Relações Internacionais - Centro Brasileiro de Documentação e

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Relações Internacionais - Centro Brasileiro de Documentação e
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS
WILLIAMS GONÇALVES
Professor dos PPGs. Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e da Universidade Federal Fluminense
1 Introdução
A análise das relações internacionais passou a ter sua importância reconhecida no
início do século XX. Até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o estudo das relações
internacionais estivera a cargo de diplomatas, historiadores e juristas. A partir dessa data a
situação mudou: notáveis esforços passaram a ser realizados no sentido de fazer, das
Relações Internacionais, um campo de estudo específico e autônomo. Na prática, isso tem
se traduzido no trabalho de definir, com alguma precisão, os limites da realidade das
relações internacionais, bem como de produzir um dispositivo conceptual que resulte em
análises integradas, as quais, por sua vez, possam permitir ir além das análises parciais
produzidas pela Economia Internacional, pelo Direito Internacional, pela História
Diplomática e pela Política Internacional. É cada vez maior o reconhecimento que as
relações internacionais são extremamente complexas e abrangentes para serem submetidas
às estreitas medidas estabelecidas por essas disciplinas. Ainda que cada uma delas possa
iluminar aspectos relevantes da realidade, somente uma análise que combine, de modo
articulado, conceitos elaborados por esses campos específicos poderá compreender sua
extensão e sua densidade. Em outras palavras, o grande desafio enfrentado pelas Relações
Internacionais é o de assumir sua indispensável multidisciplinaridade.
Pode-se dizer, no entanto, que esse desafio tem sido enfrentado e vencido,
exclusivamente, pelos acadêmicos do mundo anglo -saxão. Não obstante o conhecimento
das Relações Internacionais interessar, em toda parte, àqueles que, de alguma forma,
participam das relações internacionais (nomeadamente estadistas, diplomatas, militares e
acadêmicos), o fato é que a produção acadêmica do mundo anglo-saxão neste campo, é
2
esmagadoramente superior à produção dos demais centros acadêmicos do mundo, juntos,
incluindo os países nos quais há tradição de pesquisa universitário -acadêmica na área das
Ciências Sociais.
As razões determinantes dessa primazia anglo-saxônica no domínio dos estudos de
Relações Internacionais são largamente conhecidas e podem ser decompostas, para fins
analíticos, em três ordens, a saber: econômicas, acadêmicas e de poder.
Inicialmente, as instituições dos Estados Unidos e da Inglaterra nunca pouparam
recursos para apoiar a pesquisa e o ensino das Relações Internacionais. A primeira cátedra
universitária dedicada a este campo de estudo, a Woodrow Wilson, financiada pelo cidadão
inglês David Davies, foi criada em 1919, na Universidade de Gales. Mais tarde, logo após a
Segunda Guerra Mundial, o Estado norte-americano, por meio de suas diversas agências
governamentais, destinou somas fabulosas à pesquisa sobre os mais diversos aspectos das
relações internacionais. Isso fez com que um grande número de acadêmicos talentosos se
sentissem motivados a trilhar o caminho do estudo das Relações Internacionais.
Em segundo lugar, apesar das diferenças existentes entre os mundos acadêmicos
norte-americano e inglês, ambos assumiram o desafio tanto de definir o objeto específico
das Relações Internacionais, como o de trabalhá-lo cientificamente. Nos Estados Unidos, a
ciência das Relações Internacionais nasceu a partir dos estudos de Ciência Política; isso
significa dizer que ela assumiu, desde o seu nascimento, um caráter eminentemente prático.
Em sintonia com a tradição acadêmica desse país, na área da Ciência Política, as Relações
Internacionais foram pensadas para resolver problemas concretos enfrentados pelo Estado,
em detrimento da especulação puramente teórica.
Na Inglaterra, por seu turno, o percurso foi diferente. Lá, as Relações Internac ionais
nasceram da cooperação acadêmica entre os diferentes segmentos universitários e a
diplomacia. Dessa experiência, formou-se uma tradição de estudo das Relações
Internacionais que, muito antes de se resumir à defesa dos interesses nacionais britânicos,
atribuiu significativa importância aos fatores culturais como relevantes aspectos
componentes das Relações Internacionais.
Em terceiro e último lugar, estão as razões de poder. Não é por mero acaso que as
Relações Internacionais tenham se desenvolvido como estudo moderno tanto na Inglaterra
(potência que exerceu o papel hegemônico durante o século XIX e início do século XX),
3
como nos Estados Unidos, que despontaram como a grande potência no início do século
XX, vindo a se transformar em superpotência logo depois da Segunda Guerra Mundial.
Pelo contrário, o estudo moderno das Relações Internacionais afigurou-se, às elites norteamericanas e inglesas, como tarefa indispensável ao entendimento do mundo em mudança
e, desse modo, à manutenção do poder que detinham. Essa conclusão de que o mundo havia
mudado, fazendo-se necessário conhecê- lo melhor para continuar a exercer o poder e
realizar seus respectivos interesses nacionais, levou as delegações diplomáticas dos Estados
Unidos e da Inglaterra, presentes na Conferência de Paz de Paris, a assumirem a
responsabilidade de criar centros de pesquisa neste campo. Tal compromisso foi honrado
logo no ano seguinte (1920): foram criados, na Inglaterra, o Royal Institute of International
Affairs, e, nos Estados Unidos, o Council of Foreign Relations.
Dessa primazia anglo-saxã, nas Relações Internacionais , decorrem alguns efeitos
acadêmicos e políticos extraordinariamente importantes, que podem ser sintetizados nas
idéias de acúmulo de poder e de luta pela conservação da posição hegemônica. Ao se
dedicar, com grande afinco, ao estudo das Relações Internacionais, os anglo-saxãos
elaboraram hipóteses, formularam teorias e definiram os conceitos que se universalizaram,
tais como aqueles que lhe são específicos, ou seja, criaram o léxico das Relações
Internacionais. Qualquer pessoa que se interesse por este campo de estudo, em qualquer
parte do mundo, deve, obrigatoriamente, exercer algum domínio sobre esse léxico ; caso
contrário, não conseguirá estabelecer diálogo com os que se dedicam à pesquisa nessa área.
Por assim dizer, o conhecimento tanto da língua inglesa, como da produção acadêmica
norte-americana e inglesa nas Relações Internacionais constitui condição indispensáve l
para iniciar toda espécie de debate acadêmico. Por outro lado, justamente por terem criado
o léxico das Relações Internacionais e por reunirem o maior número de centros de pesquisa,
os acadêmicos anglo -saxãos definem o nível de excelência da análise e impõem os termos
do debate. Isso significa, enfim, que não dispõem unicamente do poder político para
satisfazer seus respectivos interesses nacionais, como também, do poder sobre o próprio
discurso das Relações Internacionais.
Esse poder de determinar o que é relevante e, assim, impor a direção a ser dada à
pesquisa, torna-se muito mais visível nos momentos nos quais ocorrem grandes mudanças
no sistema internacional, tal como aconteceu no início da década de noventa, quando
4
terminou a Guerra Fria e o sistema internacional, de bipolar, passou a ser unipolar. A
vitória estratégica dos Estados Unidos sobre a União Soviética (e sobre o mundo por ela
comandado) levou não apenas à mudança da “agenda política internacional”, como
também, correlativamente, à mudança de enfoque do mundo acadêmico sobre as questões
interna cionais. Imediatamente, por não se ter previsto as grandes modificações ocorridas no
sistema internacional, passou-se a considerar a teoria Realista como imprestável para a
análise. Segundo o novo enfoque dominante, para empreender análises válidas, era
necessário recuperar o instrumental liberal, com ênfase no livre-comércio, na generalização
dos princípios liberal-democráticos e no esvaziamento do Estado-providência. Além da
óbvia idéia de obsolescência do projeto socialista, passou-se, também, a entender que as
questões de defesa da soberania e de segurança haviam dado lugar às questões econômicas
globais ; isto é, a problemática geopolítica teria sido substituída pela problemática
geoeconômica. Considerou-se, igualmente, que o problema das relações econômicas
assimétricas entre as grandes potências capitalistas e os pequenos Estados, bem como o
fenômeno da dependência econômica, na verdade, não tinham existência real, uma vez que
se constituíam em mera manifestação ideológica do tempo da Guerra Fria. Desse modo, por
considerar que o fim dessa guerra havia apagado todas as diferenças entre os Estados que
comp unham o sistema internacional, decidiu-se que não havia mais porque falar de
Terceiro Mundo, de luta pelo desenvolvimento, tampouco de reforma das instituições
econômicas internacionais. Enfim, em consonância com os novos interesses demonstrados
pelas grandes potências, especialmente pelos Estados Unidos, o mundo acadêmico desses
Estados redirecionou a curiosidade intelectual, com vistas a melhor servir a esses novos
interesses. Ao mesmo tempo, pelo efeito hegemônico, passou a pautar as linhas de pesquisa
do restante do mundo, especialmente dos países da periferia.
Isso posto, conscientes dos interesses que cercam o estudo das Relações
Internacionais, obje tivamos, neste texto, introduzir algumas questões que possam, de
alguma maneira, contribuir para o melhor entendimento da questão. Pretendemos, pois,
apresentar a origem e a evolução das Relações Internacionais, o perfil das suas correntes
teóricas mais importantes, além de discutir os conceitos mais correntes na bibliografia
especializada.
5
2 Definição
Recorrer às definições, não é a melhor forma de apresentar uma disciplina. Além de
ser difícil encontrar uma que seja capaz de exprimir o conteúdo da disciplina com a
objetividade e a abrangência necessárias, qualquer uma das definições que venha a ser
escolhida será, inevitavelmente, alvo das mais diversas contestações. Isso porque as
definições não são (e jamais poderão ser) neutras. Quem se propõe a definir, o faz à luz de
alguma teoria. O resultado, desse modo, sempre deverá exprimir uma determinada
concepção teórica, mesmo que não a explicite. Apesar disso, não se pode deixar de
apresentá- las, mesmo que seja somente para contestá-las mais adiante. Nesse sentido, o
objetivo a cumprir, com as definições, a seguir transcritas, não é exatamente o de dizer o
que são as Relações Internacionais na verdade, mas sim, o de tentar desfazer algumas
dúvidas que surgem com certa freqüência, quando o assunto envolve questões
internacionais. Por essa razão, buscar-se-á distinguir Relações Internacionais das outras
disciplinas que apresentam uma dimensão internacional, tais como a Política Internacional
e a Política Externa.
Para iniciar, serão apresentadas determinadas definições, cujos autores são
conhecidos estudiosos das Relações Internacionais.
Iniciamos com Phillipe Braillard e Mohamma-Reza Djalili, que afirma que “as
relações internacionais podem ser definidas como o conjunto de relações e comunicações
que os grupos sociais estabelecem através das fronteiras.”1
Para Michael Nicholson,
amplamente, relações internacionais concerne a relacionamentos e
interações que não podem ser observados exclusivamente no contexto de
um Estado tal como Inglaterra ou China. Estritamente, relações
internacionais estuda interações sociais em contextos onde não existe
1
BRAILLARD, Philippe; DJALILI , Mohammad-Reza. Relations Internationales : Que sais -je? Paris : PUF,
1988. p. 5.
6
poder soberano para intrometer-se ou mediar e que está fora de qualquer
jurisdição governamental.2
Daniel Colard, por sua vez, afirma que “o estudo das relações internacionais
engloba as relações pacíficas ou belicosas entre Estados, o papel das organizações
internacionais, a influência das forças transnacionais e o conjunto das trocas ou das
atividades que cruzam as fronteiras dos Estados.”3
Joshua Goldstein, por fim, diz que,
estritamente definido, o campo das relações internacionais concerne aos
relacionamentos entre aqueles governos do mundo, que são Estadosmembro da ONU. Mas esses relacionamentos não podem ser entendidos
isoladamente. Eles estão fortemente conectados com outros atores (como
as organizações internacionais, corporações multinacionais, e indivíduos);
com outras estruturas sociais (incluindo economia, cultura e política
doméstica); e com as influências históricas e geográficas.4
Pode-se constatar que as definições diferem umas das outras; e, justamente por esse
motivo nem todas contêm os mesmos elementos. Alguns aspectos presentes em uma
definição já não aparecem em outras. Contudo, é possível perceber que todas têm o mesmo
sentido o qual é conferido pela idéia de relacionamentos múltiplos. Todos os autores
citados, de um modo ou de outro, transmitem a idéia de que as relações internacionais
envolvem numerosos e variados atores atuando em todo o mundo. Vistas dessa forma, as
Relações Internacionais supõe o estudo do conjunto de interações. É evidente que a melhor
maneira de decompor o conjunto para proceder à análise, é tarefa que depende do
instrumental teórico a serviço do analista. A cada dispositivo teórico corresponde uma
diferente maneira de perceber as relações internacionais. É aqui que reside a importância
da teoria, qual seja: distinguir o principal do acessório, revelando o que é significativo para,
assim, conduzir o analista a mais correta interpretação, mediante tal procedimento, produzir
o esperado conhecimento da realidade das relações internacionais.
No entanto, antes de seguir adiante, com a apresentação das definições oriundas
dessas disciplinas aparentadas, seria interessante desfazer, o quanto antes, uma certa
ambigüidade que, não raro, confunde quem se inicia no estudo das Relações Internacionais.
2
NICHOLSON, Michael. International Relations: A Concise Introduction. London: MacMillan Press, 1998.
p. 2.
3
COLARD, Daniel. Les Relations Internationales de 1945 à nos jours. Paris : Armand Colin, 1999. p. 5.
4
GOLDSTEIN, Joshua S. International Relations. New York: Longman, 1999. p. 3.
7
A ambigüidade é que as Relações Internacionais estudam as relações internacionais. Isto é,
a disciplina e a realidade que essa disciplina busca conhecer têm o mesmo nome. Para
contornar essa ambigüidade e, dessa forma, possibilitar o entendimento do discurso, os
estudiosos convencionaram diferenciar o nome da disciplina do nome do objeto mediante o
uso de iniciais maiúsculas para a primeira (Relações Internacionais) e de iniciais
minúsculas para o objeto do conhecimento (relações internacionais).
No próximo passo, para a definição de Política Internacional, surgem problemas de
outro tipo: verifica-se, neste caso, a existência de evidentes imprecisões.
Em primeiro lugar, é possível considerar a Política Internacional como o estudo da
estrutura e funcionamento dos sistemas políticos estrangeiros. Pode-se citar, como
exemplo , o caso do cientista político brasileiro que se dedica ao estudo da estrutura e do
funcionamento do sistema político dos Estados Unidos ou, conforme o interesse, de
qualquer outro país. Segundo essa idéia a respeito do que é Política Internacional, os
exemplos podem se multiplicar; porém, o sentido será sempre o mesmo, qual seja, como
agem e reagem politicamente outros povos diante dos novos desafios que a realidade vai
apresentando.
A segunda possibilidade de definição de Política Internacional, abre-se no sentido
de entendê- la como o estudo da lógica interna e da prática das ideologias políticas. Neste
caso, pode m servir de exemplo os estudos que se fazem sobre formações ideológicas como
socialismo, neoliberalismo, terceira via, populismo e a aplicação prática dessas ideologias
sob a forma de programas políticos e regimes políticos em todos os Estados do mundo.
Desse tipo de estudo de Política Internacional, derivam os estudos comparados, que
propiciam, ao pesquisador, a oportunidade de refletir sobre a coerência e os efeitos
produzidos pela prática política.
As duas definições acima, na verdade, não oferecem problemas de entendimento.
Os problemas surgem quando determinados autores passam a falar de Política
Internacional, atribuindo, a esses estudos, o sentido de Relações Internacionais. Essa
assimilação de uma definição pela outra costuma ser feita, na maior parte das vezes, por
autores que se apóiam na teoria Realista para analisar as relações internacionais. Tal
confusão é comum entre esses autores, porque, na concepção deles, o que de fato interessa
conhecer sobre o meio internacional são as relações políticas que os Estados entretêm. Para
8
eles, embora as relações entre os Estados comportem interesses muito diversificados
(econômicos, sociais e culturais), a linguagem que exprime os interesses do Estado é
sempre a política. Isto é, a política é a linguagem própria do Estado. Conquanto sempre
esteja se manifestando a respeito dos seus interesses econômicos, sociais e culturais, o
Estado o faz mediante o uso de políticas orientadas para cada um desses interesses. Nesse
sentido, todos os interesses estão embutidos nas relações políticas que o Estado sustenta
com os demais. Assim, de acordo com essa interpretação, Política Internacional nada mais é
do que as próprias Relações Internacionais.
Por fim, resta definir Política Externa, a qual, para P. A. Reynolds, pode ser definida
“como o conjunto de ações de um Estado em suas relações com outras entidades que
também atuam no cenário internacional, com o objetivo, a princípio, de promover o
interesse nacional.”5
Para Marcel Merle, “a Política Externa é [...] a parte da atividade do Estado que é
voltada para fora, isto é, que trata, em oposição à política interna, dos problemas que
existem além das fronteiras.”6
Como o próprio nome indica, de maneira inequívoca, a Política Externa constitui
um dos fatores que compõem as relações internacionais. É mediante a sua formulação, que
o Estado define as prioridades, expectativas e alianças para atuar no quadro das relações
internacionais.
Ainda que não seja propósito deste texto entrar na discussão sobre o conceito de
Política Externa, vale assinalar que as definições acima contêm duas questões polêmicas. A
primeira delas, formulada por P. A. Reynolds, diz respeito à idéia de interesse nacional.
Esse conceito, exaustivamente examinado por Joseph Frankel7 , ocupa posição central na
teoria Realista de Hans J. Morgenthau8. De maneira simplificada, pode-se dizer que a mais
séria objeção a esse conceito é a de que as decisões de política externa , tomadas pelos
governantes, são resultado de um processo decisório do qual participam diversos grupos, os
quais, por sua vez, procuram fazer com que a sua visão particular dos problemas se
5
REYNOLDS, P. A. Introduccion al Estudio de las Relaciones Internacionales. Madrid : Tecnos, 1977. p.
46.
6
MERLE, Marcel. La Politique Étrangère. Paris: Presses Universitaire de France, 1984. p. 7.
7
FRANKEL, Joseph. National Interest. London: Pall Mall Press, 1970.
8
MORGENTHAU, Hans J. Politics Among Nations : The Struggle for Power and Peace. New York: Alfred
A. Knopf, 1985.
9
sobreponha à dos demais grupos que competem no processo de formulação de políticas.
Isso significa dizer que há rejeição à idéia realista, segundo a qual o Estado funciona no
meio externo conforme uma racionalidade situada acima das contradições que agitam a
nação.
A segunda questão polêmica, contida na definição de Marcel Merle, refere-se à relação
externo/interno. Neste caso, a discussão gira em torno do tema relativ o à existência de dois
campos distintos, ou seja, as políticas interna e externa têm autonomia uma face à outra, ou
uma constitui a simples extensão da outra? Resta, ainda, o questionamento acerca da
predominância de uma sobre a outra, ou seja, a política externa determina a política interna,
ou é por ela determinada? 9
3 Relações internacionais como objeto de estudo
Como ocorre em todas as demais C iências Sociais, parte dos estudiosos das
Relações Internacionais está permanentemente envolvida na reflexão epistemológica sobre
a definição do seu objeto de estudo, num exercício absolutamente necessário , uma vez que
a realidade está em permanente mutação.
A dinâmica das relações internacionais, constantemente determinando o surgimento de
novos atores e a abertura da discussão de novas questões internacionais, representa
contínuo desafio à capacidade analítica das teorias estabelecidas. Daí a razão porque se
apresenta, como absolutamente necessária, a tarefa de rever os pressupostos e os
instrumentos conceituais da disciplina, pois, do êxito de la, depende o avanço da ciência e a
conseqüente elevação do nível de conhecimento sobre a realidade estudada. E o principal
desafio que se oferece àqueles que se dedicam a esse trabalho, é justamente responder, com
precisão, à seguinte pergunta: o que é a realidade das relações internacionais?
Todos aqueles que têm investido nessa reflexão sabem o quanto uma resposta
categórica e definitiva a essa pergunta é difícil. Difícil, antes de tudo, em virtude da
imaterialidade do objeto que se deseja conhecer. Ao contrário do que é comum no âmbito
das ciências naturais, as relações internacionais não tem existência física; elas são, por
assim dizer, uma abstração; uma vez que só existe como produto do pensamento. Desse
9
MERLE, o p. cit.
10
modo, por não constituírem uma realidade sensível, sua definição acaba por ser arbitrária,
tendo em vista que, cada qual se julga capaz de determinar, com maior correção, os
contornos das relações internacionais como objeto de conhecimento.
Convém, no entanto, ter cautela. Afirmar que a definição de relações internacionais,
como objeto de conhecimento, é arbitrária, não significa dizer que ela é aleatória. A
definição é arbitrária, porque o objeto não se auto-evidencia. Ele requer que se o destaque e
o separe de tudo o mais que o cerca e possa, com ele, se confundir. Nesse aspecto, a
situação do estudioso das relações internacionais não é confortável como a do biólogo
dedicado ao estudo dos seres marinhos: este não precisa dispender muito esforço para
apresentar o peixe como seu objeto de conhecimento. Porque, apesar dessa denominação
ter- lhe sido atribuída pelos homens e não por eles próprios, os peixes são imediatamente
reconhecidos, sem suscitar controvérsias. Por mais que o tamanho, a forma e a cor possam
variar, o fato é que as características básicas identificadoras do animal como peixe , estão
sempre evidentes.
Por outro lado, a definição das relações internacionais como objeto de estudo não é
aleatória
porque,
independentemente
da
orientação
seguida,
alguns
elementos
característicos impõem-se como obrigatórios a qualquer uma das definições que venha a ser
elaborada. Por essa razão, elas guardam muitas semelhanças entre si e, no mais das vezes,
apresentam distinções sutis. Por exemplo, por mais ampla e inclusivamente que se queira
definir o objeto das relações internacionais, não há como deixar de considerar as relações
políticas entre os Estados como seu componente importante. Entretanto, a afirmação que o
cidadão comum, não investido de qualquer função oficial de seu Estado, possa ser ator das
relações internacionais, já não goza mais da mesma aceitação entre as linhas teóricas que
compõem o universo da disciplina.
Essas variadas definições da realidade das relações internacionais podem ser
sintetizadas em dois grandes grupos: o primeiro deles é aquele cujas definições
compreendem os fenômenos paz e guerra; armas nucleares e desarmamento; imperialismo e
nacionalismo; as relações assimétricas entre sociedades ricas e sociedades pobres;
preservação do meio ambiente; combate ao narcotráfico; combate ao terrorismo
internacional; defesa dos direitos humanos; influência das instituições religiosas;
organizações internacionais, processos de integração regional; formação e fragmentação
11
dos Estados; comércio e ação das corporações multinacionais; raça e gênero em todo o
mundo; desenvolvimento e transferência de tecnologia; globalização.
O segundo grupo apresenta as relações internacionais como o resultado das relações
entre os Estados. Enquanto, no primeiro grupo de definições, a realidade das relações
internacionais é apresentada como extremamente ampla, incluindo fenômenos que dizem
respeito a diversos domínios da vida em sociedade e relativos a situações tanto de conflito
como de cooperação, no segundo grupo, essa realidade é apresentada como,
fundamentalmente, constituída por conflitos entre os interesses respectivos a cada Estado.
No primeiro grupo, qualquer um dos fenômenos citados pode assumir a condição de objeto
de análise das Relações Internacionais; no segundo, por sua vez, tais fenômenos são
concebidos como produto das relações diplomáticas, militares e estratégicas que os Estados
(China, Bélgica, Venezuela, Alemanha, Japão, Estados Unidos, p. e.) estabelecem entre si.
As disparidades apresentadas por esses conjuntos das possíveis características das
definições possíveis de relações internacionais são, contudo, mais aparentes do que reais. E
o que faz com que as diferenças sejam apenas aparentes é a idéia de anarquia – a qual, de
fato, passa a ser o elemento unificador de todas as variadas concepções da realidade das
relações internacionais. Para esse efeito, anarquia significa a inexistência de uma
autoridade central, com legitimidade para criar leis e dispor de poder para fazer com que
essas leis sejam obedecidas. Em virtude dessa ausência de algo como um governo mundial,
que centralize as decisões, as relações e interações internacionais assumem uma
importância fundamental para o conhecimento da realidade internacional. Embora, como
será visto mais adiante, haja dive rgências entre as correntes teóricas, o aspecto mais
importante é que as principais delas encaram a figura jurídico-política do Estado como a
referência principal. A ausência de um poder que desempenhe, em escala internacional, o
papel que o Estado desempenha em escala nacional constitui, para as diversas orientações
teóricas, a pedra angular das Relações Internacionais. Essa característica específica permite
afirmar não só a existência do objeto de conhecimento denominado relações internacionais,
mas, também, que esse objeto não se confunde com outros objetos de conhecimento que
contêm algumas características iguais.
As possibilidades de uso de diversas definições da realidade das relações
internacionais, entretanto, não se apresentam, para o estudioso da matéria, como mera
12
questão de conveniência. Pelo contrário, a opção por qualquer uma das definições
determina um correspondente conjunto de conseqüências, as quais, vale dizer, são de ordem
teórica e metodológica, pois a maneira como definimos a realidade é a mesma maneira
como a entendemos, de tal modo que, entre a realidade e sua definição, encontra-se sempre
presente a teoria.
4 Relações Internacionais como disciplina
A disciplina Relações Internacionais é jovem, tendo em vista que o seu nascimento
se deu logo após a Primeira Guerra Mundial,** um acontecimento que constituiu a razão
fundamental para o seu surgimento. Em virtude do novo caráter industrial e tecnológico,
que a revestia, a Primeira Guerra Mundial foi a primeira guerra total, onde já não distinguia
mais, com clareza, frente e retaguarda, combatentes e civis. Ao findar, deixou um rastro de
devastação sem precedentes. Enquanto todas as guerras européias, entre 1802 e 1913,
haviam produzido o total de 4,5 milhões de mortos, a Primeira Guerra Mundial, sozinha, foi
responsável por cerca de 10 milhões de homens mortos, a maioria com menos de 40 anos
de idade; 10 milhões de refugiados; 5 milhões de viúvas; e 9 milhões de órfãos. Somente na
famosa batalha do Somme, franceses, ingleses e alemães perderam, juntos, quase um
milhão de homens. No plano material, a destruição resultou, em 1920, numa significativa
redução da produção industrial (de 1/4 ), em relação a 1913.10 Por essa razão, quando o
conflito chegou ao fim, os líderes das potências vencedoras foram fortemente pressionados,
pela opinião pública de seus respectivos países, para punir, duramente, os responsáveis pela
guerra e, também, para tomar as providências necessárias a fim de que outra guerra como
aquela não voltasse a acontecer. Assim, em função da enorme capacidade bélica decorrente
das conquistas tecnológicas do capitalismo oligopolista, como também o alcance
geográfico mundial do conflito, percebeu-se a necessidade de ser promovido o
**
Essa data de nascimento é contestada por Brian C. Schmidt (The Political Discourse of Anarchy: A
Disciplinary History of International Relations. Albany: State University of New York Press, 1998), Esse
autor considera que a disciplina nasceu bem antes da Primeira Guerra, como derivação da discussão
acadêmica dos cientistas políticos norte-americanos sobre a Teoria do Estado.
10
LOWE, Norman.Guía Ilustrada de la Historia Moderna.Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1995. p.
44.
13
conhecimento da realidade das relações internacionais, particularmente dos mecanismos
que engendram as guerras.
Para cumprir essa finalidade, como já foi dito nas linhas iniciais do presente texto,
foi criada, em 1919, na Universidade de Gales (Aberyswyth), a Cátedra Woodrow Wilson
de Política Internacional, a primeira cátedra de Relações Internacionais do mundo, a qual
foi financiada pelo filantropo David Davies e ocupada por Alfred Zimmern (1879 – 1957)
e, mais tarde, em 1936, por Edward Hallett Carr (1892 – 1982). No ano seguinte (1920),
cumprindo compromisso assumido pelas duas delegações presentes à Conferência de Paz
de Paris de “levar a efeito o estudo sistemático das relações internacionais ”, foram criados,
na Inglaterra, o Royal Institute of International Affairs e, nos Estados Unidos, o Council of
Foreign Relations. 11
As relações internacionais, na verdade, sempre foram estudadas. Melhor dizendo,
desde que o sistema europeu de Estados formou-se, a partir da Paz de Westphalia (1648),
estadistas e intelectuais em geral passaram a se dedicar à reflexão sobre os fenômenos da
paz e da guerra entre os Estados.
Pensadores da estatura intelectual de Nicolau Maquiavel, Immanuel Kant, Jean-Jacques
Rousseau, como tantos outros mais, demonstraram a grande importância desses fenômenos
para a definição das instit uições políticas. Portanto, o fato para o qual se procura, aqui,
chamar a atenção, é o de que a decisão das elites intelectuais européia e norte-americana de
fazer, ao fim da Primeira Guerra Mundial, das relações internacionais, um objeto de
ciência, não constituiu algo rigorosamente inovador. O que se considera digno de registro é
a nova maneira como estudiosos e estadistas passaram a encarar o estudo das relações
internacionais. Antes da guerra, as respostas para os problemas internacionais eram
elaboradas segundo a ótica do Direito Internacional, da Diplomacia e da História
Diplomática. A Primeira Guerra Mundial, em virtude de sua abrangência, serviu para
mostrar que essas abordagens estavam inteiramente superadas, uma vez que já não eram
mais capazes de produzir respostas satisfatórias. Para dar conta dos novos problemas
internacionais, suscitados pela expansão da rede de trocas e de fluxos de capitais da
economia internacional, bem como pelo surgimento de novas potências, fora do perímetro
europeu, com ambições de virem a desempenhar papel de destaque no cenário
11
BROWN, Chris . Understanding International Relations. London: MacMillan Press, 1997. p. 24.
14
internacional, fazia-se, então, necessária a criação de nova disciplina, a qual deveria, por
assim dizer, exprimir, em sua abordagem, a amplitude que passara a caracterizar a nova
realidade das re lações internacionais.
Desde que o projeto de construção da disciplina de Relações Internacionais foi
lançado, os estudiosos têm procurado definir, com o maior rigor possível, os limites de seu
objeto de estudo. Além disso, têm procurado elaborar os instrumentos teórico-conceituais
que tornem possível a análise desse mesmo objeto. Não há dúvida de que a grande
dificuldade enfrentada nessa tarefa de configuração da nova disciplina é assegurar- lhe o
indispensável caráter interdisciplinar. Ou seja, definir os contornos de uma disciplina capaz
de produzir uma visão integrada do meio internacional; uma disciplina cujo alcance vá
além das visões parciais da Economia Internacional, do Direito Internacional, da História
Internacional e da Política Internacional. Es se desafio, vale assinalar, tem se renovado à
medida que as relações internacionais têm evoluído, tornando-se a cada dia mais
complexas. Assim o foi, depois da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que os estudiosos
tiveram que passar a levar em conta o advento das armas nucleares e a luta iniciada pelos
povos colonizados em favor de sua independência face às metrópoles européias. Assim tem
sido, a partir da última década do século XX, com os estudiosos tentando elucidar a nova
estrutura do sistema internacional e, ao mesmo tempo, decifrar o fenômeno da globalização
e de seus surpreendentes efeitos gerais.
Essa procura do perfil teórico-conceitual ideal das Relações Internacionais, com
vistas à obtenção das mais confiáveis análises da realidade, tem ocasionado grande disputa
intelectual que, por sua vez, tem levado o campo teórico da disciplina à situação de
fragmentação. Tantas são as propostas teóricas que vêm sendo apresentadas, que se torna
até difícil classificá-las. A maneira que aqueles dedicados ao est udo da evolução teórica da
disciplina, encontraram para mapear esse campo teórico, foi utilizar o conceito de
paradigma. Tomado de empréstimo do filósofo da ciência Thomas Kuhn 12 , esse conceito
tem servido para classificar as teorias segundo seu vínculo a determinados modos de
perceber a constituição e a dinâmica do meio internacional.***
12
KUHN, Thomas S. A Es trutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.
Barry Buzan, p. e., assim define paradigma: “Paradigmas são escolas de pensamento que têm sido
constituídas mediante abordagens no estudo das relações internacionais que exploram alguns níveis, setores e
normas em detrimento de outros. Cada paradigma é um tipo de lente compósita, que possibilita uma visão
***
15
Apesar das dúvidas a respeito da adequação do conceito à realidade teórica das
Relações Internacionais, uma vez que foi elaborado em função de outra realidade científica,
seu
uso,
segundo
alguns
autores 13 ,
estaria
plenamente
justificado
face
à
incomensurabilidade de cada uma das diferentes correntes teóricas. Isto é, se cada corrente
teórica delimita o objeto ‘relações internacionais ’ de maneira a valorizar certos
componentes, os quais, por seu turno, são desvalorizados por outra corrente, que dá
prioridade a outros componentes, as análises resultantes do uso dessas teorias serão
diferentes uma das outras e, enfim, não haverá como compará-las em sua validade, tendo
em vista o fato de os focos da análise não terem sido os mesmos. Para simplificar:
diferentes teorias produzem diferentes análises e, como não existe linguagem neutra para
julgar a superioridade de uma teoria sobre a outra, a escolha da melhor só pode ser
determinada pelo livre arbítrio do analista. Assim, conquanto Thomas Kuhn tenha
formulado o conceito paradigma para explicar a ascensão e queda das grandes formulações
teóricas, seu uso, no âmbito das Relações Internacionais, estaria justificado em função
dessa realidade de fragmentada constituição.
O uso do conceito paradigma não é suficiente, contudo, para resolver a questão do
mapeamento do campo teórico das Relações Internacionais: se, de um lado, o conceito
ajuda, ao agrupar as teorias assemelhadas, de outro, cria algumas dificuldades, à medida
que há muitas divergências quanto aos próprios paradigmas. Por exemplo, Ole Waever 14
considera a existência de três paradigmas: Realismo, Pluralismo/Interdependência e
Marxismo/Radicalismo. Graham Evans e Jeffrey Newham15 consideram os sete paradigmas
seguintes: Realismo, Behaviorismo, Neorealismo, Neoliberalismo, Teoria do Sistema
Mundial, Teoria Crítica e Pós-Modernismo. Charles W. Kegley, Jr. e Eugene R. Wittkopf 16
enumeram seis paradigmas: História Imediata (Current History), Liberal Idealismo,
Realismo, Behaviorismo, Neorealismo e Neoliberalismo. Robert Jackson e Georg
seletiva das relações internacionais. Igual a qualquer outra lente, a leitura através dela permite que
determinadas características apareçam mais fortemente, enquanto outras características quase desapareçam”.
13
WAEVER, Ole . The rise and fall of the inter-paradigm debate. In: SMITH, Steve; BOOTH, Ken;
ZALEWSKI, Marysia (Eds.).Interntional theory: positivism & beyond. Cambridge: Cambridge University
Press, 1996. p. 149-185.
14
Ibidem.
15
EVANS, Graham ; NEWHAM, Jeffrey.The Penguin Dictionary of International Relations .London:
Penguin Books, 1998. p. 275.
16
KEGLEY, Charles W. ; WITTKOPF, Eugene R. World Politics: Trend and Transformation. New York:
St. Martin’s Press, 1997. p. 18.
16
Sorensen17 destacam quatro paradigmas: Realismo, Liberalismo, Sociedade Internacional e
Economia Política Internacional. E, por último, Hedley Bull 18 indica apenas três
paradigmas: Hobbesiano ou Realista, Kantiano ou Universalista e Grotiano ou
Internacionalista.
Como a classificação desses autores deixa transparecer, há paradigmas cuja
nomeação é unânime, como é o caso do Realismo; há outros que recebem nomes diferentes,
tais como Liberalismo/Liberal Idealismo/Pluralismo/Interdependência; e, ainda, há aqueles
que só aparecem em uma classificação, como são os casos de Teoria do Sistema Mundial,
de Sociedade Internacional e de Economia Política Internacional. Vale observar, enfim, que
essa lista poderia ser aumentada e tornada ainda mais confusa, se outros autores fossem
arrolados.
Ainda que haja um interesse crescente, por toda a parte, em relação às Relações
Internacionais, a discussão teórica, tal como o quadro acima revela, permanece como uma
discussão entre acadêmicos norte-americanos e ingleses, confirmando as palavras de
Stanley Hoffmann, no sentido de que Relações Internacionais é uma disciplina norteamericana . 19
Como já foi visto, esse interesse dedicado, pela academia norte-americana, às
Relações Internacionais deve-se, em grande medida, aos esforços iniciados depois da
Primeira Guerra Mundial e, sobretudo, ao assombroso investimento realizado pelo Governo
dos EUA em pesquisas, publicações e viagens, logo depois da Segunda Guerra Mundial.20
Na ocasião, aquele governo buscou estimular a formação de especialistas em todas as áreas
(conhecimento de regiões, de países e de questões internacionais), de modo que o
conhecimento, por eles produzido, se configurasse na base para a ação externa e,
naturalmente, para a execução do projeto hegemônico do Estado. Nesse sentido, a
discussão teórica na qual estão envolvidos os estudiosos norte-americanos não deve ser
17
JACKSON , Robert; SORENSEN, Georg. Introduction to International Relations.Oxford: Oxford
University Press, 1999. p. 34.
18
BULL, Hedley. The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. London: MacMillan Press,
1977. p. 24.
19
HOFFMANN, Stanley. An American Social Science: International Relations. In: DER DERIAN, James
(Eds.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p. 212-241.
20
PLATIG, E. Raymond. International Relations as a Field of Inquiry. In: ROSENAU, James N. (Ed.).
International Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: The Free Press, 1969.
p. 6-19. Neste artigo, o autor apresenta o volume de recursos investidos e discrimina as áreas de pesquisa
beneficiadas.
17
interpretada como mera disputa de preferências pessoais e de rivalidades de grupos
universitários. Essa contenda, na verdade, tem um pano-de-fundo político: o trabalho de
preservação do status quo internacional. Subjacente à polêmica sobre os paradigmas e
sobre a validade do uso de conceitos como equilíbrio de poder, governabilidade
internacional e globalização, encontra-se a questão fundamental, relativa ao substantivo
apoio da Academia à luta pela conservação da posição hegemônica por parte do Estado
norte-americano.
Por tais motivos, a primazia norte-americana ,
no estudo das Relações
Internacionais, faz com que a história da disciplina coincida com sua história no ambiente
acadêmico norte-americano.
5 A evolução teórica das Relações Internacionais
A evolução teórica das Relações Internacionais tem sido marcada por “Grandes
Debates”21 – os quais registram o confronto das teorias emergentes com as teorias
dominantes. Não por coincidência, o confronto entre novas e antigas teorias tem se seguido
a mudanças significativas na estrutura e no funcionamento do sistema internacional. Por
entender que a teoria dominante não é capaz de dar conta de elementos novos, que se
destacam no curso das relações internacionais, os pesquisadores buscam aprofundar suas
reflexões com a finalidade de obter formulações teóricas mais ricas, que abram o caminho
para o conhecimento mais verdadeiro da realidade das relações internacionais.
O primeiro desses “Grandes Debates” aconteceu ao longo da década de 1930,
opondo a corrente dominante Liberal- idealista à corrente emergente do Realismo. A
primeira corrente acredita na perfectibilidade humana, no Direito Internacional e nas
possibilidades de haver paz entre os Estados. Para os Idealistas, a realização desses ideais
depende do aperfeiçoamento das instituições internacionais, o qual, por sua vez, deve
resultar da cooperação entre os estadistas. Para a corrente Realista, por outro lado, as
21
GROOM, A. J. R.; LIGHT, Margot. Contemporary International Relations: A Guide of Theory. London:
Pinter Publishers, 1994.
DEL ARENAL, Celestino. Introducción a las Relaciones Internacionales . Madrid: Tecnos, 1990.
MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais. Brasilia, UNB, 1981.
BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1990.
18
relações internacionais são determinadas pelas relações de poder. Os Realistas desdenham
do Direito Internacional, por considerarem que o direito prevalece somente enquanto não
colid ir com os interesses daqueles Estados que dispõem de recursos para impor seus
interesses aos demais. Na realidade, acreditam que o direito e a ordem internacional
decorrem diretamente, da correlação de forças entre aqueles que detêm maior poder.
As mudanças ocorridas na estrutura do sistema internacional após a Segunda Guerra
Mundial pareciam, assim, confirmar a validade dessas teses realistas. A formação dos dois
blocos de poder antagônicos e a rivalidade das duas superpotências (norte-americana e
soviética), hegemônicas em seus respectivos blocos, ameaçando, a qualquer pretexto,
iniciar uma guerra atômica, não dava m margem a dúvidas de que as possibilidades de se
alcançar a paz mundial, tal como o pensavam os Idea listas, não passavam de uma grande
ilusão.****
O segundo “Grande Debate” aconteceu no final dos anos 1950, numa polêmica que
marcou a maior participação do mundo acadêmico norte-americano na discussão teórica
das Relações Internacionais. O conteúdo desse debate foi, fundamentalmente, de ordem
metodológica, opondo Behavioristas a Tradicionalistas. O interesse dos críticos
Behavioristas não era demonstrar a ineficácia da teoria Realista, mas sim, elevar sua
credibilidade, por meio da introdução de metodologias científicas.
Para os críticos, a teoria Realista, tal como desenvolvida por estudiosos como Hans
Morgenthau, principalmente, formava-se por conceitos excessivamente gerais, os quais
eram apresentados, equivocadamente como leis universais da política. Os Behavioristas não
duvidavam da possibilidade de prever o comportamento dos Estados. Porém, consideravam
que isso somente poderia ser feito mediante o uso de metodologias adequadas, tais como os
modelos matemáticos. De acordo com a nova metodologia proposta, os dados considerados
importantes para a formação do poder do Estado deviam ser mensurados. A partir daí, as
****
“The Great Illusion” foi o título dado por Norman Angell a seu livro, publicado em 1909 (London,
Weidenfeld & Nicolson) . Nele, o autor defendeu a tese segundo a qual não havia possibilidades de guerra no
mundo. No seu entendimento, o capitalismo internacionalizara -se de tal modo que a guerra seria uma
demonstração de desvairada irracionalidade. Acreditava Angell, que os grandes grupos econômicos não
permitiriam a destruição de seu capital físico, espalhado pelos diferentes países da Europa, nem tampouco das
redes de comercialização de mercadorias e investimentos. Contudo, a guerra aconteceu.
Como observa Chris Brown ( Understanding International Relations), a racionalização do processo realizada
por N. Angell procedia. O problema, no entanto, é que N. Angell acreditava no comportamento humano
pautado exclusivamente pela razão.
19
variações e as simulações de variações constituiriam o material da análise do especialista.22
Em sua perspectiva, era essa incorporação de conceitos e modelos, advindos de outras
ciências, que garantiria, às Relações Internacionais, seu caráter científico.
Ao invés, portanto, de procurar formular teorias que pudessem dar conta das
relações internacionais em toda sua abrangência, tal como o faziam os Realistas
Tradicionalistas, os Behavioristas defendiam a tese segundo a qual seria a partir de modelos
explicativos limitados (tais como a Teoria dos Jogos e o Modelo de Comunicação) que
seria possível, chegar das partes, ao todo e, consequentemente, a uma visão mais precisa
das relações internacionais. 23
No contexto desse mesmo “Segundo Debate”, ao lado da corrente Behaviorista, veio
à tona o Modelo Sistêmico. Diretamente inspirada no modelo formulado por David Easton,
cujo objetivo era analisar a vida política interna dos Estados, 24 a denominada corrente
Funcionalista introduziu e consolidou o uso do conceito de sistema nas Relações
Internacionais. Embora, em sua concepção original, a idéia de sistema esteja voltada para a
análise de ambientes políticos restritos, dada a necessidade de controla r as variáveis
passíveis de influenciar o comportamento dos atores e do sistema como um todo,
estudiosos, como Morton Kaplan, deram, ao conceito de sistema internacional, caráter
heurístico, o qual deveria conduzir o analista, mediante o uso de sistemas possíveis, ao
conhecimento geral da realidade das relações internacionais. 25
O terceiro “Grande Debate”, conhecido como o “Debate dos Paradigmas”,
transcorreu ao longo dos anos 1970. Os estudiosos norte-americanos Robert Keohane e
Joseph Nye foram seus principais protagonistas. Contra as teses centrais da corrente
Realista, ambos co-editaram as duas principais obras em defesa das teses da
22
Para se obter uma visão geral sobre a intervenção teórica dos Behavioristas, ver: Merle, Marcel. Sociologia
das Relações internacionais. Brasília: UNB, 1981.
23
RAPOPORT, Anatol. Lutas, Jogos e Debates. Brasília, UNB, 1980.
FRANKEL, Joseph. Contemporary International Theory and the Behaviour of States. Oxford: Oxford
University Press, 1973.
DEUTSCH, Karl. Análise das Relações Internacionais. Brasília: UNB, 1978.
HOFFMANN, Stanley. Teorias Contemporaneas sobre las Relaciones Internacionales. Madrid: Tecnos,
1963.
24
EASTON, David. Uma Teoria de Análise Política. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
25
KAPLAN, Morton. System and Process in International Politics. New York: J. Wiley, 1964.
Os sistemas internacionais possíveis, propostos pelo autor, são os seguintes: 1) Sistema de Equilíbrio; 2)
Sistema Bipolar Flexível; 3) Sistema Bipolar Rígido; 4) Sistema Internacional Universal; 5) Sistema
Internacional Hierárquico; 6) Sistema Unit Veto.
20
Interdependência Complexa, Transnational Relations and World Politics (1971) e Power
and Interdependence: World Politics in Transition (1977). 26
As reflexões desses autores tinham, como base empírica, algumas significativas mudanças,
que ocorriam no sistema internacional, dentre as quais, destacavam-se o abandono do
padrão-ouro de Bretton Woods ; o primeiro choque do petróleo; o fim da Guerra do Vietnã;
e o início das tensões comerciais entre os Estados Unidos e o Japão. Devido ao impacto
produzido por esses acontecimentos, denotadores da perda relativa do poder dos Estados
Unidos e, simultaneamente, da importância crescente dos fatores econômicos nas relações
internacionais, ambos argumentavam que já não era mais possível pensar o sistema
internacional exclusivamente do ângulo da segurança, como o faziam os Realistas. A
economia inter nacional havia evoluído para uma etapa em que o poder passava a ser
exercido mediante o uso exclusivo dos mecanismos financeiros e comerciais, sem haver a
necessidade do uso ostensivo da força militar. Tornava-se necessário , então, diziam esses
Pluralistas, reformular a teoria das Relações Internacionais, de modo a absorver esses novos
fatores de mudança da realidade.
Assim, em oposição ao Realismo, os Pluralistas afirmavam que o Estado não podia
mais ser considerado como o único ator válido das relações internacionais; era hora de se
reconhecer a existência e a influência de outros importantes atores, tais como as próprias
diferentes instâncias do aparato burocrático estatal, como também as organizações nãogovernamentais, especialmente representadas pela corporação multinacional.
Afirmavam, igualmente, a crescente importância das relações de cooperação, as
quais tendiam a sobrepujar as relações de poder entre os Estados. Finalmente, contra a tese
Realista da hierarquia das questões internacionais encimada pelas questões de segurança,
insistiam na importância relativa das questões internacionais, cuja proeminência variava
segundo a conjuntura e os diferentes foros de atuação dos atores.
A crítica Pluralista ao Realismo, vale dizer, produziu reação da parte da corrente
Realista, da mesma forma que levou os Pluralistas a se situarem melhor no contexto da
polêmica por eles criada. E o resultado desse processo acabou por desenhar o quadro das
26
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Transnational Relations and World Politics. Cambridge: Harvard
University Press, 1971.
______. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little Brown, 1977.
21
opções teóricas atuais. Isso porque, de um lado, o Realismo, ao promover alguns ajustes em
seu corpo teórico, se fez neo-realismo. De outro lado, o Pluralismo, para responder às
críticas dos teóricos da Dependência (os quais não podiam admitir a idéia de
interdependência complexa com assimetria ), assumiu seu caráter abertamente liberal,
convertendo-se, então, em Neoliberal.
A visão panorâmica das Relações Internacionais ficaria incompleta, no entanto, se
não fosse feita referência à “Escola Inglesa” e ao “Debate Pós-Positivista”.
Também conhecida como corrente teórica da “Sociedade Internacional”, a “Escola
Inglesa” é uma das poucas correntes de grande prestígio , que se desenvolveu fora do
ambiente acadêmico norte americano. A essa corrente, pertencem nomes expressivos como
Martin Wight, 27 Adam Watson, 28 Terry Nardin , 29 John Vincent,30 Michael Walzer 31 e
James Mayall. 32 Todavia, o nome mais conhecido é o do australiano Hedley Bull (1932 –
1985), que desenvolveu a carreira acadêmica na London School of Economics, e em
Oxford.
A particularidade da “Escola Inglesa” está no fato de ter proposto a análise das
Relações Internacionais a partir do marco filosófico fixado por Hugo Grotius 33 (1583 –
1645), nascido na Holanda e conhecido por muitos juristas como o “pai do Direito
Internacional”. Em Do Direito da Guerra e da Paz (1625), esse hola ndês defendia a
necessidade de se estabelecer normas de comportamento para os Estados da Europa,
27
WIGHT, Martin. Systems of States . London: Leicester University Press, 1977;
______. A Política do Poder. Brasilia: UNB, 1978.
______. International Theory: The Three Traditions. London: Leicester University Press, 1991.
28
BULL, Hedley; WATSON, Adam (Ed s.). The Expansion of International Society. Oxford: Clarendon
Press, 1984.
WATSON , Adam. The Evolution of International Society. London: Routledge, 1992.
29
NARDIM, Terry. Law, Morality and the Relations of States. New Jersey: Princeton University Press,
1983.
NARDIM, Terry; MAPEL, David R. (Eds.). Traditions of Internati onal Ethics. Cambridge: Cambridge
University Press, 1993.
30
VINCENT, John. Nonintervention and International Order. New Jersey: Princeton University Press,
1974.
______. Human Rights and International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
31
WALZER, Michael. Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations. New York:
Basic Books, 1992 .
______.Thick and Thin: Moral Argument at Home and Abroad. Notre Dame : University of Notre Dame
Press, 1984.
32
MAYALL, James. Nationalism and International Society. Cambridge: Cambridge University press,
1989.
______. The New Interventionism: 1991 – 1994. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
33
GROCIO, Hugo. Del Derecho de la Guerra y de la Paz. Madrid : Editorial Reus, 1925.
22
mesmo sob condições de guerra. Para ele, o fato de os Estados europeus pertencerem à
mesma civilização cristã, estando todos submetidos ao mesmo direito natural, distinguia-os
como partes integrantes da sociedade internacional. Por isso, os príncipes europeus deviam,
quando em guerra, respeitar tanto os direitos dos neutros, quanto respeitar o direito ao livre
uso dos mares, e não se conduzir tal como estivessem em guerra contra não-cristãos, uma
circunstância na qual tudo era permitido. De certa forma, esses princípios defendidos por
Grotius acabaram por formar a substância dos Tratados de Westphalia (1648), os quais
foram assinados horas depois da sua morte e encerraram as Guerras de Religião. 34
Ao seguir o caminho apontado por Grotius, Hedley Bull argumentou em favor da
existência da “sociedade internacional”, um conceito que, pode-se dizer, forma o eixo
central da “Escola Inglesa”. O uso desse conceito preenche o espaço que separa, segundo
Martin Wight,35 a tradição Hobbesiana da tradição Kantiana. Para Bull, o fato de, no meio
internacional, não existir governo central com capacidade de fazer respeitar as leis, não
impede de se falar da existência da sociedade internacional. Apenas pondera que tal
sociedade é de tipo diferente das sociedades nacionais, sendo a sua principal diferença, o
caráter anárquico da sociedade internacional. Contra a posição dos Realistas, que não
admitem a idéia de sociedade internacional justamente devido à inexistência de governo
central, Bull chama a atenção para o fato de as relações internacionais não se resumirem às
decisões que dizem respeito à segurança do Estado, mas sim, por formarem uma densa teia
de relações que supõem alta dosagem de cooperação e, também, a partilha de valores
culturais comuns. Uma partilha que se tornou historicamente possível em virtude da
ocidentalização do mundo promovida pelos povos europeus, a partir da idade Moderna.
Por fim, chegamos ao derradeiro Grande Debate, que é, também, o mais difícil de
ser resumido, tendo em vista sua amplitude e a ambigüidade conceptual que o cerca. O alvo
da crítica é o Realismo, ou melhor, são o Positivismo e o Empirismo, que constituiriam a
base da formulação teórica Realista.
As posições críticas, por sua vez, têm por origem a “Teoria Crítica”, o “Pós-Modernismo” e
o “Feminismo”, este não deixando de ser, também, parte do “Pós-Modernismo.”36
34
BULL, Hedley; KINGSBURY, Benedict; ROBERTS, Adam (Eds.). Hugo Grotius and International
Relations. Oxford : Clarendon Press, 1992.
35
WIGHT, M. International Theory: The Three Tradiditions, Leicester: Leicester University Press, 1991.
36
HALLIDAY, Fred. Rethinking International Relations. London: MacMillan Press, 1994.
23
Ainda que os críticos em geral identifiquem os mesmos problemas quanto à
composição teórica do Realismo, aqueles integrados à perspectiva da Teoria Crítica
conferem maior importância à dimensão política da questão. Avançando pelo caminho
aberto pela Escola de Frankfurt e, mais particularmente, pelo filósofo Jurgen Habermas,37
os críticos trabalham imbuídos do ideal Iluminista, segundo o qual a teoria deve servir,
primordialmente, à finalidade racional de promover a liberdade e a emancipação contra a
dominação e a tutela. Essa linha teórica trabalha no sentido de recuperar a teoria Marxista
como ponto de apoio da reflexão.
Esta é a razão das críticas dessa corrente estarem
dirigidas contra três postulados principais do Realismo: a existência de uma realidade
externa objetiva; a formal distinção entre sujeito e objeto; e a convicção da existência de
uma ciência livre de valores.
A Teoria Crítica rejeita a idéia realista da existência do sistema de Estados, que
funciona segundo leis imutáveis e universais. Para essa escola teórica, a tese realista não
passa de um discurso formulado pelas grandes potências para eternizar a dominação que
exercem em nível mundial. O que os Realistas denominam sistema internacional, para os
críticos, na verdade, constitui uma construção histórica dirigida pelas grandes potências e
determinada pelo desenvolvimento do capitalismo. Como não admitem que a ciência seja
livre de valores, por conseguinte, afirmam que toda a teoria deve, não apenas produzir
análises, como também funcionar como alavanca para a mudança das relações sociais em
todo o mundo, liberando os homens das estruturas opressivas criadas pelo capitalismo e
mantidas pelas grandes potências.
A chamada crítica Pós-Modernista, por sua vez, caracteriza-se por um radicalismo
filosófico que não poupa nenhuma das teorias das Relações Internacionais, por considerá-
BOOTH, Ken; SMITH, Steve (Eds.). International Relations Theory Today. Pennsylvania: The
Pennsylvania State University Press, 1995.
GRIFFITHS, Martin. Realismo, Idealism & In ternational Politics: a reinterpretation. London: Routledge,
1992.
NICHOLSON, Michael. International Relations : A Concise Introduction. London : MacMillan Press,
1998.
SPEGELE Roger D. Political Realism in International Theory. Cambridge: Cambridge University Press,
1996.
37
HABERMAS, Jurgem. Knowledge and Human Interests. Boston: Beacon Press, 1972 .
______. Communication and the Evolution of Society. London: Heinemann, 1979.
______. Theory of Communicative Action. Boston: Veacon Press, 1984. v.1.
______. Theory of Communicative Action. Boston: Beacon Press, 1988. v.2.
______. La lógica de las ciencias sociales. Madrid, Tecnos, 1990.
24
las, todas, partes da mesma metanarrativa. Para os críticos pós- modernos, as teorias das
Relações Internacionais, assim como todas as demais teorias sociais e a literatura, são
prisioneiras das mesmas armadilhas filosóficas Iluministas, segundo as quais a ciência tem
um superior e inigualável lugar na ordem do saber, por proporcionar conhecimento
objetivo, e a modernização conduzir ao progresso e ao maior bem estar para todos.
Não há teoria das Relações Internacionais que escape de tão abrangente arco crítico;
todavia, por ser a teoria mais influente no campo das Relações Internacionais, a Teoria
Realista é a mais visada pelos críticos pós-modernos. 38 Para Jim George 39 e., mesmo em
sua forma mais sofisticada, o Realismo representa um anacrônico resíduo do Iluminismo
europeu, totalmente incompatível com a realidade do mundo pós-moderno. A idéia desse
autor, tanto quanto de outros críticos da mesma linha, é a de que não é possível existir
ciência das Relações Internacionais, mesmo porque não há realidade internacional objetiva.
O que se denomina ciência das Relações Internacionais é apenas uma narrativa, que se
impôs sobre todas as demais possíveis, em virtude do poder detido por aqueles que a
elaboraram. Nesse sentido, a ciência das Relações Internacionais é tão-somente a expressão
discursiva dos que exercem o poder.
A ação crítica dos pós- modernistas trabalha com vistas a promover a
“desconstrução” da narrativa Realista. Seu alvo central é o conceito de Estado como ator
fundamental das relações internaciona is, que age de modo racional para realizar seus
interesses e maximizar seu poder. Para os pós- modernistas, o Estado, como realidade
objetiva, simplesmente não existe ; trata-se de mera ficção construída por acadêmicos e
cidadãos, com a finalidade de dar significado as ações sociais que empreendem entre si.
Desse modo, a ação do Estado, no sistema internacional de Estados, não passa de uma
forma de construir uma narrativa sobre a relação entre indivíduos: uma história que, na
38
WENDT, Alexander. Anarchy is What States Make of it: The Social Construction of Power Politics. In:
DER DERIAN, James. (Ed.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995.
p. 129 -177.
CAMPBELL, David. Politics Without Principle: Sovereignty, Ethics, and the Narratives of the Gulf War.
Boulder: Lynne Rienner, 1993.
ASHLEY, Richard K. The Poverty of Neorealism. In: KEOHANE, Robert (Ed.). Neorealism and its
Critics. New York: Columbia University Press, 1986. p. 255 -300.
______.The Pwers of Anarchy: Theory, Sovereignty, and the Domestication of Global Life . In: DER
DERIAN, James. (Ed.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p.
94-128.
39
GEORGE, Jim. Discourses of Global Politics: A Critical (Re)Introduction to International Relations.
Colorado:Lynne Rienner Publishers, 1994. p. 12.
25
verdade, pode ser criada e contada de várias outras formas, as quais dependerão, sempre, da
posição e dos interesses do indivíduo ou dos grupos que se proponham a construí- la.
Para finalizar este mapeamento dos Debates na área das Relações Internacionais, é
necessário trazer algumas palavras a respeito da questão do Gênero.
Por incrível que pareça, o questionamento das Ciências Sociais, a partir do ângulo
do Gênero, é um processo que data dos últimos vinte anos. No âmbito das Relações
Internacionais, no entanto, o processo é muito mais recente. Tal desinteresse pelas Relações
Internacionais, por parte dessa linha crítica seria decorrente, segundo Margot Light e Fred
Halliday,40 em primeiro lugar, da idéia de que as Relações Internacionais não têm limites
precisos, configurando-se apenas em uma extensão das questões nacionais. Em segundo
lugar, de que as Relações Internacionais tratam de questões de “alta política”, tais como
problemas de segurança e de diplomacia; ao passo que as questões de Gênero estariam
diretamente relacionadas à “baixa política”, como o são as políticas públicas.
Nas Relações Internacionais, a questão do Gênero pode apresentar-se de duas
maneiras, denominadas, pelos acima citados autores, como “mulher como categoria” e
“gênero como epistemologia”: Michael Nicholson41 denomina “empírica” e “teórica”. A
primeira forma de apresentar a questão é a daqueles que elaboram a narrativa das Relações
Internacionais que reclama da omissão do relato dos papéis desempenhados pelas mulheres
no processo histórico. Assim, mesmo tendo cumprido papéis altamente relevantes em
processos de luta pela independência, em movimentos de libertação nacional, em guerras e
em outras conjunturas marcadas pela tensão e pela tomada de decisões nos planos social e
nacional, as mulheres são praticamente ignoradas pelos homens, quando chega o momento
de elabora r a história de tais processos. Na segunda forma de apresentar a questão do
Gênero, a crítica destaca o fato de as teorias das Relações Internacionais serem elaboradas a
partir de um ponto de vista exclusivamente masculino. Tomando o Realismo como a
principal teoria das Relações Internacionais, argumenta que a definição do Estado, como
ator central, bem como a luta pelo poder, representando a grande motivação e a guerra, a
40
LIGHT, Margot; HALLIDA Y, Fred. Gender and International Relations. In: GROOM, A . J. R.; LIGHT,
Margot (Eds.). Contemporary International Relations: A Guide of Theory. London: Pinter Publishers,
1994. p. 45-55.
41
NICHOLSON, Michael. International Relations: A Concise Introduction. London: MacMillan Press,
1998. p. 113.
26
ocasião para a definição de um novo sistema internacional de poder exprimem tão-somente
o universo dos valores masculinos e jamais a verdade das relações internacionais; daí, pois,
a necessidade de se empreender uma abordagem que subverta tal situação e dê conta do
papel exercido pelas mulheres, como também a percepção que elas têm da realidade das
relações internacionais.
6 O Liberal Internacionalismo
A disciplina Relações Internacionais nasceu, na década de 1920, sob o signo
político- ideológico do Liberalismo. Isso significa que as teses centrais do pensamento
liberal, tal como as formularam John Locke, 42 Montresquieu, 43 Adam Smith44 e Immanuel
Kant, 45 passaram a constituir as vigas mestras da teoria das Relações Internacionais.
Os teóricos liberais, por nutrir total confiança na capacidade normativa de seus
postulados, acreditavam que as idéias de livre-comércio, democracia e regulação jurídica
seriam suficientemente capazes de garantir a prosperidade e a paz no mundo.
O livre-comércio produziria esses efeitos pelo fato de aproximar os indivíduos
integrados a meios culturais diferentes. O comércio, nessa ótica, faria com que os povos se
tornassem mais flexíveis e compreensivos para com os usos e os costumes dos outros
povos. Além disso, o comércio cria ria inter-relacionamentos econômicos entre os Estados,
comprometendo-os na busca de vantagens mútuas que, enfim, leva riam à prosperidade
geral, restando remotas, as possibilidades de guerra.
Governos democráticos, por sua vez, têm inclinação natural para a cooperação e
repudiam a guerra como recurso para a solução de controvérsias. Nos governos autoritários,
em que poucos decidem em nome de todos, existe uma tendência natural para as soluções
de força; por seu turno, nos governos nos quais muitos participam das decisões, tende a
predominar a prudência e a solução via diálogo e negociação.
42
LOCKE, John. Dois Tratados Sobre o Governo (1690). São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis (1748). São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).
44
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações (1776). São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas).
45
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua: u m pojeto filosófico (1795/1796). In: KANT, Immanuel. A Paz
Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1988.
43
27
O respeito ao Direito Internacional complementa essas idéias, porque o Direito age
no sentido de proporcionar alguma ordem na natural anarquia internacional. Por meio das
organizações internacionais, os liberais crêem ser possível estabelecer algum equilíbrio
entre os Estados e, assim, garantir segurança para os Estados mais fracos.
Essas idéias, profundamente enraizadas na cultura anglo-americana, foram
fortalecidas, ao fim da Primeira Guerra Mundial, em virtude, sobretudo, da intervenção do
Presidente norte-americano, Woodrow Wilson (1856-1923) na política internacional. Para
os governantes franceses e ingleses, a aquela Guerra havia resultado de alguma falha
existente no tradicional sistema de equilíbrio de poder, que regulava as relações entre as
grandes potências. Na concepção de Wilson, porém, o próprio sistema (fundado em
Westphalia), é que era incapaz de produzir paz durável, a qual, para ser alcançada, exigia,
segundo Wilson, uma intervenção enérgica, que fosse além do simples reajuste do sistema
de equilíbrio de poder. Ele considerava necessário , assim inaugurar um novo modo de
pensar as relações internacionais.
Essa sua intervenção aconteceu mediante a apresentação, em 8 de janeiro de 1918,
do documento que se tornou conhecido como os ‘Quatorze Pontos de Wilson’. Inicialmente
apresentado aos alemães como ponto de partida para a negociação do fim da guerra, esse
documento devia cumprir a finalidade de orientar o trabalho diplomático na Conferência de
Versalhes, sinalizando novos rumos para as relações entre os Estados. Em seus seis pontos
doutrinários, Wilson preconizava:
1) Convenções de paz abertas, abertamente concluídas, sem acordos secretos ulteriores;
2) Liberdade de navegação fora das águas territoriais;
3) Remoção de todas as barreiras comerciais;
4) Redução dos armamentos nacionais ao mínimo necessário à segurança dos Estados;
5) Atendimento das reivindicações de independência nacional das colônias; e
[...]
14) Formação de uma associação geral de nações, de acordo com convenções específicas,
com vistas a dar garantias mútuas de independência política e de integridade territorial aos
grandes e pequenos Estados 46 .
46
MOREIRA, Adriano; BUGALLO, Alejandro; ALBUQUERQUE, Celso (Coords.) Legado Político do
Ocidente : o homem e o Estado. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. p. 212-213.
28
Ao se assinalar a importância da intervenção de Woodrow Wilson para a criação da
disciplina Relações Internacionais, não se deve perder de vista que ela teve caráter
marcadamente normativo e, por outro lado, muito pouco científico. Como afirma Edward
Carr,47 é comum que a ciência, em seus inícios, esteja muito mais voltada para solucionar
os problemas próprios ao seu objeto, do que para o lento e difícil trabalho de lapidação
conceptual e de definição metodológica. Por seguir esse padrão, típico de toda ciência em
fase inicial, as Relações Internacionais sucumbiram à tentação utópica de promover a paz
mundial antes de conseguir formar um corpo teórico sólido, capaz de contribuir para a
produção de conhecimento confiável sobre a realidade internacional. Esse caráter utópico
evidencia-se nos títulos das obras publicadas. Em sua grande maioria, os livros apresentam,
em seus títulos, as palavras “paz” e “direito,” como se a vontade (por si só), pudesse mudar
a realidade. 48
Esse estilo de comportamento acadêmico correspondeu a igual estilo de
comportamento diplomático. Na diplomacia, preponderou a idéia de que os conflitos
poderiam ser evitados recorrendo-se aos processos jurídicos de mediação e arbitragem.
Nesse sentido, são bem representativas as Conferências navais de Washington, mediante as
quais os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão tentaram exercer co ntrole sobre o uso de
armamentos no Oceano Pacífico. Também foram representativas, a criação da Corte
Internacional de Justiça, em 1921, e a assinatura do Pacto Briand-Kellogg, em 1928, pelo
qual os signatários comprometiam-se a apelar para a arbitragem da Sociedade das Nações
como forma de resolver eventuais pendências, renunciando, portanto, ao emprego da força.
Enfim, seja no plano diplomático, seja no acadêmico, a visão liberal está sempre assentada
nas idéias de que a natureza humana é essencialmente boa e que o mau comportamento dos
homens decorre dos defeitos das instituições. Por essa razão, para os liberais, a reforma das
47
CARR, Edward H. Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939. Brasília: UNB, 1981. p. 17.
Segue-se alguns importantes títulos como exemplos:
ZIMMERN, Alfred E. The League of Nations and the Rule of Law 1918-35. London: Macmillan, 1936.
SUTTNER, B. von. Lay Down Your Arms!. New YorK: Longmans, Green, 1914.
EAGLETON, C. International Government. New York: Ronald Press, 1932.
YORK, E. Leagues of Nations. New York:, Swarthmore University Press, 1919.
LAUTERPACHT, H. The Function of Law in International Community. New York : Oxford University
Press, 1933.
SCOTT J. B. The Proceedings of the Hague Peace Conference. New York:Oxford Universwity Press,
1920. L. F. L. Oppenheim. International Law. London: Longmans, Green, 1937.
BRIERLY, L. J. The Law of Nations. New York: Oxford University Press, 1928.
48
29
instituições pode, perfeitamente, resultar na prevalência da cooperação e na redução dos
conflitos.*****
A crise dos anos 1930, a Segunda Guerra Mundial e a subsequente bipolarização do
sistema internacional em torno dos dispositivos nucleares dos Estados Unidos e da União
Soviética
desacreditaram
essas
teses
liberais
das
Relações
Internacionais.
A
desconsideração dos liberais para com a luta pelo poder teria demonstrado a enorme
distância existente entre o desejo de paz e prosperidade e a realidade conflituosa das
relações internacionais. Consequentemente, ao longo dos anos marcados pela Guerra Fria, a
Teoria Realista foi considerada pela maioria dos analistas, como a única capaz de exprimir,
com fidelidade, os aspectos fundamentais que davam sentido às relações internacionais em
todas suas dimensões.
No entanto, o fim da Guerra Fria levou a comunidade acadêmica à retomada das
teses liberais. O surgimento de temas que, para sua solução ou para seu equacionamento,
exigem a cooperação dos atores estatais e incluem atores não-governamentais (como o
combate ao narcotráfico, a defesa do meio ambiente, o combate ao terrorismo
internacional), bem como a maior internacionalização do capital, a globalização financeira
e, principalmente, a incapacidade, da Teoria Realista, de prever o colapso da União
Soviética e a dissolução do campo socialista constituem as razões freqüentemente
apontadas para explicar o seu desprestígio e a recuperação da Teoria Liberal, com vistas a
dar conta das relações internacionais contemporâneas.
*****
Kegley Jr. e Wittkopf afirmam que as idéias e as ações diplomáticas liberal-idealistas da década de 1920
estavam baseadas nos seguintes pressupostos:
a) a natureza humana é essencialmente “boa” ou altruística e as pessoas são, portanto, capazes de se ajudar e
colaborar mutuamente;
b) a fundamental preocupação humana com o bem-estar dos outros torna o progresso possível (isto é, a fé
Iluminista na possibilidade de aperfeiçoamento da civilização foi reafirmado);
c) o mau comportamento do homem, tal como a violência, não é resultante de sua natureza defeituosa, mas,
sim, do mau funcionamento das instituições, que o leva a agir egoisticamente em detrimento dos demais;
d) a guerra não é inevitável e sua freqüência pode ser reduzida mediante a eliminação dos arranjos
institucionais que a estimulam;
e) a guerra é um problema internacional que requer esforços coletivos ou multilaterais, mais do que
nacionais, para controlá-la;
f) a sociedade internacional deve reorganizar-se a fim de eliminar as instituições que possibilitam as
guerras, e as nações devem reformar seus sistemas políticos de modo que a auto-determinação e o
governo democrático possam ajudar pacificar as relações entre os Estados.
(KEGLEY, Charles; W. WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York: St.
Martin’s Press, 1997. p. 20).
30
A retomada das teses liberais, na esfera das Relações Internacionais, por outras
palavras, o Neoliberalismo nas Relações Internacionais, tem, como um de seus principais
aspectos, o redescobrimento da personalidade de Woodrow Wilson49 . Para muitos liberais,
Wilson foi um visionário. A rejeição de suas propostas e o colapso de algumas de suas
idéias levadas à prática não indicariam, para os liberais de hoje, falhas na concepção, mas
sim, inadequação do mundo ao seu projeto. De outra forma, pode-se dizer que o mundo não
estava preparado para as idéias de Wilson. As grandes mudanças, pelas quais ele passou
nos últimos anos, teriam, no entanto, feito com que as idéias propostas por Wilson (nos
anos vinte) voltassem a ter plena atualidade. Após as fracassadas experiências de vias
alternativas, o mundo se encontraria finalmente maduro para assimilar os postulados
liberais enunciados por Woodrow Wilson.
7 O Realismo nas Relações Internacionais
Algumas vezes denominado Realpolitik ou, então, Power Politics , o realismo nas
Relações Internacionais inscreve-se numa antiga tradição de pensamento. Costuma-se
lembrar a importância, para o desenvolvimento dessa escola de pensamento de
personalidades como o indiano Kautilya, 50 o chinês Sun Tzu, 51 o grego Tucídides,52 o
florentino Nicolau Maquiavel 53 e o prussiano Carl von Clausewitz. 54 Todos concordam,
contudo, que o filósofo inglês Thomas Hobbes 55 é quem estabelece u as diretrizes para a
análise Realista das relações internacionais contemporâneas. Hedley Bull, p. e., ao se referir
à corrente Realista, prefere a denominação Paradigma Hobbesiano, por considerá-la mais
ajustada aos princípios orientadores da análise realista.
Na concepção hobbesiana, os Estados vivem em estado de natureza, isto é, apesar
de conviverem e de se relacionarem, entre si, todo o tempo, nem por isso formam uma
sociedade de Estados. Vivem, na perspectiva de Hobbes, em estado de anarquia, pois, na
49
KEGLEY, Charles W., (Ed.). Controversies in International Relations Theory: Realism and the
Neoliberal Challenge. New York:, St. Martin’s Press, 1995.
50
BATH, Sergio. Arthashastra/Kautilya o Maquiavel da Índia. Brasília: UNB, 1994.
51
SUN TZU . A Arte da Guerra. Rio de Janeiro: Record, 2000.
52
TUCÍDIDES. História da Guerra do peloponeso. Brasília: UNB, 1982.
53
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
54
CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
55
HOBBES, Thomas. Leaviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).
31
ausência de um poder soberano, com sua inerente capacidade de fazer com que todos
respeitem as leis por ele instituídas, cada Estado busca maximizar o poder de intimidar os
mais fracos e, simultaneamente, não ser intimidado pelos mais fortes. Conforme Hobbes,
essa é uma situação da qual os Estados não podem escapar, sendo usualmente definida,
pelos estudiosos, como o dilema da segurança. Isso porque, o homem, para livrar-se do
medo da morte violenta a que está sujeito, no estado de natureza, firma o pacto social e
entra em estado de sociedade, submetendo-se ao poder de Estado, ao Leviatã. Todavia, por
não ser factível um pacto que erga um poder soberano que submeta os Estados à sua lei, o
homem vive, permanentemente, sob a ameaça da guerra entre os Estados. Desse modo o
homem escapa da guerra de todos contra todos instituindo a sociedade. No entanto, não
consegue livrar-se da permanente possibilidade de haver guerra entre os Estados.
A partir desse núcleo de idéias de Thomas Hobbes, os Realistas contemporâneos
desenharam um mapa teórico, com os seguintes pontos determinantes da análise:
1) A leitura da história ensina que os homens são, por natureza, egoístas e
eticamente defeituosos, e não podem se libertar dessas deficiências;
2) De todas as maldades de que o homem é capaz, nenhuma é mais
inexorável ou perigosa do que sua instintiva luta pelo poder e seu desejo
de dominar os demais;
3) A possibilidade de erradicar a instintiva luta pelo poder é uma
aspiração utópica;
4) Sob tais condições, a política internacional é a luta pelo poder, ‘uma
guerra de todos contra todos’;
5) A obrigação básica de todo Estado – objetivo ao qual os outros
objetivos nacionais devem estar subordinados – é promover o ‘interesse
nacional’, definido como aquisição de poder;
6) A natureza do sistema internacional determina que os Estados persigam
a capacitação militar para deter o ataque dos inimigos potenciais;
7) A economia é menos relevante do que o poder militar para a segurança
nacional; a economia é importante como meio de obter poder e prestígio;
8) Os aliados devem aumentar a capacidade de defesa do Estado, mas sua
lealdade e confiabilidade não devem ser anunciadas;
9) Os Estados nunca devem confiar sua proteção a organizações
internacionais ou ao direito internacional e devem resistir aos esforços
para regular a conduta internacional;
32
10) Se todos os Estados buscam maximizar seu poder, a estabilidade
resultará da administração da balança de poder, lubrificada pelo sistema
de alianças.56
O primeiro importante passo rumo à instauração do Realismo , como visão
dominante nas Relações Internacionais, foi dado por Reinhold Niebuhr (1892 – 1971), que
se converteu, nas palavras de George Kennan, no “pai dos Realistas norte-americanos.”57
Em sua obra Moral Man and Immoral Society (1932),58 o filósofo político e teólogo
protestante Niebuhr trava diálogo com os liberais religiosos e laicos, especialmente com o
filósofo Immanuel Kant, argumentando que não se deve esperar comportamento ditado por
regras morais da parte de grupos como raças, classes e nações.59 De acordo com Niebuhr,
tal expectativa deve ser reservada, exclusivamente ao indivíduo. Grupos humanos, tais
como as nações (o mais abrangente e egoísta deles), agem sempre aspirando a obter mais
poder e maior prestígio. Nessa ótica, esse autor, considera hipócrita e contraproducente a
política externa que se executa a partir de princípios morais universais. Ele defende a tese
segundo a qual, em meio ao ambiente naturalmente conflituoso das relações internacionais,
a paz só poderá resultar do entendimento entre Estados que exprimam, com clareza, seus
mais caros interesses nacionais.
Ainda que a impressão causada pela intervenção de Niebuhr tenha sido profunda,
muitos concordam que foi Edward Carr quem formulou a mais contundente crítica ao
liberal- idealismo nas Relações Internacionais. Publicado em 1939, seu livro The Twenty
Years Crisis 1919 – 1939 tornou-se um clássico da literatura das Relações Internacionais ao
confrontar as teses Idealistas e as Realistas. Mediante a complexa combinação de reflexão
filosófica, análise histórica e análise dos fatos da conjuntura, Carr, sem se apresentar
explicitamente como Realista, demonstra que as teses Idealistas faziam parte da infância da
ciência das Relações Internacionais, representando uma fase do processo científico na qual
as teorias tendem, naturalmente, à prescrição em detrimento da análise propriamente dita.
Nesse sentido, a grande contribuição de Carr foi ter chamado a atenção para o fato de os
56
KEGLEY, Charles W.; WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York:
St. Martin’s Press, 1997. p. 23 -24.
57
THOMPSON, Kenneth W. Masters of International Thought: Major Twentieth-Century Theorists and
the World Crisis . Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1990. p. 31.
58
NIEBUHR,Reinhold. Moral Man and Immoral Society. New York: Charles Scribner’s Sons, 1960.
59
Profunda e erudita discussão sobre a atualidade do pensamento de Kant no âmbito das Relações
Internacionais encontra -se em: ROHDEN, Valério (Coord.). Kant e a instituição da paz. Porto Alegre:
UFRGS, Goethe-Institut/ICBA, 1997.
33
liberais terem fracassado nas Relações Internacionais justamente por não terem levado em
consideração a fundamental dimensão da luta pelo poder.
O desfecho da Segunda Guerra Mundial, evidentemente, corroborou a tese Realista
de Edward Carr. Encerradas as hostilidades no campo de batalha, verificou-se que o
sistema internacional havia sofrido profunda transformação. O sistema de estrutura
multipolar estabelecido pelo Congresso de Viena (que a Paz de Versalhes havia tentado
recuperar, após o impacto da Primeira Guerra Mundial), havia sido substituído por um
sistema bipolar, cujos pólos eram os Estados Unidos e a União Soviética. Devido à guerra
iniciada pelos próprios europeus, a Europa achava -se prostrada, dividida e ocupada, física e
economicamente, pelas duas grandes potências vencedoras. A luta pelo poder levara os
Estados europeus a uma situação de crise e à guerra, determinando radical transformação
no mundo.
No que diz respeito à percepção da evolução do sistema internacional, a situação,
nos Estados Unidos, também mudara significativamente. Até o início da Segunda Guerra,
prevaleceu o consenso isolacionista. Isto é, a política externa norte-americana fora
orientada pelos princípios legados pelos “Pais Fundadores da República”, segundo os quais,
os Estados Unidos não deviam se envolver com os assuntos políticos europeus, tampouco
fazer alianças com os países do velho continente. Esse foi o consenso que derrotou a
proposta universalista de Woodrow Wilson, recusando inclusive , a participação do país na
Sociedade das Nações.
A guerra comercial ocorrida no início dos anos trinta; a subseqüente radicalização
do quadro político internacional; e, enfim, a
guerra propriamente dita produziram a
formação do novo consenso universalista. Por outras palavras, a perspectiva Liberal das
relações internacionais foi substituída pela perspectiva Realista. Conforme o novo
consenso, a política internacional dos Estados Unidos devia ser de molde a defender os
interesses norte-americanos onde quer que eles estivessem. Na prática, isso representou o
total envolvimento com os problemas do mundo, desde as questões internacionais mais
gerais até aos problemas
nacionais dos demais Estados que compõem o sistema
internacional.
No mesmo contexto, foi reformulado o conceito de segurança nacional. Uma vez
eliminado o inimigo nazista, passava-se a combater o comunismo soviético. Por achar que
34
o mundo estava ameaçado pela vontade expansionista soviética, as elites norte-americanas
acreditavam ser seu dever pôr todo o poderio do Estado a serviço do denominado “mundo
livre”. Daí por diante, os formuladores norte-americanos passaram a perceber o mundo
como um grande tabuleiro de xadrez, no qual as peças de cor igual à sua deviam estar todas
subordinadas ao seu grande objetivo de cercar, isolar e destruir o Estado soviético.
No plano intelectual, a escola Realista estava, em boa medida, representada por
intelectuais de origem européia, que emigraram para os Estados Unidos, levando, consigo,
a herança teórica da Razão de Estado. Dentre eles, destacam-se nomes como Nicholas J.
Spykman, 60 Arnold Wolfers, 61 John H. Herz, 62 Karl Deutsch, 63 Stanley Hoffmann,64
George Liska 65 e Henry Kissinger. 66
O teórico mais influente dentre todos, porém, é Hans J. Morgenthau, que, como os
demais, saiu da Alemanha para os Estados Unidos, tendo passado, antes, pela Espanha, em
virtude das perseguições nazistas aos judeus. Uma vez nos Estados Unidos, Morgenthau
escreveu extensa obra, cujo livro principal é Politics Among Nations, consagrado como o
clássico do Realismo contemporâneo. 67 Nele, o autor apresenta os seis princípios a partir
dos quais se torna possível chegar ao conhecimento das relações internacionais:
60
SPYKMAN, Nicholas J. America’s Strategy in World Politics. New York: Harcourt, Brace, 1942.
WOLFERS Arnold. Alliance Policy in the Cold War. Baltimore : John Hopkins University Press, 1959.
62
HERZ, John H. Political Realism and Political Idealism: A Study in Theories and Realities. Chicago:
University of Chicago Press, 1951.
______. The Nation -State and the Crisis of World Politics : Essays on International Politics in the 20th
Century. New York: David McKay, 1976.
63
DEUTSCH, Karl Wolfgang. Análise das Relações Internacionais. Brasília : UNB, 1978.
64
HOFFMANN, Stanley. Gulliver’s Troubles: Or, the Setting of American Foreign Policy. New York:
McGraw-Hill, 1968.
______. Janus and Minerva: Essays in the Theory and Practice of International Relations. Colorado:
Westview Press, 1987.
______. World Disorders. Oxford: Rowman Littlefield, 1998.
65
LISKA, George. Nações em Aliança. Rio de Janeiro:, Zahar Ed., 1965.
______. Alliances and the Third World. Baltimore : John Hopkisn University Press, 1968.
______. The Ways of Power: Patterns and Meanings in World Politics. Oxford: Basil Blackwell, 1990.
66
KISSINGER, Henry. Nuclear Weapons and Foreign Policy. New York: Harper, 1957.
______. A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace 1812-1822. London:
Weidenfeld & Nicolson, 1957.
______. Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999.
67
MORGENTHAU, Hans. Politics Among Nations : The Sttrugle for Power and Peace. New York: Alfred
Knopf, 1948 .
______. Scientific Man vs. Power Politics. Chicago: University of Chicago Press, 1946.
______. Defense of the Nationsl Interest. New York: Alfred Knopf, 1951.
______. Principles and Problems of International Politics. New York: Alfred Knopf, 1951.
______ . Dilemmas of Politics. Chicago: University of Chicago Press, 1958.
______ . The Purpose of American Politics . New York: Alfred Knopf, 1960.
61
35
1) O Realismo acredita na objetividade das leis da política, que são determinadas pela
natureza humana, que, por sua vez, não sofre as variações de tempo e de lugar. Em
qualquer tempo e lugar, o comportamento político é sempre orientado pela busca da
realização dos interesses;
2) O “interesse definido em termos de poder” constitui o conceito fundamental da política
internacional. Esse conceito distingue a política da economia, da ética, da estética e da
religião, além de permitir a análise racional do comportamento político dos governantes;
3) Os interesses variam segundo o tempo e o lugar. Eles exprimem o contexto político e
cultural a partir do qual são formulados. A transformação do mundo resulta da manipulação
política dos interesses;
4) A política internacional possui suas próprias leis morais, que não se confundem com
aquelas que regem o comportamento do cidadão. A ética política do governante não deve
ser avaliada conforme as leis abstratas universais, mas sim, a partir das responsabilidades
que o governante tem para com o povo que representa;
5) O Realismo recusa a idéia de que uma determinada nação possa revestir suas próprias
aspirações e ações com fins morais e universais. A idéia messiânica que “Deus está
conosco” é perigosa por conduzir às guerras. A paz só pode existir como resultado da
negociação dos diferentes interesses dos Estados;
6) A grande virtude do Realismo está no reconhecimento de que a esfera política é
independente das demais esferas que compõem a vida do homem em sociedade. Ao abordar
a política, nos seus próprios termos, o Realismo cria as condições para o correto
entendimento da política.
Fora dos Estados Unidos, o Realismo, nas Relações Internacionais, foi enriquecido,
a partir de 1962, com a obra de Raymond Aron (1905 – 1983), Paz e Guerra entre as
Nações.68 No texto intitulado Que é uma Teoria das Relações Internacionais?,69 publicado,
______. Politics in the Twentieth Century. Chicago:Chicago University Press, 1962.
______. Vietnam and the United States. Washington: D. C., Public Affairs Press, 1965.
______. A New Foreign Policy for the United States. New York: F. ª Praeger, for the Council on Foreign
Relations, 1969.
______. Truth and Power. New York: F. ª Praeger, 1970 .
______. Science: Servant or Matter? New York: New American Library, 1972.
______. Truth and Tragedy : A Tribute to Hans Morgenthau. Washington : Kenneth W. Thompson and
Robert J. Myers, 1977.
68
ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: UNB, 1979.
69
______. Ensaios Políticos. Brasília: UNB, 1980. p. 317-335.
36
inicialmente, em inglês, no Journal of International Affairs, em 1967, ao defender a “Paz e
Guerra entre as Nações”, dirige críticas diretas à obra de Hans Morgenthau. Para Aron, as
idéias de que os Estados perseguem seus respectivos interesses nacionais e de que as
relações internacionais expli cam-se pela luta pelo poder, de fato, nada explicam. Na
realidade, Aron desconsidera a possibilidade de formulação de uma teoria geral das
Relações Internacionais. Para ele, a análise só é possível mediante o procedimento
histórico-sociológico aplicado a cada caso particular, a partir daquilo que ele considera
como a especificidade das relações internacionais ou entre os Estados: “a legitimidade e a
legalidade do recurso à força armada por parte dos atores”, [uma vez que] “nas civilizações
superiores essas relações parecem ser as únicas, dentre todas as relações sociais, que
admitem o caráter normal da violência.”70 A questão mais significativa das relações
internacionais, ao redor da qual tudo o mais gira, é, portanto, a possibilidade de o Estado
ver-se envolvido em guerras. Essa, por assim dizer, constitui a marca da influência exercida
por Clausewitz, em sua reflexão sobre as relações internacionais. 71
Em livro póstumo, publicado em 1984, contendo o reexame das teses apresentadas
em Paz e Guerra entre as Nações à luz das críticas formuladas pelos Transnacionalistas,
Aron novamente defende a idéia do papel central que a possibilidade de guerra tem para a
análise das relações internacionais. Contudo, flexibilizando um pouco mais suas posições,
admitiu, “por razões de comodidade” o uso do conceito de “sociedade internacional ou
sociedade mundial, que englobaria o sistema interestatal, a economia mundial (ou o
mercado mundial ou o sistema econômico mundial), os fenômenos transnacionais e
supranacionais.”72
Em resposta aos ataques que sofrera dos Transnacionalistas ao longo da década de
1970 e, também, motivada pelo recrudescimento da Guerra Fria ainda no final da mesma
década, a corrente Realista anglo-saxã procurou-se renovar, reformulando alguns pontos de
seu corpo teórico. Nesse contexto, despontaram novos e importantes teóricos, dentre os
quais se destacam nomes como Robert Gilpin, 73 Stephen Krasner 74 e Susan Strange.75
70
Ibid., p. 321.
ARON, Raymond. Pensar a Guerra, Clausewitz.Brasília: UNB, 1986.
72
______. Les dernières années du siècle. Paris : Julliar, 1984. p. 25.
73
GILPIN, Robert War and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
______. The Political Economy of International Relations. Princeton: Princeton University Press, 1987.
71
37
Coube, porém, a Kenneth Waltz, que já se havia projetado com a publicação de Man, the
State and War 76 (1959), a condição de líder do Neorealismo, por ter publicado a obra que
serviu de manifesto dessa corrente teórica: Theory of International Politics. 77
O trabalho de revisão do Realismo ao qual se lançou Kenneth Waltz, tem, por
objetivo, conferir, à teoria, caráter mais positivo e menos normativo. Comparando sua
proposta Realista com a teoria desenvolvida por Morgenthau, sobressai sua preocupação
em garantir estatuto científico à análise do sistema político internacional, ao contrário de
Morgenthau, que tentou fundamentar sua teoria no caráter imutável da natureza humana. E
é nos modelos de análise econômica de comportamento dos atores no mercado que Waltz
buscou inspiração para dar lastro científico ao Realismo nas Relações Internacionais.
O núcleo central da teoria Realista de Waltz é a estrutura do sistema internacional.
Para esse autor, essa estrutura é formada por unidades autônomas (os Estados) e iguais, o
que implica
abstrair os atributos das unidades [ ou seja ] deixar de lado questões
acerca das classes de líderes políticos, instituições econômicas e sociais e
compromissos ideológicos que os países possam ter. Abstrair as relações
significa deixar de lado as questões acerca das interações culturais,
econômicas, políticas e militares dos Estados.78
Em outras palavras, se todos os Estados são iguais, tendo em vista as abstrações realizadas,
o que conta, para a análise da política internacional, é a desigual distribuição de poder entre
essas unidades do sistema internacional.
A teoria de Waltz é, também, conhecida como Realismo Estrutural, porque em sua
concepção, o sistema possui uma dinâmica própria. Diferentemente de Morgenthau (para
quem o Estado age com vistas a, sempre, aumentar seu poder), Waltz sustenta que o
objetivo do Estado consiste tão-somente em sobreviver, razão pela qual procura maximizar
sua segurança. Numa estrutura descentralizada de comportamento anárquico da parte das
74
KRASNER, Stephen. Structural Conflict: The Third World Against Global Liberalism. Berkeley:
University of California Press, 1996.
75
STRANGE, Susan. Casino Capitalism. Oxford : Oxford University Press, 1986.
______.The Retreat of the State : the diffusion of power in the world economy . Cambridge: Cambridge
University Press, 1996.
76
WALTZ, Kenneth. Man, the State and War : A Theoretical Analysis. New York: Columbia University
Press, 1959.
77
78
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York: McGraw-Hill, 1979.
Ibidem.
38
unidades, a dinâmica do sistema depende, portanto, do número e das ações levadas a efeito
pelas grandes potênc ias. São elas, pois, que determinam a maior ou menor estabilidade do
sistema. Waltz defende que o sistema bipolar, por reunir menor número de grandes
potências, é bem mais estável do que o sistema multipolar, no qual existe um maior número
de potências. Concluindo, pode-se afirmar que no enfoque proposto por Kenneth Waltz o
fio condutor da análise das relações internacionais é a gangorra da ascensão e queda das
grandes potências.
8 Conclusão
Ao chegarmos ao término desse nosso estudo, reafirmamos as pala vras contidas na
Introdução, indicativas de nossa intenção de tão-somente apresentar, concisamente,
algumas questões relativas ao debate teórico das Relações Internacionais.
Como esse debate é travado em terrenos distantes da nossa realidade acadêmica e,
também, em função de a maior parte da bibliografia que o contém ser de difícil acesso,
procuramos apresentá- lo com uma roupagem bem simples, sem deixar de ser o mais
esclarecedora possível.
Esperamos ter alcançado algum sucesso nesta empreitada, significando uma
contribuição para todos aqueles que têm interesse no melhor entendimento das questões
vinculadas às Relações Internacionais.