CAVR UPDATE / Outubro-Novembro 2003 CONTEÚDO
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CAVR UPDATE / Outubro-Novembro 2003 CONTEÚDO
CAVR UPDATE / Outubro-Novembro 2003 CONTEÚDO 1. Reconciliação da Comunidade 2. Esclarecimento da Verdade 3. Apoio às Vítimas 4. Preparação do Relatório Final 5. Formação 6. Investigação, deslocações e conferências 7. Novos Colaboradores 8. Finanças 9. Visitas Apêndice: Relatório da Audição Pública sobre Massacres, 19-21 de Novembro de 2003 A Comissão para Acolhimento, Verdade e Reconciliação em Timor-Leste (CAVR) é uma instituição estatutária nacional e independente. A Comissão está mandatada para esclarecer a verdade, facilitar a reconciliação da comunidade, reportar a sua actividade e conclusões e fazer recomendações para acções futuras. Para mais informações visite o site da CAVR em www.easttimor-reconciliation.org Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação de Timor-Leste (CAVR) Apartado 144, Dili, Timor-Leste Telemóvel 723 0699 Email: [email protected] Website: www.easttimor-reconciliation.org 1 CAVR UPDATE / Outubro-Novembro 2003 ‘Todos nós devemos estar reconhecidos à Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação por nos dar a oportunidade e o espaço para nos sentarmos, dizermos a verdade e nos reconciliarmos. Devemos humildemente reconhecer as nossas faltas e pecados e pedir perdão aos nossos opositores políticos. Devemos abraçar-nos de novo e olhar para o futuro, para uma nova vida especialmente para as nossas próximas gerações’. Dom Carlos Felipe Ximenes Belo, SDB, Prémio Nobel da Paz Mensagem de Natal 2001 Este relatório apresenta a evolução das principais actividades da CAVR durante Outubro e Novembro de 2003, particularmente os três dias, de 19 a 21 de Novembro, de audições públicas sobre massacres. Foi um período de implementação e planeamento muito activo, incluindo a preparação do fecho das actividades e programas dos distritos. Em Outubro equipas dos quarto distritos menores foram realocadas para dar apoio aos distritos maiores a completar o seu trabalho: a equipa de Oecussi foi para Bobonaro; a equipa de Manufahe foi para Manatuto; a equipa de Aileu foi para Dili; e a equipa de Liquica foi para Baucau. Estas mudanças permitiram duplicar a capacidade dos distritos maiores e permitiram à CAVR trabalhar simultaneamente em dois sub distritos. Assim vai ser possível terminar o trabalho em 63 dos 65 sub distritos antes do final de Dezembro. No final de Novembro a CAVR tinha atingido os seguintes resultados: recolhidos 6700 depoimentos; recebidas 1340 candidaturas para reconciliação da comunidade; levadas a cabo 565 audições para reconciliação da comunidade, completados 202 workshops para caracterização da comunidade e finalizadas audições a vítimas em 39 sub distritos. Além da audição pública sobre massacres, alguns outros pontos importantes na sede nacional incluiram a passagem filme Tales of Crocodiles (lendas de Crocodilos), um debate público sobre comissões de verdade liderado por Eduardo Gonzalez do Peru, apoio a uma sessão na Universidade de Díli pelo Professor Convidado Geoff Robinson. Ver relatórios a seguir. Também durante este periodo a CAVR esteve envolvida em reuniões com os líderes políticos para a preparação das audições públicas sobre o conflito político timorense entrre 1974 e 1976 a levar a cabo de 15 a 18 de Dezembro e finalizou a estrutura do programa e o projecto piloto para o estudo retrospectivo sobre mortalidade. Foram levados a cabo dois seminarios com os Comissários Nacionais e Colaboradores Séniores para desenvolvimento do plano para o relatório final, para a reestruturação da CAVR após o fecho das delegaações distritais em Março 2004 e para a mudança de foco com vista à preparação do relatório final. 1. Reconciliação da Comunidade (CRP) Este foi um periodo activo para o trabalho do CRP. No final de Novembro tinham sido recebidas 1340 candidaturas para audições e 565 destas foram finalizadas através de audições e acordos de reconciliação. Durante dois meses 94 casos foram completados em 12 audições. A divisão CRP desenvolveu planos para finalizar os seus processos quando a CAVR terminar as suas equipas nos distritos em Março 2004. Dezembro será o último mês em que serão recolhidas novas candidaturas, sendo os últimos três meses utilizados para as audições. 2 Durante o período em análise completaram-se algumas audições notáveis. Em Hera, perto de Díli, foi levada a cabo uma audição pública com 16 ex membros da milícia Aitarak em 1999. Os membros da comunidade estiveram muito activos no total esclarecimento acerca das suas actividades. Os líderes da comunidade deixaram ficar claro que que a comunidade estava disposta a receber os ex membros das milícias mas que era necessário falar honestamente sobre o passado. Este caso chamou a atenção para a necessidade de existirem processos que permitam às comunidades lidar com a violência que se verificou ao longo de 1999. • 1 Outubro: Oesilo – Oecussi: 14 deponentes, 10 vítimas Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. Deponentes doaram $5 cada mais a contribução para a refeição comunitária. Os 5 deponentes envolvidos no roubo de animais pagaram 5 cabras e 1 porco às suas vítimas. Um deles que tinha roubado uma mota fez um pagamento simbólico de moedas holandesas antigas e de vinho de palma. • 8 Outubro. Kairui – Manatuto: 1 deponente, 2 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. • 13 Octobro. Ilomar – Los Palos: 3 deponentes, 4 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: serviço para a comunidade – limpeza da igreja um dia por semana durante três meses. Pedido de desculpas e promesa de não repetir • 28 Outubro: Cristo Rei – Dili: 6 deponentes, 1 vítima, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. • 28 Outubro. Lolotoe – Bobonaro: 13 deponentes, 11 vítimas. comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. Serviço para a comunidade – limpeza da igreja um dia por semana durante três meses. • 29 Outubro: Cristo Rei – Dili: 9 deponentes, 1 vítima, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. • 30 October. Venilale – Baucau: 1 deponente, 2 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir • 6 Novemror. Manatuto – Laclubar: 3 deponentes, 2 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir • 10 Novembro. Lolotoe – Bobonaro: 5 deponentes, 5 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. Serviço para a comunidade – limpeza da igreja um dia por semana durante três meses.. • 11 Novembro: Atsabe – Ermera: 11 deponentes, 16 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. * 2 deponentes foram enviados para a Serious Crimes Unit. • 13 Novembro. Atsabe – Ermera: 13 deponentes, 10 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. • 26 Novembro. Laclubar – Manatuto: 11 deponentes, 3 vítimas, comunidade Reconciliação da Comunidade: pedido de desculpas e promesa de não repetir. Mensagem de Natal e Ano Novo de Aniceto Guterres Lopes, Presidente da CAVR 2003 foi outro grande ano para Timor Leste e um ano fundamental para a CAVR no sentido de cumprir o seu mandato. O povo de Timor Leste continua a refazer a sua vida, as suas comunidades e a sua nação. Os líderes politicos e das comunidades continuam a difícil tarefa de criar instituições, políticas e programas para o desenvolvimento da nossa nova nação. Acredito que a CAVR tem sido capaz de dar um importante contributo para este processo ao longo de 2003. 3 Através do trabalho árduo dos Comissários Nacionais e Regionais e dos Colaboradores em todos os 13 distritos e na sede nacional tentamos chegar até às comunidades espalhadas pela nossa nova nação e no exterior. Queria agradecer especialmete os esforços das nossas equipas distritais. Queria também agradecer às comunidades de Timor Leste a sua participação empenhada neste processo nacional. Nas aldeias ao longo do nosso país vimos as pessoas aproveitarem a oportunidade de contribuir para esta tarefa. Sabemos que é difícil e doloroso analisar a violência do nosso passado mas a vontade decidida do povo timorense de avançar e contra as suas histórias, de construir novas relações nas audições públicas e de honar a dor e a perda dos que sofreram, dá-nos uma grande esperança de que juntos nós conseguimos apoiar-nos mutuamente num novo espírito de unidade e de nação. Por várias vezes, quando as vítimas de violações dos direitos humanos partilhavam as suas histórias connosco e com o país, De cada vez também nos sentimos imensamente orgulhosos da coragem, resiliência e rectidão de carácter do povo Timorense. No final de 2003 a CAVR está perto do fim do seu trabalho com as comunidades. Até ao final de 2004 nos teremos finalizado o nosso Relatório Final e entregue ao Presidente da RDTL e ao Secretário Geral das Nações Unidas. É verdade que por vezes o trabalho da CAVR abriu feridas antigas. No entanto, nós acreditamso que com o espírito de respeito mútuo, aceitação e reconciliação demostrado pelo povo de Timor Leste ao longo deste processo nós pudémos ajudar a construir uma base mais sólida para a nossa nação, baseada no reconhecimento da dor sofrida no passado e nas lições que todos tiramos daí e na importância fundamental dos direitos humanos e no respeito pela lei. À medida que este ano chega ao fim desejamos a todos os nossos amigos em Timor Leste e no mundo inteiro um Natal e um Ano Novo em paz. Desejamos um tempo de reflexão e descanso com as famílias e entes queridos que vos prepare para o importante trabalho do próximo ano. 2. Actividades de Esclarecimento da Verdade • Recolha de depoimentos Na semana antes do final de Novembro tinham sido recolhidos 6539 depoimentos em 51 dos 65 sub distritos de Timor Leste. Neste periodo a prioridade da recolha de depoimentos a nível nacional tem sido o aumento da qualidade na recolha, através duma monitorização permanente e de procedimentos de avaliação. O Coordenador Nacional da Recolha de Depoimentos dedica 75% do seu tempo a monitorizar os progressos e a qualidade dos depoimentos nos distritos. Também durante este período, e em colaboração com o Coordenador Nacional da Recolha de Depoimentos e o Conselheiro da Recolha de Depoimentos, as equipas distritais comecaram a explorar possíveis metodologias para recolha de depoimentos colectivos. Nesta altura, entrevistas colectivas podem ser usadas como um método eficaz para dar prioridade às comunidades sub representadas no período VIII do Plano Estratégico da CAVR (Janeito – Março 2004) e de aumentar a qualidade da informação recolhida no campo. • Processamento de Dados No final de Novembro mais de 2800 depoimentos foram lidos, codificados e introduzidos na Base de Dados de Violações de Direitos Humanos. Desde Julho tem sido feito importantes melhorias na qualidade e fiabilidade da codificação dos depoimentos pelos leitores através da implementação de exercícios regulares de codificação. Por forma a proactivamente resolver o assunto do controlo da qualidade dos depoimentos introduzidos antes de Julho de 2003 foi constituida uma pequena equipa para rever aleatoriamente uma amostra dos 2400 depoimentos codificados. Com a colaboração do Analista Estatístico da CAVR foram desenvolvidos 4 pelo Responsável pelo Processamento de Dados e o sue Conselheiro procedimentos que garantam que o processo (i) revê uma amostra estatisticamente significativa dos 2440 depoimentos, (ii) é conduzida independentemente do processo de codificação inicial e (iii) é sistemático. Está previsto esta equipa completar o seu trabalho no final de Dezembro de 2003. • Investigação Os temas para investigação são Presos Políticos e Tortura, Conflito Político, Massacres, Assassinatos e Desaparecimentos, Estrutura do TNI, Estrutura da FRETILIN / FALINTIL, as Crianças e o Conflito, as Mulheres e o Conflito, Contabilização de Mortes, Deslocamentos Forçados e Fome e Intervenientes Internacionais. Durante Outubro e Novembro as actividades de investigação focaram-se na investigação de casos de estudo. Conforme planeado os investigadores deveriam finalizar 100 casos de estudo, isto é, 10 casos para cada tema. Os preparativos para o design e implementação do Estudo Retrospectivo sobre Mortalidade constituiram a prioridade da Divisão de Esclarecimento da Verdade neste período. Este projecto vai constituir um conjunto de dados que permite à CAVR estimar com mais precisão o número de mortes e de violações mortais dos direitos humanos ao longo do período do mandato. Os consultores Romesh Silva e Justin Fisher visitaram a CAVR completando o trabalho de campo realizado em Outubro e inícios de Novembro. Durante Novembro a CAVR assinou um memorandum de entendimento com o National Statistic Office da DTL (NSO) como o objectivo de trabalhar em conjunto com os especialistas do NSO no programa RMS para os próximos quatro meses [Abril 2004]. A equipa RMS será uma combinação de especialistas do NSO e dos delegados distritais da CAVR. A formação e treino começarão na primeira semana de Dezembro e o trabalho de campo na segunda semana de Dezembro. Estreia do filme: Tales of Crocodiles de Jan van den Berg A CAVR em colaboração com a Oxfam mostrou em estreia em Timor Leste o filme Tales of Crocodiles do realizador holandês Jan van den Berg. As sessões decorreram em Suai a 10 de Novembro e na sede nacional da CAVR em Díli a 11 de Novembro de 2003. Tales of Crocodiles trata da justiça e reconciliação em Timor Leste a seguir ao período de violência ocorrido em 1999, focando-se na comunidade de Suai após o massacre na igreja em Setembro de 1999 e no trabalho da CAVR com vista à reconciliação da comunidade e do seu Vice Presidente Fr. Juvito de Araujo. A estreia internacional teve lugar na Holanda em Junho 2003. O filme Tales of Crocodiles foi passado duas vezes em Suai para mais de 500 poessoas e em Díli para cerca de 200 pessoas. O realizador van den Berg assistiu a ambas as sessões, em Díli assistiram também alguns dos personagens principais. A CAVR gostava de agradecer particularmente à Oxfam Hong Kong e ao Sr. Frank Elvev pelo apoio na organização destes eventos. Estão actualmente planeadas versões do filme em Tetum e Português. 3. Apoio às Vítimas Durante Outubro e Novembro foram completados dez workshops para caracterização do perfil das comunidades em dez diferentes distritos, totalizando 198 workshops até à data. Estes workshops visam obter uma melhor compreensão do impacte que anos de 5 violência tiveram sobre as comunidades através da participação das próprias comunidades. O Programa de Reparações Urgentes, apoiado pelo CEP, continuou o seu trabalho com as equipas distritais para identificar sobreviventes de violações graves dos direitos humanos particularmente vulneráveis por forma a fornecer apoio imediato. Ao longo destes dois meses de trabalho as equipas distritais recomendaram candidatos para este esquema de ajuda ao nível dos seus sub distritos. Em Dezembro elaborar-se-á a lista final de beneficiários e será feita a respectiva distribuição. Em Novembro o programa apoiado pelo CEP custeou a deslocação de dois homens a Yogyakarta para aplicação de próteses de pernas artificiais, necessárias devido a feridas graves em consequência de violações dos direitos humanos ocorridas no passado.Mateus Soares perdeu uma perna em consequência dos ferimentos de bala resultantes do massacre de Santa Crus em 1991 e em 1999 a sua prótese foi danificada aquando da fuga para as montanhas devido às actividades das milícias. David Rodrigues foi alvejado a tiro nas pernas durante a invasão indonésia de 1975 e a sua perna teve que ser amputada, nunca dispôs duma prótese. Ambos ficaram em YAKKUM em Yogyakarta durante duas semanas para aplicação da prótese e fisioterapia. Todos os trabalhadores dos centros são amputados ou pessoas sem membros. Durante o processo de aplicação e fisioterapia é fornecido apoio psicológico pelos companheiros que ambos referiram ser muito proveitoso. Estão actualmente a decorrer os preparativos para um próximo workshop em Dezembro. O papel do Relatório Final da Comissão na busca da justiça A 23 de Outubro a CAVR levou a cabo um painel de discussão sobre “As Comissões de Verdade e a Busca da Justiça”. A discussão foi iniciada por uma apresentação feita por Eduardo Gonzalez, um Associado Senior da International Center for Transitional Justice baseada em Nova Iorque. Eduardo era um membro senior da recentemente finalizada Comissão de Verdade e Reconciliação no Peru. A sessão da tarde teve as presenças de várias ONG’s, da sociedade civíl e de trabalhadores do sector da justiça. O painel de discussão da apresentação de Eduardo Gonzalez era composto pelo Procurador Geral Sr Longuinhos Monteiro e pelo Comissário Nacional da CAVR Sr Jacinto Alves. Eduardo Gonzalez enfatizou o aspecto que a justiça por crimes passados é um factor fundamental que não deve ser ignorado na construção duma nação. Considerou a criação de Comissões de Verdade de África e da América Latina dos anos 80 e 90 até ao século XXI com os exemplos do Peru, Gana, Serra Leoa e Timor Leste. Eduardo chamou a tenção para as possibilidades e limitações das Comissões de Verdade na sua contribuição para a justiça e incentivou o povo de Timor Leste a utilizar os pontos fortes da CAVR relativamente a este aspecto. Em resposta, o Procurador Geral Longuinhos Marques reiterou fortemente o seu empenho na aplicação da justiça relativamente a crimes graves no periodo de 1999. O Comissário Nacional da CAVR Jacinto Alves reflectiu sobre a vontade do povo timorense em que a justiça seja feita e a importância de, depois de longos anos de violações e conflitos, colocar os direitos humanos no centro da construção da nova nação, bem como o papel que as comissões podem ter neste processo de restauração da justiça. Esta apresentação e o painel de discussão foi um de vários eventos públicos organizados pela CAVR com o objectivo de promover o debate acerca das melhores formas de desenvolver o sector da justiça em Timor Leste, contribuindo para um Estado de Direito com o respeito pelos direitos humanos. 6 4. Preparação do Relatório Final Foi concluído durante este período o plano para a estrutura, conteúdo e escrita do Relatório Final da CAVR e Anthony Goldstone integrou a equipa do Relatório Final como Conselheiro Editorial. Em Outubro a CAVR recebeu durante duas semanas a visita de Eduardo Gonzalez do International Center for Transitional Justice de Nova Iorque. Antigo membro da Comissão de Verdade do Peru que completou recentemente o seu trabalho. Eduardo tem experiência prática como membro do seu Comité Editorial e foi a pessoa chave nos dois seminários que debateram a forma como o Relatório Final deveria ser elaborado e disseminado. Seguidamente ao workshop foi formada uma equipa de trabalho com a Presidência da CAVR, os Comissários Nacionais decidirão sobre as recomendações em Dezembro. 5. Formação A equipa de acolhimento e apoio às vítimas levou a cabo uma sessão de treino de três dias para o pessoal de apoio às vítimas nos distritos. O treino focou-se na melhoria do apoio às mulheres, no desenvolvimento de mecanismos de referência nos distritos e na implementação de um esquema de reparações urgentes. O Conselheiro da CAVR Kieran Dwyer contribuiu para a acção de formação das Nações Unidas sobre Mulheres e Crianças nas Missões de Manutenção da Paz co-organizada pela UNITAR, uma organização das Nações Unidas baseada em Genebra. Kieran deu um módulo sobre o trabalho com comunidades traumatizadas como parte do programa de três dias, baseado principalmente no trabalho da CAVR. O programa destinou-se a dois grupos de 25 pessoas cada e foi seguido por uma comunicação para os membros seniores das Nações Unidas em Timor Leste. 6. Investigação, deslocações e conferências • Visita a Portugal O Comissário Nacional Jacinto Alves e o Conselheiro para a Investigação Histórica Akihisa Matsuno visitaram Portugal de 11 a 18 de Outubro. Gravaram uma entrevista histórica com o General Lemos Pires, o último Governador Português de Timor Leste que será visionada na audiência de Dezembro sobre o conflito político interno e que integrará depois o arquivo da CAVR. Os dois membros da CAVR encontraram-se também com o Assessor Diplomático do Primeiro Ministro e solicitaram a presença formal do Governo Português nas audiências sobre os actores internacionais a realizar em Fevereiro de 2004. A equipa entrevistou ainda dois antigos oficiais portugueses que estiveram envolvidos no processo de descolonização bem como três refugiados timorenses actualmente a viver em Lisboa. Além do referido, a equipa da CAVR recolheu informação e materiais de arquivo de um conjunto de fontes: CDPM (Comissão para os Direitos do Povo Maubere), Paz é Possível, a Fundação Mário Soares, o Instituto Nacional de Estatística, os Arquivos do Ultramar e a biblioteca da Camâra Municipal de Lisboa (Espaço por Timor). Aki Matsuno deslocou-se ao Porto para analisar a documentação do Professor Barbedo de Magalhães na Universidade do Porto. Os dois membros da CAVR foram muito bem recebidos em Portugal, confirmando o interesse que existe pelo trabalho da comissão. 7 • Gestão do Grupo de Trabalho da Comissão de Verdade O International Center for Transitional Justice organizou o segundo encontro do Grupo de Trabalho MTC num seminário de três dias levado a cabo em Bellagio, Itália. O tema do seminário foi como as Comissões de Verdade podem trabalhar eficazmente com as ONG’s e a sociedade civíl. José Caetano, Coordenador da Divisão do Programa de Apoio da CAVR, representou a CAVR. O principal ponto de interesse da CAVR foi como trabalhar com as ONG’s e a sociedade civíl para desenvolver recomendações no relatório final e na sua disseminação e seguimento. Visita do Comissário Afegão para os Direitos Humanos O Comissário Afegão para os Direitos Humanos, Sr Nader Nadim, visitou a CAVR para avaliar os processos da CAVR relativamente à situação no seu país. Durante uma audiência de reconciliação em 25 de Novembro de 2003 na aldeia de Sananain, distrito de Manatuto, ele referiu: “Eu quero felicitar a comunidade de Sananain pelos seus esforços em lidar com os problemas do passado. Eu vejo hoje aqui que vocês se juntaram com respeito pela lei, pela vossa cultura e num espírito de fraternidade para construir um futuro com paz. No meu país nós temos um passado semelhante de terrível violência e abusos dos direitos humanos, tal como vocês nós também fomos invadidos por outro país e sofremos uma guerra de vinte anos. Eu aprendi muito convosco hoje e vou levar estes ensinamentos para o meu país, o Afganistão, para os partilhar com a Comissão de Direitos Humanos. Muito Obrigado” 7. Novos colaboradores Não foram contratados colaboradores timorenses neste período. A 4 de Outubro Willy van Rooijen ingressou na equipa de investigação por dois meses para colaborar na investigação sobre presos políticos e tortura. As funções de aconselhamento com o apoio das Nações Unidas foram preenchidas com o recrutamento do Conselheiro sobre Esclarecimento da Verdade Anthony Goldstone que vai apoiar o comité editorial do Relatório Final. O Anthony, que iniciou funções em Outubro, é suportado pela Comissão Europeia através do UNDP. A Conselheira para Apoio às Vítimas Melanie Lotfali também iniciou funções em Outubro integrada no programa de voluntariado internacional da CAVR. Del Cuddihy, Conselheiro para Arquivos, começou a trabalhar em Novembro suportado pelos Australian Volunteers International (AVI) e vai ajudar a CAVR a desenvolver e implementar uma política de arquivo para o seu crescente volume de dados e material informativo. 8. Finanças Em Novembro a Embaixada Real da Dinamarca em Jakarta concordou em fornecer o saldo duma doação anterior através do UNDP para suportar parte dos custos operacionais da CAVR. A doação tem o valor de US$82,526.00. Também em Novembro o UNDP concordou em fornecer uma doação directa de US$60,000 para assistência técnica aos trabalhos estatísticos da CAVR. A doação será recebida em Dezembro e faz parte duma doação do UNDP à CAVR acordada em Julho de 2003. A USAID aprovou uma proposta adicional de apoio na área de informação pública. A doação de US$39,901 vai custear a produção e emissão do programa de rádio semanal 8 Dalan ba Dame (A estrada para a Paz) na Radio Timor Leste, na Radio Timor Kmanek e em estações de rádio locais. Esta doação vai também pagar a emissão televisiva e radiofónica das audiências públicas bem como as suas transcrições. O memorandum de entendimento vai ser assinado em Dezembro. 9. Visitas 3 Outubro: Michael Cottier, Embaixada da Suiça, Indonésia. 9 Outubro: Simon Vincent Nielson, Kaspar Riggelson e Ulrik Joergensen da Escola de Jornalismo da Dinamarca. 13 Outubro: Konrad Adenhauer Stiftung, Alemanha 12 Novembro: Jan van den Berg, realizador do filme Tales of Crocodiles 13-25 Outubro: Eduardo Gonzalez, ICTJ 20 Outubro: Gus Miclat da ONG Filipina International Initiatives for Dialogue 21 Outubro: Jornalista freelance de Singapura e realizador cinematográfico Lynn Lee. 22 Outubro: Paul James, Universidade de Latrobe, Melbourne 30 Outubro: Bispo Hilton Deakin (Melbourne, Australia) 30 Outubro: Colaboradores de ONG japonesa e estudantes da Universidade de Nagoya: Sr. Masatsugu Sugimoto (Nagoya NGO Support Center), Sr. Hitoshi Wada (Jornalista freelance), Sra. Eri Hiraishi (Estudante), Sra. Mikiko Hida (Estudante), Sr. Naokazu Hayakawa (Estudante) 31 Outubro: Wolfgang Mueller e Hans Guenther Loeffler, Governo Alemão. 1 Novembro: Shirley Shackleton, Maureen Tolfree e representantes dos familiares dos cinco jornalistas australianos assassinados em Balibó em 1975. 3 Novembro: James Dunn, ex Consul Australiano em Timor Leste 5 Novembro: Daniel Simiao, Estudante brazileiro de douturamento sobre violência doméstica. 5 Novembro: Professor Peter Carey, Oxford 7 Novembro: Professor Jane Stromseth, Universidade de Georgetown, E.U.A. 10 Novembro: Lee Tan, Australian Conservation Foundation 10 Novembro: Atul Khare, Responsável da SRSG 11 Novembro: Sr Gambhir Bhatta, Consultor do UNDP para justiça e sector legal 17 Novembro: Ravindran Daniel, Responsável pelo Gabinete de Direitos Humanos da UNMISET 20-27 Novembro: Professor Geoff Robinson UCLA 24 Novembro: Nader Nadim, Comissário da Comissão Independente dos Direitos Humanos do Afganistão e o Conselheiro das Nações Unidas Sr Richard Bennett. 29 Novembro: Felicity Pascoe, Centre for Democratic Institutions, Canberra. 9 APÊNDICE MASSACRES Audiência Nacional Pública CAVR, 19-21 Novembro de 2003 Sede Nacional da CAVR, ex-Comarca Balide, Díli, Timor Leste ‘Eu quero dizer que eu não me vejo como vítima. Eu vejo-me como alguém que lutou e que conseguiu, com espírito de patriotismo, libertar a nossa terra.’ Simplicio Celestino de Deus, sobrevivente do massacre de Santa Cruz Massacre, Díli 12 Novembro de 1991. Pela primeira vez em Timor Leste o povo timorense teve a oportunidade de falar abertamente acerca dos terríveis massacres que as populações civis sofreram, repetidamente, durante os 24 anos que constituem o mandato da CAVR. Numa audiência pública na sede nacional da CAVR em Díli a CAVR ouviu relatos dos massacres que ocorreram em Timor Leste entre 1974 e 1999. Dezassete sobreviventes, testemunhas e familiares das vítimas dos massacres prestaram os seus testemunhos juntamente com um profissional que também testemunhou. A audiência foi difundida em directo pela televisão e rádio nacionais. As equipas de investigação da CAVR continuam o seu trabalho de investigação dos massacres e recolheram já evidências relativas a mais de 120 massacres que ocorreram durante os 24 anos que são o período do mandato. A definição de massacre para a CAVR é a de um evento onde cinco ou mais pessoas são mortas num mesmo local e numa mesma altura. Esta audiência de três dias não tentou ser exaustiva, nem no número de massacres considerados nem investigando publicamente todos os massacres de que teve informação. O objectivo da audiência foi reunir uma gama representativa de eventos ocorridos em diferentes períodos e áreas geográficas e perpetrados por diferentes grupos. Deste modo a CAVR procurou fazer luz sobre as experiências dos Timorenses durante este período ao mesmo tempo que reconhece e honra as vítimas e os sobreviventes. A audiência focou-se principalmente nos massacres menos conhecidos. Estes incluiram os massacres ocorridos em 1975 entre os partidos políticos timorenses UDT e Fretilin, os assassinatos da Fretilin nas montanhas depois de 1975, os massacres de civis nas zonas rurais por parte dos militares indonésios nos anos 80, o infame massacre de Santa Cruz em 1991 e o massacre da igreja de Liquica durante o periodo de 1999, quando os massacres foram levados a cabo pelos militares indonésios e os seus agentes. Nota de abertura do Sr Aniceto Guterres Lopes, Presidente da CAVR Na abertura da audiência, o Dr. Guterres Lopes, um influente advogado timorense de direitos humanos levantou a difícil questão de como deve uma nação lidar com os tristes acontecimentos do seu passado e da importância e valor deste processo. “A questão se é melhor lembrar ou esquecer é uma questão difícil e importante para qualquer país que esteja a tentar emergir dum passado sangrento. A questão não é se 10 devemos deixar o passado para trás. A resposta a isto não é difícil, é simples e clara – devemos abandonar o passado e seguir em frente. A questão difícil e complexa não é se, mas sim como fazer isto? Qual é a melhor maneira de lidar com o passado para que seja, de facto, deixado para trás, por forma a que aprendamos com as nossas experiências e que elas não deixem resquícios que continuem a alimentar ódios e divisões? Como tentamos nós eliminar a possibilidade de o passado se repetir no futuro?” E continuou: “Muitos países no mundo enfentraram esta situação quando estavam a sair duma ditadura militar e de abusos generalizados dos direitos humanos. Cada vez mais existe o consenso que para realmente seguir em frente, para sarar as feridas antigas, elas devem ser abertas e limpas para que cicatrizem naturalmente, não deixadas a infectar, cobertas por um escuro manto de medo. Acredito que esta seja uma decisão dolorosa que nós em Timor Leste também temos que tomar“ “Seria muito mais confortável seguir o caminho fácil, deixar o passado para trás e esperar que fosse esquecido. E ainda que todos nós saibamos que não está esquecido ele vive dentro de nós. O nosso passado continua vivo, em sussurros e olhares zangados, em mensagens passados de pais e mães para filhos e filhas. Nós precisams de mudar estas mensagens dum passado obscuro para um futuro brilhante. Nós precisamos olhar com demorada atenção para o nosso passado, abri-lo e ver o que aconteceu, ouvri as vítimas para que por uma só vez elas tenham a oportunidade de contar a sua terrível história. Nós temos de aprender com as suas histórias e precisamos de levar a cabo este processo baseado no respeito mútuo, aceitação e reconciliação, salvaguardando em cada passo uma nova paz e estabilidade para o nosso país” “… Durante os próximos três dias iremos aprender muitas coisas, vamos usa-lo como um tempo de reflexão. Nós vamos aprender sobre a incrível coragem dos nossos aldeões, as terríveis coisas por que passaram, como o poder pode ser bem usado e como pode ser mal usado. Vocês podem sentir a necessidade de reclamar justiça pelas vítimas. A CAVR não tem nenhum mandato para o exercício da justiça, só o tem para investigar e recomendar, não para executar. Os vossos sentimentos acerca destes assuntos devem ser comunicados aos vossos representantes no governo, para que eles possam desenvolver o seu trabalho de acordo com o que vocês, a comunidade, consideram importante” 1975: conflito partidário Timorense Talvez o mais notável tenha sido o testemunho dos assassinatos de 1975 ainda antes da invasão indonésia em larga escala, quando dois dos maiores partidos timorenses lutavam pelo poder. Nunca antes os Timorenses tinham tido um forum onde se pudesse falar acerca desteas mortes. A CAVR ouviu os testemunhos de quatro pessoas relativamente aos massacres cometidos pelos membros destes dois partidos políticos em 1975, um sobrevivente dum massacre no início de 1976 e duas testemunhas de massacres nas montanhas em 1977 Durante o testemunho as pessoas descreveram as acções da UDT para tomar o poder a 11 de Agosto de 1975 como um golpe de estado e descreveram o que se passou a seguir nas suas áreas. A CAVR ouviu testemunhos de massacres em Alas, nos distritos de Manufahe, Ermera e em Laclubar no distrito de Díli. O Sr. Ilídio Maria de Jesus falou acerca dum massacre na praia de Meti Oan, Wedauberek Alas, a sul do distrito de Manufahe, em que o seu pai foi morto. Ele disse que a 11 de Agosto, o dia 11 anterior ao golpe de estado da UDT, os membros da UDT começaram a prender adeptos da Fretilin durante a tarde. Ele contou como foi feito prisioneiro na cidade de Same até 25 de Agosto, quando a Fretilin começou a avançar para Same eles fugiram e levaram consigo onze prisioneiros. “As informações eram de que tinham sido imediatamente levados para Besusu, eu começei a ter medo e desapareci ... nessa altura eu fugi com a minha mão e os meus irmãos mais novos para uma colina. Quando estávamos no topo dessa colina, cerca das 14:00, ouvimos algo parecido com tiros vindo da praia de Meti Oan em Wedauberek ... quatro dias depois do assassinato destas onze pessoas ... as Falintil encontraram os seus corpos na praia em Meti Oan” Sr Ilídio falou acerca da dor e raiva da sua família: “O meu irmão queria ir lá e bater nas pessoas que tinham morto o nosso pai, mas eu disse-lhe “Irmão senta-te e ouve-me. Cabe a Deus lidar com eles. Se nós o fizermos com as nossas mãos haverá mais violência e eles virão de novo e matar-nos-ão“ Eu estava muito triste nessa altura” Sr Florentino de Jesus Martins falou acerca dum massacre semelhante de prisioneiros pelos membros da UDT em Agosto de 1975. Ele contou como nos dias a seguir ao golpe de 11 de Agosto os membros da Fretilin foram feitos prisioneiros. Nos dias a seguir ao golpe, à medida que a Fretilin ia tomando o controlo de Díli e Aileu ele explicou como os membros da Fretilin iam sendo deslocados dos gabinetes municipais para as prisões. “Eramos 75 pessoas que estavamos presos. Fomos amontoados na prisão e não podiamos esticar as pernas., Era difícil respirar ... Na tarde de 31 de Agosto a UDT veio para nos levar para Aifu ... quando eles chegaram à estrada que conduz à plantação Aifu ... começaram a amarrar-nos dois a dois. Depois levaram-nos ... foi X que ordenou que os prisioneiros de guerra fossem mortos mas ele tinha recebido ordens de X e X” Depois de ele e outros terem presenciado este crime, o Sr Florentino explicou como foram levados para Aifu em grupos de quatro “Pouco tempo depois eles começaram a levar-nos em grupos de quarto … quando a metralhadora parou nós chorámos, pensámos que então seria a nossa vez de morrer ... Depois de matar tanta gente ja só havia 30 de nós. X então deu ordens para pararem de matar ... talvez porque tivesse recebido a informação (da Falintil) ... que dizia “esta noite nós já cercamos Aifu. As tropas vão descer de Hatolia e Loerema” O Sr. Florentino contou como quando os membros da Fretilin entraram em Ermera e souberam das mortes eles imediatamente capturaram os membros da UDT e ataram-os ... no final vários foram também mortos.” O Sr. Mateus Soares testemunhou como sobreviveu ao massacre de membros da Fretilin por membros da UDT na aldeia de Fatumakerek, sub distrito de Laclubar, distrito de Manatuto em Agosto de 1975. Ele explicou como 11 membros da Fretilin foram capturados, torturados e depois atados dois a dois e levados para o topo duma ravina e lançados para baixo com baionetas. Ele contou como caiu pela ravina mas sobreviveu com três outras pessoas do grupo. A CAVR ouviu também testemunhos de massacres cometidos pela Fretilin. O Sr. Alexandre da Costa Araujo de Aileu falou do contra-golpe da Fretilin em Agosto de 1975, quando ele foi capturado e levado para a aldeia de Assimou em Aileu “juntamente com centenas 12 de outros prisioneiros de várias áreas”. Depois de algum tempo ele foi libertado mas era obrigado a levar lenha à prisão todos os dias. O Sr. Alexandre presenciou dois massacres neste periodo. O primeiro ocorreu numa noite quando o responsável da prisão foi à sua casa e lhe ordenou que o acompanhasse. Ele foi levado até um veículo donde dez pessoas foram mandadas descer e deitarem-se em linha “Depois de ouvir que eles tinham acabado de rezar X deu imediatamente um tiro de aviso na direcção das vítimas ... Depois disso os seus homens dispararam tiros de G3 na direcção das vítimas. Morreram instantaneamente porque estavm só a dez metros de distância” O segundo foi um massacre de prisioneiros em Aissirmou-Manifunihun, Aileu, por forças da Fretilin. O Sr.Alexandre estimou que 100 a 160 pessoas foram mortas neste massacre, O Sr. Alexandre testemunhou o que ele “secretamente ouviu e viu” deste massacre. “Uma noite as pessoas da aldeia de Saboria entraram em pânico quando ouviram notícias ... que mais de 100 prisioneiros tinham sido levados da prisão de Aileu para Aissirimou-Manufunihun. O meu cunhado Felisberto dos Santos também foi levado.“ “Quando nós ouvimos isto alguns de nós de Saboria fomos para Assirimou. Nós fomos em segredo. Era um local alto sobre o rio na direção de Saboria. Entramos no rio com cuidado e subimos para o local onde os prisioneiros tinham sido agrupados. Naquela altura nós só conseguiamos ver os prisioneiros de longe ... também vimos vários carros estacionados lá. Depois ouvimos um tiroteio, durou mais ou menos 15 minutos. Só ouviamos pessoas a gritar ... Depois dos gritos acabarem nós regressámos imediatamente para Saboria. Ninguém sabe ao certo quantas pessoas morreram, alguns dizem à volta de 160 outros dizem à volta de 90” O Sr Angelo Araujo Fernandes da aldeia de Lautem prestou um doloroso testemunho de como 40 membros da sua família e cinco outros amigos foram mortos pelo membros da Fretilin no início de 1976. Ele explicou como os membros da Fretilin entraram na sua aldeia e prenderam o seu pai e dois irmãos e como mais tarde ele se juntou a eles. Ao todo foram mantidos nove prisioneiros. “(Nós fomos levados) para debaixo duma árvore e amarrados dois a dois, o que em Fatuluku se chama Kawaha-waha. Nessa altura eu fui amarrado ao meu irmão. Cerca das 10:00 da manhã eles começaram a dispar e uma bala atigiu o meu irmão. Nós fomos elevados a 3 ou 4 metros do solo e só depois largados na garganta, o que partiu a corda entre nós, eu corri imediatamente ainda com as mãos amarradas atrás das costas. Os meus amigos, o meu pai e os meus irmão morreram nesse local ... a Fretilin ... os soldados continuaram a disparar contra mim mas eu escapei ... Continuei a correr e entrei num rio e eles não puderam mais ver-me. Eles regressaram e mataram toda a minha família e parentes num total de 37 pessoas em Kooleu, na aldeia de Lore, incluindo crianças e mulheres grávidas ...” O Sr. Angelo contou esta história num estado próximo do choque. Ele terminou dizendo: “Ao fim de 24 anos eu não pude reclamar a minha família. Eu quero saber quem os mandou para matar a minha família? Porque os mandaram? Eu não posso dizer aos meus filhos quem matou os seus avós: Os meus filhos perguntam-me “Pai, porque foi a nossa familía morta?” e eu não lhes posso explicar” “Eu peço à CAVR, ao Estado, ao Governo, ao Parlamento, para conduzir este processo de acordo com a nossa cultura timorense. Honrar as vítimas é importante. O 12 de Novembro é um dia importante para o nosso país. Para a minha família este dia é de 13 igual importância. Não foi uma pessoa, mas sim 40. Toda a minha família foi morta ... toda a minha família. Pergunto por isso aos Comissários, quem os mandou matar a minha família? Porque os mandaram? Nas montanhas: Massacres da Fretilin em 1977 A CAVR também ouviu testemunhos de massacres em 1977, a seguir à prisão do Sr. Francisco Xavier do Amaral pela Fretilin O Sr. António Amado J. R. Guterres, agora idoso, era em 1977 um membro da unidade educacional da Fretilin nas montanhas. Ele recordou um encontro a 19 de Agosto de 1977 na zona do Remexio, Aileu quando X fez um anúncio público “de que havia um traidor na reunião de líderes da Fretilin”, Ele falou de quando o “traidor” foi suspenso. “a Fretilin matou sete pessoas num buraco no chão de uma só vez” “… o massacre aconteceu em Herluli. Antes de serem mortos eles foram mantidos pela Fretilin. Era o aniversário da Fretilin, 20 de Agosto. Durante a cerimónia de hastear da bandeira foi dada uma ordem para se abrir uma cova. Depois de a cerimónia terminar as sete pessoas foram postas no buraco e toda a gente foi chamada atestemunhar a execução ... Quando as sete pessoas estavam no buraco X disse-lhes “Vocês ja não têm mais tempo. Agora têm que se preparar.” Antes do massacre Paulina Soares disse “Camaradas, eu vou morrer e não tenho nada, eu só tenho estas roupas. Eu vou da-las à minha mãe que vai sobreviver e lutar convosco pela independência.” Depois de a Paulina acabar esta mensagem ela despiu as roupas e entregou-as a alguém. Foram imediatamente baleados”. Mr Domingos Maria Alves deu também testemunho de outros massacres nesta altura. Também agora idoso, o seu testemunho foi emotivo e apaixonado. Ele começou por referir a grande dificuldade que tinha em entender o que se tinha passado – “o meu coração e a minha cabeça continuam a ser Fretilin, eu continuo a respeitar esta bandeira mas eu devo dizer estas palavras” O Sr. Domingos referiu que a Fretilin disse que Francisco Xavier do Amaral era um traidor e depois disto eles prenderam uma série de pessoas e bateram-lhes ‘No dia seguinte eles deram ordens para abrir um buraco no chão para enterrar os prisioneiros que iriam ser mortos. Ao meio-dia eles começaram a alinhar 20 pessoas e escolheram 10 que iriam ser mortas e que foram levadas para a margem do rio ...” “X ordenou às pessoas que rezassem. Depois de acabarem de rezar nós mostramos-lhes o local. Os seus olhos estavam fechados e foi X que disparou. Duas pessoas trouxeram a próxima pessoa. X disse-lhe para fechar os olhos e depois matou-o. Isto continuou até que dez pessoas foram mortas. De entre estes dez havia uma mulher que se chamava Albertina. Essa brava mulher insurgiu-se contra os que a iam matar” “Quando ela foi trazida amaldiçoou os nomes dos líderes que estavam presentes. Ela disse “Vocês líderes políticos não estão a fazer o tipo certo de política. Vocês formar partidos que não estão organizados ... nós viviamos em conjunto, comiamos e bebiamos em conjunto, mas matamo-nos uns aos outros como animais. Os que não falham são acusados de falharem. Traidores a quê? As pessoas iniciaram negociações e vocês acusam-nos de serem traidores” “Depois X ordenou a Albertina que se pusesse em pé em cima dos corpos mortos dos seus amigos mas ela não o quiz fazer. Então eles puseram-na em cima dos corpos mas ela desceu e continuou a maldizer os líderes. Recusou fechar os olhos quando lhe 14 ordenaram ... Albertina também recusou rezar. No fim, X disparou três vezes mas Albertina não morreu. Continuou de pé a falar. Depois eles enterraram-na viva.” O Sr. Domingos disse que não conseguia entender este assassinato. “Traidor” eu não entendo o que eles queriam dizer com esta palavra. Ele acabou dizendo: “Eu peço que os jovens não esqueçam esta história, mas que a contem no futuro para que o Estado de Timor Lorosa’e possa reconhecer o sofrimento das viúvas, orfãos e idosos.” Invasão O primeiro testemunho da audiência foi da Sra. Felismina dos Santos Conceição acerca da invasão de Díli em larga escala pelo exército indonésio em 7 de Dezembro de 1975. Nessa altura ela era uma rapariga jovem. “No Domingo 7 de Dezembro de 1975 por volta das 06:00 da manhã eu comecei a ouvir o som de aviões. Quando nós ouvimos este som ... nós viemos cá para fora e vimos os aviões a sobrevoar Díli e os arredores. Também vimos paraquedistas. Depois começou um tiroteio entre o ABRI e a FRETILIN” “Depressa o ABRI começou a tomar controlo da zona onde nós estávamos ... Deram-nos ordens para sairmos de casa imediatamente ... Nós éramos três famílias ... quando nós chegamos ao campo vimos que muitas outras pessoas já lá estavam ... Eles ordenaram aos homens que abandonassem o campo ... o meu pai e o meu irmão ... foram ... Depois todos os homens foram mandados para o lado do edifício que estava coberto com erva alta e por isso nós não conseguiamos ver claramente. Disseram às mulheres que continuavam no campo para se manterem deitadas”. “Pouco tempo depois houve disparos. Nós também ouvimos o barulho duma granada ... O tiroteio continuou durante muito tempo .. depois parou“ “Entre nós estava uma mulher chamada Isabel que fingiu que ia dar água aos militares do ABRI enquanto eles descansavam ... mas na realidade a sua intenção era ver o que tinha acontecido ... quando a Isabel regressou ela disse-nos que os homens ... estavam todos mortos ... depois nós fomo-nos embora desse lugar. Depois eu encontrei o meu pai ... vi o corpo do meu pai a sangrar ... imediatamente eu verifiquei o seu corpo ... mas o meu pai disse-me que o sangue não era dele, era do meu irmão. “O teu irmão foi alvejado ali e está a pedir água" “Eu … fui até perto do meu irmão. Encontrei-o e dei-lhe água. Levantei-lhe a cabeça e pu-la no meu colo ... e dei-lhe água. Mas eu senti que as minhas roupas estavam molhadas. Depois eu percebi que a água que eu estava a dar ao meu irmão estava a sair pelo seu pescoço porque o seu pescoço estava gravemente ferido ... Eu vi muitas vítimas perto do meu irmão . Nós não conseguimos salvar o meu irmão. Quando chegaram mais familiares das vítimas a este local o ABRI viu-nos e comecaram a disparar na nossa direção. Nós corremos e fugimos daquele local”. A Sra Berta Caetano falou do massacre logo apóa a invasão no distrito leste de Lautem. O seu pai, irmão e três amigos foram mortos pelo exército indonésio no que pareceu ser um assassinato inexplicável. A Sra. Berta Caetano disse que, em Março de 1976, o seu pai, irmão e os três outros tinham testemunhado disparos das montanhas para o exército indonésio. Eles foram comunicar isto ao 15 comando do exército indonésio em Los Palos e regressaram para as suas casas na aldeia. Logo que eles chegaram a casa chegou um camião militar do batalhão 502 e levou-os. Esta foi a última vez que a família os viu. A Sra. Berta Caetano explicou depois os seus esforços continuados junto do exército indonésio no sentido de obter informações sobre o paradeiro dos seus familiares. Foi ameaçada de morte. Durante o testemunho ela referiu a dor em relação aos familiares desaparecidos, de não saber se tinham sido mortos ou levados para outro local. Um dia disseram-lhe que eles tinham sido mortos e os seus corpos queimados numa casa. “Só em 1978 nós pudemos ir, juntamente com as outras famílias, recolher as suas ossadas. Nós não conseguimos separar os ossos de cada indivíduo porque a maior parte tinha sido consumida pelo fogo. Mas nós reconhecemos as suas coisas, por exemplo uma fivela dum cinto e uma cruz. Eu sabia que estas coisas pertenciam ao meu pai e ao meu irmão. Nós levámos os ossos e enterramo-los. Os anos 80: Os massacres pelos militares indonésios das pessoas que vinham a descer das montanhas para regressar às aldeias Na anterior audiência sobre Deslacações Forçadas e Fome (Julho de 2003) a CAVR ouviu testemunhos de como nos finais dos anos 70 as populações civis foram forçadas a descer das montanhas e obrigadas a renderem-se devido aos bombardeamentos e a outras campanhas militares indonésias e a subsequente falta de alimentos. Ao virem das montanhs as comunidades eram mantidas em campos. Em muitas zonas, no início dos anos 80, as pessoas começaram a regressar às suas aldeias O testemunho nesta audiência referiu o próximo capítulo de destruição neste processo, dos massacres de populações civis que ocorreram apenas um ano ou dois após o retorno às aldeias. A CAVR ouviu testemunhos de massacres em Uatu-Lari, em Viqueque, Muapitine em Lautem, Manufahe e Kraras em Viqueque durante este período. A Sra. Mariana Marques da aldeia de Muapitine no distrito de Lautem deu um testemunho particularmente magoado do massacre de cinco membros da comunidade na sua aldeia em Dezembro de 1983. Ela contou como o exército indonésio fez prisioneiros os civis das aldeias vizinhas, incluindo o seu marido. “… A 7 de Dezembro de 1983 nós ouvimos o anúncio do chefe da aldeia de Maupitine de que na manhã seguinte todos os aldeões ... se deviam reunir ... para esperar pelo comandante do ABRI ...” Ela contou como na manhã seguinte, às 07:00 da manhã, o comandante chegou com a sua guarda do Batalhão 1629 e o Administrador do Distrito de Lautem. “… o Administrador do Distrito levantou-se e disse em Fataluku que o meu marido e os seus quatro amigos se iam matar porque tinham cometido crimes …” A Sra. Mariana Marques ao longo do seu testemunho contou como disseram ao chefe da aldeia para cortar o pescoço ao seu marido e de como vários membros da aldeia foram mandados matar cada um dos cinco. Ela lembra-se que o seu marido não morreu imediatamente e que mandaram um membro do Hansip apunhala-lo, ele fe-lo noves vezes. Ela disse que mesmo assim o seu marido sobreviveu e que foi levado para a aldeia de Puakelu enquanto que os outros foram levados para serem enterrados. 16 A Sra Mariana Marques contou os seus esforços agonizantes para evitar que o seu marido fosse enterrado porque ele continuava vivo, ela pediu aos comandantes militares e por último ao chefe da aldeia. Eles recusaram o seu pedido e deram ordens para ele ser enterrado. “Na presença de dois membros do Batalhão 614 tiveram que enterrar o meu marido. Depois do meu marido ter sido posto num buraco com cerca de meio metro de profundidade ele levantou a mão e disse “Beija-me a mão. Vai e cuida dos nossos dois filhos”. Depois um membro do Batalhão 614 levou-me para casa. O meu marido foi enterrado vivo exactamente às 18:00 na aldeia de Puakelu.” O Sr Lúcio Menezes Lopes contou como foi a invsão de Baucau. Ele falou do bombardeamento do aeroporto de Baucau, de como os navios de guerra indonésios entraram no porto de Baucau, Seical e Laga. As pessoas de Baucau, disse ele, dispersaram em todas as direções à medida que iam fugindo para as montanhas em busca de locais para se esconderem. O Sr Lucio foi para UatuLari no distrito de Viqueque e depois para a cadeia montanhosa do Matebian até que os bombardeamentos contínuos forçaram a população civil a render-se em Novembro de 1978. Ele contou um massacre que ocorreu depois desta rendição. O Sr Lúcio disse que depois de se render foi mantido prisioneiro até Março de 1979. Uma tarde, disse ele, o Hansip leu uma lista de 28 nomes e que eles tinham que ir para a floresta à procura da Fretilin. A caminho da floresta o Hansip entregou os prisioneiros ao Batalhão 721 do exército indonésio. O grupo foi dividiod em dois. O Sr Lúcio disse que o seu grupo foi levado para o topo da montanha, onde os militares lhes disseram para se sentarem. “’Olhem, há Fretilin’ gritou o militar … e depois as armas pararam. Eu desci imediatamente pela colina. Ele dispararam muitas balas contra nós ... Eu escondi-me num buraco numa rocha ...” A Sra Felismina Soares testemunhou acerca de um massacre de civis capturados nas florestas pelos membros do Hansip nos finais dos anos 70 e inícios dos anos 80 – embora ela não tivesse a certeza do ano ela referir que ocorreu entre Janeiro e Fevereiro. A Sra. Felismina Soares disse que o seu grupo foi capturado pelos membros do Hansip perto da aldeia de Poholau na zona central das montanhas em Turiscai. “Depois de nos capturarem … eles inspecionaram-nos um por um … naquela altura havia onze homens comigo. Quando a inspeção acabou eles ordenaram a nove dos homens para se disporem em fila ao longo do rio . disseram-lhes para formar uma linha de costas virados para nós. Depois de estes nove homens se terem alinhado na margem do rio X ordenou aos seus homens que os matassem. Os tiros foram disparados de uma só vez ... os nove homens morreram de imediato.” Ela disse que os outros dois homens do grupo foram mortos pelos militares na beira da estrada a caminho de Turiscai. No fim do seu testemunho a Sra Felismina Soares disse: “… Eu estou pronta para ser chamada por qualquer instituição de justiça para dar o meu testemunho acerca do que eu vi com os meus próprios olhos ... porque eu sou a única testemunha viva” As mortes na aldeia de Kraras em 1983 foram um dos mais horríveis crimes do periodo militar indonésio. Contudo, embora a história seja conhecida em linhas gerais, nunca houve uma investigação oficial completa e até à data o número de mortos não é conhecido. A equipa de investigação da CAVR continua a trabalhar no caso de Kraras, analisando algum material fornecido pela Historic Crimes Unit da UNTAET. Nesta audiência testemunharam duas pessoas. 17 O Sr. José Gomes é o chefe da aldeia de Bibileo. Ele contou que em 1983 as pessoas desceram das montanhas e eram mantidas em campos de concentração em Viqueuqe, onde havia muito sofrimento. Quando eles conseguiram regressar às suas aldeias, ele disse que a comunidade de Bibileo tinha sido colocada, não na sua aldeia, mas na zona de Kraras, que é parte de Bibileo O Sr. Gomes disse que o batalhão que nessa altura estava baseado em Kraras era um Batalhão Territorial chamado Zipur 4. O Sr. Gomes testemunhou seis massacres diferentes nesta aldeia de 1982 a 1984. O Sr. Gomes disse que o exército indonésio assassinou dois ex-membros das Falintil e cinco civis em Setembro ou Outubro de 1982. Ele explicou que não sabia a razão pela qual os ex-membros das Falintil tinham sido mortos mas que os civis só tinham tido o azar de estar a regressar dos campos na altura em que as execuções se estavam a dar e foram também executados. Ele referiu que estes assassinatos não foram levados a cabo pelo Batalhão Zipur 4 mas sim por outro pelotão em serviço na zona. O Sr. Gomes explicou que o Batalhão Zipur 4 não era estimado devido aos abusos sexuais em relação às mulheres dos membros do Hansip e às viúvas dos que tinham sido mortos. Ele disse que estas mortes e este comportamento do Zipur 4 conduziram a uma insurreição que foi “claramente instigada pela Falintil, Hansip, os jovens e os cidadãos em conjunto. Eles mataram 14 membros do Zipur 4. Dois outros membros conseguiram escapar – um capitão que se escondeu com a sua arma numa árvore e o outro um membro do ABRI que foi levado pelas Falintil mas que depois conseguiu fugir ... Com medo, os civis fugiram para a floresta ...” O Sr. Gomes disse que no dia seguinte o exército indonésio voltou a Kraras e encontrou as aldeias vazias. Eles levaram a cabo uma campanha para os fazer regressar às aldeias. “eles disseram aos aldeõs para regressar e aqueles que tentaram fugir foram imediatamente mortos. Muitos regressaram das florestas, incluindo civis que foram depois massacrados na estrada para Kasese, perto da cidade de Viqueque. Mais de 50 pessoas, incluindo homens, mulheres, crianças e mulheres grávidas foram mortos. Nem um só escapou. Eu não sei o nome do batalhão responsável por isto.” Dois outros massacres ocorreram depois: “Parte dos civis que foram colocados na aldeia de Buikarim pelo ABRI foram levados à força pelo exército indonésio e foram depois massacrados pelo Batalhão 501 em Setembro de 1983, todos eles homens e totalizando mais de 100 pessoas. Eles foram levados à força para ir procurar comida em Kraras para as necessidades dos civis ...” “… os civis que escaparam foram depois enviados à força para Lalerek Mutin e aí os militares indonésios massacraram 17 homens ... Eles foram enganados, como se estivessem a ser recrutados para serem TBO (Tenaga Bantuan Operasi – Assistentes de Operações Militares) …” O Sr. Gomes disse que ele fugiu para as florestas por sete meses antes de se render ao exército indonésio em Fevereiro de 1984 quanod foi colocado na aldeia de Lalerek Mutin. Ele disse que em Maio de 1984 ocorreu outro massacre: “…o comandante militar de Kodim Viqueque chamou-nos, todos os homens de Lalerek Mutin, para irmos a Kodim. O Mariano foi o primeiro a ser morto, depois outros sete homens foram chamados e levados. Eram António Viegas, Afonso Gregorio, Kaitotik, Andre, Hiabosik e Rubi Fono …” 18 O Sr Gomes disse que a estes massacres se seguiu uma operação militar indonésia chamada “Curlog” (Hancurkan Logistik di Hutan – Destruição da Logística na Floresta). Foram mobilizados civis para trabalhar em conjunto com o exército indonésio para destruir as fontes de alimento, tais como coqueiros na floresta, para evitar que as Falintil tivessem o que comer. O Sr Gomes referiu que muitos civis morreram à fome e de doença durante estas operações: “… quando eu comparo os números de pessoas que foram massacradas pelo ABRI durante a insurreição e devido a fome e doenças, talvez os números sejam semelhantes ou talvez até mais altos. De 1984 a 85 entre 3 a 6 pessoas por dia morreram de fome. A comunicação com o mundo exterior foi totalmente cortada, excepto com o ABRI que estava lá em serviço” Quando o Presidente da CAVR, Fr Jovito Dias, perguntou se a comunidade tinha recebido apoio da Igreja, ele respondeu “em 1986 / 87 eles começaram a reconher-nos outra vez, mas entre 1983 e 85 nós estivemos sozinhos sem qualquer ajuda.” O Sr Gomes pediu à CAVR para continuar o seu trabalho de gravação de informação ao nível das aldeias, para ajudar as pessoas a reconhecer e entender que muita gente morreu em massacres e à fome como resultado da sua luta pela independência. Ele pediu ao Governo “para trabalhar no sentido de garantir que as gerações futuras não sofram estas experiências terríveis. A comunidade precisa de ajuda – por favor ajudem com educação, isto é muito importante. O Estado tem que nos ajudar a crescer como pessoas completas” A Sra Olinda Martins também testemunhou sobre os massacres em Kraras durante este período. Ela contou como na noite de 8 de Agosto de 1983 ouviu os tiros durante o que tinha sido o massacre do Batalhão Zipur 4. Ela disse que com medo eles fugiram e esconderam-se no rio. A Sra, Olinda Martins referiu a difícil situação que teve de tomar quando o exército indonésio regressou e ordenou às pessoas que saissem das florestas. Ela estava com os seus dois filhos pequenos, um com ano e meio e e outro com cinco meses. Ela referiu que conheceu dois sobreviventes dos massacres que lhe contraram o que havia acontecido, com medo ela ficou nas florestas durante cinco meses com os seus filhos. Depois de ter sido levada pelos militares para a vila de Dilor, ela ficou com a sua família até ser depois deslocada várias vezes pelos militares, por fim fixou-se na aldeia de Lelerek Mutin. “Quando estávamos em Lelerek Muitn tinhamos que trabalhar muito porque não havia nenhum homem, só mulheres, crianças e idosos ficaram.” Santa Cruz 12 Novembro de 1991: massacres urbanos O Massacre de Santa Cruz no dia 12 de Novembro de 1991 é talvez o mais notório dos massacres a ser considerado pela CAVR e, antes de 1999, certamente o mais largamente conhecido. Ao contrário de massacres que ocorreram antes e depois, pelo menos algumas das mortes foram gravadas em filme e reportadas por corajosos jornalistas internacionais. Os seus filmes e reportagens sairam de Timor e fizeram com que passasse a ser impossível negar os assassinatos e mudou o modo como o mundo via a ocupação indonésia de Timor Leste. O segundo dia da audiência focou-se principalmente no massacre de Santa Cruz. Foi ouvido o testemunho dum sobrevivente, o Sr. Simplicio Celestino de Deus, da Sra Helen Todd, mãe de Kamal Bamadhaj, vítima da Malásia e o reporter que filmou o massacre, o Sr Max Stahl. Reuniuse uma numerosa audiência para ver e ouvir este testemunho, revelando a importância que a população de Díli e a nível nacional atribuem a este massacre. 19 O testemunho de abertura foi do Sr Simplício Celestino de Deus. Ele recebeu um aplauso espontâneo quando disse: “Eu quero dizer que não me vejo como uma vítima. Eu vejo-me como um combatente que lutou e venceu, com espírito de patriotismo, para libertar a nossa terra ...” O Sr. Deus falou com paixão e emoção, relembrando os acontecimentos de 1991. Ele começou por caracterizar o contexto que deu origem ao crescimento do movimento clandestino urbano nos finais dos anos 80, que teve o seu auge com a visita do Papa a Timor Leste em 1989 e que culminou com uma manifestação em Tasi Tolu “Nós gritámos: ‘Nós estamos em guerra, nós estamos a sofrer, nós temos fome e choramos’ Nós dissémos ao mundo ‘Nós estamos a sofrer” Ele também referiu o seu envolvimento numa manifestação pacífica levada a cabo pela juventude timorense perto do Hotel Turismo em Janeiro de 1990, aquando da visita do embaixador dos E.U.A. John Monjo. A rede de segurança e inteligência indonésia operava com máxima força para travar este movimento de contestação clandestino. O Sr. Deus falou das expectativas da visita duma delegação parlamentar portuguesa e do que daí resultou. “Nós preparámos uma manifestação pacífica para dar as boas vindas à delegação de parlamentares portugueses”. Depois de a delegação cancelar a sua visita, o Sr Deus disse que uma grande quantidade de polícias indonésios, militares e agentes dos serviços secretos juntaram-se na igreja de Motael a 28 de Outubro para levar os jovens que tinham estado a fazer aí os preparativos. Um dos jovens, Sebastião Gomes, foi morto pelos militares. “Para homenagear o nosso irmão Sebastião Gomes nós organizamos uma grande missa na Igreja de Motael. Isto foi muito bem organizado, com muita disciplina. Nós planeavamos marchar até ao cemitério. Nós organizamos a nossa própria segurança para garantir que ninguém tinha facas ou armas, nós iriamos de mãos vazias, só a gritar.” O Sr. Deus disse que a sua função era tirar fotografias da manifestação. Ele contou que quando chegaram ao cemitério os jovens começaram a gritar “Nós queremos a independência, nós queremos a liberdade” e estavam a cantar as canções do movimento independentista. “… Em frente de Santa Cruz muitos começaram a entrar para o sítio onde estão as campas, outros ficaram alinhados ao longo da estrada em frente ao cemitério, esperando que os restantes chegassem ... um grande grupo subiu aos muros do cemitério e começou a desfraldar targetas e a fazer discursos ... eu estava a tirar muitas fotografias ... eu não me apercebi que as tropas do ABRI já tinham entrado para o cemitério indonésio, do outro lado de Santa Cruz ... eu nunca pensei que os militares indonésios fossem disparar”. “E depois o tiroteio começou. Eu vi o Francisco Binaraga que estava ao pé de mim cair morto. Todos começamos a correr para dentro do cemitério,vi tantas pessoas cairem mortas com os tiros ... Uma vez dentro do cemitério eu tentei encontrar um sítio para me esconder. Depressa os militares entraram no cemitério e começaram a bater nas vítimas que estavam caídas no chão. Eles pontapeavam as pessoas que ainda estavam vivas e batiam-lhes com as espingardas. Finalmente eles capturaram-me ... um membro do ABRI, do Batalhão 303 do Sulawesi, cortou-me a orelha ... bateram-me e pontapearamme na cabeça no sítio onde me tinham cortado a orelha ... eu pensei que eles em queriam bater até eu morrer, mas depois eu ouvi um militar gritar que o Comandante me queria 20 vivo ... eles começaram a bater nos outros como se fossem cães ... eu vi uma pessoa morrer por causa dos pontapés.” “… por fim eles puseram-me num camião Hino cheio de mortos. Quando o camião começou a andar havia alguém entre os corpos que ainda se mexia. Ele tentou levantarse e pediu água aos homens que estavam de guarda. Em vez de lhe dar água o soldado de serviço apunhalou-o no peito com a baioneta. Isto aconteceu mesmo à minha frente ... quando o soldado de guarda via alguém mexer ele batia-lhes logo com a arma ou davalhes pontapés até eles pararem de mexer ... eu senti que só queria morrer, todos os meus amigos foram mortos ...” O Sr. Deus falou também das mortes que se seguiram, especialmente no hospital militar para onde muitos sobreviventes foram levados pelos militares indonésios. “Muitos foram mortos em Santa Cruz mas muitos foram mortos cá fora, mais tarde, depois de terem fugido. Na estrada, escondidos em casas, em casas de banho, Muitos morreram assim ...” No hospital, disse ele, “nós fomos mantidos numa sala grande ... muitas pessoas ... o chão estava coberto de sangue e corpos, muitos ... mais de 300 ... eu próprio vi isto ... “ O Sr Deus explicou como foi interrogado e agredido pelos militares indonésios Kopassus,. Ele disse que lhes disse: “Hoje vocês podem matar-me, podem ver-se livres de mim. Mas o meu irmão mais novo está a crescer e ele quer a independência. Nós só queremos paz e independência. Se vocês voltarem para a vossa terra e tiverem independência e nós vivermos aqui em independência, nós podemos viver como amigos – isso seria muito bom” Depois disto, disse ele, eles bateram-lhe e ameaçaram-no. O Sr. Deus foi mantido no hospital durante nove dias e depois foi mudado para o posto da polícia onde ficou mais 30 dias. Em Fevereiro de 1992 foi transferido para Los Palos onde ficou prisioneiro dos militares. Foi levado para Bali para ser julgado em tribunal e foi libertado em 1993. A Sra. Helen Todd testemunhou como mãe de Kamal Bamaghaj, um jovem estudante da Malásia morto em Santa Cruz. Desde 2001 que a Sra. Todd tem trabalhado em Timor Leste como directora da organização de micro crédito Moris Rasik, fornecendo apoio financeiro, em particular a mulheres pobres nas comunidades rurais. A Sra. Todd disse que sentia que estava na altura de partilhar os seus sentimentos com os sobreviventes timorenses e as famílias das vítimas. A Sra. Todd disse que queria esclarecer alguns dos mal entendidos que rodeavam Kamal e o que ele estava a fazer em Timor Leste em 1991. Muitos pensavam erradamente, disse ela, que Kamal era um jornalista da Nova Zelândia. Kamal era um estudante nascido e educado na Malásia. Ele era muçulmano. Na altura do massacre de Santa Cruz ele estava no segundo ano da universidade na Austrália. Quando ele foi estudar para a Austrália ficou chocado ao conhecer a situação em Timor Leste. Na Malásia ele nunca tinha ouvido falar disso. A Sra. Todd disse que Kamal tinha vindo pela primeira vez a Timor Leste em 1990, quando fez amigos no movimento estudantil e com uma família em Baucau. “… Ele ficou horrorizado com o que viu e ouviu em Timor Leste em 1990. Quando voltou para a Austrália entrou para um grupo activista chamado AKSI. Este grupo trabalhava para Timor Leste e para o movimento pró democracia na Indonésia. Ele também esteve envolvido nas conversações sobre Timor Leste iniciadas pelo Presidente Xanana. Ele encontrou-se com o José Ramos-Horta 21 A Sra. Todd falou acerca das expectativas relativamente à visita da delegação parlamentar portuguesa em 1991 e que o seu objectivo principal era encontrarem-se secretamente com Xanana Gusmão. Kamal, disse ela, já estava a preparar uma visita de regresso a Timor e que ele concordou em viajar mais cedo quando o José Ramos-Horta lhe pediu que trouxesse uns documentos para este encontro. Na altura do massacre Kamal estava em Timor Leste a trabalhar como intérprete de Bob Muntz da Oxfam Austrália. “Kamal não foi morto em Santa Cruz. (Depois do tiroteio no cemitério) ele estava a andar ao longo da estrada do antigo mercado. Como sabem um agente da Intel tinha antes sido esfaqueado. A unidade do ABRI que o tinha levado para o hospital vinha a regressar e viu Kamal a andar sozinho e mataram-no” A Sra. Todd disse que um membro da Cruz Vermelha Internacional tentou levou Kamal a sangrar para o hospital civil mas foi-lhe recusada a entrada e obrigaram-no a ir para o hospital militar, perdendo muito tempo precioso. Ele morreu depois de ter sido admitido devido a perda de sangue. “… Eu tenho uma cópia do relatório secreto acerca da morte de Kamal. Eu tenho os nomes de todos os membros desta unidade e do comandante. Eu não quero dar os nomes hoje mas eu vou dar este relatório à CAVR” Com lágrimas mal contidas a Sra. Todd disse: “A morte de Kamal foi uma pequena parte na luta de milhares e milhares, e uma pequena coisa mas vocês vão entender que é importante para mim.” A Sra Todd falou acerca das mentiras que se seguiram à morte de Kamal. “Max Stahl retratou as mentiras que se disseram depois do massacre de Santa Cruz. Eu posso testemunhar que isso é verdade. Durante três dias os Indonésios negaram que algum internacional tivesse sido morto. Depois o relatório oficial indonésio referia que Kamal tinha sido morto no fogo cruzado. Depois sugeriram que ele era uma espécie de turista estúpido, morto porque não devia ter estado ali.” Os Comissários Nacionais interrogaram a Sra. Todd acerca da atitude dos governos da Nova Zelândia e da Malásia relativamente à morte do seu filho Kamal. Sobre o governo Neo Zelandês disse que eles foram inicialmente muito cooperativos na recuperação do corpo mas que logo que isso foi conseguido “voltou-se à situação habitual de fazer tudo para agradar à Indonésia”. A Malásia mal conhecia o problema da morte. O principal jornal em língua inglesa escreveu acerca desta morte dizendo que os jovens não se deviam imiscuir em assuntos políticos e que se o fizessem eram de alguma forma causadores de problemas. Ela reconheceu os esforços da Cruz Vermelha em Díli para a ajudar. “Kamal foi enterrado numa campa não identificada em Hera. Só graças aos esforços do representante da Cruz Vermelha Anton Manti que nós conseguinos retirar o seu corpo e enterra-lo na Malásia.” A Sra. Todd concluiu lembrando um pequeno gesto alguns dias antes do aniversário do massacre de Santa Cruz. “Este ano, no aniversário, eu fui ao local onde o Kamal foi atingido. As pessoas vieram dizer-me que o local era um pouco mais abaixo. Mais tarde, nesse dia, alguém tinha colocado flores e velas no local. Eu agradeço-lhe.” 22 Max Stahl é o reporter que filmou as imagens do massacre de Santa Cruz que passaram em todo o mundo. Ele mostrou passagens dos seus filmes e testemunhou na segunda manhã da audiência. O Sr. Stahl deu um testemunho detalhado do que viu a 12 de Novembro de 1991 e dos resultados duma investigação exaustiva que ele conduziu durante os anos seguintes ao massacre. Destas duas fontes de informação o Sr Stahl também partilhou com a comissão as suas opiniões acerca de algumas das causas do massacre e sobre os padrões de resposta da Indonésia e da comunidade internacional. O Sr. Stahl começou com as seguintes palavras: “O 12 de Novembro é o dia da juventude Timorense. Os jovens de Timor Leste fizeram um grande sacrifício, a flor deste sacrifício, podemos dize-lo, é a independência de Timor Leste.” Ele falou da indiferença internacional em relação a Timor Leste antes do massacre de Santa Cruz e admitiu apresença de outros internacionais em Santa Cruz em 1991 e dos esforços de outros durante muitos anos para mudar a atitude dos seus governos em relação a Timor Leste: “Quando nós viemos em 1991 para filmar em Timor Leste para a televisãobritânica Timor Leste não era uma história. Ninguém na Grã Bretanha estava interessado em Timor Leste. Eu falo aqui como uma testemunha estrangeira. Havia outras testemunhas estrangeiras em Santa Cruz. Russell Anderson que está aqui hoje, Helen Todd, o seu filho foi morto, e havia vários outros nesse dia. Muitos estrangeiros tentaram chamar a atenção dos seus governos para Timor Leste. Muitos dos que estão aqui hoje fizeram campanha durante muitos anos.” O Sr. Stahl mostrou dois segmentos de videos. O primeiro foi os acontecimentos de 12 de Novembro. Esta passagem contem as imagens que ficaram depois conhecidas em todo o mundo durante os anos 90, jovens a marchar nervosamente nas ruas e a gritar “Viva!”. Um rapaz com cerca de dez anos com os seus dedos em forma de V quando passa em frente da camara, jovens a correrem em pânico para dentro do cemitério, saltando por cima dos corpos dos que tinham sido mortos à medida que se ouvem os disparos constantes, um jovem a morrer nos braços do seu amigo sobre uma campa, soldados indonésios calmamente a darem e a receberem ordens nos limites do cemitério para fazerem um cerco, uma pessoa a fazer sinal ao reporter para vir ter consigo. Respondendo a uma questão do presidente da CAVR Sr Aniceto Guterres Lopes, o Sr. Stahl descreveu a marcha de jovens que tinham deixado a Catedral de Motael: “Algumas pessoas juntaram-se e vieram desde Motael, eu penso que umas 1000 ou 1500 ... algumas pessoas juntaram-se à marcha outras abandonaram-na. Muitas pessoas que falam acerca de números estimam 3000 pessoas no cemitério – dentro do cemitério, na estrada em frente, continuavam a vir.” “Nem todos foram mortos no cemitério. As mortes continuaram por várias horas, talvez alguns dias. A minha estimativa de quantas pessoas foram mortas não se baseia só no que eu vi. Eu uso os números do grupo Paz é Possível que verificou os números duas vezes. Durante sete anos a Indonésia foi confrontada, na Comissão de Direitos Humanos, com uma lista de desaparecidos ... tanto quanto sei eles nunca encontraram nenhum deles.” “Quando eu falo do número de 500 pessoas ... é uma estimativa do total de mortes ... os assassinatos continuaram durante dias ... as pessoas eram caçadas como coelhos. Nós 23 falamos dum massacre como sendo disparos contra uma multidão. E foi. Mas a maior parte das pessoas foi morta depois disso. Por soldados que se infiltraram na multidão, apunhalando e matando. Crianças, quinze, dezasseis anos. Um jovem ao pé de mim foi esfaqueado cinco ou seis vezes – antes disso ele nem sequer estava ferido.” O Sr. Stahl disse que quando os militares indonésios atacaram a multidão foi uma operação bem organizada. Depois do tiroteio inicial ele referiu uma estratégia de violência calmamente implementada, coordenada pelos oficiais. Ele contou o que em 1991 foi avançado como uma razão para para os militares indonésios massacrarem os estudantes, que era eles estarem furiosos porque um agente operacional da inteligência que acompanhava a marcha foi apunhalado e reagiu com violência. “Claramente as tropas não estavam fora de controlo. Eles estavam a cumprir instruções. Eles não estavam a agir de sua iniciativa.” “Se houve uma resposta à agressão do Major, ela não foi das tropas, foi dos oficiais. Pode ver-se claramente que as tropas indonésias foram mandadas cercar o cemitério. Eles cercaram o cemitério dum modo muito organizado. Até se pode ver no filme um oficial indonésio vestido à civil ... a dirigir o trânsito, deslocando os soldados em volta do cemitério ... foi claramente para atacar por trás e apanhar toda a gente no cemitério e as pessoas contra quem eles disparavam eram aquelas que tentavam fugir. Demorou aproximadamente 40 minutos para os soldados indonésios entrarem no cemitério. É por isso que eu tive 40 minutos para filmar. Vocês viram o filme das duas cassetes que eu enterrei numa campa. Numa terceira cassete eu filmei os oficiais indonésios seniores, pelo menos coroneis, entrarem dentro do cemitério e inspecionarem. Eles estavam calmos, como se estivessem a inspecionar a guarda no Palácio de Buckingham. Não havia pânico. Se houve uma resposta não foi dos níveis mais baixos, foi dos oficiais.” O Sr. Stahl reforçou o ponto de que muitas das mortes se deram depois no tiroteio inicial, e deram-se duma maneira muito bem calculada: “Quando eu estava em Santa Cruz eu vi jovens com os polegares amarrados atrás das costas, com a camisa despida … um ou dois deste jovens estão vivos hoje em dia ... os outros estão mortos mas eles não estavam sequer feridos nessa altura. Um soldado indonésio, um membro Timorense do TNI, disse ao Bispo Belo que tinha estado envolvido no assassinato de jovens que tinham sido atados e postos dentro de sacos e depois deitados em valas. Estas pessoas rogavam misericórdia ... parece provável que algumas das pessoas que desapareceram, que tinham as mão atadas atrás das costas, foram mortos e atirados para valas ... Pelo menos um sobrevivente disse que o facto de atarem os polegares atrás das costas significa que se vai ser executado ...” O Sr Stahl disse depois que tinha visto cerca de 50 ou 60 pessoas com os polegares atados atrás das costas. O Sr. Stahl mostrou excertos dum filme que ele tinha feito depois de uma visita secreta de seguimento em Timor Leste em 1993 para investigar alegações sobre os assassinatos que se seguiram ao massacre no cemitério, em particular os ocorridos no hospital militar de Díli. O filme mostra entrevistas com Timorenses sobreviventes do massacre falando em salas escuras com os rostos escondidos e uma entrevistra com um sobrevivente que conseguiu fugir para Portugal e que podia falar mais abertamente. “Em 1993 eu … entrevistei várias pessoas que apareceram no meu filme (de 1991). Eles disseram-me que não só tinham sido apunhalados e queimados mas que tinham sido envenenados no hospital. De acordo com as minhas informações. O veneno que me foi 24 dado pelo João Dias, que trabalhava no hospital nesse dia e que eu mandei analisar num laboratório em Inglaterra, era um medicamento que não podia ter sido dado por engano a um funcionário do hospital. Era fomaldaido, usado para matar insectos e para desinfectar. De acordo com as minhas informações um médico teria que assinar um documento para ceder uma quantidade tão grande de formaldaido e transporta-lo para outro edifício ... Eu acho que o médico de serviço deve ter tido que assinar para dar os comprimidos.” Neste segundo filme, um jovem descreveu a cena no hospital a seguir ao massacre no cemitério: “No hospital eu vi-os empilhar corpos como animais, as pessoas ainda estavam vivas. A seguir eles passaram com camiões por cima deles.” Outro sobrevivente: “Na morgue alguns ainda estavam vivos, a mexer. Dois soldados entraram, um trazia uma pedra grande na mão. O que tinha a pedra na mão inspeccionou os corpos. Se estivessem vivos ele batia-lhes com a pedra na cabeça até morrerem. Uma pessoa levantou-se e disse eu estou vivo, não me batam ... “ O Sr. Stahl falou da reacção indonésia e internacional ao massacre. Ele criticou o governo australiano e do Ministro dos Negócios Estrangeiros Sr. Gareth Evans, dizendo que foram as suas mentiras que criaram as bases para a resposta internacional ao massacre e que permitiram à Indonésia que levasse a cabo o seu próprio inquérito interno. Ele disse que ao General indonésio que foi encarregado do inquérito era um militar da linha dura que dez anos anos tinha sido responsável por uma série de massacres na zona de Los Palos, na parte este de Timor Leste. “ … os políticos mentiram aos jornalistas. O Sr. Gareth Evans, então Ministro dos Negócios Estrangeiros da Austrália, disse-nos que esta era somente uma acção de um pequeno grupo de soldados indonésios. Esta mensagem foi usada por outros governos para permitir que os Indonésios instaurassem os processos e incriminassem os responsáveis. Isto foi uma mentira, não tem nenhuma verdade, de todo. Se o Sr Gareth Evans não sabia a verdade ele deveria ter feito era ter accionado toda a rede de inteligência. “O que aconteceu foi que os Indonésios trouxeram o General Theo Syafei e outros que tinham estado em Timor dez anos antes. As pessoas de Los Palos iriam saber que Theo Syafei foi responsável, não por um, mas por vários, massacres. Nós ouvimos de Los Palos que os soldados do General Syafei mataram à sua frente ... e no Matebian ele viu os seus soldados matarem um homem e uma mulher e comerem-nos. Foi a este homem que deram a responsabilidade de fazer justiça aos perpretadores do massacre de Santa Cruz.” A Comissária Nacional Isabel Guterres perguntou ao Sr. Stahl se ele achava que o massacre tinha sido uma espécie de aberração, a palavra usada pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros australiano. Em resposta o Sr Stahl chamou a atenção que: “É claro que isto não foi acção de um grupo de soldados, mas ism de comandantes, da polícia, de pessoal hospitalar – todo o Estado indonésio ... (e depois) … quando as mortes acontecem como nós ouvimos do Simplicio, nos hospitais, é preciso mais que duas pessoas – é preciso todo um sistema estatal para fazer isto.” 1999: o massacre de Liquica 25 A divisão de esclarecimento da verdade da CAVR está a recolher depoimentos de sobreviventes e de familiares da vítimas da violência de 1999, incluindo os crimes mais graves. Muitas pessoas vieram dar os seus testemunhos acerca de massacres ocorridos por todo o país ao longo deste ano. Estes crimes são também, como é óbvio, o foco da Unidade de Crimes Graves e do Procurador Geral que já constituiram cerca de 400 acusações. As audiências públicas da CAVR incluem testemunhos sobre estes crimes. Contudo a CAVR tem a política de se focar nos crimes ocorridos mais cedo e menos conhecidos e investigados e nas violações que se verificaram nos 24 anos do seu mandato. Nesta audiência a CAVR ouviu um testemunho de 1999, relativo ao massacre na igreja de Liquica em Abril de 1999. A Sra. Herminia Mendes falou destes dias de terror que conduziram ao massacre, e do ataque à igreja feito pela “Besi Merah Putih em conjunto com os militares e com a polícia”. A Sra. Mendes falou calmamente, como se contivesse a emoção das recordações de acontecimentos passados. Ele explicou como a 5 de Abril a milícia e os militares atacaram jovens na cidade, matando um e ferido vários outros. Ela podia ouvir o tiroteio na cidade. Com medo as pessoas da cidade e das aldeias procuraram abrigo na igreja. Nessa tarde a milícia e os militares queimaram a casa do administrador do sub- distrito “Nos dois dias que estivémos na igreja nós não fizemos mais nada do que rezar. De noite nenhum de nós conseguia dormir. De noite a milícia começou a inquietar-nos usando linguagem provocatória.” A Sra. Mendes disse que às 09:00 da manhã do dia 6 de Abril o líder da milícia de Díli veio à igreja falar com o Padre Rafael e com o Padre José: “À uma da tarde a milícia Besi Merah Putih juntamente com a polícia e com os militares atacaram a igreja. O Brimob (Brigada Móvel da Polícia) chegou como se viesse salvar as pessoas, mas na realidade foram eles que iniciaram o tiroteio. Primeiro disparam para o ar , como que a dar à milícia a oportunidade para entrar na igreja. Depois começaram a matar e a ferir os civis que ali estavam ...” “Quando eles atacram, os civis fugiram da igreja devido à milícia, a Brimob e os militares começaram a disparar, esfaqueando e matando civis que estavam escondidos no gabinete do padre. Toda a gente começou a correr e a dispersar procurando locais para se esconder ... quando a milícia atacou na igreja, eles traziam armas afiadas, explosivos, machados, espadas, facas e outras armas brancas. A milícia e os militares, muitos dos quais nós conheciamos, tinham as caras cobertas com máscaras ... A polícia tinha preparado um veículo para transportar as pessoas para a casa do Administrador do Distrito. Depois da chegada à casa ... a milícia continuou com as suas acções agredidndo e ferindo civis ... muitos morreram aqui também ...” Este testemunho concluiu os testemunhos de sobreviventes, familiares das vítimas e testemunhas. Análise de padrões: reconhecimento de factores por detrás dos assassínios em massa A audiência concluiu-se com o testemunho especializado do Professor Geoff Robinson. O Professor Robinson ensina actualmente História do Sudeste Asiático na Universidade da Califórnia, Los Angeles(UCLA) EUA. Desde 1989 a 1995 foi responsável pela investigação relativa ao Sudeste Asiático para a Aministia Internacional em Londres, focando-se na situação dos direitos humanos na Indonésia e em Timor Leste. Em 1999 o Professor Robinson foi membro da equipa de Assuntos Políticos da UNAMET em Timor Leste. Ele publicou livros e artigos osbre violência política e direitos humanos na Indonésia e em Timor Leste. 26 O Professor Robinson testemunhou acerca dos padrões, causas e factores que contribuiram para os assassinatos e massacres em Timor Leste de 1974 a 1999. Ele referiu sumariamente quatro pontos principais: 1. As dezenas de massacres que tiveram lugar em Timor Leste de 1975 a 1999 não foram acontecimentos fruto do acaso e não foram acções de elementos isolados. Os testemunhos, evidências documentais e padrões recorrentes durante 24 anos mostram claramente que eles faziam parte duma política abrangente de terror e vingança, implementada com o conhecimento e o consentimento dos mais altos líderes militares e civis da Indonésia, e algumas vezes sob as suas ordens. 2. Os massacres eram facilitados pelo regime e sociedade da Nova Ordem da Indonésia. De entre os factores mais importantes estava o domínio dos militares, a obcessão do regime com a estabilidade, ordem e anti comunismo, a mobilização de milícias e forças paramilitares para lutar contra os inimigos internos, o uso deliberado do terror como forma de lutar contra as insurgências, como em 1965 a ideia de punição colectiva, o problema da impunidade, a fraqueza da sociedade civil, media e ONG’s devido ao estado de opressão. 3. Os massacres foram também faciliatdos por alguns aspectos da sociedade e política em Timor Leste.Os factores seguintes foram particularmente importantes: alguns Timorenses trabalhavam e lutavam do lado indonésio, a Fretilin e a UDT tinham cometido violações – incluindo massacres, convidando à vingança, a sociedade civil timorense, o sistema político e os media eram extremamente frágeis devido ao domínio português e indonésio, alguns partidos políticos timorenses aparentemente aceitaram a ideia de punição colectiva e morte sob custódia. 4. Os massacres, e a violência em massa no geral, não podia acontecer sem o consentimento e o apoio de governos estrangeiros, especialmente os EUA e a Austrália. Fornecendo ajuda militar e civil de importância crítica, por sistematicamente mentirem e encobrirem a extensão dos massacres, estes Estados (e muitos outros) foram cúmplices com eles, e partilham responsabilidades com eles. O testemunho do Professor Robinson foi seguido com atenção por uma larga audiência e, depois de os Comissários Nacionais pedirem a clarificação de alguns pontos, o debate foi aberto a todos. O Professor Robinson chamou a atenção para a necessidade de contrariar o problema da impunidade, para Timor Leste, para a Indonésia e para a comunidade internacional mais alargada. Ele sugeriu que a CAVR não se focasse somente em decidir se o genocidio aconteceu em Timor Leste ou em tentar calcular o número exacto de mortes durante 24 anos. “ A violência em Timor Leste foi monstruosa e são crimes contra a humanidade, e estes podem ser julgados num tribunal internacional” disse ele. Para contrariar a impunidade, disse ele, é importante investigar e julgar os envolvidos nos crimes mais graves de 1975 a 1999. O foco, disse ele, não deve ser só a violência em 1999. Ele falou da enorme quantidade de evidências resultantes de documentos militares e das milícias e de testemunhos para apoiar este trabalho. “Será um sonho (o tribunal internacional), tal como o sonho da independência? Muitos dir-vos-ão que não é possível. Tal como a independência, é possível Nos anos 80 os diplomatas diziam que a independência não era possível e aqueles que defendiam os direitos humanos só prolongaram o sofrimento do povo de Timor Leste. Em Washington as coisas que são agora ditas sobre um tribunal internacional são as mesmas que foram ditas acerca da independência.”. 27 Para trabalhar para conseguir a realização dum tribunal internacional, o Professor Robinson chamou a atenção dos presentes para valorizarem e apoiarem o actual trabalho da CAVR e da Unidade de Crimes Graves em Timor Leste. Ele disse também que para que a comunidade internacional solicite a realização dum tribunal internacional é necessário que o governo timorense apresente um desejo claro nesse sentido. Reflexão final O Padre Jovito de Araujo, Presidente Substituto da CAVR, fez uma reflexão final sobre os três dias de testemunhos. “Eu estou admirado com a coragem, espírito de perdão e empenho na reconciliação das nossas testemunhas, mesmo daquelas que sofreram mais do que o que somos capazes de imaginar. A incrível força do nosso povo enche-me de orgulho de ser Timorense.” “Esta manhã o Sr. António resumiu as esperanças das vítimas e de todo o nosso povo quando disse: ‘Nós devemos manter os nossos olhos no passado enquanto caminhamos para o futuro, para nunca mais repetir o que aconteceu” O Padre Jovito continuou: “Nós devemos aprender com a violência do passado e com a maneira como o Estado indonésio actuou aqui – nós devemos trabalhar para não seguir o mau exemplo militar indonésio no nosso país. Como nós paramos isto? Nós não devemos dizer que isto não pode nunca acontecer outra vez aqui. De facto, a menos que nós prestemos atenção ao passado ele pode repetir-se, como aconteceu em muitos outros países. Em vez disso, nós temos que estar permanentemente alerta, aletando e evitando os primeiros passos nessa estrada ... O Padre Jovito agradeceu as análises e os conselhos dados pelas testemunhas ao longo dos três dias de audiência e resumiu-os do seguinte modo: “De entre estas há cinco recomendações ao nosso governo: 1. O poder militar deve sempre ser mantido afastado do poder politico e nunca ser usado contra acções pacíficas. 2. Nós nunca devemos permitir que sejam formados grupos civis para segurança interna. Estes grupos são facilemente manipulados para fornecer apoio violento a causas políticas. 3. Os direitos humanos devem ser a base para o nosso governo. O governo, os militares e a polícia devem agir sempre de acordo com os princípios dos direitos humanos. Este direitos humanos devem ser respeitados mesmo quando tornam a governação mais difícil. 4. A justiça e a lei devem ser aplicadas igualmente a todos os cidadãos, não pode haver diferença se eles são poderosos ou não. E a justiça só deve ser aplicada aos individuos que violaram leis feitas pelo parlamento. A força, punições ou os mecanismos da justiça nunca podem ser aplicadas a grupos devido às suas opiniões diferentes, ou por eles se oporem ao grupo que está no poder. Isto é uma importante lição do nosso passado. 5. A reconciliação tem que se basear na justiça para ser efectiva.” Em conclusão o Padre Jovito reflectiu: “Mais uma vez nós devemos agradecer às corajosas testemunhas que partilharam a sua dor e a sua sabedoria connosco. Lembremo-nos sempre da sua força e mantenhamo-la no nosso coração para nos dar a coragem que precisamos para seguir em frente na difícil estrada que se nos depara.” 28 Update Oct-Nov 03PORTUGUESE 29
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