DIFERENTES E DESIGUAIS: RELAÇÕES DE GÊNERO
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DIFERENTES E DESIGUAIS: RELAÇÕES DE GÊNERO
DIFERENTES E DESIGUAIS: RELAÇÕES DE GÊNERO NA MÍDIA ESPORTIVA BRASILEIRA REFERÊNCIA KNIJNIK, Jorge Dorfman; SOUZA, Juliana Sturmer Soares. Diferentes e desiguais: Relações de gênero na mídia esportiva brasileira; In. Antonio Carlos Simões, Jorge Dorfman Knijnik (orgs). O mundo psicossocial da mulher no esporte: comportamento, gênero, desempenho. São Paulo, Aleph, 2004 (p. 191-212) 2 DIFERENTES E DESIGUAIS: RELAÇÕES DE GÊNERO NA MÍDIA ESPORTIVA BRASILEIRA.1 Jorge Dorfman Knijnik e Juliana Sturmer Soares de Souza. 1. BREVE CRÔNICA DA MULHER BARBADA O meu peito não tem silicone Sou mais macho que muito ‘ômi’ (Rita Lee / Zélia Duncan) Estavam lá todos os jornais, as rádios, a televisão – de fato, todos os meios de comunicação. A moça, retratada na última temporada como a “batida mais potente da Liga Nacional”, “tão forte quanto um homem”, sempre pareceu um deles. Ou, ao menos, era a imagem que as pessoas tinham dela, reforçada pela mídia, que aproveitava o caso ao máximo, traçando um quadro de suspeitas relativas ao sexo da atleta, usando as fotos e imagens apropriadas, e juntando estas às versões colhidas dos vestiários dos clubes, ou da infância da jogadora, em alguma cidade no interior (onde ninguém sabia ao certo ‘o que ela era’). Desta forma, toda a imprensa amplificava o assunto, e o país inteiro comentava e se perguntava, invertendo a famosa marchinha de carnaval: será que ela é? Agora, no pequeno saguão do laboratório, repórteres, câmeras, fotógrafos, curiosos e fofoqueiros se espremiam, esperando o resultado do teste de feminilidade que ela havia sido obrigada a fazer, para continuar jogando. Antes disso, contudo, ela já fora orientada pela sua comissão técnica, 1 Este texto é um dos frutos do Trabalho de Conclusão de Curso (TGI) realizado pela Juliana na Faculdade de Educação Física da Universidade Presbiteriana Mackenzie, orientada pelo Jorge, em agosto/2003. Os autores manifestam a sua profunda gratidão à profa. Dra. Claudia Pereira Vianna, (FEUSP), que generosamente revisou este texto, fornecendo inúmeras sugestões que se agregaram ao seu formato final – no entanto, ela não possui alguma responsabilidade sobre eventuais falhas na concepção e formato do artigo, que são assumidas integralmente pelos autores. 3 e mesmo pelos advogados: no último semestre, deixara o cabelo crescer, e já jogava de batom e maquiagem, com short bem apertado, um número menor que o seu. Fora das quadras, sempre andava de saias, saltos e bolsas, e posava nas fotos com rapazes bronzeados, “sarados” e bonitos. Com esta transformação, não parecia em nada com aquela garota musculosa, tímida, de cabelos curtos, botas e calças jeans surradas, que na quadra urrava com as jogadas da equipe, e que se destacara na Liga pela sua capacidade atlética. E o resultado do teste saiu: imediatamente, as manchetes on line destacaram: “parece, mas não é!”; finalmente, ela já estava livre das perguntas e pressões cotidianas dos repórteres, e dos boatos jornalísticos que surgiam todos os dias; podia representar com tranqüilidade a seleção feminina de seu país. E seu alívio mostrou-se maior ainda no dia seguinte, quando voltou a vestir o calção largo para treinar, e cortou os cabelos bem curtos - comentou com a colega de apartamento que ”não agüentava mais” as mechas compridas. 2. PRETENSÕES As representações polarizadas de gênero sempre encontraram no esporte um vasto campo para se manifestarem. Como uma das atividades físicas predominantes no cenário mundial, e com seu enorme potencial de reverberar na mídia (os programas de maior audiência na TV mundial são esportivos, a Olimpíada de Verão e a Copa do Mundo de Futebol – masculino -, sem falar das finais do SuperBowl norte-americano) , o esporte parece ser o panorama ideal para que se reafirmem normas e tradições a respeito de como se comportar com o corpo, e das formas corporais e comportamentais adequadas de ser homem, ou mulher. 4 Mesmo antes do sistema global de comunicações, dentro do esporte já se faziam configurações que opunham o masculino e o feminino, uma vez que as normas aí impostas freqüentemente alijavam ou restringiam a participação das mulheres, de acordo com as representações sociais – muitas vezes travestidas de cientificidade2 - de cada época. No entanto, com o advento das mídias globais, e a penetração do esporte no interior destas, como um de seus principais atrativos de audiência, estas representações sociais sobre o gênero ganharam novas dimensões. Aliás, a mídia, dada a sua capacidade de filtrar os eventos e de atirar imagens sobre as pessoas, se transformou, nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, na grande chave utilizada pela sociedade para desvendar o mundo, e criar os seus códigos sociais. Estes filtros estabelecidos por meio da mídia repercutem os discursos dominantes sobre as coisas do mundo – e dentre estes discursos, se destacam aqueles que ditam como ser homem ou ser mulher no mundo atual, fornecendo ou retirando valor das novas conformações de gênero que aparecem continuamente na contemporaneidade. E a historieta contada no início deste texto ilustra bem isto: os jornais queriam saber, em primeira mão, o que era aquele “bicho esquisito”, aquela atleta que não se enquadrava em seus códigos estritos. Precisavam dizer aos seus leitores se ela podia ser mulher, “apesar” das aparências contraditórias... Não estamos aqui afirmando que as mídias criem diretamente as representações sociais. Estas já existem na sociedade, são frutos dos processos interativos e comunicacionais dos grupos sociais; o ‘mass media’, no entanto, se não cria as representações, ajuda a “(...) acelerar ou afrouxar, talvez dirigir 2 É famosa a teoria da “incapacidade menstrual” atribuída às mulheres pelo cientista e médico do século XIX, Herbert Spencer , incapacidade esta que as impedia de praticar atividades esportivas extenuantes. 5 o fluxo das representações sociais num sentido ou noutro (...) (Moscovici, 2003, p. 3). Cabe alertar, contudo, que a própria psicanálise, enquanto ciência que estuda e interpreta as causas psíquicas dos traumas constituintes do sujeito, já vem chamando a atenção para o impacto traumático que as imagens midiáticas provocam na constituição de todo o sujeito. Em artigo recente, Marcio Giovanetti (atual presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo) escreve que com a diluição das fronteiras e com a inundação imagética, a espessura e a necessidade necessárias a constituição de uma identidade singular e privada desaparecem na mesma proporção em que a velocidade das trocas efetuadas entre o mundo externo e o mundo interno é feita (Giovanetti, 2003, p.5). Ou seja, se um dos componentes claros da constituição identitária individual é a identidade de gênero; se o esporte, enquanto atividade corporal muito difundida culturalmente, tem um peso formidável nesta constituição, e se a mídia filtra e amplia as imagens do esporte globalmente, cabe urgentemente estudar as conexões e relações de gênero que se apresentam na mídia esportiva. Deste modo, a pretensão deste texto é discutir como as mulheres têm sido descritas na mídia esportiva brasileira, sobretudo no que diz respeito aos artigos que jornais e revistas produzem sobre as atletas, comparados àqueles que retratam os homens esportistas. Para tal, utilizamos diversos recortes de jornais de grandes veículos da imprensa brasileira (Folha de São Paulo, Estadão, Veja, Superinteressante) que viemos guardando desde 1998. Estes recortes, em conjunto com diversas pesquisas internacionais 6 que discutem como se dá a cobertura esportiva da imprensa sobre as mulheres, nos permitiram traçar um quadro bem interessante da complexa relação social de gênero que a mídia esportiva espelha e repercute. Estaria a mídia, com toda a força que o seu status de quarto poder nas democracias lhe confere, ajudando na criação de novas relações entre os sexos, mais igualitárias e democráticas? Ou, ao contrário, estaria ela apoiando a manutenção de determinadas relações de poder que oprimem e mantém a mulher em condição subalterna, como serviçal do homem, mesmo que esta quebre recordes e consiga marcas esportivas impensáveis até alguns anos atrás? Na tentativa de responder a estas questões, apresentamos uma breve conceituação teórica sobre a categoria gênero, para então mostrar os estudos internacionais que discutem a cobertura da mídia esportiva do ponto de vista das relações de gênero – estudos estes que são entremeados por discursos colhidos na própria mídia brasileira. Como em pesquisa anterior3 comprovamos quantitativamente o quanto a cobertura esportiva tende a ser maior e mais favorável aos homens, tentaremos aqui fornecer e discutir exemplos de discursos que, no interior da mídia, estruturam e conformam os símbolos relativos ao gênero no esporte. 3. GÊNERO(S) Gênero é um termo que surgiu no sentido e na tentativa de se opor a uma forte tendência histórica vinculada à naturalização dos comportamentos humanos - a uma posição que descreve a personalidade essencialmente 3 SOUZA, J.S & KNIJNIK, J.D. The invisible woman – gender and sport in the largest Brazilian daily newspaper. (no prelo), 2004. 7 diferente de homens e mulheres em virtude de sua natureza anatomicamente diferenciada. Desta forma, o debate teórico relacionado ao termo gênero, segundo Nicholson (2000) se desenvolveu, de um lado, para marcar a oposição entre este termo e o sexo, ou seja, para apontar tudo o que fosse construído socialmente, em contraposição ao dado biológico. Por outro lado, como aponta a autora, “(...) gênero tem sido cada vez mais usado como referência a qualquer construção social que tenha a ver com a distinção masculino/feminino, incluindo as construções que separam corpos ‘femininos’ de corpos ‘masculinos’” (Nicholson, 2000, p. 9). Para esta autora, as variantes sociais que se desenvolveram historicamente são mais profundas que os costumeiros e habituais estereótipos culturais colocados sobre a personalidade e o comportamento associado aos sexos: existem “formas culturalmente variadas de se entender o corpo” (Nicholson, 2000, p.14), e esta variação faz com que o corpo não possa nem deva ser a constante ideal que fundamente noções relativas aos gêneros masculino e feminino. Há diferenças culturais enormes tanto no sentido quanto no valor atribuído ao corpo, e estas por sua vez afetam as concepções de masculino e feminino nas diversas culturas. Deste modo, conforme Nicholson (2000), não seria possível se traçar características únicas de identidade sexual, sobre as quais então seriam desenhados os estereótipos de gênero. A autora entende que mesmo os corpos de mulheres possuem tal ordem de diferenciação entre si, que não poderiam constituir uma base única sobre a qual ser construir determinada estereotipia. Assim sendo, neste debate pode-se vislumbrar uma grande gama de posições, que subsidiam desde explicações biológicas até aquelas construcionistas - há, como referido acima, o extremo naturalista que enxerga todas as diferenças entre os sexos sendo causadas pela natureza biológica 8 destes; existem também as posições que tomam as diferenças sexuais como base para representações e significados culturais; e no outro extremo há aquelas posições que inserem até mesmo a própria biologia no processo de construção social, afirmando que esta é fruto de determinada cultura e enxerga o ser humano sob as lentes culturais específicas (Nicholson, 2000). Assumimos aqui claramente a concepção de Scott (1995), historiadora feminista norte-americana que propôs que gênero seria uma categoria essencial para as análises históricas. Para esta autora, o conceito de gênero indica construções sociais, isto é, a criação inteiramente social de idéias sobre os símbolos, normas, atitudes e identidades relacionados aos homens e às mulheres. É uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades masculinas e femininas. Gênero torna-se uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado, é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e uma forma primária de dar significado às relações de poder. Ou seja, a categoria gênero somente existe quando colocada num contexto social e histórico - as configurações de gênero se relacionam socialmente, formando com elas estruturas de poder que se perpetuam ou se modificam historicamente. 3.1. “VIOLENTO, HÓQUEI NO GELO É ESPORTE PARA HOMEM”. (Folha de São Paulo, 02 de fevereiro de 2003, p. D4). A masculinidade hegemônica, enquanto uma das configurações possíveis de ser masculino na contemporaneidade, tem procurado se firmar com todas as raízes dentro do esporte. Violência, agressões, ‘insensibilidade’, entre tantas outras manifestações de hostilidade acabam ganhando corpo e assumindo o topo da hierarquia de valores do mundo esportivo. 9 Assim, o esporte moderno acaba assumindo um caráter predominantemente masculino – entendendo este masculino em uma de suas formas mais conhecidas e, como dito, dominante. Este esporte foi formado por e para homens e expressa hábitos e identidades masculinas. Quando as mulheres começaram a entrar nesse domínio tinham que “jogar como homens e comportar-se como mulheres” (Hargreaves 4, 1994 apud Dunning; Maguire, 1996, p.304). A mulher foi considerada como usurpadora de um espaço consagrado ao usufruto masculino. Fosse como atividade de lazer, fosse como prática sistemática, o esporte unificou um conjunto de adjetivos que representam o mundo masculino: força, determinação, resistência e busca de limites (Rubio e Simões, 1999). Segundo Mourão (2000) o processo de apropriação do espaço esportivo pela mulher no Brasil é qualitativamente diferente do processo de apropriação de outros espaços, nas quais é mais tensa a relação entre os gêneros; no esporte, diferentemente, não houve um confronto entre homens e mulheres pela redistribuição do território esportivo. O esporte foi, e ainda é, um processo de infiltração lenta e progressiva, sem um discurso de contestação por parte das mulheres. Não houve, no esporte, um movimento feminino, menos ainda feminista, pela equalização do gênero, devido à ausência de um movimento contestador das esportistas brasileiras. Assim, ao adentrar nas arenas esportivas, a mulher acabou ficando escondida, ou assumindo um mundo de valores hegemônicos masculinizados, incorporando-os como seus, reafirmando a validade destes valores ... para os homens. E aqui o conflito se estabelece: podem as mulheres, por sua ‘natureza HARGREAVES,J.Sporting Females: Critical issues in the history and sociology of women’s sports. London, Routledge.1994. 10 intrínseca e essencial’, assumir posturas e ter atitudes ditas masculinas? Sobretudo quando estas expressam tudo aquilo que o verdadeiro homem, e só ele, deveria ser? A saber: ser agressiva fisicamente, xingar, se descabelar, lutar com gana, se atirar sobre as outras, ficar forte e cheia de músculos...O corpo da mulher, e as identidades femininas suportariam isto? Sobre estas indagações que a mídia vem dando as suas respostas, no modo de reportar as mulheres dentro do esporte. Não diretamente, mas em seus textos e imagens, na quantidade de reportagens, e na qualidade da cobertura, os jornais aqui analisados demonstram claramente a sua visão dos limites que a mulher atleta, e o seu corpo, podem atingir. 3.2. “NAS MODALIDADES QUE EXIGEM GRAÇA E LEVEZA, AS MULHERES SÃO IMBATÍVEIS”. (Super Interessante especial – Olimpíadas 2000, agosto de 2000, p.38). Os meios de comunicação desempenham um importante papel ao analisar as relações de gênero, já que a responsabilidade social da mídia pode destruir ou construir a consciência social e o exercício da cidadania diante de questões que, socialmente, são inerentes ao gênero feminino (Freitas, 2003). O esporte transmitido pela mídia é um grande espetáculo de massa. Jornais, rádios e a televisão, acompanham de perto tudo que acontece no mundo dos esportes, levando essas informações para um grande número de pessoas (Vargas, 1995). Canais e programas pagos (catv, pay per view), e centenas de patrocinadores disputam espaço nos eventos esportivos televisionados, transmitidos por rádio, ou nas páginas dos jornais e revistas que reportam e analisam os assuntos esportivos. 11 E são vários os estudos que demonstram os modos e jeitos de se reportar as vivências e as glórias e derrotas das mulheres – atletas nas quadras, ginásios, campos e piscinas. Para Koivula (1999), a interação entre mídia e esporte apresenta expectativas tradicionais de feminilidade e masculinidade, incluindo a perspectiva que existem esportes masculinos, como futebol e hóquei, que devem ser praticados apenas por homens; e esportes femininos, como ginástica olímpica e nado sincronizado, que devem ser praticados apenas por mulheres. Como resultado dessa representação social, mulheres que praticam esportes considerados masculinos têm que enfrentar estereótipos de gênero, combatendo a crença de que sua participação nesses esportes é menos valiosa do que a dos homens. Em recente trabalho, Jones, Murrel & Jackson (1999), afirmam que as atletas são julgadas e avaliadas baseadas nas representações tradicionais sobre gênero, tanto quando estão competindo ou não, em esportes tradicionalmente apropriados ou não apropriados para mulheres. Estes autores realizaram extensa pesquisa sobre a cobertura dada pela mídia impressa de seis jornais norte-americanos nas Olimpíadas de verão de 1996 e nas Olimpíadas de inverno de 1998. Os autores analisaram as equipes femininas medalhistas de ouro de basquetebol, ginástica olímpica, hóquei, futebol e softbol. A cobertura para as atletas de esportes tradicionalmente masculinos (basquetebol, hóquei e futebol) freqüentemente enfatizavam fatos irrelevantes ao invés de sua performance atlética; era comum a comparação entre as atletas e os homens da mesma modalidade. Isso representa claramente um dos métodos que a mídia utiliza para desvalorizar a performance dessas atletas. Na cobertura dos esportes tradicionalmente femininos (ginástica olímpica e softbol), havia uma tendência a enfatizar a performance das atletas, 12 descrevendo detalhes das apresentações das ginastas. Os resultados ainda indicaram que, na cobertura desses esportes, havia maior freqüência de comentários que traziam estereótipos tipicamente femininos, como a beleza e graça das atletas. Os autores provavelmente não analisaram as revistas semanais brasileiras, mas talvez o exemplo abaixo, retirado de uma reportagem sobre a ginástica olímpica, fosse relevante para o seu estudo: Svetlana tem 21 anos, boca carnuda, olhar de veludo, perigoso, e pernas de modelo. O corte de cabelo à la garçonne, repartido no meio, e a linguagem do corpo sugere uma sensualidade contida, pronta para irromper. Foi a única a seduzir fotógrafos do mundo inteiro (Veja, 4 outubro 2000, p.169). De um lado, o retrato de um corpo sensual, tipicamente feminino, pronto para a sedução, um corpo nascido para o sexo. E de outro, corpos de mulheres que, por não se adequarem nem estarem em conformidade com estes padrões femininos estabelecidos, são estigmatizados e colocados sob suspeita: mulheres que derrubam as normas de gênero no esporte ao desenvolverem e mostrarem um corpo atlético e musculoso são vistas como mulheres não apropriadas (Speer, 2001). Assim, os jornais costumam tratar as atletas de esportes que são tradicionalmente praticados por homens, como o rúgbi, de forma discriminatória, já que nesses esportes são necessárias força física, agressividade e dureza, que são características atribuídas exclusivamente aos homens. Então, se uma mulher possui esses atributos, que não seriam apropriados para uma mulher heterossexual, ela é considerada lésbica – com toda a carga de preconceitos e possíveis discriminações que esta opção sexual carrega consigo. 13 Para Kolnes (1995) mulheres que aparecem fortes e em boa forma física não são aceitas sem objeções, se a mulher é muito forte ela não pode ser uma mulher normal -é 'mulher macho'! Um corpo forte e musculoso está diretamente associado à imagem masculina e na descrição de uma atleta com essas características normalmente aparece essa comparação: Gail Devers, favorita nos 100 m com barreiras: treino e musculação dão ao corpo feminino uma aparência andrógina. (Super Interessante especial – Olimpíadas 2000, agosto de 2000, p. 39). 3.3 “OS MACAQUINHOS COLANTES USADOS PELO TIME BRASILEIRO DE BASQUETE TORNAM AS JOGADORAS MAIS ATRAENTES (...)” (VEJA, 4 outubro 2000, P.168). A linguagem utilizada na mídia também indica uma diferença de tratamento nos esportes praticados por homens e mulheres. Os comentários relacionados com gênero são muito mais comuns para as mulheres no esporte. Neste caso, podemos entender que o esporte praticado por homens é considerado normal e universal, e o esporte praticado por mulheres, anormal. Os comentários relacionados às mulheres utilizam termos infantis e quase sempre as atletas são chamadas pelo primeiro nome; já os homens são tratados com termos adultos e pelo sobrenome. Essa linguagem constrói e legitima a superioridade dos homens no esporte (Koivula, 1999). A pesquisa realizada por Duncan et al (1994) revelou grandes contrastes em relação à maneira com que homens e mulheres eram referidos pelos comentaristas. Era muito comum a referência às atletas como meninas, mulheres e jovens mulheres e os homens nunca eram tratados como meninos, apenas como homens ou companheiros. A utilização do primeiro nome era 14 mais comum para as mulheres (52,7%) do que para os homens (7,8%). O efeito de focalizar combinadamente mais em força do que em fraqueza, mais no sucesso do que no erro e utilizar muitas e variadas metáforas remetendo ao poder ao descrever os homens atletas tem o efeito semântico de envolver os homens atletas em uma aura de poder e força. Já nos jogos das mulheres, as metáforas e descrições de força são muito menos freqüentes, são empregadas em uma proporção muito maior atribuições verbais de fraqueza e a tendência é enfatizar os motivos por que uma atleta ou time falhou, e não o motivo pelos quais o oponente ganhou. A norte-americana derrotou ontem a compatriota Jennifer Capriati, por 4/6, 6/4 e 6/1, para vencer pela segunda vez consecutiva o torneio. Foi a sétima vitória seguida da atual número um do mundo sobre Capriati. Apesar da vitória, Serena não exibiu sua fluidez e cometeu 42 erros não-forçados no jogo de ontem (Folha de São Paulo, 30 março 2003, p.D7). Para os autores desse estudo a linguagem sugere como mulheres e homens devem ser avaliados. Incorpora valores positivos e negativos de como certos grupos são vistos pela sociedade. Convenções lingüísticas específicas são sexistas quando isoladas ou estereotipam algum aspecto da natureza de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, baseadas em seu sexo. Se nunca esteve realmente entre as grandes nas quadras, a dublê de tenista e pop star Anna Kournikova também começa a perder a majestade fora delas. Derrotada ontem no Aberto dos EUA pela Indonésia Angelique Widjaja, a russa anda cada vez mais preocupada. È que tem gente lutando pelo seu posto de musa do tênis. A começar por sua atual inimiga número 1, a eslovaca Daniela Hantuchova (Folha de São Paulo, 29 agosto 2002, D4). 15 Os comentaristas esportivos normalmente enfocam a atratividade, emotividade, feminilidade e heterossexualidade das atletas (tudo para convencer a audiência que seus estereótipos de gênero são mais salientes que suas habilidades atléticas), enquanto os homens atletas são descritos por seu poder, independência, dominação e valor. Na verdade a mídia tende a representar as atletas primeiro como mulheres (focando em seu cabelo, unha, roupa e atratividade) e depois como atletas (Knight, 2001). As descrições a seguir focalizam a aparência das atletas, sem citar ou minimizando seu desempenho atlético: Para que a boa forma das jogadoras fique mais evidente, os uniformes oficiais dos doze clubes participantes foram, digamos, modernizados “. (Veja SP, 10 outubro 2001, p.30). Hoje, após a crise da seleção com a debandada de cinco titulares, Paula Pequeno não só é uma das principais atacantes do país. Desponta também para o papel de musa, sempre misturado à imagem das atletas de vôlei (Folha de São Paulo, 22 fevereiro, 2003, p. D1). A cada vez que a silhueta esguia e bronzeada de Tatiana se colocava em marcha, o estádio aplaudia a cadência das passadas e urrava. A cada vez que o telão focava seu rosto intenso, emoldurado por uma penca de cabelos loiros, a sedução era absoluta (Veja, 4 outubro 2000, p.167). Das 1620 candidatas, foram aprovadas 360, com idade entre 16 e 23 anos. Várias delas devem atrair a atenção dos torcedores por seus atributos, como a modelo Talita Cassiano, meia do São Paulo, e a estudante de educação física Joice Hagar Vaz, volante do Palmeiras. Até dezembro receberão salários, alimentação e o direito de freqüentar de graça cabeleireiro, manicure e depilador. (Veja SP, 10 outubro 2001, p.30). 16 Para a mídia, bem como para patrocinadores e organizadores, mais interessante do que ter boas jogadoras é ter jogadoras bonitas: Os Estados Unidos já têm quatro das cinco melhores tenistas do momento. Agora, quer também ter a maior musa do esporte. A busca por alguém para rivalizar na ponta do ranking da beleza com a russa Anna Kournikova parece ter acabado. Os americanos já acharam sua candidata. Nunca antes em toda história do Aberto dos EUA uma menina de 16 anos com resultados tão modestos recebeu tanta atenção como Ashley Harkleroad. Com seus cabelos loiros, pernas bem torneadas e seu umbigo quase sempre à mostra – sugestão da patrocinadora Nike -, a menina teve na semana passada um prazer que gente muito mais famosa do circuito masculino, como o espanhol Juan Carlos Ferrero, nunca sentiu na carreira (Folha de São Paulo, 09 setembro 2001). A Federação Paulista de Futebol considerou, ao selecionar atletas para o campeonato feminino de futebol de 2001, que mais importante do que as habilidades atléticas das jogadoras, era a aparências delas: No lugar dos cabelos ralos, longos rabos-de-cavalo. Dos calções masculinos, shorts minúsculos. Da cara limpa, a maquiagem. Em seu campeonato feminino, que começará em 7 de outubro, a Federação Paulista de Futebol vê a beleza como requisito fundamental para selecionar as meninas que disputarão a competição (...) Conforme as regras do Paulista, a meia Sissi, principal jogadora da história do futebol feminino brasileiro, não teria vez no torneio. Sissi tem os cabelos raspados (Folha de São Paulo, 16 setembro 2001, p.D5). 3.4. “QUANDO TUDO PARECIA FAVORÁVEL AO SÃO PAULO, UM PERSONAGEM EM QUE NINGUÉM APOSTAVA APARECEU. ONTEM, O GOLEIRO DONI, 23, TEVE SUA NOITE DE HERÓI” (Folha de São Paulo, 23 março 2003, p.D3). 17 Ao contrário das mulheres, os homens atletas costumam ter suas habilidades como esportista, sua condição de herói, ídolo e sua capacidade de liderança citadas inúmeras vezes. Alguns exemplos ilustram essa exaltação feita em relação aos homens, que usualmente são tratados como astros ou heróis: “Com Ronaldo, o Real Madrid aumenta sua constelação de astros, rara na história do futebol” (Folha de São Paulo, 1° setembro 2002, p.D1). Kaká e Robinho, os dois maiores símbolos da talentosa nova geração do futebol brasileiro, são as grandes atrações do clássico entre Santos e São Paulo pelo Campeonato Paulista, mas, mais que isso, são as grandes esperanças do país na Olimpíada de 2004, e potencialmente, no Mundial de 2006 (Folha de São Paulo, 15 fevereiro 2003, p. D1). A habilidade dos atletas, bem como características positivas em relação ao desempenho e mesmo em relação à personalidade do jogador, também costumam ser bastante evidenciados durante as reportagens: Os “elásticos” (drible no qual o jogador insinua que conduzirá a bola por um lado, mas sai por outro), um chapéu desconcertante, as tabelas com Diego e as finalizações, das quais uma na trave, fizeram Robinho deixar o campo aplaudido de pé pelos torcedores, aos 31min do segundo tempo (Folha de São Paulo, 7 fevereiro 2003, p.D3). Yao é adepto de um basquete solidário. Ama dar assistências. (...) Dentro da quadra ágil, cerebral, sofisticado. Sabe arremessar do perímetro. Sabe passar a bola. E não tem medo do embate bruto no garrafão, apesar de preferir jogar de frente para a cesta. Fora da quadra, paciente (quase sempre) com a imprensa e simpático com os torcedores (Folha de São Paulo, 9 fevereiro 2003, p.D5). 18 Além disso, as reportagens costumam retratar o quanto os homens são capazes de superar obstáculos, desafiar seus próprios limites, tais como lesões e violência por parte dos adversários: Recuperado da mais grave lesão de sua carreira, o atacante Marcelo Negrão volta nesta Superliga a se destacar e ser decisivo. Contando com a experiência do veterano atleta, a Ulbra conquistou ontem uma vaga na final do torneio (Folha de São Paulo, 27 março 2003, p.D3). Dessa vez, os pontapés dos adversários não foram capazes de parar Kaká. Com a melhor atuação de seu astro no Campeonato Brasileiro-2002 (...) Conseguiu isso, principalmente, graças ao desempenho de Kaká, que novamente apanhou muito, mas ainda assim foi capaz de marcar um gol e dar uma assistência para outro (Folha de São Paulo, 19 agosto 2002, p. D5). Quase sempre a cobertura da mídia sobre o esporte praticado por mulheres é acompanhada por uma trivialização e sexualização, constituindo uma negação do poder esportivo dessas mulheres. Essa negação dá suporte a idéia de que o esporte praticado por mulheres é menos poderoso e valioso do que o esporte praticado por homens. Para Birrell e Theberge 5 (1994 apud Wigmore, 1996) a banalização das conquistas das mulheres no esporte é uma negação destas como atletas, e como profissionais. Velocidade, força e habilidade atlética das mulheres são pouco anotadas e os comentários são em relação a sua atratividade física e vida pessoal. Além disso, as atletas são construídas como objeto de desejo BIRREL, S.; THEBERGE, N. Ideological control of women in sport. In. D. Costa & S. Guthrie (Eds.), Women and sport, interdisciplinary perspectives. Champaign, IL: Human Knetics, 1994. 19 heterossexual, sendo que mulheres são consideradas atletas não-naturais e atletas são consideradas mulheres não-naturais. Na sua estréia, contra uma espanhola –Maria José Martinez - que também arrancou suspiros, a mais velha das irmãs Williams usou um top que, em muitos lances, deixavam seus seios parcialmente à mostra. (Folha de São Paulo, 21 janeiro 2001, p.D8). No trabalho de Kolnes (1995), algumas atletas entrevistadas achavam que a personalidade é o fator decisivo para quantidade de cobertura que uma atleta recebe, e que a aparência tem menor importância. Porém, a maioria delas sentia que faziam parte de um sistema em que, particularmente a mídia, selecionava aquelas que tanto tinham uma boa performance quanto tinham boa aparência. Portanto, para atrair atenção da mídia tanto a personalidade quanto a feminilidade aparente são importantes, esses dois fatores são mutuamente dependentes em relação à cobertura feita pela mídia das mulheres no esporte. Quem lançou a moda foi Anna Kournikova, 19 anos, a belezinha russa das quadras. No ano passado, a loira compareceu ao torneio de tênis de Roland Garros num decotado uniforme de alcinhas, usado com top e bermudinha por baixo. Neste ano, Anna, para desprazer dos titios, não passou do primeiro jogo, mas fez escola. A americana Vênus Williams, 19 anos, praticamente repetiu o modelito, só que mais cavado, mais decotado e sem top nenhum – e assim, toda exuberante, foi até as quartas de final. A colega Mary Pierce, 25, com uma roupa bem fresquinha e trança à la Kournikova, foi outra que mostrou mais que pernas e músculos na marcha até a final. Aguarda-se ansiosamente a competição feminina do ano que vem (Veja, 14 junho 2000, p.118). 20 A mídia, que em relação aos homens dá preferência aos que apresentam melhor performance atlética, favorece as mulheres que correspondem as suas preferências estéticas, dando visibilidade para estas, porém sem relação com suas qualidades técnicas como atletas. Para conseguir esse espaço as atletas tentam se encaixar de qualquer forma em padrões estéticos impostos pela sociedade, que insiste em priorizar qualidades dispensáveis ao rendimento esportivo (Knijnik, 2003). Além disso, de acordo com um consultor cujo trabalho é “vender” atletas para patrocinadores na Suécia, a atratividade da atleta é de importância primordial para ser selecionada pelos patrocinadores, e tanto homens quanto mulheres devem ter personalidade e carisma para conseguir contratos de propaganda, mas os patrocinadores enfatizam que as mulheres com quem eles fazem contratos são heterossexualmente atrativas. A tenista Anna Kournikova é o ícone do “carisma” de atleta sexualizada, que, sem possuir grande poder na raquete, é adorada pelo que provoca de desejo. No entanto, a própria exaltação de sua beleza vem acompanhada pelo menosprezo de sua condição atlética: Sem nunca ter ganho um torneio, Kournikova, 19 anos, amealhou no ano passado 10 milhões de dólares (quase tudo em publicidade) e é a atleta mais acessada da internet. Tudo graças à beleza, infinitamente superior à qualidade de seus voleios.(Veja, 05 julho 2000, p.111). Como pode ser percebido no trecho a seguir, é muito comum que seja exigido das atletas uma boa aparência para atrair mais público e publicidade para o esporte. Porém, quando as atletas agem dessa forma por conta própria 21 acabam causando polêmica e até mesmo recebendo punições por parte dos dirigentes: Fora das quadras, a Alemanha, anfitriã do torneio, está provocando a grande fofoca do Mundial e uma corrida às bancas de revistas. Oito das 12 jogadoras do time alemão posaram nuas para uma publicação local. A revista dedicou oito páginas com fotos em grupos e individuais das atletas. Quem não gostou dessa história foram os dirigentes da FIVB, que já estariam até estudando algum tipo de punição para a federação alemã. Para quem acompanha vôlei, essa onda moralista da FIVB é um tanto contraditória. Há poucos anos, a entidade incentivou e até exigiu que as seleções usassem uniformes mais justos, que realçassem o físico das atletas (Folha de São Paulo, 2 setembro 2002, p.D5). Pesquisas apontam que a cobertura de atletas mulheres raramente acontece em virtude de seu poder atlético; ou as atletas são enfocadas e prestigiadas, como mostrado anteriormente, por serem sex symbols, ou a mídia normalmente opta por focalizá-las nos papéis que a atleta desempenha, como esposa, mãe. Portanto, ao invés de ser um mecanismo de mudança, a mídia perpetua características "apropriadas" de feminilidade (Fink, 1998). As reportagens a seguir mostram que mais importante do que a performance das atletas é o fato delas serem esposas e mães, ou seja, estarem de acordo com o que a sociedade considera apropriado: (...) a cada cesta da ala Sheryl Swoopes, as câmeras de televisam focalizavam seu marido, Eric, e bebê, Jordan, no ginásio. Dava até para desconfiar, tamanho o exagero. Pois bem, na semana passada o serviço noticioso CoxNews, baseado em Atlanta, divulgou uma série de reportagens sobre a questão da sexualidade no esporte – e diz que a liga norte-americana de basquete está, sim, preocupada em 22 propagandear, ao vivo e na tv, a feminilidade “família” de suas jogadoras (Folha de São Paulo, 29 setembro 1998). Esta seria mais uma jogada do Campeonato Finlandês de hóquei da segunda divisão não fosse por alguns detalhes. Wickenheiser fazia sua estréia pela equipe. Wickenheiser é mulher. A primeira a jogar na linha em um time profissional masculino e a primeira a dar assistência para um gol (...) Hayley agora vai procurar um lugar para morar e poder levar à Finlândia o marido, Thomas, e o filho, Noah, de dois anos e meio, que ficaram no Canadá (Folha de São Paulo, 02 fevereiro 2003, p. D4). Recente pesquisa realizada por Knight (2001) confirmou que as percepções das pessoas sobre os atletas são influenciadas pelas características adequadas de gênero dos atletas e pelo tipo de cobertura dada pela mídia. Quando a atratividade da atleta era o foco principal da reportagem, ela era percebida como mais atrativa fisicamente do que quando a conquista esportiva era o foco principal. Porém o mesmo não acontecia quando as reportagens eram sobre homens atletas, o que demonstra que as pessoas são mais aptas a focalizar em características periféricas para formar opiniões sobre atletas mulheres. Os resultados também mostraram que os homens atletas também são prejudicados por uma cobertura trivializada; contudo, como os homens raramente são retratados por sua atratividade (as mulheres esportivas normalmente são), essa marginalização parece afetar apenas as mulheres esportistas. A cobertura televisiva, na maioria das vezes, dá a impressão que a performance de mulheres é menos importante e menos interessante comparada com a dos homens, sendo muito comum incluir a competição feminina como uma forma de aumentar o suspense para a masculina. Algumas coberturas de mulheres no esporte aparentavam ter menor custo de produção, incluindo qualidade técnica e menos informação (Koivula, 1999). 23 Watson6 (1993 apud Wigmore, 1996) argumenta que o esporte é apresentado de maneira discriminatória em relação às mulheres e cita um exemplo de um jogo televisionado de basquetebol masculino, que foi descrito como um espetáculo dramático e de importância histórica, enquanto o jogo das mulheres foi apresentado como menos sofisticado tecnicamente, preliminar e menos dramático. Duncan et al (1994) constataram que na transmissão dos jogos dos homens eram utilizadas técnicas altamente profissionais, com ângulos de câmeras e edições visuais sofisticadas, o que pode levar os espectadores a se sentirem privilegiados de estarem assistindo a um espetáculo dramático e de importância histórica. Já nos jogos das mulheres foi verificada uma menor qualidade de som, erros freqüentes na edição, imagens menos coloridas, menos aparições de legendas durante os jogos e pouco uso de ângulos de câmera diferentes, o que pode levar a audiência a pensar que o esporte praticado por mulheres é menos importante e de menor qualidade. A representação visual também é problemática, já que normalmente as atletas são mostradas em poses glamurosas, que ignoram suas habilidades atléticas e transformam as atletas em objeto de desejo e inveja, fornecendo uma mensagem ambígua da mulher atleta como corpo sexualizado (Hargreaves7, 1993 apud Wigmore, 1996). A representação visual das atletas normalmente enfatiza a aparência física e as mostra em poses submissas, cenas emotivas e ângulos que pegam a mulher de cima para baixo mostrando sua posição inferior (Birrell & Theberge, 1994 apud Wigmore, 1996). As fotografias nunca mostram imagens neutras, já que os fotógrafos decidem o que mostrar e os editores selecionam as imagens que lhes convém. WATSON, S. Discrimination against women as a subtext of excellence. Quest, 45. HARGREAVES, J. Bodies matter!Images of sport and female sexualization. In: C. Brackenridge (Ed.), Body matters: Leisure images and lifestyles. Brighton, UK:LSA. 24 A forma dominante de feminilidade normalmente é enfatizada nas fotos de mulheres atletas, com fotografias que dão ênfase aos quadris, glúteos ou seios da atleta. A posição do corpo pode retratar uma imagem de submissão, sinalizando um determinado tipo de feminilidade, enquanto poses de dominação dos homens ilustram a masculinidade hegemônica e superior (Sleap, 1998). 4. MUDANDO A PAUTA Para Sleap (1998), as implicações da cobertura limitada feita pela mídia de mulheres esportistas são claras: um número reduzido de modelos esportivos para meninas, não contribuindo para a formação de novas atletas; mulheres atletas parecem não serem tão importantes quanto homens atletas; e é mais difícil para as atletas encontrarem patrocinadores devido a baixa exposição na mídia. E conseqüentemente as chances de mulheres esportistas continuarão reduzidas em relação aos homens. Neste artigo, procuramos retratar o quanto o discurso da mídia ressalta a existência de dois tipos de identidade feminina, como se fossem os únicos: ou aquela ligada ao ser maternal e familiar, mesmo sendo atleta – isto é, uma concepção ainda remanescente de uma época vitoriana; ou uma concepção de corpo (e consequentemente de identidade) voltado para a sedução, para o prazer e a sexualização – enquanto o corpo masculino é heróico, bravo e corajoso, capaz de realizar proezas mesmo machucado – ou seja, este poderoso, aquele, feito para o desfrute sexual. Ora, como se sentiria uma menina de 12 anos ao ver os uniformes do tipo macaquinho, colados no corpo das atletas? Comprar o uniforme “sexy” de seus ídolos, como todo garoto e garota gostam de fazer? Praticar basquete com 25 uniformes agarradinhos, que evidenciem o seu corpo em transformação? E como se sente alguém que, mesmo tendo sido a campeã ou tido a melhor performance, vê que as mais ‘bonitinhas’ ganham muito mais espaço na mídia – e atraem consequentemente mais patrocinadores, e têm melhores salários do que ela, independentemente dos critérios esportivos? E, sobretudo, percebe que os homens não precisam suportar constantes avaliações estéticas para serem alçados às glórias esportivas, ao passo que mulheres ficarão à margem, caso não se submetam aos ditames estéticos e corporais – baseados, como já afirmado, em concepções hegemônicas de gênero que colocam o corpo da mulher como maternal ou sexualizado, e o do homem como heróico, importante e independente. Não há aqui intenção alguma tampouco um apelo para que se anulem as diferenças entre os sexos. Aliás, a regra na humanidade é a diferença e a diversidade, seja física, biológica, social e cultural. Muitas vezes, em termos esportivos, há mais diferenças entre um homem de dois metros comparado a outro de um metro e meio, do que entre um homem e uma mulher com estaturas semelhantes. As diferenças existem, devem ser respeitadas e mesmo celebradas como constituintes da riqueza e da diversidade humanas, e como fonte de engrandecimento para todos que compartilhamos este planeta terra. No entanto - e os exemplos que ilustram este texto deixam isto bem claro - as diferenças biológicas têm dado respaldo a perseguições, formação de representações sociais preconceituosas, e até mesmo a discriminações. Se as diferenças são bem vindas, as desigualdades sociais, também no campo esportivo, devem ser repudiadas. Deste modo, deixaremos de ser “diferentes E desiguais”, passando a ser “iguais MAS diferentes”, seres plenos de diferenças (grandes ou pequenas, físicas ou culturais) mas portadores de igualdade de direitos. 26 O esporte, e a mídia esportiva que faz com que este seja um fenômeno verdadeiramente de massas, poderiam ser espaços sociais de afirmação das diferenças e de reafirmação dos direitos humanos sociais e culturais, referentes às práticas corporais em todos os níveis, competitivos ou não. Urge que o discurso sexista da mídia dê lugar a uma visão mais equalitária, favorecendo a harmonização das relações sociais de gênero nesta esfera que é, sem sombra de dúvida, uma que mais repassa modelos sociais a serem seguidos mundo afora. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. BARBIERI, T. Sobre la categoría de género. Una introducción teóricometodológica. In: AZEREDO, S. & STOCKLE, V. (Org) Direitos Reprodutivos. São Paulo: FCC/DPE, 1991. p. 26 - 45. DUNCAN, M; MESSNER, M.; WILLIAMS, L. & JENSEN, K.. 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