Hipertiroidismo I
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Hipertiroidismo I
Hipertiroidismo I Hipertiroidismo/Tireotoxicose O hipertiroidismo/tireotoxicose define-se como a síndroma clínica resultante de alterações fisiológicas, bioquímicas e clínicas motivadas pela exposição dos tecidos a concentrações elevadas de hormonas tiroideias*. No texto utilizaremos o termo hipertiroidismo que é o mais usado em Portugal e na Europa. O excesso de hormonas tiroideias no sangue (triiodotironina ou T3 e tetraiodotironina ou T4) leva a um aumento do metabolismo, responsável por muitos dos sintomas e sinais. Em alguns casos, raros, só a T3 está elevada (hipertiroidismo a T3). Também nas primeiras semanas ou meses do início de alguns hipertiroidismos pode ser só evidente um aumento dos níveis de T3. Prevalência O sexo feminino é muito mais atingido que o sexo masculino (Quadro 1). Quadro 1 – Prevalência do hipertiroidismo (várias séries, incluindo a dos autores) Idade (anos) F: M Prevalência (%) Doença de Graves 20-40 5:1- 8:1 60-88 Bócio multinodular tóxico 40-75 4:1-10:1 8-25 Adenoma tóxico (nódulo tóxico) 30-60 6:1-15:1 4-15 Etiologia São múltiplas as causas de hipertiroidismo (Quadro 2). Quadro 2 – Causas do excesso de hormonas tiroideias Hipertiroidismo/tireotoxicose De origem tiroideia ou hipertiroidismo: De origem não tiroideia: Doença de Graves (bócio difuso tóxico) Tireotoxicose factícia Associado à tiroidite de Hashimoto - (hashitoxicose) Tratamento com hormona tiroideia Adenoma tóxico (nódulo tóxico) Ingestão de produtos com hormonas tiroideias Bócio multinodular tóxico Struma ovarii Induzido pelo iodo Mola hidatiforme e coriocarcinoma Adenoma secretor de TSH Carcinoma folicular metastizado Tiroidite subaguda (tiroidite Quervain) Tiroidite silenciosa ou do pós-parto Induzido pela amiodarona (Tipo II) *Hipertiroidismo e tireotoxicose não são exactamente o mesmo. Hipertiroidismo resulta da hiperactividade da glândula tiroideia; tireotoxicose é a intoxicação pelas hormonas tiroideias, qualquer que seja a causa. Assim, todos os hipertiroidismos são tireotoxicoses, mas nem todas as tireotoxicoses são hipertiroidismos. Os dois termos usam-se, erradamente, como sinónimos. Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Clínica As manifestações clínicas dependem da duração e da gravidade da doença, da idade do doente, da presença ou ausência de manifestações extratiroideias e da causa do hipertiroidismo (Quadros 3 e 4). Quadro 3 – Manifestações do hipertiroidismo Sistemas Manifestações Geral Intolerância ao calor, perda de peso, astenia, fadiga, insónias, tremor Pele Quente, suada, prurido Olhos (na d. Graves) Exoftalmia, aumento da fenda palpebral, edema das pálpebras, quemose, dor ocular, diplopia, lesão nervo óptico Gastrointestinal Polifagia, hiperdefecação, diarreia, hepatomegalia, alteração da função hepática Respiratório Dispneia Cardiovascular Taquicardia, pulso amplo Raras: cardiomegalia, insuficiência cardíaca, angina, arritmia, fibrilhação auricular Neurológico Raras: síncope, delírio, demência, coma Psicológico Ansiedade, irritabilidade, alterações humor, depressão, dificuldade de concentração, insónia Neuromuscular Tremor, reflexos aumentados, fraqueza muscular proximal, atrofia muscular, miopatia, paralisia periódica Metabólico Hipercalcemia, hipercalciuria, diminuição magnésio, aumento fosfatase alcalina óssea Osso Ospeopenia, osteoporose Hematopoiético Anemia (normocítica, normocrómica), linfocitose, esplenomegalia, adenopatias, aumento do timo Reprodutivo Mulher: alterações menstruais, infertilidade Homem: ginecomastia, disfunção sexual eréctil, infertilidade Quadro 4 – Manifestações mais frequentes do hipertiroidismo Sintomas % Sinais Ansiedade, alterações do humor, irritabilidade 80-95 Tremor Astenia, fadiga 50-80 Pele suada Palpitações 65-95 Hipertensão sistólica Dispneia 65-80 Miopatia Emagrecimento com aumento de apetite 50-85 Hipercinésia Intolerância ao calor, sudação aumentada 40-90 Bócio Oligomenorreia 45-80 Aumento número de dejecções, diarreia 40-60 Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt A duração dos sintomas e sinais, o tamanho e a forma da tiroideia e a presença ou ausência de sinais da doença de Graves (Quadro 5), podem sugerir a etiologia do hipertiroidismo. A doença de Graves tem, na maioria dos casos, na altura do diagnóstico, uma evolução de meses a anos; pelo contrário, o hipertiroidismo causado por uma tiroidite, raramente apresenta uma evolução superior a semanas. O bócio da doença de Graves é normalmente pequeno, mole e difuso e no caso do adenoma tóxico ou do bócio multinodular tóxico podem (ou não) palpar-se os nódulos. Quadro 5 – Manifestações clínicas que podem sugerir a etiologia do hipertiroidismo Manifestações Diagnóstico Bócio difuso Doença de Graves Nódulo único Adenoma tóxico Bócio multinodular Bócio multinodular tóxico Tiroideia normal Ingestão de hormona tiroideia Tiroideia dolorosa Tiroidite subaguda Oftalmopatia Doença de Graves Dermopatia infiltrativa Doença de Graves Acropaquia Doença de Graves Diagnóstico Laboratorial Quadro 6 – Diagnóstico laboratorial do hipertiroidismo Doença Hipertiroidismo (bócio tóxico, etc) Doença de Graves T4L T3L TSH AATPO Anticorpos AATg TRAb ↑↑ ↑ ↓↓ – – – +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- – ↑↑ ↑ Hipertiroidismo a T3 ou inicio hipertiroidismo N ↑ Hipertiroidismo subclínico N N ↓↓ ↓↓ ↓−↓↓ AATPO: Anticorpo anti-peroxidase; AATg: Anticorpo anti-tiroglobulina; TRAb: Anticorpo anti-receptor da TSH; ↑↑: muito elevada; ↑: elevada; ↓↓: suprimida; ↓: baixa; N : normal; +: positivos; –: negativos. Existem situações que interferem com os doseamentos bioquímicos da T3 e T4, como sejam a toma de anovulatórios (estrogénios) e a gravidez, que aumentando a globulina de transporte das hormonas tiroideias (TBG), simulam um hipertiroidismo analítico com T3 e T4 séricas elevadas, mas a TSH nunca está diminuída. Deste modo é preferível, para diagnóstico do hipertiroidismo, avaliar a T3 livre e a T4 livre. Cerca de 5% dos doentes com hipertiroidismo têm uma T4 livre normal com uma T3 livre elevada – tratase de um quadro denominado hipertiroidismo a T3. Os sinais e os sintomas são semelhantes aos do aumento de T3 e T4. Denomina-se hipertiroidismo subclínico às situações com TSH diminuída e T3 e T4 livres normais (ver: hipertiroidismo sub-clínico). Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Os anticorpos antitiroideus (antiperoxidase e antitiroglobulina) são marcadores de doença auto-imune e são positivos na maior parte das situações de doença de Graves. Os anticorpos antitiroideus são também positivos na tiroidite de Hashimoto. O anticorpo antireceptor da TSH (TRAb) é positivo na maior parte dos casos de doença de Graves. A gamagrafia da tiroideia é útil na diferenciação das várias causas de hipertiroidismo: aumento ou diminuição da captação do isótopo radioactivo (Tc99m) (Quadro 7). Quadro 7 – Gamagrafia da tiroideia no diagnóstico diferencial do hipertiroidismo Captação aumentada de Tc99m Captação diminuída de Tc99m Doença auto-imune da tiroideia Tiroidites Doença de Graves Tiroidite subaguda granulomatosa (de Quervain) Hashitoxicose Tiroidite linfocítica subaguda (indolor, silenciosa) Tecido tiroideu autónomo Tiroidite do pós-parto Bócio multinodular tóxico Tiroidite da radiação Nódulo tóxico Tiroidite da amiodarona Hipertiroidismo mediado pela TSH Hormona tiroideia exógena Adenoma hipofisário produtor de TSH Excesso terapêutica substituição Hipertiroidismo mediado pela βHCG Doença do trofoblasto Terapêutica supressiva Hipertiroidismo factício Hipertiroidismo ectópico Struma ovarii Metástase tumor folicular da tiroideia A. Galvão-Teles, J. Garcia e Costa, Zulmira Jorge, Teresa Dias. NEDO – Núcleo de Endocrinologia Diabetes e Obesidade – Lisboa Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Doença de Graves II A doença de Graves (DG) é a causa mais frequente de hipertiroidismo: 60 a 88%. É mais prevalente (5 a 8 vezes) na mulher que no homem e tem um pico de incidência entre os 20 e os 40 anos. É uma síndroma auto-imune caracterizada por uma ou mais das seguintes componentes: 1 - hipertiroidismo; 2 - bócio difuso; 3 - oftalmopatia; 4 - dermopatia (Quadro 1). Quadro 1 – Doença de Graves Quadro Clínico Frequência Características Hipertiroidismo 95% grave; exuberante Bócio difuso 90% médio, c/sopro e frémito Oftalmopatia 75-90% ligeira a muito grave Dermopatia (mixedema pré-tibial) <5% na região pré-tibial e pés Associação c/doenças auto-imunes ver Quadro 2 Patogénese A doença de Graves é uma doença auto-imune. Existe uma predisposição familiar; cerca de 15% dos doentes têm um familiar com a mesma doença e 50% dos familiares têm auto-anticorpos anti-tiroideus positivos. Na sua patogénese a doença de Graves é semelhante à tiroidite auto-imune de Hashimoto. Na doença de Graves há hipertiroidismo, mas persiste um certo grau de tiroidite auto-imune, que pode com o tempo produzir hipofunção. Também em doentes com tiroidite de Hashimoto pode desencadear-se um hipertiroidismo. São características da doença auto-imune da tiroideia a infiltração linfocitária e a ocorrência de outras doenças auto-imunes (Quadro 2). Quadro 2 – Doenças auto-imunes que se manifestam nos doentes com DG Doenças Auto-imunes Diabetes mellitus tipo 1 Artrite reumatóide Doença de Addison Alopécia areata Vitíligo Púrpura trombocitopénica idiopática Anemia perniciosa Doença hepática auto-imune Sindroma de Sjögren Doença celíaca Lúpus eritematoso disseminado Miastenia gravis No soro da maioria dos doentes com doença de Graves é possível detectar anticorpos anti-peroxidase (AATPO), anti-tiroglobulina (AATg) e antireceptor de TSH (TRAb). Os TRAb comportam-se como anticorpos estimuladores dos receptores da TSH das células da tiroideia. Estes anticorpos relacionam-se positivamente com a gravidade da doença. Etiologia Na doença de Graves os linfócitos T tornam-se sensíveis aos antigénios tiroideus e estimulam os linfócitos B a sintetizarem anticorpos contra estes antigénios – um destes anticorpos é o TRAb que, como já foi referido, é estimulante do receptor da TSH das células da tiroideia. Para que este fenómeno aconteça é necessário que exista uma predisposição genética. Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Tabaco O tabagismo está associado ao desencadear da doença de Graves e ao aparecimento de exoftalmia, principalmente em estádios mais graves. O tabaco não tem sido associado a outras doenças da tiroideia como o bócio tóxico e o bócio eutiroideu. Clínica O quadro clínico da doença de Graves é quase sempre exuberante (mais grave que o das outras situações de hipertiroidismo). O bócio é difuso, de consistência elástica, mole e pode apresentar um sopro e/ou um frémito, devido à hipervascularização da glândula. Raramente o bócio é de grandes dimensões e pode, mesmo, não estar presente (10-20%). A oftalmopatia infiltrativa é habitualmente bilateral em 50 a 60% dos casos. A dermopatia infiltrativa da doença de Graves consiste na infiltração da pele, principalmente na zona da parte inferior da tíbia (mixedema pré-tibial), devido à acumulação de glicosaminoglicanos (<5%). A. Galvão-Teles, J. Garcia e Costa, Zulmira Jorge, Teresa Dias. NEDO – Núcleo de Endocrinologia Diabetes e Obesidade – Lisboa Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Adenoma tóxico e bócio multinodular tóxico III O adenoma tóxico e o bócio multinodular tóxico resultam de um ou vários nódulos se tornarem autónomos e hiperfuncionantes, produzindo excesso de hormonas tiroideias (T3 e T4), com supressão da TSH e hipofunção do restante tecido tiroideu. A hiperfunção dos nódulos vai, deste modo, produzir hipertiroidismo. Clínica Quadro clínico de hipertiroidismo, por vezes ligeiro; menos grave que o da doença de Graves. Ao exame físico pode palpar-se um bócio com um ou diversos nódulos. Diagnóstico Clínica de hipertiroidismo Níveis sanguíneos de T3 e T3L elevados, com ligeiro aumento de T4 e T4L; TSH suprimida. Gamagrafia com TC99m da tiroideia evidencia um (nódulo tóxico) ou múltiplos (bócio multinodular) nódulos hiperfixantes sendo a restante glândula hipofixante. Ecografia da tiroideia mostra um nódulo solitário ou um bócio multinodular. Tratamento No adenoma tóxico e no bócio multinodular tóxico, os antitiroideus de síntese (ATS) diminuem os níveis da T3 e T4L, mas raramente produzem remissão completa de longa duração (ao contrário do que pode acontecer na doença de Graves). O iodo radioactivo pode ser o tratamento definitivo do adenoma tóxico e do bócio multinodular tóxico, porque os nódulos hiperfuncionantes captam activamente o I131, sendo os nódulos destruídos. A destruição dos nódulos hiperfuncionantes é evidente ao fim de alguns meses, ficando o doente em eutiroidismo. O tratamento pode também realizar-se através da cirurgia - lobectomia no adenoma tóxico e tiroidectomia total no bócio multinodular tóxico. A. Galvão-Teles, J. Garcia e Costa, Zulmira Jorge, Teresa Dias. NEDO – Núcleo de Endocrinologia Diabetes e Obesidade – Lisboa Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Hipertiroidismo Subclínico IV Hipertiroidismo sub-clínico (HTs-c) Caracteriza-se por: TSH baixa ou suprimida; T4L e T3L (ou T3) normais TSH doseável mas baixa (0,1 – 0,5 mU/L) – HTs-c grau I TSH indoseável ou suprimida (<0,1 mU/L) – HTs-c grau II Causas iguais às do hipertiroidismo clínico Prevalência aumentada nos mais velhos, nas mulheres, nos fumadores, em zonas com deficiência de iodo. A clínica de hipertiroidismo é ligeira ou está ausente Quadro 1 – Etiologia do HTs-c: 2 categorias HTs-c exógeno – devido a terapêutica com levotiroxina (hipotoroidismo) em dose excessiva ou dose supressiva (nódulos ou carcinoma). Outros fármacos – amiodarona, lítio, interferão, levodopa, opiáceos. HTs-c endógeno – nódulo e bócio multinodular tóxicos (o mais frequente) e mais raramente doença de Graves, tiroidites; na fase inicial da doença de Graves. Quadro 2 – Diagnóstico diferencial – quadros de TSH baixa 1º trimestre da gravidez (fisiológico – devido a aumento da hCG) Tratamento com glicocorticóides Hipotiroidismo hipotalâmico ou hipofisário (central) Doente crítico (sick euthyroid syndrome) Indivíduos muito idosos sem doença da tiroideia (fisiológico?) Quadro 3 – Manifestações HTs-c (podem estar presentes sintomas ligeiros de hipertiroidismo) Doença cardiovascular Aumento da frequência de fibrilhação auricular Taquicardia; aumento da contractilidade cardíaca; aumento da massa e da espessura das paredes do ventrículo esquerdo e diminuição da tolerância ao esforço. Doença óssea Diminuição da densidade óssea (especialmente na pós-menopausa). Alterações cognitivas e demência Parecem ser mais frequentes nos doentes com HTs-c grau II, embora os estudos não sejam concordantes. As manifestações clínicas observam-se quase exclusivamente no HTs-c grau II (TSH<0,1 mU/L) e só muito raramente no grau I (TSH: 0,1 – 0,5 mU/L). Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Diagnóstico do HTs-c Clínico Sintomas e sinais ligeiros de hipertiroidismo Antecedentes de hipertiroidismo Fármacos – tiroxina, glicocorticóides, amiodarona, lítio, interferão, levodopa, opiácios Possibilidade de gravidez (1º trimestre) Exame físico – oftalmopatia (nos casos de doença de Graves), bócio Laboratorial O diagnóstico baseia-se em TSH baixa com T4L e T3L (ou T3) normais O diagnóstico deve ser confirmado com novo doseamento, 1 a 3 meses de intervalo (a TSH baixa pode ser transitória). Gamagrafia da tiroideia para fazer diagnóstico da causa (nódulo tóxico, bócio multinodular tóxico, doença de Graves ou tiroidite, ingestão de T4). Densitometria óssea – na pós-menopausa. Tratamento de HTS-c Discute-se tratar ou não tratar. Apresenta-se o fluxograma de tratamento do HTs-c que utilizamos. TSH persistentemente baixa T4L + T3L (ou T3) normais Pós-menopausa ou >60 anos, ou história de doença cardíaca, osteoporose ou sintomas Pré-menopausa ou <60 anos, sem história de doença cardíaca, osteoporose ou sintomas TSH < 0,1 mU/L TSH 0,1-0,5 mU/L TSH < 0,1 mU/L TSH 0,1-0,5 mU/L gamagrafia tiroideia Considerar gamagrafia tiroideia gamagrafia tiroideia Considerar gamagrafia tiroideia > fixação > fixação > fixação > fixação Tratar I131 ou metibasol* Considerar terapêutica com I131 ou metibasol* Terapêutica opcional Não tratar *Preferir I131 nos doentes com adenoma tóxico e bócio multinodular tóxico. Adaptado de D S Cooper, 2010 A. Galvão-Teles, J. Garcia e Costa, Zulmira Jorge, Teresa Dias. NEDO – Núcleo de Endocrinologia Diabetes e Obesidade – Lisboa Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Hipertiroidismo do Idoso e do Jovem V Hipertiroidismo do Idoso ou Hipertiroidismo Apatético Os sintomas e sinais clássicos do hipertiroidismo são mais evidentes no doente jovem que no idoso. Nos idosos a sintomatologia pode ser muito escassa, predominando as queixas cardiovasculares (taquicardia, arritmia, insuficiência cardíaca congestiva), a perda de peso com anorexia, a depressão e a dispneia. Os doentes podem apresentar-se deprimidos, indiferentes ou apáticos, situação que se denomina hipertiroidismo apatético. Os casos de doença de Graves frequentemente não têm bócio nem exoftalmia. Contudo, a oftalmopatia de Graves, quando presente, pode ser mais grave. O hipertiroidismo atinge 3% das mulheres e 0,3% dos homens idosos. Quer o hipertiroidismo clínico quer o sub-clínico cursam, nesta faixa etária, com aumento da morbilidade e da mortalidade cardio e cerebrovasculares. A fibrilhação auricular é mais frequente nos mais velhos, no sexo masculino, e no bócio multinodular tóxico. O hipertiroidismo sub-clínico no idoso triplica a prevalência da fibrilhação auricular e corresponde a 3% de todos os casos de fibrilhação auricular neste grupo etário. Perante um hipertiroidismo, clínico ou sub-clínico, em indivíduos com mais de 60 anos deve averiguar-se se está medicado com amiodarona, já que este fármaco pode induzir hipertiroidismo. Tratamento (ver: Tratamento Hipertiroidismo VI) O hipertiroidismo pode desencadear, ou agravar, a insuficiência cardíaca ou as arritmias. Deste modo, nos casos graves, é importante o tratamento rápido e definitivo: 1. Iníciar tratamento com antitiroideus de síntese (ATS); 2. Adicionar ß-bloqueantes; 3. Promover o tratamento definitivo com I.131 Os casos ligeiros a moderados de hipertiroidismo clínico ou os casos de hipertiroidismo sub-clínico, respondem bem ao tratamento com antitiroideus, embora por vezes se tenha de prolongar estes fármacos em dose baixa (1/2 a 1 comprimido/dia de metibasol), durante anos. Hipertiroidismo do Jovem (< 20 anos) A doença de Graves é rara antes dos 10 anos de idade. A maioria dos casos inicia-se entre os 11 e 15 anos. A clínica é semelhante à da doença de Graves do adulto, com alterações neuropsíquicas frequentes e crescimento acelerado, que produz calcificação óssea precoce das cartilagens e consequente diminuição da estatura final. Tratamento (ver: Tratamento Hipertiroidismo VI) O metibasol é o tratamento de eleição em jovens com menos de 20 anos. As taxas de remissão nos jovens com hipertiroidismo, tratados com metibasol, são inferiores às dos adultos (15 a 30% ao fim de 2 ou mais anos). Quanto mais jovem menor a taxa de remissão (Quadro 1). É muito rara a remissão em crianças com menos de 5 anos (1 em 25 doentes, numa série). Quadro 1 – Factores preditivos de remissão do hipertiroidismo nos jovens Favoráveis Desfavoráveis Tiroideia pequena Bócio grande Níveis TRAb normais Níveis TRAb elevados Mais velhos Mais novos Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Quadro 2 – Doses de ATS aconselhadas: metibasol (nunca propycil) Idade < 1 ano 1 – 5 anos Dose diária 1,25 mg 2,5 – 5,0 mg 5 – 10 anos 5 – 10 mg 10 – 18 anos 10 – 20 mg Hipertiroidismo grave (T4 livre > 5 µg/dl) – Usar doses 50 a 100% superiores O propycil (propiltiouracilo) pode provocar lesões hepáticas graves nos jovens, sendo uma causa de transplante hepático, pelo que está contraindicado nesta faixa etária (neste momento contraindica-se em todos os casos excepto durante o 1º trimestre de gravidez). O I131, em nossa opinião e de muitos investigadores, não se deve recomendar em indivíduos com menos de 20 anos, pois não são conhecidas totalmente as alterações oncológicas e gonadais do I131 em jovens de ambos os sexos. A tiroidectomia só em casos raros de grandes bócios e não aderência ao tratamento deve ser aconselhada. Nestas idades as complicações cirúrgicas são muito mais frequentes que nos adultos. Assim aconselha-se: 1. Iniciar tratamento com metibasol durante 2 a 4 anos (doses Quadro 2). 2. Se houver recidiva reiniciar tratamento com metibasol – quando atingido o eutiroidismo baixar a dose o mais possível e manter até aos 18-20 anos. 3. No caso de grandes bócios ou se não houver aderência ao tratamento, preconiza-se a cirurgia (de preferência a tiroidectomia total/quase total, por um cirurgião de tiroideia). A. Galvão-Teles, J. Garcia e Costa, Zulmira Jorge, Teresa Dias. NEDO – Núcleo de Endocrinologia Diabetes e Obesidade – Lisboa Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Tratamento do Hipertiroidismo VI O tratamento do hipertiroidismo pode ser médico (antitiroideus de síntese, ATS), cirúrgico (tiroidectomia) ou por radiações (I131). Quadro 1 – Factores que interferem na opção terapêutica Factores Comentário Idade do doente Jovens (<20 a): preferir metibasol; evitar I131 Mulher que deseja fertilidade: preferir metibasol, raramente cirurgia; fertilidade só após 1 ano de I131 Idosos: preferir I131 Tamanho do bócio/nódulos Grandes bócios bócios mergulhantes: preferir cirurgia Etiologia do hipertiroidismo Nódulos tóxicos: preferir I131 Doenças de Graves: preferir metibasol Exoftalmos: evitar I131 Gravidade da doença Nos casos muito graves iniciar metibasol, e posteriormente eventual cirurgia Experiência do clínico Importante ser um endocrinologista com experiência em tiroideia. O doente pode depois ser seguido pelo seu médico assistente Experiência do cirurgião Importante escolher um cirurgião de tiroideia; a mortalidade e a morbilidade (lesão do recorrente, lesão das paratiroideias, etc), estão grandemente dependentes da experiência Vontade do doente Discutir com o doente as opções (depois deste ser esclarecido) 1. Antitiroideus de síntese (ATS) São dois os ATS: o propiltiouracilo (propycil – PTU) e o metimazol (metibasol - MMI). Devido à possibilidade do PTU poder provocar falência hepática com necessidade de transplante, conforme recentemente verificado pela FDA (Food and Drug Administration), preconiza-se como ATS de 1ª linha o metibasol. Contudo, durante o 1º trimestre de gravidez utiliza-se em 1ª linha o PTU, pois o metibasol pode provocar no feto aplasia cútis e atrésia do esófago. Em casos de alergia a um dos fármacos pode substituir-se pelo outro. Quadro 2 – Tratamento do hipertiroidismo com ATS Escolha do ATS Metibasol (MMI) (duração acção > 24h) excepto no 1º trimestre da gravidez passagem pela placenta – baixa níveis no leite – baixos Propycil (PTU) (duração acção: 12-24h) 1º trimestre da gravidez (ver: hipertiroidismo e gravidez, intolerância ao metibasol (rara) passagem pela placenta – muito baixa níveis no leite – baixos Doses MMI comprimido 5 mg casos graves: 4-8 comp/dia (p. almoço) casos ligeiros: 1-3 comp/dia doses: - 2 comp/dia Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt Quadro 2 – Tratamento do hipertiroidismo com ATS (cont.) PTU comprimido 50 mg (no 1º trimestre da gravidez) casos graves: 4-6 comp/dia (3xdia) casos ligeiros: 1-2 comp/dia Titulação: após atingir eutiroidismo (T4L-N), baixar progressivamente a dose MMI até 1-2 comp/dia Esquemas Bloquear/substituir: após atingir eutiroidismo (T4L-N), manter dose fixa MMI (2-3 comp/dia) e associar L-tiroxina (25/75 µg/dia) Duração Maioria dos casos: 18-24 meses TRAb(+) e/ou doença grave > 24 M Idosos – vários anos (ex: 1 comp/dia) Crianças – vários anos Monitorização Utilizar a TSH e a T4L A TSH pode levar muitos meses a normalizar; a T4L quando normaliza indica-nos eutiroidismo. Factores preditivos de remissão diminuição do volume do bócio regressão da doença com doses baixas MMI normalização dos TRAbs Metibasol no tratamento cirúrgico Indispensável o eutiroidismo prévio, que se obtém com metibasol Metibasol no tratamento com I131 Obter o eutiroidismo prévio com MMI nos idosos, hipertiroidismos graves, doença cardiovascular e bócios volumosos. Gravidez Ver: hipertiroidismo e gravidez Quadro 3 – Efeitos adversos dos ATS Minor (±15%) Rash urticariforme Paladar alterado Febre Hipoglicemia por anticorpos anti-insulina Poliartrite Prurido Atralgias Trombocitopenia Sintomas gastrointestinais Aumento de adenopatias e das glândulas salivares Major Frequência ATS Vasculite ANCA (+) Rara PTU mais frequente Nefrite ANCA (+) Rara PTU mais frequente Hepatite 0,1 – 0,2% PTU único Colestase Rara MMI único Agranulocitose <0,25% PTU mais frequente Psicose Muito rara Ambos Anemia aplástica Muito rara Ambos Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt 2. Iodo Radioactivo O tratamento com iodo radioactivo, (I131), conseguindo destruir o tecido tiroideu, resolve definitivamente o problema do hipertiroidismo. Em cerca de 20% dos casos, há necessidade de mais do que um tratamento. Contraindicações: na gravidez e nos jovens; pode desencadear, ou agravar, a exoftalmia nos casos de doença de Graves. 3. Cirurgia A cirurgia é menos utilizada devido aos riscos de hipoparatiroidismo, lesão do nervo recorrente (que provoca disfonia) e hipotiroidismo definitivo. O doente deve estar em eutiroidismo antes da tiroidectomia, o que se consegue com metibasol. Quadro 4 – Vantagens e desvantagens das várias possibilidades terapêuticas Primeira Escolha Vantagens Desvantagens Doença de Graves Comodidade Recidivas frequentes Jovens Preço baixo Não adesão Grávidas Sem mortalidade Efeitos adversos Exoftalmos Baixa morbilidade Avaliação frequente ATS Sem hipotiroidismo definitivo Cirurgia Bócios volumosos Baixa % de recidivas Bócios compressivos Remoção de grandes bócios Como terapêutica definitiva Mortalidade Lesão recorrente (0,1–2%) Hipoparatiroidismo (0,9-2%) Hipotiroidismo Cicatriz Iodo Radioactivo Adenomas toxicos Bócios nodulares toxicos Baixa % recidivas Raros efeitos adversos Controlo do hipertiroidismo só após meses Idosos Comodidade Tiroidite da radiação Melhoria do bócio Hipotiroidismo (frequente) Agravamento exoftalmia Desencadeante de oftalmopatia Pouco efeito em grandes bócios Teratogenicidade (?) Alterações cognitivas (?) Mortallidade precoce (?) ATS – antitiroideus de síntese 4. β-bloqueantes Os β-bloqueantes (propranolol, atenolol ou bisoprolol) devem ser utilizados com o metibasol nos casos mais graves, logo após o diagnóstico, pois são importantes no controlo da sintomatologia adrenérgica (taquicardia, tremores, ansiedade, sudação, intolerância ao calor). O mais utilizado é o propranolol (20 mg/2 x dia). A. Galvão-Teles, J. Garcia e Costa, Zulmira Jorge, Teresa Dias. NEDO – Núcleo de Endocrinologia Diabetes e Obesidade – Lisboa Endocrinologia de Secretária – NEDO – www.nedo.pt
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