Medicina, Saúde e História vol.8
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Medicina, Saúde e História vol.8
Racionalidades em Disputa. Intervenções da Fundação Rockefeller na Ciência, Medicina e Práticas Médicas do Brasil e América Latina. Vol. I Práticas Médicas e de Saúde nos Municípios paulistas: a história e suas interfaces Vol. II História da Psiquiatria: Ciência, práticas e tecnologias de uma especialidade médica Vol. III Caminhos e Trajetos da Filantropia Científica em São Paulo. A Fundação Rockefeller e suas Articulações no Ensino, Pesquisa e Assistência para a Medicina e Saúde (1916-1952) Vol. IV Eugenia e História: Ciência, Educação e Regionalidades Vol. V Saúde e História de Migrantes e Imigrantes. Direitos, Instituições e Circularidades Vol. VI Medicina, Saúde e História: Textos Escolhidos & Outros Ensaios Vol. VII As enfermidades e suas metáforas: epidemias, vacinação e produção de conhecimento Vol. VIII Racionalidades em Disputa. Intervenções da Fundação Rockefeller na Ciência, Medicina e Práticas Médicas do Brasil e América Latina. Coleção Medicina, Saúde & História gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 1 27/10/2015 10:33:50 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 2 27/10/2015 10:33:50 Maria Gabriela S. M. C. Marinho André Mota (organizadores) Cristina de Campos (organizadora convidada) Aleidys Hernandez Tasco Ana Paula Korndörfer André Mota Anny Jackeline Torres Silveira Cristina de Campos Gustavo Querodia Tarelow Maria Gabriela S.M.C. Marinho Maria Terezinha B. Vilarino Paulo Fernando de Souza Campos Patrícia Falco Genovez Rita de Cássia Marques Vol. VIII Racionalidades em Disputa. Intervenções da Fundação Rockefeller na Ciência, Medicina e Práticas Médicas do Brasil e América Latina. Coleção Medicina, Saúde & História gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 3 27/10/2015 10:33:51 © 2015 by Prof. Dr. André Mota Profa. Dra. Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho Direitos desta edição reservados à Comissão de Cultura e Extensão Universitária da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – CCEx-FMUSP Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização expressa da CCEx-FMUSP UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Marco Antonio Zago Reitor Vahan Agopyan Vice-Reitor PRÓ-REITORIA DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Maria Arminda do Nascimento Arruda Pró-Reitora João Marcos de Almeida Lopes Pró-Reitor Adjunto de Cultura Moacyr Ayres Novaes Filho Pró-Reitor Adjunto de Extensão Universitária FACULDADE DE MEDICINA José Otávio Costa Auler Junior Diretor Tarcísio Eloy Pessoa de Barros Filho Vice-Diretor COMISSÃO DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Cyro Festa Neto Presidente Wilson Jacob Filho Vice-Presidente Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Vânia Aparecida Marques Favato – CRB-8/3301 E87 Racionalidades em Disputa.Intervenções da Fundação Rockefeller na Ciência, Medicina e Práticas Médicas do Brasil e América Latina. / Maria Gabriela S. M. C. Marinho, André Mota, Cristina de Campos (organizadores). - São Paulo : USP, Faculdade de Medicina: UFABC, Universidade Federal do ABC: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2015 304 p. : il. ; 21 cm. (Coleção Medicina, Saúde e História, 8) Vários autores ISBN: 978-85-62693-26-7 1. Medicina. 2. Saúde. 3. História. - Antropologia. I. Marinho, Maria Gabriela S. M. C. II. Mota, André. III. Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina. CDD 575.1 613.94 ASSISTÊNCIA TÉCNICA ACADÊMICA Márcia Elisa da Silva Werneck Assistente Técnica Acadêmica SERVIÇO DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Meire de Carvalho Antunes Coordenadora Rita de Cássia Marques de Freitas Vice-Coordenadora MUSEU HISTÓRICO “PROF. CARLOS DA SILVA LACAZ” André Mota Coordenador Gustavo Querodia Tarelow Pesquisa/Apoio Museu Clebison Nascimento dos Santos Conservação Maria das Graças Almeida Alves Secretaria UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC (UFABC) Klaus Werner Capelle Reitor Dácio Roberto Matheus Vice-Reitor EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC (EdUFABC) Imagem da capa Verônica Eston manipulando material radioativo de alta atividade no laboratório de Isótopos do Instituto de Medicina Nuclear da FMUSP, 1954. Acervo do Museu Histórico da FMUSP Adriana Capuano de Oliveira Coordenadora Cleiton Klechen Secretário Editorial Marco de Freitas Maciel Apoio EDITORA CD.G Casa de Soluções e Editora Gregor Osipoff ww.cdgcs..com.br Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 455 – sala 4306 – Cerqueira César – São Paulo-SP – Brasil – CEP: 01246-903 Telefone/fax: 55 11 3061-7249 – [email protected] www.fm.usp.br/museu gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 4 27/10/2015 10:33:51 Sumário Apresentação.....................................................................................................................................................................7 Prefácio...................................................................................................................................................................................9 Parte 1 A Fundação Rockefeller e as Racionalidades em disputa...........................9 A Fundação Rockefeller e a Institucionalização da Higiene Em São Paulo. Da Cadeira ao Instituto de Higiene (1918-1922)........................................... 11 Cristina de Campos Maria Gabriela S. M. C. Marinho Baeta Vianna, O Laboratório de Bioquímica e a Fundação Rockefeller na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte (1913-1964).................................... 35 Rita de Cássia Marques Anny Jackeline Torres Silveira A Fundação Rockefeller Chega ao Brasil: Cooperação no Combate ao “Mal da Terra” (1916-1923) ............................................................................................................. 53 Ana Paula Korndörfer Ella Hansenjaeger: Cooperação Norte-Americana e Enfermagem Brasileira Pós-1930............................................................................................................................................................. 69 Paulo Fernando de Souza Campos Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Fmusp e as Pesquisas Sobre a Fundação Rockefeller: Catálogo Seletivo e a Democratização do Acesso ao Acervo................................................................................................... 97 André Mota Gustavo Querodia Tarelow A Guerra e a Cooperação Sanitária No Sertão do Rio Doce/Brasil: O Cotidiano e a Política Internacional...........................................................121 Patrícia Falco Genovez Maria Terezinha B. Vilarino gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 5 27/10/2015 10:33:51 Parte 2 Limites das Convicções Científicas: As Epidemias no Rio de Janeiro e em Socorro e o Desencadeamento da Crise nos Estudos da Febre Amarela (1927-1948).....................................145 Aleidys Hernandez Tasco sobre os autores...................................................................................................................... 291 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 6 27/10/2015 10:33:51 PREFÁCIO O oitavo volume da Coleção Medicina, Saúde e História reúne um conjunto de pesquisadores que se debruçam sobre o tema da cooperação internacional em saúde, mais especificamente, na relação com a Fundação Rockefeller. Esta coletânea está dividida em duas partes: a primeira, que agrupa artigos que têm como temática acordos realizados entre o governo brasileiro (seja na esfera federal como também a estadual) e a Fundação Rockefeller e a segunda, com a publicação de Dissertação de Mestrado defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Unicamp, que além dos brasileiros, busca inserir outras nações latinoamericanas e assim compreender esta rede - bilateral, diga-se de passagem - entre instituição financiadora internacional e governos e cientistas locais. O artigo que abre este primeiro bloco de artigos, de autoria de Cristina de Campos e Maria Gabriela Marinho, revisita a criação do Instituto de Higiene de São Paulo e a participação fulcral que os técnicos norteamericanos tiveram no projeto de implantação deste que deveria atuar enquanto modelo de ensino e pesquisa em Saúde Pública para o Brasil. Rita Marques e Anny Torres Silveira analisam a contribuição de uma figura impar para o desenvolvimento do campo da bioquímica, um bolsista da Fundação Rockefeller, José Baeta Viana. Este foi importante não só para a difusão dos métodos e práticas laboratoriais junto ao ensino médico da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, mas também para a bioquímica nacional. Em seu artigo, Ana Paula Korndörfer examina o tema das campanhas contra verminoses, o programa inicial da Fundação Rockefeller responsável pelo desencadeamento de vários convênios estabelecidos com os governos de muitos países. Korndörfer busca justamente entender os elos por de traz das duas pontas desta cooperação: o International Health Board e o governo brasileiro (estado e federação). Buscando entender a história a partir da contribuição feminina, Paulo Fernando Campos leva o leitor a observar a cooperação internacional pela ótica da participação das mulheres, neste caso, sobre Miss Ella Hansenjaeger. No artigo, o autor enfoca o desenvolvimento do campo da enfermagem durante o Estado Novo e o papel da consultora da Fundação Rockefeller, Miss Hansenjaeger, na disseminação do modelo norte-americano da formação e exercício profissional da Enfermagem. 7 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 7 27/10/2015 10:33:51 No esforço de promover a nova orientação do Museu Histórico “Prof. Carlos Lacaz”, André Mota e Gustavo Tarelow, organizaram um catálogo seletivo sobre a Fundação Rockefeller presente nas coleções e outros fundos do respectivo museu. Sem dúvida, uma dádiva para as pesquisa sobre a Rockefeller, ao passo em que dá visibilidade ao museu enquanto um espaço para o desenvolvimento de pesquisas na área da história da saúde e medicina. O artigo de Patrícia Genovez e Maria Terezinha Vilarino é outra profícua contribuição para o entendimento dos convênios estabelecidos que visavam atender regiões fora do circuito sudeste. As autoras analisam o processo de sanitarização do Sertão do Rio Doce, através do Serviço Especial de Saúde Pública federal, durante a década de 1940. O volume é finalizado com a publicação da Dissertação de Mestrado de Aleidys Hernandéz Tasco, que estudou como a epidemia de febre amarela desencadeada no final da década de 1920 colocou por terra os conhecimentos até então estabelecidos sobre esta doença. Trata-se, sem dúvida, de um grande momento de inflexão que irá redirecionar estudos e formas de combate as doenças tropicais, sendo o laboratório elevado como o novo lócus para a produção de conhecimento científico. A pesquisa também inova ao evidenciar e dar o devido reconhecimento aos cientistas brasileiros, colombianos e latinoamericanos em geral, em desvendar os mecanismos da febre amarela, revelando que tais acordos de cooperação eram bilaterais. Coincidências à parte, a Dissertação de Aleidys foi realizada junto ao Programa de Política Científica e Tecnológica o mesmo que acolheu, nos idos da década de 1990, trabalho pioneiro sobre a Fundação Rockefeller 1 e hoje tem na linha de estudos de cooperação internacional uma de suas linhas de pesquisa principais. Cristina de Campos Maria Gabriela S. M. C. Marinho André Mota 1 Trata-se da dissertação de mestrado da professora Maria Gabriela Marinho, orientada pela professora Hebe Vessuri e defendida em 1993 e republicada no volume nº 3 desta mesma Coleção. 8 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 8 27/10/2015 10:33:51 Parte 1 A Fundação Rockefeller e as Racionalidades em disputa gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 9 27/10/2015 10:33:51 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 10 27/10/2015 10:33:51 A Fundação Rockefeller e a Institucionalização da Higiene Em São Paulo. Da Cadeira ao Instituto de Higiene (1918-1922) Cristina de Campos Maria Gabriela S. M. C. Marinho Introdução Em 1916, lideranças do campo médico de São Paulo iniciaram as primeiras tratativas com a Fundação Rockefeller, as quais resultariam na criação da Cadeira de Higiene da então Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Desde o início, os contatos visavam a um propósito mais ousado, o qual se materializaria mais tarde com a criação do Instituto de Higiene. Para o International Health Board (IHB), divisão da Fundação Rockefeller que gerenciava suas ações internacionais, o instituto em São Paulo deveria se estabelecer segundo os parâmetros de uma nova disciplina, a Saúde Pública. O referencial seria a Escola de Higiene e Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, fundada em Baltimore, no estado de Maryland, e financiada pela própria Fundação Rockefeller exatamente com este objetivo: tornar-se uma escola-modelo para a difusão dos princípios de Higiene em escala internacional. A aproximação com a Fundação Rockefeller em São Paulo foi bastante facilitada pelas ações que vinham se desenvolvendo desde a década de 1890, com a criação do Serviço Sanitário, responsável pela promulgação do Código Sanitário e pela administração de instituições de ensino e pesquisa destinadas a respaldar a política estadual nessa área. Desse modo, a Fundação Rockefeller encontraria em São Paulo uma estrutura estatal já organizada que compartilhava concepções e estratégias defendidas pelo IHB, tais como campanhas de prevenção e manutenção da saúde para populações urbanas e rurais, tendo em vista a erradicação de endemias, além de intervenções para saneamento e salubridade das edificações e dos espaços públicos. 11 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 11 27/10/2015 10:33:51 Nesse sentido, pretendemos analisar as interações entre a Fundação Rockefeller e os grupos locais no processo de institucionalização da disciplina de Higiene e Saúde Pública em São Paulo, com ênfase na formação de profissionais, desenvolvimento de pesquisa científica e consolidação do aparato institucional associado a esse campo de saber. Para tanto, revisamos a bibliografia sobre a temática no âmbito paulista e a produção sobre a presença da Fundação Rockefeller no Brasil. Assinalamos, como elemento central da argumentação, o papel decisivo do International Health Board na definição dos propósitos do Instituto de Higiene como difusor dos preceitos da Saúde Pública, como indicado a seguir. O artigo está dividido em três partes: a primeira parte analisa a estrutura montada pelo governo estadual com o objetivo de controlar as condições sanitárias que ameaçavam a poderosa agricultura paulista; a segunda, os convênios firmados entre o IHB e o governo paulista, com um breve contexto sobre as atividades da Fundação Rockefeller até a conformação da disciplina de Saúde Pública, definida no interior do próprio IHB; a terceira, e última parte, aborda a criação da Cadeira, do Laboratório e do Instituto de Higiene em São Paulo, anexos à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Procuramos, neste estudo, esclarecer como essas denominações se confundiram nos ofícios, nas correspondências e nas manifestações dos envolvidos, resultando, enfim, na oficialização do Instituto de Higiene em 1925. A organização sanitária dos republicanos paulistas Em fins do século XIX, a saúde pública tornou-se um dos principais eixos do programa político do grupo paulista que ascendeu ao poder com a proclamação da República em 1889. Um conjunto significativo de investimentos resultou na criação de um vistoso aparato sanitário que gerou queda na taxa de mortalidade e uma percepção instrumental e pragmática da ciência como instrumento de intervenção social. A eficiência da estrutura sanitária paulista foi um dos elementos relevantes para que a Comissão Rockefeller destinasse ao estado os recursos de apoio à pesquisa e ao ensino no campo biomédico, como se verá mais adiante. Autores como Ribeiro (1994), Telarolli Júnior (1993) e Merhy (1987) identificam as preocupações com a saúde pública em São Paulo nos momentos finais do império, quando a situação sanitária complicava-se pelo avanço de certas doenças com alto grau de mortalidade. Entretanto, trabalhos mais recentes (Jorge, 2006; Camargo, 2007; Marinho, 2014, 2015) apontam para diversos aspectos relativos à ação sanitária da Coroa Portuguesa no território paulista na virada do século XVIII para o 12 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 12 27/10/2015 10:33:51 XIX. Além disso, os trabalhos considerados “clássicos” delineiam o final da década de 1880 como o momento decisivo para a institucionalização da saúde pública, quando o governo provincial organizou a Inspetoria Geral de Higiene, apesar de sua pouca eficácia, em virtude da escassez de recursos humanos e financeiros (Mascarenhas, 1949; Vieira, 1943). Assim, a organização mais efetiva da saúde pública ocorreria, de fato, nos primeiros tempos do governo republicano, que a incorporou como um dos principais eixos de seu programa político, como aponta Merhy (1987). Para o autor, a saúde pública tornou-se componente central do poder oligárquico dos cafeicultores paulistas, contribuindo para a consolidação da hegemonia do grupo no período da chamada Primeira República, ou República Velha, e que se dissolveria a partir de 1930. Merhy enfatiza que o modelo de desenvolvimento econômico e social oligárquico age “[...] como elemento conciliador dos interesses das frações das classes dominantes e exclui por completo as classes populares do centro das decisões políticas, acentuando as diferenças sociais” (Merhy, 1987, p. 62). O entrelaçamento dos interesses agroexportadores com o governo estadual paulista resultou na organização da Diretoria do Serviço Sanitário (Lei nº 43 de 18 de junho de 1892), subordinada à Secretaria dos Negócios do Interior (RIBEIRO, 1993)1. Contando, ainda, com um Conselho de Saúde Pública2, “[...] responsável pela emissão de pareceres acerca da higiene e salubridade pública”, caberia à Diretoria de Higiene o “[...] cumprimento das normas sanitárias, auxiliadas pelas seções: Laboratório Farmacêutico, Laboratório de Análises Químicas, Laboratório Bacteriológico e Instituto Vacinogênic” (Ribeiro, 1993, p. 27). Junto ao aparato institucional, a Diretoria dispunha de recursos que correspondiam, entre os anos de 1892 a 1900, a 23% do orçamento estadual médio (MERHY, 1987, p. 70), objetivando “[...] combate às epidemias, saneamento do meio físico, polícia de alimentação e fiscalização das profissões médicas e afins” (MASCARENHAS, 1949, p. 42). Observase, assim, que o saneamento do meio era uma das atividades essenciais, parte das ações de Saúde Pública, mesmo sob o abrigo de outras repartições públicas3 (Merhy, 1987, p. 71). O saneamento tornara-se um dos pontos mais discutidos e requisitados por políticos e pela opinião pública, demanda vocalizada nos jornais de 1 Segundo Merhy (1987 apud MASCARENHAS, 1949), em 1891 o governo provisório paulista reorganizou a Inspetoria de Higiene, “[...] cujos serviços seriam desempenhados por um conselho de saúde pública e uma Inspetoria Geral de Higiene”, que seria extinta em 1982 (Merhy, 1987, p. 70). 2 Segundo Mascarenhas (1949, p. 42), este conselho era composto por integrantes do próprio Serviço Sanitário. 3 As obras de saneamento foram executadas, inicialmente, pela Comissão de Saneamento; depois, repassadas à Secretaria Estadual dos Negócios da Agricultura. Sobre o papel da Secretaria de Agricultura no saneamento (BERNARDINI, 2007). 13 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 13 27/10/2015 10:33:52 época, como o Correio Paulistano4. O ambiente insalubre era inconveniente para a população e para os negócios, como indicava a cidade de Santos. Por ser a sede do principal porto de escoamento da produção cafeeira, Santos estava infestada pelos agentes da febre amarela, o que amedrontava o mercado internacional e afastava a chegada de imigrantes, estes essenciais para manter a agricultura do café. A questão, portanto, assumia um forte componente econômico; afinal, o saneamento asseguraria a manutenção da agricultura de exportação. Então, em 1892, o vice-governador José Alves de Cerqueira César criou a Comissão de Saneamento do Estado de São Paulo, orientada para o saneamento de Santos, São Paulo e outras localidades do estado – conforme a Ata de Criação da Comissão de Saneamento de São Paulo, 1892. De caráter temporário e emergencial, visava a oferecer apoio e solução às localidades assoladas pelas epidemias, o que demandava intervenção urgente. Junto à Comissão de Saneamento, a Comissão Sanitária atuava de modo complementar e oferecia ajuda à população combalida pela febre amarela (Campos, 2002). Vencido o período mais crítico das epidemias, as comissões foram extintas e os trabalhos voltados para saúde e saneamento prosseguiram no interior do Serviço Sanitário que vinha estruturando enquanto repartição pública; assim, em 1894, publicou o Código Sanitário, um conjunto de normas e diretrizes que delineava as atribuições do órgão e regulamentava as esferas da vida pública que seriam fiscalizadas pelo Serviço Sanitário. Desde o início, o Serviço Sanitário nomeou diretores afinados de perfil mais técnico do que político5 que promoveram sucessivas reformas sanitárias, alterando ou incluindo novos tópicos no Código Sanitário. Durante a vigência do Serviço Sanitário6 – em especial nas quatro décadas iniciais –, as gestões mais significativas, conforme identificadas pela literatura, estão representadas no quadro a seguir: 4 A análise da imprensa paulistana em fins de século XIX acerca do saneamento do meio encontra-se no artigo “A cidade salubre e bela: propostas e planos para a capital paulista em fins do século XIX” (CAMPOS, 2015). 5 A questão política também é um elemento importante a ser considerado para que se possa entender a nomeação nesse posto diretivo. Muitos dos diretores do Serviço Sanitário tinham laços com a elite oligárquica paulista, como bem ilustra a nomeação de Geraldo Horário de Paula Souza, questão trabalhada por Faria (2002). Conforme as fontes consultadas, somente Arthur Neiva não seria próximo da elite local. 6 Em 1938, passou a ser denominado como Departamento de Saúde do estado de São Paulo. 14 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 14 27/10/2015 10:33:52 Quadro 1 – Diretores do Serviço Sanitário (1898-1927) Diretor Período de gestão Reformas realizadas Emílio Ribas 1898-1917* 1896 – Garantiu ao governo estadual intervir nos serviços de saúde municipais sempre que necessário. O Serviço Sanitário firmou-se como órgão normativo para todas as atividades de saúde pública. 1906 – Houve modificação da organização sanitária do estado, com sua divisão em 14 distritos sanitários. Foram extintas todas as atividades municipais de saúde pública. 1911 – A Reforma enfatizou os serviços municipais de saúde, todos subordinados ao diretor do Serviço Sanitário. Modernização do código no que diz respeito ao saneamento do meio. Arthur Neiva 1916-1920 1917-1918 – Inclusão do Código Sanitário Rural junto ao Código Sanitário do estado. Criação do Serviço de Higiene Rural. 1922-1927 1925 – Implantação de um novo modelo de organização sanitária, e o Centro de Saúde era a principal instituição do Serviço Sanitário. Criação do posto de Educadora Sanitária, que deveria, por meio da educação, inculcar hábitos de higiene na população. Postos de Profilaxia da Comissão Rockefeller e do Serviço Sanitário, de caráter temporário, foram absorvidos e efetivados como postos permanentes. Geraldo Horácio de Paula Souza Fonte: Adaptado de Mascarenhas (1949) e de Ribeiro (1993). * Ausentou-se do Serviço Sanitário a partir de 1913 (MASCARENHAS, 1949). Em linhas gerais, o Serviço Sanitário tomou para si a responsabilidade da saúde pública do estado, tornando-se a autoridade sanitária à qual todos os serviços deveriam reportar-se. Como autoridade sanitária, estabeleceu um conjunto de normativas gerais obrigatórias para o controle e a manutenção da salubridade. A unificação dos serviços e a nova legislação sanitária foram realizadas na gestão de Emílio Ribas. Nas gestões subsequentes, acrescentaram-se adendos, buscando-se ampliar a atuação do Serviço Sanitário para as áreas rurais, de modo a alcançar os cafezais. Embora fosse alvo da atuação do Serviço Sanitário, a zona rural paulista permanecia fragilizada pelas endemias, o que facilitaria, mais tarde, a inserção da Comissão Rockefeller nas regiões infestadas. Os trabalhos no interior do estado ocorreram nas gestões Neiva e Souza, cabendo a Arthur Neiva a organização das primeiras atividades nas zonas rurais e também a elaboração do Código Sanitário Rural. Geraldo Horácio de Paula Souza prosseguiu com a atuação no campo, tornando permanente o controle de endemias, por meio da parceria entre o Serviço Sanitário e a Fundação Rockefeller. Os programas rurais foram mantidos até a transformação do Serviço Sanitário em Secretaria de Saúde na década de 1930, o que permitiu a regressão das epidemias. Ainda assim, as condições de vida para as camadas mais baixas da população não melhoraram. Ao longo dos anos 1920, a riqueza concentrou-se, como indica Ribeiro (1993). A partir de dados relativos à cidade de São Paulo, a autora argumenta que, se for verdade 15 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 15 27/10/2015 10:33:52 [...] que a mortalidade geral caiu, o mesmo não ocorreu com a mortalidade por doenças infecto-contagiosas e transmissíveis, grupo de doenças que reflete, mais do que qualquer outro, as condições sanitárias encontradas pela população [principalmente a urbana]. Depois de 1901, a participação dos óbitos por doenças infecto-contagiosas no total de óbitos ocorridos em São Paulo caiu de 20% para 17%, chegando, no período de 1901 a 1919, à porcentagem de 14% sobre o total de óbitos. (RIBEIRO, 1993, p. 239, grifos nossos). A queda da mortalidade, como demonstra o quadro a seguir, e a organização de um sistema de saúde pública eficiente repercutiram nacional e internacionalmente, inclusive junto ao International Health Board, o qual, em 1916, percorrendo a América do Sul, buscava identificar possíveis governos e instituições aptos a receberem auxílios da Fundação Rockefeller. Tabela 1 – Coeficiente de mortalidade geral para ao estado de São Paulo Período em anos Coeficiente de Mortalidade Geral (por 1.000 hab.) 1894-1900 23,15 1901-1910 17,90 1911-1920 19,16 1921-1924 18,24 1925-1929 15,48 Fonte: Adaptada de Merhy (1987, p. 84). As informações a seguir indicam os aspectos pelos quais o Serviço Sanitário obteve destaque. Como parte do aparelho estatal de saúde, Luz (1982, p. 19-20) elenca como relevantes os seguintes eixos a partir dos quais o Serviço Sanitário se estruturou: • Centralização: unificação e centralização institucional, em oposição ao regionalismo. • Higienização: imposição de regras de conduta pessoal, social e espacial. • Origem social da doença: doença associada a fatores sociais, raciais, espaciais, econômicos, entre outros aspectos. • Atenção médica curativa: resposta institucional às condições estruturais da saúde na sociedade. • Campanhismo: percepção da dimensão coletiva de epidemias e endemias que podem ser solucionadas por intervenções institucionais temporárias maciças planejadas e conduzidas centralmente. Segundo Merhy (1987), o Serviço Sanitário operou por meio de campanhas sanitárias, de forte caráter policial e punitivo, as quais pretendiam, sobretudo, disciplinar as camadas populares, consideradas as 16 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 16 27/10/2015 10:33:52 responsáveis pela precariedade sanitária. Nos tempos iniciais da gestão de Emílio Ribas, o controle esteve centrado em: “[...] polícia sanitária e ações autoritárias como a vacinação obrigatória e o isolamento de doentes” (MERHY, 1987, p. 82). As alterações ocorreram somente na década de 1920, com os movimentos operários e durante a gestão de Geraldo Horácio de Paula Souza. Naquele contexto, o Estado oligárquico tentou estabelecer alguns consensos, devido ao acirramento dos conflitos sociais, sem perder, contudo, o caráter repressivo e autoritário. Nesse período, os preceitos da microbiologia orientavam a ação do Serviço Sanitário, o que induziu a montagem de uma estrutura laboratorial e de coleta de dados para assegurar suporte às campanhas sanitárias. Ainda assim, em seu arcabouço, coexistia a orientação mesológica, como se pode observar com a permanência do Serviço de Desinfecção (RIBEIRO, 1993, p. 30-32). O Quadro 2 identifica os setores que garantiram o funcionamento do Serviço Sanitário ao longo de sua existência. Quadro 2 – Aparato institucional do Serviço Sanitário do estado de São Paulo Instituição Serviço Geral de Desinfecção (1892) Função Desinfecção por meio de fumigações, como um meio de ataque às moléstias transmissíveis. “Desinfecção de prédios públicos e privados, ralos, bocas de lobo, ruas e praças públicas” (p. 30). Existia serviço especial na Hospedaria dos Imigrantes. Laboratório Farmacêutico (1892) Produção de desinfetantes e remédios, antes importados por firmas particulares. Laboratório Bacteriológico (1892) Organização da pesquisa científica. Realização de pesquisas sobre as moléstias que acometiam o estado. Em 1895, foi transformado em Instituto Bacteriológico. Instituto Vacinogênico (1892) Seção de Estatística Demografo-Sanitária (1896) Laboratório de Análises Químicas e Bromatológicas (1892) Instituto Soroterápico (1899) Produção de vacina contra varíola. Organização de dados sobre mortalidade geral de todo o estado. Divulgação de dados meteorológicos para explicar o aumento ou decréscimo de endemias e epidemias. “Coligir informações que servissem para avaliar ou tomar conhecimento do grau de sanidade da capital e do interior” (p. 43). “Análises de produtos alimentícios, bebidas, águas minerais e remédios. Atividade com ligação estreita com a polícia sanitária” (p. 44). Fabricação de vacinas e soros anti-pestoso. Depois, foi transformado em Instituto Butantã. Fonte: Adaptada de Ribeiro (1993, p. 25-51). Outro fator distintivo no Serviço Sanitário é o empenho da oligarquia paulista, na organização deste aparato. As tabelas a seguir indicam o total de investimentos em saúde pública e saneamento, com destaque para os gastos das secretarias de Interior e da Agricultura, responsáveis, respectivamente, pelas ações de saúde e saneamento. 17 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 17 27/10/2015 10:33:52 Tabela 2 – Despesas das Secretarias Estaduais de São Paulo (1895-1925) Ano Secretaria do Interior Secretaria da Agricultura Secretaria da Fazenda Secretaria da Justiça 1895 8.716:374$685 23.787:622$033 8.429:454$458 9.174:206$845 1896 11.659:457$290 23.565:228$890 7.156:707$607 9.067:340$416 1899 9.130:509$222 6.433:259$109 11.360:343$670 9.825:162$189 1905 21.095:167$162* 17.367:141$687 73.398:075$624 - 1910 15.265:868$728 14.572:973$067 21.997:013$600 14.015:845$915 1915 24.404:417$335 21.315:765$411 26.883:414$761 20.052:846$027 1920 35.779:947$444 29.761:818$260 54.372:731$496 32.148:110$282 1925 74.870:737$973 163.791:592$155 406.686:740$474 58.135$326$529 Fonte: Adaptada das informações disponíveis nas Mensagens dos Governadores do Estado de São Paulo7. Tabela 3 – Investimentos em saúde pública como parte do orçamento do estado de São Paulo (1892-1920) Período Porcentagem do orçamento estadual médio, gasto com saúde pública (%) Gasto per capita com saúde pública (mil réis) Gasto per capita com uso militar (mil réis) 1892/1900 23 0,87 3,19 1901/1910 15 1,03 3,70 1911/1920 13 1,45 3,33 Fonte: Adaptada de Merhy (1987, p. 70). Tabela 4 – Despesas do governo paulista com saúde pública (1890-1906) Período Participação da despesa da saúde pública na despesa total do estado 1890-1991 3,48% Observações 1893 4,84% Ano de montagem da estrutura do Serviço Sanitário. 1894 6,21% Lançamento do Código Sanitário. 1896 2,49% Ano de reforma sanitária. 1906 2,18% 1903 3,38% Ano de aumento de verbas destinadas ao Instituto Soroterápico. 1904 3,69% Ano de aumento de verbas destinadas ao Instituto Soroterápico. 1905 3,50% 1906 2,18% Diminuição devido ao descenso das epidemias. Fonte: Adaptada de Ribeiro (1993, p. 50-51). 7 Os números representam gastos totais das secretarias. Portanto, os valores das Secretarias do Interior e da Agricultura envolvem também outros gastos, não exclusivamente com a saúde pública e o saneamento. Na “Mensagem de 1905”, na despesa da Secretaria do Interior, inclui-se, também, a da Justiça. Conferir: Center for Research Libraries (2015). 18 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 18 27/10/2015 10:33:52 Como indicado anteriormente, o aparato paulista facilitou a aproximação do International Health Board, que investigaram iniciativas em saúde em vários países latino-americanos8. O duplo propósito das iniciativas de São Paulo – campanhismo e saneamento – convenceu a Comissão Rockefeller a apoiar as ações locais (Candeias, 1984; Ribeiro, 1993), entre as quais a criação da Cadeira de Higiene, como será analisado a seguir. International Health Board, o governo paulista e a conformação da disciplina de Higiene e Saúde Pública Cabe aqui, ainda que de modo sucinto, um breve relato acerca da organização da Fundação Rockefeller e o seu direcionamento para a filantropia em saúde de caráter internacional9. Segundo Marinho, a Fundação Rockefeller foi organizada em 1913, fruto da reorganização das ações filantrópicas mantidas pela família desde o final do século XIX. A partir de Fosdick, analisa a concentração da Fundação nas áreas de educação e saúde (Marinho, 2001, p. 14-19). Aspectos que já estavam delineados anteriormente, com a criação do Instituto Rockefeller para Pesquisas Médicas (1901) e da Junta de Educação Geral (1903), que atuara nos depauperados estados do sul dos Estados Unidos (Marinho, 2001, p. 22). A criação do International Health Board resultou dos trabalhos da Junta de Educação Geral que já havia propiciado o estabelecimento da Comissão Sanitária para a Erradicação da Ancilostomíase (1909). A Comissão, sob a direção de Wickliffe Rose, atuara naqueles estados infestados com o parasita intestinal. O alto grau de incidência do ancilóstomo, conhecido no Brasil como Amarelão ou Opilação, levou a comissão a organizar [...] o estabelecimento de uma campanha maciça de combate e prevenção em onze estados sulistas. Subseqüentemente (sic), a Comissão montou uma expressiva infraestrutura sanitária em cooperação com as comunidades locais e respectivos órgãos públicos, modelo que, posteriormente, seria levado para o 8 Segundo Korndörfer (2013, p. 95-96) e outros estudiosos sobre as relações entre o governo brasileiro e a Fundação Rockefeller, a escolha do Brasil para início dos trabalhos da IHB deu-se pelas boas relações diplomáticas existentes entre os dois países, além dos trabalhos que os brasileiros desenvolveram no campo da saúde pública. 9 Desde a década de 1980, importantes pesquisadores brasileiros têm se dedicado ao estudo da cooperação entre a Fundação Rockefeller e o governo brasileiro. Entre estes autores, destacamos: Labra (1985), Castro Santos (1985, 1993) Marinho (2001, 2003, 2012), Ribeiro (1993), Faria (2002), cujos trabalhos pioneiros trouxeram ao debate a questão da presença dessa fundação filantrópica internacional. 19 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 19 27/10/2015 10:33:52 exterior, sob a justificativa de identificação e combate aos cinturões de enfermidade. (Marinho, 2001, p. 24, grifos nossos). O sucesso do programa adotado pela Comissão Sanitária, especialmente pela eficácia e rapidez na obtenção dos resultados, determinou, lembra Marinho, “[...] os rumos da filantropia da família Rockefeller, desencadeando o processo de unificação dos organismos existentes em uma única e grande fundação” (Marinho, 2001, p. 25)10. Após trâmites de quatro anos no Congresso norte-americano, a Fundação Rockefeller foi legalmente instituída em 1913. Desde sua criação, adotou a premissa da enfermidade como causadora da miséria. Apoiada nessa concepção, por décadas, empenhou-se no combate a diferentes doenças, convencida de que suas ações contribuiriam para a erradicação da pobreza. A partir daí, a antiga Comissão Rockefeller para Erradicação da Ancilostomíase foi transformada em Comissão Sanitária Internacional, existindo entre 1913 e 1916. Depois, assumiu a denominação de International Health Board (IHB), que prevaleceu até 1927, quando outra reorganização da Fundação Rockefeller resultou na criação do International Health Division (IHD) (Marinho, 2001, p. 28). Como indicam os estudos de Cueto (1996) e Birn (2014), a Fundação Rockefeller assumiu, ao longo do século XX, uma posição destacada no controle da saúde internacional, mais tarde denominada saúde global. Na América Latina, a Comissão Sanitária Internacional formou sua primeira missão em 1915 com o objetivo de realizar estudos sobre as “condições gerais de saúde pública e ensino médico da América Latina” (Marinho, 2003, p. 53). No ano seguinte, constituiu-se o grupo que deveria identificar “centros de ensino médico que pudessem ser apoiados em uma perspectiva de complementar o trabalho da primeira comissão”, (Marinho, 2003, p. 54)11, em contato com as autoridades brasileiras, resultando daí os primeiros acordos de cooperação. Candeias (1984, p. 5) assinala que a Fundação Rockefeller decidiu-se pela cooperação com o Brasil em razão dos trabalhos desenvolvidos no combate à febre amarela e da expertise na área da saúde pública. Um trecho do relatório de Wickiliffe Rose, diretor do IHB, indica a liderança que o país assumia na América do Sul como decisiva para que se 10 Marinho explica, ainda, que a Comissão Sanitária para a Erradicação da Ancilostomíase e o Instituto Rockefeller de Pesquisas Médicas realizaram o registro de várias descobertas científicas, que influenciariam posteriormente o investimento da família em laboratórios e a formação de cientistas (MARINHO, 2001, p. 24). Para uma abordagem mais detalhada da criação da Fundação Rockefeller. Conferir Marinho, 2001. 11 Em 1916, a Missão Rockefeller era composta por Richard M. Pearce, da Universidade da Pennsylvania, Major Bailey Ashford, do Corpo Médico do Exército norte-americano, e por John A. Ferrel, da Fundação Rockefeller (Candeias, 1984, p. 5). 20 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 20 27/10/2015 10:33:52 buscasse um acordo de cooperação com os brasileiros de modo a facilitar a abertura das fronteiras de outros países para a Fundação Rockefeller (Marinho, 2003, p. 53). Somam-se a esses fatores os interesses econômicos. No período, o Brasil já havia se tornado um dos principais fornecedores de café para os Estados Unidos, que era igualmente o principal importador do produto brasileiro (SINGER, 1985; PINTO, 1977)12. No caso paulista, os contatos com a Comissão Rockefeller renderam dois acordos de cooperação. O primeiro, realizado com o governo estadual, instituía a colaboração nas campanhas sanitárias no interior. O segundo acordo promoveu a criação da Cadeira de Higiene junto à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (FMCSP)13. No caso específico da Faculdade de Medicina, a aproximação ocorreu por meio de Alexandrino Moraes Pedroso, professor da Cadeira de Histologia, que anos antes havia sido aluno de Richard Pearce, na Universidade da Pennsylvania (Marinho, 2003, p. 20; MASCARENHAS, 1949, p. 73). Apesar destes indicativos, a aproximação com o Serviço Sanitário ainda carece, no entanto, de uma investigação mais apurada. Segundo o Relatório Anual da Fundação Rockefeller de 1917, o contato com São Paulo ocorreu no esteio das negociações com o governo federal e do Rio de Janeiro. O documento registra que São Paulo convidou o IHB para realizar um survey na cidade de Iguape, litoral sul do estado, em campanha contra a ancilostomíase, para a qual o governo se comprometia a custear metade das despesas (The Rockefeller Foundation Annual Report, 1917, p. 162). No final de 1916, segundo o relatório, o diretor do Serviço Sanitário havia acertado com o IHB a organização de outra campanha para São Paulo, bancando dois terços das despesas. De acordo com o documento, o governo estadual comprometeu-se: “[…] to build up a permanent sanitary, organization and to sanitate all areas in advance of examination and treatment” (The Rockefeller Foundation Annual Report, 1917, p. 165). Por outro lado, informações dos relatórios de governo para a Assembleia Legislativa de São Paulo registram o acordo em 1916 com uma área de atuação mais expandida em relação ao IHB, indicando provavelmente avanços na cooperação: Com o intuito de debelar a ankilostomose, o Governo de São Paulo entrou em combinação com a Fundação Rockefeller, para conjuntamente iniciarem uma campanha contra essa verminose, que tantos estragos ocasionam a nossa população rural. Uma comissão brasileira e outra norte-americana trabalharão em 12 Marinho (2003) indica que a chegada dos recursos da Fundação Rockefeller coincidiu com a presença no território brasileiro de indústrias norte-americanas, nos setores farmacêutico, ferroviário e de carnes enlatadas. 13 Conferir detalhes e especificidades do acordo em Marinho ( 2001, 2003). 21 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 21 27/10/2015 10:33:52 pontos diversos do Estado; e o Governo nutre esperanças de que a Fundação Rockfeller procure resolver a sua benéfica ação em escala mais ampla, não só no que concerne aos trabalhos de profilaxia, como principalmente em trabalhos de investigação scientifica, em colaboração com os institutos officiais de São Paulo. (CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1917, p. 24-25). A intenção de atuar de forma mais decisiva no interior de São Paulo fortaleceu-se por volta de 191414. O redirecionamento da política de saúde para a população rural pode ser identificado nos relatórios apresentados para a Assembleia Legislativa. Primeiramente, com o lançamento do Código Sanitário Rural, cujas normas pautariam a atuação dos agentes de saúde. Em seguida, com o estabelecimento de órgãos responsáveis pelo controle do espaço rural. O relatório de 1915 expressa preocupação com o Código Sanitário Rural: [...] que encerre disposições relativas à proteção do solo, dos mananciais, dos cursos d´agua, a correção de acidentes topográficos geradores de focos de mosquitos, as construções e a vida do campo, a polícia sanitária dos animais, para impedir o desenvolvimento das epizootias transmissíveis ao homem fará desaparecer de todo o impaludismo, a desinteria e a ancilostomíase, moléstias facilmente evitáveis e, entretanto, de tratamento longo, difícil e às vezes mesmo improfícuo. (CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1916, p. 23). Na Mensagem de 1916, a necessidade de um Código Sanitário Rural reaparece, dessa vez, apontando para a urgência na erradicação da malária que havia eclodido e causava transtornos na região de Villa Americana. O Código Rural facilitaria a profilaxia do impaludismo e, com este instrumento, “[...] poderiam ser tomadas medidas que facilitassem o combate a certos males” (CENTER for Research Libraries, 1917, p. 24). O direcionamento das políticas de saúde pública expressava, também, o desejo de se formar técnicos para o trabalho na área e a importância da pesquisa científica como aliada do Serviço Sanitário. O projeto de constituição de um “Instituto de Higiene” é percebido na Mensagem de 1915, quando o Instituto Pasteur foi 14 Segundo Ribeiro (1993, p. 201), desde a descoberta do vetor da febre amarela, o Serviço Sanitário “[...] andava a esmo, sem uma definição de que questões sanitárias tratar”, por “falta de rumo da política de saúde”, mais preocupada com os problemas urbanos da capital, São Paulo, do que com os problemas sanitários rurais. A diretoria do Serviço Sanitário estava “acéfala” com os pedidos de afastamento e a saída definitiva de Ribas em 1916. A autora ainda explica que Guilherme Álvaro, diretor interino do Serviço Sanitário, foi o primeiro a constatar a situação da população rural do estado, atacada por verminoses, tracoma e malária. 22 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 22 27/10/2015 10:33:53 incorporado ao Serviço Sanitário. No texto, o governador exprime o desejo de criar a instituição: Com a entrada desse novo departamento, ao qual será preciso dar uma organização definitiva, fica fechado o ciclo da defesa do Estado contra as moléstias transmissíveis. Pode-se iniciar agora a obra de confederação dos vários estabelecimentos, para a constituição do Instituto de Higiene de São Paulo. (CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1917, p. 25, grifos nossos). Para levar adiante a política de combate às moléstias da zona rural 15, o governo de São Paulo convidou Arthur Neiva para assumir a direção do Serviço Sanitário 16. Neiva apresentava as qualificações necessárias para liderar o direcionamento do Serviço Sanitário, como a participação da expedição junto com Belisário Penna e os trabalhos voltados ao Noroeste do Brasil. Neiva assumiu a direção do Serviço Sanitário em dezembro de 1916 17 , com a tarefa de conceber o Código Sanitário Rural e atuar no combate às moléstias que afligiam as zonas rurais, especialmente impaludismo e verminoses. Reorganizou o Serviço Sanitário (Lei nº 1.596, de dezembro de 1917) e criou a Inspetoria do Serviço de Profilaxia Geral. Segundo Mascarenhas (1949, p. 72) “[...] a esta repartição foram anexadas todas as unidades sanitárias especializadas existentes no interior do estado, de combate à malária e à ancilostomíase”. Desse modo, na gestão de Neiva, abriram-se duas frentes de atuação da saúde pública no interior paulista. Uma delas era exercida pelos técnicos da Fundação Rockefeller e a outra pelo Serviço Sanitário. O acordo firmado com o IHB previa a atuação no combate à ancilostomíase 18; e, ao final do contrato, edificações, equipamentos seriam repassados para o Serviço Sanitário. Já as unidades do próprio Serviço Sanitário atuavam no controle 15 Segundo Castro Santos (1993), o redirecionamento da política de saúde integrava a plataforma do governador Altino Arantes. A proposta baseava-se na criação de um Código Sanitário Rural para auxiliar o controle das endemias rurais e assim resguardar o trabalhador imigrante (Castro Santos, 1993, p. 375). 16 Médico formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, Neiva dedicou-se à pesquisa, ingressando no Instituto de Manguinhos. Como pesquisador de Manguinhos, participou da famosa expedição com Belisário Penna, quando ambos tomaram contato com populações rurais do interior da Bahia. O trabalho de saneamento rural junto à Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) foi igualmente decisivo para sua designação. 17 Arthur Neiva permaneceu na direção do Serviço Sanitário até abril de 1920 (MASCARENHAS, 1949, p. 26). 18 Korndörfer (2013, p. 123) esclarece: “[...] as atividades de combate à ancilostomíase não eram mais entendidas pela Fundação como atividades de demonstração do método intensivo, mas como preliminares para a instalação de County Health Units. Estas unidades de saúde também eram unidades de combate à ancilostomíase, porém, permanentes e não apenas para demonstração, e voltavam sua atenção para uma série de outras doenças e atividades: malária, tracoma, lepra, doenças venéreas, vacinação, educação sanitária, atividades relativas à saúde escolar, exames laboratoriais, coleta de dados epidemiológicos e estatísticas vitais, por exemplo” (grifos nossos). As unidades passaram a existir quando os postos da Rockefeller foram repassados ao Serviço Sanitário durante a gestão de Geraldo Horácio de Paula Souza e reorganizados segundo o County Health Unit (Campos, 2005). 23 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 23 27/10/2015 10:33:53 da malária e do tracoma. Embora com o mesmo objetivo, essas duas frentes diferiam pelo método de trabalho – e com pouca colaboração, como indicam as fontes 19. É possível, portanto, identificar certo desconforto e competição entre a diretoria do Serviço Sanitário e os técnicos do IHB 20: A campanha contra a ancilostomose no Estado de São Paulo foi iniciada pelo Serviço Sanitário após o combate à endemia de impaludismo que assolava num surto violento, várias zonas do Estado [...]. Nos postos do Serviço Sanitário de São Paulo, não se limita apenas à cura da ancilostomose, como procede a Comissão Rockefeller. São tratados todos os indivíduos atacados de verminoses. (Gonzaga; Lima, 1918 apud MASCARENHAS, 1949, p. 72). A Mensagem de 1919 compara os resultados dos postos do Serviço Sanitário com as do IHB, conforme sintetiza a Tabela 4. Tabela 4 – Comparação dos resultados dos postos do Serviço Sanitário com as do IHB Número de pessoas tratadas nos postos do Serviço Sanitário 27.846, sendo 6.069 curadas da ancilostomíase e 9.985 curados de outras verminoses. Número de pessoas tratadas nos Postos da Rockefeller (Guarulhos e Atibaia) 3.990 curas de ancilostomíase e outras verminoses sobre um total de 10.559 pessoas que receberam o tratamento. Fonte: Adaptada de Center for Research Libraries (1919). Apesar de resultados diferentes, as duas instituições estavam unidas por algumas convicções, entre as quais, o saneamento como aliado no enfrentamento das doenças, e parte da ação de saúde pública. A comissão do IHB defendia que, junto ao tratamento, o “saneamento” deveria ser realizado nas áreas atingidas, com a “construção de latrinas”, para evitar a reinfestação das zonas rurais. “Melhorar o saneamento do campo” era a saída almejada (BRANNSTROM, 2010, p. 29). O mesmo pode ser atribuído ao Serviço Sanitário, que preconizava a importância do saneamento no combate às verminoses e para o controle da malária. No entanto, reincidência era bastante comum, visto que as campanhas eram temporárias. Como os serviços eram transferidos para a municipalidade, 19 A Mensagem de 1918 indica que o Serviço Sanitário colaborou efetivamente com os técnicos do IHB: “Em suas excursões ao interior, foi o pessoal da Fundação acompanhado por uma autoridade sanitária, posta à sua disposição; e, para sede dos seus trabalhos, foi cedida na Diretoria Geral uma sala com outras dependências convenientemente mobiliadas, tendo, além disso, o Serviço Sanitário facilitado, por todos os meios possíveis, a sua humanitária ação entre nós” (CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1918, p. 24). Além disso, todos os laboratórios do Serviço Sanitário estavam à disposição dos técnicos da Rockefeller. 20 Em suas memórias, Arthur Neiva sutilmente critica o fato de que muitos brasileiros gostam de “macaquear” os norte-americanos, ou seja, copiá-los ao invés de investir nas ideias próprias (Neiva, 1927). 24 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 24 27/10/2015 10:33:53 muitas vezes o trabalho de prevenção não tinha prosseguimento, como indica a Mensagem de 1919. Nela, o governo estadual espera que “[...] as municipalidades mantenham as indicações deixadas pelo Serviço de Profilaxia Geral, sem que obras tão dispendiosas tenham sido executadas em pura perda”(CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES, 1919, p. 24). As duas instituições concordavam, também, que tais serviços deveriam ficar sob o controle de uma instância maior, no caso, o governo do estado. Sob a responsabilidade do governo estadual, os postos deveriam ainda ampliar sua atuação para outros itens como vacinação, educação sanitária, saúde escolar, coleta de dados estatísticos, exames laboratoriais, inspetorias diversas, entre outros. A ampliação das atribuições do posto era um dos objetivos do IHB, como ressalta Korndörfer (2013, p. 123). Segundo Brannstrom (2010), as unidades de saúde geradas pelo Serviço Sanitário e IHB marcam o início das instituições voltadas para a administração da saúde municipal que, na “Reforma Paula Souza” (em 1925), se tornariam Centros de Saúde, constituindo-se, por sua vez, em novo eixo da organização sanitária do estado (Ribeiro, 1993; Campos, 2002)21. O convênio com a Fundação Rockefeller e o direcionamento do Serviço Sanitário para o atendimento de moléstias e aspectos sanitários até então desconsideradas representam um marco significativo. Em consonância com o debate que ocorria também no exterior, como aponta Fee (1987), percebese que há a configuração de um campo do conhecimento na área da saúde pública, para tal tornava-se necessário formar adequadamente o profissional para atuar nesse campo e incentivar a produção de conhecimento da disciplina. A criação da Cadeira de Higiene em São Paulo: ensino, pesquisa e formação de quadros para a Saúde Pública No início do século XX, São Paulo dispunha de uma estrutura de laboratórios, fabricação de soros, vacinas e fármacos, recursos humanos, Código Sanitário e corpo administrativo que articulava esses elementos em um sistema de saúde, como apontado na primeira parte deste artigo. Ao mesmo tempo, no âmbito da Fundação Rockefeller, parte de seu staff discutia ativamente a importância de se estabelecer uma escola voltada 21 Durante a gestão de Geraldo Horácio de Paula Souza no Serviço Sanitário, todos os postos abertos pelo convênio com o governo do estado passaram a ser de responsabilidade desta repartição estadual. Souza era, sem dúvida, o homem da Fundação Rockefeller em São Paulo (CAMPOS, 2013). 25 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 25 27/10/2015 10:33:53 exclusivamente para a saúde pública, campo do conhecimento estreitamente ligado ao contexto da Revolução Industrial, que acarretara o crescimento descontrolado das cidades, acentuando as desigualdades sociais. No interior dessa discussão, como veremos mais adiante, o grupo identificava duas áreas aptas para o trabalho em saúde pública: Medicina e Engenharia. São Paulo, sobretudo a capital, possuía instituições de ensino superior, entre elas uma escola de Engenharia e uma faculdade de Medicina, apesar de ainda não existir uma universidade22. Possuía, também, os atributos necessários – administração sanitária, laboratórios e ensino superior – que facilitaram sua escolha pela Comissão para a destinação de recursos. Outros aspectos foram considerados, como indicou Korndörfer a partir das manifestações de Wickliffe Rose: […] In the development of a public health program, the character of the people upon whose co-operation it depends is fundamental. The northern boundary of the state of São Paulo divides Brazil into two sections presenting contrasts, with respect to populations, as sharp as those between Mexico and the United States. [...] These southern states [de São Paulo para o sul do Brasil], having the advantage of a cooler and more variable climate and of a vastly more virile population, have in their keeping the future of Brazil. It is the self-reliant white man who is pushing back the frontier and laying the foundations of a more progressive civilization. The State of Sao Paulo is the center and soul of this movement, with Rio Grande do Sul giving promise of becoming a worthy second. The hope of the North lies in the South´s leadership, and in new blood from these States and from Europe. (KORNDÖRFER, 2013, p. 107, grifos nossos). Além do crivo econômico, manifestava-se o caráter eugênico das concepções da Fundação Rockefeller. E em outro trecho, Rose reafirmava a importância dos estados do sul brasileiro: “[...] leadership in Brazil is in the south, and so far as one can see, will remain there. The State of São Paulo is at least fifty years ahead of the other states; Rio Grande bids fair to become a strong competitor” (KORNDÖRFER, 2013, p. 108). São Paulo reunia, portanto, elementos necessários para receber as doações da Fundação Rockefeller e a escolha institucional privilegiou a Faculdade de Medicina e Cirurgia23 e o primeiro acordo foi assinado em 22 Nos documentos do IHB, é comum que sejam encontradas referências à Universidade de São Paulo, provavelmente referindo-se à Universidade Livre de São Paulo, instituição privada, criada em 1911 e que manteve até 1917 um curso de Medicina. A atual Universidade de São Paulo foi criada em 1934, a partir da reunião dessas faculdades e da criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. 23 Existe uma literatura acadêmica muito significativa sobre a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo que é referência para o entendimento da implantação e da própria função social que desempenharia anos mais tarde, entre os quais, estão Mota e Marinho (2009), Mota (2005), Dantes e Silva (2012). 26 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 26 27/10/2015 10:33:53 191824 (Candeias, 1984). Por ele, o IHB comprometeu-se a organizar e a manter a Cadeira de Higiene por um período de cinco anos fornecendo equipamentos, dois técnicos estrangeiros para organizar os trabalhos, duas bolsas de estudo para formar dois brasileiros e uma quantia estimada entre US$ 15 mil e US$ 20 mil. Em contrapartida, a Faculdade deveria arcar com as despesas de aluguel e a adequação do prédio, e destinar a quantia de US$ 3 mil anuais para manutenção. Ao final do contrato, o controle e a responsabilidade sobre a “Cadeira” seriam integralmente da Faculdade de Medicina (Marinho, 2003, p. 59). Como assinalado anteriormente, os membros da Comissão Rockefeller participavam ativamente de discussões sobre a estruturação do campo disciplinar da Saúde Pública e estavam empenhados na criação de uma escola que atendesse às demandas postas pela Higiene e Saúde Pública. Para Fee (1987), este seleto grupo tencionava criar uma escola que formasse a elite profissional e de referência na área da Saúde Pública. Para Wickiliffe Rose e William Henry Welch, o trabalho em Saúde Pública não deveria mais depender de cargos políticos e de pessoas sem qualificação. Afinal, lembra Fee (1987, p. 1), a saúde pública nos Estados Unidos havia se institucionalizado junto a órgãos públicos municipais e estaduais liderados, em muitos casos, por profissionais sem qualquer treinamento na área. Era comum que as posições fossem entregues a pessoas sem preparo técnico, mas sustentadas por alianças políticas. Poucos possuíam habilitação para os cargos, sendo as profissões d e médico, engenheiro civil ou sanitarista25 as que mais se encaixavam nos atributos requeridos. Assim, durante o século XIX, […] in that preprofessional period, public health was still largely the province of amateurs and gentlemen; voluntary groups dedicated to a wide variety of social and health reforms often goaded reluctant officials into activity. Thus, the reform commitments of the voluntary groups and the political interests of appointed officials shaped public health activities more directly than did scientific knowledge. (Fee, 1987, p. 2). Para oferecer uma base de conhecimento mais qualificada, o staff reunido pelo General Education Board estipulou três metas: “[…] to remove public health from direct political control, to define the necessary knowledge base for public health practice, and to outline the educational 24 Como destacado por Marinho (2003), na documentação sobre os acordos entre as duas instituições constam, sucessivamente, “Cadeira de Higiene, Laboratório de Higiene, Departamento de Higiene e Instituto de Higiene”. Este não foi o único acordo realizado entre a Fundação e a Faculdade de Medicina. Em 1924, a “Reforma Pedro Dias da Silva” reestruturou todo o ensino da escola (MARINHO, 2003). 25 Segundo Fee (1987), nas primeiras décadas do século XX os engenheiros sanitaristas galgaram posições ao contribuir para a criação de infraestruturas como redes de águas e esgotos, depuração de águas para abastecimento, soluções para resíduos sólidos. Conferir, também, Melosi, 2000. 27 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 27 27/10/2015 10:33:53 system needed to train a new profession” (Fee, 1987, p. 3-4). Na visão do grupo, o profissional da Saúde Pública deveria dominar um conteúdo variado, mas essencial para o desenvolvimento da profissão, com noções de bacteriologia, epidemiologia, engenharia sanitária, estatística, administração e direito, ciências sociais dentre outras. Após muitas discussões, inclusive em torno de qual universidade norteamericana deveria abrigar a instituição, decidiu-se que a Fundação Rockefeller apoiaria financeiramente a criação de uma escola de Higiene e Saúde Pública junto à Universidade Johns Hopkins, localizada em Baltimore, Maryland. Fundada em 1916, a escola serviu de modelo para as outras instituições de ensino em Higiene e Saúde Pública que a própria Fundação Rockefeller apoiaria em todo mundo, inclusive em São Paulo (FEE, 1987). Nesse sentido, Rose e Welch estabeleceram os princípios gerais que as escolas deveriam seguir, entre os quais estavam as premissas que guiaram a organização da Cadeira de Higiene em São Paulo, como: [...] - atribuição de um mesmo peso tanto aos aspectos científicos da Higiene como à tarefa prática de preparar candidatos para ocupar cargos de Saúde Pública; - previsão de cursos teóricos e práticos para sanitaristas, em regime de tempo integral [...] reconhecimento de que o aspecto prático do preparo do pessoal não deveria obscurecer a concepção da Higiene como Ciência e Arte, cujo campo se considerava mais amplo do que sua aplicação à administração da Saúde Pública – deste modo, a função principal da instituição deveria prender-se ao desenvolvimento do espírito de investigação e ao processo do conhecimento; - coordenação entre a Escola de Saúde Pública e Escolas ou Departamentos de Ciências Sociais [...] tendo em vista os numerosos pontos de contato entre problemas sociais e problemas de saúde pública; - individualidade própria – embora intimamente relacionada com a Universidade e a Faculdade [...] deveria manter bases próprias [...] acentuando sua própria individualidade [...] devotada exclusivamente a aspectos científicos e práticos da higiene [...] contando com prédio e corpo docente próprios [...]. (Candeias, 1984, p. 3-4). É interessante observar como estes objetivos permaneceram na estrutura do Instituto de Higiene, organizado pelo contrato de 9 de fevereiro de 1918, e regido pelas seguintes atribuições: I - realizar o curso de higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo de acordo com as exigências do ensino dessa cadeira, e bem assim os cursos de aperfeiçoamento técnico para 28 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 28 27/10/2015 10:33:53 os funcionários do Serviço Sanitário de habilitação profissional para enfermeiras e visitadoras de saúde pública e outros especiais que venham a ser instituídos por lei, ou que o Governo repute necessário; II - efectuar pesquisas científicas de caráter geral ou local e nas matérias de atribuição e competência, prestar inteira colaboração com o Serviço Sanitário; III - verificar os soros e vacinas expostos à venda e estabelecer a padronagem destes; IV - orientar o ensino popular de higiene e a propaganda sanitária em geral. (MASCARENHAS, 1949, p. 87). Tal como estava no contrato, a Cadeira, depois Instituto de Higiene, seria dirigida por um técnico norte-americano até que os bolsistas brasileiros finalizassem seus doutoramentos na Johns Hopkins. O primeiro a dirigir o órgão foi Samuel Taylor Darling, que contava com o apoio do também norteamericano Wilson George Smillie26. Sob a direção de Darling, o Instituto avançou significativamente no desenvolvimento de pesquisas em Higiene e Saúde Pública (Chaves-Carballo, 2007). Ao produzir a biografia de Darling, Chaves-Carballo, dedicou um capítulo ao período que o pesquisador esteve em São Paulo. Concentrado em suas atividades no Instituto de Higiene, enquanto aguardava a chegada do material importado para equipar o laboratório, Darling realizou pesquisas de campo em São Paulo, seus arredores e no interior paulista. Nestas localidades, inspecionou sistemas de abastecimento e tratamento de água, sistemas de disposição de lixo e esgotos, visitas que o auxiliaram a “[...] se familiarizar com o status da saúde pública local” (Chaves-Carballo, 2007, p. 113). Darling colocou em prática a definição de Saúde Pública que o IHB preconizava, como exemplificou Fee (1987): um campo do conhecimento preocupado com a manutenção da saúde coletiva, utilizando o repertório técnico de várias disciplinas. Um exemplo das características do campo pode ser identificado nas atividades do Laboratório de Higiene com o estudo de doenças recorrentes – por exemplo “[...] ancilostomíase, malária, febre amarela e dengue – e com análise de água, exame de leite, higiene industrial, inspeção sanitária, saneamento do meio, entre outros temas e objetos” (Chaves-Carballo, 2007, p. 115-116). E, assim como em Johns Hopkins, também em São Paulo médicos e engenheiros compunham o perfil profissional desejado para receber formação em Higiene e Saúde Pública (FEE, 1987). O IHB, por sua vez, tencionava que a escola de São Paulo se empenhasse, também, na formação de profissionais qualificados a ocupar 26 Sobre estes dois cientistas norte-americanos em São Paulo, ver os trabalhos de Candeias, 1984; Vasconcellos, 1995; Campos, 2002; Marinho, 2012. Recentemente, Darling foi objeto de uma pesquisa detalhada (Chaves-Carballo, 2007). 29 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 29 27/10/2015 10:33:53 postos nos serviços de saúde. A Junta pretendia, ainda, transformar a escola paulista em um centro de referência na formação de profissionais para as repartições de saúde do Brasil (Chaves-Carballo, 2007, p. 112). A orientação conferida pelo IHB ao Instituto de Higiene, implementada por Darling e depois por Smillie, sofreria alterações substanciais em 1922, quando Geraldo Horácio de Paula Souza assumiu a direção da instituição. Chaves-Carballo (2007) considera que houve um redirecionamento do Instituto, alteando-se enfoque com a introdução de novas disciplinas, temas e questões. Trata-se, contudo, de um uma afirmação complexa, cuja análise demanda novas investigações. Considerações finais Para entender o processo de institucionalização da Higiene e Saúde Pública em São Paulo, é necessário retroceder, de modo a se observar como o governo do estado estruturou seu aparato estatal de saúde pública. Expulsar as doenças epidêmicas que assolavam o estado foi uma tarefa assumida pelo governo republicano logo após 1889, que temia um recuo nos negócios da lavoura de exportação. Vultosas somas foram gastas para a estruturação do Serviço Sanitário, assim como outras despesas relativas ao saneamento do meio. Os esforços para a construção desse aparato de saúde pública chamaram a atenção da Fundação Rockefeller, interessada em apoiar iniciativas dessa natureza. Inicialmente, o convênio firmado estabelecia parceria com o Serviço Sanitário para as campanhas de combate à ancilostomíase. Pouco depois, outro convênio foi firmado para a criação de uma Cadeira de Higiene anexa à Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. O International Health Board (IHB) da Fundação Rockefeller pretendia desenvolver o campo profissional e científico da Higiene e Saúde Pública em São Paulo, voltado para pesquisas na área e também para a formação de quadros qualificados aos serviços de saúde. Com funcionários especializados em Saúde Pública, os membros do IHB pretendiam evitar que a administração dos serviços de saúde fosse realizada por profissionais desqualificados, muitas vezes empossados por intermédio de conchavos políticos. Tal prática comprometia, a seu ver, os destinos da saúde pública (FEE, 1987). A ação do IHB em São Paulo constituiu-se um marco no campo da Saúde Pública enquanto prática profissional e área disciplinar por meio do Instituto de Higiene. O órgão se destacou como responsável pelo desenvolvimento de pesquisas e pela formação de profissionais que atuaram nas esferas públicas e no âmbito privado. O IHB temia a interferência da política nas práticas de saúde pública, mas, ironicamente, a política determinou os rumos do 30 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 30 27/10/2015 10:33:53 Instituto de Higiene de São Paulo. E, como indica Chaves-Carballo (2007), eventos inesperados, como o falecimento de Arnaldo de Carvalho e a ascensão de Geraldo Horácio de Paula Souza, levaram o instituto a certo distanciamento do modelo inicial proposto. Referências bibliográficas ARTHUR Neiva. 2015. Disponível em: <http://www.biologico.sp.gov.br/ grandesnomes/arthur.php>. Acesso em: 10 abr. 2015. BERNARDINI, Sidney Piocchi. Construindo infra-estruturas, planejando territórios: A Secretaria de Agricultura, comércio e Obras Públicas do Governo Estadual Paulista (1892-1926). 2007. 548 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. BIRN, A. E. Philanthrocapitalism, past and present: The Rockefeller Foundation, the Gates Foundation, and the setting(s) of the international/ global health agenda. HYPOTHESIS, v. 12, n. 1, p. 1-27, 2014. BRANNSTROM, C. 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Não é por acaso, mas sim pela atuação do Prof. Baeta, que o Brasil possui o maior número de bioquímicos destacados que todo o resto da América Latina, e desde o Rio grande do norte do México até a Patagônia. (WATSON, 1961). Este texto examina o desenvolvimento do campo da Bioquímica no Brasil, elegendo dois atores e um cenário: os atores são o médico e pesquisador mineiro Baeta Vianna e a Fundação Rockefeller; o cenário a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais entre os anos de 1913 e 1964. Nosso interesse é examinar como a formação e atuação de Baeta Vianna – entusiasta do laboratório no ensino médico e um dos primeiros professores da Faculdade de Medicina da UFMG a aprimorar seus estudos nos EUA, com bolsa concedida pela Fundação Rockefeller – e a atuação da própria Fundação impactaram na adoção de novas práticas e na formação dos estudantes da referida faculdade, favorecendo a implantação de um ethos científico, tanto no âmbito do ensino como da pesquisa. Professor da então Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, Baeta Vianna é visto por diversos membros da comunidade acadêmica como um dos pais da Bioquímica no Brasil, tendo formado diversas gerações de 35 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 35 27/10/2015 10:33:53 bioquímicos e de clínicos, os quais, espalhados por diversas instituições brasileiras, transformaram o cenário da pesquisa biomédica no país1. Sua influência sobre gerações de bioquímicos está intimamente ligada ao papel desempenhado na difusão do recurso aos métodos e práticas laboratoriais no ensino da medicina brasileira. Natural da cidade mineira de Bonfim, José Baeta Vianna, ingressou na terceira turma da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, em 1913, formando-se em 1919. Seu envolvimento com o laboratório começou logo no início do curso médico, quando foi aluno de Alfred Schaeffer, químico alemão e primeiro diretor do Laboratório de Análises Químicas do Estado de Minas Gerais. Pioneiro no estado, o laboratório, cuja criação foi prevista já em 1895, foi inaugurado em 1911. Além de funcionar como auxiliar no serviço sanitário de Belo Horizonte – recém-edificada – o laboratório também tinha por função potencializar a produção e a exploração das riquezas do Estado. A disposição do governo mineiro em contratar um profissional com experiência em química de alimentos se justificava pelo aumento da produção leiteira e as perspectivas de exportação dos produtos de origem agropastoris. Schaeffer foi escolhido para dirigir o laboratório, mediante um edital internacional lançado pelo governo de Minas Gerais, por atender à expectativa, visto que havia sido responsável pelo Laboratório Químico e Bacteriológico Experimental da Associação das Fábricas de Laticínios da Alemanha, em Hannover. Além de sua experiência, a decisão pela sua contratação também refletia o “boom” alcançado pelo desenvolvimento da pesquisa química na Alemanha no alvorecer do século XX. Por seu turno, segundo Schaeffer (1994), a geografia do território mineiro havia contribuído para a decisão do pai, um entusiasta do montanhismo, em candidatar-se ao posto oferecido pelo governo mineiro. Vale mencionar que o desenvolvimento da Bioquímica no Brasil no decorrer do século XX muito deveu à atuação de laboratórios extraescolares. Conforme afirma Rheinboldt (1994), o estabelecimento de laboratórios químicos em estruturas civis e não mais militares, como no século XIX, foi fundamental para o desenvolvimento da disciplina e da realização das primeiras operações químico-industriais no Brasil, e o Laboratório de Análises Químicas do governo mineiro enquadrava-se nessa categoria. A presença de instituições dessa natureza aponta que já nas décadas iniciais do século XX a capital mineira contava com algumas estruturas que favoreciam a pesquisa científica, revelando uma dinâmica local no que se refere ao desenvolvimento científico semelhante àquela que Silva (2014) identifica em São Paulo para o início do século XX. 1 Entre outros: Wilson Beraldo, Carlos Ribeiro Diniz, Giovanni Gazzinelli, Marcos dos Mares Guia, Armando Neves, Dagger Moreira da Rocha, Enio Cardillo Vieira, Eurico Alvarenga Figueiredo, Olga Bohomoltz, Sales Jesuino, Sebastião Baeta Henriques, Aulo Pinto Viegas, Bernardino Ladeira, Geraldo Siffert de Paula e Silva, João Batista Veiga Sales, José Benjamin Soares, José Leal Prado de Carvalho, Maria Tofani, Oswaldo Coelho, Salomão Corrêa da Silva e Thales Gonzaga de Barros, Joaquim Romeu Cançado, José Bartolomeu Grecco, João Galizzi etc. 36 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 36 27/10/2015 10:33:54 A idealização e organização do Laboratório de Análises Clínicas esteve inicialmente a cargo de Cícero Ferreira, professor da Faculdade de Medicina e Diretor de Higiene de Belo Horizonte nos primeiros anos da capital. A Lei nº 579, estabelecendo sua criação, foi sancionada pelo presidente do estado, Wenceslau Braz, em 22 de setembro de 1909. Nela, definiam-se as atribuições da nova instituição: “[...] regular o comércio de águas minerais, de laticínios e conservas, quer de produção do Estado, quer fora dele, e de impedir e proibir a venda daquelas que forem alteradas, falsificadas ou adicionadas de matérias estranhas” (BRASIL, 1924, p. 7). Além disso, cabia ao laboratório: a inspeção/fiscalização constante feita em fábricas, depósitos e casas comerciais, por agentes do governo; a análise bromatológica dos produtos apreendidos; a designação, nos invólucros dos produtos, da procedência da mercadoria, do nome da fábrica ou do fabricante, da análise realizada, da marca da fábrica e do selo de garantia; regulamentação do comércio de margarina e de outras substâncias com as quais que se costumava fraudar produtos puros; a designação de percentagem máxima de tolerância para os agentes e conservação entre outros. Sancionada a lei, as providências para implantar o laboratório couberam a Cícero Ferreira, então funcionário da Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização. Em carta a ele dirigida e datada de 9 de novembro de 1910, Schaeffer solicitava autorização para a compra de equipamentos na Alemanha; discutia a implantação física do laboratório; questionava sobre a possibilidade de aquisição de produtos químicos na capital mineira ou no Rio de Janeiro; e sugeria a Cícero Ferreira que sua contratação se desse a partir de 1º de janeiro de 1911, uma vez que: [...] a aquisição escrupulosa e a experimentação dos aparelhos do laboratório, assim como os preparativos de minha viagem tomarão o meu tempo a partir deste momento, de modo que não me será possível continuar no meu emprego atual, o qual deverei abandonar a partir de 1º de janeiro de 1911. [...] Outrossim, seria de grande conveniência que o governo me autorizasse a comprar a instalação do laboratório até uma quantia de 25.000M (vinte e cinco mil marcos), sem prévia remessa de orçamento, pois que neste caso se ganhariam pelo menos dez semanas. Na planta do futuro laboratório que lhe pedi, devem ser marcados os lugares das chaminés, o que é importante para desviar os gases. Existem na casa onde há de funcionar o laboratório adegas aproveitáveis? Existe no Rio de Janeiro uma casa de produtos químicos onde se possam encontrar ácidos concentrados, éter e álcool puro? Pode-se obter em Belo Horizonte, talvez nas farmácias, maiores quantidades de água destilada e eventualmente 37 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 37 27/10/2015 10:33:54 a que preço? Se esta fosse demasiadamente cara, devia-se comprar um aparelho de destilação. Podem-se obter ali armários frigoríficos de boa construção, assim como gelo artificial? Com que corrente trabalha a instalação elétrica da prefeitura: corrente contínua ou corrente alternada, e com que voltagem? (SCHAEFFER, 1910) 2. Acertadas todas as condições, Alfred Schaeffer começou a exercer suas atividades no Laboratório de Análises Químicas no dia 1º de maio de 1911. Nesse laboratório, Schaeffer procedeu inúmeras análises bromatológicas, especialmente do leite e seus derivados, mas também análises mineralógicas de terras, águas e produtos industriais, além daquelas de caráter toxicológico e judiciário, demandadas pela medicina legal e ainda análises demandadas por particulares (FIGUEIREDO, CHAVES; MARQUES, 2007). Pouco depois, Schaeffer foi contratado como professor da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, em 26 de janeiro de 1913. O novo compromisso dava a ele a missão de reger a cadeira de Química Analítica aos alunos do curso médico (CAMPOS, 1961, p. 65). Segundo avaliação feita por membros da Fundação Rockfeller, era um “curso de alta qualidade”, e seu laboratório era o melhor e mais bem equipado da faculdade (GLICK, 1994, p. 480). Schaeffer também foi lente da Escola de Engenharia e, segundo Pedro Sales, suas aulas nas duas instituições “[...] fizeram época em Belo Horizonte” (SALES, 1997, p. 118). A avaliação positiva das cadeiras ministradas por Schaeffer era um reflexo do fato de seguir métodos análogos aos das escolas europeias, mesclando aulas teóricas e práticas, nas quais os alunos repetiam e desenvolviam as experiências fundamentais da disciplina de forma individual e fixa nas bancadas do laboratório. Foi nesse ambiente que o recém-ingresso aluno Baeta Vianna travou contato com o mestre alemão. Embora curta, a convivência de Baeta Vianna com Alfred Schaeffer na Faculdade de Medicina foi bastante proveitosa e permanecerem amigos por toda a vida, conforme registros em cartas e fotografias. Certamente, o entusiasmo de Baeta pela análise química e a valorização de sua importância e dos métodos que poderiam ser utilizados para solucionar problemas médicos, foram gestados a partir dos ensinamentos e da convivência com Schaeffer. Assim, “[...] essa influência germânica sobre Baeta Vianna contribuiu para que no Departamento houvesse uma escola rigorosa de respeito aos aparelhos e aos métodos então utilizados” (PRADO, 1975). Infelizmente, em 1917, com a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, a situação de Schaeffer se tornou vulnerável, como de resto se daria com a comunidade de alemães que se achavam radicados no Brasil naquele período. Schaeffer rescindiu seu contrato com a Faculdade de Medicina e 2 Trata-se de uma tradução para o português feita pelo engenheiro Fr. De Jaegher, que residia em Belo Horizonte e tinha estado com Alfred Schaeffer em Hamburgo, na Alemanha, tratando da transferência do químico para o Brasil. De Jaegher intermediou as negociações entre Schaeffer e Cícero Ferreira. 38 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 38 27/10/2015 10:33:54 com o laboratório estadual. Nos dois cargos, Schaeffer foi substituído pelo farmacêutico Annibal Teotônio Baptista (PIRES, 1927), este que, em seu primeiro relatório à frente do Laboratório de Análises do Estado, afirmava ser um honrado discípulo do químico alemão (MINAS GERAIS, 1918, p. 37). Ao se formar, Baeta Vianna, recebeu o Prêmio Oswaldo Cruz como melhor aluno e recebeu, das mãos de Lewis Hackett, fellowship da Fundação Rockefeller, uma bolsa de estudos (BAETA VIANNA, 1961, p. 10); mas, antes de viajar aos EUA, tornou-se preparador de química médica, encarregando-se das funções que antes eram de Schaeffer: preparação dos laboratórios e a parte prática da disciplina de Química Médica. Com o interesse voltado para a química, Baeta preparou a tese “Contribuição à microquímica dos lipóides e novo processo de microdosagem da cholesterina”, para concorrer a uma vaga de professor na Faculdade de Medicina. Esse estudo se desenvolveu no Posto de Observação e Enfermaria Veterinária. Criado pelo governo estadual em reposta a uma solicitação de Oswaldo Cruz, o Posto de Veterinária tinha como objetivo a observação de animais com suspeita de moléstias que eram investigadas pela filial do Instituto de Manguinhos instalado em Belo Horizonte e dirigido por Ezequiel Neves, discípulo de Oswaldo Cruz e também professor da Faculdade de Medicina. O argumento usado por Oswaldo Cruz para convencer o governo mineiro foi a Peste da Malqueira. Em carta enviada às autoridades estaduais em março de 1910, ele planejava a anexação do posto à filial de Manguinhos, inaugurada em agosto de 1917. A enfermaria veterinária devia instalar-se na Fazenda do Leitão, onde, segundo Magalhães (1967, p. 195), seriam examinados os animais suspeitos “[...] e onde se fariam experiências em grandes métodos profiláticos e terapêuticos”. Assim, caso o projeto fosse implementado, dizia Cruz: “[...] o estado de Minas poder-se-á ufanar de ter sido o primeiro a ter uma instalação científica para auxiliar a indústria pastoril” (MAGALHÃES, 1967, p. 195). Como o argumento de Oswaldo Cruz foi convincente, em 1911 o Posto de Veterinária foi inaugurado sob a direção de Henrique Marques Lisboa, outro discípulo de Cruz, um “Filho espiritual de Manguinhos” e também professor de História Natural na Faculdade de Medicina (FIGUEIREDO, CHAVES; MARQUES, 2007). A tese de Baeta Vianna, foi apresentada à Congregação da Faculdade de Medicina no dia 2 de outubro de l922, como exigência do concurso para preenchimento de uma vaga na Cadeira de Química Médica (orgânica e Biológica). Aprovado, foi empossado em fevereiro de 1923, como professor substituto. É possível supor que ele tenha sido o primeiro brasileiro a ter recebido o título de doutor por seu trabalho em Bioquímica (HENRIQUES, 1995), pois o assunto da tese era pouco explorado pelos médicos e estudantes até aquele período. 39 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 39 27/10/2015 10:33:54 À medida que avançava em sua trajetória profissional, o vínculo de Baeta Vianna com o laboratório ficava cada vez mais forte. Após sua formatura, trabalhou no Instituto Radium (atual Borges da Costa), primeiro hospital para o tratamento do câncer da América Latina, inaugurado em Belo Horizonte no ano de 1922. Além do atendimento terapêutico, o hospital havia sido planejado como espaço de pesquisa quer no uso do radium como de outras substâncias para o tratamento da doença: O novo Instituto tem como objetivo o estudo do radium e demais substâncias radioativas, as aplicações terapêuticas do radium e dos raios X, o estudo, pesquisas científicas e tratamento do câncer, moléstias afins e afecções pré-cancerosas; o estudo e pesquisas científicas no sentido do progresso da cirurgia moderna. Como elemento indispensável à realização desse elevado objetivo, manterá o Instituto um hospital modelo com uma seção para doentes pensionistas e enfermarias para os dois sexos. Quanto à parte científica, haverá no Instituto um Laboratório AnátomoPatológico, um de Microbiologia, um de Química Biológica, um de Radiologia e o de Radium. (MINAS GERAIS, 1922, p. 24-25). A atuação de Baeta Vianna no hospital não estava associada à clínica, mas sim ao laboratório, como chefe do Serviço de Química Biológica. A nova frente de trabalho abria-lhe, então, a oportunidade da aplicação prática dos seus conhecimentos de laboratório na clínica médico-cirúrgica. Com a colaboração de Baeta Vianna e de José Ferola 3, isto é, com base na química e na radiologia mais aperfeiçoada, que permitiam diagnósticos mais precisos, Eduardo Borges da Costa, fundador do Instituto Radium começou a praticar as gastrectomias largas, seguidas de gastro-jejuno-anastomoses. Assim que assumiu seu posto na Faculdade, iniciando a carreira de jovem professor, Baeta Vianna seguiu para aos EUA com a Bolsa de estudos concedida pela Fundação Rockfeller, agência de caráter filantrópico, dedicada à saúde e à educação, criada em 1913. As relações entre a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte e a Fundação Rockfeller remontam a 1916, quando essa instituição empreendeu sua primeira expedição ao estado no combate à ancilostomíase, iniciada no município de Capela Nova (MG). Naquela ocasião, Baeta Vianna teve seu primeiro contato com a agência americana ao participar da expedição como acadêmico, provavelmente envolvido na realização de exames laboratoriais para a detecção da verminose. O prêmio estava relacionado com o desempenho de melhor aluno e a seu desempenho ligado aos laboratórios. Baeta correspondia ao perfil desejado pela Fundação que incentivava a prática científica no ensino 3 José Ferola (1901-1993) é médico e um dos pioneiros da radiologia em Minas Gerais, com atuação no Hospital São Vicente, atual Hospital das Clínicas da UFMG (Sales, 1997, p. 92). 40 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 40 27/10/2015 10:33:54 médico. Como professor, ele poderia ajudar na implantação do projeto Rockefeller na Faculdade. E, para isso, foi para os Estados Unidos: Na Universidade de Harvard, trabalhou com Folin, o conhecido bioquímico que inventou o clássico método de dosar glicose, o método de Folin-Wu. Estagiou também na Universidade de Yale, trabalhando com Mendel, especialista em química dos chamados processos fisiológicos [...]. Esse estágio na Harvard e Yale deram ao mestre Baeta Vianna as bases seguras de apoio que resultaram na criação da Bioquímica em Minas Gerais e no Brasil. [...] Baeta Vianna recebeu influência de seus mestres em Havard, disciplina de trabalho, uso dos métodos quantitativos em Bioquímica e o grande prazer de conviver com os alunos. (BERALDO, 1986, p. 246). O recurso a métodos quantitativos e o prazer da convivência com os alunos não eram de todo novidade na vida de Baeta, mas certamente foram fortalecidos depois da experiência americana. Havia um grande debate em torno da necessidade de revisão do ensino e de suas práticas naquele momento, e a Universidade de Harvard foi um importante espaço dessa renovação, especialmente com a proposição, as novas teorias e os métodos reunidos no que ficou conhecido como movimento da Escola, protagonizado por John Dewey e toda uma linhagem de filósofos pragmáticos americanos. Esse movimento se opunha à escola e ao ensino tradicionais, centrados na figura autoritária do professor. O aluno passava a ser protagonista; assim, a democracia era princípio. E a concepção da aprendizagem considerada como ampliação de uma experiência partilhada, favorecedora da promoção do capital social e do estabelecimento das bases de uma aprendizagem permanente (BRANCO, 2014). A Educação Progressiva teve grande repercussão nos EUA e na reformulação dos currículos, influenciado fortemente a área médica. Nos anos de 1920, quando Baeta foi para a América, estavam em curso as reformulações no ensino médico, implementadas a partir do Relatório Flexner4. Produto da avaliação realizada por Abraham Flexner em cerca de 155 escolas médicas nos Estados Unidos e Canadá, o relatório concluía que apenas 31 delas apresentavam condições suficientes para a formação de um bom profissional, criticando a qualidade medíocre e os fins lucrativos da maioria das instituições e dos professores (SANTOS; NASCIMENTO; BUARQUE, 2013). Para resolver esse problema Flexner, 4 Medical Education in the United States and Canada – A Report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, [New York: Carnegie Foundation for The Advancement of Teaching; 1910. (Bulletin, 4)], de autoria do pesquisador social e educador norte-americano Abraham Flexner (18661959). O texto desse Relatório fundou um novo paradigma biomédico que, “[...] estendendo-se a outros campos de conhecimento, consolidou a arquitetura curricular que hoje predomina na rede universitária dos países industrializados” (ALMEIDA FILHO, 2010). 41 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 41 27/10/2015 10:33:54 propunha que as escolas médicas deviam enquadrar-se ao rigor científico, através da imposição das seguintes medidas: integração das escolas médicas às universidades e hospitais-escolas, favorecendo a aproximação com as ciências básicas, a experimentação e a prática clínica; estabelecimento de rigoroso controle de admissão; turmas reduzidas, currículo de quatro anos – dividido em dois anos de ciclo básico, realizado em laboratório, e mais dois anos de prática hospitalar, nas chamadas enfermarias de ensino; e dedicação exclusiva dos professores (ALMEIDA FILHO, 2010; PAGLIOSA; DA ROS, 2008). Influenciado pelo Relatório, no seu retorno ao Brasil, Baeta Vianna insurgiu-se contra o modelo francês de ensino – caracterizado por escolas isoladas, profissionalizantes, com o ensino dissociado da pesquisa (PAULA, 2009) e que então vigorava nas escolas médicas brasileiras –, e passou a enfatizar a necessidade da prática de pesquisa e a competência nas ciências básicas (Física, Química e Biologia). Verificando a dificuldade dos recém-formados em utilizar os recursos laboratoriais na clínica pela pouca experiência na indicação e na interpretação de seus resultados, fundou o laboratório anexo à cadeira de Química Fisiológica em regime de estágio facultativo, destinado a melhor preparar estudantes da 4ª à 6ª série. Como a faculdade dispunha de poucos recursos para investir em pesquisa, o laboratório era mantido pelo próprio Baeta, com dinheiro que havia recebido pela descoberta do Iodobisman, medicamento que associava iodo e bismuto no tratamento da sífilis, este que era um grande problema de saúde pública do período (RIBEIRO; RIBEIRO, 1995). Na avaliação de um de seus estudantes, Baeta Vianna não se preocupava com dinheiro, “[...] aparentemente nem o dele e nem o dos outros. Quem trabalhava com o Baeta tinha que se preparar para se virar de alguma maneira” (MARES GUIA, 1994). O laboratório coordenado por Baeta foi espaço de aprendizagem e convivência de diversas gerações, repercutindo suas ideias e práticas em relação ao ensino médico. Segundo Ênio Cardillo Vieira, ex-aluno e frequentador do laboratório na década de 1950: “[...] daquele laboratório saiu uma linhagem tão depurada de profissionais que o grupo de jovens talentosos foi logo apelidado pelos colegas de outros estados de Química Mineiral” (UFMG Diversa, 2007). O “modelo Rockfeller” de ensino médico que Baeta buscou imprimir em sua prática de professor poderia ter se tornado realidade na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte já na década de 1920. Em visita à capital mineira no ano de 1921, George E. Vincent, primeiro presidente da Fundação Rockfeller, apresentava a proposta de criação de uma “[...] escola modelar de Medicina, incorporando a existente, para cuja construção e manutenção não se regatearia o generoso auxílio financeiro, observadas as condições mínimas de garantia e sobrevivência do nosso próprio interesse” (BAETA 42 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 42 27/10/2015 10:33:54 VIANNA, 1961). A resposta, ao que informa o próprio Baeta Vianna, nunca veio. E isso fez a proposta ser, então, apresentada a outras instituições, e ser acolhida pela Universidade de São Paulo. Enquanto as demais escolas médicas do país seguiam à risca o modelo francês – que segundo a avaliação de Flexner, não havia sido alterado mesmo após meio século de progressos na área médica – a Faculdade de Medicina da USP seguia o novo modelo proposto pelo Relatório Flexner, implantando, a partir de 1925, um projeto de reorganização da estrutura de ensino e pesquisa (MARINHO, 2013, p. 149). Apesar da proposta da Fundação Rockffeler de reorganização do ensino médico não ter se concretizado na Faculdade de Belo Horizonte5, alguns de seus preceitos acabaram difundidos através de prática de professores como Baeta Vianna. As atividades desenvolvidas no Laboratório Central de Pesquisas, criado para atender à demanda de diversos setores da Faculdade de Medicina é, como já mencionado, um exemplo disso. O laboratório reunia um grande número de alunos voluntários e todos saíram contaminados pelo “fazer medicina com pesquisas”. O cotidiano do laboratório ia muito além da simples aprendizagem das práticas laboratoriais ou dos ensinamentos da bioquímica, envolvia o fazer científico, conforme ilustram os trechos a seguir: Iniciei minha formação científica quando estava no segundo ano da faculdade de medicina, em Belo Horizonte. Estagiava no laboratório de química fisiológica da faculdade, sob orientação do Baeta Vianna. [...] Como pesquisador, o Baeta tinha uma visão muito clara da importância da bioquímica quantitativa. Tinha um certo fascínio pela microbureta, que ele próprio construía para levar adiante seus microensaios. Se alguém dosava alguma coisa com a precisão de l ml, ele queria dosar com a precisão de 1/10 ml. Além disso, o Baeta era um ótimo professor. Ele conseguia despertar o interesse dos alunos pela bioquímica, propondo problemas fisiológicos e discutindo a parte analítica da disciplina. Suas aulas eram atualizadíssimas. Em Belo Horizonte, ele buscava melhorar o estado da análise clínica na própria comunidade. A preocupação com o aspecto social da pesquisa científica era também um traço marcante de sua personalidade. [...] Não há como descrever o Baeta, ele era uma pessoa fascinante. (GONÇALVES, 1989). Embora não fosse daqueles que seguem um programa, o Baeta era um excelente professor. Lembro que durante seu curso, de dois 5 Existe o relato de Ageu Ribeiro, sobre o envio de um laboratório, pela Fundação para presentear Baeta Vianna, mas que não saiu da alfândega, pois a Faculdade de Medicina não teria pago as taxas devidas e o material foi devolvido aos EUA (RIBEIRO; RIBEIRO, 1995). 43 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 43 27/10/2015 10:33:54 semestres, estudamos apenas as bases físico-químicas do equilíbrio de ácidos e bases e oxirredução. Passamos um ano batendo nesses dois pontos, que na época eram fundamentais mesmo para médicos, que começavam a fazer equilíbrio hidroeletrolítico em pacientes e a receitar vitaminas. Ele ensinava um pouco de cada coisa e selecionava algumas para aprofundar. Isso, é claro, favorece muito o desenvolvimento científico. O curso do Baeta foi importante porque me deu oportunidade de ler livros de fisiologia que, em vez de serem descritivos, se baseavam em físico-química: absorção, difusão, equilíbrio eletrolítico e de membranas etc. Como fui bom aluno, ele me chamou para o seu laboratório quando eu estava no terceiro ano. O doutor Baeta, como o chamávamos, tinha uma espécie de journal club, que reunia as pessoas do laboratório uma vez por semana para discutir temas científicos. Havia um caderno de registro das reuniões onde se faziam anotações. Todos que participavam liam trabalhos de revistas internacionais e sempre alguém fazia o resumo de um artigo. (DINIZ, 1993). Cada aluno, depois do aprendizado de Química Orgânica e Analítica – a começar pela pesagem rigorosíssima das substâncias e o preparo de soluções tituladas exatas, de ácidos e bases – passava pela volumetria e as técnicas então correntes no laboratório, para depois receber um assunto para estudo, de que se esperava saísse sua tese de doutoramento, no fim do curso. [...] Não pude corresponder à expectativa do Baeta, não fiz a tese de doutoramento na Química Fisiológica, mas sai de lá inoculado do terrível vírus da pesquisa. Consola-me o fato de duas de minhas teses terem se inspirado no que aprendi no Laboratório de Química Fisiológica. (ROMEU CANCADO, 1994, p. 2-3). O tempo que eu perdi no laboratório do Baeta, eu ganhei na convivência com o Baeta, o Prof. Diniz, o Eurico. Eu vou dizer: eu queria que todo aluno de medicina tivesse a oportunidade de ter feito isso. Porque é muito importante aprender a estudar. (REZENDE, 1995). Além do papel fundamental do laboratório no ensino médico, a experiência americana despertou a consciência de Baeta Vianna para outro importante pilar na formação dos estudantes: a biblioteca. Em Harvard e Yale, alunos e professores tinham acesso não só a livros, mas também a um significativo número de periódicos com as últimas novidades da ciência médica. Quando retornou a Belo Horizonte, em 23 de abril de 1925, Baeta tomou para si o projeto de organização de uma biblioteca para a Faculdade de Medicina nos moldes do moderno padrão internacional. O desafio de implementar uma biblioteca ia além das questões de ordem material – a 44 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 44 27/10/2015 10:33:54 cessão de um espaço e a aquisição de mobiliário, livros e a assinatura de periódicos. Era preciso mudar o comportamento e as ideias de alunos e professores sobre a aquisição e a circulação do conhecimento. A primeira biblioteca científica a surgir em Belo Horizonte foi a da filial do Instituto Oswaldo Cruz (atual Fundação Ezequiel Dias), em 1907. Formada para atender aos pesquisadores da instituição, logo se tornou referência para os médicos nos anos 10 e 20. Schaeffer também montou uma biblioteca no Laboratório de Análises Químicas, mas a instalação da Faculdade de Medicina em 1911 não incluiu a criação de uma biblioteca. Assim sendo, os alunos se valiam ora de apostilas com anotações de aula, ora de velhos manuais de Medicina que passavam de pais para filhos. A literatura médica utilizada era basicamente escrita em francês, a língua de Pasteur e de Claude Bernard, que haviam revolucionado a Medicina com suas contribuições ao método experimental e a bacteriologia. Essas práticas e o predomínio da tradição francesa são mencionados por Pedro Nava em suas memórias: [...] eu estudava os métodos de inclusão, fixação e coloração em um velho livrinho de meu pai – La techinique histo-bacteriologique moderne, do Dr. Lefas. Era de 1904, mas naqueles tempos de marcha lenta da medicina, conservava toda sua atualidade dezenove anos depois da sua publicação. [...] Oficiosamente estudávamos a matéria em umas apostilas impressas que eram atribuídas a notas de aula tomadas pelo nosso colega Mario Mendes Campos, quando aluno de fisiologia (Nava, 1985, p. 146-152). Até meados da década de 1920, a Faculdade de Medicina não contava com uma verdadeira biblioteca. Havia apenas alguns armários de livros fechados à chave, controlados pelos professores. No entender de Baeta Vianna, nessas condições seria difícil o desenvolvimento da ciência médica, uma vez que esta se tornava cada vez mais dependente de um número maior de conhecimentos que se transformam com uma rapidez enorme. Era impossível que alunos e professores acompanhassem os avanços da ciência recorrendo apenas a poucos manuais datados. Era preciso ampliar o conjunto das fontes de informação e pesquisa – livros e especialmente revistas – e também diversificar sua origem, em razão de a produção científica na área médica ter extrapolado há muito tempo as fronteiras francesas. Para mudar a mentalidade reinante sobre as fontes do saber médico e a circulação de obras bibliográficas, Baeta Vianna enfrentou a oposição dos professores mais tradicionais, que temiam a dissipação do acervo pelos alunos e a chegada da literatura em língua inglesa e alemã, que poucos dominavam. Porém, mesmo com forte oposição, em 27 de março de 1926 a Congregação da Faculdade de Medicina atendeu à solicitação de Baeta 45 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 45 27/10/2015 10:33:54 Vianna para a criação de “[...] uma taxa especial, aplicável a todos os alunos, professores e auxiliares de ensino, destinada à reorganização e manutenção da Biblioteca” (CAMPOS, 1961, p. 137). Aluno de Baeta Vianna ainda na década de 1930, José Bartolomeu Grecco, relatou sobre o episódio da criação da Biblioteca: Tem a época pré-Baeta e pós-Baeta. Pré-Baeta, quando não se assinava revista, não se sabia língua, saber língua era importante, pois Alemanha, Inglaterra, Canadá e EUA publicavam muita coisa interessante. Ele estimulava a gente a estudar inglês e alemão, para poder ler os artigos no original. Não tinha biblioteca, ele que fundou a biblioteca. Antes a biblioteca, no prédio velho da faculdade, era uma estante de livros que tinha na secretaria, onde havia alguns livros em francês de medicina. Ele foi à Congregação mostrar o plano dele: seria uma biblioteca com publicações de vários países do mundo e esses livros e revistas seriam emprestados aos alunos. A Congregação foi em peso contra ele, alegando que os estudantes iam roubar tudo, seriam emprestados, mas não devolvidos. Baeta retrucou dizendo que a função dos professores era de formar e educar. E fundou a biblioteca. Em 1932, quando cheguei à escola, ela já estava montada no porão. Interessante notar que quem deu mão forte para ele foi o Hugo Werneck, que era o diretor da Escola nessa ocasião. Deu o maior apoio para ele, dizendo: pode fundar, terá o meu apoio (GRECCO, 1995). A primeira biblioteca criada por Baeta Vianna funcionou no porão da escola, ao lado do laboratório, e tinha revistas americanas, francesas e alemãs. Baeta frequentava a biblioteca diariamente, contando com o auxílio de dois ou três servidores e o apoio de alguns professores e alunos. Isolados no porão, aos poucos, laboratório e biblioteca foram ganhando prestígio dentro da Faculdade, no que diz respeito à circulação e produção científica como também no aspecto físico-espacial. Em 25 de maio de 1935, a despeito da oposição de muitos professores e alunos que consideravam a taxa extorsiva, foi inaugurado, ao lado da Faculdade de Medicina, o novo prédio dedicado exclusivamente à sua biblioteca. A inauguração tornou-se um verdadeiro evento, contando com a presença do arcebispo, do representante do governador e de secretários de estado, além de diretores, professores e alunos da faculdade. O primeiro prédio tinha um único pavimento, o qual logo se tornou pequeno diante da demanda dos estudantes. Mas um novo prédio só seria construído na década de 1960. A dedicação e a importância que Baeta atribuía à disponibilização de conhecimento atualizado aos estudantes fez com que se envolvesse na construção da nova biblioteca. Seu projeto, elaborado por um professor da Faculdade de Engenharia, totalizou 46 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 46 27/10/2015 10:33:54 três amplos andares. A construção e a instalação da nova biblioteca contaram com o apoio da Fundação Rockfeller, na época parceira da Faculdade, que doou mobiliário e acervo. Em homenagem ao seu fundador, a biblioteca recebeu então o nome de José Baeta Vianna. A contínua transformação e modernização do ensino médico nos moldes do paradigma biomédico ocorrida nos anos seguintes continuou a contar com a participação ativa tanto de Baeta Vianna como da Fundação Rockefeller. Em 1954, a Faculdade de Medicina, recebeu a visita de alguns membros da Rockfeller, então interessada em financiar a aquisição de material para as cadeiras básicas e a também para a biblioteca. Além disso, a Fundação também acenava com a possibilidade de suplementação de salários de professores e auxiliares técnicos, a fim de que se estabelecesse o regime de integral. A partir disso, aos poucos, foram se instaurando, na Faculdade, os preceitos que haviam orientado a reforma do ensino médico proposta por Flexner na década de 1920 e que tanto haviam impactado Baeta Vianna quando estagiou nas universidades americanas. A implantação do tempo integral deu-se em torno de 1962, nas Universidades Federais, e que era desejo de muitos, mas nas universidades federais, foi um fato muito impulsionado pela FR. Por exemplo, na Escola de medicina onde nós trabalhávamos, o plano se realizou em quatro anos. No primeiro ano, a Fundação pagava 100% do nosso salário de tempo integral dos professores; no segundo, 75%, no terceiro, 50%; no quarto, 25%; e no quinto, a Escola assumia. Em BH, em muitas escolas, na Escola Paulista de medicina, o tempo integral foi implantado por esse modelo (MARES GUIA, 1994). O convênio beneficiava especialmente o laboratório de Bioquímica de Baeta Vianna e o laboratório de Anatomia do Prof. Liberato DiDio6, o famoso “Centro de Treinamento para Anatomistas na America Latina”, pioneiro na pós-graduação de anatomistas do Brasil. (SEARA MÉDICA, 1980, p. 151-152). O apoio da Fundação Rockefeller, da ordem de 10 mil dólares, era bastante expressivo para aquela época. Segundo Mares Guia (1994) – um dos alunos do laboratório nesse período –, com o dinheiro da Fundação, foi possível comprar equipamentos, vidrarias, material químico: “[...] que duraram, acho que até hoje”. Até então, as análises processadas no laboratório se faziam de forma precária, com equipamentos antigos e defasados quando comparados ao que de mais novo havia no quesito de 6 Foi um aluno brilhante na Faculdade de Medicina de São Paulo, onde arrebatou todos os prêmios de melhor aluno. Formado em 1945, tornou-se livre docente em 1952, sendo convidado por Juscelino Kubitschek para reger a cadeira de anatomia na Faculdade de Ciências Medicina de Minas Gerais. No ano seguinte, foi aprovado no concurso para professor de Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. 47 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 47 27/10/2015 10:33:54 tecnologia. E “[...] a coisa mais sofisticada que existia lá era um medidor de Ph, a bateria, modelo G, por sinal muito bom”. A experiência de Mares Guia no Laboratório de Química Fisiológica teve início em 1954, quando o laboratório ainda funcionava no porão do prédio antigo. O convênio, contudo, apresentava problemas, especialmente no repasse para pagar a dedicação exclusiva dos professores, obrigando a Faculdade a propor, em 1958, que a Fundação concedesse “numerário suficiente para suplementar os referidos vencimentos”. As bases para a suplementação seriam de 150% sobre o padrão federal para professores e assistentes com mais de 10 anos de serviço, 120% para os que tivessem menos de 10 anos, além de suplementar o salário dos técnicos. A suplementação não era prevista no convênio, mas considerada fundamental para manutenção do regime de dedicação exclusiva, e o desenvolvimento da prática científica e tecnológica (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, 1958, p. 189-190). O trabalho no laboratório era para os estudantes uma verdadeira experiência de iniciação científica. A atividade acolhia estudantes do segundo ano do curso médico, momento em que a bioquímica entrava no programa de disciplinas, podendo durar por todo o resto do curso, ou seja, cerca de quatro ou cinco anos. A escolha daqueles que iriam integrar a equipe do laboratório era prioridade do professor um trabalho original cientificamente, correto e que exigia grande habilidade técnica. Esse trabalho poderia muito bem estar publicado na Lancet ou New England. Seus projetos eram de grande amplitude, a exemplo do projeto da tireoide. Não era de seu feitio contentar-se em resolver um problema pequeno de cada vez. (DINIZ, 1993). Como vimos, sua atuação como professor teve implicações importantes para a implantação e o desenvolvimento do espírito científico dentro da instituição, as quais, conforme seus discípulos, “ecoam” ainda hoje. Como profissional, ele era um médico com fortes interesses em pesquisa. Dedicou-se à formação de pessoal para pesquisa muito mais do que a própria. Ele tinha uma participação em atividades produtivas, ele tinha uma vocação clara para a pesquisa aplicada. Ele não abria mão de incutir, na gente, que conhecimento básico era fundamental. Como líder de grupo, ele tinha uma cultura ampla, uma visão de mundo e de ciência muito ampla. Era uma pessoa de fácil comunicação. Ele tinha vontade de ensinar e de formar. E ele motivava por estímulo ao conhecimento e à investigação. (MARES GUIA, 1994). 48 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 48 27/10/2015 10:33:54 Referências Bibliográficas ALMEIDA FILHO, N. de. Reconhecer Flexner: Inquérito Sobre Produção de mitos na Educação médica no Brasil contemporâneo Cad. Saúde Pública, v. 26, n. 12, p. 2234-2249, dez. 2010. Disponível em: <http://www.ciperj. org/imagens/reconhecerfelxner.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2015. BAETA VIANNA, J. Discurso. In: Dr. Harry M. Miller, Dr. Robert B. Watson; Professores Honorários da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1961. 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Atualmente, no Brasil, a ancilostomíase, também conhecida no país como amarelão, opilação ou mal da terra, entre outras sinonímias, não figura entre as principais preocupações do governo federal e dos governos estaduais em matéria de saúde pública; entretanto, no início do século XX, a doença era entendida, naquele contexto, como uma doença “evitável” responsável, em parte, pelo “atraso” do Brasil, foi alvo de ações/campanhas realizadas a partir de cooperações estabelecidas entre governos estaduais, uma instituição filantrópica norte-americana, a Fundação Rockefeller (FR) e, em muitos casos, com a participação também do governo federal. A apresentação de um panorama das atividades de combate à ancilostomíase realizadas em estados brasileiros a partir da cooperação entre 1 As reflexões aqui apresentadas foram desenvolvidas em Korndörfer (2013). 2 A ancilostomíase ou ancilostomose é uma verminose adquirida, basicamente, por meio do contato da pele com o solo contaminado. Entre os sintomas da doença, estão: anemia, fraqueza e desânimo. O diagnóstico é realizado através da análise das fezes do paciente, pois os ovos dos ancilostomídeos são típicos e costumam ser abundantes na matéria fecal. É possível interromper a transmissão da ancilostomíase da seguinte maneira: (1) através do tratamento de indivíduos parasitados com anti-helmínticos, reduzindo ou suprimindo as fontes de infecção; (2) através de saneamento básico, com o uso de fossas sanitárias e latrinas ligadas a um sistema de esgoto, assegurando assim um destino adequado às fezes humanas e impedindo a contaminação do solo com os ovos e as larvas dos parasitas; (3) com o uso de calçados, protegendo, desta maneira, as pessoas contra a penetração das larvas infectantes (REY, 2001) 53 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 53 27/10/2015 10:33:55 estes e a Divisão Internacional de Saúde (FARLEY, 2004) 3 – International Health Board (IHB) – da Fundação Rockefeller é, em síntese, o objetivo deste texto. No Brasil das décadas de 1910 e 1920, em meio ao movimento pela reforma da saúde e pelo saneamento rural, homens como o médico sanitarista Belisário Penna (1868-1939) passaram a denunciar o abandono e as precárias condições de saúde em que viviam grandes parcelas da população brasileira. A necessidade do combate às endemias rurais, como a ancilostomíase, aqui enfocada, a malária e a doença de Chagas, foi constantemente enfatizada. Essas doenças estavam fortemente associadas, no contexto brasileiro do início do século XX, a questões mais amplas como a construção da Nação e as possibilidades de progresso do país através da recuperação de significativas parcelas da população, acometidas por essas doenças. As propostas e os argumentos dos defensores da campanha pelo saneamento rural ganharam diversos espaços na sociedade brasileira, ultrapassando os campos médico e político. O escritor Monteiro Lobato (1882-1948), por exemplo, foi “convertido” e tornou-se um grande divulgador das ideias de saneamento, sintetizadas por meio de seu célebre personagem Jeca Tatu (LOBATO, 1959). Segundo os defensores do movimento sanitarista, os governos estaduais e municipais não tinham competência para solucionarem sozinhos e de maneira eficaz os problemas sanitários. O Estado era conclamado a intervir (HOCHMAN, 1998) 4. As populações rurais passaram a ser incluídas nas políticas de saúde do governo federal, com destaque para a criação, em 1918, do Serviço de Profilaxia Rural e, em 1920, da Diretoria de Saneamento e Profilaxia Rural do Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP. A partir de 3 A Divisão Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller foi criada em 1913, ano em que foi criada a própria Fundação, e tinha como objetivo estender o trabalho de combate à ancilostomíase realizado pelos Rockefeller através da Sanitary Commission for the Eradication of Hookworm Disease nos Estados Unidos, desde 1909, para outros países. A Divisão chamou-se International Health Commission (IHC) entre 1913 e 1916, International Health Board (IHB) entre 1916 e 1927 e International Health Division (IHD) entre 1927 e 1951 e, ao encerrar as suas atividades em 1951, havia estado presente em mais de 80 países do mundo, incluindo todos os países da América do Sul. Entre 1913 e 1951, a International Health Division havia atuado no combate à ancilostomíase, à febre amarela e à malária e em outras campanhas de saúde pública no sul dos Estados Unidos e em quase uma centena de outros países ao redor do mundo. Durante o mesmo período, a International Health Division fundou uma série de escolas de saúde pública na América do Norte, Europa, Ásia e Brasil e distribuiu milhares de bolsas de estudos para profissionais da saúde (FARLEY, 2004, p. 2). Neste texto, será abordada a Divisão como “International Health Board (IHB)”, nomenclatura que possuía durante as atividades de combate à ancilostomíase realizadas no Brasil. 4 A partir da proclamação da República no Brasil, em 1889, as questões relativas à saúde pública passaram a ser tratadas de forma descentralizada, obedecendo à Constituição de 1891, que estabelecia a autonomia dos estados. Encarregados dos serviços sanitários, os estados respondiam pela saúde pública e repassavam aos municípios as questões relativas à higiene. Apenas o Distrito Federal e a vigilância dos portos permaneceram sob responsabilidade do governo federal. Os problemas de saúde eram considerados regionais, e as intervenções federais não previstas nesse campo poderiam ser interpretadas como questionamento do pacto federativo. A legislação referente à saúde sofreu modificações durante o período da Primeira República brasileira (1889-1930), mas é importante sublinhar que o cuidado com a saúde da população coube aos poderes locais durante esse período (HOCHMAN, 1998). 54 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 54 27/10/2015 10:33:55 1918 e, principalmente, a partir de 1920, os estados passaram a contar com a possibilidade de solicitar o auxílio do governo federal para combater as endemias rurais com base em acordos de cooperação, mas que envolviam como contrapartida, entre outros aspectos, perda de autonomia por parte dos estados (HOCHMAN, 1998). Todavia, além do governo federal, os estados puderam recorrer, a partir de 1916, a outro recurso para combater a ancilostomíase, a Fundação Rockefeller, instituição que já possuía experiência no combate à doença e que se inseria, assim, em um contexto favorável a acordos para ações de saneamento e de combate a endemias rurais. Contaram com a cooperação da International Health Board da FR no combate à doença, entre 1916 e 1923, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Maranhão, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Bahia, Santa Catarina, Pernambuco e Alagoas, além do Distrito Federal 5. Primeiros contatos Cueto (1994, p. 3) destaca que o “Brasil já atraía a atenção da FR há bastante tempo”, quando, em 1915, como resultado de reuniões do comitê executivo da IHB, ficou decidido que o país seria o primeiro a ser analisado em um survey – levantamento preliminar – sobre a situação da saúde e da medicina a ser realizado nos principais países da América do Sul 6. A escolha do Brasil estava ligada a diversos fatores, entre os quais as relações diplomáticas amigáveis entre o Brasil e os Estados Unidos no período, a posição de liderança no continente sul-americano atribuída ao país e a profunda impressão que os trabalhos realizados por Oswaldo Cruz contra a febre amarela e a peste bubônica haviam causado nos membros da Fundação (CASTRO SANTOS, 1989 apud CASTRO SANTOS; FARIA, 2003, p. 49-50; CUETO, 1994, p. 3). O fato de a ancilostomíase já ser, como indicamos, uma preocupação entre governantes e médicos também pode ter contribuído para a escolha do país. Além disso, Cueto (1994, p. 12), a partir da análise da documentação 5 Dos estados que estabeleceram cooperação com a Fundação, São Paulo e Rio Grande do Sul estabeleceram cooperação apenas com a Fundação. Os demais estados, por sua vez, estabeleceram cooperação com a Fundação e com o governo federal. 6 O Brasil havia sido um dos países enfocados no levantamento sobre a incidência da ancilostomíase ao redor do mundo publicado por Wickliffe Rose, diretor da Sanitary Commission e primeiro diretor (1913-1923) da International Health Board, alguns anos antes (1911). No país, o questionário enviado por Rose foi respondido por Oswaldo Cruz e Adolpho Lutz, entre outros. Para Lutz, que realizara importantes estudos sobre a ancilostomíase ainda no século XIX, a doença era crônica no Brasil e podia ser encontrada por todo o país. Não havia, segundo ele, medidas gerais oficiais de combate à doença no Brasil. Baseando-se na reposta de Lutz, entre outros, Rose afirmou que a ancilostomíase podia ser observada em praticamente todos os estados brasileiros, mas que parecia ser mais grave no norte e no centro do país (ROSE, 1911). 55 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 55 27/10/2015 10:33:55 da Fundação Rockefeller, comenta que a escolha do Brasil sugere que a Fundação buscou estabelecer programas em países latino-americanos que apresentassem menos obstáculos à implantação efetiva de novas medidas de saúde pública e onde os funcionários da Fundação esperavam uma boa acolhida por parte da burocracia governamental e das elites médicas. A partir de sinalizações positivas do Departamento de Estado norteamericano e do governo brasileiro, a Fundação enviou uma Comissão que visitou o país em 1916 7. A Comissão Médica – Medical Commission to Visit the Republic of Brazil – era composta pelos médicos Richard M. Pearce (1874-1930), John A. Ferrell (1880-1965) e Bailey K. Ashford (1873-1934) e tinha como objetivos estudar a educação médica, as doenças prevalentes, as condições sanitárias e as agências de saúde pública do país. Durante quase cinco meses, entre 22 de janeiro e 6 de maio de 1916, os membros da Comissão visitaram faculdades e escolas de medicina, hospitais e outras instituições, além de departamentos e diretorias de saúde, e conversaram com médicos, professores e diretores, e também com cidadãos norte-americanos residentes no país, em diversos estados. Além dessas visitas e contatos, a Comissão também trouxe consigo um dispensário móvel – equipado com medicamentos, equipamentos de laboratório e duas casas portáteis – e que foi estabelecido em Capela Nova de Betim, em Minas Gerais. No dispensário móvel, foram atendidos casos de ancilostomíase, mas também de outras doenças; cirurgias e partos foram realizados. Segundo Marques (2004), durante 22 dias, entre 16 de março e 7 de abril, 1435 pessoas foram tratadas no dispensário da Comissão Médica da Fundação Rockefeller 8. Paralelamente às visitas e ao trabalho realizado em Capela Nova, foram estabelecidos os primeiros contatos entre a Fundação Rockefeller e o governo de um estado brasileiro para a organização de trabalho conjunto de combate à ancilostomíase. Em carta enviada ao Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, em 12 de março de 1916 9, a propósito da possibilidade de cooperação entre a International Health Board e o governo estadual no combate à doença, John A. Ferrell expunha qual era o plano mais efetivo de cooperação, elaborado a partir da experiência da Fundação até aquele momento. Entre os aspectos destacados por Ferrell, destaca-se que (1) o trabalho deveria ser conduzido em nome do governo do Estado e em conjunto com agências de saúde já existentes; (2) a área selecionada 7 Uma primeira Comissão veio ao Brasil já em 1915 (CASTRO SANTOS; FARIA, 2003, p. 68). De acordo com documentação da Fundação Rockefeller, tanto o governo brasileiro quanto o Instituto Oswaldo Cruz reagiram positivamente frente à possibilidade da vinda de uma Comissão da Fundação em 1916. (Brazil, Medical Commission, January 25, 1916 – RAC, RF, RG 1.1 – Projects, Series 305 – Brazil, Sub-Series A (Medical Sciences), Box 2, Folder 15). 8 Doctor Bailey K. Ashford´s Report of the Medical Expedition to Brazil in 1916, and the official diary kept during the course of the investigation (RAC, RF, RG 1.1 – Projects, Series 305 – Brazil, Sub-Series A (Medical Sciences), Box 2, Folder 15). A presença da Fundação Rockefeller em Minas Gerais e o trabalho da Comissão Médica em Capela Nova são discutidos por Marques (2004). 9 John A. Ferrell to His Excellency, The President of the State of Rio de Janeiro, March 12, 1916 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). 56 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 56 27/10/2015 10:33:55 para o trabalho deveria ser avançada em educação, agricultura e ter boas estradas, entre outros aspectos, pois, nestas áreas, a cooperação da população poderia ser obtida mais prontamente do que em áreas mais atrasadas; (3) a força necessária para a realização do trabalho consistiria de dois grupos de trabalhadores: (a) o grupo dedicado ao tratamento e à cura da ancilostomíase e (b) o grupo dedicado às medidas profiláticas (Ferrell, 1916). Ainda segundo Ferrell (1916), o grupo que atuaria no tratamento das pessoas com ancilostomíase deveria ser composto por um médico especialista na doença, dois ou três assistentes, dois ou três microscopistas, e de quatro a dez enfermeiros. O médico seria providenciado pela International Health Board, que também pagaria seu salário. Ele trabalharia em nome do governo local e estaria sob sua autoridade. E esse médico (ou Diretor) treinaria assistentes, microscopistas e enfermeiros. Com a exceção do Diretor, o pessoal seria local, muitas vezes da vizinhança onde o trabalho seria realizado. O treinamento poderia ser realizado em curto espaço de tempo. Ferrell (1916)explicava, ainda, ao Presidente do Estado do Rio de Janeiro que, se a International Health Board assumisse o trabalho em cooperação com o estado, estaria preparada para pagar os salários de todo o pessoal necessário citado, e todo o trabalho estaria direcionado, primeiramente, a medidas para curar a ancilostomíase e, possivelmente, outras doenças causadas por parasitas intestinais. Além de curar os pacientes, um grande trabalho de educação seria realizado, não apenas com relação à ancilostomíase, mas também a outras doenças comuns passíveis de serem prevenidas, como a febre tifoide, a malária e a tuberculose. Palmer (2010, p. 67-68) comenta que todo o trabalho seria realizado sobre bases científicas e seguiria os passos do método intensivo 10, o método de combate à ancilostomíase proposto pela Fundação Rockefeller: (1) selecionar uma área; (2) realizar um censo completo de todas as pessoas e de todas as famílias da área e inspecionar a moradia de cada família; (3) conseguir amostras de fezes de cada pessoa e examinar estas amostras microscopicamente para averiguar os casos positivos de infecção intestinal; (4) tratar cada pessoa diagnosticada até a sua cura, e (5) reexaminar, tanto quanto possível, as pessoas tratadas para verificar se elas foram ou não curadas. Um registro preciso do trabalho realizado e de seus custos seria mantido, pois assim seria possível saber o custo per capita de se controlar a doença. Ainda segundo o representante da Fundação, as medidas profiláticas seriam de igual ou, até mesmo, de maior importância. A menos que as medidas de profilaxia fossem realizadas, os resultados alcançados com o tratamento da ancilostomíase seriam temporários. As medidas profiláticas deveriam ser tomadas, mas pelo governo do estado. O sucesso do tratamento 10O método intensivo foi elaborado pelo médico G. F. Leonard, a serviço da Sanitary Commission, na ilha de Knott (Carolina do Norte, Estados Unidos) em 1913 (PALMER, 2010, p. 67-68). 57 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 57 27/10/2015 10:33:55 dependeria da cooperação voluntária da população, mas as medidas profiláticas requereriam, por parte do governo, a adoção de certas regulamentações sanitárias e do emprego de pessoal suficiente – inspetores sanitários – para garantir a execução dessas regulamentações. As regulamentações sanitárias a serem promulgadas pelo governo deveriam estabelecer, por exemplo, que latrinas que estivessem de acordo com o estabelecido pelo departamento de saúde estadual fossem construídas e utilizadas em todas as residências, escolas, instituições públicas e estabelecimentos comerciais da área onde os trabalhos estivessem sendo realizados e, se possível, em todos os outros lugares. Seria esperado, também, que o departamento estadual de saúde assegurasse, além da necessária legislação sanitária, o emprego e o pagamento de um corpo adequado de inspetores para garantir o estabelecido por lei. O pessoal deveria trabalhar sob a direção de um funcionário do departamento estadual de saúde. Seus assistentes poderiam ser das proximidades do local onde o trabalho estivesse sendo realizado e poderiam ser facilmente treinados. O equipamento científico necessário para esse tipo de trabalho conjunto seria fornecido pela IHB. Seria desejável que o governo local fornecesse medicamentos, impressões gráficas, material de papelaria, mobília e espaço para escritórios e laboratórios. Ao final da carta, Ferrell (ano) se colocava à disposição para um novo encontro com o Presidente do Estado do Rio de Janeiro, quando poderiam discutir, e até mesmo modificar, o plano de trabalho exposto pelo membro da Comissão Médica da Fundação Rockefeller. Cooperação Um acordo de cooperação foi estabelecido entre o governo do Estado do Rio de Janeiro e a IHB, e o trabalho foi iniciado em outubro de 1916. Durante a realização das atividades no Rio de Janeiro, autoridades de saúde do Distrito Federal e de São Paulo visitaram o posto e convidaram a International Health Board a realizar atividades similares. Em agosto de 1917, a Fundação começou a atuar no Distrito Federal e, em março de 1918, foram inaugurados os trabalhos em São Paulo.11 Em 1917, com as atividades da IHB se estendendo a outros estados, foi estabelecido um escritório central, localizado em Niterói, no estado do Rio de Janeiro.12 O trabalho realizado em um estado brasileiro, no entanto, era considerado independente. 11No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438). 12No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). 58 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 58 27/10/2015 10:33:55 Convém lembrar que as questões relativas à saúde eram tratadas de forma descentralizada durante a Primeira República brasileira, e assim, a Fundação estabeleceu acordos independentes com estados brasileiros. Até 1923, ano de encerramento das atividades da FR no combate à ancilostomíase no país, acordos de cooperação haviam sido estabelecidos com os governos de 11 estados e do Distrito Federal. QUADRO 1 – Cooperação entre a Fundação Rockefeller e estados brasileiros no combate à ancilostomíase (1916-1923) Estado Ano do Convite Período do Survey Período da Cooperação Rio de Janeiro 1916 22 nov. 1916 - 31 mar. 1917 Distrito Federal 1917 Survey não realizado. São Paulo 1917 1 dez. 1917 - 28 fev. 1918 1917-1928* Minas Gerais 1917 29 jun. 1918 - 6 fev. 1919 1918-1923 Paraná 1918 4 ago. 1919 - 1 nov. 1919 1919-1920 Maranhão 1918 14 jul. 1919 - 31 jan. 1920 1919-1922 Rio Grande do Sul 1919 21 mar. 1920 - 16 jul. 1920 1920-1923 Espírito Santo 1919 1921 1921-1922 Bahia 1919 6 dez. 1919 - ago. de 1920 1920-1922 Santa Catarina 1919 2 nov. 1919 - 2 mar. 1920 1920-1921 Pernambuco 1920 17 maio 1920 - 31 ago. 1920 1920-1922 Alagoas - 1921 1921-1922 1916-1922 1917-1920 1922-1923 Fonte: Annual Appropriation and Expenditures of International Health Board in Each State of Brazil for the Period 1916-1922 Inclusive (COC, Fiocruz, FR, Doc. 014); Brazil – Extent of Operations (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438); No. 7537, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 Brazil, Box 24, Folder 147); No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438); No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432); No. 7469, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1918 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 – Brazil, Box 24, Folder 148); Annual Report for Brazil, January 1st to December 31st, 1922 (COC/Fiocruz, FR, Doc. 022); Progress Reports [1923] (COC/Fiocruz, FR, Doc. 037). *A extensão das atividades de combate à ancilostomíase em São Paulo até 1928 é indicada em Relatório de 1923 (Progress Reports [1923], COC/Fiocruz, FR, Doc. 037), mas Castro Santos e Faria (2003, p. 138) afirmam que a responsabilidade sobre os postos passou para o governo do estado de São Paulo em 1924. O objetivo das atividades realizadas pela FR em estados brasileiros a partir de acordos de cooperação foi indicado pelo Diretor da IHB, Wickliffe 59 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 59 27/10/2015 10:33:56 Rose (1862-1931), no início de 1917, em carta de 26 de abril endereçada a Lewis Hackett (1884-1962), médico diplomado pela Universidade de Harvard e Diretor da IHB para o Brasil entre 1916 e 1923. O objetivo das atividades de combate à ancilostomíase da Fundação Rockefeller no Brasil não era colocar a doença sob controle, mas realizar demonstrações que estimulariam o interesse público e levariam à participação de agências estatais e locais no trabalho. Como defendia o Diretor da IHB, as campanhas seriam “um meio para um fim”, ou seja, visavam a estimular a participação dos governos em ações de saúde pública (Hackett, 1917) 13. Os acordos de cooperação com a FR foram estabelecidos a partir dos convites formulados pelos estados brasileiros interessados, convites estes que deveriam ser aprovados pelo escritório da IHB em Nova York. É importante frisar que os acordos de cooperação entre Fundação e estados foram estabelecidos a partir de decisões locais pela cooperação, e não por uma imposição da instituição norte-americana. A Fundação era percebida pelos estados como mais um meio, além do governo federal, à disposição para realizar atividades de combate à ancilostomíase. Todavia, nem todos os estados brasileiros que ficaram interessados contaram com a cooperação da Fundação Rockefeller para o combate à ancilostomíase e o desenvolvimento de atividades de saneamento rural, como foram os casos do Pará, de Sergipe e do Mato Grosso. A percepção dos dirigentes da IHB em relação ao país 14, o porte econômico e a situação política dos estados parecia ter um peso importante nas decisões da FR, explicando sua presença em alguns estados e sua ausência em outros. Quando os convites feitos por estados brasileiros – os quais, muitas vezes, mencionavam as “nobres e humanitárias” ações que a Fundação vinha desenvolvendo no Brasil – eram aceitos, um acordo de cooperação era estabelecido entre a IHB e o governo estadual. Os acordos definiam aspectos referentes à realização do survey e determinavam aquilo que caberia a cada uma das partes envolvidas nas atividades a serem realizadas e que seriam, então, incorporadas aos serviços estaduais de saúde já existentes. Com exceção de São Paulo, onde as atividades da IHB só passaram a fazer parte dos serviços públicos de saúde em 1922, nos demais estados em que ocorreu a cooperação, as atividades da Fundação integrariam, desde o início, as estruturas estaduais de saúde. Em linhas bastante gerais, a IHB se responsabilizava pela realização do survey, pela orientação e organização do trabalho nos postos de 13Rose to Hackett, April 26, 1917 (RAC, RF, RG 1.1, Series 305H, Sub-Series H, Box 15, Folder 133). 14Em meados de 1920, Wickliffe Rose visitou o Brasil. Em relatório sobre esta visita e sobre as atividades da Fundação no país até aquele momento, Rose estabeleceu uma clara diferenciação valorativa entre regiões do Brasil: as esperanças de civilização para o Brasil estavam depositadas, na leitura de Rose, na porção mais ao sul do país (No. 7502, Observation on Public Health Situation and Work of the International Health Board in Brazil, by Wickliffe Rose, General Director, October 25, 1920 – COC/ Fiocruz, FR, Doc. 018). 60 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 60 27/10/2015 10:33:56 demonstração do método intensivo de combate à ancilostomíase que fossem estabelecidos, pelo fornecimento de medicamentos, equipamentos e material de trabalho e pelo pagamento de salários. Os estados deveriam fornecer transporte, impressões gráficas, comunicação telegráfica, espaços para escritórios/laboratórios e arcar com parte dos salários, além de estabelecerem a conexão entre a IHB e os municípios onde a instituição viesse a atuar. O estado ficaria responsável ainda, como Ferrell (1916) havia indicado ao governante do Rio de Janeiro, pela instituição e aplicação de legislações sanitárias. Os acordos, apesar de apresentarem linhas gerais comuns, guardavam espaço para aspectos específicos da relação entre a Fundação e cada um dos estados envolvidos. Um exemplo pode ser identificado ao analisarmos os dados referentes à distribuição aproximada de gastos entre a IHB/FR e os governos estaduais em atividades de saneamento rural em 1920 e que indicam que, naquele momento, o governo estadual da Bahia arcava com 50% dos gastos e a Fundação, com os outros 50%. Já no caso do Rio de Janeiro, o governo estadual se responsabilizava por 67% dos gastos com atividades de saneamento rural, e a FR, por apenas 33% 15. A partir dos acordos de cooperação estabelecidos entre a IHB e os governos estaduais, eram realizadas as atividades de combate à ancilostomíase e de saneamento rural, compostas por quatro partes: (a) o survey; (b) a instalação de postos de demonstração do método intensivo de combate à ancilostomíase; (c) a realização de trabalho de educação sanitária, e (d) a melhoria das condições sanitárias, a partir do estabelecimento e da execução de regulamentações que determinassem a instalação de latrinas. No espaço deste texto, serão abordados apenas alguns apontamentos gerais sobre as atividades de combate à ancilostomíase e de saneamento rural realizadas pela IHB em cooperação com governos estaduais brasileiros. A primeira atividade da IHB no estado era (a) a realização de um survey para avaliar a distribuição geográfica e a gravidade da ancilostomíase naquela região do país. À exceção do Distrito Federal, levantamentos preliminares foram realizados em todos os estados onde a Fundação atuou em cooperação com os governos. Os surveys, realizados por médicos, microscopistas e enfermeiros16, apresentavam informações sobre trabalhos anteriores de combate à ancilostomíase (se houvesse), geografia, solo, clima, economia, política e história, municípios onde os exames haviam sido realizados e informações sobre os resultados desses exames. Havia espaço, nos relatórios dos surveys, para questões específicas de cada estado. A partir do exame das amostras de fezes da população examinada, algumas vezes 15Brazil, Hookworm Reports, 1920 Annual (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438). 16É importante destacar que, no caso do Brasil, os chamados enfermeiros ou guardas não possuíam formação em enfermagem. 61 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 61 27/10/2015 10:33:56 acompanhado do exame do sangue, era possível estabelecer a distribuição geográfica e os índices da doença no estado. De acordo com os surveys, as situações mais graves, no Brasil, eram encontradas nos estados da Bahia, do Maranhão e de Pernambuco. A partir da realização dos surveys e da identificação dos locais onde a situação da doença era mais grave, (b) postos para a demonstração do método intensivo de combate à ancilostomíase eram instalados. A unidade de atuação da Fundação nos estados era, em princípio, o município (HACKETT, 1918) 17. O plano da IHB era que cada estado contasse com um Diretor Estadual (State Director) norte-americano indicado pelo escritório em Nova Iorque e assistido por um Diretor Estadual brasileiro, mas as fontes indicam que não foi o que ocorreu. Em 1919, por exemplo, havia dois Diretores Estaduais norte-americanos e quatro brasileiros 18. Ocuparam postos de Diretores Estaduais nas campanhas contra a ancilostomíase no Brasil George Strode, Alan Gregg, Fred Soper, John Hydrick, Nelson C. Davis, Mário Jansen de Faria, Renato Studart, Amilcar Pinto, Mário Pernambuco, Samuel Uchôa, João Thomaz Alves, José Plácido Barbosa da Silva, Eduardo Marques, Décio Parreira e Samuel Libanio, entre outros (Nome da obra, 1919).19Além dos Diretores Estaduais, o pessoal que trabalhava nas campanhas de combate à ancilostomíase nos estados, recrutado localmente, era composto por Diretores de Campo, microscopistas, enfermeiros e auxiliares, entre outros. O método intensivo, que consistia de um ciclo de exames e tratamentos até que a cura do paciente fosse constatada, sofreu modificações no Brasil e foi alvo de críticas. Ao longo dos anos, o tratamento perdeu a característica de buscar a confirmação da cura dos doentes. Já no que se refere às críticas, estas se referiam, principalmente, aos casos de intoxicação relacionados, em 17Hackett to Rose, July 10, 1918 (RAC, RF, RG 1.1, Series 305H, Sub-Series H, Box 15, Folder 134). O processo de decisão sobre a quantidade e a localização dos postos não fica claro na documentação consultada, mas havia uma negociação, a partir do resultado do survey, entre a IHB e o governo estadual. Também não foi possível observar a participação de outros envolvidos nestas negociações, pois a documentação indica que houve postos instalados em fazendas de café em São Paulo e mantidos, em parte, com recursos dos proprietários destas fazendas, bem como postos instalados no estado do Rio de Janeiro e mantidos com recursos de produtores de açúcar e de alguns governos municipais. 18Notes on Organization of the IHB Work in Brazil, April 28, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 – Brazil, Box 24, Folder 144). 19Annual Report for Brazil – January 1st to December 31st, 1921 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1440); Notes on the Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil during the quarter ending June 30, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1437); No. 7537, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 Brazil, Box 24, Folder 147); No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438). 62 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 62 27/10/2015 10:33:56 especial, à utilização do óleo de quenopódio 20, principal vermífugo adotado pela Fundação Rockefeller (KORNDÖRFER, 2013, p. 130). Paralelamente ao tratamento da ancilostomíase ocorreria, também, um trabalho que visava à (c) educação sanitária da população. Este trabalho educacional envolvia palestras, exibições com projeções luminosas e cartazes, visitas de casa em casa para explicações sobre medidas sanitárias e prevenção de doenças, distribuição de literatura e publicação de artigos em jornais. No material impresso e distribuído no país, é possível perceber a preocupação em tornar as explicações sobre a doença, seu tratamento e meios de evitá-la mais acessíveis à população. No que se referia à causa da doença, por exemplo, os folhetos ofereciam a seguinte explicação: É o causador da OPILAÇÃO um pequeno verme denominado Uncinaria. Este parasita tem o comprimento de um centimetro e a espessura de um fio de linha. Vive agarrado á parede dos intestinos, como sanguesuga [sic], sugando-lhes o sangue, e injectando no organismo do individuo, como fazem as cobras, um veneno que altera o sangue e o transforma em agua. O doente vae pouco a pouco perdendo as forças, tornando-se a victima de diversas outras moléstias 21. É difícil avaliar o alcance e a efetividade do trabalho de educação proposto pela IHB. Com relação ao alcance da propaganda impressa, porém, pode-se inferir que este deveria ser bastante limitado. Carvalho (2005, p. 22) revela que o censo de 1920 calculava a população brasileira em “30,6 milhões, 75,5% dos quais eram analfabetos”, índice possivelmente maior considerando-se apenas a população rural. Os resultados alcançados com o tratamento só poderiam ser garantidos a partir do (d) trabalho de melhoria das condições sanitárias, com a construção de latrinas, e a utilização de calçados. Em 1917, Hackett observava que a situação nas regiões agrícolas do Brasil no que se referia a latrinas era de completa inexistência. Segundo ele (ano, p. 00), o trabalho para garantir a implementação de regulamentações sanitárias no país seria uma “[...] constante batalha contra a ignorância, o preconceito e práticas políticas lamentáveis”.22 Alguns estados, como o Rio de Janeiro (1917), aprovaram legislação referente 20O óleo de quenopódio é extraído da planta do quenopódio, conhecida no Brasil como erva-de-santa-maria (KORNDÖRFER, 2013, p. 130). Discussões sobre as controvérsias envolvendo o tratamento proposto pela FR podem ser encontradas em: PALMER, 2010; KORNDÖRFER, 2013. 21Folder on hookworm disease for free distribution (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). Foi mantida a grafia original do texto, devendo ser desconsiderados os desvios à norma padrão. 22No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). 63 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 63 27/10/2015 10:33:56 à construção de latrinas, mas, em 1920, Hackett afirmava que as melhorias sanitárias ocorriam lentamente no Brasil. Naquele ano, o progresso no que se referia à construção de latrinas era considerado satisfatório em apenas quatro áreas: Jacarepaguá (Distrito Federal), Águas Virtuosas (Minas Gerais), Itajaí e Florianópolis (ambas em Santa Catarina) 23. No que se referia à utilização de calçados, Hackett observava que o uso dos sapatos era “quase universal” em São Paulo e no Distrito Federal, mas que mesmo nestes estados os trabalhadores rurais tinham o costume de tirálos quando trabalhavam. Já no estado do Rio de Janeiro, a regra era que a população rural andasse descalça ou usasse sandálias com solas de madeira que eram muitas vezes carregadas nas mãos 24. Tanto a construção das latrinas quanto o uso de calçados estavam ligados, em parte, às raízes econômicas da ancilostomíase, questão que não era foco de atenção da Fundação; porém, é preciso atentar ao fato de que a pobreza e a ausência de infraestrutura sanitária são causas subjacentes da doença. Além dos custos envolvidos na construção das latrinas, os constrangimentos e os tabus relacionados às fezes e seu destino também deveriam influenciar as decisões da população na matéria (PALMER, 2010, p. 136-138). Como apontou Brannstrom (2010, p. 34-35) em seu estudo sobre a cooperação entre a IHB e o governo do estado de São Paulo no combate à ancilostomíase, foi muito difícil convencer os habitantes rurais a participarem dos “curiosos rituais” de coleta de amostras fecais na maioria dos municípios onde a Fundação atuou naquele estado. Com o encerramento dos acordos de cooperação entre a IHB e os governos estaduais, ocasionado, segundo a Fundação, pela crescente atuação do governo federal em atividades de saneamento rural, os serviços de combate à ancilostomíase organizados por meio da cooperação eram repassados aos estados ou ao governo federal, no caso dos estados que haviam estabelecido acordos também com a União (Hackett, 1921) 25. À guisa de conclusão Enfim, é preciso avaliar: quais teriam sido os resultados? Quais as consequências das campanhas de combate à ancilostomíase realizadas a partir da cooperação entre a IHB e governos estaduais brasileiros entre 1916 e 1923? Castro Santos e Faria (2003, p. 170) afirmam que as campanhas coordenadas pela IHB no país tiveram um “efeito não antecipado” pelas 23No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438). 24No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). 25Hackett to Penna, June 23, 1921 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1439). 64 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 64 27/10/2015 10:33:56 correntes nacionalistas, pois, longe de criar um poder paralelo da FR ou grupos profissionais brasileiros subalternos, essas campanhas acabaram reforçando a tendência geral de consolidação dos aparelhos institucionais e das ideias de reforma sanitária, tendência esta que já se esboçava antes da vinda da Rockefeller ao país em 1916, como se buscou indicar no início deste texto. No que se refere à cooperação entre a Fundação e governos estaduais, os resultados e desdobramentos devem ser analisados caso a caso, uma vez que a IHB atuou em estados com diferenças importantes em termos políticos, sociais, econômicos e sanitários. Ao discutir a cooperação entre a instituição norte-americana e o governo de Minas Gerais, por exemplo, Marques (2004, p. 186-187) afirma que “[...] a associação do governo mineiro com a Fundação Rockefeller permitiu à Diretoria de Higiene e ao estado de Minas Gerais um parceiro para os pesados investimentos necessários à implantação do Serviço de Profilaxia Rural”. Minas se integrou, assim, à reforma sanitária brasileira, em particular às campanhas nacionais de saúde pública e de saneamento rural. No estado de São Paulo, recorrendo a Castro Santos e Faria (2003, p. 137-138), estes asseveram que o vigor mostrado pelas campanhas sanitárias e pelo “evangelho” que propagaram ajudou a legitimar, junto às populações rurais, o trabalho de saúde pública. Além disso, os postos sanitários, repassados ao governo estadual a partir de 1924, aumentaram o poder político do governo vis-à-vis às oligarquias rurais (CASTRO SANTOS; FARIA, 2003). Sob o ponto de vista ideológico, as elites paulistas, ao se empenharem na luta para estender as campanhas sanitárias para o interior do estado, participaram da “cruzada nacional”, do movimento nacional pela “salvação dos sertões”, reproduzindo-a em âmbito estadual (MARQUES, 2004, p. 141-142). No caso do Rio Grande do Sul, analisado de maneira mais aprofundada, a cooperação entre o governo estadual e a IHB também possibilitou a integração do estado às campanhas nacionais de saneamento rural. Em termos práticos, a cooperação resultou na criação do Serviço de Profilaxia Rural, organizado nos moldes do trabalho proposto pela instituição norteamericana. O Serviço, porém, foi encerrado em 1929, uma vez que foi alvo de severas críticas quanto à sua eficácia (KORNDÖRFER, 2013). Já no tocante à doença em si, Löwy (2006) afirma, ao avaliar especificamente os resultados das campanhas de combate à ancilostomíase realizadas no Brasil, que estes foram mitigados. Ainda que alguns processos tenham sido registrados, segundo Löwy (2006, p. 140), “[...] isso não levou à erradicação da doença, nem a uma redução muito importante da prevalência da ancilostomíase, nem mesmo a uma transformação notável dos costumes dos camponeses”. Como foi mencionado no início deste texto, a ancilostomíase não figura, 65 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 65 27/10/2015 10:33:56 atualmente, entre as principais preocupações do governo brasileiro e dos governos estaduais em matéria de saúde pública, mas isto não significa que a doença tenha deixado de ser um problema a ser combatido. Em fevereiro de 2012, o Ministério da Saúde brasileiro anunciou a liberação de R$ 25,9 milhões para ações de combate às doenças negligenciadas, entre as quais as geo-helmintíases como a ancilostomíase (PORTAL DA SAÚDE, [s. d.]). Referências Bibliográficas BRANNSTROM, C. A Fundação Rockefeller e a campanha de erradicação da ancilostomíase em São Paulo (1917-1926). Revista de História Regional, v. 5, n. 2, p. 10-48, Inverno, 2010. CARVALHO, J. M. de. O pecado original da República. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 22, nov. 2005. CASTRO SANTOS, L. A. de; FARIA, L. 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Ferrell to His Excellency, The President of the State of Rio de Janeiro, March 12, 1916 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). 67 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 67 27/10/2015 10:33:56 No. 7597, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438). No. 7339, Report on Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil for the year ending December 31, 1917 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). Brazil – Extent of Operations (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438). No. 7537, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 Brazil, Box 24, Folder 147). No. 7469, Report on Work for the Relief and Control of Hookworm Disease in Brazil from November 22, 1916, to December 31, 1918 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 – Brazil, Box 24, Folder 148). Rose to Hackett, April 26, 1917 (RAC, RF, RG 1.1, Series 305H, Sub-Series H, Box 15, Folder 133). Brazil, Hookworm Reports, 1920 Annual (RAC, RF, RG 5, Series 3, SubSeries 305H – Brazil, Box 112, Folder 1438). Hackett to Rose, July 10, 1918 (RAC, RF, RG 1.1, Series 305H, Sub-Series H, Box 15, Folder 134) Notes on Organization of the IHB Work in Brazil, April 28, 1919 (RAC, RF, RG 5, Series 2, Sub-Series 305 – Brazil, Box 24, Folder 144). Annual Report for Brazil – January 1st to December 31st, 1921 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1440). Notes on the Work for the Relief and Control of Uncinariasis in Brazil during the quarter ending June 30, 1920 (RAC, RF, RG 5, Series 3, SubSeries 305H – Brazil, Box 112, Folder 1437). Folder on hookworm disease for free distribution (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 111, Folder 1432). Hackett to Penna, June 23, 1921 (RAC, RF, RG 5, Series 3, Sub-Series 305H – Brazil, Box 112, Folder 1439). Departamento de Arquivo e Documentação – Casa de Oswaldo Cruz – COC, Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz Annual Appropriation and Expenditures of International Health Board in Each State of Brazil for the Period 1916-1922 Inclusive (COC/Fiocruz, FR, Doc., 014). Progress Reports [1923] (COC/Fiocruz, FR, Doc. 037). Annual Report for Brazil, January 1st to December 31st, 1922 (COC/ Fiocruz, FR, Doc. 022). No. 7502, Observation on Public Health Situation and Work of the International Health Board in Brazil, by Wickliffe Rose, General Director, October 25, 1920 (COC/Fiocruz, FR, Doc. 018). 68 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 68 27/10/2015 10:33:56 Ella Hansenjaeger: Cooperação Norte-Americana e Enfermagem Brasileira Pós-1930 Paulo Fernando de Souza Campos Perspectivas renovadas da escrita da história decorrem do diálogo com outras disciplinas. A interdisciplinaridade, forma de produção do conhecimento que implica geração de novos conceitos e metodologias em graus crescentes de intersubjetividade, visando a atender a natureza múltipla de fenômenos complexos, possibilitou fazeres historiográficos novos, os quais deixaram de privilegiar acontecimentos, estruturados em conceitos generalistas, para interpretar abordagens e problemas gerados pelas trocas teóricas e metodológicas. A história não mais respondia às dúvidas existentes e sua narrativa passou a ser questionada, inclusive, por pautar sua escrita no masculino. Experiências vividas por homens e mulheres, anônimos ou não, seus imaginários, suas relações sociais, suas práticas e representações, problemas mapeados na convergência da história com outros saberes, ampliaram o ofício do historiador. A interdisciplinaridade reconfigurou o conhecimento, assim como a relevância dos estudos históricos para a compreensão e o desenvolvimento das relações humanas (BURKE, 2005; BARROS, 2013). O processo de renovação da escrita da história evocou as mulheres e seus papéis sociais. Experiências vividas no universo feminino desconstruíram o passado/presente conhecido, fundado na manipulação e dominação masculina, pois quase nunca mencionadas, consideradas subalternas ou diminuídas em suas ocupações (DUBY, 1999; DAVES, 1999). O estudo das mulheres fundou novo domínio e ressignificou o viés unitário recorrente na escrita da história. A mudança paradigmática revisitou o conceito central de gênero ao apresentar outras vozes do passado, ao questionar esquemas historicamente aceitos, ao desvelar fatos a partir de outros documentos e de outras memórias (DIAS; 1999; MOTT, 1999). Esse estudo pretende colaborar com a construção da história das mulheres no Brasil, para o avanço das fronteiras existentes em torno do tema no âmbito da história da enfermagem. Parte de um projeto maior, de investigação da história da saúde em São Paulo, a proposta visa a analisar a cooperação norte-americana no Brasil por intermédio da atuação de 69 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 69 27/10/2015 10:33:56 mulheres, enfermeiras, professoras e consultoras da Fundação Rockefeller, Estados Unidos, durante o Estado Novo (1930-1945), em específico, Miss Ella Hansenjaeger. O que se pretende não é legitimar o espaço assumido ou exaltar atuações de mulheres, tampouco evocar formas nas quais elas encontraram para se estabelecer politicamente ou fazer valer suas experiências, mas entender seus comportamentos frente aos imperativos da administração de serviços de saúde, da formação profissional exigida, das relações políticas estabelecidas e nas quais tinham poder de decisão. Mulheres e Enfermagem no “Estado Novo” Uma das vias de atuação das mulheres no espaço público é reconhecidamente a Enfermagem. Considerada adequada ao universo feminino ou apropriada para mulheres, a arte/ciência do cuidado permitiu ao gênero atuações contrárias aos impostos pela tutela masculina; pois, se independentes, se aceitas no universo restritivo das profissões, suas principais personagens, as enfermeiras, teriam outras formas de ação contra o que impedia e marginalizava as mulheres (PERROT, 1988). Muitas se destacaram na fina arte do cuidar/cuidado, contudo, o pioneirismo é conferido a Florence Nightingale (1820-1910), precursora da Enfermagem Profissional ao fundar a Training School for Nursing, em 1860, em Londres, na Inglaterra vitoriana, cuja ação foi alicerçada com a edição de seu primeiro livro Notes on Nursing, publicado em 1864. Os impactos da profissionalização alteraram valores atribuídos às antigas nurses, representadas como mulheres sem valor moral, vulgarizadas por trabalharem em ambiente hostil, dominado pela Igreja e caracterizado como morredouro (DONAHUE, 1999; DICKENS, 1999; FOUCAULT, 1999). O “Sistema Nightingale” tornou-se distintivo do que era e não era enfermagem, alcançou os continentes e colaborou para a emancipação feminina em diferentes países. Como enfermeiras, mulheres em todo o mundo ocuparam espaços importantes na vida pública, foram inseridas no universo do trabalho em hospitais, na administração de clínicas, serviços e programas de saúde, na gestão de recursos humanos, financeiros e organizacionais da vida intra-hospitalar, bem como na esfera da educação e do ensino como acadêmicas, por assumirem cargos de professoras, pesquisadoras e consultoras, autoras de livros, teses e outras publicações – como guias, manuais e artigos. Atuando como enfermeiras, as mulheres encontraram possibilidades exigidas pela emancipação, projetadas para a esfera das decisões da administração pública, que no contexto histórico abordado encontrava-se em consolidação no Brasil. Durante o Estado Novo (1930-1945), mulheres enfermeiras tiveram 70 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 70 27/10/2015 10:33:56 atuação significativa no desenvolvimento de políticas públicas que implicaram uma mudança decisiva nos rumos da enfermagem brasileira. Em diferentes contextos, elas atuaram de modo contundente; contudo, pós1930, as transformações vivenciadas com a aquisição de novas tecnologias hospitalares, a ampliação da rede hospitalar, a necessidade permanente de formação de mão de obra especializada e sempre alerta para o caso de guerra, evocavam a enfermagem como essencial para a manutenção da vida pública. “A propaganda utilizada para atrair jovens para a careira é reveladora: apelava-se para a ‘entrega’, a ‘alma altruísta e generosa’, a ‘magnanimidade’ e o espírito de ‘missão feminina’ das mulheres brasileiras” (Vieira, 2006, p. 228). O papel social das enfermeiras tornou-se palco do “discurso varguista” na medida em que atingia todo o território brasileiro. Modernas, salvadoras da pátria, destemidas, elas se relacionavam com os acontecimentos não como coadjuvantes, mas protagonistas. Imagens difundidas em jornais e revistas, a publicidade de suas atuações junto a programas de saúde pública, e o apelo do uniforme como distintivo legitimador mobilizavam populações otimistas com os avanços da política pública no governo Vargas, já que o então presidente era considerado o “pai dos pobres”. Acrescenta-se que as vicissitudes do período, ainda que incipientes, foram decisivas para que mudanças ocorressem no campo da história das mulheres no Brasil, pois o American way of life propiciou usos e costumes diametralmente opostos aos vividos por mulheres em décadas anteriores. O cosmopolitismo anunciado alterava destinos, que conduziam as mulheres ao casamento e à maternidade, em favor de uma vida voltada para o trabalho urbano e a especialização profissional. A enfermagem se destacou ao envolver mulheres em ambientes temidos e fortemente administrados como a guerra e o hospital. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pautou movimentos políticos no Estado Novo e exigia formação de um exército de pessoas capazes de organizar, sobretudo, o front interno como destaca Roney Cytrinovicks (1999). A Cruz Vermelha Brasileira e os cursos rápidos de formação técnica de padioleiros, samaritanas, enfermeiras auxiliares, auxiliares de saneamento, visitadoras sanitárias, socorristas, treinamento de voluntários, entre outros também oferecidos por escolas tradicionais brasileiras, abriam brechas para a participação política de mulheres em movimentos sociais, algo que aconteceu em outros momentos da história como a Coluna Prestes, iniciada em 1922, a Revolução Constitucionalista de 1932 e, significativamente, a Guerra do Paraguai (1864-1870), nos quais mulheres atuaram identificadas como enfermeiras. Além disso, a Guerra da Crimeia (1853-1856) celebrizou o reconhecimento da Enfermagem como prática social e das mulheres enfermeiras como protagonistas e principais personagens. A participação de mulheres no cuidar/cuidado durante conflitos armados refletiu ações 71 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 71 27/10/2015 10:33:56 também na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na qual a preparação rápida em primeiros socorros envolvia treinamento de mulheres, conforme apresenta Goodnow (1933), ao destacar que os Estados Unidos da América durante a Primeira Guerra Mundial preparava e encaminhava enfermeiras para a Europa com apoio da Cruz Vermelha, símbolo do voluntarismo e humanitarismo. Com relação à associação mulher/enfermagem/guerra no Brasil, ressalta-se que perpassa o imaginário social evocado pela memória da baiana Anna Nery, considerada a “primeira enfermeira” devido à sua atuação voluntária e patriótica na Guerra do Paraguai, quando salvou feridos e doentes a exemplo da “dama da lâmpada” – associação que fabricou discursos erigidos por enfermeiros, forjado em simbolismos heroicos, representados de modo totalizador, sem considerar antecedentes legados da antropologia médica e cultura dos cuidados. De todo modo, no Estado Novo, a atuação profissional da Enfermagem (essencialmente feminina) abria brechas para a emancipação. Estava sendo fundado um campo científico que incluía mulheres em universos tradicionalmente masculinos, sem que perdessem suas virtudes. Mudança de endereço, saída da casa dos pais, viagens internacionais, missões, contato com médicos, engenheiros e outros profissionais em ambiente de trabalho hospitalar, em laboratórios de análises clínicas, em projetos de pesquisa desenvolvidos por institutos de saúde, inúmeras possibilidades permitiam a aquisição de novos conhecimentos, interesses e títulos por meio dos quais as enfermeiras legitimavam suas emancipações. A representação atribuída ao ato de servir a pátria, independentemente da característica voluntária ou profissional, ampliava possibilidades de participação dessas mulheres no espaço político e institucional sem que suas recusas as desabonassem, ao contrário. A necessidade prática da Enfermagem abriu possibilidades às mulheres de atuarem no espaço público, político e institucional. Respaldadas socialmente, a atuação humanitária em guerras e em hospitais reverberava o patriotismo e motivava mulheres em todas as classes sociais. Muitas delas eram abnegadas, religiosas, órfãs; porém, cada uma percebia as possibilidades que a profissionalização acarretaria em sua trajetória pessoal e ousou, construindo uma imagem de si mesma, uma cultura profissional na qual a mulher assumia a liderança. O presidente Getúlio Vargas, como parte dos jogos da política, instituiu o “primeiro-damismo” e com Darcy Vargas fundou a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que fortalecia a cooptação de mulheres para o trabalho no campo da saúde, da assistência social, do cuidado, sem distinção (SIMILI, 1999). Havia um amálgama entre assistencialismo e voluntariado, atos de valor supremo, reveladores da abnegação diante da representação da enfermagem, nesse sentido, identificada como prática comparável ao ato 72 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 72 27/10/2015 10:33:56 religioso, ou seja, as enfermeiras eram consideradas freiras sem o hábito, ainda que, em oposição, as representações da enfermeira evocassem o imaginário das pinups (liberadas, modernas, donas de si). Não raramente, as propagandas estampavam anúncios com imagens, desenhos, fotografias de enfermeiras, e algumas aladas como se fossem anjos, soldados de cristo, salvadoras da pátria, sempre aptas e prontas para os riscos da ação benfazeja; mas, também, como mulheres independentes, profissionais. Tais representações as liberavam das antigas obrigações sem perderem a honra. Belas e patrióticas, elegantes e sem vulgaridade, a imagem das enfermeiras pós-1930 desvela um momento particular da identidade profissional. Independentemente do tempo e espaço, mulheres estampam a Enfermagem como sua principal personagem. No período analisado, de algum modo, em algum momento, a condução das questões relacionadas ao intenso debate sobre os custos econômicos da guerra, das doenças, dos tratamentos, implicaria participação de enfermeiras. Elas assumiriam, em alguma etapa do processo, papéis de comando, controle e gestão dos recursos públicos destinados ao trabalho de cuidar/cuidado, ou seja, decisões não deixariam de passar pelo crivo das mulheres. Os jornais de São Paulo, no contexto, evidenciavam o Governo de Getúlio Vargas e as relações estabelecidas com os Estados Unidos em manchetes como a publicada n’A Folha da Noite e que dizia “Estados Unidos enviam para o Brasil as armas que ainda não fabricamos aqui”. E essas informações, evidentemente, alarmavam a população e imprimiam um estado de alerta constante, uma tensão permanente. As páginas dos diários revelavam, do mesmo modo, movimentos políticos em torno da Campanha de Guerra, como permite entrever o oferecimento de cursos de rápida duração, voltados para instrução da sociedade civil em caso de conflito armado no front interno. Cursos como o de “auxiliares de alimentação”, noticiado no jornal A Folha da Noite 1, indicavam que 88 técnicas formadas pela Superintendência do Ensino Profissional estavam aptas a disseminar novos hábitos alimentares. A prática desportiva, outro segmento que merecia destaque no período, fabricava valores em torno da compleição física. Ambos, alimentação e desporto, representavam o dinamismo das mudanças sociais em curso, a preparação de um exército interno, a condição física adequada para a guerra, ao mesmo tempo, reverberava a cidade de São Paulo como metrópole do Brasil, conectada aos movimentos internacionais em torno da guerra. Outros cursos eram oferecidos às mulheres, como o de “voluntárias bombeiras”, ministrado pela Seção de Defesa Passiva Antiaérea, o que ampliava a inclusão do gênero feminino em domínios restritivos, considerados próprios do universo masculino. O fragmento do discurso 1 O referido texto foi publicado com a manchete “A população precisa alimentar-se melhor”. 73 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 73 27/10/2015 10:33:56 do Capitão Naul Azevedo é indicativo do discurso erigido em torno da participação feminina na campanha da guerra: “[...] no momento em que o Brasil toma parte na Segunda Guerra Mundial [...] suas mulheres se enfileiram para dar, na medida de suas possibilidades, seu auxílio à pátria...” (A FOLHA DA NOITE, 12.11.1942). Seja como for, as possibilidades se estendiam para o campo da formação de contingentes cada vez maiores de mulheres como permitem entrever a propaganda veiculada no mesmo diário com a seguinte chamada 3 : “O Brasil precisa de Enfermeiras Samaritanas. Inscreva-se hoje mesmo!” (23.11.1942). No dia primeiro de dezembro, o jornal anunciava: “Mais uma turma de Samaritanas e Socorristas de emergência. Comemorando seu aniversário, a Cruz Vermelha promove a entrega de diplomas às jovens agora formadas”. Um dia depois, o jornal publicou: “Formadas nesse ano mais de 1.200 voluntárias socorristas” com menção à Associação Brasileira de Samaritanismo (A FOLHA DA NOITE, 02.12.1942). A visibilidade das ações da Cruz Vermelha Brasileira – Filial do Estado de São Paulo, em específico a Escola de Enfermagem, dirigida por Izabel Gomm, fazia com que esta mulher aparecesse com frequência em jornais paulistanos. Em uma dessas passagens, Gomm 4 informava: 2 [...] esta escola trabalha em estreita colaboração com a Diretoria da Cruz Vermelha e ministra três cursos: o de Voluntárias Socorristas, com duração de um ano; e o de Enfermeiras Profissionais em três anos. Mantemos para os vários cursos, aulas das 8 as 11, das 14 as 16, das 16 as 18 horas e uma aula noturna com início as 20 horas. Durante esses períodos de aula é mantido, também, um curso masculino. Já entregamos esse ano mais de 1.200 diplomas de voluntárias socorristas e cerca de 600 de samaritanas. São professores atualmente da Escola os Srs. Capitão José Oliveira Ramos, Tenente Ruy Faria, Ribeiro do Vale, Nelson Planet, C. A. do Espírito Santo, Avelar Fernandes, P. Aquino e as Sras. d. Elza Neves, d. Ruth Borges Teixeira e d. Sylvia Coelho. Terminando o curso teórico encaminhamos nossas alunas para um estágio nos Hospitais de Indianópolis, da Força Policial, Samaritano e Santa Casa. (A FOLHA DA NOITE, 02.12.1942). No dia seguinte, o jornal noticiava: [...] entre outros serviços e departamentos filiados a (sic) Cruz Vermelha Brasileira, é digna de menção a Associação Brasileira 2 O discurso foi publicado no jornal “A Folha da Noite” no dia 12 de novembro de 1942. 3 Em.. 23 de novembro de 1942. 4 O trecho expressa a grafia da época; portanto, devem ser desconsiderados desvios à norma padrão. 74 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 74 27/10/2015 10:33:57 de Samaritanismo presidida por d. Carminha da Silva Telles. Não podia ser mais oportuno o aparecimento dessa instituição, no momento em que o patriotismo e o sentimento das mulheres brasileiras, as induzem a se alistarem para serviços de guerra. (A FOLHA DA NOITE, 03.12.1949). As fotografias que estampam as matérias citadas revelam verdadeiros batalhões de mulheres a exemplo da divulgada no dia da Cruz Vermelha Brasileira, “brilhantemente comemorado”, na qual 208 mulheres vestidas de branco enfileiravam-se com destreza militar no Vale do Anhangabaú, região central da cidade de São Paulo. Como analisado por Campos (2006), a influência norte-americana e os acordos estabelecidos entre os dois países durante o Estado Novo permitiram a criação do Serviço Especial de Saúde Pública – SESP, agência norte-americana estabelecida no/anexa ao Ministério da Saúde, do Governo de Getúlio Vargas com poderes e autonomia de ação e financiamento. Sua existência data de 1942 como agência bilateral brasileiro-americana e, até sua extinção, em 1960, foi uma “agência internacional” que moldou comportamentos e apropriações e que ora exaltava o SESP e os Sespianos, ora os criticava, tanto por suas condições de atuação e remuneração, diferenciadas e elevadas diante dos demais servidores públicos, quanto pela possibilidade de intervenção direta dos Estados Unidos no Brasil; portanto, dos impactos e interferências norte-americanas na política interna. Embora fosse fundamental para o estudo do envolvimento dos Estados Unidos em políticas de saúde do Brasil, com especial atenção para no norte-nordeste, devido à geografia de guerra ressaltar as regiões como estrategicamente importantes, São Paulo assumiu o lugar de liderança de um dos principais projetos de cooperação norte-americana, que levou à construção de uma nova Escola de Enfermagem no Brasil como novo núcleo radiador da formação profissional pós-1930, capaz de assumir a condução política-institucional da formação em enfermagem brasileira como propunha o efeito demonstração, que regulava programas de saúde norte-americanos (CASTRO SANTOS, 1999). A construção de uma Escola de Enfermagem capaz de não somente receber grande contingente, mas treiná-lo a partir de uma formação renovada em conteúdo e pré-requisitos, reorganiza a enfermagem brasileira – episódio que implica considerar um momento de convergência entre medicina, saúde e história. Afinal, “[...] o estudo das origens do Sesp e de sua história nos ajudam na compreensão de como as ‘políticas internacionais de saúde’ desenhadas no século XX interagiram com as políticas nacionais e originaram instituições que marcaram as ações de saúde no século passado” (Campos, 2006, p. 15). O processo de americanização do Brasil encontrou na institucionalização das ciências aplicadas, com especial atenção à formação em Enfermagem, 75 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 75 27/10/2015 10:33:57 campo fértil para a disseminação da “política da boa vizinhança”. A carência de profissionais, o círculo geográfico, de abrangência do Sesp no Brasil, bem como a propaganda em torno da profissão, permitiam rápida absorção no mercado de trabalho, algo suficientemente tentador às mulheres desejosas por assumirem comportamentos americanizados, retratados em filmes hollywoodianos, rapidamente disseminados em salas de cinema montadas em todo o país como estratégia de imposição do novo modelo de vida e trabalho (Tota, 2000; Meneguello, 1986). Todavia, como ingressar no conjunto desse sistema, quais os requisitos exigidos e que permitiriam os acessos? Ainda que propagandas reverberassem o papel social renovado das mulheres, muitas se recusaram, duvidaram, recuaram, foram recusadas; porém, muitas outras vivenciaram momentos de controle e negociação, não somente obediência. As enfermeiras tinham assento reservado à mesa na resolução de questões vitais para a manutenção e desenvolvimento do trabalho hospitalar. Organizar um corpo profissional, capacitar um exército de mulheres, proteger o Brasil, retirá-lo da pobreza, da doença, que o caracterizavam como Terceiro Mundo, e ampliar a engenharia sanitária consubstanciavam discursos políticos promovidos por Vargas e justificavam acordos bilaterais como o Programa de Enfermagem. A disseminação de valores atribuídos como higiênicos e saudáveis, a assistência aos trabalhadores consolidadas pela legislação trabalhista, a mudança organizacional trazida pelo Estado Novo, reinventam o cotidiano brasileiro. A população passa a receber formação renovada quanto aos cuidados com higiene, alimentação e esportes, práticas de vida saudável que deveriam disseminar novos padrões de comportamento público e privado como proposto pelo Programa de Enfermagem. A Escola de Enfermagem da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, construída para ser o núcleo das mudanças requeridas, reverberava a modernização da Enfermagem, simbolicamente, ao rejeitar o ensino anteriormente aceito, renovando o trabalho da enfermeira. Miss Ella Hasenjaeger, consultora norte-americana, teve atuação preponderante nesse processo. Apoiada pela primeira Diretora, Edith de Magalhães Fraenkel, a consultora orientava a disseminação do novo modelo americano de formação e exercício profissional orientando alunas e professoras, organizando um grupo de mulheres brasileiras capazes de desenvolver mudanças requeridas no contexto e com poder de decisão (CARVALHO, 1980; SECAF; COSTA, 2007). Ella Hasenjaeger reestruturou perspectivas de trabalho e áreas de ensino/pesquisa desmerecidas na Reforma Sanitária de 1920. Com a fundação da Escola de São Paulo, na década de 1940, Hasenjaeger incluiu a disciplina Enfermagem Psiquiátrica no currículo, ainda que existisse historicamente. Também apoiou a instalação de serviços de saúde no interior do estado de São Paulo, desenvolveu projetos votados para a saúde pública, 76 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 76 27/10/2015 10:33:57 vinculados à Santa Casa de Misericórdia de Santos, e estabeleceu estágios e programas com os quais imprima uma disciplina acadêmica rigorosa, que instituiu um novo padrão de ensino e pesquisa para a enfermagem brasileira (Carvalho, 1980). A atuação de Hasenjaeger repercutiu em todo o Brasil o que permite supor o destaque de sua atuação no Programa de Enfermagem, algo atestado no conjunto da documentação gerada pelo envio de relatórios para a Fundação Rockefeller, nos Estados Unidos. Os relatórios eram assinados por consultoras que aturam em diferentes Escolas de Enfermagem no Brasil. Contudo, os relatórios de “Miss Ella” são redigidos como síntese dos acontecimentos nas diferentes escolas apoiadas, indicando o número de ingressantes nos cursos, os avanços alcançados, os projetos em desenvolvimento, cujos temas eram discutidos em encontros por elas promovidos como os que instituíram o Congresso Brasileiro de Enfermagem, cuja primeira edição, em 1947, resultou da organização de enfermeiras paulistas sob sua orientação. Notadamente, a fundação do Curso de Enfermagem da Universidade de São Paulo foi noticiada nas páginas dos jornais paulistanos com uma singular formalidade, com o mesmo texto em pequena nota, apresentada sob o título “Curso de Enfermagem”, na qual indicava: “[...] As pessoas inscritas para o curso de Enfermagem e que ainda não compareceram a (sic) sede para escolher as turmas de que professores fazem parte, de acordo com suas horas disponíveis devem fazê-lo com a maior urgência, de vez que o curso deverá ser iniciado dentro de poucos dias” (DIÁRIO DE SÃO PAULO, 31.11.1942; CORREIO PAULISTANO, 31.11.1942). A evidência reafirmava que a Escola de Enfermagem de São Paulo não tinha o mesmo apelo que a Enfermagem de guerra, não formava enfermeiras de guerra, cujo conteúdo se voltasse para a guerra, tampouco oferecia cursos de formação rápida (ainda que cursos para auxiliares fossem ali ministrados), mas para a liderança nos espaços públicos, como espaço de ensino e pesquisa voltado para a formação de vocações, de enfermeiras-chefe, inseridas em um projeto político maior e instruídas para o trabalho científico, academicamente formalizado. Todavia, é preciso destacar que um episódio reverbera a função social da Escola. Divulgado pela imprensa paulistana, o episódio sinalizava para a importância das enfermeiras-chefe em um surto epidêmico de meningite cérebro-espinhal, em 1948, “numa das importantes regiões do Estado bandeirante”. O potencial intervencionista da enfermagem, a função social da enfermeira-chefe, bem como os esforços das enfermeiras e alunas para adequar uma escola primária às capacidades de um hospital em local de difícil acesso, com poucos recursos, mas em “defesa da saúde do povo paulista”, enfatizava o potencial de intervenção social que a formação oferecia. A assinalada vitória do grupo de enfermeiras lideradas por Miss Ella Hasenjaeger ampliou a visibilidade da Escola e das mulheres que 77 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 77 27/10/2015 10:33:57 conduziram a campanha contra outra guerra, naquele momento interna, voltada para o combate de epidemias, pois, como enfatizava o slogan do Boletim Sesp “A doença não conhece fronteiras”. Com o título “A eficiência da Escola de Enfermagem de São Paulo”, o povo paulista começou a “colher os frutos daquela magnífica realização”, o Boletim do SESP estampava, em primeira página, a ação das enfermeiras e alunas da escola, afirmando: São Paulo já esta colhendo os frutos de uma Escola de Enfermagem modelo dentro da sua Universidade [...]. Hoje, a imprensa e o rádio paulista trazem as impressões de técnicos e de leigos, todos unânimes em reconhecer no trabalho dedicado e precioso das enfermeiras e das alunas da Escola de Enfermagem de São Paulo um dos fatores mais destacados da vitória contra o mal que lançou uma onda de terror no interior paulista. Num sábado o Dr. Paulo Antunes telefonou para a Sra. Edith Fraenkel, Diretora da Escola de São Paulo apelando para os seus préstimos naquele momento de mobilização dos instrumentos da Saúde Pública paulista para debelar o mal que se apresentava cada vez mais ameaçador. E no dia seguinte, apesar do pedido ter sido formulado à noite, já partiam para o local da epidemia a Enfermeira Especializada, professora da Escola e elementos pertencentes ao “staff” do SESP, Miss Ella Hasenjaeger, com duas enfermeiras e um grupo de alunas da Escola. Depois de uma viagem cheia de dificuldades, por estradas que tinham as suas condições precárias pioradas pelas chuvas, o grupo de enfermagem chegou a Casa Branca e iniciou o seu trabalho [...] (BOLETIM DO SESP, 1948, capa). Como indicado, a influência dos Estados Unidos no campo da Enfermagem foi intermediada pela atuação de consultoras. Miss Ella Hasenjaeger, atuou na Escola de Enfermagem de São Paulo entre 1942 a 1951, participou ativamente da institucionalização dos espaços de formação profissional como o Programa de Enfermagem e, também, do movimento associativo, da inserção da Enfermagem brasileira no cenário mundial, da proposta política de atuação e intervenção na saúde das populações no Estado Novo, o que atraiu o olhar estrangeiro a ponto de, não muito tempo depois, o Brasil sediar o encontro do International Council of Nurses, com aprovação do primeiro manual de comportamento ético em enfermagem no mundo. A proposta na qual Miss Ella se empenhava, visava a ampliar a enfermagem na América Latina. No Brasil, a assistência de enfermagem pouco acontecia, tendo em vista as restrições do modelo de ensino vigente, que favorecia o trabalho de visitadoras sanitárias. Conforme destaca Campos (2006), o Programa de Enfermagem do Sesp “[...] iniciou-se oficialmente em agosto de 1942, quando o Instituto de Assuntos Interamericanos (Iaia) aprovou 78 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 78 27/10/2015 10:33:57 o projeto Mais Enfermeiras de Saúde Pública para o Brasil. O propósito era “[...] assegurar padrões uniformes nos serviços de enfermagem no Hemisfério Ocidental...” (Boletim Sesp, ano apud Campos, 2006, p. 225). A permanência de Miss Ella Hasenjaeger em São Paulo e a construção da Escola de Enfermagem indicavam o potencial da Faculdade de Medicina e Saúde Pública no contexto. No Distrito Federal, os símbolos erigidos pela Escola de Enfermagem Anna Nery, que regiam o lendário padrão profissional, agiam como impedimento para o pleno desenvolvimento do Programa de Enfermagem, que anularia princípios norteadores da identidade profissional nas décadas de 1920 e 1930. A história permite considerar que a enfermagem brasileira recebeu forte influência do modelo americano referente à formação e ao aperfeiçoamento. O Decreto nº 20.109, de 15 de junho de 1931, promulgado durante a vigência da Reforma Sanitária de 1920, estabeleceu determinado padrão para funcionamento de escolas de Enfermagem com base em diretrizes teórico-práticas de escolas americanas do início do século XX. O sistema anglo-saxão, introduzido no Brasil por um grupo de enfermeiras lideradas por Ethel Parsons, a convite do governo e com o apoio da Fundação Rockefeller, era parte das mudanças propostas por Carlos Chagas, médico sanitarista, que chefiava o Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP em 1920. Embora a função principal dessas enfermeiras fosse combater a epidemia de febre amarela, elas fundaram uma escola para formar enfermeiras como mecanismo para dar continuidade aos trabalhos iniciados na capital da República, na época no Rio de Janeiro, pela Missão Parsons. O modelo forjou a identidade profissional da Enfermagem brasileira pela elitização de suas alunas, ainda que atendesse às necessidades do momento de cunho epidemiológico, a formação profissional e a atuação direta eram infinitamente menores do que a demanda, esta sempre crescente. A formação priorizava cuidados para febre amarela – embora doenças como tuberculose, hanseníase e outras questões de saúde pública fossem igualmente privilegiadas no exercício profissional –, mas restringia a inclusão de mulheres pobres, que poderiam ser bem aceitas, e impedia o ingresso de mulheres negras, excluídas por associações geradas em discursos eugênicos, darwinista-sociais, que consideravam os negros como degenerados, doentes e perigosos. Salienta-se que esse perfil intolerante assumido pelas elites brasileiras pode ser observado, ainda, quando Moreira (1999) informa que “não só as futuras alunas de enfermagem brasileiras foram alvo de ‘vigilância racial’. Isso aconteceu, também, com as enfermeiras norte-americanas, conforme mostra uma correspondência de 1922. A vinda de uma enfermeira descrita como mestiça – half-breed – foi avaliada, na época, como inconveniente ante a possibilidade de não ser bem aceita no Brasil (Moreira, 1999)”. Não obstante, esse episódio permite considerar que os impedimentos em relação 79 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 79 27/10/2015 10:33:57 aos negros no Brasil reiteravam a mentalidade nacional, pois nos Estados Unidos a Fundação Rockefeller já contratava enfermeiras afrodescendentes. Mary Eliza Mahoney (1845-1926) foi a primeira mulher negra a graduar-se enfermeira nos Estados Unidos pelo New England Hospital for Women and Children em 1879. Em 1909, organizou a primeira Convenção da National Association of Colored Graduate Nurses, descrita como “[...] important landmark in the development of black nursing” (Donahue, 1996, p. 272). Em oposição, o Programa de Enfermagem era um amplo projeto de formação profissional que avançava as fronteiras simbolicamente construídas pelo “modelo annaneriano” 5 fundado em uma perspectiva ultrapassada. Seu desenvolvimento envolvia não somente a cidade do Rio de Janeiro, mas Niterói, São Paulo, Goiânia, Manaus, Belém e Salvador, entre outras cidades beneficiadas pela ampla expansão dos serviços de saúde em curso, fomentados pelo SESP em parceria com os Estados Unidos e obtendo o apoio do Governo brasileiro, visto que este se apropriava politicamente do Programa, assim projetado: O planejamento seguia a seguinte estratégia: primeiro, o Iaia enviaria enfermeiras ao Brasil, encarregadas da reorganização de escolas já existentes, a começar pelo Distrito Federal e, posteriormente, cuidando de norte, nordeste e sul do país. Num segundo movimento, o Sesp fomentaria cursos superiores de formação profissional, com apoio da Fundação Rockefeller. A terceira providência envolvia a Fundação Kellog, mediante a concessão de bolsas de estudo de graduação e pós-graduação para a formação de enfermeiras brasileiras nos Estados Unidos, enquanto o Sesp promovia bolsas para a formação nas escolas brasileiras. Uma última medida compreendeu a instituição de cursos de curta duração para enfermeiras práticas e visitadoras sanitárias e de um “projeto especial”: a fundação da Escola de Enfermagem de Manaus, para preparar enfermeiras para a região amazônica. (Campos, 2006, p. 227). O Programa de Enfermagem permitia a Getúlio Vargas tornar real a política voltada para os pobres como uma guerra interna a ser vencida. Critérios como nível de pobreza e saúde impactavam na caracterização do país como pertencente ao Terceiro Mundo, o que alimentava imagens desabonadoras, que marcaram a história do Brasil como um local cuja miscigenação degenerou o povo brasileiro, representado como despreparado, inculto, pobre e doente. Chalhoub (1996, p. 29), ao tratar o surgimento da ideologia da higiene no final do século XIX, comenta que as classes pobres “[...] não passaram 5 Modelo adotado pela Escola de Enfermagem Anna Nery. 80 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 80 27/10/2015 10:33:57 a ser vistas como classes perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho e a manutenção da ordem pública. Os pobres ofereciam também o perigo do contágio [...]”. A representação do pobre como doente, degenerado, ao mesmo tempo em que impunha natural supremacia, balizava rigores impostos ao papel social da enfermeira como os propostos na Reforma Sanitária de 1920, pois representava negros e pobres como perigosos. Então, questionava-se como inserir essa população no âmbito social mais amplo. Na década de 1920, moças recrutadas e enquadradas no padrão proposto para a Enfermagem annaneirana raramente sairiam do Distrito Federal para atuarem no interior do país, longe das garantias que a vida citadina propiciava. A demanda local era suficiente para impedi-las; contudo, as recusas ampliavam dificuldades existentes no interior do Brasil, pouco desenvolvido, mas que era uma região de interesse estratégico norteamericano. O Programa de Enfermagem rompeu com a elitização do antigo modelo, inseriu homens e mulheres de classes médias e pobres na profissão, ainda que pré-requisitos como grau de escolaridade restringissem os acessos. Todavia, ilustres inominadas preenchiam os requisitos a exemplo de Josephina de Melo, Lydia das Dores Mata, Maria de Lourdes Almeida que, entre outras, redimensionaram a identidade profissional pós-1930 (Souza Campos; Oguisso, 2006). De todo modo, a Enfermagem era imperiosa no discurso desenvolvimentista que emoldurava a política no Estado Novo, pois suas práticas promoveriam a saúde necessária aos bons trabalhadores, imagens diametralmente opostas aos critérios que desclassificavam o Brasil. No início do século XX, as transformações no âmbito da assistência à saúde levaram à formação de “enfermeiras-chefe”, profissionais capazes de administrar e liderar equipes em espaços hospitalares, programas políticos e de assistência pública a partir de um saber especializado no campo da Administração e das práticas de ensino norteadoras da orientação profissional. Mesmo considerando que a orientação profissional da Enfermagem brasileira tenha sofrido influência americana, durante muito tempo o americanismo forjou uma imagem desabonadora da América Latina como justificativa para a manutenção de programas que os inseriam diplomática e estrategicamente nos governos, como o Programa de Enfermagem. Opostas às da realidade americana, as imagens dos países sul-americanos evocavam atraso econômico e subdesenvolvimento. Pobreza e falta de assistência médico-hospitalar caracterizavam a fragilidade de políticas públicas de saúde e classificavam as populações latino-americanas como inferiores. No caso brasileiro, o interesse dos Estados Unidos em manter bases aéreas no norte/nordeste se coaduna com a filantropia populista de Getúlio Vargas, ou seja, o Programa de Enfermagem permitiria que muitas questões indissociáveis fossem “combatidas” a partir de uma única estratégia: ampliação significativa do número de enfermeiras. 81 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 81 27/10/2015 10:33:57 Ao modernizar o país, o programa varguista imprimiu uma visibilidade diferente à nação, desvinculada das faltas existenciais e institucionais que inferiorizavam os brasileiros. Em São Paulo, no contexto, a construção do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, bem como a construção da Escola de Enfermagem resultam da intervenção americana e consubstanciam o Programa de Enfermagem (MARINHO, 1999; MOTA; MARINHO, 2010). Os discursos políticos e as representações da sociedade brasileira refletiam o caráter populista assumido na ascensão política de Getúlio Vargas, que impunha uma nova condução à sociedade via inclusão das massas na participação social, via assistencialismo e legislação trabalhista. A historiografia permite considerar que o “pai dos pobres” pretendia estabelecer o controle o mais eficiente possível sobre [...] os pobres e a classe trabalhadora do país para usá-los como uma base essencialmente passiva de apoio político, e também como fonte de mãode-obra (sic) barata e aquiescente para a economia industrial em expansão” (Andrews, 1998, p. 284). Em todo o Brasil, particularmente no Estado de São Paulo, a “era Vargas” proporcionou profundas transformações, visto que, representado pela metáfora da locomotiva, simbolizava a modernização do país. Com 1,3 milhões de habitantes em 1940, a capital paulistana promovia o crescimento da classe trabalhadora urbana e concentrava um número expressivo de indústrias, movimentando grande parte do capital empregado no Brasil, potencial que atraia uma nova geração de políticas públicas e de cooperação internacional com países da América Latina, iniciada “[...] por uma corrente de intelectuais americanos que se formou principalmente depois da Primeira Guerra Mundial [...] os splendid drunken years”, vale dizer, momento de grande expansão da economia, intensa mecanização da produção e um crescimento vertiginoso do mercado, que produzia tudo em massa (Tota, 2000). Deste grupo, emerge a figura emblemática de Nelson Aldrich Rockefeller – segundo filho de John D. Rockefeller Jr., de família multimilionária, dona da Standard Oil Company, empresa presente em vários países da América Latina –, graduado em estudos econômicos pelo Darmouth College, em 1930, e educado em preceitos evangélicos de cunho protestante. A biografia de Nelson Rockefeller indica que a inclinação para os negócios era inferior à familiaridade e ao interesse que mantinha com as artes (Tota, 2000). A característica herdada do lado materno, proporcionou, sob influência da mãe, que ele assumisse a presidência do Museu de Arte Moderna (MOMA) e fosse conselheiro do Metropolitan Museum, em Nova York. Sua ligação com o universo das artes plásticas tornou-se relevante, pois foi este aspecto que o aproximou das manifestações artísticas da América Latina, assim, da realidade vivida nos países sul-americanos. Da mesma forma, sua atuação em atividades propriamente econômicas, exercidas junto ao Departamento de Negócios Estrangeiros, do Chase National Bank, exigia que viajasse 82 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 82 27/10/2015 10:33:57 com frequência pela América Latina. Essas viagens redimensionaram as ações missionárias, evangélicas e filantrópicas da Fundação Rockefeller no subcontinente, em especial, propiciaram a criação do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos) – OCIAA, denominado, posteriormente, Institute of Inter-American Affairs – IIAA. Balizado por acordos bilaterais, os entrelaçamentos resultantes desse processo permitiram experiências renovadas para mulheres no Brasil, o que redimensionou a história da Enfermagem brasileira. Liderança paulista: As Enfermeiras-chefe A profissionalização da Enfermagem proposta pela Escola de Enfermagem de São Paulo caracterizava a saúde pública como prioritário ao bem-estar da população e ao desenvolvimento físico e intelectual da nação – critérios utilizados pela Fundação Rockefeller para aplicação de investimentos no campo da saúde no Brasil. Intermediado pelo Serviço de Especial de Saúde Pública (SESP), estabelecido pelo acordo bilateral entre o governo americano e brasileiro pós-1930, o novo estabelecimento de ensino foi criado para ser um dos mais bem equipados da América Latina. Deveria ampliar a visibilidade e as potencialidades da Enfermagem para a disseminação de padrões de comportamento social, inclusive de consumo, com a valorização de bens e produtos fabricados nos Estados Unidos. Nelson Rockefeller, o “amigo americano”, conforme sintetizou Tota “[...] queria conquistar corações... E bolsos” (2008). Parte de um amplo projeto americano instalado no Brasil durante o Estado Novo, o ensino da Enfermagem brasileira imprimia novas possibilidades de atuação da enfermeira como administradora, por participar da organização da vida médico-hospitalar, da compra de produtos médico-cirúrgicos, produtos de higiene, ferramentas de trabalho, uniformes. As enfermeiras assumem o cuidar/cuidado como objeto de estudo sistematizado, teórico e metodologicamente organizado em protocolos, que moviam a administração sanitária. O consumo dos produtos fabricados por americanos em áreas da Farmacologia, da Engenharia, da Medicina, conferia uma condição diferenciada à participação feminina no espaço público. Sem querer incorporá-las no interior de uma narrativa pronta ou em perspectiva essencialista, conforme destaca Maria Isilda S. de Mattos (2000), as experiências sociais, que se articularam na conjuntura, abriram possibilidades de atuação feminina pela via da Enfermagem, processo que colabora para reinventar a totalidade histórica. 83 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 83 27/10/2015 10:33:57 O inexpressivo contingente de enfermeiras existentes no Brasil exigia rápida formação, treinamento de pessoal, organização de mulheres que respondessem às necessidades de contratação em serviços públicos de saúde que estavam instalados em todo o território brasileiro como os liderados pelo SESP, com especial atenção para Goiás, Amazonas, Pará e Bahia, cujo círculo desenhado pela geografia dos estados incluía São Paulo e Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro e demarcava o interesse americano por instalação de bases militares passivas antiaéreas em solo brasileiro. Nota-se, portanto, que a relação estabelecida durante o Estado Novo entre Brasil e Estados Unidos emergiu de uma aliança estratégica, de guerra, utilizada por Getúlio Vargas para efetivar seu projeto desenvolvimentista para o Brasil e extrair benefícios para sua política internacional, pois intercalava discursos que ora exaltavam o pan-americanismo, ora evidenciavam o aumento no comércio de compensação com a Alemanha. O ideal era conquistar financiamento para a construção de uma usina siderúrgica de controle estatal, reequipar as forças armadas, mas também ampliar a promoção da saúde pública no Brasil com a formação de profissionais que ocupassem cargos em instituições públicas criadas para o projeto nacional desenvolvido na era Vargas. A saúde pública assumiu vital importância no decurso das políticas no Estado Novo, pois o Brasil não dispunha de um contingente profissional capaz de desenvolver o projeto nacional, as ações totalitárias do estadista. Como era representado por uma população doente, fraca, incapaz, o Brasil alteraria significativamente a visibilidade frente às demais nações ao se alinhar ao pan-americanismo de origem norteamericana. A Escola de Enfermagem de São Paulo deveria assumir a condução da nova profissionalização, da divulgação da enfermagem no Brasil no pós-1930. Sua existência, enquanto projeto, recuou no tempo histórico e fez emergir registros e referências acerca da exigência da construção de uma Escola de Enfermagem como consequência do apoio concedido pela Fundação Rockefeller à Faculdade de Medicina, em 1916. Contudo, somente em 1940, após a histórica reunião de Campos do Jordão, composta pelo Interventor do Estado de São Paulo, Adhemar de Barros, e representante da Fundação Rockefeller, Mary Tenant e Fred L. Soper, Diretor do Conselho Sanitário Internacional, foi encaminhado um memorial6 à alta administração daquela Fundação, no qual se apresentavam pontos essenciais para a criação da Escola, entre os quais se destacavam: 1) Abandono do licenciamento de enfermeiras práticas; 2) Abandono do atual curso de enfermeiras do Departamento de Saúde e outras instituições oficiais; 3) Creação da Escola Universitária de Enfermeiras com: a) Residência adequada, laboratórios e salas 6 Este é um trecho do texto original; por isso, devem ser desconsiderados quaisquer desvios à norma padrão. 84 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 84 27/10/2015 10:33:57 de aula necessárias nas proximidades da Faculdade de Medicina, Instituto de Higiene e Hospital de Clínicas; b) Matrícula limitada às graduadas nas Escolas Normaes (professoras), conforme já é exigido para as educadoras atuaes; c) Matrícula limitada às solteiras e viúvas, tendo todas que residir na Escola de Enfermagem; d) Curso de 3 anos, pelo menos [...] (Carvalho, 1980, p. 29). As propostas previam a reestruturação do modelo educacional vigente, bem como dos critérios de inscrição em cursos de Enfermagem. Pensado como profissão para mulheres, o curso deveria funcionar como internato, outorgar título universitário e limitar vagas a solteiras e viúvas. Edith de Magalhães Fraenkel, segundo Porto (2007), ao abordar o tema em conferência no Primeiro Congresso Nacional de Enfermagem, realizado em 1947, organizado pela Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas – ABED, atual Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn e Escola de Enfermagem de São Paulo, seu discurso não desprezou tradições e reiterou a importância capital e simbólica das mulheres na profissão, inclusive, supõem-se, como estratégia para não provocar abalos profissionais maiores entre as enfermeiras na medida em que alteraria o modelo de formação vigente. Como reafirma Porto (2007, p. 166): A Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, através do apoio do Estado, durante a reforma sanitária e apoiada pela Fundação Rockfeller, foi uma instituição que nasceu em berço esplêndido, logo, nasceu para ter poder e prestígio diante das demais escolas de enfermeiras daquela época. A desarticulação do modelo de prestígio construído não foi aceita passivamente por enfermeiras presas às tradições, que se ocupavam do campo simbólico presente no imaginário social. De todo modo, a formação existente não supria a demanda gerada pelo Programa de Enfermagem, portanto, deveria ser destituída. Edith de Magalhães Fraenkel foi fundamental para a mudança da formação profissional ao identificar novos espaços sociais de tratamento e cura, visitar escolas norte-americanas, inserir a Enfermagem na dinâmica das transformações exigidas pela nova ordem social. Ao apresentar outras diretrizes de ensino, pesquisa e extensão que remontavam o discurso amalgamado em torno do projeto executado pela Reforma Sanitária de 1920, Fraenkel articulou propostas, executou projetos, redesenhou políticas que, de algum modo, impactaram no desenvolvimento do tratado internacional estabelecido. O tema e suas implicações foram alvo de palestras, apresentação de trabalhos e discussões que fizeram parte do programa do Segundo Congresso Nacional de Enfermagem, em 1948, no Rio de Janeiro, 85 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 85 27/10/2015 10:33:57 com grande repercussão (CARVALHO, 1980; SECAF; COSTA, 2007). A permanência do tema, os rumores de debates acalorados entre os núcleos constituídos, iniciados na primeira edição do evento, em 1947, permitem inferir que a nova formação proposta não se tratava de algo localizado, nem poderia ser considerada um debate irrelevante. O interesse no campo da educação profissional objetivava elevar a formação da Enfermagem brasileira retirando-a dos domínios da prática religiosa (muitas escolas eram mantidas ou dirigidas por ordens religiosas), do mito fundador da Enfermagem nacional (que produzia uma Enfermagem restritiva do ponto de vista do trabalho), para inseri-la no campo das profissões academicamente instituídas, das políticas públicas Resultado do acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, o SESP visava a manter, em cada estado da confederação, polos radiadores do ensino de Enfermagem, administrados por enfermeiras diplomadas por escolas atendidas e apoiadas pelo Programa de Enfermagem, sobretudo a Escola de São Paulo, mas também de Goiás, Amazonas, Pará, Bahia e Rio de Janeiro – neste caso, Escola Luiza de Marillac, curiosamente de orientação religiosa, e a escola de Niterói. Destaca-se que enfermeiras americanas atuavam como consultoras técnicas em escolas existentes ou criadas pelo SESP, entre elas: Clara Barton, Clara Curtis, Tessie Willis, Frances Helen Zeigler, Dorothy Doyle, compunham o quadro de consultoras americanas do Programa de Enfermagem. E essa última, assim comentou 7: Miss Dorothy Doyle, enfermeira norte-americana, especializada em saúde pública, foi designada pelo Instituto de Assuntos InterAmericanos, para servir em Belém do Pará, junto ao “Serviço Especial de Saúde Pública”, orientando os trabalhos relacionados com a infância e a maternidade. Miss Doyle, que é de côr e natural de Nova York, além de seus estudos no Centro Maternal daquela mesma cidade, fêz o curso na Universidade de Columbia e na Escola de Enfermeiras do Mercy Hospital, de Philadelphia, sendo diplomada pelas duas instituições. Entre outras atividades pertinentes a sua profissão, a enfermeira americana, que em breve estará a caminho do Brasil, ditará um curso básico de obstetrícia, além de realizar um programa de visitas aos Centros de Saúde do Vale do Amazonas, usando para tal barcos fluviais, segundo o indicado pelas condições locais. Os seus serviços, igualmente, serão aproveitados pelo Centro de Treinamento de Enfermeiras, no Rio de Janeiro. Sua experiência internacional como enfermeira de saúde pública foi adquirida quando em missão desempenhada para o 7 Esse texto – publicado no Boletim do SESP (n. 68, p. 8), em março de 194 – foi mantido sem correções a fim de preservar a autenticidade do relato. 86 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 86 27/10/2015 10:33:57 Comité de Auxílio e Reabilitação das Nações Unidas, levada a efeito na China entre 1945 e 1947, onde lecionou em um curso de nutrição e saúde pública, ministrando, igualmente, conhecimentos modernos de proteção à malária (BOLETIM DO SESP, n. 68. Mar. 1949, p. 8) Assim como os boletins publicados periodicamente pelo SESP, os relatórios apresentados e escritos por essas mulheres constituem fonte inestimável para o reconhecimento das intervenções americanas no campo da enfermagem brasileira, pois registram movimentos em torno da formação de um novo contingente profissional, de construção de uma nova identidade. A perspectiva apontada em relatórios escritos periodicamente (mensais, bimestrais, trimestrais e anuais) e encaminhados para a Fundação Rockefeller revela processos de substituição do modelo de Enfermagem vigente no Brasil, cujos tentáculos ainda não foram suficientemente explorados. Após duas décadas de instalação, a formação profissional adotada encontrava-se distanciada das necessidades políticas, sociais do Brasil, de mercado e trabalho, cuja demanda ampliava os indicadores de recursos na área da saúde como financiamentos e aplicações financeiras como resultado direto da construção de hospitais e clínicas particulares, decorrentes da urbanização e modernização da sociedade brasileira, da ação do governo nos estados, das ações que pautavam os acordos bilaterais e que sugeriam o desenvolvimento da qualidade de vida do povo brasileiro. A oficialização do ensino de Enfermagem no Brasil revelou sua face discriminatória. Além de avessa ao ensino de Psiquiatria, historicamente oferecido pela Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, do Hospício Nacional de Alienados (Moreira; OGUISSO, 2005), era contrária à inclusão de homens e mulheres negras na profissão, elitizada demais para que suas alunas fossem trabalhar no interior do Brasil em estados do norte/nordeste. O esplendor da formação e orientação profissional restringia os alcances esperados e projetados pelo Programa de Enfermagem, convém afirmar, ritos anteriormente aceitos não se coadunavam com a proposta do Sesp, com a prática assistencialista e popular de Getúlio Vargas. A carência de enfermeiros ampliava índices de pobreza e doença que caracterizavam o desenvolvimento social dos países, critérios utilizados pelas agências de economia norte-americanas para investimentos e movimentações financeiras. Assim, a reforma dos serviços de saúde, efetivada com apoio da Fundação Rockfeller, de formação profissional, construção de hospitais, engenharia sanitária, instalação de bases de atendimento e pesquisa no interior prenunciavam iniciativas de desenvolvimento cujos impactos favoreciam o campo. Os emblemas erigidos em torno da Escola de Enfermeiras do DNSP, identificada como Escola de Enfermagem Anna Nery, em 1923, que constituiu padrão de ensino ao qual deveriam se equiparar as demais escolas existentes, que restringia possibilidades de 87 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 87 27/10/2015 10:33:57 ingresso na carreira de mulheres tipicamente brasileiras, moças negras, mulatas e pobres, não se coadunava com o Programa de Enfermagem. Era imperioso incluir e formar mulheres e homens no campo da enfermagem em todo território como fator decisivo para o Programa de Enfermagem; deste modo, tratava-se de reconduzir o modelo anteriormente preconizado como ideal e simbolicamente disseminado como padrão (Barreira, 1997; Souza Campos; Oguisso, 2006). Certamente, os movimentos sociais que levaram à modernização das tecnologias hospitalares exigiam preparo e aperfeiçoamento de enfermeiras, bem como a formação de um significativo contingente de mulheres capazes de desenvolver o “efeito demonstração” (CASTRO SANTOS; FARIA, 2004). Para tanto, o Programa de Enfermagem do SESP financiou construção e reformas em escolas, cursos de inglês, e concedeu bolsas de estudos voltadas para o curso básico de enfermagem, de três anos, no Brasil e nos Estados Unidos, neste caso, em cooperação com a Fundação Kellog, bem como bolsas para enfermeiras diplomadas voltadas para a realização de cursos de saúde pública nos Estados Unidos. O Boletim SESP (1948, p. 31).publicou: “[...] até 1947, 42 moças foram contempladas com bolsas de estudos para o curso de 3 anos nas escolas de enfermagem do Rio de Janeiro, São Paulo e Niterói; 22 haviam sido enviadas para o curso básico de 3 anos nos Estados Unidos e 14 para cursos pós-graduados de 1 ano, também nos Estados Unidos”. Pós-1930, considerado novo centro irradiador da formação profissional, a Escola de São Paulo renovava a formação profissional por intermédio de métodos e técnicas de ensino e pesquisa aos moldes dos que estruturavam a enfermagem americana como as universidades da Philadelphia, Boston, Mineapolis, Pittisburg, Chigago e New York. A Escola de São Paulo iniciou um novo capítulo da história da enfermagem brasileira ao formar contingentes capazes de gerenciar serviços de enfermagem em todo o território nacional, incluir moças que viviam no interior do país, em estados longínquos, por intermédio de concessão de bolsas de estudo como mecanismo para o alcance dos objetivos propostos. Diante das possibilidades, é possível afirmar que viagens eram recorrentes, pois muitas enfermeiras participavam de congressos e eventos que reuniam representantes de todos os continentes, o que as tornavam cosmopolitas. A organização política e social de enfermeiras colaborou para a construção de uma identidade cultural feminina como apontou Julia Hallam (2000, p. 1) ao indicar: “The theoretical frameworks that shape this analysis of nursing’s professional image and identity are located in feminist cultural studies, a practice that has at the centre of its concerns how texts construct knowledge of the self in relation to the social word” 8. A primeira turma de diplomadas pela Escola de São Paulo contava com 16 alunas, oito das quais contempladas com bolsas de estudos nos Estados 8 (Hallam, 2000, p. 1, tradução nossa). 88 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 88 27/10/2015 10:33:57 Unidos, todas contratadas como professoras da Escola de Enfermagem de São Paulo. O primeiro grupo docente, composto e dirigido por Edith de Magalhães Fraenkel, incluía: Zélia Constantino de Carvalho, Ruth Borges Teixeira, Haydée Guanais Dourado, Yolanda Lindenberg Lima, Maria Rosa Sousa Pinheiro, Glete de Alcântara e Clarice Della Torre Ferrarini, esta colaboradora na supervisão das estudantes em estágios no Hospital das Clínicas, para o qual havia sido contratada (Carvalho, 1980; Secaf; Costa, 2007). O corpo docente, que havia estudado nos Estados Unidos, disseminava o modelo americano de assistência de Enfermagem e fazia do ensino na Escola de São Paulo o mais moderno e atualizado do Brasil. O Jornal do Comércio, que circulava no Rio de Janeiro na década de 1940, noticiou a formatura da segunda turma da Escola de Enfermagem de São Paulo como um “auspicioso acontecimento”. A visibilidade conferida pela publicação na imprensa carioca, não por acaso, pretendia tornar pública as ações realizadas pelo SESP no Brasil e a liderança paulistana nesse processo deveria atingir a capital da República. A segunda turma era composta sintomaticamente por bolsistas de vários estados como identifica um trecho da seguinte matéria: As novas graduadas, cujos nomes damos a seguir, pertencem a dez Estados diferentes do Brasil. Amazonas: Garcilia do Lago Silva, Josephina de Mello, Lydia das Dores Mata. Pará: Ana Abigail Mota de Siqueira, Jovina Ferreira Malheiros Prado, Lúcia da Conceição Costa, Maria de Lourdes Almeida, Minervina Zoghbi. Ceará: Maria Cleyde Teixeira Barroso, Maria Perales Ayres e Nadyr Corrêa Vianna. Sergipe: Elze Maria Paes Barreto. Minas Gerais: Feiga Langfeld. Bahia: Isabel Maria de Mesquita, Jacy de Souza Moraes e Moema dos Santos Guedes. São Paulo: Antonieta Chiarello, Daisy Miranda Gifford, Edith Ferraz Coelho, Eliza Pinto, Francisca Piffer Sarmento, Jandyra Alves Coelho, Jesuína O. Martins Evangelista, Judith Perez, Laide Marques Leme, Lourdes Pereira, Maria Amélia Pinto, Maria do Carmo Andrade Bordin, Maria José Braga, Odete Victoria Rita Mascagni, Olga Verderese, Ophelia de Barros Castro e Raulina Pereira. Paraná: Ruth Cruz Gentil. Santa Catarina: Helena Bienhachwski. Rio Grande do Sul: Celina Jaeger Birnfeld [...]. (Jornal do Comércio, 23/11/1947, p. 5). A participação de Miss Ella Hasenjaeger, Mestre em Enfermagem pelo Teacher´s College, Columbia Universit, New York, contribuiu significativamente para a mudança na Enfermagem brasileira. O desconhecimento por parte da historiografia dos impactos provocados pela influência americana na enfermagem brasileira, assim como das ações realizadas por consultoras americanas, remonta um capítulo significativo da história da enfermagem, em construção. Contudo, as evidências desse 89 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 89 27/10/2015 10:33:57 reconhecimento permitem observar que Miss Ella instituiu no currículo da Escola de São Paulo estágios em Enfermagem psiquiátrica inexistentes em Escolas de Enfermagem do país, imprimindo novas perspectivas de formação e trabalho para as enfermeiras, como afirma Carvalho (1980, p. 48): “Sob responsabilidade de Miss Ella, como era chamada, a classe de 1946 fez estágio de enfermagem psiquiátrica no Hospital Central de Juqueri, iniciando uma prática estendida mais tarde a alunas de outras escolas pelo sistema de ‘filiação’ à Escola de Enfermagem de São Paulo”. O sistema de filiação permitia a outras instituições o encaminhamento de alunas para estágios como os promovidos pela equipe de Miss Ella na Escola de São Paulo nas áreas de Psiquiatria e Doenças Transmissíveis. Alunas de diferentes escolas brasileiras e países vizinhos participaram das atividades desenvolvidas no sistema de filiação, pois como noticiava o jornal A Gazeta, na manhã de 17 de julho de 1943, “Em São Paulo, a maior Escola de Enfermagem da América do Sul”. A construção da Escola de Enfermagem, que recebeu visita de Nelson Rockefeller ao Brasil – para supostamente “verificar a eficácia do trabalho de sua agência em setembro de 1942” (Tota, 2008) –, consubstanciava a ruptura com uma Enfermagem de abrangência local, militarizada, para uma atuação voltada para o desenvolvimento social, pautada em decisões e intervenções políticas, cujas primeiras incursões permitem novas indagações ao campo da história da Enfermagem. As iniciativas preconizadas pela Escola de Enfermagem de São Paulo, propostas por Miss Ella Hasenjaeger, repercutiram positivamente em diferentes espaços de formação profissional organizados em território brasileiro e latino-americano. Elogiado, o trabalho da enfermeira americana foi recomendado por dirigentes de organismos públicos de assistência a saúde como fez Isaura Barbosa Lima, chefe da Seção de Enfermagem, do Departamento de Organização Sanitária, do Ministério da Educação e Saúde que, em 1946, ao divulgar os trabalhos da consultora americana entre escolas de enfermagem brasileiras tradicionais (CARVALHO, 1980). As trocas constantes de correspondência entre as líderes da enfermagem desfiam tramas existentes, gentilezas exacerbadas: [...] em carta dirigida em 1946 a Edith Fraenkel, após uma visita à EE, diz que relatou “à diretora da Escola de Enfermeiras Anna Nery as maravilhas do que observei relativamente à organização da Escola de Enfermagem mais a do Hospital das Clínicas e do trabalho das alunas no Hospital Juqueri. [...] E termina dizendo do desejo da diretora daquela Escola de mandar suas alunas a São Paulo para estagiarem no Juqueri, sob a orientação de Miss Hasenjaeger. (Carvalho, 1980, p. 48). As questões eram documentadas, havia orientação centrada no registro das ações, inclusive, como proteção e prova. Os relatórios seguiam um 90 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 90 27/10/2015 10:33:57 padrão, eram datilografados em língua inglesa, com tópicos que se seguiam e demarcavam os pontos de interesse específico, eram técnicos, mas a enfermeira americana, que atuava como consultora na Escola de São Paulo, ao redigir o Relatório 111, encaminhado ao Nursing Training Division of SESP, em 1947, permite analisar que as impressões oferecidas por essas mulheres, que extrapolavam o número de alunos ingressantes, reuniões, atas, eram decisórias, reiteravam distinções da geografia local, a carência de profissionais que suprisse as demandas existentes no Brasil. Os relatórios das consultoras norte-americanas eram documentos que mediavam altos investimentos no campo da saúde, mas também de mobilidade, de interferência. At present there are about 700 graduate nurses for a population of about 47 million, distributed over an area of 3.386.000 square miles. Which means it is 3 times larger than Argentina, and equal to the United States in size, with an addition of the state of Texas. It is interesting to note that of the approximate 500 graduate nurses employed at present, 250 are employed in public health nursing distributed from the Amazonas to the Rio Grande do Sul, a distance of about 4.000 miles. The remaining 250 are almost exclusively, serving in Schools of Nursing (FSESP/COC/FIOCRUZ) A necessidade premente de enfermeiras para serviços de saúde, que atingisse a massa da população brasileira, instalados pelo SESP era suficiente para ampliar investimentos no setor. Nos anos em que atuou no Brasil, Miss Ella empregou o modelo de organização e administração de escolas para enfermeiras americanas pautado no Guia Curricular para Escolas de Enfermagem, originalmente publicado sob a denominação A Curriculum Guide for Schools of Nursing, editado em 1917, revisado e publicado em 1927, e com a terceira e última revisão realizada em 1937, preparado pela Comissão de Currículo da Liga Nacional de Educação em Enfermagem, que publicou a obra. Essa matriz orientava o manual intitulado “Fundamentos de uma Boa Escola de Enfermagem”, publicado originalmente em 1936 pela Liga Nacional do Ensino de Enfermagem, em Nova York, com a segunda edição publicada no Brasil, em 1951, pelo SESP. A segunda edição do manual, revisada pela comissão especial presidida por Stella Goostray, foi publicada nos Estados Unidos em 1942 e somente em 1951 recebeu a tradução para o português por Haydée Guanais Dourado, ex-diretora da Escola de Enfermagem da Universidade da Bahia, em parceria com Celina Viegas, ex-diretora da Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo, de Juiz de Fora, Minas Gerais. Além das questões didáticas, de estrutura curricular, a Escola de Enfermagem de São Paulo mantinha um padrão de gerenciamento 91 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 91 27/10/2015 10:33:58 departamental, com reuniões periódicas, nas quais seriam discutidas e tomadas as decisões institucionais, definidas as estratégias de formação profissional e os recursos necessários como tradução de textos, a organização de biblioteca, o acompanhamento em estágios, a publicação de artigos, além de aulas, eventos, e questões relativas à vida cotidiana em uma escola/internato. A escolha por São Paulo para abrigar o núcleo irradiador da formação profissional considerou o relevo da Medicina paulistana, o lastro da Fundação Rockefeller nas origens da Faculdade de Medicina e Faculdade de Saúde Pública, bem como a modernização do Hospital de Clínicas em meados dos anos 1940 para construir o 11º prédio modernista da cidade, que abrigaria a Escola de Enfermagem de São Paulo, parte de um processo de criação dos aparatos nacionais de saúde e assistência no período Vargas. São Paulo assumia destaque no campo da saúde, palco da formação por excelência que ainda mantém. Em 1951, durante homenagem por ocasião da cerimônia de despedida da consultora Miss Ella Hasenjaeger, Edith de Magalhães Fraenkel assim caracterizou a enfermeira no período de sua atuação no Brasil: Consultora de enfermagem desta Escola, desde 1944, foi para nós mais que uma simples representante da política de Boa Vizinhança. Integrou-se ao grupo que se propunha não a discutir diplomas, mas a formar verdadeiras enfermeiras. Foi, nesse grupo, sempre força estimulante, e sua benéfica influência se fez sentir não só em São Paulo, como em quase todos os Estados do Brasil [...]. (Carvalho, 1980, p. 49). Autora do livro “Assepsis in Communicable Disease Nursing”, publicado em 1944 pela editora Lippincott, Philadelphia, organizou estágios de Psiquiatria no Hospital de Juqueri, legado de referência para estudos do campo na América Latina, dirigido por médicos ilustres como Francisco Franco da Rocha e Antonio Carlos Pacheco e Silva, que se afastou das atividades de direção para organizar a Clínica de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Souza Campos, 2003). Miss Ella Hasenjaeger estendeu sua cooperação a todas as entidades que a solicitavam e com elas estabelecia parcerias, legava auxílios, bolsas de estudo. Auxiliou o Hospital das Clínicas na organização de enfermarias de Doenças Contagiosas e Tropicais. Colaborou com o SESP junto aos estudos e planejamentos para a implantação de Escolas de Enfermagem e hospitais em diferentes estados do Brasil e atuou poderosamente na reorganização da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas – ABED como revela Amália Corrêa de Carvalho, aluna da primeira turma: “[...] à Miss Hasenjaeger, as enfermeiras devem a atual estrutura da ABEn e as bases para seu rápido e progressivo desenvolvimento”. As estratégias exercidas 92 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 92 27/10/2015 10:33:58 pela consultora são destacadas pela memorialista da Escola de Enfermagem, aluna e professora, ao indicar que “[...] as diretoras das Escolas Anna Nery e Luiza de Marillac, do Rio de Janeiro, e São Vicente de Paulo, de Goiânia, solicitaram a Miss Hasenjaeger que fizesse uma visita ao campo de estágio de enfermagem em Doenças Transmissíveis por elas utilizado [...]” (CARVALHO, 1980, p. 49). Nesses episódios, usavam o avião para se locomoverem a exemplo dos eventos que organizavam e nos quais disseminavam protocolos debatidos em reuniões, palestras, conferências e encontros promovidos pela ABED. A Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, por intermédio da consultoria de Ella Hasenjager, desenvolveu o modelo de ensino fundado na pesquisa científica, no estudo acadêmico, na internacionalização. A formação profissional de uma Enfermagem para o Brasil foi resultado da cooperação norte-americana de enfermeiras e consultoras, que desenvolveram novo sistema de ensino, pesquisa e extensão amalgamando nesse processo uma liderança genuinamente brasileira, cujos relatórios de Miss Ella permitem entrever: In conclusion it would seem that the cooperative Governmental project which through the Serviço Especial de Saúde Pública constructed this Nursing School and residence added much the stimulate the interest of highly education young women in to nursing. If this schools continues to grow and develop its young graduates into the real value of an intelligent informed nursing service group, our next report for the International Congress of Nursing will show great improvement, as will the nursing service for Brazil be improved. Now, there is in evidence that this is the best school in Brazil. We hope this will not affect those beginning, by thinking they are so good, they don’t need more preparation. This attitude is not in evidence as whole among of graduates of our school. We want to send a number off for advanced educational programs to the States and England, since England has offered some “bolsas”. Respectfully submitted. December, 3rd, 1947. (FSESP/COC/FIOCRUZ). As enfermeiras souberam usar o poder de decisão para conquistas no campo da formação e especialização, que elevou sobremaneira o ensino de enfermagem no Brasil. A liderança paulistana consubstancia a transferência da ABED para a cidade de São Paulo, bem como o periódico “Annaes de Enfermagem”, que teve um aumento significativo da participação de enfermeiras paulistas em suas publicações e com atuação importante de Glete de Alcântara. O Primeiro Congresso Brasileiro de Enfermagem (originalmente Congresso Nacional de Enfermagem) foi realizado em 93 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 93 27/10/2015 10:33:58 São Paulo, em 1947, e organizado por enfermeiras professoras da Escola de Enfermagem de São Paulo como parte dos eventos que marcaram a fundação do prédio da Escola, entre as quais Maria Rosa Sousa Pinheiro. Nesse sentido, há evidências historicamente representativas do lugar assumido por São Paulo no âmbito da Enfermagem, do Programa de Enfermagem do Sesp, cujo desenvolvimento inseriu mulheres em um campo de negociações distintivas de políticas públicas de saúde do Estado Novo. Como indicado, existiam consultoras norte-americanas que desenvolviam projetos em outros estados do Brasil como o Programa Amazônia e Vale do Rio Doce, com a participação de enfermeiras como Agnes Chagas e Sumaia Cury que dirigiram a construção de escolas, formaram contingentes profissionais, instalaram serviços de saúde e outros programas nacionais e pan-americanos. Contudo, em São Paulo, com Miss Ella, a enfermagem brasileira foi redimensionada em suas bases teórico-metodológicas. Seu campo historicamente legítimo, politicamente interessante e mundialmente reconhecido consubstancia o viés acadêmico científico da Enfermagem brasileira. A permanência de Miss Ella Hasenjager na Escola de Enfermagem de São Paulo é parte de acordos bilaterais, do projeto norte-americano de ampliação dos serviços de assistência à saúde em diferentes partes do mundo, bem como da imposição do modelo de assistência que organizava os serviços de saúde nos Estados Unidos. No Brasil, o Programa de Enfermagem se coadunava com os propósitos políticos de Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Os modernos métodos de ensino, as influências políticas em jogo, a necessidade de inclusão das mulheres no trabalho urbano mantinham o plano de expansão da Enfermagem no Brasil como prioritário, ao mesmo tempo refletiram a atuação da consultora norte-americana, mas não somente ela. As atividades descritas nos relatórios permitem considerar a posição de Miss Ella no processo de formação profissional no Brasil pós-1930, mas também das enfermeiras que marcaram a primeira geração da liderança genuinamente brasileira, academicamente instruídas, cujo lastro permanece edificado. Referências Bibliográficas Andrews, G. R. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: EDUSC, 1998. Barreira, I. A. Os primórdios da enfermagem moderna no Brasil. Escola Anna Nery. Revista de Enfermagem, (número de lançamento), p. 161176, jun. 1997. Campoi, I. C. 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Rio de Janeiro. 96 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 96 27/10/2015 10:33:58 Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Fmusp e as Pesquisas Sobre a Fundação Rockefeller: Catálogo Seletivo e a Democratização do Acesso ao Acervo André Mota Gustavo Querodia Tarelow Criada em 1912, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) é referência nacional e internacional no ensino médico e sedia o maior complexo hospitalar da América Latina, representado pelo Hospital das Clínicas e seu conjunto de institutos especializados. Denominada inicialmente Academia de Medicina e Cirurgia de São Paulo, a FMUSP estruturou-se com sua anuência ao modelo de ensino médico norteamericano a partir de uma série de tratativas firmadas com a Fundação Rockefeller. Os acordos firmados entre a Faculdade e a Fundação tiveram início em 1916 e foram mais intensos até 1931 quando a sede da escola médica, financiada pelos estadunidenses, foi inaugurada 1. Segundo Marinho e Mota (2012, p. 70), Entre 1916 e 1931, a Fundação Rockefeller desempenhou um papel fundamental na organização da vida científica e acadêmica da Faculdade de Medicina de São Paulo, não só pela definição do modelo de ensino e pesquisa ali implantado, como em relação à sua infraestrutura física e laboratorial. Nesse período, a escola concebeu e executou, com recursos da Fundação e sob sua orientação, a construção de um dos mais modernos centros de ensino médico da época. Essa presença possibilitou à Faculdade estabelecer um diálogo mais efetivo com a produção científica internacional, ao mesmo tempo em que propiciou à comunidade acadêmica redesenhar sua identidade e projetar-se como uma escola de vanguarda. 1 Muito embora as relações entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller tenham se dado de maneira mais intensa entre 1916 e 1931, os financiamentos a projetos pontuais e a concessão de bolsas de estudo pela fundação norte-americana se estenderam nas décadas seguintes. Para maiores informações, ver Marinho, 2001. 97 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 97 27/10/2015 10:33:58 Diversos estudos foram empreendidos nos últimos anos sobre a influência dos norte-americanos na organização sanitária de São Paulo no início do século XX e nos primeiros anos de funcionamento da Faculdade de Medicina. Entre tais estudos, é possível destacar os trabalhos de Marinho (2001, 2003, 2012), Faria (1994, 2003, 2007), Santos (1980, 1987, 1989), Silva (2004) e Mota (2005) Mota e Marinho (2007, 2009). Embora tais análises partam de questões e metodologias diferentes, em seu conjunto, contribuem para uma melhor compreensão sobre a atuação da Fundação Rockefeller na FMUSP e na implantação de laboratórios, institutos e departamentos nas áreas de Medicina Nuclear, Higiene e Anatomia patológica, por exemplo. Parte dos estudos mencionados utilizou a documentação depositada no Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP, que reúne um amplo acervo sobre a história da Faculdade de Medicina e de várias instituições de Saúde em São Paulo. O Museu, atualmente, tem aprimorado a sua política de catalogação, descrição e disponibilização de informações sobre seu acervo em conformidade com as recomendações do Conselho Internacional de Arquivos (ICA) e com a Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE). Desta forma, gradativamente, novos documentos, fundos e coleções documentais têm sido identificados e seus conteúdos estão sendo integrados, facilitando o desenvolvimento de novas pesquisas temáticas. Portanto, o presente estudo objetiva apresentar o catálogo seletivo “Fundação Rockefeller” elaborado a partir da identificação e integração de diversos fundos pessoais e institucionais, bem como de partes de coleções de textos reunidos pelo Museu desde sua fundação em 1977. Tendo em vista que a atividade arquivística está em constante desenvolvimento, o presente trabalho irá apresentar os conjuntos documentais que possuem itens referentes às relações estabelecidas entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller catalogados até o presente momento. Pretende-se, assim, contextualizar tal descrição dentro da história e da atual proposta administrativa e museológica do Museu Histórico e, assim, contribuir com futuras pesquisas sobre a temática em questão. Sobre a criação do Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP Criado em 1977 como “Museu Histórico da Faculdade de Medicina”, passou a se chamar “Museu Histórico ‘Prof. Carlos da Silva Lacaz’” em 1993, em homenagem a seu fundador e diretor vitalício até 2002, ano 98 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 98 27/10/2015 10:33:58 de falecimento desse médico e pesquisador da área de microbiologia e micologia médica 2. Ao mesmo tempo em que o alinhou entre as primeiras experiências de museus dedicados integralmente à preservação da cultura material e imaterial do campo médico, a criação do Museu Histórico só poderá ser corretamente compreendida caso se dê relevo às relações vigentes no interior da Faculdade. Mais especificamente, nosso entendimento da trajetória do Museu aponta para um projeto que, originalmente, apoiou-se em uma concepção da história como “sustentáculo de tradições” elaboradas em conjunturas específicas de afirmação política interna (HOBSBAWM; RANGER, 1993). Assim, sua criação procurou responder a necessidades de um grupo de professores que se defrontava com a progressiva perda de poder e hegemonia decorrente de uma transição geracional, mas também de um novo modelo de ensino superior instituído no país pela Reforma Universitária conforme o Decreto Lei nº 5.540, de 1968 (MOTA; MARINHO, 2007, p. 123-144). Exemplarmente, sua instalação culmina com o fim da gestão de Carlos da Silva Lacaz como Diretor da Faculdade de Medicina (1974-1978). Figura-chave no processo de afirmação de uma história “gloriosa” para a escola, Lacaz esteve alinhado interna e externamente aos grupos políticos que deram sustentação ao regime militar instalado em 1964. Secretário de Higiene e Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo em 1972, Lacaz contava, entre seus interlocutores, com algumas figuras de grande visibilidade no período, como o Cel. Erasmo Dias e o então ministro da Justiça Alfredo Buzaid, entre outros 3 (MAACK, 1991). Nesse sentido, o projeto museológico instituído se deu em bases privadas, com apoio da elite médica paulista e de parte significativa dos professores e alunos da própria Faculdade 4. Dedicou-se, a partir daquele momento, a reunir material que lograsse traduzir uma “história oficial” médica e institucional no melhor da tradição da chamada História da Medicina, ou seja, uma narrativa pautada no ordenamento de “[...] fatos à luz de esquemas evolutivos que combinavam marcos cronológicos da história política e administrativa brasileira com marcha ascendente dos conhecimentos rumo a uma história científica, eficaz, por obra, quase sempre, de vultos de importância nacional e local” (BENCHIMOL, 2003, p. 108). A organização do “Grande Salão” foi por muito tempo a expressãosíntese dessa narrativa a partir da qual se configurava o espaço. Tratavase de uma concepção alicerçada em padrões museológicos, ainda relativos aos museus de História Natural do século XIX (SCHWARCZ, 1993), 2 Carlos da Silva Lacaz nasceu na cidade paulista de Guaratinguetá, em 19 de setembro de 1915. Diplomouse em Medicina no ano de 1940 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, da qual veio a tornar-se professor catedrático de microbiologia e imunologia em 1953. 3 Cf. Correspondência. Arquivo Pessoal: Fundo Carlos Lacaz, Museu Histórico – FMUSP. 4 Nomeada pela Congregação da FMUSP, constituiu-se a seguinte comissão especial para a criação do Museu Histórico: Dante Nese, Duílio Crispin Farina, Irany Novah Moraes e Waldomiro Siqueira Júnior. 99 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 99 27/10/2015 10:33:58 alicerçados na reunião e no acúmulo de objetos como expressão da riqueza do acervo, mesmo que sua disposição não propiciasse uma narrativa própria. O objetivo era inserir objetos no tempo e no espaço, mostrando seu surgimento, uso e aperfeiçoamento em função das configurações culturais da época, abrangendo os fundamentos da ciência médica, mas em uma dimensão progressiva e linear. Figura 1 – Salão principal do Museu Histórico: entre vultos e heróis da medicina, 1978 Fonte: Acervo do Museu Histórico da FMUSP. Nesse sentido, os objetos deveriam ser compreendidos em conjunto: pinturas, desenhos, diplomas, bustos de bronze, condecorações, fotografias, esculturas e, finalmente, uma série de aparelhos usados no exercício médico no século XX. Com o tempo, a riqueza dessa cultura material tornou-se inestimável, sendo cada vez mais procurada por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e tornando-se, por isso, uma referência ao patrimônio de sua Faculdade de Medicina. Ao mesmo tempo, o Museu Histórico logrou reunir um vasto acervo documental, com prioridade aos primeiros tempos da institucionalização médica em São Paulo, variando os grupos e as especialidades segundo critérios exclusivos de seu diretor. A morte de Carlos Lacaz, em 2002, abriu um hiato nesse espaço de poder, levando a estrutura administrativa do Museu, até então diretamente subordinada à Diretoria da FMUSP, para a Comissão de Cultura e Extensão (CCEx). Somava-se a isso o fato de que as condições de funcionamento do Museu tornaram-se objeto de uma ação movida pelo Ministério Público em razão de denúncias que teriam apontado o descaso com o patrimônio da instituição. Essas pendências só seriam de fato solucionadas em 2007, com a nova eleição da CCEx, quando se redefiniram papéis e cargos e fizeram uma revisão conceitual e uma ampla reforma nas instalações do Museu. 100 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 100 27/10/2015 10:33:59 O Museu Histórico sob nova direção: entre a História e a Medicina Assim, suas bases constitutivas passaram a exigir que novas formas de organização do acervo do Museu Histórico viabilizassem estudos e pesquisas de cultura material e documental, no sentido de aproximá-lo mais da comunidade científica e expressar melhor suas inúmeras potencialidades como gerador de conhecimento histórico. Iniciado em 2007, o processo de revisão conceitual do Museu procurou se articular com essa conjuntura mais ampla da execução do Projeto de Restauro, cujas implicações certamente extrapolam muito a reforma física. Com as condições favorecidas pela renovação dos quadros de direção e do corpo de funcionários do Museu, tem sido possível propor a ampliação de sua concepção e dos marcos de atuação. Entre elas, passou a vigorar uma nova concepção de ciência entre os sujeitos envolvidos na pesquisa, guarda e comunicação desses objetos e documentos: [...] a partir dessa orientação, a identificação de diferentes atitudes (ausências, inclusões, exclusões, permanências) reconhecidas como representantes do dito e do não dito e que imprimem significados podem ser mais bem observadas no processo de construção do movimento museológico então sugerido. Essas dimensões são observadas sem se perder de vista que o observador traz em si outro contexto e outro tempo na produção de suas formas de interpretar e dizer. (VALENTE, 2008, p. 13). Acresce-se que há que se ter a perspectiva de um museu histórico, isto é, de uma instituição que precisa operar com problemas históricos relativos às dinâmicas da vida social, que deve servir-se dos objetos históricos e da noção de documento histórico; afinal, [...] o que faz de um objeto documento não é, pois, uma carga latente, definida de informação que nele encerre, pronta para ser extraída, como o sumo de um limão. O documento não tem em si uma identidade própria, provisoriamente indisponível, até que o ósculo metodológico do historiador resgate a Bela Adormecida do sono programático. É, pois, uma questão de conhecimento que cria o sistema documental. O historiador não faz o documento falar: é o historiador que fala, e a explicitação de seus critérios e procedimentos é fundamental para definir o alcance de sua fala. (MENESES, 2005, p. 28). 101 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 101 27/10/2015 10:33:59 Indo além, há que ser um museu histórico também no que concerne a suas exposições, ou seja, com uma interpretação crítica: [...] “crítica” no sentido etimológico, que implica competência de distinguir, filtrar, separar, portanto, possibilidade de opção, escolha. Se o museu tem responsabilidades na transformação da sociedade (e a exposição, para tanto, é recurso fecundo), isso se fará não com procedimentos de exclusão elitista, ou catequese populista, mas na medida em que contribuir para capacitar nas escolhas todos aqueles a quem puder envolver. Se o museu se eximir da obrigação de aguçar a consciência crítica e de criar condições para seu exercício, estará apenas praticando uma forma mascarada de autoritarismo [...]. (MENESES, 2005, p. 50). Finalmente, não há o inescapável trabalho de conservação e restauro do acervo em tela, ação que se dá pelas entrelinhas da pesquisa, das exposições e dos materiais educativos, determinantes de uma série de medidas que devem tomar para receber novos acervos e observar os cuidados técnicos de preservação e comunicação, acompanhando os regramentos de instituições museológicas e arquivísticas como o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e o Arquivo do Estado de São Paulo. Nesse sentido, o Museu Histórico tem hoje pleno controle das condições de seu acervo, monitorando permanentemente iluminação e ambientação, temperatura e umidade relativa, poeira e sujidades, higienização, guarda adequada do patrimônio, manuseio correto do acervo, e desastres (incêndios ou inundações, por exemplo) estritamente de acordo com as normas das referidas entidades. Figura 2 – Exposição de reinauguração do Museu Histórico, 2009 Fonte: Acervo do Museu Histórico da FMUSP. 102 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 102 27/10/2015 10:33:59 Foi com esse pensamento que foram atribuídas atividades internas ao Museu Histórico da FMUSP no sentido de garantir que o acesso à pesquisa e que a preservação e o estudo de seus objetos concorressem para a integração das atividades museológicas e, com isso, enriquecessem as atividades da própria curadoria. Dentre essas atividades, apresentam-se alguns resultados atingidos pelo Museu Histórico, tanto no que diz respeito ao acervo quanto na aproximação desse acervo à pesquisa histórica. Características do acervo e das pesquisas desenvolvidas no Museu Histórico da FMUSP: dados referenciais e o Guia online A partir de novembro de 2009, em meio à implantação das novas diretrizes administrativas e científicas que passaram a pautar seu funcionamento, o Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP também iniciou o processo de reformulação de guarda, registro e disponibilização de seu acervo com base nas recomendações do Conselho Internacional de Arquivos (ICA) e da Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE). Com o trabalho constante de ampliação dos dados recolhidos sobre o patrimônio depositado em seus arquivos, o Museu tem procurado democratizar o acesso a tais informações buscando facilitar as buscas pelos fundos e coleções a partir da reorganização do acervo. O material reunido pelo Museu Histórico desde 1977, data de sua inauguração, é vasto e de natureza diversa, incluindo centenas de livros e de itens tridimensionais, como instrumentos médicos, peças de arte e condecorações, por exemplo, além de peças de vestuário, medicamentos, mobiliário pertencente à médicos da FMUSP e pinturas e diplomas emoldurados. Além disso, o acervo conta com um riquíssimo material iconográfico, que inclui fotografias e diapositivos de professores, instituições de saúde e de materiais didáticos utilizados em aulas e campanhas sanitárias. O Museu possui, ainda, centenas de pastas textuais que contêm documentos pessoais e institucionais de diversos professores, profissionais da saúde, hospitais e institutos de saúde, em sua maioria datada na primeira metade do século XX e circunscrita, regionalmente, ao estado de São Paulo. Uma das principais características da composição do acervo do Museu Histórico é a predominância de fundos pessoais, uma vez que o principal objetivo da instituição ao longo do período que se iniciou na inauguração do Museu e durou até 2002, era a preservação da cultura médica, em uma 103 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 103 27/10/2015 10:33:59 perspectiva personalista e na exaltação de “grandes feitos” e de “grandes descobertas”, conforme apresentado anteriormente. Sendo assim, as pastas organizadas pelo Museu durante os primeiros 25 anos de seu funcionamento recebiam o nome de seu titular e não possuíam relações temáticas entre si, não havendo um guia ou catálogo do acervo, o que praticamente impossibilitava pesquisas temáticas mais amplas. Em um primeiro contato com o acervo do Museu durante o processo de reorganização da instituição, o arquivista Carlos Menegozzo (2010, p. 93) afirmou: Tal como se pôde observar em termos de natureza e nível de identificação dos conjuntos existentes no Museu, também os estágios de organização de cada um dos acervos que apresentam diferem sobremaneira. Os dossiês temáticos, resultantes da acumulação de itens e conjuntos documentais por iniciativa do próprio Museu, destacam-se como um dos acervos que maiores desafios apresenta ao tratamento documental. O potencial de pesquisa ali contido é subutilizado em função do descontrole de vocabulário empregado nas categorias de classificação. Categorias duplicadas com variações de grafia, ausência de critério no relacionamento entre categorias mais gerais e mais específicas e ausência de normalização na representação de expressões compostas; foram alguns dos problemas preliminarmente identificados – além da já referida diluição dos acervos orgânicos em seu interior – e que em muito prejudicam a consulta deste que é o acervo mais demandado dentre os existentes na instituição. A necessidade de reorganizar, catalogar e criar mecanismos de busca integrada deste conjunto documental se fez ainda mais urgente diante da constatação de que 90% das pesquisas desenvolvidas no Museu Histórico entre 2009 e início de 2014 5, no qual se soma a busca por fundos pessoais e institucionais e as coleções de fotografias e textos (que faziam parte deste mesmo conjunto documental), foram realizadas a partir da consulta ao referidos dossiês temáticos, como é possível verificar na tabela a seguir. 5 Desde a reinauguração do Museu Histórico em dezembro de 2009, a instituição passou a registrar todos os pesquisadores que acessam seu arquivo em busca de materiais e documentos para desenvolver seus estudos. Com base nisso, sabe-se que, no mês de fevereiro de 2014, o Museu recebeu seu tricentésimo pesquisador, o que evidencia a importância da instituição na produção de novos estudos sobre a história da medicina e da saúde em São Paulo. A análise das fichas de registro dessas 300 pessoas nos forneceu subsídios para compreender melhor as demandas e o perfil dos pesquisadores que acessam os arquivos da instituição. 104 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 104 27/10/2015 10:33:59 Museu Histórico – FMUSP Nível de descrição dos documentos consultados Fundos pessoais 39% Fundos institucionais 28% Coleções de imagens e documentos 23% Coleção de livros históricos do Museu 10% Fonte: Elaborada pelos autores. Neste sentido, outro dado que evidencia o número elevado de pesquisas empreendidas no conjunto de dossiês temáticos diz respeito aos tipos de suportes consultados. Museu Histórico – FMUSP Suportes consultados Documentos em papel (textual) 51,0% Fotografias 29,5% Livros históricos 10,0% Tridimensionais 1,5% Não consta 8,0% Fonte: Elaborada pelos autores. Como se vê, os documentos textuais e as fotografias, originalmente armazenados da maneira citada, são os itens mais consultados pelos pesquisadores, totalizando 80,5% das solicitações feitas ao Museu. Desta forma, as pesquisas se davam quase que exclusivamente em forma de buscas por nomes de professores ou de algumas instituições específicas, limitando as possibilidades de cruzamento de informações e, consequentemente, de buscas mais abrangentes no acervo da instituição. Observando este fenômeno, desde 2010 o Museu tem gradativamente qualificado a sua política de catalogação objetivando democratizar o acesso ao seu acervo. A despeito dos conjuntos e itens textuais, vem sendo realizado um minucioso trabalho de separação entre os acervos orgânicos e os materiais reunidos ou produzidos pelo Museu, desdobrando na criação de fundos pessoais e institucionais e de coleções de textos com vocabulário controlado. Até o presente momento, este trabalho resultou na identificação e descrição de mais de duas centenas de fundos pessoais e institucionais e a identificação de 633 dossiês temáticos reunidos na coleção Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. 105 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 105 27/10/2015 10:33:59 Figura 3 – Arquivos do Museu Histórico 6, Fonte: Acervo do Museu Histórico da FMUSP. Tais informações têm sido disponibilizadas ao público desde 2013, quando foi lançado o Guia online do acervo, hospedado no website do Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP 7. O Guia está sendo produzido a partir do software de código aberto ICA-AtoM, que admite a inserção progressiva de novas informações, bem como o aprofundamento da descrição de fundos, coleções e itens (FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2009). No Guia, tem sido adotado um vocabulário controlado e palavras-chave que permitem a progressiva integração entre os conjuntos e itens documentais que têm sido inseridos progressivamente na plataforma online. Com o registro crescente de pesquisadores que consultam seus arquivos, o Museu Histórico da FMUSP tem procurado ampliar as ferramentas que franqueiem seu acervo a um público cada vez maior e com interesses mais diversificados. Assim, conhecer o perfil e as demandas daqueles que desenvolvem seus estudos a partir da documentação depositada no Museu é uma necessidade constante para que as ações desenvolvidas pela instituição democratizem cada vez mais o acesso a seu próprio patrimônio. Tendo isso em vista, será apresentado, a seguir, o catálogo seletivo composto por documentos presentes em diversos fundos e coleções e que fazem menção às relações estabelecidas entre a Fundação Rockefeller e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A opção pela composição desse catálogo se deve ao fato de esse tema ser um dos mais buscados entre os pesquisadores que acessam o acervo do Museu Histórico e por ser caracterizado pela dispersão de itens documentais relacionados a 6 Na imagem à esquerda, é possível observar a organização do acervo textual do Museu a partir de dossiês temáticos, arquivados em “pastas suspensas”. À direita, o acervo já está catalogado e devidamente armazenado, identificado. 7 O Guia Online pode ser acessado no seguinte website: < http://www.pesquisadores.museu.fm.usp.br>. 106 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 106 27/10/2015 10:33:59 ele entre diversos fundos e coleções, com especial destaque para os fundos pessoais. Até então, o conjunto documental utilizado pelos pesquisadores interessados nas relações estabelecidas entre a Fundação e a FMUSP era a consulta a um dossiê temático intitulado Rockefeller Foundation que, embora contenha documentos importantes, não abrigava outros tantos itens presentes que só seriam localizados em outros Fundos e Coleções. Sendo assim, o catálogo que será apresentado conta com a descrição de 15 conjuntos documentais que possuem documentos relacionados à Fundação Rockefeller, datados da primeira metade do século XX. Cabe ressaltar que, conforme a catalogação de novos conjuntos documentais avançar, novos itens poderão compor o catálogo seletivo que segue, no entanto, da maneira em que se apresenta, tal catálogo já se constitui como uma importante ferramenta de pesquisa, a qual certamente poderá contribuir para futuros estudos. Catálogo seletivo Fundação Rockefeller e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ernesto de Souza Campos: Fundo: Ernesto de Souza Campos. Código de referência: MHFM - ESCM. Dimensão e suporte: Textual: 20 unid. Tridimensional: 24 medalhas; 5 pratos de porcelana com desenhos e inscrições em japonês. Âmbito e conteúdo: Provas, relatórios e ofícios que retratam sua atividade discente, além de folhetos, separatas, cartas, ofícios e diplomas que retratam sua atividade profissional. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O referido Fundo é composto, em sua maior parte, pela documentação relacionada ao Concurso de provas e títulos que permitiu o ingresso do titular na Cátedra de Histologia, Microbiologia e Anatomia e Histologia patológicas da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1923. Todavia, é possível identificar itens documentais que retratam a participação de Ernesto de Souza Campos na elaboração do projeto e na construção do prédio sede desta mesma Faculdade, inaugurado em 1931. Entre tais documentos, destacam-se três itens: - Carta enviada ao titular pelo Oficial de Gabinete da Secretaria do Interior do Estado de São Paulo, datada em 21 de junho de 1927, solicitando que sejam enviadas ao Secretário as plantas do futuro prédio da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. - Publicação “O novo prédio dos laboratórios”, assinada pelo titular em 1931, na qual é detalhado todo o processo de elaboração e construção do prédio da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo entre os anos de 1928 e 1931. 107 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 107 27/10/2015 10:33:59 - Homenagem a Ernesto de Souza Campos redigida por Carlos da Silva Lacaz que, entre outras questõess, cita a sua participação ativa na construção do prédio da Faculdade de Medicina através da parceria da Faculdade com a Fundação Rockefeller. Geraldo Horácio de Paula Souza: Fundo: Geraldo Horácio de Paula Souza. Código de referência: MHFM - GHPS. Dimensão e suporte: Textual: 8 unid. Tridimensional: instrumentos médicos (identificação e contagem em andamento); 1 porta-caneta que pertenceu ao titular. Âmbito e conteúdo: Receita médica, separatas e currículos que retratam as atividades profissionais do titular, além de discurso proferido em sua homenagem. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O conjunto documental que compõe o Fundo Geraldo Horácio de Paula Souza possui 8 itens que, em sua maioria, se referem às ações do titular na organização e na direção do Instituto de Hygiene (Atual Faculdade de Saúde Pública da USP). Nesta documentação, é possível identificar resumos curriculares do titular e um exemplar dos Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (v. 17, n. 1, jul. 1963) que é dedicado à homenagem ao fundador daquela instituição. Nesta publicação, há diversos discursos que mencionam a participação direta de Paula Souza nas negociações com a Fundação Rockefeller para a implantação do Instituto de Hygiene e sobre as relações estabelecidas entre os norte-americanos e a política sanitária paulista. Luiz Manuel de Rezende Puech: Fundo: Luiz Manuel de Rezende Puech. Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. Códigos de referência: Fundo: MHFM – PUEC; Coleção: MHFM - TEXTPuech, Luiz Rezende. Dimensão e suporte: Fundo: Textual: 39 unid.; Coleção: Textual: 26 unid. Âmbito e conteúdo: Fundo: Relatórios, ofícios, diplomas, trechos de jornal, certificados e cartas que retratam a atividade profissional do titular, com especial destaque para a sua atuação frente a importantes instituições de Saúde em São Paulo e no Rio de Janeiro; Coleção: Artigos de jornal, discursos proferidos, cópias de diplomas, necrológio e pequenas biografias produzidas sobre Luiz Manuel de Rezende Puech, além de cópias de trabalhos publicados por ele reunidas pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O Fundo Luiz Manuel de Rezende Puech retrata a ascensão profissional do seu titular desde seu 108 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 108 27/10/2015 10:33:59 ingresso como médico interno do Hospício Nacional de Alienados em 1904 até sua trajetória como Catedrático na Faculdade de Medicina da USP. O conjunto documental possui importantes itens referentes à participação de Puech na comissão responsável pela elaboração do projeto e pela construção do prédio sede da Faculdade de Medicina entre os anos de 1925 e 1931. Entre tais itens, destaca-se a carta datada de 1925, enviada pelo então Diretor da Faculdade de Medicina, Pedro Dias da Silva, na qual Puech é convidado a integrar a comissão criada para ser responsável pela articulação com a Fundação Rockefeller tendo em vista a construção do novo prédio da Faculdade. Além deste item, há no acervo o ofício emitido pela Secretaria do Interior do Estado de São Paulo autorizando os Professores Luiz Rezende Puech, Benedicto Montenegro e Ernesto de Souza Campos a viajarem para alguns países da Europa e América do Norte a fim de obterem subsídios para a elaboração do projeto para a construção da sede da Faculdade de Medicina. Na Coleção Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos há uma pasta (MHFM - TEXT- Puech, Luiz Rezende) com vários documentos reunidos após o falecimento de Puech; dentre eles, há um, em especial, que faz menção sobre sua ampla relação com a Fundação Rockefeller: Trata-se de uma série de quatro reportagens redigidas por Ernesto de Souza Campos e publicadas no Jornal “Gazeta” em 1959, com o título “Reminiscências de Rezende Puech”. As reportagens relatam, com detalhes, a viagem que Puech, Ernesto Souza Campos e Benedito Montenegro fizeram pelos Estados Unidos, pelo Canadá e pela Europa, a partir da parceria firmada entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller, para colherem informações sobre as escolas médicas destes locais, buscando modelos a serem seguidos na construção da sede da Faculdade de Medicina de São Paulo. Benedicto Augusto de Freitas Montenegro: Fundo: Benedicto Augusto de Freitas Montenegro. Código de referência: MHFM - BMNG. Dimensão e suporte: Textual: 30 unid. Tridimensional: vestuário (identificação e contagem em andamento) e 71 medalhas. Âmbito e conteúdo: Folhetos, artigos, pareceres, relatórios, ofícios, cartas, separatas, certificados, reportagens, fotografias que retratam a trajetória pessoal e profissional do titular, com especial destaque a sua atuação na Primeira Guerra Mundial e na Guerra de 1932. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Benedicto Montenegro publicou, em 1978, uma autobiografia intitulada “Os meus noventa anos”. Nesse livro, há um extenso capítulo dedicado à relação que Montenegro teve com a Fundação Rockefeller, especialmente com Richard Pearce, que contribuiu para a consolidação da parceria entre a Faculdade de Medicina 109 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 109 27/10/2015 10:33:59 e a Fundação, além da construção do Hospital das Clínicas, inaugurado em 1944. Zeferino Vaz: Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. Código de referência: MHFM - TEXT- Vaz, Zeferino. Dimensão e suporte: Textual: 8 unid. Âmbito e conteúdo: Artigos de jornal, discursos proferidos, cópias de diplomas e pequenas biografias produzidas sobre Zeferino Vaz reunidas pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O documento “A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e Zeferino Vaz” reproduz um discurso proferido, em 1964, por Ruy Ferreira Santos em nome da Congregação da referida faculdade, no qual é mencionada a trajetória profissional de Zeferino Vaz, seu trabalho frente à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, e a parceria que estabeleceu com a Fundação Rockefeller nos primeiros anos de funcionamento da faculdade. Antonio Carlos Pacheco e Silva: Fundo: Antonio Carlos Pacheco e Silva. Código de referência: MHFM - ACPS. Dimensão e suporte: Textual: 6m/lineares (aprox.). Bibliográfico: identificação e contagem em andamento. Iconográfico: fotografias e diapositivos (identificação e contagem em andamento). Tridimensional: 62 medalhas. Âmbito e conteúdo: Fotografias que retratam sua trajetória pessoal e profissional. Folhetos, cartas, separatas, discursos, ofícios, anotações manuscritas, diapositivos e reportagens que registram suas atividades e interesses profissionais. Além de reportagens, cartas, anotações, discursos, entre outros materiais, que refletem os interesses e envolvimentos políticos do titular em episódios da história do país, tais como Revolução de 1930, Guerra de 1932, Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e Ditadura civilmilitar (1964-1985). Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Entre o amplo acervo de Antonio Carlos Pacheco e Silva, Professor de Clínica Psiquiátrica da FMUSP entre 1936 e 1968, é possível localizar documentos importantes sobre a viagem que o referido professor fez em 1926 a diversos países da Europa e América do Norte, sob o financiamento da Fundação Rockefeller, a fim de conhecer os seus serviços de atendimento às pessoas com doenças mentais. Além do relatório enviado ao Secretário do Interior do Estado de São Paulo com diversas propostas de implantação de novos serviços no Departamento de Assistência aos Psicopatas, no acervo, há diversas fotografias e documentos institucionais das clínicas visitadas por Pacheco 110 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 110 27/10/2015 10:33:59 e Silva e um relato sobre como a viagem foi planejada e articulada em parceria com a Fundação Rockefeller, publicado em sua autobiografia intitulada “Reminiscências do Prof. Pacheco e Silva”. Raul Carlos Briquet: Fundo: Raul Carlos Briquet. Código de referência: MHFM – RCBR. Dimensão e suporte: Textual: 23 unid. Iconográfico: 2 fotografias. Tridimensional: 17 medalhas, 7 crachás de identificação em Congressos e seminários, além de 1 faixa do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC). Âmbito e conteúdo: Tese, artigos, separatas, cartas, reportagens e fotografias que retratam sua trajetória profissional; além de lista resumida referente à coleção de autógrafos mantida pelo titular. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Em 1921, Raul Briquet ocupava o cargo de “Catedrático interino de Clínica Obstétrica” na Faculdade de Medicina de São Paulo. Tendo em vista a reorganização das atividades desta Cátedra, Edmundo Xavier – então Diretor da Faculdade – buscou subsídios junto à Fundação Rockefeller para enviar Raul Briquet à Europa a fim de conhecer diversas clínicas obstétricas para promover as mudanças nas perspectivas científicas no ensino desta especialidade em São Paulo. Sendo assim, no acervo do Fundo Raul Carlos Briquet é possível encontrar o relatório de viagem enviado por Briquet ao Diretor da Faculdade de Medicina, com dados extraídos das clínicas visitadas e com diversas sugestões de atividades científicas e de assistência que sua Cátedra poderia implantar nos anos seguintes. Samuel Barnesley Pessôa: Fundo: Samuel Barnesley Pessôa Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos Código de referência: Fundo: MHFM – SBPS; Coleção: MHFM – TEXT - Pessoa, Samuel Barnesley. Dimensão e suporte: Fundo: Textual: 14 unid.; Coleção: Textual: 14 unid. Âmbito e conteúdo: Fundo: Reportagens, memorial, currículo, separatas e discursos que retratam a trajetória profissional do titular; Coleção: Artigos de jornal, discursos proferidos, homenagens e pequenas biografias produzidas sobre Samuel Pessôa, além de cópias de trabalhos publicados por ele reunidas pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Samuel Pessôa teve uma forte ligação com a Fundação Rockefeller desde sua graduação na Faculdade de Medicina de São Paulo onde foi assistente do Professor Samuel Darling, que fora um dos docentes contratados junto àquela Fundação nos primeiros anos de funcionamento da escola médica. Em 1922, Pessôa recebeu uma Bolsa da Fundação Rockefeller para estudar “Higiene Rural”; em 1925, 111 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 111 27/10/2015 10:33:59 frequentou um curso de especialização em malária promovido pela fundação norte-americana; e em 1927, viajou para a Europa, também sob financiamento da Fundação Rockefeller, para conhecer diversos serviços de tratamento da malária. Esses eventos são descritos com maiores detalhes no “Memorial apresentado à Congregação da Faculdade de Medicina de São Paulo pelo Dr. Samuel Barnesley Pessôa”, depositado em seu fundo pessoal. Na coleção de textos reunidos pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” (pasta MHFM – TEXT - Pessoa, Samuel Barnesley), há diversos textos e discursos proferidos em homenagem a Samuel Pessôa que fazem menção à sua relação com a Fundação Rockefeller, entre os quais merece destaque uma publicação na Revista de Medicina, em sua edição de janeiro de 1943, intitulada “Ao Prof. Samuel B. Pessôa, Diretor do Depto. de Saúde do Estado, homenagem dos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo”. Luiz Carlos Uchôa Junqueira: Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. Código de referência: MHFM - TEXT - Junqueira, Luiz Carlos Uchôa. Dimensão e suporte: Textual: 3 unid. Âmbito e conteúdo: Curriculum Vitae, pequena biografia produzida sobre Luiz Junqueira, e um exemplar do livro “Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo” reunidos pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Luiz Carlos Uchôa Junqueira foi Professor Catedrático de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina da USP. A sua relação com a Fundação Rockefeller se dá em dois momentos de sua vida: Entre 1948 e 1949, quando realizou foi financiado pela Fundação para desenvolver sua pesquisa de pós-doutorado e entre 1951 e 1964, quando recebeu investimentos da Rockefeller para fundar e estruturar o laboratório de Fisiologia Celular da FMUSP. Tais informações são apresentadas com maiores detalhes em dois documentos que compõem a pasta MHFM – TEXT – Junqueira, Luiz Carlos Uchôa: “Curriculum Vitae” e na pequena biografia intitulada “Professor Luiz Carlos Uchôa Junqueira”. Robert Archibald Lambert: Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos Código de referência: MHFM - TEXT- Lambert, Robert Archibald Dimensão e suporte: Textual: 2 unid. Âmbito e conteúdo: Dois registros biográficos de Robert A. Lambert enviados pela Fundação Rockefeller ao Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Robert Archibald Lambert ocupou entre 1923 e 1925 a Cátedra de Histologia e Anatomia 112 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 112 27/10/2015 10:34:00 patológicas na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, tendo sido um dos Professores enviados pela Fundação Rockefeller nos primeiros anos de funcionamento da referida escola médica. As relações que Robert A. Lambert manteve com a Faculdade de Medicina são descritas em uma pequena biografia, produzida em 1993, enviada pela Fundação Rockefeller ao Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” e que está depositada na pasta MHFM - TEXT- Lambert, Robert Archibald. Samuel Taylor Darling: Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. Código de referência: MHFM - TEXT- Darling, Samuel Taylor. Dimensão e suporte: Textual: 2 unid. Âmbito e conteúdo: Dois registros biográficos de Samuel T. Darling. Um deles foi publicado no jornal “Folha de São Paulo” em 1971; o outro, enviado pela Fundação Rockefeller ao Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Ambos os documentos presentes na pasta MHFM - TEXT- Darling, Samuel Taylor traçam um panorama resumido da trajetória profissional de Darling e destacam sua atuação à frente do Instituto de Hygiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo entre 1918 e 1920 através da parceria estabelecida entre a Faculdade e a Fundação Rockefeller. Oscar Klotz: Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. Código de referência: MHFM - TEXT- Klotz, Oscar. Dimensão e suporte: Textual: 8 unid. Âmbito e conteúdo: Cartas trocadas entre a coordenação do Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” e a Fundação Rockefeller entre os anos de 1993 e 1994, além de um pequeno registro biográfico de Oscar Klotz. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: O pequeno registro biográfico presente na pasta MHFM - TEXT- Klotz, Oscar faz menção à presença de Klotz na Cátedra de Anatomia patológica da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo entre 1918 e 1920 mediante acordo firmado entre a Faculdade e a Fundação Rockefeller. Alexandrino de Morais Pedroso: Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. Código de referência: MHFM - TEXT- Pedroso, Alexandrino de Morais. Dimensão e suporte: Textual: 11 unid. Âmbito e conteúdo: Ofícios, cartas, memorial acadêmico, pequenos textos biográficos e artigos de jornal, que retratam a trajetória profissional de 113 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 113 27/10/2015 10:34:00 Alexandrino M. Pedroso reunidos pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Alexandrino de Morais Pedroso foi o responsável por articular os primeiros contatos entre a direção da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e a Fundação Rockefeller, uma vez que havia obtido sua formação médica nos Estados Unidos e havia sido aluno de Richard Pearce, que seria, anos mais tarde, o representante da Fundação para os acordos vinculados ao ensino médico no Brasil. Segundo Marinho (2001, p. 58), [...] formado nos Estados Unidos em 1904, pela Universidade da Pensilvânia, Alexandrino intermediou os primeiros contatos entre Arnaldo Vieira de Carvalho [então Diretor da Faculdade de Medicina] e Richard Pearce [representante da Fundação Rockefeller no Brasil]. Com a vinda, em 1918, de Samuel Taylor Darling para o Instituto de Higiene, Alexandrino passou a servir de intérprete nas aulas e exposições. Mais tarde Pedroso foi indicado membro permanente do Comitê que a Fundação manteve durante alguns anos em São Paulo. Neste sentido, dentre a documentação depositada na pasta MHFM - TEXTPedroso, Alexandrino de Morais contém dois documentos que fazem menção à relação de Alexandrino com a Fundação Rockefeller, especialmente com Richard Pearce: - Memorial apresentado à Faculdade de Medicina pelo Prof. Alexandrino M. Pedroso, em julho de 1919, por ocasião do Concurso para a Cátedra de Parasitologia. Entre outros detalhes sobre a sua vida acadêmica, Alexandrino descreve a sua relação com o Prof. Richard Pearce e com os professores Émile Brumpt e Samuel T. Darling. - Pequena biografia intitulada “Alexandrino de Morais Pedroso. Alguns dados sobre a sua vida”, de autoria desconhecida, na qual são descritas, com maiores detalhes, a relação de Pedroso com a Fundação Rockefeller e a sua influência para que os acordos firmados entre a Faculdade de Medicina e os norte-americanos pudessem ser concretizados. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Fundo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Código de referência: MHFM - FMED. Dimensão e suporte: Textual: 7 m/lineares. Bibliográfico: 1.500 unid. (aprox.). Iconográfico: fotografias (identificação e contagem em andamento). Tridimensional: medalhas, quadros, mobiliário e outros objetos (identificação e contagem em andamento). Âmbito e conteúdo: Livros, teses, revistas e separatas que tratam de diferentes especialidades e personalidades do campo da medicina, além de 114 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 114 27/10/2015 10:34:00 fotografias ofícios, folhetos, cartas, currículos e relatórios que retratam as atividades do órgão titular. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: Esse fundo documental é um dos acervos mais amplos dentre os depositados no Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” e se encontra, neste momento, em processo de identificação e catalogação. É composto por documentos de origens diversas, datados desde a inauguração da instituição em 1912 até os dias atuais e correspondem aos diversos momentos históricos da Faculdade, com especial destaque para os primeiros anos de funcionamento da escola médica. Neste sentido, foi possível localizar no processo de catalogação realizado até o momento, importantes referências aos acordos firmados entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller. Entre tais documentos, pode-se destacar: - Nas Atas de Congregação da Faculdade de Medicina, é possível encontrar os registros das discussões estabelecidas nas reuniões da Congregação da instituição nas quais os acordos firmados com a Fundação Rockefeller foram debatidos e aprovados entre 1916 e 1925. - Reportagens publicadas no Jornal Folha da Noite em 12 e 13 de março de 1931, intituladas “Histórico da evolução do ensino médico em S. Paulo”, que relatam as viagens que foram feitas pelos professores da Faculdade de Medicina a outros países, visando a coletar informações para a construção da sede da Faculdade em parceria com a Fundação Rockefeller. - Livreto intitulado “Memória histórica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo”, publicado em comemoração aos 25 anos da instituição. Esse livro possui um capítulo dedicado à análise da atuação da Fundação Rockfeller na construção e nos primeiros anos de funcionamento da Faculdade de Medicina. - Reportagem publicada na Folha da Manhã em 31 de janeiro de 1954, intitulada “Faculdade de Medicina, um exemplo da capacidade de organização, perseverança e idealismo de nossa gente”. Tal publicação traça um histórico da Faculdade, citando a Fundação Rockfeller como um dos pilares para a consolidação da instituição. - “Esboço histórico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo”, redigido em 1949 por Goulart de Faria, um texto de dez páginas que apresenta vários dados sobre a Faculdade e traça o histórico da participação da Fundação Rockefeller na implantação de algumas cadeiras básicas na Faculdade, além de sua colaboração no envio de professores e na construção da sede da FMUSP. - “Opiniões de cientistas estrangeiros e brasileiros sobre a Faculdade de Medicina de São Paulo”. Esse documento é uma compilação de frases e trechos de reportagens jornalísticas de 1931 a respeito da inauguração do prédio da Faculdade de Medicina, com diversas citações sobre a participação da Fundação Rockefeller nesse processo. 115 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 115 27/10/2015 10:34:00 Rockefeller Foundation: Coleção: Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – Textos. Código de referência: MHFM - TEXT- Rockefeller Foundation. Dimensão e suporte: Textual: 20 unid. Âmbito e conteúdo: Diplomas, trechos de reportagens jornalísticas, cartas, publicações, cópias de trabalhos acadêmicos e textos memorialísticos reunidos pelo Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” que tratam das relações estabelecidas entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller. Conteúdo relacionado à Fundação Rockefeller: A pasta MHFM - TEXTRockefeller Foundation contém alguns documentos que estão reproduzidos em outros fundos e coleções, como os dos professores Oscar Klotz e Samuel Taylor Darling. No entanto, essa pasta reúne importantes documentos que retratam as relações estabelecidas entre a Fundação Rockefeller e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, dentre os quais cabe destacar: - Diploma produzido pelo artista Augusto Esteves em homenagem à Fundação Rockefeller por sua cooperação com a instalação dos Laboratórios da faculdade de Medicina. - Pequena publicação intitulada “Páginas de saudade de Richard M. Pearce Jr.”, representante da Fundação Rockefeller no Brasil no início da década de 1920, redigida por Ernesto de Souza Campos em 1931 (com uma fotografia do homenageado). - “Laboratório de Isótopos. Primeiro lustro de atividades”. Levantamento das atividades desenvolvidas pelo Laboratório de Isótopos da USP entre 1949 e 1954. Tal Laboratório foi criado a partir de doações da Fundação Rockefeller em 1949. - Reportagem da “Folha da Noite”, intitulada “Histórico da evolução do ensino médico em São Paulo”, publicada em março de 1931, que trata das doações efetuadas pela Fundação Rockefeller à Faculdade de Medicina entre 1918 e 1931. - Reportagem intitulada “USP homenageou ex-diretor da Fundação Rockefeller” publicada na “Folha de São Paulo”, em abril de 1964, sobre uma homenagem prestada pela Universidade de São Paulo a Robert Watson, antigo diretor da Rockefeller Foundation. - Texto produzido por Carlos da Silva Lacaz, intitulado “Concepção e destruição de uma faculdade”, no qual o autor apresenta a influência da Fundação Rockefeller para a pesquisa científica desenvolvida nos laboratórios da Faculdade de Medicina. 116 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 116 27/10/2015 10:34:00 Referências Bibliográficas BENCHIMOL, Jaime L. História da medicina e da saúde pública: problemas e perspectivas. In: ANDRADE, Ana Maria Ribeiro. Ciências em perspectiva: estudos, ensaios e debates. Rio de Janeiro: MAST, 2003. p. 106-112. CONSELHO Nacional de Arquivos. Arquivo Nacional. NOBRADE: Norma Brasileira de Descrição Arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Comissão de Cultura e Extensão Universitária. Museu Histórico Prof. Carlos da Silva Lacaz, 2009. Disponível em: <http://www2.fm.usp.br/ museu/>. Acesso em: 05 mar. 2015. FARIA, Lina Rodrigues de. A Fase Pioneira da Reforma Sanitária no Brasil: a atuação da Fundação Rockefeller (1915-1930). [Dissertação de Mestrado; apresentada ao Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. Rio de Janeiro, 1994. FARIA, Lina Rodrigues de. Ciência, Ensino e Administração em Saúde: a Fundação Rockefeller e a criação do Instituto de Higiene de São Paulo. [Tese de Doutorado apresentada ao Depto. de Ciências Humanas e Saúde/IMS-UERJ] Rio de Janeiro, 2003. 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Arnaldo Vieira de Carvalho e a 117 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 117 27/10/2015 10:34:00 implantação da Faculdade de Medicina (1912-1920) In: DANTES, Maria Amélia Mascarenhas Dantes e SILVA, Márcia Regina Barros da (Orgs.). Arnaldo Vieira de Carvalho e a história da medicina paulista (1867-1920). Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2012. 358 p. (Coleção Memória do Saber/CNPq). MARINHO, Maria Gabriela S.M.C e MOTA, André e (Orgs.). Trajetória da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: aspectos históricos da “Casa de Arnaldo”. São Paulo: CD.G, 2012. MENEGOZZO, Carlos Henrique Metidieri. Perfil atual e reestruturação do acervo do Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz”. In: MOTA, André (Org.). Arte e Medicina: Interfaces de uma profissão. São Paulo, CD.G, 2010, p. 83 – 99. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A exposição museológica e o conhecimento histórico. In: FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves; VIDAL, Diana Gonçalves (Orgs.). 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A Fundação Rockefeller e suas articulações no Ensino, Pesquisa e Assistência para a Medicina e Saúde (1916 – 1952). São Paulo: CD.G, 2013(Coleção Medicina, Saúde e História – vol. 3), p. 57 – 77. SANTOS, Luiz Antônio de Castro. Estado e saúde pública no Brasil: 18891930. In: Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: ano 23, ano 2, 1980, p. 237-251. SANTOS, Luiz Antônio de Castro. Power, ideology, and public health in Brazil: 1889-1930. [Tese de doutorado apresentada ao Depto. Sociologia de Harvard University]. Cambridge (Mass.), 1987, 368p. 118 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 118 27/10/2015 10:34:00 SANTOS, Luiz Antônio de Castro. A Fundação Rockefeller e o estado nacional: história e política de uma missão médica e sanitária no Brasil. In: Revista brasileira de estudos da população. São Paulo: ano 6, vol. 1, janeiro/junho 1989, p. 105-110. SILVA, Claiton Marcio da. 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[Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas], Campinas, 2008. 119 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 119 27/10/2015 10:34:00 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 120 27/10/2015 10:34:00 A Guerra e a Cooperação Sanitária No Sertão do Rio Doce/Brasil: O Cotidiano e a Política Internacional Patrícia Falco Genovez Maria Terezinha B. Vilarino Introdução 1 Hermírio Gomes da Silva: Aí, depois que a guerra explodiu, né? Aí estimulou todas as atividades. Daí dizer: a guerra foi um papel pra nós. Primeiro trouxe o SESP pra cá: Saneamento básico. Trouxe o combate ao anofelino, acabou com a leishmaniose, com o calazar, com o diabo. Tudo através desse programa do SESP, né? De saneamento básico. E também a assistência médica, porque ele encampou o Centro de Saúde aqui, depois encampou os outros aí. E Governador Valadares recebeu o Centro de Saúde Modelar (SILVA, 1997). Olmário Francisco Vieira: Esforço de guerra. Então, nós a tivemos aqui, porque dava muita malária, essas coisas assim. Viemos para proteger o operário, para ele tirar o minério. E atingia as famílias deles também. O serviço começou no Amazonas e os americanos tiravam a borracha, para esforço de guerra também. (VIEIRA, 2008). Pedro Silveira Nunes: É. Você acha que eles iam filtrar água naquele tempo? Quando a comissão americana veio para cá, o Rockefeller mandou abrir aquela unidade do SESP, que criou aquele sistema para acabar com o verme. Nós não sabíamos o que era pernilongo. Então, na praça pública, o SESP ia lá e passava um filme mostrando como era o pernilongo. (NUNES, 2009). 1 Entrevistas realizadas em Governador Valadares/MG com antigos moradores da cidade e/ou antigos funcionários do SESP na região do Médio Rio Doce. Fazem parte do acervo do Arquivo do Programa de Memória do Vale do Rio Doce – PMVRD/Univale. 121 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 121 27/10/2015 10:34:00 Farid Salmen: É por causa do poder da mica, da guerra, do minério; então, teve um progresso enorme aquela época. [...] os americanos compravam. Acabou a guerra. Aí veio os fazendeiros. Madeira da serraria, pecuária que foi forte. Transformou o crescimento que vinha [...]. (SALMEN, 2009). Ladislau Sales: Cruzava, aquilo [trem] parava porque era tempo de guerra. Então, havia trens que tinham determinada preferência, que a gente não sabe o que é. Trem preferencial de carga. Havia isto, e você ficava parado. O agente dizia “Não sei, eu tenho ordem para parar o trem”; porque vinha outro em direção contrária. Em geral, em Governador Valadares o que o outro trem trazia era um vagão com mica. [...] Então, a comissão americana dispunha de uma quantidade de máquinas! Foi a primeira vez que Valadares conheceu uma patrola. Patrola é aquela máquina que aplaina. Nas ruas de Valadares, foi um sucesso total, quando aquela patrola passou pelas ruas de Valadares, deixando aquele rastro liso[...] Mas eles tinham uma quantidade enorme de material de guerra, porque esforço de guerra[...]. Então, o indivíduo chegava lá e dizia: “Eu quero construir uma estrada.” Eles diziam: “Perfeitamente; manda o trator abrir a estrada.” Antes de saber se tinha mica, pra mostrar serviço perante os superiores. (SALES, 2001). Os testemunhos apresentados relacionam o esforço sanitário do Médio Rio Doce à chegada do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Vários dos nossos entrevistados demonstram certa consciência de que o SESP estava atrelado a outro esforço: o da guerra. Neste sentido, podemos considerar que o processo de sanitarização do Sertão do Rio Doce/MG ocorreu mediante ação direta do SESP e, como os relatos indicam, teve uma ação singular que interferiu no cotidiano das pessoas desta região. Traçando um breve retrospecto da instituição, do ponto de vista burocrático, percebemos que ela é fruto dos chamados acordos de Washington, assinados em 1942 entre os EUA e o Brasil no cenário da Segunda Guerra Mundial (CAMPOS, 2006). Todavia, a atuação médicosanitária do SESP liga-se ao contexto nacional de constituição do aparato de institucionalização da saúde pública (FONSECA, 2007), pois as áreas sob sua responsabilidade correspondiam àquelas definidas pelo Ministério da Educação e Saúde (MES) para expansão dos serviços de saúde pública em todo o território nacional. Os acordos de Washington afiançavam-se em negociações diplomáticas com o objetivo de firmar o apoio dos países da América Latina aos EUA e seus aliados em um período de pré-guerra contra a Alemanha. Em 1942, assinaram-se os acordos e o Brasil recebeu a maior parte dos recursos 122 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 122 27/10/2015 10:34:00 para assistência financeira desembolsados para a América Latina nos anos de guerra; garantiu as vendas da produção de cacau e café, além de receber dos EUA produtos químicos, implementos agrícolas e produtos siderúrgicos (DULLES, 1967). Da pauta dos acordos (uma série de trinta tratados), destacamos a liberação de fundos para a produção da borracha e a exploração de minérios, o tratado militar e o relacionado à cooperação para promoção de saúde e saneamento, circunstancialmente inter-relacionados. Apesar do término da II Guerra, em 1945, o acordo que mantinha o SESP estendeu-se até 1948. A partir de fins da década de 1940 o SESP esteve orientado por duas diretrizes: a primeira, a política desenvolvimentista; a segunda, as políticas internacionais de saúde que, atreladas aos conflitos da Guerra Fria, necessitavam demonstrar a superioridade dos países capitalistas nessa área. Desenvolvimentismo e Guerra Fria asseguraram sobrevida ao SESP, pelo menos até fins da década de 1980. (FERREIRA, 2007, p. 1428). Dois relatórios divulgados pelo Institute of Inter-American Affairs (IIAA) são exemplares para uma apresentação dos objetivos e ações desse serviço de saúde pública, no Brasil e em outros países da América Latina: 1) 10 Years of Cooperative Health in Latin America – En Evaluation, e 2) The Brazil-United Cooperative Health and Sanitation Program 1942-1960 2. O primeiro relatório, de 1953, 10 Years of Cooperative Health in Latin America – An Evaluation oferece um balanço sobre as origens e objetivos do acordo EUA/países da América Latina que pactuaram a organização dos “Serviços de saúde”; os aportes financeiros alocados pelos envolvidos, “de acordo com a disponibilidade de matérias-primas, serviços e fundos”; as atividades realizadas; problemas socioculturais e políticos enfrentados e resultados auferidos ao final de dez anos de seu estabelecimento. Iniciado em fevereiro de 1942, o programa coordenado pelo IIAA estendeu-se por dezenove países.3 O segundo relatório (The Brazil-United Cooperative Health and Sanitation Program (1942-1960), de 1961)4, foi encomendado pelo Escritório de Administração de Cooperação Internacional, à Johns Hopkins University, e este, por sua vez, nomeou quatro professores5 para 2 Ambos foram produzidos a partir de pesquisas que objetivavam a avaliação de programas colaborativos em saúde pública realizados em países da América Latina. Cada um deles contou com uma equipe multidisciplinar, que trabalhou a partir de sua qualificação (Tradução livre nos trechos transcritos). 3 Antes do final de 1942, o Dr. George C. Dunham, primeiro diretor do acordo bilateral em saúde do IIAA, tinha supervisionado a criação de programas em 11 países da América Central e do Sul. 4 O estudo incorporou análises de campo no Brasil e nos Estados Unidos durante os meses de abril a outubro, de 1960, inclusive. 5 Timothy D. Baker, M. D., médico; Margaret Bright, Ph. D., médica; Mark Perlman, Ph. D., economista; Abel Wolman, Chairman, engenheiro sanitário. O grupo teve como consultor Dean E. L. Stebbins, M. D., médico da Escola de Higiene e Saúde Pública. 123 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 123 27/10/2015 10:34:00 avaliarem as atividades do Programa Cooperativo de Saúde e Saneamento realizado no Brasil mediante o mesmo acordo apresentado anteriormente. Esse relatório ofereceu uma avaliação institucional sobre o estado da saúde pública no Brasil e sobre a atuação do SESP nos seus dezoito anos de existência, de 1942 a 1960, quando a agência foi incorporada ao Ministério da Saúde. De acordo com o relatório de 1953, o Instituto de Assuntos Interamericanos tinha objetivos mais precisos durante os anos iniciais do que aqueles que se seguiam ao pós II Guerra. No momento de seu estabelecimento, os objetivos eram: 1. Militar: melhorar as condições de saúde em áreas estratégicas, particularmente com relação às exigências das forças armadas dos Estados Unidos e dos aliados americanos; 2. Político: cumprir as obrigações do Governo dos Estados Unidos com relação ao programa de saúde e saneamento por ele assumidas nos termos da Resolução 30 adotada pela Conferência do Rio de Janeiro; 3. Econômico: viabilizar o aumento da produção de materiais críticos em áreas onde as más condições de saúde existentes o impediam; 4. Moral: demonstrar os benefícios tangíveis da democracia em ação e ganhar apoio ativo da população civil. (Ten Years..., p. 58) (PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 4) Os três primeiros destes objetivos estavam intimamente voltados para o esforço de guerra. O sucesso de realização pode ser medido objetivamente pelos excelentes registros de saúde das forças armadas estacionadas nas repúblicas americanas e pelo aumento da produção de materiais críticos nas áreas ocupadas. Após a Segunda Guerra Mundial, os objetivos anteriores foram substituídos por outros. Na Seção 2, da Lei do Congresso Americano de cinco de agosto de 1947, que autorizou a continuidade do IIAA, afirmouse que os esforços do Instituto deveriam se voltar para [...] promover o bem-estar geral e para fortalecer o entendimento entre os povos das repúblicas americanas através da colaboração com outros governos e agências governamentais das Repúblicas Americanas no planejamento, implementação, assistência, financiamento, gestão e execução de programas e projetos técnicos, especialmente nos campos da saúde pública, saneamento, agricultura e educação. (Ten Years..., p. 58-59). (PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 58-59) Temos, portanto, de um lado o desenvolvimentismo e a política internacional, perspectivas que já tiveram consideráveis e consistentes esforços 124 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 124 27/10/2015 10:34:00 de pesquisa 6. Mas, e quanto ao aspecto do cotidiano da população que sofreu a ação do SESP? Este será o foco deste estudo. Para melhor dimensionarmos o impacto da ação sespiana no cotidiano do Sertão do Rio Doce apresentaremos o contexto nacional em suas articulações com o contexto local para, posteriormente, trabalharmos os estudos de comunidade que trataram duas comunidades diretamente atendidas pelo SESP no Médio Rio Doce: o trabalho de Kalervo Oberg (1956) que avaliou a ação sespiana em Xonin de Cima, distrito de Governador Valadares/MG, e o trabalho de Fontenelle (1959), que realizou um levantamento sobre Aimorés. Esses estudos aprofundam os trechos de testemunhos elencados no início deste texto. O SESP, a política internacional e o Sertão do Rio Doce/MG A agência SESP iniciou suas operações no Brasil em 1942, após uma reunião dos ministros das Relações Exteriores dos países americanos em janeiro desse ano. Nessa reunião, fez-se um esboço de uma série de projetos de cooperação entre os Estados Unidos da América (EUA) e vários países da América Latina. Mas a real participação dos norte-americanos na implementação do SESP foi, sem dúvida, ditada pelas necessidades da Segunda Guerra Mundial, na qual os EUA tinha acabado de entrar. A seleção dos programas iniciais, na Amazônia e no Vale do Rio Doce/MG, não deixa dúvida sobre este propósito (The Brazil-United States Cooperative... p. 13)7. (The Johns Hopkins University, 1961, p. 13) A criação do SESP, portanto, ligou-se a um contexto de interdependência internacional, levando-se em conta questões do comércio, da diplomacia política, da aproximação militar e da cooperação sanitária. Bastos (1993) assim resume a criação do SESP: Nasceu em um ano de guerra, das necessidades cruéis da 2ª Guerra Mundial, nos instantes em que as forças totalitárias tentavam esmagar as forças democráticas do mundo. Em sua infância teve justamente a tarefa de defender a saúde dos homens que precisavam de saúde para poder produzir, de homens que necessitavam de saúde 6 Destaca-se o livro de Campos (2006), que, de certa forma, coloca o SESP no centro das discussões sobre a saúde pública, no Brasil, entre as décadas de 1940 e 1960. Esta obra tem sido referência para as discussões posteriores. A obra de Bastos (1993) tem uma importância memorialística. Entre as discussões realizadas sobre o SESP e/ou sobre questões que tangenciam sua atuação colocamos em foco: Peçanha (1976); Fonseca (1989, 2007); Pinheiro (1992); Vilarino (2008); Lima e Maio (2009); Cardoso (2009); Oliveira (2010); Figueiredo FIGUEIREDO, (2004, 2009); Renovato (2009). 7 The Johns Hopkins University. Brazil-United States cooperative health – sanitation program, 1942– 1960. Washington: International Cooperation Administration; 1961. Disponível em: <http://pdf.usaid. gov/pdf_docs/PDACS449.pdf>. Acesso em: dez. 2012. 125 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 125 27/10/2015 10:34:00 para se tornarem capazes de fornecer aos arsenais da democracia, o material necessário para a luta em defesa do bem-estar dos povos. (BASTOS, 1993, p. 30-31). O cenário otimista do Pós-Guerra em relação ao papel positivo que as ciências poderiam desempenhar como um componente importante no desenvolvimento dos diversos países também se refletia nas ações do SESP. A promessa de erradicação das doenças que acometiam as populações pobres foi uma chave importante para a manutenção do Serviço, o qual, de certa forma, se ligava ao interesse de barrar o avanço das doutrinas socializantes, que entre essas populações desatendidas teriam desenvolvimento fácil, segundo análises correntes. As palavras do Major-General Dr. George C. Dunham, presidente do Instituto de Assuntos Inter-Americanos, em 1945, são emblemáticas: A força crescente da cooperação interamericana manifesta-se não somente na guerra contra as potências do Eixo, mas também na coordenação dos recursos em prol do progresso econômico e científico neste hemisfério. Agora, como em nenhuma ocasião anterior, os povos da América estão trabalhando juntos para o aperfeiçoamento do bem comum, pela prevenção das doenças, pelo prolongamento da vida e pela segurança da saúde e da eficiência, com o desenvolvimento concomitante das relações comerciais. (SESP, 1945, p. 1). Em 1943, para executar o saneamento do Vale do Rio Doce e resolver os problemas das endemias, o trabalho do SESP, criado um ano antes, para atuar nas regiões Norte e Nordeste, foi estendido à região. Naquele ano, tiveram início o Programa do Rio Doce e o Programa da Mica para atender, respectivamente, as obras de reforma da Estrada de Ferro Vitória a Minas (incorporada à recém-criada Companhia Vale do Rio Doce) e a implantação da indústria de produção e beneficiamento da mica 8, entre 1943 e 1950. A intervenção sanitária do SESP no Vale do Rio Doce (VDR) organizou-se em duas fases distintas. A primeira, de 1942 a 1945, atendeu o acordo de “esforço de guerra”; a segunda, entre 1945 a 1960, ocorreu por interesse do governo brasileiro, mas ainda com o apoio americano. O SESP atuou em duas frentes: prioritariamente no combate à malária e a 8 Esse mineral tinha importância fundamental para a indústria e o esforço de guerra dos aliados, porém os alemães conseguiram interromper o fornecimento pela Índia. No início de 1942, era urgente propiciar uma nova fonte de abastecimento do mineral para os EUA. A principal área produtora e exportadora se localizava no Vale do Rio Doce. A importância da mica se deve à sua alta rigidez dielétrica e excelente estabilidade química, ideais para confecção de capacitores para rádio frequência. A propriedade isolante é ideal em equipamentos de alta-tensão, bem como a resistência ao calor faz da mica um isolante ideal, sendo utilizado para diversas aplicações industriais e bélicas. 126 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 126 27/10/2015 10:34:00 outras doenças que afetavam os trabalhadores envolvidos na reforma da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e na exploração da mica; e, concomitantemente, no investimento em um programa de saúde pública permanente a ser organizado nas vilas e nas cidades. Várias localidades do VRD, especialmente Governador Valadares, Aimorés, Baixo Guandu e Colatina, receberam a atenção do SESP e constituíram-se como campo de experimentação de técnicas e metodologias de intervenção, de medicamentos e pesticidas químicos, como o Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT). As metodologias de intervenção que acompanharam a execução dos projetos de saneamento e de assistência médica se relacionaram com a concepção do “círculo vicioso da doença e da pobreza” e com uma pedagogia sanitária em que a responsabilidade individual sobrepujava a responsabilidade política. Duas tendências presentes nos relatórios de atividades e nas publicações do SESP – o tripé “ignorância-pobreza-apatia” como causas do agravamento do quadro nosológico; e o entendimento da saúde como fator de desenvolvimento econômico; anunciam, mas não esclarecem as interferências das condições sociais sobre a propagação de doenças. O cotidiano e os estudos de comunidade – o SESP, a Guerra e o dia a dia Muito embora a documentação nos forneça detalhes sobre o processo de implantação do serviço, as narrativas sobre todo o processo, disponíveis no Observatório Interdisciplinar do Território (OBIT/Univale) 9, nos remetem a um cenário complexo. Apenas a título de ilustração, um dos depoentes chama a atenção para a dimensão cotidiana, com detalhes que expressam o despreparo da postura “moderna” dos agentes sespianos perante a “natureza” que permeava as práticas cotidianas no sertão. O SESP chegou, chegaram aqueles homens com aqueles chapéus de cortiça, como se vê na África, não é isso? Um chapéu branco, de cortiça, calcinha branca etc. Quando viram aquela poeira, passava uma bicicleta, levantava poeira, carroça e febre malária, malária, malária, eles não estavam preparados pra isso. Então, eles pediram socorro: “mande pra aqui um epidemiologista e mande uma pessoa especializada em doenças tropicais, de países tropicais, porque nós sabemos por alto, mas isso aí a quantidade é muito grande”. Era 9 Os depoimentos sobre o processo de territorialização do saneamento no Vale do Rio Doce foram coletados e têm sido analisados em projetos financiados pelo CNPq e FAPEMIG, a partir do Grupo de Pesquisa Memória e Cultura do Vale do Rio Doce, relacionado ao OBIT/Univale, sob responsabilidade das professoras Dra. Patrícia Falco Genovez e doutoranda Maria Terezinha Bretas Vilarino. 127 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 127 27/10/2015 10:34:01 malária, leishmaniose, que come nariz, esquistossomose, horrível, e não havia tratamento muito eficaz. Então, eles comunicaram lá a superintendência e a superintendência começou como se deve começar em país civilizado, mas aqui, Figueira do Rio Doce [antigo nome de Governador Valadares], era diferente, era preciso tratar do sujeito pra ele não morrer. (Ladislau Sales) Estudos realizados na década de 1950, por Strauch (1955) 10, Oberg (1956) e Fontenelle (1959) identificam a população como eminentemente rural, cujas características principais denotam carências variadas: desnutrição, ignorância, doenças, apatia, isolamento, anonimato. A descrição que esses autores fazem da população do Rio Doce pautava-se pela meta da modernização: o que era antigo, popular, precisava ser modificado em nome do progresso. É essa moldura regional, e a mesma meta de modernização, através de modificações de hábitos e costumes sanitários, que o SESP também oficializa em seus relatórios e nas observações de seus técnicos, nas notícias do Boletim do SESP e nos artigos divulgados pela Revista do SESP. O relatório de 1953 (Ten Years...) (PUBLIC HEALTH SERVICE) também apresenta as mesmas perspectivas. Desde o início de suas atividades, o SESP teve a preocupação educativa como apoio às medidas sanitárias emergenciais, mesmo que a Divisão de Educação Sanitária tivesse sido criada oficialmente apenas em 1944. Nos primeiros anos, o trabalho desenvolvido se limitou ao preparo e ao aperfeiçoamento de pessoal, e à distribuição do reduzido material de propaganda sanitária nas áreas de atendimento, ainda assim, de modo disperso e sem orientação sistematizada (BASTOS; SILVA, 1953, p. 247). À medida que os projetos de saúde e saneamento se consolidavam, seu “propósito educativo fixado em cada atuação e em cada serviço, no momento oportuno” (BASTOS; SILVA, 1953, p. 258) merecia maiores cuidados e atenção. A contratação de José Arthur Rios e de outros 11 cientistas sociais define a introdução das ciências sociais na organização e implementação de programas de educação sanitária e medicina preventiva (CARDOSO, 2009). Esta reorientação coincide com a divulgação do relatório de 1953 (Ten Years...), (PUBLIC HEALTH SERVICE) e pode-se compreendê-la como um reflexo dos apontamentos feitos sobre a necessidade de se considerar os aspectos culturais inerentes às populações/comunidades receptoras dos programas de saúde. A presença de um antropólogo cultural na equipe avaliadora dos dez 10Ney Strauch – Geógrafo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na década de 1950; realizou um estudo sobre o vale do rio Doce (1951) encomendado pela Companhia Vale do Rio Doce e publicado em 1955 pelo serviço gráfico do IBGE.. 11José Arthur Rios reuniu “[...] em sua equipe o cientista social Carlos Medina e o antropólogo Luiz Fernando Fontenelle”, além de ter tido a consultoria do antropólogo Kalervo Oberg, ligado a Donald Piersen (FOSTER, 2000). 128 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 128 27/10/2015 10:34:01 anos de cooperação em saúde – Dr. George M. Foster, diretor do Instituto de Antropologia Social do Smithsonian Institution – pressupõe, que além de avaliação quantitativa, fez-se uma avaliação sob perspectiva qualitativa sobre os programas examinados (FOSTER, 1951). Ao que parece essa avaliação, escrita por Foster, se relaciona às dificuldades encontradas pelos técnicos, de um lado, e às das populações receptoras, de outro, em se fazerem compreendidos (FOSTER, 2000). A abertura da apreciação é reveladora: O sucesso de um programa de saúde pública depende não só da excelência técnica, de conhecimento e da prática médica, mas também do potencial sócio-econômico (sic) de um país, e da disponibilidade de seu povo em aceitar novas idéias (sic) e hábitos” (Ten Years... p. 12). (PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 12) Considerando a importância do conhecimento sobre como as pessoas se posicionam diante de suas culturas, o relatório recomendou que o Instituto Interamericano realizasse pesquisas sistemáticas sobre a forma e conteúdo das culturas de cada país em que o trabalho era realizado. Ainda sugeria que as informações obtidas fossem utilizadas no planejamento e na execução dos projetos; tanto para avaliar o potencial econômico e social de um país como para reduzir as barreiras culturais para a aceitação dos programas de saúde pública. Os questionamentos seguintes dimensionam a problemática: Como transmitir às populações receptoras a idéia (sic) de que a medicina científica e a higiene podem assegurar-lhes melhor estado de saúde, disposição para o trabalho e longevidade? Como explicar os conceitos científicos das enfermidades a pessoas que consideram que muitas delas se devem a causas mágicas ou divinas? Como persuadir estas pessoas a tomar certas precauções ou a recorrer ao médico ao primeiro sinal de enfermidade? Como convencê-las a evitar o curandeiro nativo e os recursos da medicina popular? (Ten Years.. p. 15). (PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 15) A avaliação de 1953 destacou entre os dados obtidos: 1. A qualidade das relações interpessoais. O discurso do avaliador sobre a necessidade do estabelecimento de boas relações entre médicos, enfermeiros e outros técnicos e os atendidos sugere que alguns programas estariam muito aquém de seu potencial por causa das más relações interpessoais entre os envolvidos. 2. A relação entre medicina curativa e preventiva. O antropólogo relatou que, em grande parte da América Latina, havia uma desconfiança profunda sobre os motivos e conhecimentos dos 129 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 129 27/10/2015 10:34:01 médicos. Muitas pessoas achavam que o curandeiro nativo sabia mais do que um médico. A sugestão, neste caso, seria o realce da medicina curativa como efeito demonstrativo de que o médico sabia o que ele estava fazendo. Essa recomendação, de certa forma, aponta para a necessidade de se reavaliar a validade da utilização do modelo norte-americano, em que a medicina preventiva era o padrão, nos programas de cooperação em saúde. 3. A Natureza da medicina popular. O levantamento feito informa sobre as principais tendências entre os latino-americanos, para se explicar as enfermidades, tais como: concepção humoral das enfermidades (Ten Years... p. 19 (PUBLIC HEALTH SERVICE, p. 19); MINAYO, 1998; MAYNARD, 1961) 12; a ideia de que a limpeza periódica do estômago e do trato intestinal por meio de purgativos seria essencial para a saúde; a crença de que a extração de sangue para exames em geral debilitam o paciente; a crença em causas sobrenaturais para certas enfermidades é comum em todos os países e, neste sentido, há uma concepção de existência de “doenças que não são para médico” e, ao mesmo tempo, a crença no poder dos curandeiros. Em muitas comunidades, o médico está em desvantagem, pois o curandeiro tem a confiança mais irrestrita dos “pacientes”. 4. Fatores culturais que incidem sobre Programas de Saúde Pública. Sobre esse aspecto, o antropólogo avalia que, se os médicos e enfermeiras fossem mais tolerantes com as ideias de saúde e doença dos nativos e reconhecessem alguns dos tratamentos populares (por exemplo, o isolamento, o banho, a dieta especializada, os chás de ervas), muito provavelmente haveria maior aceitação da medicina científica. No vale do Rio Doce, concomitantemente, dois estudos realizados sob os auspícios do SESP, contemporâneos ao relatório de 1953 (Ten Years...), (PUBLIC HEALTH SERVICE) abordam aqueles “aspectos culturais” apontados por George Foster, no relatório de 1951. O primeiro estudo, realizado pelo sociólogo Fontenelle (1959), resultou de pesquisa antropológica empreendida em setembro de 1955 e janeiro de 1956, na sede do município de Aimorés, estado de Minas Gerais, com a finalidade de verificar o emprego da medicina popular pela população local, as concepções acerca da saúde e da doença e a relação entre a Unidade Sanitária mantida pelo SESP, e a população (FSESP, Cx 24, doc. 55, Projeto RD-LCE-4). 12De acordo com esta concepção, a saúde seria resultado da presença equilibrada de quatro “humores’ no organismo: sangre, fleuma, bílis amarela e bílis escura. Cada um destes elementos se caracteriza por qualidades opostas de calor, frio, umidade e secura. Determinados aspectos desta teoria – em particular, o conceito de calor e frio como qualidades do corpo, de tipos de enfermidades, e dos alimentos e ervas –converteram-se em componentes da crença popular da maioria dos povos latino-americanos. 130 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 130 27/10/2015 10:34:01 O segundo trabalho, feito por Oberg (1956) 13, sobre o distrito de Xonin de Cima, pertencente ao município de Governador Valadares, assim como Fontenelle, faz uma radiografia do distrito de Xonin e avalia um programa de desenvolvimento de comunidade realizado pelo SESP naquele distrito (CORRÊA, 1960; 1987; FOSTER, 1951). Vale ressaltar que os dois trabalhos integram os chamados “estudos de comunidade”, especialmente realizados nas décadas de 1940 e 1950, e de acordo com Melatti (1983, p. 00) “[...] fundamentados na observação direta de pequenas cidades ou vilas com as técnicas desenvolvidas pela Etnologia no estudo das sociedades tribais”. A orientação geral desses estudos previa a obtenção de informações sobre a origem e o desenvolvimento de cada localidade, sua base ecológica14, sua sociedade e sua cultura. Os dois pesquisadores, tanto quanto possível, esmiuçaram a organização socioeconômica e cultural das comunidades que estudaram (PIERSON, 1970). Em Aimorés (análise antropológica de um programa de saúde), além de traçar o perfil ecológico, econômico e social da cidade, Fontenelle se deteve, conforme seu objetivo, ao estudo da saúde, das doenças e de seu tratamento. A sucinta apresentação da cidade trata de sua localização na zona de fronteira entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e suas características geográficas em geral. Apresenta um breve histórico da ocupação e da utilização das terras, que seguem o padrão comum do vale do Rio Doce: exploração da madeira, agricultura itinerante, esgotamento dos solos, introdução e incremento da pecuária; tanto a atividade agrícola como a pecuária com caráter exploratório, determinando modalidades diversas de relações entre proprietários e trabalhadores, como trabalho assalariado (comum na pecuária) e meação (comum na agricultura). A sede do município, parada obrigatória dos trens da EFVM, cresceu e expandiu-se; um sem-número de comerciantes e especuladores somou-se aos fazendeiros e criadores já residentes, abriram-se oportunidades para diversos ramos de atividades urbanas menos ou mais especializadas; definiu-se a posição social dos habitantes em função da economia e dos recursos financeiros individuais, e era possível reconhecer nos extremos a classe dominante (representada pelos fazendeiros, proprietários de imóveis, negociantes, funcionários públicos graduados) e a classe pobre (trabalhadores braçais, empregados sem qualificação, biscateiros); entre as duas situam-se funcionários públicos de menor status, pequenos comerciantes e trabalhadores especializados, 13 Kalervo Oberg ensinou na Escola Livre de Sociologia e Ciências Políticas de São Paulo, fazendo parte do grupo de trabalho de Donald Pierson. Em 1946, juntou-se a esse grupo como professor visitante, enviado pelo Smithsonian Institution. 14 De acordo com Pierson (1970) “A ecologia humana, porém, estuda as relações que existem, não diretamente entre o meio físico e o homem, seja a influência deste sobre aquele, ou daquele sobre este, e sim as relações entre os próprios homens, na medida em que estas relações são por sua vez influenciadas pelo habitat”. 131 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 131 27/10/2015 10:34:01 constituindo um arremedo de classe média, aproximando-se ora de um extremo ora de outro (FONTENELLE, 1959, p. 13-17). Fontenelle faz um levantamento sobre o emprego da medicina popular pela população local, constatando diferentes entendimentos, condutas e procedimentos entre os segmentos daquela sociedade; entretanto, aproximados pela reação idêntica ao aparecimento da doença: “o que interessa na população é parar a dor” (FONTENELLE, 1959, p. 17). Fontenelle (1959) destaca, ainda, que as atitudes e os hábitos sanitários das camadas econômica e socialmente superiores eram semelhantes aos modelos dos grandes centros urbanos. Entretanto, apesar da divulgação de um conjunto de conhecimentos modernos, que facilitavam a criação de uma mentalidade inclinada à acolhida de ideias renovadoras ou de mudança, observava-se, entre os mais velhos desse segmento social, a permanência de vestígios do uso da medicina popular para a cura de certos males ou o seu uso complementar às prescrições médicas. Nesses casos, os chás eram reconhecidos como remédios para doenças que se imaginavam sem gravidade (resfriado, gripe, infecção de garganta, tosse, dor de barriga, verminose), e os ingredientes de sua preparação estavam ao alcance do usuário na horta ou na vizinhança. Minayo (1998, p. 367) acrescenta que permaneciam certos tabus alimentares e de comportamento, como a classificação de certos alimentos e o cuidado com a ingestão de “misturas”. Outros traços de distinção desse grupo social referem-se à busca por médicos em caso de doenças na família (especialmente médicos particulares, a fim de evitar as filas de espera entre os pobres e indigentes na unidade sanitária local) e as melhores condições das residências e da higiene. Enfim, é caracterizada a atitude desse segmento social frente à saúde e à doença, como o abandono dos preceitos de teor mágico e a lenta, mas progressiva, renúncia aos valores medicinais dos chás e a determinados tabus alimentares, mediados por um processo de contato cultural em que novos elementos e conceitos foram incorporados, em um movimento de deliberada aceitação do moderno e do progresso que vem dos grandes centros urbanos (FONTENELLE, 1959). De outro modo, a caracterização das atitudes e dos hábitos sanitários da população pobre diverge da anterior em muitos e importantes quesitos; a começar pela condição higiênica e sanitária das moradias, que se situavam nos limites da cidade, na vizinhança do rio ou nas encostas dos morros, alguns já ocupados. O tipo de material utilizado e a construção das casas desse grupo relacionavam-se geralmente com a sua parca condição financeira e indicavam mais pobreza do que simplicidade: eram comuns as casas de barro socado entre a armação de bambu, embora existissem muitas casas de alvenaria de reduzido tamanho, variando entre um ou dois quartos e cozinha, às vezes uma sala e pequeno quintal onde estava a fossa sanitária. O excesso de trabalho para a subsistência era comum, e as possibilidades 132 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 132 27/10/2015 10:34:01 de acesso à informação, fontes de notícias e divulgação de conhecimentos eram raras: limitavam-se à transmissão verbal de acordo com as concepções e as interpretações locais, o que diminuía as chances de um movimento de mudança cultural e aceitação de novas ideias, à semelhança do que acontecia entre a “gente rica”. No caso da concepção sobre a saúde e a doença, destacavam-se os conhecimentos e os usos da medicina popular, que independentemente de variações e particularidades regionais, guardavam um núcleo permanente e conhecido por todos, especialmente quanto à sua constituição por elementos sobrenaturais e naturais (FONTENELLE, 1995, p. 22-25). O estudo feito por Fontenelle sobre a medicina popular em Aimorés mostra a existência de um conjunto de ideias e conceitos sobre saúde e doença que gravitavam em torno de princípios constitutivos comuns. A centralidade desses princípios não impedia modos distintos de intervenção ou busca pela cura, embora com a mesma finalidade: existia uma variedade de chás receitados para os mesmos achaques e benzeções diferentes, conforme o “rezador” ou curandeiro, para o mesmo incômodo, seja “mau olhado”, “izipra” 15 ou outros (FONTENELLE, 1959). De acordo com o autor, o sentido da vida e os valores e as crenças das pessoas da classe mais pobre aproximam-se daqueles presentes no mundo rural, e prevalece o sistema antigo de crenças, trabalho e sociabilidades. Nesse sentido, o estudo realizado por Kalervo Oberg (1956), em Xonin de Cima (distrito na zona rural de Governador Valadares) é revelador 16 . O trabalho segue a orientação mencionada anteriormente e faz uma radiografia da comunidade, privilegiando os aspectos ecológicos, a origem e a formação da comunidade, as características agrárias e das relações de trabalho existentes; detém-se à descrição do cotidiano dos habitantes e apresenta o projeto de organização de comunidade desenvolvido pelo SESP. Diferentemente do trabalho de Fontenelle, o de Oberg (1956) detalha aspectos ecológicos, demográficos, socioeconômicos e culturais que considera significativos para a descrição da comunidade em estudo. Xonin de Cima é descrita por Oberg (1956) – seguindo os pressupostos de Rios (1987, p. 53-73) –, como uma comunidade rural com limites definidos, com uma organização social própria, com história e tradição cultural particular. Em 1895, ainda não existia. Em 1952, tinha concluído um ciclo do crescimento e experimentava uma etapa da estagnação – tal como Aimorés, descrita por Fontenelle (1959). A comunidade compunha- 15 Doença de pele, caracterizada por vermelhidão e coceira, acompanhadas, às vezes, de prurido. 16 Tradução livre dos trechos transcritos. 133 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 133 27/10/2015 10:34:01 se de duas partes: (a) a área das fazendas17 e (b) a vila,18 que servia de centro religioso, educacional, comercial e recreativo (OBERG, 1956, p. 6). Em 1952, a população era de 1.995 habitantes, 635 na vila e 1.360 na área circundante. A posição social desses moradores é dada em função da natureza de seus rendimentos, relacionada com a propriedade ou não da terra. No geral, a população é marcada pela existência de um grupo “rico”, que é minoria e branco, e por um grupo “pobre”, composto em sua maior parte por mulatos; e o número de analfabetos acompanha a distribuição da renda (OBERG, 1956). O estudo de Oberg faz detalhamento sobre a estrutura legal e funcional da propriedade agrária local e das relações de trabalho marcadas por lealdades (apadrinhamentos), e sobre os processos de constituição e características demográficas da comunidade. Conforme sua observação, as condições de higiene e saúde eram inadequadas e deficitárias. O levantamento dietético revela que o padrão alimentício era condicionado pela situação econômica: a dieta dos mais abastados era mais rica em valores calóricos do que a dos “pobres”; o trabalhador da roça comia um pouco melhor que o trabalhador da vila; porém, a deficiência alimentar era um dos motivos de dentes estragados, fraqueza muscular, falta de energia e apatia, especialmente entre a população da vila (OBERG, 1956). A descrição das moradias destaca sua rusticidade tanto na vila quanto na área rural, exceto as casas dos fazendeiros, que apresentavam melhores condições. O chão de barro batido e as paredes de adobe eram os traços comuns das construções. Nas casas da vila, não havia fornecimento de água tratada (76,2% das casas da vila utilizavam cacimbas; 10,6%, poço com bomba; 12,04%, água no ribeirão; 0,8%, a água de minas); não existiam privadas em 90% das casas, e os moradores usavam os matos das imediações para suas necessidades de excreção. Somente uma casa apresentava um bom quintal, e 96% não tinham horta nem jardim (OBERG, 1956, p. 37-38). Na zona rural, a situação não se diferenciava. Para água de beber, moradores de 227 casas ou 96% usavam a água natural; moradores de oito casas usavam filtro, e os ocupantes de uma casa ferviam a sua água de consumo. A descrição de Oberg (1956) sobre aspectos da higiene pessoal e sanitária da população da comunidade de Xonin apresenta indicativos de precariedade socioeconômica e/ou de caráter cultural. Destacam-se, em sua apreciação, entre outros, detalhes comuns aos habitantes da vila e da área das fazendas: o hábito de andar descalço (o uso de calçados relacionavase a ocasiões especiais, principalmente religiosas); o banho de bacia; 17Na área das fazendas, contavam-se os proprietários de terras (entre grandes e pequenos 27,88%); os parentes dos proprietários (9,90%); os meeiros (45,80%), que cultivavam em terços ou metades; e trabalhadores de fazenda (16,33%), como vaqueiros e plantadores de café. 18Na vila, 50,40% dos moradores eram assalariados; 14,40%, pequenos comerciantes; 12%, artesãos; 8,8%, proprietários de terra que ali viviam e 8% eram dependentes destes anteriores; 2,40%, caixeiros; 2,40%, outros profissionais 1,60 %, prostitutas 2,40%. 134 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 134 27/10/2015 10:34:01 o uso limitado de sabonete, produto caro para as possibilidades locais; a raridade das escovas de dentes e o uso de talos moles de certas plantas para escovação; a utilização de um pente comum por homens e crianças (as mulheres geralmente tinham o seu); o costume de lavar as roupas19 no rio ou em poços, e o uso do ferro de brasa 20 para passá-las. A falta de privadas nas casas também é enfatizada. Antes da chegada do SESP, algumas poucas moradias as possuíam na área externa, mas a maioria da população na vila e da área de fazendas usava os matos próximos para depósito das necessidades fisiológicas. As fezes eram deixadas descobertas, e logo eram dispersas por galinhas, porcos e cães. A maior parte das pessoas usava sabugos de milho ou sua casca ou folhas de arbustos como função higiênica. O jornal velho era outro recurso valioso. Os meninos urinavam em qualquer lugar, os homens escolhiam um lugar discreto. As mulheres e as meninas retiravam-se para essa finalidade. Os “penicos”(urinóis) eram usados à noite e esvaziados pela manhã, diretamente em córregos, valas ou sarjetas próximas das moradias. O conceito moderno da saúde como um estado de bem-estar social e individual, conforme descreveu Oberg (1956), não existia entre a população Xonin de Cima. Medidas curativas eram tomadas somente quando a doença e o infortúnio se manifestavam. Acreditava-se que existiam causas físicas e espirituais, boas e más, que traziam a saúde ou a doença. Buscava-se o recurso da magia, da oração e de remédios “do mato”, recorrendo-se aos peritos nesses campos: os benzedeiros e os curandeiros. Não era incomum a crença em bruxarias; logo, contra perigos sobrenaturais, muitos moradores usavam amuletos protetores. Nessa perspectiva, o autor identificou algumas doenças que somente seriam curadas por fórmulas mágicas, segundo o costume local: quebranto, cobreiro, hemorroidas, espinhela caída, fogo selvagem, vento virado, tirar o sol da cabeça, íngua, berugo (OBERG, 1956). O autor observa que algumas dessas doenças não ocorriam na lista de nenhum médico moderno; portanto, reforça-se a concepção popular da existência de “doenças que não são pra médico”. Corrobora com essa afirmação o depoimento de um antigo morador de Xonin de Cima, segundo o qual a “distância era grande e as estradas ruins”, o que dificultava a vinda mais amiúde ao médico da cidade (silva, 2008) 21. Assim como em outras localidades do interior do Brasil (MINAYO, 1961), o recurso ao trabalho das parteiras era comum na comunidade de Xonin de Cima. A partir da caracterização levantada, o Oberg (1956) considera que o isolamento (embora não fosse completo), a pobreza e a ignorância restringiam 19 O autor comenta que as pessoas eram pessoalmente limpas assim como suas roupas; porém, acrescenta a descrição da pobreza do vestuário: roupas remendadas até que não se podia mais usá-las. Diz que as roupas são usadas tantas vezes e remendadas que as calças de trabalho dos homens pobres têm tantos buracos que não se deixa nada à imaginação. 20 Como o carvão vegetal era caro, usava-se o carvão da fornalha. 21Entrevista Sr. Sady da Silva, 77 anos (antigo morador de Chonin de Cima; miqueiro). (31 maio 2008, acervo NEHT/UNIVALE). 135 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 135 27/10/2015 10:34:01 o desenvolvimento local e a ampliação dos horizontes individuais, porque limitavam a introdução de equipamentos modernos e novos conceitos sobre o uso da terra ou sobre a Medicina. Concomitantemente a não existência de medidas governamentais que quebrassem essas barreiras, adiava-se a modernização, e o homem rural permanecia desconfiado das mudanças e desinteressado delas22 (OBERG, 1956, p. 14-18). A posição do autor sobre a comunidade de Xonin de Cima revela seu pensamento sobre o interior do Brasil, em geral: Chonin de Cima representa, em miniatura, a sociedade e a cultura populares brasileira – uma sociedade ainda não inteiramente integrada na vida nacional, centrada nas cidades; uma cultura ligada ao estágio pré-industrial da história brasileira. (OBERG, 1956, p. 9). Os estudos de Fontenelle (1959) e Oberg (1956) indicam semelhanças entre a população pobre da zona urbana (Aimorés) e da zona rural (Xonin de Cima), seus fazeres, saberes e perspectivas, além de aproximar a população mais abastada nas duas localidades. Considerando os mesmos aspectos, a população de renda mais alta estaria mais propensa e aberta às mudanças técnicas e culturais. Tomando-se essas localidades como referência sociodemográfica no Médio Rio Doce, nas décadas de 1940 e 1950, é possível delinear o cenário regional encontrado pelo SESP e o contexto de sua atuação. Simultaneamente, também para a população atendida, tais ações provocaram alterações nas práticas de saúde, nos costumes e nos valores culturais e uma (re)organização do espaço. O chamado “esforço de guerra” e o discurso de ciência em que o SESP se apoiava procuravam sistematizar uma pedagogia sanitária de intervenção na comunidade e tal pedagogia se opunha às estratégias que a comunidade utilizava para lidar com as doenças. Portanto, a atuação evidencia o objetivo de preparar as gerações mais novas segundo os padrões científicos e simultaneamente combater as práticas da medicina popular. De um lado, o SESP advogava uma mudança dos padrões de higiene, da forma de alimentação ou da busca de cura entre rezadeiras e curadores, da tradição do partejamento feito pelas “curiosas”; de outro lado, boa parte da população desconfiava das novidades sanitárias, envergonhava-se diante dos médicos, duvidava da eficácia dos tratamentos de saúde sugeridos, evidenciando-se também a existência de um subjacente discurso a esse fazeres e saberes. Entretanto, não há como negar que a extração da mica e o horizonte que se abria com o desenvolvimento local lançava a população a uma nova temporalidade: a da modernidade que exigia mudanças radicais no cotidiano de todos. 22Em outro texto, Oberg (1956)..afirma que o trabalhador rural no Brasil, à margem da economia, “embora fosse depositário de um rico folclore, era depositário de ignorância, pobreza e doença”. 136 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 136 27/10/2015 10:34:01 As diferenças culturais inerentes à população rural e/ou urbana pobre foram tomadas como obstáculos, opostas à mentalidade moderna “voltada para o cosmopolitismo das metrópoles” enunciada por Fontenelle (1959, p. 103). Nos discursos levantados, implícita e explicitamente, estão presentes as propostas para um determinado projeto de futuro para o Brasil, cujo remate passava pela modificação de hábitos e costumes tradicionais das populações pobres, rurais e urbanas. Considerações finais A documentação e a historiografia sobre a ação sespiana tratam de um tempo marcadamente moderno que passa a ser vivenciado no Sertão do Rio Doce/MG, especialmente, em Governador Valadares/MG. É inegável que os projetos do SESP tiveram um papel relevante e, em grande medida, contribuíram para a urbanização da cidade e do entorno, como revelam os testemunhos elencados no início do capítulo. Contudo, a temporalidade da modernidade e as redefinições do espaço, remodelaram os espaços urbano e rural, marcados por práticas tradicionais e cotidianas (CERTEAU, 2011); além disso, alterou os referenciais e as relações entre os homens e o ambiente, projetando novos espaços diferentes dos já conhecidos (CLAVAL, 2007). O corpus documental recorrentemente deixa de fora a população e a cultura local. As doenças aparecem apartadas da humanidade. Os projetos e as ações visavam a levantar e a identificar as ocorrências endêmicas e, mesmo quando o SESP despendia esforços em prol de uma educação sanitária, o fazia sem levar em consideração as práticas cotidianas, a perspectiva de mundo da população, suas crenças e tradições; e, por que não dizer, até mesmo suas redes de poder, já plenamente estabelecidas (ELIAS; SCOTSON, 2000). Dessa forma, tempos e espaços delinearam espaços recortados por relações de socioculturais (territórios) e estratégias de domínio de territórios que podem ser compreendidas enquanto territorialidades distintas e distantes; territorialidades se estabeleceram e o cenário fora alterado com base em uma rede de poder que hierarquicamente elegeu a modernidade e a medicina científica como a única opção oferecida à população. Contudo, os relatórios, os estudos realizados por Oberg (1956) e Fontenelle (1959), assim como a memória (RICOEUR, 1994) e as narrativas (BURKE, 1989) de sespianos e da população indicam que houve resistência e que o cotidiano se revelava bem mais complexo do que fora expresso na documentação oficial do SESP. Além disso, colocam tanto os esforços bélicos da Segunda Guerra quanto a Guerra Fria entrelaçados, de forma singular, ao cotidiano do Sertão do Rio Doce. No Brasil, as três primeiras décadas do século XX ainda mostravam um país profundamente conectado ao mundo rural, especialmente em relações 137 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 137 27/10/2015 10:34:01 econômicas e políticas. O maior desafio era superar e modernizar os traços coloniais presentes na mentalidade da sociedade interiorana. Para modernizála, o Estado precisou colocar em pauta a reforma agrária e a cultura tradicional do mundo rural. Sabemos que a elite conservadora produziu a modernização necessária sem alterar a estrutura fundiária brasileira, mas buscou caminhos diversos para resolver o segundo problema, a cultura tradicional e os conflitos sociais e políticos gerados pelo processo modernizador. Dessa forma, o Estado empreendeu ações que pudessem amenizar as questões sociais e políticas e buscou mecanismos para melhorar as condições de vida para a população interiorana e rural. Buscava-se fortalecer o sentimento nacionalista e intensificaram-se as políticas de saúde pública para a formação de uma população sadia. Neste esforço de modernização, sobrepunha-se o discurso de uma sociedade industrial e civilizada frente à sociedade rural e atrasada. Aliás, não só civilizar, mas, principalmente, modernizar o Brasil agrário era o grande desafio tanto na Primeira República quanto para os governos seguintes, até a década de 1960, nos momentos que antecederam a Ditadura Militar. Em cada época e governo, os modelos eram alterados ou adaptados, mas permanecia o ideal de se espelhar nos países industrializados e desenvolvidos, aqueles considerados civilizados e modernos. Assim, é possível perceber que as propostas de modernização e desenvolvimento nacional foram mediadas, também, pela execução de programas e projetos na área de saúde pública. No processo de sanitarização do Sertão do Rio Doce/MG, o impacto da ação do SESP no cotidiano dos moradores da localidade evidenciou que a expectativa de progresso delineava-se para um horizonte próximo. Referências Bibliográficas ALMEIDA, C. A. de. O Desbravamento das Selvas do Rio Doce. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1959. AMMANN, S. B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1987. BASTOS, N. C. B. SESP/FSESP: 1942 – evolução histórica – 1991. Recife: Comunicarte, 1993. BASTOS, N. C. B.; SILVA, O. J. Programas educativos nas unidades sanitárias do Serviço Especial de saúde Pública. 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Acesso em: 10 dez. 2012. 141 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 141 27/10/2015 10:34:01 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 142 27/10/2015 10:34:01 Parte 2 Limites das Convicções Científicas: As Epidemias no Rio de Janeiro e em Socorro e o Desencadeamento da Crise nos Estudos da Febre Amarela (1927-1948) gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 143 27/10/2015 10:34:02 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 144 27/10/2015 10:34:02 Limites das Convicções Científicas: As Epidemias no Rio de Janeiro e em Socorro e o Desencadeamento da Crise nos Estudos da Febre Amarela (1927-1948) Aleidys Hernandez Tasco A Marilse e Alvaro por seu amor e apoio; A Alvaro, Lizeth e Mariajose por serem meus orgulhos; A Daison por ser meu cúmplice. AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer à professora Cristina de Campos por me dar a oportunidade de ser parte do seu grupo de pesquisa, pela dedicação e a orientação. Seu rigor e entrega foram muito importantes durante todo o tempo do desenvolvimento deste livro, fazendo que este trabalho fosse mais interessante. Também desejo agradecer a aos professores do Departamento de Política Científica e Tecnológica, especialmente às professoras; Leda Caira Gitahy, Maria Beatriz Bonacelli e Nanci Stancki pela atenção, compreensão e sugestões que colaboraram neste trabalho. Aos professores Marko Monteiro e Maria Gabriela Marinho, que leram e apontaram valiosíssimas ideias e reflexões para a versão final da dissertação. Em especial à professora Maria Gabriela Marinho, que junto à UFABC, possibilitou a publicação desta dissertação em livro. À professora Silvia Figueirôa por me mostrar a importância da história da ciência na educação de hoje e a me qualificar enquanto historiadora da ciência. Ao grupo de pesquisa de História Social do Trabalho e da Tecnologia como Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo (HSTTFAU) da Universidade de São Paulo, coordenado pela profa. Maria Lucia Caira Gitahy, que acompanharam todo o processo dessa pesquisa. A meus colegas de turma, Jean, Nicole, Renan, Mariana, pela troca de opiniões. 145 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 145 27/10/2015 10:34:02 Por outro lado, gostaria de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo auxílio financeiro recebido. Finalmente, quero agradecer à Universidade Estadual de Campinas por ter me permitido fazer parte de sua alma mater. A todos vocês meus mais sinceros agradecimentos. 146 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 146 27/10/2015 10:34:02 “History, if viewed as a repository for more than anecdote or chronology, could produce a decisive transformation in the image of science by which we are now possessed”. Thomas S. Kuhn The structure of Scientific Revolutions (1962) 147 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 147 27/10/2015 10:34:02 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................149 1. A SITUAÇÃO DA FEBRE AMARELA ANTES DOS SURTOS NO RIO DE JANEIRO E EM SOCORRO.........................155 2. CRISES NOS ESTUDOS DA FEBRE AMARELA: A EPIDEMIA DO RIO DE JANEIRO 1928-29 E DO SOCORRO 1929..........................................................................175 3. O DESPERTAR DA CRISE: OS NOVOS ESTUDOS DA FEBRE AMARELA E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL.....................237 4 CONCLUSÃO.......................................................................................267 Lista de Abreviaturas e siglas ABREVIAÇÕES FR Fundação Rockefeller RJ Rio de Janeiro EUA Estados Unidos de América SIGLAS OPAS Organização Pan-Americana da Saúde IHB International Health Board OSP Oficina Sanitária Pan-americana DNSP Departamento Nacional de Saúde Pública (Brasil) SPFA Serviço de Profilaxia de Febre Amarela DNH Departamento Nacional de Higiene (Colômbia) DNS Departamento Nacional de Saúde 148 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 148 27/10/2015 10:34:02 INTRODUÇÃO Durante os séculos XIX e XX a febre amarela atacou várias cidades do continente americano, como Havana, Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires, Veracruz, Guayaquil, Cartagena, além de todo o Vale do Mississipi nos Estados Unidos, deixando um rastro de milhares de mortos (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 765-766). Essas ocorrências contribuíram para espalhar ondas de terror entre as populações dos países, uma vez que os profissionais da saúde e os governantes não encontravam soluções adequadas para evitar os desastres decorrentes da epidemia. Não obstante, os esforços das autoridades do continente americano e, em particular, da Fundação Rockefeller1 resultaram em uma redução considerável da doença no início do século XX, chegando ao ponto de declarar que a doença estava sendo finalmente exterminada do continente (LLOYD, 1928, p. 405). Com o passar do tempo, tal afirmação foi amplamente questionada e não se sustentou. No final da segunda década do século XX, a febre amarela apareceu novamente na cidade do Rio de Janeiro (Brasil), em 1928, e em Socorro (Colômbia), no ano de 1929. Médicos e cientistas não conseguiram explicar satisfatoriamente a origem dessas duas epidemias. Ao mesmo tempo em que ocorriam as epidemias, uma controvérsia instalou-se em torno à descoberta de Stokes, Bauer e Hudson na África, em 19272, que demonstrou que a febre amarela era facilmente inoculável no Macacus Rhesus. Tal descoberta rejeitou a concepção etiológica estabelecida em 1919, por Noguchi3, que considerava a Leptospira icteroides como o agente causal 1 A Fundação Rockefeller foi organizada em 1913, a partir do reagrupamento das juntas filantrópicas patrocinadas pela família Rockefeller desde o final do século XIX. Até o início da I Guerra Mundial sua atuação estava voltada para ações em saúde pública, educação geral, economia e relações industriais. Com o final da guerra, a Fundação Rockefeller concentrou suas atividades em educação médica e saúde pública (MARINHO, 2001, p. 14). Foi a febre amarela que deu origem a uma das primeiras intervenções da Fundação Rockefeller na América Latina (CUETO, 1994, p. 2) 2 O trabalho completo foi publicado na revista Journal of American Medical Association, em 1928, com o título “The Transmission of Yellow Fever to Macacus Rhesuss”. Este trabalho gerou várias polêmicas entre os médicos da época, pois marcou uma mudança na concepção do agente etiológico da doença. 3 “Dr. Noguchi was born on November 24, 1876, at Inawashiro, Japan. He studied medicine at the Tokyo Medical College, receiving the license to practice medicine from the Japanese Government in 1897. From 1898 to 1900, he was assistant in the Government Institute for Infectious Diseases at Tokyo, and during this period also held a lectureship in bacteriology at the Tokyo Dental College. Dr. Noguchi came to the United States in 1900 and joined the pathological staff of the University of Pennsylvania, under Dr. Simon Flexner. He remained here for three years, during which time he was designated research assistant of the Carnegie Institution of Washington. He then continued his studies at the State Serum Institute in Copenhagen, under Dr. Madsen. At the founding of the laboratories of the Rockefeller Institute in New York, in 1904, Dr. Noguchi became a member o the original staff and one of the original members of the Institute. The Dr. Noguchi was the recipient of many honors and honorary degrees, among them the medal of the Society of Japanese, in 1924 as one of the ten greatest Japanese. He was also a member of many scientific societies in the United States and in foreign countries (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1928, p. 4)”. Fragmento dedicado ao Dr. Hideyo Noguchi no Relatório Anual da Fundação Rockefeller (1928). 149 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 149 27/10/2015 10:34:02 da febre amarela. A nova descoberta dos pesquisadores, as epidemias e a rejeição da teoria de Noguchi geraram uma enorme desconfiança na época, dando a sensação de que nada era seguro em assuntos relacionados à febre amarela, despertando uma crise nos estudos da doença. Logo, novas dúvidas e questionamentos surgiram e colocaram em dúvida as medidas profiláticas recomendadas e aplicadas tanto pelos órgãos nacionais de saúde pública como os da Fundação Rockefeller. Com efeito, a partir da década de 1930, a Fundação Rockefeller ampliou sua participação e influência na área governamental de saúde pública na América Latina, combatendo a febre amarela. Essa doença foi considerada como o maior desafio para a equipe estadunidense, que buscou estabelecer acordos com os países latino-americanos com o objetivo de aumentar as medidas profiláticas (LACERDA, 2002, p. 625). E é nesta mesma década que, coincidentemente, observa-se que “mudanças” substanciais operavam na esfera das políticas públicas de ambos os países, Brasil e Colômbia, que facilitaram a entrada de políticas estrangeiras em assuntos nacionais, respectivamente, com Getúlio Vargas no Brasil (CAMPOS, 2006) e no governo liberal de Henrique Olaya Herrera. Inicialmente nestes dois países, a Fundação começou a realizar projetos de cooperação entre cientistas latino-americanos e norte-americanos, para a prática de exames sorológicos e estudos dos surtos de febre amarela (GROOT, 1999, p. 269). Pouco depois, a Fundação conseguiu ampliar sua esfera de atuação, participando com mais intensidade nas decisões latino-americanas referentes ao campo da organização da saúde pública recomendadas pelas Conferências PanAmericanas, com a criação de instituições voltadas para a pesquisa da febre amarela e da malária. E a descoberta do animal suscetível4 de Stokes, Bauer e Hudson na África (1927) acabou por facilitar o trabalho com o vírus no laboratório (MEJIA, 2004, p. 120), o que possibilitou avanços significativos como o teste de proteção do camundongo (SAWYER; LLOYD, 1931); a viscerotomia5, a definição da febre amarela silvestre e a vacina 17D (THEILER, 1937), desencadeando uma nova era de estudos sobre a febre amarela ao longo da década de 1930. Assim, esta pesquisa tem dois objetivos principais. Primeiro, analisar o processo histórico da febre amarela, a fim de entender a crise que predominou nos estudos da doença entre os anos de 1927 a 1930. Para isso analisamos os múltiplos atores locais, nacionais e internacionais no domínio teórico e técnico da doença, durante a epidemia de febre amarela do Rio de Janeiro (1928-1929) e Socorro (1929). O segundo objetivo é analisar as manifestações científicas contra o avanço da febre amarela no Brasil 4 É considerado um animal suscetível à febre amarela se após a inoculação extraneural pode ser demonstrado que o vírus se replica no corpo do animal e circula no sangue. 5 A viscerotomia é uma técnica que permite revelar a presença efetiva do vírus da febre amarela em um determinado local. O método consistia em extrair pequenas amostras de fígado de um cadáver por meio do viscerótomo, ferramenta que evitava uma autópsia completa. 150 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 150 27/10/2015 10:34:02 e na Colômbia, a partir também dessas duas últimas grandes epidemias registradas, através das tensões entre o ideal de uma ciência médica universal, representada pela Fundação Rockefeller e Conferências Pan-Americanas, e as práticas de saúde pública, representadas por médicos e pesquisadores, elaboradas localmente para minimizar o alcance da febre amarela no período 1930 a 1948. Entretanto, a pesquisa abordará acontecimentos como a detecção do vírus filtrável em 1927, que permitiu identificar o animal suscetível à doença facilitando o trabalho com o vírus no laboratório até o ano de 1948. A intenção é analisar as ações desencadeadas para o controle desta doença até a retirada da Fundação Rockefeller, em 1940 para o Brasil e em 1948 para a Colômbia. A produção historiográfica sobre a febre amarela em nível latinoamericano e europeu mostra a preocupação de distintos cientistas em esclarecer as implicações dessa enfermidade. O Brasil é um dos países que mais tem historiado a patologia (FRANCO, 1969; CHALHOUB, 2001; BENCHIMOL, 1999, 2001, 2010; BASTOS, 1998; LÖWY, 1998, 2006), Para o caso colombiano, a febre amarela não tem sido historiada como no Brasil. No entanto, foram produzidos neste país trabalhos importantes para o conhecimento da História da Febre Amarela na Colômbia (GALVIS, 1982; MEJIA, 2006; MORALES, 2005; QUEVEDO, 2007). Boa parte da bibliografia teórica presente neste livro está apoiada nos trabalhos que se debruçam não somente no papel institucional da Fundação Rockefeller, mas focalizará também esforços e empenhos da ciência nestes países e seus aportes à luta desta doença febril. Esta pesquisa assume a responsabilidade de fazer um estudo comparativo a partir da ciência, da política e da técnica que ambos os países usaram no combate à doença, com o intuito de conhecer as experiências desenvolvidas no fenômeno da febre amarela. Espera-se também contribuir para a área de história da ciência, cujos estudos têm permitido aos cientistas e à sociedade em geral conhecer suas raízes, a evolução das ideias científicas e os condicionantes sociais, políticos e econômicos que levaram ao desenvolvimento do conhecimento científico. E, ainda busca destacar o valor da ciência latino-americana. Neste livro trabalhamos dentro desta nova abordagem, pois as hipóteses aqui levantadas foram que os cientistas – tanto colombianos como brasileiros – desempenharam papel fundamental na luta contra a enfermidade e, mesmo assim, não foram reconhecidos. Assim, questionou-se até que ponto a saúde pública estadunidense se infiltrou na Colômbia e no Brasil, pois se sabe que a Fundação Rockefeller participou das decisões nacionais referentes ao campo da organização da saúde pública. Para tal problema foi pertinente compartilhar a ideia da nova abordagem da história das doenças e da história comparada. A nova história da medicina, da saúde pública e da história cultural da doença traz como uma de suas principais premissas a compreensão da medicina como um 151 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 151 27/10/2015 10:34:02 terreno incerto, onde o biomédico é penetrado tanto pela subjetividade humana como pelos fatos objetivos (ARMUS, 2002, p. 47). Por outro lado, a análise comparativa presente neste livro parte do pressuposto de Barros (2007, p. 18), onde cada sociedade tem seu dinamismo próprio, inerente a um processo de transformações que se estabelece em diacronia. Aplicar o método comparativo não é fácil, especialmente quando se compara duas cidades tão diversas como o Rio de Janeiro e Socorro. A intenção não realizar uma simples análise comparativa entre os países ou as cidades, pois o objetivo é avaliar as teorias existentes e desenvolver novas generalizações que substituam aquelas que são refutadas ou inválidas, dado que os aspetos específicos do fenômeno, no caso da epidemia de febre amarela, ajudam a compreender mais suas causas e origens, levando a uma visão mais clara do problema comum, que os países enfrentaram (BARROS, 2007, p. 18). Para a elaboração da pesquisa a documentação foi analisada a partir de três eixos: cientistas, políticos e sociedade, que foram os principais atores que dinamizaram os surtos epidêmicos. No primeiro eixo, destinado à contribuição dos cientistas, se buscou os artigos publicados entre 1927 e 1948 em jornais e revistas, em especial dos brasileiros e colombianos. Cabe ressaltar que, na Colômbia, nos anos vinte do século passado era “difícil sostener un periódico médico, pues no existía organización científica de parte de los médicos” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 1202-1206). Os periódicos existentes se concentravam principalmente na capital do país. Por isso, decidiu-se fazer uma pesquisa em alguns jornais locais, especialmente, o Vanguardia Liberal6. Este jornal acompanhou, passo a passo, o surto de Socorro e em suas páginas os médicos da região expressavam seus pontos de vista. Neste primeiro eixo foram considerados também os informes emitidos anualmente pela Fundação Rockefeller e pelas Atas das Conferências Pan-Americanas produzidas durante o recorte temporal proposto por este livro. No segundo eixo foram considerados os seguintes documentos oficiais: atas, relatórios, ofícios, regulamentos e decretos relativos à criação de instituições e dos órgãos governamentais brasileiros e colombianos, principalmente os Diários Oficiais. Tal conjunto revela quais foram as medidas políticas adotadas para minimizar o avanço da epidemia amarílica. Nesta documentação percebe-se também que os políticos atuantes no período apoiaram o desenvolvimento de diversas atividades, como as de saneamento, profilaxia, apoio financeiro e outras medidas. Finalmente, no terceiro eixo, para se ter uma visão mais ampla dos problemas ocasionados pela epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro (1928-1929) e em Socorro (1929) foram pesquisados os jornais da 6 Jornal regional colombiano, fundado em setembro de 1919, pelo ex-ministro, governador e embaixador da Colômbia Alejandro Galvis Galvis, membro importante do Partido Liberal Colombiano, cujos descendentes são os seus atuais proprietários. É impresso em Bucaramanga, Santander. Sua principal área de circulação situa-se no este da Colômbia (Santander, sul de Cesar e Boyacá). 152 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 152 27/10/2015 10:34:02 época, que publicaram entrevistas, debates, opiniões e controvérsias entre os cientistas e o público geral. Esta pesquisa foi originalmente apresentada como dissertação de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas. Sob a orientação da prof. Dra. Cristina de Campos, contou com o apoio da CAPES e FAPESP para sua realização. O livro foi dividido em três capítulos. No capítulo 1 historiamos criticamente os antecedentes da epidemia de febre amarela de 1928 e 1929, retomando dados como: a origem da doença, a descoberta do vetor transmissor (Aedes aegypti) por Carlos Finlay e a entrada da Fundação Rockefeller no campo dos estudos da febre amarela. No capítulo 2 apresentamos as epidemias de Rio de Janeiro e Socorro, descrevendo os principais acontecimentos que dinamizaram a doença, como os cenários, os debates, os estudos, a sintomatologia, a profilaxia e as medidas de controle empregadas em cada uma, para assim conhecer as raízes e o contexto que levaram ao desencadeamento da crise nos estudos da febre amarela. No Capítulo 3 apresentamos a nova direção dos estudos de febre amarela após da década de 1930, liderada pela Fundação Rockefeller. Foram igualmente consideradas as recomendações da Oficina Sanitária Pan-Americana no combate à doença e, finalmente, as políticas de saúde pública que levaram ambos os países a combater a doença depois da crise apresentada nos estudos da febre amarela. Por último, advertimos aos leitores que, a fim de manter a integridade das fontes de pesquisa, se optou por manter a ortografia original dos documentos transcritos neste livro. 153 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 153 27/10/2015 10:34:02 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 154 27/10/2015 10:34:02 1 A SITUAÇÃO DA FEBRE AMARELA ANTES DOS SURTOS NO RIO DE JANEIRO E EM SOCORRO Durante o século XIX e início do XX, a febre amarela na América foi considerada uma das doenças mais terríveis que ameaçavam o continente. Esta patologia tem sido investigada a partir de diferentes pontos de vista, que se preocupam em esclarecer as implicações do vírus nas condições sociais. Assim, o número de publicações que se refere à febre amarela tem sido significativo, apontando como se tem construído historicamente os conhecimentos científicos relativos a esta doença. Em um primeiro momento, o aparecimento das epidemias de febre amarela esteve associado aos portos marítimos e fluviais. No entanto, a presença de epidemias de febre amarela em regiões isoladas e sem a existência de portos gerou não só discussões, mas em alguns casos, ofensas públicas e o desencadeamento de pesquisas por parte daqueles que queriam conhecer e controlar a doença. A inserção destes personagens mostra o interesse da comunidade local e constitui ainda um testemunho vivo da ciência no tempo especificado, seus problemas, escopo, procedimentos e limitações inseridos na sua execução. Da mesma forma, nos permite relacionar como o flagelo humano acaba por afetar o desenvolvimento econômico, mobilizando a política a concretizar uma série de medidas tanto de resistência, de apropriação de técnicas e outros processos voltados para a extinção da febre amarela. No final do século XIX, o Aedes Aegypti – antes conhecido como Stegomyia – foi identificado como o vetor da doença7. Esta descoberta desencadeou campanhas intensas que facilitaram, de certo modo, erradicar as epidemias de febre amarela na América Central. O ano de 1916 é significativo, pois marca a entrada da Fundação Rockefeller no campo de estudos sobre a febre amarela, entrada que foi distinguida pela convicção de que poderiam eliminar totalmente a doença nas Américas. Os cientistas desta Fundação formularam a teoria dos centros chaves a fim de cumprir com seus propósitos. De acordo com esta teoria, condensada pelo Henry 7 A descoberta foi feita pelo médico e cubano Carlos Finlay. No ano de 1881, esse médico publicou na Conferência Sanitária Internacional, reunida em Washington, seu trabalho intitulado “O mosquito hipoteticamente considerado como o transmissor da febre amarela”. No entanto, “Esta teoría, que pretendía echar por tierra la explicación miasmática de la enfermedad, no fue aceptada en un principio ni por los investigadores, con excepción de algunos cubanos, ni por los políticos, y la discusión bacteriológica con relación a su etiología continuó dándose (QUEVEDO, 2007, p. 6)”. 155 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 155 27/10/2015 10:34:02 Rose Carter e publicada no Relatório Anual da Fundação Rockefeller de 1914, uma elevada densidade de mosquitos só era considerada perigosa em cidades que abrigavam o reservatório permanente do vírus desta doença. Quando a densidade de Aedes aegypti nas cidades maiores atingisse um nível capaz de impossibilitar a transmissão da febre amarela8, o vírus tenderia a desaparecer nessas cidades e, consequentemente, a febre amarela se extinguiria espontaneamente (LÖWY, 1996, p. 4). Este capítulo destina-se a historiar a presença da febre amarela desde as origens até os surtos de 1928 e 1929. Para cumprir tal tarefa, realizamos uma discussão sobre as origens da febre amarela na América, seguida por uma seção que discute o primeiro avanço na epidemiologia da doença, apresentado por Carlos Finlay e a comissão estadunidense em Havana e, finalmente, evidenciamos como foi a entrada da Fundação Rockefeller no combate à febre amarela, a fim de identificar como a doença foi ganhando impulso através dos anos. 1.1 As origens da febre amarela na América Discorrer sobre a origem da febre amarela na América desde tempos précolombianos até o século XX é uma atividade complexa por dois motivos: primeiro, porque não é sabido ao certo qual foi a primeira manifestação da doença no continente americano e, segundo, porque a febre amarela é fácil de ser confundida com outras enfermidades febris. Além disso, sua origem tem sido discutida sob diferentes enfoques por vários autores. Para alguns, a chegada dos africanos às Américas propiciou o surgimento do vírus da febre amarela, enquanto para outros, as primeiras manifestações da mesma foram transmitidas na própria América. A última hipótese é, ainda, muito controversa. Alguns historiadores acreditam que as noções iniciais sobre a doença são relatadas depois do encontro entre europeus e nativos americanos. Outros argumentam que a febre amarela é uma doença endêmica que tem existido na América muito antes da chegada dos europeus. No entanto, em 1996, o grupo do National Environment Research Council Institute of Virology and Environmental Microbiology, sediado na Universidade de Oxford, publicou um artigo intitulado “Population dynamics of flaviviruses revealed by molecular phylogenies”, onde discutem os resultados de uma pesquisa feita com base na análise da sequência genômica do vírus da febre amarela. Os pesquisadores sugerem que este vírus evoluiu de outros vírus transmitidos por mosquitos, cerca de 3000 anos atrás na África (ZANOTTO et al., 1996). Com esta publicação, os estudos históricos recentes sobre a febre amarela sugerem que o vírus se originou na África. Outro dado que dificultava a análise histórica da febre amarela era o difícil diagnóstico da doença, facilmente confundida com outras febres. 8 Considerava-se que isso ocorria quando se obtinha índice abaixo de cinco, isto é, as larvas do Aedes aegypti eram encontradas em no máximo 5% das casas visitadas. 156 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 156 27/10/2015 10:34:02 Os dados atuais disponíveis sobre a febre amarela no período colonial latino-americano consistem em descrições sintomáticas do mal. Segundo o historiador Guillermo Fajardo Ortiz (1996, p. 31), a realização de diagnósticos posteriores das doenças não é fácil, ainda mais das moléstias do período colonial. Ortiz destaca que algumas doenças podem ser diferenciadas (varíola, tifo, sífilis, hanseníase, cólera e sarampo), mas as doenças febris eram muito confundidas entre si, do mesmo modo as doenças com manifestações dermatológicas. Além do mais, costumava-se dar nomes diferentes a uma mesma doença9. Apesar das dúvidas geradas pelos surtos de febre amarela notificados existe um consenso de que a primeira epidemia de febre amarela na América Latina ocorreu em Yucatán, no ano de 1648 (BLAKE, 1968, p. 673). Esta epidemia foi a primeira descrição documentada da febre amarela feita pelo cronista espanhol Diego López de Cogolludo, em seu livro História de Yucatán (1688). Mesmo assim é difícil fazer menção das distintas manifestações desta doença anteriores ao século XX na América Latina. As epidemias mais historiadas e reconhecidas, anteriores ao século XX, foram aquelas situadas na porção central das Américas, em especial, as que atingiram os Estados Unidos durante os séculos XVI e XIX. Segundo Pedro Nogueira (1955, p. 3), além da epidemia de Yucatán, no século XVII a febre amarela atacou as ilhas de Cuba (1649, 1653 e 1667), Barbados (1647 e 1695) e Santa Lucia (1664). Em 1690, a febre amarela se tornou uma entidade perigosa para as tropas inglesas e francesas que procuravam colônias no Caribe. Foi neste ano que a febre amarela atacou Martinica, uma ilha pertencente à colônia francesa, causando estragos ao exército francês. Nesta epidemia a doença foi chamada de “mal de Siam”, pois se acreditava que o vírus havia sido transportado em um navio francês proveniente do Sião, durante a Guerra da Liga de Augsburgo. Na América do Norte (16881697), a febre amarela esteve presente em Nova York (1688), Boston (1691) e na Filadélfia (1699) (NOGUEIRA, 1955, p. 3). Com essas ocorrências, o problema da febre amarela começou a ganhar contornos ainda mais ameaçadores. A partir do século XVIII, as epidemias de febre amarela irromperam com mais intensidade em Nova York (1743, 1745, 1748), Charleston (1706, 1728, 1732, 1739, 1745 e 1748), Filadélfia (1741 e 1747) e em Cuba (1761), atingindo altas taxas de mortalidade. A doença diminuiu nos anos seguintes chegando quase a desaparecer nas cidades portuárias do Atlântico Norte, pelo menos até a década de 1790. Em 1793, no Haiti, eclodiu uma epidemia que espalhou para São Vicente, Barbados, República Dominicana e Trinidad e Tobago. No mesmo ano, a febre amarela atingiu também os Estados Unidos (Filadélfia) suprimindo aproximadamente 10% da população (BRYAN et al., 2004, p. 279). 9 No caso da febre amarela chamada também como: febre pútrida, mal de Siam, peste americana, febre de barbados, vômito preto, febre das Antillas, dentre outros. 157 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 157 27/10/2015 10:34:02 No século XIX10, a febre amarela continuou como um dos problemas mais sérios de toda a América11. O comércio floresceu em várias regiões e a febre amarela afetou quase todos os grandes portos como Brownsville, Texas e Portsmouth, além de surtos frequentes em Boston, Nova York, Filadélfia, Norfolk e Charleston. A Europa também sentiu as consequências da febre amarela: em 1821 uma epidemia apareceu em Barcelona, com um saldo de 20.000 pessoas atingidas (CHASTEL, 1999, p. 405). Os eventos em Barcelona serviram de alerta a franceses, ingleses e espanhóis. Os casos de febre amarela apresentados durante esses séculos foram definitivos para que o imaginário coletivo construísse uma imagem aterrorizante da doença. Segundo Warren Weaver (1951, p. 6), diretor da Divisão de Ciências Naturais da Fundação Rockefeller (1932-1955), a febre amarela no final do século XIX tornou-se importante devido ao seu poder de diminuir notavelmente o contingente populacional de uma nação, paralisando temporariamente a indústria e o comércio, trazendo grandes prejuízos econômicos. Não bastassem estes efeitos, a febre fornecia também um perpétuo estado de medo entre os habitantes das regiões mais suscetíveis. Entre os séculos XVII e XIX, inicialmente, a explicação causal da febre amarela esteve referida à teoria miasmática12, baseada no modelo neo-hipocrático13. De acordo com essa teoria médica, a água estancada dos portos era a que propiciava a formação de miasmas, causadores das doenças. Desse modo, as medidas sanitárias tomadas para impedir o seu avanço foram todas de caráter ambientalista, a fim de garantir a adequada circulação das águas estancadas, a drenagem dos pântanos e a mobilidade do ar contaminado. Assim, nos séculos XVIII e XIX, o neo-hipocratismo deu origem a duas posições que alternaram explicação sobre as causas e formas de transmissão de doenças: a contagionista e a anticontagionista ou infeccionista. Segundo Lima (2002, p. 30), na concepção contagionista, a doença podia ser transmitida do indivíduo doente ao indivíduo não só pelo contato físico ou, 10 Este período foi marcado pelas grandes migrações entre a Europa e as Américas, pelas campanhas militares de grande alcance e o surgimento de novas cidades ao longo das costas, desde Nova Escócia à Argentina. Além disso, o transporte naval e comercial expandiu-se com grande vigor, afinal, o mundo vivia as transformações da primeira Revolução Industrial. 11 Tem-se dito que o massacre das tropas de Napoleão em Santo Domingo foi devido à ocorrência de várias doenças, entre elas a febre amarela. Foi esta doença o que teria influenciado fortemente a decisão de Napoleão de vender o vasto território da Louisiana aos Estados Unidos (BRYAN et al., 2004, p. 280). 12“Los miasmas eran considerados las partículas pútridas que surgidas del fondo de la tierra putrefacta y pantanosa infeccionaban el aire y se transmitían a los animales y seres humanos, atacando las partes liquidas del cuerpo y produciendo la putrefacción corporal” (QUEVEDO, 2000, p. 1). 13 “La higiene hipocrático-galénica de la Antigüedad Clásica y del Imperio Romano estuvo apoyada en un modelo humoralista que entendía la salud como el resultado del equilibrio de los cuatro humores que componían el cuerpo (sangre, flema, bílis amarílla, bílis negra) y la enfermedad como la monarquía de uno de ellos sobre los demás. El equilibrio o armonía dependía de las interacciones entre la estructura humoral de la persona y las cualidades externas o desencadenantes como el frio, el calor la humedad, y la sequedad de las cosas del ambiente” (QUEVEDO, 2002, p. 34). 158 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 158 27/10/2015 10:34:02 indiretamente, por objetos contaminados pelo doente ou pela respiração do ar circundante. A concepção anticontagionista defendia o conceito de infecção como base explicativa no processo de adoecimento, ou seja, uma doença era adquirida no local de emanação dos miasmas, sendo impossível a transmissão por contágio direto. A febre amarela ocupou o centro dos debates entre essas teorias, sendo que cada uma propôs suas próprias medidas de controle, das quais se destacam quarentenas, desinfecções, saneamento, construção de portos entre outras, todas com o propósito de evitar a propagação da doença. No entanto, estas teorias caíram por terra com o advento da teoria microbiana, causando mudanças substanciais na epidemiologia da febre amarela, como veremos a seguir. 1.2Finlay e a Comissão Reed: a descoberta do agente transmissor da febre amarela (Aedes aegypti) No final do século XIX, com o surgimento da teoria microbiana das doenças e o estabelecimento de uma nova concepção para as ciências biológicas – a microbiológica – cientistas do todo mundo voltaram seus esforços a fim de isolar e identificar os micróbios causadores das diferentes doenças conhecidas (BASTOS, 1998, p. 79). Segundo Melosi (2000), nos Estados Unidos o estudo da bacteriologia ganhou força como a principal ferramenta no combate as doenças transmissíveis, levando a uma nova concepção da saúde e doença que considerava o saneamento ambiental como um papel complementar à bacteriologia na manutenção da saúde das comunidades. Entretanto, não foi a principal arma na luta contra a doença. O autor também indica que neste período os estudiosos das doenças infecciosas pararam de procurar suas origens no ambiente humano, passando a buscar suas causas no homem (MELOSI, 2000, p. 113). Essa nova visão mudaria a forma como se concebia a propagação das doenças, refutando as teorias que foram predominantes no transcurso do século XIX, como exemplificam as teorias contagionista e a anticontagionista ou infeccionista. Com a expansão simultânea dos países europeus nas colônias tropicais e a entrada da microbiologia no final do século XIX, as antigas teorias associadas ao clima e as condições geográficas se transformaram em uma nova disciplina ou especialidade médica denominada medicina tropical, campo que focalizou as doenças que se acreditavam ser específicas dos 159 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 159 27/10/2015 10:34:02 trópicos14, “doenças tropicais” 15 (STEPAN, 2001, p. 27). Más, muitas das doenças, denominadas tropicais, se distribuiriam nos séculos XVII e XVIII no norte de Europa e América, como o caso das febres intermitentes (malária), de peste, de cólera, entre outras doenças, colocando em dúvida a limitação desta doença em climas tórridos. Segundo alguns historiadores, o conceito de medicina tropical, é o resultado de uma política imperialista e das necessidades sociais e econômicas que são então impostas à metrópole em relação aos seus domínios ultramarinos. De acordo com Valderrama (2004, p. 473), as doenças tropicais foram formadas em funções ideológicas associadas a “essas doenças”, com aspetos bio-socioculturais, econômicos e políticos, consequência da extrapolação do biopoder, exercido pelos países expansionistas da Europa do século XVIII e XIX em suas colônias. Não há dúvida de que essa preocupação pelas terras exóticas começou a ser crucial a partir do momento em que as “metrópoles” decidiram instalarse nessas colônias. O interesse ainda maior centrou-se em cuidar a saúde dos colonizadores, que a preocupação (quase inexistentes), com a saúde da população originaria dessas regiões (CAPONI, 2003, p. 119). Boa parte dos estudos sobre África, a Índia e outras partes do império colonial europeu relacionou a institucionalização da medicina tropical com a politica colonizadora daquele período, sendo muito recorrente o uso das expressões da medicina tropical e medicina colonial como sinônimo (ALMEIDA, 2011, p. 356). Contudo, a nova disciplina – medicina tropical – forneceu esclarecimento das doenças tropicais além dos aspetos climáticos, e configurou o modelo de doença tropical definido por o vínculo de parasito-vector. Es en el interior de ese horizonte, en el que se mezclaron preocupaciones nacionalistas, raciales, imperialistas, médicas y científicas que fue definida la estrategia principal de combate a las enfermedades tropicales: el control de vectores (Fantini, 1999). Pero, es em relación a la etiología de las enfermedades tropicales que los jóvenes médicos ciertamente encontrarán oportunidades 14 O termo “tropical” não diz respeito apenas à geografia, mas inclui a ideia de que climas quentes e úmidos abrigam diferenças essenciais no tocante a lugares, povos e doenças. A medicina e a saúde pública latinoamericana encaixam-se com bastante naturalidade nesta concepção difusa de medicina tropical. Apesar disso, os estudos sobre a América Latina guardam certa autonomia em relação aos demais estudos sobre medicina tropical. Uma das razões disso é a relativa defasagem entre o arcabouço colonial e a América Latina. De fato, para muitos historiadores da medicina, medicina tropical é medicina colonial. Embora o conceito de império informal seja encampado pelos estudos latino-americanos, o contexto colonial derivado de estudos sobre a Índia e a África adequa-se mal aos países com independência na região nos séculos XIX e XX (STEPAN, 1997, p. 598). 15 “Por enfermedad tropical, debemos entender simplemente las enfermedades infecciosas cuyo agente específico o el huésped intermediario que posibilita su transmission exigen ciertas condiciones para propagarse que se encuentran en las regiones tropicales: cierta temperatura y cierta distribución biogeográfica de las especies” (CAPONI, 2003, p. 126). 160 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 160 27/10/2015 10:34:02 para realizar investigaciones originales y descubrimientos mucho más novedoso e interesantes que aquellos que son realizados en los centros de investigación europeos o americanos. (CAPONI, 2003, p. 126). Assim, na América Latina, muitos cientistas aderiram a esta corrente científica e empenharam-se em pesquisar quais eram os agentes ocasionadores das enfermidades fora dos miasmas e que nada tinham a ver com a propagação de pessoa a pessoa. Entre as enfermidades estudadas, a febre amarela teve na figura de Carlos Finlay16 um de seus principais estudiosos que formulou a teoria de que o mosquito Aedes aegypti17 era o vetor transmissor da febre amarela. Apoiado provavelmente nas ideias de Patrick Manson18, médico britânico que trabalhava na China, em estudos sobre o papel do mosquito na transmissão da filaríase. A teoria de Finlay foi publicada com o título “El mosquito hipotéticamente considerado como agente de transmisión de la fiebre amarilla” e lida pelo autor na Academia de Ciências Médicas, Físicas e Naturais da Havana, na sessão de 14 de agosto de 1881. A divulgação de seus resultados de pesquisa entre a comunidade científica internacional não teve repercussão afável, visto que contrariava as teorias vigentes da época. Somente passados vinte anos é que a equipe de Walter Reed realizou a demonstração dos experimentos de Finlay em 1900 (NOGUEIRA, 1955, p. 6). O debate sobre a descoberta do vetor da febre amarela desencadeou intermináveis discussões na historiografia da doença. Benchimol (1999, p. 383) em seu livro Dos micróbios aos mosquitos destaca as principais controvérsias historiográficas sobre a pesquisa e argumenta que existem duas vertentes: de um lado, os historiadores cubanos e os que valorizam a ciência periférica que, numa perspectiva anti-imperialista, tendiam a ressaltar os méritos e a originalidade de Finlay. De outro, os historiadores que adotaram o ponto de vista etnocentrista e anglo-saxão, que tendem atribuir todo o método à comissão Reed, menosprezando a contribuição do cientista cubano. Emilio Quevedo, autoridade nos estudos da história 16 “Carlos J. Finlay was born in Camaguey, Cuba, 1833. His father was a Scottish physician his mother was French. His early education was by private tutor. At the age of eleven he was sent abroad for schooling in France and in Germany. The process of education was frequently interrupted by illness but he achieved a solid foundation in the classics, history, mathematics, geography, physics, and languages. For the latter he had great facility and insisted upon this all of his life – breakfast was always in Spanish, lunch in English, and dinner in French. Presumably, he reserved German for certain other periods” (YELLOW FEVER SYMPOSIUM, 1955, p. 3-4). 17 Conhecido na época como stegomya fascista. 18 De acordo com Delaporte foi Manson que abriu um novo campo de estudos sobre as doenças tropicais e não Finlay como se acreditava. Finlay teria se inspirado na teoria desenvolvida por Manson para explicar o ciclo genético e a transmissão da filariosis. Sobre isso, Delaporte afirmou: “se debe acabar con la leyenda de que Finlay no pudo utilizar la obra de Manson, por desconocerla […] debo decir que Finlay estaba al corriente de las investigaciones […] esto supone que los trabajos de Manson debieron darse a conocer mucho antes de 1881” (DELAPORTE: 1989, p. 43). 161 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 161 27/10/2015 10:34:03 da febre amarela na Colômbia, argumenta que tal dualidade é devido ao fato que as descobertas científicas representam o poder de uma determinada nação ou uma cultura, daí a preocupação por outorgar a vitória aos cientistas com sentido nacionalista (QUEVEDO, 1997, p. 26). Segundo Nogueira, a razão pela qual se levou quase vinte anos para a confirmação foi porque a tese de Finlay introduziu um novo elemento, os insetos vetores, que transmitiam a doença para uma pessoa saudável (NOGUEIRA, 1955, p. 6). Esta nova visão ficou registrada na primeira parte de seu artigo: De aquí que yo me haya convencido de que precisamente ha de ser insostenible cualquiera teoría que atribuya el origen o la propagación de esa enfermedad a influencias atmosféricas, miasmáticas, meteorológicas, ni tampoco al desaseo ni al descuido de medidas higiénicas generales. He debido, pues, abandonar mis primitivas creencias; y al manifestarlo aquí, he querido en cierto modo justificar ese cambio en mis opiniones sometiendo a la apreciación de mis distinguidos colegas una nueva serie de estudios experimentales que he emprendido con el fin de descubrir el modo de propagarse la fiebre amarilla. (FINLAY, 2011, p. 555). Finlay considerava que a causa da febre amarela não era precisamente originada pelos miasmas, de modo que se apoiou em novas teorias que ofereciam maiores possibilidades de explicar a origem da doença. Delaporte (1989, p. 39) indica a razão pela qual a hipótese de Finlay não ter conduzido seus experimentos foi devido ao fato de que o próprio não tinha em mente a noção de agente hospedeiro. Ronald Ross19 foi quem conceituou esta noção em 1889, quando identificou o modo de infecção da malária, por meio dos mosquitos que se comportavam como agentes hospedeiros da enfermidade. Esta nova descoberta permitiu elaborar novas experiências em função do tempo de incubação do germe no corpo do inseto. Segundo Delaporte (1989, p. 21), isso explica o enigma pelo qual os experimentos de Finlay não foram bem-sucedidos, permitindo que, em 1900, a comissão Reed20 levasse a cabo em menos de dois meses a veracidade do postulado de Finlay. A Comissão defendia a teoria que o mosquito era o agente hospedeiro do vírus, além de 19 “Hijo de soldado y nacido en la India (1857 - 1932), donde recibiera su educación primaria, Ross fue a estudiar medicina en el Hospital San Bartolomé, de Londres, donde obtuvo su diploma en 1879, ingresando en 1881 en el Servicio Médico de la India, a cuyo país volviera el mismo año. Durante una visita a Inglaterra en 1888, Ross comenzó a interesarse en ciencia sanitaria y bacteriología. A su regreso a la India, se puso a estudiar las fiebres locales y descubrió la trasmisión anofelina del paludismo. El 20 de agosto de 1897 publicó sus trabajos, quedando como fecha memorable en las efemérides de la medicina tropical, conmemorada con el nombre del ‘Día del Mosquito’” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1932, p. 1202). 20 Denominada assim devido ao nome de seu diretor, o major Walter Reed. Esta comissão estava composta de quatro médicos militares estadunidenses: Walter Reed, James Carroll, Jesse Lazear e Aristides Agramonte. Estes cientistas, entre 1901-1902, tinham como objetivo estudar a febre amarela e encontrar meios de conter a epidemia que atingia duramente os soldados estadunidenses em Cuba. 162 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 162 27/10/2015 10:34:03 apoiar-se na ideia de Ross que indicava ser a febre amarela uma pestilência causada pelos mosquitos e não pelas imundícias. Este fato marcou o início da historiografia da febre amarela. Não obstante, sabe-se da existência de uma história anterior à formulação da hipótese do mosquito como agente transmissor ao longo do século XIX, sendo um espaço interessante de reflexão para os historiadores das doenças tropicais. Bryan e colaboradores (2004, p. 282) apontam que antes de Carlos Finlay existiram muitos pesquisadores como John Crawford, Josiah Clark Nott of Mobíle e Luis Daniel Beauperthuy, que tinham observado igualmente o fenômeno. Por outro lado, seria interessante que estudos futuros da febre amarela enfatizassem a construção do conceito atual da doença, uma vez que a medicina da América Latina forneceria elementos substanciais para dita construção. É preciso apontar que a discussão pode ajustar-se na divulgação científica dos países que estão fora das culturas hegemônicas. O caso do médico colombiano Roberto Franco21 é um exemplo do problema. Em 1902, Franco detectou outro tipo de febre amarela que somente depois de trinta anos foi reconhecido e estudado no âmbito internacional como febre amarela silvestre. Tal descoberta revolucionou a conceituação da doença, e será discutida mais profundamente no capítulo três deste livro. Ao se retornar ao trabalho de Finlay e a Comissão Reed deve-se notar que, primeiro, o trabalho que imortalizou Finlay (1881) demonstrou que era preciso três condições para a propagação da febre amarela: na primeira, a existência prévia de um caso de febre amarela, na segunda, a presença de um sujeito capaz de adquirir a doença e, finalmente, a presença de um agente cuja existência é completamente independente da doença e do doente, mas necessária para transmitir do doente para homem saudável. Além disso, observou que em locais de baixas temperaturas o mosquito deixa de existir e a doença desaparece (NOGUEIRA, 1955, p. 6). Por outro lado, a Comissão Reed comprovou que a propagação da febre amarela é causada pelos mosquitos, além disso, corroborou que um ataque deste causa imunidade contra uma nova inoculação de sangue infetado de febre amarela, deliberando que o agente específico da febre amarela estava presente no sangue dos doentes, mas que os efeitos não desempenham nenhum papel na transmissão da febre amarela. No entanto, não foi possível isolar o organismo causador da doença (WARREN, 1951, p. 10). Certamente, as obras tanto de Finlay como a Comissão Reed ficaram perenes como os primeiros “grandes” passos nos estudos da febre amarela, incentivando uma experiência paradigmática e fundamental da saúde pública que salientou o triunfo da abordagem da “medicina tropical”. Essas novas descobertas permitiram que no século XX se conhecesse como 21 Emilio Quevedo e colaboradores (2007) no artigo “Saber y poder: asimetrías entre intereses de los médicos Colombianos y los de la Fundación Rockefeller en la Construcción del concepto de “fiebre amarilla selvática”, 1907-1938” estudaram este caso mais profundamente. 163 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 163 27/10/2015 10:34:03 ocorria a propagação da febre amarela. Portanto, demonstrada a hipótese de Finlay, abriu-se um novo caminho na compreensão do processo da doença e seu controle, permitindo a implementação de campanhas para eliminação do mosquito e erradicação da enfermidade. A comissão chefiada por Reed salientou claramente que a erradicação do mosquito e a proteção dos doentes contra as picadas eram os métodos mais práticos no combate à febre amarela (WARREN, 1951, p. 10). As autoridades de saúde de Havana testaram tais medidas na cidade, a cargo de William Gorgas, Cirurgião Geral do Exército dos Estados Unidos (1914-1918) e diretor da comissão da febre amarela da Junta Internacional de Saúde (1918-1920). Gorgas baseou-se em três processos: polícia de focos, expurgo e isolamento dos doentes22 (LESSA, 1931, p. 1105). Obtida a vitória em Havana, Gorgas foi chamado três anos mais tarde para fazer novamente a campanha sanitária no istmo do Panamá, uma vez que os Estados Unidos estavam empreendendo a construção do Canal do Panamá, abandonado pelos franceses em 1888, em grande parte pela perda de vidas humanas devido à malária e febre amarela. O êxito desta campanha chegou ao Brasil, onde algumas das suas principais cidades foram assoladas pela febre amarela no final do século XIX. Emílio Marcondes Ribas, então Diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo conhecedor do trabalho de Finlay e da campanha de Gorgas, resolveu repetir as experiências com sucesso em Santos, no litoral paulista (ALMEIDA, 1998). Foi assim que, a partir de janeiro de 1901, a comissão sanitária que atuava em outras localidades atingidas no interior paulista incorporou em suas rotinas a supressão de águas estagnadas com larvas de mosquito (BENCHIMOL, 1999, p. 411). Baseada nestes mesmos princípios, a campanha vitoriosa feita por Oswaldo Cruz entre os anos de 1903 e 1908 conseguiu que a cidade do Rio de Janeiro ficasse quase vinte anos livre do flagelo amarílico. Essas campanhas marcaram o início da internacionalização do conhecimento sobre a saúde. Enquanto o modo de propagação da febre amarela havia sido determinado pela teoria de Finlay e demonstrado pela Comissão Reed, a causa específica da doença permaneceu sendo um mistério. No entanto, o sucesso das medidas sanitárias de Gorgas em Havana e no Panamá e as de Ribas e Cruz no Brasil mostraram a possibilidade de limpar as denominadas zonas tropicais das doenças transmissíveis de uma forma contundente. Isso chamou a atenção da Fundação Rockefeller, enquanto poderiam empreender uma campanha em toda América que antes de tudo elevaria seu status de autoridade científica no campo, e segundo porque calmaria os sentimentos de alerta do continente americano contra os Estados Unidos, depois das perdas de 1 milhão e 300 mil quilômetros quadrados, pelo México. Sabe-se que: 22A polícia de focos se baseava no combate aos criadouros do mosquito e aos lugares onde se encontraram as suas larvas. O expurgo combatia o mosquito alado e o isolamento dos doentes se fazia para evitar que os enfermos infectassem os mosquitos (LESSA, 1931, p. 1105). 164 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 164 27/10/2015 10:34:03 O Brasil era temeroso de uma intromissão estadunidense em seus domínios recém-transformados em República, especialmente num momento em que as questões de demarcação definitiva do território brasileiro se tornavam uma das pautas centrais da politica externa do país. A ‘questão do Acre’, eclodida na passagem do século XIX para o XX, serviu para demostrar qual deveria ser a marcha empregada pelo governo republicano na lide com aquela nação do norte. (ATIQUE, 2010, p. 35-36). Por outro lado, em 1903 a Colômbia perdeu o territorio do atual Panamá devido ao expansionismo geopolítico e econômico imanente ao desenvolvimento capitalista dos Estados Unidos, pois durante a guerra com a Espanha, em 1898, cuja consequência foi a intervenção militar decisiva em Cuba, seus círculos políticos e econômicos chegaram ao consenso da necessidade geoestratégica para construir um canal entre o Atlântico e o Pacífico (FISCHER, 2004, p. 341). Segundo o autor: El 13 de febrero de 1904 se aprobó la Constitución de Panamá, en la cual se concedía a EE.UU. el derecho de intervención. El 18 de febrero sem ratificó la Convención del Canal con EE.UU., a través de la cual el gobierno de la República de Panamá aceptaba la división geográfica del país y cedía “para siempre” a EE.UU. el derecho de construir y mantener el canal y los derechos en la Zona del Canal. En otras palabras, lo que había rechazado el Congreso colombiano por razones de dignidad nacional, por falta de definición de la soberanía territorial sobre todo el país y por la insuficiencia del pago por los derechos, acabaron haciéndolo quienes habían promovido la secesión del departamento istmeño. De esta manera obtuvieron la garantía de que se construiría el Canal, así como algunas ventajas económicas que resultaron de dicha construcción, pero a cambio de renunciar a la entera soberanía nacional. (FISCHER, 2004, p. 334). A Fundação Rockefeller desempenharia um papel essencial para restaurar a confiança do governo colombiano, além disso, acalmaria os alarmes do governo brasileiro para os Estados Unidos, pois provavelmente seria a Fundação que conseguiria acabar com um dos problemas que mais atingia a imagem internacional dos países, a febre amarela. Em seguida apresentamos a entrada da Fundação Rockefeller nos estudos de febre amarela. 165 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 165 27/10/2015 10:34:03 1.3A entrada da Fundação Rockefeller no campo dos estudos da febre amarela Ao final do século XIX e início do século XX a febre amarela era considerada um grande desafio para as políticas sanitárias, especialmente no que se refere ao comércio entre as nações, pois a implantação de quarentenas23 afetava a produtividade das empresas coloniais, desde os tempos de domínio espanhol e português. Alguns países europeus, como a Inglaterra, Holanda e França empreenderam o estudo da febre amarela em laboratórios no continente e em vários pontos de suas colônias tropicais. O líder indiscutível nesse campo foi, sem dúvida, a Fundação Rockefeller através do seu International Health Board (IHB) que por mais de 30 anos absorveu a atenção e concentração de uma grande equipe de médicos e cientistas no estudo da febre amarela (MEJIA, 2004, p. 125). O historiador oficial da Fundação Rockefeller, Raymond Fosdick (1989, p. 58), atenta que o trabalho realizado pelos pesquisadores marcou um dos trechos mais espetaculares para o desenvolvimento da medicina preventiva. A Fundação Rockefeller foi criada em 14 de maio de 1913, sob as leis do Estado de Nova York. Conforme o ato de sua constituição, o propósito da criação da Fundação Rockefeller foi promover o bem-estar da humanidade (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1915, p. 7). No entanto, segundo a historiadora Maria Gabriela Marinho (2001, p. 16), a atuação da Fundação Rockefeller tem sido observada de duas formas: seja como um meio de expansão dos interesses econômicos dos Estados Unidos por todo o planeta, sobretudo a partir do final do século XIX, ou como uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, cujo ideário assinalava o objetivo de trabalhar em prol da humanidade. Inicialmente, a Fundação Rockefeller concentrou seu trabalho na atuação em saúde pública, adotando como princípio a concepção da enfermidade como origem da miséria (MARINHO, 2001, p. 28). O primeiro objetivo foi o combate à ancilostomíase24. Não obstante, em 1915 a febre amarela ingressou no programa da Rockefeller, e isso se deveu, em grande parte, ao temor que a abertura do Canal do Panamá provocou em 1914. Temia-se que a febre amarela, que havia aparecido várias vezes na Europa, 23 As quarentenas consistiam na “Detención de personas o animales enfermos, que pueden haberse hallado expuestos a una enfermedad transmisible durante un periodo suficiente [son tomadas en cuarentena con el fin de] eliminar el peligro de transmitir la enfermedad; la detención de un vehículo público u otro medio de transporte (por ejemplo, el buque y su personal), hasta que ya no haya más riesgo de que dicho medio de transporte, su personal o carga puedan transmitir la enfermedad.” ( LLOYD, 1928, p. 374) 24 Ancylostomiasis ou ancilostomíase é uma infecção parasitária causada pelo nematóide Ancylostoma duodenale e Necator americanus. Estas infecções são extremamente comuns em países tropicais e em desenvolvimento. As manifestações clínicas incluem anemia microcítica e hipocrômica, hipoalbuminemia (proteína do soro baixa) e, em um caso grave, edema. A infecção crônica na infância pode dar origem ao retardo físico, mental e sexual (MARCOVITCH, 2005, p. 39). 166 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 166 27/10/2015 10:34:03 África e América, poderia agora ser transportada por navios transoceânicos. Assim, as autoridades britânicas e asiáticas estavam preocupadas com a possibilidade de a doença invadir o Extremo oriente, a Ásia tropical mantivera-se livre dela, mas parecia reunir todas as condições para uma epidemia se fosse conectada ao caribe dada a enorme população e presença do mosquito vetor (CUETO, 1996, p. 188). O aparecimento da doença em qualquer ponto do planeta desencadeava pânico entre a população devido a seus sintomas25 e mortalidade elevada (um em cada três afetado morre). Outra consequência era a paralisação por completo do comércio por causa das quarentenas obrigatórias trazendo grandes perdas econômicas (MEJIA, 2004, p. 126). Teorias e práticas, a começar de Carlos Finlay e sua tese do agente transmissor, os testes da Comissão liderados por Walter Reed em Cuba, as obras de saneamento de Havana e do Canal do Panamá realizada por William Gorgas e as campanhas de Ribas e Oswaldo Cruz no Brasil, fundamentaram a ideia de que a febre amarela era uma doença suscetível de ser erradicada. Muitos ficaram convencidos de que o método de destruir o mosquito traria a vitória final contra a febre amarela. A técnica concebida por Gorgas e Cruz, que se baseava no controle do Aedes aegypti em uma fase tardia de sua vida, foi estendida e usada em vários países e cidades, a fumigação, a eliminação dos focos e a destruição dos recipientes inúteis ou abandonados constituíram os fundamentos básicos que nortearam tais campanhas. No entanto, este método prevaleceu até 1915, quando a Fundação Rockefeller interessou-se pelo problema (PINTO, 1955, p. 47). Assim, Henry Rose Carter sanitarista da Rockefeller, condensou todos os conhecimentos até então disponíveis e formulou a “teoria dos centros-chave”, que serviu de base para diversas campanhas contra a febre amarela em diversos países até 1932, “quando esse paradigma, já em crise, entrou em colapso” (BENCHIMOL, 2011, p. 214). A teoria baseava-se no pressuposto de que a doença atacava somente seres humanos, produzindo imunidade em pessoas que sobreviveram à primeira infecção (transmitida pelo Aedes aegypti). Além disso, a doença parecia só ser endêmica nos principais portos e cidades do litoral, denominadas “centros-chave” (ver Figura 1), que mantinham sempre um número significativo de pessoas não imunes pelo fluxo constante de migrantes, visitantes e pelo crescimento natural da população. Mas também, de acordo com esta teoria, os pequenos povoados não traziam maior taxa de endemicidade para ameaçar as populações maiores, pois se partia da hipótese de que sempre foram infectadas a partir do exterior. A implicação prática era de que a febre iria desaparecer automaticamente quando se realizassem rigorosas campanhas contra o Aedes aegypti – considerado o 25Os sintomas clássicos da febre amarela são: febre alta, vômitos, hiperemia conjuntival, icterícia, hemorragia, diminuição da urina e presença de albumina na mesma, epistaxe, vômitos negros e, por vezes infiltração púrpura na pele. 167 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 167 27/10/2015 10:34:03 único vetor – nos “centros-chave” que, segundo a Fundação Rockefeller, não eram muitos na América Latina (CUETO, 1997, p. 62-63). Para colocar tal teoria em prática e assim “erradicar a febre amarela”, a Fundação Rockefeller criou a Comissão de Febre Amarela em 1916, composta por seis sanitaristas26. O chefe dessa comissão era o majorgeneral William C. Gorgas, que visitou as Repúblicas do Equador, Peru, Colômbia, Venezuela e Brasil para estudar as condições da doença. Dois objetivos foram estabelecidos: determinar o status incerto dos centros endêmicos da infecção, e determinar as medidas necessárias e viáveis para a erradicação da doença nos centros-chave responsáveis pela disseminação (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1917, p. 54). A comissão iniciou seus trabalhos em 14 de junho e terminou em dezembro, com uma duração de aproximadamente seis meses de pesquisa, cujos resultados apontavam que o único centro endêmico de febre amarela na América do Sul estava na cidade de Guayaquil (Equador). O relatório apontou também que o Peru estava livre da infecção e sugeriu manter sob observação Colômbia, Venezuela e as costas brasileiras. Consequentemente, as conclusões de Gorgas e sua equipe salientaram que o problema da erradicação da febre amarela se resolveria com a eliminação da infecção em Guayaquil (Equador) e na costa do Atlântico, mais precisamente em uma área ao Nordeste do Brasil que se estendia do sul até a cidade de Salvador (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1917, p. 68-70). Figura 1- Casos notificados de febre amarela entre 1900 e 1931 nas Américas Fonte: (SOPER, 1955, p. 80) 26 A comissão era composta pelos seguintes membros: William C. Gorgas, Major-General do Serviço de Sanidade do Exército dos Estados Unidos, diretor dos trabalhos de obra de saneamento em Cuba e do Canal do Panamá, cirurgião-principal do Exército dos EUA e presidente da Comissão; Henry R. Carter, inspetor marítimo de saúde nos Estados Unidos e chefe do serviço de quarentenas; Juan Guiteras, chefe do departamento de sanidade da Cuba; Theodore V. Lyster, médico militar dos EUA e segundo chefe sanitário da zona do Canal: Eugene R. Whitmore, distinguido bacteriologista do serviço de sanidade estadunidense; e William D. Wrightson, engenheiro sanitarista e Secretário da Comissão (CAMARGO,1936, p. 15). 168 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 168 27/10/2015 10:34:03 A campanha para erradicação foi implantada e o sucesso no controle da febre amarela em Guayaquil teve como consequência o desaparecimento da febre amarela na referida cidade, vítima do mal desde o ano de 1750. Além disso, a Fundação Rockefeller aspirava a dominar por completo a doença, uma vez que era necessariamente útil encontrar um meio para sua identificação mais precisa. A febre amarela era muito parecida com outras doenças, em especial com a icterícia infecciosa (infectious jaundice), o que dificultava um diagnóstico rápido e preciso para efetuar e desenvolver medidas saneadoras. Por outro lado, os especialistas estavam conscientes que se pudessem isolar o germe da febre amarela um soro poderia ser preparado para proteger as pessoas e curar a doença. Foi, portanto, necessário considerar outras pesquisas sobre essa fase do problema, em vez do trabalho prático (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1920, p. 13). Essa nova tarefa de achar o agente causal da doença foi feita em Guayaquil, centro mais favorável para a realização da investigação, devido aos surtos recorrentes. O novo desafio foi conduzido pelo o cientista Hideyo Noguchi que conseguiu isolar uma spirochaetales27 que produzia as lesões de febre amarela em cobaias animais. Tal manifestação foi chamada por Noguchi de Leptospira icteroides. Depois de prolongados estudos, o cientista concluiu que a Leptospira icteroides era a causadora da febre amarela28. Mas Noguchi estava enganado, pois ele não tinha descoberto o germe da febre amarela. Em vez disso, ele tinha isolado o germe da doença de Weil ou Spirochaetosis icterohaemorrhagica29 que era diagnosticada erroneamente como febre amarela (FOSDICK, 1989, p. 61). O sucesso no controle da febre amarela em Guayaquil, Peru e Brasil30, juntamente com o anúncio feito pelo cientista da Rockefeller, Hideyo Noguchi, que tinha isolado o agente causador, a Leptospira icteroides (de forma errada como foi demonstrado posteriormente). Este anúncio levou cientistas e membros do Board da Fundação Rockefeller a acreditarem que tais medidas eram um bom presságio e acenavam positivamente para o esforço de erradicação da doença. Em meados dos anos 1920, a febre amarela foi considerada como uma doença em vias de extinção, com 27 Spirochaetaleso “espiroquetas son bacterias Garm negativas, móviles, enrolladas en forma de muelle y flexibles. Estos procariótos únicos desde el punto de vista morfológico forman un linaje de Bacteria. Están ampliamente distribuidos en medios acuáticos y en animales y en algunos casos pueden ser patógenos incluyendo enfermedades de transmisión sexual en humanos como la sífilis” (MADIGAN et al, 2003, p. 432). 28 O trabalho completo de Noguchi pode ser encontrado no artigo publicado em 1919 no Journal of Experimental Medicine, intitulado “Etiology of Yellow Fever: Transmission Experiments on Yellow Fever”. 29 Também conhecida como doença de Weil, este é o termo aplicado a uma infecção causada pelo Leptospira icterohaemorrhagiae, que é transmitido aos seres humanos por os ratos. A doença é caracterizada por febre, icterícia, aumento do fígado, nefrite e sangramento das membranas mucosas (MARCOVITCH, 2005, p. 407). 30 No Brasil, Fred Soper salienta que o sucesso foi devido às campanhas realizadas pelo governo brasileiro entre 1919 e 1920 (SOPER, 1937, p. 423). 169 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 169 27/10/2015 10:34:03 recursos e especialistas que já não eram mais necessários na América Latina (ver figura 2). A Fundação Rockefeller abriu, em 1925, uma nova frente na África Ocidental com objetivos muito específicos, como conhecer se a febre amarela americana e africana era equivalente e assim avaliar se as condições eram favoráveis para o esforço de erradicação semelhante ao empreendido nas Américas (MEJIA, 2004, p. 128). Durante oito anos se reconheceu o parasita leptospirose icteroides como o agente causal da febre amarela. Figura 2 - Mapa Hemisfério Ocidental mostrando a diminuição contínua da febre amarela nas áreas infectadas Fonte: (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1925, p. 91). Não obstante, em 1927, Stokes, Bauer e Hudson, também pesquisadores da Fundação Rockefeller que trabalhavam nos laboratórios da África Ocidental, demonstraram que a febre amarela na África era facilmente inoculável no macaco-rhesus, permitindo o isolamento do vírus filtrável e o abandono definitivo da teoria de Noguchi, pois a febre amarela não era causada pela Leptospira icteroides, mas sim por um vírus desconhecido. Esta descoberta do animal suscetível31 levou a debates e controvérsias em todas as áreas da comunidade médica internacional, despertando questionamentos sobre a etiologia da febre amarela. É importante notar que, durante 50 anos antes da descoberta de Stokes (et al., 1927), apareceram no mundo científico vários supostos parasitas de febre amarela. De todos estes diferentes tipos, o Bacillus icteroides de Sanarelli32 e a Leptospirose icteroides de Noguchi, tinham desfrutado de reconhecimento por um período maior. O Bacillus icteroides foi prontamente descartado desde a guerra hispano-americana, 31 É considerado como um animal suscetível à febre amarela aquele em que após a inoculação com o vírus por via extraneural consegue-se comprovar que o vírus se multiplica no corpo do animal e circula em seu sangue. 32 Bacteriólogo italiano, que trabalhou no Instituto Pasteur, antes de ser contratado pelo governo uruguaio para implementar a medicina experimental em Montevidéu. Com a ajuda de jovens bacteriologistas do Rio de Janeiro, decidiu rastrear o germe da febre amarela. De uma conferência lotada na capital do Uruguai, em junho de 1897, anunciou a descoberta do bacilo icteroide, no entanto esta descoberta foi rejeitada pela Comissão Reed em Havana, salientando que o bacilo icteroide não é especifico da febre amarela (BENCHIMOL, 2010). 170 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 170 27/10/2015 10:34:03 pois não havia ligação com a febre amarela. A Leptospirose de Noguchi33 vigorou por aproximadamente oito anos (AGRAMONTE, 1928:930). Segundo o Diretor do Instituto Oswaldo Cruz da Bahia, Eduardo de Araújo, muitos pesquisadores procuraram descobrir o agente causal da febre amarela. Entretanto, de todos os germes descritos, o de Noguchi pareceu, a princípio e durante algum tempo, ser o verdadeiro agente responsável pela febre amarela. Isso se deveu, em grande parte, ao respaldo da autoridade científica da Fundação Rockefeller nas esferas médicas (ARAUJO, 1928, p. 782). Francisco Borges Viera, preparador da cadeira de higiene e medicina preventiva da Faculdade de Medicina de São Paulo, foi quem refutou pela primeira vez a teoria de Noguchi no Brasil. Em abril de 1921, se apresentou ao sul de Salvador, em Jaguaquara, uma epidemia que em principio foi oficialmente declarada febre palúdico-biliosa34. O diretor do recém-criado Departamento Nacional de Saúde Pública do Brasil, Carlos Chagas, convidou ao Borges Viera para ir à Bahia tentar isolar o microrganismo incriminado – Leptospira icteroides – por Noguchi. Na região era comum a febre amarela, a malária, a febre remitente e biliosa, febre álgida etc., os sintomas principais eram vômito preto e anúria, pelo que Borges Viera considerou clinicamente como febre amarela, no entanto, examinou dez doentes e colheu material de sete e nem uma só conseguiu surpreender o microrganismo descrito por Noguchi (BENCHIMOL, 2011, p. 226-231). Logo que as pesquisas de Stokes e seus colegas (1927) foram publicadas, vários cientistas brasileiros começaram a reproduzir os experimentos de Noguchi (FONSECA, 1928, p. 17). Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão (Chefe de Serviço do Instituto Oswaldo Cruz) tentou comprovar a eficácia da teoria de Noguchi. Nos resultados dos seus testes comentou: “A inoculação da leptospirose icteroides no macaco resultou negativa, o que demonstra, até certo ponto, que o Macacus Reshus, tão sensível ao vírus amarílico, não o é de igual modo ao agente causador da febre amarela (ARAGÃO, 1928, p. 219)”. Além disso, demostrou que o Macacus Reshus era sensível à febre amarela americana como à africana (ARAGÃO, 1928, p. 219). Esses resultados acabaram com a teoria de que a febre amarela de América e da África eram diferentes. Sem dúvida havia uma conjuntura nos conhecimentos etiológicos da doença, sendo assim necessário encontrar uma solução para a explicação epidemiológica da doença. Os cientistas tiveram que retornar aos estudos feitos por Carlos Finlay e pela Comissão Reed no final do século XIX, visto que desde essa época não havia acontecido um “verdadeiro” avanço 33 Infelizmente o Dr. Hideyo Noguchi morreu no dia 21 de maio de 1928, nos laboratórios da Rockefeller de Acra (África Ocidental), vítima de febre amarela contraída enquanto investigava a relação entre a febre amarela da América do Sul e da África. 34 Forma de febre remitente tropical acompanhada de perturbações hepáticas e vômitos biliosos que pode surgir na malária. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/termos-medicos/febre>. Acesso em: 21 de março de 2013. 171 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 171 27/10/2015 10:34:03 na epidemiologia da febre amarela. Entretanto, as descobertas de 1927 e 1928 não atenuaram os efeitos da crise. A falta de conhecimentos sobre o vírus tornava difícil encontrar uma diferença entre a febre amarela e outras doenças que tinham quadros sintomáticos clínicos muito semelhantes. Aristides Agramonte,35 professor da Universidade de Havana, membro da Comissão Reed tinha uma opinião particular sobre Noguchi: Mi experiencia en varios años con epidemias graves de fiebre amarilla y mi participación en los trabajos de la comisión del Ejército [de los Estados Unidos en la Habana] a que antes hice referencia, me indujeron, desde que conocí los primeros escritos del Dr. Noguchi, a dudar de la especificidad que reclamaba para su leptospira; es verdad que el nombre de Noguchi constituya una excelente marca de fábrica (si se me permite el vocablo), y ofrecía excepcionales garantías en cuanto a lo irreprochable de la técnica empleada, exactamente como ocurrió con Sanarelli en el caso de su bacilo icteroides. (AGRAMONTE, 1928, p. 931). Agramonte foi uns dos principais oponentes da teoria de Noguchi e refutou a ideia que a Leptospira icteroides e Spirochaetosis icterohaemorrhagica (que produz a doença de Weil) fossem os agentes causadores da febre amarela. Depois de fazer os seus próprios estudos e de analisar com outros pesquisadores esses novos campos epidemiológicos da doença, chegou a três conclusões: 1. Que el agente causante de la fiebre amarilla aún no se ha demostrado. 2. Que la especificidad que reclaman para el L. icteroides, el Dr. Noguchi y sus discípulos, es completamente inaceptable, porque el L. icteroides y el L. icterohemorragica presentan reacciones serológicas cruzadas, indicando así su identidad; (b) porque el suero de convalecientes de fiebre amarilla no protege contra el L. icteroides, mientras que el suero de convalecientes de íctero infeccioso de Weil sí protege contra ambos leptospiras: icteroides e icterohemorragica; (c) porque el L. icteroides van gradualmente aumentando en número en la sangre de los animales infectados, mientras que el germen de la fiebre amarilla desparece de la circulación al tercero o cuarto día; (d) porque el L. icteroides no 35 Aristides Agramonte Simoni (1868 - 1931), bacteriologista, patologista e médico estadunidense de origem cubana, foi criado em Nova York, recebendo seu diploma de medicina da Universidade de Columbia. Em 1898, ele chegou à Havana como um membro da Comissão Reed, com a missão de verificar a base científica da suposição feita pelo italiano Giuseppe Sanarelli (1865-1939) sobre a ligação com o bacilo icteroides da febre amarela. Depois de estudo aprofundado sobre o assunto, Agramonte concluiu que não havia nenhuma relação entre o bacilo de Sanarelli e a febre amarela (ESPINOSA, J. 2006:185). 172 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 172 27/10/2015 10:34:03 logra infectar a los mosquitos para que éstos a su vez y en su debido tiempo puedan infectar al hombre;(e) porque el L. icteroides es capaz de penetrar a través de la piel normal y producir infección, mientras que se ha demostrado que la fiebre amarilla no es contagiosa aún en presencia de incisiones o erosiones de la piel. 3. Que ninguna vacuna o suero preparado con el L. icteroides puede tener valor alguno protector o curativo respecto a la fiebre amarilla. (AGRAMONTE, 1928, p. 934). A publicação desses resultados agravou ainda mais a controvérsia suscitada pela situação de incerteza do quadro etiológico, epidemiológico e profilático da doença. Gustavo Pittaluga (1928, p. 539) médico italiano, membro do Comitê de Higiene da Sociedade das Nações, salientava que os meios de tratamento, de imunização e de profilaxia da febre amarela sofriam também uma crise devido aos problemas etiológicos, pois a situação tinha mudado desde que se averiguou a identidade da leptospirose, isolada por Noguchi e do vírus da Leptospira icterohemorragica. No entanto, a Fundação Rockefeller mantinha a teoria dos centros chaves como principal profilaxia que aplicava no combate da febre amarela. A opinião dos médicos a respeito desta teoria estava dividida, como iremos analisar no próximo capítulo. Em meio às incertezas, os relatórios da Fundação Rockefeller anteriores a 1928 expressavam a crença de que não só a febre amarela estava desaparecendo rapidamente, mas que tinha sido praticamente eliminada (FOSDICK, 1989, p. 63). Logo a Fundação Rockefeller assegurava o triunfo da teoria dos centros-chave, utilizada para acabar com o flagelo no Equador, na Colômbia e na América Central. No entanto, com as duas epidemias de febre amarela apresentadas no Brasil e na Colômbia, as atividades e as afirmações da Fundação Rockefeller caíram em descrédito. Os médicos latino-americanos começaram a manifestar que os esforços deviam estar mais dirigidos aos estudos do ciclo vital do vírus amarílico (ARAUJO, 1928, p. 782), uma vez que as campanhas antimosquito lideradas pela Rockefeller mostravam apenas resultados temporais, sendo um gasto desnecessário que não revelava resultados satisfatórios. Um questionamento deve ser feito: por que a febre amarela foi uma das doenças que mais atenção recebeu da Fundação Rockefeller? Umas das razões que explicam esta atenção da Fundação Rockefeller sobre a febre amarela são, principalmente, a proteção do comércio internacional, o medo de reinfecção dos Estados Unidos, a possibilidade de demonstrar o sucesso rápido contra a doença, o poder das comunidades científicas na definição de prioridades filantrópicas e as necessidades e respostas ao programa de Estados-nação de alguns países emergentes da América Latina. Segundo Cueto (1997) o programa de febre amarela da Fundação 173 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 173 27/10/2015 10:34:03 Rockefeller pode ser mais bem compreendido como uma preocupação pela estabilidade do sistema capitalista internacional como um todo, dado que os Estados Unidos estavam começando a ter um papel cultural e político importante e mais efetivo. Mas, a abertura do canal de Panamá em 1914 criou a possibilidade da exportação da febre amarela do Caribe à Ásia tropical, até então livres da doença. Os EUA e o seu Exército tinham tido responsabilidades nestas regiões desde que os colonos hispano-americanos passaram a viver nestes países, mas também levantaram o potencial temor de que essa doença infetaria novamente o sul dos Estados Unidos região subtropical que tinha sofrido graves epidemias de febre amarela no século XIX. Marcos Cueto (1994, p. 11; 1997, p. 63) salienta que o programa foi praticamente desenvolvido a partir de uma preocupação com a segurança nacional dos Estados Unidos, o que explica parcialmente a ênfase da Fundação Rockefeller no combate à febre amarela. 174 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 174 27/10/2015 10:34:04 2 CRISES NOS ESTUDOS DA FEBRE AMARELA: A EPIDEMIA DO RIO DE JANEIRO (1928-1929) E DO SOCORRO (1929) Vino primero el brote en Rio de Janeiro, ciudad está que el vómito negro había respetado por 20 años, y cuando se daba por acabado el brote, llegó en enero de este año [1929] una recrudescencia aún más severa que la del año anterior, y ahora, apenas extinguido el último empuje en la capital fulmínense, ha estallado de nuevo la fiebre amarilla, más al norte, esta vez, en el interior de Colombia. Estos hechos refuerzan una vez más el concepto, tantas veces reiterado en estas columnas de que la amenaza de la fiebre amarilla continuará cerniéndose sobre los países devastados por ella. (OFICINA SANITARIA PAN-AMERICANA, 1929, p. 967). Em um primeiro olhar são várias as diferenças que separam as duas cidades: uma capital de uma república federativa (Brasil), a outra, pequena cidade do departamento de Santander (Colômbia). Contudo, foi nestas duas cidades – tão diferentes e opostas – que houve a ocorrência de um inesperado surto epidêmico de febre amarela, em um período que se acreditava ter conseguido controlar o mal. É neste ponto que as duas cidades convergem. A reincidência da febre amarela foi um choque para a época, uma vez que era considerada extinta em ambos os territórios. Esta epidemia confundiu médicos, políticos, filantropos, mas, por outro lado, suscitou uma série de pesquisas e conhecimentos que desencadearam uma nova era para a doença. Houve, assim, uma preocupação da comunidade científica e dos dirigentes políticos em restituir o bom estado sanitário dos países tropicais (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 1130-1131). A febre amarela não era, entretanto, o único mal que atingia os trópicos. De acordo com Agramonte, o problema sanitário dos trópicos eram os seguintes: a malária, considerada como a maior preocupação das nações que por essa época buscavam se expandir; a ancilostomíase, a amebíase e, por último, a febre amarela que novamente ganhava novos contornos, devido às evidências colocadas pelos casos apresentados na costa ocidental de África, nos surtos do Brasil e da Colômbia. Agramonte alertou a respeito 175 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 175 27/10/2015 10:34:04 deste ressurgimento da febre amarela na reunião do Consejo Directivo de la Oficina Sanitaria Panamericana, celebrada em Havana em 1929. No evento, o médico salientou que a febre amarela parecia não mostrar trégua na campanha de prevenção e igualmente alertou para o fato de que a ausência de casos não significa sua completa extinção, tal como havia pronunciado a Fundação Rockefeller em 1916 (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 1130-1131). A partir destas considerações e dos eventos que comprovavam as afirmações do médico, a febre amarela deixou de ser um problema resolvido e assumiu uma nova complexidade. Dos casos do Brasil e da Colômbia, entre 1928 e 1932, a febre amarela reapareceu em outros centros urbanos da América do Sul – Venezuela e Bolívia – manifestações que ficaram sem a devida explicação satisfatória para sua ocorrência (MEJIA, 2004, p. 133). No entanto, não foram tão marcantes como nas cidades do Rio de Janeiro e Socorro. Mas, então, por que tanta atenção e importância dada à febre amarela nestas duas cidades? A cidade do Rio de Janeiro era um dos portos mais importantes da época, não só para o Brasil, mas para a América do Sul. Era também sede do governo brasileiro, o que obriga aos dirigentes do país manter uma imagem de salubridade pública ante as exigências internacionais. Por outro lado, a cidade de Socorro estava localizada próxima às cidades de Barrancabermeja e Puerto Wiches36, locais onde empresas internacionais exploravam o petróleo. Uma epidemia sem controle em Socorro poderia constituir-se em séria ameaça à exploração do petróleo, fazendo com que as autoridades colombianas focassem sua atenção na promulgação de medidas sanitárias para o controle da doença e assim evitar sua possível propagação pelo território. Este capítulo tem como objetivo estudar essas duas epidemias, a fim de realizar uma analise sobre os principais acontecimentos que cercaram a reincidência da doença. O capítulo divide-se em duas seções, uma para o Rio de Janeiro e a outra para Socorro, onde se procurou levantar a relação destas cidades com a febre amarela desde a época dos tempos coloniais. Nas seções seguintes, o foco recai no fatídico surto de 1928 e o desencadeamento de uma série de ações vindas de cientistas, autoridades públicas e da sociedade, que assistia espantada a ocorrência de mais uma epidemia. A pesquisa levantou ainda quais foram as medidas corretivas, diagnósticos realizados e ações profiláticas, enfocando também os pontos controversos que surgiram logo nas primeiras manifestações do surto. O capítulo é finalizado com o levantamento das contribuições construídas na sequência da epidemia, pois se sabe que os médicos e cientistas alimentavam interesse crescente pelo o entendimento da doença, principalmente os médicos brasileiros. 36 Socorro, Barrancabermeja e Puerto Wiches estão situadas no Departamento de Santander-Colômbia às margens do Rio Magdalena, importante via fluvial de escoamento de mercadorias e do petróleo produzidos na região. 176 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 176 27/10/2015 10:34:04 2.1 Epidemia no Rio de Janeiro (1928-1929) A febre amarela burlando toda a burocracia, zombando de todos os índices estegomicos tidos e havidos como magníficos, desmascarando todos os dados epidemiológicos rigorosamente matemáticos, se apresenta sossegada e manhosamente no Rio, para nos colocar em situação dolorosamente vergonhosa perante o mundo, acarrentando-nos, além disso, prejuízos incalculáveis! (PIZA, 1928)37. Nas primeiras décadas do século XIX o Brasil ostentava a reputação de ser um país em boas condições de salubridade, principalmente porque na aquela época permanecia livre das duas pestes mais aterrorizantes: o cólera e a febre amarela38. No entanto, ressalta-se que a ausência destas duas doenças não significava que as condições sanitárias do país em geral eram favoráveis. Como foi mencionado no capítulo anterior, a febre amarela tinha atacado de forma decisiva e pouco compassiva o norte e o centro da América Latina entre os séculos XVII e XVIII. Assim, pelo fato de se acreditar que no país não existia o vírus amarílico fazia do Brasil um país livre de epidemias severas. Contudo, isso não denota que no Brasil não tivesse existido febre amarela. Placido Barbosa (1929, p. 329-338), inspetor técnico do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), salienta em sua história da febre amarela que esta doença existiu em território brasileiro desde há muito tempo, pois há notícias de que entre 1685 e 1690 teria assolado Pernambuco e Bahia. A partir desta data, a febre amarela não retornou, trazendo certa tranquilidade aos brasileiros, mas em 1849, o vírus amarílico irrompeu no Rio de Janeiro tornando-se um problema complexo para as autoridades públicas e comerciantes, que entenderam que a febre amarela não era uma doença de fácil controle. A preocupação sobre a febre amarela recaía no fato de que nas últimas décadas do século XIX, algumas cidades do Brasil haviam se expandido rapidamente, atraindo um grande número de imigrantes europeus, plenamente suscetíveis à febre amarela. Além disso, as condições físicas da maioria das cidades brasileiras eram propícias para a manutenção da doença. O Rio de Janeiro, que teve crescimento expressivo tinha uma população de aproximadamente 800.000 almas, que sofreu cruelmente com a doença na virada do século XX. O número de mortes por febre amarela ascendeu a várias centenas a cada ano, atingindo gravemente a população do final do século XIX e começo do XX (SMITH, 37 José de Toledo Piza, em discurso pronunciado na Sociedade de medicina e cirurgia de São Paulo, 1928. 38 Uma explicação comum para a ausência de febre amarela “estava na crença generalizada de que tal doença encontrava um limite claro para a sua propagação na linha equatorial” (CHALHOUB, 2001, p. 61). 177 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 177 27/10/2015 10:34:04 1951, p. 551)39. A última epidemia urbana que alarmou as autoridades foi o surto de 1928, reaparecendo em 1929, sendo uma surpresa não só para os médicos do Brasil, mas para todos estudiosos dessa doença no mundo, pois a patologia era dada como extinta na cidade do Rio de Janeiro, e ninguém acreditava na possibilidade de um retorno à capital brasileira. 2.1.1 A cidade do Rio de Janeiro e os precedentes da epidemia de 1928 Para escrevermos sobre a importância da cidade do Rio de Janeiro para o Brasil é preciso remontar aos tempos coloniais. Nos primeiros séculos da história do Brasil esta cidade desempenhou as funções de um polo de poder geopolítico. Desde o período colonial, destacava-se como núcleo urbano mercantil, com posição estratégica no Atlântico Sul, atuando como um importante centro de escravos (LESSA, 2005, p. 11). Ao final do século XVI, o crescimento da população do Rio de Janeiro foi relevante, com suas zonas de montanha densamente povoadas. Durante os séculos XVII e XVIII, o Rio de Janeiro se tornou um centro econômico ainda mais vigoroso devido à descoberta das minas de ouro e o avanço da economia açucareira (FAUSTO, 2006, p. 25). Em 1763, a cidade elevou ainda mais seu status político quando tomou de Salvador a posição de capital da colônia, recebendo nova infraestrutura, o que permitiu maior crescimento urbano. Segundo Benchimol (2010, p. 247), isso levou a mudanças importantes na vida da cidade, mas nada comparável com os efeitos da fuga da corte Portuguesa para sua colônia, quando os exércitos de Napoleão invadiram Lisboa em novembro de 1807. A família real se trasladou para a cidade em 1808, transformando-a em capital do Reino Unido de Portugal. O historiador Boris Fausto salienta que foi nessa época que o “Rio de Janeiro se tornou o porto de entrada dos produtos manufaturados ingleses, com destino não só ao Brasil como ao Rio da Prata e costa do Pacífico” (2006, p. 122). Assim, a cidade desempenharia um papel importante ao proporcionar uma conexão do comércio inglês com a América do Sul. O Rio de Janeiro foi, durante o século XIX, não só o porto de exportação de produtos primários destinados ao mercado mundial, mas também centro de redistribuição de uma economia rural. A cidade atuava como principal mercado de consumo dessa mesma economia, de produtos importados e, finalmente, núcleo das decisões políticas e do movimento financeiro do país (ROCHA, 1995, p. 118). Em 1822, com a Independência do Brasil, a cidade tornou-se a capital do império brasileiro. Como sede da política brasileira atravessou o 1° Reinado (D. Pedro I), a Regência e o 2° Reinado (D. Pedro II) no 39 A febre amarela esteve presente em várias províncias do Império brasileiro ao final do século XIX, especialmente em São Paulo. Sobre isso ver os trabalhos de Telarolli Junior (1993) e Ribeiro (1993). 178 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 178 27/10/2015 10:34:04 final do século XIX. A cidade assistiu ao ocaso do império, desencadeado com a Abolição da Escravatura (1888) o que decretou o fim da monarquia e a Proclamação da República, em 1889. Com a primeira Constituição republicana promulgada em fevereiro de 188940, o Rio de Janeiro se tornou a capital da República dos Estados Unidos do Brasil, que, em 1900, contava com uma população de 700.000 habitantes (LIMA, 2002, p. 36). Sob a égide da República, a capital federal foi palco de transformações profundas em suas estruturas físicas com a elaboração de um grande plano de saneamento e reorganização dos serviços ligados à saúde. Essas obras foram empreendidas em 1903 sob o governo do presidente Rodrigues Alves e do prefeito Francisco Pereira Passos, que buscavam fazer do Rio de Janeiro uma cidade sã, bela e moderna. No entanto, a situação geográfica da cidade era, ao mesmo tempo, favorável e comprometedora de seu estado sanitário. Se, por um lado facilitava a comunicação com todo o país e fomentava o desenvolvimento econômico, por outro proporcionava a propagação de doenças, em especial da febre amarela, que acometia a cidade com certa periodicidade, o que comprometia sua imagem de um ambiente insalubre. As medidas sanitárias tomadas por Francisco Pereira Passos41 e Oswaldo Cruz42 foram eficazes e produziram os resultados esperados, condizentes com a capital de um país moderno e civilizado. As transformações na cidade, entretanto, não ficaram estanques à primeira década do século XX. Coincidentemente, às vésperas do surto de 1928, outras propostas de remodelação em suas estruturas urbanas foram discutidas na gestão do prefeito Antônio Prado Junior que, com base nas 40Segundo Boris Fausto (2006, p. 141) “Esta constituição inspirou-se no modelo norte-americano, consagrando a República Federativa liberal. Os Estados – designação dada às antigas províncias – ficaram implicitamente autorizados a exercer atribuições diversas, como as de contrair empréstimos no exterior e organizar forças militares próprias [...]. A Constituição inaugurou o sistema presidencialista de governo. O Poder Executivo, que antes coubera ao imperador, seria exercido por um presidente da República, eleito por um período de quatro anos. Como no império, o Legislativo foi dividido em Câmara de Deputados e Senado, mas os senadores deixaram de ser vitalícios. Os deputados seriam eleitos em cada Estado, em número proporcional de habitantes, por um período de três anos. A eleição dos senadores se dava para um período de nove anos, em um número fixo: três senadores representavam cada Estado, e três representando o Distrito Federal”. 41“Francisco Pereira Passos nasceu em 29 de agosto de 1836, no Município de Piraí, Estado do Rio de Janeiro e faleceu em 12 de março de 1913. Passos fez seus primeiros estudos na casa paterna e, ao completar 14 anos de idade, seguindo o costume da oligarquia rural, foi estudar na Corte, no Colégio São Pedro de Alcântara, no qual completou seus estudos preparatórios. Foram seus colegas de turma Floriano Peixoto e Oswaldo Cruz” (PINHEIRO, 2006, p. 1). 42Oswaldo Gonçalves Cruz nasceu em 5 de agosto de 1872 no Estado de São Paulo, na pequena cidade de São Luiz de Paraitinga, onde seu pai exercia a clinica particular. Em 1877, a família mudou-se de volta para a casa de seu pai no Estado de Rio de Janeiro. Em 1896 se especializou em microbiologia no Instituto de Pasteur (França). Esta viagem forneceu para Cruz um momento chave na vida. Em volta ao Brasil em 1899, como microbiologista treinado, estava altamente motivado com a crença de que a ciência devia fazer parte integrante da cultura nacional. Este novo pensamento foi um fator de grande importância para o desenvolvimento da ciência no Brasil (STEPAN, 1976, p. 67-101). 179 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 179 27/10/2015 10:34:04 instruções do arquiteto francês Donat Alfred Agache43, propôs um novo programa de urbanismo para a cidade. Agache publicou em 1930 a monografia Cidade do Rio de Janeiro: extensão, remodelação e embelezamento, trabalho que reuniu quantidade considerável de informações históricas, ambientais, sociais e jurídicas da cidade. Agache salientava que o fator geográfico de maior importância para o Rio de Janeiro residia na sua posição à beira do Atlântico, a meio caminho da costa oriental: “Primeiro porto do Brasil, sob todos os pontos de vista, o porto do Rio de Janeiro aproveita-se largamente da sua situação privilegiada. Todos os vapores que se dirigem no rumo de América do Sul fazem aqui escala e a concorrência internacional é aqui considerável (AGACHE, 1930, p. 85)”. Sem dúvida, o Rio de Janeiro era uma cidade importante para o país, não somente por abrigar um grande porto marítimo, mas também por sua relevância econômica e política como capital da República e centro de produção, exportação e importação. Qualquer epidemia que na cidade eclodisse constituía-se em uma séria ameaça ao seu desenvolvimento. No final do século XIX, o Rio de Janeiro era considerado um “celeiro de doenças” (LIMA, 2002, p. 38), porém, foi no início do século XX que as crises sanitárias ali vividas resultaram na intervenção do poder público na cidade, o que gerou uma época de grandes transformações. As intervenções principais, conforme citado, foram a Reforma Passos, a campanha de saneamento de Oswaldo Cruz e, poucas décadas depois, o plano Agache. O prefeito do Distrito Federal Francisco Pereira Passos durante seu período de gestão (1902-1906) comandou um amplo programa de reforma urbana para a capital, depois denominada “Reforma Passos”. Estava pautada em três necessidades: primeiro, era imperativo agilizar o processo de importação e de exportação de mercadorias, que ainda apresentava características coloniais devido à ausência de um moderno porto, segundo, era preciso criar uma “nova capital”, um espaço que simbolizasse a importância do país como principal produtor de café. Terceiro, era preciso acabar com a noção de que a cidade era sinônimo de febre amarela e de condições anti-higiênicas, transformando-a num verdadeiro símbolo do “novo Brasil” republicano e moderno (ABREU, 1987, p. 60). Dessa forma, a Reforma Passos representava uma organização do espaço urbano que determinava novas funções à cidade, além de representar um dos primeiros exemplos de intervenção estatal maciça sobre o urbano, organizado agora sob novas bases econômicas e ideológicas. 43 “Donat Alfred Agache (1875-1959), arquiteto francês diplomado pela École des Beaux-Arts de Paris em 1905. É fundador da Sociedade Francesa de Urbanistas, tendo sido secretário-geral até o período entre guerras. Alguns lhe atribuem a criação do vocábulo urbanismo. Em 1927 é convidado para uma série de conferências sobre urbanismo no Rio de Janeiro, que culminam com sua contratação no ano seguinte para elaboração de um plano urbanístico para a cidade. A partir de 1939, em seu exílio permanente no Rio de Janeiro, atua como consultor em matéria de urbanismo e elabora projetos para Porto Alegre, Goiânia, Curitiba, Campos, Cabo Frio, Araruama, Atafona, São João da Barra, Petrópolis, Vitória, São Paulo e Araxá”. Disponível em: <http://planourbano.rio.rj.gov.br/>. Acesso em: 26 abr. 2012. 180 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 180 27/10/2015 10:34:04 Mauricio Abreu (1987, p. 67) aponta que o período no qual a Reforma Passos transcorreu representa, para o Rio de Janeiro, a superação efetiva da forma e das contradições da cidade colonial-escravista, e o início de sua transformação em espaço adequado às exigências do modo de produção capitalista. Pouco anterior à reforma urbana de Passos, o controle sanitário da capital federal foi entregue ao proeminente médico Oswaldo Cruz, diretamente nomeado pelo presidente Rodrigues Alves44. O presidente estava preocupado com as doenças que incidiam sobre a população de maneira indiscriminada, ameaçando paralisar a estrutura comercial e produtiva da cidade (BENCHIMOL, 1992, p. 295). Incumbido de controlar o estado sanitário da cidade, Oswaldo Cruz ganhou plenos poderes do presidente para saneá-la a qualquer custo. As medidas antipopulares promulgadas por Oswaldo Cruz conduziram a um dos episódios mais dramáticos da cidade, a revolta popular que mais tarde ficou conhecida como a Revolta da Vacina. Tal revolta começou com a publicação, no dia 9 de novembro de 1904, do plano de regulamentação da aplicação da vacina obrigatória contra a varíola, desencadeando um debate exaltado que transpôs as dimensões do legislativo para empolgar as páginas da imprensa e a população da Capital Federal (SEVCENKO, 1993, p. 13). O projeto gerou inúmeras manifestações por toda a cidade. Embora visasse combater uma peste que, naqueles anos, atingia com força a população da capital federal, a proposta de regulamento foi prontamente repudiada por grande parte da população carioca (PEREIRA, 2002, p. 10). A revolta atribui-se ao choque entre duas mentalidades médico-científicas, uma tradicionalista e outra moderna e progressista (BENCHIMOL, 1992, p. 299). Oswaldo Cruz encontrou grande resistência a suas tentativas de pôr em prática medidas de profilaxia apoiadas na teoria pasteuriana, não só por parte da população em geral, mas também de seus próprios colegas de profissão. Poucos anos antes, enfrentara a desconfiança de médicos renomados no que dizia respeito ao uso e à aplicação de soros curativos. Segundo Augusto Carreta (2011, p. 681) este debate controverso pode ser utilizado para compreender as dificuldades e o que estava em jogo naquele momento, no que concerne à consolidação da ciência médica brasileira. Contudo, tais acontecimentos não impediram que Cruz levasse à frente seu programa de controle sanitário da capital federal. A campanha sanitária conduzida pelo médico entre 1903 e 1907 se concentrou no combate a três doenças: a peste, a varíola e a febre amarela. Essa última doença era um dos maiores desafios devido aos efeitos colaterais na economia do país. Os trabalhos 44 “Em 1902 foi indicado candidato oficial à sucessão de Campos Sales na presidência da República o paulista Rodrigues Alves, grande fazendeiro de café de Guaratinguetá. Presidente do Estado de São Paulo desde 1900, com uma longa carreira política exercida no império. Sua candidatura assegurava a permanência da chefia do governo republicano, pela terceira vez, em mãos de um representante da grande burguesia cafeeira paulista. Estava em vigor a famosa política ‘café com leite’: o vice-presidente era mineiro” (BENCHIMOL, 1992, p. 210). 181 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 181 27/10/2015 10:34:04 de Cruz enfocaram principalmente a erradicação do mosquito, vetor da febre amarela. Após quatro anos de campanha de saneamento, a cidade conseguiu, em 1907, livrar-se da febre amarela. Löwy (2006, p. 101) ressalta que o triunfo da campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro contribuiu para, tempos depois, glorificar Oswaldo Cruz como salvador do povo. Além disso, o médico também colocou a medicina como elemento central para o país, concretizado mais tarde no movimento sanitarista dos anos de 1916 a 192045. Benchimol (1992, p. 294) aponta que a política sanitária no transcurso da renovação urbana respondeu à necessidade e expansão da produção capitalista, pois a base da política de saneamento implementada pelos representantes do governo residia no interesse em proporcionar às zonas produtoras de café uma oferta abundante de força de trabalho, pela subvenção à imigração estrangeira, acima mesmo de suas necessidades reais. As ações comandadas por Passos e Cruz surtiram os efeitos desejados, mas, ao final da década de 1920, a cidade demandava novas intervenções em suas estruturas urbanas. Para se ter uma ideia de sua dimensão, o arquiteto Alfred Agache apontou em 1927 que a população da cidade era calculada em 1.729.799 habitantes. Cabe ressaltar que no último recenseamento oficial realizado antes da epidemia de 1928 foi a registrada em 1920, a população do Distrito Federal eram 1.157.873 habitantes (BRASIL-MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMMERCIO, 1927). Isso significava um desafio para os políticos, pois a grandeza da cidade exigia atenção redobrada com sua saúde pública. É claro que as intervenções propiciaram mudanças significativas no panorama da cidade, o que certamente repercutiu positivamente junto outros países. Além disso, entre as inúmeras medidas tomadas entre o fim da década de 1910 e início da década de 1920, três delas podem ser consideradas fundamentais por lançarem as bases para uma nova forma de atuação sanitária no país. São elas a criação da especialidade médica de higiene e saúde pública, o curso de Enfermeiras de Saúde Pública e a implantação dos primeiros Postos de Profilaxia e Saneamento Rural, vinculados à Inspetoria dos Serviços de Profilaxia (CAMPOS, 2007, p. 882). Nesta época, o Rio de Janeiro mostrava melhorias expressivas em suas condições de saúde. Em 1927, o Presidente Washington Luís, em uma Mensagem ao Congresso Nacional do Brasil, referia-se à situação da saúde pública do Distrito Federal com as seguintes palavras: O bajo índice de mortalidad que puede hombrearse con los de las más adelantadas ciudades del globo, en las que bien orientadas medidas higiénicas han alcanzado reducciones acentuadas, revelan 45 A obra Reforma Sanitária no Brasil: ecos da primeira República do sociólogo Luiz Antônio de Castro e da historiadora Lina Rodrigues Faria publicada em 2003, delineia as instituições e o arcabouço ideológico que favoreceu e sustentou o sanitarismo como resposta aos problemas que o país buscava superar, a fim de se enquadrar no rol das nações que, no dizer da época eram modernas e civilizadas. 182 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 182 27/10/2015 10:34:04 comparadas con los coeficientes anteriores, lo mucho que ha conseguido la administración sanitaria en pro del bienestar y de la salud de los que habitan en la capital o mantiene relación con ella. (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1928, p. 1175).46 O governo do Brasil mostrava-se preocupado com a imagem da cidade no exterior, pois poderia afetar o livre fluxo do comércio. Ninguém esperava que a febre amarela aparecesse novamente na cidade, pois a campanha sanitária de Oswaldo Cruz fornecia certa sensação de segurança sobre a extinção da febre amarela na cidade, mesmo transcorridos tantos anos após sua execução. No entanto, em maio de 1928, a febre amarela apareceu na capital federal, surto que perdurou até o final de outubro do mesmo ano. Quando se pensava que a febre estava sob controle eis que a moléstia ressurge mais uma vez, em julho de 1929. Tais ocorrências indicavam que a febre amarela não havia sido erradicada no Rio de Janeiro como se pensava anteriormente, e que seu controle era difícil de ser atingido. Assim, como ocorreu no início do século XX, a febre amarela tornou-se o centro das preocupações do governo, pois, novamente, era considerada uma ameaça às relações comerciais do país. Em relação aos precedentes da febre amarela, a primeira notícia que se tem sobre a confirmação de um diagnóstico no Rio de Janeiro foi publicada em dezembro de 1849 pelo médico Roberto Cristiano Bertoldo Lallement. No entanto, o diagnóstico foi considerado imprudente pelos colegas de seu tempo, porque uma afirmação dessa natureza traria problemas sérios para o desenvolvimento econômico do país. Somente em fevereiro de 1850, na sessão da Academia Imperial de Medicina, foi oficialmente admitida a existência de febre amarela no território do Rio de Janeiro. Com esse anúncio, o governo submeteu a quarentena todos os navios considerados como foco de infecção. Estabeleceu-se a inspeção diária feita por dois médicos, proibindose que os doentes fossem levados para os hospitais da cidade, designando-se que o lazareto na Ilha do Bom Jesus dos Frades recebesse os doentes. Apesar de todas essas medidas, não foi possível controlar a epidemia (FRANCO, 1969, p. 35-37). Ante o terror da população, o Governo constituiu em 5 de fevereiro uma comissão central de Saúde Pública, com o intuito de prevenir e controlar o progresso da febre amarela. A comissão elaborou um plano detalhado de combate contra a epidemia, estabelecendo rígidas medidas de controle sobre os indivíduos e a vida da cidade, armando pela primeira vez um dispositivo disciplinador. E assim em setembro de 1850 a epidemia tinha sido combatida (BENCHIMOL, 1992, p. 114). Nas épocas pretéritas da cidade, a ocorrência de uma epidemia de grande porte poderia ser atribuída a qualquer fenômeno, dado que ainda não era conhecida a teoria de Finlay. Para termos ideia de sua dimensão, alguns 46 O discurso do presidente brasileiro ficou na língua espanhola devido a que a publicação do boletim da Oficina Sanitaria Panamericacana era feito nesse idioma. 183 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 183 27/10/2015 10:34:04 médicos locais acreditavam que a causa da epidemia estava relacionada ao comércio de escravos, o que justificava que a doença resultava da acumulação dos miasmas que reinavam a bordo dos navios que traziam os escravos (LÖWY, 2006, p. 95). Outros, como Candido Borges, indicavam que as causas da febre amarela eram determinadas pelas indigestões, a supressão de transpiração, exposição à chuva, à umidade, ao sereno da noite e a insolação. Assim foram aparecendo mais explicações para o fenômeno amarílico. Pereira Rego foi um dos médicos que começou a se preocupar com a epidemiologia da doença, associando a febre amarela com as condições climáticas que precederam à epidemia (FRANCO, 1969, p. 44). Outro que também chamou a atenção foi o professor de Física da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (atual UFRJ) Paula Candido, que apresentou um relatório onde mostrou que a marcha da epidemia decrescia na razão direta da quantidade de ozônio existente na atmosfera, depois das grandes trovoadas. Torres Homem, professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina, apoiou esta ideia e adicionou que para o desenvolvimento da febre amarela em qualquer localidade eram necessárias certas condições topográficas, telúricas e meteorológicas, adotando um ponto de vista miasmático para a explicação da propagação da doença, argumentando que era produzida pela decomposição das matérias orgânicas (FRANCO, 1969, p. 45). Franco reflete a respeito destas teorias, que hoje podem parecer irrisórias, pois compreendemos melhor a epidemiologia da febre amarela. Mas essas teorias foram objeto de longos trabalhos e demorados estudos que evidenciaram a preocupação dos médicos locais a respeito da doença. Embora a febre amarela houvesse desaparecido ninguém assegurava que não voltaria a aparecer. Em 1850, o Rio de Janeiro, com uma população de 166.000 habitantes, era uma cidade suja e malcuidada, onde os mosquitos proliferavam livremente, ambiente onde a febre amarela encontrou campo propício para instalar-se. A partir de então, a febre amarela irrompeu ano após ano na cidade do Rio de Janeiro (ver Tabela 1). O flagelo das epidemias promoveu uma atmosfera de terror entre as pessoas que ficaram aliviadas com a chegada da era oswaldiana47, respeito do assunto em uma visão da elite, Barbosa comenta: Ao Brasil não podia passar despercebida a obra de Finlay e da Commissão Norte-Americana. Éramos uma vítima multisecular da peste amarela, que nos flagelava desde 1865, roubando-nos os filhos, salteando o estrangeiro, desacreditando o nosso nome. Éramos uma terra maldita, que se julgava. Não havia esforcos que surtissem effeito. Tudo era baldado. A pestilência voltava sempre inexoravelmente, para novas e maiores hecatombes. (BARBOSA, 1929, p. 335). 47 Alívio para uns, mas tempos difíceis para outros, principalmente para a população mais pobre. Esta visão de alívio não era compartilhada por outros setores sociais, inclusive da própria elite. Sobre isso ver o trabalho de Sevcenko (1984). 184 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 184 27/10/2015 10:34:04 Tabela 1 – Mortalidade pela febre amarela no Rio de Janeiro (1850-1902) ANO N° DE ÓBITOS ANO N° DE ÓBITOS ANO N° DE ÓBITOS ANO N° DE ÓBITOS 2.156 1850 4.160 1863 7 1876 3.476 1889 1851 475 1864 5 1877 282 1890 719 1852 1.943 1865 0 1878 1.176 1891 4.456 4.312 1853 853 1866 0 1879 974 1892 1854 22 1867 0 1880 1.625 1893 825 1855 3 1868 3 1881 257 1894 4.852 1856 101 1869 272 1882 89 1895 812 1857 1.868 1870 1.118 1883 1.608 1896 2.929 1858 1.545 1871 8 1884 863 1897 159 1859 500 1872 102 1885 445 1898 1.078 1860 1.249 1873 3.659 1886 1.449 1899 731 1861 247 1874 829 1887 137 1900 344 1862 12 1875 1.292 1888 747 1901 299 1902 984 TOTAL N° DE ÓBITOS 58.057 Fonte: (FRANCO, 1969, p. 63) A era de Oswaldo Cruz (1902 a 1907) começou em 1902, quando Francisco Rodrigues Alves foi eleito presidente da República. Cabe salientar que Alves era conhecedor dos testes da Comissão Reed na Havana e pessoalmente permitiu que o médico Adolpho Lutz, diretor do Instituto Bacteriológico de São Paulo, realizasse experimentos em seres humanos a fim de confirmar os resultados obtidos pelos norte-americanos em Cuba (LÖWY, 1990, p. 156). Segundo Stepan (1976, p. 86), a familiaridade do presidente Rodrigues Alves com os trabalhos dos estadunidenses contribuiu, sem dúvida, para apoiar a proposta de Oswaldo Cruz de realização de uma grande campanha no Rio de Janeiro contra o mosquito, Cruz acreditava firmemente que a febre amarela podia ser eliminada através do extermínio sistemático do Aedes Aegypti. O médico assinalou também outras medidas, como o isolamento dos doentes de febre amarela e a vigilância das pessoas não-imunes (crianças novas e estrangeiros). Essas medidas foram postas em prática em abril de 1903, com criação do Serviço de Profilaxia de Febre Amarela (SPFA), encarregado do combate a esta doença. Para reduzir o número de mosquitos Aedes aegypti na cidade, Cruz recorreu principalmente à fumigação de gás sulfuroso nas casas, atividade realizada por trabalhadores recrutados para esta finalidade, os conhecidos “mata mosquitos”. A cidade foi dividida em dez setores, cada um gerenciado separadamente e fiscalizado por uma estrutura central, método emprestado pelos militares e aplicado pela primeira vez em Cuba pelo General Gorgas (LÖWY, 2006, p. 87). O presidente Alves não negou apoio a Oswaldo Cruz e a campanha de eliminação começou a dar resultados tangíveis (ver Figura 3). Em 1903, a mortalidade devida à febre amarela no Rio de Janeiro era 185 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 185 27/10/2015 10:34:04 de 584 pessoas; em 1904 foi reduzida a 48. Em 1905 aumentou a 289 em 1906 voltou a se reduzir a 42 pessoas, em 1907 a 39 pessoas e em 1908 a 4 pessoas (BRASIL-MEDICO, 24 maio 1930, p. 601). Segundo Stepan, a “campanha da febre amarela, como é chamada muitas vezes a campanha sanitária, constituiu uns dos capítulos mais fascinantes da história da República Velha do Brasil, bem como um episódio muito interessante da história da saúde pública” (STEPAN, 1976, p. 84). Figura 3 – Casos de febre amarela no Rio de Janeiro (1903-1908) Fonte: (BRASIL-MEDICO, 24 maio 1930, p. 605) Oswaldo Cruz conseguiu acabar em quatro anos com a praga que assolava a capital brasileira desde 1849 e que já havia sacrificado cerca de 60.000 vidas. A campanha de Cruz foi eficaz também para o saneamento de outras regiões do Brasil como os portos do Norte do País, de Vitoria, Pará e Manaus, alcançando os mesmo resultados48. Estas conquistas permitiram ao governo afirmar que a doença estava sendo reduzida (MONTEIRO, 1928, p. 139). Não obstante, em 1918, a Fundação Rockefeller, por meio de William Gorgas, Henry Rose Carter e Joseph Hill White assegurava que o problema da febre amarela como vimos no capítulo anterior, poderia ser solucionado se fossem extintos os centros chaves de Guayaquil e do norte de Brasil, dado que essas áreas seguiam como zona endêmica. Por conseguinte, a Fundação Rockefeller e o governo do Equador organizaram uma campanha em 1918, que teve como consequência o desaparecimento da febre amarela na referida cidade. Logo, segundo a Rockefeller, o único centro conhecido de infecção era o norte do Brasil, para o qual foi elaborada pelo governo brasileiro uma organização, em 1919, presente em cada Estado com uma comissão, denominada Comissão Sanitária Federal. Esta comissão trabalhou entre 1919 e 1920, mas apesar dos esforços os objetivos não foram atingidos. 48 São Paulo era um dos estados que possuía um aparato próprio de saúde pública com vistas a exterminar as principais epidemias que assolavam suas cidades e seu território, muito antes das medidas empreendidas por Cruz no Rio de Janeiro. Sobre o saneamento das cidades paulistas, ver Bernardini (2007). 186 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 186 27/10/2015 10:34:05 Fred L. Soper (1937), representante da Fundação Rockefeller apontou que, nessa época, a dificuldade de combater a doença no norte do país constituíase em um sério problema de solução muito mais difícil do que era suposto, visto que o vírus se expandia por zonas grandes dentro e fora das cidades. Em 1923, o governo Brasileiro autorizou o DNSP a aceitar a cooperação da Fundação Rockefeller. O médico designado por Carlos Chagas para fazer o estudo preliminar junto com White era Sebastiao Barroso chefe do serviço de saneamento rural na Bahia (BENCHIMOL, 2011, p. 234), que mais tarde se tornaria um dos principais críticos da Fundação Rockefeller Portanto, em 1923, a Fundação Rockefeller assina um acordo com o governo brasileiro (SOPER, 1937, p. 424): onde os especialistas da Fundação seriam os encarregados da eliminação da febre amarela no nordeste do país: O objetivo declarado da campanha da Fundação Rockefeller era a repartição do sucesso obtido em outros países da América Latina e a continuação da erradicação continental da febre amarela planejada por Gorgas e Rose em 1914. Esse acordo assinado em 11 de setembro de 1923 estipula que a Fundação Rockefeller, em colaboração com o DNSP, se encarregaria da eliminação da febre amarela no norte do Brasil por meio da destruição dos mosquitos. (LÖWY, 2006, p. 149). Antes do término do ano, Joseph White, diretor da campanha contra a febre amarela do Conselho Sanitário da Rockefeller, deu início a esta tarefa. Investigações e medidas de combate ao mosquito foram efetuadas em todas as principais cidades do litoral, entre o estado de Rio de Janeiro e o estado de Ceará, excetuando o Distrito Federal. Os funcionários da Fundação Rockefeller não conseguiram provar a existência da febre amarela do Ceará até o Sul. Deste modo, a Fundação concentrou sua atenção para as regiões compreendidas entre os Estados de Rio de Janeiro e Amazonas. Segundo a Fundação, o declínio da doença era manifesto, e em 1925 anunciavam como certa a proximidade da extinção do mal no continente americano (SOPER, 1937, p. 424). Cabe notar que em 1923 apresenta-se uma inesperada epidemia de febre amarela em Bucaramanga (Colômbia), sem que se conseguisse determinar a proveniência do respectivo vírus. Mas a falta absoluta de outros casos no restante do continente, por um período cerca de dois anos, e dadas às condições cada vez mais favoráveis do norte do Brasil, a solução final do problema da febre amarela na América do Sul em 1925 era antevista como conquista imediata (SOPER, 1937, p. 424), ressalte-se que a campanha pelo saneamento rural e a reforma de saúde pública do Brasil coincidiram com o início das atividades da Fundação Rockefeller (BENCHIMOL, 2011, p. 243). Contrariamente, em 1926 ocorreu um surto no interior dos estados do nordeste do Brasil. De acordo com a Fundação Rockefeller a causa do surto foi 187 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 187 27/10/2015 10:34:05 devido a um movimento de tropas não-imunes neste território. O flagelo ocorreu na última metade de 1927. Contudo, Soper (1938, p. 299) comenta que neste mesmo ano o otimismo pelo extermínio da febre amarela voltou aparecer dado que o mal no norte do Brasil era considerado em via de extinção, não sendo mais necessários gastos com recursos e técnicos para a América Latina. Foi neste momento preciso que a Fundação Rockefeller abriu uma nova frente de trabalho na África Ocidental e se propôs a identificar-se a febre amarela manifestada na América era a mesma que a africana (MEJÍA, 2004, p. 128). Desta forma, as campanhas de erradicação introduzidas na América, consideradas eficazes, poderiam ser implantadas também no continente africano. Figura 4 – Mapa do Brasil mostrando os estados onde a febre amarela ocorreu em 1928 Fonte: (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1928, p. 33)49. Não obstante, a febre amarela parecia um problema sem fim. Em meados de 1928 abalou os estados de Sergipe e Pernambuco, no norte do Brasil, com 21 casos dos quais 9 foram registrados em Salvador (ROCKEFELLER FOUNDATION, 1928, p. 33-34). A Fundação Rockefeller combateu rapidamente estes casos, mas foi em maio de 1928 que o otimismo da erradicação da febre foi abalado rapidamente pela descoberta de casos na capital do Brasil, onde a doença não tinha sido vista durante duas décadas após a memorável campanha de Oswaldo Cruz (ver Figura 4). Neste momento não existia qualquer explicação satisfatória para esclarecer como o vírus poderia ter chegado à capital visto que “Rio de Janeiro estava a quase mil quilômetros do ponto mais próximo em que os casos haviam sido observados durante os últimos 12 meses” (SOPER, 1938, p. 299). O episódio ilustrou como essa primeira tentativa de erradicar a febre amarela no Brasil (1923-1928) havia fracassado. A ocorrência inesperada 49 Casos de febre amarela reportados no Brasil Durante 1928, nas cidades de Rio de Janeiro e nos estados de Sergipe, Pernambuco e Bahia. 188 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 188 27/10/2015 10:34:05 de uma epidemia no Rio de Janeiro (1928-1929), seguida da reaparição da doença em várias localidades brasileiras, levou a um questionamento dos princípios da base da campanha mantida pela Fundação Rockefeller, prestando maior atenção aos conhecimentos epidemiológicos e patológicos acumulados pelos médicos brasileiros (LÖWY, 2006, p. 16). Sem dúvida, o aparecimento de um surto amarílico em uma cidade onde aparentemente havia sido exterminada marcou um revés não só para o governo brasileiro, que trabalhou energicamente nesta campanha, mas também para a Fundação Rockefeller. O surto no Rio de Janeiro evidenciou que o problema não era tão simples como se acreditava. Era evidente que muito conhecimento ainda precisava ser produzido sobre a febre amarela nas Américas. 2.1.2 A febre amarela atinge o Rio de Janeiro (1928-1929) Em 23 de maio de 1928 foi notificado ao Departamento Nacional de Saúde Pública um óbito suspeito de febre amarela no Hospital Central do Exército, de um soldado pertencente ao batalhão aquartelado em Campinho. Inicialmente o diagnóstico foi de gripe, mas o doente apresentou icterícia, hemorragias intensas, hematêmese negra, albuminúria, sintomas que conferiram com o diagnóstico clínico de febre amarela. O doente havia falecido no dia 16 de maio. O diagnóstico foi tão desacreditado que se realizou duas vezes o exame histopatológico do fígado, para corroborar a notícia (FRANCO, 1969, p. 97-98). No dia 23 de maio, o Instituto Oswaldo Cruz enviou a Clementino Fraga50, Diretor Geral do Departamento de Saúde Pública, a confirmação do diagnóstico de febre amarela no Rio de Janeiro. No mesmo mês, em 29 de maio, ocorreu o óbito de outro soldado aquartelado em Santa Cruz, suspeito da mesma doença (FRAGA, 1930, p. 1082). Em 31 de março recebeu o Departamento a notificação do primeiro caso suspeito entre a população civil, que tinha estado doente desde o dia 27 de maio (FRAGA, 1928, p. 1535) o que alertou as autoridades públicas e desencadeou uma pesquisa sanitária. Essa pesquisa começou no quartel de Campinho e no Hospital 50 Clementino Rocha Fraga (Muritiba, 15 de setembro de 1880 – Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1971), “fez o curso primário em Muritiba, o curso médio em Salvador. Matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, aos 17 anos, diplomando-se em 1903 [...]. Em 1904, foi nomeado assistente da Faculdade de Medicina da Bahia, Inspetor sanitário, por concurso, em 1906, no Rio de Janeiro [...]. Em 1911 foi comissionado para fazer a profilaxia da cólera-morbo. Em 1912 foi representante da faculdade no Conselho Superior de Ensino. Em 1914 foi nomeado professor de cátedra da primeira cadeira de Clinica Médica; foi Chefe da Comissão Sanitária Federal na Bahia (Combate à febre amarela); em 1918, Diretor do Hospital Deodoro, durante a epidemia de gripe; Em 1925 foi transferido para a faculdade de Medicina de Rio de Janeiro; em 1926 foi nomeado Diretor do Departamento Nacional de Saúde Publica, em 1928-1929 dirigiu a campanha Sanitária contra a febre amarela no Rio; Em 1937-1940 exerceu as funções de Secretario Geral de Saúde e Assistência do antigo Distrito Federal. [...]. Em 1939 foi eleito para a academia Brasileira de Letras, na vaga de Alfonso Celso. Faleceu em 8 de janeiro, no Rio, e foi enterrado no mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério de São João Batista” (COUTINHO, A. 1980, p. 6-7). 189 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 189 27/10/2015 10:34:05 Central do Exército, seguido do expurgo de tais locais, além de ter sido estabelecida a vigilância de todos os possíveis comunicantes e apresentados dois isolamentos à prova de mosquitos na caserna e no hospital. Mas os casos se multiplicaram rapidamente e logo se espalharam para vários pontos da cidade, chegando a bairros isolados do foco principal, que segundo as autoridades sanitárias do Brasil era o quartel de Campinho (Figura 5): “Começava-se a pensar que os novos sorteados (soldados), provenientes dos Estados do Norte, haviam trazido o gérmen para a Villa Militar, constituindo foco inicial que era preciso incontinenti abafar (FRAGA, 1930, p. 1082)”. Figura 5 – Localização dos casos de febre amarela em 1928 e 1929 no Rio de Janeiro Fonte: (SOPER, 1934, p. 41) O rápido espalhamento da febre amarela pela cidade desconcertou os médicos e autoridades sanitárias, pois a relação entre tais casos e o foco não foi encontrada. Desde o primeiro momento, Clementino Fraga, baseando-se na teoria dos centros-chave salientou que a febre amarela tinha sido importada dos estados do Norte, assinalada por pequenos surtos nas cidades do litoral e, sobretudo, focos disseminados no sertão do norte da Bahia que teriam sido reativados em seguida aos movimentos de tropas ali enviadas para abafar revoltas políticas (RICARDO, 1930, p. 651). No entanto, esta explicação não ficou clara, pois os casos isolados levaram a muitas perguntas sobre a etiologia que não se enquadravam a os padrões tradicionais, desencadeando prontamente pontos controversos entre os médicos. De acordo com o artigo apresentado na Oficina Sanitária PanAmericana, Clementino Fraga (1928) apontou que, uma vez levantada a suspeita de febre amarela, as medidas profiláticas foram empregadas. Relata que 50% dos casos chegaram ao conhecimento das autoridades sanitárias nos três primeiros dias da doença (fase infectante), o que possibilitou a prática do isolamento (FRAGA, 1928, p. 1545). Cabe salientar que os casos de febre amarela ocorridos no Rio de Janeiro foram removidos para 190 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 190 27/10/2015 10:34:05 os hospitais de isolamento (São Sebastião, do Departamento de Saúde Pública, e de Manguinhos, dependência do Instituto Oswaldo Cruz), e os restantes deixados em domicílio (FRAGA, 1928, p. 1535). Por outro lado, a marcha epidêmica, tal como é fornecida na Figura 6, permite constatar que a epidemia começou de maneira moderada até meados de junho. Em agosto, a amarilosis decresceu até o mês de dezembro, sendo que a partir de janeiro de 1929 se observa o período de maior crescimento da doença, atingindo rapidamente o pico mais alto entre março e abril: Na primeira semana de março e abril [1929] chegaram ao máximo de 66, caíram, porém, rapidamente em maio, para se reduzirem a 9 em todo o mês de Junho [...] se (sic) consideramos aqueles máximos de 66 casos numa semana, o máximo de 241 no mês mais castigado que foi março, em pleno verão devemos concordar em ter sido formidável o esforço do Departamento [DNSP]. (BRASIL MÉDICO, 1929, p. 979-980). Os últimos casos reportados foram em dezembro de 1929. A maioria da comunidade médica e o presidente da República, Washington Luiz, salientaram que o triunfo da campanha se deveu à rápida ação do DNSP. Figura 6 – Total de casos e óbitos da febre amarela entre 1928 e 1929 Fonte: (BRASIL-MÉDICO, 1930, p. 606) 191 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 191 27/10/2015 10:34:05 Tabela 2 – Distribuição dos casos diagnosticados no Rio de Janeiro em 1928 e em 1929 Distribution of cases diagnosed in Rio de Janeiro in 1928, in 1929 and in 1928 and 1929 Rio 1928 Rio 1929 1928 and 1929 Total cases 125 613 738 Males 100 461 561 Females 25 152 177 Per cent males 80.0 = ± 2.4 75.2 = ± 1.2 76.0= ± 1.1 Brazilians 28 203 231 Foreigners 97 335 432 Unclassified 75 75 Per cent foreigners 77.6 = ± 2.5 62.3 = ± 1.4 65.2 = ± 1.2 Whites 120 485 605 Mulattoes 43 43 Blacks 5 4 9 Yellow 1 1 Unclassified 80 80 Per cent whites classified In Rio less than 3 years In Rio more than 3 years Unclassified Per cent classified in Rio Less than 3 years 96.0 = ± 1.2 92 33 73.6 = ± 2.6 91.0 = ± 0.8 268 65 280 80.5 = ± 1.5 91.9 = ± 0.7 360 98 280 78.6 = ± 1.3 Fonte: (SOPER et al., 1932, p. 346) A epidemia de 1928 e 1929 assim se expressou em números: dos 738 doentes de febre amarela acometidos no biênio de 1928-1929, 436 faleceram, o que dá uma percentagem de 59,07% que, segundo Ricardo Jorge, médico português interessado no problema da febre amarela no Brasil, são números relativamente modestos para uma epidemia nesse cenário tão propício ao seu desenvolvimento (RICARDO, 1930, p. 652). Em relação aos sexos: homens, 561, 76%; mulheres, 177, 24%; raças: brancas, 605, 82%; parda, 43, 5,8%; preta, 9, 1,2%; amarela, 1, 0,1%; não declarada, 80, 10,8%; nacionalidades: nacionais, 231, 31,3%; estrangeiros, 432, 58,5% não declarada, 75, 10,2%; residência: até 3 anos, 360, 48,8%; mais de 3 anos, 99, 13,3%; ignorada, 279, 37,9% (ver Tabela 2). Enfim, a situação sanitária do Rio de Janeiro de acordo com o presidente da República em 1929 não foi má, apesar do surto epidêmico da febre amarela. Em uma mensagem ao Congresso da República, o presidente Washington Luiz comentou que “dadas as proporções da cidade e suas condições topographicas e sua densa população, não foi assustador o numero de casos [de febre amarela] (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA. 1930, p. 1389)”. Segundo as cifras anunciadas pelo presidente, em 1929 “ocorreram no Rio de Janeiro 25. 955 óbitos, o que dá um coeficiente de 15 192 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 192 27/10/2015 10:34:05 por mil habitantes, contra 25.727 e 14.870, respectivamente, verificados no ano anterior Pequeno foi, por conseguinte, o aumento da mortalidade geral (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 1389)”. Quanto às cifras emitidas pelos boletins da Oficina Sanitaria Panamericana, uma vez que não se afastam das emitidas pelo presidente (ver Tabelas 3 e 4), aprecia-se que a doença que mais causou óbitos no Rio de Janeiro durante os dois anos não foi a febre amarela. Nesses anos foram 434 óbitos causados pela febre amarela, enquanto que a tuberculose tinha causado 8.552 mortes. Tabela 3 – Mortalidade por doenças no Rio de Janeiro 1928 Brasil Rio de Janeiro, 1° enero al 15 de diciembre de 1928 Enfermedad Fiebre Amarilla Viruela Meningitis cerebroespinal epidémica Defunciones Enfermedad Defunciones 71 Sarampión 423 1 Escarlatina 1 13 Tos ferina Poliomielitis aguda epidémica 7 Tuberculosis Encefalitis epidémica 2 Peste bubónica (humana) 195 4147 6 Fiebre tifoidea 97 Lepra 54 Fiebres paratíficas 28 Sífilis 677 Influenza o gripe epidémica 957 Bronquitis Difteria 93 Bronconeumonía Disentería amibiana 42 Neumonía Disentería bacteriana 66 Diarrea y enteritis Paludismo [Malaria] Otras 355 enfermedades 162 1984 427 3650 13458 TODAS CAUSAS 24,398 Fonte: (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1929, p. 419)51 51 Considerando os dados desta tabela, a soma total dos dados fornecido na tabela da mortalidade por doenças no ano de 1928 no Rio de Janeiro é de 26,910, e não de 24,398 como é ministrado pela Oficina Sanitária Panamericana. 193 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 193 27/10/2015 10:34:05 Tabela 4 – Mortalidade por doenças no Rio de Janeiro 1929 Brasil Rio de Janeiro, 1° enero al 21 de diciembre de 1929 Enfermedad Defunciones Enfermedad Fiebre Amarilla 363 Tos ferina Meningitis 346 Tuberculosis Defunciones 443 4405 Poliomielitis aguda epidémica 8 Lepra 60 Encefalitis epidémica 2 Erisipela 42 Fiebre tifoidea Fiebre paratíficas Influenza o gripe epidémica Difteria 109 Tétano 135 26 Sífilis 645 706 Bronquitis 79 Bronconeumonía 668 1661 Disentería 192 Neumonía 469 Paludismo [Malaria] 322 Diarrea y enteritis infantil 713 Sarampión 162 Septicemia puerperal 111 Escarlatina 1 Otros accidentes puerperales 154 TODAS CAUSAS 25,008 Fonte: (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 353)52 Se compararmos as cifras dos óbitos das principais doenças transmissíveis entre 1928 e 1929, verificamos que havia mais doenças que atacaram o Rio de Janeiro, em vez de febre amarela, tais como: Influenza ou gripe epidêmica, Sífilis, Broncopneumonia, Pneumonia e Malária. Esses dados mostram como a febre amarela era uma patologia importante, e um diagnóstico de febre amarela era prejudicial para o desenvolvimento do país. Qualquer coisa era melhor do que ter associada a imagem do país à febre amarela. 2.1.2.1 Diagnóstico e sintomatologia da febre amarela no Rio de Janeiro (1928-1929) Durante a epidemia de 1928-1929, um caso curioso ocorreu: o desconhecimento da febre amarela pelos médicos jovens da cidade. A maior parte dos clínicos do Rio de Janeiro não conhecia a doença, senão 52 Os dados fornecidos não são precisos. Somando os dados, a totalidade de mortalidade pelas doenças em 1929 é de 11.822, e não de 25.008, provavelmente houve um erro de digitação. 194 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 194 27/10/2015 10:34:05 de nome, pois depois de vinte anos nunca tinham presenciado qualquer manifestação na cidade. A doença se achava extinta e nenhum dos médicos jovens tinha qualquer interesse sobre a mesma. Tal ignorância constituiuse em um entrave para o diagnóstico clínico da febre amarela. A solução era apelar a médicos veteranos que vivenciaram epidemias anteriores, e que foram chamados para o socorro, atuando como “diagnosticadores” e guias dos médicos jovens. Ricardo Jorge aponta que em ocasiões quando o diagnóstico era confuso por causa dos casos mais atípicos que por vezes aconteciam, sendo necessário o prático mais experiente que, em algumas vezes, também acabava confuso (RICARDO, 1930, p. 651): O diagnóstico em vida do doente continua, porém, a apresentar dificuldades; na cliníca, mesmo os mais atilados não o podem, por vezes, estabelecer com segurança; no laboratório, ao contrário do que já acontece com outras infecções, nenhum processo biológico existe ainda capaz de o assentar com exatidão. (MONTEIRO, 1929, p. 514). No princípio, entre os primeiros casos observados, os sintomas indicavam que se tratava de outra doença e não da febre amarela. Moncorvo Filho chegou à conclusão, depois de 24 anos de estudo, de que a febre amarela era confundida quase sempre com os seguintes males: gripe, malária, distúrbios digestivos, exauthemas, icterus gravis, ou icterícia grave, peste bubônica, septicemia e difteria (A FOLHA MÉDICA, 5 nov. 1928, p. 17). Sinval Lins, médico-chefe do pavilhão de isolamento do Hospital São Sebastião, foi um dos primeiros a refletir sobre o problema referente ao diagnóstico clínico da febre amarela por meio de seus sintomas. Nos primeiros 25 casos de febre amarela, segundo o médico, a impressão era de tratar-se de uma toxinfeção grave e não febre amarela, pois nos sintomas de intoxicação estão sempre presentes as mais profundas alterações do epitélio renal, sintoma que naquela época não se reconhecia como sendo um sintoma de febre amarela (LINS, 1928, p. 218). Sem dúvida, os médicos ficaram surpresos com a versatilidade e a falibilidade dos sintomas, uma vez que além da intoxicação, em alguns casos, também a pneumonia aparecia como sintoma da febre amarela, o que confundia mais ainda o diagnóstico. Era necessário que o diagnóstico da febre amarela fosse feito rapidamente pelo médico, porque a fase infectante da doença ocorria nos três primeiros dias da moléstia, sendo necessário um método biológico que fornecesse, por si só, elemento seguro para confirmar o diagnóstico o mais precocemente possível. Os médicos atuantes na epidemia de 19281929 confiavam na “albuminuria53” que, segundo eles, “mesmo nos casos 53Os dados fornecidos não são precisos. Somando os dados, a totalidade de mortalidade pelas doenças em 1929 é de 11.822, e não de 25.008, provavelmente houve um erro de digitação. 195 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 195 27/10/2015 10:34:06 mais benignos não costumava falhar” (FRAGA, 1929, p. 996). No entanto, este sintoma algumas vezes não aparecia. Cogitou-se, durante a epidemia a realização do diagnóstico através do exame macroscópico e, em outros casos, exigia-se a verificação histológica. O fígado era a única víscera que observada isoladamente permitia um diagnóstico seguro e onde estava presente a lesão de Rocha Lima54, variando apenas em intensidade (FRAGA, 1928, p. 1545). Figura 7 – Clementino Fraga, Diretor Geral de Saúde Pública no Brasil 1930 Fonte: (REVISTA DE HYGIENE E SAÚDE PUBLICA, 1930) A epidemia do Rio de Janeiro apresentou três fisionomias clínicas: forma frustra ou renal, forma hepatorrenal e forma hypertoxica: 1.Forma frustra ou renal: o rim é o primeiro a reagir. Albuminuria precoce, instalando-se bruscamente dos 2” ao 3” dias, quase sempre acentuada e acompanhando-se, geralmente, de numerosos cylindros hyalinos e granulosos, substituídos, nos casos graves de anúria, por algumas raras hematias: tudo isso ocorre sempre e em todos os casos de febre amarela. Pode parar ali a moléstia: febre moderada, ligeira icterícia conjuntival, vestígios de hemorragias nos lábios, gengivas e narinas, de parceria com a nefrose sempre bem acentuada e albuminuria precoce. 2.A segunda a forma hepatorrenal: a mais comum, caracterizada pela nefrose, icterícia e hemorragias. A icterícia é pouco pronunciada, não tendo nunca a intensidade da icterícia catarral, por exemplo, mistura de amarelo e vermelho vivo nas conjuntivas. 3.Terceira forma hypertoxica ou a forma hepatorrenal maligna, em que sobrevém a morte antes da generalização da icterícia. Temperatura elevada, agitação extrema, os olhos fortemente congestionados (e nos dias subsequentes de urna cor vermelho viva amarela, de mistura), delírio, discordância shygmothermica, 54 É um processo patológico manifestado pela presença de albumina na urina. A albumina é uma proteína que é solúvel em água, moderadamente solúvel em soluções salinas, e sofre desnaturação com o calor. 196 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 196 27/10/2015 10:34:06 ansiedade epigástrica, oligúria ou anúria, convulsões, enterorrhagias, vômito negro, precedendo a morte no 3º ou 4º dia: tudo isso, sempre associado à urna nefrose das mais intensas. Se resistiam a l ou 2 dias a mais, entravam na forma hepato-renal maligna (FRAGA, 1928, p. 1537). As anomalias nos sintomas da febre amarela do Rio de Janeiro, como as lesões nos rins, as hemorragias gastrointestinais e escarros hemópticos, sintomas de uma gripe congestiva, entre outros, desconcertaram a comunidade médica, criando-se uma atmosfera de desconhecimento sobre a patologia. No entanto, apesar das investigações feitas, em 1931, os médicos brasileiros reconheceram que não havia nenhum meio para distinguir certos casos infecciosos despercebidos e atípicos (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1931:69). 2.1.2.2 Ações de higiene e medidas corretivas da epidemia A recente epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro patenteou a necessidade imperiosa e inadiável do nosso paiz encarar com resolução e firmeza o problema amarílico em todo o território nacional. Esse reaparecimento do mal após ausência completa durante vinte anos causou grande emoção e, para os que não conhecem ou não acompanham o assumpto, dolorosa surpresa. (Barroso, 1930, p. 374). O verão de 1928 no Rio de Janeiro havia sido excepcionalmente quente. A população da cidade, depois de 20 anos de ausência da febre amarela, continha pelo menos dois terços não imunes – cerca de 1.153.000 pessoas enquanto em 1903 não passava de um terço, 250.000, o que tornava a situação bastante preocupante (FRAGA, 1930, p. 1082). Depois da I Guerra Mundial, a afluência de estrangeiros de todos os pontos do globo era cada vez maior, permitindo que a população estivesse menos imune a enfermidade. Conforme Clementino Fraga (1929), o Rio de Janeiro, em 1928, tinha aproximadamente 1.600.000 habitantes, boa parte composta, em números precisos, de 21% de estrangeiros e de 79 % de brasileiros (FRAGA, 1929, p. 1536). Estes dados aterrorizavam as autoridades, pois poderiam propiciar uma epidemia de grandes dimensões. A campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro no final da década de 1920 enfrentou grandes desafios. Mas a população não imune não foi o único desafio. Os problemas encontrados para o enfrentamento da doença depois de 20 anos foram grandes. O primeiro foi a invasão do vírus em pontos diversos em uma cidade de topografia irregular, entrecortada por 197 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 197 27/10/2015 10:34:06 morros, terrenos baldios, vários cursos de água onde se atirava toda sorte de resíduos, com edificações de todos os gêneros, sendo que algumas estavam situadas em elevações dificilmente acessíveis. Dos 82.396 prédios, com 83.686 domicílios registrados no recenseamento de 1906 eram em 1928 de 198.738 espalhados em áreas extensas (131.032 na zona urbana, 66.700 na rural e 1.006 na marítima). Além desses dados, as condições biológicas eram propícias para o mosquito transmissor reproduzir-se e, geralmente, invadia as casas em número considerável (FRAGA, 1930, p. 1082). Somava-se também aos problemas do desconhecimento dos sintomas por parte dos médicos e a falta de mata mosquitos na cidade, decorrente do corte sucessivo das verbas destinadas à saúde. Todos esses fatores indicavam que a campanha que viria pela frente não seria fácil. De acordo com Ricardo Jorge, duas figuras destacaram-se na campanha contra a febre amarela: Clementino Fraga, diretor do DNSP e Barros Barreto, assistente do diretor. Estes dois médicos ganharam a confiança do Ministro do Interior e do Presidente, que liberaram o dinheiro para a campanha sem nenhum pretexto adicional (RICARDO, 1930, p. 676). Uma vez levantada a suspeita de febre amarela as medidas profiláticas foram empregadas. Essas medidas de combate foram desenvolvidas a partir de um conjunto de serviços (ver Figura 8). Clementino Fraga (1928) relata que 50% dos casos chegaram ao conhecimento das autoridades sanitárias nos três primeiros dias da doença, o que possibilitou a prática do isolamento. As medidas foram tomadas a partir de maio, a começar pelos quartéis e pelo hospital do Exército, onde se apresentaram os primeiros casos de febre. Fraga estabeleceu, com raios de 250 ou 200 metros em torno dos casos conhecidos ou suspeitos, zonas de vigilância, que se prolongavam por espaços de tempo nunca inferior a 30 dias: Figura 8 – Meios de combate e seu emprego contra a febre amarela do RJ (1928-1929) Fonte: Adaptado (FRAGA, 1930, p. 1085) 198 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 198 27/10/2015 10:34:06 Tem-se uma ideia de tal serviço dizendo que de agosto de 1928 a março de 1929 foram expurgados 183.243 pavimentos. A prática da nebulização de líquidos tóxicos para o mosquito foi pela primeira vez realizada em grandes proporções nesta epidemia, e é ilícito acreditar que sem ela não teria sido possível atender a magnitude do serviço indispensável (FRAGA, 1930, p. 1085). Quanto à vigilância médica foram atendidas, em 1928, 175.000 pessoas, ocupando mais de 70 médicos, 30 enfermeiras e 140 estudantes. Em 1929, aproximadamente 217.000 pessoas estiveram só na zona urbana, sob as vistas diárias das autoridades sanitárias. Além disso, note-se que a profilaxia que Fraga aplicou nos doentes de febre amarela surtiu efeitos efetivos, sendo objeto de importantes publicações. Outros setores também foram reativados, como os pesticidas desenvolvidos para o controle da doença, pois com o reaparecimento da epidemia do Rio de Janeiro o DNSP reconheceu a necessidade de instalar desde o início do surto uma estação experimental para estudos desses produtos (FRAGA, 1930, p. 1084-1085). É evidente que uma campanha dessa magnitude exigiu muito dinheiro, e isso pode ser confirmado a partir dos números apresentados pela contadoria do Ministério da Fazenda e pela Diretoria de Contabilidade do DNSP. Os créditos abertos para socorrer as despesas com a febre amarela e outros surtos epidêmicos em todo o território nacional (de junho de 1928 a novembro de 1930) foram da ordem de cerca de 115 mil contos (A FOLHA MÉDICA, 1931, p. 12-15). Essa quantia não foi utilizada totalmente na luta contra a febre amarela. A administração sanitária, chefiada por Clementino Fraga aproveitou a oportunidade para proceder à remodelação de hospitais do Departamento Nacional de Saúde Pública, e para outros serviços (ver Tabela 5). Tabela 5 – Orçamento para a febre amarela entre 1928-1929 SERVIÇOS Serviço contra a Malária no D. F. Material e pessoal no Estado do Rio de Janeiro. Material e pessoal no H São Sebastião. Material e pessoal do H. Paula Candido. Contribuição para os serviços da Fundação Rockefeller no norte do País. Distribuição à delegacia Fiscal de Minas. Distribuição à Delegacia Fiscal de Alagoas. Distribuição à Delegacia Fiscal de Amazonas. Quantia posta à disposição do Senhor Ministro da Justiça. Total: Fonte: (A FOLHA MÉDICA, 1931, p. 12-15) VALORES EM CONTOS 11.400: 000$ 2.627:289$ 3.166: 048$ 674:354$ 1.921: 726$ 50:000$ 60:000$ 50:000$ 6,250: 000$ 26,199: 000$ 199 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 199 27/10/2015 10:34:06 No entanto, subtraindo esses 26.199 contos dos 115 mil anteriormente referidos, restam 88.901 contos, que representam aproximadamente a quantia investida durante a campanha contra a febre amarela em 28 meses. Esta quantia significativa 3\4 do orçamento destinado para os surtos epidêmicos apresentados naquela época. Certamente esses dados salientam a importância da extinção de febre amarela em todo o território brasileiro. 2.1.2.3 Pontos controversos Antes de começar a epidemia de febre amarela do Rio de Janeiro, Sebastião Barroso, diretor do Serviço de Profilaxia Rural do Departamento de Saúde Pública, destacava os ganhos da Fundação Rockefeller no Brasil e no mundo inteiro. Barroso estava ciente de que a Fundação Rockefeller tinha sido uma entidade importante na orientação de estudos e das práticas de higiene moderna. A Rockefeller mantinha um sistema de organização que, segundo o médico, era exemplar para a época. Seus objetivos estavam encorajar e divulgar as pesquisas, ratificar o papel dos médicos nas iniciativas da higiene, fazer do ensino da medicina um fator vital no desenvolvimento da higiene pública, dotar os serviços com laboratórios, propiciar o ensino popular, entre outras tarefas, que faziam dela uma instituição de excelência, já que seu programa consistia na instrução e educação das realizações sanitárias (BARROSO, 1928:335). No entanto, apesar de a Fundação Rockefeller ter conseguido consolidar-se enquanto autoridade científica, Barroso (1928) afirmava que, em questões de febre amarela, a Fundação Rockefeller não tinha a última palavra. Benchimol (2011, p. 244) salienta que as campanhas da Fundação contra a febre amarela foram recebidas com forte reação nacionalista: “A intenção da Rockefeller de assenhorar-se de um campo em que os sanitaristas brasileiros julgavam possuir comprovada expertise” (BENCHIMOL, 2011, p. 244) suscitava desconforto na comunidade médica brasileira. Segundo Barroso a eliminação da febre amarela no norte do país estava demorada, devido aos erros técnicos da Fundação, que se recusou em usar os modelos brasileiros contra a doença, uma vez que em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Belém e Manaus as campanhas haviam sido um sucesso, extinguindo-a dos territórios mencionados. Mas a recusa completa a esta Fundação foi intensificada quando a doença apareceu novamente em maio de 1928 no Rio de Janeiro. Na sessão de comentários publicada em 9 de junho na Revista Brasil Médico, comentou-se que o principal culpável pelo reaparecimento da doença eram os poderes públicos, que não tinham continuado com a campanha clássica contra a febre amarela, além de permitirem a ingerência de um país estrangeiro: 200 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 200 27/10/2015 10:34:06 De modo a permitir amplamente a ingerência da União nos Estados, com o patriótico objetivo de libertar o nosso território de um flagelo, que era um flagelo nacional, que a nós – como imprescritível questão de honra – competia exclusivamente eliminar, perseverando nos processos de ação que adotaremos, processos brilhantes, não igualados em parte alguma, eficientissimos, segundo o comprovaram as memoráveis conquistas alcançadas por Oswaldo Cruz nesta Capital, Mauricio de Abreu em Belém, Theophilo Torrre em Manaus e Vitória. (BRASIL-MÉDICO, 1928, p. 634). Não era de se esperar outra reação. A Fundação Rockefeller era considerada líder indiscutível no campo da febre amarela, há mais de 13 anos dedicava-se seu estudo e dispunha de grande equipe de médicos e cientistas (MEJIA, 2004, p. 125). Mesmo assim, não conseguiam extinguir a moléstia nos estados do norte de Brasil, mas se mostrava tranquila e insistente em anunciar que a doença estava sendo erradicada do mundo inteiro. Esta suposta extinção da febre amarela trouxe consequências às políticas públicas do Brasil. O diretor do Departamento de Saúde Pública e o presidente da República, Artur Bernardes (1922-1926), estavam crentes que o problema da febre amarela havia sido resolvido: Daí por diante, não haveria necessidade de continuar a Nação a despender inutilmente o seu dinheiro com o serviço mata mosquitos no Rio, quando esse dinheiro poderia ser empregado em coisas mais úteis para o interesse público (PIZA, 1928, p. 950). A principal crítica dirigida à Fundação Rockefeller foi o abandono das pequenas cidades do interior brasileiro, concentrando-se nas cidades grandes do norte do país (MONTEIRO, 1928, p. 141). Conforme vimos anteriormente, esse modelo correspondia à teoria publicada por Henry Rose Carter (1914), sanitarista da Rockefeller, que condensou os conhecimentos acumulados nas campanhas de Havana e do canal de Panamá, formulando a teoria dos centros chaves, a qual serviu de base para diversas campanhas contra a febre amarela durante as primeiras décadas do século XX. Com o surto apresentado no Rio de Janeiro, a teoria ficava em total descrédito, pois a princípio se acreditava que o mal havia sido importado das cidades do interior do norte, cidades pequenas que não eram importantes para a Rockefeller. Emygdio Mattos (1928), subinspetor de profilaxia do Departamento Nacional de Saúde Pública do Brasil, mencionava que o método da Fundação Rockefeller que havia suprimido de vários países da América Latina a febre amarela consistia simplesmente em restringir o número das stegomyas (Aedes aegypti) em geral, sem atender ao isolamento dos enfermos, nem à destruição dos mosquitos contaminados, métodos que 201 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 201 27/10/2015 10:34:06 haviam sido usados com sucesso por Oswaldo Cruz na campanha de 1903 a 1908 no Rio de Janeiro (MATTOS, 1928, p. 1017-1018). Assim, os médicos do Distrito Federal, como Areobaldo Lellis, sustentaram que a doença estava atacando a Capital Federal e outras cidades brasileiras porque os sanitaristas tinham abandonado os métodos de Oswaldo Cruz para orientar os seus trabalhos pelos processos aconselhados pela Fundação Rockefeller. Porém, se começou uma discussão, pois Pedro Fontes salientou que os métodos de Oswaldo Cruz não tinham sido uma inovação, senão a aplicação no Brasil dos processos de profilaxia antiamarílica estadunidenses, que permitiram a Gorgas sanear Havana e Cuba inteira em 1901 (MONTEIRO, 1928, p. 142). Esta afirmação poderia ser de certa forma, verdadeira. Uma vez conhecido o sucesso em Havana, Emílio Ribas e Oswaldo Cruz seguiram os postulados de Gorgas. Mas por que alguns médicos salientavam a grandeza de Cruz? Em 25 de agosto de 1928, José de Toledo Piza publicou um artigo na Revista Brasil Médico ressaltando as diferenças entre Oswaldo Cruz e Gorgas “para a edificação de muitos dos nossos patrícios que, ou por ignorância, ou por outro qualquer motivo, tão amiúde menosprezam a capacidade científica dos nacionais (PIZA, 1928, p. 945)”. No artigo, Piza apontou que a principal diferença é que Gorgas era um médico do Exército, e Havana estava debaixo das leis marciais, circunstância que tornaram a aplicação das leis sanitárias uma questão, segundo, Piza, mais fácil quando executada entre a população civil. Além disso, cidade de Havana era ainda muito menor quando comparada ao Rio de Janeiro: A área que requeria medidas prophylacticas no Rio era de 1.116 quilômetros quadrados, ou 430 milhas quadradas, com uma população de 800.000 habitantes e 82.390 casas. A população era Hostil55 e em muitos casos se recusava a cooperar com as autoridades (PIZA, 1928, p. 945). Oswaldo Cruz havia dedicado especial cuidado, mesmo tendo levado a cabo experiências para determinar a quantidade média de enxofre a ser empregada para produzir rapidamente a morte dos mosquitos nas fumigações. Cruz empenhou-se em destruir os mosquitos infectados antes de decorridos os 12 dias de evolução do vírus no corpo do inseto, que naquela época se achavam necessários para que a picada deste se tornasse infectante. Oswaldo Goulart Monteiro, Diretor de Higiene do Estado do Espírito Santo, notou que a única diferença entre as práticas de Oswaldo Cruz e a dos americanos – especialmente a de Gorgas – consistia na maior ou menor extensão do expurgo. O primeiro estabelecia em suas instruções que o expurgo fosse feito na casa do doente e no entorno dela, nas casas compreendidas dentro de um círculo de 50 metros de raio. Os americanos limitaram a prática à 55 Certamente o autor está se referindo à revolta popular ocorrida durante o episódio da vacina obrigatória. 202 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 202 27/10/2015 10:34:06 extinção dos mosquitos alados na casa do doente e casas vizinhas, com enxofre, pyrethro, fumo ou outros inseticidas (MONTEIRO, 1928, p. 145). Mas o problema na epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro de 1928 não era entre Oswaldo Cruz e Gorgas. O problema era discutir qual o melhor método para a profilaxia da febre, se o “brasileiro”, lançado por Oswaldo Cruz (polícia de focos, isolamento e expurgo), ou se o da Fundação Rockefeller (só polícia de focos). As perguntas centravam-se em “Polícia de focos? Expurgo? Isolamento dos doentes? Que meios empregar na luta? Todos os três eram dispendiosos e difíceis. Seria necessário empregá-los conjuntamente, ou se poderia dispensar alguns deles?” (LESSA, 1931, p. 1105). Mas qual é a razão dos questionamentos, uma vez que se supunha que as medidas profiláticas tinham a mesma origem? Então, qual era origem do problema? As experiências da Comissão Reed em Havana provando que a febre amarela se transmitia pelo stegomya postulado por Carlos Finlay terminaram em dezembro de 1900. Dois meses depois, William Gorgas iniciou na mesma cidade uma enérgica campanha contra a febre amarela, baseada nos seguintes processos: polícia de focos, que consistia em atacar os criadouros de mosquitos (larvas); o expurgo consistia em atacar o mosquito alado e, por último, o isolamento dos doentes que evitava infectar os mosquitos. Não obstante, quando Gorgas liderou a campanha no istmo do Panamá (1914), o expurgo e o isolamento enérgico dos doentes foram os métodos que lhe trouxeram certa decepção. Enquanto Oswaldo Cruz na sua campanha no Rio, com base nos postulados de Havana, obteve magníficos êxitos não somente no Rio de Janeiro, mas em outras cidades do país. A opinião dos médicos, na sua maioria, se inclinou em pensar que esse êxito tinha sido em decorrência da conjunção das três medidas acima expostas. Esse pensamento, porém, era tão teórico quanto a opinião de Gorgas sobre Havana, visto que só a dissociação das medidas poderia ter revelado a sua indispensabilidade (LESSA, 1931, p. 1106). Com a entrada da Fundação Rockefeller nos estudos da amarilosis e apoiada nas experiências de Gorgas no istmo do Panamá, em 1915 a febre amarela foi aniquilada em duas cidades do Peru e da Colômbia, somente com a polícia de focos. Em 1918, o fato foi repetido no Equador, salientando que dita medida era o único meio necessário para acabar com o vírus amarílico na América. No entanto, parecia que essa medida não tinha sido exitosa no norte do Brasil. A febre amarela semelhava ser uma enfermidade endêmica nesta região. Distintos médicos salientavam este fato, como Silva Lins, que acreditava ser um crime social abandonar a medida do expurgo (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1931, p. 851). Além disso, a autoridade científica da Rockefeller estava em xeque. Os médicos brasileiros apontavam que a lógica implementada pela Fundação “de que os focos estavam somente nas cidades grandes e litorais” era fantasiosa: 203 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 203 27/10/2015 10:34:06 Nestas condições, como poderia eu dar crédito a aceitar como seguro o método para a extinção da febre amarela, baseado unicamente na polícia de focos larvarios nas grandes cidades da costa, deixando os focos do interior à própria sorte? Por que motivo pensava eu, não de ser importado o mal do interior, onde grassa impunemente, se as comunicações são fáceis, se há mosquitos transmissores e indivíduos receptíveis e se as condições mesológicas são propícias? Porque o mal havia de ser só litorâneo? (PIZA, 1928, p. 945). Certamente o problema não tinha uma solução tão rápida como fazia acreditar a Fundação. Foram os médicos brasileiros os que compreenderam a complexidade do problema, apontando mais para os estudos epidemiológicos que os estudos profiláticos da doença. A pressão econômica e a má imagem que propiciava a doença no exterior levaram muitos cientistas a se interessarem pelas pesquisas da febre amarela. Entre 1928 e 1929 foram publicados mais de 150 trabalhos, todos referentes à febre amarela (INSTITUTO DE BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO, 1958, p. 35-51). É importante notar que a Fundação Rockefeller não teve participação no controle da febre amarela na epidemia do Rio de Janeiro de 1928. Os trabalhos da Fundação estavam mais direcionados ao norte do país e a febre amarela do Rio de Janeiro (1928) estava sob responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde Pública. O relatório da Fundação deste ano não comenta nenhum dado sobre a epidemia de 1928. Não é de surpreender que para a época a principal preocupação do governo brasileiro a respeito da febre amarela era o temor de seu ressurgimento, pois suas consequências seriam sentidas no desenvolvimento material do país, dificultando a atração do dinheiro estrangeiro. 2.1.3 Controvérsias nos jornais Pouco depois que o surto eclodiu, jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo publicaram várias opiniões a respeito da epidemia. Muitas destas publicações mostraram o descontentamento com o erário público, com o DNSP e até mesmo com a Fundação Rockefeller. Argumentavam que desde que foi extinta a febre amarela no Rio de Janeiro por Oswaldo Cruz, os serviços foram reduzidos somente à polícia de focos – medida recomendada pela Fundação Rockefeller – como elemento de defesa contra a importação do mal, independentemente que a doença ainda estava latente nos estados do norte. Entre o jogo do desejo de melhorar a economia, o passo em que a cidade crescia, o Erário Público realizava cortes nas verbas de custeio dos serviços da febre amarela, dado que parecia inútil. Com uma população três vezes maior, 204 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 204 27/10/2015 10:34:06 os serviços passaram a ser três vezes mais reduzidos. A Fundação Rockefeller não escapou às críticas, o jornal O Paiz comentou a respeito: A Rockefeller, a quem toda a profilaxia do mal havia sido confiada, tranquilizava-nos quanto a qualquer reimportação. Por vezes pensou ela em dar a sua missão por terminada e suprimir os trabalhos. Pedidos dos nossos representantes sanitários em alguns Estados fizeram adiar aquela resolução. (O PAIZ, 1928, p. 2). Em meio à crise, a lembrança de Oswaldo Cruz começou a ser maior. Os jornais salientavam que Cruz havia contribuído para a reputação de cidade civilizada e inteiramente livre da mancha da febre amarela, ao passo que Fraga não realizava o seu trabalho de forma eficiente. Todos se perguntavam: “A febre amarela reapareceu. De quem é a culpa?” Os jornais consideravam que a culpa era da organização administrativa, pois lhes faltava qualidade de previsão (O IMPARCIAL, 1928). A defesa da administração foi imediata. Em agosto de 1928, o deputado Roberto Moreira defendeu as providências tomadas pelos poderes públicos ante a Câmara dos Deputados. Em seu discurso, Moreira salientou que nenhuma recriminação poderia ser feita à administração dos serviços da saúde pública da capital pelo aparecimento da febre amarela. Segundo o deputado, não era possível prever tal aparecimento. Referiu-se também à campanha de Oswaldo Cruz e ressaltou que a situação era incomparavelmente melhor para o êxito do combate do que a de Fraga. À época de Cruz, a população era menor, e se compunha de pessoas imunizadas, portanto, em condições de pouca receptividade para o mal, ao contrário do combate que tinha que fazer Fraga, com uma população duplicada e praticamente composta de pessoas não imunizadas. Moreira não hesitou em afirmar que essa situação mudaria rapidamente, “toda a legião das nossas autoridades sanitárias se movimentou iniciando a ofensiva com tal eficácia e proficiência, que desde já, podemos afirmar desassombradamente, que o insidioso inimigo será vencido” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1928, p. 9). No entanto, os jornais voltaram sua atenção para Clementino Fraga dirigindo críticas aos trabalhos desenvolvidos pelo mesmo. Uma das críticas foi quanto à utilização de carros na campanha profilática, pois acreditava que uma boa vigilância era realizada melhor a pé tal como fazia Oswaldo Cruz, dado que a natureza do serviço consistia em percorrer casa por casa de uma rua ou de um quarteirão, para indagar a saúde de seus moradores. E o carro não se justificava: Quando chegar o dia do Dr. Clementino Fraga de explicar o destino que está dando aos milhares de contos sumidos na profilaxia da febre amarela, será bom não se esquecer de mencionar os 205 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 205 27/10/2015 10:34:06 automóveis que comprou, e os respectivos preços, para que seus afiliados pudessem confortavelmente fazer o serviço de vigilância e policia de focos [...] o Dr. Fraga terá muito que explicar quanto à aplicação do dinheiro da febre amarela. Pode ir começando a fazel-o pelos automóveis comprados com a economia do povo para uso e gozo do seu estado-maior. (CORREIO DA MANHÃ, 18 ago. 1928, p. 4). O descontento pelos serviços de saúde pública seguiu evidenciando-se, pois as campanhas não eram bem-sucedidas. Em Nilópolis, onde já tinham sido feitos os expurgos, se apresentaram cinco doentes suspeitos de febre amarela, os enfermos apareceram um a um, demostrando que a ação do DNSP era ineficaz (CORREIO DA MANHÃ, 4 out. 1928, p. 6). Os jornais não toleravam qualquer falha, o regresso da febre amarela em 1929 destacava ainda mais que o DNSP não tinha controle sobre a doença para quem “uma direção capaz e inteligente poderia realmente acabar com os mosquitos transmissores” (CORREIO DA MANHÃ, 21 abr. 1929, p. 5). Sem dúvida, o desprezo pela campanha de Fraga era evidente. O editorial de 25 de maio de 1929 do Correio da manhã publicou que o jornal somente fazia vir à tona e que não estavam buscando, como apontavam os cientistas americanos e alguns cientistas brasileiros, alarmar ao país, e levar notícias exageradas do mal ao estrangeiro (CORREIO DA MANHÃ, 25 maio 1929, p. 3). O problema, na versão deste jornal, era que Fraga tentava ocultar informações sobre a epidemia. Sobre este comentário, Fraga fez a seguinte declaração: O Departamento Nacional de Saúde Publica do Brasil timbra sempre em não ocultar jamais a verdadeira situação sanitária do país, qualquer que ela seja, e com o maior zelo de tudo informa às outras nações, diretamente ou por intermédio dos bureaux de Genève, Paris e Washington, conforme os convênios internacionais. É que os interesses da humanidade e da civilização são sagrados para as autoridades brasileiras, que os consideram muito acima de qualquer mal avisada vaidade nacional. (FRAGA, 1929, p. 996). No entanto, as medidas profiláticas desenvolvidas pelo DNSP não foram capazes de mudar a imagem da febre amarela durante os anos da epidemia. Países estrangeiros, como Argentina e Uruguai, adotaram medidas profiláticas como a quarentena contra os navios procedentes de portos brasileiros. Segundo Odair Franco foi esta a razão principal pela qual alguns jornais encetaram uma propaganda cruel visando diretamente o Diretor-Geral (FRANCO, 1969, p. 100). Certamente a eclosão da epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro não só serviu para amargar a consciência sanitária do país como afrontou a Revista 206 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 206 27/10/2015 10:34:06 Brasil Médico (23 set. 1933, p. 674), mas também dinamizou a prática da saúde pública do Rio, o que permitiu que a população conhecesse as decisões do DNSP e se interessasse em conhecer o real estado sanitário da cidade. 2.1.4 Contribuições da epidemia de Rio de Janeiro aos estudos da febre amarela A descoberta de Stokes e os outros pesquisadores (1927) de que a febre amarela é transmissível ao Macaco Rhesus, tanto por inoculação de sangue dos doentes como pela picada de Aedes aegypti infectado, criou novas possibilidades para as pesquisas experimentais dessa moléstia, resultando em um sem-número de aquisições da mais alta importância teórica e prática (ARAGÃO, 1929, p. 849). Além disso, os casos de febre amarela na epidemia do Rio de Janeiro ofereceram aos cientistas a oportunidade de fazer pesquisas experimentais no assunto. Pode-se dizer que a partir do ano de 1928 os estudos de febre amarela começaram a clarificar o campo da epidemiologia que tanto desconcertava aos médicos. É importante ressaltar que, dentro destas pesquisas, foi notável a contribuição científica a múltiplos aspetos médico-biológicos da infecção amarílica dada por pesquisadores brasileiros empenhados na luta contra a epidemia, destacando-se sobremodo o trabalho da escola de Manguinhos (MADUREIRA, 1958, p. 12). Naturalmente, o principal centro de pesquisa de febre amarela no Brasil foi o Instituto Oswaldo Cruz, onde Henrique de Beaurepaire Aragão56 dispunha de equipes e recursos para se dedicar aos trabalhos sobre a febre amarela experimental (RICARDO, 1930, p. 678). As incursões de Aragão no estudo do vírus amarílico foram de grande importância, Estabeleceu a identidade dos vírus africano e americano; imaginou a prova de proteção nos macacos Reshus para o diagnóstico retrospectivo da amarela, o qual de início foi empregado em trabalhos epidemiológicos no Brasil; verificase que a transmissão da dolência estava relacionada às condições de vida dos transmissores, exigindo o Aedes aegypti temperatura mais elevada para 56 Henrique de Beaurepaire Aragão nasceu em 21 de dezembro de 1879, em Niterói (Estado do Rio de Janeiro). Fez estudos de humanidades no Rio de Janeiro, no Instituto Dr. Joao Kopke e no Externato do Ginásio Nacional, onde os concluiu em fins de 1898. Diplomou-se em 1904, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ainda estudante, no 5° ano médico, ingressou em Manguinhos, como estagiário (1903). Lá fora levado por Waldemar Schiller, seu amigo e colega, que já frequentava o Instituto e o apresentou a Oswaldo Cruz. Desde essa época, Aragão vinculou-se ao Instituto; nele fazendo sua tese de doutoramento, que defendeu em 1905, entrando, então, oficialmente para a instituição como Assistente. Aragão foi à Europa em fevereiro de 1909, acompanhou-o em viagem de aperfeiçoamento. No velho continente estudou na Alemanha, no Instituto Zoológico de Munique, dirigido por R. Hertwig e sob a orientação de R. Goldschmidt. Estudou também na Estação de Hidrobiologia Marinha de Villefranche, dirigida por Davidoff e, de volta ao Brasil, em setembro de 1910, retornou ao seu trabalho de Manguinhos, onde se estabelece pelo resto de sua vida Profissional. Aragão iniciou sua carreira em Manguinhos, como estagiário, passou a Assistente e a Chefe de Serviço e, mais tarde, a Biologista com as vantagens de Professor das Universidades Federais. Exerceu o cargo de Diretor do Instituto (1942-1949). Em 1950 aposentou-se por limite de idade (GUIMARÃES, 1955, p. 144-149). 207 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 207 27/10/2015 10:34:06 permitir a evolução do vírus, ao contrário dos mosquitos silvestres adaptados às temperaturas mais baixas das matas (GUIMARÃES, 1955, p. 146). Cabe mencionar que mais de 150 trabalhos científicos foram publicados pelos brasileiros em decorrência da epidemia de 1928-1929 no Rio de Janeiro, sendo os temas mais abordados os seguintes: 1. A transmissão da febre amarela aos macacos; 2. Pesquisas do vírus no sangue e órgãos de indivíduos falecidos da febre amarela; 3. Pesquisas da leptospira icteroides no doente, no cadáver e nos macacos infectados; 4. Identidade entre febre amarela africana e a sul-americana; 5. Diagnóstico sorológico da febre amarela, 6. Vacinação contra a febre amarela. (ARAGÃO, 1928b, p. 23). Dentre essas pesquisas, destacamos as seguintes, por ser de grande impacto para os estudos da febre amarela nessa época: • TEIXEIRA, J. Castro. Do funcionamento renal na febre amarela, na convalescença e após a cura. In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929. • CUNHA, Aristides;; MUNIZ, Julio. “Note about experimental yellow fever”. In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929. • ARAGÃO, H. de; LIMA, A. da Costa. Sobre a infecção do M. Rhesus pela deposição de fezes de mosquitos infectados sobre a pele ou na conjunctiva ocular íntegra. In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929. • ARAGÃO, H. Infecção do Aedes Aegypti macho e possibilidade da propagação da febre amarela de Stegomyia a Stegomyia sem passagem pelo homem. In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929. • ARAGÃO, H.; LIMA, A. da Costa. “On the contamination of haemolymph in mosquitoes infected by the yellow fever virus”. In: Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 1929. Este conjunto de trabalhos, todos feitos no Instituto Oswaldo Cruz, representa a importância que a febre amarela teve na ciência brasileira em finais da década de 1920. Segundo Löwy (2006, p. 160-161), para os especialistas brasileiros a febre amarela era, antes de tudo, um problema médico complicado que deveria ser estudado por meio de abordagens próprias ao clínico e ao patologista, com um acompanhamento detalhado dos casos individuais e o apuramento do diagnóstico diferencial da doença 208 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 208 27/10/2015 10:34:06 a partir dos sinais clínicos e patológicos. Ao contrário dos especialistas da Fundação Rockefeller que achavam a febre amarela um problema facilmente solucionável, mas de saúde pública. 2.2 Epidemia em Socorro (1929) No hay en Colombia actualmente [1928], ni ha habido desde hace ya varios años, ninguna de las enfermedades incluidas entre las llamadas pandemias, como son cólera asiático, peste bubónica y fiebre amarilla. Las dos primeras puede decirse que son desconocidas en Colombia; la última desapareció hace más de cuatro años, época en que se presentó en una pequeña circunscripción. La campaña contra el mosquito, que se ha proseguido científicamente, ha hecho desaparecer casi por completo el Aedes Aegypti, […] y por tanto es casi imposible que el país se propague tal enfermedad. (APARICIO, 1928, p. 205). A febre amarela assumiu graves características epidêmicas repetidas vezes na história da Colômbia. As primeiras descrições que permitiram suspeitar da sua existência datam do século XVIII na costa atlântica do país. O ano de 1729 distingue-se porque foi a primeira vez que se notou a presença da doença nas cidades de Cartagena e Santa Marta. Durante o século XIX, a febre amarela permaneceu em Cartagena até 1912, se espalhou pelos portos do Atlântico atingindo a cidade de Barranquilla, em 1871 (GALVIS, 1982, p. 18-19), e logo em seguida apareceu no interior do território colombiano. Entre 1830 e 1889 apareceram relatórios clínicos atestando a existência da doença no interior do país; primeiro ao longo do Rio Magdalena, depois na área de Zulia e o Catatumbo, e mais tarde em locais longe das bacias hidrográficas57 (CAMARGO, 1937, p. 215). No início do século XX, a febre amarela continua atingindo a população. Os departamentos58 de Atlántico, Bolívar, Boyacá, Santander, Norte de Santander e Valle del Cauca sofreram várias epidemias (ver Tabela 6), sendo que mais de 20 epidemias se registraram em todo o território nacional (GALVIS, 1982; CAMARGO, 1936). Não obstante, a existência de muitas destas epidemias foram negadas pela Fundação Rockefeller, como foi o caso de Muzo em 1902, que mais tarde foi confirmada com os testes de proteção ao Macacus Reshus (KERR; CAMARGO, 1933, p. 340). 57 “Las colecciones de la gaceta médica año de 1866, y la revista médica de Bogotá. son preciosas canteras de la medicina nacional. proporcionan abundante noticias sobre aquella época. Allí se encuentran trabajos clínicos de gran sagacidad y precisión, y puede seguirse paso a paso el avance de la fiebre amarilla en el interior de Colombia” (CAMARGO, 1937, p. 215). 58 Sobre os departamentos consultar nota de rodapé número 56. 209 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 209 27/10/2015 10:34:07 Tabela 6 – Casos reconhecidos de febre amarela na Colômbia (1729-1929) MUNICÍPIO Cartagena Santa Marta 1729 Tolima ANO MUNICÍPIO 1881; 1886; San Cayetano 1887; 1900 1881 Bucaramanga San Luis de Senegal Ambalema 1768 Cúcuta 1883; 1886 Piedecuesta Honda Guaduas ANO MUNICÍPIO 1729; 1912 Neiva 1830; 1861; Tocaima 1865 1830; 1857; Muzo 1864; 1878; 1885; 1888 1857; 1879; Cumaral-Meta 1880; 1885 Girardot Peñaliza Mompóx Espinal Barranquilla 1865 Ocaña 1865 El Carmen 1866 Buenaventura 1870; 1872; Anapoima 1879; 1880 1871; 1889; Rioacha 1912 1884 Florida 1910; 1923 1910 Caldas Cali Socorro 1910; 1911; 1912 1910; 1911; 1912 1910; 1911; 1912 1915 1915 1929 Guadalupe 1929 1885; 1906; Girón 1907; 1916; 1924 1886 San Vicente de Chucuri 1888; 1900 1889; 1900 1907,1915; 1920 1900 ANO 1900 1900 FONTE: Adaptado de (GALVIS, 1982; CAMARGO, 1936). Na virada do século XIX para o século XX, devido à presença ameaçadora de febre amarela (mais de 30 epidemias no território), e da necessidade de fortalecer o projeto modernizador da Colômbia, foi promovida uma série de políticas de saúde, implementadas com diferentes medidas buscando impedir o avanço das doenças que colocavam em risco a incursão de produtos nacionais no mercado internacional e o investimento estrangeiro no país. Segundo Pablo García Medina (1926), diretor do departamento de higiene da Colômbia, a primeira vez que a saúde pública foi organizada como um ramo do governo nacional foi em 1887 quando se criou a Junta Central de Higiene. A junta era composta por três professores de medicina Nicolás Osorio, Aureliano Posada e Carlos Michelsen e um secretário, Durán Borda. Simultaneamente em cada um dos departamentos da nação se criou uma Junta Departamental de Higiene, também composta por três médicos e um secretário, que trabalhavam sob a dependência da Junta Central. Esta organização de saúde forneceu bases fundamentais para colocar a saúde como um serviço dentro do rol dos problemas sociais nacionais, pois nada igual existia na legislação colombiana. Em 1918, o Congresso da República simplifica o serviço das Juntas, tanto a central como as departamentais, para estabelecer uma única direção. Por meio da Lei n. 32, de 1918, criou-se a figura do Director Nacional de Higiene, chefe 210 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 210 27/10/2015 10:34:07 do serviço de saúde em todo o país (GARCIA, 1926, p. 3-4), sendo esta a primeira vez que existiu uma autoridade autônoma para regular, gerenciar e monitorar a higiene pública e privada do país. Esta estrutura da saúde pública somente foi modificada em 1931, quando se criou o Departamento Nacional de Higiene y Asistencia Pública, concedido como uma repartição administrativamente separada (REPÚBLICA DE COLOMBIA. CONGRESO DE LA REPÚBLICA, 1945, p. 5-12). No ano de 1928, o delegado que representava a Colômbia na VIII Conferência Sanitária Pan-Americana, Julio Aparicio, anunciava que não existia mais no país ocorrência de febre amarela. Segundo Aparício, o mal havia sido erradicado há quatro anos, devido em boa parte à campanha bem-sucedida contra o Aedes aegypti, o que tornava quase impossível o retorno da febre amarela ao país. Além disso, Aparicio observou que a campanha contra o mosquito foi devidamente organizada de acordo com os métodos recomendados por Gorgas e Parker da Rockefeller, que garantiram o extermínio da febre amarela no país. O anúncio foi enfático ao destacar a segurança dos portos, pois mais de seis milhões de pesos colombianos foram investidos na construção de aquedutos, esgotos, pavimentação, destruição de lixo e nas campanhas contra os ratos e mosquitos (APARICIO, 1928, p. 204). Tudo isso tinha um propósito: mostrar que os portos estavam no nível classificatório da classe A, a fim de que o mesmo não fosse rebaixado a níveis inferiores relativos a portos infestados pelo mal, tal como é especificado no capítulo IV (artigos 29, 30, 31... 34) do Código Sanitário Pan-Americano de 1924 (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1924, p. 109). No entanto, o anúncio do delegado da Colômbia sobre a febre amarela não se manteve. Os métodos da Fundação Rockefeller e o dinheiro investido nos portos onde se acreditava estarem os centros principais da doença não foram suficientes para proteger a população. Em 1929 a doença reapareceu em uma cidade do interior da Colômbia, no município de Socorro e se reafirmou ante as autoridades científicas e de saúde pública da Colômbia como uma doença complexa e difícil de erradicar. 2.2.1 A cidade de Socorro e a febre amarela A cidade de Socorro está situada no departamento de Santander, região nordeste da Colômbia, teve um passado histórico relevante na luta da Independência contra a coroa espanhola. Foi a primeira província do Virreinato de la Nueva Granada a organizar uma junta de governo com base em princípios liberais e republicanos. Foi também a primeira a proclamar a soberania do povo e em 1810 emitiu a primeira Constituição Provincial condizente com um Estado-nação republicano (PEREZ, 2011, p. 334). 211 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 211 27/10/2015 10:34:07 A primeira notícia da formação político-administrativa de Socorro data de 1683, quando foi reconhecida como uma paróquia59. Um ano mais tarde (1684), os habitantes da paróquia de Socorro apresentaram ante o cabildo60 da cidade de Vélez uma capitulação que solicitava a constituição de uma Villa dependente desta cidade. As razões deste pedido se justificavam pelo fato de a paróquia ter atingido o número de quatro mil habitantes e, devido à distância que a separava da cidade de Vélez, se fazia necessária a existência de um prefeito próprio para impor a ordem. No entanto, o cabildo não respondeu, fazendo com que estes habitantes se dirigissem à Real Audiência de Santa Fé. Em 1711, em resposta aos pedidos, foi outorgada uma licença para a fundação da cidade de Socorro. Contudo, esta licença foi cancelada porque a legislação vigente estipulava que somente o Rei tinha o poder de dar título de cidades. Apesar disso, o espetacular crescimento populacional e econômico da paróquia de Socorro durante o século XVII tornou possível a fundação de uma Villa (MARTINEZ et al., 1994, p. 56-57). Entre os produtos locais produzidos destacavam-se os que resultavam dos trabalhos artesanais com o algodão (roupas, cobertores, colchas, bandeiras, tapetes e carpetes), da produção de sapatos de salto alto, tabaco em pó e em ramo. Os camponeses produziam grandes quantidades de algodão, índigo e tabaco, além de produtos agrícolas como banana, milho, mandioca e batata, cujos excedentes eram comercializados nos lugares circunvizinhos. A diversificação e especialização da produção permitiam aos socorranos participarem ativamente nos canais de comércio do Nuevo Reino de Granada, unindo-se às cidades importantes de seu entorno, tais como Santa Fe, Tunja, Vélez, San Gil, Girón e Pamplona. Em 1763, a paróquia do Socorro foi considerada a mais importante em toda a arquidiocese, pois seus quatro mil habitantes deram a sua cura cerca de cinco mil pesos anuais. É assim que, em 1771, um decreto real confirmou a licença para a fundação da Villa de Socorro. Em 1795 a real audiência escolheu a Villa de Socorro como centro do corregimento, que dali em diante levou seu nome. Esta reforma subordinou os cabildos de San Gil e Vélez à sua proeminência política e, assim, em poucos anos Socorro passou de paróquia a centro do corregimento, cuja jurisdição foi definida com o nome de província de Socorro (MARTINEZ et al., 1994, p. 58-94). Com a declaração de Independência da Espanha, as províncias de la Nueva Granada se desmembraram em Estados, que queriam soberania 59 As paróquias eram originalmente “pueblos de Indios”. Estas aldeias indígenas começaram a ser reduzidas devido a diminuição de sua população, uma vez que a população mestiça aumentava. O resultado é a incapacidade de pequenos grupos indígenas de manterem-se como párocos. A pressão dos brancos e mestiços levou ao rápido surgimento de paróquias, muitas vezes motivadas por autoridades coloniais. Assim, no final do século XVII só existiam apenas algumas aldeias indígenas, e haviam mais paróquias habitadas por uma variedade de grupos étnicos e sociais. 60 Os cabildos eram corporações municipais instituídas na América colonial espanhola que se encarregavam da administração geral das cidades coloniais. Além disso, davam representatividade legal à cidade, através da qual os habitantes resolviam os problemas administrativos, econômicos e políticos. 212 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 212 27/10/2015 10:34:07 local. Cada um desses Estados se sentiu no direito de criar sua própria Constituição e a nomear seus próprios líderes. Foi assim que os cabildos de Socorro e San Gil assinaram a 15 de agosto de 1810 a constituição de um Estado livre e independente que governaria a antiga província de Socorro, sob a presidência do Dr. Lorenzo Plata. Em 185861, uma nova Constituição declarava a soberania ao Estado de Santander, sendo a Villa de Socorro declarada sua capital. Socorro permaneceu nesta condição até o fim do sistema federal. Com a Constituição de 188662, Socorro não manteve seu status político na região e foi declarado Município63, vinculado ao Departamento de Santander. Socorro começou o século XX como uma cidade em decadência, pois com o traslado da capital à cidade de Bucaramanga acabou deixando de ser um centro comercial e entreposto importante, passando todas essas funções a Bucaramanga cidade com perspectivas de abertura comercial, mais tarde tornando-se um ponto de hospedagem de várias migrações. Por outro lado, o que também contribuiu para o recrudescimento urbano de Socorro foi seu envolvimento em conflitos bélicos. Sua população foi drasticamente reduzida depois de várias guerras, em especial, a Guerra dos Mil Dias (1899-1902), que culminou na ruptura do território colombiano e na formação de um novo país, o Panamá. No que diz respeito à infraestrutura, os sistemas disponíveis tanto no urbano como em outras partes de seu território eram ainda muito precários nas primeiras décadas do século XX. Socorro não dispunha de um sistema de esgotos e abastecimento de água, e o sistema de transportes não estava plenamente desenvolvido. Muitas estradas não eram pavimentadas e o meio de transporte utilizado era o de muares, o que tornava as viagens longas e sujeitas às intempéries. Sobre sua localização geográfica no território colombiano, abaixo reproduzimos o seguinte relato de 1929: The Department of Santander contains two basins, each practically surrounded by high mountain ranges (paramos), with Socorro the center of one basin and Bucaramanga the center of the other. The 61 “En 1858, bajo el gobierno del Dr. Mariano Ospina Rodríguez, la nación adopta una nueva constitución, la cual rige desde el 22 de mayo. El artículo 1° de la nueva constitución decía: “los estados de Antioquia, Bolívar, Boyacá, Cauca, Cundinamarca, Magdalena y Panamá, Santander, se confederan a perpetuidad, forman una nación soberana, libre, bajo la denominación de confederación granadina” (MENDOZA, 1988-1989, p. 15). 62 Com a Constituição de 1886 são decretados nove departamentos regidos por uma Constituição centralista. O território do país estava distribuído administrativamente em Departamentos, que por sua vez, estão divididos em municípios. Os departamentos correspondem às seções demográfica, econômica e física mais avançada do país e têm um elevado grau de autonomia administrativa. Os Municípios são territórios que têm autonomia administrativa e que constituem células sociais, políticas e econômicas que integram o Departamento. 63 “Con el advenimiento de la República, las ciudades, Villas e parroquias se convierten en Municipios, término utilizado para uniformar entes políticos de diferentes orígenes, pero de aspiraciones similares” (GAMBA, 2003, p. 155). 213 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 213 27/10/2015 10:34:07 basins are separated from each other by a low divide. They are cut off from the Cúcuta region and Venezuela on the east and north by the high Paramo of Cocuy (which contains Snow-capped peaks and, where the trail crosses, reaches an altitude of 3790 meters above sea level), and From the Magdalena valley on the West by another high and extremely rough, unpopulated and partially unexplored, mountain range. To the south there is a more gradual rise to the high plateau on whose summit lies Tunja, the capital of Boyacá. (PEÑA et al., 1930, p. 427). Ver figura 9. Do exposto percebe-se que as barreiras naturais do terreno favoreceram ainda mais o isolamento da cidade de Socorro dos outros centros urbanos, o que certamente dificultou sua integração tanto política como econômica. Não obstante, os caminhos coloniais que fizeram de Socorro um centro urbano importante ainda estavam em pleno funcionamento. Apesar das viagens difíceis, os caminhos pela montanha permitiram a manutenção da comunicação com San Gil, Piedecuesta e Bucaramanga, mantendo uma relação constante. Praticamente toda a população de Santander estava concentrada em quatro cabeceras de corregimientos (ver figura 9) Bucaramanga, Socorro, Málaga e Vélez que juntas representavam 405.000 dos 439.000 habitantes do Departamento de Santander, em 1918. Existiam também dois centros menores – Puerto Wilches e Barrancabermeja –, que se desenvolveram às margens desta importante artéria fluvial que é o Rio Magdalena. Foram nestas duas cidades que as atividades industriais, ligadas ao petróleo, se desenvolveram com maior intensidade. A população da cidade do Socorro foi oficialmente contabilizada, em 1918, com 12.616 habitantes. A distribuição racial, de acordo com o censo de 1918 é a seguinte: 62% são mestiços, 33% brancos, 4% negros e 1% indígenas. Os médicos presentes na epidemia de 1929 de febre amarela em Socorro ficaram surpresos com a população, pois tinham características europeias, com poucos indivíduos negros e indígenas. Os trabalhadores rurais e suas famílias representavam mais de 80% da população, sendo que a maioria destes trabalhadores cultivava em pequenos lotes de terra próprios (PEÑA et al., 1930, p. 431). No fim do século XX, nos Santanderes,64 o café substituiu a economia agrária baseada em fazendas escravistas que produziram cacau para exportação via Maracaibo, cidade venezuelana localizado no noroeste do país. O café também substituiu as plantações de algodão que se reduziram drasticamente, configurando-se assim uma economia agrária ainda pré-capitalista (ABSALÓN, 2001, p. 80). 64 A palavra “Santanderes” designa a região que fica no oriente da Colômbia, que divide os departamentos de Santander e Norte de Santander. 214 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 214 27/10/2015 10:34:07 Figura 8 – Mapa do departamento de Santander (população 1929) Fonte: (PEÑA et al., 1930, p. 428) Dois eventos marcaram profundamente a história da cidade de Socorro no início do século XX. O primeiro desses eventos diz respeito indiretamente à Socorro, mas foi decisivo para a economia do país. Tratase da descoberta de petróleo na cidade de Barrancabermeja, pertencente ao Departamento de Santander. O segundo evento foi o surgimento de um inesperado surto de febre amarela em Socorro, no ano de 1929. A epidemia foi uma surpresa para o governo e as autoridades científicas do país, pois se acreditava que a febre amarela estava completamente controlada na Colômbia. Pelos estudos anteriormente efetuados, Socorro não apresentava qualquer indício ou condição ambiental para que a febre amarela se desenvolvesse na cidade. A manifestação inesperada da doença preocupou as autoridades governamentais, porque se o mal se alastrasse por outras cidades poderia trazer consequências desastrosas para a economia nacional. A existência de febre amarela no país causava grande apreensão nos países estrangeiros que mantinham relações comerciais com a Colômbia. Assim como ocorreu em outros países latino-americanos, a presença da doença afugentava investidores e se refletia negativamente nas exportações. 215 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 215 27/10/2015 10:34:07 Socorro localiza-se próxima às cidades de Barrancabermeja65 e Puerto Wiches66, importantes locais onde empresas internacionais como a Tropical Oil Company, Standard Oil Jersey, International Petroleum Co. Ltd. of Canada exploravam o petróleo (GARCIA, 2011, p. 95). Uma epidemia sem controle em Socorro poderia constituir-se em uma séria ameaça à exploração do petróleo, fazendo com que as autoridades colombianas focassem sua atenção na promulgação de medidas sanitárias para controlar a doença e sua possível propagação pelo território colombiano. Na Figura 10 é possível observar a distância de Socorro a Barrancabermeja e Puerto Wiches, assim como da capital de Santander, Bucaramanga, centro importante do comércio que exportava produtos ao interior do país e ao estrangeiro. Contudo, a distância não impedia a febre amarela de alastrar-se por outras partes do país, o que deixava as autoridades colombianas temerosas. A febre amarela era conhecida e temida como uma doença de alta mortalidade. Na tentativa de compreender e, assim, controlar propagação, os Estados Unidos se manifestaram de forma mais incisiva contra esta enfermidade, por meio de leis que estipularam a inspeção dos navios vindos de portos com sua ocorrência, requerendo que cada navio tivesse um atestado de saúde para poder atracar em portos estadunidenses (MORALES, 2005, p. 44). Diante destas medidas, a doença passou a ser encarada como um obstáculo para o comércio de vários países da América. No momento em que estourava um surto de febre amarela em qualquer país, o mesmo era estigmatizado e qualquer mercadoria procedente de tal local era dada como insegura. Por isso, quando ocorreu o surto de febre amarela em Socorro, os governantes e a Fundação Rockfeller mostraram especial interesse em combatê-la, uma vez que o território onde o mal havia deflagrado mantinha contato frequente com os EUA devido à mobilização de pessoal norteamericano na região. A Tropical Oil Company trouxe pessoal não só técnico para a perfuração, mas carpinteiros, mecânicos, para a construção da planta petrolífera (GALVIS, 1965:63). Sem dúvida, uma das preocupações principais dos Estados Unidos era impedir a importação da doença que tinha atacado o país com severidade nos séculos anteriores. 65“Es el puerto santandereano mejor situados de la orilla del magdalena, pues esta libre de inundaciones, el Municipio es de reciente creación, y con toda su población no baja de 8000 almas. El distrito es muy conocido por su riqueza petrolífera, que explota la Tropical Oil Company, la cual tiene establecidos en el lugar servicios automoviliarios y de ferrocarril para comunicarse con sus oficinas centrales con todas las extensas dependencias de la empresa, la misma compañía tiene en Barranca un hospital, con una dotación completa de elementos de laboratorio y radiología. Tanto los médicos americanos [estadounidenses], como los colombianos que trabajan allí, no han encontrado ningún caso sospechoso de fiebre amarilla. Sin embargo, existen en Barranca un elevado porcentaje stegomyano y anofelino que coloca a esta población en peligro de inminencia morbosa en caso de que exista un foco vecino de fiebre amarilla” (BAUTISTA, 1925, p. 15). 66 “Este puerto sobre el Bajo Magdalena, fue fundado en 1883 y tiene en la actualidad [1925] 3434 habitantes, pero con motivo de los trabajos del ferrocarril de su nombre, con la población flotante, puede calcularse su número en 7000. Dista de Bucaramanga 130 kilómetros de los cuales 60 están atravesando por el ferrocarril del mismo nombre” (BAUTISTA, 1925, p. 15). 216 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 216 27/10/2015 10:34:07 Figura 9 – Localização de Socorro no Mapa da Colômbia67 Por outro lado, a cidade de Socorro não contava com um sistema regular de saneamento: a rede de esgotos e o sistema de abastecimento de água eram praticamente inexistentes. A água geralmente era trazida em garrafas ou barris de qualquer curso de água ou rio, mas a população de Socorro se servia das águas do Rio Negro. A água obtida era conduzida a uma fonte central da cidade, transportada em garrafas ou baldes para as casas, geralmente armazenada para uso doméstico em frascos, barris, vasos de cerâmica e de pedra (PEÑA et al., 1930, p. 432). É notório que, no Departamento de Santander, o campo da saúde pública há muito era negligenciado. A verba especial coletada a cada ano em todos os municípios não foi suficiente para enfrentar os problemas de saúde pública de sua população, como a construção de esgotos, hospitais, postos médicos, postos de distribuição de medicamentos e fiscalização da higiene pública (SUAREZ, 1929). A presença da febre amarela em Socorro “sensibilizou” muitos líderes dos municípios de Santander, que começaram a manifestar sua preocupação com o quadro da saúde em suas cidades. Ressalte-se que antes de 1929, a cidade de Socorro não teve nenhuma ocorrência de febre amarela. No entanto, no Departamento de Santander, a febre amarela já havia aparecido em 1910 no município de Girón e, em 1911, em Bucaramanga, espalhando-se depois simultaneamente por 67 Observar a distância de Socorro do porto fluvial de Barrancabermeja e Puerto Wiches, e da capital de Santander, Bucaramanga. 217 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 217 27/10/2015 10:34:07 Florida, Rionegro e Piedecuesta. No ano de 1923, uma manifestação de febre amarela ocorreu na cidade de Bucaramanga, contudo, a mais notável destas epidemias foi a de 1923, devido às discussões geradas entre a comunidade médica e científica, “Ella fue motivo de trabajos dignos de tenerse en cuenta y que deben figurar en nuestra patología Nacional” [Colômbia] (BAUTISTA, 1925, p. 7). Além disso, a epidemia manifestouse de maneira diferente das anteriores, devido ao estabelecimento das medidas de controle dos mosquitos que levaram ao desaparecimento da doença. Em menos de vinte anos, um último surto de febre amarela atingiu o Departamento de Santander, mais precisamente na cidade de Socorro, em 1929. Além da difícil definição de sua epidemiologia, este surto de febre amarela evidenciou a necessidade do governo colombiano em manter uma vigilância constante do território para evitar ocorrências semelhantes. É preciso notar que a história da saúde pública dos municípios pertencentes aos vários Departamentos da Colômbia está por ser contada, pois existem muitas lacunas que poderiam proporcionar estudos importantes no campo da saúde, do saneamento e das políticas públicas voltadas para estes setores. 2.2.2 A febre amarela atinge Socorro (1929) Em abril de 1929, cinco médicos do Município de Socorro: Prospero Azuero, Luis Eduardo Gómez Ortiz, Pedro Elías Mendoza, Carlos Rangel Pinzón e J. M. Rodríguez assumiram a tarefa de diagnosticar o quadro sintomático que foi percebido nos doentes, sugerindo a presença de febre amarela na cidade. Desconcertados por um número de casos de uma doença com alta taxa de mortalidade fizeram uma reunião para discutir os sintomas apresentados. Concordaram em se reunir e comunicar uns com os outros todos os casos semelhantes e observar as autópsias dos casos fatais (GALVIS, 1982, p. 46). Somente quando estivessem plenamente convencidos notificariam às autoridades nacionais de saúde pública sobre a epidemia de febre amarela, já que não queriam ter uma confrontação ideológica com outros médicos sem estar totalmente seguros (FLOREZ, 1989, p. 45). Contudo, a epidemia tornou-se mais forte, de modo que os médicos de Socorro fizeram o anúncio oficial da doença. Com o intuito de averiguar essa notícia foram enviados da capital do Departamento de Santander, Bucaramanga, os médicos Rafael Ordoñez e Roberto Serpa, para pesquisar e ratificar o grau de certeza que tinham os anúncios dos médicos de Socorro. Os médicos designados pelo Departamento chegaram dia 24 de junho de 1929 em Socorro e lá permaneceram até 16 de julho, quando a epidemia já tinha acabado. Além dos médicos bumangueses, no início do mês de agosto chegaram também à zona epidêmica os médicos George Bevier e Antonio Peña Echavarria, o primeiro representante da Fundação Rockefeller e o segundo do 218 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 218 27/10/2015 10:34:07 Departamento Nacional de Higiene, ambos acompanhados por dois estudantes de medicina que realizaram alguns estudos epidemiológicos e coletaram soros de convalescentes para a realização de testes imunológicos a fim de proporcionar o diagnóstico de febre amarela de uma forma mais confiável. O início da epidemia começou no período das chuvas, depois de uma longa seca. O primeiro caso de febre amarela ocorreu no final de março de 1929. Foi um homem de trinta e cinco anos de idade, morador de Socorro, que trabalhou como operário no aqueduto municipal de Honda, cerca de 10 quilômetros ao sudeste do Socorro. O homem adoeceu repentinamente em 30 de março. Durante os cinco primeiros dias da doença teve vômitos, dores musculares e dores nas costas; no quinto dia o vômito preto apareceu, morrendo no mesmo dia. No entanto, como o doente desenvolveu anúria68 no terceiro dia da doença e a urina continha albumina, a causa mortal foi apontada como nefrite aguda. Os médicos visitantes, por sua vez, diagnosticaram febre amarela. O segundo caso ocorreu na mesma área onde tinha ocorrido o primeiro óbito. Neste caso foi uma empregada doméstica de 16 anos, que esteve fora da cidade de Socorro durante vários meses, adoeceu e faleceu no hospital, onde tinha sido diagnosticada de febre tifoide (PEÑA et al., 1930, p. 436-347). Entretanto, a doença se desenvolveu em menos de sete dias e os sintomas indicavam que era um caso característico de febre amarela. Aos poucos, novos casos surgiram geralmente em pequenos grupos, até a terceira semana de julho quando o surto foi controlado. Depois disso, nenhum outro caso ocorreu em Socorro. Na maioria dos casos foi possível determinar uma relação entre os casos, conforme podemos observar na Figura 11. Um ponto importante destacado pelos médicos é que nas partes superiores da cidade não houve casos (PEÑA et al., 1930, p. 438) 68 Anuria is a condition in which no urine is voided (MARCOVITCH, 2005, p. 48). 219 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 219 27/10/2015 10:34:07 Figura 10 – Localização dos casos de febre amarela em Socorro em 1929 Fonte: (PEÑA et al., 1930, p. 437). Por outro lado, em Guadalupe uma cidade do Departamento de Santander com 6.300 habitantes, a 40 km de Socorro, entre janeiro e março apareceu um surto epidêmico, que foi diagnosticado pelo padre da paróquia local como pneumonia. Esta epidemia passou despercebida, visto que não chamou a atenção das autoridades nacionais de saúde, tanto que não se conseguiu determinar se era o vírus amarílico, pois a cidade não dispunha de médicos (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 939). Os médicos Roberto Serpa e seus colegas não estiveram seguros para dizer se foi a febre amarela a doença predominante durante essa epidemia que atacou a cidade de Guadalupe, afirmando que era 220 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 220 27/10/2015 10:34:08 muito provável que alguns casos de febre amarela ocorreram lá, mas era difícil confirmar um diagnóstico, já que os doentes não tinham sido vistos por um médico. Outra localidade perto de Socorro onde a febre amarela também esteve presente durante 1929 foi Simacota, uma pequena cidade de aproximadamente 6.200 pessoas, a uma distância de três horas de viagem a cavalo de Socorro. Ao contrário da epidemia de Guadalupe, essa ocorreu quando a febre amarela de Socorro estava sendo dominada (PEÑA et al., 1930, p. 439). O número em Socorro durante a epidemia esteve provavelmente em “cerca de 150 casos no total: 50 de um tipo sério, com 34 mortes, e 100 de uma forma leve” (PEÑA et al., 1930, p. 439). Quanto às cifras de Guadalupe, não houve números precisos das mortes por febre amarela, mas durante dezenove meses, com início em 1º de janeiro de 1928, as mortes foram, em média, 15 por mês, excluindo os meses de epidemia. No entanto, houve um aumento em Janeiro de 1929, atingindo o ponto mais alto em fevereiro com 61 mortes, seguido por um retorno abrupto ao normal (ver Figura 12). Figura 11 – Mortes por febre amarela em Socorro e Guadalupe 1928 Fonte: (PEÑA et al., 1930, p. 434) Aparentemente, a doença não atingiu outras cidades, pelo menos de forma epidêmica. Os médicos observaram que todos os infectados pela febre amarela em Simacota tinham estado alguns dias antes de visita em Socorro, com exceção de dois casos de Guadalupe e outro de Simacota. Portanto, parecia que todos os casos observados em outras comunidades ocorreram em pessoas que tinham estado recentemente em Socorro onde, segundo os médicos contraíram o vírus (PEÑA et al., 1930, p. 441). A epidemia do Socorro foi a primeira epidemia da Colômbia que conseguiu ser comprovada experimentalmente por meio dos testes de proteção em Macaco Rhesus nos laboratórios de Nova York da Fundação Rockefeller. 221 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 221 27/10/2015 10:34:08 Neste laboratório foi possível também concluir que em Bucaramanga houve febre amarela em anos anteriores, como foi indicado pelos médicos locais (CAMARGO, 1936, p. 234). 2.2.2.1 Diagnóstico e sintomatologia da epidemia de febre amarela em Socorro (1929) No começo da epidemia, o diagnóstico de febre amarela em Socorro foi clínico. A partir dos sintomas apresentados na epidemia, o médico Roberto Serpa69 descobriu que a doença era febre amarela, revelação que marcou sérios debates na comunidade médica, uma vez a febre não estava de acordo com os parâmetros típicos do desenvolvimento da doença. Em um segundo momento, após a realização da pesquisa de campo e coleta de amostras de soro, a Fundação Rockefeller anunciou o diagnóstico de febre amarela confirmada pelo laboratório, terminando assim com as controvérsias geradas pelo diagnóstico clínico que Serpa tinha examinado. Figura 12 – Roberto Serpa Novoa Fonte: Cortesia de Roberto Serpa Floréz (filho) O primeiro diagnóstico foi controverso porque, a princípio, acreditavase que a doença tinha sido removida do território. Além disso, ninguém conseguiu explicar a origem dessa epidemia, o que gerava desconforto na comunidade médica. A teoria da importação da doença da Fundação 69 Roberto Serpa Novoa (Bucaramanga 1888-1959). Formado em Medicina na Universidad Nacional de Colombia em 1918. Trabalhou nas companhias de petróleo, nas Ferrovias Nacionais e em outras instituições do Departamento de Santander. Como membro da Comissão Rockefeller em Santander lutou contra as epidemias de febre amarela em Bucaramanga (1923) e Socorro (1929). Também trabalhou no saneamento e erradicação dos mosquitos anofelinos em Socorro, Cúcuta, Bucaramanga, el Chocó e os Llanos Orientales. Foi fundador e primeiro presidente do Comitê Departamental da Cruz Roja de Santander. Foi membro da Academia de História do Santander. Em Bogotá atuou como Presidente do Clube Médico, Diretor Municipal de Saúde de Bogotá e Secretário-Geral do Ministério da Saúde. Na Faculdade de Medicina da Universidade Nacional participou do ensino por vários anos como professor de Ginecologia e Obstetrícia. Na arena política, ocupou os cargos de membro da Assembléia do Departamento de Santander e membro da Cámara de Representantes (FLÓREZ, 1989). 222 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 222 27/10/2015 10:34:08 Rockefeller não conseguiu explicar satisfatoriamente a origem. A distância entre o Socorro e Bucaramanga, onde se tinha apresentado um surto febril em 1923, confundia os médicos, pois era incompressível sua infestação, uma vez que estes estavam concentrados nas teorias tradicionais, assumindo que o Aedes aegypti tinha sido transportado e levado para Bucaramanga pouco tempo antes do aparecimento do surto epidêmico (FLOREZ,1989, p. 45). No entanto, isso era impossível porque a distância entre as duas cidades era de 121 quilômetros, em uma viagem de dois dias de mula (GALVIS, 1982, p. 85). Além disso, a cidade estava localizada 1230m de altura, altura máxima que tinha se apresentado uma epidemia na Colômbia, fato que tornou mais difícil sua explicação (FLOREZ, 1989, p. 45), pois desmentia a teoria de que os surtos se originavam nos grandes centros, sobretudo localizados nas costas, deles se disseminando o mal para o interior. A sintomatologia da febre amarela de Socorro apresentou-se como uma síndrome que correspondia às descrições da febre amarela (icterícia, febre alta, sangramento, hematêmese, vômito negro etc.). De acordo com a descrição dos médicos, a epidemia de febre amarela em Socorro, apresentava duas formas clínicas, uma de tipo leve e outra de tipo sério: La leve o abortiva iniciada con escalofríos, raquialgia, cefalalgia, mialgia, artralgia, vómito, fiebre, congestión facial y conjuntival, taquicardia, y a veces ligera subictericia y trazas de albúmina, síntomas esos que desaparecieron a las 24 ó 36 horas al entrar el enfermo en convalecencia; la otra forma comenzó lo mismo, pero con mayor intensidad e intranquilidad y sensación de angustia, y síntomas más típicos de fiebre amarilla. En esos casos en el cadáver aparece rápidamente el característico color amarillo, y la autopsia reveló lesiones típicas. Las pruebas de protección en el Macacus Rhesus con suero de convaleciente, confirmaron decisivamente el diagnóstico (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 939). Sem dúvida, os sintomas da febre amarela despertaram grandes medos na população. Um fator importante para o extermínio da epidemia foi a organização dos habitantes na campanha sanitária que foi implantado na cidade (ORDOÑEZ; SERPA, 1929). Por outro lado, na publicação de Antonio Peña e colegas (1930, p. 443) salienta-se que houve variações nos sintomas. Em alguns casos, os sintomas predominantes foram hepáticos, outros renais, e em outros ainda o escarro sanguinolento, sintoma típico da broncopneumonia. Essas anomalias da febre amarela de Socorro incentivaram os estudos para conhecer a fundo a doença já que os sintomas eram muito diferentes, despertando interesse na comunidade científica. 223 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 223 27/10/2015 10:34:08 2.2.2.2 Ações de higiene e medidas corretivas da epidemia Conforme dito, o surto de 1929 desencadeado em Socorro espantou tanto as autoridades públicas como a Fundação Rockefeller. A cidade, por sua vez, constituía-se no ambiente propício para que a epidemia tomasse proporções catastróficas. O município não dispunha de nenhuma fonte de água, servindo-se da água coletada em poços que acabavam sendo criadouros de larvas. A maioria das casas possuía filtros de pedra, onde cada gota de água era coletada em um recipiente. As casas também abrigavam canais de barris para os animais que eram depositados permanentemente nos buracos onde o lixo e esgoto foram depositados (PEÑA et al., 1930, p. 432). Por tudo isso, era essencial uma campanha antiestegomía em Socorro para acabar com todos os cultivos de larvas e mosquitos que transmitiam o vírus. Assim, foi organizada uma campanha contra o mosquito. A cidade foi dividida em seis setores, cada qual sob a responsabilidade de supervisores e secretários que através de multas fizeram cumprir sua autoridade nas casas onde existiam criadouros de mosquitos. A casa que possuísse algum tipo de larva se considerava infestada. O Aedes aegypti não era o tipo mais comum de mosquito, e amostras de larvas recolhidas pelos inspetores de saúde indicaram principalmente variedades de Culex e Psorophora (PEÑA et al., 1930, p. 435). A final de junho, 80% das casas estavam infestadas e desde 16 de julho as medidas intensivas da campanha reduziram a proporção a 8%. Após a campanha levada a cabo por oito semanas em agosto, os médicos da área começaram uma busca do Aedes aegypti por dois dias e não encontraram muitos, apenas dois mosquitos vivos, um adulto morto da mesma espécie em uma rede e duas larvas. Depois de dois meses da luta antimosquito os criadouros diminuíram a 90% e o Aedes era quase impossível de ser encontrado (PEÑA et al.,1930, p. 432). Após a epidemia, muitos dos inspetores começaram a reclamar de seus baixos salários, o que levou a um aumento a partir de julho de 1929, de $40 a $50 pesos colombianos devido ao trabalho eficaz nas campanhas contra o mosquito nos municípios de San Gil e Socorro (DEPARTAMENTO DE SANTANDER. ASAMBLEA DEPARTAMENTAL, 1929, p. 231-232). As primeiras manifestações do governo colombiano na implantação desse amplo conjunto de medidas de saneamento são tardias quando comparadas ao caso brasileiro. As ações foram desencadeadas após a ocorrência da epidemia de febre amarela em 1929, em Socorro. De acordo com o censo de 1928, a população de Socorro era de 16.791 almas (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, 1929, p. 79). Apreensivos pela possibilidade da febre amarela espalhar-se a outras regiões do país, especialmente na região portuária de Barrancabermeja e Puerto Wiches, uma massa de recursos foram atribuídos à cidade de Socorro. Estes recursos 224 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 224 27/10/2015 10:34:08 deveriam ser empregados na construção das redes de infraestrutura urbana e nos serviços relativos à higiene e saúde pública da cidade. No Informe Anual do governo deste mesmo ano (1929) é possível observar que de um total de $117.397,81, $90.072,74 pesos colombianos estavam destinados às obras públicas e $5.862,68 foram empregados junto ao setor de “beneficências e higiene” (VILLAMIZAR, 1929). Observar a Tabela 7. Tabela 7 – Orçamento Municipal de Socorro, 1929 DEPARTAMENTO Dep. de Gobierno Dep. de Hacienda Dep. de Obras Públicas Dep. de Justiça Dep. de beneficencias e higiene Dep. de vigencias anteriores Suma ORÇÃMENTO (COP) $ 5.237 $3.430.63 $90.072.74 $ 2.536 $5.862.68 730.67 $117397.81 Fonte: (VILLAMIZAR, 1929) A Gaceta Oficial do Departamento de Santander publicada em maio de 1929, informava que a Asamblea de Santander havia autorizado um auxílio de $10.000 à cidade de Socorro para suas obras de esgoto (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, ASAMBLEA DE SANTANDER, 1929, p. 217). Entretanto, o primeiro setor a receber recursos e pessoal foi o da saúde. A Gaceta de maio do mesmo ano informa que os serviços de assistência pública à saúde seriam prestados pelo Departamento de Santander, responsável pela contratação de médicos, nomeados diretamente pelo governador. Para a zona da província de Socorro, os subsídios mensais pagos aos médicos seriam da ordem de $150 pesos colombianos, valor que era inferior somente aos da zona dos municípios de Barrancabermeja e Puerto Wiches, de $250 pesos colombianos. Os médicos contratados estariam subordinados aos Diretores Nacionais e ao Departamento de Higiene e Vigilância e deveriam fazer com que as normas sanitárias fossem cumpridas em suas respectivas zonas. Neste mesmo documento da Asamblea Departamental está indicado que era facultado ao diretor do Departamento de Santander a contratação de um laboratório biológico para execução de análises clínicas diversas requeridas pelas medidas profiláticas adotadas em cada zona. Entre as medidas profiláticas autorizadas estava também a contratação de inspetores de campanhas contra o mosquito transmissor da febre amarela (DEPARTAMENTO DE SANTANDER. ASAMBLEA DEPARTAMENTAL, 1929, p. 231-232). Após a Campanha que exterminou o surto de Socorro, em julho foi nomeado o médico Carlos Rangel Pinzon para a Assistência Pública 225 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 225 27/10/2015 10:34:08 na zona da cidade, que se encarregaria da saúde da população socorrana (DEPARTAMENTO DE SANTANDER. SECRETARIA DE FOMENTO Y OBRAS PÚBLICAS, 1929, p. 339). Os trechos acima são esclarecedores e permitem averiguar que o Departamento de Santander contava com um aparato de saúde pública de ação restrita sem dispor de um número razoável de técnicos e instituições para oferecer suporte às medidas profiláticas e saneadoras. Informações sobre as obras de infraestrutura urbanas aparecem nos documentos oficiais somente em 1930. A Ordenanza número 5 de 1930 informava que a obra dos esgotos da cidade de Socorro era uma necessidade pública e dispunha do levantamento do respectivo plano. O Governo Departamental prestaria todo o apoio necessário, pois considerava a obra como fundamental para o saneamento daquela localidade. A Asamblea autorizava o levantamento do plano, mas não apontou o profissional que executaria os estudos e nem indicou se seria o responsável pelo projeto um funcionário público ou um profissional do mercado (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, ASAMBLEA DE SANTANDER, 1930). Na mensagem do Governador da Província de Santander de 1930 está assinalado que os estudos e projetos da rede de esgotos de Socorro haviam sido realizados entre agosto e setembro de 1930, sendo gasta a quantia de $2.597,92 pesos colombianos (TORRES, 1929, p. 37). O Anuario Estadístico General, publicado em 1931, apontava os gastos do Departamento de Santander com a cidade de Socorro, no que diz respeito às obras públicas, em um total de $27.078,32 pesos colombianos, haviam sido gastos $9.852,41 pesos colombianos, ao passo que o de saúde (Departamento de Beneficencias e Higiene) contava com um orçamento de $1.442.74 pesos colombianos, (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, DIRECCIÓN DEPARTAMENTAL DE ESTADÍSTICA 1931, p. 282). Este programa foi inserido nas políticas de saneamento do país que começaram a se organizar em apoio a este trabalho. No entanto, passados alguns anos da ocorrência da febre amarela em Socorro, a movimentação política para a promoção das medidas saneadoras do meio ficou mais lenta. Isto é o que nos mostra as mensagens publicadas alguns anos depois, onde são praticamente nulas as referências às obras dos esgotos na cidade de Socorro, o que nos leva a supor que foram apenas parcialmente implantadas. Em 1936 uma notificação foi publicada em uma mensagem à Assembleia Departamental, texto em que se percebe que ainda existia uma grande demanda pelos serviços de saúde pública. Nesta mensagem, Alfredo D´Costa (1936) governador do Departamento de Santander, aponta para o avanço das enfermidades tropicais e dos parcos recursos que o sistema público de higiene dispunha para atender a estas demandas. Não há nenhuma referência ao sistema de abastecimento ou rede de esgotos, mas a precariedade do estado sanitário sugere que tenham sido apenas parcialmente construídas. Outro relatório publicado em 1938 (ver 226 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 226 27/10/2015 10:34:08 Tabela 8), referente ao Servicio de Acueduto, Luz Eléctrica e Alcantarillado de Socorro, sob a responsabilidade do ministro J. Vicente Huertas indica que, de um total de 1278 edificações existentes na cidade, 705 dispunham de água, 821 de energia eletrica e 661 com esgotos. Os outros 341 não possuíam nenhum desses serviços (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, DIRECCIÓN DEPARTAMENTAL DE ESTADÍSTICA, 1938, p. 17). Tabela 8 – Serviços públicos em Socorro, 1938 Cabecera Otros caseríos Total Número de edifícios 1278 Con acueducto Con alcantarillado Con luz eléctrica 705 661 821 Sin ningún servicio 341 1428 43 13 16 1363 2706 748 674 837 1704 Fonte: (DEPARTAMENTO DE SANTANDER, DIRECCIÓN DEPARTAMENTAL DE ESTADÍSTICA, 1938, p. 17) Outro documento de 1938 aponta que a questão sanitária ainda gerava debates nos meandros das políticas públicas. As autoridades responsáveis pelas cidades exigiam que os Centros de Higiene fossem ampliados a outras localidades. Tal preocupação é evidenciada com o contrato celebrado entre o Departamento Nacional de Higiene e o Departamento de Santader del Sur e o Município de Socorro, para a manutenção de uma unidade sanitária em Socorro. Ambas as partes comprometiam-se manter esta unidade de saúde cujos serviços eram, entre eles, os de saneamento das áreas urbana e rural, a inspeção domiciliar, a campanha antilarvas e os serviços de proteção infantil. O setor de saneamento da Unidade Sanitária de Socorro contava com um diretor, quatro inspetores urbanos e dois inspetores rurais (REPÚBLICA DE COLOMBIA. DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1938, p. 991). A leitura dos documentos oficiais indica que, partir da década de 1940, o modelo educacional-assistencialista ganhava mais adeptos na Colômbia, consequentemente, o Centro de Higiene passa a ser uma peça fundamental para o saneamento do espaço. Os documentos públicos deste período enfatizam que os Centros de Higiene têm um papel importante de controle do meio, como é possível perceber através do programa de trabalho destes Centros de Higiene: 1) Trabalho Educativo; 2) Saneamento do solo (reformas sanitárias, construção de latrinas, eliminação de resíduos, abastecimento de águas potáveis, campanha antilarva e contra insetos vetores); 3) Higiene das Habitações (MARTINEZ, 1942, p. 123) 70. 70 Tais Centros de Higiene guardam muitas semelhanças com os Centros de Saúde e Postos de Profilaxia mantidos pelo Serviço Sanitário do estado de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX. Este modelo de organização sanitária foi amplamente divulgado pela Fundação Rockefeller. Sobre os Centros de Saúde ver Paula Souza e Vieira (1936) e Campos (2005). 227 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 227 27/10/2015 10:34:08 Mesmo sendo uma instituição reconhecidamente necessária, sua implantação não ocorreu na mesma intensidade. Passados mais de dez anos do surto epidêmico de febre amarela, o setor público ligado à saúde pública ainda padecia com a falta de investimentos e poucas áreas eram atendidas com os serviços prestados pelos Centros de Higiene. A crítica das autoridades médicas era dirigida à falta de campanhas específicas ao combate de moléstias que acometiam sistematicamente a população do interior de Santander. O mesmo podia ser atribuído ao saneamento básico das cidades, cujos serviços ainda não haviam sido finalizados. Segundo o Ejecutivo de Santander, as raízes do problema residiam na falta de uma repartição pública que se dedicasse, com exclusividade, aos assuntos da higiene e saúde. No que diz respeito ao saneamento, informes dos anos de 1944 e 1945 indicam que ações importantes foram tomadas no sentido de prover determinadas cidades com trabalhos mais efetivos. É dentro deste espírito que a cidade de Bucaramanga cria a sua primeira Oficina de Ingeniería Sanitaria, organismo público dependente do que existia em Bogotá, mas com atribuições próprias. Sua principal função era a de promover o saneamento do porto desta cidade. Novamente, o que se percebe é que somente as cidades de destacado papel no cenário econômico do país recebia atenção e recursos para a melhor das condições sanitárias. Assim como em outros países da América Latina, incluindo o Brasil, o saneamento básico e outros aparelhos de saúde pública ficaram restritos a determinados espaços do território. Quanto à Socorro, seu sistema de abastecimento e rede de esgotos se completou tardiamente, depois da metade do século XX. 2.2.2.3 Pontos controversos Os médicos que lutaram com o flagelo da epidemia, Roberto Serpa, Luís Eduardo Gomez Ortiz, Luís A. Nova, Azuero Próspero e Carlos Rangel enviaram um telegrama em julho 11 de 1929 a Pablo Garcia Medina (Diretor do Departamento de Higiene da Colômbia), notificando que a epidemia que assaltava a comunidade de Socorro era febre amarela. Rafael Ordoñez, que tinha vindo para Socorro com Roberto Serpa, foi o único que não assinou o telegrama e, posteriormente, se estabeleceu como um dos principais adversários ao diagnóstico que emitiu Serpa. A controvérsia começou com o artigo de Luís Ardila Gomez, médico reconhecido por ter testemunhado a epidemia da febre amarela em Bucaramanga em 1923, publicou no jornal Vanguardia Liberal, no dia 23 de julho de 1929, um artigo onde descreveu a situação dos conhecimentos sobre a febre amarela naquele período. Ardila Gómez era um homem atualizado nos avanços da febre amarela, sabia que o Aedes Aegypti não era o único transmissor da doença e que a teoria de Noguchi estava sendo questionada. 228 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 228 27/10/2015 10:34:08 Da mesma forma, Ardila ficou surpreso sobre a epidemia apresentada em 1928 no Rio de Janeiro e comentou: Río de Janeiro, después de veinte años de haberse extinguido, y sin que existiera un foco endémico suficientemente cercano para explicar el contagio. No siendo posible poner en duda las características epidemiológicas conocidas desde hace mucho tiempo, las cuales, como dejamos dicho, forman ya un cuerpo de doctrina sujeta a rectificación. (ARDILA, 1929, p. 3). Embora a epidemia do Rio houvesse sido distinta, guardava algumas semelhanças com a febre do Município de Socorro, visto que em ambas existiam lacunas na explicação epidemiológica. A origem e como as vítimas foram infectadas seguiam como questões sem resposta, pois as caraterísticas apresentadas em ambas às epidemias eram diferentes das caraterísticas conhecidas. David McCormick, médico colombiano que diagnosticou a febre amarela de Bucaramanga em 1923, começou a questionar o diagnóstico feito por Roberto Serpa em Socorro. O argumento centrava-se em salientar que faltou a Serpa realizar estudos bacteriológicos da doença e apontava que Rafael Ordoñez, que também esteve na área da epidemia, encontrou no sangue de todos os casos de febre de Socorro um cocobacilo especial que matou as cobaias e um coelho que tinha inoculado, produzindo-lhes diferentes lesões. A partir disso, David McCormick indicou que a febre de Socorro tratava-se de uma infecção diferente da que produz a verdadeira febre das Antillas71 (MCCORMICK, 1929, p. 3). A resposta à publicação de McCormick, por parte do Serpa, foi rápida. No dia seguinte enviou uma carta ao diretor do jornal Vanguardia Liberal, Alejandro Galvis Galvis, estabelecendo uma série de questões meramente pessoais. A sua resposta foi mais focada em refutar as ofensas que sentia por parte do McCormick do que apresentar sua opinião sobre os descobrimentos de Rafael Ordoñez em Socorro. Roberto Serpa enviou outra carta no dia 27 de julho de 1929, mas desta vez para o diretor do Jornal El Diário, que lhe deu a exclusividade dos exames do eminente Federico Lleras Acosta, reconhecido bacteriologista colombiano que examinou o sangue de alguns doentes de Socorro e descobriu que se tratava da febre amarela. O ditame não só foi baseado no estudo do sangue, mas foi confirmado pelo exame microscópico das vísceras que tinham sido enviadas para o respectivo estudo (SERPA, 27 jul. 1929). Além 71 A febre amarela era também conhecida como a febre das Antilhas. 229 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 229 27/10/2015 10:34:08 disso, em 28 de agosto foi confirmado por Wilhelm Hoffmann72, autoridade mundial em Anatomia patológica, o descobrimento de lesões características de febre amarela em peças anatômicas das mortes ocorridas em Socorro (PERALTA, 1929). No entanto, isso não foi o freio para a polêmica. Em setembro, Rafael Ordoñez, médico da comissão da febre amarela em Socorro, não concordava com o diagnóstico. Escreveu um artigo expondo os pontos para discutir o diagnóstico, e entre os seus principais argumentos para desvincular a febre amarela de Socorro estavam: • O sangue dos doentes não era contagioso depois do terceiro dia; os produtos de excreção na urina de doentes eram constantemente infecciosos como demonstrado por inoculação experimental em animais de laboratório; • Era impossível explicar a cadeia amarílica, A estegomía para infectar requeria uma temperatura atmosférica que variara entre 25ºC e 35 ºC, de modo que a infecção era rara nos terrenos altos, pois era difícil encontrar temperaturas de 5 ºC nas alturas acima de 900 metros sobre o nível do mar e Socorro tinha 23 ºC de temperatura média, abaixo do limite inferior e encontra-se a 1255 metros, ou seja, acima do limite barométrico indicado para a febre amarela; • A mortalidade das epidemias de febre amarela ultrapassava geralmente a 50% e a mortalidade da epidemia não atingiu aos 15 %; • As lesões pulmonares são bastante excepcionais na doença, mas nos cadáveres autopsiados em Socorro as lesões do pulmão foram constantes (ORDOÑEZ, 4 set. 1929, p. 3). Dessa forma, começou a aparecer outros pontos de vista, Juan Jacobo Jaimes – médico de Bucaramanga – argumentou que a epidemia de Socorro era semelhante à presenciada em anos anteriores em Bucaramanga, considerou que a doença que tinha atacado a Bucaramanga havia sido de fato febre amarela – posta em dúvida pelos médicos locais da época e pela própria Fundação Rockefeller –, para o médico não havia nenhuma suspeita que essa febre de Socorro oferecia um campo completamente novo aos estudos sobre a epidemiologia da febre amarela. Afirmou ainda que não se conhecia em Santander um foco de origem para explicar a aparição 72 Wilhelm H. Hoffmann, bacteriologista alemão que chegou a Cuba e permaneceu lá até sua morte. Hoffmann se interessou principalmente no estudo da febre amarela, demostrou a existência da forma silvestre da doença na África. Publicou mais de 86 artigos em diversas revistas da Europa e América. Entre os trabalhos publicados, os de maior destaque são: “¿Hay fiebre amarilla en África?” (1924), “La anatomía patológica de la fiebre amarilla” (1925), “La fiebre amarilla endémica en África” (1927) y “La fiebre amarilla africana” (1928) (CUADERNOS DE HISTORIA DE LA SALUD PÚBLICA, 2004). Disponível em: <http://bvs.sld.cu/revistas/his/his_99/hissu099.htm>. Acesso em: 6 jan. 2013. 230 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 230 27/10/2015 10:34:08 da enfermidade e a sua forma particular de propagação (VANGUARDIA LIBERAL, 14 ago. 1929). Sem dúvida, o debate sobre a febre amarela tornou-se uma problemática. Tanto Ordoñez como Ardila Gomez abriram novas interrogações de pesquisa e Serpa não se pronunciava. Foi publicado um artigo de Luís Ardila Gomez, estabelecendo o quadro clínico dos doentes na epidemia que atacou Bucaramanga em 1923 e a epidemia recente em Socorro, fornecendo elementos característicos e perfis sintomáticos bem definidos que davam à doença uma fisionomia própria. Desse modo, Ardila concluiu que se encontrava frente a um novo tipo de febre amarela ou, em caso negativo, frente a uma entidade desconhecida de patologia tropical, ainda mais desconcertante do que a febre amarela mesma, já que se ignoravam por completo os mecanismos de transmissão e, por conseguinte, as medidas profiláticas para erradicar totalmente a doença. Portanto, Ardila concordou mais com a segunda opção do que com a primeira e propôs realizar um estudo da doença a fim de conhecê-la o suficiente em todas as facetas fundamentais para poder incorporá-la como uma entidade independente, dentro da taxonomia patológica (ARDILA, 19 set. 1929, p. 3). Os esclarecimentos de Serpa foram publicados quatro meses após o início da polêmica. Em 1° de outubro de 1929, no jornal El Diario, publicou um artigo que contrariava as conclusões emitidas por Rafael Ordoñez, mas sua argumentação não era tão convincente para silenciar os fortes argumentos de Ordoñez. Ambos estavam corretos em certa parte, mas ignoraram o novo tipo de febre amarela que presenciavam diante dos seus olhos, que mais tarde veio a ser denominado como a febre amarela silvestre. A controvérsia só começou a silenciar quando a Fundação Rockefeller declarou que a epidemia de Socorro era febre amarela. Em 3° de outubro, o jornal Vanguardia Liberal publicou o telegrama no qual a Direção Nacional de Higiene, informava a confirmação de febre amarela à Direção Departamental que cujo responsável era Rafael Uscátegui (VANGUARDIA LIBERAL, 2 out. 1929). Os médicos de Bucaramanga inicialmente estavam confusos porque a epidemia, que se dizia ser a febre amarela, mostrava um quadro clínico distinto dessa doença e achavam que as medidas profiláticas assumidas eram “precipitadas”. Não obstante, Roberto Serpa ajudou a alimentar essas polêmicas, já que não anunciou a tempo um diagnóstico com informação detalhada do quadro clínico da patologia. Provavelmente, o aspecto mais interessante e que apresentou mais dúvidas na epidemia de Socorro foi a identificação de sua origem. A região estava isolada por barreiras montanhosas de modo que a teoria da importação oriunda de qualquer abordagem externa parecia quase inconcebível. Apesar de ter sido conhecida a partir da teoria de que o Aedes aegypti não era o único vetor, uma vez que naquela época ainda não se tinha muito clara a cadeia total da febre amarela. A aceitação de que existia outro tipo de febre amarela, designada como febre amarela 231 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 231 27/10/2015 10:34:08 silvestre, ainda era desconhecia e por esta razão é que a polêmica instaurou-se em relação à existência de epidemia de febre amarela em Socorro. Embora os bacteriologistas estrangeiros e nacionais reconhecidos na época, como Hoffman de Havana e Federico Lleras Acosta, de Bogotá, demonstrassem por seus estudos microscópicos que se tratava de febre amarela em Socorro, suas opiniões não foram suficientes para acabar com a controvérsia, que durou cerca de quatro meses e só terminou com a ratificação da Fundação Rockefeller. Do mesmo modo somou-se ao diagnóstico do laboratório Samper Martinez, que recolheu amostras de sangue dos convalescentes na epidemia em Socorro, como reação positiva. Na revista The Journal of Preventive Medicine, em seis de novembro de 1930 publicou-se o artigo de Antonio Peña Chavarria, Roberto Serpa e George Bevier sobre o estudo clínico e epidemiológico da epidemia de Socorro de 1929 (FLOREZ, 1989, p. 46). É importante atentar para o fato que, embora tivessem feito um trabalho eficiente, Hugh H. Smith73 (1939) assinalou que “esses investigadores não puderam encontrar uma pista que lhes permitisse inferir a forma de como ocorreu a infestação em Socorro”, Serpa, Bevier e Peña conseguiram recompilar a informação para o diagnóstico de febre amarela em Socorro, no entanto, não conseguiram explicar a origem da epidemia, devido a que os médicos se basearam na epidemiologia da febre amarela, então aceitada: Sí bien cuando la epidemia del Socorro no fue posible explicar adecuadamente la aparición de la fiebre amarilla, debe recordarse que en Muzo han ocurrido desde 1885 repetidos brotes de una enfermedad muy similar, que dan cabida a la idea de una trasplantación del virus. (SMITH, 1939, p. 5). Jorge Boshell, médico colombiano, explicou essa ideia mais tarde com a descoberta do Homagogus que esclarecia a cadeia da enfermidade, comprovando assim um tipo de febre amarela desconhecida que posteriormente se denominou febre amarela silvestre. A isso também se somou o desenvolvimento de técnicas como a viscerotomia, empregada primeiramente por médicos brasileiros, possibilitando confirmar que o surto se deveu à introdução do vírus a partir de áreas próximas, de endemicidade silvestre e não por transferência do Aedes aegypti. 73 “Hugh Hollingsworth Smith, (1902) doctor of public health, served as a staff member and assistant director of the International Health Division (1930-1951), and associate director of the Division of Medicine and Public Health (1951-1954) of the Rockefeller Foundation” (ARCHIVE CENTER ROCKEFELLER). Disponível em: <http://www.rockarch.org/collections/individuals/rf/>. Acesso em: 29 jan. 2013. 232 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 232 27/10/2015 10:34:08 2.2.2.4 Controvérsias nos jornais Tal como explicado acima, em Bucaramanga, capital do Departamento de Santander, enfrentou-se uma polêmica em torno da febre amarela de Socorro. Um dia depois de chegar em Socorro, no dia 25 de junho de 1929, os médicos Rafael Ordoñez e Roberto Serpa notificaram à Secretária de Fomento de Bucaramanga que “Los síntomas de la epidemia de Socorro lleva a pensar que es fiebre amarilla” (ORDOÑEZ; SERPA, 1929). Em seguida, a preocupação do jornal Vanguardia Liberal se tornou mais forte, sendo um dos espaços que mais acelerou a polêmica entre a comunidade médica. Sua principal preocupação estava nas consequências negativas que traria ao comércio local e regional uma epidemia da febre amarela, uma vez que com o diagnóstico publicado não tardaria a quarentena. A partir de 17 de julho, a Vanguardia Liberal começou a publicar uma série de notas sobre a febre amarela em Socorro. Em uma delas, comemoraram a eliminação da quarentena estabelecida nos portos fluviais de Santander. No entanto, nessa mesma data se estabeleceu quarentena para os colombianos em Guayaquil e nos Estados Unidos, tornando-se um transtorno na marcha das relações comerciais internacionais. De acordo com Vanguardia Liberal, as medidas eram desnecessárias, pois era uma epidemia que não causava grande mortalidade e não era de caráter grave. No final, não se sabia se realmente tratava-se de febre amarela (VANGUARDIA LIBERAL, 17 jul. 1929, p. 1). As conclusões de Rafael Ordoñez delinearam uma divisão entre as opiniões sobre o diagnóstico da febre de Socorro. O jornal Vanguardia Liberal propôs um espaço de discussão onde as pessoas habilitadas sobre o tema pudessem comentar e defender os seus pontos de vista (VANGUARDIA LIBERAL, 4 set. 1929, p. 5). No entanto, nenhuma voz médica se fez ouvir nos dias seguintes. O jornal começou a publicar anonimamente escritos sobre a personalidade e o tratamento que Roberto Serpa tinha revelado a epidemia apresentado em Socorro. Por exemplo, em 5 de setembro é publicado o artigo intitulado “El doctor Roberto Serpa y la tesis de la fiebre amarilla para rehuir la discusión se declara víctima de parcialidad y la cierra sin razones” (VANGUARDIA LIBERAL, 5 set. 1929, p. 1). Provavelmente uma das críticas de Serpa frente ao jornal era a sua parcialidade. Pode-se dizer que em suas publicações Serpa mostrava ser um homem orgulhoso e pouco modesto, cuja pesquisa não havia sido apresentada publicamente, o que o tornava vulnerável a críticas pessoais. A quarentena que foi imposta nos Estados Unidos para os colombianos representou grandes dificuldades para o comércio internacional colombiano. Tanto assim que o Conselho de Ministros se reuniu para analisar cuidadosamente a questão da febre amarela na cidade de Socorro, e autorizou o chanceler Uribe a enviar um telegrama a Olaya Herrera, que 233 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 233 27/10/2015 10:34:09 era então o embaixador da Colômbia em Washington e que posteriormente ocupou a presidência da República, a fim de desmentir as notícias exageradas sobre a epidemia (VANGUARDIA LIBERAL, 18 jul. 1929, p. 8). Tais notícias traziam graves prejuízos ao comércio do país e a interdição dos portos preocupava A situação tornou-se difícil e os jornais pressionavam justificando que Socorro não iria infestar outros portos internacionais e os comerciantes argumentavam que a suposta febre amarela de Socorro não tinha sido comprovada por métodos científicos. Desse modo, solicitaram ao governo nacional que explicassem aos governos internacionais que não se sabia, com certeza, se era a temida febre amarela, a fim de evitar os prejuízos que levariam ao comércio e aos particulares o estabelecimento da quarentena, não só nos portos colombianos, mas também nos estrangeiros (VANGUARDIA LIBERAL, 19 jul. 1929, p. 8). Por outro lado, o Diretor Nacional de Higiene, Pablo Garcia Medina, afirmou que a epidemia de Socorro era febre amarela, mas que estava sendo controlada pelas comissões científicas enviadas pelo Ministério da Educação para estudar a epidemia e fazer os experimentos bacteriológicos do caso. E ainda, o diretor salientou que a quarentena estabelecida nos portos do Equador foi injusta e desnecessária para os barcos procedentes da Colômbia (VANGUARDIA LIBERAL, 19 jul. 1929, p. 8). No entanto, apesar da campanha lançada pelo Vanguardia Liberal contra o anúncio da febre amarela em Socorro, no dia 19 de julho de 1928, o Diretor de Higiene Nacional, Pablo Garcia Medina, anunciou a extensão da campanha de saúde de Socorro a Bucaramanga e a outras cidades do departamento de Santander onde havia reaparecido o stegomía (VANGUARDIA LIBERAL, 20 jul. 1929, p. 1). A febre amarela teve um lugar especial nos espaços do jornal, denominando-se como a epidemia infinita. Entre as notas ressaltava-se que havia muitos médicos que asseguravam que não era febre amarela o que assustou o povo. O contrário comentava que era um alarme falso que só serviu para causar desconforto e descrédito (VANGUARDIA LIBERAL, 20 jul. 1929, p. 9). A partir dessa publicação, a polêmica tornou-se menos científica e mais uma discussão pessoal. As matérias do Vanguardia Liberal continuaram sendo publicadas, chegando ao ponto de apelidar Serpa como o “El empresario de la fiebre amarilla en Santander”. De acordo com o jornal, Roberto Serpa assumia papel de única autoridade no assunto. A campanha do jornal foi pesada contra o diagnóstico de Serpa, argumentando que não existiam verdades absolutas. Salientavam que Hoffmann, médico reconhecido de Havana, que Roberto Serpa citou em seu apoio, “podría ser una gran eminencia. Pero las eminencias también se equivocan, así como las altas montañas y los empinados volcanes que a pesar de su elevación también están expuestos a derrumbarse” (VANGUARDIA LIBERAL, 6 set. 1929, p. 3). Luis Gomez Ardila, médico colombiano que participou da campanha 234 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 234 27/10/2015 10:34:09 contra a febre amarela em Bucaramanga em 1923, tentou manter um debate sério na hora de se equilibrar as opiniões manifestadas pela aprovação ou reprovação do diagnóstico de febre amarela em Socorro. Em um primeiro momento, comentou que o debate que se havia promovido em torno da epidemia tinha uma tendência personalista e era contraproducente e prejudicial para os profissionais envolvidos com ela, devido à perda a autoridade sobre a opinião pública. Também observou que a regra dos cientistas é a imparcialidade, impedindo a erosão da paixão individual, sobre isso ele diz: “oscurece la mente y lleva a conclusiones unilaterales, distanciadas por completo de la ecuanimidad intelectual, que concisión previa y obligado de todo acierto” (ARDILA, 19 set. 1929, p. 3). Para Ardila, um pesquisador está acima de qualquer preconceito e tem boa-fé como objetivo a procura da verdade. Que está disposto a entrar em controvérsia com a mente aberta, evitando qualquer viés sistemático. Disposto a aceitar as consequências lógicas de premissas cuja exatidão tem sido comprovada com recursos críticos (ARDILA, 19 set. 1929, p. 3). A febre amarela em Socorro despertou várias discussões que demonstraram o problema mantido pelos atores envolvidos na epidemia, mostrando uma avaliação sombria da cultura científica da Colômbia ao abordar tais questões controversas relativas a esta epidemia. 2.2.3 Contribuições da epidemia de Socorro A epidemia de Socorro não só encheu de dúvidas os médicos de Bucaramanga, mas incentivou-os a novos debates sobre o estudo comparativo da clínica e do laboratório como elementos a serem considerados em um diagnóstico. Na época, a clínica foi entendida como o estudo direto dos doentes, dos quadros sintomáticos, das reações individuais ante a doença e as diversas formas que assumiram o drama patológico em cada caso particular. Em contraste, o laboratório era o corpo que se ocupava de aportar ao estudo das doenças artificiais que o progresso científico aperfeiçoou cada dia para chegar ao isolamento das causas, à identificação das espécies microbianas patógenas e à análise bioquímica dos meios orgânicos em suas relações com a doença (ARDILA, 21 set. 1929, p. 3). Os médicos da época salientavam que a clínica representava uma tendência sintética, enquanto que o laboratório levava à colaboração das ciências exatas, física, química, matemática e à exploração do organismo doente. Contudo, não é possível negligenciar o fato de que nessa época a medicina norte-americana começou a crescer na Colômbia, dando autoridade ao laboratório. No entanto, Ardila Gómez salientou que o laboratório tinha apenas um papel auxiliar nos processos de investigação patológica. Por outro lado, reconheceu que graças ao laboratório foram alcançados desenvolvimentos mais modernos em medicina, mas que a clínica continuava representando a tradição da 235 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 235 27/10/2015 10:34:09 doutrina científica clássica. O problema que surgiu na febre amarela era uma contradição entre as respostas clínicas e os dados fornecidos pelo laboratório. A questão que permaneceu foi a qual dos dois devia-se dar mais importância? Esta pergunta mostra que o surto de febre amarela havia fornecido uma mobilização por parte dos médicos a fim de entender o problema que representava a enfermidade. Por outro lado, a epidemia do final da década de 1920 fez com que os governantes da Colômbia pensassem mais sobre os problemas de saúde pública do país. Embora suas políticas e medidas não fossem muito eficientes, a epidemia mostrou a necessidade urgente de implementação de medidas para limitar o progresso dessa e de outras doenças e, portanto, de pensar o problema da saúde pública. Percebe-se também uma grande dificuldade em implantar medidas de saneamento do meio e o próprio estabelecimento das infraestruturas de saneamento. 236 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 236 27/10/2015 10:34:09 3 O DESPERTAR DA CRISE: OS NOVOS ESTUDOS DA FEBRE AMARELA E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A partir da década de 1930, depois dos surtos de febre amarela na América Latina, as convicções científicas sobre a doença tinham alcançado o seu limite. Fazia-se necessário estruturar uma nova estratégia de ação para combater a doença, uma vez que os esforços da Fundação Rockefeller para “erradicar” a febre amarela foram em vão, devido aos vários questionamentos e à ineficácia dos métodos empregados. Nos estudos sobre a febre amarela a FR parecia instável em seu status de autoridade científica, tal fiasco era prejudicial também aos Estados Unidos no plano internacional. O país havia ascendido na primeira metade do século XX não somente como nova potência econômica, mas também científica. Tal posição fez com que a profissão e o ensino de carreiras como a medicina, a engenharia e outras fossem fortemente influenciados pelos norte-americanos em toda a América Latina (ATIQUE, 2010; MARINHO, 2001; COSTA, 2005). Entretanto, a entrada dos norteamericanos não ocorreu de forma harmoniosa, pelo contrário, gerou uma série de debates e conflitos, especialmente entre os médicos. Muitos profissionais defendiam os ensinamentos e preceitos divulgados pelos franceses, pois este modelo ainda permeava a tradicional formação médica, ao passo que a medicina norte-americana conquistava a passos largos as instituições superiores latino-americanas. Pode-se afirmar, sem embargo, que no início da década de 1930 os norte-americanos predominavam nas instituições de ensino superior. A dependência cultural, social, científica dos EUA foi gradualmente substituindo o domínio das ideias médicas da Inglaterra e da França. Enquanto o campo da formação acadêmica atravessava tais transformações, por outro lado, a presença norte-americana se fazia presente em outros setores, como nas relações comerciais, indicando que o comércio internacional havia sido ativado, o que tornava necessário medidas saneadoras para os portos e a incorporação de novas terras para o desenvolvimento agrícola e produtivo (ROMERO, 1997, p. 305). Foi nesta encruzilhada histórica que a investigação médica contribuiu com seus resultados para fortalecer os novos ventos nos estudos da febre amarela. 237 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 237 27/10/2015 10:34:09 No entanto, a presença dos Estados Unidos da América na saúde latino-americana era um fato consumado. A Fundação Rockefeller procurou realizar vários acordos com os países da região, inicialmente, realizando projetos de cooperação entre cientistas latino-americanos e norte-americanos para fazer alguns exames sorológicos e da mesma forma, estudar os surtos de febre amarela (GROOT, 1999, p. 269), assim como promover o ensino dentro do modelo de tempo integral aliado à pesquisa e o novo modelo de administração sanitária que tinha o Centro de Saúde como a instituição modelo (MARINHO, 2001; CAMPOS, 2002). Ao que diz respeito à febre amarela, a Fundação Rockefeller conseguiu influir nas decisões latino-americanas referentes ao campo da organização da saúde pública, com a criação de instituições voltadas para a pesquisa da febre amarela e da malária através dos contratos anuais com os chefes de governo. Com a descoberta do vírus filtrável (1927) , a Fundação Rockefeller começou inclinar-se mais para os estudos de laboratório do que pelos estudos de campo. Consequentemente, houve uma série de inovações de caráter tecnológico e epidemiológico que favoreceram e desencadearam novos avanços científicos e tecnológicos sobre este flagelo. Sobre a questão, Fred Soper, diretor da Fundação Rockefeller na América do Sul, tece os seguintes comentários: O programa da Fundação para combater a febre amarela nas Américas no período de 1918-1928 tinha sido essencialmente administrativo, em grande parte dedicada a reduzir a reprodução de mosquitos em centros antes endêmicos e em pequenas comunidades [...] os excelentes resultados de febre amarela na África intensificou o interesse da fundação nas pesquisas do laboratório, em poucos anos deixou de se concentrar apenas em cortar a distância entre os conhecimentos existentes e sua aplicação para o benefício da população mundial. (SOPER, 1979, p. 335). Durante os anos de 1930 a 1940, a Fundação Rockefeller redefiniu seus campos de atuação e formulou novas diretrizes para o combate da febre amarela. A concepção epidemiológica da época – Teoria dos Centros Chaves – base científica dos planos de erradicação da doença, desenvolvidos antes de 1928, dava sinais de que não era totalmente correta levando cientistas, técnicos e médicos a fazerem formulações inadequadas para o controle da doença. Portanto, ao finalizar a crises da década de 1920, os estudos da febre amarela deram uma virada contundente. A seguir apresentamos quais foram os avanços mais significativos nos estudos da febre amarela alcançados na década seguinte que representaram uma revolução para os estudos da doença. 238 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 238 27/10/2015 10:34:09 3.1 Avanços científicos na febre amarela Os acontecimentos de 1928 e 1929 forçaram os pesquisadores da febre amarela a perceber que, embora todas as grandes cidades e portos do Brasil estivessem saneados74 só era possível uma redução significativa da doença. O desaparecimento completo das áreas afetadas era uma meta difícil de ser alcançada. Basta tomar como exemplo outras partes da América onde medidas semelhantes haviam sido realizadas. Essa incapacidade de fazer desaparecer completamente a doença era uma premissa nova, sugerida pela ocorrência dos surtos de 1928-1929, amplamente separadas em pontos isolados na Colômbia e no Brasil, que não tinham conexão possível entre si. Essa premissa mostrou que existia um desconhecimento dos fatores epidemiológicos, o que condenava ao fracasso a tentativa de livrar o continente americano da febre amarela com base na teoria dos centroschave. O fracasso da erradicação da febre amarela de acordo com as regras estabelecidas pelos epidemiologistas levou, em 1930, a uma mudança radical no plano de campanha. Os técnicos da Fundação Rockefeller adicionaram ao seu trabalho a organização de campanhas contra o vetor – Aedes aegypti – não somente nas grandes cidades, mas também nas pequenas cidades. Além disso, consideravam estudar mais detalhadamente o vírus e o ciclo vital do mosquito. Maria Gabriela Marinho (2001, p. 29-31) salienta que a partir de 1929 a Fundação Rockefeller orientava-se também pelo apoio à produção de conhecimento científico e foi assim, entre 1930 e 1940, que as ciências básicas passaram a ocupar o centro dos interesses da Fundação. Note-se que durante esta década a Fundação Rockefeller concentrou-se principalmente na pesquisa de febre amarela e malária. A respeito ficou registrado em um trecho publicado “Nuevas orientaciones de la Fundación Rockefeller” no Boletim de 1936 da Oficina Sanitaria Panamericana: La característica dominante del plan recién iniciado consiste en la investigación en campaña con mira a cohibir ciertas dolencias especificas no abordando de una vez todas las que revisten importancia sanitaria, sino concentrando en cierto número de problemas bien definidos y combinando los estudios epidemiológicos y de Laboratorio. Fue así que entre las enfermedades estudiadas en 1935 la fiebre amarilla encabezó la lista y el paludismo también descolló, si bien se consideraron otros males como esquistosomiasis, frambesia, tuberculosis, fiebre ondulante etc. (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1936, p. 910). 74 Historicamente estes eram os principais centros endêmicos da infecção. 239 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 239 27/10/2015 10:34:09 Contudo, a Fundação priorizou o estudo e a identificação da distribuição da doença, pois era necessário identificar acertadamente os casos de febre amarela, além de localizar os casos fatais não suspeitos e silenciosos. Em 1930 aparece um engenhoso instrumento chamado viscerótomo75 (Figura 14) que iria ajudar em tal tarefa. A técnica utilizada a partir do uso deste instrumento consistia em extrair pequenas porções de fígado dos cadáveres sem recorrer à autópsia completa (CAMARGO, 1936, p. 141). O uso do viscerótomo permitia um diagnóstico seguro, pois a febre amarela deixa lesões singulares no fígado das pessoas por ela afetadas, permitindo a identificação e distribuição sem confundi-la com outras doenças como a malária, a esquistossomose e a leishmaniose. Esse instrumento tornou-se o principal meio de reconhecimento de febre amarela nas comunidades rurais da América do Sul, evitando a formulação de estatísticas nosológicas erradas. Figura 13 –Viscerótomo Fonte: (SOPER; RICKARD e CRAWFORD, 1934, p. 554) A divulgação desta nova invenção foi feita em maio de 1934 por Fred Soper, E. E. Rickard e J. Crawford na revista de The American Journal Of Hygiene, o objetivo do artigo foi dar a conhecer o procedimento para coleta de amostras de fígado nos casos fatais de febre amarela a fim de identificar focos silenciosos da doença. Segundo o artigo, cerca de cem amostras foram examinadas no estado do Rio de Janeiro entre maio e agosto de 1930, coletadas por pessoal não médico. Além, salienta que durante junho, foram feitas tentativas para organizar rutinas de autópsia parciais76 no norte do Brasil, nos Estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco. De acordo com o relato foi ali onde se deu a concepção do instrumento para a remoção de tecido do fígado sem fazer autópsia completa. The attempt to organize a practical service for the interior of the latter state led one of us (ERR) [E. R. Rickard] to attempt the design of an instrument for the removal of liver tissue without 75De acordo com a Oficina Sanitária Panamericana, o viscerótomo: “Se trata de un instrumento simple que, con la hoja cerrada, se introduce en el hígado, a través de la pared del cuerpo; luego la hoja se retrae aproximadamente media pulgada, se fuerza el instrumento para que penetre más en el hígado y finalmente, con un tapón de tejido hepático en el canal, se cierra y se retira. En la operación entera se invierte menos de un minuto” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1954, p. 15). 76 A colheita de amostras de fígado, com o viscerótomo, passou a denominar-se serviço de viscerotomia. 240 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 240 27/10/2015 10:34:09 autopsy. This instrument, later christened the “viscerotome” by Dr. Mario Biao, reached a practicable stage of development within a few weeks. (SOPER; RICKARD e CRAWFORD, 1934, p. 553). No entanto, em 5 de dezembro de 1938, o jornal Folha Médica publica o artigo de autoria de Décio Parreiras, ex-chefe do Serviço de Febre Amarela no estado do Rio de Janeiro, anunciando que havia sido ele quem criou o primeiro viscerótomo e, consequentemente, o serviço de viscerotomía. Seu texto começa assim: Chegou o momento de contestar a afirmativa de Wray Lloyd, da Divisão Sanitária Internacional da Fundação Rockefeller, New York, quando na sua conferência – Los últimos cinco años de investigación sobre la fiebre amarilla (1933) – atribuiu a E. R. Rickard – El invento de um instrumento con el nombre de viscerótomo.77 (PARREIRAS, 1938, p. 406). Mas não era somente Lloyd que acreditava. Na conferência sobre a febre amarela, realizada na cidade de Washington, em 1954, afirmava-se que o instrumento tinha sido “proyectado por el ya fallecido Dr. E. R. Rickard, de la Fundación Rockefeller” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1954, p. 15). Assim, essa descoberta ficou registrada como de E. R. Rickard, funcionário da Fundação Rockefeller. Segundo Odair Franco (1969, p. 117), em 19 de julho de 1930, Soper providenciou um advogado para a obtenção da patente para o aparelho construído por Rickard, pedido que foi feito em 6 de agosto. Como não houvesse nenhum interesse de exploração comercial por parte da Fundação Rockefeller, a patente foi pedida em nome de João Tomás Alves, inspetor sanitário do DNSP e antigo colaborador nos trabalhos da Fundação. Na secção de patentes de invenção do Diário Official da União (8 ago. 1930, p. 37), consta descrição de tal aparelho “Pontos característicos da invenção de um extrator de fragmentos de vísceras de cadáveres, para o qual requer privilégio Dr. João Tomás Alves” (depósito n. 8.836, de 6 de agosto de 1930). Mesmo assim, o viscerótomo tem sido fabricado aos milhares, no Brasil e em outros países, sem qualquer pagamento de direitos de patente. O intuito foi, portanto, garantir apenas a livre fabricação do instrumento (FRANCO, 1969, p. 117). A viscerotomia abriu novos rumos para a epidemiologia. Não obstante, Décio Parreiras, ressaltava que o primeiro viscerótomo tinha sido imaginado por ele, desenhado por Werneck Genofre e fabricado pela firma Lutz, Ferrando & Cia. Limitada do Rio de Janeiro, tal como consta no registro da empresa: “como se vê, no livro de fabricação da referida firma, com o numero 5.779, conforme indicação e desenho do pedido n. 1,822, 77 A transcrição foi mantida com os dois idiomas (Português e Espanhol) utilizados pelo autor. 241 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 241 27/10/2015 10:34:09 do serviço de saúde pública do Estado de Rio de Janeiro” (PARREIRAS, 1938, p. 406). Além disso, Parreiras afirmava que a primeira publicação sobre o viscerótomo de Rickard só foi feita dez meses depois da realizada por ele. Porém, reconhecia os trabalhos de Fred Soper e E. Rickard, visto que o aperfeiçoamento da técnica e a divulgação do processo pelo mundo inteiro tinha sido devido a eles (PARREIRAS, 1938, p. 407). Da mesma forma, em setembro de 1939 no boletim da Oficina Sanitaria Panamericana foi publicada a declaração de Parreiras onde reclamava a liderança na organização do primeiro serviço para obter tecido de fígado do cadáver, bem como de ter imaginado o primeiro viscerótomo, “que se halla actualmente en manos del Dr. Fred Soper. En cambio, el perfeccionamiento de la técnica y la divulgación del proceso corresponden indiscutiblemente a los Dres. Fred Soper y E. R. Richard” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1939, p. 862). Embora, a OSP houvesse reconhecido que Parreiras havia sido o inventor da ideia, e que Soper e Rickard foram os divulgadores, na história da febre amarela os registros são outros: Rickard, while working in Brazil, devised an instrument for the removal of fragments of liver for histopathology examination without autopsy. This instrument is called the viscerotome. It can be used by nonmedical personnel and was employed effectively on a nationwide scale in Brazil and also in other countries. (WARREN, 1951, p. 26). Certamente, esta invenção levou a novos desenvolvimentos no campo, o que permitiu estudos epidemiológicos mais profundos para identificar a distribuição da doença e sua prevenção e controle. Além disso, isolado o vírus da febre amarela, o trabalho dos pesquisadores da Fundação Rockefeller tornou-se mais ativo e eficaz. Max Theiler (1930), então um estudante da Escola de Medicina Tropical da Universidade de Harvard, descobriu que os camundongos normalmente imunes à febre amarela eram suscetíveis ao vírus quando inoculado de forma intracerebral (FOUNDATION ROCKEFELLER, 1930, p. 43-44). Com base nestas informações, Sawyer e Lloyd (1931) desenvolveram o “teste de proteção do camundongo78”, que revelou a presença de anticorpos específicos contra a febre amarela em soro humano. Este teste permitiu a demarcação de áreas endêmicas, localizando o momento do surto e observando a distribuição deste e do seu âmbito territorial. Sobre este método, 78 “La prueba consiste esencialmente en la inoculación intraperitoneal de los ratones con virus amarílico fijo para los ratones, junto con el suero a comprobar, y la inyección simultánea de solución amilácea en el cerebro, para localizar el virus. Si el suero carece de facultad protectora, los ratones sucumben a una encefalitis amarílica. La prueba es muy delicada y, por consiguiente, resulta útil epidemiológicamente para determinar si los individuos han tenido fiebre amarilla en alguna ocasión, y si los sujetos o los animales vacunados se hallan en realidad inmunizados” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1932, p. 381). 242 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 242 27/10/2015 10:34:09 El resultado de este método de laboratorio ha hecho posible descubrir la fiebre amarilla en el pasado, determinar en el presente con relativa exactitud las épocas de su aparición y localizar y demarcar las zonas endémicas. La especificidad, exactitud y valor fundamental de la prueba de protección son postulados científicos fuera de discusión (CAMARGO, 1936, p. 139). Com este avanço teve início uma nova fase da luta contra a febre amarela, muito mais comprometida com a ciência. Evidenciou-se a importância que os médicos começaram a atribuir ao laboratório, como precursor de novas formas de combater a doença. O laboratório se tornou o eixo central que facilitou o exame histopatológico da doença e a precisão do diagnóstico. Na mesma lógica, a descoberta do vírus no laboratório ajudou a resolver o problema da vacinação. Sawyer e Kitechen (1931) descobriram um método de vacinação humana por soro imune e vírus fixo do cérebro do camundongo. Essa descoberta abriu a era profilática e forneceu uma prevenção contra a transmissão da doença, no entanto, a vacina era insegura sem a administração de grandes quantidades de soro. Mas o avanço mais significativo em matéria epidemiológica foi a definição da febre amarela silvestre, em 1934. Não há dúvida que historiadores da ciência e da saúde pública situam o nascimento do conceito de “febre amarela silvestre” na década de 1930 e outorgam sua formulação a Fred Soper, então Diretor Regional para América do Sul da International Health Board da Fundação Rockefeller (SOPER, 1935, p. 7). La fiebre amarilla selvática, nos dice el Dr. Fred L. Soper (de la Fundación Rockefeller), su descubridor, ‘puede definirse como fiebre amarilla que aparece en zonas rurales, selváticas y fluviales donde no hay Aedes aegypti. Aparece en ausencia de todos los mosquitos vectores conocidos actualmente, con la posible excepción del Hamagogus, que cría en los agujeros de los árboles, a veces en el agua superficial, y que pica sin dificultad de día’. Observemos aquí que la presencia de ese género de mosquitos ha sido observada no sólo en Sudamérica, sino también en México, Costa Rica, Guatemala, Panamá, y Jamaica. ‘La fiebre amarilla de tipo selvático’, continúa el Dr. Soper, ‘es muy distinta de la fiebre amarilla urbana y rural transmitida por el Aedes aegypti. La fiebre amarilla transmitida por el Aedes aegypti es, característicamente, una enfermedad doméstica, y afecta en general a los no inmunes que viven en o visitan casas infectadas. Atenida aparentemente para su mantenimiento al sencillo ciclo hombre-mosquito-hombre, es propagada de un punto a otro por los movimientos del huésped humano durante el periodo de incubación, o por el transporte 243 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 243 27/10/2015 10:34:09 accidental de los mosquitos infectados de un sitio a outro’. (LLOYD, 1938, p. 595). A descoberta de um novo tipo de febre amarela clarificou a epidemiologia da doença, no entanto, deve-se notar que o precursor desta descoberta remonta ao início do século XX. Roberto Franco79, médico colombiano, identificou em 1906 a “fiebre de los bosque” durante a investigação de um surto apresentado em uma mina próxima a Muzo80, na Colômbia. Depois de muitas observações, propôs e defendeu a tese sobre a existência de duas variedades de febre amarela: uma urbana e uma silvestre (FRANCO; TORO, 1936, p. 165-227). Segundo Paola Mejia (2004, p. 138), o relatório que Franco apresentou para as autoridades de saúde pública da Colômbia descreveu claramente a febre amarela silvestre, mas as descobertas não foram confirmadas nos anos subsequentes, uma vez que estavam em desacordo com as teorias que diziam que o Aedes aegypti era o único vetor da febre amarela. Além disso, a comissão da Fundação Rockefeller chefiada por William Gorgas, que foi pela primeira vez para a Colômbia em 1916, concluiu que não havia foco endêmico de febre amarela na região de Muzo, porque não foi encontrado nenhum Aedes aegypti (CAMARGO, 1936, p. 15). Esta afirmação acabou por colocar esta descoberta em total descrédito a opinião de médicos locais e, especialmente, de Franco e seus colaboradores. Emilio Quevedo e seu grupo de pesquisas (2007) demostram que o processo de construção do conceito de “fiebre amarilla selvática” foi muito complexo: a discussão do conceito começou em 1907 e consolidou-se em 1938, revolucionando tanto a compreensão da epidemiologia como os mecanismos de controle da doença (QUEVEDO et al., 2007, p. 2). O relatório publicado em 1907, apresentado ao sindicato de Muzo pela comissão de Franco, encarregada de estudar a epidemia observada na mina, e o artigo publicado em 1910 não parecem ter produzido uma reação imediata entre a comunidade médica colombiana de seu tempo. E, embora as abordagens de Franco e seus colegas fossem revolucionárias em relação ao saber convencional do momento, não deixaram de ser conclusões isoladas de um grupo de médicos periféricos que não impactaram na comunidade científica internacional (QUEVEDO et al., 2007, p. 34). 79“Roberto Franco (1874-1958), estudió Medicina desde 1898 hasta 1904 en París. Por la misma época hizo pasantía en el Instituto Pasteur, para luego encaminarse a una experiencia hospitalaria en el hospital Sadiki de Túnez. Después de haber terminado sus estudios en Paris, realizó una breve pasantía en London School of Tropical Medicine. Esta institución inglesa reflejaba el interés por promover la investigación de la medicina tropical, especialmente en los países pobres de Asia, África y América, los que podían tener interés económico futuro para el comercio Británico. A su regreso a Bogotá, Franco ocupó de inmediato la cátedra de enfermedades tropicales de la Facultad de Medicina de la Universidad Nacional” (ROMERO, 1997, p. 306). 80“Muzo es un pequeño pueblo de unos 350 habitantes (…) más o menos a 150 Kilómetros hacia el Norte de Bogotá, Según dice el Municipio tiene una población aproximada de 4000 habitantes, de los cuales un pequeño porcentaje vive y trabaja en las minas, famosas por haber sido durante varias centurias las productoras de las mejores esmeraldas del mundo” (SOPER, 1935, p. 56). 244 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 244 27/10/2015 10:34:09 Segundo Hansson (1937, p. 1045) as primeiras observações da febre amarela silvestre foram feitas por Soper e seus colegas em 1932, a partir de uma epidemia eclodida no Vale de Canaan, situado no Estado do Espirito Santo (Brasil). Nesta epidemia, a primeira observação indubitável do fato foi a transmissão da febre amarela, em condições naturais, sem a responsabilidade do Aedes aegypti (SOPER, 1934, p. 380). Devido aos avanços epidemiológicos, a doença foi identificada pela observação clínica, pela autópsia, pelo teste de proteção do camundongo e pela reprodução da doença nos macacos inoculados com sangue colhido no período inicial de um caso (SOPER, 1935, p. 205). A partir daí, Soper divulgou os novos conhecimentos da febre amarela silvestre81 em discursos pronunciados ante a Academia Nacional de Medicina de Rio de Janeiro, a IX Conferência Sanitária Pan-Americana e a Faculdade de Medicina de Bogotá, tornandose uns dos mais importantes conhecedores da doença. No entanto, Soper reconheceu as conclusões anteriores do trabalho de Roberto Franco (1907), das quais destaca: 1) La epidemia que estudiamos en las Minas de, Muzo en 1907 está compuesta por fiebre amarilla y fiebre espiroquetal, asociadas. Estas dos entidades existen en la región en el estado endémico, y producen epidemias que son mantenidas y despertadas por la frecuente llegada de individuos receptivos de las tierras frías. 2) La fiebre amarilla tiene desde el punto de vista etiológico algunas particularidades: a) Es contraída en el bosque y no en la vecindad de las habitaciones. b) Es transmitida por el estegoma calopus, y probablemente también por otros culicíneos. c) La inoculación se hace durante las horas del día, que son las que los trabajadores pasan en donde predominan los mosquitos transmisores […] 6) La fiebre espiroquetal de un solo acceso es muy difícil de distinguir de la amarilla, y hay muchos casos en que el diagnóstico clínico es imposible. Igual confusión es posible con algunas formas de paludismo […] 9) Son signos de pronóstico muy grave en la fiebre amarilla la aceleración del pulso en el segundo período, cuando baja la temperatura; la presencia y tenacidad del vómito y la presencia en él de sangre (vómito negro); el hipo, la anuria, el delirio que 81 As publicações de Soper sobre sua descoberta são as seguintes: “Some Notes on the Epidemiology of Yellow Fever in Brasil” ou “Algumas Notas a respeito de Epidemiologia da Febre Amarella no Brasil,” Rev. Hyg. Saude Pub., dbre 1933, mzo. 1934. (Veja também. Bol. Of. San. Pan., p. 372, 1934); “El Problema de la Fiebre Amarilla en América” Bol. Of. San. Pan., mzo. 1936; “Fiebre Amarilla Rural, Fiebre Amarilla de la Selva, como problema nuevo de Sanidad en Colombia,” Rev. Hig., v. 4, n. 5, 6: “Febre Amarella SilvestreNovo Aspecto Epidemiológico da Doença,” Rev. Hyg. Saude Pub., fbro. 1936, v. 10. 245 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 245 27/10/2015 10:34:09 acompaña al sindroma de la ictericia grave.” (FRANCO; TORO; MARTINEZ, 1936, p. 193-194). As conclusões estabelecidas por Franco e seus colegas deixaram Soper admirado, pois para ele não havia dúvida de que o trabalho realizado em Muzo concordava com as conclusões feitas no Vale de Canaan. Soper criticou a tendência das revistas científicas da época, de recusar a publicação de relatórios detalhados como o que tinha feito Franco, Martinez e Toro, em 1911: “las observaciones que se consignan en el papel tiene un valor perenne, mientras que las conclusiones basada en tales observaciones pueden sufrir alteraciones a consecuencia de estudios posteriores” (SOPER, 1935, p.57). Com essas palavras, Soper afirmou que um dos fatores da ignorância do trabalho de Franco e seus colegas foram a falta de divulgação científica das revistas. Se os estudos de Franco e colaboradores fossem examinados com cuidado e com interesse internacional, o controle da febre amarela talvez tivesse tido outro desfecho no início do século XX e não somente nos anos 1930. Esse caso é de interesse para os estudos da ciência, pois permite imaginar o tamanho e o poder de divulgação da Fundação Rockefeller. Por outro lado, com o esclarecimento da febre amarela silvestre, começava-se a entender as recorrências de surtos em áreas urbanas onde a doença era considerada erradicada. Muitas pessoas infectadas vieram de aldeias perto de áreas florestais e acabavam por espalhar a doença. Além disso, com essa nova descoberta se evidencia a dificuldade de erradicar completamente a doença, que poderia ser controlada nas cidades com pulverização e outras medidas, mas na selva era mais difícil. Era necessário repensar em medidas preventivas eficazes para ajudar a controlar a doença em áreas rurais. Em 1937, nos laboratórios de Nova York foi realizada a descoberta de uma vacina eficaz, a vacina 17D82 desenvolvida por Max Theiler (1937), em cooperação com Hugh H. Smith. Tal produto baseado no vírus modificado chamado 17D da febre amarela foi reproduzido no laboratório de Serviço de Estudos e Pesquisas sobre a febre amarela localizado no Instituto Oswaldo Cruz, situado no Rio de Janeiro e, em seguida, no laboratório da Sección de Estudios Especiales del Ministerio de Trabajo, Higiene y Prevención Social (Bogotá), que mais tarde se chamou Instituto de estúdios especiales Carlos Finlay. Estes laboratórios eram mantidos pelo governo e pela Fundação Rockefeller o que permitiu a prevenção da doença em áreas silvestres dos países latino-americanos. O desenvolvimento dessa vacina valeu para Theiler o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, em 1951. Contudo, em novembro de 1934 a febre amarela foi uma das doenças que tiveram especial consideração na IX Conferencia Sanitaria Panamericana. Reunida em Buenos Aires, Argentina, a comissão composta por 21 representantes dos países latino-americanos desenvolveu um 82 Foi preparada em soro humano normal, utilizando embriões de galinha inoculados com o vírus 17D. 246 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 246 27/10/2015 10:34:09 conjunto de recomendações para o estudo e controle da febre amarela, que foram dados aos países que padeciam com o flagelo (SOPER, 1938, p. 36). Assim recomendou-se aos países do continente o seguinte programa de estudos e profilaxia: • Realização de pesquisas sistemáticas do poder de proteção do solo sanitário nas pessoas de todos os países e das regiões tropicais do continente, • Estabelecer a coleta de amostras de fígado através da viscerotomia para o estudo anatomopatológico em todas as regiões endêmicas e onde a doença tinha existido. Como medidas profiláticas foram recomendadas: 1. A criação de um serviço antilarval permanente que garantisse taxa mínima de zero em cada cidade das Américas; 2. Foi sugerida a criação da equivalência de serviços em todas as localidades das regiões infectadas e nas proximidades; 3. Recomendou-se a adoção de um regulamento para facilitar e garantir a luta antilarval e a viscerotomia; 4. Como método de prevenção para as pessoas receptivas que viajavam entre regiões endêmicas e populações rurais onde a febre amarela existia, recomendou-se a vacina antiamarílica, porque a luta contra transmissores era difícil ou impossível. Nessa conferência pediu-se aos países participantes um relatório trimestral sobre o desenvolvimento da campanha antilarval e os respectivos índices estegômicos. Do mesmo modo, se recomendou a criação de laboratórios para o estudo da febre amarela, por outro lado, quatro anos depois da adoção destas recomendações, a X Conferência reunida em Bogotá, em 1938, enfatizou a importância da vacina 17D (SOPER, 1938, p. 1). Mas como foi acolhido este programa? A seguir, analisaremos as políticas implementadas no Brasil e na Colômbia depois da crise da doença e das recomendações da Oficina Sanitária Panamericana. 3.2 Políticas no Brasil contra a febre amarela Com o surto ocorrido em 1928 no Rio de Janeiro, as autoridades sanitárias se convenceram de a necessidade de ser organizado, em caráter permanente, o combate à febre amarela. Assim, o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) e a Fundação Rockefeller firmaram um contrato em 1929, estabelecendo uma cooperação entre as duas entidades a fim de levar o extermínio da febre amarela em todo o Brasil. Esta parceria foi relatada e noticiada pela Oficina Pan-Americana: 247 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 247 27/10/2015 10:34:09 Pelo que atual governo do Brasil, convencido de que a febre amarela constituía um dos principais problemas de saúde pública, resolveu estabelecer uma campanha de caráter permanente contra as doenças. Visando essa finalidade, tomou medidas de tal ordem que ultrapassaram a expectativas. Reconhecida a conveniência de confiar essa campanha a uma direção única, o governo brasileiro entrou em entendimento com a benemérita Fundação Rockefeller, para a realização de tão importante empreendimento [...] o valor dessa medida foi de tal alcance internacional que vários países sul americanos seguiram o exemplo brasileiro, o que veio a permitir a campanha uma atuação técnica única, sob a orientação de Soper. (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1943, p. 730). Dentro do convênio foi estabelecido que a luta contra a doença se estenderia por todo o território brasileiro. A fim de sistematizar as providências foi criado um serviço especial, denominado Serviço de Prophylaxia da Febre Amarella (SPFA) (A FOLHA MEDICA, 5 fev., 1929, p. 15). Com este serviço o Brasil ficou divido em dois setores, norte e sul. O setor sul, a partir do Estado de São Paulo e o setor norte, que abrangia os estados da Bahia até o Vale do Amazonas, ficando o primeiro sob a direção do diretor do DNSP, e o último sob a responsabilidade do representante da Fundação Rockefeller com a designação oficial de Inspetor Geral (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1931, p. 390). Com esse contrato, a Fundação Rockefeller assumiu o compromisso de fornecer o dinheiro necessário, a metade das despesas no mesmo setor, além de pagar, por sua conta, os ordenados e despesas de viagem do pessoal norte-americano dos seus quadros, o custeio do seu laboratório de febre amarela na Bahia e qualquer serviço experimental que fosse futuramente criado. Este contrato foi firmado por Clementino Fraga, então Diretor do Departamento Nacional de Higiene e Fred Soper, representante da Divisão Sanitária Internacional da Fundação Rockefeller (A FOLHA MÉDICA, 5 fev. 1929, p. 16). No entanto, em dezembro de 1929, um novo contrato de maior amplitude foi firmado entre o Governo e a Fundação Rockefeller, pelo qual esse órgão internacional faria o combate à febre amarela em todo o país, exceto no Distrito Federal, que ficava a cargo do DNSP (FRANCO, 1969, p. 106). Segundo Löwy (2006, p. 131) “os governos de alguns países de América Latina, preocupados com os estragos provocados pela febre amarela no comércio, e na imagem da região, manifestaram por inciativa própria, desejo de receber ajuda da Fundação Rockefeller”. O DNSP iniciou a nova campanha e publicou instruções para o combate da febre amarela, ressaltando ser necessário diminuir o máximo possível os focos de mosquitos, o que acabou por gerar uma série de recomendações ligadas às edificações, com a intenção de reduzir os locais de criadouros. 248 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 248 27/10/2015 10:34:09 Tais medidas foram as seguintes: 1. Evitar o emprego de calhas em todas as construções novas e reconstruções; 2. As calhas que não puderem deixar de ser colocadas ou mantidas de verão ser de cobre, com o declive mínimo de 1 para 100, ter condutores de vasão de 6 em 6 metros, no máximo, quando livres, e ser assentadas solidamente de modo a não se desnivelarem; 3. Nas construções já existentes, deverão ser suprimidas todas as calhas, que o puderem ser, sem prejuízo para a conservação e segurança do edifício, a juízo das autoridades técnicas do Departamento Nacional de Saúde Pública; 4. Em qualquer caso de construção, quando as calhas forem julgadas, indispensáveis, a planta de cobertura devera ser previamente submetida á aprovação do DNSP; 5. As infracções das disposições serão punidas com as multas de l00$ a 500$. Esgotado o prazo da segunda intimação e não cumprida, será expedida multa, no dobro da primeira e a obra mandada executarem pelo DNSP, sendo as despesas cobradas do infrator. (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 475). Em 1930, Getúlio Vargas assume o poder e seu governo irá marcar a história nacional, levando ao poder um regime populista e autoritário, favorável à ideologia do “progresso” e à colaboração com os Estados Unidos, no que dizia respeito aos assuntos ligados à saúde. Foi neste ano, no começo da gestão Fred Soper que se iniciou a nova orientação da luta contra a febre amarela. Soper estabeleceu uma forte interação com os sanitaristas brasileiros, além disso, suas atividades, segundo o modelo de ampla cobertura territorial e vigilância sanitária estrita, apresentavam afinidades com a centralização da administração pública durante o Governo Vargas (LIMA, 2002, p. 70-71). Dessa forma, em 1930 foi celebrado um novo contrato entre a Fundação Rockefeller e o governo brasileiro, que ampliou ainda mais o controle da Fundação e unificou a campanha do Distrito Federal, sob a direção dos Serviços Sanitários da capital. No entanto, um ano mais tarde, o Serviço do Distrito Federal e o Serviço Cooperativo83 foram unificados. Segundo Soper (1934, p. 386) “a união do Serviço do Distrito Federal com o Serviço Cooperativo, foi um processo de fusão, e não um processo de substituição”. Soper defendia essa ideia, uma vez que os técnicos médicos do Departamento Nacional de Saúde Pública, que então atuavam no combate à febre amarela, permaneceram nos respectivos postos, sendo que 60 dos 66 médicos que se empenhavam na luta contra a febre 83 Formado pelos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, era a zona de ação do Serviço Cooperativo. 249 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 249 27/10/2015 10:34:09 amarela no território do país eram brasileiros. Com isso, não resta dúvida que os especialistas norte-americanos mantiveram o controle exclusivo do conjunto das operações do serviço de febre amarela (SFA) “o novo serviço de febre amarela é, portanto, um braço do governo brasileiro, dirigido pelos especialistas norte-americanos” (LÖWY, 2006, p. 167). O contrato foi sucessivamente renovado até dezembro de 1939, quando a Fundação Rockefeller entregou o Serviço de Febre Amarela ao Ministério de Educação e Saúde. Esta unificação foi registrada por Soper (1934, p. 386) em um relatório entregue à Oficina Sanitaria Panamericana: O atual programa do Serviço Cooperativo da Febre Amarela no Brasil é o maior de quantos tem mantido a Fundação Rockefeller com qualquer Governo, e é provavelmente, a mais importante campanha organizada sob uma única direção, contra qualquer doença. O Governo brasileiro deve ser felicitado por haver reconhecido na febre amarela, um problema nacional, e pela sua determinação em ajudar, por todos os meios possíveis, a campanha iniciada. (SOPER, 1934, p. 386). O forte apoio e autoridade do governo de Getúlio Vargas permitiu à Fundação Rockefeller obter o apoio jurídico para as medidas antilarvais e a viscerotomia, novos métodos empregados no estudo e controle da doença. Em 23 de maio de 1932, com o propósito de fornecer regulamento aos serviços de profilaxia da febre amarela, o governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil assina um contrato com a Fundação Rockefeller e por meio do decreto n. 21.434, lança as bases legais do serviço cooperativo de febre amarela (BRASIL, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA, 1932): “Quem se opuser, embaraçar ou dificultar, de qualquer forma, a ação sanitária definida neste regulamento incorrerá na multa de 100$000 a 1:000$000, dobrada nas reincidências, ou na pena de prisão de 3 a 30 dias” (FRANCO, 1969, p. 184). A confiança do governo de Vargas na capacidade gestora da Fundação Rockefeller foi reforçada pela constatação de que os custos de funcionamento do Serviço da Febre Amarela eram menos elevados sob a gestão norte-americana do que a gestão do DNSP (LÖWY, 2006, p. 174). No entanto, muitas vezes, as relações entre os pesquisadores norteamericanos e brasileiros não foram amistosas, como exemplifica o caso do surto de febre amarela no Rio de Janeiro. Com as recomendações proferidas durante a IX Conferência Sanitária Pan-Americana, o Brasil tornou-se modelo para as nações sul-americanas. A coleta sistemática de amostras de fígado para descobrir as regiões em que a febre amarela existia foi feita pela primeira vez no Brasil, em março de 1930, pelo Serviço de Febre Amarela no estado do Rio de Janeiro. Os resultados 250 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 250 27/10/2015 10:34:10 imediatos da prática da viscerotomia foram de tal forma importantes que, no Decreto n. 21.434, de 23 de maio de 1932, Vargas incluiu vários dispositivos para tornar este serviço efetivo (SOPER, 1934, p. 375). Nos artigos 52 e 53 ficou estabelecido que a prática da viscerotomia e as autópsias sistemáticas seriam realizadas em casos suspeitos de morte por febre amarela. Assim, o Serviço de Febre Amarela delegaria poderes aos representantes locais, que estavam devidamente instruídos para a dita prática, sendo obrigatório notificar os óbitos que ocorressem com menos de 11 dias de moléstia. Além disso, nos locais onde houvesse um viscerotomista este serviço era obrigatório, sendo preciso visto daquele representante para sepultar em cemitério, capela, igreja ou terrenos particulares. Se ocorresse qualquer tipo de oposição a estas medidas, uma multa seria aplicada com valor variando entre 50$000 a 1:000$000 contos. Ressalte-se que a atuação da autoridade policial foi determinante em casos de oposição para a realização imediata da viscerotomia (BRASIL, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA, 1932). Sobre a viscerotomia no Brasil, a OSP faz a seguinte manifestação: A viscerotomia foi uma das mais notáveis conquistas do Serviço Nacional de Febre Amarela, há no país uma vasta rede de postos de viscerotomia espalhados em 1.278 localidades do território nacional. No período de 1930 a 1941 foram colhidos 246.157 fragmentos de fígado. Além da identificação de casos de febre amarela, a viscerotomia tem concorrido para o conhecimento exato da distribuição de um grande grupo de doenças no Brasil e já assinalou a existência de novas entidades mórbidas do país, tais como a leishmaniose visceral e a histoplasmose, pela primeira vez evidenciada no Brasil. (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1943, p. 732). Em 1936, Geraldo Paula Souza – diretor do Instituto de Higiene de São Paulo – ressaltou algumas considerações sobre a luta da febre amarela no Brasil. Entre os pontos mais relevantes, argumentou que a campanha sistemática do Brasil obedecia a um plano de combate internacional, em que a Fundação Rockefeller colaborava com os países interessados da América do Sul, sendo o centro de operações o Rio de Janeiro84 (PAULA SOUZA, 1936, p. 339). Paula Souza enfatizou tal ponto, visto que o serviço de febre amarela no Brasil era parte integrante do DNSP, que contava com um programa de medidas profiláticas e estudos epidemiológicos da doença em todo o Brasil, como era indicado no Decreto n. 21.434, de 23 de maio de 1932. Portanto, a Fundação Rockefeller atuou como uma entidade 84 O Serviço de Febre Amarela no Brasil estava dividido em setores, sob a direção geral do Rio de Janeiro, que era o centro dos trabalhos em toda a América do sul. (Setor Sul, Setor Bahia, Setor Nordeste e Setor Amazonas). 251 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 251 27/10/2015 10:34:10 administrativa encarregada de coletar e organizar dados que contribuíram para controlar a febre amarela. O pessoal do Serviço de Febre Amarela em 1936 compreendia 3.458 indivíduos sendo apenas 63 médicos, dos quais 60 brasileiros, para todo o território; 351 guarda-chefes e 1810 guardas. Segundo Paula Souza, com este pessoal pequeno era possível conseguir um trabalho eficiente: Consegue-se trabalho útil e perfeito com tão pequeno número de funcionários, pela verdadeira racionalização do serviço, em que não permanece nenhum peso morto, como frequentemente observa-se. Toda campanha antiamarílica no Brasil, faz-se hoje [1936], com dispêndio anual de 12 mil contos por parte do Tesouro Nacional e 500 mil dollares pela Fundação Rockefeller, ou seja, um total de 18 a 20 mil contos. É mais barato esse trabalho de manutenção de baixo índice estegômico, através de longos anos, que o custo de uma só campanha de emergência, em plena eclosão de epidemia, como foi o caso do Rio de Janeiro em 1928-1929, quando foram necessários cerca de 100 mil contos, para debelar a doença, em uma só cidade. (PAULA SOUZA, 1936, p. 339). Certamente, o serviço de Febre Amarela fornecia resultados ótimos. Técnicos e médicos do serviço foram para outros países como Paraguai, Bolívia e Colômbia, estabelecendo sob normas uniformes a campanha contra a doença (BARRETO, 1938, p. 479). O Serviço de Febre Amarela do Brasil constituiu-se, sem embargo, uma escola padrão “na qual vieram fazer aprendizagem vários médicos e outros técnicos, não só dos serviços federais de saúde dos Estados Unidos, como também dos vários países americanos assim como europeus e africanos” (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1943, p. 730). O Governo do Brasil, em 1937, decide dividir o Ministério de Educação e Saúde Pública do Brasil em dois, criando o Departamento Nacional de Educação e o Departamento Nacional de Saúde (DNS). Por decreto de 29 de Janeiro de 1937 foi nomeado João de Barros Barreto para chefiar o sistema nacional de saúde. O novo departamento tinha como atividades: a saúde pública, a assistência hospitalar, assistência a psicopatas e amparo à maternidade e a infância. As atividades de saúde pública, onde se encontrava o Serviço da Febre Amarela foram reunidas no Serviço de Saúde Pública do Distrito Federal, que compreendia a Inspetoria dos Centros de Saúde, a Inspetoria de Alimentação, a Inspetoria dos Serviços Especiais, o Laboratório de Saúde Pública, o Hospital de Isolamento São Sebastião, o Hospital de Leprosos de Curupaity, o Preventório Paula Candido e os Abrigos dos Tuberculosos (BARRETO, 1937, p. 611). 252 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 252 27/10/2015 10:34:10 Com a identificação da febre amarela silvestre como forma comum da doença e não como uma modalidade excepcional, novos rumos e recomendações ligadas à profilaxia da doença surgiram e a imunização com a vacina antiamarílica tornou-se a medida de maior eficácia. O emprego da cepa 17D no Brasil para produção de vacina começou em fevereiro de 1937 e no final do mesmo ano já haviam sido vacinadas 38.387 pessoas. Em 31 de março de 1938, a vacinação chegou a 168.000 pessoas. Cabe salientar que, uma vez produzida a vacina nos laboratórios da Fundação Rockefeller em Nova York, H. H. Smith trouxe ao Brasil a cepa 17D em janeiro de 1937, para realizar estudos posteriores (SOPER, 1938, p. 511). Desde março de aquele ano, o Instituto Oswaldo Cruz passou a preparar a vacina 17D que seria utilizada em todo o país. Mais de 2.000.000 pessoas foram vacinadas entre 1937 e 1944. O ano de 1938 foi um ano fundamental, onde 1.059.328 vacinas foram aplicadas. No entanto, em 1940, este número foi reduzido a 272.702 vacinas (ANTUNES; CASTRO, 1945, p. 978). Figura 14 – Vacinação antiamarílica no Brasil Fonte: (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1943, p. 733) Figura 15 – Vacinações no Brasil Contra a febre amarela (1937-1944) Fonte: (ANTUNES; CASTRO, 1945, p. 978) 253 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 253 27/10/2015 10:34:10 O Brasil possuía os melhores institutos microbiológicos e sorológicos para o preparo de vacinas e soros. Os institutos modelos de microbiologia para América do Sul eram o Instituto Oswaldo Cruz, fundado por Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, em 1901, e o Instituto Butantã, fundado em 1899 por Vital Brasil, em São Paulo (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1930, p. 1419). Estas instituições mostraram que em termos de laboratórios no campo da saúde faziam do Brasil um centro de pesquisa de referência no fornecimento de soros e vacinas. Com este aparato, o estudo da febre amarela não encontrou dificuldades ao seu desenvolvimento85. Em janeiro de 1940, depois de organizar o quadro do pessoal técnico do Serviço de Febre Amarela composto por brasileiros, e desenvolver as atividades desse serviço, a Fundação Rockefeller encerra oficialmente sua participação no Serviço Nacional da Febre Amarela. Em consequência, o presidente Vargas baixou o Decreto-lei n. 1.975, que estabelecia o regime administrativo do SNFA, e pelo decreto-lei n. 3.171, de 2 de abril de 1941, fazendo com que o serviço voltasse a fazer parte do DNS (OFICINA SANITARIA PANAMERICANA, 1943, p. 734). Porém, cabe notar que os pesquisadores norte-americanos continuaram envolvidos principalmente quanto a investigações da febre amarela, preparação da vacina específica e controle ao A. gambie (tipo de mosquito) no nordeste brasileiro (BARRETO, 1942, p. 850). Ressalte-se que entre 1929 e 1950, o trabalho de pesquisa, de estudos e do controle da febre amarela no Brasil foi um trabalho cooperativo entre a Fundação e o governo brasileiro. Segundo Madeira, que colaborou na compilação da bibliografia dos estudos da febre amarela no Brasil, os trabalhos relevantes feitos pelo grupo da Fundação Rockefeller no Brasil foram os seguintes: 1.A descoberta em 1931 do viscerótomo por Rickard e a implantação nas zonas endêmicas do Brasil e, posteriormente, em todo o interior do país, um serviço sistemático de viscerotomia; 2. Os estudos de N. Davis, extensos e originais, sobre a transmissão do vírus amarílico pelo aegypti, por outros aedeineos e por carrapatos em grande parte em colaboração com Shannom; 3.A descoberta por N. Davis da suscetibilidade ao vírus amarílico e ao macaco neotrópico como guaribus, bugios, e micos; 4.A descoberta da febre amarela silvestre em 1932 por Soper e Col. e os estudos epidemiológicos que se seguiram, a essa comprovação; 5.A evidenciação de mosquito do gênero Haemagogus por Whitman e Antunes como principais vetores da doença na mata; 6.O emprego em larga escala, para estudos epidemiológicos da prova de proteção em camundongo, descrita por Sawyer, feito por Mahaffy, Lloyd e Penna em 1933; 85 Mesmo no âmbito do Instituto de Higiene de São Paulo foram desenvolvidos estudos sobre a febre amarela, sob a responsabilidade de Francisco Borges Viera. 254 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 254 27/10/2015 10:34:10 7.A comprovação experimental do neurotropismo primitivo do vírus antrópico por Penna em 1936, 8.E a descrição feita em 1939 por E. Villeto do quadro histopatológico da febre amarela em casos de morte tardia, ainda característicos e diagnósticos. (MADUREIRA, 1958). Sem dúvida, o fato mais marcante dessa parceria foi a divulgação de um novo modelo de administração sanitária no Brasil, que iria marcar a área muitos anos após a saída formal da Rockefeller do país. Em 2 de Abril de 1941 o Departamento Nacional de Saúde foi reorganizado, decreto-lei n. 3.171, passando a ser o conjunto de todos os seguintes órgãos individualizados: 1.Serviço de Administração (Seções de Pessoal, Material, Orçamento, Comunicações, Biblioteca e Portaria). 2.Divisão de Organização Sanitária (Seções de Administração Sanitária, doenças Transmissíveis, Engenharia Sanitária, Nutrição e Enfermagem). 3.Divisão de Organização Hospitalar (Seções de: Edificações, e Instalações, Organização e Administração e Assistência e Seguro de Saúde). 4.Instituto Oswaldo Cruz (Divisões de: Microbiologia e Imunologia, Vírus, Zoologia Médica, Fisiologia, Bioquímica e Farmacologia, Patologia, Estudos das Endemias e Higiene). 5.Serviços Nacionais de Lepra, Tuberculose (ambos com Seções de Epidemiologia e Organização) Febre Amarela (Seções de Epidemiologia, Controle Antiesgómico, Viscerotomia e Vacinação) Malária (seções de Epidemiologia, Organização, Controle e Pequena Hidráulica), Peste (Seções de Epidemiologia, Organização, e Controle) estes três últimos serviços tem Seção de Circunscrições para os trabalhos de campo. 6.Doenças Mentais (Centro Psiquiátrico Gustavo Riedel, Colônia Juliano Moreira, Manicômio Judiciário, Seção de Cooperação Estadual e, criado pelo Decreto n. 3.497, de 13 de agosto de 1941, o Hospital da Neuro-Psiquiatria Infantil). 7.Serviço da Fiscalização de Medicina (Seções Médica, Farmacêutica de Entorpecentes e as Comissões de Biofarmácia e de Revisão da Farmacopeia). 8.Serviço de Saúde dos Portos (Inspetoria de Saúde do Porto do Rio e dos Portos dos Estados de Amazonas, Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso). 9.Serviço de Águas e Esgotos (Divisão de Hidráulica, e Hidrologia, Estabilidade, Tratamento, Economia e Organização de Serviços e Seção de Coordenação). 255 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 255 27/10/2015 10:34:10 10.Serviço de Bioestatística (Seções de Estatística Sanitária e Nosocomial, de Pesquisas e Publicações). (BARRETO 1942, p. 849). Em 1942, dois anos após o final do contrato com a Fundação Rockefeller, o diretor do Serviço Nacional de Febre Amarela, Waldemar Antunes (1942, p. 758), afirmava que a febre amarela tinha deixado de ser um problema quanto à forma urbana, permanecendo o desafio da febre amarela silvestre. 3.3 Políticas na Colômbia contra a febre amarela A eleição de Enrique Olaya Herrera terminou com a hegemonia conservadora que governava a Colômbia havia trinta anos. Herrera tomou posse como Presidente da República de Colômbia em 1930 e iniciou uma fase decisiva na modernização do país. Entre as principais medidas estavam a redefinição das funções do governo para resolver os problemas derivados da administração anterior e da depressão internacional dos anos 1930. Embora não com muito sucesso, tentou dar ao governo um papel mais ativo na gestão dos assuntos econômicos e sociais. No entanto, as mudanças fundamentais em matéria de saúde ocorreram no primeiro governo de Alfonso Lopez Pumarejo (1934-1938) que, em 1934, apoiado por uma vasta opinião liberal, se tornou presidente da Colômbia. Uma das marcas de Pumarejo era trazer jovens para cargos do governo, manobra que tinha como objetivo renovar o Partido Liberal, com líderes políticos jovens que tinham contato com os acontecimentos internacionais (POSADA, 1982, p. 142-143). Entre suas preocupações estava encontrar soluções para os problemas sociais que tanto afligiram a Colômbia nas primeiras décadas do século XX, como o crescimento expressivo das cidades, que teve impacto direto no campo da saúde (QUEVEDO et al., 1993, p. 225-234). A entrada do governo liberal na Colômbia, em 1930, cheio de expectativas e promessas de renovação atraiu a atenção dos conservadores, atentos às políticas que o novo governo iria implementar. O governo de Olaya Herrera começou a governar demonstrando ter uma leve tendência pela prática de políticas intervencionistas, sobretudo no campo dos problemas sociais. Em 1931 as mudanças se tornaram evidentes quando o presidente foi forçado a comprometer-se com a saúde pública, devido às epidemias e doenças que atingiam o país. O caso da epidemia de febre amarela, ocorrida no Município de Socorro em 1929, alarmou o governo colombiano e, em especial, à Fundação Rockefeller, que repetidas vezes, havia afirmado que a doença tinha sido eliminada da Colômbia. A Lei n. 1 de 1931, apareceu para cumprir com as promessas do Partido Liberal junto às políticas de saúde pública, que não eram encaradas como problemas nacionais, mas tinham se tornado questões fundamentais, caso o país desejasse participar ativamente do comércio internacional. Esta lei, 256 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 256 27/10/2015 10:34:10 promulgada pelo Congresso, criou o Departamento Nacional de Higiene y Asistencia Pública, concebido como um departamento administrativamente autônomo. Sua principal função era dirigir, controlar e regular a higiene em todos os ramos da assistência pública do país (REPÚBLICA DE COLOMBIA. CONGRESO DE LA REPÚBLICA, 1945, p. 5-12). Da mesma forma, a Lei deu autoridade ao Diretor do Departamento Nacional de Higiene para ditar os atos oficiais necessários que as autoridades deviam cumprir e fazer cumprir (REPÚBLICA DE COLOMBIA. DEPARTAMENTO DE HIGIENE Y ASISTENCIA PÚBLICA, 1938, p. 94). Assim, foram dados amplos poderes ao departamento para tomar medidas decisivas a fim de evitar doenças infecciosas como a febre amarela, a peste bubônica, o cólera, o tifo e outras que pudessem assumir proporções epidêmicas na época. O objetivo do governo liberal residia em enfrentar os principais problemas sanitários e fortalecer a organização de saúde do país. Foi assim que o Departamento Nacional de Higiene (DNH) tornou-se a autoridade máxima de saúde, responsável pela direção das campanhas experimentais em coordenação com a Fundação Rockefeller (POSADA, 1982, p. 143). Em 1934, o Departamento Nacional de Higiene passou por mudanças; foram fixados o pessoal e as escalas salariais86 e foram feitas alterações nas seções do departamento: A seção responsável pela sanidade tornou-se Seção de Epidemiologia, a Seção de Ancilostomíase desapareceu e criou-se uma nova seção, a Seção de Engenharia Sanitária, responsável pela implementação de projetos de aqueduto e esgoto que estavam sendo desenvolvidos na época (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p. 34). Essa organização administrativa era típica da Fundação Rockefeller. A fim de acatar as recomendações emitidas nas conferências PanAmericanas, a Fundação Rockefeller tomou partido junto ao Departamento Nacional de Higiene e apresentou ao governo um plano para a organização do Serviço de Febre Amarela que seria parte da Seção de Saneamento Rural, em substituição à Seção de Uncinarioses. Este plano foi destinado precisamente para fortalecer o programa de controle de larvas de mosquito para evitar a propagação da doença (SMITH, 1939, p. 19). O diretor da Fundação Rockefeller na Colômbia, Hugh Smith (1939, p. 19), observa que, embora a Fundação tivesse como objetivo combater a febre amarela (pois era entendida como um problema continental), a campanha promovida não se limitou apenas ao controle a doença. No entanto, a Fundação não demostrou muito interesse pelas outras campanhas. Doenças como a dengue, a malária e a filariose acometiam mais aos colombianos do que a própria febre amarela que permaneceu sendo um dos problemas sérios para o governo nacional. Para cumprir suas novas atribuições, em 1934, o Departamento Nacional de Higiene, emitiu várias medidas de saúde pública, como a 86 O diretor, chefe do departamento, possuía um salário de $450 pesos colombianos, e o codiretor, salário de $350 pesos colombianos. Os respectivos salários eram substanciais para a época. 257 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 257 27/10/2015 10:34:10 desinfecção e a execução de obras em prédios e casas destinadas à moradia na cidade. As disposições eram, primeiramente, o embelezamento das casas por meio da pintura; de igual modo, foi estabelecida a renovação das paredes, as mudanças de piso, o correto funcionamento dos tubos de drenagem, das latrinas e da canalização dos esgotos (REPÚBLICA DE COLOMBIA. DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE, 1934, p. 720). A partir destas medidas, começou a funcionar a política de salubridade e engenharia sanitária na Colômbia. Com a invenção do viscerótomo no Brasil e os excelentes resultados alcançados, mais as recomendações que haviam sido estabelecidas na Conferência Pan-Americana, fizeram com que Luis Patiño Camargo, Diretor do Departamento Nacional de Higiene (1934), introduzisse o serviço de viscerotomia na Colômbia como um meio para investigar a febre amarela. Camargo legalizou a punção de cadáveres para coletar amostras de órgãos e a realização de autópsias sistemáticas em lugares de interesse do Departamento Nacional de Higiene (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p. 761). Os representantes designados ao serviço de viscerotomia foram obrigados a informar ao departamento sobre as mortes que ocorreram devido a doenças febris, que duravam menos de 11 dias. Eles eram os únicos autorizados a aprovar as expedições das licenças de inumação, feitas por prefeitos e corregedores (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p. 761). Na época, era difícil conceber a exumação na Colômbia. Em 1930, boa parte da população acreditava ser pecado não deixar os mortos tranquilos, ao passo que a exumação de cadáveres constituía-se em um perigo grave para a saúde pública, porque os resíduos do cadáver poderiam se infiltrar nas fontes de água e na canalização do aqueduto, permitindo a propagação de doenças infeciosas (REPÚBLICA DE COLOMBIA, MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1930). No entanto, estava claro que este caso tinha fins puramente investigativos. Aqueles que se recusaram a realizar o serviço foram forçados a pagar multas entre $5 e $100 pesos colombianos. O pagamento variou de acordo com estipulado pelo representante do Departamento Nacional de Higiene, o viscerotomista. Quando existia oposição ao seu trabalho, representante do departamento, acompanhado das autoridades policiais, efetuava forçosamente a autópsia. Estas ordens do governo nacional foram enviadas a todas as localidades que haviam estabelecido o serviço de viscerotomia e também naquelas onde houve ocorrência de febre amarela (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE GOBIERNO, 1934, p. 761). O estabelecimento dos Postos de Viscerotomia avançou desde 1934. A obtenção de amostras de fígado foi apoiada pela publicação de um decreto que proibia o enterro dos mortos falecidos em decorrência de doença febril de menos de um mês, sem o certificado do representante legal. Em seu ponto mais 258 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 258 27/10/2015 10:34:10 alto, foram estabelecidos em torno de 145 postos no país. Durante os primeiros 16 anos de serviço, foram pagos $3 pesos por amostra e um prêmio adicional de $15 para o primeiro positivo. Em 1950, o pagamento subiu para $5 pesos colombianos e, em 1973, foi aumentado para $30 pesos. Em 1979 chegou a $150 pesos por amostra (MEJÍA, 2004, p. 144). Isso reflete como o pessoal do DNH começou a ter dificuldades em adquirir amostras positivas de casos de febre amarela. Outro ponto importante é que os postos de viscerotomia permitiram também obter dados sobre a incidência da malária, da atrofia amarela aguda e outras entidades patológicas e seus respectivos quadros completos. Augusto Gast Galvis, líder neste campo, apresentou um relatório sobre os primeiros cinco mil resultados de amostras coletadas por esta técnica e indicou que a criação e o desenvolvimento do serviço de viscerotomia no país foram fornecidos por funcionários da Fundação Rockefeller como: E. R. Rickard, George Bevier, J. H Paul, J. A. Kerr, Hugh H. Smith, Luis Patiño Camargo, Jorge Boshell Manrique e Manuel Roca García (GAlVIS, 1941, p. 19-20). Os últimos três eram médicos colombianos que sobressaíram nas esferas da ciência e da política da Colômbia87. Em 1936, o Departamento de Higiene e a Fundação Rockefeller assinaram um contrato e criam uma nova seção junto ao Departamento de Higiene, a Seção de Estudos Especiais, voltada para o estudo da febre amarela e da malária (MEJÍA, 2004, p. 140). Em 1937, o presidente Lopez Pumarejo voltou a alterar o Departamento de Higiene, estabelecendo oito seções dentro do departamento88, e criou uma posição, o médico epidemiológico, com um salário de $250 pesos colombianos (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1937, p. 180). A Seção de Estudos Especiais do Departamento de Higiene teve como objetivo determinar a distribuição do passado e presente da febre amarela no país, por meio dos testes de proteção e do serviço de viscerotomia, Além disso, o departamento também foi responsável pela epidemiologia de casos e surtos suspeitos de febre amarela e a identificação de potenciais vetores da doença (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540-54). Por outro lado, foram responsáveis pelas campanhas de vacinação antiamarílica em massa, que só foram possíveis no final de 1938. O chefe de seção era o representante da Fundação Rockefeller na Colômbia, que dispunha de autonomia em relação 87 Note-se que muitos médicos colombianos formaram-se em universidades assistidas pela Fundação Rockefeller. Esses médicos mais tarde ocuparam posições de liderança nas instituições de saúde. Da mesma forma, vários médicos, que trabalhavam com a febre amarela, tiveram a possibilidade de visitar outros países, devido às bolsas fornecidas pela Rockefeller (QUEVEDO, 1993, p. 217-219). 88 Com a nova divisão, o Departamento de Higiene ficou com a seguinte estrutura: Seção Primeira, Sanidade; Sessão Segunda, Assistência Social e Proteção à Criança; Seção Três, Hanseníase; Seção Quatro, Engenharia Sanitária, Seção Cinco, Doenças Venéreas e Tuberculose, Seção Sexta, Contabilidade; na Seção Sete estava o Instituto Nacional de Higiene Samper Martinez e na última Seção, a Oitava estava a Fundação Rockefeller com Epidemiologia e Estudos Especiais (COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL. 1937, p. 180). 259 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 259 27/10/2015 10:34:10 a detalhes da administração. No entanto, ele era subordinado ao diretor do Departamento Nacional de Higiene, mas a seção desfrutava de todos os privilégios do Departamento, tais como a exceção da aduana, correios e telégrafos entre outros. É importante ressaltar que os salários, viagens e despesas dos funcionários que trabalharam nesta seção foram pagos integralmente pela Fundação Rockefeller (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540). Foi também em 1938 que o governo nacional estabeleceu outro contrato com a Fundação Rockefeller. Naquele contrato ficou evidente pelo orçamento apresentado que a malária, mesmo sendo uma doença que vitimava mais, não proporcionou tanto interesse como a febre amarela. O governo nacional concedia $50.000 pesos colombianos para o estudo e pesquisa da febre amarela e apenas $9.000 pesos para o estudo e pesquisa da malária. Nesse contrato, a Fundação despenderia soma igual ao gasto pelo governo, $50.000 pesos para a febre amarela e $9.000 pesos para a malária. Além disso, a Fundação Rockefeller comprometeu-se em apresentar mensalmente ao governo colombiano as contas de gastos, devidamente verificadas (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540-554). No período, as doenças que causavam mais casos fatais na Colômbia foram a malária, os parasitas intestinais, as infecções transmitidas pela água e a tuberculose (MARTINEZ, 1942, p. 39). Note-se que o estudo da malária não era tão profundo como o da febre amarela. O trabalho com a malária consistia somente na observação sistemática do anofelino e da incidência da doença, enquanto que para a febre amarela seguiu-se um programa de prevenção, de estudos epidemiológicos e de tratamento. Cabe notar, que quanto à febre amarela, as campanhas vitoriosas em Cuba, Panamá e Brasil mostravam a possibilidade de controlar epidemias de grande repercussão pública, além disso, o descobrimento da vacina 17D mostrou um quadro mais otimista. Por outro lado, “a malária foi o terceiro alvo que a Rockefeller atacou globalmente, não tinha o caráter dramático da febre amarela: muita gente com ele convivia anos a fio, sua etiologia era incontroversa, mas a probabilidade de uma vacina nula” (BENCHIMOL, 2011, p. 244). A fim de cumprir os acordos internacionais voltados ao controle das doenças epidêmicas, em especial a febre amarela, em meados de 1937 o Ministério da Agricultura, em conjunto com o Departamento Nacional de Higiene e a Seção de Estudos Especiais, regularam o Serviço de Saúde Marítimo, para impedir a disseminação de doenças infecciosas suscetíveis a tornarem-se epidemias. O objetivo destas medidas era evitar a propagação de doenças trazidas de outros países e evitar medidas drásticas e mais dispendiosas como a quarentena (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE AGRICULTURA Y COMERCIO. DIARIO OFICIAL Y DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1937, p. 242-248). 260 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 260 27/10/2015 10:34:11 As doenças com vigilância nos portos foram o cólera, a peste bubônica e a febre amarela, sendo que as doenças como a varíola, o tifo, a gripe, a febre tifóide, a hanseníase, a difteria, a meningite cerebrospinal, a poliomielite aguda, a escarlatina, o sarampo e a tracoma tiveram apenas algumas precauções especiais. A febre amarela foi uma das patologias que mais atenção teve: nos portos foram estabelecidas campanhas contra o mosquito; a âncora devia estar a uma distância não inferior a 300 metros, pois em caso de distância mais curta, o barco deveria ter proteção contra os mosquitos, e a vacinação contra a febre amarela era obrigatória para toda a tripulação, assim como também o uso de antimosquito, a desinfecção e fumigação do navio (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE AGRICULTURA Y COMERCIO, 1937, p. 242-248). Em 1937, as condições precárias dos esgotos e aquedutos do país tornaram-se o principal problema enfrentado pelo Departamento de Higiene. Diante desta situação, foi criada a Resolução n. 394, de 1937, que incentivava a apresentação de projetos de obras que promovessem ajuda eficaz para a saúde pública (REPÚBLICA DE COLOMBIA, DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1937, p. 331). De 1938 a 1947, a Fundação Rockefeller celebrou alguns contratos anuais com o governo nacional, todos justificados com base nas pesquisas sobre a febre amarela. Na área rural, foram instaladas comissões rurais (POSADA, 1982, p. 143). Os trabalhadores das unidades de saúde eram inspetores e agentes sanitários, que tinham um perfil específico, ter 18 anos e não mais de 40, não sofrer de qualquer doença, ter uma história honrada, boas referências de comportamento em outros trabalhos e ser suficientemente treinado para executar suas funções. Antes do ingresso, deveriam ser submetidos à instrução e treinamento, para que sua competência pudesse ser comprovada (REPÚBLICA DE COLOMBIA. DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1934, p. 448). Além disso, o Ministério da Agricultura, em conjunto com o Departamento Nacional de Higiene, estabeleceu normas para a construção de campamentos89 da indústria petrolífera e de aquedutos (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE AGRICULTURA Y COMERCIO Y DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1937, p. 231). Uma das preocupações do governo nacional e da Fundação Rockefeller era com a saúde dos trabalhadores da indústria petrolífera, uma vez que estavam mais expostos devido ao contato maior com estrangeiros. Enquanto isso, as normas de construção foram estabelecidas para regular a forma de construir os campamentos a fim de prevenir doenças infecciosas, especialmente a febre amarela. Estas moradias deveriam ser construídas em lugares altos, distantes das inundações, observando-se também as características do terreno para a construção de esgotos e fossas sépticas. 89 São moradias temporárias instaladas pela indústria do petróleo para os seus trabalhadores, localizados geralmente perto das áreas de atividade petrolífera. 261 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 261 27/10/2015 10:34:11 Somado a estas normas ainda deveriam realizar a revisão dos criadouros de mosquitos ao redor das moradias, em águas estagnadas e em pântanos que necessitavam ser drenados (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE AGRICULTURA Y COMERCIO Y DEPARTAMENTO NACIONAL DE HIGIENE, 1937, p. 231). As depressões foram preenchidas e drenadas para evitar os depósitos de água em tempos de inverno e a fim de evitar a incubação do mosquito, foi utilizado semanalmente petróleo cru nas águas estanques (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE INDÚSTRIA Y TRABAJO Y DEPARTAMENTO DE HIGIENE. 1937, p. 462- 463). Além das diretrizes da higiene em geral, a IX Conferência Pan Americana deixou claro que os países que não dispunham de laboratórios ou institutos especializados deveriam estabelecer acordos com institutos de países vizinhos ou instituições privadas internacionais a fim de promover estudos mais aprofundados sobre a doença (SOPER, 1935, p. 37). Com esta premissa, logo a existência dos laboratórios tornou-se outro problema para o governo nacional, uma vez que o país dispunha de poucos e não eram especializados. No entanto, como mencionado acima, em 1936 foi criada a Seção Oito de Estudos Especiais do Departamento Nacional de Higiene, responsável pelo estudo da febre amarela. Esta seção iniciou as atividades em Bogotá, em uma casa antiga, empréstimo do Instituto Nacional de Higiene “Samper Martínez90” (ROMERO, 1997, p. 414). A Fundação Rockefeller foi a única que trabalhou nestas instalações. Apesar de não serem adequadas para o desenvolvimento de seus estudos, no início de 1937 o Ministerio de Educación Nacional e a Corporación Colombiana de Crédito providenciam a compra de um imóvel destinado a alargar o Instituto Nacional de Higiene Samper-Martinez (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN, 1937, p. 482). Em 1938, o presidente Alfonso López Pumarejo comprometeu-se a contribuir com a quantia de $50.000 pesos colombianos e a Fundação Rockefeller com a quantia de $25.000 pesos para a construção de um prédio em Bogotá que seria utilizado para edificar o Laboratório de Estudos Especiais. No referido contrato não só foi especificado o orçamento para a construção como também as verbas para apoiar as pesquisas. Foi acordado pelo governo e pela Fundação que cada um deveria contribuir com a quantia de $55.000 pesos para as pesquisas da seção de Estudos Especiais (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540). 90 Instituição criada em 1900 no governo conservador de Manuel Antonio San Clemente (1898-1900), que através da Junta Central de Higiene estabeleceu um laboratório municipal bacteriológico que não conseguiu tomar posse. Em 1914, se estabeleceu um Instituto de Bacteriologia, que também falhou. E apenas até 1919 se fundou o laboratório oficial de higiene. Separado deste, foi fundado em 1917 um laboratório particular pelos médicos Martínez Santamaría e Bernardo Samper que, no decurso de alguns anos, foi colocado à frente da investigação no campo das doenças tropicais. Em 1923, a Fundação Rockefeller voltou ao país, a fim de promover estudos sobre a febre amarela, mas não encontrando nenhum lugar para fazer sua pesquisa, estabeleceu-se nos laboratórios Samper e Martinez. E em 1926, o governo, juntamente com a Fundação Rockefeller, decidiu comprar o laboratório (ROMERO, A. 1997, p. 413). 262 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 262 27/10/2015 10:34:11 Consequentemente, em 1939, o presidente Eduardo Santos (1938-1942), pertencente ao Partido Liberal, inaugurou o Instituto de Estudios Especiales Carlos Finlay91 localizado em um prédio confortável e adequado para o estudo das doenças tropicais, mas especialmente contra a febre amarela. Com o tempo o Instituto Carlos Finlay veio a se tornar “[...] uno de los centros científicos más destacados del país y su prestigio fue internacionalmente reconocido” (GALVIS, 1982, p. 93). Outro instituto organizado para promover o estudo das doenças tropicais foi o Instituto Roberto Franco, fundado após a Segunda Guerra Mundial. Este, por sua vez, foi apoiado pela Fundação Rockefeller para sua criação (ROMERO, 1997, p. 414). A medicina norte-americana começou a ocupar lugar privilegiado na comunidade médica que, através dos laboratórios, foi sendo gradualmente introduzida na Colômbia e também na América Latina. A partir de 1927, com a descoberta do animal suscetível – Macaco Rhesus – da febre amarela, a importância do laboratório no estudo da febre amarela tornou-se crucial. Médicos da época destacaram o papel do laboratório como local de experimentação para conhecer a febre amarela. Por exemplo, Hugh Smith, diretor da Seção de Estudos Especiais do Departamento Nacional de Higiene, observou que uma das razões pelas quais a existência da febre amarela silvestre permaneceu tanto tempo ignorada foi devido à falta de equipamentos e de laboratórios para o desenvolvimento de um diagnóstico preciso. Também observou que os novos meios disponibilizados pelo laboratório permitiram revelar com mais precisão a distribuição da febre amarela (SMITH, 1939, p. 5-7). Paola Mejia afirma que na Colômbia o programa de febre amarela deu prestígio para as autoridades de saúde pública: “La disponibilidad de un moderno laboratorio de investigación que prestaba servicios y suministraba vacunas gratis a los países vecinos era motivo de orgullo” (MEJÍA, 2004, p. 122). Por outro lado, a ação mais eficaz para combater a febre amarela foi a vacina 17D. A fim de implementar e produzir a vacina na Colômbia, o contrato de 1938 entre o governo colombiano e a Fundação Rockefeller explicitava que, uma vez obtida a técnica de preparação, sua elaboração e aplicação em massa seria conduzida pelo pessoal fornecido pelo Departamento Nacional de Higiene, treinados primeiramente pelos funcionários da Fundação Rockefeller (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE EDUCACIÓN NACIONAL, 1938, p. 540). A vacinação em massa na Colômbia foi iniciada em finais de 1938, com doses fornecidas pelos laboratórios de Nova York e do Rio de Janeiro (MEJÍA, 2004:139-148), depois seria produzido na nova sede do Instituto Carlos Finlay. Paola Mejia argumenta que, silenciosamente, a Seção de Estudos Especiais fez algumas vacinações atendendo a pedidos especiais. As primeiras vacinas foram para o pessoal das companhias petrolíferas. Além disso, tal como afirmado pelo diretor da Rockefeller na Colômbia, a Seção também forneceu vacinas para os 91 Este nome foi em homenagem ao médico cubano Carlos Finlay, que identificou em 1881 pela primeira vez o agente transmissor da doença, o Aedes aegypti. 263 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 263 27/10/2015 10:34:11 trabalhadores da construção de estradas e ferrovias (SMITH, 1939, p. 17). Nesse momento, a vacinação para controle da febre amarela ficou em primeiro lugar e Hugh Smith apontou que não só protegia aqueles que trabalhavam e viviam expostos à infecção, mas também ajudava a evitar que o vírus silvestre chegasse às cidades. No entanto, ressaltou que as campanhas antilarvais não foram abandonadas em favor da vacinação, exceto sob condições especiais, quando a campanha antilarval era difícil e cara (SMITH, 1939, p. 19). A Fundação Rockefeller acreditava que a vacina trouxera à tona outra dificuldade, pois criou nos governantes a sensação de que o problema da febre amarela havia sido resolvido e não tinha necessidade de mais pesquisas para combater a doença. Os funcionários da Fundação estavam convencidos de que o objetivo não era apenas evitar a infecção em um homem, mas em todos. Seu plano de metas tinha se expandido além do urbano, argumentando que era necessário remover o vírus da febre amarela nos distritos rurais, próximos de locais silvestres. Além disso, a fundação reiteradamente anunciava que era preciso dar prioridade às medidas antilarvais contra o Aedes aegypti, a fim de evitar as epidemias de tipo urbano (SMITH, 1939, p. 19). Segundo a Fundação Rockefeller, o governo colombiano só acreditava que febre amarela oferecia perigo quando se transformava em epidemia. Tabela 9 – Número de vacinações na Colômbia (1937-1942) ANO 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 Totais CASOS DE FEBRE AMARELA VACINAS Não vacinados Vacinados Totais APLICADAS Provados Prováveis 13 66 0 79 0 33 55 0 88 0 101 88 0 189 0 71 34 0 105 1839 18 10 1 29 17517 10 1 0 11 127959 26 0 0 26 152959 54 0 0 54 172462 19 0 0 19 133045 345 254 1 600 605781 Fonte: (BUGHER e GALVIS, 1944, p. 60) Mais de 600.000 pessoas foram vacinadas no país durante os anos de 1937 a 1942. No início das campanhas de vacinação a aplicação não era muito alta. O ano de 1941 foi significativo, com mais de 160 mil vacinas aplicadas, no ano seguinte foi bastante reduzida (BUGHER; GALVIS, 1944, p. 60). Confirmou-se a eficácia da vacina, a população foi imunizada onde a febre amarela apareceu, enquanto que na população vacinada somente 264 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 264 27/10/2015 10:34:11 um caso foi registrado. É importante salientar que os laboratórios do Rio de Janeiro e de Bogotá foram os únicos autorizados em América do Sul a preparar a vacina 17D. Foi devido a isso que houve uma troca significativa de médicos e pesquisadores. Segundo Galvis (1982, p. 82): “con el ánimo de uniformar las técnicas de su elaboración, se invitó en agosto de 1953 al doctor Enrique Penna experto brasileño en la materia, para que instalara los mismos equipos brasileños y entrenara al personal”. Em 1946, a saúde ganhando categoria e importância ministerial, fundou-se o Ministerio de Higiene y Prevención Social. Sua função era dirigir, supervisionar e regular a higiene pública e particular, em todos os seus ramos, e a assistência pública no país. Também foi criada a carreira de higienista, regida segundo as regras da Organização Mundial de Saúde (REPÚBLICA DE COLOMBIA. CONGRESO DE LA REPÚBLICA, 1947). Jorge Bejarano, que foi o primeiro ministro da Saúde, disse que: “El presupuesto que tenía el Departamento Nacional de Higiene era ridículamente exiguo, y lo que se le asignaba de alguna consideración, era aplicado a la lepra, y, de esa forma, quedaban exhaustos los recursos para los demás servicios” (BEJARANO, 1962, p. 533). Este também foi o caso da febre amarela, deixando-se de lado outras doenças tropicais como a malária. Por outro lado, em 1946, a Fundação Rockefeller, juntamente com o Instituto Carlos Finlay, fez contribuições importantes no campo da ciência na Colômbia, publicando mais de 100 artigos sobre a arte do laboratório e da epidemiologia da febre amarela. Além disso, o trabalho prático contribuiu para o controle da doença (CRUZ, 1947, p. 113). Em 1947, a Fundação Rockefeller começou a reduzir a sua contribuição no custo de manutenção do Instituto Carlos Finlay. Sua contribuição anual foi sempre de $ 90.000 pesos colombianos, baixando em 1947 para $35.000 pesos colombianos (HILL, 1948, p. 134-136). Em 1948, a fundação contribuiu com $12.700 pesos colombianos, orçamento que não se compara a do governo nacional, que alocou $175.000 pesos colombianos. O orçamento da fundação foi distribuído do seguinte modo: $6.000 pesos colombianos para pagar anualmente a um médico, que foi o responsável por liderar o serviço de viscerotomia e vacinação e alocou $1.200 pesos colombianos para despesas de viagem para o médico, $4.200 pesos colombianos para a manutenção de uma secretária bilíngue e $1.300 pesos colombianos para despesas ocasionais. O último contrato entre ministro de Saúde e o representante da Rockefeller foi em 1948 (REPÚBLICA DE COLOMBIA. MINISTERIO DE HIGIENE Y LA FUNDACIÓN ROCKEFELLER, 1948, p. 1291). Nesse contrato, o governo da Colômbia assumiu total responsabilidade pela administração e operação do Instituto de Estudios Especiales Carlos Finlay, além disso, ficou acordado que o Instituto seguiria com o serviço de 265 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 265 27/10/2015 10:34:11 viscerotomia e daria prosseguimento no preparo, distribuição e aplicação da vacina contra as doenças rickettsiosas92. Por último, comprometer-se-ia a continuar com os estudos epidemiológicos de vírus e doenças produzidos por vírus filtráveis. De acordo com a Oficina Sanitária Panamericana (1940, p. 67-69, na América Latina os avanços mais significativos da década de 1930 foram a reorganização dos serviços sanitários e a criação do Ministério da Saúde. Em relação aos ganhos de saúde no Brasil e na Colômbia, a OSP ressalta: Brasil: Mayor atención a la sanidad rural, construcción de sanatorios, leprosorios y hospitales, creación de una división de maternidad e infancia, difusión de centros de salud, activa campaña contra la tuberculosis. Lepra, peste, fiebre amarilla y paludismo Colombia: organización de centros de higiene rural, promulgación de leyes sobre higiene industrial y protección material e infantil; organización de un servicio de ingeniería sanitaria y de un instituto de enfermedades tropicales. (OFICINA SANITÁRIA PANAMERICANA, 1940, p. 68). Sem dúvida a febre amarela foi uma doença que propiciou avanços significativos nas áreas de saúde em ambos os países. A importância concedida pelos governantes à saúde foi evidenciada nas leis, que incorporaram as descobertas e invenções dos cientistas para limitar o progresso dessa e de outras doenças, como foi o caso da viscerotomia e da vacina 17D, entre outras. 92 “The general term given to a group of microorganisms which are intermediate between bacteria and viruses. They are the causal agents of typhus fever and a number of typhus-like diseases, such as rocky mountain spotted fever, Japanese River fever, and scrub typhus. These micro-organisms are usually conveyed to man by lice, fleas, ticks, and mites” (MARCOVITCH, 2005, p. 662). 266 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 266 27/10/2015 10:34:11 4 Conclusão Durante o século XIX a febre amarela atacou várias cidades deixando um rastro de milhares de mortos, a aparição da enfermidade em qualquer ponto do planeta desencadeava pânico entre a população devido a seus sintomas e mortalidade elevada. Os casos apresentados foram definitivos para que o imaginário coletivo construísse um perfil aterrorizante da doença. Na virada do século XIX para o XX a febre amarela foi considerada um desafio para as políticas sanitárias do continente americano, especialmente no que se refere ao comércio entre as nações. A teoria de Carlos Finlay do Aedes aegypti como vetor transmissor da febre amarela e os testes da Comissão Reed que corroboraram a teoria, abriram, no começo do século XX, um novo caminho na compreensão do processo da doença e seu controle, permitindo a implementação de campanhas para eliminação do mosquito e erradicação da enfermidade. O sucesso das medidas sanitárias a partir dessa descoberta, Gorgas em Havana e no Panamá e Ribas e Cruz no Brasil, foi contundente para fundamentar a ideia de que a febre amarela era uma doença suscetível de ser erradicada. A convicção de que a enfermidade poderia ser eliminada totalmente das Américas interessou à Fundação Rockefeller, que a partir das experiências de Gorgas formulou a “Teoria dos centros-chave”, eixo das campanhas contra a doença, feitas em toda América no período de 1916 a 1927, que forneceram à Fundação status de autoridade científica no mundo. No final da segunda década do século XX, a Fundação Rockefeller assinalou ter conseguido reduzir consideravelmente a ocorrência da doença chegando ao ponto de declarar que a febre amarela estava sendo exterminada do continente. As epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro em 1928-1929 e em Socorro em 1929 colocaram por terra tal afirmação e quebraram o status da Fundação Rockefeller como autoridade científica no campo da febre amarela. Além disso, a rejeição da concepção etiológica estabelecida em 1919 por Noguchi geraram enorme desconfiança nos conhecimentos da doença, dando a sensação de que nada era seguro em assuntos relacionados à febre amarela. O período compreendido entre 1927 e 1930 demarcou a crise pela qual os estudos da febre amarela atravessaram a história da doença, sem dúvida, foi o período onde as convicções científicas sobre a doença tinham alcançado o seu limite, tornando-se necessário estruturar uma nova estratégia de ação para combater a doença. 267 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 267 27/10/2015 10:34:11 Certamente, entre 1927 e 1930 a situação esteve cheia de incerteza no domínio teórico da febre amarela, tanto a profilaxia como a etiologia da enfermidade sofriam uma crise. Porém, apesar de que os médicos de Brasil e da Colômbia achassem que algo estava errado, a Fundação Rockefeller manteve a teoria dos centros-chave como principal eixo para o combate da febre amarela durante esse período. As duas epidemias apresentadas deixaram as atividades e as afirmações da Fundação Rockefeller em descrédito. Foram os médicos latino-americanos que compreenderam que os esforços deviam se dirigir mais aos estudos do ciclo vital do vírus amarílico, uma vez que as campanhas antimosquito lideradas pela Rockefeller mostravam apenas resultados temporais, pois certamente o problema não tinha uma solução tão rápida como fazia acreditar a Fundação. Contudo, a descoberta do Macacus Reshus como animal suscetível da doença e o aparecimento dos dois surtos permitiram que médicos brasileiros e colombianos apresentassem novos pontos de vista que contribuíram posteriormente ao controle da doença, além da oportunidade de fazer pesquisas experimentais no assunto. A epidemia de 1928 no Rio de Janeiro foi controlada por médicos e instituições locais, a Fundação Rockefeller não se fez presente no território do Rio, o que permitiu aos médicos direcionarem e conduzirem suas pesquisas a partir de suas próprias ideias para o estudo dessa doença. Note-se que nessa epidemia o conhecimento do diagnóstico clínico tanto pelos médicos jovens como veteranos era precário, pois no geral os sintomas indicavam que se tratava de outra doença, mas quando era feito o diagnóstico no laboratório o resultado era febre amarela, os médicos ficaram surpresos com a versatilidade e a falibilidade dos sintomas, tais aspetos demostraram que em questões de febre amarela nada era seguro. Por outro lado, a campanha contra a febre amarela no Rio evidenciou a preocupação do governo de que a doença se tornara uma ameaça às relações comerciais do país. O orçamento deslocado para a campanha foi significativo, mas o dinheiro não foi usado totalmente na luta contra a febre amarela. A administração sanitária, chefiada por Clementino Fraga, aproveitou a oportunidade para proceder à remodelação de hospitais do Departamento Nacional de Saúde Pública. A controvérsia suscitada no surto de Rio de Janeiro foi propiciada pelos médicos brasileiros que manifestaram seu descontentamento com os poderes públicos que não tinham continuado com a campanha clássica contra a febre amarela, além de permitirem a ingerência de um país estrangeiro que se considerava líder no campo da febre amarela e que mesmo assim não conseguia extinguir a moléstia nos estados do norte de Brasil, mas se mostrava tranquilo e insistente em anunciar que a doença estava sendo erradicada no mundo inteiro. Essa suposta extinção da febre amarela trouxe consequências às politicas públicas do Brasil. O diretor do Departamento de Saúde Pública e o presidente da República, Artur Bernardes (1922-1926), 268 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 268 27/10/2015 10:34:11 estavam crentes que o problema da febre amarela havia sido resolvido, o dinheiro usado para o serviço mata mosquito no Rio poderia ser empregado em outros assuntos, pois seria em vão gastar dinheiro em uma doença que parecia extinta. Com o surto apresentado no Rio de Janeiro, a teoria dos centros-chave ficou em total descrédito, a principal crítica dirigida à Fundação Rockefeller foi o abandono das pequenas cidades do interior brasileiro, concentrando-se nas cidades grandes do norte do país, onde segundo os médicos brasileiros o mal era latente e difícil de erradicar, outros pontos controversos eram os métodos profiláticos usados pela Fundação Rockefeller que consistia simplesmente em restringir o número de Aedes aegypti, sem atender ao isolamento dos enfermos, nem à destruição dos mosquitos contaminados, métodos que haviam sido usados com sucesso por Oswaldo Cruz na campanha de 1903 a 1908 no Rio de Janeiro. A controvérsia suscitada era de caráter nacionalista que reclamava ao estado poder de controle sobre a doença. Foram os médicos brasileiros que compreenderam a complexidade do problema, apontando mais para os estudos epidemiológicos do que para os estudos profiláticos da doença. Entre 1928 e 1929 foram publicados aproximadamente mais de 150 trabalhos referentes à febre amarela. Podese dizer que a partir do ano de 1928 os estudos de febre amarela começaram a clarificar o campo da epidemiologia que tanto desconcertava aos médicos. É importante ressaltar que dentro destas pesquisas foi notável a contribuição científica a múltiplos aspetos médico-biológicos da infecção amarílica dada por pesquisadores brasileiros empenhados na luta contra a epidemia, destacando-se sobremodo o trabalho da escola de Manguinhos, que mostra o estado da ciência brasileira em finais da década de 1920. Por outro lado, o Estado colombiano também acreditava plenamente no postulado da Fundação Rockefeller que salientava a febre amarela extinta do território, para o governo colombiano era quase impossível o retorno da febre amarela ao país. O surto de febre amarela em Socorro, em 1929, despertou várias discussões em torno à epidemiologia da doença. De certa forma, a Fundação Rockefeller fez presença na zona epidêmica, mas não foi parte da comissão profiláctica, se encarregou de coletar soros de convalescentes para o diagnóstico no laboratório, sendo assim a primeira epidemia de febre amarela na Colômbia que conseguiu ser comprovada experimentalmente por meio dos testes de proteção em M. Rhesus nos laboratórios de Nova York da Fundação Rockefeller. A febre amarela apresentada em Socorro, uma cidade pequena localizada no centro da Colômbia, marcou sérios debates na comunidade médica local, uma vez a febre não estava de acordo com os parâmetros típicos do desenvolvimento da doença. A cidade não apresentava qualquer indício ou condição ambiental para que a febre amarela se desenvolvesse. Ninguém conseguiu explicar a origem dessa epidemia, o que gerava 269 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 269 27/10/2015 10:34:11 desconforto na comunidade médica. A teoria da importação da doença da Fundação Rockefeller condensada na teoria dos centros-chave foi desmentida pelo surto, pois o suposto que as epidemias se originavam nos grandes centros, sobretudo localizados nas costas, deles se disseminando o mal para o interior ficava equívoco para o caso, a região estava isolada por barreiras montanhosas de modo que a teoria da importação oriunda de qualquer abordagem externa parecia quase inconcebível. Outro ponto que causava polêmica era as variações nos sintomas atípicos do quadro clássico da doença, que levaram a Luis Ardila a se perguntar a possibilidade de um novo tipo de febre amarela, mas infelizmente essas deduções ficaram publicadas somente em um artigo de jornal e não tiveram ampla divulgação. A epidemia de febre amarela no final da década de 1920 fez com que os governantes da Colômbia pensassem mais sobre problemas de saúde pública do país. Embora suas políticas e medidas não fossem muito eficientes, a epidemia sensibilizou sobre a necessidade urgente de implementação de medidas para limitar o avanço dessa e de outras doenças e, portanto, serem levados a pensar de forma mais consciente o problema da saúde pública. Percebe-se, também, uma grande dificuldade em implantar medidas de saneamento do meio e o próprio estabelecimento das infraestruturas de saneamento. Embora a epidemia do Rio de Janeiro houvesse sido distinta, guardava algumas semelhanças com a febre do Município de Socorro, visto que em ambas existiam lacunas na explicação epidemiológica. A origem e como as vitimas foram infectadas seguiam como questões sem resposta, pois as caraterísticas apresentadas em ambas às epidemias eram diferentes das caraterísticas conhecidas. Evidencia-se que tanto na febre amarela do Socorro, como na febre amarela do Rio de Janeiro, os jornais jogaram um papel fundamental na dinâmica que mobilizou os atores no fenômeno da febre amarela. No Rio de Janeiro os jornais se mostraram atentos a qualquer acontecimento em torno da doença. As vesse encetaram uma propaganda cruel ao DNSP, pois, segundo eles, as medidas profiláticas desenvolvidas pelo departamento não foram capazes de mudar a imagem da febre amarela durante os anos da epidemia. Países estrangeiros como Argentina e Uruguai adotaram medidas profiláticas como a quarentena contra os navios procedentes de portos brasileiros. Os jornais colombianos mostraram uma resistência diferente, as instituições de saúde colombiana não foram atacadas, o médico que diagnosticou a enfermidade na zona foi Roberto Serpa. O Vanguardia liberal, jornal que mantinha o interesse dos comerciantes locais, achou prejudicial para o comércio internacional um diagnóstico clínico que suscitava tanta polêmica dentro da comunidade médica, o jornal serviu como base fundamental para que os médicos expusessem seus pontos de vista sobre a febre amarela. 270 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 270 27/10/2015 10:34:11 Note-se que o interesse pelo controle da febre amarela beneficiaria a todos os involucrados no fenômeno (Fundação Rockefeller, Brasil e Colômbia), por exemplo, o interesse da Fundação Rockefeller esteve centrado principalmente em três pontos, primeiro em conseguir um status de autoridade científica no mundo, visto que a febre amarela fornecia a possiblidade de demonstrar o sucesso rápido contra a doença; segundo, porque acalmaria os sentimentos de alerta do continente americano contra os Estados Unidos, a Fundação Rockefeller desempenharia um papel essencial para restaurar a confiança do governo colombiano, além disso, acalmaria os alarmes do governo brasileiro, pois provavelmente seria a que conseguiria acabar com um dos problemas que mais atingia a imagem internacional dos países, e o terceiro interesse era a proteção do comércio internacional e o medo de reinfecção dos Estados Unidos. Não é de surpreender que para a época, a principal preocupação do governo brasileiro a respeito da febre amarela era o temor de seu ressurgimento, pois suas consequências seriam sentidas no desenvolvimento material do país, dificultando a atração do dinheiro estrangeiro. A atenção para essa doença tinha que ser essencial, a cidade do Rio de Janeiro era um dos portos mais importantes da época, não só para o Brasil, mas para a América do Sul. Era também sede do governo brasileiro, o que obrigava aos dirigentes do país manter uma imagem de salubridade pública ante as exigências internacionais, qualquer epidemia que na cidade eclodisse constituía-se em uma séria ameaça ao seu desenvolvimento. Por outro lado, na Colômbia, a atenção da febre amarela se tornou centro de preocupações devido à localização do Socorro que estava próximo às cidades de Barrancabermeja e Puerto Wiches, importantes locais onde empresas internacionais petrolíferas atuavam. Uma epidemia sem controle em Socorro poderia se constituir em uma séria ameaça à exploração do petróleo, fazendo com que as autoridades colombianas focassem sua atenção na promulgação de medidas sanitárias para controlar a doença e sua possível propagação pelo território colombiano. Além disso, Socorro mantinha uma relação estreita com Bucaramanga, centro importante do comércio que exportava produtos ao interior do país e ao estrangeiro. Contudo, a distância não impedia a febre amarela de alastrar-se por outras partes do país, o que deixava as autoridades colombianas temerosas. A febre amarela era uma doença que representava um obstáculo para o comércio de vários países da América. No momento em que estourava um surto de febre amarela em qualquer país, o mesmo era estigmatizado e qualquer mercadoria procedente de tal local era dada como insegura. A presença da doença afugentava investidores e se refletia negativamente nas exportações. Esta pesquisa evidencia que com os surtos de febre amarela apresentados no Brasil e na Colômbia marcaram uma conjuntura nos estudos da febre 271 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 271 27/10/2015 10:34:12 amarela propiciando uma mudança nas convicções estabelecidas para combater a doença, uma vez que os esforços da Fundação Rockefeller para erradicar a doença foram em vão devido aos vários questionamentos e a ineficácia dos métodos empregados. Os cientistas estadunidenses reconheceram que para controlar a doença tinha que se aliar aos cientistas locais, a troca de saberes era fundamental para dominar a doença, não somente era necessário trazer uma teoria feita em outras latitudes sem conhecer as realidades particulares, precisava se identificar a cadeia da epidemiologia da doença. Houve, assim, uma preocupação da comunidade científica médica latino-americana por esclarecer a epidemiologia da febre amarela. A partir da década de 1930, o Brasil, a Colômbia e a Fundação Rockefeller unem seus esforços para controlar a febre amarela. A Fundação Rockefeller procurou realizar vários acordos, inicialmente, realizando projetos de cooperação entre cientistas latino-americanos e norte-americanos para a realização de alguns exames sorológicos e, da mesma forma, estudar os surtos de febre amarela e, posteriormente, contratos que permitiam trabalhar em conjunto com as instituições nacionais. Foi nesta mesma década que os estudos da febre amarela deram uma virada contundente, como pode perceber-se com o teste de proteção do camundongo, o viscerótomo, a descoberta e definição da febre amarela silvestre e a vacina 17D. Todos estes avanços ajudaram na epidemiologia e profilaxia da doença, muitos dos quais contaram com a participação de cientistas e médicos do Brasil e da Colômbia. Cabe salientar que, o poder de divulgação da fundação nos avanços era extraordinário, tanto que na história da ciência ainda se atribui muitos dos descobrimentos da febre amarela aos funcionários da Fundação Rockefeller, pelo seu poder de divulgação e fomento, esquecendo os cientistas locais que não contaram com os meios precisos para impulsar suas descobertas e invenções, como foi o caso do viscerótomo por Décio Parreiras e a febre amarela silvestre por Roberto Franco. Com base em fazer um estudo comparativo a partir da ciência, da política e da técnica que Brasil e Colômbia utilizaram no combate à doença, concluímos que as experiências desenvolvidas com o fenômeno da febre amarela em ambos os países são um claro exemplo da importância da troca de saberes entre países. Mais que uma cooperação internacional foi um montagem de parcerias entre países em torno à solução de um problema. Assim, a importância da cooperação como ferramenta para o desenvolvimento da capacidade científica, resultou benéfica para aos partícipes dos projetos. A Rockefeller conseguiu a confiança dos países americanos e se consagro líder nas doenças tropicais, A Colômbia começou a perceber seriamente o problema da saúde, e no Brasil como fator principal para a modernização. No entanto, o papel da Fundação Rockefeller foi decisivo e marcante, pois permitiu a possibilidade de pensar estes temas em América Latina e produzir junto com ela conhecimento científico. 272 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 272 27/10/2015 10:34:12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Publicações de fontes primárias A FOLHA MÉDICA. A febre amarella. v. 9, p. 12, 1928a. A FOLHA MÉDICA. A febre amarella. v. 9, n. 1-36, p. 17, maio 1928b. A FOLHA MÉDICA. A febre amarella. v. 12, n. 2, p. 12-15, jan. 1931. A FOLHA MÉDICA. 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Bogotá (1938- 1939-1944-1947). 288 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 288 27/10/2015 10:34:13 Bibliotecas e coleções • Biblioteca Luis Angel Arango (Bogotá, Colômbia). • Biblioteca da faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (São Paulo, Brasil). • Biblioteca da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (São Paulo, Brasil). • Biblioteca virtual em Saúde (coleções da PAHO). • Centro de Documentación e Investigación Histórica Regional -CEDHIR(Bucaramanga, Colômbia). • Archivo General de La Nación (Bogotá, Colômbia). • Biblioteca particular do médico Roberto Serpa Flórez (Bucaramanga, Colômbia). • Archivo Departamental de la Gobernación de Santander (Bucaramanga, Colômbia). • Casa Simon Bolívar (Bucaramanga, Colômbia). 289 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 289 27/10/2015 10:34:13 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 290 27/10/2015 10:34:13 Sobre os autores Aleidys Hernandez Tasco: Possui graduação em Historia pela - Universidad Industrial de Santander (2011) e mestrado em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (2013). Atualmente é doutoranda no Programa de Política Científica e Tecnológica, no Instituto de Geociências, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ana Paula Korndörfer: Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e Pós-Doutoranda (PNPD/ CAPES) junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). André Mota: Historiador, Doutor em História pelo Depto. de História FFLCH-USP. Pós-doutorado em Saúde Coletiva pelo Depto. de Medicina Preventiva - FMUSP. Professor do Depto. de Medicina Preventiva - FMUSP e Coordenador do Museu Histórico Prof. Carlos da Silva Lacaz - FMUSP. Anny Jackeline Torres Silveira: Possui Graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1990), Mestrado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995) e Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2004) com pós-doutorado pelo Wellcome Unit for the History of Medicine- University of Oxford (20122013). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. Cristina de Campos: Professora colaboradora junto ao Departamento de Política Cientifica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (DPCT/IG/UNICAMP). Pesquisadora associada junto ao Grupo de Pesquisa HSTTFAU/FAUUSP. Gustavo Querodia Tarelow: Doutorando em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Mestre em História Social pela FFLCH-USP. É, atualmente, pesquisador do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da USP, onde desenvolve pesquisas sobre a História da Saúde e das Práticas Médicas, sobretudo, em São Paulo. Maria Gabriela S.M.C. Marinho: Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com graduação Comunicação Social (UFMG/IMSP). Professora e pesquisadora no Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências 291 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 291 27/10/2015 10:34:13 Humanas e Sociais (PCHS-UFABC), sua produção tem se concentrado no campo da história das Elites Científicas e Intelectuais e da Fundação Rockefeller. Pesquisa também as interfaces entre o Regime Civil-Militar de 1964 e a Produção Cultural e Científica do país. É pesquisadora associada do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (MH-FMUSP). Maria Terezinha B. Vilarino: Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Vale do Rio Doce (1979), com especialização em História (UNIVALE, 1991) e Mestrado em História (2008) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História (UFMG). É professora assistente da Universidade Vale do Rio Doce e atua em projetos de pesquisa com os seguintes temas: história regional, saneamento, saúde pública, ambiente e educação. Paulo Fernando de Souza Campos: Doutor em História (UNESP-Assis), com Pós-Doutorado em História da Enfermagem (EE/USP/FAPESP). Professor/Pesquisador na Graduação em História e Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade de Santo Amaro (PPGICH/UNISA/CAPES). Membro do Grupo de Pesquisa Políticas e Identidades Ibero-Americanas (POLIBERA/UNISA/CNPq). Patrícia Falco Genovez: Possui graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1993), mestrado (1996) e doutorado (2003) em História pela Universidade Federal Fluminense (1996). Professora titular do curso de História da Universidade Vale do Rio Doce. Áreas de atuação: História Cultural e História Política, atuando nos seguintes temas: história de Minas Gerais, relações de poder, análise de redes sociais, memória, narrativa e territorialidades. Pesquisadora do Observatório Interdisciplinar do Território (OBIT/Univale) e do Núcleo de Estudos Históricos e Territoriais da UNIVALE/MG. Professora no Mestrado Interdisciplinar em Gestão Integrada do Território, nas linhas de pesquisa “Território, saúde e sociedade” e “Formação Histórica do Território”. Rita de Cássia Marques: Possui Graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1986), Mestrado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995) e Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2003). Atualmente é vice-presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência e professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais. 292 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 292 27/10/2015 10:34:13 Conselho Editorial Cássio Silveira (FCM-Santa Casa) Claudio Bertolli Filho (Unesp-Bauru) Cristina de Campos (DPCT- Unicamp) Cyro Festa Neto (FMUSP) Fernando Salla (NEV-USP) Flavio Edler (COC-Fiocruz) Gisele Sanglard (COC-Fiocruz) José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres (FMUSP) Laura Degaspare Mascaro (Instituto Norberto Bobbio) Lilia Blima Schraiber (FMUSP) Lilia Moritz Schwarcz (Depto. de Antropologia FFLCH-USP) Luiz Antonio de Castro Santos (UERJ) Mara Helena de Andréa Gomes (Unifesp) Márcia Tereza Couto (FMUSP) Marcos Cezar Alvarez (Depto. de Sociologia-FFLCH-USP) Maria Amélia Dantes (Depto. de História-FFLCH-USP) Maria Cristina da Costa Marques (FSP-USP) Márcia Regina Barros da Silva (Depto. de História – FFLCH-USP) Maurício Antunes Tavares (Fundação Joaquim Nabuco) Nelson Filice de Barros (FCM-Unicamp) Nelson Ibañez (FCM-Santa Casa/Instituto Butantã) Nicolau Sevcenko (Depto. de História FFLCH-USP/Harvard University) – in Memoriam Ricardo Mendes Antas Jr.(Depto. de Geografia-FFLCH-USP) Rosa Ballester (Universidade de Alecante-Espanha) Tania Regina de Luca (Unesp-Assis) 293 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 293 27/10/2015 10:34:13 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 294 27/10/2015 10:34:13 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 295 27/10/2015 10:34:13 gabriela cole miolo vol 8 15-100 26.indd 296 27/10/2015 10:34:13