A Numeraᅢ댃o em Moᅢᄃambique
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A Numeraᅢ댃o em Moᅢᄃambique
Paulus Gerdes (organização e coordenação) A Numeração em Moçambique Contribuição para uma reflexão sobre cultura, língua e educação matemática 1 ISBN: 978-1-4357-2634-5 Copyright © 2008 by Centro de Pesquisa para Matemática, Cultura e Educação www.lulu.com http://stores.lulu.com/pgerdes 2 Paulus Gerdes A Numeração em Moçambique Contribuição para uma reflexão sobre cultura, língua e educação matemática 2ª edição 2008 3 Ficha técnica Título: A Numeração em Moçambique : Contribuição para uma reflexão sobre cultura, língua e educação matemática Organização e coordenação: Paulus Gerdes Autores: Paulus Gerdes, Abdulcarimo Ismael, Abílio Mapapá, Daniel Soares, Evaristo Uaila, Jan Draisma, Marcos Cherinda Revisão linguística do texto em Português: Ana Maria Branquinho Primeira Edição (1993): Projecto de Investigação ‘Etnomatemática’, Universidade Pedagógica Número de registo: 1040/FBM/93, Maputo, Moçambique Edição internacional (2008): Lulu.com, Morrisville, NC 27560, Estados Unidos da América, e Londres, Reino Unido Distribuição: Vide: http://stores.lulu.com/pgerdes ou procure ‘Paulus Gerdes’ na página www.lulu.com Copyright © 2008 Centro de Pesquisa para Matemática, Cultura e Educação C.P. 915, Maputo, Moçambique [email protected] 4 Conteúdo página 1 Prefácio 7 Enquadramento 9 1.1 Sistemas africanos de numeração [Paulus Gerdes & Marcos Cherinda, 1993] 1.2 Sobre a história da numeração falada [Paulus Gerdes, 1980] 2 Fontes escritas sobre a numeração e a contagem em Moçambique 2.1 Numerais na língua Makonde (1) [M. Viegas Guerreiro, 1963] 2.2 A contagem entre os Makonde [M. Viegas Guerreiro, 1966] 2.3 Numerais na língua Makonde (2) [E. Mpalume & M. Mandumbwe, 1991] 2.4 Numerais na língua Yao [Miguel Viana, 1961] 2.5 A contagem entre os Yao [Manuel Amaral, 1990] 2.6 Numerais na língua Nyanja [Missionários da Companhia de Jesus, 1964] 2.7 Sentido numérico Cheua [A.Rita-Ferreira, 1966] 2.8 Numerais na língua Nyungwe [Victor Courtois, 1887] 2.9 Numerais em Makhuwa-Lóhmé, Cóti e Árabe [António Pires Prata, 1960] 2.10 Numerais na língua Sena [J. Torrend, 1900] 2.11 Numerais na língua Shona (Ndau) [D. Dale, 1968] 9 32 39 39 42 46 50 53 58 61 63 68 79 82 5 página 2.12 Numerais na língua Tshwa [J.A.Persson, 1932] 2.13 Numerais na língua Chope [Luís Feliciano dos Santos, 1941] 2.14 Numerais na língua Tonga e o ‘sentido matemático’ [Henrique Junod, 1934] 2.15 Numerais na língua Changana [Armando Ribeiro, 1965] 2.16 Numerais em Tsonga (Changana) [Bento Sitoe, 1985] 2.17 Numerais na língua Ronga [José Quintão, 1951] 2.18 Numerais na língua Swazi [D. Ziervogel, 1952] 2.19 Numerais na língua Zulu [Clement Doke, 1927] 3 Fontes orais sobre a numeração e a contagem em Moçambique 3.1 Quadros da numeração falada nas línguas bantu de Moçambique 3.2 Métodos populares de contagem em Moçambique [Abdulcarimo Ismael & Daniel Soares, 1993] 4 Tabelas e mapas comparativos relativos à numeração falada em Moçambique [Abílio Mapapá & Evaristo Uaila, 1993] 5 Numeração e educação 5.1 Numeração falada como recurso na aprendizagem da Aritmética [Jan Draisma, 1993] 5.2 Algumas reflexões para estimular o debate e a investigação 6 85 90 97 101 104 109 113 116 119 119 134 141 155 155 176 Prefácio Como se conta nas diversas línguas faladas em Moçambique? Como se desenvolveram os sistemas de numeração? Quais são os principais sistemas de numeração em África? Como fazem os falantes das diversas línguas os seus cálculos mentais? Como se pode melhorar o processo de ensino-aprendizagem da Aritmética nas escolas moçambicanas? Estas perguntas constituem algumas das questões colocadas no livro A Numeração em Moçambique. Com este livro pretende-se contribuir para uma reflexão sobre cultura, língua e educação matemática básica. No primeiro capítulo apresenta-se um enquadramento global, com informações gerais sobre sistemas africanos de numeração e sobre a história da numeração falada. No segundo capítulo reproduzem-se fontes escritas sobre a numeração e a contagem referentes a diversas línguas faladas em Moçambique, terminando cada secção com algumas perguntas para estimular a reflexão. No terceiro capítulo apresentam-se algumas fontes orais referentes à numeração e à contagem em Moçambique; divulgam-se resultados de inquéritos realizados no contexto do Projecto de Investigação Etnomatemática, dizendo respeito à numeração falada e a outros métodos populares de contagem. O quarto capítulo apresenta uma análise comparativa da estrutura dos sistemas de numeração falada em Moçambique. No último capítulo reflecte-se sobre numeração e educação; apresenta-se uma análise da numeração falada como recurso na aprendizagem da aritmética e algumas reflexões para estimular o debate e a investigação. 7 O livro resulta de pesquisas e debates realizados no contexto do Projecto de Investigação 'Etnomatemática' e do Projecto 'Licenciatura em Educação Matemática para o Ensino Primário' (LEMEP). Os nossos resultados são provisórios. Esperamos poder enriquecer a análise e a reflexão com contribuições dos leitores. Convidam-se os leitores a fornecerem novos dados relativos à numeração falada, ao cálculo mental nas línguas bantu e aos métodos populares de contagem, e a apresentarem reflexões e sugestões para aprofundar o debate. Assim os leitores poderão contribuir para a realização dum dos objectivos principais da investigação etnomatemática: melhorar a qualidade da educação matemática, incorporando-a melhor no contexto cultural. Por outras palavras, pretende-se garantir que a educação matemática em Moçambique se sintonize com as tradições africanas e com o meio ambiente sóciocultural. Queira enviar as suas informações e reflexões para um dos departamentos de Matemática da Universidade Pedagógica: Departamento de Matemática, UP, C.P.2923, Maputo; Departamento de Matemática, UP, C.P.2025, Beira. 15 de Agosto de 1993 8 Cap. 1: Enquadramento Capítulo 1 Enquadramento 1.1 Sistemas africanos de numeração 1 Tal como os povos noutras regiões do Mundo, os povos de África aprenderam durante a sua história que contar e calcular se tornam muito difíceis, quando se utiliza, para cada quantidade, quer dizer para cada número, uma palavra ou um símbolo completamente novo e diferente. Se somente para os números de 1 a 100 se utilizassem palavras completamente diferentes e não relacionadas, imagine quão difícil seria memorizá-las na ordem correcta. Para além disto, seria quase impossível executar cálculos com elas. Por isso tornou-se necessário evitar, na indicação de números, demasiados símbolos ou palavras não relacionadas. A fim de ter modos práticos e úteis de contagem e para exprimir quantidades, e a fim de poder fazer os cálculos eficazmente, tornou-se necessário inventar sistemas de numeração bem estruturados. Neste artigo dão-se apenas alguns exemplos das muitas centenas de sistemas de numeração inventados na África ao Sul do Sahara. Serão apresentados sistemas de numeração falados, e sistemas simbólicos que utilizam partes do corpo ou objectos para contar ou indicar números. 1.1.1 Numeração verbal A maneira mais vulgar para evitar a invenção de palavras 1 Texto: Paulus Gerdes; Desenhos: Marcos Cherinda. Cf. Gerdes, P. & Cherinda, M.: Contar en Africa, El Correo de la UNESCO, Paris, Nov. 1993, 37-39. 9 A Numeração em Moçambique completamente novas para indicar números quando se avança com a contagem de quantidades maiores, foi a de compor numerais novos a partir de numerais verbais existentes, apoiando-se nas relações aritméticas entre os números envolvidos. A formação de novos numerais verbais por adição e multiplicação Na língua Makhuwa falada no Norte de Moçambique diz-se ‘thanu na moza’, isto é ‘cinco mais um’ para exprimir ‘seis’. ‘Sete’ é ‘thanu na pili’, isto é ‘cinco mais dois’. Para exprimir ‘vinte’, diz-se ‘miloko mili’, isto é ‘dezenas duas’ ou ‘10x2’. ‘Trinta’ é ‘miloko miraru’, isto é ‘dezenas três’. Uma vez que ‘thanu’ (5) e ‘nloko’ (10) são dominantes na composição dos numerais verbais na língua Makhuwa, eles são chamados as bases do sistema Makhuwa de numeração. Nos dois primeiros exemplos, um e dois são adicionados a cinco. Nos outros exemplos dez é multiplicado por dois e três, respectivamente. As bases mais comuns em África são 10, 5 e 20. Algumas línguas como Nyungwe (Moçambique) utilizam apenas a base dez. Outras tais como Balante (Guiné Bissau) usam 5 e 20 como bases. A numeração na língua Bété da Costa do Marfim usa três bases: 5, 10 e 20 [Vide os quadros 1.1 e 1.2]. Por exemplo, 56 exprime-se por ‘golosso-ya-kogbo-gbeplo’, isto é ‘vinte vezes dois mais dez (e) cinco (e) um’ (20x2 + 10 +5 +1). Os Bambara do Mali e da Guiné têm um sistema decimal-vigesimal, isto é, dez e vinte constituem as bases [Vide o quadro 1.3]. A palavra para vinte ‘mugan’ significa ‘uma pessoa’; a palavra para quarenta, ‘debé’ significa ‘esteira’, referindo-se a uma esteira em que homem e mulher dormem juntos e têm quarenta dedos em conjunto. 10 Quadro 1.1 Exemplo dum texto elaborado na escrita Bété (Fonte: Niangoran-Bouah, p. 203) 11 Quadro 1.2 Numeração na língua Bété (Costa do Marfim) (Fonte: Tro, p. 64-65) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 30 34 40 50 56 60 70 80 90 100 12 numeral estrutura blo sô ta mono n’gboua gbeplo 5+1 gbosso 5+2 gbota 5+3 kodablo kogbo kogbo-blo 10+1 kogbo-sô 10+2 kogbo-ta 10+3 kogbo-mono 10+4 kogbo-n’gbouo 10+5 kogbo-gbeplo 10+5+1 kogbo-gbosso 10+5+2 kogbo-gbota 10+5+3 kogbo-kodablo goloblo 20x1 goloblo-ya-blo 20x1 + 1 goloblo-ya-sô 20x1 + 2 goloblo-ya-kogbo 20x1 + 10 goloblo-ya-kogbo-mono 20x1 + 10 + 4 golosso 20x2 golosso-ya-kogbo 20x2 + 10 golosso-ya-kogbo-gbeplo 20x2 +10 + 5+1 golota 20x3 golota-ya-kogbo 20x3 + 10 golomono 20x4 golomono-ya-kogbo 40x4 + 10 golo-n’gbouo 20x5 Quadro 1.3 Numeração na língua Bambara (Guiné, Mali) (Fonte: Almeida, p. 404) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 20 30 40 50 80 90 numeral kelén fulá, flá sabá maani duru, dulu woro wolomilá, wolonglá seegi konontó tan mugan, tan-fulá mugan-ni-tan debé debé-ni-tan kemé kemé-ni-tan estrutura 20, 10x2 20+10 40+10 80+10 Quadro 1.4 Numerais na língua Bulanda (Fonte: Schmidl, p. 192) 6 7 8 9 10 11 12 numeral gfad gfad nign foda gfad nign sibn gfad nign habn gfad nign tasila gfad nign kif gfad nign fad estrutura 6 6+1 6+2 6+3 6+4 6+5 6+6 13 Os Bulanda (África ocidental) utilizam seis como base: sete exprime-se por 6+1, oito por 6+2, etc. [Vide o quadro 1.4]. Os Adele (Togo) contam ‘koro’ (6), ‘koroke’ (6+1=7), ‘nye’ (8) e ‘nyeki’ (8+1=9) (Schmidl, p. 192). No seio dos Huku do Uganda as palavras para 13, 14, 15 podem ser formadas adicionando a doze 1, 2 ou 3. Por exemplo, 13 exprimese por ‘bakumba igimo’, significando ‘doze mais um’. As alternativas decimais 10+3, 10+4 e 10+5 eram também conhecidas (Schmidl, p. 177, 178). Uma das vantagens de utilizar um número pequeno – como 5 – como uma das bases dum sistema verbal de numeração, reside no facto de que pode facilitar a execução oral ou mental de cálculos onde a resposta ainda não tinha sido memorizada. Por exemplo, 7+8 seria (5+2) mais (5+3). Como 2+3=5, acha-se a resposta 5+5+5, 10+5, ou 5 multiplicado por 3. O princípio duplicativo Um caso particular do uso da adição para compor numerais verbais é a situação em que ambos os números são iguais ou diferem em uma unidade. Por exemplo, entre os Mbai conta-se de 6 para 9 da seguinte maneira: ‘mutu muta’ (3+3), ‘sa do muta’ (4+3), ‘soso’ (4+4), e ‘sa dio mi’ (4+5). No seio dos Sango (Norte do Congo / Zaire), 7 exprime-se por ‘-na na-thatu’ (4+3), 8 como ‘mnana’ (4+4) e 9 como ‘-sano na-na’ (5+4) (Schmidl, p. 191, 172). Uma das razões possíveis para optar pelo princípio duplicativo na composição de numerais entre 6 e 9 é que pode facilitar a execução oral ou mental das operações aritméticas, em particular da duplicação. Por exemplo, para obter o dobro de 7, deve-se adicionar, se a resposta ainda não está memorizada, 4+3 e 4+3. Tendo em conta que 4+3+3 = 10, a resposta fica 10+4. Aqui seria necessário sublinhar que existiam na África ao Sul do Sahara fortes tradições de cálculo mental [Vide os quadros 1.5 e 1.6], e que multiplicação oral e mental frequentemente se baseavam (e ainda às vezes se baseiam) em duplicação repetida [Vide o quadro 1.7]. 14 Cap. 1: Enquadramento Quadro 1.5 Thomas Fuller, escravo africano e prodígio em cálculo (Fonte: Fauvel & Gerdes) Quantos segundos há num ano e meio? Quantos segundos viveu uma pessoa com setenta anos, dezassete dias e doze horas de idade? Suponha que um agricultor tem seis porcas e cada uma tem seis porcas no primeiro ano e todos os anos aumentam na mesma proporção, quantas terá o agricultor ao fim de oito anos? O leitor será capaz de determinar mentalmente as respostas e estas questões? Sem papel e caneta? Sem usar um calculador electrónico? Thomas Fuller (1710-1790) foi um africano deportado como escravo para a América em 1724. Com setenta e tal anos ele ainda era capaz de resolver estes e outros problemas mentalmente. Por exemplo, ele sabia multiplicar mentalmente dois números de nove algorismos, tais como 235643784 x 658251873. Aprendeu a fazer cálculos mentais em criança, em África. Thomas Fuller cresceu e foi educado dentro de uma forte tradição de cálculo mental. Quadro 1.6 Multiplicação por duplicação repetida A duplicação é uma estratégia muita utilizada em África para fazer a multiplicação mental ou oralmente. Um exemplo ilustra o método. 6 x 13 = ? Duas vezes treze é igual a vinte e seis. Quatro vezes treze é duas vezes vinte e seis, isto é, cinquenta e dois. Por isso, seis vezes treze é vinte e seis mais cinquenta e dois, isto é setenta e oito: 6 x 13 = 78. 15 Quadro 1.7 A aprendizagem do processo de contar no seio de crianças Chaga (Tanzania) (Fonte: Raum, 1967, p.397, 268-269) No seio dos Chaga pede-se às vezes às crianças pequenas para contarem dez objectos colocados atrás das costas. Até nove objectos devem responder de cada vez: ‘Este não é’; mas para o décimo devem responder: ‘Este é’. Um rapaz aprende a contar com os companheiros de brincadeira mais velhos. Obrigam-no a dizer os numerais e a deitar uma estaca no chão para cada número. Para complicar as coisas, podem dizer-lhe para deitar no chão para cada número, a quantidade correspondente de estacas. Quando comete um erro, perguntam-lhe: ‘Queres ser comido por um leão?’ ou dizem-lhe: ‘Desonraste-nos a todos!’ Os Chaga conhecem também um jogo chamado tarumbeta. Há quatro participantes e cada um traz uma taça com feijões. Quarenta e cinco feijões são colocados em nove filas, formando um triângulo. A fila da base tem nove feijões e cada fila subsequente tem um feijão menos que a anterior. Um rapaz é escolhido para ser o ‘chefe’, isto é, 16 Cap. 1: Enquadramento árbitro. Senta-se ao lado do topo do triângulo. O lugar do concorrente é na base, virado de costas para os feijões. Os outros dois rapazes estão sentados nos outros lados do triângulo e removem os feijões um por um, limpando fila por fila indo da base para o topo. Após retirar cada feijão, perguntam ao concorrente quantos feijões já foram removidos. Em concordância com as regras do jogo, o concorrente é proibido de responder quando se remove o primeiro feijão de uma fila. Quando é permitido responder, no entanto, deve incluir no cálculo o passo omitido. A criança não deve apenas visualizar o processo de remoção que decorre atrás das suas costas, mas também recordar em que altura não deve responder. O rapaz que não comete nenhum erro ganha todos os feijões colocados no triângulo. Quadro 1.8 Exemplos dos princípios subtractivo e aditivo na numeração Yoruba (Fonte: Tro, p.182-184) 16 17 18 19 20 21 34 35 Numeral eerin din logun eeta din logun eegi din logun ookan din logun ogun ookan le logun eerin le logban aarun din logoji estrutura 4 até 20 3 até 20 2 até 20 1 até 20 1+20 4+30 5 até 20x2 O chamado princípio subtractivo Em várias línguas africanas utiliza-se também, além dos princípios aditivo e multiplicativo, a subtracção na formação de numerais verbais. Por exemplo, na língua Yoruba da Nigéria, 16 exprime-se por ‘eerin din logun’ significando ‘quatro até se chega a vinte’ [Vide o quadro 1.8]. Um outro exemplo do uso do princípio subtractivo pode ser encontrado entre os Luba-Hemba (Congo / Zaire). 17 Sete exprime-se por ‘habulwa mwanda’, isto é ‘faltando um até oito’, e nove é ‘habulwa likumi’, isto é ‘faltando um até dez’ (Schmidl, p.169). Variações O exemplo da Guiné Bissau mostra que sistemas de numeração falados podem variar muito em regiões geográficas relativamente pequenas [Vide o quadro 1.9]. Quadro 1.9 Numeração em línguas da Guiné Bissau (Fontes: Almeida, 389-440; Béart, p.736) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 20 30 80 18 Felup Manjaco Balante Bijagó anor, ainka sigabá sieidji sibácri utóc utócianor sieidjisieidji sibácrisieidji sibácrisibácri utócsibácri sibácriutóc cum-ene ana bau ulólé, pelólé quetâbe cuante quebacre canhan pádge oda, hoda quilim sime caâme tàilà tchifo tchifo com oda fulá sabá nane lulo horo 5+1 5+1 3+3 4+3 4+4 4+5 pádge napelon cuásse 6+ 1 cuásse napelon 8+ 1 inhanabute inhanabute quetâbe 10 x2 tchifo com sime tchifo com caâme tchifo com tàilà 5+2 horoguba 5+3 sai 5+4 conontò tchifo mine sàuál oda 5x2 20x 1 tam muan samenhane tàilà 20x 4 5+4 tâ sabá tã sai 10x3 10x8 Cap. 1: Enquadramento Os Bijagó têm um sistema decimal puro; os Balante usam um sistema quinário-vigesimal (5-20); os Manjaco têm um sistema decimal, com excepção de numerais compostos como 6+1 para 7 e 8+1 para 9; e os Felup empregam um sistema decimal-vigesimal em que o princípio duplicativo é usado em formas tais como 4+3 para 7 e 4+4 para 8. Às vezes alguns numerais verbais são adjectivos, enquanto outros são substantivos. Caso isto aconteça, podem aparecer estruturas para os numerais verbais que não correspondem directamente a uma adição, multiplicação ou subtracção. Por exemplo, na língua Tshwa (Moçambique central) sessenta exprime-se por ‘thlanu wa makumi ni ginwe’, isto é ‘cinco dezenas mais uma (dezena)’. Expressões para números grandes Nos contextos em que foi necessário ter palavras para números relativamente grandes, aparecem frequentemente numerais verbais completamente novos ou alguns que exprimem uma relação com a base do sistema de numeração. Por exemplo, entre os Bangongo (Congo / Zaire) diz-se ‘kama’ (100), ‘lobombo’ (1000), ‘njuku’ (10,000), ‘lukuli’ (100,000) e ‘losenene’ (1,000,000) (Torday & Joice, p. 229). No seio dos Ziba (Tanzania) diz-se ‘tsikumi’ para 100, ‘lukumi’ para 1000, e ‘kukumi’ para dez mil. Os três termos relacionam-se claramente com ‘kumi’ (10). Apenas os prefixos mudam (Schmidl, p.182). 1.1.2 Numeração por gestos Contagem por gestos é comum no seio de muitos povos africanos. Os Yao (Malawi, Moçambique) representam 1, 2, 3 e 4 apontando com o polegar da mão direita 1, 2, 3 ou 4 dedos estendidos da mão esquerda [Vide o quadro 1.10]. “Cinco” é indicado fazendo um punho da mão esquerda. “Seis”, “sete”, “oito” e “nove” são indicados juntando um, dois, três ou quatro dedos estendidos da mão direita ao punho esquerdo. Para representar dez abrem-se ambas as mãos, batendo uma na outra. 19 A Numeração em Moçambique Quadro 1.10 A contagem por gestos no seio dos Yao (Fonte: Amaral, p. 437). 20 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Cap. 1: Enquadramento Os Makonde do Norte de Moçambique, no entanto, começam a contagem pela mão direita com apoio do indicador da mão esquerda [Vide o quadro 1.11]. Para representar “cinco” faz-se um punho com a mão direita. De seis até nove, a representação é simétrica relativa a de “um” até “quatro”, isto é, inverte-se o papel das mãos. Agora o indicador da mão direita aponta os dedos da outra mão. Juntando dois punhos representa-se dez. O método de contagem por gestos adoptado pelos Shambaa (Tanzania, Quénia) utiliza o princípio duplicativo [Vide o quadro 1.12]. Indicam “seis” estendendo os três dedos externos de cada mão; “sete” ao mostrar quatro dedos na mão direita e três na mão esquerda, e “oito” mostrando quatro em cada mão. Para exprimir números maiores que dez, os Sotho (Lesotho) empregam homens diferentes para indicar as centenas, dezenas e unidades. Por exemplo, para representar 368, a primeira pessoa levanta três dedos da mão esquerda representando três centenas, a segunda levanta o polegar da mão direita para representar seis dezenas, e a terceira levanta três dedos da mão direita para indicar oito unidades [Vide o quadro 1.13]. De facto, aqui trata-se de um sistema posicional porque depende da posição de cada pessoa, conforme indica unidades, dezenas, centenas, milhares, etc. Quadro 1.13 A representação de 368 na contagem por gestos dos Sotho (Fonte: Raum, 1938, p. 20) 21 A Numeração em Moçambique Quadro 1.11 A contagem por gestos no seio dos Makonde (Fonte: Guerreiro, p. 14-15) 22 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Cap. 1: Enquadramento Quadro 1.12 A contagem por gestos no seio dos Shambaa (Fonte: Schmidl, p. 173) 1 2 3 4 5 6 8 7 9 23 A Numeração em Moçambique A utilização de dedos e mãos para contar pode constituir uma explicação possível para a escolha de cinco e dez para base de sistemas de numeração verbal. O uso de bases pode ter sido estimulado também por práticas de contagem acelerada. Por exemplo, cesteiros Makonde contam a quantidade de tiras de planta no fundo dos cestos ‘likalala’ quatro por quatro, em vez de uma por uma [Vide o quadro 1.14]. Quadro 1.14 A contagem quatro por quatro na cestaria Makonde 4 4 4 4 4 1.1.3 Instrumentos auxiliares da contagem Diversos instrumentos auxiliares da contagem eram usados na África ao Sul do Sahara. Apresentamos alguns exemplos de Moçambique. Rapazes da população Chuabo utilizam a seguinte técnica de contagem quando jogam futebol: as duas metades duma folha de coqueiro, obtidas depois de lhe ter sido retirada a nervura central, servem de instrumento de contagem para cada equipa; as metades chamam-se ‘mulobuó’. Quando uma equipa marca um golo, faz-se uma dobra no seu ‘mulobuó’ [Vide o quadro 1.15]. No fim do jogo comparam-se os comprimentos dos dois ‘milobuó’, ou contam-se as dobras para ver quem ganhou. 24 Cap. 1: Enquadramento Quadro 1.15 Mulobuó com dobras No seio dos Tswa utilizam-se árvores no registo das idades das crianças. Depois do nascimento de uma criança faz-se um corte no tronco de uma árvore. Em cada ano que passa, junta-se mais um corte até a pessoa ter idade suficiente para contar por si próprio. Estacas com cortes são usadas para controlar o número de animais dum rebanho. Cada corte corresponde a um animal (Soares, p. 71-79). Quadro 1.16 Fio com nós No seio dos Makonde utilizavam-se fios com nós [Vide o quadro 1.16]. Suponha que um homem parte para uma viagem de onze dias. Ele fazia onze nós num fio e dizia à sua esposa: “Este nó” (tocando o primeiro) “é hoje, quando estou a partir; amanhã” (tocando o segundo nó) “estarei a caminhar, e continuarei a caminhar no segundo e terceiro dia, mas aqui” (pegando no quinto nó) “chegarei ao destino da viagem. Lá ficarei durante o sexto dia, e no sétimo dia iniciarei o regresso. Não esqueça, mulher, de desfazer cada dia um nó, e no décimo dia deve cozinhar para mim, porque no décimo primeiro dia voltarei” (Weule, p. 329). Mulheres grávidas costumavam fazer um nó num fio cada lua cheia que passava, para saber a data aproximada em que iam dar à luz (Dias & Dias, p. 133). Para registar a idade duma pessoa, 25 A Numeração em Moçambique utilizam-se dois fios; faz-se um nó no primeiro fio a cada lua cheia que passa; uma vez feitos doze nós, faz-se um nó num segundo fio para marcar o primeiro ano, etc. (Soares, p. 4). 1.1.4 Outros sistemas de numeração visual Existe uma variedade de sistemas de numeração em África que, duma maneira ou outra, são ‘escritos’. Os Bushongo orientais (Congo / Zaire) contam simultaneamente três por três e dez por dez. Para cada grupo de três objectos marcam na areia três traços curtos e paralelos, com três dedos duma mão: Depois de ter completado de cada vez três grupos de três traços, marca-se um traço maior para o objecto seguinte, indicando, deste modo, que foram contados mais dez objectos (Torday, p. 229). Por exemplo, o agrupamento seguinte representa 36 objectos: O jogo ‘koti zigi’ é praticado pelos Gbundi e Mende na Libéria e no oeste da Costa do Marfim. Os jogadores formam padrões estandardizados de pedras no solo para representar números [Vide o quadro 1.17]. Observa-se que 6 exprime-se por 3+3, 7 por 3+1+3, 8 por 4+4, 9 por 4+1+4, e 10 por 5+5 ou 4+2+4. Os Fulani ou Fulbe, um povo semi-nómada do Niger e do Norte da Nigéria, colocam estacas em frente das suas casas para indicar o número de vacas ou cabritos que possuem. Uma centena de animais é representada por duas estacas curtas colocadas no chão formando um V. Duas estacas que se cruzam, X, simbolizam cinquenta animais. Quatro estacas numa posição ‘vertical’, | | | |, representam quatro; duas estacas numa posição ‘horizontal’ e três numa ‘vertical’, — — | | |, indicam vinte e três animais [Vide o quadro 1.18]. 26 Cap. 1: Enquadramento Quadro 1.17 A representação de números no jogo “koti zigi” (Fonte: Béart, p. 714) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Quadro 1.18 A representação de números no seio dos Fulbe (Fonte: Ale) 1 10 50 100 27 A Numeração em Moçambique Por exemplo, a configuração seguinte foi encontrada em frente da casa dum proprietário VVVVVVXII, mostrando que possuía 652 vacas (Ale, p. 35-38). Os povos Akan (Costa de Marfim, Ghana, Togo) usavam pesos monetários, isto é, usavam estatuetas de pedra ou de metal, ou simplesmente sementes vegetais como moedas. Estava combinado que o peso de uma estatueta representava o valor monetário correspondente a uma certa quantia de ouro em pó do mesmo peso. As estatuetas representam animais, nós, cadeiras, sandálias, tambores, etc. As estatuetas podem também ter diversas formas geométricas tais como pirâmides, estrelas ou cubos. Em muitos pesos monetários apresentam-se sinais gráficos que representam números [Vide quadro 1.19]. Embora se utilize apenas a base “dez” nas línguas faladas pelos povos Akan, tais como Anyi, Baoulé, Aboure, Attie e Ebrie, a base “cinco” encontra-se igualmente nos pesos monetários: 6=5+1= 5= 7=5+2= 8=5+3= 9=5+4= e 9=5+4= A estrutura simétrica de um dos símbolos para 11 e de um para 13 pode ser observada: 11 = 3 + 5 + 3 = e 13 = 4 + 5 + 4 = Duplicação pode ser observada na transição de 6= para 12 = 6 + 6 = 28 Cap. 1: Enquadramento Quadro 1.19 Exemplos de numerais em pesos monetários dos povos Akan (Fontes: Niangoran-Bouah, p.253; Mveng, p. 33) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 20 29 A Numeração em Moçambique É interessante notar que os Agni, um dos grupos populacionais Akan, usaram uma série de unidades de pesos monetários com uma estrutura binária: cada unidade nova é o dobro da unidade anterior [Vide o quadro 1.20]. Quadro 1.20 Unidades dos pesos monetários dos Agni (Fonte: Niangoran-Bouah, p. 267) 1 bazien = 2 banzan 1 mêtêba = 2 bazien = 4 banzan 1 adjarikwa = 2 mêtêba = 8 banzan 1 smalé = 2 adjarikwa = 16 banzan 1 balé = 2 smalé = 32 banzan 1 araen = 2 balé = 64 banzan 1 bêna = 2 araen = 128 banzan Referências Ale, Sam (1989), Mathematics in rural societies, in: K. Keitel, A. Bishop, P. Damerow & P. Gerdes (org.), Mathematics, Education, Society, UNESCO, Paris, 35-38. Almeida, António de (1947), Sobre a matemática dos indígenas da Guiné Portuguesa, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Lisboa, 6, 389-440. Amaral, Manuel Gama (1990), O povo Yao, subsídios para o estudo de um povo do noroeste de Moçambique, Instituto de Investigação Científica e Tropical, Lisboa. Béart, Charles (1955), Jeux et jouets de l’ouest africain, IFAN, Dakar. Dias, Jorge & Dias, Margot (1964), Os Macondes de Moçambique: cultura material, Lisboa. 30 Cap. 1: Enquadramento Fauvel, John & Gerdes, Paulus (1990), African slave and calculating prodigy: Bicentenary of the Death of Thomas Fuller, Historia Mathematica, New York, 17, 141-151. ___ (1992), Escravo africano e prodígio em cálculo: Bicentenário da morte de Thomas Fuller, AMUCHMA, Revista sobre a História da Matemática em África, Maputo, 1, 37-48. Guerreiro, M. (1966), Os Macondes de Moçambique: sabedoria, língua, literatura e jogos, Lisboa. Mveng, R. (1980), L’art et l’artisanat africains, Editions Clé, Yaoundé. Niangoran-Bouah, G. (1984), The Akan world of gold weights, Les Nouvelles Editions Africaines, Abidjan, Vol.1. Raum, Otto (1938), Arithmetic in Africa, Evans Brothers, Londres. ___ (1967), Chaga childhood - a description of education in an east African tribe, Oxford University Press, Londres. Schmidl, Marianne (1915), Zahl und Zählen in Afrika, Mitteillungen der Anthropologischen Gesellschaft, Viena, 35(3), 165-209. Soares, Daniel (1992), Sobre métodos populares de contagem em Moçambique, Relatório LEMEP, Universidade Pedagógica, Beira. Torday, Emil & T. Joyce, T. (1911), Notes ethnographiques sur les peuples communément appelés Bakuba, ainsi que les peuplades apparentées - Les Bushongo, Annales du Musée du Congo Belge, Ethnographie, Série III, Tome II, Fasc.I, Bruxelas. Tro, Gueyes (1980), Étude de quelques systèmes de numération en Côte d’Ivoire, (publicação do autor), Abidjan. Weule, Karl (1970), Native life in East Africa (1909), Negro Universities Press, Westport. 31 A Numeração em Moçambique 1.2 Sobre a história da numeração falada 2 O Homem soube sempre contar? Pode-se pensar em ‘um’, ‘dois’, ‘três’...isto é tão fácil, o Homem soube sempre contar! Mas no fim do século passado descobriu-se – a que é que se chama ‘descobrir’? – no deserto de Kalahari uma etnia que, na sua língua falada, apenas podia exprimir ‘um’, ‘dois’ e ‘vários’. Faltavam-lhe palavras para ‘quatro’, ‘cinco’, etc... Como é possível? Uma explicação tribalista podia ser: “esta tribo é tão estúpida mas...”. Porém, uma tal explicação não tem consistência, uma vez confrontada com as línguas Bantu. Em muitas línguas Bantu, os três primeiros numerais 3 são adjectivos, conjugados conforme a classe do substantivo correspondente, enquanto que os numerais seguintes são substantivos. Por exemplo, temos na língua Changana: munhu munwe ‘pessoa uma’, sinha hunwe uma pessoa ‘árvore uma’, uma árvore vanhu vambiri ‘pessoas duas’, misinha mimbiri ‘árvores duas’, duas pessoas vanhu vanharh mas: mune wa vanhu 2 3 32 duas árvores ‘pessoas três’, três pessoas misinha minharh ‘árvores três’, três árvores ‘um quarteto de pessoas’, quatro pessoas mune wa misinha ‘um quarteto de árvores’, quatro árvores Primeira parte do artigo Sobre a origem histórica do conceito de número, da autoria de Paulus Gerdes, publicado em Ciência e Tecnologia (Maputo, Vol.1, 1980, 53-57), reeditado como TLANU mini-brochura nº 5 (Maputo, 1986) e reproduzido em BOLEMA (Rio Claro, Brasil, Especial Nº 1, 1989, 35-50). Um numeral (cardinal) falado é uma palavra para indicar um número, ou seja, para indicar uma determinada quantidade. Cap. 1: Enquadramento Esta diferença linguística sugere uma origem diferente. Por outras palavras, num passado remoto os antepassados dos actuais povos Bantu só tinham igualmente numerais para ‘um’, ‘dois’, e ‘três’. Ainda se pode tentar refugiar numa explicação racista, suspirando: “...mas o Homem civilizado sempre soube contar”. Que orgulho tinha o colonizador da sua pretendida civilização! No entanto, também esta explicação se evapora como água perante o Sol da linguística. No português, as palavras ‘um’ e ‘dois’ conhecem também uma forma feminina, a saber ‘uma’ e ‘duas’, enquanto que os outros numerais não a conhecem, e, ainda por cima, a palavra ‘três’ está relacionada com a palavra francesa ‘très’, que significa ‘muito’ e com a palavra latina ‘trans’, que significa ‘para além’; quer isto dizer, que, de igual modo, os antepassados dos povos europeus somente sabiam contar um pouco: ‘um’, ‘dois’, ‘muito’. Primeiras fases nas sociedades de caçadores e recolectores Vejamos agora como se foi desenvolvendo a noção de número. Neste artigo limitamo-nos às primeiras fases do desenvolvimento do conceito de número natural (1,2,3,4,...). Para poder responder à nossa pergunta “como?”, apoiar-nos-emos em resultados da Arqueologia, Linguística e Etnografia, ciências estas que ainda são relativamente muito jovens. Por exemplo, em África, ao sul do Sahara, tiveram lugar muito poucas investigações arqueológicas. Por isso apenas podemos indicar algumas linhas gerais de desenvolvimento do conceito de número. As primeiras sociedades humanas foram as de caçadores e recolectores, e abrangem um período de 500.000 a um milhão de anos. Inicialmente os homens ainda não dispunham duma noção explícita de número mas já aprendiam a tirar determinadas conclusões importantes para a reprodução da sua vida, conclusões às quais, actualmente, se chamam quantitativas. Assim, por exemplo, foram aprendendo a estimar quantidades de comida: para hoje já capturámos bastantes animais ou não; para hoje já colhemos frutos suficientes ou não. Este processo de aprender a estimar foi possível na base, por um lado, da constituição biológica do Homem, e, por outro, da experiência acumulada ao comparar os resultados do trabalho dum dia com os dos dias anteriores. 33 A Numeração em Moçambique Exemplo hipotético Dois grupos de caçadores vão em direcções diferentes, à descoberta. Ambos encontram, por exemplo, algumas gazelas, e voltam à tribo para buscar os outros. Mas como decidir em que direcção é que se deve ir à caça? Comparando, um caçador exprime: “Vi tantas gazelas como um pássaro tem asas”, enquanto que um outro diz: “Vi tantas gazelas como a minha mão ‘conta’ dedos”. Comparações Este exemplo hipotético ilustra o seguinte: em resposta a determinadas necessidades surgidas – tais como comunicar e tomar decisões, em particular, no que se refere à reprodução da vida – começou-se a comparar colecções de objectos, de tal modo que a quantidade de uma colecção se tornava clara através da comparação com a quantidade de uma outra colecção: “tantas gazelas como uma ave tem asas”, “tantos cabritos como uma mão tem dedos”...4 Desta fase de desenvolvimento encontramos ainda vestígios em muitas línguas actuais. Assim, os numerais correspondentes a ‘cinco’ em Zulu, Changana e Swahili, ‘hlanu’, ‘nthlanu’ e ‘tano’ respectivamente (duma origem comum), significavam, segundo alguns autores 5, originalmente ‘mão’ ou ‘punho’, como também acontece, por exemplo, no grego ou no russo. Na língua Banda da África central, o numeral correspondente a ‘vinte’ significa, à letra, ‘homem completo’, referindo-se ao total de vinte dedos de um homem. Um exemplo interessante encontra-se na língua Mandingo falada no Mali. A palavra para ‘nove’, a saber ‘kononto’, significa ‘aquele lá na 4 5 34 Ao comparar, deste modo, duas quantidades chama-se, na matemática actual, pôr numa correspondência biunívoca os dois conjuntos: a cada elemento do primeiro conjunto faz-se corresponder, duma maneira biunívoca, um elemento do outro (por exemplo, a cada asa corresponde uma gazela). Vide Schmidl, M., Zahl und Zählen in Afrika, Mitteilungen der anthropo-logischen Gesellschaft in Wien, Viena, 1915, Vol.45, p.168 barriga’, dizendo respeito aos nove meses da duração duma gravidez.6 Adjectivos Estes vestígios nas línguas actuais já indicam a transição de comparações individualmente inventadas, e que possivelmente não são imediatamente compreendidas por toda a gente, para comparações mais correntes, geralmente aceites dentro de uma determinada cultura. Foram desenvolvendo numerais como abreviatura de comparações que eram claras para cada um. Estes primeiros numerais reflectem uma propriedade dum conjunto de objectos e são, por isso, adjectivos, que podem ser conjugados, como nos mostram os seguintes exemplos: em português ‘dois carros’ mas ‘duas crianças’, conforme o género do substantivo envolvido. Na língua Changana ‘sinha hunwe’ (uma árvore), xiharhi xinwe’ (um animal), ‘munhu munwe’ (uma pessoa), correspondente à classe do substantivo. Aqui vemos uma raíz comum ‘-nwe’ nos numerais para ‘um’. O aparecimento de uma raíz comum para indicar quantidades iguais de objectos de classes diferentes pode pertencer a uma fase posterior, como a língua dos índios norteamericanos Tsimshia nos mostra provavelmente: ‘t’epqat’, ‘goupal’, ‘gaopskan’, ‘g’alpeeltk’, e ‘gulbel’ são numerais diferentes, todos indicando dois objectos, mas pertencentes a classes diferentes, tais como de objectos achatados, redondos compridos, pessoas, canoas e medidas, respectivamente.7 Substantivação Pode-se observar um desenvolvimento na direcção duma substantivação crescente dos numerais no sentido de que, cada vez mais, para mais classes de objectos são utilizados os mesmos numerais, como por exemplo, no Português, o numeral ‘três’ pode ser usado para quaisquer objectos e não só para redondos ou achatados. Em muitas sociedades constata-se um outro desenvolvimento paralelo a esta substantivação. É o desenvolvimento para comparar com determinadas colecções padrão, tais como dedos, cortes num pau, nós num fio, pedrinhas (no Latim a palavra para pedrinhas é ‘calculi’, da 6 7 Vide Zaslavsky, C., Black african traditional mathematics, The Mathematics Teacher, Reston (EUA), 1970, Nº 4, p.346 Vide Conant, L., The number concept, Nova Iorque, 1896, p.87 35 qual deriva a palavra portuguesa ‘cálculo’), riscos em pedras ou ossos, etc. Perto de Ishango, no actual Zaire, foram encontrados vestígios de tais riscos paralelos feitos entre 9000 e 6500 a.C. 8 Mais recentemente foi encontrado numa cave nos Montes Libombo, na fronteira entre a Suazilândia e a África do Sul, um osso em que foram feitos 29 riscos paralelos e que data de, aproximadamente 35.000 a.C., constituindo “um dos vestígios mais antigos da actividade matemática”. 9 É possível que noutras sociedades estas formas de comparar precedessem e estimulassem essa substantivação dos numerais. Resumo esquemático Em resumo, podemos constatar que a noção de número (os números naturais mais pequenos) e a possibilidade de falar sobre estas quantidades, ou seja a introdução de numerais falados, foram nascendo num processo de abstracção, cada vez mais, de determinadas propriedades das colecções de objectos que o Homem das sociedades de caçadores e recolectores encontrava, como resposta criadora aos problemas que enfrentava na sua vida diária. A noção de número e a utilização de numerais reflectem a experiência acumulada por ‘inumeráveis’ gerações. Um processo semelhante de abstracção verifica-se na formação de outros conceitos, por exemplo, na noção de ‘cor’. Em esquema: 10 8 9 10 36 Vide Zaslavsky, C., Africa Counts, Boston, 1973, p.19 Vide Bogoshi, J. e outros, The oldest mathematical artefact, The Mathematical Gazette, Londres, nº 71, 1987, p.294 Compare Aleksandrov, A., A general view of mathematics, Mathematics, its contents, methods and meaning, Nova Iorque, 1969, Vol.1, p.10 Cap. 1: Enquadramento objecto considerado como um todo | Comparar tal como um corvo | | tantos...como uma ave tem asas | | | adjectivo pedra negra duas árvores (propriedade de uma colecção de objectos) | | | | | | | substantivo negrura dois (propriedade distinguida dos objectos concretos) | | | | cor número natural A propriedade que é comum a todos os conjuntos cujos elementos podem ser postos numa correspondência biunívoca com as asas de um pássaro, é o número indicado pelo numeral falado ‘dois’ ou pelo numeral escrito ‘2’ (dizendo-se, muitas vezes, abreviadamente, o número ‘dois’). 37 Mapa 1 Distribuição geográfica de algumas línguas e dialectos Zambia Yao akhuwa M ak h u wa e Lohm ti Co abo huw Lolo un gw e Ny Mak M N a Ch yanja g n D eu / Se Shona emaa hi l a Sw onde Se C na Shona/ Ndau Zimbabwe Tshwa Git o n g a Africa do Sul Tsonga -Chang ana Oceano Indico e Chop Ronga Swazi Suazilandia 38 Zulu i Mwani Malawi Nyanja Yao Tanzania Cap. 2: Fontes escritas Capítulo 2 Fontes escritas sobre a numeração e a contagem em Moçambique 2.1 Numerais na língua Makonde (1) Fonte: M. Viegas Guerreiro, Rudimentos da Língua Maconde, Instituto de Investigação Científica de Moçambique, Lourenço Marques, 1963, p. 21-22 CARDINAIS: um dois três quatro cinco seis sete oito nove dez onze doze treze catorze quinze dezasseis vinte vinte e um -mo mbili, -vili natu, -tatu ncheche mwanu mwanu na -mo mwanu na mbili, -vili mwanu na natu, -tatu mwanu na ncheche kumi kumi na -mo kumi na mbili, -vili kumi na natu, -tatu kumi na ncheche kumi na mwanu kumi namwana na -mo, etc. makumi mavili makumi mavili na -mo, etc. 39 A Numeração em Moçambique vinte seis trinta quarenta cinquenta sessenta setenta oitenta noventa cem makumi mavili na mwanu na-mo, etc. makumi matatu makumi ncheche makumi mwanu makumi mwanu na limo makumi mwanu na mavili makumi mwanu na matatu makumi mwanu na ncheche makumi kumi ou imia (imo) Os cardinais -mo, -vili, -tatu tomam, na sua concordância, os prefixos dos substantivos. Atente-se, porém, em que na 1ª e 2ª classes o prefixo de -mo é u- : munu umo, mpini umo. 40 Mapa 2 Distribuição geográfica dos falantes da língua Makonde Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 41 2.2 A contagem entre os Makonde Fonte: M. Viegas Guerreiro, Os Macondes de Moçambique, Lisboa, 1966, Vol. 4, 14-17 1 Quando se pede a um maconde que conte, logo ele utiliza os dedos das mãos. Com o indicador da mão esquerda e os outros dedos recolhidos, baixa o mínimo da mão direita até à palma da mão e em seguida o anelar, médio, indicador, indo o polegar acomodar-se sob o indicador e ficando o punho fechado. E vai dizendo: 1 2 3 4 5 7 imo mbili nnatu ncheche mwanu É, depois, o indicador da mão direita que faz baixar do mesmo modo cada um dos dedos da mão esquerda, e, contado o polegar, bate com os punhos um no outro, pronunciando o número 10: 6 7 8 9 10 mwanu na imo mwanu na mbili mwanu na nnatu mwanu na ncheche kumi 10 Se quer prosseguir, torna a contar o mesmo modo até 10, e, ao bater com os punhos um no outro, diz: 20 makumi mavili 12 E assim por diante até 100: 30 40 50 60 42 makumi matatu makumi ncheche makumi mwanu makumi mwanu na limo 70 80 90 100 makumi mwanu na mavili makumi mwanu na matatu makumi mwanu na ncheche makumi kumi 13 Usa-se muito, em vez da expressão makumi kumi, o vocábulo suaíli imia. 15 Note-se que, com seis palavras apenas, se conta até 100. Usa-se um sistema quinário combinado com outro decimal: mwanu na imo - cinco e um mwanu na mbili - cinco e dois, etc. 19 Kumi (“dez”) tem o plural makumi, e mbili (“dois”), mavili. “Vinte” diz-se makumi mavili (“dois dez”), e “trinta” makumi matatu (“três dez”), sendo matatu o plural de nnatu; e assim por diante. 23 Não se dizem números separados dos nomes dos objectos que se contam. À pergunta de Vapitile vanembo dachi? (“Quantos elefantes passaram?”), respondem com o punho fechado, por exemplo: Vandipita vanembo mwanu (“Passaram cinco elefantes”), e não “Passaram cinco”. Se tiverem de responder “dez”, acompanharão as palavras do batimento de ambos os punhos. E isto tanto de dia como de noite, ainda que os punhos não se vejam. Somam-se aqui dois símbolos do concreto: nomes e dedos. 32 A abstracção máxima de que são capazes, neste domínio, é a que está contida na generalidade do vocábulo vinu (“coisas”): Vinu dachi? - Quantas coisas? Vinu mwanu - Cinco coisas. 36 Não pude achar qualquer relação de sentido entre os nomes dos números e pessoas ou coisas. Em lugar de mwanu (“cinco”), empregam, às vezes, nkono umo (“uma mão”), mas é, segundo afirmam, expressão recente e usada exclusivamente para copos de cerveja: Ngupimila nkono umo [“Dá-me uma mão” (cinco copos de cerveja)]. 42 Não têm numeração escrita. O que fazem é riscos no chão para representar as dezenas; o do número 10 fica mais comprido. O 43 processo é principalmente usando na marcação de pontos, nos jogos. 46 Para contar números maiores costumam dar nós num cordel, de dez em dez unidades. É assim que os presos contam os dias de reclusão, afirma-se. Se trazem coisas para troca e as contaram deste modo em casa, vão desatando os nós à medida que as entregam. 51 Também juntam um a um, em grupos de dez, os objectos que querem trocar (batata doce, bananas, papaias, laranjas, peixes). E, se não estes, pedrinhas que os representem. 54 Em outro tempo contavam também pelos dedos dos pés. Acabados os das mãos, descia o indicador da direita ao dedo grande do pé direito e, passando pelos outros e para o outro pé, completavam a segunda dezena fechando o número com as palavras: 20 kumi na ku madodo (dez e os dos pés) 59 Um homem vulgar sabe contar até 100 e muitas mulheres só até 10. Para além deste número hesitam e, sorrindo, com um sacudido encolher do ombro esquerdo exclamam: Hi! Namanya! (“Não sei”). 63 Algumas encontrei, porém, a contar com desembaraço como os homens. Uma mulher de idade levou os números até 100, acrescentando que aprendera isso no tempo em que ia vender borracha aos Brancos. 67 A influência do quissuaíli é hoje, todavia, muito grande, e uma parte dos homens usa-o para contar as centenas e os grandes números. 70 É escusado dizer que foi o comércio com os Brancos e os trabalhos remunerados que, principalmente, puseram os Macondes na necessidade de ampliar a sua aritmética. Comentários e questões para reflexão 1. Vide linhas 19-20. O leitor concorda com a tradução de “makumi mavili” por “dois dez”? Ou prefere “dez dois”, “dezenas duas” ou outra? 2. Na linha 23 o autor fala em “números”, onde devia empregar a expressão “numerais”. Porquê? 3. O leitor concorda ou não com a afirmação “Não tem numeração escrita” (linha 42)? 4. Na linha 46 seria mais vulgar dizer-se “contar quantidades” em vez de “contar números”. Está errado dizer-se “contar números”? 5. A língua Makonde utiliza as bases de “cinco” e “dez”. Compare com o agrupamento de riscos, nós e pedrinhas (linhas 42-53). 6. Conforme as linhas 59-66, os homens sabiam em geral contar mais do que as mulheres. Quais podem ter sido as razões que contribuíram para tal situação? 45 2.3 Numerais na língua Makonde (2) Fonte: Estêvão Jaime Mpalume & Marcos Agostinho Mandumbwe, Nashilangola wa shitangodi sha Shimakonde, Guia da língua Makonde, Núcleo da Associação dos Escritores Moçambicanos de Cabo Delgado, 1991, p. 100-101, 103, 106 As palavras que indicam a quantidade determinada das pessoas, coisas, animais e das acções e estados ou a sua ordem numa série chamam-se numerais. Numerais cardinais, exprimem o número das coisas, das pessoas e dos animais. Ex: Vila (0), imo (1), mbili (2), natu (3), nceshe (4), mwanu (5), mwanu na imo (6), mwanu na mbili (7), mwanu na natu (8), mwanu na nceshe (9), kumi (10) etc. Os numerais imo, mbili, natu, nceshe, mwanu, kumi, imiya, élupu a sua enumeração é absoluta, e os restantes resultam da combinação ou adição dos numerais mwanu, kumi, imiya e elupu. Ex: mwanu na imo (seis), mwanu na mbili (sete), mwanu na natu (oito), mwanu na nceshe (nove), kumi na imo (onze), kumi na mbili (doze), dimiya mbili (duzentos) dimiya natu (trezentos), dyélupu mbili (dois mil), dyélupu natu (três mil), etc. Todos os numerais concordam com os substantivos, segundo as classes nominais e prefixo de dependência (genitivizado). 1 imo, umo, shimo, limo 2 mbili, vavili, vivili 3 natu, vatatu, vitatu 4 nceshe 5 mwanu 6 mwanu na imo 7 mwanu na mbili 8 mwanu na natu 9 mwanu na nceshe 10 kumi 11 kumi na imo 12 kumi na mbili 46 13 14 15 16 20 21 30 40 kumi na natu kumi na nceshe kumi na mwanu kumi na mwanu na imo makumi mavili makumi mavili na imo makumi matatu makumi nceshe Sentido de adição, subtracção, multiplicação e divisão Adição Na língua makonde, a operação que serve para somar, juntar, reunir, aumentar, adicionar, para saber a soma ou total, é kwanjedya. Exemplo: mbili kwanjedya natu, pamo mwanu (dois mais três é igual a cinco). Subtracção Para tirar, diminuir ou subtrair, para saber o resto ou a diferença, para saber quanto sobra menos ou quanto falta é kupungula. Exemplo: mwanu kupungula natu dijalila mbili (cinco menos três restam dois). Multiplicação A multiplicação indica-nos “vezes mais”. Em Shimákonde “vezes mais” é mwanda (singular) e myanda (plural), ou imindi (singular) e dimindi (plural). Exemplos: * natu kwa mwanda umo, pamo natu (três vezes um é igual a três) * natu kwa myanda mivili, pamo mwanu imo (três vezes dois é igual a seis) * natu kwa imindi imo, pamo natu (três vezes um é igual a três) * natu kwa dimindi mbili, pamo mwanu na imo (três vezes dois, é igual a seis). 47 Divisão Dividir é repartir, é distribuir. Em Shimákonde, dividir é kujava. Exemplos: * nceshe kujavania kwa mbili ni mbili (quatro a dividir por dois dá dois) * nceshe kujavania kwa imo ni nceshe (quatro a dividir por um dá quatro). 48 Cap. 2: Fontes escritas Mapa 3 Distribuição geográfica dos falantes da língua Yao Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 49 A Numeração em Moçambique 2.4 Numerais na língua Yao Fonte: Miguel J. Viana, Dicionário de Português - Chi-Yao e Chi-Yao - Português, Memória do Instituto de Investigação Científica de Moçambique, Lourenço Marques, 1961, Vol. 3, 1-172, p. 16-17 A numeração chi-yao compõe-se basicamente de 1, 2, 3, 4, 5, 10 e 100. Os demais números formam-se combinando aqueles entre si. Os números 1, 2 e 3 simples ou compostos, concordam com os substantivos, conforme a classe a que pertencem, e formam-se, portanto, fazendo-os preceder dos respectivos prefixos especificativos ou relativos. Os números 4 e 5 são invariáveis. Os números 10 e 100 funcionam como substantivos da 5ª classe (likumi/ma, lichila/ma). Numerais cardinais: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 50 -mo -widi, -wili tatu mcheche msano msano na (ou bambu) -mo msano na (ou bambu) -widi, etc. msano na (ou bambu) tatu msano na (ou bambu) mcheche likumi likumi kwisa (ou bambu) -mo likumi kwisa (ou bambu) -widi ,etc. likumi kwisa (ou bambu) tatu likumi kwisa (ou bambu) mcheche likumi kwisa (ou bambu) msano likumi kwisa (ou bambu) msano na -mo likumi kwisa (ou bambu) msano na -widi, etc. likumi kwisa (ou bambu) msano na tatu likumi kwisa (ou bambu) msano na mcheche makumi gawidi makumi gawidi kwisa (ou bambu) -mo makumi gawidi kwisa (ou bambu) -widi, etc. 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 40 42 46 47 50 60 70 73 78 80 90 99 100 102 110 116 127 199 200 makumi gawidi kwisa (ou bambu) tatu makumi gawidi kwisa (ou bambu) mcheche makumi gawidi kwisa (ou bambu) msano makumi gawidi kwisa (ou bambu) msano na -mo makumi gawidi kwisa (ou bambu) msano na -widi, etc. makumi gawidi kwisa (ou bambu) msano na tatu makumi gawidi kwisa (ou bambu) msano na mcheche makumi gatatu makumi gatatu kwisa gatatu kwisa (ou bambu) -mo makumi gatatu kwisa (ou bambu) -widi, etc. makumi gatatu kwisa (ou bambu) tatu makumi gatatu kwisa (ou bambu) mcheche makumi gatatu kwisa (ou bambu) msano makumi gatatu kwisa ( (ou bambu) msano na -mo makumi mcheche makumi mcheche kwisa (ou bambu) -widi, etc. makumi mcheche kwisa (ou bambu) msano na -mo makumi mcheche kwisa (ou bambu) msano na -widi, etc. makumi msano makumi msano na limo makumi msano na gawidi makumi msano na gawidi kwisa (ou bambu) tatu makumi msano na gawidi kwisa (ou bambu) msano na tatu makumi msano na gatatu makumi msano na mcheche makumi msano na mcheche kwisa (ou bambu) msano na mcheche lichila lichila kwisa (ou bambu) -widi, etc. lichila kwisa (ou bambu) likumi lichila kwisa (ou bambu) likumi kwisa (ou bambu) msano na mo lichila kwisa (ou bambu) makumi gawidi kwisa (ou bambu) msano na -widi, etc. lichila kwisa (ou bambu) makumi msano na mcheche machila gawidi 51 283 machila gawidi kwisa (ou bambu) makumi msano na gatatu kwisa (ou bambu) tatu 1000 machila likume. 1965 machila likumi kwisa (ou bambu) msano na mcheche kwisa (ou bambu) makumi msano na limo kwisa (ou bambu) msano. 2000 machila makumi gawidi Exemplos: litete limo lukosyo lumo chipula chimo maganga gatatu isopo itatu kajuni katatu ndembo siwidi wandu wawidi ipewa iwidi musogo makumi usano na gawidi nyuchi likumi siwidi chiswi chimo na imbanga makume gatatu kwisa msano na iwidi um caniço. um clã. uma faca. três pedras três anzóis. três passarinhos. dois elefantes. dois homens. dois chapéus. setenta cães-do-mato doze abelhas. um leopardo e trinta e sete milhafres. Comentários e questões para reflexão 1. Concorda ou não com a utilização do termo “número” nas linhas 2 e 3? Porquê? 2.5 A contagem entre os Yao Fonte: Manuel Gama Amaral, O povo Yao, subsídios para o estudo de um povo do noroeste de Moçambique, Instituto de Investigação Científica e Tropical, Lisboa, 1990, p.437-439 Na contagem usam os wayao apenas seis vocábulos diferentes: os números de um a cinco e o número dez. Todos os demais resultam da combinação dos primeiros cinco entre si ou com o número dez. Contrariamente ao que é habitual a quem costuma contar pelos dedos, que o faz, geralmente, com a mão esquerda aberta e com o indicador da mão direita apontando os dedos a partir do mínimo que é o “um”, até o polegar, que é o “cinco” e voltando ao mínimo como (seis), seguindo até o polegar, que será o “dez”, os wayao fazem a contagem dos primeiros cinco números fechando os dedos da mão esquerda sobre o respectivo polegar. Com o dedo polegar da mão direita levantam e estendem o dedo mínimo da mão esquerda dizendo “cimo”, um (subentendendo “cala”, dedo); repetem o gesto, em relação ao anelar, médio e indicador, dizendo, respectivamente: “iwili”, “itatu”, “ncece” (subentendendo “iyaka”, dedos). E chegando ao número cinco fecham, de novo, os quatro dedos sobre o polegar, dizendo “nsano”, cinco. A contagem de cinco a nove é feita da seguinte forma: a mão esquerda mantém-se fechada sobre o polegar enquanto se vão introduzindo os dedos da mão direita, um de cada vez e a partir do mínimo até o indicador, debaixo dos dedos da mão esquerda, fechada, e contando: “nsano nacimo”, seis, para o mínimo; “nsano naiwili”, sete, para o anelar; “nsano naitatu”, oito, para o médio; “nsano nancece”, nove, para o indicador. Contando o nove abrem ambas as mãos e, batendo-as, dizem: “likumi”, dez. De dez a quinze a contagem é feita de modo idêntico à de cinco a dez, isto é, com a mão esquerda fechada sobre o polegar e sendo a contagem feita com os dedos da mão direita que se vão introduzindo debaixo dos dedos da mão esquerda fechada, pela seguinte forma: introduz-se o mínimo e diz-se “likumi kwisa cimo” onze; para o anelar diz-se “likumi kwisa iwili”, doze; para o médio diz-se “likumi kwisa itatu”, treze. Chegado aqui não se introduz o polegar para contar quinze, mas sim, retira-se a mão direita e, abrindo-a, voltada para 53 A Numeração em Moçambique cima, faz-se um gesto para a frente, como quem vai depositar alguma coisa e diz-se “likumi kwisa nsano”, quinze. De quinze a dezanove segue-se o mesmo processo utilizado de dez a catorze. Ao chegar a vinte, com a mão direita aberta, faz-se o gesto de quem se vai apoderar de alguma coisa (neste caso a contagem até quinze) seguindo-se um duplo batimento de mãos e pronunciando “makumi gawili”, vinte. As dezenas seguintes são assinaladas por três, quatro, etc., batimentos de mãos, seguidos da indicação da terceira, quarta, etc., dezenas. Likumi, dez, parece ter origem nas palavras “ligasa”, mão aberta, e no verbo “kuwika”, juntar. A seguir relaciono os numerais cardinais, em língua Ciyao, a partir de um até mil: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 54 cimo iwili itatu ncece nsano nsano nacimo nsano nawili nsano naitatu nsano nancece likumi likumi kwisa cimo likumi kwisa iwili likumi kwisa itatu likumi kwisa ncece likumi kwisa nsano likumi kwisa nsano nacimo likumi kwisa nsano naiwili likumi kwisa nsano naitatu likumi kwisa nsano nancece makumi gawili makumi gawili kwisa cimo makumi gawili kwisa iwili makumi gawili kwisa itatu 24 25 26 27 28 29 30 31 40 41 50 51 60 61 70 71 80 81 90 91 100 101 200 201 300 301 400 500 600 700 800 900 1000 makumi gawili kwisa ncece makumi gawili kwisa nsano makumi gawili kwisa nsano nacimo makumi gawili kwisa nsano naiwili makumi gawili kwisa nsano naiwili makumi gawili kwisa nsano nancece makumi gatatu makumi gatatu kwisa cimo, etc. makumi ncece makumi ncece kwisa cimo, etc. makumi nsano makumi nsano kwisa cimo, etc. makumi nsano nalimo makumi nsano nalimo kwisa cimo, etc. makumi nsano nagawili makumi nsano nagawili kwisa cimo, etc. makumi nsano nagatatu makumi nsano nagatatu kwisa cimo, etc. makumi nsano nancece makumi nsano nancece kwisa cimo, etc. licila licila kwisa cimo, etc. macila gawili macila gawili kwisa cimo, etc. macila gatatu macila gatatu kwisa cimo, etc. macila ncece macila nsano macila nsano kwisa cimo macila nsano kwisa gawili ou macila nsano nagawili macila nsano kwisa gatatu ou macila nsano nagatatu macila nsano nancece macila likumi. 55 Comentários e questões para reflexão 1. 2. Observando a tabela de numeração em Yao fornecida pelo autor, concorda ou não com a afirmação na primeira linha, segundo a qual os Yao usam “apenas seis vocábulos diferentes”? Analisando o texto, indique onde o autor emprega a palavra “número” de forma errada. Mapa 4 Distribuição geográfica dos falantes da língua Nyanja Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 57 A Numeração em Moçambique 2.6 Numerais na língua Nyanja Fonte: Missionários da Companhia de Jesus, Elementos da Gramática Cinyanja, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa, 1964, p. 56-58 Os numerais concordam com as coisas numeradas, como qualquer adjectivo em número e classe; e por isso apresentamos só o radical precedido de +. Numerais cardinais: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 16 20 21 60 61 75 100 200 1000 58 +modzi +wiri +tatu +nai +sanu +sanu ndi + modzi +sanu ndi +wiri +sanu ndi +tatu +sanu ndi +nai khumi khumi ndi +modzi khumi ndi +wiri khumi ndi +sanu ndi +modzi makumi awiri makumi awiri ndi +modzi makumi asanu ndi limodzi makumi asanu ndi limodzi ndi +modzi makumi asanu ndi awiri ndi +sanu dzana ou makumi khumi madzana awiri ou makumi khumi kawiri (duas vezes dez dezenas) cikwi ou madzana khumi (dez centenas) Observação: O cinyanja, muito pobre na numeração, chega só até cinco (+sanu). Daí para diante vai somando; 6 (5+1), +sanu ndi +modzi, até 10 (dez ou dezena), khumi (da 6ª classe); 11 (10+1), khumi ndi + modzi; 16 (10+5+1), khumi ndi +sanu ndi +modzi; 22 (2 dezenas + 2), makumi awiri ndi +wiri; 38 (3 dezenas +5+3), makumi atatu ndi +sanu ndi +tatu; 69 (5 dezenas +1 dezena +5+4), makumi asanu ndi limodzi ndi +sanu ndi +nai, ou makumi asanu ndi limodzi kudza +sanu ndi +nai, ou ainda makumi asanu ndi limodzi, kudza mphambu zisanu ndi zinai (5 dezenas + 1 dezena, vindo 5+4 unidades). Como se pode verificar, quanto mais cresce o número mais complicada é a contagem. Por isso, a partir de cinco passa-se a contar em inglês ou português. Os vocábulos kudza (do verbo kudza vir, sobreviver), e mphambu (unidade) são imprescindíveis em frases que originariam confusão. Exemplo: 87 pessoas (5 dezenas + 3 dezenas + 5 unidades + 2 unidades de pessoas) seria: anthu makumi asanu ndi atatu, kudza mphambu zisanu ndi ziwiri, ou anhtu makumi asanu ndi atatu, kudza anthu asanu ndi awiri , e não simplesmente: anthu makumi asanu ndi atatu ndi asanu ndi awiri, porque pela igualdade de características de concordância de anthu (pessoas) e makumi (dezenas) tanto se poderia entender: 5 dezenas + 3 dezenas + 5 dezenas + 2 dezenas de pessoas (=150 pessoas), como 5 dezenas + 3 dezenas de pessoas +5+2 pessoas (=87 pessoas). Comentários e questões para reflexão 1. 2. Comente a afirmação segundo a qual a língua Nyanja é “muito pobre na numeração” (linha 6). Considere o parágrafo das linhas 15-17. O argumento apresentado pelos autores é ou não suficiente e relevante para a conclusão a que chegam? 59 A Numeração em Moçambique Mapa 5 O Distrito de Macanga Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 60 Cap. 2: Fontes escritas 2.7 Sentido numérico Cheua Fonte: A.Rita-Ferreira, Os Cheuas da Macanga, in: Memórias de Investigação Científica de Moçambique, Lourenço Marques, 1966, Vol. 8, p. 259 1 Os Cheuas manifestam acentuada limitação do sentido matemático e geométrico, limitação que se não deve atribuir a defeito intelectual mas unicamente à carência de incentivos. À medida que, sob o impulso da civilização, vão desenvolvendo as suas necessidades económicas, desenvolvem também a arte de contar. Sintomática desta evolução é a adopção do sistema decenal oriundo de Tete e, mais modernamente, dos numerais portugueses. 8 O jogo das pedras conhecido por tsolo demonstra que o sentido numérico não é tão deficiente como parece. Podem contar-se sete numerais: 1 2 3 4 5 10 100 -modzi -wiri -tatu -nai -sanu -khumi -dzana. 11 O sistema é pois quinário. Qualquer outro número deve ser feito com combinações destas sete palavras. Por exemplo, para designar 8 dir-se-á sanu ndi tatu, para designar-se 21 dir-se-á makumi awiri ndi modzi. Esta crescente complicação da frase à medida que aumenta a quantidade, levou, como dissemos, à adopção dos numerais portugueses e ingleses. 17 Na contagem de dinheiro usam os Cheuas da Macanga as expressões: kobiri (corrupção de cobre), para designar a moeda de $50, e drama, para indicar a moeda de 5$00. A importância de 2$50 será referida por kobiri asanu, e a de 50$00 por drama khumi. Os trabalhadores migratórios regressados dos territórios estrangeiros vizinhos introduziram o hábito de designar o dinheiro segundo termos britânicos, dado que entre o nosso sistema e o 61 esterlino existia certa correlação. Assim, a moeda de $50 passou a ser conhecida por peny, a de 1$00 por two pence, a de 2$50 por six pence, a de 5$00 por shirini (corrupção de “shilling”), e, enfim, a nota de 100$00 por bondo (corrupção de “pound”). Hoje mesmo, apesar dos esforços das autoridades, esta terminologia continua em voga, provocando compreensíveis confusões derivadas da desvalorização da libra. Comentários e questões para reflexão 1. 2. 3. 4. 5. Concorda ou não com a afirmação sobre a “acentuada limitação do sentido matemático” e a explicação da mesma dada pelo autor (linhas 1-7)? Considera ou não contar uma arte (linha 5)? Porquê? Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora, 6ª edição), ‘decenal’ significa “que dura dez anos; que se realiza de dez em dez anos”. Acha o termo o mais adequado para ser utilizado na linha 6? O sistema de numeração cheua é classificado de quinário pelo autor. Concorda ou não com esta classificação? Porquê? Concorda ou não com a explicação dada pelo autor para a adopção de numerais portugueses e ingleses (linha 15 e seg.)? 2.8 Numerais na língua Nyungwe Fonte: Victor J. Courtois, Elementos de Grammática Tetense (1887), 1890, p.39 Numerais Cardinais. São aqueles que indicam o número. Tomam o prefixo dos nomes que determinam. 0 paribe, ou papezi 1 posi; e bodzi, modzi, adjectivo indefinido 2 piri 3 tatu 4 nai 5 xanu 6 tant’atu 7 chinomue 8 sere 9 f’emba 10 k’umi 11 k’umi na ibodzi 12 k’umi na ziwiri 13 k’umi na zitatu 14 k’umi na zinai 20 mak’umi mawiri 21 mak’umi mawiri na ibodzi 22 mak’umi mawiri na ziwiri 23 mak’umi mawiri na zitatu 30 mak’umi matatu 31 mak’umi matatu na ibodzi 40 mak’umi manai 50 mak’umi maxanu 60 mak’umi matant’atu 70 mak’umi manomue 80 mak’umi masere 90 mak’umi maf’emba quando 63 100 101 110 120 200 300 500 900 1000 2000 3000 10000 dzana dzana na ibodzi dzana na k’umi dzana na mak’umawiri madzana mawiri madzana matatu madzana maxanu madzana maf’emba churu bzuru bziwiri bzuru bzitatu bzuru k’umi, etc. Observação: A contabilidade do preto é simples e limitadíssima. Procede sempre por dezenas, e por cada uma dá um nó numa corda, ou um golpe num pau, ou, ainda, junta umas pedrinhas. É pelas dezenas que faz suas contas. Os adjectivos numerais cardinais concordam com o substantivo que determinam, tomando o prefixo que lhe pertence. Exemplos: wana wanomue, sete crianças; akazi atatu, três mulheres; p’aza ribodzi, uma enxada; mp’ete zixanu, cinco anéis; bzisu bzisere, oito facas; want’ u k’umi, dez pessoas; miti miwiri, duas árvores; ntsomba zinai, quatro peixes; mauta mak’umi mawiri, vinte arcos; mbarame zitant’atu, seis aves; miadiya mif’emba, nove canhôas; achikunda k’umi na anai, quatorze soldados. Comentários e questões para reflexão 1. Comente a observação segundo a qual a “contabilidade do preto é simples e limitadíssima” (linha 1). Contabilidade? Simples? Limitadíssima? Mapa 6 Distribuição geográfica dos falantes da língua Nyungwe Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 65 A Numeração em Moçambique Mapa 7 Distribuição geográfica dos falantes da língua Makhuwa-Lóhmé Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 66 Cap. 2: Fontes escritas Mapa 8 Distribuição geográfica dos falantes da língua Cóti Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 67 A Numeração em Moçambique 2.9 Numerais em Makhuwa-Lóhmé, Cóti e Árabe Fonte: António Pires Prata, Gramática da Língua Macua e seus Dialêctos, Cucujães, 1960, p. 118-145 1 Os povos macuas têm os seus números próprios, mais ou menos comuns aos bantus. Os do litoral, mais influenciados pelos árabes, adoptaram ou pelo menos conhecem outras numerações. 5 Os povos de Angoche conhecem a numeração macua, mas ordinariamente adoptam a numeração recebida dos árabes ou outra mais propriamente sua, também usada em suaíli. A fim de as poder conhecer e comparar, damos abaixo essas três numerações. 10 Os numerais cardinais são, pois, os seguintes (vide p. 70 - 75). Como se vê, os numerais simples em macua são apenas oito: mosa, pili, tharu (-raru), -sheshe, -thanu, -muloko, mía e álufu. Mmosa admite o plural amosa que representa então um verdadeiro indefinido: uns ,umas, e quando repetido amosa...amosa...”uns ... outros...”; “umas ... outras...”. 16 Mmosa pode receber os sufixos -ru e -tu (ou -thu), tomando as formas de mmosaru e mmosatu, tendo então o sentido de um só, único. Amosa pode ser um plural respeitoso. Ex.: Kohona athyana amosa, vi uma mulher. 20 Todos os outros são compostos destes. Mulokó ou mlokó é um substantivo com significado de grupo, fileira, linha, etc., (aqui tem o de dezena ou grupo de dez) e por isso faz o plural Milokó na formação dos números além de 19. Emía tem o plural imía, mas geralmente emprega-se a forma invariável mía. 26 Nalgumas regiões do Distrito de Quelimane e do de Cabo Delgado em vez de muloko, para significar dez, usam khumi 68 (invariável, como na língua cóti) ou kumi, podendo esta palavra, como substantivo que é, fazer o plural makumi ou makhumi. 30 Em Lómuè também em vez de mia emprega-se nsana, recebido das línguas do sul, por meio do chuabo ou chissena. Masama, plural de nsana, e makhumi (ou makumi) têm as concordâncias da classe ma. Àlufu ou alfu ou elfu é invariável. Tanto mia como àlufu têm as concordâncias da classe E-l. 36 Notemos que a contagem acima das primeiras dezenas e das centenas só teoricamente tem um valor, pois habitualmente, por ser ela muito complicada, é substituída pela contagem portuguesa ou pelo árabe onde são conhecidas. Junto à fronteira da Niassalândia [Malawi] também por alguns é conhecida e empregada a contagem inglesa. 42 Os números expressos no quadro servem para a contagem absoluta ou seja para a contagem sem substantivos ou só com substantivos da classe E e S. Juntos dos substantivos tomam, para a concordância, os prefixos nominais como se pode ver pelo quadro seguinte: Quadro dos numerais cardinais em concordância com as classes CLASSE UM DOIS TRÊS QUATRO A Mmosa Áili Araru Asheshe Ma Nimosa Maíli Mararu Masheshe Mi Mmosa Mili Miraru Misheshe O Mmosa Mili Miraru Misheshe I Emosa Pili Tharu Misheshe S Emosa Pili Tharu Misheshe O Omosa Opili Otharu Osheshe Mu Mmosa Mopili Motharu Mosheshe Va Vamosa Vaíli Vararu Vasheshe 69 CLASSE CINCO SEIS SETE A Athanu Athanu na mmosa Athanu n'aíli Ma Mathanu Mathanu na mimosa Mathanu na maíli Mi Mithanu Mithanu na Mmosa Mithanu na mili O Mithanu Mithanu na Mmosa Mithanu na mili I Thanu Thanu na mosa Thanu na pili S Thanu Thanu na mosa Thanu na pili O Othanu Othanu n'omosa Othanu n' opili Mu Mothanu Mothanu na mmosa Mothanu na mopili Va Vathanu Vathanu na váili Vathanu na vamosa 47 Observações a este quadro: 1. Em vez de -mosa usam-se também as seguintes formas: -moza (no litoral, nas regiões de A. Enes [Angoche], Mogincual, Moçambique [Ilha], Mossoril, etc.) -modha (dialecto nampamela, A. Enes e Moma); -moha, -mohi e -mosi (dialectos lóhmé e chirima); moka, motca e motci, (meto e macua do Distrito de Cabo Delgado); moja (dialecto chaca). 2. Áili e máili (tonalidade alta na última sílaba) ouvem-se muitas vezes pronunciar eli e meli (por contracção de ai) e mais raramente também áili e máyili. 3. Em vez de aili, maili, mili e pili usam-se no litoral do distrito de Moçambique as formas nasaladas: enli, menli, minli e pinli. 4. Em vez de sheshe também usam-se as formas isheshe (chirima), tceshe, (meto e macua do Distrito de Cabo Delgado, etc.) keshe e kese (Sangage, etc.) e sese (Nampamela). 5. Em Nampula, Meconta, etc., usam-se as formas aili ou ayili e maili ou mayili que nos parecem mais correctas. 6. Em vez de tharu ou itharu também há quem pronuncie taru, tcaru, tcharu e tjaru, assim como também quem diga ithanu, tchanu, tcanu e tjanu, em vez de thanu. 67 Para a composição de números usam-se das copulativas ni e na, cujo significado é “e” ou “com”. Ni é de língua macua e na provém de língua estranha. Na sobreposição dos números digitos 1, 2, 3, 4, 5, 10, 20, 30 e 40 emprega-se na ou ni, podendo-se dizer thanu na mosa ou thanu ni mosa (6), prevalecendo na no litoral e ni no interior, depois de 10. 73 Na sobreposição dos números a números superiores a 50 usa-se de na para a junção de dezenas e centenas; e ni para os números digitos, mosa, pili, tharu, sheshe e thanu ou thanu na ... Ex.: Miloko mithanu na mili ni thanu na sheshe - 79. Com os nomes das classes A e O os numerais têm as concordâncias e formas especiais: Nakhuwo miraru, três plantas de milho. Ovilo miraru ola ori va, estes três cogumelos que estão aqui. Comentários e questões para reflexão 1. 2. 3. 4. Comente a utilização do termo “número” nas linhas 1, 67, 70, 73 e 75. Porque será que uma palavra com o significado de grupo, fileira, linha, etc. (vide linhas 21-22) pode ter ficado um numeral? Concorda com a explicação dada pelo autor nas linhas 36-39 para o facto de a numeração makhuwa ser frequentemente substituída pela numeração em Português ou em Árabe? Observe bem o quadro de numeração entre dez mil e um milhão. Compare as três línguas. 71 A Numeração em Moçambique 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 72 MACUA CÒTI ÁRABE Mosa Pili (ili) Tharu (raru) Sheshe Thanu Thanu na mosa ou mmosa Thanu na pili Thanu na tharu Thanu na sheshe Mulokó ou mlokó ou nlokó Mulokó na (ou ni) mosa Mulokó na (ou ni) pili Mulokó na (ou ni) tharu Mulokó na (ou ni) sheshe Mulokó na (ou ni) thanu Mulokó na (ou ni) thanu na mosa Mulokó na (ou ni) thanu na pili Mulokó na (ou ni) thanu na tharu Mulokó na (ou ni) thanu na sheshe Milokó mili Miloko mili na (ou ni) mosa Miloko mili na (ou ni) pili Moti Piri Thathu Nne Thanu Sithá Wahiti Tineni, tinini Thalata Àruba, arba Hámusa Sithá Sabá Nane Tísya (Kentha) Khumi Khumi na mote Sabá Thamania Tísya Ashara, anshara, eshara Wahitanshara Khumi na piri Tinentashara Khumi na thathu Thalatashara Khumi na nne Arubatashara Khumi na thanu Hams(i)tashara Khumi na sithá Sitashara Khumi na sába Sabatashara Khumi na nane Thamaniatashara Khumi na tísya Tisyatashara khumi piri Ashirini ou eshirini khumi piri na Wahiti w'eshirini mote khumi piri na piri Tineni w'eshirini MACUA 23 Miloko mili na (ou ni) tharu 24 Miloko mili na (ou ni) sheshe 25 Miloko mili na (ou ni) thanu 26 Miloko mili na (ou ni) thanu na mosa 27 Miloko mili na (ou ni) thanu na pili 28 Miloko mili na (ou ni) thanu na tharu 29 Miloko mili na (ou ni)thanu na sheshe 30 Miloko miraru 40 Miloko misheshe 50 Miloko mithanu 51 Miloko mithanu ni mosa 52 Miloko mithanu ni pili 53 Miloko mithanu ni tharu 54 Miloko mithanu ni sheshe 55 Miloko mithanu ni thanu 59 Miloko mithanu ni thanu na sheshe 60 Miloko mithanu na mosa ou miloko nithanu ni mloko mosa 61 Miloko mithanu na mosa ni mosa 62 Miloko mithanu na mosa ni pili CÒTI ÁRABE khumi piri na Thalata w'eshirini thathu khumi piri na nne Àruba w'eshirini khumi piri na thanu khumi piri na sítha khumi piri na saba khumi piri na nane khumi piri na tísya khumi thathu khumi nne khumi thanu khumi thanu na mote khumi thanu na piri khumi thanu na thathu khumi thanu na nne khumi thanu na thanu khumi thanu na tísya khumi sítha khumi sítha na mote khumi sítha na piri Hamsa w'eshirini Sithá w'eshirini Sabá w'eshirini Thamanía w'eshirini Tísya w'eshirini Thalathini Arubaíni Ham(u)sini Wahiti wa hamsini Tineni wa hamsini Thalata wa hamsini Àruba wa hamsini Hamsa wa hamsini Tísya wa hamsini Sithini Wahiti wa sithini Tineni wa sithini 73 MACUA 69 Miloko mithanu na mosa ni thanu na sheshe 70 Miloko mithanu na mili 71 Miloko mithanu na mili na (ou ni) mosa 72 Miloko mithanu na mili na (ou ni) pili 73 Miloko mithanu na mili na (ou ni) tharu 74 Miloko mithanu na mili na (ou ni) sheshe 75 Miloko mithanu na mili na (ou ni) thanu 78 Miloko mithanu na mili na (ou ni) thanu na tharu 80 Miloko mithanu na miraru 90 Miloko mithanu na misheshe 97 Miloko mithanu na misheshe na thanu na pili 100 Miloko muloko ou Milokosene mloko ou Emia ou mía 101 Miloko muloko na (ou ni) mosa ou Emia ou mía na mosa CÒTI ÁRABE khumi sítha na tísya Tísya wa sithini Sabíni Sabíni ou sabaíni Sabíni na mote Wahiti wa sabini Sabíni na piri Tineni wa sabini Sabíni na thathu Thalata wa sabini Sabíni na nne Àruba wa sabini Sabíni na thanu Hamsa wa sabini Sabíni na nane Thamanía wa sabini Thamanini Thamanini Tuswini ou tiswini Tisini Tuswini na sába Sabá wa tisini Mía Mia Mía na mote Mia na wahiti MACUA 102 Miloko muloko na (ou ni) pili ou Emia ou mía na pili 103 Miloko muloko na (ou ni) tharu ou Emia ou mía na tharu 104 Miloko muloko na (ou ni) sheshe ou Emia ou mía na tsheshe 105 Miloko muloko na (ou ni)thanu ou Emia ou mía na thanu 107 Miloko muloko na (ou ni) thanu na pili 110 Miloko muloko na (ou ni) muloko ou Emia ou mía na muloko 120 Miloko muloko na (ou ni) muloko mili ou Emia ou mía na muloko mili 130 Miloko muloko na (ou ni) muloko miraru ou Emia ou mía na muloko miraru CÒTI ÁRABE Mía na piri Mia na tineni Mía na thathu Mia na thalata Mía na nne Mia n'áruba Mía na thanu Mia na hamsa Mía na sába Mia na sabá Mía na khumi Mia n'ashara Mía na khumi piri Mia n'eshirini Mía na khumi thathu Mia na thalathini 75 MACUA 140 Miloko muloko na (ou ni) muloko misheshe ou Emia ou mía na muloko misheshe 150 Miloko muloko na (ou ni) muloko mithanu ou Emia ou mía na muloko mithanu 160 Miloko muloko na (ou ni) muloko mithanu na mmosa 170 Miloko muloko na (ou ni) muloko mithanu na mili 180 Miloko muloko na (ou ni) muloko mithanu na miraru 190 Miloko muloko na (ou ni) muloko mithanu na misheshe 200 Miloko muloko mili ou milokosene muloko mili 300 Miloko muloko miraru ou milokosene muloko miraru 400 Miloko muloko misheshe ou milokosene muloko misheshe CÒTI ÁRABE Mía na khumi nne Mia n'arubaini Mía na khumi thanu Mia na hamsini Mía na khumi sithá Mia na sithini Mía na sabíni Mia na sabini Mía na thamanini Mia na thamanini Mía na tuswini Mia na tisini Mía piri Mitini Mía thathu Thalata mia Mía nne Áruba mia MACUA 500 Miloko muloko mithanu ou milokosene muloko mithanu 600 Miloko muloko mithanu na mosa 700 Miloko muloko mithanu na mili 800 Miloko muloko mithanu na miraru 900 Miloko muloko mithanu na misheshe 1000 Miloko muloko miloko ou álufu ou álfu ou elfu ou Imia muloko ou mia muloko 2000 Álifu pili 3000 Álufu tharu 4000 Álufu sheshe 5000 Álufu thanu 10. Laki ou lakhi 000 100. 000 1.000 .000 CÒTI ÁRABE Mía thanu Hamsa mia Mía sithá Sithá mia Mía sabá Sabá mia Mía nane Thamania mia Mía tísya Tísya mia Àlufu Alfu ou elfu Àlufu piri Àlufu thathu Àlufu nne Àlufu thanu Àlufu khumi Alfeini ou elfeini Thalata alfu Árabu alfu Hamsa alfu Asharatalafu Lakhi Miatalafu Lakhi khumi Ashara laki 77 Mapa 9 Distribuição geográfica dos falantes da língua Sena Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia Cap. 2: Fontes escritas 2.10 Numerais na língua Sena Fonte: J. Torrend, Gramática do Chisena - A grammar of the language of the lower Zambezi, Missão de Chipanga, Chipanga, 1900, p. 81-83 Os numerais cardinais um dois três quatro cinco seis sete oito nove -bodzi -wiri -tatu -nai -xanu -tant’atu -nomeu -sere -femba com os três seguintes quantos? o mesmo identicamente muitos -ngasil -bidzibodzi -zinji são adjectivos. Nota-se que k’umi, dez, pl. makumi; dz-ana, cem, pl. ma-dz-ana; e chikui, mil só se empregam como substantivos. Os números cardinais de um a nove têm também formas de substantivos. Tratados como tais os seguintes pertencem à classe MUA: um dois três cinco seis oito nove posi piri tatu xanu tant’atu sere femba 79 A Numeração em Moçambique À classe CHI pertencem quatro sete 80 chi-na chi-nomue Mapa 10 Distribuição geográfica dos falantes da língua Shona (Ndau) Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 81 2.11 Numerais na língua Shona (Ndau) Fonte: D. Dale, S.J., Shona Companion, Mambo Press, Zimbabwe, [1968], 1986, p. 230-231 Numerais Cardinais: Um dólar: Dois dólares: Três dólares: Quatro dólares: Cinco dólares: Seis dólares: Sete dólares: Oito dólares: Nove dólares: Dez dólares: Onze anos: Doze anos: Treze anos: Catorze anos: Quinze anos: Dezasseis anos: Dezassete anos: Dezoito anos: Dezanove anos: Vinte anos: 22 dias: 30 dias: 33 dias: 40 dias: 44 dias: 50 dias: 55 dias: 60 dias: 66 dias: 70 dias: 77 dias: 82 dhora rimwe chete madhora maviri madhora matatu madhora mana madhora mashanu madhora matanhatu madhora manomwe madhora masere madhora mapfumbamwe madhora gumi makore gumi nerimwe chete makore gumi namaviri makore gumi namatatu makore gumi namana makore gumi namashanu makore gumi namatanhatu makore gumi namanomwe makore gumi namasere makore gumi namapfumbamwe makore makumi maviri/ makumi maviri amakore mazuva makumi maviri ana maviri mazuva makumi matatu mazuva makumi matatu ana matatu mazuva makumi mana mazuva makumi mana ana mana mazuva makumi mashanu mazuva makumi mashanu ana mashanu mazuva makumi matanhatu mazuva makumi matanhatu ana matanhatu mazuva makumi manomwe mazuva makumi manomwe ana manomwe Cap. 2: Fontes escritas 100 soldados: 1000 soldados: masoja zana/ zana ramasoja masoja chiuru/ chiuru chamasoja Uma cabeça de gado: Duas cabeças de gado: Três cabeças de gado: Quatro cabeças de gado: Cinco cabeças de gado: Seis cabeças de gado: Sete cabeças de gado: Oito cabeças de gado: Nove cabeças de gado: Dez cabeças de gado: Onze Doze Treze Catorze Quinze Dezasseis Dezassete Dezoito Dezanove Vinte mombe imwe chete mombe mbiri mombe nhatu mombe ina mombe shanu mombe nhanhatu mombe nomwe mombe sere/ tsere mombe pfumbamwe mombe gumi/ gumi repondo milhas: milhas: milhas: milhas: milhas: milhas: milhas: milhas: milhas: milhas: 22 casas: 30 casas: 33 casas 40 casas: 44 casas: 50 casas: 55 casas: 60 casas: maira gumi neimwe chete maira gumi nembiri maira gumi nenhatu maira gumi neina maira gumi neshanu maira gumi nenhanhatu maira gumi nenomwe maira gumi nesere/ tsere maira gumi nepfumbamwe maira makumi maviri/ makumi maviri amamaira dzimba makumi maviri ane mbiri dzimba makumi matatu dzimba makumi matatu ane nhatu dzimba makumi mana dzimba makumi mana ane ina dzimba makumi mashanu dzimba makumi mashanu ane shanu dzimba makumi matanhatu 100 bois: 200 bois: 1000 bois: 2000 bois: mombe zana/ zana remombe mombe mazana maviri/ mazana maviri emombe mombe churu/ churu chemombe mombe zviuru zviviri. 83 Mapa 11 Distribuição geográfica dos falantes da língua Tshwa Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 84 Cap. 2: Fontes escritas 2.12 Numerais na língua Tshwa Fonte: J. A. Persson, Outlines of Tshwa Grammar (with practical exercises), Inhambane Mission Press, 1932, p.52-54 Os vaTshwa contam aos cinco, quer dizer, têm palavras separadas para os números até cinco, depois começam de novo: cinco mais um, cinco mais dois, etc., até dez; em seguida dez mais um, dez mais dois, etc., até quinze, que é dez mais cinco; a seguir, dez mais cinco mais um, etc. até vinte, que é duas dezenas. Ao contar deste modo utilizam apenas sete palavras, das quais três são adjectivos e quatro substantivos. Numerais cardinais Os três primeiros números são adjectivos que utilizam o prefixo do substantivo que qualificam. São -nwe, um; -mbiri, dois; -nharu, três. classe 1 2 3 4 5 6 um dois munwe munwe ginwe xinwe yinwe linwe vambiri mimbiri mambiri zimbiri timbiri timbiri três vanharu minharu manharu zinharu tinharu tinharu No plural da segunda classe utiliza-se frequentemente o prefixo pronominal em vez do prefixo substantivo, isto é yimbiri, yinharu. Os substantivos contidos nas classes 7 e 8 são substantivos colectivos, abstractos ou verbais, e, em regra, não são usados juntamente com numerais. Como a tabela ilustra os adjectivos numéricos, tal como os outros adjectivos, concordam com os substantivos que qualificam; por exemplo: 85 khumba ginwe vafana vambiri timbuti tinharu um porco dois rapazes três cabras Mune, quatro, e ntlhanu, cinco, são substantivos da 2ª classe. Khume, dez, e zana, cem, são substantivos da 3ª classe, cujos plurais são formados pelo prefixo ma. São diferentes dos adjectivos no sentido de que são colocados antes do substantivo a que se referem. Com um adjectivo diz-se vanhu va ntamo, pessoas fortes; com os substantivos numéricos inverte-se a ordem, e diz-se, mune wa vanhu, quatro de pessoas; khume ga mahaxi, dez de cavalos; ntlhanu wa tipondo, cinco libras. Vinte e trinta exprimem-se por duas dezenas e três dezenas, respectivamente. Makume mambiri, vinte; makume manharu, trinta. Uma vez que quatro e cinco são substantivos que precedem os substantivos por eles qualificados, quarenta e cinquenta são formados da seguinte maneira: Mune wa makume, ntlhanu wa makume. Sessenta aparece do seguinte modo: Ntlhanu wa makume ni khume ginwe, cinco dezenas e um dez. Em todos os números abaixo de cem, as dezenas são colocadas antes das unidades: khume ni ginwe khume ni mambiri khume ni ntlhanu khume ni ntlhanu ni ginwe makume mambiri ni ginwe dez e um dez e dois dez e cinco dez e cinco e um duas dezenas e um O facto de que existem apenas sete palavras para exprimir todos os números é, inicialmente, desconcernante por causa das repetições constantes, em particular com números grandes. Os exemplos seguintes indicam diferentes maneiras de formar números. Deve notar-se que enquanto mune, ntlhanu, khume e zana usam as partículas possessivas das suas respectivas classes, as três primeiras unidades tomam o prefixo do substantivo qualificado. 86 Cap. 2: Fontes escritas ntlhanu wa vanhu ni vanharu ntlhanu wa tiyivu ni tiyivu tinharu ntlhanu ni manharu a matiko ntlhanu wa zibya ni mune khume ga tisimu ni tisimu timbiri khume ni ntlhanu wa zihari ni zihari zimbiri khume ga vanhu ni ntlhanu ni mune makume mambiri ya mabhuku ni mambiri makume manharu ya timyana ni ntlhanu ni yinwe zana ga miti ni khume ni yinharu oito pessoas oito ovelhas oito países nove pratos doze canções dezassete animais dezanove pessoas vinte e dois livros trinta e seis cães cento e treze aldeias Estes exemplos mostram que os números adjectivos sempre seguem os substantivos que qualificam; esta regra, contudo, não se aplica em expressões como as seguintes: a mambiri ya mabhuku lawo zinharu za zibya za mina dois daqueles livros três dos meus pratos De mesmo modo encontramos com números maiores que o substantivo é colocado no primeiro lugar para evitar uma repetição demasiado frequente: A tihomu ta ntlhanu wa makume ni makume mambiri ni tinharu, 73 vacas; Vanhu va ntlhanu wa makume ni mune wa makume ni ntlhanu ni mune, 99 pessoas. Nota: Sendo este sistema de numeração tão incómodo, está a ser substituído por números portugueses, exceptuando quando se utilizam numerais abaixo de dez ou quantidades capazes de se exprimirem em dezenas ou centenas exactas. 87 A Numeração em Moçambique Nza lava quarenta e cinco wa timetro ta malikani, quero 45 metros de pano branco. Va lo tshovela vinte e três wa tisakwa ta zipfhaki, eles colheram 23 sacos de milho. A hi yimneleleni a lisimu la oitenta e oito, cantemos hino nº 88. Comentários e questões para reflexão 1. 88 Comente a nota final. Cap. 2: Fontes escritas Mapa 12 Distribuição geográfica dos falantes da língua Chope Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 89 A Numeração em Moçambique 2.13 Numerais na língua Chope Fonte: Luís Feliciano dos Santos, Gramática da Língua Chope, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, 1941, p. 95 - 100 Os numerais cardinais: 1. São estes os nomes dos números que designam a quantidade dos objectos. Em Chope os números cardinais são simples e compostos. Os numerais cardinais simples são: 1, 2, 3, 4, 5, 10, 100, 1000. Todos os restantes são compostos dos simples. 2. Os nomes dos numerais cardinais simples são os seguintes: -muè, um; -mbiri, dois; -raru, três; mune, quatro; ntchanu, cinco; digume, (pl. makume), dez; dzana (pl. madzana), cem; dikhulu (pl. makulu), mil. 3. O numeral -muè-, um, apresenta uma forma especial, diferente da dos restantes numerais, e aparentada à pronome indefinido correspondente a “mesmo”, como veremos adiante. Constrói-se esta forma atendendo a -mué- a característica nominal do substantivo em referência (na 1ª classe o i ou mprefixo nominal evoluído) e pospondo-lhe a reduplicação relativa da respectiva partícula possessiva. Na 1ª, 2ª, e 3ª classe em vez do uo, diz-se io por eufonia. As formas atributivas e predicativas do -mué- são, de resto, idênticas às dos adjectivos simples primitivos, como -nene, -dotho, etc. 4. Quadro sinóptico da forma atributiva do numeral 1 (um): 1ª classe - Inthu (uà) muèio ou mmuèio, um homem. 2ª classe - Nhóka (uà) umuèio, uma cobra. 3ª classe - Uluate (uà) umuèio, uma doença. 4ª classe - Dirole (dà) dimuèdo, um vitelo. 5ª classe - Litiho (là) limuèlo, um dedo. 6ª classe - Tchilonda (tchà) tchimuètcho, uma ferida. 7ª classe - Nhari (ià) imuèio, um búfalo. 90 Cap. 2: Fontes escritas 8ª classe - Kuranda (kà) kumuèio, uma vontade. 5. Os numerais -mbidi, 2 (dois) e -raru, 3 (três), em razão de a sua concordância com os substantivos ser, como a de -muè-, idêntico à dos adjectivos qualificativos primitivos, devem ser considerados também como adjectivos primitivos. 6. Quadro sinóptico da concordância atributiva de -mbidi e -raru: -mbidi, 2 (dois), -raru, 3 (três) 1ª classe 2ª classe 3ª classe 4ª classe 5ª classe 6ª classe 7ª classe 8ª classe Vathu (rà) vambidi, 2 homens Mindonga (iá) imbidi, duas árvores Malaho (à) mambidi, 2 arcos Marole (à) mabidi, 2 vitelos Titiho (tà) timbidi, 2 dedos Silonda (sà) simbidi, duas feridas Timbua (tà) timbidi, 2 cãis Kuranda (kà) kumbidi, duas vontades Vathu (và) vararu, 3 homens Mindonga (ià) iraru, três árvores Malho (à) mararu, 3 arcos Marole (à) mararu, 3 vitelos Titiho (tà) tiraru, 3 dedos Silonda (sà) siraru, três feridas Timbua (tà) tiraru, 3 cãis Kuranda (kà) kuraru, três vontades NB. - Cumpre notar, todavia, que na linguagem corrente a partícula possessiva, indicada entre parêntesis, já desapareceu quase por completo da forma atributiva, o que não sucede com os adjectivos qualificativos primitivos. Os numerais -muè-,-mbidi- e -raru são sempre propostos aos substantivos que determinam. 7. Os numerais mune, 4 (quatro) e ntchanu, 5 (cinco) funcionam como substantivos do singular da 2ª classe nominal (mu-mi). Ao contrário dos precedentes, estes dois numerais tanto podem anteceder como ser propostos aos substantivos que determinam. Exemplos: Mune uà timbuva, ou : timbuva tà mune, quatro cães. 91 A Numeração em Moçambique Intchanu uà silonda, ou : silonda sà ntchanu, cinco feridas. É, todavia, preferível a primeira forma. Observações: 1. Mune, que, em outras línguas bântu, em chi-chambala, é simplesmente ne, e em chi-nhungue de Tete é nai, e segue nessas línguas as regras de concordância dos adjectivos, em chope, pelo contrário, deve-se considerar como um substantivo, em virtude da concordância restritiva com os substantivos. 2. De ntchanu vale o que dissemos acêrca do prefixo nominal do singular da 1ª e 2ª classe. O i inicial, que por vezes se ouve, é a forma evoluída de mu com subsequente nasalação e reforçamento do fonema primitivo ch, que assim se transformou no fonema ntch. O i inicial é quase impossível, quando o sujeito da oração começa por ntchanu. Quando ntchanu é posposto ao substantivo, desaparece por completo o i inicial, elidindo-se com a vogal da partícula possessiva que o liga ao substantivo. (Vejam-se os exemplos supra). Quando, finamente, ntchanu é nome predicativo, o i inicial tem som pleno e de tonalidade alta. Exemplo: Sirumo sà Dibandza dò-basa intchanu, os mandamentos da Santa Igreja são cinco. 3. Não é de aceitar a observação de H. Ph. Junod em Eléments de Grammaire tchopi, p.26, de que o gitonga e o chilengue conservaram “a velha forma da língua, inteiramente diferente das outras línguas bântu”, para exprimir o numeral 5 (cinco), que em gitonga, segundo este autor, é libandi, e em chilengue lihandi. A forma lihandi, a meu ver, longe de ser “a velha forma da língua”, outra coisa não é senão a corruptela do termo saxónico die Hand (em alemão) ou the hand (em inglês), que significa a mão, e é, portanto, um neologismo (bárbaro) 92 Cap. 2: Fontes escritas de importação estrangeira, para designar os cinco dedos da mão. A forma chope, ntchanu, é, sem dúvida possível, a primitiva forma bântu, tendo apenas sofrido as alterações fonéticas peculiares desta língua. E a razão óbvia é que esta forma chope se encontra, com pequenas variantes, na quase totalidade das línguas bântu, desde o chi-chambala, falado nas faladas do Kilimandjaro ao quimbundo e umbundo de Angola, e desde o chinhungue de Tete ao chironga de Lourenço Marques, ou desde o nhakiusa do norte do Niassa ao zulu e sotho do Transvaal. 4. 8. A pronuncia de ntchanu difere um pouco entre o sul e o centro e norte da região chope. No sul tem som dentolateral (achanganado): ntchanu: no centro e norte, as mulheres, sobretudo, conservaram o som fricativo: ntchanu. Os numerais digume (pl. makume), 10 (dez); didzana (pl. madzana), 100 (cem): dikhulu (pl. makhulu), 1000 (mil), seguem as regras de concordância de substantivos pertencentes à 4ª classe nominal. Como os numerais mune e ntchanu, tanto podem preceder como seguir o substantivo que determinam, sendo todavia, preferível a primeira forma. Exemplos: Digume dà vanhapue, ou vanhapue và digume, dez pessoas. Didzana dà mindonga ià didzana, cem árvores. Dikhulu dà malembe ou malembe à dikhulu, mil anos. 9. Números compostos. - Os restantes números formam-se dos precedentes, da seguinte forma: De 6 a 9, acrescentando a ntchanu (5) a preposição ni (com) e -muè-, mbidi, -raru, mune, para designar respectivamente: 6, 7, 8, 9, mas com as particularidades seguintes: a) - A -muè- devem acrescentar-se os “prefixos e sufixos” acima indicamos, correspondentes às oito classes nominais. Exemplos: 93 A Numeração em Moçambique Intchanu uà silonda ni tchimuètcho, ou silonda sà ntchanu ni tchimuètcho, seis feridas. Intchanu uà timbua ni imuèi, ou timbua tà ntchanu ni imuèio, seis cãis. b) - A -mbidi e a -raru deve antepor-se a característica nominal da classe a que pertence o substantivo que determinam. Exemplos: Intchanu uà miti ni imbidi (f. dial. ni mimbidi), ou miti ià ntchanu ni imbidi (ou mimbidi), sete aldeias. Intchanu uà titiho ni tiraru, ou titiho tà ntchanu ni tiraru, oito dedos. c) - A mune apenas se antepõe a preposição ou conjunção ni (com ou e). Exemplo: Intchanu uà malembe ni mune, ou malembe à ntchanu ni mune, 9 anos. NB. - Como se depreende da exposição feita e dos exemplos citados, na classe das unidades de 1 a 3 os substantivos precedem esses numerais. Nas unidades 4 e 5 os substantivos tanto podem preceder como seguir os numerais, sendo preferível a primeira forma. Na classe das unidades de 6 a 9 os substantivos tanto podem preceder como ser intercalados entre ntchanu e muè-, -mbidi, -raru, ou mune. Preferível é esta segunda forma. Se o número representa qualquer dezena, centena ou milhar, seu excesso de unidades, o substantivo coloca-se ou no princípio ou no fim. Exemplos: Makume mambidi à mindonga, ou mindonga ià makume mambidi, 20 árvores. Madzana manbidi à seketa, ou siketa sà madzana manbidi, 200 ananases. Madzana mararu à timbua, ou timbua tá madzana mararu, 300 cãis, etc. 94 Cap. 2: Fontes escritas Se o número representa qualquer centena com excesso de dezenas, ou qualquer milhar com excesso de centenas ou dezenas, o substantivo colocar-se-á no fim, concordando com o último numeral-substantivo. Exemplo: Didzana ni makume mambidi à mipama, 120 bofetadas. Finalmente, se o número contém além disso unidades, estas indicam-se depois do substantivos, que se coloca a seguir à classe das dezenas. Comentários e questões para reflexão 1. 2. Comente a utilização dos termos “número” e “numeral” nos pontos 1, 2 e 9. O que é que o leitor acha da argumentação apresentada na observação 3, referente ao numeral “lihandi” na língua Tonga? 95 A Numeração em Moçambique Mapa 13 Distribuição geográfica dos falantes da língua Tsonga (Changana) Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 96 Cap. 2: Fontes escritas 2.14 Numerais na língua Tonga e o ‘sentido matemático’ Fonte: Henrique A. Junod, Usos e costumes dos Bantos (1934), Lourenço Marques, 1974, Vol.2, p.151, 152, 153-154, 576-577 1 Comparados aos milhares de advérbios descritivos, os nomes numerais fazem triste figura na gramática tonga. Os Tongas possuem apenas sete: n’uè, um; bíri, dois; raro, três (são tratados como adjectivos); múnè, quatro; nthlano, cinco; qhúmè, dez; dzana, cem (estes últimos são substantivos). Todos os números têm de ser expressos por meio destas sete palavras. É extremamente complicado. “Novecentos e oitenta e sete” tem de ser dito assim: cinco centos, e quatro centos, e cinco dez, e três dez, e cinco, e dois. Este sistema de numeração é nitidamente decimal e está em relação directa com os dez dedos da mão: a prova é que os indígenas, ao contarem, empregam geralmente os dedos. Começam com o mínimo da mão esquerda, um; depois, o mínimo e o anelar, dois; este dois e o máximo, três; estes três e o indicador, quatro; este quatro e o polegar, cinco; depois juntam os dedos da mão direita, começando pelo polegar: cinco mais um, cinco mais dois, cinco mais três, cinco mais quatro. Dez obtém-se batendo as duas mãos uma contra a outra. Note-se que cinco, a mão esquerda, com o polegar separado dos outros quatro dedos, imita o algarismo romano V, e dez, as duas mãos juntas com os dedos cruzados, faz um X, o sinal romano para dez! Isto prova que o nosso sistema de números, de que a justo título somos tão orgulhosos, nasceu provavelmente da mesma maneira que na maior parte das tribos bantas! 24 Por outro lado, deve-se dizer que, se o sistema de numeração não atingiu maior desenvolvimento, a razão está em que os Tongas não têm necessidade disso e, por consequência, não se esforçam para exprimir grandes números. Apressam-se a dizer que um número é tjandjabalhaii (Djonga) ou lhulabacônti (Ronga), isto é, “aquele que ultrapassa a capacidade do calculador”. 30 Quanto a contar homens, era formalmente proibido, outrora. Se alguém, vendo uma grande reunião de gente na praça pública, desejava conhecer o número de presentes, diziam-lhe: “Quê? Tu estás a contar-nos? Quem desejas tu ver desaparecer?” (Chana uá hi nconta, u tá hi pumba ná?). 97 A Numeração em Moçambique 35 Onde é necessário dar provas de certo sentido aritmético ou, pelo menos, de mostrar que se sabe somar, é quando se trata de fazer a conta do lobolo, quando este é pago em enxadas. As dezenas são empilhadas separadamente, com muito cuidado. Toda a família assiste interessadamente à operação – mas não se poderia chamar a isto uma proeza na ordem matemática. 41 Assim, as ocasiões que se apresentam aos primitivos para usarem da faculdade de contar são, no conjunto, muito raras e não devemos admirar-nos de que essa faculdade não se tenha desenvolvido. Pretender que ela falta inteiramente, seria erróneo. Posso apresentar várias provas de que ela existe e se manifesta, por vezes, de maneira interessante. Primeira, no jogo nhenguélinhenguéli-múnè. Os jogadores colocam no chão um certo número de caroços, dois a dois; um volta as costas ao outro e este, designando o primeiro par, diz: Nhenguéli-nhenguéli-múnè? isto é: “Quantos caroços estão ali?” O que está de costas voltadas responde: “Tira um e põe-no ali” – e indica o lugar que entende. Faz-se o mesmo com o segundo par e assim sucessivamente, de modo que alguns montes ficam com mais caroços que outros. Quando um monte ficar completamente disperso, o que está a adivinhar deve dizer: Macua ntsiquitane – o que significa “Aí não há mais”. O inquiridor passa, então, rapidamente, de monte em monte e o adivinhador deve dizer quantos caroços estão em cada monte. Este jogo exige grande esforço de memória. 59 Segunda prova: Chinangana. Chinangana é um homem que vivia nos Spelonken, perto da Missão de Elim, um puro indígena que não sabia ler nem escrever e nunca tinha ido à escola. Ora, este tonga criou uma cronologia que vem do ano de 1838 a 1905. Sabe o que aconteceu em cada ano, desde 1959, e chegou, por si mesmo, à concepção duma era. A sua era começa com a emigração das tribos tongas para o Transvaal, em fuga perante Manicusse, quando de regresso deste chefe angóni da Mussapa ou do país de Gaza. Os Ncunas, Mavundjas, Psungos e outros clãs dos Lhábis foram obrigados a refugiar-se nos Spelonken. Aqui começa a era de Chinangana. Vários dos anos que se seguiram têm um nome especial. Tive a sorte de interrogar Chinangana em 1905 e pude tomar nota, a ditado dele, dos pormenores da sua cronologia. Depois de ter enumerado todos esses anos, ele conclui clamando triunfalmente: “Todos estes anos depois do regresso de 98 Cap. 2: Fontes escritas Manicusse fazem cinco centos, e três centos, e quatro meses!”. Eis um caso muito curioso de historiografia indígena. Creio-o único em toda a tribo tonga.... Como possuía aptidão notável para esta espécie de cálculo, Chinangana desenvolveu o seu dom natural. Tornou-se célebre e era consultado por todos que desejavam conhecer a idade que tinham ou a data de qualquer acontecimento. Aritmética e educação (p.576, 577) Desenvolver as capacidades naturais, os dons duma raça, deve ser o fim de todo o sistema de educação. Mas é necessário, também, que ele se esforce por remediar as suas deficiências e precisamente por o sentido matemático ser tão rudimentar na maior parte dos indígenas é que nas escolas se impõe um ensino desenvolvido da aritmética. O método geralmente seguido é o da numeração europeia. É, a meu ver, um plano racional, vista a complicação do sistema indígena; nenhum trabalho de aritmética que exija precisão rigorosa seria possível com o emprego dos nomes numerais indígenas. O perigo que se encontra no ensino deste ramo de estudo, como noutros, é a tendência que os alunos têm a contentarem-se com um trabalho puramente mecânico, em que o raciocínio não desempenha papel. Comentários e questões para reflexão 1. 2. 3. 4. 5. Concorda ou não com o argumento apresentado pelo autor para justificar a sua caracterização da numeração Tonga: “triste figura” (linha 2). Se se aplicasse o mesmo argumento, qual seria a avaliação do sistema de numeração binária? Concordaria com esta avaliação? Nas linhas 6-7 o autor fala em “extremamente complicado”. Complicado para quem? Para quê? Como se pode classificar a numeração Tonga? Decimal? (cf. linha 10) Comente a utilização da expressão “sistema de números” na linha 21. O leitor acha que se pode considerar um sistema de numeração falada mais “desenvolvido” ou menos “desenvolvido” do que um outro? Porquê? (cf. linhas 24-25, 44) 99 A Numeração em Moçambique 6. 7. 8. 100 Uma tradução mais à letra (linhas 33-34) seria “Ora tu contas a nós; vais nos diminuir?”. Será que se trata de um tabu précolonial ou terá surgido no tempo colonial? Acha que se pode falar em termos de um “sentido aritmético”? Comente o parágrafo sobre “Aritmética e educação”. 2.15 Numerais na língua Changana Fonte: Armando Ribeiro, Gramática Changana (Tsonga), Editorial “Evangelizar”, Caniçado, 1965, p. 165-167, 175 Os numerais cardinais são os que exprimem o número das coisas, das pessoas e dos animais. Em changana há apenas oito palavras diferentes para exprimir todos os numerais. São eles: ...ñwe ...mbirhi ...nharu mune nthlanu tchume dzana khulo ou ...rharu um, uma dois, duas três quatro cinco dez cem mil Estas palavras diferem quanto à natureza gramatical e, portanto, também quanto à concordância, isto é, quanto ao modo de ligação entre si e com palavras a que se referem. a) Os três primeiros são adjectivos e por isso antepõe-se-lhes sempre o prefixo nominal da classe do substantivo a que se referem: * ...ñwe leva o prefixo do singular; * ...mbirhi e ...nharu ou rharu o prefixo do plural, e vão sempre depois do substantivo. Os prefixos sofrem as costumadas transformações: munhu muñwe vanhu vambirhi nsinya wuñwe minsinya yinharu homu yiñwe tihomu timbirhi litiho liñwe uma pessoa duas pessoas uma árvore três árvores um boi dois bois um dedo 101 tintiho tinharu lembe liñwe malembe manharu wurimba bziñwe marimba mambirhi chicomu chiñwe bsikomu bsimbirhi kuhanya kuñwe b) três dedos um ano três anos uma armadilha duas armadilhas uma enxada duas enxadas uma vida Os restantes numerais são substantivos e têm portanto a sua classe própria: * mune e nthlanu pertencem à classe mu-mi e não têm plural. Mune conserva o prefixo na sua forma regular mu, pois o radical simples é ne. Nthlanu muda o prefixo mu em n. * tchume, dzana e khulo pertencem à classe ri-ma e fazem no plural: matchume, madzana e makhulo. No singular desapareceu o prefixo nominal. Sendo substantivos, nunca fazem a concordância por meio de prefixos nominais, mas ligam-se por meio das partículas restritivas das respectivas classes: * mune e nthlanu pela partícula wa da classe mu-mi; * tchume, dzana e khulo, pelas partículas ra e ya, respectivamente singular e plural da classe ri-ma a que pertencem. Exemplos: mune wa bsikomu nthlanu wa vavanuna tchume ra vavasati dzana la tihomu matchume mambirhi ya vafana madzana mambirhi ya timbuti khulo ra tinyempfu makhulo manharu ya vanhu quatro enxadas cinco homens dez mulheres cem bois vinte rapazes duzentas cabras mil ovelhas três mil pessoas Observações (p.175): Como acabamos de ver, o modo de contar em changana é muito deficiente e extremamente complicado: * deficiente, pois apenas tem oito termos diferentes para expressar todos os números; * complicado, pois, para dizer por exemplo, 288 flores, que nós exprimimos com seis palavras, emprega o changana 15: madzana mambirhi ya bsiluva ni nthlanu wa matchume ni matchume manharu ni nthlanu ni bsinharhu. Pode-se no entanto com reflexão chegar a exprimir todos os números, mesmo os mais elevados. Hoje o indígena reconheceu a simplicidade e facilidade do nosso sistema e emprega correctamente os nossos números na sua contagem, geralmente ligados pela restritiva wa: oitenta wa timbuti noventa e sete wa tihomu vinte cinco wa malembe. Comentários e questões para reflexão 1. 2. Comente as observações do autor sobre o modo de contar em Changana. No último parágrafo, onde o autor fala em “nosso sistema”, fica bem patente que ele escreve para um público português. Termos como “simples” e “complexo” podem ter um significado objectivo? Ou dependem sempre do contexto? 103 A Numeração em Moçambique 2.16 Numerais em Tsonga (Changana) Fonte: Bento Sitoe, Morfologia dos nominais dependentes II: O sistema qualificativo em Tsonga, Cadernos Tsonga, nº 8, Faculdade de Letras, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 1985, p.7-10 (revista pelo autor em 1993) Em Tsonga há apenas oito termos para exprimir todos os numerais (por combinações e adições destes oito), que são: -n’we “um”; -mbirhi “dois”; -nharhu “três”; mune “quatro”; ntlhanu”cinco”;khume “dez”; dzana “cem”; gidi ou khulu “mil”. -n’we, -mbirhi e -nharhu comportam-se morfologicamente como adjectivos e por isso recebem o prefixo nominal de concordância do nome a que se referem: munhu mun’we vanhu vanbirhi/vanhrarhu øhuku yim’we tihuku timbihri/tinharhu xifambu xin’we svifambu svimbihri/svinharhu uma pessoa duas/três pessoas uma galinha duas/três galinhas um sapato dois/três sapatos Mune, ntlhanu, khume, dzana, gidi e khulu são nomes. Ligam-se aos nomes que quantificam com o emprego do extra prefixo de dependência da classe a que estes numerais pertencem e adicionam-se por meio da conjunção ni ou na. Mune e ntlhanu pertencem ao género mu-mi (classes 3 e 4): Mune wa malembe quatro anos Ntlhanu wa timbuti cinco cabritos Eka makume mambirhi kuna em vinte quantos ‘cincos’ mintlhanu yingani? há? Khume, dzana, gidi e khulu são do género ri-ma (classes 5 e 6): Khume ra masaka Madzana mambirhi ya tibuku Gidi ra vanhu 104 dez sacos duzentos livros mil pessoas Makhulu ya svisiwana milhares de pobres Exemplos do sistema de contagem, com um nome do género yi-ti (classes 9 e 10), buku (livro): 1 livro 2 livros 3 livros 4 livros 5 livros 6 livros 7 livros 8 livros 9 livros 10 livros 11 livros 12 livros 15 livros 16 livros 20 livros 21 livros 30 livros 60 livros 61 livros 70 livros 99 livros 100 livros 101 livros 106 livros 199 livros 200 livros 213 livros buku yin’we tibuku timbirhi tibuku tinharu mune wa tibuku ntlhanu wa tibuku ntlhanu wa tibuku ni yin’we (cinco livros e um) ntlhanu wa tibuku ni timbirhi ntlhanu wa tibuku ni tinharhu ntlhanu wa tibuku na mune khume ra tibukhu khume ra tibuku ni yin’we (dez livros e um) khume ra tibuku na timbirhi khume ra tibuku ni ntlhanu khume ra tibuku ni ntlhanu ni yin’we (dez livros e cinco e um) makume mambirhi ya tibuku makume mambirhi ya tibuku ni yin’we makume manharhu ya tibuku ntlhanu wa makume ni (kume) rin’we ya tibuku ntlhanu wa makume ni rin’we rin’we ya tibuku ni yin’we ntlhanu wa makume ni (makume) mambirhi ya tibuku ntlhanu wa makume ni mune ya tibuku ni ntlhanu ni yin’we dzana ra tibuku dzana ra tibuku ni yin’we dzana ra tibuku ni ntlhanu ni yin’we dzana ra tibuku ni ntlhanu ni mune wa makume ni ntlhanu ni mune madzana mambirhi ya tibuku madzana mambirhi ya tibuku ni khume ni tinharhu 105 345 livros madzana manharhu ya tibuku ni mune wa makume ni ntlhanu 900 livros ntlhanu wa madzana ni mune (wa madzana) ya tibuku 999 livros ntlhanu wa madzana ni mune ya tibuku ntlhanu wa makume ni mune ni ntlhanu ni mune 1000 livros gidi ra tibuku (ou khulu ra tibuku) 1100 livros gidi ra tibuku ni dzana 1111 livros gidi ra tibuku ni dzana ni khume ni yin’we 1985 livros gidi ra tibuku ni ntlhanu wa madzana ni mune ni ntlhanu wa makume ni manharhu na ntlhanu 100000 livros dzana ra magidi ra tibuku 1000000 gidi ra magidi ya tibuku livros Além desta forma de composição dos numerais em que eles antecedem o nome, pode-se usar a forma em que o nome antecede o numeral e, neste caso, o extra prefixo de dependência é o do nome quantificado: Tibuku ta mune/ Mune wa tibuku quatro livros Svifambu sva ntlhanu wa makume ni sessenta sapatos rin’we/ Ntlhanu wa makume ni (kume) rin’we ya svifambu Esta combinação dos oito termos para expressar todos os numerais é analítica. O “Tsonga Terminology and Ortography nº 3” regista um outro sistema de contagem em changana que é sintético e tem a vantagem de que os numerais entre 5 e 10 também são expressos pelo seu próprio termo, nomeadamente, tsevu “seis”, nkombo “sete”, nhungu “oito” e kaye “nove”. São nomes do género mu-va (classes 1 e 2). Neste sistema de contagem, há ligeiras diferenças no modo como os termos são combinados na composição dos numerais, como se pode observar nos exemplos que se seguem: 6 livros: tibuku ta tsevu 7 livros: tibuku ta nkombo 8.livros: tibuku ta nhungu 9 livros: tibuku ta kaye 10 livros: tibuku ta khume 11 livros: tibuku ta Khumen’we 12 livros: tibuku ta khumembirhi 15 livros: tibuku ta khumentlhanu 16 livros: tibuku ta khumetsevu 20 livros: tibuku ta khummbirhi/makumembirhi 21 livros: tibuku ta khumbirhin’we/makumenbirhin’we 30 livros: tibuku ta khunharhu/makumenharhu 90 livros: tibuku ta Khukaye/makhumekaye 100 livros: tibuku ta dzana 101 livros: tibuku ta dzanariwe 113 livros: tibuku ta dzana khumenharhu 500 livros: tibuku ta dzantlhanu/madzanantlhanu 1000 livros: tibuku ta gidi 1111 livros: tibuku ta gidi dzana khumen’we 100 000 livros: tibuku ta dzagidi/ magididzana 107 Mapa 14 Distribuição geográfica dos falantes da língua Ronga Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 2.17 Numerais na língua Ronga Fonte: José L. Quintão, Gramática de Xironga (Landim), Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1951, p. 73-75 Em xironga, só temos os numerais de 1 a 5: ñwe, birji, rjarju, mune, nthanu; temos, além destes, uma dezena: khume, e uma centena: dzana. Com estes numerais formam-se todos os outros números. Ñwe, birji e rjarju, são adjectivos pertecentes à 2ª série. Mune, nthanu, são substantivos pertencentes à classe mu-mi. Kume (pl. makume, sem aspiração), dzana, são substantivos pertecentes à classe dji-ma. Exemplo com um nome da 3ª cl. (yi-ti): huku, galinha. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 (huku) yiñwe (tihuku) tibirji (tihuku) tirjarju mune wa (tihuku) nthanu wa... nthanu wa ... na yiñwe nthanu wa ... na tibirji nthanu wa ... na tirjarju nthanu na mune wa (tihuku) khume dja (tihuku) khume dja ... na yiñwe khume dja ... na tibirji khume dja ... na tirjarju khume na mune wa (tihuku) khume na nthanu wa (tihuku) khume na ntlhanu wa ... na yiñwe khume na ntlhanu wa ... na tibirji khume na ntlhanu wa... na tirjarju klhume na ntlhanu na mune wa (tihuku) makume mabirji ya (tihuku) makume mabirji ya ... na yiñwe. makume mabirji ya ... na tibirji makume mabirji ya ... na tirjarju 109 24 25 26 27 28 29 30 40 50 60 70 80 90 99 100 101 120 150 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 makume mabirji na mune wa (tihuku) makume mabirji na nthanu wa (tihuku) makume mabirji na nthanu wa ... na yiñwe makume mabirji na nthanu wa ... na tibirji makume mabirji na nthanu wa ... na tirjarju makume mabirji na nthanu na mune wa (tihuku) makume marjarju ya (tihuku) mune wa makume ya (tihuku) mthanu wa makume ya (tihuku) nthanu wa makume na khume djiñwe dja ... nthunu wa makume na makume mabirji ya ... nthanu wa makume na makume marjarju ya ... nthanu wa makume na mune wa makume ya ... nthanu wa makume na mune wa makume na nthanu na mune wa dzana dja tihuku dzana dja (tihuku) na yiñwe dzana na makume mabirji ya ... dzana na nthanu wa makume ya ... madzana mabirji ya ... madzana marjarju ya ... mune wa madzana ya ... nthanu a madzana ya ... nthanu wa madzana na dzana djiñwe dja ... nthanu wa madzana na madzana mabirji ya ... nthanu wa madzana na maryarju wa madzana ya ... nthanu wa madzana na mune wa madzana ya ... khume dja madzana ya..., etc. Quando os números são substantivos pode fazer-se a construção de duas maneiras: nthanu wa tihomu ou tihomu ta nthanu - 5 bois khume dja bsilembe ou bsilembe bsa khume - 10 chapéus nthanu wa tihomu na tihomu tibirji - 7 bois, ou tihomu ta nthanu na tibirji - 7 bois Contudo o primeiro processo é mais seguido. Nota: A gente nova diz bidji em vez de birji, parecendo que birji seja um som de transição. rjarju, também muita gente a substitui por nharju. 111 A Numeração em Moçambique Mapa 15 Distribuição geográfica dos falantes da língua Swazi Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 112 Cap. 2: Fontes escritas 2.18 Numerais na língua Swazi Fonte: D. Ziervogel, Grammar of Swazi, Witwatersrand University Press, Johannesburgo, 1952, p.53-54 O adjectivo “enumerativo” a. Os adjectivos pertencentes ao primeiro grupo do adjectivo “enumerativo” são os numerais de 2 a 5 juntamente com -ngaki. Têm as mesmas concordâncias que os adjectivos “predicativos” e não diferem deles na forma, mas somente no significado e no tom. O significado transmitido por estes adjectivos é também “atributivo” sem, no entanto, transmitir uma proposição relativa. Compare: tinkomo timbili tinkomo timbili tinkomo letimbili utsenge tintsatfu tinkabi ngibite bangaki bafana? b. duas vacas as vacas são duas vacas que são duas; duas vacas ele comprou três vacas quantos rapazes devo chamar? As raízes enumerativas adjectivais -nye (um), -ni? (de que género?) e -phi? (que?, quais?) diferem das raízes acima mencionadas nos aspectos seguintes: i. têm concordâncias diferentes para as classes 9 e 10; ii. têm uma forma copulativa especial. Estas três raízes assumem as formas seguintes com as suas concordâncias: classe 1 2 3 4 5 6 7 munye banye munye minye linye manye sinye muni bani muni mini lini mani sini muphi baphi muphi miphi liphi maphi siphi 113 8 9 10 11 14 15 17 tinye (y)inye tinye lunye bunye kunye kunye tini (y)nii tini luni buni kuni kuni tiphi (y)iphi tiphi luphi buphi kuphi kuphi Compare: munye umfana (um rapaz), munye umfana (o rapaz é um), mas: umfana lomunye (mais um rapaz) luhlobo luni? (que tipo?, que género?) muphi umfana? (qual rapaz?) Mapa 16 Distribuição geográfica dos falantes da língua Zulu Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia 115 2.19 Numerais na língua Zulu Fonte: Clement Doke, Textbook of Zulu grammar, Longmans Southern Africa (1927), Johannesburgo, 1968, p. 325-327 1 -nye. O numeral para “um” é usado duma maneira bastante única. Associado com ele em formação concordial há apenas três outras raízes Zulu, -phi? (quais?), -ni? (que?) e -mbe (um diferente). classe 1 2 3 4 classe 5 6 7 8 umuntu munye umuthi munye i:hashi linye isilo sinye inkabi inye uthi lunye ubuso bunye ukudla kunye Os numerais adjectivais (usados com concordâncias adjectivais): 2 3 4 5 ababili abathathu abane abahlanu emibili emithathu emine emihlanu -bili -thathu -ne -hlanu amabili amathathu amane amahlanu ezimbili ezinthathu ezine ezinhlanu obubili obuthathu obune obuhlanu okubili okuthathu okune okuhlanu Para exprimir o numeral “cinco”, utiliza-se também frequentemente a construção relativa com o substantivo isihlanu. Assim: abantu abayisihlanu., etc. Os numerais relativos (a raiz do substantivo é conjugada para ficar um copulativo, e o resultante é usado com as concordâncias relativas): 6 isithupha (lit. o polegar) abantu abayisithupha (seis pessoas) imithi eyisithupha (seis árvores) amahashi ayisithupha (seis cavalos) izinto eziyisithumpha (seis objectos) ubuso obuyisithumpha (seis caras) ukudla okuyisithumpha (seis refeições) 7 isikhombisa (lit. o indicador) abantu abayisikhombisa (sete pessoas) imithi eyisikhombisa (sete árvores) izinto eziyisikhombisa (sete objectos) 8 isishiyagalombili (lit. o deixar de dois dedos) abantu abayisishiyagalombili (oito pessoas) amahashi ayisishiyagalombili (oito cavalos) 9 isishiyagalolunye (lit. o deixar de um dedo) ukukhanya okuyisishiyagalolunye (nove luzes) 10 i:shumi (um grupo de dez) abantu abali:shumi ou abantu abayi:shumi ou abantu abayilishumi (dez pessoas) amahashi ayi:shumi (dez cavalos) izinto ezili:shumi (dez objectos) Em algumas zonas utiliza-se isibhozo para 8, e i:thoba para 9. Numerais compostos: 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 i:shumi nanye i:shumi nambili i:shumi nantathu i:shumi nane i:shumi nanhlanu ou i:shumi nesihlanu i:shumi nesithupha i:shumi nesikhombisa i:shumi nesishiyagalombili i:shumi nesishiyagalolunye amashumi amabili amashumi amabili nanye amashumi amabili nambili 117 26 29 30 40 50 60 70 80 90 99 100 458 amashumi amabili nesithupha amashumi amabili nesishiyagalolunye amashumi amathathu amashumi amane amashumi amahlanu ou amashumi ayisihlanu amashumi ayisithupha amashumi ayisikhombisa amashumi ayisishiyagalombili amashumi ayisishiyagalolunye amashumi ayisishiyagalolunye nesishiyagalolunye i:khulu amakhule amane namashumi ayisihlanu nesishiyagalombili 1000 inkulungwane Exemplos: abantu abali i:shumi nanye (onze pessoas) izinkomo ezingamashumi amabili (20 vacas) amakhosi aamashumi (ou angamashumi) amabili (20 chefes) amabutho ayi:khulu (100 soldados) imithi eyinkulungwane (mil árvores) amabutho ayizinkulungwane eziyisikhombisa namakhulu ayisithupha namashumi ayisishiyagalolunye nane (7694 soldados) Cap. 3: Fontes orais Capítulo 3 Fontes orais sobre a numeração e a contagem em Moçambique 3.1 Quadros da numeração falada nas línguas bantu de Moçambique 119 A Numeração em Moçambique Swahili 120 Makonde Yao 1 moja mo mo 2 mbili bili, vili widi, wili 3 tatu natu, tatu tatu 4 nne ncheche mcheche 5 tanu nwanu msano 6 sita mwanu na mo msano na mo 7 saba mwanu na bili msano na widi 8 nane mwanu na natu msano na tatu 9 tisa mwanu na ncheche msano na mcheche 10 kumi kumi kumi 11 kumi na moja kumi na mo kumi kwisa mo 12 kumi na mbili kumi na bili kumi kwisa widi 13 kumi na tatu kumi na natu kumi kwisa tatu 14 kumi na nne kumi kwisa mcheche kumi na ncheche 15 kumi na tanu kumi na mwanu kumi kwisa msano 16 kumi na sita kumi na mwanu na mo kumi kwisa msano na mo 17 kumi na saba kumi na mwanu na bili kumi kwisa msano na widi 18 kumi na nane kumi na mwanu na natu kumi kwisa msano na tatu 19 kumi na tisa kumi na mwanu na ncheche kumi kwisa msano na mcheche Swahili Makonde Yao 20 ishirini makumi mabili makumi mawidi 30 salasini makumi manatu makumi matatu 40 arbaini makumi ncheche makumi mcheche 50 amsini makumi mwanu makumi msanu 60 sitini makumi mwanu na mo makumi msano na mo 70 sabini makumi mwanu na mabili makumi msano na widi 80 samanini makumi mwanu na manatu makumi msano na tatu 90 tisaini makumi mwanu na mcheche makumi msano na mcheche 100 mia imiya lichila 200 mia mbili dimia mbili machila mawidi yelupo machila makumi 1000 elfu 121 Makhuwa / Lóhmé Cóti 1 m’moja mosa móti 2 mbire pili piri 3 natu tharu, raru tathú 4 n’né sheshe nne 5 n’tano thanu thánu 6 sita thanu na mosa sithá 7 saba thanu na pili sabá 8 nane thanu na tharu nane 9 khénta thanu na sheshe tísya 10 kume mulockó khumi 11 kume na m’moja mulockó na mosa khumi na móti 12 kume na mbire mulockó na pili 13 kume na natu mulockó na tharu khumi na tathú 14 kume na n’né mulockó na sheshe khumi na nne 15 kume na n’tano mulockó na thanu khumi na thánu Mwani khumi na piri 16 kume na sita mulockó na thanu na mosa khumi na sithá 17 kume na saba mulockó na thanu na pili khumi na sabá 18 kume na nane mulockó na thanu na tharu khumi na nane 19 kume na khénta mulockó na thanu na sheshe khumi na tísya Mwani Makhuwa / Lóhmé Cóti 20 shirini milockó mili eshirini 30 talatini milockó miraru talathini 40 arubaine milockó misheshe arubaini 50 amusine milockó mithanu hamusini 60 sitine milockó mithanu na mosa sithini 70 sabine milockó mithanu na mili sabini 80 tamanine milockó mithanu na miraru thamanini 90 tusuine milockó mithanu na misheshe tuswini 100 mia emia mia 200 mia mbire emia pili mia piri álufu, emia mulockó álufu 1000 álufu 123 Lolo Chuwabo 1 modzi moy modha 2 wiri m’bily bili 3 tatu taru tharu 4 nai nay nai 5 sanu tanu tanu 6 sanu ndi modzi tanu na moy tanu na modha 7 sanu ndi wiri tanu na m’bily tanu na bili 8 sanu ndi tatu tanu na taru tanu na tharu 9 sanu ndi nai tanu na nay tanu na nai 10 khumi kumi kumi 11 khumi ndi modzi kumi na moy kumi na modha 12 khumi ndi wiri kumi na m’bily kumi na bili 13 khumi ndi tatu kumi na taru kumi na tharu 14 khumi ndi nai kumi na nay kumi na nai 15 khumi ndi sanu kumi na tanu kumi na tanu 16 khumi ndi sanu ndi modzi kumi na tanu na moy kumi na tanu na modha 17 khumi ndi sanu ndi wiri kumi na tanu na m’bily kumi na tanu na bili 18 khumi ndi sanu ndi tatu kumi na tanu na taru kumi na tanu na tharu 19 khumi ndi sanu ndi nai kumi na tanu na nay kumi na tanu na nai 124 Nyanja Nyanja Lolo Chuwabo 20 makhumi awiri makumely makumi meli 30 makhumi atatu makumi mataru makumi matharu 40 makhumi anai makumi manay makumi manai 50 makhumi asanu makumi matanu makumi matanu 60 makhumi asanu ndi modzi makumi matanu na moy makumi matanu na modha 70 makhumi asanu ndi wiri makumi matanu na mely makumi matanu na meli 80 makhumi asanu ndi tatu makumi matanu na mataru makumi matanu na matharu 90 makhumi asanu ndi nai makumi matanu na manay makumi matanu na manai 100 dzana zana zana 200 madzana awiri makumely makumi meli makumi mataru makumi matharu 1000 cikwi, madzana khumi 125 Nyungwe Sena 1 posi posi posi 2 piri piri piri 3 tatu tatu tatu 4 nai nai nai 5 xanu xanu xanu 6 tanthatu tandhatu thandatu 7 nomwe cinomwe xinomwe 8 sere sere sere 9 pfemba pfemba femba 10 khumi khumi khumi 11 khumi na posi khumi na posi khumi na posi 12 khumi na piri khumi na piri khumi na piri 13 khumi na tatu khumi na tatu khumi na tatu 14 khumi na nai khumi na nai khumi na nai 15 khumi na xanu khumi na xanu khumi na xanu 16 khumi na tanthatu khumi na tandhatu khumi na thandatu 17 khumi na nomwe khumi na cinomwe khumi na xinomwe 18 khumi na sere khumi na sere khumi na sere Dema 19 khumi na pfemba khumi na pfemba khumi na femba 126 Dema Nyungwe Sena 20 makhumi mawiri makhumi mawiri makhumimawiri 30 makhumi matatu makhumi matatu makhumi matatu 40 makhumi manai makhumi manai makhumi manai 50 makhumi maxanu makhumi maxanu makhumi maxanu 60 makhumi matanthatu makhumi matandhatu makhumi matant’atu 70 makhumi manomwe makhumi manomwe makhumi manomwe 80 makhumi masere makhumi masere makhumi masere 90 makhumi mapfemba makhumi mapfemba makhumi mafembamwe 100 dzana dzana dzana 200 dzana mairi madzana mawiri madzana mawiri culu cikwi 1000 culu 127 Shona / Ndau Tshwa 1 mo posi, possa nwe 2 wiri piri mbiri 3 tatu tatu nharu 4 nai cina mune 5 sanu shanu ntchanu 6 sanu na mo tandhatu ntchanu ni nwe 7 sanu na wiri nomwe ntchanu ni mbiri 8 sanu na tatu sere ntchanu ni nharu 9 sanu na nai pfemba, pfumbamwe ntchanu ni mune 10 kumi gumi khume 11 kumi na mo gumi na posi khume ni nwe 12 kumi na wiri gumi na piri khume ni mbiri 13 kumi na tatu gumi na tatu khume ni nharu 14 kumi na nai gumi na cina khume ni mune 15 kumi na sanu gumi na cina khume ni ntchanu 16 kumi na sanu na mo gumi na tandhatu khume ni ntchanu ni nwe 17 kumi na sanu na wiri gumi na nomwe khume ni ntchanu ni mbiri 18 kumi na sanu na tatu gumi na sere khume ni ntchanu ni nharu 19 kumi na sanu na nai gumi na pfemba khume ni ntchanu ni mune 128 Senga Senga Shona / Ndau Tshwa 20 makumi awiri magumi mairi makhume mambiri 30 makumi atatu magumi matatu makhume manharu 40 makumi anai magumi mana mune wa makhume 50 makumi asanu magumi mashanu tlhanu wa makhume 60 makumi asanu na magumi imo matanthatu tlhanu wa makhume ni nwe 70 makumi asanu na magumi awiri manomwe tlhanu wa makhume ni mambiri 80 makumi asanu na magumi masere atatu tlhanu wa makhume ni manharu 90 makumi asanu na magumi anai mapfemba tlhanu wa makhume ni mune 100 makumi-kumi zana dzana 200 makumi kumi awiri mazana mairi madzana mambiri cihuru khume ga madzana 1000 makumikumikumi 129 Tsonga / Changana Gitonga 1 n’we mwe 2 mbirhi mbili 3 nharu tharu 4 mune na 5 ntlhanu libhandre 6 ntlhanu ni n’we libhandre na mwe 7 ntlhanu ni mbirhi libhandre na mbili 8 ntlhanu ni nharu libhandre na tharu 9 ntlhanu ni mune libhandre na na na 10 khume khumy 11 khume ni n’we khumy na mwe 12 khume ni mbirhi khumy na mbili 13 khume ni nharu khumy na tharu 14 khume ni mune khumy na na 15 khume ni ntlhanu khumy na libhandre 16 khume ni ntlhanu ni n’we khumy na libhandre na mwe 17 khume ni ntlhanu ni mbirhi khumy na libhandre na mbili 18 khume ni ntlhanu ni nharu khumy na libhandre na tharu 19 khume ni ntlhanu ni mune khumy na libhandre na ne Tsonga / Changana Gitonga 20 makume mambirhi makhumy mavili 30 makume manharhu makhumy mararu 40 mune wa makume makhumy mana 50 ntlhanu wa makume libhandre makhumy 60 ntlhanu wa makume ni n’we libhandre na mwe makhumy 70 tlhanu wa makume ni mambirhi libhandre na mavili makhumy 80 tlhanu wa makume ni manharhu libhandre na mararu makhumy 90 tlhanu wa makume ni mune libhandre na mana makhumy 100 dzana dzana 200 madzana mambirhi madzana mavili 1000 khulu likhumi madzana 131 Chope Ronga 1 mué -ñwe 2 mbiri birji 3 raru rjarju 4 mune mune 5 ntchanu nthanu 6 ntchanu ni mué nthanu ni -ñwe 7 ntchanu ni mbiri nthanu ni birji 8 ntchanu ni raru nthanu ni rjarju 9 ntchanu ni mune nthanu ni mune 10 gume khume 11 gume ni mué khume ni -ñwe 12 gume ni mbiri khume ni birji 13 gume ni raru khume ni rjarju 14 gume ni mune khume ni mune 15 gume ni ntchanu khume ni nthanu 16 gume ni ntchanu ni mué khume ni nthanu ni ñwe 17 gume ni ntchanu ni mbiri khume ni nthanu ni birji 18 gume ni ntchanu ni raru khume ni nthanu ni rjarju 19 gume ni ntchanu ni mune khume ni nthanu ni mune Chope Ronga 20 makume mambidi makume mabirji 30 makume mararu makume marjarju 40 mune uà makume mune wa makume 50 ntchanu uà makume thanu wa makume 60 ntchanu uà makume thanu wa makume na khume 70 ntchanu uà makume thanu wa makume na makume mabirji 80 ntchanu uà makume thanu wa makume na makume marjarju 90 ntchanu uà makume thanu wa makume na mune wa makume 100 dzana dzana 200 madzana mabidi madzana mabirji 1000 khulu khume dja madzana 133 3.2 Métodos populares de contagem em Moçambique 1 Introdução No contexto do Projecto de Investigação ‘Etnomatemática’ e enquadrado no capítulo sobre os “Sistemas de numeração e práticas de contagem” na disciplina de “Matemática na História” leccionada pelo Professor Paulus Gerdes e com a assistência dos docentes Maurício Nhancolo (falecido), Daniel Soares, Abdulcarimo Ismael e Marcos Cherinda, nos cursos de Licenciatura em Ensino da Matemática e Física, e no curso de Licenciatura em Educação Matemática do Ensino Primário na Universidade Pedagógica, em Maputo, e na sua Delegação na Beira respectivamente, realizou-se um inquérito sobre “métodos populares de contagem em Moçambique” no seio dos estudantes dos cursos atrás referidos (anos 1989-1992). Idêntico inquérito foi realizado em 1992 no Instituto Médio Pedagógico em Nampula. Em seguida apresentam-se algumas das informações recolhidas nos referidos inquéritos. A contagem por nós A contagem por nós pode ser encontrada em várias províncias de Moçambique e é utilizada em diversos contextos, dos quais se destacam a contagem dos meses do ano, duração de grandes caçadas, idade de pessoas e tempo de gravidez, nas Províncias de Cabo Delgado e Nampula; a contagem de animais domésticos, tais como bois, cabritos e galinhas, e de animais de caça nas Províncias de Maputo e Nampula. Na Província de Cabo Delgado, malundu (língua makonde) é um método de contagem através de nós. A própria palavra malundu, cujo singular é vilundo, significa nó(s). Este método é usado para indicar os meses do ano, a idade de crianças e o tempo de duração de longas caçadas. Elaborado por Abdulcarimo Ismael e Daniel Soares na base de um inquérito realizado no seio de estudantes da Universidade Pedagógica. 1 Milundu é usado também para contar os meses de gravidez duma mulher; assim se consegue determinar o período do parto, que é depois de 9 meses. Vilundu é também usado para controlar a duração de construção duma casa, a duração do desenvolvimento duma criança até se sentar, andar, etc. Para grandes caçadas que normalmente duravam mais do que uma semana, as pessoas daquela região do país levavam uma peça de capulana ou corda de aproximadamente um metro. Para cada dia que passava era feito um nó naquela peça, de tal forma que no fim de caçada se contavam o número de nós e se sabia quanto tempo tinha levada a caçada. Nalgumas regiões de Cabo Delgado onde se nota uma certa influência da religião Islâmica, o método malundu é usado na contagem de meses do calendário Islâmico. Para se saber quando é o mês de jejum, ou seja o mês de Ramadan, toma-se como referência o período anterior de jejum. Quando a lua nova aparece, imediatamente depois do mês de jejum, é feito um nó; nos meses seguintes são feitos nós de cada vez, até se terem 11 nós; o 12º nó corresponde então ao novo mês de jejum. Malundu é também usado para controlar a idade duma criança. Assim, se uma criança nasce no 5º mês do calendário Islâmico, só se faz um vilundo passados 12 meses lunares, ou seja quando aparece o 5º mês seguinte. Nluthó ou Nlutché (língua makhuwa-lomwé), que também significa “nó”, é um método de contagem em nós utilizado na Província de Nampula, fundamentalmente para contar animais domésticos e também nalguns casos para a contagem do tempo. Neste caso concreto conta-se o tempo que vai da data da morte duma pessoa até 40 dias, altura em que se deve fazer a cerimónia do defunto denominada “Arybaini” (em língua árabe), segundo a religião Islâmica. Após o falecimento vão-se fazendo nós numa corda para cada dia que passa, o que permite saber-se exactamente o dia da cerimónia do defunto. No caso de contagem de animais domésticos os nós são feitos numa corda; na corda são atados tantos nós quantas cabeças de gado existem no curral. Quando, de manhã cedo o gado vai ao pasto, é contado à medida que sai do curral através dos nós, e ao anoitecer, depois do pasto, o gado é novamente contado à medida que vai entrando no curral. Deste modo pode-se fazer um controle exacto do gado. De realçar que este método é também usado para a contagem e 135 A Numeração em Moçambique controle de quantidades de outro tipo de animais domésticos tais como cabritos, galinhas, patos, etc. Há factos que nos levam a crer que este método de contagem era utilizado em vários outros contextos. Em Nampula era utilizado por trabalhadores assalariados para a contagem dos dias de trabalho, o que lhes permitia depois comparar com o salário que recebiam e saber se o salário era real ou não. Fundzu ou mafundzu (língua ronga), é uma forma de contar por nós, vulgarmente utilizada na província de Maputo para contar animais que uma família possui. Para cada cabeça de gado que certa família possuísse, esta fazia um nó numa corda de sisal; o número de nós correspondia ao número de cabeças de gado. Se nascessem mais animais, eram feitos mais nós na corda; se morressem, por doença, ou se fossem abatidas para o consumo, ou se fossem vendidas tantas cabeças, era desatado um número correspondente de nós. No caso duma família que possuísse mais do que uma espécie de animais domésticos, existia uma corda para cada espécie. A contagem por pedrinhas A contagem por pedrinhas pode ser encontrada em várias partes de Moçambique, em particular nas Províncias de Gaza e Tete. Xiguama xa xibala (língua changana), refere-se a um cesto que contém pedrinhas. Trata-se de um método de contagem utilizado na província de Gaza para controlar a quantidade de animais no curral. O pastor dirige-se diariamente ao curral com o seu xiguama xa xibala para controlar o número de cabeças de gado; ele tira um por um os animais do curral, ao mesmo tempo que vai tirando pedrinhas, também uma por uma, do cesto, colocando-as em fila no chão. Se resta alguma pedrinha no saco significa que está a faltar algum animal que pode terse perdido ou ter ido para outro curral. O pastor pode sempre saber quantos animais há no curral. No caso em que se nota que existem mais animais do que as pedrinhas pode-se concluir que houve reprodução ou há lá animais de outros currais. Mwala ou Myala (língua senga), que significa pedra, é uma forma de contagem geralmente utilizada para a contagem de animais domésticos, tais como galinhas, cabritos, patos, etc. Este método é 136 Cap. 3: Fontes orais utilizado na Província de Tete. Todas as manhãs é feito o controle por alguém, um rapaz ou uma menina, que seja um membro da família. Ele(a) dirige-se ao estábulo ou curral onde se encontram os animais, na altura em que estes saem para o pasto; com um número de pedrinhas ele(a) vai pondo um pedrinha no chão ou passando-a duma mão para outra, à medida que os animais vão saindo. No fim ele(a) leva as pedrinhas correspondentes ao número de animais que foram ao pasto. Ao anoitecer, quando os animais se dirigem ao estábulo ou curral, é repetido o processo com as pedrinhas levadas naquela manhã. Assim que se nota que restam algumas pedrinhas, isto significa que estão a faltar alguns animais e assim ele(a) vai logo procurá-los. Se ele(a) se apercebe que há mais animais do que pedrinhas, vai imediatamente verificar se há de facto mais animais, se houve reprodução, ou se algum vizinho teria perdido alguns dos seus animais. A contagem por tracinhos A contagem por tracinhos é encontrada em diferentes contextos nas Províncias de Zambézia, Gaza, Inhambane e Nampula. Mulobuó , plural milobuó (língua chuabo), que significa “parte duma folha de palmeira”, é um método de contagem utilizado por camadas jovens na Província da Zambézia para a contagem dos golos de cada equipa, num jogo de futebol. Deste modo consegue-se saber qual é a equipa vencedora. Toma-se uma folha de palmeira e divide-se em duas partes iguais, correspondente a cada equipa em campo; cada uma destas partes chama-se mulobuó. Cada mulobuó fica na posse do capitão de cada uma das equipas. À medida que o jogo vai decorrendo, por cada golo que é marcado é feito um tracinho no mulobuó na presença do capitão da outra equipa para se evitarem irregularidades. No fim do jogo as equipas encontram-se para comparar os milobuó (plural) e a equipa que tiver mais tracinhos no Mulobuó ganha o jogo. Acontece que às vezes não há tempo para se contarem os tracinhos. Nestes casos apenas se compara o comprimento da parte dos Milobuó que contém os tracinhos e a equipa que tiver maior comprimento ganha o jogo. Swivati (língua changana) é uma forma de contagem geralmente usada para a contagem da quantidade de dinheiro ou de animais paga como lobolo. Este método é frequente na Província de Gaza e consiste 137 A Numeração em Moçambique no seguinte: para cada animal, que pode ser boi, cabrito, galinha ou pato, ou para cada nota de 100 meticais (ou escudos antigamente), é feita uma marca, um tracinho no tronco da árvore mais próxima da casa, de preferência a mais alta e de longa vida. Cada grupo de marcas, cada grupo de swivati, o que corresponde a cada lobolo, pode depois ser sempre consultado. Na Província de Inhambane utilizavam-se tracinhos para indicar as idades das pessoas, na contagem do número de animais num curral, do número de animais mortos na caça, etc. Depois do nascimento duma criança as pessoas geralmente dirigem-se a uma árvore grande e antiga e lá fazem um risco no tronco desta com um golpe de catana ou faca; o golpe representa então essa ocorrência. Em cada ano seguinte é feito um risco diferente, e assim sucessivamente até a criança atingir a maturidade, ou seja, no contexto cultural considerado, quando a criança atinge o momento em que pode velar pela sua própria vida; no caso de rapaz, quando trabalha, e no caso da rapariga, quando se casa. A contagem de animais por este método é feita da mesma maneira do que para a idade de pessoas, isto é, para cada animal existente é feito um risco no tronco duma árvore ou num ramo de tronco. O número de riscos ou tracinhos no tronco ou ramo de árvore corresponde assim ao número de animais existentes no curral. O ramo contendo os tracinhos ou riscos que indicam a quantidade dos animais é depois entregue ao chefe da família para controlar os animais. No caso de se verificar uma reprodução é levado o ramo e são feitos nele tantos riscos quantos animais nasceram. No entanto no caso de morte ou abate de algum animal do curral, o nosso inquérito não conseguiu apurar qual era o procedimento para efeitos de controle. De realçar que para cada espécie de animais existe um ramo ou tronco diferente para evitar confusões. Na caça é levado sempre um pau e nele é marcado um risco para cada animal que é apanhado. Walaca ou Walakela (língua makhuwa) é uma forma geralmente usada para contar o número de pontos de cada equipa num jogo de cartas denominado Nthezó. Este método é usado em algumas regiões da Província de Nampula. 138 Cap. 3: Fontes orais O jogo de cartas Nthezó é um dos mais populares divertimentos em regiões da Província de Nampula tais como Memba e Ilha de Moçambique. Antes do início de cada jogo é feito, numa folha de papel, um desenho para cada equipa. Este desenho consiste em três tracinhos com mais ou menos a mesma medida que se intersectam no meio, formando assim, mais ou menos, diagonais dum hexágono. No fim de cada série do jogo a equipa vencedora, que é a que tiver mais pontos, coloca uma bolinha numa das extremidades das linhas; no fim de tantas voltas a equipa que tiver ganho mais voltas é declarada equipa vencedora do jogo. No entanto, em certas ocasiões não contam tanto, as voltas que são realizadas, mais sim o número de partidas ganhas. Assim, no caso de terem sido realizados muitos jogos, compara-se o número de círculos, isto é, grupos de seis pontos ganhos e quem tiver mais círculos é automaticamente vencedor. Se se verificar que as equipas têm o mesmo número de círculos de seis pontos, são contados os pontos restantes e ganha a equipe que tiver mais pontos restantes. Mbara, que significa “parte do cacho de cocos” numa palmeira que se parece com a casca de feijão verde, é também usado para contar o número de palmeiras escaladas num certo período de tempo durante a colheita de cocos na Província de Inhambane. Antes do início da colheita os trabalhadores preparam um Mbara. À medida que vão escalando as palmeiras de onde colhem os cocos eles vão pegando no Mbara e fazendo marcas com ajuda duma faca ou catana; a marca é feita não como um simples risco, mas sim na margem do Mbara, de tal forma que no fim se pareça com dentes dum animal. No fim de cada jornada de trabalho, o número de golpes no Mbara corresponde ao número de palmeiras escaladas. Okwenhenha (língua makhuwa) é um meio de contar por riscos feitos no chão, na areia, utilizado na Província de Nampula, para contar o número de tiras de palhas evitando-se assim enganos na feitura de cestos, permitindo que o cesto apresente uma forma bonita. Os riscos são agrupados desta feita em 4, perfazendo 2 subgrupos de dois a dois, todos formando por sua vez dois grupos de riscos paralelos cruzados. 139 A Numeração em Moçambique Contagem por pauzinhos Miri (língua makhuwa-lóhmwé) é um método de contagem utilizado em algumas regiões da Província de Nampula para contar galinhas quando entram para a capoeira, como forma de verificar se estão ou não completas. Arranja-se um número determinado de pauzinhos correspondentes ao número de galinhas existentes na capoeira; depois, ao entardecer, pegam-se estes pauzinhos e vai-se controlando a entrada das galinhas para a capoeira; por cada galinha que entra vai-se retirando para outro lado um pauzinho. Deste modo consegue-se saber se todas as galinhas voltaram ou não para a capoeira. Considerações finais Os métodos de contagem que aqui apresentamos foram-nos facultados por estudantes dos cursos atrás referidos, através de inquéritos escritos. É natural que ao analisar determinados aspectos surjam algumas questões por esclarecer, que os próprios estudantes não podem fazer. A maior parte dos estudantes afirmaram terem aprendido estes métodos com os seus avós ou bisavós ou terem visto estes a utilizá-los; logicamente pode-lhes ter escapado algum aspecto importante do método. Existem dúvidas, por exemplo, sobre em que medida são ainda são utilizados hoje em dia. Convidam-se os leitores a contribuírem ou a recolherem mais informações sobre métodos populares de contagem em Moçambique. Queira enviar as suas informações para um dos Departamentos de Matemática da Universidade Pedagógica: Departamento de Matemática, UP, C.P. 2923, Maputo; Departamento de Matemática, UP, C.P. 2025, Beira. 140 Cap. 4: Tabelas e mapas Capítulo 4 Tabelas e mapas comparativos relativos à numeração falada em Moçambique 1 Situada na região oriental da África Austral, com 786380 km2 de área terrestre, banhada inteiramente a Leste pelo Oceano Índico, com um comprimento de costa de 2515 km, a população de República de Moçambique é maioritariamente de língua materna bantu. Dados do Recenseamento Geral da População de 1980 indicam que mais de 90% da população moçambicana tem línguas maternas bantu. Com base em textos publicados e inquéritos realizados no seio de estudantes da Universidade Pedagógica elaboraram-se algumas tabelas e mapas que ilustram as semelhanças e as diferenças entre os sistemas verbais de numeração nas línguas bantu faladas em Moçambique. A Tabela 4.1 apresenta uma listagem dos numerais simples (a partir dos quais se formam os restantes) de “um” até “cem”. É de notar a existência de dois grupos de sistemas de numeração: um de uma única base “dez”, e outro de base “dez” com base auxiliar “cinco”. A distribuição geográfica destes grupos apresenta-se no Mapa 4.6. Na Tabela 4.2 compara-se a estrutura dos numerais. A notação 5 + P refere-se a “cinco mais uma parcela”, em que a parcela pode ser um, dois, três, ou quatro. As notações 10 x f, 10 x F e F x 10 indicam uma multiplicação à direita ou à esquerda de “dez” por um factor de multiplicação. 1 Elaborado por Abílio Mapapá e Evaristo Uaila na base de um inquérito realizado no seio de estudantes da Universidade Pedagógica. 141 A Numeração em Moçambique O Mapa 4.1 indica as regiões do país em que os numerais para “um” têm a mesma raíz. É de notar que tanto os numerais para “dois” como os para “três” têm em todo o país a mesma raíz. O Mapa 4.2 indica as regiões do país em que os numerais para “quatro” têm a mesma raíz. O Mapa 4.3 indica as regiões do país em que os numerais para “cinco” têm a mesma raíz. O Mapa 4.4 indica as regiões do país em que os numerais para “dez” têm a mesma raíz. O Mapa 4.5 indica as regiões do país em que os numerais para “cem” têm a mesma raíz. 142 Cap. 4: Tabelas e mapas Tabela 4.1 Numerais simples nas línguas bantu de Moçambique Makonde Yao Makhuwa Lolo Chuwabo Nyanja /Cheua Senga Tshwa Tsonga / Changana Gitonga Chope Ronga Swahili Còti Nyungwe Sena Shona / Ndau Zulu 1 2 3 -mo -mo -mosa -moy -modha -modzi -mo -nwe -n’we -bili, -vili -widi, -wili -pili, -ili -m’bily -bili -wiri -wiri -mbiri --mbirhi -natu, -tatu -tatu -tharu, -raru -taru -tharu -tatu -tatu -nharu -nharu -mwe -mué -ñwe -moja -moti -posi, -bodzi, modzi -bodzi -posi, -possa -nye -mbili -mbiri -birji -mbili -piri -piri -tharu -raru -rjarju -tatu -thathu -tatu -wiri -piri -bili -tatu -tatu -thathu 143 Tabela 4.1 Numerais simples nas línguas bantu de Moçambique (continuação) 4 5 Makonde Yao Makhuwa Lolo Chuwabo Nyanja /Cheua Senga Tshwa Tsonga / Changana 2 Gitonga Chope Ronga Swahili Còti Nyungwe Sena Shona / Ndau -ncheche -mcheche -sheshe -nay -nai -nai -nai mune mune -nwanu -msano -thanu -tanu -tanu -sanu -sanu ntchanu ntlhanu -na mune mune -nne -nne -nai -nai -na libhandre ntchanu nthanu -tanu -thanu -xanu -xanu -shanu Zulu -ne -hlanu 2 6 sita -sithá -tant’atu -tant’atu -tanthatu, -tandhatu -isithupha Existe outra variante da língua Changana, que se usa na África do Sul, onde se tem os seguintes numerais simples: (6) tsevu, (7) nkombo, (8) nhungu, e (9) kaye. Tabela 4.1 Numerais simples nas línguas bantu de Moçambique (continuação) Makonde Yao Makhuwa Lolo Chuwabo Nyanja /Cheua Senga Tshwa Tsonga / Changana Gitonga Chope Ronga Swahili Còti Nyungwe Sena Shona / Ndau Zulu 7 8 9 saba -sabá -chinomwe -nomeu -nomwe nane -nane -sere -sere -sere tisa -tísya -f’emba -f’emba -pfemba, pfumba -isikhombisa -isisshiyagalombili -isishiyagalolunye 145 Tabela 4.1 Numerais simples nas línguas bantu de Moçambique (conclusão) Makonde Yao Makhuwa Lolo Chuwabo Nyanja /Cheua Senga 3 Tshwa Tsonga / Changana Gitonga Chope Ronga Swahili Còti Nyungwe Sena Shona / Ndau Zulu 3 10 100 kumi kumi mulockó kumi kumi khumi kumi khume khume imiya lichila, licila emia, mia zana zana dzana khumy gume khume kumi khumi k’umi k’umi gumi i:shumi dzana dzana dzana mia mia dzana dz-ana zana i:khulu dzana dzana Na língua Senga, o numeral para “cem” tem a forma de 10 x 10, dizendo-se makumi-kumi. 146 Cap. 4: Tabelas e mapas Tabela 4.2 Estrutura dos numerais nas línguas bantu de Moçambique Numerais 6, 7, 8, 9 Swahili Còti Base Nyungwe 10 Sena Shona / Ndau Zulu Makonde Yao Makhuwa Base Lolo 10 Chuwabo com Nyanja / base Cheua auxiliar Senga 5 Tshwa Tsonga / Changana Gitonga Chope Ronga 20, 30 40, 50 Forma simples 5+P 60, 70, 80 90 10xF 10xF 10xF Fx10 10x5 + 10xf 5x10 + 10xf 5x10+4x10 ou (5+4) x10 5x10+4x10 147 Tanzania -mo -mo Malawi -modzi Zambia -mosa -mo -bodzi -moy -m ot i -modzi -posi -bodzi Zimbabwe Africa do Sul -posi -possa -n’we -nwe -mue Suazilandia -nwe -nye 148 Oceano Indico -moja Mapa 4.1 Distribuição geográfica dos numerais para “um” Cap. 4: Tabelas e mapas Mapa 4.2 Distribuição geográfica dos numerais para “quatro” -nne Tanzania -nsheshe -msheshe Malawi -nai Zambia -sheshe -n ne -nai -nai Zimbabwe -na Oceano Indico e mun -na mu ne Africa do Sul Suazilandia -ne 149 Mapa 4.3 Distribuição geográfica dos numerais para “cinco” u Tanzania Malawi Zambia u an -nw -msano n ha -t -sanu -sanu -thanu -shanu Zimbabwe Suazilandia 150 ntch anu Africa do Sul ntlhanu -shanu nthanu -hlanu Oceano Indico libhandre Cap. 4: Tabelas e mapas Mapa 4.4 Distribuição geográfica dos numerais para “dez” Tanzania kumi kumi Malawi Zambia mulocko’ kumi khumi k’umi k’umi Zimbabwe ku m i khumi gumi Oceano Indico khume Africa do Sul Suazilandia k’humy gume khume i:shumi 151 A Numeração em Moçambique lichila licila imiya dzana Malawi Tanzania m ia Mapa 4.5 Distribuição geográfica dos numerais para “cem” Zambia emia mia dzana dzana zana dz-ana Zimbabwe dza Africa do Sul na zana Suazilandia i:khulu 152 Oceano Indico Cap. 4: Tabelas e mapas Mapa 4.6 Distribuição geográfica dos sistemas de numeração Tanzania Malawi Zambia Zimbabwe Oceano Indico Africa do Sul Suazilandia Base "10" Base "10" com base auxiliar "5" 153 A Numeração em Moçambique 154 Cap. 5: Numeração e educação Capítulo 5 Numeração e educação 5.1 Numeração falada como recurso na aprendizagem da aritmética 1 Em 1992 os estudantes do curso de Licenciatura em Educação Matemática do Ensino Primário (LEMEP)2 realizaram uma série de entrevistas com professores primários sobre o processo de ensino e aprendizagem da adição e subtracção nas primeiras classes da escola primária. Numa das entrevistas surgiu o seguinte diálogo entre um professor da 4ª classe e um grupo de estudantes da LEMEP: Perg.: 1 2 Bem, o Senhor Professor já falou das dificuldades; agora em que exercícios acha que os alunos têm mais facilidade de aprendizagem? Autor: Jan Draisma. A LEMEP funciona na Delegação da Beira da Universidade Pedagógica e visa formar um grupo de especialistas do ensino da Matemática para o nível primário. Pensa-se que os futuros graduados deste curso poderão ser docentes de Matemática e Didáctica de Matemática nos vários cursos de formação de professores primários. Todos os estudantes da LEMEP são professores primários experientes (dos 1º e/ou 2º grau) e uma parte dos estudantes tem também experiência como instrutores de (Didáctica de) Matemática nos Centros de Formação de Professores Primários. 155 A Numeração em Moçambique Resp.: “Por exemplo, exercícios do tipo (escrevendo) 300+500. Aqui os alunos têm facilidade porque já adicionam três mais cinco; 1000+5000 (escreveu), têm também facilidade. Mas para 1000+500 (escreveu), por exemplo, é um pouco difícil. O aluno é capaz de escrever: 1000 + 500 Só quando o número de zeros for igual é que há facilidade.” Perg.: O que é que o Sr. Professor faz quando os alunos cometem este tipo de erros, ou seja colocar algarismos de outros números na posição não correcta? Resp.: “Faço a tabela de posição; ei-la: 1000 100 10 1 1 0 0 0 5 0 0 5 0 0 1 E até podem resolver na mesma tabela.” Apresentou a solução do problema, mil mais quinhentos na mesma tabela. Perg.: Mas mil mais quinhentos, os alunos não podem dizer logo mil e quinhentos? A resposta não se fez esperar: “Não, só se fosse a multiplicação é que seria mais fácil para eles.” Como é que se explica que o professor entrevistado ache que 1000 + 500 é um exercício difícil, enquanto que o entrevistador, que também é um professor primário, pensa que os alunos podem dizer de imediato o resultado? E porque é que o professor entrevistado pensa que multiplicar mil por quinhentos é mais fácil do que adicionar estes números? 156 A diferença de pensamento entre os dois professores é que o primeiro, quando se fala de mil mais quinhentos, imagina automaticamente os numerais escritos, e vê que os alunos se podem enganar, se não alinharem correctamente os algarismos; enquanto que o segundo professor se limita a ouvir os numerais falados, concluindo que a tarefa é muito fácil: mil mais quinhentos é igual a mil e quinhentos. Usando os numerais falados, a “operação” limita-se à substituição da palavra “mais” pela palavra mais simples “e”, enquanto que as parcelas continuam inalteradas. O professor entrevistado pensa que a multiplicação mil vezes quinhentos é mais fácil porque, neste caso, a colocação dos numerais escritos não é importante: basta acrescentar três zeros ao numeral escrito 500; para isto não é necessário alinhar os factores algarismo por algarismo. Como é que seria a operação 1000 x 500, se fosse feita por palavras? Teríamos mil vezes quinhentos é igual a quinhentos mil. A “operação” consiste na troca da ordem dos factores e na eliminação da palavra vezes. Qual é a operação mais simples, aquela que é feita com os numerais escritos ou a que é feita com os numerais falados? Este simples exemplo mostra que a maneira de resolver um problema aritmético depende do tipo de símbolos usados: quando se usam os símbolos escritos, compostos por algarismos, fazendo o cálculo algarismo por algarismo, é necessário respeitar certas regras de colocar os símbolos e de operar com eles. Mas quando se usam símbolos falados — palavras — o cálculo torna-se muito diferente. No presente texto vamos comparar com mais pormenor a aritmética escrita com a aritmética falada, e veremos que o uso de numerais falados pode constituir um recurso importante para as crianças passarem a dominar com mais facilidade os exercícios básicos da adição e da subtracção. A importância dos exercícios básicos da adição e subtracção Uma das tarefas principais das aulas de Matemática nas 1ª e 2ª classes é que os alunos passem a dominar os exercícios básicos da adição e subtracção. Chamamos exercícios básicos da adição e da subtracção, as somas de dois números dígitos (como 2+3 = 5 e 157 7+9 = 16) e as diferenças correspondentes (à soma 7+9 = 16 correspondem os exercícios básicos da subtracção 16 - 7 = 9 e 16 9 = 7). Há autores que preferem falar de factos básicos em vez de exercícios básicos. As expressões exercícios básicos ou problemas básicos parecem mais correctas para a criança que ainda não memorizou os resultados. Para esta criança, 7 + 9 = ? é um problema a ser resolvido. Mas a partir do momento que os resultados estiverem memorizados, deixam de ser exercícios ou problemas e passam a ser factos numéricos básicos. Porque é que se fala de exercícios (ou factos) básicos? O conhecimento destes factos constitui a base para o cálculo com números maiores: para calcular a soma de 3596 e 17283, muitas pessoas irão colocar os números na seguinte posição: 3 596 + 17 283 para em seguir calcular algarismo por algarismo. Este cálculo só é eficiente se a pessoa souber de cor que 6 + 3 = 9, 9 + 8 = 17, etc., isto é, se a pessoa tiver memorizado os factos básicos da adição. Exemplos semelhantes poderão ser dados sobre a subtracção, multiplicação e divisão. Um problema real que se verifica nas escolas primárias, é que a partir da 3ª classe os alunos aprendem os procedimentos escritos das quatro operações elementares, isto é, os procedimentos em que se calcula algarismo por algarismo, com os numerais escritos, sem que tenham memorizado todos os factos básicos. Por exemplo, entre os 29 alunos das 3ª e 4ª classes entrevistados por estudantes da LEMEP em Novembro de 1992, 6 alunos tiveram que recorrer aos dedos para determinar 7+9, durante o cálculo de 47 + 29. Kilborn 1991 (p. 30) apresenta dados referentes a 99 alunos da 3ª classe, de escolas das cidades de Maputo e Nampula, que mostram que mais de metade dos alunos entrevistados recorre a métodos de contagem, em geral apoiados pelos dedos, para determinar os resultados de 2+11, 3+9 e 8+27. Como o domínio dos exercícios básicos é essencial para o desenvolvimento das capacidades matemáticas e, por outro lado, como a realidade nas escolas mostra que alunos e professores têm 158 Cap. 5: Numeração e educação dificuldades em conseguir este domínio, temos dado muita atenção ao tema nas aulas e trabalhos práticos da LEMEP. Como é que adultos e crianças calculam na realidade? Para possuirmos alguns dados reais, os estudantes da LEMEP prepararam e aplicaram, em fins de 1991, uma entrevista contendo problemas simples de adição e de subtracção, cobrindo as exigências do programa da 1ª classe e parcialmente as exigências da 2ª classe. Todos os problemas eram apresentados oralmente. As pessoas entrevistadas ficavam completamente livres quanto ao método de resolução. Foram entrevistados três grupos de pessoas: A. B. C. Quinze mulheres analfabetas (estudantes do curso de educação bilingue nos bairros de Estoril e Munhava Matope da cidade da Beira, isto é, um curso de alfabetização em língua Sena em que os participantes, numa segunda fase, aprendem também a língua portuguesa) Catorze crianças em idade escolar (de 7 a 12 anos) que não frequentam a escola Treze alunos das 1ª e 2ª classes de algumas escolas da Beira. Um dos resultados mais importantes das entrevistas foi ter-se verificado que todas as mulheres entrevistadas resolviam com facilidade e segurança todos os problemas colocados, calculando com os numerais falados da língua Sena. Não precisavam dos numerais escritos. Leiam-se os seguintes exemplos: 159 Em Sena Tradução-1 Makumi mathandatu Sessenta e dois kuburusa pixanu, menos cinco, quanto pinakala pingasi? é? Makumi mathandatu Em sessenta tiramos tinaburusa pixanu; cinco; fica cinquenta pinakala makumi e cinco. maxanu na pixanu. Tinaika piwiri pinakala Juntamos dois e fica makumi maxanu na cinquenta e sete. pinomwe Em Sena Tradução -1 Tradução-2 62 - 5 = ? 60 - 5 = 55 55 + 2 = 57 Tradução-2 Makumi mathandatu na Sessenta e quatro 64 + 80 = ? pinai thimizira makumi mais oitenta, quanto masere, pinakala é? pingasi? Pamakumi mathandatu De sessenta e quatro 64 - 20 = 44 na pinai tinaburusa tiramos vinte para makumi piwiri mbatiika pôr no oitenta e 80 + 20 =100 pamakumi masere obter cem. mbapikala zana. Zana tinaika makumi manai na pinai piosene mbapikala zana na makumi manai na pinai. Ao cem juntamos 100 + 44 =144 quarenta e quatro para obter cento e quarenta e quatro. Foi através destas entrevistas que os estudantes da LEMEP tomaram consciência de que é possível fazer cálculos sem conhecer e sem utilizar os numerais escritos. Um outro resultado foi que não havia diferenças significativas entre os métodos usados pelos alunos da 1ª e 2ª classe e as crianças da mesma idade que não frequentam a escola: todas estas crianças 160 usavam, em geral, métodos de contagem apoiados pelos dedos das mãos (e, às vezes, pelos dedos dos pés). Apenas duas das crianças do grupo B e uma criança do grupo C usavam métodos de cálculo mental sem precisar de fazer contagens. Na LEMEP analisámos estes resultados. Perguntámos aos estudantes: “Como é que se explica que as mulheres analfabetas calculem tão bem, sem nunca terem frequentado a escola e até sem saberem como se escrevem os números?” Os estudantes disseram: “Os adultos têm que enfrentar muitos problemas na sua vida, que não podem ficar sem solução; eles são forçados a encontrar soluções”. Esta parece uma explicação clara, embora seja interessante investigar na prática como isto funciona: aprender Matemática na medida em que se procuram soluções para problemas da vida real. Depois perguntámos aos estudantes: “Como se explica que não haja diferenças entre as habilidades aritméticas dos alunos e das crianças que não frequentam a escola?” Esta foi uma pergunta embaraçosa para os estudantes que são professores primários experientes, porque a resposta parecia ser: “Não há diferença, por isso é melhor fechar as escolas. As crianças hão-de aprender a aritmética à medida que a vida os obrigar a resolver problemas reais.” Finalmente perguntámos aos estudantes: “Como se deve interpretar o facto de os alunos do fim da 1ª classe e do fim da 2ª classe aplicarem poucas vezes os métodos de cálculo oral/mental sugeridos nos livros escolares actuais?” Fizemos esta pergunta porque os cadernos de exercícios das 1ª e 2ª classes e os respectivos manuais do professor, introduzidos com o Sistema Nacional de Educação a partir de 1983, sugerem que todas as somas e diferenças no limite 100 possam ser determinadas através de cálculo oral, feito com os numerais falados e acompanhado pela escrita. A ideia dos autores destes materiais era que o cálculo oral poderia ser interiorizado e tornar-se cálculo mental. Alguns estudantes da LEMEP indicaram como causas do fraco cálculo oral/mental observado nas escolas, alguns problemas dos próprios alunos, dos livros escolares actuais e do facto de a língua usada na escola ser uma língua segunda para muitos alunos e até para os professores. Contudo, a maioria dos estudantes apontou como causa principal a qualidade do trabalho feito por muitos professores primários, dizendo: 161 A Numeração em Moçambique “Os próprios professores têm dificuldades: não aprenderam a fazer cálculo mental. Eles só conhecem bem o cálculo escrito; estão habituados ao cálculo escrito; por isso não dão importância ao cálculo mental.” “Os professores não explicam correctamente o método (de cálculo mental), porque não entendem que aquilo que está escrito nos manuais é para ser feito oralmente; assim, explicam o cálculo mental como se fosse uma forma de cálculo escrito.” Esta respostas dos estudantes da LEMEP foram consideradas como hipóteses de explicação, que careciam de confirmação através de estudos adicionais. Como se faz cálculo oral? Assim, começámos a estudar com mais atenção as entrevistas feitas em língua Sena e os métodos de cálculo usados pelas mulheres analfabetas. Pedimos também aos estudantes para resolverem os mesmos problemas usando os sistemas de numeração falada das suas próprias línguas. Na turma da LEMEP estão representadas cerca de 18 línguas; algumas destas línguas deverão ser consideradas como variantes ou dialectos de uma mesma língua principal. Quanto ao cálculo oral/mental feito com base nos numerais falados/pensados, foi feito primeiro um levantamento dos sistemas de numeração contidos nas várias línguas moçambicanas. Concluímos que: a) O cálculo oral e mental feito nas línguas moçambicanas com numeração em base “dez” é muito semelhante ao cálculo feito nas línguas portuguesa e inglesa, embora existam também algumas diferenças. b) O cálculo oral/mental feito nas línguas que usam uma base auxiliar “cinco” para além da base “dez” é bastante diferente. O cálculo feito nestas línguas oferece possibilidades específicas que os professores primários deviam conhecer para as poderem aproveitar. 162 Exemplo 1: Como se calcula oralmente vinte mais quarenta? Um exemplo que pode dar uma ideia quanto às particularidades do cálculo com base em numerais falados (e não com base em numerais escritos) e as semelhanças e diferenças que existem entre as línguas, é o cálculo 20 + 40 = ? Para calcular oralmente 20 + 40, diz-se: vinte mais quarenta é igual a sessenta (em língua Portuguesa) makhumi mawiri na makhumi manai ndi makhumi matanthatu (em língua Dema) makhume mabidri kupatra mune wa makhume, thlanu wa makhume na dzinwe (em língua Ronga; kupatra = adicionar, mais) Comparando a maneira como os numerais para 20, 40 e 60 são formados, observamos o seguinte: Em língua Portuguesa: Os numerais vinte, quarenta e sessenta são simples; dentro do sistema de numeração são palavras novas. Estes numerais são o resultado de uma simplificação de expressões mais antigas que significavam dois dezes, quatro dezes e seis dezes. Nas palavras quarenta e sessenta ainda é possível reconhecer as palavras quatro e seis respectivamente. Os numerais vinte, quarenta e sessenta têm uma forma invariável: não conhecem uma forma para o plural, nem para masculino /feminino. Em língua Dema: Os numerais para 20, 40 e 60 são expressões compostas por duas palavras: 20 — makhumi mawiri (= dezes dois = 10 x 2) 40 — makhumi manai (= dezes quatro = 10 x 4) 60 — makhumi matanthatu (= dezes seis = 10 x 6) 163 Nestas expressões, a palavra makhumi é o plural do substantivo khumi; vê-se que se trata do plural pelo prefixo ma-. As palavras mawiri, manai e matanthatu são adjectivos que devem apresentar o prefixo ma-, correspondente à palavra makhumi a que se referem. Este tipo de combinação de palavras tem um significado multiplicativo: makhumi manai significa dezes quatro ou seja, 10 x 4 (respeitando a ordem usada em Dema). Assim, os numerais em Dema são compostos e, como tal, mais longos do que em língua portuguesa. Contudo, eles são compostos por numerais conhecidos, enquanto em língua portuguesa se trata de expressões novas. Em língua Dema, todos os múltiplos de 10, a partir de 20 até 90, são formados da mesma forma. Tanto em Dema como em Português, o sistema de numeração tem a base “dez”; isto é, os números 1, 2, 3, ..., 10 são representados por expressões simples, diferentes. Em língua Ronga: O sistema de numeração em Ronga tem a base “dez” e a base auxiliar “cinco”. Isto significa que os numerais para 6, 7, 8 e 9 são compostos (têm a forma 5 + n), o que tem consequências para a formação do numeral para 60. 20 — makhume mabidri (= dezes dois = 10 x 2) 40 — mune wa makhume (= um quarteto de dezes = 4 x 10) 60 — tlhanu wa makhume na dzinwe (= um quinteto de dezes e um = 5 x 10 + 1) Vemos que a expressão para vinte é formada da mesma maneira como em Dema. Até as palavras para dez e dezes são praticamente iguais: Ronga: khume, makhume Dema: khumi, makhumi O numeral para quarenta já é diferente: mune wa makhume significa um quarteto de dezes. Traduz-se mune por quarteto, para chamar a atenção para o facto de mune ser um substantivo e para mostrar que a partícula wa significa de em Português. No numeral para sessenta, aplica-se o facto que em Ronga o numeral para 6 é composto: tlhanu wa makhume na dzinwe, o que significa: um quinteto de dezes e um. A palavra tlhanu é um substantivo, tal como mune; assim, tlhanu wa makhume significa 164 Cap. 5: Numeração e educação “cinquenta”. Na dzinwe significa “e um”, onde fica subentendido que se trata de “um dez.” Ouve-se que se trata de um dez, porque dzinwe é um adjectivo com o prefixo correspondente à classe nominal do substantivo khume. Pode dizer-se de forma mais explícita: tlhanu wa makhume na khume dzinwe (= 5 x 10 + 10 x 1). Assim, o número 60 representa-se em português por uma palavra única (de 3 sílabas), em Dema por uma expressão de duas palavras (com um total de 6 sílabas) e em Ronga por uma expressão composta por cinco palavras, das quais três numerais simples (num total de 9 sílabas). Comparando apenas as línguas Dema e Ronga, vemos que em Dema os numerais para 20, 40 e 60 são formados da mesma maneira, enquanto que em Ronga os três numerais são formados de três maneiras diferentes. Comparando os cálculos, observamos o seguinte: As diferenças na formação dos numerais nas três línguas têm consequências para os cálculos necessários para se obter o resultado. O cálculo mais simples é feito na língua Dema: makhumi mawiri na makhumi manai ndi makhumi matanthatu Trata-se de um cálculo feito com dezenas (makhumi). Traduzido para Português temos: 2 dezenas mais 4 dezenas são 6 dezenas. O cálculo necessário é o exercício básico 2 + 4 = 6. Ou, como um estudante da LEMEP observou: “É como se fosse 2 laranjas mais 4 laranjas são 6 laranjas.” Em Ronga o cálculo é semelhante, porque também aqui todo o cálculo é referente a dezenas: makhume mabidri kupatra mune wa makhume, thlanu wa makhume na dzinwe Traduzido para Português temos: 2 dezenas mais 4 dezenas são 5 dezenas e 1. O cálculo envolvido é o exercício básico 2 + 4 = 5+1, um exercício básico típico das línguas com numeração em base “dez” e base auxiliar “cinco”. Em língua portuguesa o cálculo oral é mais complicado: 165 A Numeração em Moçambique Como é que vinte mais quarenta pode resultar em sessenta? Trata-se de três numerais muito diferentes. O cálculo mais provável que as pessoas fazem é transformar os numerais de modo a permitir o cálculo: vinte significa dois vezes dez; quarenta significa quatro vezes dez. Por isso, vinte mais quarenta é igual a dois vezes dez mais quatro vezes dez, o que dá seis vezes dez. Em linguagem simbólica: 20 = 2x10; 40 = 4x10; por isso, 20 + 40 = 2x10 + 4x10 = 6x10 Assim, a segunda parte do cálculo coincide com o cálculo feito em Dema. Mas para se poder fazer o cálculo desta maneira, é necessário interpretar vinte como dois vezes dez, e quarenta como quatro vezes dez. Por isso, o cálculo de 20 + 40 em língua portuguesa é mais complexo do que em Dema. Na prática, muitas pessoas acabam por memorizar, em língua portuguesa, as somas dos múltiplos de dez, no limite 100. Assim, pode parecer que as pessoas calculam mas depressa em Português do que em Dema, porque são capazes de dizer imediatamente o resultado. Mas esta maior rapidez é resultado de um esforço maior: primeiro o esforço maior de calcular a soma, no período em que ainda não se conhece de cor o resultado; depois o esforço de memorizar os resultados deste tipo de somas. Em Dema o cálculo limita-se à aplicação do exercício básico 2 + 4 = 6 em combinação com a propriedade distributiva, não havendo qualquer necessidade de memorizar algo mais do que os exercícios básicos. Em Ronga o cálculo limita-se também ao uso de um facto básico 2 + 4 = 5 + 1 e a aplicação da propriedade distributiva; apenas o exercício básico em Ronga é diferente do exercício básico em Dema ou Português. Alguns estudantes da LEMEP explicaram o cálculo oral vinte mais quarenta é igual a sessenta da seguinte maneira: “Basta adicionar 2 + 4 = 6 e depois acrescentar um zero.” Esta forma de pensar é um exemplo típico de cálculo por uma pessoa que está habituada a usar os numerais escritos: para efectuar o cálculo recorre, na mente, à representação escrita dos números, pelo 166 Cap. 5: Numeração e educação que deixa de ser um cálculo estritamente oral, e só é possível para quem conhece a representação escrita dos números. Mesmo neste caso, trata-se de um caminho de cálculo mais longo do que o cálculo oral feito em Dema: 1. traduzir, mentalmente, a palavra vinte para o símbolo 20; 2. traduzir a palavra quarenta para o símbolo 40; 3. isolar no símbolo 20 o símbolo 2 e no símbolo 40 isolar o símbolo 4; 4. adicionar 2 + 4 = 6 (aplicação de um exercício básico); 5. acrescentar ao símbolo 6 o símbolo 0, ou seja, interpretar o símbolo 6 como representando 6 dezenas; 6. traduzir o símbolo 60 para a língua portuguesa: sessenta. Portanto, também com este método é necessário, primeiro, transformar os numerais dados oralmente para uma forma diferente (a forma escrita); depois efectuar o cálculo com os símbolos escritos; finalmente, traduzir o símbolo 60 para a língua portuguesa. Nos exemplos dados nas línguas Dema e Ronga, opera-se directamente com os numerais orais dados. As diferenças entre o cálculo feito em Português e o cálculo feito em Dema são consequência do facto de os numerais vinte, quarenta e sessenta serem palavras novas, que têm a vantagem de serem curtas, mas que exigem uma interpretação em termo dos numerais já conhecidos: vinte significa dois vezes dez, etc., o que prolonga os cálculos, até estes serem memorizados (e automatizados). Exemplo 2: Como se calcula 8 + 5? Em Português diz-se: oito mais cinco é igual a treze. O resultado treze é uma nova palavra, sem nenhuma relação com as palavras oito e cinco. Por isso, quando uma criança ainda não conhece de cor o resultado, deve fazer algo para o obter. Uma possibilidade é usar uma contagem pelos dedos, dizendo nove, dez, onze, doze, treze. A contagem começa pelo sucessor de oito, e, à medida que se conta, levanta-se um dedo por cada numeral falado, até 167 A Numeração em Moçambique ter completado cinco dedos. O último numeral pronunciado corresponderá à soma de oito e cinco. Nos livros escolares actuais para a 1ª classe sugere-se o seguinte cálculo oral: oito mais dois, dez; dez mais três, treze. Esta forma de calcular, usada também com frequência pelas mulheres entrevistadas em língua Sena, pressupõe que a pessoa: a) saiba de cor quanto falta para completar dez a partir de oito; b) saiba que adicionar cinco é o mesmo que adicionar sucessivamente dois e três. Contudo, numa língua que usa a base auxiliar “cinco”, para além da base “dez”, há uma outra possibilidade para calcular a soma de oito e cinco, usando os próprios numerais. Por exemplo, o problema Oito mais cinco, quanto é?, formulado em Chuwabo é: Tanu na tharu, na tanu, dhinkala ñgasi? Estas expressões permitem o seguinte cálculo: Tanu na tanu, dhinkala kumi; na tharu, dhinkala kumi na tharu. (Cinco mais cinco, igual a dez; mais três, igual a dez-e-três.) Desta maneira, o problema 8 + 5 = ?, que durante uma certa fase pode ser difícil para as crianças, é resolvido de uma forma natural, usando o facto básico simples 5 + 5 = 10; e o que parece ser o segundo passo (dez mais três, igual a treze), não é nenhum passo em Chuwabo: kumi na tharu dhinkala kumi na tharu, porque o nome para treze, em Chuwabo, tal como na maioria das línguas moçambicanas, é simplesmente dez-e-três. Um cálculo semelhante pode ser feito em todas as línguas que usam a combinação das bases “cinco” e “dez”. Todos os exercícios básicos da adição, cuja soma ultrapassa dez, podem ser resolvidos desta maneira: 168 Cap. 5: Numeração e educação 6 + tanu na modha 5+1 na + 7 = ? tanu na mbili dhinkala 5+2 = kumi na tharu (5+5) + (1+2) Um caso um pouco mais difícil é o cálculo de sete mais nove: 7 + tanu na mbili na 5+2 + 9 tanu na nai 5+4 = dhinkala ? kumi na tanu na = modha (5+5) + (5+1) Neste último caso, para além de juntar os dois cincos, foi usado um exercício básico típico das línguas com numeração em base cinco: mbili na nai dhinkala tanu na modha (2+4 = 5+1). As implicações educacionais dos últimos exemplos merecem especialmente atenção. Muitos alunos da escola primária têm dificuldade em encontrar as somas de dois números dígitos, quando esta ultrapassa dez. Como já foi referido, é frequente ver crianças a fazerem contagens de dedos para determinar somas do tipo 7 + 9, mesmo na 3ª, 4ª ou até na 5ª classe. Mas muitos destas crianças conhecem os numerais falados da sua língua materna. De uma forma geral, as línguas faladas ao Norte do Rio Zambeze e as línguas faladas ao Sul do Rio Save usam a base auxiliar “cinco”, para além da base “dez”. Estamos convencidos de que muitas crianças poderiam aplicar com naturalidade os cálculos usando os numerais da sua língua materna; isto pode ser feito, mesmo se as aulas se realizam em língua portuguesa. Não há nenhuma razão para limitar as crianças aos meios didácticos tradicionais: dedos, pauzinhos, pedrinhas ou tracinhos. Todos os conhecimentos das crianças devem ser aproveitados de uma maneira racional, para conseguir que estas passem a dominar os exercícios básicos da adição. Pode parecer que as línguas que usam a base auxiliar “cinco” oferecem mais possibilidades de cálculo do que as línguas que usam apenas a base “dez”. Contudo há uma forma de se fazer os cálculos aproveitando a base “cinco”, mesmo quando se usam numerais falados da base “dez”: através de gestos com as duas mãos. 169 Por exemplo, a soma seis mais sete pode ser calculado da seguinte maneira: 1. 2. 3. representa o número seis levantando uma vez um punho fechado (cinco) seguido pelo levantamento de um dedo; representa o número sete, levantando o outro punho fechado, seguido pelo levantamento de dois dedos; a soma dos dois números obtém-se lembrando-se dos dois punhos levantados (5 + 5 = 10), aos quais se juntam os três dedos levantados. Este cálculo gestual pode ser mais rápido do que a contagem pelos dedos que muitas crianças praticam: começando pelo sucessor de sete, dizendo oito, nove, dez, onze, doze, treze. Por cada numeral pronunciado levanta-se um dedo; quando a criança tiver 6 dedos levantados, terá chegado ao resultado e o último numeral pronunciado será o resultado. Qual a língua a ser usada nas aulas de Matemática da escola primária? Recentemente tivemos a oportunidade de participar em seminários organizados pela NOTMO (Organização de Matemática do Transvaal do Norte) na República da África do Sul. Os seminários, de um dia cada um, tiveram lugar nas zonas de Kwandebele, Lebowa, Venda e Gazankulu e neles participaram professores de Matemática sul-africanos dos níveis primário e secundário e ainda formadores de professores primários. Tivemos a oportunidade de discutir especificamente as seguintes questões: a) b) Qual (quais) devia(m) ser a(s) língua(s) de instrução nas nossas escolas primárias: uma língua oficial, como a língua portuguesa em Moçambique e a língua inglesa na África do Sul, ou uma língua local? Qual devia ser a língua de instrução nas aulas de Matemática? No dia 1 de Abril de 1993 tivemos uma discussão muito interessante com um grupo de mais de 150 professores em Gazankulu, uma zona da África do Sul onde se fala a língua Tsonga, que é a mesma língua que a língua Changana, falada no Sul de Moçambique. 70 Cap. 5: Numeração e educação Até recentemente, todo o ensino primário em Gazankulu era feito em Tsonga, incluindo a Matemática, de acordo com o sistema de ensino estabelecido para a população negra dentro da política do Apartheid. Nós já conhecíamos alguns dos livros de Matemática escritos em Tsonga, que na altura eram usados em Gazankulu. Quais foram as opiniões que os professores de Gazankulu nos apresentaram? * Alguns disseram que era melhor usar desde o início a língua Inglesa, como língua de instrução nas aulas de Matemática, porque, em geral, as crianças já conhecem os numerais falados em Inglês quando começam a frequentar a escola primária. Por isso, não é necessário usar os numerais falados em Tsonga. Esta foi também a opinião de alguns professores que tiveram experiência concreta de usar a língua Tsonga nas aulas de Matemática. * Outros disseram que, nas primeiras classes da escola primária, devia ser usada a língua materna para todas as disciplinas, porque esta é o único meio de comunicação possível. Seria um erro pensar que se pudesse comunicar bem na sala de aula quando se usa uma língua que é nova para os alunos. * Um dos participantes disse que todo o ensino devia ser feito em língua materna, incluindo a Matemática, para permitir que as crianças pudessem comunicar com os seus avós. Em particular, as crianças deviam ser capazes de falar com os avós, na sua língua materna, sobre todas as actividades escolares, incluindo a Matemática. * Finalmente houve o comentário interessante de um dos participantes, que nos disse que tinha estado a ensinar a Aritmética em Tsonga usando o sistema de numeração oficial em Tsonga, que é um sistema simplificado de base “dez” apenas, introduzido em Gazankulu para “servir objectivos educacionais” (Ouwehand 1965, p. 62); mas que em casa continuava a usar os numerais falados originais/tradicionais de base “cinco”: 171 Changana (Moçambique) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 xin’we swimbirhi swinharhu mune ntlhanu ntlhanu ni xin’we ntlhanu ni swimbirhi ntlhanu ni swinharhu ntlhanu ni mune khume khume ni xin’we khume ni swimbirhi khume ni swinharhu khume ni mune khume ni ntlhanu khume ni ntlhanu ni xin’we khume ni ntlhanu ni swimbirhi khume ni ntlhanu ni swinharhu khume ni ntlhanu ni mune makume mambirhi 23 makume mambirhi ni swinharhu Tsonga (“simplificado”, Gazankulu) xin’we swimbirhi swinharhu mune ntlhanu tsevu nkombo nhungu kaye khume khume ni xin’we khumembirhi khumenharhu khumemune khumentlhanu khumetsevu khumenkombo khumenhungu khumekaye khumbirhi or makumembirhi khumbirhinharhu Estas foram as opiniões que nos foram apresentadas directamente. Contudo, tivemos ainda uma experiência complementar interessante: durante uma actividade matemática, dirigida pelo professor americano Arthur Powell, os participantes, organizados em pequenos grupos, tiveram que fazer alguns cálculos sobre uma sucessão numérica do tipo “Conway”. Tratava-se de cálculos elementares, principalmente com números naturais, inteiros e fracções. Observámos que em alguns grupos as discussões eram feitas em Tsonga, mas nos cálculos eram usados os numerais em Inglês. Em outros grupos toda a discussão era feita em Tsonga, com excepção do cálculo com fracções, para as quais eram usados os nomes em Inglês. Para nós era uma prova muito concreta, de que a Matemática elementar pode ser feita em Tsonga (Changana). Mas sabíamos também que os nossos estudantes da UP em Beira não seriam capazes de fazer este tipo de discussão matemática nas suas línguas maternas: quase todos os seus conhecimentos e experiência matemática dependem do uso da língua portuguesa. Propostas para uma reflexão 1. É importante estimular que as crianças utilizem as mãos, não só para contagens, mas também para fazer cálculos: os gestos usados por muitas pessoas para representar os números correspondem directamente aos numerais de base combinada “cinco”/”dez”, como existem em Chuwabo, Changana e várias outras línguas moçambicanas. Mesmo quando se usam numerais falados de base “dez”, como em Dema, Ndau, Inglês, etc., o uso de gestos com as duas mãos dá acesso a algumas das vantagens dos sistemas de numeração de base “cinco”/”dez”, e pode ajudar as crianças para encontrar facilmente as somas do tipo oito mais cinco igual a treze. 2. É importante encorajar as crianças a utilizarem os conhecimentos que têm nas várias línguas que conhecem, mesmo quando se trata de outras línguas sem ser a língua de ensino. 3. Em particular, mesmo quando a língua de ensino for a língua portuguesa, muitas crianças costumam ter contacto com várias outras línguas, especialmente nas zonas urbanas. Os conhecimentos contidos nestas línguas podem ser aproveitados para as crianças efectuarem cálculos matemáticos importantes para o seu desenvolvimento intelectual. 4. A ideia de simplificar os sistemas de numeração falada das línguas moçambicanas é compreensível para os números grandes (maiores que cinquenta ou cem), por causa do comprimento das expressões, em particular nas línguas que usam a base auxiliar “cinco”. Contudo, parece-nos que o uso de numerais falados de base “cinco” pode constituir um recurso importante durante as 173 A Numeração em Moçambique primeiras fases da aprendizagem dos exercícios básicos da adição e subtracção e na descoberta dos primeiros métodos de cálculo oral e mental. Como os alunos terão à sua disposição os numerais escritos de base “dez”, para o cálculo com números maiores, uma possível simplificação de um sistema de numeração falada devia tomar em conta as possibilidades das primeiras fases da aprendizagem da Aritmética. Pôr de parte os numerais falados de base cinco, para os números seis, sete, oito e nove, pode ser um erro pedagógico na primeira fase da aprendizagem de Matemática. Referências e sugestões de leitura [entre parênteses rectos: tradução de alguns dos títulos] Draisma, J.; Soares, M. C. e outros, 1983: Eu vou à escola Matemática, 1ª classe , Vol. 1 e 2, Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação (INDE), Maputo Draisma, J.; Soares, M. C. e outros, 1983: Eu gosto de Matemática Matemática 2ª classe - Cadernos de Exercícios, Vol. 1 e 2, INDE, Maputo Fletcher, C.: Tinhlayo le’tintshwa ta ka Juta - Ntangha 3, 4, Juta & Company, Cape Town - África do Sul (traduzido para Tsonga por R. Mabale — Livro escolar de Aritmética, em língua Tsonga, para as classes 3 e 4) Gleimius, E.; Stals, T. N.; Marivate, C. T. D.: Tinhlayo ta tsakisa Ntangha 2, Varia Books, Alberton - África do Sul INDE, 1982: Livro do Professor, 1ª classe — Vamos Aprender, Volumes 1 - 6, INDE, Maputo INDE, 1983: Livro do Professor, 2ª classe — Vamos Ler e Escrever, Volumes 1 - 5, INDE, Maputo Veloso, M. T.; Draisma, J., 1992: Bukhu ya kupfundzisa makonta. Malongero a cisena [Livro de Matemática em língua Sena], edição experimental para o Projecto de educação biligue de mulheres, Volumes 1 e 2, INDE, Maputo Hatano, G., 1982: ‘Learning to add and subtract: a Japanese perspective’ [Aprendendo a adicionar e a subtrair: uma perspectiva japonesa], in Carpenter, T. P.; Moser, J. M.; Romberg, T. A. (org.), Addition and subtraction: a cognitive perspective, Lawrence Erlbaum, Hillsdale, New Jersey (O autor explica a importância da base auxiliar cinco no cálculo mental, 174 Cap. 5: Numeração e educação apesar de a língua japonesa possuir um sistema de numeração decimal. Uma tradução em Português deste texto pode ser obtido do Departamento de Matemática da UP - Beira.) Kilborn, W., 1991: Avaliação de livros escolares em Moçambique — Matemática, Classes 1-3, Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação, Maputo Ouwehand, M., 1962: Everyday Tsonga, Sasavona Publishers, Braamfontein Treffers, A.; De Moor, E., 1990: Proeve van een nationaal programma voor her reken-wiskunde onderwijs op de basisschool. Deel 2: Basisvaardigheden en cijferen [Proposta de um programa nacional para o ensino da aritmética-matemática na escola básica. 2ª parte: habilidades básicas e cálculo escrito], Zwijsen, Tilburg - Países Baixos (em Holandês. Os autores defendem a importância do uso da base auxiliar cinco, para além do cálculo mental, apesar de a língua Holandesa possuir apenas numerais em base dez.) Zepp, R., 1990: Language and Mathematics Education [Língua e Educação Matemática], API Press, Hong Kong 175 A Numeração em Moçambique 5.2 Algumas reflexões para estimular o debate e a investigação A História da Matemática mostra que, por diversas vezes, a escolha da linguagem, de expressões e símbolos, tem sido extremamente importante para poder conceber e compreender novas ideias e relações. Uma escolha feliz pode facilitar o pensamento e o raciocínio. Uma escolha feliz pode facilitar o ensino e a aprendizagem. Uma escolha bem reflectida pode democratizar o acesso ao conhecimento científico da Humanidade: mais pessoas em condições de o alcançar. A importância da numeração falada para a aprendizagem foi frisada na secção anterior. Nesta secção apresentaremos algumas reflexões relativas à numeração falada em Moçambique, fruto do debate no seio da nossa equipa de educadores matemáticos integrados no Projecto de Investigação ‘Etnomatemática’. Uma tendência no desenvolvimento da numeração nas línguas bantu de Moçambique As línguas não são estáticas. As línguas estão em movimento. Tanto ao nível das sociedades e de grupos humanos menores, como ao nível de indivíduos, inventam-se novas palavras e novas construções. Relativamente à numeração nas línguas bantu de Moçambique, nota-se uma tendência para contrair numerais; alguns exemplos clarificarão este fenómeno da contracção. Na língua Makonde foi introduzida uma forma curta, resultado de contracção, para se referir ao numeral ‘seis’: mwanaimo em vez da forma em extenso mwanu na imo. Na língua Nyungwe encontra-se a forma contraída makhumaxanu (cinquenta) ao lado da versão original makhumi maxanu. Na tabela 5.1 apresentam-se alguns exemplos fornecidos pelos estudantes da LEMEP. 3 O processo de encurtar numerais compostos não está parado, e pode ser continuado. Por exemplo, o referido numeral makhumaxanu pode ser encurtado para khumaxanu, se lhe retirarmos o prefixo do plural. No entanto a ‘simplificação’ ou ‘abreviação’ deve evitar obviamente que se crie confusão com outros 3 Licenciatura em Educação Matemática para o Ensino Primário (Delegação da Universidade Pedagógica na Cidade da Beira). 176 Cap. 5: Numeração e educação numerais. A forma reduzida khumaxanu deve ser diferente da forma reduzida para khumi na cixanu (quinze). Tabela 5.1 (1ª parte) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 30 40 50 60 70 80 90 100 MAKONDE por extenso imo mbili natu nceshe mwanu mwanu na imo mwanu na mbili mwanu na natu mwanu na nceshe kumi (likumi limo) kumi na imo kumi na mbili kumi na natu kumi na nceshe kumi na mwanu kumi na mwanu na imo kumi na mwanu na mbili kumi na mwanu na natu kumi na mwanu na nceshe makumi mavili makumi matatu makumi nceshe makumi mwanu makumi mwanu na limo makumi mwanu na mavili makumi mwanu na matatu makumi mwanu na nceshe imia imo; makumi kumi MAKONDE com contracções imo mbili natu nceshe mwanu mwanaimo mwanambili mwananatu mwananceshe kumi (likumi limo) kumnaimo kumnambili kumnanatu kumnanceshe kumnamwanu kumnamwanaimo kumnamwanambili kumnamwananatu kumnamwananceshe makumavili makumatatu makunceshe makumwanu makumwanalimo makumwanamavili makumwanamatatu makumwananceshe imia imo; makumi kumi 177 Tabela 5.1 (2ª parte) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 30 40 50 60 70 80 90 100 CHUWABO por extenso CHUWABO com contracções modha bili tharu nai tanu tanu na modha tanu na bili tanu na tharu tanu na nai kumi kumi na modha kumi na bili kumi na tharu kumi na nai kumi na tanu kumi na tanu na modha kumi na tanu na bili kumi na tanu na tharu kumi na tanu na nai makumi meli makumi mararu makumi manai makumi matanu makumi matanu na nimodha makumi matanu na meli makumi matanu na mararu makumi matanu na manai zana modha bili tharu nai tanu tanamodha tanabili tanatharu tananai kumi kumi na modha kumi na bili kumi na tharu kumi na nai kumi na tanu kumi na tanamodha kumi na tanabili kumi na tanatharu kumi na tananai makumeli makumararu makumanai makumatanu makumatananimodha makumatanameli makumatanamararu makumatanamanai zana Tabela 5.1 (3ª parte) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 30 40 50 60 70 80 90 100 MAKHUWA (METTO) por extenso MAKHUWA (Ilha de Moçambique, Mossuril) com contracções emoza pili tharu cece thanu thanu na moza thanu na pili thanu na tharu thanuna cece nloko nloko namosa nloko napili nloko natharu nloko naxexe nloko nathanu nloko nathanu namosa nloko nathanu napili nloko nathanu natharu nloko nathanu naxexe miloko mili miloko miraru miloko micece miloko mitanu miloko mitanunamosa miloko mitanunapili miloko mitanunatharu miloko mitanunatsheshe emiya emoza pili tharu xexe thanu than’namoza than’napili than’natharu than’naxexe nloko nloko nimosa nloko nipili nloko nitharu nloko nixexe nloko nithanu nloko nithan’namosa nloko nithan’napili nloko nithan’natharu nloko nithan’naxexe miloko mili miloko miraru miloko mixexe miloko mitanu miloko mithan’namosa miloko mithan’napili miloko mithan’natharu miloko mithan’natsheshe emiya 179 Tabela 5.1 (4ª parte) NYUNGWE por extenso 1 posi 2 piri 3 tatu 4 nai 5 xanu 6 tandhatu 7 cinomwe 8 sere 9 pfemba 10 khumi 11 khumi na cim’bodzi 12 khumi na ciwiri 13 khumi na citatu 14 khumi na cinai 15 khumi na cixanu 16 khumi na citandhatu 17 khumi na cinomwe 18 khumi na cisere 19 khumi na cipfemba 20 makhumi mawiri 30 makhumi matatu 40 makhumi manai 50 makhumi maxanu 60 makhumi matandhatu 70 makhumi manomwe 80 makhumi masere 90 makhumi mapfemba 100 dzana NYUNGWE com contracções posi piri tatu nai xanu tandhatu cinomwe sere pfemba khumi khumi na cim’bodzi khumi na ciwiri khumi na citatu khumi na cinai khumi na cixanu khumi na citandhatu khumi na cinomwe khumi na cisere khumi na cipfemba makhumawiri makhumatatu makhumanai makhumaxanu makhumatandhatu makhumanomwe makhumasere makhumapfemba dzana A língua materna e o ensino Não há dúvida de que quando uma mesma língua é bem dominada, tanto pelos alunos como pelo professor, é preferível realizar nessa língua o processo do ensino-aprendizagem, em particular o da numeração e da execução mental e escrita de operações aritméticas. Este processo pode ser facilitado quando se aproveita a tendência da contracção e abreviação na formulação dos numerais. Pode ser facilitado quando se toma em conta o fenómeno histórico da gradual substantivação dos numerais (vide capítulo 2), quer dizer, pode ser facilitado se todos os numerais se tornarem substantivos. Propomos que se faça um levantamento de todas as formas de contracção, abreviação e substantivação utilizadas nas línguas. Apresentamos como sugestão que, para cada língua do país, se elabore um sistema de numeração falada que explore ao máximo as tendências de contracção, abreviação e substantivação, sem se esquecer de respeitar as características da referida língua (por exemplo, relativas às combinações de sons admitidas) e sem se afastar demasiadamente os numerais das formas hoje em dia dominantes. A base auxiliar ‘cinco’ e a língua portuguesa A existência da base auxiliar “cinco” facilita a aprendizagem das adições e subtracções até 20, como vimos no capítulo anterior, e como também é sugerido pela experiência secular dos povos da Ásia (por exemplo, China e Japão) e da Europa, recentemente reforçada por resultados de investigação realizada na Europa com línguas que não utiliza(ra)m a base “cinco” como base auxiliar. Tomando em conta estes resultados, pode-se pensar, para fins educativos - no caso das línguas faladas em Moçambique que não utilizam a base “cinco” - na introdução de ‘numerais explicativos’ que utilizam a base “cinco”. O exemplo da língua portuguesa pode clarificar a ideia. Em vez de dizer ‘seis’ pode-se usar a forma explicativa ‘cinco e um’. Na tabela 5.2 apresentam-se duas fases de explicitação relativas à língua portuguesa. Uma vez dominados os ‘factos aritméticos básicos’ sugere-se, para o caso da língua portuguesa, uma segunda fase explicativa, em que se usa um sistema de numeração decimal puro, 181 A Numeração em Moçambique cuja estrutura se aproxima mais da estrutura da numeração nas línguas bantu de Moçambique que utilizam apenas a base ‘dez’. A segunda fase explicativa sugerida está em concordância com a estrutura do sistema de numeração escrita posicional-decimal, quer dizer, a ordem dos termos corresponde à notação escrita decimal-posicional. Nesta proposta utiliza-se “dezes” como plural de “dez” em analogia com a formação do plural de palavras como rapaz, cartaz, nariz, vez, etc. Tabela 5.2 6 7 8 9 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 30 40 50 60 70 80 90 182 numeração língua portuguesa seis sete oito nove onze doze treze catorze quinze dezasseis dezassete dezoito dezanove vinte vinte e um trinta quarenta cinquenta sessenta setenta oitenta noventa na 1ª fase explicativa cinco e um cinco e dois cinco e três cinco e quatro dez e um dez e dois dez e três dez e quatro dez e cinco dez e cinco e um dez e cinco e dois dez e cinco e três dez e cinco e quatro dois dezes 2ª explicativa fase seis sete oito nove dez e um dez e dois dez e três dez e quatro dez e cinco dez e seis dez e sete dez e oito dez e nove dois dezes dois dezes e um três dezes quatro dezes cinco dezes seis dezes sete dezes oito dezes nove dezes Importância da numeração falada Hoje em dia muitos professores primários em Moçambique pensam que a Aritmética é feita apenas com numerais escritos. Parece-nos extremamente importante que tanto professores primários como o cidadão em geral se convençam de que a numeração falada em qualquer língua constitui uma fonte riquíssima de ideias matemáticas (de cálculo). É necessário pois explorar ao máximo as possibilidades que as línguas maternas oferecem. Uma variante nacional? Sem nos esquecermos da importância das línguas faladas, podese pensar - no futuro? - em introduzir um sistema novo de numeração, inspirado nas línguas bantu faladas em Moçambique, por exemplo, como o apresentado na Tabela 5.3. Trata-se de uma proposta dum sistema nacional, no sentido de utilizar raízes de todas as línguas bantu faladas em Moçambique, do Rovuma até ao Maputo. Na selecção dos numerais tomou-se em conta as vantagens de palavras e de sílabas curtas. Evitaram-se os prefixos do plural. Por exemplo, propõe-se “ilikumi” para “vinte” e não “ilimakumi”. Entre os múltiplos de potências de dez coloca-se um tracinho horizontal, correspondente a uma pequena pausa na fala, omitindo a ligação “e”, quer dizer, omitindo a copulativa “ni” ou “na”. Por exemplo, “kumi-mó” em vez de “kumi ni mó”. Para além das características indicadas observam-se as seguintes: * todos os numerais propostos são substantivos; * omissão do prefixo do plural; * de 6 a 9 e de 16 a 19 há duas formas: um numeral composto para a fase explicativa de aprendizagem e um numeral simples para a segunda fase; * de 20 para cima utiliza-se apenas a base “dez”; * a ordem dos termos corresponde à notação escrita decimalposicional; * ao utilizar o princípio multiplicativo termina-se pela potência de dez, quer dizer, por exemplo ilizana (dois centos) em vez de zanaíli (centos dois). 183 A Numeração em Moçambique Tabela 5.3 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 30 40 50 60 67 70 80 90 100 200 300 400 184 1ª variante (forma explicativa) mó ili tatu né sanu sanumó sanuíli sanutatu sanuné kumi kumi-mó kumi-ili kumi-tatu kumi-né kumi-sanu kumi-sanumó kumi-sanuíli kumi-sanutatu kumi-sanune ilikumi 2ª variante mó ili tatu né sanu tanta nomwe sere femba kumi kumi-mó kumi-ili kumi-tatu kumi-né kumi-sanu kumi-tanta kumi-nomwe kumi-sere kumi-femba ilikumi ilikumi-mó tatukumi nékumi sanukumi tantakumi tantakumi-nomwe nomwekumi serekumi fembakumi zana ilizana tatuzana nezana 500 583 600 700 800 900 1000 sanuzana sanuzana-serekumitatu tantazana nomwezana serezana fembazana kulu Contribuições e reacções Convidam-se os leitores a reagirem e contribuírem para enriquecer as reflexões apresentadas. Experimente. Participe no debate! Contribua para melhorar a qualidade do ensino em Moçambique! 185