As exposições universais e o cinema: história e cultura

Transcrição

As exposições universais e o cinema: história e cultura
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE CINEMA, RÁDIO E TELEVISÃO
Eduardo Victorio Morettin
Relatório Final de Atividades do
projeto de pesquisa:
“As exposições universais e o cinema: história e cultura”
Processo nº 2011/06933-3
São Paulo
2012
SUMÁRIO
1. Descrição das atividades desenvolvidas
4
1.1. Palestras e comunicações proferidas
4
1.2. Publicações
5
1.3. Seminários, colóquios e jornadas de estudos assistidos
6
1.4. Cursos e reuniões com a supervisora da pesquisa.
11
1.5. Exposições e projeções de filmes
12
1.6. Acervos consultados
14
2. O cinema e as exposições universais de 1925, 1931 e 1937: apontamentos
22
a. Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes de 23
1925
b. Exposition Coloniale Internationale (1931)
33
c. Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la vie moderne 49
(1937)
ANEXO I
75
ANEXO II
82
2
Relatório Final de Atividades do projeto de pesquisa: “As exposições universais e o
cinema: história e cultura”
Processo nº 2011/06933-3
Responsável: Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin
O objetivo do projeto de pós-doutorado, realizado no Institut National
d’Histoire de l’Art do Centre d’Etudes et de Recherches sur l’Histoire et l’Esthétique
du Cinéma (Cerhec) da Universidade Paris 1 Panthéon Sorbonne sob a supervisão de
Sylvie Lindeperg, foi o de traçar um histórico referente à participação do cinema nas
seguintes exposições que tiveram lugar em Paris: Exposition Internationale des Arts
Décoratifs et Industriels Modernes (1925); Exposition Coloniale Internationale
(1931); Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la vie moderne (1937).
Para tanto, a intenção era a de pesquisar os acervos franceses para levantar
documentação sobre o assunto. Ao mesmo tempo, em virtude da participação da
França na Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil,
ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1922 e 1923, pretendia-se levantar
documentação pertinente ao tema, principalmente no que diz respeito à atuação das
empresas cinematográficas francesas realizadoras de cinejornais sobre o evento.
A primeira parte deste relatório será dedicada à descrição das atividades
desenvolvidas, tais como seminários, colóquios, jornadas, exposições e cursos
assistidos, bem como à apresentação de alguns resultados parciais obtidos, tais como
textos publicados ou encaminhados para publicação, palestras e comunicações
proferidas. Traz ainda alguns indicadores quantitativos a respeito das fontes
localizadas, bem como uma relação dos acervos consultados.
A segunda parte pretende tecer alguns comentários iniciais sobre o material
bibliográfico lido, texto ainda de caráter incipiente tendo em vista sua abrangência.
3
2. O cinema e as exposições universais de 1925, 1931 e 1937: apontamentos 1
Como dissemos em nosso projeto inicial, no que diz respeito às exposições
universais ocorridas em Paris em 1925, 1931 e 1937, tínhamos poucas informações no
que concerne ao tema de nossa pesquisa, principalmente pela ausência de fontes e de
bibliografia no Brasil, como dissemos em nosso projeto de pesquisa.
Faremos, portanto, algumas considerações iniciais sobre o material
consultado, retomando e ampliando o texto apresentado originalmente à FAPESP.
Uma observação de caráter geral, anterior a um comentário mais específico
sobre cada uma das exposições estudadas, diz respeito ao lugar que a cultura ocupa
dentro das exposições universais sediadas na França ou das quais ela participa.
A convergência entre arte e indústria nas exposições é presente desde a
primeira exposição universal sediada em Paris no ano de 1855. Na concorrência com
Alemanha e Inglaterra, a França já no século XIX aportava a dimensão cultural e
estética como um dado específico, particular do característico nacional, elemento
diferenciador e singular em relação às outras potências. É assim que nos anos 1930
será recuperado o relato de Léon de Laborde, um dos comissários presentes à The
Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations (Londres, 1851), a respeito
do que deveria ser feito pelos franceses para se distinguir nesta disputa. Caberia,
conforme relata em 1937 Raymond Isay, ‘en face de nos rivaux anglais, chercher une
originalité et une supériorité’, qual seja, a de ressaltar ‘l’importance de l’élément
esthétique dans notre production nationale’, indicando ‘dans la pénétration de la
technique et de l’esthétique, de l’art et de l’industrie le principe d’un magnifique
renouveau de nos arts décoratifs’ 2. Esse princípio, o da valorização do elemento
estético, será importante para pensarmos o lugar do cinema nas exposições a seguir.
1
Gostaríamos de ressaltar que se trata de um texto feito a partir dos materiais lidos e coletados durante
a pesquisa, sem maior interlocução com a bibliografia geral e ampla sobre os termos abordados. Há
muita documentação a ser ainda fichada e organizada, como as fontes fotografadas do acervo dos
Archives Nationales e fotocopiadas do acervo da Cinémathèque Française.
2
Apud Rosi Huhn, Art et technique: la lumière, In: Paris 1937: cinquantenaire de l'Exposition
internationale des arts et des techniques dans la vie moderne: [exposition, Musée d'art moderne de la
Ville de Paris, 13 mai-30 août 1987]. Paris: Institut français d'architecture : Paris-musées, 1987, p. 392
- 393.
4
a. Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes de
1925
A Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes de
1925 em Paris ‘illustre l’ambition capitale de l’époque, la recherche d’un nouvel art
de vivre et, aux antipodes, la révolte des surréalistes’ 3. A cidade é naqueles anos
ponto de reunião de diferentes correntes artísticas, como o dadaísmo, o surrealismo e
o cubismo que reverberam no cinema de vanguarda por meio de Entr’acte (1924), de
René Clair, e Balet Mechanique (1924), de Fernand Léger, principalmente. Cabe
lembrar que em outubro de 1924 o manifesto surrealista escrito por André Breton vem
a público, dentre outros elementos que contextualizam o lugar do cinema moderno na
Exposição de 1925.
O contexto parisiense, por sua vez, é marcado no pós-guerra por um processo
de intensa urbanização em um país de forte tradição rural. Nesse quadro, projetos de
intervenção urbanística são concluídos ou idealizados. Dentre os primeiros, temos a
inauguração em 1925 da Cité Universitaire. Dado novo neste cenário também é a
boutique, ‘un moyen clé de la restauration d’après-guerre et une composante du
renouveau urbain’ 4.
A Exposição de 1925 não contou com a participação da Alemanha e dos
Estados Unidos, mas teve a presença, pela primeira vez em evento deste tipo, da
União Soviética. Eram mais de 150 pavilhões, galerias e edificações que compunham
o espaço expositivo, a sua maioria inaugurada quando de sua abertura, em 25 de abril
de 1925.
A arquitetura moderna era exceção dentre todas estas construções. Seus
pavilhões, porém, provocaram fortes reações. Tivemos Kostantin Melnikov, autor do
pavilhão soviético; Le Corbusier, idealizador do pavilhão L’Esprit Nouveau, que
incluiu em seu projeto pinturas de Juan Gris e Amédée Ozenfant, além de duas
esculturas de Jacques Lipchitz e pinturas murais de Fernand Léger; e Robert MalletStevens 5 , responsável pelo pavilhão do Turismo, um dos halls da Embaixada
3
Cf. Alain Manier, Des années folles ?, In : Vários autores, Création et vie artistique: au temps de
l'exposition de 1925. [Paris]: Centre national de documentation pédagogique, 2006, p. 6.
4
Idem, ibidem, p. 13.
5
Mallet-Stevens é, então, um dos principais nomes da arquitetura francesa, tendo sido na década de
1910 um dos primeiros a reagir ‘contre l’éclectisme ambiant’. Concebe também móveis e objetos
recorrendo a materiais novos, ao metal, tubos, etc. Em 1924, é o responsável pelos cenários de
L’Inhumaine, filme de Marcel L’Herbier, que comentaremos a seguir. Ele também organiza no mesmo
5
Francesa, que teve a sua ornamentação a cargo de Robert Delaunay e Fernand Léger,
e o jardim da Habitação Moderna, ‘où se trouvait les fameux arbres cubistes en béton
de frères Martel’ 6.
Pavilhão L’Esprit Nouveau, de Le Corbusier 7
ano, junto com Léon Moussinac, a exposição ‘L’art dans le cinéma français’ ocorrida no Musée
Galliera, que, para Isabelle Marionone, prefigura e antecipa a Exposição de 1925. Será em 1930 o
presidente da Union des Artistes Modernes. Cf. Yvonne Brunhammer, Les Années 25, collections du
Musée des arts décoratifs, Paris, Musée des arts décoratifs, 1966, p. 23 – 24 e 50 e Isabelle Marionone,
Le cinéma, un esprit nouveau, In: Création et vie artistique: au temps de l'exposition de 1925, op. cit., p.
68.
6
Emmanuel Bréon, L’Exposition des arts décoratifs, In: Création et vie artistique: au temps de
l'exposition de 1925, op. cit., p. 26.
7
As imagens foram retiradas da Internet apenas para ilustrar, quando necessário, o relatório.
6
Maquete do Pavilhão Soviético de Melnikov
Planta Pavilhão Soviético – Melnikov
O pavilhão de Melnikov, por exemplo, é entendido como a expressão mesma
do que era a União Soviética de então: ‘recherche de formes nouvelles économie de
l’espace, utilisation des matériaux les plus simples, construction rationnelle, absence
du superflu, ignorance du baroque, négligence totale de l’ornementation inutile, etc.’ 8.
8
Serge Romoff, Le Pavillon de l’U.R.S.S., In: Exposition internationale des Arts décoratifs et
7
Além da arquitetura, tiveram forte ressonância: o teatro e, dentre outros,
Vsevolod Meyerhold, diretor e ator, responsável pelo método conhecido como
biomecânica, que teve forte influência em Sergei Eisenstein, seu aluno e discípulo; a
escultura, com Vladimir Tatline e o seus projetos de monumento; e as chamadas artes
gráficas, com Alexander Rodtchenko, figura de grande destaque. Este último
participou da exposição de diferentes maneiras. Foi o criador do Clube Operário, um
dos stands do pavilhão soviético, e o responsável pela organização, dentre outras, da
Seção de Artes Gráficas e Cartaz, além de ter suas fotos-montagem, cartazes de
cinema e gravuras exibidos em várias seções. Por fim, participou do júri de admissão.
A atividade teatral foi exposta por meio de maquetes com os cenários das peças do
Teatro Experimental de Moscou, Teatro Heroico Experimental e o Teatro da
Revolução 9.
A participação restrita da arte moderna, exemplificada aqui pelos exemplos
dados acima, liga-se à própria concepção norteadora da exposição. Trata-se de um
evento dedicado a celebrar a Art décoratif e sua união à indústria. Como no diz
Marcel Magne, professor do Conservatoire National des Arts et Métiers e consultor
técnico do Comissariado Geral da Exposição de 1925, em conferência proferida em
um dos congressos que ocorreram durante o evento, a tradição não deveria ser
esquecida, como aconteceu em 1900:
la tradition c’est, pour l’esthétique comme pour l’utilité, ce qui nous donne
l’expérience, ce qui nous permet de faire un progrès : la tradition est la base sur
laquelle nous devons sous appuyer pour avoir les moyens de réaliser notre idéal 10.
O moderno, nesta perspectiva, seria ‘ni la contradiction, ni l’imitation des
expressions antérieures, mais en fût la suite naturelle (…)’ (p. 8). Trata-se de valorizar
‘l’étude de l’objet pour lui-même’ e ‘en lui-même’ (p. 10 – 11) : ‘ces objets ont
chacun un programme bien défini par sa destination et sont complets par eux-mêmes’.
Importa não apenas o seu programa, mas sua realização.
industriels modernes, Paris: l'Art vivant, Larousse, 1925, p. 125.
9
Ver Exposition internationale des arts décoratifs et industriels modernes. Section de l'U.R.S.S.
Académie des sciences de l'art. Catalogue des œuvres d'art décoratif et d'industrie artistique exposées
dans le pavillon de l'U.R.S.S. Au Grand Palais et dans les galeries de l'Esplanade des Invalides, Paris:
Impr. Kapp, 1925, p. 99 e ss. As informações sobre o júri e o Teatro Heroico Experimental foram
encontradas em Catalogue général officiel. Exposition internationale des arts décoratifs et industriels
modernes, Paris, avril-octobre 1925. Paris: Impr. de Vaugirard, [1930], p. 679 e 682.
10
Henri-Marcel Magne, Les Enseignements de l'Exposition internationale des arts décoratifs et
industriels modernes, conférence faite le 29 octobre 1925 par M. H.-M. Magne. Paris: L. Eyrolles,
1926, p. 7.
8
A Art décoratif, por sua vez, surgiu a partir da criação da Société des Artistes
Décorateurs em 1901. Esta associação recebeu o apoio da Union Centrale des Arts
Décoratifs, o que contribuiu para que ela organizasse exposições anuais de 1906 a
1922. No exterior, os seus produtos foram reconhecidos nas exposições universais de
Liège (1905), Turin (1911) e Guent (1913). Foi neste contexto que a Société, junto à
Union Centrale des Arts Décoratifs e à Société d’Encouragement à l’Art et à
l’industrie, propôs uma exposição internacional sobre o tema em Paris em 1916,
adiada em função da guerra.
Em nosso projeto já havíamos apontado que o cinema na Exposição ainda era
associado à fotografia, “techniquement inséparables”, pertencendo ao grupo V, a
saber, ensino. Apesar do teatro estar no grupo IV (Arts du théâtre, de la rue & des
jardins), os dois são vistos como expressões artísticas próximas 11.
A ênfase na dimensão educativa deve ser aqui notada. Em primeiro lugar, as
escolas municipais parisienses foram chamadas à participação pela sua prefeitura 12.
Mobilizar a juventude significava contribuer, como afirma René Weiss, ‘à l’effort
tenté par notre époque afin de créer une esthétique nouvelle & de préparer l’avenir’ (p.
3), discurso que era a tônica na exposição.
Como recurso educativo, o filme era visto como importante auxiliar no ensino,
percepção que somente se consolidará ao longo dos seguintes anos. Como
encontramos na introdução do relatório oficial dedicado à seção em que o cinema foi
tratado,
La cinématographie, par les visions nouvelles qu’elle propose à l’esprit créateur,
par les facilités qu’elle apporte à la solution de certains problèmes techniques tels
que l’étude du mouvement, permet d’économiser des années de tâtonnements &
de recherches. Toute une méthode d’enseignement du dessin est basée sur
l’emploi du cinéma, démonstration vivante, qui stimule la mémoire &
l’imagination visuelles 13.
Assim pautados, as empresas Gaumont, Sociétés Éclair, Auber e Pathé
projetaram, desde a abertura da Exposição, filmes ‘instructifs et documentaires’, com
11
France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes. Exposition
internationale des arts décoratifs et industriels modernes, Paris, 1925. Rapport général. Section
Artistique et Technique. Volume X. Théâtre, Photographie et Cinématographie. Paris, Librairie
Larousse, 1929, p. 9. Os autores do relatório são Fernand David, senador, comissário geral da
Exposição, e Paul Léon, comissário adjunto da Exposição.
12
Ver sobre isso René Weiss (Isaac-René), La Participation de la Ville de Paris à l'Exposition
internationale des arts décoratifs et industriels modernes. Paris: Impr. nationale, 1925, p. 1 – 36.
13
France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes, op. cit., p. 9.
9
programação renovada quinzenalmente
14
. As sessões gratuitas, geralmente
acompanhadas por conferencistas, ocorriam todos os dias na grande salle du Congrès
do Grand Palais, que tinha capacidade para receber 1000 pessoas 15.
Do ponto de vista expositivo, um estúdio foi reconstruído a fim de mostrar ‘la
façon de prendre des films et l’art de créer des paysages, les voyantes et les
chiromanciennes, etc.’
16
. Além dele, maquetes e fotografias de cenas tentavam
transmitir a experiência do que era fazer cinema e o seu resultado. Diferentes
aparelhos, como alto falantes, amplificadores, microfones, câmeras, projetores,
perfuradeiras, manifestam o desejo de valorizar a faceta industrial 17 e científica 18 da
atividade.
Os organizadores enfrentam, em relação a esse aspecto, um problema sempre
associado a esse tipo de exposição, pois devem recorrer a procedimentos que hoje
chamaríamos de museológicos que não restituem em sua plenitude o objeto evocado.
Como sintetizado no próprio relatório oficial: ‘un art du mouvement ne s’expose pas’
19
.
No tocante ao cinema, sua história era entendida como universal: ‘la
cinématographie est une découvert française’ -, afirmam os autores do relatório oficial.
Em sintonia com esta perspectiva, reivindicam outro pioneirismo: ‘il est bon de le
rappeler au moment où, pour la première fois, elle prend place dans un Rapport
14
Informação disponível em Renseignements utiles do Journal illustré des arts décoratifs et industriels
modernes Exposition internationale de 1925, n. 1, 15 mai 1925, p. 8 – 9.
15
Renseignements utiles, Journal illustré des arts décoratifs et industriels modernes Exposition
internationale de 1925, n. 4, 1er Juillet 1925, p. 72 – 73.
16
Renseignements utiles, Journal illustré des arts décoratifs et industriels modernes Exposition
internationale de 1925, n. 2, 1er Juin 1925, p. 28.
17
Para ficarmos em um dado trazido pelo relatório oficial da Exposição de 1925, no ano de 1924 o
valor das exportações de aparelhos fotográficos e cinematográficos, de películas para filmes e filme
para fotos (papiers photographiques) ultrapassou 372 milhões de francos. Dentre os países relacionados
como clientes, temos EUA, Bélgica, Inglaterra, Espanha, Tchecoslováquia, Suíça, Japão, Brasil,
Alemanha, Itália, Argentina e Canadá (Cf. France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes
et des Télégraphes, op. cit., p. 73).
18
É assim valorizado por Paul Becquerel em La Science, Exposition internationale des Arts décoratifs
et industriels modernes, Paris: l'Art vivant, Larousse, 1925, p. 100. A relação do que foi exibido está
em Catalogue général officiel, op. cit., [1930], p. 298 e ss.
19
Cf. France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes, op. cit., p. 73.
Mallet-Stevens também faz observações nesse sentido: ‘Personnages de cire, personnages immobiles,
figés. Le public, sous forme de diorama, assistera à une prise de vue. Francis Jourdain, l’architecte de
la classe a réussi une foule de documents intéressants : vignettes, photos, mais tout cela évoquera le
cinéma sans le représenter réellement. [...] C’est […] dans les salles de projection de Paris que sera
effectivement ‘exposé’ le cinéma’. (Apud Isabelle Marionone, op. cit., p. 72).
10
d’Exposition’. De acordo com os autores, ‘pour la première fois, la Cinématographie
figurait en France dans une exposition internationale’ 20.
O que de novo neste relatório diz respeito à discussão conceitual sobre a
especificidade do cinema, explanação que não consta de relatórios de exposições
anteriores. Afora a preocupação em explicar o chamado ‘alphabet visuel’ do cinema,
o relatório sinaliza a incorporação do cinema moderno feito até então como expressão
de vitalidade e diversidade da cultura francesa, vista como um de seus aspectos
originais: ‘aucun pays ne présente autant de divergences, autant d’écoles opposées’ 21.
Esta diversidade, por outro lado, é entendida como expressão de vitalidade deste
moderno, já que as fórmulas ‘n’ont jamais eu force de loi qu’aux époques de
décadence : dans la vie des styles comme dans la vie des artistes, l’art subi une
fluctuation perpétuelle, montant, arrivant à un point culminant et redescendant pour
remonter ensuite’ 22.
Germaine Dulac, Marcel L’Herbier, Abel Gance, Jean Epstein, René Clair e
Louis Delluc, dentre outros, são as ‘œuvres-mères d’où sont sortis, avec des tendances
souvent très opposées, les meilleurs films français d’à présent’ 23. Destaque igual é
conferido ao cinema educativo e documentário 24.
Dado original também foram o ciclos de conferências ocorreram discutindo
‘l’histoire, l’évolution, les tendances de l’art muet’. Dentre os palestrantes, GeorgesMichel Coissac fez um apanhado histórico do cinema de 1895 a 1924, L’Herbier ‘a
parlé des moyens d’exprimer l’idée cinématographique et de la technique’, Lionel
Landry, dos roteiros e da dramaturgia cinematográfica, Mallet-Stevens, dos ‘décors
architectural’, Jean Toulout et Fescourt, do ator, Germaine Dulac, ‘avait pris pour
thème la photogénie des aspects extérieurs, l’angle, la lumière’, Epstein, ‘la
photogénie des aspects intérieurs, le drame photogénique’, Moussinac, das
‘tendências do cinema francês’, René Chavance, ‘l’art décoratif et le cinéma’.
Tedesco, René Jeanne, Ravel, Fescourt e René Blum fizeram ‘l’étude comparée des
20
Deve ser lembrado aqui a exposição acima referida ocorrida em 1924 no Musée Galliera. Em relação
às citações, as referências estão em France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des
Télégraphes, op. cit., p. 61 e 73.
21
France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes, op. cit., p. 68 – 75.
22
Marcel Magne, op. cit., p. 10.
23
France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes, op. cit., p. 71. As
fotografias dos cenários de Alberto Cavalcanti para Feu Mathias Pascal e de Fernand Léger e
Cavalcanti para L’Inhumaine, ambos de Marcel L’Herbier, foram exibidas na Exposição (Cf. France.
Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes, op. cit., pl LXXXI, pl LXXXII e
pl LXXXIII).
24
Idem, ibidem, p. 74.
11
cinémas étrangers, américain, allemand, suédois, russe, italien, espagnol, anglais’. O
papel educativo do cinema ficou a cargo de Luchaire, A. Bruneau, para o ensino
artístico, dr. Commandon, ensino científico, Vitorel, higiene social, Jean Laran,
estética, Joubin, para a história natural. Jean Benoît-Lévy se encarregou da ‘technique
du cinéma d’enseignement’, e Léon Gaumont, à ‘la découverte des films parlants’. A
série de conferências foi aberta por Maurice Quentin, ‘président du Conseil Municipal
de Paris’ entre junho de 1924 e maio de 1925, que proferiu a palestra intitulada : Le
Cinéma, document d’histoire 25.
No que diz respeito à participação dos cineastas ligados à vanguarda artística
da época, como L’Herbier e Dulac, deve ser ressaltado que sua presença pode ser
pensada a partir, em primeiro lugar, da união proposta entre arte e indústria, tema da
própria Exposição de 1925. O cinema, invenção da vida moderna, expressa
plenamente essa simbiose. Está presente em todas as classes, em todas as seções, pois,
como o próprio relatório oficial afirma, ‘on sentait son influence secrète dans
l’architecture, dans la parure, dans l’art de la rue, dans les textiles, dans l’affiche. Il
était à la base de ce nouveau style qu’on commence à baptiser ‘Exposition des Arts
Décoratifs’’26.
Por outro lado, poderíamos nos interrogar sobre essa presença, dado o caráter
dissonante de seus filmes. Cabe resgatar aqui novamente a conferência dada por
Marcel Magne a propósito do que viu nos diversos stands e mostras:
Les artistes et les industriels parisiens, dans tout ce qu’ils présentent, donnent une
impression d’imagination, d’imprévu, dont il est impossible de ne pas être frappé,
et cette imagination, cet imprévu sont, en général, pleins de goût dans la recherche
de la forme comme dans l’harmonie coloré : des volumes enveloppes de surfaces
simples donnant à leurs rencontres de lignes épurées, de belles matières bien
27
mises en valeur, son caractéristiques du goût parisien .
Tratava-se de valorizar o novo, afirmar o nacional e ‘donner libre carrière aux
ambitions artistiques qui s’affirmaient avec une ampleur de plus en plus accusée et
25
Idem, ibidem, p. 82.
Idem, ibidem, p. 73. No que diz respeito à participação soviética, esse discurso se casava plenamente
com o projeto construtivista. Como encontramos em seu catálogo, o esforço em seu pavilhão é para que
sua ‘industrie artistique’ possa ‘se mêler aux moindres gestes de l’homme, pour qu’elle enveloppe de
son souffle des moindres pas, pour qu’elle se manifeste dans les moindres détails de l’ordinaire’. O
princípio é o de que ‘tout travail doit devenir libre, inspiré et créateur ; il faut que tombent les barrières
qui séparaient l’art du métier, il faut en effet que la vie tout entière devienne un art, que l’homme
constructeur et l’homme artiste se confondent inséparablement’. (Cf. P. Kogan, Préface, In: Exposition
internationale des arts décoratifs et industriels modernes. Section de l'U.R.S.S., op. cit., 1925, p. 12 e
11).
27
Marcel Magne, op. cit., p. 8.
26
12
que proclamaient toutes les sociétés d’art appliqué’, como nos diz Paul Vitry 28.
Assim, é possível entender a assimilação oficial de filmes que, à sua maneira, ‘d’en
écarter tout pastiche et toute compromission avec les styles anciens, comme toute
entreprise, déguisée sous couleur de rétrospective, qui eut ramené en scène
l’antiquaille et le bric à brac’ 29.
L’Inhumaine, de L’Herbier, dentre estes filmes, expressa bem essa
proximidade. Produzido em 1923, tinha ‘pour but de faire valoir l’art contemporain
français en Amérique’ e foi concebido ‘comme un résumé, une synthèse, un
échantillonnage des savoir-faire, des techniques et de l’esthétique Art déco’, dois anos
antes da Exposição 30. Para chegar à obra de arte total, trabalharam nos cenários,
Alberto Cavalcanti, Claude Autant-Lara, Fernand Léger e Mallet-Stevens,
responsável pelas edificações visíveis no filme 31. À música de Darius Milhaud é
associada ao final uma montagem ultrarrápida. Como afirma Marionone,
L’Inhumaine é um ‘film Art déco par excellence’ e ‘porte déjà en lui le souffle de la
future exposition de 1925’ 32.
No tocante à cinematografia estrangeira, Suécia, Itália, Grã-Bretanha e
Dinamarca 33, países ou com indústrias cinematográficas consolidadas ou com uma
filmografia de referência para o momento, não enviaram seus aparelhos ou seus
filmes para a exposição. Além da França, apenas a URSS participou da ‘exposition de
la cinématographie’. A cinematografia russa estava “représentée par des tableaux
extraits de différents films, notamment ‘Palais & Citadelle’, ‘D’une Étincelle naît la
Flamme’, mis en scène para Bassalygo, ‘Le Minaret de la Mort’, ‘La Grève’, mis en
scène para Eigenstein (sic), ‘Aélhita’, mis en scène par Protazanov’” 34.
28
Paul Vitry, L’Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes – Introduction,
In : Guillaume Janneau e Luc Benoist, L'Exposition internationale des arts décoratifs et industriels
modernes, Paris, Publications de "Beaux-Arts", 1925, p. 6.
29
Idem, ibidem. Paul Vitry não está se referindo ao cinema em seu texto, mas suas palavras, aplicadas
ao espírito geral da exposição, servem também ao nosso objeto.
30
Isabelle Marionone, op. cit., p. 70.
31
Mallet-Stevens havia, na referida exposição ocorrida no Musée Galliera, se ocupado da arquitetura
dos cinemas. Para ele, ‘de toutes les constructions qu’on édifie de nos jours, une salle de cinéma est
une de celles qui doit présenter le caractère le plus moderne’ (Apud Isabelle Marionone, op. cit., p. 68).
Em sintonia com o discurso das vanguardas artísticas da época, afirma em outro momento que
‘l’architecture moderne (…) est essentiellement photogénique’ (Cf. France. Ministère du Commerce,
de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes, op. cit., p. 78).
32
Isabelle Marionone, op. cit., p. 70.
33
Devemos lembrar que Alemanha e Estados Unidos não participaram da Exposição.
34
France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des Télégraphes, op. cit., p. 85. Há
também a referência à participação de Kino-Glaz, de Dziga Vertov (Cf. Exposition internationale des
arts décoratifs et industriels modernes. Section de l'U.R.S.S. Académie des sciences de l'art, op. cit., p.
73).
13
O quadro de premiações procurou atender à diversidade acima mencionada.
L’Herbier e Dulac, por exemplo, receberam diplomas de honra. Mesmo considerando
que uma premiação deste tipo procurava também atender à diplomacia, não deixa de
ser curioso que Eisenstein figure nesta lista por ter recebido uma medalha de ouro 35.
Esta premiação, porém, não significava que o cinema ocupasse para a União
Soviética o papel de principal embaixador. Estavam à frente a literatura, o teatro
construtivista, as artes gráficas e a arquitetura, principalmente, na tarefa de ‘aider à
faire connaître l’U.R.S.S.’ 36.
Apesar do quadro geral acima traçado, certos setores ficaram insatisfeitos com
o lugar, considerado modesto e tímido 37, que o cinema ocupou – um ‘minuscule
emplacement’. Havia a expectativa de que um palácio dedicado ao cinema fosse
construído, pavilhão a ser concebido por Mallet-Stevens 38.
Por outro lado, entendia-se que este deveria se encontrar entre ‘la
nomenclature officielle des diverses industries représentées’ na Exposição 39. De
acordo com um articulista, o cinema
‘eut mérité un pavillon au même titre que le Livre, l’Ameublement ou la Presse,
car n’est-elle pas le vivant faisceau auquel collaborent la Pensée, l’Artiste et
l’Artisan ? N’est-elle pas la vivante et constante image de tout ce qui nous a
environné ou nous environne et qui touche aux diverses manifestations de l’Esprit
et de la main d’œuvre de l’Homme que l’on s’est plu à grouper en cette
exposition?’40
Mereceria, enfim, ser entendido ‘comme grand diffuseurs de la Pensée universelle’41.
Tais demandas somente serão atendidas plenamente em 1937, com a Exposition
Internationale des Arts et Techniques dans la vie moderne.
35
A lista completa dos prêmios da classe em que se encontrava o cinema pode ser consultada em
Exposition internationale des arts décoratifs et industriels modernes. Paris 1925. Liste des récompenses,
Paris: Impr. des journaux officiels, 1926, p. 71 e ss.
36
Título parcial do texto de O. D. Kameneff, L’Exposition de Paris doit aider à faire connaître
l’U.R.S.S., In: L'art décoratif et industriel de l'U.R.S.S., Moscou, Édition de la comite de la section de
l’U.R.S.S., 1925, p. 9 – 14. Neste livro de quase cem páginas, em que encontramos textos de figuras
importantes da intelectualidade russa, como Anatoly Lunatcharsky, então à frente da Instrução Pública
de seu país, nenhuma referência há ao cinema.
37
A expressão que encontramos no relatório oficial a respeito desta participação foi ‘si timidement
représenté au Grand Palais’ (Cf. France. Ministère du Commerce, de l’Industrie, des Postes et des
Télégraphes, op. cit., p. 73).
38
Isabelle Marionone, op. cit., p. 72.
39
Pierrette, Le Cinéma a l’Exposition des Arts Décoratifs, Journal illustré des arts décoratifs et
industriels modernes Exposition internationale de 1925, n. 4, 1er Juillet 1925, página não numerada.
40
Idem, ibidem.
41
Idem, ibidem.
14
b. Exposition Coloniale Internationale (1931)
‘coloniser, c’est civiliser’
General Marcel Olivier,
Delegado Geral da Exposição de 1931
A Exposition Coloniale Internationale et des Pays d’Outre-Mer ocorreu na
cidade de Vincennes, vizinha à Paris, entre maio e novembro de 1931. Seu comissário
geral foi o maréchal Lyautey, antigo Résident Général no Marrocos e alta figura da
colonização. A exposição ocupou o parque de Vincennes com pavilhões dedicados,
principalmente, a cada colônia francesa, além daqueles que pertenciam aos países
envolvidos na empreitada imperialista, termo obviamente não empregado pelos
expositores. Dedicada a celebrar o império colonial constituído pela França desde o
XIX, sua função propagandística era a de educar cada cidadão para que apreendesse o
sentido desta missão tida como civilizatória. Seu lema, síntese desta perspectiva, era :
‘coloniser, c’est civiliser’ 42.
A tradição de exibir a presença francesa nas colônias é antiga, remontando ao
século XVI, quando índios e demais produtos ‘exóticos’ desfilaram diante de
Henrique II e Catarina de Médices em 1550 43. No âmbito das exposições, temos as
intercolonias, que ocorreram na França nos anos de 1852, 1853 e 1859. Como
afirmam Catherine Hodeir e Michel Pierre, ‘c’est avec la création des expositions
universelles que les images coloniales trouvent leurs premières mises en scène’ 44.
Nesse sentido, esta mise-en-scène já se encontrava na The Great Exhibition of the
Works of Industry of All Nations (Londres, 1851). No decorrer do século XIX,
42
Cf. Introduction, Marcel Olivier, Ministère des colonies. Exposition coloniale internationale de Paris
1931. Tome VI. Première Partie: La Section métropolitaine [écrit avec la collaboration de M. Fernand
Rouget]. Paris, Imprimerie Nationale, 1933. (31 mai 1934.), p. X. O general Olivier havia sido
governador geral em Madagascar e era delegado geral na Exposição de 1931. O discurso civilizatório é
bastante presente nos relatórios oficiais. A título de exemplo, encontramos no primeiro tomo destes
relatórios as seguintes afirmações : ‘ni l’Afrique, ni l’Asie (…) ne sont, dans l’ensemble, suffisamment
évoluées pour pouvoir se passer, dès à présent, de la science, de la technique, du génie organisateur de
l’Europe. (…) En Afrique, en Asie, il reste encore des étendues incultes et des populations en léthargie.
N’aurait-elle que ces raisons à faire valoir, l’Europe est en droit d’éconduire ceux qui la somment
d’abandonner son rôle de tutrice. Marcel Olivier, Ministère des Colonies. Exposition coloniale
internationale de Paris. 1931. Tome I : Conception et organisation [écrit avec la collaboration de MM.
Roger Homo et Fernand Rouget]. Paris : Impr. nationale, 1932, p. XVII - XVIII
43
Catherine Hodeir et Michel Pierre, L'exposition coloniale. Bruxelles; [Paris]: Éd. Complexe, 1991, p.
14.
44
Idem, ibidem, p. 15.
15
produtos coloniais, matérias-primas e animais representavam nestes espaços uma
determinada visão do que era e significava a colônia.
No final do século XIX, ‘la section coloniale est devenue un espace essentiel’
45
dentro da Exposition Universelle de Paris em 1900. As colônias de todos os países
são reunidas em um ‘bairro’ próprio, dominado pelo palácio do Ministério das
Colônias da França. Não apenas produtos e animais eram expostos, mas os próprios
colonos, estes de diferentes maneiras. De um lado, shows e espetáculos, alguns
associados à sensualidade, como foi o caso da dança do ventre na rua da Algéria. De
outro, os chamados ‘zoos humanos’, em que grupos eram mostrados atrás de uma
cerca para os visitantes interessados em ‘conhecer’ o modo de vida dos chamados
‘indigènes’ 46.
O sucesso das seções coloniais nas exposições nacionais e universais pesou na
decisão de criar uma dedicada exclusivamente ao tema. Em 1906 a França teve assim
a sua primeira com este perfil, sediada em Marselha, que quis com o evento
‘réaffirmer sa vocation de grand port de l’Empire (…) Il s’agit également de faire
pièce à la concurrence de Gênes et de Barcelone et de faire oublier les grandes grèves
de 1901 e 1902’ 47. Seu grande sucesso de público e comercial suscitou a criação de
um Comité National des expositions coloniales en France, aux colonies et à
l’étranger. Marselha reivindicou nova edição para 1922, no que foi atendida. Nela, a
valorização da colônia aconteceu não apenas do ponto de vista econômico, mas
militar, dada a presença de milhares de combatentes de lá oriundos no decorrer da
Primeira Guerra Mundial.
A Inglaterra, detentora do maior império colonial, organizou desde o final do
século XIX, exposições coloniais, tendo sido a primeira a Colonial and Indian
Exhibition, realizada em 1886. É também a responsável pela primeira grande
45
Idem, ibidem, p. 16.
A nefasta experiência dos ‘zoos humanos’ foi historiada no livro Zoos humains. Au temps des
exhibitions humaines, obra organizada por Nicolas Bancel, Pascal Blanchard, Gilles Boëtsch, Éric
Deroo e Sandrine Lemaire (Paris, La Découverte, 2004). Na Exposição Colonial esta prática
continuava ativa, com os Kanaks constituindo uma das atrações para o público pagante do Jardin
d’Acclimatation (Cf. Catherine Hodeir et Michel Pierre, op. cit., p. 100). O guia oficial da Exposição
marca assim uma das atrações do Parque de Atrações: ‘des indigènes de toute race, venus par centaines
des Tropique féconds, tiennent à vous dévoiler les secrets et les fastes de leurs réjouissances diurnes et
nocturnes’ (Cf. André Demaison, Exposition Coloniale Internationale. 1931. Paris. – Guide officiel.
Paris, Mayeux, 1931, p. 197). É difícil imaginar que um visitante pudesse, nessas situações, considerar
que o africano ou asiático exposto era um ser humano igual a ele.
47
Catherine Hodeir et Michel Pierre, op. cit., p. 18.
46
16
exposição universal dedicada ao tema, a saber, a British Empire Exhibition, em
Wembley nos anos 1924 e 1925, que teve cerca de 25 milhões de ingressos vendidos.
Nesse quadro, ocorre a Exposição Colonial de 1931, também sucesso de
público 48. A intenção era a de justificar ‘aux yeux du monde la position de la France
comme grande nation colonisatrice’ 49. De acordo com o discurso do ministro das
Colônias, Paul Reynaud, feito em sua inauguração, ele ‘constatait que les Français
‘savent’ qu’ils ont un Empire colonial, mais qu’ils ne le ‘sentent’ point’ 50. Não se
trata de uma dimensão apenas informativa, portanto. Há uma missão cívica que se
espera realizar em cada pavilhão, seção e coleção. Seu público-alvo era a juventude,
como afirma em 1927 o então ministro das Colônias, Léon Perrier, em discurso feito
para defender a necessidade da Exposição:
Cette Exposition (…) est indispensable également pour la jeunesse de notre pays.
La jeunesse, c’est elle qu’il faut convaincre, c’est elle qu’il faut amener à l’idée
coloniale, et je suis persuadé qu’une exposition est le meilleur exemple, la
meilleure démonstration qu’on puisse lui mettre sous les yeux pour lui faire
comprendre l’importance et le rôle de nos colonies. (…) Nous voulons faire de
cette Exposition, non pas seulement un élément d’étude pour les techniciens, mais
aussi une grande œuvre d’éducation pour la jeunesse que nous voulons, par une
organisation parfaite, amener à des conditions avantageuses et pratiques, à Paris,
51
pour voir, pour comprendre, pour méditer .
Para o marechal Lyautey, comissário geral, o evento tinha também a função de
atenuar as tensões sociais internas. Para ele, a luta de classes seria substituída pela
visão do próprio projeto colonial, instaurando a ‘paz social’. Nesse sentido, aprovou a
escolha de Vincennes para sediar os pavilhões. Em suas palavras : ‘L’est de Paris,
n’est-ce pas une région dont on dit qu’elle est assez gagnée au communisme?’ 52.
A importância dessa dimensão política dentro da Exposição Colonial está
expressa na criação de um grupo número 1, ‘La Politique coloniale’, classificado em
primeiro lugar pelos organizadores, criação e classificação pouco usuais, dado que
aqui não se trata de exibir produtos, máquinas ou obras de arte e/ou cultura. São três
as suas classes : 1, ‘à l’origine et à l’histoire de la colonisation’ ; 2, ‘aux principes et
48
Hodeir e Pierre afirmam que foram 8 milhões de visitantes, sendo quatro oriundos de Paris, três, do
interior, e um milhão de estrangeiros (Idem, ibidem, p. 101). O relatório oficial da Exposição também
faz um detalhado histórico referente à sua idealização e criação. Ver em Marcel Olivier, op. ci., Tome
I : Conception et organisation, p. XI e ss e p. 5 e ss.
49
Ver a Introduction, Marcel Olivier, op.cit., Tome VI. Première Partie: La Section métropolitaine, p.
X.
50
Apud Marcel Olivier, op.cit., Tome I : Conception et organisation, p. XVI.
51
Apud Idem, ibidem, p. 105.
52
Apud Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 26.
17
méthodes de colonisation’ ; 3, ‘à l’avenir et aux résultats de la colonisation’. A
intenção geral era a de fazer estas classes ‘un centre de travaux et d’échanges d’idées,
où des théoriciens avaient leur place tout indiquée et non des stands de documentation
qui n’auraient pu être rapport avec l’importance et la gravité des problèmes auxquels
elles correspondaient’ 53.
A dependência econômica da França para com suas colônias havia aumentado,
tendo em vista a crise de 1929 e a ascensão dos EUA. Era necessário aumentar as
exportações francesas para as suas colônias, a fim de aumentar o saldo positivo de sua
balança comercial e ampliar o mercado de trabalho 54. Esta percepção de que o
controle do jogo internacional já não se encontrava em Paris corria livre na imprensa
local ao mesmo tempo em que se enxergava o futuro nos territórios sob o seu
domínio: ‘L’Empire est devenu espace d’initiative et de développement face à une
métropole vieillie et en perte de vitesse’ 55.
O plano geral da Exposição Colonial deveria, portanto, seguir os objetivos
gerais idealizados por seus organizadores. Em primeiro lugar, os arquitetos se
preocuparam em projetar um conjunto harmonioso :
Il faut éviter la monumentalité, rejeté l’académisme peu de mise dans ce cadre
rustique et refuser la pacotille. L’exotisme ayant le privilège de donner à
l’ignorance, comme au manque de goût, un redoutable potentiel. Les architectes
s’attellent à ce défi 56.
O sentido de mise-en-scène é procurado. Como dito em um dos relatórios
oficiais, ‘une exposition est, avant tout, un grand spectacle’ 57. Nada é deixado ao
acaso e tudo é pensado para causar a impressão mais funda em seu visitante: ‘ce n’est
53
Marcel Olivier, op.cit., Tome VI. Première Partie: La Section métropolitaine, p. 45 – 46.
Ver a Introduction, Marcel Olivier, op.cit., Tome VI. Première Partie: La Section métropolitaine, p.
VI e XI.
55
L’Echo de Paris, 6 mai 1931, Apud Catherine Hodeir et Michel Pierre, op. cit., p. 35. A autoria do
artigo não é informada.
56
Catherine Hodeir et Michel Pierre, op. cit., p. 39.
57
Cf. Marcel Olivier. Ministère des Colonies. Exposition coloniale internationale de Paris. 1931.
Rapport général présenté par le gouverneur général Olivier. Tome IV: Vie de l’Exposition [écrit avec la
collaboration de MM. Roger Homo, Fernand Rouget, René Séguy, Joseph Trillat, le comte Félix de
Vogüé.], Paris: Impr. nationale, 1933, p. 95. Deve ser ressaltado que, enquanto espetáculo, a Exposição
trabalha com um imaginário que circula na imprensa, na literatura e no cinema. Ou seja, com aquilo
que o visitante espera ou imagina encontrar. Contribuem também para esse efeito de espetáculo as
festas e a iluminação noturna.
54
18
pas un ensemble indistinct de pavillons qu’il aura devant les yeux, mais bien au
contraire des groupes, dont l’assemblage trahit une volonté idéologique’ 58.
Dentre os pavilhões, o que mais foi associado à Exposição foi a reprodução de
Angkor Vat para o pavilhão da Indochina. O comentário de Claude Farrère, no jornal
L’Illustration, sobre o sentido da exposição do monumento reproduzido em 1922,
ilustra o sentimento geral sobre o papel a ser desempenhado pela França como portavoz da civilização :
‘(…) nous Français d’Asie, nous, pacificateurs occidentaux de l’Extrême-Orient,
les héritiers légitimes de cette antique civilisation khmère, meilleure certes, que
tout ce qui lui succéda jusqu’au jour de notre débarquement sur ces plages
lointaines et sacrées. Nous avons interdit, là où nous sommes, qu’on s’entre-tuât
et qu’on détruisit le passé, naturel précepteur de l’avenir. L’œuvre est bonne.
Continuons !’ 59
Pacificadores,
herdeiros
das
civilizações
sobrepujadas,
superiores
e
preservadores deste patrimônio cultural : eis os atributos que as autoridades
pretendiam mostrar em cada uma das seções da Exposição 60.
No que diz respeito à disposição dos pavilhões, a suntuosa reconstituição de
Angkor se encontrava em frente ao pavilhão da África Ocidental Francesa, muito
menos elaborado do que o seu vizinho. O sentido parecia claro: ‘présenter l’Afrique
comme un pays sauvage, où la colonisation française est une œuvre humanitaire’ 61.
58
Cf. Paris. Bureau des bibliothèques, de la lecture publique et du multimédia. Documents Exposition
coloniale, Paris 1931 [rédigé par Sylvie Palà, Jean-Louis Paudrat, Pierre Pitrou]. Paris: Bibliothèques
de la Ville de Paris, 1981, p. 19.
59
APUD Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 42. Os autores historiam a presença de Angkor
no imaginário francês desde o XIX, p. 39 e ss.
60
Tal discurso, presente em todos os relatórios oficiais aqui trabalhados, também era recorrente na
imprensa. Eis a tônica: ‘on compare, et la chose est reprise dans chaque pavillon de l’exposition, la
situation de chaque pays colonisé avant l’arrivée des Français, et la ‘paix’ coloniale établie depuis,
oblitérant les guerres de conquête ou les assimilant aux ‘Croisades’, passant outre tous les aspects peu
honorables de la colonisation, cherchant enfin, par l’étalage des petits détails, à éviter toute remise en
question globale du problème’ (Paris. Bureau des bibliothèques, de la lecture publique et du
multimédia, op. cit., p. 11).
61
Cf. Paris. Bureau des bibliothèques, de la lecture publique et du multimédia, op. cit., p. 20.
19
A reprodução de Angkor na Exposição Colonial de 1931
20
No que diz respeito às construções que foram idealizadas para permanecerem,
temos o Musée Colonial 62, o aquário e o zoo. Se os dois últimos são exemplos de
reunião daquilo que caracteriza a relação entre os dois polos (os animais e os peixes,
representantes da natureza selvagem e exótica encontrada fora da França, lá estão
expostos sob o domínio da ciência e o controle das cercas e das caixas de vidro), o
museu cumpre a função pretendida de educação cívica do cidadão francês, visto aqui
como sinônimo de civilizado.
Uma visita guiada era praticamente imposta ao visitante, orientado por um
itinerário ‘que les gardiens ont pour consigne de faire respecter’. O primeiro lugar era
a seção retrospectiva, evocativa da história da colonização 63, para depois se chegar a
outra dedicada ao estudo da ‘humanité coloniale’. No primeiro andar, a Terceira
República ‘se glorifie elle-même’. O térreo superior mostra ‘les influences exotiques
sur la peinture et la sculpture françaises du XIXe siècle’. O térreo inferior ‘évoque les
transports aux colonies et donne à admirer les sujets des eaux tropicales et
équatoriales’ 64.
62
Antes dele, já tínhamos, em outros países, desde 1906, a seção colonial no Victoria and Albert
Museum e, em 1911, o Museu do Congo Belga (Cf. Philippe Rivoirard, L’Exposition Coloniale ou
l’incitation au voyage, [Exposition. Boulogne-Billancourt, Musée municipal. 1989-1990]. Coloniales
1920 – 1940: [exposition] 7 novembre 1989 - 31 janvier 1990, Musée municipal de BoulogneBillancourt. Boulogne-Billancourt : Musée municipal de Boulogne-Billancourt, 1989, p. 68.
63
Existe a informação de que nesta galeria da Séction Rétrospective ‘un film présenté au sous-sol
intitulé ‘Histoire de la plus grande France’ complétait cette leçon d’histoire coloniale’. Le Musée des
Colonies et le Musée de la France d’Outre-Mer (1931 – 1960), op.cit., p. 85.
64
Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 84. Em Marcel Olivier, Ministère des Colonies.
Exposition coloniale internationale de Paris 1931. Tome II: Construction [écrit avec la collaboration de
MM. Roger Homo et Paul Le Gavrian], Paris: Imprimerie nationale, 1933, p. 65 e ss., e Marcel Olivier,
Ministère des Colonies. Exposition coloniale internationale de Paris. 1931. Tome V. Première Partie :
Les Sections Coloniales [écrit avec la collaboration de MM. le pasteur Allégret, Victor Beauregard,
Maurice Besson, le général Derendinger, Roger Homo, Albert Keim, le vice-amiral Lagaze, Étienne
Pitois, Paul Roussier, Henry Thétard, Joseph Trillat], Paris: Imprimerie Nationale, 1933, p. 49 e ss., há
um detalhamento sobre esse percurso.
21
Façade du Palais de la Porte Dorée © Nathalie Darbellay, Cité nationale de l'histoire de l'immigration
Países colonialistas, como Bélgica, Itália, Estados Unidos, Holanda, Portugal e
Dinamarca, participaram também do evento. As ausências, por sua vez, se relacionam
com o quadro político gerado pelo próprio processo de expansão imperialista. Dos
convidados pela França, Japão e Espanha declinaram : o primeiro, por não aceitar a
22
invasão da Ásia pelas potências ocidentais ; o segundo, em razão dos conflitos com o
próprio anfitrião no Marrocos 65.
A Grã-Bretanha, porém, foi a grande ausência. Alegando problemas
financeiros decorrentes de gastos realizados na British Empire Exhibition (1924 –
1925), teve apenas com uma seção na Cité des Informations, espaço pensado para ser
uma espécie de grande agência de informações para o estabelecimento e consolidação
da atividade econômica entre os países e suas colônias.
A Cité des Informations, ‘véritable banque de données sur les colonies’, tinha
uma sala de cinema para 1500 pessoas, uma estação de rádio que emitia sua
programação de lá, e a agência Havas, que centralizava as notícias do mundo inteiro.
Para Lyautey, a sua existência não deveria ser efêmera 66. A Cité também era o ponto
de partida de todas os itinerários propostos aos visitantes pelos organizadores da
Exposição. As ‘tours’, que variavam de preço conforme o programa foram
‘soigneusement étudiés pour que se fasse une progression qui conduise le visiteur
à n’être pas écrasé dès le départ par une masse de choses somptueuses, quitte à
être déçu par la suite, mais bien au contraire à s’enfoncer lentement dans la ‘féerie
67
coloinale’’ .
Como apontamos, a intenção ‘formativa’ era de longo prazo, através tanto dos
pavilhões, quanto do Musée Colonial. Todo esse esforço era dirigido aos jovens.
Havia uma publicação, Benjamin, que divulgava em todos os colégios, por meio
geralmente de um professor de história ou de geografia, as atividades ligadas à
Exposição, como prêmios, conferências, cruzeiros e viagens, contribuindo também
para o seu sucesso 68. Cerca de dois mil alunos do antigo primário visitaram a
Exposição, além de 200 congressos que produziram mais de três mil relatórios 69.
Apesar do sucesso de público, a Exposição Colonial foi uma das poucas que
enfrentaram franca oposição. Na imprensa, as poucas vozes dissonantes foram
L’Humanité e Le Canard enchaîné. No campo político, o dirigente socialista Léon
65
Alemanha, como se sabe, tinha perdido suas colônias em virtude do Tratado de Versalhes. Ver
Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 68 e ss.
66
Idem, ibidem, p. 104 – 105.
67
Cf. Paris. Bureau des bibliothèques, de la lecture publique et du multimédia, op. cit., 1981, p. 14 –
15.
68
O estudo das colônias, na perspectiva do Império Francês, foi introduzida de forma obrigatória em
1923 para o primário e em 1925 para o ensino secundário. Ver Catherine Hodeir e Michel Pierre, op.
cit., p. 105.
69
Dentre os congressos, tivemos a Journée nationale du cinéma, organizado por Pathé-Nathan et Cie.
no dia 15 de setembro, e o Congrès catholique du cinéma et de la radio, organizado pela Centrale
catholique de collaboration a 21 a 25 do mesmo mês (Cf. Marcel Olivier, op. cit., Tome IV: Vie de
l’Exposition, p. 177 – 178).
23
Blum expressou uma opinião que não era isolada : ‘nous ne mêlons pas à
l’enthousiasme. Nous voudrions moins de fêtes et de discours, plus d’intelligence
humaine et de justice’ 70.
Além dos socialistas, os comunistas e os surrealistas tentaram promover o
boicote à Exposição. Em relação aos últimos, uma palavra de ordem foi cunhada: ‘ne
visitez pas l’Exposition Coloniale’ 71. De acordo com Hodeir e Pierre, os temas mais
frequentes do contra-ataque residiam no ‘rappel du massacre/sacrifice des noirs
africains dans les tranchées de la guerre de 1914 (…), l’exploitation des indigènes et
surtout le travail forcé, enfin les troubles qui ne sont encore que des escarmouches
coloniales’ 72.
Um fato que contribuiu para que o tom da crítica fosse mais alto dizia respeito
à prisão de um estudante indochinês em Paris por pertencer ao Partido Comunista e
também por protestar contra a execução dos líderes de um levante ocorrido em sua
região de origem em 1930 contra a presença francesa 73. Esta revolta tem por trás o
partido nacionalista e se fortalecerá depois com a entrada do Partido Comunista,
criado por Nguyen Ai Quoc, que viria a ser conhecido como Hô Chi Minh.
O L’Humanité organiza em maio uma passeata em favor do estudante preso.
Blum, novamente, se manifestou : ‘ici, nous reconstituons le merveilleux escalier
d’Angkor et nous faisons tourner les danseuses sacrées, mais, en Indochine, on fusille,
on déporte, on emprisonne …’ 74.
O panfleto surrealista com a palavra de ordem demonstrava que a crítica ao
colonialismo unia os surrealistas e os comunistas, relação que neste período era tensa
75
. Assinado por Andre Breton, Paul Élouard, Benjamin Péret, Georges Sadoul, Pierre
70
Apud Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 103.
Idem, ibidem, p. 111.
72
Idem, ibidem, p. 112.
73
Paul Élouard escreve uma pequena nota sobre o caso, Yen-Bay, na revista Le Surrealisme au service
de la Révolution, n. 1, juillet 1930, p. 8. Outros surrealistas se manifestaram contra o colonialismo,
como René Crevel (Colonies, p. 9 – 10, n.1) e Albert Valentin (Le haut du pavé, p. 21, n. 2, octobre
1930). Este último critica diretamente a Exposição Colonial. Para ele, o evento será ‘à l’apothéose du
massacre organisé’. Espera que a Exposição conte com a participação das missões religiosas, ‘dans la
très large mesure où il a contribué à l’abêtissement irrémédiable et à la corruption de plusieurs
peuplades sauvages. Car en quelque lieu de la terre qu’il soit possible d’exercer impunément un
brigandage profitable, on peut être assuré de rencontrer Dieu et ses ministres’. Ao final do artigo, o
autor coloca lado a lado duas notícias tiradas dos jornais: uma, informando a quantidade de mortos pela
repressão colonial aos movimentos de resistência ; outra, sobre a relação entre a Exposição e a moda ‘l’Exposition Coloniale modifiera, elle aussi, nos goûts’. Para ele, esta ‘monstrueux collage mental’
permite que ‘l’on voit le sang répandu régir le mode et ses affûtiaux’.
74
Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 112 – 115.
75
Jacqueline Leiner em Les chevaliers du Graal au service de Marx, prefácio da publicação fac-similar
da revista dirigida por André Breton, Le surréalisme au service de la révolution, que circulou em Paris
71
24
Unik, André Thirion, René Crevel, Louis Aragon, René Char, Maxime Alexandre,
Yves Tanguy, George Malkine, denunciava ‘le brigandage colonial, le travail forcé –
ou libre -, la complicité de la bourgeoisie tout entière dans la naissance d’un conceptescroquerie : ‘La Grande France’ que les pavillons de l’Exposition devaient aider à
implanter’. Os surrealistas exigiam também ‘l’évacuation immédiate des colonies’ e o
julgamento dos ‘responsables des massacres’ 76.
A situação na Indochina era em 1931 a que mais se sobressaía, mas em outras
regiões dominadas pela metrópole também ela era bastante conflituosa. Algéria,
Tunísia e Marrocos procuravam organizar sua resistência tanto em seus países como
na metrópole. Em 1926, por exemplo, foi criado na França o movimento L’Etoile
Nord Africaine, que ‘recrute parmi les ouvriers algériens de la banlieue parisienne
d’abord dans la mouvance de l’Internationale communiste, puis, d’après rupture, sur
une orientation faisant référence à l’arabisme’. Esse movimento se transformará em
partido político na Algéria nos anos 1930 77.
A exploração, como sabido, era brutal. A construção da estrada de ferro do
Congo (Congo-Océan), iniciada em 1921 e ainda não concluída quando da Exposição
Colonial, consumiu a vida de milhares de africanos. Como afirmam Hodeir e Pierre,
‘surréalistes, communistes et socialistes dénoncent d’une même voix le scandale du
travail forcé, véritable résurgence de l’esclavage, indigne des méthodes coloniales
françaises tant vantées à Vincennes’ 78. Esta situação será retratada por André Gide,
que escreve seus Carnets de Route, publicados em dois volumes: um, intitulado
Voyage au Congo, em 1927 79, e outro, Retour au Tchad, em 1928. Nos dois, esta
exploração ganha destaque, com várias as denúncias de trabalho forçado. Sua
de julho de 1930 a maio de 1933, detalha estes conflitos : ‘Thirion sera exclu du Parti communiste dès
novembre 1931, pour avoir écrit dans une revue (le Surréalisme au service de la Révolution) qui n’est
pas soumise au contrôle du Parti, Maxime Alexandre perdra son poste de professeur à cause de ses
opinions politiques, Albert Valentin sera rayé du mouvement surréaliste pour avoir collaboré au film de
René Clair, À nous la liberté, où pleuvent des ‘flics inoffensifs et de billets de banque’, enfin Louis
Aragon, Maxime Alexandre, Pierre Unik, Georges Sadoul quitteront, finalement, le surréalisme pour le
Parti communiste.’ (p. XIV).
76
Jacqueline Leiner, op. cit., p. XV.
77
Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 116 - 117.
78
Idem, ibidem, p. 121.
79
Marc Allégret acompanhou André Gide e suas filmagens se tornaram o documentário Voyage ao
Congo (1927). O segundo letreiro do filme nos informa que as ‘scènes de la vie indigène en Afrique
Équatoriale’ foram ‘rapportées par André Gide et Marc Allégret’. O filme, nem de longe, tem o tom de
denúncia presente nos relatos de Gide. Nenhuma das imagens evoca o trabalho forçado na ferrovia
acima citada, e quando ela aparece, surge para nos mostrar o deslocamento da comitiva pelo trem, com
imagens desta viagem tomadas de dentro de um vagão ou à frente da locomotiva para vermos em
travelling a exuberância das matas africanas. A região do Tchad também é representada no filme.
25
repercussão é maior em virtude das reportagens publicadas por Gide nas páginas do
jornal Populaire 80.
Evento mais significativo de oposição foi a exposição ‘La vérité sur les
Colonies’, abrigada na sede do Partido Comunista Francês e organizada pela Liga
contra o Imperialismo e a Opressão colonial, ligada ao Komintern 81. Os surrealistas
Aragon, Éluard, Tanguy, Thirion participam também desta contra-exposição,
encarregando-se de uma das salas 82.
A construção que recebe a exposição anti-colonial era, de acordo com Louis
Aragon, citado por Hodeir e Pierre, ‘le pavillon ‘constructiviste’ des Soviets à
l’Exposition des Arts Décoratifs en 1925’ 83.
Colecionadores particulares emprestaram seu acervo de peças de origem
africana, oceânica e americana aos organizadores. Além desta mostra, havia uma
seção dedicada à Rússia tzarista e aos países antes colonizados por ela. Outra seção
era composta por fotos e documentação gráfica reunida para mostra ‘l’Envers du
décor de Vincennes’. Uma seção retrospectiva era dedicada aos crimes coloniais e
outra, ao trabalho forçado, com destaque para a Congo-Océan. Havia uma sala com
material sobre os movimentos nacionalistas nas colônias: a guerra do Rif, a revolução
kémaliste na Turquia e demais focos de tensão. Uma sala se ocupava da U.R.S.S.,
sendo a construção da Turksib oposta à da Congo-Océan 84.
O cinema, como já foi indicado, teve ampla participação. No que diz respeito
à sua classificação no interior da Exposição, uma primeira observação deve ser feita
80
Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 123 – 124.
Para uma leitura crítica da ação do Partido Comunista Francês em relação à questão colonial, ver o
prefácio de Pierre Frank à coletânea de documentos La Politique du Parti communiste français dans la
question coloniale, 1920-1963, Paris: F. Maspero, 1971, coleção Livres Rouges, dirigida pela La Jeune
Garde socialiste (Belgique), la Ligue communiste (section française de la IVe Internationale), la Ligue
marxiste révolutionnaire. Para Frank, os comunistas ‘ont agi en défenseurs des intérêts impérialistes et
non des peuples colonisés’ (p. 7). A despeito do campo ser outro, trotskista, a coletânea : traz os
documentos, mesmo selecionados com este parti pris ; historia a atividade dos partidos comunistas em
muitas das colônias francesas ; aponta as ações preconizadas pela IIIª Internacional e os conflitos entre
a orientação política dada por Moscou, seu entendimento pelos comunistas franceses e a sua aplicação
às colônias, dado que os partidos comunistas locais, quando existentes, eram vistos como satélites que
orbitavam em torno do PCF.
82
Duas fotografias foram publicadas na revista Le Surréalisme au service de la Révolution, nº 4,
décembre 1931. Emu ma delas, é possível distinguir a inscrição ‘un peuple qui en opprime d’autres ne
saurait être libre - Karl Marx’. Na outra, ‘fétiches européens’. Nesta, há alguns objetos que são visíveis,
como uma boneca negra vestida com roupa branca segurando uma espécie de panela ou penico com os
dizeres ‘Merci’. No geral, a qualidade da reprodução das duas imagens é ruim (Cf. Le surréalisme au
service de la révolution, op. cit., 1976).
83
Catherine Hodeir e Michel Pierre, op. cit., p. 125.
84
Idem, ibidem, p. 126 – 130. Seria interessante, neste sentido, contrapor o documentário soviético
Turksib (1929), de Victor Turin ao filme Voyage au Congo (1927), de Marc Allégret.
81
26
no sentido de que todos os grupos, classes e seções em que os produtos e serviços são
divididos estão todos voltados para a questão colonial, como, por exemplo, o grupo II
b, Œuvres d’art d’inspiration coloniale ou destinées aux colonies. O cinema, assim,
está dentro do grupo III, Instruments et procédés généraux des lettres, des sciences et
des arts destinés ou utilisés aux colonies, ocupando a classe 12 b, Cinématographie,
com a seguinte identificação : ‘Matériel, procédés et fournitures ; Films coloniaux
(artistiques et documentaires)’ 85. Dentre as classes que compõem o grupo III, temos :
Typographie – Impressions diverses ; Photographie ; Libraire, éditions musicales,
reliures, journaux ; Cartes, appareils de géographie et de cosmographie, topographie;
matériel et procédés; Instruments de précisions et procédés scientifiques, monnaies,
médailles 86.
A função primeira do cinema, tendo em vista o que já foi exposto, era a de
propaganda 87. Os filmes produzidos e ou adquiridos para a Exposição ficaram sob a
supervisão das forças militares. Três grandes eixos nortearam sua confecção: ‘l’une
sur la formation et sur la valeur de notre empire colonial; la seconde représentait des
scènes de la vie militaire aux colonies; enfin, la troisième, relative aux corps et
services outre-mer’ 88.
A seção cinematográfica produziu dois filmes : ‘l’un consacré à la formation
de l’empire colonial français à travers les âges et l’autre, à des scènes militaires en
Afrique’. Teve destaque também o filme La symphonie exotique 89. De acordo com os
85
É interessante marcar a definição deste gênero por parte das autoridades francesas, caso bem típico
desse contexto politico e contrário à forma pela qual a indústria cinematográfica se relaciona com a
segmentação destinada a facilitar a comunicação de seus produtos com o público.
86
Cf. Marcel Olivier, op. cit., Tome I : Conception et organisation, p. 250, 256. O cinema também
integra outras classes, como a: 18, ‘Matériel et accessoires de l’art théâtral et cinématographique;
articles pour cérémonies et fêtes’, assim descrito: ‘Plans, aménagement intérieur, décors, costumes et
accessoires de théâtre et de cinématographe’ (idem, ibidem, p. 257); 114, ‘Organisation du tourisme
colonial’ por meio da ‘propagande par le livre, le film, la projection, l’image, la conférence, etc. (idem,
ibidem, p. 279). Certamente, projeções de filmes eram organizadas em outros pavilhões, como o das
Missões Protestantes, como se constata na planta de seu pavilhão, que reserva um espaço para a sala de
cinema (Cf. Exposition coloniale internationale. Vincennes. 1931. Livret-guide du visiteur. Vincennes:
Exposition coloniale internationale, 1931).
87
Marcel Olivier, op. cit., Tome IV: Vie de l’Exposition, p. 5 e ss.
88
Marcel Olivier, op. cit., Tome V. Première Partie: Les Sections Coloniales, p. 193.
89
Não existe cópia deste filme na Bibliothèque Nationale, na Cinémathèque Française e nos Les
Archives françaises du film. De acordo com o relatório, o filme tinha uma parte com ‘125 mètres sur
les cipahis de l’Inde’ e um ‘très beau film documentaire de 825 mètres sur les grandes manœuvres de
l’Indochine’ (Cf. Marcel Olivier, op. cit., Tome V. Première Partie: Les Sections Coloniales, p. 194).
Alfred Chaumel e Geneviève Chaumel-Gentil publicam um livro em que descrevem as regiões
filmadas. (Cf. Symphonie exotique. Pour servir de préface au film (Le Tour du Monde). Paris, Éditions
Eugene Figuière, 1934). Existe um filme com o mesmo nome, realizado apenas por Alfred Chaumel,
acessível aos pesquisadores cadastrados no site da Gaumont Pathé Archives. Segundo os dados
27
autores do relatório oficial, Alfred Chaumel, administrador das Colônias, e sua
mulher, a exploradora Geneviève Chaumel-Gentil, se ofereceram para realizar um
filme com ‘un certain nombre de scènes militaires au cours du ‘voyage autour du
monde’’ 90.
O relatório também menciona os filmes feitos pelo capitão Calvet, chefe do
serviço cinematográfico das Forças Armadas, a saber, ‘plus de 2.000 mètres de vues
de scènes militaires coloniales prises soit à Fréjus, soit en Afrique du Nord ; un film
magnifique de 1.400 mètres sur l’histoire de la formation de l’empire colonial
français’. O mesmo serviço colocou à disposição da Comissão Organizadora 64
filmes coloniais, que totalizariam mais de dezenove mil metros de película 91.
Pelo menos 300 sessões de cinema, com mais de um milhão de metros de
filmes projetados, foram acompanhadas de conferências. Cada um delas era
organizada em função de um recorte geográfico e cultural. Assim, tivemos as
‘Journées de l’Afrique’, ‘de l’Asie’, ‘de l’Afrique du Nord’, ‘de l’Océanie’, ‘des
Indes’. Dentre os filmes, foram destacados: L’histoire de la formation de l’empire
colonial français e Les grandes manœuvres en Indochine 92.
Na Cité des Informations, a sala dedicada à projeção de documentários
cumpria a função que dela se esperava na seção: a de ilustrar as informações
existentes em diferentes relatórios, cifras e estatísticas presentes naquele bureau de
negócios 93. Como afirma o relatório oficial, o papel do cinema neste centro era o de:
1º Servir les intérêts économiques de la colonie ; 2º Faire connaître au grand
public et à la jeunesse des écoles les ressources de nos possessions et la grandeur
de l’œuvre que nos soldats, nos administrateurs et nos colons y ont accomplie.
L’idée première du Commissariat de la Cité avait été de faire du cinéma un
instrument de documentation et de propagande : documentation, pour les hommes
d’affaires et les étudiants ; propagande, pour le grand public. Quand on décidé de
donner des fêtes à la Cité, le cinéma se doubla d’un théâtre, et il abandonna le
document pour servir uniquement la propagande 94.
disponíveis na ficha técnica, sua primeira difusão foi em 1950, o que nos leva a crer que se trata de
outra versão.
90
Marcel Olivier, op. cit., Tome V. Première Partie, p. 193 – 194.
91
Idem, ibidem, p. 194.
92
Idem, ibidem, p. 237. Cada conferência tinha em média uma hora de duração, acompanhada da
projeção de uma hora e meia de filmes (Cf. Idem, ibidem, p. 271).
93
Sobre a Cité des informations ver Marcel Olivier, op. cit., Tome IV: Vie de l’Exposition, p. 95 e ss.
94
Idem, ibidem, p. 129. Foram 126 sessões de cinema ocorrem entre junho e 15 de novembro, tendo
sido projetados 41 filmes. A relação do que foi exibido está organizada no relatório oficial a partir de
um critério de classificação geográfico. Não é possível ter certeza se são títulos de filmes ou se são os
nomes das regiões abordadas por cada documentário. Isso posto, temos, por região: - 18 filmes sobre a
África : Tunis, Dougga et Carthage; Biskra et El Kantara; Au pays des sultanats noirs; Sfax et ses
28
Um outro espaço importante da Exposição, a Seção Metropolitana, reunia
‘tout ce que la métropole est capable de mettre à la disposition des pays neufs et
lointains dont elle a la charge et qu’elle a décidé d’appeler à la civilisation’ 95. Tendo
em vista os seus objetivos comerciais, a função que ‘s’impose’ à Seção é a de
propaganda. Como o general Olivier afirma, seu objetivo era ‘convaincre de la
nécessité qu’il y a, malgré la crise que nous traversons, - et peut-être même en raison
de cette crise, - à faire l’effort utile pour mettre en lumière l’intérêt qu’a notre empire
d’outre mer à s’approvisionner dans la mère-patrie (…)’ 96.
O visitante era preparado, portanto, para apreender visualmente tudo o que na
Seção Metropolitana ‘c’était l’effort d’intelligence, dévouement, de technique et de
capitaux dépensés par la mère-patrie dans son domaine d’outre-mer’ 97. Ao entrar, no
primeiro hall central, tomava contato com a representação do tema ‘Électricité’. À sua
direita, pela ordem, passaria pelos halls laterais ‘Précision’, ‘Chirurgie’, ‘Musique’,
‘Photo’, ‘Cinéma’ e ‘Théatre’. O espaço evocativo da participação do cinema nessa
ação civilizatória ficava em frente aos dos grupos ‘Aviation’ e ‘Automobiles’, que
ocupavam o hall central depois de ‘Electricité’ 98.
Foram expostos ‘les diverses branches de l’industrie cinématographique’,
através de ‘appareils et accessoires utilisés pour la projection et la prise de vues et de
son’, ‘appareils de salon’, ‘des films d’enseignement (J. Benoit-Lévy, Compagnie
universelle cinématographique, Cinématographie documentaire, Société Pathé,
Reutlinger, Société Synchro-Ciné)’, ‘des costumes et meubles d’époque pour les
studios’, ‘objets nécessaires à l’agencement des salles des spectacles’ por 17 empresas,
maquete reconstituindo pequeno estúdio ; ‘une autre reconstitution muette, figuré par
des mannequins, représentait avec une grande ressemblance certains artistes connus,
environs; La vie des termites; Vers le Tchad; Le réveil d’une race; Amours exotiques; Images
d’Afrique; Le mystère du gaz des forêts; Film etnographique et nosographique du docteur Muraz sur
l’A. E. F.; Extraits du film Le réveil d’une race et films scientifiques du docteur Jamot; La chant du
Hoggar; En avion chez les Pygmées; La croisière noire; L’Afrique vous parle; Siroco; Le Maroc ; - 4
sobre Madagascar ; 4 a respeito da América [Impressions martiniquaises ; Les merveilles de
l’Amazone ; Nord 70º - 22º (Groënland) ; Au pays du scalp (sources de l’Amazone)]; 10 acerca da
Ásia ; 3, Oceania ; 1 em ‘Divers’ (Histoire de la plus grande France) ; e um sobre a Grécia. (Cf. Marcel
Olivier, op. cit., Tome IV: Vie de l’Exposition, p. 323 – 324). Um dos filmes sobre Madagascar é
comentado em Madagascar a l’ecran, In : Exposition coloniale internationale. Bulletin d'informations,
n. 7, novembre 1930, p. 11 – 12.
95
Introduction, Marcel Olivier, op.cit., Tome VI. Première Partie: La Section métropolitaine, p. V –
VI.
96
Idem, ibidem, p. VIII – IX.
97
Idem, ibidem, p. X.
98
A Seção Metropolitana contava com 33 grupos e 163 classes. Ver Marcel Olivier, op.cit., Tome VI.
Première Partie: La Section métropolitaine, p. 5 e 7.
29
revêtus de costumes du XVIIIe siècle’, que interessou muito o público ; e, por fim, a
reprodução de uma sala de cinema 99.
Atendendo a perspectiva comercial que orientava a Seção Metropolitana, o
relator afirma que ‘les exposants eurent tout lieu d’être satisfaits du mouvement
d’affaires que provoqua chez eux leur participation à l’Exposition’, com encomendas
tendo sido feitas em Paris, no interior da França e pelas colônias 100.
A Chambre syndicale française de cinématographie organizou stand ‘où était
donnés des renseignements cinématographiques’ 101. Ocorreram projeções de filmes,
não mencionados. O cinema também comparecia no Pavilhão da Publicidade,
destacado da Seção Metropolitana em virtude do quadro acima apontado sobre o
papel que a Exposição desempenhava em seu contexto. Nele, havia uma seção
intitulada ‘Publicité par le cinéma et le son’ 102.
A premiação conferida à cinematografia não destacou nenhum filme em
especial, mas as empresas produtoras, como a Société Lumière e Gaumont (hors
concours), a Pathé Enseignement (grand prix), etc 103.
Mesmo com toda esta atividade, ‘quelques circonstances économiques n’aient
pas permis à cette exposition d’être proportionnée à l’importance même du cinéma’
104
. A participação na Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la vie
moderne de 1937 enfrentará problemas de outra ordem, o que não impedirá uma
abrangência maior de sua atuação, como veremos.
99
Idem, ibidem, p. 135 - 136.
Idem, ibidem, p.. 136.
101
Idem, ibidem, p. 136. Os nomes ligados à indústria cinematográfica francesa participaram também
das comissões organizadoras, como foi o caso de Léon Gaumont, vice-presidente do grupo III –
Instruments et procédés généraux des lettres, des sciences et des arts destinés ou utilisés aux colonies -,
M. Costil, diretor da Société des Établissements Gaumont, présidente da classe 12b, Cinématographie,
que também contava com André Debrie, administrateur-directeur des Établissements André Debrie,
seu vice-presidente, Georges Grassi, da Société française des Films Parlants, seu secretário, e R.
Gaumont, ‘attaché au service financier de la société des Établissements Gaumont’, seu tesoreiro. (Idem,
ibidem, p. 116 – 117).
102
Idem, ibidem, p. 32 - 33.
103
Marcel Olivier, Ministère des Colonies. Exposition coloniale internationale de Paris. 1931. Tome VI.
Deuxième Partie : La Section Métropolitaine [écrit avec la collaboration de M. Fernand Rouget].
Paris: Imprimerie nationale, 1933, p. 768.
104
Marcel Olivier, op.cit., Tome VI. Première Partie: La Section métropolitaine, p. 135 - 136.
100
30
c. Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la vie moderne
(1937)
‘Une Exposition internationale est une confrontation’
Edmond Labbé, comissário geral da Exposição
A Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la vie moderne foi
realizada em Paris entre maio e novembro de 1937, em meio à guerra civil espanhola,
à ascensão do nazi-fascismo, e dois anos antes da eclosão da Segunda Guerra. Foi a
sétima e última exposição desse tipo em Paris e na França 105. Como praticamente
todas as exposições, o período entre sua idealização e sua concretização foi longo,
repleto de atrasos e tomado por dúvidas em relação à sua viabilidade 106. No decorrer
de seus preparativos, marcado por greves, falta de materiais e ampliação do site,
assume o governo em julho de 1936 a Frente Popular, que imprimiu modificações na
orientação geral do evento. Dentre as diferentes iniciativas que ganharam corpo com a
Frente Popular estiveram: a celebração da vida operária e campesina, expressa com o
Centre Rural, a Maison du Travail e o Pavilhão da Solidariedade, dentre outros; as
festas populares, como a Festa do Trabalho, confiadas pela organização às
associações culturais de esquerda; a política de popularização da Exposição; e o
empenho na difusão do conhecimento e na vulgarização científica, sendo o Palais de
la Découverte 107 e a exposição Chefs d’œuvre de l’art français dois exemplos neste
sentido. Seu sucesso de público foi celebrado pela esquerda como uma vitória política
108
.
105
Cf. Bertrand Lemoine, Préface, In : Paris 1937: cinquantenaire de l'Exposition internationale des
arts et des techniques dans la vie moderne: [exposition, Musée d'art moderne de la Ville de Paris, 13
mai-30 août 1987]. Paris: Institut français d'architecture: Paris-musées, 1987, p. 13. Lemoine considera
em sua conta apenas as exposições de 1855, 1867, 1878, 1889, 1900 e 1925. Para ele, a Exposition
Coloniale de 1931 ‘avait un caractere trop particulier’ para ser comparada a de 1937.
106
Para um histórico mais detalhado desse processo, ver Bertrand Lemoine, op. cit., p. 13 e ss, e
Edmond Labbé, Ministère du Commerce et de l’Industrie. Exposition Internationale des Arts et
Techniques. Rapport Général. Tome I. Paris, Imprimerie Nationale, 1938, p. 34 e ss.
107
O Palais de la Découverte, espaço expositivo idealizado para ser temporário, permanece em razão
de seu sucesso. Dentre as reformulações urbanísticas provocadas pela Exposição está a demolição
parcial e reformulação do Trocadéro.
108
Sobre o contexto politico da época e o lugar do regionalismo neste quadro, ver Madeleine
Rebérioux, L’Exposition de 1937 et le contexte politique des années trente, In : Paris 1937, op. cit., p.
26 – 29. No mesmo livro, Pascal Ory detalha o programa do Front Populaire para o evento (Cf. Le front
populaire, p. 30 – 35). A respeito do regionalismo ver também Edmond Labbé. Ministère du
Commerce et de l’Industrie. Exposition Internationale des Arts et Techniques. La Section Française:
Les participations régionales. Rapport Général. Tome VIII. Paris, Imprimerie Nationale, 1938.
31
Sua motivação econômica era clara. Dada a crise de 1929, os objetivos eram
contribuir para a recuperação da indústria e artesanato nacionais e para a diminuição
do desemprego 109. De um ponto de vista ideológico, sua intenção era a de celebrar a
paz mundial 110 e ‘de contribuer à la coopération intellectuelle de l’humanité’. Essa
perspectiva será materializada por meio de
‘une exposition thématique sur la Pensée – on fête aussi en 1937 le tricentenaire
du Discours du méthode de Descartes, et un congrès lui est consacré –, une
exposition « des échanges intellectuels à travers le monde » au Musée d’Art
Moderne de la Ville (…) et surtout dans la colonne de la Paix construite para
111
Laprade et Bazin à l’initiative du Rassemblement Universel pour la Paix’
.
No que diz respeito à arte, deve-se a Léon Blum, dirigente da Section
française de l'Internationale ouvrière (S.F.I.O.) e chefe de governo do Front Populaire,
duas decisões que são consideradas pró-modernistas: a contratação dos Delaunay,
Robert e Sonia, para a ornamentação do Pavillon de l’Air e a entrega do projeto do
Pavillon des Temps Nouveaux ao grupo de Le Corbusier. Além disso, os modernistas
foram chamados para compor os júris oficiais das diferentes exposições organizadas
no campo das artes visuais, o que ‘ils permettent du moins de situer dans une logique
‘progressiste’ les programmes artistiques des sites front-populaires (sic) de
109
Desemprego que também era alto entre os artistas. Um dos objetivos declarados da Exposição foi o
de dar trabalho ao maior número de artistas possível, o que dificultou o predomínio de um estilo em
1937. O diretor dos trabalhos de arte, Louis Hautecoeur, conservador do Musée de Luxembourg, era
um dos defensores dessa proposta, e consciente era de ‘que toutes ces œuvres ne seront pas de chefsd’œuvre’. Para ele, se algumas das obras permanecessem após o evento, a missão já terá sido cumprida.
Ao final, 464 artistas plásticos, 271 escultores e 269 ‘artistes décorateurs’ receberam algum tipo de
encomenda. Ver Blandine Chavanne e Christiane Guttinger, La Peinture Décorative, In : Paris 1937,
op. cit., p. 366. A declaração Hautecoeur foi retirada daqui.
110
O volume do relatório oficial dedicado aos resultados da Exposição foi publicado apenas em 1940.
O atraso, geralmente comum em publicações desse tipo, deveu-se à eclosão da Guerra. Neste sentido, o
balanço é amargo: ‘pouvait-on prévoir la catastrophe qui s’est abattue sur le monde ?, Cf. Edmonde
Labbé. Ministère du Commerce et de l’Industrie. Exposition Internationale des Arts et Techniques. La
vie et les résultats de l’exposition. Rapport Général. Tome XI. Paris, Imprimerie Nationale, 1940, p.
VII.
111
Bertrand Lemoine, op. cit., p. 14. De acordo com o autor, mais de 600 congressos são realizados a
fim de celebrar o pensamento. No catálogo desta mostra, sob a curadoria da Comisssão Francesa de
Cooperação Intelectual, há uma parte sobre a Coopération Intellectuelle par Le film. Em um das
fotografias reproduzidas, lemos : ‘CONVENTION POUR FACILITER LA CIRCULATION
INTERNATIONALE DES FILMS AYANT UN CARACTÈRE ÉDUCATIF – Article III. Les Hautes
Parties Contractantes s’engagent à assurer l’exemption de tous droits de douane et de toutes taxes
accessoires, de quelque nature qu’ils soient, pour l’importation définitive ou temporaire, le transit et
l’exportation des films ayant un caractère éducatif international’ (Cf. Commission Française de
Coopération Intellectuelle, Les échanges intellectuels à travers le monde; [préface d'Édouard Herriot.
Genèse et plan par C. Bouglé]. Paris: Impr. de Lang, Blanchong et Cie, 1938, sem indicação de página).
32
l’Exposition, qui, sans eux, laisseraient une image ambiguë’ 112. Como afirma Pascal
Ory,
socialement unanimiste (voir le film La Marseillaise), culturellement, continuiste
(sic), le Front populaire unissait en effet aussi l’essentiel des avant –gardes,
assagies, des années 20 – du Groupe des six à Germaine Dulac, d’André Lhote au
Cartel -, mobilisées contre le ‘fascisme brûleur de livres’ en même temps que
soulevées par l’enthousiasme des jeunes associations 113.
Apesar destas medidas oficiais, a participação dos artistas modernos nos
pavilhões franceses era pequena. As comissões responsáveis pela seleção
‘ont choisi de respecter tous les mouvements et de distribuer les travaux
proportionnellement à chaque groupe stylistique. C’est pourquoi il est faux de ne
retenir de l’Exposition que les créations de Delaunay, Aublet ou Léger, et qu’il est
difficile de dégager un style ‘37’’ 114.
Em relação aos pavilhões estrangeiros, a situação era a mesma. Um outro emblema
desta Exposição, Guernica, de Pablo Picasso, feito especialmente para o Pavilhão do
governo republicano espanhol, não era a tônica.
O ecletismo, portanto, predominava. A falta de unidade de estilo por vezes se
manifestava no interior mesmo de um pavilhão. Deve-se considerar ainda que são os
arquitetos os responsáveis pela escolha da ornamentação, qual a obra, o estilo e,
portanto, o artista. Muitas vezes, a fim de evitar o conflito estilístico entre artistas
diferentes, os arquitetos resolviam o problema separando-os completamente no
interior de um mesmo pavilhão 115. Outros arquitetos defendiam a unidade entre o
pavilhão e as obras, como foi o caso de Le Corbusier. Para ele, deve existir ‘un lien
indissoluble entre l’architecture et l’œuvre d’art qui l’accompagne, un lien d’une
subtilité extrême, un lien d’ordre mathématique (…) qu’il y faut des longueurs
d’ondes parfaitement correspondantes’ 116.
112
Pascal Ory, op. cit., p. 33.
Idem, ibidem, p. 32.
114
Ver Blandine Chavanne e Christiane Guttinger, op. cit., p. 367.
115
No caso do pavilhão da aviação, por exemplo, Robert Delaunay ficou encarregado da pintura mural
do hall. Charles Fouqueray, ‘la galerie historique de l’aviation du premier étage’ (Cf. Blandine
Chavanne e Christiane Guttinger, op. cit., p. 367). Andre Lhote criticou, em Peinture d’abord, Paris,
1942, p. 56, a mistura de estilos na Exposição, como se a intenção fosse a de ‘dérouter le public en
mélangeant systématiquement, au sein de chaque palais, l’ivraie et le bon grain’ (Apud Blandine
Chavanne e Christiane Guttinger, op. cit., p. 391).
116
Le Corbusier, A propos des peintures murales a l’Exposition de 1937, In : 1937, Exposition
Internationale des Arts et des Techniques: [exposition], 13 juin – 20 août 1979, Centre Georges
Pompidou, Musée national d'art moderne. Paris: Centre Georges Pompidou, Musée national d'art
moderne, 1979, p 12. Le Corbusier lamentava, assim, a exposição do moderno Léger no ‘terrible’
Grand Palais. Para ele, os casamentos felizes entre arquitetura e pintura ocorreram, por exemplo, entre
as pinturas murais de Robert Delaunay e o Palais des Chemins de Fer e o Palais de l’Aviation.
113
33
Apesar desse predomínio, deve-se ressaltar que a Exposição se constituiu em
um veículo de comunicação destes artistas modernos com o grande público, e a
pintura mural será um dos procedimentos adotados para tal fim. No que diz respeito
ao conjunto do que foi exposto, também havia muito diversidade. Tivemos de
Fernand Léger, Robert Delaunay e Raoul Dufy a um ‘Staline entouré des généraux de
la troisième Armée d’infanterie’, no pavilhão da U.R.S.S. 117.
O momento da Arte na França é ‘d’un retour à une réalité systématiquement
explorée – sorte de réalisme assez nouveau, en liaison directe avec les arts appliqués
et l’architecture où ne sont gardés que les éléments les plus significatifs d’un réalisme
issu des années vingt’ 118. Há uma renúncia ao trabalho de pequenas proporções,
destinado às coleções privadas, rumo ‘la création à but collectif, l’art mural’. Fernand
Léger, em texto de 1937 (Sur la Peinture. Les Artistes à Paris et l’Exposition, 1937)
afirma que ‘cet art mural va devenir un des côtés assez nouveau de l’Exposition’. Para
ele, o urbanismo passará a privilegiar depois as relações ‘habitation-usine-monument’
119
. A arte mural, inserida em espaços não privados e feita coletivamente 120, coloca a
questão da comunicação e do entendimento da obra pelo público. Questão que em 35
leva ao debate em torno do realismo, que ficou conhecido como ‘la querelle du
réalisme’.
Duas correntes se formaram : a do ‘nouveau réalisme’ e a do ‘réalisme
français’. O segundo, pautado por uma aproximação aos princípios do realismo
socialista. Privilégio era dado ao conteúdo, com renúncia ‘à des recherches
exclusivement plastiques et entachées d’avant-gardisme’, tidas como distantes do
popular 121. Louis Aragon é um de seus principais defensores 122.
Ao lado do ‘nouveau réalisme’ se encontram Fernand Léger e Le Corbusier,
que o definem, segundo Patrick Weiser, como ‘un réalisme intérieur, résolument
tourné vers l’avenir et permettant à l’artiste toutes les recherches plastiques
117
Bertrand Lemoine, op. cit., p. 21.
Pontus Hulten, Sem título, 1937, Exposition Internationale des Arts et des Techniques, op. cit., p. 3.
119
Apud Patrick Weiser, Sem título, 1937, Exposition Internationale des Arts et des Techniques, op.
cit., p. 3.
120
Sobre o trabalho coletivo envolvido na confecção de uma pintura mural, ver o depoimento de
Robert Delaunay em Palais de l’Air et des Chemins de Fer, Robert Delaunay (Du Cubisme à l’Art
Abstrait, Paris, Sevpen, 1957), In: 1937, Exposition Internationale des Arts et des Techniques, op. cit.,
p. 15.
121
Patrick Weiser, op. cit., p. 4 – 5.
122
Louis Aragon, Sem título, La Querelle du Réalisme, Paris, Editions Sociales Internationales, 1936,
In : 1937, Exposition Internationale des Arts et des Techniques, op. cit., p. 16.
118
34
novatrices’. Para Léger, em texto citado anteriormente, trata-se de preparar a ‘seconde
ère du machinisme’ 123.
O tema da Exposição de 1937, como o seu próprio titulo indica, foi a
conjunção entre arte e técnica, o que lhe conferia um recorte mais específico se
comparada as anteriores. De acordo com Edmond Labbé, o seu objetivo era reunir:
‘les œuvres originales des artistes et industriels. Elle s’efforcera de montrer que
des réalisations artistiques peuvent intervenir dans les plus modestes domaines,
qu’aucune incompatibilité n’existe entre le beau et l’utile, que l’art et les
techniques doivent être indissolublement liés, que si le progrès naturel se
développe sous le signe de l’art, il favorise l’épanouissement des valeurs
spirituelles, patrimoine supérieur à l’humanité. Elle sera ouverte à toutes les
productions qui présenteront un caractère indiscutable d’art et de nouveauté’124.
Esta valorização do belo e do útil, como se entendia a ligação entre os dois
campos, podia ser percebida na Exposição pela presença dos ‘‘métiers d’art’, orientés
vers les objets de luxe’, do ‘l’artisanat lié à une production essentiellement régionale’
ou da ‘l’art au service de l’industrie’ 125. Em relação a este último aspecto, cabe
ressaltar que esse tema era recorrente à época no construtivismo, em Brecht e mesmo
naqueles preocupados com o realismo, como era o caso de Louis Aragon em 1935,
quando afirma a necessidade do artista, no caso o escritor, ser um ‘ingénieurs des
âmes (un concept que l’on trouve chez Staline), au sens scientifique du mot ingénieur’
126
. Na perspectiva do ‘nouveau réalisme’, era a possibilidade de representar a
equação velocidade = arte abstrata 127.
123
Apud Patrick Weiser, op. cit., p. 5. Léger, perguntado sobre o que faria caso fosse o organizador de
Exposição de 37, afirma que proporia uma intervenção urbana em que as fachadas das casas seriam
pintadas de branco, as avenidas, de amarelo, azul e vermelho, os ônibus e bondes teriam suas cores
mudadas, a torre Eiffel, camuflada, a fim de que ela fosse ‘parlante, sonore’, tudo, enfim, para criar
uma ‘atmosphère lumineuse, translucide’. A cidade é pensada como objeto de criação de ‘une féerie
nouvelle’ : ‘se servir des rues comme fond à un décor lumineux complètement indépendant du profil de
l’immeuble ou du monument, créer des lignes lumineuses qui courent sur les rues, s’élèvent au dessus,
vont jusqu’au sol en se continuant tout le long. Lignes décoratifs et harmonieuses à inventer’ (Cf.
Fernand Léger. Réponse à une enquête : que feriez-vous si vous aviez à organiser l’Exposition de
1937 ? VU, Paris, nº 387, 1935, In: 1937, Exposition Internationale des Arts et des Techniques, op. cit.,
p. 7).
124
Edmond Labbé, op. cit., Tome I, p. 56.
125
Bertrand Lemoine, op. cit., p. 15.
126
Apud Rosi Huhn, Art et technique : la lumière, In : Paris 1937, op. cit., p. 394.
127
Conforme o comentário de um crítico da época, as pinturas murais de Robert e Sonia Delaunay,
Léopold Survage e Aublet são ‘vertiges de l’infiniment petit et de l’infiniment grand, jeux féériques de
la diffraction et des interférences, fusées et fusion, tout n’est qu’illusion, le temps n’est qu’un songe…’
Louis Chéronnet, Sem título, (Marianne, nº 252, Paris, 18 août 1937), In: 1937, Exposition
Internationale des Arts et des Techniques, op. cit., p. 15.
35
Também um traço comum aos eventos do mesmo tipo, tivemos a ênfase na
propaganda 128. A diferença diz respeito ao seu contexto, pois essa questão ganhou um
outro contorno com a ascensão dos regimes totalitários na década de 30. Ascensão
que teve impacto direto no uso do cinema pelo Estado e, em decorrência, pela
Exposição, como veremos. O didatismo foi associado à propaganda, e várias serão as
ações nesse sentido, sendo a de maior repercussão a criação do Palais de la
Découverte.
Um dos campos em que primeiro a propaganda tomou corpo foi a arquitetura.
Esta exposição se tornou conhecida, por exemplo, pela “dramatic architectural
confrontation” entre dois pavilhões que foram posicionados um em frente ao outro: de
um lado, o da União Soviética; de outro, o nazista, concebido por Albert Speer 129.
Do ponto de vista arquitetônico, os dois pavilhões foram exemplares em sua vontade
de expressar simbolicamente a força e o poder de cada Estado em luta que não
demoraria muito para se tornar real. Afinal, como bem sintetizou o comissário geral
da Exposição, Edmond Labbé, ‘une Exposition internationale est une confrontation’
130
.
128
A organização do serviço de propaganda na Exposição é historiada e detalhada por Edmonde Labbé
em op. cit., Tome XI, 1940, p. 3 e ss. A estrutura era ampla e compreendia o serviço da Imprensa, o da
Propaganda no exterior, o da revista da Exposição, o da Publicidade, o dos Esportes, e o do Turismo e
Transportes (idem, ibidem, p. 10).
129
A. Chandler, Paris 1937. Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la vie moderne In: J.
Findling e K. Pelle (eds.). Historical Dictionary of World’s Fair and Expositions, 1851-1988. NY:
Greenwood Press, 1990, p. 286, 288.
130
Edmond Labbé, op. cit., Tome I, p. 240.
36
O pavilhão soviético e o pavilhão nazista frente à frente
O pavilhão soviético é marcado pelas ambigüidades trazidas pela introdução
do realismo socialista nos anos 1930. Ele é assim descrito no programa de sua
construção, aprovado em 1936:
Le pavillon de l’U.R.S.S. doi être en lui-mêmeme un objet d’exposition,
exprimant l’essor de la culture socialiste, de l’art, de la technique et de la création
des masses, en vertu du système socialiste. L’architecture du pavillon doit, par ses
formes claires et joyeuses, témoigner de la créativité de ce système, porteur d’un
37
développement sans précédent de la culture des masses et d’un renforcement de
131
toutes les capacités créatrices de l’homme
.
O pavilhão soviético
A ambigüidade acima diz respeito ao conjunto, ou seja, o pavilhão
propriamente dito, o conjunto escultórico que o encima, de autoria de Vera Muhina, e
o seu interior, cuja ornamentação e ocupação das salas ficam a cargo da equipe de
131
Apud Jean-Louis Cohen, U.R.S.S. Boris Iofan, In: Paris 1937, op. cit., p. 183. Melnikov, autor do
pavilhão soviético da Exposição de 1925 participou também do concurso, que terminou por selecionar
o projeto de Iofan.
38
Nikolaj Suetin, ‘un des plus fidèles disciples de Kazimir Malevic’, sendo que as
pinturas ficaram a cargo da equipe coordenada por Aleksandr Dejneka, ‘l’un des
artistes les plus originaux de la scène du ‘réalisme socialiste’’. O conjunto é
contraditório, dado que o conjunto escultório ‘se rattache à l’école parisienne de
sculpture du début du XXe siècle’ e homenageia a estátua da Liberdade, de Frédéric
Bartholdi, e seu interior é composto por elementos abstratos, cuja origem é les
‘Arhitektony’, os estudos feitos por Malevic no começo dos anos 20 132.
O pavilhão nazista é pensado como resposta ao comunista. Após ter visto a
maquete do que seria o futuro pavilhão soviético, Albert Speer conta, em livro de
1971, o que resolveu fazer :
Sur un socle très élevé, une sculpture d’une dizaine de mètres de hauteur
s’avançait triomphalement vers le pavillon allemand. Voyant cela, je conçus un
cube massif, rythmé par de lourds pilastres, paraissant arrêter un assaut, tandis
que, du haut de la corniche de ma tour, un aigle, la croix gammée dans ses serres,
toisait du regard le couple soviétique 133.
A Exposição de 37 foi a segunda oportunidade que o regime nacionalsocialista teve para se voltar à audiência internacional, logo após a Olimpíada de 1936.
O pavilhão de Speer, um ‘santuário do Estado’ 134, obteve reconhecimento por parte
da comissão organizadora, já que recebeu do júri uma medalha de ouro. Como diz
Dieter Bartezko, a construção sintetiza as principais características da arquitetura
nazista, vista como ‘une démonstration devant l’opinion internationale de la
renaissance de la nation’ :
Ses matériaux : les forme néo-classiques ; son objectif : la fascination des
masses ; son procédé le plus important : la lumière, symbole de la séparation entre
le bien et le mal, créatrice d’une atmosphère magique, incarnation de la pureté.
Chaque réalisation de l’art nazi était environné de projecteurs et devenait la nuit
une construction lumineuse’ 135.
132
Jean-Louis Cohen, op. cit., p. 186 – 187.
Apud Bertrand Lemoine, op. cit., p. 19. O autor faz uma discussão aprofundada sobre os estilos
arquitetônicos presentes nos pavilhões e demais edificações da Exposição. Ver também, no mesmo
livro, Jean-Louis Cohen, op. cit., p. 183 – 189.
134
Santuário também no sentido de valorizar a morte e o sacrifício necessários à consolidação do
Estado Nacional. Nesse sentido, tal é a leitura de Dieter Bartezko: ‘ La tour frontale du pavillon de
1937 est une transcription monumentale et brutale de ces temples, ou plutôt de ces mausolées. (…) il
manifeste le goût de la mort du système nazi. La tour frontale apparaît comme un monument funéraire
et le hall comme un sarcophage de mégalomane.’ (Cf. Dieter Bartezko, Allemagne. Albert Speer, In:
Paris 1937, op. cit., p. 137).
135
Dieter Bartezko, op. cit., p. 135 e 138. Sobre o pavilhão alemão ver também Edmond Labbé.
Ministère du Commerce et de l’Industrie. Exposition Internationale des Arts et Techniques. Les
Sections Étrangères (1ère Partie). Rapport Général. Tome IX. Paris, Imprimerie Nationale, 1939, p. 11
– 64. Segundo consta, o relatório se constitui a partir de ‘documentation fournie par le Commissariat
général de l’Allemagne’ (p. 11).
133
39
Esta dimensão luminosa já se constituía em um traço da cultura alemã, presente, por
exemplo, como elemento cênico nas encenações de Richard Wagner, quando se
popularizou ‘le symbole de la Jérusalem céleste de cristal dans l’Ancien Testament et
celui du Temple du Graal dans la légende de Parsifal’, e no pavilhão alemão na
Exposição universal de Barcelona em 1929, quando Mies van der Rohe, ‘laissait
couler à flots la lumière naturelle dans toutes les salles, par d’immenses baies vitrées’
136
.
136
Idem, ibidem, p. 138.
40
O pavilhão alemão à noite 137
Essa ‘arquitetura cristalina’ e luminosa, como bem observou Dieter Bartezko,
também estava presente nos filmes de montanha de Leni Riefensthal e naqueles em
137
Como diz Dieter Bartezko, ‘ce n’est que dans le halo des projecteurs et des candélares que
s’accomplit cette architecture, témoignage illusoire de ce que soutenaient les nazis du Troisième Reich’
(idem, ibidem, p. 139). Para uma discussão aprofundada sobre o lugar da luz na arquitetura nazista, ver
Rosi Huhn, op. cit., p. 397.
41
que a arquitetura desempenha papel fundamental, como Triunfo da Vontade (1935) e
Olympia (1938).
A grande estrela da Exposição, o vetor e símbolo da modernidade a serem
celebrados, foi a eletricidade. Um pavilhão a ele dedicado, o da Electricité et Lumière,
concebido por Robert Mallet-Stevens e Georges Pingusson, além de pinturas murais,
como as de Dufy e Léger, e festas noturnas acompanhadas por músicas compostas por
Darius Milhaud, Georges Auric, Arthur Honegger, Jacques Ibert, contribuíam para
dar forma a este etéreo elemento.
Raoul Duffy - La fée électricité, 1937 (Pavilhão da Eletricidade e da Luz)
42
Fernand Léger - Le Transport des forces, 1937 (Palais de la Découverte) 138
O cinema era onipresente, meio de comunicação que sintetizava arte e técnica.
Como dissemos, a celebração da eletricidade e da luz pela Exposição e a valorização
da ‘arquitetura cristalina’ em diferentes pavilhões, principalmente o nazista, tornavam
o cinema expressão por excelência da pretendida modernidade. Sinal desta expressão,
foi a construção de uma tela gigante, na fachada do pavilhão da Eletricidade e da Luz,
de autoria de Robert Mallet-Stevens e Georges Pingusson, que deveria exibir filmes
panorâmicos feitos especialmente para a exposição 139.
O próprio programa da Exposição, estabelecido em novembro de 1934, nivela,
pelo alto, o lugar do cinema. Ele está no Grupo I, ‘Expression de la pensée’, classe 6,
‘Manifestations cinématographiques’. Neste grupo, que é presidido por Paul Valéry,
temos: 1) ‘Découverte scientifiques dans leurs applications’ ; 2) ‘Manifestations
littéraires. Bibliothèques’; 3) Musées et Expositions ; 4) Manifestations théâtrales ; 5)
Manifestations musicales, choréographiques ; 7) Congrès, Conférences’ 140. Trata-se,
138
À época, essa pintura ornamentava a sala ‘Physique du Globe’ no Palais de la Découverte. Hoje,
neste centro de divulgação científica, a pintura se encontra entre um dos níveis da escadaria lateral que
nos leva do térreo ao primeiro andar. A pintura mural de André Lhote teve menos sorte: escondida
atrás de um dos diversos stands dedicados à demonstração de experimentos científicos, tem no atual
espaço espositivo pequena visibilidade, apesar do seu tamanho.
139
Bertrand Lemoine e Philippe Rivoirard, Electricité et Lumière. Robert Mallet-Stevens, Georges-H.
Pingusson, In : Paris 1937, op. cit., p. 221 – 233.
140
Edmond Labbé, op. cit., Tome I, p. 301. Ele também se encontra no grupo IV, ‘Diffusion artistique
et technique’, classe 14, ‘Photographie. Cinématographie’. Juntos a ele estão : 15) Phonographie ; 15
bis) Radiocommunications. Radiophonie. Télévision ; 16) Presse. Propagande; 16 bis) Manifestations
radiophoniques’. Outra vez o encontramos no grupo V, Urbanisme. Architecture, classe 21, dentre os
43
tendo em vista o percurso que estabelecemos em nosso projeto, de um
reconhecimento efetivo por parte das autoridades do papel efetivo que o cinema
ocupa dentro da cultura. Não mais um anexo ou um auxiliar da imprensa ou da
fotografia, mas meio autonomo de expressão do pensamento 141. Como diz Labbé,
‘le cinématographe règne en maître incontestable sur tous les points du globe.
(…) Son influence, sa puissance, l’éloquence précise des images animées qu’il
surprend et enregistre dans tout l’univers en font le meilleur des diplomates, des
reporters, des avocats, des agents de propagande. (…) Il renseigne et il enseigne’
142
.
Tratava-se naquele momento de celebrar também Louis Lumière, presidente
de honra da classe 6 143. Esta classe tinha por missão:
de démontrer que le cinéma est l’un des plus précieux auxiliaires de la Pensée ! Le
cinéma devait, à ce titre (…) collaborer à la féerie de l’Exposition et ajouter à son
spectacle. Que dis-je ? Il devait le multiplier, en apportant des visions du dehors,
de la vie provonciale (sic), des métiers régionaux. Il devait contribuer à faire
connaître l’existence artisanale dans le monde entier, présenter aux visiteurs les
aspects de notre pays ; montrer, dans ces images multipliées, ses paysages, ses
mœurs, ses traditions. Il devait être, en un mot, une des expressions les plus
‘Édifices publics et à usage public’. Ver idem, ibidem, p. 302. Delac, président de la chambre syndicale
de la cinématographie. Na Comissão de Cinema, como seu presidente, Louis Lumière, e como
membros, dentre outros, Jean Benoit-Lévy, na qualidade de secretário geral do comitê francês do
Instituto Internacional do Cinema Educativo, René Clair, Georges-Michel Coissac, André Debrie,
Germaine Dulac, Jacques Feyder, Julien Duvivier, Léon Gaumont, René Jeanne, Jean Painlevé, Charles
Pathé, Émile Vuillermoz. Dentre as associações de classe e sindicatos representados nesta comissão,
encontramos a Federação Nacional dos Syndicats d’Artisans français du Film, a l’Association des
Auteurs de films, a Association professionnelle de la Presse cinématographique, a Association
professionnelle de la Presse cinématographique, a Société des Auteurs, o Syndicat Français des
Directeurs de Théâtres cinématographiques, a Union des Artistes, o Syndicat des Opérateurs de prises
de vues, o Syndicat des Fabricants de Pellicules Vierges, e o directeur des Affaires commerciales et
industrielles au Ministère du Commerce et de l’Industrie. A relação completa dos participantes está em
Edmond Labbé, op. cit., Tome I, p. 435, 438 – 439. O relatório de Georges Cerf, Photo et cinéma à
l'exposition de 1937: classe VI, manifestations cinématographiques : classe XIV, photographie et
cinématographie. [Paris]: [s.n.], [1937], acrescenta Gabriel Astruc, Abel Gance, Mallet-Stevens,
Marcel Pagnol, Léon Poirier, Jean Renoir e Henri Roussel, p. 10 – 12.
141
Neste sentido, vários congressos foram dedicados ao cinema, como o Congrès International du Film,
ocorrido de 5 a 11 de julho, o Congrès international de la Presse cinématographique, o Congrès de la
Fox-Film, de 5 a 10 de julho, o Congrès Catholique du Cinéma, em 15 e 16 de julho, o Congrès
International du Cinéma d’Amateurs, de 6 a 12 de setembro, e, por fim, o Congrès de Documentation
photographique et cinématographique dans les Sciences, de 6 a 15 de outubro (Cf. Edmond Labbé, op.
cit., Tome XI, p. 374, 376, 380, 383). Há notícias mais detalhadas sobre a programação de alguns
destes congressos em Bulletin des congrès. Organe officiel de l'Exposition internationale de 1937. Paris,
n. 7, 13 juillet, p. 13 – 15, n. 9, 27 juillet, p. 11, n. 21 -22, 19 – 26 octobre, p. 8 – 12.
142
Edmond Labbé. Ministère du Commerce et de l’Industrie. Exposition Internationale des Arts et
Techniques. La Section Française: les groupes et les classes. Groupes I a V. Rapport Général. Tome V.
Paris, Imprimerie Nationale, 1939, p. 60.
143
Além de Lumière, que tinha um busto no Pavilhão Photo-Ciné-Son, outro patriarca do cinema
francês foi celebrado. Georges Méliès, ‘sans aucune doute, le premier metteur en scène du monde’, é
homenageado com um sessão dedicada a ele no Ciné 37 (Cf. Sem autor, Une manifestation au Ciné 37
en l’honneur de Georges Méliès, Programme quotidien officiel de l'Exposition internationale des arts et
techniques, n. 115, 5 octobre, p. 7). Há também uma entrevista com Lumière em La Exposición de
1937, Paris 1937: magazine officiel édité par le Commissariat général de l'Exposition. Paris 1937:
revista oficial editada por la Comisaría general. [Ed. española], n. 2, junio 1936, p. 19.
44
complètes de cette vie moderne que notre Exposition entendait montrer sous ses
aspects les plus diverses et les plus brillants 144.
A comissão dirigente da classe 6 promoveu um concurso em outubro de 1937
para escolher o melhor filme de longa-metragem francês, documentário ou filme de
reportagem, filme de amadores ‘(format réduits) français ou étrangers’, filme
científico e ‘entre les films techniques pouvant contribuer au développement de l’Art
cinématographique’ 145.
Doze filmes de ficção se inscreveram no Grand Prix des Films Français
présentés au jury de l’exposition 146. Apenas seis, porém, participaram, ‘après examen
de leur état civil’ 147. No relatório das classes 6 e 14, a justificativa para que La
Bataille Silencieuse, de Pierre Bilan, Drôle de Drame, de Marcel Carné, Forfaiture e
La Citadelle du Silence, ambos de Marcel L’Herbier, e Le Messager, de Raymond
Rouleau, fossem descartados da competição era ‘qu’ils ne remplissaient pas toutes les
conditions fixées par le règlement’ 148. Não foi possível visionar todos os filmes não
classificados para se ter uma ideia geral do desacordo de cada um com o regulamento
geral.
Destes, conseguimos visualizar Forfaiture (1937), de Marcel L’Herbier, o que
nos fornece algumas pistas para um melhor entendimento destas regras. O filme é
uma homenagem a The Cheat (1915), de Cecil B. de Mille, como é indicado logo em
sua apresentação, quando imagens da obra de 1915 e um letreiro nos dão essa
informação. Na França, The Cheat foi lançado como Forfaiture, e seu impacto foi
enorme, como a própria homenagem de L’Herbier indica 149. Um dos motivos de seu
144
Edmond Labbé, op. cit., Tome V, p. 61.
Idem, ibidem, p. 62.
146
Essa denominação se deve ao fato de que nem todos os filmes produzidos naquele ano, inclusive
‘quelques-uns des films les plus significatifs de la récente production française’, foram inscritos no
concurso (Cf. René Jeanne, Rapport des Operations du Jury du Grand Prix des Films Français
présentés au Jury de l’Exposition de 1937, Georges Cerf, op. cit., p. 48).
147
Edmond Labbé, op. cit., Tome V, p. 63. Outro documento traz a lista de filmes, a saber : Les
Hommes sans nom, Gribouille, de Marc Allegret e Marcel Achard, Les Perles de la Couronne, de
Sacha Guitry, Abus de Confiance, de Decoin e Pierre Wolf, La Mort du Cygne, Maman Colibri, de
Jean Dréville, L’Affaire du Courrier de Lyon, de Maurice Lehman, La Bataille Silencieuse, Drôle de
Drame, Forfaiture, La Citadelle du Silence, Le Messager (Cf. Georges Cerf, op. cit., p. 43).
148
Georges Cerf, op. cit., p. 43. Mais adiante, diz René Jeanne que os produtores destes filmes os
retiraram do concurso ‘parce qu’ils ne remplissaient pas les conditions imposées par le règlement’ (Cf.
René Jeanne, op. cit., p. 50).
149
A título de exemplo, no relatório oficial da Exposição de 1925, The Cheat é citada como uma das
três obras ‘admirables’ que chegaram dos EUA em 1915 – 1916 (as outras são Charlot apprenti, de
Charles Chaplin, e Pour sauver sa race, de Thomas Ince) (Cf. France. Ministère du Commerce, de
l’Industrie, des Postes et des Télégraphes. Exposition internationale des arts décoratifs et industriels
modernes, Paris, 1925. Rapport général. Section Artistique et Technique. Volume X. Théâtre,
Photographie et Cinématographie. Paris, Librairie Larousse, 1929, p. 68). André Dinar em Le cinéma,
145
45
reconhecimento se deve à atuação de Sessue Hayakawa, que interpretava o vilão,
papel que lhe deu no cinema silencioso americano grande notoriedade. Hayakawa
morava à época em Paris e foi escalado por L’Herbier para interpretar a mesma
personagem na refilmagem de The Cheat.
Há, porem, mudanças na história. Na adaptação francesa, o drama se passa na
Mongólia, situando o filme na questão colonial, já que acompanharemos o que se
passará com Pierre, responsável pela construção de uma estrada na região com capital
francês, vindo da Société Franco-Mongole. A primeira imagem do filme é da chegada
de Denise, sua mulher, a uma estação perdida em meio ao deserto. Ela é levada por
um motorista em seu caminhão ao acampamento onde Pierre a espera. O caminhão
transporta também trabalhadores, todos eles marcados a ferro e a fogo nas costas,
marca feita pelo príncipe e grande proprietário de minas da região, interpretado, como
veremos a seguir, por Hayakawa. A tensão, não percebida por Denise, transparece no
rosto do motorista, e a justificativa vem a seguir. O comboio é alvo de um tiroteio,
mas todos conseguem escapar. Inesperadamente, surge na estrada uma limosine. O
motorista conversa com o chofer e uma carona é oferecida a Denise. Dentro do carro,
ela tem o seu primeiro encontro com o príncipe Hu-Long. Seu desejo por Denise é
patente. Ela, por sua vez, se não chega a corresponder, demonstra por ele grande
curiosidade. Dentro do carro, ela percebe também que o homem ao seu lado é o
príncipe, ‘dono’ dos camponeses.
Pierre sofre com as dificuldades para o término da obra, como o tiroteio indica.
Certo de que o mandatário local está por trás dos problemas, solicita uma reunião.
Pierre somente é recebido por Hu-Long quando este se dá conta que Denise é sua
mulher. Começa, então, o jogo que enredará os dois na teia armada pelo vilão.
Como todo vilão, ele não é transparente em suas ações: promete a Pierre que
os ataques cessarão, o que não cumpre, contribuindo para o aumento das tensões no
acampamento; e introduz Denise em jogo de azar que é disputado em um clube da
cidade, jogo que provocará sua ruína financeira. Com isso, Denise se perde: rouba o
que havia sido arrecadado em uma festa organizada pela Cruz Vermelha e para não
cair em desgraça, pede dinheiro emprestado ao príncipe que, como imaginamos,
cobrará a dívida mais tarde. Acuada, Denise sabe que está enredada e, ao contar sua
história à mulher do embaixador inglês, conclui: ‘Je suis perdu’.
obra que integra a bibliografia deste relatório oficial, inclui The Cheat na sua relação dos filmes mais
célebres (André Dinar, Le cinéma. Paris: Gaston Doin et Cie, éditeurs, 1927, p. 264 – 265).
46
Pierre é chamado a Paris pelos societários. Por um lado, não consegue
finalizar a obra. Por outro, cartas enviadas da Mongólia sugerem que o responsável
pela construção da estrada estaria desviando recursos da empresa para sustentar o
estilo de vida de sua mulher. Quando Pierre chega à reunião, é informado de um
relatório contrário à sua gestão, preparado pelo príncipe, que se encontra também em
Paris a fim de trabalhar pela sua demissão, dado que seu objetivo é eliminar o seu
rival.
Pierre, ao invadir a casa de Hu-Long para cobrar dele satisfações, depara-se
com o príncipe agonizando. Ao vê-lo no chão, segura a arma do crime e é
surpreendido por um dos assistentes do príncipe. O cenário está montado: sabemos
que ele não foi o autor do tiro, e o suspense criado é direcionado no sentido de
descobrirmos a identidade do verdadeiro assassino.
Nós sabemos que Pierre é inocente, mas não as personagens da história. Por
isso, é preso e levado a julgamento. Tudo o que havia sido escondido dele vem à tona
neste momento ‘público’. No decorrer do processo, Denise é incriminada. Diante da
descrença do marido e da iminência de sua condenação, ela resolve confessar o
assassinato, que nós revemos ao final de Forfaiture: Denise se encontra com Hu-Long,
pedindo a ele que pare com as sabotagens e engavete o relatório feito contra o marido;
o príncipe entende ser o momento de cobrar sua dívida; eles discutem e se agridem
fisicamente; subjugada, Denise é posta de bruços sobre uma mesa, tem o seu vestido
rasgado, e o príncipe consegue marcá-la nas costas, como fez com os seus
trabalhadores; após ser ‘possuída’, ela se desvencilha, toma um revolver que se
encontrava na cena, e efetua os disparos.
Voltamos ao tribunal, e o procurador, não satisfeito apenas com a confissão,
pede uma prova. Diante de todos, ela mostra em suas costas a marca do príncipe 150.
Por mais que ao final tenhamos a conciliação entre Pierre e Denise (o marido
acredita naquilo que sua mulher lhe confidencia ‘J’était fole mais je n’est te pas
trompé’), o filme, em seu conjunto, distoa completamente do tom pretendido pela
exposição. Não há a celebração da virtude e do progresso. A questão colonial é
tomada como pano de fundo para uma história com moral ambígua: apesar do
assassinato do vilão, sua marca no corpo da mulher é permanente; a atração entre os
150
No filme de Cecil B. de Mille o vilão não é assassinado e a cena em que a mulher é marcada nos é
mostrada no decorrer da história.
47
dois também é trabalhada de forma a deixar dúvidas no espectador. Por isso, é o
próprio filme que traz os motivos de sua desclassificação do concurso.
Por outro lado, assistindo a Les perles de la couronne (1937), de Sacha Guitry,
entendemos também os motivos de sua seleção. Ao contar, com toda sua verve
dramática e domínio de cena, a história sobre a origem das quatro pérolas que
ornavam a coroa da Inglaterra, Guitry passeia por diferentes momentos da história da
Europa, motivo para que sejam encenadas situações ligadas às cortes européias, como
a de Catarina de Médicis, de Henrique VIII, de Maria Stuart e assim por diante. Como
as pérolas passam de mãos em mãos e de geração a geração, chegamos ao presente e à
investigação sobre a seu destino. As sequências finais se passam dentro do navio
Normandie, sendo o último plano do filme uma imagem aérea do navio. Esta
embarcação, inaugurada em 1935 era tratada como um orgulho nacional, e sua
decoração interna, que vemos em alguns planos, foi ‘la dernière marque de cette
emprise Art déco’
151
. Luxo na reconstituição histórica, atuação de uma figura
respeitada no mundo teatral, preocupação com o vernáculo culto e sintonia com os
símbolos da modernidade de sua época também nos auxiliam a compreender os
motivos de sua inclusão no concurso.
Como dissemos, nem todos os filmes se encontram disponíveis para
visionamento, dado que seria importante para entendermos as escolhas feitas nesta
premiação. Esta ficou com La Mort du Cygne (1937), de Jean-Benoit Lévy e Marie
Epstein. Ao conferir este prêmio, os jurados quiseram mostrar ‘qu’ils avaient compris
et apprécié les préoccupations morales et artistiques’ dos envolvidos com a sua
produção 152.
46 documentários concorreram ao prêmio em sua categoria. Três filmes
dividiram a premiação, divisão que ocorreu ‘devant la qualité des œuvres qui lui
étaient soumises’: Métamorphose, de J.-C. Bernard, ‘sur l’électrification de la vallée
de la Truyère’ ; L’effort Algérien, reportagem de Barrois ‘a réalisé pour le compte du
Gouvernement général de l’Algérie afin de faire connaître les travaux considérables
entrepris pour donner à l’Afrique du Nord française l’eau dont elle a besoin’ ;
Symphonie graphique, de Maurice Clochet, sobre a história da imprensa na França
151
Cf. Emmanuel Bréon, L’Exposition des arts décoratifs, In : Vários autores, Création et vie
artistique: au temps de l'exposition de 1925. [Paris] : Centre national de documentation pédagogique,
2006, p. 16 – 17.
152
René Jeanne, op. cit., p. 51.
48
‘surtout en ce qui concerne la partie Illustration’ 153. Sete filmes concorreram na
categoria ‘científico’ : Phagocytose, de Jean Comandon e Voyage dans le Ciel, de
Jean Painlevé dividiram o prêmio. O juri ‘a voulu récompenser l’ensemble de l’œuvre
de ces deux hommes qui font honneur non seulement au cinéma mais à la Science de
notre Pays’ 154.
Dos filmes que se inscreveram na categoria amador, treze foram descartados
por não se enquadrarem naquilo que havia sido definido como amador. O primeiro
prêmio foi para Paris 37, filme em 16 mm de Jean Vivié ; o segundo, L’Exposition
1937, de H. Baudin, 16mm em cores ; em terceiro, dois : Quand une femme survint,
de G. Joland, 16mm p&b, e Nez en l’air, de Masson, 16mm em p&b 155.
Além desse concurso, o comissário geral da Exposição, por intermédio do
ministro des Affaires étrangères, pediu que cada país ‘notoirement producteur de
films’ indicasse uma obra para apresentá-la em Paris durante uma das seis grandes
festas organizadas pela Classe. Além disso, cada país enviou um filme considerado
significativo de seus avanços no campo cinematográfico. De acordo com o relatório, a
lista dos enviados foi a seguinte: Alemanha – Le Maître ; U.R.R.S. – Pierre le Grand ;
Inglaterra – Victoria ; Japão – La Lune sur les Ruines ; Polônia – Halka ;
Tchecoslováquia – Les Hommes sur la glace flottante ; Itália – Scipião, o Africano ;
França – La Mort du Cygne ; Dinamarca – Le Mariage de Palo 156. Noites de gala
foram organizadas pela Comissão em homenagem à indústria cinematográfica inglesa,
tchecoslovaca, japonesa, alemã, soviética, francesa 157.
A fim de materializar essa dimensão adquirida pelo cinema foi construído,
pela primeira vez em uma exposição universal, um pavilhão dedicado à
cinematografia, à fotografia e ao som. Embaixo da Torre Eiffel, o pavilhão PhotoCiné-Phono respondeu às demandas feitas em 1925 por um espaço expositivo maior
158
.
No que diz respeito à parte que cabia à cinematografia, localizada no piso
superior do pavilhão, o objetivo era o de abordar o processo, da fabricação de película
153
René Jeanne observa que principalmente no caso dos documentarios muitos dos filmes exibidos ao
juri ‘aient été d’une ‘classe’ inférieure à l’importance de l’épreuve et du titre en compétition’ (Cf. Idem,
ibidem, p. 48).
154
Edmond Labbé, op. cit., Tome V, p. 63.
155
Idem, ibidem, p. 64.
156
Idem, ibidem, p. 67. Os títulos se encontram no original em francês, sem a indicação de direção, o
que dificulta, no momento, a identificação das produções japonesa, tcheca e dinamarquesa.
157
Idem, ibidem, p. 62 e 64.
158
Sobre a decoração do pavilhão e seus stands ver idem, ibidem, p. 84 e ss. e p. 248 e ss.
49
à sala de exibição. Sons os mais variados (fragmentos de músicas, solilóquio de Sacha
Guitry, etc.) ocupavam os ambientes. Três exposições : uma, para o cinema
educativo ; cinema amador ; ‘aux applications diverses du cinéma’. Uma vasta sala
‘était aménagée pour les stands de l’industrie cinématographique’. Uma ala foi
consagrada às ‘applications scientifiques du cinéma, à la presse filmée et à la
Fédération des clubs de cinéma d’amateurs’. Pinturas ornamentavam as salas, os
corredores e os halls, tendo por tema os assuntos abordados, como o cinema
recreativo, o cinema instrutivo, etc. 159.
Seu destaque era o Ciné 37, sala de exibição de 1200 lugares, No discurso
feito pelo comissário geral, Edmond Labbé, por ocasião da colocação da primeira
pedra do pavilhão, o cinema é visto como a ‘puissance dictatoriale de l’époque’ 160.
Além das referidas sessões de gala dedicadas a celebrar a cinematografia de cada país,
quatro horas de programação diárias ocuparam seu espaço do dia 29 de junho até o
dia 25 de novembro de 1937. Treze países ocuparam com regularidade as sessões do
Ciné 37 : Alemanha, Áustria, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão,
Luxemburgo, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia, África do Sul, U.R.S.S. 161.
Afora este grande cinema, os pavilhões e demais edificações contavam com
40 salas de exibição 162. O Pavilhão da Publicidade, por exemplo, tinha uma em que
eram organizadas sessões com programas dos melhores filmes publicitários do ano
anterior 163. O Palais de la Découverte, por sua vez, contava com a ajuda de discos e
filmes para ‘donner au public les explications nécessaires et de vulgariser les résultats
159
Idem, ibidem, p. 248 – 251. Em uma destas salas, maquete mostrava um estúdio em ação: ‘a
l’échelle réduite, cette maquette déroule sous nos yeux les scènes les plus variées, les plus captivantes
qui passent sous les sunlights’. Dentre as cenas reproduzidas em pequena escala, um naufrágio, uma
caça aos crocodilos, uma perseguição ao tigre no meio da floresta, Veneza e suas gondolas (Cf. Sem
autor, Les mystères du cinéma sont dévoilés au public, Programme quotidien officiel de l'Exposition
internationale des arts et techniques, n. 19, 1er Juillet 1937, p. 3).
160
Apud Shanny Peer, Photo-cine-phono. Saint-Maurice et Lemaire, In: Paris 1937, op. cit., p. 234 –
236. Quando da inauguração do Pavilhão e da sala de cinema, um noite de gala foi também organizada
(Cf. Edmond Labbé, op. cit., Tome V, p. 64). A relação completa dessas sessões de gala se encontra na
página 65.
161
Edmond Labbé, op. cit., Tome V, p. 65 – 66.
162
O jornal diário Programme quotidien officiel de l'Exposition internationale des arts et
techniques. Paris: [s.n.], 1937, noticia as principais atrações da Exposição e traz a programação dos
cinemas dos pavilhões estrangeiros (Dinamarca, Alemanha. U.R.S.S., Países Baixos, Suíça, Bélgica,
Tchecoslováquia, Espanha, Hungria), de pavilhões específicos, como o da Lumière, Centre Rural,
Palais de Chemins de Fer, e, eventualmente, do Ciné 37. Por intermédio dele é possível estabelecer
uma filmografia, temporada de cada filme, sua estreia na Exposição, preço dos ingressos, etc.. Trabalho
importante, mas que será feito mais à frente. O cinema, primeiramente, era noticiado na seção ‘Pour
vous distraire à l’Exposition’. Acompanhamos o jornal de 30 de junho (n. 18) a outubro (n. 135).
163
Christophe Zagrodzki, Entre l’arabesque et le rébus : l’affiche et la publicité, par In: Paris 1937, op.
cit., p. 460.
50
des travaux des savants et des chercheurs’. Jean Painlevé foi o encarregado do setor
de cinema 164. Por fim, dentre os inúmeros exemplos que poderiam aqui ser trazidos,
no Palácio do Amianto fizeram sucesso ‘les films sur la filature, le tissage et les
applications de l’amiante, par M. Jean Benoit Lévy, et sur le Carton d’Amiante para
M. le Professeur Cantagrel, du Conservatoire des Arts et Métiers’. Na sala de cinema
deste pavilhão, ‘une sonorisation absolument parfaite avait été obtenue grâce aux
tissus en amiante décorés qui capitonnaient les murs (procédé spécial Ferodo)’ 165.
No que diz respeito às atividades de divulgação da própria Exposição 166, a sua
propaganda pelo cinema era vista como estratégica, e o relatório sobre esta atividade é
um dos mais densos se comparado com os anteriores.
Sua função era a de ‘provoquer, par la magie d’images vivantes et de textes
dynamiques, la curiosité intellectuelle du monde entier auteur de la gigantesque
entreprise’ e ‘stimuler le sentiment de fraternité universelle que sollicitait’ um evento
dessa magnitude 167.
Atingir um público amplo era uma das metas pretendidas ao se recorrer ao
cinema. Por um lado, isso foi realizado por meio de um vasto programa de curta
metragens, atualidades e documentários ‘de propagande proprement dits, que le
Commissariat général devait faire éditer spécialement’ 168. Em um discurso que é
recorrente em sua época, o cinema é valorizado pela sua capacidade de rapidamente
transmitir as informações necessárias. Como afirma Labbé,
164
Edmond Labbé, op. cit., Tome I, p. 71. Ver também Edmond Labbé, op. cit., Tome IV, p. 218 e ss.
Todas as seções (ciências, matemática, química, etc.) tinham uma sala de projeções e de conferências.
(idem, ibidem, p. 220). A sala principal recebeu 70 mil visitantes, tendo sido projetados mais 640 mil
metros de filmes (p. 535). Sobre o cinema no Palais de la Découverte, sua programação e seus
objetivos, ver p. 534 e ss.
165
Edmond Labbé, op. cit., Tome V, p. 89 – 90. As classes 10, dedicada ao Enseignements Supérieur,
Secondaire, Primaire, 11, Enseignement artistique à tous les degrés, e 12, Enseignement Technique,
também recorreram à projeção de filmes (idem, ibidem, p. 195 – 214, 228, 233). Na Seção Colonial,
Algéria e África Ocidental Francesa tinham os seus cinemas (Cf. Edmond Labbé, op. cit., Tome IV, p.
12 e 42 – 43).
166
Além do cinema, como veremos, foi criada uma revista oficial em quatro línguas, a Exposition Paris
1937 Arts et Technique dans la vie moderne (idem, ibidem, p. 70 e ss.).
167
Edmond Labbé, op. cit., Tome XI, p. 295.
168
Labbé detalha o programa adotado para a confecção de curtas-metragens, os acordos feitos com as
empresas que atuam nesse setor, etc., Cf. Idem, ibidem, p. 296 – 300. As atualidades cinematográficas
da Fox-Film, da britânica News-Reels, da MGM e da UFA e a GPO Film Unit também fizeram a
divulgação do evento pelo mundo, além dos confeccionados pelas empresas francesas. É mencionada
também ‘la présentation d’un film en couleurs, établi à Paris, sous les auspices des Amis de la France,
et apporté en Amérique du Sud par le Capitaine Sauzay et présenté par lui à Rio et, ensuite, à
Montevideo et à Buenos Aires’. Tratava-se de um filme amador – ‘ce film, pris avec un appareil
d’amateur et n’ayant pas le format commercial standard, ne pouvait être passé dans les appareils des
salles de cinémas’. Mesmo com esta restrição, teria atraído muita gente. (idem, ibidem, p. 91).
51
l’image en perpétuel mouvement peut s’accommoder de commentaires topique,
où l’Art, la Science, tous les rapprochements de la Pensée et même tous les
courants de sympathies sociales peuvent trouver naturellement la place que l’on
entend leur réserver 169.
Dentre os filmes que mereceram destaque, temos Une Cité pour Demain, de
Jean Masson, produzido pela Maison Cinéac, e Paris-1937, de De Poligny e Charles
Fasquelle. Houve também Records 37, de maior metragem, montado por Bousquet e
Jean Choux e produzido pela Cinefi. De acordo com Labbé,
‘c’était, en vérité, une apologie somptueuse du progrès humain, une sorte de
chanson de geste en images qui suivait, depuis leurs balbutiements, les
cheminements douloureux des civilisations successives et traduisait, comme en
une apothéose, tous les sommets que l’Exposition allait mettre en valeur en 1937’
170
.
Dentro desse programma, deve ser salientada a iniciativa de Pierre Mortier,
diretor geral do Serviço de Propaganda a partir de dezembro de 1936 e comissário
geral adjunto, que ‘fit établir un film de propagande par la Société Métro-Goldwin,
dont les bandes furent projetées sur les écrans du monde entier’ 171.
A MGM organizou um concurso, aberto a dezenove países, em que os
concorrentes deveriam ‘décrire, le plus clairement possible ‘ce que Paris représente à
ses yeux’. Os vencedores ‘de cette joute littéraire’ teriam como prêmio uma viagem
gratuita à Exposição, com estadia de duas semanas em Paris. Seriam agraciados 32
candidatos, divididos por região. Ao Brasil cabia uma vaga 172.
O atrativo, porém, não se restringia à viagem e a oportunidade de conhecer
Paris. A MGM
‘se réservait le droit d’utiliser, pour en tirer un scénario ou les éléments d’un
documentaire, les idées découvertes dans les réponses et susceptibles d’être
rapprochées dans un film à la gloire de Paris, si bien que certains lauréats
pouvaient avoir gagné, non seulement un voyage et un séjour gratuits à Paris,
mais encore des droits d’auteur !’ 173.
Para lançar a campanha, a empresa norte-americana realizou um filme de
propaganda com imagens de Paris, que foi exibido em abril de 1937 em todas as salas
de cinema da companhia, complemento que acompanhava Camille (1936), de George
Cukor, adaptação de La Dame aux Camélias, tendo no papel principal Greta Garbo.
174
A iniciativa foi muito elogiada pelo comissário geral, pois ela ‘contribua
169
Idem, ibidem, p. 295 – 296.
Idem, ibidem, p. 299.
171
Idem, ibidem, p. 13.
172
Idem, ibidem, p. 301.
173
Idem, ibidem, p. 302.
174
Idem, ibidem, p. 302.
170
52
puissamment à stimuler l’intérêt de l’opinion publique mondiale en faveur de la
grandiose manifestation à laquelle Paris conviait l’univers’ 175.
O filme foi exibido a 7 de maio de 1937 às autoridades da exposição. De
acordo com o relatório oficial, 16 milhões, 354 mil espectadores viram o filme em
2156 salas espalhadas pelo mundo. Há os dados por país. No Brasil, teriam sido 312
mil em 37 salas. Nos EUA, 7 milhões e 800 mil 176.
Foram 753.560 candidaturas no total. Por país, tivemos aproximadamente :
311 mil, EUA e Canadá ; 160 mil, Inglaterra; 51 mil, Brasil; 46 mil, Itália; 45 mil,
Argentina; 21 mil, Romênia; 19 mil, Polônia; 12 mil, Áustria; 12 mil, Alemanha; 12
mil, Bélgica; 11 mil, Egito; 9 mil, Tchecoslováquia; 8 mil, Suécia; 7 mil, Hungria; 6
mil, Finlândia; 5 mil, Suíça; 4,6 mil, Dinamarca; 3,8 mil, Noruega; 3,2 mil, Holanda
177
.
Essa associação à MGM, concretizada já com a Frente Popular no governo, é
reveladora de que o ecletismo acima apontado em relação às artes visuais era também
prédominante no caso do cinema.
Como disse Edmond Labbé, ‘une Exposition est une confrontation’, e o
cinema participa simbolicamente desta contenda por intermédio dos pavilhões. Vários
tinham ou sala de cinema ou, como vimos, reservavam o espaço do Ciné 37 a fim de
celebrar sua cinematografia 178. O pavilhão soviético, por exemplo, tinha ‘une salle de
cinéma complète, à l’extérieur’ 179.
A intenção das autoridades nazistas era garantir uma presença significativa do
cinema no evento. O pavilhão do IIIº Reich tinha, dentre outras atrações, ‘à l’étage
inférieur, le bureau des informations, la salle de cinéma et le groupe des cabines de
175
Idem, ibidem, p. 303.
Idem, ibidem, p. 303.
177
Idem, ibidem, p. 304.
178
Sobre a programação do Japão, Polônia e Portugal ver Edmond Labbé. Ministère du Commerce et
de l’Industrie. Exposition Internationale des Arts et Techniques. Les Sections Étrangères (2ème Partie).
Rapport Général. Tome X. Paris, Imprimerie Nationale, 1940, p. 25, 111, 133.
179
Jacques Lambert, Les sections étrangères, In : Exposition internationale de Paris 1937: arts et
techniques. Paris, L’Illustration, 1937, sem indicação de página. Publicação com artigos foram
retirados de L’Illustration, publicados entre maio e novembro de 1937. Trata-se de número dedicado à
Exposição. Eis a relação dos filmes exibidos : ‘Cavalerie de l’armée rouge, qui souligne un des aspects
originaux de l’existence téméraire et sportive des Cosaques et le Député de la Baltique, film à
tendances historiques. Parmi les nombreux films qui furent présentés, citons encore: La dernière nuit,
Extrême-Orient, La conquête du Pôle nord, réalisée para Troïjanowsky et Pierre le Grand, réalisé par
Vladimir Petrov, sur un scénario d’Alexis Tolstoï et de lui-même’. Edmond Labbé, op. cit., Tome X, p.
211.
176
53
télévision’ 180. Na sala do Pavilhão, exibições diárias ocorreram desde o dia de sua
inauguração, 6 de Maio, até o fim da Exposição, no dia 25 de Novembro, com a
projeção de atualidades, filme científicos e educativos, documentários e filmes de
ficção. No Ciné 37, a programação era composta de filmes ‘artistiques’ alemães,
exibidos três vezes por semana, ‘spécialement des soirées de films à scénario et des
soirées de gala’
181
. Dentre as personalidades ligadas ao cinema alemão, Leni
Riefensthal esteve presente em uma destas soirées 182.
As cabines de televisão foram uma das atracões do pavilhão e funcionavam da
seguinte maneira:
Deux cabines de phono-télévision se trouvaient à l’extrémité du hall du Pavillon
Allemand, à une petite distance l’une de l’autre. Ainsi deux visiteurs pouvaient
tenir par téléphone une conversation télévisionnée. Mais, pour qu’un plus grand
nombre de visiteurs aient en même temps un aperçu du fonctionnement de ce
moyen de transmission des nouvelles et des appareils nécessités, on pouvait voir
l’extérieur les appareils et apercevoir sur deux écrans parallèles des images des
personnes en train de téléphoner 183.
Além
destas
exibições,
diversos
equipamentos
cinematográficos,
demonstrativos da pujança da indústria alemã, foram mostrados nas seções alemãs do
Pavilhão Internacional 184. Projeções de filmes alemães ocorriam também no Palais du
Trocadéro, no Musée de l’Art Moderne.
Outro pavilhão que deve ser trazido à discussão é o da Espanha. Em meio à
guerra civil, a concepção de seu projeto arquitetônico e sua ocupação, tantos pelos
quadros e estátuas, quanto pelos filmes e festas populares, foi também pensada como
180
Jacques Lambert, op. cit., sem indicação de página. Dentre as atrações no interior do pavilhão, vale
destacar a exposição de uma Mercedez com o símbolo da suástica: ‘c’est un automobile de course,
placée en plein centre comme une vedette portant robe de métal, comme une force de la nature. (…)
C’est l’exacte image de l’industrie dévorante d’aujourd’hui, où l’homme cède du terrain sous la
pression du fer et de l’acier, de l’envahissante machine qui supplée à ses forces physiques et le met en
tutelle’ (Cf. René Maine, Dans un vaisseau de marbre l’âme allemande apparaît forte et confiante,
Programme quotidien officiel de l'Exposition internationale des arts et techniques, n. 52, 3 août, p. 3).
Velocidade, vitalidade, energia, monumentalidade : elementos que dispostos pelo pavilhão o cinema
nazista procurava sintetizar.
181
Edmond Labbé, op. cit., Tome IX, p. 58. O relatório oficial destaca a exibição de Triunfo da
Vontade, o filme em cores Allemagne ‘et un compte rendu filmé sur la création de l’entreprise de films
aux Olympiades de Berlin 1936’ (p. 62). Certamente, trata-se do filme de Leni Riefensthal. A relação
completa dos filmes se encontra nas p. 59 – 62.
182
Sem autor, La Star Leni Riefenstahl a visité l’Exposition, Programme quotidien officiel de
l'Exposition internationale des arts et techniques, n. 21, 3 Juillet 1937, p. 4. A notícia informa que o
motivo da vinda da ‘gracieuse et célèbre Leni Riefenstahl’ foi apresentar seu filme sobre as Olimpíadas
no Pavilhão Alemão.
183
Edmond Labbé, op. cit., Tome IX, p. 25.
184
Em detalhe, a relação se encontra em Edmond Labbé, op. cit., Tome IX, p. 35 – 36.
54
afirmação da resistência popular ao franquismo, apoiado, como se sabe, por Hitler 185.
Ao contrários dos outros pavilhões, não se tratava propriamente de ocupar o espaço
com produtos e materiais para demonstrar a sintonia do país com o desenvolvimento
capitalista. O ideal que deveria materializar era o enfrentado então pelo povo espanhol,
como nos diz o comissário geral do pavilhão, José Gaos:
… lutter et mourir pour un monde et une civilisation conformes à l’idéal moderne,
no pas de démocratie ou de dictature, si elles devaient être imposées ou
empêchées par la violence de la révolution ou de la guerre, mas de libre et
pacifique autodétermination des peuples au sein du respect mutuel et de la
collaboration de tous à l’histoire de la culture humaine 186.
Inaugurado dois meses e meio depois do bombardeio de Guernica, em 12 de
julho de 1937, suas paredes receberam Guernica, de Picasso, obra-monumento que
sintetiza no campo visual a dimensão de ‘confronto’ percebida entre os diferentes
pavilhões da Exposição. Como nos demais espaços expositivos, seu lugar foi definido
pelo arquiteto do pavilhão, José-Luis Sert 187. Em frente à obra de Picasso estava a
‘La Fontaine de Mercure’, de Alexander Calder. Tivemos também Juan Miró, com
‘Paysan catalan en révolte’, os escultores Alberto Sanchez, ‘L’Espagne a un chemin
et au bout son étoile’, com 12 metros de altura, logo à entrada do pavilhão, e
Gonzalez, ‘Maternité’ 188.
Como dissemos, havia também a projeção de filmes. Sessões semanais eram
dedicadas a mostrar documentários. Fernando Martin, a partir de uma notícia
publicada no L’Humanité, jornal que acompanhou as atividades de alguns pavilhões,
estabelece a filmografia exibida: El Escorial y Felipe II (1931) e Almadrabas (1934),
de Velo e Mantilla; La ruta de d. Quijote (1935), de Ramón Biadiu; Guadalquivir
(1935), de Heinrich Gaertner; Reforma Agraria, Madrid e España 36, este último de
Mantilla, foram subvencionados pela subsecretaria de Propaganda do Ministério do
Estado; El Tribunal de las Aguas (1937), de Angel Villatoro produtora Film Popular.
185
Martha Thome diz que o pavilhão é um exemplo de uma ‘démarche architecturale fortement
influencée par des considérations externes’, no caso, a guerra civil (Cf. Espagne. Jose-Luis Sert et Luis
Lacasa, In : Paris 1937, op. cit., p. 146).
186
José Gaos, Espagne, Paris 1937: revue de l'Exposition: arts et techniques, n. 15, septembre-octobre
1937, p. 20. Para um crítico da época, trata-se da exposição da ‘douleur espagnole’, Cf. A. Ozenfant,
Souvenir de l’Exposition de 1937, Cahiers d’Art, nº 8 – 10, 1937, In: 1937, Exposition Internationale
des Arts et des Techniques, op. cit., p. 18.
187
Fernando Martín, El Pabellón español en la Exposición universal de Paris en 1937. Sevilla:
Universidad de Sevilla, 1982, p. 121. Martin historia a encomenda do quadro pelo governo republicano,
p. 121 e ss.
188
Para uma descrição do pavilhão espanhol ver Edmond Labbé, op. cit., Tome IX, p. 170 – 176.
55
Três filmes não foram identificados, a saber, Guerra en los campos, Sinfonia Vasca,
Juan Simon 189.
Não sabe ao certo se os seguintes filmes foram projetados: Tierra española
(1937), de Joris Ivens, e Madrid 36 o España Leal en Armas (1936), de Luis Buñuel e
Jean-Pale Chanois. Buñuel, que foi o montador deste documentário, se encontrava em
Paris como agregado cultural da embaixada da Espanha 190. Um filme foi feito sobre o
pavilhão, mas ele não sobreviveu a ação do tempo. Trata-se de Pabellón de España en
la Exposición Internacional de Paris.
Martin informa que alguns filmes espanhóis foram premiados no concurso de
cinema promovido pelos organizadores da Exposição, a saber: Saude, curta metragem
de Carlos Velo; Finisterre, de Fernando Mantilla; e Galicia, sem indicação de autoria
191
.
Simbolicamente, o cinema ocupa lugar de destaque nesta disputa entre os
países que se confrontam no espaço expositivo, como procuramos demonstrar. A
partir da documentação levantada nos Archives Nationales e nas revistas de época,
pretendemos adensar a reflexão para lançarmos algumas luzes sobre a sua função
antes do cataclismo que foi o Shoah e a bomba atômica.
189
Fernando Martín, op. cit., p. 198 – 201. Alguns destes filmes, como España 36 estão no dvd La
guerra filmada. Madrid: Filmoteca española [éd.], 2009, 4 DVD vidéo + 1 brochure (116 p.),
visualizado na Bibliothèque Nationale, site François Mitterand.
190
Fernando Martín, op. cit., p. 205.
191
Idem, ibidem, p. 201 e 204.
56