Gene X: Uma Análise Semiótica das Histórias em Quadrinhos dos X
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Gene X: Uma Análise Semiótica das Histórias em Quadrinhos dos X
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR Flávio Vinícius Godoi da Silva GENE X: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DOS X-MEN EM REVISTA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia – Unir, sob orientação do profº Juliano José de Araújo, como parte da avaliação para obtenção de título de bacharel em Jornalismo. VILHENA – RONDÔNIA 2011 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR Flávio Vinícius Godoi da Silva GENE X: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DOS X-MEN EM REVISTA VILHENA – RONDÔNIA 2011 3 Flávio Vinícius Godoi da Silva GENE X: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DOS X-MEN EM REVISTA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia – Unir, sob orientação do profº Juliano José de Araújo, como parte da avaliação para obtenção de título de bacharel em Jornalismo. Data: ___________________________________________________ Resultado: ______________________________________________ BANCA EXAMINADORA Prof. ____________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________ Prof. ____________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________ Prof. ____________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________ 4 Dedico este trabalho, aos meus avôs, Maria do Carmo da Silva e Natalício Godoi da Silva que sempre acreditaram em mim, mas, não estão mais presentes neste mundo em matéria, entretanto, sei que estão vendo as minhas conquistas. 5 AGRADECIMENTOS Aos professores, Juliano de Araújo e Lilian Reichert pelas orientações e conselhos. Aos meus amigos de curso, que juntos enfrentamos os altos e baixos da monografia, em especial à Andréia Machado. À minha família, em especial minha mãe, Maria Aparecida da Silva e meu tio, José Godoi da Silva que me proporcionaram condições financeiras de concluir minha formação superior. 6 RESUMO A dissertação mostra como as histórias em quadrinhos dos X-Men tratam a questão da diversidade cultural e social existentes no mundo não-ficcional. Buscou-se analisar como os textos e imagens da publicação são construídos para que o fator ficcional da trama (mutação) se assemelhe ideologicamente com as discussões contemporâneas sobre diversidade. A metodologia adotada é a semiótica de Greimas, também conhecida como semiótica francesa. É a partir da teoria greimasiana que são discutidas as relações entre linguagens e imagem, ângulos e formas, cores e tamanhos, entre outros. A análise principal é formada por 13 capítulos que compõem a saga “Complexo de Messias”, publicada em 2009. Palavras-chave: quadrinhos, X-Men, semiótica, diversidade, Greimas. ABSTRACT The study shows the stories in the X-Men’s comic books deals with the questions of cultural and social diversities that exist even in a non-fictional world. It analized how the publication of texts and images are built to the fictional factor of the plot (mutation) resembles ideologically with the comteporary discussion about diversity. The methodology adopted is the “Greimas Semiotcs” (semiótica de Greimas), also known as “French semiotics” (semiótica francesa). It is based on the “greimasiana” theory that we discuss the relation between language and images, angles and shapes, colors and sizes, among others. The main analysis is formed by 13 chapters that compose the saga “Messiah Complex”, published in 2009. Key-words: Comic books, X-Men, semiotics, diversity, Greimas 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Exemplo de imagens sequenciais 22 Figura 2 – Exemplo de disposição dos quadrinhos 22 Figura 3 – Comunicação visual nos quadrinhos 23 Figura 4 – Comunicação visual nos quadrinhos 23 Figura 5 – Batalha entre Lanterna Verde e o Surfista Prateado 24 Figura 6 – Tirinha do Cebolinha 25 Figura 7 – Exemplo de Sarjeta 25 Figura 8 – Tirinha do Cebolinha 27 Figura 9 – Tirinha da Turma da Mônica 28 Figura 10 – Cartum autônomo 32 Figura 11 – Charge do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva 32 Figura 12 – Tirinha seriada autônoma 32 Figura 13 – Mangá Sailor Monn 32 Figura 14 – Capa da graphic novel “Watchman” 32 Figura 15 – Capa da revista “Action Comics” 32 Figura 16 – Jean Grey 39 Figura 17 – Capa da revista “The X-Men” 41 Figura 18 – Wolverine 42 Figura 19 – Colossus 42 Figura 20 – Tempestade 42 Figura 21 – Noturno 42 Figura 22 – Banshee 42 Figura 23 – Solares 42 Figura 24 – Tamara 42 Figura 25 - Capa da revista “Uncanny X-Men” 43 Figura 26 – Capa da revista que iniciou a saga “A Fênix Negra” 44 Figura 27 – Foto de um Homem 69 Figura 28 – Desenho de um homem 69 8 Figura 29 – Homem Aranha salta sobre prédios 70 Figura 30 – Capitão América se submete à experiências científicas 70 Figura 31 – Superman 70 Figura 32 – Mulher Maravilha 70 Figura 33 – Stargirl 70 Figura 34 – Bandeira dos Estados Unidos da América 71 Figura 35 – Tirinha autônoma 71 Figura 36 - Capa da revista “Homem Borracha” 72 Figura 37 – Salomão Ventura 79 Figura 38 – Luta dos membros d’A Cooporação 80 Figura 39 – Diálogo entre membros d’A Cooporação 81 Figura 40 – Fazenda próxima de uma cidade 82 Figura 41 – Batalha no aeroporto do Rio de Janeiro 82 Figura 42 – Chegada do X-Men à Cooperstown 93 Figura 43 – Mulher se aproxima dos X-Men 94 Figura 44 – Mulher carrega criança morta nos braços 95 Figura 45 – Pássaro Negro decola 95 Figura 46 – Cidade de Washington D.C. 96 Figura 47 – Igreja dos Purificadores 97 Figura 48 – Rictor 97 Figura 49 – Cidade de Nova York no futuro 98 Figura 50 – Imagem do campo de concentração mutante 99 Figura 51 – James Madrox interroga um guarda 100 Figura 52 – James Madrox é levado para o campo de concentração 100 Figura 53 – James Madrox é tatuado no rosto 101 Figura 54 – Lucas Bishop no campo de concentração 103 Figura 55 – Lucas Bichop 103 Figura 56 – Professor Charles Xavier é morto 103 Figura 57 – Página negra 105 Figura 58 – Cable chega ao futuro 106 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .........................................................................................................10 CAPÍTULO I: HQS: ORIGEM, TRAÇOS E MUTANTES 1. Os Estudos Científicos ..........................................................................................13 2. Histórico e Características – Elementos da Linguagem ........................................18 2.1. HQ Como Gênero Literário e Científico ..............................................................30 2.2. Características Ideológicas: Era de Ouro, Prata e Bronze .................................33 3. Dos Quadrinhos Para o Cinema ............................................................................37 4. Conhecendo os X-Men ..........................................................................................39 4.1. O Apocalipse da Era Moderna ...........................................................................44 4.2. Complexo de Messias ........................................................................................46 CAPÍTULO II: DIVERSIDADE: GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL, COR E DEFICIÊNCIA FÍSICA 1. A Minoria que é Maioria .........................................................................................48 2. Gênero e Orientação Sexual .................................................................................51 3. Discriminação Racial .............................................................................................57 4. Deficientes Físicos ................................................................................................60 4.1. Breve Conceito de Deficiência Física .................................................................62 4.2. Deficiência Médica e Social ................................................................................63 CAPÍTULO III: DO MÉTODO DE ANÁLISE 1. A Semiótica Greimasiana ......................................................................................66 1.1. Plano da Expressão ...........................................................................................68 1.2. Plano do Conteúdo .............................................................................................72 1.2.1. O Nível Fundamental .......................................................................................74 1.2.2. O Nível Narrativo .............................................................................................75 1.2.3. O Nível Discursivo ...........................................................................................78 CAPÍTULO IV: A ANÁLISE SEMIÓTICA 1. A Saga ...................................................................................................................85 2. A Análise do Conteúdo ..........................................................................................86 3. A Análise da Expressão ........................................................................................93 4. Plano da Expressão e Relações Com o Plano do Conteúdo ..............................106 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................110 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................112 10 INTRODUÇÃO A revista em quadrinhos de “X-Men” é uma das mais vendidas no mundo e se mantém com fôlego após quase cinquenta anos da criação. Há uma quantidade considerável de pessoas em todos os países que, diante de suas páginas coloridas, se identifica com os inúmeros personagens do enredo. Criado nos anos 1960 por Stan Lee e Jack Kirby, os X-Men (Homens-X) trouxeram, pela primeira vez, heróis que não vinham de outros planetas ou universos paralelos. Tanto os mocinhos quando os bandidos eram pessoas comuns que se descobriam portadores de habilidades sobre-humanas, sendo os primeiros seres da evolução da espécie humana (Homo Sapiens); e os últimos, os mutantes (Homo Superior). A diferença dos mutantes para os humanos está na presença do gene “X”. que causa a mutação diferente em cada indivíduo, que pode ser interna ou externa. Apesar de ter os humanos como os maiores vilões, os mutantes lutam entre si por razões de ideologias diferentes. Os X-Men são liderados pelo telepata Charles Xavier, conhecido como Professor X que, em sua escola de estudos para mutantes, o Instituto Xavier para Jovens Super Dotados, ensina os novos mutantes a controlarem e entenderem os seus poderes, usando-os de forma pacífica. O Instituto Xavier abriga centenas de mutantes e, dentre os principais, estão Wolverine, Tempestade, Ciclope e Jean Grey. Em oposição aos X-Men de Charles Xavier existe a irmandade, um grupo de mutantes que prega o extermínio da raça humana e domínio do Homo superior, liderados pelo mutante Eric, conhecido como Magneto. Dentre os membros da irmandade destacam-se Mística, Avalanche, Grôchu e Pyro. Este universo fictício se assemelha e se desenvolve baseado no mundo não-ficcional, pois os mutantes são inspirados nas minorias de nossa sociedade, em outras palavras, os excluídos por motivos preconceituosos, seja pela orientação sexual, religião, cor, deficiência, gênero, etc. 11 Esta pesquisa analisa a narrativa dos X-Men chamada “Complexo de Messias”, publicada em 2009, que foi escolhida por ser uma das sagas mais recentes lançadas, além de possuir importantes acontecimentos, pois vários personagens têm seus destinos mudados completamente. A ideologia dos textos da saga será comparada com os elementos de preconceitos da sociedade atual para evidenciar como o texto da série em questão emprega ideias de aceitação do ser que é diferente. Nosso projeto será iniciado por uma apresentação geral da origem das histórias em quadrinhos (HQs), que, como veremos, não possui uma data exata. Os estudos científicos dedicados ao gênero HQ também estão presentes no primeiro capítulo, trazendo alguns conceitos pensados pela comunidade científica a partir da publicação das obras Mitologias, de Rolando Barthes, em 1957, e Apocalípticos e Integrados de Umberto Eco, em 1962. Estas obras deram o início aos estudos de quadrinhos não só como efeitos da cultura e da comunicação de massa, mas, como presentes também em áreas do conhecimento como psicologia, sociologia, economia, história, filosofia, medicina e etc. Para que o estudo de quadrinhos pudesse ser feito de modo a atingir diferentes níveis do comportamento humano foi necessário uma padronização das técnicas de elaboração das histórias em quadrinhos, este efeito é chamado de “arte sequencial”. Autores como Bakthin defendem que as HQs, como arte seqüencial, fazem parte do gênero discursivo secundário, já outros como Canclini veem os quadrinhos como gênero impuro, o certo é que histórias em quadrinhos são compostas por textos e imagens muitas vezes de maneira única na comunicação abrangendo desde o uso de traços, cores, forma e disposição dos quadros, balões de fala, escrita dentre outras. O processo de evolução das HQs tanto na questão técnica quanto narrativa levou este produto a ganhar um divisão classificatória/ideológica pelos estudiosos da área. Qualquer revista em quadrinhos atualmente é categorizada como pertencente ou a Era de Ouro, de Prata, de Bronze ou Moderna. Estes grupos representam estilos e tendências de cada geração a partir de 1938 (surgimento da revista Superman) até os dias de hoje. Paralelo às transformações de estilo e narração das revistas em quadrinhos, os personagens que surgiram em cada uma das eras citadas começaram a deixar 12 as páginas das HQs e ganharem as telas do cinema. Conforme aponta Smee (2008), a tendência de adaptar roteiros de super-heróis dos quadrinhos para a sétima arte se intensificou a partir dos atentados terrorista de 11 de setembro onde a figura dos heróis passou a servir de símbolo de esperança e calmaria para uma população assustada. O medo daquilo que é novo ou simplesmente diferente ocasiona o surgimento dos estereótipos, o segundo capítulo trata da questão da diversidade cultural e social. Em seu desenrolar, primeiramente, é apresentado “o que é diversidade cultural” sob o ponto de vista do estigma, marca visível determina grupos sociais, e, a concepção de minoria, que, como será visto não se refere à quantidade de indivíduos. Após apresentados estas definições, o capítulo foca em quatro categorias que mais apresentam os chamados “problemas” por serem minorias sociais: gênero, orientação sexual, cor e deficiência física. Os quatro grupos possuem históricos de discriminação e tentativas de conseguir voz ativa perante a maioria social. Desta forma, todos os grupos injustiçados pela ótica da diversidade se unem de modo a afetar o interesse coletivo. O terceiro capítulo foi dedicado à metodologia empregada neste projeto para evidenciar sua proposta (como as HQ’s dos X-Men refletem a questão da diversidade cultural da realidade). A teoria empregada é a semiótica francesa a partir do estudo do plano do conteúdo e do plano da expressão das HQs. Quanto ao plano do conteúdo, consideraremos a aplicação do percurso gerativo do sentido, em seus três níveis (discursivo, narrativo e profundo), às HQs, procurando evidenciar como o sentido desse texto foi construído. Em seguida, contemplaremos também em nosso trabalho o estudo do plano da expressão das HQs, considerando os formantes plásticos, presentes no plano da expressão, os quais são categorizados, segundo Greimas (1984), nas categorias topológicas (referente à distribuição espacial superior/inferior, central/periférico), cromáticas (referente às cores – escuro/claro, brilhoso/ofusco) e eidéticas (referente às formas – reto/curvado, redondo/quadrado). O quarto capítulo traz a análise do objeto, embasada na metodologia apresentada no capítulo III, a semiótica greimasiana. Para tanto, alguns trechos da saga “Complexo de Messias”, objeto de estudo selecionado, foram destrinchados conforme exige a metodologia. Os trechos escolhidos tratam de diálogos e imagens. Para o primeiro (diálogos) foi aplicado o percurso gerativo do sentido; para o 13 segundo (imagens), foram empregados os conceitos para análise do plano da expressão. CAPÍTULO I HQS: ORIGEM, TRAÇOS E MUTANTES 1. OS ESTUDOS CIENTÍFICOS Dentre as ferramentas utilizadas para a comunicação de massa, pouco se estudou sobre a atuação e os efeitos das histórias em quadrinhos (HQs), populares entre crianças, jovens e adultos, na formação do raciocínio humano, conforme aponta Ramos (2007), que, em pesquisa, constatou o advento do estudo das HQs no início dos anos 1970 e sua retomada na segunda metade da década de 1990 tendo em vista, segundo o autor que, em meados da década de 1980, as pesquisas relacionadas às HQs foram praticamente esquecidas pelo fato da comunidade científica não as reconhecer como dignas de estudo no meio acadêmico. No final dos anos 1950 e início dos anos 1960, duas obras que abordavam, de forma inédita, as histórias em quadrinhos como elementos da cultura de massa e da comunicação foram publicadas, sendo elas Mitologias, de Roland Barthes, em 1957, e Apocalípticos e Integrados, de Umberto Eco, em 1962. As duas publicações expuseram a construção da imagem dos super-heróis como seres mitológicos da sociedade contemporânea. Barthes fez uso das concepções de Ferdinand Saussure sobre significado, significante e signo para analisar a presença do mito nas situações e pessoas do cotidiano como um lutador de catch (luta livre), foto de um político, a inteligência de um cientista, um streaptease, etc. O mito, em sua obra, é compreendido como endeusamento de uma imagem, de um personagem, criado para o consumo de massa, que passa a ser adorado e reverenciado no pedestal em que é posto. Sua divindade e poder de atrair seguidores, na concepção de Barthes, vai além da imagem apresentada, ou seja, vai além do signo, que seria o mito propriamente dito. O endeusamento do mito é rebuscado pelos valores de significado e significante, que podem variar de acordo com a cultura da sociedade. Neste sentido, Barthes é categórico ao afirmar que o mito é uma fala usada para o homem expressar seus símbolos e ele “deve tratar do 14 mesmo modo a escrita e a imagem: o que ele delas retém é que ambas são signos, ambas chegam ao limiar do mito dotadas da mesma função significante; tanto uma como a outra constituem uma linguagem objeto”. (BARTHES, 2001, p. 137). Umberto Eco também observa o endeusamento mitológico dos heróis modernos, mas, dentro do universo das HQs, enxerga os super-heróis como possuidores de destino incerto, exatamente como os mortais. Em outras palavras, a imutabilidade do mito não se aplicaria aos super-heróis de quadrinhos, pois estes não são reconhecidos por apenas um ato, mas uma série de eventos intermináveis de heroísmo. A personagem do mito encarna uma lei, uma exigência universal, e deve, numa certa medida, ser, portanto, previsível, não pode reservar-nos surpresas; a personagem do romance, pelo contrário, quer ser gente como todos nós, e o que lhe poderá acontecer é tão imprevisível quanto o que nos poderia acontecer (ECO, 2001, p. 248). Para exemplificar seu raciocínio, Eco cita exemplos de roteiristas de quadrinhos que tiveram de dar explicações públicas aos fãs inconformados com a morte de determinado personagem, exatamente como se fazia nos folhetins do início do século XX, quando os leitores indagavam os autores sobre os rumos das tramas. [...] aqui assistimos à participação popular de um repertório mitológico claramente instituído de cima, isto é, criado por uma indústria jornalística, porém particularmente sensível aos caprichos do seu público, cuja exigência precisa enfrentar (ECO, 2001, p. 243). Este exemplo mostra que os personagens de quadrinhos não são aceitos apenas como detentores de uma única ação, mas de um legado que os fãs querem continuar acompanhando, uma espécie de mito/romance. Após a publicação destas análises, que englobavam as características das HQs em suas pesquisas, no final dos anos 1960, Groensteen (apud Vergueiro e Santos, 2006) observa que o mundo acadêmico começou a dar atenção aos quadrinhos depois que as artes plásticas passaram a utilizar recursos das HQs em suas obras - como aconteceu com os trabalhos de Andy Warhol e Roy Lichtenstein -, e que nomes respeitados do mundo artístico se confessassem influenciados pelas histórias em quadrinhos – como Orson Welles, Luiz Buñuel, Federico Fellini, entre 15 outros. Nesse sentido, “também colaborou a ousadia de alguns intelectuais europeus, que ousaram utilizar os quadrinhos como objeto de pesquisa, principalmente no âmbito da lingüística e da semiologia”. (Vergueiro e Santos, 2006, p. 04). Nota-se, porém, que os estudos das histórias em quadrinhos atingiram diversas áreas do conhecimento como “estruturalista, psicanalítica, marxista, dos estudos culturais, pós-modernista e pós-estruturalista. (VERGUEIRO E SANTOS, 2006, p. 04). Uma formulação mais aprofundada dos campos de estudos dos quadrinhos foi feita em meados da década de 1980 por pesquisadores da Comic Art Research Group, da Temple University, Estados Unidos, que criaram aspectos de diferentes níveis acadêmicos cobrados pela comunidade científica que começava a relutar a aceitação de pesquisas sobre histórias em quadrinhos quais sejam. (...) nível temático, nível da perspectiva (psicológica, sociológica, estética, econômica, histórica, filosófica e médica) e o nível técnico (análises semiótica, do discurso, literária, retórica, de conteúdo, histórica, bem como estudo de caso, entrevista, aplicação de questionários e experimentação). (VERGUEIRO E SANTOS, 2006, p. 04). No caso do Brasil, segundo Ramos (2007), há, pelo menos, duas razões pela retomada dos estudos dedicados às HQs na década de 1990: “1) a presença dos quadrinhos nos exames vestibulares, em especial no da Universidade Estadual de Campinas; 2) a inclusão da linguagem nas práticas pedagógicas dos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados pelo governo federal” (2007, p. 03). Os autores Vergueiro e Santos (2006) citam também, em termos de Brasil, o aparecimento de grupos de pesquisadores e interessados em geral que passaram a realizar encontros regulares com o objetivo de discutir quadrinhos nos níveis de conhecimentos citados, sobretudo na comunicação, a partir de 1990. Esses encontros foram difundidos nacionalmente com o auxílio da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom). No âmbito das ciências da comunicação, a pesquisa em quadrinhos ocorreu nas diversas universidades ou instituições isoladas em que alguns pesquisadores se debruçaram sobre eles – destacando-se, neste aspecto, as universidades de São Paulo e Federal Fluminense -, mas também no das associações científicas da área; neste último espaço, ocupou papel de destaque no país a INTERCOM – 16 Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação. Nesta associação, desde meados da década de 1990, um diversificado grupo de pesquisadores, alunos e interessados em geral reuniu-se anualmente durante os Congressos Anuais da sociedade, constituindo inicialmente o Grupo de Trabalho Humor e Quadrinhos, depois denominado Núcleo de Pesquisa de Histórias em Quadrinhos, em que eram apresentadas reflexões e discutidos os resultados de pesquisas sobre histórias em quadrinhos desenvolvidas nas várias universidades brasileiras. (VERGUEIRO E SANTOS, 2006, p. 02). Para exemplificar o interesse por estudos de quadrinhos no Brasil, Vergueiro e Santos (2006) apresentam uma tabela, onde aparece a quantidade de dissertações e teses realizadas por discentes e docentes da Universidade de São Paulo (USP) dos anos de 1970 a 2005, separados por décadas. Na tabela é possível perceber o surgimento na década de 1970, e a pouca evolução, nos 1980, com um crescimento de apenas 3,4%. A retomada acontece a partir da década de 1990 quando as pesquisas de histórias em quadrinhos na USP passaram a representar 33,3% do total, chegando aos anos 2000 com quase a metade das dissertações. Antes de prosseguir com os valores científicos e acadêmicos dos estudos das HQs, é relevante apontar sua história de surgimento e algumas características que as distinguem das outras formas de comunicação. 2. HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS – ELEMENTOS DA LINGUAGEM 17 Assim como um roteiro de televisão, rádio ou cinema, a linguagem das HQs é construída de forma a obter um efeito de sentido de oralidade e coloquialidade em sua composição quadro a quadro, regida pelo discurso direto, conforme aponta Marinho (2004). Não se sabe exatamente em que data e em que local surgiram as primeiras histórias em quadrinhos, mas, conforme demonstra McCloud (1995), a origem pode estar ligada ao Antigo Egito, com a descoberta de gravuras que retratam cenas sequenciais datadas de 1.300 a. C. Mas, as histórias em quadrinhos modernas, tais como as conhecemos, ainda segundo o autor, teriam sido criadas em meados do século XIX, pelo suíço Rodolph Töpffer. Partindo de Töpffer, é possível traçar uma linha cronológica1 com alguns dos principais quadrinistas mundiais que tiveram seus personagens e obras inseridos na cultura urbana mundial. ANO 1827 1889 1895 1897 1905 1907 1912 1913 1919 1923 1929 1929 1929 1929 1929 1931 1932 1932 1934 1934 1934 1936 1937 1 QUADRINISTA Rudolf Töpffer Georges Colomb Richard Felton Outcault Rudolph Dirks Winsor McCay Bud Fischer William Hearst George Herriman Frank King Pat Sullivan Walt Disney Hergé E. C. Segar Philip Francis Nowlan Hal Foster Max Fleischer Norman Pett Carl Anderson Al Capp Lee Falk Alex Raymond Lee Falk Hal Foster PERSONAGEM/OBRA M.Vieux-Bois A Família Fenouillard The Yellow Kid (O Menino Amarelo) Os Sobrinhos do Capitão Little Nemo in Slumberland Mutt e Jeff King Features Syndicate Krazy Kat Gasoline Alley O Gato Félix Mickey Mouse Tintin Popeye Buck Rogers Tarzan Betty Boop Jane Pinduca Ferdinando Mandrake Flash Gordon Fantasma O Príncipe Valente Quadro baseado nas informações do site: http://estudiorafelipe.blogspot.com/2011/01/historia-das-historias-emquadrinhos-2a.html - Acessado em 05/09/2011. 18 1938 1939 1940 1946 1948 1950 1959 1961 1962 1962 1962 1963 1964 1965 1965 1967 1970 1973 1978 1980 1980 1982 1984 1985 1985 1986 1986 1988 1988 1991 1993 1994 1995 1996 1996 1998 1998 2003 2005 2007 2008 2009 2009 2010 Joe Shuster e Jerry Siegel Bob Kane Will Eisner M. Bevère e R. Goscinny Walt Kelly Charles Schulz Maurício de Sousa Stan Lee Stan Lee Stan Lee Jean-Claude Forest Stan Lee Quino Guido Crepax Robert Crumb Freak Brothers Hugo Pratt Dik Browne Jim Davis Kazuo Koike Ziraldo Art Spiegelman Bill Watterson Frank Miller Neil Gaiman Katsushiro Otomo Stan Sakai Alan Moore Frank Miller Will Eisner Ralph König Jim Lee Kurt Busiek Frank Miller Jeff Smith David Laphan Paul Auster Brian K. Vaughan Frank Quietly Obata Takeshi David Petersen Craig Thompson Chris Ware Brian K. Vaughan Super-Homem Batman The Spirit Lucky Luke Pogo Minduim A Turma da Mônica Quarteto Fantástico Homem-Aranha Hulk Barbarella X-Men Mafalda Valentina Fritz the Cat Gilbert Shelton Corto Maltese O Horrível Garfield Lobo Solitário O Menino Maluquinho Maus Calvin Cavaleiro das Trevas Sandman Akira Usagi Yojimbo Watchmen Os 300 de Esparta No Coração da Tempestade O Homem Ideal Wild C.A.T.S. Marvels Sin City Bone Balas Perdidas Cidade de Vidro Leões de Bagdá WE3 – Instinto de Sobrevivência Death Note Os Pequenos Guardiões Retalhos Jimmy Corrigan Y - O Último Homem 19 Apesar de ser uma forma de comunicação cujos primeiros indícios surgiram séculos antes de Cristo, as HQs sempre foram tratadas com desconfiança por comunicólogos. Os próprios profissionais da área, até três décadas atrás, preferiam ser chamados de ilustradores, artistas comerciais ou cartunistas, ao invés de artista de quadrinhos. “A expressão ‘história em quadrinhos’ teve conotações tão negativas que muitos profissionais preferem ser conhecidos como ‘ilustradores’, ‘artistas comerciais’ [...] ‘cartunistas’”. (MCCLOUD, 1995, p. 18). De forma simplificada, as HQs, como as conhecemos hoje, possuem palavras e figuras ordenadas de forma sequencial lado a lado. Na trama de uma história em quadrinhos, as técnicas da linguagem escrita e falada se misturam, estruturando um diálogo direto, como em uma conversa filmada ou cena gravada em uma película. [...] as estratégias de organização de um texto falado são utilizadas na construção da história em quadrinhos, que possui em seu texto escrito, características próximas a uma conversação face a face, além de apresentar elementos visuais complementadores à compreensão”. (MARINHO, 2009. p. 01) Logo, as histórias em quadrinhos são consideradas um gênero discursivo secundário, de acordo com a concepção de Bakthin (1997), que compreende os gêneros discursivos como primários e secundários. O gênero primário do discurso, segundo Bakthin (1997), abrange toda forma de comunicação simples, como uma conversa do cotidiano com um amigo, uma carta, um bilhete, etc. Já o gênero discursivo secundário refere-se a uma comunicação complexa da qual fazem partes roteiros de peças de teatro, artigos científicos, revistas, etc. “[...] aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída” (BAKTHIN, 1997, p. 281). Costa (2009) compreende as HQs considerando a classificação de Bakthin, como pertencente ao gênero discursivo secundário. Compreenderemos as HQs, [...] como um gênero secundário complexo e contemporâneo do discurso, visto que são uma manifestação social produzida em condições sociais específicas. A importância de entendermos as HQs como um gênero discursivo secundário vai além de uma ação classificatória; compreendemos que as HQs se constroem em situações de práticas sociais complexas, demandando que os seus leitores possuam certo conhecimento prévio desse gênero para bem conseguir lê-las. (2009, p. 07) 20 Já Canclini (apud D’OLIVEIRA, 2004, p.80) avalia a HQ como “gênero impuro por ter a capacidade de transitar entre a imagem e a palavra, entre o erudito e o impuro, reunindo características do artesanal e da produção de massa”. A junção de imagem e escrita, citada por Canclini, atribui à última, em se tratando de quadrinhos, elementos da oralidade, que são facilmente perceptíveis. Na linguagem escrita, o signo é representado pela “letra” e é construído com determinado cuidado em sua estrutura. O enredo das HQs e ordenação das palavras é planejado previamente, criando suspense para repassar a mensagem, conforme defendido por Marinho (2004). Quando se trata da oralidade, o signo é representado pelo fonema. Numa HQ, os elementos da linguagem falada são representados também pelas interjeições, onomatopéias e expressões comuns em uma comunicação cotidiana verbal, apontadas por Marcuschi (apud MARINHO, 2004, p. 03). Além da comunicação verbal, nas HQs é encontrada também a comunicação visual, já que são (as HQs) formadas de textos e imagens. Em alguns casos, o texto pode não ter valor algum para a compreensão de um quadrinho quando a imagem manifesta o sentido. McCloud (1995) classifica este tipo de quadrinho, formado apenas por imagens sequenciais, como dignificantes. “As figuras sequenciais finalmente estão sendo reconhecidas como uma excelente ferramenta de comunicação, mas ninguém se refere a elas como quadrinhos [...] soa mais como dignificantes” (MCCLOUD, 1995, p. 20). A ausência dos diálogos, segundo Eisner (1985), atua como uma forma de extrair do leitor suas experiências do senso comum que vão ao encontro com as do autor, formando o sentido do enredo. As imagens sem palavras, embora aparentemente representem uma forma mais primitiva de narrativa gráfica, na verdade exigem certo refinamento por parte do leitor (ou espectador). A experiência comum e um histórico de observação são necessários para interpretar os sentimentos mais profundos do autor (Eisner, 1985, p. 24). Essencialmente, histórias em quadrinhos nada mais são do que imagens sequenciais. De acordo com McCloud (1995), o termo foi usado pela primeira vez por Will Eisner, que definiu os quadrinhos de uma maneira neutra em questão de 21 estilo, qualidade ou assunto. O autor aborda exemplos de imagens sequenciais na figura abaixo: Figura 1 – Fonte: McCloud (1995, p. 05) Logo, sobre as imagens sequenciais, McCloud define: “Tomadas individuais, as figuras (...) não passam disso. No entanto, quando são partes de uma sequencia, mesmo de uma sequencia só de duas, a arte da imagem é transformada em algo mais: A arte das histórias em quadrinhos!” (1995, p. 05). A sequencialidade de leituras das HQs, como define McCloud (1995, p. 86), é algo complexo e planejado, “que até os profissionais mais experientes, às vezes, se atrapalham”. Vejamos abaixo um exemplo de como podem ser dispostos os quadrinhos de uma página: 22 Figura 2 - Fonte: McCloud (1995, p. 86) A disposição de leitura da arte sequencial, segundo Eisner (1985, p. 41), não impede o leitor de olhar primeiro o último quadro “contudo, o leitor obrigatoriamente acabará voltando ao padrão convencional”. A linguagem visual das HQs estaria ligada aos gestos, expressões faciais, cores, formas, traços, etc. Estas imagens dispostas nos quadrinhos podem, muitas vezes, ser vagas, mostrando pouco ou quase nada de determinada cena. McCloud (1995) sugere que algumas formas utilizadas em quadrinhos proporcionam a sensação das mais distintas emoções no leitor, desde tranquilidade à tensão, do quente ao frio, etc. Vejamos na figura abaixo como o autor exemplifica a comunicação visual dos sentimentos: Figura 3- Fonte: McCloud (1995, p. 119) Figura 4 - Fonte: McCloud (1995, p. 120) O autor ainda considera vital “a ideia de que uma figura pode evocar uma resposta emocional ou sensual no espectador” (MCCLOUD, 1995, p. 121). Por mais 23 estranhas que possam parecer as formas expressas nas figuras acima, nenhuma delas foi pensada minuciosamente para provocar (exteriorizar) as sensações humanas. De acordo com o autor, “todas as linhas carregam consigo um potencial expressivo” (MCCLOUD, 1995, p. 124). Uma linha reta horizontal, segundo McCloud (1995), pode representar o passivo ou o infinito; uma linha reta vertical sugere o orgulho e a força; uma linha na diagonal indica a dinâmica e o mutável. “As linhas mais ‘inexpressivas’ da terra sempre podem caracterizar alguma coisa” (1995, p. 125). Mas não são apenas as linhas dos traços das figuras dos quadrinhos que emitem algum sentimento ao leitor. A forma do próprio quadrinho em si, de acordo com Eisner (1985), também provoca sensações distintas. “Um quadrinho estreito evoca uma sensação de encurralamento, de confinamento, ao passo que um quadrinho largo sugere abundância de espaço para movimento” (1985, p. 89). A delimitação dos quadros pode, simplesmente, ser rompida e proporcionar outras emoções ao leitor. O chamado “requadro” utiliza a técnica de vazão dos personagens ou do ambiente além dos limites do quadrinho. “Além de acrescentar à narrativa um nível intelectual secundário, ele procura lidar com outras dimensões sensoriais” (Eisner, 1985, p. 46). Figura 5 – Marvel Comics versus DC Comics #3 – 1996 Acima é possível ver um exemplo de requadro em que o personagem Surfista Prateado e o Lanterna Verde saem do quadrinho ocupando o espaço entre o próximo. O Surfista Prateado ainda chega a adentrar parcialmente no quadrinho 24 ao lado. O efeito provocado no leitor neste tipo de cena, segundo Eisner (1985, p. 46), é o de força e velocidade. “Como se pressupõe que o requadro de um quadrinho é inviolável, isso aumenta a sensação de ação desenfreada”. A ausência de quadrinho também é um recurso do requadro que cria a ilusão de espaço ilimitado. Na figura abaixo, a imagem do meio retrata o momento em que o personagem deixa o vaso quebrar. Para transmitir a ideia de que os pedaços voaram para todas as direções, foi eliminada a linha do quadro, deixando a cena com mais espaço. Figura 6 – Fonte: http://www.monica.com.br/comics/tirinhas/images/tira35.gif <acessado em 12/06/2011> As linhas que unidas formam os desenhos e sensações dos quadrinhos ainda criam outro tipo de percepção, chamada de “conclusão”. Ao contrário das linhas do interior dos quadros (traços dos personagens ou ambiente), as linhas de conclusão se tratam dos próprios quadros. McCloud (1995) afirma que a conclusão nos fatos de uma HQ está no espaço entre os quadros chamado “sarjeta”. Apesar da denominação grosseira, a sarjeta é responsável por grande parte da magia e mistério que existem na essência dos quadrinhos. É aqui, no limbo da sarjeta, que a imaginação humana capta duas imagens distintas e as transforma em uma única ideia (1995, p. 66). Na figura abaixo, o espaço existente entre os dois quadros representa a sarjeta. 25 Figura 7 – Fonte: Mc Cloud (1995, p. 66) Na figura acima é mostrado um homem prestes a receber um golpe de machado desferido por outro personagem. Ao lado é vista a cidade em um plano geral que favorece o céu e a exclamação “EEYAA!!”, indicado que o golpe foi dado. Mesmo sem mostrar a cena, o leitor conclui que o personagem foi realmente atingido. Deste modo, de acordo com McCloud (1995), o leitor torna-se uma espécie de “cúmplice” dos acontecimentos. Cada ação registrada no papel pelo desenhista é auxiliada e apoiada por um cúmplice silencioso. Um cúmplice imparcial do crime conhecido como leitor! Neste exemplo, posso ter desenhado um machado erguido, mas não sou eu quem desfere ou decide o impacto do golpe, nem quem gritou, ou por quê. Todos vocês seguraram o machado e escolheram onde desferir o golpe (1995, 68). Curiosamente, as histórias em quadrinhos são uma das ferramentas da comunicação que conseguem unir a linguagem escrita e a visual para dar o tom de oralidade em situações onde os personagens não emitem som. Ramos (2006) credita aos recursos da escrita e do visual das HQs a sensação do leitor ouvir mentalmente as vozes dos personagens no ato da leitura de um quadrinho. Fonseca (apud Ramos, 2006) classifica esta situação como a representação do oral no escrito. De acordo com Ramos (2006), todos os elementos da língua oral possuem representações visuais nos quadrinhos que dizem respeito à forma dos balões de falas e à fonte da letra utilizada. 26 O contorno do balão – tracejado, trêmulo ou outro – indica a entonação da voz ou um pensamento (no caso dos contornos ondulados). O formato da letra também passa a informação: negrito, por exemplo, indica ênfase ou tom de voz alto. A fala dos personagens é indicada por meio de uma seta, chamada de apêndice ou rabicho que vai na direção do personagem. (RAMOS, 2006, p. 06) A parte visual dos quadrinhos, segundo Ramos (2006, p. 06), “representa todo o aspecto não-verbal ou paralinguístico2 da conversação”. Como dito, por via destes elementos da fala, o leitor se aproxima da oralidade. A imagem seguinte apresenta uma situação em que há a representação do oral no escrito pelo visual. Figura 8 – Fonte: http://blogmarcela10.blogspot.com/2010/12/tirinhas-idiotas-da-turma-da-monica.html Primeiramente é notada a forma dos balões3 de fala. O contorno dos dois primeiros é trêmulo, indicando uma entonação maior na voz do personagem. A expressão “AHÁ!”, em negrito, reforça a ênfase dada aos balões de fala, elevando a sensação de euforia. É possível ver também a expressão “ZUPT” em itálico, indicando a velocidade com que o personagem puxou a toalha. No quadro ao lado, o balão de fala é representado com contorno liso, o que exprime uma voz tranquila, satisfeita. O itálico nas palavras “PLATO QUEBLADO” dão destaque ao problema fonoaudiológico que o personagem tem em trocar a letra “R” por “L”. 2 A paralinguística é a parte da lingüística que estuda o tom de voz, o ritmo da fala, o volume de voz, as pausas utilizadas na pronúncia verbal, e demais características que transcendem a própria fala. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paralingu%C3%ADstica <Acessado em 18/07/2011> 3 Vale ressaltar que há outras formas de representar balões de fala nos quadrinhos. Quando eles aparecem em formato de nuvem, indica que o personagem está pensando. Quando o balão é em forma zig-zag indica que o personagem está gritando ou sua voz saindo de algum aparelho eletrônico, televisão, rádio, telefone etc. Fonte: http://jornale.com.br/esquadrinhando/2009/04/22/caracteristicas-dos-quadrinhos-baloes-parte-2/ <Acessado em 22/07/2011> 27 A união entre texto e imagem é denominada por Barthes (1990) de duas formas: etapa e ancoragem. Na etapa, também chamada de relais, “a palavra e a imagem têm uma relação de complementaridade; as palavras são, então, fragmentos de um sintagma mais geral, assim como as imagens, e a utilidade da mensagem é feita em um nível superior: o da história, o da anedota, o da diegese” (1990, p. 33-34). Já o modo de relação entre imagem e a língua denominado ancoragem “é a função mais freqüente da mensagem linguística, geralmente aparece na fotografia de imprensa e publicidade”. (BARTHES, 1990, p. 34). Em outras palavras, a relação de relais se une à imagem para criar um contexto mais amplo do que a figura que está sendo vista. Assim, as histórias em quadrinhos se enquadrariam nesta classificação, já que o verbal não apenas diz o que o desenho está mostrando, mas também constrói o sentido da trama contada. A fixação apresenta uma relação limitada ao desenho, fotografia etc., aonde descreve determinada situação, com a função de uma legenda para que a imagem não seja interpretada de outra forma daquela descrita. Estes fatores da oralidade e da linguagem visual aproximam o leitor do contexto criado em um quadrinho. Desta forma, segundo Fávero (apud MARINHO, 2004, p. 03), o texto das HQs é previamente preparado, não apresentando uma formulação livre, uma das características da conversação. Nele não se percebem as repetições e redundâncias próprias da oralidade, uma vez que há uma elaboração prévia, assim como acontece num texto literário. A figura seguinte traz um exemplo do uso de elementos comuns na oralidade presentes na escrita. Figura 9 – Fonte: http://www.sempretops.com/diversao/infantil/tirinhas-da-turma-da-monica/ <Acessado em 26/07/2011> 28 No primeiro quadrinho, o personagem Cebolina diz: “Ai, ai...” ao iniciar sua frase. Esta é uma expressão tipicamente oral mas, dentro da narrativa, indica uma situação de cansaço, já que acabou de jogar uma partida, possivelmente de futebol. A canseira do personagem ainda é intensificada com a expressão: “Ufa!”. No último quadro, antecedido de dois outros quadros sem uso da escrita, os personagens repetem a palavra “Quê” (abreviação de “o quê?”) por três vezes, sendo duas ditas pela personagem Mônica. Nota-se uma atividade de formulação, devido à repetição da palavra, cuja a intenção é mostrar constrangimento com o toque nas mãos que ambos acabaram proporcionando no terceiro quadro. Observa-se, então, que o uso da linguagem visual e a escrita completam o sentidos dos quadrinhos. Os gestos dos personagens na figura acima contam ao leitor o que está se passando mesmo sem ter balões de fala. Posteriormente a repetição de palavras indica a espontaneidade da ocasião, que não se torna cansativa para o leitor, que a lê como se estivesse ouvindo o diálogo. A junção entre imagem e texto torna a mensagem de uma HQ, conforme definem Santos e Silva, agradável e de fácil entendimento, “mesmo sendo de caráter informativo e preventivo, por vezes altamente referenciais” (2002, p. 02). O entretenimento gerado pela leitura das histórias em quadrinhos permite classificar este veículo como pertencente à indústria cultural. Mas, os quadrinhos ainda podem adquirir uma característica “alternativa”, ao mesclar o entretenimento da indústria cultural com informação de interesse comunitário , segundo Santos e Silva (2002, p. 03) Assim como as rádios e tvs comunitárias e os jornais de bairro, ou seja, a partir do momento em que os veículos de massa preocupam-se mais com o geral, o global a história em quadrinhos como suporte e meios alternativos particulariza. Além de fornecer informações, entretenimento e humor. A característica chamada pelos autores de “alternativa” visa atribuir às HQs o papel de poder atuar como porta voz de um determinado grupo, reportando um acontecimento. Esta característica é definida por Barbosa (2008) como um dos elementos do Jornalismo em quadrinhos (JHQ). 29 O que se propõe com o JHQ é apresentar um assunto de uma maneira alternativa. Não entremos no mérito de ser um atrativo aos jovens mirando conquistá-los devido à, já anunciada, morte do jornal impresso. Não se trata da criação de um subterfúgio. Porém, ressalta-se que o entendimento do JHQ passa pela ampliação do fetiche da mercadoria, na qual esta ganha importância enquanto imagem, e o cotidiano, como espetáculo (2008, p. 10). Santos e Silva (2002) citam conteúdos voltados à conscientização de um grupo de indivíduos tendo como meio de divulgação da mensagem as HQs. “A Nova SIPAT4 veicula um conteúdo voltado à conscientização dos trabalhadores promovendo uma construção cidadã e continuada ao informar e entreter a respeito dos problemas relacionados à saúde e segurança” (2002, p. 03). A união de histórias em quadrinhos com a prática jornalística atribuiu certa liberdade ao modelo convencional de reportar um acontecimento, como afirma Barbosa (2008, p. 01); (O JHQ) vem como suporte para situar a realidade junto à apuração jornalística, já que os quadrinhos dão a liberdade estética de se estilizar personagens e de se utilizar recursos comuns às HQ, que, numa primeira leitura, fogem do caráter sério atribuído ao jornalismo – onomatopéias, por exemplo. Segundo o autor, apesar do termo jornalismo em quadrinhos ser recente, o uso da arte sequencial em periódicos é utilizado há séculos por via das charges e tiras. No entanto, o JHQ visa a junção das duas áreas aparentemente distintas (jornalismo e quadrinhos) nascendo “um produto que é calcado numa prática semiológica (...), sem, contudo, se desvencilhar da realidade e dos preceitos jornalísticos5” (Barbosa, 2008, p. 02). O exemplo dado por Santos e Silva (2002) anteriormente sobre como uma HQ foi usada para conscientizar um grupo de indivíduos, fez uso de um estilo de narrativa das histórias em quadrinhos comumente usadas para esta finalidade (conscientização), o estilo humorístico. “Um aspecto a ser relevado nas HQ da Nova SIPAT é a utilização do humor, mesmo tratando-se de uma narrativa com o 4 Empresa localizada na cidade de Santo André (SP) que desenvolve projetos de comunicação interna e marketing social. 5 Barbosa (2008, p. 04) cita como preceitos do jornalismo três elementos: 1- Registros de linguagem – A língua do país, escrita ou falada; 2 – Processo de comunicação - diz respeito ao referencial, a alteridade do emissor, do receptor e do processo de comunicação. Para isso, no jornalismo, buscam-se enunciados que atestam a veracidade do fato – nomes, datas, horários, enfim, detalhes que enriquecem o texto e que contribuem para a verossimilhança da história em questão; 3 - Compromissos ideológicos - são a posição tomada pelo repórter ao escolher este ou aquele termo – visando, é claro, não afetar a comunicabilidade. 30 objetivo explícito de informar e conscientizar o trabalhador”. (SANTOS; SILVA, 2002, p. 08). Abaixo, veremos algumas características de gênero literário e científico dos quadrinhos. 2.1. HQ COMO GÊNERO LITERÁRIO E CIENTÍFICO As definições de gênero (estilo de cada revista) das HQs são inúmeras e, a cada momento, surgem novas categorias que classificam suas tramas. “Há uma tendência na literatura científica sobre os quadrinhos de classificá-los por gêneros”. (RAMOS, 2009, p. 20). Segundo Ramos (2009), a rotulação das histórias em quadrinhos em diferentes gêneros se dá, sobretudo, pela avaliação de sua história. Parece haver um maior interesse em rotular tais gêneros pela temática da história: super-heróis, terror, infantil, detetive, faroeste, ficção científica, aventura, biografia, humor, erótica, literatura em quadrinhos (adaptações de obras literárias), as extintas fotonovelas, o jornalismo em quadrinhos (reportagens feitas na forma de quadrinhos). (2009, p. 29-30). A definição de gênero dada pela literatura científica, chamada muitas vezes de “rótulo”, é diferente quanto à definição de gêneros dos quadrinhos dada pelos estudos da comunicação. Esta diz respeito muito mais à forma, ou seja, à estrutura linguística do quadrinho, do que sobre a avaliação de sua trama. Marcuschi (apud RAMOS, 2009) define a questão da seguinte forma: Existe uma grande diversidade de teorias de gêneros no momento atual, mas pode-se dizer que as teorias de gênero que privilegiam a forma ou a estrutura estão hoje em crise, tendo-se em vista que o gênero é essencialmente flexível e variável, tal como o seu componente crucial, a linguagem. Pois, assim como a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se, renovam-se e multiplicam-se. Em suma, hoje, a tendência é observar os gêneros pelo seu lado cognitivo, evitando a classificação e a postura estrutural. (2005, p. 04) A concepção de gênero aplicada pela comunicação é chamada por Ramos (2009) de hipergênero. “Pode-se dizer que há, então, dois níveis de rotulações, as próprias aos gêneros autorais e as que interferem na formatação do texto, caso dos 31 hipergêneros” (2009, p. 06). Dentro do que se define por hipergênero, ainda de acordo com o autor, os quadrinhos podem ser classificados6 em cartuns7, charges8, tiras seriadas9, mangás10, graphic novels11 e as comic book12. Vejamos abaixo algumas imagens que exemplificam cada tipo de hipergênero dos quadrinhos. Figura 10 - Cartum Figura 11 - Charge Figura 12 – Tira seriada 6 As definições das classificações abaixo foram retiradas do site www.wikipedia.org. É um desenho humorístico acompanhado ou não de legenda, de caráter extremamente crítico retratando de uma forma bastante sintetizada algo que envolve o dia-a-dia de uma sociedade. 8 É um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com uma ou mais personagens envolvidas. 9 Caracterizada por uma série de vinhetas, publicada regularmente (diariamente ou semanalmente), em jornais, revistas e mais recentemente nas páginas da Internet (webcomics). Não necessariamente as tiras cômicas são de humor, outros gêneros que têm sido explorados são o familiar, aventura, mistério, espionagem, policial, drama, heróis e super-heróis, entre outros) 10 É a palavra usada para designar as histórias em quadrinhos feitas no estilo japonês. Uma das características é a leitura inversa da historia com relação à forma ocidental que começa da última página para a primeira. Seu conteúdo também é impresso em preto e branco. 11 É uma espécie de livro, normalmente contando uma longa história através de arte sequencial dos quadrinhos, e é frequentemente usado para definir as distinções subjetivas entre um livro e outros tipos de histórias em quadrinhos. O exemplo traz a capa da graphic novel “Watchmen” (1988). 12 Definição de histórias em quadrinhos nos Estados Unidos que em tradução para o português significa livros cômicos, mas, na verdade são relacionados às narrativas do gênero super-heróis. O exemplo é do primeiro exemplar da revista do “Superman” (1938). 7 32 Figura 13 - Mangá Figura 14 – Graphic Novel Figura 15 – Comic Book Abaixo veremos como as histórias em quadrinhos evoluíram com o passar das décadas, a partir de um ponto de vista classificatório/ideológico que as dividiram em períodos distintos. 2.2. CARACTERÍSTICAS IDEOLÓGICAS: ERA DE OURO, PRATA E BRONZE Desde o final da primeira Guerra Mundial, as HQs, em especial as do gênero ação, atraíram milhares de fãs em todo o mundo com o surgimento dos super-heróis. Entre eles, pode-se destacar: Super-Homem (1938), Batman (1939), Mulher Maravilha (1941), Homem-Aranha (1960), Hulk (1962), Homem de Ferro (1963), entre tantos outros. As sagas dos quadrinhos de super-heróis apresentam ascensão e decadência do estilo em um período de quase sete décadas desde o surgimento, em 1938, até os dias atuais. Estas etapas de altos e baixos são conhecidas, entre os profissionais da área, como “Eras”. Smee (2008) explica que o termo “Era”, para os quadrinhos, diz respeito ao agrupamento de tendências das narrativas impulsionadas por valores sociais e ideológicos pautados pela vontade de ordem. Adaptações em diferentes estágios de evolução, portanto, geram um grupo de conteúdos característicos que se reúnem notavelmente nos quadrinhos de uma determinada época, compondo as “Eras” delineadas pela comunidade de leitores, que 33 é influenciada pelo zeitgeist, o espírito da época e da sociedade. (SMEE, 2008, p. 01) A classificação destas eras baseia-se na importância dos acontecimentos ocorridos em cada uma delas representada pelos elementos ouro, prata e bronze. Logo, temos a Era de Ouro, Prata e Bronze, às quais se soma a Era Moderna. A chamada Era de Ouro das HQs inicia-se em 1938, quando surgiram as primeiras comic books oriundas dos destroços da Primeira Guerra Mundial. Smee relata que a primeira citação do termo “Era de Ouro” foi dada por Richard A. Lupoff. A primeira menção a uma Era de Ouro referindo-se aos superheróis dos anos 40 foi feita por Richard A. Lupoff, em um artigo chamado “Re-Birth”, no fanzine Comic Art #1, de abril de 1960. Nos gibis, o termo foi usado pela primeira vez em 1963, na revista Strange Tales #114, da Marvel Comics. (2008, p. 01) Neste período consagrou-se o gênero de super-herói, representado pelo ícone mundial da paz, Super-Homem, criado por Joe Shuster e Jerry Siegel, conforme definem Moore e Del Manto (2008). Os avanços tecnológicos para as tramas dos super-heróis deram início à segunda fase das HQs, chamada Era de Prata. Esta era começou a partir de 1950, impulsionada pela difusão da televisão, que trazia ao público as primeiras teleséries e novelas. Nesta tendência, as comic books ganharam aspectos humanos, com narrativas sequenciais, revelando as origens dos personagens, envolvendo-os em relações familiares. Em 1941 [...] iniciaram uma série de histórias de apelo social em que o Lanterna e o Arqueiro Verde viajam pelos EUA e confrontam problemas mais reais como drogas e racismo, em pleno Movimento da Contra-Cultura. (MOORE; DEL MANTO, 2008, p. 03). A última era, caracterizada pelos três elementos preciosos, iniciou em 1970, intitulada Era de Bronze. Este período talvez seja o mais controverso no universo das histórias em quadrinhos, quando cada revista teria ingressado na Era de Bronze em tempo diferente durante os anos 1970. Dentre os fatos que caracterizam a entrada de cada HQ na era de Bronze está o desligamento de personagens principais das tramas, como quando Robin deixa Batman para ingressar na 34 faculdade e a ousadia das editoras dominantes do mercado em lançar séries de terror e sexualidade, de personagens como o vampiro meio humano, Blade (1973). Da mesma forma que a morte de Gwen Stacy marcou o fim da Era de Prata, ela também serve como o início da Era de Bronze, apesar de muitos acharem que esta teve início com o fim da parceria Lee/Kirby na Marvel e a ida de Jack Kirby para a DC Comics em 1970 para criar o chamado “Quarto Mundo”, uma seqüência de histórias inovadoras e que originou o conceito de cross-overs e maxi-séries. O fato é que a Era de Bronze trouxe mais importância aos personagens das minorias raciais e sociais nos EUA, como Luke Cage (o primeiro super-herói negro a ter sua própria revista), Tempestade (dos X-Men) e Shang-Chi, o Mestre do Kung Fu, entre outros. (MOORE; DEL MANTO, 2008, p. 03) Estima-se que a Era de Bronze tenha terminado no início de 1985, com a consolidação do capitalismo como sistema econômico em quase que todas as nações, eliminando boa parte dos conflitos entre as mesmas. As transformações que o estilo comic book enfrentou desde a primeira à última era dos elementos preciosos não refletem apenas o amadurecimento das tramas e da técnica esperados com o passar das décadas. Pelo contrário, a transição de uma era para a outra nas HQs expressa a exteriorização dos desejos da humanidade de transformações no mundo real decorrentes de período de guerras e situação econômica. Durante a Segunda Guerra Mundial, os quadrinhos de superheróis atingiram seu ápice. Foi durante este período que foram registrados seus maiores números de vendas por exemplar. Segundo Bradford W. Wright, em 1943, os quadrinhos vendiam 25 milhões de cópias por mês. Apenas o título do Capitão Marvel era responsável por mais de 1,5 milhão. A guerra impulsionava os leitores a consumirem quadrinhos, uma vez que os gibis traziam em suas capas os super-heróis enfrentando os cabeças do Eixo. Além disso, milhares de quadrinhos eram levados ao front para que os soldados se sentissem incentivados com as histórias dos heróis. (SMEE, 2008, p. 02) Ao surgirem, em 1938, em meio às duas Guerras Mundiais, as comic books de super-heróis representavam a esperança, um salvador que desse fim ao terror ao qual mundo enfrentava, mesmo que este existisse apenas em um universo fictício. A partir de 1950 tem início a segunda fase das HQs, que se estendeu até 1970, e além de aspectos humanos, os personagens passaram a ter acesso à tecnologia, ato que expressava os conflitos da Guerra Fria (disputa do mundo entre Estados Unidos e a 35 extinta União Soviética). Guedes (apud SMEE, 2008, p. 02) aponta que, “no final da década de 50, com a corrida espacial e a iminência de uma guerra nuclear entre a URSS e os EUA, parecia mais apropriado que os heróis fossem produtos legítimos da ciência, mesmo que fantásticos demais”. Com o mundo dividido em dois blocos formados por diversas nações em prol da hegemonia mundial, a Era de Prata das HQs também foi o período do surgimento das super-equipes. Seres com poderes extraordinários uniam forças para derrotar o inimigo também formado por agrupamentos de indivíduos fortes. [...] dentro da Era de Prata existe a chamada “Era Marvel”, com o surgimento de alguns super-heróis mais populares de todos os tempos: Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Hulk, Homem de Ferro, Thor, X-Men, Demolidor, Vingadores. (MOORE; DEL MANTO, 2008, p. 02) Destacam-se nesse período o aparecimento das super-equipes Legião dos Super-heróis (1958), Liga da Justiça (1960), Quarteto Fantástico (1960), Os Vingadores (1963) e X-Men (1963). Esta última atuou como abertura de um novo rumo para os super-heróis, em meados de uma nova era das HQs, era esta que ainda se está em andamento, e que recebe várias denominações, tais como Era Moderna, Era de Ferro, Era Sombria ou Era Negra, de acordo com Del Manto (2009). Iniciada no final dos anos 1980, a Era Moderna, que perdura até hoje, tem como principal característica o envolvimento político propriamente dito nas narrativas, bem como avançadas técnicas de desenho e impressão que revolucionaram o mercado. Segundo Moore e Del Manto (2009), a editora americana Image trouxe, em 1992, revolucionária arte gráfica, com visuais fantásticos de seus personagens. Os discursos das HQs desta era condizem com aspectos diplomáticos e complexos, reflexos dos temas que envolvem o final do século XX e início do século XXI. Os quadrinhos passaram a se apegar mais a argumentos do que à estética visual. O próprio Watchmen foi concebido por Dave Gibbons de acordo com os preceitos de Alan Moore de heróis que eram pessoas reais por baixo das fantasias anormalmente ridículas. (DOMINGUES, 2011, s.p.) 36 A luta pelos direitos das classes, da igualdade dos gêneros e de toda e qualquer diversidade pode ser encontrada com muito mais ênfase nas narrativas da Era Moderna, que fazem do uso da política, principal fator de transformação. [...] muitas HQs já existentes passaram por uma mudança interna, substituindo os comuns vilões, temas e tramas mirabolantes por assuntos mais “realistas” como terrorismo, preconceito e fanatismo religioso que, apesar de já existirem no mundo dos quadrinhos, passaram a ter maior importância, além de serem discutidos mais abertamente. (MACHADO, 2010, p. 02) Em seu artigo, Machado (2010) cita exemplos das transformações por que revistas famosas passaram - e estão passando - a partir da incorporação dos temas que regem a Era Moderna. Dentre eles estão Capitão América e os X-Men. Heróis como Capitão América e Nick Fury, este último dentro da saga Guerra Secreta, tiveram suas fases de combate ao terrorismo. A Justiça Jovem, grupo de super heróis pré-adolescentes da DC, teve uma história com a temática do ódio irracional. O mutante Cable criticou o imperialismo norte-americano numa história passada no Rio de Janeiro. O roteirista Greg Rucka falou sobre a mentalidade dos talibãs em sua série de espionagem Queen & Country. Ao Super Homem coube falar sobre fanatismo religioso. Os X-men, não se desviando do tema preconceito que é a base de sua história, introduziram uma discussão sobre os talibãs, inclusive dando as boas-vindas à uma personagem islâmica. (MACHADO, 2011, p. 02) Prestes a completar trinta anos, a Era Moderna dos quadrinhos ainda não terminou. “Neste exato momento, algum roteirista doido pode estar criando alguma obra que irá revolucionar totalmente as HQs e dar início a uma nova Era”. (Moore, 2009, 02). Enquanto isto, os quadrinhos seguiram um novo rumo em meados dos anos 2000, aonde deixaram as páginas das revistas. 3. DOS QUADRINHOS PARA O CINEMA É possível traçar uma ascensão para os personagens das comic books, desta vez, no cinema. A busca pelos direitos legais de coexistência pacífica das nações do mundo foi impulsionada nos universos paralelos das comic books após os atentados terroristas de 11 de setembro contra as Torres Gêmeas, em Nova York, Estados Unidos. 37 [...] a queda das Torres Gêmeas exigiu dos quadrinhos uma camada maior de realidade. Em um mundo pós-11 de Setembro, até mesmo a frase “Olhe, lá no céu! É um pássaro! É um avião!” soa diferente, diz Robert Wilonsky para a SF Weekly. O sentido do escapismo nos quadrinhos não existe mais; o mundo de fantasia deve dar passagem para o verdadeiro. (SMEE, 2008, p. 03) A partir desta data, o terror que assolou a humanidade com as duas primeiras guerras mundiais voltou. A intolerância de etnias, cultura e religião provocou conflitos que ainda seguem. O mundo, mais uma vez, precisava dos super-heróis para acolher seus medos, gerando um novo discurso ideológico com o intuito de restabelecer a ordem social. Muitos dizem que o 11 de Setembro teve o mesmo impacto que a Grande Depressão de 1929, quando os sentimentos das pessoas chegaram a tal ponto de desesperança que passaram a buscar a força necessária nas revistas de quadrinhos, que produziriam, quase uma década depois, o gênero dos super-heróis. (SMEE, 2008, p. 03) Com revistas mais realistas do que nunca, tanto em discurso quanto em figuras, o mercado das histórias em quadrinhos deu o “segundo” passo bem sucedido para o cinema. Segundo passo porque adaptações de HQs para roteiros de cinema já existiam antes dos atentados de 11 de setembro. “Apesar de já existirem muitas adaptações anteriores [...], como Superman, de 1978, e Flash Gordon, de 1936 e 1980, foi depois de Batman, de 1989, que Hollywood abriu os olhos para o universo dos quadrinhos”. (Pardinho, s.d., p. 01). Com o sucesso destes filmes, cujos efeitos especiais eram fáceis de serem produzidos, o mercado ficou eufórico por novas produções, mas, “[...] muitos filmes produzidos em épocas que não se possuía tecnologia para transpor os efeitos dos quadrinhos para as telas ficaram devendo” (Pardinho, S.D., p. 01). O cinema de quadrinhos passa a sofrer queda na aceitação popular que só seria elevada anos mais tarde. Após 2001, vários personagens saídos de HQs de super-heróis ganharam vida nas telas de cinema, registrando as maiores bilheterias das últimas décadas. Dentre eles destacam-se, Homem-Aranha (2002), Hulk (2003), Hellboy (2004), Batman Begins (2005), Homem de Ferro (2008), Capitão América (2011). Entretanto, dois anos antes da humanidade precisar novamente da figura dos superheróis, um grupo de seres extraordinários reiniciou a era das adaptações bem 38 sucedidas dos comic books no cinema, os X-Men. Tendo como objetivo conquistar a igualdade de convivência, o longa-metragem “X-Men: o filme” (2000) difundiu, pela primeira vez, as ideias lançadas com a criação da HQ em 1960 para um público maior com o cinema. O filme do Homem-Aranha foi o grande representante do renascimento da força dos quadrinhos e ficou entre as dez maiores bilheterias da história do cinema. Se o filme dos X-Men, dois anos antes, havia dado origem aos primeiros passos da linha Ultimate Marvel, no filme do Aranha era a linha de publicações que exercia a influência sobre a película. Depois de Homem-Aranha, os estúdios de Hollywood viram nos quadrinhos uma mina de ouro, e as editoras de quadrinhos começaram a trazer para seus estúdios talentos dos sets da Califórnia. (SMEE, 2008, p. 03) Dez anos após a exposição global dos ideais presentes nas histórias em quadrinhos dos X-Men com a película, seguida por outros quatro filmes da série, os comics desta equipe de super-heróis tornaram-se ainda mais populares, criando tramas derivadas da revista principal como X-Force, Cable e Jovens X-Men, todas lançadas em 2009. No universo ficcional em que se passa a trama dos X-Men, a figura dos superpoderes que os personagens possuem fica em segundo plano, envoltos em questões sociais e políticas inspiradas no universo real. Para tornar claras as mensagens de aceitação e diversidade cultural transmitidas pelas HQs dos X-Men, objetivo desta monografia, faz-se necessário explorar o universo dos X-Men. 4. CONHECENDO OS X-MEN “Mutação: um processo lento e de milhões de anos. Foi através da mutação que evoluímos de organismos unicelulares para a raça dominante no planeta. Mas, a cada período de tempo, a evolução dá um salto”. (Jean Grey em X-Men II – o filme, 2004). Foi com esta reflexão que a personagem Jean Grey, no segundo longa metragem da adaptação para o cinema das histórias em quadrinhos dos X-Men, explicou sua transformação da forma humana para a Fênix Negra, definindo também a existência dos demais mutantes que habitam o universo dos Homens-X (tradução para o português de X-Men). 39 Figura 16 – Jean Grey Criada em 1963, dentro do período da Era de Bronze das HQs, por Stan Lee e Jack Kirby, a comic book que trazia a primeira história sobre um grupo de mutantes, alguns pacíficos, outros nem tanto, foi inspirada, de acordo com o próprio Stan Lee, na vivência do período em que o mundo se encontrava: o medo da radioatividade nuclear da Guerra Fria: “Após bolar um superdeus (Thor), um monstro verde (Hulk) e um sujeito que escalava paredes (Homem-Aranha); esgotei meu repertório de invencionices. Daí, eu resolvi que seria mais fácil criar um bando de jovens que já nasciam com seus poderes!” (Stan Lee)13. Apesar de ter sido criada com a influência da radioatividade causando mutações e doenças em seres humanos reais, na trama de X-Men, esta explicação não existe. Em X-Men seres humanos mutantes sempre existiram. A trama desta revolucionária comic book é simples, mas rica no sentido de levantar questões sociais. No enredo dos X-Men, na Terra habitam dois tipos de seres humanos: o Homo sapiens (Homem atual) e o Homo superior (Mutantes). Este último nada mais é do que a evolução de nossa espécie, aonde estes seres humanos nascem portadores do gene “X”, que causa mutação no DNA, conferindolhes características sobre-humanas de diferentes poderes especiais para cada indivíduo. Por serem diferentes, os mutantes vivenciam o preconceito do governo, sociedade, família e até de amigos que não entendem que o gene “X” não é uma doença ou opção, e sim uma evolução da espécie. Nesta luta pela sobrevivência, existem aqueles que escondem sua mutação, os que estão dispostos a enfrentar os humanos pela força e sobrevivência do mais forte e aqueles que tentam mostrar à 13 Frase de Stan Lee retirada do site: http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp? acao=materias&cod_materia=518 acessado em 08/09/2010. 40 humanidade que o Homo sapien e o Homo superior podem conviver em harmonia, esta classe se define como X-Men. Com um roteiro criado sob as circunstâncias da Guerra Fria, o enredo de XMen pouco tem que ver com a questão tecnológica ou radioativa. Desde sua primeira edição, intitulada “The X-Men” (Os Homens-X), o estilo de vida dos personagens se assemelhava muito mais com a vida cotidiana de jovens e adultos comuns do que com cientistas ou chefes militares. Pela primeira vez, desde a popularização das HQs, uma trama deixava de lado a onipotência dos super-heróis e focava primordialmente nos problemas enfrentados na sociedade real, mas sem perder a fantasia. Figura 17 – Capa da edição nº 01 dos X-Men (1963) Desta forma, as histórias em quadrinhos dos mutantes conquistaram cada vez mais fãs, alcançando um público-alvo composto por jovens e adultos. Jovens que se identificavam com a causa mutante e adultos contextualizados que enxergavam o fator de crítica social presente na narrativa. O universo fictício dos X-Men se assemelha e se desenvolve a partir da realidade do mundo de 50 anos atrás até os dias de hoje, quando os mutantes são inspirados nas minorias da sociedade, em outras palavras, os excluídos por motivos preconceituosos. Ao surgir, na década 1960, a trama dos mutantes refletia a luta da classe negra pelos direitos de cidadãos, criticando o Apartheid, na África. Com o passar 41 das décadas, novos estigmas que prejudicaram ou prejudicam determinadas grupos de pessoas são abordadas em X-Men. Este efeito de alcance global da trama, além do auxílio dos discursos metafóricos, conta com a ajuda da característica de seus personagens, ambientando-os em diversas regiões do planeta. Diferente das outras HQs lançadas no mesmo período, aonde as histórias se passavam com cidadãos tipicamente estadunidenses, em X-Men o grande número de personagens que se agregam à trama eram oriundos de diferentes partes do mundo, levando consigo características dos países de origem. Tão considerável foi a mudança no estilo de compor personagens com origens em outros países que o personagem mais querido pelos leitores de X-Men é o canadense Wolverine. Destaca-se também o russo Colossus, a queniana Tempestade, o alemão Noturno, o escocês Banshee, o japonês Solaris e até a brasileira Tâmara. Figura 18 – Wolverine Figura 19 – Colossus Figura 21 – Noturno Figura 22 – Banshee Figura 23 – Solares Figura 20 - Tempestade Figura 24- Tamara 42 A tática para alcançar o maior número de leitores criando personagens nascidos em vários continentes ia contra os interesses da editora Marvel Comics, que publicava a HQ. Isso ocorria pelo fato de inserir personagens vindos de países onde a venda de X-Men era quase nula, como o Quênia e a Rússia, até então União Soviética. O efeito, porém, foi totalmente positivo em aceitação, o que impulsionou a editora a criar histórias inéditas após um período de reprises nas publicações14. O sucesso crescente das aventuras dos mutantes da Marvel na busca pelo direito de existir já rendeu mais de 500 edições da revista principal, batizada de “Uncanny X-Men”, além de inúmeras outras edições de revistas com tramas paralelas derivadas do mesmo universo mutante. Figura 25 - Capa da revista Uncanny X-Men – edição 494 - 2009 Em 50 décadas de existência, as histórias em quadrinhos dos X-Men trouxeram ao público acontecimentos na trama que provocaram reviravoltas significativas nas vidas dos personagens. Estes acontecimentos divisores de águas na linguagem das HQs são chamados de “Sagas”. Uma única saga pode perdurar por várias edições, sendo citada, inclusive, nas revistas derivadas, estendendo-se por vários anos. Considerada pelos fãs da HQ como a principal saga já publicada sobres os mutantes, tornando-se, em números de vendas, um verdadeiro best seller mundial, a 14 A descrição completa do processo de popularização global das HQs dos X-Men pode ser encontrada no site: http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=518 acessado em 08/09/2010 43 saga intitulada “A Fênix Negra”, publicada na década 1980, até hoje exerce influência na trama, sendo corriqueiramente lembrada pelos personagens. A saga da Fênix Negra surpreendeu os leitores ao trazer a morte de uma das personagens mais poderosas, a telepata Jean Grey. Mas, a relevância da saga da Fênix Negra para o futuro dos X-Men ocorreu, principalmente, por conta de como sucedeu a morte de Jean. Popularmente conhecida por ser dócil e gentil, Jean Grey não sabia que, em seu subconsciente, habitava sua verdadeira mutação, uma outra personalidade que se autonomeava a Fênix, o ser mais poderoso já citado em toda a trama, movido por instintos sexuais e de crueldade sem misericórdia. A batalha contra a Fênix quase exterminou os X-Men, obrigando o lado bom de Jean Grey a cometer suicídio para salvar a todos. Após este acontecimento apocalíptico, mesmo pessoas que não conheciam os X-Men começaram a acompanhar a série, que desencadeou outras sagas de sucesso como “Massacre de Mutantes”, “A Queda dos Mutantes” e “Inferno”. Figura 26 – Capa da revista que iniciou a saga “A Fênix Negra” (1980) A última saga dos mutantes foi lançada em 2009, com o título de “Complexo de Messias” (material que será analisado na íntegra no capítulo IV desta monografia). Contendo todos os requisitos de uma saga, Complexo de Messias trouxe elementos que mudaram o destino dos personagens principais, acontecimentos que devem perdurar com consequências pelas décadas seguintes. Nesta saga, como o próprio nome diz, há a busca por um milagre, a busca por um salvador para a raça mutante. Complexo de Messias é uma das sagas que mais 44 apresentam elementos religiosos, tendo a fé como fator presente nas ações da maioria dos personagens. Esta característica nos rumos da trama não é peculiar e segue o estilo típico das HQs, abordando assuntos reais de sociedade na vida e caráter dos personagens. 4.1. O APOCALIPSE DA ERA MODERNA A entrada do terceiro milênio, o início do século XXI, os atentados terroristas, em especial os de 11 de setembro de 2001, contra as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, a eminente terceira guerra mundial, o fim dos recursos naturais, o aquecimento global, dentre outros temas que ameaçam o futuro da raça humana enriquecem a formação de identidade da atual era das histórias em quadrinhos. A julgar por todos os acontecimentos citados acima e a abordagem da saga Complexo de Messias, dos X-Men, a fé, movida pelo temor do fim do mundo, parece dar um dos tons da Era Moderna das comic books. Sagas de outros super-heróis lançadas no século XXI abordam o tema, entre elas “Trevas Eternas – Legião dos Super-Heróis” (2008) e a adição complementar do universo Marvel que tratou da extinção da humanidade pelos próprios super-heróis transformados em zumbis nos cinco capítulos de “Marvel Zumbis” (2005). Complexo de Messias, ao suceder os acontecimentos ocorridos em edições anteriores, marcadas pelo Dia M (O Dia M ficou conhecido como o dia em que a Feiticeira Escarlete baniu do mundo o gene “X”, impedindo o nascimento de novos mutantes), recorre à esperança, a um recomeço após o apocalipse mutante. Pretensiosamente lançada em 2009, a ideia de um recomeço, após o fim de tudo o que existe, perdura nas profecias que circundam a humanidade. Nos textos da Bíblia Sagrada, a promessa de um novo mundo após a destruição do anterior é explícita: “Os céus desaparecerão com um grande estrondo, os elementos serão desfeitos pelo calor, e a terra, e tudo o que nela há, será desnudada” (II Pedro 3:10). “Porque, como os novos céus e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante de mim, diz o Senhor, assim há de estar a vossa posteridade e o vosso nome” (Isaías 66:22). Nas profecias politeístas, o recomeço também é destacado. A mais famosa revelação pagã que alerta para o fim dos tempos prevê o recomeço da humanidade 45 com o mundo em uma nova formação geológica. Escrita pela extinta sociedade maia há mais de cinco mil anos, a profecia do fim do mundo com data mais próxima que a do calendário cristão seguido pela maioria das nações, prevê o apocalipse para o dia 21 de dezembro de 201215. A indústria de cinema estadunidense, famosa por apresentar filmes com temáticas catastróficas para o final da humanidade, já lucrou com a profecia lançando filmes que foram sucessos de bilheteria como “2012” de Roland Hermerich (2009) e “2012: o ano da profecia”, do diretor Nick Everhart, também lançado em 2009. 4.2. COMPLEXO DE MESSIAS Na mais recente saga mutante, o apocalipse já teria ocorrido, o Dia M, e o recomeço aparece na forma de uma criança, um recém-nascido, como mostra o prelúdio da saga: Depois do Dia M, a raça mutante aproximou-se da extinção. Outrora aclamada como substituta da humanidade, pois era o que os mutantes pareciam ser, agora que foram reduzidos a algumas centenas, correm o risco de desaparecer no esquecimento. Mas um novo bebê mutante nasceu, o primeiro desde o Dia M, e com ele, esperança para a raça mutante”. (UNCANNY X-MEN, 2009, p. 01). Indo além do que o que ocorreu em A Fênix Negra, Complexo de Messias trouxe a morte não de um, mas de vários personagens famosos da trama. A saga inicia-se com o nascimento de um novo bebê mutante, o primeiro desde o Dia M. Com este nascimento improvável, o bebê, uma menina, passa a ser o objeto de desejo de todos, pois, além de ser o primeiro mutante a nascer, dando esperança ao Homo superior, ainda fez algo incomum: manifestou poderes ao nascer, poderes imensos que destruíram todos os moradores da pequena cidade onde nasceu. Este episódio despertou o interesse de três grupos rivais, os Carrascos, os Purificadores e os X-Men, os quais iniciam uma busca sangrenta pelo bebê. Os 15 Ver em: http://www.doismiledoze.com/a-primeira-profecia-maia - acessado em 16/09/2010 46 Carrascos, liderados pelo geneticista mutante Dr. Sinistro, querem o bebê para usálo como arma, já que é muito poderoso. Os Purificadores são um grupo de fanáticos religiosos que querem eliminar a criança alegando que a mesma é o Anticristo. Os X-Men querem entender o que ocasionou o nascimento da criança e o que a mesma irá representar para o futuro dos mutantes. A princípio, nenhum dos três grupos consegue pegar a criança que foi capturada pelo rebelde X-Men Cable que, após combates com os rivais, consegue fugir para o futuro por via de um circuito temporal. Em Complexo de Messias há ainda a presença do Predador X, um animal feroz criado para caçar mutantes. O nascimento despertou a fome do predador, que parte também em busca da criança. O animal é morto por Wolverine no final da saga. No desenrolar dos 13 capítulos da saga, há a morte de personagens como Dr. Sinistro, Caliban, Lady Letal e Charles Xavier. No final da saga, a personagem Vampira “morre” para o mundo mutante, sendo liberta de sua habilidade, o toque mortal, após um simples contato com o bebê mutante. Após esta breve apresentação dos X-Men (os excluídos da ficção), vamos abordar alguns grupos minoritários da não-ficcção que são excluídos e lutam por seus direitos civis. 47 CAPÍTULO II DIVERSIDADE: GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL, COR E DEFICIÊNCIA FÍSICA 1. A MINORIA QUE É MAIORIA A característica de envolver dezenas e até centenas de personagens participando ativamente das narrativas, desde seu surgimento, fez com que as histórias em quadrinhos dos X-Men sofressem críticas negativas e positivas de seus leitores. Negativas porque o grande número de personagens tirava o foco dos personagens principais. Positivas porque os numerosos mutantes eram oriundos de diversos países, fato já citado que atraiu muitos leitores, que passaram a ter muitas opções para adotar um personagem em particular que mais se assemelhasse com sua personalidade. Os elementos que comparam os personagens de X-Men não apenas com seu público leitor, mas com a realidade dos grupos alvos de discriminação (negros, mulheres, homossexuais, religiosos, etc) levantam questões sobre o que é e quais são as discussões contemporâneas acerca da diversidade cultural. Os números apontam que a população mundial inicia a segunda década dos anos 2000 com aproximadamente 8 bilhões16 de habitantes. Este número de pessoas se divide em milhares de grupos que vivem (sobrevivem) de acordo com sua cultura e visão de mundo. Atualmente, toda a diversidade de agrupamentos humanos, segundo Hanashiro e Carvalho (2004, p. 04), vai muito além do que as distinções de etnias, cor e gênero, partindo do conceito de que todas as pessoas são diferentes. As definições atuais apresentam um escopo extremamente variado. Os conceitos variam de amplitude: de definições restritas, que enfatizam apenas raça, etnia e gênero, até às extremamente amplas 16 A informação é do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), que pode ser acessada pelo endereço: http://www.brasilescola.com/geografia/populacao-mundial.htm - Acessado em 27/06/2011. 48 que se referem a todas diferenças entre as pessoas, isto é, todos indivíduos são diferentes. As diferenças que tornam cada indivíduo único geram a chamada identidade social que, instintivamente, conduz cada ser a buscar interações humanas que mais se adequam ao seu estilo de vida. O efeito disto, segundo Saraiva e Irigaray (2009), é a formação de estigmas. Para a teoria da identidade social, os indivíduos tendem a classificar em categorias a si próprios e aos outros, com efeitos sobre as interações humanas um processo que implica estereótipos e, eventualmente, estigmas. (2009, p. 03). O estigma é uma marca pela qual a pessoa ou grupo é identificada em meio à diversidade que a cerca. Uma vez portadora deste sinal, o indivíduo ou grupo passar a viver da separação em sentido social, conforme apontado por Saraiva e Irigaray (2009, p. 03). Estigma é um fenômeno socialmente construído com fortes implicações negativas em suas vítimas, dado que se funda numa relação assimétrica, que referenda atributos tidos como depreciativos a uma pessoa ou grupo social. O estigma se diferencia e distingue, e traz, no seu âmago a separação, bem como uma propriedade relacional. Os autores ainda apontam que, segundo estudos, “pessoas negras, com deformação facial, com deficiência física, obesas, retardadas mentais, homossexuais e cegas são estigmatizadas. (SARAIVA E IRIGARAY, 2009, p. 03)”. As categorias citadas enquadram-se nos chamados grupos minoritários que, apesar de serem muitas vezes formados por um número maior de indivíduos, são definidos com o termo “menor”, para esboçar sua participação nas decisões sociais, conforme elucidam Paiva e Barbalho (2005, p. 11). Ora, a noção comtemporânea de minoria – isto que aqui se constitui em questão – refere-se à possibilidade de terem voz ativa ou intervirem nas instâncias decisórias do Poder aqueles setores sociais ou frações de classe comprometidos com as diversas modalidades de luta assumidas pela questão social. 49 Com uma definição mais profunda sobre o conceito de minoria, Saji (2005, p. 17) afirma que há outro meio de representação de grupos que não estejam ligados ao poder. “Não se encontra um conceito operacional útil que não faça referência ao poder, visto que o conceito sociológico de minoria não está realmente ligado a uma expressão numérica relativa”. Mais adiante, a autora explica a concepção de como se dá a hegemonia da classe dominante, a chamada maioria social. “Os grupos de maioria são formados por membros que historicamente obtiveram vantagens em termos de recursos econômicos e de poder em relação aos outros”. (SAJI, 2005, p. 17). A vantagem que a maioria social tem sobre os grupos minoritários, além de dividir o coletivo, estigmatizando seus indivíduos, agrega à diversidade a discriminação, preconceito e exclusão de todos os seus membros, sem distinção ou importância de sua configuração das desigualdades sociais. Desta forma, segundo Saji, “as questões de raça, do deficiente, de orientação sexual, de gênero, dos gordos, dos magros, etc., são tratadas como se fossem da mesma natureza, magnitude e conseqüência social”. (2005, p. 17). A repressão a que as classes minoritárias que formam a diversidade são sujeitas faz com que os grupos discriminados passassem a lutar por direitos de participação social em um confronto sem armas, conforme definido por Paiva e Barbalho. “Uma minoria luta pela redução do poder hegemônico, mas em princípio sem objetivo de tomada do poder pelas armas” (2005, p. 13). A forma de ocupar um espaço na hegemonia é alcançada, segundo Paiva e Barbalho, por meio dos discursos vinculados na mídia. “Nas tecnodemocracias ocidentais, a mídia é um dos principais “territórios” dessa luta”. (2005, p. 13). Os autores concluem que “é a mídia que nos dias de hoje detém o maior poder de dar voz, de fazer existir socialmente os discursos”. (2005, p. 36). O espaço aberto pela mídia, na contemporaneidade, separou os grupos minoritários, já divididos em novas categorias, chamadas de grupamentos urbanos, que agem na produção de sentido de suas ideologias. Manifestações como o heavy metal, os esportes radicais, a cultura clubber, os graphic novels e o hip-hop são, antes de tudo, produções de sentido centradas no consumo de determinados objetos culturais. (PAIVA E BARBALHO, 2005, p. 117). 50 A cultura defendida pelos grupamentos urbanos difunde, mundialmente, o modo de pensar a diversidade por via da mídia e suas produções de massa. “Hoje, refletir sobre a questão identitária exige pensar a comunidade e a cultura no âmbito da produção da indústria da cultura”. (PAIVA E BARBALHO, 2005, p. 180). Em outras palavras, a busca de identidade social da nova geração é semente da difusão dos grupamentos urbanos, fazedores de uma cultura pop 17. “A cultura pop atua de maneira significativa na construção de identidades dos jovens atualmente” (PAIVA E BARBALHO, 2005, p.162). Por via desta exposição midiática global da diversidade contemporânea, formada por membros oprimidos das minorias historicamente submissas, a concepção política, como definem Paiva e Barbalho (2005), vê no pluralismo social a força de suas reivindicações. Para uma parte importante da filosofia política contemporânea o pluralismo moral associado a essa proliferação de reivindicações tornou-se, pois o principal desafio a que os processos de decisão e justificação política devem responder, estabelecendo a ‘diferença’ como algo que devem tolerar, reconhecer afirmativamente, ou considerar como objeto de deliberação (p. 42). Para explanar um pouco mais a fundo a ideia de diversidade social e cultural, a pesquisa de gênero é vista como o marco das lutas por igualdade de tratamento das minorias. Por isso, vejamos as concepções de gênero, masculino e feminino e homossexualidade, passando depois para a abordagem da discriminação racial e finalizando com os conceitos de deficiência física. 2. GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL As lutas das minorias sociais e culturais contemporâneas têm em comum o que 17 pode ser considerado o primórdio dos manifestos por direitos de O termo cultura pop tem sido usado para designar diversos produtos da Indústria Cultural. Fala-se em música pop, pop rock, quadrinhos pop e, finalmente, cultura pop. O conceito de cultura pop surge não para substituir o de indústria cultural, mas complementá-lo. Assim, a cultura pop teria as seguintes características: A. ser inovadora com relação aos seus congêneres, tanto em termos de forma quanto de conteúdo; B. apresentar uma leitura crítica de mundo; C. ter um conteúdo arquetípico; D. ser provocadora. http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=724&titulo=Cultura_pop – Acessado em 27/06/2011. 51 reconhecimento e aceitação dos grupos discriminados, a ação das feministas no final do século XIX, conforme apresenta Diniz (2008). A inclusão do debate sobre a diversidade cultural e de gênero no espaço acadêmico ocorre desde meados dos anos de 1970 e devese, historicamente, à pressão dos grupos feministas e dos grupos gays e lésbicos que denunciaram a exclusão de suas representações de mundo nos programas curriculares das instituições escolares. (2008, p. 03). Louro (2004, p. 02) aponta que, “ao falarmos de gênero estamos nos referindo a feminilidades e a masculinidades - sempre no plural”. A observação da autora diz respeito ao comportamento e não ao fator biológico. O modo de se portar masculino e feminino foi estipulado pelo conhecimento retrógrado adquirido pela hierarquização do masculino sobre o feminino. O dilema do pensamento ocidental, a partir do qual foram criados os saberes disciplinares das humanidades e das ciências exatas, é que a cultura está para o masculino assim como o feminino está para a natureza e que a noção de identidade está para o masculino assim como a diferença está para o feminino. (MACHADO, 1998 p. 115). Chow (2010, p. 18) reforça a tese de superioridade masculina, atribuindo ao gênero uma classificação binária no sentido de representação de um distinto grupo. “O que informa a problemática da representação é uma estrutura binária, na qual uma das partes envolvidas é supostamente uma cópia, uma réplica, um ‘substituto’ objetivado para o outro”. A comparação de representação com o sistema de gênero masculino e feminino feita pelo autor estipula as feminilidades como sendo a parte substituta e as masculinidades como oficiais. Assim como a representação, gênero, quando considerado a partir de uma perspectiva convencional, heterossexual, também é uma estrutura de duas partes, envolvendo a diferenciação entre homens e mulheres. Neste caso também, a diferenciação convencionou-se um processo de avaliação hierárquica. (CHOW, 2010, p. 19). Em uma visão pós-estruturalista, Louro (1997) cita exemplos práticos da supremacia masculina herdada dos tempos em que o feminino não possuía representação social e que persistem ainda na contemporaneidade. Na frase “os alunos que acabarem a tarefa podem ir para o recreio” (1997, p. 23), Louro 52 questiona-se se uma menina estaria incluída ou escondida neste grupo. A autora também expõe a ideia de minoria no sentido de voz participativa feminina e a hegemonia masculina com a seguinte descrição de comportamento social. “[...] também será normal que um/a orador/a, ao dirigir-se para uma sala repleta de mulheres, empregue o masculino plural no momento em que vislumbrar um homem na platéia, pois essa é a norma”. (1997, p. 23). Apesar das categorias homem e mulher serem com facilidade remetidas ao conceito de gênero, Machado (1998, p. 116 – 117) comenta a ruptura do fator biológico com a exclusividade da representação social, apontando um levantamento avançado de gêneros igualitários incontáveis estudados com seriedade nas últimas décadas. A autora sugere que o estudo de gênero seja encarado como reflexão subjetiva, livre de verdades absolutas em se tratando de sujeitos sociais, tendo como exemplo os manifestos feministas. Os estudos de gênero e as indagações sobre as epistemologias feministas introduziram, ao lado dos outros estilos de fazer ciência social, um estilo que desse mais lugar à reflexão sobre a sujetividade do(a) autor(a) e da construção das subjetividades dos sujeitos sociais. (p. 125) A formação da identidade comunitária do indivíduo estaria ligada as suas experiências e absorção de conhecimento em contato com diferentes grupos da sociedade, conforme observado por Conceição (2009, p. 04). Dessa forma, a identidade aqui não é formada por um núcleo estável nem se caracteriza pela coerência interna, sendo construída multiplamente e relacionalmente no contato com “os outros” ao longo de discursos, práticas e ações que podem ser convergentes ou antagônicos. Como conseqüência dessa concepção, a pergunta “quem sou?” se transforma em “onde estou?” e categorias familiares de identidade, como classe, nacionalidade, etnia e gênero, são tratadas não como essências irredutíveis, mas como posições que assumimos ou que nos são designadas. Uma vez podendo ser incontável o número de gêneros sociais defendido pelos autores, a categoria homossexual enquadraria grande parte destes grupos, sendo os mais notórios, travestis, transformistas, transexuais e drag-queens18. Filho 18 Grosso modo, travestis são aquelas que fazem uma intervenção “radical” no corpo, com hormônios ou silicones, e possuem esse corpo feminino todo o tempo. Não há reversão, a não ser que ela queira voltar a ser homem. Transformistas se vestem como mulher apenas em ocasiões ritualísticas – shows, festas etc. Mas 53 (2004, p. 145) acredita que, “para se compreender o feminino só é possível relacioná-lo ao masculino e vice-versa, e para entender a ambos é necessário entender a homossexualidade”. O “surgimento” do sujeito homossexual é dado, segundo Foucault (1992, p. 233), no final do século XIX, porém, as relações afetivas e amorosas entre sujeitos de um mesmo sexo por certo existiam antes dessa época. Contudo, tais relações não eram compreendidas ou nomeadas como homossexualidade. De acordo com Louro (2004, p. 04), as relações entre pessoas do mesmo sexo eram “consideradas como um pecado que, afinal, qualquer um poderia acabar cometendo”. No início do século XX, a prática “passava a indicar um tipo particular de pessoa, um tipo social, uma “espécie” de gente que se desviara da ‘normalidade’” (LOURO, 2004, p. 05). Filho (2004, p. 145) defende que “a homossexualidade masculina é parte constituinte, e constitutiva, da masculinidade, o mesmo valendo para o lesbianismo em relação à feminilidade”. Desta forma, a homossexualidade e o gênero biológico masculino e feminino estariam ligados social e anatomicamente. A união da luta por direitos de cidadania, antes impulsionada pelas feministas, ganhou o reforço das “minorias sexuais”, conforme observa Louro (2004, p. 05). “Especialmente pelo final dos anos 1960, [...] as chamadas ‘minorias sexuais’, ou seja, os grupos organizados de gays e de lésbicas também ‘mostravam sua cara’, exigindo respeito e visibilidade”. A autora destaca ainda que, a partir dos manifestos das classes minoritárias citadas, a ciência e a religião deixaram de ser as únicas vozes que tratavam do assunto. Não se ouvirá mais, a partir de então, apenas as vozes tradicionalmente autorizadas da ciência e da religião, ou dos homens brancos heterossexuais de classe média. Agora também mulheres, gays e lésbicas passam a falar de suas experiências e práticas amorosas e sexuais; passam a falar de seus projetos, de seus sonhos e ambições, de suas experiências de trabalho e de vida. (LOURO, 2004, p. 06). Os movimentos que iniciaram nos anos 1960 jamais poderiam prever o que duas décadas depois estava para se tornar o maior fator de reconhecimento e ao mesmo tempo exclusão das minorias sexuais, o vírus HIV, causador da Aids. constroem uma mulher perfeita. Chamam-se também “finas”. Drag-queens também se vestem como mulher apenas em eventos rituais, mas essa mulher é caricatural e, muitas vezes, deixa, escapar, propositadamente, traços masculinos na sua “montagem”. O termo “transgênero” emglobaria todos esses sujeitos que fazem uma intervenção corporal para transformar o gênero. (Paiva, 2006, p. 163). 54 Trevisan (2000) analisa que o advento da Aids, cujos primeiros casos surgiram entre pessoas homossexuais19, serviu para revelar ao mundo que os gays existem e estão mais próximos do que se imaginava. [...] o vírus da Aids realizou em alguns anos uma proeza que nem o mais bem intencionado movimento pelos direitos homossexuais teria conseguido, em muitas décadas: deixar evidente à sociedade que homossexual existe e não é o outro, no sentido de um continente à parte, mas está muito próximo de qualquer cidadão comum, talvez ao meu lado e – isto é importante! – dentro de cada um de nós, pelo menos enquanto virtualidade (TREVISAN, 2000, p. 07). Se, por um lado, o surgimento da Aids, como apontou Trevisan (2000), revelou ao mundo de forma massificada que gays existem, cumprindo com maestria um dos objetivos dos movimentos de minorias sexuais, tornarem-se visíveis, Louro (2004) traz o outro lado do legado do vírus. Segundo a autora, o pouco do respeito que os manifestos das militâncias sexuais conseguiu alcançar logo teve fim, com o desprezo e a renovação da homofobia gerada pela sociedade hegemônica com a disseminação do HIV. Apresentada, inicialmente, como o “câncer gay”, a doença teve um primeiro efeito, imediato, que foi renovar a homofobia existente nas sociedades, intensificando a discriminação já demonstrada por certos setores sociais. A intolerância, o desprezo e a exclusão – aparentemente abrandados pela ação da militância homossexual – mostravam-se mais uma vez intensos e exacerbados. (LOURO, 2004, p. 06). Se, antes, os homossexuais eram simplesmente desprezados, com o advento da Aids este grupo de pessoas passou a causar medo nos ditos “normais”. O medo para com a homossexualidade é observado por Filho (2004) como uma fobia à natureza, que passa a ser negada para que, assim, a existência dos homossexuais seja interpretada como uma escolha do indivíduo, e não puramente determinada pela biologia. 19 Em 1981, num congresso sobre doenças infecciosas em Nova York, foram apresentados cinco casos de homens aparentemente saudáveis acometidos por um tipo raro de pneumonia que costuma instalar-se apenas em portadores de deficiências imunológicas. Em conversa durante o café que se seguiu à apresentação, os médicos responsáveis pelo acompanhamento dos doentes citados estranharam a coincidência: seus pacientes eram jovens e homossexuais. Fonte: http://drauziovarella.com.br/saude-da-mulher/aids-feminina/ <Acessado em 14/10/2011> 55 No entanto há uma tendência muito grande em apagar os traços biológicos da constituição das identidades sexuais, que reflete em minha opinião uma relação de medo e ódio à natureza. Contra um determinismo biológico, neutralizaram-se as diferenças sexuais. (FILHO, 2004, p. 149). É neste cenário de negação à biologia, à interação e ao convívio que surge, a partir dos anos 1980, o movimento político-social queer20. Os membros deste grupo são homossexuais que, ainda nos dias de hoje, lutam contra o enquadramento identitário proposto pelas políticas gays dos anos 1960. Spargo (apud Melo, 2008, p. 70) completa que “as versões da experiência gay/lésbica promovidas nas campanhas políticas foram criticadas por privilegiar os valores da classe média branca.” Estes valores, ainda segundo Spargo (apud Melo, 2008), mesmo que relutantes, enquadrariam apenas gays e lésbicas propriamente ditos, deixando de fora os demais grupos sociais homossexuais. [...] o principal problema encontrado nos movimentos sociais gays e lésbicos é o estranhamento da bissexualidade, do travestismo e da transexualidade, segmentos que põem em crise a perspectiva de identidades estáveis, entrando em conflito com as políticas identitárias gays e lésbicas. Isto se deve, necessariamente, a característica central do modelo gay/lésbico que reivindica, como principal característica de sua sexualidade, o fato de seus objetos de desejo serem do mesmo sexo. (2008, p. 72). Para a política queer, segundo Melo (2008, p. 72), “afirmar-se gay ou lésbica (...) não parece ser suficiente nos dias de hoje”. Os queers, nas palavras de Louro (2004, p. 08), “representam a diferença que não quer ser integrada; uma diferença constituída por sujeitos que se colocam contra a normatização venha de onde vier”. As normas a que a autora se refere dizem respeito às representações binárias que atribuem superioridade a alguns e inferioridade a outros, conforme foi analisado por Chow (2010) com relação aos gêneros masculino e feminino. As minorias sexuais da atualidade, em especial as de política queer, buscam um novo paradigma do conceito de identidade, contrário à formulação de diferença. De acordo com Melo (2008, p. 71), “essas identidades seriam definidas pelos membros dos grupos a partir de suas propostas de intervenção e modificação 20 A expressão inglesa queer, que pode ser traduzida, inicialmente, por estranho ou esquisito, é, também, a forma pejorativa de se referir a um sujeito não-heterossexual (seria o equivalente, em português, a viado, bicha, sapatão). Repetido como xingamento ao longo dos anos, queer serviu para marcar uma posição marginalizada e execrada. (Louro, 2004, p. 08) 56 social”. A identidade, nesta perspectiva seria, segundo Melo (2004, p. 72), “um espaço de contestações e de conflitos políticos e culturais.” Cada indivíduo teria o poder de autodefinição coletiva, diferente das demais políticas homossexuais que, para Seidman (1996, p. 12), acabam “excluindo variações de possíveis subjetividades, corpos, desejos, ações e relações sociais”. Nas categorias citadas por Seidman, estariam inclusos travestis, transformistas, transexuais e drag-queens que, de acordo com Paiva e Barbalho (2005), estão em constante processo de mudanças físicas e psicológicas e: [...] estão permanetemente em um processo de incorporação. Ao “imitar” os trejeitos de mulheres e de outros transgêneros e, mais do que isso, ao interferirem no próprio corpo – para que o aprendizado e a assimilação sejam percebidos não apenas com base em trejeitos, mas também do próprio corpo esculpido -, esses sujeitos podem ser pensados como incorporados. (2005, p. 164). Melo (2008, p. 78) é direto ao concluir que “ninguém pertence somente a uma única coletividade”. A seguir, veremos um pouco mais sobre as discussões contemporâneas de etnia e raça que, como define Fraser (2001, p. 280), “não são claramente separados um do outro. Nem são nitidamente separados da sexualidade e classe. Ao contrário, todos esses tipos de injustiça cruzam-se de modos que afetam os interesses e identidades de todos”. 3. DISCRIMINAÇÃO RACIAL Do mesmo modo como as considerações de gênero são constituídas nos alicerces do poder, nas identidades étnicas, bem como os demais segmentos da diversidade, ocorre o mesmo. Assim, Falar sobre diversidade não pode ser só um exercício de perceber os diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder estabelecido por ela (NOGUEIRA, 2008, p. 02). A reflexão contemporânea sobre preconceito racial a ser tratada adiante ancora-se na pesquisa de João Feres Júnior, publicada na Revista Brasileira de 57 Ciências Sociais, no ano de 2006, intitulada “Aspectos semânticos da discriminação racial no Brasil: para além da teoria da modernidade”. Cabe, no entanto, ressaltar que as discussões sobre o conceito de raça são relativas, dependendo de que país está se tratando. Schwartzman (1999) explica que: Nos Estados Unidos, o que define um "negro" na sociedade segmentada seria sua ascendência africana e escrava, sua origem, e não o fato de a pessoa ter a pele mais ou menos escura. No Brasil, ao contrário, seria a cor da pele, mais do que sua origem, que definiria as pessoas socialmente, e serviria de base para preconceitos e discriminações. (1999, p. 83). Apesar de, segundo Nogueira (2008), a divisão dos seres humanos por raça estar ultrapassada, de acordo com a autora, a “biologia comprovou que as diferenças genéticas entre os seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a humanidade é constituída por raças” (2008, p. 04), o Movimento Negro Unificado, nascido nos anos 1970, não deixou de usar o termo, porém lhe atribuiu um novo significado. Logo, a concepção de raça passou a ser tratada “como uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas” (NOGUEIRA, 2008, p. 04). A tese de construção social da qual teria originado o racismo é defendida por Fernandes (apud Júnior, 2006), observando a origem do preconceito racial no Brasil a partir de dois argumentos: Primeiro, ele seria um resíduo cultural da hierarquia racial da sociedade escravista, fadado a desaparecer com o tempo, ou seja, com o desenvolvimento da própria sociedade capitalista; e segundo, a discriminação ocorreria devido à inadequação do negro à sociedade competitiva, dada sua falta de preparo para as profissões que se abriram a partir do fim da escravidão e a reprodução de um ethos anômico por parte da família negra. (2006, p.03). Como a sociedade capitalista não desapareceu, o primeiro argumento de Fernandes não vingou. Sua segunda ideia, então, ganhou reforço na aceitação. Neste sentido, Júnior (2006, p. 04) demonstra que a inferioridade do negro na sociedade se deve às “ocupações mais degradantes e periféricas da economia rural e urbana” que lhes sobraram. O autor afirma ainda que “o negro passou a ser 58 associado ao não-moderno” (Júnior, 2006, p. 06). Em suma, é possível considerar que: Na sociedade escravocrata a inferiorização do negro servia para legitimar o regime político-legal vigente, ao passo que no contexto da sociedade capitalista ela cumpre a função de alijar os negros da competição por oportunidades de ascensão social. (Júnior, 2006, p. 04). A falta de oportunidades de ascensão do negro dentro de uma sociedade capitalista conduz esta minoria (que não é quantitativa, como já dito, mas sim representativa) a um modelo de reconhecimento do próprio indivíduo estipulado pelo filosofo alemão Axel Honneth, dividido em três formas. O primeiro tipo corresponde ao amor e ao afeto dispensados à pessoa por aqueles que lhe são próximos – parentes, amigos e amantes; O segundo tipo ocorre por meio do igual usufruto de direitos legalmente constituídos em uma comunidade política; a terceira forma de reconhecimento, que nos primeiros textos de Honneth era definida como a aprovação coletiva de estilos de vida particulares alcançada por meio da solidariedade social. (Júnior, 2006, p. 15). As três formas de reconhecimento a que o sujeito negro é fadado a conviver são comentadas por Júnior. Na primeira delas, que se refere ao amor e ao afeto, o autor faz menção ao que seria a falta de amor próprio, ou seja, a baixa auto-estima provocada pela exaltação do ser branco em todas as partes onde “apesar do prosaico elogio da sensualidade da mulata, a mídia brasileira [...] glorifica a beleza branca. Xuxa e suas paquitas louras, Eliana e Angélica são só um exemplo triste de um passado recente que ainda nos assombra” (Júnior, 2006, p.15). Essa inferiorização “leva a pessoa a se tornar insegura em relação a seu próprio corpo e à maneira como ele aparece, ou se parece, para os outros em sociedade, inclusive para aqueles que lhes são próximos” (Júnior, 2006, p. 15). A segunda forma de reconhecimento, que aborda a igualdade dos direitos, é tratada por Júnior (2006, p. 16) como uma fonte de subhumanidade, ocasionada pelas “práticas sociais não-reflexivas (habitus) por meio das quais a igualdade formal legal é, na prática, negada àqueles portadores de estigma”. Os hábitos surgidos na sociedade pré-moderna e que ainda persistem reforçam a desigualdade de direitos 59 em frases como “serviço de preto”, “quando não faz na entrada faz na saída”, dentre outras. “Por outro lado, elas também denotam falta de capacidade racional, incapacidade moral, infantilismo e primitivismo” (Júnior, 2006, p. 16). Por fim, o filósofo alemão expõe a terceira forma de reconhecimento racial que aborda a ausência de recompensa pelo trabalho em sociedade do negro. Júnior acredita que esta é a razão da desigualdade social do Brasil. Dado que em qualquer democracia moderna, operando segundo os parâmetros normativos do Estado de Bem-estar social, esses direitos vão além das meras liberdades civis e políticas para abarcar educação, saúde e outros serviços sociais (Júnior, 2006, p. 16). Ao todo, a terceira forma de reconhecimento é uma extensão da segunda, pois “a projeção de falta de capacidade racional, de integridade moral e de subhumanidade já constituem em si uma forte desvantagem: uma maneira de se negar a terceira forma de reconhecimento” (Júnior, 2006, p. 17). As três formas de reconhecimento apresentadas para apresentar um perfil do preconceito racial no Brasil, bem como os estudos de gênero e identidade não existem para “medir ou quantificar as características biológicas da população, e sim sua diversidade social, cultural e histórica” (Schwartzman, 1999, p. 02). O conhecimento da diversidade social e cultural, para o autor, está relacionado a diferenças importantes de condições de vida, oportunidade e eventuais problemas de discriminação e preconceito. 4. DEFICIENTES FÍSICOS As relações estabelecidas na vida em sociedade geram um fator coletivo essencial para a vida particular de cada indivíduo. Este “fator plural” trata-se das chamadas “representações sociais” que, de acordo com Moscovici (1996, p. 31), “são equivalentes, em nossa sociedade, com mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum”. Em outras palavras, as representações sociais enquadrariam as formas de reconhecimento apresentadas quanto à aceitação racial do sujeito. No entanto, a concepção de representação social possibilita a abordagem com maior clareza da discriminação contra pessoas portadoras de necessidades 60 especiais pois, como afirmam Carvalho e Marquezan (2003), pela representação social o indivíduo é tanto transformado pela sociedade quanto agente transformador. Desta maneira, a deficiência física traria as questões de transformações da sociedade e do próprio indivíduo ao ser explanado o papel de atuação de cada um, conforme veremos abaixo. Os universos sociais e os particulares das representações da sociedade são chamados de universos consensuais e universos reificados, segundo Sá (1995). Estes vieses são criados a partir “das conversas e interações entre indivíduos, quando expõem seus pensamentos sobre determinado assunto ao grupo que pertencem” (Carvalho e Marquezan, 2003, p. 02). Os universos consensuais correspondem às teorias do senso comum, ou seja, às práticas de interação social, aonde segundo Moscovici, (apud Sá, 1995, p.29), “A arte da conversação cria gradualmente núcleos de estabilidade e maneiras habituais de fazer coisas, uma comunidade de significados entre aqueles que participam dela”, o que torna cada indivíduo capaz de falar pelo grupo. Por outro lado, os universos reitificados são aqueles em que cada indivíduo possui uma função dentro de um grupo; esta função, de acordo com Carvalho e Marquezan (2003, p. 02), é designada conforme as qualificações de cada um, “pois existem informações adequadas para cada ocasião”. Os autores observam que, quando o sujeito tem contato com o universo reitificado o primeiro passo é absorver o máximo de informação para tornar o assunto “não-familiar” em “familiar”. Em seguida ocorre, segundo Oliveira & Werba (1998), o processo de ancoragem e objetivação. Carvalho e Marquezan, (2003, p. 03) definem ancorar como um processo de incorporação que classifica e denomina categorias. A classificação é a escolha de um modelo que conhecemos e com o qual comparamos o objeto a ser representado, analisando se pode ou não, somar-se a tal categoria. E denominar é incluir algo numa rede de palavras específicas, com o objetivo de localiza-lo na cultura a que pertencemos. Quanto à objetivação, Oliveira & Werba (1998) observam que ela ocorre quando “a imagem deixa de ser signo e passa ser uma cópia da realidade”, dando conceito a uma imagem. Neste sentido, Carvalho e Marquezan (2003) concluem que 61 a representação social “é reflexo do mundo externo na mente, ou uma marca da mente que se reproduz no mundo externo, assim sendo, o indivíduo é tanto transformado pela sociedade, quanto agente transformador”. Os modelos de representação social e suas categorias podem ser relacionados com os modelos de deficiência física existentes que, segundo Sassaki (1997), se, dividem em modelo “médico” e “social”. Antes de abordar cada um dos modelos, é preciso entender o é uma deficiência física. 4.1. BREVE CONCEITO DE DEFICIÊNCIA FÍSICA Tecnicamente, segundo Latância (200, p. 03), deficiência física é o nome dado (...) aos membros da sociedade que apresentam alguma forma de perda, anormalidade, diferenciação de uma estrutura ou funções psicológicas, fisiológicas ou anatômicas. Podendo ser do tipo: física, auditiva, visual, mental ou múltipla, são denominações aplicadas a cada caso, de acordo com a deficiência, ou seja, uma alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo, sendo temporária ou permanente, decorrente de fatores inatos ou adquiridos. Por apresentar diferenças dos demais indivíduos ditos “eficientes”, os portadores de necessidades especiais são, segundo Maciel e Miguel (2009, p. 03), estigmatizados. É comum ouvir as pessoas se referirem aos deficientes ofensivamente como: ceguinho, surdo, aleijado, manco, retardado etc - sendo todas elas maneiras desrespeitosas, discriminatórias, estigmatizadas, que marcam essas pessoas, transformam e manipulam sua identidade. Como consequência do estigma, Maciel (2009) aponta também que os próprios portadores de necessidades especiais se inferiorizam; em alguns casos, os pais ou responsáveis legais “não acreditando no potencial de seus filhos os privam dos desafios e frustrações, de que eles podem e devem obter uma vida em comum com as demais pessoas” (2009, p. 20). 62 Para Amaral (1996), uma deficiência física pode ser suprimida com o aperfeiçoamento de outra capacidade (física ou intelectual) que o indivíduo possua. Vigotsky (apud Cores, 2006, p. 44) destaca que Em um mesmo indivíduo um tipo de intelecto pode estar bem desenvolvido e ao mesmo tempo, outro tipo pode estar muito deficitário. As investigações experimentais confirmam a existência de diferentes tipos de intelecto e de deficiências intelectuais. Gaio (2006) enxerga o deficiente físico como capaz de se autoconstruir cognitiva, afetiva e socialmente, dentro das limitações de seus recursos, a fim de se comunicar com o mundo. 4.2. DEFICIÊNCIA MÉDICA E SOCIAL Ambos os modelos de deficiência física (médica e social) dizem respeito aos direitos sociais dos portadores de necessidades especiais. O primeiro modelo (médico), de acordo com Sassaki (1997), atribui ao deficiente físico a responsabilidade sobre sua problemática, caracterizando-a como uma espécie de “doença” que precisa ser tratada. Só desta maneira, segundo o modelo médico, o deficiente poderia se adequar à sociedade e usufruir de seus direitos. Carvalho e Marquezan (2003) contextualizam o modelo médico com a questão da acessibilidade dos portadores de necessidades especiais em escolas, por exemplo. Segundo os autores, há casos em que os alunos deficientes físicos devem atender algumas características de deficiência para sejam aceitos nas mesmas, eximindo a instituição de se adequar para atender determinado aluno. Portanto, a problemática de adaptação da pessoa com deficiência no ensino comum, centra-se única e exclusivamente nas características da deficiência. Desconsideram-se as barreiras físicas e atitudinais que a escola pode promover, sendo necessário às pessoas com deficiência, pré-requisitos para sua ‘integração’ (CARVALHO E MARQUEZAN, 2003, p. 05). Sassaki (2007) ainda cita três tipos de barreiras que estão presentes quando acatado o modelo médico de deficiência. O primeiro deles diz respeito a 63 discriminação que se expressa através do medo, ignorância e poucas expectativas. Elas são influenciadas, segundo o autor, pela cultura e pela religião. Em seguida vem a discriminação do meio que resulta na inacessibilidade física que afeta todos os aspectos da vida (mercado e lojas, prédios públicos, templos, transporte, etc.), e por último, a discriminação legal, aonde as pessoas com deficiência estão excluídas de determinados direitos. Por exemplo, em alguns países não é permitido que as pessoas com deficiência se casem e tenham filhos ou frequentem a escola. Por outro lado, o modelo de deficiência física social exime o portador da obrigação de se adequar à sociedade para ter seus direitos constitucionais respeitados. Neste modelo, segundo Sassaki (1997) cabe à sociedade se adaptar para atender todos os membros que a compõem. Carvalho e Marquezan (2003) usam o exemplo da inclusão educacional de portadores de deficiência física para contextualizar o modelo social. De acordo com os autores, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) cumpre o papel de unir o ensino especializado ao ensino comum, adequando-se para atender as necessidades de todas as formas de deficiência. A escola deve se adaptar para atender às necessidades de todos as pessoas que apresentem uma necessidade educacional especial seja ela permanente ou não. Estabelecendo assim, um processo bilateral, onde sujeito e escola são pela efetivação do processo inclusivo (CARVALHO E MARQUEZAN, 2003, p. 05). No parecer social, de acordo com Sassaki (2007), a sociedade criou, além de escolas especiais, instituições adequadas, como hospitais, meios de transporte, vias públicas entre outras. Os grupamentos urbanos apresentados neste capítulo (gênero, orientação sexual, cor e deficiência física) fazem parte da diversidade cultural que agrega, por sua vez, infinitos grupos e subgrupos sociais. As discussões contemporâneas abordadas trazem em comum o objetivo de criar oportunidades e aceitação das minorias para que não sejam bloqueadas pelas características pessoais, mas que independentemente de suas diferenças, possam usar seu potencial no poder hegemônico. 64 Esse potencial é o mesmo buscado pelos mutantes de X-Men, cuja maioria dos possuidores do gene X acreditam que possam usar seus dons para o benefício dos membros da sociedade da qual fazem parte. O parâmetro entre a ficção de XMen e a realidade no sentido de diversidade cultural será analisado por via da semiótica greimasiana (ou francesa), no capítulo V. Mas; antes, é importante conhecer o que estuda e como é aplicada a semiótica greimasiana, tarefa que veremos no próximo capítulo. 65 CAPÍTULO III DO MÉTODO DE ANÁLISE 1. A SEMIÓTICA GREIMASIANA A interpretação de um texto pode ser feita de diferentes formas, por diferentes pessoas. Como extensão da língua, o texto possibilita a análise de várias partes da mensagem proferida, uma vez que a mesma está imortalizada em uma fotografia, gravação (áudio ou filmagem), gestual e a escrita, partes estas que podem dar origem às mensagens subentendidas, ou seja, o texto não visto. O texto que se vê, pode ser entendido, então, como uma ilusão, uma proposta mascarada que, para ser explicada corretamente, precisa se desfazer dos aspectos aparentes. Conforme aponta Barros (2000), o exame “interno” e o “externo” do texto são constantemente confrontados pelos que se dedicam à tarefa de compreender o sentido do discurso. “Os primeiros são acusados de reducionismo, de empobrecimento e de desconhecimento da história; os últimos de subjetividade e de confundirem a análise do texto com outras análises” (BARROS, 2005, p.11-12). A análise externa seria então aquela feita pela teoria da literatura. Na análise de um livro seriam considerados, por exemplo, a vida do autor. Já a análise interna centrase na obra em si e somente na obra, não recorrendo a elementos extra-texto. Mesmo com opiniões divergentes, Landowski (apud FIORIN, 2006) afirma que o texto só pode existir quando gerado na dualidade, nas duas formas de exame, interna e externa. “Um discurso só adquire sentido enquanto reconstrói significativamente, como situação de interlocução, o próprio contexto no interior do qual se inscreve empiricamente sua produção ou sua apreensão" (2006, p. 23). A primeira designada como objeto de significação; a segunda como objeto de comunicação. Para compreender como se dá o processo de significação de um texto (entendido como figura, filme, áudio, escrita, gestos, etc.) pelo chamado percurso gerativo do sentido, é preciso conhecer as teorias elaboradas por dois grandes estudiosos da linguagem, Ferdinand Saussure e Louis Hjelmslev. 66 A primeira característica empregada à linguagem por via de uma teoria semiótica/semiológica se deu com a proposta de conceito e imagem acústica, desenvolvida por Saussure em 1916, e publicada na obra Curso de Lingüística Geral. Saussure foi o primeiro pesquisador a ter a preocupação de estudar a língua como objeto científico. Para tanto, Saussure entende a língua como um sistema formado a partir da união de um significante (imagem acústica) e um significado (conceito/ideia). Nesse contexto, a preocupação de Saussure era apenas com a língua e não com outros sistemas de sentido que, posteriormente, passou a se chamar significado, equivalente ao conceito, e significante, equivalente à imagem acústica. Greimas (1973), ao escrever sobre o conceito de Saussure, comenta que, além de Saussure definir o conceito de significante e significado, onde o signo representa ideias que são comparadas as outras manifestações da linguagem (placas de sinalização, alfabetos distintos, símbolos de misticismo, etc.) também dividiu a linguística da semiologia, onde está estaria ligada ao estudo do signo com o meio social”. (1973, p. 24). Três décadas depois, L.Hjelmslev, na obra Prolegômenos a uma teoria da linguagem, reviu o conceito de signo de Saussure, renomeando significado e significante, respectivamente, como plano do conteúdo e plano da expressão. Floch (apud Hernandes, 2001, p. 32) atribui que, para Hjelmslev, as qualidades da língua são compostas de relações, onde um tipo de linguagem se relaciona com outro, ou seja, linguagem gestual une-se à escrita, à falada, etc. Esta relação que, para Saussure, fazia parte do significante, para Hjelmslev passou a ser o plano da expressão. Já os valores e conceitos, itens do significado tornaram-se membros do plano do conteúdo. Cada um dos novos conceitos de linguagem desenvolvidos por Hjelmslev ganharam subdivisões chamadas de substância e forma. Em resumo simples, baseado em Fiorin (2006), a substância, tanto do plano da expressão quanto do conteúdo, é mutável, assume a forma conforme os conhecimentos e costumes de uma sociedade. Já a forma é imutável e profere o conceito, ou seja, a significação. “Os conceitos (substância do conteúdo) presentes em cada língua são resultantes de diferenças paradigmáticas e dos modos de organização dos conteúdos (forma do conteúdo)” (FIORIN, 2006, p. 12). Logo, é na forma da expressão e do conteúdo que a semiótica atua. 67 Antes de partirmos para o estudo de Greimas que, dentro da forma do conteúdo, elaborou o percurso gerativo do sentido, é preciso definir o que é o plano da expressão e o que é o plano do conteúdo. 1.1. PLANO DA EXPRESSÃO É praticamente certo que, ao ouvir ou ler a palavra “expressão”, o ser humano remeta às expressões do corpo, da face que são percebidas pela visão ou o tato que, em primeiro contato, despertam a parte sensível das percepções. Para exemplificar o plano da expressão, vamos trabalhar com as expressões do corpo humano, porém o sensível pode e é despertado ao vermos uma foto, um desenho, uma pintura, um filme, etc. de qualquer coisa, animada ou inanimada, real ou fictícia. A aparência física de uma pessoa é um dos fatores primários, inteiramente ou em parte, que nos causam um efeito estético. É comum ouvirmos e pronunciarmos a frase: “Meu santo não bateu com aquela pessoa logo que a vi”. Ao criarmos este pré-conceito de uma pessoa após tê-la visto pessoalmente, por fotografia, filme, etc. estamos trabalhando o plano da expressão que a disposição da pessoa visualizada nos proporcionou. Esta conclusão, pouco racional e puramente instintiva, é explicada pelos conceitos de Greimas sobre o plano da expressão. Segundo Greimas (1984), há dois formantes que são encontrados no plano da expressão, os formantes figurativos e os formantes plásticos. Os formantes figurativos são, de acordo com as definições de Greimas, as figuras que existem no mundo, abrangendo qualquer objeto, animal, etc. O reconhecimento destas figuras é feito por via da cultura do indivíduo. “Cada cultura dotada de uma ‘visão de mundo’ que lhe é própria, impõe por isso mesmo condições variáveis ao reconhecimento dos objetos e, conseqüentemente, à identificação das figuras visuais”. (GREIMAS, 1984. p. 25). No entanto, os formantes figurativos ainda podem assumir valores de figuratividade que, nada mais é do que a versão poética de algo que existe na realidade. Esta representação tem o intuito de se equiparar com o real, de gerar 68 credibilidade. “O desejo de fazer-parecido – de fazer-crer – manifestado por este ou aquele pintor, por esta ou aquela escola, por esta ou aquela época leva, mediante a associação e sobrecarga de traços visuais, à iconização da pintura”. (GREIMAS, 1984, p. 27). Tomando o exemplo das expressões corporais, podemos concluir que um ser bípede de postura ereta, com braços que se estendem até metade das coxas, com cabelos ao invés de pelos na cabeça, dentre outras tantas características que distinguem um homem dos demais animais é realmente a imagem de um homem (figura). Já a imagem de uma linha vertical que se divide em duas posições opostas em sua base, mais duas antes de chegar ao seu final e um círculo no topo é feita para fazer crer que se trata de um homem (figuratividade). Vejamos o exemplo21. Figura 27 - Homem = Figura Figura 28 - Homem = Figurativa A compreensão dos sentimentos instintivos da sensibilidade gerados pela percepção do plano da expressão compreendem os formantes plásticos que, por sua vez, são divididos em três categorias; topológica (representa o lugar, o espaço, com relações de dimensão, orientação e posição), eidética (representa as formas geométricas) e cromática (representa as cores, tonalidades, contrastes e luminosidades), estipuladas por Greimas. 1. categorias topológicas: referem-se à distribuição espacial que o significante tem – posição superior vs. posição inferior, central vs. periférico etc; 2. categorias cromáticas: referem-se às cores, além dos contrastes do significante – claro vs. escuro etc; 3. categorias eidéticas: referem-se às formas do significante – formas retas vs. formas curvas, formas quadradas vs. 21 Imagem do homem (Figura, 01) retirada do site http://www.clinicaodontoquality.com.br/blog/2010/06/30/deubranco-no-trabalho-para-homens/ - Acessado em 18/03/2011/ (Figura, 02) Desenho com exemplo livre. 69 arredondadas, horizontalidade vs. verticalidade etc. (1984, p. 2836) Vejamos abaixo exemplos das três categorias aplicadas em histórias em quadrinhos: Categoria topológica: Figura 29 – Homem Aranha Figura 30 – Capitão América A figura 29 apresenta o personagem “Homem-Aranha” em um plano de enquadramento inferior (debaixo para cima) que favorece a dimensão da cidade e dos prédios nos quais o herói salta eximindo qualquer possível sentimento de medo. A figura 30 apresenta o personagem “Capitão América” em um plano de enquadramento superior (de cima para baixo) que engrandece a máquina de raio supersônico e inferioriza o herói deixando-o vulnerável ao tratamento científico. Categoria cromática: Figura 31 – Superman Figura 32 – Mulher Maravilha Figura 33 - Stargirl 70 Figura 34 – Bandeira dos Estados Unidos da América As figuras 31, 32 e 33 trazem super-heróis americanos (Super-Homem, Mulher Maravilha e Stargirl) cujos uniformes são confeccionados seguindo as cores da bandeira dos Estados Unidos da América (figura 34). vermelho e azul. Além das cores nos trajes dos super-heróis representarem o patriotismo estadunidense, o vermelho e o azul são cores opositoras. Guimarães (2000) apresenta o vermelho como agressivo e o azul como tranquilo. A agressividade do vermelho estaria ligada às batalhas, às conquistas, à revolução. Enquanto o azul sugere a paz, o descanso, o infinito. Categoria eidética: Figura 35 – Tirinha independente 71 Figura 36 – Capa da revista “Homem Borracha” Como categoria eidética, a figura 35 apresenta um casal heterossexual aonde os traços utilizados para desenhar cada um dos personagens expressam a sensualidade e fragilidade da mulher e a virilidade e força do homem. O personagem masculino, na figura, possui formas quadradas visíveis nos ombros, braços e o rosto que contrastam com os traços da personagem feminina, cujos ombros, braços e o rosto são de formas arredondadas. A figura 36 traz a capa da revista em quadrinhos do “Homem Borracha”. A elasticidade do personagem ao esticar o braço para fora do quadro fazendo uma curva contrasta com os demais elementos da imagem que são, na maioria, formados por linhas retas como a escadaria, o feche de luz, a placa e o quadro carregado pelo ladrão. O efeito eidético nessa figura enaltece a habilidade do herói tornando-o extraordinário. A junção das três categorias dos formantes plásticos proporciona a análise profunda do plano da expressão. Outras formas de aplicação dos formantes plásticos vão ser apresentadas no capítulo IV. 1.2. PLANO DO CONTEÚDO Se, por um lado, o plano da expressão opera no âmbito do sensível, o plano do conteúdo vem suprir o lado da razão, do inteligível, sem deixar lacunas para demais interpretações do sentido de um texto. A constatação do efeito de sentido de 72 verdade proposta pelo texto é alcançada pela geração do sentido criado por Greimas e presente dentro da forma do plano do conteúdo, chamado de percurso gerativo do sentido. Como o nome já define, o percurso gerativo é uma trilha, um caminho percorrido por entre elementos do enunciado, que modaliza o pesquisador, levandoo ao sentido que o enunciador propôs ao redigir, filmar, pintar ou compor seu objeto de exposição literária. Barros (2000) define a intenção do autor como “verdade”, e para o enunciatário chegar até ela, deve seguir as pistas lançadas pelo enunciador, visíveis no percurso gerativo: (...) o enunciador determina como o enunciatário deve interpretar o discurso, deve ler ‘a verdade’. O enunciador constrói no discurso todo um dispositivo veridictório, espalha marcas que devem ser encontradas e interpretadas pelo enunciatário. (BARROS, 2000, p. 63). O objetivo da semiótica é, através de sua aplicação, desvendar o sentido de um texto, o que ele diz, e como ele faz para dizer o que diz, na dualidade, de acordo com as quatro características da teoria semiótica do texto apresentadas por Barros: a) construir métodos e técnicas adequadas de análise interna, procurando chegar ao sujeito por meio do texto; b) propor uma análise imanente (externa), ao reconhecer o objeto textual como uma máscara, sob a qual é preciso procurar as leis que regem o discurso. c) considerar o trabalho de construção do sentido, da imanência à aparência, como percurso gerativo, que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto, em que cada nível de profundidade é passível de descrições autônomas; d) entender o percurso gerativo como um percurso do conteúdo, independente da manifestação, lingüística ou não, e anterior a ela. (BARROS, 1988, p. 13) Por trabalhar com o signo verbal e o signo visual, a semiótica greimasiana pode ter como objeto de estudo não apenas o texto verbal, mas também o texto gestual ou visual, passando a ser assim um texto sincrético. Floch (apud Hernandes, 2001) definiu assim o sincretismo semiótico: “As semióticas sincréticas se caracterizam pela aplicação de várias linguagens de manifestação” (HERNANDES, 2001. p. 33). Assim, o objeto de análise desta monografia (história em quadrinhos) é caracterizado como texto sincrético, pois possui linguagem visual e verbal. A obtenção do poder de crer ou negar a verdade de um texto, de um discurso é alcançada utilizando o percurso gerativo no seu plano do conteúdo e/ou da 73 expressão por via dos formantes. Pela semiótica greimasiana, o percurso gerativo é dividido em três níveis: o fundamental, o narrativo e o discursivo. Os três níveis podem ser analisados individualmente, mas o sentido do texto só é formado ao mesclar as conclusões obtidas em cada estágio da análise. 1.2.1. O NÍVEL FUNDAMENTAL Dos três níveis que formam o percurso gerativo, o nível fundamental é o que possui aspectos mais simples, mas não menos importantes. Sua semântica é o ponto inicial da geração do discurso. Pela semiótica greimasiana, todo texto, verbal ou não-verbal, tem início com a contraposição, em outras palavras, no preceito de ação e reação, bem e o mal, positivo e negativo. Para Greimas (apud Barros, 1988), este estágio do enunciado é um ato primitivo do raciocínio humano ao externar suas ideias: Trata-se de uma categoria “primitiva”, dita também proprioceptiva, com a qual se procura formular, muito sumariamente, o modo como todo ser vivo, inscrito em um contexto “se sente” e reage a seu meio, considerado o ser vivo como “um sistema de atrações e repulsões”. (1988, p. 24). As duas forças que regem as ações humanas são chamadas na linguagem da teoria semiótica no nível fundamental de “euforia” e “disforia”. Elementos exatamente opostos, euforia e disforia são capazes de dar o primeiro passo a uma compreensão contextual. Ao expor um lado de determinado assunto, mesmo que o outro não seja citado, este está presente nas entrelinhas do enunciado. “Euforia é a relação de conformidade do ser vivo com o meio ambiente, e disforia, sua não-conformidade” (Barros, 1988, p. 24). Para Fiorin (2006), o nível fundamental é a caixa de ferramentas que abriga categorias semânticas, alicerces de um discurso. É no nível fundamental do percurso gerativo que aparece a figura do quadrado semiótico. Este item é necessário em uma análise semiótica, pois torna claro os valores que se opõem em um texto. Vejamos um exemplo livre22 abaixo: 22 Entenda como “exemplo livre” demonstração criada espontaneamente para fins de ilustração sem referências autorais. 74 Forte X Fraco Ao montar o quadrado semiótico, ou seja, a semântica fundamental deve-se levar em conta os princípios de euforia e disforia que estão em acordo com o que aborda o texto e não os valores de euforia e disforia do enunciatário. As oposições da semântica fundamental são os patamares da sintaxe fundamental. Nesta etapa, os valores se confrontam ao longo do discurso. O percurso feito desta vez pelos termos nega os aspectos de disforia sob duas operações. “As operações são de dois tipos: a negação e a asserção (...). As operações realizadas no quadrado semiótico negam um conteúdo e afirmam outro”. Vejamos o exemplo livre: Forte Fraco X Não-fraco Não-forte De acordo com Barros (1988), a aplicação do quadrado semiótico é universal a todos os objetos ou temas. 1.2.2. O NÍVEL NARRATIVO Com o cenário de uma trama montado com a aplicação do quadrado semiótico, o enunciado entra em sua segunda etapa de formação. Nessa nova fase, chamada de nível narrativo são conhecidos os actantes da ação; sujeito, objeto, destinador e destinatário. Chamada pelos estudiosos da área de “o grande espetáculo”, o nível narrativo busca mostrar a relação do sujeito da história com o ambiente em que ela se desenvolve. Assim como no nível fundamental, a parte narrativa possui sintaxe e semântica em seus estágios. A sintaxe narrativa deve ser pensada como um espetáculo que simula o fazer do homem que transforma o mundo. Para entender a organização narrativa de um texto, é preciso, portanto, descrever o espetáculo, determinar seus participantes e o papel que representam na historiazinha simulada (BARROS, 2000, p. 16). 75 Uma vez identificado o sujeito do texto, o ser, humano ou não, protagonista do enredo, inicia-se a primeira etapa da sintaxe marcada pelo enunciado de estado do sujeito com o objeto (entende-se como objeto o assunto a que o sujeito do discurso interage na trama). O enunciado de estado pode ser entendido como a aproximação do sujeito com o objeto ou o contrário, pelo afastamento do protagonista com o objeto. Estas duas ações opostas são tratadas no nível narrativo do percurso gerativo como conjunção e disjunção. De maneira simples de serem compreendidas, conjunção e disjunção são exatamente o que querem dizer. A primeira une o sujeito com o objeto por via de relação de valores que um tem para com o outro. O estado do sujeito com seu objeto-valor na forma positiva (conjunção) possibilita as ações favoráveis de felicidade física (bens materiais) ou abstrata (amor, paz). A segunda afasta o sujeito de seu objeto, mas não pela ausência de relação entre ambos, e sim de uma maneira negativa às ações favoráveis da conjunção, tanto em estado físico (pobreza) quanto em estado abstrato (solidão, tristeza). A disjunção do enunciado de estado se caracteriza, na maioria das vezes, pela perda dos objetos-valores da conjunção. A segunda etapa da sintaxe narrativa do discurso determina o estado de fazer do sujeito. Neste estágio da análise, são encontrados os elementos que unem o sujeito do enunciado de estado aos seus valores de conjunção e disjunção. Os itens que adotam o papel de ponte entre o sujeito e seus valores dependem das palavras empregadas no discurso, geralmente em apenas uma linha. O exemplo livre seguinte aborda em primeira instância um caso de enunciado de fazer e posteriormente um enunciado de estado: Enunciado de estado: “Há 40 anos o homem estudava a Lua a partir da Terra”. Enunciado de fazer: “Cem anos depois a Lua virou moradia do homem”. Na primeira frase, o sujeito “Homem” mantém relação com seu objeto-valor, a “Lua”, em estágio de conjunção no enunciado de estado por via dos estudos. Em seguida, os “estudos” transformam a relação do sujeito “Homem” com a “Lua”, 76 gerando o enunciado de fazer. Há uma mudança de estado, onde a “Lua virou moradia do homem” que deixa, assim, de admirá-la de longe. As duas frases ainda podem ser transformadas em enunciado de estado e de fazer com características de disjunção. Vejamos: Enunciado de estado com disjunção: “Há 40 anos o homem tentou conquistar a Lua”. Enunciado de fazer com disjunção: “Cem anos depois a Lua explodiu sobre o homem”. Ambos os estágios do enunciado, tanto estado quanto fazer tornam a trama rica e podem ser definidos por competência, sanção, performance e manipulação, como define Fiorin (2006). Nas frases trazidas como exemplo, há os elementos de estado e fazer ligados pela competência e sanção: “O homem ‘conquistou’ a Lua”. A conquista do objeto “Lua” se deu pela competência do sujeito “Homem”. No enunciado de fazer temos: “A lua ‘virou’ moradia do homem”. Após sua conquista, a competência do “Homem” foi aprovada, sancionada, com a transformação do satélite natural “Lua” como novo lar. Com o fim da sintaxe, a semântica do nível narrativo vem à tona para separar os valores destinados aos objetos, distinguindo-os entre modais e de valor. A semântica ainda desenvolve o papel de ser a primeira parte da análise do percurso gerativo do sentido a ter conclusões das entre linhas, ou seja, de mostrar o primeiro indício de mensagens não escritas no discurso. No estágio de valores modais, é desvendada a performance dos enunciados de estado e fazer e são encontrados com os questionamentos de querer, dever, poder e saber. O sentido de verdade das frases acima apresentadas pode destrinchar os elementos necessários para a análise semântica do contexto com as seguintes conclusões: O Querer: O desejo do “Homem” é o de deixar a Terra e morar na “Lua”. Desejo de tempos que é constatado com a passagem retroativa de tempo de “Há 40 anos”. 77 O Dever: O dever do “Homem” é encontrar alternativa para salvar as futuras gerações com a destruição do planeta “Terra” expresso pela passagem futurista de “Cem anos depois”. O Poder: O poder do “Homem” é ser o único animal racional do planeta, logo pode estudar os animais, os astros e a si mesmo. O poder do sujeito “Homem” é expresso pelo “conquistou a Lua”, objeto há mais de 365 mil quilômetros de distância de seu habitat. O Saber: O saber do sujeito “Homem” em relação a uma alternativa para o futuro é comprovado com o êxito de sua ação. “A Lua virou moradia do homem”. Os objetos de valores unem-se com os objetos de valores do enunciado de estado e de fazer nas formas conjuntivas e disjuntivas. Exemplo: Terra: objeto de valor que traz o descontentamento do “Homem” com o local onde vive. Lua: objeto de valor que traz o contentamento do “Homem” como futura moradia. A noção de conjunção/disjunção, estado/fazer são os elementos que compõem em resumo, o foco do nível narrativo do texto, primeira instância para a construção de um programa narrativo onde as transformações dos valores do sujeito são empregados no corpo da narração, o roteiro do espetáculo que é o nível narrativo. 1.2.3. O NÍVEL DISCURSIVO Além de ser o final do diagnóstico, o nível discursivo opera sobre as categorias de pessoa, espaço e tempo. A fase discursiva também vai apresentar sintaxe e semântica próprias. Com a conclusão do percurso gerativo do sentido, tendo visto seu último nível, é possível revelar em que condições um texto foi escrito. Esta condição diz respeito ao propósito do autor que, dentre os incontáveis motivos, pode abranger críticas sociais, espirituais, autoestima etc. “(...) os dispositivos empregados na 78 produção do discurso servem também de meios de persuasão, utilizados pelo enunciador para convencer o enunciatário da ‘verdade’”. (BARROS, 2000, p. 54). As categorias semânticas de sintaxe e semântica no nível discursivo nos padrões semióticos, de acordo com Barros (2000), são estabelecidas sobre a premissa denominada desembreagem. As três categorias definem os efeitos que podem ser obtidos na sintaxe do discurso. Estes efeitos são direcionados para aproximar ou distanciar o enunciador de seu discurso e criar a realidade. A exemplo das situações citadas, a autora define o efeito de distanciamento, quando a enunciação está na terceira pessoas do singular (Ele). Esta técnica é comumente utilizada pelos meios de comunicação de massa, jornais, telejornais, revistas etc. Mas, também pode ser aplicada nas histórias em quadrinhos. Vejamos: Figura 37 - Salomão Ventura – Caçador de lendas O narrador da HQ acima conta a história do indivíduo utilizando a terceira pessoa do singular: “Seu único alívio é usar sua telepatia para ‘emprestar’ seu sofrimento a terceiros... conter-se seria puro... cinismo”. Sendo assim, o efeito de aproximação do enunciador com seu texto é obtido através do uso da primeira pessoa do singular (Eu). Este recurso é mais corriqueiro em ambos casos, o distanciamento e aproximação caminham ao lado da realidade, que, frequentemente, é mais creditada quando em primeira pessoa nos casos de reportagens especiais. Ainda sobre o exemplo dos textos jornalísticos, é comum dar 79 voz a personagens de carne e osso, por via de declarações dos entrevistados transcritas em discurso direto. Nas HQs o recurso também é utilizado. Figura 38 – A Corporação Na figura acima, o sujeito da ação é também o narrador da trama, descrevendo suas atitudes e sentimentos em primeira pessoa: “Quando tentei cair fora desse mundinho projetado de mentiras caíram em cima de mim como moscas em cima de merda. Acho que não existem mais moscas nos ambientes assépticos das estações”. As pessoas demonstradas acima (terceira e primeira) fazem parte da primeira categoria da sintaxe do discurso. A primeira pessoa (Eu) é notada no texto sob o nome de desembreagem enunciativa, ação que equivale à voz do autor, ou de um narrador, ou de um personagem23. O espaço, como segunda categoria da desembreagem, pode ser visto como físico ou simulacro. O espaço físico é compreendido, segundo Fiorin (2006), como os ambientes em que o enunciador, na figura do sujeito, tem acesso em corpo ou menciona o “tu” tendo este acesso sem perder a ilusão ou não de realidade. Se o leitor reconhecer ou acreditar nos locais presentes no discurso, o fato torna-se verídico ou a notícia verdadeira. Vejamos o exemplo nos quadrinhos. 23 Há casos em que mesmo a terceira pessoa (Ele) pode falar em primeira pessoa (Eu). Fiorin (2006) denomina este estilo como desembreagem interna, ou seja, quando o autor, dá voz ao (Tu) em discurso direto. 80 Figura 39 – A Corporação A figura 39 apresenta em seu rodapé uma nota do editor que traz uma informação sobre a localidade do Arquipélago das Malvinas e suas atuais condições ambientais: “Nota do editor: com a altura média de 23 metros acima do nível do mar, ambientalistas estimam que o Arquipélago das Malvinas desapareça com o aumento do nível do oceano provocado pelo aquecimento global”. A informação transmite ao leitor um fato verídico que o faz se envolver com os aspectos espaciais da trama. A última categoria é a do tempo. O tempo e o espaço são encontrados próximos um do outro. Na análise do discurso, o tempo é representado de várias formas, seja como contagem propriamente dita, exemplo livre: “Já passavam das duas horas da manhã”. Ou pela noção de idade dos personagens da história. Este recurso também possui maior relevância nos textos jornalísticos que com a menção da idade dos entrevistados, proporciona um efeito de veracidade no texto, efeito este que deve ser o principal intuito do enunciado. Ainda sobre o tempo, este é dividido em duas fases, concomitância e não concomitância. A primeira refere-se ao presente e a segunda, ao passado ou futuro. Estas marcas geralmente são representadas pelas conjugações verbais. A exemplo em quadrinhos temos: 81 Figura 40 - Penitente A narração da figura 40 apresenta o tempo na fase de concomitância, ou seja, no presente: “Ao fundo, apenas um relâmpago e a cidade de Nova Virtude ilumina o horizonte escuro. Estamos na zona rural, mais precisamente em uma fazenda aparentemente abandonada”. A fase de concomitância é percebida pela conjugação verbal. A figura abaixo aborda a não concomitância do presente: Figura 41 – Cabala – Dormir, talvez sonhar Com os verbos no pretérito, o narrador aborda acontecimentos já ocorridos: “Às 9:10 um dragão surgiu no aeroporto do Rio de Janeiro, o alienígena conhecido como crânio conseguiu vencer a criatura e evitar, assim, estragos ainda maiores”. Depois de vistas as categorias que determinam a sintaxe discursiva, chega a vez de comentar os elementos da semântica do último nível de análise do percurso gerativo. Os valores atribuídos ao sujeito são dispostos em procedimentos semânticos denominados tematização e figurativização. 82 Um enunciado pode ter vários temas e várias figuras. Os temas são representações abstratas, ou seja, que não existem fisicamente, dos valores narrativos. A tematização de um discurso é, para o texto, como o gênero, que classifica um filme em comédia, ação, terror, romance etc. Por outro lado, em um enunciado, podem aparecer todas as classificações, ex: tristeza, revolta, carência, medo, compaixão, redenção, etc. No discurso temático são enfatizados os efeitos da enunciação, vistos na sintaxe discursiva da categoria pessoa de aproximação subjetiva ou de distanciamento objetivo do enunciador com sua narrativa. Se a tematização semântica é abstrata, a figurativização é concreta e possível de ser sentida pelo sujeito. O poder ser e fazer a sensação proporcionada pela figurativização da semântica discursiva ilustra os itens da tematização. O esboço do mundo criado pelo enunciador para convencer seu receptor de sua verdade pode aparecer em um discurso sob a forma de elementos visíveis ou invisíveis, mas que não deixam de ser físicos. Tomemos como exemplo a figurativização do tema “satisfação”. Satisfação pode ser ilustrada livremente em um enunciado como “bebi dois copos de água seguidos” (visível) ou “ele dormiu tranquilamente com o bom comportamento da filha” (invisível). No primeiro caso, a satisfação foi figurativizada com a ingestão do líquido “água”, que saciou a sede do indivíduo. No segundo exemplo, a satisfação foi ilustrada com o “bom comportamento da filha”, que lhe proporcionou um sono agradável, tendo assim a satisfação como sentimento interno do sujeito, sentimento invisível. A partir do conhecimento dos temas e figuras da semântica discursiva, obtémse a coerência textual; no entanto, de acordo com Barros (2000), a coerência textual não é só obtida no nível discursivo, mas desde o princípio do percurso gerativo do sentido. Os fatores de coerência do texto situam-se em níveis diferentes de descrição e explicação do discurso. A coerência narrativa localiza-se no nível das estruturas narrativas; a coerência argumentativa e a coerência das isotopias, no nível das estruturas discursivas. (BARROS, 2000, p. 73). Apesar de proporem análises distintas, o plano da expressão quanto do conteúdo podem possuir linguagens que mesclem os dois planos, este tipo de ação é chamado de sistema simbólico e semi-simbólico. Um exemplo simbólico liga cada 83 categoria do plano da expressão a uma do plano do conteúdo, e o objeto de análise não possibilita a separação entre os dois planos. Os hieróglifos do Antigo Egito são considerados sistemas simbólicos. Já um exemplo de sistema semi-simbólico são as artes plásticas, conforme definidos por Hjelmslev, onde os formantes plásticos do plano da expressão possuem significação de oposição, como ocorre no plano do conteúdo. As demais linguagens que não possuem ligação entre expressão e conteúdo são chamadas de sistemas semióticos. Com o percurso gerativo do sentido, proposto pela semiótica greimasiana, qualquer representação do pensamento humano pode ser analisado e dissecado, comprovando a verdade do enunciador que não é imparcial nem tão pouco original, uma vez que é inspirada em inúmeros contextos sócio-históricos. 84 CAPÍTULO IV A ANÁLISE SEMIÓTICA 1. A SAGA Como esboçado no capítulo anterior, a teoria semiótica do texto traz à tona a mensagem do enunciador, ou seja, do autor do texto. Sabe-se que toda e qualquer linguagem é formada por dois planos, a saber: plano da expressão e plano do conteúdo. Esta conclusão é obtida através da reinterpretação de Hjelmslev do signo saussuriano, de caráter linguístico, cujo conceito de signo é ampliado para todas as formas de linguagem. Tendo como base esta teoria, o capítulo vai apresentar uma análise semiótica, passando pelos três níveis do percurso gerativo do sentido, fundamental, narrativo e discursivo e plano da expressão, de uma das sagas das histórias em quadrinhos dos X-Men, publicada em 2009, chamada “Complexo de Messias”. O objetivo deste estudo é buscar os elementos do enunciado24 que possam vir a indicar um discurso metafórico de combate ao preconceito com relação às diversidades do comportamento humano por via das atitudes dos personagens da HQ em questão, que lutam para serem aceitos na sociedade da maneira que são, da maneira como nasceram. O fator “preconceito” que os X-Men se propõem abordar pode ser entendido como reflexo de qualquer grupo minoritário da atualidade discriminado (negros, religiosos, deficientes físicos, estrangeiros, homossexuais, etc). O raciocínio pode ser obtido ao averiguar o principal confronto das sagas dos X-Men, a incansável busca de uma cura para a condição mutante. A análise a seguir consiste em trechos dos balões de falas e quadrinhos como um todo retirados dos 13 capítulos de que é composta a saga Complexa de Messias. Os quadrinhos foram selecionados tendo em vista suas peculiaridades com o que é proposto na teoria semiótica greimasiana, onde se destacam cores, formas, angulações e expressões da escrita. 24 Enunciado = Texto, obra, figura, etc.; Enunciador = Autor, escritor, pintor, etc.; Enunciatário = Receptor, leitor, espectador, etc. 85 2. ANÁLISE DO CONTEÚDO O primeiro capítulo da saga “Complexo de Messias” inicia com os X-Men a bordo do Pássaro Negro, avião a jato usado pela equipe para locomoção. Dentro do jato estão Wolverine, Ciclope, Emma Frost, Noturno e Anjo. O grupo se dirige para uma região do Alasca chamada Cooperstown, onde teria acontecido um evento misterioso que foi detectado, horas antes, pelo mentor do grupo, Professor X e que, provavelmente, teve a participação de um mutante. Ao chegar em Cooperstown, os X-Men deparam-se com um cenário de destruição. Toda a pequena cidade está em chamas, parece não ter havido sobreviventes. Aos poucos os heróis vão caminhando pelo local e chegam à conclusão de que não foi um acidente, e sim uma batalha. Corpos de membros do grupo humano antimutante, os “Purificadores”, e assassinos mutantes extremistas, os “Carrascos”, são encontrados por toda parte. De repente, uma mulher vem na direção de Emma Frost segurando uma criança queimada nos braços, pedindo ajuda. Por ter o poder de ler mentes, Emma toca no rosto da mulher para ver suas lembranças e descobrir o que teria acontecido no local. Ela descobre que houve uma batalha entre Purificadores e Carrascos que disputavam a posse de uma criança. Mentalmente, Emma se comunica com Anjo e lhe pede para visitar o hospital local, dizendo: “Isto não foi uma manifestação adolescente... mas um nascimento mutante”. Na frase de Emma Frost, é possível identificar os semas eufóricos que marcam as palavras “manifestação” e “nascimento”. A contraposição de uma com a outra refere-se ao que é costumeiro e ao que é extraordinário. A “manifestação adolescente” é algo previsível pelos mutantes, pois a maioria desenvolve habilidades sobre humanas, despertadas pelo gene X nesta fase da vida. A manifestação de poderes mutantes em adolescentes remete à puberdade25 dos humanos que também sofrem alterações em seus corpos, adequando-os à fase adulta, como 25 A puberdade é um período em que ocorrem mudanças biológicas e fisiológicas, é neste período que o corpo torna-se maduro e os “adolescentes” ficam capacitados para gerar filhos. As principais características das mudanças são: surgimento de pêlos nos púbis, nas axilas e no peito; aumento dos testículos e do pênis; crescimento da barba; voz grossa; ombros mais largos; aumento da massa muscular; início da produção de espermatozóides; menstruação e aumento dos seus. Disponível em: http://sexualidade.netsaber.com.br/index.php?c=178 – Acessado em 25/07/2011. 86 mudança da voz, desenvolvimento do sistema reprodutor e, ainda, a descoberta de sua orientação sexual, que se torna clara em sua pré-adolescência impulsionada pelos hormônios. A conclusão de que o evento que devastou a cidade foi um nascimento mutante é tão incomum para o universo de X-Men quanto uma criança nascer formada biologicamente pronta para a fase adulta na vida real. O “costumeiro” e o “extraordinário” presentes nesta cena do enunciado marcam a contraposição a que se refere os X-Men, ou seja, as diferenças entre humanos e mutantes. Logo adiante na trama, os X-Men, a bordo do Pássaro Negro e a caminho do Instituto Xavier Para Jovens Superdotados, discutem a situação em Cooperstown. Wolverine então diz: “A gente devia ter trazido os corpos dos carrascos. Vão culpar os mutantes por isso... não os purificadores”. Ciclope responde: “Os sobreviventes vão lembrar que os levamos pra um local seguro”. Wolverine conclui: “Cê tá ligado que não é bem por ai, magrão”. O diálogo entre Wolverine e Ciclope apresenta os mutantes em um estado inicial de “culpa”, visto que a sociedade irá acusar os mutantes pelas mortes assim que encontrar os corpos dos purificadores. Assim começa o esboço do programa narrativo (PN) de base do enunciado: os mutantes representam o sujeito de busca-destinatário, que tenta entrar em conjunção com o objeto valor, aqui representado pelos sobreviventes (os sobreviventes são humanos, logo possuem direitos civis, fato que é negado aos mutantes. A igualdade civil, então, passa a ser o real objeto valor de busca do sujeito). Ao referir-se a si e aos amigos como “mutantes”, Wolverine atribui ao grupo a função de sujeito de buscadestinatário e, ao mesmo tempo, destinador da narrativa, responsável por operar a transformação de estado em si mesmo no momento em que levam os sobreviventes “para um local seguro”. Apesar de não citado nas frases, o objeto modal usado pelo destinador da narrativa é o jato “Pássaro Negro”, que efetua o deslocamento dos sobreviventes (objeto valor) a um local com segurança. De volta à história, ao chegarem no Instituto Xavier, os X-Men tentam desvendar quem teria levado a criança que nasceu em Cooperstown e o que representa o nascimento da mesma para os mutantes, já que foi o primeiro nascimento de um novo ser portador do gene X após o “Dia M” (ver capítulo I). Em 87 reunião, Ciclope pede que Rictor (um ex-mutante) se infiltre na igreja, onde se reúnem os purificadores a fim de descobrir se o bebê está com eles. Rictor, usando o nome falso de Joaquim, consegue ganhar a confiança dos purificadores reunidos dentro da igreja do reverendo William Stryker 26, em Washington D.C. e, além de descobrir que o grupo de fanáticos antimutantes não está com a criança, ouve quais os próximos planos para capturá-la. Um dos purificadores orienta Rictor a esperar do lado de fora da sala onde um dos líderes, chamado Jack, está passando as orientações para o restante do grupo, porém Rictor consegue escutar o discurso: Purificador – Espere aqui fora, irmão Joaquim. Volto assim que souber mais. O irmão Jack está instruindo os pastores agora. Irmão Jack – (...) De qualquer forma, nossa prioridade máxima é localizar e executar o Anticristo. Temos purificadores em cada cidade num raio de 150 quilômetros de Cooperstown. A contraposição de humano x não-humano; mutante x não-mutante, presente no sentido geral de X-Men, ganha aspecto religioso nas frases acima ditas pelos purificadores. O quadrado semiótico passa a ser composto pelo termo eufórico “bem” (valor abstrato para a figura discursiva “irmão”) e o disfórico “mal” (valor abstrato para a figura discursiva “Anticristo”). O sujeito (os purificadores) busca alcançar seu objeto-valor (Anticristo) que está em estado de disjunção consigo por ir contra as suas crenças extremistas27. Por sua vez, o sujeito busca ligar-se ao seu objeto-valor em enunciado de fazer disjuntivo com competência (localizar) e sanção (executar). Os valores modais das frases ainda desvendam as performances dos enunciados de estado e fazer do sujeito. O Querer dos purificadores é localizar e executar o anticristo. O Dever do grupo fanático religioso é livrar o mundo, a qualquer custo (prioridade máxima), do anticristo, como é chamada a criança 26 William Stryker é um vilão do Universo Marvel, inimigo dos X-Men. O Reverendo Stryker é um cristão fundamentalista que se viu como o escolhido de Deus para destruir a raça mutante. – Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Stryker - Acessado em 25/07/2011. 27 A comparação da criança mutante que manifestou poderes ao nascer com a figura do anticristo representa a perseguição religiosa a que alguns grupos minoritárias da realidade (neste caso mulheres, homossexuais e negros) sofreram ou sofrem. Os movimentos feministas, sexuais e raciais que surgiram nos final dos anos 1960 entraram para o cenário das discussões e estudos de caso onde antes apenas a religião e a ciência ditavam os comportamentos. (Ver capítulo II). 88 mutante. O Poder do sujeito (purificadores) é demonstrado pelo grande número de adeptos à seita presentes (em cada cidade num raio de 150 quilômetros de Cooperstown). O Saber dos purificadores é a certeza de que a ameaça mutante vai ser capturada de algum modo. Este Saber é promulgado pela expressão “De qualquer forma”, onde se deduz que há outros planos para capturar o anticristo. Outra medida tomada pelos X-Men para encontrar o paradeiro da criança mutante (que, neste ponto da história, o leitor já sabe que o bebê está com o mutante rebelde Cable que veio do futuro e pretende voltar com ela) é enviar uma cópia do mutante Jamie Madrox, conhecido como “Homem Múltiplo” pelo seu poder de gerar várias cópias de si mesmo, para o futuro a fim averiguar se ainda existem mutantes, se o nascimento da criança realmente representa uma nova esperança para os portadores do gene X. Jamie Madrox chega à cidade de Nova York oitenta anos no futuro. O cenário que encontra é o de uma cidade sitiada, onde mutantes são mantidos em campos de concentração, sem direitos civis e em condições subumanas. Disposto a entender o que teria ocorrido para que o mundo se tornasse intolerável com a causa mutante, Madrox imobiliza e interroga um dos guardas do campo de concentração. Jamie Madrox - Vamos fingir que eu sou novo no pedaço. Fica difícil me atualizar se ninguém fala ou escreve sobre mutantes. Guarda do campo de concentração – É assunto proibido. O governo monitora todas as comunicações faladas ou escritas e parte pra cima de qualquer um que mencione mutantes. Depois, apaga as referências. O deslocamento temporal a que Jamie Madrox foi submetido gera elementos da sintaxe discursiva. Para que o enunciatário reconheça o ambiente em que esta fase do enunciado irá se passar, é utilizada a noção de desembreagem espacial física e simulada. Ao chegar na cidade de Nova York, o leitor é informado que o ambiente retratado se trata desta cidade com a frase “Nova York... Daqui a oitenta anos”. Em seguida, para melhor localizar o enunciatário, o enredo particulariza um local de Nova York: “Brooklyn, Nova York. Baia Sheepshead. /físico/. Campo de 89 recolocação mutante. /simulacro/”. Na citação, a não concomitância do tempo, ou seja, a referência ao futuro é nítida; “Daqui a oitenta anos”. Jamie Madrox, ao indagar o guarda do campo de concentração, faz uso dos três elementos da sintaxe discursiva; pessoa, espaço e tempo. O mutante representa o enunciatário, que busca entender o que está acontecendo neste futuro desolador. O discurso direto, ao contrário das frases de localização já analisadas, usa a primeira pessoa do singular; “Vamos fingir que /EU/ sou”. O espaço vem logo adiante com o uso da gíria “PEDAÇO” para designar o ambiente já apresentado ao leitor. O tempo está presente pelo termo “ATUALIZAR”, que se refere a uma significativa passagem de tempo. Mais uma vez fica evidente a contraposição semântica de humanos x mutantes sob a qual o enunciado é construído. O termo “ninguém” da frase de Jamie Madrox contrapõe o termo “mutantes”, indicando duas classes de seres em conflito compreendidas pela sintaxe humano x não-humano; mutante x não-mutante. Nesta parte da história, é construído um enredo figurativizado pela política repreensiva em que se encontra a cidade de Nova York. Não há respeito de classes, o toque de recolher é instaurado e soldados monitoram todas as ações dos civis ininterruptamente. Madrox representa o sujeito de busca-destinatário que marca o PN do início do enunciado representado pela classe mutante. O guarda do campo de concentração também desenvolve o mesmo papel do começo do nível narrativo sendo o objeto valor (humano) com o qual o sujeito (mutante) busca entrar em conjunção. Apesar de ser o objeto valor com quem o sujeito pretende entrar em conjunção, o guarda do campo de concentração, no momento do diálogo com Jamie Madrox, está em um estado de disjunção com o sujeito. Afinal, os seres humanos é quem estão repreendendo mutantes, impedindo-os de conviverem pacificamente. A disjunção é tematizada pelo “medo” do tema mutante (É assunto proibido), pela “não-privacidade” (governo monitora todas as comunicações faladas ou escritas), pela “força” (parte pra cima de qualquer um que mencione mutantes) e pela “ocultação” (Depois, apaga as referências). Depois de saber que, no futuro, mutantes vivem em campos de concentração, Madrox é surpreendido por outros guardas que detectam que ele é um mutante por 90 via de um rápido exame com leitura corporal feito por uma máquina portátil. Algemado, Madrox tem a cabeça raspada e marcado com a letra “M” sobre seu olho direito. Em seguida, é levado para dentro do campo. Detido, ele conhece um garoto mutante, cuja idade não é revelada. Jamie descobre que o menino é, na verdade, Lucas Bishop28, um velho conhecido seu. Longe dos guardas, Madrox pergunta para Bishop o que teria ocorrido para que o Governo decidisse retirar os poucos direitos que os mutantes tinham e os trancafiarem nos campos: Jamie Madrox - Sinto muito, Lucas, mas preciso falar com você. Há coisas que preciso saber. Lucas Bishop – Ninguém aqui sabe de nada e ninguém confia em ninguém! Quanto antes aprender, melhor. Jamie Madrox – Sei que passou por muita coisa, mas realmente preciso saber o que causou isso. Quem causou isso. Lucas Bishop – Quase oitenta anos atrás, quase todas as aberrações do destino (é a forma com que Lucas se refere aos mutantes, ou seja, a si mesmo) sumiram. Foi chamada de “A grande escuridão”, e tudo teria ficado bem se tivesse ficado assim. Mas não, as aberrações do destino continuaram adiante e outro mutante apareceu. O messias mutante. As coisas pareciam ótimas para os mutantes então. Jamie Madrox – Mas sem o “messias”, os mutantes não existiriam mais. Você nunca teria... Lucas Bishop – Nunca o quê? Teria nascido em um campo? Teria visto meus pais morrerem? Nunca... Mas não, o messias apareceu e tudo ficou bem! Ninguém viu problema com o nascimento de mutantes, até o messias matar um milhão de humanos. Jamie Madrox – O que? Lucas Bishop – Isso aí, queria que o messias nunca tivesse nascido. Ouvi dizer que algumas pessoas tentaram matá-la quando ela nasceu. Queria que 28 Bishop vem de um futuro alternativo, onde era um oficial da Força de Segurança X, um corpo policial responsável pelo monitoramento de mutantes. Veio parar na linha de tempo padrão do Universo Marvel quando perseguia o criminoso Trevor Fitzroy. Uma vez nele, teve dificuldade em se adaptar em um mundo em que os XMen (seus ídolos e inspiradores) ainda estavam vivos e no qual seus métodos violentos de manter a lei não eram bem vistos. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Bishop - Acessado em 27/07/2011. 91 tivessem conseguido. Gostaria que alguém tivesse. Gostaria que eu pudesse. Gostaria que meus pais não tivessem morrido. Dando sequência ao enredo figurativizado do severo futuro, o enunciado apresenta um outro sujeito de busca-destinatário, além de Jamie Madrox, Lucas Bishop. Particularizando o estado disjuntivo do sujeito oculto “mutantes”, Bishop representa as pessoas portadoras do gene X que vivem nos campos de concentração; “Ninguém aqui sabe de nada e ninguém confia em ninguém! Quanto antes aprender, melhor”. Ele é marcado pela tematização do “CONHECIMENTO” onde sabe o que ocorreu no passado. Ao mesmo tempo Lucas, como sujeito de busca-destinatário, representa a “INFELICIDADE” de viver em um campo de concentração; “Nunca o quê? Teria nascido em um campo? Teria visto meus pais morrerem? Nunca...”. O sujeito também gera a “REVOLTA” e a “CARÊNCIA” de quem sabe que o futuro poderia ter sido outro onde seus pais estariam vivos; “Isso aí, queria que o messias nunca tivesse nascido. Ouvi dizer que algumas pessoas tentaram matá-la quando ela nasceu. Queria que tivessem conseguido. Gostaria que alguém tivesse. Gostaria que eu pudesse. Gostaria que meus pais não tivessem morrido”. O relato de Lucas Bishop, que está em um estado de disjunção com seu objeto valor (direitos civis como os humanos), marca também o nível fundamental do início da história. Depois de descobrir o que a criança nascida em Cooperstown irá fazer no futuro, Jamie Madrox, que na verdade é uma cópia do original que ficou no presente, se suicida com a detonação de uma granada roubada de um dos guardas. Tudo o que a cópia de Madrox enviada para o futuro descobriu é automaticamente repassado para o original. Consciente, ele alerta os demais X-Men que Lucas Bishop é uma ameaça à segurança da criança, mas é tarde demais. Em uma batalha sangrenta, os X-Men protegem Cable de Lucas Bishop para que ele fuja com a criança para o futuro. No momento em que Cable está cruzando o portal para o futuro, Lucas, em uma atitude desesperada, atira em Cable, mas erra os disparos e um deles atinge a cabeça de Charles Xavier, o mutante telepata, exlíder dos X-Men, encerrando assim a saga “Complexo de Messias”. 92 3. ANÁLISE DA EXPRESSÃO Os semas que marcam as contraposições de X-Men entre humanos e mutantes expressas no Plano do Conteúdo são reforçados com a análise do Plano da Expressão, cujos elementos apontam as relações semi-simbólicas entre imagem e texto. As imagens abaixo ilustram a trama “Complexo de Messias”, apresentando aspectos importantes para a compreensão do sentido semiótico. Figura 42 Os dois quadros acima representam a chegada dos X-Men à cidade de Cooperstown, onde encontram um cenário de destruição e pessoas feridas. As disposições cromáticas saltam aos olhos com as cores quentes (amarelo e vermelho) representando o fogo, o caos. Na concepção de Guimarães (2000) o vermelho e suas variações geram um efeito agressivo que faz vir à tona os sentimentos primários do ser humano como o instinto de sobrevivência. É uma agressividade de caráter hipolingual, ou seja, dos códigos primários, biofísicos, que somados à identificação da cor com o elemento mitológico fogo, como a cor da proibição, do não poder tocar (porque queima), e com a cor do sangue, da violência. (Guimarães, 2000, p. 144). 93 Em meio a este ambiente, a tonalidade fria das vestes de Emma Frost se destaca. O branco que a personagem costuma utilizar aponta a pureza em meio às cores fortes. Esse contraste de cores atribui à Emma uma figura angelical em meio ao inferno. Emma passa a representar toda a causa mutante de tentar entrar em harmonia com os humanos, no momento em que os salva. “Em oposição ao preto, o branco é a cor da vida e da paz. (...) A binaridade branco-preto é normalmente polarizada e assimétrica, atribuindo-se o valor positivo ao branco e o valor negativo ao preto” (Guimarães, 2000, p. 92). O efeito cromático das imagens torna a aparecer na cena seguinte (figura 43) quando apenas os pés de uma pessoa são vistos em primeiro plano apresentando uma silhueta negra, que também gera um efeito de orientação topológica (frente) em relação à Emma Frost e aos X-Men que estão ao fundo (atrás). Figura 43 As vestes brancas de Emma contrapõem-se a silhueta negra da pessoa que se aproxima. O fato das roupas da pessoa que se aproxima estarem rasgadas e a mesma estar descalça indica a contraposição à Emma, que aparece com roupas inteiras em cores se destacando dos outros X-Men que, assim como a mulher, são apresentadas apenas as silhuetas escurecidas. No quadro abaixo, a pessoa misteriosa que se aproxima dos mutantes é revelada como mulher, trazendo uma criança queimada nos braços. O enquadramento desta vez é mais fechado, com o plano em close (topológico), que proporciona uma carga emocional maior de sofrimento e dor dos sobreviventes do holocausto. 94 Figura 44 Os sobreviventes são levados pelos X-Men para um local seguro com o Pássaro Negro. Na figura 45, é mostrada a cena com mudança de estado das cores quentes (amarelo e vermelho) para as cores frias (azul e preto). As chamas indicam um local desagradável, de dor e destruição, onde os sobreviventes estavam. Já o cenário escuro indica um local de tranquilidade e segurança. As tonalidades do azul, segundo Guimarães (2000), indicam a higiene e a segurança, proporcionando tranquilidade e paz. Figura 45 O enunciado segue com a missão encarregada ao ex-mutante, Rictor, de se infiltrar na sede dos “Purificadores” para descobrir se o grupo está com a criança mutante. A figura 46, além de trazer por escrito a localização da sede do grupo, ainda apresenta elementos figurativos que ajudam o enunciatário a reconhecer o ambiente com o destaque do monumento Washington Monument29, símbolo de 29 É um obelisco localizado no centro do Constitution Gardens, em Washington, D.C., Estados Unidos. Foi construído como um memorial a George Washington, entre 1848 a 1885. Possui 169,7 metros de altura e é a estrutura mais alta da cidade. Quando inaugurada, tornou-se a mais alta estrutura construída pelo homem, até 1889, quando a Torre Eiffel foi inaugurada. Disponível em 95 Washington, cidade capital dos Estados Unidos. A assimetria da imagem favorece, em um primeiro instante, a visualização da igreja dos Purificadores à direita. Em um segundo momento, o vácuo deixado pela assimetria da imagem é ocupado pelo monumento de Washington. Figura 46 Na próxima imagem, (figura 47) é utilizado um foco de visão superior que retrata no primeiro quadro, os membros do grupo chegando à sede com seus veículos. No segundo, é mostrado Rictor conversando com um dos membros dos Purificadores. A estratégia topológica de posição superior serve também para transformar o leitor em um sujeito investigador da situação, exatamente como o que o personagem Rictor está fazendo no momento. Segundo Danton (2000), a angulação superior ainda inferioriza o personagem, transformando-o em um sujeito humilde, sem representar grande ameaça. Outro elemento da topologia de posição é o destaque dado aos personagens Rictor e do membro purificador, que são envoltos por um retângulo, estratégica do plano de diagramática para localizar os personagens dentro da cena carregada pelo mesmo tom de cor (cinza e preto), do ambiente e das roupas dos personagens. http://pt.wikipedia.org/wiki/Monumento_a_Washington - Acessado em 25/07/2011. 96 Figura 47 Do mesmo modo, assim como na figura 44, a imagem seguinte, (figura 48) tem um enquadramento em close, ou seja, de aproximação do rosto de Rictor em dois quadros. Figura 48 O primeiro quadro apresenta expressões faciais de Rictor desconfiado e concentrado na conversa que está ouvindo. O fundo escuro da imagem enaltece a face do ex-mutante para que o leitor se concentre em seu rosto. No segundo quadro, o foco no rosto de Rictor é maior, provocando um efeito de choque no enunciatário que, assim como o personagem, também descobre os planos dos Purificadores para a criança mutante até então desaparecida. Na concepção de Rigolin (2006, p. 67), “o enquadramento de proximidade (close-up ou close shot) mostra a cabeça e o ombro do participante representado”. 97 Diferente do quadro anterior, neste é notado também um efeito cromático de volume. Ao redor do rosto do personagem há um contorno branco que engrandece as expressões de Rictor, revelando o espanto. O contorno ainda atua como um recorte do personagem, desprendendo-o fundo negro. O close tem por finalidade maior a subjetividade de posição no enquadramento, em outras palavras, proporciona ao leitor a sensação de analisar em detalhes determinada imagem, neste caso, a expressão de espanto de Rictor. Na próxima imagem (figura 49), é retratada a cidade de Nova York oitenta anos no futuro. Figura 49 Na figura é possível identificar formantes figurativos e plásticos. Os formantes figurativos aqui (o Empire State Building30 entre os prédios é um formante figurativo que ajuda o leitor a identificar o ambiente) assumem valores de figuratividade, ou seja, uma visão poética embasada na realidade. Os edifícios que cercam o Empire State Building não existem na realidade, logo, se tratam de uma visão futurista de figuratividade. Os formantes plásticos encontrados na imagem estão organizados em níveis topológicos (a relação de dimensão entre os arranha céus em grandes, médios e pequenos aponta o progresso do futuro), eidéticos (o nível da cidade toma um formato arredondado para gera um efeito de lente grande angular que captam 30 O Empire State Building é um arranha-céu de 102 andares de estilo Art déco localizado na intersecção da 5ª Avenida com a West 34th Street na cidade Nova York. Seu nome deriva do apelido do estado de Nova York. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Empire_state_building - Acessado em 25/07/2011. 98 ângulos de até 180º) e cromáticos (o céu avermelhado sugere o limite de uma tensão, de ausência de ar puro, poluição. Os prédios com tons roxos passam uma sensação de sujeira, de conglomerado. Segundo Guimarães (2000), a cor roxa é uma cor profunda, que marca a maturidade, por isso costumeiramente é retratada para ilustrar ações de pessoas adultas. A luminosidade é opaca, não podendo distinguir se é dia ou noite. A percepção de caos é mais bem retratada na imagem seguinte (figura 50), que também possui os mesmos elementos da (figura 49), tendo desta vez a Manhattan Bridge31 (Ponte de Manhattan) como objeto figurativo e os muros do campo de concentração como figuratividade, ou seja, como elementos poéticos fictícios baseados na realidade. Os elementos apontados nas figuras 49 e 50 constroem a visão de um ambiente de sofrimento que transpassa as páginas e chega ao enunciatário da maneira proposta pelo enunciador. Figura 50 31 É uma ponte que liga os distritos de Manhattan e Brooklyn, passando sobre o Rio East, na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos da América. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ponte_de_Manhattan - Acessado em 25/07/2011. 99 Nesta etapa da narrativa, a figura abaixo (figura 51) apresenta Jamie Madrox no momento em que indaga o guarda do campo de concentração sobre a existência dos campos de concentração. Jamie usa a força para extrair do guarda as informações. Sua força pode ser sentida na imagem com a orientação topológica de ambos no lado direito do quadro, dando a sensação de deslocamento do guarda pela força de Madrox. O restante da imagem assimétrica revela outras cópias de Jamie (homem múltiplo) imobilizando os outros guardas. O deslocamento com foco no lado direito da figura oferece ao leitor ocidental32 uma familiaridade com a disposição de elementos importantes da cena que costumam se concentrar à direita. Rigolin (2006) define o lado direito de uma imagem, como o lado em que há a surpresa para o leitor. “Em conjunto com outros elementos, o lado direito parece ser a chave da informação da mensagem. O que está contido no lado esquerdo é, então, algo que já está dado ao espectador, algo que o leitor já conhece”. A figura ainda apresenta um enquadramento oblíquo, que é um exclusivo para planos horizontais. No ângulo oblíquo, segundo Kress (apud Rigolin, 2006, p. 69), o leitor não está envolvido na cena, são retratadas apenas as ações dos participantes em seu mundo. “que você está vendo aqui não faz parte do seu mundo; é o mundo deles [dos participantes representados], algo com que você não está envolvido”. Figura 51 Na imagem seguinte (figura 52), Jamie Madrox já está sendo levado pelos guardas para dentro do campo de concentração. A imagem é simétrica, com Jamie 32 “Herança da convenção de se ler e escrever o texto (ocidental) da esquerda para a direita” (Rigolin, 2006, p. 72). 100 ao centro e dois guardas, um em cada extremidade, posicionados para representar uma fortaleza humana. Esta disposição segue, assim como na figura 47, traços de orientação topológica (frente x atrás) onde a disposição dos personagens indica superioridade e inferioridade. Os guardas aparecem de rosto coberto por um capacete. A unificação da fisionomia dos guardas expressa indiferença com relação aos prisioneiros. Figura 52 A próxima sequência de imagens (figura 53) mostra o momento em que Jamie Madrox é marcado com a letra “M” sobre seu olho direito, indicando que se trata de um mutante. Todos os prisioneiros do campo de concentração recebem esta marca. Os seis quadros apontam cenas de close que vão da agulha usada para fazer a marca até os olhos do tatuador. Detalhe também pra a mão de Jamie Madrox, que aparece em um dos quadros com os dedos retorcidos. 101 Figura 53 O uso do enquadramento fechado, ou seja, o close, cria no enunciatário uma tensão maior. Este recurso é chamado por Danton (2006, p. 50) de plano detalhe, que é usado “quando você quiser algo aproximado, mas que não seja a cabeça do personagem. Uma mão, por exemplo”. A confecção da tatuagem torna-se ainda mais apreensiva com os detalhes da agulha e a concentração do tatuador. Logo, as sensações proporcionadas pelo close são, dentre outras, de medo, tensão, concentração e dor. A cor vermelha da cena mescla-se à sensação de tensão, uma vez que o vermelho causa o limite de uma situação, o desconfortável, que também é percebido nas figuras 49 e 50. A figura 53 representa a tortura a que os prisioneiros do campo de concentração estão sujeitos na narrativa. Em nível semi-simbólico, a marca dos mutantes equivale ao estigma defendido pelos estudos de gênero (ver capítulo II) como também remete ao período dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, em que os prisioneiros eram marcados com um número no braço33. Seguindo a narrativa, nota-se que, mais uma vez, o futuro é representado com tons de cores quentes, sobretudo o vermelho (figura 54). Agora temos o jovem Lucas Bishop prostrado na cerca de contenção do campo de concentração. É possível identificar a letra “M” em seu rosto e vários outros mutantes prisioneiros ao fundo, bem como os barracões dos alojamentos. A imagem é simétrica na proporção de elementos na direita e na esquerda. Já a simetria de elementos inferiores e superiores não existe. A parte de baixo da imagem é preenchida com um enquadramento próximo de Lucas Bishop, que favorece seu olhar de revolta. Esta técnica, de acordo com Danton (2006, p. 50), leva o nome de big close, e é usada para foco apenas em partes do rosto. “(...) se você quiser mostrar apenas os olhos? Use um big close. É a aproximação de alguma das pares da cabeça, seja um olho, boca, nariz ou orelha”. A parte de cima da imagem dá destaque para os elementos presentes atrás de Lucas, ou seja, os demais prisioneiros e as instalações. 33 O número no braço do prisioneiro judeu era uma forma mais simples e mais rápida de identificar quantos judeus existiam em cada campo de concentração e quais iriam morrer primeiro. Disponível em: http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110617135835AAj3BOf – Acessado em 25/07/2011. 102 Figura 54 Na sequência (figura 55), temos novamente Lucas Bishop focado em um plano de close nos olhos. Neste momento da história, é importante o close nos olhos de Lucas, pois o pequeno mutante está relatando o que teria acontecido nos últimos 80 anos para que os mutantes fossem isolados do restante da sociedade. A imagem novamente é simétrica e o ponto de olhar fixo de Lucas exprime uma concentração mental. O raio de luz, vindo da direita também define o ambiente de por do sol, voltado para a cor amarela. A simetria das figuras 54 e 55 que focam Lucas Bishop, constrói e transmite a sensação ao leitor de Lucas ser um sujeito seguro de suas ações, um sujeito sério, principalmente pela valorização de seu olhar penetrante. Figura 55 103 A revolta de Lucas, nas relações semi-simbólicas, pode ser comparada a de um sujeito militante inconformado com o tratamento desigual que recebe por ser diferente. Sujeitos com os mesmos objetivos deram início aos movimentos das minorias, tanto de gênero quanto orientação sexual e cor (ver capítulo II). (Figura 56) A última sequência de quadros (figura 56) encerra a saga Complexo de Messias. A batalha pela posse do bebê mutante culmina com a morte do Professor X, que é atingido por um tiro disparado por Lucas Bishop, já adulto. Esta cena é retratada em três quadros com a mesma imagem com a única diferença de que o afastamento da cena mostrada a cada quadro revela um novo elemento do ambiente. Esta técnica de zoom-out (distanciamento, abertura) cria uma pseudodinamicidade, produzindo uma ilusão referencial de movimento, que faz com que o enunciatário tenha a impressão de deslocamento. Por ser o final da história, o deslocamento, que distancia o leitor da cena mostrada, funciona como emergida do universo apresentado a que o mesmo mergulho no início da leitura, ou seja, o enunciatário passa do plano médio para o plano geral dentro da categoria topológica de posição do baixo para o alto. 104 Na distância média (middle distance), o objeto é mostrado por inteiro, mas sem muito espaço ao seu redor. Na distância longa de separação (long distance), uma barreira invisível se coloca entre o leitor e o objeto. Este último está disponível apenas para contemplação, como se fosse exibido em um museu ou em uma vitrine de loja (Rigolin, 2000, p. 68-69). Ao virar a página, o leitor depara-se com uma página negra, sem nenhuma imagem ou texto (figura 57). Figura 57 Como uma história em quadrinho é montada seguindo as técnicas do cinema (ver capítulo I), a página negra representa o momento em que são inseridos os créditos da produção, indicando que a narrativa realmente terminou. Guimarães (2000) define o preto como o oposto de branco, logo, como o branco representa o início, a cor negra representa o fim (cinzas, carvão). A escolha da cor negra também denota o sentido de luto, usada na cultura ocidental para representar a morte do Professor X. “O preto, além de ser a cor da morte e das trevas, é a cor do desconhecido e do que provoca medo” (Guimarães, 2000, p. 91). Porém, o leitor ainda precisa virar uma última página e, ao fazer isso, descobre uma nova sequência de imagens composta por três quadros (figura 32). 105 Figura 58 Encontradas após a página negra, esta última sequência de quadros funciona no cinema como a cena pós-crédito que revela um momento surpresa da trama. Nas imagens, aparece primeiro um ambiente rochoso, com céu avermelhado e um farol de guia de navegantes ao fundo. Neste ponto do enunciado, o leitor já sabe que o céu vermelho indica o futuro. No quadro ao lado, uma espécie de distorção do espaço surge em um formato de redemoinho sobre as rochas. Em seguida, o mutante Cable aparece no local do redemoinho segurando a criança mutante nos braços. No canto superior esquerdo do quadro, o enunciatário confirma que o local realmente se trata do futuro com uma legenda escrita: “O futuro”. No canto inferior direito, a palavra “Fim” indica ao leitor que, neste momento, a saga terminou. O uso da página negra (figura 57) tem a função de uma passagem de tempo entre os acontecimentos da figura 56 e os que serão revelados na figura 58. A página ainda serve como instrumento de mudança de estado onde o enunciatário vai do presente para o futuro. 4. PLANO DA EXPRESSÃO E RELAÇÕES COM O PLANO DO CONTEÚDO A análise semiótica do plano do conteúdo (PC) e do plano da expressão (PE), feita separadamente, pode ser unida com o objetivo de encontrar as chamadas 106 relações semi-simbólicas do enunciado. Nesta etapa, as relações do PC com o PE cominam com as relações semi-simbólicas da diversidade cultural e social apresentada no capítulo II. Estas referências podem ser divididas em duas categorias: “Busca por igualdade” e “Repressão”. Busca por igualdade No início da análise da expressão, a figura 42 retrata a chegada dos X-Men à cidade de Cooperstown, e a mutante Emma Frost aparece ajudando os sobreviventes humanos da chacina. Emma destaca-se do restante do cenário (de fogo e destruição, uma menção do inferno) ao trajar roupas brancas, que lhe atribuem um sentido angelical. A mutante, como dito na análise, almeja entrar em harmonia com os humanos no momento em que os salva. No mesmo contexto, a análise do conteúdo aponta as diferenças entre humanos e mutantes pelo que é “costumeiro” (manifestação de poderes “puberdade” na adolescência) e o “extraordinário” (manifestações de poderes ao nascer). Enquanto o plano do conteúdo deixa claro que existem diferenças que separam humanos e mutantes, o plano da expressão aponta elementos que proporcionam o desejo de união entre os dois grupos. As relações entre PC e PE no sentido de busca por igualdade entre humanos e mutantes segue com a comparação da figura 45 do PE com o diálogo entre Wolverine e Ciclope do PC. Na imagem, os sobreviventes são levados a bordo do Pássaro Negro para um local seguro indicado por cores frias (azul e preto) que, entre outras sensações, confere expressão de tranquilidade e segurança. Nesta sequência, o PC apresenta o objeto valor (busca por igualdade de direitos civis) a que o personagem Wolverine está à procura como sujeito de busca-destinatário com a frase: “A gente devia ter trazido os corpos dos carrascos. Vão culpar os mutantes por isso... não os Carrascos”. Como expresso na análise, os humanos costumam culpar os mutantes mesmo sem provas, por questões preconceituosas. Já nesta etapa da análise semiótica, é possível comparar o desejo de união e pacificação dos mutantes para com os humanos com os manifestos dos grupos minoritários da realidade (minorias sexuais, étnicas, tribos urbanas, etc.) que lutam para entrar em conjunção com o poder hegemônico e, assim, ter tratamento 107 igualitário de direitos civis (ver capítulo II). O poder hegemônico é reconhecido, então, como objeto valor e os direitos civis como objeto modal. O modo de alcance dos direitos civis dos grupos minoritários ocorre por via da exposição pública de seus discursos. Segundo Paiva e Barbalho (2005), a busca pela redução do poder hegemônico da maioria é feita por uma luta sem armas. Na figura 55, o mutante Lucas Bishop, em análise do PE, é focado com close nos olhos numa imagem simétrica para demonstrar segurança e verdade no que Lucas está relatando. Pela análise do PC, é possível identificar as lutas por direitos civis dos mutantes sempre foram por via do diálogo unido do grupo. “Havia um grupo de mutantes que acreditava que a raça mutante era ‘especial’, que mutantes deveriam levar os humanos ao seu grande destino, e juntos viveriam como um”. As palavras de Lucas Bishop atentam para o pluralismo social citado por Paiva e Barbalho (2005, p. 42) no capítulo II que, de acordo com os autores, se tornou “o principal desafio a que os processos de decisão e justificação política devem responder, estabelecendo a ‘diferença’ como algo que devem tolerar, reconhecer afirmativamente, ou considerar como objeto de deliberação”. Repressão – A repressão aos mutantes (que podem ser comparados aos grupos minoritários da diversidade social) é retratada por imagens do PE que transmitem ao leitor o sofrimento a que os portadores do Gene X estão condicionados. A figura 50 constrói um ambiente composto por elementos figurativos e de figuratividade que familiarizam o leitor do caos apresentado com a figura da Ponte de Manhattan e o muro do campo de concentração. Ainda dentro do PE, a figura apresenta um plano geral com a visão caótica que o mutante Jamie Madrox está vendo (Céu avermelhado, transmitindo tensão e poluição, prédios roxos, transmitindo sujeira e profundidade das ações humanas sobre a natureza). No PC a familiarização da cena descrita é feita com os dizeres no canto da página: “Nova York... Daqui a oitenta anos” e “Brooklyn, Nova York. Baia Sheepshead. Campo de recolocação mutante”. A analogia de um campo de concentração para mutantes, os seres portadores do gene X, pode ser vista como a supremacia de uma raça ariana defendida pelo alemão Adolph Hitler, líder do movimento nazista durante a Segunda Guerra 108 Mundial. A política anti-semita do nazismo visou especialmente os judeus, mas não poupou também ciganos, negros, homossexuais, comunistas e doentes mentais. Para separar estes grupos minoritários, o nazismo criou campos de concentração. Os indivíduos que eram mandados para estes campos eram indivíduos que possuíam o estigma, que nada mais é do que uma marca pela qual a pessoa ou grupo é identificada em meio à diversidade que a cerca. (Ver capítulo II)34. A recriminação mutante também é retratada na figura 52, onde Jamie Madrox é levado para o campo de concentração. Na imagem a indiferença dos guardas que prendem o mutante é mostrada com o uso do capacete unificado que representa a semi-simbologia de tratar com indiferença àqueles que não são da sua categoria. No PC, a mesma cena reforça o sentido de indiferença e repreensão aos portadores do gene X no momento em que os guardas detectam que Madrox é um mutante por via de um scaner corporal. O mutante então é detido por ser diferente. A ação dos guardas enquadra-se no pensamento de Saraiva e Irigaray (2009, p. 03) citado no capítulo II em que “Para a teoria da identidade social, os indivíduos tendem a classificar em categorias a si próprios e aos outros, com efeitos sobre as interações humanas um processo que implica estereótipos e, eventualmente, estigmas”. 34 Para mais informações sobre a repreensão nazista acesse:http://www.coladaweb.com/historia/holocausto). 109 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a abordagem dos grupos sociais que fazem parte da diversidade cultural apresentados nesta pesquisa (gênero, orientação sexual, cor e deficiência física), pode-se concluir que a narrativa das histórias em quadrinhos dos X-Men cumprem um papel de divulgação do quanto é importante a aceitação e convivência pacífica dos diferentes grupos que compõe a sociedade. Os roteiros de X-Men, desde sua criação, buscaram como bases para o desenvolvimento de suas tramas ficcionais, acontecimentos reais de discriminação que marcaram a história da humanidade, como as duas guerras mundiais, o apartheid, o surgimento do vírus da Aids e, mais recentemente, as guerras no oriente médio, consequências do terrorismo. A mensagem principal de X-Men, então, estaria na associação da ficção com a realidade, característica que a análise buscou apontar. Esta semelhança não se restringe apenas aos acontecimentos, como também pelas próprias características dos personagens, que são inspirados em indivíduos estigmatizados, por exemplo: Ororo (Tempestade) é negra; Jean-Paul (Estrela Polar) é assumidamente gay; Raven Darkholme (Mística) é considerada bissexual; Scott Summers (Ciclope) tem problemas de visão; Charles Xavier (Professor X) é deficiente físico; Hank McCoy (Fera) pode ser considerado como portador da Hipertricose Lanuginosa Congênita, conhecida como Síndrome do Homem Lobo; Spike Freeman tem mutação semelhante à Fibrodisplasia Ossificante Progressiva e tantos outros. Apesar da revista trazer o conflito entre humanos e mutantes, a essência do conceito de humanidade e cidadania não está relacionado ao Homo Sapiens, e sim aos portadores do gene “X” (Homo Superior). Logo, os mutantes são associados aos humanos expondo como os mesmos deveriam agir. Os humanos, no enredo (a maior parte), não possuem valores racionais de construção social, passando muitas vezes a impressão de seres primitivos. Ao limitar a análise à saga “Complexo de Messias”, pode-se perceber que a proposta geral da HQ, de levar aceitação dos diferentes grupos sociais, representados na trama pelos mutantes, é presente em toda a transcorrência da trama, sem a necessidade de abordar todas as edições da revista, cujo exemplar n° 110 01 foi lançado em 1963. Esta afirmação pôde ser fundada levando em consideração as respostas encontradas na análise a partir da aplicação da semiótica greimasiana nos trechos selecionados, sendo esta de suma importância para o desenvolvimento do trabalho e alcance do objetivo (relações entre os personagens da trama e os indivíduos da diversidade cultural existente). Os temas encontrados em Complexo de Messias são: a manifestação do gene “X” na adolescência, o pré-julgamento das ações de qualquer indivíduo mutante, a prisão de mutantes em campos de concentração e a busca e consequentemente extermínio da criança portadora do gene “X” tratada como “Anticristo”. O sucesso de transmissão da mensagem de igualdade da revista em quadrinhos “X-Men” é alcançado, além da abordagem contemporânea dos fatos reais que servem de inspiração para os roteiros, pela multi-linguagem que a trama adotou, onde as aventuras dos heróis evolutivos foram adaptadas dos quadrinhos para o cinema e para séries animadas35 de televisão, cada uma voltada para um público de diferente faixa etária, mas sem perder a essência. Além da linguagem dos quadrinhos ser cada vez mais adaptada para as outras formas de comunicação (cinema e televisão), nos últimos anos a arte sequencial vem sendo aplicada no jornalismo, conforme apresentado na pesquisa. No início do trabalho, comentamos que os exames relacionados às histórias não foram aceitos durante muitos anos pela comunidade científica pelo fato da mesma não as reconhecer como pertencentes ao meio acadêmico, porém, a dimensão obtida pelas HQs (no caso da revista X-Men) em termos de popularidade comprovam que os quadrinhos são uma ferramenta de comunicação que possuem um poder de expressar ideias, informar e entreter estando longe da ameaça de extinção que ronda as demais publicações impressas como, jornais e revistas. 35 A primeira versão animada dos X-Men, foi na série The Marvel Super Heroes (apelidada no Brasil de Desenhos Desanimados do Marvel), em 1966, no segmento The Sub-Mariner estrelado por Namor. Em 1992, a Fox Network lançou uma série animada dos X-Men. Em 2000, Warner Brothers Network lançou X-Men: Evolution que mostrou os X-Men como adolescentes frequentando o colegial, além do Instituto Xavier. A série terminou em 2003 após quatro temporadas. Em 2008, Marvel Studios lançou um novo desenho animado, Wolverine and the X-Men, desta vez usando uma mistura de animação 2D/3D para personagens e cenários 111 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, L. A. “Deficiência: questões conceituais e alguns de seus desdobramentos”. Cadernos de Psicologia, n.1, p. 3 - 44, 1996. BARBOSA, Iuri. “Jornalismo em quadrinhos: Mediações experimentais entre comunicação e artes”. Cuiabá – Mato Grosso, 2008. Disponível em <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-1951-1.pdf> Acessado em 08/10/2011. BARROS, Diana. “Teoria do discurso: fundamentos semióticos”. 1ª ed. São Paulo: Atual, 1988. BARROS, Diana. “Teoria semiótica do texto”. São Paulo: Ática, 2000. BARTHES, R. “A retórica do discurso”. In: O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BAKHTIN, M. “Estética da criação verbal”. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BÍBLIA HEBRAICA CRISTÃ. Deerfield, Florida, Estados Unidos. Editora Vida. 1990. 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