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PROTUBERÂNCIA
O LIVRO DO BLOGUE
VOLUME II
(2010)
Joel G. Gomes
Título: Protuberância: O livro do blogue: Volume II
Autor: Joel G. Gomes
Capa: Joel G. Gomes
(C) Joel G. Gomes 2012
O REGRESSO INESPERADO
MAIS OU MENOS AINDA A PROPÓSITO DO MEU
REGRESSO
OS "MURMURINHOS" DO MOMENTO
COISAS QUE DESCOBRI HOJE E QUE PODEM OU NÃO
ESTAR RELACIONADAS
O PANDA
O GRANDE ARTIGO
O 1%
INESITA, EU PERDOO-TE
CINEMA PONTO PÊTÊ
JESUSES E O IVA
PORTUGAL NUCLEAR
COM QUATRO LETRINHAS APENAS SE ESCREVE ADN
UMA PEQUENA AJUDA AO PLANETA
DOIS INCENTIVOS PARA A EDUCAÇÃO E CULTURA NO
NOSSO PAÍS
QUEM RI POR ÚLTIMO NEM SEMPRE RI MELHOR
A PLATAFORMA CONTINENTAL E OS RECIBOS VERDES
ENSINO EM ACRÓSTICO
AUSTERIDADE PARA QUE TE QUERO
ENERGIA DESPOSITIVA
CHEGA DE REPRESENTATIVIDADE (?)
MARCHA CONTRA
O SEGREDO ESTÁ NO DELITO
ANARQUIA ORGANIZADA
MARAVILHAS DA TECNOLOGIA
UMA QUESTÃO DE TAMANHO
A ARRECADAÇÃO DA EUROPA
UMA HISTÓRIA MAL ENJORCADA
ADORO RETÓRICA POLÍTICA
CÁ EM CASA 'TÁ TUDO BEM
O FIM DA TELENOVELA
AS CENAS CORTADAS DA TELENOVELA CASO PT/TVI
TRIVIALIDADES DESCONEXAS
ESTRANHAS LIGAÇÕES
ACIMA DE TUDO, O RIGOR
OS FERIADOS E A PRODUTIVIDADE
SE FOSSE EU, FAZIA ASSIM
PROVA SUPERADA
UMA AJUDA A QUEM MAIS PRECISA
TALVEZ SEJA O FIM DO MUNDO
A VERSÃO COMPLETA E OUTROS EXEMPLOS
RETROACTIVITUR
POSTURA DE CANDIDATO
QUINZE VEZES >
ASSALTO À MARRETADA
ELE SÓ QUER O NOSSO BEM
TESTE DE INTELIGÊNCIA
RESPOSTA ANÓMICA
NINGUÉM SE DECIDE
O CHAMADO COMPORTAMENTO DE CIRCUNSTÂNCIA
O QUE VALE É QUE ESTAMOS EM BOAS MÃOS
ASSIM, ATÉ EU GOSTO DE FUTEBOL
O DESPRIMOR DA CORRUPÇÃO
OIÇA, OU SAIA OU ARRANJE-ME UM LUGAR
A TERCEIRA CATEGORIA
QUEM É FELIZ, QUEM É?
É BONITO O ALTRUÍSMO
AS RAZÕES INVOCADAS
O REAL PROPÓSITO
EXPRESSÕES QUASE REGIONAIS
CASO FREEPORT - O EPISÓDIO FINAL
QUERO SER ALUNO OUTRA VEZ
SINTO-ME QUASE MAIS SEGURO
OS PODERES DO PGR
A INVEJA E A NÃO-NOTÍCIA
O QUE É ESSENCIAL
OLHEM PRÓ QUINTAL DOS OUTROS, NÃO OLHEM PRÓ
MEU. QUER DIZEM, OLHEM
À ESPERA NA SEGURANÇA SOCIAL
OS SALDOS / O VALOR DE UM CÊNTIMO / VALOR
MATERIAL
DUAS PEQUENITAS IDEIAS QUE ATÉ PODEM AJUDAR
CENAS DE CASAMENTO
DAS MAMAS AO PROTOCOLO E AO QUE REALMENTE
IMPORTA
SUGESTÕES DE LEITURA PARA AGOSTO
FÉRIAS INTERROMPIDAS PRA QUÊ?
OS MÉDICOS NÃO GOSTAM DE MIM E EU NÃO GOSTO
DELES
A FUNÇÃO DA CRÍTICA
EXPRESSÕES E REACÇÕES
INFORMAÇÃO EM AGOSTO
VALORIZAR A CULTURA E OS SEUS RECURSOS
LONG LIVE THE GOAT!
A MANEIRA CERTA DE FAZER AS COISAS ERRADAS
SUGESTÕES DE LEITURA PARA O OUTONO
EXPRESSÕES PATERNAIS
É SEGREDO, TÁ? NÃO CONTEM A NINGUÉM
CATÓLICOS E MUÇULMANOS
ATAQUE FRONTAL POR UMA OPOSIÇÃO REALISTA E
RESPONSÁVEL
MEMÓRIAS DE INFÂNCIA #1
UMA QUESTÃO DE (DES)ENTENDIMENTO
UMA COISA É OFENDER, OUTRA É CHAMAR NOMES
QUASE UM QUARTOZINHO
UM CENÁRIO MENOS QUE PERFEITO
ESTRANHO PONTO DE ENCONTRO
NÃO É BEM UMA SOLUÇÃO, E DAÍ NÃO SEI...
TRABALHAR ATÉ MAIS(,) NÃO
QUEM SE LIXA É...
DIA DA SURPRESA NACIONAL
PIJAMA NOVO E ROUPA LIMPA
RELIGIÃO #1
PAPINHA DA BOA
QUANDO O TICO E O TECO SE ZANGAM
QUERO MAIS DESEMPREGO
NÃO Á TRANSITO OJE
DIA MUNDIAL DO QUE FOR
A EVOLUÇÃO NEGATIVA
É PRECISO DAR USO ÀS COISAS
À ESPERA DE
QUASE TRANSPARENTE
CAMARATE! AGAIN?
DISSE E DESDISSE
O CAVALO ESTÁ LÁ FORA
DAS REDES SOCIAIS #1
FLEXIBILIDADE POLÍTICA
APROVEITANÇO E MÂNDRIA
FOME DE NATAL
A MODA DOS DOCUMENTOS SECRETOS
DIÁLOGO COMENTADO
PONTAPÉ NO GORDINHO
RELIGIÃO #2
EM NOME DA TRANSPARÊNCIA
NACIONALIDADE DE RESERVA
UMA NOVA AD
A FAVOR DA MINORIA DO PATRONATO
O ETERNO VICE
E O GRANDE SEGREDO É
NA LINHA DA FRENTE DA MOSCAMBILHA
CAVACO VIA FACEBOOK
NÃO TRACE ISTO, POR FAVOR
ESTÁ-SE BEM À SOMBRA (OU AO SOLINHO)
Há muito tempo que não postava nada aqui. Tanto assim
era que estava quase a atingir a situação em que os
comentários promovendo vários produtos (penis
enlargement, os melhores seguros, como ver pornografia
sem pagar, os melhores comprimidos para tudo e mais
alguma coisa) ameaçavam ser mais numerosos do que os
próprios artigos.
Deparado com este problema, e era um problema, eu
pensei para comigo, "Já vai sendo tempo de escreveres
qualquer coisa." Convém dizer que, além do seu número
ameaçador, a malta que me enviava esses comentários
[todos removidos; tivessem visto quando eles lá estavam
que ainda foi bastante tempo] dava-se ao trabalho de pôr
pontuação e acentuar (os portugueses pelo menos) aquilo.
Se até a malta do SPAM consegue ser rigorosa e assídua,
era mesmo obrigatório que eu também o fosse.
A oportunidade, ou o chamamento, surgiu há poucos
dias quando li no jornal que o Ricky Martin anunciou a
sua homossexualidade. Calha bem porque eu precisava de
um motivo suficientemente forte para me fazer levantar o
rabo da cadeira e começar a trabalhar num artigo.
(Na verdade, para escrever isto, fui obrigado a sentar o
rabo na cadeira, mas vocês percebem o que eu digo. Haja
alguém que perceba!)
Vamos lá ao Ricky. (Salvo seja!)
9
O Ricky saiu do armário. Huuu! Totalmente
inesperado! Isso não é notícia nem na Cochichina
(apareceu-me o sublinhado debaixo da palavra
Cochichina, mas não me apetece ver agora como é que se
escreve) nem em qualquer outro sítio.
Também não é notícia para aqui. O que é que me deu?
Com tanta coisa boa que há a acontecer no país, no
mundo, eu fui pegar numa notícia sem qualquer
relevância e destaquei-a, levando vocês a, por momentos,
não pensarem em outros assuntos mais importantes e
urgentes.
A Ministra da Cultura (Maria Canivetes ou Cacilhas ou
lá como chamam à senhora) vai em breve apresentar as
propostas portuguesas (ou já apresentou) para combater
a violação dos direitos de autor e aqui estou a fazer o
papel do Governo a atirar fumo para os vossos olhos.
Um pequeno aparte em relação às propostas
portuguesas: se forem todas tão boas como aquele
filmezito que temos de gramar sempre que
COMPRAMOS UM DVD ORIGINAL, os autores bem se
podem preparar para continuar a ser violados.
Para terminar deixo-vos uma pequena lista de livros
que vos manterão entretidos até ao meu próximo
regresso:
1. OS MELHORES SPOTS PARA SNIPPERS EM FÁTIMA
2. PROFESSOR MARCELO CRITICA LIVROS: OS MELHORES MOMENTOS
3. COMO ELABORAR UM ORÇAMENTO DE ESTADO PARA
TOTÓS
4. O FREDERICO FOI À SEGURANÇA SOCIAL
5. AS MINHAS VIZINHAS NÃO SÃO NADA CUSCAS
10
6. COMO SE APROVEITAR DE CATÁSTROFES NATURAIS
7. PDM: CONVÉM REVER DEPOIS DE ACONTECER ALGUMA COISA TIPO DERROCADAS OU ASSIM
8. AUMENTE O SEU BASTÃO EM 10 DIAS!
Por agora chega. Volto para a semana ou antes disso.
11
Durante o dia de ontem, após ter publicado a mensagem
anterior, dei por mim a pensar: 'Porque razão é que
alguém iria perder tempo a visitar isto e, mais, a ler o que
eu aqui escrevi?'
A pergunta não é retórica, não é irrelevante, é concreta.
Se fosse para escrever apenas por escrever, apenas para
meu contentamento, bastar-me-ia abrir um documento
de texto ou usar um caderno e guardar tudo bem
guardadinho. Todavia, não é disso que se trata. Se me
dou ao trabalho de estar a escrever aqui, se me
disponibilizo a partilhar com vocês as palavras com vocês,
é porque intento ter o vosso feedback.
Para isso, voltando ao pergunta de partida, porque
razão é que vocês viriam aqui? A fidelização não se
compra (quer dizer, se eu vos pagasse, vocês até vinham
aqui e se vos pagasse bem, vocês até liam, mas isso não
vai acontecer), porém, ela pode ser obtida e mantida.
Para isso é preciso, antes de eu honrar os
compromissos perante os leitores, honrar os
compromissos perante mim mesmo e tratar isto de forma
séria. Escrever pontualmente, regularmente, e não
apenas quando me apetece ou quando há assunto
pertinente a tratar.
12
Nos últimos meses, no último ano, melhor dizendo, a
minha vida passou por grandes mudanças. Algumas
menos boas (não chegaram a ser más), outras muito boas.
As minhas prioridades mudaram, a minha percepção do
mundo mudou e talvez seja por isso que regressei aqui.
Por esta altura, alguns estarão a pensar 'É agora que
vem a parte do «Quando descobri Jesus...»' Calma! Eu
não descobri Jesus (durante a minha infância acreditava
que ele estava enterrado na minha cave), nem Alá, nem
Shiva, nem nada. Na passada sexta-feira passei nos
Restauradores, naquele centro comercial que tem uma
igreja maná (ou lá o que é), mas foi para ir à loja de
revistas que fica à entrada. [Boa loja de revistas!
Recomendo a quem não conhece.]
Continuo a ser o mesmo Joel que diz alarvidades sem
pensar, o mesmo que se comporta de forma bizarra em
público para envergonhar quem está à sua volta. Eu não
mudei e o mundo à minha volta também não. O que
mudou foi a forma como olho para algumas coisas.
Não se enganem. Ainda sou capaz de escrever o tipo de
piada que vos faz rir inesperadamente e salpicar o ecrã
com a vossa saliva.
Fiquem descansados que isso não acontecerá hoje.
13
Perante a polémica recente em torno dos casos de
pedofilia que fervilham na praça pública - alguns recentes,
outros rebuscados no passado, mas sempre em
quantidade generosa - certa figura da Igreja Católica (as
minhas desculpas por não conseguir citar a fonte exacta)
considerou isto como "o murmurinho do momento".
Quando se começou a falar do Caso Freepor(t), da
licenciatura
em
Engenharia
na
Universidade
Independente, do Caso Face Oculta, etc., qual foi o termo
que o Primeiro-Ministro utilizou para se referir a estes
casos?
Cabala.
Ora, eu comprei um dicionário de 18 volumes, não
para encher a estante, mas para o consultar sempre que
necessário. E assim sendo:
cabala (...) 3 (1525) exegese, interpretação ou
método interpretativo das escrituras bíblicas
(Antigo Testamento), ger. com base em
alegorias e outras operações e recursos
simbólicos, envolvendo esp. anagramas,
transposições de letras, etc., atribuição de
valores numéricos às letras do alfabeto
hebraico e de significado aos números, e que é
característico da cabala (acp. 1) judaica 6 1989)
fig. elucubração ou cálculo feito em segredo,
14
esp. negócio ou combinação secreta, entre
indivíduos ou grupos que têm um objectivo
comum; intriga, conluio, maquinação 6.1
acção combinada, ou outra manobra ou
arranjo pelo qual, nos círculos editoriais ou
teatrais, se consegue determinar o sucesso ou
fracasso imerecido de alguma obra ou de
algum artista(...)
Não transcrevi todas as definições existentes do termo,
escolhi apenas aquelas que se relacionam com o assunto
em questão. E, embora cabala não seja, propriamente,
um sinónimo de murmurinho, anda lá perto. Quer isto
dizer que, na opinião do tal senhor, quando alguém
chama a atenção para um caso de pedofilia cometido por
uma figura da Igreja, não está a atentar contra a
instituição, e sim contra a sua figura máxima.
"Este é um ataque à minha pessoa!"
Quem foi que disse isso? Antigamente era fácil de dizer,
agora já não se percebe.
Houve também quem afirmasse, e depois pedisse
desculpa por isso, que a polémica em torno da pedofilia é
a mesma coisa que os movimentos anti-semitas que
houve em tempos. E eu concordo com isso. Concordo
com o pedido de desculpa porque, de facto, não são. Na
verdade, não há rigorosamente nada que ligue estas duas
situações.
Uma é algo cometido por um nicho de renegados que
envergonha a Igreja e os seus representantes; uma
mancha na instituição que a Igreja procura limpar, não
15
pela via do esquecimento e do suborno, mas da redenção.
A outra é algo a que alguns membros da Igreja se
dedicam e até parece mal mas, enfim, quando não há
nada para fazer, é o que se tem.
O difícil é saber qual é qual.
Um assunto ao qual irei voltar com mais detalhe.
16
António Mexia, presidente executivo da EDP,
recebeu em 2009 cerca de 3,1 milhões de euros
 Uma (semi) autobiografia póstuma do comediante
George Carlin foi posta à venda
 Vai haver uma segunda temporada da série 'White
Collar' (a passar na Fox sob o título 'Apanha-me Se
Puderes')
 Vai haver uma quarta temporada da série 'Burn
Notice' (a passar na Fox sob o título 'Espião Fora de Jogo)
 Estas duas séries poderão ter o chamado crossover
(não confundir com crossdreassing)
 O lógotipo da EDP aparenta ter um sorriso meio
trocista
 É fácil ser guionista, mas é difícil viver disso. E não
é só cá em Portugal
Hoje não tive tempo para ler jornais ou ver televisão;
nem sequer ouvi rádio. Foi um dia longo. Amanhã volto
mais fresco. E mais impertinente.

17
Este não era o primeiro (nem tão pouco o segundo ou
terceiro) assunto que eu queria abordar hoje. Porém,
após ser obrigado a ver o vídeo cada vez que lia uma
mensagem, teve de ser.
Esta mensagem é dedicada a quem usa o Hotmail (e
aos que não usam também):
Enquanto vê este panda a espirrar...
Internet Explorer 8 bloqueou 1.000
ataques à sua privacidade em todo o
Mundo.
E depois? Três pontos pelos quais, isso não me
interessa para nada.
1. Se a alternativa a não ter mil ataques à minha
privacidade em todo o Mundo é gramar este vídeo ad
18
infinitum, por favor, invadam a minha privacidade.
2. Não será em todo o Mundo, mas sim de todo o
Mundo. Para ser em todo Mundo, eu teria de estar em
todo o Mundo e não estou. Estou apenas aqui.
3. E mais importante: eu uso o Firefox!
Mais artigos ainda hoje.
19
Este vai ser o primeiro grande artigo após o meu regresso
a este blog. De modo a que vos possa transmitir a
informação mais fidedigna, muni-me de várias notícias,
publicadas esta semana na imprensa portuguesa.
Os artigos foram devidamente baralhados e irei agora
seleccionar o primeiro.
Cá vai...
Estudo científico conclui que vinho tinto é bom
para a erecção
Volto já.
20
Aqui há dias cometi um erro.
Eu sei que esta informação acabou de deixar muita
gente em estado de choque. Muitos, provavelmente, para
não dizer certamente, jamais consideraram que eu fosse
capaz disso. Não de cometer um erro, já que isso eu faço
com abundante frequência (e gosto), mas de o assumir.
O que se passou? Portanto, eu li uma notícia, tirei as
minhas "conclusões" e publiquei uma mensagem no meu
Facebook que dizia o seguinte:
O Bono comprou 1% disto por 67 milhões
de euros. No Ano Internacional de
combate à pobreza, é bom saber que ainda
há pessoas que não gastam dinheiro em
merdinhas.
A ideia era, sempre que alguém clicasse num link no
Facebook, escutasse um sample duma música dos U2. De
preferência sempre a mesma (porque toda a gente sabe
que não cansa ouvir dezenas ou centenas de vezes a
mesma coisa; quando os pais nos davam sermões... ui!
adorávamos aquilo!).
Considerei um caso sério de hipocrisia, alguém que
tanto dizia "Os países ricos têm de ajudar os
pobrezinhos." (tipo Luciana Abreu, mas sem sotaque). E
depois gasta 67 milhões de euros em 1% duma rede social?
21
Aquele 1% é o quê? Os contactos dele? As fotos da
namorada? Se dividirmos o ecrã em 100 quadradinhos há
um deles que é do Bono?
Já se sabe que, nisto dos dinheiros, nós cá ganhamos
sempre mal (tirando o António, claro) e que lá fora as
coisas são sempre caras. Se calhar na Irlanda, 67 milhões
de euros é o que se gasta por semana em cerveja e whisky.
Por causa disto, eu falei mal do Bono. Só que, e foi aqui
que eu detectei pela primeira vez que poderia estar a ser
injusto para com o mocito, o cheque que ele passou não
foi de 67 milhões, mas sim de 67 milhões e um euro.
"Para os senhores do Facebook ajudarem os pobres."
Eu percebi que tinha cometido um erro quando
descobri que 0,000001% do Facebook contém 30% do
VDR (Valor Diário de Referência para Adultos). A cada
100 pixéis correspondem 372kcal em valor energético,
8,8 g de proteínas, 3,7 g de fibras alimentares e 60 g de
hidratos de carbono. Isto tudo a dividir por não sei
quantos milhões de pessoas, era um petisco.
É mentira. Não aconteceu nada disto. Ele gastou 67
milhões de euros em 1% duma rede social. Não me
perguntem porquê. Eu quando era pequeno e me davam
dinheiro, diziam sempre "Não o gastes mal gasto." O meu
azar era na altura não haver redes sociais. O máximo que
se podia fazer era termos um grupo que conversava por
correspondência e eu comprar um por cento de cada selo.
O que seria estúpido.
22
O assunto das viagens da deputada socialista Inês de
Medeiros já decorria há algum tempo, mas só há poucos
dias é que foi resolvido. As vozes da discórdia insurgiramse logo contra a decisão de ser o Parlamento a assumir o
pagamento das deslocações entre Paris e Lisboa feitas
pela deputada.
E sem razão.
Jaime Gama, na sua elevada sapiência, que este é um
assunto que está fora das preocupações do País. "Numa
escala de zero a cem das preocupações do país, esse
assunto deve vir em 300", disse o próprio, quando
confrontado com o caso.
Mais de 6000 (seis mil) euros por mês para a menina
andar a passear sempre em primeira classe é, de facto,
um assunto que não preocupa a maioria dos portugueses.
A maioria dos portugueses está preocupada com outras
coisas. Tais como, trabalho e comida.
Mas eu entendo a Inês. Eu já fui como ela. Não no
sentido de ter sido gaja ou assim, mas vivi uma situação
quase parecida.
Aqui há uns anos andei a estudar em Tomar e era a
Instituição (Estado) que pagava as minhas deslocações e
o meu alojamento. Habituado que estava viajar no InterRegional, também eu sonhava em ser deputado (por
qualquer Partido) e viajar por esse mundo em primeira
23
classe.
Lembro-me dos meus primeiros tempos como
trabalhador. A ganhar pouco e a ter de pagar do meu
bolso para viajar, não em primeira, mas no primeiro
barco para Lisboa. Ahh! Que saudades! Acordar cedo,
viajar ao lado de pessoas suadas sem dinheiro para
sabonete. Tudo isto numa altura em que era permitido
fumar em espaços públicos.
A Inês se calhar passou por isto. Acredito que todos os
deputados que agora ganham BEM e, além do que
ganham ainda têm "despesas de representação",
passaram por isto. Só pode.
A propósito, o que é isso de "despesas de
representação"? Já ouvi chamarem artistas às pessoas
que trabalham na Assembleia. Será que não ficaria mais
em conta contratarmos uma companhia de teatro
profissional? Podiam ir às terrinhas fazer plenários e
dizerem coisas como "manso é a tua tia, pá!" Desde que,
obviamente, nenhum dos artistas morasse em Paris.
24
São poucos os filmes portugueses que me conseguem
levar ao cinema. A falta de originalidade, a previsibilidade,
a teatralidade, etc. são alguns dos ponto mais apontados.
Os últimos três que vi no cinema fugiram um pouco a este
espectro. Embora não fossem perfeitos, não foram
enfadonhos. Os diálogos não eram maus, o ritmo não era
estanque. Não eram totalmente originais; em certos
aspectos, eram algo previsíveis mas, se formos por aí, há
muito filme americano com essas mesmas características
e não é por isso que os deixamos de ver.
O problema, na minha opinião, é o cunho
excessivamente artístico que alguns realizadores tentam
dar às suas obras. Não tenho nada contra isso. Antes pelo
contrário. Como escritor e guionista, defendo que a
primeira pessoa a quem se deve agradar é ao próprio.
Contudo, quando a produção do filme parte do bolso dos
contribuintes, como acontece na maioria dos casos, creio
que a postura deve ser diferente.
Durante anos assistiu-se a um desbaratar de dinheiro a
fundo perdido para fazer filmes que eram muito bonitos,
muito giros. Lá fora. Nos Festivais Internacionais, em que
a coisa funciona muito à base de amizade, fartavam-se de
ganhar prémios. Cá havia salas às moscas.
As alterações ao financiamento de cinema em Portugal
feitas em 2007 tentaram acabar com esse cenário,
introduzindo entidades privadas no grupo de investidores.
25
Como é hábito nosso, o Estado Português foi o primeiro a
faltar ao compromisso.
Esta intromissão de investidores privados suscitou
reacções de medo e indignação por parte de quem estava
habituado a não ter de justificar o dinheiro que recebia.
Temia-se que a filmografia portuguesa resvalasse da
utopia artística para as histórias de tiros e maminhas. Em
vários casos, o temor foi justificado.
Em Portugal há bons profissionais. Há bons guionistas
com histórias para contar. Não estamos fechados ao
mundo, assim como o mundo não está fechado a nós.
Ser-se artístico ou ser-se comercial é uma visão
maniqueísta que ainda prevalece. Citando um amigo meu,
"O cinema é um negócio em que por vezes se produzem
obras de arte." Não podia estar mais certo.
26
De todos os aspectos, da chamada "identidade nacional",
comuns a todos os portugueses, o meu preferido é o
sentido de prioridade.
O Benfica ganhou o campeonato e os adeptos
benfiquistas tiveram como prioridade a celebração do
título. O Papa Bento XVI visitou o nosso país e os
funcionários públicos que receberam dispensa tiveram
como prioridade aproveitar o dia para ir passear.
Parece que houve também alguns católicos (alguns
deles, por coincidência, também eram funcionários
públicos) que assistiram às missas dadas pelo senhor.
Desta multidão é preciso descontar ainda aqueles que
foram contratados por uma empresa de trabalho
temporário para fazer número.
Eu não estive presente em nenhuma destas celebrações.
Não acredito em fenómenos de massas (tirando a
Milanesa) e a religião parece-me cada vez mais datada.
Cada vez mais "uuuuh vem ai o papão!". Agora, a ideia
dos fiéis temporários parece-me algo de louvar. Gostava
de ter sido informado acerca disso mais cedo. Talvez me
tivesse inscrito. Imagino o tipo de entrevista a que os
candidatos se tiveram de submeter.
"Boa tarde a todos! Ena que tantos! Obrigado por
terem vindo. Antes de começar, vamos fazer aqui uma
pequena triagem.
"Quem acha que o verdadeiro Jesus é o Jorge, pode
27
sair. Quem tem sapatos italianos de marca, pode ir. Só o
chefe é que os pode usar. Aqueles que vão ficar contentes
quando o Presidente da República promulgar o
casamento entre pessoas do mesmo sexo daqui a uma
semana, façam favor. Falta-me alguém? Parece que não.
Muito bem. Já só cá está quem interessa.
"Desculpe, disse alguma coisa? Sim, nós prometemos a
salvação eterna a todos. Mas só aos que aceitarmos.
"Continuando, vocês estão aqui para promover a
salvação eterna. Sim? Quanto tempo é que durar o
contrato? Com o Salvador será pela Eternidade, connosco
é até o Papa se ir embora."
Foi durante este período de distracção das massas que
o Governo decidiu passar o IVA de 20% para 22%. Depois
houve alguém que mudou de canal e reparou no que se
estava a passar e eles voltaram atrás. Já não ia aumentar
para 22%, ia só aumentar para 21%. Neste momento não
sei qual é o valor do IVA. Antigamente tentava adivinhar
o preço do barril de petróleo; agora dou por mim a tentar
adivinhar o valor do IVA.
De imediato surgiram os habituais protestos. Temendo
uma revolta popular, o Governo anunciou que os bens
essenciais (a água, o pão e a Coca-Cola(?!)) não iriam
aumentar o preço. No mesmo dia, mas a uma hora a que
ninguém estava a ver, especificou melhor o anúncio
anterior.
"O preço do pão não vai aumentar, mas o seu tamanho
vai reduzir um quinto. A água vai continuar ao mesmo
preço, mas vai passar a circular apenas entre as 9 e as 12
da parte da manhã e entre as 19 e as 22 da parte da noite.
28
De segunda a sexta. As garrafas de água manterão o seu
preço, mas terão os seus tamanhos reduzidos 10 cl.
Quanto à Coca-Cola, vai ficar como está. Não queremos
impor aos portugueses medidas demasiado austeras."
Fico contente por isso. Moderadamente austero, sim.
Demasiado, não. (Parece que austeridade é a nova
palavra desculpa do dia. Antigamente era "conjuntura".
Aguentou-se bem, mas... um dia chegou a sua hora. Agora
é a vez da austeridade. Desejo-lhe boa sorte.)
Ficaria ainda mais contente se depois do Futebol e de
Fátima viesse agora o Fado. Alguém, por favor, peça
àquela senhora que trabalha com a Júlio Pinheiro para
contactar a Amália, o Alfredo Marceneiro e demais
fadistas quinados e convencê-los a fazer um concerto no
Pavilhão Atlântico.
Dava jeito à manutenção da austeridade que os três Fs
voltassem em força. Não conseguindo um concerto com a
Amália, façam com o Carlos do Carmo, com o Camané,
com quem quiserem. O Benfica não pode ganhar o
campeonato todos os dias? Paciência. Tragam o Papa cá
mais vezes. Aluguem-no. Façam o que tiverem de fazer.
Se o Papa não puder ou não quiser, falem com o Chefe
Silva. Eu acho-os parecidos. É preciso é manter o Povo
distraído.
Uma última mensagem, para o senhor Josef Ratzinger:
"Zézito, da próxima vez que visitares um país em que
as pessoas não andam exactamente a viver
desafogadamente, não uses sapatos italianos dos mais
caros do mundo, não uses roupas de seda debruadas a
ouro, não uses uma cruz de ouro maior que a do 50 Cent,
29
nem um ceptro de ouro. Não tragas nada disso. Vem
casual. Como se fosses sair à noite.
"Acima de tudo, não apareças com toda essa pompa
para dizer que os católicos têm de abraçar o voto de
pobreza. Para muitos, esse abraço não se faz por crença e
sim por inevitabilidade. Qualquer um consegue ser pobre.
Ter sapatos Prada e ceptros de ouro é que já não é para
todos. O que tu estás a fazer é pirraça e isso é muito feio.
Continua assim e vais ver onde vais parar. 'Tás aqui de
novo não tarda."
30
No dia 26 de Abril de 1986, um reactor da central nuclear
de Chernobyl explodiu, libertando uma enorme nuvem
radioactiva por toda a Europa. Para quem não sabe, isto
não é bem a mesma coisa que uma nuvem de cinzas. É
pior.
A Europa ficou toda aflita com uma nuvem de cinzas
que não deixava os aviões voarem por causa da falta de
visibilidade. No caso da nuvem radioactiva, esse
problema não se colocava. A visibilidade era total e, em
certos casos, as mutações causadas pela radiação até
fizeram surgir mais um ou dois olhos em algumas pessoas.
Em Portugal temos um histórico longo de derrapagens
orçamentais e acidentes de trabalho. Seja por falta de
supervisão, ou por aquilo que eu chamo o princípio de
"um-pouco-de-corda-e-fita-cola-e-tá-bom",
somos
prolíficos nessas matérias. Só para vocês verem, só entrei
no Estação de Metro do Terreiro do Paço algumas
semanas depois de ela estar em funcionamento. Depois
da derrocada que houve durante a fase de construção,
quis ter a certeza que era seguro utilizar aquele espaço
antes de aventurar lá dentro.
Os dois parágrafos anteriores, aparentemente sem
relação, servem para contextualizar o tema deste artigo: a
energia nuclear. Melhor dizendo, a instalação de uma
central nuclear em Portugal. Trata-se dum tema
recorrente, invocado à vez, ora pelo PS, ora pelo PSD. É
31
quase sempre o que está na Oposição. Ou o que está no
Governo. É um deles. Um deles quer, o outro não.
Basicamente é isto. Agora quero eu, agora queres tu.
Desta vez, a ideia partiu do líder do PSD, José Sócra-,
perdão, Pedro Passos Coelho. O Pedrito dos Laranjas
disse, num almoço promovido pelo Forum para a
Competitividade, que se devia lançar um "debate sério"
acerca da opção pela energia nuclear em Portugal, de
forma a reduzir "a dívida e a dependência energética
nacional".
São vários os pontos de análise destas declarações que
convêm, passe a redundância, analisar.
Primeiro que tudo, o timing. Porque é que,
praticamente, todos os políticos escolhem almoços ou
jantares para anunciar medidas capazes de melhorar o
estado do País? Quando não é o próprio que está com os
copos, são os convivas. Mesmo que alguém oiça a
proposta, ninguém liga. Principalmente se estiver a
acontecer um show de strip.
"Precisamos de aumentar a receita pública."
"Topa-me só a prateleira daquela! Aquilo é que não
precisa de aumento! Eh eh!"
De seguida vem a expressão "debate sério". Debate
sério parece solene, parece eminente, e seria, noutro local,
dito por outra pessoa. Num almoço promovido pelo
Forum para a Competitividade, "debate sério" soa-me
àquilo que se diz após uma longa competição de shots - lá
está a competitividade - quando os valores da amizade
são expressos por língua entaramelada.
"Vocês são uns porreiros! Vocês TODOS são uns
32
porreiros! Aguiar! Aguiar! Anda cá! TU és um por-"
"Anda lá, Pedro. Vamos."
"Vamos nada! Eu 'tou bem! Eu 'tou bem! Ó Frasquilho!
Vai ali e traz-me um frasquilho de pimenta. Eh! Eh! Eh
pá! Deslarga-me!"
"Pronto, pronto! Já larguei."
"Agora a sério... É preciso fazermos um debate sério
sobre a energia nuclear. CABUM! Mas primeiro tenho de
ir mudar a água às azeitonas."
Eu já fui a vários jantares onde fiz várias propostas
capazes de melhorar o País. Sabia que eram todas boas e
exequíveis só que, no dia seguinte, não me lembrava de
nada.
No fim de contas, um jantar ou um almoço são como
uma legislatura (ou como uma oposição): come-se e
bebe-se à grande e quem paga é quem vem a seguir.
Infelizmente, quem vem a seguir é sempre o mesmo.
Redução da dívida e da despesa energética? Pois sim.
Tenho medo da energia nuclear em Portugal. A sério
que tenho. Dizem-me que hoje em dia é uma energia
limpa, segura. O que aconteceu em tempos não tornará a
acontecer tão facilmente. Sim, tudo isso é verdade. Só que
é lá fora, onde eles já fazem isso bem. Cá dentro, não é
bem assim. Nós temos o talento de remendar furos em
camiões cisterna com chapa de alumínio e fita adesiva.
Se todas as pessoas do mundo trabalhassem numa
central nuclear, os portugueses seriam o Homer Simpson.
E os alemães seriam o Burns. É uma visão que não
gostaria nada de ver concretizada.
33
Parece que nasceu finalmente a primeira forma de vida
artificial. E como toda a forma de vida artificial que se
preza, não se sabe ainda se é menino ou menina. O pai,
Craig Venter, chama-lhe bactéria, mas diz que é só até a
baptizar. Há quinze anos que Craig e a sua equipa
andavam a tentar criar a sua própria bactéria. Não
queriam ir a um Orfanato de Germes e adoptar uma
bactéria ou um micróbio, nem mesmo um bacilo.
Queriam a sua bactéria. Quinze anos e quarenta milhões
de dólares depois nasceu a menina dos seus olhos. Ou
menino.
Craig disse ao mundo, “Esta é a primeira célula
sintética jamais fabricada e dizemos que é sintética
porque a célula é totalmente derivada de um cromossoma
sintético.” Foram muitas as pessoas que não conseguiam
disfarçar a emoção causada pelo momento.
Em 2007, Craig provou que se podia transplantar o
genoma de bactérias duma espécie para bactérias de
outra espécie semelhante e fazer com que a segunda
mudasse de espécie, trocando de identidade com a
primeira. Em 2010, José Sócrates e Pedro Passos Coelho
aprenderam a dançar o tango. Um ano depois
conseguiram sintetizar na sua totalidade o genoma de
34
uma bactéria. Para criar um ser vivo bastava fazer um
mix. (Vou abreviar um pouco esta parte do processo.
Podem estar menores a ler e não quero impressioná-los
com descrições de cópula a nível microscópico.) ... e no
fim o passarinho vai à flor e quarenta milhões de euros
depois nasce uma linda bactéria.
Antes disso era preciso construir moléculas do
tamanho do ADN e não havia tecnologia para isso. O
ADN em questão tinha muitas pecinhas, muuuuitas!, e
eles não conseguiam arranjar nada assim. Felizmente,
graças a uma empresa especializada, lá arranjaram os
pedacitos que queriam – mais uns quantos no caso de
alguns se estragarem - e depois foram brincar. “Foi como
ter uma caixa de peças de Lego e ter de as montar.” disse
Venter.
Os problemas surgiram quando tentaram introduzir o
genoma sintético nas células da bactéria. Quando a
bactéria e o genoma foram para o quarto da primeira vez,
não aconteceu nada. Era um genoma impotente. Foi uma
desilusão para todos aqueles cientistas. Sem acesso a
canais codificados, aquilo era o mais próximo de sexo que
eles estariam.
A bactéria e o genoma continuaram a tentar até que
houve alguém que descobriu que o problema era uma
letra do código mal colocada. Quinze anos e quarenta
milhões quase a ir para o badagaio por causa duma
letrinha. Fico contente por estarmos a lidar com pessoas
atentas e responsáveis.
Não se sabe ainda para que servirá esta nova forma de
vida. O pai só quer que ela cresça forte e saudável, mas
35
não-nociva para a humanidade. Não me surpreende,
porém, que esta revolução na ciência tenha ficado para
depois dos chouriços sobre a Selecção. Quando vierem cá
extraterrestres, ou algum ser divino, talvez recebam
honras de rodapé. Talvez.
36
Por ser um apreciador de cinema, faço por estar atento
aos avanços da tecnologia que vão surgindo para tornar a
experiência de ver um filme algo cada vez mais especial.
Ainda não era vivo quando inventaram o cinema sonoro
ou o cinema a cores, mas já estava cá quando apareceram
os formatos de alta definição e, mais recentemente, o
cinema 3D.
Antes de Avatar estrear nas salas já a expectativa em
relação a este filme era grande. Para outras pessoas, o seu
período de incerteza e de espera angustiante iniciou há
poucos dias quando foi anunciado que a indústria de
cinema para adultos – um nome mais meiguinho para
cinema porno – vai também começar a produzir filmes
em 3D.
Esta nova invenção foi apresentada na mais recente
edição do Festival de Cinema de Cannes pelo produtor
Marc Dorcel. Durante dois minutos os espectadores
daquele Festival de Cinema, dos mais reputados do
mundo da sétima arte, puderam apreciar um pequeno
espectáculo de striptease a três dimensões. Dois minutos
não parecem muito. Só que, aos dois minutos de
striptease, têm de se lhe juntar os outros quinze ou vinte
que vêm a seguir.
É urgente que se faça um estudo cuidado sobre os
perigos da exposição prolongada ao 3D. Eu lembro-me
37
quando apareceram os primeiros canais de regabofe
codificados. A quantidade de pessoas que foram parar ao
hospital com um deslocamento de retina foi abismal.
Com o número de hospitais no nosso país a diminuir de
dia para dia, teme-se que não hajam meios para auxiliar a
tanta gente. Vai ser uma pandemia e desta vez não vai
haver vacina que a cure.
Algumas pessoas cresceram com a ideia de que certas
actividades de lazer podem provocar cegueira. Eu cresci
com a ideia que muito dessa actividade faz músculo.
Ninguém sabe o que a exposição prolongada à terceira
dimensão pode causar. Eu fiz maratonas a ver a Quinta
Dimensão, ainda com o Rod Serling, e não me aconteceu
nada. Só que a Quinta Dimensão era a duas dimensões, a
preto e branco e sem imagem aos saltinhos.
Sabe-se que aqueles óculos que uma pessoa tem de
usar para ver um filme a três dimensões, reduzem muito
as poucas chances que alguns homens têm de conseguir
qualquer coisa com uma mulher. No caso do Avatar,
mesmo que o filme fosse a duas dimensões, não me
surpreenderia encontrar a sala cheia de pessoas com
óculos. No caso dum filme porno, também não me
surpreenderia encontrar essas mesmas pessoas na sala.
Agora vai ser a vez do 3D e quer me parecer que vai ser
pior. Ainda por cima dizem que, num futuro próximo, o
espectador poderá escolher o local e a actriz para uma
cena ao seu gosto.
Fala-se muito da escassez de recursos e do excesso de
população no planeta. Ao nosso planeta já só restam mais
meia dúzia de milhões de anos (dois anos e picos para
38
alguns). Se nada melhor surgir entretanto, a pornografia
a três dimensões tem o potencial de reduzir a taxa de
natalidade mundial. Vai estar tudo ocupado a
experimentar o brinquedo e ninguém vai ter tempo para
o produto a sério.
39
Gosto de estar actualizado acerca dos assuntos que
marcam o nosso Portugal. Como tal, sentia vergonha de
admitir a minha ignorância em relação a certa matéria. O
tópico era matéria de conversa em todo o lado e suscitava
as mais variadas reacções. Alguns demonstravam
desconfiança, outros acreditavam com convicção no que
as imagens exibiam. A notícia chegou aos meus ouvidos,
assim que ocorreu, mas só ontem, graças a um amigo que
me fez chegar as imagens via email, é que eu pude avaliar
a matéria propriamente dita.
Desculpe? Se me refiro ao roubo dos gravadores dos
jornalistas da Revista Sábado pelo deputado Ricardo
Rodrigues?
Claro que não. Seria completamente despropositado,
face a matérias de maior importância para o país, eu
perder tempo a falar desse assunto, apenas porque algo
como a liberdade de expressão foi violado. Nada disso. A
razão deste meu artigo tem apenas a ver com algo que
interessa mais ao português comum: a stora Bruna.
Sim senhor! Até eu tinha tido boa nota a Educação
Musical com uma professora daquelas! Infelizmente, as
duas professoras que tive não eram assim. A primeira
queria ensinar sempre a mesma música – aquela que
40
ninguém gostava – e a outra tinha por hábito esconder a
letra L sempre que faúava.
A professora decidiu expor-se e não vejo nada de mal
nisso. A Playboy não é uma simples revista de gajas. Tem
seios e rabos em abundância sim, mas, não é um nu
vulgar. É claro que para os homens (e mulheres) que não
são esquisitos, serve perfeitamente. Contudo, se formos a
ver bem, a nossa Playboy não é uma Playboy qualquer.
Aliás, a nossa Playboy é a única no mundo que teve um
gajo na capa. Apesar de ser uma figura cujo trabalho eu
até aprecio, esperava reacções mais acesas por parte dos
portugueses quando, em vez de uma menina de seios
jeitosos e rabinho ao léu, apareceu um gajo na capa. Não
se percebe.
Voltando à minha professora de Educação Musical, a
tal que escondia os Ls, não posso deixar de fazer uma
comparação entre Ricardo Rodrigues e Bruna Real. O
primeiro escondeu algo, a segunda expôs algo. São
formas diferentes de estar na vida. Como não tenho por
hábito esperar grandes exemplos, a nível de postura e
integridade, por parte da classe política, não vou tecer
mais comentários sobre o caso dos gravadores. (A não ser
que me peçam por favor.)
Considero a atitude da professora mais responsável. O
Governo tenta melhorar as estatísticas do Ensino em
Portugal reduzindo o grau de exigência aos alunos. Se
mais professoras seguirem o exemplo da professora
Bruna, creio que iremos assistir a um verdadeiro
despertar de mentes.
Ao que consta, a professora já não é professora, é
41
funcionária no Arquivo Municipal de Mirandela. Pode já
não melhorar as notas dos seus alunos mas, para
compensar, o número de visitas ao Arquivo Municipal de
Mirandela vai aumentar em larga escala.
42
No século XVIII, Lavoisier disse que “Na Natureza, nada
se ganha, nada se perde, tudo se transforma.” Com esta
frase definiu a lei da conservação da matéria. Quase 300
anos depois, os donos duma revista semanal acharam um
novo aproveitamento para essa frase. E continua a ter a
ver com a conservação da matéria. Quase.
O já famoso caso do furto dos gravadores tornou-se
numa fonte de inspiração para um passatempo lançado
pela Revista Sábado. Imitando as duas Comissões no
Parlamento a quem o caso foi atribuído, os proprietários
da revista decidiram, também eles, gozar com o assunto.
Parecia mal, enquanto toda a gente gozava com o assunto,
serem eles os únicos a tratá-lo de forma séria.
O furto de dois gravadores pelo deputado socialista
Ricardo Rodrigues deu azo a uma providência cautelar
colocada pelo próprio Ricardo Rodrigues. O que é um
pouco como alguém ir à Polícia queixar-se de que não lhe
aceitaram as notas falsas num Banco.
Os motivos invocados pelo deputado de que estava a
ser vítima de “violência psicológica insuportável” por
parte dos dois jornalistas chegaram para convencer os
responsáveis do PS de que ele não fez nada de mal.
Francisco Assis agiu como o pai que é chamado à escola
por causa do mau comportamento do filho e não crê em
nada do que os professores dizem. Para ele, o seu menino
43
é o mais bonito de todos e não há nada que possam dizer
que o convença do contrário.
A Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais,
a quem o Conselho Deontológico do Sindicato dos
Jornalistas entregou o caso, descartou-se do assunto e
passou a batata quente para o pessoal da Comissão de
Ética. Aparentemente, se for um cidadão comum a
apropriar-se de propriedade alheia, trata-se dum caso de
polícia. Se for um deputado envolvido em várias
moscambilhas, trata-se dum acto irreflectido justificado
por uma “violência psicológica insuportável”. Nesse caso,
não é roubo, é apenas falta de educação.
A Comissão de Ética, por sua vez, devolveu a pasta
para a Comissão de Assuntos Constitucionais. Perante
tudo isto, os responsáveis da Revista Sábado tomaram a
única atitude possível nestas circunstâncias: lançar um
passatempo cujo prémio são cem gravadores Olympus.
Afinal, em que é que ficamos?
Senhores da Sábado, que raio de jornalistas são esses
que vêem uma cópia mal feita do Paulie dos Sopranos
levantar-se, fanar os gravadores, e ficam impávidos?
Vocês ficaram chateados ou não com o roubo dos
gravadores? É que se ficaram expliquem que raio de
estúpido plano de vingança vem a ser este?
“Ai gamaram-nos dois gravadores? Então agora, só pra
verem como elas são, vamos oferecer cem!”
Porque é que isto me faz pensar em birras? Talvez
porque é disso que se trata. Parecem os miúdos a quem
tiram um brinquedo e depois não querem brincar com
mais nenhum. Esta postura infantil por parte de
44
representantes da nação e da sociedade deixam-me
inquieto. Se tivermos de tomá-los como padrão de
referência daqui em diante, não sei o que vai ser de nós.
45
Cá está! Andamos nós a falar mal deste Governo e do
outro antes (que só por acaso era o mesmo) e do outro
antes desse (que não era o mesmo mas, se formos a ver
bem, não se nota assim tanto a diferença) e cá está uma
informação que diz muito daquilo que o Governo anda a
fazer por nós. Qualquer outro Estado preocupar-se-ia em
resolver os problemas do país. Este preocupa-se em
arranjar mais país.
Mas que levanta algumas dúvidas. Para que querem
um terreno maior se não conseguem dar conta das ervas
daninhas neste quintalinho? Há também aquela questão,
um pouco pertinente, desse prolongamento de terreno
estar situado debaixo de água. Notem: eu não estou
contra a medida; apenas tento percebê-la. Agradeço o
gesto e espero que a proposta seja aceite. Sempre é mais
um bocadinho que podemos nadar.
É verdade que um prolongamento no sentido oposto,
em direcção a Espanha, traria mais benefícios mas isso
seria um erro. Não apenas um erro, seria também uma
violação de algumas leis internacionais às quais Portugal
aderiu. Deve ter aderido. Provavelmente. (Espero não
estar a colocar o meu país numa situação complicada ao
dizer isto.) Além disso, não temos necessidade de
46
incorrer nessa medida, uma vez que os recursos naturais
a que Portugal terá acesso vão ser imensos. Nuno
Lourenço, coordenador do Gabinete de Investigação,
Desenvolvimento e Inovação, disse que lá em baixo
“existe aquilo a que se chama os 'oásis de vida', em zonas
hiper-báricas, onde os seres vivos se adaptaram a
condições extremas de vida.”
E é aqui que eu começo a pensar no que de facto se
pretende. Se calhar não querem mais país para ficarmos
todos mais à larga. (Embora em certos espaços públicos
essa medida fosse muito apreciada.) O que eles devem
querer é enfiar um bom magote numa dessas zonas hiperbáricas para reduzir o número de portugueses cujos
problemas eles têm de fingir que tentam resolver.
Se for essa a sua intenção, proponho que sejam os
trabalhadores a recibos verdes. Já que não são um
problema aos olhos do Estado não há razão para
continuarem a ocupar espaço em território nacional. E
atenção que eu incluo-me nesse grupo. Eu sei do que
estou a falar. Querem mais país para menos pessoas.
Tudo bem. Eu vou para um desses 'oásis da vida'. Tenho
quase a certeza de que, assim que desenvolver guelras, as
minhas condições de vida vão melhorar substancialmente.
47
Eu não sou do tempo da palmatória – escapei a essa
época. E, embora o meu tempo de escola primária tenha
coincidido com a era da reguada, essas reguadas foram
tão raras que não me causaram mossa. A minha
professora dos meus quatro primeiros anos de ensino
escolar nunca me chamou de burro, de inútil, estúpido ou
badalhoco. Nunca me insultou gratuitamente.
Bastantes vezes chamou-me de “palhacito”; algo
inteiramente justificado já que não passava um dia em
que não fizesse uma palhaçada qualquer. Na altura ainda
não sabia o que queria ser quando fosse grande. Talvez
fosse uma forma de dizer que quando eu chegasse à idade
adulta teria como ocupação fazer rir os outros. Não havia,
nem há, qualquer problema em chamar “palhaço” a uma
criança que queira mesmo ser palhaço quando chegar a
altura de escolher uma profissão. Quanto a chamar burro,
inútil, estúpido e badalhoco, isso já acredito que possa
trazer alguns problemas de desenvolvimento cognitivo
para a criança.
Uma professora como a minha era um emblema de
disciplina. A sua autoridade provinha da sua postura, das
suas acções e não das suas reacções. Nós não nos
portávamos mal por causa de eventuais castigos, e sim
porque não havia razão para tal. Ela sabia dar a volta e
pôr-nos a trabalhar. Quando alguém fazia asneira era
punido, sem que essa punição fosse algo degradante.
48
Quando alguém não sabia certa parte da matéria, a sua
ignorância não servia de motivo de chacota para todos os
outros. Ninguém era humilhado por não saber tudo
porque ninguém ali sabia tudo.
Muitas vezes portei-me mal, e de vez em quando levei
um puxão de orelhas. Uma vez ou outra levei uma
reguada. As minhas orelhas continuam boas e com as
minhas mãos escrevo este texto e muitos outros antes e
depois deste. Que me lembre nunca houve razão para
chamar à escola nenhum encarregado de educação à
escola porque a professora lhe batia e chamava nomes.
Estávamos no fim daquele tempo em que os professores
tinham mais autoridade do que os alunos, embora a
minha professora não tivesse qualquer razão para temer
isso.
A autoridade docente não desapareceu por completo
desde então; embora os tempos tenham mudado um
pouco. Porventura os métodos que a minha professora
usava na época, se aplicados nos dias de hoje poderiam
parecer um pouco antiquados. De modo algum quero
iniciar aqui uma discussão sobre esse tema. Mesmo nas
suas premissas mais básicas seria demasiado complexo
para ser discutido em tão pouco espaço.
Recordo da minha mãe dizer que, no seu tempo, os
professores tinham toda a autoridade; no meu tempo
tinham alguma autoridade, nos dias de hoje não têm
autoridade
nenhuma.
Assim
transparece
pela
comunicação social.
Registamos com frequência notícias de alunos que
desrespeitam professores, de pais que batem em
49
professores. Não ouvi ainda notícias de auxiliares da
acção educativa (as “continas” no meu tempo) a baterem
em professores. Pelo menos não no exercício das suas
funções. Talvez alguns dos pais que agrediram
professores sejam auxiliares da acção educativa noutra
escola.
O caso não tem um culpado óbvio. Infelizmente, aqui a
culpa é como um peido dado em sessão solene. Todos
olham para todos, mas ninguém admite nada. A culpa é
dos pais, é das crianças, dos professores, da sociedade? A
todos a sua quota, é o que eu defendo.
Tenho de regressar novamente ao passado. A minha
professora castigou-me, mas nunca me humilhou;
chamou-me nomes, mas nunca me insultou; puniu-me
fisicamente, mas nunca me marcou. As marcas da régua
foram sempre passageiras, no dia seguinte já não havia
nada. A memória física daquele evento era como a
ferroada duma abelha. Sabemos que dói, por isso não
tornamos a ir lá – mas não sentimos medo só de pensar
nisso.
Eu acredito que os quatro primeiros anos de ensino
são os mais cruciais. É através das bases adquiridas nesta
fase que o resto do percurso escolar será determinado. Se
rebaixadas a menos de nada, se humilhadas e castigadas
de forma gratuita, as crianças não terão razão para
aprender.
Inevitavelmente, algumas poderão ser burras, inúteis,
idiotas, estúpidas e badalhocas quando forem grandes,
não por culpa ou decisão sua, apenas porque não tiveram
o devido exemplo de quem deviam.
50
As que não tiverem certo tipo de professoras, poderão
aprender a desenvolver uma mente atenta e criativa e
serem vozes críticas da sua sociedade. E isto não é apenas
uma questão de sorte, é uma questão de assumir
responsabilidades e de não esconder a verdade.
Só assim, artigos como este não terão razão para serem
escritos.
51
Perante
a
actual
conjuntura
dos
mercados
internacionais e a presente crise financeira que a todos
afecta, é chegado o momento de todos unirmos esforços
para fazer face a estas circunstâncias.
Podia ter escrito isto há um ano atrás, ou há dez anos;
ou daqui a quinze. Enquadrar-se-ia sempre. O mercado
nunca está bom. A crise vai e vem numa semana. "O
mundo mudou em três semanas." Não foi o que o
Primeiro disse? Não, não foi "três semanas", foi "quinze
dias", não, foi "uma semana". Nota: o mundo muito
numa hora, desde que não se seja um peixe num aquário.
Adiante. As medidas de austeridade vão fazer-se notar
no IVA e no IRS. Tudo isto já a partir de... Interessa
assim tanto? O IVA aumenta um por cento, o café passa
para sessenta cêntimos. Não é preciso grandes contas.
Quando passámos do escudo para o euro, o que era
cinquenta escudos, passou para cinquenta cêntimos. Vá
lá que o euro só vale o dobro do escudo. Na altura éramos
maus a matemática. Agora já não. A nossa média a
matemática agora é de dez. Se não se lembrarem de
voltar a dar notas a sério, podemos viver felizes na
ignorância.
As restantes medidas notar-se-ão no fim do décimo
terceiro mês, no cancelamento do alargamento do
52
subsídio de desemprego por mais seis meses e o nãoreforço da linha de crédito de apoio para criação de
emprego por parte dos desempregados. Um dado curioso:
estas medidas, exceptuando o décimo terceiro mês, vão
poupar aos cofres do Estado 151 milhões de Euros. Os
jogadores da Selecção ganham oitocentos euros por dia.
Dinheiro esse que vem da Federação Portuguesa de
Futebol; que, por sua vez, recebe-o do Estado. Não todo,
apenas a maior parte. Só estou a pensar alto.
Nem a Assembleia da República escapa a isto. Os
deputados deixam de transportar bagagem e passam a
viajar COM a bagagem; em vez de receberem um prémio
chorudo sempre que não se baldarem um mês seguido,
recebem um email com um powerpoint fofinho que tem
de ser reenviado a todos os deputados senão perdem o
mandato. É peta minha, claro. Mas Jaime Gama
anunciou que o Orçamento para 2010 da instituição a que
preside baixou bastante comparativamente a 2009. O que
não é nada mau.
Para garantir que não aconteçam muitas derrapagens,
apelou à coerência dos políticos e... Agora perdi-me. Ele
quer que os políticos – essa classe habituada a gastar à lá
gardére (curso de francês técnico na UNI) – poupem e
diz-lhes para serem coerentes? Sem desprimor para a
classe, é o mesmo que dizerem a um ladrão para não
tornar a roubar e, logo de seguida, piscarem-lhe o olho. O
que Jaime Gama fez foi uma piscadela de olho verbal.
Tenho medo de que estas medidas possam resultar.
Toda a minha vida profissional foi passada em tempos de
crise e conjuntura complexa; não creio que nos
53
habituássemos se entrássemos agora na fase da fartazana.
Creio que se o país entrasse em inegável desenvolvimento
económico e financeiro (aquele que se verifica no dia a
dia) seria o fim da nossa sociedade. Onde é que iríamos
parar? Talvez a um outro universo onde está tudo bem e,
de repente, tudo muda. Em três semanas. Não! Quinze
dias. Perdão, uma semana.
54
Há pouco ouvi o urro de um animal ferido de morte
pedindo por ser abatido. Peguei na minha caçadeira,
pronto a dar o golpe de misericórdia, quando reparei que
não era um animal, e sim uma besta com uma vuvuzela.
O combustível pode vender pouco, mas os senhores da
gasolina não estão preocupados com isso, já que os
portugueses são capazes das coisas mais imbecis para
apoiar a selecção. Uns chamam orgulho nacional, eu
prefiro chinfrineira. É giro, mas não tão giro como seria
se todos os tocadores de vuvuzelas apanhassem lepra na
boca.
Senhores da Galp, eu sei que vocês gostam do vosso dinheirito mas, não dava para arranjarem outra coisa que
não fizesse tanto barulho? Eu não gosto de futebol; quero
estar em casa descansadinho, a ver um filme, ou a ler, não
a escutar urros o dia todo. À vossa conta acabei de balear
um vizinho meu e tenho a GNR a bater-me à porta neste
momento.
Eu vi o vosso anúncio e percebi que a ideia das
vuvuzelas é apoiar a Selecção Portuguesa de Futubol. E
percebe-se como. O Mundial vai ser na África do Sul e, se
todos apitarmos as vuvuzelas ao mesmo tempo, talvez o
som chegue até lá. É um som que deixa qualquer um bem
disposto. Não há nada melhor. A não ser gangrena.
Li que os jogadores seleccionados para o Mundial ganham 800 euros por dia. Como ainda não vi esta
55
informação desmentida, vou tomá-la como válida. Por
isso, vamos a contas. Temos, salvo erro, 23 jogadores
seleccionados. Ao dia são 18400 euros. A não ser para
aquelas pessoas que aderiram à campanha da Toshiba, há
muita gente que vai começar a torcer para que a
campanha de Portugal em África acabe o quanto antes.
(Raça do bófia que não pára! Já vai!)
Esse pilim vem da Federação Portuguesa de Futebol
que, segundo os seus Estatutos, recebe-o das quotas
pagas por cada profissional ligado ao futebol e também
de subsídios estatais. Não sei o valor das quotas nem o
número de associados, mas duvido que gerem receita na
ordem dos dezanove mil euros por dia. Não é o mesmo
que comer sopa seis dias por semana para no Domingo ir
comer fora. O dinheiro a sério deve vir do Estado, digo eu.
As medidas de austeridade, nomeadamente as
alterações ao IRS e ao subsídio de desemprego vão gerar
uma poupança/receita de 485 milhões de euros. Pode não
ter nada a ver, mas chega para uma campanha inteira.
Lanço esta teoria disparatada porque somos
governados por pessoas. Pessoas como eu, pessoas como
o leitor, mais ricas, com mais poder mas, ainda assim,
pessoas. Nós, humanos, somos imbecis. Fazemos
campeonatos para ver quem consegue puxar um camião
com os dentes, construímos estádios para moscas,
gastamos dinheiro que não temos em coisas que não
precisamos.
Porém, não somos todos iguais. Ao contrário do senhor
que eu baleei há pouco, eu não investi em vuvuzelas e
também não acho que Portugal seja capaz de chegar às
56
Meia-Finais. Se achasse, talvez estivesse a escrever este
texto num portátil novinho em folha em vez de
(Então? Mas isto entra-se assim na casa das
57
Um dos temas mais falados no momento tem a ver com o
número de deputados no Parlamento. Numa altura em
que se fala de contenção de despesas, é animador ver os
líderes da Nação preocupados em dar o exemplo.
O PSD, considera a redução do número de deputados
com "espírito de abertura". O objectivo do maior partido
de apoio ao Governo é "alcançar uma relação de maior
proximidade entre eleitos e eleitores" por via duma
alteração dos círculos eleitorais, "tornando-os mais
pequenos". Embora não perceba nada, deve ser giro, mas
será bastante para convencer os restantes partidos?
O CDS-PP, é contra a redução do número de
deputados porque não passa duma ideia demagógica que
pode prejudir a representatividade e a qualidade da
democracia. "Há mais administradores de empresas
públicas do que deputados" disse João Almeida, e
"ganham mais do que os deputados". Segundo o
Orçamento da Assembleia da República, a verba
destinada ao vencimento dos deputados é de 12 milhões e
349 mil Euros – a dividir por 230 deputados dá meia
dúzia de tostões. Menino João, não sabe que é feito ter
inveja?
O PCP também é contra, uma vez que isso pode levar a
uma maior representação do PS e do PSD, além de
diminuir a pluralidade. "A única redução de deputados
58
que beneficiará o país" seria uma redução dos que "têm
apoiado a política de direita", disse Bernardino Machado.
Por outras palavras, a ideia não é má, mas só se for para
os outros.
Algures no espectro político, o PS também se diz
contra a ideia. "Não é sério num momento de crise estar a
fazer uma discussão dessa natureza.", disse Francisco
Assis. Nem mais. Os meninos ganham uma pipa de massa,
têm tudo pago e a gente tem de andar a contar os tostões
todos? É mesmo má vontade nossa.
"Há uma diferença entre a rua e o Parlamento". É
verdade. Nisso tenho de lhe dar razão. Na rua as pessoas
são muito mais bem-educadas. Além de roubarem menos.
"No dia em que desaparecer a diferença entre o
Parlamento e a rua, o Parlamento deixa de ser necessário.
E no dia em que o Parlamento deixar de ser necessário a
democracia está em perigo", disse. Ui que medo! É o
fantasma do Salazar que vem aí! Uuuu!
Francisco Louçã, o líder do Bloco de Esquerda diz que
o PS quer reduzir o número de deputados no Parlamento
para se “ver livre da opinião dos portugueses”. Não é bem
isso Francisco. Eles só querem reduzir o número de
deputados que são contra as medidas do PS.
Que são quais? Ora bem, o PSD está a favor do PS no
que toca às medidas de austeridade, por isso não devem
ser esses. O PCP, o CDS e o Bloco estão a favor em ser
contra a redução do número de deputados. Também não
devem ser. Quem é que sobra? O PPM?
Eu acho simpático ver todos de mão dada, mas se
calhar está na hora de apertarem também o cinto, não?
59
Vão a pé para o trabalho, comem uma saladinha de alface
e tomate ao almoço, não metem dinheiro ao bolso.
Basicamente, é fazerem aquilo que pedem às pessoas
para fazer. Senão, quando saírem à rua, vão ver o que vos
espera.
60
A 31 de Maio do corrente ano a Associação Nacional das
Transportadoras Portuguesas (ANTP) iniciou uma
marcha lenta. Pedia-se aos motoristas que circulassem a
40 km/h, dez quilómetros por hora abaixo da velocidade
mínima legal. Assim que soube disto, fiquei numa pilha
de nervos. Todos os dias torcia para que as
reinvindicações fossem atendidas. Um protesto destes
iria provocar imensos transtornos na estrada; sem falar
das encomendas que chegariam atrasadas.
No dia 2 de Junho a contestação terminou e eu percebi
que me preocupei à toa. Em todas as reportagens que vi
na televisão, todos os motoristas entrevistados estavam a
leste. (Mesmo aqueles que estavam a norte e sul. Piada
parva, eu sei.) A marcha lenta, tão apregoada pelos
senhores da ANTP, não teve nenhuma adesão por aí além;
o trânsito não sofreu grandes impedimentos e as
encomendas chegaram aos seus destinos em tempo útil.
Em suma, um fracasso. E porquê?
Antes de mais, por que estavam a reinvindicar?
Descida do preço do gasóleo, redução no preço das
portagens e a alteração ao Código de Trabalho que proíbe
mais de 40 horas semanais, além de estipular 11 horas de
descanso após 8 horas de condução. Numa viagem que
demore 15 horas, o motorista poderá fazer tudo de
seguida, e regressar mais depressa a casa. Tudo isto
equivale a mais lucro para a empresa; lucro esse que é
61
repartido de forma justa por todos os trabalhadores.
Agora que sabemos o quê, é lógico que o quem só pode
ser os motoristas. Quem mais, senão quem anda na
estrada, gostaria de trabalhar ainda mais horas seguidas,
sem compensação financeira que valide o esforço? Como?
Não são os motoristas? Então quem...? Os patrões? A
sério? Hum...Deixa ver. Bem, faz algum sentido.
O patrão quer ganhar mais dinheiro (e não é para
distribuir de forma justa por todos; isso era tanga minha),
por isso, quer gastar menos em combustível e quer que os
seus motoristas não tenham limite de horas de condução,
elevando o número de entregas, assim como o risco de
acidentes causados por fadiga.
Não percebo. Por norma, quando se reinvindica é o
reinvidicador que vai para a rua reinvindicar. Aqui, pelos
vistos, não.
(Diálogo entre patrões e sindicalistas)
- Digam lá aos motoristas para protestarem a favor
destas medidas que vão obrigá-los a trabalhar mais.
- Porque é que não dizem vocês?
- A gente tem vergonha. E eles gostam mais de vocês.
Eles que andem devagar para as encomendas chegarem
tarde, as pessoas reclamarem, mas nós não ficarmos mal
vistos. 'Tá bem?
- 'Tá bem, 'tá.
Deve ter sido isto. E teria sido assim se os mandriões
dos motoristas tivessem protestado contra os seus
direitos. É muita má vontade, é o que é. Para dia 7 de
Junho está marcada uma paralisação total. Espero que
até lá mudem um pouco esse feitio. Não fica nada bem.
62
Somos bombardeados diariamente com notícias de
assaltantes que são libertados, vítimas que pagam
indemnizações, por aí fora. A insatisfação popular face à
justiça portuguesa cresce sem parar. Por isso, foi com um
certo regozijo que li que o Tribunal da Relação do Porto,
decidiu agravar as penas do processo 'Douro Negro',
relativo a um processo de falsificação de Vinho do Porto,
e condenar os quinze arguidos por associação criminosa.
Para essa gente que dizia não termos noção das coisas,
eis a prova em como... estavam certas. Violações, roubos,
fraude, lenocínio, etc., isso ainda vá. Agora, falsificarem
Vinho, ainda por cima do Porto, isso é que não! Isso é que
não!
Em 2007, em Peso da Régua, o Tribunal da Primeira
Instância condenara o mentor do processo, Pedro Marta,
a seis anos de prisão (cinco pelo processo, mais um por
um ter um nome esquisito) pela concepção dum esquema
que passava pela produção e comercialização de Vinho do
Porto. Apesar dos deslizes, há que reconhecer o
empreendedorismo do senhor Marta. (Soa mal não soa?
É tipo Senhora Pedro. Não combina.) O Tribunal da
Relação do Porto duplicou-lhe a pena.
Não estou contra as condenações – como apreciador
de Vinho do Porto, até estou a favor – apenas gostaria
que acontecessem mais vezes. Leio com frequência, e sei,
63
de casos de assalto, em que são recolhidos vestígios, onde,
inclusive, há registo vídeo do crime, e que resultam em
nada além de apresentação periódica ou termo de
identidade e residência. (Como o nome indica, a primeira
penalização só se cumpre uma vez. A pessoa apresenta-se
e pronto, vai à sua vida. Ninguém se reapresenta. A não
ser que passe algum tempo e se esqueçam uma da outra.
Já me aconteceu. A segunda é mais puxada, pois obriga o
meliante a memorizar uma morada (não a sua), além de
não estipular o número de vezes que tem de ir lá.) O
segredo é o flagrante delito. Se a polícia não vê, o juiz não
pode condenar. No caso dum assalto, que é um crime
rápido, a não ser que a polícia calhe a passar, é provável
que não chegue a tempo de apanhar os criminosos em flagrante delito. No caso do Vinho do Porto, a coisa muda de
figura.
O Vinho do Porto, não se faz às três pancadas. Muito
menos o fajuto. A malta tem de fazer a coisa nas calmas
para não dar barraca. Por isso, sendo um processo longo,
as hipóteses de flagrante delito são mais elevadas. Uma
vez que os responsáveis pelo engodo foram presos,
assumo o risco de dizer que isso aconteceu. Senão, como
é que foram presos, condenados e recondenados? (Eu sei
que não existe recondenados.) Se não existiu flagrante
delito como é que estes dois Tribunais, estes dois Juízes
(ou Colectivo de Juízes, não sei), se desenrascaram?
Desejo saber, não por mera curiosidade, mas para apelar
junto de vós, pessoas da justiça que condenam
criminosos, que partilhem o vosso conhecimento com
outros Tribunais. Talvez alguns sigam o exemplo.
64
(Se foi por acaso, ou por engano, não digam. Deixemme ficar na ignorância, pode ser?)
65
Há dias soube duma notícia sobre grupos anarquistas que
apelavam na Internet para fazer um protesto organizado
contra a Polícia. Fiquei sem saber como reagir. Por um
lado, acho que é de louvar os anarquistas saberem utilizar
a Internet; mas os fins...
Cada vez mais assiste-se ao declínio de valores que em
tempo foram apanágio da nossa Nação. Eu já nem falo
dos políticos, ou da justiça ou da economia. Isso está tão
mau que mais vale nem pensar. Mas os anarquistas! Os
anarquistas eram o meu último reduto de confiança
numa classe que não traía os seus valores. Que protestem
contra os polícias tudo bem, mas que se organizem para
fazer isso é que não.
Um anarquista organizado é como ter alguém que
sofre de Alzheimer como testemunha dum crime. Não
funciona. Se combinarmos um jantar com anarquistas,
não há um que chegue a horas (isto considerando apenas
os que forem ao sítio certo). Aquilo é malta que é contra o
sistema, contra as regras impostas e, atenção,
organizadas. Entende-se que protestem contra a
autoridade. Mas façam-no com decência. Combinem
todos para as nove da noite e apareçam uns às oito,
outros à meia-noite, outros dali a uma semana. Assim,
ainda se papava. Mas não.
A concentração estava marcada para o dia 2 de Junho,
pelas dez da manhã, em frente ao Campus de Justiça, em
66
Lisboa. É triste. Querem ouvir algo ainda mais triste? Os
manifestantes compareceram à hora marcada.
Voltemos atrás para perceber melhor o que se passou.
O motivo do protesto – essa é outra, não só se organizam,
como fundamentam os seus queixumes – tinha que ver
com incidentes decorridos na madrugada de Domingo,
dia 30 de Maio, no Bairro Alto, entre cinco jovens e dois
polícias. Ao que parece os cinco jovens estavam a causar
distúrbios e alguém fez uma queixa anónima. Os polícias
chegaram lá e foram recebidos à pedrada. Até aqui nada
de anormal. Chegaram os reforços e os cinco
delinquentes foram detidos e levados para a esquadra, de
onde saíram em liberdade. Também aqui, nada a
estranhar.
O que é de lamentar é que a queixa anónima era parte
do estratagema para atrair a polícia lá. É um total
descrédito numa classe para a qual podíamos olhar e
saber com o que é que contávamos.
Supostamente os cinco deviam ter tido uma audiência
com um juiz, logo no dia seguinte, só que o juiz não podia
ou não quis ou tinha bué de cenas pra fazer e passou para
o dia seguinte. Creio que foi este motivou os protestos por
parte dos anarquistas.
Esta falta de organização é uma forma descarada de
copianço. Provavelmente, o que eles quiseram fazer foi
mostrar aos polícias e pessoal do tribunal que, “Sim
senhor, vocês podem fazer tudo à balda, mas nós
sabemos organizar-nos, se quisermos”. E assim foi. No
dia da audiência os anarcas estavam lá a manifestar-se a
favor de cinco jovens que se auto-intitulam anarcas.
67
Ainda por cima não temos como provar o que eles dizem.
É uma tremenda falta de organização. O que me leva a
crer que nem tudo está perdido no reino da anarquia.
68
O engenho do ser humano em aproveitar tudo o que
produz para outros fins além daqueles para que esses
produtos são concebidos leva, por vezes, a situações, no
mínimo, bizarras. Os Rs de Reciclar e Reutilizar podem
ser levados demasiado a sério por certas pessoas.
Demasiado a sério mesmo.
Já não é notícia o uso de óleos vegetais ou de açúcar
como fonte de combustível, mas eis que surge a grande
novidade – pronto, não é tão grande como eu estou a
tentar fazer crer, admito – que é a utilização de legumes
para produzir combustível.
Que o petróleo está caro já ser sabia há muito tempo.
Não é de se estranhar muito esta obsessão em encontrar
formas alternativas de fazer o carro deslocar-se. (Estou à
espera duma empresa que lance com um sistema de
propulsão pedestre, tipo Flintstones.) O estranho vem
depois, quando começam a tentar fazer render o peixe;
neste caso, o legume.
Como é sabido, as potencialidades do petróleo não se
limitam somente ao combustível. Incluem também o
plástico e outras coisas (fiquemos pelo plástico agora que
é o que interessa para o caso). Utilizar açúcar e óleos
vegetais, para outros fins além da produção de
combustível não é impossível mas, tem o seu quê de
complicado. Daí que, quando ouvi os responsáveis por
69
esta ideia dizerem que, se as experiências em usar
legumes como combustível corressem bem, iriam
também tentar fazer plástico a partir dos legumes, a
minha reacção foi bater palmas efusivamente.
Se o uso de legumes como combustível já me fazia
imaginar cenários bizarros, com as flutuações do valor da
taxação e o do indexante e tal,
“Ó dona Hortense, a quanto é as ervilhas?
“2,17 o quilo.”
“Ai! Tão caro!”
“É o indexante do legume. Está muito em alta.”
surge agora toda uma nova dinâmica. É possível que,
daqui a não muitos anos, alguém pare numa estação de
serviço para encher o depósito do veículo com
combustível produzido a partir de feijões e pague a
despesa com um cartão produzido a partir dum tremoço.
Sou só eu que me estou a preocupar com isto?
Provavelmente.
Nas histórias de ficção científica era frequente os
personagens tomarem um comprimido, comprimido esse
que correspondia a uma refeição completa. Ainda não me
decidi se sou contra ou a favor de tomar uma refeição
nesse formato – se estiver com muita pressa, talvez – mas
faz-me espécie estar a tomar uma sopa de legumes
sintética, embalada em plástico feito de legumes
verdadeiros.
A grande pergunta, a que apenas o tempo responderá,
é: os defensores dos legumes biológicos vão ser contra ou
a favor do uso de transgénicos como fonte combustível?
70
Há um certo mito urbano que defende que os homens
possuidores de grandes carrões usam isso para disfarçar
as suas parcas dimensões em termos de genitália. Eu não
tenho carro, não tenho carta de condução sequer, por isso
sou a pessoa indicada para contestar a veracidade deste
mito. Com isto não pretendo dizer que sou a única capaz
de fazer isto, porém, sou a única disponível no momento
para fazê-lo de forma incontestável. (O que,
evidentemente, não significa que não possa ser
contestado por alguém com uma teoria melhor
fundamentada do que aquela que de seguida vos
apresentarei. Apenas peço que não o façam. Se for para
elogiar, tudo bem. Se não, contenham-se.)
A minha teoria de que este mito é falso verifica-se a
partir do momento em que a sua autenticidade é
comprovável. Parece contraditório. Não é. Conforme eu
tentarei explicar.
Um homem que sofra de défice estrutural na sua
anatomia não tem interesse em divulgar esse infortúnio
ao mundo. Sendo o carrão um emblema de algo a menos,
manda a lógica que nenhum homem escolherá um carrão
de livre vontade. Por outras palavras, se as pessoas mais
abastadas tivessem de usar um chapéu verde e as menos
abastadas um chapéu encarnado, é certo que todos os
homens usariam um chapéu verde.
71
É preciso também não esquecer o outro lado da
questão, isto é, o inverso da teoria. Se todo o homem com
um carrão está a tentar compensar algo, isso significa que,
quanto mais pequeno for o carro, melhor servido o
homem estará. Ora, isto também não se verifica. Se se
verificasse, então todos os homens teriam carritos.
A desmistificação do mito não acaba aqui. É preciso
considerar outras questões estruturais da pessoa, além
das genitais, nomeadamente a altura.
Há diferenças óbvias entre gigantes e minorcas no que
concerne a escolha de um veículo. (Talvez devesse ter
escolhido um termo menos depreciativo do que gigante,
mas não me lembrei de nenhum.) O gigante terá
preferência por um carrão, dada a sua altura. É difícil
para um gigante conduzir um carro pequeno, uma vez
que tem de levar os joelhos encostados aos ombros.
O minorca, por outro lado, prefere um carrito. Apenas
e só porque, se tiver um carrão, o mais certo é não chegar
aos pedais. Uma vez passeei de carrão com um minorca e,
apesar da experiência ter sido engraçada (toda a gente na
rua pensava que o carro estava a andar sozinho), é fácil
causar acidentes assim. Para os minorcas, carrões só com
próteses.
Ora, a altura da pessoa não define o seu tamanho
genital. Existem gigantes com genitálias menores do que
a de alguns minorcas; e o contrário também sucede. Logo,
a escolha do carro não tem a ver com compensar e sim
ajustar. Gigante ou minorca, não interessa. A escolha
entre carrinhos e carrões não tem nada a ver com
genitália, apenas com saldo. Quem tem dinheiro para um
72
carrão, compra um carrão; quem não tem, compra um
carrito. Seja com os joelhos nos ombros ou a provocar
sustos nos transeuntes.
73
Portugal continua sem aprovar o seu Plano Estratégico
Antiterrorista!
Não o surpreendi? Já calculava. Ah! Nem sabe do que
eu estou a falar? Eu explico.
Segundo notícias lidas esta semana, em 2005, o
Conselho Europeu aprovou a Estratégia Antiterrorista
Europeia. Todos os países participantes definiram os seus
protocolos sobre como enfrentar este perigo. Todos,
excepto o nosso. E porquê? Vamos ver.
Em 2001 começou a era Alcaeda. O 11 de Setembro não
foi a sua estreia nos atentados mas foi, sem dúvida, o
mais mediático. A esse seguiram-se o ataque na estação
de comboios de Atocha, em Madrid, e o atentado no
metro de Londres. Ambos em datas aleatórias mas que,
por virtudes da numerologia, tinham sempre algo a ver
com o 11 de Setembro.
“Se somarmos os algarismos todos, menos o 2 o 0, da
data do atentado de Atocha, ficamos com o número 9 que
foi o mês em que aconteceu o 11 de Setembro. Se
juntarmos depois o 2 ficamos com o 11 que foi o dia.”
A partir daí, sempre que a Alcaeda perpetrava um
atentado terrorista em território europeu muito
português ficava a pensar, “Da próxima somos nós.”
Quando o senhor José, então Durão, participou na
Cimeira dos Açores e declarou o apoio de Portugal à
74
intervenção americana no Iraque, ficaram todos em
pânico porque iríamos ficar na mira dos terroristas.
Portugal continuou tranquilo, o que não escusou
algumas pessoas de manifestarem as suas preocupações.
Almeida Santos, por exemplo, lançou o seguinte aviso,
acerca da construção do aeroporto na margem sul.
"Um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa
de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada?
Quem quiser criar um grande problema em Portugal, em
termos de aviação internacional, desliga o norte do sul do
país"
Outras vozes lançaram outros avisos, quase todos a
roçarem o ridículo no sentido em que, se formos a ver
bem, ainda há muita gente no mundo que pensa que
Portugal foi atacado no dia em que Espanha foi atacada.
Se pessoas com acesso à Internet e alta tecnologia julga
que Portugal é uma província de Espanha, não há razão
para duvidar que pessoas que vivem em cavernas, e que
lançam ameaças ao mundo através de cassetes áudio
BASF Ferro, acreditem no mesmo.
Por mais que a gente tente, a Alcaeda está-se nas tintas
para a gente. Porque razão Portugal ainda não definiu a
sua estratégia antiterrorista? Porque ninguém nos leva a
sério. Eu sei o que está a pensar, caro leitor. “Então e a
ETA? A ETA fica aqui mesmo ao lado e eles sabem que
nós somos um país independente e podem-nos atacar.
Até já encontraram uma base nas Caldas da Rainha.”
Como é que eu explico isto? Pois bem. Eu moro na
minha casa, onde tenho os meus objectos pessoais todos.
Nos tempos livres gosto de brincar com explosivos. Para
75
isso não fazer bum e eu não ficar sem casa, arranjo um
sítio para guardar isso. De preferência, longe da minha
casa. Percebeu? O que encontraram nas Caldas da Rainha
não foi uma base da ETA. Foi uma arrecadação.
76
Quando era mais novo li quase todos os livros escritos
pela actual Ministra da Educação, Isabel Alçada, e pela
sua parceira, Ana Maria Magalhães. Actualmente, sintome como se estivesse a ler o início duma nova saga, esta
escrita a solo, cujo título ainda não foi revelado. Embora
tenha tido um início promissor, os últimos capítulos
demonstram alguma inconsistência sobre o que a autora
pretende.
O ENCERRAMENTO DE ESCOLAS
A ideia é fechar escolas com menos de vinte alunos,
com mau aproveitamento, e escolas com menos de dez
alunos, independentemente do aproveitamento. O que se
pretende é combater a exclusão social, juntando várias
escolas numa só. Recordo-me da bela ideia que foi
fazerem turmas com alunos de vários anos do 1º Ciclo e
estou certo de que esta será igualmente espectacular.
Esta é a Ministra boazinha, aquela que não gosta de
ver pessoas sozinhas e quer juntá-las para fazerem novos
amigos.
Deixo uma sugestão à sra. Ministra. Se o objectivo é,
de facto, a inclusão, proponha que faça as Escolas-Tintim.
Os alunos entram aos 7 e se, até aos 77, não aprenderem a
tabuada, saem e vão para as Novas Oportunidades.
77
O SALTO DE ANO
Neste capítulo propõe-se que os alunos com mais de 15
anos, ao chumbarem no 8º, façam um exame e saltem
logo para o 10º. O 8º, segundo o consenso geral, é o ano
mais difícil. Com esta medida vai passar a ser o mais fácil.
Quem é aprovado, passa para o 9º, quem reprova, passa
para o 10º.
Esta é a Ministra Dra. Jeckyl e Miss Heyde, no sentido
em que temos dois comportamentos distintos. A parte
boazinha que diz,
“Coitadinhos. Chumbaram, foi? Vá, façam lá este
examezinho que eu deixo-vos saltar um ano.”
e a parte gozona que diz,
“Eh! Eh! Olhem-me só práqueles totós a estudarem!
Querem fazer a escola toda, os burros!”
A VIAGEM A TIMOR
Os alunos da Escola Portuguesa de Dili queixaram-se à
Ministra da Educação por terem que fazer exames
nacionais à noite, cansados, sem luz natural, sem
transporte para casa e com maior dificuldade para se
concentrarem. Porque razão tal sucede?
Por duas razões.
Primeiro porque a Escola de Dili está integrada no
sistema de ensino português, o que obriga os alunos em
Timor a fazerem os exames ao mesmo tempo que os
alunos em Portugal. Mesmo que em Portugal sejam três
da tarde e, em Dili, onze da noite.
Segundo, porque, segundo a Ministra,
“Vocês estão numa idade cheia de energia, que devem
78
canalizar para estes objectivos. Por isso pensem na
melhor forma de naquele momento estarem no vosso
máximo.”
Esta é a Ministra assim-assim. Enaltece as capacidades
dos jovens, embora, por dentro, haja um risinho maroto.
No fundo é um apelo à capacidade de desenrrascanço do
tuga.
O que dizer de tudo isto? Em primeiro lugar, a
personagem não está bem definida. Age e reage sem
razão sustentável. O plot também não é claro. Qual é o
seu objectivo? Quem são os inimigos e quem são os
aliados? Se definir estes parâmetros, eu acredito que a
história começará a entrar nos eixos.
Aguardo novos capítulos.
79
Sempre que se aproxima uma data solene, daquelas que o
Presidente da República e demais representantes da
Nação dirigem-se ao país com uma mensagem adequada
às circunstâncias que afectam a actualidade do momento,
eu fico com pele de galinha. É tal a ansiedade que eu sinto
de cada vez que dias assim se avizinham que quase
pareço a minha prima quando comprava a revista Bravo e
descobria que lá dentro vinha um poster dos Take That.
O 10 de Junho é das datas mais importantes para mim,
não tanto pelo que assinala – numa altura em que
aumentamos impostos e alteramos leis do trabalho,
porque senhores na Europa dizem que é assim que tem
de ser, não faz grande sentido comemorar a nossa
independência – mas, acima de tudo, pelo que se diz. Tal
como eu, há muita gente que fica na expectativa de ouvir
estes discursos. Muitos querem apenas ouvir o seu nome
dito por um alto dignitário da Nação. Não importa em
que contexto. Seja assim,
“Neste dia tão importante para Portugal e para os
portugueses, não podia deixar de dar uma palavra de
apreço a esse grande português que é Marcelino
Carvalhal. Por todos os esforços que tem feito para
contribuir para o bom nome de Portugal no mundo, sem
dúvida que merece um grande aplauso.”
ou assim,
80
“Sabem que mais? Se não fosse por esse bandalho do
Marcelino Carvalhal, estávamos todos bem melhor! Só
nos sabe é deixar mal vistos aqui e lá fora, o gajo!”
Falem bem ou falem mal, mas falem; há muita gente
assim.
A mim não me interessa ouvir o meu nome dito pelo
Presidente da República, ou por qualquer outro político.
Se se referirem a mim no bom sentido, eu agradeço o
gesto, só que não fico à espera de isso acontecer. O que eu
gosto mesmo é de ouvir a retórica e compará-la com
discursos anteriores. Seja com discursos do próprio, seja
com discursos de antecessores.
São regulares o apelo ao esforço social, ao exemplo que
os governantes têm de dar àqueles que são governados,
aos sacrifícios que todos têm de fazer em prol da Nação,
etc. Mesmo sabendo que aquilo que vou ouvir vai ser
mais do mesmo, eu fico sempre na ânsia de ouvi-los.
Eu gosto de ouvir discursos políticos. Gosto do desafio
aliciante que é ouvir um discurso desses e poder dizer
para comigo,
“Eh pá! Este senhor, apesar de ter a sua quota de culpa
naquilo que está a dizer, até é capaz de ter alguma razão!
Deixa-me lá fazer como ele diz e começar a tomar só uma
refeição por dia para ajudar o meu país.”
Ainda não caiu na esparrela. Mas há-de vir o dia.
Durante muitos anos não tinha nada que pudesse
comparar a esta minha ansiedade pré-discurso. Até que
surgiram as vuvuzelas. Os último segundos que precedem
o início dum discurso político são como aqueles instantes
antes de ouvirmos o som duma vuvuzela pela primeira
81
vez. Esperamos ouvir algo interessante, agradável, algo
que nos toque na alma mas, tudo o que ouvimos é um
ruído irritante.
82
Não há português que não goste de ser entrevistado;
especialmente se for para a imprensa estrangeira. Nós
temos uma relação estranha com os media. Adoramos
aparecer e ser convidados a falar sobre coisas.
Alguns encaram com humildade a oportunidade que
lhes é dada para falarem de si e do seu país a pessoas que,
não raras vezes, ficam surpreendidos quando descobrem
que somos um país. Outros, porém, agem com uma certa
presunção.
Para esta espécie não há problemas em Portugal. Não
há arrufos, não há contendas. Alguns mentem, outros
limitam-se a não dizer a verdade. O problema, todavia,
não está no que dizem ou que não dizem, mas quando
conseguem uma segunda oportunidade para reforçar
essas afirmações. Houve alguém que foi entrevistado para
um jornal estrangeiro de grande importância e proferiu
certas afirmações um pouco maldosas que nos deixaram
mal vistos lá fora. Ontem, essa mesma pessoa foi
convidada a dar uma segunda entrevista. Falo do nosso
Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, e da sua
entrevista ao jornal Financial Times.
O Fernando, na outra entrevista, disse que (em léxico
popular) nós éramos “mansos”. Perante os cenários de
revolta popular que aconteciam na Grécia, perguntavamlhe se não temia que situações assim pudessem ocorrer
83
em Portugal. A resposta, apesar de rude, foi honesta.
Ninguém gosta que lhe chamem manso.
Esta não deve ter sido a primeira entrevista que o
Fernando deu ao Financial Times. Mas deve ter sido sido
aquela em que ele saiu de lá todo lampeiro e os colegas do
Governo vieram todos apertar-lhe a mão, e o Sócrates até
lhe deu umas chapadinhas nas bochechas, como que
dizendo,
“Estivestes muito bem.”
No dia em que se comemorou o dia de Portugal, o Fernando deu mais uma entrevista ao Financial Times. Não
para denegrir a auto-estima dos portugueses, mas para
aumentar a nossa soberba perante a crise financeira que
afecta o mundo inteiro. Excepto nós, claro. Para quem
vive cá, as coisas não estão fáceis. Não há dinheiro para
nada. Tudo tem de ser racionado. Não se pode contratar.
Para quem dá entrevistas ao Financial Times, ainda “não
estamos numa situação em que necessitemos de usar” o
fundo de solidariedade europeu. É isso mesmo! Pedir
ajuda é para os outros totós que não sabem o que estão a
fazer!
Portugal é como aquelas pessoas que usam roupa de
marca e têm um grande carrão, mas o saldo da conta
bancária está negativo e vão comer à Sopa dos Pobres.
Tentamos passar sempre a imagem de que está tudo bem.
Foi isto que o Fernando fez nas duas entrevistas que deu,
é isto que faz qualquer político português sempre que
discursa para a imprensa estrangeira.
A ideia deve ser convencer os estrangeiros de que aqui
é que se está bem. Depois, eles vêm para cá e ajudam a
84
pôr isto bem; ou fazem nos seus países aquilo que
fazemos no nosso. Acredito que, se a Europa e o resto do
mundo nivelar com os nossos padrões de empenho e
eficácia, ficaremos muito melhor, comparativamente
falando.
85
Ora, finalmente!, cá temos o final da telenovela que tanto
nos tem entusiasmado durante os últimos meses. O
Governo interveio ou não no negócio da compra da TVI
pela PT? Rui Pedro Soares era amigo ou só conhecido? Se
Henrique Granadeiro era a pílula do dia seguinte, quem
era o contraceptivo original?
Estas e muitas outras perguntas prenderam o país à
televisão durante meses a fio. A minha televisão estava
sempre sintonizada no Canal Parlamento para não perder
pitada. Desde a Comissão de Inquérito ao Caso BPN, com
aquelas magníficas interpretações de Oliveira e Costa e
Dias Loureiro, que temia ser impossível repetir-se algo
tão espectacular. Estava enganado. Eu e muitos outros.
As evasões de Dias Loureiro, o seu recurso à falta de
memória e à ambiguidade foram marcas de um grande
intérprete, embora parecessem um pouco amadoras,
quando comparadas com as declarações de Rui Pedro
Soares. Para um estreante esteve muito bem. É, sem
dúvida, um talento a ter em conta.
A condução dos trabalhos foi bem desempenhada. Os
interrogadores jogaram bem com a técnica do “polícia
bom / polícia mau”, ou seja, Mota Amaral e João Semedo
(ou Pacheco Pereira). O enredo começou um tanto ou
quanto tremido. (Confesso que não me atraiu logo de
início.) O que tornou esta telenovela um must-see, foi
quando Armando Vara entrou em cena.
86
Desde há muitos anos que aprecio bastante o trabalho
de Armando Vara. Penso que é um dos nossos melhores
actores. Sempre seguro nas suas declarações; dá gosto vêlo trabalhar.
Voltando ao enredo, houve alguns momentos
monótonos e previsíveis. Por exemplo, aqueles episódios
sobre que perguntas colocar ao Primeiro-Ministro. Algo
que se despachava bem numa cena de cinco minutos, foi
esticado até vários episódios. O resultado, todavia, foi
uma surpresa. José Sócrates decidiu não comparecer na
Comissão de Inquérito (o que foi pena, já que teria sido,
certamente, mais uma interpretação soberba) e enviar as
suas respostas por escrito. Perdeu-se uma grande cena,
mas essa escolha por parte dos autores, ajudou a que a
história avançasse mais depressa.
Duas outras surpresas vieram dos personagens Zeinal
Bava e Mota Amaral. Sobre o primeiro, penso que não
ficou bem a Comissão de Inquérito ter de se reunir de
propósito a um Domingo para questionar o CEO da PT
sobre o negócio. Perdoa-se a liberdade criativa mas, se
fosse a sério, isto nunca aconteceria. Quanto a Mota
Amaral, foi com grande júbilo que assisti ao seu volteface final. Não esperava que fosse o responsável máximo
da Comissão de Inquérito a dificultar a resolução do caso.
Isto é o que distingue as grandes histórias das demais:
nunca antecipamos o que aí vem.
Tal como os Perdidos, foram muitas as perguntas que
ficaram por responder; ao contrário dos Perdidos, creio
que, em breve, assistiremos a uma possível sequela. Oiço
rumores de uma spin-off com Pacheco Pereira e Passos
87
Coelho. Só espero que faça justiça ao original.
88
Sempre que uma grande série termina, eu fico logo à
espera que saia o DVD. Essencialmente, porque sou um
coleccionador. Adoro, além de poder rever os episódios,
ver os extras que lá vêm. Esta semana acabou a mais
espectacular telenovela portuguesa dos últimos tempos e,
como é habitual na ficção de grande qualidade, há ainda
muito material para ser desbravado.
O Caso PT/TVI cativou milhões de telespectadores
com o seu enredo e os seus personagens. Agora é chegada
a hora de nos deliciarmos com algumas das cenas
cortadas. A produtora já assegurou que este material
estará presente em ambos formatos. Por enquanto, aqui
fica um pequeno resumo do que nos espera.
Alerta spoilers:
CENA CORTADA 1 – O SÓCRATES “NÃO SABE”
«A 28 de Maio, Paulo Penedos diz a Américo [Thomati]
que está muito curioso com o que vai dar esta merda da
TVI. Américo diz que também está curioso. Penedos diz
que Zeinal já arranjou maneira de, não dizendo que não
ao Sócrates, fazer a operação em termos que ele nunca
aparece.»
89
CENA CORTADA 2 – UM DIA LINDO / O
ANÚNCIO
«Penedos diz que tem um dia lindo. Começa às 08h45
com Zeinal Bava. Interlocutor pergunta se é sobre o
assunto da TVI. Diz que na posse de informação privilegiada tem-se rido. Penedos diz que ela [Moura Gudes]
vai ser anunciado já que vai sair.»
CENA CORTADA 3 – O AMIGO LUÍS
«A 17 de Junho, Penedos dá conhecimento a um tal Luís
que vai haver uma alteração significativa na comunicação
social. Dentro de dias, a TVI vai deixar de ser controlada
pelo Moniz e pela Manuela.»
CENA CORTADA 4 – O BORREGO
«A 18 de Junho, João Carlos Silva, do Taguspark, diz que
Moniz já não se candidata. “O cabrão borregou.”diz.»
Como podem ver, estamos perante um rol de extras
realmente espectaculares. Apesar de lamentar que estas
cenas não tenham sido utilizadas durante a telenovela,
fico contente que tenhamos oportunidade de as apreciar.
Só espero que, caso a spin-off avance (ainda não é certo
que vá avançar), possamos ver mais de Rui Pedro Soares
e Armando Vara.
Também não me desagradaria nada se os
argumentistas, desta vez, pusessem o Sócrates a
responder presencialmente aos deputados. Sinto que
perdemos uma das melhores, se não a melhor, cenas de
toda a telenovela Caso PT/TVI. Cena essa que,
90
infelizmente, conforme divulgou a produtora, não sairá
nem no DVD, nem no BlueRay. É pena.
91
Sou leitor ocasional da revista NS – preferências aparte,
preferia a Grande Reportagem – e, talvez por esse motivo,
continuo sem perceber qual é a pancada da pessoa (ou
pessoas) que elabora a secção de Passatempo que vem em
todas as edições. (Por “pancada” entenda-se “qualquer
distúrbio do foro psicológico cientificamente verificável e
devidamente classificado na DSM-IV”. Ainda não tenho o
V.)
Alguns leitores, como eu, já se terão questionado
acerca deste assunto. Talvez não tanto quanto eu, o que é
bom (já chega eu), contudo, seja ao de leve ou de forma
mais persistente, a dúvida surge sempre. Disso tenho
certeza. O que é que vai na cabeça daquela gente?
Para quem não sabe do que eu estou a falar, pode
sempre levantar-se e ir a uma papelaria ou quiosque ver
se ainda há um DN ou JN de Sábado disponível. Se essa
opção não for viável – por já ser tarde, por não ser
Sábado ou por estar sem roupa – eu explico.
O que temos é uma secção de Passatempo (um só
chega muito bem, obrigado) que oferece aos leitores da
revista a hipótese de ganharem prémios. Os prémios
costumam ser livros, o que é de elogiar num país tão
pouco dado à leitura. (Não a ter livros ou a comprá-los.
Nós compramos muito, mas lemos pouco.) Até aqui nada
de estranho. O problema está no enunciado.
92
Vou exemplificar com um problema matemático
primeiro (só para ocupar algum espaço, assim como esta
nota) e depois dar-vos-ei um exemplo (semi)real (para
não ter chatices com os senhores da Controlinveste). Cá
vai.
O Joãozinho foi às compras à mercearia do
senhor Anacleto. Levava cinco euros. Comprou
fruta e legumes no total de três euros e noventa e
dois cêntimos.
Qual é o valor da percentagem do PIB referente
às grandes obras públicas?
Tem tudo a ver, não é? Agora, o exemplo (semi)real.
Camões foi um dos maiores poetas portugueses
de sempre. A NS tem para oferecer o livro
«Quando eu fazia de porquinha», do comentador
Carlos Castro, aos quatro primeiros leitores que
responderem correctamente a cinco perguntas
relacionadas com o poeta lusitano.
1 - Qual era a alcunha de Camões entre os
amigos?
2 – Camões era vesgo de que olho?
3 – Se não tivesse ido para poeta, que outra
profissão teria Camões escolhido?
4 – Os Lusíada teriam à uma sequela à altura
nos dias de hoje?
5 – Quão feia era Dinamene para Camões
preferir salvar um maço de folhas em vez de
uma gaja?
Estou certo de que há uma razão lógica que justifica
esta forma de elaborar o enunciado dos passatempos.
93
Provavelmente é apenas por ignorância minha que não
percebo o que é. Se me for permitido adivinhar, eu diria
que as pessoas que actualmente elaboram os enunciados
destes passatempos eram as mesmas que elaboravam os
enunciados dos exames de Matemática quando as notas
eram baixas.
Falo por experiência própria. Quando eu fazia exames,
escrevia que nem um doido mas, quando os recebia,
aquilo vinha cheio de notas da prof. “o aluno não
entendeu a questão”, “não era essa a pergunta”, etc. (As
minha professoras de Matemática hoje devem estar na
política.) Não é que eu fosse mau aluno, o enunciado é
que era difícil de perceber. Talvez por isso as notas
fossem más. Agora que essas pessoas (supostamente)
trabalham na NS, os resultados dos exames estão cada
vez melhores. Qual notas inflacionadas, qual quê? Só é
preciso ler com atenção para ganhar um livro. É quase tão
fácil quanto passar de ano nos dias de hoje. Quase, mas
não tanto.
94
A acreditar no que diz o jornal mais lido nos cafés
portugueses, as supostas intenções do Governo adquirir
uma estação televisiva para assim controlar o teor da
informação capaz de prejudicar o Governo abrangiam
outros meios de comunicação, incluindo esse tal jornal.
Para determinar se o Governo, na pessoa do seu
representante máximo, sabia ou não deste negócio, foi
formada uma Comissão. Esta Comissão iria discutir se o
bacalhau é peixe ou não, mesmo quando toda a gente
sabe que o bacalhau é apanhado no mar, logo é peixe.
Havia o testemunho dum pescador que podia ajudar
muito, mas houve um senhor, o presidente, que disse que
não queria ouvir aquilo porque o outro senhor dizia
palavras feias.
O representante do partido do Governo foi um senhor
de risca branca no cabelo. O mesmo senhor que há umas
semanas atrás agiu directamente sobre dois gravadores
pertencentes a jornalistas duma revista com nome do dia
da semana que vem entre sexta-feira e Domingo. Revista
que é do mesmo dono do tal jornal que é muito lido nos
cafés.
Diz o senhor da mecha branca:
“O Governo não interveio, nem directamente nem
indirectamente na operação da [operadora telefónica
portuguesa cujo nome é composto por duas consoantes
com as quais escrevemos a palavra “pato”] conducente à
95
compra da [segunda estação de televisão privada
portuguesa].
O senhor que não queria ouvir o testemunho do
pescador é também da mesma zona que o senhor da risca
branca. Valha-nos isso. Por momentos temi que pudesse
ocorrer algum desacordo. É melhor assim quando estão
todos em sintonia.
Os senhores que se sentaram à volta duma mesa
durante um ano, para discutir se o senhor primeiroministro sabia se o bacalhau é ou não peixe,
apresentaram agora os resultados. No fim, até o senhor
presidente disse que tinha gostado muito daquele
convívio. É claro que houve alguns descontentamentos
por parte de certas pessoas, mas isso é normal em
Democracia.
“O senhor Primeiro-Ministro sabia ou não que o
bacalhau é peixe?”
“Oficialmente não tinha qualquer conhecimento acerca
dessa matéria.”
O mesmo argumento usou João Serrano – deputado
do PS e presidente da Comissão de Ética encarregue de
avaliar o levantamento da imunidade parlamentar ao
vice-presidente da bancada socialista, Ricardo Rodrigues
– ao dizer que aguardava a posição oficial do deputado,
uma semana depois de este ter dito publicamente que
estava disponível para prescindir da imunidade
parlamentar. João Serrano não quer saber disso. “Não
vou terminar o relatório sem o contributo do deputado.”
Eh pá! Eu com tanto cuidado a escrever isto só com
subterfúgios, para ninguém conseguir provar que estava a
96
falar deste ou daquele, e agora fui usar nomes. 'Tou
lixado. A não ser que diga que esta não é a minha posição
oficial. Com sorte, talvez pegue.
97
O pessoal de Bruxelas diz que o nosso plano de
austeridade é bom, mas não chega. Com toda a razão. Eu
acho um escândalo ainda termos salários tão altos e
impostos tão baixos e tão mal aproveitados. Assim nunca
mais chegamos lá.
Como assim? Troquei-me no quê?
Ah! É verdade. Peço desculpa pela imprecisão. Vou
rectificar.
O pessoal de Bruxelas diz que o nosso plano de
austeridade é bom, mas não chega. Mais uma vez, os
senhores que falam uma língua diferente da nossa e que
enchem o bandulho à nossa conta, dizem que ainda não
estamos magrinhos o suficiente. Segundo consta, ainda
estamos 2,5 mil milhões de euros gordos.
Portugal tem “Uma dívida elevada e em rápido crescimento e um considerável défice da balança corrente.” diz
Bruxelas. Quem é que disse que não sabemos ser bons e
competitivos? Nós saber, sabemos, mas é só no que não
interessa.
Quanto às indicações de Bruxelas, eu acredito que
conseguimos atingi-las facilmente. Ou melhor, o Governo
consegue. Isto é, acaba por não conseguir mas, consegue
convencer o pessoal de Bruxelas que sim.
Por que razão eu digo isto? Eis por quê. Passámos de
72,8% de negativas a Matemática no 9º ano em 2007
98
para 44,9% em 2008 e 36% no ano passado. Tudo isto
graças a orientações programáticas e políticas de
avaliação de docentes e discentes que produziram
resultados inquestionáveis que a todos orgulham.
Percebem o que eu quero dizer? Que eu saiba, ainda
não houve ninguém em Bruxelas que tenha dito “Isto das
notas boas em Portugal é tudo uma fantochada. Vamos
abrir um inquérito para ver se isto é mesmo assim ou se
eles nos estão a enfiar o barrete.” Nunca ouvi nada
remotamente parecido com uma suspeita quanto a esta
matéria. E para mim, quem acredita nisto, acredita em
qualquer coisa.
O pessoal de Bruxelas quer que Portugal feche este ano
com um défice de 7,3% e que o reduza, em 2011, para
4,6%. Isso, para nós, é coisa de miúdos. Nós podemos ser
maus a Matemática, mas somos bons com os números.
Embora o nosso saldo possa estar negativo, nós
conseguimos convencer qualquer fiador de que temos
condições de cobrir qualquer empréstimo.
E essa é a nossa grande safa. Senão isto já nem seria
apertar o cinto. O cinto já foi vendido há muito tempo.
Hoje em dia o que nós temos é um cordel feito a partir de
atacadores velhos. Mas enfim. Isto sou só eu a falar mal
sem razão. Apenas porque só vejo maus exemplos de
quem governa e de que se opõe, não quer dizer que seja
tudo mau. Se for, paciência.
(José M. Fernandes, eurodeputado do PSD, defendeu,
esta semana, em Estrasburgo, o arroz da cabidela. Numa
altura em que se atravessa uma forte crise financeira, é
bom saber que algumas pessoas continuam a ter os
99
grandes interesses do país em mente. Para quem diz que
o partido dos laranjas anda só a tapar buracos ao
Governo, este exemplo, infelizmente, não serve para
sustentar essas afirmações. É apenas inusitada parvoíce.)
100
Duas deputadas do PS apresentaram uma proposta junto
do seu partido para a eliminação de quatro feriados do
calendário nacional, dois religiosos e dois civis. Ainda não
é certo quais serão os feriados a eliminar, já que a
proposta defende que o importante não são os dias, mas a
efeméride. É certo que, no ano do Centenário da
República, os republicanos não queiram mexidas no 5 de
Outubro. Mas há quem pense de forma diferente. Sobre a
mobilidade do 5 de Outubro, D. Duarte era capaz de
sugerir que essa data fosse eliminada. Já o deputado
Ricardo Rodrigues, se inquirido acerca de mexidas no 25
de Abril, Dia da Liberdade, o mais certo seria levar
qualquer coisa ao bolso, dada a pertinência da pergunta.
É verdade que nós temos muitos feriados e isso
prejudica a nossa economia. O problema, todavia, não
tem a ver com o número de feriados, ou com o número de
pontes, e sim com o que trabalhamos em dias normais.
Nós somos calões. Não todos, reconheço.
Exemplo. Vamos a uma Repartição das Finanças e há
uma pessoa para receber os papéis, outra para carimbar,
outra para agrafar e outra para receber o dinheiro da
recepção, carimbagem e agrafo. Não defendo a redução
do número de funcionários públicos, mas é um facto que
quando o senhor do carimbo falta, aquilo engripa tudo.
Não é difícil reduzir o número de feriados, mas é difícil
101
as pessoas aceitarem isso. Eu tento ser uma pessoa
moderada, mas agora vou optar pelo radicalismo.
RELIGIOSOS
A obediência a feriados religiosos – religiosos católicos,
melhor dizendo – é um erro. Como país
constitucionalmente laico que somos, a obediência a
qualquer tipo de feriado religioso é uma violação da
Constituição. Para impedir que pessoas como eu se
pudessem valer deste argumento, foram celebradas duas
Concordatas entre Portugal e o Vaticano. Uma em 1940,
por Salazar, e a outra em 2004, por Durão Barroso. Sem
grandes diferenças, devo dizer.
Insisto. Devem-se celebrar eventos que aconteceram
mesmo e não eventos que se acredita terem acontecido.
Há uma diferença entre aquilo que se sabe e aquilo em
que se acredita.
CIVIS
Faz-me alguma confusão, num regime republicano e
democrático, celebrarem-se feriados proclamados no
tempo da Monarquia e do Estado Novo. Sendo certo que
se referem a eventos que aconteceram, não deixa de ser
verdade que a sua relevância pode estar a ser
sobrevalorizada nos dias de hoje.
O 1 de Dezembro, por exemplo. Além de ser um feriado
monárquico, estaremos nós assim tão independentes?
Não sou anti-europeísta, mas pensem nos esforços que
temos de fazer por causa dos senhores de Bruxelas.
O mesmo vale para o Dia da Proclamação da República.
102
O 5 de Outubro assinala o início da 1ª República, assim
como o 25 de Abril assinala o início da 3ª e actual
República. Comemorar duas vezes a mesma coisa é uma
redundância.
No fundo, toda a gente gosta do seu feriado. As únicas
queixas que se ouvem, de católicos e ateus, é quando o
feriado calha a um fim de semana e não se pode
aproveitar a folga.
103
Nos dias que correm, quando alguém tem a sorte de
arranjar trabalho faz tudo o que for preciso para manter o
seu cargo e, eventualmente, atingir um posto mais
elevado. É nesta fase que se mostra trabalho,
nomeadamente através de reparos. A ideia é convencer as
pessoas que mandam que o tipo que está no cargo mais
elevado, não tem a pinta que tem este novo empregado.
Eu penso nisto quando penso em Pedro Passos Coelho.
O actual líder dos Laranjas não é apenas líder da
Oposição, é candidato a um posto. É alguém que está na
fase de dizer “Se fosse eu, fazia assim.” É verdade que tem
apresentado boas propostas, só que isso até o Sócrates
fazia. E antes do Sócrates, o Durão. Propostas boas fazem
sempre quando não estão lá. Depois vem a metamorfose.
A mais recente proposta de Pedro Passos Coelho foi
apresentada durante um almoço-convívio feito pela
Comissão Concelhia do PSD de Leiria. Entre brindes e
fanecas, o líder dos laranjas propôs que o próximo
Orçamento de Estado seja feito com base zero para
obrigar "toda a gente a explicar o que quer fazer com o
dinheiro que propõe vir a receber". Diz ele que estamos
numa crise muito má, com pouco dinheiro e que é preciso
os de cima darem o exemplo. (Eles dão o exemplo, só que
não é um bom exemplo.)
Analisemos a proposta.
104
Primeiro ponto, pedir a ministros, secretários-gerais,
gestores, etc., que justifiquem o o dinheiro que querem
gastar antes de o terem, apesar de parecer muito bonito a
um leigo é um forte sinal de desconhecimento político. O
Orçamento de Estado é como um prato com a nossa
comida preferida. Enchemos o máximo que der, mesmo
sabendo que há muito que vai ficar lá. É claro esses restos
não vão fora. Há muito “amigo” que os aproveita. (Ainda
bem. Não há nada que eu vilipendie mais senão o
desperdício. Tirando as ervilhas com ovos. Aquilo é
acompanhamento com quê?)
Depois, temos o timing. É já a segunda vez que eu
escrevo um artigo sobre uma medida proposta pelo Pedro
Passos Coelho durante um almoço. Sei de pessoas que
não bebem entre refeições, mas é a primeira vez que oiço
falar de alguém que não fala a não ser em refeições.
Dir-me-ão que ele já apareceu a discursar sem ser
durante uma refeição. Que provas têm de que ele não
tinha nada na boca? Imaginem que ele tinha tomado um
daqueles mini-iogurtes que ajudam ao trânsito intestinal
e tinha deixado ficar um restinho e andava a fazer chapchap com a língua enquanto falava. Ou que tinha acabado
de almoçar e não tinha tido oportunidade de escovar bem
os dentes e tinha um pedaço de bacalhau entre o molar e
o incisivo (a ortodoncia não é a minha especialidade,
como podem ver). Tecnicamente, isto são mini-refeições.
Felizmente para ele, este pequeno deslize não será o
seu fim. O povo ficará do seu lado, mas quem não é povo
ficará de tocaia. Espera-se que o seu adversário directo
não tarde muito a quinar. Até lá, Pedro Passos Coelho
105
tem ainda muita proposta a fazer. Principalmente
durante almoços.
106
Em França, o canal de televisão W9 tornou-se o centro
duma grande polémica. Tudo por causa dum reality show,
de seu nome 'Dilemme'. Ainda não tive oportunidade de
ver analisar o programa com o rigor que lhe é devido, mas
do que vi arrisco dizer que é uma espécie de Big Brother
um pouco mais promíscuo. Pelo menos, foi essa ideia
com que eu fiquei. O meu francês, além de mau, é
péssimo e aquilo que eu interpretei como cenas de
malandrice podia não o ser de facto.
Pelo que percebi, existem provas que os participantes
devem ultrapassar e o prémio final são 300 mil Euros.
Não é mau de todo, apesar de haver pessoas capazes de
participar no programa, mesmo que o prémio fosse um
bilhete de autocarro usado, desde que passasse na
televisão.
A polémica veio precisamente por causa de uma das
provas, em que foi pedido a uma das participantes que se
comportasse como um animal de estimação. E foi aí que a
França – como é que hei de dizer? – estalou-lhe o verniz.
Ophélie Kelly foi a protagonista do momento ao aceitar
comer duma tigela de cão, ladrar e tomar banho de
coleira ao pescoço. Os responsáveis pelos conteúdos dos
programas de televisão em França dizem que “Um ser
humano foi diminuído ao nível de um animal, recebendo
um tratamento humilhante e degradante”. Eu discordo.
Vejamos porquê.
107
Se a tigela estiver bem lavada, comer a partir duma
tigela de cão não é assim tão diferente de comer duma
tigela para humanos. A gama de variedades de comida de
cão disponível no mercado é imensa. Além do mais, se faz
bem aos cães, não há de fazer assim tão mal aos humanos.
A seguir, vem o ladrar. Foi assim tão degradante para a
imagem desta mulher imitar um cão? Acho que não. O
volume de dignidade que esta mulher tinha foi-se a partir
do momento em que pensou em participar neste
programa.
Por fim, tomar banho com uma coleira ao pescoço. Há
duas alturas da nossa vida em que nos dão banho.
Quando somos pequenos e quando estamos inválidos. Ter
alguém que nos dê banho é um luxo. Admito que possa
parecer constrangedor ao início, mas depois uma pessoa
habitua-se. Além disso, aquela coleira até parecia ser
bastante confortável.
O meu medo não é este programa ser adaptado para a
televisão portuguesa. Isso de certeza que vai acontecer,
mais dia menos dia. O meu medo tem a ver com outras
figuras da nossa sociedade adoptarem esta ideias das
provas para nós recebermos o que é devido. Estou a
pensar em alguém que vai ao Centro de Emprego pedir o
Subsídio de Desemprego e tem de andar de boxers e com
manjerico na cabeça a fazer de arara.
Tem-se falado muito no congelamento de salários, do
fim do décimo terceiro mês, redução de prémios e
subsídios, etc. Agora, imaginem como será uma pessoa
ter de fazer provas destas todos os meses?
“Júlio, lamento imenso, mas este mês só lhe vou pagar
108
metade do ordenado.”
“Ó chefe, mas porquê?”
“Porque a sua interpretação de dança sevilhana em
camisa de forças ao som do “Eye of the Tiger” foi muito
fraquinha. Vá mas é para casa treinar.”
109
Caro leitor, se for uma pessoa sensível, peço-lhe que
considere bem se deseja continuar a ler este artigo. Façolhe esta advertência uma vez que se trata de um tema
delicado, um tema que me leva sempre às lágrimas só de
pensar nele. Pronto? Cá vai.
Há uns dias atrás, Pedro Duarte Nunes, o ViceGovernador do Banco de Portugal, afirmou que os nossos
bancos irão passar por dificuldades a médio prazo. Eu sei
que custa a ouvir, mas tem de ser. Diz ele que “não há
grandes margens para crescimento interno” e “a
introdução de novos serviços será difícil”. Eu também
estou comovido. Acabou de me cair uma lágrima só de
pensar no calvário que espera os nossos bancos. O que vai
ser deles agora?
Infelizmente, é impossível encontrar uma solução
milagrosa que resolva o problema todo de uma só vez. Os
nosso bancos estão a entrar numa fase negra e entregarlhes todo o nosso dinheiro ajuda tanto como dar peixe a
um homem em vez de ensiná-lo a pescar. (Já passei por
essa situação uma vez, embora o homem não se tivesse
habituado à faina. Ele queixava-se que era por não ter
braços. Para mim, era por ser mandrião.)
É preciso começar com calma. Retirar uma
percentagenzinha dos nossos salários e doar o resto ao
banco. A todos. Não podemos fazer descriminação entre
110
bancos com três letras, bancos com anúncios de televisão
giros e bancos que nos ligam para a casa . Todos precisam
da nossa ajuda.
Esse grande senhor que é Victor Constâncio sabe do
que eu estou a falar. Grande homem, sempre pronto a dar
o melhor de si mesmo.
O senhor que lhe sucedeu é novo no cargo e vai
precisar, não só da nossa ajuda, como também da nossa
compreensão. É normal que ele cometa erros agora no
início do seu mandato. Mais do que o repreender, temos
de o apoiar, dizer-lhe que está no caminho certo.
Comecemos pela remodelação em curso do edifício do
Banco de Portugal na Avenida do Ouro, em Lisboa.
Desconheço o propósito da obra. A mim, que não sou
engenheiro, parece-me desnecessária. Pode até ter sido o
Victor a querer deixar uma prenda de boas vindas para o
seu sucessor. Toda a gente sabe como é chato ocuparmos
o escritório doutra pessoa e ter de andar a limpar o que
ficou nas gavetas e nos armários. Ter tudo arrumado é
uma grande ajuda. Além disso, não nos compete julgar, e
sim ajudar.
Porque eles merecem. Tadinhos.
111
Começo a acreditar no Fim do Mundo, o Apocalipse como
alguns lhe chamam. Não sou uma pessoa crente, longe
disso, mas sei ver os sinais e estes são por demais
evidentes. Decerto que muitos de vocês estão a par do que
me inspirou tanto receio, embora nem todos devam
partilhar do mesmo sentimento. É um bocado como um
copo à beirinha da mesa. Uns olham para o copo e vêem
um simples copo, outros, como eu, encaram-no como um
possível catalisador de acidente e afastam-no da beira.
Neste caso, o que me alertou não teve nada a ver com
um copo apesar de, confesso, me ter dado vontade de
tomar qualquer coisa. Adiante. Tenho neste momento
trinta anos e o meu último contacto com a escola oficial
foi há mais de dez. Digo isto para que todos nós
estejamos em sintonia. Pode ser que parte do que
atemorizou seja pura e simples desactualização minha.
Duvido.
Seja como for, o que eu li no jornal é inquietante e
deixa-me preocupado com o que poderá vir aí. Segundo
várias notícias que eu li em diversos jornais (para ter a
certeza do que estava a ler) os exames de Matemática
deste ano, tanto do 9º como do 12º foram fáceis. Alguns
alunos dizem mesmo “facílimo”. Isto é uma clara
manifestação de qualquer coisa que eu até temo
pronunciar. Houve quem, numa tentativa de escamotear
112
o que se estava a passar, dissesse que tinha sido tudo
graças à professora que os preparou bem.
Será que podemos acreditar nestes depoimentos?
Como eu disse antes, estou desactualizado do que se
passa dentro duma sala de aula hoje em dia, mas tenho
ouvido dizer com frequência que os professores passam
mais tempo a avaliarem outros professores, a fazerem
trabalho administrativo e a levarem com biqueiros em
cima do que a tentar ensinar o que for aos alunos. Que
lhes ensinem alguma coisa, admito. Que isto tivesse
acontecido no exame de Educação Física ou de
Informática, ainda vá. Não em Matemática. Houve até
um aluno que reprovou, caso raro hoje em dia, e que se
inscreveu no exame só para “saber como é que era”.
Pais de todo o País, tende cuidado! Essas criaturas que
chegaram a casa todas contentes e sorridentes porque o
exame de Matemática lhes correu muito bem podem não
ser os vossos filhos. Se o seu filho foi um dos que disse
esperar ter 100 por cento nesse exame, confirme se ele
ainda tem aquela cicatriz na nuca de quando caiu ao
andar de triciclo. Se o seu filho, ou filha, não possuem
qualquer sinal cicatriz ou marca que o distingam dum
possível sósia ou clone, leve-o a um exorcista. Não encare
as minhas palavras com desdém, senão estaremos todos
perdidos.
Tal como nos filmes do Kaufman e do Ferrara, as
nossas crianças e adolescentes, com o mau
aproveitamento escolar que tanto nos caracterizava,
tornaram-se autênticos génios no espaço de um ano. De
certeza que foram substituídas por arautos das forças do
113
mal. Ou isso ou fizeram uns exames estupidamente fáceis
para todos terem boas notas. Até mesmo quem tinha tido
só negativas durante o ano. Hum... Confesso que estou
indeciso.
114
Fiquei muito impressionado com o mini-discurso que o
nosso Primeiro-Ministro fez a propósito do jantar de
homenagem a Mário Soares. Achei-o simples e conciso.
Por outro lado, fiquei também um pouco desiludido ao
descobrir que José Sócrates tinha escrito uma versão
mais desenvolvida do mesmo discurso há muitos anos
atrás e escolheu não a usar. Eis a versão completa:
MÁRIO SOARES
Os políticos são nossos amigos porque são boas
pessoas. O papá e a mamã são boas pessoas. O papá e
a mamã não são políticos. Os políticos são patriotas.
O papá e a mamã também são patriotas. A senhora
professora diz que é patriota porque gosta de Camões
e quem gosta de Camões é patriota. Mário Soares é
um patriota, gosta de Camões. Eu sou patriota,
eu gosto de Camões. O papá e a mamã são patriotas,
o papá e a mamã gostam de Camões. Eu gosto dos
políticos que gostam de Camões. Eu gosto da
senhora professora porque ela gosta de Camões e ela
é patriota. O papá e a mamã gostam de Camões e eu
gosto do papá e da mamã. Eu gosto muito do
Doutor Mário Soares. Quando eu ser grande
quero ser como o doutor Mário Soares.
Outros exemplos:
115
JAIME GAMA
Jaime Gama é um bom Presidente da Assembleia da
República, gosta de Vergílio Ferreira. Eu gosto de
Presidentes da Assembleia da República que gostam
de Vergílio Ferreira. Eu gosto muito do doutor
Jaime Gama.
CAVACO SILVA
Cavaco Silva é um bom Presidente da República,
gosta de bolo-rei. Eu gosto de Presidentes da
República que gostam de bolo-rei. Eu gosto de
Cavaco Silva.
Mais exemplos virão.
116
Quando se começou a falar do aumento do IVA e das
alterações ao IRS, depressa se falou também da aplicação
em retroactivo de algumas dessas medidas. Após uma
míriade de declarações e desmentidos por Ministros
(Primeiro incluído), Secretários de Estado e outros
actores da cena política, a coisa ficou em banho-maria.
Até à passada segunda-feira, 28 de Junho, data em que o
Presidente da República se decidiu pronunciar sobre este
assunto.
Desde que se iniciou a discussão sobre estas medidas
de austeridade, li várias notícias sobre como o aumento
do IVA iria afectar diversos bens e serviços. Por não ser
estranho ao aumento do IVA – embora seja a primeira
vez, enquanto trabalhador, que me lembro de uma
alteração simultânea a todas as taxas – preferi
concentrar-me nas notícias sobre o IRS. (Para dizer a
verdade, só fiz isto porque não estava a dar nada de jeito
na televisão.)
Jorge Miranda, o Constitucionalista, disse que a
aplicação destas medidas era ilegal porque violava vários
princípios assentes na Constituição. Não demorou muito
até aparecer alguém que disse ser incorrecto chamar a
isto um caso de violação porque, e cito, “A gaja 'tava
mesmo a pedi-las.” (A razão invocada não foi bem esta,
mas mais valia ter sido. Assim como assim, iria resultar
no mesmo.)
117
Após meses de espera e inquietação – pela Selecção
Portuguesa, não por isto – Cavaco Silva anunciou a sua
decisão quanto a estas matérias. E por ser um assunto da
mais alta importância, optou por falar na véspera do dia
do jogo de Portugal contra Espanha. Não fosse alguém
deixar de soprar uma vuvuzela de apoio à Selecção e
começar a ouvir o que o senhor Cavaco estava a dizer.
Sabe-se lá o que aconteceria.
O senhor de Boliqueime reconheceu que a aplicação
em retroactivo de algumas das alterações ao IRS é ilegal,
mas vai deixar passar porque “não 'tou pra me chatear
com isso”. O Presidente disse também que ia ficar de olho
para ter a certeza que não vai haver marosca. Acrescentou
ainda que “Eu nem percebo muito disso de contas. O que
eu gosto mesmo é de fazer visitas guiadas”.
118
Como candidato a Presidente da República, Manuel
Alegre tem sabido adoptar uma postura adequada ao
cargo. Refiro-me ao cargo de candidato, por enquanto.
Não ao de Presidente da República. É certo e sabido que a
postura de um candidato a um cargo é completamente
diferente da postura de um titular de cargo. Não o digo
por mal, é apenas um daqueles factos da vida.
O porquê disto acontecer tem várias razões de ser. De
todas, a mais facilmente observável é o facto de o
candidato poder dizer e fazer coisas que o actual titular
não pode. O truque está em convencer as pessoas que o
titular pode, efectivamente, dizer ou fazer aquilo que o
candidato está a dizer ou fazer. Se não o diz ou faz, é
porque não quer.
É necessário que o candidato fale sobre os problemas
do país, de preferência criticando o seu principal
oponente e defendendo sub-repticiamente os actos do
partido que mais o apoia. No caso de Manuel Alegre, em
que o seu rival, Cavaco Silva, e o seu partido de apoio, o
PS, estão na mesma área política, a tarefa é um pouco
mais difícil, mas nem por isso impossível.
Quando soube que o Governo tinha usado a sua
Golden Share na PT para bloquear a venda da Vivo à
Telefónica, Alegre disse estar “muito contente” por essa
decisão. As declarações foram proferidas ao fim da tarde
119
do dia após o negócio, durante um encontro com
dezasseis professores universitários no Hotel Altis. Uma
vez que foi num encontro e não num jantar, pode-se
deduzir que Alegre não estava a mandar bitaites à toa. Ao
contrário de Passos Coelho durante os seus já habituais
discursos às refeições.
No fim de semana anterior, durante uma cerimónia de
homenagem a Mário Soares, José Sócrates leu a sua
composição de homenagem a um dos fundadores do
partido a que ele diz pertencer. Para mostrar que também
ele é capaz de “atirar umas bocas”, Alegre convidou
dezasseis entidades – pessoas com estatuto – cuja
principal característica era não terem sido Ministros das
Finanças. Para quem não percebe, trata-se de uma clara
alusão a uma visita que ex-Ministros das Finanças
fizeram aqui há tempos a Cavaco Silva para lhe comunicarem as suas preocupações quanto aos problemas do
país. Problemas que os próprios ajudaram a criar. Não foi
um indirecta daquelas assim bem fortes, mas deixou o
Presidente Cavaco atento.
Quanto aos outros grandes temas da actualidade, o
PEC, as SCUT e o novo filme da Saga Twilight, Alegre
mostrou uma forte postura de Presidente da República
dizendo, “Sobre isso não falo.” Acrescentando logo de
seguida, “Sou capaz de fazer um poemazito se me derem
tempo.” Mas não deram.
120
Se ainda não sabem, ficam desde já a saber: eu não gosto
de futebol. Não gosto. Nem de futebol, nem de bola. Acho
uma pura perda de tempo.
Para a única pessoa que continua a ler este artigo,
deixe-me explicar porque é que eu não aprecio o
chamado desporto-rei. Antes de mais, porque é que lhe
chamam desporto-rei se, em Portugal, os primeiros
clubes de futebol só surgiram após a Proclamação da
República? Essa é a primeira.
Segundo, não é por eu não gostar de futebol que deixo
de reconhecer a sua importância. Foi isso mesmo que leu.
O futebol é muito importante.
Ai agora já voltaram? Quando eu 'tava a falar mal do
vosso desportozinho, ficou tudo enxonfrado, mas depois,
assim que eu começo a falar bem, já vem cá tudo beijar a
mão. Vocês saíram-me cá uns vira-casacas...
Adiante. Vou fingir que não me importo. Dizia eu que o
futebol é muito importante para o país.
“Por causa do emprego que gera e do forte estímulo
que dá à nossa economia?” Pergunta alguém com um
defeito na fala.
Meu caro senhor, só por milagre é que eu percebi a sua
pergunta. A resposta é simples:
Não. A razão pela qual o futebol é muito importante
para o país é porque mantém as pessoas distraídas. E
quando as pessoas estão distraídas, os nossos
121
governantes podem governar à vontade sem aquela
maçada de terem de dar satisfações.
Agora fala-se muito dum professor que ganha quinze
vezes mais do que o Presidente da República. Fala-se
porque esse tal professor foi participar numa prova
desportiva qualquer e perdeu. Agora querem que ele se vá
embora. Acham que é muito dinheiro para maus
resultados.
Ai agora é muito dinheiro? Quando empata com o
Brasil, ou quando ganha à Coreia do Norte, 'tá tudo bem.
Para alguns, se calhar, até ganhava pouco. Perde o
primeiro jogo, volta para casa e tem uma recepção destas.
Tenho dificuldades em compreender o vosso
comportamento. Já em relação a compreender porque
motivo Carlos Queiroz ganha mais do que o Presidente da
República isso, além de compreender, eu proponho que
tentem adivinhar.
Carlos Queiroz ganha quinze mais do que o titular do
mais alto cargo da Nação porque:
a) Nós somos uma cambada de tansos (não é “mansos”
como disse o Francisco, mas não se preocupem que a
diferença não é muita)
b) Porque é preciso manter os portugueses
concentrados em coisas que não interessam para não
darem conta do que se passa à sua volta
c) A pessoa que escreveu o contrato de Carlos Queiroz
enganou-se nos números e ninguém a chamou à atenção
porque havia outra pessoa que também se tinha
enganado no contrato dessa pessoa. (A origem desta
sequência de pessoas que se enganam a escrever
122
contratos é incógnita até ao momento. Teme-se que seja
impossível alguma vez apurar o principal responsável.)
Escolha a sua opção e vá dizê-la a quem quiser. A mim
não que eu tenho mais que fazer.
123
Um grupo de homens encapuzados assaltou um posto dos
CTT na Maia. À hora do assalto o estabelecimento já
estava fechado, por isso tiveram de partir o vidro à
marretada. Os ladrões levaram dinheiro e ameaçaram os
funcionários.
Esta é a parte objectiva da notícia; a seguir vem, não
uma, mas três análises a este caso. (Catita, hã? Estavam à
espera de um artigo e acabam por ler três! Quem é amigo,
quem é?)
1 – A PERSPECTIVA DOS ASSALTANTES
O grupo de assaltantes de sexo não apurado – as
notícias podem tê-los descritos como homens, mas
podiam muito bem ser mulheres com voz grossa; com a
cara tapada não há como saber – chegou atrasado. Isso
revela, por um lado, falta de planeamento e, por outro,
falta de empenho. A desculpa do motorista que se
enganou no caminho ou a do parceiro que tinha de ir
levar a mais nova à dança não pegam. Se era para estar lá
antes daquilo fechar, só tinham era que se despachar.
Porém, o facto de terem as marretas à mão significa
que estavam já preparados para um eventual atraso.
Continuam a ter menos um ponto pelo desempenho geral,
mas o ponto extra que recebem por terem antecipado um
obstáculo ajuda a equilibrar as contas.
124
2 – A PERSPECTIVA DOS ASSALTADOS
Para os funcionários do posto assaltado, a acção dos
meliantes, além de danosa, foi parva.
“Ainda ontem 'tive aqui que tempos a esfregar o vidro
com produto que houve alguém lá fora que devia ter óleo
ou sei lá nas mãos. Encostou-se lá fora, 'tava aquilo cheio
de dedadas. Foi a manhã toda de roda daquilo pra ó
depois acontecer isto.” Palavras da dona Francisca,
responsável dos Serviços de Limpeza da Estação.
O Chefe da Estação disse não compreender o que se
passava na cabeça daquela gente. “O pessoal já tinha
vindo todo buscar o dinheiro das reformas. Não sei o que
é que vieram cá fazer àquela hora. Mais valia terem
batido à porta.”
3 – A MINHA PERSPECTIVA
Com que então um assalto com uma marreta? Isto está
bonito, está! Os meninos (ou meninas) por acaso não
tinham nada que desse mais nas vistas? Como é que
faziam para esconder a marreta? Dentro das calças?
Imagino as caras de espanto de quem se vos viu assim.
Eu até gosto de marretas e entristece-me ver esse
objecto nas mãos de alguém com tão pouco
discernimento.
“Baza assaltar os Correios com uma moto-serra!”
“Não sejas parvo! Com uma marreta é mais giro!”
“Iá!”
E os senhores dos CTT? Não podiam ter esperado um
bocadinho antes de fecharem a porta? Que mania!
'Tavam muito cansadinhos, era? Os Correios fecham às
125
seis e meia, o assalto foi ao fim tarde. Não deve ter
passado assim tanto tempo que não pudessem esperar
um bocadinho.
Agora, além do dinheiro que foi roubado, ainda vão ter
de desembolsar mais umas massas para comprar um
vidro novo. Tudo isto seria evitável se tivessem esperado
um pouco. Pode ser que vos sirva de lição para a próxima.
126
Um bom Primeiro-Ministro é como um bom pai.
Podemos não compreender as suas decisões, achá-las
desajustadas face à realidade, mas convém não esquecer
que eles estão cá há mais tempo e querem sempre o nosso
bem. Quantos de nós, quando crianças, fazíamos ouvidos
moucos às admoestações dos nossos pais, para agora
darmos por nós a repetir esses mesmos avisos? A cautela
– administrada na forma de expressões como “Rita
Patrícia, vê lá não caias!” ou “Não corras com a tesoura,
Armando Rafael!” – é algo que passa de pais para filhos.
Pensem nisto como sendo uma grande família. Cavaco
Silva é o avô, Jaime Gama é o tio e padrinho, José
Sócrates é o pai (por enquanto fica a faltar a mãe) e nós
somos os filhos. Uns são legítimos, outros bastardos. Tal
qual uma verdadeira família.
Lembram-se quando nos diziam para não fazer algo e
nós, levados da breca, íamos fazer precisamente isso? O
que é que acontecia? Algumas vezes não acontecia nada e
nós ficávamos convencidos de que a nossa imaturidade
infantil era mais sábia do que toda a experiência de vida
dos nossos pais. Na maior parte dos casos, porém,
acontecia exactamente aquilo que nos tinham dito que ia
acontecer ou pior. Quando assim era passávamos a olhar
para os nossos pais com um misto de amor e terror. Amor
porque nos tinham tentado poupar a esse infortúnio e
127
terror porque tinham previsto o futuro. E ter um pai que
prevê o futuro é algo que retira muito do gozo de ser
criança. Um miúdo está sujeito a ser posto de castigo
antes de ter feito a asneira.
Outra característica dos pais é terem uma noção do
apetite do seu filho mais apurada do que a própria
criança. Eu lembro-me de ir a um restaurante e querer
três bifes. A minha mãe achou que eu só queria dois. E
estava quase certa. Acabei por comer um e meio. Os pais
conhecem-nos melhor do que nós próprios.
No caso dos nossos governantes, podemos fazer a
mesma analogia. Nós somos como crianças, ávidas de
comida e brinquedos e o Governo é o pai que sabe o
melhor para nós. Assim se explica porque é o desemprego
é cada vez maior em Portugal. Não tem nada a ver com
crises internacionais ou com más políticas governativas.
Pelo contrário, é tudo muito bem pensado e tem apenas a
ver com o facto de nós, assim que temos algum, irmos
logo a correr gastá-lo. Pensem em todas as famílias que
estão endividadas por terem recorrido a crédito “fácil” e
facilmente entenderão o que eu quero dizer.
Esta semana José Sócrates visitou a AutoEuropa, em
Palmela, e disse que o crescimento do desemprego “está a
abrandar”. Alguns dizem que é um “efeito sazonal”, mas
esquecem-se de mencionar o ar preocupado do PrimeiroMinistro ao comunicar isto ao país. José Sócrates não
estava orgulhoso disto. Ele sabe que nós não estamos
preparados para uma reviravolta dessa natureza.
Habituados que estamos à precariedade e às crises
conjunturais, o contacto com a prosperidade e o
128
desenvolvimento seria um choque demasiado violento
para muitos de nós.
129
Na mesma semana em que decorreram as eleições para
Presidente da Alemanha, um deputado da CDU propôs a
realização de um teste de inteligência a todos os
imigrantes que queiram entrar na Alemanha. (Faço aqui
um parentesis para explicar a algumas pessoas que a
CDU alemã é o CDS português.)
A realização de um exame para quem pretenda obter a
nacionalidade de um país do qual não é natural é algo
comum a muitos países. Na Alemanha, esse exame avalia
conhecimentos sociais e culturais sobre o país. Entendese que queiram fazer o exame para terem a certeza de que
vão receber alguém que gosta muito, ou que sabe muito,
sobre o seu país. O que não faz muito sentido. Não é por
alguém estudar muito para um exame, que passa a gostar
dessa Cadeira.
Desconfio que o deputado que propôs este teste de
inteligência tenha chegado a esta conclusão. Talvez o
número de imigrantes que passam no exame de
naturalização tenha aumentado bastante nos últimos
anos. É apenas uma de muitas diferenças entre a
Alemanha e Portugal. Lá, quando há uma súbita subida
de resultados positivos, decidem verificar para ver se bate
tudo certo; cá, quando temos alunos a dizer que o exame
nacional de Matemática “foi facílimo” é apenas o resultado de boas políticas educativas.
Na Alemanha, das duas uma: ou o pessoal estava a
130
usar cábulas ou andavam a marrar que nem uns marrões.
O deputado quer que eles façam esta prova para ter a
certeza de que só lá ficam os realmente inteligentes. O
que parece ser uma ideia francamente estúpida. A
perspectiva de viver num país onde todos são inteligentes
parece muito bonita, mas e depois? Como é que o
Governo funciona se só tiver cidadãos aptos a questionálo a cada decisão? Como é que os patrões enganam os
empregados? Isto, se existirem empregados.
Realmente, uma ideia destas, vinda dos senhores que
querem vir para cá fiscalizar o nosso Orçamento de
Estado, não parece uma coisa muito acertada. Não seria
melhor, em vez de um teste de inteligência, um teste de
inteligência emocional? Em vez de verificarem o que a
pessoa sabe, porque não verificar o que a pessoa sente?
Há tanta revista com testes desses. É só escolher um
entre milhares de enunciados disponíveis em qualquer
papelaria ou quiosque e pronto. Seria muito mais seguro.
Cá em Portugal tenho algumas dúvidas de que isto
fosse resultar da maneira pretendida. A não ser que se
escolhesse uma de duas possíveis formas de aplicação: ou
aplicava-se apenas a portugueses burros ou aplicava-se a
toda a gente sem excepção. E isto deixa-me dividido.
Por um lado, não me importava de viver num país só
com pessoas inteligentes, sem chicos-espertos. Por outro
lado, receio que a ausência de portugueses pudesse pôr
em causa a nossa identidade nacional. Por exemplo,
visitar locais públicos e ler indicações em várias línguas,
menos em português, ou mesmo, usarmos um
instrumento sul-africano como a vuvuzela para apoiar a
131
Selecção Portuguesa de Futebol. Enfim, nada que pudesse
acontecer num país como o nosso.
132
Soube hoje da primeira opinião publicamente
manifestada em relação a uma crónica humorística da
minha autoria publicada no jornal O RIO. A crónica em
questão fazia referência a uma série de eventos que
tinham sido levados a cabo por grupos ou simpatizantes
anarquistas.
O blogue ALHOS VEDROS AO PODER já me era
familiar, não apenas de nome, mas também pelo “outwall”
à entrada de Alhos Vedros. Visitei-o uma vez há uns anos
atrás e nunca mais lá voltei. Não por concordar ou
discordar das suas reivindicações, apenas porque prefiro
blogues em que as vírgulas e outros sinais de pontuação
são usados correctamente. Além disso, aquela panóplia
de cores garridas e os pedaços de texto em
destaque fazem-me mal aos olhos. Já me tinham dito
que ler em transportes públicos pode causar um
deslocamento da retina. Por recear que o mesmo, ou pior,
pudesse acontecer se continuasse a ler aquele blogue,
decidi não ler mais.
No dia 4 de Julho voltei lá e com cautela (não fosse o
texto estar escrito assim), lá fui eu ler o artigo.
Opiniões à parte, tenho de dar algum valor ao que lá vem
escrito. Por exemplo:
O escriba quando se refere a Anarquia como
sinônimo de desorganização poderia talvez se o
133
soubesse o que duvido, estar a referir-se a Anomia
que isso sim é sinónimo de caos e desordem que
advem duma situação calamitosa a que o estado e os
poderes levam uma população ou um País, como é o
caso de Portugal que se encontra à beira da Anomia.
Viram? Sem saber o que era a Anomia, acabei por
escrever um artigo sobre esse fenómeno. Por acaso,
estava convencido que Anomia fosse uma variante de
Anemia, exclusiva de pessoas com o tipo de sangue O.
Agradeço ao blogue ALHOS VEDROS AO PODER por me
ter esclarecido.
Como este meu crítico aponta, e bem, além de não
perceber nada de anarquia Anarquia, eu ainda tento fazer
troça de algo que me é “manifestamente desconhecido”.
(Eu tenho a mania de gozar com assuntos sobre os quais
não sou formado academicamente. Também insisto em
escrever sem utilizar cores berrantes ou sem destacar
trechos de texto para dizer aos meus leitores “Eh pá! Esta
parte aqui é IMPORTANTE! Leiam ISTO!”)
Confesso que desconhecia a cláusula que diz ser
proibido fazer humor seja com o que for se não formos
mestres nessa matéria. Em relação à Anarquia, uma vez
que não sou politólogo para dissertar sobre esse tema, o
que eu fiz foi pegar na concepção que a sociedade em
geral tem do mesmo e hiperbolizá-lo. É uma cena que se
faz em humor.
Fico a imaginar como se comportará este meu crítico
num espectáculo de comédia.
134
Há um tipo de hospital que nunca recebe reclamações: o hospital psiquiátrico. Não é que não
recebam, mas eles têm um argumento que nunca
falha:
“Não liguem ao que ele diz. Vê-se logo que o
tipo não bate bem.”
Para mim, isto é uma simples piada. Para o meu crítico
será matéria para um artigo sobre a minha ignorância em
relação a hospitais psiquiátricos. Previsivelmente com
vírgulas, mal, colocadas, e pedaços de texto em
grande destaque.
135
Há gente que não sabe o que quer. Pedem carne, dão-lhes
carne, e afinal querem peixe. Aquele casal gay no Swahili
que tanto lutou para que o seu casamento fosse
reconhecido – lembram-se deles? - separou-se há umas
semanas atrás. Queriam tanto, queriam tanto – um deles
(ou ambos) chegou a estar preso – e assim que lhes
disseram “Pronto, vão lá à vossa vidinha.” um deles
descobriu que afinal quer é gajas. Se isto não é gozar, não
sei o que é.
Esta onda de “vira-casaquismo” está a alastrar de
forma progressiva a tudo o que se possa imaginar. Das
quais a mais a preocupante é, sem dúvida, o mundo do
trabalho e do emprego. (Diferença principal entre uma
coisa e outra, só para não perdermos muito tempo:
emprego é o que nos arranjam, trabalho é aquilo que
custa a manter). Antigamente ninguém queria ser
empregado, queria tudo ser patrão. É claro que não
haviam condições para serem todos patrões, por isso o
que os empregados faziam era pôr algum dinheiro de
parte e...
Como? O que é isso de “pôr algum dinheiro de parte”?
Bem, é mais ou menos isto: você tem um salário, certo?
Subsídio? Não importa. Portanto, você recebe o subsídio,
paga as suas continhas, compra a comidinha,
medicamentos se for caso disso. Não é? Óptimo para si,
mau para as farmácias. (Não seja forreta. Uma
136
constipaçãozinha ou uma bronquite de vez em quando
não custa nada e é um incentivo ao desenvolvimento do
comercial local e legítimo da sua área de residência.)
Como eu dizia, você recebe o dinheiro, gasta-o no que
tem a gastar e depois aquilo que sobra...
Ah! Não sobra nada? Mas vamos supor que sobra,
pode ser? Óptimo.
Então, o que se passava era que os empregados
punham algum de parte para depois investirem no seu
próprio negócio. Certa vez disseram-me que o pior patrão
é aquele que começa por baixo. Essencialmente porque
conhece as manhas todas que o pessoal inventa para estar
na ronha. Algumas dessas técnicas até foram patenteadas
por ele nos seus dias de subordinado. São tão maus que
quando vão para patrões de si mesmos até consigo
ralham.
Durante anos este era um cenário para quem podia,
não para quem queria. Entretanto, vieram as empresas
na hora (mentira que são 67 minutos) e foi uma explosão
de empreendedorismo que foi uma coisa parva. Nessa
altura até quem não queria ser empresário e patrão,
podia sê-lo.
Entretanto, o cenário mudou. Há quem diga que a
culpa é do mercado, outros que é da falta de zelo ou de
visão estratégica. O que seja. O que é certo é que
começam a aparecer muitos patrões que querem ser
empregados. São mais explorados e tal, recebem menos,
mas não têm tantas chatices.
Até na política nós somos indecisos. Recuemos aos
anos 90. Sai Cavaco (PSD), entra Guterres (PS); sai
137
Guterres (PS), entra Durão (PSD); sai Durão (PSD), entra
Santana (Fanfarra); sai Santana (Fanfarra), entra
Sócrates (PSD, PS perdão). É uma indecisão que enerva.
138
O nosso senhor Presidente, que tantos consideram tão
carismático quanto um rolo de papel celofane – para mim
sempre foi mais tipo papel couché – não consegue
esconder que é, foi e sempre será um político. Goste-se ou
não de Cavaco Silva, é inegável que ele nos tem brindado
com belos momentos de postura presidencial. Desde
interromper as suas férias para falar do Estatuto Político
dos Açores a não interromper as suas férias para estar
presente no funeral do único Nobel Português da
Literatura.
Há muitos que consideram que a presença de Cavaco
Silva no funeral de José Saramago seria um acto de
hipocrisia por parte do Presidente da República. Dado o
comportamento de Cavaco Silva aquando da nomeação
do escritor para o Nobel, é provável que tenham razão.
Contudo, imaginando o jeito que o nosso Presidente da
República tem para citar poetas portugueses do século
XVI, não posso deixar de ficar curioso sobre como seria
uma citação sua do autor do Memorial do Convento.
Com relativa frequência, Cavaco Silva é questionado
pela Comunicação Social sobre determinado caso ou
alguma acção do Governo. Invocando o estatuto
presidencial tem conseguido evitar responder a essas
139
questões sempre que o deseja. Por outro lado, quando
deseja responder, e é aqui que o talento do mestre se
revela, é capaz de fazê-lo de forma tão ambígua que a
certeza do que disse é igual à dúvida do que afirmou.
A última performance de Cavaco Silva neste desporto
da retórica surgiu após o advogado Proença de Carvalho
ter desafiado o Presidente ao incentivo da criação de um
bloco central. (E eu que julgava que já havia!) Cavaco
Silva estava em Cabo Verde quando respondeu: “Eu
saberia como responder. Mas aqui, em Cabo Verde, não
poderia dizer sobre o assunto uma única palavra.”
Em Cabo Verde não pode dizer nada? Porquê? Por
causa do fuso horário? Por causa do clima? Isto é
demasiado parecido com a seguinte situação: dois
sujeitos estão prestes a andar à porrada e o mais forte é
afastado pelos amigos e outro fica logo todo fanfarrão.
Muitas vezes ao ponto de dizer, “Eu vi logo que o gajo
'tava-se a armar. Era mais que certo que eu lhe fazia a
folha”
Por fim: “Não poderia dizer sobre o assunto uma única
palavra”? Tudo bem que o Presidente da República não
pode falar como qualquer um, mas quem é que fala assim?
Ou melhor, quem é que escreve assim? Isto é demasiado
parecido com um mini-discurso memorizado para soar
espontâneo. Um pouco mais de naturalidade não lhe fazia
mal nenhum.
140
Quem criticou as declarações do senhor Procurador Geral
da República, sobre a nossa justiça ser a melhor a nível
europeu, deve ter ficado com um melão bem grande
quando se soube que Joaquim Fernandes vai ser o único
acusado pelo Ministério Público pelo acidente de 27 de
Novembro de 2009, na Avenida da Liberdade, Lisboa.
Joaquim Fernandes, cabo da GNR, estava a trabalhar
como motorista do carro do secretário-geral da
Segurança Interna, Mário Mendes. A Procuradoria-Geral
Distrital de Lisboa afirma que os factos apurados indicam
o motorista como o “único responsável do acidente”. Está
acusado de “condução perigosa de veículo rodoviário”,
crime punível até três anos de prisão.
Nesse mesmo dia, Mário Mendes estava atrasado para
a tomada de posse de 18 governadores civis. (Esta
desculpa resulta sempre.) Foi por esse motivo que
Joaquim Fernandes violou várias regras de trânsito. E era
um bocado difícil não o ter feito, já que Joaquim
Fernandes era um cabo da GNR e o homem que ele
transportava, além de seu chefe, era chefe da polícia.
Calhou passar um sinal vermelho, calhou serem
abalroados pela viatura oficial do Presidente da
Assembleia da República. Mas imaginem que, em vez
disso, tinha acontecido o seguinte: Joaquim Fernandes,
supostamente seguindo ordens do seu patrão, passava
141
um sinal vermelho. Um militar da GNR vê a infracção e
manda-o encostar o carro. E depois? Quem é o idiota que
vai multar o próprio patrão? Como é óbvio, ninguém.
Demorou-se menos de um ano para se chegar a estas
conclusões e, infelizmente, sinto-me pouco seguro, diria
mesmo assustado, quanto ao que foi apurado. Que Mário
Mendes tenha fugido com o rabo à seringa da
responsabilidade duma situação da qual foi parcialmente
responsável não me surpreende. Assim como não me
surpreende não ter sido condenado. Não só pela razão
mais óbvia como por qualquer outra que possam
imaginar. Também não me surpreende que este caso
tenha sido julgado tão depressa, quando outros mais
simples e evidentes demoram anos e anos. Nada disso me
surpreende ou assusta.
O que me assusta mesmo é ver Mário Mendes,
secretário-geral da Segurança Interna, o “Super-Polícia”
como alguns lhe chamam, ir à SIC Notícias falar do caso e
dizer que “não se lembra”, “não se recorda”, “não tem a
certeza”, etc. Um bocado como Dias Loureiro, Oliveira e
Costa, Armando Vara, ou qualquer outro elemento
questionado por uma Comissão de Inquérito. Com uma
diferença: Mário Mendes é secretário-geral da Segurança
Interna. É alguém cujo rigor e tenacidade deveria ser um
exemplo para as forças de segurança e para o cidadão
comum. É alguém que deveria saber dizer,
objectivamente, o que ocorreu. E objectivamente não
implica ser verdade, apenas verosímil. Porque antes de
nós acreditarmos na patranha, primeiro ele tem de se
lembrar qual é.
142
A melhor forma de dar remédios aos putos, comprimidos
por exemplo, é misturá-los com leite ou sumo. Eles
papam aquilo que é uma maravilha. Possivelmente com
base nesta ideia, a actriz porno Bobbi Eden promete fazer
sexo oral a todos os seus seguidores no Twitter caso a
Holanda vença o Mundial. Se considerarmos que Bobbi
tem cerca de vinte mil seguidores nessa rede social,
aquilo é coisa para dar umas valentes caimbras.
Felizmente, Bobbi não vai estar sozinha nessa árdua
tarefa. Há duas colegas que estão dispostas a ajudá-la.
Eu até nem gosto muito de futebol, mas admito que...
Vistas as coisas, não é um desporto assim tão mau. Tem
emoção, tem acção, tem intriga, jogadas arriscadas. E
para além de tudo isto temos os jogos em si. No entanto,
por ser alguém para quem o futebol não diz assim muito,
esta proposta da Bobbi, por muito tentadora que seja, não
se resume a isto.
Não é a primeira vez que se fazem promessas do
género em campeonatos mundiais. Natalya Sverikova,
actriz porno da Bielorrússia, prometeu uma noite de sexo
ao representante bielorruso no Campeonato de Xadrez de
Países do Leste em 1999. Melodie Papamos, conhecida
stripper franco-grega, prometeu uma lap-dance a Viktor
Tessailikis se este conseguisse o primeiro lugar nas
Jornadas da Filosofia em 1982. Exemplos não faltam, o
143
que falta é o porquê?
Porque é que Bobbi Eden fez esta proposta? Porque é
holandesa e quer ver o seu país vencer parece ser a
resposta mais sincera, mas será mesmo por isso?
À data do seu anúncio, Bobbi tinha cerca de vinte mil
seguidores no Twitter. Neste momento deve ter, no
mínimo, o triplo ou o quadruplo disso (e estou a fazer a
coisa por baixo; salvo seja). Supondo que ela defina como
limite máximo o número de fãs que tinha à data do
anúncio. Vinte mil a dividir por três dá cerca de 6667
gajos por boca. Tudo bem que são actrizes porno e estão
habituadas a estas coisas, mas dá-me ideia de que elas
não estão assim tão convictas na vitória da Holanda.
É como um pintas prometer à sua gaja que lhe compra
um anel de noivado se nevar na Praia do Meco. Ou um
tipo prometer que corta o pénis com uma Gillete se
Portugal entrar numa rota de expansão e progresso. São
situações tão impossíveis, ou improváveis de acontecer
que podemos prometer o que seja que dificilmente
teremos de cumprir essa promessa.
Por outro lado, parece que a Holanda até tem uma boa
equipa. No dia da grande Final, milhares de pessoas,
espanhóis incluídos, vão seguir atentamente a final e
rezar pela vitória da “laranja mecânica”. Durante o jogo
em si, não me admiro que a Espanha marque uns quantos
autogolos, só para que alguns jogadores garantam acesso
a um prémio muito especial. Por tudo isto, não tenho
dúvidas que o único apoio que Espanha terá nessa Final
(não assumidamente, é certo) virá de Bobbi Eden e das
suas duas amigas.
144
Aprecio deveras a existência daquela barreira entre a
realidade e a ficção. Detesto quando essa barreira é
desrespeitada e certos assuntos, que mais parecem
retirados duma telenovela, saltam para a ribalta.
Uma magistrada dos submarinos tem relação com
líder de entidade que fez peritagem de processo. E depois?
Acham que é por aí que a coisa vai descambar? Querem
ver que é que agora que vamos descobrir que a corrupção
não teve nada a ver com o caso? Que tudo não passou
duma história de amor?
Para alguns isto deve parecer muito bonito – e aposto
que vão passar a acompanhar o caso com mais atenção –
mas esquecem-se do descrédito que isto causa às nossas
instituições. A corrupção atravessa uma bela fase no
nosso país, tem feito muito pela nossa imagem lá fora e
não merecia ser tratada desta forma.
A corrupção é boa para a economia. A pessoa
corrompida recebe dinheiro para fazer algo pelo
corruptor. Com o dinheiro que recebe pode ir às compras
e isso ajuda ao desenvolvimento do comércio. Às vezes, a
pessoa é corrompida para permitir que o corruptor faça
algo. Nesta situação, além do corrompido continua a ter
dinheiro para investir, aplica-se uma particular forma de
acordo laboral que muitos patrões não desdenhariam:
pagar para trabalhar. Imagino alguns patrões a lerem
145
estas palavras e a pensarem, Ahhh, se fosse possível...
É desmotivante o Caso dos Submarinos, depois de
tanta polémica, de tanta notícia, de tanto relatório,
acusação, etc., estar em risco de ser anulado devido a
uma relação amorosa. Não apenas pelas razões que já
adiantei, mas por todas as mudanças que daqui virão.
A comunicação social em Portugal divide-se em três focos: a que investiga e publica notícias relevantes, a que
tenta fazer isso e não consegue e a que relata cenas da
vida privada. Eu esperava que este caso tivesse o percurso
habitual que todos os casos polémicos costumam ter.
Manchetes em jornais de grande tiragem, artigos em
revistas semanais de renome e, por fim, um decrescer do
interesse jornalístico na matéria até esta não ser mais do
que informação consultável via Internet. Aconteceu com
o Caso Freeport, com o Caso Portucale, e com muitos
outros.
É lamentável, mas esta história vai passar para as
revistas do social. Vamos passar a conhecer a vida da
magistrada e do seu namorado. Vamos ver fotos da casa
dele e dela. Descobrir que taras sexuais é que os movem.
Se acreditam em Deus ou nos Signos do Zodíaco. Como
ficaram comovidos com a morte duma figura pública que
não lhes dizia absolutamente nada. Enfim, todos os fâitdivers que são expectáveis (e não “esperáveis”, como
alguém disse) em publicações dessa estirpe.
Este caso interessava-me enquanto era notícia, agora
que é uma telenovela terei de arranjar outra coisa para
ocupar o tempo.
146
Costuma-se dizer que quem não chora, não mama.
Perdoem-me os mais sensíveis pela linguagem, mas os
ditados populares são como são.
Tentei ouvir o debate sobre o Estado da Nação
enquanto este decorria. Infelizmente, a essa hora eu
estava a trabalhar – ao contrário de muitos dos presentes
no Parlamento; excepção feita ao pessoal do Bar e outros
serviços – e só consegui escutar o rescaldo quando
cheguei a casa.
Já se sabe que nestas coisas de debates nunca se chega
a um consenso. O Governo diz que está tudo bem, a
Oposição diz que está tudo mal. Com mais ou menos
surpresa, cada facção defende o seu ponto de vista. Não
se espera nada de novo vindo daqui.
Porém, como eu costumo dizer, a política é como a
vida: quando menos esperamos, somos surpreendidos. E
de que maneira!
O que o Paulinho fez parece próprio de um bipolar,
mas tem muito que se lhe diga. Por um lado, manda o
chefe do Governo sair; por outro, pede a esse mesmo
chefe que lhe arranje uma cunhazinha no executivo. Aliás,
não pede só para ele. Pede para o amigo também. Ou
conhecido. Ou pessoa de outra força política muito
semelhante à sua. E à do Governo também. Isto não é
para qualquer um.
147
Imaginem isto acontecer noutros cenários sem ser na
política. Numa reunião de accionistas, por exemplo. O
CEO está reunido com os accionistas a apresentar os
resultados do período anterior e o modo como as suas
decisões levaram a empresa até àquele ponto. Tudo muito
calmo, muito solene. Algumas perguntas de vez em
quando, nada de mais.
De repente, entra o Paulinho por ali adentro e diz:
“Não oiçam o que este senhor diz que é mentira! Devia ter
era vergonha na cada! A mentir aos senhores accionistas
desta maneira!”
E depois aproxima-se do CEO e diz-lhe, “Oiça lá, não
me arranja aqui um lugarzinho? A tirar cópias ou assim?
Ah! E já agora, se pudesse ser, veja lá aí qualquer coisa
para o meu vizinho. Você sabe quem ele é. Costuma ter
aulas de tango consigo.”
Fico contente por isto não acontecer no mundo
empresarial, embora não deixe de lamentar por acontecer
no mundo da política. Paulo Portas tem um sonho e por
isso arriscou a sua sorte. Ele quer que o PrimeiroMinistro abandone o cargo e, ao mesmo tempo, lhe
arranje um lugar no Governo. Um sonho estranho, é certo,
mas não estamos aqui para julgar. Talvez o seu desejo se
concretize. Coisas mais inesperadas já aconteceram.
148
É verdade que muitas pessoas entram na política para se
orientarem, mas também é verdade que há outras que se
debatem por causas nobres. Pessoalmente, prefiro as da
segunda categoria; já em termos de espectáculo as da
primeira são incomparáveis. Gosto de ver o Canal
Parlamento e quando há debate, há peixarada quase
garantida. Já quando se trata de uma Comissão, em que é
tudo muito “Com certeza, senhor doutor.”, a coisa tornase demasiado chata. A não ser que seja uma Comissão de
Inquérito (tipo BPN ou PT). Aí sim, há galhofa. Só é pena
é estarem a gozar connosco.
No nosso Parlamento só vejo isto, mas parece que lá
fora é diferente. Eu julgava que os deputados do
Parlamento Europeu quisessem ir para a Europa pelos
mesmos motivos por que vão para os Parlamentos dos
seus países; porém, numa escala mais ampla. Acontece
que isso não acontece. (A frase não deixa de estar certa,
apesar de ser foleira.) No Parlamento Europeu há lugar
para uma terceira categoria, perceptível a partir do
seguinte exemplo:
Mario Borghezio, eurodeputado italiano eleito pela
Liga Norte, propôs a criação de um Centro Europeu de
Estudo de OVNIs.
Antes de mais, eu acredito que o nosso planeta não
seja o único com vida inteligente no Universo. Digo isto
pelo facto da Terra nunca ter sido visitada – para alguns
149
isso é sinal de que não existem visitantes, para mim isso é
sinal de inteligência. (Também pode ser falta de oferta.
Proponho uma campanha turística à escala mundial.
Deixamos de fora os países mais feios. Ou não. Talvez
eles gostem de coisas feias. Não estamos lá para julgar.)
Perdi-me um pouco. Desculpem-me. O que dizer desta
terceira categoria? O Centro Europeu de Estudo de
OVNIs parece-me uma boa ideia para um filme, não para
algo financiado pelo nosso dinheiro. Por outro lado,
imagino que os institutos e centros de pesquisa e outras
coisitas com fins credíveis já tenham sido todos usados.
Isso obriga os proponentes a serem um pouco mais
rebuscados.
Cá, pode-se criar, o CADESNAPAFA (Centro de Apoio
aos Deputados Europeus Sem Nada Para Fazer), ou o
IPFAPETEF (Instituto dos Passageiros que Ficaram
Apeados Porque uma Empresa Turística Espanhola
Fechou). É só uma ideia. Não é muito boa, eu sei, mas se
comparada com algumas ideias oficiais, não é tão má
quanto isso.
150
Um estudo publicado recentemente pela Forbes e pela
Gallup concluiu que o índice de felicidade dos
portugueses é inferior ao dos paquistaneses. Numa altura
em que o mundo atravessa uma profunda crise financeira
é refrescante existir quem se preocupe em medir a
felicidade. Diz o ditado que o dinheiro não traz a
felicidade; estranhamente, a falta dele também não.
Não contesto os resultados do estudo. Quer dizer, não
por completo. Portugal está na 70ª posição; no fundo da
tabela estão o Ruanda (148ª) e o Haiti (144ª), países
cujos habitantes não têm assim muitas razões para
estarem felizes.
Digo eu. Antes, ainda se podia contar esta piada:
Um ruandês cruza-se com um haitiano e diz o
ruandês:
“Então e aquele terramoto, pá?”
“Nem me digas nada! Fiquei sem casa, sem trabalho.
Enfim...E tu, como é que vais?”
“Cá vou andando. A minha família foi toda chacinada
esta semana. O costume.”
E diz o haitiano:
“Ao menos não estamos em Portugal.”
Agora já não.
Como eu dizia, não contesto a segunda metade da
tabela, mas faz-me alguma confusão que a Dinamarca e a
Suécia tenham ficado nos primeiros lugares. A
151
Dinamarca e a Suécia podem ser muito boas na Educação,
nas Finanças, na Economia, no desenvolvimento; por
outro lado, são também os países europeus com a mais
elevada taxa de suicídio.
Assim é fácil ficar em primeiro! Os macambúzios
matam-se todos e só ficam os felizes! Lá está porque é
que alguns países não querem trabalhadores emigrantes,
principalmente portugueses – a saudade deixa-nos tristes
e eles não querem isso. Querem trabalhadores felizes.
Como os paquistaneses, por exemplo.
Mas que raio é que os paquistaneses têm para serem
mais felizes do que nós? Na prática temos a mesma coisa:
um país vizinho com o qual se disputa uma terrazinha e
habitantes que se queixam dos trabalhadores
estrangeiros fazerem os trabalhos que os locais não
querem fazer. Porquê tanta felicidade? Não se percebe.
Todavia, é bom não esquecer que o Paquistão tem um
programa nuclear. Portanto, se calhar a questão não é
porque é que o Paquistão é mais feliz que Portugal, e sim
porque é tão pouco mais feliz. De 70 para 58 a distância
não é muita e nós não temos propriamente a melhor
imagem para quererem ser nossos vizinhos a não ser que
sejam obrigados a isso. Estar próximo de nós pode
contaminar os paquistaneses com saudade e tristeza e
pessoas tristes com bombas nucleares são uma péssima
combinação.
152
Como sabem, eu não ligo ao futebol. Mas não é por isso
que deixo de estar atento ao que se passa nesse universo;
principalmente o que transcende para a vida do dia a dia
de nós, comuns mortais. Sei que estamos na pré-época,
sei que é nesta altura que os clubes apresentam e
procuram novas aquisições. É uma época de oferta e
procura; de negócios, em suma.
O tema deste meu artigo – lamento a desilusão, mas
vocês já deviam saber – não tem a ver com futebol, e sim
negócios. Em particular, um que foi sugerido esta semana.
Apesar dos eventos que antecederam esta proposta serem
difíceis de equacionar, vou tentar fazer um pequeno
resumo para que estejamos todos na mesma onda.
Ora bem, primeiro havia um sucateiro que oferecia
prendas, depois havia um gestor de um banco, que era
amigo dum primeiro-ministro, que por sua vez talvez
conhecesse um certo administrador. Água vai, água vem,
essas pessoas, que falavam muito ao telemóvel, a
tratarem dos seus negócios e tal, deram por si envolvidas
num caso de polícia.
Veio então alguém que pôs tudo em segredo de justiça;
depois veio alguém que disse “Não senhor!” e atirou o
segredo de justiça pela janela e ninguém sabia o que é que
se podia dizer. Surgiu então um jornal que disse que ia
publicar algumas das conversas que o tal administrador
teve com certas pessoas. E ele, envergonhado, disse, “Não
153
façam isso que eu tenho uma voz muito nhonhó ao
telefone. Olhem que eu vos processo.”
No dia seguinte, ao raiar do Sol, lá vinham as
conversas publicadas. E o administrador pôs um processo
ao jornal, dizendo que o jornal era mau, era feio. E depois
veio um Tribunal que disse “Tadinho do administrador.
Só porque ele está envolvido em moscambilhas não é
razão para o aborrecerem. Agora, para castigo, vão-lhe
pagar 750 mil euros.”
Entretanto, num bonito gesto de altruísmo, o
administrador disse que que está disposto a perdoar o
jornal pela maldade que fez. Numa atitude digna de lhe
conceder uma canonização, se o jornal não tiver dinheiro
para lhe pagar, ele aceita ficar dono do jornal.
Estava convencido de que estas histórias só
aconteciam no Natal ou nos filmes. O Darth Vader, por
exemplo, é mau o tempo todo, mas no fim fica bom.
Neste caso, o administrador só não perdoa a dívida. Devo
dizer que o compreendo perfeitamente. As chamadas
telefónicas estão cada vez mais caras.
154
O Bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Comissão
Episcopal da Pastoral Social, D. Carlos Azevedo, apelou
aos políticos cristãos para que doassem vinte por cento
do salário para um fundo social destinado aos pobres.
Num bonito gesto de solidariedade, políticos da esquerda
à direita foram solidários na recusa do apelo. E ainda
dizem que a classe política não é capaz de se unir por
valores mais altos!
A deputada Teresa Venda justificou a sua posição com
argumentos um bocado forçados
“Não posso doar uma parte do meu ordenado como
deputada porque já dou parte para ajudar uma família em
concreto.”
Dum ponto de vista superficial, quase que dá vontade
de rir; do meu ponto de vista dá mesmo vontade de rir.
Que se recusem a doar vinte por cento do seu salário é
algo a que só aos próprios diz respeito. Não querem dar,
não dão e ponto final. O problema começa quando se
tentam justificar.
A senhora deputada não quer doar parte do seu
ordenado como deputada porque já dá uma parte para
ajudar uma família em concreto. Qual família?
Provavelmente a sua. O exemplo começa sempre em casa
e se Teresa Venda não for boa para os seus, não será para
os outros. Aliás, é por ser boa para os seus que se recusa a
ser boa para os outros.
155
A proposta de alteração de feriados apresentada pela
deputada, que iria criar mais quatro dias de trabalho por
ano e aumentar o Salário Mínimo Nacional, pretendia
combater esse problema. De fora só ficariam aqueles
pobres que nem têm dinheiro para trabalhar. (É bem
feito! Não trabalham, também não recebem.)
“A Igreja quer mais um subsídio, mas a pobreza
resolve-se com o atender às condições específicas de cada
família, porque cada família é um caso.” Acho bem. Lá
porque são pobres, isso não quer dizer que devam ser
todos tratados da mesma maneira. Alguns pobres
precisam de 109 euros por mês, outros de 111. São valores
totalmente díspares que obrigam cada caso a ser
devidamente analisado.
Maria José Nogueira Pinto não recusou o apelo; entendeu-o como um estímulo à consciência social. Em termos
práticos isso quer dizer o quê? “Eu não doo, mas estou
consciente de que há pobrezinhos”?
Restam aqueles que não se esquivam, mas atiram parte
da batata quente para outros. CDS-PP e BE partilham da
opinião que o apelo é feito, não só aos políticos, mas a
todos os que têm dinheiro. Esta consonância de opiniões
não significa, necessariamente, uma consonância de
razões. É como uma conta de matemática. 3+1 pode dar 4,
mas 2+2 também produz o mesmo resultado.
Manuel Alegre disse que já desconta muito nos
impostos e que “pagar impostos é necessário porque esse
é o primeiro dever dos cidadãos”. Já que em Portugal
quase que não há fuga aos impostos, nem desvio de
fundos, nem branqueamento de capitais, fico mais
156
descansado. Se em vez de usarem argumentos da treta
tivessem dito logo isto, a coisa teria ficado resolvida.
Deixava de haver matéria para este artigo, mas pronto.
Eu fazia o sacrifício.
157
Soube há dias que o ADN do Ozzy vai ser sequenciado. De
imediato liguei para o meu amigo David a dar-lhe os
parabéns. Após uma amena troca de palavras, ele
perguntou-me como é que eu soube que ele conseguira
fazer cem por cento numa música do Guitar Hero no
modo Professional. Perplexo, falei-lhe das notícias que
tinham vindo a público sobre o ADN do Ozzy vir a ser
sequenciado.
Foi aí que descobri que o Ozzy em questão não era um
dos cães do meu amigo David, mas sim Ozzy Osborne, o
ex-vocalista dos Black Sabbath. Julguei que pudesse
mesmo ser o cão do meu amigo, já que é o único cão que
eu conheço que ladra quando vê cães na televisão.
O protagonista do “hit” da MTV, Os Osbornes, foi escolhido pela empresa norte-americana Knome para fazer
parte deste projecto. Para estes cientistas que tocaram
numa mulher tantas vezes como num copo de cerveja, faz
confusão como é que alguém pode beber, fumar, inalar,
chutar e snifar tanto durante tanto tempo e ainda
continuar vivo.
Para ser sincero consigo, caro leitor, eu desconfio que o
objectivo destes cientistas não é bem aquilo que eles estão
a dizer. Tudo bem que sequenciar o ADN do Ozzy até
pode servir para o que eles dizem. Pode ter um “imenso
potencial científico”, pode ser tudo tudo isso. Mas o que é
de facto, é uma promoção moral.
158
Não é qualquer um que tem o seu ADN sequenciado.
Por norma, esta honra só é atribuída a personalidades
que contribuíram para o avanço da humanidade. Pessoas
como James Watson, Nobel da Ciência, e Craig Venter,
geneticista. Pessoas importantes, sem dúvida, mas totós.
No caso de Ozzy, ele, não só não fez avançar, como
também não avançou; é possível até que tenha havido
uma regressão.
Na galeria onde estão expostas as fotografias de todos
aqueles que tiveram os seus ADNs sequenciados, existem
dois tipos de expressão: os muito totós que estão
contentes de estar ali e têm um sorriso entre o parvo e o
solene, e os menos totós que, apesar de contentes pela
honra que lhes é atribuída, lamentam estar na companhia
de indivíduos daquela estirpe em vez de uma qualquer
modelo sueca e têm um sorriso algures entre o “bolas!
que cambada de totós!” e o “matem-me, por favor”.
Independentemente das reacções que possam haver,
inegável o ar cool que a presença de Ozzy Osborne neste
“panteão” vai dar a todos os presentes.
Agora que sabemos o que eles querem, é bom ter em
conta que esta brincadeira vai ficar em 35 mil euros.
Gastavam menos a encomendar duas ou três grades de
minis, alguma erva, duas ou três “peças de fruta” e pronto.
Não ficavam a perceber como é que alguém que bebia até
quatro garrafas de conhaque por dia, e que partiu o
pescoço uma vez, ainda está vivo, mas sempre passavam
melhor o tempo.
Quatro garrafas de conhaque parece muito; para
alguns portugueses é só um pequeno-almoço. Daí que eu
159
continue desconfiado quanto aos derradeiros objectivos
destes cientistas. Podiam obter resultados mais
conclusivos sequenciando o ADN de qualquer bêbado da
minha rua. Embora nenhum deles possua o carisma e o
talento de Ozzy Osborne, quando estão no pico da
bebedeira conseguem ser bastante divertidos.
160
Existem algumas expressões que me fazem confusão,
ditos populares cuja origem eu desconheço e cujo
propósito eu não desvendo. Rosado sol posto, cariz bem
disposto. Lua com circo, água traz no bico. Nunca faças
nada sem consultares a almofada. Quem tem medo
compra um cão. E por aí fora.
E depois existem aquelas expressões que, além de não
terem uma origem ou um propósito popular associado,
deixam-me extremamente irritado. Não é bem a
expressão em si que me irrita, é mais a sua constante
repetição. Assim que eu me explicar melhor, o leitor de
certeza que entenderá ao que me refiro.
Sabe aquele amigo ou conhecido de longa data, ou
colega de trabalho, aquela pessoa que, sempre que o vê, o
recebe sempre com a mesma expressão? É disso que eu
estou a falar. No meu caso, a frase em questão é: 'Tás fixe
ou vais para Peniche?
Começo pela pergunta mais óbvia e que é: uma pessoa
que não está fixe é porque vai, obrigatoriamente, para
Peniche? Eu já tenho estado não fixe por ir para outros
sítios que não Peniche. Sempre que tenho de acordar
cedo para ir, seja para onde for, não vou fixe. Outra! As
pessoas fixes são só aquelas que não vão para Peniche?
De onde vem este rancor que rotula as gentes de Peniche
de pessoas não fixes? Parem com isso.
161
Eu já fui a Peniche. Não posso falar da minha
experiência nessa terra, porque era ainda criançola
quando lá fui, mas duvido que os penicheiros apreciem
ver a sua terra associado a um dito depreciativo.
Dizer 'Tás fixe ou vais para Peniche? faz tanto sentido
como dizer 'Tás mouco ou vais para o Samouco?, 'Tás
porreiro ou vais para Aveiro?, 'Tás afoita ou vais para a
Moita?, 'Tás com medo [pronunciado mêde] ou vais
para Cantanhede?. E ainda: Perdeste o balde ou vais
para Mangualde?, Queres hortelã ou vais para a Sertã?.
Quem são os autores desta frase? Quem é que na sua
inspiração, criou este dito que atravessa gerações e
regiões? Essa pessoa estará ainda viva. Provavelmente
não. E provavelmente terá morrido de demência a julgar
pelo legado que deixou.
A quem me lê, a quem tenta criar ditos semelhantes,
aqui fica um esclarecimento:
Não pretendo frases com sentido. Tendo em conta o
que já existe, é impossível esperar por isso. O que eu
desejo que houvesse são mais frases. Podem ser mais
parvas e com menos sentido do que aquelas que são ditas
de norte a sul do país, mas se forem simples o suficiente
para alguns menos dotados conseguirem aprenderem
mais duas ou três frases, talvez eu não hesitasse tanto em
ir a determinados sítios, certo de que vou lá encontrar a
mesma ave rara de sempre que me vai receber com o seu
irritante 'Tás fixe ou vais para Peniche?
162
Há séries que só começo a seguir quando estão quase a
chegar ao fim, outras que só as descubro depois de terem
passado na televisão. O Caso Freeport quase que foi uma
dessas, felizmente tive um amigo que me emprestou a
primeira temporada e eu consegui ainda apanhar os
últimos episódios.
Já aqui falei do Caso PT/TVI. Fazer uma comparação
entre estas duas séries é algo inevitável. Há aspectos em
comum e aspectos distintos.
A principal diferença entre as duas séries está na
vertente internacional. Enquanto que o Caso Freeport
envolvia empresários ingleses, o Caso PT/TVI envolvia
empresários espanhóis. Outra diferença: personagens por
identificar. No Caso PT/TVI soubemos quem eram os
jogadores todos; já no Caso Freeport ficámos sem saber
quem era o Pinochio ou o Bernardo. (Bernardo deve ser
nome de código, só pode.)
Quanto aos aspectos em comum: ambas contam com a
presença de José Sócrates e gira em torno de negócios
obscuros entre responsáveis políticos e empresários.
Era capaz de falar aqui da série toda, mas vou limitar a
minha apreciação ao último episódio. Aos que ainda não
viram os últimos episódios, atenção que poderão haver
aqui spoilers.
Foi bom? Foi. Mas podia ter sido melhor.
163
A minha primeira crítica vai para a celeridade do
processo. Passámos dezenas de episódios a acompanhar o
julgamento, não havia meio da coisa ir para a frente e de
repente... caso julgado e a série acaba.
É verdade que existe a hipótese de uma spin-off ser
lançada dentro em breve e isso pode ter influenciado os
produtores a tentar despachar a história à pressa. A série
já começava a perder o seu fôlego e fazer mais episódios
ou mesmo uma nova temporada só para responder a
meia dúzia de questões seria um erro. Por outro lado, o
modo como aceleraram o julgamento também não foi a
melhor opção.
No final do penúltimo episódio Mário Gomes Dias,
magnífico no papel de Vice Procurador-Geral da
República que está em situação ilegal, dá um prazo final
aos investigadores do Caso Freeport para apresentarem
as suas conclusões senão “vai tudo pró badagaio”. É assim
lançado o último cliffhanger para uma das mais
espectaculares séries portuguesas de sempre.
O último episódio acompanha os investigadores na sua
derradeira tentativa de apanhar o grande peixe, o exMinistro do Ambiente que entretanto conseguira chegar a
Primeiro-Ministro. Em momento algum lhes passa pela
cabeça que o Vice Procurador esteja metido na confusão.
Lá por o seu patrão ter sido escolhido pelo homem que
eles agora perseguem, não é razão para desconfiar das
pessoas. Também se perdeu muito tempo com a cena das
27 perguntas que não chegaram a ser feitas, tempo que
podia ter e devia ter sido gasto de forma mais produtiva.
A melhor sequência: após saber que tinha sido
164
absolvido, José Sócrates lança um vídeo a salientar a sua
postura digna e a conservação do seu bom nome; por
outras palavras, “Toma! Toma! Toma!” Memorável.
165
Eh pá! Se há coisa que eu gostava de ser de novo, se
pudesse voltar atrás no tempo, era aluno. Não porque
tenha particular saudade das aulas, mas porque agora
quase que não precisaria de ir à escola para passar de ano.
Isabel Alçada, actual Ministra da Educação disse numa
entrevista ao jornal Expresso que pretende acabar com os
chumbos. Estou contigo, Isabel. Vamos acabar com os
chumbos implementando uma série de medidas que não
reduzam o grau de exigência dos professores, ao mesmo
tempo que deixam os nossos alunos mais capazes para
responder aos desafios que lhes serão propostos.
Não é assim? Então, como...
Ah! É vamos acabar com os chumbos, ponto. Tipo
varrer para baixo do tapete ou enterrar numa vala
comum. Assim não sei. Repara, continua a ser uma boa
ideia, não digo que não, não tanto para um livro, não para
uma medida do Ministério da Educação.
Eu sei que tu não gostas que alguns meninos fiquem
tristes por chumbar, compreendo isso perfeitamente, mas
tens de ver que, se acabas com os chumbos, há outros
meninos que vão ficar tristes. Meninos que estudaram
muito e que vão ser gozados por aqueles que não
estudaram nada e que vão passar de ano também. Pois é.
Não tinhas pensado nessa.
O teu problema não é falta de ideias boas. O teu
166
problema é perderes a noção do que dizes. Exemplo:
agora queres acabar com os chumbos. Vamos supor que
essa medida vai em frente e passa na Assembleia (PSD e
CDS-PP são contra, mas vamos supor que mudam de
ideias até lá). Se não existirem chumbos, como é que
julgas implementar aquela ideia do salto do 8º para o 10º
ano?
Não estou a dizer que não devemos ser mais
compreensivos para com aqueles alunos que, apesar de se
esforçarem muito, não conseguem atingir os objectivos
que lhes são propostos; só acho que, sem chumbos, a
coisa é capaz de correr mal. Imagina que precisas de um
advogado. A pergunta é muito simples: preferirias um
advogado que tivesse chumbado um ano em toda a sua
vida escolar ou um que só não chumbou porque houve
alguém que acabou com os chumbos?
Precisas de ir ao médico. Tens dois à escolha: o que
chumbou dois anos, estudou para melhorar o seu
aproveitamento e continuou, e o que teria chumbado
quatro anos seguidos se alguém não tivesse acabado com
os chumbos.
Mais do que uma questão de escolha, é uma questão de
segurança e coerência. Não sabe a tabuada, não passa.
Não sabe fazer um Z maiúsculo? Não passa. Entrou há
mais de vinte anos para o 1º Ciclo? Azar! Enquanto não
souber cortar o desenho pelo picotado não passa.
167
Acho que é seguro dizê-lo: estamos seguros. Não
completamente seguros ainda. Calma. Apenas seguros. O
que já não é nada mau. É verdade, minha gente querida
que eu adoro. O Tridente já chegou a Portugal e, não, não
me refiro a nenhum actor de filmes pornográficos nascido
nos arredores de Chernobyl; falo do submarino. O
primeiro de dois que nos custaram mil milhões de euros e
trocos. Já está no Alfeite, é bem bonito e faz-me sentir
mais descansado.
Apesar de toda a polémica em torno da aquisição dos
submarinos, da falsificação de documentos, das trocas e
baldrocas que se sabem e das que não se sabem, eu acho
que valeu a pena. Mais do que valer a pena, era algo que
fazia falta.
Nos últimos anos, Portugal tem tido graves problemas
de falta segurança. Principalmente no mar. Uma pessoa
não podia ir dar um passeiozinho à noite que apareciam
logo dois ou três pintas a cravar “trocos”. Sei que assaltos
e essas cenas também acontecem em terra e acho que
devia haver mais segurança em terra, mas a insegurança
no mar era demais. Digo isto, com todo o respeito pelas
pessoas que preferem passear em solo seco.
É por isso que eu estou contente por ter um submarino
a patrulhar as águas internacionais. Da próxima vez que
me apetecer ir dar uma volta subaquática, basta pegar no
168
meu escafandro e ir até à praia mais próxima.
Antigamente, quando queria ir passear debaixo de água e
sabia que era uma perigosa, não arriscava. Ficava em casa,
enchia o lava-loiça, enfiava a cabeça lá dentro e servia-me
de um tubo de PVC (daqueles que se usavam antigamente
para atirar cartuchos) como respirador.
Esta questão da segurança está, portanto, em vias de
ficar resolvida. Ainda teremos de esperar mais alguns
meses até que o segundo submarino, o Arpão, chegue a
Portugal. Por enquanto, temos de nos governar com um
único submarino de 500 milhões composto por uma
guarnição de 34 militares (comandante incluído).
E é aqui que sou obrigado a fazer um reparo. Não sou
sovina, apenas ponderado. Acho que se arranjava uma
coisa mais em conta se for só para levar 34 pessoas, mais
uma ou outra visita que possam lá ir. Se estiverem a
contar ter mais tripulação daqui a uns tempos, ou se
quiserem ter espaço para um salão de baile, eu entendo.
Fora tudo isso, tudo bem.
169
O Procurador-Geral da República, o senhor Pinto
Monteiro diz que tem tantos poderes como a Rainha de
Inglaterra. Estas informações foram devidamente
divulgadas pela comunicação social, infelizmente pelas
razões erradas. Falou-se muito da estrutura do Ministério
Público, do compadrio do poder judicial com o poder
político. Não se falou, e esse é um facto a lamentar,
daquilo que o senhor Procurador-Geral da República
disse mesmo.
Para um leigo, a afirmação de Pinto Monteiro, “tenho
tantos poderes como a Rainha de Inglaterra”, é uma
forma de dizer que se considera uma peça quase acessória
na grande engrenagem que é a justiça portuguesa. É tipo
uma rodinha ou uma anilha que tem o seu papel, mas se
retirada da máquina, esta continua a funcionar. No caso
da justiça portuguesa, assim como assim, com ou sem
pecinha funciona mal sempre. No entanto, o que Pinto
Monteiro disse, não só é inexacto, como também revela
alguma ignorância da parte do senhor.
Estive a consultar a Enciclopédia de Poderes de
Figuras Públicas, Nobres e Magistrais e na entrada para a
Rainha de Inglaterra diz o seguinte:
A Rainha tem ar de velhinha simpática (desde os 8
anos) e gosta de pôr a mão no rabo dos líderes mundiais
com quem já tirou fotografia. A única excepção a este
evento aconteceu aquando da fotografia com Bill Clinton
170
em que foi o Presidente americano quem pôs a mão no
rabo do bumbum real. É também capaz de dizer coisas
com nexo, apesar da idade.
Já na entrada de Pinto Monteiro, o que vem é algo bem
diferente:
Pinto Monteiro coordena, dirige e fiscaliza a actividade
do Ministério Público; emite as directivas, ordens e
instruções a que deve obedecer a actuação dos respectivos
magistrados. Tem competência para “fiscalizar
superiormente a actividade processual dos órgãos de
polícia criminal”. Pode “inspeccionar ou mandar
inspeccionar os serviços do Ministério Público e ordenar
a instrução de inquérito e processos criminais ou
disciplinares aos seus magistrados.” Pode propor ao
Ministro da Justiça providências legislativas com vista à
eficiência do Ministério Público.
O que é que se conclui após uma análise destas duas
entradas?
Em primeiro lugar, que a Rainha de Inglaterra pode
parecer muito sonsinha, mas essas são as piores. E em
segundo lugar, que Pinto Monteiro se queixa de ser
parecido com uma velha – uma velha respeitável mas,
ainda assim, uma velha – quando se devia queixar de não
ser parecido com o Super-Homem. Ao Procurador-Geral
da República, friso bem, República, não fica bem
comparar-se a uma monarca. É como um vírus dizer
“Faço tão bem como um canjinha.”
Insisto na teoria do Super-Homem porque acho que
ficava muito melhor ao Procurador-Geral da República
dizer que queria ter os mesmos poderes do herói de
171
Kripton. E acredito que o Procurador não se importaria
de ter esses poderes. Talvez não para resolver os
problemas da justiça portuguesa, mas para, com a sua
super-velocidade, mais facilmente fugir deles.
172
Fico feliz quando os meus amigos estão bem, assim como
feliz quando pessoas que não prezo estão mal. Não quero
isto dizer que desejo que lhes aconteça mal, apenas que
não me importo quando isso acontece.
Há também quem fique feliz com a felicidade de quem
não conhece. Quanto a isso, nada tenho a dizer. Por outro
lado, faz-me confusão alguém ficar feliz com a desgraça
de pessoas que não conhece e que nunca lhe fizeram mal.
De acordo com o ranking da felicidade, o Paquistão
está doze lugares à frente de Portugal. Julgava que a
razão principal para aquele país do Médio Oriente estar
nessa posição tinha mais a ver com o facto de possuir
armamento nuclear do que propriamente com a
felicidade dos seus ocupantes.
Uma semana depois de eu publicar este artigo, eis que
somos brindados com notícias de cheias e mau tempo no
Paquistão. Não sei quantos mortos, vários desalojados,
muita destruição. Quero acreditar que é uma coincidência.
Afinal de contas eles estão no Inverno. Mau tempo no
Inverno nem chega a ser notícia já que é algo expectável.
É como alguém cair do sétimo andar e morrer e fazer
disso notícia de jornal. Notícia seria alguém saltar do
sétimo andar, levantar-se, sacudir o pó da roupa e ir
apanhar o autocarro. Tudo porque “o elevador estava
avariado e pela janela era mais rápido”.
173
O relato da informação não se deve limitar àquilo que é
inesperado. Não me refiro ao insólito ou ao incrível, e sim
a qualquer acontecimento de que não se está à espera.
Por exemplo, qualquer caso envolvendo figuras públicas
terminar com a absolvição dos réus ou com a sua
prescrição. (Não tenho problemas se estes réus forem
inocentes. No entanto, é curioso que as únicas pessoas já
condenadas graças ao Processo Casa Pia, em processos
paralelos, tenham sido monitores, auxiliares; enfim,
“peixe miúdo”. E foram condenados em pouco tempo.
Parece que a prova é algo que tem mais peso quanto
menos dinheiro a pessoa tem.)
Aceito que exista um desequilíbrio entre aquilo que é
notícia e aquilo que é acessório. O que não aceito é que a
balança esteja a pender para o lado do acessório. É
verdade que às vezes não há nada para noticiar. Não se
passa nada no mundo ou no país que possa levar um
repórter a pensar: “Esta sequência de eventos teve um
resultado inesperado e merece ser noticiada.”
José Sócrates envolver-se em mais um caso não é
notícia. A não ser que seja algo como o Caso da Revista
Gina. Isto não é informativo, mas é divertido. Não podem
ser só notícias sérias. Precisamos de nos entreter. E o
entretenimento de uns pode ser a infelicidade de outros.
É por isso que não falamos do mau tempo no Paquistão
nesta época do ano porque é notícia. Falamos porque
temos inveja. É uma maneira camuflada de dizer: “Olhem
pra eles, tão felizes que eles são! Tomem lá pra aprender!”
174
Quando se fala em crise é inevitável falar-se da
dificuldade, cada vez maior, que é a aquisição de
produtos e bens essenciais à subsistência do ser humano.
Geralmente, pensamos mais no petróleo. O aumento do
preço do barril de crude serve de justificação para o
aumento do preço dos combustíveis, como é sabido. Mas
serve também para o aumento do preço de qualquer
produto que não seja produzido na porta ao lado e que
uma pessoa possa ir buscar usando apenas um robe e um
par de pantufas.
(Estou a falar de rissóis ou filhoses e não daquilo que
vocês estão a pensar.)
Em suma, o preço do petróleo aumenta, aumenta o
preço do combustível e aumenta o preço de qualquer
produto que seja transportado por um veículo movido a
combustível fóssil.
Acostumámos-nos a esta justificação para o aumento
do custo dos produtos. Há, no entanto, outras situações
que também exercem a sua influência no aumento do
preço das coisas. (Curiosamente não há nada que faça
baixar o preço delas – tirando os saldos.) É o caso, por
exemplo, do aumento do preço do trigo na Europa.
Porque é que o preço do trigo aumentou na Europa?
Não sei, não faço a menor ideia, mas também não é
importante. É uma daquelas curiosidades que não
resolvem o problema, nem de atenuar as consequências
175
do mesmo. É como alguém que ficou sem a casa num
incêndio descobrir que a culpa foi duma vela que acendeu
para disfarçar o cheiro do peixe frito. Só serve como
argumento para os miúdos, que não queriam comer peixe,
usarem a seu favor. “Vês mamã, se tivesses encomendado
uma pizza nada disto teria acontecido.” Não deve existir
nada pior para um pior do que ser repreendido, e com
razão, pelo próprio filho.
No caso do trigo, o que importa analisar são os efeitos.
Invocando, mais uma vez, a dificuldade de aceder a
produtos essenciais, estima-se que este aumento não foi
feito de forma descuidada e interesseira. Na verdade,
verifica-se um rigor, de certo modo inesperado, na forma
os produtos derivados do trigo aumentaram ou
mantiveram os seus preços.
O pão, esse produto tão essencial da nossa alimentação,
vai ficar mais caro. Todavia, a cerveja vai ficar ao mesmo
preço. Calma! Não comecem já com teorias parvas sobre
as cervejeiras terem mais dinheiro do que as
panificadoras. Não é nada disso. Esta distinção entre o
pão e a cerveja, pode não parecer mas, faz todo o sentido.
Reparem: se uma pessoa só tiver dinheiro para
comprar pão, não se esquece que não tem dinheiro para
comprar cerveja. Já uma pessoa que só tenha dinheiro
para comprar cerveja, é capaz de não se lembrar de mais
nada. Entendem? Não resolve o problema, mas deixa as
pessoas bem-dispostas. Pelo menos, até ao dia seguinte.
176
Luís Amado, o senhor a quem José Sócrates, em tempos,
deu um “ferro”, lamenta que “não se dê mais atenção no
país ao que se passa no mundo”. Segundo o Ministro dos
Negócios Estrangeiros português (continuo a falar de
Luís Amado; só não disse porque achei que isso seria
evidente), as questões internacionais são pouco debatidas
pelos nossos políticos.
Estaremos nós, como infere Luís Amado, a olhar só
para o nosso umbigo? É possível que sim.
O mundo atravessa uma era de constantes mudanças e
estarmos desatentos em relação ao que se passa fora do
nosso cantinho pode trazer-nos consequências graves.
Em Portugal, como se sabe, as coisas chegam sempre
tarde e a más horas. Nós podíamos, e devíamos, aprender
com isso.
Podíamos só usar ou fazer aquilo que, de facto,
resultava. Infelizmente, não isso que acontece. Nós
insistimos em tentar fazer cá aquilo que não resultou em
lado nenhum. Achamos que nos conseguimos
desenrascar melhor do que os outros tipos que são uns
atados. Além disso, aquilo que corre bem lá fora, também
177
tentamos fazer; só que à nossa maneira. Regra geral, as
coisas não costumam correr tão bem quanto o desejado.
Se fizéssemos como Luís Amado sugere e prestássemos
mais atenção ao mundo que nos rodeia, saberíamos estar
precavidos e, quem sabe, reagir atempadamente às
situações. Se os partidos portugueses abandonassem a
picardia e a baixa semântica e passassem à lógica
construtiva e pró-activa, talvez as coisas começassem a
correr melhor para todos, não apenas para eles.
Infelizmente, não são estas as razões que motivaram as
declarações de Luís Amado. Como Ministro dos Negócios
Estrangeiros interessa-lhe que, em Portugal, se debata
sobre assuntos, lá está, estrangeiros. Se até José Sócrates,
que é o seu chefe, o ignora, imagine-se como será tratado
pelos seus congéneres europeus. É capaz de ser o
Ministro dos Negócios Estrangeiros acerca do qual
contam piadas quando não está presente, ou aquele a
quem colam papéis nas costa, ou põem pioneses na
cadeira.
Luís Amado pode estar a dizer aos portugueses para
não se preocuparem só com o seu quintal. No entanto, ao
dizer isto, está a fazer exactamente aquilo que diz aos
outros para não fazerem. Bonito exemplo, sim senhor.
Mas entendo-o perfeitamente. Dada a sua visibilidade, se
não fosse assim, ninguém repararia nele.
178
Esta semana fui duas vezes à Segurança Social. Ir à
Segurança Social é aquele momento em que ouvimos uma
discografia completo, em que começamos e acabamos um
livro de quatrocentas páginas, mas acima de tudo, é o
momento em que se espera. E foi graças a essa espera que
consegui, finalmente, entender a razão principal de se
estar tanto tempo à espera.
Ao contrário do que é comum dizer, a culpa não é de
quem atende. Podem ter alguma dose de culpa quando
saem todos para almoçar e fica só um sozinho a atender.
Porém, quando estão todos a atender, é um erro pensar
que eles atendem devagar. Falo-vos por experiência
própria. Eles têm tanta vontade de demorar a atender
uma pessoa, quanto nós temos de estar ali.
Desta vez esperei um total de cinco horas para ser
atendido, tanto no edifício da Segurança Social, como no
café em frente e, durante esse período, observei algo que
ajuda a explicar este problema.
Estava eu no café em frente, esperando pela minha vez,
quando vejo um casal sair do edifício com um cesto de
bebé. O casal atravessa a estrada e aproxima-se duma
mesa na esplanada, onde estavam dois casais. Um dos
casais pega no cesto e lá vão eles, com o mesmo puto, ser
atendidos primeiro que eu!
Faço aqui uma pausa para frisar que isto não é
179
nenhuma esquema perpetrado por minorias. Se era,
deixou de o ser. Qualquer um recorre a este estratagema,
desde que tenha meios para isso. O chico-espertismo, o
desenrrascanço, são cenas que nos estão no sangue. Não
hesito em admitir que, se tivesse os meios, faria o mesmo.
Quem entra na Segurança Social com um bebé ao colo,
independentemente de ir levantar documentos (senha D,
hora e meia de espera) ou de entregar documentos (senha
A, três horas de espera), tem direito a atendimento
prioritário. Há mais pessoas que têm direito a
atendimento prioritário, é o caso de idosos e pessoas com
deficiência, mas por agora, vou atacar apenas as mulheres
com bebés de colo e as grávidas.
Das primeiras já falei. Quanto às grávidas, as únicas
que eu tolero terem prioridade são aquelas cuja gravidez
tenha resultado de violação. Aquelas que engravidaram
por distracção, azar. Tivessem tomado qualquer coisa,
tivessem usado qualquer coisa, tivessem dito não.
Aquelas que engravidaram porque quiseram, minhas
caras, fizeram a vossa escolha e eu respeito isso, mas não
sou obrigado a ter de esperar ad infinitum por vossa
causa. A prioridade deve ser dada a quem está numa
condição involuntária. Se escolheram estar assim, então
que esperem.
Deixo-vos com uma proposta para resolver este
problema das esperas longas e que é: um carimbo de
discoteca. Daqueles que só vêem com luz negra, sabem? A
mãe entra com o miúdo, o segurança carimba-o e pronto.
Das duas uma, ou passamos a esperar menos tempo na
Segurança Social, ou vamos assistir a um baby-boom que
180
vai fazer duplicar a população nacional. E aí bem
poderemos esperar.
181
Os saldos são aquelas alturas do ano em que as mulheres
vão às compras comprar roupa só por ser mais barata. Só
que não precisam. Elas têm três roupeiros em casa cheios
de roupa, caixas com roupa debaixo da cama. Elas não
precisam de comprar roupa – elas têm roupa para vender.
Se for fora da época de saldos, uma mulher chega à loja,
olha para as peças e pensa: "25 euros por uma camisola
para cães? Se eu alguma vez comprava isto..."
Chegam os saldos. Vão à loja, vêem a camisola. 10
euros.
"É minha!"
E ela não tem cão. É só por estar mais barata. E
também para poder chegar junto das amigas e fazer
inveja.
"Lembram-se daquela camisola que nós vimos à venda
por 25 euros? Comprei-a por 10."
E as amigas ficam todas roídas de inveja.
É preciso saber escolher. Ver bem o preço. Embora
haja preços que... Não se percebe. 4 euros e 99, cinco
euros e um. O que é isso? Arredondem. É 5 euros e
acabou-se. 4 e 99 é o preço mais estúpido que existe,
porque nunca há troco. Nunca.
Lembram-se como era antes da chegada do euro?
182
Quando eram preços tipo 999$ ou 998$50, já quando as
moedas de 2”50 tinham saído de circulação, também
nunca havia troco. Íamos aos hipermercados e nunca
havia um escudo de troco. Nunca. E ninguém se
importava. Era um escudo. Que diferença fazia um
escudo?
No entanto, quando foi para fazer a troca de moedas, a
quantidade de carros blindados que iam dos
hipermercados para os bancos. Carregados de sacos com
moedas de um escudo que ninguém tinha.
Ainda hoje, a cena mantém-se. Nunca há troco. E
quando há, o pessoal nunca quer. Dizem sempre "Pode
ficar com isso." Ninguém quer ficar com as pretas. Um
cêntimo ainda vá, dois... tudo bem. Agora cinco? Deviam
começar a fazer as moedas de 1 e 2 euros assim também,
a ver se continuavam a ser esquisitos.
E quem dá gorjetas de 1 cêntimo, dá sempre com um ar
condescendente, como se tivesse a dar uma fortuna de
gorjeta. É a boa acção do dia para essas pessoas, só pode.
Só falta dizerem: "Veja lá, não gaste isso mal gasto."
O que me leva a outra questão: "em que é que se gasta
um cêntimo? Um só?
Em nada. Absolutamente nada. As moedas de um
escudo, as mais pequenas, serviam para apertar as
armações dos óculos; as de um cêntimo nem para isso
servem.
Se fosse eu a receber um cêntimo de gorjeta, daria a
isso a importância necessária: "Uau! Já posso largar isto e
pedir a reforma antecipada!"
Um cêntimo não vale nada. Se formos a ver bem, as
183
coisas perdem o seu valor assim que passam a ser nossas.
Um artigo em segunda mão é sempre mais barato.
Mesmo que o dono só o tenha usado durante cinco
minutos. Tudo perde o seu valor, principalmente quando
nos é roubado. Eu diria que há uma necessidade quase
imediata da pessoa se convencer que aquilo que perdeu,
por muito caro que possa ter sido, não tinha qualquer
valor.
Imaginem um casal. Quando a relação vai de vento em
popa é tudo muito bonito. Mal acaba, é logo:
"Quem? Eu? Falar com aquela vaca? Nem que me paguem!"
184
Hoje trago-vos duas pequenas ideias que eu acho que
merecem ser aproveitadas:
A primeira é esta.
Nos nossos Bilhetes de Identidade temos o nome, data
de nascimento, nome do pai, nome da mãe, país de
origem, estado civil, etc., etc. Não temos, e eu acho que
fazia falta – não tanto como um Livro de Reclamações em
Fátima para quando as orações não são atendidas, é
verdade –, um espaço para o estado de espírito.
A ideia seria podermos lidar melhor com as pessoas. Se
soubermos o estado de espírito de alguém é mais fácil de
lidar com essa pessoa. O único senão é que como o nosso
estado de espírito está sempre a mudar – eu às vezes
chego a ter dois estados de espírito diferentes na mesma
hora – o pessoal tinha de estar a ir sempre ao registo
fazer a actualização do Bilhete de Identidade.
E com estas burocracias todas podemos imaginar o
tempo que seria.
Sei que isto é uma ideia estúpida, mas eu posso dizê-la.
Posso dizer a ideia mais estúpida que me vier à cabeça.
Posso. Tenho liberdade para isso. Vocês têm liberdade
para isso.
E isto leva-me à minha segunda ideia. Que é esta.
185
A liberdade de expressão é uma coisa bonita, mas tem
os seus limites. A classificação etária, por exemplo, às
vezes é ridícula. Nos Estados Unidos existe o Parental
Advisory, que é uma etiqueta que se coloca em CDs e
DVDs que contenham uma linguagem considerada
ofensiva para mentes mais jovens.
Faz sentido. E ajuda nas vendas. É a fórmula do fruto
proibido. Os pais não querem que os filhos oiçam, logo os
filhos vão comprar.
A ideia é boa e não seria mal pensado trazermos isto
para Portugal. Copiamos tantas ideias más, porque não
copiar uma boa, para variar?
Mas eu não estou a pensar na música, deixem a música
em paz. Eu penso que o aviso de linguagem ofensiva,
pessoal a dizer asneiras, portanto, deveria ser colocado
em discursos políticos. Estou a pensar no Direito de
Antena e intervenções do Primeiro-Ministro ou do
Presidente da Republica ou de qualquer outro político.
Em vez de "O espaço que se segue é da exclusiva
responsabilidade das entidades intervenientes" seria "O
programa que se segue poderá conter linguagem
susceptível
de
ofender
alguns
dos
nossos
telespectadores." Num cantinho do ecrã um símbolo
"Aviso de asneira". Faria mais sentido. E seria mais
honesto.
186
Um amigo meu casou-se há pouco tempo. Convidou-me
para ir, eu fui. Casou-se pela igreja. Foi uma cerimónia
bonita. A comida estava excelente, não haviam chatos,
estava tudo bom.
A única coisa que me irritou foram os pais dele na
igreja.
O raio das pessoas não parava de chorar!
O filho estava-se a casar, a noiva era uma boazona que
só visto e eles estavam ali duma maneira que mais
parecia que estavam num velório. Porquê?
Lembram-se quando nós éramos pequenos e os nossos
pais ralhavam connosco? E nós começávamos a chorar? E
depois eles diziam
"Tá calado senão levas mesmo qué pra saberes porque
é que choras!"
Digo-vos uma coisa, um dia que eu me case e os meus
pais comecem a chorar durante a cerimónia, eu juro: páro
tudo, vou ao pé deles e dou-lhes um enxerto. Para eles
saberem porque é que choram.
Juro que não percebo essa choradeira.
Outra coisa que também não percebo o seguinte.
Descobri no mesmo casamento. É uma tradição já antiga,
pelos vistos e que é roubarem os bonecos do bolo. Não sei
se já ouviram falar disto ou não, mas se ouviram, a minha
pergunta é: Porquê?
O que eu acho estranho não é tanto o roubo em si –
187
não deve haver um mercado negro muito grande para
bonecos de bolo de casamento – mas quem leva os
bonecos, e aqui vem a parte estúpida, tem direito a que os
noivos lhe paguem um jantar um ano depois.
Mais estranho ainda, é eles saberem que vão ser
roubados e mesmo assim convidarem pessoas para ir lá.
E se alguém roubasse o bolo e deixasse ficar os
bonecos? Aí, o noivo já se queixava. Tinham-lhe
prometido que seria ele o primeiro a comer o bolo da
noiva, não havia de ficar chateado?
Pior, eles roubam os bonecos do bolo e recebem um
jantar; e se em vez dos bonecos roubassem mesmo os
noivos? O que é que iriam receber passado um ano? Não
estou a falar de raptar os noivos, apenas de aproveitar
que eles estão distraídos para lhes fanar a carteira.
Continuam a ter direito a um jantar ou, uma vez que
foram mais ousados, já estão habilitados a um fim de
semana de férias?
188
Os homens gostam de mamas. Políticos, empresários,
trolhas, músicos, médicos. Todos gostam de mamas.
Desde tenra idade que somos atraídos por essas
protuberâncias; primeiro como fonte de alimento, mais
tarde como fonte de prazer.
Alguns gostam tanto de mamas que até tomam
hormonas só para terem umas mamas grandes só para
eles. Chegam mesmo a usar soutien. Depois tiram fotos
na brincadeira e gravam no computador e depois o
computador é invadido por hackers e em menos duma
semana a PJ vai bater-lhes à porta porque as fotografias
tinham ido parar a um site de pedofilia e numa das fotos,
através do reflexo num espelho, podia-se ver a silhueta
duma criança a passar na rua.
A verdade é que podia ser alguém baixinho e não
necessariamente uma criança. Mas a dúvida está lançada
e em caso de dúvida só há uma coisa a fazer: deter o
suspeito para prestar declarações e dar-lhe um enxerto de
porrada na esquadra. São formas de protocolo.
Existem formas de protocolo ainda mais estúpidas
como estar três horas a participar um roubo por esticão,
enquanto se tenta perceber porque é que o polícia, em vez
de perseguir o ladrão que passou por ele, se desviou para
189
não levar um encontrão e deixar cair a cerveja, indicando
à vítima do roubo que a esquadra mais próxima era só
descer a rua e virar à esquerda.
O mundo está louco e ninguém sabe a quantas anda.
Falo, não só de orientação, mas também de protocolo. O
caso que falei reflecte exactamente isso.
O mundo dos pássaros é para quem acorda cedo. São
questões de pontualidade. E no mundo do trabalho esta
deve ser a palavra de ordem. Mesmo quando somos
patrões, às vezes podemos dar-nos ao luxo de ficarmos na
cama até tarde, outras vezes temos de chegar cedo para
darmos o exemplo. É preciso também ter em
consideração os transportes. O trânsito não perdoa, quer
tenhamos carro próprio, quer sejamos utilizadores dos
transportes públicos; e neste último caso existem ainda as
greves.
As greves que, em termos de impacto, afectam
primeiramente o utente do serviço em questão. Os
sindicatos intervêm, vêm as manifestações, quase sempre
a partir do Marquês de Pombal até ao Terreiro do Paço,
os jornais fazem a cobertura. Os sindicatos anunciam
uma adesão de 90%, o Governo anuncia uma adesão de
10%. Em que é que ficamos?
E depois da notícia da greve vem a notícia da senhora
sem pernas que não consegue arranjar trabalho como
motorista, o filho está preso por tráfico de droga e tá há
um ano há espera do subsídio de desemprego. É o
interesse humano que faz disto notícia, dizem uns; outros
diriam que é o sensacionalismo. Notícias típicas de fazer
a primeira página de alguns jornais diários ou semanários.
190
E a ética jornalística previne ou tenta prevenir isso.
Um acontecimento é feito de pessoas, isso é inegável
mas nem todos os acontecimentos são notícia. A vida da
dona Alzira de Alcabideche interessa-lhe a ela e aos que
são próximos dela. A mim não me interessa nada.
191
Sei que o mês já vai a meio, mas ainda há tempo para vos
deixar com algumas sugestões de leitura.
APRENDA A DETECTAR PONTOS NEGROS
FOTOGRAFIAS DE PESSOAS COM BORBULHAS
COMO FALAR ALTO SEM INCOMODAR NINGUÉM
COMO FUMAR EM LOCAIS FECHADOS SEM SER APANHADO
COMO BEBER 2 GARRAFAS DE UÍSQUE E NÃO SE LEMBRAR
DISSO NO DIA SEGUINTE
TODAS AS DESCULPAS USADAS POR PESSOAS ADÚLTERAS
COMO ENGANAR MEIO MUNDO
IMPRESSIONE O SEU PATRÃO COM MALABARISMO
GUIA NOCTURNO DE TODAS AS CIDADES ONDE MORAM
PESSOAS ESTRANHAS
DEZ FORMAS INOVADORAS DE SODOMIZAR OVELHAS
AUMENTE A SUA VIDA SEXUAL ATRAVÉS DE SUBSTÂNCIAS
ILÍCITAS
COMO DIZER À SUA MULHER QUE ELA JÁ NÃO É ASSIM TÃO
BONITA
COMO DIZER SEMPRE A VERDADE MESMO QUANDO NÃO
CONVÉM
TODOS OS
CÓDIGOS
FARMACÊUTICOS
DE
192
BARRAS
DE
PRODUTOS
A NORMA ISO 9001 CONTADA ÀS CRIANÇAS
BIBLIOTECONOMIA PARA TOTÓS
FÁTIMA TEM OUTRO SEGREDO E NÃO DIZ A NINGUÉM
O SEU DECOTE NÃO É ASSIM TÃO GRANDE
APRENDA A DETECTAR IMPLANTES DE SILICONE EM TRÊS
SIMPLES LIÇÕES
OS PIORES FILMES DE SEMPRE A DUAS VELOCIDADES E MEIA
193
Esta semana Cavaco Silva promulgou o diploma que
altera a Lei das Uniões de facto. Em pleno mês de Agosto.
Depois é assim que as coisas começam.
Atenção, eu não li nenhuma Lei das Uniões de facto,
nem sei sobre que pontos Cavaco Silva terá ficado mais
reticente. É uma questão que, por enquanto, não me diz
respeito. Mas há uma coisa que me chateia. Já o disse
várias vezes, a propósito do Pedrito dos Laranjas, e sendo
Cavaco uma espécie de Padrinho (não no sentido funesto
do termo) ou de Tio (não no sentido “beto” do termo), faz
sentido que tenha de o dizer novamente.
Atenção ao timing.
Aníbal, posso tratar-te por tu? Eu não votei em ti nas
últimas presidenciais, é verdade, mas se tu és o
Presidente de todos os portugueses, que diabo pá!, isso é
quase como seres meu vizinho. E eu trato os meus
vizinhos por tu. Acho que insultar alguém recorrendo a
“você” reduz bastante a fúria das palavras. É claro que
isso não irá acontecer connosco. Em momento algum
abusarei da nossa relação.
Agora que estamos mais à vontade, vou directo ao
assunto.
Tu sabes que estamos em pleno mês de Agosto, não sabes? Sabes que é nesta altura que os políticos deixam de
fazer nenhum (no sentido em que vão de férias)? Sabes
194
também que as pessoas não estão minimamente
interessadas com outra coisa além de Fogos, Praia e
Futebol, não sabes? Ninguém vai ligar ao que tu
promulgaste. Sabes disso, não sabes?
Então porque é que o fizeste?
Aposto que estiveste ontem acordado até às tantas,
com a tua mulher a dizer-te “Anda pra cama, Aníbal.” E
tu, em vez de ir, o que é que fizeste? Exacto, promulgaste.
Pior! Promulgaste contrariado. O que já começa a ser
hábito.
Quando foi do Casamento Entre Pessoas do Mesmo
Sexo, disseste que eras contra mas aprovavas para a coisa
não ficar a engonhar. Eu sei que não utilizaste o verbo
engonhar em nenhuma declaração oficial. Porém, deixame imaginar que isso poderá ter acontecido em conversa
privada. E não, não escutei nenhuma conversa. É uma
suposição.
Tudo bem que não adiras à totalidade das soluções
normativas consagradas no diploma legal que
promulgaste, mas poças! Tens de ter um bocadinho de
bom senso. Sem dúvida que esta é uma matéria que
merece atenção e tu tens o teu trabalho a fazer. Ninguém
está a pôr isso em causa.
A única coisa que eu peço, aconselho, melhor dizendo,
é não tornares a interromper as férias. Sejam as tuas,
para falar do Estatuto Político dos Açores; ou as nossas,
para promulgar Leis com as quais não está totalmente de
acordo. Estes são assuntos que podem esperar um dia ou
dois, ou mesmo uma semana. Há outros em que, sim,
tens de despir a farda de guia turístico e colocar o chapéu
195
de presidente. Mesmo que depois não te sintas à vontade
por não conhecer a pessoa, mesmo que fiques à porta. A
não ser que calhe em Agosto. Se assim for, podes ficar à
vontade.
196
Os médicos não gostam de mim. Olham-me de lado.
Durante muito tempo não conseguia perceber porquê, até
que um dia lá descobri.
Quando uma pessoa nasce, regra geral, o médico ou a
pessoa que ajuda no parto dá sempre uma palmada no
rabinho do bebé. Dizem que faz bem. Mas a quem? Um
gajo está ali muito bem, dentro da barriga da mãe, decide
mudar de ares, e a primeira coisa que lhe fazem é dar-lhe
porrada? Bela merda de hospitalidade!
Eu sabia da palmada antes de sair e antes que o
médico tivesse tempo de fazer fosse o que fosse, atirei-me
de cabeça para o chão. Chorei que nem um desalmado,
sofri um traumatismo craniano, mas mostrei-lhes quem é
que mandava. Não tive praticamente sequelas desse
pequeno incidente. É o passarinho! Piu! Piu! A minha
vida tem sido igual a tantas outras. Normal e aborrecida,
com intervalos de breve excitação.
O médico que ajudou a trazer-me ao mundo, não
achou graça nenhuma àquilo, ficou todo lixado comigo. É
por isso que quando vou a uma consulta ou fazer um
exame, sempre que passa um médico por mim, olha-me
sempre de lado. Às vezes vão dois a conversar e quase que
os oiço.
197
“Foi aquele. Amandou-se de cabeça.”
“Ah! Sacana!”
É por isso que eles não gostam de mim. E eu também
não gosto deles. Quer dizer, não é bem dos médicos que
eu não gosto, é mais daquele momento, aquele grande e
longo momento, no Centro de Saúde, ou no Consultório,
onde esperamos por eles.
Eu não percebo nada de sintomas. Quando estou com
excesso de muco, nunca sei se é gripe, se é constipação,
ou se é resfriado. E como não sei vou ao médico. Não sei
porquê, espero sempre que aconteça algo diferente
durante a consulta. Mas não. “Ponha a língua de fora”,
“Abra a boca”, “Diga 33” É sempre o mesmo discurso.
Mais vale usarem um gravador.
E por tudo isto, ou, apenas por isto, melhor dizendo,
pago 25 euros. Eu sei que é caro, mas já disse que não
percebo nada de sintomas. Por isso, quando preciso de ir
ao médico, não escolho um Dr. Bayard qualquer. De
qualquer modo, 25 euros para descobrir que estou
constipado... Mais valia deixar que a doença
desaparecesse por si mesma. Ou, caso ela se afeiçoasse a
mim, aprender a conhecê-la. Podia nascer dali uma
bonita relação de amizade. Mais do que isso não. Sou um
homem comprometido e a minha namorada não gostaria
que eu a traísse com uma doença. Um café de vez em
quando, uma conversa aqui e ali. Nada de muito íntimo.
É o gatinho! Miau!
Qualquer dia vou ao médico quando estiver são que
nem um pêro (Isto está mal. São é plural! Devia ser: são
que nem uns pêros!) só para ver o que é que ele diz. Deve
198
ser mais ou menos isto:
“É impressão minha ou você está com o síndrome da
saúde aguda? Olhe que isso é muito perigoso. Vou-lhe
receitar uma pneumonia e uma bronquite. Assim que se
começar a sentir mal, venha ter comigo, sim?”
199
Dentro de poucas semanas, o meu primeiro livro estará
em circulação. Posso adiantar-vos que é um romance
policial com algum fantástico à mistura. Falarei mais
acerca disto nos próximos tempos. Por agora, vou falar
daquilo que eu mais gosto no mundo da literatura, a
seguir à leitura e à escrita: as críticas. Eu gosto de ler
críticas. Gosto muito. Não daquelas que me ajudam a
decidir sobre a possibilidade de comprar ou não um livro,
mas das outras que não se percebe nada.
Exemplo: “Trata-se de um livro onde o autor explora
um mundo de sentimentos ambíguos movido por uma
exorbitância de sentimentos plena rodeada de uma
sensibilidade magneticamente extrema elevada ao
apogeu do ser humano.”
Sim, é tudo muito bonito, muito épico, mas e... a
história? Onde é que está a história? Se calhar estão à
espera que eu leia esta crítica e pense “Olha! É mesmo
este que eu vou comprar.”
A verdade é que as críticas não servem para vender os
livros. Podem ajudar em alguns casos, mas não é essa a
sua principal função. Quando estava a escrever o meu
livro, descobri que função é essa e posso dizer que devo
ser o único que percebeu isto. Portanto, é meu dever
informar-vos do seguinte: a crítica serve para alguns
autores perceberem do que é que os seus livros tratam.
Eu sei contar a minha história se me perguntarem.
200
Com mais ou menos palavras. Porém, há escritores que
não conseguem. Falam da intenção da história, da sua
essência, mas sobre o enredo em si, não conseguem dizer
nada de jeito. Alguém pergunta, “Então e o seu novo livro
é sobre o quê?” E ele responde, “Bom, então isto é... a
história... de um homem... que anda à procura da sua
identidade. E no fim encontra-a.”
O que é que isto nos diz? Um tipo perde uma carteira
com os documentos todos e no fim encontra-a. Talvez
encontre só o BI. Ora, quando o autor não sabe explicar o
seu livro, o que é que ele faz? Vai ter com o crítico e pedelhe para escrever uma crítica ao seu livro. E ele, tudo bem.
Depois, o autor lê a crítica e descobre que afinal “o
livro é uma amálgama de sexo e violência explorada de
forma sensacionalista, cujo intuito é a degradação dos
costumes morais da sociedade portuguesa e o incentivo
deliberado à devassidão total.”
E o autor pensa: “Hum... e eu que até pensava que isto
era uma história de amor. Tá visto que me enganei.”
Existem várias maneiras de conseguir boas críticas,
excelentes críticas. Vou deixar-vos com algumas.
Convidar o crítico a escrever a sua opinião sob ameaça
de pistola.
Raptar o crítico e sujeitá-lo a terapia de choques.
Raptar a mulher ou filho do crítico e ameaçar enviar
pedacinhos por correio.
Fazer uma fotomontagem onde se veja o crítico com
criancinhas ou a acender uma fogueira na floresta. Ou a
queimar criancinhas numa fogueira na floresta.
Para começar é isto.
201
O Carlos é um amigo meu que se irrita muito facilmente.
Qualquer coisinha, fica logo virado avesso. Não é bonito
de se ver, mas tem a sua piada. Às vezes é engraçado
olhar para ele quando está irritado. Quer dizer, eu gosto.
Porque ele diz cenas que... Do género, o Carlos chega-se
ao pé de mim uma vez e diz-me:
“Eh pá! Hoje de manhã quando ia pó trabalho, um gajo
meteu-se à minha frente, quase que o ia atropelando.
Passei-me logo!”
Há muita gente que diz isto: “Passei-me!”
Isto é impossível! Ninguém se consegue passar. É
impossível! Imaginem: eu vou na rua, vejo uma pessoa e
passo por essa pessoa. Essa pessoa passa por mim. Mas
eu nunca, nunca, passo por mim mesmo. Nem que seja
um clone, irmão gémeo ou alguém que a gente conheça
muito bem. Mesmo que eu me cruze com algum eu
passado ou futuro, não sou eu.
Faz-me alguma impressão, também, aquelas pessoas
com aquela mania estúpida de não falarem às pessoas
quando as vêem, só para depois poderem dizer:
“Vi-te no outro dia.”
Como se eu fosse o Homem Invisível e eles me
tivessem apanhado na única altura em que eu deixei ver.
Eu respondo-lhe sempre da mesma maneira:
“Vai-te catar!”
202
Não é simpático. Talvez não.
São também estas pessoas que quando vêem alguém
conhecido, fingem que não vêem, e depois vêm dizer:
"No outro dia passaste por mim. Porque é que não me
falaste?"
"Porque passei por ti. Se tivesse esbarrado em ti, teria
reparado em ti. E aí já te falava."
Mas pior que estas são aquelas que não nos deixam ir.
Ficamos ali a responder às perguntas delas. Parece um
interrogatório da PJ. Não as podemos levar a sério.
Temos de lhes mostrar que temos pressa. Podemos tentar
ser educados.
“Olha, gostava imenso de continuar a conversar sobre
o teu quisto. Tenho a certeza que há muitos tidbits
interessantes que ainda não me contaste. Infelizmente,
tenho um compromisso para o qual não me posso atrasar.”
Às vezes, temos de mentir:
“Vou ali, venho já.”
E não voltamos. Mas quase sempre, temos de ser
brutos:
“Porra! Além de chato, cheiras mal como tudo!”
E vamos embora. Tranquilos, sem olhar para trás. É
deixá-los ficar onde estão. Eles hão-de perceber o que
aconteceu, mais tarde ou mais cedo.
203
Num qualquer dia do mês de Agosto abrimos um jornal e
é isto que lemos:
Governo pondera sacrificar raparigas virgens
para diminuir o défice. Vai ser difícil nos dias de hoje,
mas nunca se sabe.
Finanças detêm sem-abrigo por suspeitas de
rendimentos não declarados. Veio-se confirmar
mais tarde que aqueles dois cêntimos não foram
ofertados e sim encontrados por acaso. Após o
pagamento da respectiva taxa, o sem-abrigo pôde ir à sua
vida.
Numa aldeiazinha bem no interior do país,
uma velhinha queixa-se de não ser abusada ou
aldrabada por ninguém. A senhora pede ajuda para
fazer participar num daqueles programas de plásticas
para, e cito, “ver se alguém me pega”.
Empresas de lavagem de dinheiro abrem
concurso para escolha de novo detergente. A
decisão final terá lugar daqui a três dias e contará com a
presença da ASAE para verificar se o dinheiro fica mesmo
bem lavado.
Estudo conclui que Fármaco anti-tabaco causa
suicídio. Um outro estudo indica que o preço também.
Em Moimenta da Beira, foi detido um homem
suspeito de ter morto os próprios pais à
204
machadada. Quando levado perante o Juiz, o homem
pediu clemência uma vez que era órfão.
Mais uma notícia inesperada. Uma mulher caiu do
sexto andar e morreu. O que vale é que teve morte
rápida.
Associação de Mutilados de Guerra cessa
funções. Nas palavras do director Semedo Lopes, “O
projecto já não tinha pernas para andar.”
No campo da ciência, foram publicados dois estudos
muito interessantes. No primeiro um grupo de peritos
em gastronomia conclui que “Comida de plástico
afinal não é de plástico” No segundo, cientistas
descobrem que “se não respirarmos, morremos”.
No desporto não se passou nada hoje. Mas houve
rumores de um campo pelado preso por atentado
ao pudor. Tentaremos desenvolver mais esta notícia
durante as próximas horas.
Segue agora uma sugestão cultural: “Coisas doces
sem açúcar”, o best-seller de Manuel Luis Goucha,
vai ser adaptado para teatro de marionetas. A
encenação do espectáculo ficará a cargo de Filipe La Féria.
Confirmada está já a presença de Diogo Morgado como a
bavaroise de ananás e de Soraia Chaves como a mousse
de marmelos.
Por fim, uma história curiosa para todos nós
pensarmos um pouco. Isaías Montevideu, desempregado
e desconfiado, vivia sozinho. Os dias eram difíceis, o
futuro pouco promissor. Rezava por uma oportunidade,
uma chance de melhorar a sua vida. E um dia a sorte
grande bateu-lhe à porta, mas como tinha ar de
205
ser testemunha de Jeová, Isaías não abriu. E foi
expulso ontem de casa por não ter pago a renda dos
últimos seis meses.
A informação segue dentro de momentos.
206
Nós não estimamos o que temos. A única altura em que
damos valor ao que é nosso é quando algum estrangeiro
fala mal disso. De certeza que já viram algo assim. Vão a
uma Loja do Cidadão e está lá um brasuca a falar mal do
atendimento e vocês, ou alguém, chamam-no à atenção,
dizem-lhe para voltar para a terra dele, ou então não
dizem nada e ficam a resmungar. Depois, chega vossa vez
e dizem bem pior do que ele.
Poderá parecer uma contradição, mas não é. É
simplesmente a natureza humana em acção. Nós não
valorizamos o que temos, a não ser que falem mal disso,
ou a não ser que estrangeiros ricos gostem.
De tudo aquilo que não estimamos, o que estimamos
menos é a cultura. Algumas coisas eu lamento que não
sejam melhor estimadas. Outras, compreende-se porque
são votadas ao esquecimento. E depois há outras em que
saímos do campo da cultura e entramos no campo do
fanatismo.
Em Lisboa terá sido demolido um prédio que terá tido
como inquilino Fernando Pessoa. (Eu digo terá sido
porque não posso confirmar neste momento que essa
obra tenha ido para a frente. É verdade que podia ir ao
local e confirmar por mim mesmo, mas isso é para quem
não tem o que fazer.)
O prédio, que estava ao abandono, irá dar lugar a um
207
projecto de luxo. Isto, para algumas pessoas, é aceitável, é
lógico. O prédio estava em risco de derrocada, não havia
como restaurá-lo, tinha de ir abaixo. Aparentemente, não
havia muito a discutir, mas já se sabe como é que nós
somos. Não temos por hábito estimar, só que quando
estimamos é a sério; só ao fim de nove anos é que a coisa
se resolveu de vez.
A mim, confesso que me faz confusão este seguidismo.
Não falo do caso de Fernando Pessoa, que até foi um
autor que eu aprecio bastante, mas da obsessão geral que
algumas pessoas têm em relação aos seus ídolos. Eu gosto
do Fernando Pessoa, mas mas não acho que seja assim
tão importante conservar a cama onde ele dormiu entre
1915 e 1916.
Pergunto-me como seria se Fernando Pessoa e outros
artistas da época tivessem tido clubes de fãs como têm os
artistas de hoje em dia? Imagino o cartaz do Festival
Orpheu Alive. Almada Negreiros na abertura, seguido de
Mário de Sá-Carneiro. Como cabeça de cartaz, o sonho de
qualquer produtor, quatro artistas pelo preço de um.
Apesar de Fernando Pessoa ter dezenas de heterónimos,
duvido que todos eles tivessem a mesma presença de
palco.
De certo modo, isto faz-me pensar nas adolescentes
com os seus posters da saga Twilight e dos Tokyo Hotel.
Com uma diferença claro: se os fãs de Fernando Pessoa se
limitassem a ficar apenas com a obra do poeta, ainda
ficariam com um espólio considerável. Coisa que não
aconteceria com essas adolescentes, caso elas
resolvessem fazer o mesmo.
208
Ainda mal acabou a época de incêndios deste ano e já se
discutem novas medidas para evitar que o próximo ano
seja igual a este. Apesar de alguns pessimistas
vaticinarem que será ainda pior, eu sou daqueles que
acham que, por fim, estamos no caminho certo. Falou-se
muito da falta de limpeza das matas. Parece que foi esse o
grande causador dos incêndios florestais. Nomeadamente
daqueles que, vistos de cima, formam uma bonita linha
recta. É isto que eu gosto nos incêndios naturais: têm
uma rectidão que não se encontra nos incêndios
premeditados.
Portanto, estamos de acordo que é preciso atacar este
flagelo, certo? Muito bem! Desta é que vai ser! Vamos nos
juntar aos espanhóis e juntos vamos acabar de vez com
estes malditos incêndios! Não vamos olhar a meios!
Em termos práticos em que é que isto consiste? Para
começar, fez-se um investimento de 48 milhões de Euros
em 150 mil cabras, que serão distribuídas nas zonas
raianas dos distritos da Guarda, Bragança, Zamora e
Salamanca. Foi esta a ideia maravilha. Self-prevention foi
o que lhe chamaram. Devem ter achado que um nome
inglês trazia mais credibilidade à coisa.
José Luís Pascoal, presidente do Agrupamento
Europeu de Cooperação Territorial Duero-Douro, diz que
este projecto permitirá a prevenção de incêndios, mas
também “o desenvolvimento económico e rural” daquelas
209
zonas. Como? Duma forma tão simples que até me
admira ninguém se ter lembrado disto antes.
As cabras serão colocadas nos campos agrícolas e
montes abandonados. (Agora vem a parte boa!) Esta foi a
forma encontrada para evitar fogos florestais, uma vez
que os terrenos ficaram* “livres de vegetação”, concluiu
o senhor José. Tenho de fazer uma pausa aqui porque, a
sério que não percebo.
48 milhões de Euros gastos em 150 mil cabras para
prevenir incêndios. As cabras comem a relvinha e o mato
e pronto. Até aqui tudo bem. Só não percebo é que raio de
prevenção elas vão fazer em sítios que já arderam?
Talvez eu esteja a perceber mal a ideia, talvez ela tenha
sido mal explicada. Parece-me, no entanto, como pessoa
citadina com pouco conhecimento do que é viver no
campo, que é preciso prevenir incêndios nos locais ainda
não ardidos. Parece-me. Caso contrário, a coisa perde um
pouco o seu propósito.
É verdade que muitas pessoas irão beneficiar disto.
Pastores, produtores de queijo e matadouros. Dá a ideia
que isto não é para durar muito tempo. Pensava eu: se
eles vão pôr as cabras em zonas ardidas, o que é que elas
vão comer? A presença de matadouros na zona diz-me
que elas não vão ficar lá muito tempo. Uma tosquiadela,
uma recolha de leite e lá vão elas para o matadouro.
*Nada me tira da cabeça que o jornalista que escreveu
este artigo transcreveu ao fonema aquilo que o
entrevistado disse. Se ele tivesse escrito ficarão, o texto
faria mais sentido. Ainda bem que não o fez, senão eu
ficaria sem artigo.
210
Nos meandros das altas esferas do poder político e
empresarial são habituais certos procedimentos, ditos
“impróprios” noutras áreas. Alguns desses procedimentos
são expectáveis, outros apenas aceitáveis e outros
inevitáveis. Na sua vasta panóplia incluem-se a tramóia, o
compadrio, a moscambilha e a corrupção. Por questões
de espaço, enumero apenas as principais variantes.
Eu gosto de olhar para estes procedimentos como se
fossem uma espécie de roda dentada. Uma rodazinha,
perdida entre duas rodas grandalhonas, tão pequenina
que mal se vê. Parece que não faz lá nada, mas, sem ela, a
engrenagem fica toda emperrada.
Seria preferível que as coisas funcionassem sem este
elemento. Contudo, o mundo em que vivemos não é esse.
É preciso que nos habituemos ao que temos, não ao que
gostaríamos de ter. Quer os aceitemos, quer não, estes
procedimentos fazem parte do sistema. Julgo que por
esta altura estará a pensar que, ao escrever isto, eu
pretendo fazer como que uma apologia do incorrecto. É
natural que pense assim, já que muito raramente me
percebem à primeira. Pois bem, engana-se.
Refiro-me a estes procedimentos como partes feias que
podemos esconder, podemos disfarçar, mas das quais não
211
nos podemos livrar definitivamente. É como aquele
quadro horrível que o amigo pintor nos ofereceu, que só
vai para a parede quando o autor vai lá a casa. O resto do
tempo está guardado num caixote, dentro dum cofre,
trancado numa cave.
O problema surge quando se julga que o recurso a esta
forma de auxílio está ao alcance de qualquer um. É
preciso ter uma boa margem de manobra. Não se trata de
ter dinheiro para corromper, trata-se de conseguir
convencer de que se tem dinheiro. É preciso rigor,
segurança e evidências. Para se enganar alguém é preciso
o mínimo de sustentabilidade e isso nem sempre
acontece.
Como já o disse várias vezes, a tramóia e o compadrio
são peças que gostaríamos de não ter. Mas temos. Em
alguns casos, graças ao profissionalismo e ao rigor dos
seus executantes, são feitos acordos secretos, compramse submarinos, constroem-se centros comerciais,
vendem-se computadores. Depois temos os outros casos,
em que é tudo feito às três pancadas, a coisa corre mal e a
Playboy portuguesa é cancelada.
Tolera-se que os impostos aumentem para pagar a
compra de dois submarinos que não fazem falta nenhuma.
(É um bocado como pagar aulas de arco e flecha ao filho.
A não ser que ele resolva ir viver para o mato, aquilo
nunca terá grande utilidade no dia a dia.) Todavia, é
inadmissível que percamos um dos melhores acessos a
fotografias de mulheres portuguesas (famosas antes ou
depois) sem roupa. Particularmente numa altura em que
muita professora não colocada considerava seguir o
212
exemplo da sua ex-colega Bruna Real. É de lamentar
tanta desconsideração por uma classe profissional de que
tanta ajuda precisa.
213
A SUA VERRUGA NÃO É ASSIM TÃO GRANDE
COMO REMOVER UM RIM E OUTROS ÓRGÃOS
COISAS SALGADAS SEM SAL
A DESCRIÇÃO DETALHADA DE TODOS OS ACIDENTES COM
MOTOCICLOS NO IC-19
FOTOGRAFIA DIGITAL COM UM RELÓGIO DE BOLSO
GUIA MICHELIN DA “ZONA VERMELHA” DE AMESTERDÃO
OS MELHORES LOCAIS PARA ABANDONAR O SEU ANIMAL DE
ESTIMAÇÃO NAS FÉRIAS
150 PÁGINAS DE PAUTAS PARA SAPATEADO MOSCOVITA
ARRANJOS FLORAIS COM ERVAS DANINHAS
ONDE ENTERRAR O CORPO DA SUA SOGRA SEM SER
APANHADO
SOLUÇÕES SALINAS PARA PESSOAS COM PROBLEMAS DE
COLESTEROL
CIRURGIA PLÁSTICA PARA TOTÓS
A EMOCIONANTE VIDA DE UM NOTÁRIO
O LIVRO DE TODAS AS ESTAMPILHAS COM FIGURAS DE QUE
NINGUÉM SE LEMBRA
ACTAS DO CONSELHO DE MINISTROS DO GOVERNO DE
PEDRO SANTANA LOPES
O POUPAS BEBEU UM COPINHO A MAIS
214
ANEDOTAS PARA CONTAR EM MOMENTOS INCÓMODOS
CONSTRUÇÕES COM COTONETES
CARTA DE VINHOS DO 'TOCA DA RAPOSA'
UMA LISTA DE TUDO O QUE PODE ENCONTRAR NUMA MALA
DE SENHORA
215
Tinha colegas meus que além da escola tinham
actividades extra-curriculares. Escuteiros, por exemplo.
Eu nunca fui escuteiro, mas tive muitos colegas que
foram. No outro dia até pensei, e isto pode até parecer de
mau gosto, mas o que é facto é que se há uns anos atrás a
Casa Pia tivesse Lobitos, não seriam Lobitos e sim
Lombitos.
O meu melhor amigo dos meus tempos de préprimária foi lobito. Não foi mais longe que isso porque ele,
coitado, era um pouco burro. Lembro-me de ter visto
uma cassete que os pais dele gravaram quando ele foi
fazer a sua primeira caminhada. Aquilo era engraçado
porque só se viam os putos com aquele ar nervoso, de
quem não sabe o que vai acontecer. E tínhamos também,
é claro, as recomendações dos pais. Aquelas frases que
ficam sempre bem nestas alturas.
“Põe a camisola para dentro!”
“Não andes com os atacadores desatados!”
“Levas a tua garrafinha de água?”
“Não saias do pé dos outros meninos!”
Este meu amigo entrou para a Escola da GNR. É
natural, já que ele não tinha inteligência para ir trabalhar
em nenhuma loja de fast-food. Entretanto, já mais velho,
foi para o Iraque. Por acaso, os pais dele resolveram
filmar mais esta partida do filho. E novamente vieram as
velhas recomendações. Só que, já não estamos a lidar
216
com crianças que vão acampar numa mata, onde o maior
perigo que podem enfrentar é um esquilo descontente.
Estamos a lidar com homens, altamente treinados que
vão entrar num cenário de guerra. Homens preparados
para matar. As recomendações de antigamente já não têm
o mesmo efeito. Mas eles dizem-nas à mesma.
“Não te esqueças do capacete.”
“Não vás pra lado nenhum com pessoas que não
conheças.”
“Não fiques acordado até tarde.”
“Se alguém disparar contra ti, desvia-te.”
“Não digas que vais para a guerra e depois vais para a
discoteca. Olha que a gente sabe sempre.”
“Come a horas decentes e não te ponhas a comer
porcarias que só te fazem mal.”
A minha favorita era esta:
“Porta-te bem e não te metas em confusões para não
ficares mal visto senão para a próxima ficas em casa.”
Passe o tempo que passar, há pais que continuarão a
ver os seus filhos como crianças. Isto tem o seu lado
carinhoso, mas tem também um lado MUITO
embaraçoso. Sobre isso falaremos outro dia. Por agora,
deixo-vos com uma última expressão paternal, uma
expressão que se costuma dizer quando as crianças não
querem comer e que é:
“Tens mais olhos que barriga.”
Muito bem, para que saibam, toda a gente, toda, tem
mais olhos que barriga. Quem não tiver, quem tiver
tantos olhos como barriga, das duas uma, ou é anormal
ou é zarolho. Fazem as crianças sentirem-se mal com isso
217
sem razão nenhuma. Depois queixam-se que há muita
violência infantil.
218
A velha tradição portuguesa de fazer tudo diferente dos
outros leva, por vezes, a situações bizarras. Se, por um
lado, temos um Segredo de Justiça mais fragilizado do
que um vidro rachado, por outro temos a mania, ou a
pretensão, de querer dar demasiada importância a coisas
banais. Bom, não se trata exactamente de coisas banais,
mas, de qualquer modo, a necessidade de mantê-las em
segredo é escusada.
Há meses atrás, quando se descobriu a arrecadação da
ETA na zona das Caldas (houve quem quisesse chamar
àquilo "célula"), falou-se muito da Estratégia Europeia de
Contraterrorismo e da lacuna que Portugal tinha no
desenvolvimento de um plano oficial anti-terrorismo. Isto
foi em Junho, passaram-se três meses, e a coisa mudou
um pouco.
Para começar, já temos uma Estratégia Nacional de
Contra-terrorismo. Cinco anos depois da União Europeia
ter difundido o seu plano anti-terrorista, cá estamos.
Levámos mais tempo porque somos todos muito bons e
não quisemos nada disso. Papinha feita é para os outros.
Nós gostamos de fazer as coisas à nossa maneira. E
contra isso eu não tenho nada a dizer.
Acho, no entanto, que foi um pouco estranha a decisão
de tornar secreto esse nosso plano. Levámos tanto tempo
a escrevê-lo que, na minha opinião, fazia mais sentido um
219
programa de televisão sobre isto do que sobre quaisquer
sete maravilhas. O Malato, o Jorge, a Catarina, até
mesmo a Serenela, deviam apresentar uma Gala da
Estratégia Nacional de Contraterrorismo. A Romana, o
Toy e os Pólo Norte podiam ser os convidados musicais.
Em vez disso, resolveram escondê-lo. Ou aquilo ficou
muito feio, cheio de palavras mal escritas; ou está tão
bom que não querem deixar ninguém ver. Eu vou mais
pela terceira hipótese, que é: não fizeram nada e estão a
armar-se ao pingarelho. Na escola, levava os trabalhos
numa disquete, e punha uma password. Só que a
password não funcionava. "Devo ter carregado no shift
sem querer, professor."
Nós estamos a falar de algo cuja base pode ser
consultada no site da UE por qualquer cidadão, incluíndo
terroristas. Aquilo que para a Europa deve ser do
conhecimento público, os nossos governantes acham que
deve ser guardado a sete chaves. Segundo a legislação, os
documentos podem ser classificados como muito secreto,
secreto, confidencial e reservado. A Estratégia Nacional
de Contraterrorismo foi classificada de "confidencial",
grau aplicado "às matérias cujo conhecimento por
pessoas não autorizadas possa ser prejudicial para os
interesses do País, ou dos seus aliados, ou de organizações de que Portugal faça parte". Estes documentos
só podem ser acedidos por altos responsáveis
credenciados pela Autoridade Nacional de Segurança. Ou,
no caso de se esquecerem das credenciais em casa,
qualquer pessoa com acesso à Internet.
220
O que distingue um católico dum muçulmano? Muita
coisa. Primeira: os católicos adoram um sujeito que era
filho dum homem invisível, os muçulmanos seguem um
tipo que se achava feio demais para ser representado.
Mais diferenças: os católicos podem consumir álcool,
os muçulmanos são a favor da poligamia. Na prática, para
os católicos a regra é "até que a morte vos separe", o
sagrado matrimónio, UMA mulher; os muçulmanos têm
direito a cinco. O que é estranho, porque os católicos é
que têm a Santíssima Trindade. Deviam ter direito a três.
Depois vem a parte do pecado. Quem se porta bem, vai
para o Céu. Os muçulmanos têm 70 virgens à espera;
duvido que que os católicos tenham uma tasca no Céu.
Aliás, esta é uma das razões que me leva a pensar que
talvez o Céu não seja tão bom quanto querem fazer
parecer.
Ir para o Céu é mau. Digo eu. Olhem para Adão e Eva.
Expulsos do Paraíso por causa duma maçã. Dizem que
não fizeram de propósito. Será que não? Vejam o caso de
Jesus. Jesus teve uma vida imaculada, ausente de
pecados, resistiu à tentação. A sua pureza levou-o para o
Céu. Esteve lá três dias e bazou.
Foi dos poucos conhecidos que, indiscutivelmente,
mereceu ir para o Céu e não ficou convencido com as
condições que lhe eram oferecidas. Bom... ele ia viver
221
com o pai. Ser filho de Deus também não deve ser fácil.
Não há privacidade nenhuma.
"Pai, importa-se de sair do meu quarto?"
"Ó filho, sabes bem que não posso."
O Inferno, por outro lado, deve ser bom. Pensem
naqueles que fizeram asneira, curtiram que nem uns
doidos, roubaram, mataram, enganaram. Foram parar ao
inferno. Quantos é que voltaram para dizer que aquilo
não presta?
E para os muçulmanos... 70 virgens? Uma já é difícil
de convencer, quanto mais 70! Estão sempre à espera "da
pessoa certa" São 70 vezes a ouvir aquela conversa do
"Prometes que não me magoas?" ou "Gostas mesmo de
mim?" 70 para um. São 70 prendas de aniversário.
Imaginem como será no Dia dos Namorados. Faço ideia
se houver restaurantes no Céu.
"Era uma mesa para 71."
"Para 71 não tenho. Só 69. Há dois que ficam de fora."
Outra questão nesta cena das 70 virgens. Ninguém fala
de idade, peso, altura ou sexo e eu acho que são dados
importantes. 70 virgens não significa 70 virgens mulheres.
Um gajo pode chegar lá todo convencido e de repente...
Porque isto de ir para o Céu, seja em que religião for, é
um acto de compensação. Nós portamos-nos bem, porque
estamos à espera de algo bom. Pensem numa criança que
se porta bem o ano inteiro para receber uma certa prenda
no Natal e chega ao dia e recebe uma porcaria qualquer.
O pessoal, enquanto é vivo, não mata, não rouba,
cumpre as regras, vai para o céu e tem:
Opção A, 70 virgens; opção B, ficar sem sexo, sentado
222
numa nuvem a ver quem se porta mal cá em baixo.
Passamos a ser chibos. E a denúncia é considerada
pecado.
Isso não é o Céu, é o Inferno.
223
Pedro Passos Coelho começou a atacar em força o
Governo. É preciso mudar de Executivo, diz o Pedro.
Hum... Espera lá. É impressão minha ou este inchar de
peito apareceu só depois de passar o prazo em que o
Presidente Cavaco podia dissolver a Assembleia? Pedrito,
Pedrito, todo armado em fanfarrão para quê? O tio
Cavaco já não pode mandar o menino Zé para o castigo.
Se o provocas, tens de te ver com ele e olha que ele não é
pêra doce.
Fico contente por saber que já falas em público sem ser
às refeições. Não era por nada, mas essa barriguita já
começava a ganhar uma certa proeminência. Se queres
chegar a Primeiro-Ministro, não basta saber sorrir; a
forma física também é muito importante. Atenção a isso.
Sobre as declarações propriamente ditas, Passos
Coelho diz que necessário “ultrapassar preconceitos”.
Concordo. Desde que isso não obrigue a ir por nenhuma
SCUT. Da maneira que isso está, palpita-me que tão cedo
não os apanharíamos.
Diz também que é preciso “estabelecer regras para
actuar com base nas possibilidades existentes. Ora, até
224
que fim! Até que fim que alguém tem coragem de dizer
isto publicamente duma vez por todas! Eu sempre fui um
defensor do estabelecimento de regras de actuação e
sempre defendi que essas regras deviam ser definidas
com base nas possibilidades existentes. O problema é que,
quando eu falo, ninguém me ouve. Eu até disse que não
seria boa ideia estabelecer regras de actuação com base
nas possibilidades não existentes. Pode parecer mais
tentador, no sentido em que se pode pôr lá qualquer coisa,
porém, obriga-nos a pensar mais. Dessa vez, vá lá, até me
deram ouvidos.
A fechar, a declaração da noite. “É a oposição que está
a ter o realismo e a responsabilidade que são o papel do
Governo.” Faltou o ponto de interrogação. E a resposta é...
não, não está. Isso quer dizer que o Governo está a ser
realista e responsável. Outra vez o ponto de interrogação.
E não, não está.
Portanto, o que é que temos aqui? Dois senhores, dois
senhores que blá blá blá muito, mas porrada 'tá quieto.
Passos Coelho e Sócrates dançam, trocam injúrias,
calúnias, são cão e gato em público. Parecem muito
diferentes, mas ambos largam pêlo e comem duma tigela.
Até 1906, 1907 existia o rotativismo parlamentar.
Quando o Rei se fartava farto do partido no poder, saia
esse e entrava O outro; depois o Rei fartava-se desse e
regressava o anterior. Hoje em dia, essa rotação é
imposta por sufrágio. O que quero dizer com isto? Que
Sócrates e Passos Coelho são duas faces da mesma moeda?
Não exactamente. Eu diria mais que são a mesma face; o
que está no outro lado, isso sim é a Oposição.
225
O stress pode ser evitado se tivermos um bom
despertador. Digo eu. O meu despertador é daqueles
electrónicos. Acordo sempre com aquele irritante som do
alarme. A primeira coisa que faço é desligá-lo. Quando
isso não resulta, o melhor a fazer é pegar nele e atirá-lo
contra a parede.
Gostava de ter um despertador que abrisse a janela do
meu quarto e deixasse a luz do sol entrar devagarinho,
que se aproximasse de mim e me tocasse gentilmente nas
costas, suspirando no meu ouvido:
“Acorda. Tens que ir fazer o teu serviço. O mundo
precisa de ti.”
Já pensaram como seria ter um despertador assim?
Sentir-nos-íamos mais importantes, não era? Ficávamos
com mais ânimo ao levantar.
Quando eu era pequeno, o meu despertador era a
minha mãe. Ela entrava no meu quarto, acendia a luz,
puxava os lençóis para trás e gritava: “Vá! Toca a acordar!”
O problema não era puxar os lençóis. A mudança de
temperatura não era muito importante. A não ser no
Inverno. Costumava dormir com dois cobertores em cima
e de repente ficava sem nada. Nada. Um lençol, dois
cobertores e um édredon em cima e depois... nada.
O maior problema deste tipo de despertador era eu não
poder colocar a minha mãe no modo standby. Seria tão
226
bom, tão prático. Carregava no botão e a minha mãe
ficava tipo estátua. O pior era se me enganasse e
carregasse no snooze. Passado um bocado voltava tudo ao
mesmo. Depois, lá acordava.
Tinha de ir de autocarro para a escola. Às vezes perdia
o autocarro e tinha de ficar meia hora à espera do
próximo. Não podia apanhar boleia de ninguém, porque a
minha mãe dizia-me sempre para não aceitar boleias de
gente estranha. E no sítio onde eu moro, o que não falta
são pessoas estranhas.
Mas estas recomendações são bastante comuns. Os
pais diziam sempre isso, não era? E os de hoje também.
Às vezes, com razão. Quem ouviu isso enquanto filho, dá
por si a fazer o mesmo aviso enquanto pai.
“Não aceites boleia de estranhos. Se não tiveres
dinheiro para o autocarro, chama um táxi que nós depois
pagamos.”
Nunca ouviram isso? Eu gostava. Quando era novo,
não prestava muita atenção, mas agora, pensando bem, é
um pouco contraditório. Eu não podia aceitar boleia de
estranhos, mas não havia problema nenhum em entrar
num táxi, com um sujeito que eu não conhecia de lado
nenhum, e dar-lhe dinheiro para ele me levar até à escola,
ou até casa.
E se o taxista for um assaltante ou, mesmo, um
assassino? Há umas semanas atrás, em Londres, um
taxista passou-se dos carretos e matou várias pessoas a
tiro. Temos a ilusão de que ele não nos vai fazer mal só
por lhe estarmos a a pagar. Não é uma garantia muito
segura, pois não?
227
Ponto de situação: o país está congelado pelo medo. Os
nossos responsáveis líderes políticos bem que nos tentam
avisar, mas nós não ligamos aos seus avisos. Após um
início auspicioso, em que até dançaram juntos (um deles
chegou a ir a Espanha tecer elogios ao seu opositor, o que
é uma atitude um pouco estranha, mas que parece bem),
Sócrates e Passos Coelho não se entendem quanto ao
Orçamento. O PS quer aumentar os impostos, o PSD quer
diminuir a despesa, ambos dizem que não aprovarão o
Orçamento de Estado se as suas propostas não forem
aceites.
No meu tempo, se eu fizesse birra como estes dois
estão a fazer, levava uma galheta e ficava o assunto
resolvido. "Não quero comer peixe!" dizia eu. E diziam
para mim, "Não queres, vais para o quarto sem jantar."
Pretendo com isto dizer que o senhor Cavaco devia dar
um puxão de orelhas a estes dois garotos? Nada disso. Já
são crescidos demais; não ia adiantar nada.
Uma vez que já são crescidos e sendo que não podemos
lidar com eles como se crianças fossem, o que se pede a
José Sócrates e a Pedro Passos Coelho é uma atitude
responsável e que se deixem de merdinhas duma vez por
todas. Não ficava mal e o país agradecia.
A consequência, ou uma das consequências, mais
imediata da não-aprovação do Orçamento de Estado é a
228
vinda do FMI para Portugal. Sobre isso, muitos líderes,
comentadores, ex-titulares de órgãos de soberania, etc.,
têm dito horrores. "É o fim do mundo!" Cada um defende
o seu ponto de vista, não reconhecendo qualquer aspecto
válido nos argmentos dos opositores.
Poderá parecer uma atitude pouco alarmista, mas os
nossos políticos têm razões para temer a vinda do FMI
para Portugal. Ter alguém a gerir as nossas contas
públicas de forma responsável, sem meter dinheiro ao
bolso (aqui, talvez me engane), seria quase como um
choque térmico. A resultar colocaria a nossa classe
política numa posição de muita fragilidade, embore eu
ache que a principal razão para esta aversão ao FMI é por
ser "gente de fora".
Para evitar a vinda do FMI é preciso aprovar o
Orçamento e, para isso, é preciso que PS e PSD se
entendam. Ora, eu até sou um rapaz novo, mas ainda sou
do tempo em que o PS e o PSD se encontravam em lados
diferentes do espectro político. Em teoria (friso, em
teoria), são partidos opostos. A que ponto chegámos nós
em que é preciso dois opositores de ideais opostos
colocarem de parte as suas diferenças e chegarem a um
entendimento?
Qual atitude responsável, qual quê! Homem que é homem, resolve os seus problemas à pêra! Não é cá com
falinhas mansas! "Olha, se não fazes isto eu não aprovo o
Orçamento!", "Ai é? E tu se não me deixas fazer isso, eu
vou-me embora!" Façam-se homens e andem à porrada.
Poderia não resolver nada à mesma, continuar tudo num
impasse, mas sempre animava um pouco as coisas.
229
Têm sido muitas as vozes que se têm manifestado contra
a pena de morte atribuída à iraniana Sakineh Ashtiani
pelo crime de adultério. Pouco se pode dizer acerca deste
caso que se contenha alguma comicidade. Já sobre
situações paralelas, a história é outra.
Como é normal nestes casos de injustiça que ganham
popularidade, às vozes do povo juntam-se também vozes
de famosos e poderosos. Pessoas que, mais do que dizer,
podem fazer algo para evitar que isto aconteça. A
declaração mais recente veio da primeira-dama francesa,
Carla Bruni, que defendeu publicamente os direitos da
condenada Sakineh Ashtiani.
A parte engraçada vem agora, mas antes de passar isso,
deixem-me fazer um pequeno aparte. O humor é
contextual. O que, para nós, tem piada, para outra pessoa,
pode não ter. A noção de crime e de ética segue o mesmo
padrão. Continuando. Carla Bruni defendeu Sakineh
Ashtiani. E o que é que aconteceu depois? O jornal
Kayhan, assumindo-se como regente moral dos valores
iranianos, referiu-se a Bruni como uma “prostituta
italiana” que “merece a morte” pela sua “vida imoral”.
A piada está quase, calma.
Após as declarações de Bruni e do Kayhan, foi a vez do
230
presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad intervir. E
ele interveio, considerando como crime, não alguém ser
condenado à morte por cometer adultério APÓS a morte
do marido, mas um jornal do seu país ofender uma
dignidade estrangeira.
“Que tipo de Islão permite isto?”, pergunta o
Ahmadinejad. E com razão. A Carla Bruni é uma senhora
atraente. Já a senhora Sakineh, talvez seja da roupa, mas
não dá para perceber muito bem se o que está debaixo
dos trapos é algo que faça um homem olhar para trás
quando ela passa. Peço desculpa por ser tão insensível,
mas é assim que as coisas são.
Não é uma questão de dizer se o que eles fazem no Irão
é certo ou errado. Do nosso ponto de vista é errado, mas
isso não conta para nada. A questão fulcral é: quais são as
intenções de Ahmadinejad em relação a Carla Bruni?
Parece-me que ele está a fazer-se ao lance. Por duas
razões. A primeira, porque pode. No Irão, ele pode ter as
mulheres que quiser; ainda para mais, sendo ele
presidente. A segunda, porque Carla Bruni não tem
estado nas notícias por fazer coisas muito acertadas.
O dia em que Carla Bruni chegue a casa e tenha os
sacos do Modelo à porta poderá não estar muito distante.
Ahmadinejad assim o espera. E quando isso acontecer,
ela lembrar-se-á de quem considerou crime um jornal
ofendê-la por ela ter defendido a vida duma mulher.
Estas são situações que podem gerar alguma
controvérsia diplomática e que só pecam por tardias.
Afinal, a silly season já terminou há quase um mês.
231
Eu acho que 23 por cento de IVA é um escândalo. De
todas as medidas que podiam (e deviam) ter tomado,
foram escolher a piorzinha de todas. Quase um quarto do
que pagamos por um produto vai para os cofres do
Estado. Mas isso tem algum jeito? Quase um quarto? Mas
que raio de porção é essa? Ninguém vai a uma loja e pede
quase um quarto de um quilo de batatas. Ninguém pede
quase um quarto de água. Se querem parecer austeros,
tomem atitudes austeras!
Como é que os senhores do estrangeiros vão passar a
olhar para nós? Certamente com alguma pena, alguma
desconfiança, diria mesmo algum repúdio. Este “quase”
um quarto é indigno, é sinal de preguiça. Pior do que isso,
topa-se à distância que é para enganar otários. Não está
em causa que o objectivo primário é extorquir mais um
bocadinho quem já está paupérrimo de recursos; o que
falta (no meu entender) é uma certa subtileza. Podemos
fazer as coisas à bruta ou podemos fazê-las com alguma
elegância e aqui optámos pela elegânciazinha bruta.
Por toda a Europa têm-se propagado as medidas de
austeridade; umas mais austeras do que outras. Não
fomos dos mais austeros, é verdade, mas também não
fomos dos mais desleixados. Há que ter em conta que a
austeridade duma medida não se avalia só pela medida
em si, mas pelo efeito que tem no país em que é
232
implementada. Em certos países, as nossas medidas
seriam uma lufada de ar fresco, noutros seriam um tiro
na cabeça. O que coloca Portugal no ridículo é o facto de
não nos mostrarmos com garra suficiente para fazermos
um aumento do IVA a sério.
Eu preferia que não houvesse IVA, mas, não sendo isso
possível, preferia que ele tivesse um valor mais baixo, tipo
10%. O 10 é um número bonito, tem qualquer coisa de
mágico. Os 10 melhores, os 10 mais procurados, os 10
piores. Para o bem e para o mal, o 10 tem uma aura. Com
o 25 sucederia o mesmo. Com algumas nuances. Além de
ser também uma percentagem redonda, os responsáveis
por essa medida podiam sempre invocar o 25 de Abril
como justificação.
“O país atravessa uma grave crise financeira,
económica e social. Numa sociedade em constante
mudança, é preciso que todos deiamos as mãos e
honremos os valores de Abril. O Governo acredita que a
forma mais justa de equilibrar as contas públicas e, ao
mesmo tempo, fazer uma homenagem a um dos
acontecimentos mais marcantes da História de Portugal,
o 25 de Abril de 1974, é aumentarmos o IVA para 25 por
cento.”
Isto vai acontecer qualquer dia e eu não me importarei.
Não me importarei porque já estou preparado para
isso.Vai acontecer mais tarde ou mais cedo.
Não faço ideia se as medidas de austeridade são
suficientes ou não para resolver os problemas do país
nem me interessa. Não é falta de interesse da minha parte.
Eu gostaria que os problemas do país (a começar por
233
sermos um país a sério) fossem resolvidos. A questão é
que este dinheiro não resolve os nossos problemas,
resolve os deles.
Uma última nota, que tem pouco a ver com o tema,
mas eu achei que ficava bem mencionar: Portugal não
vende ouro desde 2006 e as nossas reservas valem 11,8
mil milhões de euros. O dinheiro que o Estado vai poupar
com os três PEC é de 11,215 mil milhões de Euros. Nunca
fui bom aluno a Matemática, mas parece-me que chegava
para pagar qualquer coisinha. Infelizmente, quem toma
conta do ouro quer antes tê-lo sossegadito no cofre e
espreitar de vez em quando para ver se está tudo bem do
que gastá-lo. Compreende-se porquê: o ouro é o único
metal precioso que se reproduz em cativeiro.
234
As pessoas quando chegam a velhas ficam xexés. É certo
que isto não acontece a todas. Há aquelas que ficam xexés
pelo caminho, há as outras que morrem antes disso e há
aquelas, raras, que mantém uma lucidez do mais lúcido
que há durante toda a vida.
Na Lousã, por exemplo, está em julgamento o caso
dum senhor que decidiu oferecer um jipe a cada um dos
trabalhadores da sua fábrica. Os parentes do senhor não
gostaram da sua atitude e levaram o caso a Tribunal.
Neste caso, os xexés são os parentes, já que o senhor está
morto há coisa de dez anos. (Eu acho que com o dinheiro
que eles já gastaram em despesas de representação,
tinham poupado mais em deixar o pessoal ficar com os
jipes.)
Outro senhor que não sabia o que fazer ao dinheiro e
resolveu oferecer 500 milhões de euros para uma
Fundação, desde que a Fundação tivesse o seu nome: o
senhor Champalimaud. A prova que o senhor estava xexé
nos últimos momentos de vida, ou no momento em que
resolveu fazer esse negócio, está no seguinte: 500 milhões
de euros para serem geridos por Leonor Beleza.
Aos mais novos que me estão a ler, Leonor Beleza é
uma senhora (à falta de melhor termo) que esteve
envolvida num caso mui polémico. E perguntam vocês,
Mas se ela está à frente duma Fundação destas é porque
235
foi considerada inocente, certo? Errado. E tudo porque
em Portugal o nosso sistema de justiça funciona da
seguinte maneira:
Temos uma senhora (chamemos-lhe Leonor Beleza, só
como exemplo), que como Ministra da Saúde em Portugal
é responsável pelo que se faz nos hospitais portugueses. É
verdade que isto não implica que a senhora ande a
saltitar de hospital em hospital a ver se fazem tudo bem,
mas obriga a uma grande dose de responsabilidade.
Como a senhora não prestou a atenção que devia, houve
senhores que fizeram dói-dóis e foram para o hospital
levar sangue. Só que o sangue não estava bom, tinha
bichinhos lá dentro, e as pessoas ficaram doentes e
morreram. Ou estão a morrer.
Num país em que a Justiça funcionasse de forma
rápida, esta senhora teria ido a julgamento e teria ido
parar com os ossinhos à cadeia, onde lhe teriam feito em
sentido literal aquilo que ela e seus colegas de Governo
tinham-nos feito em sentido figurativo. Em Portugal o
processo arrastou-se durante anos, até que chegámos a
2007 e o processo prescreveu de vez e a senhora ficou
livre para dirigir uma Fundação.
Eu já visitei o novo Centro Champalimaud e devo dizer
que, gerências à parte, achei que estava muito bonita.
Está ali um bom investimento e estou certo que muitas
coisas boas vão ser descobertas pelas pessoas que lá
trabalham. Podem não ser necessariamente coisas
relacionadas com a investigação científica; podem ser
dois cientistas que se conheçam e que se apaixonem,
pode ser um cientista que perca a carteira não sabe onde
236
e depois volto ao laboratório e encontra-a dentro do
microondas. Há tanta coisa boa que pode acontecer.
E há também as más. Eu não queria voltar a falar de
coisas tristes, mas tem de ser. Só para fechar a loja. Ter
Leonor Beleza à frente duma instituição que se propõe
descobrir a cura para o cancro é arriscado e é evidência
que alguém está xexé. Não é de longe o cenário perfeito.
No entanto, é bem melhor do que colocar Leonor Beleza à
frente do Instituto Português do Sangue.
237
Há uns anos a esta parte escrevi um artigo sobre casas de
banho públicas, um tema que, ainda hoje, continua a
levantar muita celeuma, mas que é sempre giro de
discutir. Escrevi então sobre a iluminação automática que
encontramos por vezes nestes locais. Dependendo do
modo está a ler este artigo – seja em
http://protuberancia.blogspot.com, nas edições online do
jornal O Rio em www.orio.pt ou do jornal A Voz da Póva
em www.vozdapovoa.com ou, ainda, nas páginas do
Jornal da Bairrada, d' O Primeiro de Janeiro ou do Jornal
do Barreiro – o prezado leitor poderá estar ou não
familiarizado com o referido artigo. Pois bem, passados
tantos anos é tempo de retornar a esta temática. Antes
disso, porém, um pedido de desculpas.
Meu caro Rui, meu caro José, minha cara Oriana, meu
Bruno, meu caro Luís, desculpem utilizar este espaço
como forma de auto-promoção mas, se não fosse aqui,
onde mais seria?
Continuemos. É verdade que, neste momento, parece
que há matérias mais pertinentes a discutir do que o
assunto que irei abordar neste artigo. O Orçamento de
Estado é uma dessas matérias. E quando eu digo “parece”
é porque essas matérias, apesar de relevantes em
determinado período, são problemas recorrentes. Armase um grande alarido durante meia dúzia de meses,
238
levantam-se os braços em jeito de “Ai minha nossa
Senhora!” e no fim fica tudo na mesma. Não faltam
soluções, não faltam ideias. O tema deste artigo, pelo
contrário, é algo que ainda ninguém conseguiu explicar.
Sempre que a necessidade obriga, sou pessoa para
utilizar casas de banho públicas. E, ao contrário de muito
boa gente, não imponho limites ao que tenho a fazer
nesses locais. Há pessoas que só conseguem “ir” (por “ir”
entenda-se a chamada “número 2”) em casa, eu consigo
em ir qualquer sítio, nem que tenha de fazer o serviço à
distância. Restrições apenas se o freguês anterior tiver
deixado alguma prenda.
Seria nesta altura que eu sugeriria que deixasse a
leitura deste artigo para mais tarde. De preferência para
quando não estivesse a comer. Sucede que depois correria
o risco de perder um leitor. Sendo assim, mais vale
continuarmos.
Nas casas de banho de cafés e restaurantes por este
Portugal fora encontra-se com elevada frequência um
fenómeno, no mínimo, bizarro. (No máximo, não sei o
que possa ser.) Os homens que estão a ler isto vão
identificar já a situação.
Nós entramos e temos o habitual mobiliário de casa de
banho: o lavatório, a sanita e o urinol (há sítios onde
existe também um bidé, mas não vamos por aí); tudo na
mesma divisão. O que me faz alguma, para não dizer
muita, confusão. Porquê o urinol e a sanita juntos? Que
homem no seu perfeito juízo está sentado na sanita e
estica-se para abrir a porta a um desconhecido para ele
utilizar o urinol? Com um irmão ainda vá. E mesmo
239
assim é estranho.
As casas de banho dos homens não são como as das
mulheres. As mulheres podem ir para lá conversar, nós
não. Nós vamos, fazemos o que temos a fazer e saímos.
Ali não é lugar para confraternizações ou convívios.
Homem que puxe conversa nesse local é olhado de lado.
E mesmo que não seja, que género de conversa podem ter
dois senhores, um sentado numa sanita, o outro de pé a
brincar com as bolas de naftalina? A suavidade do papel
higiénico? A sua espessura? A cor? A altura em que o
urinol se encontra será a mais apropriada a nível de
conforto e controlo anti-salpico? Decerto que haveria
muita coisa para discutir ali; se ali fosse local de discussão.
Outro problema. Consigo “aceitar” que duas pessoas,
nesta situação, conversem uma com a outra se estiverem
lado a lado. Todavia, o que acontece muitas vezes, e aí
não há hipóteses de diálogo, é a sanita estar de frente
para o urinol. Se lado a lado a situação já é
constrangedora, falar para o rabo de alguém deve ser algo
que poucos estarão dispostos a tentar.
Senhores proprietários, Portugal tem bons carpinteiros,
estamos perfeitamente habilitados a colocar uma porta
onde for preciso. Compreendo que a vida não está fácil e
que uma porta ainda custa algum. Não há problema. Se
não quiserem gastar dinheiro a construir um cubículo
para isolar a sanita do resto da casa de banho um varão e
uma cortina chegam perfeitamente. A situação
continuaria a ser algo incómoda para quem estiver na
sanita. Quem estiver no urinol pode sempre acreditar que
240
a outra pessoa está a tomar um duche.
Pergunto-me se terá sido com base numa casa de
banho destas que surgiu o speed-dating? Quem inventou
isso deve ter conhecido a sua alma gémea numa casa de
banho pública.
241
Há uns anos atrás as pessoas sabiam mais sobre menos
assuntos. Não é que a informação fosse pouca, os meios
para difundi-la é que eram escassos. Hoje, graças aos
avanços da tecnologia, o acesso à informação é feito
quase em tempo real. Se, por um lado, isso tem a
vantagem da celeridade, por outro, implica alguma
volatilidade das matérias indevidamente tratadas e, pior
ainda, transforma aquilo que devia ser relevante em algo
redundante.
Somos bombardeados com informação dia a dia, hora
a hora, minuto a minuto, segundo a segundo em alguns
casos. O termo “bombardeado” poderá parecer exagerado
da minha parte, porém, acredito que é o que melhor se
adequa para descrever o modo como a informação chega
até nós. O mesmo assunto é abordado de vários pontos de
vista; é analisado e esmiuçado até ao mais ínfimo detalhe.
Se, em tempos quase idos, isso seria bom, hoje em dia os
efeitos desse fenómenos são mais perniciosos do que
benéficos.
Para quem, apesar de tudo, consegue manter um
raciocínio claro e analisar os eventos à luz do que eles, de
facto, são, a grande dificuldade é: o que escolher. A que
matérias devemos dar importância? A informação é como
os gostos, com a diferença de poder ser discutida se assim
for necessário. Há matérias que são importantes para
242
todos nós. O modo como elas são tratadas é que pode
ajudar ou não à captação do nosso interesse. Por outras
palavras, há assuntos que vêm na primeira página, há
outros que convém ficar algures no interior do jornal, não
se sabe bem onde.
A opinião pública é feita pelas manchetes e as
manchetes são feitas pela opinião pública. É um ciclo
vicioso que não se rompe, apenas se modela em algo novo.
Quem se der ao trabalho de ler além do que está à
superfície e procurar o que está nas entrelinhas e nos
mini-artigos de canto de página encontrará, asseguro,
informações, por vezes, surpreendentes.
Numa dessas leituras descobri que a China e a Grécia
chegaram a um acordo para resolver o problema da crise
grega. Como sabem, no tempo em que “estava tudo bem
por cá”, a Grécia entrou numa crise financeira que
obrigou à tomada de severas medidas de austeridade.
Naturalmente,
isso
provocou
um
grande
descontentamento junto da população. Só para terem
uma ideia do nível a que chegou esse descontentamento,
se tivesse acontecido cá as pessoas teriam chegado ao
ponto de irem para a rua com cartazes (mas só a meio da
manhã e só se estivesse bom tempo).
Apesar dessas medidas, o governo grego não conseguiu
resolver o problema da crise financeira e teve de ir
procurar apoio fora da União Europeia. Não sei de quem
partiu a ideia. Se foram os gregos que foram à China
pedir ajuda, se foram os chineses que viajaram até à
Grécia, “Ouvimos dizer que precisavam de ajuda...”. Não
faço a menor ideia. O que sei, o que li, é que a China vai
243
assegurar apoio financeiro à Grécia para que esta consiga
sair da crise. Em troca o primeiro-ministro grego terá
ceder ao governo chinês uma participação nos grandes
projectos de infraestruturas que o governo grego
pretende lançar e terá ainda de interceder a favor do
governo chinês junto da UE.
Para alguns, esta informação poderá não ter grande
importância. A mim é um sinal de que devemos estar
precavidos. A nossa situação não é muito melhor do que a
dos gregos– nunca foi, apesar do que nos tentaram fazer
crer – e tenho dúvidas de que sejamos capazes de
resolver os problemas que há a resolver com as pessoas
que estão à frente do poder. Também tenho dúvidas de
que sejamos capazes de resolver os problemas com quem
estiver atrás ou nos lados. Daí que considere a hipótese
de a solução vir de fora.
Não sei se a vinda do FMI é boa ou má. Não sou economista ou analista político para avaliar essa situação. Mas,
pessoalmente, não me desagrada a ideia de copiarmos os
gregos e irmos pedir ajuda à China. Assim como assim, os
restaurantes e as lojas chinesas (as lojas principalmente)
estão por toda a parte e já me habituei a encontrar de
tudo o que preciso a preços maravilha. Os produtos são
tão baratos que, se a China tomasse conta disto e
aplicasse essa ideologia em Repartições de Finanças seria
possível comprar um impresso a 50 cêntimos em vez dos
habituais 5 euros. É verdade que o papel seria de menor
qualidade, o texto viria mal impresso e com alguns erros
gramaticais, mas os nossos bolsos iriam apreciar essa
mudança.
244
Sou talvez o vigésimo quinto a dizer que temos de apertar
o cinto quando tal se prova necessário e, nessa qualidade,
venho hoje falar-vos de um tema que muita polémica tem
gerado, nomeadamente em França. Cá ainda não se
notou muito porque, citando Teixeira dos Santos numa
das suas duas entrevistas ao Financial Times, “o povo
português é um povo calmo” (isto é, “corno manso”).
Deixem-me só fazer um pequeno à parte para vos
contar uma cena muito gira. O Fernando, que parecia um
pavão por ter dado duas seguidas ao Financial Times
(duas entrevistas, entenda-se), caiu do pedestal para
onde subira quando o mesmo jornal considerou-o o pior
Ministro das Finanças entre dezanove países da União
Europeia. Toma que é pra aprender!
Eu não devia brincar isto pois é certo e sabido que
quando um Ministro das Finanças anda com má cara,
quem se lixa somos nós. Basta pensar na Manuela
Ferreira Leite e no próprio Cavaco Silva para perceber
que não é bom sinal quando quem tem por função “ir-nos
ao bolso” anda com cara de enterro.
Em França, a idade de reforma vai passar dos 60 para
os 62 anos. Como seria de esperar, manifestaram-se vária
reacções a esta medida. Destaco aqui as três que eu
considero mais relevantes. Notem que isto não significa
que sejam de facto as mais relevantes. Terão de confiar
245
no meu julgamento. O que, devo dizer, não joga muito a
vosso favor se querem fazer boa figura junto de pessoas
importantes.
A primeira reacção veio da parte de quem trabalha e
que não vê com bom olhos ter de estar a trabalhar mais
dois anos além do previsto; a segunda veio de quem
trabalha, mas não tem espinha para se manifestar;
finalmente, a terceira, veio de quem propôs e aprovou a
medida que não entende porque razão é que as pessoas se
queixam tanto quando se pede qualquer coisinha.
A ideia partiu da Comissão Europeia que pretende que
os estados membros estabeleçam a idade de reforma aos
70 até 2060. Recordo que a Comissão Europeia é
presidida pelo senhor José Barroso, que em tempos veio
atirar postas de pescada por Portugal ter ultrapassado o
défice de não sei quantos por cento e blá blá blá, mais ou
menos na altura em que era Primeiro-Ministro um
senhor chamado Durão Barroso. O apelido é semelhante
mas não têm nada a ver um com o outro.
A finalidade de ter as pessoas a trabalhar mais tempo é
evitar a ruptura dos sistemas de pensões e a
sustentabilidade das finanças públicas. Eu creio que, em
vez disso, seria melhor fazermos oposto, isto é,
anteciparmos a idade da reforma. Ou melhor, para quem
tem estas ideias brilhantes, cortava-se o mal pela raiz:
não havia trabalho para eles. Não que se possa chamar
trabalho ao que eles fazem.
Puxando a perspectiva para o nosso Portugalzito, "Se
nós aumentamos a longevidade por que não aumentar a
idade da reforma, dado que somos mais activos. Hoje os
246
70 anos é o limite de trabalho activo na área pública e o
direito à reforma é mais cedo, está nos 62,5 anos. Mas eu
diria que aos 60 anos temos ainda muita capacidade e
vontade de trabalhar. Isto merece uma reflexão", disse
Ana Jorge, citada na rádio TSF.
Faz-me confusão que quem recebe milhares de euros
por mês, que tem tudo e mais alguma coisa pago pelo
Estado e que se reforma ao fim de poucos anos de,
perdoem-me o uso indevido do termo, “trabalho” (ou não,
se arranjar um cargo qualquer numa empresa pública ou
privada que tenha favorecido durante o seu mandato),
seja tão insistente em ter os outros a trabalhar durante
tantos anos. Dizem que o exemplo vem de cima, e é
verdade. Mas, olhando para quem nos governa, lamento
que assim seja. Queria olhar com respeito para os nossos
actuais, passados e, até ver, futuros governantes e
representantes políticos. Só que é difícil. É difícil continuar a acreditar na ideia de “só mais um bocadinho, só
mais um bocadinho e tudo vai ficar bem”. E vai. Mas
podem ter a certeza de que não vai ser para nós.
247
A pior coisa que um homem infiel pode temer não é ser
apanhado pela mulher, é ter a mulher e a amante a
fazerem panelinha para o lixar bem lixado. Publicamente,
podem fazer um grande escândalo, podem-se insultar,
apontar defeitos.
A mulher traída irá insultar a amante do marido, irá
referir-se a ela como profissional do sexo (actividade
profissional devidamente registada após a passagem de
Manuela Ferreira pelo Ministério das Finanças), irá
assumir publicamente a vergonha, a desonra de que foi
vítima. A amante irá salientar a falta de apoio que a
mulher prestava ao seu cônjuge, irá apontar a distância
emocional que o casal atravessava. “Não vistes, foi porque
não quisestes”, dirá a amante num mau português.
Estas duas seriam amigas, talvez primas. A traição
semeará a discórdia entre elas. Pelo menos inicialmente.
Após muito insulto, muita discussão, as duas encontrarse-ão por acaso e conversarão de forma aberta e
construtiva sobre essa situação. Admitirão os seus erros,
reconhecerão razão em alguns dos argumentos utilizados
pela outra.
A mulher traída não admitirá a sua incapacidade a
nível de gratificação sexual do marido, mas assumirá a
sua distância emocional em relação ao mesmo. Em nome
dos sentimentos que em tempos levaram à união do casal,
tomará a decisão de pedir o divórcio. Baseando-se nas
248
estatísticas (e bem), irá receber uma boa maquia à conta
dessa acção legal.
Por sua vez, com o amante agora livre das malhas do
matrimónio, a amante assumirá com este uma relação
mais séria sem, porém, assumi-la publicamente. As
aparências manter-se-ão durante um tempo.
Aos poucos, marido e ex-amante, actual namorada
(esposa não, porque não é sua intenção casar-se)
começarão a ser vistos em restaurantes e parques pela
cidade. Pessoas comentarão entre si as prendas
oferecidas a ela, assim como o dinheiro gasto em roupas e
jóias.
De um momento para o outro, sem se aperceber bem
como, o homem passará a suportar duas mulheres. Duas
mulheres que não se suportavam, que mal se podiam ver
à frente. Quando não houver mais nada a extorquir dele,
a amante abandoná-lo-á e partirá, juntamente com a sua
nova amiga, recém-auto-descoberta-lésbica e ex-mulher
do seu namorado, para uma nova vida. O ex-marido e
futuro ex-namorado só se dará conta do que aconteceu
quando for tarde demais. Antes disso, vão deixá-lo com
os bolsos muito bem limpos.
Mudando para um outro assunto completamente
diferente. Após tantas e tantas discussões, PS e PSD
chegaram a acordo em relação ao OE para 2011.
249
Com tanto que se tem falado da compra dos dois
submarinos e da utilidade dos mesmos (eu acho que são
perfeitos, por exemplo, para uma festa temática
subaquática), foi com alguma admiração que constatei
que muito pouco ou nenhum interesse foi dado ao Dia da
Defesa Nacional. Pois bem, é hora de alguém homenagear
tão útil efeméride.
Antes de mais, alguma informação pessoal para vos
situar. Eu não fui à Tropa, fui só à Inspecção. Quanto às
razões que me mantiveram afastado do Serviço Militar
(na altura) Obrigatório, vamos todos acreditar que eles
consideraram que o meu potencial não seria totalmente
aproveitado naquele contexto.
Quem julga que a minha não-ida à Tropa é sinónimo
de inexperiência, engana-se. Experiência neste campo é
coisa que não me falta. E não me refiro às horas que
passei a jogar Call Of Duty ou outros jogos de guerra
(não sou tão idiota a ponto de proferir semelhante
afirmação), mas à maratona de filmes de guerra que fiz
na véspera do dia de ir à Inspecção. Na altura ainda não
sabia o resultado que me esperava e achei que ver o
Nascido Para Matar, o Platoon e o Desaparecido
Em Combate seria uma boa forma de me preparar psicologicamente para o que poderia vir a ser a minha vida
nos próximos tempos.
250
Sobre o Dia da Defesa Nacional, uma iniciativa lançada
pelo mesmo senhor que mandou comprar os dois
submarinos, há que se-lhe tirar tirar o chapéu e dizer,
“Sim, senhor! Que esplêndida ideia!” Eu concordo em
absoluto com as pessoas que dizem que os militares são o
espelho duma nação. Não concordo com tudo o que essas
pessoas dizem, nem discordo do que as outras dizem,
mas sobre a importância dos militares para a imagem do
país estou 100% de acordo.
Durante alguns anos, entre a minha não-selecção e
esta ideia do Paulinho, vivemos um tempo em que só ia à
Tropa quem queria. É verdade que nesses anos poupouse algum dinheiro na preparação de homens (que algum
ministro achou que seria bem gasto em dois submarinos).
Por outro lado, as nossas forças armadas estavam ao
abandono e isso dava uma má imagem do País.
Sem a cláusula da obrigatoriedade impunha-se uma
nova solução. A mais fácil seria repor a dita cláusula; o
que não era possível. A solução encontrada revela que
temos políticos bastante engenhosos. Só é pena essa
engenhosidade não ser posta ao serviço do País.
O que é que o Paulinho fez? Basicamente, manteve o
Serviço Militar Livre, mas criou o Dia da Defesa Nacional.
O objectivo deste dia é facultar aos jovens em idade de ir
à Tropa a experiência de um dia na vida de um militar.
Um pouco como ganhar um fim de semana num hotel de
luxo. A diferença é que, neste caso, as coisas não são
grátis e aqui está a genialidade da coisa.
A ida à Tropa é livre, mas a comparência ao Dia da
Defesa Nacional é obrigatória. Quem faltar à convocatória
251
está sujeito a uma coima que vais dos 249,40€ aos 1247€.
Se fizermos as contas, rapidamente concluímos que
aqueles que se baldam vão pagar a estadia aos que
decidam ficar. A mensagem que isso inspira é inequívoca:
estamos todos aqui para ajudarmos quem precisa. Se isso
não é bom para imagem dum País, não sei o que possa ser.
252
Ofereceram-me um pijama novo nos anos. O que é bom,
porque assim já posso vestir o pijama que me ofereceram
no ano passado. Na minha casa é preciso esperar um ano
para vestir um pijama novo. Que já não é novo. Novo é o
que eu acabei de receber. Mas não o posso vestir ainda.
Quando recebi o outro pijama, ia começar a vesti-lo, mas
a minha mãe e a minha avó insurgiram-se logo:
"Não vistas o pijama que é novo."
"Eu sei. Por isso é que o estou a vestir."
"Não. Podes ter um acidente e assim já tens um pijama
novo."
Portanto, a alternativa a esperar um ano para poder
vestir o pijama novo, é ter um acidente. Falei com amigos
meus, e com amigos que não eram meus mas aceitaram
falar comigo, e o mesmo acontece com eles. Isto não é
mania das mães e das avós. Elas só passam a mensagem.
Quem diz que as coisas são assim, são os hospitais. E eu
pergunto: quais são os hospitais que a pessoa liga para lá
aflita: "O meu marido teve um acidente!"
E do outro lado perguntam:
"Então, e ele tem algum pijama novo? É que se não
tiver, escusa de vir. Não queremos gente dessa aqui."
São picuinhas com o pijama, mas devem ser ainda
piores com a roupa interior.
Quando era pequeno, a minha mãe chamava-me
253
sempre à atenção para ter cuidado com a roupa, para
andar sempre limpinho para o caso de ter algum acidente.
Não digo que isto seja um aviso sem sentido. O asseio é
muito bonito, é saudável, faz bem e não causa embaraço.
O problema é que não vale a pena andar roupa limpa,
caso tenhamos um acidente. Eu fui atropelado quando
tinha 11 anos. E a última coisa que me passou pela cabeça
foi o remendo que tinha na meia esquerda. Queria lá
saber da roupa.
Fui para o hospital, e aqui é mais ou menos como a
história do pijama. O médico pede à enfermeira para ver
a roupa interior do paciente. Se estiver limpa, opera-se;
senão, diz-se aos familiares: "Fizemos tudo o que estava
ao nosso alcance, mas ele tinha a roupa interior suja."
"Nós compreendemos, senhor doutor."
Sabem o que acontece muito num acidente de viação,
quando alguém parte a espinha? Borra-se todo.
Literalmente todo. Fezes, urina, esperma, qualquer fluído
ou sólido corporal que saia da cintura para baixo, vem
tudo cá para fora. E depois a pessoa vai na ambulância, e
diz um enfermeiro para o outro:
"Cheira mal aqui dentro, foste tu?"
"Tás parvo ou quê?"
Começam a cheirar à volta e não tardam muito até
perceberem.
"Eh! É este gajo aqui!"
"Desliga mas é a máquina! O gajo que aprenda a andar
com roupa limpa!"
E é assim. Os pais tentam-nos impingir essas regras,
mas depois exageram um bocado.
254
Não sou religioso. Já disse isso várias vezes. No entanto,
compreendo a fé. Aceito-a. Mas quando a fé surge
disfarçada de merchandising a coisa muda de figura.
Fátima é o grande exemplo disso.
Acho bem que as pessoas vão à Fátima, façam
promessas, etc. Agora, o que eu acho mal, quer dizer, não
é achar mal, é mais aquela sensação de assumirmos
certas coisas com muita facilidade. É conforme o que nos
convém.
Quando a Nossa Senhora apareceu aos três
pastorinhos estávamos num má altura. Crises
republicanas. O prelúdio do Estado Novo. O país estava
na merda, dito de forma simples. Não que estejamos
muito melhor, mas enfim. Maria, para quem não sabe, foi
a primeira mulher da história a conceber um filho in vitro,
tanto ouviu esta oração que a certa altura começou a
pensar
"Pera lá! Eu se calhar até tenho jeito pra contar umas
piadas."
E apareceu aos três pastores. E disse-lhes:
"Vou-vos contar três piadas. Mas não contem a
ninguém que é segredo."
Não sei se as piadas eram boas ou não. Naquela altura,
ainda por cima com crianças que não iam à escola, o
sentido de humor delas não devia ser muito elevado.
Nossa Senhora era conhecida pelo seu humor inteligente.
255
Escolher três pastorinhos como público não terá sido a
sua melhor opção.
È pena. Talvez ela tivesse feito carreira no palco. E hoje
em dia as pessoas iriam a Fátima para dar uma boa
gargalhada em vez de rezar. Talvez assim já não gozassem
tanto com este assunto. Não falo contra quem vai; quem
vai tem as suas razões, a sua fé. Todos nós temos fé. Uns
mais, outros menos. De diferentes fontes, diferentes
formas. É uma coisa bonita. Dizem até que pode mover
montanhas.
Isso já não sei. O que eu sei é que quando uma pessoa
cai de uma montanha, morre. Mas há aqueles ainda têm
tempo de rezar. O problema é que Deus lá no alto não
percebe. Porquê? Porque as pessoas têm a mania de
escolherem rezas grandes e como têm medo de não
conseguir dizer tudo, aceleram o discurso e Deus fica à
toa. Que é como quem diz “a apanhar do ar”.
“Mas é afinal o que é que ele quer?”
Isto tem tudo a ver com falhas de comunicação. Há
quem diga que o mundo seria muito melhor se
falássemos todos a mesma língua. No início era assim.
Até que houve um dia que Inês, cunhada de Joana,
sobrinha de Filipe virou-se para o marido, António,
enteado de Francisco, irmão de Vanessa, e disse:
“Ó Toi, vai-me ali pedir um raminho de salsa para pôr
no molho dos caracóis!”
E ele foi. Só que nenhum dos vizinhos tinha salsa.
Então, do que é que ele se lembrou? Pediu ajuda a uns
vizinhos e começaram a fazer uma torre para ir pedir um
pouco de salsa a Deus.
256
Deus, que já começava a ficar farto de estarem sempre
a incomodá-lo, assim que soube do que se passava,
esperou que estivessem quase a chegar lá e mandou
aquela porcaria abaixo.
Aí António e o pessoal que estava com ele caiu tudo
por ali abaixo, bateram todos com a cabeça no chão e
ficaram com problemas na fala. E a partir daí deixaram
de se perceber uns aos outros.
Pra ser continuado...
257
Não sou grande fã de cozinhar, mas gosto de ter uns bifes
à mão para quando não me apetece ir ao take-away
buscar pitéu. Uns bifes, umas costeletas, dá sempre jeito.
Sou um tipo prevenido, porém moderado. A minha
experiência de vida ensinou-me a discernir entre estes
dois aspectos. O mesmo já não se pode dizer acerca dum
grupo de cientistas que recentemente apresentou uma
série de artigos, através dos quais concluíram que “em
2050 não haverá carne suficiente para alimentar os
estimados 9 mil milhões de habitantes na Terra e terá de
recorrer-se à produção de carne artificial”.
Vamos por partes que é mais fácil.
1 – A relevância do grupo
Não quero retirar a inteligência ao grupo, apenas
coloco a seguinte questão: Queremos mesmo dar
importância a um grupo de pessoas que, além de pouco
contacto com o sexo oposto, tem bolas de pus no rosto
ainda do tempo da puberdade? Esta gente nunca passou a
noite na esquadra, nunca soube o que é morar sozinho,
senão naqueles minutos em que a mãe ou a avó vão à loja
fazer o avio. Sabem de experiência sim, embora não de
experiência de vida.
2 – A urgência do aviso
Estamos em 2010. Eles estão preocupados com 2050.
258
Faltam ainda... quantos anos? Quarenta. Muitos deles
não vão estar vivos nessa altura. Estão a alarmar as
pessoas para quê? Para nada. Eu tenho carne no
congelador para, no máximo, dois/três dias. Mais não dá.
Não tenho espaço. E além disso, pra quê gastar dinheiro
em tanta comida se não sei se estou cá para comê-la? Vou
gastar uma pipa de massa em comida e depois dá-me o
badagaio? Seria um desperdício.
3 – Estimativas futuras
9 mil milhões? A sério? Está visto que não vai ser
durante estes quarenta anos que iremos ter uma
pandemia a sério. Estava a contar com a febre caprina ou
a conjutivite batráquea, ou ainda com a tosse marsupial.
4 – Carne artificial?
Esta parte agora é a sério porque isto é uma coisa que
me preocupa. Eu vou com relativa frequência ao
McD*****'s (não escrevi McDonalds por causa da cena de
estar a fazer publicidade gratuita) e a outros
estabelecimentos do género (até porque se fosse para
fazer publicidade, mais facilmente referiria o Burger King)
e não quero nem pensar o que seria se deixassem de ter
aqueles deliciosos hambúrgueres naturais.
O que vale é que, a confiar no que os cientistas dizem,
isso só acontecerá lá para 2050. Por essa altura terei
oitenta anos e, espero eu, dificuldade em distinguir entre
um hambúrguer e uma sola.
Concluído, comam peixinho que também faz falta.
259
Ando preocupado com o Tico e o Teco da senhora
Ministra da Saúde. Para quem não sabe do que eu estou a
falar, Tico e Teco é uma forma querida de nos referirmos
aos dois únicos neurónios que algumas pessoas possuem.
Quando estão bem um com o outro, o que sai não é nada
por aí além; quando estão zangados, aí é mesmo para
esquecer.
E porque é que eu ando preocupado com o Tico e o
Teco da senhora? Aqui há dias, a senhora Ministra da
Saúde disse o seguinte:
'Houve uma corrida às farmácias motivada
pelas próprias que telefonaram para casa dos
clientes dizendo que as comparticipações dos
medicamentos iam ser alteradas, portanto era
bom que fosse aviar para mais tempo'
A Anita acha que isto é 'um comportamento pouco
cívico' por parte das farmácias e chama a atenção para a
cena das comparticipações. 'Quanto mais caro
venderem, mais ganham',
Comecemos pelo básico. As farmácias não se
comportam. Quem se comporta são... aquela coisa, como
se chama? Ah!... os seres vivos. As farmácias, quanto
muito, comportam pessoas, mas não se comportam como
pessoas; muito menos telefonam para elas. É uma ideia
completamente disparatada. Um talho telefonar para o
260
fornecedor, ainda vá que não vá, uma farmácia não.
Depois o que é que temos? Temos uma falha
gramatical - '(...) telefonaram para casa dos clientes
(...), portanto era bom que fosse aviar para mais
tempo' – que não vou dizer qual é, porque não é
obrigação da Ministra da Saúde conhecer conceitos
básicos de gramática. Isso é competência da Ministra da
Educação, como se pode ver por uma expressão dita na
Abertura do Ano Lectivo 2010/2011: 'é preciso que
comam coisas que lhes fazem bem'. Concordo. E
é preciso que facem também os deveres.
Continuemos. As farmácias telefonaram para casa dos
clientes para eles irem fazer um avio grande. Há duas
ideias a reter desta afirmação. (Eu não chamo ideia ao
senhora disse porque, para ser ideia, era preciso que
tivesse pensado antes de abrir a boca.) A primeira ideia é
esta: onde é que um comerciante liga aos seus clientes e
diz, por exemplo “Eh pá, a mini vai aumentar cinco
cêntimos! Anda cá depressa!” Se estas pessoas existem,
eu quero saber em que parte do mundo é que elas estão
para ir lá.
A segunda ideia a reter é: as comparticipações vão
mudar. Mas em que sentido? Vão baixar? Não. Vão
aumentar. O que significa que os medicamentos vão ficar
mais caros para o utente. Não é à toa que os
medicamentos vão deixar de ter preço marcado. É para
que as pessoas não reparem com tanta facilidade no que
pagavam antes e no que pagam agora.
Se o Tico e o Teco da Anita estivessem bem, ela saberia
que, quando se sabe que o preço de determinado produto
261
vai aumentar, as pessoas vão comprar esse produto. É
matemático. Pode não fazer falta na altura. Podem até
nunca vir a utilizá-lo. Mas já o têm. E foi mais barato.
Não me admira que as pessoas comprem mais
medicamentos. Admira-me é que algumas ainda tenham
dinheiro para os comprar.
262
As políticas do Governo em relação ao desemprego não
me agradam. Parecem-me claramente insuficientes para
fazer face à presente conjuntura. Não pretendo aqui
elaborar quaisquer argumentos e/ou teorias que possam
solucionar este problema. Além de não ser isso que as
pessoas esperam de mim, não estou propriamente
interessado em ver o problema resolvido.
Passo a explicar.
Quando eu digo que não me agrada a política do
Governo em relação ao desemprego, não é no sentido da
taxa de desemprego estar muito elevada, e sim no sentido
de não estar elevada o suficiente para nos possamos
gabar disso. Não adianta acreditarmos que vamos
conseguir acabar com o desemprego e arranjar trabalho
para toda a gente. Enquanto ainda acreditávamos no Pai
Natal e na Fada dos Dentes, podia ser que sim; agora não
que já somos crescidinhos. Já é altura de nos
comportarmos como tal.
Tentamos camuflar as nossas falhas, manipular os
números até que estes representem apenas aquilo que
nós pretendemos e não aquilo que, de facto, representam.
Em Portugal não somos capazes nem do oito, nem do
oitenta, andamos lá pelo meio. A nossa taxa de
desemprego não é a mais elevada da Europa. Não é a
mais elevada da Zona Euro. Porra! Não é sequer a mais
263
elevada da Península Ibérica!
Isto é desmotivador. Nós merecíamos mais e melhor
empenho da parte de quem nos governa. Merecíamos
estar no top. À luz das políticas aplicadas por sucessivos
Governos, está visto que o objectivo é aumentar o
desemprego. Apliquem-se! É assim tão difícil facilitar o
despedimento? Não creio.
No Brasil existe um clube de futebol que tem orgulho
de ser o pior clube de futebol do mundo. E eu acho que é
isso que nós precisamos para melhorar a nossa autoestima. Podem dizer que isso deixa as pessoas tristes e
deprimidas. Óptimo. Ainda bem. Nós precisamos de
pessoas tristes e deprimidas. Principalmente se souberem
cantar fado. Sempre ajudaria a aumentar as nossas
exportações.
Tem-se falado muito dos trabalhadores da
Groundforce. Trezentos e tal trabalhadores em risco de
despedimento é muito pouco. Trezentos mil seria um
número mais aceitável. No entanto, continuaria aquém
das nossas capacidades e daquilo que é desejável. Falam
dos que podem ir para o olho da rua, mas estão-se nas
tintas para aqueles que vão continuar a ter de acordar
cedo para ir trabalhar.
O que eu vou dizer agora vai deixar muita gente
chocada. Paciência. Não se pode falar destes assuntos de
forma eufemística. Cá vai. As pessoas que trabalham só
têm hipótese de andar o dia inteiro de pijama ao fim-desemana. Os desempregados podem andar o dia todo. Até
podem vir à rua assim se quiserem. Estar desempregado
é uma alegria, deixa as pessoas bem-dispostas e com
264
tempo para tanta coisa. Cortar os pulsos, tomar banho
com uma torradeira, dormir a sesta numa linha férrea.
Enfim, o tipo de coisa que uma pessoa faz quando não
tem nada para fazer.
265
A Cimeira da NATO vai começar hoje e eu estou contente
por Portugal ter sido escolhido para albergar tal evento,
embora não consiga perceber exactamente porquê. Os
grandes jogadores do xadrez geopolítico internacional
vão se reunir cá e, sim senhor, é muito bom, mas...
O problema não está no catering. Nisso, nós somos
bons. Podemos estar a semana antes ou a semana depois
a descongelar sopa a cada refeição, mas enquanto os
convidados cá estiverem é uma fartazana que só visto.
“Mais vinho! Mais caviar! Eh! Cuidado que o gajo da
TVI 'tá a filmar! Escondam as ostras, mostrem só os
rissóis!”
Lisboa vai ser uma cidade sitiada durante este fim-desemana. A Segunda Circular vai estar cortada, o Eixo
Norte-Sul também, o IC qualquer coisa, a CRIL, a CREL,
a DREL. (Por mais que tente não consigo esconder a
minha ignorância em relação às nossas estradas. São
demasiadas siglas.) Há voos com destino ao Aeroporto da
Portela que foram cancelados; foi restabelecido o
controlo nas fronteiras terrestres; veículos nas principais
vias de acesso são revistados, assim como os seus
condutores e ocupantes.
A Cimeira vai decorrer durante este fim de semana,
sabe-se há meses que Portugal ia ser o país escolhido.
Quando é que se começou a fazer este controlo de
segurança? Há uma semana atrás.
266
“Senhor Primeiro-Ministro, tenho aqui o plano de
segurança para o senhor Primeiro-Ministro ver.”
“Plano do quê? Tem alguma coisa a ver com o
Freeport?”
“Não, senhor Primeiro-Ministro. É o plano de
segurança para a Cimeira da NATO.”
“Cimeira da... Ó homem! Isso é só daqui a não sei
quantos meses. Temos tempo.”
“Tem a certeza, senhor Primeiro-Ministro?”
“Tenho, tenho. Vá-se lá embora. Ah! Antes que me
esqueça, adicionei-o no Facebook.”
“Muito obrigado, senhor Primeiro-Ministro. Vou já
confirmá-lo como amigo.”
Desculpem lá. Entusiasmei-me com esta situação
hipotética que, vistas bem as coisas, não está assim tão
longe da realidade. Uma semana antes da Cimeira é que
começam a vigiar fronteiras, a revistas veículos e a passar
com o algodão a ver se tem pó?
Eu não quero ser alarmista, mas... eles, os tais
terroristas, já cá estão há muito tempo. Todavia, não
estou muito preocupado com isso. Não aprovo o que o
Bin Laden e trupe fazem, mas nunca fui directamente
afectado por isso. Já conheci pessoas que os usam como
desculpa para tudo.
“Desculpa querida, estas notícias da Alquaeda...”
“Não faz mal querido. Acontece a qualquer um.”
Senhores de pele crestada e barba rala que rezam a Alá
não me incomodam. Sejam terroristas ou não. Incomodame mais um outro grupo de terroristas, porventura mais
nocivo. O seu objectivo é causar o terror junto das
267
pessoas e deixá-las dóceis e desprovidas de vontade para
que não contestem nada, aceitem tudo. Sejam aumento
de impostos, sejam reduções salariais, o que for. São
fáceis de identificar. Usam fato e gravata e vêm cá passar
o fim de semana.
268
Hoje é dia 21 de Novembro e tenho quase a certeza que
este dia é o Dia Mundial de... qualquer coisa. Tem de ser.
Aqui há tempos, deu na televisão uma reportagem sobre
o Dia Mundial do Ovo. E não, não foi no dia 1 de Abril. Eu,
às vezes, costumo deixar algumas notícias para trás, mas
esta não foi uma dessas ocasiões. Foi no dia 8 de Outubro
que se “comemorou” isto.
Qual é o meu problema? Eu não tenho nada contra o
Dia Mundial do Ovo. Eu gosto de ovos, gosto deles
estrelados, mexidos, cozidos, gosto de omeletes. Mas fazme impressão que se assinale tanta efeméride. Pra quê?
Os criadores de aves não passaram a vender mais ovos
porque alguém lembrou-se de declarar o dia 8 de
Outubro como o Dia Mundial do Ovo.
E quem foi essa alminha esperta? Não se sabe? Sabe-se
pois. Foram os senhores da IEC. É parecido com o som
que fazemos quando descobrimos um ovo podre, eu sei,
mas é na verdade a sigla de International Egg Comission.
Uma Comissão Internacional de Ovos. E depois dizem
que esta humanidade perdeu o seu rumo. E com razão.
Há cenas que merecem ter um dia próprio. Há outras
que, lamento muito, não merecem. Não porque sejam
irrelevantes, nada disso. O ovo é importante e são válidas
as justificações a que os promotores deste dia recorrem.
Só que não é algo que mereça um Dia Mundial. Isto é
269
assim porque, nem toda a gente gosta de ovos e nem toda
a gente pode comer ovos. Há ainda, para aqueles que não
se lembram, algumas zonas deste nosso lindo planeta
onde as pessoas não têm sequer gravilha para comer,
quanto mais ovos.
Um dia dedicado ao coração, por exemplo, é algo que,
sim senhor. Todos nós temos coração e não falo em
sentido romântico, falo no sentido orgânico do termo.
Todos nós temos coração ou algo que faz as vezes de
coração. Dedicar um dia ao coração é importante. E
reparem bem, eu disse um dia. Se é parvo dedicar um dia
a coisas que não interessam, dedicar vários dias a
qualquer tema, por muito importante que seja, também
não me parece boa ideia.
Reparem, nós temos o dia 14 de Fevereiro que é, ao
mesmo tempo!, o Dia do Doente Coronário e o Dia da
Insuficiência Cardíaca (e é também o Dia dos Namorados
e o Dia Europeu da Disfunção Sexual; tudo a ver com o
coração, portanto). Temos também o dia 31 de Março que
é o Dia Nacional do Doente com AVC e o dia 29 de
Outubro, que assinala o Dia Mundial para a Prevenção
dos AVC. Não sei o que é que vocês acham, mas pareceme mal pensado colocar a prevenção antes do AVC
propriamente dito.
A não ser que tenham sido portugueses a elaborar isto.
Basta pensar na sinistralidade rodoviária para ficarmos
conscientes de que só nos preocupamos com a prevenção
quando já não há nada a prevenir.
Uma última nota, os Dias Mundiais oficiais vêm todos
listados no site da UNESCO. Tudo o resto, incluíndo este
270
do Ovo, é para enganar otários. A propósito, sabia que
hoje é o Dia Mundial do Tetra Pak?
271
Não sou nenhum especialista em economia, excepto
naquela que pratico ao nível dos recursos domésticos.
Tenho amigos que são e, sempre que tenho uma dúvida
sobre qualquer declaração feita pelo nosso Ministro das
Finanças, sei que posso recorrer a eles para me esclarecer.
Acontece que eu não gosto de andar a chatear as pessoas
a toda a hora e a todo o instante. E, com tudo o que se
passou com o Orçamento de Estado, todas aquelas
discussões e impasses e propostas e contra-propostas,
tive de tomar uma decisão.
Passei a assistir a essas declarações sozinho. Sem
telemóvel à mão para contactar alguém que me
elucidasse acerca do que estava a ser dito. Sem alguém
que soubesse dar sentido àquelas confusas palavras.
Porque o problema está aí. Nas palavras. As palavras
são confusas. Ou melhor, as palavras são simples, mas
são combinadas de modo a que resultem em frases
confusas. Frases confusas que poucos percebem.
Critica-se muito este Governo e outros anteriores e
posteriores sobre o estado da Educação no nosso país.
Entende-se porquê. Se os portugueses fossem bons
alunos a Português e a Matemática, não só entenderiam
aqueles malabarismos de aritmética que o Teixeira dos
Santos executa, como também reparariam nos graves
atentados linguísticos que acontecem com frequência.
Um desses atentados ocorreu tantas vezes que fiquei
272
quase convencido de que não se tratava duma gralha. O
senhor Ministro das Finanças acredita mesmo na
exactidão dessa expressão, que é “A despesa evoluiu de
forma negativa.”
Há um fenómeno curioso sobre as mentiras. Uma
mentira dita por muitas pessoas, às tantas passa a ser
uma verdade. É o poder da sugestão, ou da influência. Ou
talvez seja instinto de sobrevivência básico. Sobre a
expressão “A despesa evoluiu de forma negativa.” o erro
salta à vista. Nada evolui de forma negativa. Falar de
evolução é o mesmo que falar de progresso porque mudase para algo melhor. Quando se muda para algo pior,
ocorre um retrocesso, logo uma involução.
Eu entendo o uso da expressão. A maioria dos
portugueses não estará familiarizada com o terno
“involução”. E aqui voltamos ao problema do Português
na Escola.
Há dias assisti a um debate com representantes dos
cinco partidos com assento parlamentar e reparei que
estes problemas de linguagem são comuns a mais
deputados do PS e seus conterrâneos do PSD. O deputado
do PS serviu-se da expressão “anátemas negativos” para
sustentar um argumento, enquanto que o deputado do
PSD (um senhor com dificuldade em distinguir EPAL da
EPUL) hesitava na conjugação dos verbos pôr e colocar
no Condicional. Começava por dizer “poria”, alterando
logo para “poderia pôr”.
Continuo a assistir aos debates do Orçamento. Já vou
percebendo mais ou menos o que é que eles querem dizer
sobre as matérias macro e micro-económicas. Apesar
273
disso, a situação mudou um pouco. Agora são os meus
amigos que me ligam para que eu lhes explique o que
significa uma “involução positiva da receita”.
274
Nós temos um jeitinho do caraças para ter as coisas e não
as usarmos. Passamos em frente a uma loja, olhamos
para a montra, e vemos algo que sabemos algo que
sabemos não ter qualquer utilidade para nós. Uma
biografia de José Sócrates, por exemplo. O livro custa
27,53€ e nós pensamos, “Porra! Dar quase trinta euros
por isto! Nem pensar!”
No dia seguinte, ou na semana seguinte, tanto faz,
passamos em frente à mesma montra e constatamos que
o preço do livro baixou para 24,77€. Sem hesitar,
entramos e adquirimos um exemplar que, ou fica
guardado num caixote ou vai servir de calço.
Neste caso, o produto adquirido acabou por ter uma
certa utilidade. Porém, não se pode dizer que isso
aconteça sempre. E isto é normal acontecer, não só em
Portugal, como no mundo. Há coisas que não têm
qualquer utilidade, mas há outras que têm. E o problema
é não serem utilizadas quando é devido.
Há cerca de um ano atrás que a Polícia Judiciária e o
Ministério Público coordenam o Gabinete de Crise do
programa "Alerta Rápido de Rapto de Menores". Este
programa foi criado para ajudar à gestão de casos de
desaparecimentos de menores e, apesar de todos os casos
que têm acontecido desde então, nunca foi accionado. O
que é uma pena.
275
Tive oportunidade de ler o programa e só tenho coisas
boas a dizer sobre ele. O corpo do texto está num
tamanho aceitável. É suficientemente grande para ser
legível, mas não ao ponto de nos levar a pensar que
tinham pouca coisa para dizer e fizeram aquilo em
tamanho 16 para ocupar o máximo de páginas possível. O
tipo de letra escolhido foi o Euphemia, o que revela um
certo arrojo por parte dos organizadores deste programa.
Quanto à encadernação, optou-se pela encadernação
térmica. O que justifica o pouco uso dado ao documento.
Como ex-funcionário dum Centro de Cópias, sei que a
melhor opção de encadernação para documentos
destinados a uso constante é a encadernação com argolas
de metal.
Além da forma, o programa "Alerta Rápido de Rapto
de Menores" tem também aspectos positivos quanto ao
seu conteúdo. Quando aplicado (em teoria, já que nunca
foi aplicado), emite alertas nas televisões, rádios e
autocarros a cada quinze minutos. Isto a mim confundeme um pouco. Por um lado, é sinal de que estão a fazer
qualquer coisa para encontrar a pessoa desaparecida; por
outro, parece algo que fazemos uma vez, deixamos em
modo automático e vamos para o café beber imperiais.
Pedro do Carmo, responsável pelo Gabinete, diz que
nos dezasseis meses de existência do programa não foi
ainda detectado nenhum desaparecimento que “observe
as premissas básicas para accionar o sistema”. Para que o
alerta seja accionado é necessário que se trate de um
rapto ou sequestro e não de rapto parental ou simples
desaparecimento. Ser raptado por um parente não é o
276
mesmo que ser raptado? Parece que não. E se tiver mais
de dezoito anos, bem pode esperar.
Pelos vistos ser raptado obedece a uma série de prérequisitos que, quando não verificados pelas forças de
investigação, levam a que o nome seja colocado em lista
de espera. A PJ diz que está tudo a postos, caso seja
preciso. Basicamente, é como termos uma caixa de
chocolates que só abrimos quando está perto do fim do
prazo de validade.
Os responsáveis do programa dizem não sentir
qualquer frustração por nunca terem posto em prática
aquilo que demoraram tanto tempo a conceber. Eu sei o
que é isto. Na Escola acontecia-me o mesmo quando
tinha de apresentar algum trabalho. Tinha segurança no
que tinha escrito, mas temia o momento de apresentar
publicamente as minhas ideias. Enquanto fosse algo
destinado apenas aos olhos do professor, colegas de
Departamento, outros professores, amigos e familiares,
estava tudo bem. Quando tinha de explicar as minhas
ideias aos meus colegas, era complicado.
Pedro do Carmo diz ainda que o "Alerta Rápido de
Rapto de Menores" é como "uma técnica avançada para
tratar uma patologia muita grave, mas que queremos que
nunca seja usada". É sem dúvida um bom programa em
papel. Talvez um dia se descubra se funciona mesmo.
277
Sempre que faço compras pela Internet gosto de receber
as coisas a tempo e horas. Se no site diz que demora entre
48 horas e já passa das 49 horas, eu começo logo a ligar
para lá a perguntar o que se passa. Não vá alguém se ter
esquecido de colocar o selo na embalagem e esta ter
ficado perdida numa estação dos CTT no Cabo Ruivo.
É assim que se faz, senhores do Governo que organizou
esta Cimeira da NATO. Quando se gasta dinheiro numa
encomenda e a encomenda não chega, exigem-se
explicações. E não digo declarações do género,
“O Governo irá analisar o que aconteceu e proceder da
forma que achar mais adequada.”
O que aconteceu foi que o Governo Civil de Lisboa
abriu concurso para a adquirir seis blindados para a
Cimeira da NATO e o primeiro blindado só cá chegou um
dia depois da Cimeira ter terminado. Ainda bem que nós
não comemoramos o Dia de Acção de Graças.
Arriscávamos um incidente internacional ao ter cá o
Obama para jantar e o peru só estar pronto na semana
seguinte.
Eu sei como é. Às vezes, quando faço as minhas encomendas, estou ciente de que podem haver atrasos na
entrega. Quando produtos que vêm de outros continentes
é normal que isso aconteça. Por outro lado, as minhas
encomendas nunca ultrapassam os 50 euros e raramente
atingem esse valor. O Governo Civil de Lisboa
278
disponibilizou mais de 1 milhão de euros em material que
não chegou cá quando devia. O mínimo que se exige era o
senhor Governador ir à varanda e dizer a quem passasse,
“Olhe vizinha, então não é que gastei 5 milhões nuns
blindados e os sacanas não me entregaram aquilo ainda?”
E a vizinha depois ia contar a toda a gente. Aposto que
os senhores dos blindados iam ficar com as orelhas a
arder duma maneira que não tardariam a reconhecer o
erro que haviam cometido.
Apesar destes incidentes, o que me está a fazer espécie
não é o atraso na entrega. São as contas. O Governo Civil
de Lisboa disponibilizou 5 021 494,78 euros para a
aquisição de material; desse dinheiro gastaram 1 080
000 euros na compra dos seis blindados que ainda não
chegaram e mais 714,924 euros em outros materiais. O
total de despesa apresentado foi de 1,722,924. Mas se
fizermos as contas, verificamos que o que se gastou
realmente foi 1,794,924. Houve 72000 euros que alguém
pôs e eu não sei quem foi.
Pelas contas oficiais, sobraram 2704000 euros; pelas
minhas sobraram 3,226,570,78 euros. A diferença é de
522,570,78. Ou eu não sei fazer contas, ou alguém anda a
meter dinheiro ao bolso ou é dos portes de envio. O que é
sinal que os blindados vieram de Júpiter. Por mim,
preferia que tivessem vindo de Plutão, planeta que regia o
meu signo até pisar o risco e ter sido despromovido a
calhau.
279
A Cimeira da NATO já passou e correu tudo bem da nossa
parte. Fomos bons anfitriões, cordiais, diplomáticos. É
verdade que os blindados só chegaram dois dias depois
da Cimeira ter terminado e de os convidados terem
regressado a seus países, mas não podemos olhar apenas
para o lado mau da questão.
Eu sei que é tentador falar mal. Por vezes, eu próprio
faço isso. Ignoro os aspectos positivos que possuímos e
hiperbolizo tudo o que de negativo nós temos. E isso está
errado. Nunca iremos para a frente como país, como povo,
enquanto não nos abraçarmos as nossas qualidades e
assumirmos os nossos defeitos. Sim, temos defeitos. Eu
tenho defeitos. Você, leitor ou leitora, tem defeitos. É
tempo de assumirmos isso.
Dito isto é com grande orgulho que vos comunico,
àqueles que ainda não o sabem, que Portugal subiu para a
32ª posição no 'Índice de Percepção de Corrupção',
relatório publicado anualmente pela Transparência
Internacional. Em 178 países nós estamos em 32º lugar!
Não é bom? Em 2009 tivemos um percalço e descaímos
para a 35ª posição, mas conseguimos dar a volta por cima.
Somos dos países europeus mais corruptos. Embora
não corruptos o suficiente para ter lugar no top dez. Na
Europa Ocidental somos dos piores que estão na tabela. E
porquê? O que é que nós temos ou fazemos que nos
garante um lugar numa posição tão cobiçada como a 32ª?
280
Os analistas dizem que são as nossas leis “herméticas”,
um aparelho de Justiça que “não funciona” e resultados
“nulos” no combate à corrupção.
Vamos considerar cada uma destas razões
isoladamente.
Comecemos pelas leis “herméticas”. Dos vários
significados que a palavra “hermética” possui, destaco
este:
281
hermético 4 p. ext. difícil de entender e/ou
interpretar; obscuro, ininteligível
A linguagem utilizada nas nossas leis não é
compreensível por todos. E por uma razão muito
importante. Se todos compreendessem o que dizem as
Leis, não precisaríamos de advogados, nem de juízes,
nem de nenhum profissional que vive à custa de
interpretar legislação. Os números do desemprego
crescem de dia para dia. Simplificar a linguagem legislativa iria apenas piorar uma má situação.
Saltemos para a terceira razão: resultados “nulos” no
combate à corrupção. Novamente, insiste-se em olhar
apenas para o lado mau da questão e ignorar o lado bom.
Resultados nulos é o mesmo que dizer que não aconteceu
nada. E se nada aconteceu, porquê falar do assunto?
Ninguém ganhou, ninguém perdeu. É como pensarmos
em andar à porrada. Na nossa mente somos sempre os
vencedores e é isso que importa.
Por fim, temos o aparelho de Justiça “que não
funciona”. Aqui vou ser alegórico. A Justiça é uma mulher.
Qual é o aparelho que, ao deixar de funcionar, deixa uma
mulher irritada? A minha proposta? Façam uma
vaquinha e comprem pilhas. Acreditem em mim. Quando
a senhora dona Justiça estiver satisfeita, ficaremos todos
bem melhor.
282
Gosto muito dos sinais que anunciam a chegada da época
natalícia. Para algumas pessoas são as luzes e as músicas
de Natal; para outras são os anúncios a brinquedos; para
outras o Harry Potter. Para mim, os meses de Novembro
e Dezembro são sinal de... Camarate.
Camarate está para a vida política portuguesa como
um acidente de viação está para os curiosos que vêm na
faixa contrária. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu,
mas todos param para ver. Porém, há uma diferença clara
entre Camarate e um acidente de viação. No acidente de
viação, quando se descobre quem é o culpado, leva-se a
pessoa a julgamento, condena-se a pessoa e fica o caso
rsolvido. No caso Camarate, o culpado pode até assumirse publicamente, mas a investigação continua como se
ninguém tivesse dito nada.
Há dois anos atrás, se não me falha a memória, houve
um senhor que se assumiu como autor material do
atentado que vitimou Sá Carneiro e Amaro da Costa. Fêlo, não para aliviar a sua consciência pesada, mas porque
o crime já tinha prescrito.
Durante décadas não faltaram teorias para explicar o
que teria acontecido ao certo; assim como não devem ter
faltado “culpados” que se entregaram às autoridades em
busca de alguma fama. José Esteves, aka “Sou Zé”, é um
caso diferente. Não sei que provas apresentou, se é que as
apresentou, para sustentar as suas declarações de
283
culpabilidade. Uma vez que é vidente, é possível que
tenha previsto a melhor altura para se anunciar como
culpado sem que lhe acontecesse nada. Ou então os
investigadores querem concorrer ao Guiness Book of
Records com o maior enrolanço de sempre.
Escrevo este texto no dia 27 de Novembro, dois dias
antes do lançamento do novo livro de Freitas do Amaral
sobre Camarate, intitulado Camarate – Um Caso ainda
em Aberto. O foco deste livro vai ser o Irangate, o caso de
tráfico de armas entre Estados Unidos e os participantes
na guerra Irão-Iraque. Por outras palavras, tudo serve
para vender.
Seja o senhor bruxo culpado ou não, o que é que isso
interessa se o caso já prescreveu? Mesmo que se prove,
sem sombra de dúvida, que pessoas ligadas ao Governo
conspiraram para matar o Primeiro-Ministro e o Ministro
da Defesa de modo a proteger o seu negócio, o que é que
isso interessa? Alguém acredita que sejamos capazes de ir
pedir satisfações aos Estados Unidos e ao Irão? Estamos
a falar de países com capacidade nuclear, países capazes
de nos obliterar por completo. Pode parecer tentador
para alguns de vocês, mas para mim não. Estou bem
assim.
Este país não vai para a frente a empatar desta
maneira. É altura de um novo atentado. Senhores
políticos, continuem assim. Vontade de pôr uma
bombinha em São Bento não falta a muita gente. E se
começarem a insistir muito em atirar as culpas para cima
dos nativos da terra do senhor Ahmadinejad, é quase
certo que alguém vai receber uma encomenda de Teerão.
284
E não vão ser biscoitos.
285
“É impressionante como nos centros financeiros se
acompanha e sabe o que se passa em Portugal”, afirmou o
ministro das Finanças, no Parlamento, antes da
aprovação do Orçamento.
A mim o que impressiona é haver alguém capaz de
perceber o que se passa cá. A nossa actual situação
económico-financeira, em que de manhã precisamos de
ajuda e à tarde já somos capazes de ajudar, é algo muito
difícil de definir. Parece – não digo que é – um daqueles
quadros a três dimensões em que é preciso olhar duma
certa perspectiva para ver o avião ou a borboleta ou seja
lá qual for a figura oculta. Nós estamos demasiado perto
do problema para perceber ao certo qual é o problema, ou
mesmo se existe um problema.
Por exemplo, os senhores do Financial Times da
Alemanha consideram que Portugal está sob pressão para
pedir auxílio ao FMI. Para quem está na economia mais
estável da Zona Euro é normal que, olhando para o nosso
Portugalito, nos considere necessitados de auxílio.
Opinião contrária tem o Governo Português e a Comissão
Europeia. (Que é presidida por um português que
também já foi chefe de Governo e, como tal, responsável
por parte da situação que neste momento não existe.)
Não surpreende ninguém que PS e PSD se tenham
unido na aprovação deste Orçamento. A sua não
aprovação, mais do que criar uma crise política, seria
286
perigosa porque obrigaria membros dos dois partidos a
assumir publicamente que tinham feito asneira. Como
responsáveis
principais
pela
actual
situação,
compreende-se que PS e PSD não queiram atirar pedras
aos seus telhados.
Escutámos representantes destes dois partidos
afirmarem que era necessária a viabilização deste
Orçamento. Dada a presente situação, não havia
alternativa viável. Estão por vir reformas estruturais,
reformas laborais e outras medidas com vista à melhoria
da competitividade. Dizem eles.
O mundo tem os os olhos postos em Portugal e a crise
não é nenhum papão, é uma situação bem real. Vamos
acreditar que sim. O que me anima é ainda ser possível
encontrar sinais de um futuro promissor. Isto confirmase pela seguinte história:
Era uma vez um senhor que disse “O País está a partir
de agora melhor preparado para enfrentar os desafios
com que se confronta”. Isto é a parte má da história. A
parte boa é que isto foi dito por Teixeira dos Santos, logo,
é possível que, no momento em que esteja a ler isto, esta
afirmação seja cem por cento verdadeira.
287
Nas minhas aulas de Filosofia no 11º ano recordo-me de
ter lido e (tentado) analisar um texto cujo título era “A
vaca está lá fora”. O texto expunha um diálogo entre três
personagens, abrigados em casa numa noite tempestuosa,
que discutiam se a vaca que eles viam a pastar sempre
que ocorria um relâmpago estava sempre lá ou apenas
quando eles a viam.
A que propósito é que eu trago isto à baila? Por nada.
Continua-se a discutir o Orçamento de Estado. Após a
surpresa totalmente inesperada de PS e PSD terem
chegado a acordo, surge agora a surpresa ainda mais
inesperada de o PSD não ir votar favoravelmente as
propostas de alteração ao OE feitas pela restante oposição.
À direita, o CDS apresentou as suas propostas relativas a
corte e controlo da despesa; à esquerda, o BE criticou o
PS e o PSD por terem miaúfa do sector financeiro, o PEV
disse que o PSD era cegueta e o PCP serviu-se da
expressão popular “tirar o cavalinho da chuva” para
criticar o PSD.
Por que razão é que os restantes partidos da oposição
estão a criticar o PSD? Em teoria, faria mais sentido que
um partido da oposição estivesse ao lado dos outros
partidos da oposição ou, quando tal não fosse possível,
contra o Governo. Eu só tenho 30 anos, mas percebi há
muito que o PS e PSD só se opõem quando lhes interessa.
E agora não lhes interessa. Não lhes interessa que a vida
288
das pessoas vá piorar, desde que as suas regalias se
mantenham ou melhorem. Podem invocar mil e uma
razões – os mercados, a crise, o défice, a despesa, os
gambozinos – para justificar as suas decisões, mas tudo
se resume a uma palavra: mais. Querem mais e mais e
mais.
A oposição – partidos de esquerda apenas – vive na
ilusão de que tem força para travar isto. Assim como nós
vivemos com a impressão de que o nosso contributo a
cada quatro e cinco anos tem alguma relevância. Cada vez
acredito menos que tenha. E é triste, pois gostava que
tivesse tanto quanto é suposto ter.
Não sinto que estejamos a eleger os nossos melhores
representantes. Sinto como se estivesse a ver um
concurso de talentos infantis em que ganha sempre o
miúdo que canta mal ou o outro miúdo que começa a
chorar a meio do acto. Ganham sempre não pelo seu
talento, mas porque a mamã oferece uma tarte de maçã
ao júri.
O mesmo acontece com as eleições. Talvez o nosso
voto conte mesmo, talvez não. Já não me interessa. Todos
os anos é a mesma discussão sobre o OE e todos os anos o
resultado é o mesmo. Agrada-me pensar que falta menos
de um mês para o Inverno chegar. Gosto de pensar nas
noites passadas no sofá, com o aquecedor ligado, vendo
um bom filme ou lendo um bom livro, enquanto lá fora
chove torrencialmente e as ruas ficam alagadas porque as
sarjetas não são limpas. E às vezes até aproveito para
observar o mundo lá fora e pensar se o país que vejo
existe realmente ou apenas quando caem relâmpagos.
289
A moda das redes sociais chegou à classe política. Isto
seria uma boa notícia se eu não soubesse o tempo que se
perde a ver fotografias de pessoas que não conhecemos,
mas que achamos interessantes. E ao dizer
“interessantes”, refiro-me a “mulheres de busto
considerável na praia ou outros locais”. É uma fase inicial
pela qual todos os homens passam antes de começarem a
dar um uso mais profissional ao serviço. É certo que nem
todos os homens passam por essa fase; há aqueles que
têm outras preferências. Tudo bem. E é ainda mais certo
que ninguém abandona por completo essas visitas a
conteúdos alheios.
Pedro Mota Soares, Pedro Passos Coelho, Cavaco Silva,
Ricardo Rodrigues, José Lello, Luís Menezes, José
Junqueiro, e outros políticos, são adeptos das redes
sociais, nomeadamente do Facebook e do Twitter.
Servem-se delas para aquilo que, em linguagem popular,
se convencionou chamar de “picarem-se uns aos outros”.
Não é muito diferente do que faziam antes. A diferença
principal está no número de caracteres. E, parecendo que
não, é uma grande diferença. Estes senhores são bem
pagos. Podem dizer que não são, mas são. Têm muito
dinheiro para comprar muitas embalagens de Dr. Bayard
para aliviar a garganta ao fim de várias horas de discurso.
Porque é o mínimo que se pede. Não vou ao ponto de
dizer que gostaria que trabalhassem, mas, pelo menos,
290
que falassem com a boca, e não com os dedos.
Recordo-me da confusão que foi quando instalaram os
novos computadores no Parlamento. Parecia uma aula de
Introdução às Novas Tecnologias. Havia quem não
soubesse que era preciso premir um botão para ligar o
computador. Queremos mesmo acreditar que essas
pessoas já sabem utilizar o Facebook e o Twitter por si
mesmas?
A principal vantagem de utilizar as redes sociais para
divulgar mensagens políticas é o semi-anonimato. Cavaco
Silva, que pediu contenção no discurso político, poupança
nas palavras, assina tweets atrás de tweets. Escrever
muito faz calos nos dedos e pode provocar tendinites. Eu
sei disso. Mas sei também que é fácil ditar para os outros
escreverem. Ou mesmo deixar que escrevam por nós.
Afinal de contas, quando o discurso é sempre o mesmo,
pouco há a dizer.
291
Quando eu era pequeno fui praticante de Ginástica. Não
se pode dizer que tenha sido atleta, já que estive lá pouco
tempo e o jeito não era muito. Mais tarde, nas aulas de
Educação Física, tornei a ter contacto com esse desporto.
Sempre fiel a mim mesmo, o jeito para a coisa continuava
a ser escasso.
Fiz esta pequena viagem ao passado porque, apesar de
não ter jeito para a coisa, sei que há limites para aquilo
que o nosso corpo pode suportar. Há movimentos e
posições que, pura e simplesmente, são autênticos
atentados à coluna.
Manuel Alegre, candidato à Presidência da República,
é um grande exemplo disso. Apoiado pelo Partido
Socialista, partido ao qual pertence, e pelo Bloco de
Esquerda, partido ao qual alguns gostariam que
pertencesse, Manuel Alegre contorce-se de tal forma que
até uma contorcionista tailandesa ficaria impressionada
com tamanha flexibilidade.
É certo que qualquer político tem uma flexibilidade
fora do vulgar quando comparada à de um ser humano
normal. Fazendo referência a um artigo que publiquei há
meses, todos os partidos defendiam a redução do número
de deputados, desde que essa redução não fosse em
relação à sua bancada. Faz parte da vida política dizer
uma coisa e fazer o oposto. No caso de Manuel Alegre, a
292
situação é diferente. Manuel Alegre ainda só está na fase
de dizer e já está a ser defendido por Governo e Oposição.
Num comício organizado pelo Bloco, Jorge Costa, um
dos oradores, proferiu as seguintes declarações:
“O ministro Luís Amado diz que o país precisa
de uma coligação entre o PS e o PSD, mas o Bloco
tem dito sempre que esta coligação já existe, já
está em prática e chama-se PEC I, II, III e
Orçamento de Estado.”
Até aqui, ataque ao PS e ao PSD. Continuemos.
“Esta coligação tem um programa, uma
maioria e um presidente.”
Quem será ele?
“O presidente é Cavaco Silva, e é quem articula
essa política, e apadrinhou o Orçamento de
Estado, e é contra esta política, esta maioria
parlamentar e este presidente que é preciso
erguer uma resposta adequada, e temos uma
candidatura alternativa e uma campanha
presidencial forte e vencedora em torno de
Manuel Alegre.”
Que é militante do PS. Repararam na ginástica? Isto
impressiona-me.
No mesmo discurso o candidato Alegre é capaz de
defender e atacar ideias dos seus dois apoiantes e
nenhum deles lhe retira ou reforça o seu apoio. Como é
que consegue?
Será possível que Manuel Alegre não tenha espinha?
Não falo em ausência de escrúpulos, falo literalmente em
não ter espinha. Que outra explicação pode haver para
293
tamanha flexibilidade? Parece uma cana de bambu. As
canas de bambu vergam, mas não quebram. Não quero
com isto dizer que Manuel Alegre seja inquebrável,
apenas oscilante demais para se perceber se prefere ser
apoiado pela Direita ou pela Esquerda.
Aflige-me ver pessoas em esforço, como tal não me vou
esforçar mais a pensar nisto. Pelo menos por agora.
294
Existe uma diferença entre poupar e mandriar que
algumas pessoas teimam em não reconhecer. Uma coisa é
poupar, aproveitando o que há para não produzir além do
que é necessário; outra coisa é não fazer nada,
aproveitando o trabalho dos outros. Há dias tivemos um
bonito exemplo disso.
O ministro das Obras Públicas, António Mendonça, e o
seu secretário de Estado, Paulo Campos, repetiram o
mesmo discurso na abertura e no fecho do Congresso das
Comunicações.
Para o cidadão incauto, parece que este
aproveitamento do mesmo discurso na mesma cerimónia
é um claro exemplo de mandriice. Entendo que possa
pensar assim; no entanto, não é isso que se sucede neste
caso.
Após Cavaco Silva, não me recordo se como Presidente,
se como candidato, ter dito que era preciso haver
poupança nas palavras, seria lógico pensar que haveria
quem seguisse essa recomendação. Estando o Governo de
tão boas relações com o inquilino de Belém, seria
plausível aceitar-se que esses gestos partiriam de
membros do executivo socialista. É provável que isso
venha a acontecer, mas não por agora.
Na verdade, mais do que um exercício de poupança ou
mandriice, a repetição do discurso serviu um propósito
295
totalmente diferente. No meu tempo de escola, no tempo
em que os professores tinham como função primária
ensinar e não preencher relatórios e pedidos de aquisição
de papel higiénico, era prática comum o professor
interromper o seu discurso para questionar algum aluno
desatento sobre parte da matéria. Sempre que isso
acontecia, na maioria dos casos, o aluno ficava
atrapalhado e incapacitado de responder à questão. Neste
tal Congresso das Comunicações passou-.se quase isso.
A ideia seria colocar questões aos presentes após o
discurso de encerramento, para ver quem é que tinha
prestado atenção e quem é que tinha andado por ali “na
boa vai ela”. Além de separar os participantes atentos dos
desatentos, essa iniciativa serviria para esclarecer
algumas dúvidas que pudessem haver. Era uma boa ideia.
Sem dúvida. Só falhou num aspecto. Após o discurso de
encerramento não houve mais Congresso para ninguém
porque foi tudo para casa.
Pessoalmente, não me importo que este discurso tenha
ficado por esclarecer. As minhas dúvidas interpretativas
têm que ver somente com o discurso de justificação
apresentado pelo ministério das Obras Públicas.
“Partes comuns em relação aos resultados
obtidos, à caracterização da agenda digital e
objectivos para o futuro. São os números reais e é
essa a mensagem do Governo.”
Qual mensagem? Eu não entendi mensagem nenhuma.
Na segunda frase ainda vá; agora na primeira... Para mim
que não sou político, mas gosto de lhes dar alpista de vez
em quando, isto não justifica repetirem o discurso, mas
296
justifica alguém ir fazer terapia da sintaxe.
297
A cada dia que passa eu aprecio cada vez mais a espécie
humana. Há alturas em que nem por isso, porém há
outras em que é pérola atrás de pérola. A mais recente foi
um estudo sobre a obesidade, realizado em oito países
europeus, que concluiu que devemos reduzir o consumo
de pão e arroz brancos. Esta notícia vem um nadinha
atrasada, porque estamos naquela altura do ano em que
aquilo de que se fala é fome. A fartura, chamemos-lhe
assim, é só no resto do ano.
Não estou aqui para menosprezar o problema dos
gordinhos; estou a apenas a cingir-me àquilo que a
actualidade nos mostra. Quem ainda não vendeu a sua
televisão e tem dinheiro para ligá-la uma vez por dia pode
confirmar que, de há um mês para cá, começou uma onda
de notícias sobre idas ao Banco Alimentar Contra a Fome
e outras iniciativas do género. Todos os dias são
realizados vinte e sete directos à Cantina da Santa Casa
da Misericórdia de Valongo ou ao Abrigo do Sem-Abrigo
de Penacova ou a dezenas de outros locais sempre
apinhados de gente à procura de algo para comer.
É verdade que é uma causa importante, mas o
massacre é tanto que uma pessoa perde a pachorra. E o
pior é que isto não dá em nada. Na noite da Consoada há
sopinha para todos, no dia seguinte é um pontapé no
rabo e 'tá no ir. Não acredito que o espíritinho de Natal
deixe as pessoas mais solidárias. Mas tenho também
298
algumas dúvidas de que os beneficiários só tenham fome
nesta altura do ano.
Dos vários tipos de pessoa que vão à Sopa dos Pobres,
gosto principalmente da atitude de quem lá vai de jipe.
Há quem critique isto. Eu não. Porque sei que um jipe é
caro e uma pessoa ou opta pela comida, ou opta pelo jipe.
Se calhar o senhor mora longe do sítio onde fica a sopa
dos pobres. Sem jipe, tinha de ir a pé, mas depois não
tinha onde transportar a comida.
Deixem-me fazer um outro aparte. Sobre Teixeira dos
Santos. Não me parece bem que o senhor que nos obriga
a mudar de refeições diárias para refeição diária, aperte
o seu cinto no primeiro botão. E mesmo assim fica-lhe
apertado. A minha proposta? Uma dieta rigorosa. Ou
então substituí-lo por um etíope.
Voltando ao estudo, os seus autores defendem que as
pessoas devem optar por “uma dieta rica em proteínas
com mais carnes magras, lacticínios com baixo teor de
gorduras e legumes”. Em Portugal há quem siga essa
dieta à risca. Não tanto por ter problemas de obesidade,
apenas porque não tem nada para comer. Isto não é piada,
embora tenha uma certa graça perceber como a
solidariedade enche tanto bolsos, como estômagos.
Sou uma pessoa que acredita no equilíbrio e dá gosto
ver como estes dois fenómenos se cruzam. Num lado,
pessoas que comem demais, do outro pessoas que não
têm que comer. Gastam-se horas de emissão e rios de
tinta a falar disto. A mim parece-me uma questão de fácil
solução.
299
Consta que está na moda a desclassificação de
documentos secretos. Ou, fraseando melhor, está na
moda a divulgação de documentos, em tempos, secretos,
que não vêm contar nada de novo. O grande alvo destas
“revelações bombásticas” tem sido os Estados Unidos.
Ainda durante a semana que passou, através do site
Wikileaks foi revelado um telegrama que relançava as
suspeitas de conivência do Governo Português para com
os Serviços Secretos Americanos, a propósito do
transporte de prisioneiros para Guantánamo.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, já
respondeu. Por escrito e através duma porta-voz, não
fosse alguém topar que ele não estava a dizer coisa com
coisa. Paula Mascarenhas citou e lamentou "a
manipulação oportunista" de quem confunde o
repatriamento de detidos com esses voos.
Expliquem-me, devagar, de preferência, para que eu
perceba bem. O que é o repatriamento de detidos? A
julgar pela palavra, parece-me que repatriar é trazer de
volta à pátria, certo? Estamos, portanto, a falar de detidos
cubanos. Mas se eles vinham do Afeganistão e do Iraque e
outros territórios, afinal não eram cubanos. E se estavam
detidos, porquê levarem-nos para Guantanamo? Não
podiam ficar onde estavam?
O que me anima é, apesar de tudo, os responsáveis do
300
MNE não terem vindo com subterfúgios. Foram o mais
claros possível, e isso é bom. Foi tudo bem explicado "em
sede de comissão parlamentar e no âmbito do inquérito
aberto pela Procuradoria-Geral da República, ao qual foi
fornecida exaustiva documentação para uma avaliação
pormenorizada e que foi arquivado em junho 2009".
Outras duas revelações produzidas por este sítio
referem o transporte clandestino de cientistas ligados ao
Regime Nazi para os Estados Unidos e uma ponderação
de invasão da Base das Lajes por parte das forças norteamericanas perante o perigo do PCP tomar conta do
Governo Português.
Sobre a primeira, lamento desapontar o senhor Julian
Assange, mas o Chris Carter já se tinha saído com essa
num episódio dos Ficheiros Secretos. Não é nada de novo.
Todavia, fez a alegria de muito teórico da conspiração que
veio para a rua gritar “Vêem? Eu disse! Eu disse!”.
Sobre a segunda, é pena a invasão dos Açores não ter
acontecido. O nosso país seria certamente um lugar
diferente se os americanos tivessem tomado conta das
Lajes.
Num universo paralelo, talvez nesse território se situe
mais uma prisão secreta. Talvez um sítio tipo Wikileaks
revele segredos escabrosos da diplomacia internacional,
nomeadamente da nossa. De preferência algo que não
seja sabido por quase todos e assumido por quase
ninguém.
301
Senhoras e senhores, sejam bem vindos a mais um round
para-lamentar que irá opôr o Secretário-Geral do PS e
Primeiro-Ministro de Portugal, o senhor Engenheiro José
Sócrates ao líder do Bloco de Esquerda, o Dr. Francisco
Louçã. Nos comentários estão dois cidadãos anónimos,
que assim permanecerão afim de evitar represálias. Inicia
o Dr. Louçã.
LOUÇÃ: Sr. Primeiro-Ministro, queria saber se
está em condições de me assegurar que nenhum
membro do seu Governo autorizou ou teve
conhecimento de qualquer transporte de
prisioneiros da CIA por território português para
o gulag de Guantánamo.
Cá está. Louçã a começar ao ataque com uma questão
que, ao mesmo tempo que visa obter informações
delicadas, incide ainda sobre a própria capacidade de
José Sócrates de responder à questão.
É verdade. Louçã frisou que a sua intenção é aferir de
actos realizados em exclusivo pelo Governo liderado por
José Sócrates. Vamos ver como reage o PrimeiroMinistro Português.
SÓCRATES: Sr. Deputado Francisco Louçã,
respondo, com o maior gosto: nunca nenhum
membro deste Governo, nunca este Governo foi
informado ou recebeu qualquer espécie de
pedido de autorização para sobrevoo do nosso
302
espaço aéreo, ou para aterragem na Base das
Lajes, de aviões que se destinassem ao transporte
ou à transferência de prisioneiros. Nunca
aconteceu neste Governo, nem temos no
Ministério dos Negócios Estrangeiros registo que
possa indiciar que essa consulta existiu no
passado.
José Sócrates a negar conhecimento de qualquer acto
de conivência perpetrado pelo seu Governo, ou anteriores
mandatários, certamente para não ferir politicamente
ninguém do seu ideário político. Continua José Sócrates.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o relatório
recentemente divulgado não ajuda à verdade e é
profundamente mistificador, porque rejeito e
refuto, em absoluto, a acusação infundada que é
dirigida ao nosso país de que Portugal ajudou, ou
apoiou, alguma transferência de prisioneiros,
violando, além de mais, as normas internacionais
do direito em que nos baseamos.
A segunda parte da resposta de José Sócrates é
inequívoca e não demonstra qualquer receio de “agarrar o
boi pelos cornos”, por assim dizer.
Deixa-me só acrescentar este ponto que parece-me ser
importante. José Sócrates afirma que, não só o relatório
não ajuda à verdade como é “profundamente
mistificador”. Foi um bom remate. Vamos ver como reage
Francisco Louçã.
LOUÇÃ: Sr. Primeiro-Ministro, concorda,
então, comigo que, se algum membro do Governo
tivesse faltado aos seus deveres de verdade para
303
com o País (ou qualquer membro da
Administração Pública), neste caso, deveria ser
demitido.
Francisco Louçã reage com algo que não se percebe se
é uma questão concreta ou uma pergunta de retórica.
A mim parece-me ser uma pergunta de retórica; talvez
algo sustentado na relação que mantêm no apoio a um
candidato presidencial comum. Note-se também o facto
de Louçã ter deixado de apontar o dedo somente ao
Governo de Sócrates e ter apontado o dedo ao Governo
em geral.
Parece ser uma forma subliminar de dizer “Eu nunca
fui do Governo, não tenho nada a ver com isso.”
Responde agora José Sócrates.
SÓCRATES: Sr. Deputado Francisco Louçã,
nenhum membro do Governo faltou à verdade
sobre este caso.
Consultei todos os membros do Governo com
responsabilidades neste domínio e devo dizer
que o Governo português nunca foi consultado
sobre essa possibilidade nem nunca autorizou.
Posso responder-lhe em nome deste Governo que
nunca aconteceu termos sido consultados e
termos autorizado. Estes dois actos nunca
existiram!
José Sócrates insiste na negação. Com muita
veemência, deve-se dizer.
Exacto. Sócrates responde em nome do seu Governo, o
que não invalida a responsabilidade de Governos
anteriores.
304
Sim. Por outro lado, só foram consultados os membros
do Governo com responsabilidade neste domínio. Nada
garante que não tenham sido chamados a intervir pessoas
sem responsabilidade, tanto neste, como em qualquer
outro domínio. Candidatos não hão-de faltar.
De facto. É a última intervenção de José Sócrates.
Vamos ver se tem algum trunfo na manga.
E digo mais: no Ministério dos Negócios
Estrangeiros, não há registo algum que nos dê
ideia de que tal tivesse acontecido no passado.
A nossa política externa baseia-se no Direito
Internacional e fico particularmente ofendido
com um relatório que pretende colocar Portugal
no centro ou na rota da infâmia. Não aceito isso!
E lamento muito que outros Deputados o aceitem
ou procurem incentivar esse caminho, porque tal
nunca aconteceu!
É incrível como José Sócrates fica sentido quando
alguém tenta colocar Portugal no centro ou na rota da
infâmia.
Realmente. É caso para dizer. se não houvesse
comunicação social haveria muito mais estabilidade.
Sem dúvida. Louçã prepara-se para responder. Vamos
escutá-lo.
LOUÇÃ: Sr. Primeiro-Ministro, ficamos,
portanto, com todas as boas razões para a
constituição de uma comissão de inquérito sobre
esta matéria.
Ooooh! Foi um empate. Que pena!
É um resultado triste. Vamos esperar pelo próximo
305
encontro. Pode ser que seja mais interessante.
306
Tem-se verificado uma preocupação crescente com o
facto de as crianças passarem mais tempo na escola do
que em casa. Isto é algo que é expectável à medida que
vão progredindo na sua escolaridade, mas que é brutal
quando se está a falar de alunos do 1º Ciclo. Quando eu
frequentava esse período escolar, tinha aulas das 9h00 às
12h30, com intervalo de meia hora. Hoje em dia há
crianças que entram às 9h00 e saem quase às 19h00 e
não aprendem mais por estarem lá tanto tempo. Dadas as
dificuldades que são colocadas aos professores para
reprovar um aluno, quase que posso dizer que não
precisam de aprender nada. Seja qual for o rendimento,
passam todos. Porque o chumbo é “pedagogicamente
lesivo”, como alguém disse em tempos.
No meu tempo, na escola, isto é, fora de casa e em
espaço aberto, tinha oportunidade para correr e brincar.
Todavia, e de acordo com Isabel Mourão, da
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o número
de alunos em cada escola é demasiado elevado para as
parcas dimensões das zonas de recreio. É dito, e com
razão, que os equipamentos nos pátios não aliciam as
crianças a brincar. Diz-se que isto é negativo.
Eu discordo.
É verdade que o equipamento não alicia à prática da
actividade física, porém, em modo algum essa situação
sustenta o argumento de que esta lacuna conduza à
307
inércia física.
“Os miúdos não têm as habilidades mais básicas como
correr ou pontapear.”
Não é preciso pensar muito para se perceber que este
argumento não tem qualquer lógica. Apesar de já não ser
tão espectacular como era no meu tempo, ainda hoje se
joga ao pontapé no gordinho. Se o gordinho estiver longe,
os “caçadores” têm de correr atrás dele para evitar que ele
fuja. De seguida, ao apanharem o gordinho, podem lhe
dar pontapés até se fartarem. Se, por outro lado, o
gordinho estiver logo à mão, perdão, ao pé de semear,
poderá ser este a tentar a sua sorte e fugir.
Eu não acho que as crianças obesas sejam um
problema difícil de solucionar. Primeira solução: quando
o puto fizer birra porque quer comer dois borregos com
chantily, é pregar-lhe um estalo bem assente e dar-lhe um
pedaço de côdea rija. A segunda solução é incentivar
entre as pessoas mais atléticas a prática de pontapear
gordinhos. Correr e pontapear são duas actividades que
nunca desaparecerão enquanto existir alguém com
vontade de dar pontapés e alguém sem grandes
capacidades para evitar isso.
Os pais de hoje preocupam-se muito com os filhos. O
que não seria mau se eles se preocupassem com o que
devem. Mas não. Se estiver muito frio ou muito sol na rua,
os pais não deixam os filhos sair para evitar que fiquem
doentes.
E isto é um erro. Não apenas porque conduz à
obesidade e ao isolamento, mas também porque impede
que as outras crianças cujos pais não são tão picuínhas
308
tenham alguém com quem brincar. Se não estiverem
gordinhos na rua para pontapear, as outras crianças vão
pontapear quem? É uma questão que devia incomodar
muita gente. Infelizmente, parece que estou sozinho no
meu desagrado.
309
Nesta tão bonita época natalícia, não há nada melhor do
que, dando continuidade a um tema abordado
anteriormente, falar de religião. Eu gosto da ideia génese
da religião, que é o “faz de conta”. Enquanto somos
crianças acreditamos no Pai Natal, no Coelhinho da
Páscoa e outras figuras; até que chegamos a uma certa
idade e percebemos que essas figuras não existem. No
entanto, em relação a entidades sacras (e aqui não
distingo católicos de judeus, nem protestantes, nem de
muçulmanos, hindus, o que seja), a crença de que aquela,
ou aquelas figuras, existe é inabalável. E isso, por um lado
é inspirador, dada a volatilidade dos valores da nossa
actual sociedade; porém, por outro, é contraditório.
“Fernando Lucas, pára lá de escrever essa carta ao Pai
Natal e anda com a mãe à Igreja acender uma velinha à
Nossa Senhora dos Desemparados.”
Não dá. Há aqui qualquer coisa que não está a
funcionar como era suposto. Eu não estou a pôr em causa
que as pessoas acreditem ou deixem de acreditar naquilo
que acharem que devem ou não de acreditar. É apenas
uma questão de coerência. E se fosse esse o principal
problema, ainda as coisas estariam muito bem. O
problema é que, desconsiderando esta questão de
dizerem às crianças para não acreditarem em figuras
imaginárias, quando eles próprios fazem o mesmo, seria
bom ver os adultos seguirem os exemplos das figuras que
310
adoram.
Jesus defendia o abandono dos bens materiais. O Papa,
seu representante máximo na Terra, anda com um ceptro
de ouro, cravado de jóias; veste roupas de seda, com fios
de ouro; tem um carro personalizado; tem um Estado
próprio. Isto faz tanto sentido como alguém que sofra de
obesidade mórbida ser eleito Presidente da Associação
Nacional de Pessoas com Anorexia. A máxima “Faz como
eu digo, não faças como eu faço” nunca fez tanto sentido.
Apesar de não ser crente, gostava de conhecer Jesus.
Não tanto por admiração, lá está, mas para que me
pudesse esclarecer uma dúvida que me apoquenta já há
algum tempo. A saber: ele fez mesmo o milagre da
multiplicação dos pães ou repetiu o milagre de
transformar a água em vinho e aquilo que era um pão
passou a ser vários? Quem souber, que responda.
311
Em Setembro deste ano o filho da secretária regional do
Trabalho de um arquipélago português que não começa
por M, recebeu do governo regional liderado por um
senhor com apelido de imperador romano uma bolso de
estudo no Continente no valor de 9500 euros. A este valor
acrescente-se os custos das viagens de ida e volta entre
Lisboa e as ilhas.
O filho queria ser piloto e a mãe ajudou-o. Como deve
fazer uma boa mãe. Não há problema nenhum nisso.
Quanta à área de formação em questão, Piloto de Linha
Aérea, não estava contemplada no regulamento de
concessão de bolsas de estudo. Não estava, mas passou a
estar através duma portaria criada para o efeito.
"Nesta mesma prossecução, e com a experiência obtida,
após a aplicação daquele diploma, urge responder a novas
necessidades formativas, em especial aos cursos que
visem formar pilotos profissionais de avião civil"
Isto é bonito de se ver e nada suspeito. Os outros
bolseiros receberam apoio subsidiário até 65% da
remuneração mínima mensal insular. O filhote teve
direito a 150%. Talvez por ser a primeira vez que ia estar
tão longe de casa, durante tanto tempo. Temendo que a
sua coisa mai linda ficasse com muita saudade, a mamã
quase que triplicou o subsídio para o filho.
Parece-lhe insuficiente? Tem razão. Falta aqui
312
qualquer coisa, não é? Não se preocupe. A mamã pensou
nisso também. Repare no documento que ela anexou à tal
portaria.
"Podem aderir ao presente regime complementar de
bolsa de estudo os alunos residentes permanentes na
Região Autónoma (...) que, independentemente dos seus
recursos económicos, da idade e do ano que frequentem,
façam prova de estarem matriculados fora da Região
Autónoma (...) num curso de formação profissional que
satisfaça os requisitos fixados."
Pode achar irrisório o que lhe vou contar de seguida,
mas asseguro que é verdade. Houve pessoas que
colocaram em questão a legalidade ou, pelo menos, a
ética destes procedimentos. Juro.
Como é óbvio, não tardou muito para que fosse
divulgada uma nota oficial. Parece que a opção de
“integrar esses apoios no regulamento das bolsas de
estudo, [foi] apenas para tornar a atribuição do subsídio
mais transparente". Espero que isto cale de vez as
suspeitas de favorecimento e acrobacias legais várias nos
Açores.
Ahhh! Não era para ter dito! Pronto. 'Tá dito, 'tá dito.
Ainda bem que não sou funcionário público em S. Miguel.
Arriscava-me a perder a minha remuneração
compensatória. O que não me dava jeito nenhum.
313
No ano em que se comemoram os cem anos da
Proclamação da República, é tempo de olhar para trás e
reflectir sobre o que foi feito. Há quem olhe para este
período da nossa História e aponte defeitos, há quem
aponte qualidades. Sobre os dias de hoje, só por acaso,
não assim há muito de bom a apontar. Eu não estou a ser
pessimista, não estou a incidir no clichê do coitadinho,
apenas refiro a verdade. E a verdade é apenas esta: em
cem anos nós não mudámos nada.
Pronto. Antes tínhamos um rei, agora temos um
presidente. Mas na prática, o que é que isso interessa?
Que podemos escolher quem nos governa, quem nos
lidera? Até que ponto podemos apreciar a qualidade de
uma escolha feita por um povo do mais analfabeto
funcional que há na Europa? Não é à toa que a Educação
vai ser a grande aposto do Governo de José Sócrates. É
preciso manter o povo burro e incauto.
Alguns simpatizantes monárquicos aproveitam este
momento de reavaliação para salientarem os valores e
qualidades da sua causa. Reclamam o direito de
representação do povo português. Nós (povo) estamos, ao
que parece, reféns de um regime que não pedimos. Nós
nunca pedimos a República. A República foi-nos imposta
e isso não está certo.
Não entendo os argumentos de quem deseja viver
314
numa monarquia. Quantas das pessoas que defendem o
regresso a esse regime sabem, por experiência própria, do
que estão a falar? Quase nenhumas. É tudo ouvido de
boca. E todos sabemos como é popular o uso da
expressão “No meu tempo é que era”. O problema é que,
para nós, estar um rei ou estar um presidente ou um
sultão ou a fada dos dentes, é praticamente a mesma
coisa. Apenas mudam os elementos decorativos.
D. Duarte deve se ter percebido isso e requereu a
nacionalidade timorense. É escusado ficar cá para tentar
resolver o que seja. Estou certo que muitos não hesitarão
em seguir-lhe o exemplo e pedir a nacionalidade a outros
países se tiverem cabeça para pensar nisso. Mas, dentro
do universo monárquico, há muitos que lhe apontam
farpas e acusam-no de abandonar a Pátria. Parece-me um
franco exagero.
Pode parecer um abandono, mas podem ficar
descansados que não é. Não há qualquer perigo de a
nacionalidade portuguesa desaparecer. Pode ficar... como
um cartão de sócio de clube de vídeo perdido numa
gaveta. Imaginem.
Escolhíamos um país tipo Finlândia, onde o sistema
educativo e o sistema fiscal funcionam, e íamos viver para
lá. Depois, sempre que tivéssemos saudades de políticos
incompetentes e de um povo manso, bastava ir à gaveta
procurar a nacionalidade e vir cá passar uns dias. Uma
semana a ouvir os políticos de cá e regressávamos ao
estrangeiro. De preferência a um país cuja língua não
compreendêssemos de todo. Assim, mesmo que os
políticos de lá dissessem tantas ou mais asneiras que os
315
de cá, aos nossos olhos e ouvidos seriam sempre uma
imagem do rigor e de coerência.
316
Regresso ao tema de Camarate porque continua a haver
muito para discutir sobre este tópico. Será que vai haver
mais um inquérito? Será que não? Quem matou JR
Ewing, perdão, Sá Carneiro? (Peço desculpa, esta história
de Camarate já se parece tanto com ficção que, por vezes,
esqueço-me que não é.) Não faltam emoções, não faltam
colóquios, livros. E apelos.
À direita do PS, militantes históricos do PSD e do CDS
apelam a Pedro Passos Coelho e a Paulo Portas por uma
nova Aliança Democrática. Imagino como seria se
transportássemos esta cena para uma gala de finalistas.
De um lado, Passos Coelho, rodeado pelos colegas mais
velhos que insistem para ele ir falar com Paulo Portas. Do
outro lado do salão, Paulo Portas, é também incentivado
pelos seus pares a ir meter conversa com o futuro amigo.
Ambos estão inseguros. Passos Coelho, mais novo que
Paulo Portas nestas andanças, ainda não ultrapassou o
trauma de perder o seu parceiro de dança. Por seu lado,
Paulo Portas já passou por duas tentativas. Se as coisas
não correrem bem, teme pela sua integridade emocional.
Aos poucos, ganham coragem e iniciam a caminhada.
Encontram-se a meio. Ouve-se uma música romântica.
Os seus dedos tocam-se levemente e volta cada um para
onde estava. Ainda não estão prontos.
Voltando à realidade, faz ou não sentido uma nova AD?
Já respondo.
317
Esta AD (Aliança Democrática) é constituída pelo PSD
(PPD/PSD, se for o Santana a dizer) e pelo CDS-PP. O
CDS-PP já foi só PP (Partido Popular); herdou membros
da ANP (Acção Nacional Popular), que em tempos tinha
sido UN (União Nacional), o único partido que havia
durante o período de Estado Novo. Faz-me pensar no tipo
de democracia que se pretende instaurar. Por outro lado,
não é assim tão diferente de ter o PS de Sócrates no
governo, com maioria absoluta.
A diferença, em termos democráticos, do actual para o
antigamente, é apenas uma: antigamente, se as coisas
estivessem mal, não nos podíamos queixar; hoje podemos.
Não que isso adiante muito. Para algumas pessoas, a
opção de ter a ilusão de escolha e a possibilidade de se
queixar é quanto basta para dizerem que vivemos em
democracia.
Uma nova AD faz todo o sentido, portanto. Por dois
motivos. Em primeiro lugar, porque ter dois partidos no
poder, principalmente se houver desentendimento, leva a
que um tente fazer melhor do que o outro. Se a ruptura
for iminente, tanto melhor. O ministro da Saúde do CDS
aumenta o preço dos medicamentos? O ministro das
Finanças do PSD baixa o IVA. Um compensa pelo o outro.
Em segundo lugar, e mais importante, ter uma nova
AD pode dar azo a um novo voo e a uma nova queda. O
que seria bom. Não digo a nível intrapartidário, mas a
nível cinematográfico. O Caso Camarate começa a perder
fôlego. Precisamos, com urgência, de um novo atentado.
A ficção nacional agradece.
318
Recebi com grande alegria certas notícias divulgadas
recentemente que dão conta de eventuais alterações ao
Código do Trabalho. Desta vez, não para favorecer os
trabalhadores, mas sim, para facilitar a vida aos patrões
que tanto merecem. Para mim era um disparate tanta
gente a pedir que se olhe para os mais desfavorecidos e
ninguém prestar atenção aos patrões. A não ser o
Governo, honra lhe seja feita.
Eu não sou patrão, sou trabalhador. E é por pertencer
a essa maioria mais favorecida, e por ser uma “pessoa
humana” (como está na moda dizer), que desejo
expressar o meu aval a estas alterações que se aproximam.
PRIMEIRA ALTERAÇÃO: FACILIDADE NO
DESPEDIMENTO INDIVIDUAL
Ora aí está uma boa medida. Pessoalmente, sempre
procurei trabalhar em sectores mais voláteis. Gosto da
adrenalina de saber que tenho emprego hoje e amanhã
poderei já não o ter. Um emprego seguro para mim não
dá. Preciso de excitação na minha vida profissional.
SEGUNDA ALTERAÇÃO: NÃO AUMENTO DO
SALÁRIO MÍNIMO
Mais uma bela ideia. E útil. Para quê querermos mais
do que 475 euros mensais? Vamos comprar algum carro
319
topo de gama? Fazer alguma viagem ao estrangeiro?
Começar uma segunda família em Espanha? Nada disso.
Mas, para um patrão, estas são apenas algumas das
opções ao seu dispor. Não sejamos egoístas. Se não temos
onde gastar o dinheiro, não vale a pena querer mais.
Se o salário mínimo subir para 500 euros por mês,
cada trabalhador passa a receber apenas mais 25 euros;
porém, o patrão passa a pagar mais 25 euros por cabeça.
Se ele tiver, vamos supor, vinte trabalhadores, são 500
euros a mais; num ano são 6000 euros. É verdade que,
para nós, 25 euros ajudam um pouco; mas, para o patrão,
6000 euros já dava para um fim de semana mais ou
menos num hotel de luxo.
TERCEIRA ALTERAÇÃO: DIMINUIÇÃO DO
CUSTO DO DESPEDIMENTO
Agora vem uma lição de História. Antes de a República
ter sido implantada, não havia protecção como há hoje. O
trabalhador que se aleije no exercício da sua função está
protegido pelo seguro. Antigamente não; quem se aleijava
ia para a rua. Portanto, o trabalhador ainda receber
alguma indemnização, para mim, continua a ser melhor
do que era antes. Isto quase que parece, desculpem que
vos diga, birra de criança. Primeiro damos água, depois
damos um litro de sumo, de seguida temos de dar uma
lata porque já não temos dinheiro para mais garrafas; e
começa a choradeira.
QUARTA
ALTERAÇÃO:
TRABALHAMOS
POUCAS HORAS POR SEMANA
320
Sem comentários.
Enfim. Agrada-me a perspectiva de poder continuar a
trabalhar mais por menos dinheiro e ser mais facilmente
despedido com uma indemnização menor. Eu sei que
custa, todavia é um sacrifício que faço para ajudar essa
minoria.
321
No momento em que se cozinha um possível aumento da
idade da reforma, é estimulante ver como alguns titulares
de cargos públicos fazem por se manter em funções,
apesar de já terem ultrapassado o limite legal que lhes
permitia isso. Mário Gomes Dias, o ex-Vice-Procurador
Geral da República, reformou-se no dia 2 de Novembro,
mas continua a desempenhar funções na Procuradoria
Geral da República de forma "graciosa e voluntária afim
de terminar os complexos dossiers que lhe foram
entregues".
Já ouvi muita desculpa para uma pessoa não trabalhar.
Eu próprio consigo fornecer-vos algumas de minha
autoria, caso estejam interessados. Não estão? É pena.
Como eu dizia, desculpas para não trabalhar há muitas;
desculpas PARA trabalhar, são mais raras, mas também
as há. Todavia, ter como argumento material de escritório,
é do mais original que tenho ouvido nos últimos tempos.
Há qualquer coisa neste comportamento que não me
soa bem. É assustadoramente parecido com um Vice PGR,
já em situação de reforma, mandar arquivar um caso que
envolve o Primeiro-Ministro. E depois diz-se, “Vamos
proceder à abertura de um inquérito para apurar os
factos.” Parece que 'tá carregadinho de testosterona; na
verdade, vão só fazer perguntas. Se o culpado admitir,
tanto melhor; se não, não se pode dizer que não fez nada.
Creio que a dedicação do Mário a estes dossiers não
322
terá tanto que ver com o conteúdo, mas sim com a forma.
Quem não se lembra dos seus tempos de escola, quando
forrávamos os dossiers escolares com fotos dos nossos
artistas favoritos? Talvez essa prática se mantenha na
PGR. Visto que o Mário não tem os poderes que tinha
antes, é uma boa forma de o manter entretido.
Agora vem a parte mais divertida desta historieta. A
Procuradoria não confirma isto, atenção, porém, dizem
que o senhor vai continuar a beneficiar de carro e
motorista pessoal, além de um gabinete de trabalho. Mais.
O Mário reformou-se depois da idade legal de reforma e
tem direito a uma reforma de 6129 euros. No entanto, vai
continuar a exercer funções na PGR, porque é o
presidente da Comissão de Fiscalização dos Centros de
Dados do Sistema de Informações da República
Portuguesa, o conhecido TACHO.
Não tenho nada contra que o senhor continue em
funções pelos anos de vida que ainda tiver pela frente.
Todos nós conhecemos pessoas com mais 65 anos, ou
mesmo 70, que continuam a trabalhar. A diferença é que
não o fazem por falta de hobbie, e sim porque precisam
de dinheiro para sobreviver. Sendo que muito desse
trabalho é feito à revelia do Estado. Para o Mário é fácil
manter o emprego até aos aos 70, ou mesmo até aos 90;
difícil seria se tivesse de trabalhar a sério.
Uma última nota sobre a idade da reforma e o
argumento do aumento da esperança média de vida: a
esperança média de vida devia baixar para os 45. Isto só
para não-políticos e não-titulares de cargos públicos. Fica
a ideia.
323
Com tanta notícia polémica que tem surgido via
WikiLeaks era difícil perceber qual o grande segredo que
se esconde no meio daquelas centenas de milhares de
documentos secretos.
Alguns teimam em considerar Julian Assange um
propagandista camuflado e estes ditos documentos
secretos meros subterfúgios dos Serviços Secretos NorteAmericanos, divulgados para distrair as pessoas do que
realmente se passa. O problema dos teóricos da
conspiração é não acreditarem em nada. Podem acreditar
que pousaram extraterrestres em Roswell, mas a partir do
momento em que consigam provas disso, deixam de
acreditar. Não é tanto a busca pela verdade que os move,
é mais a não confirmação da mesma.
Quanto ao WikiLeaks, a minha ideia sobre o grande segredo foi formulada desde muito cedo. Contudo, não
passava de um palpite. Precisava de mais dados para
poder avançar publicamente com esta teoria. E notem, é
uma teoria. Está tão perto da verdade como pode estar
qualquer outra teoria formulada por alguém que
disponha da mesma informação que eu.
Antes de continuar, o que é que me convenceu estar no
caminho certo?
Um dos telegramas divulgados pelo WikiLeaks esta
semana tinha que ver com o casal McCann. Na missiva, o
embaixador do Reino Unido e o embaixador dos Estados
324
Unidos, ambos em Lisboa, conversavam sobre o envolvimento dos pais no desaparecimento da pequena (e talvez
então viva) Maddie. E foi assim que se fez luz. (Atenção.
Esta frase não tem nada a ver com o facto de ela ter
desaparecido na Praia da Luz.)
Recordo-me das reacções populares de solidariedade e
comiseração para com os pais na altura em que eram
considerados vítimas. Eram pessoas a chorar, a ajudar, a
acender velinhas. Depois passaram a suspeitos e o humor
popular mudou do dia para a noite. Passaram a ser
insultados e acusados.
O grande segredo do WikiLeaks é algo que está
escondido em todos os documentos. Quase como um
código secreto. Mal nos apercebemos que está lá, mas
está. E esse segredo é: um diplomata americano está para
uma alcoviteira, como a falta de memória está para Dias
Loureiro. No caso de Dias Loureiro posso gozar com ele à
vontade já que, mesmo que leia este artigo, não se vai
lembrar dele depois.
Ficou provado, para mim pelo menos, que não se pode
contar nada a um diplomata americano. Por muito que se
lhes peça para não contarem a ninguém aquilo vem tudo
cá para fora. Até agora têm sido informações que
ninguém estava à espera, tais como a deslocação de
cientistas do regime Nazi para os Estados Unidos após o
fim da Segunda Guerra Mundial, a conivência de Portugal
em relação aos voos “secretos” da CIA, o envolvimento
dos McCann no desaparecimento da filha, etc.
Qualquer dia virá a público uma notícia realmente
bombástica e aí é que vão ser elas. Talvez estejam a
325
guardar o melhor para o fim. Vamos esperar para ver.
326
Antes de mais, tenho que dizer que estava ansioso que
este dia chegasse. Não tenho por hábito divulgar as
escolhas que faço a nível comercial; do género, qual o
meu dentífrico preferido, o meu detergente de eleição,
qual o meu banco, etc. No entanto, em relação a este
último, sinto-me no dever, na obrigação, de abrir uma
excepção. O meu banco, o BCP, vem citado no WikiLeaks
como estando envolvido em negociatas com o Irão.
Confesso-vos que ainda não havia reconhecido ao site do
senhor Assange a relevância que alguns lhe apontam;
porém, a informação agora revelada é-me demasiado
próxima para eu sentir outra coisa se não orgulho.
Com efeito, é de orgulho que se trata. Estou certo que
não sou o único cliente do Millennium BCP a sorrir para
dentro de contente, ou mesmo, os mais extrovertidos, a
gozar com clientes de outros bancos envolvidos em
moscambilhas. O pessoal do BPP pode ter dado garantias
fictícias para empréstimos avultados, a malta do BPN
pode ter feito branqueamento de capitais e fraude fiscal,
mas o Millennium, o meu Millennium, esteve envolvido
em negócios de espionagem financeira com os Estados
Unidos e o Irão. Assim se distinguem os grandes dos
pequenos. Uns são meros larápios, outros são homens de
negócios.
O homem à frente deste enredo foi Carlos Santos
327
Ferreira, presidente do banco, que acordou com os
Estados Unidos fornecer-lhes informações sobre
actividades financeiras levadas a cabo pelo Irão. Se
ignorarmos o facto de isto ser muito parecido com “fazer
queixinhas”, estamos perante o tipo de comportamento
que não faz senão enaltecer a identidade de uma nação.
Eu podia ser como algumas vozes que andam por aí e
dizer que este senhor comprometeu-se a espiar para os
Estados Unidos, quando ele próprio fazia negócios com o
Irão. Qualquer coisa tipo, “Eu digo-te quem são os
clientes dele, desde que tu me deixes à vontade para fazer
negócio com ele.” Não concordo com esta posição porque,
envolvido em negócios ilícitos ou não, o Carlos Santos
Ferreira protegeu o seu banco, o meu banco, de
represálias internacionais. Pelo menos no imediato.
O Governo, como é seu hábito e dever, diz não ter tido
conhecimento destes factos. Eu acho que, neste caso em
particular, o Governo não sabia mesmo de nada e está
todo roído por dentro por causa disso. Este é o tipo de
situação que um Governo assumiria como uma medida
governamental devido ao estatuto que isto confere.
À oposição que critica e pede explicações, eu digo:
“Deixem-nos estar. Já basta terem sido apanhados de
surpresa. Não vale a pena gozar com os senhores do
Governo.”
Afinal de contas, se eles não sabiam o que o BPP e o
BPN andavam a fazer em Portugal, como é que iriam
saber o que andava o BCP a fazer lá para os lados de
Teerão?
328
Infelizmente, devido a motivos que não vou agora aqui
referir, não me posso orgulhar de ter sido um dos
portugueses em encetar num diálogo franco e construtivo
com o Presidente Cavaco Silva via Facebook. Gostava de
dizer que, no passado dia 20 de Dezembro, fiz vários
Like's a expressões como “O Presidente da República é
um garante de estabilidade e não se deve imiscuir na vida
partidária.” Não posso sequer dizer que esta frase tenha
sido escrita porque, não só não participei, como não me
dei ao trabalho de ir ver o que lá foi escrito antes de
começar a escrever este artigo.
Tenho mais que fazer. E, sinceramente, não sei se fico
muito contente por ver a mais alta figura do Estado a
utilizar as redes sociais. O cidadão comum sabe, embora
possa não o admitir, que o tempo que se perde no
Facebook, no Twitter, no MySpace, no Hi5, é tempo que
não se trabalha. Há quem, de vez em quando, utilize estes
meios como forma de comunicação. Para enviar convites,
por exemplo. Todavia, o grosso do tempo gasto nestes
locais está no visionamento de vídeos e fotos e jogos
virtuais.
Anima-me ter um Presidente da República que não é
info-excluído. O problema é se não for esse o caso. Quem
garante aos participantes desse debate virtual que a
pessoa que respondeu às suas questões foi de facto o
Presidente Cavaco? Não digo que não tenha sido ele a
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iniciar o debate, mas depois, altas horas da noite, vem o
João Pestana, o senhor Aníbal começa a bocejar, vem o
assessor e toma o lugar. Apesar de não ser o mais
correcto, do ponto de vista constitucional, a mim não me
choca nem me preocupa este cenário ter acontecido.
A plausível substituição do Presidente Cavaco por um
qualquer assessor familiarizado com o discurso em
questão pode deixar alguns portugueses incomodados.
Não se sintam assim. Afinal de contas, desde que o teor
da mensagem seja o mesmo, o que é que interessa se é o
Aníbal ou o Justino quem a escreve?
O anonimato é uma realidade numa rede social.
Quantos de nós não tiveram já estimulantes conversas
com loiras de seios generosos, sem desconfiar que
estávamos, na verdade, a conversar com gordos carecas?
Por muito que não o queiramos admitir, sabemos que é
uma realidade. Mais vezes do que deveria ser.
Tanto quanto sei, as perguntas só podiam estar
relacionadas com as eleições presidenciais de 23 de
Janeiro ou com o futuro de Portugal. Hum... A limitar
assim as opções dos participantes a adesão não deve ter
sido muita. A não ser que, além do assessor que ficou a
responder às questões em nome do Presidente, tenham
ficado outros tantos assessores a formular outras tantas
questões, de acordo com um guião previamente aprovado.
Cada um no seu quartinho para poder participar no
debate, ao mesmo tempo que conversava com a
holandesa boazona residente em Cascais. Ou com o anão
de Xabregas.
330
De acordo com análises, realizadas no âmbito do projecto
Checking, a várias amostras de cocaína, setenta por cento
dessas amostras possuíam desparasitantes e analgésicos
de modo a disfarçar a sua parca pureza e incrementar o
seu valor comercial. Pode não o parecer, mas este é um
assunto grave. Quando existem pessoas capazes de
adulterar a pureza de uma droga pesada como a cocaína,
apenas por motivos de rendimento, é caso para dizer que
está tudo perdido.
Sei que são muitas as dúvidas que, neste momento, o
afligem. Tentarei responder a todas elas, na medida do
possível. Começando pela mais óbvia: o que é o projecto
Cheking? Ora bem, tanto quanto pude apurar, é um
projecto nacional de teste de drogas. Isto, só por si, não
diz muito. É o mesmo que chamar a um grupo de bêbados,
um colectivo de enólogos na vertente prática. Antes de
mais, há que saber: como é que a droga é testada? Se for
através de reacção química é possível obter uma
indicação precisa em relação à quantidade de fenacetina
utilizada, mas não há nada como a opinião de um
consumidor experimentado para avaliar as sensações
transmissíveis.
A grande preocupação dos responsáveis deste projecto
é o uso excessivo de fármacos como a fenacetina ou
levamisole para “cortar” a coca. Eu não consumo cocaína,
331
nunca consumi, mas consumo vinho e entendo a postura
destes senhores. Assim como eles não apreciam a sua
droga “cortada”, eu não gosto do meu vinho “traçado”. É
um direito que nos assiste, enquanto consumidores.
No meu caso, o “traço” é feito, geralmente, com gasosa
ou com sumo de laranja – a sangria é outra coisa – que,
apesar de tudo, ainda são substâncias que podemos
consumir à parte do vinho. Contudo, no caso dos
fármacos utilizados para “cortar” a coca, isso não sucede.
Não há refrescos de fenacetina ou croissants com recheio
de levamisole e, tirando o pessoal da indústria
farmacêutica e alguns hipocondríacos, ninguém sabe o
que são estas substâncias. Sabe-se que o primeiro pode
fazer mal a pessoas com problemas renais e que o
segundo aumenta o risco de ataque cardíaco.
Sinceramente, utilizar estas substâncias na preparação de
uma droga pesada parece-me de uma irresponsabilidade
sem limites. Onde é que isto vai parar?, pergunto eu.
Na minha infância e juventude, e mesmo no início da
idade adulta, consumi diversos químicos, não na forma
de drogas recreativas, mas em modo doce. Não sou,
portanto, alheio ou averso ao consumo de substâncias
químicas em detrimento de naturais. Mas sou um
consumidor que gosta de segurança naquilo que consome.
Gastar uma saqueta para fazer um bule de chá e dividilo por quatro chávenas não é o modo correcto de fazer
chá para quatro pessoas. É verdade que assim poupam-se
três saquetas, mas perde-se o sabor, a pureza, o toque. Ao
senhor traficante e ao senhor preparador que lêem isto,
peço-vos, tenham atenção ao que estão a fazer. O que
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estão a fazer pode parecer aliciante, na medida em que
faz render o produto, mas tentem olhar para o amanhã.
Respeitem os vossos clientes se querem continuar a tê-los.
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Quando tanto se fala do crescimento negativo da
economia portuguesa, é sempre estimulante saber de
notícias que vêm contrapor esta regra. E aqui está uma:
de acordo com o Observatório de Economia e Gestão de
Fraude da Faculdade de Economia do Porto, o “Índice de
Economia Não Registada”ascendeu, no ano passado, aos
31 mil milhões de euros, cerca de 85 milhões por dia.
E ainda dizem que não temos capacidade de produzir
riqueza!
Temos pois! Não queremos é declará-la.
Desde 1970 até 2009, esta economia-sombra tem
vindo a crescer muito, passando de 9,3% do PIB para
24,2%. Eu não vou perder muito tempo com isto de
números, porque sei que quem me lê está mais
interessado numa piada em jeito de informação, ou numa
informação em jeito de piada, do que em estatísticas. Mas,
olhando só de relance para estes algarismos, 85 milhões
por dia... Não é nada mau, hã?
Antes de passarmos ao regabofe, creio que esta matéria
carece de breves explicações. Vamos a elas.
Quais são as causas deste fenómeno? Por que razão há
tanta gente a fugir aos impostos, a não declarar
rendimentos, a fazer as coisas sobre o joelho? Ou sob,
para os ainda mais discretos.
É difícil apontar o que motiva cada um dos
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intervenientes neste fenómeno a agir da forma como age.
Para mim, que sou um contribuinte em situação regular,
é complicado, para não dizer impossível, conseguir
colocar-me a distância suficiente para avaliar esta
situação. Afinal de contas, quando se vê a forma justa e
correcta como o Governo aplica a sua receita fiscal, é
bizarro haver quem opte por não contribuir.
A fuga aos impostos não seria um problema, se isto
que eu referi no parágrafo anterior fosse uma realidade e
não uma ironia. É certo que continuaria a haver sempre
evasão fiscal, mas é o mesmo que colocarmos um
cleptomaníaco numa feira de objectos grátis. Ele vai
sempre gamar qualquer coisa. A evasão fiscal não se
resolve com mais ou menos fiscalização – isso ajuda, é
verdade –, mas sim com uma melhor aplicação dos
fundos recolhidos.
Quando vejo na televisão notícias sobre cortes de
salário, diminuição de subsídios e, de seguida, mais uma
injecção de capital no BPN, dá-me vontade de cometer
uma evasão fiscal. Não o faço porque, infelizmente, não
consigo ascender aos valores mínimos de dívida
necessários (acima dos 500 mil euros) para ser o Estado a
suportar a minha dívida.
A economia-sombra, apesar do que o Governo nos
quer fazer crer, não é um problema, é um desvio. É irmos
na rua, num dia frio de Inverno, e vermos um pedacinho
de calçada iluminado pelo sol. À sombra está frio, logo
nós vamos para onde está solinho. (Esta metáfora
funcionaria melhor no Verão, eu sei.) A economiasombra possibilita-nos ter algo que é só nosso. Parece-me
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justo, na medida em que, se o Governo achar que nós
temos algo em dívida, em vez de verificar, cobra primeiro.
E alguns pagam. Otários.
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