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PROTUBERÂNCIA O LIVRO DO BLOGUE VOLUME II (2010) Joel G. Gomes Título: Protuberância: O livro do blogue: Volume II Autor: Joel G. Gomes Capa: Joel G. Gomes (C) Joel G. Gomes 2012 O REGRESSO INESPERADO MAIS OU MENOS AINDA A PROPÓSITO DO MEU REGRESSO OS "MURMURINHOS" DO MOMENTO COISAS QUE DESCOBRI HOJE E QUE PODEM OU NÃO ESTAR RELACIONADAS O PANDA O GRANDE ARTIGO O 1% INESITA, EU PERDOO-TE CINEMA PONTO PÊTÊ JESUSES E O IVA PORTUGAL NUCLEAR COM QUATRO LETRINHAS APENAS SE ESCREVE ADN UMA PEQUENA AJUDA AO PLANETA DOIS INCENTIVOS PARA A EDUCAÇÃO E CULTURA NO NOSSO PAÍS QUEM RI POR ÚLTIMO NEM SEMPRE RI MELHOR A PLATAFORMA CONTINENTAL E OS RECIBOS VERDES ENSINO EM ACRÓSTICO AUSTERIDADE PARA QUE TE QUERO ENERGIA DESPOSITIVA CHEGA DE REPRESENTATIVIDADE (?) MARCHA CONTRA O SEGREDO ESTÁ NO DELITO ANARQUIA ORGANIZADA MARAVILHAS DA TECNOLOGIA UMA QUESTÃO DE TAMANHO A ARRECADAÇÃO DA EUROPA UMA HISTÓRIA MAL ENJORCADA ADORO RETÓRICA POLÍTICA CÁ EM CASA 'TÁ TUDO BEM O FIM DA TELENOVELA AS CENAS CORTADAS DA TELENOVELA CASO PT/TVI TRIVIALIDADES DESCONEXAS ESTRANHAS LIGAÇÕES ACIMA DE TUDO, O RIGOR OS FERIADOS E A PRODUTIVIDADE SE FOSSE EU, FAZIA ASSIM PROVA SUPERADA UMA AJUDA A QUEM MAIS PRECISA TALVEZ SEJA O FIM DO MUNDO A VERSÃO COMPLETA E OUTROS EXEMPLOS RETROACTIVITUR POSTURA DE CANDIDATO QUINZE VEZES > ASSALTO À MARRETADA ELE SÓ QUER O NOSSO BEM TESTE DE INTELIGÊNCIA RESPOSTA ANÓMICA NINGUÉM SE DECIDE O CHAMADO COMPORTAMENTO DE CIRCUNSTÂNCIA O QUE VALE É QUE ESTAMOS EM BOAS MÃOS ASSIM, ATÉ EU GOSTO DE FUTEBOL O DESPRIMOR DA CORRUPÇÃO OIÇA, OU SAIA OU ARRANJE-ME UM LUGAR A TERCEIRA CATEGORIA QUEM É FELIZ, QUEM É? É BONITO O ALTRUÍSMO AS RAZÕES INVOCADAS O REAL PROPÓSITO EXPRESSÕES QUASE REGIONAIS CASO FREEPORT - O EPISÓDIO FINAL QUERO SER ALUNO OUTRA VEZ SINTO-ME QUASE MAIS SEGURO OS PODERES DO PGR A INVEJA E A NÃO-NOTÍCIA O QUE É ESSENCIAL OLHEM PRÓ QUINTAL DOS OUTROS, NÃO OLHEM PRÓ MEU. QUER DIZEM, OLHEM À ESPERA NA SEGURANÇA SOCIAL OS SALDOS / O VALOR DE UM CÊNTIMO / VALOR MATERIAL DUAS PEQUENITAS IDEIAS QUE ATÉ PODEM AJUDAR CENAS DE CASAMENTO DAS MAMAS AO PROTOCOLO E AO QUE REALMENTE IMPORTA SUGESTÕES DE LEITURA PARA AGOSTO FÉRIAS INTERROMPIDAS PRA QUÊ? OS MÉDICOS NÃO GOSTAM DE MIM E EU NÃO GOSTO DELES A FUNÇÃO DA CRÍTICA EXPRESSÕES E REACÇÕES INFORMAÇÃO EM AGOSTO VALORIZAR A CULTURA E OS SEUS RECURSOS LONG LIVE THE GOAT! A MANEIRA CERTA DE FAZER AS COISAS ERRADAS SUGESTÕES DE LEITURA PARA O OUTONO EXPRESSÕES PATERNAIS É SEGREDO, TÁ? NÃO CONTEM A NINGUÉM CATÓLICOS E MUÇULMANOS ATAQUE FRONTAL POR UMA OPOSIÇÃO REALISTA E RESPONSÁVEL MEMÓRIAS DE INFÂNCIA #1 UMA QUESTÃO DE (DES)ENTENDIMENTO UMA COISA É OFENDER, OUTRA É CHAMAR NOMES QUASE UM QUARTOZINHO UM CENÁRIO MENOS QUE PERFEITO ESTRANHO PONTO DE ENCONTRO NÃO É BEM UMA SOLUÇÃO, E DAÍ NÃO SEI... TRABALHAR ATÉ MAIS(,) NÃO QUEM SE LIXA É... DIA DA SURPRESA NACIONAL PIJAMA NOVO E ROUPA LIMPA RELIGIÃO #1 PAPINHA DA BOA QUANDO O TICO E O TECO SE ZANGAM QUERO MAIS DESEMPREGO NÃO Á TRANSITO OJE DIA MUNDIAL DO QUE FOR A EVOLUÇÃO NEGATIVA É PRECISO DAR USO ÀS COISAS À ESPERA DE QUASE TRANSPARENTE CAMARATE! AGAIN? DISSE E DESDISSE O CAVALO ESTÁ LÁ FORA DAS REDES SOCIAIS #1 FLEXIBILIDADE POLÍTICA APROVEITANÇO E MÂNDRIA FOME DE NATAL A MODA DOS DOCUMENTOS SECRETOS DIÁLOGO COMENTADO PONTAPÉ NO GORDINHO RELIGIÃO #2 EM NOME DA TRANSPARÊNCIA NACIONALIDADE DE RESERVA UMA NOVA AD A FAVOR DA MINORIA DO PATRONATO O ETERNO VICE E O GRANDE SEGREDO É NA LINHA DA FRENTE DA MOSCAMBILHA CAVACO VIA FACEBOOK NÃO TRACE ISTO, POR FAVOR ESTÁ-SE BEM À SOMBRA (OU AO SOLINHO) Há muito tempo que não postava nada aqui. Tanto assim era que estava quase a atingir a situação em que os comentários promovendo vários produtos (penis enlargement, os melhores seguros, como ver pornografia sem pagar, os melhores comprimidos para tudo e mais alguma coisa) ameaçavam ser mais numerosos do que os próprios artigos. Deparado com este problema, e era um problema, eu pensei para comigo, "Já vai sendo tempo de escreveres qualquer coisa." Convém dizer que, além do seu número ameaçador, a malta que me enviava esses comentários [todos removidos; tivessem visto quando eles lá estavam que ainda foi bastante tempo] dava-se ao trabalho de pôr pontuação e acentuar (os portugueses pelo menos) aquilo. Se até a malta do SPAM consegue ser rigorosa e assídua, era mesmo obrigatório que eu também o fosse. A oportunidade, ou o chamamento, surgiu há poucos dias quando li no jornal que o Ricky Martin anunciou a sua homossexualidade. Calha bem porque eu precisava de um motivo suficientemente forte para me fazer levantar o rabo da cadeira e começar a trabalhar num artigo. (Na verdade, para escrever isto, fui obrigado a sentar o rabo na cadeira, mas vocês percebem o que eu digo. Haja alguém que perceba!) Vamos lá ao Ricky. (Salvo seja!) 9 O Ricky saiu do armário. Huuu! Totalmente inesperado! Isso não é notícia nem na Cochichina (apareceu-me o sublinhado debaixo da palavra Cochichina, mas não me apetece ver agora como é que se escreve) nem em qualquer outro sítio. Também não é notícia para aqui. O que é que me deu? Com tanta coisa boa que há a acontecer no país, no mundo, eu fui pegar numa notícia sem qualquer relevância e destaquei-a, levando vocês a, por momentos, não pensarem em outros assuntos mais importantes e urgentes. A Ministra da Cultura (Maria Canivetes ou Cacilhas ou lá como chamam à senhora) vai em breve apresentar as propostas portuguesas (ou já apresentou) para combater a violação dos direitos de autor e aqui estou a fazer o papel do Governo a atirar fumo para os vossos olhos. Um pequeno aparte em relação às propostas portuguesas: se forem todas tão boas como aquele filmezito que temos de gramar sempre que COMPRAMOS UM DVD ORIGINAL, os autores bem se podem preparar para continuar a ser violados. Para terminar deixo-vos uma pequena lista de livros que vos manterão entretidos até ao meu próximo regresso: 1. OS MELHORES SPOTS PARA SNIPPERS EM FÁTIMA 2. PROFESSOR MARCELO CRITICA LIVROS: OS MELHORES MOMENTOS 3. COMO ELABORAR UM ORÇAMENTO DE ESTADO PARA TOTÓS 4. O FREDERICO FOI À SEGURANÇA SOCIAL 5. AS MINHAS VIZINHAS NÃO SÃO NADA CUSCAS 10 6. COMO SE APROVEITAR DE CATÁSTROFES NATURAIS 7. PDM: CONVÉM REVER DEPOIS DE ACONTECER ALGUMA COISA TIPO DERROCADAS OU ASSIM 8. AUMENTE O SEU BASTÃO EM 10 DIAS! Por agora chega. Volto para a semana ou antes disso. 11 Durante o dia de ontem, após ter publicado a mensagem anterior, dei por mim a pensar: 'Porque razão é que alguém iria perder tempo a visitar isto e, mais, a ler o que eu aqui escrevi?' A pergunta não é retórica, não é irrelevante, é concreta. Se fosse para escrever apenas por escrever, apenas para meu contentamento, bastar-me-ia abrir um documento de texto ou usar um caderno e guardar tudo bem guardadinho. Todavia, não é disso que se trata. Se me dou ao trabalho de estar a escrever aqui, se me disponibilizo a partilhar com vocês as palavras com vocês, é porque intento ter o vosso feedback. Para isso, voltando ao pergunta de partida, porque razão é que vocês viriam aqui? A fidelização não se compra (quer dizer, se eu vos pagasse, vocês até vinham aqui e se vos pagasse bem, vocês até liam, mas isso não vai acontecer), porém, ela pode ser obtida e mantida. Para isso é preciso, antes de eu honrar os compromissos perante os leitores, honrar os compromissos perante mim mesmo e tratar isto de forma séria. Escrever pontualmente, regularmente, e não apenas quando me apetece ou quando há assunto pertinente a tratar. 12 Nos últimos meses, no último ano, melhor dizendo, a minha vida passou por grandes mudanças. Algumas menos boas (não chegaram a ser más), outras muito boas. As minhas prioridades mudaram, a minha percepção do mundo mudou e talvez seja por isso que regressei aqui. Por esta altura, alguns estarão a pensar 'É agora que vem a parte do «Quando descobri Jesus...»' Calma! Eu não descobri Jesus (durante a minha infância acreditava que ele estava enterrado na minha cave), nem Alá, nem Shiva, nem nada. Na passada sexta-feira passei nos Restauradores, naquele centro comercial que tem uma igreja maná (ou lá o que é), mas foi para ir à loja de revistas que fica à entrada. [Boa loja de revistas! Recomendo a quem não conhece.] Continuo a ser o mesmo Joel que diz alarvidades sem pensar, o mesmo que se comporta de forma bizarra em público para envergonhar quem está à sua volta. Eu não mudei e o mundo à minha volta também não. O que mudou foi a forma como olho para algumas coisas. Não se enganem. Ainda sou capaz de escrever o tipo de piada que vos faz rir inesperadamente e salpicar o ecrã com a vossa saliva. Fiquem descansados que isso não acontecerá hoje. 13 Perante a polémica recente em torno dos casos de pedofilia que fervilham na praça pública - alguns recentes, outros rebuscados no passado, mas sempre em quantidade generosa - certa figura da Igreja Católica (as minhas desculpas por não conseguir citar a fonte exacta) considerou isto como "o murmurinho do momento". Quando se começou a falar do Caso Freepor(t), da licenciatura em Engenharia na Universidade Independente, do Caso Face Oculta, etc., qual foi o termo que o Primeiro-Ministro utilizou para se referir a estes casos? Cabala. Ora, eu comprei um dicionário de 18 volumes, não para encher a estante, mas para o consultar sempre que necessário. E assim sendo: cabala (...) 3 (1525) exegese, interpretação ou método interpretativo das escrituras bíblicas (Antigo Testamento), ger. com base em alegorias e outras operações e recursos simbólicos, envolvendo esp. anagramas, transposições de letras, etc., atribuição de valores numéricos às letras do alfabeto hebraico e de significado aos números, e que é característico da cabala (acp. 1) judaica 6 1989) fig. elucubração ou cálculo feito em segredo, 14 esp. negócio ou combinação secreta, entre indivíduos ou grupos que têm um objectivo comum; intriga, conluio, maquinação 6.1 acção combinada, ou outra manobra ou arranjo pelo qual, nos círculos editoriais ou teatrais, se consegue determinar o sucesso ou fracasso imerecido de alguma obra ou de algum artista(...) Não transcrevi todas as definições existentes do termo, escolhi apenas aquelas que se relacionam com o assunto em questão. E, embora cabala não seja, propriamente, um sinónimo de murmurinho, anda lá perto. Quer isto dizer que, na opinião do tal senhor, quando alguém chama a atenção para um caso de pedofilia cometido por uma figura da Igreja, não está a atentar contra a instituição, e sim contra a sua figura máxima. "Este é um ataque à minha pessoa!" Quem foi que disse isso? Antigamente era fácil de dizer, agora já não se percebe. Houve também quem afirmasse, e depois pedisse desculpa por isso, que a polémica em torno da pedofilia é a mesma coisa que os movimentos anti-semitas que houve em tempos. E eu concordo com isso. Concordo com o pedido de desculpa porque, de facto, não são. Na verdade, não há rigorosamente nada que ligue estas duas situações. Uma é algo cometido por um nicho de renegados que envergonha a Igreja e os seus representantes; uma mancha na instituição que a Igreja procura limpar, não 15 pela via do esquecimento e do suborno, mas da redenção. A outra é algo a que alguns membros da Igreja se dedicam e até parece mal mas, enfim, quando não há nada para fazer, é o que se tem. O difícil é saber qual é qual. Um assunto ao qual irei voltar com mais detalhe. 16 António Mexia, presidente executivo da EDP, recebeu em 2009 cerca de 3,1 milhões de euros Uma (semi) autobiografia póstuma do comediante George Carlin foi posta à venda Vai haver uma segunda temporada da série 'White Collar' (a passar na Fox sob o título 'Apanha-me Se Puderes') Vai haver uma quarta temporada da série 'Burn Notice' (a passar na Fox sob o título 'Espião Fora de Jogo) Estas duas séries poderão ter o chamado crossover (não confundir com crossdreassing) O lógotipo da EDP aparenta ter um sorriso meio trocista É fácil ser guionista, mas é difícil viver disso. E não é só cá em Portugal Hoje não tive tempo para ler jornais ou ver televisão; nem sequer ouvi rádio. Foi um dia longo. Amanhã volto mais fresco. E mais impertinente. 17 Este não era o primeiro (nem tão pouco o segundo ou terceiro) assunto que eu queria abordar hoje. Porém, após ser obrigado a ver o vídeo cada vez que lia uma mensagem, teve de ser. Esta mensagem é dedicada a quem usa o Hotmail (e aos que não usam também): Enquanto vê este panda a espirrar... Internet Explorer 8 bloqueou 1.000 ataques à sua privacidade em todo o Mundo. E depois? Três pontos pelos quais, isso não me interessa para nada. 1. Se a alternativa a não ter mil ataques à minha privacidade em todo o Mundo é gramar este vídeo ad 18 infinitum, por favor, invadam a minha privacidade. 2. Não será em todo o Mundo, mas sim de todo o Mundo. Para ser em todo Mundo, eu teria de estar em todo o Mundo e não estou. Estou apenas aqui. 3. E mais importante: eu uso o Firefox! Mais artigos ainda hoje. 19 Este vai ser o primeiro grande artigo após o meu regresso a este blog. De modo a que vos possa transmitir a informação mais fidedigna, muni-me de várias notícias, publicadas esta semana na imprensa portuguesa. Os artigos foram devidamente baralhados e irei agora seleccionar o primeiro. Cá vai... Estudo científico conclui que vinho tinto é bom para a erecção Volto já. 20 Aqui há dias cometi um erro. Eu sei que esta informação acabou de deixar muita gente em estado de choque. Muitos, provavelmente, para não dizer certamente, jamais consideraram que eu fosse capaz disso. Não de cometer um erro, já que isso eu faço com abundante frequência (e gosto), mas de o assumir. O que se passou? Portanto, eu li uma notícia, tirei as minhas "conclusões" e publiquei uma mensagem no meu Facebook que dizia o seguinte: O Bono comprou 1% disto por 67 milhões de euros. No Ano Internacional de combate à pobreza, é bom saber que ainda há pessoas que não gastam dinheiro em merdinhas. A ideia era, sempre que alguém clicasse num link no Facebook, escutasse um sample duma música dos U2. De preferência sempre a mesma (porque toda a gente sabe que não cansa ouvir dezenas ou centenas de vezes a mesma coisa; quando os pais nos davam sermões... ui! adorávamos aquilo!). Considerei um caso sério de hipocrisia, alguém que tanto dizia "Os países ricos têm de ajudar os pobrezinhos." (tipo Luciana Abreu, mas sem sotaque). E depois gasta 67 milhões de euros em 1% duma rede social? 21 Aquele 1% é o quê? Os contactos dele? As fotos da namorada? Se dividirmos o ecrã em 100 quadradinhos há um deles que é do Bono? Já se sabe que, nisto dos dinheiros, nós cá ganhamos sempre mal (tirando o António, claro) e que lá fora as coisas são sempre caras. Se calhar na Irlanda, 67 milhões de euros é o que se gasta por semana em cerveja e whisky. Por causa disto, eu falei mal do Bono. Só que, e foi aqui que eu detectei pela primeira vez que poderia estar a ser injusto para com o mocito, o cheque que ele passou não foi de 67 milhões, mas sim de 67 milhões e um euro. "Para os senhores do Facebook ajudarem os pobres." Eu percebi que tinha cometido um erro quando descobri que 0,000001% do Facebook contém 30% do VDR (Valor Diário de Referência para Adultos). A cada 100 pixéis correspondem 372kcal em valor energético, 8,8 g de proteínas, 3,7 g de fibras alimentares e 60 g de hidratos de carbono. Isto tudo a dividir por não sei quantos milhões de pessoas, era um petisco. É mentira. Não aconteceu nada disto. Ele gastou 67 milhões de euros em 1% duma rede social. Não me perguntem porquê. Eu quando era pequeno e me davam dinheiro, diziam sempre "Não o gastes mal gasto." O meu azar era na altura não haver redes sociais. O máximo que se podia fazer era termos um grupo que conversava por correspondência e eu comprar um por cento de cada selo. O que seria estúpido. 22 O assunto das viagens da deputada socialista Inês de Medeiros já decorria há algum tempo, mas só há poucos dias é que foi resolvido. As vozes da discórdia insurgiramse logo contra a decisão de ser o Parlamento a assumir o pagamento das deslocações entre Paris e Lisboa feitas pela deputada. E sem razão. Jaime Gama, na sua elevada sapiência, que este é um assunto que está fora das preocupações do País. "Numa escala de zero a cem das preocupações do país, esse assunto deve vir em 300", disse o próprio, quando confrontado com o caso. Mais de 6000 (seis mil) euros por mês para a menina andar a passear sempre em primeira classe é, de facto, um assunto que não preocupa a maioria dos portugueses. A maioria dos portugueses está preocupada com outras coisas. Tais como, trabalho e comida. Mas eu entendo a Inês. Eu já fui como ela. Não no sentido de ter sido gaja ou assim, mas vivi uma situação quase parecida. Aqui há uns anos andei a estudar em Tomar e era a Instituição (Estado) que pagava as minhas deslocações e o meu alojamento. Habituado que estava viajar no InterRegional, também eu sonhava em ser deputado (por qualquer Partido) e viajar por esse mundo em primeira 23 classe. Lembro-me dos meus primeiros tempos como trabalhador. A ganhar pouco e a ter de pagar do meu bolso para viajar, não em primeira, mas no primeiro barco para Lisboa. Ahh! Que saudades! Acordar cedo, viajar ao lado de pessoas suadas sem dinheiro para sabonete. Tudo isto numa altura em que era permitido fumar em espaços públicos. A Inês se calhar passou por isto. Acredito que todos os deputados que agora ganham BEM e, além do que ganham ainda têm "despesas de representação", passaram por isto. Só pode. A propósito, o que é isso de "despesas de representação"? Já ouvi chamarem artistas às pessoas que trabalham na Assembleia. Será que não ficaria mais em conta contratarmos uma companhia de teatro profissional? Podiam ir às terrinhas fazer plenários e dizerem coisas como "manso é a tua tia, pá!" Desde que, obviamente, nenhum dos artistas morasse em Paris. 24 São poucos os filmes portugueses que me conseguem levar ao cinema. A falta de originalidade, a previsibilidade, a teatralidade, etc. são alguns dos ponto mais apontados. Os últimos três que vi no cinema fugiram um pouco a este espectro. Embora não fossem perfeitos, não foram enfadonhos. Os diálogos não eram maus, o ritmo não era estanque. Não eram totalmente originais; em certos aspectos, eram algo previsíveis mas, se formos por aí, há muito filme americano com essas mesmas características e não é por isso que os deixamos de ver. O problema, na minha opinião, é o cunho excessivamente artístico que alguns realizadores tentam dar às suas obras. Não tenho nada contra isso. Antes pelo contrário. Como escritor e guionista, defendo que a primeira pessoa a quem se deve agradar é ao próprio. Contudo, quando a produção do filme parte do bolso dos contribuintes, como acontece na maioria dos casos, creio que a postura deve ser diferente. Durante anos assistiu-se a um desbaratar de dinheiro a fundo perdido para fazer filmes que eram muito bonitos, muito giros. Lá fora. Nos Festivais Internacionais, em que a coisa funciona muito à base de amizade, fartavam-se de ganhar prémios. Cá havia salas às moscas. As alterações ao financiamento de cinema em Portugal feitas em 2007 tentaram acabar com esse cenário, introduzindo entidades privadas no grupo de investidores. 25 Como é hábito nosso, o Estado Português foi o primeiro a faltar ao compromisso. Esta intromissão de investidores privados suscitou reacções de medo e indignação por parte de quem estava habituado a não ter de justificar o dinheiro que recebia. Temia-se que a filmografia portuguesa resvalasse da utopia artística para as histórias de tiros e maminhas. Em vários casos, o temor foi justificado. Em Portugal há bons profissionais. Há bons guionistas com histórias para contar. Não estamos fechados ao mundo, assim como o mundo não está fechado a nós. Ser-se artístico ou ser-se comercial é uma visão maniqueísta que ainda prevalece. Citando um amigo meu, "O cinema é um negócio em que por vezes se produzem obras de arte." Não podia estar mais certo. 26 De todos os aspectos, da chamada "identidade nacional", comuns a todos os portugueses, o meu preferido é o sentido de prioridade. O Benfica ganhou o campeonato e os adeptos benfiquistas tiveram como prioridade a celebração do título. O Papa Bento XVI visitou o nosso país e os funcionários públicos que receberam dispensa tiveram como prioridade aproveitar o dia para ir passear. Parece que houve também alguns católicos (alguns deles, por coincidência, também eram funcionários públicos) que assistiram às missas dadas pelo senhor. Desta multidão é preciso descontar ainda aqueles que foram contratados por uma empresa de trabalho temporário para fazer número. Eu não estive presente em nenhuma destas celebrações. Não acredito em fenómenos de massas (tirando a Milanesa) e a religião parece-me cada vez mais datada. Cada vez mais "uuuuh vem ai o papão!". Agora, a ideia dos fiéis temporários parece-me algo de louvar. Gostava de ter sido informado acerca disso mais cedo. Talvez me tivesse inscrito. Imagino o tipo de entrevista a que os candidatos se tiveram de submeter. "Boa tarde a todos! Ena que tantos! Obrigado por terem vindo. Antes de começar, vamos fazer aqui uma pequena triagem. "Quem acha que o verdadeiro Jesus é o Jorge, pode 27 sair. Quem tem sapatos italianos de marca, pode ir. Só o chefe é que os pode usar. Aqueles que vão ficar contentes quando o Presidente da República promulgar o casamento entre pessoas do mesmo sexo daqui a uma semana, façam favor. Falta-me alguém? Parece que não. Muito bem. Já só cá está quem interessa. "Desculpe, disse alguma coisa? Sim, nós prometemos a salvação eterna a todos. Mas só aos que aceitarmos. "Continuando, vocês estão aqui para promover a salvação eterna. Sim? Quanto tempo é que durar o contrato? Com o Salvador será pela Eternidade, connosco é até o Papa se ir embora." Foi durante este período de distracção das massas que o Governo decidiu passar o IVA de 20% para 22%. Depois houve alguém que mudou de canal e reparou no que se estava a passar e eles voltaram atrás. Já não ia aumentar para 22%, ia só aumentar para 21%. Neste momento não sei qual é o valor do IVA. Antigamente tentava adivinhar o preço do barril de petróleo; agora dou por mim a tentar adivinhar o valor do IVA. De imediato surgiram os habituais protestos. Temendo uma revolta popular, o Governo anunciou que os bens essenciais (a água, o pão e a Coca-Cola(?!)) não iriam aumentar o preço. No mesmo dia, mas a uma hora a que ninguém estava a ver, especificou melhor o anúncio anterior. "O preço do pão não vai aumentar, mas o seu tamanho vai reduzir um quinto. A água vai continuar ao mesmo preço, mas vai passar a circular apenas entre as 9 e as 12 da parte da manhã e entre as 19 e as 22 da parte da noite. 28 De segunda a sexta. As garrafas de água manterão o seu preço, mas terão os seus tamanhos reduzidos 10 cl. Quanto à Coca-Cola, vai ficar como está. Não queremos impor aos portugueses medidas demasiado austeras." Fico contente por isso. Moderadamente austero, sim. Demasiado, não. (Parece que austeridade é a nova palavra desculpa do dia. Antigamente era "conjuntura". Aguentou-se bem, mas... um dia chegou a sua hora. Agora é a vez da austeridade. Desejo-lhe boa sorte.) Ficaria ainda mais contente se depois do Futebol e de Fátima viesse agora o Fado. Alguém, por favor, peça àquela senhora que trabalha com a Júlio Pinheiro para contactar a Amália, o Alfredo Marceneiro e demais fadistas quinados e convencê-los a fazer um concerto no Pavilhão Atlântico. Dava jeito à manutenção da austeridade que os três Fs voltassem em força. Não conseguindo um concerto com a Amália, façam com o Carlos do Carmo, com o Camané, com quem quiserem. O Benfica não pode ganhar o campeonato todos os dias? Paciência. Tragam o Papa cá mais vezes. Aluguem-no. Façam o que tiverem de fazer. Se o Papa não puder ou não quiser, falem com o Chefe Silva. Eu acho-os parecidos. É preciso é manter o Povo distraído. Uma última mensagem, para o senhor Josef Ratzinger: "Zézito, da próxima vez que visitares um país em que as pessoas não andam exactamente a viver desafogadamente, não uses sapatos italianos dos mais caros do mundo, não uses roupas de seda debruadas a ouro, não uses uma cruz de ouro maior que a do 50 Cent, 29 nem um ceptro de ouro. Não tragas nada disso. Vem casual. Como se fosses sair à noite. "Acima de tudo, não apareças com toda essa pompa para dizer que os católicos têm de abraçar o voto de pobreza. Para muitos, esse abraço não se faz por crença e sim por inevitabilidade. Qualquer um consegue ser pobre. Ter sapatos Prada e ceptros de ouro é que já não é para todos. O que tu estás a fazer é pirraça e isso é muito feio. Continua assim e vais ver onde vais parar. 'Tás aqui de novo não tarda." 30 No dia 26 de Abril de 1986, um reactor da central nuclear de Chernobyl explodiu, libertando uma enorme nuvem radioactiva por toda a Europa. Para quem não sabe, isto não é bem a mesma coisa que uma nuvem de cinzas. É pior. A Europa ficou toda aflita com uma nuvem de cinzas que não deixava os aviões voarem por causa da falta de visibilidade. No caso da nuvem radioactiva, esse problema não se colocava. A visibilidade era total e, em certos casos, as mutações causadas pela radiação até fizeram surgir mais um ou dois olhos em algumas pessoas. Em Portugal temos um histórico longo de derrapagens orçamentais e acidentes de trabalho. Seja por falta de supervisão, ou por aquilo que eu chamo o princípio de "um-pouco-de-corda-e-fita-cola-e-tá-bom", somos prolíficos nessas matérias. Só para vocês verem, só entrei no Estação de Metro do Terreiro do Paço algumas semanas depois de ela estar em funcionamento. Depois da derrocada que houve durante a fase de construção, quis ter a certeza que era seguro utilizar aquele espaço antes de aventurar lá dentro. Os dois parágrafos anteriores, aparentemente sem relação, servem para contextualizar o tema deste artigo: a energia nuclear. Melhor dizendo, a instalação de uma central nuclear em Portugal. Trata-se dum tema recorrente, invocado à vez, ora pelo PS, ora pelo PSD. É 31 quase sempre o que está na Oposição. Ou o que está no Governo. É um deles. Um deles quer, o outro não. Basicamente é isto. Agora quero eu, agora queres tu. Desta vez, a ideia partiu do líder do PSD, José Sócra-, perdão, Pedro Passos Coelho. O Pedrito dos Laranjas disse, num almoço promovido pelo Forum para a Competitividade, que se devia lançar um "debate sério" acerca da opção pela energia nuclear em Portugal, de forma a reduzir "a dívida e a dependência energética nacional". São vários os pontos de análise destas declarações que convêm, passe a redundância, analisar. Primeiro que tudo, o timing. Porque é que, praticamente, todos os políticos escolhem almoços ou jantares para anunciar medidas capazes de melhorar o estado do País? Quando não é o próprio que está com os copos, são os convivas. Mesmo que alguém oiça a proposta, ninguém liga. Principalmente se estiver a acontecer um show de strip. "Precisamos de aumentar a receita pública." "Topa-me só a prateleira daquela! Aquilo é que não precisa de aumento! Eh eh!" De seguida vem a expressão "debate sério". Debate sério parece solene, parece eminente, e seria, noutro local, dito por outra pessoa. Num almoço promovido pelo Forum para a Competitividade, "debate sério" soa-me àquilo que se diz após uma longa competição de shots - lá está a competitividade - quando os valores da amizade são expressos por língua entaramelada. "Vocês são uns porreiros! Vocês TODOS são uns 32 porreiros! Aguiar! Aguiar! Anda cá! TU és um por-" "Anda lá, Pedro. Vamos." "Vamos nada! Eu 'tou bem! Eu 'tou bem! Ó Frasquilho! Vai ali e traz-me um frasquilho de pimenta. Eh! Eh! Eh pá! Deslarga-me!" "Pronto, pronto! Já larguei." "Agora a sério... É preciso fazermos um debate sério sobre a energia nuclear. CABUM! Mas primeiro tenho de ir mudar a água às azeitonas." Eu já fui a vários jantares onde fiz várias propostas capazes de melhorar o País. Sabia que eram todas boas e exequíveis só que, no dia seguinte, não me lembrava de nada. No fim de contas, um jantar ou um almoço são como uma legislatura (ou como uma oposição): come-se e bebe-se à grande e quem paga é quem vem a seguir. Infelizmente, quem vem a seguir é sempre o mesmo. Redução da dívida e da despesa energética? Pois sim. Tenho medo da energia nuclear em Portugal. A sério que tenho. Dizem-me que hoje em dia é uma energia limpa, segura. O que aconteceu em tempos não tornará a acontecer tão facilmente. Sim, tudo isso é verdade. Só que é lá fora, onde eles já fazem isso bem. Cá dentro, não é bem assim. Nós temos o talento de remendar furos em camiões cisterna com chapa de alumínio e fita adesiva. Se todas as pessoas do mundo trabalhassem numa central nuclear, os portugueses seriam o Homer Simpson. E os alemães seriam o Burns. É uma visão que não gostaria nada de ver concretizada. 33 Parece que nasceu finalmente a primeira forma de vida artificial. E como toda a forma de vida artificial que se preza, não se sabe ainda se é menino ou menina. O pai, Craig Venter, chama-lhe bactéria, mas diz que é só até a baptizar. Há quinze anos que Craig e a sua equipa andavam a tentar criar a sua própria bactéria. Não queriam ir a um Orfanato de Germes e adoptar uma bactéria ou um micróbio, nem mesmo um bacilo. Queriam a sua bactéria. Quinze anos e quarenta milhões de dólares depois nasceu a menina dos seus olhos. Ou menino. Craig disse ao mundo, “Esta é a primeira célula sintética jamais fabricada e dizemos que é sintética porque a célula é totalmente derivada de um cromossoma sintético.” Foram muitas as pessoas que não conseguiam disfarçar a emoção causada pelo momento. Em 2007, Craig provou que se podia transplantar o genoma de bactérias duma espécie para bactérias de outra espécie semelhante e fazer com que a segunda mudasse de espécie, trocando de identidade com a primeira. Em 2010, José Sócrates e Pedro Passos Coelho aprenderam a dançar o tango. Um ano depois conseguiram sintetizar na sua totalidade o genoma de 34 uma bactéria. Para criar um ser vivo bastava fazer um mix. (Vou abreviar um pouco esta parte do processo. Podem estar menores a ler e não quero impressioná-los com descrições de cópula a nível microscópico.) ... e no fim o passarinho vai à flor e quarenta milhões de euros depois nasce uma linda bactéria. Antes disso era preciso construir moléculas do tamanho do ADN e não havia tecnologia para isso. O ADN em questão tinha muitas pecinhas, muuuuitas!, e eles não conseguiam arranjar nada assim. Felizmente, graças a uma empresa especializada, lá arranjaram os pedacitos que queriam – mais uns quantos no caso de alguns se estragarem - e depois foram brincar. “Foi como ter uma caixa de peças de Lego e ter de as montar.” disse Venter. Os problemas surgiram quando tentaram introduzir o genoma sintético nas células da bactéria. Quando a bactéria e o genoma foram para o quarto da primeira vez, não aconteceu nada. Era um genoma impotente. Foi uma desilusão para todos aqueles cientistas. Sem acesso a canais codificados, aquilo era o mais próximo de sexo que eles estariam. A bactéria e o genoma continuaram a tentar até que houve alguém que descobriu que o problema era uma letra do código mal colocada. Quinze anos e quarenta milhões quase a ir para o badagaio por causa duma letrinha. Fico contente por estarmos a lidar com pessoas atentas e responsáveis. Não se sabe ainda para que servirá esta nova forma de vida. O pai só quer que ela cresça forte e saudável, mas 35 não-nociva para a humanidade. Não me surpreende, porém, que esta revolução na ciência tenha ficado para depois dos chouriços sobre a Selecção. Quando vierem cá extraterrestres, ou algum ser divino, talvez recebam honras de rodapé. Talvez. 36 Por ser um apreciador de cinema, faço por estar atento aos avanços da tecnologia que vão surgindo para tornar a experiência de ver um filme algo cada vez mais especial. Ainda não era vivo quando inventaram o cinema sonoro ou o cinema a cores, mas já estava cá quando apareceram os formatos de alta definição e, mais recentemente, o cinema 3D. Antes de Avatar estrear nas salas já a expectativa em relação a este filme era grande. Para outras pessoas, o seu período de incerteza e de espera angustiante iniciou há poucos dias quando foi anunciado que a indústria de cinema para adultos – um nome mais meiguinho para cinema porno – vai também começar a produzir filmes em 3D. Esta nova invenção foi apresentada na mais recente edição do Festival de Cinema de Cannes pelo produtor Marc Dorcel. Durante dois minutos os espectadores daquele Festival de Cinema, dos mais reputados do mundo da sétima arte, puderam apreciar um pequeno espectáculo de striptease a três dimensões. Dois minutos não parecem muito. Só que, aos dois minutos de striptease, têm de se lhe juntar os outros quinze ou vinte que vêm a seguir. É urgente que se faça um estudo cuidado sobre os perigos da exposição prolongada ao 3D. Eu lembro-me 37 quando apareceram os primeiros canais de regabofe codificados. A quantidade de pessoas que foram parar ao hospital com um deslocamento de retina foi abismal. Com o número de hospitais no nosso país a diminuir de dia para dia, teme-se que não hajam meios para auxiliar a tanta gente. Vai ser uma pandemia e desta vez não vai haver vacina que a cure. Algumas pessoas cresceram com a ideia de que certas actividades de lazer podem provocar cegueira. Eu cresci com a ideia que muito dessa actividade faz músculo. Ninguém sabe o que a exposição prolongada à terceira dimensão pode causar. Eu fiz maratonas a ver a Quinta Dimensão, ainda com o Rod Serling, e não me aconteceu nada. Só que a Quinta Dimensão era a duas dimensões, a preto e branco e sem imagem aos saltinhos. Sabe-se que aqueles óculos que uma pessoa tem de usar para ver um filme a três dimensões, reduzem muito as poucas chances que alguns homens têm de conseguir qualquer coisa com uma mulher. No caso do Avatar, mesmo que o filme fosse a duas dimensões, não me surpreenderia encontrar a sala cheia de pessoas com óculos. No caso dum filme porno, também não me surpreenderia encontrar essas mesmas pessoas na sala. Agora vai ser a vez do 3D e quer me parecer que vai ser pior. Ainda por cima dizem que, num futuro próximo, o espectador poderá escolher o local e a actriz para uma cena ao seu gosto. Fala-se muito da escassez de recursos e do excesso de população no planeta. Ao nosso planeta já só restam mais meia dúzia de milhões de anos (dois anos e picos para 38 alguns). Se nada melhor surgir entretanto, a pornografia a três dimensões tem o potencial de reduzir a taxa de natalidade mundial. Vai estar tudo ocupado a experimentar o brinquedo e ninguém vai ter tempo para o produto a sério. 39 Gosto de estar actualizado acerca dos assuntos que marcam o nosso Portugal. Como tal, sentia vergonha de admitir a minha ignorância em relação a certa matéria. O tópico era matéria de conversa em todo o lado e suscitava as mais variadas reacções. Alguns demonstravam desconfiança, outros acreditavam com convicção no que as imagens exibiam. A notícia chegou aos meus ouvidos, assim que ocorreu, mas só ontem, graças a um amigo que me fez chegar as imagens via email, é que eu pude avaliar a matéria propriamente dita. Desculpe? Se me refiro ao roubo dos gravadores dos jornalistas da Revista Sábado pelo deputado Ricardo Rodrigues? Claro que não. Seria completamente despropositado, face a matérias de maior importância para o país, eu perder tempo a falar desse assunto, apenas porque algo como a liberdade de expressão foi violado. Nada disso. A razão deste meu artigo tem apenas a ver com algo que interessa mais ao português comum: a stora Bruna. Sim senhor! Até eu tinha tido boa nota a Educação Musical com uma professora daquelas! Infelizmente, as duas professoras que tive não eram assim. A primeira queria ensinar sempre a mesma música – aquela que 40 ninguém gostava – e a outra tinha por hábito esconder a letra L sempre que faúava. A professora decidiu expor-se e não vejo nada de mal nisso. A Playboy não é uma simples revista de gajas. Tem seios e rabos em abundância sim, mas, não é um nu vulgar. É claro que para os homens (e mulheres) que não são esquisitos, serve perfeitamente. Contudo, se formos a ver bem, a nossa Playboy não é uma Playboy qualquer. Aliás, a nossa Playboy é a única no mundo que teve um gajo na capa. Apesar de ser uma figura cujo trabalho eu até aprecio, esperava reacções mais acesas por parte dos portugueses quando, em vez de uma menina de seios jeitosos e rabinho ao léu, apareceu um gajo na capa. Não se percebe. Voltando à minha professora de Educação Musical, a tal que escondia os Ls, não posso deixar de fazer uma comparação entre Ricardo Rodrigues e Bruna Real. O primeiro escondeu algo, a segunda expôs algo. São formas diferentes de estar na vida. Como não tenho por hábito esperar grandes exemplos, a nível de postura e integridade, por parte da classe política, não vou tecer mais comentários sobre o caso dos gravadores. (A não ser que me peçam por favor.) Considero a atitude da professora mais responsável. O Governo tenta melhorar as estatísticas do Ensino em Portugal reduzindo o grau de exigência aos alunos. Se mais professoras seguirem o exemplo da professora Bruna, creio que iremos assistir a um verdadeiro despertar de mentes. Ao que consta, a professora já não é professora, é 41 funcionária no Arquivo Municipal de Mirandela. Pode já não melhorar as notas dos seus alunos mas, para compensar, o número de visitas ao Arquivo Municipal de Mirandela vai aumentar em larga escala. 42 No século XVIII, Lavoisier disse que “Na Natureza, nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma.” Com esta frase definiu a lei da conservação da matéria. Quase 300 anos depois, os donos duma revista semanal acharam um novo aproveitamento para essa frase. E continua a ter a ver com a conservação da matéria. Quase. O já famoso caso do furto dos gravadores tornou-se numa fonte de inspiração para um passatempo lançado pela Revista Sábado. Imitando as duas Comissões no Parlamento a quem o caso foi atribuído, os proprietários da revista decidiram, também eles, gozar com o assunto. Parecia mal, enquanto toda a gente gozava com o assunto, serem eles os únicos a tratá-lo de forma séria. O furto de dois gravadores pelo deputado socialista Ricardo Rodrigues deu azo a uma providência cautelar colocada pelo próprio Ricardo Rodrigues. O que é um pouco como alguém ir à Polícia queixar-se de que não lhe aceitaram as notas falsas num Banco. Os motivos invocados pelo deputado de que estava a ser vítima de “violência psicológica insuportável” por parte dos dois jornalistas chegaram para convencer os responsáveis do PS de que ele não fez nada de mal. Francisco Assis agiu como o pai que é chamado à escola por causa do mau comportamento do filho e não crê em nada do que os professores dizem. Para ele, o seu menino 43 é o mais bonito de todos e não há nada que possam dizer que o convença do contrário. A Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, a quem o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas entregou o caso, descartou-se do assunto e passou a batata quente para o pessoal da Comissão de Ética. Aparentemente, se for um cidadão comum a apropriar-se de propriedade alheia, trata-se dum caso de polícia. Se for um deputado envolvido em várias moscambilhas, trata-se dum acto irreflectido justificado por uma “violência psicológica insuportável”. Nesse caso, não é roubo, é apenas falta de educação. A Comissão de Ética, por sua vez, devolveu a pasta para a Comissão de Assuntos Constitucionais. Perante tudo isto, os responsáveis da Revista Sábado tomaram a única atitude possível nestas circunstâncias: lançar um passatempo cujo prémio são cem gravadores Olympus. Afinal, em que é que ficamos? Senhores da Sábado, que raio de jornalistas são esses que vêem uma cópia mal feita do Paulie dos Sopranos levantar-se, fanar os gravadores, e ficam impávidos? Vocês ficaram chateados ou não com o roubo dos gravadores? É que se ficaram expliquem que raio de estúpido plano de vingança vem a ser este? “Ai gamaram-nos dois gravadores? Então agora, só pra verem como elas são, vamos oferecer cem!” Porque é que isto me faz pensar em birras? Talvez porque é disso que se trata. Parecem os miúdos a quem tiram um brinquedo e depois não querem brincar com mais nenhum. Esta postura infantil por parte de 44 representantes da nação e da sociedade deixam-me inquieto. Se tivermos de tomá-los como padrão de referência daqui em diante, não sei o que vai ser de nós. 45 Cá está! Andamos nós a falar mal deste Governo e do outro antes (que só por acaso era o mesmo) e do outro antes desse (que não era o mesmo mas, se formos a ver bem, não se nota assim tanto a diferença) e cá está uma informação que diz muito daquilo que o Governo anda a fazer por nós. Qualquer outro Estado preocupar-se-ia em resolver os problemas do país. Este preocupa-se em arranjar mais país. Mas que levanta algumas dúvidas. Para que querem um terreno maior se não conseguem dar conta das ervas daninhas neste quintalinho? Há também aquela questão, um pouco pertinente, desse prolongamento de terreno estar situado debaixo de água. Notem: eu não estou contra a medida; apenas tento percebê-la. Agradeço o gesto e espero que a proposta seja aceite. Sempre é mais um bocadinho que podemos nadar. É verdade que um prolongamento no sentido oposto, em direcção a Espanha, traria mais benefícios mas isso seria um erro. Não apenas um erro, seria também uma violação de algumas leis internacionais às quais Portugal aderiu. Deve ter aderido. Provavelmente. (Espero não estar a colocar o meu país numa situação complicada ao dizer isto.) Além disso, não temos necessidade de 46 incorrer nessa medida, uma vez que os recursos naturais a que Portugal terá acesso vão ser imensos. Nuno Lourenço, coordenador do Gabinete de Investigação, Desenvolvimento e Inovação, disse que lá em baixo “existe aquilo a que se chama os 'oásis de vida', em zonas hiper-báricas, onde os seres vivos se adaptaram a condições extremas de vida.” E é aqui que eu começo a pensar no que de facto se pretende. Se calhar não querem mais país para ficarmos todos mais à larga. (Embora em certos espaços públicos essa medida fosse muito apreciada.) O que eles devem querer é enfiar um bom magote numa dessas zonas hiperbáricas para reduzir o número de portugueses cujos problemas eles têm de fingir que tentam resolver. Se for essa a sua intenção, proponho que sejam os trabalhadores a recibos verdes. Já que não são um problema aos olhos do Estado não há razão para continuarem a ocupar espaço em território nacional. E atenção que eu incluo-me nesse grupo. Eu sei do que estou a falar. Querem mais país para menos pessoas. Tudo bem. Eu vou para um desses 'oásis da vida'. Tenho quase a certeza de que, assim que desenvolver guelras, as minhas condições de vida vão melhorar substancialmente. 47 Eu não sou do tempo da palmatória – escapei a essa época. E, embora o meu tempo de escola primária tenha coincidido com a era da reguada, essas reguadas foram tão raras que não me causaram mossa. A minha professora dos meus quatro primeiros anos de ensino escolar nunca me chamou de burro, de inútil, estúpido ou badalhoco. Nunca me insultou gratuitamente. Bastantes vezes chamou-me de “palhacito”; algo inteiramente justificado já que não passava um dia em que não fizesse uma palhaçada qualquer. Na altura ainda não sabia o que queria ser quando fosse grande. Talvez fosse uma forma de dizer que quando eu chegasse à idade adulta teria como ocupação fazer rir os outros. Não havia, nem há, qualquer problema em chamar “palhaço” a uma criança que queira mesmo ser palhaço quando chegar a altura de escolher uma profissão. Quanto a chamar burro, inútil, estúpido e badalhoco, isso já acredito que possa trazer alguns problemas de desenvolvimento cognitivo para a criança. Uma professora como a minha era um emblema de disciplina. A sua autoridade provinha da sua postura, das suas acções e não das suas reacções. Nós não nos portávamos mal por causa de eventuais castigos, e sim porque não havia razão para tal. Ela sabia dar a volta e pôr-nos a trabalhar. Quando alguém fazia asneira era punido, sem que essa punição fosse algo degradante. 48 Quando alguém não sabia certa parte da matéria, a sua ignorância não servia de motivo de chacota para todos os outros. Ninguém era humilhado por não saber tudo porque ninguém ali sabia tudo. Muitas vezes portei-me mal, e de vez em quando levei um puxão de orelhas. Uma vez ou outra levei uma reguada. As minhas orelhas continuam boas e com as minhas mãos escrevo este texto e muitos outros antes e depois deste. Que me lembre nunca houve razão para chamar à escola nenhum encarregado de educação à escola porque a professora lhe batia e chamava nomes. Estávamos no fim daquele tempo em que os professores tinham mais autoridade do que os alunos, embora a minha professora não tivesse qualquer razão para temer isso. A autoridade docente não desapareceu por completo desde então; embora os tempos tenham mudado um pouco. Porventura os métodos que a minha professora usava na época, se aplicados nos dias de hoje poderiam parecer um pouco antiquados. De modo algum quero iniciar aqui uma discussão sobre esse tema. Mesmo nas suas premissas mais básicas seria demasiado complexo para ser discutido em tão pouco espaço. Recordo da minha mãe dizer que, no seu tempo, os professores tinham toda a autoridade; no meu tempo tinham alguma autoridade, nos dias de hoje não têm autoridade nenhuma. Assim transparece pela comunicação social. Registamos com frequência notícias de alunos que desrespeitam professores, de pais que batem em 49 professores. Não ouvi ainda notícias de auxiliares da acção educativa (as “continas” no meu tempo) a baterem em professores. Pelo menos não no exercício das suas funções. Talvez alguns dos pais que agrediram professores sejam auxiliares da acção educativa noutra escola. O caso não tem um culpado óbvio. Infelizmente, aqui a culpa é como um peido dado em sessão solene. Todos olham para todos, mas ninguém admite nada. A culpa é dos pais, é das crianças, dos professores, da sociedade? A todos a sua quota, é o que eu defendo. Tenho de regressar novamente ao passado. A minha professora castigou-me, mas nunca me humilhou; chamou-me nomes, mas nunca me insultou; puniu-me fisicamente, mas nunca me marcou. As marcas da régua foram sempre passageiras, no dia seguinte já não havia nada. A memória física daquele evento era como a ferroada duma abelha. Sabemos que dói, por isso não tornamos a ir lá – mas não sentimos medo só de pensar nisso. Eu acredito que os quatro primeiros anos de ensino são os mais cruciais. É através das bases adquiridas nesta fase que o resto do percurso escolar será determinado. Se rebaixadas a menos de nada, se humilhadas e castigadas de forma gratuita, as crianças não terão razão para aprender. Inevitavelmente, algumas poderão ser burras, inúteis, idiotas, estúpidas e badalhocas quando forem grandes, não por culpa ou decisão sua, apenas porque não tiveram o devido exemplo de quem deviam. 50 As que não tiverem certo tipo de professoras, poderão aprender a desenvolver uma mente atenta e criativa e serem vozes críticas da sua sociedade. E isto não é apenas uma questão de sorte, é uma questão de assumir responsabilidades e de não esconder a verdade. Só assim, artigos como este não terão razão para serem escritos. 51 Perante a actual conjuntura dos mercados internacionais e a presente crise financeira que a todos afecta, é chegado o momento de todos unirmos esforços para fazer face a estas circunstâncias. Podia ter escrito isto há um ano atrás, ou há dez anos; ou daqui a quinze. Enquadrar-se-ia sempre. O mercado nunca está bom. A crise vai e vem numa semana. "O mundo mudou em três semanas." Não foi o que o Primeiro disse? Não, não foi "três semanas", foi "quinze dias", não, foi "uma semana". Nota: o mundo muito numa hora, desde que não se seja um peixe num aquário. Adiante. As medidas de austeridade vão fazer-se notar no IVA e no IRS. Tudo isto já a partir de... Interessa assim tanto? O IVA aumenta um por cento, o café passa para sessenta cêntimos. Não é preciso grandes contas. Quando passámos do escudo para o euro, o que era cinquenta escudos, passou para cinquenta cêntimos. Vá lá que o euro só vale o dobro do escudo. Na altura éramos maus a matemática. Agora já não. A nossa média a matemática agora é de dez. Se não se lembrarem de voltar a dar notas a sério, podemos viver felizes na ignorância. As restantes medidas notar-se-ão no fim do décimo terceiro mês, no cancelamento do alargamento do 52 subsídio de desemprego por mais seis meses e o nãoreforço da linha de crédito de apoio para criação de emprego por parte dos desempregados. Um dado curioso: estas medidas, exceptuando o décimo terceiro mês, vão poupar aos cofres do Estado 151 milhões de Euros. Os jogadores da Selecção ganham oitocentos euros por dia. Dinheiro esse que vem da Federação Portuguesa de Futebol; que, por sua vez, recebe-o do Estado. Não todo, apenas a maior parte. Só estou a pensar alto. Nem a Assembleia da República escapa a isto. Os deputados deixam de transportar bagagem e passam a viajar COM a bagagem; em vez de receberem um prémio chorudo sempre que não se baldarem um mês seguido, recebem um email com um powerpoint fofinho que tem de ser reenviado a todos os deputados senão perdem o mandato. É peta minha, claro. Mas Jaime Gama anunciou que o Orçamento para 2010 da instituição a que preside baixou bastante comparativamente a 2009. O que não é nada mau. Para garantir que não aconteçam muitas derrapagens, apelou à coerência dos políticos e... Agora perdi-me. Ele quer que os políticos – essa classe habituada a gastar à lá gardére (curso de francês técnico na UNI) – poupem e diz-lhes para serem coerentes? Sem desprimor para a classe, é o mesmo que dizerem a um ladrão para não tornar a roubar e, logo de seguida, piscarem-lhe o olho. O que Jaime Gama fez foi uma piscadela de olho verbal. Tenho medo de que estas medidas possam resultar. Toda a minha vida profissional foi passada em tempos de crise e conjuntura complexa; não creio que nos 53 habituássemos se entrássemos agora na fase da fartazana. Creio que se o país entrasse em inegável desenvolvimento económico e financeiro (aquele que se verifica no dia a dia) seria o fim da nossa sociedade. Onde é que iríamos parar? Talvez a um outro universo onde está tudo bem e, de repente, tudo muda. Em três semanas. Não! Quinze dias. Perdão, uma semana. 54 Há pouco ouvi o urro de um animal ferido de morte pedindo por ser abatido. Peguei na minha caçadeira, pronto a dar o golpe de misericórdia, quando reparei que não era um animal, e sim uma besta com uma vuvuzela. O combustível pode vender pouco, mas os senhores da gasolina não estão preocupados com isso, já que os portugueses são capazes das coisas mais imbecis para apoiar a selecção. Uns chamam orgulho nacional, eu prefiro chinfrineira. É giro, mas não tão giro como seria se todos os tocadores de vuvuzelas apanhassem lepra na boca. Senhores da Galp, eu sei que vocês gostam do vosso dinheirito mas, não dava para arranjarem outra coisa que não fizesse tanto barulho? Eu não gosto de futebol; quero estar em casa descansadinho, a ver um filme, ou a ler, não a escutar urros o dia todo. À vossa conta acabei de balear um vizinho meu e tenho a GNR a bater-me à porta neste momento. Eu vi o vosso anúncio e percebi que a ideia das vuvuzelas é apoiar a Selecção Portuguesa de Futubol. E percebe-se como. O Mundial vai ser na África do Sul e, se todos apitarmos as vuvuzelas ao mesmo tempo, talvez o som chegue até lá. É um som que deixa qualquer um bem disposto. Não há nada melhor. A não ser gangrena. Li que os jogadores seleccionados para o Mundial ganham 800 euros por dia. Como ainda não vi esta 55 informação desmentida, vou tomá-la como válida. Por isso, vamos a contas. Temos, salvo erro, 23 jogadores seleccionados. Ao dia são 18400 euros. A não ser para aquelas pessoas que aderiram à campanha da Toshiba, há muita gente que vai começar a torcer para que a campanha de Portugal em África acabe o quanto antes. (Raça do bófia que não pára! Já vai!) Esse pilim vem da Federação Portuguesa de Futebol que, segundo os seus Estatutos, recebe-o das quotas pagas por cada profissional ligado ao futebol e também de subsídios estatais. Não sei o valor das quotas nem o número de associados, mas duvido que gerem receita na ordem dos dezanove mil euros por dia. Não é o mesmo que comer sopa seis dias por semana para no Domingo ir comer fora. O dinheiro a sério deve vir do Estado, digo eu. As medidas de austeridade, nomeadamente as alterações ao IRS e ao subsídio de desemprego vão gerar uma poupança/receita de 485 milhões de euros. Pode não ter nada a ver, mas chega para uma campanha inteira. Lanço esta teoria disparatada porque somos governados por pessoas. Pessoas como eu, pessoas como o leitor, mais ricas, com mais poder mas, ainda assim, pessoas. Nós, humanos, somos imbecis. Fazemos campeonatos para ver quem consegue puxar um camião com os dentes, construímos estádios para moscas, gastamos dinheiro que não temos em coisas que não precisamos. Porém, não somos todos iguais. Ao contrário do senhor que eu baleei há pouco, eu não investi em vuvuzelas e também não acho que Portugal seja capaz de chegar às 56 Meia-Finais. Se achasse, talvez estivesse a escrever este texto num portátil novinho em folha em vez de (Então? Mas isto entra-se assim na casa das 57 Um dos temas mais falados no momento tem a ver com o número de deputados no Parlamento. Numa altura em que se fala de contenção de despesas, é animador ver os líderes da Nação preocupados em dar o exemplo. O PSD, considera a redução do número de deputados com "espírito de abertura". O objectivo do maior partido de apoio ao Governo é "alcançar uma relação de maior proximidade entre eleitos e eleitores" por via duma alteração dos círculos eleitorais, "tornando-os mais pequenos". Embora não perceba nada, deve ser giro, mas será bastante para convencer os restantes partidos? O CDS-PP, é contra a redução do número de deputados porque não passa duma ideia demagógica que pode prejudir a representatividade e a qualidade da democracia. "Há mais administradores de empresas públicas do que deputados" disse João Almeida, e "ganham mais do que os deputados". Segundo o Orçamento da Assembleia da República, a verba destinada ao vencimento dos deputados é de 12 milhões e 349 mil Euros – a dividir por 230 deputados dá meia dúzia de tostões. Menino João, não sabe que é feito ter inveja? O PCP também é contra, uma vez que isso pode levar a uma maior representação do PS e do PSD, além de diminuir a pluralidade. "A única redução de deputados 58 que beneficiará o país" seria uma redução dos que "têm apoiado a política de direita", disse Bernardino Machado. Por outras palavras, a ideia não é má, mas só se for para os outros. Algures no espectro político, o PS também se diz contra a ideia. "Não é sério num momento de crise estar a fazer uma discussão dessa natureza.", disse Francisco Assis. Nem mais. Os meninos ganham uma pipa de massa, têm tudo pago e a gente tem de andar a contar os tostões todos? É mesmo má vontade nossa. "Há uma diferença entre a rua e o Parlamento". É verdade. Nisso tenho de lhe dar razão. Na rua as pessoas são muito mais bem-educadas. Além de roubarem menos. "No dia em que desaparecer a diferença entre o Parlamento e a rua, o Parlamento deixa de ser necessário. E no dia em que o Parlamento deixar de ser necessário a democracia está em perigo", disse. Ui que medo! É o fantasma do Salazar que vem aí! Uuuu! Francisco Louçã, o líder do Bloco de Esquerda diz que o PS quer reduzir o número de deputados no Parlamento para se “ver livre da opinião dos portugueses”. Não é bem isso Francisco. Eles só querem reduzir o número de deputados que são contra as medidas do PS. Que são quais? Ora bem, o PSD está a favor do PS no que toca às medidas de austeridade, por isso não devem ser esses. O PCP, o CDS e o Bloco estão a favor em ser contra a redução do número de deputados. Também não devem ser. Quem é que sobra? O PPM? Eu acho simpático ver todos de mão dada, mas se calhar está na hora de apertarem também o cinto, não? 59 Vão a pé para o trabalho, comem uma saladinha de alface e tomate ao almoço, não metem dinheiro ao bolso. Basicamente, é fazerem aquilo que pedem às pessoas para fazer. Senão, quando saírem à rua, vão ver o que vos espera. 60 A 31 de Maio do corrente ano a Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas (ANTP) iniciou uma marcha lenta. Pedia-se aos motoristas que circulassem a 40 km/h, dez quilómetros por hora abaixo da velocidade mínima legal. Assim que soube disto, fiquei numa pilha de nervos. Todos os dias torcia para que as reinvindicações fossem atendidas. Um protesto destes iria provocar imensos transtornos na estrada; sem falar das encomendas que chegariam atrasadas. No dia 2 de Junho a contestação terminou e eu percebi que me preocupei à toa. Em todas as reportagens que vi na televisão, todos os motoristas entrevistados estavam a leste. (Mesmo aqueles que estavam a norte e sul. Piada parva, eu sei.) A marcha lenta, tão apregoada pelos senhores da ANTP, não teve nenhuma adesão por aí além; o trânsito não sofreu grandes impedimentos e as encomendas chegaram aos seus destinos em tempo útil. Em suma, um fracasso. E porquê? Antes de mais, por que estavam a reinvindicar? Descida do preço do gasóleo, redução no preço das portagens e a alteração ao Código de Trabalho que proíbe mais de 40 horas semanais, além de estipular 11 horas de descanso após 8 horas de condução. Numa viagem que demore 15 horas, o motorista poderá fazer tudo de seguida, e regressar mais depressa a casa. Tudo isto equivale a mais lucro para a empresa; lucro esse que é 61 repartido de forma justa por todos os trabalhadores. Agora que sabemos o quê, é lógico que o quem só pode ser os motoristas. Quem mais, senão quem anda na estrada, gostaria de trabalhar ainda mais horas seguidas, sem compensação financeira que valide o esforço? Como? Não são os motoristas? Então quem...? Os patrões? A sério? Hum...Deixa ver. Bem, faz algum sentido. O patrão quer ganhar mais dinheiro (e não é para distribuir de forma justa por todos; isso era tanga minha), por isso, quer gastar menos em combustível e quer que os seus motoristas não tenham limite de horas de condução, elevando o número de entregas, assim como o risco de acidentes causados por fadiga. Não percebo. Por norma, quando se reinvindica é o reinvidicador que vai para a rua reinvindicar. Aqui, pelos vistos, não. (Diálogo entre patrões e sindicalistas) - Digam lá aos motoristas para protestarem a favor destas medidas que vão obrigá-los a trabalhar mais. - Porque é que não dizem vocês? - A gente tem vergonha. E eles gostam mais de vocês. Eles que andem devagar para as encomendas chegarem tarde, as pessoas reclamarem, mas nós não ficarmos mal vistos. 'Tá bem? - 'Tá bem, 'tá. Deve ter sido isto. E teria sido assim se os mandriões dos motoristas tivessem protestado contra os seus direitos. É muita má vontade, é o que é. Para dia 7 de Junho está marcada uma paralisação total. Espero que até lá mudem um pouco esse feitio. Não fica nada bem. 62 Somos bombardeados diariamente com notícias de assaltantes que são libertados, vítimas que pagam indemnizações, por aí fora. A insatisfação popular face à justiça portuguesa cresce sem parar. Por isso, foi com um certo regozijo que li que o Tribunal da Relação do Porto, decidiu agravar as penas do processo 'Douro Negro', relativo a um processo de falsificação de Vinho do Porto, e condenar os quinze arguidos por associação criminosa. Para essa gente que dizia não termos noção das coisas, eis a prova em como... estavam certas. Violações, roubos, fraude, lenocínio, etc., isso ainda vá. Agora, falsificarem Vinho, ainda por cima do Porto, isso é que não! Isso é que não! Em 2007, em Peso da Régua, o Tribunal da Primeira Instância condenara o mentor do processo, Pedro Marta, a seis anos de prisão (cinco pelo processo, mais um por um ter um nome esquisito) pela concepção dum esquema que passava pela produção e comercialização de Vinho do Porto. Apesar dos deslizes, há que reconhecer o empreendedorismo do senhor Marta. (Soa mal não soa? É tipo Senhora Pedro. Não combina.) O Tribunal da Relação do Porto duplicou-lhe a pena. Não estou contra as condenações – como apreciador de Vinho do Porto, até estou a favor – apenas gostaria que acontecessem mais vezes. Leio com frequência, e sei, 63 de casos de assalto, em que são recolhidos vestígios, onde, inclusive, há registo vídeo do crime, e que resultam em nada além de apresentação periódica ou termo de identidade e residência. (Como o nome indica, a primeira penalização só se cumpre uma vez. A pessoa apresenta-se e pronto, vai à sua vida. Ninguém se reapresenta. A não ser que passe algum tempo e se esqueçam uma da outra. Já me aconteceu. A segunda é mais puxada, pois obriga o meliante a memorizar uma morada (não a sua), além de não estipular o número de vezes que tem de ir lá.) O segredo é o flagrante delito. Se a polícia não vê, o juiz não pode condenar. No caso dum assalto, que é um crime rápido, a não ser que a polícia calhe a passar, é provável que não chegue a tempo de apanhar os criminosos em flagrante delito. No caso do Vinho do Porto, a coisa muda de figura. O Vinho do Porto, não se faz às três pancadas. Muito menos o fajuto. A malta tem de fazer a coisa nas calmas para não dar barraca. Por isso, sendo um processo longo, as hipóteses de flagrante delito são mais elevadas. Uma vez que os responsáveis pelo engodo foram presos, assumo o risco de dizer que isso aconteceu. Senão, como é que foram presos, condenados e recondenados? (Eu sei que não existe recondenados.) Se não existiu flagrante delito como é que estes dois Tribunais, estes dois Juízes (ou Colectivo de Juízes, não sei), se desenrascaram? Desejo saber, não por mera curiosidade, mas para apelar junto de vós, pessoas da justiça que condenam criminosos, que partilhem o vosso conhecimento com outros Tribunais. Talvez alguns sigam o exemplo. 64 (Se foi por acaso, ou por engano, não digam. Deixemme ficar na ignorância, pode ser?) 65 Há dias soube duma notícia sobre grupos anarquistas que apelavam na Internet para fazer um protesto organizado contra a Polícia. Fiquei sem saber como reagir. Por um lado, acho que é de louvar os anarquistas saberem utilizar a Internet; mas os fins... Cada vez mais assiste-se ao declínio de valores que em tempo foram apanágio da nossa Nação. Eu já nem falo dos políticos, ou da justiça ou da economia. Isso está tão mau que mais vale nem pensar. Mas os anarquistas! Os anarquistas eram o meu último reduto de confiança numa classe que não traía os seus valores. Que protestem contra os polícias tudo bem, mas que se organizem para fazer isso é que não. Um anarquista organizado é como ter alguém que sofre de Alzheimer como testemunha dum crime. Não funciona. Se combinarmos um jantar com anarquistas, não há um que chegue a horas (isto considerando apenas os que forem ao sítio certo). Aquilo é malta que é contra o sistema, contra as regras impostas e, atenção, organizadas. Entende-se que protestem contra a autoridade. Mas façam-no com decência. Combinem todos para as nove da noite e apareçam uns às oito, outros à meia-noite, outros dali a uma semana. Assim, ainda se papava. Mas não. A concentração estava marcada para o dia 2 de Junho, pelas dez da manhã, em frente ao Campus de Justiça, em 66 Lisboa. É triste. Querem ouvir algo ainda mais triste? Os manifestantes compareceram à hora marcada. Voltemos atrás para perceber melhor o que se passou. O motivo do protesto – essa é outra, não só se organizam, como fundamentam os seus queixumes – tinha que ver com incidentes decorridos na madrugada de Domingo, dia 30 de Maio, no Bairro Alto, entre cinco jovens e dois polícias. Ao que parece os cinco jovens estavam a causar distúrbios e alguém fez uma queixa anónima. Os polícias chegaram lá e foram recebidos à pedrada. Até aqui nada de anormal. Chegaram os reforços e os cinco delinquentes foram detidos e levados para a esquadra, de onde saíram em liberdade. Também aqui, nada a estranhar. O que é de lamentar é que a queixa anónima era parte do estratagema para atrair a polícia lá. É um total descrédito numa classe para a qual podíamos olhar e saber com o que é que contávamos. Supostamente os cinco deviam ter tido uma audiência com um juiz, logo no dia seguinte, só que o juiz não podia ou não quis ou tinha bué de cenas pra fazer e passou para o dia seguinte. Creio que foi este motivou os protestos por parte dos anarquistas. Esta falta de organização é uma forma descarada de copianço. Provavelmente, o que eles quiseram fazer foi mostrar aos polícias e pessoal do tribunal que, “Sim senhor, vocês podem fazer tudo à balda, mas nós sabemos organizar-nos, se quisermos”. E assim foi. No dia da audiência os anarcas estavam lá a manifestar-se a favor de cinco jovens que se auto-intitulam anarcas. 67 Ainda por cima não temos como provar o que eles dizem. É uma tremenda falta de organização. O que me leva a crer que nem tudo está perdido no reino da anarquia. 68 O engenho do ser humano em aproveitar tudo o que produz para outros fins além daqueles para que esses produtos são concebidos leva, por vezes, a situações, no mínimo, bizarras. Os Rs de Reciclar e Reutilizar podem ser levados demasiado a sério por certas pessoas. Demasiado a sério mesmo. Já não é notícia o uso de óleos vegetais ou de açúcar como fonte de combustível, mas eis que surge a grande novidade – pronto, não é tão grande como eu estou a tentar fazer crer, admito – que é a utilização de legumes para produzir combustível. Que o petróleo está caro já ser sabia há muito tempo. Não é de se estranhar muito esta obsessão em encontrar formas alternativas de fazer o carro deslocar-se. (Estou à espera duma empresa que lance com um sistema de propulsão pedestre, tipo Flintstones.) O estranho vem depois, quando começam a tentar fazer render o peixe; neste caso, o legume. Como é sabido, as potencialidades do petróleo não se limitam somente ao combustível. Incluem também o plástico e outras coisas (fiquemos pelo plástico agora que é o que interessa para o caso). Utilizar açúcar e óleos vegetais, para outros fins além da produção de combustível não é impossível mas, tem o seu quê de complicado. Daí que, quando ouvi os responsáveis por 69 esta ideia dizerem que, se as experiências em usar legumes como combustível corressem bem, iriam também tentar fazer plástico a partir dos legumes, a minha reacção foi bater palmas efusivamente. Se o uso de legumes como combustível já me fazia imaginar cenários bizarros, com as flutuações do valor da taxação e o do indexante e tal, “Ó dona Hortense, a quanto é as ervilhas? “2,17 o quilo.” “Ai! Tão caro!” “É o indexante do legume. Está muito em alta.” surge agora toda uma nova dinâmica. É possível que, daqui a não muitos anos, alguém pare numa estação de serviço para encher o depósito do veículo com combustível produzido a partir de feijões e pague a despesa com um cartão produzido a partir dum tremoço. Sou só eu que me estou a preocupar com isto? Provavelmente. Nas histórias de ficção científica era frequente os personagens tomarem um comprimido, comprimido esse que correspondia a uma refeição completa. Ainda não me decidi se sou contra ou a favor de tomar uma refeição nesse formato – se estiver com muita pressa, talvez – mas faz-me espécie estar a tomar uma sopa de legumes sintética, embalada em plástico feito de legumes verdadeiros. A grande pergunta, a que apenas o tempo responderá, é: os defensores dos legumes biológicos vão ser contra ou a favor do uso de transgénicos como fonte combustível? 70 Há um certo mito urbano que defende que os homens possuidores de grandes carrões usam isso para disfarçar as suas parcas dimensões em termos de genitália. Eu não tenho carro, não tenho carta de condução sequer, por isso sou a pessoa indicada para contestar a veracidade deste mito. Com isto não pretendo dizer que sou a única capaz de fazer isto, porém, sou a única disponível no momento para fazê-lo de forma incontestável. (O que, evidentemente, não significa que não possa ser contestado por alguém com uma teoria melhor fundamentada do que aquela que de seguida vos apresentarei. Apenas peço que não o façam. Se for para elogiar, tudo bem. Se não, contenham-se.) A minha teoria de que este mito é falso verifica-se a partir do momento em que a sua autenticidade é comprovável. Parece contraditório. Não é. Conforme eu tentarei explicar. Um homem que sofra de défice estrutural na sua anatomia não tem interesse em divulgar esse infortúnio ao mundo. Sendo o carrão um emblema de algo a menos, manda a lógica que nenhum homem escolherá um carrão de livre vontade. Por outras palavras, se as pessoas mais abastadas tivessem de usar um chapéu verde e as menos abastadas um chapéu encarnado, é certo que todos os homens usariam um chapéu verde. 71 É preciso também não esquecer o outro lado da questão, isto é, o inverso da teoria. Se todo o homem com um carrão está a tentar compensar algo, isso significa que, quanto mais pequeno for o carro, melhor servido o homem estará. Ora, isto também não se verifica. Se se verificasse, então todos os homens teriam carritos. A desmistificação do mito não acaba aqui. É preciso considerar outras questões estruturais da pessoa, além das genitais, nomeadamente a altura. Há diferenças óbvias entre gigantes e minorcas no que concerne a escolha de um veículo. (Talvez devesse ter escolhido um termo menos depreciativo do que gigante, mas não me lembrei de nenhum.) O gigante terá preferência por um carrão, dada a sua altura. É difícil para um gigante conduzir um carro pequeno, uma vez que tem de levar os joelhos encostados aos ombros. O minorca, por outro lado, prefere um carrito. Apenas e só porque, se tiver um carrão, o mais certo é não chegar aos pedais. Uma vez passeei de carrão com um minorca e, apesar da experiência ter sido engraçada (toda a gente na rua pensava que o carro estava a andar sozinho), é fácil causar acidentes assim. Para os minorcas, carrões só com próteses. Ora, a altura da pessoa não define o seu tamanho genital. Existem gigantes com genitálias menores do que a de alguns minorcas; e o contrário também sucede. Logo, a escolha do carro não tem a ver com compensar e sim ajustar. Gigante ou minorca, não interessa. A escolha entre carrinhos e carrões não tem nada a ver com genitália, apenas com saldo. Quem tem dinheiro para um 72 carrão, compra um carrão; quem não tem, compra um carrito. Seja com os joelhos nos ombros ou a provocar sustos nos transeuntes. 73 Portugal continua sem aprovar o seu Plano Estratégico Antiterrorista! Não o surpreendi? Já calculava. Ah! Nem sabe do que eu estou a falar? Eu explico. Segundo notícias lidas esta semana, em 2005, o Conselho Europeu aprovou a Estratégia Antiterrorista Europeia. Todos os países participantes definiram os seus protocolos sobre como enfrentar este perigo. Todos, excepto o nosso. E porquê? Vamos ver. Em 2001 começou a era Alcaeda. O 11 de Setembro não foi a sua estreia nos atentados mas foi, sem dúvida, o mais mediático. A esse seguiram-se o ataque na estação de comboios de Atocha, em Madrid, e o atentado no metro de Londres. Ambos em datas aleatórias mas que, por virtudes da numerologia, tinham sempre algo a ver com o 11 de Setembro. “Se somarmos os algarismos todos, menos o 2 o 0, da data do atentado de Atocha, ficamos com o número 9 que foi o mês em que aconteceu o 11 de Setembro. Se juntarmos depois o 2 ficamos com o 11 que foi o dia.” A partir daí, sempre que a Alcaeda perpetrava um atentado terrorista em território europeu muito português ficava a pensar, “Da próxima somos nós.” Quando o senhor José, então Durão, participou na Cimeira dos Açores e declarou o apoio de Portugal à 74 intervenção americana no Iraque, ficaram todos em pânico porque iríamos ficar na mira dos terroristas. Portugal continuou tranquilo, o que não escusou algumas pessoas de manifestarem as suas preocupações. Almeida Santos, por exemplo, lançou o seguinte aviso, acerca da construção do aeroporto na margem sul. "Um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada? Quem quiser criar um grande problema em Portugal, em termos de aviação internacional, desliga o norte do sul do país" Outras vozes lançaram outros avisos, quase todos a roçarem o ridículo no sentido em que, se formos a ver bem, ainda há muita gente no mundo que pensa que Portugal foi atacado no dia em que Espanha foi atacada. Se pessoas com acesso à Internet e alta tecnologia julga que Portugal é uma província de Espanha, não há razão para duvidar que pessoas que vivem em cavernas, e que lançam ameaças ao mundo através de cassetes áudio BASF Ferro, acreditem no mesmo. Por mais que a gente tente, a Alcaeda está-se nas tintas para a gente. Porque razão Portugal ainda não definiu a sua estratégia antiterrorista? Porque ninguém nos leva a sério. Eu sei o que está a pensar, caro leitor. “Então e a ETA? A ETA fica aqui mesmo ao lado e eles sabem que nós somos um país independente e podem-nos atacar. Até já encontraram uma base nas Caldas da Rainha.” Como é que eu explico isto? Pois bem. Eu moro na minha casa, onde tenho os meus objectos pessoais todos. Nos tempos livres gosto de brincar com explosivos. Para 75 isso não fazer bum e eu não ficar sem casa, arranjo um sítio para guardar isso. De preferência, longe da minha casa. Percebeu? O que encontraram nas Caldas da Rainha não foi uma base da ETA. Foi uma arrecadação. 76 Quando era mais novo li quase todos os livros escritos pela actual Ministra da Educação, Isabel Alçada, e pela sua parceira, Ana Maria Magalhães. Actualmente, sintome como se estivesse a ler o início duma nova saga, esta escrita a solo, cujo título ainda não foi revelado. Embora tenha tido um início promissor, os últimos capítulos demonstram alguma inconsistência sobre o que a autora pretende. O ENCERRAMENTO DE ESCOLAS A ideia é fechar escolas com menos de vinte alunos, com mau aproveitamento, e escolas com menos de dez alunos, independentemente do aproveitamento. O que se pretende é combater a exclusão social, juntando várias escolas numa só. Recordo-me da bela ideia que foi fazerem turmas com alunos de vários anos do 1º Ciclo e estou certo de que esta será igualmente espectacular. Esta é a Ministra boazinha, aquela que não gosta de ver pessoas sozinhas e quer juntá-las para fazerem novos amigos. Deixo uma sugestão à sra. Ministra. Se o objectivo é, de facto, a inclusão, proponha que faça as Escolas-Tintim. Os alunos entram aos 7 e se, até aos 77, não aprenderem a tabuada, saem e vão para as Novas Oportunidades. 77 O SALTO DE ANO Neste capítulo propõe-se que os alunos com mais de 15 anos, ao chumbarem no 8º, façam um exame e saltem logo para o 10º. O 8º, segundo o consenso geral, é o ano mais difícil. Com esta medida vai passar a ser o mais fácil. Quem é aprovado, passa para o 9º, quem reprova, passa para o 10º. Esta é a Ministra Dra. Jeckyl e Miss Heyde, no sentido em que temos dois comportamentos distintos. A parte boazinha que diz, “Coitadinhos. Chumbaram, foi? Vá, façam lá este examezinho que eu deixo-vos saltar um ano.” e a parte gozona que diz, “Eh! Eh! Olhem-me só práqueles totós a estudarem! Querem fazer a escola toda, os burros!” A VIAGEM A TIMOR Os alunos da Escola Portuguesa de Dili queixaram-se à Ministra da Educação por terem que fazer exames nacionais à noite, cansados, sem luz natural, sem transporte para casa e com maior dificuldade para se concentrarem. Porque razão tal sucede? Por duas razões. Primeiro porque a Escola de Dili está integrada no sistema de ensino português, o que obriga os alunos em Timor a fazerem os exames ao mesmo tempo que os alunos em Portugal. Mesmo que em Portugal sejam três da tarde e, em Dili, onze da noite. Segundo, porque, segundo a Ministra, “Vocês estão numa idade cheia de energia, que devem 78 canalizar para estes objectivos. Por isso pensem na melhor forma de naquele momento estarem no vosso máximo.” Esta é a Ministra assim-assim. Enaltece as capacidades dos jovens, embora, por dentro, haja um risinho maroto. No fundo é um apelo à capacidade de desenrrascanço do tuga. O que dizer de tudo isto? Em primeiro lugar, a personagem não está bem definida. Age e reage sem razão sustentável. O plot também não é claro. Qual é o seu objectivo? Quem são os inimigos e quem são os aliados? Se definir estes parâmetros, eu acredito que a história começará a entrar nos eixos. Aguardo novos capítulos. 79 Sempre que se aproxima uma data solene, daquelas que o Presidente da República e demais representantes da Nação dirigem-se ao país com uma mensagem adequada às circunstâncias que afectam a actualidade do momento, eu fico com pele de galinha. É tal a ansiedade que eu sinto de cada vez que dias assim se avizinham que quase pareço a minha prima quando comprava a revista Bravo e descobria que lá dentro vinha um poster dos Take That. O 10 de Junho é das datas mais importantes para mim, não tanto pelo que assinala – numa altura em que aumentamos impostos e alteramos leis do trabalho, porque senhores na Europa dizem que é assim que tem de ser, não faz grande sentido comemorar a nossa independência – mas, acima de tudo, pelo que se diz. Tal como eu, há muita gente que fica na expectativa de ouvir estes discursos. Muitos querem apenas ouvir o seu nome dito por um alto dignitário da Nação. Não importa em que contexto. Seja assim, “Neste dia tão importante para Portugal e para os portugueses, não podia deixar de dar uma palavra de apreço a esse grande português que é Marcelino Carvalhal. Por todos os esforços que tem feito para contribuir para o bom nome de Portugal no mundo, sem dúvida que merece um grande aplauso.” ou assim, 80 “Sabem que mais? Se não fosse por esse bandalho do Marcelino Carvalhal, estávamos todos bem melhor! Só nos sabe é deixar mal vistos aqui e lá fora, o gajo!” Falem bem ou falem mal, mas falem; há muita gente assim. A mim não me interessa ouvir o meu nome dito pelo Presidente da República, ou por qualquer outro político. Se se referirem a mim no bom sentido, eu agradeço o gesto, só que não fico à espera de isso acontecer. O que eu gosto mesmo é de ouvir a retórica e compará-la com discursos anteriores. Seja com discursos do próprio, seja com discursos de antecessores. São regulares o apelo ao esforço social, ao exemplo que os governantes têm de dar àqueles que são governados, aos sacrifícios que todos têm de fazer em prol da Nação, etc. Mesmo sabendo que aquilo que vou ouvir vai ser mais do mesmo, eu fico sempre na ânsia de ouvi-los. Eu gosto de ouvir discursos políticos. Gosto do desafio aliciante que é ouvir um discurso desses e poder dizer para comigo, “Eh pá! Este senhor, apesar de ter a sua quota de culpa naquilo que está a dizer, até é capaz de ter alguma razão! Deixa-me lá fazer como ele diz e começar a tomar só uma refeição por dia para ajudar o meu país.” Ainda não caiu na esparrela. Mas há-de vir o dia. Durante muitos anos não tinha nada que pudesse comparar a esta minha ansiedade pré-discurso. Até que surgiram as vuvuzelas. Os último segundos que precedem o início dum discurso político são como aqueles instantes antes de ouvirmos o som duma vuvuzela pela primeira 81 vez. Esperamos ouvir algo interessante, agradável, algo que nos toque na alma mas, tudo o que ouvimos é um ruído irritante. 82 Não há português que não goste de ser entrevistado; especialmente se for para a imprensa estrangeira. Nós temos uma relação estranha com os media. Adoramos aparecer e ser convidados a falar sobre coisas. Alguns encaram com humildade a oportunidade que lhes é dada para falarem de si e do seu país a pessoas que, não raras vezes, ficam surpreendidos quando descobrem que somos um país. Outros, porém, agem com uma certa presunção. Para esta espécie não há problemas em Portugal. Não há arrufos, não há contendas. Alguns mentem, outros limitam-se a não dizer a verdade. O problema, todavia, não está no que dizem ou que não dizem, mas quando conseguem uma segunda oportunidade para reforçar essas afirmações. Houve alguém que foi entrevistado para um jornal estrangeiro de grande importância e proferiu certas afirmações um pouco maldosas que nos deixaram mal vistos lá fora. Ontem, essa mesma pessoa foi convidada a dar uma segunda entrevista. Falo do nosso Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, e da sua entrevista ao jornal Financial Times. O Fernando, na outra entrevista, disse que (em léxico popular) nós éramos “mansos”. Perante os cenários de revolta popular que aconteciam na Grécia, perguntavamlhe se não temia que situações assim pudessem ocorrer 83 em Portugal. A resposta, apesar de rude, foi honesta. Ninguém gosta que lhe chamem manso. Esta não deve ter sido a primeira entrevista que o Fernando deu ao Financial Times. Mas deve ter sido sido aquela em que ele saiu de lá todo lampeiro e os colegas do Governo vieram todos apertar-lhe a mão, e o Sócrates até lhe deu umas chapadinhas nas bochechas, como que dizendo, “Estivestes muito bem.” No dia em que se comemorou o dia de Portugal, o Fernando deu mais uma entrevista ao Financial Times. Não para denegrir a auto-estima dos portugueses, mas para aumentar a nossa soberba perante a crise financeira que afecta o mundo inteiro. Excepto nós, claro. Para quem vive cá, as coisas não estão fáceis. Não há dinheiro para nada. Tudo tem de ser racionado. Não se pode contratar. Para quem dá entrevistas ao Financial Times, ainda “não estamos numa situação em que necessitemos de usar” o fundo de solidariedade europeu. É isso mesmo! Pedir ajuda é para os outros totós que não sabem o que estão a fazer! Portugal é como aquelas pessoas que usam roupa de marca e têm um grande carrão, mas o saldo da conta bancária está negativo e vão comer à Sopa dos Pobres. Tentamos passar sempre a imagem de que está tudo bem. Foi isto que o Fernando fez nas duas entrevistas que deu, é isto que faz qualquer político português sempre que discursa para a imprensa estrangeira. A ideia deve ser convencer os estrangeiros de que aqui é que se está bem. Depois, eles vêm para cá e ajudam a 84 pôr isto bem; ou fazem nos seus países aquilo que fazemos no nosso. Acredito que, se a Europa e o resto do mundo nivelar com os nossos padrões de empenho e eficácia, ficaremos muito melhor, comparativamente falando. 85 Ora, finalmente!, cá temos o final da telenovela que tanto nos tem entusiasmado durante os últimos meses. O Governo interveio ou não no negócio da compra da TVI pela PT? Rui Pedro Soares era amigo ou só conhecido? Se Henrique Granadeiro era a pílula do dia seguinte, quem era o contraceptivo original? Estas e muitas outras perguntas prenderam o país à televisão durante meses a fio. A minha televisão estava sempre sintonizada no Canal Parlamento para não perder pitada. Desde a Comissão de Inquérito ao Caso BPN, com aquelas magníficas interpretações de Oliveira e Costa e Dias Loureiro, que temia ser impossível repetir-se algo tão espectacular. Estava enganado. Eu e muitos outros. As evasões de Dias Loureiro, o seu recurso à falta de memória e à ambiguidade foram marcas de um grande intérprete, embora parecessem um pouco amadoras, quando comparadas com as declarações de Rui Pedro Soares. Para um estreante esteve muito bem. É, sem dúvida, um talento a ter em conta. A condução dos trabalhos foi bem desempenhada. Os interrogadores jogaram bem com a técnica do “polícia bom / polícia mau”, ou seja, Mota Amaral e João Semedo (ou Pacheco Pereira). O enredo começou um tanto ou quanto tremido. (Confesso que não me atraiu logo de início.) O que tornou esta telenovela um must-see, foi quando Armando Vara entrou em cena. 86 Desde há muitos anos que aprecio bastante o trabalho de Armando Vara. Penso que é um dos nossos melhores actores. Sempre seguro nas suas declarações; dá gosto vêlo trabalhar. Voltando ao enredo, houve alguns momentos monótonos e previsíveis. Por exemplo, aqueles episódios sobre que perguntas colocar ao Primeiro-Ministro. Algo que se despachava bem numa cena de cinco minutos, foi esticado até vários episódios. O resultado, todavia, foi uma surpresa. José Sócrates decidiu não comparecer na Comissão de Inquérito (o que foi pena, já que teria sido, certamente, mais uma interpretação soberba) e enviar as suas respostas por escrito. Perdeu-se uma grande cena, mas essa escolha por parte dos autores, ajudou a que a história avançasse mais depressa. Duas outras surpresas vieram dos personagens Zeinal Bava e Mota Amaral. Sobre o primeiro, penso que não ficou bem a Comissão de Inquérito ter de se reunir de propósito a um Domingo para questionar o CEO da PT sobre o negócio. Perdoa-se a liberdade criativa mas, se fosse a sério, isto nunca aconteceria. Quanto a Mota Amaral, foi com grande júbilo que assisti ao seu volteface final. Não esperava que fosse o responsável máximo da Comissão de Inquérito a dificultar a resolução do caso. Isto é o que distingue as grandes histórias das demais: nunca antecipamos o que aí vem. Tal como os Perdidos, foram muitas as perguntas que ficaram por responder; ao contrário dos Perdidos, creio que, em breve, assistiremos a uma possível sequela. Oiço rumores de uma spin-off com Pacheco Pereira e Passos 87 Coelho. Só espero que faça justiça ao original. 88 Sempre que uma grande série termina, eu fico logo à espera que saia o DVD. Essencialmente, porque sou um coleccionador. Adoro, além de poder rever os episódios, ver os extras que lá vêm. Esta semana acabou a mais espectacular telenovela portuguesa dos últimos tempos e, como é habitual na ficção de grande qualidade, há ainda muito material para ser desbravado. O Caso PT/TVI cativou milhões de telespectadores com o seu enredo e os seus personagens. Agora é chegada a hora de nos deliciarmos com algumas das cenas cortadas. A produtora já assegurou que este material estará presente em ambos formatos. Por enquanto, aqui fica um pequeno resumo do que nos espera. Alerta spoilers: CENA CORTADA 1 – O SÓCRATES “NÃO SABE” «A 28 de Maio, Paulo Penedos diz a Américo [Thomati] que está muito curioso com o que vai dar esta merda da TVI. Américo diz que também está curioso. Penedos diz que Zeinal já arranjou maneira de, não dizendo que não ao Sócrates, fazer a operação em termos que ele nunca aparece.» 89 CENA CORTADA 2 – UM DIA LINDO / O ANÚNCIO «Penedos diz que tem um dia lindo. Começa às 08h45 com Zeinal Bava. Interlocutor pergunta se é sobre o assunto da TVI. Diz que na posse de informação privilegiada tem-se rido. Penedos diz que ela [Moura Gudes] vai ser anunciado já que vai sair.» CENA CORTADA 3 – O AMIGO LUÍS «A 17 de Junho, Penedos dá conhecimento a um tal Luís que vai haver uma alteração significativa na comunicação social. Dentro de dias, a TVI vai deixar de ser controlada pelo Moniz e pela Manuela.» CENA CORTADA 4 – O BORREGO «A 18 de Junho, João Carlos Silva, do Taguspark, diz que Moniz já não se candidata. “O cabrão borregou.”diz.» Como podem ver, estamos perante um rol de extras realmente espectaculares. Apesar de lamentar que estas cenas não tenham sido utilizadas durante a telenovela, fico contente que tenhamos oportunidade de as apreciar. Só espero que, caso a spin-off avance (ainda não é certo que vá avançar), possamos ver mais de Rui Pedro Soares e Armando Vara. Também não me desagradaria nada se os argumentistas, desta vez, pusessem o Sócrates a responder presencialmente aos deputados. Sinto que perdemos uma das melhores, se não a melhor, cenas de toda a telenovela Caso PT/TVI. Cena essa que, 90 infelizmente, conforme divulgou a produtora, não sairá nem no DVD, nem no BlueRay. É pena. 91 Sou leitor ocasional da revista NS – preferências aparte, preferia a Grande Reportagem – e, talvez por esse motivo, continuo sem perceber qual é a pancada da pessoa (ou pessoas) que elabora a secção de Passatempo que vem em todas as edições. (Por “pancada” entenda-se “qualquer distúrbio do foro psicológico cientificamente verificável e devidamente classificado na DSM-IV”. Ainda não tenho o V.) Alguns leitores, como eu, já se terão questionado acerca deste assunto. Talvez não tanto quanto eu, o que é bom (já chega eu), contudo, seja ao de leve ou de forma mais persistente, a dúvida surge sempre. Disso tenho certeza. O que é que vai na cabeça daquela gente? Para quem não sabe do que eu estou a falar, pode sempre levantar-se e ir a uma papelaria ou quiosque ver se ainda há um DN ou JN de Sábado disponível. Se essa opção não for viável – por já ser tarde, por não ser Sábado ou por estar sem roupa – eu explico. O que temos é uma secção de Passatempo (um só chega muito bem, obrigado) que oferece aos leitores da revista a hipótese de ganharem prémios. Os prémios costumam ser livros, o que é de elogiar num país tão pouco dado à leitura. (Não a ter livros ou a comprá-los. Nós compramos muito, mas lemos pouco.) Até aqui nada de estranho. O problema está no enunciado. 92 Vou exemplificar com um problema matemático primeiro (só para ocupar algum espaço, assim como esta nota) e depois dar-vos-ei um exemplo (semi)real (para não ter chatices com os senhores da Controlinveste). Cá vai. O Joãozinho foi às compras à mercearia do senhor Anacleto. Levava cinco euros. Comprou fruta e legumes no total de três euros e noventa e dois cêntimos. Qual é o valor da percentagem do PIB referente às grandes obras públicas? Tem tudo a ver, não é? Agora, o exemplo (semi)real. Camões foi um dos maiores poetas portugueses de sempre. A NS tem para oferecer o livro «Quando eu fazia de porquinha», do comentador Carlos Castro, aos quatro primeiros leitores que responderem correctamente a cinco perguntas relacionadas com o poeta lusitano. 1 - Qual era a alcunha de Camões entre os amigos? 2 – Camões era vesgo de que olho? 3 – Se não tivesse ido para poeta, que outra profissão teria Camões escolhido? 4 – Os Lusíada teriam à uma sequela à altura nos dias de hoje? 5 – Quão feia era Dinamene para Camões preferir salvar um maço de folhas em vez de uma gaja? Estou certo de que há uma razão lógica que justifica esta forma de elaborar o enunciado dos passatempos. 93 Provavelmente é apenas por ignorância minha que não percebo o que é. Se me for permitido adivinhar, eu diria que as pessoas que actualmente elaboram os enunciados destes passatempos eram as mesmas que elaboravam os enunciados dos exames de Matemática quando as notas eram baixas. Falo por experiência própria. Quando eu fazia exames, escrevia que nem um doido mas, quando os recebia, aquilo vinha cheio de notas da prof. “o aluno não entendeu a questão”, “não era essa a pergunta”, etc. (As minha professoras de Matemática hoje devem estar na política.) Não é que eu fosse mau aluno, o enunciado é que era difícil de perceber. Talvez por isso as notas fossem más. Agora que essas pessoas (supostamente) trabalham na NS, os resultados dos exames estão cada vez melhores. Qual notas inflacionadas, qual quê? Só é preciso ler com atenção para ganhar um livro. É quase tão fácil quanto passar de ano nos dias de hoje. Quase, mas não tanto. 94 A acreditar no que diz o jornal mais lido nos cafés portugueses, as supostas intenções do Governo adquirir uma estação televisiva para assim controlar o teor da informação capaz de prejudicar o Governo abrangiam outros meios de comunicação, incluindo esse tal jornal. Para determinar se o Governo, na pessoa do seu representante máximo, sabia ou não deste negócio, foi formada uma Comissão. Esta Comissão iria discutir se o bacalhau é peixe ou não, mesmo quando toda a gente sabe que o bacalhau é apanhado no mar, logo é peixe. Havia o testemunho dum pescador que podia ajudar muito, mas houve um senhor, o presidente, que disse que não queria ouvir aquilo porque o outro senhor dizia palavras feias. O representante do partido do Governo foi um senhor de risca branca no cabelo. O mesmo senhor que há umas semanas atrás agiu directamente sobre dois gravadores pertencentes a jornalistas duma revista com nome do dia da semana que vem entre sexta-feira e Domingo. Revista que é do mesmo dono do tal jornal que é muito lido nos cafés. Diz o senhor da mecha branca: “O Governo não interveio, nem directamente nem indirectamente na operação da [operadora telefónica portuguesa cujo nome é composto por duas consoantes com as quais escrevemos a palavra “pato”] conducente à 95 compra da [segunda estação de televisão privada portuguesa]. O senhor que não queria ouvir o testemunho do pescador é também da mesma zona que o senhor da risca branca. Valha-nos isso. Por momentos temi que pudesse ocorrer algum desacordo. É melhor assim quando estão todos em sintonia. Os senhores que se sentaram à volta duma mesa durante um ano, para discutir se o senhor primeiroministro sabia se o bacalhau é ou não peixe, apresentaram agora os resultados. No fim, até o senhor presidente disse que tinha gostado muito daquele convívio. É claro que houve alguns descontentamentos por parte de certas pessoas, mas isso é normal em Democracia. “O senhor Primeiro-Ministro sabia ou não que o bacalhau é peixe?” “Oficialmente não tinha qualquer conhecimento acerca dessa matéria.” O mesmo argumento usou João Serrano – deputado do PS e presidente da Comissão de Ética encarregue de avaliar o levantamento da imunidade parlamentar ao vice-presidente da bancada socialista, Ricardo Rodrigues – ao dizer que aguardava a posição oficial do deputado, uma semana depois de este ter dito publicamente que estava disponível para prescindir da imunidade parlamentar. João Serrano não quer saber disso. “Não vou terminar o relatório sem o contributo do deputado.” Eh pá! Eu com tanto cuidado a escrever isto só com subterfúgios, para ninguém conseguir provar que estava a 96 falar deste ou daquele, e agora fui usar nomes. 'Tou lixado. A não ser que diga que esta não é a minha posição oficial. Com sorte, talvez pegue. 97 O pessoal de Bruxelas diz que o nosso plano de austeridade é bom, mas não chega. Com toda a razão. Eu acho um escândalo ainda termos salários tão altos e impostos tão baixos e tão mal aproveitados. Assim nunca mais chegamos lá. Como assim? Troquei-me no quê? Ah! É verdade. Peço desculpa pela imprecisão. Vou rectificar. O pessoal de Bruxelas diz que o nosso plano de austeridade é bom, mas não chega. Mais uma vez, os senhores que falam uma língua diferente da nossa e que enchem o bandulho à nossa conta, dizem que ainda não estamos magrinhos o suficiente. Segundo consta, ainda estamos 2,5 mil milhões de euros gordos. Portugal tem “Uma dívida elevada e em rápido crescimento e um considerável défice da balança corrente.” diz Bruxelas. Quem é que disse que não sabemos ser bons e competitivos? Nós saber, sabemos, mas é só no que não interessa. Quanto às indicações de Bruxelas, eu acredito que conseguimos atingi-las facilmente. Ou melhor, o Governo consegue. Isto é, acaba por não conseguir mas, consegue convencer o pessoal de Bruxelas que sim. Por que razão eu digo isto? Eis por quê. Passámos de 72,8% de negativas a Matemática no 9º ano em 2007 98 para 44,9% em 2008 e 36% no ano passado. Tudo isto graças a orientações programáticas e políticas de avaliação de docentes e discentes que produziram resultados inquestionáveis que a todos orgulham. Percebem o que eu quero dizer? Que eu saiba, ainda não houve ninguém em Bruxelas que tenha dito “Isto das notas boas em Portugal é tudo uma fantochada. Vamos abrir um inquérito para ver se isto é mesmo assim ou se eles nos estão a enfiar o barrete.” Nunca ouvi nada remotamente parecido com uma suspeita quanto a esta matéria. E para mim, quem acredita nisto, acredita em qualquer coisa. O pessoal de Bruxelas quer que Portugal feche este ano com um défice de 7,3% e que o reduza, em 2011, para 4,6%. Isso, para nós, é coisa de miúdos. Nós podemos ser maus a Matemática, mas somos bons com os números. Embora o nosso saldo possa estar negativo, nós conseguimos convencer qualquer fiador de que temos condições de cobrir qualquer empréstimo. E essa é a nossa grande safa. Senão isto já nem seria apertar o cinto. O cinto já foi vendido há muito tempo. Hoje em dia o que nós temos é um cordel feito a partir de atacadores velhos. Mas enfim. Isto sou só eu a falar mal sem razão. Apenas porque só vejo maus exemplos de quem governa e de que se opõe, não quer dizer que seja tudo mau. Se for, paciência. (José M. Fernandes, eurodeputado do PSD, defendeu, esta semana, em Estrasburgo, o arroz da cabidela. Numa altura em que se atravessa uma forte crise financeira, é bom saber que algumas pessoas continuam a ter os 99 grandes interesses do país em mente. Para quem diz que o partido dos laranjas anda só a tapar buracos ao Governo, este exemplo, infelizmente, não serve para sustentar essas afirmações. É apenas inusitada parvoíce.) 100 Duas deputadas do PS apresentaram uma proposta junto do seu partido para a eliminação de quatro feriados do calendário nacional, dois religiosos e dois civis. Ainda não é certo quais serão os feriados a eliminar, já que a proposta defende que o importante não são os dias, mas a efeméride. É certo que, no ano do Centenário da República, os republicanos não queiram mexidas no 5 de Outubro. Mas há quem pense de forma diferente. Sobre a mobilidade do 5 de Outubro, D. Duarte era capaz de sugerir que essa data fosse eliminada. Já o deputado Ricardo Rodrigues, se inquirido acerca de mexidas no 25 de Abril, Dia da Liberdade, o mais certo seria levar qualquer coisa ao bolso, dada a pertinência da pergunta. É verdade que nós temos muitos feriados e isso prejudica a nossa economia. O problema, todavia, não tem a ver com o número de feriados, ou com o número de pontes, e sim com o que trabalhamos em dias normais. Nós somos calões. Não todos, reconheço. Exemplo. Vamos a uma Repartição das Finanças e há uma pessoa para receber os papéis, outra para carimbar, outra para agrafar e outra para receber o dinheiro da recepção, carimbagem e agrafo. Não defendo a redução do número de funcionários públicos, mas é um facto que quando o senhor do carimbo falta, aquilo engripa tudo. Não é difícil reduzir o número de feriados, mas é difícil 101 as pessoas aceitarem isso. Eu tento ser uma pessoa moderada, mas agora vou optar pelo radicalismo. RELIGIOSOS A obediência a feriados religiosos – religiosos católicos, melhor dizendo – é um erro. Como país constitucionalmente laico que somos, a obediência a qualquer tipo de feriado religioso é uma violação da Constituição. Para impedir que pessoas como eu se pudessem valer deste argumento, foram celebradas duas Concordatas entre Portugal e o Vaticano. Uma em 1940, por Salazar, e a outra em 2004, por Durão Barroso. Sem grandes diferenças, devo dizer. Insisto. Devem-se celebrar eventos que aconteceram mesmo e não eventos que se acredita terem acontecido. Há uma diferença entre aquilo que se sabe e aquilo em que se acredita. CIVIS Faz-me alguma confusão, num regime republicano e democrático, celebrarem-se feriados proclamados no tempo da Monarquia e do Estado Novo. Sendo certo que se referem a eventos que aconteceram, não deixa de ser verdade que a sua relevância pode estar a ser sobrevalorizada nos dias de hoje. O 1 de Dezembro, por exemplo. Além de ser um feriado monárquico, estaremos nós assim tão independentes? Não sou anti-europeísta, mas pensem nos esforços que temos de fazer por causa dos senhores de Bruxelas. O mesmo vale para o Dia da Proclamação da República. 102 O 5 de Outubro assinala o início da 1ª República, assim como o 25 de Abril assinala o início da 3ª e actual República. Comemorar duas vezes a mesma coisa é uma redundância. No fundo, toda a gente gosta do seu feriado. As únicas queixas que se ouvem, de católicos e ateus, é quando o feriado calha a um fim de semana e não se pode aproveitar a folga. 103 Nos dias que correm, quando alguém tem a sorte de arranjar trabalho faz tudo o que for preciso para manter o seu cargo e, eventualmente, atingir um posto mais elevado. É nesta fase que se mostra trabalho, nomeadamente através de reparos. A ideia é convencer as pessoas que mandam que o tipo que está no cargo mais elevado, não tem a pinta que tem este novo empregado. Eu penso nisto quando penso em Pedro Passos Coelho. O actual líder dos Laranjas não é apenas líder da Oposição, é candidato a um posto. É alguém que está na fase de dizer “Se fosse eu, fazia assim.” É verdade que tem apresentado boas propostas, só que isso até o Sócrates fazia. E antes do Sócrates, o Durão. Propostas boas fazem sempre quando não estão lá. Depois vem a metamorfose. A mais recente proposta de Pedro Passos Coelho foi apresentada durante um almoço-convívio feito pela Comissão Concelhia do PSD de Leiria. Entre brindes e fanecas, o líder dos laranjas propôs que o próximo Orçamento de Estado seja feito com base zero para obrigar "toda a gente a explicar o que quer fazer com o dinheiro que propõe vir a receber". Diz ele que estamos numa crise muito má, com pouco dinheiro e que é preciso os de cima darem o exemplo. (Eles dão o exemplo, só que não é um bom exemplo.) Analisemos a proposta. 104 Primeiro ponto, pedir a ministros, secretários-gerais, gestores, etc., que justifiquem o o dinheiro que querem gastar antes de o terem, apesar de parecer muito bonito a um leigo é um forte sinal de desconhecimento político. O Orçamento de Estado é como um prato com a nossa comida preferida. Enchemos o máximo que der, mesmo sabendo que há muito que vai ficar lá. É claro esses restos não vão fora. Há muito “amigo” que os aproveita. (Ainda bem. Não há nada que eu vilipendie mais senão o desperdício. Tirando as ervilhas com ovos. Aquilo é acompanhamento com quê?) Depois, temos o timing. É já a segunda vez que eu escrevo um artigo sobre uma medida proposta pelo Pedro Passos Coelho durante um almoço. Sei de pessoas que não bebem entre refeições, mas é a primeira vez que oiço falar de alguém que não fala a não ser em refeições. Dir-me-ão que ele já apareceu a discursar sem ser durante uma refeição. Que provas têm de que ele não tinha nada na boca? Imaginem que ele tinha tomado um daqueles mini-iogurtes que ajudam ao trânsito intestinal e tinha deixado ficar um restinho e andava a fazer chapchap com a língua enquanto falava. Ou que tinha acabado de almoçar e não tinha tido oportunidade de escovar bem os dentes e tinha um pedaço de bacalhau entre o molar e o incisivo (a ortodoncia não é a minha especialidade, como podem ver). Tecnicamente, isto são mini-refeições. Felizmente para ele, este pequeno deslize não será o seu fim. O povo ficará do seu lado, mas quem não é povo ficará de tocaia. Espera-se que o seu adversário directo não tarde muito a quinar. Até lá, Pedro Passos Coelho 105 tem ainda muita proposta a fazer. Principalmente durante almoços. 106 Em França, o canal de televisão W9 tornou-se o centro duma grande polémica. Tudo por causa dum reality show, de seu nome 'Dilemme'. Ainda não tive oportunidade de ver analisar o programa com o rigor que lhe é devido, mas do que vi arrisco dizer que é uma espécie de Big Brother um pouco mais promíscuo. Pelo menos, foi essa ideia com que eu fiquei. O meu francês, além de mau, é péssimo e aquilo que eu interpretei como cenas de malandrice podia não o ser de facto. Pelo que percebi, existem provas que os participantes devem ultrapassar e o prémio final são 300 mil Euros. Não é mau de todo, apesar de haver pessoas capazes de participar no programa, mesmo que o prémio fosse um bilhete de autocarro usado, desde que passasse na televisão. A polémica veio precisamente por causa de uma das provas, em que foi pedido a uma das participantes que se comportasse como um animal de estimação. E foi aí que a França – como é que hei de dizer? – estalou-lhe o verniz. Ophélie Kelly foi a protagonista do momento ao aceitar comer duma tigela de cão, ladrar e tomar banho de coleira ao pescoço. Os responsáveis pelos conteúdos dos programas de televisão em França dizem que “Um ser humano foi diminuído ao nível de um animal, recebendo um tratamento humilhante e degradante”. Eu discordo. Vejamos porquê. 107 Se a tigela estiver bem lavada, comer a partir duma tigela de cão não é assim tão diferente de comer duma tigela para humanos. A gama de variedades de comida de cão disponível no mercado é imensa. Além do mais, se faz bem aos cães, não há de fazer assim tão mal aos humanos. A seguir, vem o ladrar. Foi assim tão degradante para a imagem desta mulher imitar um cão? Acho que não. O volume de dignidade que esta mulher tinha foi-se a partir do momento em que pensou em participar neste programa. Por fim, tomar banho com uma coleira ao pescoço. Há duas alturas da nossa vida em que nos dão banho. Quando somos pequenos e quando estamos inválidos. Ter alguém que nos dê banho é um luxo. Admito que possa parecer constrangedor ao início, mas depois uma pessoa habitua-se. Além disso, aquela coleira até parecia ser bastante confortável. O meu medo não é este programa ser adaptado para a televisão portuguesa. Isso de certeza que vai acontecer, mais dia menos dia. O meu medo tem a ver com outras figuras da nossa sociedade adoptarem esta ideias das provas para nós recebermos o que é devido. Estou a pensar em alguém que vai ao Centro de Emprego pedir o Subsídio de Desemprego e tem de andar de boxers e com manjerico na cabeça a fazer de arara. Tem-se falado muito no congelamento de salários, do fim do décimo terceiro mês, redução de prémios e subsídios, etc. Agora, imaginem como será uma pessoa ter de fazer provas destas todos os meses? “Júlio, lamento imenso, mas este mês só lhe vou pagar 108 metade do ordenado.” “Ó chefe, mas porquê?” “Porque a sua interpretação de dança sevilhana em camisa de forças ao som do “Eye of the Tiger” foi muito fraquinha. Vá mas é para casa treinar.” 109 Caro leitor, se for uma pessoa sensível, peço-lhe que considere bem se deseja continuar a ler este artigo. Façolhe esta advertência uma vez que se trata de um tema delicado, um tema que me leva sempre às lágrimas só de pensar nele. Pronto? Cá vai. Há uns dias atrás, Pedro Duarte Nunes, o ViceGovernador do Banco de Portugal, afirmou que os nossos bancos irão passar por dificuldades a médio prazo. Eu sei que custa a ouvir, mas tem de ser. Diz ele que “não há grandes margens para crescimento interno” e “a introdução de novos serviços será difícil”. Eu também estou comovido. Acabou de me cair uma lágrima só de pensar no calvário que espera os nossos bancos. O que vai ser deles agora? Infelizmente, é impossível encontrar uma solução milagrosa que resolva o problema todo de uma só vez. Os nosso bancos estão a entrar numa fase negra e entregarlhes todo o nosso dinheiro ajuda tanto como dar peixe a um homem em vez de ensiná-lo a pescar. (Já passei por essa situação uma vez, embora o homem não se tivesse habituado à faina. Ele queixava-se que era por não ter braços. Para mim, era por ser mandrião.) É preciso começar com calma. Retirar uma percentagenzinha dos nossos salários e doar o resto ao banco. A todos. Não podemos fazer descriminação entre 110 bancos com três letras, bancos com anúncios de televisão giros e bancos que nos ligam para a casa . Todos precisam da nossa ajuda. Esse grande senhor que é Victor Constâncio sabe do que eu estou a falar. Grande homem, sempre pronto a dar o melhor de si mesmo. O senhor que lhe sucedeu é novo no cargo e vai precisar, não só da nossa ajuda, como também da nossa compreensão. É normal que ele cometa erros agora no início do seu mandato. Mais do que o repreender, temos de o apoiar, dizer-lhe que está no caminho certo. Comecemos pela remodelação em curso do edifício do Banco de Portugal na Avenida do Ouro, em Lisboa. Desconheço o propósito da obra. A mim, que não sou engenheiro, parece-me desnecessária. Pode até ter sido o Victor a querer deixar uma prenda de boas vindas para o seu sucessor. Toda a gente sabe como é chato ocuparmos o escritório doutra pessoa e ter de andar a limpar o que ficou nas gavetas e nos armários. Ter tudo arrumado é uma grande ajuda. Além disso, não nos compete julgar, e sim ajudar. Porque eles merecem. Tadinhos. 111 Começo a acreditar no Fim do Mundo, o Apocalipse como alguns lhe chamam. Não sou uma pessoa crente, longe disso, mas sei ver os sinais e estes são por demais evidentes. Decerto que muitos de vocês estão a par do que me inspirou tanto receio, embora nem todos devam partilhar do mesmo sentimento. É um bocado como um copo à beirinha da mesa. Uns olham para o copo e vêem um simples copo, outros, como eu, encaram-no como um possível catalisador de acidente e afastam-no da beira. Neste caso, o que me alertou não teve nada a ver com um copo apesar de, confesso, me ter dado vontade de tomar qualquer coisa. Adiante. Tenho neste momento trinta anos e o meu último contacto com a escola oficial foi há mais de dez. Digo isto para que todos nós estejamos em sintonia. Pode ser que parte do que atemorizou seja pura e simples desactualização minha. Duvido. Seja como for, o que eu li no jornal é inquietante e deixa-me preocupado com o que poderá vir aí. Segundo várias notícias que eu li em diversos jornais (para ter a certeza do que estava a ler) os exames de Matemática deste ano, tanto do 9º como do 12º foram fáceis. Alguns alunos dizem mesmo “facílimo”. Isto é uma clara manifestação de qualquer coisa que eu até temo pronunciar. Houve quem, numa tentativa de escamotear 112 o que se estava a passar, dissesse que tinha sido tudo graças à professora que os preparou bem. Será que podemos acreditar nestes depoimentos? Como eu disse antes, estou desactualizado do que se passa dentro duma sala de aula hoje em dia, mas tenho ouvido dizer com frequência que os professores passam mais tempo a avaliarem outros professores, a fazerem trabalho administrativo e a levarem com biqueiros em cima do que a tentar ensinar o que for aos alunos. Que lhes ensinem alguma coisa, admito. Que isto tivesse acontecido no exame de Educação Física ou de Informática, ainda vá. Não em Matemática. Houve até um aluno que reprovou, caso raro hoje em dia, e que se inscreveu no exame só para “saber como é que era”. Pais de todo o País, tende cuidado! Essas criaturas que chegaram a casa todas contentes e sorridentes porque o exame de Matemática lhes correu muito bem podem não ser os vossos filhos. Se o seu filho foi um dos que disse esperar ter 100 por cento nesse exame, confirme se ele ainda tem aquela cicatriz na nuca de quando caiu ao andar de triciclo. Se o seu filho, ou filha, não possuem qualquer sinal cicatriz ou marca que o distingam dum possível sósia ou clone, leve-o a um exorcista. Não encare as minhas palavras com desdém, senão estaremos todos perdidos. Tal como nos filmes do Kaufman e do Ferrara, as nossas crianças e adolescentes, com o mau aproveitamento escolar que tanto nos caracterizava, tornaram-se autênticos génios no espaço de um ano. De certeza que foram substituídas por arautos das forças do 113 mal. Ou isso ou fizeram uns exames estupidamente fáceis para todos terem boas notas. Até mesmo quem tinha tido só negativas durante o ano. Hum... Confesso que estou indeciso. 114 Fiquei muito impressionado com o mini-discurso que o nosso Primeiro-Ministro fez a propósito do jantar de homenagem a Mário Soares. Achei-o simples e conciso. Por outro lado, fiquei também um pouco desiludido ao descobrir que José Sócrates tinha escrito uma versão mais desenvolvida do mesmo discurso há muitos anos atrás e escolheu não a usar. Eis a versão completa: MÁRIO SOARES Os políticos são nossos amigos porque são boas pessoas. O papá e a mamã são boas pessoas. O papá e a mamã não são políticos. Os políticos são patriotas. O papá e a mamã também são patriotas. A senhora professora diz que é patriota porque gosta de Camões e quem gosta de Camões é patriota. Mário Soares é um patriota, gosta de Camões. Eu sou patriota, eu gosto de Camões. O papá e a mamã são patriotas, o papá e a mamã gostam de Camões. Eu gosto dos políticos que gostam de Camões. Eu gosto da senhora professora porque ela gosta de Camões e ela é patriota. O papá e a mamã gostam de Camões e eu gosto do papá e da mamã. Eu gosto muito do Doutor Mário Soares. Quando eu ser grande quero ser como o doutor Mário Soares. Outros exemplos: 115 JAIME GAMA Jaime Gama é um bom Presidente da Assembleia da República, gosta de Vergílio Ferreira. Eu gosto de Presidentes da Assembleia da República que gostam de Vergílio Ferreira. Eu gosto muito do doutor Jaime Gama. CAVACO SILVA Cavaco Silva é um bom Presidente da República, gosta de bolo-rei. Eu gosto de Presidentes da República que gostam de bolo-rei. Eu gosto de Cavaco Silva. Mais exemplos virão. 116 Quando se começou a falar do aumento do IVA e das alterações ao IRS, depressa se falou também da aplicação em retroactivo de algumas dessas medidas. Após uma míriade de declarações e desmentidos por Ministros (Primeiro incluído), Secretários de Estado e outros actores da cena política, a coisa ficou em banho-maria. Até à passada segunda-feira, 28 de Junho, data em que o Presidente da República se decidiu pronunciar sobre este assunto. Desde que se iniciou a discussão sobre estas medidas de austeridade, li várias notícias sobre como o aumento do IVA iria afectar diversos bens e serviços. Por não ser estranho ao aumento do IVA – embora seja a primeira vez, enquanto trabalhador, que me lembro de uma alteração simultânea a todas as taxas – preferi concentrar-me nas notícias sobre o IRS. (Para dizer a verdade, só fiz isto porque não estava a dar nada de jeito na televisão.) Jorge Miranda, o Constitucionalista, disse que a aplicação destas medidas era ilegal porque violava vários princípios assentes na Constituição. Não demorou muito até aparecer alguém que disse ser incorrecto chamar a isto um caso de violação porque, e cito, “A gaja 'tava mesmo a pedi-las.” (A razão invocada não foi bem esta, mas mais valia ter sido. Assim como assim, iria resultar no mesmo.) 117 Após meses de espera e inquietação – pela Selecção Portuguesa, não por isto – Cavaco Silva anunciou a sua decisão quanto a estas matérias. E por ser um assunto da mais alta importância, optou por falar na véspera do dia do jogo de Portugal contra Espanha. Não fosse alguém deixar de soprar uma vuvuzela de apoio à Selecção e começar a ouvir o que o senhor Cavaco estava a dizer. Sabe-se lá o que aconteceria. O senhor de Boliqueime reconheceu que a aplicação em retroactivo de algumas das alterações ao IRS é ilegal, mas vai deixar passar porque “não 'tou pra me chatear com isso”. O Presidente disse também que ia ficar de olho para ter a certeza que não vai haver marosca. Acrescentou ainda que “Eu nem percebo muito disso de contas. O que eu gosto mesmo é de fazer visitas guiadas”. 118 Como candidato a Presidente da República, Manuel Alegre tem sabido adoptar uma postura adequada ao cargo. Refiro-me ao cargo de candidato, por enquanto. Não ao de Presidente da República. É certo e sabido que a postura de um candidato a um cargo é completamente diferente da postura de um titular de cargo. Não o digo por mal, é apenas um daqueles factos da vida. O porquê disto acontecer tem várias razões de ser. De todas, a mais facilmente observável é o facto de o candidato poder dizer e fazer coisas que o actual titular não pode. O truque está em convencer as pessoas que o titular pode, efectivamente, dizer ou fazer aquilo que o candidato está a dizer ou fazer. Se não o diz ou faz, é porque não quer. É necessário que o candidato fale sobre os problemas do país, de preferência criticando o seu principal oponente e defendendo sub-repticiamente os actos do partido que mais o apoia. No caso de Manuel Alegre, em que o seu rival, Cavaco Silva, e o seu partido de apoio, o PS, estão na mesma área política, a tarefa é um pouco mais difícil, mas nem por isso impossível. Quando soube que o Governo tinha usado a sua Golden Share na PT para bloquear a venda da Vivo à Telefónica, Alegre disse estar “muito contente” por essa decisão. As declarações foram proferidas ao fim da tarde 119 do dia após o negócio, durante um encontro com dezasseis professores universitários no Hotel Altis. Uma vez que foi num encontro e não num jantar, pode-se deduzir que Alegre não estava a mandar bitaites à toa. Ao contrário de Passos Coelho durante os seus já habituais discursos às refeições. No fim de semana anterior, durante uma cerimónia de homenagem a Mário Soares, José Sócrates leu a sua composição de homenagem a um dos fundadores do partido a que ele diz pertencer. Para mostrar que também ele é capaz de “atirar umas bocas”, Alegre convidou dezasseis entidades – pessoas com estatuto – cuja principal característica era não terem sido Ministros das Finanças. Para quem não percebe, trata-se de uma clara alusão a uma visita que ex-Ministros das Finanças fizeram aqui há tempos a Cavaco Silva para lhe comunicarem as suas preocupações quanto aos problemas do país. Problemas que os próprios ajudaram a criar. Não foi um indirecta daquelas assim bem fortes, mas deixou o Presidente Cavaco atento. Quanto aos outros grandes temas da actualidade, o PEC, as SCUT e o novo filme da Saga Twilight, Alegre mostrou uma forte postura de Presidente da República dizendo, “Sobre isso não falo.” Acrescentando logo de seguida, “Sou capaz de fazer um poemazito se me derem tempo.” Mas não deram. 120 Se ainda não sabem, ficam desde já a saber: eu não gosto de futebol. Não gosto. Nem de futebol, nem de bola. Acho uma pura perda de tempo. Para a única pessoa que continua a ler este artigo, deixe-me explicar porque é que eu não aprecio o chamado desporto-rei. Antes de mais, porque é que lhe chamam desporto-rei se, em Portugal, os primeiros clubes de futebol só surgiram após a Proclamação da República? Essa é a primeira. Segundo, não é por eu não gostar de futebol que deixo de reconhecer a sua importância. Foi isso mesmo que leu. O futebol é muito importante. Ai agora já voltaram? Quando eu 'tava a falar mal do vosso desportozinho, ficou tudo enxonfrado, mas depois, assim que eu começo a falar bem, já vem cá tudo beijar a mão. Vocês saíram-me cá uns vira-casacas... Adiante. Vou fingir que não me importo. Dizia eu que o futebol é muito importante para o país. “Por causa do emprego que gera e do forte estímulo que dá à nossa economia?” Pergunta alguém com um defeito na fala. Meu caro senhor, só por milagre é que eu percebi a sua pergunta. A resposta é simples: Não. A razão pela qual o futebol é muito importante para o país é porque mantém as pessoas distraídas. E quando as pessoas estão distraídas, os nossos 121 governantes podem governar à vontade sem aquela maçada de terem de dar satisfações. Agora fala-se muito dum professor que ganha quinze vezes mais do que o Presidente da República. Fala-se porque esse tal professor foi participar numa prova desportiva qualquer e perdeu. Agora querem que ele se vá embora. Acham que é muito dinheiro para maus resultados. Ai agora é muito dinheiro? Quando empata com o Brasil, ou quando ganha à Coreia do Norte, 'tá tudo bem. Para alguns, se calhar, até ganhava pouco. Perde o primeiro jogo, volta para casa e tem uma recepção destas. Tenho dificuldades em compreender o vosso comportamento. Já em relação a compreender porque motivo Carlos Queiroz ganha mais do que o Presidente da República isso, além de compreender, eu proponho que tentem adivinhar. Carlos Queiroz ganha quinze mais do que o titular do mais alto cargo da Nação porque: a) Nós somos uma cambada de tansos (não é “mansos” como disse o Francisco, mas não se preocupem que a diferença não é muita) b) Porque é preciso manter os portugueses concentrados em coisas que não interessam para não darem conta do que se passa à sua volta c) A pessoa que escreveu o contrato de Carlos Queiroz enganou-se nos números e ninguém a chamou à atenção porque havia outra pessoa que também se tinha enganado no contrato dessa pessoa. (A origem desta sequência de pessoas que se enganam a escrever 122 contratos é incógnita até ao momento. Teme-se que seja impossível alguma vez apurar o principal responsável.) Escolha a sua opção e vá dizê-la a quem quiser. A mim não que eu tenho mais que fazer. 123 Um grupo de homens encapuzados assaltou um posto dos CTT na Maia. À hora do assalto o estabelecimento já estava fechado, por isso tiveram de partir o vidro à marretada. Os ladrões levaram dinheiro e ameaçaram os funcionários. Esta é a parte objectiva da notícia; a seguir vem, não uma, mas três análises a este caso. (Catita, hã? Estavam à espera de um artigo e acabam por ler três! Quem é amigo, quem é?) 1 – A PERSPECTIVA DOS ASSALTANTES O grupo de assaltantes de sexo não apurado – as notícias podem tê-los descritos como homens, mas podiam muito bem ser mulheres com voz grossa; com a cara tapada não há como saber – chegou atrasado. Isso revela, por um lado, falta de planeamento e, por outro, falta de empenho. A desculpa do motorista que se enganou no caminho ou a do parceiro que tinha de ir levar a mais nova à dança não pegam. Se era para estar lá antes daquilo fechar, só tinham era que se despachar. Porém, o facto de terem as marretas à mão significa que estavam já preparados para um eventual atraso. Continuam a ter menos um ponto pelo desempenho geral, mas o ponto extra que recebem por terem antecipado um obstáculo ajuda a equilibrar as contas. 124 2 – A PERSPECTIVA DOS ASSALTADOS Para os funcionários do posto assaltado, a acção dos meliantes, além de danosa, foi parva. “Ainda ontem 'tive aqui que tempos a esfregar o vidro com produto que houve alguém lá fora que devia ter óleo ou sei lá nas mãos. Encostou-se lá fora, 'tava aquilo cheio de dedadas. Foi a manhã toda de roda daquilo pra ó depois acontecer isto.” Palavras da dona Francisca, responsável dos Serviços de Limpeza da Estação. O Chefe da Estação disse não compreender o que se passava na cabeça daquela gente. “O pessoal já tinha vindo todo buscar o dinheiro das reformas. Não sei o que é que vieram cá fazer àquela hora. Mais valia terem batido à porta.” 3 – A MINHA PERSPECTIVA Com que então um assalto com uma marreta? Isto está bonito, está! Os meninos (ou meninas) por acaso não tinham nada que desse mais nas vistas? Como é que faziam para esconder a marreta? Dentro das calças? Imagino as caras de espanto de quem se vos viu assim. Eu até gosto de marretas e entristece-me ver esse objecto nas mãos de alguém com tão pouco discernimento. “Baza assaltar os Correios com uma moto-serra!” “Não sejas parvo! Com uma marreta é mais giro!” “Iá!” E os senhores dos CTT? Não podiam ter esperado um bocadinho antes de fecharem a porta? Que mania! 'Tavam muito cansadinhos, era? Os Correios fecham às 125 seis e meia, o assalto foi ao fim tarde. Não deve ter passado assim tanto tempo que não pudessem esperar um bocadinho. Agora, além do dinheiro que foi roubado, ainda vão ter de desembolsar mais umas massas para comprar um vidro novo. Tudo isto seria evitável se tivessem esperado um pouco. Pode ser que vos sirva de lição para a próxima. 126 Um bom Primeiro-Ministro é como um bom pai. Podemos não compreender as suas decisões, achá-las desajustadas face à realidade, mas convém não esquecer que eles estão cá há mais tempo e querem sempre o nosso bem. Quantos de nós, quando crianças, fazíamos ouvidos moucos às admoestações dos nossos pais, para agora darmos por nós a repetir esses mesmos avisos? A cautela – administrada na forma de expressões como “Rita Patrícia, vê lá não caias!” ou “Não corras com a tesoura, Armando Rafael!” – é algo que passa de pais para filhos. Pensem nisto como sendo uma grande família. Cavaco Silva é o avô, Jaime Gama é o tio e padrinho, José Sócrates é o pai (por enquanto fica a faltar a mãe) e nós somos os filhos. Uns são legítimos, outros bastardos. Tal qual uma verdadeira família. Lembram-se quando nos diziam para não fazer algo e nós, levados da breca, íamos fazer precisamente isso? O que é que acontecia? Algumas vezes não acontecia nada e nós ficávamos convencidos de que a nossa imaturidade infantil era mais sábia do que toda a experiência de vida dos nossos pais. Na maior parte dos casos, porém, acontecia exactamente aquilo que nos tinham dito que ia acontecer ou pior. Quando assim era passávamos a olhar para os nossos pais com um misto de amor e terror. Amor porque nos tinham tentado poupar a esse infortúnio e 127 terror porque tinham previsto o futuro. E ter um pai que prevê o futuro é algo que retira muito do gozo de ser criança. Um miúdo está sujeito a ser posto de castigo antes de ter feito a asneira. Outra característica dos pais é terem uma noção do apetite do seu filho mais apurada do que a própria criança. Eu lembro-me de ir a um restaurante e querer três bifes. A minha mãe achou que eu só queria dois. E estava quase certa. Acabei por comer um e meio. Os pais conhecem-nos melhor do que nós próprios. No caso dos nossos governantes, podemos fazer a mesma analogia. Nós somos como crianças, ávidas de comida e brinquedos e o Governo é o pai que sabe o melhor para nós. Assim se explica porque é o desemprego é cada vez maior em Portugal. Não tem nada a ver com crises internacionais ou com más políticas governativas. Pelo contrário, é tudo muito bem pensado e tem apenas a ver com o facto de nós, assim que temos algum, irmos logo a correr gastá-lo. Pensem em todas as famílias que estão endividadas por terem recorrido a crédito “fácil” e facilmente entenderão o que eu quero dizer. Esta semana José Sócrates visitou a AutoEuropa, em Palmela, e disse que o crescimento do desemprego “está a abrandar”. Alguns dizem que é um “efeito sazonal”, mas esquecem-se de mencionar o ar preocupado do PrimeiroMinistro ao comunicar isto ao país. José Sócrates não estava orgulhoso disto. Ele sabe que nós não estamos preparados para uma reviravolta dessa natureza. Habituados que estamos à precariedade e às crises conjunturais, o contacto com a prosperidade e o 128 desenvolvimento seria um choque demasiado violento para muitos de nós. 129 Na mesma semana em que decorreram as eleições para Presidente da Alemanha, um deputado da CDU propôs a realização de um teste de inteligência a todos os imigrantes que queiram entrar na Alemanha. (Faço aqui um parentesis para explicar a algumas pessoas que a CDU alemã é o CDS português.) A realização de um exame para quem pretenda obter a nacionalidade de um país do qual não é natural é algo comum a muitos países. Na Alemanha, esse exame avalia conhecimentos sociais e culturais sobre o país. Entendese que queiram fazer o exame para terem a certeza de que vão receber alguém que gosta muito, ou que sabe muito, sobre o seu país. O que não faz muito sentido. Não é por alguém estudar muito para um exame, que passa a gostar dessa Cadeira. Desconfio que o deputado que propôs este teste de inteligência tenha chegado a esta conclusão. Talvez o número de imigrantes que passam no exame de naturalização tenha aumentado bastante nos últimos anos. É apenas uma de muitas diferenças entre a Alemanha e Portugal. Lá, quando há uma súbita subida de resultados positivos, decidem verificar para ver se bate tudo certo; cá, quando temos alunos a dizer que o exame nacional de Matemática “foi facílimo” é apenas o resultado de boas políticas educativas. Na Alemanha, das duas uma: ou o pessoal estava a 130 usar cábulas ou andavam a marrar que nem uns marrões. O deputado quer que eles façam esta prova para ter a certeza de que só lá ficam os realmente inteligentes. O que parece ser uma ideia francamente estúpida. A perspectiva de viver num país onde todos são inteligentes parece muito bonita, mas e depois? Como é que o Governo funciona se só tiver cidadãos aptos a questionálo a cada decisão? Como é que os patrões enganam os empregados? Isto, se existirem empregados. Realmente, uma ideia destas, vinda dos senhores que querem vir para cá fiscalizar o nosso Orçamento de Estado, não parece uma coisa muito acertada. Não seria melhor, em vez de um teste de inteligência, um teste de inteligência emocional? Em vez de verificarem o que a pessoa sabe, porque não verificar o que a pessoa sente? Há tanta revista com testes desses. É só escolher um entre milhares de enunciados disponíveis em qualquer papelaria ou quiosque e pronto. Seria muito mais seguro. Cá em Portugal tenho algumas dúvidas de que isto fosse resultar da maneira pretendida. A não ser que se escolhesse uma de duas possíveis formas de aplicação: ou aplicava-se apenas a portugueses burros ou aplicava-se a toda a gente sem excepção. E isto deixa-me dividido. Por um lado, não me importava de viver num país só com pessoas inteligentes, sem chicos-espertos. Por outro lado, receio que a ausência de portugueses pudesse pôr em causa a nossa identidade nacional. Por exemplo, visitar locais públicos e ler indicações em várias línguas, menos em português, ou mesmo, usarmos um instrumento sul-africano como a vuvuzela para apoiar a 131 Selecção Portuguesa de Futebol. Enfim, nada que pudesse acontecer num país como o nosso. 132 Soube hoje da primeira opinião publicamente manifestada em relação a uma crónica humorística da minha autoria publicada no jornal O RIO. A crónica em questão fazia referência a uma série de eventos que tinham sido levados a cabo por grupos ou simpatizantes anarquistas. O blogue ALHOS VEDROS AO PODER já me era familiar, não apenas de nome, mas também pelo “outwall” à entrada de Alhos Vedros. Visitei-o uma vez há uns anos atrás e nunca mais lá voltei. Não por concordar ou discordar das suas reivindicações, apenas porque prefiro blogues em que as vírgulas e outros sinais de pontuação são usados correctamente. Além disso, aquela panóplia de cores garridas e os pedaços de texto em destaque fazem-me mal aos olhos. Já me tinham dito que ler em transportes públicos pode causar um deslocamento da retina. Por recear que o mesmo, ou pior, pudesse acontecer se continuasse a ler aquele blogue, decidi não ler mais. No dia 4 de Julho voltei lá e com cautela (não fosse o texto estar escrito assim), lá fui eu ler o artigo. Opiniões à parte, tenho de dar algum valor ao que lá vem escrito. Por exemplo: O escriba quando se refere a Anarquia como sinônimo de desorganização poderia talvez se o 133 soubesse o que duvido, estar a referir-se a Anomia que isso sim é sinónimo de caos e desordem que advem duma situação calamitosa a que o estado e os poderes levam uma população ou um País, como é o caso de Portugal que se encontra à beira da Anomia. Viram? Sem saber o que era a Anomia, acabei por escrever um artigo sobre esse fenómeno. Por acaso, estava convencido que Anomia fosse uma variante de Anemia, exclusiva de pessoas com o tipo de sangue O. Agradeço ao blogue ALHOS VEDROS AO PODER por me ter esclarecido. Como este meu crítico aponta, e bem, além de não perceber nada de anarquia Anarquia, eu ainda tento fazer troça de algo que me é “manifestamente desconhecido”. (Eu tenho a mania de gozar com assuntos sobre os quais não sou formado academicamente. Também insisto em escrever sem utilizar cores berrantes ou sem destacar trechos de texto para dizer aos meus leitores “Eh pá! Esta parte aqui é IMPORTANTE! Leiam ISTO!”) Confesso que desconhecia a cláusula que diz ser proibido fazer humor seja com o que for se não formos mestres nessa matéria. Em relação à Anarquia, uma vez que não sou politólogo para dissertar sobre esse tema, o que eu fiz foi pegar na concepção que a sociedade em geral tem do mesmo e hiperbolizá-lo. É uma cena que se faz em humor. Fico a imaginar como se comportará este meu crítico num espectáculo de comédia. 134 Há um tipo de hospital que nunca recebe reclamações: o hospital psiquiátrico. Não é que não recebam, mas eles têm um argumento que nunca falha: “Não liguem ao que ele diz. Vê-se logo que o tipo não bate bem.” Para mim, isto é uma simples piada. Para o meu crítico será matéria para um artigo sobre a minha ignorância em relação a hospitais psiquiátricos. Previsivelmente com vírgulas, mal, colocadas, e pedaços de texto em grande destaque. 135 Há gente que não sabe o que quer. Pedem carne, dão-lhes carne, e afinal querem peixe. Aquele casal gay no Swahili que tanto lutou para que o seu casamento fosse reconhecido – lembram-se deles? - separou-se há umas semanas atrás. Queriam tanto, queriam tanto – um deles (ou ambos) chegou a estar preso – e assim que lhes disseram “Pronto, vão lá à vossa vidinha.” um deles descobriu que afinal quer é gajas. Se isto não é gozar, não sei o que é. Esta onda de “vira-casaquismo” está a alastrar de forma progressiva a tudo o que se possa imaginar. Das quais a mais a preocupante é, sem dúvida, o mundo do trabalho e do emprego. (Diferença principal entre uma coisa e outra, só para não perdermos muito tempo: emprego é o que nos arranjam, trabalho é aquilo que custa a manter). Antigamente ninguém queria ser empregado, queria tudo ser patrão. É claro que não haviam condições para serem todos patrões, por isso o que os empregados faziam era pôr algum dinheiro de parte e... Como? O que é isso de “pôr algum dinheiro de parte”? Bem, é mais ou menos isto: você tem um salário, certo? Subsídio? Não importa. Portanto, você recebe o subsídio, paga as suas continhas, compra a comidinha, medicamentos se for caso disso. Não é? Óptimo para si, mau para as farmácias. (Não seja forreta. Uma 136 constipaçãozinha ou uma bronquite de vez em quando não custa nada e é um incentivo ao desenvolvimento do comercial local e legítimo da sua área de residência.) Como eu dizia, você recebe o dinheiro, gasta-o no que tem a gastar e depois aquilo que sobra... Ah! Não sobra nada? Mas vamos supor que sobra, pode ser? Óptimo. Então, o que se passava era que os empregados punham algum de parte para depois investirem no seu próprio negócio. Certa vez disseram-me que o pior patrão é aquele que começa por baixo. Essencialmente porque conhece as manhas todas que o pessoal inventa para estar na ronha. Algumas dessas técnicas até foram patenteadas por ele nos seus dias de subordinado. São tão maus que quando vão para patrões de si mesmos até consigo ralham. Durante anos este era um cenário para quem podia, não para quem queria. Entretanto, vieram as empresas na hora (mentira que são 67 minutos) e foi uma explosão de empreendedorismo que foi uma coisa parva. Nessa altura até quem não queria ser empresário e patrão, podia sê-lo. Entretanto, o cenário mudou. Há quem diga que a culpa é do mercado, outros que é da falta de zelo ou de visão estratégica. O que seja. O que é certo é que começam a aparecer muitos patrões que querem ser empregados. São mais explorados e tal, recebem menos, mas não têm tantas chatices. Até na política nós somos indecisos. Recuemos aos anos 90. Sai Cavaco (PSD), entra Guterres (PS); sai 137 Guterres (PS), entra Durão (PSD); sai Durão (PSD), entra Santana (Fanfarra); sai Santana (Fanfarra), entra Sócrates (PSD, PS perdão). É uma indecisão que enerva. 138 O nosso senhor Presidente, que tantos consideram tão carismático quanto um rolo de papel celofane – para mim sempre foi mais tipo papel couché – não consegue esconder que é, foi e sempre será um político. Goste-se ou não de Cavaco Silva, é inegável que ele nos tem brindado com belos momentos de postura presidencial. Desde interromper as suas férias para falar do Estatuto Político dos Açores a não interromper as suas férias para estar presente no funeral do único Nobel Português da Literatura. Há muitos que consideram que a presença de Cavaco Silva no funeral de José Saramago seria um acto de hipocrisia por parte do Presidente da República. Dado o comportamento de Cavaco Silva aquando da nomeação do escritor para o Nobel, é provável que tenham razão. Contudo, imaginando o jeito que o nosso Presidente da República tem para citar poetas portugueses do século XVI, não posso deixar de ficar curioso sobre como seria uma citação sua do autor do Memorial do Convento. Com relativa frequência, Cavaco Silva é questionado pela Comunicação Social sobre determinado caso ou alguma acção do Governo. Invocando o estatuto presidencial tem conseguido evitar responder a essas 139 questões sempre que o deseja. Por outro lado, quando deseja responder, e é aqui que o talento do mestre se revela, é capaz de fazê-lo de forma tão ambígua que a certeza do que disse é igual à dúvida do que afirmou. A última performance de Cavaco Silva neste desporto da retórica surgiu após o advogado Proença de Carvalho ter desafiado o Presidente ao incentivo da criação de um bloco central. (E eu que julgava que já havia!) Cavaco Silva estava em Cabo Verde quando respondeu: “Eu saberia como responder. Mas aqui, em Cabo Verde, não poderia dizer sobre o assunto uma única palavra.” Em Cabo Verde não pode dizer nada? Porquê? Por causa do fuso horário? Por causa do clima? Isto é demasiado parecido com a seguinte situação: dois sujeitos estão prestes a andar à porrada e o mais forte é afastado pelos amigos e outro fica logo todo fanfarrão. Muitas vezes ao ponto de dizer, “Eu vi logo que o gajo 'tava-se a armar. Era mais que certo que eu lhe fazia a folha” Por fim: “Não poderia dizer sobre o assunto uma única palavra”? Tudo bem que o Presidente da República não pode falar como qualquer um, mas quem é que fala assim? Ou melhor, quem é que escreve assim? Isto é demasiado parecido com um mini-discurso memorizado para soar espontâneo. Um pouco mais de naturalidade não lhe fazia mal nenhum. 140 Quem criticou as declarações do senhor Procurador Geral da República, sobre a nossa justiça ser a melhor a nível europeu, deve ter ficado com um melão bem grande quando se soube que Joaquim Fernandes vai ser o único acusado pelo Ministério Público pelo acidente de 27 de Novembro de 2009, na Avenida da Liberdade, Lisboa. Joaquim Fernandes, cabo da GNR, estava a trabalhar como motorista do carro do secretário-geral da Segurança Interna, Mário Mendes. A Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa afirma que os factos apurados indicam o motorista como o “único responsável do acidente”. Está acusado de “condução perigosa de veículo rodoviário”, crime punível até três anos de prisão. Nesse mesmo dia, Mário Mendes estava atrasado para a tomada de posse de 18 governadores civis. (Esta desculpa resulta sempre.) Foi por esse motivo que Joaquim Fernandes violou várias regras de trânsito. E era um bocado difícil não o ter feito, já que Joaquim Fernandes era um cabo da GNR e o homem que ele transportava, além de seu chefe, era chefe da polícia. Calhou passar um sinal vermelho, calhou serem abalroados pela viatura oficial do Presidente da Assembleia da República. Mas imaginem que, em vez disso, tinha acontecido o seguinte: Joaquim Fernandes, supostamente seguindo ordens do seu patrão, passava 141 um sinal vermelho. Um militar da GNR vê a infracção e manda-o encostar o carro. E depois? Quem é o idiota que vai multar o próprio patrão? Como é óbvio, ninguém. Demorou-se menos de um ano para se chegar a estas conclusões e, infelizmente, sinto-me pouco seguro, diria mesmo assustado, quanto ao que foi apurado. Que Mário Mendes tenha fugido com o rabo à seringa da responsabilidade duma situação da qual foi parcialmente responsável não me surpreende. Assim como não me surpreende não ter sido condenado. Não só pela razão mais óbvia como por qualquer outra que possam imaginar. Também não me surpreende que este caso tenha sido julgado tão depressa, quando outros mais simples e evidentes demoram anos e anos. Nada disso me surpreende ou assusta. O que me assusta mesmo é ver Mário Mendes, secretário-geral da Segurança Interna, o “Super-Polícia” como alguns lhe chamam, ir à SIC Notícias falar do caso e dizer que “não se lembra”, “não se recorda”, “não tem a certeza”, etc. Um bocado como Dias Loureiro, Oliveira e Costa, Armando Vara, ou qualquer outro elemento questionado por uma Comissão de Inquérito. Com uma diferença: Mário Mendes é secretário-geral da Segurança Interna. É alguém cujo rigor e tenacidade deveria ser um exemplo para as forças de segurança e para o cidadão comum. É alguém que deveria saber dizer, objectivamente, o que ocorreu. E objectivamente não implica ser verdade, apenas verosímil. Porque antes de nós acreditarmos na patranha, primeiro ele tem de se lembrar qual é. 142 A melhor forma de dar remédios aos putos, comprimidos por exemplo, é misturá-los com leite ou sumo. Eles papam aquilo que é uma maravilha. Possivelmente com base nesta ideia, a actriz porno Bobbi Eden promete fazer sexo oral a todos os seus seguidores no Twitter caso a Holanda vença o Mundial. Se considerarmos que Bobbi tem cerca de vinte mil seguidores nessa rede social, aquilo é coisa para dar umas valentes caimbras. Felizmente, Bobbi não vai estar sozinha nessa árdua tarefa. Há duas colegas que estão dispostas a ajudá-la. Eu até nem gosto muito de futebol, mas admito que... Vistas as coisas, não é um desporto assim tão mau. Tem emoção, tem acção, tem intriga, jogadas arriscadas. E para além de tudo isto temos os jogos em si. No entanto, por ser alguém para quem o futebol não diz assim muito, esta proposta da Bobbi, por muito tentadora que seja, não se resume a isto. Não é a primeira vez que se fazem promessas do género em campeonatos mundiais. Natalya Sverikova, actriz porno da Bielorrússia, prometeu uma noite de sexo ao representante bielorruso no Campeonato de Xadrez de Países do Leste em 1999. Melodie Papamos, conhecida stripper franco-grega, prometeu uma lap-dance a Viktor Tessailikis se este conseguisse o primeiro lugar nas Jornadas da Filosofia em 1982. Exemplos não faltam, o 143 que falta é o porquê? Porque é que Bobbi Eden fez esta proposta? Porque é holandesa e quer ver o seu país vencer parece ser a resposta mais sincera, mas será mesmo por isso? À data do seu anúncio, Bobbi tinha cerca de vinte mil seguidores no Twitter. Neste momento deve ter, no mínimo, o triplo ou o quadruplo disso (e estou a fazer a coisa por baixo; salvo seja). Supondo que ela defina como limite máximo o número de fãs que tinha à data do anúncio. Vinte mil a dividir por três dá cerca de 6667 gajos por boca. Tudo bem que são actrizes porno e estão habituadas a estas coisas, mas dá-me ideia de que elas não estão assim tão convictas na vitória da Holanda. É como um pintas prometer à sua gaja que lhe compra um anel de noivado se nevar na Praia do Meco. Ou um tipo prometer que corta o pénis com uma Gillete se Portugal entrar numa rota de expansão e progresso. São situações tão impossíveis, ou improváveis de acontecer que podemos prometer o que seja que dificilmente teremos de cumprir essa promessa. Por outro lado, parece que a Holanda até tem uma boa equipa. No dia da grande Final, milhares de pessoas, espanhóis incluídos, vão seguir atentamente a final e rezar pela vitória da “laranja mecânica”. Durante o jogo em si, não me admiro que a Espanha marque uns quantos autogolos, só para que alguns jogadores garantam acesso a um prémio muito especial. Por tudo isto, não tenho dúvidas que o único apoio que Espanha terá nessa Final (não assumidamente, é certo) virá de Bobbi Eden e das suas duas amigas. 144 Aprecio deveras a existência daquela barreira entre a realidade e a ficção. Detesto quando essa barreira é desrespeitada e certos assuntos, que mais parecem retirados duma telenovela, saltam para a ribalta. Uma magistrada dos submarinos tem relação com líder de entidade que fez peritagem de processo. E depois? Acham que é por aí que a coisa vai descambar? Querem ver que é que agora que vamos descobrir que a corrupção não teve nada a ver com o caso? Que tudo não passou duma história de amor? Para alguns isto deve parecer muito bonito – e aposto que vão passar a acompanhar o caso com mais atenção – mas esquecem-se do descrédito que isto causa às nossas instituições. A corrupção atravessa uma bela fase no nosso país, tem feito muito pela nossa imagem lá fora e não merecia ser tratada desta forma. A corrupção é boa para a economia. A pessoa corrompida recebe dinheiro para fazer algo pelo corruptor. Com o dinheiro que recebe pode ir às compras e isso ajuda ao desenvolvimento do comércio. Às vezes, a pessoa é corrompida para permitir que o corruptor faça algo. Nesta situação, além do corrompido continua a ter dinheiro para investir, aplica-se uma particular forma de acordo laboral que muitos patrões não desdenhariam: pagar para trabalhar. Imagino alguns patrões a lerem 145 estas palavras e a pensarem, Ahhh, se fosse possível... É desmotivante o Caso dos Submarinos, depois de tanta polémica, de tanta notícia, de tanto relatório, acusação, etc., estar em risco de ser anulado devido a uma relação amorosa. Não apenas pelas razões que já adiantei, mas por todas as mudanças que daqui virão. A comunicação social em Portugal divide-se em três focos: a que investiga e publica notícias relevantes, a que tenta fazer isso e não consegue e a que relata cenas da vida privada. Eu esperava que este caso tivesse o percurso habitual que todos os casos polémicos costumam ter. Manchetes em jornais de grande tiragem, artigos em revistas semanais de renome e, por fim, um decrescer do interesse jornalístico na matéria até esta não ser mais do que informação consultável via Internet. Aconteceu com o Caso Freeport, com o Caso Portucale, e com muitos outros. É lamentável, mas esta história vai passar para as revistas do social. Vamos passar a conhecer a vida da magistrada e do seu namorado. Vamos ver fotos da casa dele e dela. Descobrir que taras sexuais é que os movem. Se acreditam em Deus ou nos Signos do Zodíaco. Como ficaram comovidos com a morte duma figura pública que não lhes dizia absolutamente nada. Enfim, todos os fâitdivers que são expectáveis (e não “esperáveis”, como alguém disse) em publicações dessa estirpe. Este caso interessava-me enquanto era notícia, agora que é uma telenovela terei de arranjar outra coisa para ocupar o tempo. 146 Costuma-se dizer que quem não chora, não mama. Perdoem-me os mais sensíveis pela linguagem, mas os ditados populares são como são. Tentei ouvir o debate sobre o Estado da Nação enquanto este decorria. Infelizmente, a essa hora eu estava a trabalhar – ao contrário de muitos dos presentes no Parlamento; excepção feita ao pessoal do Bar e outros serviços – e só consegui escutar o rescaldo quando cheguei a casa. Já se sabe que nestas coisas de debates nunca se chega a um consenso. O Governo diz que está tudo bem, a Oposição diz que está tudo mal. Com mais ou menos surpresa, cada facção defende o seu ponto de vista. Não se espera nada de novo vindo daqui. Porém, como eu costumo dizer, a política é como a vida: quando menos esperamos, somos surpreendidos. E de que maneira! O que o Paulinho fez parece próprio de um bipolar, mas tem muito que se lhe diga. Por um lado, manda o chefe do Governo sair; por outro, pede a esse mesmo chefe que lhe arranje uma cunhazinha no executivo. Aliás, não pede só para ele. Pede para o amigo também. Ou conhecido. Ou pessoa de outra força política muito semelhante à sua. E à do Governo também. Isto não é para qualquer um. 147 Imaginem isto acontecer noutros cenários sem ser na política. Numa reunião de accionistas, por exemplo. O CEO está reunido com os accionistas a apresentar os resultados do período anterior e o modo como as suas decisões levaram a empresa até àquele ponto. Tudo muito calmo, muito solene. Algumas perguntas de vez em quando, nada de mais. De repente, entra o Paulinho por ali adentro e diz: “Não oiçam o que este senhor diz que é mentira! Devia ter era vergonha na cada! A mentir aos senhores accionistas desta maneira!” E depois aproxima-se do CEO e diz-lhe, “Oiça lá, não me arranja aqui um lugarzinho? A tirar cópias ou assim? Ah! E já agora, se pudesse ser, veja lá aí qualquer coisa para o meu vizinho. Você sabe quem ele é. Costuma ter aulas de tango consigo.” Fico contente por isto não acontecer no mundo empresarial, embora não deixe de lamentar por acontecer no mundo da política. Paulo Portas tem um sonho e por isso arriscou a sua sorte. Ele quer que o PrimeiroMinistro abandone o cargo e, ao mesmo tempo, lhe arranje um lugar no Governo. Um sonho estranho, é certo, mas não estamos aqui para julgar. Talvez o seu desejo se concretize. Coisas mais inesperadas já aconteceram. 148 É verdade que muitas pessoas entram na política para se orientarem, mas também é verdade que há outras que se debatem por causas nobres. Pessoalmente, prefiro as da segunda categoria; já em termos de espectáculo as da primeira são incomparáveis. Gosto de ver o Canal Parlamento e quando há debate, há peixarada quase garantida. Já quando se trata de uma Comissão, em que é tudo muito “Com certeza, senhor doutor.”, a coisa tornase demasiado chata. A não ser que seja uma Comissão de Inquérito (tipo BPN ou PT). Aí sim, há galhofa. Só é pena é estarem a gozar connosco. No nosso Parlamento só vejo isto, mas parece que lá fora é diferente. Eu julgava que os deputados do Parlamento Europeu quisessem ir para a Europa pelos mesmos motivos por que vão para os Parlamentos dos seus países; porém, numa escala mais ampla. Acontece que isso não acontece. (A frase não deixa de estar certa, apesar de ser foleira.) No Parlamento Europeu há lugar para uma terceira categoria, perceptível a partir do seguinte exemplo: Mario Borghezio, eurodeputado italiano eleito pela Liga Norte, propôs a criação de um Centro Europeu de Estudo de OVNIs. Antes de mais, eu acredito que o nosso planeta não seja o único com vida inteligente no Universo. Digo isto pelo facto da Terra nunca ter sido visitada – para alguns 149 isso é sinal de que não existem visitantes, para mim isso é sinal de inteligência. (Também pode ser falta de oferta. Proponho uma campanha turística à escala mundial. Deixamos de fora os países mais feios. Ou não. Talvez eles gostem de coisas feias. Não estamos lá para julgar.) Perdi-me um pouco. Desculpem-me. O que dizer desta terceira categoria? O Centro Europeu de Estudo de OVNIs parece-me uma boa ideia para um filme, não para algo financiado pelo nosso dinheiro. Por outro lado, imagino que os institutos e centros de pesquisa e outras coisitas com fins credíveis já tenham sido todos usados. Isso obriga os proponentes a serem um pouco mais rebuscados. Cá, pode-se criar, o CADESNAPAFA (Centro de Apoio aos Deputados Europeus Sem Nada Para Fazer), ou o IPFAPETEF (Instituto dos Passageiros que Ficaram Apeados Porque uma Empresa Turística Espanhola Fechou). É só uma ideia. Não é muito boa, eu sei, mas se comparada com algumas ideias oficiais, não é tão má quanto isso. 150 Um estudo publicado recentemente pela Forbes e pela Gallup concluiu que o índice de felicidade dos portugueses é inferior ao dos paquistaneses. Numa altura em que o mundo atravessa uma profunda crise financeira é refrescante existir quem se preocupe em medir a felicidade. Diz o ditado que o dinheiro não traz a felicidade; estranhamente, a falta dele também não. Não contesto os resultados do estudo. Quer dizer, não por completo. Portugal está na 70ª posição; no fundo da tabela estão o Ruanda (148ª) e o Haiti (144ª), países cujos habitantes não têm assim muitas razões para estarem felizes. Digo eu. Antes, ainda se podia contar esta piada: Um ruandês cruza-se com um haitiano e diz o ruandês: “Então e aquele terramoto, pá?” “Nem me digas nada! Fiquei sem casa, sem trabalho. Enfim...E tu, como é que vais?” “Cá vou andando. A minha família foi toda chacinada esta semana. O costume.” E diz o haitiano: “Ao menos não estamos em Portugal.” Agora já não. Como eu dizia, não contesto a segunda metade da tabela, mas faz-me alguma confusão que a Dinamarca e a Suécia tenham ficado nos primeiros lugares. A 151 Dinamarca e a Suécia podem ser muito boas na Educação, nas Finanças, na Economia, no desenvolvimento; por outro lado, são também os países europeus com a mais elevada taxa de suicídio. Assim é fácil ficar em primeiro! Os macambúzios matam-se todos e só ficam os felizes! Lá está porque é que alguns países não querem trabalhadores emigrantes, principalmente portugueses – a saudade deixa-nos tristes e eles não querem isso. Querem trabalhadores felizes. Como os paquistaneses, por exemplo. Mas que raio é que os paquistaneses têm para serem mais felizes do que nós? Na prática temos a mesma coisa: um país vizinho com o qual se disputa uma terrazinha e habitantes que se queixam dos trabalhadores estrangeiros fazerem os trabalhos que os locais não querem fazer. Porquê tanta felicidade? Não se percebe. Todavia, é bom não esquecer que o Paquistão tem um programa nuclear. Portanto, se calhar a questão não é porque é que o Paquistão é mais feliz que Portugal, e sim porque é tão pouco mais feliz. De 70 para 58 a distância não é muita e nós não temos propriamente a melhor imagem para quererem ser nossos vizinhos a não ser que sejam obrigados a isso. Estar próximo de nós pode contaminar os paquistaneses com saudade e tristeza e pessoas tristes com bombas nucleares são uma péssima combinação. 152 Como sabem, eu não ligo ao futebol. Mas não é por isso que deixo de estar atento ao que se passa nesse universo; principalmente o que transcende para a vida do dia a dia de nós, comuns mortais. Sei que estamos na pré-época, sei que é nesta altura que os clubes apresentam e procuram novas aquisições. É uma época de oferta e procura; de negócios, em suma. O tema deste meu artigo – lamento a desilusão, mas vocês já deviam saber – não tem a ver com futebol, e sim negócios. Em particular, um que foi sugerido esta semana. Apesar dos eventos que antecederam esta proposta serem difíceis de equacionar, vou tentar fazer um pequeno resumo para que estejamos todos na mesma onda. Ora bem, primeiro havia um sucateiro que oferecia prendas, depois havia um gestor de um banco, que era amigo dum primeiro-ministro, que por sua vez talvez conhecesse um certo administrador. Água vai, água vem, essas pessoas, que falavam muito ao telemóvel, a tratarem dos seus negócios e tal, deram por si envolvidas num caso de polícia. Veio então alguém que pôs tudo em segredo de justiça; depois veio alguém que disse “Não senhor!” e atirou o segredo de justiça pela janela e ninguém sabia o que é que se podia dizer. Surgiu então um jornal que disse que ia publicar algumas das conversas que o tal administrador teve com certas pessoas. E ele, envergonhado, disse, “Não 153 façam isso que eu tenho uma voz muito nhonhó ao telefone. Olhem que eu vos processo.” No dia seguinte, ao raiar do Sol, lá vinham as conversas publicadas. E o administrador pôs um processo ao jornal, dizendo que o jornal era mau, era feio. E depois veio um Tribunal que disse “Tadinho do administrador. Só porque ele está envolvido em moscambilhas não é razão para o aborrecerem. Agora, para castigo, vão-lhe pagar 750 mil euros.” Entretanto, num bonito gesto de altruísmo, o administrador disse que que está disposto a perdoar o jornal pela maldade que fez. Numa atitude digna de lhe conceder uma canonização, se o jornal não tiver dinheiro para lhe pagar, ele aceita ficar dono do jornal. Estava convencido de que estas histórias só aconteciam no Natal ou nos filmes. O Darth Vader, por exemplo, é mau o tempo todo, mas no fim fica bom. Neste caso, o administrador só não perdoa a dívida. Devo dizer que o compreendo perfeitamente. As chamadas telefónicas estão cada vez mais caras. 154 O Bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, D. Carlos Azevedo, apelou aos políticos cristãos para que doassem vinte por cento do salário para um fundo social destinado aos pobres. Num bonito gesto de solidariedade, políticos da esquerda à direita foram solidários na recusa do apelo. E ainda dizem que a classe política não é capaz de se unir por valores mais altos! A deputada Teresa Venda justificou a sua posição com argumentos um bocado forçados “Não posso doar uma parte do meu ordenado como deputada porque já dou parte para ajudar uma família em concreto.” Dum ponto de vista superficial, quase que dá vontade de rir; do meu ponto de vista dá mesmo vontade de rir. Que se recusem a doar vinte por cento do seu salário é algo a que só aos próprios diz respeito. Não querem dar, não dão e ponto final. O problema começa quando se tentam justificar. A senhora deputada não quer doar parte do seu ordenado como deputada porque já dá uma parte para ajudar uma família em concreto. Qual família? Provavelmente a sua. O exemplo começa sempre em casa e se Teresa Venda não for boa para os seus, não será para os outros. Aliás, é por ser boa para os seus que se recusa a ser boa para os outros. 155 A proposta de alteração de feriados apresentada pela deputada, que iria criar mais quatro dias de trabalho por ano e aumentar o Salário Mínimo Nacional, pretendia combater esse problema. De fora só ficariam aqueles pobres que nem têm dinheiro para trabalhar. (É bem feito! Não trabalham, também não recebem.) “A Igreja quer mais um subsídio, mas a pobreza resolve-se com o atender às condições específicas de cada família, porque cada família é um caso.” Acho bem. Lá porque são pobres, isso não quer dizer que devam ser todos tratados da mesma maneira. Alguns pobres precisam de 109 euros por mês, outros de 111. São valores totalmente díspares que obrigam cada caso a ser devidamente analisado. Maria José Nogueira Pinto não recusou o apelo; entendeu-o como um estímulo à consciência social. Em termos práticos isso quer dizer o quê? “Eu não doo, mas estou consciente de que há pobrezinhos”? Restam aqueles que não se esquivam, mas atiram parte da batata quente para outros. CDS-PP e BE partilham da opinião que o apelo é feito, não só aos políticos, mas a todos os que têm dinheiro. Esta consonância de opiniões não significa, necessariamente, uma consonância de razões. É como uma conta de matemática. 3+1 pode dar 4, mas 2+2 também produz o mesmo resultado. Manuel Alegre disse que já desconta muito nos impostos e que “pagar impostos é necessário porque esse é o primeiro dever dos cidadãos”. Já que em Portugal quase que não há fuga aos impostos, nem desvio de fundos, nem branqueamento de capitais, fico mais 156 descansado. Se em vez de usarem argumentos da treta tivessem dito logo isto, a coisa teria ficado resolvida. Deixava de haver matéria para este artigo, mas pronto. Eu fazia o sacrifício. 157 Soube há dias que o ADN do Ozzy vai ser sequenciado. De imediato liguei para o meu amigo David a dar-lhe os parabéns. Após uma amena troca de palavras, ele perguntou-me como é que eu soube que ele conseguira fazer cem por cento numa música do Guitar Hero no modo Professional. Perplexo, falei-lhe das notícias que tinham vindo a público sobre o ADN do Ozzy vir a ser sequenciado. Foi aí que descobri que o Ozzy em questão não era um dos cães do meu amigo David, mas sim Ozzy Osborne, o ex-vocalista dos Black Sabbath. Julguei que pudesse mesmo ser o cão do meu amigo, já que é o único cão que eu conheço que ladra quando vê cães na televisão. O protagonista do “hit” da MTV, Os Osbornes, foi escolhido pela empresa norte-americana Knome para fazer parte deste projecto. Para estes cientistas que tocaram numa mulher tantas vezes como num copo de cerveja, faz confusão como é que alguém pode beber, fumar, inalar, chutar e snifar tanto durante tanto tempo e ainda continuar vivo. Para ser sincero consigo, caro leitor, eu desconfio que o objectivo destes cientistas não é bem aquilo que eles estão a dizer. Tudo bem que sequenciar o ADN do Ozzy até pode servir para o que eles dizem. Pode ter um “imenso potencial científico”, pode ser tudo tudo isso. Mas o que é de facto, é uma promoção moral. 158 Não é qualquer um que tem o seu ADN sequenciado. Por norma, esta honra só é atribuída a personalidades que contribuíram para o avanço da humanidade. Pessoas como James Watson, Nobel da Ciência, e Craig Venter, geneticista. Pessoas importantes, sem dúvida, mas totós. No caso de Ozzy, ele, não só não fez avançar, como também não avançou; é possível até que tenha havido uma regressão. Na galeria onde estão expostas as fotografias de todos aqueles que tiveram os seus ADNs sequenciados, existem dois tipos de expressão: os muito totós que estão contentes de estar ali e têm um sorriso entre o parvo e o solene, e os menos totós que, apesar de contentes pela honra que lhes é atribuída, lamentam estar na companhia de indivíduos daquela estirpe em vez de uma qualquer modelo sueca e têm um sorriso algures entre o “bolas! que cambada de totós!” e o “matem-me, por favor”. Independentemente das reacções que possam haver, inegável o ar cool que a presença de Ozzy Osborne neste “panteão” vai dar a todos os presentes. Agora que sabemos o que eles querem, é bom ter em conta que esta brincadeira vai ficar em 35 mil euros. Gastavam menos a encomendar duas ou três grades de minis, alguma erva, duas ou três “peças de fruta” e pronto. Não ficavam a perceber como é que alguém que bebia até quatro garrafas de conhaque por dia, e que partiu o pescoço uma vez, ainda está vivo, mas sempre passavam melhor o tempo. Quatro garrafas de conhaque parece muito; para alguns portugueses é só um pequeno-almoço. Daí que eu 159 continue desconfiado quanto aos derradeiros objectivos destes cientistas. Podiam obter resultados mais conclusivos sequenciando o ADN de qualquer bêbado da minha rua. Embora nenhum deles possua o carisma e o talento de Ozzy Osborne, quando estão no pico da bebedeira conseguem ser bastante divertidos. 160 Existem algumas expressões que me fazem confusão, ditos populares cuja origem eu desconheço e cujo propósito eu não desvendo. Rosado sol posto, cariz bem disposto. Lua com circo, água traz no bico. Nunca faças nada sem consultares a almofada. Quem tem medo compra um cão. E por aí fora. E depois existem aquelas expressões que, além de não terem uma origem ou um propósito popular associado, deixam-me extremamente irritado. Não é bem a expressão em si que me irrita, é mais a sua constante repetição. Assim que eu me explicar melhor, o leitor de certeza que entenderá ao que me refiro. Sabe aquele amigo ou conhecido de longa data, ou colega de trabalho, aquela pessoa que, sempre que o vê, o recebe sempre com a mesma expressão? É disso que eu estou a falar. No meu caso, a frase em questão é: 'Tás fixe ou vais para Peniche? Começo pela pergunta mais óbvia e que é: uma pessoa que não está fixe é porque vai, obrigatoriamente, para Peniche? Eu já tenho estado não fixe por ir para outros sítios que não Peniche. Sempre que tenho de acordar cedo para ir, seja para onde for, não vou fixe. Outra! As pessoas fixes são só aquelas que não vão para Peniche? De onde vem este rancor que rotula as gentes de Peniche de pessoas não fixes? Parem com isso. 161 Eu já fui a Peniche. Não posso falar da minha experiência nessa terra, porque era ainda criançola quando lá fui, mas duvido que os penicheiros apreciem ver a sua terra associado a um dito depreciativo. Dizer 'Tás fixe ou vais para Peniche? faz tanto sentido como dizer 'Tás mouco ou vais para o Samouco?, 'Tás porreiro ou vais para Aveiro?, 'Tás afoita ou vais para a Moita?, 'Tás com medo [pronunciado mêde] ou vais para Cantanhede?. E ainda: Perdeste o balde ou vais para Mangualde?, Queres hortelã ou vais para a Sertã?. Quem são os autores desta frase? Quem é que na sua inspiração, criou este dito que atravessa gerações e regiões? Essa pessoa estará ainda viva. Provavelmente não. E provavelmente terá morrido de demência a julgar pelo legado que deixou. A quem me lê, a quem tenta criar ditos semelhantes, aqui fica um esclarecimento: Não pretendo frases com sentido. Tendo em conta o que já existe, é impossível esperar por isso. O que eu desejo que houvesse são mais frases. Podem ser mais parvas e com menos sentido do que aquelas que são ditas de norte a sul do país, mas se forem simples o suficiente para alguns menos dotados conseguirem aprenderem mais duas ou três frases, talvez eu não hesitasse tanto em ir a determinados sítios, certo de que vou lá encontrar a mesma ave rara de sempre que me vai receber com o seu irritante 'Tás fixe ou vais para Peniche? 162 Há séries que só começo a seguir quando estão quase a chegar ao fim, outras que só as descubro depois de terem passado na televisão. O Caso Freeport quase que foi uma dessas, felizmente tive um amigo que me emprestou a primeira temporada e eu consegui ainda apanhar os últimos episódios. Já aqui falei do Caso PT/TVI. Fazer uma comparação entre estas duas séries é algo inevitável. Há aspectos em comum e aspectos distintos. A principal diferença entre as duas séries está na vertente internacional. Enquanto que o Caso Freeport envolvia empresários ingleses, o Caso PT/TVI envolvia empresários espanhóis. Outra diferença: personagens por identificar. No Caso PT/TVI soubemos quem eram os jogadores todos; já no Caso Freeport ficámos sem saber quem era o Pinochio ou o Bernardo. (Bernardo deve ser nome de código, só pode.) Quanto aos aspectos em comum: ambas contam com a presença de José Sócrates e gira em torno de negócios obscuros entre responsáveis políticos e empresários. Era capaz de falar aqui da série toda, mas vou limitar a minha apreciação ao último episódio. Aos que ainda não viram os últimos episódios, atenção que poderão haver aqui spoilers. Foi bom? Foi. Mas podia ter sido melhor. 163 A minha primeira crítica vai para a celeridade do processo. Passámos dezenas de episódios a acompanhar o julgamento, não havia meio da coisa ir para a frente e de repente... caso julgado e a série acaba. É verdade que existe a hipótese de uma spin-off ser lançada dentro em breve e isso pode ter influenciado os produtores a tentar despachar a história à pressa. A série já começava a perder o seu fôlego e fazer mais episódios ou mesmo uma nova temporada só para responder a meia dúzia de questões seria um erro. Por outro lado, o modo como aceleraram o julgamento também não foi a melhor opção. No final do penúltimo episódio Mário Gomes Dias, magnífico no papel de Vice Procurador-Geral da República que está em situação ilegal, dá um prazo final aos investigadores do Caso Freeport para apresentarem as suas conclusões senão “vai tudo pró badagaio”. É assim lançado o último cliffhanger para uma das mais espectaculares séries portuguesas de sempre. O último episódio acompanha os investigadores na sua derradeira tentativa de apanhar o grande peixe, o exMinistro do Ambiente que entretanto conseguira chegar a Primeiro-Ministro. Em momento algum lhes passa pela cabeça que o Vice Procurador esteja metido na confusão. Lá por o seu patrão ter sido escolhido pelo homem que eles agora perseguem, não é razão para desconfiar das pessoas. Também se perdeu muito tempo com a cena das 27 perguntas que não chegaram a ser feitas, tempo que podia ter e devia ter sido gasto de forma mais produtiva. A melhor sequência: após saber que tinha sido 164 absolvido, José Sócrates lança um vídeo a salientar a sua postura digna e a conservação do seu bom nome; por outras palavras, “Toma! Toma! Toma!” Memorável. 165 Eh pá! Se há coisa que eu gostava de ser de novo, se pudesse voltar atrás no tempo, era aluno. Não porque tenha particular saudade das aulas, mas porque agora quase que não precisaria de ir à escola para passar de ano. Isabel Alçada, actual Ministra da Educação disse numa entrevista ao jornal Expresso que pretende acabar com os chumbos. Estou contigo, Isabel. Vamos acabar com os chumbos implementando uma série de medidas que não reduzam o grau de exigência dos professores, ao mesmo tempo que deixam os nossos alunos mais capazes para responder aos desafios que lhes serão propostos. Não é assim? Então, como... Ah! É vamos acabar com os chumbos, ponto. Tipo varrer para baixo do tapete ou enterrar numa vala comum. Assim não sei. Repara, continua a ser uma boa ideia, não digo que não, não tanto para um livro, não para uma medida do Ministério da Educação. Eu sei que tu não gostas que alguns meninos fiquem tristes por chumbar, compreendo isso perfeitamente, mas tens de ver que, se acabas com os chumbos, há outros meninos que vão ficar tristes. Meninos que estudaram muito e que vão ser gozados por aqueles que não estudaram nada e que vão passar de ano também. Pois é. Não tinhas pensado nessa. O teu problema não é falta de ideias boas. O teu 166 problema é perderes a noção do que dizes. Exemplo: agora queres acabar com os chumbos. Vamos supor que essa medida vai em frente e passa na Assembleia (PSD e CDS-PP são contra, mas vamos supor que mudam de ideias até lá). Se não existirem chumbos, como é que julgas implementar aquela ideia do salto do 8º para o 10º ano? Não estou a dizer que não devemos ser mais compreensivos para com aqueles alunos que, apesar de se esforçarem muito, não conseguem atingir os objectivos que lhes são propostos; só acho que, sem chumbos, a coisa é capaz de correr mal. Imagina que precisas de um advogado. A pergunta é muito simples: preferirias um advogado que tivesse chumbado um ano em toda a sua vida escolar ou um que só não chumbou porque houve alguém que acabou com os chumbos? Precisas de ir ao médico. Tens dois à escolha: o que chumbou dois anos, estudou para melhorar o seu aproveitamento e continuou, e o que teria chumbado quatro anos seguidos se alguém não tivesse acabado com os chumbos. Mais do que uma questão de escolha, é uma questão de segurança e coerência. Não sabe a tabuada, não passa. Não sabe fazer um Z maiúsculo? Não passa. Entrou há mais de vinte anos para o 1º Ciclo? Azar! Enquanto não souber cortar o desenho pelo picotado não passa. 167 Acho que é seguro dizê-lo: estamos seguros. Não completamente seguros ainda. Calma. Apenas seguros. O que já não é nada mau. É verdade, minha gente querida que eu adoro. O Tridente já chegou a Portugal e, não, não me refiro a nenhum actor de filmes pornográficos nascido nos arredores de Chernobyl; falo do submarino. O primeiro de dois que nos custaram mil milhões de euros e trocos. Já está no Alfeite, é bem bonito e faz-me sentir mais descansado. Apesar de toda a polémica em torno da aquisição dos submarinos, da falsificação de documentos, das trocas e baldrocas que se sabem e das que não se sabem, eu acho que valeu a pena. Mais do que valer a pena, era algo que fazia falta. Nos últimos anos, Portugal tem tido graves problemas de falta segurança. Principalmente no mar. Uma pessoa não podia ir dar um passeiozinho à noite que apareciam logo dois ou três pintas a cravar “trocos”. Sei que assaltos e essas cenas também acontecem em terra e acho que devia haver mais segurança em terra, mas a insegurança no mar era demais. Digo isto, com todo o respeito pelas pessoas que preferem passear em solo seco. É por isso que eu estou contente por ter um submarino a patrulhar as águas internacionais. Da próxima vez que me apetecer ir dar uma volta subaquática, basta pegar no 168 meu escafandro e ir até à praia mais próxima. Antigamente, quando queria ir passear debaixo de água e sabia que era uma perigosa, não arriscava. Ficava em casa, enchia o lava-loiça, enfiava a cabeça lá dentro e servia-me de um tubo de PVC (daqueles que se usavam antigamente para atirar cartuchos) como respirador. Esta questão da segurança está, portanto, em vias de ficar resolvida. Ainda teremos de esperar mais alguns meses até que o segundo submarino, o Arpão, chegue a Portugal. Por enquanto, temos de nos governar com um único submarino de 500 milhões composto por uma guarnição de 34 militares (comandante incluído). E é aqui que sou obrigado a fazer um reparo. Não sou sovina, apenas ponderado. Acho que se arranjava uma coisa mais em conta se for só para levar 34 pessoas, mais uma ou outra visita que possam lá ir. Se estiverem a contar ter mais tripulação daqui a uns tempos, ou se quiserem ter espaço para um salão de baile, eu entendo. Fora tudo isso, tudo bem. 169 O Procurador-Geral da República, o senhor Pinto Monteiro diz que tem tantos poderes como a Rainha de Inglaterra. Estas informações foram devidamente divulgadas pela comunicação social, infelizmente pelas razões erradas. Falou-se muito da estrutura do Ministério Público, do compadrio do poder judicial com o poder político. Não se falou, e esse é um facto a lamentar, daquilo que o senhor Procurador-Geral da República disse mesmo. Para um leigo, a afirmação de Pinto Monteiro, “tenho tantos poderes como a Rainha de Inglaterra”, é uma forma de dizer que se considera uma peça quase acessória na grande engrenagem que é a justiça portuguesa. É tipo uma rodinha ou uma anilha que tem o seu papel, mas se retirada da máquina, esta continua a funcionar. No caso da justiça portuguesa, assim como assim, com ou sem pecinha funciona mal sempre. No entanto, o que Pinto Monteiro disse, não só é inexacto, como também revela alguma ignorância da parte do senhor. Estive a consultar a Enciclopédia de Poderes de Figuras Públicas, Nobres e Magistrais e na entrada para a Rainha de Inglaterra diz o seguinte: A Rainha tem ar de velhinha simpática (desde os 8 anos) e gosta de pôr a mão no rabo dos líderes mundiais com quem já tirou fotografia. A única excepção a este evento aconteceu aquando da fotografia com Bill Clinton 170 em que foi o Presidente americano quem pôs a mão no rabo do bumbum real. É também capaz de dizer coisas com nexo, apesar da idade. Já na entrada de Pinto Monteiro, o que vem é algo bem diferente: Pinto Monteiro coordena, dirige e fiscaliza a actividade do Ministério Público; emite as directivas, ordens e instruções a que deve obedecer a actuação dos respectivos magistrados. Tem competência para “fiscalizar superiormente a actividade processual dos órgãos de polícia criminal”. Pode “inspeccionar ou mandar inspeccionar os serviços do Ministério Público e ordenar a instrução de inquérito e processos criminais ou disciplinares aos seus magistrados.” Pode propor ao Ministro da Justiça providências legislativas com vista à eficiência do Ministério Público. O que é que se conclui após uma análise destas duas entradas? Em primeiro lugar, que a Rainha de Inglaterra pode parecer muito sonsinha, mas essas são as piores. E em segundo lugar, que Pinto Monteiro se queixa de ser parecido com uma velha – uma velha respeitável mas, ainda assim, uma velha – quando se devia queixar de não ser parecido com o Super-Homem. Ao Procurador-Geral da República, friso bem, República, não fica bem comparar-se a uma monarca. É como um vírus dizer “Faço tão bem como um canjinha.” Insisto na teoria do Super-Homem porque acho que ficava muito melhor ao Procurador-Geral da República dizer que queria ter os mesmos poderes do herói de 171 Kripton. E acredito que o Procurador não se importaria de ter esses poderes. Talvez não para resolver os problemas da justiça portuguesa, mas para, com a sua super-velocidade, mais facilmente fugir deles. 172 Fico feliz quando os meus amigos estão bem, assim como feliz quando pessoas que não prezo estão mal. Não quero isto dizer que desejo que lhes aconteça mal, apenas que não me importo quando isso acontece. Há também quem fique feliz com a felicidade de quem não conhece. Quanto a isso, nada tenho a dizer. Por outro lado, faz-me confusão alguém ficar feliz com a desgraça de pessoas que não conhece e que nunca lhe fizeram mal. De acordo com o ranking da felicidade, o Paquistão está doze lugares à frente de Portugal. Julgava que a razão principal para aquele país do Médio Oriente estar nessa posição tinha mais a ver com o facto de possuir armamento nuclear do que propriamente com a felicidade dos seus ocupantes. Uma semana depois de eu publicar este artigo, eis que somos brindados com notícias de cheias e mau tempo no Paquistão. Não sei quantos mortos, vários desalojados, muita destruição. Quero acreditar que é uma coincidência. Afinal de contas eles estão no Inverno. Mau tempo no Inverno nem chega a ser notícia já que é algo expectável. É como alguém cair do sétimo andar e morrer e fazer disso notícia de jornal. Notícia seria alguém saltar do sétimo andar, levantar-se, sacudir o pó da roupa e ir apanhar o autocarro. Tudo porque “o elevador estava avariado e pela janela era mais rápido”. 173 O relato da informação não se deve limitar àquilo que é inesperado. Não me refiro ao insólito ou ao incrível, e sim a qualquer acontecimento de que não se está à espera. Por exemplo, qualquer caso envolvendo figuras públicas terminar com a absolvição dos réus ou com a sua prescrição. (Não tenho problemas se estes réus forem inocentes. No entanto, é curioso que as únicas pessoas já condenadas graças ao Processo Casa Pia, em processos paralelos, tenham sido monitores, auxiliares; enfim, “peixe miúdo”. E foram condenados em pouco tempo. Parece que a prova é algo que tem mais peso quanto menos dinheiro a pessoa tem.) Aceito que exista um desequilíbrio entre aquilo que é notícia e aquilo que é acessório. O que não aceito é que a balança esteja a pender para o lado do acessório. É verdade que às vezes não há nada para noticiar. Não se passa nada no mundo ou no país que possa levar um repórter a pensar: “Esta sequência de eventos teve um resultado inesperado e merece ser noticiada.” José Sócrates envolver-se em mais um caso não é notícia. A não ser que seja algo como o Caso da Revista Gina. Isto não é informativo, mas é divertido. Não podem ser só notícias sérias. Precisamos de nos entreter. E o entretenimento de uns pode ser a infelicidade de outros. É por isso que não falamos do mau tempo no Paquistão nesta época do ano porque é notícia. Falamos porque temos inveja. É uma maneira camuflada de dizer: “Olhem pra eles, tão felizes que eles são! Tomem lá pra aprender!” 174 Quando se fala em crise é inevitável falar-se da dificuldade, cada vez maior, que é a aquisição de produtos e bens essenciais à subsistência do ser humano. Geralmente, pensamos mais no petróleo. O aumento do preço do barril de crude serve de justificação para o aumento do preço dos combustíveis, como é sabido. Mas serve também para o aumento do preço de qualquer produto que não seja produzido na porta ao lado e que uma pessoa possa ir buscar usando apenas um robe e um par de pantufas. (Estou a falar de rissóis ou filhoses e não daquilo que vocês estão a pensar.) Em suma, o preço do petróleo aumenta, aumenta o preço do combustível e aumenta o preço de qualquer produto que seja transportado por um veículo movido a combustível fóssil. Acostumámos-nos a esta justificação para o aumento do custo dos produtos. Há, no entanto, outras situações que também exercem a sua influência no aumento do preço das coisas. (Curiosamente não há nada que faça baixar o preço delas – tirando os saldos.) É o caso, por exemplo, do aumento do preço do trigo na Europa. Porque é que o preço do trigo aumentou na Europa? Não sei, não faço a menor ideia, mas também não é importante. É uma daquelas curiosidades que não resolvem o problema, nem de atenuar as consequências 175 do mesmo. É como alguém que ficou sem a casa num incêndio descobrir que a culpa foi duma vela que acendeu para disfarçar o cheiro do peixe frito. Só serve como argumento para os miúdos, que não queriam comer peixe, usarem a seu favor. “Vês mamã, se tivesses encomendado uma pizza nada disto teria acontecido.” Não deve existir nada pior para um pior do que ser repreendido, e com razão, pelo próprio filho. No caso do trigo, o que importa analisar são os efeitos. Invocando, mais uma vez, a dificuldade de aceder a produtos essenciais, estima-se que este aumento não foi feito de forma descuidada e interesseira. Na verdade, verifica-se um rigor, de certo modo inesperado, na forma os produtos derivados do trigo aumentaram ou mantiveram os seus preços. O pão, esse produto tão essencial da nossa alimentação, vai ficar mais caro. Todavia, a cerveja vai ficar ao mesmo preço. Calma! Não comecem já com teorias parvas sobre as cervejeiras terem mais dinheiro do que as panificadoras. Não é nada disso. Esta distinção entre o pão e a cerveja, pode não parecer mas, faz todo o sentido. Reparem: se uma pessoa só tiver dinheiro para comprar pão, não se esquece que não tem dinheiro para comprar cerveja. Já uma pessoa que só tenha dinheiro para comprar cerveja, é capaz de não se lembrar de mais nada. Entendem? Não resolve o problema, mas deixa as pessoas bem-dispostas. Pelo menos, até ao dia seguinte. 176 Luís Amado, o senhor a quem José Sócrates, em tempos, deu um “ferro”, lamenta que “não se dê mais atenção no país ao que se passa no mundo”. Segundo o Ministro dos Negócios Estrangeiros português (continuo a falar de Luís Amado; só não disse porque achei que isso seria evidente), as questões internacionais são pouco debatidas pelos nossos políticos. Estaremos nós, como infere Luís Amado, a olhar só para o nosso umbigo? É possível que sim. O mundo atravessa uma era de constantes mudanças e estarmos desatentos em relação ao que se passa fora do nosso cantinho pode trazer-nos consequências graves. Em Portugal, como se sabe, as coisas chegam sempre tarde e a más horas. Nós podíamos, e devíamos, aprender com isso. Podíamos só usar ou fazer aquilo que, de facto, resultava. Infelizmente, não isso que acontece. Nós insistimos em tentar fazer cá aquilo que não resultou em lado nenhum. Achamos que nos conseguimos desenrascar melhor do que os outros tipos que são uns atados. Além disso, aquilo que corre bem lá fora, também 177 tentamos fazer; só que à nossa maneira. Regra geral, as coisas não costumam correr tão bem quanto o desejado. Se fizéssemos como Luís Amado sugere e prestássemos mais atenção ao mundo que nos rodeia, saberíamos estar precavidos e, quem sabe, reagir atempadamente às situações. Se os partidos portugueses abandonassem a picardia e a baixa semântica e passassem à lógica construtiva e pró-activa, talvez as coisas começassem a correr melhor para todos, não apenas para eles. Infelizmente, não são estas as razões que motivaram as declarações de Luís Amado. Como Ministro dos Negócios Estrangeiros interessa-lhe que, em Portugal, se debata sobre assuntos, lá está, estrangeiros. Se até José Sócrates, que é o seu chefe, o ignora, imagine-se como será tratado pelos seus congéneres europeus. É capaz de ser o Ministro dos Negócios Estrangeiros acerca do qual contam piadas quando não está presente, ou aquele a quem colam papéis nas costa, ou põem pioneses na cadeira. Luís Amado pode estar a dizer aos portugueses para não se preocuparem só com o seu quintal. No entanto, ao dizer isto, está a fazer exactamente aquilo que diz aos outros para não fazerem. Bonito exemplo, sim senhor. Mas entendo-o perfeitamente. Dada a sua visibilidade, se não fosse assim, ninguém repararia nele. 178 Esta semana fui duas vezes à Segurança Social. Ir à Segurança Social é aquele momento em que ouvimos uma discografia completo, em que começamos e acabamos um livro de quatrocentas páginas, mas acima de tudo, é o momento em que se espera. E foi graças a essa espera que consegui, finalmente, entender a razão principal de se estar tanto tempo à espera. Ao contrário do que é comum dizer, a culpa não é de quem atende. Podem ter alguma dose de culpa quando saem todos para almoçar e fica só um sozinho a atender. Porém, quando estão todos a atender, é um erro pensar que eles atendem devagar. Falo-vos por experiência própria. Eles têm tanta vontade de demorar a atender uma pessoa, quanto nós temos de estar ali. Desta vez esperei um total de cinco horas para ser atendido, tanto no edifício da Segurança Social, como no café em frente e, durante esse período, observei algo que ajuda a explicar este problema. Estava eu no café em frente, esperando pela minha vez, quando vejo um casal sair do edifício com um cesto de bebé. O casal atravessa a estrada e aproxima-se duma mesa na esplanada, onde estavam dois casais. Um dos casais pega no cesto e lá vão eles, com o mesmo puto, ser atendidos primeiro que eu! Faço aqui uma pausa para frisar que isto não é 179 nenhuma esquema perpetrado por minorias. Se era, deixou de o ser. Qualquer um recorre a este estratagema, desde que tenha meios para isso. O chico-espertismo, o desenrrascanço, são cenas que nos estão no sangue. Não hesito em admitir que, se tivesse os meios, faria o mesmo. Quem entra na Segurança Social com um bebé ao colo, independentemente de ir levantar documentos (senha D, hora e meia de espera) ou de entregar documentos (senha A, três horas de espera), tem direito a atendimento prioritário. Há mais pessoas que têm direito a atendimento prioritário, é o caso de idosos e pessoas com deficiência, mas por agora, vou atacar apenas as mulheres com bebés de colo e as grávidas. Das primeiras já falei. Quanto às grávidas, as únicas que eu tolero terem prioridade são aquelas cuja gravidez tenha resultado de violação. Aquelas que engravidaram por distracção, azar. Tivessem tomado qualquer coisa, tivessem usado qualquer coisa, tivessem dito não. Aquelas que engravidaram porque quiseram, minhas caras, fizeram a vossa escolha e eu respeito isso, mas não sou obrigado a ter de esperar ad infinitum por vossa causa. A prioridade deve ser dada a quem está numa condição involuntária. Se escolheram estar assim, então que esperem. Deixo-vos com uma proposta para resolver este problema das esperas longas e que é: um carimbo de discoteca. Daqueles que só vêem com luz negra, sabem? A mãe entra com o miúdo, o segurança carimba-o e pronto. Das duas uma, ou passamos a esperar menos tempo na Segurança Social, ou vamos assistir a um baby-boom que 180 vai fazer duplicar a população nacional. E aí bem poderemos esperar. 181 Os saldos são aquelas alturas do ano em que as mulheres vão às compras comprar roupa só por ser mais barata. Só que não precisam. Elas têm três roupeiros em casa cheios de roupa, caixas com roupa debaixo da cama. Elas não precisam de comprar roupa – elas têm roupa para vender. Se for fora da época de saldos, uma mulher chega à loja, olha para as peças e pensa: "25 euros por uma camisola para cães? Se eu alguma vez comprava isto..." Chegam os saldos. Vão à loja, vêem a camisola. 10 euros. "É minha!" E ela não tem cão. É só por estar mais barata. E também para poder chegar junto das amigas e fazer inveja. "Lembram-se daquela camisola que nós vimos à venda por 25 euros? Comprei-a por 10." E as amigas ficam todas roídas de inveja. É preciso saber escolher. Ver bem o preço. Embora haja preços que... Não se percebe. 4 euros e 99, cinco euros e um. O que é isso? Arredondem. É 5 euros e acabou-se. 4 e 99 é o preço mais estúpido que existe, porque nunca há troco. Nunca. Lembram-se como era antes da chegada do euro? 182 Quando eram preços tipo 999$ ou 998$50, já quando as moedas de 2”50 tinham saído de circulação, também nunca havia troco. Íamos aos hipermercados e nunca havia um escudo de troco. Nunca. E ninguém se importava. Era um escudo. Que diferença fazia um escudo? No entanto, quando foi para fazer a troca de moedas, a quantidade de carros blindados que iam dos hipermercados para os bancos. Carregados de sacos com moedas de um escudo que ninguém tinha. Ainda hoje, a cena mantém-se. Nunca há troco. E quando há, o pessoal nunca quer. Dizem sempre "Pode ficar com isso." Ninguém quer ficar com as pretas. Um cêntimo ainda vá, dois... tudo bem. Agora cinco? Deviam começar a fazer as moedas de 1 e 2 euros assim também, a ver se continuavam a ser esquisitos. E quem dá gorjetas de 1 cêntimo, dá sempre com um ar condescendente, como se tivesse a dar uma fortuna de gorjeta. É a boa acção do dia para essas pessoas, só pode. Só falta dizerem: "Veja lá, não gaste isso mal gasto." O que me leva a outra questão: "em que é que se gasta um cêntimo? Um só? Em nada. Absolutamente nada. As moedas de um escudo, as mais pequenas, serviam para apertar as armações dos óculos; as de um cêntimo nem para isso servem. Se fosse eu a receber um cêntimo de gorjeta, daria a isso a importância necessária: "Uau! Já posso largar isto e pedir a reforma antecipada!" Um cêntimo não vale nada. Se formos a ver bem, as 183 coisas perdem o seu valor assim que passam a ser nossas. Um artigo em segunda mão é sempre mais barato. Mesmo que o dono só o tenha usado durante cinco minutos. Tudo perde o seu valor, principalmente quando nos é roubado. Eu diria que há uma necessidade quase imediata da pessoa se convencer que aquilo que perdeu, por muito caro que possa ter sido, não tinha qualquer valor. Imaginem um casal. Quando a relação vai de vento em popa é tudo muito bonito. Mal acaba, é logo: "Quem? Eu? Falar com aquela vaca? Nem que me paguem!" 184 Hoje trago-vos duas pequenas ideias que eu acho que merecem ser aproveitadas: A primeira é esta. Nos nossos Bilhetes de Identidade temos o nome, data de nascimento, nome do pai, nome da mãe, país de origem, estado civil, etc., etc. Não temos, e eu acho que fazia falta – não tanto como um Livro de Reclamações em Fátima para quando as orações não são atendidas, é verdade –, um espaço para o estado de espírito. A ideia seria podermos lidar melhor com as pessoas. Se soubermos o estado de espírito de alguém é mais fácil de lidar com essa pessoa. O único senão é que como o nosso estado de espírito está sempre a mudar – eu às vezes chego a ter dois estados de espírito diferentes na mesma hora – o pessoal tinha de estar a ir sempre ao registo fazer a actualização do Bilhete de Identidade. E com estas burocracias todas podemos imaginar o tempo que seria. Sei que isto é uma ideia estúpida, mas eu posso dizê-la. Posso dizer a ideia mais estúpida que me vier à cabeça. Posso. Tenho liberdade para isso. Vocês têm liberdade para isso. E isto leva-me à minha segunda ideia. Que é esta. 185 A liberdade de expressão é uma coisa bonita, mas tem os seus limites. A classificação etária, por exemplo, às vezes é ridícula. Nos Estados Unidos existe o Parental Advisory, que é uma etiqueta que se coloca em CDs e DVDs que contenham uma linguagem considerada ofensiva para mentes mais jovens. Faz sentido. E ajuda nas vendas. É a fórmula do fruto proibido. Os pais não querem que os filhos oiçam, logo os filhos vão comprar. A ideia é boa e não seria mal pensado trazermos isto para Portugal. Copiamos tantas ideias más, porque não copiar uma boa, para variar? Mas eu não estou a pensar na música, deixem a música em paz. Eu penso que o aviso de linguagem ofensiva, pessoal a dizer asneiras, portanto, deveria ser colocado em discursos políticos. Estou a pensar no Direito de Antena e intervenções do Primeiro-Ministro ou do Presidente da Republica ou de qualquer outro político. Em vez de "O espaço que se segue é da exclusiva responsabilidade das entidades intervenientes" seria "O programa que se segue poderá conter linguagem susceptível de ofender alguns dos nossos telespectadores." Num cantinho do ecrã um símbolo "Aviso de asneira". Faria mais sentido. E seria mais honesto. 186 Um amigo meu casou-se há pouco tempo. Convidou-me para ir, eu fui. Casou-se pela igreja. Foi uma cerimónia bonita. A comida estava excelente, não haviam chatos, estava tudo bom. A única coisa que me irritou foram os pais dele na igreja. O raio das pessoas não parava de chorar! O filho estava-se a casar, a noiva era uma boazona que só visto e eles estavam ali duma maneira que mais parecia que estavam num velório. Porquê? Lembram-se quando nós éramos pequenos e os nossos pais ralhavam connosco? E nós começávamos a chorar? E depois eles diziam "Tá calado senão levas mesmo qué pra saberes porque é que choras!" Digo-vos uma coisa, um dia que eu me case e os meus pais comecem a chorar durante a cerimónia, eu juro: páro tudo, vou ao pé deles e dou-lhes um enxerto. Para eles saberem porque é que choram. Juro que não percebo essa choradeira. Outra coisa que também não percebo o seguinte. Descobri no mesmo casamento. É uma tradição já antiga, pelos vistos e que é roubarem os bonecos do bolo. Não sei se já ouviram falar disto ou não, mas se ouviram, a minha pergunta é: Porquê? O que eu acho estranho não é tanto o roubo em si – 187 não deve haver um mercado negro muito grande para bonecos de bolo de casamento – mas quem leva os bonecos, e aqui vem a parte estúpida, tem direito a que os noivos lhe paguem um jantar um ano depois. Mais estranho ainda, é eles saberem que vão ser roubados e mesmo assim convidarem pessoas para ir lá. E se alguém roubasse o bolo e deixasse ficar os bonecos? Aí, o noivo já se queixava. Tinham-lhe prometido que seria ele o primeiro a comer o bolo da noiva, não havia de ficar chateado? Pior, eles roubam os bonecos do bolo e recebem um jantar; e se em vez dos bonecos roubassem mesmo os noivos? O que é que iriam receber passado um ano? Não estou a falar de raptar os noivos, apenas de aproveitar que eles estão distraídos para lhes fanar a carteira. Continuam a ter direito a um jantar ou, uma vez que foram mais ousados, já estão habilitados a um fim de semana de férias? 188 Os homens gostam de mamas. Políticos, empresários, trolhas, músicos, médicos. Todos gostam de mamas. Desde tenra idade que somos atraídos por essas protuberâncias; primeiro como fonte de alimento, mais tarde como fonte de prazer. Alguns gostam tanto de mamas que até tomam hormonas só para terem umas mamas grandes só para eles. Chegam mesmo a usar soutien. Depois tiram fotos na brincadeira e gravam no computador e depois o computador é invadido por hackers e em menos duma semana a PJ vai bater-lhes à porta porque as fotografias tinham ido parar a um site de pedofilia e numa das fotos, através do reflexo num espelho, podia-se ver a silhueta duma criança a passar na rua. A verdade é que podia ser alguém baixinho e não necessariamente uma criança. Mas a dúvida está lançada e em caso de dúvida só há uma coisa a fazer: deter o suspeito para prestar declarações e dar-lhe um enxerto de porrada na esquadra. São formas de protocolo. Existem formas de protocolo ainda mais estúpidas como estar três horas a participar um roubo por esticão, enquanto se tenta perceber porque é que o polícia, em vez de perseguir o ladrão que passou por ele, se desviou para 189 não levar um encontrão e deixar cair a cerveja, indicando à vítima do roubo que a esquadra mais próxima era só descer a rua e virar à esquerda. O mundo está louco e ninguém sabe a quantas anda. Falo, não só de orientação, mas também de protocolo. O caso que falei reflecte exactamente isso. O mundo dos pássaros é para quem acorda cedo. São questões de pontualidade. E no mundo do trabalho esta deve ser a palavra de ordem. Mesmo quando somos patrões, às vezes podemos dar-nos ao luxo de ficarmos na cama até tarde, outras vezes temos de chegar cedo para darmos o exemplo. É preciso também ter em consideração os transportes. O trânsito não perdoa, quer tenhamos carro próprio, quer sejamos utilizadores dos transportes públicos; e neste último caso existem ainda as greves. As greves que, em termos de impacto, afectam primeiramente o utente do serviço em questão. Os sindicatos intervêm, vêm as manifestações, quase sempre a partir do Marquês de Pombal até ao Terreiro do Paço, os jornais fazem a cobertura. Os sindicatos anunciam uma adesão de 90%, o Governo anuncia uma adesão de 10%. Em que é que ficamos? E depois da notícia da greve vem a notícia da senhora sem pernas que não consegue arranjar trabalho como motorista, o filho está preso por tráfico de droga e tá há um ano há espera do subsídio de desemprego. É o interesse humano que faz disto notícia, dizem uns; outros diriam que é o sensacionalismo. Notícias típicas de fazer a primeira página de alguns jornais diários ou semanários. 190 E a ética jornalística previne ou tenta prevenir isso. Um acontecimento é feito de pessoas, isso é inegável mas nem todos os acontecimentos são notícia. A vida da dona Alzira de Alcabideche interessa-lhe a ela e aos que são próximos dela. A mim não me interessa nada. 191 Sei que o mês já vai a meio, mas ainda há tempo para vos deixar com algumas sugestões de leitura. APRENDA A DETECTAR PONTOS NEGROS FOTOGRAFIAS DE PESSOAS COM BORBULHAS COMO FALAR ALTO SEM INCOMODAR NINGUÉM COMO FUMAR EM LOCAIS FECHADOS SEM SER APANHADO COMO BEBER 2 GARRAFAS DE UÍSQUE E NÃO SE LEMBRAR DISSO NO DIA SEGUINTE TODAS AS DESCULPAS USADAS POR PESSOAS ADÚLTERAS COMO ENGANAR MEIO MUNDO IMPRESSIONE O SEU PATRÃO COM MALABARISMO GUIA NOCTURNO DE TODAS AS CIDADES ONDE MORAM PESSOAS ESTRANHAS DEZ FORMAS INOVADORAS DE SODOMIZAR OVELHAS AUMENTE A SUA VIDA SEXUAL ATRAVÉS DE SUBSTÂNCIAS ILÍCITAS COMO DIZER À SUA MULHER QUE ELA JÁ NÃO É ASSIM TÃO BONITA COMO DIZER SEMPRE A VERDADE MESMO QUANDO NÃO CONVÉM TODOS OS CÓDIGOS FARMACÊUTICOS DE 192 BARRAS DE PRODUTOS A NORMA ISO 9001 CONTADA ÀS CRIANÇAS BIBLIOTECONOMIA PARA TOTÓS FÁTIMA TEM OUTRO SEGREDO E NÃO DIZ A NINGUÉM O SEU DECOTE NÃO É ASSIM TÃO GRANDE APRENDA A DETECTAR IMPLANTES DE SILICONE EM TRÊS SIMPLES LIÇÕES OS PIORES FILMES DE SEMPRE A DUAS VELOCIDADES E MEIA 193 Esta semana Cavaco Silva promulgou o diploma que altera a Lei das Uniões de facto. Em pleno mês de Agosto. Depois é assim que as coisas começam. Atenção, eu não li nenhuma Lei das Uniões de facto, nem sei sobre que pontos Cavaco Silva terá ficado mais reticente. É uma questão que, por enquanto, não me diz respeito. Mas há uma coisa que me chateia. Já o disse várias vezes, a propósito do Pedrito dos Laranjas, e sendo Cavaco uma espécie de Padrinho (não no sentido funesto do termo) ou de Tio (não no sentido “beto” do termo), faz sentido que tenha de o dizer novamente. Atenção ao timing. Aníbal, posso tratar-te por tu? Eu não votei em ti nas últimas presidenciais, é verdade, mas se tu és o Presidente de todos os portugueses, que diabo pá!, isso é quase como seres meu vizinho. E eu trato os meus vizinhos por tu. Acho que insultar alguém recorrendo a “você” reduz bastante a fúria das palavras. É claro que isso não irá acontecer connosco. Em momento algum abusarei da nossa relação. Agora que estamos mais à vontade, vou directo ao assunto. Tu sabes que estamos em pleno mês de Agosto, não sabes? Sabes que é nesta altura que os políticos deixam de fazer nenhum (no sentido em que vão de férias)? Sabes 194 também que as pessoas não estão minimamente interessadas com outra coisa além de Fogos, Praia e Futebol, não sabes? Ninguém vai ligar ao que tu promulgaste. Sabes disso, não sabes? Então porque é que o fizeste? Aposto que estiveste ontem acordado até às tantas, com a tua mulher a dizer-te “Anda pra cama, Aníbal.” E tu, em vez de ir, o que é que fizeste? Exacto, promulgaste. Pior! Promulgaste contrariado. O que já começa a ser hábito. Quando foi do Casamento Entre Pessoas do Mesmo Sexo, disseste que eras contra mas aprovavas para a coisa não ficar a engonhar. Eu sei que não utilizaste o verbo engonhar em nenhuma declaração oficial. Porém, deixame imaginar que isso poderá ter acontecido em conversa privada. E não, não escutei nenhuma conversa. É uma suposição. Tudo bem que não adiras à totalidade das soluções normativas consagradas no diploma legal que promulgaste, mas poças! Tens de ter um bocadinho de bom senso. Sem dúvida que esta é uma matéria que merece atenção e tu tens o teu trabalho a fazer. Ninguém está a pôr isso em causa. A única coisa que eu peço, aconselho, melhor dizendo, é não tornares a interromper as férias. Sejam as tuas, para falar do Estatuto Político dos Açores; ou as nossas, para promulgar Leis com as quais não está totalmente de acordo. Estes são assuntos que podem esperar um dia ou dois, ou mesmo uma semana. Há outros em que, sim, tens de despir a farda de guia turístico e colocar o chapéu 195 de presidente. Mesmo que depois não te sintas à vontade por não conhecer a pessoa, mesmo que fiques à porta. A não ser que calhe em Agosto. Se assim for, podes ficar à vontade. 196 Os médicos não gostam de mim. Olham-me de lado. Durante muito tempo não conseguia perceber porquê, até que um dia lá descobri. Quando uma pessoa nasce, regra geral, o médico ou a pessoa que ajuda no parto dá sempre uma palmada no rabinho do bebé. Dizem que faz bem. Mas a quem? Um gajo está ali muito bem, dentro da barriga da mãe, decide mudar de ares, e a primeira coisa que lhe fazem é dar-lhe porrada? Bela merda de hospitalidade! Eu sabia da palmada antes de sair e antes que o médico tivesse tempo de fazer fosse o que fosse, atirei-me de cabeça para o chão. Chorei que nem um desalmado, sofri um traumatismo craniano, mas mostrei-lhes quem é que mandava. Não tive praticamente sequelas desse pequeno incidente. É o passarinho! Piu! Piu! A minha vida tem sido igual a tantas outras. Normal e aborrecida, com intervalos de breve excitação. O médico que ajudou a trazer-me ao mundo, não achou graça nenhuma àquilo, ficou todo lixado comigo. É por isso que quando vou a uma consulta ou fazer um exame, sempre que passa um médico por mim, olha-me sempre de lado. Às vezes vão dois a conversar e quase que os oiço. 197 “Foi aquele. Amandou-se de cabeça.” “Ah! Sacana!” É por isso que eles não gostam de mim. E eu também não gosto deles. Quer dizer, não é bem dos médicos que eu não gosto, é mais daquele momento, aquele grande e longo momento, no Centro de Saúde, ou no Consultório, onde esperamos por eles. Eu não percebo nada de sintomas. Quando estou com excesso de muco, nunca sei se é gripe, se é constipação, ou se é resfriado. E como não sei vou ao médico. Não sei porquê, espero sempre que aconteça algo diferente durante a consulta. Mas não. “Ponha a língua de fora”, “Abra a boca”, “Diga 33” É sempre o mesmo discurso. Mais vale usarem um gravador. E por tudo isto, ou, apenas por isto, melhor dizendo, pago 25 euros. Eu sei que é caro, mas já disse que não percebo nada de sintomas. Por isso, quando preciso de ir ao médico, não escolho um Dr. Bayard qualquer. De qualquer modo, 25 euros para descobrir que estou constipado... Mais valia deixar que a doença desaparecesse por si mesma. Ou, caso ela se afeiçoasse a mim, aprender a conhecê-la. Podia nascer dali uma bonita relação de amizade. Mais do que isso não. Sou um homem comprometido e a minha namorada não gostaria que eu a traísse com uma doença. Um café de vez em quando, uma conversa aqui e ali. Nada de muito íntimo. É o gatinho! Miau! Qualquer dia vou ao médico quando estiver são que nem um pêro (Isto está mal. São é plural! Devia ser: são que nem uns pêros!) só para ver o que é que ele diz. Deve 198 ser mais ou menos isto: “É impressão minha ou você está com o síndrome da saúde aguda? Olhe que isso é muito perigoso. Vou-lhe receitar uma pneumonia e uma bronquite. Assim que se começar a sentir mal, venha ter comigo, sim?” 199 Dentro de poucas semanas, o meu primeiro livro estará em circulação. Posso adiantar-vos que é um romance policial com algum fantástico à mistura. Falarei mais acerca disto nos próximos tempos. Por agora, vou falar daquilo que eu mais gosto no mundo da literatura, a seguir à leitura e à escrita: as críticas. Eu gosto de ler críticas. Gosto muito. Não daquelas que me ajudam a decidir sobre a possibilidade de comprar ou não um livro, mas das outras que não se percebe nada. Exemplo: “Trata-se de um livro onde o autor explora um mundo de sentimentos ambíguos movido por uma exorbitância de sentimentos plena rodeada de uma sensibilidade magneticamente extrema elevada ao apogeu do ser humano.” Sim, é tudo muito bonito, muito épico, mas e... a história? Onde é que está a história? Se calhar estão à espera que eu leia esta crítica e pense “Olha! É mesmo este que eu vou comprar.” A verdade é que as críticas não servem para vender os livros. Podem ajudar em alguns casos, mas não é essa a sua principal função. Quando estava a escrever o meu livro, descobri que função é essa e posso dizer que devo ser o único que percebeu isto. Portanto, é meu dever informar-vos do seguinte: a crítica serve para alguns autores perceberem do que é que os seus livros tratam. Eu sei contar a minha história se me perguntarem. 200 Com mais ou menos palavras. Porém, há escritores que não conseguem. Falam da intenção da história, da sua essência, mas sobre o enredo em si, não conseguem dizer nada de jeito. Alguém pergunta, “Então e o seu novo livro é sobre o quê?” E ele responde, “Bom, então isto é... a história... de um homem... que anda à procura da sua identidade. E no fim encontra-a.” O que é que isto nos diz? Um tipo perde uma carteira com os documentos todos e no fim encontra-a. Talvez encontre só o BI. Ora, quando o autor não sabe explicar o seu livro, o que é que ele faz? Vai ter com o crítico e pedelhe para escrever uma crítica ao seu livro. E ele, tudo bem. Depois, o autor lê a crítica e descobre que afinal “o livro é uma amálgama de sexo e violência explorada de forma sensacionalista, cujo intuito é a degradação dos costumes morais da sociedade portuguesa e o incentivo deliberado à devassidão total.” E o autor pensa: “Hum... e eu que até pensava que isto era uma história de amor. Tá visto que me enganei.” Existem várias maneiras de conseguir boas críticas, excelentes críticas. Vou deixar-vos com algumas. Convidar o crítico a escrever a sua opinião sob ameaça de pistola. Raptar o crítico e sujeitá-lo a terapia de choques. Raptar a mulher ou filho do crítico e ameaçar enviar pedacinhos por correio. Fazer uma fotomontagem onde se veja o crítico com criancinhas ou a acender uma fogueira na floresta. Ou a queimar criancinhas numa fogueira na floresta. Para começar é isto. 201 O Carlos é um amigo meu que se irrita muito facilmente. Qualquer coisinha, fica logo virado avesso. Não é bonito de se ver, mas tem a sua piada. Às vezes é engraçado olhar para ele quando está irritado. Quer dizer, eu gosto. Porque ele diz cenas que... Do género, o Carlos chega-se ao pé de mim uma vez e diz-me: “Eh pá! Hoje de manhã quando ia pó trabalho, um gajo meteu-se à minha frente, quase que o ia atropelando. Passei-me logo!” Há muita gente que diz isto: “Passei-me!” Isto é impossível! Ninguém se consegue passar. É impossível! Imaginem: eu vou na rua, vejo uma pessoa e passo por essa pessoa. Essa pessoa passa por mim. Mas eu nunca, nunca, passo por mim mesmo. Nem que seja um clone, irmão gémeo ou alguém que a gente conheça muito bem. Mesmo que eu me cruze com algum eu passado ou futuro, não sou eu. Faz-me alguma impressão, também, aquelas pessoas com aquela mania estúpida de não falarem às pessoas quando as vêem, só para depois poderem dizer: “Vi-te no outro dia.” Como se eu fosse o Homem Invisível e eles me tivessem apanhado na única altura em que eu deixei ver. Eu respondo-lhe sempre da mesma maneira: “Vai-te catar!” 202 Não é simpático. Talvez não. São também estas pessoas que quando vêem alguém conhecido, fingem que não vêem, e depois vêm dizer: "No outro dia passaste por mim. Porque é que não me falaste?" "Porque passei por ti. Se tivesse esbarrado em ti, teria reparado em ti. E aí já te falava." Mas pior que estas são aquelas que não nos deixam ir. Ficamos ali a responder às perguntas delas. Parece um interrogatório da PJ. Não as podemos levar a sério. Temos de lhes mostrar que temos pressa. Podemos tentar ser educados. “Olha, gostava imenso de continuar a conversar sobre o teu quisto. Tenho a certeza que há muitos tidbits interessantes que ainda não me contaste. Infelizmente, tenho um compromisso para o qual não me posso atrasar.” Às vezes, temos de mentir: “Vou ali, venho já.” E não voltamos. Mas quase sempre, temos de ser brutos: “Porra! Além de chato, cheiras mal como tudo!” E vamos embora. Tranquilos, sem olhar para trás. É deixá-los ficar onde estão. Eles hão-de perceber o que aconteceu, mais tarde ou mais cedo. 203 Num qualquer dia do mês de Agosto abrimos um jornal e é isto que lemos: Governo pondera sacrificar raparigas virgens para diminuir o défice. Vai ser difícil nos dias de hoje, mas nunca se sabe. Finanças detêm sem-abrigo por suspeitas de rendimentos não declarados. Veio-se confirmar mais tarde que aqueles dois cêntimos não foram ofertados e sim encontrados por acaso. Após o pagamento da respectiva taxa, o sem-abrigo pôde ir à sua vida. Numa aldeiazinha bem no interior do país, uma velhinha queixa-se de não ser abusada ou aldrabada por ninguém. A senhora pede ajuda para fazer participar num daqueles programas de plásticas para, e cito, “ver se alguém me pega”. Empresas de lavagem de dinheiro abrem concurso para escolha de novo detergente. A decisão final terá lugar daqui a três dias e contará com a presença da ASAE para verificar se o dinheiro fica mesmo bem lavado. Estudo conclui que Fármaco anti-tabaco causa suicídio. Um outro estudo indica que o preço também. Em Moimenta da Beira, foi detido um homem suspeito de ter morto os próprios pais à 204 machadada. Quando levado perante o Juiz, o homem pediu clemência uma vez que era órfão. Mais uma notícia inesperada. Uma mulher caiu do sexto andar e morreu. O que vale é que teve morte rápida. Associação de Mutilados de Guerra cessa funções. Nas palavras do director Semedo Lopes, “O projecto já não tinha pernas para andar.” No campo da ciência, foram publicados dois estudos muito interessantes. No primeiro um grupo de peritos em gastronomia conclui que “Comida de plástico afinal não é de plástico” No segundo, cientistas descobrem que “se não respirarmos, morremos”. No desporto não se passou nada hoje. Mas houve rumores de um campo pelado preso por atentado ao pudor. Tentaremos desenvolver mais esta notícia durante as próximas horas. Segue agora uma sugestão cultural: “Coisas doces sem açúcar”, o best-seller de Manuel Luis Goucha, vai ser adaptado para teatro de marionetas. A encenação do espectáculo ficará a cargo de Filipe La Féria. Confirmada está já a presença de Diogo Morgado como a bavaroise de ananás e de Soraia Chaves como a mousse de marmelos. Por fim, uma história curiosa para todos nós pensarmos um pouco. Isaías Montevideu, desempregado e desconfiado, vivia sozinho. Os dias eram difíceis, o futuro pouco promissor. Rezava por uma oportunidade, uma chance de melhorar a sua vida. E um dia a sorte grande bateu-lhe à porta, mas como tinha ar de 205 ser testemunha de Jeová, Isaías não abriu. E foi expulso ontem de casa por não ter pago a renda dos últimos seis meses. A informação segue dentro de momentos. 206 Nós não estimamos o que temos. A única altura em que damos valor ao que é nosso é quando algum estrangeiro fala mal disso. De certeza que já viram algo assim. Vão a uma Loja do Cidadão e está lá um brasuca a falar mal do atendimento e vocês, ou alguém, chamam-no à atenção, dizem-lhe para voltar para a terra dele, ou então não dizem nada e ficam a resmungar. Depois, chega vossa vez e dizem bem pior do que ele. Poderá parecer uma contradição, mas não é. É simplesmente a natureza humana em acção. Nós não valorizamos o que temos, a não ser que falem mal disso, ou a não ser que estrangeiros ricos gostem. De tudo aquilo que não estimamos, o que estimamos menos é a cultura. Algumas coisas eu lamento que não sejam melhor estimadas. Outras, compreende-se porque são votadas ao esquecimento. E depois há outras em que saímos do campo da cultura e entramos no campo do fanatismo. Em Lisboa terá sido demolido um prédio que terá tido como inquilino Fernando Pessoa. (Eu digo terá sido porque não posso confirmar neste momento que essa obra tenha ido para a frente. É verdade que podia ir ao local e confirmar por mim mesmo, mas isso é para quem não tem o que fazer.) O prédio, que estava ao abandono, irá dar lugar a um 207 projecto de luxo. Isto, para algumas pessoas, é aceitável, é lógico. O prédio estava em risco de derrocada, não havia como restaurá-lo, tinha de ir abaixo. Aparentemente, não havia muito a discutir, mas já se sabe como é que nós somos. Não temos por hábito estimar, só que quando estimamos é a sério; só ao fim de nove anos é que a coisa se resolveu de vez. A mim, confesso que me faz confusão este seguidismo. Não falo do caso de Fernando Pessoa, que até foi um autor que eu aprecio bastante, mas da obsessão geral que algumas pessoas têm em relação aos seus ídolos. Eu gosto do Fernando Pessoa, mas mas não acho que seja assim tão importante conservar a cama onde ele dormiu entre 1915 e 1916. Pergunto-me como seria se Fernando Pessoa e outros artistas da época tivessem tido clubes de fãs como têm os artistas de hoje em dia? Imagino o cartaz do Festival Orpheu Alive. Almada Negreiros na abertura, seguido de Mário de Sá-Carneiro. Como cabeça de cartaz, o sonho de qualquer produtor, quatro artistas pelo preço de um. Apesar de Fernando Pessoa ter dezenas de heterónimos, duvido que todos eles tivessem a mesma presença de palco. De certo modo, isto faz-me pensar nas adolescentes com os seus posters da saga Twilight e dos Tokyo Hotel. Com uma diferença claro: se os fãs de Fernando Pessoa se limitassem a ficar apenas com a obra do poeta, ainda ficariam com um espólio considerável. Coisa que não aconteceria com essas adolescentes, caso elas resolvessem fazer o mesmo. 208 Ainda mal acabou a época de incêndios deste ano e já se discutem novas medidas para evitar que o próximo ano seja igual a este. Apesar de alguns pessimistas vaticinarem que será ainda pior, eu sou daqueles que acham que, por fim, estamos no caminho certo. Falou-se muito da falta de limpeza das matas. Parece que foi esse o grande causador dos incêndios florestais. Nomeadamente daqueles que, vistos de cima, formam uma bonita linha recta. É isto que eu gosto nos incêndios naturais: têm uma rectidão que não se encontra nos incêndios premeditados. Portanto, estamos de acordo que é preciso atacar este flagelo, certo? Muito bem! Desta é que vai ser! Vamos nos juntar aos espanhóis e juntos vamos acabar de vez com estes malditos incêndios! Não vamos olhar a meios! Em termos práticos em que é que isto consiste? Para começar, fez-se um investimento de 48 milhões de Euros em 150 mil cabras, que serão distribuídas nas zonas raianas dos distritos da Guarda, Bragança, Zamora e Salamanca. Foi esta a ideia maravilha. Self-prevention foi o que lhe chamaram. Devem ter achado que um nome inglês trazia mais credibilidade à coisa. José Luís Pascoal, presidente do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Duero-Douro, diz que este projecto permitirá a prevenção de incêndios, mas também “o desenvolvimento económico e rural” daquelas 209 zonas. Como? Duma forma tão simples que até me admira ninguém se ter lembrado disto antes. As cabras serão colocadas nos campos agrícolas e montes abandonados. (Agora vem a parte boa!) Esta foi a forma encontrada para evitar fogos florestais, uma vez que os terrenos ficaram* “livres de vegetação”, concluiu o senhor José. Tenho de fazer uma pausa aqui porque, a sério que não percebo. 48 milhões de Euros gastos em 150 mil cabras para prevenir incêndios. As cabras comem a relvinha e o mato e pronto. Até aqui tudo bem. Só não percebo é que raio de prevenção elas vão fazer em sítios que já arderam? Talvez eu esteja a perceber mal a ideia, talvez ela tenha sido mal explicada. Parece-me, no entanto, como pessoa citadina com pouco conhecimento do que é viver no campo, que é preciso prevenir incêndios nos locais ainda não ardidos. Parece-me. Caso contrário, a coisa perde um pouco o seu propósito. É verdade que muitas pessoas irão beneficiar disto. Pastores, produtores de queijo e matadouros. Dá a ideia que isto não é para durar muito tempo. Pensava eu: se eles vão pôr as cabras em zonas ardidas, o que é que elas vão comer? A presença de matadouros na zona diz-me que elas não vão ficar lá muito tempo. Uma tosquiadela, uma recolha de leite e lá vão elas para o matadouro. *Nada me tira da cabeça que o jornalista que escreveu este artigo transcreveu ao fonema aquilo que o entrevistado disse. Se ele tivesse escrito ficarão, o texto faria mais sentido. Ainda bem que não o fez, senão eu ficaria sem artigo. 210 Nos meandros das altas esferas do poder político e empresarial são habituais certos procedimentos, ditos “impróprios” noutras áreas. Alguns desses procedimentos são expectáveis, outros apenas aceitáveis e outros inevitáveis. Na sua vasta panóplia incluem-se a tramóia, o compadrio, a moscambilha e a corrupção. Por questões de espaço, enumero apenas as principais variantes. Eu gosto de olhar para estes procedimentos como se fossem uma espécie de roda dentada. Uma rodazinha, perdida entre duas rodas grandalhonas, tão pequenina que mal se vê. Parece que não faz lá nada, mas, sem ela, a engrenagem fica toda emperrada. Seria preferível que as coisas funcionassem sem este elemento. Contudo, o mundo em que vivemos não é esse. É preciso que nos habituemos ao que temos, não ao que gostaríamos de ter. Quer os aceitemos, quer não, estes procedimentos fazem parte do sistema. Julgo que por esta altura estará a pensar que, ao escrever isto, eu pretendo fazer como que uma apologia do incorrecto. É natural que pense assim, já que muito raramente me percebem à primeira. Pois bem, engana-se. Refiro-me a estes procedimentos como partes feias que podemos esconder, podemos disfarçar, mas das quais não 211 nos podemos livrar definitivamente. É como aquele quadro horrível que o amigo pintor nos ofereceu, que só vai para a parede quando o autor vai lá a casa. O resto do tempo está guardado num caixote, dentro dum cofre, trancado numa cave. O problema surge quando se julga que o recurso a esta forma de auxílio está ao alcance de qualquer um. É preciso ter uma boa margem de manobra. Não se trata de ter dinheiro para corromper, trata-se de conseguir convencer de que se tem dinheiro. É preciso rigor, segurança e evidências. Para se enganar alguém é preciso o mínimo de sustentabilidade e isso nem sempre acontece. Como já o disse várias vezes, a tramóia e o compadrio são peças que gostaríamos de não ter. Mas temos. Em alguns casos, graças ao profissionalismo e ao rigor dos seus executantes, são feitos acordos secretos, compramse submarinos, constroem-se centros comerciais, vendem-se computadores. Depois temos os outros casos, em que é tudo feito às três pancadas, a coisa corre mal e a Playboy portuguesa é cancelada. Tolera-se que os impostos aumentem para pagar a compra de dois submarinos que não fazem falta nenhuma. (É um bocado como pagar aulas de arco e flecha ao filho. A não ser que ele resolva ir viver para o mato, aquilo nunca terá grande utilidade no dia a dia.) Todavia, é inadmissível que percamos um dos melhores acessos a fotografias de mulheres portuguesas (famosas antes ou depois) sem roupa. Particularmente numa altura em que muita professora não colocada considerava seguir o 212 exemplo da sua ex-colega Bruna Real. É de lamentar tanta desconsideração por uma classe profissional de que tanta ajuda precisa. 213 A SUA VERRUGA NÃO É ASSIM TÃO GRANDE COMO REMOVER UM RIM E OUTROS ÓRGÃOS COISAS SALGADAS SEM SAL A DESCRIÇÃO DETALHADA DE TODOS OS ACIDENTES COM MOTOCICLOS NO IC-19 FOTOGRAFIA DIGITAL COM UM RELÓGIO DE BOLSO GUIA MICHELIN DA “ZONA VERMELHA” DE AMESTERDÃO OS MELHORES LOCAIS PARA ABANDONAR O SEU ANIMAL DE ESTIMAÇÃO NAS FÉRIAS 150 PÁGINAS DE PAUTAS PARA SAPATEADO MOSCOVITA ARRANJOS FLORAIS COM ERVAS DANINHAS ONDE ENTERRAR O CORPO DA SUA SOGRA SEM SER APANHADO SOLUÇÕES SALINAS PARA PESSOAS COM PROBLEMAS DE COLESTEROL CIRURGIA PLÁSTICA PARA TOTÓS A EMOCIONANTE VIDA DE UM NOTÁRIO O LIVRO DE TODAS AS ESTAMPILHAS COM FIGURAS DE QUE NINGUÉM SE LEMBRA ACTAS DO CONSELHO DE MINISTROS DO GOVERNO DE PEDRO SANTANA LOPES O POUPAS BEBEU UM COPINHO A MAIS 214 ANEDOTAS PARA CONTAR EM MOMENTOS INCÓMODOS CONSTRUÇÕES COM COTONETES CARTA DE VINHOS DO 'TOCA DA RAPOSA' UMA LISTA DE TUDO O QUE PODE ENCONTRAR NUMA MALA DE SENHORA 215 Tinha colegas meus que além da escola tinham actividades extra-curriculares. Escuteiros, por exemplo. Eu nunca fui escuteiro, mas tive muitos colegas que foram. No outro dia até pensei, e isto pode até parecer de mau gosto, mas o que é facto é que se há uns anos atrás a Casa Pia tivesse Lobitos, não seriam Lobitos e sim Lombitos. O meu melhor amigo dos meus tempos de préprimária foi lobito. Não foi mais longe que isso porque ele, coitado, era um pouco burro. Lembro-me de ter visto uma cassete que os pais dele gravaram quando ele foi fazer a sua primeira caminhada. Aquilo era engraçado porque só se viam os putos com aquele ar nervoso, de quem não sabe o que vai acontecer. E tínhamos também, é claro, as recomendações dos pais. Aquelas frases que ficam sempre bem nestas alturas. “Põe a camisola para dentro!” “Não andes com os atacadores desatados!” “Levas a tua garrafinha de água?” “Não saias do pé dos outros meninos!” Este meu amigo entrou para a Escola da GNR. É natural, já que ele não tinha inteligência para ir trabalhar em nenhuma loja de fast-food. Entretanto, já mais velho, foi para o Iraque. Por acaso, os pais dele resolveram filmar mais esta partida do filho. E novamente vieram as velhas recomendações. Só que, já não estamos a lidar 216 com crianças que vão acampar numa mata, onde o maior perigo que podem enfrentar é um esquilo descontente. Estamos a lidar com homens, altamente treinados que vão entrar num cenário de guerra. Homens preparados para matar. As recomendações de antigamente já não têm o mesmo efeito. Mas eles dizem-nas à mesma. “Não te esqueças do capacete.” “Não vás pra lado nenhum com pessoas que não conheças.” “Não fiques acordado até tarde.” “Se alguém disparar contra ti, desvia-te.” “Não digas que vais para a guerra e depois vais para a discoteca. Olha que a gente sabe sempre.” “Come a horas decentes e não te ponhas a comer porcarias que só te fazem mal.” A minha favorita era esta: “Porta-te bem e não te metas em confusões para não ficares mal visto senão para a próxima ficas em casa.” Passe o tempo que passar, há pais que continuarão a ver os seus filhos como crianças. Isto tem o seu lado carinhoso, mas tem também um lado MUITO embaraçoso. Sobre isso falaremos outro dia. Por agora, deixo-vos com uma última expressão paternal, uma expressão que se costuma dizer quando as crianças não querem comer e que é: “Tens mais olhos que barriga.” Muito bem, para que saibam, toda a gente, toda, tem mais olhos que barriga. Quem não tiver, quem tiver tantos olhos como barriga, das duas uma, ou é anormal ou é zarolho. Fazem as crianças sentirem-se mal com isso 217 sem razão nenhuma. Depois queixam-se que há muita violência infantil. 218 A velha tradição portuguesa de fazer tudo diferente dos outros leva, por vezes, a situações bizarras. Se, por um lado, temos um Segredo de Justiça mais fragilizado do que um vidro rachado, por outro temos a mania, ou a pretensão, de querer dar demasiada importância a coisas banais. Bom, não se trata exactamente de coisas banais, mas, de qualquer modo, a necessidade de mantê-las em segredo é escusada. Há meses atrás, quando se descobriu a arrecadação da ETA na zona das Caldas (houve quem quisesse chamar àquilo "célula"), falou-se muito da Estratégia Europeia de Contraterrorismo e da lacuna que Portugal tinha no desenvolvimento de um plano oficial anti-terrorismo. Isto foi em Junho, passaram-se três meses, e a coisa mudou um pouco. Para começar, já temos uma Estratégia Nacional de Contra-terrorismo. Cinco anos depois da União Europeia ter difundido o seu plano anti-terrorista, cá estamos. Levámos mais tempo porque somos todos muito bons e não quisemos nada disso. Papinha feita é para os outros. Nós gostamos de fazer as coisas à nossa maneira. E contra isso eu não tenho nada a dizer. Acho, no entanto, que foi um pouco estranha a decisão de tornar secreto esse nosso plano. Levámos tanto tempo a escrevê-lo que, na minha opinião, fazia mais sentido um 219 programa de televisão sobre isto do que sobre quaisquer sete maravilhas. O Malato, o Jorge, a Catarina, até mesmo a Serenela, deviam apresentar uma Gala da Estratégia Nacional de Contraterrorismo. A Romana, o Toy e os Pólo Norte podiam ser os convidados musicais. Em vez disso, resolveram escondê-lo. Ou aquilo ficou muito feio, cheio de palavras mal escritas; ou está tão bom que não querem deixar ninguém ver. Eu vou mais pela terceira hipótese, que é: não fizeram nada e estão a armar-se ao pingarelho. Na escola, levava os trabalhos numa disquete, e punha uma password. Só que a password não funcionava. "Devo ter carregado no shift sem querer, professor." Nós estamos a falar de algo cuja base pode ser consultada no site da UE por qualquer cidadão, incluíndo terroristas. Aquilo que para a Europa deve ser do conhecimento público, os nossos governantes acham que deve ser guardado a sete chaves. Segundo a legislação, os documentos podem ser classificados como muito secreto, secreto, confidencial e reservado. A Estratégia Nacional de Contraterrorismo foi classificada de "confidencial", grau aplicado "às matérias cujo conhecimento por pessoas não autorizadas possa ser prejudicial para os interesses do País, ou dos seus aliados, ou de organizações de que Portugal faça parte". Estes documentos só podem ser acedidos por altos responsáveis credenciados pela Autoridade Nacional de Segurança. Ou, no caso de se esquecerem das credenciais em casa, qualquer pessoa com acesso à Internet. 220 O que distingue um católico dum muçulmano? Muita coisa. Primeira: os católicos adoram um sujeito que era filho dum homem invisível, os muçulmanos seguem um tipo que se achava feio demais para ser representado. Mais diferenças: os católicos podem consumir álcool, os muçulmanos são a favor da poligamia. Na prática, para os católicos a regra é "até que a morte vos separe", o sagrado matrimónio, UMA mulher; os muçulmanos têm direito a cinco. O que é estranho, porque os católicos é que têm a Santíssima Trindade. Deviam ter direito a três. Depois vem a parte do pecado. Quem se porta bem, vai para o Céu. Os muçulmanos têm 70 virgens à espera; duvido que que os católicos tenham uma tasca no Céu. Aliás, esta é uma das razões que me leva a pensar que talvez o Céu não seja tão bom quanto querem fazer parecer. Ir para o Céu é mau. Digo eu. Olhem para Adão e Eva. Expulsos do Paraíso por causa duma maçã. Dizem que não fizeram de propósito. Será que não? Vejam o caso de Jesus. Jesus teve uma vida imaculada, ausente de pecados, resistiu à tentação. A sua pureza levou-o para o Céu. Esteve lá três dias e bazou. Foi dos poucos conhecidos que, indiscutivelmente, mereceu ir para o Céu e não ficou convencido com as condições que lhe eram oferecidas. Bom... ele ia viver 221 com o pai. Ser filho de Deus também não deve ser fácil. Não há privacidade nenhuma. "Pai, importa-se de sair do meu quarto?" "Ó filho, sabes bem que não posso." O Inferno, por outro lado, deve ser bom. Pensem naqueles que fizeram asneira, curtiram que nem uns doidos, roubaram, mataram, enganaram. Foram parar ao inferno. Quantos é que voltaram para dizer que aquilo não presta? E para os muçulmanos... 70 virgens? Uma já é difícil de convencer, quanto mais 70! Estão sempre à espera "da pessoa certa" São 70 vezes a ouvir aquela conversa do "Prometes que não me magoas?" ou "Gostas mesmo de mim?" 70 para um. São 70 prendas de aniversário. Imaginem como será no Dia dos Namorados. Faço ideia se houver restaurantes no Céu. "Era uma mesa para 71." "Para 71 não tenho. Só 69. Há dois que ficam de fora." Outra questão nesta cena das 70 virgens. Ninguém fala de idade, peso, altura ou sexo e eu acho que são dados importantes. 70 virgens não significa 70 virgens mulheres. Um gajo pode chegar lá todo convencido e de repente... Porque isto de ir para o Céu, seja em que religião for, é um acto de compensação. Nós portamos-nos bem, porque estamos à espera de algo bom. Pensem numa criança que se porta bem o ano inteiro para receber uma certa prenda no Natal e chega ao dia e recebe uma porcaria qualquer. O pessoal, enquanto é vivo, não mata, não rouba, cumpre as regras, vai para o céu e tem: Opção A, 70 virgens; opção B, ficar sem sexo, sentado 222 numa nuvem a ver quem se porta mal cá em baixo. Passamos a ser chibos. E a denúncia é considerada pecado. Isso não é o Céu, é o Inferno. 223 Pedro Passos Coelho começou a atacar em força o Governo. É preciso mudar de Executivo, diz o Pedro. Hum... Espera lá. É impressão minha ou este inchar de peito apareceu só depois de passar o prazo em que o Presidente Cavaco podia dissolver a Assembleia? Pedrito, Pedrito, todo armado em fanfarrão para quê? O tio Cavaco já não pode mandar o menino Zé para o castigo. Se o provocas, tens de te ver com ele e olha que ele não é pêra doce. Fico contente por saber que já falas em público sem ser às refeições. Não era por nada, mas essa barriguita já começava a ganhar uma certa proeminência. Se queres chegar a Primeiro-Ministro, não basta saber sorrir; a forma física também é muito importante. Atenção a isso. Sobre as declarações propriamente ditas, Passos Coelho diz que necessário “ultrapassar preconceitos”. Concordo. Desde que isso não obrigue a ir por nenhuma SCUT. Da maneira que isso está, palpita-me que tão cedo não os apanharíamos. Diz também que é preciso “estabelecer regras para actuar com base nas possibilidades existentes. Ora, até 224 que fim! Até que fim que alguém tem coragem de dizer isto publicamente duma vez por todas! Eu sempre fui um defensor do estabelecimento de regras de actuação e sempre defendi que essas regras deviam ser definidas com base nas possibilidades existentes. O problema é que, quando eu falo, ninguém me ouve. Eu até disse que não seria boa ideia estabelecer regras de actuação com base nas possibilidades não existentes. Pode parecer mais tentador, no sentido em que se pode pôr lá qualquer coisa, porém, obriga-nos a pensar mais. Dessa vez, vá lá, até me deram ouvidos. A fechar, a declaração da noite. “É a oposição que está a ter o realismo e a responsabilidade que são o papel do Governo.” Faltou o ponto de interrogação. E a resposta é... não, não está. Isso quer dizer que o Governo está a ser realista e responsável. Outra vez o ponto de interrogação. E não, não está. Portanto, o que é que temos aqui? Dois senhores, dois senhores que blá blá blá muito, mas porrada 'tá quieto. Passos Coelho e Sócrates dançam, trocam injúrias, calúnias, são cão e gato em público. Parecem muito diferentes, mas ambos largam pêlo e comem duma tigela. Até 1906, 1907 existia o rotativismo parlamentar. Quando o Rei se fartava farto do partido no poder, saia esse e entrava O outro; depois o Rei fartava-se desse e regressava o anterior. Hoje em dia, essa rotação é imposta por sufrágio. O que quero dizer com isto? Que Sócrates e Passos Coelho são duas faces da mesma moeda? Não exactamente. Eu diria mais que são a mesma face; o que está no outro lado, isso sim é a Oposição. 225 O stress pode ser evitado se tivermos um bom despertador. Digo eu. O meu despertador é daqueles electrónicos. Acordo sempre com aquele irritante som do alarme. A primeira coisa que faço é desligá-lo. Quando isso não resulta, o melhor a fazer é pegar nele e atirá-lo contra a parede. Gostava de ter um despertador que abrisse a janela do meu quarto e deixasse a luz do sol entrar devagarinho, que se aproximasse de mim e me tocasse gentilmente nas costas, suspirando no meu ouvido: “Acorda. Tens que ir fazer o teu serviço. O mundo precisa de ti.” Já pensaram como seria ter um despertador assim? Sentir-nos-íamos mais importantes, não era? Ficávamos com mais ânimo ao levantar. Quando eu era pequeno, o meu despertador era a minha mãe. Ela entrava no meu quarto, acendia a luz, puxava os lençóis para trás e gritava: “Vá! Toca a acordar!” O problema não era puxar os lençóis. A mudança de temperatura não era muito importante. A não ser no Inverno. Costumava dormir com dois cobertores em cima e de repente ficava sem nada. Nada. Um lençol, dois cobertores e um édredon em cima e depois... nada. O maior problema deste tipo de despertador era eu não poder colocar a minha mãe no modo standby. Seria tão 226 bom, tão prático. Carregava no botão e a minha mãe ficava tipo estátua. O pior era se me enganasse e carregasse no snooze. Passado um bocado voltava tudo ao mesmo. Depois, lá acordava. Tinha de ir de autocarro para a escola. Às vezes perdia o autocarro e tinha de ficar meia hora à espera do próximo. Não podia apanhar boleia de ninguém, porque a minha mãe dizia-me sempre para não aceitar boleias de gente estranha. E no sítio onde eu moro, o que não falta são pessoas estranhas. Mas estas recomendações são bastante comuns. Os pais diziam sempre isso, não era? E os de hoje também. Às vezes, com razão. Quem ouviu isso enquanto filho, dá por si a fazer o mesmo aviso enquanto pai. “Não aceites boleia de estranhos. Se não tiveres dinheiro para o autocarro, chama um táxi que nós depois pagamos.” Nunca ouviram isso? Eu gostava. Quando era novo, não prestava muita atenção, mas agora, pensando bem, é um pouco contraditório. Eu não podia aceitar boleia de estranhos, mas não havia problema nenhum em entrar num táxi, com um sujeito que eu não conhecia de lado nenhum, e dar-lhe dinheiro para ele me levar até à escola, ou até casa. E se o taxista for um assaltante ou, mesmo, um assassino? Há umas semanas atrás, em Londres, um taxista passou-se dos carretos e matou várias pessoas a tiro. Temos a ilusão de que ele não nos vai fazer mal só por lhe estarmos a a pagar. Não é uma garantia muito segura, pois não? 227 Ponto de situação: o país está congelado pelo medo. Os nossos responsáveis líderes políticos bem que nos tentam avisar, mas nós não ligamos aos seus avisos. Após um início auspicioso, em que até dançaram juntos (um deles chegou a ir a Espanha tecer elogios ao seu opositor, o que é uma atitude um pouco estranha, mas que parece bem), Sócrates e Passos Coelho não se entendem quanto ao Orçamento. O PS quer aumentar os impostos, o PSD quer diminuir a despesa, ambos dizem que não aprovarão o Orçamento de Estado se as suas propostas não forem aceites. No meu tempo, se eu fizesse birra como estes dois estão a fazer, levava uma galheta e ficava o assunto resolvido. "Não quero comer peixe!" dizia eu. E diziam para mim, "Não queres, vais para o quarto sem jantar." Pretendo com isto dizer que o senhor Cavaco devia dar um puxão de orelhas a estes dois garotos? Nada disso. Já são crescidos demais; não ia adiantar nada. Uma vez que já são crescidos e sendo que não podemos lidar com eles como se crianças fossem, o que se pede a José Sócrates e a Pedro Passos Coelho é uma atitude responsável e que se deixem de merdinhas duma vez por todas. Não ficava mal e o país agradecia. A consequência, ou uma das consequências, mais imediata da não-aprovação do Orçamento de Estado é a 228 vinda do FMI para Portugal. Sobre isso, muitos líderes, comentadores, ex-titulares de órgãos de soberania, etc., têm dito horrores. "É o fim do mundo!" Cada um defende o seu ponto de vista, não reconhecendo qualquer aspecto válido nos argmentos dos opositores. Poderá parecer uma atitude pouco alarmista, mas os nossos políticos têm razões para temer a vinda do FMI para Portugal. Ter alguém a gerir as nossas contas públicas de forma responsável, sem meter dinheiro ao bolso (aqui, talvez me engane), seria quase como um choque térmico. A resultar colocaria a nossa classe política numa posição de muita fragilidade, embore eu ache que a principal razão para esta aversão ao FMI é por ser "gente de fora". Para evitar a vinda do FMI é preciso aprovar o Orçamento e, para isso, é preciso que PS e PSD se entendam. Ora, eu até sou um rapaz novo, mas ainda sou do tempo em que o PS e o PSD se encontravam em lados diferentes do espectro político. Em teoria (friso, em teoria), são partidos opostos. A que ponto chegámos nós em que é preciso dois opositores de ideais opostos colocarem de parte as suas diferenças e chegarem a um entendimento? Qual atitude responsável, qual quê! Homem que é homem, resolve os seus problemas à pêra! Não é cá com falinhas mansas! "Olha, se não fazes isto eu não aprovo o Orçamento!", "Ai é? E tu se não me deixas fazer isso, eu vou-me embora!" Façam-se homens e andem à porrada. Poderia não resolver nada à mesma, continuar tudo num impasse, mas sempre animava um pouco as coisas. 229 Têm sido muitas as vozes que se têm manifestado contra a pena de morte atribuída à iraniana Sakineh Ashtiani pelo crime de adultério. Pouco se pode dizer acerca deste caso que se contenha alguma comicidade. Já sobre situações paralelas, a história é outra. Como é normal nestes casos de injustiça que ganham popularidade, às vozes do povo juntam-se também vozes de famosos e poderosos. Pessoas que, mais do que dizer, podem fazer algo para evitar que isto aconteça. A declaração mais recente veio da primeira-dama francesa, Carla Bruni, que defendeu publicamente os direitos da condenada Sakineh Ashtiani. A parte engraçada vem agora, mas antes de passar isso, deixem-me fazer um pequeno aparte. O humor é contextual. O que, para nós, tem piada, para outra pessoa, pode não ter. A noção de crime e de ética segue o mesmo padrão. Continuando. Carla Bruni defendeu Sakineh Ashtiani. E o que é que aconteceu depois? O jornal Kayhan, assumindo-se como regente moral dos valores iranianos, referiu-se a Bruni como uma “prostituta italiana” que “merece a morte” pela sua “vida imoral”. A piada está quase, calma. Após as declarações de Bruni e do Kayhan, foi a vez do 230 presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad intervir. E ele interveio, considerando como crime, não alguém ser condenado à morte por cometer adultério APÓS a morte do marido, mas um jornal do seu país ofender uma dignidade estrangeira. “Que tipo de Islão permite isto?”, pergunta o Ahmadinejad. E com razão. A Carla Bruni é uma senhora atraente. Já a senhora Sakineh, talvez seja da roupa, mas não dá para perceber muito bem se o que está debaixo dos trapos é algo que faça um homem olhar para trás quando ela passa. Peço desculpa por ser tão insensível, mas é assim que as coisas são. Não é uma questão de dizer se o que eles fazem no Irão é certo ou errado. Do nosso ponto de vista é errado, mas isso não conta para nada. A questão fulcral é: quais são as intenções de Ahmadinejad em relação a Carla Bruni? Parece-me que ele está a fazer-se ao lance. Por duas razões. A primeira, porque pode. No Irão, ele pode ter as mulheres que quiser; ainda para mais, sendo ele presidente. A segunda, porque Carla Bruni não tem estado nas notícias por fazer coisas muito acertadas. O dia em que Carla Bruni chegue a casa e tenha os sacos do Modelo à porta poderá não estar muito distante. Ahmadinejad assim o espera. E quando isso acontecer, ela lembrar-se-á de quem considerou crime um jornal ofendê-la por ela ter defendido a vida duma mulher. Estas são situações que podem gerar alguma controvérsia diplomática e que só pecam por tardias. Afinal, a silly season já terminou há quase um mês. 231 Eu acho que 23 por cento de IVA é um escândalo. De todas as medidas que podiam (e deviam) ter tomado, foram escolher a piorzinha de todas. Quase um quarto do que pagamos por um produto vai para os cofres do Estado. Mas isso tem algum jeito? Quase um quarto? Mas que raio de porção é essa? Ninguém vai a uma loja e pede quase um quarto de um quilo de batatas. Ninguém pede quase um quarto de água. Se querem parecer austeros, tomem atitudes austeras! Como é que os senhores do estrangeiros vão passar a olhar para nós? Certamente com alguma pena, alguma desconfiança, diria mesmo algum repúdio. Este “quase” um quarto é indigno, é sinal de preguiça. Pior do que isso, topa-se à distância que é para enganar otários. Não está em causa que o objectivo primário é extorquir mais um bocadinho quem já está paupérrimo de recursos; o que falta (no meu entender) é uma certa subtileza. Podemos fazer as coisas à bruta ou podemos fazê-las com alguma elegância e aqui optámos pela elegânciazinha bruta. Por toda a Europa têm-se propagado as medidas de austeridade; umas mais austeras do que outras. Não fomos dos mais austeros, é verdade, mas também não fomos dos mais desleixados. Há que ter em conta que a austeridade duma medida não se avalia só pela medida em si, mas pelo efeito que tem no país em que é 232 implementada. Em certos países, as nossas medidas seriam uma lufada de ar fresco, noutros seriam um tiro na cabeça. O que coloca Portugal no ridículo é o facto de não nos mostrarmos com garra suficiente para fazermos um aumento do IVA a sério. Eu preferia que não houvesse IVA, mas, não sendo isso possível, preferia que ele tivesse um valor mais baixo, tipo 10%. O 10 é um número bonito, tem qualquer coisa de mágico. Os 10 melhores, os 10 mais procurados, os 10 piores. Para o bem e para o mal, o 10 tem uma aura. Com o 25 sucederia o mesmo. Com algumas nuances. Além de ser também uma percentagem redonda, os responsáveis por essa medida podiam sempre invocar o 25 de Abril como justificação. “O país atravessa uma grave crise financeira, económica e social. Numa sociedade em constante mudança, é preciso que todos deiamos as mãos e honremos os valores de Abril. O Governo acredita que a forma mais justa de equilibrar as contas públicas e, ao mesmo tempo, fazer uma homenagem a um dos acontecimentos mais marcantes da História de Portugal, o 25 de Abril de 1974, é aumentarmos o IVA para 25 por cento.” Isto vai acontecer qualquer dia e eu não me importarei. Não me importarei porque já estou preparado para isso.Vai acontecer mais tarde ou mais cedo. Não faço ideia se as medidas de austeridade são suficientes ou não para resolver os problemas do país nem me interessa. Não é falta de interesse da minha parte. Eu gostaria que os problemas do país (a começar por 233 sermos um país a sério) fossem resolvidos. A questão é que este dinheiro não resolve os nossos problemas, resolve os deles. Uma última nota, que tem pouco a ver com o tema, mas eu achei que ficava bem mencionar: Portugal não vende ouro desde 2006 e as nossas reservas valem 11,8 mil milhões de euros. O dinheiro que o Estado vai poupar com os três PEC é de 11,215 mil milhões de Euros. Nunca fui bom aluno a Matemática, mas parece-me que chegava para pagar qualquer coisinha. Infelizmente, quem toma conta do ouro quer antes tê-lo sossegadito no cofre e espreitar de vez em quando para ver se está tudo bem do que gastá-lo. Compreende-se porquê: o ouro é o único metal precioso que se reproduz em cativeiro. 234 As pessoas quando chegam a velhas ficam xexés. É certo que isto não acontece a todas. Há aquelas que ficam xexés pelo caminho, há as outras que morrem antes disso e há aquelas, raras, que mantém uma lucidez do mais lúcido que há durante toda a vida. Na Lousã, por exemplo, está em julgamento o caso dum senhor que decidiu oferecer um jipe a cada um dos trabalhadores da sua fábrica. Os parentes do senhor não gostaram da sua atitude e levaram o caso a Tribunal. Neste caso, os xexés são os parentes, já que o senhor está morto há coisa de dez anos. (Eu acho que com o dinheiro que eles já gastaram em despesas de representação, tinham poupado mais em deixar o pessoal ficar com os jipes.) Outro senhor que não sabia o que fazer ao dinheiro e resolveu oferecer 500 milhões de euros para uma Fundação, desde que a Fundação tivesse o seu nome: o senhor Champalimaud. A prova que o senhor estava xexé nos últimos momentos de vida, ou no momento em que resolveu fazer esse negócio, está no seguinte: 500 milhões de euros para serem geridos por Leonor Beleza. Aos mais novos que me estão a ler, Leonor Beleza é uma senhora (à falta de melhor termo) que esteve envolvida num caso mui polémico. E perguntam vocês, Mas se ela está à frente duma Fundação destas é porque 235 foi considerada inocente, certo? Errado. E tudo porque em Portugal o nosso sistema de justiça funciona da seguinte maneira: Temos uma senhora (chamemos-lhe Leonor Beleza, só como exemplo), que como Ministra da Saúde em Portugal é responsável pelo que se faz nos hospitais portugueses. É verdade que isto não implica que a senhora ande a saltitar de hospital em hospital a ver se fazem tudo bem, mas obriga a uma grande dose de responsabilidade. Como a senhora não prestou a atenção que devia, houve senhores que fizeram dói-dóis e foram para o hospital levar sangue. Só que o sangue não estava bom, tinha bichinhos lá dentro, e as pessoas ficaram doentes e morreram. Ou estão a morrer. Num país em que a Justiça funcionasse de forma rápida, esta senhora teria ido a julgamento e teria ido parar com os ossinhos à cadeia, onde lhe teriam feito em sentido literal aquilo que ela e seus colegas de Governo tinham-nos feito em sentido figurativo. Em Portugal o processo arrastou-se durante anos, até que chegámos a 2007 e o processo prescreveu de vez e a senhora ficou livre para dirigir uma Fundação. Eu já visitei o novo Centro Champalimaud e devo dizer que, gerências à parte, achei que estava muito bonita. Está ali um bom investimento e estou certo que muitas coisas boas vão ser descobertas pelas pessoas que lá trabalham. Podem não ser necessariamente coisas relacionadas com a investigação científica; podem ser dois cientistas que se conheçam e que se apaixonem, pode ser um cientista que perca a carteira não sabe onde 236 e depois volto ao laboratório e encontra-a dentro do microondas. Há tanta coisa boa que pode acontecer. E há também as más. Eu não queria voltar a falar de coisas tristes, mas tem de ser. Só para fechar a loja. Ter Leonor Beleza à frente duma instituição que se propõe descobrir a cura para o cancro é arriscado e é evidência que alguém está xexé. Não é de longe o cenário perfeito. No entanto, é bem melhor do que colocar Leonor Beleza à frente do Instituto Português do Sangue. 237 Há uns anos a esta parte escrevi um artigo sobre casas de banho públicas, um tema que, ainda hoje, continua a levantar muita celeuma, mas que é sempre giro de discutir. Escrevi então sobre a iluminação automática que encontramos por vezes nestes locais. Dependendo do modo está a ler este artigo – seja em http://protuberancia.blogspot.com, nas edições online do jornal O Rio em www.orio.pt ou do jornal A Voz da Póva em www.vozdapovoa.com ou, ainda, nas páginas do Jornal da Bairrada, d' O Primeiro de Janeiro ou do Jornal do Barreiro – o prezado leitor poderá estar ou não familiarizado com o referido artigo. Pois bem, passados tantos anos é tempo de retornar a esta temática. Antes disso, porém, um pedido de desculpas. Meu caro Rui, meu caro José, minha cara Oriana, meu Bruno, meu caro Luís, desculpem utilizar este espaço como forma de auto-promoção mas, se não fosse aqui, onde mais seria? Continuemos. É verdade que, neste momento, parece que há matérias mais pertinentes a discutir do que o assunto que irei abordar neste artigo. O Orçamento de Estado é uma dessas matérias. E quando eu digo “parece” é porque essas matérias, apesar de relevantes em determinado período, são problemas recorrentes. Armase um grande alarido durante meia dúzia de meses, 238 levantam-se os braços em jeito de “Ai minha nossa Senhora!” e no fim fica tudo na mesma. Não faltam soluções, não faltam ideias. O tema deste artigo, pelo contrário, é algo que ainda ninguém conseguiu explicar. Sempre que a necessidade obriga, sou pessoa para utilizar casas de banho públicas. E, ao contrário de muito boa gente, não imponho limites ao que tenho a fazer nesses locais. Há pessoas que só conseguem “ir” (por “ir” entenda-se a chamada “número 2”) em casa, eu consigo em ir qualquer sítio, nem que tenha de fazer o serviço à distância. Restrições apenas se o freguês anterior tiver deixado alguma prenda. Seria nesta altura que eu sugeriria que deixasse a leitura deste artigo para mais tarde. De preferência para quando não estivesse a comer. Sucede que depois correria o risco de perder um leitor. Sendo assim, mais vale continuarmos. Nas casas de banho de cafés e restaurantes por este Portugal fora encontra-se com elevada frequência um fenómeno, no mínimo, bizarro. (No máximo, não sei o que possa ser.) Os homens que estão a ler isto vão identificar já a situação. Nós entramos e temos o habitual mobiliário de casa de banho: o lavatório, a sanita e o urinol (há sítios onde existe também um bidé, mas não vamos por aí); tudo na mesma divisão. O que me faz alguma, para não dizer muita, confusão. Porquê o urinol e a sanita juntos? Que homem no seu perfeito juízo está sentado na sanita e estica-se para abrir a porta a um desconhecido para ele utilizar o urinol? Com um irmão ainda vá. E mesmo 239 assim é estranho. As casas de banho dos homens não são como as das mulheres. As mulheres podem ir para lá conversar, nós não. Nós vamos, fazemos o que temos a fazer e saímos. Ali não é lugar para confraternizações ou convívios. Homem que puxe conversa nesse local é olhado de lado. E mesmo que não seja, que género de conversa podem ter dois senhores, um sentado numa sanita, o outro de pé a brincar com as bolas de naftalina? A suavidade do papel higiénico? A sua espessura? A cor? A altura em que o urinol se encontra será a mais apropriada a nível de conforto e controlo anti-salpico? Decerto que haveria muita coisa para discutir ali; se ali fosse local de discussão. Outro problema. Consigo “aceitar” que duas pessoas, nesta situação, conversem uma com a outra se estiverem lado a lado. Todavia, o que acontece muitas vezes, e aí não há hipóteses de diálogo, é a sanita estar de frente para o urinol. Se lado a lado a situação já é constrangedora, falar para o rabo de alguém deve ser algo que poucos estarão dispostos a tentar. Senhores proprietários, Portugal tem bons carpinteiros, estamos perfeitamente habilitados a colocar uma porta onde for preciso. Compreendo que a vida não está fácil e que uma porta ainda custa algum. Não há problema. Se não quiserem gastar dinheiro a construir um cubículo para isolar a sanita do resto da casa de banho um varão e uma cortina chegam perfeitamente. A situação continuaria a ser algo incómoda para quem estiver na sanita. Quem estiver no urinol pode sempre acreditar que 240 a outra pessoa está a tomar um duche. Pergunto-me se terá sido com base numa casa de banho destas que surgiu o speed-dating? Quem inventou isso deve ter conhecido a sua alma gémea numa casa de banho pública. 241 Há uns anos atrás as pessoas sabiam mais sobre menos assuntos. Não é que a informação fosse pouca, os meios para difundi-la é que eram escassos. Hoje, graças aos avanços da tecnologia, o acesso à informação é feito quase em tempo real. Se, por um lado, isso tem a vantagem da celeridade, por outro, implica alguma volatilidade das matérias indevidamente tratadas e, pior ainda, transforma aquilo que devia ser relevante em algo redundante. Somos bombardeados com informação dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, segundo a segundo em alguns casos. O termo “bombardeado” poderá parecer exagerado da minha parte, porém, acredito que é o que melhor se adequa para descrever o modo como a informação chega até nós. O mesmo assunto é abordado de vários pontos de vista; é analisado e esmiuçado até ao mais ínfimo detalhe. Se, em tempos quase idos, isso seria bom, hoje em dia os efeitos desse fenómenos são mais perniciosos do que benéficos. Para quem, apesar de tudo, consegue manter um raciocínio claro e analisar os eventos à luz do que eles, de facto, são, a grande dificuldade é: o que escolher. A que matérias devemos dar importância? A informação é como os gostos, com a diferença de poder ser discutida se assim for necessário. Há matérias que são importantes para 242 todos nós. O modo como elas são tratadas é que pode ajudar ou não à captação do nosso interesse. Por outras palavras, há assuntos que vêm na primeira página, há outros que convém ficar algures no interior do jornal, não se sabe bem onde. A opinião pública é feita pelas manchetes e as manchetes são feitas pela opinião pública. É um ciclo vicioso que não se rompe, apenas se modela em algo novo. Quem se der ao trabalho de ler além do que está à superfície e procurar o que está nas entrelinhas e nos mini-artigos de canto de página encontrará, asseguro, informações, por vezes, surpreendentes. Numa dessas leituras descobri que a China e a Grécia chegaram a um acordo para resolver o problema da crise grega. Como sabem, no tempo em que “estava tudo bem por cá”, a Grécia entrou numa crise financeira que obrigou à tomada de severas medidas de austeridade. Naturalmente, isso provocou um grande descontentamento junto da população. Só para terem uma ideia do nível a que chegou esse descontentamento, se tivesse acontecido cá as pessoas teriam chegado ao ponto de irem para a rua com cartazes (mas só a meio da manhã e só se estivesse bom tempo). Apesar dessas medidas, o governo grego não conseguiu resolver o problema da crise financeira e teve de ir procurar apoio fora da União Europeia. Não sei de quem partiu a ideia. Se foram os gregos que foram à China pedir ajuda, se foram os chineses que viajaram até à Grécia, “Ouvimos dizer que precisavam de ajuda...”. Não faço a menor ideia. O que sei, o que li, é que a China vai 243 assegurar apoio financeiro à Grécia para que esta consiga sair da crise. Em troca o primeiro-ministro grego terá ceder ao governo chinês uma participação nos grandes projectos de infraestruturas que o governo grego pretende lançar e terá ainda de interceder a favor do governo chinês junto da UE. Para alguns, esta informação poderá não ter grande importância. A mim é um sinal de que devemos estar precavidos. A nossa situação não é muito melhor do que a dos gregos– nunca foi, apesar do que nos tentaram fazer crer – e tenho dúvidas de que sejamos capazes de resolver os problemas que há a resolver com as pessoas que estão à frente do poder. Também tenho dúvidas de que sejamos capazes de resolver os problemas com quem estiver atrás ou nos lados. Daí que considere a hipótese de a solução vir de fora. Não sei se a vinda do FMI é boa ou má. Não sou economista ou analista político para avaliar essa situação. Mas, pessoalmente, não me desagrada a ideia de copiarmos os gregos e irmos pedir ajuda à China. Assim como assim, os restaurantes e as lojas chinesas (as lojas principalmente) estão por toda a parte e já me habituei a encontrar de tudo o que preciso a preços maravilha. Os produtos são tão baratos que, se a China tomasse conta disto e aplicasse essa ideologia em Repartições de Finanças seria possível comprar um impresso a 50 cêntimos em vez dos habituais 5 euros. É verdade que o papel seria de menor qualidade, o texto viria mal impresso e com alguns erros gramaticais, mas os nossos bolsos iriam apreciar essa mudança. 244 Sou talvez o vigésimo quinto a dizer que temos de apertar o cinto quando tal se prova necessário e, nessa qualidade, venho hoje falar-vos de um tema que muita polémica tem gerado, nomeadamente em França. Cá ainda não se notou muito porque, citando Teixeira dos Santos numa das suas duas entrevistas ao Financial Times, “o povo português é um povo calmo” (isto é, “corno manso”). Deixem-me só fazer um pequeno à parte para vos contar uma cena muito gira. O Fernando, que parecia um pavão por ter dado duas seguidas ao Financial Times (duas entrevistas, entenda-se), caiu do pedestal para onde subira quando o mesmo jornal considerou-o o pior Ministro das Finanças entre dezanove países da União Europeia. Toma que é pra aprender! Eu não devia brincar isto pois é certo e sabido que quando um Ministro das Finanças anda com má cara, quem se lixa somos nós. Basta pensar na Manuela Ferreira Leite e no próprio Cavaco Silva para perceber que não é bom sinal quando quem tem por função “ir-nos ao bolso” anda com cara de enterro. Em França, a idade de reforma vai passar dos 60 para os 62 anos. Como seria de esperar, manifestaram-se vária reacções a esta medida. Destaco aqui as três que eu considero mais relevantes. Notem que isto não significa que sejam de facto as mais relevantes. Terão de confiar 245 no meu julgamento. O que, devo dizer, não joga muito a vosso favor se querem fazer boa figura junto de pessoas importantes. A primeira reacção veio da parte de quem trabalha e que não vê com bom olhos ter de estar a trabalhar mais dois anos além do previsto; a segunda veio de quem trabalha, mas não tem espinha para se manifestar; finalmente, a terceira, veio de quem propôs e aprovou a medida que não entende porque razão é que as pessoas se queixam tanto quando se pede qualquer coisinha. A ideia partiu da Comissão Europeia que pretende que os estados membros estabeleçam a idade de reforma aos 70 até 2060. Recordo que a Comissão Europeia é presidida pelo senhor José Barroso, que em tempos veio atirar postas de pescada por Portugal ter ultrapassado o défice de não sei quantos por cento e blá blá blá, mais ou menos na altura em que era Primeiro-Ministro um senhor chamado Durão Barroso. O apelido é semelhante mas não têm nada a ver um com o outro. A finalidade de ter as pessoas a trabalhar mais tempo é evitar a ruptura dos sistemas de pensões e a sustentabilidade das finanças públicas. Eu creio que, em vez disso, seria melhor fazermos oposto, isto é, anteciparmos a idade da reforma. Ou melhor, para quem tem estas ideias brilhantes, cortava-se o mal pela raiz: não havia trabalho para eles. Não que se possa chamar trabalho ao que eles fazem. Puxando a perspectiva para o nosso Portugalzito, "Se nós aumentamos a longevidade por que não aumentar a idade da reforma, dado que somos mais activos. Hoje os 246 70 anos é o limite de trabalho activo na área pública e o direito à reforma é mais cedo, está nos 62,5 anos. Mas eu diria que aos 60 anos temos ainda muita capacidade e vontade de trabalhar. Isto merece uma reflexão", disse Ana Jorge, citada na rádio TSF. Faz-me confusão que quem recebe milhares de euros por mês, que tem tudo e mais alguma coisa pago pelo Estado e que se reforma ao fim de poucos anos de, perdoem-me o uso indevido do termo, “trabalho” (ou não, se arranjar um cargo qualquer numa empresa pública ou privada que tenha favorecido durante o seu mandato), seja tão insistente em ter os outros a trabalhar durante tantos anos. Dizem que o exemplo vem de cima, e é verdade. Mas, olhando para quem nos governa, lamento que assim seja. Queria olhar com respeito para os nossos actuais, passados e, até ver, futuros governantes e representantes políticos. Só que é difícil. É difícil continuar a acreditar na ideia de “só mais um bocadinho, só mais um bocadinho e tudo vai ficar bem”. E vai. Mas podem ter a certeza de que não vai ser para nós. 247 A pior coisa que um homem infiel pode temer não é ser apanhado pela mulher, é ter a mulher e a amante a fazerem panelinha para o lixar bem lixado. Publicamente, podem fazer um grande escândalo, podem-se insultar, apontar defeitos. A mulher traída irá insultar a amante do marido, irá referir-se a ela como profissional do sexo (actividade profissional devidamente registada após a passagem de Manuela Ferreira pelo Ministério das Finanças), irá assumir publicamente a vergonha, a desonra de que foi vítima. A amante irá salientar a falta de apoio que a mulher prestava ao seu cônjuge, irá apontar a distância emocional que o casal atravessava. “Não vistes, foi porque não quisestes”, dirá a amante num mau português. Estas duas seriam amigas, talvez primas. A traição semeará a discórdia entre elas. Pelo menos inicialmente. Após muito insulto, muita discussão, as duas encontrarse-ão por acaso e conversarão de forma aberta e construtiva sobre essa situação. Admitirão os seus erros, reconhecerão razão em alguns dos argumentos utilizados pela outra. A mulher traída não admitirá a sua incapacidade a nível de gratificação sexual do marido, mas assumirá a sua distância emocional em relação ao mesmo. Em nome dos sentimentos que em tempos levaram à união do casal, tomará a decisão de pedir o divórcio. Baseando-se nas 248 estatísticas (e bem), irá receber uma boa maquia à conta dessa acção legal. Por sua vez, com o amante agora livre das malhas do matrimónio, a amante assumirá com este uma relação mais séria sem, porém, assumi-la publicamente. As aparências manter-se-ão durante um tempo. Aos poucos, marido e ex-amante, actual namorada (esposa não, porque não é sua intenção casar-se) começarão a ser vistos em restaurantes e parques pela cidade. Pessoas comentarão entre si as prendas oferecidas a ela, assim como o dinheiro gasto em roupas e jóias. De um momento para o outro, sem se aperceber bem como, o homem passará a suportar duas mulheres. Duas mulheres que não se suportavam, que mal se podiam ver à frente. Quando não houver mais nada a extorquir dele, a amante abandoná-lo-á e partirá, juntamente com a sua nova amiga, recém-auto-descoberta-lésbica e ex-mulher do seu namorado, para uma nova vida. O ex-marido e futuro ex-namorado só se dará conta do que aconteceu quando for tarde demais. Antes disso, vão deixá-lo com os bolsos muito bem limpos. Mudando para um outro assunto completamente diferente. Após tantas e tantas discussões, PS e PSD chegaram a acordo em relação ao OE para 2011. 249 Com tanto que se tem falado da compra dos dois submarinos e da utilidade dos mesmos (eu acho que são perfeitos, por exemplo, para uma festa temática subaquática), foi com alguma admiração que constatei que muito pouco ou nenhum interesse foi dado ao Dia da Defesa Nacional. Pois bem, é hora de alguém homenagear tão útil efeméride. Antes de mais, alguma informação pessoal para vos situar. Eu não fui à Tropa, fui só à Inspecção. Quanto às razões que me mantiveram afastado do Serviço Militar (na altura) Obrigatório, vamos todos acreditar que eles consideraram que o meu potencial não seria totalmente aproveitado naquele contexto. Quem julga que a minha não-ida à Tropa é sinónimo de inexperiência, engana-se. Experiência neste campo é coisa que não me falta. E não me refiro às horas que passei a jogar Call Of Duty ou outros jogos de guerra (não sou tão idiota a ponto de proferir semelhante afirmação), mas à maratona de filmes de guerra que fiz na véspera do dia de ir à Inspecção. Na altura ainda não sabia o resultado que me esperava e achei que ver o Nascido Para Matar, o Platoon e o Desaparecido Em Combate seria uma boa forma de me preparar psicologicamente para o que poderia vir a ser a minha vida nos próximos tempos. 250 Sobre o Dia da Defesa Nacional, uma iniciativa lançada pelo mesmo senhor que mandou comprar os dois submarinos, há que se-lhe tirar tirar o chapéu e dizer, “Sim, senhor! Que esplêndida ideia!” Eu concordo em absoluto com as pessoas que dizem que os militares são o espelho duma nação. Não concordo com tudo o que essas pessoas dizem, nem discordo do que as outras dizem, mas sobre a importância dos militares para a imagem do país estou 100% de acordo. Durante alguns anos, entre a minha não-selecção e esta ideia do Paulinho, vivemos um tempo em que só ia à Tropa quem queria. É verdade que nesses anos poupouse algum dinheiro na preparação de homens (que algum ministro achou que seria bem gasto em dois submarinos). Por outro lado, as nossas forças armadas estavam ao abandono e isso dava uma má imagem do País. Sem a cláusula da obrigatoriedade impunha-se uma nova solução. A mais fácil seria repor a dita cláusula; o que não era possível. A solução encontrada revela que temos políticos bastante engenhosos. Só é pena essa engenhosidade não ser posta ao serviço do País. O que é que o Paulinho fez? Basicamente, manteve o Serviço Militar Livre, mas criou o Dia da Defesa Nacional. O objectivo deste dia é facultar aos jovens em idade de ir à Tropa a experiência de um dia na vida de um militar. Um pouco como ganhar um fim de semana num hotel de luxo. A diferença é que, neste caso, as coisas não são grátis e aqui está a genialidade da coisa. A ida à Tropa é livre, mas a comparência ao Dia da Defesa Nacional é obrigatória. Quem faltar à convocatória 251 está sujeito a uma coima que vais dos 249,40€ aos 1247€. Se fizermos as contas, rapidamente concluímos que aqueles que se baldam vão pagar a estadia aos que decidam ficar. A mensagem que isso inspira é inequívoca: estamos todos aqui para ajudarmos quem precisa. Se isso não é bom para imagem dum País, não sei o que possa ser. 252 Ofereceram-me um pijama novo nos anos. O que é bom, porque assim já posso vestir o pijama que me ofereceram no ano passado. Na minha casa é preciso esperar um ano para vestir um pijama novo. Que já não é novo. Novo é o que eu acabei de receber. Mas não o posso vestir ainda. Quando recebi o outro pijama, ia começar a vesti-lo, mas a minha mãe e a minha avó insurgiram-se logo: "Não vistas o pijama que é novo." "Eu sei. Por isso é que o estou a vestir." "Não. Podes ter um acidente e assim já tens um pijama novo." Portanto, a alternativa a esperar um ano para poder vestir o pijama novo, é ter um acidente. Falei com amigos meus, e com amigos que não eram meus mas aceitaram falar comigo, e o mesmo acontece com eles. Isto não é mania das mães e das avós. Elas só passam a mensagem. Quem diz que as coisas são assim, são os hospitais. E eu pergunto: quais são os hospitais que a pessoa liga para lá aflita: "O meu marido teve um acidente!" E do outro lado perguntam: "Então, e ele tem algum pijama novo? É que se não tiver, escusa de vir. Não queremos gente dessa aqui." São picuinhas com o pijama, mas devem ser ainda piores com a roupa interior. Quando era pequeno, a minha mãe chamava-me 253 sempre à atenção para ter cuidado com a roupa, para andar sempre limpinho para o caso de ter algum acidente. Não digo que isto seja um aviso sem sentido. O asseio é muito bonito, é saudável, faz bem e não causa embaraço. O problema é que não vale a pena andar roupa limpa, caso tenhamos um acidente. Eu fui atropelado quando tinha 11 anos. E a última coisa que me passou pela cabeça foi o remendo que tinha na meia esquerda. Queria lá saber da roupa. Fui para o hospital, e aqui é mais ou menos como a história do pijama. O médico pede à enfermeira para ver a roupa interior do paciente. Se estiver limpa, opera-se; senão, diz-se aos familiares: "Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, mas ele tinha a roupa interior suja." "Nós compreendemos, senhor doutor." Sabem o que acontece muito num acidente de viação, quando alguém parte a espinha? Borra-se todo. Literalmente todo. Fezes, urina, esperma, qualquer fluído ou sólido corporal que saia da cintura para baixo, vem tudo cá para fora. E depois a pessoa vai na ambulância, e diz um enfermeiro para o outro: "Cheira mal aqui dentro, foste tu?" "Tás parvo ou quê?" Começam a cheirar à volta e não tardam muito até perceberem. "Eh! É este gajo aqui!" "Desliga mas é a máquina! O gajo que aprenda a andar com roupa limpa!" E é assim. Os pais tentam-nos impingir essas regras, mas depois exageram um bocado. 254 Não sou religioso. Já disse isso várias vezes. No entanto, compreendo a fé. Aceito-a. Mas quando a fé surge disfarçada de merchandising a coisa muda de figura. Fátima é o grande exemplo disso. Acho bem que as pessoas vão à Fátima, façam promessas, etc. Agora, o que eu acho mal, quer dizer, não é achar mal, é mais aquela sensação de assumirmos certas coisas com muita facilidade. É conforme o que nos convém. Quando a Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos estávamos num má altura. Crises republicanas. O prelúdio do Estado Novo. O país estava na merda, dito de forma simples. Não que estejamos muito melhor, mas enfim. Maria, para quem não sabe, foi a primeira mulher da história a conceber um filho in vitro, tanto ouviu esta oração que a certa altura começou a pensar "Pera lá! Eu se calhar até tenho jeito pra contar umas piadas." E apareceu aos três pastores. E disse-lhes: "Vou-vos contar três piadas. Mas não contem a ninguém que é segredo." Não sei se as piadas eram boas ou não. Naquela altura, ainda por cima com crianças que não iam à escola, o sentido de humor delas não devia ser muito elevado. Nossa Senhora era conhecida pelo seu humor inteligente. 255 Escolher três pastorinhos como público não terá sido a sua melhor opção. È pena. Talvez ela tivesse feito carreira no palco. E hoje em dia as pessoas iriam a Fátima para dar uma boa gargalhada em vez de rezar. Talvez assim já não gozassem tanto com este assunto. Não falo contra quem vai; quem vai tem as suas razões, a sua fé. Todos nós temos fé. Uns mais, outros menos. De diferentes fontes, diferentes formas. É uma coisa bonita. Dizem até que pode mover montanhas. Isso já não sei. O que eu sei é que quando uma pessoa cai de uma montanha, morre. Mas há aqueles ainda têm tempo de rezar. O problema é que Deus lá no alto não percebe. Porquê? Porque as pessoas têm a mania de escolherem rezas grandes e como têm medo de não conseguir dizer tudo, aceleram o discurso e Deus fica à toa. Que é como quem diz “a apanhar do ar”. “Mas é afinal o que é que ele quer?” Isto tem tudo a ver com falhas de comunicação. Há quem diga que o mundo seria muito melhor se falássemos todos a mesma língua. No início era assim. Até que houve um dia que Inês, cunhada de Joana, sobrinha de Filipe virou-se para o marido, António, enteado de Francisco, irmão de Vanessa, e disse: “Ó Toi, vai-me ali pedir um raminho de salsa para pôr no molho dos caracóis!” E ele foi. Só que nenhum dos vizinhos tinha salsa. Então, do que é que ele se lembrou? Pediu ajuda a uns vizinhos e começaram a fazer uma torre para ir pedir um pouco de salsa a Deus. 256 Deus, que já começava a ficar farto de estarem sempre a incomodá-lo, assim que soube do que se passava, esperou que estivessem quase a chegar lá e mandou aquela porcaria abaixo. Aí António e o pessoal que estava com ele caiu tudo por ali abaixo, bateram todos com a cabeça no chão e ficaram com problemas na fala. E a partir daí deixaram de se perceber uns aos outros. Pra ser continuado... 257 Não sou grande fã de cozinhar, mas gosto de ter uns bifes à mão para quando não me apetece ir ao take-away buscar pitéu. Uns bifes, umas costeletas, dá sempre jeito. Sou um tipo prevenido, porém moderado. A minha experiência de vida ensinou-me a discernir entre estes dois aspectos. O mesmo já não se pode dizer acerca dum grupo de cientistas que recentemente apresentou uma série de artigos, através dos quais concluíram que “em 2050 não haverá carne suficiente para alimentar os estimados 9 mil milhões de habitantes na Terra e terá de recorrer-se à produção de carne artificial”. Vamos por partes que é mais fácil. 1 – A relevância do grupo Não quero retirar a inteligência ao grupo, apenas coloco a seguinte questão: Queremos mesmo dar importância a um grupo de pessoas que, além de pouco contacto com o sexo oposto, tem bolas de pus no rosto ainda do tempo da puberdade? Esta gente nunca passou a noite na esquadra, nunca soube o que é morar sozinho, senão naqueles minutos em que a mãe ou a avó vão à loja fazer o avio. Sabem de experiência sim, embora não de experiência de vida. 2 – A urgência do aviso Estamos em 2010. Eles estão preocupados com 2050. 258 Faltam ainda... quantos anos? Quarenta. Muitos deles não vão estar vivos nessa altura. Estão a alarmar as pessoas para quê? Para nada. Eu tenho carne no congelador para, no máximo, dois/três dias. Mais não dá. Não tenho espaço. E além disso, pra quê gastar dinheiro em tanta comida se não sei se estou cá para comê-la? Vou gastar uma pipa de massa em comida e depois dá-me o badagaio? Seria um desperdício. 3 – Estimativas futuras 9 mil milhões? A sério? Está visto que não vai ser durante estes quarenta anos que iremos ter uma pandemia a sério. Estava a contar com a febre caprina ou a conjutivite batráquea, ou ainda com a tosse marsupial. 4 – Carne artificial? Esta parte agora é a sério porque isto é uma coisa que me preocupa. Eu vou com relativa frequência ao McD*****'s (não escrevi McDonalds por causa da cena de estar a fazer publicidade gratuita) e a outros estabelecimentos do género (até porque se fosse para fazer publicidade, mais facilmente referiria o Burger King) e não quero nem pensar o que seria se deixassem de ter aqueles deliciosos hambúrgueres naturais. O que vale é que, a confiar no que os cientistas dizem, isso só acontecerá lá para 2050. Por essa altura terei oitenta anos e, espero eu, dificuldade em distinguir entre um hambúrguer e uma sola. Concluído, comam peixinho que também faz falta. 259 Ando preocupado com o Tico e o Teco da senhora Ministra da Saúde. Para quem não sabe do que eu estou a falar, Tico e Teco é uma forma querida de nos referirmos aos dois únicos neurónios que algumas pessoas possuem. Quando estão bem um com o outro, o que sai não é nada por aí além; quando estão zangados, aí é mesmo para esquecer. E porque é que eu ando preocupado com o Tico e o Teco da senhora? Aqui há dias, a senhora Ministra da Saúde disse o seguinte: 'Houve uma corrida às farmácias motivada pelas próprias que telefonaram para casa dos clientes dizendo que as comparticipações dos medicamentos iam ser alteradas, portanto era bom que fosse aviar para mais tempo' A Anita acha que isto é 'um comportamento pouco cívico' por parte das farmácias e chama a atenção para a cena das comparticipações. 'Quanto mais caro venderem, mais ganham', Comecemos pelo básico. As farmácias não se comportam. Quem se comporta são... aquela coisa, como se chama? Ah!... os seres vivos. As farmácias, quanto muito, comportam pessoas, mas não se comportam como pessoas; muito menos telefonam para elas. É uma ideia completamente disparatada. Um talho telefonar para o 260 fornecedor, ainda vá que não vá, uma farmácia não. Depois o que é que temos? Temos uma falha gramatical - '(...) telefonaram para casa dos clientes (...), portanto era bom que fosse aviar para mais tempo' – que não vou dizer qual é, porque não é obrigação da Ministra da Saúde conhecer conceitos básicos de gramática. Isso é competência da Ministra da Educação, como se pode ver por uma expressão dita na Abertura do Ano Lectivo 2010/2011: 'é preciso que comam coisas que lhes fazem bem'. Concordo. E é preciso que facem também os deveres. Continuemos. As farmácias telefonaram para casa dos clientes para eles irem fazer um avio grande. Há duas ideias a reter desta afirmação. (Eu não chamo ideia ao senhora disse porque, para ser ideia, era preciso que tivesse pensado antes de abrir a boca.) A primeira ideia é esta: onde é que um comerciante liga aos seus clientes e diz, por exemplo “Eh pá, a mini vai aumentar cinco cêntimos! Anda cá depressa!” Se estas pessoas existem, eu quero saber em que parte do mundo é que elas estão para ir lá. A segunda ideia a reter é: as comparticipações vão mudar. Mas em que sentido? Vão baixar? Não. Vão aumentar. O que significa que os medicamentos vão ficar mais caros para o utente. Não é à toa que os medicamentos vão deixar de ter preço marcado. É para que as pessoas não reparem com tanta facilidade no que pagavam antes e no que pagam agora. Se o Tico e o Teco da Anita estivessem bem, ela saberia que, quando se sabe que o preço de determinado produto 261 vai aumentar, as pessoas vão comprar esse produto. É matemático. Pode não fazer falta na altura. Podem até nunca vir a utilizá-lo. Mas já o têm. E foi mais barato. Não me admira que as pessoas comprem mais medicamentos. Admira-me é que algumas ainda tenham dinheiro para os comprar. 262 As políticas do Governo em relação ao desemprego não me agradam. Parecem-me claramente insuficientes para fazer face à presente conjuntura. Não pretendo aqui elaborar quaisquer argumentos e/ou teorias que possam solucionar este problema. Além de não ser isso que as pessoas esperam de mim, não estou propriamente interessado em ver o problema resolvido. Passo a explicar. Quando eu digo que não me agrada a política do Governo em relação ao desemprego, não é no sentido da taxa de desemprego estar muito elevada, e sim no sentido de não estar elevada o suficiente para nos possamos gabar disso. Não adianta acreditarmos que vamos conseguir acabar com o desemprego e arranjar trabalho para toda a gente. Enquanto ainda acreditávamos no Pai Natal e na Fada dos Dentes, podia ser que sim; agora não que já somos crescidinhos. Já é altura de nos comportarmos como tal. Tentamos camuflar as nossas falhas, manipular os números até que estes representem apenas aquilo que nós pretendemos e não aquilo que, de facto, representam. Em Portugal não somos capazes nem do oito, nem do oitenta, andamos lá pelo meio. A nossa taxa de desemprego não é a mais elevada da Europa. Não é a mais elevada da Zona Euro. Porra! Não é sequer a mais 263 elevada da Península Ibérica! Isto é desmotivador. Nós merecíamos mais e melhor empenho da parte de quem nos governa. Merecíamos estar no top. À luz das políticas aplicadas por sucessivos Governos, está visto que o objectivo é aumentar o desemprego. Apliquem-se! É assim tão difícil facilitar o despedimento? Não creio. No Brasil existe um clube de futebol que tem orgulho de ser o pior clube de futebol do mundo. E eu acho que é isso que nós precisamos para melhorar a nossa autoestima. Podem dizer que isso deixa as pessoas tristes e deprimidas. Óptimo. Ainda bem. Nós precisamos de pessoas tristes e deprimidas. Principalmente se souberem cantar fado. Sempre ajudaria a aumentar as nossas exportações. Tem-se falado muito dos trabalhadores da Groundforce. Trezentos e tal trabalhadores em risco de despedimento é muito pouco. Trezentos mil seria um número mais aceitável. No entanto, continuaria aquém das nossas capacidades e daquilo que é desejável. Falam dos que podem ir para o olho da rua, mas estão-se nas tintas para aqueles que vão continuar a ter de acordar cedo para ir trabalhar. O que eu vou dizer agora vai deixar muita gente chocada. Paciência. Não se pode falar destes assuntos de forma eufemística. Cá vai. As pessoas que trabalham só têm hipótese de andar o dia inteiro de pijama ao fim-desemana. Os desempregados podem andar o dia todo. Até podem vir à rua assim se quiserem. Estar desempregado é uma alegria, deixa as pessoas bem-dispostas e com 264 tempo para tanta coisa. Cortar os pulsos, tomar banho com uma torradeira, dormir a sesta numa linha férrea. Enfim, o tipo de coisa que uma pessoa faz quando não tem nada para fazer. 265 A Cimeira da NATO vai começar hoje e eu estou contente por Portugal ter sido escolhido para albergar tal evento, embora não consiga perceber exactamente porquê. Os grandes jogadores do xadrez geopolítico internacional vão se reunir cá e, sim senhor, é muito bom, mas... O problema não está no catering. Nisso, nós somos bons. Podemos estar a semana antes ou a semana depois a descongelar sopa a cada refeição, mas enquanto os convidados cá estiverem é uma fartazana que só visto. “Mais vinho! Mais caviar! Eh! Cuidado que o gajo da TVI 'tá a filmar! Escondam as ostras, mostrem só os rissóis!” Lisboa vai ser uma cidade sitiada durante este fim-desemana. A Segunda Circular vai estar cortada, o Eixo Norte-Sul também, o IC qualquer coisa, a CRIL, a CREL, a DREL. (Por mais que tente não consigo esconder a minha ignorância em relação às nossas estradas. São demasiadas siglas.) Há voos com destino ao Aeroporto da Portela que foram cancelados; foi restabelecido o controlo nas fronteiras terrestres; veículos nas principais vias de acesso são revistados, assim como os seus condutores e ocupantes. A Cimeira vai decorrer durante este fim de semana, sabe-se há meses que Portugal ia ser o país escolhido. Quando é que se começou a fazer este controlo de segurança? Há uma semana atrás. 266 “Senhor Primeiro-Ministro, tenho aqui o plano de segurança para o senhor Primeiro-Ministro ver.” “Plano do quê? Tem alguma coisa a ver com o Freeport?” “Não, senhor Primeiro-Ministro. É o plano de segurança para a Cimeira da NATO.” “Cimeira da... Ó homem! Isso é só daqui a não sei quantos meses. Temos tempo.” “Tem a certeza, senhor Primeiro-Ministro?” “Tenho, tenho. Vá-se lá embora. Ah! Antes que me esqueça, adicionei-o no Facebook.” “Muito obrigado, senhor Primeiro-Ministro. Vou já confirmá-lo como amigo.” Desculpem lá. Entusiasmei-me com esta situação hipotética que, vistas bem as coisas, não está assim tão longe da realidade. Uma semana antes da Cimeira é que começam a vigiar fronteiras, a revistas veículos e a passar com o algodão a ver se tem pó? Eu não quero ser alarmista, mas... eles, os tais terroristas, já cá estão há muito tempo. Todavia, não estou muito preocupado com isso. Não aprovo o que o Bin Laden e trupe fazem, mas nunca fui directamente afectado por isso. Já conheci pessoas que os usam como desculpa para tudo. “Desculpa querida, estas notícias da Alquaeda...” “Não faz mal querido. Acontece a qualquer um.” Senhores de pele crestada e barba rala que rezam a Alá não me incomodam. Sejam terroristas ou não. Incomodame mais um outro grupo de terroristas, porventura mais nocivo. O seu objectivo é causar o terror junto das 267 pessoas e deixá-las dóceis e desprovidas de vontade para que não contestem nada, aceitem tudo. Sejam aumento de impostos, sejam reduções salariais, o que for. São fáceis de identificar. Usam fato e gravata e vêm cá passar o fim de semana. 268 Hoje é dia 21 de Novembro e tenho quase a certeza que este dia é o Dia Mundial de... qualquer coisa. Tem de ser. Aqui há tempos, deu na televisão uma reportagem sobre o Dia Mundial do Ovo. E não, não foi no dia 1 de Abril. Eu, às vezes, costumo deixar algumas notícias para trás, mas esta não foi uma dessas ocasiões. Foi no dia 8 de Outubro que se “comemorou” isto. Qual é o meu problema? Eu não tenho nada contra o Dia Mundial do Ovo. Eu gosto de ovos, gosto deles estrelados, mexidos, cozidos, gosto de omeletes. Mas fazme impressão que se assinale tanta efeméride. Pra quê? Os criadores de aves não passaram a vender mais ovos porque alguém lembrou-se de declarar o dia 8 de Outubro como o Dia Mundial do Ovo. E quem foi essa alminha esperta? Não se sabe? Sabe-se pois. Foram os senhores da IEC. É parecido com o som que fazemos quando descobrimos um ovo podre, eu sei, mas é na verdade a sigla de International Egg Comission. Uma Comissão Internacional de Ovos. E depois dizem que esta humanidade perdeu o seu rumo. E com razão. Há cenas que merecem ter um dia próprio. Há outras que, lamento muito, não merecem. Não porque sejam irrelevantes, nada disso. O ovo é importante e são válidas as justificações a que os promotores deste dia recorrem. Só que não é algo que mereça um Dia Mundial. Isto é 269 assim porque, nem toda a gente gosta de ovos e nem toda a gente pode comer ovos. Há ainda, para aqueles que não se lembram, algumas zonas deste nosso lindo planeta onde as pessoas não têm sequer gravilha para comer, quanto mais ovos. Um dia dedicado ao coração, por exemplo, é algo que, sim senhor. Todos nós temos coração e não falo em sentido romântico, falo no sentido orgânico do termo. Todos nós temos coração ou algo que faz as vezes de coração. Dedicar um dia ao coração é importante. E reparem bem, eu disse um dia. Se é parvo dedicar um dia a coisas que não interessam, dedicar vários dias a qualquer tema, por muito importante que seja, também não me parece boa ideia. Reparem, nós temos o dia 14 de Fevereiro que é, ao mesmo tempo!, o Dia do Doente Coronário e o Dia da Insuficiência Cardíaca (e é também o Dia dos Namorados e o Dia Europeu da Disfunção Sexual; tudo a ver com o coração, portanto). Temos também o dia 31 de Março que é o Dia Nacional do Doente com AVC e o dia 29 de Outubro, que assinala o Dia Mundial para a Prevenção dos AVC. Não sei o que é que vocês acham, mas pareceme mal pensado colocar a prevenção antes do AVC propriamente dito. A não ser que tenham sido portugueses a elaborar isto. Basta pensar na sinistralidade rodoviária para ficarmos conscientes de que só nos preocupamos com a prevenção quando já não há nada a prevenir. Uma última nota, os Dias Mundiais oficiais vêm todos listados no site da UNESCO. Tudo o resto, incluíndo este 270 do Ovo, é para enganar otários. A propósito, sabia que hoje é o Dia Mundial do Tetra Pak? 271 Não sou nenhum especialista em economia, excepto naquela que pratico ao nível dos recursos domésticos. Tenho amigos que são e, sempre que tenho uma dúvida sobre qualquer declaração feita pelo nosso Ministro das Finanças, sei que posso recorrer a eles para me esclarecer. Acontece que eu não gosto de andar a chatear as pessoas a toda a hora e a todo o instante. E, com tudo o que se passou com o Orçamento de Estado, todas aquelas discussões e impasses e propostas e contra-propostas, tive de tomar uma decisão. Passei a assistir a essas declarações sozinho. Sem telemóvel à mão para contactar alguém que me elucidasse acerca do que estava a ser dito. Sem alguém que soubesse dar sentido àquelas confusas palavras. Porque o problema está aí. Nas palavras. As palavras são confusas. Ou melhor, as palavras são simples, mas são combinadas de modo a que resultem em frases confusas. Frases confusas que poucos percebem. Critica-se muito este Governo e outros anteriores e posteriores sobre o estado da Educação no nosso país. Entende-se porquê. Se os portugueses fossem bons alunos a Português e a Matemática, não só entenderiam aqueles malabarismos de aritmética que o Teixeira dos Santos executa, como também reparariam nos graves atentados linguísticos que acontecem com frequência. Um desses atentados ocorreu tantas vezes que fiquei 272 quase convencido de que não se tratava duma gralha. O senhor Ministro das Finanças acredita mesmo na exactidão dessa expressão, que é “A despesa evoluiu de forma negativa.” Há um fenómeno curioso sobre as mentiras. Uma mentira dita por muitas pessoas, às tantas passa a ser uma verdade. É o poder da sugestão, ou da influência. Ou talvez seja instinto de sobrevivência básico. Sobre a expressão “A despesa evoluiu de forma negativa.” o erro salta à vista. Nada evolui de forma negativa. Falar de evolução é o mesmo que falar de progresso porque mudase para algo melhor. Quando se muda para algo pior, ocorre um retrocesso, logo uma involução. Eu entendo o uso da expressão. A maioria dos portugueses não estará familiarizada com o terno “involução”. E aqui voltamos ao problema do Português na Escola. Há dias assisti a um debate com representantes dos cinco partidos com assento parlamentar e reparei que estes problemas de linguagem são comuns a mais deputados do PS e seus conterrâneos do PSD. O deputado do PS serviu-se da expressão “anátemas negativos” para sustentar um argumento, enquanto que o deputado do PSD (um senhor com dificuldade em distinguir EPAL da EPUL) hesitava na conjugação dos verbos pôr e colocar no Condicional. Começava por dizer “poria”, alterando logo para “poderia pôr”. Continuo a assistir aos debates do Orçamento. Já vou percebendo mais ou menos o que é que eles querem dizer sobre as matérias macro e micro-económicas. Apesar 273 disso, a situação mudou um pouco. Agora são os meus amigos que me ligam para que eu lhes explique o que significa uma “involução positiva da receita”. 274 Nós temos um jeitinho do caraças para ter as coisas e não as usarmos. Passamos em frente a uma loja, olhamos para a montra, e vemos algo que sabemos algo que sabemos não ter qualquer utilidade para nós. Uma biografia de José Sócrates, por exemplo. O livro custa 27,53€ e nós pensamos, “Porra! Dar quase trinta euros por isto! Nem pensar!” No dia seguinte, ou na semana seguinte, tanto faz, passamos em frente à mesma montra e constatamos que o preço do livro baixou para 24,77€. Sem hesitar, entramos e adquirimos um exemplar que, ou fica guardado num caixote ou vai servir de calço. Neste caso, o produto adquirido acabou por ter uma certa utilidade. Porém, não se pode dizer que isso aconteça sempre. E isto é normal acontecer, não só em Portugal, como no mundo. Há coisas que não têm qualquer utilidade, mas há outras que têm. E o problema é não serem utilizadas quando é devido. Há cerca de um ano atrás que a Polícia Judiciária e o Ministério Público coordenam o Gabinete de Crise do programa "Alerta Rápido de Rapto de Menores". Este programa foi criado para ajudar à gestão de casos de desaparecimentos de menores e, apesar de todos os casos que têm acontecido desde então, nunca foi accionado. O que é uma pena. 275 Tive oportunidade de ler o programa e só tenho coisas boas a dizer sobre ele. O corpo do texto está num tamanho aceitável. É suficientemente grande para ser legível, mas não ao ponto de nos levar a pensar que tinham pouca coisa para dizer e fizeram aquilo em tamanho 16 para ocupar o máximo de páginas possível. O tipo de letra escolhido foi o Euphemia, o que revela um certo arrojo por parte dos organizadores deste programa. Quanto à encadernação, optou-se pela encadernação térmica. O que justifica o pouco uso dado ao documento. Como ex-funcionário dum Centro de Cópias, sei que a melhor opção de encadernação para documentos destinados a uso constante é a encadernação com argolas de metal. Além da forma, o programa "Alerta Rápido de Rapto de Menores" tem também aspectos positivos quanto ao seu conteúdo. Quando aplicado (em teoria, já que nunca foi aplicado), emite alertas nas televisões, rádios e autocarros a cada quinze minutos. Isto a mim confundeme um pouco. Por um lado, é sinal de que estão a fazer qualquer coisa para encontrar a pessoa desaparecida; por outro, parece algo que fazemos uma vez, deixamos em modo automático e vamos para o café beber imperiais. Pedro do Carmo, responsável pelo Gabinete, diz que nos dezasseis meses de existência do programa não foi ainda detectado nenhum desaparecimento que “observe as premissas básicas para accionar o sistema”. Para que o alerta seja accionado é necessário que se trate de um rapto ou sequestro e não de rapto parental ou simples desaparecimento. Ser raptado por um parente não é o 276 mesmo que ser raptado? Parece que não. E se tiver mais de dezoito anos, bem pode esperar. Pelos vistos ser raptado obedece a uma série de prérequisitos que, quando não verificados pelas forças de investigação, levam a que o nome seja colocado em lista de espera. A PJ diz que está tudo a postos, caso seja preciso. Basicamente, é como termos uma caixa de chocolates que só abrimos quando está perto do fim do prazo de validade. Os responsáveis do programa dizem não sentir qualquer frustração por nunca terem posto em prática aquilo que demoraram tanto tempo a conceber. Eu sei o que é isto. Na Escola acontecia-me o mesmo quando tinha de apresentar algum trabalho. Tinha segurança no que tinha escrito, mas temia o momento de apresentar publicamente as minhas ideias. Enquanto fosse algo destinado apenas aos olhos do professor, colegas de Departamento, outros professores, amigos e familiares, estava tudo bem. Quando tinha de explicar as minhas ideias aos meus colegas, era complicado. Pedro do Carmo diz ainda que o "Alerta Rápido de Rapto de Menores" é como "uma técnica avançada para tratar uma patologia muita grave, mas que queremos que nunca seja usada". É sem dúvida um bom programa em papel. Talvez um dia se descubra se funciona mesmo. 277 Sempre que faço compras pela Internet gosto de receber as coisas a tempo e horas. Se no site diz que demora entre 48 horas e já passa das 49 horas, eu começo logo a ligar para lá a perguntar o que se passa. Não vá alguém se ter esquecido de colocar o selo na embalagem e esta ter ficado perdida numa estação dos CTT no Cabo Ruivo. É assim que se faz, senhores do Governo que organizou esta Cimeira da NATO. Quando se gasta dinheiro numa encomenda e a encomenda não chega, exigem-se explicações. E não digo declarações do género, “O Governo irá analisar o que aconteceu e proceder da forma que achar mais adequada.” O que aconteceu foi que o Governo Civil de Lisboa abriu concurso para a adquirir seis blindados para a Cimeira da NATO e o primeiro blindado só cá chegou um dia depois da Cimeira ter terminado. Ainda bem que nós não comemoramos o Dia de Acção de Graças. Arriscávamos um incidente internacional ao ter cá o Obama para jantar e o peru só estar pronto na semana seguinte. Eu sei como é. Às vezes, quando faço as minhas encomendas, estou ciente de que podem haver atrasos na entrega. Quando produtos que vêm de outros continentes é normal que isso aconteça. Por outro lado, as minhas encomendas nunca ultrapassam os 50 euros e raramente atingem esse valor. O Governo Civil de Lisboa 278 disponibilizou mais de 1 milhão de euros em material que não chegou cá quando devia. O mínimo que se exige era o senhor Governador ir à varanda e dizer a quem passasse, “Olhe vizinha, então não é que gastei 5 milhões nuns blindados e os sacanas não me entregaram aquilo ainda?” E a vizinha depois ia contar a toda a gente. Aposto que os senhores dos blindados iam ficar com as orelhas a arder duma maneira que não tardariam a reconhecer o erro que haviam cometido. Apesar destes incidentes, o que me está a fazer espécie não é o atraso na entrega. São as contas. O Governo Civil de Lisboa disponibilizou 5 021 494,78 euros para a aquisição de material; desse dinheiro gastaram 1 080 000 euros na compra dos seis blindados que ainda não chegaram e mais 714,924 euros em outros materiais. O total de despesa apresentado foi de 1,722,924. Mas se fizermos as contas, verificamos que o que se gastou realmente foi 1,794,924. Houve 72000 euros que alguém pôs e eu não sei quem foi. Pelas contas oficiais, sobraram 2704000 euros; pelas minhas sobraram 3,226,570,78 euros. A diferença é de 522,570,78. Ou eu não sei fazer contas, ou alguém anda a meter dinheiro ao bolso ou é dos portes de envio. O que é sinal que os blindados vieram de Júpiter. Por mim, preferia que tivessem vindo de Plutão, planeta que regia o meu signo até pisar o risco e ter sido despromovido a calhau. 279 A Cimeira da NATO já passou e correu tudo bem da nossa parte. Fomos bons anfitriões, cordiais, diplomáticos. É verdade que os blindados só chegaram dois dias depois da Cimeira ter terminado e de os convidados terem regressado a seus países, mas não podemos olhar apenas para o lado mau da questão. Eu sei que é tentador falar mal. Por vezes, eu próprio faço isso. Ignoro os aspectos positivos que possuímos e hiperbolizo tudo o que de negativo nós temos. E isso está errado. Nunca iremos para a frente como país, como povo, enquanto não nos abraçarmos as nossas qualidades e assumirmos os nossos defeitos. Sim, temos defeitos. Eu tenho defeitos. Você, leitor ou leitora, tem defeitos. É tempo de assumirmos isso. Dito isto é com grande orgulho que vos comunico, àqueles que ainda não o sabem, que Portugal subiu para a 32ª posição no 'Índice de Percepção de Corrupção', relatório publicado anualmente pela Transparência Internacional. Em 178 países nós estamos em 32º lugar! Não é bom? Em 2009 tivemos um percalço e descaímos para a 35ª posição, mas conseguimos dar a volta por cima. Somos dos países europeus mais corruptos. Embora não corruptos o suficiente para ter lugar no top dez. Na Europa Ocidental somos dos piores que estão na tabela. E porquê? O que é que nós temos ou fazemos que nos garante um lugar numa posição tão cobiçada como a 32ª? 280 Os analistas dizem que são as nossas leis “herméticas”, um aparelho de Justiça que “não funciona” e resultados “nulos” no combate à corrupção. Vamos considerar cada uma destas razões isoladamente. Comecemos pelas leis “herméticas”. Dos vários significados que a palavra “hermética” possui, destaco este: 281 hermético 4 p. ext. difícil de entender e/ou interpretar; obscuro, ininteligível A linguagem utilizada nas nossas leis não é compreensível por todos. E por uma razão muito importante. Se todos compreendessem o que dizem as Leis, não precisaríamos de advogados, nem de juízes, nem de nenhum profissional que vive à custa de interpretar legislação. Os números do desemprego crescem de dia para dia. Simplificar a linguagem legislativa iria apenas piorar uma má situação. Saltemos para a terceira razão: resultados “nulos” no combate à corrupção. Novamente, insiste-se em olhar apenas para o lado mau da questão e ignorar o lado bom. Resultados nulos é o mesmo que dizer que não aconteceu nada. E se nada aconteceu, porquê falar do assunto? Ninguém ganhou, ninguém perdeu. É como pensarmos em andar à porrada. Na nossa mente somos sempre os vencedores e é isso que importa. Por fim, temos o aparelho de Justiça “que não funciona”. Aqui vou ser alegórico. A Justiça é uma mulher. Qual é o aparelho que, ao deixar de funcionar, deixa uma mulher irritada? A minha proposta? Façam uma vaquinha e comprem pilhas. Acreditem em mim. Quando a senhora dona Justiça estiver satisfeita, ficaremos todos bem melhor. 282 Gosto muito dos sinais que anunciam a chegada da época natalícia. Para algumas pessoas são as luzes e as músicas de Natal; para outras são os anúncios a brinquedos; para outras o Harry Potter. Para mim, os meses de Novembro e Dezembro são sinal de... Camarate. Camarate está para a vida política portuguesa como um acidente de viação está para os curiosos que vêm na faixa contrária. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu, mas todos param para ver. Porém, há uma diferença clara entre Camarate e um acidente de viação. No acidente de viação, quando se descobre quem é o culpado, leva-se a pessoa a julgamento, condena-se a pessoa e fica o caso rsolvido. No caso Camarate, o culpado pode até assumirse publicamente, mas a investigação continua como se ninguém tivesse dito nada. Há dois anos atrás, se não me falha a memória, houve um senhor que se assumiu como autor material do atentado que vitimou Sá Carneiro e Amaro da Costa. Fêlo, não para aliviar a sua consciência pesada, mas porque o crime já tinha prescrito. Durante décadas não faltaram teorias para explicar o que teria acontecido ao certo; assim como não devem ter faltado “culpados” que se entregaram às autoridades em busca de alguma fama. José Esteves, aka “Sou Zé”, é um caso diferente. Não sei que provas apresentou, se é que as apresentou, para sustentar as suas declarações de 283 culpabilidade. Uma vez que é vidente, é possível que tenha previsto a melhor altura para se anunciar como culpado sem que lhe acontecesse nada. Ou então os investigadores querem concorrer ao Guiness Book of Records com o maior enrolanço de sempre. Escrevo este texto no dia 27 de Novembro, dois dias antes do lançamento do novo livro de Freitas do Amaral sobre Camarate, intitulado Camarate – Um Caso ainda em Aberto. O foco deste livro vai ser o Irangate, o caso de tráfico de armas entre Estados Unidos e os participantes na guerra Irão-Iraque. Por outras palavras, tudo serve para vender. Seja o senhor bruxo culpado ou não, o que é que isso interessa se o caso já prescreveu? Mesmo que se prove, sem sombra de dúvida, que pessoas ligadas ao Governo conspiraram para matar o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa de modo a proteger o seu negócio, o que é que isso interessa? Alguém acredita que sejamos capazes de ir pedir satisfações aos Estados Unidos e ao Irão? Estamos a falar de países com capacidade nuclear, países capazes de nos obliterar por completo. Pode parecer tentador para alguns de vocês, mas para mim não. Estou bem assim. Este país não vai para a frente a empatar desta maneira. É altura de um novo atentado. Senhores políticos, continuem assim. Vontade de pôr uma bombinha em São Bento não falta a muita gente. E se começarem a insistir muito em atirar as culpas para cima dos nativos da terra do senhor Ahmadinejad, é quase certo que alguém vai receber uma encomenda de Teerão. 284 E não vão ser biscoitos. 285 “É impressionante como nos centros financeiros se acompanha e sabe o que se passa em Portugal”, afirmou o ministro das Finanças, no Parlamento, antes da aprovação do Orçamento. A mim o que impressiona é haver alguém capaz de perceber o que se passa cá. A nossa actual situação económico-financeira, em que de manhã precisamos de ajuda e à tarde já somos capazes de ajudar, é algo muito difícil de definir. Parece – não digo que é – um daqueles quadros a três dimensões em que é preciso olhar duma certa perspectiva para ver o avião ou a borboleta ou seja lá qual for a figura oculta. Nós estamos demasiado perto do problema para perceber ao certo qual é o problema, ou mesmo se existe um problema. Por exemplo, os senhores do Financial Times da Alemanha consideram que Portugal está sob pressão para pedir auxílio ao FMI. Para quem está na economia mais estável da Zona Euro é normal que, olhando para o nosso Portugalito, nos considere necessitados de auxílio. Opinião contrária tem o Governo Português e a Comissão Europeia. (Que é presidida por um português que também já foi chefe de Governo e, como tal, responsável por parte da situação que neste momento não existe.) Não surpreende ninguém que PS e PSD se tenham unido na aprovação deste Orçamento. A sua não aprovação, mais do que criar uma crise política, seria 286 perigosa porque obrigaria membros dos dois partidos a assumir publicamente que tinham feito asneira. Como responsáveis principais pela actual situação, compreende-se que PS e PSD não queiram atirar pedras aos seus telhados. Escutámos representantes destes dois partidos afirmarem que era necessária a viabilização deste Orçamento. Dada a presente situação, não havia alternativa viável. Estão por vir reformas estruturais, reformas laborais e outras medidas com vista à melhoria da competitividade. Dizem eles. O mundo tem os os olhos postos em Portugal e a crise não é nenhum papão, é uma situação bem real. Vamos acreditar que sim. O que me anima é ainda ser possível encontrar sinais de um futuro promissor. Isto confirmase pela seguinte história: Era uma vez um senhor que disse “O País está a partir de agora melhor preparado para enfrentar os desafios com que se confronta”. Isto é a parte má da história. A parte boa é que isto foi dito por Teixeira dos Santos, logo, é possível que, no momento em que esteja a ler isto, esta afirmação seja cem por cento verdadeira. 287 Nas minhas aulas de Filosofia no 11º ano recordo-me de ter lido e (tentado) analisar um texto cujo título era “A vaca está lá fora”. O texto expunha um diálogo entre três personagens, abrigados em casa numa noite tempestuosa, que discutiam se a vaca que eles viam a pastar sempre que ocorria um relâmpago estava sempre lá ou apenas quando eles a viam. A que propósito é que eu trago isto à baila? Por nada. Continua-se a discutir o Orçamento de Estado. Após a surpresa totalmente inesperada de PS e PSD terem chegado a acordo, surge agora a surpresa ainda mais inesperada de o PSD não ir votar favoravelmente as propostas de alteração ao OE feitas pela restante oposição. À direita, o CDS apresentou as suas propostas relativas a corte e controlo da despesa; à esquerda, o BE criticou o PS e o PSD por terem miaúfa do sector financeiro, o PEV disse que o PSD era cegueta e o PCP serviu-se da expressão popular “tirar o cavalinho da chuva” para criticar o PSD. Por que razão é que os restantes partidos da oposição estão a criticar o PSD? Em teoria, faria mais sentido que um partido da oposição estivesse ao lado dos outros partidos da oposição ou, quando tal não fosse possível, contra o Governo. Eu só tenho 30 anos, mas percebi há muito que o PS e PSD só se opõem quando lhes interessa. E agora não lhes interessa. Não lhes interessa que a vida 288 das pessoas vá piorar, desde que as suas regalias se mantenham ou melhorem. Podem invocar mil e uma razões – os mercados, a crise, o défice, a despesa, os gambozinos – para justificar as suas decisões, mas tudo se resume a uma palavra: mais. Querem mais e mais e mais. A oposição – partidos de esquerda apenas – vive na ilusão de que tem força para travar isto. Assim como nós vivemos com a impressão de que o nosso contributo a cada quatro e cinco anos tem alguma relevância. Cada vez acredito menos que tenha. E é triste, pois gostava que tivesse tanto quanto é suposto ter. Não sinto que estejamos a eleger os nossos melhores representantes. Sinto como se estivesse a ver um concurso de talentos infantis em que ganha sempre o miúdo que canta mal ou o outro miúdo que começa a chorar a meio do acto. Ganham sempre não pelo seu talento, mas porque a mamã oferece uma tarte de maçã ao júri. O mesmo acontece com as eleições. Talvez o nosso voto conte mesmo, talvez não. Já não me interessa. Todos os anos é a mesma discussão sobre o OE e todos os anos o resultado é o mesmo. Agrada-me pensar que falta menos de um mês para o Inverno chegar. Gosto de pensar nas noites passadas no sofá, com o aquecedor ligado, vendo um bom filme ou lendo um bom livro, enquanto lá fora chove torrencialmente e as ruas ficam alagadas porque as sarjetas não são limpas. E às vezes até aproveito para observar o mundo lá fora e pensar se o país que vejo existe realmente ou apenas quando caem relâmpagos. 289 A moda das redes sociais chegou à classe política. Isto seria uma boa notícia se eu não soubesse o tempo que se perde a ver fotografias de pessoas que não conhecemos, mas que achamos interessantes. E ao dizer “interessantes”, refiro-me a “mulheres de busto considerável na praia ou outros locais”. É uma fase inicial pela qual todos os homens passam antes de começarem a dar um uso mais profissional ao serviço. É certo que nem todos os homens passam por essa fase; há aqueles que têm outras preferências. Tudo bem. E é ainda mais certo que ninguém abandona por completo essas visitas a conteúdos alheios. Pedro Mota Soares, Pedro Passos Coelho, Cavaco Silva, Ricardo Rodrigues, José Lello, Luís Menezes, José Junqueiro, e outros políticos, são adeptos das redes sociais, nomeadamente do Facebook e do Twitter. Servem-se delas para aquilo que, em linguagem popular, se convencionou chamar de “picarem-se uns aos outros”. Não é muito diferente do que faziam antes. A diferença principal está no número de caracteres. E, parecendo que não, é uma grande diferença. Estes senhores são bem pagos. Podem dizer que não são, mas são. Têm muito dinheiro para comprar muitas embalagens de Dr. Bayard para aliviar a garganta ao fim de várias horas de discurso. Porque é o mínimo que se pede. Não vou ao ponto de dizer que gostaria que trabalhassem, mas, pelo menos, 290 que falassem com a boca, e não com os dedos. Recordo-me da confusão que foi quando instalaram os novos computadores no Parlamento. Parecia uma aula de Introdução às Novas Tecnologias. Havia quem não soubesse que era preciso premir um botão para ligar o computador. Queremos mesmo acreditar que essas pessoas já sabem utilizar o Facebook e o Twitter por si mesmas? A principal vantagem de utilizar as redes sociais para divulgar mensagens políticas é o semi-anonimato. Cavaco Silva, que pediu contenção no discurso político, poupança nas palavras, assina tweets atrás de tweets. Escrever muito faz calos nos dedos e pode provocar tendinites. Eu sei disso. Mas sei também que é fácil ditar para os outros escreverem. Ou mesmo deixar que escrevam por nós. Afinal de contas, quando o discurso é sempre o mesmo, pouco há a dizer. 291 Quando eu era pequeno fui praticante de Ginástica. Não se pode dizer que tenha sido atleta, já que estive lá pouco tempo e o jeito não era muito. Mais tarde, nas aulas de Educação Física, tornei a ter contacto com esse desporto. Sempre fiel a mim mesmo, o jeito para a coisa continuava a ser escasso. Fiz esta pequena viagem ao passado porque, apesar de não ter jeito para a coisa, sei que há limites para aquilo que o nosso corpo pode suportar. Há movimentos e posições que, pura e simplesmente, são autênticos atentados à coluna. Manuel Alegre, candidato à Presidência da República, é um grande exemplo disso. Apoiado pelo Partido Socialista, partido ao qual pertence, e pelo Bloco de Esquerda, partido ao qual alguns gostariam que pertencesse, Manuel Alegre contorce-se de tal forma que até uma contorcionista tailandesa ficaria impressionada com tamanha flexibilidade. É certo que qualquer político tem uma flexibilidade fora do vulgar quando comparada à de um ser humano normal. Fazendo referência a um artigo que publiquei há meses, todos os partidos defendiam a redução do número de deputados, desde que essa redução não fosse em relação à sua bancada. Faz parte da vida política dizer uma coisa e fazer o oposto. No caso de Manuel Alegre, a 292 situação é diferente. Manuel Alegre ainda só está na fase de dizer e já está a ser defendido por Governo e Oposição. Num comício organizado pelo Bloco, Jorge Costa, um dos oradores, proferiu as seguintes declarações: “O ministro Luís Amado diz que o país precisa de uma coligação entre o PS e o PSD, mas o Bloco tem dito sempre que esta coligação já existe, já está em prática e chama-se PEC I, II, III e Orçamento de Estado.” Até aqui, ataque ao PS e ao PSD. Continuemos. “Esta coligação tem um programa, uma maioria e um presidente.” Quem será ele? “O presidente é Cavaco Silva, e é quem articula essa política, e apadrinhou o Orçamento de Estado, e é contra esta política, esta maioria parlamentar e este presidente que é preciso erguer uma resposta adequada, e temos uma candidatura alternativa e uma campanha presidencial forte e vencedora em torno de Manuel Alegre.” Que é militante do PS. Repararam na ginástica? Isto impressiona-me. No mesmo discurso o candidato Alegre é capaz de defender e atacar ideias dos seus dois apoiantes e nenhum deles lhe retira ou reforça o seu apoio. Como é que consegue? Será possível que Manuel Alegre não tenha espinha? Não falo em ausência de escrúpulos, falo literalmente em não ter espinha. Que outra explicação pode haver para 293 tamanha flexibilidade? Parece uma cana de bambu. As canas de bambu vergam, mas não quebram. Não quero com isto dizer que Manuel Alegre seja inquebrável, apenas oscilante demais para se perceber se prefere ser apoiado pela Direita ou pela Esquerda. Aflige-me ver pessoas em esforço, como tal não me vou esforçar mais a pensar nisto. Pelo menos por agora. 294 Existe uma diferença entre poupar e mandriar que algumas pessoas teimam em não reconhecer. Uma coisa é poupar, aproveitando o que há para não produzir além do que é necessário; outra coisa é não fazer nada, aproveitando o trabalho dos outros. Há dias tivemos um bonito exemplo disso. O ministro das Obras Públicas, António Mendonça, e o seu secretário de Estado, Paulo Campos, repetiram o mesmo discurso na abertura e no fecho do Congresso das Comunicações. Para o cidadão incauto, parece que este aproveitamento do mesmo discurso na mesma cerimónia é um claro exemplo de mandriice. Entendo que possa pensar assim; no entanto, não é isso que se sucede neste caso. Após Cavaco Silva, não me recordo se como Presidente, se como candidato, ter dito que era preciso haver poupança nas palavras, seria lógico pensar que haveria quem seguisse essa recomendação. Estando o Governo de tão boas relações com o inquilino de Belém, seria plausível aceitar-se que esses gestos partiriam de membros do executivo socialista. É provável que isso venha a acontecer, mas não por agora. Na verdade, mais do que um exercício de poupança ou mandriice, a repetição do discurso serviu um propósito 295 totalmente diferente. No meu tempo de escola, no tempo em que os professores tinham como função primária ensinar e não preencher relatórios e pedidos de aquisição de papel higiénico, era prática comum o professor interromper o seu discurso para questionar algum aluno desatento sobre parte da matéria. Sempre que isso acontecia, na maioria dos casos, o aluno ficava atrapalhado e incapacitado de responder à questão. Neste tal Congresso das Comunicações passou-.se quase isso. A ideia seria colocar questões aos presentes após o discurso de encerramento, para ver quem é que tinha prestado atenção e quem é que tinha andado por ali “na boa vai ela”. Além de separar os participantes atentos dos desatentos, essa iniciativa serviria para esclarecer algumas dúvidas que pudessem haver. Era uma boa ideia. Sem dúvida. Só falhou num aspecto. Após o discurso de encerramento não houve mais Congresso para ninguém porque foi tudo para casa. Pessoalmente, não me importo que este discurso tenha ficado por esclarecer. As minhas dúvidas interpretativas têm que ver somente com o discurso de justificação apresentado pelo ministério das Obras Públicas. “Partes comuns em relação aos resultados obtidos, à caracterização da agenda digital e objectivos para o futuro. São os números reais e é essa a mensagem do Governo.” Qual mensagem? Eu não entendi mensagem nenhuma. Na segunda frase ainda vá; agora na primeira... Para mim que não sou político, mas gosto de lhes dar alpista de vez em quando, isto não justifica repetirem o discurso, mas 296 justifica alguém ir fazer terapia da sintaxe. 297 A cada dia que passa eu aprecio cada vez mais a espécie humana. Há alturas em que nem por isso, porém há outras em que é pérola atrás de pérola. A mais recente foi um estudo sobre a obesidade, realizado em oito países europeus, que concluiu que devemos reduzir o consumo de pão e arroz brancos. Esta notícia vem um nadinha atrasada, porque estamos naquela altura do ano em que aquilo de que se fala é fome. A fartura, chamemos-lhe assim, é só no resto do ano. Não estou aqui para menosprezar o problema dos gordinhos; estou a apenas a cingir-me àquilo que a actualidade nos mostra. Quem ainda não vendeu a sua televisão e tem dinheiro para ligá-la uma vez por dia pode confirmar que, de há um mês para cá, começou uma onda de notícias sobre idas ao Banco Alimentar Contra a Fome e outras iniciativas do género. Todos os dias são realizados vinte e sete directos à Cantina da Santa Casa da Misericórdia de Valongo ou ao Abrigo do Sem-Abrigo de Penacova ou a dezenas de outros locais sempre apinhados de gente à procura de algo para comer. É verdade que é uma causa importante, mas o massacre é tanto que uma pessoa perde a pachorra. E o pior é que isto não dá em nada. Na noite da Consoada há sopinha para todos, no dia seguinte é um pontapé no rabo e 'tá no ir. Não acredito que o espíritinho de Natal deixe as pessoas mais solidárias. Mas tenho também 298 algumas dúvidas de que os beneficiários só tenham fome nesta altura do ano. Dos vários tipos de pessoa que vão à Sopa dos Pobres, gosto principalmente da atitude de quem lá vai de jipe. Há quem critique isto. Eu não. Porque sei que um jipe é caro e uma pessoa ou opta pela comida, ou opta pelo jipe. Se calhar o senhor mora longe do sítio onde fica a sopa dos pobres. Sem jipe, tinha de ir a pé, mas depois não tinha onde transportar a comida. Deixem-me fazer um outro aparte. Sobre Teixeira dos Santos. Não me parece bem que o senhor que nos obriga a mudar de refeições diárias para refeição diária, aperte o seu cinto no primeiro botão. E mesmo assim fica-lhe apertado. A minha proposta? Uma dieta rigorosa. Ou então substituí-lo por um etíope. Voltando ao estudo, os seus autores defendem que as pessoas devem optar por “uma dieta rica em proteínas com mais carnes magras, lacticínios com baixo teor de gorduras e legumes”. Em Portugal há quem siga essa dieta à risca. Não tanto por ter problemas de obesidade, apenas porque não tem nada para comer. Isto não é piada, embora tenha uma certa graça perceber como a solidariedade enche tanto bolsos, como estômagos. Sou uma pessoa que acredita no equilíbrio e dá gosto ver como estes dois fenómenos se cruzam. Num lado, pessoas que comem demais, do outro pessoas que não têm que comer. Gastam-se horas de emissão e rios de tinta a falar disto. A mim parece-me uma questão de fácil solução. 299 Consta que está na moda a desclassificação de documentos secretos. Ou, fraseando melhor, está na moda a divulgação de documentos, em tempos, secretos, que não vêm contar nada de novo. O grande alvo destas “revelações bombásticas” tem sido os Estados Unidos. Ainda durante a semana que passou, através do site Wikileaks foi revelado um telegrama que relançava as suspeitas de conivência do Governo Português para com os Serviços Secretos Americanos, a propósito do transporte de prisioneiros para Guantánamo. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, já respondeu. Por escrito e através duma porta-voz, não fosse alguém topar que ele não estava a dizer coisa com coisa. Paula Mascarenhas citou e lamentou "a manipulação oportunista" de quem confunde o repatriamento de detidos com esses voos. Expliquem-me, devagar, de preferência, para que eu perceba bem. O que é o repatriamento de detidos? A julgar pela palavra, parece-me que repatriar é trazer de volta à pátria, certo? Estamos, portanto, a falar de detidos cubanos. Mas se eles vinham do Afeganistão e do Iraque e outros territórios, afinal não eram cubanos. E se estavam detidos, porquê levarem-nos para Guantanamo? Não podiam ficar onde estavam? O que me anima é, apesar de tudo, os responsáveis do 300 MNE não terem vindo com subterfúgios. Foram o mais claros possível, e isso é bom. Foi tudo bem explicado "em sede de comissão parlamentar e no âmbito do inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República, ao qual foi fornecida exaustiva documentação para uma avaliação pormenorizada e que foi arquivado em junho 2009". Outras duas revelações produzidas por este sítio referem o transporte clandestino de cientistas ligados ao Regime Nazi para os Estados Unidos e uma ponderação de invasão da Base das Lajes por parte das forças norteamericanas perante o perigo do PCP tomar conta do Governo Português. Sobre a primeira, lamento desapontar o senhor Julian Assange, mas o Chris Carter já se tinha saído com essa num episódio dos Ficheiros Secretos. Não é nada de novo. Todavia, fez a alegria de muito teórico da conspiração que veio para a rua gritar “Vêem? Eu disse! Eu disse!”. Sobre a segunda, é pena a invasão dos Açores não ter acontecido. O nosso país seria certamente um lugar diferente se os americanos tivessem tomado conta das Lajes. Num universo paralelo, talvez nesse território se situe mais uma prisão secreta. Talvez um sítio tipo Wikileaks revele segredos escabrosos da diplomacia internacional, nomeadamente da nossa. De preferência algo que não seja sabido por quase todos e assumido por quase ninguém. 301 Senhoras e senhores, sejam bem vindos a mais um round para-lamentar que irá opôr o Secretário-Geral do PS e Primeiro-Ministro de Portugal, o senhor Engenheiro José Sócrates ao líder do Bloco de Esquerda, o Dr. Francisco Louçã. Nos comentários estão dois cidadãos anónimos, que assim permanecerão afim de evitar represálias. Inicia o Dr. Louçã. LOUÇÃ: Sr. Primeiro-Ministro, queria saber se está em condições de me assegurar que nenhum membro do seu Governo autorizou ou teve conhecimento de qualquer transporte de prisioneiros da CIA por território português para o gulag de Guantánamo. Cá está. Louçã a começar ao ataque com uma questão que, ao mesmo tempo que visa obter informações delicadas, incide ainda sobre a própria capacidade de José Sócrates de responder à questão. É verdade. Louçã frisou que a sua intenção é aferir de actos realizados em exclusivo pelo Governo liderado por José Sócrates. Vamos ver como reage o PrimeiroMinistro Português. SÓCRATES: Sr. Deputado Francisco Louçã, respondo, com o maior gosto: nunca nenhum membro deste Governo, nunca este Governo foi informado ou recebeu qualquer espécie de pedido de autorização para sobrevoo do nosso 302 espaço aéreo, ou para aterragem na Base das Lajes, de aviões que se destinassem ao transporte ou à transferência de prisioneiros. Nunca aconteceu neste Governo, nem temos no Ministério dos Negócios Estrangeiros registo que possa indiciar que essa consulta existiu no passado. José Sócrates a negar conhecimento de qualquer acto de conivência perpetrado pelo seu Governo, ou anteriores mandatários, certamente para não ferir politicamente ninguém do seu ideário político. Continua José Sócrates. Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o relatório recentemente divulgado não ajuda à verdade e é profundamente mistificador, porque rejeito e refuto, em absoluto, a acusação infundada que é dirigida ao nosso país de que Portugal ajudou, ou apoiou, alguma transferência de prisioneiros, violando, além de mais, as normas internacionais do direito em que nos baseamos. A segunda parte da resposta de José Sócrates é inequívoca e não demonstra qualquer receio de “agarrar o boi pelos cornos”, por assim dizer. Deixa-me só acrescentar este ponto que parece-me ser importante. José Sócrates afirma que, não só o relatório não ajuda à verdade como é “profundamente mistificador”. Foi um bom remate. Vamos ver como reage Francisco Louçã. LOUÇÃ: Sr. Primeiro-Ministro, concorda, então, comigo que, se algum membro do Governo tivesse faltado aos seus deveres de verdade para 303 com o País (ou qualquer membro da Administração Pública), neste caso, deveria ser demitido. Francisco Louçã reage com algo que não se percebe se é uma questão concreta ou uma pergunta de retórica. A mim parece-me ser uma pergunta de retórica; talvez algo sustentado na relação que mantêm no apoio a um candidato presidencial comum. Note-se também o facto de Louçã ter deixado de apontar o dedo somente ao Governo de Sócrates e ter apontado o dedo ao Governo em geral. Parece ser uma forma subliminar de dizer “Eu nunca fui do Governo, não tenho nada a ver com isso.” Responde agora José Sócrates. SÓCRATES: Sr. Deputado Francisco Louçã, nenhum membro do Governo faltou à verdade sobre este caso. Consultei todos os membros do Governo com responsabilidades neste domínio e devo dizer que o Governo português nunca foi consultado sobre essa possibilidade nem nunca autorizou. Posso responder-lhe em nome deste Governo que nunca aconteceu termos sido consultados e termos autorizado. Estes dois actos nunca existiram! José Sócrates insiste na negação. Com muita veemência, deve-se dizer. Exacto. Sócrates responde em nome do seu Governo, o que não invalida a responsabilidade de Governos anteriores. 304 Sim. Por outro lado, só foram consultados os membros do Governo com responsabilidade neste domínio. Nada garante que não tenham sido chamados a intervir pessoas sem responsabilidade, tanto neste, como em qualquer outro domínio. Candidatos não hão-de faltar. De facto. É a última intervenção de José Sócrates. Vamos ver se tem algum trunfo na manga. E digo mais: no Ministério dos Negócios Estrangeiros, não há registo algum que nos dê ideia de que tal tivesse acontecido no passado. A nossa política externa baseia-se no Direito Internacional e fico particularmente ofendido com um relatório que pretende colocar Portugal no centro ou na rota da infâmia. Não aceito isso! E lamento muito que outros Deputados o aceitem ou procurem incentivar esse caminho, porque tal nunca aconteceu! É incrível como José Sócrates fica sentido quando alguém tenta colocar Portugal no centro ou na rota da infâmia. Realmente. É caso para dizer. se não houvesse comunicação social haveria muito mais estabilidade. Sem dúvida. Louçã prepara-se para responder. Vamos escutá-lo. LOUÇÃ: Sr. Primeiro-Ministro, ficamos, portanto, com todas as boas razões para a constituição de uma comissão de inquérito sobre esta matéria. Ooooh! Foi um empate. Que pena! É um resultado triste. Vamos esperar pelo próximo 305 encontro. Pode ser que seja mais interessante. 306 Tem-se verificado uma preocupação crescente com o facto de as crianças passarem mais tempo na escola do que em casa. Isto é algo que é expectável à medida que vão progredindo na sua escolaridade, mas que é brutal quando se está a falar de alunos do 1º Ciclo. Quando eu frequentava esse período escolar, tinha aulas das 9h00 às 12h30, com intervalo de meia hora. Hoje em dia há crianças que entram às 9h00 e saem quase às 19h00 e não aprendem mais por estarem lá tanto tempo. Dadas as dificuldades que são colocadas aos professores para reprovar um aluno, quase que posso dizer que não precisam de aprender nada. Seja qual for o rendimento, passam todos. Porque o chumbo é “pedagogicamente lesivo”, como alguém disse em tempos. No meu tempo, na escola, isto é, fora de casa e em espaço aberto, tinha oportunidade para correr e brincar. Todavia, e de acordo com Isabel Mourão, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o número de alunos em cada escola é demasiado elevado para as parcas dimensões das zonas de recreio. É dito, e com razão, que os equipamentos nos pátios não aliciam as crianças a brincar. Diz-se que isto é negativo. Eu discordo. É verdade que o equipamento não alicia à prática da actividade física, porém, em modo algum essa situação sustenta o argumento de que esta lacuna conduza à 307 inércia física. “Os miúdos não têm as habilidades mais básicas como correr ou pontapear.” Não é preciso pensar muito para se perceber que este argumento não tem qualquer lógica. Apesar de já não ser tão espectacular como era no meu tempo, ainda hoje se joga ao pontapé no gordinho. Se o gordinho estiver longe, os “caçadores” têm de correr atrás dele para evitar que ele fuja. De seguida, ao apanharem o gordinho, podem lhe dar pontapés até se fartarem. Se, por outro lado, o gordinho estiver logo à mão, perdão, ao pé de semear, poderá ser este a tentar a sua sorte e fugir. Eu não acho que as crianças obesas sejam um problema difícil de solucionar. Primeira solução: quando o puto fizer birra porque quer comer dois borregos com chantily, é pregar-lhe um estalo bem assente e dar-lhe um pedaço de côdea rija. A segunda solução é incentivar entre as pessoas mais atléticas a prática de pontapear gordinhos. Correr e pontapear são duas actividades que nunca desaparecerão enquanto existir alguém com vontade de dar pontapés e alguém sem grandes capacidades para evitar isso. Os pais de hoje preocupam-se muito com os filhos. O que não seria mau se eles se preocupassem com o que devem. Mas não. Se estiver muito frio ou muito sol na rua, os pais não deixam os filhos sair para evitar que fiquem doentes. E isto é um erro. Não apenas porque conduz à obesidade e ao isolamento, mas também porque impede que as outras crianças cujos pais não são tão picuínhas 308 tenham alguém com quem brincar. Se não estiverem gordinhos na rua para pontapear, as outras crianças vão pontapear quem? É uma questão que devia incomodar muita gente. Infelizmente, parece que estou sozinho no meu desagrado. 309 Nesta tão bonita época natalícia, não há nada melhor do que, dando continuidade a um tema abordado anteriormente, falar de religião. Eu gosto da ideia génese da religião, que é o “faz de conta”. Enquanto somos crianças acreditamos no Pai Natal, no Coelhinho da Páscoa e outras figuras; até que chegamos a uma certa idade e percebemos que essas figuras não existem. No entanto, em relação a entidades sacras (e aqui não distingo católicos de judeus, nem protestantes, nem de muçulmanos, hindus, o que seja), a crença de que aquela, ou aquelas figuras, existe é inabalável. E isso, por um lado é inspirador, dada a volatilidade dos valores da nossa actual sociedade; porém, por outro, é contraditório. “Fernando Lucas, pára lá de escrever essa carta ao Pai Natal e anda com a mãe à Igreja acender uma velinha à Nossa Senhora dos Desemparados.” Não dá. Há aqui qualquer coisa que não está a funcionar como era suposto. Eu não estou a pôr em causa que as pessoas acreditem ou deixem de acreditar naquilo que acharem que devem ou não de acreditar. É apenas uma questão de coerência. E se fosse esse o principal problema, ainda as coisas estariam muito bem. O problema é que, desconsiderando esta questão de dizerem às crianças para não acreditarem em figuras imaginárias, quando eles próprios fazem o mesmo, seria bom ver os adultos seguirem os exemplos das figuras que 310 adoram. Jesus defendia o abandono dos bens materiais. O Papa, seu representante máximo na Terra, anda com um ceptro de ouro, cravado de jóias; veste roupas de seda, com fios de ouro; tem um carro personalizado; tem um Estado próprio. Isto faz tanto sentido como alguém que sofra de obesidade mórbida ser eleito Presidente da Associação Nacional de Pessoas com Anorexia. A máxima “Faz como eu digo, não faças como eu faço” nunca fez tanto sentido. Apesar de não ser crente, gostava de conhecer Jesus. Não tanto por admiração, lá está, mas para que me pudesse esclarecer uma dúvida que me apoquenta já há algum tempo. A saber: ele fez mesmo o milagre da multiplicação dos pães ou repetiu o milagre de transformar a água em vinho e aquilo que era um pão passou a ser vários? Quem souber, que responda. 311 Em Setembro deste ano o filho da secretária regional do Trabalho de um arquipélago português que não começa por M, recebeu do governo regional liderado por um senhor com apelido de imperador romano uma bolso de estudo no Continente no valor de 9500 euros. A este valor acrescente-se os custos das viagens de ida e volta entre Lisboa e as ilhas. O filho queria ser piloto e a mãe ajudou-o. Como deve fazer uma boa mãe. Não há problema nenhum nisso. Quanta à área de formação em questão, Piloto de Linha Aérea, não estava contemplada no regulamento de concessão de bolsas de estudo. Não estava, mas passou a estar através duma portaria criada para o efeito. "Nesta mesma prossecução, e com a experiência obtida, após a aplicação daquele diploma, urge responder a novas necessidades formativas, em especial aos cursos que visem formar pilotos profissionais de avião civil" Isto é bonito de se ver e nada suspeito. Os outros bolseiros receberam apoio subsidiário até 65% da remuneração mínima mensal insular. O filhote teve direito a 150%. Talvez por ser a primeira vez que ia estar tão longe de casa, durante tanto tempo. Temendo que a sua coisa mai linda ficasse com muita saudade, a mamã quase que triplicou o subsídio para o filho. Parece-lhe insuficiente? Tem razão. Falta aqui 312 qualquer coisa, não é? Não se preocupe. A mamã pensou nisso também. Repare no documento que ela anexou à tal portaria. "Podem aderir ao presente regime complementar de bolsa de estudo os alunos residentes permanentes na Região Autónoma (...) que, independentemente dos seus recursos económicos, da idade e do ano que frequentem, façam prova de estarem matriculados fora da Região Autónoma (...) num curso de formação profissional que satisfaça os requisitos fixados." Pode achar irrisório o que lhe vou contar de seguida, mas asseguro que é verdade. Houve pessoas que colocaram em questão a legalidade ou, pelo menos, a ética destes procedimentos. Juro. Como é óbvio, não tardou muito para que fosse divulgada uma nota oficial. Parece que a opção de “integrar esses apoios no regulamento das bolsas de estudo, [foi] apenas para tornar a atribuição do subsídio mais transparente". Espero que isto cale de vez as suspeitas de favorecimento e acrobacias legais várias nos Açores. Ahhh! Não era para ter dito! Pronto. 'Tá dito, 'tá dito. Ainda bem que não sou funcionário público em S. Miguel. Arriscava-me a perder a minha remuneração compensatória. O que não me dava jeito nenhum. 313 No ano em que se comemoram os cem anos da Proclamação da República, é tempo de olhar para trás e reflectir sobre o que foi feito. Há quem olhe para este período da nossa História e aponte defeitos, há quem aponte qualidades. Sobre os dias de hoje, só por acaso, não assim há muito de bom a apontar. Eu não estou a ser pessimista, não estou a incidir no clichê do coitadinho, apenas refiro a verdade. E a verdade é apenas esta: em cem anos nós não mudámos nada. Pronto. Antes tínhamos um rei, agora temos um presidente. Mas na prática, o que é que isso interessa? Que podemos escolher quem nos governa, quem nos lidera? Até que ponto podemos apreciar a qualidade de uma escolha feita por um povo do mais analfabeto funcional que há na Europa? Não é à toa que a Educação vai ser a grande aposto do Governo de José Sócrates. É preciso manter o povo burro e incauto. Alguns simpatizantes monárquicos aproveitam este momento de reavaliação para salientarem os valores e qualidades da sua causa. Reclamam o direito de representação do povo português. Nós (povo) estamos, ao que parece, reféns de um regime que não pedimos. Nós nunca pedimos a República. A República foi-nos imposta e isso não está certo. Não entendo os argumentos de quem deseja viver 314 numa monarquia. Quantas das pessoas que defendem o regresso a esse regime sabem, por experiência própria, do que estão a falar? Quase nenhumas. É tudo ouvido de boca. E todos sabemos como é popular o uso da expressão “No meu tempo é que era”. O problema é que, para nós, estar um rei ou estar um presidente ou um sultão ou a fada dos dentes, é praticamente a mesma coisa. Apenas mudam os elementos decorativos. D. Duarte deve se ter percebido isso e requereu a nacionalidade timorense. É escusado ficar cá para tentar resolver o que seja. Estou certo que muitos não hesitarão em seguir-lhe o exemplo e pedir a nacionalidade a outros países se tiverem cabeça para pensar nisso. Mas, dentro do universo monárquico, há muitos que lhe apontam farpas e acusam-no de abandonar a Pátria. Parece-me um franco exagero. Pode parecer um abandono, mas podem ficar descansados que não é. Não há qualquer perigo de a nacionalidade portuguesa desaparecer. Pode ficar... como um cartão de sócio de clube de vídeo perdido numa gaveta. Imaginem. Escolhíamos um país tipo Finlândia, onde o sistema educativo e o sistema fiscal funcionam, e íamos viver para lá. Depois, sempre que tivéssemos saudades de políticos incompetentes e de um povo manso, bastava ir à gaveta procurar a nacionalidade e vir cá passar uns dias. Uma semana a ouvir os políticos de cá e regressávamos ao estrangeiro. De preferência a um país cuja língua não compreendêssemos de todo. Assim, mesmo que os políticos de lá dissessem tantas ou mais asneiras que os 315 de cá, aos nossos olhos e ouvidos seriam sempre uma imagem do rigor e de coerência. 316 Regresso ao tema de Camarate porque continua a haver muito para discutir sobre este tópico. Será que vai haver mais um inquérito? Será que não? Quem matou JR Ewing, perdão, Sá Carneiro? (Peço desculpa, esta história de Camarate já se parece tanto com ficção que, por vezes, esqueço-me que não é.) Não faltam emoções, não faltam colóquios, livros. E apelos. À direita do PS, militantes históricos do PSD e do CDS apelam a Pedro Passos Coelho e a Paulo Portas por uma nova Aliança Democrática. Imagino como seria se transportássemos esta cena para uma gala de finalistas. De um lado, Passos Coelho, rodeado pelos colegas mais velhos que insistem para ele ir falar com Paulo Portas. Do outro lado do salão, Paulo Portas, é também incentivado pelos seus pares a ir meter conversa com o futuro amigo. Ambos estão inseguros. Passos Coelho, mais novo que Paulo Portas nestas andanças, ainda não ultrapassou o trauma de perder o seu parceiro de dança. Por seu lado, Paulo Portas já passou por duas tentativas. Se as coisas não correrem bem, teme pela sua integridade emocional. Aos poucos, ganham coragem e iniciam a caminhada. Encontram-se a meio. Ouve-se uma música romântica. Os seus dedos tocam-se levemente e volta cada um para onde estava. Ainda não estão prontos. Voltando à realidade, faz ou não sentido uma nova AD? Já respondo. 317 Esta AD (Aliança Democrática) é constituída pelo PSD (PPD/PSD, se for o Santana a dizer) e pelo CDS-PP. O CDS-PP já foi só PP (Partido Popular); herdou membros da ANP (Acção Nacional Popular), que em tempos tinha sido UN (União Nacional), o único partido que havia durante o período de Estado Novo. Faz-me pensar no tipo de democracia que se pretende instaurar. Por outro lado, não é assim tão diferente de ter o PS de Sócrates no governo, com maioria absoluta. A diferença, em termos democráticos, do actual para o antigamente, é apenas uma: antigamente, se as coisas estivessem mal, não nos podíamos queixar; hoje podemos. Não que isso adiante muito. Para algumas pessoas, a opção de ter a ilusão de escolha e a possibilidade de se queixar é quanto basta para dizerem que vivemos em democracia. Uma nova AD faz todo o sentido, portanto. Por dois motivos. Em primeiro lugar, porque ter dois partidos no poder, principalmente se houver desentendimento, leva a que um tente fazer melhor do que o outro. Se a ruptura for iminente, tanto melhor. O ministro da Saúde do CDS aumenta o preço dos medicamentos? O ministro das Finanças do PSD baixa o IVA. Um compensa pelo o outro. Em segundo lugar, e mais importante, ter uma nova AD pode dar azo a um novo voo e a uma nova queda. O que seria bom. Não digo a nível intrapartidário, mas a nível cinematográfico. O Caso Camarate começa a perder fôlego. Precisamos, com urgência, de um novo atentado. A ficção nacional agradece. 318 Recebi com grande alegria certas notícias divulgadas recentemente que dão conta de eventuais alterações ao Código do Trabalho. Desta vez, não para favorecer os trabalhadores, mas sim, para facilitar a vida aos patrões que tanto merecem. Para mim era um disparate tanta gente a pedir que se olhe para os mais desfavorecidos e ninguém prestar atenção aos patrões. A não ser o Governo, honra lhe seja feita. Eu não sou patrão, sou trabalhador. E é por pertencer a essa maioria mais favorecida, e por ser uma “pessoa humana” (como está na moda dizer), que desejo expressar o meu aval a estas alterações que se aproximam. PRIMEIRA ALTERAÇÃO: FACILIDADE NO DESPEDIMENTO INDIVIDUAL Ora aí está uma boa medida. Pessoalmente, sempre procurei trabalhar em sectores mais voláteis. Gosto da adrenalina de saber que tenho emprego hoje e amanhã poderei já não o ter. Um emprego seguro para mim não dá. Preciso de excitação na minha vida profissional. SEGUNDA ALTERAÇÃO: NÃO AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO Mais uma bela ideia. E útil. Para quê querermos mais do que 475 euros mensais? Vamos comprar algum carro 319 topo de gama? Fazer alguma viagem ao estrangeiro? Começar uma segunda família em Espanha? Nada disso. Mas, para um patrão, estas são apenas algumas das opções ao seu dispor. Não sejamos egoístas. Se não temos onde gastar o dinheiro, não vale a pena querer mais. Se o salário mínimo subir para 500 euros por mês, cada trabalhador passa a receber apenas mais 25 euros; porém, o patrão passa a pagar mais 25 euros por cabeça. Se ele tiver, vamos supor, vinte trabalhadores, são 500 euros a mais; num ano são 6000 euros. É verdade que, para nós, 25 euros ajudam um pouco; mas, para o patrão, 6000 euros já dava para um fim de semana mais ou menos num hotel de luxo. TERCEIRA ALTERAÇÃO: DIMINUIÇÃO DO CUSTO DO DESPEDIMENTO Agora vem uma lição de História. Antes de a República ter sido implantada, não havia protecção como há hoje. O trabalhador que se aleije no exercício da sua função está protegido pelo seguro. Antigamente não; quem se aleijava ia para a rua. Portanto, o trabalhador ainda receber alguma indemnização, para mim, continua a ser melhor do que era antes. Isto quase que parece, desculpem que vos diga, birra de criança. Primeiro damos água, depois damos um litro de sumo, de seguida temos de dar uma lata porque já não temos dinheiro para mais garrafas; e começa a choradeira. QUARTA ALTERAÇÃO: TRABALHAMOS POUCAS HORAS POR SEMANA 320 Sem comentários. Enfim. Agrada-me a perspectiva de poder continuar a trabalhar mais por menos dinheiro e ser mais facilmente despedido com uma indemnização menor. Eu sei que custa, todavia é um sacrifício que faço para ajudar essa minoria. 321 No momento em que se cozinha um possível aumento da idade da reforma, é estimulante ver como alguns titulares de cargos públicos fazem por se manter em funções, apesar de já terem ultrapassado o limite legal que lhes permitia isso. Mário Gomes Dias, o ex-Vice-Procurador Geral da República, reformou-se no dia 2 de Novembro, mas continua a desempenhar funções na Procuradoria Geral da República de forma "graciosa e voluntária afim de terminar os complexos dossiers que lhe foram entregues". Já ouvi muita desculpa para uma pessoa não trabalhar. Eu próprio consigo fornecer-vos algumas de minha autoria, caso estejam interessados. Não estão? É pena. Como eu dizia, desculpas para não trabalhar há muitas; desculpas PARA trabalhar, são mais raras, mas também as há. Todavia, ter como argumento material de escritório, é do mais original que tenho ouvido nos últimos tempos. Há qualquer coisa neste comportamento que não me soa bem. É assustadoramente parecido com um Vice PGR, já em situação de reforma, mandar arquivar um caso que envolve o Primeiro-Ministro. E depois diz-se, “Vamos proceder à abertura de um inquérito para apurar os factos.” Parece que 'tá carregadinho de testosterona; na verdade, vão só fazer perguntas. Se o culpado admitir, tanto melhor; se não, não se pode dizer que não fez nada. Creio que a dedicação do Mário a estes dossiers não 322 terá tanto que ver com o conteúdo, mas sim com a forma. Quem não se lembra dos seus tempos de escola, quando forrávamos os dossiers escolares com fotos dos nossos artistas favoritos? Talvez essa prática se mantenha na PGR. Visto que o Mário não tem os poderes que tinha antes, é uma boa forma de o manter entretido. Agora vem a parte mais divertida desta historieta. A Procuradoria não confirma isto, atenção, porém, dizem que o senhor vai continuar a beneficiar de carro e motorista pessoal, além de um gabinete de trabalho. Mais. O Mário reformou-se depois da idade legal de reforma e tem direito a uma reforma de 6129 euros. No entanto, vai continuar a exercer funções na PGR, porque é o presidente da Comissão de Fiscalização dos Centros de Dados do Sistema de Informações da República Portuguesa, o conhecido TACHO. Não tenho nada contra que o senhor continue em funções pelos anos de vida que ainda tiver pela frente. Todos nós conhecemos pessoas com mais 65 anos, ou mesmo 70, que continuam a trabalhar. A diferença é que não o fazem por falta de hobbie, e sim porque precisam de dinheiro para sobreviver. Sendo que muito desse trabalho é feito à revelia do Estado. Para o Mário é fácil manter o emprego até aos aos 70, ou mesmo até aos 90; difícil seria se tivesse de trabalhar a sério. Uma última nota sobre a idade da reforma e o argumento do aumento da esperança média de vida: a esperança média de vida devia baixar para os 45. Isto só para não-políticos e não-titulares de cargos públicos. Fica a ideia. 323 Com tanta notícia polémica que tem surgido via WikiLeaks era difícil perceber qual o grande segredo que se esconde no meio daquelas centenas de milhares de documentos secretos. Alguns teimam em considerar Julian Assange um propagandista camuflado e estes ditos documentos secretos meros subterfúgios dos Serviços Secretos NorteAmericanos, divulgados para distrair as pessoas do que realmente se passa. O problema dos teóricos da conspiração é não acreditarem em nada. Podem acreditar que pousaram extraterrestres em Roswell, mas a partir do momento em que consigam provas disso, deixam de acreditar. Não é tanto a busca pela verdade que os move, é mais a não confirmação da mesma. Quanto ao WikiLeaks, a minha ideia sobre o grande segredo foi formulada desde muito cedo. Contudo, não passava de um palpite. Precisava de mais dados para poder avançar publicamente com esta teoria. E notem, é uma teoria. Está tão perto da verdade como pode estar qualquer outra teoria formulada por alguém que disponha da mesma informação que eu. Antes de continuar, o que é que me convenceu estar no caminho certo? Um dos telegramas divulgados pelo WikiLeaks esta semana tinha que ver com o casal McCann. Na missiva, o embaixador do Reino Unido e o embaixador dos Estados 324 Unidos, ambos em Lisboa, conversavam sobre o envolvimento dos pais no desaparecimento da pequena (e talvez então viva) Maddie. E foi assim que se fez luz. (Atenção. Esta frase não tem nada a ver com o facto de ela ter desaparecido na Praia da Luz.) Recordo-me das reacções populares de solidariedade e comiseração para com os pais na altura em que eram considerados vítimas. Eram pessoas a chorar, a ajudar, a acender velinhas. Depois passaram a suspeitos e o humor popular mudou do dia para a noite. Passaram a ser insultados e acusados. O grande segredo do WikiLeaks é algo que está escondido em todos os documentos. Quase como um código secreto. Mal nos apercebemos que está lá, mas está. E esse segredo é: um diplomata americano está para uma alcoviteira, como a falta de memória está para Dias Loureiro. No caso de Dias Loureiro posso gozar com ele à vontade já que, mesmo que leia este artigo, não se vai lembrar dele depois. Ficou provado, para mim pelo menos, que não se pode contar nada a um diplomata americano. Por muito que se lhes peça para não contarem a ninguém aquilo vem tudo cá para fora. Até agora têm sido informações que ninguém estava à espera, tais como a deslocação de cientistas do regime Nazi para os Estados Unidos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a conivência de Portugal em relação aos voos “secretos” da CIA, o envolvimento dos McCann no desaparecimento da filha, etc. Qualquer dia virá a público uma notícia realmente bombástica e aí é que vão ser elas. Talvez estejam a 325 guardar o melhor para o fim. Vamos esperar para ver. 326 Antes de mais, tenho que dizer que estava ansioso que este dia chegasse. Não tenho por hábito divulgar as escolhas que faço a nível comercial; do género, qual o meu dentífrico preferido, o meu detergente de eleição, qual o meu banco, etc. No entanto, em relação a este último, sinto-me no dever, na obrigação, de abrir uma excepção. O meu banco, o BCP, vem citado no WikiLeaks como estando envolvido em negociatas com o Irão. Confesso-vos que ainda não havia reconhecido ao site do senhor Assange a relevância que alguns lhe apontam; porém, a informação agora revelada é-me demasiado próxima para eu sentir outra coisa se não orgulho. Com efeito, é de orgulho que se trata. Estou certo que não sou o único cliente do Millennium BCP a sorrir para dentro de contente, ou mesmo, os mais extrovertidos, a gozar com clientes de outros bancos envolvidos em moscambilhas. O pessoal do BPP pode ter dado garantias fictícias para empréstimos avultados, a malta do BPN pode ter feito branqueamento de capitais e fraude fiscal, mas o Millennium, o meu Millennium, esteve envolvido em negócios de espionagem financeira com os Estados Unidos e o Irão. Assim se distinguem os grandes dos pequenos. Uns são meros larápios, outros são homens de negócios. O homem à frente deste enredo foi Carlos Santos 327 Ferreira, presidente do banco, que acordou com os Estados Unidos fornecer-lhes informações sobre actividades financeiras levadas a cabo pelo Irão. Se ignorarmos o facto de isto ser muito parecido com “fazer queixinhas”, estamos perante o tipo de comportamento que não faz senão enaltecer a identidade de uma nação. Eu podia ser como algumas vozes que andam por aí e dizer que este senhor comprometeu-se a espiar para os Estados Unidos, quando ele próprio fazia negócios com o Irão. Qualquer coisa tipo, “Eu digo-te quem são os clientes dele, desde que tu me deixes à vontade para fazer negócio com ele.” Não concordo com esta posição porque, envolvido em negócios ilícitos ou não, o Carlos Santos Ferreira protegeu o seu banco, o meu banco, de represálias internacionais. Pelo menos no imediato. O Governo, como é seu hábito e dever, diz não ter tido conhecimento destes factos. Eu acho que, neste caso em particular, o Governo não sabia mesmo de nada e está todo roído por dentro por causa disso. Este é o tipo de situação que um Governo assumiria como uma medida governamental devido ao estatuto que isto confere. À oposição que critica e pede explicações, eu digo: “Deixem-nos estar. Já basta terem sido apanhados de surpresa. Não vale a pena gozar com os senhores do Governo.” Afinal de contas, se eles não sabiam o que o BPP e o BPN andavam a fazer em Portugal, como é que iriam saber o que andava o BCP a fazer lá para os lados de Teerão? 328 Infelizmente, devido a motivos que não vou agora aqui referir, não me posso orgulhar de ter sido um dos portugueses em encetar num diálogo franco e construtivo com o Presidente Cavaco Silva via Facebook. Gostava de dizer que, no passado dia 20 de Dezembro, fiz vários Like's a expressões como “O Presidente da República é um garante de estabilidade e não se deve imiscuir na vida partidária.” Não posso sequer dizer que esta frase tenha sido escrita porque, não só não participei, como não me dei ao trabalho de ir ver o que lá foi escrito antes de começar a escrever este artigo. Tenho mais que fazer. E, sinceramente, não sei se fico muito contente por ver a mais alta figura do Estado a utilizar as redes sociais. O cidadão comum sabe, embora possa não o admitir, que o tempo que se perde no Facebook, no Twitter, no MySpace, no Hi5, é tempo que não se trabalha. Há quem, de vez em quando, utilize estes meios como forma de comunicação. Para enviar convites, por exemplo. Todavia, o grosso do tempo gasto nestes locais está no visionamento de vídeos e fotos e jogos virtuais. Anima-me ter um Presidente da República que não é info-excluído. O problema é se não for esse o caso. Quem garante aos participantes desse debate virtual que a pessoa que respondeu às suas questões foi de facto o Presidente Cavaco? Não digo que não tenha sido ele a 329 iniciar o debate, mas depois, altas horas da noite, vem o João Pestana, o senhor Aníbal começa a bocejar, vem o assessor e toma o lugar. Apesar de não ser o mais correcto, do ponto de vista constitucional, a mim não me choca nem me preocupa este cenário ter acontecido. A plausível substituição do Presidente Cavaco por um qualquer assessor familiarizado com o discurso em questão pode deixar alguns portugueses incomodados. Não se sintam assim. Afinal de contas, desde que o teor da mensagem seja o mesmo, o que é que interessa se é o Aníbal ou o Justino quem a escreve? O anonimato é uma realidade numa rede social. Quantos de nós não tiveram já estimulantes conversas com loiras de seios generosos, sem desconfiar que estávamos, na verdade, a conversar com gordos carecas? Por muito que não o queiramos admitir, sabemos que é uma realidade. Mais vezes do que deveria ser. Tanto quanto sei, as perguntas só podiam estar relacionadas com as eleições presidenciais de 23 de Janeiro ou com o futuro de Portugal. Hum... A limitar assim as opções dos participantes a adesão não deve ter sido muita. A não ser que, além do assessor que ficou a responder às questões em nome do Presidente, tenham ficado outros tantos assessores a formular outras tantas questões, de acordo com um guião previamente aprovado. Cada um no seu quartinho para poder participar no debate, ao mesmo tempo que conversava com a holandesa boazona residente em Cascais. Ou com o anão de Xabregas. 330 De acordo com análises, realizadas no âmbito do projecto Checking, a várias amostras de cocaína, setenta por cento dessas amostras possuíam desparasitantes e analgésicos de modo a disfarçar a sua parca pureza e incrementar o seu valor comercial. Pode não o parecer, mas este é um assunto grave. Quando existem pessoas capazes de adulterar a pureza de uma droga pesada como a cocaína, apenas por motivos de rendimento, é caso para dizer que está tudo perdido. Sei que são muitas as dúvidas que, neste momento, o afligem. Tentarei responder a todas elas, na medida do possível. Começando pela mais óbvia: o que é o projecto Cheking? Ora bem, tanto quanto pude apurar, é um projecto nacional de teste de drogas. Isto, só por si, não diz muito. É o mesmo que chamar a um grupo de bêbados, um colectivo de enólogos na vertente prática. Antes de mais, há que saber: como é que a droga é testada? Se for através de reacção química é possível obter uma indicação precisa em relação à quantidade de fenacetina utilizada, mas não há nada como a opinião de um consumidor experimentado para avaliar as sensações transmissíveis. A grande preocupação dos responsáveis deste projecto é o uso excessivo de fármacos como a fenacetina ou levamisole para “cortar” a coca. Eu não consumo cocaína, 331 nunca consumi, mas consumo vinho e entendo a postura destes senhores. Assim como eles não apreciam a sua droga “cortada”, eu não gosto do meu vinho “traçado”. É um direito que nos assiste, enquanto consumidores. No meu caso, o “traço” é feito, geralmente, com gasosa ou com sumo de laranja – a sangria é outra coisa – que, apesar de tudo, ainda são substâncias que podemos consumir à parte do vinho. Contudo, no caso dos fármacos utilizados para “cortar” a coca, isso não sucede. Não há refrescos de fenacetina ou croissants com recheio de levamisole e, tirando o pessoal da indústria farmacêutica e alguns hipocondríacos, ninguém sabe o que são estas substâncias. Sabe-se que o primeiro pode fazer mal a pessoas com problemas renais e que o segundo aumenta o risco de ataque cardíaco. Sinceramente, utilizar estas substâncias na preparação de uma droga pesada parece-me de uma irresponsabilidade sem limites. Onde é que isto vai parar?, pergunto eu. Na minha infância e juventude, e mesmo no início da idade adulta, consumi diversos químicos, não na forma de drogas recreativas, mas em modo doce. Não sou, portanto, alheio ou averso ao consumo de substâncias químicas em detrimento de naturais. Mas sou um consumidor que gosta de segurança naquilo que consome. Gastar uma saqueta para fazer um bule de chá e dividilo por quatro chávenas não é o modo correcto de fazer chá para quatro pessoas. É verdade que assim poupam-se três saquetas, mas perde-se o sabor, a pureza, o toque. Ao senhor traficante e ao senhor preparador que lêem isto, peço-vos, tenham atenção ao que estão a fazer. O que 332 estão a fazer pode parecer aliciante, na medida em que faz render o produto, mas tentem olhar para o amanhã. Respeitem os vossos clientes se querem continuar a tê-los. 333 Quando tanto se fala do crescimento negativo da economia portuguesa, é sempre estimulante saber de notícias que vêm contrapor esta regra. E aqui está uma: de acordo com o Observatório de Economia e Gestão de Fraude da Faculdade de Economia do Porto, o “Índice de Economia Não Registada”ascendeu, no ano passado, aos 31 mil milhões de euros, cerca de 85 milhões por dia. E ainda dizem que não temos capacidade de produzir riqueza! Temos pois! Não queremos é declará-la. Desde 1970 até 2009, esta economia-sombra tem vindo a crescer muito, passando de 9,3% do PIB para 24,2%. Eu não vou perder muito tempo com isto de números, porque sei que quem me lê está mais interessado numa piada em jeito de informação, ou numa informação em jeito de piada, do que em estatísticas. Mas, olhando só de relance para estes algarismos, 85 milhões por dia... Não é nada mau, hã? Antes de passarmos ao regabofe, creio que esta matéria carece de breves explicações. Vamos a elas. Quais são as causas deste fenómeno? Por que razão há tanta gente a fugir aos impostos, a não declarar rendimentos, a fazer as coisas sobre o joelho? Ou sob, para os ainda mais discretos. É difícil apontar o que motiva cada um dos 334 intervenientes neste fenómeno a agir da forma como age. Para mim, que sou um contribuinte em situação regular, é complicado, para não dizer impossível, conseguir colocar-me a distância suficiente para avaliar esta situação. Afinal de contas, quando se vê a forma justa e correcta como o Governo aplica a sua receita fiscal, é bizarro haver quem opte por não contribuir. A fuga aos impostos não seria um problema, se isto que eu referi no parágrafo anterior fosse uma realidade e não uma ironia. É certo que continuaria a haver sempre evasão fiscal, mas é o mesmo que colocarmos um cleptomaníaco numa feira de objectos grátis. Ele vai sempre gamar qualquer coisa. A evasão fiscal não se resolve com mais ou menos fiscalização – isso ajuda, é verdade –, mas sim com uma melhor aplicação dos fundos recolhidos. Quando vejo na televisão notícias sobre cortes de salário, diminuição de subsídios e, de seguida, mais uma injecção de capital no BPN, dá-me vontade de cometer uma evasão fiscal. Não o faço porque, infelizmente, não consigo ascender aos valores mínimos de dívida necessários (acima dos 500 mil euros) para ser o Estado a suportar a minha dívida. A economia-sombra, apesar do que o Governo nos quer fazer crer, não é um problema, é um desvio. É irmos na rua, num dia frio de Inverno, e vermos um pedacinho de calçada iluminado pelo sol. À sombra está frio, logo nós vamos para onde está solinho. (Esta metáfora funcionaria melhor no Verão, eu sei.) A economiasombra possibilita-nos ter algo que é só nosso. Parece-me 335 justo, na medida em que, se o Governo achar que nós temos algo em dívida, em vez de verificar, cobra primeiro. E alguns pagam. Otários. 336
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