A CIDADE, O URBANISTA, O PLANO. Um estudo para a Guanabara
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A CIDADE, O URBANISTA, O PLANO. Um estudo para a Guanabara
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Curso de Especialização em Sociologia Urbana Juliana Oakim Bandeira de Mello A CIDADE, O URBANISTA, O PLANO. Um estudo para a Guanabara por Doxiadis. Rio de Janeiro 2012 i Juliana Oakim Bandeira de Mello A CIDADE, O URBANISTA, O PLANO. Um estudo para a Guanabara por Doxiadis. Monografia apresentada como requisito para obtenção do título de especialista em Sociologia Urbana, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Antonio Edmilson Martins Rodrigues. Rio de Janeiro 2012 ii RESUMO OAKIM, Juliana. A cidade, o urbanista e o plano. Um estudo para a Guanabara por Doxiadis. Monografia de especialização em Sociologia Urbana. Professor Orientador: Antonio Edmilson Martins Rodrigues. Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2012. Em 1964 o urbanista grego Constantinos Doxiadis foi contratado pelo então governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda para elaborar um plano de desenvolvimento urbano para o estado. Nascia o Plano de Desenvolvimento Urbano a longo prazo para o Estado da Guanabara, mais conhecido como Plano Doxiadis. Estruturado como um plano diretor para o ano 2000, constitui-se em uma proposta de reordenação e reestruturação urbana que se propôs enfocar todos os problemas do Estado da Guanabara e de sua Área Metropolitana. Elaborado em um período de questionamento e reelaboração do papel da cidade do Rio de Janeiro frente ao país, o projeto de Doxiadis refletiu em seu conteúdo os debates políticos do momento. Palavras-chaves: Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, Doxiadis, Carlos Lacerda, planejamento urbano. i ABSTRACT In 1964, the Greek urban planner Constantinos Doxiadis was hired by Carlos Lacerda, governor of Estado da Guanabara, to make an urban plan for the state. That way was born the Master plan and program for the development of the whole state of Guanabara, known as Plano Doxiadis. Conceived as a master plan for the year 2000, it proposed a reorganization and redevelopment which focused on all issues of the Estado da Guanabara and its metropolitan area. Built in a period of questioning and rethinking of the role of the city of Rio de Janeiro facing the country, the plan reflected in its content the political debates of the moment. Keywords: Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, Doxiadis, Carlos Lacerda, urban planning. ii ÍNDICE DE FIGURAS. Figura 1 – Cidade do futuro conforme concebida por Le Corbusier ________________ 23 Figura 2 – Brasília _____________________________________________________ 24 Figura 3 – “Equística e outras disciplinas”. Em sentido horário: disciplinas culturais, economia, sociologia, ciências políticas, administração e disciplinas técnicas. Ao centro, a equística. ____________________________________________________________ 25 Figura 4 – “O carro entra em cena e modifica a escala de dimensões que era anteriormente controlada pelo homem” ________________________________________________ 27 Figura 5 – “O tráfego de automóveis modificou o padrão de contato nos espaços públicos, fáceis e prazerosos no passado, muito difíceis e perigosos no presente” ____________________________________________________________________ 27 Figura 6 – Crescimento octogonal _________________________________________ 29 Figura 7 – Analogia biológica da circulação ___________________________________ 29 Figura 8 – Interpretação gráfica da escala equística logarítmica ___________________ 30 Figura 9 – Escala equística de população ____________________________________ 31 Figura 10 - Mapa de orientação, a macroescala ________________________________ 35 Figura 11 – A mesoescala ________________________________________________ 35 Figura 12 – O Grande Rio de Janeiro. Configuração das principais comunidades _____ 36 Figura 13 - Zona de influência das principais cidades brasileiras ___________________ 40 Figura 14 - Zona de influência da cidade do Rio de Janeiro ______________________ 40 Figura 15 - A Ecumenópolis no início do século XXII _________________________ 41 Figura 16 - Tabelas e gráfico de projeção do crescimento da população para o Brasil e para a América do Sul ______________________________________________________ 42 Figura 17 - A megalópole Rio - São Paulo ___________________________________ 45 Figura 18 - Forças que atuam na Área Metropolitana ___________________________ 46 Figura 19 - Forças de atração na Área Metropolitana ___________________________ 47 Figura 20 - Forças internas à Guanabara ____________________________________ 48 Figura 21 - O Plano Diretor para a Guanabara ________________________________ 52 Figura 22 - Densidades na Guanabara ______________________________________ 53 Figura 23 - As comunidades Classe VII na Área Metropolitana ___________________ 54 iii Figura 24 - A estrutura do plano, as duas grandes comunidades classe VII na Guanabara ____________________________________________________________________ 55 Figura 25 - A estrutura do plano: as Comunidades Classe VI _____________________ 56 Figura 26 - Rede de transportes nacional ____________________________________ 57 Figura 27 - O fluxo do tráfego na Guanabara _________________________________ 58 Figura 28 - Tempo de viagem na Guanabara _________________________________ 58 Figura 29 – Principais vias de tráfego do sistema de transporte proposto ____________ 61 Figura 30 - Volume de tráfego no ano 2000 __________________________________ 61 Figura 31 - Pistas necessárias no ano 2000 ___________________________________ 62 Figura 32 - Terras para a indústria _________________________________________ 63 Figura 33 - Terra disponível para expansão urbana na Guanabara _________________ 64 Figura 34 - Valores da terra na Guanabara ___________________________________ 65 Figura 35 - Fases da expansão urbana ______________________________________ 67 Figura 36 – O plano proposto para a Zona Central Classe VIII ___________________ 68 Figura 37 - Projetos para a zona central Classe VII ____________________________ 69 Figura 38 - Os projetos de transporte _______________________________________ 70 Figura 39 - Proposta para o sistema de metrô ________________________________ 71 Figura 40 - Estrutura sobre a linha do metrô _________________________________ 71 Figura 41 - Projetos para parques e áreas de recreação __________________________ 73 Figura 42 - Copacabana. Proposta de piso elevado para pedestres __________________ 74 Figura 43 - Planta dos blocos típicos propostos _______________________________ 75 Figura 44 - Copacabana. Corte esquemático __________________________________ 75 Figura 45 - Copacabana. Interior de um quarteirão ____________________________ 75 Figura 46 - Proposta viária para o Mangue ___________________________________ 77 Figura 47 - Os locais onde deveriam ser construídas habitações para a população das favelas ______________________________________________________________ 80 Figura 48 – Estrutura das comunidades classe III, onde seriam implantados os projetos habitacionais _________________________________________________________ 81 Figura 49 – Habitação-tipo para os programas para as favelas ____________________ 81 Figura 50 – Casa núcleo, de dimensões mínimas ______________________________ 82 Figura 51 – Localização dos três SPAs no bairro de Acari _______________________ 83 Figura 52 – Planta de situação dos três SPAs _________________________________ 84 iv Figura 53 – Casa tipo A1 pertencente ao SPA1 _______________________________ 84 Figura 54 – Casa tipo A1 pertencente ao SPA1 _______________________________ 84 Figura 55 – Casa tipo A1 pertencente ao SPA1 _______________________________ 85 Figura 56 – Casa tipo A2 pertencente ao SPA1 _______________________________ 85 Figura 57 - SPA 1, casa tipo B1 ___________________________________________ 85 Figura 58 – Casa tipo A32 e A33 pertencente ao SPA2 _________________________ 86 Figura 59 – Organização do canteiro de obras no SPA2 _________________________ 86 Figura 60 – Canteiro de obras e casa-tipo do SPA3 ____________________________ 87 Figura 61 – Densidade populacional na Guanabara por Regiões Administrativas ______ 96 Figura 62 – Taxa de crescimento ou declínio da população no Grande Rio __________ 97 Figura 63 - Projeção da população _________________________________________ 97 Figura 64 - Tráfego que cruza as fronteiras da Guanabara _______________________ 98 Figura 65 - Estrutura das comunidades, montanhas e passagens __________________ 98 Figura 66 - Estrutura de comunidades e vias arteriais ___________________________ 99 Figura 67 - Principal rede de vias da Guanabara _______________________________ 99 Figura 68 - Artérias existentes e projetadas da Guanabara ______________________ 100 Figura 69 - Projeto viário preparado pelo DUR ______________________________ 100 Figura 70 - Localização e características dos terrenos das favelas _________________ 101 Figura 71 - Localização das favelas ________________________________________ 102 Figura 72 - População das favelas e seu crescimento entre 1950 e 1960 ____________ 102 Figura 73 - Necessidades acumuladas no programa a longo prazo ________________ 103 Figura 74 – Custo cumulativo total para alcançar as necessidades do programa a longo prazo ______________________________________________________________ 103 Figura 75 - Usos da terra _______________________________________________ 104 Figura 76 - Condições de conservação das edificações _________________________ 104 Figura 77 - Condições dos edifícios _______________________________________ 105 Figura 78 - Hierarquia das comunidades ___________________________________ 105 Figura 79 - Um plano esquemático para a Área Metropolitana ___________________ 106 Figura 80 - Distribuição de funções na Área Metropolitana _____________________ 106 Figura 81 – Programa de investimentos estatais por períodos de 5 anos ____________ 107 Figura 82 – Financiamento estatal proposto no programa a longo prazo, 1966 a 2000 _ 107 Figura 83 – Total custo das necessidades por cada período quinquenal ____________ 108 v Figura 84 – Objetivos e custos do primeiro período quinquenal _________________ 108 Figura 85 – Objetivos e custos do segundo período quinquenal __________________ 109 Figura 86 – Zona Central Classe VIII: usos da terra existente ___________________ 110 Figura 87 - Zona Central Classe VIII. Restrições existentes a seu desenvolvimento ___ 111 vi SUMÁRIO. Aproximação. __________________________________________________________ 9 1. A cidade. __________________________________________________________ 11 1.1. Uma nova capital para um novo país._________________________________ 11 1.2. O que seria do Rio? ______________________________________________ 13 1.3. Lacerda na Guanabara.____________________________________________ 16 2. O Urbanista. ________________________________________________________ 22 2.1. Doxiadis e o urbanismo modernista. _________________________________ 22 2.2. A equística. ____________________________________________________ 25 3. O Plano. ___________________________________________________________ 32 3.1. As Condições equísticas. __________________________________________ 37 3.2. A capitalidade da Guanabara e a Ecumenópolis. ________________________ 39 3.3. Os problemas identificados. ________________________________________ 43 3.4. Vetores de crescimento da cidade. ___________________________________ 44 3.5. A estrutura do Plano Físico. ________________________________________ 48 3.6. O Plano de Transportes. __________________________________________ 56 3.7. O plano para a indústria. __________________________________________ 62 3.8. Implementação. _________________________________________________ 64 3.9. O custo. _______________________________________________________ 66 3.10. Os programas quinquenais. ________________________________________ 67 3.11. A microescala: Copacabana e Mangue. ________________________________ 73 3.12. O programa para as favelas. ________________________________________ 78 4. Ponderações finais. ___________________________________________________ 88 Referências bibliográficas. ________________________________________________ 92 Anexo I – Tabelas e Mapas _______________________________________________ 96 vii No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal com uma esfera de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera, vê-se uma cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade teria podido tornar se, por uma razão ou por outra, não tivesse se tornado o que é atualmente. Em todas as épocas, alguém vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo, em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro (Calvino, 1990, p. 32). 8 APROXIMAÇÃO. A cidade do Rio de Janeiro foi, desde sua fundação em 1565, uma espécie de cidade híbrida: não apenas mais uma das cidades pertencentes a uma colônia do Império Português, mas sim um centro articulador e irradiador de políticas e de pensamento. Por desempenhar função de capital, a cidade do Rio de Janeiro, ao longo de sua história, exerceu sobre o restante do território nacional uma força simbólica e estética que, além de um papel moral e civilizador, desempenhou papel de difusão por todo o território nacional da conduta e modos de agir adequados. Uma vez detentora de capitalidade, a cidade do Rio de Janeiro acabou por constituir-se voltada para fora, de maneira que seu papel enquanto centro metropolitano se confundia com o próprio Brasil, em um processo onde o Rio funcionava como uma espécie de microcosmos da nação (Rodrigues, 2002). É provável que, esta seja a razão desta cidade ter sido objeto de diversos planos urbanísticos ao longo de sua história, vislumbres de um futuro almejado para todo o Brasil. Mas o que é um plano urbanístico? E o que ele representa para uma cidade? Um plano urbano representa a construção, no papel ou no plano da utopia, de uma cidade ideal, desejada. Um plano para uma cidade representa uma interação entre realidades e representações que expressam modos de pensar, intenções e sonhos. Segundo Rama (1985), um plano segue a direção apontada por uma consciência racionalizadora, para qual não seria suficiente organizar homens dentro de uma paisagem urbana, mas também moldá-los, com destino a um futuro. Neste sentido, além de um desenho, o plano deveria ser orientado pelo resultado – “o futuro que ainda não existe, que é apenas o sonho da razão, é a perspectiva genética do projeto” (Rama, 1985, p. 27).1 Diante desta reflexão, apresenta-se o objeto desta pesquisa, um destes vislumbres de futuros irrealizados elaborados para a cidade do Rio de Janeiro e, consequentemente, para É inserida nesta perspectiva que o urbanismo surge, no século XIX, como técnica racional que se propunha solucionar os problemas surgidos com a cidade industrial. Diante de um cenário de crescimento acelerado dos assentamentos urbanos, os primeiros urbanistas propuseram a palavra-chave de todos os planos porvir: a ordem. Contudo, por trás da bandeira da necessidade de se ordenar de maneira racional e eficiente as cidades, por trás do aparente registro neutro do real, escondia-se o marco ideológico que valorizava e organizava esta realidade. 1 9 o Brasil: o pouco conhecido Plano Doxiadis. Sua origem remete ao ano de 1964, quando o então governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda contratou o urbanista grego Constantinos Doxiadis para elaborar um plano de desenvolvimento urbano para a cidade. Nascia, assim, o Plano de Desenvolvimento Urbano a longo prazo para o Estado da Guanabara, mais conhecido como Plano Doxiadis. Estruturado como um plano diretor para o ano 2000, 2 foi uma proposta de reordenação e reestruturação urbana que se propôs enfocar todos os problemas do Estado da Guanabara e de sua Área Metropolitana. Elaborado em um período de questionamento e reelaboração do papel da cidade do Rio de Janeiro frente ao país, o projeto de Doxiadis refletiu em seu conteúdo os debates políticos do momento. Situado entre o referencial do urbanismo modernista e sua crítica, Doxiadis propôs para a Guanabara um plano de desenvolvimento baseado em uma ciência própria, que, por meio da análise racional dos problemas, seria capaz de iluminar os caminhos futuros, garantido ao Estado uma posição destacada no cenário nacional. De modo a tratar do tema proposto, este estudo se dividirá em três capítulos: (a) A cidade, onde serão tratadas as questões relativas ao cenário politico de formação do Estado da Guanabara e da contratação de Doxiadis para a elaboração do plano; (b) O urbanista, onde serão analisadas as ideias e concepções elaboradas por Doxiadis em seu Centro de Estudos em Atenas que nortearam sua análise da Guanabara; e (c) O plano, onde será feita a análise do projeto para a Guanabara, com suas propostas e modos de implementação. Por fim, como é de praxe, ponderações finais sobre o plano encerrarão o texto. O Plano Doxiadis foi o segundo plano diretor da cidade. O Plano Agache, elaborado na década de 1930, havia sido o primeiro. 2 10 1. 1.1. A CIDADE. UMA NOVA CAPITAL PARA UM NOVO PAÍS. Ao início da década de 1950, o Brasil vivenciava um intenso processo de modernização política e econômica. O momento era apresentado como uma encruzilhada histórica, onde o Brasil abandonava o mundo rural, representante do passado, e, com a atividade industrial, caminhava para o futuro. Nesta perspectiva desenvolvimentista, a industrialização era compreendida como o instrumento para superação do atraso – “a criação do novo, do moderno fundaria um processo de mudança na sociedade brasileira capaz de fazer o país deixar de ser subdesenvolvido” (Oliveira, 2002[c]). Esta relação com a modernização da sociedade também estava presente nos movimentos culturais da época, que buscavam construir o novo por meio da valorização do popular como fundamento mais genuíno da nacionalidade brasileira: arquitetura moderna, bossa nova, cinema novo, dentre outros. Aproveitando o clima de liberdades públicas, Juscelino Kubitschek propôs3 em sua campanha presidencial uma agenda otimista, materializada em um plano de metas. Seu programa de governo, sintetizado no lema “50 anos em 5”, propunha um projeto para o futuro, condensado em trinta metas de governo. O plano de metas estabelecia cinco setores básicos da economia, cada qual com objetivos diferentes, que poderiam ser financiados tanto com recursos públicos quanto privados.4 Juscelino Kubitschek, ao assumir a Presidência da República em 31 de janeiro de 1956,3 iniciou um governo marcado pela modificação do modelo de desenvolvimento econômico anterior promovido por Vargas e cuja ênfase estava na industrialização orientada pelo Estado. Apropriando-se do legado varguista, JK colocou o desenvolvimento industrial aliado ao capital internacional como grande meta nacional. Assim, promoveu a abertura da economia brasileira, a privatização de empresas estatais e estabeleceu novos limites e contornos da ação do Estado. 4 A política econômica da década anterior foi importante para a elaboração do programa de governo de Juscelino. Foram utilizados como base para sua elaboração os estudos realizados durante a década de 1940 por duas instituições: Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) e pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). Estes estudos identificaram os pontos de estrangulamento da economia brasileira que, quando superados, promoveriam um crescimento em cadeia. A distribuição dos recursos mostra a importância de cada área para a política econômica: 93% dos recursos foram para os setores de energia, transportes e indústrias de base. 3 11 Ao último minuto da campanha presidencial, o programa de trinta metas foi coroado com uma meta extra, uma espécie de meta-síntese: a construção de uma nova capital, Brasília.5 Carregando em si a linguagem da arquitetura e do urbanismo modernista, Brasília se consolidaria como o símbolo de um Brasil novo, a representação material deste novo momento de desenvolvimento econômico. Poucos políticos superpuseram, com tanta intensidade, os objetivos de renovação política e arquitetônica: a construção de uma nova estética simbolizaria a autonomia técnica, a sua gestão e um caminho exemplar para o desenvolvimento posterior do país (Lauro Cavalcanti apud Oliveira, 2002[c]). Em 19 de setembro de 1956, poucos meses após o início de seu mandato, JK publicou a Lei nº 2.874, que criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital. A Novacap marcou para 1957 o lançamento do edital do concurso para o projeto urbano da nova cidade. Dentre os vinte e seis projetos inscritos, o do arquiteto Lúcio Costa foi o vitorioso. O projeto de Lúcio Costa se utilizava dos preceitos do urbanismo modernista, em uma concepção da era industrial como uma ruptura histórica radical – noção que se alinhava ao projeto político-econômico desenvolvimentista de JK. Não mais ao local, o plano da cidade progressista não está ligado às limitações da tradição cultural; ele só quer ser a expressão de uma demiúrgica liberdade da razão, colocada a serviço da eficácia e da estética. São esses dois imperativos que conferem ao espaço do modelo progressista suas características particulares (Choay, 2002, p. 21). Os principais edifícios de Brasília foram construídos em cerca de três anos e, ao final do mandato de Juscelino Kubitschek, em 21 de abril de 1960, inaugurava-se a nova capital. O Brasil havia passado à época pela experiência de construção de duas cidades capitais planejadas: Belo Horizonte e Goiânia. Goiânia havia sido construída na década anterior para ser capital do estado de Goiás, enquanto Belo Horizonte na década de 1890, para o estado de Minas Gerais. Com projeto de Aarão Reis, BH pretendia ser símbolo da civilização e do progresso promovido pela República em contraste com um passado rural e arcaico. O exemplo de Belo Horizonte torna-se ainda mais pertinente se atentarmos ao fato de que Juscelino havia sido prefeito da cidade na década de 1940. Durante seu mandato, o então futuro presidente promoveu um processo de modernização da cidade que culminou com a construção de um novo bairro: a Pampulha, onde também foi utilizada linguagem modernista, com a arquitetura de Oscar Niemeyer. Brasília, assim como havia sido BH, deveria ser a cidade dos sonhos, ambas modernas e promotoras da interiorização do país. 5 12 1.2. O QUE SERIA DO RIO?6 Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo. Louvado Deus, louvo o Santo De quem este Rio é filho. Louvo o santo padroeiro - Bravo São Sebastião – Que num dia de janeiro Lhe deu santa defensão. [...] Rio de Janeiro, agora De quatrocentos janeiros... Ó Rio de meus primeiros Sonhos! [...] Cidade de sol e bruma, Se não és mais capital Desta nação, não faz mal: Jamais capital nenhuma, Rio, empanará teu brilho, Igualará teu encanto. Louvo o Padre, louvo o Filho E louvo o Espírito Santo (Bandeira, Manuel. Louvação do Rio de Janeiro apud Coaracy, 1965, p. XXIX). Enquanto a construção da novacap corria a toque de caixa (de maneira a garantir que sua inauguração ocorresse durante o mandato de JK), no Rio de Janeiro se articulava uma grande oposição à transferência do Distrito Federal: alegava-se que a capital deveria se localizar em um lugar civilizado e que, com a transferência, se estaria abandonando tradição e história nacional. Ademais, acreditava-se que com tal medida se desprezava todo um investimento passado que havia transformado o Rio de Janeiro no eixo da unificação nacional. O ano de 1958 foi decisivo para este debate. A partir de então, o processo de perda da capitalidade foi dado como irreversível e ganhou espaço prioritário na imprensa carioca. Paralelamente, o mesmo debate avançava na Tribuna Parlamentar.7 A partir de 1958, a transferência da capital e o futuro da cidade do Rio de Janeiro ganhou espaço prioritário na imprensa quando, de julho a agosto, o Correio da Manhã publicou 32 reportagens intituladas “Que será do Rio?” (Motta, 2000b). 7 Neste mesmo ano, a situação do Distrito Federal foi objeto da Emenda Constitucional nº. 6 de 27 de janeiro de 1958, apresentada por Menezes Cortes, vice-líder da bancada da UDN. Segundo o projeto, 6 13 Diante do polêmico impasse, a solução encontrada foi a viabilização de uma lei que determinasse a organização do novo estado da federação brasileira, conforme previsto pela Constituição de 1946. Após longo debate, em fevereiro de 1960, foi apresentado pelo deputado petebista San Tiago Dantas um substitutivo que anexava diferentes projetos apresentados para a instalação da Guanabara. Propunha, desta forma, que as eleições para governador, para vice-governador e para a assembleia legislativa ocorreriam junto à eleição presidencial, em outubro de 1960. Até lá, um governador provisório seria nomeado pelo Presidente da República, com aprovação do Senado. A Câmara dos Vereadores, eleita em 1958, permaneceria até o final do seu mandato e a assembleia que os substituiria teria quatro meses para elaborar a Constituição do novo Estado. O substitutivo foi aprovado na forma da Lei 3.752 de 14 de abril de 1960, conhecida como Lei San Tiago Dantas. Apesar de solucionar por hora o debate mantendo na Guanabara a mesma estrutura do Distrito Federal, a Lei San Tiago Dantas deixou indefinidas questões importantes como as relações entre a União e a ex-capital, o repasse de verbas federais e a transferência do aparato militar para o governador a ser eleito. Desta maneira, fruto da articulação política que pretendeu garantir a autonomia da cidade, o Rio de Janeiro, em 1960, tornou-se cidade-estado, Estado da Guanabara. Agora, o recém-criado Estado se encontrava diante de um dilema identitário: definiria seu papel no conjunto federativo mantendo sua aura de capitalidade ou estadualizar-se-ia. Diante deste questionamento, o que estava em jogo nas eleições para o primeiro governador da Guanabara em 1960 era exatamente a definição do papel da Guanabara na federação brasileira. Tal eleição contou com três candidatos: Carlos Lacerda,8 líder udenista; Sérgio após a transferência da capital para Brasília, o então Distrito Federal se constituiria em um novo estado até que, em 1963, fosse efetuada a fusão com o Estado do Rio de Janeiro. A emenda, acusada de ser uma colcha de retalhos, foi refutada. 8 Carlos Frederico Werneck de Lacerda foi o político carioca de maior projeção nacional, também conhecido como “demolidor de presidentes”- em referência à sua atuação como opositor de Vargas, que culminou com seu suicídio. Antes de tomar o anticomunismo como sua principal marca, Lacerda foi, até 1939, membro do Partido Comunista Brasileiro, quando foi obrigado a abandoná-lo devido a um artigo prejudicial que havia escrito. Vereador mais votado na eleição de 1947, Lacerda fundaria em 1949 seu próprio jornal, a Tribuna da Imprensa, que se tornaria sua base de sustentação política – foi por meio deste jornal que comandou a campanha contra o governo Vargas. Em 1954, Lacerda seria eleito o deputado federal mais votado da capital, pela UDN. 14 Magalhães,9 lançado pelo Partido Social Progressista (PSP) e referendado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e Tenório Cavalcanti,10 candidato do Partido Social Trabalhista (PST). Saiu vitorioso do pleito o candidato da União Democrática Nacional (UDN) Carlos Lacerda, com uma pequena margem de 2,3% dos votos. O principal ponto de sua campanha (e que garantiu a Lacerda a vitória) foi a compreensão de que a disputa pelo cargo de primeiro governador da Guanabara apresentava um desafio particular: os candidatos teriam que construir uma relação de identidade com o recémcriado estado, que acabara de perder o lugar de capital que ocupara por mais de um século. Para Lacerda, apesar da perda da condição legal de Distrito Federal, o Rio deveria manter sua aura de capitalidade, uma vez que sua identificação como símbolo do Brasil era importante, não somente para a cidade, mas para todo o país. Desta maneira, sua campanha e, posteriormente, seu governo foram estruturados em três pilares fundamentais: a transformação da Guanabara em um estado autônomo, a recusa à provincianização, com a consequente manutenção de um lugar especial na federação, e o afastamento da possiblidade de intervenção por parte do governo federal.11 A estratégia de defesa da preservação do lugar especial da cidade do Rio de Janeiro na federação continha em si um duplo objetivo: atraía os votos dos inconformados com a perda da capitalidade e auxiliava a concretização das aspirações políticas pessoais de Lacerda.12 Neste sentido, a belacap deveria ser encarada como a plataforma de lançamento de seu nome rumo à novacap (Motta, 2000[b], p. 45). É certo que a vitória de Carlos Lacerda não se deu somente por sua defesa da manutenção da capitalidade carioca. Contudo, sem dúvida, ele foi; não somente o candidato, mas Sérgio Magalhães apresentou em sua campanha uma plataforma nacionalista de condenação ao imperialismo e à ação do capital estrangeiro no Brasil. Com fama de político honesto e incorruptível, colocava-se a favor da reforma agrária e da estatização de diversos setores da economia. 10 Tenório Cavalcanti, conhecido por sua capa preta e sua metralhadora apelidada Lurdinha, apresentou-se em campanha com um discurso nacionalista e anticomunista. 11 Lacerda era grande opositor político de Juscelino Kubitscheck – havia tentado impedir sua posse na presidência em 1955, episódio que ficou conhecido como Movimento de 11 de novembro. A ênfase dada pelo político à ameaça da intervenção federal no estado remete a este enfrentamento. Sua candidatura torna-se ainda mais importante ao considerarmos que já era pública sua intenção de se tornar presidente, assim como era pública a intenção de JK de se reeleger em 1965. 12 O governo da ex-capital federal, naquele momento, mostrava-se como ponto obrigatório de passagem àquele que desejava se tornar presidente da República. Neste sentido, conquistar o governo da Guanabara surgia como a maior aposta política de Lacerda naquele momento. 9 15 também o governador da Guanabara; que teve clareza da importância deste ponto e investiu intensamente na construção deste novo estado-capital. Não somos uma capital decaída, mas uma cidade libertada. Os que daqui saíram com saudade sabem que o Rio é uma cidade insubstituível, uma cidade em que todos os brasileiros, ontem, hoje, sempre, estarão com em sua casa. Sabem esses brasileiros que somos uma região sem regionalismos. Pensamos os nossos problemas em termos mundiais, além de continentais, e continentais, além de nacionais [...]. Pensaram que nos abandonando interiorizavam a civilização, mas foi aqui que a deixaram. Porque somos a síntese do Brasil, porque somos a porta do Brasil com o mundo, e somos do mundo a vera imagem que ele faz de nós (Discurso de lançamento da candidatura de Lacerda na convenção da UDN em 17 de julho de 1960, In: Motta, 2000[b], p. 45 [grifos meus]). 1.3. LACERDA NA GUANABARA. Conquistada a vitória, Lacerda tinha outro desafio por enfrentar: mostrar a seus eleitores uma faceta diferente da do orador retumbante – a faceta de administrador. Para tal, seu mandado contaria com uma filosofia administrativa apoiada no discurso da eficácia do saber técnico; onde as bases de um governo competente estariam garantidas por critérios de impessoalidade, neutralidade e racionalidade. A estratégia da despolitização da administração pública tinha como objetivo preservar a administração das disputas políticas, das quais o governador era eixo referencial. Além da perda da capitalidade, o Rio de Janeiro enfrentava o problema do esvaziamento econômico, tema alimentado por diversos estudos, inclusive pelo próprio Plano Doxiadis. Ao final da década de 1940, a participação da cidade no PIB industrial caíra de 24 para 15%. Na década seguinte, cairia para 9.5%. Contudo, apesar da recessão, o Rio de Janeiro permanecia como segundo maior parque industrial do país, perdendo somente para São Paulo. Neste contexto, a modernização da cidade por meio de investimentos em infraestrutura urbana surgia como condição necessária para o enfrentamento do esvaziamento: tanto do esvaziamento econômico quanto do esvaziamento da função de capital. Dentre as medidas implementadas por Lacerda para promover o desenvolvimento econômico, destacou-se a criação da COPEG (Companhia de Progresso da Guanabara) 16 em 1961. Sob sua responsabilidade estava a implementação de uma política de atração e fixação de indústrias em duas zonas especiais destinadas a este uso: Santa Cruz e Avenida Brasil. Apesar da grande divulgação, a ação da COPEG não obteve grande alcance: ainda que tenham sido instaladas dezenove indústrias na zona industrial da Avenida Brasil, em Santa Cruz somente 5% dos lotes disponíveis foram vendidos. Diante da constatação de que lotear terrenos e disponibilizar crédito para as indústrias não era suficiente para promover o crescimento econômico, o modelo a ser implantado na Guanabara teria de ser outro. Por conseguinte, a grande ênfase do governo Lacerda não se deu no fomento ao setor industrial, mas sim na execução de obras de infraestrutura urbana, que se tornariam o motor do desenvolvimento da cidade. Com a realização das diversas obras, Lacerda punha em prática um novo conceito para a cidade, onde, junto ao bordão novo rio, impunha-se um esforço pela manutenção do status de capital. Do ponto de vista político e estratégico, o urbanismo do governo Lacerda é o projeto de afirmação da belacap no cenário nacional. É a aposta de que o Rio de Janeiro continuaria sendo a capital de fato do país (Perez, 2007, p. 225). Decidida a estratégia, Lacerda mudaria significativamente a paisagem carioca ao materializar a noção de modernidade em vias expressas, túneis e viadutos; “tornando-se um ponto de inflexão na história do urbanismo carioca” (Perez, 2007, p.224). Ao executar sua meta de governo, promoveu uma verdadeira reviravolta na cidade com suas obras, o que lhe garantiu lugar privilegiado na memória do carioca. A ênfase na realização de grandes obras era, sem dúvida, um dos elementos-chave do estado-capital projetado por Carlos Lacerda. Com o objetivo de demarcar o nascimento de uma nova etapa na vida do Rio de Janeiro, o governo quis dar à cidade uma cara de estado, investindo especialmente em obras de infraestrutura urbana que tornassem a Guanabara capaz de competir com outros estados da federação. Por outro lado, no entanto, a remodelação urbana, concretizada em parques, túneis e viadutos, visava reafirmar o tradicional lugar da "belacap" como cartão de visita do país, inserindo Lacerda na linhagem dos "grandes prefeitos cariocas”, como Pereira Passos e Paulo de Frontin (Motta, 2000(a), p. 116). A grande quantidade de obras em curso exigia um imenso montante de recursos. Desde o princípio do governo, grande parte dos recursos proveio de órgãos da administração 17 descentralizada: parte por meio de empréstimos do BID,13 que poderiam ser destinados a estes órgãos; parte por meio de operações de crédito que negociavam títulos do tesouro e antecipação de receitas. O acirrado anticomunismo de Lacerda favoreceu a captação de recursos por meio de empréstimos externos de agências de financiamento norte-americanas, além do já citado BID.14 Com a apresentação de diversos projetos junto ao Banco Mundial, captou-se uma quantia em torno de 50 bilhões de cruzeiros (valor à época). Deste montante, cerca de 60% foi destinado à construção da Adutora do Guandu, 20% à rede de esgotos e o restante a hospitais e outros investimentos de menor porte. Além dos empréstimos, a Guanabara obteve recursos por meio de doações realizadas por intermédio da AID 15 e do Fundo do Trigo,16 representando cerca de 10% dos recursos recebidos. Outra fonte de recursos para execução das obras adveio da característica peculiar da composição tributária da Guanabara: com a unificação dos caixas municipal e estadual, os impostos federais distribuídos em cotas pelos estados e municípios convergiam para o mesmo cofre. Além dos empréstimos estrangeiros e do caixa único, Lacerda aumentou em O Banco Interamericano de Desenvolvimento (Inter-American Development Bank, IDB) foi criado em 1959 em Washington com o propósito de financiar projetos de desenvolvimento econômico, social e institucional na América Latina e Caribe. 14 O alinhamento político-ideológico aos Estados Unidos começou a ser construído na década anterior, à medida que o Brasil, cada vez mais, se definia como integrante do mundo ocidental. Ao final da década de 1950, da aproximação entre Juscelino Kubitscheck e o presidente norte-americano Eisenhower nasceu Operação Pan-Americana (OPA), principal iniciativa diplomática do mandato de JK. Segundo o acordo, os EUA assumiriam um compromisso político com a erradicação do subdesenvolvimento latino-americano – auxílio que também atenderia a seus interesses, uma vez que o subdesenvolvimento contribuía para a instabilidade política do continente, aumentando o risco de uma revolução comunista. Posteriormente a OPA se desdobrou na OEA (Organização dos Estados Americanos). 15 Criada em 1961, a AID foi uma repartição do Departamento de Estado dos EUA que reunia organismos que tratavam do auxílio ao exterior. Possuía em seu escopo diversas atividades como o desenvolvimento econômico, a cooperação técnica, a ajuda privada e a Aliança para o Progresso (programa de assistência ao desenvolvimento socioeconômico da América Latina). Criada logo após a Revolução Cubana, pretendia (ao colocar recursos financeiros, técnicos e humanos na região) viabilizar reformas e, ao mesmo tempo, salvar a América Latina do avanço comunista. 16 O Fundo do Trigo regulamentava empréstimos e doações advindas de recursos originados na comercialização dos excedentes agrícolas norte-americanos. Eram aplicados na construção de escolas e na urbanização e remoção de favelas. 13 18 20% a alíquota do IVC, Imposto sobre Vendas e Consignação, aumentando consideravelmente a arrecadação do estado.17 Garantidos os recursos e estruturada a justificativa para a execução das obras, a partir de 1962, Carlos Lacerda inicia no Estado da Guanabara a materialização de seu lema de campanha: “reconstruir a cidade e formar o estado” (Motta, 2000[b], p. 52). Promoveu, inicialmente, uma modificação no sistema de transportes, substituindo os antigos bondes por 600 novos ônibus elétricos, pertencentes à Companhia de Transportes Coletivos (CTC). A abertura de túneis e a construção de viadutos foi outra de suas marcas18 – ao todo, foram construídos 19 viadutos e abertos 5,6 quilômetros de túneis. 19 Ao final de 1962 foram concluídas as obras do Túnel Santa Bárbara e iniciadas as obras do Túnel Cosme Velho - Lagoa (ou Túnel Rebouças). Também foram executadas obras de ampliação e pavimentação da Avenida Suburbana, a abertura do Túnel da Rua Toneleros (facilitando a comunicação entre Copacabana, Ipanema e Lagoa), a construção do Trevo das Forças Armadas (importante eixo de ligação com a Zona Norte), além das obras do Viaduto dos Marinheiros, do Parque do Aterro do Flamengo, da Avenida Radial Oeste e a construção da Rodoviária Novo Rio. 20 Destacam-se ainda as obras de construção da adutora do Guandu, que triplicou o fornecimento de água da cidade; a ampliação da rede de esgotos com a construção de 60 quilômetros de dutos; o aumento em 30% no número de hospitais e a construção de cerca de 200 escolas primárias, praticamente dobrando o número de alunos matriculados. Contudo, dentre as intervenções promovidas no espaço urbano carioca, a remoção das favelas e a construção de conjuntos habitacionais nos subúrbios da zona oeste foram, sem A partir de 1967, o IVC passaria a ser chamado ICMS, Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços. Segundo Perez (2007), foi da arrecadação gerada no próprio estado que adveio cerca de 90% dos recursos utilizados nas obras. 18 Estas intervenções rodoviaristas na cidade estão diretamente ligadas ao modelo desenvolvimentista adotado na década anterior, que priorizou a indústria automobilística. Junta-se a esta constatação o fato de que algumas destas obras já haviam sido iniciadas pela gestão anterior. 19 Não foram ignorados os diversos estudos realizados anteriormente para a implementação de infraestrutura urbana da cidade. Lacerda se utilizou de estudos anteriores, pertencentes aos arquivos da prefeitura. 20 Os gastos com os projetos urbanísticos alcançaram 34% do total de investimentos públicos entre os anos 1961 e 1964 e foram pagos pela SURSAN por meio do Departamento de Estradas de Rodagem estadual e federal. 17 19 dúvida, as mais polêmicas implementadas por Lacerda. A título de curiosidade, a transferência das atividades industriais para a periferia, juntamente com a população que se destinaria a trabalhar nestes setores, não era novidade, mas prática consensual do modelo urbano vigente. As removidas se localizavam principalmente no coração da zona sul, área mais valorizada da cidade já na década de 1960. Neste sentido, erradicar as favelas significava também a construção de habitação não somente para a população transferida, como também nas áreas que se tornariam vagas após a remoção (criando para o capital imobiliário uma oportunidade de investimento altamente lucrativo). Em outras palavras, além dos interesses da cidade vitrine da nação,21 estavam em jogo no programa de remoção de favelas a especulação imobiliária e a reativação da construção civil, estagnada desde o final dos anos 1950. Durante os cinco anos do governo Lacerda, foram construídas cerca de 12.000 unidades de habitações populares. Até 1965, foram removidas 27 favelas com cerca de oito mil barracos, alcançando a marca de 42 mil moradores.22 Em dezembro de 1962, Carlos Lacerda assume publicamente, em entrevista à Tribuna da Imprensa, sua intenção de se candidatar à presidência da República nas eleições de 1965. Se já estavam aglutinadas em torno de sua figura as forças conservadoras (cabe lembrar que Lacerda era ferrenho opositor ao comunismo e à reforma agrária), para conquistar o Compreendidas como aglomerados que atrapalhavam a vizinhança e cuja permanência era incompatível com a evolução urbana da cidade, as favelas deveriam ser erradicadas em nome dos interesses de utilidade pública (Motta, 2000(a), p. 89). 22 Foram removidas a Favela do Pasmado, a Favela da Catacumba, a Favela Macedo Sobrinho no Humaitá, a Favela do Esqueleto, a Favela João Cândido e pequenas outras favelas no Alto da Boa Vista e na Mata Atlântica. Seus moradores foram transferidos para conjuntos habitacionais localizados muito distantes do centro da cidade. Dentre os conjuntos construídos neste período, se destacam a Cidade de Deus em Jacarepaguá, a Vila Kennedy em Senador Camará, a Vila Aliança em Bangu e a Vila Esperança em Vigário Geral. As primeiras experiências de construção de conjuntos habitacionais contaram com a doação de um bilhão de cruzeiros do Fundo do Trigo, aplicados em três experimentos a partir de junho de 1962: a construção de um conjunto residencial na Rua Álvaro Ramos em Botafogo, a urbanização da favela da Vila da Penha e a construção da Vila Aliança em Bangu. A partir de 1963, a construção de conjuntos habitacionais passou a ser responsabilidade da COHABGB (Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara), que poderia administrar os recursos financeiros sem os entraves da administração central. A COHAB trabalhou com um fundo alimentado por três fontes: 3% provinham da receita tributária e 15% de empréstimos do BID e do AID, enquanto o restante era responsabilidade dos futuros moradores, que comprariam a casa em 120 parcelas e receberiam, ao final dos dez anos, sua propriedade. Esta solução foi o germe do BNH, que promoveria política semelhante nos anos seguintes. 21 20 eleitorado urbano Lacerda contaria com as obras realizadas na cidade, como uma espécie de vitrine política. Reacionários porque fazemos escolas, porque construímos hospitais? Reacionários porque damos água que faltava? Reacionários porque, construindo esgotos, diminuímos a mortalidade infantil e as doenças infecciosas? [...] Reacionários porque não roubamos? Reacionários porque não deixamos roubar? (Discurso de Lacerda na convenção nacional da UDN em abril de 1963, poucos meses depois do anúncio da sua candidatura à presidência apud Motta, 2000[b], p. 82). O famoso discurso na convenção da UDN de 1963 demonstra como Lacerda pretendia reafirmar o papel de vitrine da nação exercido pela ex-capital e mostrar que o estado, teria pela primeira vez, condições de sagrar um presidente (Motta, 2000[b]). A partir de então, Carlos Lacerda acabara de eleger, oficialmente, a Guanabara como a mais importante plataforma de decolagem de sua candidatura, reforçando novamente a defesa do retorno à capitalidade. Foi neste contexto, de soma da necessidade de manter a cidade do Rio de Janeiro na vanguarda do Brasil à necessidade de manutenção da tradição da capital e ao projeto político pessoal de Carlos Lacerda de ser tornar presidente, que se contratou a execução de um plano de remodelação urbana, que prepararia a cidade para assumir uma posição de liderança no continente sul-americano até o ano 2000. Surgia o Plano Doxiadis, como ficou conhecido o Programa e Plano de Desenvolvimento Urbano a longo prazo para o Estado da Guanabara, plano que seria um instrumento que permitiria criar uma imagem nacional para Lacerda. 21 2. 2.1. O URBANISTA. DOXIADIS E O URBANISMO MODERNISTA. – Entretanto, construí na minha mente um modelo de cidade do qual extrair todas as cidades possíveis – disse Kublai. – Ele contém tudo o que vai de acordo com as normas. Uma vez que as cidades que existem se afastam da norma em diferentes graus, basta prever as exceções à regra e calcular as combinações mais prováveis (Calvino, 1990, p. 67). Constantinos Apostolos Doxiadis (1913-1975) urbanista mundialmente conhecido,23 figura atuante nos CIAMs24 e criador da teoria equística, praticada até os dias de hoje. Também Doxiadis fez projetos arquitetônicos e urbanos para todo o mundo. A listagem a seguir contempla apenas os principais projetos de planejamento urbano de Doxiadis. No Chipre destaca-se a elaboração de estudo para o desenvolvimento turístico do país e plano diretor da cidade de Limassol. Na França, estudo para o desenvolvimento da região mediterrânea e estudo para subdivisão do país em grandes regiões de desenvolvimento. Em Gana, o plano diretor para Área Metropolitana de Accra-Tema. Na Grécia, plano físico nacional; plano físico para Atenas; plano diretor para o desenvolvimento turístico da Costa Sardônica e da Grande Atenas; estudo para a divisão do país em grandes regiões de desenvolvimento; plano de desenvolvimento da Ilha de Patmos; plano diretor para as cidades de Arta, Igoumenitsa, loannina, Preveza, Rhodes e Serres; plano diretor para a área industrial de Volos e plano de diretor para a cidade industrial de Aspra Spitia. No Irã elaborou estudo de desenvolvimento turístico da Costa do Mar Cáspio; programa quinquenal nacional de desenvolvimento habitacional; plano diretor para a cidade recreativa de Farahnaz; plano diretor de Shiraz e estudo nacional para desenvolvimento de centros rurais. No Iraque desenvolveu programa habitacional nacional; plano diretor para Bagdá e plano diretor para a cidade de Kirkuk. Na Jordânia elaborou estudos para o desenvolvimento turístico da costa sul de Aqaba. No Líbano desenvolveu programa habitacional nacional. Na Líbia elaborou um programa habitacional equístico nacional; plano regional para Cyrenaica e plano diretor para a cidade de Beida. Na Nigéria desenvolveu planos para 20 grandes centros urbanos; plano diretor para a cidade de llorin; plano diretor para a cidade de Grande Jos e plano diretor para as cidades de Eket, Etinan, Opobo, Oron. No Paquistão desenvolveu planos para a capital Islamabad. Na Arábia Saudita elaborou planos físicos para as regiões central e norte; plano diretor da cidade de Ryadh e programas quinquenais para diversos municípios. Na Espanha desenvolveu um plano físico nacional, modelo equístico para a Catalunha; plano de desenvolvimento turístico e industrial para a Andaluzia; planos regionais de desenvolvimento para as cidades de Barcelona Gerona, Guipuzcoa, Lerida, Pontevedra, Ilhas Canário, Tenerife, La Raima, La Gomera, Hiero, Puerto de la Cruz, La Orotava, Adeje, La Guardia, Tuy, Capdepera e Leon, Chiclana de la Frontera. No Sudão elaborou plano diretor para a Grande Khartoum e Porto Sudão. Na Síria desenvolveu plano diretor para as cidades de Horns, Hama e Selemiyah. Nos EUA elaborou projeto para o desenvolvimento da área urbana de Detroit; projeto para desenvolvimento da região norte de Ohio e de Cleveland; plano viário para Michigan e plano de renovação urbana para o leste da Philadelphia, Porto de Lousville, Hampton, Williamsburg, porto de Georgetown e Miami. Na Iugoslávia desenvolveu plano para a cidade de Skopje. No Zâmbia elaborou planos diretores para as cidades de Lusaka, Chililabombwe, Chingola, Chipata, Kafue, Mongu e Mufulira e programa de desenvolvimento para 16 cidades rurais. 24 Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna. De 1928 a 1959, eram debatidas nos CIAMs as ideias que seriam tomadas como referência para a concepção de projetos urbanos em todo o mundo. 23 22 dirigiu um Centro de Pesquisas em Atenas, cujo objetivo era investigar as necessidades futuras das cidades. A prática urbanística de Doxiadis se situa no preâmbulo de uma crítica ao urbanismo modernista e, por conseguinte, próxima à prática do planejamento urbano que vinha sendo exercida nos EUA . Até meados da década de 1950, a prática urbanística (cujo grande expoente era o arquiteto Le Corbusier) era marcada pela elaboração de grandes planos, que idealizavam a cidade em sua totalidade. Por meio de um radical rompimento com a estrutura formal tradicional – ideia da tábula rasa, da substituição de uma realidade caótica e desordenada por uma nova ordem – os urbanistas modernistas pretendiam não somente solucionar os problemas espaciais da cidade, mas também os problemas sociais. Estas ideias corbusianas circularam com grande força na América Latina,25 tornando-se inspiração para projetos realizados no período do desenvolvimentismo – a construção de Brasília é um exemplo paradigmático da aplicação destas teorias (conforme pode ser visto nas figuras 1 e 2). Figura 1 – Cidade do futuro conforme concebida por Le Corbusier (Doxiadis, 1968(a), p. 9). O contato entre as ideias dos CIAMS e a América Latina começa em 1929, durante a realização do CIAM 2, em Frankfurt. Neste mesmo ano, Le Corbusier realiza uma viagem de três meses na Argentina, Brasil e Uruguai – a construção do Palácio Gustavo Capanema, edifício que segue os cinco pontos da arquitetura moderna propostos pelo arquiteto, é consequência direta destas visitas. 25 23 Figura 2 – Brasília (Doxiadis, 1968(a), p. 30). A contratação de Doxiadis para elaboração do plano de desenvolvimento da Guanabara ocorre em paralelo a uma conjuntura de crise e de dissolução do ideário urbanístico dos CIAMs, principalmente na América Latina. Ainda que, após o término da Segunda Guerra Mundial (e a consequente necessidade de reconstrução rápida de cidades inteiras), os planos de larga escala tenham se tornado instrumentos do urbanismo de Estado; surgia em meados da década de 1950 um questionamento do grau de abstração da Carta de Atenas 26 e uma discussão sobre a necessidade de se adaptar os princípios do urbanismo às condições dos países menos desenvolvidos. A consequência mais imediata deste questionamento foi, no final da década de 1950, o fim da hegemonia do movimento moderno no urbanismo. O mito da cidade como máquina perdeu espaço para a visão desenvolvimentista, impulsionada pela expansão do modelo de capitalismo norte-americano. A partir de então, o planejamento urbano passou a abordar novas questões: em lugar de buscar a eliminação da desordem, passou-se à necessidade de se atender a diversidade social e econômica das cidades. Esta corrente de pensamento pretendia, com sua crítica, reintegrar o problema urbano em seu contexto global. Sua principal bandeira era a defesa da necessidade de se reintegrar o homem no movimento de planificação urbana, suprimindo um modelo estático, em favor de uma concepção do tempo e da história como criação permanente. Sua influência contribuiu, sobretudo nos EUA, para a constituição de uma nova corrente do pensamento urbano, da qual o jovem Constantinos Doxiadis era um dos principais expoentes. Documento que sintetiza o ideário do urbanismo moderno, elaborado durante o CIAM 4, realizado em 1933 em Atenas. 26 24 Uma das principais críticas concebidas pela nova geração de arquitetos se dirigia à concepção funcional das cidades, a qual propunha a substituição por uma concepção por escalas. Ao focar no problema da identidade social, propunham uma comunidade construída a partir de uma hierarquia, de modo que a coesão social nunca fosse perdida em um ambiente de grandes proporções. Com esta pequena modificação, a rua (em lugar da quadra) passou a ser o elemento organizador do espaço urbano, o que possibilitou a tomada do habitante como o centro de todo processo de estruturação da cidade – este será um dos pontos de maior importância no plano que Doxiadis elaborou para a Guanabara. 2.2. A EQUÍSTICA. Equística é a ciência dos agrupamentos humanos desenvolvida por Doxiadis que pretendia, por meio de uma análise racional, fundamentar as propostas urbanísticas que assegurariam o desenvolvimento racional das cidades. A palavra Equística,27 é tradução livre da palavra oikistikh, em grego. Derivada da palavra grega ekos, habitat, e do verbo eko, assentar, foi o termo cunhado por Doxiadis para tratar do assentamento humano em todas as escalas de desenvolvimento da vida do homem. Sua meta era construir o equilíbrio entre homem e seu habitat por meio da compreensão do entrelaçamento dos cinco elementos constituintes de um assentamento: natureza, homem, sociedade, estruturas e redes. Figura 3 – “Equística e outras disciplinas”. Em sentido horário: disciplinas culturais, economia, sociologia, ciências políticas, administração e disciplinas técnicas. Ao centro, a equística. (Doxiadis, 1962, p. 10). 27 Em inglês, ekistics. 25 A equística, apesar de originada nos debates dos CIAMs, constituía-se em uma nova direção, oposta ao urbanismo modernista. Utilizava-se da concepção por escalas, em oposição à concepção funcional; da valorização do centro comunitário, em oposição ao centro cívico; da tomada da rua como elemento básico dos assentamentos urbanos, em oposição à quadra; e da prioridade aos valores culturais, em oposição a valores funcionais. Para Doxiadis, o urbanismo proposto pelos CIAMs propunha o enfrentamento de perigos concretos com sonhos irrealizáveis de cidades ideais, utópicas.28 Acreditava, ainda, que, para que se construísse as cidades necessárias, o planejamento urbano buscar a compreensão das forças que condicionam as cidades do futuro e a vida que se desejava levar nelas. A crítica de Doxiadis ao urbanismo moderno se estendeu à compreensão do arquiteto como o profissional dotado de técnica suficiente para tratar dos diferentes problemas das diferentes cidades em todo o mundo. Por esta razão, a equística propunha em torno de si a conjunção de várias disciplinas: economia, ciências sociais, ciências políticas, disciplinas tecnológicas e culturais. Com esta abordagem, pretendia construir para cada caso estudado um ponto de vista particular estruturado em uma síntese que pudesse servir de base para o desenho urbano em suas diversas escalas. Doxiadis acreditava que o homem havia perdido o controle dos espaços públicos – tanto pela prioridade dada pelo urbanismo moderno à máquina, quanto pelo rompimento da estrutura das comunidades pelas autoestradas. Acreditava ainda que, com a atuação exclusiva de especialistas no planejamento urbano, a humanidade havia perdido sua habilidade de enxergar a cidade como um sistema de vida único e que, portanto, não era mais capaz de reajustar sua estrutura física e social aos novos assentamentos. Como solução, apontava a necessidade de se retomar o pensamento da cidade como um todo. Para tal, apontava a importância da criação de uma teoria global sobre assentamentos humanos: a equística. Ao criticar a prática corrente do urbanismo de trabalhar com modelos ideais de cidade, Doxiadis estendia seu questionamento a projetos de outros arquitetos como o moderno Frank Lloyd Wright e sua Broadacre City, ou ainda urbanistas do século XIX, como Ebenezer Howard e suas cidades jardins, Fourrier e seu Falanstério ou ainda Owen e sua New Lamark. Doxiadis também menciona em seus escritos cidades da literatura da ficção científica como Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, 1984 de George Orwell, Fahrenheit 451 de Ray Bradbury. 28 26 Figura 4 – “O carro entra em cena e modifica a escala de dimensões que era anteriormente controlada pelo homem” (Doxiadis, 1970(b), p. 1). Figura 5 – “O tráfego de automóveis modificou o padrão de contato nos espaços públicos, fáceis e prazerosos no passado, muito difíceis e perigosos no presente” (Doxiadis, 1968(b), p. 1). Este deve ser nosso objetivo, caminhar em direção ao completo, harmoniosamente desenvolvido, homem completo, ao qual devo nomear homem humano (Doxiadis, 1966[b], p. 5). Ao contrário da corrente modernista do urbanismo, a equística posicionava o homem no centro do pensamento da cidade: a nova ciência tinha como objetivo a construção da cidade para o homem contemporâneo. Para tal, tomava como referência a função do assentamento humano apresentado por Aristóteles em A República: garantir segurança e felicidade. Uma vida feliz seria, portanto, o produto da multiplicação do tempo pela satisfação, multiplicado, por sua vez, pela segurança. Desta maneira, chegar-se-ia a uma fórmula matemática da felicidade que garantiria que o objetivo colocado por Aristóteles fosse alcançado em uma realidade onde nem todas as unidades do espaço são humanas. 27 A finalidade de um agrupamento humano é satisfazer seus habitantes individualmente, considerados como membros da sociedade. Criando o ambiente físico apropriado e favorecendo um clima social sadio, o urbanista estará em condições de desempenhar o principal papel na tarefa de ajudar o povo a levar uma vida pessoalmente satisfatória e socialmente útil. (...) O planejamento não pode ficar confinado à prancheta de desenho, abrange algo mais do que considerações de ordem econômica e do que a utilização dos terrenos para construções de projetos e de ruas. Em equística, o elemento humano é como que a infraestrutura para a composição do agrupamento humano (Guanabara, 1967, parágrafo 1138). A equística partia da premissa de que os assentamentos humanos eram suscetíveis a uma investigação sistemática e que, portanto, poderiam ser objeto de uma intervenção técnica com vistas à construção de uma cidade de tamanho ótimo, que respeitasse as dimensões humanas, sem resistir ao desenvolvimento tecnológico. Uma analogia biológica percorre todo o argumento da equística. “Não há dúvida, eu acredito, de que os assentamentos humanos são indivíduos biológicos muito complexos. Os assentamentos humanos não podem ser células, nem corpos ou organismos. Estamos, portanto, inclinados a considerá-los como indivíduos biológicos de uma ordem superior a das células ou dos organismos” (ver figura 6) (Doxiadis apud Peponis, p. 41 e 42). Outro mito do planejamento urbano combatido pela equística era a prática do planejamento estático, composto por um plano físico expresso por um desenho em duas ou três dimensões. Ao contrário, as cidades seriam organismos em crescimento que necessitam de um programa de desenvolvimento expresso no espaço – exatamente o que Doxiadis iria apresentar para a Guanabara em 1965. 28 Figura 6 – Crescimento octogonal (Peponis, p. 3). Figura 7 – Analogia biológica da circulação (Peponis, p. 1). A motivação para o desenvolvimento da equística foi a emergência de assentamentos grandes e complexos, que tenderiam a transformar-se em conurbações regionais, ou até mesmo em uma cidade mundial, a Ecumenópolis. Devido às diferentes ordens de grandeza dos assentamentos, a equística propunha como método de aproximação a utilização da escala. Meta fundamental do projeto físico que toma o homem por centro é a criação de comunidades que funcionem na escala humana e se aglutinem para alcançar as mais favoráveis condições para comunicação social, desenvolvimento e preenchimento das funções humanas (Guanabara, 1967, parágrafo 1151). Tendo em vista que a humanidade vinha construindo, por mais de dez mil anos, um imenso laboratório nas suas cidades, a invenção de novas soluções não parecia imperativa a Doxiadis. Ao contrário, ao longo da história, o homem já havia definido as dimensões ideais dos assentamentos. Portanto, foi da investigação do passado das cidades que se derivaram as dimensões e as necessidades dos modelos de comunidades utilizados pela equística. Segundo o método da escala, estes módulos estariam dispostos em uma estrutura hierárquica, que partindo do indivíduo para a cidade mundial, construiria a forma final do assentamento. Desta maneira, as regras que governam os assentamentos urbanos não girariam mais em torno de noções como causa e efeito, mas de leis e estatísticas de efeitos e possibilidades que poderiam guiar o planejamento e o desenho das cidades. 29 Segundo os estudos elaborados no Centro de Atenas, a dimensão ideal da célula que ainda mantinha a escala humana não deveria ser maior que 1.8 x 1.8 quilômetros, distância caminhável em cerca de 10 minutos. De acordo com as estimativas, esta célula conteria 40.000 habitantes. Para definir este módulo ideal, Doxiadis partiu das diferentes dimensões habitadas pelo ser humano aplicadas à chamada escala equística logarítmica (Ekistic Logarithmic Scale - ELS). Baseado nos dados desta escala, construiu uma classificação de assentamentos de acordo com seus tamanhos, partindo do homem em direção a todo o planeta.29 Figura 8 – Interpretação gráfica da escala equística logarítmica (Doxiadis, 1966(a), p. 6). A menor destas dimensões definida é o homem em si mesmo, enquanto indivíduo. A segunda é o espaço que pertence a ele sozinho, como um quarto, por exemplo. A terceira corresponde ao espaço habitado pela família. A quarta corresponde a um grupo de casas, algo como as antigas casas patriarcais ou à família estendida de nossos dias. A quinta corresponde à vila, a sexta a uma grande vila. Já a sétima corresponde a uma cidade pequena, a oitava a uma cidade média, enquanto a nona a uma grande cidade. A partir de então, atinge-se a dimensão da metrópole, da Conurbação, da megalópole, da região urbana e do continente urbano – décima, décima-primeira, décima-segunda, décima-terceira e décimaquarta escala de comunidade, respectivamente. Ao final da escala, encontra-se a Ecumenópolis, a única unidade 15, ocupando todo o território global. 29 30 Figura 9 – Escala equística de população (Doxiadis, 1970-74, p. 5). 31 3. O PLANO. Os tempos mudam, o Rio muda e essas mudanças trazem, para a metrópole, o problema fundamental de se preparar para um novo papel no desenvolvimento futuro do país (Guanabara, 1967, parágrafo 981 [grifos meus]). O Escritório de Consultores Associados Doxiadis,30 chefiado pelo urbanista Constantinos A. Doxiadis, foi contratado no início de 1964 por uma quantia de 700 mil dólares para elaboração de um Plano de Desenvolvimento Urbano a longo prazo para o Estado da Guanabara,31 a ser concluído até o final de 1965. O contrato, fechado por meio da COHAB, previa também a elaboração de um Programa Especial de Ação (SPA),32 para imediata execução das obras mais urgentes.33 Doxiadis defendia que, para assegurar o desenvolvimento da cidade, a política fundamental a ser adotada era a de um planejamento em larga escala que coordenasse os planejamentos socioeconômico e físico junto a programas de âmbito nacional e metropolitano. 34 Por conseguinte, o plano de remodelação urbana da Guanabara para o ano 2000 deveria organizar, em forma de distribuição física, as diferentes necessidades identificadas durante a elaboração do estudo. Neste sentido, o Plano Doxiadis foi um plano diretor físico, que definiu as áreas exigidas e as localizações aconselháveis para as atividades necessárias para que, ao início do milênio seguinte, o estado estivesse completamente urbanizado de acordo com “um padrão de crescimento equilibrado e, portanto, pudesse funcionar perfeitamente” (Guanabara, 1967, parágrafo 1720). A opção pelo esforço a longo prazo vinha da constatação de que os investimentos necessários eram gigantescos e que, por isso, Em inglês, Doxiadis and Associates. Em inglês, Master plan and program for the development of the whole state of Guanabara. 32 Sigla para o nome em inglês, Special Program of Action. 33 O alto custo do contrato e a escolha de uma firma estrangeira gerou forte oposição na cidade, capitaneada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), que chegou a criar uma comissão para avaliação do contrato entre a Guanabara e o escritório de Doxiadis. Arquitetos como Oscar Niemeyer, Maurício Roberto e Lúcio Costa também se opuseram à contratação do arquiteto grego. 34 Doxiadis acreditava que, no futuro, poderia ser cogitada a elaboração de um plano coordenado para o desenvolvimento racional de toda a área metropolitana da Guanabara. Reconhecia ainda a existência prévia de planos diretores físicos não coordenados na maioria dos setores de obras públicas, como os projetos elaborados na década de 1950 pelo Departamento de Engenharia Urbanística da Prefeitura do Distrito Federal (DEU ou DUR), estudados e aproveitados pela equipe de consultores baseada na Guanabara. 30 31 32 só poderiam ser realizados por meio de programas e políticas consistentes e coordenadas, cujos resultados não poderiam ser imediatos. Doxiadis supunha que alguns dos problemas de ordem econômica do Estado da Guanabara poderiam derivar da obsolescência relativa e parcial de sua infraestrutura física – ainda que o governo Lacerda viesse promovendo, nos últimos anos, um grande número de obras públicas, a cidade não contava com um plano geral de renovação de sua infraestrutura urbana que pudesse promover seu crescimento ordenado. Sendo assim, o plano diretor para o ano 2000 continha duas finalidades maiores: a criação da infraestrutura física necessária ao desenvolvimento sadio da cidade e a resolução dos problemas urgentes do tecido urbano, sem que se violentasse indevidamente a qualidade, a beleza, o encanto e o caráter da cidade. Simultaneamente à contratação de Doxiadis, criou-se na estrutura administrativa do governo do Estado o núcleo de um serviço especial, a Comissão Executiva para o Desenvolvimento Urbano do Estado da Guanabara (CEDUG), cuja função seria acompanhar e assessorar o escritório grego. A CEDUG; com uma equipe constituída por arquitetos, engenheiros civis e estatísticos; tornar-se-ia, após a entrega do plano, o órgão da Guanabara responsável pela coordenação e implantação dos planos físicos para o desenvolvimento do urbano do estado. Os Consultores Associados Doxiadis se dividiram em dois grupos: um no Rio, coordenando junto à CEDUG os vários estudos e levantamentos topográficos necessários, enquanto outro permanecia em Atenas. 35 O relatório final foi elaborado pelos dois grupos, sob a supervisão e orientação pessoal de Doxiadis. Em junho de 1964, foram elaborados quatro relatórios emergenciais com projetos e recomendações para organização de serviços necessários, elaboração de uma legislação urbana adequada, sugestão de um programa de instrução e treinamento, sinalização da A equipe de Atenas contava com arquitetos, engenheiros civis equísticos, administradores assistentes de obras, urbanistas, geógrafos, economistas e desenhistas. Dentre os outros colaboradores gregos havia arquitetos equísticos, planejadores equísticos e doutores em filosofia. 35 33 necessidade de levantamentos especiais e o já referido Programa Especial de Política Habitacional (SPA) do qual constam três projetos pilotos o SPA1, SPA2 e SPA3.36 Após um ano de trabalho, em março de 1965, foi entregue ao Governo do Estado um Relatório Preliminar sobre o Desenvolvimento Urbano da Guanabara com as propostas iniciais da equipe. Elaborado com base nos dados disponíveis e nos levantamentos realizados em 1964 pela CEDUG, continha um extenso e minucioso estudo sobre o estado. Após sua aprovação, prosseguiu-se à elaboração do relatório final, entregue no final de 1965.37 Todo o estudo apresentado no relatório final foi executado em três escalas: macroescala, mesoescala e microescala – conforme metodologia da ciência equística. A estas três escalas correspondiam, respectivamente: (a) o papel e a influência do Rio de Janeiro no cenário nacional; (b) o Rio de Janeiro e o Estado da Guanabara dentro dos limites da sua Área Metropolitana e, finalmente, (c) o exame de dois bairros, Copacabana e Mangue. Apesar da análise diferenciada, o objeto principal e campo de estudo do Plano era o espaço da mesoescala, para onde foram propostos o plano diretor, os programas quinquenais de desenvolvimento urbano e os projetos físicos. A opção por desenvolver o estudo em três escalas diferentes fazia parte do entendimento de que o que estava em jogo na elaboração deste plano era a função do Estado da Guanabara na federação. Por esta razão, foi elaborado um plano que, ao consolidar o papel da Guanabara na mesoescala, asseguraria sua posição de liderança macroescala e, consequentemente, a capitalidade da cidade. O DOX-BRA-A1 ou o Programa Especial de Política Habitacional delineava objetivos e diretrizes para três projetos pilotos, que seriam executados dentro da estrutura do SPA, determinando dimensões, propondo locais e indicando os tipos de habitação, materiais e estimativa de custo. O DOX-BRA-A2 ou o Programa de Organização de Serviços continha projetos para a organização e estabelecimento de um órgão de desenvolvimento urbano e uma comissão de desenvolvimento. O DOX-BRA-A3 ou o Programa de Instrução e Treinamento propôs um programa preliminar de instrução de ação imediata que apontava as providências necessárias para iniciar a instrução e treinamento de técnicos profissionais para substituírem os consultores e formar a equipe do serviço de desenvolvimento urbano. Finalmente, o DOX-BRA-A4 ou o Programa de Levantamentos Especiais Necessários descrevia os vários levantamentos exigidos para coleta de dados necessários, assim como seu tempo e custo de execução. 37 Utilizei nesta pesquisa uma tradução datilografada para o português de 1967, elaborada pelo CEPE-1 – Secretaria de Governo. Já os mapas foram digitalizados da versão original, em inglês. 36 34 Figura 10 - Mapa de orientação, a macroescala (Doxiadis Associates, 1965). Figura 11 – A mesoescala (Doxiadis Associates, 1965). 35 Figura 12 – O Grande Rio de Janeiro. Configuração das principais comunidades (Doxiadis Associates, 1965). O relatório final entregue ao governo do Estado da Guanabara foi estruturado em oito capítulos principais: a. Condições Equísticas – onde se analisou o papel da cidade na federação, sua história, sua natureza, seu povo, sua economia, a distribuição da sua população, seus sistemas de transporte e serviços públicos, sua estrutura comunitária, seu problema habitacional, seus espaços livres e os recursos disponíveis para execução de um programa de expansão urbana; b. Problemas – onde foram relatados os problemas equísticos do Estado da Guanabara; c. Políticas – onde foram apresentadas proposições de diretrizes para a solução dos problemas equísticos; d. Necessidades e respectivos custos – onde foram estimadas as necessidades e os custos totais do desenvolvimento urbano até o ano 2000; e. Planos – onde foi apresentado o Plano Físico para o desenvolvimento do Estado até o ano 2000; f. Programas – onde se apresentou a formulação de um programa de 35 anos para o desenvolvimento urbano da Guanabara; 36 g. Projetos para o primeiro quinquênio – onde foram apresentados os programas quinquenais de desenvolvimento, enquadrados no programa de longo prazo; e h. Implementação – onde estavam listados os recursos e meios necessários para a execução do programa.38 Por ser a estrutura do texto de Doxiadis repetitiva, optei por não seguir a ordem dos capítulos do relatório, mas por organizar este trabalho segundo os pontos mais importantes do plano diretor. 3.1. AS CONDIÇÕES EQUÍSTICAS. Agrupamentos são interdependentes, agrupamentos menores são integrados na estrutura equística, devendo sempre ser estudados em relação às regiões circunvizinhas. [...] A solução dos problemas dos agrupamentos humanos não pode ser encontrada apenas no nível local. [...] O critério correto é determinar a importância e o papel da comunidade estudada em relação à região circunvizinha, investigadas as forças centrífugas e centrípetas. Somente através de um tal critério regional podem os programas para as cidades serem elaborados corretamente (Guanabara, 1967, parágrafo 1136). Por meio do estudo das condições equísticas da Guanabara, Doxiadis pretendia identificar os principais problemas que restringiam seu desenvolvimento urbano tranquilo. Estes dados, apresentados na primeira parte do estudo, tornar-se-iam a base estrutural sobre a qual seriam elaboradas as políticas e o plano diretor a longo prazo. Entre 1964 e 1965, foi realizada uma pesquisa exaustiva sobre a cidade. Compondo grande parte do plano, este levantamento de dados se materializou em cerca de 250 figuras (desenhos e mapas) somados a cerca de 200 tabelas com dados quantitativos! Doxiadis compreendia o quão poderoso era a posse e acúmulo de informações sobre a cidade – fornecendo uma massa de dados diretamente explorável pelo Estado. No caso da elaboração deste estudo, esta coleta tinha como finalidade específica permitir à estrutura administrativa da Guanabara uma atuação que pudesse garantir a posição de liderança da Guanabara no cenário nacional até o ano 2000. 38 Havia, ainda, anexos, os quatro relatórios emergenciais, citados anteriormente. 37 O estudo da cidade na mesoescala compunha a principal parte do relatório, onde estavam apresentados os problemas cotidianos da Guanabara e sua relação com sua Área Metropolitana.39 Neste item, Doxiadis analisou as condições equísticas do Estado da Guanabara sob diferentes aspectos como: natureza,40 demografia,41 educação, saúde e bem-estar. É interessante observar que o plano não se deteve somente nos aspectos morfológicos da cidade, mas tentou uma aproximação com questões socioculturais – diferença crucial entre a proposta de Doxiadis e o urbanismo modernista. Desta forma, Doxiadis propunha um trabalho para um povo específico, com projetos regionais, integrados à sua vizinhança nas suas diferentes escalas – opondo-se à noção do ser humano tipo, ser biológico universal, trabalhada pelo urbanismo modernista. O primeiro ponto abordado foi o estudo do povo. Doxiadis reconhece de imediato a força de atração que a cidade exercia sobre o país, materializada na forma da imigração e na construção de uma identidade onde a prática da soma com outras culturas teria resultado no caráter acolhedor do carioca. “O carioca pode ser descrito como um estado de espírito, uma filosofia de vida essencialmente cordial, despreocupada e tolerante que, independente de sua classe social, orgulha-se de ser chamado de carioca, orgulho de sua cidade e de seu modo de vida” (Guanabara, 1967). O tema da homogeneidade social é tratado também quando da análise da estrutura familiar brasileira; onde “a livre mistura das raças, com a aceitação das crianças negras nas famílias portuguesas, ajudou a criar este alto grau de democratização racial, sem paralelo em todo o mundo” (Guanabara, 1967, parágrafo 249). Contudo, Doxiadis não foi ingênuo a ponto de crer cegamente na ideia de democracia racial. Pelo contrário, reconheceu que a sociedade carioca era dividida em uma estrutura de estratificação complexa, definida com base nas classes sociais – “a liberdade e a tolerância religiosa, os graus de democracia racial e o enfraquecimento da „casta‟ engendrada por uma Segundo Doxiadis, o Rio de Janeiro, por ter vasta zona de influência, não poderia ser pensado isoladamente – as fronteiras do estado não coincidiam com a entidade funcional constituída. 40 Tratou de aspectos do relevo, da geologia, do solo, da hidrologia, da biogeografia e do clima. 41 Tratou das características da população da Guanabara, distribuição, densidade, tendência de crescimento, estrutura, sexo e idade. 39 38 sociedade de senhores e escravos impediram uma estratificação social rígida e de divisões bem definidas. A casta foi substituída pela classe, de intrincado entrelaçamento” (Guanabara, 1967, parágrafo 256). A análise das condições equísticas do agrupamento humano, ou seja, da cidade do Rio de Janeiro propriamente dita, cujo objetivo era determinar a extensão e a proporção das várias e complexas exigências da metrópole carioca, foi diluída ao longo do texto, de maneira a torná-lo menos repetitivo. 3.2. A CAPITALIDADE DA GUANABARA E A ECUMENÓPOLIS. O Rio de Janeiro é um dos maiores centros do continente sul-americano e como antiga capital, sua influência se estende até as fronteiras nacionais e possivelmente além. As funções administrativas federais estão sendo absorvidas pela nova capital, Brasília, mas o Rio de Janeiro ainda conserva alguns serviços federais e permanece como capital cultural do Brasil (Guanabara, 1967, parágrafo 89). Ao se analisar o plano elaborado por Doxiadis para a Guanabara deve-se sempre ter em mente a motivação para sua contratação: a necessidade de construir um arcabouço técnico de planejamento urbano que garantisse a manutenção da tradição da capital, aliada ao projeto político pessoal de Carlos Lacerda de chegar à presidência. Por esta razão, o plano dá grande atenção à análise do processo de formação da capitalidade da Guanabara (investigando o papel da cidade enquanto centro administrativo, cultural, econômico e de transportes) além de uma análise dos mecanismos que vinham causando a redução da sua importância. Com base no estudo de algumas funções da cidade – comércio, serviços e recreação42 -, Doxiadis delineou a zona de influência do Rio de Janeiro, ou o Grande Rio, destacando o porto como fator básico na sua construção. 42 Nas palavras de Doxiadis: a. O Rio é o centro do consumo, distribuição e exportação de produtos de agricultura, bens de consumo, combustíveis, produtos industriais etc.; b. O Rio é centro de serviços administrativos, bancários, de saúde pública e transportes; e c. O Rio é centro cultural e de recreações. 39 Figura 13 - Zona de influência das principais cidades brasileiras (Doxiadis Associates, 1965). Figura 14 - Zona de influência da cidade do Rio de Janeiro (Doxiadis Associates, 1965). 40 O estudo da área de influência da Guanabara se relaciona, ainda, com uma questão cara a Doxiadis: as cidades do futuro. A Cidade do Futuro havia sido seu primeiro projeto de pesquisa, iniciado em 1960 a partir de uma ideia concebida em 1958. Analisando a velocidade de crescimento da população e, consequentemente, a expansão da terra ocupada, Doxiadis se propôs a estudar a provável e futura cidade planetária, que ocuparia toda a superfície terrestre e incluiria todos os habitantes da Terra. A este assentamento, deu o nome de Ecumenópolis, termo derivado da palavra grega ecoumeni ou, em português, ecúmeno, toda a área habitável da superfície terrestre. Figura 15 - A Ecumenópolis no início do século XXII (Doxiadis Associates, 1965). Uma vez que o advento da Ecumenópolis era inevitável, tornava-se urgente seu planejamento de modo a garantir forma habitável e confortável ao homem nesta grande cidade com população entre 20 e 30 bilhões de pessoas, conforme projeção para o final do século XXI. Segundo análise realizada no Centro de Atenas, a Ecumenópolis cobriria todo o planeta com uma rede contínua de menores e maiores concentrações urbanas de diferentes formas cujos centros se localizariam nos seguintes locais: costa leste dos EUA; região dos Grandes Lagos (EUA); costa sudoeste dos EUA; costa leste da China, os vales dos rios Ganges e Nilo e costa leste do Brasil. 41 Diante da constatação de que a costa leste do Brasil seria um dos pontos nodais da Ecumenópolis, pode-se extrapolar a questão da manutenção da capitalidade carioca, dando a ela uma nova dimensão: não somente uma disputa local entre Lacerda e JK (ou entre Brasília e Rio de Janeiro), mas uma preparação para uma realidade futura mais distante, de uma cidade global. Figura 16 - Tabelas e gráfico de projeção do crescimento da população para o Brasil e para a América do Sul (Doxiadis Associates, 1965).43 As projeções indicadas por Doxiadis foram acertadas até o princípio da década de 1980, conforme tabela abaixo. 43 População brasileira em milhões (Fonte: IBGE) 1960 1970 1980 1990 2000 Projetada 71 93 125 168 224 Real 71 93 119 147 170 42 3.3. OS PROBLEMAS IDENTIFICADOS. A metrópole do Rio de Janeiro sofre hoje o assédio de uma verdadeira hoste de problemas a serem solucionados de tal forma que o caminho fique aberto para um futuro desenvolvimento sem obstáculos (Guanabara, 1967, parágrafo 1050). Para Doxiadis, o crescimento dinâmico e desordenado de um complexo metropolitano de 5,7 milhões de habitantes foi o responsável pelos problemas que afetam a vida cotidiana do carioca. Problemas esses que só poderiam ser resolvidos por meio de programas a longo prazo, fundamentados em políticas racionais e bem meditadas. O maior problema da estrutura urbana da cidade, para Doxiadis, era a alta concentração de usos na área central: “o Rio de Janeiro é uma cidade altamente centralizada que apresenta todos os problemas básicos inerentes a um sistema centralizado”. Outro problema identificado pelo plano é a indiscriminada mistura de usos da terra, não condizente com um ambiente urbano adequadamente funcional – influência do urbanismo modernista. As favelas, questão capital na época e objeto do intenso programa de remoção implementado por Carlos Lacerda, não poderiam ficar fora da análise do plano. Doxiadis as apresentou como um problema angustiante da cidade, que “não pode ser solucionado com a simples eliminação forçada destas comunidades e relocação de seus habitantes em novo ambiente, a menos que as novas comunidades a serem criadas se situem próximas a importantes centros de emprego” (Guanabara, 1967). Para Doxiadis, as favelas do Rio de Janeiro eram consequência do grave problema habitacional da cidade, onde a demanda por habitação havia ultrapassado consideravelmente a oferta de imóveis44 e onde inexistiam atrativos para investimento do setor da construção civil em habitações para as camadas mais pobres da população. Somava-se ao cenário a inexistência de um programa de financiamento organizado para que as moradias se tornassem acessíveis a esta mesma população.45 O déficit de habitações atinge mais intensamente os grupos de baixa renda devido à sua menor capacidade financeira para enfrentar os altos aluguéis. 45 A criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), primeiro passo para construção de um fundo financeiro a ser aplicado na construção de moradia, era muito recente – razão pela qual Doxiadis não se estendeu no assunto, apesar de mencionar sua existência. 44 43 Segundo a análise do grupo de trabalho, a situação do sistema de transporte da Guanabara também era crítica. A capacidade da maioria das vias arteriais já se encontrava esgotada em 1965: as velocidades de tráfego eram muito baixas, exceto no trecho já construído da Avenida Perimetral, no Aterro do Flamengo e na Avenida Brasil (a única verdadeira via expressa da cidade). A topografia da cidade também foi identificada como um dificultador do tráfego, por obrigar as artérias a se localizarem ao longo de estreitos corredores ou em túneis de alto custo. Agravava a situação a inexistência de um sistema adequado de transporte de massa de alta velocidade e capacidade, a pouca disponibilidade de áreas de estacionamento de automóveis fora dos leitos dos logradouros e a falta de instalações e serviços ferroviários coordenados. 3.4. VETORES DE CRESCIMENTO DA CIDADE. Diferentes forças (regional, estadual e metropolitana), combinadas e projetadas, darão lugar a um padrão de desenvolvimento inquestionavelmente correto (Guanabara, 1967, parágrafo 1757). De maneira a montar a estrutura hierárquica de comunidades da Guanabara, era necessário conhecer e aproveitar as forças atuantes no Estado como aliadas na promoção de seu desenvolvimento urbano. Essas forças, trabalhadas por Doxiadis como vetores de desenvolvimento econômico fisicamente localizados, foram utilizadas como guias para a estrutura física do plano diretor. De acordo com a teoria equística, três grandes forças seriam responsáveis pela modelagem das cidades do futuro. São elas (em ordem de importância): a atração promovida pelos centros urbanos existentes, a atração das grandes linhas de transporte e as forças estéticas (que atraem pessoas para o oceano, lagos, rios e outros locais de beleza cênica). Por volta do ano 2000, a área metropolitana será uma conurbação, formando uma linha importante de conexão no desenvolvimento megapolitano previsto para o litoral atlântico do Brasil (Guanabara, 1967, parágrafo 1743). No caso da Guanabara, a principal destas forças se localizava no eixo de ligação do Estado (e de sua área metropolitana) à cidade de São Paulo – eixo de transporte que, seguido o plano, se tornaria a espinha dorsal da expansão megalopolitana e seria, no futuro, o vetor do nascimento da Ecumenópolis da América do Sul, uma rede totalmente urbanizada de 44 cidades na qual a Guanabara representaria papel preponderante. Segundo as projeções apresentadas, este complexo megalopolitano (que ocuparia uma longa faixa litorânea do Brasil a partir do sudoeste de São Paulo, seguindo ao longo do Vale do Paraíba e da área costeira deste estado até a atual área do Grande Rio, estendendo-se ainda mais a leste, em direção a Campos) contaria com uma população de 52 milhões de habitantes.46 Figura 17 - A megalópole Rio - São Paulo (Doxiadis Associates, 1965). Após a identificação deste grande vetor de crescimento, o plano diretor se debruçou sobre a análise das forças atuantes no Estado da Guanabara, mas cujas origens eram externas. Foram identificadas duas fortes tendências: o eixo que ligava a Guanabara às cidades de Belo Horizonte e Brasília, assim como o que a ligava à Baixada Fluminense, em direção a Campos. Esta última, apesar de ser a força de atração mais fraca, provavelmente seria aquela para onde a população do Rio de Janeiro haveria de transbordar. Também se Ainda segundo as mesmas projeções, a população mundial no ano 2000 poderia alcançar a marca de 50 bilhões de habitantes. Contudo, o crescimento não foi tão intenso quanto o esperado: em 2000, a população mundial atingiu a marca de 6.055.000.000 habitantes, enquanto em 2010, 6.908.700.000 habitantes. 46 45 configuravam como importantes forças atuantes os eixos das rodovias BR3 e BR4,47 que levam em direção à Petrópolis e Teresópolis, e o eixo da rodovia BR2, 48 em direção à Barra Mansa – eixos importantes que vinham influenciando o crescimento da maior parte das localidades da zona norte do Estado. Figura 18 - Forças que atuam na Área Metropolitana (Doxiadis Associates, 1965). A antiga BR3 é a atual BR-040 (Rodovia Washington Luís), que liga Brasília ao Rio de Janeiro. Já a BR2 é a atual BR-116 (Rodovia Régis Bittencourt), que liga São Paulo ao Paraná. Por fim, a BR-4, também BR-116, no trecho conhecido popularmente como Rio-Bahia. 48 Atual Rodovia Presidente Dutra (BR-116). 47 46 Figura 19 - Forças de atração na Área Metropolitana (Doxiadis Associates, 1965). Por fim, o plano diretor se voltou às forças atuantes na Guanabara com origem dentro do Estado. Doxiadis identificou três principais eixos de desenvolvimento, sob os quais se esperava que a cidade tivesse crescimento interno acelerado. São eles: a. O eixo interno Norte-Sul formado pela Avenida Brasil. Nos últimos anos, este vetor vinha exercendo uma fortíssima influência no desenvolvimento da cidade, polarizando o crescimento dos bairros de Ramos, Bonsucesso, Olaria e Penha. Conformando-se como o principal eixo de atração da Área Metropolitana, seu desenvolvimento deveria assegurar para a Guanabara a manutenção de uma posição dominante no desenvolvimento futuro, para além das fronteiras do Estado. b. O eixo de orientação Leste-Oeste, que ligava o complexo industrial nascente em Santa Cruz à Zona Central da cidade. Não era uma rota nova, mas possuía sua origem na antiga Estrada Real. No futuro, configurar-se-ia como o principal eixo da Guanabara, a espinha dorsal do desenvolvimento interno, cujo planejamento correto propiciaria expansão interna e desenvolvimento urbano. c. O eixo promovido pelo crescimento dos bairros de Irajá, Penha, Madureira e 47 Jacarepaguá. Favorecido pela construção de um viaduto sobre a linha férrea da Central do Brasil em Madureira, era um importante eixo de importância local que poderia estimular o desenvolvimento urbano de Jacarepaguá.49 Figura 20 - Forças internas à Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). 3.5. A ESTRUTURA DO PLANO FÍSICO. A partir da análise e localização dos vetores de crescimento mais importantes da Guanabara, Doxiadis passou à apresentação da estrutura do seu plano físico. Uma vez que um dos objetivos básicos era a redistribuição da população no território do estado de maneira a construir uma disseminação equilibrada das principais funções e facilidades, o plano deveria preparar o caminho para o desenvolvimento gradual de um “sistema de comunidades interdependentes, equilibrado e de funcionamento adequado que [fossem] parte de um óbvio conjunto unificado físico e social” (Guanabara, 1967, parágrafo 1060). Desta maneira, seguindo a direção apontada pelos três eixos internos, apresentados Hoje este eixo está sendo retomado com a construção da Transcarioca, rodovia que ligará o aeroporto da Ilha do Governador a Jacarepaguá. 49 48 anteriormente, Doxiadis compôs uma malha de comunidades, estruturada segundo uma hierarquia funcional e de grandeza elaborada para a Guanabara. Para o plano diretor da Guanabara, Doxiadis se utilizou de uma escala um pouco diferente da apresentada anteriormente, no capítulo O urbanista. Aqui, a estrutura hierárquica das comunidades se dividiu em oito categorias, a saber. a. COMUNIDADE CLASSE I - A comunidade classe I seria formada por cerca de 10 a 15 famílias,50 formando a unidade primária de um sistema de aglutinação hierárquica de comunidades cada vez maiores. Sua característica principal seria a homogeneidade. b. COMUNIDADE CLASSE II - Composta pela união de mais de uma comunidade classe I, forma um pequeno núcleo de cerca de 250 pessoas, usualmente do mesmo grupo de renda. Esta aglomeração que apresenta necessidades como uma pequena loja de esquina ou um playground. c. COMUNIDADE CLASSE III - Abrangendo cerca de 300 famílias ou 1.500 pessoas, é o agrupamento limite onde o tamanho físico e demográfico exige uma escola pública, um pequeno mercado local e um ponto de repouso. Uma vez que o critério básico para definir uma comunidade classe III é o número de crianças em idade escolar, seu planejamento físico deve enfatizar o cuidado com a infância, principalmente na concepção de seu sistema viário interno. Nesta escala já há uma mistura maior entre grupos de rendas diversas. d. COMUNIDADE CLASSE IV - Composta por cinco ou seis comunidades classe III, conta com uma população de 9.000 habitantes, ou cerca de 2.000 famílias. Apesar de já se constituir em um complexo de dimensões razoáveis, ainda permanece na escala humana. Possuindo o tamanho ideal para o bairro residencial, conforma-se como o componente básico da estrutura urbana,51 que não deveria ser atravessado por vias de tráfego de passagem. Deveria ser autossuficiente na educação, comércio cotidiano e contatos sociais. Deveria, ainda, incluir uma diversidade de grupos A menor unidade social universal, segundo Doxiadis. 51 Seu tamanho é fixado pela distância que se pode percorrer a pé desde o ponto de parada do transporte coletivo ao centro de comércio, à escola e à residência. 50 49 sociais, enriquecendo a experiência urbana de seus habitantes. COMUNIDADE CLASSE V - Maior unidade puramente residencial relacionada à escala humana. Composta por uma população de cerca de 50.000 pessoas ou 10 a 12 mil famílias, forma um vasto aglomerado urbano, um tipo diferente de comunidade onde estão incluídos centros de trabalho, recreação, entretenimento e administração. Quando independente, é uma pequena cidade. Quando dentro de um complexo urbano maior, é um distrito. e. COMUNIDADE CLASSE VI - Composta por cinco ou seis comunidades classe V, possui população de 300.000 habitantes. Se isolada, é uma cidade. Dentro do cenário urbano, um bairro de grande importância. Nesta comunidade se encontram todos os ingredientes básicos da vida urbana. Para um bom funcionamento, deve ter a maioria das necessidades de sua população atendida dentro de suas fronteiras. Seria, ainda, circunscrita por vias expressas para tráfego de alta velocidade. f. COMUNIDADE CLASSE VII - Formada por seis ou sete comunidades classe VI e com população de 2 a 4 milhões de habitantes, a comunidade classe VII se conforma como uma metrópole, ou parte de uma região metropolitana. Apesar do aumento do tamanho, a qualidade e a variedade de amenidades à disposição da sua população não muda radicalmente. Seu ponto nodal é constituído pelo Distrito Central de Negócios, onde se localizariam as funções administrativas de ordem superior e as funções comerciais de caráter nacional e internacional. g. COMUNIDADE CLASSE VIII - A comunidade classe VIII é uma conurbação composta por seis ou sete comunidades classe VII, ou regiões metropolitanas. Com população de 14 milhões de habitantes, é o maior complexo urbano que pode ser considerado uma entidade independente, ao qual o indivíduo pode ainda sentir-se pertencente. Não possui um único Distrito Comercial Central, mas um eixo de funções centrais conjugadas entre si. 50 h. COMUNIDADE CLASSE IX OU MEGALÓPOLE - Com população da ordem de 100 milhões de pessoas, é formada por uma série de aglomerações urbanas, abrangendo grandes áreas geográficas. De acordo com a hierarquia estabelecida, a Guanabara estaria organizada em diversas comunidades Classe VI, separadas por vias expressas de alta velocidade. Seus centros se ligariam uns aos outros por áreas verdes, onde estariam localizadas as funções centrais. Estas comunidades deveriam ser autossuficientes nos empregos e na disponibilidade de serviços locais, de modo que a população ali residente não necessitasse circular fora de seus limites. Era objetivo do plano que, em 2000, toda a hierarquia das comunidades da Guanabara estivesse provida da série completa de prédios e instalações comunitárias. 51 Figura 21 - O Plano Diretor para a Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). 52 Figura 22 - Densidades na Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). O grande centro da Guanabara seria uma única Zona Central Classe VIII (ZCC), centro de gravidade de toda a Área Metropolitana e responsável pela manutenção do papel preponderante do estado no cenário regional e nacional. Esta zona – cujo início seria no bairro do Centro, se estenderia ao longo da margem da Baía de Guanabara até as divisas do estado e possuiria, ao longo de sua orla marítima, uma sequência de parques e áreas de recreio, como uma espécie de prolongamento das praias da zona sul. Abrangendo 1808 hectares, seria reservada a funções centrais de categoria superior e áreas residenciais especiais de alta densidade. Segundo as projeções, no ano 2000, esta comunidade abrigaria 870.000 trabalhadores diários e 416.000 residentes. Com a criação desta comunidade Classe VIII, Doxiadis pretendia providenciar uma localização de primeira ordem para as funções centrais de alta categoria52 que não encontravam espaço dentro do distrito comercial existente à época. 52 Atividades comerciais e financeiras. 53 Figura 23 - As comunidades Classe VII na Área Metropolitana (Doxiadis Associates, 1965). Em amarelo as comunidades Classe VII. A linha pontilhada corresponde à Comunidade Classe VIII. Ademais, no ano 2000, duas outras importantes comunidades classe VII ter-se-iam desenvolvido na Guanabara: uma ao leste e outra a oeste do estado, nos extremos do já referido eixo da Leste-Oeste.53 Esta zona que seria a espinha dorsal do crescimento interno da Guanabara teria área de 3.067 hectares e, por volta de 2000, seria responsável por abrigar 1.105.000 empregos e 604.000 residentes. A fronteira entre as comunidades Leste-Oeste era a constrição fisiográfica entre os maciços da Pedra Branca e Madureira. 53 54 Figura 24 - A estrutura do plano, as duas grandes comunidades classe VII na Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). A esta zona Classe VII corresponderia o desenvolvimento de funções de caráter estadual, enquanto à zona de Classe VIII, corresponderiam as funções de caráter nacional ou regional – ambas funcionando como os principais nódulos de atividades centrais da cidade e estruturadas em comunidades menores, de 300 a 500 mil habitantes (classe VI), dispostas em três faixas: faixa central,54 faixa norte55 e faixa sul.56 Os centros das comunidades classe VI ligar-se-iam uns aos outros por áreas verdes, onde se localizariam as funções centrais. Seriam, ainda, separadas por freeways de alta velocidade, em cujas faixas norte-sul se localizariam os usos industriais leves e de serviços. Centro, São Cristóvão, Zona Portuária, Tijuca, Méier, Madureira e Bangu. 55 Ilha do Governador, Penha, Irajá, Campo dos Afonsos e Bangu. 56 Zona Sul e Baixada de Jacarepaguá. 54 55 Figura 25 - A estrutura do plano: as Comunidades Classe VI (Doxiadis Associates, 1965). 3.6. O PLANO DE TRANSPORTES. A estrutura do plano é a rede de transportes, cujo objetivo principal consistirá na descentralização e no reagrupamento da organização atual, altamente centralizada (Guanabara, 1967, parágrafo 74 [grifos meus]). A importância dada ao sistema de transporte no planejamento urbano não é exclusividade de Doxiadis. Ao contrário. Desde seus primórdios, o urbanismo tem a circulação como algo caro à sua prática. Sennet (2008) relaciona a importância legada pelo pensamento urbano ao deslocamento de pessoas na cidade à descoberta da circulação do sangue no corpo humano por Harvey em 1628 – uma verdadeira revolução cientifica que mudou a compreensão do corpo. Segundo este autor, esta descoberta coincidiu com o advento do capitalismo moderno e, consequentemente, com uma transformação social e econômica onde a circulação de bens e de dinheiro se tornou mais lucrativa do que a propriedade fixa e estável. Esta nova compreensão do corpo humano promoveu mudanças na maneira de pensar os planos urbanísticos em todo o mundo. As novas ideias sobre circulação levaram a novas ideias a respeito da saúde pública, que no começo do século XVIII começaram a ser 56 aplicadas às cidades. Partindo de uma concepção de um corpo saudável, o desenho urbano passou a dar preferência a uma cidade cujo trânsito de pessoas e mercadorias funcionasse de maneira eficiente. Neste processo, palavras como veias ou artérias entraram no vocabulário urbano. Doxiadis não poderia ser diferente. A analogia com a mecânica da circulação corporal em sua análise da cidade é mais do que clara: “o corpo humano provê o modelo que se necessita para construir cidades humanas”. O urbanista chega inclusive a comparar as diferentes velocidades de tráfego de veículos à circulação sanguínea; assinalando que, no corpo humano, a velocidade nas artérias é sete vezes maior do que nos capilares. Esta é a razão, da ênfase dada ao sistema de transportes, colocada pelo urbanista como a estrutura de seu plano. O estudo dos transportes é iniciado com uma avaliação das condições da rede existente: para Doxiadis, a localização do Estado da Guanabara no centro da espinha dorsal dos transportes do Brasil é a maior evidência de que a cidade possui papel de relevo na federação. Figura 26 - Rede de transportes nacional (Doxiadis Associates, 1965). 57 Já no âmbito local, destaca que a grande concentração de atividades geradoras de emprego na ZCC (área cercada por montanhas e oceano) é a razão da existência de problemas de tráfego ainda maiores que os experimentados pelos centros das grandes cidades – problema que é agravado pela falta de vias principais que evitem esta região e que colocam uma carga adicional nesta rede viária. Figura 27 - O fluxo do tráfego na Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). Figura 28 - Tempo de viagem na Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). 58 Talvez a maior preocupação do plano diretor para o ano 2000 fosse a redução das distâncias na cidade; em outras palavras, uma espécie de metáfora social onde todos os habitantes teriam acesso a facilidades em igualdade de condições. Para tal, o desenho físico e a distribuição de facilidades na cidade deveriam servir aos propósitos sociais e econômicos do indivíduo e do agrupamento humano. À redistribuição equitativa de funções no território da Guanabara deveria acompanhar um programa de construção de novas vias arteriais de alta velocidade que viabilizassem o deslocamento dos habitantes. O grande objetivo deste programa seria converter o sistema existente de artérias radiais direcionados ao Centro em um sistema mais equilibrado. Para tal, o Estado da Guanabara deveria se utilizar da construção de pistas de alta velocidade em estruturas elevadas e alargamento e abertura de ruas, mediante projetos de remodelação urbana. A metodologia utilizada para o desenho da rede de transportes abraçou os seguintes passos: primeiro, foi determinada uma rede principal de vias com base nos usos da terra e na distribuição da população previstos para o ano meta; em seguida esta rede foi testada por meio de um modelo matemático, no qual todos os trajetos foram computados e aplicados à malha com o auxílio de um computador eletrônico;57 posteriormente, com base nos dados obtidos, foram elaborados os projetos finais e; por fim, foi elaborada uma estimativa do custo de construção das vias propostas.58 Segundo a análise do plano, caso se mantivesse o ritmo de desenvolvimento, tornar-se-ia impossível a aplicação de qualquer solução realista para os problemas de transporte: o plano previa que no ano 2000 o Estado da Guanabara teria uma frota de 1.500.000 veículos, oito vezes o número existente em 1965.59 A menção ao uso do computador eletrônico é interessante, pois além de indicar os primeiros passos do uso desta ferramenta, aponta para uma crença na legitimidade técnica dos cálculos apresentados. 58 Interessante notar que, no estudo dos transportes, Doxiadis observava que havia duas maneiras de se medir a distância entre casa e trabalho: ou em quilômetros ou em minutos. 59 Esta previsão de Doxiadis foi acertada. Segundo dados do DETRAN-RJ, em janeiro de 2001, a cidade possuía 1.333.166 carros particulares. Contudo, se considerados todos os automóveis existentes então, a frota alcançava a marca de 1.579.267 veículos. As projeções também foram acertadas na estimativa de que, em 2000, a evolução tecnológica dos meios de comunicação reduziriam as necessidades de transporte. 57 59 Em virtude da urgência em se modificar o padrão existente de concentração do tráfego, Doxiadis propôs a gradativa transformação do sistema radial existente em uma rede quadriculada de vias norte-sul e Leste-Oeste, criando uma estrutura favorável à distribuição do fluxo. Este sistema contaria com 403 km de freeways com controle absoluto de acesso e 517 km de avenidas expressas de alto padrão, ou artérias principais, atendendo à demanda de 15 milhões de viagens-pessoas projetada no ano 2000. As avenidas projetadas por Doxiadis seguiriam, à semelhança da estrutura hierárquica das comunidades, uma diferenciação funcional, com segregação dos tipos de tráfego, de maneira a promover a máxima eficiência e segurança.60 O plano previa, ainda, um sistema de transporte coletivo para servir aos corredores intensamente trafegados. Localizado ao longo da zona central Leste-Oeste e ao longo da costa oriental, com comprimento total de 80 km, consistia em dois sistemas: (a) um serviço de transporte coletivo rápido com limitado número de paradas, para servir a deslocamentos de grandes distâncias e (b) um serviço de transporte coletivo de velocidade média e alta capacidade, com paradas distanciadas entre 400 e 600 metros. Estes sistemas deveriam, preferencialmente, ser constituídos de estradas de ferro elétricas, com trechos subterrâneos. As áreas não atendidas por estes dois sistemas, seriam servidas por um sistema secundário, com terminais ou paradas intermediárias nas zonas centrais classe VIII e VII, onde seriam conectados ao sistema principal. 60 Para a Guanabara foi adotada a seguinte classificação da rede viária: a. Vias expressas – vias de alto padrão que serviriam a um grande número de percursos de alta velocidade e longa distância; i. Freeways – com controle absoluto de acesso e sem cruzamentos, de modo a permitir o fluxo contínuo de alta velocidade e a redução do tempo de percurso; ii. Vias expressas com controle parcial de acesso – com seus principais cruzamentos em diferença de níveis e fluxo regulado por sinalização sincronizada; b. Sistema arterial – por onde circularia o tráfego de passagem. São vias para percurso curto, sem necessidade de alta velocidade. c. Ruas coletoras – vias de percurso curto e de acesso às propriedades. d. Ruas locais – vias menos importantes, para percursos muito curtos com velocidades baixas. Servindo de acesso às propriedades, deveriam terminar em cul-de-sac, de modo a evitar o tráfego de passagem. 60 Doxiadis propunha também a construção de uma via férrea no novo Cais de Saneamento,61 que serviria como novo meio de acesso ao Porto do Rio e se ligaria à linha da Central do Brasil pelo ramal Campos Elísios – Ambaí. Figura 29 – Principais vias de tráfego do sistema de transporte proposto (Doxiadis Associates, 1965). Figura 30 - Volume de tráfego no ano 2000 (Doxiadis Associates, 1965). 61 Orla da Zona Central Classe VIII. 61 Figura 31 - Pistas necessárias no ano 2000 (Doxiadis Associates, 1965). 3.7. O PLANO PARA A INDÚSTRIA. Para as indústrias, Doxiadis propunha uma redistribuição física no território a fim de estabelecer um equilíbrio nos índices de emprego e áreas residenciais; de modo a estimular a atividade industrial, Doxiadis propunha a criação de três tipos de distritos industriais planejados que, juntos, abrangeriam uma área de 5930 hectares. 62 Para a indústria pesada e especializada seria mantida a área proposta pela COPEG, a oeste de Santa Cruz.63 Já ao longo da divisa norte do estado seriam instaladas indústrias não nocivas.64 Por fim, nas divisas das comunidades Classe VI, ao longo das vias expressas norte-sul, seriam instaladas indústrias leves e de serviço. Acrescentava ainda que, tendo em vista os graves problemas do estado no setor habitacional, dever-se-ia coordenar o desenvolvimento destas áreas À semelhança da política que vinha sendo implementada pela COPEG, o plano propunha que o estado fornecesse terra adequada para o desenvolvimento industrial, dotada de serviços de água, eletricidade, esgotos, estradas de rodagem e de ferro e facilidades portuárias, de maneira a atrair os investimentos. 63 Com 3.050 hectares, estimava-se que esta área, servida pelo terminal da COSIGUA, gerasse 91.000 empregos. 64 Esta zona ocuparia 1.450 hectares e geraria cerca de 136.000 empregos. 62 62 geradoras de emprego com a expansão das áreas residenciais, aliviando as pressões exercidas pelas favelas. Figura 32 - Terras para a indústria (Doxiadis Associates, 1965). Esperava-se, ainda, um aumento gradativo da capacidade do Porto do Rio, mediante seu melhoramento e ampliação. Doxiadis recomendava também que as operações de carga mais volumosas fossem transferidas para o terminal marítimo da COSIGUA, na Baía de Sepetiba. A semelhança com a política econômica e urbana que Lacerda vinha implementando é clara. Neste sentido, poder-se-ia interpretar o plano diretor proposto por Doxiadis como uma ferramenta técnica responsável pela coordenação dos investimentos, que já se encontravam em andamento, de forma eficiente.65 A opção por soluções técnicas também se alinhava à estratégia de Lacerda que, por meio de uma admiração técnica, pretendia alavancar o crescimento da cidade. 65 63 3.8. IMPLEMENTAÇÃO. Doxiadis não se restringiu à análise dos problemas da infraestrutura física da cidade. Uma questão fundamental ao plano, era a sua implementação: sem os recursos administrativos e legais adequados o plano diretor fracassaria em seus objetivos. O primeiro ponto abordado por Doxiadis era a necessidade de uma legislação para desapropriação de imóveis e terrenos por interesse público. O instrumento de desapropriação era fundamental ao plano, uma vez que poderia evitar abordagens especulativas, permitindo ao Estado proporcionar uma redistribuição razoável dos valores imobiliários. Neste sentido, fazia-se necessária também a elaboração de um plano de usos da terra que definisse a localização de atividades dentro da Guanabara – projeto que deveria incluir a revisão radical da lei de zoneamento, incorporando e adotando critérios modernos de controle de densidade, altura e gabarito. Figura 33 - Terra disponível para expansão urbana na Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). 64 Figura 34 - Valores da terra na Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). Outro recurso importante seria a criação de um órgão administrativo dentro da estrutura organizacional do Estado, responsável pela coordenação e implantação do plano diretor, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Por fim, Doxiadis apontava ainda a necessidade da implantação de programas de treinamento para instruir a mão-de-obra incumbida das obras de desenvolvimento urbano. Este programa incluiria a solução provisória de treinamento no exterior, até que as universidades do Estado estivessem em condições de ministrar cursos completos de planejamento urbano e regional. Também defendia a importância de uma política de pesquisa de materiais e métodos de construção alternativos, de maneira a buscar as soluções mais adequadas à realidade carioca. Ademais, de maneira a assegurar a implantação do programa a longo prazo, fazia-se necessária uma política de levantamento e estudos básicos, um programa minucioso para coleta de materiais e dados de maneira a subsidiar os estudos que seriam conduzidos nas etapas seguintes. 65 3.9. O CUSTO. Segundo o plano, em 2000, estimava-se para a cidade uma população de 8,4 milhões de habitantes, ponto de saturação em que esta população transbordaria para a área circunvizinha.66 Este foi o número utilizado no cálculo das necessidades das obras de urbanização até 2000. São assinaladas no plano apenas as despesas que seriam cobertas pelo Estado – e que criariam, por conseguinte, as condições necessárias para entrada do investimento privado. Os valores foram calculados na medida dos preços correntes de 1965, e não foram atualizados para os valores de 2012. Segundo o plano, o investimento total necessário, desde 1965 até o ano 2000, seria de cerca de 13,3 trilhões de cruzeiros ou cerca de 7 trilhões de dólares.67 A criação da Zona Central de Funções Classe VIII, que serviria à Guanabara e à Área Metropolitana, incluindo o aterro de cerca de 900 hectares da Baía de Guanabara, tinha custo estimado de 200 bilhões de cruzeiros. Já à construção da rede de rodovias se previa um custo de 1,15 trilhões de cruzeiros que seriam somados a um custo de 2,3 trilhões em desapropriações e 240 bilhões em melhoramentos e construção de novas ruas coletoras locais, totalizando 3,69 trilhões de cruzeiros. Os custos do programa habitacional até o ano 2000 estavam estimados em 3,47 trilhões de cruzeiros. Os investimentos em construção de escolas alcançariam a marca de 1,2 trilhões de cruzeiros. A urbanização de 4.380 hectares em áreas industriais, servidas de rede de transportes e serviços de utilidade pública foi estimada em 115 bilhões de cruzeiros. A construção de 38.600 leitos de hospitais e 357 clínicas teria custo total de 681 bilhões de cruzeiros. O crescimento populacional da cidade do Rio de Janeiro foi um pouco mais lento do que esperava Doxiadis. Em 2000, a cidade possuía uma população de 5.854.904 habitantes, enquanto em 2010, 6.323.037 habitantes. As projeções populacionais apresentadas no plano foram baseadas em duas publicações: The population projections for Ecumenopolis, editado pelo Centro de Equística de Atenas em 1964, dentro do programa de pesquisas para a Cidade do Futuro e The future growth of world population, editado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das nações Unidas em 1958. 67 Em 1965, 1 dólar valia cerca de 1.800 cruzeiros. 66 66 Quanto à construção de edifícios comunitários, estimou-se valor de 2,8 trilhões de cruzeiros. Para as áreas de recreio e espaços livres foi previsto um gasto de 890 bilhões. E, finalmente, para os serviços de infraestrutura – abastecimento de água, esgoto, sistema de drenagem, telefone, iluminação e coleta de lixo – estimou-se um total de 2,2 trilhões de cruzeiros a serem investidos até o ano 2000. 3.10. OS PROGRAMAS QUINQUENAIS. O plano a longo prazo para o ano 2000 deveria ser separado em etapas, os chamados programas quinquenais. No relatório entregue em 1965 foi apresentado o primeiro programa quinquenal, cujo início se daria em 1966. Para este primeiro programa, previa-se um investimento público de 250 bilhões de cruzeiros, ou 450 trilhões de dólares. Figura 35 - Fases da expansão urbana (Doxiadis Associates, 1965). Os projetos para os primeiros cinco anos se dividiam em oito categorias de obras. 67 a. PROJETO PARA A ZONA CENTRAL CLASSE VIII. À Zona Central Classe VIII Doxiadis propunha dois tipos de operação. Para a região ao norte de São Cristóvão, propunha um aterro da Baía de Guanabara que viabilizaria a criação de uma área de 463 hectares onde o Estado poderia desenvolver a Zona Comercial nos próximos 10 anos, sem necessidade de esperar a saída dos usos industriais. Seria ainda, parte desta primeira etapa, a construção do sistema de transporte da área e a criação de parques nas terras conquistadas ao mar. Já para a região interna aos bairros de São Cristóvão e Mangue seriam executadas obras de reurbanização por meio da desapropriação de imóveis para a passagem das artérias principais e que permitissem a eliminação dos agrupamentos tipo favelas.68 Figura 36 – O plano proposto para a Zona Central Classe VIII (Doxiadis Associates, 1965). A lógica da hierarquia de comunidades e funções esbarra em uma hierarquia de classes na cidade, onde a moradia da população mais pobre – na forma das favelas – era incompatível à zona de funções centrais, de categoria superior – nas palavras no próprio plano. 68 68 b. PROJETOS PARA A ZONA CENTRAL DE FUNÇÕES CLASSE VII. O primeiro serviço a ser desenvolvido para a área seria a elaboração de um plano detalhado de desenvolvimento cuja prioridade seria a construção de uma via expressa de alta velocidade e de uma linha de metrô. Doxiadis recomendava ainda que, na sua construção, fosse utilizada a faixa de servidão da linha férrea e seu espaço aéreo, de modo a minimizar o volume de desapropriações. A segunda prioridade seria a seleção de áreas para o desenvolvimento adequado de usos. Figura 37 - Projetos para a zona central Classe VII (Doxiadis Associates, 1965). c. OS PROJETOS DE TRANSPORTE. No mapa abaixo, estão apontadas as principais obras de transporte a serem realizadas nos primeiros cinco anos.69 Estas vias de prioridade 1 abrangeriam um total de 51,5 km e estavam orçadas em 285 bilhões de cruzeiros, ou 513 trilhões de dólares. 69 69 Figura 38 - Os projetos de transporte (Doxiadis Associates, 1965). No primeiro quinquênio também seria executada a instalação de um sistema de sinalização coordenado, com sinais de tráfego controlados por um computador digital a partir de um posto central; a instalação de um programa de sinalização e marcação do sistema de vias arteriais; a ampliação do sistema de mãos únicas; a proibição de estacionamento nas vias principais e uma operação de fluxo reversível. No âmbito do transporte de massa, o plano apontava a necessidade de construção imediata do sistema de metrô de alta capacidade, cujo trecho entre a área central e Madureira deveria ser inaugurado até 1970. A título de curiosidade, Doxiadis propunha a criação de uma estrutura de múltiplos pavimentos sobre as faixas do sistema de metrô. Paralelamente a sua construção seria promovida a reorganização dos sistemas de ônibus, bondes e trens; assim como a conexão ferroviária do terminal marítimo da COSIGUA com a zona industrial vizinha. 70 Figura 39 - Proposta para o sistema de metrô (Doxiadis Associates, 1965). Figura 40 - Estrutura sobre a linha do metrô (Doxiadis Associates, 1965). 71 d. OBRAS PARA O DESENVOLVIMENTO DE ÁREAS INDUSTRIAIS. Foi indicada uma verba de 10 bilhões de cruzeiros que seria utilizada durante o período 1966-70 para o preparo de 300 hectares de terras para indústria – onde 210 hectares seriam voltados à indústria intermediária, a leste da Avenida Brasil, e 160 hectares à indústria pesada em Sepetiba. O preparo destas áreas considerava a construção de um trecho de rodovia ligando Sepetiba à Avenida Brasil; uma rodovia ligando a área da indústria intermediaria à Avenida Brasil; uma conexão ferroviária de Sepetiba à linha férrea da Estrada de Ferro Central do Brasil; o aterro da área destinada à indústria pesada e a construção dos sistemas de infraestrutura urbana. e. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS COMUNITÁRIOS Nos primeiros cinco anos, cerca de 150 bilhões de cruzeiros deveriam ser destinados a prover a cidade de edifícios administrativos e comunitários adequados, principalmente para o setor educacional. Deste total, 112 seriam destinados a gastos com as escolas primárias, enquanto 38 bilhões com a educação secundária. f. CRIAÇÃO DE PARQUES E ÁREAS DE RECREAÇÃO. O plano propunha, ainda, o estabelecimento de quatro campos de esportes: um no aterro da Baía de Guanabara, outro em Jacarepaguá e ainda dois outros, em locais não definidos. Propunha também a instalação de 12 playgrounds em comunidades Classe IV desprovidas de tais facilidades. 72 Figura 41 - Projetos para parques e áreas de recreação (Doxiadis Associates, 1965). g. OBRAS PARA REDES DE SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA. Foi apontada a necessidade de ampliação e melhoramento dos sistemas de abastecimento e distribuição de água, de esgotos, 70 de drenagem, de telefones e de recolhimento do lixo.71 3.11. A MICROESCALA: COPACABANA E MANGUE. Conforme tratado anteriormente, o plano elaborado por Doxiadis para a Guanabara se dividia em três escalas: macro, meso e micro. Passaremos agora, ao âmbito da microescala. Com o estudo na microescala, Doxiadis pretendia demonstrar como os problemas que podem afligir as cidades eram de naturezas diversas e como se deveria coordenar e implantar os diversos programas urbanísticos. Para tal, foram selecionados dois bairros A título de curiosidade, as obras do sistema de esgotos eram baseadas no estudo “Um plano diretor para eliminação dos despejos da cidade do Rio de Janeiro” preparado por Engineering Science, Inc. Arcadia Califórnia, USA para a SURSAN. Dentre as medidas apontadas, propunham a imediata conclusão do interceptor oceânico e a construção de uma usina final de tratamento de esgotos no Arpoador e em Alegria. 71 Também, a título de curiosidade, o destino proposto para o lixo eram as usinas de incineração. 70 73 que representavam problemas opostos: inchamento e esvaziamento. Copacabana e Mangue, respectivamente. a. COPACABANA. Copacabana: zona residencial para os grupos de renda alta e média, sede de muitas funções da Área Metropolitana e ponto focal de inúmeras atividades comerciais, sociais, culturais e recreativas. Um bairro que já possuía quase toda sua terra disponível construída (inclusive encostas) e de difícil acesso (minimizado pela abertura dos túneis, mas sobrecarregado pelo intenso tráfego de passagem). Doxiadis acreditava que, para Copacabana, havia a necessidade de se impor uma solução radical, que tornasse independentes os tráfegos local, de passagem e de pedestres. Surgiu, desta maneira, a proposta de separação vertical entre o homem e o carro, por meio da construção de um piso especial para circulação e atividades de pedestres, um nível acima do atual pavimento térreo. Com este novo patamar, o nível do solo poderia ficar destinado somente à circulação e ao estacionamento de veículos. Doxiadis propunha, ainda, que os pisos de pedestres no interior das quadras servissem como pequenos parques. Figura 42 - Copacabana. Proposta de piso elevado para pedestres (Doxiadis Associates, 1965). Em amarelo, o piso elevado. 74 Figura 43 - Planta dos blocos típicos propostos (Doxiadis Associates, 1965). Figura 44 - Copacabana. Corte esquemático (Doxiadis Associates, 1965). Figura 45 - Copacabana. Interior de um quarteirão (Doxiadis Associates, 1965). 75 b. MANGUE. Já o bairro do Mangue vivia uma situação diametralmente oposta. Localizado no coração da cidade, fora um dos mais importantes bairros do Rio Antigo que, durante os últimos vinte anos, vinha apresentando situação de decadência com residências superlotadas de famílias de baixa renda ou combinadas com comércio e indústrias domésticas, grande número de pensões alegres,72 algumas indústrias pesadas e instituições públicas – “parece estranho o fato de a área do Mangue, tão próxima do verdadeiro centro do Rio, caracterizar-se por um perfil tão baixo” (Guanabara, 1967). Esta área era especialmente importante a Doxiadis por ser a região para onde se direcionaria a expansão da área central e, por isso, deveria ser o local para o início do Primeiro Projeto Piloto de Remodelação. Por conseguinte, a proposta para o local consistia em um projeto de renovação urbana, cujo principal objetivo seria a criação de um ambiente urbano rejuvenescido e sadio. A remodelação urbana é indicada como processo de cura para os problemas do Mangue, visto que organiza um estudo sistemático da deterioração no nível de bairro e das razões que provocam essa deterioração, buscando, por meio de planos físicos, curar as partes enfermas do agrupamento humano, restaurá-lo econômica e fisicamente e transformá-lo numa porção sadia do conjunto (Guanabara, 1967, parágrafo 1124). Cabe aqui, destacar a atualidade desta noção de renovação urbana. Atualmente, a cidade do Rio de Janeiro assiste a intervenções de grande vulto como a Operação Urbana Porto Maravilha que pretende, por meio do aporte de recursos estatais e privados, promover a revitalização de uma área considerada degradada. Em concordância com o pensamento de Doxiadis, este não é mais um trabalho exclusivo a arquitetos, mas principalmente um trabalho de economistas, onde os desenhos são somente projeções tridimensionais do programa a longo prazo. O objetivo final do plano e programa de revitalização do Mangue deve ser o aperfeiçoamento da comunidade: procurar criar um ambiente físico e social, no qual os futuros habitantes da área possam levar uma vida integral (Guanabara, 1967, parágrafo 2105). Uma vez que o plano diretor para o ano 2000 destinava ao Mangue a localização de funções de estado de categoria superior (Comunidade Classe VIII), a operação de 72 Eufemismo curioso para casas de prostituição. 76 renovação urbana deveria criar um novo e saudável bairro, compatível com o crescimento futuro previsto. Desta forma, o plano para o Mangue não seria uma mera operação física, mas uma “operação socioeconômica de vulto, envolvendo a população existente e seu modus vivendi e abrangendo as aspirações políticas, sociais e econômicas do bairro e da cidade como um todo” (Guanabara, 1967, parágrafo 2104). De maneira a preparar a região à nova atribuição, era fundamental eliminar a decadência e a deterioração das construções, assim como adotar um traçado de ruas compatível com os objetivos do plano. Foram propostos para o local quatro grandes melhoramentos relativos ao transporte: a. Construção de um freeway, no limite oeste do Mangue, ligando a Avenida Guanabara73 ao Túnel Rebouças;74 b. Construção de uma artéria que atravessaria o Mangue ao longo da Rua Marquês de Sapucaí, ligando a saída do Túnel Laranjeiras ao Porto; c. Construção, ao sul, de um freeway que seguiria as rotas das avenidas Salvador de Sá e Estácio de Sá; e d. Construção de uma artéria ao longo do limite norte da área, margeado a estrada de ferro e ligando a Avenida Guanabara à Praça Mauá. Figura 46 - Proposta viária para o Mangue (Doxiadis Associates, 1965). A Avenida Guanabara era um by-pass de seis faixas proposto para seguir às margens da Baía de Guanabara, após o término da Avenida Brasil. Projetada em 1961, fazia parte do Plano Quinquenal do Departamento de Estradas e Rodagens (DER). 74 O Elevado Engenheiro Freyssinet, mais conhecido como Elevado da Paula de Frontin, foi inaugurado em 1974. 73 77 3.12. O PROGRAMA PARA AS FAVELAS. A questão das favelas era de vital importância para o governo de Carlos Lacerda, cabe lembrar que o então governador vinha implantando, desde 1963, seu polêmico programa de remoção. 75 A centralidade do problema repercutiu na elaboração do Plano Doxiadis que incorporou, de certa maneira, a política de construção de conjuntos habitacionais – o Programa especial de política habitacional para favelados foi apresentado antes da conclusão do estudo na forma de um dos relatórios DOX-BRA-A1, entregue em 15 de junho de 1964. O programa de favelas a longo prazo (1966-1980) se constituía num programa especial, de quinze anos, para a eliminação das favelas por meio da criação de acomodações a todos os favelados. Concebido para durar até 1980, tinha em seus primeiros cinco anos um momento chave, onde seriam estabelecidas as bases corretas para efetivação do programa em todo o país. 76 Ao início do relatório, a importância da população habitante de favelas era destacada: “uma população útil, para a qual deveriam ser encontrados lugares dentro da cidade” (Guanabara, 1967). Com esta afirmação, Doxiadis definia a política básica que deveria ser aplicada às favelas: encontrar em cada um dos bairros espaço suficiente para a relocação dos moradores. A construção de residências deveria seguir a proposta de descentralização de funções, onde a criação de núcleos especializados e segregados para grupos ocupacionais ou econômicos deveria ser desencorajada – “a criação de comunidades especializadas isoladas tende a acentuar diferenças que criam barreiras e facilitam a formação de grupos de população socialmente indesejáveis e culturalmente paralisados” (Guanabara, 1967, parágrafo 1065). Saudável para a cidade, a seus olhos, seria a formação de bairros residenciais compostos de várias camadas representativas da sociedade, em uma concepção de urbanidade que prevê a mistura e a troca constante. Doxiadis compartilhava com o pensamento corrente a noção de que os problemas de crescimento urbano desordenado seriam responsáveis pela desintegração da instituição da família, discurso esse que tinha como foco, principalmente, a população favelada. “Com a mudança para a cidade, pessoas cujos padrões de comportamento familiar, social e humano são próprios do meio rural, têm de se adaptar a novas formas e novos ambientes das áreas urbanas superpovoadas. A imigração das zonas rurais está na raiz do problema das favelas” (Guanabara, 1967, parágrafo 993 [grifos meus]). 76 Até 1980, pretendia-se atender a 602.000 pessoas ou 126.000 famílias. 75 78 A proposta de construção em áreas já densamente urbanizadas é parte da crença de que a solução do problema da favela só pode ser alcançada na base do reconhecimento do fato de que os favelados contribuem para a vida na cidade e, assim, dentro dela devem ser acomodados (Guanabara, 1967, parágrafo 2282). Doxiadis acreditava que a primeira diretriz para a solução do problema habitacional das favelas era a promoção de um esforço global para mobilização de recursos públicos e privados. De responsabilidade do Estado seria a localização e preparação dos terrenos de acordo com os planos, assim como a execução das obras de urbanização necessárias, a construção de edifícios de uso comum e as facilidades necessárias ao perfeito funcionamento do conjunto.77 Para o primeiro período quinquenal, propunha-se a construção de 17.000 núcleos de unidades residenciais com verba de 60 bilhões de cruzeiros, ou 108 trilhões de dólares. As áreas selecionadas para o empreendimento inicial foram: a. Jacarepaguá, onde seriam construídas 3.000 unidades residenciais, incluindo o conjunto da COHAB em construção então (Cidade de Deus); b. Acari – onde seriam construídas 5.000 unidades residenciais, dentre as quais 1.060 deveriam seguir os projetos piloto SPA 1, SPA 2 e SPA 3; c. Vigário Geral, Zona Norte, Zona Central e Zona Sul – onde seriam construídas 3.000 unidades residenciais em cada um dos locais. A seus olhos, a ferramenta aluguel parecia inadequada, uma vez que repassaria ao estado vultosas despesas de manutenção que poderiam ser absorvidas pelo proprietário particular. Ademais, acreditava que a propriedade de um imóvel era saudável ao indivíduo, à medida que “um homem que paga para possuir sua casa própria orgulha-se em se tornar futuramente proprietário e amadurece um senso de responsabilidade que o transforma num elemento estável na sociedade” (Guanabara, 1967, parágrafo 1073). Ou que “a propriedade da casa de moradia encoraja a responsabilidade social, dando maior estabilidade à comunidade“ (Guanabara, 1967, item 38). 77 79 Figura 47 - Os locais onde deveriam ser construídas habitações para a população das favelas (Doxiadis Associates, 1965). Os locais dos conjuntos a construir deveriam ser escolhidos com cuidado, de maneira que não interferissem com quaisquer das metas principais do plano diretor, ou com a preservação da paisagem natural.78 Por esta razão, Doxiadis sugeriu áreas nos limites dos bairros existentes, que pudessem ser liberadas por meio de uma operação de renovação urbana, ou ainda a remodelação de áreas das próprias favelas, além da utilização de áreas criadas por meio de aterros. Cada conjunto residencial do programa das favelas deveria corresponder a uma Comunidade Classe III – uma unidade de vizinhança estável com cerca de 500 casas, escola primária e pequeno agrupamento de lojas e playgrounds. Por sua vez, cada casa construída deveria ter espaço suficiente para cozinha, banheiro, estar e quatro leitos – com separação entre adultos e crianças. No caso de opção pela remoção, os novos locais deveriam ser: (a) próximos a centros de emprego ou a serviços de transporte baratos; (b) áreas planas ou ligeiramente acidentadas, próximo às favelas existentes e (c) locais em colina, desde que não desfigurassem indevidamente a paisagem (saiba lá o que isso quer dizer). Outra diretriz que deveria ser considerada era a possiblidade de reurbanização e recuperação das favelas existentes. 78 80 Figura 49 – Habitação-tipo para os programas para as favelas (Doxiadis Associates, 1965). Figura 48 – Estrutura das comunidades classe III, onde seriam implantados os projetos habitacionais (Doxiadis Associates, 1965). Nos primeiros anos do programa, seriam fornecidas casas núcleo ou casas não terminadas. A casa núcleo possuiria cerca de 20 m2 de área e deveria ser expandida por etapas, de acordo com as necessidades e possibilidades econômicas do proprietário. Acreditava-se que a opção pela casa núcleo era a mais apropriada exatamente por promover abrigo e necessidades elementares, sem impossibilitar expansões futuras. Em alguns casos, como em terrenos de encostas íngremes, Doxiadis apontava que a opção pela casa completa, com área de 40 m2, seria mais adequada, devido à maior complexidade construtiva. 81 Figura 50 – Casa núcleo, de dimensões mínimas (Doxiadis Associates, 1965). a. OS TRÊS PROJETOS PILOTOS. O bairro de Acari foi selecionado, em 1965, para aplicação dos três projetos pilotos SPA1, SPA2 e SPA3.79 Segundo o relatório DOX-BRA-01, Acari possuía a vantagem, do ponto de vista topográfico, de conter diferentes espécies de terreno, com diferentes inclinações. 80 Outra vantagem era o fato de haver no bairro uma grande gleba devoluta, contida em uma comunidade maior proposta no plano diretor, de Classe V, dispondo de boas ligações com centros de emprego. O programa de obras do projeto piloto totalizaria a construção de 1.056 moradias e sua infraestrutura urbana necessária. O local do SPA1 foi definido em outubro de 1964, enquanto os outros dois em junho de 1965. 80 O SPA1 era destinado a terrenos planos, o SPA2 para encostas íngremes e o SPA3 para terrenos que combinassem diferentes inclinações. 79 82 Figura 51 – Localização dos três SPAs no bairro de Acari (Doxiadis Associates, 1965). 83 Figura 52 – Planta de situação dos três SPAs (Doxiadis Associates, 1965). O propósito do SPA-1 era demonstrar as vantagens de uma disposição em planta da comunidade planejada, separando a circulação de pedestres do tráfego de veículos a motor por um sistema planejado de ruas. Dentre os outros objetivos do SPA1 estavam a demonstração do uso de tamanhos econômicos de lotes e tipos de casas, além do teste de diversos materiais e métodos de construção tradicionais. Figura 53 – Casa tipo A1 pertencente ao SPA1 (Doxiadis Associates, 1965). Figura 54 – Casa tipo A1 pertencente ao SPA1 (Doxiadis Associates, 1965). 84 Figura 55 – Casa tipo A1 pertencente ao SPA1 (Doxiadis Associates, 1965). Figura 56 – Casa tipo A2 pertencente ao SPA1 (Doxiadis Associates, 1965). Figura 57 - SPA 1, casa tipo B1 (Doxiadis Associates, 1965). O objetivo do SPA2 era testar técnicas de terraplanagem e organização de obra em lugares de encostas íngremes, de modo a investigar o tipo de casa mais apropriado, traçado das ruas de pedestres, instalação econômica das redes de serviços de utilidade. 85 Figura 58 – Casa tipo A32 e A33 pertencente ao SPA2 (Doxiadis Associates, 1965). Figura 59 – Organização do canteiro de obras no SPA2 (Doxiadis Associates, 1965). Por fim, os objetivos do SPA3 seria experimentar novos materiais e métodos de construção, especialmente a pré-fabricação. 86 Figura 60 – Canteiro de obras e casa-tipo do SPA3 (Doxiadis Associates, 1965). 87 4. PONDERAÇÕES FINAIS. A contratação do Plano de Desenvolvimento Urbano a longo prazo para o Estado da Guanabara e seu conteúdo refletem o contexto político vivido pela cidade no início da década de 1960. Em 1955 havia sido anunciada a iminente perda da função de capital da cidade do Rio de Janeiro para Brasília – a novacap, seria cidade símbolo do novo momento de desenvolvimento nacional. Diante desta drástica mudança, o debate sobre o destino do Rio tomou espaço prioritário, não somente em jornais e revistas, mas também na arena política. Fruto de uma dura negociação, em 1960 o Rio assumiu o status de cidade-estado, com a criação do Estado da Guanabara. Seu primeiro governador, Carlos Lacerda, venceu as eleições com uma campanha pautada na necessidade de se garantir a capitalidade da belacap: uma cidade que havia se constituído como síntese do Brasil,81 importante referência para todo o país e que, portanto, não poderia ser abandonada. A compreensão de que o Rio deveria manter sua aura de capitalidade, associava-se ainda ao projeto político pessoal de Lacerda, que almejava ocupar a Presidência da República. Diante deste cenário, a contratação de um urbanista mundialmente renomado como Doxiadis se somava à intenção de Lacerda de deixar na cidade sua marca, construindo uma imagem nacional de grande administrador, catapulta política para sua candidatura à presidência. Diante deste cenário político, Doxiadis foi contratado, em 1964, para desenvolver um plano urbanístico – um instrumento técnico e, portanto, eficaz – que garantisse a capitalidade da Guanabara, preparando-a para o ano 2000, data simbólica de uma nova era. A necessidade se garantir capitalidade carioca ou, nas palavras utilizadas por Doxiadis, de se garantir uma posição de liderança da cidade, permeia todo o plano. A versão final do Plano Doxiadis, entregue no apagar das luzes da gestão de Lacerda, constituiu-se em um volume de mais de 300 páginas, cuja quantidade e qualidade de informações ainda são referência para a pesquisa de dados sobre a cidade. Diversamente do referencial do urbanismo modernista corbusiano, o compêndio produzido por Doxiadis e sua equipe, não contém desenvolvimento urbano-arquitetônico específico de Referência ao discurso de lançamento da candidatura de Lacerda na convenção da UDN em 17 de julho de 1960, In: Motta, 2000(b), p. 45. 81 88 espaços urbanos (a única exceção são os exemplos da microescala e o programa para as favelas, entregue antes da elaboração do plano diretor). Ao contrário, o plano se concentrou na transformação da estrutura da cidade, na elaboração de diretrizes para a organização e distribuição de facilidades e de estratégias político-econômicas de gestão do território; em uma espécie de germe da noção de plano diretor. A escolha de Doxiadis também reflete a relação de aproximação de Lacerda com os EUA. Sua contratação foi exemplo de que a aproximação entre Brasil e EUA durante as décadas de 1950 e 1960 foi mais do que política e econômica: também se estendeu à concepção de cidade. Neste sentido, a escolha de Doxiadis por Carlos Lacerda para elaboração de um plano que garantisse a viabilidade econômica da Guanabara se deu por mais do que fama e reconhecimento do urbanista no cenário mundial, mas também por uma afinidade ideológica, onde ambos representavam uma aproximação com o referencial norteamericano de cidade e de economia. Doxiadis representava uma alternativa completamente diferente à de Brasília. Representava um pensamento urbano que considerava o paradigma modernista e sua concepção de cidade superados. Doxiadis e sua equística representavam um novo passo, que não mais se pautava em um planejamento utópico, mas em um planejamento concreto, que garantiria à Guanabara uma posição de liderança não somente na federação brasileira, mas em toda a América Latina. O Plano Doxiadis, apesar de se constituir como uma importante referência de qualidade técnica entre urbanistas e planejadores, teve sua importância real reduzida. Entregue em 1965, ao final do governo, não dispôs de tempo nem de recursos para que fosse aplicado. É provável também que, sua forte associação com a figura de Lacerda tenha contribuído para seu abandono, uma vez que não interessava a criação de vínculos com o polêmico exgovernador (que não havia conseguido eleger um sucessor para a Guanabara e havia perdido a possibilidade de se candidatar à presidência devido ao Golpe Militar de 1964).82 De acordo com Lacerda, sua derrota deveu-se à intervenção do governo federal, interessado em inviabilizar sua candidatura à presidência. Há outras correntes que defendem que a derrota deu-se pelo alto grau de rejeição de Lacerda pelas classes pobres. O argumento de que Lacerda representava as camadas mais ricas foi usado exaustivamente na campanha para governador da Guanabara, assim como o episódio da morte dos mendigos no Rio da Guarda em 1962 e o incêndio da favela do Pasmado em 1964. Também contribuiu para a derrota a retirada do apoio dos empreiteiros a Lacerda que, em princípio beneficiados com o grande volume de obras, não foram pagos por todos os serviços executados. 82 89 Modificado o cenário político, não foram executadas duas tarefas consideradas essenciais para uma implementação de sucesso do plano: o treinamento de profissionais e a execução dos planos quinquenais seguintes, de maneira a manter a validade do projeto e garantir a continuidade dos trabalhos. Uma vez engavetado, o conteúdo do plano foi esquecido e confundido com outros projetos. Exemplo mais sintomático desta sombra que se projetou é a comum associação da proposta de Doxiadis com um projeto rodoviarista. Ao contrário. Ao defender a existência de artérias e freeways, o urbanista pretendia que o automóvel não interferisse com a vida no interior da estrutura celular de comunidades organizadas hierarquicamente.83 Talvez sua associação com o rodoviarismo se relacione com o fato de ele ter colocado a rede de transportes como suporte de todo o plano, de todo o desenvolvimento. Mas este é um olhar desatento! Para Doxiadis o homem era o centro de toda a reflexão. O transporte era somente uma ferramenta que poderia colocar os homens em igualdade na cidade, reduzindo distâncias, tanto no sentido geográfico quanto no sentido metafórico. Outro exemplo deste esquecimento é sua associação com as famosas linhas policromáticas. Não consta no volume de apresentação do Plano indicação destas vias, tampouco suas cores – segundo se conta, os nomes das vias expressas (Linha Vermelha, Linha Amarela etc.) seriam derivados das cores com as quais foram desenhadas sobre o mapa da cidade do Rio de Janeiro por Doxiadis. Ao contrário, as linhas policromáticas foram projeto do antigo DER, incluídas por Doxiadis no projeto, sem qualquer posição de destaque.84 Apesar de defender repetidamente ao longo do texto que está trabalhando com a cidade concreta, Doxiadis produziu um plano que, hoje, seria considerado utópico; principalmente no que diz respeito às projeções apresentadas – cabe lembrar que um dos objetivos era preparar a Guanabara para o advento da grande Ecumenópolis da América Doxiadis compreendia o automóvel como uma máquina nociva às cidades, que retirava as pessoas da rua, diminuindo os encontros sociais. Chega inclusive a referir-se a eles como modernos centauros, metade homens, metade máquinas [Doxiadis, 1966(b)]. 84 No Centro de Arquitetura e Urbanismo da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro conversei com a arquiteta Sonia Queiroz, autora de um livro sobre o Plano Doxiadis (no prelo), que me informou que a associação das linhas policromáticas com o Plano Doxiadis foi fruto de uma fala de Sandra Cavalcanti. 83 90 Latina. Contudo, apesar de assistir ao gigantesco crescimento dos assentamentos urbanos nas décadas de 1950 e 1960, não propôs para a Guanabara uma cidade maquinista, impessoal. Ao contrário. Doxiadis elaborou uma teoria que auxiliaria na construção de uma cidade humana; de forma que, em meio ao desequilíbrio promovido pela cidade inumana, propunha a conciliação entre o homem e a tecnologia. 91 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. 4ª edição. Rio de Janeiro: IPP, 2008. ANTONOPOULOU-BOGDANOU, Myrto. 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Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, 2001. 95 ANEXO I – TABELAS E MAPAS Aqui, constam alguns mapas e tabelas interessantes que fazem parte do Plano Doxiadis, mas que não foram inseridos no corpo do texto. a. POPULAÇÃO O crescimento da população da Guanabara era dado importante, uma vez que condicionava o dimensionamento da estrutura física proposta no plano. Figura 61 – Densidade populacional na Guanabara por Regiões Administrativas (Doxiadis Associates, 1965). 96 Figura 62 – Taxa de crescimento ou declínio da população no Grande Rio (Doxiadis Associates, 1965). Figura 63 - Projeção da população (Doxiadis Associates, 1965). 97 b. REDE DE TRANSPORTES Aqui, encontram-se mapas da análise executada por Doxiadis da rede de transportes existente. Figura 64 - Tráfego que cruza as fronteiras da Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). Figura 65 - Estrutura das comunidades, montanhas e passagens (Doxiadis Associates, 1965). 98 Figura 66 - Estrutura de comunidades e vias arteriais (Doxiadis Associates, 1965). Figura 67 - Principal rede de vias da Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). 99 Figura 68 - Artérias existentes e projetadas da Guanabara (Doxiadis Associates, 1965). Figura 69 - Projeto viário preparado pelo DUR (Doxiadis Associates, 1965). 100 c. FAVELAS No relatório DOX-BRA-01 há uma grande quantidade de dados sobre as favelas da Guanabara, que embasaram as propostas apresentadas por Doxiadis. Aqui, encontram-se algumas destas informações. Figura 70 - Localização e características dos terrenos das favelas (Doxiadis Associates, 1965). 101 Figura 71 - Localização das favelas (Doxiadis Associates, 1965). Figura 72 - População das favelas e seu crescimento entre 1950 e 1960 (Doxiadis Associates, 1965). 102 d. CUSTO Figura 73 - Necessidades acumuladas no programa a longo prazo (Doxiadis Associates, 1965). Figura 74 – Custo cumulativo total para alcançar as necessidades do programa a longo prazo (Doxiadis Associates, 1965). 103 e. LEVANTAMENTO DA REGIÃO DO MANGUE Figura 75 - Usos da terra (Doxiadis Associates, 1965). Figura 76 - Condições de conservação das edificações (Doxiadis Associates, 1965). 104 Figura 77 - Condições dos edifícios (Doxiadis Associates, 1965). f. HIERARQUIA DAS COMUNIDADES Figura 78 - Hierarquia das comunidades (Doxiadis Associates, 1965). 105 g. A ÁREA METROPOLITANA Figura 79 - Um plano esquemático para a Área Metropolitana (Doxiadis Associates, 1965). Figura 80 - Distribuição de funções na Área Metropolitana (Doxiadis Associates, 1965). 106 h. OS PERÍODOS QUINQUENAIS. Figura 81 – Programa de investimentos estatais por períodos de 5 anos (Doxiadis Associates, 1965). Figura 82 – Financiamento estatal proposto no programa a longo prazo, 1966 a 2000 (Doxiadis Associates, 1965). 107 Figura 83 – Total custo das necessidades por cada período quinquenal (Doxiadis Associates, 1965). Figura 84 – Objetivos e custos do primeiro período quinquenal (Doxiadis Associates, 1965). 108 Figura 85 – Objetivos e custos do segundo período quinquenal (Doxiadis Associates, 1965). 109 i. LEVANTAMENTO DA ZONA CENTRAL CLASSE VIII Figura 86 – Zona Central Classe VIII: usos da terra existente (Doxiadis Associates 1965). 110 Figura 87 - Zona Central Classe VIII. Restrições existentes a seu desenvolvimento (Doxiadis Associates, 1965). 111
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