PDF - Galeria Graça Brandão
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PT Uma vez que a presente exposição roda em torno das ideias pessoais dos artistas e das fontes, documentos e materiais que se encontram na base das suas obras, os parágrafos seguintes referem-se a breves conversas com os mesmos, bem como a anotações, referências a livros por eles sugeridos e material documental que partilharam connosco. A peça de Ian Kiaer “Black Tulip, Sleep” evoca o mundo da arquitetura experimental nas décadas de 1960 e 1970. A presença autoassertiva e socialmente dominante da arquitectura foi desconstruída pelos colectivos arquitectónicos Ant Farm (EUA) e Archigram (Reino Unido), que utilizaram volumes insufláveis para aproximar a arquitectura de uma estrutura metamórfica. Mas também o grupo alemão Zero, activo na mesma época, produziu esculturas insufláveis cuja origem emana da arte conceptual e do minimalismo. Estas experiências anunciaram uma nova temporalidade na arquitectura, não só em termos de processos constructivos e utilização efémera, como também no que toca à sua permanência e orientação temporal. Para Kiaer, a estructura insuflável é um modelo conceptual de uma natureza menos ambiciosa. De uma forma igualmente temporária, as suas peças de chão monocromáticas imprimem ao espaço um sentimento de abandono da progressão e da produção. Estas representam momentos condensados, nos quais a actividade cessa e se transforma numa forma e agência imaterial. As duas peças-carpete em “Tooth house, carpet” foram originalmente compradas pelos avós de Kiaer em 1918, quando se mudaram da Dinamarca para Londres. A carpete foi sendo cortada sucessivamente, à medida que as suas posses diminuíam forçando o casal a mudar-se para casas cada vez mais pequenas. O pai do artista ficou com o último pedaço de carpete, do qual foram retirados os dois recortes aqui apresentados. Para Kiaer, os dois pedaços de carpete trazem à mente o comentário de Adorno (em “The Essay as Form”, 1958) sobre o modo como os pensamentos, devido à sua natureza fragmentária, adquirem precisão à medida que se vão cruzando, “como a tecedura de um tapete”. Neste sentido, enquanto fragmentos, são como qualquer outra peça, funcionando quer como modelo essencial e como forma conceptual (e, nesse sentido, autónoma), ao mesmo tempo que são relacionais, dado que existem graças à sua natureza fragmentária e em relação com outras configurações de sentido. Paulo Lisboa começou a trabalhar com superfícies homogéneas de grafite negra como modo de abordar a ideia do espelho e de reflectir sobre a natureza do medium em si, através de desenhos e de experiências com luz, filme e projetores. Entre vários outros materiais, o artista trabalha com grafite natural que extrai de um poço desconhecido pelo público de uma pequena aldeia portuguesa, depois de ter encontrado uma referência ao mesmo numa tese de um geólogo português da década de 1970. Uma pedra de grafite, integrada na presente exposição, dá-nos pistas para a investigação levada a cabo pelo artista à história da grafite, um material considerado precioso no século XVII, quando era extraído em Cumberland, na Inglaterra. A pequena gravura original PLUMBAGO faz parte de uma enciclopédia publicada em 1865, e transporta consigo o contexto da primeira exposição universal de 1851, que, entre outras “maravilhas”, mostrava blocos esculpidos em grafite extraída de uma mina na Sibéria pelo francês Jean Pierre Alibert, que procurava uma mítica montanha de ouro que se supunha estar localizada na Mongólia. Paulo Lisboa explica que a sua abordagem revela afinidades com os processos geológicos: a grafite formou-se durante o período carbónico, há cerca de 380 milhões de anos, através de um processo denominado metamorfismo de contacto, o resultado da exposição à pressão e temperatura extremas associadas à intrusão de um corpo de magma. Os seus trabalhos evocam uma dimensão telúrica, com placas tectónicas em movimento constante e depósitos sedimentares. As camadas de terra, pó e detritos que formam a grafite estão presentes na metodologia adoptada pelo artista, de aplicação sucessiva e gradações de pó de grafite. O vídeo apresentado traz uma dimensão filosófica e cósmica a esta investigação da materialidade. Gravado no estúdio do artista, funciona como um modelo dos princípios da circulação da luz: numa frequência macrocósmica, a luz está sempre presente e atravessa permanentemente o universo, mas permanece invisível até encontrar pontos materiais de reflexão. A dupla instalação de Nuno Sousa Vieira, “Family Window” e “Family Sculpture”, (em que uma representa o material, por oposição ao potencial reflectido na outra, sua complementar) explora uma lei de continuidade e progressão. O tempo e o movimento revelam novas formas que se desenvolvem em relação àquilo que existia anteriormente ou em relação àquilo que há-de vir. O artista vai buscar a sua ideia de transmissão à teoria de Wittgenstein da semelhança familiar, um modelo linguístico que explica a evolução das famílias de palavras, não por transformação linear mas por uma série de padrões de semelhanças sobrepostos. Este modelo também foi aplicado nas teorias de história da arte do início/meados do século XX*. A série de 3 desenhos também presente nesta exposição faz parte de um conjunto de trabalhos com o título “Devires”, que constituem uma crónica do lugar mental onde os processos criativos de Sousa Vieira surgem e ganham presença. “Devires” constitui um mapa autorreferencial, uma matriz conceptual que faz referência a uma grelha de latitude-longitude, mas que, nas palavras do artista, tem a sua própria natureza primária e essencial, que se forma em torno de processos ambíguos e sequenciais. Estas grelhas manifestam-se no facto de vivermos num estado de permanente deslocação espacial e temporal em relação aos nosso pontos de referência. “Nunca nos encontramos sincronizados com eles. Estamos sempre atrasados, e percebemos que estamos sempre a perder qualquer coisa. Estes vestígios e reminiscências dos nossos processos existenciais interessam-me. Existe sempre este ajuste impossível entre aquilo que fazemos e o que queríamos ter feito, ou o lugar onde nos encontramos mentalmente. Interesso-me por essas expectativas.” (Nuno Sousa Vieira) * Carmo D`Orey, A exemplificação na Arte. Um estudo sobre Nelson Goodman, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1999 IAN KIAER PAULO LISBOA NUNO SOUSA VIEIRA In Absentia C M Y CM MY CY CMY K Curadoria de Marta Jecu 21.11.2015 - 02.01.2016 IN ABSENTIA segue o rasto dos processos que se encontram por detrás do surgimento de objectos artísticos mentais ou reais. Os três artistas convidados regressam a formas passadas ou relacionadas com este objecto essencial. Os seus pensamentos, experiências, acidentes, desvios e revelações acerca da génese das suas obras tornam visível aquilo que atualmente se encontra ausente ou permanece oculto na forma material do objecto. Os artistas atribuem muitas camadas de sentido a uma única imagem ou objecto. Através do seu trabalho, torna-se evidente o modo como o objecto resulta de ligações imprevisíveis ocorridas no passado. Neste sentido, o ponto de partida para a exposição é uma reflexão sobre o processo de criação em si mesmo, e sobre a forma como objectos anteriormente desconhecidos estão constantemente a surgir. Todos os artistas têm uma abordagem conceptual à temporalidade, a questões de coerência espacial e a essência da objectualidade. O seu trabalho induz também uma reflexão sobre “o visível” e como este é experienciado por cada um de nós – como a quintessência do seu passado, e as suas formas históricas e futuras possíveis. Ao percorrerem retrospectivamente o caminho dos seus próprios pensamentos e a forma como constroem sentidos, os artistas revelam, em última análise, a sua metodologia de trabalho ao espectador. Para a exposição na Galeria Graça Brandão, Ian Kiaer, Paulo Lisboa e Nuno Sousa Vieira irão, por conseguinte, apresentar instalações autónomas. Recorrente e melancolicamente, os três artistas movimentam-se, para trás e para a frente, entre questões, lugares e estruturas que foram fundamentais para o seu próprio processo de criação. Todo este material, o qual é essencial para a criação de uma obra de arte, permanece oculto na sua aparência física. Torna-se evidente como o objecto é o resultado destas linhas de ideias ligadas a vários campos culturais. A “acção retardada”, que Hal Foster identificou como um importante modelo cultural, descreve a recorrência de referências na arte contemporânea desde o início do modernismo. Neste sentido, o significado é construído não de forma linear, mas de modo sequencial. Cada uma das instalações aqui apresentadas faz a crónica da persistência de alguns destes diagramas reiterativos do sentido. Ao mesmo tempo, permite-nos reflectir sobre a forma como a recorrência de preocupações fundamentais pode tornar-se em temas na história da arte. Estas três instalações pretendem estimular a percepção que o espectador tem das origens imateriais e virtuais de um objecto ou ambiente. A exposição procura também estimular a curiosidade sobre a natureza do objecto artístico. Além disso, coloca a questão de como é que a arte conceptual pode moldar a transformação de um objecto quotidiano no tempo e no espaço. Revela o modus operandi daquilo a que se poderia chamar de objecto artístico pós-conceptual: o facto de que este possui uma agência e a forma específica como esta influencia o espectador. A “documentação” do objecto artístico, uma metodologia fundamental da arte conceptual, é vista como um processo que tem o poder de revelar a substância criativa que o objecto acumulou ao longo do tempo, e torna-se evidente em cada uma das instalações apresentadas. Marta Jecu Galeria Graça Brandão - Rua dos Caetanos 26 A - 1200-079 Lisboa, Portugal - [email protected] (+351) 213 469 183 IAN KIAER, PAULO LISBOA, NUNO SOUSA VIEIRA In Absentia 21.11.2015 - 02.01.2016 Piso 0 Piso -1 13. 6. 1. 14. 15. 12. 8. 7. 2. 3. 4. 5. 11. 1. Nuno Sousa Vieira Family sculpture, 2015 MDF 145 x 172,5 x 55 cm 2. Nuno Sousa Vieira Family window #3, 2015 Ferro da janela do atelier do artista intervencionada 104 x 95 x 75 cm 3. Nuno Sousa Vieira Devires, 2011 Grafite sobre papel 70 x 50 cm 4. Nuno Sousa Vieira Devires, 2011 Grafite sobre papel 70 x 50 cm 5. Nuno Sousa Vieira Devires, 2011 Grafite sobre papel 70 x 50 cm 6. Ian Kiaer Black tulip, sleep, 2012 Plástico, ventoinha, cabide em bronze Dimensões variáveis 7. Ian Kiaer Tooth house, carpet, 2015 Carpete, folha prateada, cartão Dimensões variáveis 10. 9. 8. Paulo Lisboa Amostra de grafite metamórfica com corte a 45º 9. Paulo Lisboa 20150827, 2015 Vídeo 16:9, 10’00’’, loop, som Ed.3 + 1PA 10. Paulo Lisboa Sem título, 2011 Grafite sobre papel 83x55cm 11. Paulo Lisboa Sem título, 2011 Grafite sobre papel 83x55cm 12. Artista desconhecido Plumbago, undated, c.1885. Interior da mina de grafite de Batougol, nas montanhas Sayansk, Sibéria 14,5 x 23 cm 13. Paulo Lisboa Sem título, 2011 Grafite sobre papel 83x55cm 14. Paulo Lisboa Sem título, 2011 Grafite sobre papel 83x55cm 15. Paulo Lisboa Sem título, 2011 Grafite sobre papel 83x55cm Galeria Graça Brandão - Rua dos Caetanos 26 A - 1200-079 Lisboa, Portugal - [email protected] (+351) 213 469 183