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Análise Transacional: uma contribuição à construção do protagonismo policial Autora: Rosa Maria Gross de Almeida Temas: Direitos Humanos e Segurança Pública, Psicologia. O importante não é se algo já está feito, mas que temos infinitas possibilidades de escolha. Nossas escolhas nos levam a experiências que nos fazem compreender que não somos as criaturas pequenas que parecemos ser. Somos expressões interdimensionais da vida, espelhos do espírito. Bach, 1988 INTRODUÇÃO A grave crise por que passa nossa sociedade e que se expressa, especialmente, na forma de violência de todas as ordens, exige das instituições policiais permanente atualização, tanto do ponto de vista técnico quanto no que se refere aos profissionais que a integram. A compreensão do fenômeno violência em sua complexidade é condição para o seu enfrentamento eficiente e eficaz, nos termos preconizados pelo Plano Nacional de Segurança. A sociedade, de maneira geral, desconhece seu papel na produção desta violência da qual se ressente e termina por jogar sobre os ombros dos profissionais de Segurança Pública a responsabilidade por erradica-la. Quando não adequadamente preparados, do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista psicológico, estes profissionais correm o risco de assumirem para si esta responsabilidade, o que resulta em ações inadequadas que, além de completamente ineficazes para o atingimento deste objetivo, colocam à população e, principalmente os próprios profissionais em grandes e desnecessários riscos. Assim sendo, mais do que nunca faz-se necessário cuidado especial com a capacitação permanente e com o psiquismo destes policiais, cuidadores que são pouco cuidados. É neste sentido que se inscrevem as ações de capacitação continuada da Secretaria Nacional de Segurança Pública, voltadas para lideranças multiplicadoras de uma cultura de direitos humanos e cidadania aplicada à intervenção humana e técnica eficiente e eficaz do operadores diretos de segurança pública, nos marcos da democracia brasileira. Estas ações destinam-se a lideranças da Polícia Militar, da Polícia Civil e dos Bombeiros Militares e tem como objetivo contribuir para a formação de uma cultura nacional de direitos e deveres humanos, de solidariedade ativa e paz, mobilizando o protagonismo cidadão dos operadores diretos de segurança, agregando qualificação humana e técnica à sua intervenção específica como atores sociais e autoridades públicas. Isto é alcançado por trabalharem conteúdos que atendam a estes dois aspectos da formação destes profissionais, 7 proporcionando-lhes cuidado na forma de informação qualificada e produzindo efeitos importantes em suas vidas pessoais como em sua atuação profissional. Neste artigo, serão abordados conteúdos de psicologia a partir da Análise Transacional, linha teórica que vem sendo já utilizada em seminários ligados à Segurança Pública e que vem mostrando bons resultados de aplicabilidade, especialmente por sua linguagem acessível. Estes conteúdos buscam contribuir de forma simples e profunda, trazendo elementos que possibilitem aos profissionais compreender melhor a si mesmos e aos seus relacionamentos, pessoais e profissionais. Em sua vida em sociedade, em sua família, junto aos amigos, em seu trabalho, o ser humano interage permanentemente e assume posturas de agente dos processos ou de seu mero espectador. Com isto, decide fazer parte daqueles que fazem, ou daqueles que sofrem as ações, sujeito ou objeto de sua própria existência, consciente de seu papel de cidadão e cidadã ou dele alienado, passivo e desempoderado. A consciência daquilo que acontece consigo e à sua volta possibilita-lhe escolher entre ser o personagem principal de seu “drama” e seu produtor, com poder para mudar a ação e o diálogo ou, ser seu mero espectador, passivo ante seu desenrolar, vítima impotente de um roteiro previamente escrito. Olhar estas questões desde suas raízes significa olhar para estes indivíduos, recompor suas trajetórias neste desviar-se de si mesmos, para assim poder contribuir a que retomem a autoria e direção da própria vida. Como se dá o desenvolvimento, a constituição da personalidade? Como chega a ser quem hoje é? Como já foi dito, as ferramentas a serem utilizadas para isto virão da Análise Transacional, um sistema de psicologia individual e social criada na década de 1950 pelo Psiquiatra canadense Eric Berne (1910-1970) resultado, segundo ele, de experiências clínicas, posteriormente corroboradas pela literatura, especialmente pelos estudos neurológicos de Penfield e Federn. Esta teoria ocupa-se do indivíduo e de suas interações no grupo e o faz com profundidade e simplicidade, o que possibilita àqueles que a ela têm acesso, produzir transformações em suas vidas:“A auto-avaliação neste sistema (...) torna relativamente fácil, para quem a pratica, detectar e controlar elementos arcaicos ou prejudiciais em suas próprias respostas.” (BERNE. 1985. p.22) Berne denominou-a Análise Transacional porque estuda os intercâmbios de estímulos e respostas, isto é, as transações entre os indivíduos. Aplica-se a diversas áreas de atuação profissional: Área Clínica, Área Educacional, Área Organizacional e Outras. Esta teoria convida o indivíduo a olhar para a parte que lhe cabe nas diversas situações em que está inserido, o que resulta em maior responsabilidade por sua vida e por seus relacionamentos. Traz-lha a consciência de não ter poder algum de transformar ao outro, mas de ter todo o poder de transformar a si mesmo. A Análise Transacional é também uma filosofia, construída a partir da certeza que Berne tinha de que todos os seres humanos têm um núcleo básico estimável, com a força e o desejo de auto-crescimento e realização e podem trabalhar em 8 cooperação e mutualidade, a partir de um contrato, fazendo suas próprias escolhas e exercendo sua autonomia com responsabilidade. Desta confiança resultam três premissas básicas sobre as quais constituiu sua teoria: As pessoas nascem com igual capacidade (estrutura fisiológica básica) para desenvolver consciência, espontaneidade e intimidade, potenciais básicos do ser humano, consigo e com os outros. Consciência quer dizer possibilidade de estar consciente do que sente, de onde está e do momento que está vivendo. Espontaneidade refere-se a ter opção, liberdade de escolher suas ações e de expressar sentimentos e pensamentos. Intimidade significa a possibilidade de viver relações onde haja reciprocidade na expressão das emoções, sem exploração e livre de jogos. Para que uma relação promova o indivíduo, é necessário que seja estabelecida sobre bases igualitárias, onde as pessoas envolvidas tenham igual responsabilidade sobre o que acontece. Seres humanos trazem em si a possibilidade de evolução e mudança. Esta teoria se constitui a partir da forma como está estruturada a personalidade (análise estrutural), como esta estrutura se expressa (análise descritiva), como se relaciona com outros (análise transacional), a partir de que motivações e necessidades (reconhecimento e motivação), expressando que emoções (emoções autênticas e disfarces), a partir de que visão de mundo (posição existencial) e de que jogos (jogos psicológicos), para chegar a que desfecho de vida (script de vida). A partir destes itens, com os aportes trazidos por este conhecimento, serão analisadas situações e aspectos diretamente relacionados ao fazer policial. Pelas características da AT, o Curso 101 protege e nutre a Criança destes profissionais, ao mesmo tempo que traz informações para o seu Adulto, descontaminando-o de conteúdos parentais que possam estar sendo nocivos, aumentando seu leque de opções. Com isto, amplia-se sua consciência e a condição de cuidar melhor de si, de sua vida profissional e pessoal. A TEORIA DA AT: “O interesse básico da Análise Transacional é o estudo dos estados de ego, que são sistemas coerentes de pensamento e sentimento manifestados por padrões de comportamento correspondentes.” (BERNE, p. 25. 1988) Os estados do ego se apresentam de três formas: Pai, Adulto, Criança e juntos constituem a estrutura da personalidade e são as unidades de construção da AT. Pai, Adulto e Criança, quando referidos como estados do ego, estão escritos com letras maiúsculas, o que os difere dos mesmos termos quando usados em referência a pessoas. 9 ANÁLISE ESTRUTURAL: A análise estrutural consiste na identificação e análise dos estados do ego, através da separação de padrões de sentimento e comportamento que a cada um correspondam. Eric Berne assim diagramou a estrutura da personalidade: Normas, Valores, Regras de Conduta, Modelos A Razão, Lógica, Conhecimento, Informação Bagagem Genética, Emoções, Intuição O estado do ego Criança é o componente biológico da personalidade. Nele está a bagagem genética do indivíduo somada às experiências da infância. Representa o conceito sentido de vida e é o primeiro estado do ego a existir. Na personalidade total, é a grande fonte potencial de energia, espontaneidade, intuição, prazer, criatividade e capacidade de experimentar emoções. Eric Berne percebeu, através da observação de seus pacientes, que esta criança permanece incorporada à personalidade dos indivíduos “crescidos” e que sua atuação pode ser percebida através da expressão de sentimentos e pensamentos bem como de ações, muito semelhantes aos sentimentos, pensamentos e ações vivenciados na fase inicial de suas vidas. Suas observações levaram-no ainda a perceber que não somente esta criança, mas também mensagens passadas por seus cuidadores, por aqueles que dela se ocuparam, continuavam tendo lugar em sua personalidade, como que armazenadas na forma de gravações, constituindo o estado do ego PAI. O estado do ego Pai, então, forma-se a partir de conteúdos introduzidos de fora e que se constituem de tradições, preceitos e modelos de conduta recebidos. Não possui autonomia e sua ação é imitativa. É o conceito aprendido de vida e manifesta-se através de sentimentos, pensamentos e comportamentos que são reproduções de sentimentos, pensamentos e comportamentos das figuras parentais. 1 O estado do ego Adulto é um processador analítico e objetivo de informações internas e externas, que utiliza as experiências passadas e responde às demandas do aqui e agora de forma lógica e adequada. Trata-se do conceito pensado de vida. “Quando no estado de ego Adulto, a pessoa está em pleno contato com o que está ocorrendo, duplamente, dentro e fora de seu organismo, de modo compatível com seu estágio atual de desenvolvimento”. (ERSKINE. 1997. p.110) Os seres humanos, para um desempenho profissional ético e capacitado como para organizarem suas vidas pessoais, não podem prescindir desta “consciência Adulto” de si mesmos e da realidade. “A tese então é que, em qualquer momento, todo indivíduo presente a uma reunião social estará exibindo um estado do ego do tipo Pai, Adulto ou Criança, e que as pessoas podem mudar, com variados graus de rapidez e presteza de um estado para outro.” (BERNE.1974.p.26) Os três estados do ego são atuantes em nossa personalidade total. Quando uma pessoa busca conhecer mais de perto aquele ou aquela que é, olhar para sua história lhe traz dados importantes: lembrar da criança que foi, de como esta criança se sentia frente ao mundo, os dramas, os sofrimentos, as alegrias por que passou. É esta a criança que permanece dentro dela, fazendo parte de sua personalidade. Ao pensar sobre os pais ou substitutos que teve, da mesma forma poderá ter uma boa noção de como está constituído seu estado do ego Pai e, com estas informações, irá já compreender muito do que ocorre consigo. Esta compreensão, que resulta do defrontar-se com sua história e com sentimentos que permanecem guardados dentro de si, promove uma ampliação de consciência e aumenta o leque de opões que a pessoa tem de agir em sua vida, liberando-a para construir relações mais próximas e verdadeiras, consigo mesma e com os outros. Sem disto ter consciência, corre o risco de estar atuando, na vida pessoal como na vida profissional, a partir de conteúdos ligados à criança que foi e\ou aos pais que teve resultando em ações inadequadas, com diferentes graus de consequências. Na profissão policial, estas consequências podem ser particularmente desastrosas, tanto para o profissional quanto para a sociedade. Exemplo disto foi o corajoso relato feito por um policial em um curso de capacitação que, diante de seus colegas, relatou as descobertas que havia feito sobre si e sobre sua atuação profissional: “ Hoje compreendi porquê, a cada vez que sou chamado para atender a uma ocorrência envolvendo um marido embriagado espancando mulher e filhos, sinto dentro de mim uma raiva muito grande e vontade de eu mesmo espancar este homem. Meu pai morreu quando eu tinha oito anos e, as lembranças que tenho dele, são de vê-lo chegando em casa bêbado e batendo na minha mãe. Eu não me dava conta da dor e da raiva que ainda guardo comigo. Eu era muito pequeno e não conseguia defender minha mãe. Então, ficava num canto chorando de medo e de raiva por não poder fazer nada.” Este policial, ao ver-se em situações semelhantes àquelas vividas por sua Criança, experimentava os mesmos sentimentos lá do passado, e isto interferia no juízo que o Adulto deste profissional deveria fazer naquele momento. Além disto, seu impulso era de resolver a situação, o desconforto que sentia, batendo. Esta 1 era a conduta que via seu pai usar e este foi o modelo incorporado ao seu estado do ego Pai. A consciência destes conteúdos internos, somada à capacitação profissional, podem resultar em ações que, embora levando em conta a existência do sofrimento, permitam ao profissional agir adequada e eficazmente, isto é, não como um menino com medo e com raiva e tampouco como um pai agressor e sim como o profissional que é, como o Adulto preparado para enfrentar de forma técnica estas e outra situações. Sem ter esta consciência, termina por deixar-se arrastar por estes conteúdos arcaicos, carregados de emoções. ANÁLISE DESCRITIVA DA PERSONALIDADE A análise descritiva ocupa-se da análise do funcionamento dos estados do ego, isto é, como se apresentam, como se manifestam em sua atuação externa. Os estados do ego, como resultam de experiências e de pessoas reais, também assim se manifestam: As crianças, dentro de seu meio familiar, utilizam-se de estratégias de adaptação a este meio. Em alguns casos, trata-se de verdadeiras estratégias de sobrevivência. Estas estratégias resultam da percepção que esta criança tem daquilo que precisará ser e fazer para ser aceita e para que este meio atenda às suas necessidades. É, então, adaptada aos critérios e ditames das figuras parentais gravados no EDE Pai e seu estado do ego Criança se manifestará a partir do tipo de estratégia usada: Criança Adaptada Submissa: Aquela que, em seu processo de adaptação, necessitou abrir mão de sua vontade, fazendo a vontade de outro. Manifesta-se como alguém sem vontade própria, confusa, desvalorizada, dependente, queixosa. Criança Adaptada Rebelde: Também abriu mão de sua vontade por que, sua estratégia, consiste em fazer o contrário do que o outro quer. Manifesta-se desafiante, hostil e opositora. Criança Livre, também chamada Criança Natural, aquela que, para ser aceita, não precisou abrir mão de si mesma e de sua vontade, o que não significa que, quando criança, também não tenha precisado adaptar-se à realidade. Manifesta espontaneidade, intuição, desinibição, expressividade, sexualidade, curiosidade, criatividade e expressa emoções autênticas. O estado do ego Pai, tal como os pais reais, também se expressa de diferentes formas que são descritas na análise transacional como Pai Crítico e Pai Nutritivo, contendo as seguintes características: Pai Crítico: exigente, crítico, punitivo, preconceituoso, faz julgamentos; inflexível; super-protetor; dá limites inadequados que geram culpa e medo. Pai Nutritivo: dá apoio ao crescimento, proteção, consolo, permissão para viver e desfrutar, educação; é interessado, tranquilizador, dá limites adequados que convidam ao crescimento e à autonomia; é caloroso. 1 O estado do ego Adulto não se subdivide, mas pode manifestar-se com maior ou menor grau de informação, tanto do que acontece dentro de si quanto do que acontece na realidade. A observação destes estados do ego se dá a partir da observação de cinco sinais: As Palavras; O Tom de voz; A expressão facial; Os gestos dos membros; A postura corporal. PC PN A CAS CAR CL Determinadas profissões, por suas características, tendem a ressaltar a manifestação de algum ou alguns estados do ego mais do que outros. Entre os policiais, a manifestação do estado do ego Pai Crítico é reforçada dentro da profissão e estimulada pela sociedade quando, por exemplo, demonstra querer que o policial “dê um corretivo” em alguém. Esta é uma forma equivocada de perceber esta profissão e resulta em ações que não correspondem ao papel dos policiais no Estado Democrático de Direito. 1 PATOLOGIAS ESTRUTURAIS: “ A patologia estrutural ocupa-se das anomalias da estrutura psíquica, sendo as duas mais comuns a exclusão e a contaminação.” (BERNE, p.41. 1985) Contaminação: Por vezes, os limites do estado do ego Adulto se rompem, e ele é “invadido” por informações vindas do estado do ego Pai ou do estado do ego Criança ou de ambos, informações estas que o Adulto reconhece como reais e verdadeiras. Contaminação do Adulto pelo Pai: Quando o estado do ego Pai “invade” as fronteiras do estado do ego Adulto, esta contaminação se manifesta na forma de preconceitos. Contaminação do Adulto pela Criança: Quando o estado do ego Criança “invade” as fronteiras do estado do ego Adulto, esta contaminação se manifesta através de ilusões. Dupla contaminação: Quando os limites do estado do ego Adulto são “invadidos” pelo estado do ego Pai e pelo estado do ego Criança. Isto é manifestado, ao mesmo tempo, por preconceitos e por ilusões. Quando ocorre contaminação do estado do ego Adulto, seu juízo de realidade fica prejudicado e sua capacidade de argumentação estará a serviço dos preconceitos e/ou ilusões. Na atuação dos profissionais da área da Segurança Pública, preconceitos (“vagabundos”, referindo-se aos integrantes do Movimento Sem Terra, ou “pervertidos” referindo-se aos homossexuais, por exemplo) ou ilusões (“polícia é um mal necessário” referindo-se à si mesmo e a sua profissão) podem mudar sensivelmente a forma deste profissional atuar, quando diante dos integrantes do MST, ou ao fazer o policiamento de uma parada Gay ou, ainda, em sua relação com a sociedade. 1 1 P P P A A A C C Contaminação do Adulto pelo Pai Dupla Contaminação C Contaminação do Adulto pela Criança Exclusão: Consiste no emprego de um ou de dois estados do ego, impedindo a manifestação dos demais. Pode dar-se de forma rígida e constante ou por determinado tempo ou circunstância. 1 Pai constante: Aqui estão excluídos a Criança e, portanto, suas características, e o Adulto. O comportamento é rígido, inflexível, estereotipado, autoritário e desumano. P A C 1 Adulto constante: O Adulto excluindo os estados do ego Pai e Criança, sua ação é fria e calculista, não levando em conta valores e sentimentos. P A C Criança constante: A Criança constante se manifesta na drogadição, no comportamento anti-social, na ausência de limites, na ação criminosa sem qualquer planejamento. P A C 1 Pai e Adulto constantes: Pai e Adulto excluindo a Criança, costuma ser resultado de situações na vida da criança que o obrigaram a crescer precocemente e deixar de lado a infância. Embora pessoas via de regra muito admiradas por sua retidão, força de vontade e capacidade de trabalho, falta-lhes alegria de viver, de desfrutar, inclusive daquilo que alcançaram com sua força e determinação. P A C 1 Pai e Criança constantes: Estas são pessoas, muitas vezes, denominadas “falso moralistas”, pois seu comportamento transita entre a extrema rigidez de valores do estado do ego Pai e os desejos da Criança, sem a presença do Adulto para administrar tal situação. Sem dúvida não é uma forma confortável de sentir. P A C 2 Adulto e Criança constantes: Nesta personalidade, a capacidade do Adulto está associada à sedução da Criança, a serviço dos desejos desta última. Como o Pai está excluído, estes desejos não encontram o limite dos valores e, muitas, vezes, buscarão ser alcançados mesmo que através de ações criminosas. P A C ANÁLISE DAS TRANSAÇÕES: “Uma transação consiste em um único estímulo e uma única resposta, verbal ou não-verbal, e é a unidade da ação social. É chamada de transação por que cada uma das partes ganha algo dela e é por esta razão que as pessoas se engajam.” (BERNE. 1988.p.32) Na comunicação dos seres humanos, os diferentes estados do ego resultam em transações que, como bem salientou Eric Berne envolvem sempre, no mínimo, seis estados do ego. Esta comunicação ocorre na forma de estímulos e respostas e a análise transacional ocupa-se de diagnosticar quais os estados do ego estão aí envolvidos, isto é, de qual estado do ego partiu o estímulo e qual estado do ego a ele respondeu. 2 “Uma vez que os estados de ego diferem entre si como as pessoas reais, é importante saber qual estado de ego está ativado em cada pessoa quando algo acontece entre elas.” (BERNE. 1988. p.27) A diagramação das sucessões de estímulos e respostas nas transações, permite sua classificação e, a partir desta, a compreensão do que está ocorrendo efetivamente na comunicação. Classificação das transações: Transações Complementares As transações complementares, também chamadas paralelas, são transações que envolvem apenas dois estados do ego. Nelas, a resposta sempre virá do estado do ego que recebeu o estímulo e por isto, ao ser diagramada, mostrará setas sempre paralelas. Estas transações propiciam a que a comunicação alcance seus objetivos, terminando neste ponto ou continuando indefinidamente. (E) “Alguém me ajude!” (R) “ Acalme-se, senhora, o que aconteceu?.” P P R A A E C C (E) Por favor, seus documentos. (R) Aqui estão. 2 P P E A A R C C 2 Transações Cruzadas Já nas transações cruzadas, os vetores se cruzam pois, o estímulo está dirigido a um estado do ego e a resposta vem de um outro estado do ego. Este tipo de transação leva a uma interrupção na comunicação sem que os objetivos sejam atingidos e a problemas nas relações enter-pessoais. (E) “Seus documentos, por favor.” (R) “Que foi que eu fiz?” P P E A A R C C 2 (E) “Estou tão preocupado com os exames que o médico me pediu.” (R) “Para isto tens um plano de saúde.” P P A R A E C C 2 (E) “Exijo que você olhe para mim enquanto falo!” (R) “ Estou vendo que a sra. está muito nervosa. Quer um calmante?” P A C E P R A C 2 Transações Ulteriores Estas são transações que contém dois níveis, um nível social, aparente, e outro nível psicológico, oculto e será este o nível em que se dará a comunicação. (ES): “Eu vou te conduzir à Delegacia e tu não vais tentar fugir.” (EP): (“Se você tentar fugir vamos poder lhe perseguir e “brincar” de polícia e bandido”) (R) “Pois eu vou fugir.” P P ES A A EP C C RS 2 (ES): Faremos o plantão juntos, Mari (EP): (Vamos ficar sozinhos hoje, Mari) (EP): Sim, temos mesmo muito trabalho. (ES): (Pensei que você nunca ias me pedir isto) P P P P ES A A RS EP C C RP A profissão policial, consciente ou inconscientemente, está ligada aos papéis paterno/maternos pois, os pais, foram os primeiros a fazerem “papel de polícia” na vida dos filhos e, na sociedade, cabe ao policial fazer com que os limites sejam respeitados. Isto pode resultar em uma tendência de atuação neste estado do ego, como já salientado, com suas consequências. Isto não significa que, em muitos momentos, e a partir de uma avaliação do Adulto, o profissional não inclua em sua ação características inerentes ao estado do ego Pai como proteção, acolhida, conforto, como, por exemplo, no atendimento a uma vítima assustada, precisando cuidados. Refletir e dar-se conta do tipo de respostas que vem obtendo nas transações em que se envolve, pode fornecer dados importantes sobre os estímulos emitidos, isto é, de qual estado do ego estes estímulos partem. 2 Estímulos que se originam no estado do ego Adulto,“convidam” o outro a que responda também com seu Adulto, enquanto os estímulos originados a partir do estado do ego Pai podem provocar respostas vindas da Criança, trazendo dificuldades e problemas à atuação do profissional. RECONHECIMENTO E MOTIVAÇÃO Eric Berne, com base em pesquisas realizadas por Spitz, entre outros e a partir de suas próprias observações clínicas, percebeu que os bebês humanos, da mesma forma que necessitam do alimento para sua sobrevivência, necessitam também de contato físico, de carinho e, sem isto se depauperam e morrem. Este contato físico significa estimulação e quer dizer que sua existência é reconhecida: “...a palavra “estímulo” pode ser usada para caracterizar qualquer relacionamento, isto é, qualquer ato que implique no reconhecimento da presença de outra pessoa” (BERNE. 1995. p.19) A medida em que as crianças crescem, esta necessidade de contato físico pode ser substituída, pelo menos em parte, pelo estímulo verbal. A necessidade de reconhecimento, entretanto, permanece vital aos seres humanos e esta é, talvez, sua grande fonte de motiva-ação. Na linguagem da Análise Transacional, a unidade de reconhecimento é chamada carícia e pode ser tanto positiva (um elogio pelo trabalho feito, por exemplo) quanto negativa (uma agressão verbal ou física, por exemplo). As Instituições Policiais, em geral, não se ocupam de demonstrar reconhecimento positivo pelo trabalho desenvolvido por seus profissionais. Com isto, perdem a oportunidade de contribuir fortemente para a saúde emocional e física destes profissionais e para o fortalecimento das ações positivas. Estas mesmas Instituições, entretanto, distribuem grandes quantidades de reconhecimento negativo, têm facilidade em descobrir defeitos e mal feitos, apressando-se em penalizá-los. Com isto apenas reforçam estes defeitos e mal feitos pois, onde somente há disponibilidade de reconhecimento negativo, obtê-lo será a meta já que o que os seres humanos não suportam é a ausência de reconhecimento. ESTRUTURAÇÃO DO TEMPO SOCIAL Outra necessidade humana, tão importante quanto à necessidade de estímulo, consiste em estruturar suas horas de vigília e é para atender a esta necessidade que as pessoas programam seu tempo. Berne classificou seis formas de estruturação do tempo, quais sejam: Isolamento: Aqui, as pessoas não se comunicam umas com as outras, cada uma dentro de seu próprio mundo, o que pode ocorrer em situações várias tais como um ônibus, uma fila de Banco ou um grupo de pesquisadores em um laboratório. Rituais: Se constituem de séries de transações complementares, altamente estilizadas e programadas exteriormente seja pelas religiões, pelas tradições, pelos costumes... 2 Atividades: O trabalho exercido. Em geral, as transações são Adulto-Adulto e giram em torno da própria atividade. Passatempos: Os tempos transcorridos com transações complementares menos comprometidas, mais divertidas, em torno de assuntos mutuamente aceitos, como costuma acontecer entre “vizinhos de banco” durante uma viagem, salas de espera, festas e reuniões de amigos e tem por objetivo preencher um intervalo de tempo. Jogos: Jogos psicológicos se constituem de séries de transações ulteriores com um “truque” e um desfecho definido e previsível. Intimidade: Relacionamentos livres de jogos e sem exploração. Significa a possibilidade de viver relações onde haja reciprocidade na expressão das emoções, sem exploração e livre de jogos. Uma estruturação equilibrada do tempo social deve levar em conta as necessidades humanas e seu atendimento. Policiais, em sua maioria, estruturam seu tempo quase que exclusivamente em torno da profissão. Isto resulta em prejuízos às suas vidas pessoais e em grandes dificuldades em enfrentar a aposentadoria/reserva. Estas são situações graves de vida, entre outras e pedem mudanças na forma como estes profissionais vem estruturando seu tempo. ANÁLISE DOS JOGOS Berne definiu os Jogos Psicológicos como “Uma série de transações ulteriores com uma isca, uma fraqueza, uma mudança e uma confusão, levando ao desfecho.” (Berne, 1988. p.35) Os jogos “fazem parte da estrutura básica da dinâmica emocional de toda família...” e é aí, nesta família que, desde a mais tenra idade, uma criança aprende os jogos que irá utilizar na vida para satisfazer suas necessidades. Entretanto, é ilusória a possibilidade de que as genuínas necessidades dos seres humanos possam ser satisfeitas através de Jogos Psicológicos. Embora o nome, “jogos”, com Jogos Psicológicos ninguém se diverte. Ao contrário. Através deles, reforçam-se crenças a respeito de si, dos outros e do mundo e evita-se intimidade. Berne descreveu os Jogos Psicológicos a partir da seguinte fórmula: Isca + Fraqueza= Resposta... Mudança (surpresa) --- Desfecho Final Isca: parte ulterior, oculta e não consciente. Implica numa desqualificação de alguma parte da realidade. Fraqueza: desqualificação e vulnerabilidade do interlocutor, incapacidade de resistir ao estímulo. Resposta: completa a transação iniciada com a isca e também contém desqualificação. Mudança: mudança de Estado de Ego, causando surpresa no outro Desfecho Final: reforço das injunções e crenças a respeito de si mesmo e do outro, acompanhado de emoção de disfarce. 3 Alguns exemplos de Jogos: “ Te peguei, desgraçado!” “Defeito” “Briguem entre vocês” “Tribunal” “Se não fosse por você” “ Pobrezinho de mim” “ Estúpido” “Eu só queria ajudar” “Sim...mas” “Olha o que me fizestes fazer” “Como você é maravilhoso” “Violentada” Graus dos Jogos: Jogos de 1o grau – “... socialmente aceitáveis no círculo do jogador.” Jogos de 2o grau – “...não chegam a causar danos irremediáveis ou permanentes, mas os jogadores preferem oculta-los de terceiros.” Jogos de 3o grau – “...tem caráter definitivo, e terminam numa sala de operações, num tribunal ou no necrotério.” Opções para sair de Jogos Psicológicos: • • • • Ignorar o Jogo Psicológico; Mudar o assunto; Expor o Jogo Psicológico; Jogar o Jogo Psicológico, com consciência, possibilitando um outro desfecho. 3 O TRIÂNGULO DRAMÁTICO O Triângulo Dramático é uma forma de diagramar os jogos psicológicos criada por Stephen Karpman e que mostra as possibilidades de mudanças de papéis em um jogo psicológico a partir de três papéis: Perseguidor, Salvador e Vítima. Estes são papéis assumidos dentro do Jogo Psicológico, quando os jogadores se movimentam dentro do triângulo trocando de papéis e não devem ser confundidos com perseguidores, salvadores e vítimas reais (assassino perseguindo uma vítima e o policial que a salva, por exemplo) PERSEGUIDOR: Pai Crítico: exigente, crítico, punitivo, preconceituoso, faz julgamentos; inflexível. SALVADOR: Pai Crítico: superprotetor. VÍTIMA: Criança Adaptada Submissa, sem vontade própria, confusa, desvalorizada, dependente, queixosa. P S V 3 EMOÇÕES AUTÊNTICAS E DISFARCES: Os seres humanos, ao nascer, trazem consigo a condição de sentir emoções em resposta a determinados estímulos, isto é, nascem fisiologicamente equipados para isto e esta condição está diretamente ligada à preservação da espécie. Assim, são capazes de experimentar alegria ante a satisfação de uma necessidade, o alcance de uma meta, a realização de um sonho; de experimentar afeto como resultado do contato íntimo e real com outra pessoa; de experimentar tristeza pelas perdas de pessoas, de objetos, de ideais; de experimentar medo ante uma ameaça a sua vida e de experimentar raiva quando invadido em seu espaço físico ou psicológico. Entretanto, se nascem preparados para sentir estas emoções, não nascem sabendo seus nomes e tampouco a forma adequada de expressá-las. Isto seria tarefa para ser ensinada às crianças pequenas proporcionando-lhes, com isto, condição de educar suas emoções, além de lhes ser assegurado que nada há de errado em sentir o que sente, que é OK sentir o que sente. Muitas vezes, porem, os pais, os professores, aqueles enfim que se ocupam das crianças, não só não sabem eles próprios o que sentem como também não foram ensinados a conhecer e a lidar com suas emoções. Assim, terminam por ignorar algumas delas enquanto super-dimensionam outras. A muitos, por exemplo, foi ensinado que sentir raiva é uma coisa feia, que merece castigo e o mesmo terminam repetindo aos filhos. Em outros casos, meninos quando expressam medo, não só não recebem proteção como resposta, como são chamados de “maricas” e humilhados. Mas, os mesmos meninos, se chegam da escola rasgados porque, num acesso de raiva brigaram com o colega, são elogiados e estimulados neste comportamento. Podemos imaginar que este menino, com a continuidade de situações como esta será um homem que encobrirá seus medos sob comportamentos violentos (aliás, o violento é uma pessoa com medo). Mesmo emoções consideradas “positivas” como a alegria, por vezes são desestimuladas na criança, por exemplo, quando uma criança cresce em uma casa onde há alguém doente, e onde sistematicamente suas demonstrações da alegria são de alguma maneira podadas, ou aquela criança que cresce junto a uma mãe ou a um pai deprimido, a/ao qual ela jamais vê rir. As profissões também têm seus tabus com relação à expressão de determinadas emoções. Na profissão policial a expressão de emoções como medo, tristeza e mesmo afeto são recebidas com reticências, razão pela qual estes profissionais terminam por não expressá-las, temendo críticas. Como não seja possível “deixar de sentir”, estas emoções encontrarão formas de manifestação, especialmente através de doenças físicas e emocionais. O medo é uma emoção que, no meio policial, é sinônimo de covardia, de fraqueza. Entretanto, se o medo é a emoção que os seres humanos estão preparados para sentir ante ameaças a sua vida, como esperar que justamente aqueles que enfrentam diariamente o perigo não o sintam? Ter a consciência do medo dentro de si não impede o policial de agir como deve agir. O medo não é um inimigo. Ao contrário. É um “sinal vermelho” nas situações de perigo. O perigo é não conectar com esta emoção, é bani-la de seu repertório de 3 emoções e deixar, com isto, de reconhecer o perigo e proteger-se. É preciso ter medo daqueles que não têm medo, pois estes acabam por se constituir em um perigo para si mesmos e para outros. A expressão de cada emoção requer uma validação que lhe é própria. Assim, a alegria e o afeto requerem ser compartilhados; a tristeza pede presença; o medo, requer proteção e, a raiva, ser levada a sério. EMOÇÕES AUTÊNTICAS DISFARCES Confusão Inadequaçã o Vergonha Depressão RAIVA MEDO TRISTEZA ALEGRIA AMOR Rancor Ressentimento Culpa Vingança CL Angústia Pânico Solidão Desespero CA POSIÇÕES EXISTENCIAIS Muito cedo as crianças, a partir de sua relação especialmente com seus pais, vão formando convicções a respeito de si mesmas e dos outros. À medida que estas convicções se fortalecem, sobre elas se formam posições, conceitos básicos que esta criança forma de si mesma, do mundo e de todas as pessoas que o habitam. Estas posições podem ser: ñOK/OK (-/+), que significa que “Eu não sou OK. As outras pessoas são OK”. É clinicamente depressiva e é a posição de “afastar-se de...” OK/ñOK (+/-), significando que “Eu sou OK. As outras pessoas não são OK. É clinicamente paranóide e é a posição de “livrar-se de...” ñOK/ñOK (-/-), cujo significado é que “Eu não sou OK. As outras pessoas também não são OK”. É clinicamente niilista e é a posição de “não ir a lugar algum...” OK/OK (++), que significa que “Eu sou OK (sempre). As outras pessoas são OK (sempre). É clinicamente maníaca e é a posição de “voar com...” 3 OK/OK (+–/+-), significando que “Eu sou, por vezes OK e por vezes ñOK e as outras pessoas são, por vezes OK e por vezes ñOK”. Esta é uma posição existencial realista e é a que possibilita “seguir com...” Embora possuam uma posição existencial básica, as pessoas podem, em determinadas situações de vida, ou em diferentes áreas de sua vida, apresentar outra ou outras posições existenciais. Entretanto, tomar consciência de qual foi a posição existencial básica que sua Criança assumiu permite compreender muito do que ocorre na vida daquele ou daquela que é hoje, tanto pessoal quanto profissionalmente. Para dar apenas um exemplo, um policial ou uma policial que tenha uma posição existencial OK/ñOK provavelmente terá, com relação à sociedade e, especialmente em relação aos cidadãos infratores uma postura arrogante de quem se percebe como sendo superior. Não é necessário dizer da inadequação desta postura e do perigo potencial inerente às características paranóides desta posição. ANÁLISE DO SCRIPT Script é “Um plano de vida continuado, formado na primeira infância sob pressão parental. É a força psicológica que impulsiona a pessoa em direção ao seu destino, independente da luta contra ele ou da afirmação de que é sua livre e própria vontade.”(BERNE. 1988. p.42) Berne não tenciona, com isto, reduzir todo o comportamento humano e mesmo toda uma vida a uma fórmula, a fórmula do Script. Entretanto, na maioria dos casos, sem terem disto consciência, as pessoas estão, nas áreas mais importantes de suas vidas, seguindo um plano traçado muito cedo e cujo final é previsível. “Toda pessoa possui um plano de vida pré-consciente ou script, através do qual estrutura planos mais longos de tempo – meses, anos ou toda uma vida, preenchendo-os com atividades, rituais, passatempos e jogos que levam adiante o seu script, dando-lhe satisfação imediata comumente interrompida por períodos de isolamento e, às vezes, episódios de intimidade.” (BERNE. 1988. p.36) Scripts servem para responder às três perguntas existenciais básicas: Quem sou eu? Quem são os outros? Sendo eu quem sou, como vou acabar minha vida? Para estas três perguntas a criança cedo tenta encontrar resposta e nisto consiste a “...comédia ou tragédia de cada vida humana, (ter sido) planejada por um garotinho de idade pré-escolar que tem um conhecimento muito limitado do mundo e seus caminhos, e cujo coração está cheio de coisas que aí foram colocadas por seus pais.” (BERNE. 1988. p.90) São três as possibilidades de uma mudança de Script: um grande amor; um risco intenso e iminente de morte; uma boa psicoterapia. 3 E mudança do Script significa assumir sua vida em suas próprias mãos e a partir das escolhas de seu Adulto, com o que Berne denominou os “três Ps” - Potência, Permissão e Proteção, em direção à autonomia que, como já mencionado, significa o resgate dos três potenciais básicos dos seres humanos, consciência, espontaneidade e intimidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Bach, Richard. Um. Rio de Janeiro; Ed. Record, 1988 ___________ Fugindo do Ninho. Rio de Janeiro; Ed. Record, 2001 Berne, Eric. Os Jogos Da Vida. São Paulo; Ed. Nobel, 1995. O Que Você Diz Depois De Dizer Olá . São Paulo; Ed. Nobel, 1988. Análise Transacional Em Psicoterapia – São Paulo; Summus Editorial, 1985. Steiner, Claude. Os Papéis Que Vivemos Na Vida . Rio de Janeiro; Ed. Artenova. 1976. Educação Emocional. Rio de Janeiro; Ed. Objetiva, 1998. 3 Polícia e Sociedade: uma visão psicológica Autor: Jéferson Magalhães dos Santos Temas: Direitos Humanos e Segurança Pública, Psicologia. INTRODUÇÃO Vivi minha infância na década de 60 (nasci em 1958) e minha juventude na década de 70. Durante estes dois períodos, tive emoções diferentes sobre um possível encontro com a polícia. No primeiro período eu, inspirado por meus pais, adorava e confiava na polícia. Assistia todas as semanas o Vigilante Rodoviário e sonhava com um encontro com ele e seu cão. No entanto, alguns anos após eu já não tinha a mesma imagem da polícia. Na verdade não era só eu, parecia que meus pais tinham medo e me proibiam de encontrar com eles. Nesta época, encontrar uma “preto e branco”(cores utilizadas pela Polícia Civil de Porto Alegre em suas viaturas) dava muito medo. Quando entrei na Universidade, percebi que havia uma ditadura e que a polícia fazia parte dela. Lutei contra a ditadura e tive ainda mais medo da polícia. Hoje em dia, como psicólogo e professor, percebo este mesmo medo na juventude. O que teria acontecido? Como a imagem que a sociedade tinha da polícia se modificou? Como podemos retomar no imaginário da sociedade uma imagem positiva da polícia? São estas perguntas que este ensaio pretende responder. A relação Sociedade-Estado (a polícia é uma organização do Estado) também é psicológica. O fenômeno da projeção de imagens psíquicas da sociedade para o Estado e/ou suas organizações pode ser provado pela obra de Carl Gustav Jung. Sua teoria dos arquétipos pode nos ajudar a explicar como aconteceu esta mudança, principalmente a partir da década de 70, na relação entre a sociedade e a polícia. Este ensaio também se baseia em vários anos de trabalho na formação de policiais no Rio Grande do Sul e em vários estados do Brasil. Estas experiências me permitiram uma aproximação e melhor conhecimento do funcionamento das polícias civil e militar. Dedico este trabalho às centenas de homens e mulheres, civis e militares, íntegros e honestos, côncios de sua importância na proteção da sociedade. O arquétipo do Herói e todas as suas facetas positivas e negativas parece ser o fio condutor para a análise da relação sociedade-polícia. Todas as civilizações têm seus heróis. Todos são fortes, corajosos, inteligentes e, fundamentalmente humanos no sentido de não aceitar que o ser humano seja vilipendiado. O herói luta para proteger a humanidade de tudo que possa atormentá-la. Como todo ser humano, o herói tem seus momentos de hesitação e autoritarismo, porém no final da estória retoma seu caminho original e derrota seus inimigos, preservando seu povo. Acredito que podemos relacionar este arquétipo com a trajetória da polícia no Brasil, a partir da década de 60. Para isto partiremos da estória clássica do principal herói da mitologia grega, Hércules, para então analisar o fenômeno de audiência da TV brasileira, “O Vigilante Rodoviário”. 3 A sociedade é formada por grupos e estes por pessoas. No interior de cada pessoa existem imagens primordiais que são consteladas positiva ou negativamente de acordo com as relações. A partir disso, grupos e sociedade são influenciados por estas imagens. Esta relação dialética entre indivíduo-grupo e indivíduo-sociedade é a base de todo o comportamento humano e de todo o comportamento dos grupos e instituições que compõe a sociedade. A polícia já foi um dos grupos mais populares e confiáveis da sociedade brasileira! Este trabalho busca contribuir para tornar possível este retorno. Um retorno que não desconheça os avanços da técnica policial e do crime organizado. Todo o herói trava uma luta contra um terrível inimigo. Hoje em dia não é diferente. E o inimigo fica ainda mais terrível quando de alguma maneira colaboramos com ele, cedemos aos seus encantos, tal qual o canto das sereias quase enfeitiçou Odisseu e seus marinheiros no retorno a sua terra Ítaca após a Guerra de Tróia. Porém, o herói grego da Odisséia de Homero não cede e passa ileso pelas sereias. Assim deve ser a polícia. 1 ARQUÉTIPO: CONCEITO E NATUREZA O conceito de arquétipo é muito antigo.i Modernamente, este conceito tem aparecido na pesquisa antropológica, mitológica e literária. Seus nomes variam de “motivos” a “representações coletivas”.ii Na Psicologia, foi Carl Jung que usou este termo pela primeira vez. Para ele, o ser humano tem uma predisposição inata para criar fantasias. Estas imagens têm origem em estruturas universais típicas de todo o ser humano. “(...) naturalmente não se trata de ideias hereditárias, e sim de uma predisposição inata para a criação de fantasias paralelas, de estruturas idênticas, universais da psique que mais tarde chamei de inconsciente coletivo. Dei a estas estruturas o nome de arquétipos.”iii Todos nós nascemos com um arcabouço de imagens que são típicas das experiências mais importantes da vida. Nascimento, desenvolvimento, morte, pai, mãe, são alguns exemplos destas experiências primordiais que todos teremos de passar. Estas imagens universais são ativadas a partir da nossa atuação no mundo. Na relação com as pessoas e organizações da sociedade, estas imagens podem ser projetadas. Assim poderemos projetar a imagem que temos de pai numa outra pessoa mais velha, poderemos projetar a nossa imagem de criança ou de velho em um movimento social e/ou político, ou em pessoas que os constelem. Este processo acontece durante toda a vida das pessoas e consiste num clarear contínuo de como atuam estas imagens inconscientes provocando em nós emoções e afetos às vezes incontroláveis. “Todos os conteúdos de nosso inconsciente são constantemente projetados em nosso meio ambiente, e só na medida em que reconhecemos certas peculiaridades de nossos objetos como projeções, como imagenes [imagens], é que conseguimos diferenciá-los dos atributos reais desses objetos.”iv Na citação acima podemos entender por “objeto”, pessoas e/ou organizações. Assim, O Estado ou algumas de suas organizações podem, em uma determinada época e em determinadas condições, sofrer a projeção de alguma imagem interior. “Todas as nossas relações humanas afundam em semelhantes projeções e quem não tivesse uma ideia clara deste fato em sua esfera pessoal, bastar-lheia atentar para a psicologia da imprensa dos países beligerantes. Cun grano salis 3 vêem-se sempre as próprias faltas inconfessadas no adversário.”v Podemos ver claramente aqui Jung considerar a “imprensa”, que é uma organização da sociedade, como passível de projeções. Na psiquê humana, os arquétipos se comportam como representações, imagens. Estas imagens são carregadas de sentido e, portanto, podem gerar afetos e emoções nas pessoas que as projetam. Estas emoções podem ser de caráter positivo ou negativo dependendo da situação concreta, da relação que se estabelece. Na esfera pessoal, por exemplo, uma criança poderá projetar o aspecto negativo da Mãe (Mãe Terrível) em uma mãe adotiva ou professora um tanto autoritária. Isto certamente irá dificultar o seu relacionamento com esta pessoa. Na esfera grupal, quando acontecem grandes eventos de massa esportivos, políticos ou culturais, pode acontecer que um grupo projete no outro as suas imagens negativas. Quando isto acontece, poderemos estar diante de uma possível catástrofe, inclusive com mortes de ambos os lados. A História do Futebol e de suas torcidas organizadas está repleta de exemplos deste tipo. Até mesmo povos podem receber projeções negativas. Os ciganos, judeus, índios e negros são vítimas destas projeções por parte de brancos europeus há séculos. Os arquétipos são completamente inconscientes, portanto autônomos. Não podemos controlá-los. Dentre os principais arquétipos estão: a Anima que é o feminino dentro do homem, o Animus que é o masculino dentro da mulher, a Sombra que representa tudo o que temos de negativo e desconhecemos em nós mesmos, o Si-mesmo que é a essência e o centro da psiquê. Juntamente com estes arquétipos por assim dizer fundamentais, aparecem outros não menos importantes, como o Velho/a Sábio/a, a Criança e o Herói. Jung e seus discípulos dedicaram grande parte de sua obra a descrevê-los. Aqui vamos descrever o arquétipo do Herói, ser uma boa representação dos altos e baixos da Polícia em nossa sociedade. O ARQUÉTIPO DO HERÓI Todas as civilizações até hoje conhecidas tiveram seus heróis. Suas características básicas são: a coragem, a força, a astúcia e a pertinácia. Estes atributos pertencem ao mundo masculino. O herói utiliza estas qualidades em grandes aventuras, onde luta com poderosos monstros e guerreiros incontáveis para salvar seu povo ou sua amada das garras de vilões maléficos e poderosos. Talvez o herói mais conhecido seja Hércules (Heracles). Desde os tempos da Grécia Clássica até os dias de hoje, os grandes feitos deste herói são contados em livros, peças de teatro e filmesvi. Dentre seus doze trabalhos estão tarefas dificílimas, que todos tinham como impossíveis. Os mais significativos para o nosso trabalho são: O encontro com a Hidra, a limpeza dos estábulos do rei Augias e segurar o mundo por um tempo para Atlas. Vamos analisar melhor os aspectos simbólicos destes feitos, fazendo analogias com os dias atuais e com a Polícia. Além disto, analisaremos a postura geral do herói que lhe propiciou a vitória sobre seus inimigos. A Hidra de Lerna era uma gigantesca serpente de nove cabeças que se regeneravam quando cortadas. Do ponto de vista simbólico, me parece que o tráfico de drogas e de armas, se comporta como a Hidra. Suas cabeças, mesmo 3 quando cortadas (presas ou mortas) se regeneram, na figura de outro traficante que surge ou do velho traficante que de dentro do presídio comanda as ações. Toda a serpente é venenosa. A analogia de ver este número incontável de pequenos, médios e grandes traficantes distribuindo este veneno chamado crac , cocaína e etc., é muito clara. A Hidra existe hoje e precisa ser combatida. Hércules mostra grande inteligência quando cauteriza com fogo as feridas que deixava ao cortar com sua espada as cabeças da Hidra, impedindo assim que elas crescessem novamente. Aqui temos uma analogia com o que pode ser feito para que se possa combater com eficácia o tráfico impedindo-o de crescer novamente. O 6º trabalho de Hércules foi limpar os estábulos do Rei Augias que eram imundos e mau-cheirosos há décadas. Neles estavam o esterco acumulado de três mil bois durante 30 anos. O símbolo da sujeira e da imundície nos remete para a corrupção. Ela suja a imagem de um país que tem milhares e às vezes milhões de dólares desviados para o bem de uns poucos que se locupletam no poder. O movimento italiano chamado “Mãos Limpas” que colocou na cadeia vários corruptos segue este raciocínio. Os estábulos do poder devem ser limpos. O herói desviou um rio e em um dia limpou os estábulos. Na vida real talvez não leve um dia. Porém é necessário começar a limpeza. Neste sentido, temos visto que a “limpeza” já começou. Nunca se tornou público tanta sujeira praticada pelos partidos e pelos governantes. Na verdade esta sujeira é antiga, data de antes da ditadura e foi agravada com ela. Talvez a diferença esteja em que hoje ela está sendo averiguada e a Polícia Federal tem muito a ver com isso. Para obter três pomos dourados de uma árvore que ficava nos jardins das ninfas, Hércules, que não queria enfrentá-las, contou com a ajuda do gigante Átlas, pai das mulheres encantadas. Átlas sustentava o mundo com sua imensa força como castigo que lhe fora atribuído por Zeus. Se o largasse, todos morreriam. Hércules faz um acordo com o gigante: ele o substitui por um tempo, enquanto Átlas pega com suas filhas os frutos dourados. O acordo foi feito e tudo deu certo. Somente Hércules com sua força poderia substituir Átlas por tempo suficiente. Este fato mostra que o herói fazia pactos com seres de seu tempo. Assim também é necessário que os heróis de hoje ajam com o apoio da sociedade. Como todo o herói, Hércules tinha uma fraqueza. O Grande Aquiles, herói da guerra de Tróia, tinha no seu famoso calcanhar sua fraqueza. Sanção, herói bíblico, tinha nos grandes e compridos cabelos sua força. Hércules adorava as mulheres. No final de sua estória, Hércules, casa com Dejanira, uma princesa. Quando um centauro chamado Nesso tenta violentar sua amada ele se enfurece e o fere de morte. Nesso, dizendo-se arrependido, dá a Dejanira uma túnica para Hércules usar sob o pretexto de que com ela Hércules seria mais fiel. Na verdade, a túnica continha um veneno divino e infalível que tomou conta imediatamente do seu corpo, lhe causando feridas e dores insuportáveis. Para se livrar da agonia, Hércules se atira na pira funerária que ele mesmo construíra. Por causa de seus feitos, Zeus o traz para o Olimpo e lhe dá a condição divina (Hércules era filho de Zeus com uma mortal). Se todos os homens têm limitações, as organizações (que são formadas por homens) também têm. O que traiu Hércules foram seus sentimentos, portanto foi ele mesmo. O que trai a polícia é ela mesma. São suas ações que atraem ou afastam as pessoas. No caso das polícias, o sentimento de estar sempre sendo injustiçada; ou pela lei, que as engessa, ou pelos governos (Estaduais e Federais) 4 que não as valorizam, ou pela sociedade que não as entende, as afasta de todas estas esferas. O destino final de Hércules foi ser envenenado por sua esposa sem que os dois soubessem. A polícia não pode se deixar envenenar por ela mesma. Os diversos grupos que formam as forças policiais devem buscar perceber a importância da democracia e da liberdade longe de questões ideológicas como direita e esquerda, não se deixando envenenar por visões arcaicas, tais como: “Direitos Humanos somente para os marginais”. Isto já não se dá desta forma em grande parte das organizações! Não acreditamos mais na máxima marxista, segundo a qual a polícia é um aparelho que apenas está lá para proteger o Estado e os poderosos do proletariado revolucionário. Quando um Estado é discricionário e autoritário, a polícia pode assumir este papel, e efetivamente foi assim durante a Ditadura Vargas e a Ditadura Militar. Porém, numa Democracia, a polícia pode assumir outros papéis, e ao exercer o papel repressivo (cada vez mais necessário no mundo de hoje), pode agir com firmeza e civilidade. O Estado plenamente democrático pode reduzir esta tendência negativa a um ponto onde a polícia seja percebida como necessária à garantia dos direitos e não como antagonista à sociedade e às pessoas. Do mesmo modo que, do ponto de vista individual, temos de aprender a conhecer e conviver com algumas de nossas limitações (o que não significa deixar-se dominar por elas) a polícia necessitará ver a si mesma para não repetir erros do passado. Ao longo de toda a sua vida e, principalmente em seus doze trabalhos, Hércules mostra uma postura com a qual podemos estabelecer relações com a polícia nos nossos dias. A primeira delas já aparece em seu primeiro trabalho quando ele mata o terrível Leão de Niméia, fera assassina que possuía uma pele invulnerável. Após matá-lo, Hércules se apodera de sua pele protetora, tornando-se assim mais poderoso. Esta passagem nos mostra que o herói não desprezava a tecnologia. A lança, o arco e flecha, a clava e outras armas, além da couraça protetora foram usadas pelo herói em suas aventuras. Para a época, esta tecnologia era a mais desenvolvida que havia. Porém, nos momentos cruciais, ele usa sua força física e interior para vencer os obstáculos. Do mesmo modo, a polícia deve usar toda a tecnologia disponível (letal, não letal e de proteção), porém esta tecnologia não pode substituir a formação humana e moral do policial. Esta formação é sua força nos momentos cruciais. Outra postura importante é a perseverança do herói para conseguir o seu intento. Esta postura aparece em seu quarto trabalho quando, para capturar viva a corça divina chamada Cerinita, ele a persegue ininterruptamente durante um ano até cansá-la e, assim, capturá-la. A perseverança no caminho da lei e da justiça, a perseverança no sentido de uma formação integrada e humana, a perseverança no sentido de colocar na prática o Plano Nacional de Segurança. A perseverança em continuar no caminho, quando às vezes companheiros próximos capitulam. Esta perseverança leva a vitória. Esperamos ter mostrado como a teoria dos arquétipos e, particularmente, o arquétipo do herói pode ajudar na construção de um referencial que pense a polícia de uma maneira mais integral e verdadeira e que contribua para a construção de organizações tecnicamente capacitadas e moralmente evoluídas. Uma polícia que realmente proteja a sociedade. Uma polícia que use de toda a tecnologia disponível, e acima de tudo, de uma formação humana e moral que lhe capacitem a vencer os terríveis “monstros” que encontram pela frente 4 3 O VIGILANTE RODOVIÁRIO: UM HERÓI BRASILEIRO O Brasil teve e tem muitos heróis. Alguns forjados, outros efêmeros, porém grande parte viveu com dignidade seus destinos. Muitos têm relação com o exército e com a guerra, alguns são religiosos e uns poucos são negros e índios. Modernamente os heróis são artistas, atletas, corredores, lutadores, em geral feitos pela mídia. Muito poucos policiais, com exceção honrosa para alguns bombeiros em momento de tragédia, aparecem como heróis nas páginas dos jornais. Porém, houve uma época na qual a polícia gozava de grande aceitação popular: o início da década de 60. A prova disto foi o grande sucesso feito por uma série policial exibida pela TV Tupi de 1961 a 1962: O Vigilante Rodoviário. O policial Carlos e seu fiel amigo Lobo encantaram, principalmente as crianças. Nos 38 episódios da série, o policial Carlos que aparecia em seu Sinca Chambord ou em sua Harley Davidson ajudava as pessoas e prendia bandidos pela estradas de São Paulo. A década de 60 inicia democrática e termina ditatorial. A constituição de 1946, até então a mais democrática que o país já tivera, reorganizou o Estado após a ditadura Vargas. Vivíamos um momento de liberdade para os padrões da época. Até mesmo o partido comunista teve um raro momento de legalidade que não durou muito. As eleições eram diretas em todos os níveis. A aliança PTB-PSD, que elegera Vargas em 1950 e JK em 1955 começa a mostrar sinais de cansaço. A UDN, até então oposição, consegue eleger Jânio Quadros em 1960, tendo como vice João Goulart do PTB. A renúncia de Jânio em 1961 vai abrir a crise políticoinstitucional que redundaria no golpe militar em abril de 1964. Desde então até o final da ditadura em 1985 vamos assistir a um processo de repressão à sociedade como jamais visto. Para isto foi utilizada a polícia. As prisões arbitrárias e a tortura, tão bem relatadas pelo livro Brasil Nunca Mais editado pela Arquidiocese de São Paulo, marcaram a polícia de tal maneira, que por onde passavam os policiais provocavam medo e silêncio na população. Foi no contexto anterior ao golpe, portanto de Democracia que devemos situar o grande sucesso do Vigilante Rodoviário. O Brasil vivia as consequências (positivas e negativas) do boom desenvolvimentista iniciado por JK. A face urbana e as estradas modernas do início dos anos 60 foram retratados com eficácia pelos episódios da série. O esquema narrativo era basicamente o mesmo em todos os episódios: havia um crime qualquer (roubo, assalto, chantagem, fuga da prisão, falsificação de dinheiro ou de remédios etc.), a descoberta do crime, a perseguição dos criminosos, a luta e prisão dos culpados. Este esquema, embora simples, mostra com clareza que nesta época os criminosos não ficavam impunes e que a sociedade poderia confiar na polícia, pois esta realmente tentaria desvendar o crime e prender os culpados. Em seu site oficial, o cineasta Ary Fernandes, criador do Vigilante Rodoviário, diz o seguinte: “(...) contudo, com o passar dos anos descobri o que para mim era a realização de um sonho concretizado, [que] para muitos jovens das décadas de 60 e 70 [a série] serviu como modelo de moral e princípios; um exemplo positivo a ser seguido.” Mais adiante ele afirma: “Na realidade nunca havia me dado conta de quanto participei na formação desses jovens senhores e senhoras, dando um bom exemplo de conduta por eles assimilados como um padrão a ser seguido.” vii 4 Em termos psicológicos podemos afirmar que uma geração de jovens e crianças projetaram no policial Carlos e seu cão Lobo a imagem arquetípica do herói. Por isso é que o personagem se tornou tão popular a ponto de servir de modelo de conduta. Na verdade, a não impunidade e o desejo de ajudar a sociedade contra seus detratores passaram a ser valores assimilados por esta geração. A polícia, para eles não era uma organização para se ter medo. Ao contrário, era uma organização para ser prestigiada e apoiada. Prova disto são a inúmeras aparições públicas do personagem em eventos reais da polícia e dos governos da época. Até bem pouco tempo estas aparições ainda aconteciam. Ficção e realidade se misturaram na vida do ator Carlos Miranda, o que mostra a intervenção do inconsciente através das imagens arquetípicas. Atualmente grande parte da sociedade brasileira, principalmente os jovens vêm com desconfiança a atuação da polícia. Sua presença lhes provoca medo o que lhes impede de colaborar para a solução de crimes. Porém vivemos numa época em que não podemos prescindir da polícia. A violência urbana, o tráfico de drogas e de armas, as quadrilhas organizadas, às vezes internacionalmente, desafiam a ordem social todos os dias. Os jornais estão cheios de exemplos disso. Os terríveis acontecimentos em São Paulo corroboram com estas afirmações. A sociedade brasileira necessita urgentemente modificar esta imagem. Para isto a história do Vigilante Rodoviário pode contribuir, no sentido de mostrar à sociedade que a imagem da polícia nem sempre foi assim, o que significa dizer que a polícia também nem sempre foi assim. Devemos aos “anos de chumbo” o ressurgir de uma imagem negativa das organizações policiais nas pessoas. Como já colocado no capítulo anterior, as imagens arquetípicas possuem faces de luz e de sombra. A Ditadura e o modo como utilizou a polícia (apoiada e treinada por agentes dos EUA), foi a responsável pelo surgimento desta imagem negativa do herói que Robert Moore e Douglas Gillette chamam de O Valentão Exibicionista :” O menino (ou o homem) dominado pelo valentão quer impressionar os outros. Suas estratégias destinam-se a proclamar sua superioridade e o seu direito de dominar as pessoas que o cercam. Reivindica o centro do palco para si como um direito inato. E se desafiam essas exigências de status especial, vejam só o que ele apronta! Ataca com palavras ofensivas e muitas vezes com agressão física as pessoas que questionam o que elas ‘farejam’ como uma presunção de sua parte.”viii Esta descrição elaborada para a psicologia do indivíduo, muito bem se adapta a postura adotada pelos meios de repressão durante a Ditadura militar. A atuação da repressão durante este período vai ativar na sociedade este aspecto negativo da imagem do herói que perdura até hoje. A Guerra Fria acabou, e com ela as Ditaduras da América Latina tornaram-se Democracias. Somente um meio ambiente positivo, pode constelar imagens positivas. Portanto, as organizações do Estado, e dentre elas a polícia, somente poderão provocar cenas positivas no imaginário popular dentro dos limites da Democracia. O Estado de Direito e o respeito à Lei são os únicos instrumentos capazes de aproximar novamente a polícia da sociedade. A sociedade não se espanta quando a polícia utiliza a força no momento certo, na proporção certa e nas pessoas certas. A sociedade se espanta quando a polícia de maneira discricionária e às vezes truculenta trata pessoas comuns e honestas como se fossem coisas. Na Democracia o limite da polícia é claro: o respeito à lei. Na ditadura perdem-se os limites. Os mesmos atributos do herói (coragem, força, 4 etc.) podem ser utilizados para manter o Estado de Direito, ou para manter a impunidade e o desrespeito aos direitos das pessoas. É necessário que a polícia seja formada da base à cúpula com a convicção de que uma de suas grandes funções é ajudar a manter a Democracia e o Estado de Direito que em nosso país ainda tem a idade de uma criança. No site do criador do Vigilante Rodoviário, Ary Fernandes, está disponibilizada a letra da música que abria cada episódio. Esta letra, simples e popular, pode nos ajudar a construir alguns critérios bem concretos de aproximação positiva da polícia e a sociedade: “Vigilante!... Rodoviário!... De noite ou de dia, firme no volante, vai pela rodovia, bravo vigilante. Guardando toda a estrada, forte e confiante é nosso camarada, bravo vigilante. O seu olhar amigo, é um farol que avisa o perigo, audaz e temerário prá agir a cada instante, da estrada é o Vigilante Vigilante!... Rodoviário!...” É importante notar que quem fala na letra da música não é o Vigilante Rodoviário, mas a sociedade. Quando a letra diz que o Vigilante é “nosso camarada” fica evidenciada uma visão positiva de quem esta falando. E o pronome pessoal “nosso”, indica a pluralidade de quem fala. A maioria das características e atributos da figura do herói, discutidas neste ensaio, estão contempladas na música: “bravo”, “forte”, “confiante”, “audaz”. Quem fala através da letra, acredita ser o Vigilante Rodoviário um verdadeiro herói! Na última estrofe da letra, podemos ler que o Vigilante tem a função de proteção da sociedade contra os perigos que o lado escuro da vida traz. E para nos avisar deste perigo, o vigilante tem a luz de “seu olhar amigo”. E neste caso: situação de perigo para a sociedade, ele pode e deve estar preparado para “agir a cada instante”. As crianças que cantavam esta música não poderiam formar uma imagem negativa da polícia. A série não faria o sucesso que fez se as pessoas não tivessem dentro de si uma boa imagem da polícia. Esta imagem foi construída pela ralação que a sociedade teve com a polícia de sua época, uma época de Democracia. Uma Democracia frágil e fraca que não resistiu ao vendaval da Guerra Fria, porém uma Democracia. 4 A sociedade brasileira teve, tem e ainda terá muitos heróis. Esperemos que a figura do Vigilante Rodoviário ainda possa ajudar a sociedade e especialmente as crianças e adolescentes a perceberem o valor das forças de segurança pública para a manutenção da vida em Democracia. CONSIDERAÇÕES FINAIS “E ninguém põe vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho os arrebentará e perder-se-á juntamente com os odres; mas para vinho novo, odres novos” Jesus Cristo (Mar 2, 22) Já faz mais de vinte anos que um novo paradigma está sendo construído em termos da relação Direitos Humanos (entidades) e Segurança Pública (corporações). Este paradigma foi gestado na prática às vezes diuturna de agentes de Direitos Humanos que insistiram em romper com o denuncismo de um lado e o judicialismo de outro. Houve uma época em que denunciar as violações (de policiais ou não) era fundamental. Porém temos de avançar, isto é, denunciar quando necessário, mas anunciar o que está funcionando, o que está dando certo. Mostrar para a sociedade que existem iniciativas dentro de todas as corporações policiais que são democráticas e/ou educativas. Neste momento o anúncio da relação sociedade e Segurança Pública é tão ou mais importante do que a denúncia. É importante também que entrem no rol das denúncias situações em que agentes policiais têm seus direitos violados. Por todos os lugares por onde passamos ouvimos que “os Direitos Humanos só protegem os bandidos. Onde ficam os nossos direitos?” Muitas vezes a frase colocada acima é verdadeira. Temos de assumir este erro estratégico que foi embasado numa teoria autoritária da transformação social que via a polícia como única e exclusivamente defensora das classes dominantes. É importante também notar que este novo paradigma procura superar uma visão exclusivamente jurídica, documental da relação Direitos Humanos e Polícia. Os documentos são importantes. Devemos conhecê-los e estudá-los; porém, no diaa-dia do trabalho policial, é necessário que se imprima uma nova conduta ética, o que ultrapassa os documentos formais e entra diretamente no campo da prática policial versus a prática da contravenção. É necessário que a autoestima do policial esteja elevada, que a valorização financeira e humana seja colocada em prática pelo Poder Público, que os instrumentos e técnicas utilizadas sejam realmente eficazes e modernos. Os Direitos Humanos são praticados ou não no dia-a-dia da vida, e isso não está nos textos e documentos por melhores que eles sejam. Para que este novo paradigma possa ter sucesso na sua caminhada de implementação, não basta apenas que nós, agentes de Direitos Humanos, façamos a nossa autocrítica. É necessário também que as corporações policiais nos aceitem como companheiros nesta caminhada de fortalecer a Democracia e a defesa da sociedade. O mesmo preconceito que tivemos com a polícia, a polícia tem conosco! A frase do Evangelho de São Marcos pronunciada por Jesus Cristo que coloquei como epígrafe desta conclusão quer expressar que estas novas 4 ideias, este “vinho novo” tem de encontrar corporações dispostas a atuar junto (“odres novos”). Todos temos de vencer nossos preconceitos para que possamos construir uma sociedade mais justa e mais segura. A sociedade já teve uma relação bem mais harmoniosa com a polícia. É tarefa nossa, agentes de Direitos Humanos e corporações policiais, retornar a uma relação saudável de confiança e respeito mútuos dentro dos limites da lei e do Estado de Direito. É para isto que estamos trabalhando. Temos certeza que ao longo destes anos angariamos muitos adeptos deste novo paradigma dentro e fora das corporações policiais e das entidades que atuam em Direitos Humanos. Esperamos continuar este trabalho e aprofundá-lo cada vez mais. O crime, a contravenção, a corrupção não podem ficar impunes. A sociedade exige mais segurança. É nosso dever trabalhar sempre mais para que vivamos numa sociedade democrática e segura, onde as pessoas confiem em seus heróis e estes façam tudo façam para honrar esta confiança. Referências Bibliográficas: conf. Jung, Carl Gustav, Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo i 1 ii Jung, pg. 33 Jung, Car Gustav – Símbolos da Transformação Petrópolis – 1989 pg. 145 4 Jung, Carl Gustav – A Natureza da Psique Petrópolis - 1986 § 507. 5 Op cit § 507 6 conf. Mattiuzzi, Alexandre A. – Mitologia ao Alcance de Todos Nova Alexandria – São Paulo - 2000. 7 Conf. www.aryfernandes.viabol.uol.com.br 8 Moore, Robert – Gillette, Douiglas – Rei, Guerreiro Mago e Amante Editora Campus – Rio de Janeiro – 1993 , pg. 37 Petrópolis, 1976, pg. 16 iii iv v vi vii viii 2 3 4