com todos aqueles que foram me guiando nos Revista Santa Cruz - 147 estudos e na formação espiritual, até o dia 15 de julho de 1962, quando, na Capela Santa Cruz (Divinópolis), fui ordenado padre por dom Cristiano, para o serviço de Deus e dos irmãos. De tudo nasce hoje em meu coração o mais profundo sentimento de ação de graças. “Sim, irei ao altar do Senhor, Deus da minha alegria!” (Sl 42). Uma vida é pouco para agradecer a Deus, “que olhou para a minha pequenez” e se dignou “fazer em mim coisa tão grande”. E tenho que me voltar agradecido para todos aqueles a quem, de algum modo, devo meu sacerdócio: A Ordem dos Frades Menores, os mestres, os amigos, os colegas frei Rodolfo (hoje dom frei Irineu Wilges, OFM), frei Luiz Brancher, OFM (hoje Frei Gabriel), frei Martinho Warken, OFM, e frei Marciano (frei Antônio do Prado), de saudosa memória. Devo muito a esses meus colegas! E tenho de me voltar agradecido para o povo que respondeu ao meu trabalho de padre, com carinho e generosa correspondência que sustentam o próprio padre no seu caminho. E tenho que me voltar agradecido para o Concílio Ecumênico Vaticano II que “marcou profundamente nossa vida e formação. Visto com os olhos de hoje, o Concílio Ecumênico Vaticano II ultrapassa a compreensão tímida 148 - Revista Santa Cruz do tempo de nossa juventude”. (Frei Márcio, Santa Cruz, n. 2, 2012, p. 98). Peço perdão a Deus por nem sempre ter sabido cumprir meu compromisso sacerdotal com dedicação irrepreensível. E, nesta altura da minha vida, renovo esse compromisso para o tempo que o Senhor quiser ainda conceder-me para cumpri-lo. E agradeço a todos os irmãos e irmãs, amigos e amigas que hoje me acompanham nas preces, na ação de graças, no louvor e no pedido de perdão. A Virgem Mãe, Nossa Senhora dos Anjos, me ensine a ser um verdadeiro discípulo de Jesus Cristo, a exemplo de nosso Pai São Francisco! REFLEXÃO Nossa “Reflexão” vem de mais um verbete do “Dicionário da Religiosidade Popular”, às vésperas de sua publicação. A VERDADE CURA Frei Francisco van der Poel, OFM Segundo a cultura popular, a verdade é concreta. Dizem andar na verdade. O cemitério é chamado a terra da verdade. Em Piedade do Rio Grande (MG/1984), gravamos em um bendito de São João: Toda verdade / Deus falou; / veio o Filho / confirmou. // E pensa na vida / aqui na terra / que com a morte / tudo encerra.// Errar é humano. Todos sabem que o apóstolo Pedro errava. No folheto “Proezas de Pedro” (1989), do poeta popular de Olímpia (SP), lemos: Jesus disse pra Pedro / quando Revista Santa Cruz - 149 percorria a terra / Ande sempre em meus conselhos / pra que você nunca erra / Eu digo sempre a verdade / cedo, meio-dia e à tarde / até quando o dia encerra.//1 A verdade é fonte de salvação. E segundo a fé popular, a verdade cura. Várias orações para curar mencionam algumas verdades juntamente com a fórmula: Assim como isto verdade é, esta doença vai ser curada. Por exemplo, a bênção de mau-olhado diz: ...Jesus Cristo mente? / Não, Jesus Cristo não mente! / Assim como Jesus Cristo não mente, / este mal não vai adiante.// Aqui não se trata de algo superficial. Há uma charada popular: Qual é uma coisa que Deus não pode fazer? R.: É impossível 1 SANT’ANNA, José. “São Pedro da Terra e do Céu.” In: FESTIVAL DO FOLCLORE, 26, 1990, Olímpia. Anuário do 26º festival do folclore. Olímpia: [S.n.] 1990. p. 24. 150 - Revista Santa Cruz Deus mentir. Este pensamento é antigo! No primeiro século do cristianismo, o papa São Clemente I, na sua Carta aos Coríntios, diz: “Ele que proibiu mentir, com muito mais razão não mentirá. Pois nada é impossível a Deus a não ser mentir.”2 O povo ainda fala: A Deus poderás mentir, mas não enganar.3 Uma outra verdade afirmada nestas orações é: Maria é Virgem. A reza de curar congestão e mal-devento, frequente no Nordeste, diz: Fulano..., creatura de Deus, Jesus te gerou, Jesus te formou, Jesus te remiu, Jesus te criou, Jesus te defenda deste mal que te entrou. Fulano, em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, Jesus, Maria, José, Fulano... Santa Ana pariu Maria e Maria pariu Nosso Senhor Jesus Cristo, ficando ela virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Fulano..., assim como estas palavras são certas e verdadeiras, se tens o ar do vento, assombramento, ou ar de gota, tendo o ar dentro, ar de fora, ar preto, ar vivo, ar morto, ar estoporado, ar excomungado, ar endemoniado, ar de todas as cores, Fulano..., eu te faço este arrequerimento pelo amor de Deus 2 São Clemente I. “Carta aos Coríntios.” Cap. 24,1-5; 27,1-29,1. In: Funk 1,93-97. Apud: IGREJA CATÓLICA. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Liturgia das horas: segundo o rito romano. Brasília: CNBB, 1995. v.4. p. 388 3 MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1987. p. 38. e do Santíssimo Sacramento o ar saia e não torne mais em ti, com o poder de Deus Padre, de Deus Filho, e de Deus Espírito Santo. Amém.4 Uma oração contra dor de cabeça diz: Deus é sol, Deus é lua, Deus é claridade. Assim como estas três palavras são verdade, tirará sol, sereno, dor de cabeça de “chaqueta” (enxaqueca). Outras seis verdades proclamadas em diversas orações para curar bicheira: (1) Trabalhar no domingo não vai para frente; (2) As três Pessoas da Santíssima Trindade são certas e verdadeiras; (3) Quem come e não reza, não se salva; (4) Limpas ficaram as cinco chagas de Nosso Senhor; (5) Não se faz batizado sem sal e sem luz. Uma destas orações recolhida em Santa Catarina diz: Assim como as Três Pessoas da Santíssima Trindade são certas e verdadeiras, saiam os bichos desta bicheira. Caiam de 7 em 7, de 6 em 6, de 5 em 5, de 4 em 4, de 3 em 3, de 2 em 2, de 1 em 1. Entre os teuto-brasileiros de São Bonifácio (SC), foi registrada uma oração semelhante em alemão: So wahr wie na Sonn- und Feiertag nicht man Knechtliche Arbeit mit nutzen verricht, Keil Gott uns jene zu alten gebot, sowar soll es auch bei den Tieren sein, dass die Bichos fortab nicht weiter gedeihn, und über sie kommt der rasche Tod. In namen de hohen Dreifaltigkeit sei 4 CÉSAR, Getúlio. Crendices do nordeste. Rio de Janeiro: Pongetti, 1941. p. 152. os von seinem übel befreit. (Trad.: Assim como não se tira proveito de trabalhos servis em domingos e dias santos, tão certo não hão de progredir doravante os bichos neste animal, e serão colhidos pela morte rápida. Em nome da alta Trindade, fique liberto de seu mal.)5 A colocação de indubitáveis verdades nas orações reforça a firmeza do doente na busca da cura. A verdade é certa, a doença é coisa errada. Contra picada de cobra rezam: Creio em Deus Pai todo-poderoso, mas não creio que bicho mau ofendeu tal criação, criador do céu e da terra etc. Em Goiás, para afugentar cobras, rezam: Santana é mãe de Maria e Maria é mãe de Jesus. Palavras santas, palavras certas. Saiam de nove a oito, de oito a sete, etc. Em Betim (MG/1981), numa oração contra dor de cabeça, ouvimos: Assim como não pode fazer bati5 CABRAL, Oswaldo. “A Medicina Teológica e as Benzeduras.” In: Revista do Arquivo Municipal. Ano XXIV, v.160. São Paulo (SP), Departamento Municipal de Cultura, 1957. pp. 162-163. Revista Santa Cruz - 151 zado sem sal e sem luz, esta dor vai ser arretirada com as santas palavras da Santíssima Trindade. A misteriosa pedra do altar também é invocada. Diz uma oração contra bicho mau: Deus te salve pedra d’ara, Deus te salve pedra dera, Que no mar foi achada, Que em Roma foi remida. Assim como os padres e os bispos, Arcebispo e núncio apostólico Não celebram missa sem ela, Assim também, criatura de Deus, Tu sejas livre de olhos ruins e veneno de tudo quanto é bicho mau peçonhento Cobra, lacraia, aranha e biba (víbora). da verdade vai além da doença. Por isso, terminamos esta reflexão, citando a conhecida oração para saudar a luz do dia: Deus te salve a luz do dia, Deus vos salve quem nos cria,Deus vos salve meu bom Jesus, Filho da Virgem Maria. Ó meu bom Jesus, assim como vós apartou a noite do dia, aparta a minha alma da má companhia. Qual a melhor luz? É a de Jesus. Qual é a melhor guia? É a Virgem Maria. Qual o melhor patrão? É o São José. Três palavras verdadeiras, me salve, meu bom Jesus, é Maria, José. Amém. Outra igual termina: Assim como isto verdade é, valeime meu Jesus, Maria, José. A riqueza da fé dos pobres é admirável. Uma oração antes da comunhão finaliza: Me confessais, Vós Senhor, Que sois o Rei da verdade, Deus de tanta Misericórdia, Infinita bondade. Amém. Isso tudo nos faz lembrar At 3 e 4,1-22 onde São Pedro e São João anunciam Jesus ressuscitado e curam os doentes. É a boa-nova completa. O próprio Jesus pregava o reino de Deus e curava, dizendo: “Tua fé te salvou.” A ação salvífica 152 - Revista Santa Cruz MEMÓRIA MEMÓRIA DOS 50 ANOS DO CONCÍLIO VATICANO II (PARTE 2) Continuamos a “Memória dos 50 anos do Concílio”, desta vez, com os temas: “A Igreja no mundo” e “A vida consagrada”. 1. IGREJA NO MUNDO - I Frei Eduardo Metz, OFM Revista Santa Cruz - 153 A Constituição Gaudium et Spes, mais conhecida entre nós como a Igreja no mundo, é um dos documentos mais marcantes do Concílio Vaticano II. Trata da relação da Igreja com o mundo; da presença da Igreja no mundo. Falar das mudanças que o documento causou na minha vida é difícil, afinal, um texto não muda muita coisa. Mas o cerne do texto consiste em captar bem o que muitos cristãos estavam intuindo e desejando: uma Igreja aberta ao mundo e solidária com as alegrias e as tristezas ou com as conquistas e os sofrimentos da humanidade. O Concílio fala de uma Igreja atenta aos sinais dos tempos. O mundo não é mais concebido como o terreno do diabo ou como perigo para a vida cristã. O mundo, criado por Deus, é bom. Dizem que o papa João XXIII, que convocou o Concílio, era um homem bom, que gostava da vida e de um bom vinho. Ele falava que sempre dormia muito bem, porque durante o seu sono o Espírito Santo tinha espaço para agir. A Humanidade é capaz de tudo, inclusive de construir um mundo de paz, sem guerra. A palavra-chave desse período era desenvolvimento. Em nível político, tivemos a época de Kennedy, o primeiro presidente católico dos Estados Unidos; ele propôs para 154 - Revista Santa Cruz a América Latina o projeto que se chamou “Aliança para o progresso”; aliás, esse projeto fracassou. Quando entrei para a Vida Religiosa, em 1958, encontrei um mundo religioso, fechado sobre si mesmo. Não tinha muito a ver com o mundo lá fora. Durante os meus estudos, podíamos sair uma vez por semana para fazer caminhada, praticar patinação (no inverno) ou nadar (no verão) num lugar que se chamava “a bacia de água benta”. Os grandes conventos eram autônomos. Havia horta para cultivar verduras e legumes, galinheiro, cervejaria, padaria, alfaiataria, enfermaria, barbearia, carpintaria, e até gráfica. Eram serviços confiados aos irmãos leigos que, na sua especialidade e profissão, exerciam um verdadeiro poder. O ritmo da vida era marcado pelo religioso (festas etc.) e era o mesmo de São Bento do século V. A Liturgia era o centro da vida e absorvia muito tempo dos frades, sobretudo nas grandes festas e na Semana Santa. Nesse mundo religioso, éramos felizes, mas também desconfiávamos que muita coisa teria que mudar, - não por causa do documento do Vaticano II - mas a gente sentia algo no ar sem saber para onde caminhar. Nós, frades, estudantes de Filosofia e Teologia, lutávamos por um clima mais livre e humano no convento: tiramos o hábito; começamos a usar um terno de cor cinza, aliás totalmente fora de moda; durante as férias, fiz estágio “no mundo”: ajudamos na colheita de uma fazenda, trabalhamos em uma fábrica de cerveja, prestamos serviços no hospital dos Irmãos de São João de Deus, ajudamos na construção de casas na Alemanha, e na acolhida de deficientes numa colônia de férias. Tudo isso não era por causa de um documento do Concilio, mas o documento Gaudium et Spes dava uma força e motivação na luta por mudanças no mundo fechado da Igreja e convento. Animava a gente, sobretudo nos momentos mais difíceis em que forças reacionárias queriam impedir a busca de mudanças necessárias. Tínhamos por obrigação conviver com o velho e o novo; um exemplo é o da minha ordenação. O rito da ordenação foi bem simples e sóbrio; o bispo ordenante, que vive até hoje, é muito amigo da minha família e absorvia bem as mudanças na liturgia e na nova imagem do sacerdócio que estava surgindo. A primeira missa foi uma festa de pompa totalmente alheia ao espírito do Vaticano II. Era o estilo de uma Igreja triunfante e poderosa, que combatia tu- do que era diferente dela. O relacionamento com o povo de fora era com os benfeitores, sobretudo da área rural e da burguesia de onde, aliás, vinham as vocações. Os frades não tinham muito contato com o mundo dos operários, pobres e lascados a não ser como benfeitores. No convento havia também classes: os padres professores, os padres das paróquias e assistência, os frades clérigos, os irmãos leigos, e os irmãos leigos em formação. Todas as categorias tinham recreios próprios e, conforme o lugar social, a qualidade dos charutos mudava. Não existia muito contato entre as diversas categorias. Eu, por exemplo, era responsável pela impressão das apostilas que os professores usavam e, por isso, tinha contato frequente com o irmão responsável pela gráfica, mas o mestre me alertava para os perigos desse contato. Nesse sentido, houve muitas tensões nas comunidades formadoras onde a palavra-chave era “mudança”. Os parâmetros da Vida Religiosa começaram a mudar. Era um tempo de mudanças e de lutas em que a própria hierarquia nem sempre conseguia encontrar equilíbrio. O papa João XXIII causava confusão: queria uma Igreja aberta ao mundo, mas tam- Revista Santa Cruz - 155 bém determinava a inclusão do nome de São José na Oração Eucarística I, o que causava muita polêmica no mundo litúrgico e teológico que considerava esse fato um grande retrocesso. O que nos ajudava muito em nos posicionar diferentemente no mundo era o estudo da Filosofia e da Teologia. A gente aprendia a pensar e a se posicionar criticamente no mundo e na Igreja. Na Filosofia, estudávamos a fenomenologia de Heidegger, o Marxismo, o Ateísmo de Sartre, o existencialismo de Paul Ricoeur, a filosofia positivista de Wittgenstein e tantas outras escolas. Na Teologia, entravam assuntos como: a morte de Deus, o dialogo inter-religioso e uma exegese que levava em conta as conquista das ciências modernas. O professor da História da Igreja era membro ativo do partido socialista que, em 1953, ainda era proibido para os católicos pelos bispos da Holanda. Os professores de Filosofia e de Teologia eram bem preparados; mas brigavam entre si porque não concordavam com as ideias uns dos outros. Tudo isso nos levava, nós frades estudantes, a pensar e tomar atitudes diferenciadas diante de um mundo e de uma Igreja em mudanças aceleradas. Com esse passado, cheguei ao Brasil, em 1966. Os primeiros meses 156 - Revista Santa Cruz foram em Betim, onde frei Estanislau era o mestre dos noviços. Ele tentava abrir o convento para o mundo através de uma liturgia bem cuidada e, sobretudo, na criação do Salão do Encontro. A minha primeira grande experiência, no Brasil se deu no convento e na paróquia de Divinópolis. O convento parecia, em miniatura, com os conventos da Holanda. Ensaiava-se uma maior abertura para o mundo em três áreas: na Gráfica Santo Antônio, com a revista “A Semana”; participação na implantação do ensino superior de Divinópolis; e sobretudo nas obras sociais da paróquia Santo Antônio, assumidas por frei Mariano. Em todas essas áreas, a abertura para o mundo era, em primeiro lugar, inserção na classe média. Os frades viviam de favores e privilégios. Um exemplo é o cinema: a gente entrava junto com frei Mariano que, já antes de chegar à bilheteria, falava “Já está pago”. A nossa presença em Divinópolis era marcante para o desenvolvimento da cidade, mas não provocava mudanças estruturais, o que, aliás, não era o forte da classe média. Eu, pessoalmente, nessa época, comecei a ter os primeiros contatos com o mundo estudantil (eu não era professor como outros frades). A JEC e a JUC lutavam pelas mudanças nas estruturas da sociedade. Eu também dava assistência à comunidade da Esplanada, onde moravam os ferroviários. Isso me possibilitou um contato mais de perto com o mundo operário e, consequentemente, com a Ação Católica Operária (AACO). Essa experiência não podia ser partilhada com os frades no convento, que não entendiam nada do movimento estudantil, por ser perigoso e subversivo. Também não simpatizavam com os operários da rede ferroviária que eram considerados preguiçosos e não mereciam ganhar os salários minguados que recebiam no final do mês. O contato dos frades com o mundo operário era mais no nível da chefia e dos engenheiros que, de bom grado, permitiam fazer a páscoa dos operários na própria oficina. Nós, frades, na maioria holandeses, morríamos de medo dos militares que estavam no poder e eram capazes de nos mandar de volta para o nosso país de origem. Essa tensão no convento e a falta de abertura com o mundo real nos levava nós frades jovens da Província Santa Cruz, entre os quais, eu cito frei Raul, frei Antônio do Prado, frei Belisário e tantos outros, a organizar um congresso de frades jovens em Divinópolis. A mentalidade era: se somos capazes de mudar o mundo, somos também capazes de mudar a vida de nossa Província. A partir desse congresso, partimos para novas experiências: a comunidade de Prado, em 1969, e a comunidade do Vale do Jatobá, em 1970. Desde o início, participei dessa última fraternidade. Foi um rompimento radical com a vida conventual. Abraçamos, para valer, o mundo como o lugar onde acontecem a salvação e o Reino de Deus. Para mim, foi uma mudança radical que, sobretudo no início, causava estranheza e até crises. Imagine: no Natal de 1970, fui encarregado por dom João de Resende Costa, de Belo Horizonte, para saber notícias dos padres franceses presos em Juiz de Fora. Aprendi de uma vez o que é a encarnação, que não acontece simplesmente na celebração litúrgica de Natal, por mais bonita que fosse, mas na vida de cada dia de um povo que luta por dignidade e liberdade. O ritmo da vida religiosa não era mais pautado pelo ritmo dos beneditinos do século V, nem pelas grandes festas religiosas, mas por aquilo que acontece pelo mundo, sobretudo no mundo dos pobres. Foi a primeira vez, desde que me entendi por gente, que não participei de uma celebração Revista Santa Cruz - 157 eucarística no dia de Natal; e tinha os motivos. Dias como as eleições, 1o de maio, 7 de setembro, dia nacional da juventude se tornam pontos referenciais, inclusive para interpretar a Bíblia e os Escritos de Francisco e Clara. O mundo, sobretudo o mundo dos pobres e dos jovens, e não somente a Igreja, se torna lugar onde Deus acontece. As causas como Justiça e Paz ou a ecologia não são acréscimo ao nosso carisma, mas 158 - Revista Santa Cruz fazem parte integral da nossa vida, da vida como Deus a criou. Deus e o mundo são dois lados de uma mesma medalha. Nesses cinquenta anos depois do Vaticano II, aprendi que abraçar o Deus da Vida e abraçar o mundo como dom de Deus são inseparáveis na minha vida. Às vezes, causa tensão, decepção ou angústia, mas também são motivos de alegria, como São Francisco descreve a “perfeita alegria”. 2. IGREJA NO MUNDO – II Frei Cristóvão Pereira, OFM Eu fui ordenado em 1959 e tive a graça de acompanhar o Concílio Vaticano II em seu processo de preparação, sua realização e seu período de mudanças durante o pós-concílio. Foi verdadeiramente uma graça ver o esforço de abertura da Igreja para as “realidades terrestres”. Fiquei entusiasmado ao receber a notícia do corajoso João XIII que surpreendeu a todos com um projeto novo: não foi um Concílio para reafirmar dogmas. A proposta foi de uma reestruturação da Igreja. Quando acolhi a Gaudium et Spes, já trabalhava com os leigos na Ação Católica em suas ramificações: Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC). Na AC encontrei um espaço aberto e um desejo muito grande dos leigos de não só participarem da Igreja, mas de ser Igreja. Nós tínhamos uma grande esperança em ver mudanças de uma Igreja que precisava se modernizar, uma Igreja nova, Povo de Deus. Eu pude ver a difusão, a partir da Gaudium et Spes, de uma Teologia nova, aberta à realidade. As consequências desse documento em minha atuação foram significativas, pois fundamentaram algo que, de certa forma, eu já vivenciava na Ação Católica: o esforço em trabalhar em prol da Justiça Social, da ética e na luta contra o Capitalismo, em busca de um novo ordenamento econômico do mundo. No entusiasmo da renovação da Igreja, eu vi grupos nascendo na luta por Justiça Social, por um mundo mais justo para todos. Participei do processo da criação de fraternidades inseridas da Província, no surgimento das CEB’s, comunidades em que os leigos fossem os coordenadores, nos Círculos Bíblicos por meio da leitura popular da Bíblia (CEBI). Também Revista Santa Cruz - 159 trabalhei no MST e no Movimento Familiar Cristão. A liturgia nos grupos populares começou a se distanciar da liturgia “oficial”, pois acreditávamos em uma liturgia encarnada no sentido de não crer apenas com o coração, mas crer com as mãos e com os pés. Os leigos, não satisfeitos com a forma tradicional de celebrar, começaram a se reunirem e fazer celebrações próprias. Daí surgiu o Movimento de Fé e Política. Muitos padres e bispos não apoiaram essa nova maneira de ser Igreja. Fizeram resistência a esse movimento de renovação. Alguns de meus confrades que foram formados por uma Teologia “Tridentina” entraram em tensão com os que foram formados pela nova maneira de pensar e de ser Igreja no mundo. Eu vivenciei alguns embates, de tal forma que entrei em tensão com alguns deles. 160 - Revista Santa Cruz A GS confirmou as convicções de nossa geração, a geração da reforma do Concílio. Hoje experimento um pouco de frustração diante de tentativas de retorno a práticas e visões pré-conciliares, de volta à “Grande Disciplina”. No entanto, ainda tenho esperança, pois percebo que a sociedade contemporânea se volta para questões que são possibilidades de evangelização: a questão ecológica, a sede e busca pela vivência de espiritualidade (mística) e pelos questionamentos éticos. O Reino de Deus está onde há manifestação de vida, que passa pelo cuidado com a toda Criação (ecologia), anseio por espiritualidade e por uma ética que questiona como devemos ser pessoas mais justas, possibilitando assim uma vida mais digna para todos. 3. A VIDA CONSAGRADA: IMPACTOS, MUDANÇAS... Frei Basílio de Resende, OFM tíamos cidadãos do mundo, gestores de uma nova consciência planetária e global, na perspectiva de um humanismo radicado na experiência cristã. Talvez, caímos numa postura ingênua, de julgar que a Igreja – comunidade dos crentes no Evangelho de Jesus Cristo – seria a mestra, a condutora e o fermento desse mundo novo a ser gestado historicamente. Que Igreja nos encantava e entusiasmava? O Concílio Vaticano II me pegou em plena efervescência intelectual e existencial, eu e minha geração de religiosos estudantes de Filosofia e Teologia. Foi na década dos anos 1960, em que as novas gerações julgavam estar construindo um novo mundo, novas relações entre as culturas e religiões, novas formas de organização social no mundo da política, da economia, das religiões. Busca de um pensamento crítico diante de todas as instituições, também da nossa instituição: Ordem, Província, Fraternidade. Éramos religiosos, com uma identidade bem católica, mas nos sen- • Uma Igreja que estava num sério e massivo empenho de autocrítica e autoavaliação, - conciliar e pós-conciliar, - para corresponder com mais coerência e eficiência ao mandato de seu Fundador: ir pelo mundo inteiro e fazer discípulos dele de todos os povos. • Uma Igreja em diálogo com o mundo: com o pensamento moderno, com a cultura de seu tempo, com a sociedade, com a economia. • Uma Igreja em busca do diálogo ecumênico com as igrejas cristãs em vista da unidade do Corpo de Cristo, e em busca do diálogo inter-religioso com as religiões não cristãs em vista da complementaridade e cooperação pela paz na terra entre os povos. Revista Santa Cruz - 161 • Uma Igreja que atendia à sede mística da alma humana de íntima união com o Deus altíssimo encarnado em seu bem amado Filho que, na força do Espírito Santo, inflamava os corações, e nutria de profetismo bíblico os anseios utópicos dos movimentos pela justiça, pela paz, pelo autêntico humanismo integral, - de dentro e de fora dela mesma. • Uma Igreja que nos formava e nos enviava para o anúncio do Reino de Deus já iniciado e presente no mundo: nela, podíamos reconhecer os sinais e os contrassinais do Reino. Nós, os jovens religiosos de então, nos sentíamos contentes de pertencer a essa Igreja, ao “seu mistério, à sua vida e sua santidade”; Igreja em cujo seio surgiam e atuavam homens profetas como: João XXIII, Helder Câmara, Mendez Arceo, Mons. Proaño, Gustavo Gutierrez... Dois depoimentos pessoais Essa Igreja do Vaticano II – Povo de Deus e Corpo de Cristo – me dava os argumentos para dialogar e debater com interlocutores tipo: “ateu” e “padre desatualizado”. 162 - Revista Santa Cruz Diálogo com um professor ateu Trata-se de um professor de Filosofia numa Universidade do Rio de Janeiro, especialista no humanismo de Albert Camus. Ele considerava a Igreja Católica uma instituição medieval, retrógrada, aliada das classes dominantes e sem uma resposta eficaz para os problemas humanos e os desafios sociais, econômicos, comportamentais e culturais das sociedades modernas. E dizia que não conhecia um padre católico sincero. Uma aluna dele que me conheceu na sala de aula de uma escola pública, em Cavalcante, onde eu ensinava o catecismo, me considerava sincero e falou isto com ele. Ele me desafiou, por intermédio dela, para um debate com ele e seus alunos de Filosofia. Eu aceitei. O encontro foi em sua casa, no Leblon, Rio de Janeiro, ano 1967 ou 1968. Ele colocava as questões – injustiças sociais, divórcio, ética e comportamentos sexuais, posições defensivas e conservadoras de alguns representantes da hierarquia etc. Eu colocava a posição doutrinal, pastoral e orientativa da Igreja quanto às questões apresentadas. Eu lhe disse que não deveria confundir a doutrina da Igreja Católica com a posição ideológica e prática de um ou outro eclesiástico. No final, ele usou meu argumento contra mim. Disse que gostou de minhas colocações, mas que elas eram “a posição de um eclesiástico e não o pensamento católico”. Respondilhe: “Se você que é um professor universitário e quer ser honesto intelectualmente ao referir-se a uma instituição, você precisa conhecer a autodefinição daquela instituição: como ela compreende sua identidade, sua natureza, sua missão social e sua relação com as demais instituições, e com o conjunto da sociedade. Leia os documentos mais atualizados e formais da Igreja Católica: “Lumen Gentium” e “Gaudium et Spes”. Aí você verá qual é a verdadeira identidade da Igreja e sua missão no mundo da política, da economia, da cultura. Você poderá, então, ver a visão cristã da pessoa humana, da existência humana, de suas tarefas históricas e seu destino além da história. Diálogo com um “padre desatualizado” Em 1966, eu fazia parte da equipe de Missões Populares, com residência em Visconde do Rio Branco. Éramos três frades: Frei Orêncio Vogels, o Mestre dos missionários, frei Fidelis Mafissoni, hoje casado, e eu. Encontrava-me em Itutinga, num Tríduo preparatório, com celebrações à noite e visitas diurnas às lideranças da cidade, às escolas, encontros com jovens e grupos diversos. Eu estava entusiasmado com as renovações conciliares. Num determinando momento, o padre de lá me dissera que a renovação conciliar estava tomando rumos errados. Eu lhe disse que estava contente com o processo. Aí ele foi mais direto na interpelação pessoal: “Você tem princípios teológicos falsos”. Respondi: “O quê? Eu concordo inteiramente com o pensamento cristão e católico sobre o ser humano, a vida, o mundo e a história. Se eu discordar, largo de ser padre e de falar em nome da Igreja”. Era um padre escrupuloso, sem aproximação com o povo, incapaz de ouvir e de discutir com as pessoas os seus problemas a partir do Evangelho, sobretudo com a juventude. Disse-lhe que ele devia me denunciar ao Bispo e ao Provincial para eles me suspenderem de pregar. E perguntei quais eram os princípios que eu ensinava contra o Evangelho e a Igreja: eram questões como a concepção de pecado, a existência do inferno, a infalibilidade do papa e outras questões devocionais dele. Eu lhe havia dito que considerava o livro “Imitação de Cristo” Revista Santa Cruz - 163 uma espiritualidade intimista, psicologista e pessimista sobre o ser humano e o mundo, e que preferia a espiritualidade do Evangelho, uma espiritualidade simpática às pessoas e ao mundo que Deus ama e quer salvar, a teologia das realidades terrestres. Mal sabia eu que era seu livro de cabeceira. Em síntese: O Concílio Vaticano II trouxe à Vida Consagrada um frescor, um entusiasmo pela própria identidade e pela própria renovação em vista à sua santidade específica e à sua missão evangelizadora. O apelo conciliar - do retorno às fontes da própria vida cristã, às fontes do 164 - Revista Santa Cruz próprio carisma fundacional, à adaptação às condições do pessoal consagrado, e às realidades sociais e culturais dos tempos e lugares onde os religiosos querem ser testemunhas do Reino de Deus e pregadores do Evangelho para o povo de Deus - representou os princípios orientativos para a renovação e atualização de todos os institutos de vida consagrada. Esse apelo conciliar é o rumo que orienta e anima a busca da fidelidade e santidade pessoal de cada batizado que radicaliza sua configuração a Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, através do caminho de sua consagração religiosa, como seu discípulo e seu missionário no mundo. UMAS E OUTRAS Meu cordão, meu cordãozinho Belo susto levou nosso confrade, frei Luciano Lopes, ao se indumentar com seu burel franciscano e constatar que o cordão estava “mais pequeno” que o costume. Abatido, o frade reparou em sua circunferência para ver se algo de anormal teria acontecido (talvez aquela feijoada, uma sobremesa a mais). O certo é que o cordão mal dava pra contornar a cintura. Paciência. Ao que indica, tudo tinha sido fruto de uma peripécia infantil durante as missões de que o frade participava, e acobertada pela mãe dos anjinhos. Mas, é claro, se a pança diminuir, o cordão se assentará melhor. Pense nisso, caro irmão. Revista Santa Cruz - 165 Uma viagem apimentada Felizes da vida, frei Edivaldo Nunes e frei Eron Cerrato embarcaram rumo ao México para participarem do encontro de Under Ten. Bela oportunidade para pôr o espanhol em dia. Mas, vencida a barreira linguística, havia outra pela frente: o tempero apimentado dos mexicanos, que fez nossos irmãos terem todo tipo de erupções cutâneas, atrapalhando sua beleza juvenil. Fora isso, o encontro foi às mil maravilhas. Só tiveram problema mesmo na hora de comer e ‘descomer’. quanto a tristeza, o pranto e a dor já tomavam conta de nossos corações, eis que uma ligação do próprio frei Renato pôs fim às lamúrias. “Oi, Renato, afinal, você morreu, ou não morreu?”. De qualquer forma, seja re-bem-vindo ao mundo dos vivos. Garoto-propaganda Morreu, ou não morreu? Uma dúvida cruel abalou os frades recentemente: a notícia da morte de frei Renato Alves. Segundo as informações, o confrade teria “entregado o espírito” em um acidente automobilístico, perto de Barbacena. Porém, en- 166 - Revista Santa Cruz Frei Sinivaldo acabou de assinar um contrato com uma marca de linhas de costura. O garoto-propaganda dá provas de que as tais linhas são de fato resistentes: mesmo que os botões de sua camisa fiquem esganados, a linha não arrebenta. E depois alguns dizem que não se faz mais linha como antigamente! Vossa alteza, o príncipe Mesmo hospitalizado e sob os olhares médicos, frei Basílio de Resende não perdeu a pose. Durante sua temporada no hospital, em Belo Horizonte, o frade aproveitou para tirar umas férias, receber visitas, ser tratado “a pão de ló”. Segundo ele mesmo descreveu, teve uma vida de príncipe. Ê coisa boa! Nada como um bom hospital para fazer a gente ficar quietinho! atendimentos no eremitério da casa onde mora, lembrou-se de um livro muito bom e o recomendou à pessoa a que atendia. O problema foi que, ao subir para buscar a tal obra, foi abordado por alguns paroquianos que solicitaram sua presença na secretaria paroquial. O frade prontamente atendeu, deixando sua visita à espera no eremitério, por muito e muito tempo. Talvez ele não tivesse ido buscar o livro, mas escrevê-lo. Coisas do frei Basílio! Camisas para dieta Espera só um pouquinho Pra quem achou que ao destacar frei Basílio só uma vez estava de bom tamanho, aí vai mais uma: durante um de seus habituais Dando provas de que os frades entendem mesmo de dietas, agora os diletos filhos de Francisco aderiram a detalhes importantes na hora de se apresentarem esbeltos. O mais eficaz deles está nas camisas: se a cor é mais clara, se é mais escura, se tem listras na horizontal ou na vertical, tudo faz diferença na hora de se sair bem na Revista Santa Cruz - 167 foto. Para mais dicas e consultorias, podem se dirigir a frei Jacir e frei Joaquim Fonseca. Malhar mesmo que é bom... Mudanças confusas Durante o recebimento do título de Cidadão Honorário de Betim, frei Francisco Duarte estava tão emocionado que começou a trocar os nomes de seus irmãos: ao indicar para frei Patrício, à sua esquerda, dizia: “agradeço ao frei Basílio por estar aqui comigo”. E quase que fez o mesmo com o outro confrade. E frei Patrício pensava consigo: “olhe, são tantas emoções, não é?” Uma medicina pra lá de alternativa Durante o mês de julho, os frades do convento de Betim promoveram um curso de medicina alternativa. Para isso, convidaram frei Durvan, da Custódia São Benedito. Desde já, avisamos: quem não participou, perdeu: houve sucos de arroz, de abóbora e de verduras. Fora as massagens exóticas, técnicas com charuto, sucção de pele, Natal fora de época e tantas outras coisas. Quem mais se destacou no curso foi frei Kauê, que está precisando de cobaias, digo, voluntários, para poder se aperfeiçoar. Alguém se habilita? Tão igual, mas tão igual... Em sua viagem cotidiana para a aula, frei Eduardo Vely se espantou com a ‘parecença’ de um senhor que estava em outro carro: muito parecido com frei Pedro de Assis. Não se contentando pela descoberta, acionou os demais 168 - Revista Santa Cruz confrades para verem tamanha semelhança, que era de fato incrível. O espanto só foi resolvido quando se pôde verificar mais de perto que se tratava mesmo do frade. Realmente, frei Pedro se parece muito com ele mesmo. Bem observado! Uma amizade que aprisiona Durante o retiro dos frades professos temporários, frei Eduardo Metz acabou prendendo frei Elias Hooij no quarto onde estava hospedado. Depois de uns bons gritos em holandês e toda a forçatarefa empenhada na libertação do frade, o pregador pôde sair são e salvo. Se havia valor para o resgate, nem ficamos sabendo. Sufoco no posto de gasolina “Vá tranquilo. Depois que acende a luzinha da reserva, o carro anda quase quarenta quilômetros”. Inspirado nessas sábias palavras, o pequeno frei Luiz Antonio partiu de casa rumo a uma jornada de aventuras. O fato é que os deuses do asfalto parecem ter cochilado e deixado o carro apagar antes de chegar ao destino. A primeira batalha foi fazer o carro chegar até o posto de gasolina. Mas o pior ainda estava por vir: ao conferir os bolsos pra pagar o frentista (dez reais!), foi que se deu conta de que estava sem um tostão furado. Teve então de fazer vir seu guardião, explicar-lhe toda a situação, para então seguir viagem. Isso tudo se realizou para que se cumprisse a Escritura: não leveis nada pelo caminho, nem dinheiro pra gasolina! Revista Santa Cruz - 169 Coisas de fim de curso Oito dias em silêncio? Todos os que já chegaram ao fim de um curso exigente sabem bem o que significa um deslize ou outro nas atividades, mas quando na rotina começa a haver mais deslizes que acertos, é porque a coisa está mesmo feia. Pois é o que vem acontecendo com frei Arlaton, que está por terminar o curso de Filosofia. Já perdemos as contas de quantos copos ele já quebrou, de quantos derramou nos confrades, dos esbarrões. Até da última reunião da Equipe Provincial de Comunicação o jovem frade se esqueceu. Pedimos orações e jejuns em prol de nosso irmão e, se alguém tem algum copo sobrando em casa, pode encaminhar para a residência do disléxico frade, porque desse jeito seus irmãos vão ter de beber água na cuia. Aos corações incrédulos, temos o prazer de anunciar um recorde que muitos julgavam impossível: nosso Vigário Provincial frei Vicente Ronaldo topou o desafio de fazer um retiro jesuítico de uma semana, em silêncio. E parece que se saiu bem. O problema é que descontou cada palavra economizada quando chegou em casa. Nossa Senhora do silêncio, ora pro nobis. Uma fraternidade doce como o mel Estamos de acordo de que a etapa do noviciado é um período privilegiado da graça, um verdadeiro favo de mel. Mas, entre degustar dessa doçura e criar abelha no quarto, há uma diferença. O santo noviço, frei João 170 - Revista Santa Cruz Paulo tem ignorado essa metáfora e se tornou um hábil apicultor, e já tem até pregado às abelhas, coisa que nem o Seráfico Pai conseguiu direito. Muito bem, frei João Paulo, quem ama o mel suporta os ferrões. Cabelo, cabeleira Nosso momento fashion faz uma justa homenagem a frei Emanoel com seu novo corte de cabelo. O prêmio é fruto de muito esforço e cuidado com sua juba, horas e horas na frente do espelho. Parabéns, frei Emanoel! Passe-nos o endereço do salão! Os paparazzi provinciais Quando se encontrar com o frei Robério e ele estiver com uma câmera fotográfica na mão, não se espante: é que o frade foi diagnosticado com TOF (transtorno obsessivo fotográfico). O confrade não consegue se controlar ao ver uma cena, uma flor, uma maçaneta, um clipe caído no chão, um cabo de vassoura quebrado... Mas ele já está orientado a participar do GRUFFA (grupo dos frades fotógrafos anônimos), do qual também fazem parte frei Geraldo Portugal, frei Chico van der Poel, frei Márcio Cabral e frei Luciano Lopes. Se o tratamento der certo, a gente tira uma foto do grupo pra comemorar! Revista Santa Cruz - 171 SANTA CLARA: 800 ANOS 172 - Revista Santa Cruz Revista Santa Cruz - 173